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Engendramento Inculcação
ou Encenação
Ordem
do Interdiscurso
Discurso
gêneros (padrões estilos (padrões
de agir) de ser)
*Cuidado: Há dois usos diferentes do termo discurso. O Discurso entendido de forma ampla, como prática de geração de sentido,
como coerção estrutural sobre produção e interpretação do sentido, e o discurso, como padrões semióticos de representação da
realidade, como o discurso neoliberal, o discurso machista, o discurso de esquerda.
Introduzindo a noção de gênero discursivo
Gêneros discursivos (genres) consistem em modos de ação sociossemióticos, ou seja, em padrões semióticos de ação
socialmente motivados e funcionalmente coesos que estruturam, parcialmente, a produção/interpretação de sentido.
Motivação social diz respeito às demandas comunicacionais e práticas inerentes aos diversos
campos/esferas/domínios de atividade humana e de suas variadas práticas sociais.
Exemplos de domínios: educação, jornalismo, publicidade, ciência, direito, etc.
Exemplos de práticas sociais: Educação (práticas de ensino-aprendizagem, práticas de avaliação); Ciência (práticas de
coleta de dados; práticas de autorização para pesquisa; práticas de análise; práticas de publicação/divulgação de
resultados); dentre outras.
Coesão funcional relaciona-se à relativa estabilidade do gênero no que se refere aos padrões
multimodais/multissemióticos que realizam determinadas funções intrínsecas à série de atividades previstas pelo e para
o gênero.
Gêneros são coerções estruturais de ordem acional/prática. Como coerções estruturais, sua estabilização decorre do
complexo processo de reprodução social e semiótica. Nesse sentido, a produção real sempre põe em risco a integridade
do gênero, colocando-o numa tensão entre estabilidade e dinamicidade.
Gêneros discursivos – múltiplos olhares
Perspectivas:
a. Dialógicas – Círculo de Bakhtin
b. Sociorretóricas – Bazerman; Miller
c. Textuais – Marcuschi; Adam
d. Sociossemióticas – Hasan; Martin; Fairclough
É praticamente consensual que o gênero deve ser pensando em termos de sua funcionalidade nas
práticas sociais. É também largamente aceito que gêneros operam na tensão entre estabilidade e
dinamicidade. Atualmente, tende-se também a destacar a importância do suporte – uma coerção material –
na configuração dos gêneros.
Adam e Marcuschi diferenciam gêneros discursivos de sequências textuais. Estas são construtos teóricos e abstratos
definidos por propriedades lógicas e linguísticas. Não constituem textos empíricos e limitam-se a um número reduzido de
categorias. Sequências textuais entram na configuração do gênero. Há controvérsias quanto a seu caráter composicional
e/ou estilístico.
1. Sequência Narrativa; 2. Sequência Descritiva; 3. Sequência Argumentativa; 4. Sequência Dialogal; 5. Sequência
Expositivo-explicativa; 6. Sequência Injuntiva.
[Ao longo de sua obra, Adam reformulou as sequências. As categorias acima representam uma visão geral, não necessariamente a proposta vigente].
Gêneros discursivos – perspectiva sociorretórica: Bazerman; Miller
Bazerman (2005) concebe os gêneros discursivos como fenômenos de reconhecimento psicossocial que integram processos de
atividade socialmente organizados. Nesse sentido, são os tipos que as pessoas reconhecem como sendo usados por elas mesmas
e pelos outros, elementos pelos quais as pessoas coordenam atividades e compartilham significados com vistas a finalidades
práticas.
Para o teórico, agir de modo típico constitui uma maneira de orientar, facilitar e coordenar melhor as atividades humanas. Assim,
ele define tipificação como o “processo de mover-se em direção a formas de enunciados padronizados, que reconhecidamente
realizam certas ações em determinadas circunstâncias, e de uma compreensão padronizada de determinadas situações [...]”
(BAZERMAN, 2005: 29-30). Tal processo emergiria da interpretação de situações novas como análogas a outras anteriores, de
modo que o tipo seria criado a partir da produção de uma resposta retórica a tal situação, manifestada a partir de uma
regularidade, que se manifesta tanto na forma quanto na substância do discurso.
[Existe aqui uma preocupação de integrar a noção com uma teoria geral da ação com plausibilidade psicossocial e cognitiva]
Como consequência, Bazerman (2005) afirma que as regularidades discursivas e os encontros sociais tanto fornecem orientação às
situações quanto permitem a realização dos elementos básicos da ordem social. Como corolário, os eventos sociais criados por
agentes individuais acabam sendo concebidos como concretizações da estrutura social, que é constantemente refeita a cada
interação.
[Vemos aqui, ainda que parcialmente, a discussão inicial que fizemos do modelo tridimensional de análise. Uma das críticas feitas a Bazerman é o
fato de não haver, pelo menos nas obras fundamentais, uma conceituação clara de estrutura social. Nesse sentido, prática e estrutura acabam
ficando conceitualmente próximas, o que seria problemático. O ideal seria usar prática como elemento intermediário]
O processo de reconhecimento das demandas situacionais e das características contextuais emana da inserção dos indivíduos em
comunidades retóricas, entidades virtuais presentes na memória humana e concretizadas pela linguagem, sendo, portanto,
invocadas, representadas e desenvolvidas pelo discurso, concebido como intrinsecamente retórico. O elo entre os indivíduos
inseridos numa comunidade retórica reside na semelhança de visão de mundo — ou seja, representação —, de forma que, para se
compreender as ações de uma dessas comunidades, torna-se imperativo compreender as regras epistemológicas, ideológicas e
sociais que as mantêm coesas.
[Vemos aqui a relação bidirecional entre representação e ação – simplificando a discussão, podemos pensar em comunidades retóricas como grupos
que partilham determinado(s) discurso(s) e encontram-se inseridos em redes de práticas comuns. Essa discussão alcança a dimensão de quem tem
acesso a dados gêneros, quem pode produzi-los e interpretá-los, como deve produzi-los e interpretá-los e as formas de consumo]
Gêneros discursivos – perspectiva sociorretórica: Bazerman; Miller
1. A abordagem sociorretórica enfoca a questão da recepção/compreensão/interpretação, algo que é
relativamente negligenciado em outras abordagens.
2. O foco na padronização não implica que se conceba uma coerção totalitária do indivíduo. Em outros
termos, há espaço tanto para a agência quanto para a estruturação.
3. Carvalho (2005: 133) afirma que a situação retórica que embasa o gênero não deve ser vista apenas no
que se refere às “características do contexto ou das demandas situacionais identificadas pelos usuários e
dentro das quais operam, mas também a motivação dos participantes do discurso, assim como os efeitos
por eles pretendidos e/ou percebidos”.
4. Para Bazerman (2005: 69), “cada gênero facilita a representação de universos particulares de objetos; e a
particularidade de qualquer enunciado tem a ver, em parte, com os objetos particulares do tipo
apropriado que se escolhe colocar naquele universo representado”. Assim, todo gênero implica um
processo de tradução, que consiste na realização de uma forma apropriada no que concerne a uma ação
específica. Tal processo encontra-se ligado à noção bakhtiniana de temática.
5. Os gêneros são vistos como elementos que moldam intenções, motivos, expectativas, atenção, percepção
e afeto, além do quadro interpretativo da interação, de modo a dar forma às relações e às identidades dos
participantes. Nesse sentido, Bazerman (2005: 106) concebe identidades e formas de vida como
constituídas dentro de espaços sociais em desenvolvimento, que são, por sua vez, identificados por atos
reconhecíveis, tipificados, ou seja, por gêneros.
[A noção de identidade aqui proposta está mais próxima à noção de posição que temos discutido ao longo do curso. Entretanto, não pode ser
igualada – há aqui traços de durabilidade resultante de inculcação. Esses espaços sociais em desenvolvimento podem ser entendidos, grosso modo,
como espaços institucionais, ligados a redes de práticas, em contínuo processo de reprodução/transformação]
Gêneros discursivos – perspectiva sociossemiótica: Hasan; Martin; Fairclough
Martin (2005) concebe gênero como um processo social constituído por etapas e orientado para a realização de objetivos.
[Existe aqui uma visão instrumental do gênero, que enfatiza a língua como recurso].
O autor considera a cultura como um sistema de gêneros e, desse modo, o acesso de um falante a um gênero torna-se tributário dos
diversos contextos, discursos e instituições com que trava contato. Ademais, o gênero atua como um sistema que constrange as variáveis
situacionais, em especial, o registro.
[Temos aqui uma abordagem que se preocupa com a complexa relação do sócio-histórico com o situacional, ou seja, da coerção centrípeta com a centrífuga. A
relação entre cultura e gêneros é algo que já se encontra bem estabelecida desde Bakhtin. Reduzir cultura a um sistema de gêneros, entretanto, pode ser
problemático, uma vez que relega a segundo plano outras coerções, como representações, identidades, ideologia].
Nessa perspectiva, o gênero torna-se uma estrutura esquemática, de forma que é o objetivo comunicacional do gênero que determina as
funções das etapas ou estágios que o constituem, do mesmo modo que é a função de cada etapa que condiciona a atualização dos
recursos linguístico-discursivos pertinentes.
Tal esquematização não assume teor determinista, mas sim probabilístico, de modo que se torna possível descrever padrões preferenciais
de recursos linguísticos e multimodais associados a cada etapa.
[Aqui o gênero é claramente abstrato – ele não é um enunciado; é um tipo, um esquema, nunca uma instância. É uma forma de conhecimento social orientada
para ação]
Para Hasan (1996), gêneros devem ser descritos a partir desse potencial de esquematização, que ela denomina estrutura potencial de
gênero (EPG). Uma EPG comportaria elementos obrigatórios, opcionais e iterativos, constituintes de um modelo abstrato de construção
acional. Nessa perspectiva, os elementos obrigatórios são concebidos como derivados da natureza da atividade exigida pelas demandas da
prática social, enquanto os opcionais são vistos como derivados das relações possíveis e previstas entre produtores e consumidores de
textos em termos de suas posições na prática e das limitações do suporte/tecnologia. “O objetivo da EPG é dar conta do leque de opções
de estruturas esquemáticas específicas potencialmente disponíveis aos textos de um mesmo gênero [...], de tal forma que as propriedades
cruciais de um gênero possam ser abstraídas e qualquer exemplar desse gênero possa ser representado” (MOTTA-ROTH e HEBERLE, 2005:
19).
[Embora não entremos em detalhe, essa abordagem é a mais microlinguisticamente orientada e uma das mais precisas metodologicamente. Talvez seja,
contudo, a menos discursiva de todas. Um dos motivos é ela estar ligada a uma teoria linguística, e não, discursiva]
Para esta autora, são os registros que constrangem os gêneros.
[Pessoal, nós não entraremos nessa discussão, porque ela pressupõe conhecimentos de ordem muito variada. Apenas assinalo que a visão de Martin é a
hegemônica e, se refletirmos, se ajusta melhor ao modelo tridimensional que discutimos desde o início do curso].
Gêneros discursivos – perspectiva sociossemiótica: Hasan; Martin; Fairclough
Fairclough (2003) distingue três grandes tipos de gêneros: pré-gêneros, gêneros desencaixados e gêneros situados. Os
primeiros referem-se a categorias mais abstratas, como ‘narrativa’; os segundos, a componentes menos abstratos, como a
‘entrevista’, que podem migrar de certos contexto e prática social para outros campos e escalas, o que constituiria, aliás,
uma tendência da modernidade tardia; e os últimos, a gêneros específicos concernentes a uma rede particular de práticas,
como a ‘entrevista etnográfica’.
[Os pré-gêneros faircloughianos assemelham-se, por um lado, aos gêneros primários bakhtinianos, que estão ligados à esfera cotidiana, e às
sequências textuais de Adam, por outro. Os gêneros desencaixadas e situados de Fairclough, certamente, são gêneros secundários para o Círculo de
Bakhtin]
Para Fairclough (2003: 69),
Qualquer forma de atividade social está aberta à criatividade e, de fato, à transgressão por agentes individuais […] eventos
reais (textos, interações) não estão ‘em’ um gênero específico, eles não instanciam um gênero particular — eles nutrem-se
dos recursos genéricos disponíveis socialmente de modos potencialmente bem complexos e criativos. Os gêneros associados
a uma rede de práticas sociais específica constituem um potencial que é variavelmente atualizado em textos e interações
reais.
[O autor destaca aqui também o caráter esquemático do gênero e vai além no sentido de problematizar a tentativa de estabelecer relações
mecânicas e biunívocas entre um texto e um gênero. Não se trata, no caso, do importante debate entre relações intergenéricas, discutido com
detalhe por Marcuschi (2008) ou mesmo de hibridismo, tema também recorrente nos debates decorrentes da obra do Círculo]
Fairclough (2003) apresenta três categorias de análise genérica, problematizando-as. São elas: 1. a Atividade (o que as
pessoas estão fazendo); 2. as Relações Sociais (como e quais são as relações sociais engendradas entre os participantes do
evento discursivo); e 3. as Tecnologias de Comunicação (de que tecnologia comunicativa o evento depende — caso
dependa).
Gêneros discursivos – Hibridismo e Relações Intergenéricas
Embora Koch & Elias (2006), dentre outros, igualem hibridismo e intergenericidade, parece coerente diferenciar os dois tipos de relação
que podem ocorrer no processo de textualização.
1. O termo hibridismo parece ser mais bem aplicado aos casos em que ocorre, paulatinamente, a incorporação de traços
caracterizadores de um gênero em outro, processo que, a longo prazo, resulta na transformação desse gênero. É possível, inclusive, que
um ou ambos os gêneros “originais” desapareçam e que surja um novo gênero.
Gêneros discursivos – Hibridismo e Relações Intergenéricas
Hibridismo – Hqtrônicas
será?
Gêneros discursivos – Hibridismo e Relações Intergenéricas
2. O termo intergenericidade parece ser mais condizente aos casos em que um texto vinculado a um dado gênero, com
funções desse gênero, é construído sob a forma de um outro gênero.
Função
Forma
Gêneros discursivos – Hibridismo e Relações Intergenéricas
Intergenericidade
1. Negociação do campo: a etapa inicial envolve o diálogo entre o professor e os alunos acerca da esfera de atividade
na qual o gênero se desenvolve. Abrange, em geral, quatro momentos:
a. a identificação da esfera (campo) de atividade que abarca o gênero a ser desenvolvido;
b. a discussão sobre o conhecimento prévio dos estudantes acerca de tal campo;
c. a apresentação das experiências e tarefas que integrarão a proposta da atividade;
d. a discussão acerca da organização, distribuição e armazenamento das informações para as atividades.
2. Desconstrução: tal etapa envolve a análise conjunta de textos pelo docente e pelos alunos, envolvendo a questão
contextual e textual.
a. No que concerne à primeira, Martin (1999) propõe abarcar tanto o aspecto cultural, respondendo a indagações acerca da função e
da motivação social do gênero assim como dos possíveis objetivos comunicativos de seus produtores e de seus consumidores,
quanto o aspecto situacional, envolvendo questões de registro.
b. No que tange ao nível textual, o professor deve dialogar com os alunos acerca da função dos estágios retóricos, dos padrões
linguísticos comuns e da relação intersubjetiva construída entre produção e consumo textual em dado gênero.
Perspectivas pedagógicas para o trabalho com o gênero discursivo
7. Martin (1999) propõe um modelo que eu considero instigante (e bonito, mas factível até que ponto?) para o trabalho
com gêneros discursivos na escola. Ele é constituído por quatro etapas e consiste em um exemplar de pedagogia
explícita (vocês sabem a diferença entre pedagogia explícita e implícita?):
3. Construção conjunta: nesta etapa, cabe ao docente, com a participação da classe, construir um texto coletivo que
se constitua em um exemplar mais ou menos prototípico de tal gênero. O processo também envolve duas fases:
a. a preparação, com pesquisa de campo, entrevistas com atores sociais que praticam o gênero, leitura de exemplares textuais;
b. a construção textual propriamente dita durante a aula.
4. Construção independente: esta última fase consiste justamente naquela em que o estudante, individualmente,
constrói seu próprio texto e testa não só sua capacidade de formulação de um exemplar textual associado a dada
prática discursivo-social, mas também sua própria habilidade em selecionar os recursos semióticos apropriados
para cumprir seu objetivo comunicativo em face daquilo que é demandado tanto pela tarefa escolar quanto pelo
que a sociedade espera em termos daquele gênero. Tal fase incorpora quatro momentos:
a. a produção individual do texto;
b. a consulta ao professor e aos colegas;
c. a edição e a avaliação crítica do texto;
d. a produção crítica voltada ao enfrentamento da ideologia, da teoria e da prática. A última etapa é, em geral, realizada em um
segundo texto, no qual os alunos devem buscar formas alternativas de construção daquele gênero, enfrentando o modelo
hegemônico, o que requisita um grande controle acerca do potencial semântico-discursivo dos recursos linguísticos.