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OBSERVAÇÕES INICIAIS

O perfil de prova pensado para o ENAM, como já explicado pelo Mege desde as
primeiras manifestações sobre o nosso modelo mental de preparação para este desafio,
é de um estudo aliado às diretrizes que justamente constituem o motivo da gênese desta
prova. No vídeo inicial de nossa turma gratuita, destacamos as considerações que
apresentam o DNA do exame nacional na resolução nº 531 do CNJ de 2023 (que altera a
resolução nº 75 de 2009 – que disciplina os concursos de magistratura). Para reforçar
nossos argumentos, segue a principal delas:

“CONSIDERANDO a necessidade de que o processo seletivo valorize o


raciocínio, a resolução de problemas e a vocação para a
magistratura, mais do que a mera memorização de conteúdos;”

Como se perceberá no estudo de nosso conteúdo demonstrativo (e de toda


produção do Mege para o ENAM), o formato de estudo para este desafio é mais analítico,
logo, tomem muito cuidado com qualquer material que não entenda e não aprofunde
suas explicações para este novo formato de abordagem. Por exemplo, o apelo de estudo
mais focado para lei seca não segue com amparo nesta nova roupagem.
O Mege, como maior referência em concursos para magistratura (1972 alunos
aprovados na carreira até esta data: 08/12/2023), irá encarar o ENAM como uma
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preparação realmente específica. O corpo docente segue atento a tudo sobre o tema
desde que ainda era uma fumaça, agora, com as informações em avanço; já entramos
no modo de pesquisa e produção em obsessão de detalhes. Como vocês merecem e
como precisamos encarar para obter os 70% exigidos para nossa aprovação.
Isso é mais que um alerta! Pois, atentos a nossa responsabilidade social com o
concurseiro, precisamos frisar que os materiais convencionais antes focados em provas
objetivas já não serão os mais indicados para este formato. Nossos alunos estarão
devidamente acolhidos neste sentido. Especialmente no Clube da Magistratura 2024 e
em nossa turma ponto a ponto para o ENAM, sempre que estivermos diante de um olhar
para este estudo, a mentalidade seguirá o modelo indicado pela resolução.
Já antecipamos em nossas abordagens iniciais que, a partir agora, o concurseiro
de magistratura precisará conviver com a dualidade de estudar para o edital específico
do ENAM sem tirar o olho do que também é uma preparação ampla para o edital
completo da magistratura de sua escolha.
Como curso, sabemos que somos procurados para este desafio específico por
concurseiros de todas as modalidades de magistratura (estadual, federal, trabalhista e
militar), e teremos responsabilidade com todos sobre a continuidade de seus estudos
(mesmo após o ENAM); uma vez que esta prova preliminar visa representar este núcleo
comum e o Clube da Magistratura 2024 também apresentará módulos específicos para
que cada um posso direcionar seus objetivos da forma de sua preferência (sempre com
as devidas orientações por nossa parte).
Sobre o ponto escolhido

Para demonstrarmos a nossa mentalidade de preparação de forma mais


concreta, apresentamos este ponto como um norte (ainda que sem um edital específico)
atento às disciplinas selecionadas para o ENAM. O conteúdo está inserido dentro de uma
abordagem atual de Humanística. Nós sabemos que boa parte dos concurseiros,
especialmente os que começaram sua caminhada para magistratura agora, sentem
algum receio pela matéria. Mas, fiquem tranquilos, vocês estão em boas mãos também
nesta disciplina.
O nosso curso já atua com trabalhos específicos em Humanística desde 2015,
com amplo sucesso em antecipações específicas de questões em praticamente todos os
tribunais de justiça do país que lançaram concursos nesse período. O olhar em sua
leitura, em nosso sentimento, muito se aproximará ao que já abordávamos quando
direcionávamos o estudo para provas de segundas fases e orais. Trata-se de uma veia
mais aprofundada e focada na compreensão analítica dos temas; e não meramente em
um olhar mais centrado ao conteúdo exclusiva da lei.
Neste material demonstrativo, buscamos representar este sentimento. Por
aqui, vocês estudarão conceitos técnicos, referências legais e também conhecerão os
principais debates jurisprudenciais e institucionais da magistratura brasileira sobre o
tópico escolhido (Direito da Antidiscriminação). O tom de nosso de nosso estudo,
portanto, será exatamente este quando estivermos diante do ENAM como foco.
O estudo, quando tivermos o edital completo, será destrinchado ponto a ponto.
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Ou seja, cada tópico de cada disciplina terá esse devido cuidado e direcionamento ao
espírito maior do ENAM. O cuidado com essa abordagem certamente será refletido em
nossa prova oficial de logo mais. Esse, desde já, é o nosso compromisso com vocês. Assim
que tivermos acesso ao edital oficial ampliaremos a produção que já teve início desde a
identificação das disciplinas e da mensagem inicial do ENAM. Muita coisa já foi iniciada
pelo Mege e nossa artilharia vem para uma produção ainda melhor para 2024.
Se o concurseiro de magistratura já amava nossos materiais, eles agora
ganharão um plus editorial ainda melhor! Sobre esse aspecto, não deixem de conhecer
a proposta do Clube da Magistratura 2024. A melhor turma já preparada pelo Mege em
seus 9 anos de história! Milhares de alunos já estão confirmados ao nosso lado. Esse
começo de ano promete ser de muita entrega e esforço por parte de todos.
Contem sempre com nosso apoio!

Arnaldo Bruno Oliveira


Equipe Mege
SUMÁRIO1

1. DIREITO DA ANTIDISCRIMINAÇÃO ............................................................................... 6


1.1 CONCEITOS FUNDAMENTAIS DO DIREITO DA ANTIDISCRIMINAÇÃO ......................... 7
1.2 MODALIDADES DE DISCRIMINAÇÃO ......................................................................... 10
Modalidades de Discriminação .................................................................................. 15
Discriminação em razão das relações de gênero ....................................................... 15
Discriminação em razão da raça ................................................................................ 18
Discriminação em razão da origem ............................................................................ 21
Discriminação em razão da idade .............................................................................. 22
Discriminação em razão da pessoa com deficiência .................................................. 24
1.3 LEGISLAÇÃO ANTIDISCRIMINAÇÃO NACIONAL E INTERNACIONAL......................... 27
Tríade legislativa......................................................................................................... 27
Demais normas antidiscriminatórias ......................................................................... 28
Direito internacional e direito antidiscriminatório .................................................... 28
1.4 CONCEITOS FUNDAMENTAIS DO RACISMO .............................................................. 29
1.5 TIPOS DE RACISMOS ................................................................................................ 35 5
Racismo Individual ..................................................................................................... 35
Racismo Estrutural ..................................................................................................... 36
Racismo Institucional ................................................................................................. 39
Racismo Religioso ...................................................................................................... 39
1.6 SEXISMO ................................................................................................................... 42
1.7 DISCRIMINAÇÃO RELIGIOSA ..................................................................................... 48
1.8 LGBTQIAPN+fobia .................................................................................................... 53
1.9 CAPACITISMO ............................................................................................................ 60
1.10 AÇÕES AFIRMATIVAS............................................................................................... 61
1.11 DIREITOS DOS POVOS INDÍGENAS E DAS COMUNIDADES TRADICIONAIS ............. 66
1.12 CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................... 69

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O sumário é apresentado em uma sequência que oferece uma maior didática no estudo dos
temas selecionados sobre Direito da Antidiscriminação. No entanto, é apenas um aperitivo que
ainda poderá contar com ampliações de tópicos após o edital oficial do ENAM.
1. DIREITO DA ANTIDISCRIMINAÇÃO

De início, é importante compreendermos a profundidade do tema proposto


neste material e o quanto ele está em rota de alta relevância dentro dos debates mais
atuais do Poder Judiciário. Se o ENAM é uma obra do CNJ, nada mais justo do que
contextualizarmos este tópico com a própria produção do conselho sobre o tema, onde
em sua a própria página oficial em Novembro de 2023 destacou o Pacto Nacional do
Judiciário pela Equidade Racial. Ou seja, estamos diante de um tema de estudo
obrigatório por todo concurseiro de magistratura.

Para uma visão mais institucional sobre o assunto, é válido conferir a recente
mensagem do ministro Barroso sobre as ações de inclusão no Dia da Consciência Negra.
Se temos em sua figura um dos principais expoentes no surgimento do ENAM, nada mais
direcionado do que conectarmos a sua fala com tudo que apresentaremos na sequência.
Vídeo na íntegra no link abaixo:
https://www.youtube.com/watch?v=U21hFXrlQGs&t=2s

A partir de agora, vamos aos tópicos técnicos iniciais sobre as principais


informações que vocês precisam estudar neste ponto.

1.1 CONCEITOS FUNDAMENTAIS DO DIREITO DA ANTIDISCRIMINAÇÃO

Nas democracias constitucionais, proteger direitos é a vocação maior do poder


Judiciário, ao assegurar a integridade e a supremacia da ordem constitucional, de seus
valores e de seus princípios2.
A Constituição Federal de 1988 consagra a dignidade humana como alicerce
essencial do Estado Democrático de Direito, que tem, dentre seus objetivos
fundamentais, construir uma sociedade livre, justa e solidária, sem preconceitos e
quaisquer formas de discriminação. A prevalência dos direitos humanos e o repúdio ao
racismo surgem como princípios a orientar o Estado Brasileiro no âmbito de suas
relações internacionais.
Abaixo segue um esquema de três diplomas que merecem nossa atenção inicial:
a declaração universal dos direitos humanos, a Convenção Internacional sobre a
Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial e o Pacto Internacional sobre 7
Direitos Civis e Políticos.

DUDH - 1948 (art. 1º)

Decreto nº 65.810/69 (art. 1º)

Decreto nº 592/92 (art. 20, item 2)

O patrimônio constitucional de direitos e garantias é ainda ampliado por


direitos enunciados nos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil
seja parte, por meio de cláusula de abertura constitucional a expandir o bloco de
constitucionalidade integrando direitos internacionalmente previstos.
Sob a inspiração dos valores e princípios constitucionais, merece destaque a
Recomendação nº 123 do Conselho Nacional de Justiça, de janeiro de 2022, que insta
os órgãos do Poder Judiciário a aplicar os tratados internacionais de direitos humanos,
a jurisprudência interamericana e a realizar o controle de convencionalidade.

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Pontos retirados do discurso da Ministra Rosa Weber – Ex-Presidente do Supremo Tribunal Federal.
Art. 1º Recomendar aos órgãos do Poder Judiciário:
I – a observância dos tratados e convenções internacionais de direitos
humanos em vigor no Brasil e a utilização da jurisprudência da Corte
Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH), bem como a
necessidade de controle de convencionalidade das leis internas.
II – a priorização do julgamento dos processos em tramitação relativos
à reparação material e imaterial das vítimas de violações a direitos
humanos determinadas pela Corte Interamericana de Direitos
Humanos em condenações envolvendo o Estado brasileiro e que
estejam pendentes de cumprimento integral.

É importante ressaltar a adoção do Pacto Nacional do Judiciário pelos Direitos


Humanos, em março de 2022, com o escopo de fortalecer a meta de efetivação de
direitos humanos como política institucional permanente e prioritária do Poder
Judiciário. Entre as ações previstas no Pacto estão o fomento à capacitação em direitos
humanos e controle de convencionalidade, a promoção dos direitos humanos mediante
concurso de decisões judiciais, a inclusão da disciplina de direitos humanos nos editais
de concurso público para a magistratura e a publicação de cadernos com a jurisprudência
emblemática do Supremo Tribunal Federal sobre direitos humanos, com ênfase no
diálogo jurisdicional com o sistema interamericano, conferindo especial destaque aos
direitos de grupos em situação de vulnerabilidade, como as populações
afrodescendentes, os povos indígenas, as pessoas LGBTQIAP+, as mulheres e as pessoas
privadas de liberdade. 8
Conceitualmente, por discriminação entende-se “qualquer distinção, exclusão,
restrição ou preferência que tenha o propósito ou o feito de anular ou prejudicar o
reconhecimento, gozo ou exercício em pé de igualdade de direitos humanos e liberdades
fundamentais nos campos econômico, social, cultural ou em qualquer campo da vida
pública”.
Ao conceito jurídico de discriminação, acrescenta‑se a lista de critérios
proibidos de discriminação, cujo papel é atentar para manifestações específicas de
discriminação, conforme vai revelando a experiência histórica. Daí a enumeração de
fatores proibidos de discriminação, como gênero, raça e etnia, religião, orientação
sexual, deficiência e idade o fenômeno discriminatório é múltiplo e complexo.
Os diferentes contextos, redes relacionais, fatores intercorrentes e motivações
que emergem quando, no trato social, indivíduos e grupos são discriminados, não se
deixam reduzir a um ou outro critério isolado. Não basta, por exemplo, reprovar a
discriminação racial e a discriminação sexual, pois a injustiça sofrida por mulheres
brancas é diversa daquela vivida por mulheres negras, assim como a discriminação
experimentada por homens negros e por mulheres negras não é a mesma 3.
O jusnaturalismo, que parte da ideia metafísica como construtivo de valores
para leis naturais, guarda consigo uma carga valorativa do “ser” em detrimento da
objetificação do homem. É nesse sentido que Bruno Del Preti e Paulo Lépore (Manual de
Direitos Humanos, 2020, p. 28) afirmam que a existência de uma ordem natural é pré-

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Democracia e Direito da Antidiscriminação: Interseccionalidade e Discriminação Múltipla no Direito
Brasileiro. Roger Raupp Rios e Rodrigo da Silva, Gênero e Artigos.
concebida de direitos ostentados por todas as pessoas (pelo só fato de existirem), de
sorte que caberia ao direito tão somente declará-los.
Na mesma esteira de valorização humana, com todas as críticas racionais que
possam ser dadas, o desenvolvimento das leis e dos Estados-Sociais ao longo dos séculos
são igualmente marcados pela identificação de garantias aos indivíduos, sejam como
cidadãos particularmente considerados ou integrantes de uma coletividade .
Quanto a este sentido de reconhecimento do direito como fonte de nascimento
do conceito de dignidade da pessoa humana, pois, que surgem as variadas teorias a
respeito do Direito à Antidiscriminação. Não há como desconsiderar a Ciência do Direito,
minimamente, quando se tratam de garantias singulares-sociais.

Bases do direito antidiscriminatório:

Direitos
Humanos

Direitos 9
Fundamentais

De forma conceitual os direitos humanos referem-se ao constructo


internacional de proteção e garantias para todas as pessoas individualmente
consideradas. O só fato de “ser humano” já denota a obrigação do direito à vida, à
imagem, nacionalidade, honra e dignidade. Unânime na doutrina a afirmação de que os
direitos humanos dizem respeito aos sistemas intercontinentais de proteção do
homem como centro de sua existência.
Como forma de sistematização do exposto, vamos à seguinte tabela:

DIFERENÇA ENTRE DIREITOS HUMANOS E DIREITOS FUNDAMENTAIS


DIREITOS HUMANOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
Ligação com o direito internacional público, Positivados por um Estado específico. Tem
contando com a previsão em tratados e matriz constitucional.
documentos internacionais.
SEM força vinculante. COM força vinculante.
A doutrina finca os meandros históricos entorno dos direitos humanos e
fundamentais, como se vê:

[...] ao cabo da Segunda Guerra Mundial, após incontáveis massacres


e atrocidades de toda sorte, a humanidade compreendeu, mais do que
em qualquer outra época da história, o valor supremo do ser humano
e da dignidade humana. E foi no crepúsculo humanidade, quando as
violações de direitos faziam refletir sobre a essência da humanidade,
que se deu início ao processo de proteção internacional aos direitos
humanos, especialmente constatado com a criação da Organização das
Nações Unidas – ONU, regida pela Carta das Nações Unidas (1945), e
por meio da Declaração Universal dos Direitos Humanos e da
Convenção Internacional sobre a Prevenção e Punição do Crime de
Genocídio, ambas de 1948. (Segundo Preti & Lépore (2020).

No aspecto internacional, então, este é o eixo do debate, influenciado pelas


discussões acima em que a seguinte tese pode ser fixada: não é possível tratar o
homem/mulher, seja ele ou ela, quem for e de onde for, como uma “coisa”.
Destacamos então dois centros de nascedouro do direito à indiscriminação para
o ENAM: direitos humanos e direito nacional.
No primeiro espectro, destacam-se os tratados internacionais que ditam os 10
princípios básicos da humanidade: dignidade da pessoa humana, igualdade, liberdade,
preservação e valorização da imagem, direito à nacionalidade, fraternidade, dentre
outros. Quanto ao segundo eixo, temos a legislação nacional brasileira, onde se
destacam: Lei do Ventre Livre (Lei n. 2.040/1871); Lei dos Sexagenários (Lei gn.
3.270/1885); Lei Áurea (Lei n. 3.353/1888); até o maior avanço pela CF/88, dentre
outras.

1.2 MODALIDADES DE DISCRIMINAÇÃO

É crucial que você compreenda para o ENAM que a discriminação é um gênero


que comporta várias espécies, a depender do aspecto social invadido pelo agente ativo
da ação. Por sermos um país com desigualdades em diversos setores sociais, não apenas
racial, o olhar do CNJ é voltado para alguns vieses discriminatórios, a saber:

Discriminação às Mulheres
Discriminação Racial
Discriminação à Orientação Sexual
Discriminação aos Povos Originários
Discriminação Religiosa
Dessa forma, precisamos levar para a prova cada um dos seguimentos acima no
que diz respeito às decisões dos Tribunais Superiores (STF, STJ, TSE e TST) para o exame,
bem como os relatórios anuais referenciais sobre os dados de inclusão de cada um dos
grupos da Resolução 75 do CNJ.

O conceito de discriminação merece algumas considerações no


sentido de tornar mais clara sua compreensão e de facilitar sua
concretização no campo jurídico e nas políticas públicas.
Diferentemente do preconceito, que designa percepções mentais
e internas negativas em desfavor de indivíduos e grupos
socialmente inferiorizados, discriminação é a materialização de
atitudes arbitrárias, acarretando violações de direitos. O termo
preconceito é utilizado de maneira mais frequente nos domínios
da psicologia e das ciências sociais, enquanto o termo
discriminação é mais difundido no vocabulário jurídico. (Roger
Raupp Rios – UNISINOS/RS)

A DUDH (Declaração Universal dos Direitos Humanos) proclama que todos os


homens – mulheres de todos os gêneros e orientações incluem-se aqui, por óbvio, uma
vez que o texto normativo utiliza um método sociológico de abordagem – nascem livres
e iguais em dignidade e direitos e que cada indivíduo pode valer-se de todos os direitos
nela estabelecidos, sem distinção de qualquer espécie, principalmente de raça, cor ou 11
origem nacional.
Noutra monta, a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação contra a Mulher, interna ao ordenamento jurídico brasileiro pelo Decreto
nº 4.377/2022, afirma já em seu artigo 1º que a expressão "discriminação contra a
mulher" significará toda a distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo e que tenha
por objeto ou resultado prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício pela
mulher, independentemente de seu estado civil, com base na igualdade do homem e da
mulher, dos direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político,
econômico, social, cultural e civil ou em qualquer outro campo.
Para o filósofo Silvio Almeida, com coordenação de Djamila Ribeiro (RACISMO
ESTRUTURAL – Feminismos Plurais), a discriminação ocorre quando existem atos
materiais concretos para tratar de modo diverso um indivíduo ou grupo de indivíduos
em razão de características pessoais.
Quando alguém age para segregar um grupo de pessoas a partir de
demarcadores existenciais, haverá discriminação. É algo que transcende o plano interno
do subjetivo, ganhando manifestação no mundo dos fatos.
Relevante também para seu ENAM entender que há uma outra subclassificação
doutrinária que está sendo usada pelos Tribunais Superiores, especialmente o STF, e que
você precisa assimilar para a prova.
Destacamos dois tipos de discriminação4:

4
Precisamos ligar todos os alertas para a Disparate Impact Doctrine, abaixo o Curso Mege já te explica.
• Quando há atos materiais
explícitos contra uma
pessoa.
Direta
• É o ataque frontal, direto
e criminoso.

• É um método camuflado,
mas igualmente excludente.
Indireta
• Teoria do Impacto
Desproporcional.

Vamos a uma fundamentação direta do STF nos autos da ADI nº 5.355 j.


11/11/2021 que vai pode aparecer no seu ENAM (com grifos do Mege para facilitar a sua
vida):

[...] A discriminação indireta ou, mais especificamente, a disparate


12
impact doctrine, desenvolvida na jurisprudência da Suprema Corte
dos Estados Unidos a partir do caso Griggs v. Duke Power Co.,
caracteriza-se pelo impacto desproporcional que a norma exerce
sobre determinado grupo já estigmatizado e, portanto, seu efeito de
acirramento de práticas discriminatórias, independentemente de um
propósito discriminatório (CORBO, Wallace. Discriminação Indireta.
Lumen Juris: Rio de Janeiro, 2017. p. 123). 11. In casu, ao impedir o
exercício provisório do servidor na licença para acompanhamento de
cônjuges no exterior, o dispositivo sub examine atenta contra a
proteção constitucional à família e hostiliza a participação feminina
em cargos diplomáticos, ao lhe impor um custo social que ainda não
recai sobre os homens em idêntica situação. 12. O direito social ao
trabalho, consagrado na Constituição Federal em seus artigos 1º, IV, 6º,
e 170, constitui, a um só tempo, elemento fundamental da identidade
e dignidade humanas, ao permitir a realização pessoal plena do
sujeito como indivíduo e o pertencimento a um grupo; caráter
instrumental, ao viabilizar, pela retribuição pecuniária, o gozo de
outros direitos básicos; e natureza pública de integração
socioeconômica, ao atribuir ao trabalhador um papel ativo no
desenvolvimento nacional. 13. A inserção do direito social do
trabalho como fundamento da República Federativa do Brasil,
juntamente com o valor social da livre iniciativa, explicita ao
legislador e aos intérpretes as valorações políticas fundamentais da
Constituição, como princípio político constitucionalmente
conformador (GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na
Constituição de 1988. Malheiros: São Paulo, 2002, p. 240). 14. A
possibilidade de aproveitamento dos cônjuges e companheiros de
servidores do Ministério das Relações Exteriores promove vantagens
para a Administração Pública, aumentando a eficiência administrativa,
ao tornar mais atrativas tanto a carreira diplomática quanto o serviço
público. 15. A dignidade auferida pela realização profissional e pela
contribuição ao serviço público exorbita a correspondente
retribuição pecuniária, aspecto sabidamente essencial dessa
dignificação, razão pela qual os benefícios pagos aos agentes do SEB,
com vistas a mitigar os prejuízos financeiros decorrentes da
impossibilidade de trabalho do cônjuge no exterior ou de do
afastamento do agente de sua família, não têm o condão de
neutralizar a ofensa ao princípio do valor social do trabalho. 16. Ação
direta de inconstitucionalidade conhecida e julgado procedente o
pedido, para declarar a inconstitucionalidade do artigo 69 da Lei
federal 11.440/2006.

Megeana e Megeano, isso não vai demorar a ser cobrado com certo zelo
pelo(as) examinadores(as), e o ENAM é o momento certo para abordar uma questão
nessa linha. Atente-se ao fato de que a discriminação indireta é manifesta por leis, que
com fundo de legalidade e obediência ao ordenamento jurídico terminam por excluir
pessoas e grupos, por atos administrativos, de quaisquer dos Poderes da República, 13
sempre por meio de um disfarce para concessão de direitos.
Em seu ENAM, você precisa lembrar da máxima de Gustavo Zagrebelsky, pois o
direito injusto não é direito, da mesma forma a lei injusta ou o ato injusto do Estado
deve ser avaliado sob a ótica de contrapesos do federalismo nacional.
Outro julgado em que o STF também enfrentou a matéria diz respeito à
viabilidade de doação de sangue por pessoas da comunidade LGBTQIAPN+, vejamos com
destaques:

1. A responsabilidade com o Outro demanda realizar uma


desconstrução do Direito posto para tornar a Justiça possível e incutir,
na interpretação do Direito, o compromisso com um tratamento igual
e digno a essas pessoas que desejam exercer a alteridade e doar
sangue. 2. O estabelecimento de grupos – e não de condutas – de
risco incorre em discriminação e viola a dignidade humana e o direito
à igualdade, pois lança mão de uma interpretação consequencialista
desmedida que concebe especialmente que homens homossexuais
ou bissexuais são, apenas em razão da orientação sexual que
vivenciam, possíveis vetores de transmissão de variadas enfermidades.
Orientação sexual não contamina ninguém, condutas de risco sim. 2.
O princípio da dignidade da pessoa humana busca proteger de forma
integral o sujeito na qualidade de pessoa vivente em sua existência
concreta. A restrição à doação de sangue por homossexuais afronta a
sua autonomia privada, pois se impede que elas exerçam plenamente
suas escolhas de vida, com quem se relacionar, com que frequência,
ainda que de maneira sexualmente segura e saudável; e a sua
autonomia pública, pois se veda a possibilidade de auxiliarem àqueles
que necessitam, por qualquer razão, de transfusão de sangue. 3. A
política restritiva prevista na Portaria e na Resolução da Diretoria
Colegiada, ainda que de forma desintencional, viola a igualdade, pois
impacta desproporcionalmente sobre os homens homossexuais e
bissexuais e/ou seus parceiros ou parceiras ao injungir-lhes a
proibição da fruição livre e segura da própria sexualidade para
exercício do ato empático de doar sangue. Trata-se de
DISCRIMINAÇÃO INJUSTIFICÁVEL, tanto do ponto de vista do direito
interno, quanto do ponto de vista da proteção internacional dos
direitos humanos, à medida que pressupõem serem os homens
homossexuais e bissexuais, por si só, um grupo de risco, sem se
debruçar sobre as condutas que verdadeiramente os expõem a uma
maior probabilidade de contágio de AIDS ou outras enfermidades a
impossibilitar a doação de sangue. 4. Não se pode tratar os homens
que fazem sexo com outros homens e/ou suas parceiras como
sujeitos perigosos, inferiores, restringido deles a possibilidade de
serem como são, de serem solidários, de participarem de sua
comunidade política. Não se pode deixar de reconhecê-los como
membros e partícipes de sua própria comunidade. 5. Ação direta
julgada procedente, para declarar a inconstitucionalidade do inciso IV
do art. 64 da Portaria n. 158/2016 do Ministério da Saúde e da alínea
14
“d” do inciso XXX do art. 25 da Resolução da Diretoria Colegiada – RDC
n. 34/2014 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária.

Quanto ao aspecto étnico-racial, vamos aos seguintes importantes conceitos,


extraídos do Estatuto da Desigualdade Racial – Lei n. 12.288/2010, que precisam de uma
distinção técnica para sua compreensão do assunto:

Discriminação Racial ou Étnico-Racial: toda distinção, exclusão, restrição ou


preferência baseada em raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica que
tenha por objeto anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício, em
igualdade de condições, de direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos
político, econômico, social, cultural ou em qualquer outro campo da vida pública ou
privada;
Desigualdade Racial: toda situação injustificada de diferenciação de acesso e fruição
de bens, serviços e oportunidades, nas esferas pública e privada, em virtude de raça,
cor, descendência ou origem nacional ou étnica;
Desigualdade de Gênero e Raça: assimetria existente no âmbito da sociedade que
acentua a distância social entre mulheres negras e os demais segmentos sociais;
População Negra: o conjunto de pessoas que se autodeclaram pretas e pardas,
conforme o quesito cor ou raça usado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística (IBGE), ou que adotam autodefinição análoga;
Políticas Públicas: as ações, iniciativas e programas adotados pelo Estado no
cumprimento de suas atribuições institucionais;
Ações Afirmativas: os programas e medidas especiais adotados pelo Estado e pela
iniciativa privada para a correção das desigualdades raciais e para a promoção da
igualdade de oportunidades.

Modalidades de Discriminação

Segundo Maria Luiza Pinheiro Coutinho5:


Em regra, o preconceito é apontado como causa da
discriminação, ou seja, a causa é aquela opinião ou sentimento
concebido sem exame crítico; aquela ideia desfavorável formada
a priori, sem conhecimento ou ponderação dos fatos. De tal
modo, o preconceito, como fonte geradora da discriminação,
seria aquela ideia assumida em consequência da generalização
apressada de uma experiência pessoal, ou ainda, fruto da
intolerância e xenofobia. Do preconceito surgiram diversas
práticas discriminatórias, decorrentes da estigmatização do
outro.
Veremos alguns parâmetros apresentados pela doutrina que são bases fortes 15
para o ENAM nos próximos anos, tudo seguindo a linha da Resolução nº 75 do CNJ.

Discriminação em razão das relações de gênero

Aqui se inclui toda a onda misógina que encontre alguma razão na


superioridade entre homens sobre mulheres. A nossa própria Carta Magna é expressa
(e não por outra razão) em apresentar que mulheres e homens são iguais em direitos e
obrigações.
O mandamento inicial da República do Brasil é pautado no direito à igualdade,
já reflexiva e crítica, a respeito das garantias e privilégios que cada ser possui no espaço
nacional em razão, única e somente, do sexo.
Recordista em violência contra a mulher em decorrência de gênero, o Brasil foi
“obrigado” (sim, essa é a palavra correta após manifestação de Cortes Internacionais) a
legislar sobre a proteção da mulher em situação de vulnerabilidade.
Foi daí que surgiu a Lei nº 11.340/06, Lei Maria da Penha, que possui tal rótulo
exatamente pelo descaso reiterado que o Brasil possui em relação às mulheres em
situação de violência de gênero. Não bastasse a proteção às mulheres em situação de
vulnerabilidade, a referida legislação foi objeto de ação em alegada

5
Discriminação no Trabalho: Mecanismos de Combate à Discriminação e Promoção da Igualdade de Oportunidades.
inconstitucionalidade frente ao princípio da isonomia. Com destaque de Márcio André
Lopes Cavalcante a respeito deste julgado (com grifos do Mege):

Os Ministros julgaram em conjunto duas ações relacionadas com a Lei Maria da


Penha: A ADC n° 19, proposta pela Presidência da República, que tinha como objetivo
declarar constitucionais os arts. 1º, 33 e 41; A ADI n° 4.424, proposta pelo Procurador-
Geral da República, para o fim de dar interpretação conforme aos arts. 12, inciso I, 16
e 41, ambos da Lei nº 11.340/2006, e assentar a natureza incondicionada da ação
penal em caso de crime de lesão corporal, pouco importando a extensão desta,
praticado contra a mulher no ambiente doméstico.
Algumas consequências que vislumbramos ser decorrentes deste entendimento do
STF:
1) Se uma mulher sofrer lesões corporais no âmbito das relações domésticas, ainda
que leves, e procurar a delegacia relatando o ocorrido, o delegado não deve fazer
com que ela assine uma representação, uma vez que não existe mais representação
para tais casos. Bastará que o delegado colha o depoimento da mulher e, com base
nisso, havendo elementos indiciários, instaure o inquérito policial;
2) Como já exposto acima, em caso de lesões corporais leves ou culposas que a
mulher for vítima, em violência doméstica, o procedimento de apuração na fase pré-
processual é o inquérito policial e não o termo circunstanciado;
3) Se a mulher que sofreu lesões corporais leves de seu marido, arrependida e 16
reconciliada com o cônjuge, procura o delegado, o promotor ou o juiz dizendo que
gostaria que o inquérito ou o processo não tivesse prosseguimento, esta
manifestação não terá nenhum efeito jurídico, devendo a tramitação continuar
normalmente;
4) Se um vizinho, por exemplo, presencia a mulher apanhando do seu marido e
comunica ao delegado de polícia, este é obrigado a instaurar um inquérito policial
para apurar o fato, ainda que contra a vontade da mulher. A vontade da mulher
ofendida passa a ser absolutamente irrelevante;
5) É errado dizer que, com a decisão do STF, todos os crimes praticados contra a
mulher, em sede de violência doméstica, serão de ação penal incondicionada.
Continuam existindo crimes praticados contra a mulher (em violência doméstica)
que são de ação penal condicionada, desde que a exigência de representação esteja
prevista no Código Penal ou em outras leis, que não a Lei n° 9.099/95. Assim, por
exemplo, a ameaça praticada pelo marido contra a mulher continua sendo de ação
pública condicionada porque tal exigência consta do parágrafo único do art. 147 do
CP. O que o STF decidiu foi que o delito de lesão corporal, ainda que leve, praticado
com violência doméstica contra a mulher, é sempre de ação penal incondicionada
porque o art. 88 da Lei n° 9.099/95 não pode ser aplicado aos casos da Lei Maria da
Penha.
6) Os arts. 12, I e 16, da Lei Maria da Penha não foram declarados inconstitucionais.
O que o STF fez foi tão-somente dar interpretação conforme a Constituição a estes
dispositivos, confirmando que deveriam ser interpretados de acordo com o art. 41
da Lei. Em suma, deve-se entender que a representação mencionada pelos arts. 12, I
e 16 da Lei Maria da Penha refere-se a outros delitos praticados contra a mulher e
que sejam de ação penal condicionada, como é o caso da ameaça (art. 147 do CP),
não valendo para lesões corporais.

Em sua prova, lembre-se também que a discriminação em razão do gênero leva


às seguintes violências, dentre outras: violência sexual (cultura do estupro); assédio
moral; assédio sexual; chantagem; abusos das mais variadas formas.
O Mege destaca ainda os seguintes trechos de julgados e súmulas para o ENAM:

A Lei Maria da Penha objetiva proteger a mulher da violência doméstica e familiar


que, cometida no âmbito da unidade doméstica, da família ou em qualquer relação
íntima de afeto, cause-lhe morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico, e
dano moral ou patrimonial. Estão no âmbito de abrangência do delito de violência
doméstica e podem integrar o polo passivo da ação delituosa as esposas, as
companheiras ou amantes, bem como a mãe, as filhas, as netas do agressor e
também a sogra, a avó ou qualquer outra parente que mantém vínculo familiar ou
afetivo com ele. STJ. 5ª Turma. AgRg no AREsp 1626825-GO, Rel. Min. Felix Fischer,
julgado em 05/05/2020 (Info 671).
É irrelevante o lapso temporal da dissolução do vínculo conjugal para se firmar a
competência do Juizados Especiais de Violência Doméstica e Familiar contra a
Mulher nos casos em que a conduta imputada como criminosa está vinculada à 17
relação íntima de afeto que tiveram as partes. Assim, é necessário apenas que a
conduta delitiva imputada esteja vinculada à relação íntima de afeto mantida entre
as partes. STJ. 5ª Turma. HC 542.828/AP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca,
julgado em 18/02/2020.
A posterior reconciliação entre a vítima e o agressor não é fundamento suficiente
para afastar a necessidade de fixação do valor mínimo previsto no art. 387, inciso
IV, do CPP, seja porque não há previsão legal nesse sentido, seja porque compete à
própria vítima decidir se irá promover a execução ou não do título executivo, sendo
vedado ao Poder Judiciário omitir-se na aplicação da legislação processual penal que
determina a fixação do valor mínimo em favor da ofendida. CPP/Art. 387. O juiz, ao
proferir sentença condenatória: (...) IV - fixará valor mínimo para reparação dos
danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido; STJ.
6ª Turma. REsp 1819504-MS, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 10/09/2019 (Info 657).
Possível no ENAM 2024 - Súmula 536 do STJ: A suspensão condicional do processo e
a transação penal não se aplicam na hipótese de delitos sujeitos ao rito da Lei Maria
da Penha.
Possível no ENAM 2024 - Súmula 542 do STJ: A ação penal relativa ao crime de lesão
corporal resultante de violência doméstica contra a mulher é publica incondicionada.
Possível no ENAM 2024 - Súmula 588 do STJ: A prática de crime ou contravenção
contra a mulher com violência ou grave ameaça no ambiente doméstico impossibilita
a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos.
Possível no ENAM 2024 - Súmula 589 do STJ: É inaplicável o princípio da
insignificância nos crimes ou contravenção penais praticados contra a mulher no
âmbito das relações domésticas.
Possível no ENAM 2024 - Súmula 600 do STJ: Para configuração da violência
doméstica e familiar prevista no art. 5º da Lei 11.340/2006, Lei Maria da Penha, não
se exige a coabitação entre autor e vítima.

Discriminação em razão da raça

Somos um país multicultural desde a chegada dos europeus, porquanto


diversas categorias sociais de povos originários compunham nosso mapa. Esse aspecto
carrega consigo uma carga de vivências e etnias que compartilharam uma formação
plural.
À contramão dessa constatação, o racismo, seja ele direto ou estrutural, é
prática comum na sociedade. Marcador da indiferença e desigualdade, o racismo rasga
o país em uma civilização de privilégios estereotipados e indiferenças das mais graves
possíveis.
Historicamente, destaca Djamila Ribeiro (2019) 6:

18
[...] a sociedade escravista, ao transformar o africano em
escravo, definiu o negro como raça, demarcou o seu lugar, a
maneira de tratar e ser tratado, os padrões de interação com o
branco e instituiu o paralelismo entre cor negra e posição social
inferior.

Com foco especificamente no ENAM é extremamente importante extrairmos


alguns conceitos na contramão dessa perspectiva apontada pela autora, trazida pelo
Supremo Tribunal Federal nos autos do já citado HC n. 82.424 – caso Ellwanger.
Seu ponto de partida é a afirmação científica de que não existe raça,
biologicamente falando, tal conceito é fruto de um constructo social, que ao longo dos
anos diferenciou pessoas. Ao mesmo tempo em que a maioria das pessoas no Brasil
estão entre pretos e pardos, a violência social e institucional é gritante no aspecto
material às mesmas pessoas.
Ratificando a justificação jurídica dada pelo Supremo Tribunal Federal,
destacamos parte do estudo de Steve Orson – A História da Humanidade, 20037:

O DNA de todos os habitantes da Terra é tão semelhante108 que


não parece razoável usar a biologia para justificar o que são em
essência diferenças sociais (...) Mesmo a miscigenação genética

6
Obra: Pequeno Manual Antirracista.
7
Steve Orson. A História da Humanidade, Editora Campus, citado in: Sinapse. Jornal Folha de São Paulo, 28/01/03.
mais radical não é garantia de dissolução do preconceito, pois
esse é um fenômeno sócio-cultural e somente nesse plano pode
resolver-se”.

O preconceito que toma por base o caráter étnico das pessoas vai diretamente
contra a Constituição da República Federativa do Brasil vigente, o conteúdo ontológico
do constituinte foi pautado pela dignidade como substrato para a manutenção dos
direitos fundamentais.
Não há como coincidir em um mesmo ordenamento jurídico o racismo e uma
Carta Política Neoconstitucional.
Nas palavras de Maria Luiza Pinheiro Coutinho – OIT, Igualdade Racial:

Como o racismo é uma concepção que pressupõe a


superioridade de uma raça sobre outras, visando justificar
atitudes de preconceito e discriminação contra indivíduos
considerados inferiores, sua prática rompe com o princípio da
igualdade. Assim, racismo passa a ser entendido como uma
conduta discriminatória referente à raça, cor, descendência,
origem nacional ou étnica, que tenha por objeto ou efeito anular
ou restringir o reconhecimento, o gozo ou o exercício, em
condições de igualdade, dos direitos humanos e de liberdades 19
fundamentais, conforme se encontra definido na Convenção
sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial
(ONU/1966).

Ainda no mesmo sentido:

O legislador ordinário ampliou os critérios constitucionais ao


proibir a discriminação e o preconceito não somente em razão
da raça, cor e origem, mas também em face da procedência
nacional, da etnia, e da religião professada. Considerou várias
condutas como crime de racismo, que têm a agravante de ser
inafiançável e imprescritível (art. 5º , XLII, da CF/88 e Lei
7.716/89). Como norma de particular interesse para o objetivo
deste trabalho, cita-se aquela que proíbe “negar ou obstar
emprego em empresa privada”, por motivo de discriminação ou
preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional
(art. 4 o , da Lei n. 7.716/89).

Pós Constituinte de 1988, o Congresso Nacional obedece ao mandamento de


criminalização ínsito e cria a Lei nº 7.716/89 (melhor estudada no próximo tópico), com
a tipificação de várias condutas à luz dos ideais de igualdade.
Marca de uma sociedade racista estruturalmente, o sistema carcerário
brasileiro demonstra que o fator “cor” é relevante nas ações de controle formal do
crime. Dados estatísticos mostram que a população de presos no Brasil tem cor e classe
social.
A título de atualização social e aprofundamento na pauta vamos analisar o
SISDEPEN, que é a ferramenta de coleta de dados do sistema penitenciário brasileiro. Ele
concentra informações sobre os estabelecimentos penais e a população carcerária. O
SISDEPEN foi criado para atender a Lei nº 12.714/2012 que dispõe sobre o sistema de
acompanhamento da execução das penas, da prisão cautelar e da medida de segurança
aplicadas aos custodiados do sistema penal brasileiro.
As informações sobre os estabelecimentos penais, em posse da Secretaria
Nacional de Políticas Penais (Senappen), são resultado dos questionamentos presentes
no Formulário de Informações Prisionais, respondido de forma eletrônica via SISDEPEN,
semestralmente, por servidores indicados pelas administrações prisionais dos Estados,
Distrito Federal e do Sistema Penitenciário Federal. Os números colhidos e expostos
neste material para o ENAM (Exame Nacional da Magistratura) são de dezembro de
2023:

20

O vetor para maior destaque neste tópico do ponto:


Note que o somatório real em dezembro de 2023 é de 67,78% (sessenta e sete
vírgula setenta e oito por cento) de pessoas negras (pretos e pardos) presas e presos.
Olhar para este número em confronto com a realidade de juízas e juízes negras e negros
no Brasil choca imensamente, porque os números mostram o óbvio de um país que é
negro na prisão e branco na via da ascensão social.
Esta é uma preocupação real do CNJ (Conselho Nacional de Justiça). A política
de cotas raciais que possui caráter transitório não se mostrou totalmente efetiva em uma
década de existência. Noutra monta, o Estado do Brasil vive uma situação de “coisas
inconstitucional”, como os números acima exibem, sendo o racismo enraizado
institucionalmente.
É certo que não vamos conseguir esmiuçar todo o tema da discriminação em
razão da etnia neste ponto, contudo é importante que você leve para o ENAM esses
dados acima e as devidas constatações abordadas.
Não esqueça, como Juíza e Juiz no Brasil em 2024, que a melhor saída para a
desigualdade e preconceito oriundos dessas práticas parte do princípio da igualdade,
da dignidade humana, e da valorização do outro em sua pluralidade. O Brasil é um país
que necessita de reparações engendradas por você, como sujeito ativo do poder, com
respeito à cultura diversificada, arte, músicas, credos, línguas, dentre outros.

Discriminação em razão da origem 21

É outro tipo de discriminação que deve ser combatido em nosso ordenamento


jurídico. Segundo Maria Luiza Pinheiro Coutinho:

O critério origem, adotado pelo legislador como definidor de vedação


às práticas de preconceitos e discriminação, conforme dispõe a
Constituição ao estabelecer os objetivos fundamentais da República
brasileira (art. 3º , IV, da CF), quer significar o ponto de partida de uma
pessoa, que pode ser o local de nascimento (naturalidade), a
identificação dentro de uma cidade, estado ou país do qual a pessoa
procede, a identificação com determinada nação, a procedência
nacional (nacionalidade) ou, ainda, a proveniência de um grupo social,
de um povo ou etnia. Essa compreensão leva a crer que à inteligência
do critério diferenciador, origem, veda o preconceito, ou a
discriminação, em face da origem da pessoa, seja esta referente ao
local de procedência, à classe social da qual é oriunda, ou sua origem
étnica/ racial.

Relevante é notar que o critério origem, embora somente em seu


significado de procedência nacional, aparece elencado como motivo
proibitivo de práticas de discriminação e preconceito na Lei 7.716/89,
que define os crimes resultantes de racismo (raça ou cor). Aqui se
observa um racismo de natureza sócio-cultural porque fundado em
elementos outros que não raciais/étnicos. Observa-se também que
essa mesma substância vai informar o preconceito ou discriminação
em razão da origem interna do indivíduo (local de onde procede), ou
de sua classe social. Com efeito, o que se verifica sempre, na
discriminação em face da origem, é o caráter de inferioridade,
atribuído a alguém, que caracteriza a conduta racista, em razão de
diferenças raciais/ étnicas, culturais, sociais, econômicas ou religiosas,
referentes à origem da pessoa.

Segundo o dicionário brasileiro Priberam Online, xenofobia é o receio, medo ou


rejeição, direcionado a algo ou alguém que não faz parte do local onde se vive ou habita.
É uma forma de hostilidade voltada ao preconceito por “estrangeiros” (no sentido mais
amplo da palavra).

Discriminação em razão da idade

A Lei n. 10.741/03 afirma em seu art. 2º que o idoso goza de todos os direitos
fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que
trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades
e facilidades, para preservação de sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento
22
moral, intelectual, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade.
Razão de ser dessa legislação diz respeito a uma série de preconceitos e/ou
discriminações contra pessoas em razão de sua idade avançada.
O Estatuto do Idoso deve ser cobrado em sua inteireza no ENAM (Exame
Nacional da Magistratura), surge em 2003 para fixar o mandamento constitucional da
igualdade já referenciado: Todos são iguais perante a lei. Desde condutas esperadas pela
da família, Estado e segundo setor, aos crimes que podem ser praticados em razão do
desrespeito aos idosos, essa legislação é um marco na dignidade de todas as pessoas
que possuem idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos.
Insta destacar que no ano de 2022 foi editada a Lei nº 14.423 que alterou a Lei
nº 10.741, de 1º de outubro de 2003, para substituir, em toda a Lei, as expressões
“idoso” e “idosos” pelas expressões “pessoa idosa” e “pessoas idosas”,
respectivamente.
Destacamos para o ENAM 2024 alguns crimes específicos que podem ser
cobrados na prova:
Art. 96.
Art. 103. Negar Art. 104. Reter
Discriminar pessoa
acolhimento cartão
idosa

Art. 102.
Art. 97. Deixar
Apropriar-se de Art. 107. Coagir
prestar assistência
bens

Art. 99. Expor a Art. 108. Lavrar


Art. 98. Abandono
perigo ato notarial

Para um estudo interdisciplinar vamos analisar alguns julgados dos Tribunais


Superiores sobre o Estatuto da Pessoa Idosa de 2021 a 2023.

É constitucional — haja vista a competência suplementar dos estados federados


para dispor sobre proteção do consumidor (art. 24, V e § 2º, da CF/88) — lei estadual 23
que torna obrigatória a assinatura física de idosos em contratos de operação de
crédito firmados por meio eletrônico ou telefônico com instituições financeiras. STF.
Plenário. ADI 7027/PB, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 16/12/2022 (Info 1080).
É inconstitucional — por tratar de matéria que diz respeito a norma de direito
econômico e contrariar a disciplina conferida a benefício já previsto no art. 23 da Lei
federal nº 10.741/2003 (Estatuto do Idoso) — lei municipal que institui o acesso
gratuito de idosos às salas de cinema da cidade, de segunda a sexta-feira. STF. 2ª
Turma. ARE 1307028/SP, Rel. Min. Edson Fachin, redator do acórdão Ministro Gilmar
Mendes, julgado em 22/11/2022 (Info 1077).
Pessoas jurídicas sem finalidade lucrativa também precisam demonstrar essa
precariedade de sua situação financeira para terem direito à justiça gratuita? Em
regra, sim. Súmula 481-STJ: Faz jus ao benefício da justiça gratuita a pessoa jurídica
com ou sem fins lucrativos que demonstrar sua impossibilidade de arcar com os
encargos processuais. Contudo, existe uma exceção: As entidades beneficentes
prestadoras de serviços à pessoa idosa, em razão do seu caráter filantrópico ou sem
fim lucrativo e da natureza do público atendido, têm direito ao benefício da
assistência judiciária gratuita, independentemente da comprovação da insuficiência
econômica. Isso ocorre em razão da previsão específica do art. 51 do Estatuto do
Idoso: Art. 51. As instituições filantrópicas ou sem fins lucrativos prestadoras de
serviço às pessoas idosas terão direito à assistência judiciária gratuita. STJ. 1ª Turma.
REsp 1742251-MG, Rel. Min. Sérgio Kukina, julgado em 23/08/2022 (Info 746).
É absoluta a competência do local de domicílio do idoso nas causas individuais ou
coletivas versando sobre serviços de saúde, assistência social ou atendimento
especializado ao idoso portador de deficiência, limitação incapacitante ou doença
infectocontagiosa, ressalvadas a competência da Justiça Federal e a competência
originária dos tribunais superiores (arts. 79 e 80 da Lei nº 10.741/2003 e 53, III, e, do
CPC/2015). STJ. 1ª Seção. REsp 1896379-MT, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em
21/10/2021 (Tema IAC 10) (Info 718).

Discriminação em razão da pessoa com deficiência

A discriminação à pessoa com deficiência não é um fato contemporâneo. Desde


a Grécia e Roma antiga, que eliminavam as indivíduos com deficiência pela insuficiência
para o trabalho, esse tipo de prática é comum em todo o mundo. Passando pelas
atrocidades do holocausto, onde a “perfeição” seria critério para existência na terra, até
hoje, mesmo com toda a proteção legal e constitucional, pessoas com algum tipo de
deficiência não gozam da mesma dignidade que é merecedora qualquer ser humano
pelo só simples fato de existir.

Nas palavras de Maria Luiza Pinheiro Coutinho:

No caso brasileiro, a adoção de políticas de inserção social da


pessoa portadora de deficiência se fez abdicando-se de um 24
modelo clientelista, de proteção paternalista, que perpetuava
o preconceito, uma vez que a pessoa com deficiência era
considerada carente de piedade, em favor de uma política
protetiva de direitos, que viria a privilegiar a saúde, a
reabilitação, a educação profissional, voltada para as
necessidades do mercado e do emprego.
O legislador brasileiro, diante da exclusão social da pessoa com
deficiência, vítima do preconceito e da discriminação, se viu na
contingência de criar regras de condutas obrigatórias para sua
integração social, com pesadas sanções jurídicas, aplicadas aos
seus descumprimentos. Essas regras conferem a posição de
titular de direitos e garantias à pessoa com deficiência,
assegurando-lhe o pleno exercício de sua cidadania.

Impende lembrar ainda que o Decreto Legislativo n. 186/2008 aprovou o texto


da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e de seu Protocolo
Facultativo, assinados em Nova Iorque em 30 de março de 2007. Dessa forma, essa
legislação possui caráter constitucional, uma vez que aprovado pelo rito do §3º do art.
5º da CF/88, que assim prescreve: Os tratados e convenções internacionais sobre direitos
humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos,
por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas
constitucionais. (incluído pela EC n. 45/2004).
O ordenamento jurídico nacional deu total importância à dignidade das pessoas
com deficiências, de forma que seu Tratado tem natureza de Emenda Constitucional,
sendo parâmetro do controle abstrato de constitucionalidade. Lembre-se também para
o ENAM que que no ano de 2018 foi promulgado do TRATADO DE MARRAQUEXE para
facilitar o acesso a obras publicadas às pessoas cegas, com deficiência visual ou com
outras dificuldades para ter acesso ao texto impresso, firmado em Marraquexe em 27
de junho de 2013.
É mais um tratado internacional que adentra no ordenamento jurídico com
status de Emenda Constitucional, ou seja, parâmetro legal para o controle abstrato de
constitucionalidade juntamente com as demais normas constitucionais do corpo da CF
e ADCT que formam um bloco.
Alfim, destacamos a Lei n. 13.146/15 que deve ser cobrada em sua inteireza no
ENAM. Tal norma instituiu a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência
(Estatuto da Pessoa com Deficiência). Conjuntamente às demais normas constitucionais
veio para acrescer no critério igualdade formal e material de pessoas com algum tipo de
deficiência, retirando o estigma do preconceito e da indiferença que gera discriminação
no aspecto das incapacidades, punindo com reclusão aqueles que de alguma forma
praticarem, induzirem ou incitarem discriminação de pessoa em razão de sua deficiência,
seja ela qual for.
Destacamos alguns julgados envolvendo a Lei de Inclusão das Pessoas com
Deficiências (2021 a 2023) que podem ser objeto que questionamento no ENAM 2024.
25
É inconstitucional lei estadual que: a) reduza o conceito de pessoas com deficiência
previsto na Constituição, na Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas
com Deficiência, de estatura constitucional, e na lei federal de normas gerais; b)
desconsidere, para a aferição da deficiência, a avaliação biopsicossocial por equipe
multiprofissional e interdisciplinar prevista pela lei federal; ou c) exclua o dever de
adaptação de unidade escolar para o ensino inclusivo. A competência legislativa
suplementar (art. 24, XIV e § 2º, da CF/88) não autoriza que determinada unidade
federativa restrinja o conteúdo de lei federal quanto ao alcance da proteção destinada
às PcD — seja com a segregação daqueles com tipo de deficiência específica, seja com
a modificação dos critérios para aferição da deficiência — ou, ainda, no que diz
respeito à valorização e priorização do ensino inclusivo. STF. Plenário. ADI 7.028/AP,
Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 19/6/2023 (Info 1099).
O veículo adaptado para pessoa com mobilidade reduzida pode ter sua
impenhorabilidade reconhecida, desde que efetivamente demonstrada sua
essencialidade no caso concreto. Caso hipotético: o Banco ingressou com execução
de título extrajudicial contra X. O juízo de primeiro grau determinou a penhora de um
veículo HYUNDAI/CRETA, ano 2018, que estava em nome de X. A executada recorreu
pedindo a reforma da decisão sob o fundamento de que esse veículo seria
impenhorável, considerando que a devedora possui artrodese no retropé direito, o
que gera limitações em suas atividades laborais diárias e que esse veículo é adaptado
para sua condição física. X explicou ainda que, inclusive, detém Carteira Nacional de
Habilitação Especial. O STJ concordou com argumentos da autora. STJ. 4ª Turma. AgInt
no REsp 1.945.680-SP, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 12/6/2023 (Info 12 – Edição
Extraordinária).
Compete à União regular o mercado de planos de saúde, o que inclui a normatização
da matéria (art. 22, VII, CF/88), bem como toda a fiscalização do setor (art. 21, VIII,
CF/88). Tese fixada pelo STF: “É inconstitucional, por violação à competência da União
para legislar sobre direito civil e seguros (art. 22, I e VII, CF/88), lei estadual que
estabelece obrigações contratuais para operadoras de planos de saúde.”. STF. Plenário.
ADI 7208/MT, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 27/3/2023 (Info 1088).
Para a de concessão do Benefício de Prestação Continuada - BPC à pessoa com
deficiência, disciplinado na Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS, não cabe ao
intérprete da lei fazer imposição de requisitos mais rígidos do que aqueles previstos
para a sua concessão. Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada,
o art. 20 da Lei nº 8.742/93 não exige determinado grau de incapacidade para fins de
configuração da deficiência, não cabendo ao intérprete da lei a imposição de
requisitos mais rígidos do que aqueles previstos para a sua concessão. STJ. 2ª Turma.
REsp 1.962.868-SP, Rel. Min. Assusete Magalhães, julgado em 21/3/2023 (Info 770).
A enfermidade ou doença mental, ainda que tenha sido estabelecida a curatela, não
configura, por si, elemento suficiente para determinar que a pessoa com deficiência
não tenha discernimento para os atos da vida civil. . STF. Plenário. RE 918315/DF, Rel.
Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 16/12/2022 (Repercussão Geral – Tema 1.096)
(Info 1080).
É constitucional lei estadual que prevê a reserva de assentos especiais a serem 26
utilizados por pessoas obesas, correspondente a 3% dos lugares em salas de
projeções, teatros e espaços culturais localizados em seu território e a, no mínimo,
2 lugares em cada veículo do transporte coletivo municipal e intermunicipal. STF.
Plenário. ADI 2477/PR e ADI 2572/PR, Rel. Min. Roberto Barroso, julgados em
21/10/2022 (Info 1073).
É formalmente inconstitucional lei estadual que estabelece obrigações referentes a
serviço de assistência médico-hospitalar que interferem nas relações contratuais
estabelecidas entre as operadoras de planos de saúde e seus usuários. STF. Plenário.
ADI 7029/PB, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 6/5/2022 (Info 1053).
Depois do Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015), que alterou os
arts. 3º e 4º do Código Civil, não é mais possível declarar como absolutamente
incapaz o maior de 16 anos que, em razão de enfermidade permanente, encontra-
se inapto para gerir sua pessoa e administrar seus bens de modo voluntário e
consciente. A Lei nº 13.146/2015 teve por objetivo assegurar e promover a inclusão
social das pessoas com deficiência física ou psíquica e garantir o exercício de sua
capacidade em igualdade de condições com as demais pessoas. A partir da entrada
em vigor da referida lei, só podem ser considerados absolutamente incapazes os
menores de 16 anos, ou seja,o critério passou a ser apenas etário, tendo sido
eliminadas as hipóteses de deficiência mental ou intelectual anteriormente previstas
no Código Civil. O instituto da curatela pode ser excepcionalmente aplicado às pessoas
com deficiência, ainda que agora sejam consideradas relativamente capazes, devendo,
contudo, ser proporcional às necessidades e às circunstâncias de cada caso concreto
(art. 84, § 3º, da Lei nº 13.146/2015). STJ. 3ª Turma. REsp 1927423/SP, Rel. Min. Marco
Aurélio Bellizze, julgado em 27/04/2021 (Info 694).

1.3 LEGISLAÇÃO ANTIDISCRIMINAÇÃO NACIONAL E INTERNACIONAL

TRÍADE LEGISLATIVA

Nas palavras de José Afonso da Silva:

A discriminação é proibida expressamente, como consta no art. 3º, IV da Constituição


Federal, onde se dispõe que, entre os objetivos fundamentais da República Federativa
do Brasil, está: promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo,
cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Proíbe-se, também, a
diferença de salário, de exercício de fundações e de critério de admissão por motivo
de sexo, idade, cor, estado civil ou posse de deficiência (art. 7º, XXX e XXXI). (2014,
apud SILVA, 2003, p. 222

O Direito Antidiscriminatório é a própria evolução da concepção constitucional


de igualdade, alimentado pela dignidade da pessoa humana e por ideais de liberdade 27
individual.
No aspecto nacional, destaca-se como primeira Legislação Antidiscriminatória
a Lei n. 2.040/1871, batizada de Lei do Ventre Livre. Foi símbolo inicial do fim do trabalho
escravo no Brasil – ainda sem abolição. Uma segunda legislação foi a Lei n. 3.270/1885,
chamada de Lei dos Sexagenários, e promovia a liberdade de pessoas escravizadas com
mais de 60 (sessenta) anos de idade. Como poucas pessoas escravizadas chegavam a
essa idade, era de pouquíssima efetividade, sendo ainda violenta por obrigar a pessoa
escravizada a trabalhar por 3 (três) anos após completar a idade para o “patrão”, pessoa
que escravizava pessoas. Terceiro momento, por sua vez, existiu a Lei n. 3.353/1888 –
Lei Áurea. Essa, e as duas anteriores, diz respeito ao aspecto trabalho das pessoas
escravizadas. A partir da Lei Áurea o indivíduo escravizado tornava-se cidadão, com
direitos e obrigações ante a sociedade nacional, contudo diversas agruras sociais
persistem, pois era negado o acesso a pessoas negras nos espaços empregatícios e
comerciais.
É considerada a tríade cível do início do Direito Antidiscriminatório:

1ª 2ª 3ª

• Lei nº 2.040/1871 • Lei nº 3.270/1885 • Lei nº 3.353/1888


• Ventre Livre • Sexagenários • Lei Áurea
DEMAIS NORMAS ANTIDISCRIMINATÓRIAS

A primeira norma com caráter punitivo data de 1951. Trata-se da Lei n. 1.390
de 1951 conhecida como Lei Afonso Arinos. Criou a figura da contravenção penal
voltada à prática de atos resultantes de preconceito de raça ou cor.
Em um segundo momento destacou-se a Lei Afonso Arinos II, Lei n. 7.437/1985,
incluindo no rol de práticas consideradas contravenções penais aquelas praticadas em
detrimento de sexo ou estado civil, para além das condutas já presentes: raça e cor.
No ano de 1989, pós constituinte vigente, surge a Lei Caó (Lei n. 7.716/1989),
sendo um avanço no Direito Antidiscriminatório do Brasil. O Congresso Nacional, como
dito, fixou pena de reclusão conforme mandamento de criminalização da CF/88, art. 5º,
XLIII. Surge a figura do crime de preconceito em razão da raça, cor, etnia, religião e
procedência nacional.
Destacamos ainda para o ENAM outras leis que vieram no sentido de aprimorar
a então Lei Caó, com alargamento das normas penais antidiscriminatórias. São tais:

• Lei n. 9.459/1997 – Acrescenta o §3º ao art. 140 do Código Penal;


• Lei n. 12.228/2010 – Instituiu o Estatuto da Desigualdade Racial (muito
importante sua leitura para provas de Magistratura, sobretudo com


essas novas exigências);
Lei n. 14.532/2023 – Altera a Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989 (Lei
28
do Crime Racial), e o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940
(Código Penal), para tipificar como crime de racismo a injúria racial,
prever pena de suspensão de direito em caso de racismo praticado no
contexto de atividade esportiva ou artística e prever pena para o
racismo religioso e recreativo e para o praticado por funcionário público.

DIREITO INTERNACIONAL E DIREITO ANTIDISCRIMINATÓRIO

No campo internacional é necessário lembrar do grande apogeu no mundo em


que a liberdade e igualdade foram razão máxima para revolução: França, 1789. Foi o
momento histórico em que a sociedade civil exigiu a quebra do absolutismo monárquico
e a ascensão da burguesia pelo império da leis. Contudo, contradição estava formada,
uma vez que os direitos humanos eram conclamados como razão da revolução, ao
mesmo tempo em que mulheres e pessoas negras eram deixadas de lado.
No ano de 1948 surge um grande documento que prevê importantes
disposições antidiscriminatórias: Declaração Universal dos Direitos Humanos, que
estará no Edital ENAM 2024 no tópico de Direitos Humanos. Essa foi celebrada pela
Organização Geral das Nações Unidas, pós segunda grande guerra, e fez constar a
proibição de qualquer tipo de discriminação em seu art. 7º, bem assim qualquer fator
de discriminação de indivíduos (art. 2º), bem como a vedação ao tráfico e escravidão em
seu art. 4º.
Temos um grande passo no desenvolvimento internacional do Direito
Antidiscriminatório a partir da DUDH.
Imbuído pela lógica dos direitos humanos e sua evolução contemporânea,
destaca-se ainda a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação Racial, do ano de 1965, ratificado pelo Brasil pelo DL n. 65.810/1968.
No Edital ENAM 2024 deve aparecer expressamente este decreto, por isso
trazemos para sua leitura pontos importantes com destaques para o foco interdisciplinar
crítico.

1. Nesta Convenção, a expressão “discriminação racial” significará qualquer distinção,


exclusão restrição ou preferência baseadas em raça, cor, descendência ou origem
nacional ou étnica que tem por objetivo ou efeito anular ou restringir o
reconhecimento, gozo ou exercício num mesmo plano,( em igualdade de condição),
de direitos humanos e liberdades fundamentais no domínio político econômico,
social, cultural ou em qualquer outro domínio de vida pública (já abordado no início
do ponto).
2. Esta Convenção não se aplicará às distinções, exclusões, restrições e preferências
feitas por um Estado Parte nesta Convenção entre cidadãos e não cidadãos.
3. Nada nesta Convenção poderá ser interpretado como afetando as disposições
legais dos Estados Partes, relativas a nacionalidade, cidadania e naturalização, desde
que tais disposições não discriminem contra qualquer nacionalidade particular. 29
4. Não serão consideradas discriminação racial as medidas especiais tomadas com
o único objetivo de assegurar progresso adequado de certos grupos raciais ou
étnicos ou de indivíduos que necessitem da proteção que possa ser necessária para
proporcionar a tais grupos ou indivíduos igual gozo ou exercício de direitos humanos
e liberdades fundamentais, contando que, tais medidas não conduzam, em
consequência, à manutenção de direitos separados para diferentes grupos raciais e
não prossigam após terem sidos alcançados os seus objetivos (é o que a jurisprudência
no Brasil chama de discriminação positiva8).

1.4 CONCEITOS FUNDAMENTAIS DO RACISMO

De início, é importante você relacionar para o ENAM 2024 as legislações e


documentos que fundamentam o conceito e são objetos de cobrança pelas(os)
examinadoras(es) de magistratura.
Abaixo relacionamos para leitura seca da lei (o que ainda apresentaremos em
outro formato para apoio na turma de ponto a ponto):

8
A discriminação positiva possui como intuito trazer a chamada Justiça Social. Ela procura estabelecer
equilíbrio e garantias para pessoas que, historicamente, encontram-se em grupos excluídos pela
sociedade.
• Constituição da República Federativa do Brasil/1988, Art. 1º, II e III – Art. 3º,
IV – Art. 4º, II e VIII – Art. 5º, caput, I, IV, IX, XLI, XLII e § 2º – Art. 220.
• Declaração Universal dos Direitos Humanos/1948, Art. 1º.
• Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação Racial/1965 (promulgada pelo Decreto 65.810/1969), Art. 1º.
• Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos/1966 (promulgado pelo
Decreto 592/1992), Art. 20, item 2.
• Resolução 623/1998 da Assembleia Geral da ONU, Item 17.
• Declaração de Durban/2001, Item 61 – Item 86.
• Lei 7.716/1989 (Lei dos Crimes Raciais).

A etimologia no estudo da(o) concurseira(o) é uma das fontes que maximizam


o aprendizado, potencializam o ganho literário via complexas leituras e vivências
dogmáticas. Dizer isso no começo de um tópico em que um ponto tão dimensional será
trabalhado significa voltar os olhos para cada detalhe mínimo da formação lexical do
termo racismo.
O sufixo “ismo” é utilizado pelos filósofos e epistemológicos das ciências
jurídicas para indicar alguma doutrina ou mesmo crença, o que impõe o termo ‘racismo’
como uma ‘ideologia’ social. Explica:

É nesse sentido que a expressão começa a ser utilizada a partir


da década de 1920 e conceituada em termos acadêmicos na
30
década de 1940. Em um trabalho pioneiro no uso do neologismo,
Ruth Benedict definiu racismo como “o dogma segundo o qual
um grupo étnico está condenado pela natureza à inferioridade
congênita e outro grupo está destinado à superioridade
congênita” (Benedict, 1945, p. 87).
Já na década de 1960, Pierre Van Den Berghe o conceituou como
“um conjunto de crenças de que diferenças orgânicas, genéticas
transmitidas (reais ou imaginadas) entre grupos humanos estão
intrinsecamente associadas com a presença ou a ausência de
certas habilidades ou características socialmente relevantes”
(Van Den Berghe, 1967, p. 11).

Nas exatas palavras de Miguel Reale Júnior, o racismo é uma realidade social e
política, sem nenhuma referência à raça enquanto caracterização física ou biológica,
como, aliás, as ciências sociais hoje em dia indicam – aqui há um concreto conceito
sobre o racismo no Brasil.
Sobre este enfoque, o STF nos autos do HC nº 84.4249 (Caso Ellwanger muito
cobrando em provas de magistratura, certamente será lembrado no ENAM – Exame
Nacional da Magistratura) afirma que limitar o racismo à simples discriminação de raças,
considerando apenas o sentido léxico ou comum do termo, implica a própria negação do
princípio da igualdade, abrindo-se a possibilidade de discussão sobre a limitação de

9
Voto do Rel. p/ o ac. Min. Maurício Corrêa, j. 17-9-2023, P DJ de 19-3-2004.
direitos a determinada parcela da sociedade, o que põe em xeque a própria natureza e
prevalência dos direitos humanos.
Ligado ao aspecto tecnológico mais atual (A.I. – Inteligência Artificial), ao
indagar sobre o que é racismo no contexto mundial temos a seguinte resposta, que pode
variar a depender dos comandos ao sistema ou das fontes pela inteligência buscadas:

O racismo é uma crença, atitude ou prática que se baseia na ideia de


que as raças humanas têm características inerentes que as tornam
superiores ou inferiores umas em relação às outras. Ele geralmente se
manifesta como discriminação, preconceito ou hostilidade em relação
a pessoas de outras raças, étnicas ou origens étnicas. O racismo pode
se manifestar de várias maneiras, incluindo: DISCRIMINAÇÃO RACIAL:
Tratar pessoas de maneira injusta ou desigual com base em sua raça
ou etnia, negando a elas oportunidades, direitos ou tratamento
igualitário. Preconceito racial: Ter atitudes negativas ou estereótipos
injustos em relação a pessoas de uma raça diferente, frequentemente
resultando em tratamento injusto ou hostil.
VIOLÊNCIA RACIAL: Agir de forma violenta ou agressiva em relação a
pessoas de outra raça com base em sua origem étnica.
RACISMO INSTITUCIONAL: Refere-se a práticas, políticas ou sistemas
em instituições sociais, governamentais e econômicas que perpetuam
a desigualdade racial, mesmo sem a presença de indivíduos
31
intencionalmente racistas.
MICROAGRESSÕES RACIAIS: Comentários, ações ou atitudes sutis e
frequentemente não intencionais que desvalorizam ou marginalizam
pessoas de outras raças, contribuindo para um ambiente hostil. O
racismo é amplamente condenado e é considerado uma violação dos
direitos humanos fundamentais. Muitos países têm leis e políticas
destinadas a combater o racismo e promover a igualdade racial. Além
disso, movimentos sociais, como o movimento pelos direitos civis nos
Estados Unidos e outros em todo o mundo, têm lutado contra o
racismo e pela justiça racial.
É importante reconhecer o racismo e trabalhar para combatê-lo,
promovendo a igualdade, o respeito e a valorização de todas as
pessoas, independentemente de sua raça ou origem étnica10.

Interessante no cenário dialógico notar que inteligência artificial traz um


alimento literário crítico e contemporâneo do conceito de racismo.
Alinhado às críticas já citadas, vivemos um processo ideológico que não carrega
em si disfunção fisiológica ou genética, em apartheid, da raça humana. É no campo social
e estrutural que o racismo impera, no psíquico humano de que a cor, ser retinto, carrega
intrínseco algo relés, pífio e demoníaco, algoz ao padrão dominante discriminatório.

10
Chat OpenAI em 06/12/2023.
Ainda no Caso Ellwanger – que deve ser citado em sua prova na primeira
oportunidade à examinadora ou examinador, seja fase discursiva ou oral – o STF aborda
a relação jurídica de imprescritibilidade do racismo no Brasil, informando que a Carta
Magna, ad perpetuam rei memoriam, verberado o repúdio e a abjeção da sociedade
nacional a tal prática desumana, condiciona cláusula de atemporalidade para o processo
e condenação judicial, para que se impeça a reinstauração de velhos e ultrapassados
conceitos que a consciência jurídica não mais admite.
Vejamos os pontos reflexivos de fundamentação usados pelo STF no HC nº
82.424, destaques que você precisa usar como fundamentos na hora do Exame Nacional
da Magistratura:

Definição de Raça

Fenômeno Social
Caso Elwanger

Definição de Discriminação

Papel do Estado

Incitação ao Racismo
32

Limites da Liberdade de Expressão

Sob um olhar crítico à utopia narrada pelo Supremo Tribunal Federal, vige
realidade brutal no Brasil que destoa o mundo do direito numa contradição literal com
o social. Quanto mais anos se passam, mesmo com toda a legislação aqui abordada e
pela serena jurisprudência dos Tribunais Superiores na clara interpretação
(hermenêutica) da norma jurídica, vige no homem negro e mulher negra (pretos e
pardos) uma dor existencial enterrada tão profundamente no subconsciente que é difícil
mensurar um tranquilizante.
Ainda nessa linha de ideia da Corte Máxima, o Mege destaca:
Fala-se que essa cláusula de imprescritibilidade que a Constituição
Federal inseriu no inciso XLII do art. 5º é uma perversidade. Na minha
opinião, não; na verdade constitui um avanço de relevo. O fato de ser
o Brasil o único país que positivou a imprescritibilidade desse tipo de
delito em sua Carta Política torna-se, na verdade, uma extraordinária
conquista para o mundo contemporâneo, e a decisão que ora
concluímos e que examina os contornos de aplicação do inciso XLII do
art. 5º da Constituição, de extrema magnitude e eminentemente
emblemática para o Direito Comparado.

Mais próximo dos dias atuais, por meio do ARE nº 988.601 de relatoria do
Ministro Dias Toffoli (j. 16-9-2016), infirmou-se que o crime de racismo está sujeito às
cláusulas de inafiançabilidade e imprescritibilidade, conforme prevê o art. 5º da CF/88:
A prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de
reclusão, nos termos da lei. Este dispositivo é mega importante para sua prova do Exame
Nacional da Magistratura, inclusive para citá-lo de cabeça em futura prova oral,
demonstrando cuidado devido e a empatia jurídica que a situação impõe.
Destaque para sua prova e que não pode faltar em sua resposta é a
compreensão de que o conceito de racismo assume, no desenvolvimento
epistemológico das ciências sociais e aplicadas, um viés social – não esqueça disso. É tal
percepção do direito que os examinadores e as examinadoras exigem das candidatas e
candidatos. O Mege explica: 33
Escrever, editar, divulgar e comerciar livros "fazendo apologia de ideias
preconceituosas e discriminatórias" contra a comunidade judaica (Lei
7.716/1989, art. 20, na redação dada pela Lei 8.081/1990) constitui
crime de racismo sujeito às cláusulas de inafiançabilidade e
imprescritibilidade (CF, art. 5º, XLII). Aplicação do princípio da
prescritibilidade geral dos crimes: se os judeus não são uma raça,
segue-se que contra eles não pode haver discriminação capaz de
ensejar a exceção constitucional de imprescritibilidade. Inconsistência
da premissa. [HC 82.424, red. do ac. min. Maurício Corrêa, j. 17-9-
2003, P, DJ de 19-3-2004.]

Precisamos relacionar o racismo em sua dimensão social na hora da prova, pois


esta abarca as novas relações jurídicas ofensivas à dignidade da pessoa humana no
decorrer dos anos. Anteriormente ao posicionamento mais recente do Supremo Tribunal
Federal quanto aos casos reais de LGBTQIAPN+fobia existia um bem jurídico protegido
pela norma constitucional sem nenhuma defesa padrão das pessoas, o que é impensável
no plano jurídico constitucional.
Exatamente por esta razão o Supremo Tribunal Federal enfrenta a matéria com
afinco e justeza (com grifos chaves do Mege para provas jurídicas):
Até que sobrevenha lei emanada do Congresso Nacional destinada a
implementar os mandados de criminalização definidos nos incisos XLI
e XLII do art. 5º da Constituição da República, as condutas
homofóbicas e transfóbicas, reais ou supostas, que envolvem aversão
odiosa à orientação sexual ou à identidade de gênero de alguém, por
traduzirem expressões de racismo, compreendido este em sua
dimensão social, ajustam-se, por identidade de razão e mediante
adequação típica, aos preceitos primários de incriminação definidos
na Lei nº 7.716, de 08/01/1989, constituindo, também, na hipótese de
homicídio doloso, circunstância que o qualifica , por configurar motivo
torpe (Código Penal, art. 121, § 2º, I, in fine). (...) Os integrantes do
grupo LGBTI+, como qualquer outra pessoa, nascem iguais em
dignidade e direitos e possuem igual capacidade de
autodeterminação quanto às suas escolhas pessoais em matéria
afetiva e amorosa, especialmente no que concerne à sua vivência
homoerótica. Ninguém, sob a égide de uma ordem democrática justa,
pode ser privado de seus direitos (entre os quais o direito à busca da
felicidade e o direito à igualdade de tratamento que a Constituição e
as leis da República dispensam às pessoas em geral) ou sofrer qualquer
restrição em sua esfera jurídica em razão de sua orientação sexual ou
de sua identidade de gênero! Garantir aos integrantes do grupo LGBTI+
a posse da cidadania plena e o integral respeito tanto à sua condição
quanto às suas escolhas pessoais pode significar, nestes tempos em
que as liberdades fundamentais das pessoas sofrem ataques por
34
parte de mentes sombrias e retrógradas, a diferença essencial entre
civilização e barbárie. [ADO 26, rel. min. Celso de Mello, j. 13-6-2019,
P, DJE de 6-10-2020.]

O que o relator do presente caso – ainda Ministro Celso de Mello – afirma é que
não é dado ao sujeito em um Estado Democrático de Direito a possibilidade de praticar
condutas desumanas e preconceituosas contra outrem pelo só fato de se pertencer à
comunidade LGBTQIAPN+.

Cogitar que alguém tenha “liberdade de expressão” para poder dizer tudo que quiser
sem ao menos mensura a dor existencial do outro é permitir uma civilização bárbara,
é nesse sentido hermenêutico visivelmente justo que se manifesta o Supremo Tribunal
Federal.

A título exemplificativo, é possível alguém dizer à você que gosta da cor azul
ou verde, que as duas somente são cores válidas e nenhuma outra é bonita ou digna
de compor uma vestimenta que alguém compre no shopping center. Outro pode, no
entanto, induzir pensamento semelhante, mas sobre a cor amarela ou laranja.
Isso são opiniões sobre alguma coisa, pois não machucam e destroem o
sentimento pessoal de ninguém.
De forma contrária, achar que externar qualquer fala sobre a sexualidade do
outro – de mais simples à mais profana – é um direito ou uma liberdade, impõe
assumir uma visão diabólica da vida, do outro ser. O respeito não é algo comprável,
negociável ou barganhado numa feira, mas impositivo e limitado ao sentimento do outro
– sim, ao sentimento.
Entendendo melhor o que está dentro do conceito de racismo, então
relacionado ao social e não unicamente ao fisiológico, precisamos ter em mente que o
Exame Nacional da Magistratura abordará os tipos de racismos existentes, com um olhar
específico sobre a generalidade que já conhecemos.

1.5 TIPOS DE RACISMOS

Racismo Individual

Aqui é a ação mais brutal e escancarada do racismo.


Enquanto as outras modalidades são discretas em suas posições
discriminatórias, no racismo individual a pessoa criminosa possui uma falsa ideia de
supremacia tão exagerada que externa publicamente o ódio.
Tem sido comum no Brasil – vide noticiários – entregadores e Motoboys de
delivery serem atacados por clientes que possuem esta ação individual do racismo. 35
Neste ponto a conduta é descarada e desumana, numa tentativa de reduzir o outro
simplesmente pela cor, com a postura mais vil e impactante da desigualdade social do
país.
Não tem muitos dias que esta imagem circulou nas redes sociais (publicamente)
no Brasil – a título de exemplo, para que não fique dúvidas na sua prova da magistratura
nacional, esta é uma conduta criminosa que clarifica bem o que é o racismo individual:
Racismo Estrutural

Trata-se de uma postura racista enraizada na sociedade, no consciente social,


de tal forma que o modo de pensar das pessoas, do brasileiro e da brasileira, deduz
automaticamente atitudes preconceituosas e excludentes às pessoas negras.
Frases como “Coisa de preto” “Fazer nas coxas” “Humor negro” “Criado mudo”
exemplificam que “é normal” atribuir conceitos pejorativos à qualidade retinta de outra
pessoa. “Negro parado é suspeito, correndo é ladrão” é uma expressão que você
certamente conhece. Se perguntar, mentalmente, o porquê da existência em nosso
vocabulário, no seu dia a dia, faz parte de uma postura combativa para superar o mal do
racismo estrutural na sociedade brasileira.
O racismo estrutural é uma herança discriminatória do período escravocrata em
nosso país, a falta de medidas e ações que integrassem pessoas negras (pretos e pardos)
na civilização gerou um ambiente desigualitária, culturalmente encarceradora de
pessoas negras (pretos e pardos) e capitalmente selecionadora dos corpos pela cor.
O tema é debatido de forma recorrente no STF. Abaixo listamos 2 notícias do
site da corte com destaques de processos que envolvem a temática. No HC 20824011 foi
enfatizado no debate uma visão de tratamento estigmatizado em alusão ao racismo
estrutural. Neste processo manifestaram-se representantes de diversas instituições:
Conectas Direitos Humanos, Iniciativa Negra Por Uma Nova Política Sobre Drogas,
Instituto de Defesa do Direito de Defesa - Marcio Thomaz Bastos (IDDD), Coalisão Negra
por Direitos e Instituto Referência Negra Peregum, Educafro Brasil, Grupo de Advogados 36
pela Diversidade Sexual e de Gênero, Instituto de Defesa dos Direitos das Religiões Afro-
brasileiras (Idafro), Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim), Justa e Defensoria
Pública do Estado do Rio de Janeiro.
De forma geral, essas entidades argumentaram que houve uma abordagem
policial discriminatória e que a prova obtida era ilícita, uma vez que foi apoiada em
racismo estrutural e na criminalização do corpo negro da maioria da população pobre.
De acordo com as manifestações, esse tratamento estigmatizado leva o Estado
a utilizar protocolos subjetivos e inconscientes, com comportamentos automatizados e
práticas sutis de desvalor, opressão e exclusão das pessoas negras. Para os advogados
dessas instituições, os agentes policiais não podem discriminar nenhum cidadão em
razão da cor de sua pele. Eles também observaram que o perfilamento racial tem sido
condenado em cortes internacionais.
Autora da ação, a DPE-SP também defendeu a ilicitude da prova que embasou
a condenação.

11
https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=503355&ori=1
Em Novembro de 2023, foi realizada a 1ª Jornada Justiça e Equidade Racial. o
presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ),
ministro Luís Roberto Barroso, destacou os avanços e o engajamento do Poder Judiciário
em relação às questões raciais. Ação inédita realizada pela cúpula da Justiça brasileira, o
evento tem como compromisso combater o racismo estrutural e institucional no Poder
Judiciário, a fim de ampliar oportunidades e garantir um futuro mais inclusivo.
O site do STF destacou os seguintes pontos12:
Privilégios
Para o presidente do STF, o racismo estrutural exige uma conscientização de
todos. Segundo ele, mesmo pessoas que se consideram não racistas são beneficiárias
dos privilégios concedidos pela opressão e pela subalternidade. “Já houve muitos
avanços, e considero que criamos uma nova consciência”, ressaltou Barroso. 37
Educação
O ministro contou que acompanha a questão desde a Universidade Estadual do
Rio de Janeiro (UERJ), pioneira na implementação das cotas raciais no acesso ao ensino
universitário. A seu ver, o grande segredo da inclusão social, paralelamente às ações
afirmativas, é a educação de qualidade. “Este tem de ser o grande investimento para a
inclusão social e racial”, defendeu.
Decisões
Ao destacar a contribuição do Judiciário para a questão, o ministro lembrou
decisões importantes do STF sobre a matéria, como a validação das cotas raciais nas
universidades e a proteção dos direitos quilombolas em seus territórios. Citou, também,
o reconhecimento do crime de injúria racial como racismo, decisão importante para
impedir a prescrição do delito.
Qualificação
Entre as ações do CNJ, o ministro citou grupo de trabalho que busca
desenvolver uma política de igualdade racial e elaborar um protocolo de julgamento
com perspectiva de gênero. Também mencionou projeto, ainda em estudo no âmbito
do CNJ, para qualificar candidatos negros para concursos da magistratura por meio de
um sistema de bolsas de estudo com duração de dois anos e um curso preparatório.
Segundo Barroso, a ação será financiada pela iniciativa privada, e seu objetivo é
aumentar a diversidade racial e incorporar novos pontos de vista na justiça brasileira.

12
https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=518991&ori=1
Pacto Nacional
A secretária-geral do CNJ, juíza Adriana Cruz, apresentou o Pacto Nacional do
Judiciário pela Equidade Racial e os objetivos do evento. De acordo com ela, o conselho
tem desenvolvido um trabalho consistente na promoção de políticas para a equidade
racial no Poder Judiciário não só em relação a uma composição mais plural, com a
presença de mulheres e de pessoas negras, indígenas, quilombolas, comunidades
ribeirinhas e tradicionais, mas também na perspectiva do serviço prestado, a fim de que
garantir a proteção de direitos humanos.
Mudança de rota
Para a presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Conselho da Justiça
Federal (CJF), ministra Maria Thereza de Assis Moura, os valores constitucionais da
dignidade humana, da liberdade e da igualdade devem guiar o Judiciário, servindo como
instrumento para a implementação de políticas judiciárias inclusivas. Na sua avaliação,
o evento demonstra a mobilização do Judiciário, que carrega o potencial de mudar a
rota.
Dever ético
Por sua vez, o presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST) e do Conselho
Superior da Justiça do Trabalho (CSJT), ministro Lelio Bentes Corrêa, destacou que o
evento representa um marco histórico na luta antirracista, com reconhecimento
institucional da necessidade de reparação histórica para a população negra. A seu ver,
os Poderes têm o dever ético de combater os reflexos atuais do racismo estrutural e
institucional e, nesse sentido, a Justiça do Trabalho vem implementando ações
38
concretas a fim de promover a equidade racial.
Cultura antirracista
Por fim, o presidente do Superior Tribunal Militar (STM), ministro Joseli Parente
Camelo, afirmou que é necessário combater o racismo estrutural e promover a
igualdade de oportunidade por meio de ações afirmativas e institucionais que pautem
questões raciais e que promovam a educação da população sobre o tema. Para ele, o
Pacto do Judiciário caminha nessa direção, pois prevê a adoção de programas, projetos
e iniciativas a serem desenvolvidos em todos os segmentos da Justiça visando a uma
cultura antirracista.
Racismo Institucional

Não é cometido por uma única pessoa, mas vem de um contexto maior. São casos
“menos evidentes” e são cometidos pelas instituições públicas e privadas. Como
exemplo, há os casos de violência policial cuja população que mais sofre é a negra.
Caso que ficou famoso no mundo, George Floyd nos EUA, deu início aos protestos
“Black Lives Matter” em português “Vidas negras importam”. Da mesma forma, o caso
de Genivaldo Jesus dos Santos, morto pela Polícia Rodoviária Federal do Brasil em 2022.
Na música “A Carne”, de Elza Soares, a artista afirmava “A carne mais barata do
mercado é a carne negra”, com referência poética aos casos de genocídio do povo negro
que há tanto tempo assola o país, bem como às outras discriminações raciais que aqui
residem.

Racismo Religioso

Na legislação brasileira o racismo religioso pode ser enquadrado em dois tipos de


crime: intolerância religiosa e racismo propriamente dito. O antissemitismo, por
exemplo, é um tipo de racismo religioso, uma vez que é o ato discriminatório com
pessoas da religião judaica. Como existem muitas famílias de costume judaico no mundo,
e nem todas praticam a religião, hoje, essa denominação também é utilizada
culturalmente. Logo, o antissemitismo pode ser considerado também racismo cultural.
39
No Brasil, as religiões que mais sofrem com o racismo religioso são as de matriz
africana, como a Umbanda. Este tipo de preconceito vai desde chamar as entidades da
religião de “demônios”, expressões que estão no nosso dia a dia, como “chuta que é
macumba” até destruição de terreiros e outros templos sagrados para os praticantes
destas religiões.
Continuação quanto aos aspectos gerais do racismo... como já explanado em
outros momentos é a crença na existência de raças superiores, com a devida
hierarquização. É a ideia de que há raças inferiores, onde outras podem se sobrepor,
pautado em uma ideologia de dominação.
Vamos nos pautar na definição dada pelo Conselho Federal de Serviço Social13,
bem explicativa e conveniente ao momento:

As características fenotípicas são utilizadas como justificativa para


atribuição de valores positivos ou negativos, atribuindo a essas
diferenças a justificativa para a inferiorização de uma raça em relação
à outra. O Brasil é signatário de inúmeros pactos internacionais de
defesa dos direitos humanos e combate ao racismo. Na Constituição
Federal brasileira, de 1988, em seu artigo 5º, inciso XLII, é considerado
crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos
termos da lei. A Lei Federal nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989,

13
Série Assistente Social no Combate ao Preconceito.
conhecida como “Lei Caó”, foi aprovada com vistas a regulamentar a
disposição constitucional, definindo os crimes resultantes de
preconceito de raça ou de cor: “Serão punidos, na forma desta Lei, os
crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor,
etnia, religião ou procedência nacional” (BRASIL, 1989). O racismo se
manifesta de diferentes formas, desde atitudes no âmbito das
relações individuais, a relações estruturais e institucionalizadas.
Manifesta-se tanto em ações concretas de discriminação racial, como
em atitudes de omissão frente a injustiças decorrentes da condição
étnico-racial. É gerador de múltiplas violências, guerras, desigualdade
racial, perseguição religiosa, extermínio. E pode estar subjacente a
ideias preconceituosas e a práticas de discriminação, segregação,
isolamento social e aniquilamentos. Uma das expressões do racismo,
também conhecido como discriminação indireta, é o institucional. O
racismo institucional está presente em diversos espaços públicos e
privados. Está nas relações de poder instituído, expresso através de
atitudes discriminatórias e de violação de direitos. Por estar, muitas
vezes, naturalizado nas práticas cotidianas institucionais, naturaliza
comportamentos e ideias preconceituosas, contribuindo, fortemente,
para a geração e/ou manutenção das desigualdades étnico-raciais.

Há que se destacar o conceito de racismo estrutural, que é a estigmatização


direta e indireta de indivíduos pertencentes a variadas etnias. Nas palavras de Adriana 40
Hessel Dalagassa, em Cartilha de Combate ao Racismo:

Identificar o racismo exclusivamente como fruto de


comportamentos discriminatórios entre os sujeitos é quase que
uma patologia, concepção individualista do fenômeno
(ALMEIDA, 2018) que desconsidera a existência de sociedades ou
de instituições racistas. Mas também é limitada a perspectiva
que considera que o racismo “como o resultado do
funcionamento das instituições, que passam a atuar em uma
dinâmica que confere, ainda que indiretamente, desvantagens
e privilégios a partir da raça” (ALMEIDA, 2018, p. 29) consegue
abarcar a amplitude do racismo na história das sociedades
contemporâneas. A concepção estrutural do racismo configura-
se como um avanço da leitura da realidade e da interpretação
da história, relativo aos estudos das relações raciais, na medida
em que tal perspectiva não considera o racismo exclusivo da ação
individual e apresenta a dimensão do poder como elementar
para as relações raciais, numa lógica de poder de um grupo sobre
o outro e de um grupo sobre as instituições, ou de uma ordem
social sobre as instituições.

O racismo estrutural expressa-se na vida em sociedade, em variadas dimensões,


levando pessoas negras às exclusões diversas.
Segundo doutrina sociológica:

A radiografia racial do ensino superior público reflete a história


de exclusão de negro(a)s em relação ao acesso ao ensino de
qualidade. Isso é estrutural na construção histórica, ideológica e
epistemológica, na medida em que privilegia, de forma
hegemônica, o pensamento europeu e norte americano branco.
Ao mesmo tempo reflete, no olhar para última década, o
enfrentamento cotidiano à exclusão estrutural, quer seja por
iniciativas de políticas públicas, quer seja por iniciativa de
docentes e estudantes.

Racismo estrutural, portanto, é a concepção intuitiva discriminatória às


pessoas pretas e pardas, bem como de outras etnias, no sentido de uma preconcepção
do outro a partir de sua forma apresentável. Nas palavras de Silvio Almeida – Racismo
Estrutural / Feminismos Plurais (2019), um dos maiores teóricos da matéria no Brasil e
no mundo:

Em resumo: o racismo é uma decorrência da própria estrutura


social, ou seja, do modo “normal” com que se constituem as 41
relações políticas, econômicas, jurídicas e até familiares, não
sendo uma patologia social e nem um desarranjo institucional. O
racismo é estrutural. Comportamentos individuais e processos
institucionais são derivados de uma sociedade cujo racismo é
regra e não exceção. O racismo é parte de um processo social que
ocorre “pelas costas dos indivíduos e lhes parece legado pela
tradição”. Nesse caso, além de medidas que coíbam o racismo
individual e institucionalmente, torna-se imperativo refletir sobre
mudanças profundas nas relações sociais, políticas e
econômicas. A viabilidade da reprodução sistêmica de práticas
racistas está na organização política, econômica e jurídica da
sociedade. O racismo se expressa concretamente como
desigualdade política, econômica e jurídica. Porém o uso do
termo “estrutura” não significa dizer que o racismo seja uma
condição incontornável e que ações e políticas institucionais
antirracistas sejam inúteis; ou, ainda, que indivíduos que
cometam atos discriminatórios não devam ser pessoalmente
responsabilizados.
1.6 SEXISMO

Abaixo relacionamos para leitura da lei (o que será facilitado posteriormente na


turma ponto a ponto):
• Constituição da República Federativa do Brasil/1988 Art. 1º, III – Art. 5º, I e
XLI – Art. 129, I – Art. 226, § 8º
• Código Penal/1940 Art. 44 – Art. 129, § 9º, redação dada pela Lei
11.340/2006
• Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) Art. 1º – Art. 5º – Art. 6º – Art. 7º –
Art. 12, I – Art. 16 – Art. 33 – Art. 41
• Declaração e Programa de Ação de Viena/1993 (Conferência Mundial sobre
Direitos Humanos promovida pela ONU) Capítulo I, item 18 – Capítulo II, B, n. 3,
itens 36 e 38.
• Convenção de Belém do Pará/1994 (Convenção Interamericana para
Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, promulgada pelo
Decreto 1.973/1996) Artigo 2, B.
• Declaração de Pequim/1995 (Plataforma de Ação da IV Conferência Mundial
sobre a Mulher) Capítulo IV, D, itens 112, 113, 117, 118 e 121 – Capítulo IV, I,
item 224.

O pensamento sexista, ab initio, parte de uma ideia tão pobre e precária que é
quase inconcebível imaginar que uma pessoa, por ser do sexo masculino, imagine
42
superioridade sobre o ser mulher. Perigo da sociedade contemporânea, entretanto, a
visão antifeminista dispara nas últimas décadas uma selvageria nacional sobre os corpos
de mulheres.
Entre as diferentes possibilidades de expressão do preconceito encontra-se o
sexismo, que compreende avaliações negativas e atos discriminatórios dirigidos às
mulheres e pode se manifestar sob a forma institucional (políticas salariais
diferenciadas) ou interpessoal, muito embora a primeira propicie o contexto cultural
adequado à segunda (Ferreira, 2004).
Segundo Ferreira (2004), o sexismo seria resquício da cultura patriarcal, isto é,
um instrumento utilizado pelo homem para garantir as diferenças de gênero, sendo
legitimado por atitudes de desvalorização do sexo feminino que vão se estruturando ao
longo do curso do desenvolvimento, apoiadas por instrumentos legais, médicos e sociais
que as normatizam
Desde o início da vida infantil meninos e meninas são tratados de forma
diferente no Brasil, o que leva a papéis desiguais onde a mulher sempre “aceita” uma
posição de inferioridade e submissão: o trabalho doméstico.

Compreende-se o sexismo como uma forma de preconceito que


compreende “avaliações negativas e atos discriminatórios
dirigidos às mulheres” (FILHO, EUFRÁSIO e BATISTA, 2011). Este
pode ser entendido como um resquício da cultura patriarcal, ou
seja, como “um instrumento utilizado pelo homem para garantir
as diferenças de gênero, sendo legitimado por atitudes de
desvalorização do sexo feminino que vão se estruturando ao
longo do curso do desenvolvimento, apoiadas por instrumentos
legais, médicos e sociais que as normatizam14”.

Olho na notícia com viés crítico para o ENAM 2024:

A Folha de São Paulo em 5 de fevereiro de 2022 apresentou o seguinte noticiário:


Mulheres negras são mais que minoria no Judiciário brasileiro. Elas são a menor parcela
dentro de dois grupos minoritários: o das mulheres e o das pessoas pretas e pardas. Elas
são a minoria da minoria. Em alguns espaços do Judiciário, nem isso. O STF (Supremo
Tribunal Federal), criado em 1891 como órgão máximo da Justiça nacional, teve 3
ministros negros em toda a sua história. Também teve 3 ministras, das quais 2 integram
a corte atualmente. Mas nunca teve uma mulher negra em sua composição. O tema
ganha destaque porque o presidente dos EUA, Joe Biden, reafirmou recentemente sua
promessa de indicar a primeira mulher negra para a Suprema Corte de seu país.

43

Na imagem: Juíza Dra., Karen Luise Souza Pinheiro (TJ-RS)

A atual Resolução nº 432 do CNJ apresenta viés crítico à atual realidade da


composição do Poder Judiciário no Brasil. Fazer uma análise à luz dessa perspectiva de
gênero e “cor” é fundamental no ENAM 2024, uma vez que a cobrança desse tópico irá
certamente fazer uma relação situacional.
Dada a relevância da matéria e o olhar central do STF na fundamentação de
suas decisões, vamos percorrer um pouco de argumentos históricos e emblemáticos da
Corte Superior do Brasil. Por meio da ADI nº 5.617 a Min. Rosa Weber ressaltou:

14XI Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências – XI ENPEC Universidade Federal de Santa Catarina,
Florianópolis, SC – 3 a 6 de julho de 2017.
Carta das Mulheres, apresentada pela campanha realizada pelo
Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM), na Constituinte de
1988, no encontro nacional ocorrido em 26 de agosto de 1986,
defendeu: “para nós, mulheres, o exercício pleno da cidadania
significa, sim, o direito à representação, à voz e à vez na vida pública,
mas implica, ao mesmo tempo, a dignidade na vida cotidiana, que a
lei pode inspirar e assegurar, o direito à educação, à saúde, à
segurança, à vivência familiar sem traumas. O voto das mulheres traz
consigo essa dupla exigência: um sistema político igualitário e uma
vida civil não autoritária”. Quanto ao ponto, importante ressalvar que
a Assembleia Nacional Constituinte contou com a participação de 26
deputadas, sem representante no Senado. A articulação política
decisiva das mulheres no esboço do desenho constitucional
possibilitou o diálogo de atores sociais com o Estado na busca pela
efetiva tutela e promoção dos direitos das mulheres, que resultou na
conquista jurídica da igualdade entre homens e mulheres,
acompanhada da não discriminação por sexo, raça e religião,
ampliação dos direitos civis, sociais, políticos e econômico das
mulheres, reconfiguração da participação da mulher no espaço de
decisão da família, proteção no mercado de trabalho e no campo dos
direitos sexuais e reprodutivos.
44
No mesmo sentido o Min. Joaquim Barbosa em 2012 (RE nº 227.114):

Pode-se afirmar, ainda, que a Constituição de 1988 é um marco


histórico no processo de proteção dos direitos e garantias individuais
e, por extensão, dos direitos das mulheres, como podemos constatar
nos dispositivos constitucionais que garantem, entre outras coisas, a
proteção à maternidade (arts. 6º e 201, II); a licença à gestante, sem
prejuízo do emprego e do salário, com duração de 120 dias (art. 7º,
XVIII); a proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante
incentivos específicos, nos termos da lei (art. 7º, XX); a proibição de
diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão
por motivo de sexo (art. 7º, XXX); o reconhecimento da união estável
(art. 226, § 3º) e como entidade familiar a comunidade formada por
qualquer dos pais e seus descendentes (art. 226, § 4º); a determinação
de que os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal serão
exercidos igualmente pelo homem e pela mulher (art. 226, § 5º); a
constitucionalização do divórcio (art. 226, § 6º); o planejamento
familiar (art. 226, § 7º) e a necessidade de coibir a violência doméstica
(art. 226, § 8º).
• Sobre a LEGITIMIDADE DAS COTAS PARA MULHERES

Os obstáculos para a efetiva participação política das mulheres são ainda mais
graves, caso se tenha em conta que é por meio da participação política que as próprias
medidas de desequiparação são definidas.
Qualquer razão que seja utilizada para impedir que as mulheres participem da
elaboração de leis inviabiliza o principal instrumento pelo qual se reduzem as
desigualdades. Em razão dessas barreiras à plena inclusão política das mulheres, são,
portanto, constitucionalmente legítimas as cotas fixadas em lei a fim de promover a
participação política das mulheres, tal como afirma Flávia Piovesan:

(...): “observe-se que a Lei 9.504, de 30 de setembro de 1997, ao


estabelecer normas para as eleições, dispôs que cada partido ou
coligação deverá reservar o mínimo de 30% e o máximo de 70% para
candidaturas de cada sexo. Anteriormente, a Lei 9.100, de 2 de outubro
de 1995, previa uma cota mínima de 20% das vagas de cada partido ou
coligação para a candidatura de mulheres. Tais comandos normativos
estão em absoluta consonância com a Convenção sobre a Eliminação
de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, que estabelece
não apenas o dever do Estado de proibir a discriminação, como
também o dever de promover a igualdade, por meio de ações
afirmativas. Estas ações constituem medidas especiais de caráter 45
temporário, voltadas a acelerar a igualdade de fato entre o homem e a
mulher (art. 4º da Convenção)”

Por meio da ADI nº 5.617/18, em tema de IGUALDADE DE GÊNERO NO SISTEMA


ELEITORAL, o STF afirma que tal como a paz, não haverá verdadeira democracia
enquanto não se talharem as condições para tornar audíveis as vozes das mulheres na
política.
É preciso reconhecer que, ao lado do direito a votar e ser votado, como parte
substancial do conteúdo democrático, a completude é alcançada quando são levados a
efeito os meios à realização da igualdade. Só assim a democracia se mostra inteira. Caso
contrário, a letra constitucional apenas alimentará o indesejado simbolismo das
intenções que nunca se concretizam no plano das realidades.
A participação das mulheres nos espaços políticos é um imperativo do Estado
e produz impactos significativos para o funcionamento do campo político, uma vez que
ampliação da participação pública feminina permite equacionar as medidas
destinadas ao atendimento das demandas sociais das mulheres. Há ainda muito a se
fazer.
Não se pode deixar de reconhecer que a presença reduzida de mulheres na vida
política brasileira “colabora para a reprodução de concepções convencionais do
‘feminino’, que vinculam as mulheres à esfera privada e/ou dão sentido a sua atuação na
esfera pública a partir do seu papel convencional na vida doméstica” e “coloca água no
moinho da reprodução de posições subordinadas para as mulheres e da naturalização
das desigualdades de gênero” (MOTA, Fernanda Ferreira; BIROLI, Flávia. O gênero na
política: a construção do “feminino” nas eleições presidenciais de 2010”. Cadernos pagu
(43), julho-dezembro de 2014, p. 227).

A importância da Representatividade

Modelo inspirador em tema de representatividade, a Dra., Flávia Martins de


Carvalho (Juíza no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo) é atualmente integrante
do gabinete do Ministro Luís Roberto Barroso no Supremo Tribunal Federal. E o melhor,
foi nossa aluna ao longo de sua trajetória e também professora do Mege em diversas
turmas.

46

Temos o prazer de expressar que Dra., Flávia Martins é de casa!

É parte integrante da caminhada do próprio Mege.


Ex-aluna, esteve conosco em toda sua preparação para o concurso em que foi
aprovada (TJSP) e atualmente tece colaborações jurídicas sociais às futuras juízas negras
e juízes negros do Brasil. Em fevereiro de 2023, a UOL publicou o noticiário: “ELA FOI
ALÉM: JUÍZA NEGRA SE INSPIROU EM GLÓRIA MARIA PARA SE FORMAR”.

Em destaque:

Desde antes de entrar para a Faculdade de Comunicação na UFRJ,


Flávia Martins de Carvalho sabia que sua trajetória profissional não
seria fácil. No entanto, havia um ponto de referência que a fazia
enxergar uma luz no fim do túnel: a imagem de Glória Maria, a
primeira repórter negra na TV brasileira, segurando um microfone nos
programas da Rede Globo. Aluna da escola pública, Flávia tentou o
vestibular três vezes, primeiro para Psicologia, em universidades
públicas. Quando finalmente passou — em segundo lugar, mas numa
faculdade particular —, não tinha dinheiro para pagar a mensalidade.
Marcou entrevista com o dono da instituição e pediu uma bolsa, já que
tinha se saído tão bem na prova. Ouviu dele que "minha faculdade não
é para pobre".

Indicamos como aprendizado interdisciplinar crítico o episódio do podcast


“SUPREMO NA SEMANA”, episódio #4915 (abaixo consta o link) em que a Dra., Flávia
Martins de Carvalho atuou no quadro “Relembre Nossa História” e comenta sobre a
decisão em que o Supremo Tribunal considerou o crime de injúria racial como
imprescritível, por configurar um dos tipos penais de racismo.
Para além de sua imagem que é fonte de motivação para mulheres e homens
negros que almejam um sonho na magistratura, nossa querida Flávia Martins é diretora
de Promoção da Igualdade Racial da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB). Uma
verdadeira expressão do que pode ser entendido como vocação para carreira.

47

Vale a pena conferir este depoimento sobre sua trajetória no estudo para
concursos em um aulão de revisão final do Mege para o TJSP. É um depoimento
inspirador para todas as concurseiras e concurseiros de magistratura!

15
https://open.spotify.com/episode/6xizrNb80xZdUyMNgBQDIA
Link do vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=nLk2W6qeHFo

1.7 DISCRIMINAÇÃO RELIGIOSA

Nas palavras de Sidnei Nogueira (2020):

A intolerância está na raiz das grandes tragédias mundiais. Foi


ela que destruiu as culturas pré-colombianas e promoveu a
inquisição e a caça às bruxas. Foi a intolerância religiosa que
levou católicos e protestantes a se matarem mutuamente na
Europa, ou hindus e muçulmanos a fazerem o mesmo na Índia.
Foi a intolerância que levou países a construírem um sistema de
apartheid ou a organizarem campos de concentração. Por trás de
cada manifestação de barbárie que a humanidade teve a
infelicidade de assistir e testemunhar, o que redundou em
numerosos massacres e extermínios, esconde-se a intolerância
como arquétipo e estrutura fundante (GUIMARÃES, 2004, p. 28).

No centro da discussão sobre a intolerância religiosa reside a necessidade de


criar estigmas para uma oposição do que é “normal”, “certo”, “regular” e “padrão”.
Parte-se de um ideal de poder sobre o outro. Ainda de acordo com Sidnei Nogueira
48
(2020):

Vale destacar que estigma, para Ainlay, Becker e Colman (1986),


é uma construção social, em que os atributos particulares que
desqualificam as pessoas variam de acordo com os períodos
históricos e a cultura, não lhes propiciando uma aceitação
plena social. Desse modo, as pessoas são estigmatizadas
somente em certo contexto, o qual envolve a cultura, os
acontecimentos históricos, políticos e econômicos e uma dada
situação social, ou seja, a estigmatização não é uma propriedade
individual.

Para o ENAM (Exame Nacional da Magistratura) tenha em mente que a


intolerância religiosa diz respeito ao preconceito e discriminação contra qualquer tipo
de ideologia ou crendice, a ponto de subjugar e estigmatizar o outro.
É bastante comum no Brasil, país de matriz eminentemente cristã, certos tipos
de preconceitos e discriminações a religiões de matriz africanas16. Não muito longe,

16 A incitação à intolerância, sobretudo em relação às religiões de matrizes africanas, parte de discursos proferidos
por pastores, padres e até autoridades políticas. Tudo em nome de uma agenda moral transformada em uma crença
que se resume ao desejo de se encontrar uma solução rápida e mítica – no mau sentido da palavra – para os problemas
de segurança pública, em busca de uma educação de qualidade, da manutenção de valores de uma suposta família
tradicional e de uma política anticorrupção. Se a agenda moral é apenas uma ilusão que serve a um proselitismo
por vezes, cristãos protestantes e católicos também sofrem ataques que martirizam a fé
do outro em nome da ignorância e falta de informação.

Abaixo segue um julgado recente em que o Poder Judiciário fundamenta bem a


questão (com grifos do Mege para o ENAM):

DIREITO CONSTITUCIONAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM REPERCUSSÃO


GERAL. PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE. LIBERDADE RELIGIOSA. LEI
11.915/2003 DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. NORMA QUE DISPÕE
SOBRE O SACRIFÍCIO RITUAL EM CULTOS E LITURGIAS DAS RELIGIÕES DE
MATRIZ AFRICANA. [...] SACRIFÍCIO DE ANIMAIS DE ACORDO COM
PRECEITOS RELIGIOSOS. CONSTITUCIONALIDADE. [...] 2. A prática e os rituais
relacionados ao sacrifício animal são patrimônio cultural imaterial e
constituem os modos de criar, fazer e viver de diversas comunidades
religiosas, particularmente das que vivenciam a liberdade religiosa a partir
de práticas não institucionais. 3. A dimensão comunitária da liberdade
religiosa é digna de proteção constitucional e não atenta contra o princípio
da laicidade. 4. O sentido de laicidade empregado no texto constitucional
destina-se a afastar a invocação de motivos religiosos no espaço público
como justificativa para a imposição de obrigações. A validade de
justificações públicas não é compatível com dogmas religiosos. 5. A proteção
específica dos cultos de religiões de matriz africana é compatível com o
princípio da igualdade, uma vez que sua estigmatização, fruto de um
preconceito estrutural, está a merecer especial atenção do Estado. [...].
49

Vamos aos seguintes dados de Sidnei Nogueira (2020):

Templos são invadidos e profanados. Em outros casos, há agressões


verbais, destruição de imagens sacras e até ataques incendiários ou
tentativas de homicídio. O cenário preocupa adeptos de diversas
religiões e, em pelo menos oito estados, o Ministério Público investiga
ocorrências recentes de intolerância. Entre janeiro de 2015 e o
primeiro semestre de 2019, o Brasil registrou uma denúncia a cada 15
horas, conforme dados do extinto Ministério dos Direitos Humanos
(BRASIL, 2019). O livro Presença do axé: mapeando terreiros no Rio de
Janeiro, organizado pelas pesquisadoras Denise Pini Rosalem da
Fonseca e Sonia Maria Giacomini (2013), revela o dramático problema
enfrentado pelos fiéis das religiões afro-brasileiras: de 840 terreiros
pesquisados, 430 (cerca de 51%) já passaram por alguma forma de
agressão. Os números do estudo realizado no Rio de Janeiro revelam
que 430 casas sofreram alguma “discriminação religiosa”. É importante
notar também os locais das agressões – públicos (57%) e notadamente
a rua (67%) –, os tipos de agressão – verbal (70%) e física (21%) –, os

eleitoral, a violência simbólica é real e segue fazendo suas vítimas no Brasil, e este assunto tem olhar atento agora do
Poder Judiciário.
agressores – evangélicos (39%); vizinhos (27%) – e os tipos de alvo – a
pessoa (60%) e a casa (29%).

Segue o autor, em referência à intolerância religiosa, com mais dados:

Pelo menos 90% das denúncias sem religião informada referem-se a


religiões estigmatizadas, ou seja, às religiões de matriz africana
(CTTro), o que colocaria as tradições africanas no Brasil entre 80% e
90% das denúncias gerais. Em 2018, por exemplo, das 506 denúncias,
pelo menos 400 seriam referentes às perseguições contra as CTTro. É
importante destacar que os dados de 2018 evidenciam que, das 506
denúncias, 30% (152) das vítimas são adeptos de umbanda,
candomblé ou religiões de matriz africana; 1,97% (10), católicas; e
11,6% (59), evangélicas e protestantes. Do total, 51% (261) não
especifica qual a religião. Os dados revelam que a religião
hegemônica, a católica, quase não é perseguida e, na sequência, os
evangélicos e protestantes sofrem cerca de 10% das perseguições. No
entanto, os adeptos de umbanda, candomblé e religiões afins são alvo
de 30% das perseguições. Ao se considerar a invisibilidade, a
marginalização, a estigmatização e a vergonha desses grupos em
assumirem ser praticantes dessas tradições religiosas de origem
africana, pode-se elevar o número de denúncias para praticamente 50
80% com o somatório das denúncias com e sem informação da
religião.

Note que os dados demonstram intolerância no Brasil às variadas religiões, com


destaque a um segmento específico que coaduna com a postura nacional alinhada ao
racismo estrutural. Pai Nildo de Oxaguian da Comunidade da Compreensão e da
Restauração Ilê Axé Renovação do Ar pela força de Elejigbô (CCRIARE), destaca ainda:

A religião ainda tem sido usada como motivação para guerras e


conflitos. A intolerância religiosa atinge todas as crenças, mas a
perseguição a determinadas religiões é mais intensa conforme a
região e a época. Muito embora nossas leis determinem a liberdade
religiosa, exercer uma fé pode não ser tão livre assim no Brasil.
Constitucionalmente o país é laico, mas faltam condições para que as
diferentes correntes religiosas possam conviver em harmonia. A
resposta a tal ignorância e falta de conhecimento de muitos tem sido
a luta pacífica por meio do direito constitucional e da prática da fé
ancestral com liberdade. Nós, das Comunidades Tradicionais de
Terreiro, temos o direito de escolha e não podemos nos calar diante de
ações e atitudes contra nós das religiões de matriz africana. A falta de
diálogo entre as pessoas de diferentes religiões é um problema muito
comum no Brasil. Respeito e um pouco de conhecimento faria total
diferença para criamos laços entre todas as religiões. A luta é gigante
porque o silenciamento se dá também por conta do racismo. Agora, o
racismo extrapola a cor da pele dos praticantes e invade as origens da
prática sagrada por conta de sua estigmatizada origem africana-preta-
ancestral.

Leve para o ENAM 2024 que todo o viés religioso no Brasil sofre intolerância,
com destaque maior para a discriminação contra religiões de matriz africana, tudo na
linha dos dados apresentados acima. Tal abordagem é a que o CNJ espera sob o ponto
de vista crítico de uma Juíza e de um Juiz no país. Como estudante para Magistratura,
Estadual ou Federal, precisamos estar alinhados a estas perspectivas que devem estar
presentes em nossas sentenças.

Destaque para a notícia do site do Supremo Tribunal Federal de 09/10/2023:


STF recebe mais uma ação sobre associação de prática psicológica à religião17.

A Resolução 7/2023 do Conselho Federal de Psicologia (CFP), que proíbe a associação da


atividade profissional com crenças religiosas, é objeto de mais uma Ação Direta de
Inconstitucionalidade (ADI 7462) no Supremo Tribunal Federal. Desta vez, o Partido
Democrático Trabalhista pede que a Corte reconheça que a proibição não viola a
liberdade de crença, de culto e de escusa de consciência.
Intolerância
51
A vedação está prevista na Resolução 7/2023 do CFP. O PDT sustenta que sua pretensão,
na ação, é que o STF declare que esses dispositivos são compatíveis com a liberdade
religiosa, de crença, de culto e de escusa de consciência. Segundo o partido, o
alinhamento entre religiosidade e psicologia para angariar pacientes pode fomentar
práticas de intolerância religiosa, racismo, sexismo, capacitismo e LGBTfobia, entre
outros, contra os próprios pacientes. Outra alegação é que a norma busca coibir as
chamadas “terapias de conversão sexual”, também conhecidas como “cura gay”, por
meio de conteúdo religioso, em detrimento da técnica e da ciência inerentes à profissão.
Prevenção
A ADI 7462 foi distribuída por prevenção ao ministro Alexandre de Moraes, relator da
ADI 7426, em que o Partido Novo e o Instituto Brasileiro de Direito e Religião (IBDR)
pedem a declaração da inconstitucionalidade da mesma norma. Na ADI 7426, o ministro
já havia pedido informações ao CFP e determinado que a Advocacia-Geral da União
(AGU) e a Procuradoria-Geral da República (PGR) se manifestassem sobre a matéria,
além de adotar o rito que permite ao Plenário julgar a matéria de forma definitiva, sem
exame prévio do pedido de liminar.

Em complemento uma decisão de 2020 do STJ nos autos do RHC nº 117.539


(com grifos do Mege para o ENAM):

17
https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=515474&ori=1
A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) absolveu um
homem denunciado pelo Ministério Público do Paraná (MPPR) por
intolerância religiosa, sob o fundamento de que os fatos imputados
a ele não constituem infração penal. O réu foi acusado de praticar
discriminação contra religiões de matriz africana ao publicar em redes
sociais mensagem questionando o fato de a Universidade Estadual de
Londrina, sob a justificativa de que o Estado é laico, ter vetado a
realização de uma missa em suas dependências. Na mensagem, ele se
referiu a uma peça de cunho cultural e religioso apresentada na
cidade de Londrina (PR), durante a Semana da Pátria, acerca do mito
de Yorubá (perspectiva africana acerca da criação do mundo), como
macumba. No recurso em habeas corpus interposto contra acórdão do
Tribunal de Justiça do Paraná, a defesa sustentou a inépcia da
denúncia, por não expor o contexto dos fatos. Pediu a declaração de
nulidade absoluta do processo em razão de suposta parcialidade do
MPPR na condução do procedimento investigatório, alegando que os
depoimentos que ampararam a denúncia foram produzidos
previamente e seriam todos idênticos.
O relator do caso, ministro Joel Ilan Paciornik, citou precedentes do
Supremo Tribunal Federal (RHC 134.682) que caracterizam o delito de
intolerância religiosa a partir da presença cumulativa de três
requisitos: afirmação da existência de desigualdade entre os grupos
religiosos; defesa da superioridade daquele a que pertence o agente; 52
e tentativa de legitimar a dominação, exploração e escravização dos
praticantes da religião que é objeto de crítica, ou, ainda, a
eliminação, supressão ou redução de seus direitos fundamentais.
Para o ministro, entretanto, no caso em julgamento, há apenas a
presença do primeiro requisito – o que afasta o reconhecimento de
crime. "A crítica feita em rede social pelo recorrente não preconiza a
eliminação ou mesmo a supressão de direitos fundamentais dos
praticantes das religiões de matriz africana, nem transmite o senso
de superioridade", afirmou Paciornik.
Proselitismo
O relator destacou que o denunciado apenas mostrou a sua
indignação com o fato de a universidade haver proibido a realização
de missa em sua capela, ao mesmo tempo em que, na Semana da
Pátria, foi realizado evento nas escolas públicas da cidade com
temática religiosa envolvendo a perspectiva africana acerca da
criação do mundo. Para o ministro, o recorrente não fez mais do que
proselitismo em defesa do cristianismo. Segundo ele, o fato – ainda
que cause constrangimento a membros de outras religiões – não pode
ser caracterizado como crime, por estar inserido no direito de crença
e de divulgação de fundamentos religiosos. Ao declarar a atipicidade
da conduta, Joel Paciornik afirmou que o proselitismo religioso só
adquiriria contornos de crime caso se traduzisse numa tentativa de
eliminar ou suprimir direitos fundamentais de praticantes de outras
crenças – "o que não é a hipótese dos autos". Dessa forma, a turma
estabeleceu que o denunciado deveria ser absolvido com base no
artigo 386, inciso III, do Código de Processo Penal, por "não constituir
o fato infração penal". O recurso em habeas corpus foi provido por
unanimidade.

1.8 LGBTQIAPN+fobia

Não há dúvidas no consenso social de que Brasil é um país violento com pessoas
em razão da orientação sexual e gênero. O Poder Judiciário, como guardião da igualdade
e dignidade humana, está atento e zeloso na observação de que a sociedade precisa
melhorar para garantir a máxima democrática do pluralismo – essa posição que teu/tua
examinador(a) vai apontar no ENAM em 2024.
“Morre-se simplesmente por ser quem é”.

Igualdade

53
Dignidade

Respeito
às
diferenças

Como Juíza ou Juiz de direito, você precisa ter em mente que os seus desafio,
como Membro do Estado, como a voz que dita o justo e correto, pela igualdade e o
respeito à vida, à dignidade, à liberdade e fraternidade.
Chegar em 2024 com o dado de que “somos” o país que mais comete
“homicídios” em razão de gênero é desumano, contrário ao Estado Democrático
Constitucional em um Brasil tão plural em cores e expressões, Neoconstitucional e
valorizador dos Direitos Humanos.
A humanidade é plural em sua essência – existe a homossexualidade, a
transgeneridade, com todas as suas variantes, exatamente por esse fator misto da vida.
Ser gay, bissexual, transsexual, travesti, heterossexual, pansexual, intersexo, queer,
assexual, dentre outras expressões de gênero e sexo, é um fato, uma constatação ôntica,
um existencialismo indissociável do ser. E o tema é cada vez mais acentuado dentro dos
ambientes de proteção jurídica por parte do Estado. O próprio ENAM segue essa linha
ao selecionar Humanística e Direitos Humanos entre as suas disciplinas essenciais, em
detrimento de tantas outras linhas de abordagem do Direito em si.
Exatamente por isso que não há o que “aceitar”, ou “tolerar”.
Porque somos humanos e merecedores de dignidade, e porque somos plurais,
cada um em sua particularidade, todos merecemos respeito em igual valor, integridade
e humanismo.
Este é o Brasil em que você será Juíza/Juiz, e o Poder Judiciário está de olhos
bem abertos a essa triste realidade. Dentro do aspecto jurídico, precisamos destacar
alguns momentos históricos em que o Poder Judiciário (sobretudo na figura do Supremo
Tribunal Federal) caminhou no sentido do progresso social. O efeito cliquet nos mostra
que não é possível retroceder, retirar direitos que são considerados basilares para o ser
humano.
No ano de 2011, para início da análise do arcabouço jurídico que envolve a
matéria, o STF deu um salto (mesmo que atrasado) no sentido de garantia de direitos
civis a casais homossexuais em regime de comunhão de vidas. A ADPF 132 de relatoria
do Eminente Min. Ayres de Britto possui a seguinte ementa (com destaques do Curso
Mege):

1. ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL


(ADPF). PERDA PARCIAL DE OBJETO. RECEBIMENTO, NA PARTE 54
REMANESCENTE, COMO AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE.
UNIÃO HOMOAFETIVA E SEU RECONHECIMENTO COMO INSTITUTO
JURÍDICO. CONVERGÊNCIA DE OBJETOS ENTRE AÇÕES DE NATUREZA
ABSTRATA. JULGAMENTO CONJUNTO. Encampação dos fundamentos
da ADPF nº 132-RJ pela ADI nº 4.277-DF, com a finalidade de conferir
“interpretação conforme à Constituição” ao art. 1.723 do Código
Civil. Atendimento das condições da ação. 2. PROIBIÇÃO DE
DISCRIMINAÇÃO DAS PESSOAS EM RAZÃO DO SEXO, SEJA NO PLANO
DA DICOTOMIA HOMEM/MULHER (GÊNERO), SEJA NO PLANO DA
ORIENTAÇÃO SEXUAL DE CADA QUAL DELES. A PROIBIÇÃO DO
PRECONCEITO COMO CAPÍTULO DO CONSTITUCIONALISMO
FRATERNAL18. HOMENAGEM AO PLURALISMO COMO VALOR SÓCIO-
POLÍTICO-CULTURAL. LIBERDADE PARA DISPOR DA PRÓPRIA
SEXUALIDADE, INSERIDA NA CATEGORIA DOS DIREITOS
FUNDAMENTAIS DO INDIVÍDUO, EXPRESSÃO QUE É DA AUTONOMIA
DE VONTADE. DIREITO À INTIMIDADE E À VIDA PRIVADA. CLÁUSULA
PÉTREA.

Note que o fato de tal matéria ter chegado ao Supremo Tribunal Federal já
denota uma total desconsideração pela sociedade majoritária na garantia desses direitos
às pessoas do mesmo sexo que se relacionam. Por óbvio, essa matéria deveria ser

18
Olha só que conceito interessante para aparecer no ENAM: Constitucionalismo Fraternal.
legislada, mas não foi, o que sustenta a necessária intervenção (em respeito à inércia)
do Poder Judiciário na questão constitucional.
Como afirma o julgado, fundamentado na mais completa doutrina nacional e
do direito comparado, o Poder Judiciário na figura do STF exerce um papel
contramajoritário em obediência a uma constituição garantia, cidadã e plural.
De forma conceitual e imiscuindo na matéria, já adentrando nos vieses que o
examinador ou a examinadora do ENAM pode abordar, a homotransfobia é definida
como a discriminação decorrente de orientação sexual, dirigida à homossexualidade,
e a discriminação por identidade de gênero, dirigida às travestis e transexuais.

Segundo Matheus Souza de Paula:19

A literatura negra antirracismo aduz que o racismo não é um conceito


vinculado a elementos biológicos, mas é um elemento político-social.
Nas palavras da ilustre filósofa Djamila Ribeiro, o racismo é um
sistema de opressão social que supõe relações de poder entre um
grupo dominante, detentor de privilégios sociais, e um grupo
dominado, socialmente inferiorizado, e não uma mera discriminação
isolada. Inclusive essa é a explicação do porquê não existe “racismo
reverso”. Para o escritor Silvio de Almeida, a “raça é um elemento
essencialmente político, sem qualquer sentido fora do âmbito 55
socioantropológico, de sorte que a noção de raça visa naturalizar
desigualdades e justificar a segregação de grupos socialmente
minoritários, razão pela qual o racismo é uma forma sistemática de
discriminação que se manifesta por meio de práticas conscientes e
inconscientes que culminam em desvantagens ou privilégios para
indivíduos, a depender do grupo social a que pertencem. O mesmo
autor afirma, assim, que o preconceito racial é baseado em
estereótipos, tendo a discriminação racial como requisito fundamental
o poder, ou seja, a efetiva possibilidade de uso da força para
manutenção de privilégios de um grupo dominante sobre um grupo
dominado.

Assim, aduz o referido autor que a raça não tem nenhuma essência, mas
caracteriza-se por um processo perpétuo de poder, movediço em seu conteúdo, visando
o racismo substituir aquilo que “é” por uma realidade “diferente”, de forma
necessariamente inferiorizante. Dessa forma, aduz que a raça é, portanto, aquilo que
permite situar, em meio a categorias abstratas, aqueles que procura estigmatizar e
desqualificar moralmente.
Nesse sentido, frisa-se que a população LGBT, em geral, sempre foi
desumanizada e considerada, até mesmo, indecente, como supostamente não aptas a
controlar seus instintos, consideradas assim longe de um modelo de pessoa ideal

19
A Constitucionalidade no julgamento da ADO 26 e do MI 4733: A interpretação Político-Social de Condutas Homotransfóbicas como
condutas racistas.
(heterossexual e cisgênera) que a ideologia de gênero dominante nos padrões e
estereótipos culturais e religiosos dominantes na sociedade (a não-heterossexualidade
e não-cisgeneridade já foram consideradas crimes de lesa-majestade e, até hoje, ainda
existem líderes e profissionais que defendem o conceito de “cura-gay” – posição sem
amparo judicial).
Quando o CNJ fez alterar a Resolução nº 75 com a inclusão desses novos
conteúdos era exatamente neste ponto que queria se chegar. O Poder Judiciário deve
estar na mesma mão no sentido de valorização da vida humana em sua completude, de
forma que a homotransfobia não é ética, moral e constitucionalmente aceita no
ordenamento jurídico brasileiro.
É possível traçarmos uma linha do tempo nos movimentos jurisprudenciais
quanto aos direitos de pessoas LGBTQIAPN+. Vejamos para o ENAM:

2011
União Estável e Casamento às Pessoas do
ADPF 132 e ADI 4.277
Mesmo Sexo

2015
Descriminalização Homossexualidade no
ADPF 291
Âmbito Militar

2017
RE 646.721 Direitos Sucessórios
56
2018
ADI 4.275 e ADI 670.422 Direitos Transexuais

2019
ADO 26 e MI 4.733 Equiparação ao Racismo

2020
ADI 5.543 e ADPF 457 + 461 Doação de Sangue e Gênero nas Escolas

Destacamos a ADO 26 e o MI 4.733 que tem caído bastante em provas de


Magistratura e deve ser objeto de cobrança no ENAM:

O conceito de racismo, compreendido em sua dimensão social,


projeta-se para além de aspectos estritamente biológicos ou
fenotípicos, pois resulta, enquanto manifestação de poder, de
uma construção de índole histórico-cultural motivada pelo
objetivo de justificar a desigualdade e destinada ao controle
ideológico, à dominação política, à subjugação social e à negação
da alteridade, da dignidade e da humanidade daqueles que, por
integrarem grupo vulnerável (LGBTI+) e por não pertencerem ao
estamento que detém posição de hegemonia em uma dada
estrutura social, são considerados estranhos e diferentes,
degradados à condição de marginais do ordenamento jurídico,
expostos, em consequência de odiosa inferiorização e de
perversa estigmatização, a uma injusta e lesiva situação de
exclusão do sistema geral de proteção do direito.
A repressão penal à prática da homotransfobia não alcança
nem restringe ou limita o exercício da liberdade religiosa,
qualquer que seja a denominação confessional professada, a
cujos fiéis e ministros (sacerdotes, pastores, rabinos, mulás ou
clérigos muçulmanos e líderes ou celebrantes das religiões afro-
brasileiras, entre outros) é assegurado o direito de pregar e de
divulgar, livremente, pela palavra, pela imagem ou por qualquer
outro meio, o seu pensamento e de externar suas convicções de
acordo com o que se contiver em seus livros e códigos sagrados,
bem assim o de ensinar segundo sua orientação doutrinária e/ou
teológica, podendo buscar e conquistar prosélitos e praticar os
atos de culto e respectiva liturgia, independentemente do
espaço, público ou privado, de sua atuação individual ou coletiva,
desde que tais manifestações não configurem discurso de ódio, 57
assim entendidas aquelas exteriorizações que incitem a
discriminação, a hostilidade ou a violência contra pessoas em
razão de sua orientação sexual ou de sua identidade de gênero.

Ao final da célebre decisão do STF foram fixadas as seguintes teses, que você
deve levar para o ENAM 2024:

1. Até que sobrevenha lei emanada do Congresso Nacional destinada a implementar os


mandados de criminalização definidos nos incisos XLI e XLII do art. 5º da Constituição da
República, as condutas homofóbicas e transfóbicas, reais ou supostas, que envolvem
aversão odiosa à orientação sexual ou à identidade de gênero de alguém, por traduzirem
expressões de racismo, compreendido este em sua dimensão social, ajustam-se , por
identidade de razão e mediante adequação típica, aos preceitos primários de
incriminação definidos na Lei nº 7.716, de 08/01/1989, constituindo, também, na
hipótese de homicídio doloso, circunstância que o qualifica , por configurar motivo torpe
(Código Penal, art. 121, § 2º, I, “in fine”)
2. A repressão penal à prática da homotransfobia não alcança nem restringe ou limita o
exercício da liberdade religiosa , qualquer que seja a denominação confessional
professada, a cujos fiéis e ministros (sacerdotes, pastores, rabinos, mulás ou clérigos
muçulmanos e líderes ou celebrantes das religiões afro-brasileiras, entre outros) é
assegurado o direito de pregar e de divulgar, livremente, pela palavra, pela imagem ou
por qualquer outro meio, o seu pensamento e de externar suas convicções de acordo
com o que se contiver em seus livros e códigos sagrados, bem assim o de ensinar
segundo sua orientação doutrinária e/ou teológica, podendo buscar e conquistar
prosélitos e praticar os atos de culto e respectiva liturgia, independentemente do
espaço, público ou privado, de sua atuação individual ou coletiva, desde que tais
manifestações não configurem discurso de ódio, assim entendidas aquelas
exteriorizações que incitem a discriminação, a hostilidade ou a violência contra pessoas
em razão de sua orientação sexual ou de sua identidade de gênero.
3. O conceito de racismo, compreendido em sua dimensão social, projeta-se para além
de aspectos estritamente biológicos ou fenotípicos, pois resulta, enquanto manifestação
de poder, de uma construção de índole histórico-cultural motivada pelo objetivo de
justificar a desigualdade e destinada ao controle ideológico, à dominação política, à
subjugação social e à negação da alteridade, da dignidade e da humanidade daqueles
que, por integrarem grupo vulnerável (LGBTI+) e por não pertencerem ao estamento que
detém posição de hegemonia em uma dada estrutura social, são considerados estranhos
e diferentes, degradados à condição de marginais do ordenamento jurídico, expostos,
em consequência de odiosa inferiorização e de perversa estigmatização, a uma injusta e
lesiva situação de exclusão do sistema geral de proteção do direito.

Importante destacar a ilustre literatura de Paulo Roberto Iotti Vecchiatti2021.


Segundo o autor, o conceito de racismo não foi inventado pelo STF, mas decorre
da materialização da literatura negra antirracismo, captada com maestria pelos Ministros
do Supremo Tribunal Federal.
Destaca:
58

E, se racismo é conceito político-social, também é o de raça,


enquanto dispositivo político-social de poder, que visa garantir
privilégios a um grupo dominante em detrimento de um
desumanizado e inferiorizado grupo dominado, afirmado como
“degenerado” e, assim, discriminado de maneira estrutural,
sistemática, institucional e histórica, para o fim de estigmatizar,
desqualificar moralmente, expulsar do convívio familiar ou até
internar em hospitais psiquiátricos as minorias sexuais e de
gênero (população LGBTI+), em prol de opressoras ideologias
normalizadoras, mediante alterocídio discriminatório. Logo,
o heterossexismo e do cissexismo são ideologias racistas ao
pregarem a heteronormatividade e a cisnormatividade, ou seja,
a heterossexualidade e a cisgeneridade compulsórias, punindo
simbólica, moral e/ou fisicamente quem “ousa” viver a vida de
outra forma. Como no célebre HC 82.424/RS, que afirmou que
o antissemitismo é conduta racista ao aduzir que racismo é a
inferiorização de um grupo social relativamente a outro, o STF
partiu da constatação de que a CF (artigo 3º, IV) e a Lei
Antirracismo falam em “raça” e “cor” em palavras diferentes
(conforme máxima hermenêutica, a lei não possui palavras

20
Supremo não legislou nem fez analogia ao considerar homofobia como racismo.
21
Link do encontro do Curso Mege com Paulo Iotti: https://www.youtube.com/watch?v=f9mQEq1o-h4.
inúteis, donde “raça” não pode significar apenas “cor”) e
do fato de o Projeto Genoma ter enterrado a tese de que a
humanidade seria formada por “raças biologicamente distintas
entre si”. Então, para o racismo não virar crime impossível, pela
unicidade biológica da humanidade, afirmou-se ser conceito
político-social — histórico, antropológico e sociológico (ratio
decidendi da decisão). Logo, a homotransfobia foi considerada
espécie de racismo e enquadrada nos crimes raciais (“por raça”,
por exemplo, artigo 20 da Lei 7.716/89): não por “analogia”, pois
“criminalizar por analogia” demandaria dizer que a
homotransfobia seria “tão grave quanto” o racismo, a merecer
mesma punição, mas não foi isso que o STF reconheceu.
Fez-se interpretação literal do termo legal raça e do termo
constitucional racismo, ainda que evolutiva, caso se entenda que
a compreensão biológica teria sido a “original”. Interpretação
integrante do limite do teor literal (Roxin) da moldura normativa
(Kelsen), e não por “ato arbitrário de vontade”, mas por conceito
afirmado em precedente do STF e referendado pela literatura
negra antirracismo, donde inexistente “intolerável vagueza”,
violadora do princípio da taxatividade — leis penais desde
sempre criminalizam por conceitos valorativos, carentes de
concretização interpretativa, e isso sempre foi aceito, quando
não intoleravelmente vagos (conforme terminologia alemã e 59
Roxin; no Brasil, Cezar R. Bittencourt).
Entendimento contrário ressuscita o anacrônico e irreal
“silogismo perfeito”, de Beccaria, negando ao
Judiciário qualquer labor interpretativo, algo incompatível com
o mundo real. A técnica legislativa cria crimes desde
sempre por conceitos valorativos (conforme ofender a dignidade
ou o decoro, da injúria, e o crime de rixa), bem como os usa como
qualificadoras/agravantes ou elementos normativos do tipo (por
exemplo, “motivo fútil ou torpe”). A definição de tais conceitos
não está na lei penal, ela é feita por doutrina e
jurisprudência. Quem discorda dessa técnica legislativa precisa
enfrentar essa concepção hegemônica na jurisprudência
constitucional mundial sobre a validade do uso de conceitos
valorativos criminalizadores à luz da taxatividade penal.

Indicamos, para complementação da leitura da matéria, o texto na íntegra do


escritor, advogado e jurista Paulo Iotti, que faz a clara análise do julgamento da ADO 26
pela própria ratio decidendi do STF.
Bastante claro, alfim, que tais entendimentos acima abordados são
fundamentais para uma boa explanação em provas discursivas e orais da magistratura,
sobretudo no ENAM em 2024, então cuidado e leitura redobrada nos julgados
destacados na linha do tempo acima22.

1.9 CAPACITISMO

O capacitismo consiste na desvalorização e desqualificação das pessoas com


deficiência com base no preconceito em relação à sua capacidade corporal e/ou
cognitiva. Segundo Fiona Campbell, pesquisadora e teórica do estudo da deficiência, o
capacitismo envolve crenças, práticas e processos tanto nas relações sociais, quanto nas
instituições (estruturas sociais que regulam o comportamento coletivo) que considera a
deficiência como um estado inferior do ser humano. Consequentemente, isso favorece
a marginalização das pessoas com deficiência na sociedade.
Abaixo seguem exemplo de frases que perdem qualquer sentido de aplicação
quando conhecemos melhor sobre como encarar o tema de forma mais técnica e em
maior abrangência de proteção de direitos. Não há de se considerar, para a nova
magistratura brasileira, a não compreensão da linguagem como uma manifestação de
preconceitos implícitos. Trata-se de uma educação constante e em evolução:

“Fingir demência”
“Dar uma de João sem braço”
60
“Não temos braço para fazer tudo isso”
“Dar uma mancada”
“Está cego/surdo?”
“Estou cego de raiva”
“Mais perdido que cego em tiroteio”
“Para de ser retardado”
“Mudinho/ceguinho”
“Nem parece que você é uma pessoa com deficiência”
“Você não tem cara de autista”
“Você não tem cara de surdo/surda”
“Seu problema não tem cura?”
“Pensei que você era normal”
“Apesar de PCD, você parece feliz”
“A gente só recebe o fardo que consegue carregar”
“Será que seus filhos vão nascer normais?”
“Mas como você faz as coisas tendo essa deficiência?”

22
https://www.conjur.com.br/2019-ago-19/paulo-iotti-stf-nao-legislou-equipararhomofobia-racismo
1.10 AÇÕES AFIRMATIVAS

Legislação para aprofundamento no ENAM 2024 (aprofundaremos estes


tópicos em materiais na turma ponto a ponto): 61
• Constituição da República Federativa do Brasil/1988 Art. 1º,
caput e V – Art. 3º, I – Art. 5º, caput, XLII, § 1º – Art. 22, XXIV –
Art. 23, X – Art. 37, VIII – Art. 205 – Art. 206, I, III e IV – Art. 207 –
Art. 208, V – Art. 215, § 3º, V
• Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as
Formas de Discriminação Racial/1965 (promulgada pelo Decreto
65.810/1969) Art. 1º, item 4
• Lei 9.394/1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional) Art. 51 – Art. 53, IV e parágrafo único, II 18
• Lei 10.172/2001 (Plano Nacional de Educação) Item 19
• Lei 10.558/2002 (Programa Diversidade na Universidade)
Art. 1º
• Lei 12.228/2010 (Estatuto da Igualdade Racial) Art. 14
• Decreto 4.886/2003 Anexo – Objetivos específicos – Ação
afirmativa.

O termo ação afirmativa existe no Brasil com um diversidades de sentidos, o


que reflete os debates e experiências históricas dos países em que se desenvolveu.

A expressão tem origem nos Estados Unidos, local que ainda hoje
se constitui como importante referência no assunto. Nos anos
60, os norte-americanos viviam um momento de reivindicações
democráticas internas, expressas principalmente no movimento
pelos direitos civis, cuja bandeira central era a extensão da
igualdade de oportunidades a todos. No período, começam a ser
eliminadas as leis segregacionistas vigentes no país, e o
movimento negro surge como uma das principais forças
atuantes, com lideranças de projeção nacional, apoiado por
liberais e progressistas brancos, unidos numa ampla defesa de
direitos. É nesse contexto que se desenvolve a ideia de uma
ação afirmativa, exigindo que o Estado, para além de garantir
leis antissegregacionistas, viesse também a assumir uma
postura ativa para a melhoria das condições da população
negra. Os Estados Unidos completam quase quarenta anos de
experiências, o que oferece boa oportunidade para uma análise
de longo prazo do desenvolvimento e impacto dessa política.
Mas a ação afirmativa não ficou restrita aos Estados Unidos.
Experiências semelhantes ocorreram em vários países da Europa
Ocidental, na Índia, Malásia, Austrália, Canadá, Nigéria, África do
Sul, Argentina, Cuba, dentre outros. Na Europa, as primeiras
orientações nessa direção foram elaboradas em 1976, utilizando-
se frequentemente a expressão ação ou discriminação positiva.
Em 1982, a discriminação positiva foi inserida no primeiro
Programa de Ação para a Igualdade de Oportunidades da
Comunidade Econômica Europeia (Centro Feminista de Estudos
62
e Assessoria, 1995, Estudos Feministas, 1996). Ação Afirmativa:
História e Debates no Brasil – Sabrina Moehlecke, 2002.

Desde o início deste ponto referente ao Direito Antidiscriminatório, fica claro


que a redemocratização no Brasil é bastante recente e rodeada de lacunas a serem
resolvidas por todos os Poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário.
Seja o sexo ou a condição do indivíduo, referente à cor ou aspectos físicos e de
orientação sexual, há uma série de vedações implícitas e explícitas à oportunidade de
carreiras e ingresso no mercado de trabalho, bem assim, desempenho educacional
igualitário, acesso a ensino superior e participação na vida pública, tanto pelos meios
majoritários de eleição ou pela via do serviço público como um todo.
Uma das propostas que surgiram como resposta ao problema foram as políticas
de ação afirmativa, também designadas política de cotas, reserva de vagas, ação
compensatória, que veiculam tema e experiência relativamente novos no debate e
agenda pública brasileira.
Para Barbara Bergmann, de forma generalista:

Ação afirmativa é planejar e atuar no sentido de promover a


representação de certos tipos de pessoas aquelas pertencentes
a grupos que têm sido subordinados ou excluídos em
determinados empregos ou escolas. É uma companhia de
seguros tomando decisões para romper com sua tradição de
promover a posições executivas unicamente homens brancos. É
a comissão de admissão da Universidade da Califórnia em
Berkeley buscando elevar o número de negros nas classes iniciais
[...]. Ações Afirmativas podem ser um programa formal e escrito,
um plano envolvendo múltiplas partes e com funcionários dele
encarregados, ou pode ser a atividade de um empresário que
consultou sua consciência e decidiu fazer as coisas de uma
maneira diferente. (1996, p. 7)

Especificamente no Brasil, as políticas públicas possuem um viés social, pós


redemocratização, com ações distributivas e assistenciais contra a pobreza à guisa de um
ideal de igualdade formal não só formal mas também material. Sejam em governos de
esquerda ou direta, sempre houve uma preocupação em maior ou menor grau quanto a
manutenção de uma concepção de mundo mais igualitária para os mais necessitados.
No que envolve a temática voltada à população negra e ações afirmativas, tendo
em vista todo o arcabouço social em que o Brasil se encontra, o Congresso Nacional no
ano de 2014 publicou a Lei n 12.990, prevendo em seu artigo 1º que ficam reservadas
aos negros 20% (vinte por cento) das vagas oferecidas nos concursos públicos para
provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração
pública federal, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das
sociedades de economia mista controladas pela União. 63
No ano de 2017, por sua vez, a Ordem dos Advogados do Brasil, ante os
inúmeros ataques “midiáticos” contra tal evolução reparativa legislativa, adentrou com
ADC (Ação Declaratória de Constitucionalidade) com a intenção de provar a
constitucionalidade da reserva de vagas para negros em concursos públicos. A ementa
dos autos da ADC n. 17 consta tais previsões (com destaques do Mege para o ENAM):

1. É constitucional a Lei n° 12.990/2014, que reserva a pessoas


negras 20% das vagas oferecidas nos concursos públicos para
provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito
da administração pública federal direta e indireta, por três
fundamentos. 1.1. Em primeiro lugar, a desequiparação
promovida pela política de ação afirmativa em questão está em
consonância com o princípio da isonomia. Ela se funda na
necessidade de superar o racismo estrutural e institucional
ainda existente na sociedade brasileira, e garantir a igualdade
material entre os cidadãos, por meio da distribuição mais
equitativa de bens sociais e da promoção do reconhecimento
da população afrodescendente. 1.2. Em segundo lugar, não há
violação aos princípios do concurso público e da eficiência. A
reserva de vagas para negros não os isenta da aprovação no
concurso público. Como qualquer outro candidato, o beneficiário
da política deve alcançar a nota necessária para que seja
considerado apto a exercer, de forma adequada e eficiente, o
cargo em questão. Além disso, a incorporação do fator “raça”
como critério de seleção, ao invés de afetar o princípio da
eficiência, contribui para sua realização em maior extensão,
criando uma “burocracia representativa”, capaz de garantir que
os pontos de vista e interesses de toda a população sejam
considerados na tomada de decisões estatais. 1.3. Em terceiro
lugar, a medida observa o princípio da proporcionalidade em sua
tríplice dimensão. A existência de uma política de cotas para o
acesso de negros à educação superior não torna a reserva de
vagas nos quadros da administração pública desnecessária ou
desproporcional em sentido estrito. Isso porque: (i) nem todos
os cargos e empregos públicos exigem curso superior; (ii) ainda
quando haja essa exigência, os beneficiários da ação afirmativa
no serviço público podem não ter sido beneficiários das cotas nas
universidades públicas; e (iii) mesmo que o concorrente tenha
ingressado em curso de ensino superior por meio de cotas, há
outros fatores que impedem os negros de competir em pé de
igualdade nos concursos públicos, justificando a política de ação
afirmativa instituída pela Lei n° 12.990/2014. 2. Ademais, a fim
de garantir a efetividade da política em questão, também é
constitucional a instituição de mecanismos para evitar fraudes
pelos candidatos. É legítima a utilização, além da
autodeclaração, de critérios subsidiários de heteroidentificação
(e.g., a exigência de autodeclaração presencial perante a
comissão do concurso), desde que respeitada a dignidade da
64
pessoa humana e garantidos o contraditório e a ampla defesa.
3. Por fim, a administração pública deve atentar para os
seguintes parâmetros: (i) os percentuais de reserva de vaga
devem valer para todas as fases dos concursos; (ii) a reserva deve
ser aplicada em todas as vagas oferecidas no concurso público
(não apenas no edital de abertura); (iii) os concursos não podem
fracionar as vagas de acordo com a especialização exigida para
burlar a política de ação afirmativa, que só se aplica em
concursos com mais de duas vagas; e (iv) a ordem classificatória
obtida a partir da aplicação dos critérios de alternância e
proporcionalidade na nomeação dos candidatos aprovados deve
produzir efeitos durante toda a carreira funcional do beneficiário
da reserva de vagas. 4. Procedência do pedido, para fins de
declarar a integral constitucionalidade da Lei n° 12.990/2014.

Como denota o Ministro Luís Roberto Barroso – grande nome do


Neoconstitucionalismo:

As ações afirmativas em geral e a reserva de vagas para ingresso no


serviço público em particular são políticas públicas voltadas para a
efetivação do direito à igualdade. A igualdade constitui um direito
fundamental e integra o conteúdo essencial da ideia de democracia.
Da dignidade humana resulta que todas as pessoas são fins em si
mesmas, possuem o mesmo valor e merecem, por essa razão, igual
respeito e consideração.
A igualdade veda a hierarquização dos indivíduos e as desequiparações
infundadas, mas impõe a neutralização das injustiças históricas,
econômicas e sociais, bem como o respeito à diferença. No mundo
contemporâneo, a igualdade se expressa particularmente em três
dimensões: a igualdade formal, que funciona como proteção contra a
existência de privilégios e tratamentos discriminatórios; a igualdade
material, que corresponde às demandas por redistribuição de poder,
riqueza e bem-estar social; e a igualdade como reconhecimento,
significando o respeito devido às minorias, sua identidade e suas
diferenças, sejam raciais, religiosas, sexuais ou quaisquer outras. A
igualdade efetiva requer igualdade perante a lei, redistribuição e
reconhecimento.

Acesso às carreiras públicas mais valorizadas

Especificamente em relação ao serviço público, Nota Técnica do Ipea elaborada


para subsidiar a discussão do projeto de lei que deu origem à Lei 12.990/2014 trouxe
dados reveladores.
Mesmo no setor público, em que são empregados critérios supostamente 65
impessoais de seleção, os negros ocupam majoritariamente as carreiras e posições de
menor qualificação e prestígio e têm níveis de rendimento inferiores, quando
comparados com servidores públicos brancos com o mesmo nível de escolaridade. Nas
carreiras mais valorizadas, que exigem curso superior e que oferecem melhores
remunerações, servidores negros são pouco presentes.

• Na diplomacia, apenas 5,9% são negros.


• Na Advocacia-Geral da União, somente 15%.
• E, na Defensoria Pública, são 19,5%.

Já nas carreiras menos valorizadas, como as de suporte técnico em vários


órgãos federais, de nível médio, o percentual de negros é maior, de quase 40%.
A eloquência dos números demonstra que a ideia de democracia racial
representa uma máscara que tem dificultado tremendamente o enfrentamento dos
processos históricos e culturais de discriminação contra a população afrodescendente.
É preciso desconstruir a ideia romântica e irreal de que somos uma sociedade
homogeneizada pela miscigenação e de que aqui transcendemos a questão racial.
Nas palavras do juiz Blackmun, “a fim de superar o racismo, é preciso primeiro
ter em conta a raça. Não há outro caminho”. Portanto, diante da persistência das
desigualdades enfrentadas pela população afrodescendente, evidenciada em todos os
indicadores sociais, há fundamento constitucionalmente legítimo para a desequiparação
promovida pela Lei 12.990/2014. Afinal, a reserva de vagas para negros no serviço
público se volta a combater o racismo estrutural presente na sociedade brasileira, na
linha dos com- promissos firmados pela Constituição de 1988 com a promoção da
igualdade em seu sentido material, com a redução das desigualdades e com o combate
ao racismo (CF/1988, arts. 3º, III, e 5º, caput e XLII).

1.11 DIREITOS DOS POVOS INDÍGENAS E DAS COMUNIDADES TRADICIONAIS

A Declaração Universal dos Direitos dos Povos Indígenas foi aprovada pela ONU
(Organização das Nações Unidas), e representa uma transformação fundamental nas
relações entre Estados e seus povos originários.

Fruto de uma crescente preocupação com os direitos coletivos,


inclusive no plano internacional, a Declaração constitui importante
instrumento de luta jurídica pela dignidade de vários povos. Sem a
ingenuidade de imaginar que apenas o instrumento jurídico seja
suficiente para transformar a realidade social, há que se reconhecer
que irrompeu um novo marco no direito internacional, o que poderá
contribuir para uma alteração mais profunda das relações dos Estados
com suas minorias.

No Brasil há uma constante evolução na tratativa dos direitos dos povos


indígenas. Em um primeiro momento, o Código Civil de 1916 equiparou os indígenas 66
aos pródigos e às pessoas com idades entre 16 e 21 anos. Para a doutrina da época, à
exemplo de Maria Helena Diniz em seu Código Civil de 1916 Anotado, os “índios têm
educação lenta e difícil, assim necessitam de proteção especial”.
Insta destacar que tal expressão, pela nova sistemática do Código Civil de 2002,
atualizado pela Lei n. 13.146/15, não é o correto. Indígenas é a expressão que denota a
vivência dos povos originários. Segundo o art. 114 da referida Lei, o art. 4º, parágrafo
único da Lei n. 10.406/2002 deve ter nova redação, sendo certo que a capacidade dos
indígenas será regulada por legislação especial.
Essa legislação, atualmente, é a Lei n. 6.001/73 – Estatuto do Índio. Note que a
legislação ainda usa a expressão incorreta para se referir ao povos tradicionais. Segundo
o artigo 2º da referida:

Cumpre à União, aos Estados e aos Municípios, bem como aos órgãos
das respectivas administrações indiretas, nos limites de sua
competência, para a proteção das comunidades indígenas e a
preservação dos seus direitos: I - estender aos índios os benefícios da
legislação comum, sempre que possível a sua aplicação; II - prestar
assistência aos índios e às comunidades indígenas ainda não
integrados à comunhão nacional; III - respeitar, ao proporcionar aos
índios meios para o seu desenvolvimento, as peculiaridades inerentes
à sua condição; IV - assegurar aos índios a possibilidade de livre escolha
dos seus meios de vida e subsistência; V - garantir aos índios a
permanência voluntária no seu habitat , proporcionando-lhes ali
recursos para seu desenvolvimento e progresso; VI - respeitar, no
processo de integração do índio à comunhão nacional, a coesão das
comunidades indígenas, os seus valores culturais, tradições, usos e
costumes; VII - executar, sempre que possível mediante a colaboração
dos índios, os programas e projetos tendentes a beneficiar as
comunidades indígenas; VIII - utilizar a cooperação, o espírito de
iniciativa e as qualidades pessoais do índio, tendo em vista a melhoria
de suas condições de vida e a sua integração no processo de
desenvolvimento; IX - garantir aos índios e comunidades indígenas, nos
termos da Constituição, a posse permanente das terras que habitam,
reconhecendo-lhes o direito ao usufruto exclusivo das riquezas
naturais e de todas as utilidades naquelas terras existentes; X - garantir
aos índios o pleno exercício dos direitos civis e políticos que em face
da legislação lhes couberem.

A Constituição Federal de 1988 imprimiu uma nova sistemática no direito dos


indígenas. O art. 231 da Carta Magna dispõe sobre os direitos indígenas, sendo que
protege o direito a cultura, tradição, religião e língua dos índios. O referido artigo ainda
discorre mais especificamente sobre as terras indígenas e a capacidade de postulação
para obtenção de tutela jurisdicional das comunidades23.

Vamos aos dispositivos relevantes para o ENAM: 67


Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social,
costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre
as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-
las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.
§ 1º São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles
habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades
produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais
necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e
cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.
§ 2º As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a
sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das
riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes.
§ 3º O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais
energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras
indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso
Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada
participação nos resultados da lavra, na forma da lei.

23
Carlos Frederico Marés de Souza Filho e Raul Cezar Bergold – Os direitos dos povos indígenas no Brasil:
desafios no século XXI.
§ 4º As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis,
e os direitos sobre elas, imprescritíveis.
§ 5º É vedada a remoção dos grupos indígenas de suas terras, salvo,
"ad referendum" do Congresso Nacional, em caso de catástrofe ou
epidemia que ponha em risco sua população, ou no interesse da
soberania do País, após deliberação do Congresso Nacional,
garantido, em qualquer hipótese, o retorno imediato logo que cesse
o risco.
§ 6º São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que
tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que
se refere este artigo, ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos
rios e dos lagos nelas existentes, ressalvado relevante interesse público
da União, segundo o que dispuser lei complementar, não gerando a
nulidade e a extinção direito a indenização ou a ações contra a União,
salvo, na forma da lei, quanto às benfeitorias derivadas da ocupação
de boa fé.
§ 7º Não se aplica às terras indígenas o disposto no art. 174, § 3º e §
4º.
Art. 232. Os índios, suas comunidades e organizações são partes
legítimas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e
interesses, intervindo o Ministério Público em todos os atos do
processo. 68
Segundo FILHO & BERGOLD (2013):

A demarcação é necessária para a proteção física das terras indígenas,


mas as terras que não são demarcadas devem ser protegidas também.
A demarcação é o reconhecimento da Administração que
determinado espaço territorial é de posse dos índios. Souza Filho
lembra que basta que as terras sejam tradicionalmente ocupadas para
que sobre elas os povos tenham direitos originários. Assim, tendo em
vista todos estes condicionamentos que as discussões saíram da esfera
política para o plano jurídico.

No ano de 2023 a questão das terras ocupadas pelos povos originários precisou
ser julgada pelo STF, em respeito ao marco regulatório e ao direito de propriedade
oriundo da primeira dimensão humana. Segundo a Corte a União deve (ADPF 991 MC-
Ref/DF, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 08/08/2023 (Info 1102):

• Tomar medidas para proteger territórios de povos indígenas


isolados e de recente contato, renovando portarias de restrição antes
de expirarem e só cessando após demarcação ou comprovação de
ausência de indígenas isolados.
• Apresentar um Plano de Ação detalhando cronogramas de estudos,
dados sobre servidores, patrimônio, contratos e condições das
unidades, status e orçamento das Bases de Proteção Etnoambientais
(BAPEs), progresso da demarcação da terra Kawahiva do Rio Pardo e
ações de proteção e prevenção contra invasões.
• Emitir Portarias de Restrição para territórios não demarcados em
60 dias, sob pena de, em não se cumprindo o prazo, que o STF
determine a Restrição de Uso por decisão judicial dessas áreas.

O CNJ deve criar um Grupo de Trabalho para monitorar ações judiciais relativas
aos direitos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato.
Deve ser reconhecida pelas autoridades a forma isolada de viver como
declaração da livre autodeterminação dos povos indígenas isolados, sendo o ato do
isolamento considerado suficiente para fins de consulta, nos termos da Convenção n.
169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da Declaração das Nações Unidas
sobre os Direitos dos Povos Indígenas e da Declaração Americana sobre os Direitos dos
Povos Indígenas, normas internacionais de direitos humanos, internalizadas no
ordenamento jurídico brasileiro.

1.12 CONSIDERAÇÕES FINAIS


69
Na apresentação deste conteúdo prévio, especialmente pelo seu apelo teórico,
demonstramos uma linha de produção que entendemos como a que deve ser seguida
para uma preparação mais segura e alinha ao espírito do ENAM. Com a divulgação do
edital oficial, certamente (até mesmo este ponto) seremos ainda mais técnicos e
alinhados à pesquisa necessária para colocarmos os nossos alunos em totais condições
de brigarem pelos 70% esperados para aprovação (ou até bem mais que isso).
O nosso compromisso será da melhor preparação possível para este novo perfil
de desafio. Nossos alunos podem ter certeza de que todos os materiais escritos, as
videoaulas e simulados reproduzirão exatamente o espírito anunciado para o ENAM. Isso
é mais que um compromisso. É uma missão assumida ao lado de todos em busca de
nossa vitória coletiva nesta prova que não oferece qualquer medo. Muito pelo contrário,
temos certeza de que nossos alunos compreenderão as novas diretrizes de estudo e
aproveitarão este cenário para vencerem os próximos concursos da magistratura com
uma concorrência até menor do que já acontecia até então. Não serão poucos os
candidatos e candidatas que não farão um estudo direcionado para esta nova realidade.
Adaptar-se com a antecedência que pregamos neste momento, certamente, irá encurtar
o seu caminho para focar na sequência dos próximos concursos.
É importante destacar, novamente, que toda nossa produção e orientação
também observará essa visão global de estudo para magistratura como um todo. Sem
esquecer que, neste momento, precisamos passar no ENAM, e assim que obtivermos
esse resultado, muito já terá sido percorrido para sequência do estudo nas matérias não
compreendidas na prova preliminar.
Contem com nosso total apoio e vamos juntos em busca de muitas aprovações
em 2024!

70

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