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BOURCIER, Sam. HOMO INC.ORPORATED – O triangulo e o unicórnio que peida.

Tradução
de Marcia Bechara. 1ª ed. N-1 Edições, 2020.

“O mercado como local de veracidade e subjetivação”

- “Foucault quer entender como, no século XVII, o liberalismo – o nosso divertido regime
democrático –, enquanto marco de racionalidade política e prática do governo, produzirá
novos problemas biopolíticos sobre a população, como saúde, raça, taxa de natalidade e
higiene. [...] o mercado também pode se tornar um lugar de veracidade, de produção da
verdade para o sujeito sexual e os gêneros.” p. 19-20;

- “Na era neoliberal, as tecnologias biopolíticas que afetam o trabalho e a saúde são mais
modulares do que os disciplinares (Deleuze). Sociedades disciplinares produzem os
“enfermats”, lugares fechados, instituições difíceis em suma, como a família, a escola, a
fábrica, a prisão. Antes, nós passávamos de uma à outra tranquilamente durante a vida. Nas
sociedades disciplinares, os corpos são reclusos. Nas empresas de controle, nós não trancamos
mais sujeitos ou corpos. Pelo contrário. Eles se tornam os suportes e os reguladores. Eles são
continuamente atravessados, sujeitos à modulação, investidos 24h por dia. Pessoas
soropositivas não ficam mais no hospital, mas têm que gerenciar seu capital de saúde e os riscos
envolvidos de acordo com os critérios do seguro de saúde e dos bancos.” p. 26;

- “A organização neoliberal do trabalho depende muito dessa modularização da vida


(Lazaratto). O neoliberalismo agarrou o elemento social que o liberalismo havia deixado
anteriormente para o estado. Que ele havia desdenhado como uma “coisa de esquerda”. O
neoliberalismo se importa com direitos sociais e culturais: ele os apropriou com maldade
“regulando” o desemprego (agora é preciso trabalhar quando estamos desempregados)
[...]” p. 26;

- “As empresas públicas e privadas, que multiplicam as medidas de combate à discriminação,


têm o mesmo objetivo: a maximização da empregabilidade, da produtividade, do
“homossexual”, da “pessoa com deficiência”, que eles insistem, além disso, em se referir a eles
por meio de denominações que não são as escolhidas pelas minorias interessadas, mesmo após
um bom século de lutas.” p. 27;

“Capital humano e o negócio da discriminação”

- “No nível nacional e supranacional, as políticas de direitos LGBTQI estão “sofrendo” o


mesmo destino que as políticas feministas quando se tornaram institucionalizadas, integradas e
exploradas por empresas e instituições supranacionais como as Nações Unidas, o FMI e o
Banco Central nos anos 1980. [...] O discurso dos direitos se apresenta antes de tudo como um
discurso moral, como o velho socius (tolerância, respeito, etc). Mas os direitos são usados como
ferramentas políticas para os países pobres ou emergentes (Grewal).” p. 37;

- “A família é o lugar da reprodução da vida e da reprodução social. No atual contexto


neoliberal, as políticas LGs liberais “naturalizam” o desmantelamento da ajuda social e o modo
como as políticas neoliberais reenviam o fardo da reprodução social às famílias. Ao fazê-lo, não
levam em conta as formas queer e trans de sociabilidade e de reprodução social que emergem
desse quadro, que são coletivas e representam um trabalho de afeto que é sistematicamente
apagado pelo capitalismo e pelo neoliberalismo (Raha).” p. 41;

“O que há de errado com os direitos, se não percebemos suas gambiarras”

- “Chegamos a um estágio em que é urgente criticar a política de direitos e a da igualdade de


direitos, porque ela se tornou compatível com e cúmplice do neoliberalismo que, diferente do
liberalismo, é um verdadeiro governo da sociedade que se comprometeu a privatizar o social e a
reprivatizar o sexual em todas as suas dimensões. ” p. 45;

- tratando do contexto norte-americano e francês, especificamente: “Pedidos de inclusão e de


incorporação à nação ou de integração republicana de gays institucionais e lésbicas que não têm
legitimidade representativa os colocam em posição de pedir para serem reconhecidos pelas
instituições que produzem as desigualdades e as discriminações que elas pretendem combater.
Igualdade formal a serviço de uma elite bastante branca e majoritariamente masculina [...]. Na
repetição dessa história suja, os direitos desempenham um papel ambíguo. [...]. O recurso à lei
também pressupõe um poder econômico. [...]” p. 47;

- “É necessário se separar de identidades raquíticas, de reconhecimentos chinfrins ou


comprometedores, das falsas medalhas de chocolate e das migalhas oferecidas pela lei. O
Direito restringe a produtividade biopolítica. Ele é o inimigo da resistência biopolítica contra o
biopoder. Acreditar no Direito é ruim para saúde mental e subjetiva.” p. 52;

- “Agir no nível da gestão da população é ver as coisas de outra maneira, mobilizando-se contra
a violência de estado, policial e econômica. As políticas queer e transfeministas se opõem ao
objetivo real das políticas assimilacionistas LGs, lideradas pela fração rica e branca da chamada
comunidade LGBT, que deseja passar para o lado das “populações” seguras e protegidas pela
lei. Em consonância com o liberalismo, a gestão da população consiste em uma distribuição de
segurança (Foucault).” p. 64;
- “[...] Firestone resolve parcialmente o problema colocado pela luta contra as tecnologias da
governamentabilidade e da população. Pois, se é verdade que a população não é um sujeito
político, que ela não é mobilizável pela resistência e que deveríamos reservar a desobediência
ao sujeito jurídico que diz não ao soberano ou ao governo como na Grécia – o que não significa
que ela possa dizer não à governamentabilidade (Foucault) – para dizer não, é necessário se
constituir em multiplicidade reativa, e é isso que permitem os coletivos feministas e o
“Movimento” [...]. O projeto político de Firestone sustenta os pontos do triângulo biopolítico,
ao mesmo tempo em que se distancia ao máximo da política dos direitos e, portanto, do sujeito
jurídico-legal desencarnado, reformista e não revolucionário. Em sua crítica às inadequações da
política reformista de direitos e igualdade, uma feminista radical revolucionária como Firestone
se juntou à crítica e às práticas de grupos queer e transfeministas contemporâneos” p. 83;

- “Ao mesmo tempo, elas são excluídas das políticas que as visam e da produção de
conhecimento a elas relacionadas: os estudos de gêneros, por exemplo, mas não apenas isso,
como vimos nos estudos de raça ou étnicos. A particularidade da facticidade e toxicidade da
produção dessas políticas está ligada à regulamentação modernista da produção de
conhecimento na universidade francesa, que entra em conflito direto com a gestão da
diversidade e o tratamento das minorias impostas pela globalização da economia do
conhecimento. Embora esteja em processo de privatização e aculturação neoliberal e, ao
contrário do que aconteceu no mundo anglo-saxão, mas também em outros lugares (Brasil,
México, etc.) [...]” p. 106;

- “Racialização, sexualização e geração de gêneros são os três úberes da biopolitização da vida .”


p. 109;

- “Com tudo o que é restritivo e problemático, a metáfora do armário tem tudo a ver com a
maneira com a qual distinção público/privado se desloca e é investida. Com a reprivatização das
formas de vida LGBTQI+OC, passamos do out ao in. O retorno ao armário, é o retorno à casa, à
domesticidade, à reprivatização que implica o casamento e a família finalmente tradicional [...].
É uma cumplicidade com a destruição do bem-estar e a privatização da reprodução social
empreendida pelo neoliberalismo.” p. 111;

“Queer zoning e queer praxis: políticas da performance & neoliberalismo”:

- “Mas as práxis e subjetividades de atuação queer e transfeminista existem, e não é por acaso
que o corpo e a performance desempenham um papel central nelas. Que o corpo seja um dos
principais suportes de resistência. A subjetivação capitalista e neoliberal apresenta falhas. Muito
foi escrito sobre o novo episódio do capitalismo, mas muito pouco sobre o novo corpo que ele
produz. [...]. Não é certo que se possa comparar a resistência corporal contra a subjetivação
capitalista e a expropriação do corpo que ela implica por um período tão longo, mas foi contra o
corpo burguês, o corpo puritano e o corpo cartesiano que se levantaram os camponeses e bruxas
do século XVII, que combateram a chegada do trabalho assalariado e as novas restrições
espaciais e temporais que vieram com ele. Contra a subjetividade neoliberal, há os corpos queer
e corpos trans [...]. Eles têm em comum reivindicar espaços e “corpos que importam” em toda a
sua multiplicidade. Também corpos de prazer, dedicados a formas de sexo não reprodutivo, os
corpos políticos em público. Podemos chama-los de multitudes queer, se quisermos. Eles
combateram a subjetivação neoliberal, cujo objetivo é colocar os corpos para trabalhar nas
piores condições. Essas políticas queer e transfeministas se apoiam no poder do corpo e do
corpo produzido coletivamente. Eles combatem formas de expropriação corporais e espaciais.”
p. 116;

- sobre o contexto de políticas de gentrificação e zoneamento de queers, especialmente em Nova


York: “[...]. Criar uma zona queer no espaço público urbano é uma maneira de tornar visíveis e
combater as políticas neoliberais da cidade, como a segregação urbana, o zoneamento e a
gentrificação. Muitas coisas interessantes foram escritas sobre como a homonormatividade é
cúmplice na especulação e expropriação mobiliária no sentido primário do termo. Sarah
Schulman lembrou o papel desempenhado pela crise da AIDS na gentrificação de Nova York.
[...]. Manalansan mostrou como as políticas espaciais neoliberais que conduziram a
gentrificação de Nova York resultaram no despejo de queers of color e de queers pobres [...]. O
casamento de gays e lésbicas cisgênero.a.s (não trans) e o acesso à propriedade para lésbicas e
gays rico.a.s branco.a.s desempenharam um papel mais do que significativo no processo de
gentrificação e de reprivatização da sexualidade e das formas de intimidade em Paris, Rio,
Berlim [...]. Quando a presença queer e transfeminista diminui no espaço público, as áreas
privatizadas de gays e lésbicas explodem.” p. 122;

- “quando a presença queer e transfeminista diminui no espaço público, as áreas privatizadas de


gays e lésbicas explodem.” p. 122;

- sobre exemplos de performances e exposições queers e antineoliberais em países da américa e


em cidades como madri: “a performance é uma reapropriação do espaço hétero pelos queers e
uma queerização do espaço hétero. É também uma denúncia da ocupação da cidade pelo
neoliberalismo, da gentrificação em andamento [...]” p. 124;

- “essa performance diz, entre outras coisas, que a subjetivação e os corpos queer produzem
uma cultura do poder diferente, e mostra isso.” p. 125;

- sobre a produção de discursos que neguem e subvertem as lógicas dialéticas mestre/escravo


subjugador/subjugado: “a rejeição mestre/escravo e de seus dualismos adjacentes acompanham
a desconstrução da retórica racista, colonial, imperialista e antropológica do “igual e do outro”
[...]” p. 126;

- “subobs produzem subjetividades alternativas. Reflexiv*s, iels sabem objetivar situações


econômicas e sexuais, mostrar os mecanismos naturalizantes ou despolitizantes. Iels sabem
como reconhecer, recusar e combater a reificação, o fetichismo da mercadoria, o funcionamento
da acumulação capitalista e a administração neoliberal da subjetividade. Eles sabem que tudo
isso é alimentado, entre outras coisas, pela dupla expropriação, no espaço urbano ou
universitário, ou simplesmente no espaço público.” p. 127;

- ainda sobre tais performances e exposições pós-pornô: “[...] uma contestação do dualismo
mente-corpo, uma crítica às políticas de gentrificação neoliberal e uma forma de resistência ao
trabalho neoliberal [...]. o spacing (o ato de criar espaço) existe em todas as performances. esta é
a marca de fábrica da performance: criar um espaço/tempo que circunscreva o tempo da
performance, gerando interação com o público; tornar o espaço público elástico, sensível e
político coletivamente. esses usos políticos da performance queer contra o neoliberalismo nos
forçam a romper o paradigma de gênero como performance. enriquecem-no, de qualquer
maneira. [...] fica claro que os paradigmas de gênero, do sexo e da sexualidade como tecnologia,
ou ainda do gênero, do sexo e da sexualidade como prótese são igualmente ativos e
importantes.” p. 129;

- “o fato bem conhecido de que o gênero desempenha um papel na exploração do trabalho [...].
em resumo, temos interesse em ver os gêneros como produções, e não como meras construções
[...]” p. 134;

- “o coletivo queer e transfeminista incorporou, portanto, em sua reflexão, as formas de trabalho


pós-fordistas características do “biocapitalismo” (fiorilli): capacidade relacional e comunicativa,
trabalho emocional, trabalho imaterial e trabalho cognitivo. a autoinvestigação coletiva permitiu
listar “as tarefas e as qualidades necessárias ao trabalho em contexto neoliberal: o cuidado
(care), a comunicação, as capacidades relacionais, a sedução, a criatividade, o glamour e, é
claro, a motivação e o amor ao trabalho [...].” p. 135, 136;

- “dizer que o gênero é um trabalho não é o mesmo que dizer que o trabalho é
“generificado”, e isso leva a diferentes práticas políticas. Smaschieramenti trabalha sobre
a captura de subjetividades (LG, queers e outras) pelo neoliberalismo e pelo capitalismo
pós-fordista, a mobilização dos afetos que isso implica, o tipo de produtividade
generalizada que impõe e constantemente mede e a corporalidade da coisa. de fato, a
produção de identidades, incluindo identidades de gênero, pelo capitalismo e
neoliberalismo, atua no nível material de desejo e de afeto entendidos como construções e
práticas culturais e sociais. fazer greve de gênero permite tomar consciência desse tipo de
alienação no trabalho a partir do momento em que gêneros são postos em prática e em que
proporção nós concordamos com isso sem nem sempre percebermos; a maneira pela qual
nossos gêneros, mas também nossas emoções, nossas paixões, nossos relacionamentos,
nossos elos, nossas identidades são produzidas e colocadas em prática em um contexto
neoliberal.” p. 139;

- sobre a recusa à performatividade hegemônica de gêneros em ambientes profissionais, dando


continuidade às discussões acima: “essa resposta biopolítica ao biopoder é perturbadora: dizer
não à produtividade e “ao biopoder vindo de cima” e omnipenetrante” [...]. assim como a
demanda pela remuneração do trabalho doméstico, ela [a greve de gênero] torna visível a
colocação dos gêneros no trabalho e do gênero como trabalho.” p. 139;

- ponto interessante para articular com o projeto de mestrado: as diferenças na maneira como o
neoliberalismo captura subjetividades;

- “a ideia [da greve de gênero] não é parar a reprodução, a comunicação, o afeto, a performance
de gênero ou o intelecto geral, mas encontrar maneiras coletivas de obter uma reprodução social
diferente, de fabricar gêneros e subjetividades diferentes, menos exploráveis e de construir
formas de assistência social e de care autogeridas. [...]. se o biopoder “de cima” e onipenetrante
é o poder de criar vida, formas de vida, subjetividades, sociabilidade e sociedade, o biopoder
“de baixo” e omnipenetrante pode fazê-lo, e o faz.” p. 143;

- “tudo se tornou mais torpe, mais paralisante, mais opressivo. porque a fronteira entre o tempo
de trabalho e o local de trabalho se tornou embaçada; porque formas de trabalho como o
trabalho cognitivo, intelectual e afetivo se tornaram muito importantes; porque passamos a levar
em conta o trabalho afetivo forçado; [...] porque o neoliberalismo invadiu a esfera social.” p.
144;

- comentário interessante quanto à construção de um novo paradigma que enquadrasse o


conceito de gênero, finalmente, como um dado não-natural, uma contínua imitação e
repetição: “quanto ao paradigma de gênero como trabalho, ele muda muitas coisas na maneira
em que o potencial crítico e transformacional – revolucionário, dizem alguns – dos gêneros, das
performances de gênero e da performance em si pode ser mobilizado. a chegada do paradigma
de “gênero como performance” na década de 1990 dinamizou o paradigma de “gênero como
uma construção” que o precedeu. ao definir “gênero como performance e performatividade”,
tornou-se habitual entender o gênero como uma repetição e uma imitação que poderiam ser
positivas ou negativas. basicamente, a repetição de códigos e citações de gênero foi fundamental
para nos revelar que o gênero era uma imitação sem original, que não tinha nada de natural, e
que, senão, reforçaríamos normas de gênero.” p. 145;
WEISS, Margot. Queer Politics in Neoliberal Times (1970-2010s)

- “Neoliberalism – as both an economic theory and social or cultural formation […]”; p. 107

- Neoliberalism is also a cultural formation that produces and validates marketized


understandings of the social world. […] Michel Foucault’s work on biopolitics and
governmentality, neoliberalism is aimed at “extending and disseminating market values to all
institutions and social action.”; p. 107;

– “neoliberalism and queer culture and politics”:


– “neoliberalism creates and relies on racial, gendered, and sexual inequality, but justifies this
social inequality as a logical outcome of free choice, personal responsibility, and individualism;
– “[...] late capitalism, celebrates, endorses, and supports some aspects of sexuality, while at the
same time limiting, policing, and punishing others”; p. 108
– “[...] neoliberalism has narrowed the vision of much LGBT political organizing to what Lisa
Duggan calls “homonormativity”: “a politics that does not contest dominant heteronormative
assumptions and institutions but upholds and sustains them [...] depoliticized gay culture
anchored in domesticity and consumption.”; p. 109
– “neoliberal decimation of public assistance”; p. 109
– “linking social support to normative sexuality”; p. 109

The pink market: queer consumer citizens/queer poverty

— “in a neoliberal world, “freedom is reduced to choice: choice of citizenship, of lifeways, and,
most of all, of identities” while politics is treated as a “personal trait or lifestyle choice…” p.
111;
— “in this consumer of citizenship, LGBT politics align with market politics: good citizens, as
David Evans notes, are those who express their identities and politics through the purchase of
lifestyle commodities. […] For these reasons, LGBT communities cannot be understood as
oppositional to capitalism. Instead, capitalism “depend[s] on and generate[s] community,” and
communities — even alternative ones — can be “deployed to…facilitate the flow of capital.” p.
111;
— “When LGBT people are only visible in the marketplace, non-white, non-middle-class, non-
gender normative queer and trans people are shut out or rendered invisible; when LGBT politics
is formulated around the desires of the consuming citizen, the neoliberal policies that keep so
many LGBT/queer people precarious remain in place. […] When LGBT activism has promoted
the gay consumer-citizen at the cost of more radical and marginalized voices, it has sought
political goals that benefit the wealthiest LGBT people at the cost of most.” p. 111, 112;
— “[…] neoliberal policies connected redevelopment to the privatization of the formerly public
goods and services (education, healthcare, the arts and even public parks). […]. Rather than
“gentrification”, Martin Manalansan encourages us to use the phrase “neoliberal urban
governance” to describe these processes, emphasizing that such transformations are not organic,
but are orchestrated and enforced by the corporations and property owners who profit from
them.” p. 112;
— “We therefore cannot look at gains in “cultural visibility” for LGBT people to measure
political and social progress. Historically, increased media visibility has been “directly
connected to the criminalization of black people, trans people, people of color, and people doing
sex work” Regina Gossett argues, because visibility projects tend to reinforce existing modes of
sexual respectability. […]. As such, they have benefited from and reinforced neoliberal
capitalist restructuring: the massive cuts in social programs (and their incomplete replacement
by non-profit organizations shored up by corporate and major donor philanthropy), the
privatization of public institutions and spaces, and the coercive policing of immigrant,
racialized, and criminalized bodies that have occurred alongside the development of gay and
lesbian commercial marketplaces and neighbourhoods.” p. 113;
— “[…] equality becomes narrow, […], freedom becomes impunity for bigotry and vast
inequalities in commercial life and civil society […]” p. 114;
— “In LGBT politics, the post 9/11 era marks a transition from homonormativity to what Jasbir
Puar has called “homonationalism” […]” p. 114; ver referências do texto de bruna irineu;
— “A final critique of neoliberalism […] overused in scholarship that treats it as an abstract
concept or actor in the world, rather than as a partial and unstable process.” p. 114;
— “Still, there is a need for studies that take up neoliberalism […] as “mobile calculative
techniques of governing” in order to better understand divergent LGBT/queer projects and
histories.” p. 114, 115;
— “[The LGBT] movements’ turn toward “privatization, criminalization, and militarization
have caused it to be incorporated into the neoliberal agenda in ways that not only ignore, but
also directly disserve and further endanger and marginalize, those most vulnerable to regimes of
homophobia and state violence.” p. 115;

BUTLER, Judith. Corpos em aliança e a política das ruas: notas para uma teoria performativa de
assembleia.

- “Tão importante quanto isso é esclarecer esse léxico da teoria democrática [...] e perguntar se
esses movimentos podem ser interpretados como exemplos verdadeiros ou promissores da
vontade popular, a vontade do povo, a sugestão deste texto é que precisamos ler tais cenas não
apenas nos termos da versão de povo que eles anunciam explicitamente, mas das relações de
poder por meio das quais são representadas” p. 13;

- “Do meu ponto de vista [...], quero sugerir somente que quando corpos se juntam na rua, na
praça ou em outras formas de espaço público (incluindo os virtuais), eles estão exercitando um
direito plural e performativo de aparecer, um direito que afirma e instaura o corpo no meio do
campo político e que, em sua função expressiva e significativa, transmite uma exigência
corpórea por um conjunto mais suportável de condições econômicas, sociais e políticas, não
mais afetadas pelas formas induzidas de condição precária” p. 17;

- “Neste momento em que a economia neoliberal estrutura cada vez mais as instituições e os
serviços públicos, o que inclui escolas e universidades, em um momento em que as pessoas, em
números crescentes, estão perdendo casa, benefícios previdenciários e perspectiva de emprego,
nós nos deparamos, de uma maneira nova, com a ideia de que algumas populações são
consideradas descartáveis. [...] Esses desenvolvimentos, reforçados pelas atitudes
predominantes em relação ao seguro de saúde e à seguridade social, sugerem que a
racionalidade do mercado está decidindo quais saúdes e vidas devem ser protegidas e quais não
devem. É claro que há diferenças entre políticas que buscam explicitamente a morte de
determinadas populações e políticas que produzem condições de negligência sistêmica que na
realidade permitem que as pessoas morram. Foucault nos ajudou a articular essa distinção
quando falou sobre as estratégias bastante específicas de biopoder, a gestão da vida e da morte.”
p. 17;

- “A racionalidade neoliberal exige a autossuficiência como uma ideia moral, ao mesmo


tempo que as formas neoliberais de poder trabalham para destruir essa possibilidade no
nível econômico, estabelecendo todos os membros da população como potencial ou
realmente precários [...]” p. 20;
- “[...] exigência de se tornar um empreendedor de si mesmo em condições que tornam uma
vocação dúbia impossível.” p. 21;

- “[...] descobrimos que apenas algumas pessoas são defensáveis, e que há uma distinção
operativa entre os defensáveis e os indefensáveis, diferenciando o povo da população” p. 22;

- “Em outras palavras, o efeito significante das assembleias, o efeito legitimador, pode
funcionar precisamente por meio de representações e de uma cobertura de mídia organizadas,
reduzindo e enquadrando a circulação do “popular” como uma estratégia para a
autolegitimação do Estado”. p. 25;

- “[...] então a “mídia” não apenas transmite quem o povo afirma ser, mas se inseriu na
própria definição de povo. Ela não apenas auxilia essa definição, ou a torna possível; ela é
o material da autoconstituição, o lugar da luta hegemônica sobre quem “nós” somos.” p.
26;

- “[...] dizer que o gênero é performativo é dizer que ele é um certo tipo de representação;
[...] a reprodução do gênero é, portanto, sempre uma negociação com o poder [...]” p. 39;

- “A “precariedade” designa a situação politicamente induzida na qual determinadas


populações sofrem as consequências da deterioração de redes de apoio sociais e
econômicas mais do que outras, e ficam diferencialmente expostas ao dano, à violência e à
morte. [...] Desse modo, a precariedade está, talvez de maneira óbvia, diretamente ligada
às normas de gênero, uma vez que sabemos que aqueles que não vivem seu gênero de
modos inteligíveis estão expostos a um risco mais elevado de assédio, patologização e
violência” p. 40, 41;

- “Como os excluídos chamam a si mesmos? Como eles aparecem, por intermédio de quais
convenções e com que efeito sobre os discursos dominantes que operam por meio de
esquemas lógicos tomados como certos?” p. 45;

- “E então, se não conseguimos encontrar nosso caminho dentro das normas de gênero ou
sexualidade que nos foram designadas, ou só conseguimos encontrar nosso caminho com grande
dificuldade, ficamos expostos ao que significa estar nos limites da condição de reconhecimento
[...]. Existir nesse limite significa que a própria viabilidade da vida de uma pessoa está em
questão, o que podemos chamar de condições ontológicas sociais da persistência dessa pessoa.
Também significa que podemos estar no limiar de desenvolver os termos que nos permitem
viver.” p. 47;

- “Viver e agir estão conectados de tal maneira que as condições que possibilitam a qualquer
pessoa viver são parte do próprio objeto da reflexão e da ação política. [...]. Então a questão
sobre em que consiste uma vida possível de ser vivida é anterior à questão sobre o tipo de
vida que devo viver, o que significa que o que alguns chamam de biopolítica condiciona as
questões normativas que colocam acerca da vida.” p. 51;

- “[...] a revolução é corporificada.” p. 53;

- “Um código criminal que justifica a criminalização com base no aparecimento ou na


apresentação de gênero é ele mesmo criminoso e ilegítimo. E se minorias sexuais e de gênero
são criminalizadas ou patologizadas pelo modo como aparecem, pela forma como reivindicam o
espaço público, pela linguagem por meio da qual entendem a si mesmas, pela forma como
expressam amor ou desejo, aqueles com que se aliam abertamente, [...], ou como exercitam a
sua liberdade corporal, então esses atos de criminalização são violentos; e nesse sentido, são
também injustos e criminosos. Policiar o gênero é um ato criminoso [...]. Não impedir a
violência contra as comunidades de minorias por parte da polícia do Estado é uma negligência
criminosa, que permite à polícia cometer um crime e as minorias serem vítimas da precariedade
nas ruas.” p. 63;

- “[...] mesmo que alguém sinta que não escolhe a sua sexualidade ou o seu gênero, que são
dados pela natureza ou por outra autoridade externa, a situação permanece a mesma: se essa
pessoa reivindicar essa sexualidade como um direito acima e contra um conjunto de leis ou
códigos que a considerem criminosa ou desonrosa, então a reivindicação em si é performativa.
Essa é uma maneira de nomear o exercício do direito precisamente quando não existe lei local
para protege-lo. [...]. Mas o que é, na minha opinião, mais importante é que alguém reivindique
essa posição em público, ande nas ruas, encontre emprego e moradia sem discriminação [...]. p.
63, 64;

- “Uma pessoa não começa como o gênero dela e depois decide como e quando representá-
lo. A representação, que começa antes de qualquer ação do “eu”, é parte do próprio modo
ontológico de gênero, e então importa como e quando e com que consequências essa
representação tem lugar, porque tudo isso muda o próprio gênero que alguém “é”. [...] não
são apenas o gênero e a sexualidade que são em algum sentido performativos, mas também
suas articulações políticas e reivindicações feitas em seu nome.” p. 64;

- “Não é apenas uma questão de precisarmos viver para podermos agir, mas de termos
que agir, e agir politicamente, a fim de garantir as condições de existência. Algumas vezes,
as normas de reconhecimento nos restringem de maneira que põem em risco a nossa
capacidade de viver: e se o gênero que estabelece as normas necessárias para que sejamos
reconhecíveis também nos violenta, colocando em risco a nossa própria sobrevivência? [...]
A questão é [...] lutar por modos de vida nos quais atos performativos lutem contra a
condição precária [...].” p. 65, 66;
- “Quando dizemos que o gênero é um exercício de liberdade não queremos dizer que tudo
que constitui o gênero é livremente escolhido. Argumentamos apenas que mesmo aquelas
dimensões de gênero que parecem bastante “programadas” – sejam constituídas ou
adquiridas – devem ser possíveis de reivindicar e exercitar de maneira livre. [...]. E,
politicamente, devemos exigir a expansão das nossas concepções de igualdade a fim de
incluir essa forma de liberdade corporificada.” p. 67;

- “A performatividade de gênero não caracteriza apenas o que fazemos, mas como o


discurso e o poder institucional nos afetam, nos restringindo e nos movendo em relação ao
que passamos e chamamos de a nossa “própria” ação. [...]. De fato, a corporificação
implicada pelo gênero e pela performance é dependente das estruturas institucionais e dos
mundos sociais mais amplos. [...]. Desse modo, o corpo é menos uma entidade do que um
conjunto vivo de relações; o corpo não pode ser completamente dissociado das condições
ambientais e da infraestrutura da sua vida e da sua ação. Sua ação é sempre uma ação
condicionada, que é um sentido do caráter histórico do corpo. [...]. Agir em nome desse
suporte sem esse suporte é o paradoxo da ação performativa plural em condições de
precariedade.” p. 71, 72;

- “[...] ou quando os Estados chamam atenção para os próprios históricos de direitos


humanos relativamente progressistas no que diz respeito às mulheres, às lésbicas, aos gays
e às pessoas transgênero com o objetivo de desviar a atenção de um registro atroz dos
direitos humanos no que diz respeito às populações cujos direitos básicos à
autodeterminação, ao movimento e às assembleias são negados (como acontece no caso da
campanha de pinkwashing em Isreal, que desvia a atenção da grande criminalidade da sua
ocupação, do confisco de terras e das políticas de remoção forçadas)? Por mais que
queiramos que nossos direitos sejam reconhecidos, devemos nos opor ao uso desse
reconhecimento público dos nossos direitos a fim de encobrir ou desviar a atenção da
privação massiva de direitos para outros, incluindo mulheres, queers e minorias sexuais e
de gênero que vivem sem os direitos básicos de cidadania na Palestina. [...] por ora,
deixem-me dizer que se a atribuição de direitos para um grupo é instrumentalizada para
privar outro grupo de prerrogativas básicas, então o grupo que tem essas prerrogativas
está certamente obrigado a recusar os termos nos quais o reconhecimento político e legal e
os direitos estão sendo dados. Isso não significa que nenhum de nós deva abrir mão dos
direitos existentes, mas apenas que devemos reconhecer que os direitos só são
significativos no âmbito de uma luta mais ampla por justiça social [...]” p. 78-79;

- “enquanto sustenta que a política exige o espaço de aparecimento, arendt também afirma
que o espaço faz surgir a política: “trata-se do espaço de aparecimento, no mais amplo
sentido da palavra, ou seja, o espaço onde apareço para os outros e onde os outros
aparecem para mim; onde o homem existe não apenas como outras coisas vivas ou
inanimadas, mas assume uma aparência explícita”. [...] a ação é sempre apoiada e de que é
invariavelmente corporal, até mesmo, como argumentarei, em suas formas virtuais. os suportes
materiais para a ação não são apenas parte da ação, mas são também aquilo pelo que lutamos
[...]. para repensar o espaço de aparecimento a fim de entender o poder e o efeito das
manifestações públicas de nosso tempo, precisamos considerar mais de perto as dimensões
corporais da ação, o que o corpo requer, e o que o corpo pode fazer [...].” p. 82;

- “[...] os corpos reunidos em assembleia articulam um novo tempo e um novo espaço para
a vontade popular, [...], uma [vontade] que caracteriza como uma aliança de corpos
distintos e adjacentes, cuja ação e cuja inação reivindicam um futuro diferente. e essa
performatividade não é apenas a fala, mas também as reivindicações da ação corporal, do
gesto, do movimento, da congregação, da persistência e da exposição à possível violência.
como entendemos essa ação conjunta que abre tempo e espaço fora e contra a arquitetura e a
temporalidade estabelecidas pelo regime, uma ação que reivindica a materialidade [...]? essas
ações reconfiguram o que vai ser público e o que vai ser o espaço da política.” p. 84;

- questionamentos interessantes quanto à forma que corpos dissidentes se reconhecem e


são reconhecidos publicamente – antes disso, também é fundamental pensar como a
pluralidade de corpos e sujeitos se forma: “como uma pluralidade se forma, e quais são os
suportes materiais necessários para essa formação? quem entra nessa pluralidade, e quem não
entra, e como essas questões são decididas? como descrevemos a ação e o estatuto dos seres
desagregados do plural? que linguagem política temos reservada para descrever essa exclusão e
as formas de resistência que revelam a esfera de aparecimento conforme ela é atualmente
delimitada? aqueles que vivem fora da esfera de aparecimento são os “dados” destituídos de
vida da vida política?” p. 87;

- “o que está em jogo é a questão sobre se os desamparados estão fora da política e do


poder ou se, na verdade, estão vivendo uma forma específica de desamparo político junto
com formas específicas de ação e resistência política que expõem o policiamento das
fronteiras da esfera do aparecimento em si. se afirmamos que os desamparados estão fora da
esfera da política – reduzidos a formas de ser despolitizadas – então aceitamos implicitamente
como certas as maneiras dominantes de estabelecer os limites do político.” p. 87, 88;

- sobre como as relações de poder e política também atravessam e interpelam corpos


subjacentes, ainda que tais neguem e (tentem) subvertem as normas de gênero: “[...]
mesmo a vida destituída de direitos ainda está dentro da esfera do político e, portanto, não
está reduzida à mera existência, mas está, com frequência, enraivecida, indignada,
revoltada e opondo resistência. estar do lado de fora de estruturas políticas legítimas e
estabelecidas é ainda estar saturado nas relações de poder, e essa saturação é o ponto de
partida para uma teoria do político que inclui formas dominantes e subjugadas, modos de
inclusão e de legitimação, bem como modos de deslegitimação e de supressão.” p. 89;

- “[...] os corpos são eles mesmos vetores de poder por meio dos quais o direcionamento da
força pode ser revertido. eles são interpretações corporificadas, engajadas em uma ação
aliada [...]. por um lado, esses corpos são produtivos e performativos. por outro, eles só
podem persistir e agir quando estão apoiados, pelos ambientes, pela nutrição, pelo
trabalho, por modos de sociabilidade e de pertencimento. [...] aproveitando os suportes
que existem para afirmar que não pode haver vida corporificada sem suporte social e
institucional, sem empregos permanentes, sem redes de interdependência e cuidado, sem
direitos coletivos a abrigo e mobilidade. eles não apenas lutam pela ideia de apoio social e
emancipação política, mas a sua luta constituiu a sua própria forma social.” p. 93, 94;

- para dar continuidade à discussão do trecho acima: “trata-se de atores subjugados e


empoderados que buscam tirar a legitimidade de um aparato estatal existente que depende da
regulação do espaço público de aparecimento para a sua autoconstituição teatral. [...]. uma luta
como essa intervém na organização espacial do poder [...], o que implica uma regulação
espacial de quando e como a “vontade popular” pode aparecer.” p. 95;

- questões caras para a minha pesquisa do projeto de mestrado: “o que significa, então,
aparecer na política contemporânea? e podemos considerar essa questão de alguma forma
sem recorrer à mídia? [...]. se aparecemos, devemos ser vistos, o que significa que nosso
corpo deve ser enxergado, e seu som vocalizado deve ser ouvido: o corpo deve entrar no
campo visual e audível.” p. 95;

- “a reivindicação da igualdade não é apenas falada ou escrita, mas é feita precisamente


quando os corpos aparecem juntos, ou melhor, quando por meio da sua ação eles fazem o
espaço de aparecimentos surgir. esse espaço é uma parte essencial e um efeito da ação e
opera, de acordo com arendt, apenas quando as relações de igualdade são mantidas.” p. 98;

- “[...] em algumas das manifestações que se seguiram a esses levantes, especialmente aquelas
que tinham como alvo formas de precariedade induzida, os participantes se opuseram de
maneira explícita ao capitalismo monopolista, ao neoliberalismo e à supressão dos direitos
políticos, e o fizeram em nome daqueles que são abandonados por reformas neoliberais cujo
objetivo é desmantelar as formas da social-democracia e do socialismo, erradicar empregos,
expor populações à pobreza e minar os direitos básicos à educação e à habitação públicas.” p.
100;
- a presença das mídias na articulação e devida efetivação de movimentos e manifestações
políticas: “pelo menos em alguns casos, os meios de comunicação não apenas informam
sobre movimentos sociais e políticos que estão reivindicando liberdade e justiça de
diversas maneiras; os meios de comunicação também estão exercendo uma dessas
liberdades pelas quais os movimentos sociais lutam. não quero sugerir com esta afirmação
que toda a mídia esteja envolvida na luta pela liberdade política e pela justiça social (nós
sabemos, obviamente, que não é assim). é claro que importa qual mídia global faz a
reportagem, e como. meu argumento é que algumas vezes dispositivos de mídia privada se
tornam globais precisamente no momento em que superam modos de censura para relatar
os protestos, tornando-se, dessa maneira, parte do próprio protesto. [...]. o que significa
que ambos são maneiras de exercer direitos e que, em conjunto, fazem surgir um espaço
de aparecimento, assegurando sua transponibilidade. [...]. a mídia precisa desses corpos na
rua para ter um evento precisamente quando esses corpos na rua precisam da mídia para
existir em uma arena global.” p. 103;

- ainda sobre a presença e importância das mídia na materialização e divulgação de movimentos


políticos: “e se essa combinação de rua e mídia constitui uma versão muito contemporânea da
esfera pública, então corpos que estão em risco devem ser pensados como estando tanto lá
quanto aqui, agora e depois, transportados e estacionários, com consequências políticas muito
diferentes se seguindo a essas duas modalidades de espaço e tempo.” p. 104;

MISKOLCI, Richard. Batalhas morais – Política identitária na esfera pública técnico-


midiatizada.

- apresentação – Bila Sorj:

- “a contrapelo do senso comum comercial e de muitos analistas que concebem as redes sociais
como espaços mais democráticos devido à sua suposta horizontalidade, o autor mostra, de
maneira convincente, como as plataformas operam na promoção da polarização do debate e sua
metamorfose em disputa moral, através de simplificações facilmente viralizáveis e da
exacerbação do individualismo” p. 12;

- o surgimento do termo em questão apareceu de forma mais expressiva por volta de 2013, com
os protestos no brasil: “o livro traça a emergência do termo “ideologia de gênero”, criado em
oposição à agenda dos direitos sexuais e reprodutivos promovida em conferências internacionais
da ONU da década de 1990. [...]. tal qual uma cruzada, os empreendedores morais desse campo
político passaram a defender ativamente a família como indissociável da heterossexualidade e
do controle dos homens em relação às mulheres e aos filhos. opondo-se às mudanças legais e
comportamentais em curso na sociedade brasileira, disseminaram o pânico moral sobre o que se
entendem como uma ameaça à ordem natural ou divina de gênero, família e sexualidade.” p. 12;

- “no campo progressista, isso tem se traduzido em mostrar-se sempre mais virtuoso, moral e
punitivista do que os outros – o que traduz nas constantes “tretas” e “cancelamentos” que
dilaceram a esquerda e dificultam a construção de coalizões.” p. 14;

- “os jovens socializados nas plataformas técnico-comunicacionais e culturais, que seguem uma
lógica neoliberal, experimentam um processo de descoberta de questões políticas a partir da
compreensão de si como parte de uma identidade-perfil da ação política sem mediações.
aderindo a respostas imediatas e diretas ao que sua rede virtual reconhece como injustiças, eles
recusam a presença de mediadores sociais e instituições. os usuários assumem práticas de ação
direta, que, na versão on-line, se expressa no escracho contra os adversários.” p. 14;

- noção de “bolhas ideológicas”, assim como discutido nos textos da marina da aula da pós
(20.03);

- “miskolci examina as premissas ontológicas e epistemológicas contidas nessas expressões


[“local de fala”, “experiência” e “cisgeneridade”], conjugando os debates sobre epistemologia e
metodologia das ciências sociais às reflexões acadêmicas do campo de estudos de gênero. [...]
em comum, elas apresentam a compreensão do conhecimento e da política como algo pessoal,
da ordem das escolhas individuais e, no limite, morais. o autor demonstra como essa lente
despolitiza e esvazia a discussão sobre o papel do estado, da legislação e das políticas públicas
na promoção dos direitos humanos e sexuais, e acaba por levar essas questões para o terreno em
que a direita age mais confortavelmente e tem conquistado vitórias sucessivas: o da moralidade
e dos costumes.” p. 15;

- discussão acerca das “políticas das identidades” e os efeitos que pode ter no cenário político,
levando a subsequente ascensão da direita e as batalhas morais – p. 16;

- “vivemos um tempo em que a democracia tem navegado em meio a paradoxos. por um lado, é
inegável que há o fortalecimento de demandas por reconhecimento e igualdade social de grupos
historicamente marginalizados, sobretudo mulheres, negros e minorais sexuais. por outro,
intensificou-se um conjunto de representações, e práticas políticas e morais que tendem a
enfraquecer as normas de convivência democrática, baseada na tolerância, no convencimento,
na livre troca de ideias.” p. 18;

- introdução:
- ponto de partida para as discussões que quero propor e desenvolver no Mestrado: “as
origens dos conflitos atuais em torno dos estudos de gênero e dos direitos sexuais e reprodutivos
remonta a 2010. naquele ano aconteceu a campanha eleitoral que – pela primeira vez na história
– duas mulheres concorriam à presidência com chances reais de vitória: Dilma Rousseff e
Marina Silva, fato que trouxa a possível descriminalização do aborto ao centro das discussões
públicas. no segundo turno, a força dos segmentos conservadores convenceu a então candidata
Dilma a se unir a lideranças religiosas, prometendo não propor a modificação da legislação
sobre aborto em seu governo.

Rousseff foi eleita e, ainda que não tenha avançado na agenda dos direitos sexuais e
reprodutivos, uma coincidência marcaria seu primeiro ano de governo e criaria uma liderança
que se tornaria central em sua queda e posterior substituição na presidência. em maio de 2011, o
supremo tribunal federal (STF) reconheceu legalmente as uniões entre pessoas do mesmo sexo.
em retaliação, um deputado obscuro com bases eleitorais militares e religiosas “denunciou” um
programa federal de combate à discriminação sexual e de gênero nas escolas como sendo um
suposto “kit gay” que ameaçaria nossa infância. assim, Jair Messias Bolsonaro desencadeou um
pânico homossexual e colocou a escola no olho do furacão político que se armava.

retrospectivamente, é possível reconhecer que a eleição da primeira mulher como presidente da


república por um partido de esquerda – em meio à extensão de direitos a homossexuais – criou
uma oportunidade para que setores à direita no espectro político pudessem começar a associar a
esquerda a uma agenda moral. O medo evocado na luta contra o material antidiscriminação
sexual nas escolas é de que, se distribuído, tornaria as crianças homossexuais. o pânico revelou-
se suficiente para convencer Rousseff a vetar o material e serviu para a direita começar a unir
bases de apoio em torno de uma plataforma que terminar sendo encabeçada por Bolsonaro.

os principais avanços sociais encampados pelo governo Rousseff envolveram as desigualdades


étnico-raciais e de classe. depois de aprovadas pelo STF, em agosto de 2012, o governo
implementou as ações afirmativas no ensino superior público federal, garantindo 50% das vagas
para estudantes provenientes de escolas públicas, com baixa renda, negros, pardos e indígenas.
em abril de 2013, também foi aprovado pelo Congresso Nacional o Projeto de Emenda
Constitucional 72 (a “PEC das domésticas”), um marco na extensão de direitos trabalhistas a
mais de seis milhões de mulheres, em sua maioria negras e com baixa escolaridade. tais medidas
futuramente alimentariam reações de segmentos sociais que se consideraram afetados
negativamente, em termos econômicos e simbólicos, pelo governo do Partido dos Trabalhadores
(PT).

em 2013, quando o Supremo Tribunal Federal igualou as uniões entre pessoas do mesmo sexo
ao casamento, novo impulso foi dado à Frente Parlamentar Evangélica (FPE) no Congresso
Nacional, um conjunto de parlamentares que têm em comum uma base eleitoral religiosa e uma
plataforma moral que, segundo Reginaldo Prandi e Renan W. dos Santos (2017), em seu estudo
sociológico, é mais rígida do que a de seus próprios eleitores. Rousseff mais uma vez cedeu e
permitiu que um deputado evangélico assumisse a direção da comissão de direitos humanos do
legislativo. nas redes sociais e na sociedade, começava a se instalar a polarização política em
torno das demandas de igualdade de direitos que rapidamente foi traduzida para o senso comum
como sendo uma agenda de costumes.

a disputa se dava entre lideranças políticas evangélicas – que pesquisas como as de Santos e
Melo (2018) mostram ter desejo de protagonismo moral desde a Constituinte de 1988. [...] o
papel das redes sociais na criação de uma esfera pública afeita a criar polarizações e inibir
diálogos.

à época, a imprensa e as redes sociais ajudaram a criar a impressão de que os se opunham ao


avanço dos direitos sexuais e reprodutivos eram religiosos, especialmente evangélicos
neopentecostais. por meio de um olhar sociológico mais cuidadoso, reconheceríamos o fato de
que tal segmento era apenas o mais visível – até pelo fato de contar com muitos pastores entre
eles – em um movimento mais amplo que incluía uma maioria invisível de católicos e até não
religiosos. lideranças políticas com eleitorado religioso se beneficiaram da forma como ativistas
se voltaram contra o que chamavam de “fundamentalismo religioso”, contribuindo para que a
agenda de direitos e a área de pesquisa em gênero e sexualidade começassem a serem vistas
como uma ameaça moral à sociedade brasileira.

na esfera política, assim, começava a se esfumaçar a fronteira entre os movimentos sociais e


uma área de investigação acadêmica como se fossem a mesma coisa, no caso, um inimigo
comum. entre 2014 e 2015 – em meio aos embates sobre a inclusão de uma perspectiva de
gênero no Plano Nacional da Educação, no contexto de oposição crescente ao governo Dilma
Rousseff e aos escândalos de corrupção envolvendo o PT –, tal inimigo comum, que se
misturava à agenda de direitos sexuais e reprodutivos, aos estudos de gênero, à presidente
mulher de esquerda e à corrupção, começou ser chamado de “ideologia de gênero”.

 à época, também, havia o debate acerca da inclusão do termo “gênero” nos documentos
de educação em planos estaduais e municipais; importante mencionar esse contexto no
projeto de mestrado, dado o recorte temporal;
 se atentar à presença e destaque dado às lógicas políticas ligadas à moralidade, aos
valores morais (fundamentalmente religiosos);

as disputas sobre a inclusão do termo “gênero” nos congêneres planos estaduais e municipais de
educação capitalizaram a polarização política, disseminando consigo, Brasil afora, um pânico
moral. pânico este que criou uma plataforma capaz de articular segmentos sociais diversos em
uma campanha com feições de cruzada. os cruzados contemporâneos [...] encontraram na
retórica da moralidade pública a janela de oportunidade para articular sua vitória eleitoral.

[...] a cruzada moral brasileira contra a propalada “ideologia de gênero” só é compreensível


quando inserida em nosso contexto histórico e político. no Brasil, desde ao menos a Era Vargas,
a luta contra a corrupção é periodicamente acionada pela oposição para desestabilizar governos.
ajudou a eleger populistas como Jânio Quadros, vencer a esquerda com Fernando Collor e
também contribuiu para a ascensão de Luiz Inácio Lula da Silva ao poder em 2002.

[...] os novos protagonistas da cruzada pela moralidade pública não focaram (apenas) na
corrupção dos negócios públicos, mas aproveitaram para associar a ela transformação recentes
nas relações de poder entre homens e mulheres, hétero e homossexuais.

[...] do período das disputas em torno dos planos de educação, grosso modo entre 2014 e 2016,
passou-se ao de denúncias e perseguições a educadores, artistas e intelectuais vistos como
alguma forma de ameaça.

 tb é preciso contextualizar acerca das ações do movimento Escola sem Partido, e


concomitantemente, do MBL – que materializaram a perseguição a educadores e à
ciência, de forma geral;

- “[...] o uso das redes digitais e da observação sistemática da aliança de grupos políticos de
extrema-direita que se forjou a partir de 2013 [...]” p. 23;  de novo, recorte interessante para
se pensar a representação de temas identitários no discurso publicitário;

- “na mesma época [ente 2016 e 2017 – finais do governo Temer], uma exposição de arte – o
Queer museu: cartografias da diferença na arte brasileira – foi objeto de uma campanha do MBL
na internet e acabou sendo fechada. ainda no final de 2017, a filósofa Judith Butler enfrentou
protestos e uma perseguição por fanáticos em um aeroporto de São Paulo. afinal, o que explica
essa transformação de educadores, artistas e intelectuais em alvo? compreendo o que se passou
como uma expressão contemporânea e localizada de pânico moral, o qual adquiriu tons de
pânico sexual quando envolveu temas de gênero e sexualidade.” p. 24;  interessante
mencionar as diversas formas que essa manifestação do pânico moral e sexual se deu na
sociedade da época;

- “qualquer que seja o pânico – moral ou sexual –, ele revela um medo desproporcional em
relação a um tema e promove também uma reação exagerada a ele. [...]. assim, expressa de
forma extrema a indignação moral de um grupo que considera que algo violou um valor
compartilhado, ameaçando sua identidade. no brasil da década de 2010, uma forma híbrida de
pânico moral/sexual se armou contra o que os empreendedores morais chamaram de “ideologia
de gênero”.” p. 25;
- capítulo 1 – as diferenças na esfera pública técnico-midiatizada:

- “redes como facebook, twitter e youtube definem a relevância de um conteúdo a partir de


métricas de atenção verificadas por visualizações, curtidas e compartilhamentos [...]. “submente
o pluralismo e as funções democráticas do discurso aos interesses mercadológicos,
automatizando a esfera pública.” p. 29;

- “lutas por reconhecimento e igualdade, direitos humanos e justiça social passam


necessariamente pela esfera pública [...]. o resultado, [...] foi a consolidação de uma perspectiva
moral sobre questões públicas. é necessário alertar que reconhecer a importância das redes
digitais não equivale a atribuir tudo o que se passou a elas, pois essas plataformas apenas
reconfiguram a comunicação, tornam mais visíveis e amplificam contradições sociais e politicas
preexistentes.” p. 30;

- interessante essa afirmação do autor, fazendo um recorte delimitado de quando o país passou a
atribuir tamanho poder às redes sociais: “no brasil, é possível afirmar que o poder dos serviços
de rede social se tornou patente nos protestos de 2013, que entraram para a história como as
jornadas de junho. [...]. não por acaso, 2013 também é o ano em que a primeira geração nascida
e criada na era da internet alcançou a maioridade. coincidentemente, essa geração entrou na vida
adulta tendo que encarar a chegada da crise ao brasil e o consequente reativamento de históricos
conflitos redistributivos: tanto de ordem econômica quanto de reconhecimento.” p. 31;  ponto
legal para abordar na pesquisa – como a visão dessa nova geração influenciou e impactou, de
forma negativa e positiva, em um movimento ambivalente, o discurso publicitário, ao passo que
as instituições se viram na “necessidade” de abraçar um discurso pró-diversidade, seguindo uma
agenda política;

- “[...] a esfera pública técnico-midiatizada ampliou o espaço para a já antiga manipulação e/ou
polarização política que existia nas comunicações de massa.” p. 36;

- “a campanha presidencial de 2014 fez com que divergências partidárias ainda organizassem tal
cisão até que – a partir de 2015 – a operação anticorrupção lava jato e as polêmicas envolvendo
os planos de educação contribuíssem para uma outra forma de divisão: o da polarização moral.
[...]. no contexto brasileiro de meados da década de 2010, grupos de interesse que se
organizavam a partir da busca de protagonismo moral utilizaram-se dessa característica da
esfera pública técnico-midiatizada para converter temas e discussões que poderiam ser tratados
em outros registros para o que os beneficia: o da moralidade. foram contradições e conflitos off-
line que alimentaram e reorganizaram as divergências on-line, reconfigurando a esfera pública
nesse novo contínuo off-line-on-line, em que aspectos técnicos e midiáticos têm papel
decisivo.” p. 36;

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