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Direito de Propriedade,

Família e Sucessões

Profa. Gabriela Wolff e


Profa. Larisse Campelo Messias

Indaial – 2021
1a Edição
Copyright © UNIASSELVI 2020

Elaboração:
Prof . Gabriela Wolff e
a

Prof . Larisse Campelo Messias


a

Revisão, Diagramação e Produção:


Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI

Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri


UNIASSELVI – Indaial.

W855d

Wolff, Gabriela

Direito de propriedade, família e sucessões. / Gabriela Wolff;


Larisse Campelo Messias. – Indaial: UNIASSELVI, 2021.

242 p.; il.

ISBN 978-65-5663-394-7
ISBN Digital 978-65-5663-389-3

1. Direito das coisas. - Brasil. I. Messias, Larisse Campelo. II.


Centro Universitário Leonardo da Vinci.

CDD 340

Impresso por:
Apresentação
Prezado acadêmico, seja bem-vindo a nova disciplina do curso, na
qual trataremos das questões inerentes ao direito das coisas.

Na Unidade 1, trabalharemos temas relevantes ao estudo do direito


das coisas, com destaque para a diferença entre o direito das coisas e os
direitos pessoais, a análise de posse e teorias, além da propriedade. Ainda,
estudaremos os direitos de vizinhança e as formas de aquisição e perda dos
institutos da posse e da propriedade.

Na Unidade 2, o estudo terá, como objetivo, conhecer as diversas


espécies de condomínio. Além disso, trataremos, de forma pormenorizada,
dos direitos reais de gozo e fruição, dando destaque aos mais conhecidos:
usufruto, uso e habitação. Nesta unidade, você terá informações que
permitirão compreender os direitos de garantia que sempre ouvimos falar,
isto é, penhor, hipoteca, anticrese e alienação fiduciária, mas desconhecemos
as principais características.

Na Unidade 3, trabalharemos com alguns institutos de direito de


família e sucessões. Inicialmente, será trabalhado o conceito de família, além
dos aspectos acerca do casamento, união estável e relações de parentesco.
Em um segundo momento, após a absorção desses conceitos, traremos,
à baila, aspectos importantes da obrigação alimentar, tutela e curatela.
Finalizaremos nosso estudo abordando conceitos de sucessão, inventário e
partilha de bens, disciplina de extrema importância, que proporcionará, ao
acadêmico, a análise e a solução de problemas cotidianos.

Bons estudos, acadêmico!


NOTA

Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para
você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há novi-
dades em nosso material.

Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é


o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um
formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura.

O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova diagra-
mação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também contribui
para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo.

Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente,


apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilida-
de de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador.
 
Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para
apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assun-
to em questão.

Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas
institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa
continuar seus estudos com um material de qualidade.

Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de


Desempenho de Estudantes – ENADE.
 
Bons estudos!
LEMBRETE

Olá, acadêmico! Iniciamos agora mais uma disciplina e com ela


um novo conhecimento.

Com o objetivo de enriquecer seu conhecimento, construímos, além do livro


que está em suas mãos, uma rica trilha de aprendizagem, por meio dela você
terá contato com o vídeo da disciplina, o objeto de aprendizagem, materiais complemen-
tares, entre outros, todos pensados e construídos na intenção de auxiliar seu crescimento.

Acesse o QR Code, que levará ao AVA, e veja as novidades que preparamos para seu estudo.

Conte conosco, estaremos juntos nesta caminhada!


Sumário
UNIDADE 1 — DIREITO DAS COISAS............................................................................................ 1

TÓPICO 1 — LIÇÕES PRELIMINARES AO ESTUDO DO DIREITO DAS COISAS................... 3


1 INTRODUÇÃO..................................................................................................................................... 3
2 DIFERENÇAS ENTRE DIREITOS REAIS E DIREITOS PESSOAIS......................................... 4
3 FIGURAS HÍBRIDAS OU INTERMEDIÁRIAS............................................................................ 7
4 PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DOS DIREITOS REAIS................................................... 10
5 DA POSSE............................................................................................................................................ 11
5.1 TEORIAS JUSTIFICADORAS DA POSSE.................................................................................. 13
5.2 A TEORIA DA FUNÇÃO SOCIAL DA POSSE......................................................................... 15
5.3 DIFERENÇAS ENTRE POSSE E DETENÇÃO.......................................................................... 16
5.4 PRINCIPAIS CLASSIFICAÇÕES DA POSSE............................................................................ 19
5.5 EFEITOS MATERIAIS E PROCESSUAIS DA POSSE............................................................... 23
5.5.1 Responsabilidade civil do possuidor . .............................................................................. 24
5.5.2 Direitos às benfeitorias......................................................................................................... 24
5.5.3 Direito à usucapião............................................................................................................... 25
5.5.4 Ações possessórias................................................................................................................ 26
5.5.5 Autotutela da posse: legítima defesa da posse e o desforço imediato.......................... 28
5.6 FORMAS DE AQUISIÇÃO, TRANSMISSÃO E PERDA DA POSSE..................................... 29
5.6.1 Perda da posse....................................................................................................................... 30
5.7 COMPOSSE OU COMPOSSESSÃO............................................................................................ 31
RESUMO DO TÓPICO 1..................................................................................................................... 32
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................... 33

TÓPICO 2 — DA PROPRIEDADE..................................................................................................... 35
1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 35
2 CONCEITOS FUNDAMENTAIS RELATIVOS À PROPRIEDADE/ATRIBUTOS............... 35
2.1 PROPRIEDADE VERSUS DOMÍNIO ........................................................................................ 38
2.2 PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DO DIREITO DE PROPRIEDADE................................ 38
2.3 FUNÇÕES SOCIAL E SOCIOAMBIENTAL DA PROPRIEDADE......................................... 39
2.3.1 Desapropriação judicial por posse-trabalho..................................................................... 41
2.4 FORMAS DE AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE IMÓVEL ................................................... 42
2.4.1 Das acessões naturais e artificiais . .................................................................................... 43
2.4.2 Da usucapião de bens imóveis............................................................................................ 46
2.4.3 Do registro do título da propriedade imóvel................................................................... 54
2.4.4 Da sucessão hereditária de bens imóveis.......................................................................... 56
3 FORMAS DE AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE MÓVEL........................................................ 57
3.1 OCUPAÇÃO................................................................................................................................... 57
3.2 ACHADO DO TESOURO............................................................................................................. 58
3.3 ESPECIFICAÇÃO.......................................................................................................................... 58
3.3.1 Confusão, comistão e adjunção.......................................................................................... 59
3.3.2 Usucapião.............................................................................................................................. 60
3.3.3 Tradição.................................................................................................................................. 61
4 DA PERDA DAS PROPRIEDADES IMÓVEL E MÓVEL.......................................................... 61
5 REFORMA AGRÁRIA E POLÍTICA FUNDIÁRIA..................................................................... 62
6 LEI N° 13.465 E O DIREITO DE PROPRIEDADE NO CONTEXTO URBANO.................... 67
RESUMO DO TÓPICO 2..................................................................................................................... 71
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................... 72

TÓPICO 3 — DOS DIREITOS DE VIZINHANÇA........................................................................ 75


1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................... 75
2 USO ANORMAL DA PROPRIEDADE.......................................................................................... 76
3 DAS ÁRVORES LIMÍTROFES........................................................................................................ 78
4 DA PASSAGEM FORÇADA............................................................................................................ 78
5 DA PASSAGEM DE CABOS E TUBULAÇÕES........................................................................... 79
6 DAS ÁGUAS........................................................................................................................................ 79
7 LIMITES ENTRE PRÉDIO E DE TAPAGEM................................................................................ 80
8 DIREITO DE CONSTRUIR.............................................................................................................. 81
LEITURA COMPLEMENTAR............................................................................................................. 83
RESUMO DO TÓPICO 3..................................................................................................................... 86
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................... 87

REFERÊNCIAS....................................................................................................................................... 88

UNIDADE 2 — DIREITO DE FAMÍLIA........................................................................................... 91

TÓPICO 1 — ASPECTOS CIVIS E CONSTITUCIONAIS DO DIREITO DE FAMÍILIA...... 93


1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................... 93
2 DIREITO DE FAMÍLIA: NOÇÕES, ORIGEM E EVOLUÇÃO.................................................. 93
3 A FAMÍLIA NA CONSTITUIÇÃO DE 1988.................................................................................. 95
4 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO DIREITO DE FAMÍLIA .......................................... 98
RESUMO DO TÓPICO 1................................................................................................................... 103
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................. 104

TÓPICO 2 — CASAMENTO............................................................................................................. 105


1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................. 105
2 CASAMENTO................................................................................................................................... 105
2.1 A PROMESSA DE CASAMENTO E OS EFEITOS JURÍDICOS............................................ 106
2.2 CAPACIDADE PARA O CASAMENTO, IMPEDIMENTOS MATRIMONIAIS E
CAUSAS SUSPENSIVAS DO CASAMENTO........................................................................... 107
2.3 DO PROCESSO DE HABILITAÇÃO E DA CELEBRAÇÃO DO CASAMENTO............... 110
2.4 EXISTÊNCIA, VALIDADE E EFICÁCIA DO CASAMENTO .............................................. 116
2.5 PROVAS DO CASAMENTO...................................................................................................... 125
2.6 EFEITOS JURÍDICOS DO CASAMENTO . ............................................................................. 126
2.7 DEVERES DO CASAMENTO.................................................................................................... 127
2.8 EFEITOS PATRIMONIAIS DO CASAMENTO: REGIME DE BENS.................................... 128
2.8.1 Regras gerais quanto aos regimes de bens...................................................................... 130
2.8.2 Pacto antenupcial . ............................................................................................................. 134
2.8.3 Regime de bens em espécies ............................................................................................ 135
2.8.4 Mudança de regime de bens do casamento.................................................................... 142
2.9 DISSOLUÇÃO DA SOCIEDADE CONJUGAL E DO CASAMENTO................................. 144
2.9.1 Sistemas de dissolução do casamento............................................................................. 144
2.9.2 A Emenda Constitucional nº 66/2010 e a (in)existência da separação........................ 145
2.9.3 Hipóteses de cabimento da separação............................................................................. 147
2.9.4 Separação de corpos .......................................................................................................... 149
2.9.5 Separação de fato ............................................................................................................... 150
2.9.6 Divórcio................................................................................................................................ 151
2.9.7 Características materiais e processuais do divórcio...................................................... 154
RESUMO DO TÓPICO 2................................................................................................................... 159
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................. 160

TÓPICO 3 — UNIÃO ESTÁVEL...................................................................................................... 161


1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................. 161
2 PERSPECTIVA HISTÓRICA DA UNIÃO ESTÁVEL............................................................... 161
3 CONCEITO DE UNIÃO ESTÁVEL E SEUS REQUISITOS FUNDAMENTAIS................. 162
4 DOS EFEITOS PESSOAIS E PATRIMONIAIS DA UNIÃO ESTÁVEL................................ 163
5 CONVERSÃO DA UNIÃO ESTÁVEL EM CASAMENTO..................................................... 166
RESUMO DO TÓPICO 3................................................................................................................... 167
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................. 168

TÓPICO 4 — RELAÇÕES DE PARENTESCO............................................................................... 169


1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................. 169
2 CONCEITO E MODALIDADES DE PARENTESCO................................................................ 169
3 FILIAÇÃO.......................................................................................................................................... 172
4 RECONHECIMENTO DE FILHOS............................................................................................... 174
5 DA ADOÇÃO.................................................................................................................................... 176
6 DO PODER FAMILIAR................................................................................................................... 177
RESUMO DO TÓPICO 4................................................................................................................... 181
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................. 182

TÓPICO 5 — ALIMENTOS............................................................................................................... 185


1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 185
2 CONCEITO E PRESSUPOSTOS DA OBRIGAÇÃO ALIMENTAR....................................... 185
3 CARACTERÍSTICAS DA OBRIGAÇÃO ALIMENTAR.......................................................... 186
4 PRINCIPAIS CLASSIFICAÇÕES DOS ALIMENTOS.............................................................. 188
5 EXTINÇÃO DA OBRIGAÇÃO DE ALIMENTOS..................................................................... 190
RESUMO DO TÓPICO 5................................................................................................................... 192
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................. 193

TÓPICO 6 — TUTELA E CURATELA............................................................................................. 195


1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................. 195
2 NOÇÕES GERAIS COMUNS DA CURATELA E DA TUTELA............................................. 195
3 DA TUTELA....................................................................................................................................... 196
4 DA CURATELA DOS INTERDITOS............................................................................................ 199
5 DA TOMADA DE DECISÃO APOIADA.................................................................................... 203
LEITURA COMPLEMENTAR........................................................................................................... 206
RESUMO DO TÓPICO 6................................................................................................................... 210
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................. 211

REFERÊNCIAS..................................................................................................................................... 213

UNIDADE 3 — DIREITO DAS SUCESSÕES................................................................................ 215

TÓPICO 1 — CONCEITOS FUNDAMENTAIS DO DIREITO DAS SUCESSÕES............... 217


1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................. 217
2 A HERANÇA E A ADMINISTRAÇÃO........................................................................................ 217
2.1 DA VOCAÇÃO HEREDITÁRIA E OS LEGITIMADOS A SUCEDER................................ 220
2.2 DA ACEITAÇÃO E RENÚNCIA DA HERANÇA.................................................................. 222
2.3 DA HERANÇA JACENTE E DA HERANÇA VACANTE.................................................... 226
3 DA PETIÇÃO DE HERANÇA........................................................................................................ 228
4 DOS EXCLUÍDOS DA SUCESSÃO.............................................................................................. 229
4.1 DA INDIGNIDADE SUCESSÓRIA........................................................................................... 229
4.2 DA DESERDAÇÃO..................................................................................................................... 231
RESUMO DO TÓPICO 1................................................................................................................... 233
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................. 234

TÓPICO 2 — DA SUCESSÃO LEGÍTIMA E DA SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA................ 235


1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................. 235
2 DA SUCESSÃO LEGÍTIMA........................................................................................................... 235
2.1 A INCONSTITUCIONALIDADE DO ART 1.790 DO CÓDIGO CIVIL............................... 236
2.2 DA SUCESSÃO DOS ASCENDENTES E A CONCORRÊNCIA DO CÔNJUGE OU
COMPANHEIRO......................................................................................................................... 238
2.3 DA SUCESSÃO DO CÔNJUGE COM COMPANHEIRO E COM OS DESCENDENTES.......... 241
2.4 DA SUCESSÃO DO CÔNJUGE OU COMPANHEIRO, ISOLADAMENTE...................... 246
2.5 DA SUCESSÃO DOS COLATERAIS......................................................................................... 246
2.6 DO DIREITO DE REPRESENTAÇÃO...................................................................................... 248
3 DA SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA............................................................................................ 249
3.1 CONCEITO DE TESTAMENTO E SUAS CARACTERÍSTICAS........................................... 251
3.2 DAS MODALIDADES ORDINÁRIAS DE TESTAMENTO.................................................. 254
3.2.1 Testamento público ........................................................................................................... 254
3.2.2 Testamento cerrado............................................................................................................ 255
3.2.3 Testamento particular ou hológrafo . .............................................................................. 256
3.3 DAS MODALIDADES ESPECIAIS DE TESTAMENTO........................................................ 256
3.4 DO CODICILO............................................................................................................................. 258
3.5 DAS DISPOSIÇÕES TESTAMENTÁRIAS............................................................................... 259
3.6 DOS LEGADOS............................................................................................................................ 260
RESUMO DO TÓPICO 2................................................................................................................... 262
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................. 263

TÓPICO 3 — DO INVENTÁRIO E DA PARTILHA.................................................................... 265


1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................. 265
2 DO INVENTÁRIO............................................................................................................................ 265
2.1 DO INVENTÁRIO JUDICIAL................................................................................................... 266
2.2 DO INVENTÁRIO EXTRAJUDICIAL...................................................................................... 269
2.3 DA PENA DOS SONEGADOS.................................................................................................. 272
2.4 DO PAGAMENTO DAS DÍVIDAS........................................................................................... 273
2.5 DA COLAÇÃO............................................................................................................................. 274
2.5.1 Colação................................................................................................................................. 275
2.5.2 Redução das doações inoficiosas...................................................................................... 276
3 DA PARTILHA.................................................................................................................................. 278
3.1 DA PARTILHA AMIGÁVEL OU EXTRAJUDICIAL............................................................. 279
3.2 DA PARTILHA JUDICIAL......................................................................................................... 279
3.3 DA PARTILHA EM VIDA.......................................................................................................... 279
3.4 DA GARANTIA DOS QUINHÕES HEREDITÁRIOS............................................................ 280
3.5 DA ANULAÇÃO, DA RESCISÃO E NULIDADE DA PARTILHA..................................... 280
LEITURA COMPLEMENTAR........................................................................................................... 283
RESUMO DO TÓPICO 3................................................................................................................... 287
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................. 288

REFERÊNCIAS..................................................................................................................................... 289
UNIDADE 1 —

DIREITO DAS COISAS

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• identificar e dimensionar o direito das coisas;


• analisar a posse, com seus fenômenos, e os direitos reais dentro do orde-
namento jurídico brasileiro;
• reconhecer a propriedade como principal direito real;
• dimensionar a importância do princípio da função social da propriedade;
• identificar as modalidades de usucapião;
• entender a reforma agrária a partir da perspectiva constitucional do di-
reito de propriedade;
• compreender o direito de vizinhança como limitação do direito de pro-
priedade e manifestação do princípio da função social da propriedade.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer da unidade,
você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo
apresentado.

TÓPICO 1 – LIÇÕES PRELIMINARES AO ESTUDO DO DIREITO DAS


COISAS
TÓPICO 2 – DA PROPRIEDADE
TÓPICO 3 – DOS DIREITOS DE VIZINHANÇA

CHAMADA

Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos


em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá
melhor as informações.

1
2
UNIDADE 1
TÓPICO 1 —

LIÇÕES PRELIMINARES AO ESTUDO


DO DIREITO DAS COISAS

1 INTRODUÇÃO
De início, é importante localizar nosso objeto de estudo. De acordo com
as disposições do Código Civil de 2002 e com a doutrina, os direitos patrimoniais
são subdivididos em direitos pessoais e direitos reais.

Direitos patrimoniais pessoais são tratados pelos direitos das obrigações


(Arts. 233 a 965, todos do CC/02), e pelo direito empresarial (Arts. 966 a 1.195, do
CC/02). Ademais, também encontramos regras pessoais patrimoniais nos livros
que tratam do direito da família e direito das sucessões. Por outro lado, os direitos
patrimoniais de natureza real estão previstos nos Arts. 1.225 a 1.510 do Código
Civil, localizados no Livro III, denominado Do Direito das Coisas.

Subsiste, na doutrina, a discussão acerca da eventual diferença entre


direito das coisas e direitos reais. Optamos por adotar a seguinte regra: o direito
das coisas é gênero, a partir do qual os direitos reais são espécie, tendo em vista
a denominação utilizada pelo Código Civil: Livro III, que engloba o Título I, Da
Posse, e o Título II, Dos Direitos Reais.

O professor Flávio Tartuce (2020) sintetiza bem essa discussão, ao


identificar que prevalece, na doutrina, a seguinte diferenciação:

Direito das coisas: é o ramo do direito civil que tem, como conteúdos,
relações jurídicas estabelecidas entre pessoas e coisas determinadas ou
determináveis. Como coisas, pode-se entender tudo aquilo que não é humano,
ou os bens corpóreos, na linha da polêmica existente na doutrina. No âmbito do
direito das coisas, há uma relação de domínio exercida pela pessoa (sujeito ativo)
sobre a coisa. Não há sujeito passivo determinado, sendo toda a coletividade.
O direito das coisas representa um complexo de normas que regulamenta as
relações dominiais existentes entre a pessoa humana e as coisas apropriáveis.

Direitos reais: conjunto de categorias jurídicas relacionadas à propriedade,


descritas, inicialmente, no Art. 1.225 do CC. Os direitos reais formam o conteúdo
principal do direito das coisas, mas não exclusivamente, pois existem institutos
que compõem a matéria e que não são direitos reais.

Álvaro Villaça Azevedo (2019, p. 22) conceitua o direito das coisas como “o
conjunto de normas reguladoras das relações jurídicas, de caráter econômico, entre
as pessoas, relativamente a coisas corpóreas, capazes de satisfazer necessidades e
suscetíveis de apropriação, dentro do critério da utilidade e da raridade”.
3
UNIDADE 1 — DIREITO DAS COISAS

A seguir, trataremos das diferenças entre os direitos reais e os direitos


pessoais, com o objetivo de delimitar nosso objeto de estudo.

2 DIFERENÇAS ENTRE DIREITOS REAIS E DIREITOS PESSOAIS


Acadêmico, para a melhor compreensão do nosso objeto de estudo,
é importante que você tenha a capacidade de identificar os traços distintivos.
Para tanto, para além de tratar das características peculiares em tópico próprio,
demonstraremos as diferenças dos direitos reais e dos direitos pessoais
patrimoniais (ou obrigacionais).

A doutrina identifica que o Código Civil de 2002 adotou a teoria dualista


ou binária, a qual diferencia os direitos obrigacionais e os diretos reais, possuindo
regras próprias e tratamento apartado (GONÇALVES, 2018).

De início a doutrina aponta que os direitos pessoais patrimoniais veiculam


relações pessoais, existindo uma relação de crédito e um dever correlato,
ensejando uma relação intersubjetiva entre credo e devedor. Por outro lado, os
direitos reais se voltam a constituir um poder jurídico de uma pessoa sobre uma
coisa, devendo haver respeito por todos (oponível erga omnes).

Outra diferença sempre apontada entre os dois ramos é a que os direitos


reais são taxativos, enquanto os direitos obrigacionais são exemplificativos. Dizer
que o número de direitos reais é taxativo (numerus clausus), é dizer que a existência
depende de expressa disposição legal, ou seja, apenas é tido como direito real
aquilo que a lei expressamente listar como direito real.

Conforme a doutrina, o próprio efeito erga omnes dos direitos reais


explicaria a característica da taxatividade, pois somente a lei pode criar direitos
que possuem a capacidade de contemplar toda a coletividade.

Conforme previsão do Art. 1.225 do Código Civil, os direitos reais são os


seguintes: I - a propriedade; II - a superfície; III - as servidões; IV - o usufruto; V -
o uso; VI - a habitação; VII - o direito do promitente comprador do imóvel; VIII - o
penhor; IX - a hipoteca; X - a anticrese; XI - a concessão de uso especial para fins
de moradia; XII - a concessão de direito real de uso; e XIII - a laje.

Ocorre que a doutrina moderna vem questionando o caráter taxativo dos


direitos reais, havendo quem defenda que a autonomia privada e o princípio da
operabilidade teriam o poder de relativizar tal caráter. Nesse viés, defendem que
as leis extravagantes podem criar novos direitos reais, sem sua descrição expressa
no dispositivo civil (TARTUCE, 2020).

Noutro giro, os direitos obrigacionais são tidos como exemplificativos na


medida em que podem surgir como fruto do exercício da autonomia privada,
como os contratos atípicos e inominados, conforme expressamente dispõe o

4
TÓPICO 1 — LIÇÕES PRELIMINARES AO ESTUDO DO DIREITO DAS COISAS

Art. 425 do Código privatista: “é lícito, às partes, estipular contratos atípicos,


observadas as normas gerais fixadas neste Código”.

A terceira diferença é que os direitos reais são absolutos, no sentido de


serem oponíveis erga omnes, já os direitos obrigacionais são relativos, ou inter
partes.

Pensemos no direito de propriedade, tido como o principal direito real.


Quando se aduz que ele é regido pelo princípio do absolutismo, quer-se dizer
que deve ser respeitado por todos. Já quando pensamos em um contrato, instituto
típico de direito obrigacional, o cenário muda. Um contrato de compra e venda
de um carro, por exemplo, apenas obriga, às partes, o cumprimento dos termos.

Outra diferença a ser sinalizada é a de que, nos direitos reais, existe a


prerrogativa da sequela, enquanto nos direitos obrigacionais apenas há a
possibilidade de execução patrimonial.

ATENCAO

Você sabe o que é o direito de sequela?

O Art. 1.228 do Código Civil traz o direito do proprietário de reaver a


coisa em face de quem a injustamente detenha ou possua. É possível afirmar que,
ao titular do direito real de propriedade, é garantido "seguir a coisa em poder de
todo e qualquer detentor ou possuidor" (eficácia erga omnes). Denomina-se direito
de sequela (jus persequendi ou praeferendi) (TARTUCE, 2020).

A quinta distinção é que os direitos reais devem, em regra, ser registrados,


enquanto os direitos obrigacionais gozam da liberdade, por não ser, o registro,
uma exigência para a sua existência.

O registro público se faz presente na constituição dos direitos reais. O


professor Flávio Tartuce (2020, p. 1295) explica que o princípio da publicidade
ou visibilidade é de incidência marcante no direito das coisas, "diante da
importância da tradi­ção e do registro – principais formas derivadas de aquisição
da propriedade". A ideia é que, para que um direito seja oponível em face de
todos (erga omnes), há de ser público.

5
UNIDADE 1 — DIREITO DAS COISAS

ATENCAO

Desde já, saiba que o Código Civil estabelece duas regras distintas quanto à
aquisição dos direitos reais.

O Art. 1.226 informa que os direitos reais sobre coisas móveis, quando
constituídos, ou transmitidos por atos entre vivos, apenas se adquirem com
a tradição. Já o Art. 1.227 aduz que os direitos reais sobre imóveis, quando
constituídos, ou transmitidos por ato entre vivos, só se adquirem com o registro
no Cartório de Registro de Imóveis dos seus títulos, salvo disposições contrárias
expressas no Código.

Quanto aos direitos obrigacionais, conforme já pontuado, em regra, sua


tratativa se dá pautada na autonomia da vontade.

Por último, destacamos a distinção: os direitos reais são tidos como


perpétuos, enquanto os direitos obrigacionais são tidos como transitórios.

A característica da perpetuidade não pode ser concebida de modo


absoluto. Deve ser entendida até os entraves práticos de o direito não ser alienado,
por exemplo. Por outro lado, é possível pensar na propriedade de um imóvel que
pode ser perpetuada no seio de uma determinada família, por meio do direito
sucessório, caso não seja alienada.

Melhor afirmar que a característica da perpetuidade reflete na conclusão de


que os direitos reais possuem mais estabilidade do que os direitos obrigacionais,
já que estes últimos nascem com a pretensão de serem cumpridos.

Acadêmico, para facilitar a fixação do tema, confira um esquema com as


diferenças entre os direitos reais e os direitos obrigacionais:

QUADRO 1 – DIFERENÇAS ENTRE OS DIREITOS REAIS E OS DIREITOS OBRIGACIONAIS

DIREITOS REAIS DIREITOS PESSOAIS PATRIMONIAIS


Relações jurídicas entre uma Relações jurídicas entre uma pessoa (sujeito
pessoa (sujeito ativo) e uma ativo-credor) e outra (sujeito passivo-
coisa. devedor).
Sujeito passivo indeterminado Sujeito passivo determinado (devedor).
(coletividade).
Princípio da publicidade Princípio da autonomia privada (liberdade).
(tradição e registro).

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TÓPICO 1 — LIÇÕES PRELIMINARES AO ESTUDO DO DIREITO DAS COISAS

Efeitos erga omnes (efeitos Efeitos inter partes (há uma tendência de
podem ser restringidos). ampliação dos efeitos).

Rol taxativo (numerus


clasus), segundo a visão Rol exemplificativo (numerus apertus) - Art. 425,
clássica - Art. 1.225, CC/02. CC/02, possibilidade de criação de contratos
Visão contestada, mas ainda atípicos.
prevalece.

A coisa responde (direito de Os bens do devedor respondem (princípio da


sequela). responsabilidade patrimonial).
Caráter transitório, em regra, o que vem sendo
Caráter permanente. mitigado pelos contratos relacionais ou cativos
de longa duração.
Instituto típico: propriedade. Instituto típico: contratos.
FONTE: Tartuce (2020, p. 1020)

Não obstante, ainda existem institutos que são classificados, pela doutrina,
como figuras híbridas ou intermediárias, não sendo propriamente considerados
como direitos reais ou direitos pessoais.

3 FIGURAS HÍBRIDAS OU INTERMEDIÁRIAS


A par da classificação dos direitos reais e direitos pessoais, temos as
chamadas figuras híbridas. Estas podem ser intermediárias ou mistas, as quais
mesclam elementos das duas categorias, criando outras. Nas palavras do professor
Tartuce (2020, p. 989), essas obrigações estão em uma “zona intermediária entre
os direitos reais e os direitos obrigacionais de cunho patrimonial, sendo, também,
denominadas obrigações híbridas ou ambulatórias”.

Como principais figuras híbridas, trataremos das obrigações propter rem,


das obrigações de eficácia real e das obrigações de ônus real.

As obrigações propter rem, próprias da coisa ou ambulatórias, perseguem


a coisa onde quer que ela esteja, independentemente de quem tenha originado.
Nesse viés, Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald (2018, p. 108) definem
tais obrigações: “prestações impostas ao titular de determinado direito real, pelo
simples fato de assumir tal condição”.

Maria Helena Diniz (2009, p. 32) aduz ser a obrigação propter rem uma
“figura autônoma situada entre o direito real e o pessoal, encerrando uma
obrigação acessória mista, por se vincular ao direito real”. Assim, a autora elenca
as seguintes características das obrigações propter rem:

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UNIDADE 1 — DIREITO DAS COISAS

a) Vinculação a um direito real, ou seja, à determinada coisa que o devedor seja


proprietário ou possuidor.
b) Possibilidade de exoneração pelo abandono da coisa.
c) Transmissibilidade pela via dos negócios jurídicos.

NOTA

Acadêmico, note que as obrigações propter rem aderem à coisa, e não


à pessoa, sendo transmitidas de maneira automática ao novo titular, posto que são
obrigações impostas ao titular do direito real simplesmente por sua condição.

Como exemplos de obrigações ambulatórias, há a do proprietário da


unidade condominial em edifícios ao responder pelas dívidas anteriores de
condomínio (pagamento do rateio das despesas de condomínio) que gravam a
coisa (Art. 1315), além da obrigação de manutenção das divisões entre imóveis
(Art. 1297, §1º). Tal entendimento é pacífico no âmbito do Superior Tribunal de
Justiça (STJ).

No AgRg, AG 776.699-SP, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça


reconheceu que as despesas de condomínio constituem obrigação propter rem,
de modo que são de responsabilidade do proprietário da unidade que, por sua
vez, tem posterior ação de regresso contra o ex-mutuário.

No REsp. 829.312-RS, a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça afirmou


que o adquirente, em adjudicação, responde pelos encargos condominiais
incidentes sobre o imóvel adjudicado, também admitindo o caráter propter rem da
obrigação condominial.

No REsp 1473484/RS, entendeu, a 4ª Turma do Superior Tribunal de


Justiça, ser possível a penhora de bem de família de condômino, na proporção da
sua fração ideal, se inexistente patrimônio próprio do condomínio, para responder
por dívida oriunda de danos a terceiros, reconhecendo a responsabilidade do
condomínio por danos a terceiros e, consequentemente, a obrigação do condômino
na sua cota-parte (dívida propter rem).

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TÓPICO 1 — LIÇÕES PRELIMINARES AO ESTUDO DO DIREITO DAS COISAS

NOTA

O STJ tem o entendimento pacífico de que dívidas de consumo, como água,


esgoto e energia elétrica, não constituem obrigações propter rem, mas dívidas pessoais
do usuário do serviço.

Continuando o estudo das figuras híbridas, impende destacar a categoria


dos ônus reais.

Os ônus reais são facilmente entendidos a partir da noção de restrição


ao direito de propriedade ou da posse. São obrigações que limitam o uso e o
gozo do direito de propriedade por meio da constituição de gravame sobre a
coisa. Possuem natureza de obrigação, mas aderem e acompanham a coisa, sendo
oponíveis erga omnes.

Para que seja constituído ônus real sobre determinada coisa, é necessário
que o titular da coisa esteja em uma relação obrigacional na qual figure como
devedor. O ônus recai, exclusivamente, sobre a coisa, ou seja, até o limite do
respectivo valor. São as prestações periódicas devidas por aquele que frui do bem.
Exemplificando, é a renda constituída sobre o imóvel com o fim de direcioná-la a
um determinado credor.

ATENCAO

Não se pode confundir ônus reais com a obrigação propter rem.

• Obrigação propter rem: o devedor responde com todo o patrimônio. A ação


movida é de natureza obrigacional (uma ação de cobrança, por exemplo).
• Ônus reais: o devedor responde apenas com o bem gravado. A natureza da
obrigação é real, cabendo, por exemplo, uma ação de reintegração de posse.

Por último, existem as obrigações com eficácia real, que são entendidas,
pela doutrina, como verdadeiras obrigações, mas que, por força de lei, adquirem
efeitos típicos de um direito real (STOLZE; PAMPLONA, 2020). O exemplo
mais citado pela doutrina é o caso do Art. 576 do CC/2002, o qual impõe que o
adquirente da propriedade móvel ou imóvel respeite o contrato de locação, caso
possua cláusula ressalvando tal direito e que tenha sido registrado no cartório
competente.
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UNIDADE 1 — DIREITO DAS COISAS

4 PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DOS DIREITOS REAIS


Os direitos reais giram em torno do conceito de propriedade, e apresentam
caracteres próprios que os distinguem dos direitos pessoais de cunho patrimonial,
conforme vimos anteriormente. Neste momento, exploraremos, um pouco mais,
os contornos específicos dos direitos reais por meio das principais características.

A característica do absolutismo traz a oponibilidade erga omnes, contra


todos, que venha a ameaçar ou a prejudicar o titular do direito real. Nesse sentido,
tal característica permite a leitura do direito real como um poder jurídico, ao
conceder, ao seu titular, “uma verdadeira situação de dominação sobre um objeto”,
trazendo, como consequência, a “sujeição universal ao dever de abstenção sobre
a prática de qualquer ato capaz de interferir na atuação do titular sobre o objeto”
(FARIAS; NETTO; ROSENVALD, 2018, p. 1350).

Como corolário da característica do absolutismo, temos o princípio da


publicidade ou da visibilidade. Com relação aos imóveis, os direitos reais só
são adquiridos após o registro no competente Cartório de Registro de Imóveis.
Tratando-se dos móveis, somente com a efetiva tradição do bem, já que podem
ser arguidos contra qualquer um, porque todos devem ter conhecimento da
existência do direito real, e a publicidade vem para tal fim.

Outra consequência da característica do absolutismo é o atributo/direito


de sequela, entendido como o direito de perseguir a coisa em poder de quem quer
que ela esteja e reivindicá-la.

Podemos afirmar que a sequela está intimamente relacionada ao princípio


da aderência, inerência ou especialização, o qual aduz que a relação dos direitos
reais se dá entre o direito e a coisa, não possuindo sujeito passivo. Ainda, o direito
real adere à coisa, acompanhando-a em todas as suas mutações.

A característica ou princípio da taxatividade faz com que os Direitos


Reais existentes sejam somente os enumerados na lei. No Brasil, há o Art. 1.225
do Código Civil em vigor. Por sua vez, o princípio da tipicidade impõe que o
direito real, para ser invocado, deve estar previsto em lei. Não há direito real sem
lei anterior que o defina. Utiliza-se, no Brasil, a técnica numerus clausus, ou seja,
há uma enumeração taxativa na lei a respeito do que é considerado direito real.

ATENCAO

A posse não é um direito real, não estando prevista no rol taxativo do Art. 1.225
do Código Civil.

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TÓPICO 1 — LIÇÕES PRELIMINARES AO ESTUDO DO DIREITO DAS COISAS

Por fim, a característica ou princípio da perpetuidade prega que a


propriedade é perpétua, não se perdendo pelo não uso, ou seja, a propriedade
não prescreve nem decai, somente é perdida pelas formas legalmente previstas,
como usucapião, compra e venda, desapropriação etc.

A seguir, como requisito imprescindível para o estudo do direito de


propriedade, trataremos do importantíssimo instituto da posse.

5 DA POSSE
Acadêmico, vimos, anteriormente, que, conforme disposição do Código
Civil de 2002, o instituto da posse é abarcado pela categoria dos direitos das
coisas. Todavia, ao estudar o instituto da posse com os direitos reais, com ele,
não se confundem. Dessa maneira, tenha em mente que a posse não é, em si, um
direito real, até porque não está previsto no rol numerus clausus do Art. 1.225 do
Código Civil.

Neste momento, é preciso entender a importância da posse e suas


repercussões para direito de moradia e para o direito de propriedade. Este último
será estudado, especificamente, mais adiante.

O conceito de posse e a sua estrutura são objetos de larga discussão na


doutrina. Muito se questiona se haveria natureza de direito ou de mero fato.
Nesse sentido, verificam-se as seguintes correntes doutrinárias:

1ª Corrente: a posse seria um direito real.

2ª Corrente: a posse seria, ao mesmo tempo, fato e direito.

3ª Corrente: na sua essência, a posse é uma situação de fato, protegida pelo direito.

Para a doutrina majoritária, a posse é uma SITUAÇÃO DE FATO (situação


da vida), protegida pelo direito, que gera direitos subjetivos (terceira corrente).

Para Flávio Tartuce (2020, p. 990), a posse é um direito com natureza


jurídica especial (como uma figura híbrida entre o direito real e o pessoal), sendo
conceituada como “o domínio fático que a pessoa exerce sobre a coisa”.

Nessa mesma perspectiva, o doutrinador Álvaro Villaça Azevedo (2019)


aduz, também, que a posse não é direito real, nem direito pessoal, devendo ser
lida como um direito de natureza sui generis, uma vez que mescla caracteres do
direito real e do direito pessoal.

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UNIDADE 1 — DIREITO DAS COISAS

Os professores Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald (2018)


apresentam posição conciliatória entre as correntes apontadas. Defendem que
a posse se manifesta de maneira plural, não havendo razão de ser classificada,
isoladamente, como direito real ou obrigacional.

Defendendo o ponto de vista, os citados autores exemplificam que a posse


pode ser lida como um direito real na ocasião do proprietário ser possuidor do
seu próprio bem. Ainda, afastar-se-ia das concepções dos direitos obrigacional e
real quando fosse o caso da posse emanada de uma situação fática e existencial, de
apossamento e ocupação da coisa, fundamentando-se na função social da posse.

Partindo da concepção de que a posse é considerada um poder


juridicamente protegido sobre a coisa, verifica-se que não se confunde com
instituto da propriedade, direito comumente adquirido por justo título e de
acordo com as formas instituídas no ordenamento jurídico vigente, conforme
estudaremos em tópicos futuros (AZEVEDO, 2019).

NOTA

O Código Civil (2002) adotou a concepção de posse como poder protegido


pela lei, ao prever, no artigo 1.196 do Código Civil: considera-se possuidor todo aquele que
tem, de fato, o exercício, pleno, ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade.

Por seu turno, o Art. 1.204, do mesmo diploma legal, aduz que a posse
é adquirida “desde o momento em que se torna possível o exercício, em nome
próprio, de qualquer dos poderes inerentes à propriedade”.

Por fim, vale pontuar que há a doutrina (minoritária), que, ao entender


que a mera alocação do texto legal não tem o condão de aferir a natureza jurídica
de um instituto (a posse não está alocada no Título II dos direitos reais), defende
que a posse seria um direito real.

O principal argumento da citada corrente minoritária é no sentido de que


a posse apresentaria todas as características de direito real, pois seu objeto é uma
coisa determinada em face de todos (oponível erga omnes), e o exercício é direto,
não havendo necessidade de outra pessoa, como ocorre no âmbito das relações
obrigacionais (SCHREIBER et al., 2019).

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TÓPICO 1 — LIÇÕES PRELIMINARES AO ESTUDO DO DIREITO DAS COISAS

5.1 TEORIAS JUSTIFICADORAS DA POSSE


Duas principais correntes clássicas procuram justificar a posse como
categoria jurídica: a teoria subjetiva ou subjetivista e a teoria objetiva ou
simplificada.

A teoria subjetiva, ou subjetivista, teve, como principal idealizador,


Friedrich Carl von Savigny, para o qual a posse é o resultado da soma de dois
elementos: um fator exterior, o corpus (apreensão física), possibilidade das
disposições real, física e imediata sobre a coisa; e um fator interior, o animus
(intenção de possuir), vontade livre e consciente de que haja a referida apreensão
física sobre a coisa, extraindo-se, daí, o critério subjetivo.

Note que a teoria subjetiva, ou subjetivista, dá muita ênfase ao elemento


anímico da intenção do possuidor.

Teoria subjetiva = corpus + animus

Já a teoria objetiva, objetivista ou simplificada teve, como principal


expoente, Rudolf von Ihering. Informa que, para a constituição da posse, apenas
basta que o sujeito disponha fisicamente da coisa, ou, pelo menos, que possua a
possibilidade de exercer o contato. Portanto, diferentemente da teoria anterior,
a teoria objetiva dispensa a intenção de ser dono, sendo constituída por um
elemento, o corpus (apreensão física).

Teoria objetiva = corpus

Preste muita atenção! O elemento intencional não é indispensável na teoria


objetiva, uma vez que o corpus é constituído pela atitude externa do possuidor em
relação à coisa, agindo com o objetivo de explorá-la economicamente. Na teoria,
além de verificarmos que o animus é localizado dentro do próprio conceito de
corpus, não identificamos a exigência do animus de ser proprietário, mas apenas a
intenção de explorar a coisa com fins econômicos (SCHREIBER et al., 2019).

Tendo em vista que a teoria objetiva se volta à utilização econômica da


coisa, ela também permite diferenciar possuidor direto do possuidor indireto.

Quando se confere proteção legal ao possível proprietário, o possuidor


não proprietário acaba sendo salvaguardado com relativa independência e
autonomia.

O locatário, por exemplo, é um possuidor (direto) do bem, pois exterioriza


o poder de uso do bem. O locador, por sua vez, também é possuidor (indireto),
pois exerce o poder de fruir ao receber alugueres em razão da cessão onerosa da
coisa. Ainda, pode dispor, de forma gratuita ou onerosa, do bem, além de reaver,
do próprio locatário, por alguma causa jurídica que extinga a locação ou terceiro
que, eventualmente, apreenda o bem ilicitamente (SCHREIBER et al., 2019).

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UNIDADE 1 — DIREITO DAS COISAS

Acadêmico, note que, à luz da teoria subjetiva, não haveria a proteção


possessória no caso anterior descrito, pois o locatário não tem animus, nem o
locador tem o corpus.

O Art. 1.196 do mesmo diploma aduz ser “possuidor todo aquele que tem,
de fato, o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade”.

NOTA

A disposição do Art. 1.196 do Código Civil leva ao entendimento pacificado


da consagração, como regra geral, da teoria objetiva de Ihering no nosso ordenamento
jurídico.

Embora a teoria subjetiva seja a regra do nosso sistema jurídico, influencia


determinados pontos, a exemplo do instituto da usucapião, pressupondo-se o
animus domini. Esclareceremos essa questão nos próximos tópicos.

É necessário interpretar as normas jurídicas à luz da Constituição e, nesse


sentido, temos a releitura da teoria da posse a partir da perspectiva da função
social.

A teoria social ou sociológica da posse, desenvolvida por Raymond


Saleilles, Silvio Perozzi e trabalhada por Antonio Hernandez Gil, entende a posse
para além de uma simples exteriorização da propriedade, dando destaque às
funções econômica e social.

ATENCAO

Acadêmico, reflita a respeito da importância do direito possessório no cotidiano


da sociedade.
Por meio desse direito, principalmente, quando relativo a imóveis, exercem-se direitos
fundamentais, como a moradia e o trabalho rural, sendo dever, do proprietário, de
propriedade urbana ou de propriedade rural, atribuir função social por força de expressa
imposição constitucional.

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TÓPICO 1 — LIÇÕES PRELIMINARES AO ESTUDO DO DIREITO DAS COISAS

O Enunciado n° 492 do CJF/STJ parece sintetizar o exposto: “A posse


constitui direito autônomo com relação à propriedade e deve expressar o
aproveitamento dos bens para o alcance de interesses existenciais, econômicos e
sociais merecedores de tutela”.

DICAS

Os enunciados do Conselho da Justiça Federal não possuem natureza cogente,


nem se equiparam à jurisprudência, porém, gozam de grande prestígio entre a comunidade
acadêmica, entre os estudiosos do direito civil, sendo importante fonte de pesquisa. Confira,
acessando https://www.cjf.jus.br/enunciados/.

5.2 A TEORIA DA FUNÇÃO SOCIAL DA POSSE


Acadêmico, de início, saiba que apenas a função social da propriedade
(e não da posse) foi prevista de maneira expressa no Código Civil de 2002 (Art.
1.228, §1º). Entretanto, tendo em vista a irreversível constitucionalização do direito
civil, a ausência da previsão no Código privatista da função social da posse não
impede que seja concebida pela doutrina e jurisprudência como parte da própria
concepção moderna de posse. Assim, a função social da propriedade e a função
social da posse encontram fundamento constitucional no inciso XXIII do Art. 5º,
da Constituição de 1988, sendo, portanto, verdadeira garantia constitucional e
cláusula pétrea.

Acadêmico, tenha em mente que, mais recentemente, a partir do século XX,


na Itália, com Silvio Perozzi; na França, com Raymon Sallies; e na Espanha, com
Antonio Hernanez Gil, a posse passou a ser estudada a partir de uma perspectiva
sociológica, buscando-se prestigiar a verdadeira função social. Nesse sentido,
para além de mera forma de exteriorização da propriedade, a doutrina, hoje,
identifica a posse “como fato social de enorme repercussão para a edificação da
cidadania e das necessidades básicas do ser humano”. Ainda, reconhece que, mais
importante do que conceituá-la, é identificar sua “missão perante a coletividade,
na incessante busca pela solidariedade e pelo bem comum” (FARIAS; NETTO;
ROSENVALD, 2018, p. 1363).

Segue uma pequena reflexão que resume didaticamente o tema:

Com relação à densidade axiológica da posse, mormente em uma


sociedade que oscila entre a pobreza e a miséria, e que adota, como
modelo, o tradicional, para aquisição de bens, como a compra, a venda
e o direito hereditário, a posse deve ser respeitada pelos operadores
do direito como uma situação jurídica eficaz a permitir o acesso à
utilização dos bens de raiz, fato visceralmente ligado à dignidade

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UNIDADE 1 — DIREITO DAS COISAS

da pessoa humana (art.1, III, CRFB) e ao direito constitucionalmente


assegurado à moradia (art. 6 da CRFB). Importa, por assim dizer, que,
ao lado do direito de propriedade, reconheçam-se as importâncias
social e econômica do instituto (MELO, 2007, p. 23-24).

Nesse contexto, a partir do estudo da posse e do contexto da usucapião, é


possível perceber o prestígio da nossa Constituição Federal, além do Código Civil
de 2002, pelo princípio da função social da posse e da propriedade. Entretanto,
agora, aprofundaremos, um pouco mais, o instituto da posse.

5.3 DIFERENÇAS ENTRE POSSE E DETENÇÃO


Conforme vimos, o Código Civil adotou a teoria objetiva da posse, de
Ihering, como regra geral, tendo, como pressuposto, que a posse ocorre a partir
do domínio físico da coisa, porém, o legislador elegeu determinadas situações nas
quais mesmo alguém possuindo o poder fático sobre a coisa, é negado o direito
à tutela possessória. São as hipóteses de detenção, as quais serão estudadas a
seguir.

Didaticamente, os professores Cristiano Chaves, Felipe Braga Netto e


Nelson Rosenvald (2018), levando em consideração as situações de poder do
sujeito sobre os bens, traçam uma escala autônoma decrescente de direitos:

a) Propriedade: pela titularidade do direito real.


b) Posse: situação subjetiva atribuída àquele que exerce poder fático de
ingerência econômica sobre a coisa.
c) Detenção: hipótese em que o poder praticado sobre a coisa é desqualificado
pelo sistema jurídico.

Desde logo, saibam as hipóteses de detenção previstas pelo Código Civil,


as quais serão esmiuçadas mais adiante:

a) Os servidores da posse ou fâmulos da posse (Art. 1.198).


b) Atos de violência ou clandestinidade (Art. 1208).
c) Atos de permissão ou de tolerância (Art.1.208).
d) Bens públicos (Art. 100).

Contudo, qual seria a relevância de identificar as hipóteses de detenção?


A relevância está, justamente, nas acentuadas diferenças entre o tratamento
jurídico conferido àquele que é tido, pela lei, como proprietário, como possuidor,
ou, ainda, como detentor.

No caso específico da detenção, é importante destacar as seguintes


consequências com relação ao detentor:

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TÓPICO 1 — LIÇÕES PRELIMINARES AO ESTUDO DO DIREITO DAS COISAS

• Não poderá usucapir o bem, pois inexiste posse com animus domini.
• Não poderá se valer de tutelas possessórias (ações possessórias).
• Também não poderá ser demandado em ações possessórias.
• Há a possibilidade de o detentor se valer do desforço incontinente, também
chamado de legítima defesa da posse ou autotutela da posse, desde que de
maneira imediata, proporcional e razoável, como posto no Art. 1.210, § 1°, do
Código Civil.

Passemos ao detalhamento de cada hipótese legal de detenção.

A hipótese dos servidores da posse ou fâmulo da posse é prevista no


Art. 1.198 do Código Civil de 2002, ao aduzir que “considera-se detentor aquele
que, achando-se em relação de dependência para com outro, conserva a posse em
nome deste e em cumprimento de ordens ou instruções suas”.

Pela letra de lei, percebemos que a hipótese visa abarcar os sujeitos


que possuem o poder físico sobre a coisa em decorrência de uma relação de
subordinação para com o terceiro. É quem exercita atos de posse, porém, em nome
alheio, atuando como um mero instrumento da vontade de outrem (empregador).
É o sempre lembrado exemplo do caseiro em relação ao bem imóvel do qual cuida.
Ainda, o caso da oficina, que detém o veículo do cliente para reparo.

Interessante esclarecer que a relação de subordinação entre o detentor e


o possuidor pode ter natureza de direito privado ou público, além de ocorrer a
título oneroso ou gratuito e sobre coisas móveis ou imóveis.

Ainda, é possível pensar em exemplos, como o do policial, que é detentor


da arma que porta ou do mandatário em relação ao documento pelo qual é
“responsável” (FARIAS; NETTO; ROSENVALD, 2020).

Ressalta-se, mais uma vez, a impossibilidade de o detentor ajuizar ações


possessórias em defesa do bem. Na qualidade de longa manus do possuidor, ele
pode se valer do desforço imediato ou da legítima defesa da posse.

Outra questão de extrema importância é saber que a qualidade de detentor


pode ser alterada. O Art. 1.198 do Código Civil sinaliza que “aquele que começou
a se comportar do modo como prescreve este artigo, em relação à coisa e a uma
outra pessoa, presume-se detentor até que prove o contrário”.

Nota-se que o dispositivo legal destacado traz uma hipótese de mera


presunção iuris tantum (relativa), podendo ser ilidida desde que reste caracterizada
a posse no caso concreto. Por sua vez, é importante relembrar o que o Art. 1.204 do
Código Civil traz: “adquire-se a posse desde o momento em que se torna possível
o exercício, em nome próprio, de qualquer dos poderes inerentes à propriedade”.

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UNIDADE 1 — DIREITO DAS COISAS

NOTA

É possível a conversão da detenção em posse, desde que rompida a


subordinação, na hipótese de exercício em nome próprio dos atos possessórios.

A segunda hipótese trata dos atos de permissão ou tolerância. O primeiro


termo é entendido com a autorização prévia, expressa e induvidosa para que um
terceiro utilize a coisa. Já o segundo, como a autorização posterior e de natureza
tácita. Nesse sentido, há a previsão da primeira parte do Art. 1.208 do Código
Civil: “não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância”.

Esclarece a doutrina que, nos casos da permissão e da tolerância, “formam-


se relações jurídicas nas quais uma das partes se situa perante outra verticalmente,
ensejando o chamado direito potestativo. A parte que se encontra em estado
de submissão não pode evitar que a outra, unilateralmente, desconstitua sua
situação fática, deliberando pela cessação da prática de atos materiais sobre a
coisa” (FARIAS; NETTO; ROSENVALD, 2020, p. 1381).

Exemplifica-se tal explanação com a situação de um grande amigo seu


que pede emprestado sua casa de veraneio para passar uns dias. No lapso
temporal, com o seu amigo na sua casa, não há posse, mas mera detenção, haja
vista possuir sua autorização para que ele desfrute da casa. Ainda, imagine o caso
do dono do posto gasolina que permite que um motorista de caminhão estacione
frequentemente em seu posto para dormir e realizar suas refeições, sem que nada
cobre por isso.

Por oportuno, cumpre registrar o entendimento doutrinário de que a


detenção pode ser compreendida como a própria negação do estado de posse,
sendo mero estado fático de contato de uma pessoa com a coisa, enquanto a posse
é um poder jurídico que possibilita, ao titular, extrair vantagens econômicas do
bem (SCHREIBER et al., 2019).

A terceira hipótese trata dos atos de violência ou clandestinidade.

O Art. 1.208, parte final, do Código Civil, é claro ao aduzir que, não
autorizam, a aquisição de posse, “os atos violentos, ou clandestinos, a não ser
depois de cessar a violência ou clandestinidade”.

Cabe esclarecer que violenta é a posse adquirida por meio de violência


ou grave ameaça às pessoas. Já a clandestinidade se caracteriza quando a posse é
adquirida por destreza.

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TÓPICO 1 — LIÇÕES PRELIMINARES AO ESTUDO DO DIREITO DAS COISAS

Caso invadam a posse de determinado sujeito por meio de violência ou


grave ameaça, durante a referida invasão, não se reconhece a posse ao invasor.
Apenas quando cessada a violência, o invasor passa ter a posse (injusta).

Imaginem que seu vizinho de fazenda adentra com a cerca dele na sua
propriedade, por oitenta metros, durante a madrugada, enquanto todos dormem.
A partir do momento em que o invadido tem ciência do ato, passaremos a
visualizar a posse (injusta).

Em ambas as hipóteses, a teor do que dispõe o Art. 1.224 do Código


Civil, apenas se considera “perdida a posse para quem não presenciou o esbulho
quando tendo notícia dele, abstém-se de retornar à coisa, ou tentando recuperá-
la”.

Por último, há a hipótese relativa aos bens públicos. A Constituição


Federal (Arts. 183 e 191) e o Código Civil (Art. 102) dispõem que não podem ser
usucapidos. Em decorrência, os públicos não admitem posse, apenas detenção.
Portanto, frisa-se, não existe posse de bem público, seja ele de uso geral, especial
ou, mesmo, em relação ao bem dominical. Configura-se mera detenção (não gera
direito de indenização ou retenção), pois o bem público é imprescritível (não
ocorre prescrição aquisitiva contra o bem público).

NOTA

A ocupação indevida de bem público configura mera detenção, de natureza


precária, insuscetível de retenção ou indenização por acessões e benfeitorias.

5.4 PRINCIPAIS CLASSIFICAÇÕES DA POSSE


a) Posse direta e posse indireta

Pode ocorrer o desmembramento possessório em linha vertical


(verticalização possessória). Nesses casos, aquele que está mais próximo da coisa é
o possuidor direto e aquele que está mais distante da coisa é o possuidor indireto.

Pensem no contrato de locação. Segundo tal classificação, o locador seria


o possuidor indireto, já o locatário seria o possuidor direito. Da mesma forma,
quanto ao contrato de comodato, teríamos o comodante como possuidor indireto
e o comodatário como possuidor direto.

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UNIDADE 1 — DIREITO DAS COISAS

b) Posse justa e posse injusta

Conforme se abstrai da dicção do Art. 1.200, do Código Civil, a posse justa


é aquela que não foi eivada de vício, ou seja, que foi adquirida sem violência,
clandestinidade ou precariedade. Noutro giro, a posse injusta é a posse adquirida
através de meio violento, clandestino ou precário. Logo, cabe esclarecer os
conceitos das posses violenta, clandestina e precária.

A posse é violenta quando obtida mediante força física, esbulho ou


violência moral. Para fins de assimilação, costuma ser associada ao crime de
roubo. Pense na hipótese de determinado sujeito que invade violentamente uma
propriedade rural produtiva, que está cumprindo sua função social, com emprego
de uma arma de fogo, expulsando o proprietário.

A posse é clandestina quando adquirida às escondidas daquele que teria


interesse em conhecê-la. A associação, no caso, é com o delito de furto. É possível
citar, como exemplo, o caso do sujeito que ingressa na casa de outro escondido,
enquanto o proprietário viaja e começa a exercer posse injusta, nascida na
clandestinidade.

Ademais, a posse é precária quando o possuidor recebe a coisa com o


dever da restituição, mas não faz. Lê-se abuso de confiança. É associado ao crime
de apropriação indébita ou de estelionato. Como exemplo, há a situação na qual
determinado sujeito loca um bem móvel de outro, não o devolvendo ao fim do
contrato.

Apesar da legislação ser silente, é entendimento tranquilo ser necessário


apenas um dos critérios (violência, clandestinidade ou precariedade), para que a
posse seja tida como injusta.

E
IMPORTANT

Acadêmico, a posse, mesmo quando tida como injusta, ainda pode ser
defendida por meio de ações do juízo possessório em face de terceiros.

Pergunta-se: a posse injusta pode ser convalidada?

• 1ª corrente (clássica): a posse violenta e a posse clandestina podem ser


convalidadas. Entretanto, para a doutrina clássica, a posse precária jamais
se converte em posse justa, seja pela vontade, ação do possuidor ou decurso
do tempo (pois ela representa abuso de confiança). Para essa corrente, o
Art. 1.208, ao prever que “não induzem posse os atos de mera permissão
20
TÓPICO 1 — LIÇÕES PRELIMINARES AO ESTUDO DO DIREITO DAS COISAS

ou tolerância, assim como não autorizam, a aquisição, os atos violentos, ou


clandestinos, a não ser depois de cessar a violência ou a clandestinidade”,
não autoriza a convalidação da posse precária. Assim, segundo essa corrente,
a posse precária, ao não ser passível de convalidação, nunca daria ensejo à
usucapião.
• 2ª corrente (moderna): para essa corrente, qualquer posse injusta pode
ser convalidada após a cessão dos atos (de violência/clandestinidade/
precariedade), ou seja, a posse precária também pode ser convalidada, desde
que haja alteração substancial na causa. Pense no exemplo do locatário que
se nega a devolver o imóvel ao locador após o término do contrato. No caso,
contudo, se houver mera permissão, não é possível a usucapião.

c) Posse de boa-fé e posse de má-fé

Na mesma linha do disposto no caput do Art. 1.201, do Código Civil, o


possuidor de boa-fé é aquele que desconhece qualquer obstáculo que impeça a
tomada da posse. Lembre-se de que a boa-fé é sempre presumida, porém, cessa
no ato em que o possuidor toma conhecimento do vício.

Trata-se, aqui, da boa-fé subjetiva, ou seja, estado anímico de inocência


ou desconhecimento de vício. Seria o exemplo do sujeito que recebe uma fazenda
por herança, porém, a escritura da fazenda teria sido falsificada pelo de cujus e o
herdeiro de nada sabia.

Um justo título cria a presunção relativa (iuris tantum) de boa-fé do


possuidor, conforme se abstrai do parágrafo único, do Art. 1.201 do Código Civil.

A doutrina mais moderna, consoante vemos nos enunciados n° 302 e n°


303 da CJF/STJ, tem flexibilizado a noção de justo título a partir da perspectiva do
princípio da função social:

Enunciado n° 302 da CJF/STJ: Arts. 1.200 e 1.214: Pode ser considerado


justo título, para a posse de boa-fé, o ato jurídico capaz de transmitir
a posse ad usucapionem, observado o disposto no Art. 113 do Código
Civil.
Enunciado n° 303 da CJF/STJ: Art. 1.201: considera-se justo título,
para a presunção relativa da boa-fé do possuidor, o justo motivo
que lhe autoriza para a aquisição derivada da posse, esteja ou não
materializado em instrumento público ou particular. Compreensão na
perspectiva da função social da posse.

A posse de má-fé se dá na forma do Art. 1.202 do Código Civil, quando o


possuidor tem conhecimento do vício da posse.

d) Posse ad interdicta e posse ad usucapionem

Posse ad interdicta é aquela hábil à proteção pelas ações possessórias


diretas ou interditos possessórios, porém, não é apta a caracterizar a usucapião.

21
UNIDADE 1 — DIREITO DAS COISAS

Posse ad usucapionem é aquela que se prolonga por tempo determinado


em lei, autorizando a aquisição por usucapião, desde que observados os demais
requisitos legais.

No primeiro caso, basta que ela não seja violenta, clandestina ou precária
perante o oponente. Justifica o fato de o locador (possuidor indireto) e o locatário
(possuidor direto) poderem defender sua posse de uma turbação ou esbulho
praticado por terceiro. Já no segundo, não basta: para se adquirir por usucapião, é
necessário, além do fato da posse, que ela seja própria, com animus domini, mansa
e pacífica, pelo prazo mínimo de lei, entre outros requisitos, conforme a espécie
de usucapião.

E
IMPORTANT

A intervesio possessionis (transmudação da posse) se caracteriza quando uma


posse é exercida licitamente, de forma inicial, vendo a ter modificada a sua natureza se
o possuidor indireto, tendo manifestado inequívoca oposição ao possuidor direto, tendo,
por efeito, a caracterização do animus dominus.

Assim, caracteriza-se a intervesio possessionis na hipótese de, ao término


do contrato de locação, o locador notificar o locatário a sair do bem e este não
sair. Note que o locatário, com a sua atitude, rompe o princípio da confiança,
caracterizando o animus domini (STOLZE; PAMPOLNA FILHO, 2020).

e) Posse nova e posse velha

A questão da posse importa para as questões de cunho processual atinente


às ações possessórias. Portanto, destacamos:

• Posse nova: é a posse que conta com menos de um ano e dia, ou seja, possui
até um ano.
• Posse velha: é a posse que conta com, no mínimo, um ano e um dia.

22
TÓPICO 1 — LIÇÕES PRELIMINARES AO ESTUDO DO DIREITO DAS COISAS

ATENCAO

Acadêmico, note como essa classificação influi no campo processual. O artigo


558 do Código de Processo Civil dispõe que regem, o procedimento de manutenção e de
reintegração de posse, as normas da Seção II deste Capítulo quando a ação for proposta
dentro de ano e dia da turbação ou do esbulho afirmado na petição inicial. O parágrafo único
ainda deixa claro que, passado o prazo referido no caput, será comum o procedimento, não
perdendo, contudo, o caráter possessório.

5.5 EFEITOS MATERIAIS E PROCESSUAIS DA POSSE


No que se refere à posse, a matéria está tratada nos Arts. 1.214 a 1.216 do
Código Civil.

Acadêmico, lembre-se de que a boa-fé, que importa aos direitos reais, é


a subjetiva ou psicológica (estado de consciência, convencimento individual de
obrar em conformidade com o direito), e não a objetiva.

Passamos a destacar as disposições do Código Civil acerca da matéria:

Art. 1.214. O possuidor de boa-fé tem direito, enquanto ela durar, aos
frutos percebidos.
Parágrafo único. Os frutos pendentes ao tempo em que cessar a boa-fé
devem ser restituídos, depois de deduzidas as despesas da produção
e custeio; devem ser, também, restituídos os frutos colhidos com
antecipação.
Art. 1.215. Os frutos naturais e industriais se reputam colhidos e
percebidos logo que são separados; os civis se reputam percebidos dia
por dia.
Art. 1.216. O possuidor de má-fé responde por todos os frutos colhidos
e percebidos, e pelos que, por culpa sua, deixou de perceber. Desde o
momento de má-fé, há direito às despesas da produção e custeio.

Para facilitar, a seguir, veja o quadro esquemático:

23
UNIDADE 1 — DIREITO DAS COISAS

QUADRO 2 – FRUTOS

Espécies de frutos POSSUIDOR DE BOA-FÉ POSSUIDOR DE MÁ-FÉ


Tem direito àqueles Não tem direito aos frutos;
Frutos Percebidos percebidos durante a boa- tem direito apenas às
fé. despesas de produção.
Devem ser devolvidos Não tem direito aos frutos;
Frutos Pendentes quando cessar a boa-fé, tem direito apenas às
indenizadas as despesas. despesas de produção.
Não tem direito aos frutos;
Frutos colhidos Devem ser devolvidos
tem direito apenas às
antecipadamente quando cessar a boa-fé.
despesas de produção.
FONTE: A autora

5.5.1 Responsabilidade civil do possuidor


Nos termos do Art. 1.217 do Código Civil, o possuidor de boa-fé é
responsável pela perda ou deterioração da coisa apenas se atuar com dolo ou
culpa (responsabilidade subjetiva). Veja a redação do dispositivo legal: Art. 1.217.
O possuidor de boa-fé não responde pela perda ou deterioração da coisa a que
não der causa.

O artigo subsequente estabelece que o possuidor de má-fé tem


responsabilidade objetiva pela perda ou deterioração da coisa, ressalvada a
hipótese de provar que, de igual modo, aconteceria, mesmo que utilizasse todos
os meios para resguardá-la. É, nesse sentido, a dicção seguinte: Art. 1.218. O
possuidor de má-fé responde pela perda, ou deterioração da coisa, ainda que
acidental, salvo se provar que, de igual modo, se teria dado, estando ela na posse
do reivindicante.

5.5.2 Direitos às benfeitorias


Na forma do Art. 1.219 do Código Civil, o possuidor de boa-fé tem direito
de ser indenizado pelas benfeitorias úteis e necessárias, inclusive, com direito de
retenção.

No que tange às voluptuárias, se não forem indenizadas ao possuidor de


boa-fé, poderá exercer o direito de remoção, desde que o faça sem prejuízo à coisa
principal.

Note que, ao ser indenizado, o possuidor de boa-fé tem direito ao valor


atual da coisa.

24
TÓPICO 1 — LIÇÕES PRELIMINARES AO ESTUDO DO DIREITO DAS COISAS

E
IMPORTANT

O enunciado n° 81 do CJF/STJ espelha o entendimento doutrinário e


jurisprudencial pátrio dominante, ao dispor o seguinte: o direito de retenção, previsto no
Art. 1.219 do Código Civil, decorrente da realização de benfeitorias necessárias e úteis,
também se aplica às acessões (construções e plantações) nas mesmas circunstâncias.

Noutro giro, à luz do Art. 1.220, do Código Civil de 2002, o possuidor de


má-fé apenas terá direito de ser indenizado pelas benfeitorias necessárias. Dessa
forma, frisa-se, o possuidor de má-fé não terá direito de ser indenizado pelas
benfeitorias úteis, nem pelas voluptuárias.

Quanto às benfeitorias necessárias, pesando ter direito de ser ressarcido,


não terá direito de retenção. Cp, relação às benfeitorias necessárias, nem o direito
de levantá-las.

Diferentemente do que ocorre quanto ao possuidor de boa-fé, que tem o


direito de ser indenizado pelo valor atual da coisa, o possuidor de má-fé pode
receber o valor atual ou o valor de custo, a critério do reivindicante. É a norma
contida no Art. 1.222 do Código Civil.

5.5.3 Direito à usucapião


A usucapião é um dos efeitos mais relevantes decorrentes da posse, sendo
uma forma de aquisição originária das propriedades móvel e imóvel.

Neste momento, apenas destacaremos as modalidades de usucapião,


além da sua localização na Constituição, Código Civil e legislação extravagante,
deixando para aprofundar cada uma no tópico relativo à aquisição da propriedade.

Quanto à propriedade móvel, há duas modalidades de usucapião: a)


usucapião ordinária (Art. 1.260, do CC/02) e b) usucapião extraordinária (Art.
1.261, do CC/02).

Com relação à propriedade imóvel, há uma grande variedade de


modalidades de usucapião, como:

a) Usucapião Ordinária (Art. 1.242, CC/02).


b) Usucapião Extraordinária (Art. 1.238, CC/02).
c) Usucapião Especial Rural (Art. 1.238, CC/02 e Art. 191, CF/88).
d) Usucapião Especial Urbana (Art. 1.240, CC/02 e Art. 183, CF/88).

25
UNIDADE 1 — DIREITO DAS COISAS

e) Usucapião Especial Urbana por Abandono de Lar (Art. 1240-A, CC/02).


f) Usucapião Indígena (Estatuto do Índio - Lei 6.001/73).
g) Usucapião Administrativa Decorrente da Legitimação da Posse (Art. 25, Lei
13.465/17).

5.5.4 Ações possessórias


As ações possessórias também são chamadas de “interditos possessórios”,
e se constituem na faculdade do possuidor em propor demandas judiciais para se
manter na posse ou para que lhe seja restituída a posse.

Os interditos possessórios possuem fundamento na clara dicção do Art.


1.210 do Código Civil: “o possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso
de turbação, restituído no de esbulho, e segurado de violência iminente, se estiver
justo receio de ser molestado”.

De forma semelhante, o Art. 560 do Código de Processo Civil aduz que “o


possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação e reintegrado
em caso de esbulho”.

Existem três ações possessórias diretas no ordenamento jurídico brasileiro,


cada uma atinente a uma situação fática:

a) Ação de Interdito Proibitório: cabível no caso de ameaça à posse (risco de


atentado à posse). Tutela de natureza inibitória.
b) Ação de Manutenção da Posse: cabível no caso de turbação à posse (atentados
fracionados à posse).
c) Ação de Reintegração da Posse: cabível no caso de esbulho (atentado
consolidado à posse).

NOTA

O Código de Processo Civil consagra a fungibilidade total entre as três ações


de interditos possessórios no seu artigo 554, ao dispor que a propositura de uma ação
possessória, em vez de outra, não obstará para que o juiz conheça o pedido e outorgue a
proteção legal correspondente àquela cujos pressupostos estejam provados.

De acordo com a regra consolidada no Art. 554 do Código de Processo


Civil, há a possibilidade de converter uma ação possessória em outra, sobretudo,
nos casos em que o autor se equivoca ao lançar mão de umas das medidas judiciais
possessórias citadas. Ademais, por vezes, o próprio contexto fático dificulta na

26
TÓPICO 1 — LIÇÕES PRELIMINARES AO ESTUDO DO DIREITO DAS COISAS

escolha de uma das ações. Por isso, o ordenamento jurídico traz tal possibilidade
de transmudação de uma ação em outra, com fundamento no princípio da
instrumentalidade das formas.

Sob a perspectiva processual, é necessário relembrar da classificação da


posse quanto ao tempo. Tal leitura deve ser realizada a partir do comando do Art.
558 do Código de Processo Civil:

Art.558 Regem, o procedimento de manutenção e de reintegração


de posse, as normas da Seção II deste Capítulo, quando a ação for
proposta dentro de ano e dia da turbação ou do esbulho afirmado na
petição inicial.
Parágrafo único. Passado o prazo referido no  caput, será comum o
procedimento, não perdendo, contudo, o caráter possessório.

Assim, devemos relacionar a classificação da posse quanto ao tempo e às


ações possessórias da seguinte forma:

a) Ameaça, turbação e esbulhos NOVOS (menos de um ano e dia): caberá ação


de força nova, ou seja, a ação de interdito possessório seguirá o rito especial
(Arts. 554 a 568 do Código de Processo Civil), com a possibilidade de liminar.
b) Ameaça, turbação e esbulhos VELHOS (por mais de um ano e dia): caberá
ação de força velha, sem possibilidade de concessão de liminar, seguindo
o rito comum. Subsiste, a depender do caso concreto, a possibilidade de
eventual tutela de urgência ou de evidência (Art. 300 e seguintes do Código
de Processo Civil).

NOTA

O Art. 556 do Código de Processo Civil enuncia a natureza dúplice das ações
possessórias diretas, aduzindo ser cabível pedido contraposto em favor do réu para que a
sua posse seja protegida no caso concreto.

Por fim, cabe ressaltar que a jurisprudência dos Tribunais Superiores


entende não ser cabível a discussão a respeito do direito de propriedade no
bojo da ação possessória. Haveria inviabilidade da alegação de domínio, ou de
propriedade, em sede de ação possessória, ou seja, há uma divisão entre os:

• Juízo possessório (discute-se a posse).


• Juízo petitório (discute-se a propriedade).

27
UNIDADE 1 — DIREITO DAS COISAS

ATENCAO

Há exceções quanto à divisão do juízo petitório x juízo possessório, ou


seja, situações que, excepcionalmente, podem discutir a propriedade no bojo de ação
possessória, ou discussão da posse em ação de propriedade: a) desapropriação judicial
privada por posse de trabalho (Art. 1.228, §§4º e 5º, CC/02) e b) debate de propriedade em
ação possessória no caso do pleito ser dirigido a terceiro (Art. 557, CPC).

5.5.5 Autotutela da posse: legítima defesa da posse e o


desforço imediato
A autotutela da posse se trata de um meio legítimo de autodefesa, exercido
segundo o princípio da razoabilidade e proporcionalidade. Segundo a dicção do
§1º do Art. 1.210 do Código Civil, verificam-se duas situações: legítima defesa ou
desforço imediato.

Art. 1.210. O possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de


turbação, restituído no de esbulho, e segurado de violência iminente, se tiver
justo receio de ser molestado.

§ 1º O possuidor turbado, ou esbulhado, poderá se manter ou se restituir


por sua própria força, contanto que faça logo; os atos de defesa, ou de desforço,
não podem ir além do indispensável à manutenção, ou restituição da posse.

Ressalta-se que a autotutela da posse independe de ação judicial e se


refere a situações excepcionalíssimas, apenas podendo ser exercida quando
estritamente observados os requisitos da lei.

Nos casos de ameaça ou de turbação, caberá à legítima defesa. Já para os


casos nos quais se verifique o esbulho, será necessário o desforço imediato, para
que se retome o bem esbulhado.

A autotutela da posse pode ser exercida pelo possuidor direto e pelo


possuidor indireto.

28
TÓPICO 1 — LIÇÕES PRELIMINARES AO ESTUDO DO DIREITO DAS COISAS

ATENCAO

O detentor também possui a possibilidade de fazer uso da defesa direta para


proteger a posse. Exemplificando, o caseiro tem o direito de expulsar, com as próprias mãos,
os intrusos que pretendem invadir o imóvel do patrão, desde que respeitados os requisitos
do § 1º do Art. 1.210, do Código Civil.

5.6 FORMAS DE AQUISIÇÃO, TRANSMISSÃO E PERDA DA


POSSE
O Código Civil de 2002 é claro, no Art. 1.204, ao afirmar: “adquire-se a
posse desde o momento em que se torna possível o exercício, em nome próprio
de qualquer dos poderes inerentes à propriedade”.

Ademais, seguindo a doutrina majoritária, a aquisição da posse pode ser:

• Originária: há contato direto entre a pessoa e a coisa pela apreensão da coisa1


ou exercício do direito.
• Derivada: geralmente, transferida pela tradição, podendo ocorrer, ainda, ope
legis, quando passa, aos herdeiros, no momento da abertura da sucessão.

A doutrina identifica três espécies de tradição: a) tradição real; b) tradição


simbólica; e c) tradição ficta. A partir dos ensinamentos do professor Tartuce
(2020), para fins didáticos, destaca-se o seguinte quadro:

QUADRO 3 – ESPÉCIES DE TRADIÇÃO

TRADIÇÃO REAL TRADIÇÃO SIMBÓLICA TRADIÇÃO FICTA


Entrega efetiva do Ato representativo da
Por meio de presunção (ficção).
bem transferência da coisa.
Exemplo: Traditio Brevi Manu:
quem possuía em nome alheio,
Exemplo: Traditio Longa passa a possuir em nome próprio
Manu: a coisa a ser entregue (locador vendendo o imóvel
é colocada à disposição. alugado para o locatário).
Exemplificando, é caso da
Exemplo: entrega Venda Sobre Documentos Exemplo 2: Constituto
do veículo pela (Art. 529, CC/02): cláusula Possessório ou Cláusula
concessionária especial da compra e venda. Constituti: quem possuía em
A efetiva entrega do bem nome próprio, passa a possuir
móvel é substituída pela em nome alheio. Caso no qual
entrega de documentos. o proprietário (antes locador)
vende o imóvel, mas continua
residindo como locatório.
FONTE: A autora

29
UNIDADE 1 — DIREITO DAS COISAS

Prosseguindo, o Art. 1.205 do Código Civil aduz que a posse pode ser
adquirida pela própria pessoa que pretende, por seu representante ou, ainda, por
terceiro sem mandato, dependendo ratificação.

Quanto ao momento da aquisição da posse, além da regra geral do Art.


1.204 destacada no início, o Art. 1.206 do Código Civil estabelece que a posse se
transmite aos herdeiros ou legatários do possuidor com os mesmos caracteres. É
o que a doutrina denomina como princípio da continuidade.

Ainda, como decorrência do princípio da continuidade, o Art. 1.207 do


código privatista preconiza que o sucessor universal continua a posse do seu
antecessor. Por outro lado, o mesmo dispositivo aduz que é facultado unir sua
posse à do antecessor no caso de sucessor singular. A partir desse dispositivo, há
o seguinte cenário:

a) Sucessão universal: o sucessor universal continua com o direito da posse


do antecessor (continuidade de posses). A sucessão de posses é imperativa.
Não importa se a sucessão é inter vivos ou mortis causa, bastando que seja
universal. Se a aquisição se der a título singular, o mesmo não ocorre.
b) Sucessão singular: ao sucessor singular, é facultado unir sua posse à do
antecessor (união ou acessão de posses). A união de posses é facultativa. Não
importa se a sucessão é inter vivos ou mortis causa.

5.6.1 Perda da posse


A perda da posse é tratada, de forma genérica, pelo Art. 1.209 do Código
Civil, ao estabelecer o seguinte: “perde-se a posse quando cessa, embora contra a
vontade do possuidor, o poder sobre o bem, ao qual se refere o Art. 1.196”.

Elencaremos, a seguir, as principais hipóteses de perda da posse:

a) Perda ou destruição da própria coisa.


b) Abandono da coisa (derrelição).
c) Tradição.
d) Constituto possessório (cláusula constituti).
e) Se a coisa for colocada fora do mercado (for tratada como bem inalienável,
inconsuntibilidade jurídica, ver Art. 86 do CC/02).

Por último, merece destaque a forma de perda da posse tratada pelo


Art. 1.224 do Código Civil, que assim anuncia: “só se considera perdida a posse
para quem não presenciou o esbulho, quando, tendo notícia dele, abstém-se de
retornar a coisa, ou tentando recuperá-la, é violentamente repelido”.

30
TÓPICO 1 — LIÇÕES PRELIMINARES AO ESTUDO DO DIREITO DAS COISAS

5.7 COMPOSSE OU COMPOSSESSÃO


Nos termos do Art. 1.199 do Código Civil, configura-se a "composse
quando duas ou mais pessoas exercem a posse de maneira simultânea, sobre
coisa indivisível".

A doutrina define a composse como “a situação pela qual duas ou mais


pessoas exercem, simultaneamente, poderes possessórios (condomínio de posses),
o que pode ter origem inter vivos ou mortis causa” (TARTUCE, 2020, p. 1028).

ATENCAO

A composse não se confunde com as chamadas posses paralelas (ou múltiplas),


ocorrendo a existência de posses de naturezas diversas (direta e indireta) sobre a mesma
coisa.

A doutrina também identifica duas espécies de composse:

a) Composse pro indiviso ou indivisível, quando não é possível aferir, na prática,


a parte de cada um. Assim, os compossuidores são titulares de uma fração
ideal.
b) Composse pro diviso ou divisível: quando é possível atribuir, na prática, a cada
um dos compossuidores, a respectiva parte. Aqui, há como verificar a fração
real da posse de cada um.

31
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você aprendeu que:

• Há diferença entre o direito das coisas e os direitos reais.

• As principais características dos direitos reais são: corporeidade, possibilidade


de apropriação, função/utilidade econômica e tipicidade.

• De acordo com a doutrina majoritária, a posse é uma situação de fato (situação


da vida) protegida pelo direito, o que gera direitos subjetivos.

• A função social da posse não é prevista de forma expressa no ordenamento


jurídico, porém, como a função social da propriedade, tem seu fundamento
no Art. 5º, inciso XXIII, da CF/88, constituindo-se em verdadeira garantia
constitucional.

• O CC/02 adota, como regra geral, a teoria objetiva da posse.

• A teoria subjetiva da posse é utilizada nos casos de usucapião.

• Posse ad usucapionem é aquela que se prolonga por tempo determinado em


lei, autorizando a aquisição por usucapião, desde que observados os demais
requisitos legais.

• A usucapião é um dos principais efeitos decorrentes da posse, sendo uma


forma de aquisição originária das propriedades móvel e imóvel.

32
AUTOATIVIDADE

1 Aponte e explique duas características dos direitos reais.

2 Qual é a importância do princípio da função social da posse?

3 Classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas:

( ) No momento em que é possível o exercício, em nome próprio, de quaisquer


dos poderes do proprietário, dá-se a aquisição da posse.
( ) A posse pode ser adquirida pela própria pessoa que a pretenda ou por
seu representante, mas não por terceiro sem mandato.
( ) É de boa-fé a posse que não for violenta, clandestina ou precária.
( ) Considera-se possuidor de boa-fé aquele que ignora o vício, ou o obstáculo
que impede a aquisição da coisa.
( ) O possuidor de má-fé tem direito de ressarcimento pelas benfeitorias
necessárias, havendo, quanto a elas, o direito de retenção, sendo vedado,
por outro lado, o levantamento das benfeitorias voluptuárias.
( ) A cláusula constituti, que não se presume em contrato de compra e venda
de imóvel, é uma das formas de aquisição da posse.
( ) O ordenamento jurídico ora vigente admite a possibilidade de conversão
da detenção em posse, a depender da modificação das circunstâncias que
vinculem determinada pessoa à coisa.
( ) Presume-se, em qualquer hipótese, ser possuidor de boa-fé, todo aquele
que possui justo título.

33
34
UNIDADE 1
TÓPICO 2 —

DA PROPRIEDADE

1 INTRODUÇÃO
Caro acadêmico, neste segundo tópico da Unidade 1, trataremos do
direito de propriedade. Veremos a importância desse instituto previsto na nossa
Constituição Federal como direito fundamental. Ademais, buscaremos ressaltar
as repercussões não apenas jurídicas, mas, também, as práticas do direito de
propriedade a partir da sua função social, quando estudarmos o instituto da
usucapião.

Também estudaremos a reforma agrária e a política fundiária sob o


enfoque constitucional, tema diretamente relacionado com o já estudado princípio
da função social da propriedade.

Veremos que estudar reforma agrária é, além de pensar na distribuição


de terras, pensar em conflitos, pobreza, desigualdade social, justiça social e, em
última análise, na dignidade da pessoa humana.

Por fim, tenha em mente a importância da temática, tendo em vista que,


em países subdesenvolvidos, como no Brasil, constata-se forte concentração de
renda e terras nas mãos de poucas pessoas.

2 CONCEITOS FUNDAMENTAIS RELATIVOS À PROPRIEDADE/


ATRIBUTOS
O direito de propriedade, antes de tudo, é um direito fundamental,
cláusula pétrea, portanto, previsto no Art. 5º, inciso XXII, da Constituição de 1988.
Ademais, a lei maior ainda o prevê como um dos princípios da ordem econômica
no inciso II, do Art. 170.

A professora Maria Helena Diniz (2010, p. 848) conceitua a propriedade


como “o direito que a pessoa física ou jurídica tem, dentro dos limites normativos,
de usar, gozar, dispor de um bem corpóreo ou incorpóreo, além de o reivindicar
de quem injustamente o detenha”.

Orlando Gomes (2004) entendia a propriedade como fenômeno complexo


que poderia ser definido a partir de três parâmetros: o sintético, o analítico e o
descritivo:

35
UNIDADE 1 — DIREITO DAS COISAS

• Sentido sintético: a propriedade é a submissão de uma coisa, em todas as


relações jurídicas, a uma pessoa.
• Sentido analítico: a propriedade está relacionada com os direitos de usar,
fruir, dispor e alienar a coisa.
• Sentido descritivo: a propriedade é um direito complexo, absoluto e exclusivo.
Uma coisa está submetida à vontade de uma pessoa sob os limites da lei.

O Código Civil de 2002 não fornece o conceito de propriedade, apenas


elenca os atributos no Art. 1.228:

Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da


coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente
a possua ou detenha.

Com base nos ensinamentos do professor Flávio Tartuce (2020), destaca-


se cada atributo do direito de propriedade:

1) Faculdade de gozar ou fruir da coisa: faculdade de retirar os frutos da coisa


(naturais, civis ou industriais).
2) Direito de reivindicar a coisa contra quem injustamente a possua ou a
detenha (ius vindicandi): é exercido por meio de ação petitória, fundada na
propriedade, sendo mais comum a ação reivindicatória, principal ação real
fundada no domínio (rei vindicatio).

NOTA

Na ação reivindicatória, o autor deve provar seu domínio, oferecendo prova da


propriedade com o respectivo registro e descrevendo o imóvel com suas confrontações.
Exemplo típico é a ação proposta contra caseiro (detentor), que ocupa imóvel em nome de
um invasor (injusto possuidor).

ATENCAO

Não confunda ação petitória com as ações possessórias. Nas últimas, não se
discute a propriedade do bem, mas a posse.

36
TÓPICO 2 — DA PROPRIEDADE

3) Faculdade de usar a coisa, de acordo com as normas do ordenamento jurídico:


destacando-se as normas da Constituição Federal de 1988, o Código Civil de
2002 e leis específicas, como o Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/01).
4) Faculdade de dispor (ou alienar) da coisa, seja por ato inter vivos ou mortis
causa: compra e venda, doação e testamento.

ATENCAO

Se a pessoa tiver todos esses atributos destacados em relação a uma coisa, ela
terá a “propriedade plena”. Se tiver, ao menos, um dos atributos, terá posse. Se os atributos
estiverem distribuídos entre pessoas distintas, haverá a “propriedade restrita”.

Por conseguinte, impende destacar a diferenciação que o autor faz entre o


conceito de propriedade plena e propriedade restrita (TARTUCE, 2020).

a) Propriedade Plena ou Alodial: o proprietário tem todos os atributos da


propriedade nas mãos, sem que terceiros tenham qualquer direito.
b) Propriedade Limitada ou Restrita: algum dos atributos da propriedade
pertencem a outros. Recai, sobre a propriedade, algum ônus, caso da hipoteca,
da servidão ou usufruto. Quando a propriedade for resolúvel, dependente de
condição ou termo.
b.1) Nua Propriedade: corresponde à titularidade do domínio, ao fato
de ser proprietário e ter o bem em seu nome. Costuma-se dizer que a nua
propriedade é aquela despida dos atributos de gozo e de fruição (atributos
diretos e imediatos).
b.2) Domínio Útil: corresponde aos atributos de usar, gozar e dispor da
coisa. Dependendo dos atributos que possui, a pessoa que os detém recebe
uma denominação diferente: superficiário, usufrutuário, usuário, habitante,
promitente comprador etc. Por tal divisão, uma pessoa pode ser o titular
(proprietário), tendo o bem registrado no seu nome ao mesmo tempo em
que outra pessoa possui os atributos de usar, gozar e dispor daquele bem
em virtude de um negócio jurídico, como ocorre no usufruto, na superfície,
na servidão, no uso, no direito real de habitação, no direito do promitente
comprador, no penhor, na hipoteca e na anticrese. Percebe-se uma divisão
dos atributos da propriedade: o nu-proprietário mantém os atributos de
dispor e reaver a coisa, enquanto o usufrutuário tem os atributos de usar e
fruir da coisa.

37
UNIDADE 1 — DIREITO DAS COISAS

E
IMPORTANT

O direito de propriedade é o único direito real sobre coisa própria (jus in re


propria). Os demais são direitos reais sobre coisa alheia (jus in re aliena).

2.1 PROPRIEDADE VERSUS DOMÍNIO


O Código Civil de 2002, de forma diversa do Código Civil de 1916, não
diferencia propriedade e domínio, fazendo como que, atualmente, a doutrina
majoritária se incline no sentido de serem conceitos sinônimos.

A doutrina que difere os dois conceitos (FARIAS; NETTO; ROSENVALD,


2018):

a) Propriedade: um direito complexo que se instrumentaliza pelo domínio.


Direito que dá, ao proprietário, a faculdade de usar e gozar de coisa
incorporada ao seu patrimônio, podendo ser exercido, portanto, sobre coisas
corpóreas e incorpóreas.
b) Domínio: referência ao conteúdo interno da propriedade. O direito que dá, ao
dominus, faculdade de dominação total da coisa, incluindo não só a faculdade
de usar e usufruir, mas, também, a faculdade de dispor da coisa como bem
entender, até mesmo com a destruição. Em razão dessas características,
entende-se que o domínio se exerce apenas sobre coisas corpóreas.

2.2 PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DO DIREITO DE


PROPRIEDADE
De maneira didática, podemos destacar, como principais características
do direito de propriedade (TARTUCE, 2020):

a) Direito Fundamental: deve ser a primeira característica a ser lembrada. O


direito à propriedade é expressamente previsto pelo Art. 5º, XXII e XXIII, com
sua inseparável função social. Cabe lembrar a teoria da eficácia horizontal dos
direitos fundamentais, que impõe a observância dos direitos fundamentais
no âmbito das relações privadas.
b) Direito Absoluto: o direito à propriedade é oponível erga omnes, ou seja,
contra todos. Entretanto, há situações nas quais tal característica pode ser
relativizada, destacando-se os limitadores das funções social e socioambiental
da propriedade previstas no § 1º, do Art. 1.228 do Código Civil. Ademais, é de
se destacar o Art. 1.231, pelo qual se entende que “a propriedade se presume
plena e exclusiva, até provar o contrário”.
38
TÓPICO 2 — DA PROPRIEDADE

c) Direito Exclusivo: Conforme destacado, há uma presunção iuris tantum


(relativa) de que a propriedade seja exclusiva, ou seja, até provar o contrário.
Por direito exclusivo, entende-se que, em regra, a propriedade não pode
pertencer a mais de uma pessoa.
d) Direito perpétuo: o direito de propriedade permanece, independentemente
do exercício. A propriedade não desaparece por seu não uso, apenas se
extingue por vontade do proprietário ou por determinação legal.

NOTA

Quanto ao instituto da usucapião, veremos que a propriedade não se extingue


pelo “não uso” do dono, mas pelo uso de terceiros.

e) Direito elástico: de acordo com as lições de Orlando Gomes (2004, p. 110),


“a propriedade pode ser distendida ou contraída quanto ao seu exercício,
conforme adicionados ou retirados os atributos que são destacáveis”. Quando
se pensa em propriedade plena, encontra-se o direito de propriedade no grau
máximo de elasticidade, possuindo todos os atributos (usar, gozar, dispor e
reivindicar a coisa), sem restrição.
f) Direito complexo: a propriedade seria um direito complexo, tendo em vista
todas as nuances aqui expostas e, principalmente, em decorrência dos quatros
atributos (usar, gozar, dispor e reivindicar a coisa).

2.3 FUNÇÕES SOCIAL E SOCIOAMBIENTAL DA


PROPRIEDADE
No Brasil, a função social da propriedade foi prevista, pela primeira
vez, no texto constitucional na Constituição Federal de 1934, que sujeitava a
propriedade aos interesses comum e social, porém, sem qualquer aplicabilidade
no direito infraconstitucional.

Em 1937, a Constituição Federal manteve a função social da propriedade


nos mesmos termos da antecessora.

Em 1946, após a reivindicação dos movimentos populares pela


redemocratização nacional, o texto constitucional condicionou, pela primeira
vez, o direito de propriedade ao bem-estar social, objetivando a justa distribuição
da propriedade, mas a norma constitucional ainda padecia da aplicabilidade
concreta.

39
UNIDADE 1 — DIREITO DAS COISAS

Na Constituição Federal de 1967, com a respectiva Emenda nº 1, de


1969, a função social da propriedade foi incluída entre os princípios das ordens
econômica e social.

Finalmente, a Constituição Federal de 1988 inseriu a função social da


propriedade entre os direitos e garantias fundamentais do cidadão, mantendo-a
como princípio informador da ordem econômica social, atribuindo aplicabilidade
imediata e eficácia plena (SILVA, 2009).

A título de garantir o pleno exercício do direito de propriedade, previu-se


especial proteção à pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que
trabalhada pela família, contra penhoras para pagamento de débitos decorrentes da
atividade produtiva, determinando-se, à legislação infraconstitucional, a previsão
de meios de financiamento das atividades desenvolvidas. Ainda, definiram-se a
pequena e a média propriedades rurais, desde que seu proprietário não possuísse
outra, e a propriedade produtiva, como insuscetível de desapropriação para fins
de reforma agrária.

Ademais, ao estabelecer as diretrizes da política urbana, a Constituição


de 1988 fez expressa menção à usucapião especial urbana, aduzindo que aquele
que possuir, como área urbana, até duzentos e cinquenta metros quadrados, por
cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para moradia ou da
família, deve adquirir o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel
urbano ou rural.

Seguiu-se com o regramento constitucional da usucapião especial rural.


Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como seu
por cinco anos ininterruptos e sem oposição. Área de terra, em zona rural, não
superior a cinquenta hectares, tornando-a produtiva através do trabalho ou da
família. Tais institutos serão analisados mais adiante.

Alinhado com a Constituição de 1988, o Código Civil de 2002 previu,


expressamente, a função socioambiental da propriedade no § 1º do Art. 1.228:

O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com suas


finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados,
em conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna,
as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e os patrimônios histórico e
artístico, além da evitada poluição do ar e das águas.

Também merece transcrição o § 2º do mesmo dispositivo: “São defesos os


atos que não trazem, ao proprietário, qualquer comodidade, ou utilidade, e sejam
animados pela intenção de prejudicar outrem”.

Acadêmico, note que a função social da propriedade acaba por


restringir o direito de propriedade por força de determinação constitucional e
infraconstitucional, impondo que se observe o bem coletivo.

40
TÓPICO 2 — DA PROPRIEDADE

Em termos simples, pode-se dizer que a propriedade, seja urbana ou


rural, não deve atender, apenas, aos interesses do proprietário, mas, também,
ao interesse da sociedade. Nesse viés, temos a premissa de que a função social
da propriedade é “princípio básico que incide no próprio conteúdo do direito
de propriedade, somando-se às quatro faculdades conhecidas (usar, gozar,
dispor e reivindicar). Em outras palavras, converte-se em um quinto elemento da
propriedade” (FARIAS; NETTO; ROSENVALD, 2018, p. 1437).

Em suma, acadêmico, tenha claro que, além do aspecto individual, a


propriedade deve se direcionar para o bem comum. Assim, é correto afirmar
que sempre deve ser contemplada a função social da propriedade. A forma e a
intensidade dessa exigência (da função social) são possíveis de avaliar, sobretudo,
por meio do estudo das modalidades de usucapião e da reforma agrária.

2.3.1 Desapropriação judicial por posse-trabalho


A desapropriação judicial por posse-trabalho, por alguns, chamada de
desapropriação indireta, é prevista nos §§ 4º e 5º do Art. 1.228 do Código Civil de
2002. Trata-se de instituto inédito no direito civil brasileiro, buscando prestigiar a
função social da posse e do domínio.

Há doutrina que entende que a desapropriação judicial por posse-traba-


lho se trata da modalidade de usucapião, porém, a doutrina majoritária vem con-
solidando a leitura do instituto como uma verdadeira desapropriação, tendo em
vista que as normas privatistas objetificam justa indenização ao sujeito que perde
sua propriedade. O ordenamento jurídico brasileiro não admite “usucapião one-
rosa”, reforçando a corrente majoritária (FARIAS; NETTO; ROSENVALD, 2018).

ATENCAO

No direito administrativo, existe uma modalidade de desapropriação


denominada de “desapropriação indireta”, a qual ocorre nas situações em que o Estado
invade o bem privado sem respeitar os procedimentos administrativos e judiciais inerentes
à desapropriação. Não se confunde com a “desapropriação judicial indireta” do Código Civil,
pois, nesta, são particulares (em grande número) que invadem, de boa-fé, extensa área rural
ou urbana de outro particular.

Necessário destacar a previsão do instituto da desapropriação judicial por


posse-trabalho, do Art. 1.128, do Código Civil:

41
UNIDADE 1 — DIREITO DAS COISAS

§ 4  o  O proprietário também pode ser privado da coisa se o imóvel


reivindicado consistir em extensa área, na posse ininterrupta e de
boa-fé, por mais de cinco anos, de considerável número de pessoas, e
estas terem realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços
considerados, pelo juiz, de interesses social e econômico relevantes.
§ 5 o No caso do parágrafo antecedente, o juiz fixará a justa indenização
devida ao proprietário; pago o preço, valerá a sentença como título
para o registro do imóvel em nome dos possuidores.

Conforme se abstrai da leitura da lei, não se tem uma definição legal do


instituto da desapropriação judicial por posse-trabalho.

Segundo o professor Flávio Tartuce (2020), a posse-trabalho constitui


uma cláusula geral, um conceito aberto e indeterminado a ser preenchido
caso a caso. A boa-fé que deve ser considerada para a caracterização da posse-
trabalho é a objetiva, relacionada à conduta dos envolvidos (e não a subjetiva).
Assim, os invasores do imóvel podem ter, a seu favor, a aplicação do instituto da
desapropriação judicial privada.

Por fim, é de suma importância que não se confunda o instituto da


usucapião coletiva (estudaremos a seguir) com o da desapropriação judicial. Por
isso, segue quadro comparativo entre tais institutos:

QUADRO 4 – INSTITUTOS

Usucapião Coletiva Desapropriação judicial privada


Prevista no Art. 10 do Estatuto da Prevista no Art. 1.228, §§ 4º e 5º do
Cidade. Código Civil.
A área urbana deve ter, no mínimo, Basta que a área seja extensa.
250 m².
Somente se aplica a imóveis Pode ser aplicada a imóveis urbanos ou
urbanos. rurais.
Não há direito à indenização. Há direito à indenização.
Pode ser qualquer posse: posse de A posse deve ser qualificada: posse-
boa-fé ou má-fé por mais de cinco trabalho e de boa-fé, sem interrupção,
anos. por mais de cinco anos.
FONTE: A autora

2.4 FORMAS DE AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE IMÓVEL


As formas de aquisição da propriedade imóvel são tratadas no Código
Civil a partir do Art. 1.238, podendo ser classificadas em formas de aquisição
originárias e formas de aquisição derivadas. Veja o quadro esquemático a seguir:

42
TÓPICO 2 — DA PROPRIEDADE

QUADRO 5 – FORMAS DE AQUISIÇÃO

FORMAS ORIGINÁRAS FORMAS DERIVADAS


Acessões:

• Ilhas
• Aluvião • Registro imobiliário
• Álveo abandonado • Sucessão hereditária
• Plantações
• Construções

Usucapião
FONTE: A autora

Por meio da forma originária, adquire-se a propriedade sem que esta


tenha características pertinentes ao proprietário anterior. Pode-se dizer que
a “propriedade começa do zero, ou seja, é ‘resetada’” (TARTUCE, 2020, p.
1060). Como exemplo de forma originária de aquisição da propriedade, há o
entendimento pacífico da jurisprudência pátria de que o proprietário que adquire
o imóvel por meio da usucapião não responde pelos tributos que anteriormente
recaiam sobre o imóvel.

Noutro giro, a partir da forma derivada da aquisição da propriedade,


verifica-se a “transferência” das características da propriedade ao novo
proprietário. Logo, quanto à questão tributária, no caso da compra e venda, em
razão de ser forma de aquisição derivada, o novo proprietário é responsável pelos
tributos anteriores.

Vejamos, a seguir, de maneira apartada, as formas de aquisição da


propriedade imóvel.

2.4.1 Das acessões naturais e artificiais


As acessões são formas originárias de aquisição da propriedade que se dão
por meio da união física de uma coisa com a outra com o consequente aumento de
volume da coisa principal. O Art. 1.248 do Código Civil traz as seguintes formas
de acessões:

• Por formação de ilhas.


• Por aluvião.
• Por abandono de álveo.
• Por plantações ou construções.

Por hora, saiba que as únicas formas de acessões decorrentes da intervenção


humana (artificiais) tratadas pelo Código são as plantações e as construções.
Todas as outras são acessões naturais.

43
UNIDADE 1 — DIREITO DAS COISAS

a) Das ilhas

Na acepção jurídica, é considerado, como ilha, o acúmulo paulatino de


areia, cascalho e materiais levados pela correnteza, ou de rebaixamento de águas,
deixando descoberta e seca uma parte do fundo ou do leito (DINIZ, 2010).

Acadêmico, lembre-se de que estamos tratando de ilhas dentro do estudo


do direito civil (privado), portanto, somente interessam, aqui, ilhas formadas por
rios não navegáveis ou particulares, as quais pertencem ao domínio privado.

Art. 1.249. As ilhas que se formarem em correntes comuns ou


particulares pertencem aos proprietários ribeirinhos fronteiros,
observadas as regras seguintes:
I - as que se formarem no meio do rio se consideram acréscimos
sobrevindos aos terrenos ribeirinhos fronteiros de ambas as margens,
na proporção de suas testadas, até a linha que dividir o álveo em duas
partes iguais;
II - as que se formarem entre a referida linha e uma das margens se
consideram acréscimos aos terrenos ribeirinhos fronteiros desse
mesmo lado;
III - as que se formarem pelo desdobramento de um novo braço do rio
continuam a pertencer aos proprietários dos terrenos à custa dos quais
se constituíram.

b) Da aluvião

O Art. 1.250 do Código Civil é, de clareza solar, ao conceituar a acessão


natural aluvião, além de definir o regramento:

Art. 1.250. Os acréscimos formados, sucessiva e imperceptivelmente,


por depósitos e aterros naturais ao longo das margens das correntes, ou
pelo desvio das águas, pertencem aos donos dos terrenos marginais,
sem indenização.
Parágrafo único. O terreno aluvial, que se formar em frente de prédios
de proprietários diferentes, dividir-se-á entre eles, na proporção da
testada de cada um sobre a antiga margem.

c) Da avulsão

O Art. 1.251 do Código Civil trata da avulsão, outra forma de acessão


natural, entendida como a faixa de terra avulsa que, em decorrência de força
natural violenta, desloca-se de um prédio e passa a integrar outro prédio. O
referido dispositivo também é didático e induvidoso ao dispor:

Art. 1.251. Quando, por força natural violenta, uma porção de terra
se destacar de um prédio e se juntar a outro, o dono deste adquirirá a
propriedade do acréscimo, se indenizar o dono do primeiro ou, sem
indenização, se, em um ano, ninguém houver reclamado.
Parágrafo único. Recusando-se ao pagamento de indenização, o dono
do prédio a que se juntou a porção de terra deverá aquiescer para que
se remova a parte acrescida.

44
TÓPICO 2 — DA PROPRIEDADE

d) Do álveo abandonado

O álveo abandonado é o “rio que desaparece”. Encontramos uma definição


jurídica no Art. 9º do Código de Águas: “álveo é a superfície que as águas cobrem
sem transbordar para o solo natural e ordinariamente enxuto”.

Art. 1.252. O álveo abandonado de corrente pertence aos proprietários


ribeirinhos das duas margens, sem que tenham indenização os donos
dos terrenos por onde as águas abrirem novo curso, entendendo-se
que os prédios marginais se estendem até o meio do álveo.

e) Das plantações e as construções

Conforme destacado outrora, as plantações e as construções são acessões


de natureza artificial, sendo formas de aquisição originária da propriedade
imóvel. O Código Civil traça os seus regramentos dos Arts. 1.253 a 1.259.

Vale destacar a principal das acessões formadas a partir da intervenção


humana: a presunção de que toda e qualquer plantação ou construção existente
em um terreno fora feita pelo proprietário e à custa dele (Art. 1.253). Assim, trata-
se da presunção iuris tantum (relativa), ou seja, admite-se prova em contrário.

O Código Civil traz, de maneira inequívoca, as regras relativas às


construções e plantações:

Art. 1.253. Toda construção ou plantação existente em um terreno


se presume feita pelo proprietário e à custa dele, até que se prove o
contrário.
Art. 1.254. Aquele que semeia, planta ou edifica em terreno próprio,
com sementes, plantas ou materiais alheios, adquire a propriedade,
mas fica obrigado a pagar o valor, além de responder por perdas e
danos, se agiu de má-fé.
Art. 1.255. Aquele que semeia, planta ou edifica em terreno alheio
perde, em proveito do proprietário, as sementes, plantas e construções;
se procedeu de boa-fé, terá direito à indenização.
Parágrafo único. Se a construção ou a plantação exceder
consideravelmente o valor do terreno, aquele que, de boa-fé, plantou
ou edificou, adquirirá a propriedade do solo, mediante pagamento da
indenização fixada judicialmente, se não houver acordo.
Art. 1.256. Se, de ambas as partes, houve má-fé, adquirirá, o
proprietário, as sementes, plantas e construções, devendo ressarcir o
valor das acessões.
Parágrafo único. Presume-se má-fé, dp proprietário, quando o trabalho
de construção, ou lavoura, fez-se na sua presença e sem impugnação
sua.
Art. 1.257. O disposto do artigo antecedente se aplica ao caso de não
pertencerem, as sementes, plantas ou materiais, a quem, de boa-fé, os
empregou em solo alheio.
Parágrafo único. O proprietário das sementes, plantas ou materiais
poderá cobrar, do proprietário do solo, a indenização devida, quando
não puder havê-la do plantador ou construtor.
Art. 1.258. Se a construção, feita parcialmente em solo próprio, invade
solo alheio em proporção não superior à vigésima parte, adquire, o

45
UNIDADE 1 — DIREITO DAS COISAS

construtor de boa-fé, a propriedade da parte do solo invadido, se o


valor da construção exceder o dessa parte, e responde por indenização
que represente, também, o valor da área perdida e a desvalorização da
área remanescente.
Parágrafo único. Pagando, em décuplo, as perdas e danos previstos
neste artigo, o construtor de má-fé adquire a propriedade da parte
do solo que invadiu, se em proporção à vigésima parte e o valor da
construção exceder consideravelmente o dessa parte e não se puder
demolir a porção invasora sem grave prejuízo para a construção.
Art. 1.259. Se o construtor estiver de boa-fé, e a invasão do solo
alheio exceder a vigésima parte, adquire a propriedade da parte
do solo invadido, e responde por perdas e danos que abranjam o
valor que a invasão acrescer à construção, mais o da área perdida e
o da desvalorização da área remanescente; se de má-fé, é obrigado a
demolir o que construiu, pagando as perdas e danos apurados, que
serão devidos em dobro.

Dando prosseguimento aos nossos estudos, passaremos a estudar outra


forma de aquisição originária da propriedade: a usucapião de bens imóveis.

2.4.2 Da usucapião de bens imóveis


A usucapião é um modo originário de adquirir propriedade mobiliária
ou imobiliária (ou outros direitos reais, como usufruto ou servidão) mediante o
exercício da posse prolongada.

Saiba que a usucapião também é conhecida por ser uma forma de


prescrição aquisitiva de direitos reais, justamente em razão de o tempo ser um
dos seus fundamentos. Nesse sentido, o Art. 1.244 do Código aduz que as causas
impeditivas, suspensivas e interruptivas do prazo prescricional são aplicadas.

No cenário, a doutrina reconhece a usucapião como instituto que prestigia


a estabilidade da propriedade ao fixar prazo determinado (variável a depender
da modalidade da usucapião), para além do qual não se pode mais levantar
questionamento acerca da ausência ou vícios do título de posse (TARTUCE,
2020). Desse modo, cabe identificar requisitos ou elementos fundamentais para
que a propriedade seja passível de usucapião, ou seja, para que ela possa ser
considerada uma posse ad usucapionem, ou usucapível. Destacaremos, a seguir,
os requisitos:

a) Posse com intenção de dono (animus domini): conforme vimos, o Código


Civil adotou, como regra, a teoria objetiva da posse de Ihering. Contudo, em
tema de usucapião, excepcionalmente, entende-se que foi adotada a teoria
subjetiva de Savigny, que exige a presença do corpus mais o animus domini
(intenção de ser dono).
b) Posse mansa e pacífica: a posse exercida sem oposição de quem tem legítimo
interesse.
c) Posse contínua e duradoura, em regra, e com determinado lapso temporal.

46
TÓPICO 2 — DA PROPRIEDADE

NOTA

O Superior Tribunal de Justiça, em compasso com o entendimento doutrinário


dominante, vem decidindo reiteradamente, no sentindo de que o prazo para usucapião
pode ser completado no decorrer do processo judicial.

d) Posse justa: a posse que se apresenta sem os vícios objetivos (violência,


clandestinidade ou precariedade). Relembre a dicção do Art. 1.208 do Código
Civil: “não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância, assim
como não autorizam a sua aquisição os atos violentos ou clandestinos, a não
ser depois de cessar a violência ou clandestinidade”.
e) Posse de boa-fé e com justo título, em regra.

Ademais, cumpre pontuar que a ação de usucapião é uma ação de


jurisdição contenciosa destinada a declarar a propriedade (sentença declaratória).
O Código de Processo Civil de 2015 não previu procedimento especial para a
ação de usucapião, de forma que a usucapião judicial deve seguir o procedimento
comum.

ATENCAO

Acadêmico, fique atento à contagem de prazo de usucapião, tendo em


vista a Lei n° 14.010, de 10 de junho de 2020, a qual dispõe a respeito do regime jurídico
emergencial e transitório das relações jurídicas de direito privado no período da pandemia
do coronavírus. Dispõe, no Art. 10: “Suspendem-se os prazos de aquisição para a propriedade
imobiliária ou mobiliária, nas diversas espécies de usucapião, a partir da entrada em vigor
desta Lei até 30 de outubro de 2020”.

• Usucapião ordinária

A usucapião ordinária é prevista no Art. 1.242 do Código Civil:

Art. 1.242. Adquire, também, a propriedade do imóvel, aquele que,


contínua e incontestadamente, com justo título e boa-fé, o possuir por
dez anos.
Parágrafo único. Será de cinco anos o prazo previsto neste artigo se
o imóvel houver sido adquirido, onerosamente, com base no registro

47
UNIDADE 1 — DIREITO DAS COISAS

constante do respectivo cartório, cancelado posteriormente, desde


que os possuidores tiverem estabelecido a sua moradia, ou realizado
investimentos des interesses social e econômico.

Com o intuito de diferenciar, a doutrina denomina a usucapião do caput


de usucapião ordinária regular ou comum, cujos requisitos destacaremos a seguir:

a) Posse mansa, pacífica e ininterrupta com animus domini por 10 (dez) anos.
b) Justo título: qualquer documento apto a ensejar a crença de que é proprietário.

ATENCAO

Não há necessidade de que o “justo título” seja registrado em cartório para


que seja entendido como tal. A jurisprudência tem aceitado, por exemplo, o instrumento
particular de compra e venda para esse fim, mesmo que não tenha sido registrado em
cartório.

c) Boa-fé: entendida como a boa-fé de natureza subjetiva (estado de ignorância


sobre algo).

O parágrafo único do Art. 1.242 traz a usucapião ordinária por posse-


trabalho, também denominada de usucapião tabular. Seguem os requisitos:

a) Posse mansa, pacífica e ininterrupta com animus domini por 5 (cinco) anos.
b) O imóvel deve ter sido adquirido, onerosamente, com base no registro
constante do respectivo cartório, cancelado posteriormente.
c) Os possuidores devem ter estabelecido a sua moradia, ou realizado
investimentos de interesses social e econômico.

• Usucapião extraordinária

A usucapião extraordinária é prevista no Art. 1.238 do Código Civil,


sendo que, no caput, é prevista a usucapião extraordinária regular (ou comum).
No parágrafo único, a usucapião extraordinária por posse-trabalho.

Art. 1.238. Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem
oposição, possuir como seu um imóvel, adquire a propriedade,
independentemente de título e boa-fé, podendo requerer, ao juiz,
que assim declare por sentença, servindo de título para o registro no
Cartório de Registro de Imóveis.
Parágrafo único. O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-á a dez
anos se o possuidor houver estabelecido, no imóvel, a sua moradia
habitual, ou realizado obras ou serviços de caráter produtivo.

48
TÓPICO 2 — DA PROPRIEDADE

Acadêmico, note que, em ambas as espécies de usucapião extraordinária,


diferentemente do que ocorre na usucapião ordinária, a lei não exige que se prove
boa-fé ou que se tenha justo título.

A doutrina justifica a não exigência da boa-fé e do justo título em razão de


se presumir, de forma absoluta (iure et de iure), sua presença, mormente no caso
da usucapião extraordinária por posse-trabalho, em decorrência da destinação
dada ao imóvel e da consequente observância da função social.

• Usucapião constitucional ou especial urbana pro misero

A usucapião constitucional ou especial urbana tem previsão no Art. 183,


caput, da Constituição de 1988. Não obstante, o Art. 1.240 do Código Civil de
2002 e o artigo 9º do Estatuto da Cidade reproduzem o comando constitucional:

Art. 183. Aquele que possuir, como sua área urbana, até duzentos e
cinquenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem
oposição, utilizando-a para sua moradia ou da sua família, adquirirá
o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano
ou rural.

Importante ressaltar que o § 2º do dispositivo constitucional destacado,


além do § 2º, do Art. 9º do Estatuto da Cidade, determinam que o direito à
usucapião urbana não é reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez.

Ademais, também é previsto, na Constituição (§ 1º, do Art. 183) e no


Estatuto da Cidade, que o título de domínio é conferido ao homem ou à mulher,
ou a ambos, independentemente do estado civil.

Destacaremos, a seguir, os requisitos da usucapião constitucional ou


especial urbana:

a) Área urbana de até 250 m².


b) Posse mansa e pacífica, com animuns domini, ininterrupta e sem oposição,
por 5 (cinco) anos.
c) Imóvel que seja utilizado para sua moradia ou da sua família.
d) Não ser proprietário de outro imóvel, seja urbano, seja rural.
e) Apenas é conferido o direito uma única vez a essa espécie de usucapião.

Observe que nem se exige justo título ou boa-fé na modalidade de usucapião


constitucional ou urbana, entendendo, a doutrina, que a própria destinação do
imóvel, nesse caso, justifica e fundamenta o cumprimento da função social.

49
UNIDADE 1 — DIREITO DAS COISAS

E
IMPORTANT

O STF fixou, como tese de repercussão geral: preenchidos os requisitos do Art.


183 da Constituição Federal, o reconhecimento do direito à usucapião especial urbana não
pode ser obstado por legislação infraconstitucional que estabeleça módulos urbanos na
respectiva área em que situado o imóvel (dimensão do lote).

• Usucapião por abandono do lar ou pró-família

A modalidade da usucapião por abandono do lar ou pró-família apenas


passou a existir, no nosso ordenamento jurídico, em 2011, por meio da sua
inserção no Código Civil (Art. 1.240-A), pela Lei n° 12.424, de 16 de junho de 2011:

Art. 1.240-A. Aquele que exercer, por 2 (dois) anos, ininterruptamente e


sem oposição, posse direta, com exclusividade sobre imóvel urbano de
até 250m² (duzentos e cinquenta metros quadrados), cuja propriedade
divida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar,
utilizando-o para sua moradia ou da sua família, adquirirá o domínio
integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou
rural
§ 1  o  O direito previsto no  caput  não será reconhecido ao mesmo
possuidor mais de uma vez.

É possível observar a modalidade de usucapião com o menor prazo no


ordenamento jurídico. Observe que o prazo (de dois anos) é menor, até mesmo, do
que aquele exigido pela usucapião ordinária de bem móvel (três anos), conforme
se abstrai do Art. 1.260 do Código Civil. O professor Flávio Tartuce (2020, p. 1082),
ao justificar o exíguo prazo, identifica a “tendência pós-moderna, justamente a de
redução dos prazos legais, eis que o mundo contemporâneo possibilita a tomada
de decisões com rapidez”.

Destacam-se os requisitos da usucapião por abandono do lar:

a) Imóvel urbano de até 250 m², cuja propriedade divida com ex-cônjuge ou ex-
companheiro que abandonou o lar.
b) O imóvel deve ser utilizado para sua moradia ou da sua família.
c) Posse com animus domini, exercida com exclusividade, sem oposição e
ininterruptamente por 2 (dois) anos.
d) Apenas será conferido o direito uma única vez a essa espécie de usucapião.

50
TÓPICO 2 — DA PROPRIEDADE

• Usucapião especial urbana coletiva

A usucapião especial urbana coletiva tem previsão apenas no Art. 10 do


Estatuto da Cidade. Não há previsão dessa modalidade no Código Civil, nem na
Constituição Federal.

Art. 10.  Os núcleos urbanos informais existentes sem oposição há mais
de cinco anos e cuja área total dividida pelo número de possuidores
seja inferior a duzentos e cinquenta metros quadrados por possuidor
são suscetíveis de serem usucapidos coletivamente, desde que os
possuidores não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural.

Destacaremos os requisitos para concessão do direito à usucapião coletiva:

a) Área urbana que, dividida pelo número de possuidores, seja inferior a 250 m²
por possuidor.
b) Existência de núcleo urbano informal.
c) Posse com animus domini, sem oposição e exercida por mais de 5 (cinco) anos
ininterruptos.
d) Os possuidores não podem ser proprietários de outro imóvel urbano ou
rural.

ATENCAO

O que seria “núcleo urbano informal”? A Lei 13.465, de 11 de julho de 2017


(Art. 11, inciso II), dá a seguinte definição: “Aquele clandestino, irregular ou no qual não foi
possível realizar, por qualquer modo, a titulação de seus ocupantes, ainda que atendida a
legislação vigente à época da implantação ou regularização”.

Por ocasião da sentença, conforme dispõe o § 3º, do Art. 10, do


Estatuto da Cidade, o juiz atribui, a cada possuidor, a fração ideal do terreno,
independentemente da dimensão ideal do terreno que previamente ocupe. É
ressalvada a hipótese de acordo escrito entres os condôminos, estabelecendo
diferentes frações.

Ademais, o § 3º, do Art. 10, do citado diploma legal, aduz que o condomínio,
fruto da concessão do direito à usucapião, é indivisível, salvo se, pelo menos,
dois terços dos condôminos optem pela extinção em decorrência da execução da
urbanização posterior à constituição.

Por fim, vale destacar o conteúdo da norma constante no § 2º, Art. 10,
do Estatuto da Cidade: a sentença declaratória de usucapião especial coletiva de
imóvel urbano serve de título para o registro no cartório de imóveis.

51
UNIDADE 1 — DIREITO DAS COISAS

• Usucapião constitucional ou especial rural

A usucapião constitucional ou especial rural tem previsão no Art. 191,


caput, da Constituição de 1988. O Art. 1.239 do Código Civil de 2002 reproduziu
integralmente o comando constitucional:

Art. 191. Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou


urbano, possua como seu, por cinco anos ininterruptos, sem oposição,
área de terra, em zona rural, não superior a cinquenta hectares,
tornando-a produtiva por seu trabalho ou da sua família, tendo sua
moradia, adquirirá a propriedade.

A partir do texto constitucional, é possível destacarmos os requisitos da


usucapião especial rural:

a) Área rural de até 50 hectares.


b) Posse com animuns domini, ininterrupta e sem oposição, por 5 (cinco) anos.
c) O imóvel deve ser utilizado para subsistência ou trabalho (pro labore),
podendo ser em qualquer atividade agropastoril. O que importa é que a
pessoa ou a família, em decorrência do trabalho, torne a terra produtiva.
d) Não ser proprietário de outro imóvel, seja ele rural ou urbano.

Não se exige justo título ou boa-fé, sendo presumida, de forma absoluta


(iure et de iure), a presença de tais requisitos em decorrência da destinação dada
ao imóvel rural e da consequente observância da função social.

NOTA

É possível adquirir a propriedade de área menor do que o módulo rural


estabelecido para a região, por meio da usucapião especial rural.

• Usucapião indígena

A usucapião indígena é prevista pelo Art. 33 do Estatuto do Índio:

Art. 33. O índio, integrado ou não, que ocupe como próprio, por 10
(dez) anos consecutivos, trecho de terra inferior a 50hec (cinquenta
hectares), adquirirá a propriedade plena.
Parágrafo único. O disposto neste artigo não se aplica às terras do
domínio da União, ocupadas por grupos tribais, às áreas reservadas
de que trata esta Lei, nem às terras de propriedade coletiva de grupo
tribal.

52
TÓPICO 2 — DA PROPRIEDADE

Destacaremos os requisitos da usucapião indígena:

a) Área de até 50 ha.


b) Índio integrado ou não que ocupe como próprio.
c) Posse mansa, pacífica e com animus domini por, no mínimo, 10 (dez) anos.

• Usucapião extrajudicial

A usucapião administrativa foi introduzida pelo Código de Processo Civil


de 2015, o qual promoveu mudança na Lei de Registros Públicos, que passou a
estabelecer, no artigo 216-A, da Lei n° 6.015, de 31 de dezembro de 1973:

Art. 216-A.   Sem prejuízo da via jurisdicional, é admitido o pedido


de reconhecimento extrajudicial de usucapião, que será processado
diretamente perante o cartório do registro de imóveis da comarca
em que estiver situado o imóvel usucapiendo, a requerimento do
interessado, representado por advogado. 

Com a consagração da usucapião extrajudicial, verificamos o objetivo


de promover a desjudicialização para conferir contornos procedimentais
simplificados e céleres ao reconhecimento do direito à usucapião (FARIAS;
NETTO; ROSENVALD, 2018). Nesse sentido, vale destacar o instituto da
Justificação Administrativa, materializado na possibilidade conferida pelo § 15,
do Artigo 216-A, da Lei de Registros Públicos, de se valer do procedimento da
produção antecipada de provas, previsto no Código de Processo Civil, no que for
compatível, nas hipóteses de ausência ou insuficiência dos documentos exigidos
para a fundamentação do direito à usucapião.

• Usucapião urbana administrativa

Conforme o próprio nome indica, a usucapião administrativa é


instrumentalizada por meio de um processo administrativo municipal, fazendo
parte política de regularização fundiária (REURB), sendo regulamentada pelo
Arts. 26 e seguintes da Lei n° 13.465, de 11 de julho de 2017:

Art. 26. Sem prejuízo dos direitos decorrentes do exercício da posse


mansa e pacífica no tempo, aquele cujo favor for expedido a título
de legitimação de posse, decorrido o prazo de cinco anos de seu
registro, terá a conversão automática em título de propriedade, desde
que atendidos os termos e as condições do  art. 183 da Constituição
Federal , independentemente de prévia provocação ou prática de ato
registral.
§ 1º Nos casos não contemplados pelo  art. 183 da Constituição
Federal,  o título de legitimação de posse poderá ser convertido em
título de propriedade, desde que satisfeitos os requisitos de usucapião
estabelecidos na legislação em vigor, a requerimento do interessado,
perante o registro de imóveis competente.
§ 2º A legitimação de posse, após convertida em propriedade,
constitui forma originária de aquisição de direito real, de modo que

53
UNIDADE 1 — DIREITO DAS COISAS

a unidade imobiliária com destinação urbana regularizada restará


livre e desembaraçada de quaisquer ônus, direitos reais, gravames
ou inscrições, eventualmente existentes na sua matrícula de origem,
exceto quando disserem respeito ao próprio beneficiário.

Acadêmico, perceba que, no primeiro momento, é conferido o direito de


legitimação de posse para fins de regularização fundiária para, posteriormente,
ser conferido o direito à usucapião.

NOTA

Segundo a dicção do Art. 25, da Lei n° 13.465, de 11 de julho de 2017, a


legitimação de posse consiste em instrumento de uso exclusivo para fins de regularização
fundiária, constitui ato do poder público destinado a conferir título, por meio do qual fica
reconhecida a posse de imóvel objeto da Reurb, com a identificação de seus ocupantes, do
tempo da ocupação e da natureza da posse, com conversão em direito real de propriedade,
na forma desta Lei.

A doutrina também identifica, nessa modalidade de usucapião, a tendência


de desjudicialização dos conflitos civis (FARIAS; NETTO; ROSENVALD, 2018).

Por fim, estudaremos, mais à frente, em tópico próprio, a política de


regularização fundiária e as profundas mudanças realizadas pela Lei n° 13.465,
de 11 de julho de 2017.

2.4.3 Do registro do título da propriedade imóvel


O registro do título aquisitivo é a forma mais comum de aquisição
(derivada) da propriedade imóvel, firmando, como regra, presunção relativa
(iuris tantum) de veracidade, nos termos do Art. 1.245 do Código Civil. Tem, como
principal função, conferir estabilidade ao tráfico negocial (pacificar conflitos de
interesses e proteção de interesse de terceiros).

Art. 1.245. Transfere-se, entre vivos, a propriedade, mediante o registro


do título translativo no Registro de Imóveis.
§ 1º Enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua
a ser havido como dono do imóvel.
§ 2º Enquanto não se promover, por meio de ação própria, a decretação
de invalidade do registro, além do respectivo cancelamento, o
adquirente continua a ser havido como dono do imóvel.

A presunção de veracidade, atribuída ao título da propriedade imóvel, é


relativa, pois admite que seja desconstituída.
54
TÓPICO 2 — DA PROPRIEDADE

A doutrina entende que fora adotado, pelo nosso Código privado, o


sistema causal (ou sistema romano), sendo possível afastar o título do registro
quando a causa não for verossímil (TARTUCE, 2020). Assim se infere, do Art.
1.247 do Código Civil:

Art. 1.247. Se o teor do registro não exprimir a verdade, poderá, o


interessado, reclamar que se retifique ou anule.
Parágrafo único. Cancelado o registro, poderá, o proprietário,
reivindicar o imóvel, independentemente da boa-fé ou do título do
terceiro adquirente.

NOTA

Existe um registro imobiliário que, desde que constituído de forma regular,


firma presunção absoluta de propriedade. É o denominado registro torrens, restrito a imó-
veis rurais e regulado pelos Arts. 277 a 288 da Lei de Registros Públicos.

Também decorre, da adoção do sistema romano, a exigência de que, para


que ocorra a aquisição da propriedade imobiliária, além do título, é necessária a
solenidade do registro. No ordenamento jurídico brasileiro, o título em si serve
de causa à futura aquisição da propriedade (o portador do título é credor de
obrigação). Não reconhecemos a força translativa aos contratos. É fundamental a
intervenção do Estado, realizada pelo oficial do Cartório Imobiliário.

Portanto, não basta a escritura pública (contrato em cartório), deve-se


proceder, também, ao registro no cartório de imóveis. Em outras palavras, não
é suficiente, o título, para gerar efeito translativo (escritura pública, instrumento
particular, carta de sentença e formal de partilha), o determinante é o modo
aquisitivo, ou seja, o registro.

NOTA

Escritura Pública: pode ser lavrada no Tabelionato de Notas de qualquer local


do país, não importando a localização do imóvel. NÃO serve para a aquisição da proprie-
dade do imóvel, sendo apenas uma formalidade que está no plano da validade dos contra-
tos de constituição ou transmissão de bens (Art. 104, III, do Código Civil, menção à forma
prescrita e não defesa em lei).
Registro Imobiliário: em regra, deve ser realizado no Cartório de Registro de Imóveis do
local de situação da coisa. É o que gera a aquisição da propriedade do imóvel.

55
UNIDADE 1 — DIREITO DAS COISAS

Sendo registrado o título, alcança-se a condição de proprietário ex nunc, eis


que o adquirente recebe os poderes dominiais do bem e se converte em titular do
direito. No caso de sucessão e usucapião, o registro possui natureza declaratória do
domínio, ou seja, possui efeitos ex tunc (retroativos).

Vale relembrar que algumas obrigações são registradas, sem que, com
isso, tornem-se direitos reais, não obstante, tenham “eficácia real”, como a locação
registrada no ofício imobiliário.

Ademais, o Art. 1.246 do Código Civil consagra o princípio da prioridade,


segundo o qual tem titularidade, sobre o domínio do bem, aquele que primeiro
proceder com o seu registro no cartório. Veja: Art. 1.246. O registro é eficaz desde
o momento em que se apresentar o título ao oficial do registro, e este o prenotar
no protocolo.

ATENCAO

Acadêmico, note que, para ser formalmente proprietário de um bem imóvel,


não é suficiente ter um contrato ou uma escritura. É necessário que essa escritura esteja
registrada no Registro de Imóveis.

A seguir, estudaremos a sucessão hereditária de bens imóveis.

2.4.4 Da sucessão hereditária de bens imóveis


O direito da sucessão é uma forma de transmissão derivada da
propriedade imóvel que tem, por causa, a morte. Nesse sentido, o Código Civil de
2002 traz, como princípio central do direito das sucessões, o princípio da saisine,
preconizando, no Art. 1784 que, aberta a sucessão, a herança se transmite, desde
logo, aos herdeiros legítimos e testamentários.

O tema será estudado mais adiante, porém, por hora, saiba que o Código
Civil não impõe a necessidade de que se realize a transcrição no registro de
imóveis para que ocorra a transmissão da propriedade por sucessão hereditária,
bastando a morte.

56
TÓPICO 2 — DA PROPRIEDADE

3 FORMAS DE AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE MÓVEL


Como a aquisição da propriedade imóvel, podemos dividir as formas de
aquisição móvel entre originárias e derivadas:

QUADRO 6 – FORMAS DE AQUISIÇÃO MÓVEL

FORMAS ORIGINÁRIAS FORMAS DERIVADAS


• Especificação
• Confusão
• Ocupação • Comistão
• Achado do tesouro • Adjunção
• Usucapião • Tradição
• Sucessão

FONTE: A autora

ATENCAO

Acadêmico, o Código Civil de 2002 adota, erroneamente, na sua publicação


oficial, a denominação “comissão”, para se referir ao instituto da “comistão”.

3.1 OCUPAÇÃO
O Código Civil é cristalino ao estabelecer, no Art. 1.263, que ocorre a
ocupação quando alguém se assenhoreia de coisa sem dono, desde que a ocupação
não seja defesa por lei.

Caracteriza-se como coisa sem dono aquela que nunca teve proprietário
(res nullius) ou que foi abandonada pelo dono (res derelicta), desde que se
demonstre a vontade expressa do dono de abandonar a propriedade da coisa.
Ambas as formas são passíveis de aquisição por meio da ocupação.

Exemplificando ocupações de defesa em lei, pense na apropriação de


animais silvestres vedada pela legislação ambiental ou de bens cuja exploração é
gerada de monopólio da União, como jazidas, minas e demais recursos minerais,
potenciais de energia hidráulica, monumentos arqueológicos e outros bens
referidos por leis especiais.

57
UNIDADE 1 — DIREITO DAS COISAS

3.2 ACHADO DO TESOURO


As regras constantes do Código Civil se referem à situação do tesouro ao
ser encontrado em propriedade particular. Caso o tesouro seja encontrado em
terras públicas, pertencerá ao Estado. Nesse sentido, é claro e direto o regramento
do código privatista:

Art. 1.264. O depósito antigo de coisas preciosas, oculto e de cujo dono


não haja memória, será dividido por igual entre o proprietário do
prédio e o que achar o tesouro casualmente.
Art. 1.265. O tesouro pertencerá, por inteiro, ao proprietário do prédio,
se for achado por ele, ou em pesquisa que ordenou, ou por terceiro não
autorizado.
Art. 1.266. Achando-se em terreno aforado, o tesouro será dividido
por igual entre o descobridor e o enfiteuta, ou será deste por inteiro
quando ele mesmo for o descobridor.

3.3 ESPECIFICAÇÃO
Especificação é uma forma derivada de aquisição da propriedade de
coisa, obtendo-se a partir da transformação da matéria-prima, não sendo possível
restituir tal matéria à forma anterior.

Se o próprio especificador for o proprietário da matéria-prima, objeto de


especificação, não haverá qualquer implicação sob sua propriedade. Contudo, no
caso de não coincidir a figura do proprietário com a do especificador, o Código
Civil traz os seguintes regramentos:

Art. 1.269. Aquele que, trabalhando em matéria-prima em parte alheia,


obtiver espécie nova, desta será proprietário, se não se puder restituir
à forma anterior.
Art. 1.270. Se toda a matéria for alheia, e não se puder reduzir à forma
precedente, será, do especificador de boa-fé, a espécie nova.
§ 1 o Sendo praticável a redução, ou quando impraticável, se a espécie
nova se obteve de má-fé, pertencerá ao dono da matéria-prima.
§ 2 o Em qualquer caso, inclusive o da pintura em relação à tela, da
escultura, escritura e outro qualquer trabalho gráfico em relação à
matéria-prima, a espécie nova será do especificador, se o seu valor
exceder consideravelmente o da matéria-prima.
Art. 1.271. Aos prejudicados, nas hipóteses dos Arts. 1.269 e 1.270 , será
ressarcido o dano sofrido, menos ao especificador de má-fé, no caso do
§ 1 o  do artigo antecedente, quando irredutível a especificação.

58
TÓPICO 2 — DA PROPRIEDADE

ATENCAO

Acadêmico, na matéria de Direito Civil, sempre atente para o requisito da “boa-


fé”/”má-fé”, pois, certamente, será baliza, a impor a solução jurídica para o caso concreto,
tendo em vista a adoção do princípio da eticidade como um dos princípios norteadores do
Código Civil de 2002.

3.3.1 Confusão, comistão e adjunção


O código Civil (Arts. 1.272 a 1.274) também é claro quanto ao regramento
da confusão, comistão e adjunção, formas derivadas da aquisição da propriedade
móvel. Logo, merece destaque o significado de cada uma. De forma didática:

a) Confusão: mistura de líquidos.


b) Comistão: junção de coisas sólidas ou secas, formando uma só coisa (Exemplo:
mistura de duas espécies de café). No caso, não há formação de espécie nova,
pois, assim, ocorre especificação.

ATENCAO

Acadêmico, o Código Civil de 2002 adota, erroneamente, na sua publicação


oficial, a denominação “comissão”, para se referir ao instituto da “comistão”.

c) Adjunção: justaposição de uma coisa sobre outra. Difere-se da comistão no


sentido de que, na adjunção, não há mistura das coisas justapostas, mas a
junção de duas coisas que continuam distintas, mas impossíveis de serem
separadas (exemplo: soldagem de uma peça a um motor).

Como regra geral, o Art. 1.272 do Código Civil aduz que as coisas
pertencentes a diversos donos, confundidas, misturadas ou adjuntadas, sem o
consentimento deles, continuam a pertencer a eles, sendo possível a separação
sem deterioração.

Noutro giro, não sendo possível a separação das coisas, ou exigindo


dispêndio excessivo, subsiste indiviso o todo, cabendo, a cada um dos donos,
quinhão proporcional ao valor da coisa com que entrou para a mistura.

59
UNIDADE 1 — DIREITO DAS COISAS

Conforme estabelecido no artigo subsequente, no caso da confusão,


comistão ou adjunção, se operar de má-fé, a uma outra parte, caberá escolher entre
adquirir a propriedade do todo, pagando o que não for seu, abatida a indenização
que for devida, ou renunciar ao que pertencer, caso com indenização.

Por último, o Art. 1.274 estabelece que, se da união de matérias de natureza


diversa, ser formada uma espécie nova, à confusão, comistão ou adjunção,
aplicam-se as normas dos Arts. 1.272 e 1.273.

3.3.2 Usucapião
A usucapião é uma forma de aquisição originária da propriedade móvel.
O Código Civil de 2002 traz duas espécies:

QUADRO 7 – ESPÉCIES

Usucapião Ordinária de bem Usucapião Extraordinária de bem


móvel móvel

Art. 1.260. Aquele que possuir


coisa móvel como sua, contínua Art. 1.261. Se a posse da coisa móvel
e incontestadamente durante três se prolongar por cinco anos, produzirá
anos, com justo título e boa-fé, deve usucapião, independentemente de título
adquirir a propriedade. ou boa-fé.

FONTE: A autora

Por sua vez, o Art. 1.262 aduz o seguinte: “aplica-se, à usucapião das
coisas móveis, o disposto nos  Arts. 1.243 e 1.244”, ressalvando uma aplicação
residual de duas regras relativas à usucapião de bem imóvel. A primeira regra
estabelece que o possuidor pode, para o fim de contar o tempo pela modalidade
de usucapião, acrescentar, na sua posse, a dos antecessores, desde que todas as
posses sejam contínuas, pacíficas e, quando exigido, com justo título e de boa-
fé. A segunda fixa que se estende, ao possuidor, o disposto, quanto ao devedor,
acerca das causas que obstam, suspendem ou interrompem a prescrição.

Para fim de reflexão, é preciso destacar o seguinte entendimento da


Terceira Turma do STJ no bojo do REsp 1637370/RJ:

É possível a usucapião de bem móvel proveniente de crime após


cessada a clandestinidade ou a violência. Nos termos do Art. 1.261
do CC/2002, aquele que exercer a posse de bem móvel, interrupta e
incontestadamente, por 5 anos, adquire a propriedade originária do
bem, fazendo sanar todo e qualquer vício anterior.

60
TÓPICO 2 — DA PROPRIEDADE

A seguir, estudaremos outra forma derivada da aquisição da propriedade


móvel: a tradição.

3.3.3 Tradição
A tradição é definida como “a entrega da coisa ao adquirente, com
a intenção de transferir a propriedade ou a posse” (TARTUCE, 2020, p. 1113).
Constitui uma das formas derivadas de aquisição da propriedade móvel.

O Art. 1.267 do Código Civil menciona: “A propriedade das coisas não se


transfere pelos negócios jurídicos antes da tradição”, logo, temos a necessidade
da efetiva entrega da coisa para a transferência do domínio.

Ocorre que, abstraem-se, do parágrafo único do Art. 1.267, três “tipos de


tradição”, a partir das quais notamos que nem sempre a tradição se opera com
efetiva entrega do “corpus” ao adquirente. Vejamos:

a) Tradição ficta: quando o transmitente continua a possuir pelo constituto


possessório.
b) Tradição simbólica ou longa manu: quando o transmitente cede, ao adquirente,
o direito à restituição da coisa, que se encontra em poder de terceiro.
c) Tradição ficta ou brevi manu: quando o adquirente já está na posse da coisa, por
ocasião do negócio jurídico.

O Art. 1.268 traz o regramento da alienação a non domino, que se constitui


na alienação de uma coisa (móvel) por aquele que não é proprietário. O Código é
literal, ao estabelecer que, em tais casos, em regra, a tradição não terá o efeito de
alienar a propriedade, exceto no caso ressalvado pelo próprio artigo, de “a coisa
ser oferecida ao público, em leilão ou estabelecimento comercial, e ser transferida
em circunstâncias que, ao adquirente de boa-fé, como a qualquer pessoa, o
alienante se afigurar dono”.

Por fim, destaca-se que a doutrina é uníssona em reconhecer a venda non


dominon como causa de ineficácia do negócio jurídico (TARTUCE, 2020).

4 DA PERDA DAS PROPRIEDADES IMÓVEL E MÓVEL


Além das hipóteses anteriormente expostas, nas quais ocorrem,
simultaneamente, a aquisição e a perda da propriedade, seja móvel ou imóvel, o
Art. 1.275 elenca, de forma não exaustiva, outros casos de perda da propriedade:

a) Alienação: lembre-se de que o negócio jurídico, por si só, não gera o efeito
de transmitir a propriedade, sendo necessária a tradição (bem móvel) ou o
registro do título com o Cartório de Registro Imobiliário (bens imóveis).

61
UNIDADE 1 — DIREITO DAS COISAS

b) Renúncia: é o ato unilateral por meio do qual o proprietário da coisa declara


sua vontade de abrir mão do direito.
c) Abandono ou Derrelição: o proprietário simplesmente deixa de exercer os
direitos à propriedade, com a intenção de não mais a ter consigo. A coisa
abandonada (res derelicta) poderá ser adquirida por meio da ocupação (bem
móvel) ou da usucapião (bem imóvel).
d) Perecimento da coisa: a coisa deixa de existir.
e) Desapropriação: é a forma de perda da propriedade para o poder público.
O Código Civil trata da desapropriação para fins de necessidade e interesse
públicos (Art. 1.228, §3º), como da desapropriação do interesse privado por
meio da posse-trabalho (Art. 1.228, §§4º e 5º).

Acadêmico, a seguir, trataremos do direito de propriedade a partir da


perspectiva da reforma agrária, alargando ainda mais a nossa visão acerca desse
importante instituto.

5 REFORMA AGRÁRIA E POLÍTICA FUNDIÁRIA


O nosso país nunca realizou uma reforma agrária estrutural (com grandes
distribuições de terras).

A doutrina aponta que, no Brasil, o debate a respeito do tema apenas


ganhou força a partir da segunda metade do século XX. Destaca, como exemplo,
a discussão da reforma agrária no governo do presidente João Goulart, que
fora impedido de concretizar qualquer ação nesse sentido ao ser deposto pelos
militares em 1964 (LEITE; ÁVILA, 2007). Entretanto, apesar dos militares não
terem colocado em prática uma política de reforma agrária, em 1964 houve a
criação do Estatuto da Terra, o qual é apontado como importante passo para as
discussões.

O Estatuto da Terra, no § 1o do Art. 1°, conceitua reforma agrária como “o


conjunto de medidas que visa promover melhor distribuição da terra, mediante
modificações no regime de posse e uso, a fim de atender aos princípios da justiça
social e aumento da produtividade”.

A doutrina, por sua vez, reforça a importância de se concentrar na


finalidade de promover políticas públicas para a distribuição de terra, a busca
da justiça social e o aumento da produtividade, finalidades estas que se mostram
ainda mais acentuadas com a promulgação da Constituição Federal de 1988, que
adota, como garantia fundamental, a função social da propriedade de forma
explícita no inciso XXIII do Art. 5° (BARROS, 2012).

Conforme Leite e Ávila (2007, p. 59):

Daí nasce a importância de políticas redistributivas, como a reforma


agrária, pois, afinal, o objetivo principal de uma sociedade não é apenas
o crescimento da população, mas a melhoria das condições de vida

62
TÓPICO 2 — DA PROPRIEDADE

da população, por meio, entre outras possibilidades, da distribuição


de ativos fundiários que permitam a subsistência e a independência
frente aos tradicionais detentores do poder político.

De forma pragmática, é possível ressaltar os seguintes objetivos da


reforma agrária (BRASIL, 2020):

• Desconcentração e democratização da estrutura fundiária.


• Produção de alimentos básicos.
• Geração de ocupação e renda.
• Combate à fome e à miséria.
• Interiorização dos serviços públicos básicos.
• Redução da migração campo-cidade.
• Promoção da cidadania e da justiça social.
• Diversificação do comércio e dos serviços no meio rural.
• Democratização das estruturas de poder.

E
IMPORTANT

O INCRA, Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, é uma autarquia


federal da administração pública brasileira, criada pelo Decreto nº 1.110, de 9 de julho de
1970, com a missão prioritária de realizar a reforma agrária.

Acadêmico, é preciso se centrar nos aspectos constitucionais da reforma


agrária e da política fundiária, porém, saiba que, no âmbito infraconstitucional, há
a Lei n° 8.629, de 25 de fevereiro de 1993, que dispõe a respeito da regulamentação
dos dispositivos constitucionais relativos à reforma agrária, previstos no Capítulo
III, Título VII, da Constituição Federal.

A Constituição Federal de 1988, além de consagrar a função social da


propriedade como princípio fundamental, traz, no Capítulo III, o regramento da
política agrícola, fundiária e da reforma agrária.

Nos termos dos Arts. 184 e 185 da Lei Maior, há a exigência de que a
propriedade cumpra sua função social para que não sofra desapropriação,
ressalvada a hipótese de ser uma pequena ou média propriedade, desde que o
proprietário não possua outra ou ser uma propriedade produtiva. Logo, apenas
são passíveis, de reforma agrária, as grandes propriedades improdutivas.

63
UNIDADE 1 — DIREITO DAS COISAS

Art. 184. Compete, à União, desapropriar por interesse social, para


fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua
função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida
agrária, com cláusula de preservação do valor real, com resgate no
prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano da sua emissão, e cuja
utilização será definida em lei.
§ 1º As benfeitorias úteis e necessárias serão indenizadas em dinheiro.
§ 2º O decreto que declarar o imóvel como de interesse social, para fins
de reforma agrária, autoriza a União a propor a ação de desapropriação.
§ 3º Cabe, à lei complementar, estabelecer procedimento contraditório
especial, de rito sumário, para o processo judicial de desapropriação.
§ 4º O orçamento fixará, anualmente, o volume total de títulos da
dívida agrária, assim como o montante de recursos para atender ao
programa de reforma agrária em exercício.
§ 5º São isentas, de impostos federais, estaduais e municipais, as
operações de transferência de imóveis desapropriados para fins de
reforma agrária.
Art. 185. São insuscetíveis de desapropriação para fins de reforma
agrária:
I - a pequena e a média propriedade rural, assim definida em lei, desde
que seu proprietário não possua outra;
II - a propriedade produtiva.
Parágrafo único. A lei garantirá tratamento especial à propriedade
produtiva e fixará normas para o cumprimento dos requisitos relativos
à função social.

ATENCAO

Acadêmico, note que, no que concerne à repartição de competências, cabe, à


União, promover a reforma agrária.

Ademais, quanto à exigência do cumprimento da função social em relação


à propriedade rural, a doutrina costuma identificar a necessidade de se observar
uma função social “qualificada”, tendo em vista o Art. 186 da Constituição
estabelecer critérios específicos (BARROS, 2012).

O referido dispositivo estabelece que a função social da propriedade


é cumprida quando são contemplados, concomitantemente, de acordo com
os critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, quatro requisitos: a)
aproveitamento racional e adequado; b) utilização adequada dos recursos naturais
disponíveis e preservação do meio ambiente; c) observância das disposições
que regulam as relações de trabalho; exploração que favoreça o bem-estar dos
proprietários e trabalhadores.

64
TÓPICO 2 — DA PROPRIEDADE

O texto constitucional ainda menciona que a destinação de terras públicas


e devolutas deverá ser compatibilizada com o plano nacional de reforma agrária
(caput do Art. 188). Noutro giro, veda a aquisição de imóveis públicos por meio
de usucapião (parágrafo único do Art. 191).

Ressalta-se a regra constitucional de que, a alienação ou a concessão,


qualquer título, de terras públicas com área superior a dois mil e quinhentos
hectares, para pessoa física ou jurídica, dependerá de prévia aprovação do
Congresso Nacional. Como medida da política fundiária, a constituição excetua,
dessa regra, as alienações ou as concessões de terras públicas para fins de reforma
agrária.

O Art. 189 da Constituição informa que os beneficiários da distribuição de


imóveis rurais pela reforma agrária receberão títulos de domínio ou concessão de
uso que permanecerão inegociáveis durante dez anos.

ATENCAO

Acadêmico, note que as disposições constitucionais das reformas agrária e


política fundiárias estão em plena consonância com os objetivos da República Federativa
do Brasil, insculpidos no artigo 3º da nossa Lei Maior.

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa


do Brasil:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II - garantir o desenvolvimento nacional;
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades
sociais e regionais;
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo,
cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Por último, acadêmico, é crucial ter em mente dois instrumentos de


política fundiária e reforma agrária expressamente previstos na Constituição: a)
usucapião constitucional rural e b) expropriação confisco.

A usucapião constitucional rural é prevista no Art. 191 da Constituição


e no Art. 1.239 do Código Civil de 2002. É forma de aquisição originária da
propriedade rural, já tendo sido devidamente tratada quando expomos as
modalidades de usucapião, portanto, é preciso se centrar, neste momento, apenas
na expropriação confisco.

65
UNIDADE 1 — DIREITO DAS COISAS

A “expropriação confisco”, ou, ainda, chamada, por alguns, de


“desapropriação confiscatória” (CARVALHO FILHO, 2016), prevista no Art. 243
da Constituição, também possui fundamento na função social da propriedade ao
possibilitar que a propriedade, onde forem localizadas culturas ilegais de plantas
psicotrópicas ou a exploração de trabalho escravo, seja destinada à reforma
agrária.

Art. 243. As propriedades rurais e urbanas de qualquer região do país,


onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas ou a
exploração de trabalho escravo na forma da lei, serão expropriadas e
destinadas à reforma agrária e a programas de habitação popular, sem
qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções
previstas em lei, observado, no que couber, o disposto do art. 5º.         
Parágrafo único. Todo e qualquer bem de valor econômico, apreendido
em decorrência do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e da
exploração de trabalho escravo, será confiscado e reverterá a fundo
especial com destinação específica, na forma da lei.

ATENCAO

O STF decidiu que a expropriação recairá sobre a totalidade do imóvel, ainda


que o cultivo ilegal ou a utilização de trabalho escravo tenha ocorrido em apenas uma
parte.

E
IMPORTANT

É tese de repercussão geral: a expropriação prevista no Art. 243 da Constituição


Federal pode ser afastada, desde que o proprietário comprove que não incorreu em culpa,
ainda que in vigilando ou in eligendo.

Esclarecidos os conceitos de reforma agrária e política fundiária,


passaremos a estudar a Lei n° 13.645, de 11 de julho de 2017, e o direito de
propriedade no contexto urbano.

66
TÓPICO 2 — DA PROPRIEDADE

6 LEI N° 13.465 E O DIREITO DE PROPRIEDADE NO CONTEXTO


URBANO
A Lei n° 13.465, de 11 de julho de 2017, promoveu profundas mudanças
nos contextos das regularizações fundiárias rural e urbana. Destacaremos: a)
introdução de políticas para regularização fundiária urbana (REURB); e b)
introdução do instituto da legitimação fundiária.

De início, é importante destacar conceitos básicos, fornecidos pela própria


lei em análise (Art. 11), para que seja possível a compreensão da matéria.

• núcleo urbano: assentamento humano, com uso e características urbanas,


constituído por unidades imobiliárias de área inferior à fração mínima
de parcelamento prevista na Lei nº 5.868, de 12 de dezembro de 1972,
independentemente da propriedade do solo, ainda que situado em área
qualificada ou inscrita como rural;
• núcleo urbano informal: aquele clandestino, irregular ou no qual não foi
possível realizar, por qualquer modo, a titulação dos ocupantes, ainda que
atendida a legislação vigente da época para implantação ou regularização;
• núcleo urbano informal consolidado: aquele de difícil reversão, considerados
o tempo da ocupação, a natureza das edificações, a localização das vias
de circulação e a presença de equipamentos públicos, além de outras
circunstâncias a serem avaliadas pelo município;
• demarcação urbanística: procedimento destinado a identificar os imóveis
públicos e privados abrangidos pelo núcleo urbano informal e a obter a
anuência dos respectivos titulares de direitos inscritos na matrícula dos
imóveis ocupados, gerando averbação na matrícula desses imóveis da
viabilidade da regularização fundiária;
• Certidão de Regularização Fundiária (CRF): documento expedido pelo
município ao fim do procedimento da Reurb, constituído do projeto de
regularização fundiária aprovado, do termo de compromisso relativo à
execução e dos casos da legitimação fundiária e da legitimação de posse, da
listagem dos ocupantes do núcleo urbano informal regularizado, da devida
qualificação e dos direitos reais que são conferidos;
• legitimação de posse: ato do poder público destinado a conferir título, por
meio do qual fica reconhecida a posse de imóvel-objeto da Reurb, conversível
em aquisição de direito real de propriedade na forma desta Lei, com a
identificação dos ocupantes, do tempo da ocupação e da natureza da posse.
Poderá ser transferida por causa mortis ou por ato inter vivos.
• legitimação fundiária: mecanismo de reconhecimento da aquisição originária
do direito real de propriedade sobre unidade imobiliária da Reurb;
• ocupante: aquele que mantém poder, de fato, sobre lote ou fração ideal de
terras públicas ou privadas em núcleos urbanos informais.

67
UNIDADE 1 — DIREITO DAS COISAS

O Art. 9°  da lei em comento dispõe que a regularização fundiária urbana


abrange medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais destinadas à
incorporação dos núcleos urbanos informais ao ordenamento territorial urbano e
à titulação dos ocupantes.

O objetivo do instituto é o de alcançar uma boa distribuição das


propriedades nas cidades, mormente a regularização de áreas favelizadas e,
em última análise, de dar efetividade ao mandamento constitucional da função
social da posse e da propriedade. Contudo, como pode se dar essa regularização
fundiária?

Segundo a redação dada pela nova lei, há duas modalidades: a)


Regularização Fundiária de interesse social (Reurb-S) e b) Regularização de
interesse específico (Reurb-E).

A Reurb-S é aplicável aos núcleos urbanos informais ocupados


predominantemente por população de baixa renda, assim declarados em ato
do Poder Executivo Municipal (inciso I, do Art. 13). Já Reurb-E é aplicável aos
núcleos urbanos informais ocupados por população não qualificada na hipótese
da Reurb-S, ou seja, tem, como objetivo, a regularização fundiária de núcleos
urbanos informais ocupados por população que NÃO seja de baixa renda (inciso
II, do Art. 13).

O Art. 14 da lei em análise lista os legitimados a requererem a Reurb pelo


o que vale a transcrição:

Art. 14. Poderão requerer a Reurb:


I - a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, diretamente
ou por meio de entidades da administração pública indireta;
II - os seus beneficiários, individual ou coletivamente, diretamente ou
por meio de cooperativas habitacionais, associações de moradores,
fundações, organizações sociais, organizações da sociedade civil
de interesse público ou outras associações civis que tenham, por
finalidade, atividades nas áreas de desenvolvimento urbano ou
regularização fundiária urbana;
III - os proprietários de imóveis ou de terrenos, loteadores ou
incorporadores;
IV - a defensoria pública, em nome dos beneficiários hipossuficientes;
e
V - o Ministério Público.
§ 1o Os legitimados poderão promover todos os atos necessários à
regularização fundiária, inclusive, requerer os atos de registro.
§ 2o Nos casos de parcelamento do solo, de conjunto habitacional ou
de condomínio informal, empreendidos por particular. A conclusão
da Reurb confere direito de regresso àqueles que suportarem os seus
custos e obrigações contra os responsáveis pela implantação dos
núcleos urbanos informais.
§ 3o O requerimento de instauração da Reurb, por proprietários
de terreno, loteadores e incorporadores que tenham dado causa à
formação de núcleos urbanos informais, ou os seus sucessores, não os
eximirá da responsabilidade administrativa, civil ou criminal.

68
TÓPICO 2 — DA PROPRIEDADE

No Art. 15 da referida lei, são listados, de forma exemplificativa, institutos


jurídicos, que podem ser empregados no âmbito da regularização fundiária
urbana. Destacam-se, no inciso I, a legitimação fundiária e a legitimação da posse.

Com relação à legitimação fundiária, a doutrina aponta se tratar do


instituto inédito no direito civil brasileiro (TARTUCE, 2020).

O Art. 23 da lei em estudo define a legitimação fundiária como forma


originária da aquisição do direito real de propriedade conferido por ato do poder
público, exclusivamente, no âmbito da Reurb. É destinada àquele que ter, em
área pública ou possuir em área privada, como sua, unidade imobiliária com
destinação urbana, integrante do núcleo urbano informal consolidado existente
em 22 de dezembro de 2016.

Para a concessão do direito à legitimação fundiária, o beneficiário deverá,


simultaneamente, observar as seguintes condições impostas pelo § 1º: a) não
ser concessionário, foreiro ou proprietário de imóvel urbano ou rural; b) não
ter sido contemplado com legitimação de posse ou fundiária de imóvel urbano
com a mesma finalidade, ainda que em núcleo urbano distinto; c) em caso de
imóvel urbano com finalidade não residencial, reconhecido, pelo poder público,
o interesse público da ocupação.

Tendo em vista ser uma forma originária de aquisição da propriedade,


o ocupante adquire a unidade imobiliária com destinação urbana livre e
desembaraçada de quaisquer ônus, direitos reais, gravames ou inscrições,
eventualmente existentes na matrícula de origem.
 
Quanto à legitimação da posse, a teor do Art. 25, trata do instrumento de
uso exclusivo para fins de regularização fundiária. Tem constituição por meio do
ato do poder público destinado a conferir título, a partir do qual fica reconhecida a
posse de imóvel-objeto da Reurb, com a identificação dos ocupantes, do tempo da
ocupação e da natureza da posse, com conversão em direito real de propriedade.

Diferentemente da legitimação fundiária, a legitimação da posse não é


aplicável aos imóveis urbanos situados em área de titularidade do poder público.
A lei estabelece a possibilidade da transferência da legitimação da posse por ato
inter vivos ou causa mortis.

Ponto crucial é o da conversão da legitimação da posse em direito de


propriedade:

Art. 26. Sem prejuízo dos direitos decorrentes do exercício da posse


mansa e pacífica no tempo, aquele que tiver expedido título de
legitimação de posse, decorrido o prazo de cinco anos do registro,
terá a conversão automática em título de propriedade, desde que
atendidos os termos e as condições do  art. 183 da Constituição
Federal , independentemente de prévia provocação ou prática de ato
registral.
§ 1º Nos casos não contemplados pelo  art. 183 da Constituição

69
UNIDADE 1 — DIREITO DAS COISAS

Federal,  o título de legitimação de posse poderá ser convertido em


título de propriedade, desde que satisfeitos os requisitos de usucapião
estabelecidos na legislação em vigor, a requerimento do interessado,
perante o registro de imóveis competente.
§ 2º A legitimação de posse, após convertida em propriedade,
constitui forma originária de aquisição de direito real, de modo que
a unidade imobiliária com destinação urbana regularizada estará
livre e desembaraçada de quaisquer ônus, direitos reais, gravames ou
inscrições, eventualmente existentes na matrícula de origem, exceto
quando disserem respeito ao próprio beneficiário.

Por fim, o Art. 27 traz a possibilidade de o poder público cancelar o título de


legitimação de posse se constatado que as condições estipuladas pela lei deixaram
de ser satisfeitas. Tal cancelamento não ensejará qualquer indenização àquele que,
irregularmente, beneficiou-se do instrumento.

70
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você aprendeu que:

• O direito de propriedade é um direito fundamental previsto no Art. 5º, inciso


XXII, da Constituição de 1988.

• O direito de propriedade ainda é previsto como um dos princípios da ordem


econômica no inciso II, do Art. 170, da Constituição Federal.

• A função social da propriedade também é princípio fundamental expresso na


Constituição Federal (inciso XXII, Art. 5º).

• O Código Civil de 2002 trouxe o princípio da função socioambiental da


sociedade no § 4º, do Art. 1.228.

• São atributos do direito de propriedade, expressamente previstos pelo Art.


1.228 do Código Civil: faculdade de gozar ou fruir; direito de reivindicar a
coisa; faculdade de usar a coisa; faculdade de dispor da coisa.

• O Código Civil de 2002 inovou, ao prever, nos §§ 4º e 5º, do Art. 1.228, o


instituto da desapropriação judicial por posse-trabalho, em claro prestígio à
função social da propriedade.

• A usucapião é a forma de aquisição originária mais comum da propriedade


imóvel e da propriedade móvel.

• A usucapião é instituto que busca prestigiar o princípio da função social da


propriedade, além do direito fundamental de moradia.

• A reforma agrária é uma das formas de concretização do princípio da função


social da propriedade.

• Como aspectos centrais, pode-se dizer que a reforma agrária busca a


distribuição de terras, com o objetivo geral de realizar a justiça social.

• A União é o ente federativo competente para a realização da reforma agrária.

• O INCRA é uma autarquia federal, tendo, como uma das principais funções,
a implementação de políticas voltadas à concretização da reforma agrária.

71
AUTOATIVIDADE

1 Cite três objetivos da reforma agrária.

2 Com relação ao direito de propriedade, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) A função social da propriedade se trata de um princípio constitucional


implícito.
b) ( ) A propriedade é considerada um direito fundamental pela Constituição
da República e, ressalvada sua função social relacionada à proteção do
meio ambiente, não encontra limites na legislação atual.
c) ( ) Propriedade plena (ou alodial) é aquela que reúne os direitos
elementares nos do proprietário.
d) ( ) Sendo, a propriedade, um direito real, a renúncia não é considerada
uma forma de perdê-la.

3 Sobre o que se caracteriza como meio de aquisição originária da propriedade


imóvel, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) Renúncia.
b) ( ) Sucessão hereditária.
c) ( ) Registro imobiliário.
d) ( ) Usucapião.

4 De acordo com as regras da usucapião urbana e constitucional, assinale a


alternativa CORRETA:

a) ( ) Esse direito poderá ser reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma


vez
b) ( ) A área deve ser de até trezentos e cinquenta metros quadrados, e o
possuidor deve utilizar para sua moradia ou da sua família
c) ( ) O título de domínio e a concessão de uso são conferidos ao homem ou
à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil.
d) ( ) O possuidor deve estar na área por dez anos, ininterruptamente e sem
oposição, adquirindo o domínio, mesmo que seja proprietário de outro
imóvel urbano ou rural.

5 São requisitos, da usucapião extraordinária:

a) ( ) Posse de boa-fé.
b) ( ) Área urbana de até duzentos e cinquenta metros quadrados.
c) ( ) Justo título.
d) ( ) Exercício da posse por quinze anos, sem interrupção, nem oposição.

72
6 A respeito dos bens públicos:

a) ( ) Todos os bens públicos estão sujeitos à prescrição aquisitiva.


b) ( ) Apenas os bens de uso especial estão sujeitos à prescrição aquisitiva.
c) ( ) Nenhum bem público está sujeito à prescrição aquisitiva.
d) ( ) Apenas os bens dominicais estão sujeitos à prescrição aquisitiva.

7 Classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas:

I- Considere que Maria tenha alienado, para José, uma casa de dois quartos,
e que José, após pagar o preço acordado entre ambos, tenha passado a
residir no imóvel. Nessa situação hipotética, José somente é proprietário
do bem mediante o registro do título de transferência no registro de
imóvel.
II- Usucapião é o direito assegurado a alguém de usufruir, temporariamente,
de uma propriedade alheia.
III- Os bens públicos não estão sujeitos à usucapião.
IV- Uma família com posse de uma área de terra em zona rural, por mais
de cinco anos ininterruptos, sem oposição, e que, ao longo desse tempo,
tenha a feito seu local de moradia e a tenha tornado produtiva, adquire
a sua propriedade, desde que não seja proprietária de imóvel urbano ou
rural e que a área do bem ocupado não seja superior a cinquenta hectares.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:


a) ( ) V – V – F – F.
b) ( ) V – V – V – F.
c) ( ) V – F – F – F.
d) ( ) F – F – F – V.

73
UNIDADE 1 TÓPICO 3 —

DOS DIREITOS DE VIZINHANÇA

1 INTRODUÇÃO
Acadêmico, chegamos ao último tópico da primeira unidade! Neste
Tópico 3, trataremos do direito de vizinhança.

O direito de propriedade é relativo, sendo, o direito de vizinhança, um


dos limitadores legais desse direito, ao lado da função social, seu limitador
constitucional. Sob essa perspectiva, o direito de vizinhança se constitui como
“limitações impostas pela boa convivência social, que se inspira na lealdade e na
boa-fé”, visando alcançar e manter a harmonia social (MOTEIRO, 2003, p. 135).

Em termos simples, podemos dizer que o direito de vizinhança tem, como


objetivo, possibilitar a convivência harmônica entre vizinhos. Tal direito possui
natureza jurídica de obrigação propter rem, aderindo à coisa, não importando
quem seja o possuidor ou o proprietário.

O Código Civil de 2002 regulamenta, nos Arts 1.277 a 1.313, as seguintes


modalidades de direito de vizinhança:

a) Do uso anormal da propriedade.


b) Das árvores limítrofes.
c) Da passagem forçada.
d) Da passagem de cabos e tubulações.
e) Das águas.
f) Dos limites entre prédios e do direito de tapagem.
g) Do direito de construir.

Ademais, saiba que a proteção conferida pelo código privatista, em


matéria de direito de vizinhança, não invalida outras constantes em leis especiais,
como no Estatuto da Cidade.

A partir deste momento, nossa tarefa será a tratar, de maneira apartada,


de cada modalidade do direito de vizinhança trazida pelo Código Civil.

75
UNIDADE 1 — DIREITO DAS COISAS

2 USO ANORMAL DA PROPRIEDADE


Nos termos do Art. 1.277, do Código Civil, o direito de propriedade deve
ser exercido segundo uma função social, de maneira a não prejudicar o vizinho.

Art. 1.277. O proprietário ou o possuidor de um prédio tem o direito


de fazer cessar as interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e
à saúde dos que habitam, provocadas pela utilização de propriedade
vizinha.
Parágrafo único. Proíbem-se as interferências, considerando-se a
natureza da utilização, a localização do prédio, contempladas as
normas que distribuem as edificações em zonas, e os limites ordinários
de tolerância dos moradores da vizinhança.

Noutro giro, fala-se de exercício anormal ou irregular do direito quando


a propriedade é utilizada de forma abusiva ou ilícita, causando ofensas à
incolumidade de um prédio ou dos moradores. Como exemplos do uso nocivo
da propriedade e do abuso de direitos, temos:

• Poluição de águas comuns pelo lançamento de resíduos.


• Existência de árvores que ameaçam tombar no prédio contíguo.
• Festas noturnas espalhafatosas em residências (poluição sonora).

ATENCAO

Acadêmico, perceba que a norma confere ampla proteção relativa à segurança,


sossego e saúde dos habitantes do imóvel. É o que a doutrina costuma chamar de “regra
dos três Ss” (TARTUCE, 2020).

Ademais, destaca-se que, para efeito de aferição do uso da propriedade


(dizer se o uso é normal ou não), o Código impõe que devem prevalecer aspectos
de localização, segundo o zoneamento urbano.

76
TÓPICO 3 — DOS DIREITOS DE VIZINHANÇA

ATENCAO

Acadêmico, perceba que, para definir se o uso da propriedade é normal ou não,


não prevalece quem construiu primeiro, mas o zoneamento urbano, segundo a finalidade
do imóvel.

NOTA

O enunciado n° 37 do CJF/STJ traz os entendimentos da doutrina e da


jurisprudência majoritária, ao dispor: a responsabilidade civil, decorrente do abuso do
direito, independe de culpa e se fundamenta somente no critério objetivo-finalístico.
Portanto, trata-se da responsabilidade objetiva.

Todavia, o que fazer no caso de se verificar o uso anormal da propriedade?

O Art. 1.280, do Código Civil, estabelece que o proprietário e o possuidor


possuem o direito de exigir, do dono do prédio vizinho, a demolição, ou reparação
deste, quando ameace ruína, ou prestar caução pelo dano iminente. Elencaremos
as possíveis demandas judiciais:

a) Ação de obrigação de fazer ou de não fazer: ação genérica, podendo ser fixada
multa ou astreintes no caso do descumprimento da obrigação imposta por
decisão judicial (Art. 497 do Código de Processo Civil).
b) Ação de reparação de danos: o uso normal da propriedade constitui verdadeiro
abuso de direito (Art. 187 do Código Civil), portanto, passível de indenização.
c) Ação demolitória: como objetivo de demolir uma obra construída, deve ser a
última das alternativas a ser adotada pelo magistrado, sempre tendo em conta
os critérios da razoabilidade e da proporcionalidade, fundamentando-se das
funções sociais da posse e da propriedade.
d) Ação de nunciação de obra nova: visa impedir o prosseguimento de uma
obra. Segundo o Art. 47, do Código de Processo Civil, a ação de anunciação
de obra nova deve ser ajuizada, obrigatoriamente, no foro da situação da coisa
(competência absoluta).
e) Ação de dano infecto ou iminente: prevista no Art. 1.281 do Código Civil,
tem, como propósito, exigir uma caução idônea (garantia pessoal ou real) do
proprietário ou o possuidor de um prédio que tenha direito de fazer obras que
gerem riscos. Tem natureza preventiva.

77
UNIDADE 1 — DIREITO DAS COISAS

3 DAS ÁRVORES LIMÍTROFES


O Código Civil é claro ao dispor acerca do regramento das árvores
limítrofes do Art. 1.282 ao 1.284:

Art. 1.282. A árvore, cujo tronco estiver na linha divisória, presume-se


pertencer aos donos dos prédios confinantes.
Art. 1.283. As raízes e os ramos de árvore, que ultrapassarem a estrema
do prédio, poderão ser cortados, até o plano vertical divisório, pelo
proprietário do terreno invadido.
Art. 1.284. Os frutos caídos da árvore do terreno vizinho pertencem ao
dono do solo onde caíram, se este for de propriedade particular.

Ademais, importa pontuar que, com relação aos conflitos que envolvem
as árvores limítrofes, são cabíveis as mesmas medidas judiciais previstas para o
uso anormal da propriedade.

4 DA PASSAGEM FORÇADA
A passagem forçada consiste no direito, destinado ao dono do imóvel
encravado, de reclamar do vizinho que deixa passagem, mediante pagamento de
indenização. O imóvel que não possui acesso também é comumente denominado,
no meio jurídico, de “imóvel encravado”. O Código Civil regula a situação no Art.
1.285:

Art. 1.285. O dono do prédio que não tiver acesso à via pública,
nascente ou porto, pode, mediante pagamento de indenização cabal,
constranger o vizinho a lhe dar passagem, cujo rumo será judicialmente
fixado, se necessário.
§ 1 o Sofrerá o constrangimento o vizinho cujo imóvel mais natural e
facilmente se prestar à passagem.
§ 2  o  Se ocorrer alienação parcial do prédio, de modo que uma das
partes perca o acesso à via pública, nascente ou porto, o proprietário
da outra deve tolerar a passagem.
§ 3  o  Aplica-se o disposto no parágrafo antecedente ainda quando,
antes da alienação, existia passagem através de imóvel vizinho, não
estando o proprietário deste constrangido, depois, a dar uma outra.

O conceito de “imóvel encravado” é relativizado pela doutrina e pela


jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça. Em última análise, prestigia-se
a função social da posse da propriedade ao assegurar que seja viável a utilização
do imóvel, seja para fins de moradia, seja para fins de exploração econômica.
Frisa-se, no caso, também, resguardado o direito à indenização em decorrência
da limitação do domínio.

78
TÓPICO 3 — DOS DIREITOS DE VIZINHANÇA

NOTA

Refletindo acerca da posição amplamente majoritária da doutrina e da


jurisprudência, há a redação do enunciado n° 88 do CJF/STJ: O direito de passagem
forçada, previsto no Art. 1.285 do CC, também é garantido nos casos em que o acesso
à via pública for insuficiente ou inadequado, consideradas, inclusive, as necessidades de
exploração econômica.

5 DA PASSAGEM DE CABOS E TUBULAÇÕES


De forma semelhante ao tratamento conferido ao instituto da passagem
forçada, o Código Civil regulamenta a passagem de cabos e tubulações nos seus
Arts. 1.286 e 1.287 nos seguintes termos:

Art. 1.286. Mediante recebimento de indenização que atenda, também,


à desvalorização da área remanescente, o proprietário é obrigado a
tolerar a passagem, através de seu imóvel, de cabos, tubulações e
outros condutos subterrâneos de serviços de utilidade pública, em
proveito de proprietários vizinhos.
Parágrafo único. O proprietário prejudicado pode exigir que a
instalação seja feita de modo menos gravoso ao prédio onerado, ainda,
depois, que seja removida, a sua custa, para outro local do imóvel.
Art. 1.287. Se as instalações oferecerem grave risco, será facultado,
ao proprietário do prédio onerado, exigir a realização de obras de
segurança.

Note que a passagem de cabos e tubulações também possui fundamento


nas funções sociais da posse e da propriedade. Ainda, possui interesse público
indireto, oferecendo, a pessoas, acesso a serviços de utilidade pública.

6 DAS ÁGUAS
Dispensa comentários a importância da água para a existência da vida
no planeta Terra. O Código Civil regula a utilização no âmbito do direito da
vizinhança nos Arts. 1.288 a 1.296, sendo mais um reforço à realização do princípio
da função socioambiental da propriedade.

Art. 1.288. O dono ou o possuidor do prédio inferior é obrigado a


receber as águas que correm naturalmente do superior, não podendo
realizar obras que embaracem o seu fluxo; porém, a condição natural e
anterior do prédio inferior não pode ser agravada por obras feitas pelo
dono ou possuidor do prédio superior.
Art. 1.289. Quando as águas, artificialmente levadas ao prédio superior,
ou aí colhidas, correrem para o inferior, poderá, o dono, reclamar que
se desviem, ou que seja indenizado o prejuízo que sofrer.

79
UNIDADE 1 — DIREITO DAS COISAS

Parágrafo único. Da indenização, será deduzido o valor do benefício


obtido.
Art. 1.290. O proprietário de nascente, ou do solo onde caem águas
pluviais, satisfeitas as necessidades do consumo, não pode impedir,
ou desviar o curso natural das águas remanescentes pelos prédios
inferiores.
Art. 1.291. O possuidor do imóvel superior não poderá poluir as águas
indispensáveis às primeiras necessidades da vida dos possuidores
dos imóveis inferiores; as demais, que poluir, deverá recuperar,
ressarcindo os danos que sofrerem, se não for possível a recuperação
ou o desvio do curso artificial das águas.
Art. 1.292. O proprietário tem direito de construir barragens, açudes,
ou outras obras para represamento de água no seu prédio; se as águas
represadas invadirem prédio alheio, será o seu proprietário indenizado
pelo dano sofrido, deduzido o valor do benefício obtido.
Art. 1.293. É permitido, a quem quer que seja, mediante prévia
indenização aos proprietários prejudicados, construir canais, através
de prédios alheios, para receber as águas a que tenha direito,
indispensáveis às primeiras necessidades da vida, e, desde que não
cause prejuízo considerável à agricultura e à indústria, além do
escoamento de águas supérfluas ou acumuladas e da drenagem de
terrenos.
§ 1 o Ao proprietário prejudicado, em tal caso, também assiste direito a
ressarcimento pelos danos que, de futuro, lhe advenham da infiltração
ou irrupção das águas, além da deterioração das obras destinadas a
canalizá-las.
§ 2 o O proprietário prejudicado poderá exigir que seja subterrânea a
canalização que atravessa áreas edificadas, pátios, hortas, jardins ou
quintais.
§ 3  o  O aqueduto será construído de maneira que cause o menor
prejuízo aos proprietários dos imóveis vizinhos [...].
Art. 1.294. Aplica-se, ao direito de aqueduto, o disposto nos arts. 1.286
e 1.287.
Art. 1.295. O aqueduto não impedirá que os proprietários cerquem os
imóveis e construam sobre ele, sem prejuízo para a sua segurança e
conservação; os proprietários dos imóveis poderão usar as águas do
aqueduto para as primeiras necessidades da vida.
Art. 1.296. Havendo, no aqueduto, águas supérfluas, outros poderão
canalizá-las, para os fins previstos no art. 1.293, mediante pagamento
de indenização aos proprietários prejudicados e ao dono do aqueduto,
de importância equivalente às despesas que então seriam necessárias
para a condução das águas até o ponto de derivação.
Parágrafo único. Têm preferência os proprietários dos imóveis
atravessados pelo aqueduto.

Por último, não se esqueça de que a água é entendida com um bem


fundamental sob a ótica do Art. 225 da Constituição Federal.

7 LIMITES ENTRE PRÉDIO E DE TAPAGEM


O Art. 1.297 do Código Civil garante ao proprietário o direito de cercar,
murar, valar ou tapar, de qualquer modo, o prédio, urbano ou rural.

80
TÓPICO 3 — DOS DIREITOS DE VIZINHANÇA

Art. 1.297. O proprietário tem direito a cercar, murar, valar ou tapar,


de qualquer modo, o seu prédio, urbano ou rural, e pode constranger
o seu confinante a proceder, com ele, à demarcação entre os dois
prédios, a aviventar rumos apagados e a renovar marcos destruídos ou
arruinados, repartindo-se, proporcionalmente, entre os interessados,
as respectivas despesas.
§ 1 o Os intervalos, muros, cercas e os tapumes divisórios, como sebes
vivas, cercas de arame ou de madeira, valas ou banquetas, presumem-
se, até prova em contrário, pertencer a ambos os proprietários
confinantes, sendo estes obrigados, de conformidade com os costumes
da localidade, a concorrer, em partes iguais, para as despesas da
construção e conservação.
§ 2 o As sebes vivas, as árvores, ou plantas quaisquer, que servem de
marco divisório, só podem ser cortadas, ou arrancadas, de comum
acordo entre proprietários.
§ 3  o  A construção de tapumes especiais para impedir a passagem
de animais de pequeno porte, ou para outro fim, pode ser exigida de
quem provocou a necessidade deles pelo proprietário, que não está
obrigado a concorrer para as despesas.
Art. 1.298. Sendo confusos, os limites, em falta de outro meio, devem
ser determinados em conformidade com a posse justa; não se achando
ela provada, o terreno contestado deve ser dividido em partes iguais
entre os prédios [...].

NOTA

A ação demarcatória segue rito especial, e é regulada pelos Arts. 574 a 587 do
Código de Processo Civil.

8 DIREITO DE CONSTRUIR
O direito de construir se encontra regulado a partir do Art. 1.299 do
Código Civil. De início, é resguardado, como regra, o amplo direito de construir
ao proprietário. Contudo, concomitantemente, confere-se proteção à intimidade e
à vida privada com o objetivo de viabilizar a convivência social harmônica, sempre
tendo em vista, em última análise, o prestígio às funções sociais da propriedade
e da posse.

Art. 1.299. O proprietário pode levantar, no seu terreno, as construções


necessárias, salvo o direito dos vizinhos e os regulamentos
administrativos.
Art. 1.300. O proprietário construirá de maneira que o seu prédio não
despeje águas, diretamente, sobre o prédio vizinho.
Art. 1.301. É defeso abrir janelas, ou fazer eirado, terraço ou varanda, a
menos de um metro e meio do terreno vizinho.

81
UNIDADE 1 — DIREITO DAS COISAS

§ 1º. As janelas, cuja visão não incida sobre a linha divisória, além das
perpendiculares, não poderão ser abertas a menos de setenta e cinco
centímetros.
§ 2º do CC. As disposições deste artigo não abrangem as aberturas
para luz ou ventilação não maiores de dez centímetros de largura
sobre vinte de comprimento e construídas a mais de dois metros de
altura de cada piso.

NOTA

Súmula 120 do STF: parede de tijolos de vidro translúcido pode ser levantada
a menos de um metro e meio do prédio vizinho.

ATENCAO

Quanto aos demais regramentos administrativos relativos ao direito de


construir, é relevante citar que se aplica o Estatuto da Cidade, além do plano do município.

Verificando, o proprietário ou possuidor, que o vizinho está realizando


uma abertura ou obra irregular, pode impedir o prosseguimento através da Ação
de Nunciação de Obra Nova.

Noutro giro, se a obra já estiver concluída, a jurisprudência entende que


se abre o prazo decadencial de um ano e um dia para a propositura de ação
demolitória. É o que se fundamenta por meio do disposto no Art. 1.302 do Código
Civil:

Art. 1.302. O proprietário pode, no lapso de ano e dia após a conclusão


da obra, exigir que se desfaça janela, sacada, terraço ou goteira sobre
o seu prédio; escoado o prazo, não poderá, por sua vez, edificar sem
atender ao disposto no artigo antecedente, nem impedir, ou dificultar,
o escoamento das águas da goteira, com prejuízo para o prédio vizinho.
Parágrafo único. Em se tratando de vãos, ou aberturas para luz, seja
qual for a quantidade, altura ou disposição, o vizinho poderá, a todo
tempo, levantar a sua edificação, ou contramuro, ainda que vedada a
claridade.

Resta destacar que, acompanhando o entendimento da doutrina


majoritária, o Superior Tribunal de Justiça também já concebeu a possibilidade
de conversão entre os procedimentos da nunciação de obra nova e da ação
demolitória.
82
TÓPICO 3 — DOS DIREITOS DE VIZINHANÇA

LEITURA COMPLEMENTAR

CINCO CONCEITOS QUE RESSIGNIFICAM A PROPRIEDADE

Nelson Rosenvald

1. Acesso: a propriedade moderna é um direito fundamental individual do titular,


devendo ser garantida pelo ordenamento contra o Estado e os não proprietários.
Essa propriedade também é uma garantia institucional, representando o hígido
funcionamento do mercado, traduzida a segurança jurídica na conservação
da ordem econômica. A noção de “acesso” ingressa no Estado Democrático
de Direito, pela qual o “rule of law” transcende a conservação daquilo que
se “tem”, incluindo a promoção de direitos fundamentais para os futuros
proprietários. O acesso à propriedade é um derivativo do princípio da igualdade
substancial, convertendo o invisível “erga omnes” em pessoa concreta, cuja
afirmação de situações existenciais passa pelo ingresso à cidadania pela via
da democratização de titularidades, aqui concebida como projeção do mínimo
existencial. Portanto, na latente tensão entre direito de propriedade (Art. 5,
XXII, CF) e direito à propriedade (Art. 5, caput, CF), percebemos a propriedade
contemporânea conglobando o direito de excluir, daquele que já tem, o direito
de não ser excluído, além daqueles que anseiam “vir a ter”.
2. Pertencimento: propriedade e domínio exprimem conceitos distintos e
complementares. A propriedade é uma situação jurídica complexa, relacionando
o titular formal aos não proprietários, consubstanciada em poderes, deveres,
faculdades e ônus correspectivos. Em contrapartida, o domínio é o poder
imediato do titular sobre a coisa, que se exprime nas clássicas faculdades de
uso, gozo e disposição. O domínio é, por essência, refratário ao acesso e ao
compartilhamento, ostentando o atributo da exclusividade. Assim como pode
haver propriedade sem domínio (v.g. titular de um bem após decorrido o prazo
de usucapião por outrem ou após quitação da promessa de compra e venda),
nada impede a dissociação entre o domínio e a propriedade, pois as relações de
pertencimento alcançam os direitos reais limitados e as situações possessórias.
No século XXI, todavia, o que mais importa no universo dos bens essenciais
não é o "pertencimento" do bem, mas o da gestão, garantindo o acesso ao bem
e prevendo a participação dos sujeitos interessados, mediante administração
guiada pelo princípio da solidariedade.
3. Multipropriedade: pode existir uma pergunta mais fundamental: o que são
o espaço e o tempo? A laje e a multipropriedade confirmam a relatividade
de ambos os conceitos no que se aplica à propriedade clássica. A laje, por se
constituir em fracionamento espacial da propriedade, desvinculada do solo
alheio ou de uma fração ideal, como uma titularidade em 3D (que não chega
a ser um multiverso, pois existem relações jurídicas entre o proprietário e o
lajeário). A multipropriedade, por sua vez, não desafia o espaço, mas o tempo.
Essa relação jurídica de aproveitamento econômico de bens, que ingressou, no
CC, como modalidade especial de condomínio em propriedade imobiliária,
adentra-se em uma distinta dimensão da titularidade, na qual o pertencimento
se exerce periodicamente sobre uma unidade temporal de uma fração ideal
83
UNIDADE 1 — DIREITO DAS COISAS

física. Afasta-se o fenômeno da composse, pois a fruição do direito se concebe


alternada e sucessivamente. No aspecto funcional, enquanto a laje incorpora
o fenômeno tipicamente brasileiro do “puxadinho”, como acesso ao mínimo
existencial, frequentemente, o “time sharing” mira exatamente o oposto: o
máximo existencial, pelo compartilhamento de titularidade de bens supérfluos
como resorts de férias, aeronaves, iates e carros de luxo.
4. Economia do compartilhamento: é um novo padrão colaborativo que não se
identifica, propriamente, com o universo do direito das coisas. O vocábulo
“mercado” já não se traduz pelo câmbio de propriedades. “Ter” algum bem é,
por vezes, algo pesado e burocrático em sociedades fluidas e digitais. As novas
gerações optam pelo acesso à fruição de bens, novas experiências e interação
com outros no processo. A valorização da criatividade e da transparência,
associada à constante inovação, cria uma massa de consumidores que não
almeja a titularidade de bens, porém, são ávidos usuários de serviços. Se valores
não utilizados são valores desperdiçados, nas transações “peer to peer”, a fruição
de bens é maximizada, evitando a ociosidade. Ademais, no modelo negocial
da “sharing economy”, muda, também, o padrão dos grandes fornecedores: a
Uber não é dona dos veículos que oferece, nem o AirBnb dos apartamentos
que aluga e nem a AliBaba de qualquer dos produtos que comercializa. As
plataformas fornecem o acesso.
5. Multititularidades: o termo foi introduzido pela Jurista Everilda Brandão
Guilhermino (A tutela das multititularidades, Ed. Lumen Juris, 2018). As
multitularidades abrem um novo horizonte nos direitos reais, para além da
função social da propriedade. Enquanto a cláusula geral constrange o titular
a adimplir obrigações perante a coletividade, conciliando o seu desejável
retorno individual a um proveito social, as múltiplas titularidades se situam
em um passo adiante do cumprimento da função social: em matéria de
direitos difusos, substitui-se a propriedade excludente por uma titularidade
inclusiva, que passa a conviver com uma titularidade autônoma, pertencente
à sociedade. Em sede de bens comuns, elimina-se o atributo da exclusividade,
pois são, da índole dessa nova forma de pertencimento, o acesso simultâneo
e o compartilhamento de bens simultaneamente suscetíveis das valorações
econômica (quanto à disponibilidade) e social (indisponíveis ao mercado e
atrelados à cidadania).
6. Ao contrário do predito por Francis Fukuyama, a história não acabou.
O mesmo se diz da trajetória da propriedade. O que ocorreu é que a
linguagem novecentista do código civil não é capaz de albergar os conceitos
de acesso, compartilhamento e pertencimento inclusivo. Com essa nova
simbologia, articularemos soluções para a “tragédia dos comuns”, mediante a
harmonização de diferentes estatutos proprietários em uma abrangente noção
de patrimônio, incluindo bens imateriais, virtuais e difusos (v.g., patrimônios
histórico e ambiental). Isso diz respeito a reconhecer uma diferente dimensão
que supera a dicotomia público-privado, fora do individualismo proprietário e
da tradicional gestão pública dos bens. Água, energia, internet, medicamentos
se inserem no rol de direitos fundamentais. Cumpre, ao civilista do século
XXI, vestir as sandálias da humildade, abandonar sua roupagem de segurança
jurídica limitada à apropriação e conservação de bens e dialogar com outros

84
TÓPICO 3 — DOS DIREITOS DE VIZINHANÇA

saberes, a fim de sedimentar uma ética do pertencimento inclusivo. Ao tratar


da nova relação entre o mundo das pessoas e o mundo dos bens, há muito tempo,
substancialmente, confiado à lógica do mercado, pontuou Stefano Rodotá:
“bens comuns são aqueles funcionais ao exercício de direitos fundamentais e
ao livre desenvolvimento da personalidade, que devem ser salvaguardados,
removendo-os da lógica destrutiva do curto prazo, projetando a sua tutela
ao mundo mais distante, habitado pelas gerações futuras. O acoplamento
aos direitos fundamentais é essencial e nos leva para além de uma referência
genérica à pessoa. É um tema "constitucional" para todos os que, voltando o
olhar para o mundo, captam a insustentabilidade crescente das sistematizações
cegamente confiadas à lei "natural" dos mercados”.

FONTE: <https://www.nelsonrosenvald.info/single-post/2019/06/04/Cinco-Conceitos-que-
Ressignificam-a-Propriedade>. Acesso em: 18 jan. 2021.

85
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu que:

• O direito de propriedade não é absoluto.

• O direito da vizinhança funciona como um dos limitadores ao direito de


propriedade.

• O direito da vizinhança possui natureza jurídica de obrigações propter rem,


aderindo à coisa, não importando quem seja o possuidor ou o proprietário.

• Fala-se do exercício anormal ou irregular do direito quando a propriedade é


utilizada de forma abusiva ou ilícita, causando ofensas à incolumidade de um
prédio ou dos moradores.

• A responsabilidade decorrente do abuso de direito é de natureza objetiva.

CHAMADA

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86
AUTOATIVIDADE

1 Classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas:

( ) O proprietário ou o possuidor de um prédio tem o direito de fazer cessar as


interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde, provocadas
pela utilização de propriedade vizinha.
( ) O proprietário pode levantar, no seu terreno, as construções necessárias,
salvo o direito dos vizinhos e os regulamentos administrativos.
( ) Os frutos caídos da árvore do terreno vizinho pertencem ao dono do solo
onde caíram, se este for de propriedade particular.
( ) A árvore, cujo tronco estiver na linha divisória entre dois imóveis
confinantes, presume-se pertencer ao proprietário do terreno onde as
raízes da árvore estiverem fincadas.
( ) É permitido abrir janelas, ou fazer eirado, terraço ou varanda, a menos de
um metro e meio do terreno vizinho.
( ) As janelas, cuja visão não incida sobre a linha divisória, além das
perpendiculares, não poderão ser abertas a menos de setenta e cinco
centímetros.
( ) Se o proprietário de determinado imóvel constatar que o prédio vizinho,
pelas condições em que se encontra, ameaça ruir, terá direito de exigir, do
dono do prédio, a demolição ou a reparação, além de caução pelo dano
iminente.
( ) A passagem forçada é direito de vizinhança que não exige registro.
Decorre da lei e é uma limitação ao direito de propriedade.
( ) O proprietário de nascente, ou do solo onde caem águas pluviais, satisfeitas
as necessidades de consumo, poderá impedir ou desviar o curso natural
das águas remanescentes pelos prédios inferiores.
( ) O dono ou possuidor do prédio inferior é obrigado a receber as águas que
correm naturalmente do superior, não sendo possível realizar obras para
embaraçar o fluxo.

87
REFERÊNCIAS
AZEVEDO, Á. V. Curso de direito civil: direito das coisas. 2. ed. São Paulo:
Saraiva Educação, 2019.

BARROS, W. P. Curso de direito agrário. Porto Alegre: Livraria do Advogado


Editora, 2012.

BRASIL. Lei n° 10.046, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Dispo-


nível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm.
Acesso em: 28 maio 2020.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível


em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.
htm. Acesso em: 28 jan. 2021.

CARVALHO FILHO, J. dos S. Manual de direito administrativo. São Paulo:


Atlas, 2016.

DINIZ, M. H. Código civil anotado. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

DINIZ, M. H. Curso de direito civil brasileiro. Direito das coisas. 24. ed. São
Paulo: Saraiva, 2004.

FACHIN, L. E. A função social da posse e a propriedade contemporânea: uma


perspectiva da usucapião imobiliária. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Edi-
tor, 1988.

FARIAS, C. C.; ROSENVALD, N.; BRAGA NETTO, F. Manual de direito civil.


3. ed. Salvador: JusPodivm, 2018.

MELO, M. A. B. Direito das coisas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.

MONTEIRO, W. de B. Curso de direito civil. Direito das coisas. São Paulo:


Saraiva, 2003.

ROSENVALD, N. Cinco conceitos que ressignificam a propriedade. 2019.


Disponível em: https://www.nelsonrosenvald.info/single-post/2019/06/04/Cinco-
-Conceitos-que-Ressignificam-a-Propriedade. Acesso em: 18 maio 2020.

SCAVONE JUNIOR, L. A. Direito imobiliário – Teoria e prática. Rio de Janei-


ro: Forense, 2014.

88
SCHREIBER, A.; TARTUCE, F.; SIMÃO, J. F.; BEZERRA DE MELO, M. A.;
DELGADO, M. Código civil comentado. Doutrina e jurisprudência. São Paulo:
Editora Forense, 2019.

SILVA, J. A. da. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Ed. Malhei-
ros, 2009.

STOLZE, P.; PAMPLONA FILHO, R. Manual de direito civil. 4. ed. São Paulo:
Saraiva Educação, 2020.

TARTUCE, F. Manual de direito civil. 10. ed. São Paulo: Gen, 2020.

TEPEDINO, G. Multipropriedade imobiliária. São Paulo: Saraiva, 2017.

89
90
UNIDADE 2 —

DIREITO DE FAMÍLIA

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• compreender o tratamento conferido à entidade familiar pela Constitui-


ção de 1988;
• analisar o instituto do casamento e sua dissolução;
• verificar as diferenças e as semelhanças entre a união estável e o casa-
mento;
• identificar as relações de parentesco;
• entender o instituto dos alimentos sob a ótica do Código Civil de 2002;
• compreender os institutos da tutela e da curatela.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em seis tópicos. No decorrer da unidade,
você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo
apresentado.

TÓPICO 1 – ASPECTOS CIVIS E CONSTITUCIONAIS DO DIREITO DE


FAMÍILIA
TÓPICO 2 – CASAMENTO
TÓPICO 3 – UNIÃO ESTÁVEL
TÓPICO 4 – RELAÇÕES DE PARENTESCO
TÓPICO 5 – ALIMENTOS
TÓPICO 6 – TUTELA E CURATELA

CHAMADA

Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos


em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá
melhor as informações.

81
82
UNIDADE 2 TÓPICO 1 —

ASPECTOS CIVIS E CONSTITUCIONAIS


DO DIREITO DE FAMÍILIA

1 INTRODUÇÃO
Caro acadêmico, inaugurando o estudo da Unidade 2, neste tópico,
iniciaremos o estudo do direito de família. Para tanto, neste momento, precisamos
estabelecer os contextos normativo e social nos quais a temática está envolvida.

Ressaltando a importância do estudo do direito de família, há quem afirme


que esse direito é, de todos os ramos do direito, “o mais intimamente ligado à
própria vida, uma vez que, de modo geral, as pessoas provêm de um organismo
familiar e a ele se conservam vinculadas durante a existência, mesmo que venham
a constituir nova família pelo casamento ou pela união estável” (GONÇALVES,
2020, p. 32).

Para viabilizar a compreensão global deste ramo do direito, este Tópico


1 foi reservado para o estudo conceitual da família, além do estudo da evolução
da normatização, destacando o tratamento conferido pelo Código Civil de 2002 e
pela Constituição Federal de 1988.

Bons estudos!

2 DIREITO DE FAMÍLIA: NOÇÕES, ORIGEM E EVOLUÇÃO


Didaticamente, a partir das disposições do Código Civil de 2002, Tartuce
(2020) conceitua o direito de família como o ramo do direito civil que tem, como
conteúdos, os estudos dos seguintes institutos: a) casamento; b) união estável;
c) relações de parentesco; d) filiação; e) alimentos; f) bem de família; g) tutela,
curatela e guarda. Ainda, acrescenta, como objeto, a investigação das novas
manifestações familiares.

Noutro giro, a doutrina aponta ser difícil apresentar um conceito único


e absoluto de família, tendo em vista o caráter multifacetário, ao passo que sua
delimitação teórica é complexa e requer reflexão de cunho não apenas jurídico,
mas, também, social, e até mesmo psicológico (STOLZE; PAMPLONA, 2020).

É possível destacar a noção inicial de que o conceito de família é dinâmico e


inacabado e sofre constantes mudanças ao lado das transformações da sociedade.
Isso fica claro quando traçamos um breve panorama geral da legislação brasileira:

83
UNIDADE 2 — DIREITO DE FAMÍLIA

• Código Civil de 1916: modelo patriarcal. O homem possuía o comando


exclusivo da família. A  mulher, ao casar, perdia sua capacidade plena,
tornando-se relativamente incapaz, e, para trabalhar, necessitava de
autorização do marido. Também era obrigada a adotar os apelidos do marido
(“varão”). O casamento era indissolúvel. Existia apenas o “desquite”, que
rompia com a sociedade conjugal, porém, não dissolvia o casamento.
• Lei 4.121/1962 (Estatuto da Mulher Casada): é considerado o primeiro grande
marco para romper a hegemonia masculina. A mulher casada deixa de ser
considerada relativamente incapaz e passa a ser considerada colaboradora na
administração da sociedade conjugal. Entretanto, no caso de divergência de
opinião entre a mulher e o marido, deveria prevalecer a posição do último.
O casamento ainda era indissolúvel. Foi excluída a regra que impunha a
necessidade da autorização do marido para o trabalho.
• Lei 6.515/1977 (Lei do Divórcio): para que a Lei do Divórcio fosse possível,
primeiramente, fora editada a Emenda Constitucional n° 09, alterando a
Constituição Federal, introduzindo a dissolubilidade do vínculo matrimonial.
• Constituição Federal de 1988: operou a maior mudança ocorrida no direito
de família. Destacam-se, por hora, a consagração da igualdade entre homens
e mulheres em direito e obrigações; a isonomia entre os filhos com a proibição
de tratamento discriminatório em relação aos filhos nascido fora do casamento
ou por adoção; abrangidas, no conceito de entidade familiar, a união estável
e a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes (família
monoparental).

A partir desse breve panorama, a doutrina identifica que, sobretudo, ao


longo do século XX, é possível observar bruscas mudanças sociais, culturais e
econômicas, promovendo uma “revisão crítica da noção de família”.

Antes, o conceito de família era identificado com o modelo patriarcal,


baseado no matrimônio e na submissão da mulher e dos filhos ao “chefe da
família”, porém, atualmente, notamos grandes mudanças, em decorrência de fatos,
como a emancipação feminina e a revolução sexual, ocasionando a multiplicação
de novos modos de convivência familiar (SCHEREIBER, 2020).

Nessa linha de pensamento, sem esquecer que inexiste um conceito “único


e absoluto”, destacamos dois conceitos doutrinários atuais de família que, por
serem didáticos, servirão para a compreensão da temática.

Para Cristiano Chaves de Farias, Felipe Braga Netto e Nelson Rosenvald


(2018), a família é um instrumento de proteção avançada da pessoa humana.
Para os autores, a família deixou de ser compreendida como núcleo reprodutivo,
sendo entendida, atualmente, como instrumento da felicidade dos membros.

De forma semelhante, Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona Filho (2020, p.


1746) afirmam que família é o “núcleo existencial integrado por pessoas unidas
pelos vínculos social e afetivo, teleologicamente vocacionada a permitir a
realização plena dos integrantes”.

84
TÓPICO 1 — ASPECTOS CIVIS E CONSTITUCIONAIS DO DIREITO DE FAMÍILIA

Acadêmico, desde já, note que a tendência atual é entender a família a


partir dos caráteres sociais, afetivos e eudemonistas. Isso é justificado a partir da
ideia de que o direito de família, hoje, centra-se na proteção da pessoa humana e
da realização existencial dentro da sociedade.

NOTA

A família eudemonista se caracteriza pela busca da felicidade pessoal e solidária


de cada um dos membros. Baseada nos ensinamentos da filosofia moral de Aristóteles,
objetiva o fim das ações, o fim das ações humanas (individuais e coletivas), com a busca
da felicidade pelo exercício da virtude, que conduz, a esse soberano, o seguinte bem: a
felicidade.

A seguir, centraremos esforços para entender a família e a sua proteção a


partir das disposições da Constituição Federal de 1988 e do Código Civil de 2002.

3 A FAMÍLIA NA CONSTITUIÇÃO DE 1988


Conforme restou aclarado anteriormente, a família se trata de um conceito
dinâmico e inacabado, sendo diretamente moldado, conforme as transformações
que, constantemente, permeiam a sociedade.

Antes do advento da Constituição Federal de 1988, a família era instituto


tratado diretamente pelo Código Civil de 1916. Seguem os paradigmas do antigo
código privatista:

• Matrimonializada: a família se constituía apenas pelo casamento. As


demais uniões (entre homem e mulher, sem casamento) eram consideradas
concubinato (mera sociedade, de fato).
• Patriarcal: o homem era o chefe da família, o centro das relações familiares.
• Hierarquizada: baseada no pátrio poder, ou seja, todos deviam obediência ao
patriarca (ao homem, ao chefe da família).
• Biológica: distinção entre filhos adotivos e biológicos.
• Heteroparental: formada por pessoas de sexos distintos. A única forma de
família era a formada por homem e mulher.
• Institucional: a família era uma instituição a ser protegida pelo direito, por
isso, o casamento era considerado indissolúvel. A esterilidade de um dos
cônjuges poderia causar a anulação do casamento.

Acadêmico, lembre-se de que, como qualquer outro ramo do direito, o


direito de família precisa ser lido a partir da Constituição.
85
UNIDADE 2 — DIREITO DE FAMÍLIA

A partir da Carta Magna de 1988, o direito de família sofreu profunda


reformulação, sendo apresentada uma visão funcionalizada da família,
fundamentada na socialidade e na concepção eudemonista, surgindo novos
institutos, como a família monoparental e o casamento homoafetivo.

O reconhecimento da pluralidade das formas de família fez com que


alguns denominassem o ramo de estudo como “direito das famílias” (AZEVEDO,
2019).

DICAS

Acadêmico, saiba que o termo “homoafetividade” foi criado pela jurista


brasileira Maria Berenice Dias, para se referir à  relação afetiva entre pessoas do mesmo
sexo. Para se aprofundar na temática, convidamos você a acessar um dos artigos da
jurista, intitulado: Família Homoafetiva: http://www.mariaberenice.com.br/manager/arq/
(cod2_647)28__familia_homoafetiva.pdf.

O Art. 226 da Constituição é enfático ao afirmar que a família é a base da


sociedade e possui especial proteção do Estado. Veja o tratamento constitucional
conferido à matéria:

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.


§ 1º O casamento é civil e gratuita a celebração.
§ 2º O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei.
§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável
entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo, a lei,
facilitar sua conversão em casamento.        
§ 4º Entende-se, também, como entidade familiar, a comunidade
formada por qualquer dos pais e seus descendentes.
§ 5º Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos,
igualmente, pelo homem e pela mulher.
§ 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio.         
§ 7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da
paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão
do casal, competindo, ao Estado, propiciar recursos educacionais
e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma
coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.       
§ 8º O Estado assegurará a assistência à família para cada um dos que
a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito das
relações.

Com relação às modalidades de família, reconhece-se o avanço da


Constituição de 1988, ao prever, expressamente, no § 4º do Art. 226, a família
monoparental (aquela formada por qualquer dos pais e seus descendentes),
porém, interpretando o dispositivo constitucional destacado, seguindo a doutrina

86
TÓPICO 1 — ASPECTOS CIVIS E CONSTITUCIONAIS DO DIREITO DE FAMÍILIA

amplamente majoritária, Cristiano Chaves de Farias, Felipe Braga Netto e Nelson


Rosenvald (2018, p. 1687) apontam que o Art. 226 da Constituição traz um rol
exemplificativo do modelo de entidade familiar. Nesse sentido, afirmam:

O conceito trazido no caput do Art. 226 é plural e indeterminado,


firmando uma verdadeira cláusula geral de inclusão. Dessa forma, são
o cotidiano, as necessidades e os avanços sociais que se encarregam
da concretização dos tipos. Uma vez formados os núcleos familiares,
merecem, igualmente, proteção legal. Em última análise, é possível
afirmar: todo e qualquer núcleo familiar merece especial proteção do
Estado, a partir da cláusula geral de inclusão constitucional.

Ainda:

A única conclusão que atende aos reclamos constitucionais é no


sentido da não taxatividade do rol, contemplado no Art. 226 das Leis
das Leis, sob pena de desproteger inúmeros agrupamentos familiares
não previstos ali, até mesmo, por absoluta falta de impossibilidade.

NOTA

Apesar da Constituição Federal de 1988 e do Código Civil de 2002 falarem


em “união entre homem e mulher”, o STF, em sede de controle de constitucionalidade,
entendeu que é possível a existência de uniões estáveis homoafetivas, ou seja, entre
pessoas do mesmo sexo.

Um dos fundamentos centrais desse julgamento histórico foi, justamente, o


reconhecimento do caráter afetivo como “mola propulsora” de algumas relações,
apto a ensejar a caracterização de uma entidade familiar merecedora, portanto,
de proteção estatal.

Não obstante, note que o Art. 227 da Constituição Federal também atribuiu
deveres à família:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado, assegurar, à


criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à
vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização,
à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar
e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência,
discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.  

Portanto, a partir da Constituição de 1988, o tratamento da família, pelo


ordenamento jurídico brasileiro, passou a ter novos paradigmas:

87
UNIDADE 2 — DIREITO DE FAMÍLIA

• Múltiplo ou Pluralizado: a família pode ser constituída por diferentes formas:


casamento, união estável, monoparental etc.
• Democrático: homens e mulheres possuem direitos e deveres iguais.
• Igualitário: igualdade substancial, tratando, desigualmente, os desiguais,
e buscando a igualdade fática entre os componentes familiares. Exemplos
de legislações nesse sentido: Estatuto do Idoso, Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA), Lei Maria da Penha e Estatuto da Primeira Infância.
• Biológico ou Socioafetivo: filhos biológicos e adotivos possuem os mesmos
direitos (Art. 1.593 do CC/02).
• Heteroparental ou Homoparental: família pode se formar por pessoas de
sexo distintos e de sexo iguais. Ademais, a homoparentalidade pode decorrer
da monoparentalidade. Exemplo: família composta de mãe solteira e sua filha.
• Instrumental: é um instrumento de proteção da pessoa humana. A família é
um meio, e não um fim em si mesma.

Dessa forma, acadêmico, tenha em mente que o Código Civil de 2002 já


nasceu imerso nessa nova perspectiva do direito de família inaugurada pela Lei
Maior.

DICAS

Acadêmico, desde já, destacamos as importantes contribuições do Instituto


Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), razão pela qual o site se torna valiosa fonte de
pesquisa e aprofundamento da temática do direito de família e do direito sucessório:
https://ibdfam.org.br/.

Posto o panorama atual do direito de família, antes de adentrar,


especificamente, nas normativas de cunho civilistas, é necessário destacar os
princípios constitucionais que regem esse importante ramo do direito.

4 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO DIREITO DE FAMÍLIA


Princípio da função social da família

Expressamente previsto no caput do Art. 226 da Constituição, ao aduzir:


“A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”.

Outrossim, não olvide que o princípio da socialidade, ao lado dos


princípios da eticidade e da operabilidade, é princípio geral do Código Civil de
2002, funcionando como diretriz propulsora de todas as normas.

Princípio da multiplicidade/pluralidade de entidades familiares

88
TÓPICO 1 — ASPECTOS CIVIS E CONSTITUCIONAIS DO DIREITO DE FAMÍILIA

O reconhecimento da multiplicidade ou da pluralidade de entidades


familiares encontra guarida no caput do Art. 226 da Constituição: “A família, base
da sociedade, tem especial proteção do Estado”.

Conforme já ressaltamos anteriormente, a Lei Maior consagra proteção


para toda e qualquer família, trazendo, apenas, um rol exemplificativo de
entidades familiar. Os parágrafos 2º, 3º e 4º, do referido Art. 226, referem-se à
família casamentária, decorrente de união estável e monoparental.

Cabe destacar algumas modalidades de entidade familiar trazidas pela


doutrina:

• Família matrimonial: aquela formada pelo casamento entre casais


heterossexuais e homoafetivos.
• Família informal: formada por uma união estável entre casais heterossexuais
e homoafetivos.
• Família monoparental: formada por qualquer dos pais e seus descendentes.
• Família anaparental: sem pais, como a formada só por irmãos.
• Família homoafetiva: constituída por pessoas do mesmo sexo.
• Família mosaico ou pluriparental ou reconstituída: decorrente de vários
casamentos, uniões estáveis ou simples relacionamentos afetivos dos
membros. Várias origens.
• Família eudemonista: tem a felicidade individual dos membros como o
catalisador para a conduta moral em sociedade, tendo a afetividade com
fundamento, independentemente da existência de vínculo biológico.
• Família simultânea ou paralela: enquadra-se naqueles casos em que o
indivíduo mantém duas relações ao mesmo tempo, ou seja, é casado e mantém
uma outra união estável, ou mantém duas uniões estáveis ao mesmo tempo.
• Família natural: prevista no caput do Art. 25, do Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA), comunidade formada pelos pais ou qualquer deles e seus
descendentes.
• Família Extensa ou Ampliada: consagrada no parágrafo único, do Art. 25,
do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). É aquela que se estende
para além da unidade de pais e filhos ou da unidade do casal, formada por
parentes próximos com os quais a criança ou adolescente convive e mantém
vínculos de afinidade e afetividade.

Princípio da igualdade (isonomia) entre o homem e a mulher

Como corolário do princípio constitucional da isonomia (Art. 5º, inciso


I, CF/88), a Lei Maior reconhece, no Art. 226, § 3º, a igualdade entre homens e
mulheres no que se refere ao casamento ou à união estável. Seguindo o espírito
constitucional, o Art. 1.511 do Código Civil dispõe: “o casamento estabelece
comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos
cônjuges”.

89
UNIDADE 2 — DIREITO DE FAMÍLIA

Princípio da igualdade substancial entre os filhos

Princípio expresso no Art. 227, § 6º, da Constituição, segundo o qual “os


filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos
direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias
relativas à filiação”.

O Código Civil, incorporando tal princípio, prevê, no Art. 1.596, a mesma


redação do dispositivo constitucional destacado.

Princípio do planejamento familiar e da responsabilidade parental

O princípio do planejamento familiar e da responsabilidade parental


encontra guarida no Art. 226, § 7º, da Constituição, nos seguintes termos: “fundado
nos princípios da dignidade da pessoa humana e da parentalidade responsável, o
planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo, ao Estado, propiciar
recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer
forma coercitiva por parte das instituições oficiais ou privadas”.

NOTA

A doutrina moderna fala do “direito de família mínimo” para defender que a


incidência do Estado, no direito de família, deve ser mínima, ou seja, o Estado deve intervir
nas relações familiares apenas de maneira excepcional.

Assim, a incidência do Estado deve ocorrer apenas nos casos em que é


necessária a proteção dos direitos fundamentais dos interessados. Nesse sentido,
deve prevalecer a autonomia privada nas relações da família, salvo nos casos
em que há violação aos direitos fundamentais, como nos casos das violências
doméstica e familiar.

Ademais, saiba que é perfeitamente possível a incidência dos instrumentos


da responsabilidade civil nas ações da família, gerando indenização. A
competência será da Vara de Família.

90
TÓPICO 1 — ASPECTOS CIVIS E CONSTITUCIONAIS DO DIREITO DE FAMÍILIA

NOTA

O STJ, na edição 125 da Jurisprudência em tese: o abandono afetivo de


filho, em regra, não gera dano moral indenizável, podendo, em hipóteses excepcionais,
se comprovada a ocorrência de ilícito que ultrapasse o mero dissabor, ser reconhecida a
existência do dever de indenizar.

Princípio da facilitação da dissolução do casamento

Do advento do Código Civil de 1916 até o ano de 1977, imperou, no


ordenamento jurídico brasileiro, a indissolubilidade do casamento, muito em
razão da influência religiosa e da preservação do patrimônio.

A Lei 6.515/77, conhecida como a Lei do Divórcio, criou o sistema de


“dissolubilidade controlada”, ou seja, o casamento poderia ser dissolvido nos
casos previstos em lei e apenas previa o direito de concessão de um único divórcio
por pessoa.

A Lei 7.841/89 aboliu o limite de concessão do divórcio, podendo, a partir


de então, ser concedido mais de um divórcio por pessoa.

Já com a Constituição de 1988, há albergado o princípio da facilitação


do divórcio (Art. 226, § 6º), não havendo mais restrição quanto ao número de
divórcios por pessoa, além dos prazos serem reduzidos.

Em 2007, foi editada a Lei nº 11.441/07, permitindo a dissolução consensual


do casal, em via administrativa, por meio de escritura pública lavrada em cartório,
nos casos em que não houvesse interesse de capaz.

Em 2010, foi editada a Emenda Constitucional nº 66/2010, que


complementou o princípio constitucional da facilitação da dissolução do
casamento, uma vez que:

• Eliminou os prazos para o divórcio.


• Aboliu a necessidade de indicação da causa do divórcio.
• Afastou a discussão da culpa nas ações de divórcio. A culpa, em outras ações
(a exemplo da ação de separação), pode ser importante para a discussão da
responsabilidade civil (Art. 927, do CC/02) e para a mutação da natureza dos
alimentos (Art. 1.704, parágrafo único, do CC/02).

Compare a redação antes e depois da promulgação da Emenda


Constitucional n.66/2010:

91
UNIDADE 2 — DIREITO DE FAMÍLIA

QUADRO 1 – REDAÇÃO ANTES E DEPOIS DA PROMULGAÇÃO DA EMENDA CONSTITUCIONAL


N.66/2010

Redação original do art.226, § 6º, da Redação atual do art.226, § 6º, da CF/88


CF/88. (EC 66/10)

“O casamento civil pode ser dissolvido


pelo divórcio, após prévia separação
judicial, por mais de um ano, nos casos “O casamento civil pode ser dissolvido
expressos em lei, ou comprovada pelo divórcio”.
separação, de fato, por mais de dois anos”.

FONTE: A autora

Todavia, o Código de Processo Civil de 2015 faz expressa referência à


possibilidade de separação litigiosa ou consensual nos Arts. 693 e 731.

O STJ, tendo em conta a citada previsão do Código de Processo Civil,


já decidiu que subsiste a separação judicial no sistema jurídico, não tendo sido
revogada a legislação ordinária que trata do instituto.

Princípio da afetividade

A doutrina considera que o princípio da afetividade se encontra implícito


na nossa Constituição nas normas destinadas ao direito de família, mas não só.
Isso porque, mesmo o afeto não sendo apontado na CF/88, pode ser considerado
um direito fundamental, decorrente da valorização da dignidade da pessoa
humana e da solidariedade.

Portanto, o princípio da afetividade é entendido como princípio jurídico,


que gera consequências concretas para o direito privado, conforme será possível
verificar, por exemplo, quando estudarmos o reconhecimento da parentalidade
socioafetiva como forma de parentesco civil e da multiparentilidade pelo STF.

92
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você aprendeu que:

• A doutrina moderna entende a família como um instrumento de proteção


avançada da pessoa humana. Deixa de ser compreendida apenas como núcleo
reprodutivo, sendo entendida como instrumento da felicidade dos membros.

• É possível identificar a evolução e a pluralidade das entidades familiares,


destacando-se a mudança do paradigma da família matrimonializada para a
família plural ou múltipla.

• A Constituição de 1988 aduz, expressamente, no Art. 226, que a família é a


base da sociedade e possui especial proteção do Estado.

• Há princípios constitucionais atinentes ao direito da família, destacando-se


os seguintes: princípio da função social da família; princípio da pluralidade
de entidades familiares; princípio da igualdade entre filhos; princípio da
igualdade entre homens e mulheres; princípio da facilitação da dissolução do
casamento e princípio da afetividade.

93
AUTOATIVIDADE

1 Tendo em vista o contexto de mudanças no âmbito do direito de família


em decorrência das bruscas mudanças sociais, culturais e econômicas
ocorridas no século XX, cite dois paradigmas do direito de família trazidos
pela Constituição Federal de 1988.

2 Aponte três modalidades de família estudadas ao longo desta unidade.

3 Cite e explique dois princípios constitucionais do direito de família.

94
UNIDADE 2 TÓPICO 2 —

CASAMENTO

1 INTRODUÇÃO
Caro acadêmico, seja bem-vindo ao Tópico 2! Conforme vimos no tópico
anterior, até o advento da Constituição de 1988, o casamento era a única forma de
se constituir uma família, porém, hoje, como vimos, o texto constitucional traz,
no Art. 226, o princípio da multiplicidade/pluralidade de entidades familiares.
Portanto, estudaremos, agora, o casamento. Nesse sentido, estudaremos, a
partir da Constituição e do Código Civil de 2002, os requisitos formais para a
constituição do casamento, os regimes de bens e a dissolução da sociedade e do
vínculo conjugal.

2 CASAMENTO
Frente à doutrina contemporânea, o casamento pode ser conceituado
como a união de duas pessoas, do mesmo ou de sexo distintos, reconhecida e
regulamentada pelo Estado, formada com o escopo de constituição de família e
baseada no vínculo de afeto.

Na dicção do Art. 1.511 do Código Civil, o casamento estabelece a


comunhão plena de vida com igualdade de direitos e deveres dos cônjuges.

NOTA

Após a decisão histórica do STF, entendendo a possibilidade da existência de


uniões estáveis homoafetivas, o STJ, em decisão também inédita, reconheceu, no mesmo
ano, a possibilidade de habilitação para o casamento de duas mulheres.

95
UNIDADE 2 — DIREITO DE FAMÍLIA

NOTA

Os Cartórios de Registros Civis de Pessoas Naturais são obrigados a realizar o


casamento de pessoas do mesmo sexo.

Cristiano Chaves, Felipe Braga Netto e Nelson Rosenvald (2018, p. 1708)


trazem um didático conceito: “o casamento é uma entidade familiar estabelecida
entre pessoas humanas, merecedora de especial proteção estatal, constituída,
formal e solenemente, formando uma comunhão de afetos (comunhão de vida) e
produzindo diferentes efeitos nos âmbitos pessoal, social e patrimonial”.

Existem discussões doutrinárias acerca da natureza jurídica do casamento.


Nesse sentido, destacam-se as três principais correntes doutrinais que disputam
o tema:

a) Teoria institucionalista: possui forte carga moral e religiosa. O casamento seria


uma instituição. Era a concepção adotada pelo Código Civil de 1916.
b) Teoria contratualista: o casamento seria um contrato de natureza especial, com
regras específicas de formação.
c) Teoria mista ou eclética: alberga as correntes anteriores. O casamento seria
uma instituição quanto ao conteúdo e, quanto à formação, seria um contrato
especial.

Prevalece a terceira corrente, sendo, o casamento, entendido, pela maioria,


como um negócio jurídico especial, sendo regulado por regras de constituição e
princípios.

Quanto aos princípios, podemos destacar:

• Princípio da Monogamia: não podem casar as pessoas casadas, sob pena de


nulidade absoluta.
• Princípio da Liberdade de Escolha: decorre do exercício da autonomia privada.
• Princípio da Comunhão Plena de Vida: regido pela igualdade entre os
cônjuges.

2.1 A PROMESSA DE CASAMENTO E OS EFEITOS JURÍDICOS


Acadêmico, esteja sempre atento à nomenclatura dos institutos. A
doutrina utiliza os termos “esponsais”, “promessa esponsalícia” ou “promessa
de casamento” para se referir ao noivado

96
TÓPICO 2 — CASAMENTO

O novo Código Civil de 2002 não regulamentou o instituto. Não obstante,


a jurisprudência pátria admite, de modo excepcional, a responsabilização civil
extracontratual no caso de rompimento dos esponsais, desde que verificados os
requisitos, como:

• Livre formalização da promessa de casamento pelo noivo responsável pelo


rompimento.
• Recusa deste em cumprir tal promessa.
• Ausência de motivo justo.
• Ocorrência de um dano.

Essa recusa culposa ou dolosa ao cumprimento da promessa de casamento,


embora não se caracterize como inadimplemento contratual, pode, em casos
excepcionais, gerar consequências, como a devolução dos presentes trocados e a
indenização por danos morais e materiais.

2.2 CAPACIDADE PARA O CASAMENTO, IMPEDIMENTOS


MATRIMONIAIS E CAUSAS SUSPENSIVAS DO CASAMENTO
Quanto à capacidade para o casamento, o Código Civil de 2002 estabelece
uma idade mínima para que uma pessoa possa se casar. É chamada de idade
núbil. De acordo com o Art. 1.517, essa idade é de 16 (dezesseis) anos.

O nubente que possui entre 16 (dezesseis) e 18 (dezoito) anos ainda


necessita de autorização dos pais ou dos representantes legais para casar. É
possível que tal autorização seja suprida pelo juiz.

O código privatista, nos Arts. 1.518 e 1.519, ainda permite que os pais ou
os tutores revoguem a autorização até a celebração do casamento. Ademais, o juiz
poderá suprir a autorização quando entender que a negativa foi injusta, desde
que uma das partes provoque a jurisdição.

ATENCAO

O Art. 1.520 passou a dispor, expressamente, que “não será permitido, em


qualquer caso, o casamento de quem não atingiu a idade núbil, observado o disposto no
Art. 1.517 deste Código”.

97
UNIDADE 2 — DIREITO DE FAMÍLIA

Agora, passaremos a tratar dos impedimentos e das causas suspensivas


do casamento.

Os impedimentos matrimoniais são proibições de ordem pública, podendo


ser opostos até a celebração do casamento, por qualquer pessoa. Ademais, o juiz
ou o oficial de justiça, que tiver conhecimento da existência de um impedimento,
é obrigado a declarar (Art. 1.522, CC/02).

Os impedimentos se fundamentam na proteção da família e devem ser


interpretados restritivamente.

Reza, o Art. 1.521 do Código Civil, que não podem se casar (causas de
impedimento):

• os ascendentes com os descendentes, seja o parentesco natural ou civil;


• os afins em linha reta;
• o adotante com quem foi cônjuge do adotado e o adotado com quem o foi do
adotante;
• os irmãos, unilaterais ou bilaterais, e demais colaterais, até o terceiro grau;
• o adotado com o filho do adotante;
• as pessoas casadas;
• o cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio ou tentativa de
homicídio contra o seu consorte.

Frisa-se que o rol de impedimentos trazidos pelo Art. 1.521 é de caráter


taxativo.

NOTA

A doutrina já consolidou o entendimento segundo o qual o impedimento de


casamento entre colaterais de terceiro grau (tios e sobrinhos), que visa proteger a saúde
genética da prole, pode ser relativizado, se houver laudo médico favorável. Esse tipo de
casamento, entre colaterais de 3º grau, é denominado de “casamento avuncular”.

Os impedimentos se aplicam à união estável, salvo o impedimento


relacionado às pessoas casadas. Isso porque é possível que uma pessoa casada
estabeleça união estável com outra pessoa, desde que esteja separada.

98
TÓPICO 2 — CASAMENTO

ATENCAO

Nos termos do Art. 1.548, inciso II, do Código Civil, o casamento realizado
com alguma hipótese de impedimento é considerado nulo.

Ademais, com fundamento no Art. 1.549, é possível que alegue o


impedimento após a realização do casamento, por meio de uma ação declaratória
de nulidade que é imprescritível em razão da nulidade absoluta não se convalescer
com o decurso do tempo.

Noutro giro, as causas suspensivas objetivam proteger o patrimônio de


terceiro em virtude da realização do casamento alheio.

Cuidado, acadêmico. As causas suspensivas não se constituem em


proibições, podendo ser entendidas como “recomendações”, tanto que o Art.
1.523 do Código Civil aduz que não “devem” casar pessoas em determinadas
situações. Portanto, não se tratam de hipóteses de nulidade, anulabilidade ou
inexistência de casamento.

Nesse sentido, o Art. 1.523 do Código Civil estabelece que não devem se
casar:

• o viúvo ou a viúva que tiver filho do cônjuge falecido, enquanto não fizer
inventário dos bens do casal e der partilha aos herdeiros;
• a viúva, ou a mulher cujo casamento se desfez por ser nulo ou ter sido anulado,
até dez meses depois do começo da viuvez, ou da dissolução da sociedade
conjugal;
• o divorciado, enquanto não houver sido homologada ou decidida a partilha
dos bens do casal;
• o tutor ou o curador e os seus descendentes, ascendentes, irmãos, cunhados
ou sobrinhos, com a pessoa tutelada ou curatelada, enquanto não cessar a
tutela ou curatela, e não estiverem saldadas as respectivas contas.

NOTA

A consequência de constituir casamento na hipótese de estar presente uma


das causas suspensivas é a imposição do regime de separação obrigatória de bens. É a
norma constante do inciso I, do Art. 1.641, do Código Civil.

99
UNIDADE 2 — DIREITO DE FAMÍLIA

Assim, quando há violação dessas causas, o casamento é válido, porém


irregular, impondo-se aos cônjuges uma sanção patrimonial, qual seja, o regime
de separação obrigatória de bens.

O parágrafo único do Art. 1.523 dispõe que desaparece a causa suspensiva


se restar provada a ausência de prejuízos aos envolvidos.

As causas suspensivas, por serem de interesse privado, só poderão ser


arguidas pelos (Art. 1.524, CC/02): a) Parentes em linha reta, consanguíneos ou
afins, de qualquer dos nubentes; b) Colaterais em segundo grau, consanguíneos
(irmãos) ou por afinidade (cunhados).

2.3 DO PROCESSO DE HABILITAÇÃO E DA CELEBRAÇÃO


DO CASAMENTO
A habilitação se trata de um procedimento de natureza administrativa,
previsto nos Arts. 1.525 a 1532 do Código Civil, com a intervenção obrigatória do
Ministério Público, em que se analisará a aptidão dos nubentes para o casamento.

A competência será do Cartório de Registro Civil do domicílio dos noivos.


Caso os nubentes tenham domicílios distintos, ficará ao seu critério escolher em
qual será feita a habilitação, devendo haver a publicação dos proclamas em ambos
os domicílios, conforme disposição do Art. 67 e seguintes da Lei de Registro
Públicos.

O Art. 1.525 do Código Civil traz o primeiro passo do processo de


habilitação: requerimento da habilitação junto ao Cartório. Os nubentes,
pessoalmente ou por procurador, irão formular um requerimento que deve ser
apresentando com os documentos exigidos por lei, quais sejam:

• Certidão de nascimento ou documento equivalente para provar a idade núbil


(16 anos).
• Autorização escrita dos representantes, nos casos de nubentes com idade
entre 16 e 18 anos.
• Declaração de duas testemunhas, parentes ou não, maiores e capazes.
• Declaração de estado civil.
• Certidão de óbito ou registro de sentença de divórcio.

A habitação será feita pessoalmente perante o oficial do Registro Civil,


sendo obrigatória a oitiva do Ministério Público. Se sofrer impugnação por parte
do Ministério Público, do oficial ou de terceiro, será submetida à apreciação do
juiz.

A seguir, dito o Art. 1.527 do Código Civil, haverá a publicação dos


proclamas do casamento pelo Cartório e na imprensa (onde houver), pelo prazo
de 15 (quinze) dias para conferir publicidade ao ato e possibilitar sua impugnação.
100
TÓPICO 2 — CASAMENTO

Havendo urgência, é possível que a autoridade competente para


homologação do casamento dispense a publicação.

Impõe, à lei civil, o dever ao oficial do Registro Civil de esclarecer os


nubentes acerca dos fatos que podem ocasionar a invalidade do casamento, bem
como a respeito dos diversos regimes bens (art. 1528).

  Nesse contexto, o Art. 1.529 do Código Civil estabelece que os


impedimentos e as causas suspensivas devem ser opostos em declaração escrita
e assinada, instruída com as provas do fato alegado, ou com a indicação do lugar
onde possam ser obtidas.

No parágrafo único, do Art. 1.530, é resguardado o direito de os nubentes


requererem prazo razoável para fazer prova contrária aos fatos alegados, e
promover as ações civis e criminais contra o oponente de má-fé.

Quando cumpridas todas as formalidades impostas pelo processo de


habilitação, sendo verificada a inexistência de fato obstativo, o oficial do Registro
Civil extrairá o certificado de habilitação que possuirá eficácia de 90 (noventa)
dias, a contar da data em que foi extraído (Arts. 1.531 e 1.532, CC/02).

A celebração do casamento é tratada pelo Código Civil a partir do Art.


1.533, o qual nos informa que o mesmo ocorrerá no dia, hora e lugar previamente
designados pela autoridade que houver de presidir o ato, mediante petição dos
contraentes, que tenham procedido com a habilitação.
 
Segundo a Constituição de 1988, no Art. 98, inciso II, o juiz de paz é a
autoridade competente para presidir a celebração do casamento. Entretanto,
acadêmico, saiba que em muitas unidades da federação não se encontra
regulamentado a justiça de paz nos moldes previstos pela Lei Maior, sendo, em
sua maioria, realizado por juiz de direito a celebração do casamento.

NOTA

Também é possível que o casamento seja realizado por autoridade consular,


tendo em vista que a lei o autoriza a presidir as cerimônias realizadas nos consulados
brasileiros no exterior (Art. 1.544, CC/02).

101
UNIDADE 2 — DIREITO DE FAMÍLIA

Quanto ao local, há o Art. 1.534, do Código Civil impondo regras gerais.


A solenidade do casamento poderá ser realizada na sede do cartório, exigindo-
se portas abertas para efeito de se prestigiar a publicidade do ato, bem como a
presença de dois (testemunhas), parentes ou não dos contraentes. A lei também
permite que, se for do desejo das partes e consentindo a autoridade celebrante, o
casamento seja celebrado em edifício particular e noutro edifício público.

Na hipótese de ser realizado em edifício particular, além de se exigir que


fique de portas abertas durante o ato, é exigida a presença de quatro testemunhas.
São exigidas quatro testemunhas no caso de um dos contraentes não souber ou
não puder escrever.

Anuncia o dispositivo legal seguinte que presentes os contraentes, em


pessoa ou por procurador especial, com as testemunhas e o oficial do registro,
o presidente do ato, ouvida aos nubentes a afirmação de que pretendem casar
por livre e espontânea vontade, declarará efetuado o casamento, nos seguintes
termos: "De acordo com a vontade que ambos acabais de afirmar perante mim,
de vos receberdes por marido e mulher, eu, em nome da lei, vos declaro casados".

NOTA

O ato do casamento se aperfeiçoa no momento em que o homem e a mulher


manifestam, perante o juiz, a sua vontade de estabelecer vínculo conjugal, e o juiz os
declara casados (Art. 1.514, CC/02).

Logo, note que a manifestação de vontade e a declaração do juiz estão no


plano de validade do ato. O registro do ato, por sua vez, está no plano da eficácia.

Ocorrida a celebração do casamento, será lavrado o assento no livro


de registro. No assento, que deverá ser assinado pelo presidente do ato, pelos
cônjuges, as testemunhas, e o oficial do registro, deverão constar:

• os prenomes, sobrenomes, datas de nascimento, profissão, domicílio e


residência atual dos cônjuges;
• os prenomes, sobrenomes, datas de nascimento ou de morte, domicílio e
residência atual dos pais;
• o prenome e sobrenome do cônjuge precedente e a data da dissolução do
casamento anterior;
• a data da publicação dos proclamas e da celebração do casamento;
• a relação dos documentos apresentados ao oficial do registro;
• o prenome, sobrenome, profissão, domicílio e residência atual das testemunhas;

102
TÓPICO 2 — CASAMENTO

• o regime do casamento, com a declaração da data e do cartório em cujas notas


foi lavrada a escritura antenupcial, quando o regime não for o da comunhão
parcial, ou o obrigatoriamente estabelecido.

Por fim, o Art. 1.538, do Código Civil, estabelece que a celebração do


casamento será imediatamente suspensa se algum dos contraentes:

• recusar a solene afirmação da sua vontade;


• declarar que esta não é livre e espontânea;
• manifestar-se arrependido.

ATENCAO

O nubente que, por algum dos fatos mencionados neste artigo, der causa à
suspensão do ato, não será admitido a se retratar no mesmo dia (parágrafo único, do Art.
1.538, CC/02).

A seguir, trataremos das espécies de casamento.

• Casamento nuncupativo

O casamento nuncupativo, também chamado pela doutrina de casamento


in extremis viatae ou in articulo mortis, se configura quando um dos contraentes
estiver em iminente risco de morte.

Para o caso, o Art. 1.540 do Código Civil dispensa a presença da autoridade


competente para celebração do casamento ou mesmo de seu substituto, exigindo
a presença de seis testemunhas, que com os nubentes não tenham parentesco em
linha reta, ou, na colateral, até segundo grau.

NOTA

Em razão da urgência e da absoluta falta de tempo, as solenidades legalmente


exigidas para a celebração do casamento são flexibilizadas.

103
UNIDADE 2 — DIREITO DE FAMÍLIA

A doutrina fala em uma “máxima flexibilização das solenidades” no


caso do casamento nuncupativo, pois nem mesmo se exige o prévio processo de
habilitação (FARIAS; NETTO; ROSENVALD, p. 1.739).

Após a realização do casamento nuncupativo, o Art. 1541 exige que, em


até 10 (dez) dias da sua realização, as testemunhas devem comparecer perante a
autoridade judicial mais próxima, pedindo que tome por termos a declaração de:

• que foram convocadas por parte do enfermo;


• que este parecia em perigo de vida, mas em seu juízo;
• que, em sua presença, declararam os contraentes, livre e espontaneamente,
receber-se por marido e mulher.

Autuado o referido pedido e tomadas as declarações, o juiz procederá às


diligências necessárias para verificar se os contraentes podiam ter-se habilitado,
na forma ordinária, ouvidos os interessados que o requererem, dentro em 15
(quinze) dias (§ 1 o, Art. 1.541).

Caso seja verificada a idoneidade dos cônjuges para o casamento, este


será considerado válido pela autoridade competente, sendo assegurado recurso
voluntário às partes. Caso ninguém recorra da decisão, ou ela passe em julgado,
o juiz mandará registrá-la no livro do registro dos casamentos (§§ 2o e 3o).

NOTA

O assento assim lavrado retroagirá os efeitos do casamento, quanto ao


estado dos cônjuges, à data da celebração (efeito ex tunc).

Noutro giro, o § 5o, do dispositivo em comento, enuncia que serão


dispensadas as formalidades citadas, no caso do enfermo convalescer e puder
ratificar o casamento na presença da autoridade competente e do oficial do
registro.

• Casamento em caso de moléstia grave

Primeiramente, é importante que não se confunda o casamento em caso


de moléstia grave com o casamento nuncupativo. No primeiro a pessoa está
muito doente, porém não está em iminente risco de morte. Note que não se trata
de casamento tão urgente quanto o nuncupativo.

104
TÓPICO 2 — CASAMENTO

Na hipótese do casamento em caso de moléstia grave de um dos nubentes,


o Art. 1.539 do Código Civil estabelece que o presidente do ato deve celebrar
onde se encontrar o impedido (o enfermo) e, sendo urgente, ainda que à noite. É
exigida a presença de duas testemunhas que saibam ler e escrever.

A falta ou impedimento da autoridade competente para presidir o


casamento poderá ser suprida por qualquer dos seus substitutos legais, e a do
oficial do Registro Civil por outro ad hoc, nomeado pelo presidente do ato. O
termo avulso, lavrado por este oficial ad hoc, deverá ser registrado no respectivo
registro dentro em cinco dias, perante duas testemunhas, ficando arquivado (§§
1o e 2o, Art. 1.539).

• Casamento por procuração

O casamento poderá ser realizado por meio de procuração pública com


poderes especiais, nos termos do Art. 1.542 do Código Civil.

Vale destacar as regras contidas nos incisos do referido dispositivo legal:

• A revogação do mandato não necessita chegar ao conhecimento do


mandatário. Mas, celebrado o casamento sem que o mandatário ou o outro
contraente tivessem ciência da revogação, responderá o mandante por perdas
e danos.
• O nubente que não estiver em iminente risco de vida poderá fazer-se
representar no casamento nuncupativo.
• A eficácia do mandato não ultrapassará 90 (noventa) dias.
• Só por instrumento público se poderá revogar o mandato.

Por fim, ainda precisamos tratar sobre o casamento religioso com efeitos
civis.

• Casamento religioso com efeitos civis

A Constituição Federal de 1988 prevê, no § 2º, do Art. 226, que “o casamento


religioso tem efeito civil, nos termos da lei”.

Tendo em vista o Estado brasileiro ser laico, a doutrina dominante sustenta


que, para ter efeitos civis, o casamento pode ser celebrado perante qualquer
religião.

Dando aplicabilidade ao mandamento constitucional, o Art. 1.515 do


Código Civil anuncia que “o casamento religioso, que atender às exigências da
lei para a validade do casamento civil, equipara-se a este, desde que registrado no
registro próprio, produzindo efeitos a partir da data de sua celebração”.

105
UNIDADE 2 — DIREITO DE FAMÍLIA

ATENCAO

Note que o registro possui efeitos retroativos até a celebração do ato (efeitos
ex tunc).

O professor Flávio Tartuce (2020), com fundamento no disposto no


Art. 1.516 do Código, distingue didaticamente as duas situações possíveis de
casamento religiosos com efeitos civis:

• Casamento religioso precedido por processo de habilitação: o ato deve ser


registrado no prazo decadencial de 90 dias, contados de sua realização,
mediante comunicação do celebrante ao ofício competente, ou por iniciativa
de qualquer interessado. Após o referido prazo, o registro dependerá de nova
habilitação.
• Casamento religioso não precedido por processo de habilitação: terá efeitos
civis se, a requerimento do casal, for registrado, a qualquer tempo, no
registro civil, mediante prévia habilitação perante a autoridade competente.
Nesse caso, deve ser respeitado o prazo de 90 dias, contados de quando foi
extraído o certificado para a eficácia dessa habilitação (Art. 1.532, CC/02).
Sendo homologada a habilitação e certificada a inexistência de impedimento,
o oficial fará o registro do casamento religioso, o que tem efeito ex tunc, à
celebração.

Por fim, estabelece o § 3º, do Art. 1.516, que será eivado de nulidade o
registro civil de casamento se, antes dele, qualquer dos contraentes houver
contraído com outrem casamento civil. Note que tal dispositivo materializa o
princípio da monogamia.

2.4 EXISTÊNCIA, VALIDADE E EFICÁCIA DO CASAMENTO


Acadêmico, a partir da percepção de que o casamento é um negócio
jurídico formal e solene, é proveitosa sua análise a partir da escada ponteana, ou
seja, a partir dos seguintes planos: a) plano da existência; b) plano da validade e
c) plano da eficácia.

• Plano da existência

O casamento inexistente é aquele que “não possui os elementos fáticos


que a sua natureza supõe e exige como condição existencial, conduzindo a sua
falta à impossibilidade de sua formação” (FARIAS; NETTO; ROSENVALD, 2018,
p. 1.725).

106
TÓPICO 2 — CASAMENTO

ATENCAO

Tenha em mente que o casamento considerado inexistente é um “nada


jurídico”, não produzindo qualquer efeito no mundo jurídico.

O Código Civil não informa quais seriam os elementos da existência do


casamento.

Com base na doutrina majoritária e nos entendimentos do STJ e do STF, os


professores Cristiano Farias, Felipe Netto e Nelson Rosenvald (2018) identificam
dois elementos existenciais do casamento: a) manifestação de vontade e b)
celebração do matrimônio com a presença da autoridade.

Será inexistente o casamento no caso da ausência da declaração volitiva de


um, ou de ambos os nubentes. Também será inexistente no caso da manifestação
negativa de consentimento.

Considera-se ausente a manifestação volitiva quando a pessoa sofre


coação moral ou física.

No que tange à necessidade da celebração do matrimônio com a presença


da autoridade, é importante que não se confunda com a hipótese de incompetência
da autoridade, esta no campo da validade do casamento.

Ademais, exige-se que, para que o casamento seja existente, sejam


respeitadas as formalidades dispostas nos Arts. 1.535 e 1.536, do Código Civil.

• Plano da validade

Acadêmico, neste momento, estudaremos as causas de nulidade absoluta


e nulidade relativa (anulabilidade) do casamento, as quais se inserem no plano
de validade do casamento.

Lembre-se de que, de acordo com a escada ponteana, apenas após a análise


do plano de existência, se passa à análise do plano de validade.

• Causas de nulidade

O Art. 1.548 do Código Civil traz uma única hipótese de nulidade absoluta
do casamento: infringência de impedimento. Lembrem que os impedimentos
matrimoniais estão em rol taxativo do Art. 1.521 do Código Civil. Ademais, a
nulidade pode ser decretada de ofício pelo magistrado, a requerimento do
Ministério Público, ou de qualquer interessado.
107
UNIDADE 2 — DIREITO DE FAMÍLIA

NOTA

A sentença que decretar a nulidade do casamento retroagirá à data da


celebração (efeito ex tunc), sem prejudicar a aquisição de direitos, a título oneroso, por
terceiros de boa-fé, nem a resultante de sentença transitada em julgado (Art. 1.563, CC/02).

Vale pontuar que, anteriormente, o inciso I, do Art. 1.548 do Código,


trazia a hipótese do “casamento contraído por enfermo mental sem o necessário
discernimento para a prática dos atos da vida civil”, porém, o Estatuto da Pessoa
com Deficiência revogou tal inciso, fazendo com que tais pessoas possam se casar
livremente.

• Causas de anulabilidade

O Art. 1.550 do Código traz as hipóteses de nulidade relativa do casamento.


De acordo com o dispositivo legal é anulável o casamento:

• de quem não completou a idade mínima para se casar;


• do menor em idade núbil, quando não autorizado por seu representante legal;
• por vício da vontade, nos termos dos Arts. 1.556 a 1.558;
• do incapaz de consentir ou manifestar, de modo inequívoco, o consentimento;
• realizado pelo mandatário, sem que ele ou o outro contraente soubesse da
revogação do mandato, e não sobrevindo coabitação entre os cônjuges;
• por incompetência da autoridade celebrante.

O parágrafo primeiro do referido dispositivo legal anuncia que a


invalidade do mandato judicialmente decretada se equipara a sua revogação.
Trata da hipótese do casamento por procuração.

O casamento anulável admite convalidação e produz efeitos até que


sobrevenha a decisão judicial, que será proferida em uma ação anulatória, ajuizada
pelo interessado. As hipóteses de anulabilidade não podem ser reconhecidas de
ofício, nem podem ser arguidas pelo Ministério Público por serem relativas a
interesse estritamente privado.

• Casamento contraído por quem não completou a idade mínima para se casar

Trata-se hipótese de anulabilidade prevista no inciso I, do Art. 1.550, do


Código Civil.

Acadêmico, mais uma vez, cabe chamar atenção para modificação operada
pela Lei nº 13.811/19, no Art. 1.520 do Código Civil, qual passou a dispor que
não é possível, em nenhuma hipótese, o casamento de pessoa que não completou

108
TÓPICO 2 — CASAMENTO

idade núbil, ou seja, que possua menos de 16 (dezesseis) anos. Contudo, a lei não
alterou o inciso I, do Art. 1.550, dessa forma, o casamento de pessoas menor de 16
(dezesseis) anos continua sendo anulável (nulidade relativa).

O Código prevê duas hipóteses nas quais o casamento de quem não


atingiu a idade núbil será mantido: a) quando cônjuge menor, depois de atingir
a idade núbil, confirmar seu casamento (Art. 1553); b) se do casamento resultou
gravidez (Art. 1551).

O Art. 1.552 do Código estabelece que a anulação do casamento do menor


de 16 (dezesseis) anos poderá ser requerida: a) pelo próprio cônjuge menor; por
seus representantes legais ou por seus ascendentes.

De acordo com o Art. 1.560, o prazo será de 180 (cento e oitenta dias)
para se anular o casamento dos menores de dezesseis anos, contado o prazo para
o menor do dia em que perfez essa idade; e da data do casamento, para seus
representantes legais ou ascendentes.

• Casamento contraído por menor em idade núbil sem autorização do


representante legal

Trata-se hipótese de anulabilidade prevista no inciso II, do Art. 1.550, do


Código Civil.

Conforme vimos, os menores entre 16 (dezesseis) e 18 (dezoitos) anos


precisam de autorização de seus pais ou de seus representantes legais para se
casarem (Art. 1517, CC/02).

Caso não seja observada tal exigência, é cabível ação anulatória com prazo
decadencial de 180 (cento e oitenta) dias que, conforme estabelece o art. 1.555,
caput e § 1o, do Código Civil, serão contados da seguinte forma:

• Ação proposta pelo menor: o prazo será contado a partir do momento em que
completar 18 anos.
• Ação proposta pelo representante legal: o prazo será contado a partir da
celebração do casamento.
• Ação proposta por herdeiro necessário: o prazo será contado da data do óbito
do menor.

Tendo em conta sua natureza de nulidade relativa, a lei civil prevê hipótese
de convalidação. Anuncia o Art. 1.555, § 2o, do Código Civil, que não se anulará
casamento quando os representantes legais do menor tiverem presenciado a
celebração do casamento ou se tiverem manifestado sua aprovação.

109
UNIDADE 2 — DIREITO DE FAMÍLIA

• Casamento celebrado sob coação moral

Trata-se hipótese da anulabilidade prevista no inciso III, do Art. 1.550, e


no Art. 1.558, do Código Civil.

O Art. 1.558 do Código Civil é literal ao prever que “é anulável o casamento


em virtude de coação, quando o consentimento de um ou de ambos os cônjuges
houver sido captado mediante fundado temor de mal considerável e iminente
para a vida, a saúde e a honra, sua ou de seus familiares”.

O Art. 1.560, IV, do Código, anuncia o prazo decadencial de quatro anos,


contados de sua celebração, para se anular o casamento realizado sob coação.

Trata-se da ação anulatória de caráter personalíssimo, cabendo, apenas ao


cônjuge, que sofreu a coação propô-la (inciso IV, Art. 1.560, CC/02).

NOTA

É possível que o ato seja convalidado se, mesmo tendo ciência do vício,
houver posterior coabitação entre os cônjuges (Art. 1559, CC/02).

A doutrina (TARTUCE, 2020) aponta que, ao prever a possibilidade


de convalidação do casamento celebrado sob coação por meio da posterior
coabitação entre os cônjuges, o Código Civil adota lógica do princípio da vedação
do comportamento contraditório (venire contra factum proprium non potest) em
tema de família.

• Casamento celebrado havendo erro essencial quanto à pessoa do outro


cônjuge

Trata-se da hipótese de anulabilidade prevista no inciso III, do Art. 1.550,


e nos Arts. 1.556 e 1.557, todos do Código Civil.

O erro essencial quanto à pessoa também é correntemente chamado de


error in persona.

O Art. 1.556 estabelece que o casamento pode ser anulado por vício da
vontade, se houve por parte de um dos nubentes, ao consentir, erro essencial
quanto à pessoa do outro.

O artigo subsequente informa as hipóteses consideradas como erro


essencial sobre a pessoa do outro cônjuge. Veja:

110
TÓPICO 2 — CASAMENTO

• o que diz respeito a sua identidade, sua honra e boa fama, sendo esse erro
tal que o seu conhecimento ulterior torne insuportável a vida em comum ao
cônjuge enganado;
• a ignorância de crime, anterior ao casamento, que, por sua natureza, torne
insuportável a vida conjugal;
• a ignorância, anterior ao casamento, de defeito físico irremediável que não
caracterize deficiência ou de moléstia grave e transmissível, por contágio
ou por herança, capaz de pôr em risco a saúde do outro cônjuge ou de sua
descendência.

Segundo dispõe o inciso III, do Art. 1.556, do Código, o prazo da ação


anulatória por error in persona é de 3 (três) anos, contados da celebração do
casamento.

Trata-se da ação anulatória de caráter personalíssimo, cabendo apenas ao


cônjuge que incidiu em erro propô-la (Art. 1.559, CC/02).

• Casamento do incapaz de consentir e manifestar, de forma inequívoca, a


sua vontade

Acadêmico, neste ponto, é imprescindível que você fique atento às


modificações realizadas pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência no Código Civil.

Conforme já pontuamos, o inciso I, do Art. 1.548 do Código, trazia


a hipótese do “casamento contraído por enfermo mental sem o necessário
discernimento para a prática dos atos da vida civil”. Todavia, o Estatuto da Pessoa
com Deficiência revogou tal inciso, fazendo com que tais pessoas possam se casar
livremente. Nesse sentido, o Estatuto incluiu o § 2o no Art. 1.550 do Código Civil,
prevendo que “a pessoa com deficiência mental ou intelectual em idade núbil
poderá contrair matrimônio, expressando sua vontade diretamente ou por meio
de seu responsável ou curador”.

Cabe pontuar que o Estatuto da Pessoa com Deficiência promoveu


profunda mudança no sistema de incapacidades ao modificar os Arts. 3o e 4o do
Código Civil.

O referido Art. 3o passou a elencar apenas uma única hipótese de


incapacidade absoluta, qual seja, da pessoa menor de 16 (dezesseis) anos.
Conforme vimos, o casamento do menor de 16 (dezesseis) anos é anulável.

Quanto ao rol dos relativamente capazes, o inciso III, do Art. 4 o, passou a


prever hipótese das pessoas que por causa transitória ou definitiva não puderem
exprimir vontade.

De acordo com o Art. 1.560, caput, e §1º, do Código, o prazo da ação


anulatória, nesses casos, é de 180 (cento e oitenta) dias, contados da celebração
do casamento.

111
UNIDADE 2 — DIREITO DE FAMÍLIA

Quanto às demais hipóteses de incapacidade relativa cabe ainda mencionar


a dos ébrios habituais e viciados em tóxicos, dos pródigos e dos menores de 16 a
18 anos.

Com relação aos menores de 16 a 18 anos, vimos, anteriormente, que se


trata de hipótese de anulabilidade.

O casamento dos ébrios habituais (alcoólatras) e viciados em tóxicos,


também diz respeito à nulidade relativa, recaindo na hipótese prevista no inciso
IV, do Art. 1.550, do Código Civil.

Por último, cabe ressalvar o caso dos pródigos. Em que pese serem
previstos como relativamente incapazes no inciso IV, do Art. 4 o, do Código Civil,
entende a doutrina majoritária (TARTUCE, 2020) que os pródigos podem se casar
livremente, não sendo hipótese de casamento nulo ou anulável.

ATENCAO

Lembre-se que pródigo é o indivíduo que gasta desmedidamente, a ponto de


dilapidar seu patrimônio. O inciso V, do Art. 1.767, do Código Civil, prevê que os pródigos
são sujeitos à curatela.

Nesse viés, o casamento do pródigo é tido como plenamente válido. Isso


porque a interdição dos pródigos é relativa apenas aos atos de disposição direta
dos bens, tais como vender, hipotecar e transigir, não alcançando o casamento.

Noutro giro, observa essa corrente doutrinária que no caso de não ser
celebrado pacto antenupcial, o regime do casamento do pródigo será o da
comunhão parcial de bens (regime legal), não podendo ser aplicado o regime da
separação obrigatória de bens, tendo em vista inexistir previsão nesse sentido no
Art. 1.641, do Código Civil.

• Casamento celebrado por procuração, havendo revogação do mandato

Já pontuamos a possibilidade de o casamento ser realizado por procuração


pública com poderes especiais, tendo em vista a permissão legal contida no Art.
1.542 do Código Civil.

Caso haja revogação do mandato antes da celebração do casamento, sem


que o representante e o outro cônjuge tenham conhecimento, o casamento poderá
ser anulado.

112
TÓPICO 2 — CASAMENTO

A ação anulatória deverá observar o prazo decadencial de 180 (cento


e oitenta) dias, contados do momento em que chegue ao conhecimento do
mandante a realização do casamento (§ 2 o, do Art.1560, CC/02). Trata-se de ação
personalíssima, apenas podendo ser promovida pelo próprio mandante.

Noutro giro, o ato é convalidado caso haja posterior coabitação entre os


cônjuges (inciso V, do Art. 1.550, CC/02).

• Casamento celebrado perante autoridade relativamente incompetente

A doutrina aduz que o casamento celebrado perante autoridade


relativamente incompetente se trata de hipótese de incompetência relativa em
razão do local (ratione loci). Como exemplo, teria o caso de um juiz de paz de
uma determinada localidade que celebra casamento em local diverso, fora de sua
competência (TARTUCE, 2020).

Voltando à hipótese do casamento celebrado perante autoridade


relativamente incompetente, temos que a propositura de ação anulatória deverá
observar o prazo decadencial de dois anos, contado de sua celebração (inciso II,
do Art. 1.560, CC/02).

O código privatista também prevê, no Art. 1.554, a seguinte hipótese de


convalidação: “subsiste o casamento celebrado por aquele que, sem possuir a
competência exigida na lei, exercer publicamente as funções de juiz de casamento
e, nessa qualidade, tiver registrado o ato no Registro Civil”.

• Diferenças entre o casamento nulo e o anulável

Nesta altura, cabe sistematizar as características do casamento nulo e


anulável. Para tanto, utilizamos o seguinte quadro comparativo:

QUADRO 2 – CARACTERÍSTICAS DO CASAMENTO NULO E ANULÁVEL

CASAMENTO NULO CASAMENTO ANULÁVEL


Fundamenta-se em razões de ordem
Fundamenta-se em razões de ordem privada.
pública.
Pode ser declarada de ofício pelo Somente poderá ser invocada por aquele a
juiz, a requerimento do MP, ou de quem aproveite, não podendo ser reconhecida
qualquer interessado. de ofício.
Não é suscetível de confirmação. É suscetível de confirmação.
Não convalesce com o passar do
Submete-se a prazos decadenciais
tempo.
Não produz efeitos. Produz efeitos, quando não anulado.
Reconhecido por meio de ação Reconhecido por meio de ação desconstitutiva,
meramente declaratória. sujeito a prazo decadencial.
Admite conversão substancial. Admite sanção pelas próprias partes.
FONTE: Farias, Netto e Rosenvald (2018, p. 1732)

113
UNIDADE 2 — DIREITO DE FAMÍLIA

• Casamento putativo

Trata-se do casamento que embora nulo ou anulável, gera efeitos em


relação ao cônjuge de boa-fé subjetiva, em razão de ignorar o motivo apto a gerar
a nulidade absoluta ou relativa.

A doutrina também chama o casamento putativo de “casamento


imaginário”.

De acordo com os mandamentos contidos no Art. 1.561 do Código Civil,


é possível sistematizar o regramento do casamento putativo da seguinte forma:

1ª Regra: boa-fé de ambos os cônjuges:

- Casamento gerará, até o trânsito em julgado da sentença de nulidade ou


anulação, efeito em relação aos cônjuges e aos filhos.
- Eventuais bens adquiridos no período devem ser partilhados de acordo
com regime adotado.
- Permanece efeitos pessoais mesmo após a sentença: a) direito de usar o
nome; b) a emancipação; c) a pensão alimentícia.

2ª Regra: havendo boa-fé de apenas de um dos cônjuges:

- Somente gera efeito para o cônjuge de boa – fé e aos filhos do casal.


- Dever do cônjuge de má-fé: i) perda de todas as vantagens que auferiu
do cônjuge de boa-fé e ii) dever de cumprir as promessas feitas no contrato
antenupcial.
- Em decorrência da “culpa” ter sido banida, há quem diga que não se
aplica às sanções previstas pelo CC/02 ao cônjuge culpado (de má-fé).

3ª Regra: havendo má-fé de ambos os cônjuges:

- Somente gera efeitos para os filhos.


- Os bens adquiridos deverão ser partilhados de acordo com as regras
obrigacionais que vedam o enriquecimento ilícito sem causa (o direito de família
não atinge os cônjuges).

• Plano da eficácia

No plano da eficácia encontram-se as causas suspensivas do casamento


(já estudadas) e os deveres matrimoniais, os quais serão estudados mais adiante.

114
TÓPICO 2 — CASAMENTO

2.5 PROVAS DO CASAMENTO


Os Arts. 1.543 a 1.547 do Código Civil consagram a regulamentação acerca
das provas do casamento. Veja os dispositivos:

Art. 1.543. O casamento celebrado no Brasil prova-se pela certidão do


registro.
Parágrafo único. Justificada a falta ou perda do registro civil, é
admissível qualquer outra espécie de prova.
Art. 1.544. O casamento de brasileiro, celebrado no estrangeiro,
perante as respectivas autoridades ou os cônsules brasileiros, deverá
ser registrado em cento e oitenta dias, a contar da volta de um ou de
ambos os cônjuges ao Brasil, no cartório do respectivo domicílio, ou,
em sua falta, no 1o  Ofício da Capital do Estado em que passarem a
residir.
Art. 1.545. O casamento de pessoas que, na posse do estado de
casadas, não possam manifestar vontade, ou tenham falecido, não se
pode contestar em prejuízo da prole comum, salvo mediante certidão
do Registro Civil que prove que já era casada alguma delas, quando
contraiu o casamento impugnado.
Art. 1.546. Quando a prova da celebração legal do casamento resultar
de processo judicial, o registro da sentença no livro do Registro Civil
produzirá, tanto no que toca aos cônjuges como no que respeita aos
filhos, todos os efeitos civis desde a data do casamento.
Art. 1.547. Na dúvida entre as provas favoráveis e contrárias, julgar-
se-á pelo casamento, se os cônjuges, cujo casamento se impugna,
viverem ou tiverem vivido na posse do estado de casados.

A partir das disposições normativas, a doutrina identifica três espécies


de provas do casamento: a) prova direta; b) provas diretas complementares ou
supletórias e c) prova indireta.

A prova direta é feita pela Certidão de Casamento expedida pelo Cartório


de Registro Civil.

E
IMPORTANT

O STJ já decidiu que o casamento realizado no estrangeiro é válido no


país, tenha ou não sido aqui registrado, e, por isso, impede novo matrimônio, salvo se
desfeito o anterior.

As provas serão produzidas em uma ação de justificação de casamento, de


competência da Vara de Família, que poderá ser ajuizada pelos cônjuges ou por
terceiros interessados (filhos, credores).

115
UNIDADE 2 — DIREITO DE FAMÍLIA

ATENCAO

A expressão “posse do estado de casados”, prevista no Art. 1.545 do CC,


consagra a aplicação da Teoria da Aparência ao Direito de Família, tendo em vista que
o casamento restará provado se os cônjuges usam nome de casados, tratam-se como
casados e possuem “fama” de casados.

Ao proferir a sentença na ação de justificação de casamento, o juiz deverá


aplicar o princípio in dubio pro casamento, ou seja, havendo dúvidas entre provas
favoráveis e contrárias, a decisão deve ser pela existência do casamento.

Destaca-se que a sentença procedente produzirá efeitos retroativos (efeito


ex tunc).

2.6 EFEITOS JURÍDICOS DO CASAMENTO


Partindo da premissa legal contida no Art. 1.511 do Código Civil, de que o
casamento é uma comunhão de vida, é certo que dessa relação jurídica decorrerão
vários efeitos jurídicos.

A doutrina costuma classificar tais efeitos jurídicos em três categorias: a)


efeitos sociais; b) efeitos pessoais e c) efeitos patrimoniais.

O efeito social central do casamento é a constituição de uma entidade


familiar por meio do estabelecimento da plena comunhão de vida. Ademais, são
tidos como efeitos sociais do casamento:

• A emancipação do cônjuge incapaz (Parágrafo único, Art. 5º, do CC/02):


ressalta-se que mesmo com a dissolução do casamento, seja por viuvez,
separação ou divórcio, antes do cônjuge emancipado complementar 18
(dezoito) anos, não implicará o retorno à condição de incapaz.
• Estabelecimento de vínculo de parentesco por afinidade entre cada um dos
cônjuges e os parentes do outro (Art. 1.595, do CC/02): este efeito jurídico
também incide nas uniões estáveis por força do mesmo dispositivo legal.
• Atribuição do estado de casado, com modificação do status personae anterior
dos consortes: é efeito jurídico com alcance em relação a terceiros, sendo uma
das qualificações pelas quais uma pessoa é identificada no meio social.
• Estabelecimento de presunção de paternidade (pater is es quaem justas núpcias
demonstrant) em relação aos filhos concebidos na constância do casamento
(Art. 1597, do CC/02).

116
TÓPICO 2 — CASAMENTO

A doutrina aponta como efeitos pessoais do casamento os seguintes:

• Fixação do domicílio conjugal: o Art. 1.569 estabelece que o domicílio do


casal será escolhido por ambos os cônjuges, mas um e outro podem ausentar-
se do domicílio conjugal para atender a encargos públicos, ao exercício de
sua profissão, ou a interesses particulares relevantes. Entretanto, doutrina
e jurisprudência entendem que não se pode exigir a presença dos cônjuges
num mesmo domicílio, sendo normalmente aceito, inclusive, que um mesmo
casal estabeleça sua vida conjugal em mais de um domicílio, sendo tal decisão
pertencente à esfera de intimidade do casal.
• Contribuição proporcional para a manutenção do lar conjugal,
independentemente do regime de bens: o Art. 1.568 do Código impõe a
obrigatoriedade de que os cônjuges concorram na proporção de seus bens
e dos rendimentos do trabalho, para o sustento da família e a educação dos
filhos, qualquer que seja o regime patrimonial.
• Exercício conjunto da direção da sociedade conjugal: também tem fundamento
no Art. 1.511 do Código, que cita a igualdade de direitos e deveres entre os
cônjuges.
• Possibilidade de acréscimo de sobrenome: o § 1o,, do Art. 1.565, é claro
ao dispor que qualquer dos nubentes, querendo, poderá acrescer ao seu o
sobrenome do outro. Portanto, fica claro que se trata de uma faculdade.
• Imposição de deveres recíprocos: será analisado a seguir, em apartado.

ATENCAO

Acadêmico, lembre-se de que o direito ao nome se trata de direito


personalíssimo, compreendidos o nome e o sobrenome (Art. 16, do CC/02).

A inclusão do sobrenome de um dos nubentes no nome do outro se dá


mediante solicitação durante o processo de habilitação, porém, a jurisprudência
do STJ já reconhece a possibilidade de se realizar essa inclusão após o casamento,
devendo ser devidamente motivada e requerida perante o Poder Judiciário, por
meio do ajuizamento da ação de retificação de registro civil prevista nos Arts. 57
e 109 da Lei 6.015/73.

2.7 DEVERES DO CASAMENTO


Os deveres de ambos os cônjuges se encontram previstos nos incisos do
Art. 1.566 do Código Civil. Veja cada um deles:

117
UNIDADE 2 — DIREITO DE FAMÍLIA

• Fidelidade recíproca: decorre do princípio da monogamia (Art. 1.521, CC/02).


Deve ser lido juntamente com o dever de respeito e consideração mútuos.
• Vida em comum no domicílio conjugal: entende-se que tal dever jurídico
não pode ser traduzido como a obrigação jurídica aos cônjuges de manter
relações sexuais, sob pena de desrespeito a vida privada e, em última análise,
a dignidade. Porquanto, tal dever é lido como a necessidade de formação de
projetos de vida em comum.
• Mútua assistência: tem, como fundamento, o princípio da solidariedade
familiar, decorrente do princípio constitucional expresso da solidariedade
social (Art. 3, CF/88).
• Sustento, guarda e educação dos filhos: na verdade, esse dever transborda
a relação do casamento, existindo mesmo quando da extinção do vínculo
matrimonial.
• Respeito e consideração mútuos.

Vale ressaltar que, em casos excepcionais, a administração da sociedade


conjugal e a direção da família poderão ser exercidas exclusivamente por um dos
cônjuges, estando o outro nas seguintes situações (Art. 1570, do CC/02): a) em
lugar remoto e não sabido; b) encarcerado por mais de 180 dias; c) interditado
judicialmente ou privado, episodicamente, de consciência, em virtude de
enfermidade ou de acidente.

Por fim, frisa-se que o rol do Art. 1.566 é apenas exemplificativo, podendo
existir outros deveres entre os cônjuges a depender do caso concreto.

2.8 EFEITOS PATRIMONIAIS DO CASAMENTO: REGIME DE


BENS
Os regimes de bens constituem o conjunto de regras que regulam aspectos
patrimoniais ou econômicos do casamento. Primeiramente, é necessário saber os
princípios que nos guiaram na compreensão da temática.

O princípio da autonomia privada se relaciona à liberdade dos cônjuges


em escolher o regime de bens. Nesse sentido, o Art. 1.639 do Código informa que
é lícito aos nubentes, antes de celebrado o casamento, estipular, quanto aos seus
bens, o que lhes aprouver.

NOTA

No caso de os contraentes não realizarem convenção ou se, havendo


convenção, esta for nula ou ineficaz, vigorará, quanto aos bens entre os cônjuges, o
regime da comunhão parcial (Art. 1640, caput, do CC/02).

118
TÓPICO 2 — CASAMENTO

Por tal motivo, o regime da comunhão parcial é chamado de “regime


oficial”, e qual seria essa convenção a qual o Código Civil se refere? Trata-se do
pacto antenupcial.

O Código civil exige que o pacto antenupcial seja feito por meio de
escritura pública e durante o processo de habilitação (Art. 1.652, do CC/02).

NOTA

É nulo o pacto nupcial se não for feito por escritura pública, e será ineficaz o
pacto nupcial se não seguir o casamento.

O pacto antenupcial deve ser registrado no Registo de Imóveis do domicílio


dos cônjuges para que venha ter efeitos perante terceiros (Art. 1657, CC/02).

Outro princípio a ser destacado é o da indivisibilidade do regime de


bens, o qual informa que apesar de ser possível juridicamente a criação de outros
regimes que não estejam previstos em lei (por meio da combinação dos regimes
já previstos), não é lícito fracionar os regimes em relação aos cônjuges.

O princípio da variedade dos regimes de bens, por sua vez, faz referência
às quatro modalidades de regime adotadas pelo Código Civil de 2002: a) regime
legal ou supletório (comunhão parcial); b) regime da separação convencional
(separação total); c) comunhão universal e d) participação final nos aquestros.

NOTA

O regime de bens entre os cônjuges começa a vigorar desde a data do


casamento (Art. 1.639, do CC/02).

Por último, o princípio da mutabilidade justificada revela a regra


insculpida no artigo §2º, do Art. 1.639, do Código, a qual permite a modificação do
regime de bens por meio de autorização judicial, em pedido motivado de ambos os
cônjuges, apuradas as procedências das razões alegadas e desde que ressalvados
os direitos de terceiros.

119
UNIDADE 2 — DIREITO DE FAMÍLIA

Os efeitos da alteração do regime de bens são ex nunc, ocorrem apenas


a partir do trânsito em julgado da decisão. A seguir, será tratado um dos pontos
centrais da temática do casamento: regime de bens.

2.8.1 Regras gerais quanto aos regimes de bens


Acadêmico, sempre tenha como ponto de partida a premissa de que o
regime legal de bens do casamento é o da comunhão parcial, notadamente nos
casos de nulidade ou ineficácia da convenção quanto aos bens. Ademais, em
decorrência do princípio de autonomia, em regra, os nubentes poderão optar pelo
regime de bens que lhes aprouverem.

Todavia, com o objetivo de proteger certos indivíduos, a lei estabelece


o Regime da Separação Obrigatória ou Legal de Bens. O Art. 1.641 da lei civil
traz em rol taxativo as hipóteses em que obrigatoriamente deverá ser aplicado tal
regime:

• Das pessoas que contraírem o casamento com inobservância das causas


suspensivas da celebração do casamento.
• Da pessoa maior de 70 (setenta) anos.
• De todos que dependerem de autorização judicial para se casar.

NOTA

A doutrina majoritária sustenta ser inconstitucional impor o Regime da


Separação Legal de Bens em razão da pessoa ser maior de 70 (setenta) anos, por constituir
verdadeira situação discriminatória contra o idoso.

Quanto à última hipótese, referente a todos que dependem de autorização


judicial para casa, se volta ao casamento dos menores de 16 (dezesseis) anos.
Portanto, deve ser relida à luz da nova redação do Art. 1.520, o qual estabelece
que não será permitido, em qualquer caso, o casamento de quem não atingiu a
idade núbil.

O Código Civil não traz maiores detalhamentos sobre o Regime da


Separação Obrigatória ou Legal de Bens, o que fica a cargo da jurisprudência e
da doutrina.

120
TÓPICO 2 — CASAMENTO

A antiga súmula 377 do STF, ainda editada sob a égide do Código de 1916,
impõe que, “no regime da separação legal de bens, comunica-se os adquiridos na
constância do casamento”. Entretanto, a jurisprudência ainda impõe a mais uma
exigência, qual seja, a prova do “esforço comum”. Dessa forma, vem decidindo,
o STJ, nas hipóteses de casamento sob o regime da separação legal, os consortes,
por força da Súmula nº 377/STF, possuem interesse sobre os bens adquiridos
onerosamente ao longo do casamento.

Seguindo, há de se destacar a regra geral contida no Art. 1.642, a qual


enuncia que, qualquer que seja o regime de bens, tanto o marido quanto a mulher
podem, livremente:

• praticar todos os atos de disposição e de administração necessários ao


desempenho de sua profissão, com as limitações estabelecida no inciso I do
Art. 1.647;
• administrar os bens próprios;
• desobrigar ou reivindicar os imóveis que tenham sido gravados ou alienados
sem o seu consentimento ou sem suprimento judicial;
• demandar a rescisão dos contratos de fiança e doação, ou a invalidação do
aval, realizados pelo outro cônjuge com infração do disposto nos incisos III e
IV do Art. 1.647;
• reivindicar os bens comuns, móveis ou imóveis, doados ou transferidos
pelo outro cônjuge ao concubino, desde que provado que os bens não foram
adquiridos pelo esforço comum destes, se o casal estiver separado de fato por
mais de cinco anos;
• praticar todos os atos que não lhes forem vedados expressamente.

Complementando, tem-se o Art. 1.643, estabelecendo que os cônjuges


podem independentemente de autorização um do outro:

• comprar, ainda a crédito, as coisas necessárias à economia doméstica;


• obter, por empréstimo, as quantias que a aquisição dessas coisas possa exigir.

NOTA

As dívidas contraídas com o fim de atender às necessidades da economia


doméstica obrigam, solidariamente, ambos os cônjuges (Art. 1.644, CC/02).

Merecem destaque as regras concernentes à outorga conjugal (ou vênia


conjugal) constantes dos Arts. 1.647 e seguintes do Código Civil.

121
UNIDADE 2 — DIREITO DE FAMÍLIA

A doutrina entende a outorga conjugal como limitação a autonomia


privada no âmbito familiar com o fim de proteger a entidade familiar, ao exigir a
autorização do cônjuge para prática de determinados atos pelo outro (STOLZE;
PAMPLONA, 2020).

Entende-se que, ao ser exigida, pela lei civil, autorização do cônjuge para
prática de determinados atos, estar-se-ia no campo da legitimação. Nesse passo, a
outorga conjugal se encontra no plano da validade em relação aos atos e negócios
nos quais é exigida (TARTUCE, 2020).

NOTA

É possível que você encontre a denominação “outorga uxória” para se referir


à outorga conjugal dada pela esposa; e “outorga marital” se referindo à outorga conjugal
dada pelo marido.

O Art. 1.647 do Código Civil nos informa que a outorga conjugal será
dispensada se os cônjuges forem casados no regime da “separação absoluta”.
Prevalece, atualmente, que o dispositivo, nesse ponto, trata do regime da
separação de bens convencional (Art. 1.687, do CC/02).

Feita a ressalva, resta destacar as hipóteses nas quais o cônjuge não poderá,
sem autorização do outro:

• Alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis.


• Pleitear, como autor ou réu, acerca desses bens e direitos.
• Prestar fiança ou aval.
• Fazer doação, não sendo remuneratória, de bens comuns, ou dos que possam
integrar futura meação.

ATENCAO

A fiança prestada sem autorização de um dos cônjuges gera a ineficácia total


da garantia.

122
TÓPICO 2 — CASAMENTO

O parágrafo único do Art. 1.647 ainda informa que serão consideradas


válidas as doações nupciais feitas aos filhos quando casarem ou estabelecerem
economia própria, também dispensando a outorga conjugal nesses casos.

A outorga conjugal poderá ser suprida pelo juiz quando um dos cônjuges
a denegue sem apresentar um justo motivo, ou lhe seja impossível concedê-la
(Art. 1.648, do CC/02).

ATENCAO

Caso a falta de autorização não seja suprida pelo juiz, o ato praticado será
anulável, podendo, o outro cônjuge, pleitear a anulação até dois anos depois de terminada
a sociedade conjugal (Art. 1649 do CC/02).

Fique atento acadêmico. A ação de anulação contra o ato praticado sem


outorga conjugal e sem que tenha havido suprimento judicial, apenas poderá ser
proposta pelo cônjuge a quem caiba concedê-la ou por seus herdeiros (Art. 1.650,
do CC/02).

NOTA

O prazo decadencial para o herdeiro do cônjuge prejudicado pleitear a


anulação da fiança firmada sem a devida outorga conjugal é de dois anos, contado a partir
do falecimento do consorte que não concordou com a referida garantia.

Ainda, com relação à outorga conjugal, saiba que, no Código Civil de


1916, a falta era tida como causa nulidade absoluta do ato.

De acordo com as regras de direito intertemporal, mormente o Art. 2.035


do Código Civil de 2002, caso o ato tenha sido celebrado sob a égide do Código de
1916 sem outorga, será eivado pela nulidade absoluta. Noutro giro, se praticado
sem outorga após o Código de 2002, será apenas anulável.

Passando à questão da responsabilidade de cada cônjuge na administração


de bens do casal, ainda cabe destacar as regras constantes dos Arts. 1.651 e 1.652
do Código Civil.

123
UNIDADE 2 — DIREITO DE FAMÍLIA

Reza o Art. 1.651 do Código que na hipótese de um dos cônjuges não


puder exercer a administração dos bens que lhe incumbe, segundo o regime de
bens, caberá ao outro: a) gerir os bens comuns e os do consorte; b) alienar os
bens móveis comuns; c) alienar os imóveis comuns e os móveis ou imóveis do
consorte, mediante autorização judicial.

O Art. 1.652 estabelece que o cônjuge, que estiver na posse dos bens
particulares do outro, será para com este e seus herdeiros responsável: a)
como usufrutuário, se o rendimento for comum; b) como procurador, se tiver
mandato expresso ou tácito para os administrar; c) como depositário, se não for
usufrutuário, nem administrador.

2.8.2 Pacto antenupcial


A doutrina entende o pacto antenupcial como um contrato formal e solene
pelo qual os contraentes regulamentam as questões de natureza patrimonial
relativas ao casamento (DINIZ, 2010).

Conforme já pontuamos, o pacto antenupcial, como reflexo do princípio


da autonomia viabiliza que os contraentes, caso não queiram adotar o regime
oficial (regime da comunhão parcial). Portanto, caso o casal queira que, no
casamento, vigore o regime da comunhão parcial de bens, não será necessário
um pacto antenupcial.

Cabe destacar, que é nula a convenção ou cláusula que conflite com


normas de ordem pública (Art. 1.655, do CC/02). Como exemplo dessa regra, o
STJ entende que é nula a cláusula que exclui o direito à sucessão no regime de
comunhão parcial de bens, afastando a concorrência sucessória do cônjuge com
os ascendentes.

Conforme vimos, o Código Civil exige que o pacto antenupcial seja feito
por meio de escritura pública, devendo ser realizado durante o processo de
habilitação (Art. 1.653, do CC/02). Ademais, resta explícito que é nulo o pacto
nupcial se não for feito por escritura pública. Noutro giro, será ineficaz o pacto
nupcial se não seguir o casamento.

O Art. 1.656 da lei civil traz regra específica ao regime de participação


final dos aquestos. Estabelece que caso seja adotado tal regime no pacto nupcial,
será possível ter convenção no sentido de se estabelecer a livre disposição dos
bens imóveis, desde que particulares, mitigando a já estudada regra que exige a
outorga conjugal (Art. 1.647, do CC/02).

Terminado o estudo das regras gerais do regime de bens, passemos às


regras específicas de cada regime previsto pela legislação civilista.

124
TÓPICO 2 — CASAMENTO

2.8.3 Regime de bens em espécies


O Código Civil de 2002 consagra quatro regimes de bens entre os cônjuges:

• Regime da comunhão parcial.


• Regime da comunhão universal de bens.
• Regime da participação final nos aquestos.
• Regime da separação de bens.

A seguir, será analisado cada regime separadamente.

• Regime da comunhão parcial de bens

Também chamado de regime oficial ou supletório, o regime da comunhão


parcial de bens tem como regra basilar a comunicação de bens havidos durante o
casamento, com exceção dos bens incomunicáveis (Art. 1.658, do CC/02).

Perceba, acadêmico, a regra geral do regime da comunhão parcial é no


sentido de preservar o patrimônio anterior dos cônjuges, cabendo direito de
meação quanto aos bens adquiridos onerosamente por um ou ambos os cônjuges
na constância do casamento.

NOTA

É pacífico, na doutrina e na jurisprudência, o entendimento no sentido de que,


com relação aos bens adquiridos na constância do casamento sob o regime da comunhão
parcial, há presunção de comunhão de aquestos, sendo desnecessária a prova do esforço
comum para se verificar a comunhão dos bens.

Nesta linha de raciocínio, o Art. 1.661 do Código Civil é claro ao estabelecer


que são incomunicáveis os bens cuja aquisição tiver por título uma causa anterior
ao casamento. Ademais, o Art. 1.659 da lei civil traz um rol de bens que não irão
se comunicar no regime da comunhão parcial:

• os bens que cada cônjuge possuir ao se casar, e os que lhe sobrevierem, na


constância do casamento, por doação ou sucessão, e os sub-rogados em seu
lugar;
• os bens adquiridos com valores exclusivamente pertencentes a um dos
cônjuges em sub-rogação dos bens particulares;
• as obrigações anteriores ao casamento;
• as obrigações provenientes de atos ilícitos, salvo reversão em proveito do
casal;

125
UNIDADE 2 — DIREITO DE FAMÍLIA

• os bens de uso pessoal, os livros e instrumentos de profissão;


• os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge;
• as pensões, meios-soldos, montepios e outras rendas semelhantes.

Acadêmico, a edição nº 113 da Jurisprudência em Teses do STJ traz vários


entendimentos jurisprudenciais consolidados sobre a temática, motivo pelo qual
destacamos a seguir as teses mais importantes:

Tese nº 3: “As verbas de natureza trabalhista nascidas e pleiteadas na


constância da união estável ou do casamento celebrado sob o regime
da comunhão parcial ou universal de bens integram o patrimônio
comum do casal e, portanto, devem ser objeto da partilha no momento
da separação”.
Tese nº 4: “Deve ser reconhecido o direito à meação dos valores
depositados em conta vinculada ao Fundo de Garantia de Tempo de
Serviço – FGTS auferidos durante a constância da união estável ou do
casamento celebrado sob o regime da comunhão parcial ou universal
de bens, ainda que não sejam sacados imediatamente após a separação
do casal ou que tenham sido utilizados para aquisição de imóvel pelo
casal durante a vigência da relação”.
Tese nº 5: “A valorização patrimonial dos imóveis ou das cotas sociais
de sociedade limitada, adquiridos antes do casamento ou da união
estável, não deve integrar o patrimônio comum a ser partilhado
quando do término do relacionamento, visto que essa valorização é
decorrência de um fenômeno econômico que dispensa a comunhão de
esforços do casal”.
Tese nº 6: “Os valores investidos em previdência privada fechada se
inserem, por analogia, na exceção prevista no art. 1.659, VII, do Código
Civil de 2002, consequentemente, não integram o patrimônio comum
do casal e, portanto, não devem ser objeto da partilha”.

Noutro giro, o Art. 1.660 do Código traz o rol dos bens que entram na
comunhão:

• os bens adquiridos na constância do casamento por título oneroso, ainda que


só em nome de um dos cônjuges;
• os bens adquiridos por fato eventual, com ou sem o concurso de trabalho ou
despesa anterior;
• os bens adquiridos por doação, herança ou legado, em favor de ambos os
cônjuges;
• as benfeitorias em bens particulares de cada cônjuge;
• os frutos dos bens comuns, ou dos particulares de cada cônjuge, percebidos
na constância do casamento, ou pendentes ao tempo de cessar a comunhão.

O Art. 1.662 do Código Civil traz regra em relação aos bens móveis, no
sentido de que, no regime da comunhão parcial, presume-se que foram adquiridos
na constância do casamento, quando não se provar que foram em data anterior.
Note que se trata de presunção relativa (iuris tantum).

126
TÓPICO 2 — CASAMENTO

Tendo em vista o princípio da igualdade entre os cônjuges, a administração


do patrimônio comum compete a qualquer um deles. As dívidas contraídas no
exercício da administração obrigam os bens comuns e particulares do cônjuge
que os administra, e os do outro apenas na razão do proveito que houver auferido
(§ 1º, do Art. 1.663, do CC/02).

Apenas será possível a cessão de uso ou gozo dos bens comuns, a título
gratuito, se ambos os cônjuges anuírem (§ 2º, do Art. 1.663, do CC/02).

É possível que se recorra ao Poder Judiciário para o fim de se atribuir a


administração dos bens a apenas um dos cônjuges no caso da malversação (§ 3º,
do Art. 1.663, do CC/02).

Os bens da comunhão respondem pelas obrigações contraídas pelo


marido ou pela mulher para atender aos encargos da família, às despesas de
administração e às decorrentes de imposição legal (Art. 1.664, do CC/02). Por
outro lado, as dívidas, contraídas por qualquer dos cônjuges na administração de
seus bens particulares e em benefício destes, não obrigam os bens comuns (Art.
1666, do CC/02).

Cumpre destacar que o Art. 1.665 do Código dispõe que a administração


e a disposição dos bens constitutivos do patrimônio particular competem ao
cônjuge proprietário, salvo convenção diversa em pacto antenupcial.

Tendo em vista a disposição normativa, muito se discutiu a respeito da


necessidade de outorga conjugal para a venda de um bem particular por um dos
cônjuges quando casados sob o regime de comunhão parcial.

Prevalece o entendimento que, à luz do já estudado Art. 1.647, inciso I, do


Código, é obrigatória a concessão de outorga conjugal sob pena de nulidade do
ato. O professor Flávio Tartuce (2020) explica que se objetiva proteger eventuais
benfeitorias realizadas nos bens particulares, em razão destas serem considerados
bens comunicáveis no regime de comunhão parcial (Art. 1.660, IV, do CC/02).

• Regime da comunhão universal de bens

No regime da comunhão universal de bens comunicam-se os bens


anteriores, presente e posteriores à do casamento, incluindo as dívidas de ambos
os consortes (Art. 1.667, do CC/02).

O Art. 1.668 do Código Civil mitiga a regra geral e afirma que são excluídos
da comunhão:

• os bens doados ou herdados com a cláusula de incomunicabilidade e os sub-


rogados em seu lugar;
• os bens gravados de fideicomisso e o direito do herdeiro fideicomissário,
antes de realizada a condição suspensiva;

127
UNIDADE 2 — DIREITO DE FAMÍLIA

• as dívidas anteriores ao casamento, salvo se provierem de despesas com seus


aprestos, ou reverterem em proveito comum;
• as doações antenupciais feitas por um dos cônjuges ao outro com a cláusula
de incomunicabilidade;
• os bens referidos nos incisos V a VII do Art. 1.659.

O Art. 1.669 do Código Civil aduz que os frutos são comunicáveis, mesmo
que sejam retirados de bens incomunicáveis, mas desde que sejam percebidos
na constância do casamento. Como exemplo, o professor Tartuce (2020) diz ser
possível citar os aluguéis retirados por um dos cônjuges em relação a um imóvel
recebido com cláusula de incomunicabilidade. Tais aluguéis, mesmo sendo
retirados de um imóvel com cláusula de incomunicabilidade, serão comunicáveis.

Aplicam-se ao regime da comunhão universal as regras do regime de


comunhão parcial, quanto à administração dos bens (Art. 1.670, do CC/02).

No caso de ser extinta a comunhão pela dissolução do casamento e sendo


realizada a divisão do ativo e do passivo entre as partes, cessará a responsabilidade
de cada um para os credores do outro (Art. 1.671, do CC/02). Eventual dívida que
surja após o fim da união, mas cuja origem está no período da vida em comunhão,
haverá responsabilidade do cônjuge.

NOTA

O Código Civil de 1916 previa a comunhão universal de bens como regime legal.

Acadêmico, a partir da Lei do Divórcio, estabeleceu-se que, em caso de


silêncio dos cônjuges, a regra é o regime de comunhão parcial de bens. Por esse
motivo, há decisão do STJ no sentido de que, nos matrimônios realizados após a
vigência da Lei do Divórcio, é obrigatório o estabelecimento do pacto antenupcial
para a determinação de regime diferente da comunhão parcial de bens.

• Regime da participação final nos aquestos

De acordo com o Art. 1.672 do Código Civil, o regime de participação


final nos aquestos impõe que, durante a convivência conjugal, o casamento fica
submetido às regras da separação convencional dos bens, porém, no instante da
dissolução matrimonial (seja por morte ou por separação e divórcio), incidem
as normas atinentes à comunhão parcial, comunicando-se os bens adquiridos
onerosamente por cada um durante a constância das núpcias (FARIAS; NETTO;
ROSENVALD, 2018).

128
TÓPICO 2 — CASAMENTO

Acadêmico, perceba se tratar de regime de bens misto, incidindo as regras


da separação convencional e as da comunhão parcial.

ATENCAO

O professor Flávio Tartuce (2020, p. 1420) alerta que, por se tratar de um regime
complexo, “são raras as notícias de opção por tal regime”.

O Art. 1.673 do Código Civil estabelece que integram patrimônio próprio


os bens que cada cônjuge possuía ao casar e os por ele adquiridos, a qualquer
título, na constância do casamento. Ademais, a administração desses bens é
exclusiva de cada cônjuge, que os poderá livremente alienar, se forem móveis.

ATENCAO

Quanto aos bens imóveis, prevalecerá a regra do inciso I, do Art. 1.647 do


Código Civil, sendo necessária a outorga conjugal para fim de alienação.

Já o Art. 1.674 do Código impõe que, no caso de dissolução da sociedade


conjugal, apurar-se-á o montante dos aquestos, excluindo-se da soma dos
patrimônios próprios: a) os bens anteriores ao casamento e os que em seu lugar
se sub-rogam; b) os que sobrevierem a cada cônjuge por sucessão ou liberalidade;

c) as dívidas relativas a esses bens.

O parágrafo único, do artigo supramencionado, ainda aduz que salvo


prova em contrário, presumem-se (iuris tantum) adquiridos, durante o casamento,
os bens móveis.

Reza o Art. 1.682, do Código Civil, que o direito à meação não é renunciável,
cessível ou penhorável na vigência do regime matrimonial.

129
UNIDADE 2 — DIREITO DE FAMÍLIA

ATENCAO

A doutrina alerta que o termo “meação” é usado de maneira inapropriada,


devendo ser lido como “participação”.

Explica Tartuce (2020, p. 1.421) que “os bens de participação não se


confundem com a meação, pois a última independe da prova de esforço comum
para a comunicação”.

No caso da dissolução do regime de bens ocasionada pela separação


judicial ou por divórcio, verificar-se-á o montante dos aquestos à data em que
cessou a convivência (Art. 1683, do CC/02).

Não sendo possível nem conveniente a divisão de todos os bens em


natureza, calcular-se-á o valor de alguns ou de todos para reposição em dinheiro
ao cônjuge não proprietário, porém, não se podendo realizar nem mesmo a
reposição em dinheiro, serão avaliados e, mediante autorização judicial, alienados
tantos bens quantos bastarem (Art. 1684, do CC/02).

No caso da dissolução da sociedade conjugal em razão da morte,


verificar-se-á a meação do cônjuge sobrevivente de conformidade com os artigos
antecedentes, deferindo-se a herança aos herdeiros na forma estabelecida na lei
civil (Art. 1685, do CC/02).

Por último, reza o Art. 1.686 do Código que as dívidas de um dos cônjuges,
quando superiores à meação, não obrigam ao outro, ou a seus herdeiros.

• Regime da separação de bens

O regime da separação de bens possui duas modalidades: a) convencional


(Art. 1.687, do CC/02) e b) legal ou obrigatória (Art. 1.641, do CC/02).

Neste momento, trataremos do regime da separação de bens na sua


modalidade convencional, qual deverá ser instituído por meio de pacto
antenupcial.

É perceptível a larga autonomia dos cônjuges que se casam sob o regime


da separação convencional de bens. O Art. 1.687, do Código estabelece que os
bens permanecerão sob a administração exclusiva de cada um dos cônjuges, que
os poderá livremente alienar ou gravar de ônus real.

130
TÓPICO 2 — CASAMENTO

ATENCAO

Acadêmico, note que, no regime da separação convencional de bens, não


haverá comunicação de qualquer bem, não importando o momento em que foi adquirido
(anterior ou posterior à união).

Por outro lado, o Art. 1.688 da lei civil estabelece que ambos os cônjuges são
obrigados a contribuir para as despesas do casal na proporção dos rendimentos de
seu trabalho e de seus bens, salvo estipulação em contrário no pacto antenupcial.

ATENCAO

Não confunda o regime de separação de bens convencional com o regime de


separação de bens obrigatório ou legal.

À luz da doutrina e da jurisprudência do STJ e do STF, é possível


demonstrar a diferença entre os dois regimes pelo seguinte quadro:

QUADRO 3 – DIFERENÇA ENTRE OS DOIS REGIMES DE SEPARAÇÃO

REGIME DA SEPARAÇÃO REGIME DA SEPARAÇÃO


CONVENCIONAL OBRIGATÓRIA OU LEGAL
(art. 1.687) (art. 1641)
Os contraentes podem optar por esse Trata-se de imposição legal visando proteger
regime por meio do pacto antenupcial determinadas pessoas (obrigatoriedade).
(faculdade).
HÁ BENS EM COMUM DO CASAL

Súmula 377 do STF: “No regime da separação


legal de bens, comunica-se os adquiridos na
Separação de bens ABSOLUTA constância do casamento”, ou seja, os consortes
possuem interesse sobre os bens adquiridos
onerosamente ao longo do casamento.
+
DESDE que provado o “esforço em comum”
(STJ- REsp 1163074/PB e EREsp 1623858/MG).

FONTE: A autora

131
UNIDADE 2 — DIREITO DE FAMÍLIA

Finalizado o estudo de cada espécie de regime de bem, passaremos a


tratar da possibilidade de mudança de regime de bens do casamento.

2.8.4 Mudança de regime de bens do casamento


A mudança de regime de bens do casamento apenas passou a ser possível
com o advento do Código Civil de 2002.

O Art. 1.639, § 2º, do Código é claro no sentindo de admitir a alteração do


regime de bens, mediante autorização judicial, desde que o pedido seja motivado
por ambos os cônjuges, devendo ser apurada a procedência das razões invocadas
e ressalvados os direitos de terceiros.

NOTA

Diz-se que o processo de mudança de regime de casamento é orientado pelo


princípio da mutabilidade justificada.

Diante de tal norma, a doutrina aduz ser possível concluir que (STOLZE;
PAMPLONA, 2020):

• a alteração do regime não pode se dar pela via administrativa, em cartório,


exigindo, pois, a instauração de procedimento judicial;
• esse procedimento judicial será de jurisdição voluntária, uma vez que, sendo o
pedido conjunto, não há lide, afigurando-se, assim, juridicamente impossível
um pedido de mudança formulado em ação judicial proposta por um dos
cônjuges em face do outro;
• o pedido conjunto deverá ser motivado, a fim de que a autoridade judiciária
possa analisar a razoabilidade do pleito e dos fundamentos invocados;
• a mudança do regime de bens, que se dará por sentença, não poderá afrontar
direitos de terceiros, razão por que é recomendável que o juiz determine a
publicação de edital, imprimindo, assim, a mais ampla publicidade;
• o entendimento majoritário é no sentido de que o juízo competente não
deverá ser o da Vara de Registros Públicos, mas, sim aquele com competência
em Direito de Família, uma vez que a mudança se fundamenta na situação
matrimonial dos interessados.

O Código Civil de 2002 não fixou os efeitos da alteração de regime de bens


do casamento. Por essa razão, discute-se se haveria a possibilidade de conceder
efeitos retroativos (ex tunc) a essa alteração, ou seja, desde a data de celebração do
casamento, ou se caberiam apenas efeitos prospectivos (ex nunc).
132
TÓPICO 2 — CASAMENTO

No âmbito do STJ, a 3ª turma vem entendendo, de forma reiterada, que


a eficácia da referida alteração é para o futuro, ou seja, possui apenas efeitos
ex nunc. Por outro lado, há vozes na doutrina que sustentam que deveria ser
reconhecido efeito ex tunc (retroativos) à modificação de regime de bens do
casamento, fundamentando-se, sobretudo, que deve prevalecer a autonomia da
vontade do casal.

Maria Berenice Dias (2011, p. 254-255), por exemplo, defende que “a


mudança poderia ter efeitos ex tunc ou ex nunc, a depender da vontade dos
cônjuges”. Veja a fundamentação:

Na ausência de impedimento legal, é possível retroagir os efeitos


da mudança do regime. Como o que não é proibido é permitido,
é necessário admitir a possibilidade de a alteração atingir bens
adquiridos antes do pedido de alteração, assim como os havidos antes
mesmo do casamento. Ou seja, a mudança pode atingir bens comuns
ou particulares, bens já existentes ou bens futuros. A retificação pode
ter efeitos ex tunc ou ex nunc, a depender da vontade dos cônjuges.
Aliás, o próprio texto legislativo conduz à possibilidade de eficácia
retroativa ao ressalvar os direitos de terceiros, ressalva essa que só
tem cabimento pela possibilidade de retroação. Adotado o regime da
comunhão universal, a retroatividade é decorrência lógica. Impossível
pensar em comunhão sem implicar comunicação de todos os bens
posteriores e anteriores à modificação.

O Art. 734 do Código de Processo Civil traz a regulamentação do processo


judicial da mudança de regime do casamento que deverá seguir a jurisdição
voluntária, correndo perante a Vara de Família. Veja:

Art. 734. A alteração do regime de bens do casamento, observados os


requisitos legais, poderá ser requerida, motivadamente, em petição
assinada por ambos os cônjuges, na qual serão expostas as razões que
justificam a alteração, ressalvados os direitos de terceiros.
§ 1º Ao receber a petição inicial, o juiz determinará a intimação do
Ministério Público e a publicação de edital que divulgue a pretendida
alteração de bens, somente podendo decidir depois de decorrido o
prazo de 30 (trinta) dias da publicação do edital.
§ 2º Os cônjuges, na petição inicial ou em petição avulsa, podem
propor ao juiz meio alternativo de divulgação da alteração do regime
de bens, a fim de resguardar direitos de terceiros.
§ 3º Após o trânsito em julgado da sentença, serão expedidos
mandados de averbação aos cartórios de registro civil e de imóveis
e, caso qualquer dos cônjuges seja empresário, ao Registro Público de
Empresas Mercantis e Atividades Afins.

Por derradeiro, é importante saber que o STJ vem entendendo a


possibilidade de alteração do regime de bens dos casamentos celebrados na
vigência do Código Civil de 1916.

A jurisprudência do STJ se fundamenta no Art. 2.035 do Código Civil, o


qual estabelece que “a validade dos negócios jurídicos e demais atos jurídicos,
constituídos antes da entrada em vigor deste Código, obedece ao disposto nas

133
UNIDADE 2 — DIREITO DE FAMÍLIA

leis anteriores, referidas no Art. 2.045, mas os seus efeitos, produzidos após a
vigência deste Código, aos preceitos dele se subordinam, salvo se houver sido
prevista pelas partes determinada forma de execução”. Dessa forma, quanto aos
planos da existência e da validade, devem ser aplicadas as regras do momento da
celebração do negócio.

No tocante ao plano da eficácia, devem incidir as regras do momento


dos efeitos. O professor Flavio Tartuce (2020) explica que o regime de bens e a
possibilidade de sua alteração encontram-se no plano da eficácia do casamento,
pois têm relação com as consequências posteriores do casamento.

2.9 DISSOLUÇÃO DA SOCIEDADE CONJUGAL E DO


CASAMENTO
Durante a vigência do Código Civil de 1916, em um primeiro momento
(até 1977), vigorou o sistema da indissolubilidade do casamento. Nessa ocasião,
apenas o desquite colocava fim ao casamento, porém, sem dissolver o vínculo
existente entre o marido e a mulher.

O divórcio foi implementado pela Emenda Constitucional nº 9/77, em


caráter excepcional, tendo em vista que cada pessoa poderia se divorciar apenas
uma vez, e desde que precedido de cinco anos de separação judicial. A matéria foi
regulamentada pela Lei do Divórcio.

Em 1988, o Art. 226, §6º, da CF, adotou o princípio da facilitação do


divórcio. O prazo de cinco anos foi reduzido para dois anos, sendo exigido
um ano prévia separação judicial, não havendo mais limites de quantidade de
divórcios por pessoa.

Por fim, a Emenda Constitucional nº 66/2010 acabou com o prazo de


prévia separação judicial, permitindo o divórcio sem prazo (“divórcio direto”).

2.9.1 Sistemas de dissolução do casamento


O Código Civil de 2002, no Art. 1.571, consagra o sistema dualista ou
binário de dissolução do casamento composto por causas terminativas e causas
dissolutivas propriamente ditas.

As causas terminativas atacam apenas a sociedade conjugal, colocando


fim ao regime de bens e aos deveres conjugais recíprocos (fidelidade, coabitação
etc., Art. 1.566). Nesse passo, mesmo com incidência de uma causa terminativa,
não se permitiria novas núpcias, tendo em vista que o vínculo matrimonial era
mantido.

134
TÓPICO 2 — CASAMENTO

Quatro são as causas terminativas no Código de 2002: a) a morte; b) a


anulação ou nulidade do casamento; c) a separação judicial; d) o divórcio.

NOTA

A doutrina aduz que, na realidade, a anulação ou nulidade do casamento é


causa desconstitutiva do casamento, pois possui motivo anterior a sua celebração e visa
retornar ao ‘status quo ante’, ou seja, ao estado civil anterior ao casamento.

Dessas quatro causas terminativas, a doutrina identifica duas dela como


sendo, também, causas dissolutivas: a) a morte e b) o divórcio.

As causas dissolutivas aniquilam o casamento (vínculo matrimonial).

Note, por fim, que existiria apenas uma causa terminativa propriamente
dita (encerrava a sociedade sem encerrar o vínculo), qual seja, a separação.

A doutrina majoritária afirma que esse sistema dualista ou binário de


dissolução do casamento teria sido superado com a promulgação da Emenda
Constitucional nº 66/10. Veja o comentário dos professores Cristiano Chaves de
Farias, Nelson Rosenvald e Felipe Braga Netto (2018, p. 1782):

Não há justificativa lógica em terminar e não dissolver um casamento.


Escapa à razoabilidade e viola a própria operabilidade do sistema
jurídico. De nossa parte, perfilhando o entendimento majoritário em
nossa doutrina e jurisprudência, afirmamos a superação do caráter
binário do sistema, com o advento da Emenda Constitucional nº
66/10. Com a reforma do texto constitucional originário, pensamos
que se estabeleceu uma dissolução do casamento facilitada, através
da morte ou do divórcio, extinguindo a possibilidade de dissolução
por separação.

Contudo, acadêmico, muita atenção. Veremos, a seguir, que a mais recente


jurisprudência do STJ é no sentido de que a separação não teria sido abolida pela
Emenda Constitucional nº 66/2010.

2.9.2 A Emenda Constitucional nº 66/2010 e a (in)


existência da separação
Com o advento da EC 66/2010 (“emenda do divórcio”), uma parcela da
doutrina civilista passou a sustentar que o ordenamento jurídico brasileiro havia
abolido a separação. Em 2015, contudo, o Art. 693 do Novo Código de Processo

135
UNIDADE 2 — DIREITO DE FAMÍLIA

Civil expressamente previu que as normas contidas no capítulo, que trata das
ações de família, seriam aplicadas à separação.

A maioria dos doutrinadores, como o professor Flávio Tartuce (2020),


defende que a figura da separação foi abolida, revogando as disposições do Código
Civil de 2002 e devendo ser declarada a inconstitucionalidade dos dispositivos do
Novo Código de Processo Civil sobre a matéria.

Não ocorreu a revogação tácita da legislação infraconstitucional que versa


sobre a separação, dado que a Emenda Constitucional 66/2010 não tratou, em
momento algum, da separação, e não dispôs acerca da matéria incompatível.

Prevaleceu em sede jurisprudencial que houve apenas a supressão


do requisito temporal para divórcio, bem como do sistema bifásico, para que
o casamento seja dissolvido pelo divórcio. Portanto, apenas se operou uma
facilitação ao divórcio (e não a abolição da separação judicial).

Outro argumento central da decisão do STJ foi, justamente, o fato de o


Código de Processo Civil de 2015, em diversos dispositivos, fazer referências ao
instituto da separação judicial, inclusive, regulando-o no capítulo que trata das
ações de família (Art. 693).

QUADRO 4 – DIFERENÇA ENTRE A SEPARAÇÃO E O DIVÓRCIO

SEPARAÇÃO (judicial ou extrajudicial) DIVÓRCIO


É forma de dissolução do vínculo conjugal
A separação é modalidade de extinção
e extingue o próprio vínculo conjugal,
da sociedade conjugal, pondo fim aos
pondo termo ao casamento, refletindo
deveres de coabitação e fidelidade, bem
diretamente sobre o estado civil da pessoa
como ao regime de bens (art. 1.571, III, do
e permitindo que os ex-cônjuges celebrem
Código Civil) sem, no entanto, dissolver
novo casamento, o que não ocorre com a
o casamento.
separação.

A separação é uma medida temporária


e de escolha pessoal dos envolvidos,
O divórcio é, em tese, definitivo. Caso
que podem optar, a qualquer tempo,
as pessoas divorciadas desejem ficar
por restabelecer a sociedade conjugal
novamente juntas, deverão se casar outra
ou pela sua conversão definitiva em
vez.
divórcio (seria caso de “divórcio indireto
ou por conversão”: aquele precedido por
separação judicial ou extrajudicial).

FONTE: A autora

O Art. 1.576 do Código Civil anuncia que a separação judicial põe termo
aos deveres de coabitação e fidelidade recíproca e ao regime de bens. A partir
daí, entende-se que o conceito de sociedade conjugal está inserido no conceito de
casamento.

136
TÓPICO 2 — CASAMENTO

O professor Flávio Tartuce (2020, p. 1455) aduz que, “didaticamente,


afirma-se que sociedade conjugal é o miolo do casamento”. Portanto, dissolvido
o casamento, estará dissolvida a sociedade conjugal. Todavia, a recíproca não é
verdadeira.

A partir deste momento, passaremos a estudar especificamente as


hipóteses de cabimento da separação.

2.9.3 Hipóteses de cabimento da separação


Acadêmico, tendo em vista que pende de julgamento no STF a questão
relativa à manutenção ou não da separação como instituto autônomo após a
promulgação Emenda Constitucional nº 66/2010, trataremos das hipóteses de
incidência ainda previstas no ordenamento jurídico.

É possível a identificação de três “modalidades” de separação: a) separação


extrajudicial consensual; b) separação judicial consensual e c) separação judicial
litigiosa.

A separação extrajudicial consensual é prevista expressamente pelo


Código de Processo Civil de 2015. O Art. 733 dispõe que o divórcio consensual,
a separação consensual e a extinção consensual de união estável, não havendo
nascituro ou filhos incapazes e observados os requisitos legais, poderão ser
realizados por escritura pública.

Ressalta-se que a escritura não depende de homologação judicial e


constitui título hábil para qualquer ato de registro, bem como para levantamento
de importância depositada em instituições financeiras. Ademais, a lei exige que as
partes estejam assistidas por advogados ou defensores públicos, os quais deverão
assinar o ato notarial (§ § 1º e 2º, do Art. 733, do CPC).

A separação judicial consensual também é prevista no Código de Processo


Civil de 2015, no Art. 731, o qual dispõe que homologação do divórcio ou da
separação consensuais, poderá ser requerida em petição simples assinada por
ambos os cônjuges, sendo observados alguns requisitos e disposições concernentes
à descrição e à partilha dos bens comuns.

Atente-se que o Art. 1.574 do Código Civil ainda submete a separação


consensual à exigência de um prazo mínimo de um ano de casamento, ou seja,
não é possível a separação consensual daqueles que estão casados há menos de
um ano.

Aqui, reside uma ferrenha crítica doutrinária, contraditoriamente, é


possível se divorciar mesmo estando casado há menos de um ano, já que com
o advento da Emenda Constitucional nº 66/2010 não se exige mais qualquer
lapso temporal para o divórcio. Assim, a medida mais “drástica” não se exige

137
UNIDADE 2 — DIREITO DE FAMÍLIA

a observância de qualquer lapso temporal, enquanto a separação ainda exigiria


(AZEVEDO, 2019).

A separação litigiosa, por sua vez, é subdividida pela doutrina em:


a) separação sanção; b) separação falência e c) separação remédio (STOLZE;
PAMPLONA, 2020).

A separação sanção consiste na possibilidade de que qualquer um dos


cônjuges proponha ação de separação judicial tendo como motivação a imputação
ao outro “qualquer ato grave que importe violação dos deveres do casamento e
torne insuportável da vida em comum” (Art. 1.572, do CC/02). Portanto, tenha
em mente que, na separação sanção, há discussão de culpa.

NOTA

O Código Civil de 2002 prevê duas sanções ao chamado “cônjuge culpado”.

A primeira sanção é prevista no Art. 1.578, o qual estabelece que o cônjuge


culpado perde o direito de usar o sobrenome do outro, porém, para tanto, é
necessário que seja requerido pelo cônjuge inocente e que não acarrete evidente
prejuízo para identificação do cônjuge culpado ou em manifesta distinção entre
o nome do cônjuge culpado e dos filhos havidos na união dissolvida ou qualquer
outro dano grave reconhecido na decisão judicial.

A outra sanção é prevista no Art. 1.704, e diz respeito ao direito a alimentos.


Se um dos cônjuges necessitar de alimentos, o outro será obrigado prestá-los
mediante pensão a ser fixada pelo magistrado, caso não tenha sido culpado
na ação de separação judicial. Caso o cônjuge tenha sido declarado culpado, e
não tenha parentes em condições de prestar-lhe alimentos, nem aptidão para o
trabalho, o cônjuge será obrigado a prestar apenas os alimentos indispensáveis à
sobrevivência.

O Art. 1.573 do Código Civil traz, em rol exemplificativo, motivos que


podem caracterizar a impossibilidade da comunhão de vida: a) adultério; b)
tentativa de morte; c) sevícia ou injúria grave; d) abandono voluntário do lar,
durante um ano contínuo; e) condenação por crime infamante; f) conduta
desonrosa.

O parágrafo único do dispositivo legal exposto ainda ressalva a


possibilidade de o magistrado considerar outros fatos que tornem inequívoca a
impossibilidade da vida em comum.

138
TÓPICO 2 — CASAMENTO

A separação falência consiste na hipótese consagrada no §1º, do Art.


1.572, o qual prevê a possibilidade de um dos cônjuges pedir a separação judicial
provando a “ruptura da vida em comum há mais de um ano e a impossibilidade
de sua reconstituição”.

A terceira e última modalidade de separação judicial litigiosa é a separação


remédio, prevista no § 2º, do Art. 1.572, consistindo na possibilidade de um dos
cônjuges pedir a separação judicial quando o outro estiver acometido de doença
mental grave. Tal enfermidade deve ter se manifestado após o casamento e deve ser
de tal a gravidade a ensejar impossibilidade da vida em comum. Ademais, exige-
se o lapso temporal de dois anos após o reconhecimento de que a enfermidade
seja incurável.

Prosseguindo nos estudos, trataremos da separação de corpos a seguir.

2.9.4 Separação de corpos


Em que pese a doutrina majoritária defender que a figura da separação
foi abolida como figura autônoma com o advento da Emenda Constitucional nº
66/2010, entende subsistir a possibilidade da medida de separação de corpos.

Prevista no Art. 1.562, do Código Civil, a separação de corpos é uma


medida judicial que tem por escopo a saída ou a retirada de um dos cônjuges do
lar conjugal. Tem a finalidade de evitar o convívio com o outro cônjuge e poderá
acontecer quando um dos dois quiser e no momento do pedido de divórcio
ou de dissolução de união estável. A medida também é utilizada em casos de
agressão. Nesta situação, o cônjuge agredido pode pedir para sair do lar conjugal
ou a retirada do cônjuge agressor. Também há quem defenda que a separação
de corpos “atendem casais que querem, tão somente, ‘dar um tempo na relação’,
deixando a decisão definitiva para um momento posterior” (FARIAS; NETO;
ROSENVALD, 2018, p. 1.785).

NOTA

É entendimento pacífico na doutrina e na jurisprudência do STJ que a


separação de corpos produz os mesmos efeitos de uma separação judicial, como a
cessação de regime de bens do casamento, a extinção de deveres recíprocos e o término
do direito sucessório.

139
UNIDADE 2 — DIREITO DE FAMÍLIA

2.9.5 Separação de fato


A separação de fato é a livre decisão dos cônjuges de encerrar a sociedade
conjugal, porém sem recorrer aos meios legais. A decisão põe fim aos direitos,
deveres e efeitos do casamento, mas os cônjuges permanecem no estado civil de
casados.

Os professores Cristiano Chaves de Farias, Felipe Braga Netto e Nelson


Rosenvald (2018, p. 1.787) entendem que:

A separação de fato é um estado continuativo, caracterizando-se pela


simples cessação da coabitação em razão de interesses profissionais
ou pessoais dos consortes, quando, por exemplo, resolvem conviver
em casas separadas. Trata-se de um fato jurídico. Um simples
reconhecimento da teoria da aparência (também apelidada de primazia
da realidade), visualizando consequências jurídicas de um estado
factual relevante para as relações familiares.

A pessoa separada de fato, embora ainda esteja casada, pode constituir


união estável, nos termos do Art. 1.723, §1º, do Código.

Acadêmico, lembre-se de que, por outro lado, a separação não possibilita


um novo casamento, já que o impedimento matrimonial estará caracterizado
(inciso VI, do Art. 1521, do CC/02).

O Código Civil de 2002, no Art. 1.642, inciso V, aduz que qualquer que seja
o regime de bens, os consortes podem livremente “reivindicar os bens comuns,
móveis ou imóveis, doados ou transferidos pelo outro cônjuge ao concubino,
desde que provado que os bens não foram adquiridos pelo esforço comum destes,
se o casal estiver separado de fato por mais de cinco anos”.

Perceba que o dispositivo legal determina a cessação do regime somente


após cinco anos da separação de fato. Isso porque não faria sentindo que, com
o fim da colaboração recíproca, após a separação de fato, ainda vigorasse o
regime de bens, caracterizando-se enriquecimento ilícito, o que é vedado pelo
ordenamento jurídico brasileiro.

NOTA

Em que pese o inciso V, do Art. 1.642, do Código Civil, estabelecer a observância


do lapso temporal de cinco anos para caracterização da separação de fato, a doutrina e o
STJ reconhecem a desnecessidade de observar qualquer prazo.

140
TÓPICO 2 — CASAMENTO

Com fundamento no princípio da boa-fé objetiva, o STJ vem entendendo


que a separação de fato rompe o regime de bens, independentemente da
observância de qualquer prazo. Ademais, é importante destacar que a separação
de fato, segundo entendimento jurisprudencial, ocasiona a cessação dos deveres
conjugais, como a vida em comum no domicílio conjugal e fidelidade.

Com relação ao direito sucessório, o Art. 830 do Código Civil prevê que,
mesmo que haja separação de fato há mais de dois anos quando da abertura da
sucessão, o cônjuge sobrevivente terá direito à herança, desde que prove que a
culpa da separação foi do outro cônjuge, ou seja, do morto. O STJ entende que
essa regra continua válida, sendo pertinente discutir “culpa” nesses casos.

Também é considerada consequência do reconhecimento da separação de


fato a usucapião familiar, inserida no Código Civil de 2002 (Art. 1.240-A) por
meio da Lei 12.424/11. Tal modalidade de usucapião permite que um cônjuge
(ou companheiro) possa usucapir a meação do outro consorte sobre o imóvel
residencial único e próprio do casal quando houver abandono do lar pelo outro
pelo lapso de temporal de dois anos.

Por fim, acadêmico, vale frisar que a separação de fato é um ato restrito
ao plano fático que repercute juridicamente, porém não é precedida de qualquer
medida formal. Logo, da mesma forma, a reconciliação do casal separado (de
fato) independe de qualquer ato judicial.

2.9.6 Divórcio
O divórcio gera a dissolução do vínculo matrimonial, encerrando a também
a sociedade conjugal, caso esta última não tenha sido encerrada anteriormente
por meio da separação.

Como citado anteriormente, até 1977, não existia o divórcio. Existia,


apenas, o “desquite” que colocava fim à sociedade conjugal, mas não possibilitava
um novo casamento. Em 1977, foi editada a Emenda Constitucional nº 09/77,
que passou a prever o divórcio em caráter excepcional. A Lei do Divórcio exigia
que a dissolução do divórcio fosse antecedida de um longo prazo de separação
decretada pelo juiz (cinco anos).

O divórcio perdeu seu caráter de excepcionalidade somente com o


advento da Constituição Federal de 1988. Em um primeiro momento, foi reduzido
o lapso temporal para o divórcio precedido por separação, fixado o prazo em um
ano. Ademais, fora criado o modelo do divórcio direto, consistente no divórcio
precedido de um lapso temporal de dois anos de separação.

Em 1989, fora editada a Lei nº 7.841/89, modificando a Lei do Divórcio, no


sentido de abolir a regra que autorizava a realização de apenas um único divórcio
por pessoa.

141
UNIDADE 2 — DIREITO DE FAMÍLIA

Já em 2007, surge a Lei nº 11.441/07, prevendo a possiblidade do divórcio


consensual ser realizado por meio de escritura pública, ou seja, em sede
administrativa, com a ressalva de que não haja interesse de capaz.

Em 2010, a Emenda Constitucional nº 66/2010 acaba de consolidar a


sistemática de facilitação do divórcio, afastando qualquer exigência de lapso
temporal para o divórcio. Portanto, hoje, o único requisito para o divórcio é a
falta de vontade de permanecer casado.

a) Divórcio consensual (ou “amigável”).

O divórcio consensual pode ser obtido em juízo (procedimento de


jurisdição voluntária) ou em cartório (procedimento administrativo).

A doutrina aponta que o divórcio consensual tem natureza jurídica de


negócio jurídico bilateral, tendo como objetivo principal de extinguir uma
sociedade conjugal, estabelecendo direitos e deveres recíprocos (GOMES, 2011).

b) Divórcio consensual em juízo.

O divórcio consensual pleiteado em juízo ocorrerá por meio de


procedimento especial de jurisdição voluntária, regulamentado nos Arts. 731 e
seguintes do Código de Processo Civil.

Art. 731. A homologação do divórcio ou da separação consensuais,


observados os requisitos legais, poderá ser requerida em petição
assinada por ambos os cônjuges, da qual constarão:
I - as disposições relativas à descrição e à partilha dos bens comuns;
II - as disposições relativas à pensão alimentícia entre os cônjuges;
III - o acordo relativo à guarda dos filhos incapazes e ao regime de
visitas; e
IV - o valor da contribuição para criar e educar os filhos.
Parágrafo único. Se os cônjuges não acordarem sobre a partilha
dos bens, far-se-á esta depois de homologado o divórcio, na forma
estabelecida nos arts. 647 a 658.

Acadêmico, note que o entendimento plasmado na antiga súmula do STF


foi reproduzido pelo Art. 1.581 do Código Civil de 2002, corroborando a ideia de
que ninguém pode ser obrigado a permanecer casado (autonomia da vontade).

c) Divórcio consensual por escritura pública.

A Lei 11.441/07 inaugurou a possibilidade de divórcio consensual em


cartório, através de um procedimento administrativo, sendo decretado por meio
de escritura pública e não por sentença.

O Código de Processo Civil de 2015 trouxe expressamente a possibilidade


de realização de divórcio por meio de escritura pública, veja:

142
TÓPICO 2 — CASAMENTO

Art. 733. O divórcio consensual, a separação consensual e a extinção


consensual de união estável, não havendo nascituro ou filhos incapazes
e observados os requisitos legais, poderão ser realizados por escritura
pública, da qual constarão as disposições de que trata o art. 731.
§ 1º A escritura não depende de homologação judicial e constitui título
hábil para qualquer ato de registro, bem como para levantamento de
importância depositada em instituições financeiras.
§ 2º O tabelião somente lavrará a escritura se os interessados estiverem
assistidos por advogado ou por defensor público, cuja qualificação e
assinatura constarão do ato notarial.

ATENCAO

Perceba que o uso da via cartorária é facultativo e não obrigatório, apenas


sendo possível desde que não haja interesse de incapaz.

Repita-se que o procedimento em cartório somente pode ser utilizado se


não existir interesse de incapaz, que neste caso, deverá ser pela via judicial.

Acadêmico, também é imprescindível que você assimile a necessidade


de, mesmo no cartório, ou seja, na via administrativa, o divórcio consensual ou
a separação consensual exigir que as partes estejam assistidas de advogado ou
defensor público.

O Art. 733 do Código de Processo Civil estabelece que, para a realização


do divórcio pela via administrativa, estejam presentes os seguintes elementos: a)
as disposições relativas à descrição e à partilha dos bens comuns; b) as disposições
relativas à pensão alimentícia entre os cônjuges;

Não obstante, aponta a doutrina que, em verdade, em razão de não poder


existir interesse de incapazes, as duas únicas cláusulas obrigatórias seriam a
indicação relativa à partilha dos bens e o acordo de pensão de alimentícia entre
os divorciandos.

Entende-se que a possibilidade de dissolução do casamento sem prévia


partilha de bens, consagrada pela súmula 197 do STJ e pelo Art. 1.581 do Código
Civil, é perfeitamente aplicável. Igualmente, por óbvio, caso nenhum dos cônjuges
necessitem de alimentos, não é obrigatória que sua fixação na escritura pública
de divórcio.

143
UNIDADE 2 — DIREITO DE FAMÍLIA

A escritura e demais atos notariais serão gratuitos àqueles que se


declararem pobres sob as penas da lei.

Por último, seguido a lógica de simplificação, note que não haverá a


intervenção do Ministério Público e nem homologação judicial. A doutrina
identifica tal sistemática como manifestação do princípio da intervenção mínima
do Estado nas relações de família.

d) Divórcio litigioso.

Inexistindo consenso entre as partes quantos os termos da dissolução do


casamento, restará a ação de divórcio judicial.

NOTA

O divórcio é entendido, pela doutrina amplamente majoritária, como um


direito potestativo.

Portanto, acadêmico, saiba que no caso do divórcio litigioso não se discute


a possibilidade ou não da dissolução do casamento, mas apenas, em que termos
isso irá ocorrer, ou seja, a discussão cinge-se apenas aos elementos subjacentes da
dissolução, tais como a partilha de bens e a guarda dos filhos.

Conforme já vimos, é perfeitamente possível a dissolução do casamento


sem prévia partilha de bens, de acordo com a súmula 197 do STJ e o Art. 1.581
do Código Civil. Ademais, quaisquer outras questões laterais, para além da
dissolução do casamento em si, poderão ser solucionadas posteriormente em vias
ordinárias.

O divórcio litigioso é tratado nos Arts. 693 a 699 do Código de Processo


Civil. Tais dispositivos legais consagram um procedimento especial para as ações
de família, o qual será estudado em tópico próprio.

Para encerrarmos os estudos do divórcio, resta tratar das características


materiais e processuais, o que faremos a seguir.

2.9.7 Características materiais e processuais do divórcio


Tendo em vista a propalada natureza de direito potestativo, o divórcio
possui características peculiares a serem tratadas neste momento.

144
TÓPICO 2 — CASAMENTO

Desde já, ressalta-se que as características expostas a seguir se aplicam à


separação.

a) Natureza personalíssima da medida.

Somente podem ser pleiteados pelo próprio cônjuge. O Art. 1.582 do


Código Civil alberga essa premissa, prestigiando o princípio da autonomia
privada no âmbito do Direito de Família.

Em razão do caráter personalíssimo, nas ações de divórcio, não cabe


intervenção de terceiros ou substituição processual, tendo em vista a ausência de
interesse.

Noutro giro, se um dos cônjuges for incapaz, o Código Civil, no parágrafo


único, do Art. 1.582, autoriza que esteja representado para o fim de propor a
ação de divórcio ou defender-se. Poderão figurar como curador, em ordem
preferencial, o ascendente ou o irmão.

NOTA

Na hipótese de um dos cônjuges ser incapaz, apenas se admitirá a utilização


da via judicial para realização do divórcio (Art. 733, do CPC).

b) Intervenção do Ministério Público.

O Ministério Púbico, conforme o caput do Art. 698 do Código de Processo


Civil, somente intervirá como fiscal da ordem jurídica quando houver interesses
de incapaz.

c) Eliminação da audiência para tentativa de reconciliação do casal.

Seguindo a diretriz principiológica da Constituição Federal de 1988,


no que tange ao Direito de Família, mormente no que tange ao princípio da
autonomia, o Código de Processo de 2015 aboliu a obrigatoriedade da audiência
de reconciliação do casal, outrora obrigatória por força da Lei do Divórcio.

d) Possibilidade de dispensa da partilha dos bens.

Conforme já explicado, a antiga súmula 197 do STJ e o Art. 1.581 do


Código Civil consagram a possibilidade de o casal se divorciar sem realizar a
partilha de bens. Nesse caso, todos os bens permanecem na titularidade de ambos
os cônjuges, que continuam coproprietários e compossuidores de todos os bens
(Art. 1.321, do CC/02).
145
UNIDADE 2 — DIREITO DE FAMÍLIA

Acadêmico, lembre-se de que divorciados podem se casar de novo. A


eventual superveniência de casamento antes da partilha dos bens implica no
regime de separação obrigatória de bens no novo matrimônio, com o fim de evitar
uma promiscuidade patrimonial (art. 1.641, do CC/02). É uma causa suspensiva
de casamento (inciso III, do Art. 1.523, do CC/02). Depois de realizada a partilha,
o regime de bens do novo casamento pode ser alterado.

NOTA

O STJ exarou o entendimento de que a separação, de fato, comprovada por


período razoável de tempo, ou seja, no mínimo, 1 (um) ano, produz os mesmos efeitos
da separação judicial, sendo, portanto, circunstância que enseja a dissolução do vínculo
matrimonial e não impede o curso do prazo prescricional nas causas envolvendo direitos
e deveres matrimoniais.

Nessa linha de raciocínio, entende-se que o prazo para requerimento da


partilha de bens se inicia com a separação.

e) Competência para as ações divórcio.

O inciso I, do Art. 100, do Código de Processo Civil de 1973, previa, como


competente, o foro da residência da mulher para as ações de separação, conversão
desta em divórcio e anulação de casamento.

O inciso I, do Art. 53, do Código de Processo Civil de 2015, trata do mesmo


tema, mas de forma diferente e ampliada. Mais abrangente porque inclui entre as
ações também a de reconhecimento ou dissolução de união estável. E diferente
porque cria duas regras, a depender da existência de filho incapaz: a) havendo
filho incapaz, a competência será do domicílio do guardião; b) não havendo, a
competência será do foro do último domicílio do casal e se nenhuma das partes
residir em tal domicílio a competência será do foro do domicílio do réu.

Ainda que se considere que, tradicionalmente, é o marido que deixa o


lar, há muito tempo já não é mais essa uma realidade absoluta, sendo inúmeros
os casos em que a mulher deixa o lar e, justamente para se afastar de forma
significativa do marido, muda-se inclusive de cidade, hipótese na qual deixará de
ter a proteção legal que tem atualmente. Com isso, o legislador, aparentemente,
adequa o dispositivo legal à previsão contida no Art. 226, § 5°, da Constituição
Federal de 1988, que prevê a igualdade de direitos e deveres entre os cônjuges.

146
TÓPICO 2 — CASAMENTO

Salienta-se, ainda, que a Lei 13.894/2019 incluiu o Art. 14-A na Lei Maria da
Penha. O dispositivo confere a opção à ofendida de propor a ação de divórcio ou
dissolução da união estável perante o Juizado de Violência Doméstica e Familiar.
Contudo, exclui a competência para partilha de bens, eis que foge dos aspectos
relacionados à lei.

f) Patilha de bens.

O tema foi abordado quando tratamos sobre os regimes de bens no


casamento.

g) Guarda dos filhos.

Existem quatro espécies de guarda, duas delas estão previstas no Código


Civil e duas outras são criações da doutrina que, apesar de não serem fixadas
judicialmente, algumas vezes são verificadas na prática.

O Código Civil somente trata da guarda unilateral e da guarda


compartilhada (Art. 1.583).

Primeiramente, cabe falar da guarda unilateral (exclusiva). Ocorre quando


o pai ou a mãe fica com a guarda e a outra pessoa possuirá apenas o direito
de visitas. Segundo a definição do Código Civil, a guarda unilateral é aquela
“atribuída a um só dos genitores ou a alguém que o substitua” (Art. 1.583, § 1º).

Vale ressaltar que, se for fixada a guarda unilateral, o pai ou a mãe que
ficar sem a guarda continuará com o dever de supervisionar os interesses dos
filhos. Para possibilitar tal supervisão, qualquer dos genitores sempre será
parte legítima para solicitar informações e/ou prestação de contas, objetivas ou
subjetivas, em assuntos ou situações que direta ou indiretamente afetem a saúde
física e psicológica e a educação de seus filhos (§ 5º do Art. 1.583).

Já a guarda compartilhada (conjunta) ocorre quando o pai e a mãe são


responsáveis pela guarda do filho. A guarda é de responsabilidade de ambos e
as decisões a respeito do filho são tomadas em conjunto, baseadas no diálogo e
consenso.

Segundo o Código Civil, entende-se por guarda compartilhada “a


responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que
não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns”
(Art. 1.583, § 1º).

A guarda compartilhada é considerada a melhor espécie de guarda


porque o filho tem a possibilidade de conviver com ambos e os pais, por sua vez,
sentem-se igualmente responsáveis. Vale ressaltar que nessa espécie de guarda,
apesar de tanto o pai como a mãe possuírem a guarda, o filho mora apenas com
um dos dois.

147
UNIDADE 2 — DIREITO DE FAMÍLIA

Há a guarda alternada. Ocorre quando o pai e a mãe se revezam em


períodos exclusivos de guarda, cabendo ao outro direito de visitas. Em outras
palavras, é aquela na qual durante alguns dias a mãe terá a guarda exclusiva e,
em outros períodos, o pai terá a guarda exclusiva.

Por fim, há a guarda aninhamento (ou nidação). Ocorre quando a criança


permanece na mesma casa onde morava e os pais, de forma alternada, se revezam
na sua companhia. Assim, é o contrário da guarda alternada, já que são os pais
que, durante determinados períodos, se mudam.

Neste momento, acadêmico, encerramos o estudo do Tópico 2. O tópico a


seguir terá, como objeto de estudo, o importante instituto da união estável.

148
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você aprendeu que:

• Hodiernamente, o casamento pode ser conceituado como a união de duas


pessoas, do mesmo ou de sexo distintos, reconhecida e regulamentada pelo
Estado, formada com o escopo de constituir família, baseada em um vínculo
de afeto.

• Quanto à natureza jurídica, prevalece, na doutrina, a teoria mista/eclética, a


qual defende que o casamento seria uma instituição quanto ao conteúdo e,
quanto à formação, seria um contrato especial (negócio jurídico especial com
regras e princípios próprios).

• Não é permitido, em qualquer caso, o casamento de quem não atingiu a idade


núbil.

• No caso de os contraentes não realizarem convenção, ou, se havendo


convenção, esta for nula ou ineficaz, vigorará, quanto aos bens entre os
cônjuges, o regime da comunhão parcial (Art. 1640, caput, do CC/02).

• O divórcio ocasiona a dissolução do vínculo matrimonial.

149
AUTOATIVIDADE

1 Levando em consideração que existem situações expressamente prevista


nos Arts. 1.521 e 1.523 do Código Civil de 2002, nas quais o casamento não
pode ou não deve ocorrer, explique a diferença entre causas impeditivas do
casamento e causas suspensivas.

2 A respeito da forma de celebração do casamento, o ordenamento jurídico


brasileiro admite o casamento realizado por meio de procuração?

3 Acerca do instituto do casamento, forma de celebração, requisitos e causas


de impedimento, classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as
falsas:

( ) O casamento pode ocorrer entre duas pessoas do mesmo sexo.


( ) A idade núbil é, em regra, 14 (quatorze) anos completos.
( ) O casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade
de direitos e deveres dos cônjuges, ficando, a cargo da mulher, a educação
dos filhos, e, do marido, o sustento da família.
( ) O casamento pode acontecer mediante procuração pública com poderes
especiais.
( ) As causas suspensivas de celebração do casamento podem ser arguidas,
até o momento da celebração, por qualquer pessoa capaz.
( ) Segundo estabelece o Código Civil, a sentença que decretar a nulidade do
casamento retroagirá à data da celebração, sem prejudicar a aquisição de
direitos, a título oneroso, por terceiros de boa-fé.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:


a) ( ) V – F – F – V – F – V.
b) ( ) F – F – V – F – V – F.
c) ( ) F – V – F – V – F – V.
d) ( ) V – V – F – F – V – V.

150
UNIDADE 2
TÓPICO 3 —

UNIÃO ESTÁVEL

1 INTRODUÇÃO
Olá, acadêmico! Chegamos ao terceiro tópico e, nele, desenvolveremos o
estudo sobre do instituto da união estável.

Já aprendemos que, a partir da Constituição de 1988, tivemos a consagração


de muitas mudanças positiva no tratamento dado ao Direito de Família. É possível
afirmar que o reconhecimento da união estável como entidade familiar consiste
em uma dessas grandes e positivas mudanças.

A partir do reconhecimento expresso pela Lei Maior (Art. 226, § 6 o ) de


nosso país do instituto da união estável, o direito pátrio passa a reconhecer um
fato social e, sobretudo, protegê-lo à luz da perspectiva constitucional de que a
família é base da sociedade e, por isso, merece especial proteção do Estado.

Estudaremos as características da união estável, sua regulamentação pelo


Código Civil, bem como o entendimento da doutrina e da jurisprudência sobre a
temática.

2 PERSPECTIVA HISTÓRICA DA UNIÃO ESTÁVEL


Conforme já fora explicitado nos tópicos anteriores, a única forma de
constituição de família no Código de 1916 era por meio do casamento.

As relações constituídas sem casamento eram chamadas de concubinato,


sendo consideradas meras sociedades de fato.

O contexto fático se impôs e diante das inúmeras relações de concubinato, a


jurisprudência passou a reconhecer efeitos jurídicos a tais relações. Isso culminou
na edição das súmulas 380 e 382, ambas do STF. Veja:

Súmula 380 STF – comprovada a existência de sociedade de fato entre


os concubinos, é cabível a sua dissolução judicial, com a partilha do
patrimônio adquirido pelo esforço comum.
Súmula 382 STF – A vida em comum sob o mesmo teto, "more uxório",
não é indispensável à caracterização do concubinato.

151
UNIDADE 2 — DIREITO DE FAMÍLIA

Com base em tais entendimentos, passou-se a dividir o concubinato em


“puro” e “impuro”. O primeiro se referia à união estável como entidade familiar,
ocorrendo quando pessoas viúvas, solteiras, separadas de fato ou divorciadas
viviam em concubinato. O segundo se referia ao concubinato de pessoa
casada e não separada (concubinato adulterino) ou na ocasião de existir algum
impedimento de parentesco ou de crime.

Com a Constituição Federal de 1988, alterou-se o tratamento jurídico


conferido ao concubinato, que passou a ser chamado de união estável (concubinato
puro) e ser considerado como uma entidade familiar, merecendo proteção do
Estado. Por outro lado, o concubinato impuro não é considerado entidade familiar
pela expressa dicção do Art. 1.727 do Código Civil: “as relações não eventuais
entre o homem e a mulher, impedidos de casar-se, constituem concubinato”.

A seguir, trataremos do conceito e do tratamento do instituto da união


estável, conferido pelo Código Civil de 2002, além das diferenças em relação ao
casamento.

3 CONCEITO DE UNIÃO ESTÁVEL E SEUS REQUISITOS


FUNDAMENTAIS
O Art. 226, § 3º da Constituição Federal de 1988, é claro ao estabelecer
que, “para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o
homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão
em casamento”.

Por sua vez, o Código Civil traz o conceito de união estável no Art. 1.723:

Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre


o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e
duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.
§ 1º A união estável não se constituirá se ocorrerem os impedimentos
do art. 1.521 ; não se aplicando a incidência do inciso VI no caso de a
pessoa casada se achar separada de fato ou judicialmente.
§ 2º As causas suspensivas do art. 1.523 não impedirão a caracterização
da união estável.

NOTA

A união estável apenas estará configurada quando as pessoas não forem


impedidas de se casar. Havendo impedimentos, conforme vimos, estará configurado o
concubinato (Art. 1.727, do CC/02).

152
TÓPICO 3 — UNIÃO ESTÁVEL

À luz do texto constitucional, a doutrina afirma que a união estável não


seria igual ao casamento, tanto que a primeira pode ser convertida na segunda.
Aduz ainda que não existe hierarquia entre os institutos, sendo ambas entidades
familiares que contam com a proteção constitucional (TAURTUCE, 2020).

Neste momento, passemos a destacar os requisitos legais caracterizadores


da união estável:

• Diversidade de sexo: apesar do texto legal fazer referência à dualidade de


gênero (homem e a mulher), reconhece-se a união estável homoafetiva.
• Estabilidade: é necessário que a relação seja não momentânea, possuindo um
caráter estável.
• Convivência pública e duradoura: não há tempo mínimo para que a relação
seja considerada união estável, mas a convivência deve ser pública e estável.
Ademais, a publicidade não pressupõe o registro em cartório, apenas significa
que a relação não é “clandestina” ou “às escondidas”.
• Objetivo de constituir família: é o elemento finalístico da união estável. Não
requer, necessariamente, que o casal coabite no mesmo imóvel ou que tenha
filhos.
• Ausência de impedimentos: os impedimentos matrimoniais, previstos no Art.
1.521 do CC/02, não podem estar caracterizados.

4 DOS EFEITOS PESSOAIS E PATRIMONIAIS DA UNIÃO


ESTÁVEL
Quanto aos efeitos pessoais da união estável podemos destacar os
seguintes:

• Deveres conjugais: o Art. 1.724 do Código dispões que as relações pessoais


entre os companheiros obedecerão aos deveres de lealdade, respeito e
assistência, e de guarda, sustento e educação dos filhos.

ATENCAO

Perceba que os efeitos fidelidade e coabitação (exigidos no casamento) não


estão previstos para a união estável.

153
UNIDADE 2 — DIREITO DE FAMÍLIA

• Acréscimo do sobrenome: é possível, com fundamento no Art. 109 da Lei de


Registros Públicos, havendo a necessidade de se fazer requerimento judicial
para que haja uma retificação no registro.
• Parentesco: nos termos do Art. 1.595 do Código, o parentesco por afinidade
será estabelecido tanto no casamento como na união estável.
• Inalterabilidade do estado civil: uma pessoa solteira que convive em união
estável continuará tendo o estado civil de solteira.
• Não emancipação: o casamento altera o estado civil e emancipa. Contudo, na
união estável isso não acontece.
• Presunção de paternidade: pela dicção do Art. 1.597 do Código, a presunção
de paternidade é exclusiva do casamento. Todavia, prevalece, no STJ, o
entendimento de que também alcança a união estável.

Quanto aos efeitos patrimoniais da união estável, devemos iniciar a


análise pelo regime de bens.

O Art. 1.725 do Código é claro ao dispor que, na união estável, salvo


contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no
que couber, o regime da comunhão parcial de bens. Dessa forma, assim como no
casamento, temos o regime da comunhão parcial como regra geral.

Há a possibilidade da realização de contrato de convivência ou contrato


de união estável com objetivo de disciplinar os efeitos da união estável. Trata-se
de negócio jurídico celebrado entre as partes, o qual terá efeito apenas entre elas.
Não há necessidade de ser realizado por meio de escritura pública.

Outro efeito patrimonial a ser pontuado é relativo ao instituto da outorga


conjugal. Segundo a dicção do Art. 1.647 do Código, a outorga conjugal não
se aplicaria à união estável. Entretanto, nota-se divergência jurisprudencial no
âmbito do STJ, havendo posição no sentido que seria possível a exigência de
outorga conjugal na hipótese de união estável notória (de conhecimento público).

Neste ponto, acadêmico, é importante que você não confunda o instituto


da outorga conjugal previsto no diploma civilista, com a previsão do Art. 73
do Código de Processo Civil de 2015, esta última aplicada à união estável por
expressa dicção legal. Veja:

Art. 73. O cônjuge necessitará do consentimento do outro para propor


ação que verse sobre direito real imobiliário, salvo quando casados sob
o regime de separação absoluta de bens.
§ 1º Ambos os cônjuges serão necessariamente citados para a ação:
I - que verse sobre direito real imobiliário, salvo quando casados sob o
regime de separação absoluta de bens;
II - resultante de fato que diga respeito a ambos os cônjuges ou de ato
praticado por eles;
III - fundada em dívida contraída por um dos cônjuges a bem da
família;
IV - que tenha por objeto o reconhecimento, a constituição ou a
extinção de ônus sobre imóvel de um ou de ambos os cônjuges.
§ 2º Nas ações possessórias, a participação do cônjuge do autor ou do

154
TÓPICO 3 — UNIÃO ESTÁVEL

réu somente é indispensável nas hipóteses de composse ou de ato por


ambos praticado.
§ 3º Aplica-se o disposto neste artigo à união estável comprovada nos
autos.

Já quanto ao direito aos alimentos, saiba que a pensão alimentícia é


conferida aos conviventes em união estável, nas mesmas hipóteses do casamento,
já estudadas.

Com relação ao direito à herança, neste momento, apenas saiba que o


convivente em união estável terá os mesmos direitos à herança que decorrem do
casamento, aplicando-se o disposto no Art. 1.829 do Código Civil, tendo em vista
que o STF declarou a inconstitucionalidade do Art. 1.790 do mesmo diploma. A
temática será abordada na unidade destinada aos estudos dos direitos sucessórios.

Por oportuno, com relação ao direito real de habitação, previsto no Art.


1.831 do Código Civil, a jurisprudência do STJ e do STF é tranquila no sentido de
ser aplicável à união estável.

A expressão “namoro qualificado” é utilizada pela jurisprudência do STJ


para estabelecer a diferença entre namoro e união estável.

O namoro qualificado vem sendo entendido como a relação em que


não existe o propósito de constituir família com ou sem filhos, mesmo que haja
coabitação. A interpretação é que mesmo convivendo, há uma projeção futura
para formação de família e não presente, sendo esses os fundamentos que o STJ
se utilizou para definir o tal do namoro qualificado.

O namoro qualificado não goza da mesma proteção legal e constitucional


que a união estável, posto que não se caracteriza como entidade familiar. Contudo,
certo de que é difícil, na prática, diferenciar tal instituto da união estável.

DICAS

Para o aprofundamento da temática do “namoro qualificado”, indicamos a


leitura do artigo União Estável e Namoro Qualificado, do Professor Flávio Tartuce: http://
www.flaviotartuce.adv.br/artigos/3. Boa leitura!

A seguir, terminando nosso estudo da união estável, abordaremos a


conversão da união estável em casamento.

155
UNIDADE 2 — DIREITO DE FAMÍLIA

5 CONVERSÃO DA UNIÃO ESTÁVEL EM CASAMENTO


A Constituição prevê que a lei facilitará a conversão da união estável em
casamento. Já o Art. 1.726 do CC prevê que para haver a conversão da união
estável em casamento é necessário formular pedido ao juiz e proceder com o
assento perante o Registro Civil.

No entanto, o STJ entende que o casal poderá fazer o pedido diretamente


no Registro Civil, caso assim queira, ou perante o juiz. O entendimento se
fundamenta na previsão do Art. 8º, da Lei nº 9.278/96, o qual prevê, literalmente,
a possibilidade de que a conversão da união estável em casamento seja feita pela
via extrajudicial.

Concluído o terceiro tópico, no seguinte, trataremos das relações de


parentesco.

156
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu que:

• A Constituição de 1988 é a primeira a reconhecer, expressamente, a união


estável como entidade familiar.

• O Art. 226, § 3º, da Constituição Federal de 1988, é claro ao estabelecer que,


“para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o
homem e a mulher como entidade familiar, devendo, a lei, facilitar a conversão
em casamento”. O Código Civil de 2002 abarcou tal conceito.

• A união estável apenas estará configurada quando as pessoas não forem


impedidas de se casar. Havendo impedimentos, estará configurado o
concubinato.

• A lei não exige o elemento da coabitação entre os companheiros para a


caracterização da união estável.

• Apesar do texto legal fazer referência à dualidade de gênero (homem e


mulher), reconhece-se a união estável homoafetiva.

157
AUTOATIVIDADE

1 Acerca do instituto da união estável, classifique V para as sentenças


verdadeiras e F para as falsas:

( ) A união estável pode se converter, automaticamente, em casamento, após


o transcurso de 2 (dois) anos de convivência.
( ) Não é possível a união estável quando o casal não reside sob o mesmo
teto.
( ) A lei determina que a união estável seja estabelecida, obrigatoriamente,
por escritura pública.
( ) Há necessidade de lapso temporal mínimo de 1 (um) ano para que se
caracterize a união estável.
( ) A união estável se configura na convivência pública, contínua e duradoura,
com o ânimo dos companheiros para a constituição de uma família.
( ) A união estável não se constitui se ocorrer algum dos impedimentos
matrimoniais.
( ) A pessoa casada, estando separada, de fato ou judicialmente, poder ser
partícipe da união estável.
( ) A união estável pode correr entre duas pessoas do mesmo sexo.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:


a) ( ) F – F – F – F – V – V – V.
b) ( ) F – F – V – V – V – F – V .
c) ( ) F – V – F – F – V – V – F .
d) ( ) V – F – V – V – F – V – V .

2 Julgue os itens a seguir em relação à união estável, de acordo com o Código


Civil Brasileiro:

I- A união estável nunca poderá se converter em casamento, mediante


pedido dos companheiros ao juiz e assento no Registro Civil.
II- As relações pessoais entre os companheiros obedecem aos deveres de
lealdade, respeito e assistência, e de guarda, sustento e educação dos
filhos.
III- As relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de se
casar, constituem casamento presumido.
IV- É reconhecida, como entidade familiar, a união estável entre o homem
e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e
estabelecida com o objetivo de constituição de família.

a) ( ) Apenas os itens I e IV estão corretos.


b) ( ) Apenas os itens I e III estão corretos.
c) ( ) Apenas os itens II e IV estão corretos.
d) ( ) Apenas os itens III e IV estão corretos.

158
UNIDADE 2 TÓPICO 4 —

RELAÇÕES DE PARENTESCO

1 INTRODUÇÃO
Neste tópico, estudaremos as relações de parentesco. Primeiramente,
abordaremos o conceito e modalidades de parentesco. Restará demonstrada a
evolução da concepção de parentesco em razão do avanço tecnológico e atual
complexidade e dinamicidade das relações sociais. Tendo em vista tal perspectiva,
estudaremos ao conceito e as modalidades de filiação, o instituto da adoção e o
poder familiar.

Cumpre salientar a importância do estudo de tais categoriais tendo em


vista que com a identificação dos vínculos de parentescos será possível identificar
as regras incidentes no que tange, por exemplo, aos impedimentos matrimoniais,
à obrigação alimentar e ao direito sucessório.

Então, mãos à obra!

2 CONCEITO E MODALIDADES DE PARENTESCO


Tradicionalmente, parentesco era entendido como a relação vinculatória
entre pessoas que descendiam umas das outras ou, de um mesmo tronco comum
(consanguíneo), bem como o vínculo existente entre um cônjuge ou companheiro
e os parentes do outro (afinidade). Hoje, porém, dado o avanço tecnológico e a
complexidade das relações sociais, é consenso que tal noção da conceituação é
“incompleta”.

Os professores Cristiano Chaves, Nelson Rosenvald e Felipe Braga


Netto (2018, p. 1.836) propõe o seguinte conceito: “parentesco como vínculo,
com diferentes origens que atrela determinadas pessoas, implicando em efeitos
jurídicos diversos entre as partes envolvidas”.

O Código Civil de 2002 adota a noção contemporânea de parentesco no


Art. 1.593: “o parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade
ou outra origem”.

159
UNIDADE 2 — DIREITO DE FAMÍLIA

ATENCAO

Não confunda parentesco com a noção de família!

Observe que as relações de parentesco decorrem de vínculos de


consanguinidade ou outra origem, tais como aquele decorrente da afinidade,
técnicas de reprodução assistida ou das relações socioafetivas. Por outro lado,
cônjuges e companheiros, não são considerados parentes.

Agora, passemos ao estudo das modalidades de parentesco, concentrando


nossos estudos nas seguintes: a) parentesco consanguíneo; b) parentesco por
afinidade e c) parentesco civil.

O parentesco consanguíneo, também denominado de parentesco natural,


consiste na relação que vincula pessoas que derivam de um mesmo tronco
comum, tendo que mantem entre si vínculo biológico ou de sangue (Arts. 1.591 e
1.592, do CC/02).

Art. 1.591. São parentes em linha reta as pessoas que estão umas para
com as outras na relação de ascendentes e descendentes.
Art. 1.592. São parentes em linha colateral ou transversal, até o quarto
grau, as pessoas provenientes de um só tronco, sem descenderem uma
da outra.

Note que o parentesco consanguíneo se dá tanto na linha reta quanto na


linha colateral. Acadêmico, saiba que, na linha reta, o parentesco é ad infinitum
(Art. 1.594, CC/02).

Na linha colateral, o parentesco consanguíneo limita-se ao quarto grau


(primos, sobrinho-neto e tio-avô). Logo, saiba que a famosa expressão “primo de
segundo grau” para se referir ao primo do primo como parente, não tem respaldo
jurídico (em termos legais, o primo do seu primo não é seu parente).

O parentesco por afinidade, que também pode ser na linha reta ou colateral,
é aquele travado entre um cônjuge ou companheiro e os parentes do outro.

ATENCAO

Entre os cônjuges ou companheiros, não há parentesco.

160
TÓPICO 4 — RELAÇÕES DE PARENTESCO

O marido e a mulher e companheiros possuem vínculos advindos da


conjugalidade ou da convivência.

O parentesco por afinidade na linha reta também é ad infinitum. Já na


linha colateral, limita-se ao cunhadio (segundo grau).

NOTA

Na linha reta, a afinidade não se extingue com a dissolução do casamento ou


da união estável.

Por tal motivo, mesmo após a separação ou divórcio, você jamais poderá
se casar com seu sogro. Por outro lado, é possível se casar com a seu cunhado,
tendo em vista se tratar de parentesco por afinidade em linha colateral.

Finalmente, temos o parentesco civil. Este decorrente da denominação


“outra origem”, presente no Art. 1.593 do Código Civil de 2002, abarca o instituto
da adoção, a técnica de reprodução heteróloga, bem como a parentalidade
socioafetiva.

A técnica de reprodução heteróloga consiste em técnica de reprodução


assistida na qual há a doação por terceiro anônimo de material biológico ou há a
doação de embrião por casal anônimo.

NOTA

O conhecimento da ascendência biológica não importará no reconhecimento


do vínculo de parentesco e dos respectivos efeitos jurídicos entre o doador e o filho gerado
por meio da reprodução assistida.

Sobre a parentalidade socioafetiva é importante saber que tem fundamento


na posse do estado de filho, no princípio da afetividade, reconhecido como
princípio jurídico estruturante do contemporâneo Direito de Família, além se vir
a ser reconhecimento proteção às relações sociais calcadas no afeto. Pontua-se
que tal perspectiva se dá a partir da relação entre pai e filho.

161
UNIDADE 2 — DIREITO DE FAMÍLIA

3 FILIAÇÃO
Nas palavras do professor Tartuce (2020, p. 1.328) a filiação consiste na
“relação jurídica existente entre ascendentes e descendentes de primeiro grau,
ou seja, entre pais e filhos”. Em sentido mais amplo, trata-se do vínculo entre
uma pessoa e aqueles que o geraram ou que o acolheram, com base no afeto e na
solidariedade.

ATENCAO

Acadêmico, relembre que a Constituição Federal de 1988 consagra o princípio


da igualdade entre os filhos de maneira expressa, preceito repetido no Art. 1.596 do Código
Civil de 2002.

Nesse contexto, seja qual for a origem dos filhos (frutos do casamento,
união estável, concubinato, adoção), é imperativo constitucional a igualdade
entre eles, que deve ser além de econômica, também emocional e afetiva.

O Art. 1.597 do Código traz critérios de presunção legal (relativa) de


adoção, quais são destacados:

• Nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência


conjugal.
• Nascidos nos trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal,
por morte, separação judicial, nulidade e anulação do casamento.
• Havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido.
• Havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentário,
decorrentes de concepção artificial homóloga.
• Havidos por inseminação artificial hieróloga, desde que tenha prévia
autorização do marido.

NOTA

A doutrina amplamente majoritária defende que as presunções dos incisos III,


IV e V do Art. 1.597 devem ser aplicadas à união estável.

162
TÓPICO 4 — RELAÇÕES DE PARENTESCO

Acadêmico, saiba também que, com fundamento na Resolução 2.168/2017


do Conselho Federal de Medicina, admite-se, no Brasil, a gestação de substituição,
somente a título gratuito. Tal diretriz é confirmada pelo Provimento 52 do CNJ.
Ademais, é ainda importante que você saiba de algumas regras gerais da filiação.

Primeiramente, saiba que a prova da impotência do cônjuge para gerar,


à época da concepção, tem o condão de ilidir a presunção da paternidade (Art.
1.599, do CC/02). Noutro giro, o adultério da mulher, ainda que confessado, não
é suficiente para ilidir a presunção de paternidade (Art. 1.600, do CC/02).

NOTA

Cabe, ao marido (ação personalíssima), o direito de contestar a paternidade


dos filhos nascidos da sua mulher, sendo tal ação imprescritível (caput, do Art. 1.601, do
CC/02).

Saiba que, apesar da ação de contestação de paternidade ser personalíssima,


é possível que os herdeiros do impugnante prossigam com a ação no caso de sua
morte (parágrafo único, do Art. 1.601, do CC/02). Já a ação de prova de filiação
compete ao filho, apenas podendo ser exercida por seus herdeiros no caso de ele
morrer quando ainda menor de idade ou incapaz. Ademais, se iniciada a ação
pelo filho, os herdeiros poderão continuar, salvo se julgado extinto o processo
(Art. 1.606).

NOTA

Em regra, a filiação se prova pela certidão do termo de nascimento registrada


no Registro Civil (Art. 1.603, do CC/02).

Todavia, na falta ou defeito, do termo de nascimento, poderá se provar a


filiação por qualquer modo admissível de direito (Art.1.605, do CC/02).

163
UNIDADE 2 — DIREITO DE FAMÍLIA

4 RECONHECIMENTO DE FILHOS
A doutrina costuma trabalhar o reconhecimento dos filhos a partir de dois
critérios.

O primeiro critério seria do reconhecimento voluntário, o qual ocorre por


ato espontâneo do pai e/ou mãe.

O segundo seria o reconhecimento forçado, o qual se materializa por meio


de ação filiatória (ação de investigação de paternidade).

Como a própria denominação anuncia, o reconhecimento voluntário de


filho é ato espontâneo do pai e/ou da mãe, podendo ser feito em conjunto ou
separadamente (Art. 1.607, do CC/02). O Art. 1.609 merece destaque por trazer as
formas desse tipo de reconhecimento.

Art. 1.609. O reconhecimento dos filhos havidos fora do casamento é


irrevogável e será feito:
I - no registro do nascimento;
II - por escritura pública ou escrito particular, a ser arquivado em
cartório;
III - por testamento, ainda que incidentalmente manifestado;
IV - por manifestação direta e expressa perante o juiz, ainda que o
reconhecimento não haja sido o objeto único e principal do ato que o
contém.
Parágrafo único. O reconhecimento pode preceder o nascimento do
filho ou ser posterior ao seu falecimento, se ele deixar descendentes.

Vale ressaltar o parágrafo único do Art. 26 do Estatuto da Criança e do


Adolescente, que nos informa que o reconhecimento pode preceder o nascimento
do filho ou suceder ao falecimento, se deixar descendentes.

ATENCAO

Acadêmico, saiba que a lei civil define o reconhecimento do filho como


ato irrevogável e irretratável, não podendo ser revogado nem mesmo quando feito em
testamento (Art. 1.610, do CC/02).

Quando falamos do reconhecimento judicial dos filhos, referimo-nos à


Ação Investigatória de Paternidade.

Quanto à legitimidade ativa, a ação investigatória de paternidade pode


ser promovida pelo filho, que se for menor, será representado ou assistido. Ainda,
até mesmo o nascituro pode ajuizar a demanda.

164
TÓPICO 4 — RELAÇÕES DE PARENTESCO

O Código Civil autoriza que qualquer pessoa, que justo interesse tenha,
possa contestar a ação de investigação de paternidade – ou maternidade (Art.
1.615).

O Art. 1.616 do Código Civil aduz que a sentença que julgar procedente
a ação de investigação produzirá os mesmos efeitos do reconhecimento. Ainda,
poderá ordenar que o filho se crie e eduque fora da companhia dos pais ou
daquele que lhe contestou essa qualidade.

ATENCAO

Atente-se para o seguinte entendimento do STF: a coisa julgada estabelecida


em ações de investigação de paternidade deve ser relativizada nos casos em que, no
processo, não houve a realização de exame de DNA e, portanto, não foi possível se ter
certeza do vínculo genético.

Acadêmico, saiba que ainda é possível que o filho menor impugne


a paternidade que foi reconhecida, desde que tal medida seja adotada em até
quatro anos após atingir a maioridade ou ser emancipado (Art. 1.614, do CC/02).
Por outro lado, o filho maior de idade apenas poderá ser reconhecido com seu
consentimento (Art. 1.614, do CC/02).

Pontua-se que, há, ainda, a Ação Negatória de Paternidade ou de


Impugnação de Paternidade ou Ação Contestatória de Paternidade, a qual se
destina a excluir a presunção de paternidade.

E
IMPORTANT

A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede


o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com
os efeitos jurídicos próprios.

Acadêmico, perceba que se trata de decisão histórica que prestigia os laços


de afetos como um elemento distintivo capaz de caracterizar o reconhecimento
por parte do Estado de uma relação familiar com todos os seus consectários
jurídicos.

165
UNIDADE 2 — DIREITO DE FAMÍLIA

5 DA ADOÇÃO
Acadêmico, conforme vimos no subtópico anterior, a adoção é modalidade
de parentesco civil. Nas palavras de Maria Berenice Dias (2011, p. 289), a adoção
seria “um ato jurídico em sentido estrito, cuja eficácia está condicionada à
chancela judicial. Cria um vínculo fictício de paternidade-maternidade-filiação
entre pessoas estranhas, análogo ao que resulta da filiação biológica”.

NOTA

No ordenamento jurídico brasileiro, não se admite que se realize adoção por


ato extrajudicial.

Apenas é possível realizar adoção por meio de processo judicial. Saiba que
até mesmo a adoção de maiores de dezoito anos é realizada pela via jurisdicional.

Ademais, cabe relembrar, que por expressa disposição constitucional,


adotou-se o princípio da igualdade entre os filhos, importante na regra de que “os
filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos
direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias
relativas à filiação” (§ 6º do Art. 227).

O Código Civil de 2002 regulava o instituto da adoção nos Arts. 1.616 a


1.629. Ocorre que, com o advento da Lei Nacional da Adoção, quase a totalidade
dos mencionados dispositivos foi revogada, além de alterados os Arts. 1.618 e
1619.

Art. 1.618.  A adoção de crianças e adolescentes será deferida na forma


prevista pela Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990 – Estatuto da Criança
e do Adolescente (Redação dada pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência.
Art. 1.619.  A adoção de maiores de 18 (dezoito) anos dependerá
da assistência efetiva do poder público e de sentença constitutiva,
aplicando-se, no que couber, as regras gerais da Lei n o 8.069, de 13 de
julho de 1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente (Redação dada
pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência.
Art. 1.620. a 1.629 (Revogados pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência.

Nesse contexto, a regulamentação atinente ao instituto da adoção ficou a


cargo do Estatuto da Criança e do Adolescente.

166
TÓPICO 4 — RELAÇÕES DE PARENTESCO

NOTA

A adoção é medida excepcional e irrevogável, à qual se deve recorrer apenas


quando esgotados os recursos de manutenção da criança ou adolescente na família natural
ou extensa.

A norma em análise dispõe, no Art. 42, que o maior de 18 (dezoito) anos,


independentemente do estado civil, possui capacidade de adotar. Os parágrafos
do dispositivo promovem a sua complementação estabelecendo as seguintes
regras:

• Não podem adotar os ascendentes e os irmãos do adotando.


• Para adoção conjunta, é indispensável que os adotantes sejam casados
civilmente ou mantenham união estável, comprovada a estabilidade da
família.
• O adotante há de ser, pelo menos, dezesseis anos mais velho do que o
adotando.
• Os divorciados, os judicialmente separados e os ex-companheiros podem
adotar conjuntamente, contanto que acordem sobre a guarda e o regime de
visitas e desde que o estágio de convivência tenha sido iniciado na constância
do período de convivência e que seja comprovada a existência de vínculos de
afinidade e afetividade com aquele não detentor da guarda, que justifiquem a
excepcionalidade da concessão.

A adoção post mortem ou adoção póstuma se constitui na possibilidade


de a adoção ser deferida ao adotante que, após inequívoca manifestação de
vontade, vier a falecer no curso do procedimento, antes de prolatada a sentença.
É permitida em nosso ordenamento jurídico por expressa previsão legal do § 6º,
do Art. 42, do Estatuto da Criança e do Adolescente.

6 DO PODER FAMILIAR
O poder familiar ou autoridade parental consiste no dever dos pais em
relação aos filhos menores de 18 (dezoito) anos, sendo o conjunto de direito
relacionados ao sustento, guarda e educação.

Art. 1.630. Os filhos estão sujeitos ao poder familiar, enquanto menores.


Art. 1.631. Durante o casamento e a união estável, compete o poder
familiar aos pais; na falta ou impedimento de um deles, o outro o
exercerá com exclusividade.
Parágrafo único. Divergindo os pais quanto ao exercício do poder
familiar, é assegurado a qualquer deles recorrer ao juiz para solução
do desacordo.

167
UNIDADE 2 — DIREITO DE FAMÍLIA

Art. 1.632. A separação judicial, o divórcio e a dissolução da união


estável não alteram as relações entre pais e filhos senão quanto ao
direito, que aos primeiros cabe, de terem em sua companhia os
segundos.

O Art. 1.634 do Código informa que compete, a ambos os pais,


independentemente da situação conjugal, o pleno exercício do poder familiar. O
mesmo dispositivo traz um rol de deveres oriundos do poder familiar:

• dirigir-lhes a criação e a educação; 


• exercer a guarda unilateral ou compartilhada nos termos do Art. 1.584; 
• conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para se casarem;
• conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para viajarem ao exterior; 
• conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para mudarem sua residência
permanente para outro Município; 
• nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos
pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar; 
• representá-los judicial e extrajudicialmente até os 16 (dezesseis) anos, nos
atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes,
suprindo-lhes o consentimento; 
• reclamá-los de quem ilegalmente os detenha; 
• exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua
idade e condição. 

NOTA

Enquanto estiverem no exercício do poder familiar, o pai e a mãe devem ser


tratados como usufrutuários dos bens dos filhos (usufruto legal) e têm a administração dos
bens dos filhos sob sua autoridade (Art. 1.689, do CC/02).

Por outro lado, visando proteger o menor, o diploma civilista veda que os
pais alienem ou gravem de ônus real os bens de seus filhos, bem como contraiam
em nome deles obrigações que ultrapassem os limites da simples administração.
Excepcionalmente, é possível que assim procedam desde que em razão de
necessidade ou evidente interesse da prole, sendo necessária prévia autorização
do juiz (Art. 1691, do CC/02).

É importante destacar que será nomeado curador especial ao menor


sempre que o exercício do poder familiar ocasionar conflitos entre os interesses
dos pais e dos filhos. Fica a cargo do próprio menor ou do Ministério Público
requerer tal nomeação.

168
TÓPICO 4 — RELAÇÕES DE PARENTESCO

NOTA

A curadoria especial é exercida pela Defensoria Pública (parágrafo único, do


Art. 72, do CPC/15).

Acadêmico, também é pertinente saber que existem bens que são excluídos
do usufruto e da administração dos pais. Veja o rol constante do Art. 1.693 do
Código Civil:

Art. 1.693. Excluem-se do usufruto e da administração dos pais:


I - os bens adquiridos pelo filho havido fora do casamento, antes do
reconhecimento;
II - os valores auferidos pelo filho maior de dezesseis anos, no exercício
de atividade profissional e os bens com tais recursos adquiridos;
III - os bens deixados ou doados ao filho, sob a condição de não serem
usufruídos, ou administrados, pelos pais;
IV - os bens que aos filhos couberem na herança, quando os pais forem
excluídos da sucessão.

Prosseguindo com os estudos, é importante que você saiba das hipóteses


de suspensão e extinção do poder familiar.

No caso de abuso do poder familiar pelo pai ou pela mãe, a depender


do caso concreto, é possível que algum parente ou o Ministério Público recorra
ao Poder Judiciário para que se adote medida adequada à segurança do menor,
podendo a mesma consistir na suspensão do poder familiar (Art. 1.637, do CC/02).
Ainda, é hipótese de suspensão do poder familiar a condenação do pai ou da mãe
por sentença irrecorrível, em virtude de crime, à pena de prisão que exceda a dois
anos (parágrafo único do Art. 1.637).

NOTA

Existe a alienação parental como hipótese possível de suspensão do poder


familiar.

De acordo com o Art. 1.653 do Código Civil, o poder familiar se extingue:


a) pela morte dos pais ou do filho; b) pela emancipação; c) pela maioridade; d)
pela adoção; ou e) por decisão judicial.

169
UNIDADE 2 — DIREITO DE FAMÍLIA

A hipótese de extinção do poder familiar por meio de decisão judicial é


tratada pelo Art. 1.638 do mesmo diploma legal:

Art. 1.638. Perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que:
I - castigar imoderadamente o filho;
II - deixar o filho em abandono;
III - praticar atos contrários à moral e aos bons costumes;
IV - incidir, reiteradamente, nas faltas previstas no artigo antecedente.
V - entregar de forma irregular o filho a terceiros para fins de adoção. 
Parágrafo único. Perderá também por ato judicial o poder familiar
aquele que: 
I – praticar contra outrem igualmente titular do mesmo poder familiar: 
a) homicídio, feminicídio ou lesão corporal de natureza grave ou
seguida de morte, quando se tratar de crime doloso envolvendo
violência doméstica e familiar ou menosprezo ou discriminação à
condição de mulher; 
b) estupro ou outro crime contra a dignidade sexual sujeito à pena de
reclusão; 
II – praticar contra filho, filha ou outro descendente: 
a) homicídio, feminicídio ou lesão corporal de natureza grave ou
seguida de morte, quando se tratar de crime doloso envolvendo
violência doméstica e familiar ou menosprezo ou discriminação à
condição de mulher; 
b) estupro, estupro de vulnerável ou outro crime contra a dignidade
sexual sujeito à pena de reclusão. 

170
RESUMO DO TÓPICO 4
Neste tópico, você aprendeu que:

• O parentesco pode ser natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade


ou outra origem.

• A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede


o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem
biológica, com os efeitos jurídicos próprios.

• A adoção é modalidade de parentesco civil, sendo regulamentada pelo


Estatuto da Criança e do Adolescente.

• O poder familiar ou autoridade parental é o dever dos pais com relação aos
filhos menores de 18 (dezoito) anos, sendo o conjunto de direitos relacionados
ao sustento, guarda e educação.

171
AUTOATIVIDADE

1 Sobre como o processo da adoção de pessoas deverá ser realizado,


obrigatoriamente, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) Por ato extrajudicial, mediante registro em registro público, sem


necessidade de consentimento dos pais biológicos, ainda que estes
sejam conhecidos.
b) ( ) Por ato extrajudicial, mediante averbação em registro público, sem
necessidade de consentimento dos pais biológicos, ainda que estes
sejam conhecidos.
c) ( ) Por sentença judicial, não sendo admissível a adoção por ato
extrajudicial.
d) ( ) Tanto por sentença judicial como por ato extrajudicial.

2 Ocorre a suspensão do poder familiar, quanto ao pai ou à mãe, quando


condenados por sentença irrecorrível, cuja pena exceda:

a) ( ) 1 ano.
b) ( ) 2 anos.
c) ( ) 3 anos.
d) ( ) 4 anos.

3 Acerca das opções a seguir que não são formas de extinção do poder
familiar, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) Morte dos pais ou do filho.


b) ( ) Adoção.
c) ( ) Maioridade.
d) ( ) Estabelecimento de união estável ou casamento, quanto aos filhos do
relacionamento anterior.

4 Acerca do poder familiar, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) A alienação parental é causa de destituição do poder familiar.


b) ( ) O filho não reconhecido pelo pai fica sob o poder familiar exclusivo da
mãe.
c) ( ) O poder familiar compete aos pais, sem que haja prevalência de
qualquer um deles, salvo no caso de união estável, situação em que
prevalece a vontade materna.
d) ( ) O filho não reconhecido pelo pai fica em poder da mãe e, na falta desta,
o encargo da guarda compete aos avós maternos.

172
5 Acerca do reconhecimento do estado de filiação, assinale a alternativa
CORRETA:

a) ( ) A paternidade socioafetiva, por estar declarada em registro público,


impede o reconhecimento do vínculo de filiação baseado na origem
biológica.
b) ( ) Os filhos possuem direitos iguais, independentemente da origem,
salvo aqueles adotados após a maioridade, em relação a restrições
sucessórias, somente.
c) ( ) A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público,
não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante
baseado na origem biológica, com todas as consequências patrimoniais
e extrapatrimoniais.
d) ( ) A filiação, no direito brasileiro, fundamenta-se no seguinte tripé: a
igualdade entre os filhos, a desvinculação ao estado civil dos pais e a
proteção integral do Estado, salvo a filiação decorrente da adoção.

173
174
UNIDADE 2
TÓPICO 5 —

ALIMENTOS

1 INTRODUÇÃO
Olá, acadêmico! Chegamos ao Tópico 5. Neste tópico, abordaremos o
importantíssimo instituto dos alimentos.

Até aqui, estudamos todos os fundamentos gerais do Direito de Família.


Porquanto, é de suma importância que você sempre rememore as primeiras lições
para a correta compreensão dos aspectos específicos do Direito de Família. Nesse
contexto, cumpre destacar, que a obrigação de alimentos tem natureza especial,
tem por base a dignidade da pessoa humana e princípio da solidariedade familiar.

Estudaremos de que forma se dá a obrigação de pagar alimentos, bem


como sua regulamentação pelo Código Civil de 2002 e seu tratamento pela
jurisprudência dos tribunais superiores.

Bons estudos!

2 CONCEITO E PRESSUPOSTOS DA OBRIGAÇÃO ALIMENTAR


Os alimentos podem ser conceituados como “o conjunto de meios
materiais necessários para a existência das pessoas, sob o ponto de vista físico,
psíquico e intelectual” (FARIAS; NETTO; RONSENVALD, 2018, p. 886).

A obrigação alimentar se fundamenta, sobretudo, nos princípios


constitucionais da dignidade da pessoa humana e da solidariedade familiar,
constituindo-se expressão da função social da família.

A doutrina se vale do Art. 6º, da Constituição Federal de 1988, o qual


traz o rol direitos sociais (espécie de direito fundamental), para sustentar que os
alimentos devem abarcar a alimentação, a saúde, a moradia, o vestuário, o lazer,
a educação etc. (TARTCUCE, 2020).

Prevalece que os alimentos possuem natureza jurídica de direito da


personalidade, tendo em vista que voltam ao resguardo da dignidade da pessoa
humana ao assegurarem a integridade física, psíquico e intelectual de uma pessoa
humana.

175
UNIDADE 2 — DIREITO DE FAMÍLIA

Quanto aos pressupostos da obrigação alimentar, tradicionalmente


a doutrina e a jurisprudência apontam para exigência do binômio necessidade-
possibilidade. Assim, à luz do caso concreto, deve se analisar a necessidade de quem
pleiteia o alimento (alimentando) e a possiblidade de quem presta (alimentante).
Todavia, há doutrinadores que apontam a necessidade de se verificar um trinômio,
qual seja: necessidade-possibilidade-proporcionalidade (DINIZ, 2006).

Outro pressuposto imprescindível da obrigação alimentar é a existência


do vínculo de parentesco, casamento ou de união estável.

3 CARACTERÍSTICAS DA OBRIGAÇÃO ALIMENTAR


A doutrina costuma elencar as seguintes características da obrigação
alimentar:

• Caráter personalíssimo (caráter intuito personae): o direito à percepção de


alimentos é personalíssimo. A morte de quem recebe implica a extinção da
obrigação.
• Intransmissibilidade: os alimentos não deveriam admitir transmissão em
razão de seu caráter personalíssimo (Art. 1.700, do CC/02).
• Irrenunciabilidade: característica expressa no Art. 1.707 do CC/02: “pode o
credor não exercer, porém lhe é vedado renunciar o direito a alimentos, sendo
o respectivo crédito insuscetível de cessão, compensação ou penhora”.

NOTA

A mulher que renunciou aos alimentos na separação judicial tem direito à


pensão previdenciária por morte do ex-marido, comprovada a necessidade econômica.

• Obrigação divisível (regra) ou solidária (exceção): O Art. 1.698 do CC/02


consagra a regra geral da divisibilidade da obrigação alimentar aduzindo
que se o parente, que deve alimentos em primeiro lugar, não estiver em
condições de suportar totalmente o encargo, serão chamados a concorrer os
de grau imediato. Por outro lado, sendo várias as pessoas obrigadas a prestar
alimentos, todas devem concorrer na proporção dos respectivos recursos, e,
intentada ação contra uma delas, poderão as demais ser chamadas a integrar a
lide. A obrigação alimentar será solidária quando se tratando se alimentando
idoso, conforme disposição do Art. 12 do Estatuto do Idoso.

176
TÓPICO 5 — ALIMENTOS

NOTA

Quanto aos alimentos avoengos, “a responsabilidade dos avós de prestar


alimentos aos netos apresenta natureza complementar e subsidiária, somente se
configurando quando demonstrada a insuficiência de recursos do genitor.

• Imprescritibilidade: o que não prescreve é a pretensão de pleitear alimentos.


No entanto, o Art. 206, § 2º, CC/02 dispõe que o prazo para a execução dos
alimentos já fixados é de dois anos.

NOTA

O prazo da imprescritibilidade não corre para os absolutamente incapazes, só


começando a correr quando se tonarem relativamente incapazes (Art. 198, inciso I, CC/02).

NOTA

A prescrição não corre entre ascendentes e descendentes durante o poder


familiar (Art. 197, inciso II, CC/02).

• Incessível e Inalienável: o Art. 1.707 do CC estabelece que a obrigação de


alimentos não pode ser objeto de cessão gratuita ou onerosa. Portanto, os
alimentos não podem ser objeto de cessão de crédito. Ainda, são inalienáveis,
não podendo ser vendidos, doados, locados ou trocados.
• Incompensável: o mesmo Art. 1.707 também veda que a obrigação alimentar
seja objeto de compensação.
• Impenhorabilidade: por ser personalíssima, incessível, inalienável, a obrigação
de prestar alimentos é impenhorável.
• Irrepetibilidade: não cabe ação de repetição de indébito para reaver o que foi
pago a título de obrigação alimentar.

177
UNIDADE 2 — DIREITO DE FAMÍLIA

• Intransacionável e não sujeita à arbitragem: apenas quanto a direitos


patrimoniais de caráter privado se permite a transação (Art. 841, do CC/02).
A obrigação alimentar também não pode ser objeto de compromisso ou
arbitragem, conforme estabelece o Art. 852 do CC/02.
• Transmissível: característica expressa no Art. 1.700 do CC/2002: “A obrigação
de prestar alimentos transmite-se aos herdeiros do devedor, na forma do Art.
1.694”.

4 PRINCIPAIS CLASSIFICAÇÕES DOS ALIMENTOS


Neste ponto, destacaremos as principais classificações dos alimentos
partindo da doutrina do professor Flávio Tartuce (2020).

Quanto às fontes, os alimentos são classificados como:

a) Alimentos legais: são aqueles decorrentes da lei, possuindo fundamento


no Direito de Família oriundos das relações de união estável, casamento ou
parentesco (Art. 1.694, do CC/02). São incluídos, nessa classificação, os alimentos
gravídicos. Nesta modalidade de alimentos, caso ocorra o inadimplemento
inescusável, cabe a prisão civil do devedor (Art. 5º, LXVII, da CF/88).
b) Alimentos convencionais: são frutos de ajuste contratual, ou seja, de acordo
entre as partes baseado na autonomia da vontade. Apenas caberá prisão civil
do devedor caso sejam, ao mesmo tempo, alimentos legais.
c) Alimentos indenizatórios, ressarcitórios ou indenizatórios: são os alimentos
devidos em razão da prática de ato ilícito. Não cabe prisão civil por seu
inadimplemento.

NOTA

O § 7º do Art. 528 do CPC/15, incorporando o entendimento sedimentado


por meio da súmula 309 do STJ, dispõe que “o débito alimentar que autoriza a prisão civil
do alimentante é o que compreende até as três prestações anteriores ao ajuizamento da
execução e as que vencerem no curso do processo”.

Quanto à extensão, os alimentos são assim classificados:

a) Alimentos civis ou côngruos: possuem como objetivo a manutenção da


condição social anterior da pessoa (Art. 1.694, do CC/02). Devem ser a regra,
sempre sendo ponderados à luz da razoabilidade.

178
TÓPICO 5 — ALIMENTOS

b) Alimentos indispensáveis, naturais ou necessários: apenas visam garantir o


indispensável à sobrevivência da pessoa. O Código estabelece que o culpado
pelo fim do casamento apenas poderá pleitear essa modalidade de alimento ao
cônjuge inocente (Art. 1.694, § 2.º)

Quanto ao tempo, os alimentos são classificados da seguinte forma:

a) Alimentos pretéritos: em regra, alimentos passados não podem ser mais


pleiteados tendo em vista o princípio da atualidade. A execução dos alimentos já
fixados por sentença ou por acordo entre as partes possui o prazo prescricional
de dois anos, de acordo com o Art. 206, § 2.º, do CC/02.
b) Alimentos presentes: são os alimentos atuais, podendo ser pleiteados.
c) Alimentos futuros: são os alimentos pendentes, podendo ser pleiteados a partir
de seu eventual inadimplemento.

No que concerne à forma de pagamento de pagamento da obrigação


alimentar, temos:

a) Alimentos próprios ou in natura: são os pagos em espécie, através do


fornecimento de alimentação, hospedagem e sustento, sem prejuízo da
obrigação de prestar o necessário para educação dos menores (Art. 1.701, do
CC/02).
b) Alimentos impróprios: são prestados através do pagamento de pensão, sendo
o mais comum na prática.

Por último, quanto à finalidade, os alimentos são classificados em:

a) Alimentos definitivos ou regulares: são aqueles fixados de forma definitiva,


o que pode ocorrer, em regra, por meio de sentença judicial já transitada em
julgado ou de acordo entre as partes. Há também a possibilidade de que sejam
fixados por meio de escritura pública pela ocasião de separação ou divórcio
extrajudiciais (Art. 733, do CPC/15). Vale ressaltar que com fundamento do
binômio necessidade-possibilidade, é possível a revisão da pensão alimentícia
para sua diminuição, majoração ou, até mesmo, exoneração (Art. 1.699, do
CC/02).

NOTA

Os efeitos da sentença que reduz, majora ou exonera o alimentante do


pagamento retroagem à data da citação, vedadas a compensação e a repetibilidade.

179
UNIDADE 2 — DIREITO DE FAMÍLIA

b) Alimentos provisórios: são fixados antes da sentença na ação de alimentos que


segue o rito especial previsto na Lei de Alimentos. Possuem natureza de tutela
de antecipação dos efeitos da sentença (tutela de urgência satisfativa), exigindo
prova pré-constituída da relação de parentesco ou do casamento.
c) Alimentos provisionais: são estipuladas em outras ações que não seguem o rito
especial da Lei de Alimentos. Objetivam manter os alimentos à parte que os
pleiteia no curso da lide. Também possuem natureza de tutela de antecipação
dos efeitos da sentença (tutela de urgência satisfativa), porém não exigem
prova pré-constituída. Logo, é possível, por exemplo que sejam arbitrado no
bojo de uma ação de investigação de paternidade antes que reste comprovada
a paternidade. Expressamente previsto no Art. 1.706, do CC/02.
d) Alimentos transitórios: são os alimentos fixados por tempo determinado em
favor de ex-cônjuge ou ex-companheiro.

NOTA

O STJ tem o entendimento pacífico de que os alimentos devidos entre


ex-cônjuges devem ter caráter excepcional, transitório e devem ser fixados por prazo
determinado, exceto quando um dos cônjuges não possua mais condições de reinserção
no mercado do trabalho ou de readquirir a autonomia financeira.

Finalizando os estudos sobre os alimentos, no subtópico a seguir


abordaremos as formas de extinção da obrigação de alimentos.

5 EXTINÇÃO DA OBRIGAÇÃO DE ALIMENTOS


A extinção da obrigação de prestar alimentos poderá ocorrer pelas
seguintes formas:

• Morte do credor.
• Alteração substancial do binômio necessidade-possibilidade: conforme reza
o Art. 1.699, do CC/02: “se, fixados os alimentos, sobrevier mudança na
situação financeira de quem os supre, ou na de quem os recebe, poderá o
interessado reclamar ao juiz, conforme as circunstâncias, exoneração, redução
ou majoração do encargo”.
• No caso alimentado ser menor de idade, obrigação é extinta, em regra, quando
atinge a maioridade.

180
TÓPICO 5 — ALIMENTOS

NOTA

O cancelamento da pensão alimentícia do filho que atingiu a maioridade está


sujeito à decisão judicial, mediante contraditório, ainda que nos próprios autos.

• Dissolução do casamento ou da união estável: O Art. 1709 do CC/02 estabelece


que “o novo casamento do cônjuge devedor não extingue a obrigação constante
da sentença de divórcio”. Noutro giro, o Art. 1.708 do mesmo diploma legal
impõe que, “com o casamento, a união estável ou o concubinato do credor,
cessa o dever de prestar alimentos”.
• Comportamento indigno do credor em relação ao devedor de alimentos: a
doutrina aduz que o credor não pode incidir em causas semelhantes à da
revogação de doação (Art. 557, do CC/02) ou em causas que afastam o direito
à herança (Art. 1814, do CC/02).

181
RESUMO DO TÓPICO 5
Neste tópico, você aprendeu que:

• A obrigação alimentar se fundamenta nos princípios constitucionais da


dignidade da pessoa humana e da solidariedade familiar, sendo concretização
da função social da família.

• Quanto aos pressupostos da obrigação alimentar, tradicionalmente, a doutrina


e a jurisprudência apontam para a exigência do binômio necessidade-
possibilidade. Assim, à luz do caso concreto, deve-se analisar a necessidade
de quem pleiteia o alimento (alimentando) e a possibilidade de quem presta
(alimentante).

• Os alimentos são irrenunciáveis, imprescritíveis, impenhoráveis, inalienáveis


e incessíveis.

• O que não prescreve é a pretensão de pleitear alimentos. No entanto, o Art.


206, § 2º, CC/02, dispõe que o prazo para a execução dos alimentos já fixados
é de dois anos.

• O cancelamento da pensão alimentícia do filho que atingiu a maioridade está


sujeito à decisão judicial, mediante contraditório, ainda que nos próprios
autos.

182
AUTOATIVIDADE

1 Sobre as características do direito aos alimentos, assinale a alternativa


CORRETA:

a) ( ) Irrenunciável, imprescritível e impenhorável.


b) ( ) Personalíssimo, transferível e irrenunciável.
c) ( ) Personalíssimo, imprescritível e compensável.
d) ( ) Irrenunciável, prescritível e impenhorável.

2 Sobre a obrigação alimentar, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) O direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos,


porém, não é extensivo a todos os ascendentes.
b) ( ) Não subiste mais, no ordenamento jurídico pátrio, a possibilidade de
fixação de alimentos ao ex-côjunge ou companheiro.
c) ( ) É vedado, ao alimentando, renunciar ao direito de alimentos, embora
possa não exercer esse direito.
d) ( ) Alimentos provisórios são os fixados de forma cautelar na ação
investigatória de paternidade, e, provisionais, os fixados na ação de
alimentos.

3 Sobre por quem pode ser cobrado o direito a alimentos, assinale a alternativa
CORRETA:

a) ( ) Filhos aos pais, ou na falta destes, aos avós, sem reciprocidade.


b) ( ) Avós, na falta dos filhos, aos netos e bisnetos, indistintamente.
c) ( ) Filhos, na falta dos pais, diretamente aos tios.
d) ( ) Filhos, na falta dos pais, aos avós.

4 Sobre a obrigação alimentícia, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) Fixado juridicamente, o valor dos alimentos se torna irredutível após o


trânsito em julgado da sentença.
b) ( ) O novo casamento do cônjuge devedor não extingue a obrigação
constante da sentença de divórcio, mas o casamento do credor faz
cessar, para o devedor, o dever de prestar alimentos.
c) ( ) Na ausência do pai, os avós não podem ser chamados a complementar
os alimentos dos netos.
d) ( ) Os alimentos côngruos ou civis se limitam a suprir as carências
fundamentais da pessoa.

183
UNIDADE 2
TÓPICO 6 —

TUTELA E CURATELA

1 INTRODUÇÃO
Olá, acadêmico! Finalmente, chegamos ao último tópico da Unidade 2!
Neste tópico, estudaremos os institutos da tutela e da curatela.

Desde já, saibam que os institutos da curatela e da tutela possuem a defesa


do incapaz como objetivo central.

É imprescindível que você se atente às normativas da parte geral do


Código Civil sobre os absolutamente e os relativamente incapazes, bem como às
diretrizes normativas do Estatuto da Pessoa com Deficiência.

Estudaremos cada instituto de maneira apartada. E, ao final, abordaremos


o mais novo instituto da tomada de decisão apoiada, inovação introduzida no
Código Civil de 2002 pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência.

2 NOÇÕES GERAIS COMUNS DA CURATELA E DA TUTELA


A tutela e a curatela são institutos protetivos complementares do direito
de família, sendo institutos de direito assistencial para a defesa dos interesses dos
incapazes, visando à realização de atos civis em seu nome (TARTUCE, 2020).

Em linhas gerais, a diferença principal entre os dois institutos é que a


tutela resguarda os interesses de menores não emancipados, não sujeitos ao poder
familiar, com o intuito de protegê-los. Já a curatela é categoria assistencial para a
defesa dos interesses de maiores incapazes, devidamente interditados.

A doutrina entende que tais institutos são voltados a “um papel


promocional da pessoa humana, servindo à valorização da sua existência e de
seus valores”. Noutro giro, não nega que também sejam instrumentos de proteção
patrimonial. Contudo, parte-se da premissa de que “a proteção do patrimônio
não é um fim em si mesma, mas o meio, um caminho, para completa proteção do
ser” (FARIAS; NETTO; ROSENVALD, 2018, p. 1906).

185
UNIDADE 2 — DIREITO DE FAMÍLIA

3 DA TUTELA
Conforme disciplina do Código Civil, a tutela é a colocação de um menor
órfão em família substitutiva, sendo cabível na hipótese do falecimento dos pais,
ou sendo estes julgados ausentes ou, ainda, na ocasião em que os pais decaírem
do poder familiar (Art. 1.728).

Acadêmico, tenha em mente que a tutela se trata de instituto excepcional,


no sentido de que a criança apenas será colocada em família substituta no caso
da morte ou da ausência de ambos os pais ou, ainda, no caso de ambos decaírem
do poder familiar.

A doutrina costuma identificar as seguintes espécies de tutela:

a) Tutela documental: é a hipótese na qual mãe e pai, em conjunto, nomeiam


tutor. Tal nomeação pode se dar por qualquer documento autêntico (Art.1.729,
do CC/02).
b) Tutela testamentária: quando feita por meio de testamento. O Art. 1.730 do
CC/02 estabelece ser nula a nomeação de tutor pelo pai ou pela mãe que, por
ocasião de sua morte, não possuía o poder familiar.
c) Tutela legítima: no caso de não existir qualquer indicação de tutor, o Código
Civil estabelece um rol de legitimados a exercer a tutela.

Art. 1.731. Em falta de tutor nomeado pelos pais incumbe a tutela aos
parentes consanguíneos do menor, por esta ordem:
I - aos ascendentes, preferindo o de grau mais próximo ao mais remoto;
II - aos colaterais até o terceiro grau, preferindo os mais próximos aos
mais remotos, e, no mesmo grau, os mais velhos aos mais moços; em
qualquer dos casos, o juiz escolherá entre eles o mais apto a exercer
a tutela em benefício do menor (aqui se tem uma clara manifestação
da doutrina da proteção integral, pois estabelece que o rol não é
preferencial, cabendo ao juiz determinar o tutor mais apto).

d) Tutela dativa: ocorre no caso de inexistência de parente consanguíneo ou de,


em existindo, nenhum deles for idôneo para o encargo, situação em que o juiz
nomeará um terceiro de sua confiança.

Art. 1.732. O juiz nomeará tutor idôneo e residente no domicílio do


menor:
I - na falta de tutor testamentário ou legítimo;
II - quando estes forem excluídos ou escusados da tutela;
III - quando removidos por não idôneos o tutor legítimo e o
testamentário.

186
TÓPICO 6 — TUTELA E CURATELA

NOTA

Tratando-se de irmãos, deverá, o juiz, dar um só tutor para ambos, com vistas
a preservar a família natural e a família ampliada (Art. 1733, do CC/02).

e) Tutela compartilhada: trata-se de uma das inovações perpetradas pelo


Estatuto do Deficiente, a partir da inserção do Art. 1.775-A no Código Civil. É
a possibilidade da nomeação de dois ou mais tutores simultaneamente.

O pró-tutor é o auxiliar do magistrado na fiscalização do tutor. É,


portanto, um mero auxiliar do Juiz. O Art. 1.742 permite que o juiz, de ofício ou
por requerimento, nomeie um pró-tutor.

Importante também que você conheça o rol das pessoas impedidas, pela
lei, de exercerem a tutela. Trata-se do Art. 1.735 do Código Civil:

Art. 1.735. Não podem ser tutores e serão exonerados da tutela, caso
a exerçam:
I - aqueles que não tiverem a livre administração de seus bens;
II - aqueles que, no momento de lhes ser deferida a tutela, se acharem
constituídos em obrigação para com o menor, ou tiverem que fazer
valer direitos contra este, e aqueles cujos pais, filhos ou cônjuges
tiverem demanda contra o menor;
III - os inimigos do menor, ou de seus pais, ou que tiverem sido por
estes expressamente excluídos da tutela;
IV - os condenados por crime de furto, roubo, estelionato, falsidade,
contra a família ou os costumes, tenham ou não cumprido pena;
V - as pessoas de mau procedimento, ou falhas em probidade, e as
culpadas de abuso em tutorias anteriores;
VI - aqueles que exercerem função pública incompatível com a boa
administração da tutela.

Por outro lado, há aqueles que, apesar de poderem exercer a tutela, a lei
permite que se escusem. O Art. 1.736 do mesmo diploma legal traz esse rol:

CC Art. 1.736. Podem escusar-se da tutela:


I - mulheres casadas;
II - maiores de sessenta anos;
III - aqueles que tiverem sob sua autoridade mais de três filhos;
IV - os impossibilitados por enfermidade;
V - aqueles que habitarem longe do lugar onde se haja de exercer a
tutela;
VI - aqueles que já exercerem tutela ou curatela;
VII - militares em serviço.

187
UNIDADE 2 — DIREITO DE FAMÍLIA

Qual seria, afinal, o papel do tutor? O código traz, nos Arts. 1.740 e 1741,
várias incumbências do tutor a fim de resguardar a criança e o adolescente, tanto
no que toca a perspectiva existencial, dando execução ao princípio da dignidade
da pessoa humana, quanto no que concerne aos seus interesses patrimoniais.

Art. 1.740. Incumbe ao tutor, quanto à pessoa do menor:


I - dirigir-lhe a educação, defendê-lo e prestar-lhe alimentos, conforme
os seus haveres e condição;
II - reclamar do juiz que providencie, como houver por bem, quando o
menor haja mister correção;
III - adimplir os demais deveres que normalmente cabem aos pais,
ouvida a opinião do menor, se este já contar doze anos de idade.
Art. 1.741. Incumbe ao tutor, sob a inspeção do juiz, administrar os
bens do tutelado, em proveito deste, cumprindo seus deveres com zelo
e boa-fé.

As competências específicas do tutor estão listadas nos Arts. 1.747 e 1.748


do Código, destacando-se a de representar o menor, até os dezesseis anos, nos
atos da vida civil, e assisti-lo, após essa idade nos atos em que for parte.

Destaca-se que o tutor terá remuneração proporcional ao valor dos bens


administrados (Art. 1.752, do CC/02).

Acadêmico, é de crucial importância saber que o tutor responde civilmente


por danos causados a pessoa ou ao patrimônio do tutelado. Essa responsabilidade
do tutor será subjetiva, ou seja, o tutor só responde se provada sua culpa (Art.
1.752, do CC/02). Ademais, o tutor tem obrigação de prestar contas a cada dois
anos, quando deixar o múnus, ou quando o juiz exigir (Art. 1.755, do CC/02).

Além dessa prestação de contas periódica, quando encerrar o múnus, ou


for requisitado pelo juiz, os tutores ainda devem apresentar balanço anual das
contas ao juiz (Art. 1.756, do CC/02). Esse balanço anual é algo mais simples que
a prestação de contas, é como se fosse uma prestação de contas resumida.

NOTA

Há a possibilidade de o Ministério Público ou interessado promover ação de


prestações de contas, tendo em vista a proteção do menor.

188
TÓPICO 6 — TUTELA E CURATELA

Por último, os Arts. 1.763 a 1.766 tratam das hipóteses de cessação da


tutela:

Art. 1.763. Cessa a condição de tutelado:


I - com a maioridade ou a emancipação do menor;
II - ao cair o menor sob o poder familiar, no caso de reconhecimento
ou adoção.
Art. 1.764. Cessam as funções do tutor:
I - ao expirar o termo, em que era obrigado a servir;
II - ao sobrevir escusa legítima;
III - ao ser removido.
Art. 1.765. O tutor é obrigado a servir por espaço de dois anos.
Parágrafo único. Pode o tutor continuar no exercício da tutela, além
do prazo previsto neste artigo, se o quiser e o juiz julgar conveniente
ao menor.
Art. 1.766. Será destituído o tutor, quando negligente, prevaricador ou
incurso em incapacidade.

NOTA

À luz do Art. 1.756 do CC/02, o tutor é obrigado a servir por dois anos, podendo,
esse prazo, ser estendido se quiser e se o magistrado julgar conveniente ao menor.

4 DA CURATELA DOS INTERDITOS


Acadêmico, antes de tudo, é importante reforçar que a curatela se destina
à defesa dos interesses dos maiores de idade incapazes, visando à realização de
atos civis em seu nome.

Nesse contexto, deve-se se ter como premissa ao estudo da curatela o


conhecimento de que o Estatuto da Pessoa com Deficiência alterou drasticamente
o tratamento em relação aos considerados absolutamente e relativamente
incapazes. Veja como ficou a redação dos Arts. 3º e 4º do Código Civil após tais
alterações:

Art. 3 o São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos


da vida civil os menores de 16 (dezesseis) anos. (Redação dada pela
Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência)
I - (Revogado) ; (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência)
II - (Revogado) ; (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência)
III - (Revogado) . (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência)
Art. 4 o São incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de os
exercer: (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência)
I - os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos;
II - os ébrios habituais e os viciados em tóxico; (Redação dada pela Lei
nº 13.146, de 2015) (Vigência)

189
UNIDADE 2 — DIREITO DE FAMÍLIA

III - aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem


exprimir sua vontade; (Redação dada pela Lei nº 13.146, de
2015) (Vigência)
IV - os pródigos.
Parágrafo único.   A capacidade dos indígenas será regulada por
legislação especial. (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência)

Portanto, perceba que hoje não existem maiores absolutamente incapazes


para o ordenamento civilista. Ainda, note que a curatela apenas incide para os
maiores relativamente incapazes.

ATENCAO

Não se esqueça de que a única hipótese de absolutamente incapaz, hoje, é a


do menor de 16 (dezesseis) anos.

Ademais, o Estatuto da Pessoa com Deficiência, tendo, como paradigma, a


tutela da dignidade-liberdade da pessoa com deficiência, é voltado a promover a plena
inclusão das pessoas com deficiência estabelecendo (TARTUCE, 2020, p. 2.258),
de maneira revolucionária no direito brasileiro o seguinte:

O Art. 6º A deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa,


inclusive para:
I - casar-se e constituir união estável;
II - exercer direitos sexuais e reprodutivos;
III - exercer o direito de decidir sobre o número de filhos e de ter acesso
a informações adequadas sobre reprodução e planejamento familiar;
IV - conservar sua fertilidade, sendo vedada a esterilização
compulsória;
V - exercer o direito à família e à convivência familiar e comunitária; e
VI - exercer o direito à guarda, à tutela, à curatela e à adoção, como
adotante ou adotando, em igualdade de oportunidades com as demais
pessoas.

Pontua-se que, para casos da realização de negócios jurídicos de natureza


patrimonial de elevada complexidade, a pessoa com deficiência, hoje considerada
como plenamente capaz, poderá fazer uso do instituto da tomada de decisão
apoiada.

É certo que a nomeação de curador (interdição) é apenas aceita, atualmente,


em casos excepcionais, razão pela qual o § 3 o do Art. 84 do EPD estabelece que
a curatela deverá ser “proporcional às necessidades e às circunstâncias de cada
caso, e durará o menor tempo possível”.

190
TÓPICO 6 — TUTELA E CURATELA

NOTA

Reforçando tal ideia, o Art. 85 dispõe, expressamente, que “a curatela constitui


medida extraordinária, devendo constar, da sentença, as razões e motivações da definição,
preservando os interesses do curatelado”.

Por seu turno, o Art. 85 do referido Estatuto dispõe que “a curatela afetará
tão somente os atos de natureza patrimonial e negocial”. No parágrafo primeiro
ainda sinaliza que o instituto não alcançará o direito da pessoa com deficiência ao
próprio corpo, à sexualidade, ao matrimónio, à privacidade, à saúde, ao trabalho
e ao voto.

O Art. 1.767 do Código Civil traz, em rol taxativo, as pessoas sujeitas à


curatela:
Art. 1.767. Estão sujeitos a curatela:
I - aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem
exprimir sua vontade; (Redação dada pela Lei nº 13.146, de
2015) (Vigência)
II - (Revogado) ; (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência)
III - os ébrios habituais e os viciados em tóxico; (Redação dada pela Lei
nº 13.146, de 2015) (Vigência)
IV - (Revogado) ; (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência)
V - os pródigos.

Note que o Art. 1.767 do Código foi alterado a fim de se compatibilizar


com a alteração ocorrida nos Arts. 3º e 4º do mesmo diploma.

ATENCAO

Acadêmico, cuidado na hora de ler o Código Civil. O Código de Processo Civil


(Art. 1.072) promoveu a revogação dos Arts. 1.768 a 1.773 do diploma civilista.

Outro ponto importante é saber que grande parte do regramento referente


ao instituto da curatela está presente dos Arts. 747 a 763 do CPC/15.

O Art. 747 do CPC traz o rol taxativo dos legitimados a promover o


processo de interdição, devendo estes fazerem prova de sua legitimidade por
meio de documentação que deve acompanhar a petição inicial.

191
UNIDADE 2 — DIREITO DE FAMÍLIA

Art. 747. A interdição pode ser promovida:


I - pelo cônjuge ou companheiro;
II - pelos parentes ou tutores;
III - pelo representante da entidade em que se encontra abrigado o
interditando;
IV - pelo Ministério Público.
Parágrafo único. A legitimidade deverá ser comprovada por
documentação que acompanhe a petição inicial.

Conforme pontuamos, a curatela é medida excepcional. Logo, o diploma


processual exige que o autor do processo de interdição especifique os fatos
que demonstram a incapacidade do interditando para administrar seus bens e,
se for o caso, para praticar atos da vida civil, bem como o momento em que a
incapacidade se revelou (Art.749). Ademais, o autor também tem o dever de juntar
laudo médico para fazer prova de suas alegações ou informar a impossibilidade
de fazê-lo (Art. 751).

NOTA

Acadêmico, justamente, por todo esse contexto legal, é comum encontrar,


na doutrina, a afirmação de que não se pode presumir a incapacidade, devendo-se provar,
concretamente, a necessidade dada ao caráter excepcional.

De acordo com o § 2º do Art. 752 do CPC/15, o Ministério Público atuará,


obrigatoriamente, nos processos de interdição como fiscal da ordem jurídica
(custos legis). Ademais, o interditando pode constituir advogado. Todavia, caso
não constitua, deverá ser nomeado curador especial.

Há a possibilidade, no caso de o interditando não constituir advogado,


de o seu cônjuge, companheiro ou qualquer parente sucessível intervir como
assistente (§ 3º, do Art. 752, do CPC/15).

Afinal, quem pode ser curador? O Art. 1.775 do Código Civil nos traz tal
resposta:

Art. 1.775. O cônjuge ou companheiro, não separado judicialmente ou


de fato, é, de direito, curador do outro, quando interdito.
§1 o Na falta do cônjuge ou companheiro, é curador legítimo o pai ou
a mãe; na falta destes, o descendente que se demonstrar mais apto.
§ 2  o  Entre os descendentes, os mais próximos precedem aos mais
remotos.
§ 3 o Na falta das pessoas mencionadas neste artigo, compete ao juiz a
escolha do curador.

192
TÓPICO 6 — TUTELA E CURATELA

Ressalta-se o entendimento da doutrina de que o Art. 1.775 não impõe uma


ordem para ser curador. Na verdade, tal norma deverá sempre ser interpretada à
luz do melhor interesse do interditando.

Outro ponto relevante diz respeito à “extensão” dos poderes do curador. O


Art. 757 do CPC é expresso ao estabelecer que “a autoridade do curador se estende
à pessoa e aos bens do incapaz que se encontrar sob a guarda e a responsabilidade
do curatelado ao tempo da interdição, salvo se o juiz considerar outra solução
como mais conveniente aos interesses do incapaz”. Tal disposição é identificada,
pela doutrina, como o princípio da unicidade da curatela (TARTUCE, 2020).

Pois bem, acadêmico, já aprendemos que a curatela além de medida


excepcional, deve apenas durar o tempo necessário para defesa do maior incapaz.
Resta saber como se dará seu término.

O Art. 756 do CPC/15 atribuiu a legitimidade para o pedido de cessação


da curatela ao Ministério Público, ao curador ou ao próprio interdito.

Para que o juiz possa determinar o levantamento da curatela, determinará


a realização de exame ao interdito por meio de perito ou equipe multidisciplinar.
Após a realização do laudo, marcará audiência de instrução e julgamento.

Caso seja acolhido o pedido, o juiz decretará o levantamento da interdição


e determinará a publicação da sentença, após o trânsito em julgado. A sentença
será averbada no registro de pessoas naturais.

Por fim, é de suma importância destacar a orientação do Art. 758 do


CPC/15 de que o curador procure atendimento e apoio à conquista da autonomia
pelo interdito. Perceba que tal regra está em consonância as diretrizes do Estatuto
da Pessoa com Deficiência ao passo que persegue a inclusão da pessoa com
deficiência a partir de sua autonomia (tutela da dignidade-liberdade).

5 DA TOMADA DE DECISÃO APOIADA


Acadêmico, o instituto da tomada de decisão apoiada é inédito no
ordenamento jurídico brasileiro, sendo introduzido por meio da Lei 13.146/2015,
a qual inseriu o Art. 1.738 no Código Civil.

De início, é basilar compreender que este instituto se perfaz por meio


de um processo judicial pelo qual a pessoa com deficiência elege pelo menos
duas pessoas idôneas, com as quais mantenha vínculos e que gozem de sua
confiança, para prestar-lhe apoio na tomada de decisão sobre atos da vida civil,
fornecendo-lhes os elementos e informações necessários para que possa exercer
sua capacidade (caput, do Art. 1.738, do CC/002).

193
UNIDADE 2 — DIREITO DE FAMÍLIA

O professor Flávio Tartuce (2020) aduz que a tomada de decisão apoiada


tem a função de trazer acréscimos e melhora substancial ao antigo regime de
incapacidades dos maiores, sustentado tradicionalmente pela representação, pela
assistência e pela curatela.

Veja a regulamentação pormenorizada do instituto constante do Art. 1.738


do Código Civil:

Art. 1.783-A.  A tomada de decisão apoiada é o processo pelo qual a


pessoa com deficiência elege pelo menos duas pessoas idôneas, com as
quais mantenha vínculos e que gozem de sua confiança, para prestar-
lhe apoio na tomada de decisão sobre atos da vida civil, fornecendo-
lhes os elementos e informações necessários para que possa exercer
sua capacidade. 
§ 1 o Para formular pedido de tomada de decisão apoiada, a pessoa
com deficiência e os apoiadores devem apresentar termo em que
constem os limites do apoio a ser oferecido e os compromissos dos
apoiadores, inclusive o prazo de vigência do acordo e o respeito à
vontade, aos direitos e aos interesses da pessoa que devem apoiar. 
§ 2  o  O pedido de tomada de decisão apoiada será requerido pela
pessoa a ser apoiada, com indicação expressa das pessoas aptas a
prestarem o apoio previsto no caput deste artigo. 
§ 3 o Antes de se pronunciar sobre o pedido de tomada de decisão
apoiada, o juiz, assistido por equipe multidisciplinar, após oitiva do
Ministério Público, ouvirá pessoalmente o requerente e as pessoas que
lhe prestarão apoio. 
§ 4  o  A decisão tomada por pessoa apoiada terá validade e efeitos
sobre terceiros, sem restrições, desde que esteja inserida nos limites
do apoio acordado. 
§ 5 o Terceiro com quem a pessoa apoiada mantenha relação negocial
pode solicitar que os apoiadores contra assinem o contrato ou acordo,
especificando, por escrito, sua função em relação ao apoiado. 
§ 6 o Em caso de negócio jurídico que possa trazer risco ou prejuízo
relevante, havendo divergência de opiniões entre a pessoa apoiada e
um dos apoiadores, deverá o juiz, ouvido o Ministério Público, decidir
sobre a questão. 
§ 7 o Se o apoiador agir com negligência, exercer pressão indevida ou
não adimplir as obrigações assumidas, poderá a pessoa apoiada ou
qualquer pessoa apresentar denúncia ao Ministério Público ou ao juiz. 
§ 8 o Se procedente a denúncia, o juiz destituirá o apoiador e nomeará,
ouvida a pessoa apoiada e se for de seu interesse, outra pessoa para
prestação de apoio. 
§ 9 o A pessoa apoiada pode, a qualquer tempo, solicitar o término de
acordo firmado em processo de tomada de decisão apoiada. 
§ 10.  O apoiador pode solicitar ao juiz a exclusão de sua participação
do processo de tomada de decisão apoiada, sendo seu desligamento
condicionado à manifestação do juiz sobre a matéria.
§ 11.   Aplicam-se à tomada de decisão apoiada, no que couber, as
disposições referentes à prestação de contas na curatela. 

Conforme já citamos, o instituto da tomada de decisão apoiada serve para


casos de realização de negócios jurídicos de natureza patrimonial de elevada
complexidade, dando a opção (faculdade) da pessoa com deficiência ter um
auxílio, sem a necessidade de recorrer à medida excepcional da curatela.

194
TÓPICO 6 — TUTELA E CURATELA

Acadêmico, com isso encerramos os estudos referentes à Unidade 2! Na


próxima unidade estudaremos sobre direitos das sucessões.

A leitura complementar traz um texto da doutrinadora Maria Berenice


Dias, aprofundando a temática. Não deixem de ler! Até mais!

195
UNIDADE 2 — DIREITO DE FAMÍLIA

LEITURA COMPLEMENTAR

SOCIEDADE DE AFETO

Maria Berenice Dias

A sexualidade sempre esteve envolta de mitos e tabus, buscando, a


sociedade, confiná-la na conjugalidade, único espaço em que era admitido seu
exercício e, assim mesmo, para fins procriativos. No modelo tradicional, família
era a união de um homem e uma mulher pelos sagrados laços do matrimônio e
com o fim precípuo de perpetuar a espécie. Nesse universo, todos dispõem de
um nome que identifica o lugar de cada um na constelação familiar. O casamento
constitui a família, formada pelo marido e pela mulher, que geram filhos. Também
integram o conceito e a nomenclatura da família as relações de parentesco natural,
constituídas por avós, irmãos, tios, sobrinhos, primos, netos etc. De outro lado, o
casamento inova relações de parentesco, havendo até uma terminologia própria
para identificar o parentesco civil, universo que compreende sogros, genros,
noras, cunhados etc. No contexto de um mundo globalizado, com a emancipação
feminina, a evolução dos costumes e os avanços da engenharia genética romperam
os paradigmas aos quais estava condicionada a família: casamento, sexo e
reprodução. O casamento não mais serve para o reconhecimento da entidade
familiar, o sexo deixou de ter lugar, exclusivamente, no matrimônio, e o contato
sexual se tornou dispensável para a procriação. Conforme Roussel, não se pode
mais pensar na família no singular, e imperiosa é a busca de novos referenciais,
para inserir no âmbito do direito, os mais diversos relacionamentos interpessoais.
Para delinear o pluralismo de formas que a família assumiu na realidade do
mundo atual, emprestou-se juridicidade ao vínculo afetivo que enlaça as pessoas.
Esse é o único elo capaz de gerar consequências de ordens pessoal e patrimonial,
pois, como alerta João Baptista Villela, a teoria e a prática das instituições de
família dependem, em última análise, de nossa competência de dar e receber
amor. Assumindo, as pessoas, cada vez mais, os desejos, o conceito de família
foi reinventado, passando a dispor de um perfil multifacetário. Como as relações
familiares são funcionalizadas em razão da dignidade de cada partícipe, fez-se
necessário identificar como família, também, as relações que se constituem sem o
selo do casamento.

A própria Constituição Federal reconheceu como entidade familiar e


assegurou proteção à união estável e à comunidade dos pais com descendentes,
mas não só nesse limitado universo se flagra a presença de uma família. Não
se pode deixar de ver, como família, a universalidade dos filhos que não
contam com a presença dos pais. Dentro desse espectro mais amplo, descabe
excluir os relacionamentos de pessoas do mesmo sexo, que mantêm, entre
si, uma relação pontificada pelo afeto, a ponto de merecerem a denominação
de uniões homoafetivas. A flexibilização decorrente da contemporaneidade

196
TÓPICO 6 — TUTELA E CURATELA

vem permitindo que os relacionamentos, antes clandestinos e marginalizados,


adquiram visibilidade, o que acabará conduzindo a sociedade à aceitação de
todas as formas que as pessoas encontram para viver.

Nem mais o convívio sob o mesmo teto é indispensável para o


reconhecimento de uma entidade familiar, bastando, para a configuração, a
mantença de uma vida em comum. Estão acabando os casamentos de fachada,
não se justificando relacionamentos paralelos e furtivos, nascidos do medo da
rejeição social. As pessoas passaram a viver em uma sociedade mais tolerante
e, com mais liberdade, buscam realizar o sonho de serem felizes sem se sentir
dentro de estruturas preestabelecidas e engessadoras. Está ocorrendo uma
verdadeira democratização dos sentimentos, na qual o respeito mútuo e a
liberdade individual vêm sendo preservados. Como bem refere Rosana Fachin, a
nova família busca construir uma história em comum, não mais a união formal,
o que existe é uma comunhão afetiva, cuja ausência gera a falência do projeto de
vida. Nessa nova ótica, a traição e a infidelidade estão perdendo espaço. Cada vez
mais, as pessoas têm o direito de escolha e podem transitar de uma comunidade
de vida para outra, que pareça mais atrativa e gratificante. É por esse prisma
que hoje se deve ver a família, além de buscar não só um novo conceito, mas
uma nomenclatura que identifique os integrantes dos atuais vínculos familiares.
Não bastam os vocábulos disponíveis para diferenciar o par formado por quem é
egresso de relacionamentos anteriores. Não dispõe, a Língua Portuguesa, de uma
palavra que permita, ao filho, identificar quem seja, por exemplo, o companheiro
da mãe. Como chamar o filho da mulher do pai? Ainda, que nome tem o novo filho
dessa relação frente aos filhos de cada um dos pais, frutos de relacionamentos
pretéritos?

Claro que os termos madrasta, padrasto, enteado, assim como as expressões


filho da companheira do pai ou filha do convivente da mãe, meio-irmão, não
servem, pois trazem uma forte carga de negatividade, resquício da intolerância
social. É chegada a hora de se encontrar uma terminologia para as novas famílias.
Soa como um desafio encontrar nomes que identifiquem as relações em que
a diferença de sexos não é elemento essencial, e o vínculo biológico não serve
como fator exclusivo para a determinação da filiação. Os relacionamentos que
florescem, exclusivamente, na trilha do companheirismo e do comprometimento
mútuo, merecem um nome que retrate o vínculo de afeto. Como o termo
casamento é reservado a quem contraiu justas núpcias, para usar a expressão de
Clovis Bevilaqua, outro nome necessita ser cunhado para identificar as famílias
não constituídas pelos sagrados laços do matrimônio. As palavras amigado,
amasiado ou concubino se referiam a relações espúrias ou pecaminosas. A lei e a
própria justiça se encarregavam de alijar os vínculos extramatrimoniais do direito
de família, dispondo de alguma visibilidade somente no âmbito obrigacional.
Tais relacionamentos eram tratados como fictícias sociedades de fato se, durante
o período de convívio, havia acréscimo patrimonial.

Exclusivamente, para evitar o enriquecimento injustificado de um dos


sócios em detrimento do outro, era determinada a partição dos bens amealhados

197
UNIDADE 2 — DIREITO DE FAMÍLIA

durante a vida em comum. Contudo, como estamos diante de sociedades de afeto,


não dá para chamá-las de sociedades de fato. A Constituição Federal acabou
se curvando à realidade e enlaçou o afeto no âmbito da proteção do Estado.
Para afastar o estigma do termo concubinato, o constituinte chamou, de união
estável, a relação não matrimonializada entre um homem e uma mulher. Só que
dita locução não serve para a identificação dos partícipes dessa nova entidade
familiar. Os vocábulos companheiro e convivente foram os utilizados pelas leis
que regulamentaram a união estável. O novo Código Civil, aleatoriamente, fala
de companheiro e convivente, fazendo uso, também, da expressão concubino,
mas nenhuma dessas denominações mereceu a aceitação social, e, conforme bem
lembra Rodrigo da Cunha Pereira, a determinação e a nomeação dos sujeitos
de uma relação concubinária serão aquelas que o costume consagrar. Além das
dificuldades sociais, problemas de outra ordem surgem em decorrência da falta
de uma terminologia adequada para as novas estruturas de convívio elencadas
em sede constitucional como entidades familiares. A partir do momento em
que um relacionamento passa a gerar sequelas patrimoniais, com reflexos sobre
terceiros, imperiosa sua perfeita identificação, até para empréstimo de segurança
às relações jurídicas. A união estável nasce do simples fato da convivência, simples
fato jurídico que evolui para a constituição de ato jurídico, em face dos direitos que
brotam dessa relação. No entanto, gera um quase casamento na identificação dos
efeitos. Quem vive em união estável e adquire algum bem, ainda que em nome
próprio, não é o seu titular exclusivo. O fato de o bem figurar como de propriedade
de um não afasta a titularidade do outro. O estado condominial, estabelecendo-
se ex vi legis, não permite que o comprador aliene o bem comum sem a vênia
do convivente. A constituição da união estável leva à perda da disponibilidade
dos bens adquiridos. O direito de propriedade resta fracionado em decorrência
do condomínio que exsurge por força de lei. Portanto, para o aperfeiçoamento
de todo e qualquer ato de disposição do patrimônio comum, é indispensável a
expressa manifestação de ambos os proprietários. Por consequência, é imperioso
reconhecer que, a partir do momento em que uma estrutura familiar passe a
gerar consequências jurídicas, estamos diante de um novo estado civil. Não é
mais somente o casamento que impõe alterações de ordem patrimonial. A união
estável, ao modificar a titularidade dos bens adquiridos na sua constância, altera
o estado civil dos... como se diriam: concubinos, companheiros, conviventes,
parceiros? Enfim, do par. Assim, quem mantém união estável não pode dizer que
é solteiro ou viúvo, nem que é casado. Igualmente, não cabe se qualificar como
separado ou divorciado, pois não mais é essa sua condição de vida.

Os solteiros, separados, divorciados ou viúvos são pessoas que vivem sós,


são donas exclusivas do seu patrimônio e dele podem dispor livremente. Quem
mantém uma convivência duradoura, pública e contínua com outrem constitui
uma família e precisa se identificar e ser identificado como integrante de uma nova
verdade social e jurídica. Imprescindível, portanto, encontrar um nome para esse
novo status, que não nasce, como o casamento, de um ato que o formaliza. É um
relacionamento que surge do afeto, impondo que se procure, para a identificação,
uma palavra que assinale sua origem e natureza. Na busca de um vocábulo que
nomine esse vínculo carente de denominação, é preciso prestar atenção: apenas a

198
TÓPICO 6 — TUTELA E CURATELA

afetividade, e não a lei, mantém unidas essas entidades familiares. Por mais que
se tente, não há expressão mais adequada para definir quem ama e quem é amado
do que a palavra amante. No latim, amante, particípio presente do verbo amar,
significa aquele que ama. Se duas pessoas estão juntas, exclusivamente, em razão
do amor que as une, aquela que ama é amante, como também é amante quem é
amado. O fato de os amores, outrora estigmatizados pela clandestinidade, terem
se apropriado desse termo, não significa que esse belo vocábulo fique relegado
para sempre ou condenado ao esquecimento. Ao contrário, seu real sentido
deve ser o bastante para o revivificar em uma nova dimensão, que não é outra
a não ser a acepção nativa: amantes são aqueles que se amam. Amante serve,
pois, para denominar os partícipes de uma união estável e para a identificação da
nova entidade familiar. Ao constituírem essa espécie de família, passam, ambos,
a se chamar amantes, assim sendo denominado o estado civil. Desse modo,
identificam-se, com facilidade, os que vivem em união estável. Não são casados
nem solteiros, separados, divorciados ou viúvos. São amantes porque se amam
e, com seu amor, formam uma união de afeto. O amor é o elemento constitutivo
da união estável e deve servir para a identificação. A partir da assunção de uma
terminologia adequada, cessam inseguranças e incertezas. Com facilidade, pode-
se nominar os demais integrantes da nova constelação familiar: os filhos de cada
um serão apresentados como os filhos do meu amante, assim como os irmãos, os
pais e os demais parentes. Ainda que nomes não tenham efeito mágico, quem sabe,
a partir do momento em que se realce a natureza afetiva do vínculo, as pessoas
se amem mais e vivam suas relações com a cumplicidade, o companheirismo e o
carinho que somente aqueles que amam, ou seja, os amantes, sabem viver.

FONTE: <http://www.mariaberenice.com.br/manager/arq/(cod2_792)1__sociedade_de_afeto.
pdf>. Acesso em: 18 out. 2020.

199
RESUMO DO TÓPICO 6
Neste tópico, você aprendeu que:

• A tutela e a curatela são institutos protetivos complementares do direito de


família, sendo institutos de direito assistencial para a defesa dos interesses
dos incapazes, visando à realização de atos civis.

• A tutela é a colocação de um menor órfão em família substitutiva, sendo


cabível na hipótese do falecimento dos pais, ou sendo estes julgados ausentes
ou, ainda, na ocasião em que os pais decaírem do poder familiar.

• A curatela se destina à defesa dos interesses dos maiores de idade incapazes,


visando à realização de atos civis.

• O instituto da tomada de decisão apoiada é inédito no ordenamento jurídico


brasileiro.

• O instituto da tomada de decisão apoiada serve para casos de realização


de negócios jurídicos de natureza patrimonial de elevada complexidade,
dando a opção (faculdade) da pessoa com deficiência ter um auxílio, sem a
necessidade de recorrer à medida excepcional da curatela.

CHAMADA

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pensando em facilitar sua compreensão. Acesse o QR Code, que levará ao
AVA, e veja as novidades que preparamos para seu estudo.

200
AUTOATIVIDADE

1 De acordo com o Código Civil, estão sujeitos à tutela:

a) ( ) Os pródigos.
b) ( ) Aqueles que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o
necessário discernimento para os atos da vida civil.
c) ( ) Os ébrios habituais e os viciados em tóxicos.
d) ( ) Os filhos menores cujos pais decaíram do pátrio poder.

2 É INCORRETO afirmar que os filhos menores são postos em tutela:

a) ( ) Com o julgamento que declara a ausência dos pais.


b) ( ) Quando os pais decaírem do poder familiar.
c) ( ) Quando a nomeação de tutor constar em qualquer expressão manifesta
de vontade, oral ou escrita.
d) ( ) Com o falecimento dos pais.

3 Sobre a teoria da incapacidade e de acordo com o Código Civil, assinale a


alternativa CORRETA:

a) ( ) A capacidade matrimonial se inicia aos dezoito anos.


b) ( ) Os militares em serviço e os maiores de sessenta anos podem se escusar
da tutela.
c) ( ) O direito brasileiro não admite a figura do pró-tutor.
d) ( ) A incapacidade dos menores entre 14 e 18 anos cessa pela emancipação.

4 Com base no disposto no Código Civil acerca da tutela e da curatela,


assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) Os filhos menores são postos em tutela em caso de os pais decaírem do


poder familiar.
b) ( ) Podem se escusar, da tutela, as mulheres maiores de 55 anos, desde
que casadas.
c) ( ) Os bens do menor são entregues ao tutor mediante termo especificado,
salvo se os pais tenham dispensado.
d) ( ) O tutor pode dispor dos bens do menor a título gratuito, desde que
faça mediante prévia autorização judicial.

5 Assinale a alternativa CORRETA a respeito da tomada de decisão apoiada:

a) ( ) É um procedimento que gera uma restrição da capacidade civil do


autor do pedido, seja com relação à pessoa, seja com relação aos bens.
b) ( ) Em caso de negócio jurídico que possa trazer risco ou prejuízo
relevante, se houver divergência de opiniões entre a pessoa apoiada e
um dos apoiadores, prevalecerá a opinião do apoiador.
201
c) ( ) Terceiro com quem a pessoa apoiada mantenha relação negocial pode
solicitar que os apoiadores assinem contrato ou acordo, especificando,
por escrito, sua função em relação ao apoiado.
d) ( ) Trata-se de um procedimento obrigatório que visa dar apoio à pessoa
com deficiência para a prática de atos da vida civil.

202
REFERÊNCIAS
AZEVEDO, Á. V. Curso de direito civil: direito das coisas. 2. ed. São Paulo:
Saraiva Educação, 2019.

BRASIL. Lei n° 10.046, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Dispo-


nível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm.
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BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Fe-


deral; Centro Gráfico, 1988.

BRASIL. Lei nº 6.515, de 26 de dezembro de 1977. Regula os casos de dissolução


da sociedade conjugal e do casamento, seus efeitos e respectivos processos, e
dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
leis/1950-1969/l4121.htm. Acesso em: 28 maio 2020.

BRASIL. Lei n° 4.121, de 27 de agosto de 1962. Dispõe sobre a situação jurí-


dica da mulher casada. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
leis/1950-1969/l4121.htm. Acesso em: 28 maio 2020.

BRASIL. Lei n° 3.071, de 1° de janeiro de 1916. Institui o Código Civil dos Esta-
dos Unidos do Brasil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/
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DIAS, M. B. Manual de direito das famílias. 8. ed. São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 2011.

DINIZ, M. H. Código civil anotado. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

DINIZ, M. H. Curso de direito civil brasileiro. Direito das sucessões. São


Paulo: Saraiva, 2005.

FARIAS, C. C.; ROSENVALD, N.; BRAGA NETTO, F. Manual de direito civil.


3. ed. Salvador: JusPodivm, 2018.

GOMES, O. Direito de família. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001.

SCHREIBER, A.; TARTUCE, F.; SIMÃO, J. F.; BEZERRA DE MELO, M. A.;


DELGADO, M. Código civil comentado. Doutrina e jurisprudência. São Paulo:
Editora Forense, 2019.

203
STJ. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL nº 1623858-
RS/2018. Disponível em: https://scon.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?pro-
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STF. Recurso Extraordinário nº 878.694-MG/2015. Disponível em: http://portal.


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STF. Súmula nº 377. No regime de separação legal de bens, comunicam-se os


adquiridos na constância do casamento. Disponível em: http://www.stf.jus.br/
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STOLZE, P.; PAMPLONA FILHO, R. Manual de direito civil. 4. ed. São Paulo:
Saraiva Educação, 2020.

TARTUCE, F. Manual de direito civil. 10. ed. São Paulo: Gen, 2020.
UNIDADE 3 —

DIREITO DAS SUCESSÕES

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• compreender conceitos fundamentais do direito das sucessões;

• conhecer a vocação hereditária e os conceitos de heranças;

• entender as principais características da sucessão legítima e da sucessão


testamentária;

• conhecer o processo de inventário e a partilha de bens.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer da unidade
você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo
apresentado.

TÓPICO 1 – CONCEITOS FUNDAMENTAIS DO DIREITO DAS SUCESSÕES

TÓPICO 2 – DA SUCESSÃO LEGÍTIMA E DA SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA

TÓPICO 3 – DO INVENTÁRIO E DA PARTILHA

CHAMADA

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UNIDADE 3 TÓPICO 1 —

CONCEITOS FUNDAMENTAIS DO
DIREITO DAS SUCESSÕES

1 INTRODUÇÃO
Caro acadêmico, seja bem-vindo à Unidade 3! Nesta unidade, estudaremos
o Direito das Sucessões.

A palavra sucessão, em sentido amplo, significa o ato pelo qual uma


pessoa assume o lugar de outra, assume a titularidade de determinados bens e
direitos. Em uma relação de compra e venda, o comprador seria o sucessor do
bem, ocorrendo a sucessão “inter vivos”. No direito sucessório, o sentido passa
a ser estrito, designando a transmissão de bens e direitos em decorrência do
falecimento de alguém, também denominada de transmissão “causa mortis”.

O direito das sucessões disciplina a transmissão patrimonial do “de


cujus”, também chamado de “autor da herança”, aos sucessores. A Constituição
Federal, no Art. 5ª, XXX, assegura o direito de herança. Assim como a morte é a
última etapa da vida, o Código Civil traz o direito das sucessões no último livro,
dividindo-se em quatro títulos: da Sucessão em Geral, da Sucessão legítima, da
Sucessão Testamentária e do Inventário e da Partilha.

Passemos, agora, a tratar da abertura da sucessão e do princípio da saisine,


uma ficção jurídica pela qual o patrimônio do falecido é transferido de forma
automática para os herdeiros, e somente para eles ocorrerá a transmissão a título
universal. Os legatários, aqueles que receberão determinados bens estimulados
por um testamento, só receberão a posse e a propriedade quando iniciada a
partilha.

2 A HERANÇA E A ADMINISTRAÇÃO
A herança é um bem jurídico universal, imóvel e indivisível, mesmo que
composta somente de bens móveis e divisíveis, como o dinheiro. Com a morte,
é formada, automaticamente, a herança do falecido, independentemente da
vontade dos herdeiros, a qual somente será extinta com a partilha. A herança
deverá ser representada judicial e extrajudicialmente, como veremos a seguir.

Com a abertura da sucessão, de forma automática pela morte, conforme


regido pelo princípio da saisine, há a transmissão automática do patrimônio do
falecido para os herdeiros. Há, também, a fixação da norma jurídica sucessória,

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UNIDADE 3 — DIREITO DAS SUCESSÕES

que disciplina a sucessão. Essa norma se torna vigente na data da abertura da


sucessão, e não da abertura do inventário, como estabelece o Art. 1.787 do Código
Civil:

“Art. 1.787. Regula a sucessão e a legitimação para suceder a lei vigente ao


tempo da abertura daquela”.

Com a morte do autor da herança, nasce o direito de suceder. Neste


momento, ocorrendo a transferência do patrimônio do de cujus para os herdeiros,
apresentando as pessoas capacitadas, pela lei, para sucederem. Ainda, a lei
vigente no tempo da abertura da sucessão deve regular.

É importante diferenciarmos a data de abertura da sucessão da data da


abertura do inventário. Usamos, como exemplo, o falecimento de uma pessoa em
1999, no entanto, o processo do inventário se iniciou em 2010, assim, a sucessão é
regida pelo Código Civil de 1916, uma característica da ultratividade da lei civil.

Citamos outro exemplo prático, uma ação apreciada pelo Supremo


Tribunal Federal acerca da pessoa adotada na vigência do Código Civil de 1916,
em que a mãe adotiva faleceu antes da entrada em vigor da Constituição Federal
de 1988. Seus bens foram transferidos, conforme o Código Civil de 1916, aos
herdeiros e sucessores, destinando-se apenas aos filhos biológicos da falecida.
A Ação Rescisória (AR) 1811 pretendia desconstituir a decisão que negou o
direito à herança ao filho adotivo. Todavia, a ação não prosperou, sendo julgada
improcedente por entender que a antiga redação do Art. 51, da Lei do Divórcio,
destinou-se, apenas, aos filhos biológicos, e o Art. 377 do Código Civil de 1916
não foi revogado pela referida lei. Esse artigo dizia que “quando o adotante tiver
filhos legítimos, legitimados, ou reconhecidos, a relação de adoção não envolve a
de sua sucessão hereditária”. Portanto, não poderia ser aplicado, retroativamente,
o estabelecido no Art. 227, § 6º, da Constituição Federal, que prevê equiparação
entre filhos havidos ou não dentro do casamento e filhos adotivos. No caso em
tela, a filha não teve direito à sucessão hereditária.

A abertura do inventário ocorre no momento em que os herdeiros


desejarem. Entretanto, o Código de Processo Civil, no Art. 611, estabelece um
prazo temporal para esse procedimento:

Art. 611. O processo de inventário e de partilha deve ser instaurado


dentro de 2 (dois) meses, a contar da abertura da sucessão, ultimando-
se nos 12 (doze) meses subsequentes, podendo, o juiz, prorrogar esses
prazos, de ofício ou a requerimento da parte.

O espólio é o ente despersonalizado que representa a herança, em juízo e
fora dele, sendo representado pelo inventariante, como prevê o Art. 12 do Código
de Processo Civil: “Serão representados, em juízo, ativa e passivamente: [...] V
- o espólio, pelo inventariante”. Como decorrência da norma, há um equívoco
ao acreditar que o espólio somente existiria com o ajuizamento do inventário,
entretanto, assim como a herança, o espólio surge automaticamente.

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TÓPICO 1 — CONCEITOS FUNDAMENTAIS DO DIREITO DAS SUCESSÕES

Até a abertura do processo de inventário e partilha, a herança é


administrada, até que o inventariante preste compromisso, por aquele que
estiver na posse dos bens do falecido. O administrador provisório deve zelar pelo
espólio, informar e trazer, aos autos, todos os frutos percebidos desde a abertura
da sucessão. Ainda, tem o direito de ser reembolsado pelas despesas úteis e
necessárias que realizou durante a administração (Arts. 613 e 614, do CPC).

Essa é a posição trazida pelo Supremo Tribunal de Justiça, assim, antes


da nomeação do inventariante, quem o representa é o administrador provisório,
sendo aquele que estiver na posse dos bens da herança, normalmente, o
cônjuge ou o companheiro. Se mais de um estiver na posse dos bens, todos são
administradores provisórios. A nomeação do inventariante judicial ou dativo
ocorre em razão da ausência ou da inidoneidade das pessoas descritas no Art.
990 do Código de Processo Civil:

Art. 990. O juiz nomeará inventariante:


I - o cônjuge ou companheiro sobrevivente, desde que
estivesse convivendo com o outro ao tempo da morte deste;
II - o herdeiro que se achar na posse e administração
do espólio, se não houver cônjuge ou companheiro
sobrevivente ou estes não puderem ser nomeados;
III - qualquer herdeiro, nenhum estando
na posse e administração do espólio;
IV - o testamenteiro, se Ihe foi confiada a administração do espólio ou
toda a herança estiver distribuída em legados;
V - o inventariante judicial, se houver;
VI - pessoa estranha idônea, onde não houver inventariante judicial.
Parágrafo único. O inventariante, intimado da nomeação, prestará, dentro
de 5 (cinco) dias, o compromisso de bem e fielmente desempenhar o cargo.

Se o inventariante for judicial ou dativo, o Código de Processo Civil


exige a citação de todos os herdeiros para que possam defender os interesses no
processo, posto que o inventariante judicial e o dativo não possuem interesse no
espólio, já que, para eles, quanto mais célere for o processo judicial melhor.

Nem toda a relação jurídica admite sucessão em decorrência da morte.


O objeto do direito das sucessões diz respeito, exclusivamente, às relações
patrimoniais do autor da herança. As relações existenciais se extinguem com a
morte do titular.

Citaremos, a seguir, algumas relações jurídicas patrimoniais em que,


excepcionalmente, não incide o direito das sucessões:

• Usufruto, o uso e a habitação: são direitos reais da coisa alheia, portanto, têm
natureza patrimonial, são três relações jurídicas vitalícias que se extinguem
com a morte do titular.
• Enfiteuse (Art. 692, III, do Código Civil Brasileiro de 1916): se o enfiteuta
falecer sem deixar sucessores, extingue-se a relação jurídica, impedindo que
o Estado adquira a enfiteuse.

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UNIDADE 3 — DIREITO DAS SUCESSÕES

• Direito autoral (Lei 9610/98, Art. 41): o direito autoral é um direito híbrido,
possuindo parte personalíssima, como invento e criação; e parte patrimonial,
como exploração e exercício. Os herdeiros do falecido têm direito à parte
patrimonial, mas a parte personalíssima não se transmite, portanto, a música
que o falecido compôs será sempre dele. O dispositivo estabelece que falecendo
o autor, o seu direito autoral se transmite aos herdeiros pelo prazo de setenta
anos, contados de 1º de janeiro do ano seguinte ao da morte do autor, e não
do dia da morte. Findo esse prazo, a obra cairá em domínio público, podendo
qualquer pessoa a explorar. No caso de coautoria, o prazo de setenta anos
somente começará a fluir de 1º de janeiro do ano subsequente ao da morte do
último autor.
• Alvará judicial (Lei 6858/80, Decreto 85.845/81 e Art. 1.037, Código de
Processo Civil): o alvará é procedimento de jurisdição voluntária, reconhecido
como procedimento não litigioso, pelo qual se regulamenta a transmissão de
pequenos valores pecuniários. Para que o juiz conceda o alvará, a legislação
exige dois requisitos:
(i) inexistência de outros bens a partilhar (não podem existir outros bens para
partilha, e existindo qualquer outro bem a partilhar, é descabido o alvará e
necessário o inventário);
(ii) que o valor pecuniário transmitido não exceda 500 OTN’s (obrigação do
tesouro nacional), como exemplo, há o saldo de salário, rescisão trabalhista,
FGTS, restituição do imposto de renda, PIS/PASEP. O alvará judicial é isento
de tributação, por isso, a natural preferência por ele.

Passemos a falar do local competente para a abertura do inventário e


partilha da herança. O Art. 1.785 do Código Civil informa que a sucessão se abre
no último domicílio do falecido, mesmo entendimento do Código de Processo
Civil, no Art. 48, definindo, como foro competente para inventário e partilha, o do
domicílio do autor da herança.

A herança é composta por todos os bens pertencentes ao falecido, ou seja,


não há distinção em relação aos bens existentes no Brasil ou no estrangeiro.

2.1 DA VOCAÇÃO HEREDITÁRIA E OS LEGITIMADOS A


SUCEDER
A vocação hereditária trata dos legitimados para requererem e receberem
a herança do falecido. O Art. 1.798 do Código Civil informa que as pessoas
legítimas para suceder são as já nascidas ou já concebidas, no momento em que
ocorrer a abertura da sucessão.

A sucessão pode ser legítima, decorrendo da lei, ou testamentária, por


disposição de última vontade por testamento ou codicilo. Falecendo a pessoa sem
deixar testamento, transmite-se a herança aos herdeiros legítimos. Conforme o
Art. 1.846, do Código Civil:

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TÓPICO 1 — CONCEITOS FUNDAMENTAIS DO DIREITO DAS SUCESSÕES

“Art. 1.846. Pertence, aos herdeiros necessários, de pleno direito, a metade


dos bens da herança, constituindo a legítima”.

Conforme disposição legal, é assegurado, aos herdeiros necessários, o


chamado “direito à legítima”, que corresponde à metade dos bens da herança. É
chamada de quota disponível a outra metade, que pode ser legada da forma que o
testador desejar, respeitando sempre os preceitos legais que tocam as disposições
testamentárias. Vejamos o Art. 1.829 do Código Civil, que trata da sucessão da
legítima e da ordem da vocação hereditária:

Art. 1.829. A sucessão legítima se defere na ordem seguinte


I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente,
salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal,
ou no da separação obrigatória de bens (Art. 1.640, parágrafo único);
ou se, no regime da acomunhão parcial, o autor da herança não houver
deixado bens particulares;
II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;
III - ao cônjuge sobrevivente;
IV - aos colaterais.

Quando não existirem herdeiros necessários, o testador terá plena


liberdade para transmitir todo o patrimônio a quem desejar. A legítima é calculada
sobre o valor dos bens existentes na abertura da sucessão, abatidas as dívidas e
as despesas do funeral, adicionando-se, em seguida, o valor dos bens sujeitos à
colação (Art. 1.847, do Código Civil).

Há os impossibilitados de serem nomeados herdeiros e legatários


especificados no Art. 1.801 do Código Civil:

Art. 1801. Não podem ser nomeados herdeiros nem legatários:


I – a pessoa que, a rogo, escreveu o testamento, nem o seu côn-
juge ou companheiro, ou os seus descendentes e irmãos;
II – as testemunhas do testamento;
III – o concubino do testador casado, salvo se este, sem culpa
sua, estiver separado, de fato, do cônjuge há mais de cinco anos;
IV – o tabelião, civil ou militar, ou o comandante ou escrivão, perante
quem se fizer, assim como o que fizer ou aprovar o testamento.

Como questiona Carlos Roberto Gonçalves (2010), ao estabelecer o prazo


de cinco anos, entra em conflito com o previsto no Art. 1.723 do Código Civil,
que não estipula prazo para a caracterização de uma união estável. Ainda,
entra em conflito com o Art. 1.830, também desse código, ao não reconhecer o
direito sucessório ao cônjuge sobrevivente, se ao tempo da morte do outro não
estavam separados judicialmente, nem separados de fato há mais de dois anos,
salvo prova, no caso, de que essa convivência se tornara impossível sem culpa do
sobrevivente.

“A exigência de que inexista culpa na separação de fato não parece


oportuna, pois propicia extensas discussões a esse respeito” (GONÇALVES, 2010,
p. 29), questão que, em breve, será analisada.

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UNIDADE 3 — DIREITO DAS SUCESSÕES

NOTA

A capacidade sucessória é diferente da capacidade civil. A primeira configura


o direito de alguém de receber a herança deixada pelo de cujus, já a segunda é a qualidade
que o indivíduo possui para exercer os atos da vida civil. Portanto, o incapacitado mental
possui capacidade plena para ser herdeiro em um inventário.

2.2 DA ACEITAÇÃO E RENÚNCIA DA HERANÇA


A abertura da sucessão ocorre no exato momento da morte do autor da
herança, nascendo, do ato, o direito hereditário, sem distinção de herdeiro. O
patrimônio se transmite aos herdeiros e sucessores, independentemente da
aceitação. “É imediata, instantânea, caso contrário, ficariam os bens do de cujus
abandonados até que os herdeiros fossem admitidos nos direitos” (FARIA, 2017,
p. 63).

A aceitação da herança é o ato pelo qual o herdeiro concorda com o


recebimento da transmissão da herança do de cujus, pela abertura da sucessão.
Como explica Carlos Roberto Gonçalves, a aceitação da herança:

É negócio jurídico unilateral, porque se aperfeiçoa com uma única


manifestação de vontade, e de natureza não receptícia, porque não
depende de ser comunicado a outrem para que produza seus efeitos.
É, também, indivisível e incondicional, porque “não se pode aceitar ou
renunciar a herança em parte, sob condição, ou a termo” (Art. 1.808)
(GONÇALVES, 2010, p. 31-32).

O Art. 1.808 do Código Civil esclarece que não se pode aceitar ou renunciar
a herança em partes, sob condição ou a termo, todavia, o herdeiro a quem se
testarem legados pode aceitar, renunciando à herança, ou, ao aceitar, repudiar
os legados. Já o herdeiro chamado na mesma sucessão, a mais de um quinhão
hereditário, sob títulos sucessórios diversos, pode, livremente, escolher o que
aceita e o que renuncia.

A aceitação pode ser expressa/direta, por meio de declaração escrita; ou


tácita, quando resultante de atos próprios da qualidade de herdeiro (Art. 1.805,
CC). O quinhão que caberia a determinado herdeiro, ao renunciar, é acrescido à
cota parte dos demais herdeiros da mesma classe, conforme disposição contida
no Art. 1.810 do Código Civil.

A aceitação pode ser presumida/indireta, como pela conduta descrita no


Art. 1.807 do referido código:

Art. 1.807. O interessado em que o herdeiro declare se aceita, ou não,

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TÓPICO 1 — CONCEITOS FUNDAMENTAIS DO DIREITO DAS SUCESSÕES

a herança, poderá, vinte dias após aberta a sucessão, requerer, ao


juiz, prazo razoável, não maior de trinta dias, para se pronunciar o
herdeiro, sob pena de se haver a herança por aceita.

A simples abertura de inventário, os atos oficiosos, como funeral do


falecido, e atos de conservação e guarda provisória dos bens da herança, não
exprimem aceitação da herança. Igualmente, não importa, em aceitação, a cessão
gratuita, pura e simples da herança aos demais coerdeiros (Art. 1.805 § 1º e 2º, CC).
Já a renúncia da herança do de cujus deve ser expressa, constando em instrumento
público (comparecendo a um Ofício de Notas) ou termo judicial (petição nos autos
de inventário e partilha). Esse ato é solene, unilateral e irrevogável. “A renúncia não
se presume. Tem caráter retroativo. Aquele que renuncia é como se nunca tivesse
sido herdeiro” (FARIA, 2017, p. 65).

Não devemos confundir a renúncia com a desistência da herança:

Quem renuncia, não aceita a herança e é considerado como se não


fosse herdeiro. Quem desiste, aceita a herança e, depois, transfere
seu quinhão por liberalidade a um terceiro. Na renúncia, é a lei que
destina a parte do renunciante, como prescrevem os Arts. 1.810 e 1.811,
enquanto na desistência, o destino é dado pelo desistente (FARIA,
2017, p. 67).

Ao falar do Art. 1.811, ninguém pode suceder, representando o herdeiro


que renunciou, entretanto, se ele for o único existente da classe, ou se todos os
outros herdeiros da mesma classe renunciarem, podem, então, os herdeiros
subsequentes, no caso, os filhos daqueles, sucederem por direito próprio, e por
cabeça. Assim:

Art. 1.810. Na sucessão legítima, a parte do renunciante acresce a dos


outros herdeiros da mesma classe e, sendo ele o único, devolve-se aos
da subsequente.
Art. 1.811. Ninguém pode suceder, representando herdeiro
renunciante. Se, porém, ele for o único legítimo da classe, ou se todos
os outros da mesma classe renunciarem, poderão, os filhos, vir à
sucessão, por direito próprio, e por cabeça.

Vejamos o exemplo a seguir:

Autor da Herança
__________I__________
João José Jorge (filhos – 1º grau) renunciantes
I ____I____ I
Augusto Iris Maria Denise (netos – 2º grau)

Assim, quando todos os filhos do autor da herança renunciarem, os netos


do falecido, então, passarão a suceder por direito próprio, por se encontrarem
todos no mesmo grau. Entre eles, não existe herdeiro de grau mais próximo,
posto que os filhos do autor da herança já renunciaram. Igualmente, a renúncia é
gratuita e só poderá beneficiar outro herdeiro, nunca um estranho (FARIA, 2017).

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UNIDADE 3 — DIREITO DAS SUCESSÕES

NOTA

Não se aceita herança ou renuncia herança de pessoa viva.

Para que um herdeiro possa renunciar, ele deve cumprir alguns requisitos,
como ter capacidade jurídica, pois o incapaz deve ser representado ou assistido
por representante legal, além de necessitar de autorização judicial. O requerente
deve demonstrar a necessidade ou evidente interesse para tal ato (Art. 1.691 do
Código Civil).

Quando a renúncia for realizada por procuração através de mandatário,


esse instrumento deverá discriminar os poderes especiais para o ato de renunciar,
conforme disposto no Art. 661, § 1º, do Código Civil.

A renúncia antecipada à herança, por parte do cônjuge, por pacto


antenupcial, é nula, pois o direito sucessório do cônjuge não a permite, conforme
previsão legal do Art. 426 do Código Civil. Somente é possível renunciar à herança
após a abertura da sucessão.

Aberta a sucessão, quando casado, o cônjuge também deve participar,


anuindo, expressamente, que concorda com a renúncia do herdeiro à herança,
entretanto, não é exigida a anuência quando o regime de casamento for o de
separação total, também chamada de convencional e absoluta, de bens (Art. 1.647
do Código Civil).

Esse é um tema polêmico, gerando muitos conflitos nos tribunais,


inclusive, a exigência de outorga uxória não é pacífica, posto que o Art. 1.647
emprega o verbo “alienar”, “e o renunciante não transmite a propriedade, sendo,
apenas, considerado como se nunca tivesse existido e herdado” (GONÇALVES,
2010, p. 33-34).

Importante destacar que a renúncia da herança não pode prejudicar os


credores, já que tal ato configura fraude. Os credores, ao tomarem conhecimento
do desejo ou renúncia da herança pelo herdeiro, habilitam-se nos autos de
inventário, e podem a aceitar em nome do renunciante, por meio de autorização
judicial, mas essa possibilidade não se aplica aos legados. Quando habilitados,
os credores devem receber os valores devidos, e o saldo restante, caso exista,
deve ser entregue aos demais herdeiros, mas jamais ao herdeiro que renunciou a
herança, como determina o Art. 1.813, do Código Civil.

Falaremos, agora, da cessão de direitos hereditários, previstos nos Arts.


1.793 a 1.795 do Código Civil. Destacaremos o Art. 1.793, a seguir:

170
TÓPICO 1 — CONCEITOS FUNDAMENTAIS DO DIREITO DAS SUCESSÕES

“Art. 1.793. O direito à sucessão aberta, além do quinhão de que dispunha


o coerdeiro, pode ser objeto de cessão por escritura pública”.

A herança é um valor patrimonial, trata-se de um bem imóvel, indivisível


e universal, assim, toda herança é patrimônio e, portanto, admite circulação.

A cessão de direitos hereditários é o negócio jurídico pelo qual se pode


fazer circular a herança. Só pode acontecer após a abertura da sucessão, ou seja,
após a morte do autor da herança. Primeiramente, a herança deve ser aceita para,
depois, ser cedida. A cessão de direitos hereditários pode ser gratuita ou onerosa,
no todo ou em parte. Como exemplo, o caso do herdeiro que deseja vender ou
transferir a sua quota hereditária para terceiros ou outro herdeiro, antes da
partilha, posto que, após a partilha, não há herança.

A cessão recai sobre o quinhão hereditário de cada herdeiro, porque a


herança é um bem universal e indivisível, assim, o cedente só pode ceder sua quota,
não podendo dispor de um bem determinado do espólio, uma vez que o bem não
é da sua exclusiva propriedade, pertencendo, também, aos demais herdeiros. É
admitida a disposição de bens específicos quando todos os herdeiros interessados
consentirem com a cessão.

Os demais herdeiros têm direito de preferência sobre o quinhão a ser


cedido, como determinado pelo Art. 1.794, do Código Civil.

O coerdeiro não pode ceder, onerosamente, sua cota à pessoa estranha,


se outro coerdeiro a quiser pelo mesmo valor. É, aplicado por analogia, nessas
situações, o Art. 27 da Lei 8.245/1991, que trata de locações, de modo que o direito
de preferência é exercido por meio de notificação judicial ou extrajudicial ou de
outro meio de ciência inequívoca.

Se mais de um coerdeiro quiser exercer o direito de preferência, a cota


do cedente é distribuída entre eles, proporcionalmente. Caso um herdeiro não
respeite o direito de preferência, cedendo, onerosamente, a sua parte a terceiro,
essa cessão é tida como ineficaz. O coerdeiro interessado pode depositar o valor
correspondente e propor ação de adjudicação compulsória, no prazo decadencial
de 180 dias, contado da transmissão realizada sem observância do direito de
preferência. Depois de depositar o valor, o coerdeiro interessado toma, para si, a
cota do cedente.

Exercido o direito de preferência, o cedente pode desistir da cessão,


ressalvado o direito de ressarcimento de um eventual prejuízo. O direito de
preferência não se aplica à cessão gratuita, por constituir uma liberalidade. Por
essa razão, a cessão é um negócio jurídico aleatório (álea é sorte, incerteza), não
incidindo, por conseguinte, os vícios redibitórios (defeito oculto em determinado
objeto) e a evicção.

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UNIDADE 3 — DIREITO DAS SUCESSÕES

NOTA

Evicção é a perda de uma coisa por decisão judicial ou administrativa, que


determina essa propriedade ou posse a outrem. Com exemplo, o entendimento fica melhor:
imagine que Paulo vendeu uma coisa para João. Assim, João, agora, é o proprietário, certo?!
Todavia, há uma terceira pessoa, alheia a esse negócio, Júlio, que entra com ação judicial
reivindicando o bem, que, na verdade, pertencia a ele, e não poderia ter sido vendido. João
é vencedor nessa demanda e o adquirente João sofre uma evicção.

O cessionário não pode reclamar da diferença de valores quando a venda


da quota-parte for, posteriormente, verificada em processo de inventário, que o
herdeiro havia deixado dívidas que diminuíram os quinhões de cada herdeiro,
entretanto, sobrevindo direitos patrimoniais desconhecidos do cedente quando
da cessão, a ele pertencem, e não ao cessionário.

Após a cessão de direitos, o cessionário passa a ocupar a posição jurídica


do cedente, consequentemente, tem legitimidade para requerer a abertura do
inventário, conforme disposto no Art. 988 do Código de Processo Civil: “Tem,
contudo, legitimidade concorrente: [...] V - o cessionário do herdeiro ou do
legatário [...]”.

A cessão de direitos deve ser realizada por escritura pública, lavrada em


Ofício de Notas, ou termo judicial, posto que a herança possui natureza imóvel.

O cedente deve ser capaz, sendo incapaz, é necessária autorização judicial,


após ouvido o Ministério Público. Igualmente, caso o cedente seja casado, a cessão
exige a outorga conjugal, não sendo necessária caso o casamento esteja no regime
de separação absoluta de bens.

Frisamos, mais uma vez, que a cessão de direitos hereditários somente


pode ser celebrada no lapso temporal compreendido entre a abertura da sucessão
e a partilha. Antes da abertura da sucessão, o negócio é nulo, nos termos do Art.
426 do Código Civil, que proíbe a celebração de contrato que tenha, como objeto,
herança de pessoa viva. Após a efetuação da partilha, não há mais herança, mas o
direito de compra e venda ou doação.

2.3 DA HERANÇA JACENTE E DA HERANÇA VACANTE


Quando aberta a sucessão sem que o falecido tenha deixado testamento,
e sem que haja um herdeiro notoriamente conhecido, denomina-se herança de
jacente. A herança jacente é aquela descrita no Art. 1.819 do Código Civil:

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TÓPICO 1 — CONCEITOS FUNDAMENTAIS DO DIREITO DAS SUCESSÕES

Art. 1.819. Falecendo alguém sem deixar testamento nem herdeiro


legítimo notoriamente conhecido, os bens da herança, depois de
arrecadados, ficarão sob a guarda e a administração de um curador,
até sua entrega ao sucessor devidamente habilitado ou à declaração
de vacância.

Igualmente, devem ser obedecidas as exigências previstas nos Arts. 738 e


seguintes do Código de Processo Civil, que trata da herança jacente. Esta fica sob
a guarda, conservação e administração de um curador até a entrega ao sucessor
legalmente habilitado, ou até a declaração de vacância.

A herança jacente é um conjunto de bens que forma um ente


despersonalizado, sob a guarda e a administração de um curador, até que se
habilitem herdeiros ou se declare, por sentença, a vacância. Embora desprovida
de personalidade jurídica, a herança jacente tem capacidade processual e
legitimidade ativa e passiva para comparecer em juízo, por meio de curador
nomeado que deve ser o representante (Art. 12, IV, Código de Processo Civil).

A doutrina exemplifica outros casos de jacência não expressamente


previstos no Código Civil, como quando o herdeiro ainda não tem condições
de se tornar titular do patrimônio. Exemplos são os casos em que se espera o
nascimento de um herdeiro ou a constituição de pessoa jurídica, aos quais se
atribuem os bens, ou o implemento de uma condição suspensiva estabelecida no
testamento.

O procedimento se dá da seguinte maneira: os bens da herança jacente,


denominados de bens vagos, são arrecadados e ficam sob a guarda e a conservação
de um curador, até que haja a entrega a algum sucessor legitimamente habilitado
ou até que ocorra a declaração de vacância.

Realizada a arrecadação dos bens do falecido e ultimado o inventário, são


expedidos editais a serem estampados três vezes, com intervalo de 30 (trinta) dias
para cada um, tanto no órgão oficial quanto na imprensa da comarca na qual os
bens estão situados, a fim de que venham a se habilitar os sucessores no prazo de
seis meses (Art. 1152, CPC).

Transcorrido 1 (um) ano da primeira publicação do edital sem haver


herdeiro habilitado ou habilitação pendente, a herança é declarada vacante, como
determinado pelo Art. 1.820, do Código Civil. A declaração de vacância põe fim
ao estado de jacência, portanto, enquanto a herança não for declarada vacante, é
considerada jacente.

A declaração de vacância estabelece a certeza jurídica de que o


patrimônio hereditário não tem titular até o momento da delação ao ente público
e, concomitantemente, deve haver devolução ao poder público. Contudo, a
declaração de vacância não prejudica os herdeiros, que podem, ainda, habilitar-se,
observado o prazo decadencial de cinco anos (contados da abertura da sucessão
e não da declaração de vacância), salvo os colaterais. Com efeito, declarada a
herança vaga, os colaterais são excluídos da sucessão:

173
UNIDADE 3 — DIREITO DAS SUCESSÕES

Art. 1.822. A declaração de vacância da herança não prejudicará


os herdeiros que legalmente se habilitarem, mas, decorridos
cinco anos da abertura da sucessão, os bens arrecadados
passarão ao domínio do Município ou do Distrito Federal, se
localizados nas respectivas circunscrições, incorporando-se
ao domínio da União quando situados em território federal.
Parágrafo único. Não se habilitando até a declaração de vacância, os
colaterais ficarão excluídos da sucessão.

Transcorridos os aludidos cinco anos, não havendo herdeiro habilitado,


nem habilitação pendente, os bens arrecadados passam para o domínio do
Município ou do Distrito Federal, se localizados nas respectivas circunscrições,
ou são incorporados ao domínio da União quando situados em território federal.

Lembrando que, conforme disposto no Art. 1.823, do Código Civil, quando


todos os chamados a suceder renunciarem à herança, esta deve, desde logo, ser
declarada vacante.


3 DA PETIÇÃO DE HERANÇA
A petição da herança é o ato do herdeiro pleitear o seu reconhecimento
em direito sucessório, a fim de obter a restituição da herança ou parte que lhe
cabe, preceito legal contido nos Arts. 1.824 a 1.828, do Código Civil.

A ação de petição de herança é proposta pelo interessado, para ver


reconhecida a qualidade sucessória e, ao mesmo tempo, reclamar a transmissão
que se deu para outros herdeiros. A petição de herança é necessária sempre que o
herdeiro não tiver condições de se habilitar diretamente no inventário.

Ajuizada a ação de petição de herança enquanto corre o processo de


inventário, pode ser pedida a antecipação de tutela, para que sejam reservados
bens correspondentes ao quinhão do petitor, desde que comprovados os
pressupostos da medida de urgência.

Majoritariamente, entende-se que a ação de petição de herança se


submete ao prazo geral de prescrição previsto no Código Civil. Tal entendimento
se encontra na Súmula 149 do STF, que assim prevê: “é imprescritível a ação de
investigação de paternidade, mas não é a de petição de herança”. Dessa forma,
sob a vigência do Código Civil de 1916, aplicava-se o prazo geral de 20 anos, mas,
com o novo Código Civil de 2002, o prazo passou a ser de 10 anos, conforme Art.
205, contados da abertura da sucessão.

Registre-se, porém, a posição de doutrinadores, como Flávio Tartuce e


Giselda Hironaka, para quem a ação de petição de herança seria imprescritível,
sob o argumento, em síntese, de que o direito à herança é direito fundamental
constitucionalmente protegido, relacionando-se à própria existência digna
da pessoa humana, a sustentar um patrimônio mínimo, não se sujeitando à

174
TÓPICO 1 — CONCEITOS FUNDAMENTAIS DO DIREITO DAS SUCESSÕES

prescrição ou decadência. Nas palavras de Flávio Tartuce (2019, p. 199), “os valores
existenciais relacionados com a petição de herança prevaleçam sobre questões
patrimoniais que fundamentam a prescritibilidade da referida pretensão.”

Quanto à legitimidade, qualquer interessado pode propor a ação de


petição de herança para ver reconhecida a qualidade de herdeiro de alguém.

4 DOS EXCLUÍDOS DA SUCESSÃO


São excluídos, da sucessão, aqueles que praticam ato ofensivo contra o
falecido, autor da herança. A exclusão depende da propositura da ação judicial,
por parte do interessado na sucessão, contra a pessoa considerada indigna.

A ação tem natureza declaratória, e só é excluído da sucessão após


sentença judicial, que deve retroagir à data do óbito do autor da herança. O
direito de demandar a exclusão se extingue em quatro anos, a contar da abertura
da sucessão.

Se, no decorrer da ação, o indigno vier a falecer, esta deve ser extinta,
transmitindo os bens aos herdeiros, pois a pena não deve “ir além da pessoa do
criminoso” (GONÇALVES, 2010, p. 41), no entanto, há posicionamento distinto.

Os excluídos são tidos como mortos na abertura da sucessão, portanto, os


descendentes devem suceder. Os excluídos não têm direito ao usufruto, nem à
administração dos bens que cabem aos herdeiros, e nem a uma sucessão eventual
desses bens (Art. 1.816, Código Civil).

Devemos tratar, agora, de forma breve, da figura do “herdeiro aparente”.


Essa denominação é dada ao indivíduo que sofre o processo de exclusão, e, no
transcorrer do procedimento, atua como se estivesse na condição de herdeiro.
Portanto, as alienações onerosas de bens da herança, praticadas antes da sentença
declaratória de exclusão, são válidas quando praticadas a terceiros de boa-fé,
igualmente, os atos administrativos praticados legalmente pelo herdeiro excluído,
encarnado na figura de herdeiro aparente. Todavia, existe a possibilidade de os
herdeiros prejudicados demandarem judicialmente contra o excluído por perdas
e danos (Art. 1.817, do Código Civil).


4.1 DA INDIGNIDADE SUCESSÓRIA
O Art. 1.814, do Código Civil, é taxativo na definição das pessoas que
devem ser excluídas da sucessão. Transcreveremos, a seguir:

Art. 1.814. São excluídos, da sucessão, os herdeiros ou legatários:
I – que tiverem sido autores, coautores ou partícipes de homicídio
doloso, ou tentativa deste, contra a pessoa de cuja sucessão se

175
UNIDADE 3 — DIREITO DAS SUCESSÕES

tratar, seu cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente;


II – que tiverem acusado, caluniosamente, em juízo, o autor da herança ou
incorrerem em crime contra a sua honra, ou de cônjuge ou companheiro;
III – que, por violência ou meios fraudulentos, inibirem ou obstarem o
autor da herança de dispor livremente dos seus bens por ato de última
vontade.

Importante destacar que a exclusão do herdeiro ou legatário indigno, nos


casos previstos, só ocorre após a declaração por sentença. A indignidade é uma
sanção civil, retirando, do herdeiro, o direito sucessório.

Carlos Roberto Gonçalves ainda explica que não há necessidade de existir


uma condenação criminal, mas quando há absolvição expressa por reconhecimento
de inexistência de fato ou autoria de crime, a pena de indignidade não é aplicada
ao herdeiro ou legatário na esfera cível (Art. 935 do Código Civil), em respeito ao
princípio da independência das instâncias. Igualmente, com o reconhecimento da
prática de legítima defesa e do estado de necessidade, conforme previsto no Art.
65 do Código de Processo Penal (GONÇALVES, 2010).

No caso de crime contra a honra, uma vez que a lei fala do crime, exige-se
sentença criminal condenatória transitada em julgado para que se reconheça a
indignidade, tendo em vista que só o juiz criminal pode reconhecer a prática de
crime.

Qualquer interessado pode promover ação de indignidade, que somente


é discutida após a abertura da sucessão. Pode ser proposta por outros herdeiros,
pelo credor, o herdeiro do herdeiro, que deve suceder por representação, a
Fazenda Pública, que recebe por último e pode ter o interesse de que todos sejam
considerados indignos.

Foi dada uma nova redação ao Art. 1.815 do Código Civil, acrescentando
um novo parágrafo 2º, o qual introduziu a possibilidade de o Ministério Público
ser parte legítima para propor ação de exclusão de herdeiro ou legatário indigno,
a fim de impedir que receba os bens da herança do de cujus.

A reabilitação ou perdão do excluído por indignidade só pode ser


realizado de forma expressa pelo ofendido através de testamento, ou de qualquer
outro ato, conforme determinado pelo Art. 1.818 do Código Civil. O perdão tácito
é admitido somente por testamento, conforme disposto no parágrafo único.
Vejamos:

Art. 1.818. Aquele que incorreu em atos que determinem a


exclusão da herança, será admitido a suceder, se o ofendido o tiver
expressamente reabilitado em testamento ou em outro ato autêntico.
Parágrafo único. Não havendo reabilitação expressa, o indigno,
contemplado em testamento do ofendido, quando o testador, ao
testar, já conhecia a causa da indignidade, pode suceder no limite da
disposição testamentária.

176
TÓPICO 1 — CONCEITOS FUNDAMENTAIS DO DIREITO DAS SUCESSÕES

Importante mencionar que só é aceito o testamento que contenha o perdão


expresso, se realizado na forma de testamento público em tabelião de notas, com
todas as formalidades legais, conferindo autenticidade ao ato, caso contrário, se
realizado na forma de testamento cerrado ou particular, é considerado nulo.

4.2 DA DESERDAÇÃO
A deserdação está prevista no Art. 1.961 e seguintes do Código Civil.

Art. 1.961. Os herdeiros necessários podem ser privados de sua legítima,


ou deserdados, em todos os casos em que podem ser excluídos da sucessão.

A indignidade pode atingir todos os sucessores, herdeiros legítimos,


testamentários ou legatários, entretanto, a deserdação é o único meio de privar
os herdeiros necessários, como descendentes, ascendentes e cônjuge, do direito à
legítima assegurada por lei (GONÇALVES, 2010).

O cônjuge deserdado perde somente o direito à herança, e não o direito à


meação, por ser um direito adquirido em razão do regime de bens do casamento,
e claro, deve ser observado o regime adotado pelo casal.

As causas de deserdação podem ser as mencionadas no Art. 1.814 e as


acrescidas pelo rol explicativo dos Arts. 1.962 e 1.963, do Código Civil:

Art. 1.962. Além das causas mencionadas no Art. 1.814,


autorizam, a deserdação dos descendentes por seus ascendentes:
I – ofensa física;
II – injúria grave;
III – relações ilícitas com a madrasta ou com o padrasto;
IV – desamparo do ascendente em alienação mental ou grave
enfermidade.
Art. 1.963. Além das causas enumeradas no Art. 1.814,
autorizam, a deserdação dos ascendentes pelos descendentes;
I – ofensa física;
II – injúria grave;
III – relações ilícitas com a mulher ou companheira do filho ou a
do neto, ou com o marido ou companheiro da filha ou da neta;
IV – desamparo do filho ou neto com deficiência mental ou grave
enfermidade.

A deserdação não deve ser confundida com a exclusão por indignidade,


porém, os dois institutos possuem o mesmo objetivo, o de excluir, da sucessão
hereditária, aqueles que praticaram atos condenáveis contra o falecido.

A exclusão decorre de lei, conforme os casos dispostos no Art. 1.814, do


Código Civil, com declaração expressa por decisão judicial.

177
UNIDADE 3 — DIREITO DAS SUCESSÕES

A deserdação ocorre por vontade do autor da herança que, através da


realização do testamento, deve declarar, expressamente, a causa da deserdação a
ser ordenada, como disposto no Art. 1.964 do Código Civil.

A deserdação deve, obrigatoriamente, ser homologada judicialmente, a
fim de que o juiz verifique a validade dos motivos da deserdação, incumbindo, ao
herdeiro instituído ou àquele a quem aproveite a deserdação, o ônus da prova da
causa alegada pelo testador (Art. 1.965), garantida ao processo da ampla defesa.

A ação para fazer prova da causa de deserdação prescreve em quatro anos


a contar da data da abertura do testamento, conforme disposto no Art. 1.965,
parágrafo único, do Código Civil. Importante destacar que o testamenteiro tem
legitimidade para propor essa ação, a fim de concretizar a vontade do testador.

O deserdado só pode ser reabilitado, de forma expressa pelo ofendido,


através de um novo testamento, pois a deserdação, por ser feita somente
através desse instrumento, pode ser revogada por outro, seguindo as regras
testamentárias.

Encerramos, acadêmico, este tópico, com esses relevantes temas do direito


das sucessões. Agora, seguiremos nossos estudos no Tópico 2, com mais novidades
e aguçadas questões desse importante e interessante ramo do direito. É preciso
esmiuçar mais a sucessão legítima e a sucessão testamentária! Vamos lá?!

178
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você aprendeu que:

• Há uma importante diferença entre abertura da sucessão e abertura do


inventário, sendo que a primeira acontece no momento da morte do autor da
herança e, a segunda, a partir da vontade dos herdeiros em darem início ao
processo de inventário.

• Surge a vocação hereditária, na qual os herdeiros que fazem parte do grupo


familiar do falecido são chamados para o suceder.

• A aceitação da renúncia pode ser explícita ou tácita, confirmada por


determinados atos praticados pelos herdeiros no decorrer do processo de
inventário, mas a renúncia da herança deve ser explícita.

• A herança jacente é um conjunto de bens que forma um ente despersonalizado,


sob a guarda e a administração de um curador, até que se habilitem herdeiros
ou se declare, por sentença, a vacância.

• Devem ser excluídos, da sucessão, aqueles que praticarem ato ofensivo contra
o falecido, o autor da herança. A exclusão depende da propositura da ação
judicial, por parte do interessado na sucessão, contra a pessoa considerada
indigna.

179
AUTOATIVIDADE

1 Defina a aceitação direta e a indireta da herança.

2 Quais os efeitos da aceitação da herança? Trata-se de um ato revogável e


retratável? O herdeiro pode aceitar a herança apenas parcialmente?

3 O que se entende por herança jacente e o que se entende por herança


vacante?

4 Classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as sentenças falsas,


utilizando os seus conhecimentos a respeito de aceitação e renúncia de
herança no Código Civil brasileiro:

( ) Não se pode aceitar ou renunciar à herança em parte, sob condição ou a


termo.
( ) Havendo herdeiros necessários, a sucessão testamentária e a sucessão
legítima podem coexistir. 
( ) A renúncia da herança deve constar, expressamente, de instrumento
público ou termo judicial.
( ) As pessoas casadas entre si podem fazer um testamento simultâneo, em
um só ato, instituindo benefícios mútuos.
( ) A aceitação da herança pode ser tácita, e há de resultar, tão somente, de
atos próprios da qualidade do herdeiro.
( ) A renúncia da herança depende de ato solene, manifestada por meio de
escritura pública, ou por termo nos autos do inventário. 
( ) Havendo renúncia, os herdeiros do renunciante não podem exercer o
direito de representação.
( ) Os descendentes do herdeiro excluído, seja por indignidade, seja por
deserdação, sucedem, como se ele morto fosse antes da abertura da
sucessão.
( ) Qualquer sucessor pode ser excluído da sucessão por indignidade, mas
somente o herdeiro necessário pode ser deserdado.
( ) Nos termos do Código Civil brasileiro, o direito à sucessão aberta se
classifica como bem imóvel.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:


a) ( ) V – V – V – F – V – V – V – V – V – V.
b) ( ) V – F – F – F – V – V – F – V – F – F.
c) ( ) F – F – V – V – F – F – V – F – V – F.
d) ( ) V – V – V – V – F – F – F – F – F – V.

180
UNIDADE 3 TÓPICO 2 —

DA SUCESSÃO LEGÍTIMA E DA
SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA

1 INTRODUÇÃO

Caro acadêmico, seja bem-vindo ao Tópico 2! Estudaremos, a partir de
agora, a sucessão legítima e a sucessão testamentária e suas peculiaridades.

Abordaremos, inicialmente, a sucessão legítima, passando a falar do


Código Civil, da previsão do Art. 1.829, que explica ser, o herdeiro legítimo, aquele
indicado pela lei em ordem preferencial para receber o patrimônio do falecido.
Veremos, também, que a sucessão testamentária, prevista no Art. 1.799, é aquela
pela qual o testamentário ou instituído é beneficiado através de um testamento
pelo ato de última vontade do testador, com uma parte ideal do seu patrimônio,
após o seu falecimento.

Bons estudos!

2 DA SUCESSÃO LEGÍTIMA
A sucessão legítima respeita uma ordem legal que acontece da seguinte
maneira:

Art. 1.829. A sucessão legítima se defere na ordem seguinte:


I- aos descendentes, em concorrência com o cônjuge
sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da
comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens
(Art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão
parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;
II- aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;
III- ao cônjuge sobrevivente;
IV- aos colaterais.

Primeiramente, são chamados os descendentes do autor da herança,


concorrendo com o cônjuge vivo, desde que observado o regime de bens adotado
no casamento.

O herdeiro é chamado à sucessão por direito próprio ou por cabeça,


quando entre ele e o autor da herança não existir outro herdeiro de grau
mais próximo. Quando todos os herdeiros são do mesmo grau, a cada um
corresponderá uma quota igual da herança.

181
UNIDADE 3 — DIREITO DAS SUCESSÕES

Quando os herdeiros são chamados a suceder por direito próprio, divide-


se a herança em tantas partes/cabeças. A sucessão dos descendentes observa duas
diretrizes:

• Isonomia: não pode haver discriminação, de qualquer natureza, entre os


descendentes.
• Preferência: a presença do descendente mais próximo afasta o mais remoto,
como o caso de o falecido deixar filhos e netos, somente os filhos são chamados
a suceder.

Em regra, os descendentes herdam por direito próprio, mas, há três casos


em que a sucessão não é por direito próprio, mas por representação, também
denominada de “por estirpe”, não se aplicando a regra da preferência, de modo
que os descendentes de um grau mais remoto podem herdar com os descendentes
de um grau mais próximo. Os casos aplicáveis são: indignidade, deserdação e
pré-morte.

Quanto ao cônjuge, no direito sucessório, além de meeiro, torna-se


herdeiro. É meeiro a depender do regime de bens do casamento e, herdeiro,
por força de lei, independente da vontade. O cônjuge sobrevivo é considerado
herdeiro necessário ao lado dos descendentes e ascendentes, não podendo ser
afastado por testamento, por isso, é permanente, porque herda com o ascendente
e o descendente, ou sozinho, se não houver ascendente ou descendente. Em
resumo: o cônjuge sempre herda, conforme disposições legais.

2.1 A INCONSTITUCIONALIDADE DO ART 1.790 DO


CÓDIGO CIVIL
Caro aluno, os preceitos legais que tratam da união estável estão nos Arts.
1.723 a 1.727 do Código Civil, cuja definição é trazida pelo Art.1.723:

Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre


o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e
duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.

A Lei nº 8.971/94 (BRASIL, 1994a) regulava o direito dos companheiros


a alimentos e à sucessão. Ainda, tratou da sucessão do companheiro no Art. 2º,
garantindo o usufruto vidual e a possibilidade de, na falta de descendentes e
ascendentes, receber a totalidade da herança. Dessa forma, o companheiro
recebeu tratamento parcialmente semelhante àquele conferido ao cônjuge. Outro
avanço aconteceu com a Lei nº 9.278/96, que introduziu a garantia do direito real
de habitação ao companheiro.

O Código Civil de 2002, porém, estabeleceu a concorrência sucessória do


companheiro de forma totalmente diversa, dispondo que o companheiro herdaria
sobre os bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nos termos
do Art. 1.790, da seguinte forma:
182
TÓPICO 2 — DA SUCESSÃO LEGÍTIMA E DA SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA

Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da


sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente
na vigência da união estável, nas condições seguintes:
I - se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma
quota equivalente à que, por lei, for atribuída ao filho;
II - se concorrer com descendentes só do autor da herança,
tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles;
III - se concorrer com outros parentes
sucessíveis, terá direito a um terço da herança;
IV - não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da
herança.

Devido às divergências legais, o tratamento diferenciado gerou discussões


infinitas no ordenamento jurídico nacional. Tudo isso era exemplificado pelas
diferenças entre o regime anterior e o regime do atual Código Civil, acentuado
pelas diferenças entre a sucessão do cônjuge e a sucessão do companheiro,
sobretudo, a possibilidade de o companheiro concorrer com quaisquer outros
parentes, além de descendentes e ascendentes, mas o que mais indignava era a
concorrência do companheiro com os colaterais até o quarto grau, por receber
apenas 1/3 da herança, posto que, se fosse casado, teria direito à metade da
herança.

Grande parte da doutrina sustentou a inconstitucionalidade do Art. 1.790,


do Código Civil, invocando o princípio da proibição do retrocesso ou da proibição
da evolução reacionária, ficando evidente retrocesso em relação às conquistas do
companheiro, em face da legislação anterior, além da igualdade entre cônjuges
e companheiros, que encontra amparo no Art. 226, parágrafo 3º, da Constituição
Federal.

Concorrendo com descendentes comuns, o companheiro teria direito à


herança sobre os bens adquiridos onerosamente na constância da união estável,
no mesmo percentual reconhecido ao descendente, assim como no casamento.
Não obstante, concorrendo com descendentes apenas do de cujus, o companheiro
teria direito apenas à metade da cota de cada um dos descendentes. Na hipótese
de concorrência híbrida, quando existiam alguns filhos da união do companheiro
com alguns exclusivos do falecido, não havia resposta legal no Código Civil,
prevalecia a regra da proporcionalidade.

Ressalta-se que o companheiro concorria com os descendentes somente


nos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável. Os demais
se transmitiriam apenas aos descendentes. Ainda, não era assegurado, ao
companheiro, o direito de receber, no mínimo, um quarto da herança, quando
concorria com descendentes.

Após muita polêmica e discussões, a matéria chegou ao Supremo Tribunal


Federal, com o julgamento do Recurso Extraordinário 878.694-MG, de 2015,
tendo, como relator, o ministro Luís Roberto Barroso, que, por maioria dos votos,
declarou a inconstitucionalidade do Art. 1.790 do Código Civil, especialmente, o

183
UNIDADE 3 — DIREITO DAS SUCESSÕES

inciso III, que estabelecia a concorrência do companheiro com os demais parentes,


diferentemente da forma sucessória assegurada pelo Art. 1.829 do Código Civil
ao cônjuge supérstite.

O julgamento fixou a seguinte decisão: “É inconstitucional a distinção de


regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros, previsto no Art. 1.790, do
CC/2002, devendo ser aplicado, tanto nas hipóteses de casamento quanto nas de
união estável, o regime do Art. 1.829, do CC/2002”, valendo para outros casos de
inventários pendentes pela repercussão geral. A doutrina majoritária aplaudiu a
referida decisão.

Em síntese, o companheiro sobrevivente tem o mesmo direito sucessório


que o cônjuge sobrevivente, conforme estabelecido no Art. 1.829 do Código Civil.
O companheiro concorre com os descendentes do falecido, conforme o regime de
bens adotado na união estável. Igualmente, são aplicados os mesmos preceitos
legais ao companheiro, atribuídos ao cônjuge do autor da herança.

Lembrando que o direito sucessório se rege pela lei vigente no tempo da


abertura da sucessão, conforme disposto no Art. 1.787, do Código Civil. Portanto,
tal decisão não pode ser aplicada às partilhas efetuadas anteriormente à vigência
da nova regra legal.

2.2 DA SUCESSÃO DOS ASCENDENTES E A CONCORRÊNCIA


DO CÔNJUGE OU COMPANHEIRO
Quando não existirem descendentes do autor da herança, são chamados,
a suceder, os ascendentes, em concorrência com o cônjuge/companheiro
sobrevivente, como determina o Art. 1.836 do Código Civil:

Art. 1.836. Na falta de descendentes, são chamados, à sucessão,


os ascendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente.
§ 1º Na classe dos ascendentes, o grau mais próximo
exclui o mais remoto, sem distinção de linhas.
§ 2º Havendo igualdade em grau e diversidade em linha, os
ascendentes da linha paterna herdam a metade, cabendo, a outra, aos
da linha materna.

A sucessão dos ascendentes menciona três diretrizes:

• Isonomia: não pode haver discriminação, de qualquer natureza, entre os


ascendentes.
• Preferência: a presença do ascendente mais próximo afasta o ascendente mais
remoto, como exemplo, o autor da herança com pai vivo não é chamado seu
avô; e se o avô for chamado, não é chamado o bisavô.
• Divisão sucessória por linhas: a sucessão se dá entre a linha materna e a linha
paterna, dividindo-se a herança por igual para cada linha. Na ausência da
linha paterna ou materna, o que lhe seria de direito acresce à outra.

184
TÓPICO 2 — DA SUCESSÃO LEGÍTIMA E DA SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA

Não há direito de sucessão por representação ou estirpe no caso do


ascendente. A ausência de descendente de uma classe não gera representação,
por exemplo, aberta a sucessão, se o autor da herança não deixou descendentes
(filhos), seu pai e a sua mãe recebem a herança. Se o pai do falecido for pré-morto,
os pais do pai (avôs do de cujus) não recebem, somente a mãe do falecido recebe
a herança.

Qualquer que seja o regime de casamento, o cônjuge concorre com o


ascendente, sem limitação. O cônjuge, nesse caso, tem meação, que depende
do regime de bens, e a herança, que incide sobre todo o patrimônio, aqui, são
incluídos os bens comuns e particulares.

Segue um exemplo: André, antes de se casar, possuía um terreno. Após se


casar, comprou um apartamento, mas veio a falecer, deixando a viúva e os pais.
A viúva tem direito à metade do apartamento, a título de meação. O restante dos
bens deixados é somado (o terreno mais a metade do apartamento) e dividido
entre a viúva e os pais, assim, a viúva tem duas incidências patrimoniais sobre o
apartamento.

O cônjuge herda, na seguinte proporção, metade do patrimônio


remanescente do de cujus, salvo se estiver concorrendo com pai e mãe do de
cujus, caso em que herda um terço, como estabelece o Art. 1.837 do Código Civil:
“Concorrendo com ascendente em primeiro grau, ao cônjuge, tocará um terço da
herança; caber-lhe-á a metade desta se houver um só ascendente, ou se maior for
aquele grau”.

Agora, acadêmico, entraremos na polêmica concorrência do cônjuge


separado, de fato.

O cônjuge concorre, na herança, com ascendentes e descendentes, mas


depende do preenchimento de alguns requisitos, que são estabelecidos pelo Art.
1.830, do Código Civil:

Art. 1.830. Somente é reconhecido direito sucessório ao cônjuge


sobrevivente se, ao tempo da morte do outro, não estavam separados
judicialmente, nem separados, de fato, há mais de dois anos, salvo
prova, neste caso, de que essa convivência se tornara impossível, sem
culpa do sobrevivente.

De acordo com a literalidade desse dispositivo, o cônjuge pode herdar,


mesmo que separado, de fato, salvo se já transcorridos dois anos e, mesmo nesse
caso, também pode herdar se não foi o culpado pela separação, isto é, se provar
que o casamento se desfez por culpa do outro.

A culpa, tratada no Art. 1.830, é a chamada “culpa mortuária” ou “culpa


funerária”, e caberá, ao cônjuge sobrevivente, provar que o casamento não se
desfez por sua culpa, para concorrer à herança.

185
UNIDADE 3 — DIREITO DAS SUCESSÕES

O dispositivo é amplamente criticado pela doutrina brasileira.


Em primeiro lugar, pode-se sustentar que basta a separação, de fato,
independentemente do prazo, para que o cônjuge seja excluído da concorrência,
uma vez que a exigência do prazo era coerente com a previsão do divórcio
apenas após a separação, de fato, por dois anos, e a Emenda Constitucional 66
afastou esse requisito temporal.

Como você sabe, caro estudante, o casamento implica afetividade e


comunhão plena de vida, o que não ocorre quando os cônjuges estão separados,
de fato. A pessoa casada e separada, de fato, pode, inclusive, constituir uma união
estável com outra pessoa, não se aplicando o impedimento matrimonial, relativo ao
casamento anterior, para a união estável.

A doutrina destaca o aparente conflito normativo com o Art. 1.723, §1º do


Código Civil: “A união estável não se constituirá se ocorrerem os impedimentos
do Art. 1.521; não se aplicando à incidência do inciso VI, no caso de a pessoa casada
se achar separada, de fato, ou judicialmente”, estabelecendo a possibilidade de
caracterização da união estável, independentemente de prazo, pela separação, de
fato.

Se há união estável, não há mais que se falar em direito sucessório do outro,


tendo em vista que a simples separação, de fato, cessa os efeitos do casamento.

As grandes críticas dizem respeito à possibilidade de discussão de culpa


como requisito para se determinar a exclusão ou não do cônjuge sobrevivente da
ordem de vocação hereditária.

Rolf Madaleno, em texto carregado de ironia, fala que o Art. 1.830 institui
a “culpa mortuária” ou "culpa funerária", ressaltando a dificuldade de produção
da prova após o falecimento de um dos cônjuges, o que pode gerar longas e
desgastantes discussões processuais (MADALENO, 2005).

O Supremo Tribunal de Justiça considerou que não há que se falar em


impertinência da discussão da culpa no vigente direito sucessório, devendo
ser mantida a aplicação do Art. 1.830 do Código Civil para os casos que regula.
Pacificou que o ônus da prova é do cônjuge sobrevivente. Este deve provar que
não teve culpa pela separação, que a convivência se tornou impossível, sem culpa
sua. Se o cônjuge sobrevivente não conseguir provar isso, ele não terá direito à
herança.

Conforme se verifica da ordem de vocação hereditária, prevista no Art.


1.829 do Código Civil, a concorrência do cônjuge separado, de fato, é exceção.
Assim, em regra, o cônjuge separado há mais de dois anos não é herdeiro, salvo
se ele provar que não teve culpa pela separação.

186
TÓPICO 2 — DA SUCESSÃO LEGÍTIMA E DA SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA

2.3 DA SUCESSÃO DO CÔNJUGE COM COMPANHEIRO E


COM OS DESCENDENTES
Nos termos do Art. 1.829, do Código Civil, a sucessão legítima se defere
“aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado
este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação
obrigatória de bens (Art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão
parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares”.

A forma como o cônjuge herda, em concorrência com os descendentes,


depende do regime de bens do casamento. O cônjuge não tem direito à herança:

• Na comunhão universal.
• Na comunhão parcial, quando não houver bem particular.
• Na separação obrigatória de bens.

Também incide o direito sucessório do cônjuge com descendentes quando


existirem bens particulares, tendo em vista o dispositivo 1.829 do Código Civil. É
afastado, da concorrência, o cônjuge quando casado com o de cujus nos regimes
da comunhão universal, da comunhão parcial, quando não existirem bens
particulares, e da separação obrigatória, que gera a exclusão do direito hereditário:

• apenas quanto aos bens particulares, sendo os demais, quanto aos quais o
cônjuge sobrevivente tem meação, partilhados apenas entre os descendentes;
• quanto a toda a herança, incluindo bens comuns e particulares;
• apenas quanto aos bens comuns, sendo os bens particulares partilhados
apenas entre os descendentes. É preciso citar, aqui, o precedente do Supremo
Tribunal de Justiça:

Precedentes do STJ - REsp 992749-. Até o advento da Lei nº 6.515/77 (Lei


do Divórcio), vigeu, no Direito brasileiro, como regime legal de bens, o
da comunhão universal, no qual o cônjuge sobrevivente não concorre
à herança, por já lhe ser conferida a meação sobre a totalidade do
patrimônio do casal; a partir da vigência da Lei do Divórcio, contudo,
o regime legal de bens no casamento passou a ser o da comunhão
parcial, o que foi referendado pelo Art. 1.640, do CC/02. - Preserva-se
o regime da comunhão parcial de bens, de acordo com o postulado da
autodeterminação, ao contemplar o cônjuge sobrevivente com o direito
à meação, além da concorrência hereditária sobre os bens comuns,
mesmo que existam bens particulares, os quais, em qualquer hipótese,
são partilhados, unicamente, entre os descendentes (STJ. 3ª Turma,
REsp 992749, MS 2007/0229597-9, Rel.Min. NANCY ANDRIGHI, Data
de Julgamento: 01/12/2009).

Partindo-se dessa premissa, há três correntes a respeito dos bens quanto


aos quais o cônjuge tem direito sucessório.

A primeira corrente apresentada é a prevalente, considerando a literalidade


e a finalidade da norma do Art. 1829, I, CC. Nesse sentido, é o teor do Enunciado
270 da III Jornada de Direito Civil:
187
UNIDADE 3 — DIREITO DAS SUCESSÕES

O Art. 1.829, inc. I, só assegura, ao cônjuge sobrevivente, o direito


de concorrência com os descendentes do autor da herança quando
casados no regime da separação convencional de bens ou, se casados
nos regimes da comunhão parcial ou participação final nos aquestos, o
falecido possuísse bens particulares, hipóteses em que a concorrência
se restringe a tais bens, devendo, os bens comuns (meação), serem
partilhados, exclusivamente, entre os descendentes.

Com efeito, ao estabelecer a diferenciação a partir do regime de bens, o


legislador teve em vista que, nos regimes da comunhão universal e da comunhão
parcial sem bens particulares, o cônjuge sobrevivente já é suficientemente
protegido pelo direito de família, pois tem direito à meação sobre todo o
patrimônio comum e a herança é constituída pela meação do de cujus.

No regime da separação convencional e da participação final nos aquestos,


assim como no da comunhão parcial com bens particulares, isso não ocorre. A
lógica é que, nos casos e na medida em que o cônjuge não tem direito à meação,
concorre na herança.

Pode-se concluir que, quando concorre com os descendentes, o direito


sucessório do cônjuge se restringe aos bens particulares do autor da herança. Se a
herança se dá sobre os bens particulares, enquanto a meação se dá sobre os bens
comuns, é possível dizer que onde se herda (particulares), não se meia (comuns)
e, onde se meia, não se herda. Por exemplo, um homem morre deixando filhos
e esposa, possuía um bem comum e um particular. A viúva terá meação sobre
o bem comum e herdará, com os filhos, o bem particular. Portanto, quando há
meação, não há concorrência, pois o cônjuge já está amparado.

Acadêmico, falaremos, agora, de mais uma grande polêmica do direito


sucessório brasileiro: o regime de separação convencional de bens e o entendimento
da jurisprudência a respeito do cônjuge sobrevivente.

De acordo com a interpretação literal do Art. 1.829, Código Civil, no caso


do regime de separação total de bens, o cônjuge tem direito à herança.

Na separação convencional, os cônjuges querem que o patrimônio seja


próprio, não se misturando com o do novo cônjuge. Tem-se o exemplo do pai que
se separa e quer se casar novamente, mas deseja preservar o direito dos filhos.
Nessa hipótese, todos os bens do falecido são particulares, portanto, o cônjuge
sobrevivente tem direito à herança sobre eles. Nota-se que a lei não prestigiou a
autonomia privada no âmbito da sucessão.

O Supremo Tribunal de Justiça, em algumas decisões, considerou que, ao


falar do regime da separação legal, o Art. 1.829 do Código Civil envolveria não
apenas a separação obrigatória, mas, também, a separação convencional.

188
TÓPICO 2 — DA SUCESSÃO LEGÍTIMA E DA SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA

Segundo decisões, deve ser respeitada a vontade dos cônjuges, que


estabelecem o regime da separação convencional em pacto antenupcial. A
concorrência do cônjuge com os descendentes, nesse caso, representaria uma
burla a essa vontade. Nesse sentido:

Direito civil. Família e Sucessões. Recurso especial. Inventário e


partilha. Cônjuge sobrevivente casado pelo regime de separação
convencional de bens, celebrado por meio de pacto antenupcial por
escritura pública. Interpretação do Art. 1.829, I, do CC/02. Direito de
concorrência hereditária com descendentes do falecido. Não ocorrência.
- O regime de separação obrigatória de bens, previsto no Art.
1.829, inc. I, do CC/02, é gênero que congrega duas espécies: (i)
separação legal; (ii) separação convencional. Uma decorre da lei
e a outra da vontade das partes, e ambas obrigam os cônjuges,
uma vez estipulado o regime de separação de bens, à observância.
- Não remanesce, para o cônjuge casado mediante separação de bens,
direito à meação, tampouco à concorrência sucessória, respeitando-se o
regime de bens estipulado, que obriga as partes na vida e na morte. Nos
dois casos, portanto, o cônjuge sobrevivente não é herdeiro necessário.
- Entendimento em sentido diverso suscitaria clara antinomia entre
os Arts. 1.829, inc. I, e 1.687, do CC/02, o que geraria uma quebra
da unidade sistemática da lei codificada, e provocaria a morte do
regime de separação de bens. Por isso, deve prevalecer a interpretação
que conjuga e torna complementares os citados dispositivos.
- A ampla liberdade advinda da possibilidade de pactuação
quanto ao regime matrimonial de bens, prevista pelo Direito
Patrimonial de Família, não pode ser toldada pela imposição
fleumática do Direito das Sucessões, porque o fenômeno
sucessório “traduz a continuação da personalidade do morto
pela projeção jurídica dos arranjos patrimoniais feitos em vida”.
- Trata-se, pois, de um ato de liberdade conjuntamente exercido,
ao qual o fenômeno sucessório não pode estabelecer limitações.
- Se o casal firmou pacto no sentido de não ter patrimônio comum e, se
não requereu a alteração do regime estipulado, não houve doação de um
cônjuge ao outro durante o casamento, tampouco foi deixado testamento
ou legado para o cônjuge sobrevivente, quando seria livre e lícita
qualquer dessas providências, não deve o intérprete da lei alçar o cônjuge
sobrevivente à condição de herdeiro necessário, concorrendo com os
descendentes, sob pena de clara violação ao regime de bens pactuado.
- Haveria, induvidosamente, em tais situações, a alteração do
regime matrimonial de bens post mortem, ou seja, com o fim
do casamento pela morte de um dos cônjuges, seria alterado o
regime de separação convencional de bens pactuado em vida,
permitindo ao cônjuge sobrevivente o recebimento de bens de
exclusiva propriedade do autor da herança, patrimônio ao qual
recusou, quando do pacto antenupcial, por vontade própria.
- Por fim, cumpre invocar a boa-fé objetiva, como exigência de lealdade
e honestidade na conduta das partes, no sentido de que o cônjuge
sobrevivente, após manifestar de forma livre e lícita a sua vontade, não
pode dela se esquivar e, por conseguinte, arvorar-se em direito do qual
solenemente declinou, ao estipular, no processo de habilitação para o
casamento, conjuntamente com o autor da herança, o regime de separação
convencional de bens, em pacto antenupcial por escritura pública.
- O princípio da exclusividade, que rege a vida do casal e veda a
interferência de terceiros ou do próprio Estado nas opções feitas
licitamente quanto aos aspectos patrimoniais e extrapatrimoniais da
vida familiar, robustece a única interpretação viável do Art. 1.829, inc.

189
UNIDADE 3 — DIREITO DAS SUCESSÕES

I, do CC/02, em consonância com o Art. 1.687 do mesmo código, que


assegura os efeitos práticos do regime de bens licitamente escolhido,
bem como preserva a autonomia privada guindada pela eticidade.
Recurso especial provido. Pedido cautelar incidental julgado
prejudicado (STJ. 3ª Turma, REsp 992749, MS 2007/0229597-9, Rel.Min.
NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 01/12/2009).

Em julgados mais recentes, o STJ reviu esse posicionamento, entendendo


que só não há concorrência do cônjuge no regime da separação obrigatória
ou legal, assegurando, ao cônjuge sobrevivente, o direito de concorrer com os
descendentes do falecido no caso de regime de separação convencional, conforme
se depreende das ementas colacionadas a seguir:

O cônjuge, qualquer que seja o regime de bens adotado pelo casal,


é herdeiro necessário (Art. 1.845, do CC). No regime de separação
convencional de bens, o cônjuge sobrevivente concorre com os
descendentes do falecido. A lei afasta a concorrência apenas quanto
ao regime da separação legal de bens previsto no Art. 1.641 do CC”.
(STJ. 2ª Seção. REsp 1.382.170-SP, Rel. Min. Moura Ribeiro, Rel. para
acórdão Min. João Otávio de Noronha, julgado em 22/4/2015).
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS
DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. CIVIL. DIREITO DAS
SUCESSÕES. CÔNJUGE. HERDEIRO NECESSÁRIO. ART. 1.845 DO
CC/2002. REGIME DE SEPARAÇÃO CONVENCIONAL DE BENS.
CONCORRÊNCIA COM DESCENDENTE. POSSIBILIDADE. ART.
1.829, I, DO CC. SÚMULA N. 168/STJ. 1. A atual jurisprudência desta
Corte está sedimentada no sentido de que o cônjuge sobrevivente
casado sob o regime de separação convencional de bens ostenta a
condição de herdeiro necessário e concorre com os descendentes do
falecido, a teor do que dispõe o Art. 1.829, I, do CC/2002, e de que a
exceção recai somente na hipótese de separação legal de bens fundada
no Art. 1.641 do CC/2002. 2. Tal circunstância atrai, no caso concreto,
a incidência do Enunciado n. 168 da Súmula do STJ. 3. Agravo
regimental desprovido”. (STJ. 2ª Seção. AgRg nos EREsp 1472945 / RJ,
Rel. Min. Antônio Carlos Ferreira, julgado em 24/06/2015).
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. DIREITO
DAS SUCESSÕES. CÔNJUGE. REGIME DE SEPARAÇÃO
CONVENCIONAL DE BENS. HERDEIRO NECESSÁRIO.
CONCORRÊNCIA COM DESCENDENTES. POSSIBILIDADE. ART.
1.829, I, DO CÓDIGO CIVIL. PRECEDENTES. SÚMULA N. 83 DO
STJ. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1.
Admite-se ao cônjuge casado sob o regime de separação convencional de
bens, a condição de herdeiro necessário, possibilitando a concorrência
com os descendentes do falecido. Precedentes. Incidência da Súmula
n. 83 do STJ. 2. Agravo regimental a que se nega provimento” (STJ. 3ª
Turma, AgRg no REsp 1334340 / MG, Rel. Min. Marco Aurelio Bellizze,
julgado em 17/09/2015).

Trataremos, agora, do percentual sucessório do cônjuge concorrendo


com o descendente. Esse percentual será o mesmo atribuído ao descendente,
assegurado o mínimo de ¼ (um quarto), como dita o Art. 1.832 do Código Civil.
Essa garantia de ¼ (um quarto), todavia, somente existe se o cônjuge for o pai ou
a mãe dos descendentes com quem estiver concorrendo. Se não for, ela não existe:

190
TÓPICO 2 — DA SUCESSÃO LEGÍTIMA E DA SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA

Art. 1.832. Em concorrência com os descendentes (Art. 1.829, inciso I)


caberá ao cônjuge quinhão igual ao dos que sucederem por cabeça,
não podendo a sua quota ser inferior à quarta parte da herança, se for
ascendente dos herdeiros com que concorrer.

Vamos ao seguinte exemplo: Paulo morreu, deixando sete filhos e a viúva.


Se os sete filhos são, também, da viúva, ela leva ¼ da herança, porém, se os sete
filhos não são filhos dela, ela fica com 1/8 do total, mas o que ocorre, todavia, se
houver filho comum e não comum? Infelizmente, o Código não responde.

A doutrina se divide em três correntes:

• Alguns autores dizem que basta ter um filho comum para ter a garantia de ¼.
• Outros exigem que todos sejam comuns para ter a garantia de ¼, sendo esta
a posição predominante.
• Ainda, uma terceira corrente entende que se deve considerar a fração em
relação apenas aos filhos comuns.

De qualquer maneira, o dispositivo viola a igualdade entre os filhos, pois


trata, de modo desigual, dos filhos comuns e dos não comuns.

Passaremos, agora, para mais uma polêmica: o direito real de habitação.

O direito real de habitação é o direito reconhecido, ao cônjuge sobrevivente,


de continuar morando no imóvel que servia de residência para o casal, desde que
este fosse o único imóvel residencial. Conforme o Art. 1.831:

Ao cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime de bens, será


assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o
direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência
da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar.

O direito real de habitação do cônjuge é vitalício e incondicionado. Assim,


persiste até a morte, independentemente da constituição de nova família.

O companheiro também terá direito real de habitação como o cônjuge


viúvo. O Art. 1.831 do Código Civil, ao tratar do direito real de habitação,
menciona apenas o cônjuge sobrevivente, silenciando a respeito da extensão
desse direito ao companheiro sobrevivente. Não obstante, com a revogação do
Art. 1.790, e a equiparação do companheiro ao cônjuge, há o entendimento de que
o companheiro sobrevivente também tem direito real de habitação. Desse modo, o
direto real de habitação, previsto no Art. 1.831, do Código Civil, deve ser aplicado
analogicamente ao companheiro sobrevivente. Adotado esse entendimento, o
direito real de habitação do companheiro é vitalício e condicionado, assim como
o do cônjuge.

191
UNIDADE 3 — DIREITO DAS SUCESSÕES

2.4 DA SUCESSÃO DO CÔNJUGE OU COMPANHEIRO,


ISOLADAMENTE
Na falta de descendentes e ascendentes, o cônjuge, o cônjuge/companheiro
sobrevivente, receberá, por inteiro, a herança do falecido, como reza o Art. 1.838,
do Código Civil, aplicando-se, ao companheiro, as regras sucessórias do Art.
1.829, equiparando o companheiro ao cônjuge sobrevivente.

2.5 DA SUCESSÃO DOS COLATERAIS


Quando não existirem descendentes, ascendentes, cônjuge ou companheiro
vivo, os parentes colaterais de até 4º grau receberão a herança do falecido, como
prevê o Art. 1.839, do Código Civil.

A sucessão de herdeiros colaterais é tratada nos seguintes artigos do


referido instituto:

Art. 1.592. São parentes em linha colateral ou transversal, até o quarto


grau, as pessoas provenientes de um só tronco, sem descenderem uma
da outra.
Art. 1.594. Contam-se, na linha reta, os graus de parentesco pelo
número de gerações, e, na colateral, também pelo número delas,
subindo de um dos parentes até ao ascendente comum, e descendo até
encontrar o outro parente.
Art. 1.839. Se não houver cônjuge sobrevivente, nas condições
estabelecidas no Art. 1.830, serão chamados a suceder os colaterais até
o quarto grau.

Da classe dos colaterais, só serão chamados os herdeiros de até 4º grau.


Ainda, a contagem dos graus é prevista no referido Art. 1.594, do Código Civil.
Representam, essa classe, os primos, tios-avôs e os sobrinhos-netos. Caso não seja
encontrado herdeiro colateral até o 4º grau, a herança será destinada ao município,
Distrito Federal ou União, conforme já tratado neste material. Aplica-se a regra
na qual os herdeiros colaterais de grau mais próximo excluem os herdeiros de
grau mais distante, com exceção do direito de representação atribuído aos filhos
de irmãos quando concorrendo entre si, como dito no Art. 1.840, do Código Civil.
Entretanto, na falta de irmãos, herdarão os filhos destes, e, não havendo, herdarão
os tios, redação do Art. 1.843, que privilegia dos sobrinhos aos tios. Os herdeiros
colaterais herdarão, por direito próprio, quando todos se encontrarem no mesmo
grau, e não existir, entre eles e o autor da herança, um herdeiro de grau mais
próximo.

Haverá direito de representação quando os herdeiros não se encontrarem


no mesmo grau, e ele se dará em favor do filho do irmão, quando estiver
concorrendo com o irmão do falecido. Como exemplo, teremos o caso a seguir,
trazido por Mario Roberto Carvalho de Faria (2017):

192
TÓPICO 2 — DA SUCESSÃO LEGÍTIMA E DA SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA

João faleceu em 1998, deixando dois irmãos vivos, Aimar e Joaquim,


e dois sobrinhos, Henrique e Marisa, filhos do irmão Antônio, que falecera,
anteriormente, em 1996.

Faleceu em 1998 Faleceu em 1996


João Aimar Joaquim Antônio (irmão – 2º grau)
/ \
Henrique Marisa (sobrinhos – 3º grau)
Filhos de irmãos

No exemplo, temos dois irmãos do autor da herança concorrendo com
dois sobrinhos, filhos do irmão pré-morto. Deverá ser aplicada a regra do Art.
1.840, portanto, Henrique e Marisa, filhos de Antônio, irmão pré-morto do
falecido, herdarão, por representação, a quota-parte da herança.

“Se concorrem sobrinhos-netos com sobrinhos do falecido, somente estes


herdarão em detrimento daqueles. Ainda, se concorrem sobrinhos-netos com
irmãos do falecido, também, não haverá direito de representação em favor dos
sobrinhos-netos. Os irmãos os excluem da sucessão” (FARIA, 2017, p. 140).

Aos irmãos bilaterais, também denominados de germanos, e aos


irmãos unilaterais, serão destinados os Arts. 1.841 e 1.842 do Código Civil,
respectivamente.

Os irmãos bilaterais são aqueles que possuem o mesmo pai e a mesma


mãe, já os irmãos unilaterais são irmãos por apenas um lado, mesmo pai, ou
mesma mãe. Os filhos unilaterais de mesma mãe são chamados de unilaterais
uterinos, e os unilaterais de mesmo pai de unilaterais sanguíneos.

O Art. 1.841 menciona que, aos irmãos germanos, bilaterais, caberá o dobro
da herança concedida aos irmãos unilaterais quando não houver concorrência
entre eles. O Art. 1.842 explica que, quando NÃO houver concorrência entre os
irmãos bilaterais e os irmãos unilaterais, os irmãos unilaterais herdarão em partes
iguais.

Também preveem, os parágrafos do Art. 1.843, do Código Civil, a divisão


da herança quando apenas os filhos de irmãos concorrem à herança.

Art. 1.843
§ 1º Se concorrerem à herança somente filhos
de irmãos falecidos, herdarão por cabeça.
§ 2º Se concorrem filhos de irmãos bilaterais
com filhos de irmãos unilaterais, cada um destes
herdará a metade do que herdar cada um daqueles.
§ 3º Se todos forem filhos de irmãos bilaterais, ou todos de irmãos
unilaterais, herdarão por igual.

Já no que toca aos tios e sobrinhos do autor da herança, o preceito legal


competente é o Art. 1.843, do Código Civil:

193
UNIDADE 3 — DIREITO DAS SUCESSÕES

“Art. 1.843. Na falta de irmãos, herdarão os filhos destes e, não os havendo,


os tios.”

Os tios e sobrinhos do falecido se encontram em 3º grau na linha sucessória,


por estarem no mesmo grau, sucederão por direito próprio/por cabeça, devendo
a herança ser partilhada em quantos forem os herdeiros.

Não existindo irmãos do autor da herança, os filhos daqueles, no caso os


sobrinhos, herdarão, não existindo sobrinhos do autor da herança, mas existindo
tios vivos do falecido, estes terão o direito de suceder.

A ordem sucessória dos parentes colaterais se dará da seguinte forma: 1º


herdam os irmãos do falecido, observando o direito de representação dos filhos
destes; 2º os sobrinhos do autor da herança; e caso não existam, passará o direito
para os tios do falecido, e por último os parentes em 4º grau da linha sucessória,
quando todos estiverem neste grau, a herança deverá ser partilhada entre todos.

2.6 DO DIREITO DE REPRESENTAÇÃO


O direito de representação está previsto no Art. 1.851 do Código Civil:

“Art. 1.851. Dá-se o direito de representação, quando a lei chama certos


parentes do falecido a suceder em todos os direitos, em que ele sucederia se vivo
fosse.”

Importante destacar o Art. 1.852 do Código Civil, ele informa sobre o


direito de representação dar-se somente na linha reta descendente, e nunca na
ascendente. Portanto, na linha descendente o direito de representação é infinito,
enquanto existir um herdeiro pré-morto, seus descendentes serão chamados a
representá-lo na sucessão do autor da herança, concorrendo com herdeiros de
graus diferentes.

Quando o herdeiro vir a falecer antes da morte e abertura da sucessão do


autor da herança, serão chamados os seus descendentes mais próximos.

Para que ocorra o direito de representação, é preciso:

• A pré-morte do presumível herdeiro autor da herança.


• Que os herdeiros não se encontrem no mesmo grau.
• Que a sucessão seja legítima.

194
TÓPICO 2 — DA SUCESSÃO LEGÍTIMA E DA SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA

Vejamos esse esquema para facilitar o aprendizado:

Autor da Herança - óbito – 1998


I
\/
João (filho) <-----------------------> Pedro (filho pré-morto em 2000) representado
(½) (½)

(Representantes) (netos) Marcos<------------> Antônio


(¼) (¼)

Assim, Pedro que morreu após a morte do autor da herança, tendo filhos,
netos do inventariado, estes irão o suceder por representação, herdando o que
Pedro receberia se vivo estivesse. João receberá metade da herança, e, ao ocupar
o lugar de Pedro, Marcos e Antônio receberão o quinhão que caberia, ou seja, a
outra metade, porém, partilhado na fração de ¼ para cada uma (FARIA, 2017).

O Art. 1.855 do Código Civil traz a seguinte redação: “Art. 1.855. O quinhão
do representado partir-se-á por igual entre os representantes”. Isso significa dizer
que, os representantes, tantos quanto existirem, são tidos como um só herdeiro e
recebem apenas a parte que caberia ao representado.

3 DA SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA
A sucessão legítima ocorre quando o falecido, autor da herança, deixa
seus bens para serem partilhados entre os membros de sua família, esta partilha
respeitará as leis que regulam as sucessões. A sucessão testamentária é tratada
nos Arts. 1.857 a 1.990, do Código Civil. O tema também está presente na ordem
da vocação hereditária contida nos 1.798 a 1.803 desse mesmo código.

As pessoas legitimadas a suceder são as nascidas ou já concebidas no


momento da abertura da sucessão, definição dada pelo Art. 1.798 do Código
Civil, assim, o legislador instituiu os direitos dos nascituros ao permitir que o
testador realize disposições e favor dos nascituros.

Nascendo com vida receberão a herança, caso isso não ocorra e não
haja disposição diversa, os bens inventariados retornarão ao monte para serem
novamente partilhados entre os herdeiros legítimos.

O Art. 1.799 traz aqueles que podem ser chamados a suceder, vejamos:

Art. 1.799. Na sucessão testamentária


podem, ainda, ser chamados a suceder:
I- os filhos, ainda não concebidos, de pessoas indicadas
pelo testador, desde que vivas estas ao abrir-se a sucessão.
II- as pessoas jurídicas.
III- as pessoas jurídicas, cuja organização for determinada pelo
testador sob a forma de fundação.

195
UNIDADE 3 — DIREITO DAS SUCESSÕES

Através de disposição testamentária, poderá se beneficiar pessoas


físicas ou jurídicas de direito público ou privado. Entretanto, somente pessoas
poderão ser contempladas pela sucessão, podendo, no entanto, por disposição
testamentária, ser estipulado de forma indireta ao herdeiro, o encargo de cuidar
de determinado animal, mas estão excluídos objetos inanimados e entidades
místicas, como santos (FARIA, 2017).

A pessoa beneficiada em testamento com coisa certa e determinada não


é denominada de herdeiro instituído ou testamentário, mas sim chamada de
legatário.

O testador definirá em vida a forma como deseja partilhar seus bens


após a sua morte, liberalidade realizada através de testamento. O testador, ao
realizar a vontade de dispor da forma que convém, poderá fazê-la, mas desde que
respeitando a legítima. Diz o Art. 1.975:

Art. 1.975. Não se rompe o testamento, se o testador dispuser da sua


metade, não contemplando os herdeiros necessários de cuja existência
saiba, ou quando os exclua dessa parte.

Poderá haver redução das cláusulas testamentárias quando o testador


dispuser em seu testamento, parte do seu patrimônio superior àquela de que
pode dispor, não respeitando a legítima, o juiz pode, de ofício ou a requerimento,
determinar a redução das cláusulas testamentárias. Devem ser observados os
seguintes critérios para proceder a redução de tais cláusulas:

• se houver só herança ou só legado, o juiz reduz proporcionalmente;


• se houver herança e legado: o juiz reduzirá primeiro da herança e, só depois,
se necessário, do legado.

O testamento só produz efeito após a morte do testador, por tanto, em


vida não se pode discutir a validade do testamento, igualmente não terá eficácia
enquanto o testador estiver vivo.

ATENCAO

No caso de algum herdeiro necessário ser excluído da sucessão, ou o testador


não tenha respeitado a partilha da legítima na confecção do testamento, a ação de anulação
de testamento deverá ser proposta após o falecimento do testador, caso contrário, não
haverá, ao autor da ação, legítimo interesse para agir.

196
TÓPICO 2 — DA SUCESSÃO LEGÍTIMA E DA SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA

3.1 CONCEITO DE TESTAMENTO E SUAS CARACTERÍSTICAS


O Código Civil não apresenta definição de testamento, todavia, o Art.
1.857 expressa:

Art. 1.857. Toda pessoa capaz pode dispor, por testamento, da totalidade
dos seus bens, ou de parte deles, para depois de sua morte.

Por meio de um documento chamado “testamento”, o testador, aquele


que realiza o testamento, expõe a forma como deseja que seu patrimônio seja
partilhado após seu falecimento, ele deverá respeitar o direito dos seus herdeiros
necessários e legais. Portanto, o testamento é o ato pelo qual o testador manifesta
sua própria vontade sobre a disposição de seus bens após a sua morte, devendo
respeitar a parte legitima destinada aos herdeiros necessários, que importa em
metade da totalidade de seus bens.

O ordenamento jurídico brasileiro não permite pactos sucessórios, ou seja,


um contrato sobre a herança de pessoa viva, também chamado de testamento
conjuntivo, como explica o Art. 1.863: “É proibido o testamento conjuntivo seja
simultâneo; recíproco ou correspectivo”.

O testamento conjuntivo, também conhecido como “de mão comum”,


é o realizado por duas pessoas dispondo suas vontades testamentárias, em um
instrumento só. Ao dispor em favor de terceiros em um só ato ele será considerado
simultâneo, será recíproco quando os testadores se beneficiarem mutuamente,
será “correspectivo” quando os testadores equivalerem suas disposições com
outras correspondentes. Essa modalidade é proibida pelo Art. 426 do Código
Civil, pois configuraria um “contrato sobre herança de pessoa viva”.

Será lícita a realização em atos distintos, independentes, no mesmo


dia, de testamentos de duas pessoas que queiram se beneficiar com termos
semelhantes em favor do outro, no mesmo livro, perante o Tabelião de Notas.
Outra possibilidade advém da partilha, em vida, de bens, respeitando a vontade
do doador, pela doação ao ascendente ou descendente, desde que não prejudique
a legítima dos herdeiros necessários, como explica o Art. 2.018, do Código Civil.

O ato de testar não pode ser realizado por representação, portanto, as


pessoas capazes de testar serão os maiores de 16 anos de idade. Não podem testar
os incapazes e muito menos aqueles que no ato de fazê-lo, não tenham pleno
discernimento.

Destacamos, mais uma vez, que os incapazes não podem testar, entretanto
a incapacidade superveniente do testador não invalida o testamento realizado,
porém, o contrário não ocorrerá, caso o testamento tenha sido realizado por
incapaz, este não será válido mesmo que venha a ter capacidade superveniente.

197
UNIDADE 3 — DIREITO DAS SUCESSÕES

O ato de testar é singular, não podendo ser realizado um testamento com


dois testadores, deverá ser realizado um para cada indivíduo, como já mencionado.
O testamento é um ato formal e possui requisitos fundamentais estabelecidos
pelo legislador para ser válido, caso contrário será considerado nulo.

Rege-se o testamento pela data de sua realização, mas as disposições


testamentárias obedecem a lei que vigora na data do falecimento do testador.

O testamento pode ser revogado a qualquer tempo por outro testamento,


e por qualquer forma, testamento particular revogando testamento público e
vice-versa, a revogação pode ser parcial, de algumas cláusulas ou total, como
explica o Art. 1.970 do Código Civil.

Há três tipos de revogação:

• De forma expressa, nessa o testador diz claramente sua intenção de revogar


totalmente o testamento realizado anteriormente, seria a forma mais usual.
• De forma tácita, quando o novo testamento traz disposições diferentes
àquelas existentes no testamente anterior.
• De forma legal, este tipo é realizado pelo legislador ao descrever que
determinada disposição é ilegal ou determinada formalidade obrigatória não
foi praticada:

“Art. 1.972. O testamento cerrado que o testador abrir ou dilacerar, ou for


aberto ou dilacerado com seu consentimento, haver-se-á como revogado.”

Teremos, também, o “rompimento do testamento”, previsto nos Arts.


1.973 a 1975, do Código Civil. O testamento rompido significa que não será
mais válido. Portanto, o testamento não será mais eficaz quando sobreviver
descendente sucessível ao testador, que não tinha ou desconhecia a existência de
outros herdeiros necessários.

Falaremos, agora, da figura do testamenteiro, presente nos Arts. 1.976 a


1.990 do Código Civil. O testamenteiro é uma pessoa de confiança nomeada pelo
testador para fazer cumprir as disposições testamentárias após o seu falecimento.

Poderá ser nomeado uma ou mais pessoas para o cargo de testamenteiro,


que deverá defender a validade do testamento, como explica o Art. 1.980 do
Código:

Art. 1.980. O testamenteiro é obrigado a cumprir as disposições


testamentárias, no prazo marcado pelo testador, e a dar contas do
que recebeu e despendeu, subsistindo sua responsabilidade enquanto
durar a execução do testamento.

Caso o testador não tenha nomeado um testamenteiro, a execução


testamentária competirá ao cônjuge, e na sua falta será incumbido a um herdeiro
nomeado pelo juiz.

198
TÓPICO 2 — DA SUCESSÃO LEGÍTIMA E DA SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA

Importante explicar a diferença entre testamenteiro e inventariante, pois


são cargos distintos. Ao nomear o inventariante deverá ser seguida a ordem
preferencial prevista no Art. 617 do Código Processo Civil:

Art. 617. O juiz nomeará inventariante na seguinte ordem:


I - o cônjuge ou companheiro sobrevivente, desde que
estivesse convivendo com o outro ao tempo da morte deste;
II - o herdeiro que se achar na posse e na administração
do espólio, se não houver cônjuge ou companheiro
sobrevivente ou se estes não puderem ser nomeados;
III - qualquer herdeiro, quando nenhum deles
estiver na posse e na administração do espólio;
IV - o herdeiro menor, por seu representante legal;
V - o testamenteiro, se lhe tiver sido confiada a administração
do espólio ou se toda a herança estiver distribuída em legados;
VI - o cessionário do herdeiro ou do legatário;
VII - o inventariante judicial, se houver;
VIII - pessoa estranha idônea, quando não houver inventariante judicial.

Nada impede que o testador nomeie a mesma pessoa para exercer a


função de testamenteira e inventariante, entretanto, o inventariante deverá estar
elencado na ordem estabelecida no artigo anterior.

Não havendo cônjuge e ocorrendo conflito entre os herdeiros, o juiz


poderá nomear um testamenteiro judicial, caso exista este cargo na comarca onde
ocorrer o processo de inventário, não existindo poderá então ser nomeado um
testamenteiro dativo. O testamenteiro poderá peticionar renunciando ao cargo,
caso não queira exercê-lo.

O testamenteiro terá direito a um prêmio (corresponderá entre 1% a 5%


do valor líquido da herança) pelos serviços prestados durante a execução do
testamento, ele deverá ser fixado pelo testador ao confeccionar o testamento,
caso não tenha sido definido caberá ao juiz arbitrá-lo no processo de inventário a
pedido do testamenteiro. Entretanto, o testamenteiro herdeiro ou legatário, terá
que optar entre a herança, o legado ou a vintena (prêmio), conforme Art. 1.988
do Código Civil. Caso o testamenteiro seja o cônjuge meeiro, participando da
herança, terá também o direito a vintena. Caso o testamenteiro não desempenhe
adequadamente sua função, cumprindo o testamento, prejudicando os herdeiros
ou legatários, ou for removido de seu cargo, reverterá à herança o prêmio a que
tinha direito.

Os Arts. 735 a 737 do Código de Processo Civil tratam do processo de


abertura, registro e cumprimento do testamento.

199
UNIDADE 3 — DIREITO DAS SUCESSÕES

NOTA

A aplicação do Princípio Locus Regit Actum (ato regido pela lei do local onde
foi celebrado) estava presente no Art. 11 da lei anterior, de Introdução às Normas do Direito
brasileiro, não sendo repetida pela lei atual. Esse princípio, ainda em uso, é aplicado para
os atos celebrados no exterior, devendo ser observadas as formalidades externas da vali-
dade local. Assim, o testamento realizado em outro país, regido pelas leis locais, também
tem validade para os bens existentes em solo brasileiro, quando a forma for admitida pela
legislação pátria e não ferir a soberania, os bons costumes ou a ordem interna nacional
(FARIA, 2017).

3.2 DAS MODALIDADES ORDINÁRIAS DE TESTAMENTO


Dispõe o Art. 1.862 do Código Civil sobre testamentos ordinários:

Art.1.862. – São testamentos ordinários:


I- o público;
II- o cerrado;
III- o particular.

Seguindo a ordem legal, trataremos primeiro sobre o testamento público,


a forma mais comum e mais segura para o testador.

3.2.1 Testamento público


Por ser público, qualquer pessoa terá acesso ao seu conteúdo, o testamento
público não necessitará de sua confirmação em juízo. Está previsto no Art. 1.864
do Código Civil. Vejamos os seus requisitos formais:

Art. 1.864. São requisitos essenciais do testamento público:


I - ser escrito por tabelião ou por seu substituto legal em seu
livro de notas, de acordo com as declarações do testador,
podendo este servir-se de minuta, notas ou apontamentos;
II - lavrado o instrumento, ser lido em voz alta pelo tabelião
ao testador e a duas testemunhas, a um só tempo; ou
pelo testador, se o quiser, na presença destas e do oficial;
III - ser o instrumento, em seguida à leitura, assinado
pelo testador, pelas testemunhas e pelo tabelião.
Parágrafo único. O testamento público pode ser escrito manualmente
ou mecanicamente, bem como ser feito pela inserção da declaração de
vontade em partes impressas de livro de notas, desde que rubricadas
todas as páginas pelo testador, se mais de uma.

200
TÓPICO 2 — DA SUCESSÃO LEGÍTIMA E DA SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA

A pessoa muda (que não fala) não poderá fazer testamento público, tendo
em vista que ele é realizado de viva voz, entretanto, o indivíduo inteiramente
surdo, quando souber ler, lerá seu testamento, caso não saiba ler, designará
alguém para tal fim e deverá ser acompanhado de duas testemunhas (Art. 1.866,
do Código Civil).

Quando se tratar de pessoa analfabeta (Art. 1.865), ou cega (Art. 1.867),


a forma obrigatória de validade será a do testamento público, igualmente, será
necessária a presença de duas testemunhas, e uma delas assinará o testamento a
rogo.

Após a realização do testamento público, o Oficial de Notas, deverá


comunicar a realização do mesmo ao Ofício de Registro de Distribuição,
determinado pelo Código de Organização e Divisão Judiciária Estadual. O oficial
deve entregar ao testador uma certidão do ato, caso essa se perca, poderá solicitar
uma nova.

3.2.2 Testamento cerrado


O testamento cerrado é, também, conhecido como testamento secreto ou
místico, e está previsto no Art. 1.868 do Código Civil:

Art. 1.868. O testamento escrito pelo testador, ou por outra pessoa,


a seu rogo, e por aquele assinado, será válido se aprovado pelo
tabelião ou seu substituto legal, observadas as seguintes formalidades:
I - que o testador o entregue ao tabelião em presença de duas testemunhas;
II - que o testador declare que aquele é o
seu testamento e quer que seja aprovado;
III - que o tabelião lavre, desde logo, o auto de aprovação, na presença
de duas testemunhas, e o leia, em seguida, ao testador e testemunhas;
IV - que o auto de aprovação seja assinado pelo tabelião, pelas
testemunhas e pelo testador. Parágrafo único. O testamento cerrado
pode ser escrito mecanicamente, desde que seu subscritor numere e
autentique, com a sua assinatura, todas as páginas.

Não é uma modalidade muito utilizada, mas a sua principal vantagem


é ter sigilo absoluto sobre seu conteúdo, posto que nem mesmo o tabelião e as
testemunhas terão conhecimento sobre seus termos.

O testamento cerrado poderá ser escrito em qualquer língua nacional ou


estrangeira, pelo próprio testador, ou por terceiro a seu rogo, porém, não poderá
dispor de seus bens em testamento cerrado, aquele que não saiba ler (Arts. 1.871
e 1.872 do Código Civil).

O surdo-mudo poderá fazer o testamento cerrado, desde que o redija de


próprio punho e o assine, em seguida, deverá entregar ao oficial público, perante
duas testemunhas, e deverá escrever na parte externa do documento que aquele
é seu testamento e pede aprovação.

201
UNIDADE 3 — DIREITO DAS SUCESSÕES

Quando o testador vier a falecer, aquele que tenha conhecimento da


existência do testamento deverá o apresentar em juízo, requerendo a abertura.
Será determinada audiência para tal ato, intimando-se o apresentante e demais
interessados, se não encontrar vício externo que o torne nulo ou suspeito de
falsidade, o juiz determinará seu cumprimento.

Agora, falaremos do testamento particular ou hológrafo.

3.2.3 Testamento particular ou hológrafo


O Testamento Particular está previsto nos Arts. 1.876 a 1.880 do Código
Civil. Essa forma de testar deve ser escrita pelo próprio testador, de próprio punho
ou processo mecânico. Para ter validade, se escrito de próprio punho, deverá ser
lido perante três testemunhas que irão subscrevê-lo e assinado pelo testador. A
forma mecânica não poderá conter rasuras nem espaços em branco, e também
terá as formalidades exigidas ao escrito de próprio punho.

Após o falecimento do testador, o testamento particular deverá ser


confirmado em juízo. O testamento será confirmado se as testemunhas afirmarem
sobre o fato da disposição, ou sobre a leitura perante elas do testamento, e
reconhecerem suas próprias assinaturas. O testamento também poderá ser
confirmado se houver, ao menos, uma das testemunhas presentes no ato, quando
por ausência ou morte das demais.

Para ter mais segurança, o testamento deverá conter o máximo de


informações acerca dos dados pessoas das testemunhas, facilitando sua
confirmação posteriormente, já que o testamento particular não terá eficácia com
a morte do testador, mas sim pela sua confirmação através das testemunhas.

Prosseguindo com nossos estudos acerca das modalidades de testamento,


passemos às modalidades especiais.

3.3 DAS MODALIDADES ESPECIAIS DE TESTAMENTO


As modalidades de testamentos especiais são: testamento marítimo,
testamento aeronáutico e o testamento militar, e estão reguladas pelo Art 1.888
até 1.896 do Código Civil.

As formas de testamento devem ser utilizadas apenas quando não seja
possível efetuar as modalidades convencionais, ou seja, deverão ser utilizados
apenas em casos emergências, como viagens em geral, missões de guerra, ou
qualquer outra atividade que seja exercida nestes meios e o testador esteja sob
risco de morte.

202
TÓPICO 2 — DA SUCESSÃO LEGÍTIMA E DA SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA

Os testamentos especiais poderão ser realizados no formato do testamento


público ou do testamento cerrado.

O testamento marítimo e o aeronáutico poderão ser elaborados perante o


comandante na presença de duas testemunhas, ele será registrado no diário de
bordo. O testamento realizado dessa forma ficará na posse do comandante que o
entregará à autoridade administrativa do primeiro porto ou aeroporto nacional
que aterrissarem ou atracarem.

Ambos os testamentos possuem validade, o documento caducará caso o


testador não vier a falecer durante a viagem, ou após os noventa dias seguintes
ao término da viagem com desembarque em terra firme, onde poderá proceder
as formas ordinárias de testamento. Igualmente, não será válido o testamento
especial marítimo, quando a tempo a embarcação estava em porto e o testador
poderia testar pela forma ordinária.

Tratando-se do testamento militar, poderá ser elaborado pelas pessoas


a serviço das Forças Armadas em campanha, dentro ou fora do país. Poderá ser
realizado quando ausente tabelião ou seu substituto legal, perante duas pessoas,
que serão testemunhas, ou quando o testador não souber assinar, perante três
testemunhas, e uma delas assinará por este. Esse testamento poderá assumir três
formas, a do testamento público, do testamento cerrado e a do nuncupativo.

O testamento na forma nuncupativo será feito de viva voz perante


duas testemunhas, quando empenhadas em combate ou feridas. Essa forma é
polêmica, por gerar a possibilidade de adulteração da real vontade do testador
(GONÇALVES, 2010).

Essa modalidade de testamento especial também possui validade, ele


caducará em noventa dias a contar da data em que o testador esteja em local
onde possa realizar o testamento na forma ordinária. Terá exceção e será válido
se o testamento apresentar as formalidades presentes no parágrafo único do Art.
1.894 do Código Civil:

Art. 1.894. Se o testador souber escrever, poderá fazer o testamento


de seu punho, contanto que o date e assine por extenso, e o
apresente aberto ou cerrado, na presença de duas testemunhas ao
auditor, ou ao oficial de patente, que lhe faça as vezes neste mister.
Parágrafo único. O auditor, ou o oficial a quem o testamento se
apresente notará, em qualquer parte dele, lugar, dia, mês e ano, em
que lhe for apresentado, nota esta que será assinada por ele e pelas
testemunhas.

O testamento não terá mais validade se o testador não vier a falecer na


guerra ou convalescer do ferimento sofrido.

Todas essas modalidades de testamento estão previstas no código civil
como já dito, porém, há uma nova forma de testamento, ou com uma melhor
definição, uma nova forma de declaração de vontade por meio de instrumento

203
UNIDADE 3 — DIREITO DAS SUCESSÕES

público, que não está prevista em lei, mas que será aceita se respeitar determinada
forma, o chamado testamento vital.

O testamento vital será um documento que conterá as disposições de


vontade do paciente sobre a forma que deseja receber tratamento em vida, por
seus familiares, médicos, enfermeiros, e demais profissionais da saúde que o
assistam, quando acometido por doença terminal. O documento deverá ser escrito
e formalizado através de escritura pública, também aceitando a forma particular,
de preferência com duas testemunhas, poderá ser refeito quantas vezes o testador
desejar a fim de expor sua vontade.

O Conselho Federal de Medicina, pela Resolução nº 1995/2012,


regulamentou o testamento vital pelo tema “Diretivas antecipadas de vontade”
de pacientes.

[...] O declarante deverá ser assessorado por um médico, devendo


o documento conter os aspectos relativos ao tratamento que deseja
ter, a utilização ou não de meios mecânicos ou máquinas, a recusa
de tratamentos fúteis que somente visem o prolongamento de sua
vida e a utilização de cuidados paliativos destinados a diminuir o seu
sofrimento (FARIA, 2017, p. 184).

Acadêmico, terminamos os estudos sobre as modalidades de testamento.


Todavia, resta estudarmos uma modalidade de disposição de vontade também
relevante: o codicilo.

3.4 DO CODICILO
O codicilo está presente no Art. 1.881 do Código Civil:

Art. 1.881. Toda pessoa capaz de testar poderá, mediante escrito


particular seu, datado e assinado, fazer disposições especiais sobre o
seu enterro, sobre esmolas de pouca monta a certas e determinadas
pessoas, ou, indeterminadamente, aos pobres de certo lugar, assim
como legar móveis, roupas ou joias, de pouco valor, de seu uso pessoal.

Acadêmico, observe que o codicilo não é um testamento, mas tem como
função dispor sobre bens de pequeno valor, é o instrumento em que o testador
define os detalhes do seu funeral, sobre pequenos valores destinados aos pobres.
Assim, o codicilo como espécie de ato de disposição de vontade, se volta a tratar
de objetos de pequena monta, considerado assim pela doutrina como bens e
disposições que correspondam ao máximo 10% do patrimônio do testador. Nesse
sentido, o professor Flávio Tartuce (2020, p. 1849) define codicilo como “pequeno
escrito”, ato de última vontade simplificado, para o qual a lei não exige maiores
formalidades em razão de ser o seu objeto considerado de menor importância
para o falecido e para os herdeiros”. No codicilo, também poderá ser nomeado e
estabelecer a substituição de testamenteiros (Art.1.883, CC/02).

204
TÓPICO 2 — DA SUCESSÃO LEGÍTIMA E DA SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA

NOTA

O Art. 1.885, do CC/02, determina que, caso o codicilo esteja fechado, ele deve
ser aberto do mesmo modo que o testamento fechado, ou seja, perante o juiz (Art. 1.875).

Ademais, acadêmico, saiba que o codicilo poderá ser revogado por outro,
poderá também ser revogado caso sobrevenha testamento posterior que não o
confirme nem o modifique, conforme disposição expressa no Art. 1.884 do Código
Civil.

ATENCAO

Perceba que o codicilo vale, independentemente de o morto ter deixado


herança ou não. O que pode ocorrer é o testamente feito posteriormente não confirmar o
codicilo, ai sim, perde a validade.

Finalizado o estudo dos codicilos, passemos a estudar as disposições


testamentárias.

3.5 DAS DISPOSIÇÕES TESTAMENTÁRIAS


O testador ao realizar seu testamento poderá definir as disposições sobre
seus bens, “instituindo herdeiros ou legatários, seja de forma pura e simples
ou mediante determinadas circunstâncias de condições, encargo ou causa”
(OLIVEIRA; AMORIM, 2020).

As disposições testamentárias estão previstas nos Arts 1.897 a 1.911 do


Código Civil. Acadêmico, para além das disposições patrimoniais, o testador
também poderá incluir disposições de caráter não patrimonial, conforme disposto
no Art. 1.857, § 2º, do Código Civil. Assim, conforme vimos na unidade anterior,
é possível que o testador proceda ao reconhecimento de filho havido fora do
casamento por meio de testamento (inciso III, Art. 1.609).

Teremos, também, as chamadas cláusulas restritivas testamentárias, que


impõem uma restrição a quem recebe o bem, perdurando por uma geração, salvo
se o testador estabelecer por prazo menor. São as cláusulas de impenhorabilidade,
205
UNIDADE 3 — DIREITO DAS SUCESSÕES

incomunicabilidade e inalienabilidade. Por oportuno, saiba que a cláusula de


inalienabilidade faz presumir a existência das outras duas, mas o contrário não é
verdadeiro (Art. 1.911).

Por fim, é importante saber que, de acordo com o Art. 1848, do Código
Civil, excepcionalmente, o testador pode impor uma cláusula restritiva à legítima,
desde que indique justa causa e que esta seja provada.

3.6 DOS LEGADOS


Acadêmico, conforme o estudamos até aqui, o testador ao efetuar o seu
testamento, por força da autonomia de vontade, definirá quais os bens que
caberão a determinado herdeiro ou terceiro que queria beneficiar, observando
as regras gerais já estudadas. O legado é o ato de delimitar bens específicos da
herança, podendo ser realizado em favor de uma ou várias pessoas.

É pertinente destacar o esclarecimento da professora Giselda Maria


Fernandes Novaes Hironaka (2007, p. 322-323) sobre a temática:

Entende-se o legado – segundo o direito brasileiro – como a atribuição


de certo ou certos bens a outrem por meio de testamento e a título
singular. Envolve, assim, uma sucessão causa mortis que produzirá
efeitos apenas com o falecimento do testador. Consiste, sem dúvida,
numa liberalidade deste para com o legatário, o que não exige dizer
que se deva sempre traduzir em benefício para este último, já que
pode ocorrer a vir ser o legado pelos encargos que o acompanham
ou mesmo vir a se converter num ônus pesado demais para quem o
recebe.

Será ineficaz o legado de coisa certa que não pertença mais ao testador no
momento da abertura da sucessão (Art. 1.912, CC).

O testador poderá estabelecer o legado condicionando a entrega de


determinada coisa de propriedade do herdeiro ou legatário, caso não haja
cumprimento do estabelecido, será entendido como uma renúncia à herança ou
legado (Art. 1.913, CC).

Acadêmico, por oportuno, saiba que a hipótese na qual o testador


ordena que o herdeiro ou legatário entregue coisa da sua propriedade a outrem é
denominada, pela doutrina, de sublegado (TARTUCE, 2020).

Usaremos a lista de Euclides de Oliveira e Sebastião Amorim (2020, p.


258-259) para destacar, brevemente, as espécies de legado previstas no Código
Civil:

• legado de coisa comum, que valerá somente na parte que pertencer


ao testador (Art. 1.914, do CC),
• legado de coisa fungível, que valerá ainda que a coisa não exista
entre os bens deixados pelo testador (Art. 1.915, do CC),

206
TÓPICO 2 — DA SUCESSÃO LEGÍTIMA E DA SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA

• legado de coisa singularizada, que só valerá se existir entre os


bens do testador (Art. 1.916, do CC),
• legado de crédito ou de quitação de dívida (Art. 1.918, do CC),
• legado de alimentos, destinado ao sustento, cura, vestuário e casa
do legatário, enquanto viver, além da educação, se for menor (Art.
1.920, do CC),
• legado de usufruto, que pode ser temporário ou vitalício (assim
se entendendo se não houver fixação de tempo (Art. 1.921, do CC),
• legado em dinheiro (Art. 1.925, do CC),
• legado de renda vitalícia ou pensão periódica (Art. 1.926, do CC)
• legado alternativo, com opção deixada ao legatário (Art. 1.931, do
CC), ou com a presunção de opção pelo herdeiro (Art. 1.932, do CC).

Por fim, conforme o Art. 1.939, do Código Civil, os legados caducarão


quando ocorrer a modificação substancial da coisa legada, pela alienação da coisa
legada, se a coisa perecer ou por evicção, ainda, se o legatário indigno for excluído
da sucessão, e, caso o legatário venha a falecer antes do testador. Dessa forma,
concluímos mais um tópico do Direito das Sucessões. Agora, seguimos rumo às
últimas notas da matéria, com a temática O INVENTÁRIO E A PARTILHA.

207
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você aprendeu que:

• A sucessão legítima ocorre quando o falecido, autor da herança, deixa bens


para serem partilhados entre os membros da família, respeitando as leis que
regulam sucessões, além da sucessão testamentária, tratada nos Arts. 1.857 a
1.990, do Código Civil.

• Na sucessão legítima, são chamados, primeiramente, os descendes do falecido.


Quando não existirem descendentes, os ascendentes, em concorrência com o
cônjuge/companheiro sobrevivente. Na falta de todos, os herdeiros colaterais.

• Há polêmica com a inconstitucionalidade do Art. 1.790, do Código Civil, por


discriminar o companheiro na ordem da vocação hereditária, equiparando,
atualmente, os direitos da companheira aos do cônjuge sobrevivente.

• O testamento, ato pelo qual o testador manifesta a própria vontade sobre


a disposição dos seus bens após a morte, deve respeitar a parte legítima
destinada aos herdeiros necessários.

208
AUTOATIVIDADE

1 Quais são as formas ordinárias de testamento?

2 Estudamos uma modalidade de disposição de vontade também relevante:


o codicilo. O que é o codicilo?

3 Como se dá a sucessão dos descendentes?

4 Como se dá a sucessão do cônjuge quando concorre com os descendentes?

5 Sobre o testamento marítimo, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) Não necessita ser registrado no diário de bordo.


b) ( ) É feito na presença de duas testemunhas, por forma que corresponda
ao testamento público ou cerrado.
c) ( ) Fica sob a guarda de uma das testemunhas, que o entrega às autoridades
administrativas do primeiro porto nacional.
d) ( ) É válido se, ao tempo em que se fez, o navio estava no porto onde o
testador pudesse desembarcar e testar de forma ordinária.

6 Toda pessoa capaz pode elaborar testamento, como disposição de última


vontade. Acerca do assunto, analise as sentenças a seguir:

I- Aquele que possui herdeiros necessários pode dispor apenas da metade


do patrimônio.
II- Se o testamento ultrapassar a parte disponível, deve ser rompido com
totalidade.
III- É sempre necessário que, no testamento, seja individualizado quem são
os herdeiros, e quais bens específicos devem receber.
IV- Caso um herdeiro nomeado por testamento seja pré-morto, os descendentes
podem representar a parte na sucessão.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) As sentenças I e IV estão corretas.
b) ( ) As sentenças I, III e IV estão corretas.
c) ( ) Somente a sentença I está correta.
d) ( ) As sentenças I, II e IV estão corretas.

209
UNIDADE 3
TÓPICO 3 —

DO INVENTÁRIO E DA PARTILHA

1 INTRODUÇÃO
Caro acadêmico, enfim, chegamos ao último tópico da Unidade 3! Neste
último tópico, estudaremos a forma prática do Direito das Sucessões, trataremos
do processo de inventário e da conclusão desse procedimento com a efetiva
partilha dos bens do falecido entre seus herdeiros e legatários.

O inventário e a partilha são tratados pelo Código Civil, nos dispositivos


1.991 a 1.996. Após o falecimento do autor da herança, com a abertura automática
da sucessão, e a transmissão automática dos bens aos herdeiros legítimos e
testamentários, deverá se dar início ao inventário.

O inventário é o processo instaurado com o objetivo de se apurar quais


foram os bens deixados pelo falecido, para, posteriormente, realizar a partilha
entre os herdeiros. Consiste, portanto, na descrição pormenorizada dos bens
da herança, tendente a possibilitar o recolhimento de tributos, o pagamento de
credores e, por fim, a partilha entre os herdeiros do de cujus. Traçado tal contexto,
passemos ao estudo pormenorizado dos importantes institutos do inventário e
da partilha, para finalizarmos nossa análise do direito sucessório. Então, mãos à
obra!

2 DO INVENTÁRIO
A palavra inventário vem da expressão latina invenire, que significa
“encontrar”, “localizar”. É importante localizar os bens do autor da herança, pois
ela é transmitida automaticamente pelo princípio da saisine, previsto no Art.
1.784, do Código Civil.

Em decorrência da transmissão automática, a saisine é cega: ela


transmite todo o patrimônio para todos os herdeiros, indiscriminadamente,
independentemente de suas quotas, e estas têm de ser individualizadas. Como
exemplo, teremos os bens imóveis do falecido que passarão automaticamente para
os herdeiros e testamentários, entretanto, somente após o inventário e partilha,
com o formal de partilha é que poderá ser feito os registros dos atuais proprietários
no registro de imóveis, conforme disposição legal da Lei de Registros Públicos.

211
UNIDADE 3 — DIREITO DAS SUCESSÕES

Todas as relações patrimoniais do falecido (créditos, débitos, direitos


reais etc.), são transmitidas automaticamente e formarão uma massa patrimonial,
denominada de herança, que terá como características ser universal, imóvel e
indivisível.

A herança é representada pelo espólio, em juízo e fora dele, o qual


precisará ser partilhado, justamente por ter como característica a universalidade.

O procedimento de inventário e partilha, é aquele necessário e adequado


para a divisão do espólio (da representação da herança) entre os herdeiros e os
legatários e para o pagamento das dívidas do falecido. Os herdeiros, os legatários
e os credores do falecido serão, portanto, diretamente interessados no inventário.
Assim, o inventário é o procedimento de jurisdição contenciosa ou administrativo
pelo qual são pagos os legados e as dívidas do falecido e posteriormente partilhada
a herança.

O inventário é dividido em duas fases:

• Fase da inventariança: fase em que se faz o levantamento (apuração) do


patrimônio transmitido, a indicação dos sucessores e o pagamento das dívidas
e tributos.
• Fase da partilha: fase em que ocorre a divisão do patrimônio transmitido
entre os interessados (herdeiros e legatários).

Existe uma clara prejudicialidade entre as fases do inventário, posto que


só poderá falar em partilha após o levantamento do patrimônio e efetuado o
pagamento das dívidas e de tributos. Assim, o inventário é um procedimento
bifásico e escalonado. Isso porque ele necessariamente passa por duas fases
distintas, a de enumeração e divisão dos bens. Quando houver apenas um
herdeiro este será chamado de herdeiro universal. O herdeiro universal receberá
a totalidade da herança mediante auto de adjudicação e não de partilha, sendo o
ato lavrado em inventário.

2.1 DO INVENTÁRIO JUDICIAL


O Código de Processo Civil regula e divide os ritos de inventário judicial,
bem como introduziu a possibilidade de realização do inventário extrajudicial
que será abordado no tópico seguinte. Trataremos do rito ordinário e do sumário
de arrolamento de bens, inventário e partilha de bens do falecido.

Primeiramente, trataremos do rito ordinário, que é regulado pelo Art. 611


e seguintes do Código de Processo Civil. Esse rito deverá ser adotado quando
houver herdeiros menores de idade ou incapazes, ou quando os herdeiros não
entrarem em um acordo quanto à partilha de bens do falecido. O rito ordinário
também poderá ser o escolhido caso os herdeiros estejam em acordo quanto a
partilha, sejam maiores e capazes. Caso seja esse cenário o existente, será menos
oneroso e mais célere optarem pelo inventário extrajudicial.
212
TÓPICO 3 — DO INVENTÁRIO E DA PARTILHA

O rito ordinário será mais longo e mais oneroso, um perito judicial avaliará
os bens, os cálculos serão realizados pelo contador judicial, a partilha poderá
ser realizada pelo Partidor Judicial ou, quando em acordo, pelos interessados,
herdeiros ou legatários, quando maiores de idade e capazes. Será admitido,
também, durante o processo, o requerimento da venda de bens do espólio, além
do levantamento dos valores obtidos. Igualmente, o Ministério Público deverá
tomar ciência de todos os atos praticados (FARIA, 2017).

ORGANOGRAMA DO RITO ORDINÁRIO

• Petição de abertura e pedido de nomeação de inventariante.


• Despacho nomeando inventariante.
• Termo de inventariante.
• Primeiras declarações ou declaração de bens e herdeiros.
• Audiência dos interessados e fiscais sobre as primeiras
declarações.
• Avaliações dos bens.
• Vistas aos fiscais.
• Declarações finais.
• Termos de ratificação das declarações finais.
• Cálculo do imposto causa mortis.
• Audiência dos interessados e fiscais sobre o cálculo.
• Homologação do cálculo do imposto causa mortis.
• Pagamento do imposto de transmissão causa mortis.
• Partilha ou adjudicação.
• Juntada das certidões fiscais.
• Audiência dos interessados e fiscais sobre a partilha.
• Homologação da partilha ou adjudicação.
• Ciência da partilha aos fiscais.
• Expedição do formal de partilha, carta de adjudicação e alvarás
(FARIA, 2017, p. 234).

Caso o de cujus tenha deixado testamento, ele deverá, primeiramente,


ser registrado por sentença com a juntada da certidão autêntica fornecida pelo
Cartório da Vara. A abertura do inventário caberá àquele que estiver na posse e
na administração dos bens (Art. 625, do CPC), dentro do prazo de dois meses, a
contar da data de abertura da sucessão, todavia, o juiz poderá prorrogar esses
prazos de ofício, ou a requerimento da parte (Art. 611, do CPC).

Também terão legitimidade para requerer a abertura do inventário e a


partilha as seguintes pessoas previstas no Art. 616, do Código de Processo Civil.

Art. 616.Têm, contudo, legitimidade concorrente:


I - o cônjuge ou companheiro supérstite;
II - o herdeiro;
III - o legatário;
IV - o testamenteiro;
V - o cessionário do herdeiro ou do legatário;
VI - o credor do herdeiro, do legatário ou do autor da herança;
VII - o Ministério Público, havendo herdeiros incapazes;
VIII - a Fazenda Pública, quando tiver interesse;
IX - o administrador judicial da falência do herdeiro, do legatário, do
autor da herança ou do cônjuge ou companheiro supérstite.

213
UNIDADE 3 — DIREITO DAS SUCESSÕES

Portanto, qualquer dessas pessoas descritas no Art. 616, após transcorrido


o prazo do Art. 611, poderão requerer a abertura do inventário, sem a necessidade
de respeitar a ordem estabelecida em lei.

Agora, falaremos do rito de arrolamento sumário. Esse rito foi instituído


pela Lei nº 7.019, de 1982, que deu nova redação ao então Código de Processo
Civil vigente na época, tendo como objetivo simplificar e dar celeridade ao
processamento do inventário. Esse rito é regulado pelo Art. 659 e seguintes do
atual Código de Processo Civil, que também regulará o rito de arrolamento
comum.

O rito de arrolamento sumário terá, como exigência, que as partes sejam


capazes e estejam em acordo quanto a partilha dos bens da herança, e que o
falecido não tenha deixado testamento.

Vejamos a redação do Art. 659 do Código de Processo Civil:

“Art. 659. A partilha amigável, celebrada entre partes capazes, nos termos
da lei, será homologada de plano pelo juiz, com observância dos Arts. 660 a 663”. 

Não importará o valor total dos bens da herança para escolher o rito
de arrolamento sumário, neste rito não será realizado avaliações, mas sim que
todos os herdeiros e interessados sejam maiores e capazes e que não haja conflito
entre eles. O critério, aqui, é subjetivo, diversamente do critério adotado para o
arrolamento comum. Como não há conflito, não há necessidade de se julgar a
partilha, que é apenas homologada pelo juiz, exigindo-se, porém, a comprovação
do recolhimento fiscal. Os interessados, com a petição inicial, apresentam a
proposta de partilha e comprovam o recolhimento do imposto, cabendo ao juiz
homologar a proposta apresentada. Cumpre salientar que tal disposição foi
mantida no Art. 659, Código de Processo Civil.

Por todos os interessados serem maiores e capazes, e, em acordo com a


partilha, não existindo conflito de interesses, não haverá intervenção do Ministério
Público, em virtude da ausência de interesse público.

Por ser meramente homologatória a sentença, não se admitirá, contra ela,


o ajuizamento de ação rescisória. Com a dispensa da intervenção do Ministério
Público, no rito de arrolamento sumário, será dispensada a citação da Fazenda
Pública, porém, deverá ser cientificada da sentença homologatória. A dispensa
ocorre por ser a petição inicial instruída com prova de recolhimento do imposto
de transmissão causa mortis. Como mencionado, se todos os requisitos para o
arrolamento sumário forem cumpridos, por não precisarem ingressar em juízo,
poderão os herdeiros optar por realizarem o inventário em Cartório de Notas,
sendo uma opção mais econômica e rápida.

214
TÓPICO 3 — DO INVENTÁRIO E DA PARTILHA

O arrolamento comum está previsto no Art. 664 do Código de Processo


Civil, é destinado ao inventário que contenha bens cujo valor seja igual e
não ultrapassem 1.000 salários-mínimos. Deverá, o inventariante nomeado,
apresentar, através das declarações, os valores atribuídos aos bens do espólio,
além do plano de partilha. Caso alguma das partes ou o Ministério Público não
concorde com os valores apresentados, será nomeado pelo juiz um avaliador para
apresentar laudo de avaliação dos bens no prazo de dez dias. Após avaliação será
designada audiência e o Juiz deliberará sobre a partilha dos bens.

No arrolamento comum será possível, mesmo que haja herdeiro incapaz,


e desde que concordem todas as partes e o Ministério Público, a conversão do
rito em arrolamento sumário, mais célere, inovação trazida pelo novo Código de
Processo Civil no Art. 665.

NOTA

O provimento nº 56, de 14 de julho de 2016, do Conselho Nacional de Justiça,


estabeleceu, no Art. 2º, ser “obrigatória, para o processamento dos inventários e partilhas
judiciais, e para lavrar escrituras públicas de inventário extrajudicial, a juntada de certidão
acerca da inexistência de testamento deixado pelo autor da herança, expedida pela CENSEC
- Central Notarial de Serviços Compartilhados”.

2.2 DO INVENTÁRIO EXTRAJUDICIAL



A Lei nº 11.441, de 4 de janeiro de 2007, introduziu a possibilidade de
realização de inventário extrajudicial, também chamado de administrativo e
notarial, por meio de escritura pública. A lei alterou a redação dos antigos Arts.
982 e 983 do antigo Código de Processo Civil de 1973, passando a estarem nos
Arts. 610 e 611 do Novo Código de Processo Civil de 2015. Vejamos o Art. 610 do
novo CPC/2015:

Art. 610. Havendo testamento ou interessado


incapaz, proceder-se-á ao inventário judicial.
§ 1º Se todos forem capazes e concordes, o inventário e a partilha
poderão ser feitos por escritura pública, a qual constituirá
documento hábil para qualquer ato de registro, bem como para
levantamento de importância depositada em instituições financeiras.
§ 2º O tabelião somente lavrará a escritura pública se todas as partes
interessadas estiverem assistidas por advogado ou por defensor
público, cuja qualificação e assinatura constarão do ato notarial.

215
UNIDADE 3 — DIREITO DAS SUCESSÕES

Poderá ser realizado o inventário extrajudicial quando todas as partes


forem maiores de idade e capazes, estejam em acordo quanto a partilha dos bens
da herança e o falecido não tenha deixado testamento. O testamento extrajudicial
é facultativo e as partes poderão eleger a via judicial, caso queiram, por aparentar
mais segurança.

O inventário extrajudicial tem, como objetivo, facilitar a transmissão de


bens ao dar celeridade por possuir uma forma mais simples, sem a necessidade
de buscar o judiciário. Será realizado no Ofício de Notas, por ato do Tabelião, que
irá “chancelar a partilha amigavelmente acordada entre o meeiro e os herdeiros e
o recolhimento dos impostos devidos (OLIVEIRA; AMORIM, 2020, p. 440).

As principais características e requisitos do inventário extrajudicial são:

• Herdeiros maiores e capazes.


• Herdeiros acordados quanto à partilha dos bens da herança do falecido.
• Inexistência de testamento deixado pelo falecido.
• Serem assistidos por um advogado, este profissional poderá representar
todas as partes.
• Adjudicação do bem quando só existir um herdeiro e este seja maior de
idade e capaz, podendo ser feito diretamente através de escritura pública de
inventário.
• Escritura de inventário judicial poderá ser utilizada como título hábil para
transferência de bens.

O inventário extrajudicial poderá ser lavrado em qualquer tabelião de


notas, onde resida os herdeiros, ou estejam localizados os bens do falecido,
conforme Art. 8º da Lei nº 8.935/1994, que trata dos Serviços Notariais e de
Registros (BRASIL, 1994b).

NOTA

O Art. 8º, da Lei nº 8.935/94, que dispõe acerca dos Serviços Notariais de
Registro, estipula ser livre a escolha do tabelionato de notas, qualquer que seja o domicílio
das partes ou local dos bens a serem inventariados. Contudo, o legislador estabeleceu,
no caput, do Art. 48, do CPC, que, havendo ação de impugnação ou anulação da partilha
extrajudicial, o foro competente é o do domicílio do inventariado (BRASIL, 1994b).

Para a confecção do inventário extrajudicial será aplicada as mesmas


regras que regem o inventário judicial, como a aplicação da lei vigente na data do
óbito do falecido, deverão ser apresentados, ao Tabelião, todos os documentos que
comprovem a legitimidade dos herdeiros para suceder, além dos que comprovem
a propriedade dos bens a inventariar.
216
TÓPICO 3 — DO INVENTÁRIO E DA PARTILHA

Será aplicada lei estrangeira na escritura de inventário quando o autor


da herança era domiciliado no exterior, conforme Art. 10 da Lei de Introdução às
Normas do Direito brasileiro. O inventário será lavrado no Brasil, caso os bens do
falecido se localizem em solo pátrio, mas deverá ser observado as leis que regem
a sucessão e partilha do país em que o falecido era domiciliado, e se fosse casado,
deverá ser observado as leis que tocam os direitos do cônjuge vivo.

Deverá ser anexada, ao processo de inventário realizado pelo Tabelião


de Notas, a lei estrangeira, que fundamenta o direito sucessório do país em que
residia o autor da herança, podendo ser obtida junto ao consulado, traduzida para
língua portuguesa seguindo as formalidades previstas no Art. 192 do Código de
Processo Civil, e registrada no Registro de Títulos e documentos (FARIA, 2017).

O prazo para lavratura da escritura será o do Art. 611 do Código de


Processo Civil, ou seja, 2 (dois) meses para proceder a abertura do inventário, e
12 (doze) meses para seu encerramento. O inventário extrajudicial só será lavrado
após o pagamento das taxas e impostos atrelados a sua realização, o principal
será o Imposto de transmissão causa mortis e doação, de competência estadual.

Os herdeiros deverão nomear um inventariante como representante legal


do espólio para representá-lo assim como é realizado no inventário judicial.

Caso o falecido não tenha deixado bens de qualquer espécie, poderá


ser realizado através de escritura pública, o chamado inventário negativo. Esse
instrumento poderá ser usado quando o cônjuge viúvo deseja casar-se novamente
pelo regime de comunhão de bens, devendo cumprir a exigência legal de informar
o óbito e a ausência de bens do de cujus. Poderá, também, ser realizado para
cumprir obrigação deixada pelo falecido, como outorga em escritura pública, e
quando para resguardar o patrimônio dos herdeiros, para que não respondam
pelas dívidas deixadas pelo falecido que não deixou bens a inventariar (FARIA,
2017).

Poderá haver cumulação de inventários e partilhas também no inventário


extrajudicial, aplicando-se o Art. 672 do Código de Processo Civil:

Art. 672. É lícita a cumulação de inventários para a


partilha de heranças de pessoas diversas quando houver:
I - identidade de pessoas entre as quais devam ser repartidos os bens;
II - heranças deixadas pelos dois cônjuges ou companheiros;
III - dependência de uma das partilhas em relação à outra.

O Tabelião realizará os inventários respeitando a ordem cronológica dos


óbitos, e assim a ordem das sucessões. Entretanto, caso haja comoriência, sendo
os mesmos herdeiros dos comorientes, as duas sucessões serão objetos da mesma
escritura pública (FARIA, 2017).

O inventário iniciado pelo rito de arrolamento e ordinário poderão ser


realizados posteriormente por escritura pública, desde que não tenha ocorrido

217
UNIDADE 3 — DIREITO DAS SUCESSÕES

o recolhimento do respectivo imposto, e comunicando esta vontade ao juiz


requerendo a baixa dos autos de inventário judicial.

A aceitação da herança em escritura pública ocorre com a assinatura do


herdeiro, não podendo ser parcial, somente integral, já a renúncia da herança
deverá ser expressa no documento.

A renúncia à herança só poderá beneficiar outro herdeiro, nunca um


estranho. Poderá ocorrer a renúncia translativa em favor de terceiro, também
chamada de renúncia imprópria, o que corresponde a uma verdadeira cessão
de direitos hereditários, e deverá assim ser tratada no inventário. Dessa forma,
o herdeiro aceitará a herança, recolherá o imposto de transmissão causa mortis,
e logo em seguida o herdeiro renunciante transmitirá em favor de terceiro
beneficiário o seu quinhão, este fato gerará o imposto inter vivos (FARIA, 2017).
Poderá, também, ser realizada no inventário extrajudicial, a cessão de direitos
hereditários, aos coerdeiros, demais herdeiros e terceiros, conforme disposições
previstas no Art. 1.793 e seguintes do Código Civil.

A união estável poderá ser reconhecida no instrumento público de


inventário assim como ocorre no processo de inventário judicial, desde que os
demais herdeiros não se oponham.

No inventário por escritura pública, poderá ser feita a sobrepartilha de


bens que não compuseram o inventário judicial, ou extrajudicial, ou que não era
de conhecimento dos herdeiros na época da abertura da sucessão.

Acadêmico, finalizado o estudo das regras gerais do inventário,


passaremos a nos dedicar à análise sobre os bens sonegados e as penas imposta
aos herdeiros que sonega bens.

2.3 DA PENA DOS SONEGADOS


Sonegados são os bens da herança ocultados por um herdeiro dos demais,
não os declarando no inventário e partilha. Tem, esse herdeiro, a intenção de
obter benefício próprio ao esconder este bem, que esteja em seu poder ou de
terceiro, a fim de não o partilhar com os demais.

O tema é previsto no Art. 621, do Código de Processo Civil, e nos Arts.


1.992 a 1.996, do Código Civil. A pena está prevista no seguinte artigo do CC:

Art. 1.992.O herdeiro que sonegar bens da herança, não os


descrevendo no inventário quando estejam em seu poder, ou, com o
seu conhecimento, no de outrem, ou que os omitir na colação, a que os
deva levar, ou que deixar de restituí-los, perderá o direito que sobre
eles lhe cabia.

218
TÓPICO 3 — DO INVENTÁRIO E DA PARTILHA

Já o Código de Processo Civil, no Art. 621, menciona:

“Art. 621. Só se pode arguir sonegação ao inventariante depois de


encerrada a descrição dos bens, com a declaração, por ele feita, de não existirem
outros por inventariar.”

Serão considerados sonegados os bens:

• não descritos no inventário, quando estejam em poder do herdeiro ou, com


ciência sua no de outrem;
• omitidos pelo herdeiro que os tenha recebido em doação, quando sujeitos a
colação;
• não restituídos pelo herdeiro, quando os tenha em seu poder (OLIVEIRA;
AMORIM, 2020).

O herdeiro que sonegar bens perderá o direito sobre o bem sonegado e


se o bem não estiver sob sua posse, deverá restituir o valor equivalente ao bem e
arcar com as perdas e danos. Já o inventariante será removido da inventariança,
caso não seja meeiro nem herdeiro, se o for, também perderá o direito ao bem
sonegado. O testamenteiro, por sua vez, ao sonegar bens da herança, perderá a
inventariança e o direito à vintena.

Como dita o Art. 1.992, a pena só se aplicado aos herdeiros, também não
será aplicada ao inventariante dativo ou judicial. Quem praticar a sonegação
de bens da herança estará sujeita a pena civil e a pena criminal pelo delito de
apropriação indébita (FARIA, 2017).

A ação de sonegados prescreverá em 10 anos e deverá ser ajuizada no


foro do inventário. São legitimados a propositura, os herdeiros legítimos,
testamentários e credores, também poderá cobrar os direitos fiscais sonegados a
Fazenda Pública.

A seguir, examinaremos os pagamentos das dívidas do de cujus. Será que


os herdeiros são obrigados a pagar as dívidas deixadas pelo de cujus?

2.4 DO PAGAMENTO DAS DÍVIDAS


As dívidas do de cujus serão pagas pela herança, após a realização da
partilha. Os herdeiros responderão, cada qual pela sua quota parte, correspondente
na herança.

Os encargos da herança correspondem às despesas funerárias, à vintena


do testamenteiro, às dívidas do falecido e ao cumprimento dos legados. Somente
após o pagamento das dívidas do falecido, os bens e valores serão partilhados
entre os herdeiros.

219
UNIDADE 3 — DIREITO DAS SUCESSÕES

NOTA

Acadêmico, os herdeiros não responderão pelos valores das dívidas que


ultrapassem o valor da herança, todavia, deverão fazer prova do excesso, salvo se estiver
em curso inventário que comprove tais alegações, conforme dita o Art. 1.792 do Código
Civil.

Ademais, os legados podem ser atingidos e absorvidos com o pagamento


das dívidas quando não houver saldo suficiente.

A todos os interessados na herança, compete o pagamento da dívida do


espólio, entretanto, não há solidariedade entre eles. Caso um efetue o pagamento,
este poderá ingressar com ação regressiva contra todos os outros, como previsto
no Art. 1.999 do Código Civil.

Os credores do falecido poderão exigir, por meio de habilitação no


processo de inventário, o pagamento das dívidas do espólio.

NOTA

Espólio pode ser entendido como o conjunto de bens ou o patrimônio de


alguém que veio a falecer, um ente despersonalizado que representa a herança, em juízo
e fora dele, mas esse ente é representado pela pessoa que administra a herança, ou seja, o
inventariante (Art. 12, do Código de Processo Civil).

Os credores poderão optar pela ação ordinária de cobrança, ou ação de


execução contra devedor solvente. Os herdeiros também poderão separar os bens
para pagamento de dívidas, e também autorizando a penhora no processo em
que o espólio for executado (Art. 646, Código de Processo Civil).

Prosseguindo, trataremos do importante momento no inventário: da


colação.

2.5 DA COLAÇÃO
Dentro dessa temática, traremos a colação, propriamente dita, e a redução
das doações inoficiosas, separadas didaticamente para a melhor compreensão.
220
TÓPICO 3 — DO INVENTÁRIO E DA PARTILHA

2.5.1 Colação

A Colação é o ato pelo qual os herdeiros descendentes que concorrem à


sucessão do ascendente comum declaram, no inventário, as doações que receberam
dele em vida, para que sejam conferidas e igualadas as respectivas legítimas, tem
origem na teoria da vontade presumida, na qual o falecido não desejaria que
um de seus descendentes fosse mais privilegiado que outro, devendo então ser
mantida a igualdade entre todos. Esse tema é abordado nos Arts. 2.002 e 2.003,
do Código Civil:

Art. 2.002. Os descendentes que concorrerem à sucessão do ascendente


comum são obrigados, para igualar as legítimas, a conferir o valor
das doações que dele em vida receberam, sob pena de sonegação.
Parágrafo único. Para cálculo da legítima, o valor dos bens conferidos
será computado na parte indisponível, sem aumentar a disponível.
Art. 2.003. A colação tem por fim igualar, na proporção estabelecida
neste Código, as legítimas dos descendentes e do cônjuge
sobrevivente, obrigando também os donatários que, ao tempo
do falecimento do doador, já não possuírem os bens doados.
Parágrafo único. Se, computados os valores das doações feitas em
adiantamento de legítima, não houver no acervo bens suficientes para
igualar as legítimas dos descendentes e do cônjuge, os bens assim
doados serão conferidos em espécie, ou, quando deles já não disponha
o donatário, pelo seu valor ao tempo da liberalidade.

O dever de trazer à colação é imposto aos herdeiros porque a doação de


ascendentes a descendentes é considerada como adiantamento do que lhes cabe
por herança, como definido pelo Art. 544, do Código Civil.

O instituto tem, como objetivo, proteger os herdeiros necessários contra


doações realizadas pelo autor da herança, ainda em vida, que invadam a legítima,
sem respeitar a igualdade que deve existir entre os herdeiros necessários que
concorrem entre si.

O herdeiro tem o direito de exigir dos demais a colação dos bens que estes
receberam por doação a título de adiantamento da legítima, ainda que sequer
tenha sido concebido ao tempo da liberalidade. Para efeito de cumprimento do
dever de colação, é irrelevante se o herdeiro nasceu antes ou após a doação.

A doação feita de ascendente para descendente impõe, ao donatário, a


obrigação de, quando o doador morrer, trazer o patrimônio recebido à colação, a
fim de igualar as legítimas, caso existam outros herdeiros necessários.

Acerca dessa temática, há um conflito entre o artigo 639 do Novo Código


de Processo Civil, antigo Art. 1.014 do Código de 1973, e o Art. 2.004, do Código
Civil:

Art. 639 (CPC/2015). No prazo estabelecido no Art. 627 , o herdeiro obrigado


à colação conferirá por termo nos autos ou por petição à qual o termo se
reportará aos bens que recebeu ou, se já não os possuir, trar-lhes-á o valor.

221
UNIDADE 3 — DIREITO DAS SUCESSÕES

Parágrafo único. Os bens a serem conferidos na partilha, assim como


as acessões e as benfeitorias que o donatário fez, calcular-se-ão pelo
valor que tiverem ao tempo da abertura da sucessão.
Art. 2.004 (Código Civil). “O valor de colação dos bens doados será
aquele, certo ou estimativo, que lhes atribuir o ato de liberalidade.
§ 1º Se do ato de doação não constar valor certo, nem houver estimação
feita naquela época, os bens serão conferidos na partilha pelo que
então se calcular valessem ao tempo da liberalidade”.

O Código de Processo Civil estabelece que o cálculo da legítima deve


ser feito na data da abertura da sucessão, já o Código Civil determina que o
cálculo deve ser realizado na data da liberalidade. Assim, com base na regra de
proibição de enriquecimento sem causa, prevista no Art. 884 do Código Civil,
o Enunciado 119 da I Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal
resolveu a presente questão da seguinte forma: se o bem antecipado ainda existir,
será colacionado o valor da data da abertura da sucessão (regra do Código de
Processo Civil), caso não mais exista, será colacionado na data da liberalidade,
atualizado monetariamente, aplicando-se à regra do Código Civil, a seguir a
íntegra do enunciado:

Enunciado 119 - Art. 2.004: “Para evitar o enriquecimento sem causa,


a colação será efetuada com base no valor da época da doação, nos
termos do caput do Art. 2.004, exclusivamente na hipótese em que
o bem doado não mais pertença ao patrimônio do donatário. Se, ao
contrário, o bem ainda integrar seu patrimônio, a colação se fará com
base no valor do bem na época da abertura da sucessão, nos termos do
Art. 1.014 do CPC, de modo a preservar a quantia que efetivamente
integrará a legítima quando esta se constituiu, ou seja, na data do óbito
(resultado da interpretação sistemática do Art. 2.004 e seus parágrafos,
com os Arts. 1.832 e 884 do Código Civil)”.

São dispensadas, da colação, conforme o Código Civil, as doações que o


doador determinar que saiam da parte disponível, contanto que não excedam,
computado o seu valor ao tempo da doação. Será também dispensada a colação
quando outorgada pelo doador em testamento ou no próprio título de liberalidade
(Arts. 2.006 e 2.007, CC). Não virão à colação os gastos ordinários do ascendente
com o descendente, enquanto este for menor de idade, destinados a sua educação,
estudos, sustento, vestuário, tratamento das enfermidades, enxoval, bem como
despesas com casamento, ou as feitas no interesse de sua defesa em processo-
crime (Art. 2.010, CC).

2.5.2 Redução das doações inoficiosas


Entrando brevemente na temática “da redução das doações inoficiosas”,
presente no Art. 2.007, do Código Civil:

Art. 2.007. São sujeitas à redução as doações em que se apurar excesso


quanto ao que o doador poderia dispor, no momento da liberalidade.
§ 1ºO excesso será apurado com base no valor que os
bens doados tinham, no momento da liberalidade.

222
TÓPICO 3 — DO INVENTÁRIO E DA PARTILHA

§ 2º A redução da liberalidade far-se-á pela restituição ao monte do


excesso assim apurado; a restituição será em espécie, ou, se não mais
existir o bem em poder do donatário, em dinheiro, segundo o seu valor
ao tempo da abertura da sucessão, observadas, no que forem aplicáveis,
as regras deste Código sobre a redução das disposições testamentárias.
§ 3º Sujeita-se a redução, nos termos do parágrafo
antecedente, a parte da doação feita a herdeiros necessários
que exceder a legítima e mais a quota disponível.
§ 4º Sendo várias as doações a herdeiros necessários, feitas em
diferentes datas, serão elas reduzidas a partir da última, até a
eliminação do excesso.

ATENCAO

É preciso ter uma atenção maior a esse instituto para não confundir a colação
dos bens doados com a redução da doação inoficiosa.

Uma doação que exceda à parte que poderia ser disposta, afetando a
metade indisponível do patrimônio líquido do doador, chamada de inoficiosa,
ficando sujeita à redução prevista no Art. 2.007.

A definição está relacionada ao Art. 549, do Código Civil, “que considera
nula a doação inoficiosa na parte que exceder o que o doador, no momento da
liberalidade, poderia dispor em testamento”, caracterizando a nulidade absoluta
parcial, por atingir somente aquilo que exceder a proteção da legítima (TARTUCE,
2019, p. 869). Ainda, o STJ tratou da legitimidade para pleitear a declaração de
nulidade de doação inoficiosa. Nesse caso, surge a indagação: se o herdeiro (um
dos interessados na nulidade) cedeu seus direitos hereditários, o fato de ter
cedido retira dele a sua legitimidade para propor a ação declaratória de nulidade
de doação inoficiosa?

O STJ entendeu que o herdeiro que cede seus direitos hereditários


possui legitimidade para pleitear a declaração de nulidade de doação inoficiosa
realizada pelo autor da herança em benefício de terceiros. Isso porque a cessão de
direitos hereditários é meramente patrimonial, é a transmissão do recebimento
do patrimônio transmitido. O cedente não perde a qualidade hereditária, ou seja,
a qualidade de herdeiro.

Posto que, sobrevindo patrimônio hereditário desconhecido pelo cedente


quando do ato de cessão, o direito remanesce com ele, pois o que se transfere ao
cessionário é a legitimidade para requerer a partilha patrimonial.

223
UNIDADE 3 — DIREITO DAS SUCESSÕES

ATENCAO

Relembrando que não se cede e não se negocia a qualidade hereditária, que


é direito fundamental.

A ação declaratória de nulidade de doação inoficiosa é


imprescritível, assim como as outras ações declaratórias, e poderá ser
ajuizada enquanto o doador estiver vivo ou mesmo depois de sua
morte.

3 DA PARTILHA
A partilha do patrimônio do autor da herança é tratada pelos Arts. 647 a
658, do Código de Processo Civil. A partilha ocorrerá após o fim do processo de
inventário, os bens que compõe a herança serão partilhados.

Na primeira fase da inventariança, para que se determine o patrimônio


transmitido, será necessário separar a meação do cônjuge ou companheiro. A
herança será o saldo remanescente da separação da meação, e será aquele que
se transmitirá aos herdeiros e cessionários. Caso exista apenas um herdeiro, será
feito a adjudicação dos bens, expedindo-se o competente formal de partilha,
também chamado de adjudicação.

Vejamos os Arts. 647 e 648, do CPC:

Art. 647. Cumprido o disposto no Art. 642, § 3º , o juiz facultará


às partes que, no prazo comum de 15 (quinze) dias, formulem o
pedido de quinhão e, em seguida, proferirá a decisão de deliberação
da partilha, resolvendo os pedidos das partes e designando os
bens que devam constituir quinhão de cada herdeiro e legatário.
Parágrafo único. O juiz poderá, em decisão fundamentada, deferir
antecipadamente a qualquer dos herdeiros o exercício dos direitos
de usar e de fruir de determinado bem, com a condição de que, ao
término do inventário, tal bem integre a cota desse herdeiro, cabendo
a este, desde o deferimento, todos os ônus e bônus decorrentes do
exercício daqueles direitos.
Art. 648. Na partilha, serão observadas as seguintes regras:
I - a máxima igualdade possível quanto ao valor, à natureza e à
qualidade dos bens;
II - a prevenção de litígios futuros;
III - a máxima comodidade dos coerdeiros, do cônjuge ou do
companheiro, se for o caso.

224
TÓPICO 3 — DO INVENTÁRIO E DA PARTILHA

A decisão, em processo judicial de inventário, tem natureza declaratória,


pois o patrimônio já foi automaticamente transmitido, conforme o princípio da
saisine (Art. 1.784, do CC). Portanto, não é a sentença de inventário que atribui
posse e propriedade, mas a saisine, o inventário somente determinará os quinhões
de cada herdeiro.

3.1 DA PARTILHA AMIGÁVEL OU EXTRAJUDICIAL


A partilha amigável ocorre quando todos os interessados, maiores
e capazes, entram em acordo quanto à partilha dos bens, não havendo
desentendimento quanto à divisão da herança.

A partilha pode ser feita por ato inter vivos ou post mortem. A partilha
post mortem são aquelas realizadas durante o processo de inventário, através de
termo nos autos, escritura pública ou escrito particular, homologado pelo juiz
conforme Art. 2.015, do Código Civil.

A partilha amigável feita por meio de escritura pública será anexada aos
autos de inventário, entretanto não será homologada pelo juiz, este determinará
seu cumprimento, para que as partes tomem conhecimento, após, dará ordem
para expedir o título formal de partilha (FARIA, 2017).

3.2 DA PARTILHA JUDICIAL


A partilha judicial será obrigatória sempre que um herdeiro for incapaz,
ou quando as partes interessadas não entrarem em acordo sobre a divisão dos
bens do autor da herança, como determina o Art. 2.016 do Código Civil.

Quando houver herdeiro incapaz, o Ministério Público deverá participar


atuando em defesa dos interesses daqueles.

3.3 DA PARTILHA EM VIDA


Como já dito, as partilhas amigáveis podem decorrer de atos inter-vivos
ou post mortem, a partilha em vida acontece por escolha do ascendente sobre a
disposição de seus bens após seu falecimento, podendo acontecer por meio de
escritura pública ou testamento, devendo sempre respeitar a parte legítima dos
herdeiros necessários.

“Art. 2.018. É válida a partilha feita por ascendente, por ato entre vivos
ou de última vontade, contanto que não prejudique a legítima dos herdeiros
necessários”.

225
UNIDADE 3 — DIREITO DAS SUCESSÕES

Lembrando mais uma vez que não poderá, a partilha em vida, ser efetuada
por herdeiros através de contrato que tenha como objeto herança de pessoa viva,
como disciplina o Art. 426 do Código Civil.

A partilha amigável feita pelo testador, conforme dispõe o Art. 2.014 do


Código Civil, possibilita, ao testador, decidir e indicar quais bens devem compor
a quota-parte de cada herdeiro, salvo se o valor dos bens não corresponder às
quotas estabelecidas.

O procedimento de verificação de validade da partilha amigável, feito em


testamento, deverá ocorrer pela via judicial, após o falecimento do testador, a fim
de ser homologado pelo juiz e produzir seu efeito entre os herdeiros.

3.4 DA GARANTIA DOS QUINHÕES HEREDITÁRIOS


A garantia dos quinhões hereditários está prevista nos Arts. 2.023 a 2.026
do Código Civil. Após julgada a partilha, o direito de cada um dos herdeiros
ficará circunscrito aos bens do seu quinhão, garantindo aos herdeiros o direito
sobre os bens que lhe couberam na partilha.

Se ocorrer evicção dos bens aquinhoados, os herdeiros são reciprocamente


obrigados a se indenizar, e a obrigação cessará se houver convenção em contrário,
ou quando a evicção ocorrer por culpa do evicto ou por fato posterior à partilha
dos bens. Também caberá indenização ao evicto pelos coerdeiros na proporção
de suas quotas-partes, entretanto, caso um deles se encontrar insolvente, os
demais responderão na mesma proporção pela parte deste, menos a quota que
corresponderia ao herdeiro a ser indenizado.

3.5 DA ANULAÇÃO, DA RESCISÃO E NULIDADE DA PARTILHA


A partilha poderá ser modificada por emendas, retificações e correções de
erros materiais ou ser invalidada via ação de anulação, ação de nulidade ou ação
rescisória.

Quando houver erro de fato e inexatidões materiais, como descrição


dos bens e qualificação das partes, a partilha poderá ser emendada nos autos
de inventário desde que todas as partes concordem. Como dita o Art. 656 do
Código de Processo Civil, poderá o juiz de ofício ou a requerimento das partes, a
qualquer tempo, corrigir as inexatidões materiais.

A anulação da partilha amigável lavrada em instrumento público poderá


ser efetuada quando for praticada sob coação, por dolo, apresentar erro essencial
ou intervenção de pessoa incapaz, como dita o Art. 657 do Código Processual:

Art. 657. A partilha amigável, lavrada em instrumento público,

226
TÓPICO 3 — DO INVENTÁRIO E DA PARTILHA

reduzida a termo nos autos do inventário ou constante de escrito


particular homologado pelo juiz, pode ser anulada por dolo, coação,
erro essencial ou intervenção de incapaz, observado o disposto no §
4º do Art. 966.
Parágrafo único. O direito à anulação de partilha amigável extingue-
se em um ano, contado esse prazo:
I - no caso de coação, do dia em que ela cessou;
II - no caso de erro ou dolo, do dia em que se realizou o ato;
III - quanto ao incapaz, do dia em que cessar a incapacidade.

O artigo anterior afasta a ação rescisória dos atos homologatórios de


disposição de direitos, sendo estes sujeitos à anulação nos termos da lei.

Vejamos o seguinte caso, a partir do qual o autor da herança promoveu


em vida a partilha da integralidade de seus bens em favor de todos seus
descendentes e herdeiros necessários, por meio de escrituras públicas de doação
nas quais ficou consignado o consentimento de todos eles e, ainda, a dispensa de
colação futura. Caso seja constatado eventual prejuízo à legítima em decorrência
da referida partilha, ou alguma ilegalidade, a correção poderá ser pleiteada por
ação anulatória, seguindo o rito ordinário processando-se no mesmo juízo do
inventário de origem, e não pela ação de inventário.

No caso anterior, houve a chamada "doação-partilha", ou seja, a doação,


para os herdeiros dos bens ainda em vida. Nessa situação, entende-se que não
há doação propriamente dita, mas sim um inventário antecipado, em vida. Logo,
não é cabível a colação. Afinal, se não há bens a serem partilhados, não há a
necessidade de processo do inventário.

A partilha poderá ser anulada quando apresentar vícios e defeitos que


invalidem os negócios jurídicos em geral, como reza o Art. 2.027 do Código Civil,
no prazo decadencial de um ano.

Passaremos a falar da rescisão de partilha, a sentença que julgar a partilha


será rescindível, conforme dita o Art. 658, do Código de Processo Civil.

Art. 658. É rescindível a partilha julgada por sentença:


I - nos casos mencionados no Art. 657;
II - se feita com preterição de formalidades legais;
III - se preteriu herdeiro ou incluiu quem não o seja.

A ação rescisória de partilha abrangerá “sentença proferida por força de


prevaricação, concussão ou corrupção do juiz, impedimento ou incompetência,
dolo, coação, simulação ou colusão entre as partes, ofensa a coisa julgada,
violação manifesta da lei, prova falsa, prova nova e fundamento em erro de fato
e verificável do exame dos autos” (OLIVEIRA; AMORIM, 2020, p. 410). Sendo o
pedido julgado procedente, o tribunal proferirá novo julgamento, se for este o
caso (Art. 974, do CPC). O prazo para a ação rescisória é de dois anos contados do
trânsito em julgado da ação (Art. 975, do CPC).

227
UNIDADE 3 — DIREITO DAS SUCESSÕES

Todos os interessados na herança terão legitimidade para propor a ação


anulatória e ação rescisória de partilha. Também será possível a nulidade da
sentença de partilha quando existentes situações que invalidem o negócio jurídico
conforme dispositivo 166 do Código Civil:

Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando:


I - celebrado por pessoa absolutamente incapaz;
II - for ilícito, impossível ou indeterminável o seu objeto;
III - o motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito;
IV - não revestir a forma prescrita em lei;
V - for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para
a sua validade;
VI - tiver por objetivo fraudar lei imperativa;
VII - a lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe a prática, sem
cominar sanção.

Por fim, acadêmico, saiba que prevalece na doutrina e na jurisprudência
que é 10 (dez) anos o prazo para ingressar com a ação de nulidade de partilha (Art.
205, do CC/02). Todavia, há doutrina, como a do professor Flávio Tartuce (2020,
p. 1897), que advoga no sentido de não haver prazo para se requerer nulidade de
natureza absoluta por força do Art. 169 do Código Civil.

228
TÓPICO 3 — DO INVENTÁRIO E DA PARTILHA

LEITURA COMPLEMENTAR

O INÍCIO DO PRAZO PARA A AÇÃO DE PETIÇÃO DE HERANÇA –


POLÊMICA

Flávio Tartuce

Como inovação festejada, o Código Civil de 2002 passou a tratar da ação


de petição de herança (petitio hereditatis) entre os Arts. 1.824 a 1.828, que é a
demanda que visa incluir um herdeiro na herança, mesmo após a sua divisão.
Na dicção do primeiro comando citado, o herdeiro pode, nessa ação, demandar
o reconhecimento de seu direito sucessório, para obter a restituição da herança,
ou de parte dela, contra quem, na qualidade de herdeiro, ou mesmo sem título, a
possua. Em complemento, nos termos do dispositivo seguinte, a ação de petição
de herança, ainda que exercida por um só dos herdeiros, poderá compreender
todos os bens hereditários, tendo caráter universal (Art. 1.825, do CC/2002). A
figura é admitida há tempos pela jurisprudência brasileira, tendo o Supremo
Tribunal Federal editado, no ano de 1963, a Súmula 149, que envolve o tema
central deste artigo.

Conforme explicam Jones Figueirêdo Alves e Mário Luiz Delgado, trata-


se de uma ação real, eis que, por força do Art. 80, inc. II, do CC/2002, o direito à
sucessão aberta constitui um imóvel por determinação legal (Código Civil Anotado.
São Paulo: Método, 2005, p. 936). Na mesma linha, como se retira de importante
julgado do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, “a ação de petição de herança
é uma ação de natureza real, para a qual só tem legitimidade ativa aquele que
já é herdeiro desde antes do ajuizamento, e através da qual ele pode buscar ver
reconhecido seu direito hereditário sobre bem específico que entende deveria
integrar o espólio, mas que está em poder de outrem” (TJRS, Apelação Cível nº
36960-28.2012.8.21.7000, 8.ª Câmara Cível, Santa Rosa, Rel. Des. Rui Portanova, j.
18.10.2012, DJERS 25.10.2012).

Por ser uma ação real, e também universal, a petição de herança não se
confunde com a ação reivindicatória, que visa a um bem específico. Aplicando
tal forma de pensar, consta de aresto do Superior Tribunal de Justiça que “ocorre
turbação à posse de bem imóvel quando coerdeiros reconhecidos em ação de
petição de herança molestam a posse anterior de outros herdeiros que exerciam
tal direito com base em formal de partilha. Isso porque a ação de petição de
herança tem natureza universal, pela qual o autor pretende o reconhecimento
de seu direito sucessório, o recebimento da fração correspondente da herança,
e não a restituição de bens específicos. Isso é o que a diferencia de uma ação
reivindicatória, de natureza singular, que tem por objeto bens particularmente
considerados.

229
UNIDADE 3 — DIREITO DAS SUCESSÕES

É equivocado concluir que, por força da ação de petição de herança,


foram transmitidos o domínio e a posse dos bens herdados, quando, em verdade,
transferiu-se o direito à propriedade e a posse comum da universalidade e não dos
bens singularmente considerados. Por força da procedência da ação de petição de
herança, os herdeiros que exerciam a posse anterior ficam obrigados a devolver,
no plano jurídico e não fático, os bens do acervo hereditário, que voltam a ser
de todos em comunhão até que nova partilha se realize” (STJ, REsp 1244118/SC,
Terceira Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 22.10.2013, DJe 28.10.2013).

A respeito do prazo para a propositura dessa demanda, a citada e antiga


Súmula 149 do Supremo Tribunal Federal estabelece que “é imprescritível a
ação de investigação de paternidade, mas não o é a de petição de herança”. O
fundamento da prescrição é relacionado ao fato de a herança envolver direitos
subjetivos de cunho patrimonial, que são submetidos a prazos prescricionais.
Além disso, tem esteio na sempre alegada segurança jurídica, comumente
associada à prescrição.

O entendimento sumulado é ainda considerado majoritário, para todos


os fins, teóricos e práticos, inclusive na doutrina brasileira. Nesse contexto, na
vigência do CC/1916, a ação de petição de herança estaria sujeita ao prazo geral
de prescrição, que era de vinte anos, conforme o Art. 177. Na vigência do Código
Civil de 2002, deve ser aplicado o prazo geral de dez anos, previsto no Art. 205.
Exatamente nessa linha, do Superior Tribunal de Justiça, extrai-se o seguinte:
"Controvérsia doutrinária acerca da prescritibilidade da pretensão de petição de
herança que restou superada na jurisprudência com a edição pelo STF da Súmula
nº 149 [...]. Ausência de previsão, tanto no Código Civil de 2002, como no Código
Civil de 1916, de prazo prescricional específico para o ajuizamento da ação de
petição de herança, sujeitando-se, portanto, ao prazo geral de prescrição previsto
em cada codificação civil: vinte anos e dez anos, respectivamente, conforme
previsto no Art. 177, do CC/16, e no Art. 205, do CC/2002" (STJ, REsp 1.368.677/
MG, Rel. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, julgado em
05.12.2017, DJe 15.02.2018). Voltaremos a esse acórdão mais à frente.

Entende-se, desde os tempos remotos, que o prazo tem início da abertura


da sucessão, como regra, que se dá pela morte daquele de quem se busca a
herança (STF, RE 741.00/SE, Tribunal Pleno, Rel. Min. Eloy da Rocha, j. 03.10.1973,
DJU 02.01.1974). Todavia, a questão não é pacífica, pois alguns acórdãos
superiores mais recentes trazem o julgamento de que o prazo deve ter início do
reconhecimento do vínculo parental em demanda própria, ou seja, do trânsito
em julgado da sentença na ação de investigação de paternidade, tema principal
deste texto. Como é notório, na grande maioria dos casos concretos, a petição de
herança está cumulada com esse pedido relativo à filiação.

Em 2016, surgiu um importante julgamento do Superior Tribunal de


Justiça que representa uma quebra dessa primeira corrente, tida como clássica,
concluindo que o prazo de prescrição da ação de petição de herança deve correr
do trânsito em julgado da sentença da ação de reconhecimento de paternidade.

230
TÓPICO 3 — DO INVENTÁRIO E DA PARTILHA

Vejamos a sua publicação, constante do Informativo n. 583 do Tribunal da


Cidadania: “Na hipótese em que ação de investigação de paternidade post mortem
tenha sido ajuizada após o trânsito em julgado da decisão de partilha de bens
deixados pelo de cujus, o termo inicial do prazo prescricional para o ajuizamento
de ação de petição de herança é a data do trânsito em julgado da decisão que
reconheceu a paternidade, e não o trânsito em julgado da sentença que julgou a
ação de inventário. A petição de herança, objeto dos Arts. 1.824 a 1.828, do CC, é
ação a ser proposta por herdeiro para o reconhecimento de direito sucessório ou
a restituição da universalidade de bens ou de quota ideal da herança da qual não
participou. Trata-se de ação fundamental para que um herdeiro preterido possa
reivindicar a totalidade ou parte do acervo hereditário, sendo movida em desfavor
do detentor da herança, de modo que seja promovida nova partilha dos bens. A
teor do que dispõe o Art. 189, do CC, a fluência do prazo prescricional, mais
propriamente no tocante ao direito de ação, somente surge quando há violação
do direito subjetivo alegado. Assim, conforme entendimento doutrinário, não há
falar em petição de herança enquanto não se der a confirmação da paternidade.
Dessa forma, conclui-se que o termo inicial para o ajuizamento da ação de petição
de herança é a data do trânsito em julgado da ação de investigação de paternidade,
quando, em síntese, confirma-se a condição de herdeiro” (STJ, REsp 1.475.759/DF,
Terceira Turma, Rel. Min. João Otávio de Noronha, j. 17.05.2016, DJe 20.05.2016).

Em 2018, essa mesma posição foi confirmada pela mesma Terceira Turma
do Tribunal, no aresto há pouco mencionado e que cita a teoria da actio nata subjetiva,
segundo a qual o prazo prescricional deve ter início do conhecimento da lesão ao
direito subjetivo. Como consta do trecho final da sua ementa, "nas hipóteses de
reconhecimento ‘post mortem’ da paternidade, o prazo para o herdeiro preterido
buscar a nulidade da partilha e reivindicar a sua parte na herança só se inicia a
partir do trânsito em julgado da ação de investigação de paternidade, quando resta
confirmada a sua condição de herdeiro. Precedentes específicos desta Terceira do
STJ. Superação do entendimento do Supremo Tribunal Federal, firmado quando
ainda detinha competência para o julgamento de matérias infraconstitucionais,
no sentido de que o prazo prescricional da ação de petição de herança corria da
abertura da sucessão do pretendido pai, seguindo a exegese do Art. 1.572, do
Código Civil de 1916. Aplicação da teoria da ‘actio nata’" (STJ, REsp 1.368.677/
MG, Terceira Turma, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, j. 05.12.2017, DJe
15.02.2018). Essa forma de julgar consubstancia uma visão que pode ser chamada
de contemporânea.

No final de 2019, todavia, instaurou-se divergência na atual composição


do Superior Tribunal de Justiça, pois surgiu outro acórdão, da sua Quarta Turma,
voltando a aplicar a visão clássica, de que o prazo prescricional deve ter início
da abertura da sucessão. O julgamento se deu nos autos do Agravo no Recurso
Especial nº 479.648/MS, em dezembro de 2019. Conforme notícias retiradas do
site do Tribunal, uma vez que a decisão ainda não foi publicada quando da
elaboração deste texto, o relator, Ministro Raul Araújo, seguiu os fundamentos
apresentados pela Ministra Isabel Gallotti, na linha de que o entendimento de
que o trânsito em julgado da sentença de reconhecimento de paternidade marca

231
UNIDADE 3 — DIREITO DAS SUCESSÕES

o início do prazo prescricional para a petição de herança conduz, na prática, à


imprescritibilidade desta ação, causando grave insegurança às relações sociais.
De fato, trata-se de profundo debate que envolve a segurança e a certeza − de um
lado −, e a efetividade da herança como direito fundamental, previsto no Art. 5º,
inc. XXX, da Constituição da República.

Entre uma e outra corrente, fico com a segunda, tida como contemporânea,
justamente pelo argumento da necessidade de se efetivar o direito à herança.
A propósito, apesar de não ter sido essa a opção expressa do nosso legislador,
ao contrário do que ocorreu com o Código Civil Italiano, nos termos do Art.
533, e com o Código Civil Peruano, Art. 664, entendo que não há prazo para se
demandar a petição de herança, especialmente no caso de estar cumulada com
a investigação de paternidade. Na doutrina, a propósito, essa é a posição de
Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka, para quem a petição de herança não
prescreve.

A ação é imprescritível, podendo, por isso, ser intentada a qualquer tempo.


Isso assim se passa porque a qualidade de herdeiro não se perde (semel heres
semper heres), assim como o não exercício do direito de propriedade não lhe causa
a extinção. A herança é transferida ao sucessor no momento mesmo da morte de
seu autor, e, como se viu, isso assim se dá pela transmissão da propriedade do
todo hereditário. Toda essa construção, coordenada, implica o reconhecimento
da imprescritibilidade da ação, que pode ser intentada a todo tempo, como já se
afirmou (Comentários ao Código Civil. Volume 20. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 202).
A propósito, na mesma esteira, pondera Luiz Paulo Vieira de Carvalho que, “em
nosso sentir, as ações de petição de herança são imprescritíveis, podendo o réu
alegar em sede de defesa apenas a exceção de usucapião (Súmula 237, do STF),
que, atualmente, tem, como prazo máximo, 15 anos (na usucapião extraordinária
sem posse social, Art. 1.238, caput, do CC)” (Direito das Sucessões. São Paulo:
Atlas, 2014, p. 282-283).

De toda sorte, apesar dessa imprescritibilidade, sigo a possibilidade,


em outros sistemas jurídicos, de se alegar a usucapião a respeito de bens
singularizados. Isso faz com que a situação de cada bem seja analisada
especificamente, atribuindo a determinado herdeiro, se for o caso, a propriedade
da coisa caso estejam preenchidos os requisitos da usucapião, em qualquer uma
das suas modalidades.

Como palavras finais, não se pode negar que o tema é de difícil análise
e que gera intensos debates, sendo fortes os argumentos das duas correntes.
Portanto, o Superior Tribunal de Justiça encontra-se defronte a mais um desafio,
que é pacificar a questão no âmbito da sua Segunda Seção. Aguardemos qual será
a posição seguida pela Corte.

FONTE: <http://www.flaviotartuce.adv.br/assets/uploads/artigos/c4315-coluna_migalhas_
peticaoherancaprazo_revisado.docx>. Acesso em: 20 out. 2020.

232
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu que:

• O inventário e a partilha judicial são obrigatórios sempre que um herdeiro for


incapaz, ou quando as partes interessadas não entrarem em acordo a respeito
da divisão dos bens do autor da herança.

• O inventário extrajudicial tem, como objetivo, facilitar a transmissão de bens,


ao dar celeridade por possuir uma forma mais simples.

• A partilha pode ser modificada por emendas, retificações e correções de erros


materiais. Ainda, ser invalidada via ação de anulação, ação de nulidade ou
ação rescisória.

CHAMADA

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AVA, e veja as novidades que preparamos para seu estudo.

233
AUTOATIVIDADE

1 Quais são as finalidades do processo de inventário? Explique os principais


aspectos da fase de inventariança e de partilha.

2 Qual é o prazo para abertura do inventário? Quais são as consequências da


não observância desse prazo?

3 Qual é a natureza da decisão do inventário? Qual é o termo inicial da


aquisição da posse e propriedade dos bens herdados?

4 Usando os seus conhecimentos a respeito do testamento no Código Civil


brasileiro, classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as sentenças
falsas:

( ) De acordo com o Código Civil, o testamento particular não pode ser escrito
em língua estrangeira, mesmo que as testemunhas a compreendam.
( ) Só podem testar os maiores de dezoito anos de idade.
( ) Ao cego, são permitidos os testamentos público e cerrado.
( ) É nula a disposição testamentária que favoreça as testemunhas do
testamento.
( ) Os relativamente incapazes, em razão da idade, não possuem capacidade
para testar.
( ) Não se pode aceitar ou renunciar a herança em parte, sob condição ou a
termo.
( ) Exprimem aceitação de herança os atos oficiosos, como o funeral do
finado.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:


a) ( ) F – F – V – F – V – F – F.
b) ( ) V – V – V – F – V – F – V.
c) ( ) F – V – F – F – F – V – F.
d) ( ) V – V – F – F – V – F – F.

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