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Marcelo de Trói
gênero que exigem, não sem violência, que uma única forma de
existência seja legitimada e possuidora de direitos. Mas não basta
perpetuar a hegemonia, o que se coloca, na atualidade, é o
impedimento de que outras pessoas tenham acesso aos direitos
previstos constitucionalmente: o respeito à pessoa e aos direitos
humanos, sem distinção.
Questionando o senso comum no campo político conservador
de que os assuntos emergentes relacionados aos gêneros e as
sexualidades se tratam de “ideologia de gênero”. Ao contrário, tais
temáticas se inserem no contexto dos direitos humanos e indicam
uma mudança social em curso, sendo consequências da luta pela
visibilidade de populações historicamente marginalizadas e
minorizadas. Veremos que os/as acusadores/as são os/as
verdadeiros/as ideólogos/as de gênero, ou seja, transformam as
“ideias da classe dominante em ideias dominantes para a sociedade
como um todo” (idem, p.36). A classe a qual me refiro é a dos grupos
que atingiram hegemonia social intrinsecamente ligados a uma
maneira compulsória, colonial e histórica de lidar com tudo que se
relaciona ao gênero e à sexualidade 1. Não à toa, tais ideólogos/as se
escondem em ideias como o Escolas Sem Partido que defende uma
“isenção” falaciosa a respeito do conhecimento. A ideologia do
Escola Sem Partido, como veremos, visa o silenciamento dos/as
professores/as e do conhecimento, para garantir uma visão que não
encontra base nos fatos, nem nas Ciências.
Outra manipulação fundamental para esses grupos é a noção
de direitos humanos. Eles já se expressam sem pudor e afirmam o
lema higienista: “direitos humanos para humanos direitos”. A
sugestão do bordão punitivista é que, na sociedade, por natureza, há
bons e maus, os que são “direitos” e os merecem e os que não são. E
é evidente que, nessa lógica canhestra, quem vai definir quem está
do lado bom ou mau também são “eles”. Tais argumentos
1 Paul Preciado afirma que papéis e práticas sexuais, atribuídos “naturalmente” ao sexo masculino e
feminino, são um “conjunto arbitrário de regulações” que permite a exploração de um sexo sobre o
outro (PRECIADO, 2014, p.26).
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2 Cisgênero diz respeito à pessoa que está confortável com o gênero atribuído no nascimento. Para
compreender a relação entre colonialismo, cisgeneridade e normatividade, consulte Vergueiro (2015).
3 Dados de 2008-2015 do Transgender Europe – TGEU 2017 revelam o calamitoso número de 2.190
travestis e pessoas trans assassinadas em todo o mundo, sendo o Brasil responsável por 868 mortes.
Dados disponíveis em: <http://transrespect.org/es/>. Acesso em: 14 ago. 2018.
4 O chamado Complexo de Édipo é uma das bases da psicanálise criada por Sigmund Freud e teve
como inspiração o mito de Sófocles (sec. V a.C.). Para Freud, se trata de um conceito universal para
compreender o desenvolvimento humano e a formação do inconsciente a partir da perspectiva da
“falta”. Deleuze e Guattari (2010) criticaram a universalidade do conceito e, numa longa argumentação,
demonstraram que ele é uma ficção, sendo o inconsciente uma produção incessante de fluxos e desejos.
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5 Deleuze e Guattari (2010) consideram a ideologia um conceito ruim que ocultaria os verdadeiros
problemas que estariam na infraestrutura. O desejo, para eles está, no campo da produção social e do
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inconsciente, não tendo a ver com ideologia, mas com o colocar em risco o inconsciente de um grupo
ou de um período.
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6 Presidente eleito do Brasil para governar de 2019-2022 pelo PSL – Partido Social Liberal em 28 out.
2018.
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7 Enquanto a orientação sexual diz respeito às práticas sexuais (hetero, homo, bi e pansexual, por
exemplo), a identidade de gênero diz respeito ao modo como as pessoas se sentem e se identificam
(mulher cis, homem cis, mulher trans, homem trans, travesti, não binário, gênero fluido, dentre
outros).
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8 Género, bajo ataque (2018) é o nome de um documentário dirigido por Jerónimo Centurión que
mostra os resultados de um “plano” que vem sendo executado de maneira estratégica. Filmado na
América Latina, em países como Peru, Costa Rica e Brasil, o documentário mostra como ativistas e
organizações contrários ao reconhecimento dos direitos sexuais e reprodutivos atuam para limitar
qualquer avanço nesse campo. Disponível em: <www.generodocumental.com>. Acesso em: 08 nov.
2018.
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9 De acordo com dados da lei de transparência divulgados na imprensa, a Fundação Dr. Jesus, espaço
para tratamento de dependentes químicos, mantida pelo político, recebeu mais de R$ 12 milhões do
governo do Estado em 2013 e 2014. Um dos métodos de tratamento é a violência física e psicológica,
conforme em matéria do Grupo Metrópole, disponível em: <https://goo.gl/svJbGa>. Acesso em: 19
nov. 2018.
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10 Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transgêneros, Travestis, Queer, Intersexuais, Assexuais e outras formas
subjetivas de sexualidade e identidades de gênero.
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Referências
CARA, Daniel. O programa “Escola Sem Partido” quer uma escola sem educação.
In: A ideologia do movimento Escola Sem Partido: 20 autores
desmontam o discurso. São Paulo: Ação Educativa, 2016. p.44-47.
LEACH, Anna. It's all about democracy: inside gender neutral schools in Sweden. The
Guardian, on line, 02 fev. 2016. Disponível em: <https://www.theguardian.
com/teacher-network/2016/feb/02/swedish-schools-gender-alien-concept>.
Acesso em: 23 out. 2018.
VIÉGAS, Lygia de Sousa. GOLDSTEIN, Thaís Seltzer. Escola sem partido, sem juízo e
sem bom senso: judicializando e medicalizando a educação. Fênix – Revista
de História e Estudos Culturais, Uberlândia, Universidade Federal de
Uberlândia, jan. jun. 2017, v.14, ano XIV, no1, p.1-2-. Disponível em: