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DIÁLOGOS SOBRE GÊNERO NA EDUCAÇÃO INFANTIL

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DIÁLOGOS SOBRE GÊNERO NA EDUCAÇÃO INFANTIL

INTRODUÇÃO AO CURSO

Vivemos em uma sociedade machista, racista,


desigual social e economicamente em diversas esfe-
ras sociais. Existe uma hierarquia nas relações de
poder, baseada no que é reproduzido socialmente, o
homem branco, rico, cisgênero e heterossexual, o
qual ocupa o topo dessa pirâmide de acesso aos
bens e riquezas socialmente produzidas.
A construção de uma sociedade mais justa e
igualitária é um compromisso social e pensar no enfrentamento às desigualdades é também
combater as violências, sejam elas de gênero, raça, sexualidade e outras.
Desde a primeira infância existe uma separação entre meninos e meninas, seja nas
brincadeiras, nos comportamentos e até na forma de falar. Parece algo sem importância,
mas é justamente nessa fase que as crianças aprendem a reproduzir as desigualdades e
violências entre si.
Abordar temáticas de relações de gênero e sexualidade nas escolas muitas vezes
assusta, principalmente quando se trata da educação infantil, porém precisamos lembrar que
as crianças também ficam expostas às desigualdades e violências. Violência de gênero e
violência sexual infantil são uma das maiores preocupações quando se fala em espaços que
recebem, acolhem e educam crianças e adolescentes. Apesar dos direitos das crianças e
adolescentes serem garantidos no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), ao observar-
mos os dados da violência no Brasil, fica evidente que esses direitos estão sendo violados.
Em todo Brasil, 51% dos casos de violência sexual são praticados com crianças de até 5
anos. Em 2020, 60% das vítimas tinham menos de 13 anos, como é apontado no Panorama
da Violência Letal e Sexual contra crianças e adolescentes no Brasil, lançado pelo UNICEF e
pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). Este mesmo documento nos revela que
1 em cada 4 denúncias do Disque 100 são de violência contra crianças.

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Infelizmente abusar e explorar sexualmente de crianças é algo muito comum, as es-


tatísticas mostram que esse crime está também majoritariamente ligado às relações de
gênero. Das denúncias, as meninas são as maiores vítimas, violentadas majoritariamente por
homens adultos que fazem parte da sua família. De acordo com o disque 100, entre 2011 e
2017, em 92% das denúncias de violência sexual contra crianças e adolescentes as vítimas
eram do sexo feminino. Essa estatística é similar a divulgada pelo Ministério da Saúde: no
mesmo período, o órgão registrou 85% das denúncias de violência sexual contra meninas.
Diante do exposto, o curso pretende dialogar com as prerrogativas presentes na Matriz
de Saberes, bem como em diálogo com os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS),
na perspectiva da Educação Integral, da equidade e da Educação Inclusiva.

RELEMBRANDO – ODS

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OBJETIVOS DO CURSO

1. Demonstrar a importância de abordar as relações de gênero e sexualidade na Educação


Infantil.
2. Desenvolver junto aos profissionais da educação a compreensão de quais são os
aspectos que reforçam os padrões e papéis sociais de gênero.
3. Dialogar acerca da temática gênero na educação infantil, visando fortalecer a escola
como um espaço para o enfrentamento das violências sofridas pelas crianças.
4. Abordar o conceito de abuso e violência sexual para construir ações que promovam a
proteção e o respeito aos direitos dos bebês e das crianças.
5. Aprofundar os conhecimentos referentes aos conceitos relacionados à diversidade de
gênero e sua aplicação no currículo e no espaço escolar.
6. Refletir sobre a diversidade de gênero na sociedade, de modo a garantir o respeito às
diferenças, propiciando mudanças nas práticas pedagógicas das escolas, no
comportamento dos estudantes e da comunidade, possibilitando uma melhoria na
qualidade de vida.

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INTRODUÇÃO AO MÓDULO I

O módulo I aborda os conceitos de gênero, educação sexual e violência sexual in-


fantil, bem como traz os desafios de abordar gênero e sexualidade na educação infantil.
Propõe discussões sobre a importância do debate acerca das relações de gênero,
de uma maneira séria e responsável, tendo como fonte os dados da realidade cotidiana. Para
tanto, recorre aos índices de violência com base no gênero e na idade da vítima, os quais são
cada vez mais alarmantes.
Nesse sentido, o conteúdo pretende favorecer a promoção de uma educação
não-sexista, comprometida com a construção de uma sociedade mais humana e com justiça
social.

O QUE É GÊNERO?

Inicialmente as crianças são consideradas meninos ou meninas, de acordo com a


genitália, porém o conceito de gênero vai muito além disso, é a construção social que define,

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como as atitudes, expressões, identidades e papéis de cada pessoa em relação à sociedade.

A relação com a identidade de gênero no Brasil tem mudado muito ao longo dos
anos. O que antes era comum ser majoritariamente binário (masculino ou feminino), hoje
temos discussões, reflexões e identidades que vão muito além desses conceitos.

Existem diversas identidades de gênero, e as mais comuns são: homem e mulher


cisgênero, homem e mulher transgênero, pessoa não binária e pessoa agênero. Segundo a
Defensoria Pública (2017), quando a identidade de gênero da pessoa corresponde ao que foi
designado ao nascer, ela é considerada cisgênero e quando a pessoa não se identifica com o
gênero designado ao nascer, trata-se de uma pessoa transgênero ou, simplesmente, trans.

Dentro de como é criada a sociedade, existe a desigualdade de gênero, também


conhecido como machismo, onde o homem (cisgênero) é superior às mulheres ou qualquer
forma de existência humana que se oponha inteira ou parcialmente ao masculino.

Há muitas mudanças no contexto atual da sociedade, e falar sobre as relações de


gênero com as crianças é também mostrar sobre diversidade, respeito ao próximo, proteção e
atenção às violências de gênero.

ASSISTA AO VÍDEO

O que é identidade de gênero? - Canal Preto


https://www.youtube.com/watch?v=meFvvOQwRDw#:~:text=as%20pessoas%20que%
20se%20identificam,n%C3%A9%20homem%20e%20mulher

Gênero-fluido: entenda essa identidade de gênero - AzMina


https://youtu.be/NcBeUPIEZfk

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IMPACTO DAS RELAÇÕES DE GÊNERO NA INFÂNCIA

Socialmente temos o costume de criar meninas para brincadeiras de boneca, pentear,


cozinhar e meninos para brincar de pipa, corrida, carrinho. Meninas criadas para serem
frágeis e meninos para serem fortes.

Coisas aparentemente tão simples não parecem que resultam em uma desigualdade
de gênero tão discrepante e visível como a que enfrentamos hoje.

Uma preocupação educacional é criar as crianças para serem livres, sem preconceitos,
podendo brincar de tudo e serem o que quiser. Auxiliar na autonomia dos pequenos reflete
em um futuro de respeito, justiça e equidade.

O machismo ainda tem uma relação estrutural muito forte na sociedade e isso é mos-
trado no levantamento feito pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública no documento
Visível e Invisível: A Vitimização de Mulheres no Brasil 4ª ed. – 2023, o qual mostra que
apenas no último ano, 46,7% das mulheres brasileiras de 16 anos ou mais sofreram
alguma forma de assédio sexual. Projetando este percentual para o universo da popula-
ção, estamos falando de 30 milhões de mulheres que foram assediadas sexualmente no
ano de 2022.

Pensar em gênero e sexualidade na educação escolar infantil mostra também que a


escola pode ser um ambiente confiável, que promove liberdade e garantia de direitos e que
ensina como se defender das possíveis e diversas violências cometidas contra as crianças.

PARA SABER MAIS

A construção da expressão de gênero na infância: do gesto à


palavra
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1809-
89082020000200006&lng=pt&nrm=iso

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A sexualidade é um termo muito abrangente e não possui uma definição única, porém
abordar sexualidade com as crianças é introduzi-las no mundo da diversidade e da proteção
dos seus corpos.
A Educação sexual, no geral, tem o intuito de abordar questões relacionadas à
sexualidade, como: nome correto dos órgãos genitais, consciência sobre as partes íntimas,
prevenção, proteção e cuidados.

Segundo publicação da Childhood Brasil (2019, online)

A educação sexual é uma das formas mais eficazes de prevenir e enfren-


tar o abuso sexual contra crianças e adolescentes. Ensinar, desde cedo e
com abordagens apropriadas para cada faixa etária, conceitos de autopro-
teção, consentimento, integridade corporal, sentimentos e a diferença en-
tre toques agradáveis / bem-vindos e toques que são invasivos / descon-
fortáveis é fundamental para aumentar as chances de proteger crianças e
adolescentes de possíveis violações.

De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), a educação sexual tem rela-
ção direta com acesso à saúde, educação, informação e não discriminação, buscando ensinar
sobre comportamentos e toques inadequados, privacidade e limites. Dentro deste contexto, a
ONU considera positivo a implementação de projetos de educação sexual no currículo esco-
lar.

Educar sexualmente significa oferecer aos diferentes indivíduos condições para


conhecerem e assumirem sua sexualidade e seu corpo de maneira positiva, livres de precon-
ceitos, culpas, vergonha e medo. Atualmente são vistos casos frequentes de dominação da
heteronormatividade, esse tipo de conduta pode causar sérios danos emocionais a vida dos/
as alunos/as não heterossexuais. A dificuldade de abordar questões de gênero e sexualidade
se deve às barreiras morais, religiosas e ideológicas que envolvem professores e familiares
de alunos, mas isso também reflete as políticas públicas de educação. (FERNANDES, 2021)

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PARA SABER MAIS

https://leiturinha.com.br/blog/falar-de-sexualidade-com-criancas/

A seguir, veja um resumo visual sobre o que é a Educação Sexual Infantil, um excelen-
te material para disponibilizar na reunião de familiares e responsáveis, deixar exposto na sala
e outros lugares. Isso ajuda a desmistificar a educação sexual demonstrando sua importância
na vida das crianças e adolescentes.

Fig 1. – O que é educação sexual infantil Fonte: Elaboração interna

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A imagem abaixo traz a capa da cartilha educativa: Campanha de Prevenção contra


Crianças e Adolescentes, que é um excelente material para levar às reuniões e deixar
exposto para acesso livre.

Fig 2. – Cartilha educativa de prevenção à violência sexual contra Crianças e Adolescentes


Fonte: Gov.br

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O QUE É CRIANÇA E INFÂNCIA?

Vamos refletir sobre a criança e a infância? A concepção que temos da criança hoje foi
construída ao longo do tempo. Carvalho (2010) afirma que o modo de tratar a criança ao
longo do tempo se modificou e continua em processo de transformação. Historicamente, o
espaço que a criança ocupa foi valorizado, se considerarmos o período da antiguidade até
idade média, que a criança era quase “inexistente”.
Para Belloni (2009), a concepção do termo infância está relacionada à etimologia do
termo infante (que significa que não sabe falar, que não tem voz); e criança (que está sendo
criada, com voz).
A concepção de infância expressava a ideia de que as crianças eram consideradas
como adultos imperfeitos. Por isso, eram negligenciadas e havia pouco ou nenhum interesse
no desenvolvimento delas. Posteriormente, as crianças passaram a ser consideradas diferen-
tes dos adultos e merecer atenção especial. (BELLONI, 2009)
Ela passou de ser um objeto a ser sujeito, protagonista. Na sociedade atual, a criança
ocupa um espaço bastante expressivo, com direitos garantidos. As crianças hoje possuem um
mercado próprio para consumo, leis e espaços específicos dedicados a elas.

Motta (2010), traz o seguinte conceito de criança:

“Pessoa de pouca idade, que produz cultura, é nela produzida, brinca,


aprende, sente, cria, cresce e se modifica, ao longo do processo histórico
que constitui a vida humana. As crianças são constituídas a partir de sua
classe social, etnia, gênero e por diferenças físicas, psicológicas e cultu-
rais. Diversas concepções teóricas sobre a criança são encontradas na
Filosofia, na Psicologia e na Sociologia. No âmbito da Filosofia, a teoria
crítica da cultura e da modernidade considera que a criança cria cultura,
brinca, dá sentido ao mundo, produz história, recria a ordem das coisas,
estabelece uma relação crítica com a tradição.” (KRAMER; MOTTA,
2010.) - Sônia Kramer, Flávia Motta

Segundo o Estatuto da Criança e Adolescente (ECA), criança é considerada como a


pessoa de 0 a 12 anos que deve ter acesso à saúde, lazer, educação e qualidade de vida,
sendo de responsabilidade coletiva a sua proteção e garantia de seus direitos.

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“Art. 4º É dever da família, da comunidade, da


sociedade em geral e do poder público asse-
gurar, com absoluta prioridade, a efetivação
dos direitos referentes à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao esporte, ao
lazer, à profissionalização, à cultura, à
dignidade, ao respeito, à liberdade e à
convivência familiar e comunitária. ” (BRASIL,
1991).

As Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Infantil (DCNEI, Resolução CNE/


CEB nº 5/2009)27, em seu Artigo 4º, definem a criança como:

“Sujeito histórico e de direitos, que, nas interações, relações e práticas


cotidianas que vivencia, constrói sua identidade pessoal e coletiva,
brinca, imagina, fantasia, deseja, aprende, observa, experimenta, narra,
questiona e constrói sentidos sobre a natureza e a sociedade, produzindo
cultura” (BRASIL, 2010).

• Além de compreender sobre os conceitos de criança e infância, é preciso conhecer seus


direitos. De acordo com o ECA os principais direitos das crianças são:
• Ter acesso à educação e cultura;
• Não ter a obrigação de trabalhar;
• Poder brincar com outras crianças da mesma idade;
• Ter a proteção e abrigo da família, seja biológica ou adotiva;
• Ter uma boa alimentação, com todos os nutrientes que precisam;
• Receber assistência médica gratuita nos hospitais públicos;
• Ter liberdade de expressão, e de ir e vir, e conviver em sociedade;
• Não sofrer agressões físicas ou psicológicas;
• Não sofrer discriminação por raça, cor, sexo, língua, religião, país de origem, classe
social;
• Ter direito a ser cidadão: um nome e a uma nacionalidade, desde o dia em que nasce.
(BRASIL, 1991)

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As crianças precisam receber cuidados e atenção de um adulto, pois estão em desen-


volvimento físico e mental. Por isso, a família e a escola têm papel crucial garantindo que
esse desenvolvimento seja saudável, provendo esse cuidado.

PARA SABER MAIS

https://educacaointegral.org.br/glossario/infancia/

Experimente acessar o jogo interativo para ver se você já começou a entender


sobre o direito das crianças:

https://wordwall.net/pt/resource/4715834/direitos-das-crian%C3%A7as

VIOLÊNCIA SEXUAL INFANTIL E AS DIFICULDADES EM ABORDAR O TEMA

Conceituando a violência sexual infantil

Diversas são as violências cometidas contra crianças e adolescentes, tais como: física,
psicológica, institucional, sexual e outras
A violência sexual é considerada a partir do momento que os direitos sexuais são infrin-
gidos e a criança e/ou adolescente tem seu corpo abusado ou explorado.
O abuso sexual não está ligado necessariamente com toque físico, pois qualquer ato
invasivo praticado contra crianças e adolescentes pode ser considerado como tal.

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ABUSO SEXUAL INFANTIL

Sem contato físico: conversas sobre atividades sexuais, assédio (propostas de rela-
ções sexuais por chantagem ou ameaça), exibicionismo, voyeurismo (observar fixamente
atos ou órgãos sexuais de outras pessoas, com o objetivo de obter satisfação sexual),
exibição de material pornográfico à criança ou adolescente.
Com contato físico: tentativas de relações sexuais, toques, beijos e carícias nos
órgãos genitais e demais regiões erógenas do corpo, masturbação, penetração vaginal e
anal, sexo oral.

https://dossies.agenciapatriciagalvao.org.br/violencia-sexual/tipos-de-violencia/abuso-
sexual-infantil/

A exploração sexual tem o intuito de lucrar e monetizar o abuso sexual infantil e, assim,
utiliza crianças e adolescentes como mercadoria, por meio de tráfico, turismo com motivação
sexual, pornografia, prostituição e escravização.

A Lei n.13.431/2017, que altera o ECA, é referência na proteção de crianças e adoles-


centes vítimas de violência, pois ressalta a escuta especializada e acolhimento desse público.

O Código Penal (CP) e o ECA trazem a tipificação dos crimes cometidos por violência
sexual infantil, podendo chegar a 30 anos de prisão.

PARA SABER MAIS

A lei garante a proteção contra o abuso e a exploração sexual

https://turminha.mpf.mp.br/explore/direitos-das-criancas/18-de-maio

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Desafios de abordar sobre gênero e sexualidade na infância

Existe um receio de que, ao tratar questões sobre gênero e sexualidade, o desejo


precoce seja estimulado nas crianças e adolescentes, incitando-os à iniciação sexual, mas na
verdade tratar esse tema é pensar em proteção e autonomia desses indivíduos.

Abordar essa temática assusta a princípio, especialmente quando se trata da educa-


ção infantil, porém precisamos lembrar que as crianças também ficam expostas às desigual-
dades e as violências.

Violência de gênero e violência sexual infantil são uma das maiores preocupações
quando consideramos os espaços que recebem, acolhem e educam crianças e adolescentes.

Para falar sobre proteção do público infanto-juvenil precisamos pautar também as


relações de gênero, como são criados para reproduzir as violências, como podem identificar e
qual assunto abordar com cada idade.

Essas violências são cometidas e vistas de forma naturalizadas, pois ainda estão muito
enraizadas na sociedade, como por exemplo, a sexualização do corpo da criança.

ASSISTA AO VÍDEO

4 casos de sexualização infantil na mídia

https://youtube.com/shorts/jK9RoSDiOXI?feature=share

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Desafios de abordar gênero e sexualidade na família

Existem diversas configurações, culturas e contextualizações de famílias no Brasil, e


isso impacta diretamente na formação, na socialização e na criação da individualidade de
uma criança.

Quando falamos da inserção nas relações de gênero e sexualidade, cada criança


carrega sua bagagem de entendimento e familiarização. Dependendo do contexto, esses
assuntos são proibidos ou as famílias podem não saber como abordá-los com as crianças e
adolescentes.

Toda criança passa pela fase da descoberta e da curiosidade, pois isso faz parte do
seu desenvolvimento humano, mas quando as crianças começam a perguntar de onde vem
os bebês, motivo de meninas serem diferente de meninos e coisas do tipo, é algo que deixa
os familiares temerosos.

A construção da sociedade brasileira baseou-se no resultado do colonialismo, na


sobreposição da Igreja Católica como difusora de valores e princípios morais. Assim, a educa-
ção sexual é vista com culpa, preconceitos, receios e insegurança.

A influência dessas religiões está visível na sociedade atual, como por


exemplo, nos Estados Unidos e Brasil, em que grande parte da população
desses países segue religiões cristãs, que influenciam fortemente em
discussões de ordem política como aborto, divórcio, casamento entre
pessoas do mesmo sexo e assuntos que contrariam os dogmas de sua
crença. (FRESSATTI, s/d) - Fernando Augusto Fressatti

Além disso, o senso comum prega que a criança pode perder sua inocência, ou que
esse período da vida seja cedo demais para abordar assuntos de gênero e sexualidade.

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PARA SABER MAIS

Educação sexual no contexto familiar e escolar: impasses e desafios


https://www.redalyc.org/pdf/4815/481548607021.pdf

Dados estatísticos

O Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2022 mostra que 76,5% dos casos de
estupros acontecem dentro da casa da própria vítima ou do suspeito. Em 95,4% dos registros,
o suspeito é homem cisgênero e conhecido da vítima (82,5%), em 40,8% pais ou padrastos;
37,2% irmãos, primos ou outro parente e 8,7% avós da criança ou adolescente.

Esse Anuário traz também que houve um aumento no número de registros de 2020
para 2021 e mostra que 61,3% das vítimas são meninas menores de 13 anos (um total de
35.735 vítimas).

“Em relação ao sexo da vítima, 85,5% são meninas, mas meninos também
são vítimas. Interessante aqui observar que o número de registros aumen-
ta conforme a menina vai crescendo, já no caso dos meninos, o número
de registros aumenta até os 6 anos (com pico entre 4 e 6) e depois come-
ça um processo de queda. Penso aqui em duas hipóteses: a primeira é de
que, em um país machista como o nosso, os meninos vão sendo mais
respeitados conforme crescem e deixam de ser objeto desta violência; a
segunda é de que, justamente por sermos um país machista, os meninos,
por constrangimento, denunciam ainda menos que as meninas as violên-
cias sexuais que sofrem. ” (BRASIL, 2022)

Em relação à exploração sexual, existe a questão de subnotificação dos estados e a


quantidade de registro de casos em 2021 (733) demonstram um descaso social com esse

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crime, pois esse número é bem menor do que realmente vemos.

A pornografia infanto-juvenil também é uma preocupação cada vez maior, pois com
acesso às tecnologias, as crianças e adolescentes ficam cada vez mais expostos.

Desafios na escola

As escolas recebem muitas demandas que são resultados das relações sociais, tanto
as crianças quanto os profissionais produzem e reproduzem comportamentos que traduzem
as relações de gênero e sexualidade na sociedade.

Segundo Ferreira (2006, p.70),

A escola produz e reproduz conteúdos e identidades culturais. Reproduz


porque, como faz parte da sociedade, participa das representações que,
nessa, circulam. A escola também é reprodutora de cultura, por ser
um microcosmo com capacidade de elaboração de práticas particulares,
conforme as circunstâncias e os indivíduos que nela convivem. Em
termos de reprodução de diferenças de gênero, devemos reconhecer que
a própria organização do trabalho pedagógico em sala de aula,
já vem muitas vezes marcada pela necessidade de estabelecer relações. -
Claudia Renate Ferreira

O Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH), além de outras diretrizes nacio-


nais (Resoluções CNE/CEB nº 04/2010, nº 02/2012, Plano Nacional de Educação – Lei nº
13.005/14) aborda sobre a necessidade do poder público trazer nas diretrizes curriculares
para todos os níveis e modalidades de ensino da educação básica para a inclusão da
temática de educação e cultura em Direitos Humanos, proporcionando o reconhecimento e o
respeito às diversidades de gênero, orientação sexual e identidade de gênero com educação
igualitária, não discriminatória e democrática.

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DIÁLOGOS SOBRE GÊNERO NA EDUCAÇÃO INFANTIL

Primeiramente, é importante que o professor esteja aberto para promover


as discussões sobre as diversidades de gênero e sexualidade. Ter conhe-
cimento sobre como essas diferenças se constituem biológica, social, his-
tórica e culturalmente é condição essencial para que os diálogos e provo-
cações ganhem corpo e atinja, a sua efetividade[...] Do mesmo modo, é
desejável que as práticas cotidianas de leitura, escrita e formação de sen-
so crítico contemplem temas relativos ao gênero e a sexualidade[..] Isso
não somente minora o preconceito e a intolerância como valoriza a cida-
dania, estimula a presença e a participação de alunos LGBT e diminuem
as possibilidades de discriminação e violência na escola e na sociedade.
(RIBEIRO; THIENGO, 2019.) - Guilherme Augusto Maciel Ribeiro, Edi-
mar Reis Thiengo

PARA SABER MAIS

Discutindo Gênero e Sexualidade na Escola: Um guia didático-


pedagógico para professores:
https://educapes.capes.gov.br/bitstream/capes/561404/2/MPECM_Produtio%
20Educacional_E-book_Guilherme%20Augusto%20Maciel%20Ribeiro_Turma%202015-
DS_%20V%20final_21.10.2019.pdf

Homofobia na escola: o olhar de um educador social do movimento LGBT,


Luiz Ramires
https://fpabramo.org.br/publicacoes/wp-content/uploads/sites/5/2017/05/Diversidade-Sexual
-Web.pdf

Percebemos então uma grande necessidade de abordar e discutir os conceitos de


gênero e sexualidade na educação infantil e com as famílias, pois é importante educarmos
crianças para serem livres, sem a estigma da separação de gênero, preparando-as para que
se defendam de violências, principalmente a sexual.

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DIÁLOGOS SOBRE GÊNERO NA EDUCAÇÃO INFANTIL

Concluindo, está à nossa frente um grande desafio: como levar o conceito de relações
de gênero e educação sexual para as escolas, considerando as reflexões nas famílias, no
contexto social e na maneira como cada criança é educada?

REFERÊNCIAS

BELLONI, M. L. O que é sociologia da infân-cia. Campinas: Autores Associados, 2009.

BRASIL. Lei 8.069/90. Estatuto da Criança e do Adolescente. São Paulo, Atlas, 1991.

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Diretrizes curriculares nacionais pa-
ra a Educação Infantil. Brasília: MEC/SEB, 2010.

BRASIL. Anuário Brasileiro de Segurança Pública. Violência sexual infantil, os dados estão
aqui, para quem quiser ver. Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2022.

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CARVALHO, Manoel C. A família contemporânea em debate. São Paulo: Cortez, 2010.

CHILDHOOB BRASIL. Educação sexual para a prevenção do abuso sexual de crianças e adolescen-
tes. São Paulo. Publicado em 26/08/19 16:05. Disponível em: https://www.childhood.org.br/educacao-
sexual-para-a-prevencao-do-abuso-sexual-de-criancas-e-adolescentes?
gclid=Cj0KCQjwlumhBhClARIsABO6p-xAI7aYpixRZOUTU5RUSfj_t_lOUeL4M7-
D52gDSKXk5R6RrdWMidcaAsOuEALw_wcB

FERNANDES, Joyce Coelho et al.. Educação sexual: uma abordagem sobre violência sexual infantil.
VII CONEDU - Conedu em Casa... Campina Grande: Realize Editora, 2021.

FERREIRA, Márcia Ondina Vieira. Docentes, representações sobre relação de gênero e consequên-
cias sobre o cotidiano escolar. In: SOARES, Guiomar Freitas; SILVA, Meri Rosane Santos da; RIBEI-
RO, Paula Regina Costa (Orgs). Corpo, gênero e sexualidade. Problematizando práticas educativas e
culturais. Rio Grande/RS: Editora da FURG, 2006, pp. 69-82.

FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA. Anuário Brasileiro de Segurança Pública. Violên-


cia sexual infantil, os dados estão aqui, para quem quiser ver, 2022. Disponível em: https://
forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2022/07/14-anuario-2022-violencia-sexual-infantil-os-
dados-estao-aqui-para-quem-quiser-ver.pdf

FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA. Visível e Invisível: a vitimização de mulheres no


Brasil. 4ª edição, 2023.Disponível em: https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2023/03/
visiveleinvisivel-2023-infografico.pdf

FRESSATTI, Fernando. Reflexão filosófica sobre a influência da religião na vida social e política ao
longo da história. Disponível em: https://monografias.brasilescola.uol.com.br/filosofia/reflexao-filosofica
-sobre-a-influencia-da-religiao-na-vida-social-e-politica-ao-longo-da-historia.htm

KRAMER, S.; MOTTA, F.M.N. Criança. In: OLIVEIRA, D.A.; DUARTE, A.M.C.; VIEIRA, L.M.F. DICIO-
NÁRIO: trabalho, profissão e condição docente. Belo Horizonte: UFMG/Faculdade de Educação, 2010.
CDROM

RIBEIRO, Guilherme A. Maciel, THIENGO, Edmar Reis. Discutindo gênero e sexualidade na escola:
um guia didático-pedagógico para professores. Instituto Federal do Espírito Santo, Vitória, 2019.

CRÉDITO DAS IMAGENS

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