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Material de apoio teórico-prático à

preparação do Exame de
Compreensão Leitora em Português

Professora Adjunta Leticia Lorier

Assistente Damián Díaz

2023
Sumário

Gênero discursivo (p. 3)

Gênero discursivo artigo científico (p. 6)

Gênero discursivo texto teórico (p. 10)

Gênero discursivo artigo de opinião (16)

Gênero discursivo notícia (p. 19)

Sequências explicativas (p. 26)

Sequências argumentativas (p. 29)

Conectores lógicos (p. 32)

Polifonia (p. 34)

Anáforas (p. 37)

Modalização (p. 40)

Tempos verbais (p. 44)

Voz passiva (p. 54)

Informação importante sobre o exame (p. 57)

Exemplo de exame - TEXTO (p. 58)

Exemplo de exame - QUESTIONÁRIO (p. 65)

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Gênero discursivo
“O uso da língua se leva a cabo por meio de enunciados (orais ou escritos) concretos e
singulares que pertencem aos participantes de uma ou outras esfera da praxis humana.
Esses enunciados, refletem as condições específicas e o objeto de cada uma das esferas não
só por seu conteúdo (temático) e por seu estilo verbal, ou seja, pela seleção de recursos
lexicais, fraseológicos e gramaticais da língua, senão, ante tudo, por sua composição ou
estruturação. (...). Cada enunciado separado é, portanto, individual, mas cada esfera de uso
da língua elabora seu tipos relativamente estáveis de enunciados, aos que denominamos
gêneros discursivos" (BAKHTIN, 1979, p. 245).

Os gêneros discursivos são formas culturalmente compartilhadas do uso da língua por uma
comunidade de prática. Funciona como ferramenta da organização para a realização de
determinadas funções sociais por meio da linguagem, enquadradas dentro de um tipo
recorrente de situações. O gênero é uma manifestação, na língua, das características
significativas de um certo tipo de eventos recorrentes em uma comunidade, que se
associam à realização de alguma atividade humana por indivíduos particulares. Os gêneros
discursivos contribuem, de forma dialéctica, à configuração das situações de uso da língua
da que fazem parte, e são, por sua su vez, moldados pelas características específicas de
cada situação particular.

Esfera social
É o contexto sócio-histórico no qual se insere um texto. O gêneros surgem dentro de uma
atividade humana (política, religiosa, educativa) na qual os usos da linguagem cumprem
determinados papéis (convencer o eleitorado, cumprir com um rito, demonstrar um
conhecimento) e fazem parte de uma comunidade de prática (membros de um partido,
feligreses, estudantes) situada em uma época, lugar, camada social e bagagem cultural.

Tópico
Trata-se das temáticas comumente mobilizadas por esse gênero textual e da forma de
tratamento delas. Alguns gêneros orientam um abordagem dos temas com a pretensão de
objetividade, enquanto outros explicitam mais a subjetividade e manifestação de posições
ideológicas, também alguns favorecem a mobilização de experiências sociais, outros
possibilitam a expressão de experiências subjetivas de indivíduos específicos, dentro de
diversas possibilidades genéricas de configuração dos possíveis objetos de discurso
dirigidos.

Participantes
Cada gênero apresenta uma “cena genérica”, ou seja, um conjunto de expectativas sociais e
culturais em relação aos participantes mais frequentes desse tipo de interação. Os distintos

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papéis sociais dos participantes vão configurar o tipo de vínculo, seja pelas relações de
poder, distância social ou envolvimento afetivo, estes condicionam as possibilidades de
ação dentro da cena de interação, a expectativa axiológica das falas de cada participante, a
relação mediata ou imediata de suas interações, bem como a possíveis posições sociais
típicas dos participantes dentro de uma dada atividade social e comunidade de prática.

Propósito social
O propósito social de um gênero é a ação social que se pretende realizar por meio dele,
quer dizer, o que está sendo feito com aquele gênero no contexto de sua circulação. Esta
finalidade está intrinsecamente ligada ao tipo de prática comunicativa ou
linguístico-discursiva que está sendo realizada o que, por sua vez, afeta o tipo de efeito
esperado no interlocutor.

Constituintes funcionais (fases / movimentos; tipos / sequências textuais; movimentos


dialógicos).
Diferentes propostas teóricas desenvolveram construtos capazes de caracterizar
regularidades na organização da macroestrutura de textos identificados com um
determinado gênero. Por macroestrutura entendemos a organização de segmentos de
texto, cuja organização segue algum tipo de padrão discursivo ou pragmático. Esses
padrões permitem descrever em fases ou movimentos a forma como se organiza a
apresentação sucessiva das informações no texto.

Entendemos como fases os diferentes blocos de informação que adquirem seu significado
funcional dentro de uma estrutura retórica maior de organização da informação. Por
exemplo, em uma estrutura argumentativa podemos encontrar as fases de premissas,
argumentos e conclusão; em uma estrutura narrativa as de apresentação, complicação e
resolução, enquanto na estrutura descritiva podemos encontrar as fases de afirmação geral
e descrição de categorias e subcategorias, entre outras possíveis.

Os movimentos retóricos ou partes da estrutura de um gênero correspondem a seções


sucessivas identificadas por uma função específica que levam ao cumprimento do objetivo
do texto. Por exemplo, no gênero de defesa acadêmica, esses movimentos podem ser a
abertura, a defesa da tese, a deliberação do tribunal e o encerramento.

Por outro lado, entendemos por movimentos dialógicos os segmentos textuais nos quais
diferentes vozes são trazidas para o texto a fim de construir seu sentido. Essas vozes são
apresentadas por meio de seu enquadramento avaliativo, e a partir da proposta de diálogo
entre elas e o sotaque avaliativo de cada uma, se constrói a posição global do texto.

Todas essas possibilidades de organização dos conteúdos informacionais ou temáticos do


texto em um gênero são entendidas como uma estrutura potencial codificada

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culturalmente, que pode receber adaptações dos interlocutores no contexto específico de
cada interação concreta.

Características linguísticas:
Entendemos como características linguísticas de um gênero as projeções que os aspectos
sociais de seu funcionamento têm na seleção e organização das unidades menores que o
compõem, no quadro das possibilidades oferecidas por uma dada língua. Em outras
palavras, as unidades linguísticas são instâncias de realização das condições do contexto e,
por sua vez, permitem ao sujeito construir as variáveis ​do contexto na interação. Neste
curso, adquirem especial relevância:

● aspectos relacionados com as formas de representação (como a seleção lexical) que


podem instanciar as características do gênero;

● aspectos relacionados aos mecanismos de textualização ou organização coesa e


coerente do tecido textual (uso de tempos e aspectos verbais, referência, conexão);

● aspectos relativos aos mecanismos de enunciação ou posicionamento enunciativo


coerentes com as finalidades e posições dos participantes (manejo da polifonia,
modalização).

Referências

BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Trad. Paulo Bezerra. 4.ed. São Paulo: Martins
Fontes, 1979/2003.

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Gênero discursivo artigo científico
“Os artigos científicos são resultados de estudos completos de um dado objeto de pesquisa.
Não chegam a constituir-se em matéria para dissertações, teses ou livros. Apresentam as
pesquisas realizadas e são publicados em revistas ou periódicos especializados”
(MARCANTONIO, 1993 apud COSTA, 2003, p. 35)

O artigo científico é um gênero discursivo que circula no contexto da esfera da atividade


científica e se encontra relacionado à prática de produzir e comunicar os resultados de
pesquisas.

Portanto, muitas comunicações no âmbito acadêmico encontram-se moldadas por este


gênero, que, por sua vez, toma suas características da comunidade da qual faz parte, o que
faz com que comunicar por meio de artigo respeite as normas e práticas a que obedece a
comunicação no ambiente acadêmico.

Como se disse, este gênero contribui para organizar as ações de comunicar ou apresentar
os resultados das pesquisas das equipes de científicos de universidades ou institutos.
Portanto, com base nesse gênero é estabelecida a comunicação entre pares científicos, por
meio do suporte de revistas ou periódicos científicos, isto quer dizer que, os escritores e os
leitores esperados de artigos científicos são científicos e pesquisadores especializados em
uma determinada área.

A respeito do formato os artigos científicos costumam conter algumas informações


preliminares: cabeçalho com título (e subtítulo) do trabalho, autor ou autores, credenciais
dos autores; como a filiação institucional, cargos, títulos.

Depois das informações preliminares e antes do corpo do artigo é comum um primeiro


bloco com um resumo e palavras-chave

O resumo apresenta de forma sucinta a informação mais relevante do artigo que pode ser
pensada como resposta destas perguntas:

1. O que o autor fez? quer dizer, Introduzir os propósitos, metas, hipóteses, objetivos
da pesquisa.

2. Como o autor fez? isto é descrever a metodologia, que inclui informações sobre os
dados, processos ou métodos usados.

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3. O que o autor encontrou? as observações e descobertas ou também sugestão de
soluções do problema apresentado.

4. O que o autor concluiu? a interpretação dos resultados, inferências, indicação das


implicações das descobertas.

Por sua vez, as palavras-chave que são um recurso importante para que os mecanismos de
busca ou indexação de publicações possam encontrar facilmente artigos relevantes de
acordo com os critérios de busca dos leitores. Para serem eficazes, então, as
Palavras-Chave devem representar o conteúdo do artigo e serem específicas do campo da
pesquisa.

Embora não existam normas obrigatórias para a elaboração de um artigo científico, existe
na comunidade científica a tendência a organizar seus conteúdos de uma forma bastante
recorrente. Essa organização inclui geralmente quatro seções principais: uma introdução
ou contextualização da pesquisa, uma apresentação do estudo concreto, uma seção
dedicada à metodologia que foi levada a cabo e uma de discussão dos resultados obtidos e
suas implicações teóricas para o campo disciplinar (COSTA, 2003).

● Introdução ou contextualização da pesquisa: é a parte que indica ao leitor no


contexto em que está inserido o tema central do texto. O papel desta seção é
destacar a relevância e fundamentar o estudo apresentado.

● Apresentação do estudo concreto, trata-se de um breve relato sobre uma pesquisa,


experiência ou nova técnica já desenvolvida ou em desenvolvimento. Nessa seção,
em geral, encontramos dados sobre os participantes, os objetivos, o assunto e o
período de realização ou do trabalho.

● Metodologia, apresenta o método de trabalho para o desenvolvimento do estudo, é


aqui que podemos encontrar a exposição das etapas da investigação.

● Discussão dos resultados, nesta seção são colocadas explanações das descobertas ou
resultados da pesquisa.

Além disso, no interior dos artigos é comum encontrarmos sequências argumentativas de


organização local dos conteúdos, ou seja, a discussão de uma premissa por meio de
argumentos de suporte e contra-argumentos de restrição que são sintetizados no final por
uma determinada conclusão que reformula ou reafirma a premissa inicial (BRONCKART,
1999). De acordo com Costa, também encontram-se comumente nos artigos sequência de
organização explicativa, ou seja, que aprofundam as causas ou razões de ser de um
determinado fenômeno, assim como sequências descritivas em que diversos aspectos de

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um tema são enumerados (BRONCKART, 1999). De acordo com Costa (2003), as sequências
narrativas são menos frequentes nos artigos científicos.

Assim como existem tradições em relação à forma em que os conteúdos do artigo são
organizados no corpo do texto, também há convenções implícitas em relação à forma em
que a enunciação é realizada neles. Algumas das principais características desta tradição
são:

● o emprego de um estilo conciso e formal,

● o uso de vocabulário específico da área disciplinar,

● a configuração de um discurso impessoal (3ra pessoa do singular),

● a presença de organizadores ou conectores lógicos,

● a retomada de objetos de discurso por meio de anáforas nominais que estabelecem


relações complexas.

Como o explica Leibruder (2000 apud COSTA, p. 36), estas formas de configurar o discurso
contribuem para o objetivo do autor de tornar seu texto mais convincente, fazendo-o
parecer mais legítimo, neutral ou inquestionável.

Porém, embora, nos artigos, o autor material do texto faça um esforço para apagar suas
marcas de subjetividade, estas se manifestam através da seleção de citações. Estas são
utilizadas para a dar legitimidade às afirmações do autor por meio de sua associação com
autoridades na matéria, e são introduzidas com fórmulas como “de acordo com”, “como diz
Costa”, etc, assim como com o uso de aspas em citações diretas.

Além disso, a forma em que o autor leva ao texto essas vozes de outros é uma forma de
aumentar-lhes ou diminuir-lhes a legitimidade. Assim o uso de termos como “Fulano
declara” ou “Fulano supõe” mostram a forma em que o autor quer apresentar essas ideias.
O uso de adjetivos qualificativos e de expressões de modalização como “talvez”, “é possível”,
“parece que”, “é evidente que”, também funcionam para este fim.

Referências:

COSTA, A. R. D. O gênero textual artigo científico: estratégias de organização. Dissertação


de Mestrado. Universidade Federal de Pernambuco. 2003

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BRONCKART, J-P. Atividades de linguagem, textos e discursos. Por um interacionismo
sócio-discursivo. São Paulo: Educ, 1999.

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Gênero discursivo texto teórico
Os textos teóricos são a manifestação textual dos saberes, sua circulação pública colabora
com a transmissão e construção do conhecimento (DOLZ; SCHNEUWLY, 2004), pois
surgem para apresentar uma compreensão profunda de um tema ou problema, para tanto,
abordam questões de análise teórica de cada área disciplinar por meio da explicação de um
fenômeno ou de uma experiência em termos teóricos, ou seja, explicitam-se suas
características e a dinâmica de suas causas e efeitos (MATTHIESSEN; TERUYA; LAM, 2010).

Como a maioria dos gêneros discursivos escritos, nos textos teóricos diferem
temporariamente as condições de produção das de recepção, isto é, é provável que haja
uma distância de tempo entre a escrita e a leitura posterior, a interação entre os
participantes não é imediata como em outros gêneros, por exemplo, uma entrevista oral,
um discurso ou uma troca em um chat.

Embora a prática de escrever e ler textos teóricos seja geralmente restrita à comunidade de
cientistas, estudiosos, intelectuais e acadêmicos (pode haver leitores especializados, se o
texto circular em uma esfera estritamente acadêmica), os papéis entre autores e leitores
são assimétricos. Enquanto o autor detém maior poder, o leitor tem uma posição
hierárquica inferior, uma vez que o autor tem sua voz socialmente legitimada por sua
posição social (professor ou especialista no assunto) e por sua carreira acadêmica ou
afiliação institucional (universidades ou outros centros de desenvolvimento acadêmico,
entidades científicas) (GHIO; FERNÁNDEZ, 2008).

O autor é o principal enunciador do texto, apesar de que seja comum que outros teóricos
sejam trazidos a estes textos para se aproximar ou para se distanciar de suas posições, até
mesmo para polemizar com eles. É possível que outros participantes presentes no texto
possam ser outros agentes humanos individuais, grupos, instituições coletivas ou
participantes não humanos abstratos, como conceitos, teorias, histórias. (GHIO;
FERNÁNDEZ, 2008).

A explicação e a argumentação são movimentos próprios nestes textos. Explicar envolve


analisar uma experiência em termos teóricos, estabelecendo taxonomias das entidades ou
de seus processos envolvidos. As taxonomias de entidades se concentram em sua descrição
(aspectos, características, componentes), as taxonomias de eventos se concentram na
dinâmica de seu desenvolvimento (sua sequência, seus fatores, suas relações causais). A
explicação consiste no tratamento de fenômenos gerais e não na descrição de casos
particulares. Os textos explicativos explicam como as coisas são e porque os eventos
ocorrem de uma perspectiva não experiencial, mas epistêmica (epistemic stance )
(MATTHIESSEN; TERUYA; LAM, 2010). Na explicação, predomina a função referencial da

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linguagem, ou seja, dar a conhecer, fazer compreender, esclarecer. O objeto de uma
explicação não é polêmico, mas apenas incompleto, e essa lacuna é preenchida por quem
explica, que o faz a partir do papel hierárquico de quem sabe mais sobre o assunto. A
explicação é desenvolvida a partir de uma pergunta (explícita ou implícita) sobre o “porquê”
de algum fenômeno, e as fases que se seguem a essa pergunta são informações que
constroem uma resposta esclarecedora por meio de definições, classificações,
reformulações, classificações, analogias ou datações. No quadro da explicação, uma possível
organização dos tópicos do texto pode ser a resposta sucessiva às questões que se
encontram encadeadas, ou seja, ao responder à questão inicial, é necessário levantar outra,
que é respondida a seguir, e assim sucessivamente (CALSAMIGLIA; TUSÓN, 1999).

Argumentar consiste em desenvolver um discurso que aproxime o leitor da crença ou


posição do autor sobre o assunto, por meio da defesa de uma tese, contraposta a uma tese
contrária (antítese), por meio da apresentação de argumentos (informações novas que
justifiquem a tese) e contra-argumentos (novas informações que estabelecem restrições à
tese). A argumentação situa-se em um campo marcadamente dialógico, ou seja, no quadro
da discussão com outros discursos anteriores, com posicionamentos próximos ou distantes
daqueles assumidos pelo autor. Narrações, descrições ou explicações podem funcionar
como argumentos, bem como exemplos, analogias, critérios de autoridade, causas e
consequências (CALSAMIGLIA; TUSÓN, 1999). Neste módulo você poderá aprofundar o
estudo das ferramentas: Sequências explicativas e Sequências argumentativas .

Assim como nos artigos científicos (gênero estudado no Módulo 1), nos textos teóricos
existem convenções não explicitadas sobre as formas de enunciação e os modos como esses
textos se configuram linguística e discursivamente, vejamos algumas características:

Em textos teóricos, o papel autoral como “educador” transmissor de conhecimentos livre


de atitudes ou julgamentos (EGGINS; MARTINS, em VAN DIJK, 2000) costuma se apresentar
com poucas ou total ausência de marcas, o que diminui a relevância dos protagonistas da
enunciação e o mundo referencial é focalizado, isso cria um efeito de "objetividade"
(CALSAMIGLIA; TUSÓN, 1999) apegado à "verdade" ou ao rigor científico. Algumas
estratégias para mascarar ou apagar a subjetividade no texto são a escrita em terceira
pessoa e o uso de várias formas de omissão do agente verbal. Embora possa aparecer o uso
da primeira pessoa do plural, por exemplo “nós”, geralmente se restringe ao lugar social do
autor, ou seja, “nós os filósofos”, “nós os especialistas”, não se trata de um "nós" no qual o
leitor está incluído. (GHIO; FERNÁNDEZ, 2008). “Com o uso do ꞌnósꞌ, a responsabilidade
unipessoal se dilui e se adquire a autoridade ou legitimidade associada a um grupo [...] Esse
uso é tradicionalmente conhecido como ꞌmodéstiaꞌ” . (CALSAMIGLIA; TUSÓN, 1999, p. 160) .
Também devido à assimetria entre os participantes, é possível encontrar vários sinais de
formalidade e distanciamento e poucos sinais de coloquialidade, cortesia ou solidariedade
(GHIO; FERNÁNDEZ, 2008).

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As proposições declarativas em modo indicativo (presente ou passado) com valor
epistêmico de certeza são utilizadas para fazer afirmações e fornecer informações (GHIO;
FERNÁNDEZ, 2008). No exemplo do texto: “A concepção e a prática "bancárias", imobilistas,
"fixistas", terminam por desconhecer os homens como seres históricos” o uso do presente
indicativo terminam reforça a convicção e certeza sobre o que é afirmado.

No entanto, também podemos encontrar proposições declarativas com uma modalidade


condicional e com um valor epistêmico de possibilidade, e funcionam como partes dos
mecanismos de argumentação (para tornar as afirmações menos agressivas), para
apresentar interpretações alternativas (GHIO; FERNÁNDEZ, 2008) ou aquelas às quais o
autor não atribui o mesmo grau de confiabilidade (CALSAMIGLIA; TUSÓN, 1999). Seguindo
o mesmo exemplo, o efeito é diferente se em vez da forma, terminam fosse terminariam: "A
concepção e a prática "bancárias", imobilistas, "fixistas", terminariam por desconsiderar os
homens como seres históricos" já que neste caso é apresentado como uma possibilidade e
não como uma certeza.

A modalidade assertiva ou probabilidade também pode se manifestar no uso de adjuntos


(advérbios, frases nominais, frases modalizantes) (GHIO; FERNÁNDEZ, 2008). Esse recurso
é especialmente útil para a construção da imagem da prudência nas definições teóricas (em
princípio, neste caso, pode ser isso ) (CALSAMIGLIA; TUSÓN, 1999).

É comum explicitar as relações lógicas entre os segmentos de texto por meio de conectores
para evitar ambigüedades (GHIO; FERNÁNDEZ, 2008). Os conectores lógicos, além disso,
adquirem um papel de destaque no quadro dos segmentos de argumentação (causa,
condição, consequência, oposição). Outros conectores lógicos se destacam, junto aos
anteriores, no da explicação (definição, exemplificação, analogia) (CALSAMIGLIA; TUSÓN,
1999). No exemplo a seguir “Enquanto a concepção ʻbancáriaʼ dá ênfase à permanência, a
concepção problematizadora reforça a mudança.” o conector enquanto explicita e enfatiza
a oposição explicada entre uma e outra concepção de educação, reprodutiva e
transformadora.

Por serem textos que teorizam e se aprofundam conceitualmente, apresentam alta


densidade lexical, ou seja, possuem mais palavras de conteúdo do que palavras gramaticais.
Neles, a nominalização da oração é privilegiada (GHIO; FERNÁNDEZ, 2008). No trecho a
seguir pode se observar como exemplo: “A concepção e a prática "bancárias", imobilistas,
"fixistas", terminam por desconhecer os homens como seres históricos, enquanto a
problematizadora parte exatamente do caráter histórico e da historicidade dos homens.”,
se privilegiam diversidade de palavras com conteúdo semântico (significado) ao contrário
da palavras gramaticais como artigos, preposições, contrações e conectores (os, por, do,
enquanto ).

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A mesma tentativa de evitar ambigüidade faz com que as cadeias de referência privilegiem
os elementos nominais (por meio de substituição) sobre os elementos pronominais ou
elipse. Esses elementos nominais constroem as cadeias lexicais que se referem aos
participantes (participantes animados e inanimados, processos, eventos, circunstâncias)
(GHIO; FERNÁNDEZ, 2008). Observemos a seguinte passagem:

Como apresentamos no primeiro capítulo desse livro, mulheres negras vêm historicamente
produzindo saberes e insurgências. Colocá-las num lugar de quem nunca rompe o silêncio,
mesmo com todos os limites impostos estruturalmente, seria confiná-las na mesma lógica
que vem se combatendo?

Seria confiná-las num beco sem saída, sem qualquer possiblidade de transcendência. Os
saberes produzidos pelos indivíduos de grupos historicamente discriminados, para além de
serem contra discursos importantes, são lugares de potência e configuração do mundo por
outros olhares e geografias. Spivav, entretanto, se posiciona de forma a criticar a
romantização dos sujeitos que resistem.

No exemplo, as participantes “mulheres negras” são retomadas por elementos pronominais


(usando pronomes pessoais -las), mas, especialmente, com elementos nominais como parte
de grupos mais amplos de participantes (“indivíduos de grupos históricamente
discriminados”, “contra discursos importantes”, “outros olhares e geografias”, “sujeitos que
resistem”), por meio de vocabulário especializado que é utilizado para transmitir maior
precisão no exposto, portanto, o resultado é um texto denso em termos de quantidade e
especificidade do léxico, é dizer mais palavras com conteúdo relacionado ao campo
semântico sobre o qual está sendo escrito.

Essas cadeias de referência são complexas e não se limitam a sentenças ou parágrafos


sucessivos. Ao contrário, estabelecem cadeias longas e complexas ao longo de todo o texto
(GHIO; FERNÁNDEZ, 2008). Essas relações são sustentadas, muitas vezes, por anáforas
aglutinantes, que têm como referência frases, sentenças, parágrafos ou todo o texto (aquela
relação problemática, aquela hipótese, o que foi dito até agora ) (BRONCKART, 1999).

A construção dos referentes é complementada com a realização de analogias e metáforas


no processo explicativo, geralmente, de forma a aproximar o conteúdo do referencial
interpretativo do leitor (CALSAMIGLIA; TUSÓN, 1999), pois serve para

“ampliar o sentido [...], adicionando uma camada de significado que pode ser inferida e que
pode ser bastante diferente do significado literal das próprias palavras [...] as metáforas
têm duas camadas de significado: o significado literal das palavras lexicais, e o significado

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inferido da metáfora. Essas duas camadas de significado estão em tensão, mas devem ser
lidas simultaneamente para entender a metáfora ”. (ROSE; MARTIN, 2018: 236-237)

“E, como apresentamos no primeiro capítulo desse livro, mulheres negras vêm
historicamente produzindo saberes e insurgências. Colocá-las num lugar de quem nunca
rompe o silêncio, mesmo com todos os limites impostos estruturalmente, seria confiná-las
na mesma lógica que vem se combatendo? Seria confiná-las num beco sem saída..."
No exemplo, a expressão metafórica beco sem saída é usada, que em seu sentido literal é
uma viela ou rua estreita sem saída, para se referir à ideia de uma situação sem alternativas
ou de solução impossível:

Outro recurso do discurso científico-acadêmico é o uso de metáforas gramaticais,


processos pelos quais “os significados tipicamente realizados por um padrão linguístico são
realizados através de opções linguísticas menos típicas” (Eggins, 2004: 99 ), ou seja, é um
componente semântico construído gramaticalmente de maneira incomum. Tal como
acontece com as metáforas lexicais, que vimos no exemplo anterior, “as metáforas
gramaticais têm duas camadas de significado que devem ser lidas simultaneamente [...], no
entanto, a tensão não está entre o significado literal e aquele que é deduzido, mas entre o
significados das estruturas gramaticais e suas funções discursivas [...] se vista como um
processo semiótico, a metáfora gramatical transforma as figuras em grupos nominais
abstratos que podem ser avaliados e organizados como conjuntos de informações sobre
tópicos e novas informações”. (ROSE; MARTIN, 2018: 238).

Vejamos o seguinte exemplo: “Não hesitaria em começar a reflexão partindo de M. A. K.


Halliday na enfatização de ser o texto a unidade primeira.” Houve a nominalização do verbo
“enfatizar” transformado em substantivo “enfatizar”. A nominalização é a mudança de
categoria gramatical de uma palavra, por exemplo, quando um verbo se torna um nome
(geralmente substantivos ou adjetivos), este processo distancia os participantes do evento
apagando a agentividade ( usos mais comuns do verbo seriam “Halliday enfatiza / enfatiza /
enfatizado”, isto é, alguém fez algo). Esta é uma das estratégias que contribuem para a
construção discursiva da veracidade ou objetividade, pretensão que atravessa os textos das
esferas científico-acadêmicas que vimos antes.

Referências/Referencias:

BRONCKART, J-P. Atividade de linguagem, textos e discursos. Por um interacionismo


sociodiscursivo. São Paulo: EDUC, 1999.

CASAMIGLIA, H. TUSÓN, A. Las cosas del decir. Barcelona: Ariel, 1999.

COLOMBI et al. Palabra abierta. Belmont: Heinle Cengage Learning, 2007.

14
DOLZ, J.; SCHNEUWLY. B. Gêneros e progressão em expressão oral e escrita - Elementos
para reflexões sobre uma experiência suíça (francófona). In: DOLZ, J.; SCHNEUWLY, B.
Gêneros orais e escritos na escola. São Paulo: Mercado de Letras, 2004, p. 35-60.

EGGINS, S. An Introduction to Systemic Functional Linguistics. 2nd edition. Londres:


Continuum, 2004.

EGGINS, S; MARTINS, J.R. Géneros y registros del discurso. In: VAN DIJK, T. A. coord.; El
discurso como estructura y proceso. Barcelona: Gedisa, 2000, p. 335-332.

GHIO, E.; FERNÁNDEZ, M. D. Lingüística Sistémico Funcional. Aplicaciones a la lengua


española. Santa Fé: UNL, 2008.

MATTHIESSEN, C. I. I. M.; TERUYA, K.; LAM, M. Key terms in Systemic Functional


Linguistics. New York: Continuum, 2010.

ROSE D.; MARTIN, J. R. Leer para aprender: lecturas y escrituras en las áreas del currículo.
Ediciones Pirámide, 2018.

15
Gênero discursivo artigo de opinião
“Dividindo espaço com outros gêneros na seção Opinião, o artigo se situa entre os gêneros
que historicamente têm seu horizonte temático e axiológico orientado para a manifestação
da expressão valorativa a respeito de acontecimentos sociais que são notícia jornalística. É
um dos gêneros onde os participantes da interação reconhecem e assumem esse trabalho
avaliativo do autor.” (RODRIGUES, 2005, p. 171)

Os artigos de opinião circulam na esfera social jornalística e neles é estabelecida uma


interação entre um escritor e um leitor, intermediada pelo jornal que a publica. Nos jornais,
é comum que os artigos apareçam em um espaço específico de preenchimento regular,
geralmente identificado pelo rótulo “Opinião” ou “Debate”.

Os artigos costumam abordar temas de discussão pública recente, motivados muitas vezes
por um fato - ou texto - específico que atua como disparador da discussão ou da polêmica.
Neles, o autor se propõe convencer, argumentar ou modificar favoravelmente a disposição
do leitor para sua posição sobre a temática (RODRIGUES, 2001).

Na interação que se dá por meio deste gênero, o autor e o leitor têm posições assimétricas,
pois o autor é considerado um ator social autorizado para opinar sobre o assunto; não é
comumente um jornalista, mas um especialista em uma determinada área ou representante
de um grupo social; por sua vez, o leitor corresponde ao perfil de cidadão que se informa
através de jornais impressos.

As temáticas mais comuns os textos desse gênero estão relacionadas aos valores sociais, em
que várias opiniões são possíveis, ou seja, trata-se de assuntos nos quais é comum “crer”
nisto ou naquilo, e não somente estar informado ou “saber” (RODRIGUES, 2001). Além
disso, esses temas correspondem aos mais comuns no jornalismo: política, economia,
assuntos culturais, do cotidiano, científicos. São sempre temas de relevância atual.

Uma vez que autor e leitor estão ligados pela esfera de usa da linguagem do jornalismo e
pela comunidade de leitores e escritores de um determinado jornal, espera-se que o leitor
compartilhe com o autor múltiplos conhecimentos sobre a vida social, ou sobre o fato
comentado em si, que lhe permitam reconstruir os aspectos implícitos: articulista e leitor
vêm do mesmo ambiente sociocultural (RODRIGUES, 2001).

Do ponto de vista de sua organização interna, os textos desse gênero costumam apresentar
um conjunto de justificativas ou restrições que sustentam ou delimitam uma determinada
posição sobre a temática. Essas justificativas operam como argumentos que conduzem à
conclusão do autor, isto é, configuram uma ou várias sequências argumentativas.

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Porém, o artigo também pode conter segmentos de narração que trazem à tona a
experiência vivida pelo autor e dando informações a favor de sua postura. Outros gêneros
intercalados também podem ser o resumo, utilizado para apresentar outro texto com que
se estabelece uma discussão, ou os provérbios, que apresentam um senso comum que apoia
a tese do autor (RODRIGUES, 2001).

Como se trata de um texto que responde a fatos anteriores, comumente ele traz à tona as
vozes e as opiniões de outras pessoas ou instituições. A respeito delas, o autor pode tomar
distância ou apresentá-las como justificativas de sua tese. Além do mais, nos artigos
também é comum a referência à voz do próprio leitor, apresentando-o como parceiro na
discussão ou interpelando suas possíveis objeções, por exemplo, por meio de perguntas
retóricas em que as respostas afirmam a posição defendida pelo autor (RODRIGUES, 2001).

O artigo é um texto frequentemente assinado, que conta, às vezes, com uma breve
descrição do papel social do autor –profissão, cargo, estudos, publicações, etc, informações
que são disponibilizadas ao leitor para sustentar seu caráter de autoridade na matéria em
discussão.
Alguns aspectos característicos da textualização dos artigos de opinião são:

● A presença de expressões de responsabilização sobre a opinião do autor como “na


minha opinião”, “eu acho que”, ou que incluem o leitor como “você vai concordar
comigo…”, “estamos de acordo em que”, etc.

● A inclusão de autor e leitor como uma mesma entidade por meio da 1º pessoa do
plural em pronomes pessoais, possessivos e verbos: “nós como cidadãos”, “nosso
país”, “nós sabemos que…” etc.

● O uso de conectores lógicos que articulam os argumentos entre si e com a


conclusão; de disjunção, de oposição, de analogia, de exemplificação, de graduação:
“finalmente”, “porém”, “tanto quanto”, “por exemplo”, etc.

● O recurso a locuções com função de modalização que apontam a certeza, ou a


necessidade moral das posições favoráveis às do autor: “com certeza”, “sem
dúvidas”, “é necessário”, “é preciso”, bem como formas de manifestar a opinião dele
em forma enfática como “Tenho certeza de que…”, “é fato que…”, “é preciso…”, “é
bom que…”, etc. Assim como outras que apontam a probabilidade, ou a dúvida das
posições contrárias às do autor: “talvez”, “é possível”, etc.

● O uso de expressões avaliativas positivas a respeito de opiniões ou atores sociais


favoráveis à tese do autor: “é de grande valor”, “tem razão”, “é afinadíssimo”, “é

17
excelente”, etc, e negativas a respeito de posições contrárias: uso de aspas, negação,
adjetivação negativa, uso de operadores argumentativos de exclusão: mas, embora,
porém, etc.

● O recurso ao discurso assertivo direto com uso de verbos neutros ou de apreciação


positiva tanto no estilo direto quanto no indireto, no caso de vozes que opinem
favoravelmente à postura do autor: “o presidente afirmou…”, “os especialistas dizem
que...”, “todos os envolvidos concordam”, etc, assim como de depreciação quando
essas posições são contrárias: “pretendem”, “supõem”, “reclamam”, etc.

● A presença do tempo presente com valor de verdade universal: “o problema é


real…”, “as pessoas vivem…” etc.

● A presença de expressões de concessão geralmente dirigidas às possíveis posições


do leitor: “aceitamos que”, “Eu aceito que…mas”, “é verdade que... porém”, etc.

● O uso de pronomes demonstrativos da 1º pessoa aplicados a enunciados que contêm


vozes ou opiniões favoráveis: “esta opinião…”, “estes profissionais…”, etc, ou da 2 º e
3º pessoa aplicados a opiniões ou atores desfavoráveis: “esses manifestantes…”,
“aquelas ideias…”, etc.

● A existência de cadeias de referenciação ou de anáforas intratextuais realizadas por


meio de pronomes demonstrativos: esse problema..., aquele assunto..., isto..., etc.

Referências:

RODRIGUES, R. A constituição e o funcionamento do gênero jornalístico artigo: cronotopo


e dialogismo. Tese (Doutorado em Linguística Aplicada). Programa de Pós-Graduação em
Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem, Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, São Paulo, 2001.

RODRIGUES, R. Os Gêneros do discurso na perspectiva dialógica da linguagem: a


abordagem de Bakhtin. In: BONINI, A.; MEURER, J. L.; MOTTA-ROTH, D. (Orgs.) Gêneros:
teorias, métodos, debates. São Paulo: Parábola, 2005, p. 152-183.

18
Gênero discursivo notícia
Vários autores afirmam que a notícia é o gênero jornalístico por excelência, por ser o mais
comum em jornais e revistas e por levar a cabo uma das principais finalidades sociais dos
meios de comunicação: informar os leitores sobre diferentes aspectos da atualidade de suas
comunidades (SILVA; SILVA, 2012).

Portanto, a finalidade social típica da notícia é estabelecer uma comunicação entre os


membros da comunidade jornalística e os leitores de jornais e revistas, para a divulgação de
fatos sobre acontecimentos novos ou remotos (SILVA; SILVA, 2012).

Na tradição jornalística, existe a tendência a diferenciar dois “gêneros redacionais”


clássicos: a informação e o comentário, que se diferenciam por terem objetivos diferentes.
Segundo esta perspectiva, a notícia visaria “fazer saber” sobre um determinado assunto, e
se distinguiria, por exemplo, do artigo de opinião, em que prevalece o objetivo de “fazer
crer”, ou defender uma determinada convicção do autor (CARNEIRO, 2007).

No entanto, a notícia não é mobilizada só pelo propósito de informar, mas também de


apresentar uma posição ideológica sobre os fatos noticiados, isto é, a finalidade de mostrar
a opinião institucional do meio de comunicação sobre eles (POLATO; OLIVEIRA, 2015).
Como afirmam os autores:

“O gênero se apresenta sócio-historicamente com a função de relatar, com precisão,


pressuposta imparcialidade e compromisso de verdade, os acontecimentos do cotidiano de
maior relevância e de interesse público. No entanto, na aparente objetividade e
imparcialidade, que se camufla no veio da precisão do relato, a justaposição de fatos, o
amálgama de discursos de outrem e outras manobras linguísticas ajudam a compor, muitas
vezes, quadros tendenciosos. A notícia, então, deixa de ter somente uma função informativa
para servir à opinião, ou a uma posição institucional.” (POLATO; OLIVEIRA, 2015, p. 584)

O anterior se relaciona diretamente com a posição de autoria que prefigura este gênero,
pois, na notícia, o autor material do texto, ou jornalista, se mistura com o autor
institucional, o jornal ou a revista. Assim, tanto a responsabilidade pelo que é dito na
notícia quanto o enfoque que ela apresenta correspondem em última instância à empresa
ou instituição jornalística em que o texto é publicado (POLATO; OLIVEIRA, 2015).

Quanto a sua temática, somente é possível estabelecer uma generalização muito ampla,
pois os textos desse gênero são muito heterogêneos. Porém, podemos dizer que, de uma
maneira geral, as notícias relatam fatos que têm algum tipo de relevância atual para a
comunidade em que são publicadas, embora nem sempre sejam recentes. Elas, portanto,

19
nos falam de algo que aconteceu ou de alguém que disse algo, que possa ser do interesse
dos leitores do meio de comunicação em que for publicada (SILVA; SILVA, 2012).

Dentro desta temática, muitos manuais de redação estabelecem que as notícias devem
incluir um relato que responda a perguntas como: Quem? O quê? Onde? Quando?, e até
mesmo Como? e Por quê?.

De acordo com o manual de estilo do jornal O Estado de São Paulo, a extensão da


informação deve ser “concisa”, o que faz com que se diferencie a notícia, que apenas expõe
os fatos, seus efeitos e consequências, da reportagem, que apresenta um relato em
profundidade das causas e consequências de um acontecimento (SILVA; SILVA, 2012).

Deve-se lembrar, como aponta Acosta (2011), que a temática de uma notícia não é
necessariamente uniforme, pois a complexidade dos fatos relatados suscita uma
inter-relação entre várias temáticas. Aliás, do ponto de vista do autor material da notícia,
mencionar dados relacionados, assim como ampliar a perspectiva sobre os temas
abordados contribuem para a geração de um efeito de justificativa da relevância do
acontecimento noticiado, assim como para a construção de uma ideia de veracidade maior.

Quanto às possíveis regularidades em sua organização interna, o primeiro aspecto a


destacar do gênero é a presença de dois blocos de informação que resumem o conteúdo
dos textos: a manchete ou título e a primeira linha ou “headline”, muito comumente
diferenciadas graficamente do restante do texto . Esta seção de resumo pode aparecer
acompanhada de um primeiro parágrafo em que são enunciados os dados essenciais do
evento (Quem? O quê? Onde? Quando? Como?), denominado comumente como “lead”.
Estes elementos funcionam como advertências ou pistas para o leitor a respeito do gênero
que vai ser lido e do seu conteúdo temático. (SILVA; SILVA, 2012).

Depois desta seção, Van Dijk (1986 apud SILVA; SILVA, 2012) identifica:

● um bloco dedicado ao relato do evento ou eventos principais,

● outro dedicado a explicação de um “backgroud” ou informações relevantes para


entender o evento,

● uma seção dedicada às consequências do evento relatado,

● e uma fase final de comentário do evento como um todo.

20
Contudo, devemos lembrar que esta proposta de superestrutura da notícia pode sofrer
muitas variações e, inclusive não valer para alguns textos que consideramos notícias, o que
não nos impede de vê-la como válida e explicativa de certa regularidade no gênero.

As notícias relatam algum tipo de evento, que pode ser presente, passado ou futuro, e esse
relato se realiza, portanto, por meio de formas predominantemente narrativas de
organização do discurso. Isto não quer dizer que a notícia apresente um tipo qualquer de
narração, pois os relatos contidos nas notícias costumam ter características particulares
que os distinguem de outras formas de narrar fatos não concomitantes.

De acordo com Van Dijk (1992 apud CARNEIRO), a organização dos tópicos da narração na
notícia obedece a um critério de relevância, já que as informações mais importantes são
apresentadas primeiro ao leitor, que, por sua vez, interpreta estas primeiras como as mais
importantes.

Por outra parte, dentro dessa estrutura predominantemente narrativa, é possível encontrar
segmentos mais expositivos, isto é, que não se relacionam com um momento passado, mas
com a atualidade da enunciação, incluindo verbos no tempo presente. Esses segmentos
costumam trazer informações importantes para a compreensão da notícia e é por meio de
sua apresentação expositiva que se consegue o efeito de mostrá-las como mais próximos da
atualidade do leitor e, portanto, como mais importantes, ou demandantes de sua atenção
ou participação (RIBEIRO; SAITO; CRISTOVÃO; NASCIMENTO, 2007; KOCH, 2011).

O anterior acontece comumente com as manchetes, em que eventos passados que são
relatados na notícia são enunciados utilizando verbos no presente, chamando a atenção do
leitor a respeito da importância, gravidade, emergência, dos fatos que a notícia vai relatar
(KOCH, 2011).

Por, último, quando a sua organização, cabe mencionar a recorrência de elementos que
contribuem para a contextualização do texto notícia e que são, por isso, pistas de
interpretação para o leitor:

● chapéu (palavra que aparece antes da manchete),


● data,
● nome do autor (às vezes),
● legendas das fotos,
● fotos,
● intertítulos,
● esquemas,
● mapas,
● gráficos,

21
● vídeos,
● tabelas.

Quanto às unidades linguísticas específicas que conformam o estilo do gênero, devemos


mencionar, em primeiro lugar, que as notícias costumam apresentar uma linguagem
“clara”, “precisa”, “direta” e “objetiva”. Assim, como apontam Silva e Silva (2012), os manuais
de redação de vários jornais orientam seus trabalhadores a utilizar uma linguagem
caracterizada pela simplicidade na escolha dos termos e pela impessoalidade, isto é, por
uma linguagem que se apresente como distanciada de seu autor e de sua subjetividade.

Esta orientação se relaciona diretamente com a intenção dos meios de manter sua imagem
de imparcialidade e de ética profissional que privilegiaria apenas a transmissão da
informação (POLATO; OLIVEIRA, 2015). Em termos mais específicos, essa intenção se
espelha na baixa densidade no uso de adjetivos lexicais (sim temos locuções ou orações
adjetivas que apresentam dados) e na alta densidade no uso da voz passiva, que apresenta
as ações como distantes do contexto da enunciação (RIBEIRO; SAITO; CRISTOVÃO;
NASCIMENTO, 2007).

Por outro lado, por causa desse revezamento entre segmentos mais narrativos e segmentos
mais expositivos que as notícias apresentam, corresponderão ao segmentos narrativos a
presença de verbos no pretérito perfeito e no pretérito imperfeito e o uso de marcadores
temporais que situem o momento em que os fatos aconteceram. Já, nos segmentos
narrativos predominam os verbos no tempo presente e não há uma marcação explícita da
temporalidade, pois entende-se que autor e leitor passam a estar situados conjuntamente
no tempo atual (RIBEIRO; SAITO; CRISTOVÃO; NASCIMENTO, 2007).

Porém, tanto os segmentos de narração quantos os de exposição, na notícia, vão se


apresentar ao leitor como próximos, ou implicados, do momento da enunciação por meio
de expressões dêiticas (hoje, aqui, ali, lá, nosso, esse, aquele, etc), isto é, palavras cuja
compreensão requer o conhecimento dos parâmetros reais da enunciação, que, se supõe,
tanto o autor da notícia quanto o leitor compartilham (RIBEIRO; SAITO; CRISTOVÃO;
NASCIMENTO, 2007).

Um vez que a notícia funciona no seio da interação social entre participantes de uma
comunidade, ela se encontra atravessada e conformada a partir de diversos discursos que
lhe são anteriores ou posteriores e que o autor individual condensa no texto. De acordo
com esta perspectiva, e como apontam Polato e Oliveira (2015), a notícia é uma resposta a
um fato (evento ou pronunciamento) que se dirige a suscitar uma reação no leitor.

Dessa forma, é importante lembrar que grande parte do conteúdo de uma notícia é a
citação de discursos de outras pessoas, isto é, a notícia é, em grande medida, um texto

22
sobre outros textos (POLATO; OLIVEIRA, 2015). Esses outros textos que vêm à tona na
notícia, podem ter sua origem na esfera jornalística, vir de outras notícias, editoriais ou
artigos, ou podem vir de outras áreas.

“O campo jornalístico, por excelência, enquadra, a partir das diferentes formas de


enunciados (seus gêneros), o discurso que vem de outros campos e, até mesmo, o discurso
do mesmo campo, como resposta de concordância ou de discordância aos conteúdos
veiculados por parceiros ou concorrentes.” (POLATO; OLIVEIRA, 2015, p. 583)

Como já foi mencionado, antes, a inserção de discursos de outros em uma notícia serve ao
cumprimento do objetivo de mostrar a tarefa do jornalista como objetiva e imparcial e,
assim, trazer uma descrição precisa e pormenorizada dos fatos apontando a uma aspiração
de veracidade. Porém, esses discursos não entram na notícia de forma neutra, senão sendo
objeto de avaliações positivas ou negativas que constroem uma posição institucional de
aproximação ou de afastamento.

Estas avaliações do discurso inserido na notícia e das diferentes temáticas e opiniões se


manifestam de certas formas, como as as seguintes:

● o uso de aspas para demarcar um afastamento do autor em relação ao conteúdo do


discurso citado,

● a seleção do verbo utilizado para introduzir o discurso alheio estabelecendo uma


avaliação positiva (advertir, afirmar, declarar, explicar, ponderar) ou negativa (jurar,
acreditar, desconversar) em relação ao que é dito,

● a seleção de alguns adjuntos adverbiais de modo (com firmeza, com certa confusão,
visivelmente emocionado) manifestando o mesmo tipo de avaliação,

● e o uso de futuro do pretérito (a dívida seria cancelada, o acordo convocaria a) como


forma de relativizar ou apresentar como duvidosas as afirmativas realizadas no
discurso citado.

Finalmente, outras expressões também servem para o propósito de apresentar em forma


“discreta” a avaliação do autor sobre as temáticas mencionadas, como, por exemplo:

● A inserção de orações subordinadas adjetivas explicativas ou apostos também


explicativos que, embora pareçam apenas acrescentar detalhes ao relato, mostram
indícios da postura do autor sobre os eventos os fatos comentados. Veja o exemplo a
seguir, em que a oração subordinada adjetiva entre vírgulas antecipa um possível
ponto negativo do fato relatado na oração principal:

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“O projeto de lei, que muda o código penal, entrará em vigor se aprovado pelo
senado.” (Governo envia ao congresso proposta de lei que criminaliza exigência de
cheque caução em hospitais privados, portal Agência Brasil)

● A colocação de adjetivos ou de locuções adjetivas também pode contribuir ao


mesmo tempo para o detalhamento dos diferentes aspectos do relato e para a
apresentação de uma determinada visão avaliativa sobre o evento. Veja o exemplo da
manchete a seguir em que a locução adjetiva contribui para qualificar como muito
negativo o evento relatado:

“Homem é preso acusado de estuprar criança de 3 anos na Estrutural” (jornal


Correio Braziliense)

● A seleção das unidades linguísticas utilizadas para mencionar autores ou


instituições em forma sucessiva e anafórica no texto também contribui para
delinear a postura institucional do meio em relação aos enunciados dessas pessoas.
Veja o exemplo a seguir em que a retomada anafórica do referente Dilma Rousseff
mostra uma avaliação positiva de seus ditos:

“Ao fim de sua apresentação no fórum, a chefe de Estado brasileira aproveitou para
responder a mais um ponto de crítica, assegurando que o país está perfeitamente
preparado para a “Copa das Copas”” (Dilma rebate críticas a emergentes e “vende”
Brasil a investidores em Davos, revista Carta Capital)

Também na notícia, encontramos o chamado argumento de prestígio ou autoridade para


convalidar as afirmações realizadas no texto. Assim, a explicação de um determinado
assunto e sua interpretação é argumentada por meio da inserção do discurso de pessoas
qualificadas no assunto. Veja o exemplo a seguir em que uma notícia que adverte sobre os
perigos do déficit nas contas externas traz à tona fala de um especialista a favor dessa tese:

“O deficit (em 2013) foi causado fundamentalmente pelo menor superavit comercial no ano
ano. Para 2014, deve ocorrer uma redução no déficit”, disse Fernando Rocha,
chefe-adjunto do Departamento Econômico do BC.” (O Brasil tem rombo recorde nas
contas externas, jornal Folha de São Paulo)

Referências:
ACOSTA, R. O gênero jornalístico notícia impressa: dialogismo, avaliatividade e estilo.
Revista de Letras, n. 14, 2011, p. 1-14.

24
CARNEIRO, D. O funcionamento dialógico em notícias e artigos de opinião. In: DIONÍSIO,
A.; MACHADO, A.; BEZERRA, M. (Orgs.). Gêneros textuais & ensino. Rio de Janeiro:
Lucerna, 2017, p. 166-196.

KOCH, I. V. Argumentação e linguagem. São Paulo: Cortez, 2011.

POLATO, A.; OLIVEIRA, N. Gênero notícia: movimentos discursivizados nos limites entre
informação e opinião. Fórum Linguístico, v. 12, n. 1. Florianópolis, 2015, p. 579-594.

RIBEIRO, J.; SAITO, R.; CRISTOVÃO, V.; NASCIMENTO, E. Levantamento de elementos


ensináveis no gênero notícia impressa em LM e on line em LE. In: CRISTOVÃO, V. (Org.).
Modelos didáticos de gênero: uma abordagem para o ensino de língua estrangeira.
Londrina: UEL, 2007.

SILVA, P.; SILVA, M. Notícia: a fluidez de um gênero. Anais do SIELP, v. 2, n. 1. Uberlândia,


EDUFU, 2012, p. 1-13.

25
Sequências explicativas
As sequências textuais constituem formas possíveis de organizar a sucessão de conteúdos
que vão sendo apresentados em um texto, de acordo com as intenções do autor. Cada
sequência se constitui de uma série de proposições (orações ou frases) cuja posição no
conjunto lhe dá uma determinada função nessa estrutura maior. Por sua vez, cada texto
pode ter dentro de si várias sequências textuais diferentes. Por exemplo começar com uma
descrição, continuar com uma explicação e finalizar com uma argumentação.

A sequência explicativa tem como base a percepção do interlocutor do caráter


incontestável de determinada proposição ou ideia sobre um certo fenômeno natural ou
social. Essa incontestabilidade faz com que o interlocutor não se sinta obrigado a defender
essa posição por meio da argumentação.

Porém, embora se perceba o conteúdo como incontestável, há, ao mesmo tempo, uma
necessidade de completá-lo, isto é, de desenvolver explicações sobre algum aspecto que
esse conteúdo contém, ou desconstruir alguma possível contradição que ele contenha
(BRONCKART, 1999). Geralmente, a existência de uma explicação pressupõe, implícita ou
explicitamente, uma pergunta a ser respondida, e essa pergunta é da ordem do “por que?”
(ADAM, 2019).

Quem se detém a explicar um fenômeno tem a percepção da existência de uma lacuna de


conhecimento entre ele e os interlocutores, isto é, que há motivos justificados para
explicitar as razões ou causas de uma constatação (ADAM, 2019).

No processo de dar os “porquês” ou de elucidar a questão, são apresentadas as causas ou as


razões que justificam a constatação inicial, e também são explicadas suas possíveis
contradições. Tudo isso, leva a uma reafirmação final da constatação de base, que se vê,
geralmente reformulada ou enriquecida (BRONCKART, 1999).

Quem leva a cabo esse desenvolvimento é uma pessoa autorizada para tal ação, isto é,
explica quem tem o reconhecimento de um certo saber sobre o fenômeno explicado , e, ao
mesmo tempo, quem identifica uma explicação como tal lhe concede ao autor esse direito
de explicar. Além disso, na explicação, há uma expectativa de que o autor seja objetivo ou
neutral em relação aos fatos que explica (ADAM, 2019).
Diferentes movimentos prototípicos são levados a cabo por segmentos do texto para
conformar a explicação, e cada um deles cumpre uma função. As fases possíveis de uma
sequência explicativa são:

● a constatação inicial (introduz o fenômeno incontestável),

26
● a problematização (explicita a questão problemática ou que deve ser esclarecida),

● a resolução ou explicação (introduz informações que respondem à aparente


contradição),

● conclusão/avaliação (reformula ou amplia a constatação inicial).

Veja o seguinte exemplo de explicação extraído de uma entrevista à lingüista Eni Orlandi:

Constatação inicial e problematização (a autora afirma que o político está presente na


linguagem, mas isso implica a problemática de explicar que se entende por político)
“O objetivo de Pêcheux era ver como é que esse político, que não é o partidário, está simbolizado
e como o homem está nessa simbolização do político.”

Resolução (a linguagem é política porque as posições diferentes na sociedade geram


diferenças ideológicas e a ideologia se expressa na linguagem)
“O político está no fato de que, como nossa sociedade é dividida, há uma divisão nos sentidos,
eles não significam a mesma coisa para todos, mas, sim, na diferença. Por seu lado,
consideramos que a materialidade da ideologia é o discurso e a materialidade do discurso é a
língua.”
Conclusão/Avaliação (portanto a linguagem é política porque a língua e ideologia se unem
no discurso)
“Assim, articulam-se língua e ideologia com o discurso.”

Como acontece com as demais sequências textuais, essas fases não são obrigatórias senão
prototípicas, assim como sua ordem. Muitas vezes, em textos reais, alguma delas se
encontra em uma posição diferente, ausente ou pressuposta. Às vezes, duas fases podem
estar unidas (como no exemplo da entrevista a Orlandi), e, também, várias orações podem
cumprir uma mesma fase, assim como uma só também pode fazê-lo.

Além das fases prototípicas da sequência explicativa, algumas expressões também são
características desta sequências, embora não sejam obrigatórias. A palavra “porque”
introduzindo as justificações, assim como os verbos “explicar” e os substantivos “causa” e
“razão”.

Muitos textos de diversos gêneros podem conter seções que se organizem na forma de
sequências explicativas. Porém, dentre essa diversidade, os textos e gêneros do âmbito
científico e acadêmico (artigos científicos, conferências), assim como os que se usam no
ensino (livros didáticos, aulas), são espaços privilegiados para a explicação.

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Na leitura, conhecer as fases de uma sequência explicativa, identificar sua finalidade global
e reconhecer a atitude do autor em relação ao conteúdo explicado nos permite construir
inferências a respeito da forma como devemos interpretar o que estamos lendo. É muito
importante, por exemplo, distinguir quando o autor argumenta, para convencer, e quando
apenas dá razões, para explicar. Isso nos diz muito a respeito do status de verdade ou
opinião do que estamos lendo, ou, sobre tudo, sobre a forma como o autor vê esse status
em relação ao conteúdo de seu discurso.

Outro aspecto importante na leitura é identificar com clareza a constatação de base e seu
aspecto problemático, a fim de não confundi-los com suas causas ou razões.

Referências:

BRONCKART, J-P. Atividades de linguagem, textos e discursos. Por um interacionismo


sócio-discursivo. São Paulo: Educ, 1999.

ADAM, J-M. Textos, tipos e protótipos. São Paulo: Contexto, 2019.

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Sequências argumentativas
“Um discurso argumentativo visa intervir sobre as opiniões, atitudes ou comportamentos
de um interlocutor ou de um auditório, tornando crível ou aceitável um enunciado
(conclusão) apoiado, de acordo com diversas modalidades, em um outro (argumentos,
dados, razões).” (ADAM, 2019)

Portanto, reconhecemos o caráter argumentativo quando a intenção do autor é levar o seu


auditório a aderir a seus posicionamentos por meio da persuasão, que se leva cabo por
meio da apresentação de argumentos ou dados plausíveis, que façam com que esse
auditório acabe inferindo a validade das conclusões a que eles conduzem (KOCH, 2011).

Normalmente, associamos a vontade de convencer com textos do âmbito social ou político,


porém, também na ciência os textos se constroem com base na argumentação e na
controvérsia com posições diferentes (ADAM, 2019). De fato, para além da esfera social em
que o texto circular, a existência de uma postura argumentativa depende, principalmente,
da percepção do autor do caráter polêmico ou discutível da temática sobre a qual está
expondo, que o leva a defender determinadas conclusões (BRONCKART, 1999).

Assim, entendemos que muitos textos, organizados de acordo por diversos gêneros, podem
apresentar a intenção de convencer ou aproximar o leitor de uma determinada posição
ideológica, e, ao mesmo tempo, podemos encontrar essa intenção levada ao texto de forma
mais clara em determinados segmentos desses textos, embora não na totalidade de sua
extensão.

Em um texto concreto, essa vontade se traduz em inúmeros aspectos que o autor material
vai selecionando com a finalidade de tornar o seu texto mais persuasivo. Ele pode escolher
termos que tragam conotações positivas sobre sua postura (adjetivos ou substantivos), pode
utilizar expressões de ênfase para fazer com seus enunciados pareçam mais sólidos, pode
selecionar conteúdos ou informações que defendam melhor sua posição e que agradem a
seu auditório, etc.

Contudo, além desses recursos, a vontade de convencer pode se manifestar em uma


determinada forma de organizar a sucessão de informações colocadas no texto. Essa forma
de colocar as informações, uma após a outra, vai obedecer a um tipo de raciocínio
argumentativo, que consiste, basicamente, em apresentar um conjunto de dados novos em
relação a uma determinada premissa, que levem o interlocutor a concluir uma certa tese ou
conclusão que reformula a premissa inicial; sendo possível, também, que alguns desses
dados, em lugar de reforçar, contribuam para restringir ou questionar a premissa,
modificando o alcance da conclusão (BRONCKART, 1999).

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Quando esse tipo de raciocínio se transforma em texto, ele adota, geralmente, quatro fases,
representadas, cada uma delas, por um ou vários enunciados.

● Uma fase de premissa ou constatação de partida.


Por exemplo: Os seres humanos são inteligentes.

● Uma fase de apresentação de argumentos que orientam para a conclusão.


Por exemplo: Os seres humanos fazem guerra. Nas guerras morrem pessoas. As
guerras trazem problemas econômicos.

● Uma fase de apresentação de contra-argumentos que restringem o valor dos


argumentos.
Por exemplo: Algumas guerras contribuíram para o estabelecimento das liberdades
individuais.

● Uma fase de conclusão, ou de nova tese, que reformula a premissa, incorporando os


contrapesos apresentados pelos argumentos e contra-argumentos.
Por exemplo: Os seres humanos não são tão inteligentes.

Este protótipo ideal de sequência argumentativa, em textos reais, pode apresentar formas
diferentes e mais livres. Por exemplo, muitas vezes a premissa inicial não é enunciada e é
colocada como um pressuposto que o leitor pode inferir. Além disso, os argumentos e
contra-argumentos podem não aparecer necessariamente separados, mas entrelaçados de
diversas formas. Veja um exemplo de apresentação da sequência ideal anterior em um
parágrafo simulado:

A existência de guerras no mundo atual parece pôr em questão a sobrevivência da espécie


(premissa implícita). Elas são sangrantes, trazem milhões de mortos e têm enormes
consequências econômicas para os países (apresentação de argumentos). É verdade que , em
alguns momentos da história, esses conflitos têm servido para ganhar direitos sociais ou políticos
(apresentação de contra-argumento). Porém, o custo dessas lutas tem sido sempre sangrento e
dolorido (apresentação argumento), o que nos faz pensar que sua persistência até nossos dias
mostra a desinteligência coletiva da humanidade (tese final ou conclusão).

Na interação real, esta sucessão de argumentos e contra-argumentos obedece à intenção


do autor de convencer. Assim, os argumentos são colocados para dar ao leitor razões para
acreditar, e os contra-argumentos são colocados para refutar possíveis objeções à
conclusão. Trata-se de uma espécie de negociação em que o autor vai apresentando ao
leitor razões pró e contra e antecipando as possíveis críticas a seu ponto de vista (DOLZ,
1996).

30
Neste tipo de sequências é comum encontrarmos a presença ou a “encenação” de múltiplas
vozes ou polifonia, seja de forma explícita ou implícita. Essas vozes podem aparecer tanto
para convalidar os argumentos, como para desprestigiar os contra-argumentos, lembrando
que a argumentação deriva do fato de o autor perceber que o objeto de sua discussão é
questionável, senão não haveria razão para argumentar e bastaria com descrever ou
explicar (BRONCKART, 1999).

Na leitura de textos de diversos gêneros, podemos encontrar segmentos cujas informações


estejam organizadas seguindo o protótipo de uma sequência argumentativa, embora esses
segmentos sejam, algumas vezes, breves e apareçam intercalados com outras formas de
planificação, como a descrição, a explicação ou a narração. Como vimos na seção sobre o
gênero discursivo texto teórico estes textos têm como propósito apresentar uma explicação
sobre algum fenómeno ou experiência em termos teóricos, por isso é comum encontrar
como parte da argumentação estas sequências como uma estrategia para abordar as
causas e efeitos dos fenómenos, mas também para entrar em diálogo com otros
argumentos de discursos anteriores, para defendê-los ou tomar distância de outros
posicionamentos.

Finalmente, é importante lembrar que, quando estamos lendo, reconhecer esses segmentos
argumentativos e perceber as funções de suas diferentes partes é de muita ajuda na
interpretação, principalmente quando queremos extrair uma conclusão a respeito da
posição que um autor efetivamente defende em meio a múltiplos argumentos e
contra-argumentos.

Referências:

BRONCKART, J-P. Atividades de linguagem, textos e discursos. Por um interacionismo


sócio-discursivo. São Paulo: Educ, 1999.

DOLZ, J. Learning Argumentative Capacities. A study of the Effects of a Systematic and


Intensive Teaching of Argumentative Discourse in 11-12 Year Old Children. Argumentation,
Netherlands: Kluwer Academic Publishers, 10, 1996, p. 227-251.

KOCH, I. V. Argumentação e linguagem. São Paulo: Cortez, 2011b.

ADAM, J-M. Textos, tipos e protótipos. São Paulo: Contexto, 2019.

31
Conectores lógicos
Denominamos conectores lógicos a um grupo de palavras que servem para explicitar
relações de articulação entre segmentos dos diferentes níveis de organização do texto:
relações entre parágrafos, entre partes de uma sequência, entre partes de uma oração
complexa, etc (BRONCKART, 1999).

Sua natureza lógica tem a ver com que o tipo de relações que explicitam entre as partes do
discurso que conectam é de tipo lógico, e não temporal ou espacial, como fazem outros
termos. As relações lógicas mais comuns são as de implicação, causalidade, conjunção,
restrição, oposição, contraste, explicação, alternativa, conclusão, etc.

Como se disse na seção dedicada ao gênero discursivo artigo científico, os textos


organizados dentro desse gênero contam frequentemente com conectores lógicos que
ajudam a balizar as relações estabelecidas entre as diferentes seções de texto que vão se
sucedendo.

Como se viu no artigo “Imagens e estereótipos do Brasil em reportagens de


correspondentes internacionais”, há três tipos de relações importantes na organização do
artigo, e da sequência argumentativa dentro dele, as relações de conjunção, as de oposição
e as de conclusão.

Relações de conjunção: estabelecem ligações entre enunciados que constituem argumentos


para uma mesma conclusão e são realizadas por conectores como “também”, “tanto…
como”, “além de”, “além disso”, “ainda”, inclusive”, etc.

Ex:
“João é, sem dúvida, o melhor candidato. Tem boa formação e apresenta um consistente
programa administrativo. Além disso, revela pleno conhecimento dos problemas da
população. Ressalte-se, ainda, que não faz promessas demagógicas.”

Relações de oposição: estabelecem contrajunções entre enunciados que possuem


orientações argumentativas diferentes e são realizados por conectores como “mas”,
“porém”, “contudo”, “todavia”, etc.

Ex:
“Tinha todos os requisitos para ser um homem feliz. Mas vivia só e deprimido.”

32
Relações conclusão: introduzem um enunciado de valor conclusivo em relação a
enunciados anteriores e são realizadas por conectores como “portanto”, “logo”, “por
conseguinte”, “pois”, etc.

Ex:
“João é um indivíduo perigoso. Portanto, fique longe dele.”

Do ponto de vista da compreensão leitora, os conectores ocupam um papel muito


importante pois antecipam ao leitor a orientação argumentativa dos enunciados que são
lidos, um após o outro, e sua correta interpretação é necessária para conseguir construir
um sentido coerente dos diferentes segmentos do texto (KOCH, 2013)

Referências:

BRONCKART, J-P. Atividades de linguagem, textos e discursos. Por um interacionismo


sócio-discursivo. São Paulo: Educ, 1999.

KOCH, I. V. A coesão textual. São Paulo: Contexto, 2013.

33
Polifonia
O conceito de polifonia postula que é possível que “se representem, encenem, (no sentido
teatral), em dado texto, perspectivas ou pontos de vista de enunciadores diferentes(...)”
(KOCH, 2011a, p. 154).

Algumas vezes, essa presença da “voz de outros”, além da voz do autor, é feita de forma
explícita, identificando o que se diz com seu autor. Outras vezes, essa informação é omitida
supondo que o interlocutor já conhece a origem da fala, por exemplo, quando é
mencionada a frase popular de alguma pessoa pública. Em todos esses casos se fala fala de
processos de intertextualidade.

Porém, outras vezes, nem a voz do outro é atribuída explicitamente a ele, nem é suposto
que o interlocutor conheça especificamente a fala anterior a que se faz referência, senão
que simplesmente se trazem ao texto enunciados que apresentam perspectivas ou pontos
de vista diferentes e que são responsabilidade de enunciadores - reais ou virtuais - outros.

Dentro das passagens em que a referência à voz do outro é feita de forma explícita temos o
denominado discurso relatado, isto é, os segmentos de um texto em que “o locutor faz com
que outro personagem diga algo no interior de seu texto” (KOCH, 2011b, p. 138). Esse
discurso relatado pode adotar as formas diretas, marcadas por aspas, ou indiretas,
introduzidas dentro de orações iniciadas com expressões como “disse que…”. Veja os
exemplos:

“O Brasil foi o único país americano que participou da pilhagem da África. O presidente fez o
certo”, enfatizou o historiador Luiz Felipe de Alencastro. (o discurso é relatado em forma
direta)

Quanto ao passado, Isabel disse que a sociedade deve, sim, pedir desculpas aos negros africanos,
mas deve sobretudo agradecer pelo que fizeram pela cultura nacional miscigenada, original e
rica. (o discurso é relatado em forma indireta)

Na maior parte dos casos, este discurso relatado explícito é introduzido pelos denominados
“verbos de dizer” que explicitam a responsabilidade enunciativa sobre o enunciado que
introduzem. Alguns deles são: dizer, responder, afirmar, concluir, argumentar, enfatizar e
outros do mesmo tipo.

Por outro lado, também é possível apresentar essas vozes de outros em forma implícita de
diversas formas:

34
● por meio da pressuposição contida em uma enunciado sobre a qual o enunciador
não é responsável,

● por meio da negação de um enunciado, cuja afirmação está implícita e também não
corresponde ao enunciador,

● por meio do estabelecimento de um dúvida sobre uma asserção, que faz com que o
enunciador se exima de responsabilidade,

● por meio da utilização de conectores lógicos de oposição que delimitam a diferença


entre o que o autor enuncia o aquilo que não é de sua responsabilidade. Veja alguns
exemplos:

João já não confia em sua mulher (está pressuposto que antes confiava, algo que não é
afirmado pelo enunciador principal)

Ele não é orgulhoso, pelo contrário, é um homem bastante simples. (está pressuposto que
alguém sim afirma que ele é orgulhoso)

O preço do petróleo subiria na próxima semana. (o verbo no futuro do pretérito estabelece


uma dúvida sobre a veracidade do fato e o mostra como algo sobre o qual o autor não se
responsabiliza)

Parece que o custo de vida subirá menos no próximo ano. (o uso de “parece” também retira a
responsabilidade do enunciador pelo que é dito)

Se aquilo é uma obra de arte, então eu sou uma estrela de cinema. (o enunciado regido pelo
condicional “se” é apresentado como contrário à apreciação do autor)

Maria é realmente inteligente, mas eu não me casaria com ela. (o autor opõe a voz de um outro
à sua própria)

No marco da argumentação, a mobilização de vozes outras além da voz do autor, seja de


forma explícita ou de forma implícita, serve como estratégia de reforçamento da
capacidade persuasiva dos argumentos e da fortaleza das conclusões (KOCH, 2011b). Por um
lado, referir explicitamente o discurso de uma pessoa com autoridade social pode servir
como “argumento de prestígio ou autoridade”, porém, a menção explícita dessa opinião de
outro pode ser uma forma de estabelecer uma polêmica e mostrar a maior validade dos
argumentos do autor. Além disso, a utilização implícita de argumentos atribuídos a outros,
tanto a favor quanto contra a postura que se quer defender, serve como forma de organizar
os argumentos a favor e contra a tese final.

35
Como o explica Bakhtin (2002, p. 280), quando as vozes dos outros entram no discurso de
um texto, não o fazem de forma neutral, senão que adquirem novas entonações uma vez
que “a expressividade do falante penetra através dessas fronteiras e se extende até o
discurso alheio, pode ser representada mediante tons irônicos, indignados, compassivos,
devotos (...) O discurso alheio, pois, possui uma expressividade dupla: a própria, que é
precisamente a a alheia, e a expressividade do enunciado que acolhe o discurso alheio.”

No contexto da leitura, a percepção da polifonia é de muita importância, uma vez que


reconhecer quais enunciados ou opiniões são responsabilidade do autor e quais não é
essencial para construir um sentido coerente do texto. Além disso, reconhecer por quais
enunciados o autor se responsabiliza e por quais não nos permite inferir a postura
argumentativa do autor em relação às opiniões que são mobilizadas no texto.

Finalmente, no artigo científico, relatar em forma explícita o discurso de pares científicos é


uma forma de dar validade ao que se quer afirmar, isto é, é uma forma de argumentar a
favor da tese que se quer defender (COSTA, 2003). Porém, muitas vezes, o autor de um
artigo científico pode citar uma fala de outro científico para questioná-la e estabelecer com
ela uma polêmica.

Referências:

COSTA, A. R. D. O gênero textual artigo científico: estratégias de organização. Dissertação


de Mestrado. Universidade Federal de Pernambuco. 2003

KOCH, I. V. Introdução à linguística textual. São Paulo: Martins Fontes, 2011a.

KOCH, I. V. Argumentação e linguagem. São Paulo: Cortez, 2011b.

BAKHTIN, M. El problema de los géneros del discurso. In: BAKHTIN, M. Estética de la


creación verbal. Buenos Aires: Siglo Veintiuno, 2002)

36
Anáforas
A palavra “texto” deriva do termo latino “textum”, que significava “tecido”. Essa origem
etimológica mostra a associação histórica entre o discurso e a ideia de um encadeamento
sucessivo de elementos entrelaçados.

De fato, os sentidos que se constroem em um texto, e que nós reconstruímos ao ler, não se
formam com base na união de significado isolados, mas relações relações semânticas e
sintáticas entre todas as partes.

Dessa concepção deriva a ideia de coesão de um texto, isto é, do conjunto de mecanismos


que permitem que um elemento do discurso estabeleça elos de relação com elementos
posteriores e anteriores resultando assim em uma sucessão ligada de seus componentes
(KOCH, 2013).

Segundo Koch (2013, p. 18), “(...) pode se afirmar que o conceito de coesão textual diz
respeito a todos os processos de sequencialização que asseguram (ou tornam recuperável)
uma ligação linguística significativa entre os elementos que ocorrem na superfície textual.”
Dentro desses mecanismos, os de coerência referencial permitem que determinadas
palavras construam seu significado a partir de sua ligação com um elemento outro,
anterior ou posterior1. Assim, quando temos uma relação de coesão referencial, há dois
elementos, um referente anterior ou posterior, e um elemento que se remete a ele, como no
exemplo a seguir:

● O problema da seca (referente textual) está afetando todos os produtores de milho, que
sofrem essa dificuldade (forma remissiva) todos os anos.

Assim, na língua portuguesa, há um conjunto de palavras que têm a capacidade de


estabelecer esse tipo de relações de co-referência com um elemento que já apareceu ou
que vai aparecer no texto. E, quando algum desses termos é acionado com essa função
dizemos que há uma anáfora, isto é, um termo que retoma algum aspecto do sentido de
outro.

Dentro dos termos que têm a capacidade de estabelecer esse tipo de relação de
co-referência, há dois grandes grupos: um formado por palavras de ordem gramatical2
(pronomes, artigos, etc), e um por palavras com conteúdo lexical (substantivos e adjetivos)
(KOCH, 2011).

Os exemplos a seguir mostram algumas palavras de ordem gramatical funcionando como


anáforas:

37
● Durante muito tempo, os escoteiros tentaram obter socorro. (∅) Chamaram, (∅) gritaram,
(∅) acenderam fogueiras (elipse do sujeito), mas nada adiantou.

● Vá buscar as crianças na escola. Elas (pronome pessoal) saem às 17h.

● As obras póstumas do autor ganharam muita popularidade nacional, após traduzi-las


(pronome oblíquo de objeto direto), também se tornaram populares no exterior.

● Todos os livros estão na estante. Os meus (pronome possessivo) são os de capa azul.

● As questões de desigualdade de gênero devem ser levadas a sério urgentemente, isso


(pronome demonstrativo) não pode esperar.

● Entrei em casa e corri para o quarto. Lá (advérbio locativo) estava o presente, em cima
da mesa.

Por sua vez, palavras com conteúdo lexical também podem remeter a expressões utilizadas
antes ou depois, reiterando algum aspecto da referência, por meio de mecanismos como
nos exemplos a seguir:

● A casinha ficava no meio da floresta. No casebre (uso de sinônimo) morava um velho


lenhador.

● Dois navios foram atingidos pelo fogo inimigo. Diante dos estragos, a esquadra (uso de
hiperônimo) se retirou.

● Mais uma vez, ouviu-se um estranho estrondo no interior da selva. Ninguém sabia
explicar o fenômeno (uso de nome genérico).

● Os alunos da escolinha resolveram organizar uma festa junina. Mesmo sem ajuda dos
adultos, a organização (nominalização) nada deixou a desejar.

Em relação ao referente dessas expressões anafóricas, devemos dizer que eles podem ter
tamanho diverso, podendo ser uma palavra, uma oração, várias orações ou um texto
inteiro. E, em alguns casos, os referentes podem ser elementos não mencionados
explicitamente no texto, que podem ser inferidos pelo leitor por meio da associação. Veja
alguns exemplos:

● No quintal, as crianças brincavam. O prédio vizinho estava em construção. Os carros


passavam buzinando (referente composto de várias orações). Tudo isto tirava-me a
concentração.

38
● É preciso considerar o seguinte: que, para fazer cair a inflação, não basta congelar
preços e salários, mas é preciso diminuir os gastos da administração pública (referente
composto de uma seção explicitada do texto).

● Ontem houve um casamento. A noiva (referência associativa implícita) usava um longo


vestido branco.

Ao longo do texto, as anáforas conformam cadeias de mútua referência associativa, que


permitem que ele ganhe solidez ou ligação. Assim, dentro de cada texto, podemos
encontrar referentes principais, que vão sendo retomados sucessivamente, geralmente em
torno dos principais temas ou personagens (BRONCKART, 1999). Além disso, à medida que
um objeto do discurso vai sendo retomado por novas palavras, ele vai ganhando
características ou aspectos que (re) configuram a forma em que esses objetos são vistos
pelo autor (KOCH, 2013).

Na leitura, é muito importante acompanhar as referências que o texto vai estabelecendo e


as relação que há entre elas, a fim de poder construir a ideias de forma coerente. Além
disso, estar atentos à compreensão dessas relações nos permite acompanhar a progressão
temática do texto como um todo, e não dar sentido apenas a fragmentos isolados.

1
As anáforas mais comuns estabelecem relações com um referente anterior. Porém, é
possível que a forma remissiva apareça antes que a o referente. Para esses casos, utiliza-se
o termo catáfora.

Referências:

BRONCKART, J-P. Atividades de linguagem, textos e discursos. Por um interacionismo


sócio-discursivo. São Paulo: Educ, 1999.

KOCH, I. V. A coesão textual. São Paulo: Contexto, 2013.

KOCH, I. V. Introdução à linguística textual. São Paulo: Martins Fontes, 2011a.

39
Modalização
“Assim sendo, consideram-se as modalidades como parte da atividade ilocucionária, já que
revelam a atitude do falante perante o enunciado que produz: elas constituem, segundo
Perret (1976), atos ilocucionários constitutivos da significação dos enunciados, sendo
motivadas pelo jogo da produção e do reconhecimento das intenções do falante e, como os
demais atos de linguagem, classificáveis e convencionalizadas. Postula-se, também, para as
modalidades, de acordo com Guimarães (1976) e (1979), um caráter ilocucionário
argumentativo.” (KOCH, 2011, p. 72)

De acordo com Bronckart (1999), a modalização é um dos mecanismos enunciativos através


dos quais é constituída a coerência pragmática ou enunciativa dos textos, isto quer dizer
que, por meio deste mecanismo os textos adotam a forma que seus propósitos requerem.

Concretamente, por meio de expressões ou marcadores de modalização são explicitadas


avaliações e julgamentos do autor sobre as temáticas nele mencionadas. Assim, mediante
os operadores de modalização, o agente apresenta os conteúdos do texto enquadrados por
um modus que contribua com a obtenção do propósito de sua ação de linguagem e em
direta relação com o tipo de interpretação que pretende provocar no interlocutor
(BRONCKART, 1999).

Dessa forma, todos enunciados do texto, e mais precisamente todos os objetos de discurso,
sejam eles atribuíveis à voz do autor ou às vozes de outros personagens sociais, podem ser
avaliados como certos, prováveis, necessários, dispensáveis, bons ou ruins, de acordo com
o uso destes mecanismos que permitem inserir localmente essas opiniões.

Para Bronckart (1999), é possível identificar quatro funções da modalização levadas a cabo
por determinadas unidades linguísticas.

A primeira delas é a modalização lógica, que expressa uma avaliação relacionada com a
verdade dos conteúdos do texto. Por meio da modalização lógica, os objetos de discurso
podem ser apresentados como necessariamente certos ou como eventualmente possíveis.
Veja os exemplos:

● “A estratégia de abertura e inserção internacional - sem dúvida (MODALIZAÇÃO DE


NECESSIDADE/CERTEZA) necessária a um país de nossas dimensões -, mesmo que
administrada com mais rigor do que foi, já causaria um inevitável impacto nas
condições sociais” (Os caminhos da oposição, jornal O Estado de São Paulo)

40
● “Com certeza (MODALIZAÇÃO DE NECESSIDADE/CERTEZA), muito da descrença
popular numa saída para a eterna crise brasileira – sentimento que contribui para a
vitória do FHC, com o voto na "mediocridade estável", como diz Tarso Genro – tem a
ver com a impotência da sociedade para controlar a corrupção e os desmandos, que
aparentam ser inerentes à atividade política.” (Desafio para a esquerda, jornal A
notícia)

● “Talvez (MODALIZAÇÃO DE POSSIBILIDADE/INCERTEZA) a publicação, pelo


Sunday Times de Rupert Murdoch, das memórias da sra. Robin Cook revelando
detalhes da intimidade do ministro das Relações Exteriores, finalmente convença a
maioria trabalhista do Parlamento a fazer alguma coisa para que a imprensa volte a
seguir as leis.” (O jornalismo covarde e a reforma da imprensa, jornal O Estado de São
Paulo)

● “O que me atemoriza é ver um padre pop star. Talvez (MODALIZAÇÃO DE


POSSIBILIDADE/INCERTEZA) o anacrônico seja eu, que jamais aceito convites para
aparecer na TV. Prefiro aparecer entre os excluídos, nas comunidades eclesiais de
base, na pastoral operária, na periferia, entre sem-terra e sem-teto.” (Querido padre
Marcelo Rossi, jornal Folha de São Paulo)

Nesse mesmo grupo, temos também expressões que marcam a relação do enunciador com
as condições de verdade do que se diz, isto é, se ele tem certeza do que afirma ou apenas o
considera possível. Veja os exemplos:

● “Com a experiência de quem jogou quatro Copas do Mundo e acompanhou outras


sete de perto, não tenho dúvida (MODALIZAÇÃO DE “TER CERTEZA”) em dizer que
não é boa a idéia do novo presidente da Fifa, Joseph Blatter, que disse ter a intenção
de fazer uma Copa a cada dois anos -em vez de a cada quatro (...).” (Um bode
chamado copa a cada dois, jornal Folha de São Paulo)

● “Os cultores da literatura light, do êxito em nossos dias, descartam-na com


ceticismo brincalhão. Mas creio (MODALIZAÇÃO DE “APENAS CRER”) que fizemos
bem quando continuamos escrevendo com a ilusão, talvez infundada, de que a
literatura serve para algo mais do que passar um momento divertido.” (Pedra de
toque, O Estado de São Paulo)

A segunda função das modalizações é a deôntica que consiste em estabelecer avaliações


relativas à adequação dos objetos de discurso ao “dever ser” das regras sociais ou do que é
legalmente aceito ou esperado. Assim, alguns objetos de discurso são apresentados como
moralmente necessários ou positivos e outros como contrários a isso. Veja os exemplos:

41
● “Elevemos, pois, o debate para além dos interesses imediatos e egoístas de cada
comunidade nacional. Ousemos lutar e abrir novos caminhos. É urgente!”
(MODALIZAÇÃO DE “DEVER MORAL”) (A Europa e a responsabilidade da esquerda,
jornal Folha de São Paulo)

● “Se uma equivalência não for claramente estabelecida e respeitada, (...) conduzirá a
emissões de bilhetes discutíveis e, em todo caso, discutidas. É lamentável
(MODALIZAÇÃO DE DISCORDÂNCIA COM CERTOS VALORES MORAIS) que, neste
domínio, governos ou instâncias internacionais possam improvisar à vontade, sem
controle e sem limites.” (exemplo do livro Atividades de linguagem, textos e
discursos)

● Finalmente, há marcadores de modalização apreciativa que têm a função de


explicitar uma avaliação subjetiva de satisfação ou insatisfação a respeito de algum
aspecto do que está sendo dito.

● “Nenhuma causa de morte é tão prevenível quanto a do cigarro. Mas, infelizmente


(MODALIZAÇÃO DE INSATISFAÇÃO), o hábito de fumar está arraigado nas pessoas e
é reforçado pela propaganda.” (Os malefícios do tabagismo, jornal A notícia)

● “Felizmente (MODALIZAÇÃO DE SATISFAÇÃO) há, hoje, boas notícias. Na mesma


Inglaterra da Terceira Via, de Tony Blair, proibiram-se experiências científicas de
uso de colírio nos olhos dos ratos e de cremes de beleza no focinho dos porcos.”
(Uma tarde de tédio, jornal A notícia)

Podemos encontrar o recurso a estes mecanismos em múltiplos textos pertencentes a


diferentes gêneros. Porém, sua presença está associada a situações em que os objetos de
discurso são objetáveis ou polêmicos e a modalização funciona neles como mecanismo de
avaliação dos diferentes objetos de discurso na argumentação (BRONCKART, 1999).

Particularmente, no gênero artigo de opinião os marcadores de modalização participam do


enquadramento ou da avaliação dos objetos de discurso mobilizados pelas diferentes vozes
que aparecem em cada texto, ajudando a tornar explícita a atitude do autor em relação ao
que vai sendo dito. Assim, as expressões de modalização lógica que denotam possibilidade
servem ao autor do texto para apresentar determinados fatos como improváveis ou apenas
possíveis, geralmente os fatos que não se direcionam a sua conclusão, e, ao mesmo tempo,
as expressões de modalização lógica que denotam certeza servem para mostrar as opiniões
favoráveis a sua visão como verdades firmes. O mesmo pode acontecer com as modalização
que denotam um dever moram ou uma satisfação ou insatisfação (RODRIGUES, 2001).

42
De acordo com os estudos de Rodrigues (2001) sobre o gênero artigo, a utilização da
modalização como ferramenta para apresentar os posicionamentos do autor como
obrigatórios (científica ou moralmente) é uma das principais funções dessa operação no
gênero, o que se encontra sustentado pelo fato de que em um artigo o autor está legitimado
socialmente para enunciar sobre a temática e sobrepor seus enunciados aos dos seus
interlocutores e opositores.

Do ponto de vista da leitura, interpretar de forma crítica estes mecanismos nos permite
entender a visão do autor sobre os temas que estão sendo tratados no texto, ou seja, chegar
a compreender como ele vê o assunto ou como ele pretendia que nós o víssemos. Além do
mais, detectar o uso destes mecanismos nos ajuda a reconhecer até que ponto as ideias
mobilizadas em um texto estão sendo justificadas por fatos ou apenas por expressões de
ênfase colocadas pelo autor para acreditar ou desacreditar a diferentes posições em uma
polêmica social.

Referências:

BRONCKART, J-P. Atividades de linguagem, textos e discursos. Por um interacionismo


sócio-discursivo. São Paulo: Educ, 1999.

KOCH, I. V. Argumentação e linguagem. São Paulo: Cortez, 2011b.

RODRIGUES, R. A constituição e o funcionamento do gênero jornalístico artigo: cronotopo


e dialogismo. Tese (Doutorado em Linguística Aplicada). Programa de Pós-Graduação em
Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem, Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, São Paulo, 2001.

43
Tempos verbais
Em primeiro lugar, devemos dizer que os tempos verbais funcionam como elementos
dêiticos, isto é, eles identificam realidades que estão fora da linguagem e a trazem para
dentro dela. Os tempo verbais, assim entendidos, explicitam as relação entre os eventos
referidos pelos verbos e o tempo da enunciação ou dos atos de fala concretos (ILARI,2016).

Devemos levar em conta que a referência fundamental para a localização temporal dos
eventos mencionados em um texto é o ato de enunciação desse texto ou “momento da fala”,
tendo, todos os tempos verbais, alguma relação com esse momento, de anterioridade, de
simultaneidade ou de posterioridade.

Assim, teremos:

● Um tempo verbal que situa os eventos como simultâneos ao ato de fala, ou presente.

● Tempos verbais que situam os eventos como anteriores ao ato de fala, ou passados.

● Tempo verbais que situam os eventos como posteriores ao ato de fala ou algum
outro ponto de referência, ou futuros.

Porém, é importante saber que os morfemas correspondentes a cada tempo verbal não
sempre funcionam, no uso, denotando o mesmo tipo de relação temporal. Isso justifica que
Castilho (2016), por exemplo, classifique os significados desses tempos como reais, os mais
comuns, metafóricos, as formas divergentes, e atemporais, nos casos em que algum tempo
verbal contenha esse significado.

O tempo presente

O tempo presente em português, em seu uso real, denota a simultaneidade do evento do


verbo com o ato de fala; em seu uso metafórico ele pode denotar também um evento
passado; e em seu uso atemporal ele denota a qualidade de verdade eterna dos eventos
mencionados. Veja os exemplos:

Presente real (simultaneidade): Vivemos uma época muito feliz

Presente metafórico (evento passado): Quando sai, vê que chovia

Presente atemporal (verdade eterna): A terra gira à volta do sol

44
Paradigma de verbos regulares no presente

Pronomes pessoais falar comer assistir

Eu falo como assisto

Você / Ele / Ela fala come assiste

Nós falamos comemos assistimos

Vocês / Eles / Elas falam comem assistem

Paradigma de alguns verbos irregulares no presente

Pronomes ser estar ter vir ir


pessoais

Eu sou estou tenho venho vou

Você / Ele / Ela é está tem vem vai

Nós somos estamos temos vimos vamos

Vocês / Eles / são estão têm vêm vão


Elas

Pronomes ver dar trazer dizer saber


pessoais

Eu vejo dou trago digo sei

Você / Ele / Ela vê dá traz diz sabe

Nós vemos damos trazemos dizemos sabemos

Vocês / Eles / veem dão trazem dizem sabem


Elas

Pronomes fazer querer poder pôr


pessoais

45
Eu faço quero posso ponho

Você / Ele / Ela faz quer pode põe

Nós fazemos queremos podemos pomos

Vocês / Eles / fazem querem podem põem


Elas

Os tempos passados

Quanto ao passado, temos vários tempos verbais marcados morfologicamente. Aqui vamos
nos deter somente em dois: o pretérito perfeito simples e o pretérito imperfeito.

O pretérito perfeito simples, em seu uso real, denota a anterioridade pontual com o ato da
fala; em seu uso metafórico ele pode denotar também um evento anterior não pontual
como os do pretérito imperfeito; e em seu uso atemporal ele denota um evento passado
tido como um fato consumado. Veja os exemplos:

● Pretérito perfeito simples real (anterioridade pontual): Andou um pouco caiu logo em
seguida.

● Pretérito perfeito simples metafórico (anterioridade não pontual): Quando trabalhei


lá, eu o vi diariamente.

● Pretérito perfeito simples atemporal (fato consumado): Quem morreu, morreu.

Paradigma de verbos regulares no pretérito perfeito

Pronomes falar comer assistir


pessoais

Eu falei comi assisti

Você / Ele / falou comeu assistiu


Ela

Nós falamos comemos assistimos

Vocês / falaram comeram assistiram


Eles / Elas

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Paradigma de alguns verbos irregulares no pretérito perfeito

Pronomes ser / ir ter vir


pessoais

Eu fui tive vim

Você / Ele / Ela foi teve veio

Nós fomos tivemos viemos

Vocês / Eles / foram tiveram vieram


Elas

Pronomes pôr ver dar


pessoais

Eu pus vi dei

Você / Ele / Ela pôs viu deu

Nós pusemos vimos demos

Vocês / Eles / puseram viram deram


Elas

Pronomes trazer dizer fazer


pessoais

Eu trouxe disse fiz

Você / Ele / Ela trouxe disse fez

Nós trouxemos dissemos fizemos

Vocês / Eles / trouxeram disseram fizeram


Elas

Pronomes pessoais querer poder estar

47
Eu quis pude estive

Você / Ele / Ela quis pôde esteve

Nós quisemos pudemos estivemos

Vocês / Eles / Elas quiseram puderam estiveram

O pretérito imperfeito, em seu uso real, denota a anterioridade não pontual ao ato da fala;
em seu uso metafórico, ele pode denotar também um evento presente expressando
atenuação ou polidez; e em seu uso atemporal, ele denota eventos passados ainda sem
concluir. Veja os exemplos:

● Pretérito imperfeito real (anterioridade não pontual): Quando cheguei, ela olhava pelo
buraco da fechadura.

● Pretérito imperfeito metafórico (presente atenuado): Queria que vocês aceitassem


minha proposta.

● Pretérito imperfeito atemporal (passado sem concluir): Sentada na borda da cama,


afinal ela ia embora.

Paradigma de verbos regulares no pretérito imperfeito

Pronomes falar comer assistir


pessoais

Eu falava comia assistia

Você / Ele / Ela falavam comia assistia

Nós falávamos comíamos assistíamos

Vocês / Eles / falavam comiam assistiam


Elas

Paradigma de alguns verbos irregulares no pretérito imperfeito

Pronomes ser / ir ter vir


pessoais

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Eu era tinha vinha

Você / Ele / Ela era tinha vinha

Nós éramos tínhamos vínhamos

Vocês / Eles / eram tinham vinham


Elas

Pronomes pôr ver dar


pessoais

Eu punha via dava

Você / Ele / Ela punha via dava

Nós púnhamos víamos dávamos

Vocês / Eles / punham viam davam


Elas

Os tempos futuros

Quanto ao futuro, temos dois tipos marcados morfologicamente. O futuro do presente e o


futuro do pretérito.

O futuro do presente, em seu uso real, denota posterioridade ao ato da fala; já em seu uso
metafórico, ele pode denotar também um evento presente expressado com atenuação ou
polidez.

Veja os exemplos:

● Futuro do presente real (posterioridade ao dato da fala): O médico diz que virá.

● Futuro de presente metafórico (presente atenuado): Quanto custará isto?

Paradigma de verbos regulares no futuro do presente

Pronomes falar comer assistir


pessoais

Eu falarei comerei assistirei

49
Você / Ele / Ela falará comerá assistirá

Nós falaremos comeremos assistiremos

Vocês / Eles / falarão comerão assistirão


Elas

O futuro do pretérito, em seu uso real, denota posterioridade em relação a um ato de fala
anterior ou remoto; já em seu uso metafórico, ele pode denotar também um evento
presente expressando atenuação ou polidez. Veja os exemplos:

Futuro do pretérito real (posterioridade a um ato de fala anterior): O médico disse que
chegaria mais tarde
Futuro do pretérito metafórico (presente atenuado): Eu acharia melhor irmos embora agora

Paradigma de verbos regulares no futuro do pretérito

Pronomes falar comer assistir


pessoais

Eu falaria comeria assistiria

Você / Ele / Ela falaria comeria assistiria

Nós falaríamos comeríamos assistiríamos

Vocês / Eles / falariam comeriam assistiriam


Elas

Como você deve ter percebido, nesta descrição, só apresentamos os tempos verbais do
português no modo indicativo, que corresponde à avaliação positiva em relação à efetiva
ocorrência dos eventos que são referidos. Porém, vamos ter, em português, variações
desses mesmos tempos verbais para o modo subjuntivo, que corresponde às situações
imaginárias ou que não necessariamente acontecem, que não explicaremos aqui. Também
não estamos explicando as nuanças que o aspecto dos diferentes verbos podem imprimir a
cada tempo verbal, trazendo informações outras sobre duração, pontualidade ou repetição
dos eventos referidos (CASTILHO, 2016).

Além da informação dêitica referida à relação entre o tempo real e o tempo dos eventos no
texto, os tempos verbais podem trazer, também, informações de outra natureza, que nos
permitem diferenciar momentos de narração de momentos de comentário (CASTILHO,

50
2016).

Assim, por meio do uso de verbos conjugados no presente, enquadramos os eventos


referidos dentro do “mundo comentado”, e por meio do uso de verbos conjugados no
passado, enquadramos os eventos referidos dentro do “mundo narrado”. Isto é, trazemos
informações a respeito do tipo de situação em se produz o texto, se é de comentário ou de
narração (CASTILHO, 2016).

De acordo com Koch (2011), essas situações de comentário ou de narração são muito
importantes para reconhecer a atitude do enunciador frente ao que é dito. Assim, por meio
do comentário, o enunciador apresenta no discurso eventos que o afetam de forma mais
próxima. Comentando, ele fala de forma mais comprometida com a realidade ao seu redor.
Já por meio da narração, o enunciador apresenta no discurso eventos relativamente
distantes que, ao passar pelo filtro do relato, perdem sua força e não demandam tanta
“tensão” do enunciador.

Como o explica Koch (2011), no jogo da interação, quando o enunciador organiza seu
discurso como comentário, isto é, por meio de verbos no presente, ele quer alertar o
ouvinte de que está se falando de algo que o afeta diretamente e que requer sua atenção ou
resposta. Porém, quando o enunciador organiza seu discurso como narração, por meio de
verbos no passado, ele convida o ouvinte à observação de uma situação que não o afeta de
forma imediata, pois corre em um tempo anterior que só é válido enquanto dura o relato.
Veja o exemplo proposto por Koch (2011), extraído de uma notícia:

● “Das 5.739 pessoas presas anteontem em Seul, 3.877 foram multadas ou condenadas a
uma semana de prisão por delitos como desordens, infrações de trânsito e furto,
1.663 foram liberadas com advertência e 199 soltas enquanto continuam as
investigações. A polícia mobilizou 10 mil homens para a operação e intensificou a
vigilância em torno das embaixadas e residências diplomáticas.”

No exemplo, todos os verbos no passado enquadram a situação dentro da narração dos


acontecimentos, a não ser por um verbo que, estando no presente, se constitui como um
comentário sobre o acontecimento, que demanda do leitor mais atenção, pois mostra uma
situação em que ele e o evento compartilham as mesmas coordenadas de mundo real
(BRONCKART, 1999).

É interessante apontar que a manchete dessa notícia foi “Seul prende 6 mil em busca de
incendiários”. Nesse caso, os tempos do comentários são introduzidos no relato para trazer
mais validez e importância atual aos fatos relatados e solicitando assim a atenção do leitor.

51
Finalmente, comentaremos brevemente que, quando inseridos dentro de passagens de
narração, os tempos verbais do passado podem estabelecer contrastes entre si que
permitam definir dois planos da narração, um primeiro plano e um pano de fundo ou
contexto.

Dessa forma, por meio do pretérito imperfeito certos processos podem ser colocados como
pano de fundo secundário expressando, por exemplos, descrições de processos ou cenários
estáticos. Veja o exemplo:

● “Nesse momento, ele viu a plebe afastar-se. Uma jovem, estranhamente vestida,
saiu da multidão. Estava acompanhada por uma pequena por uma pequena cabra de
chifres dourados trazia um tambor basco na mão.” (exemplo extraído de
BRONCKART, 1999, p. 292)

Como se vê no fragmento, os verbos no pretérito imperfeito permitem construir de forma


descritiva o cenário da ação e as características dos personagens. Porém, é por meio dos
verbos no pretérito perfeito que certos processos são colocados no primeiro plano, neste
caso, as ações de quem “vê” uma jovem que “sai” da multidão.

Assim, por meio do pretérito perfeito, um processo específico é destacado dentro de outro
conjunto de processos, que são apresentados como pano de fundo ou contexto por meio do
pretérito imperfeito.

Nas sequências narrativas, que apresentam as fases típicas de situação inicial, complicação,
ação, resolução e situação final, o pretérito imperfeito é comumente utilizado para
apresentar o contexto mais geral dos eventos, nas fases iniciais e final; e o pretérito
perfeito permite destacar, dentro desse pano de fundo, os eventos mais dinâmicos que
permitem que a narração avance na direção de sua resolução.

Finalmente, essas relações de contraste entre “foco” e “fundo” também podem ser
estabelecidas entre eventos referidos em uma mesma oração, mostrando o aporte do
tempo verbal para a definição do que é importante e do que é acessório ou explicativo no
texto. Veja o exemplo:

● “Ele dirigia, portanto, atento ao tráfico intenso desse fim de dia, quando estourou
em suas costas.” (exemplo extraído de BRONCKART, 1999, p. 296)

Pensando especificamente no gênero discursivo notícia, sabemos que elas relatam algum
tipo de evento, que pode ser presente, passado ou futuro, e esse relato se realiza, portanto,
por meio de formas predominantemente narrativas de organização do discurso. Porém,
dentro dessa estrutura predominantemente narrativa, é possível encontrar segmentos

52
mais expositivos ou de “comentário”, isto é, que não se relacionam com um momento
passado, mas com a atualidade da enunciação, por meio do tempo presente. Esses
segmentos costumam apresentar informações importantes para a compreensão da notícia
e é por meio de sua apresentação expositiva que se consegue o efeito de mostrá-las como
mais próximos da atualidade do leitor e, portanto, como mais importantes, ou
demandantes de sua atenção ou participação (RIBEIRO; SAITO; CRISTOVÃO;
NASCIMENTO, 2007; KOCH, 2011).

Como já foi explicado antes, muitas vezes os segmentos de narração nos tempos do
passado correspondem às passagens em que se quer apresentar os acontecimentos ao
leitor e os segmentos de comentário em presente correspondem às avaliações ou
comentários do autor sobre esses fatos.

Por sua vez, nos segmentos de narração contidos em uma notícia, podemos encontrar
relações entre o pretérito perfeito e imperfeito que estabeleçam contrastes entre contexto
e foco.

Na leitura, portanto, a interpretação dos tempos verbais marcados morfologicamente nos


verbos nos permite construir uma imagem sobre as relações de temporalidade entre os
eventos mencionados no texto e seu ato de enunciação, isto é, compreender se são
anteriores, simultâneos ou posteriores. Mas, também nos ajudam a identificar e interpretar
a perspectiva sobre os fatos que está sendo apresentada, seja a de uma urgência
concomitante com o presente do leitor ou a de uma apresentação distanciada por meio do
relato. Por sua vez, dentro das seções narradas, as diferenças entre o pretérito perfeito e o
imperfeito nos permitem identificar outra perspectiva sobre esses eventos, colocados ora
como como foco, ora como fundo.

Referências:

BRONCKART, J-P. Atividades de linguagem, textos e discursos. Por um interacionismo


sócio-discursivo. São Paulo: Educ, 1999.

CASTILHO, A. T. Nova gramática do português brasileiro. São Paulo: Contexto, 2016.


ILARI, R. A expressão do tempo em português. São Paulo: Contexto, 2016.

KOCH, I. V. Argumentação e linguagem. São Paulo: Cortez, 2011.

RIBEIRO, J.; SAITO, R.; CRISTOVÃO, V.; NASCIMENTO, E. Levantamento de elementos


ensináveis no gênero notícia impressa em LM e on line em LE. In: CRISTOVÃO, V. (Org.).
Modelos didáticos de gênero: uma abordagem para o ensino de língua estrangeira.
Londrina: UEL, 2007.

53
Voz passiva
De acordo com Castilho (2016) “a voz verbal assinala o tipo de participação do sujeito
sentencial no estado de coisas: Iari / Basso (2008a). Se ele for agente, teremos a voz ativa,
se for paciente, teremos a voz passiva, e se for ao mesmo tempo agente e paciente, teremos
a voz reflexiva”.

Assim, quando em uma oração, um verbo é apresentado na voz passiva, o sujeito recebe o
papel temático de paciente, isto é, de “aquele que está num determinado estado ou que
sofre mudança de estado” (CASTILHO, 2016, p. 255). Contrariamente, quando a oração
apresenta o verbo na voz ativa, o sujeito recebe o papel de agente ou “aquele que realiza a
ação” ou que “é o instigador do evento” (CASTILHO, 2016, p. 255).

Portanto, a utilização de um verbo na voz ativa ou na passiva acarreta importantes


mudanças semânticas ou do sentido que se constrói no texto, como mostra o exemplo a
seguir:

● “Embora seja visível o aumento progressivo de negros escritores, ainda há


limitações e barreiras inexplicáveis à entrada destes no mercado editorial
tradicional ou, como afirmou certa vez Fernanda Felisberto, “a literatura negra é
rotulada como fundo de catálogo”” (Negros e mídia: invisibilidades, periódico Le
Monde Brasil)

Com efeito, o fato de colocar o verbo “rotular” na voz passiva, nessa oração, em lugar dizer
que “determinadas pessoas rotulam esses livros”, enfatiza o caráter de destinatário passivo
da ação desses livros e contribui para construir a ideia de submissão e invisibilização dos
produtos e valores dessa comunidade.

Portanto, as motivações que levam um agente produtor de texto a escolher entre uma
forma ativa ou passiva têm a ver com os efeitos de sentido que ele quer provocar em seu
interlocutor, uma vez que voz ativa e voz passiva provocam efeitos diferentes. De fato, de
acordo com Castilho (2016) “a voz passiva aparece quando se quer ressaltar o resultado de
uma ação anterior”, o que faz com que, em muitas ocasiões, uma série de orações com
verbos na voz ativa seja encerrada com uma oração com verbo na voz passiva, indicando a
conclusão ou o resultado final dessas ações. Veja o exemplo:

● “Então eu enrolei o filme (ORAÇÃO NA VOZ ATIVA/PROCESSO). Depois que o filme


foi enrolado (ORAÇÃO NA VOZ PASSIVA/RESULTADO), guardei tudo no armário.”

54
Além disso, se pensarmos que, na oração com verbo na voz ativa o primeiro elemento é o
sujeito e, diferentemente, na voz passiva, o primeiro elemento passa a ser o objeto paciente
da ação, podemos entender que a voz passiva focaliza a atenção de nosso interlocutor
justamente nesse paciente, o que pode se dever a um interesse por destacá-lo, assim como
pela vontade de tirar o sujeito do foco de atenção. Veja o exemplo:

● “O caso mais doloroso que conheci foi o do romancista argentino Antonio di


Benedetto, vítima da ditadura militar, por cuja libertação o Pen Internacional fazia
campanha. Ele foi expulso (DESTAQUE DO PACIENTE/OMISSÃO DO AGENTE) do
Pen de Buenos Aires enquanto estava preso, por não pagar as contribuições.” (Pedra
de toque, jornal O Estado de São Paulo)

Esta explicação se vê reforçada se considerarmos que, de acordo com as teorias do


processamento informativo na oração, o primeiro elemento desta, o tópico ou tema,
constitui o elemento que sobre o qual o falante quer se pronunciar, e o segundo elemento,
comentário ou rema, constitui o que é dito sobre esse tópico. Assim, em uma oração na voz
ativa, o sujeito é o tópico e a ação verbal com seus complementos é o comentário, enquanto
na oração na voz passiva o objeto paciente da ação vira tópico e a ação verbal vira o
comentário. Veja o exemplo:

● “Na mesma perspectiva, era de esperar uma discussão mais séria e participada
sobre o corte na isenção das entidades filantrópicas, que foram desfiguradas
(PACIENTE DA AÇÃO COMO TÓPICO E AÇÃO COMO COMENTÁRIO) pela mídia
(...).” (Apreensões e esperanças, jornal Folha de São Paulo)

Tudo isto nos mostra que, como o explica Castilho (2016), a voz verbal permite a quem
constrói o texto estabelecer uma determinada perspectiva que, por seus objetivos
comunicativos, seja a mais adequada ao efeito de sentido que quer produzir em seu
interlocutor.

Um último aspecto importante a destacar é que, como a oração na voz passiva coloca o
paciente na posição de tópico oracional, por defeito, ela deixa o sujeito agente em uma
posição secundária, que, como afirma Oliveira (2004) muitas vezes não é explicitada. Isto é,
o uso do verbo na voz ativa permite apresentar o processo verbal deixando de lado ou
tirando o protagonismo do sujeito. Veja o exemplo:

● “A matriz da lei de regulamentação dos planos de saúde sempre padeceu de


distorção incorrigível, pelo forte viés securitário que a caracterizava. Também,
desde o início das discussões, na Câmara dos Deputados, foram alimentadas
falácias (O AGENTE DA AÇÃO NÃO APERECE) de que o mercado, a concorrência e o

55
produto "doença", tratado como "mercadoria", esvaziaria o SUS (...) (Bom senso,
jornal O Estado de São Paulo)

As motivações do autor de um texto para omitir o sujeito agente de uma ação podem ser
muito variadas, de acordo com Oliveira (2004), uma delas pode ser o seu conhecimento
prévio por parte do leitor, o que tornaria desnecessária sua repetição. Assim, inclusive nas
orações passivas, quando o sujeito agente for explicitado, é provável que essa informação
tenha alguma relevância na interação: Veja os exemplos:

● “A Capela Sixtina foi pintada por Michelangelo no século XVI.”

● “Essa enciclopédia foi escrita por um garoto de 12 anos.”

Finalmente, devemos dizer que a voz passiva pode aparecer como recurso de linguagem em
diversos textos enquadrados em diferentes gêneros, porém, de acordo com Oliveira (2004,
p. 53) “os textos jornalísticos tendem a usar a voz passiva por causa da necessidade de
economizar espaço e enfatizar aquilo que é novo. Como o agente de uma ação que recai
sobre uma pessoa ou instituição é fácil de se inferir, a voz passiva é usada. Nos textos
acadêmicos, a voz passiva, assim como a terceira pessoa do discurso, são preferidas para
que os autores dos textos permaneçam o mais distante do texto possível, satisfazendo aos
desejos cientificistas dos positivistas. Um outro motivo estilístico para se usar a voz passiva
é a ocultação deliberada do agente. O falante ou o escritor pode querer ocultar a identidade
de quem praticou uma ação. Isso é muito comum entre políticos e jornalistas.”

Na leitura, reconhecer a voz passiva nos permite construir e reconhecer a perspectiva dos
fatos que quer nos mostrar o autor do texto, assim como entender, entre outros aspectos,
que personagens do texto estão sendo colocados em foco, que personagens estão sendo
invisibilizados e que ações são consideradas importantes e, portanto, focalizadas ou levadas
à posição de tópico oracional.

Referências:

CASTILHO, A. T. Nova gramática do português brasileiro. São Paulo: Contexto, 2016.

OLIVEIRA, L. A. O ensino pragmático da voz passiva. Calidoscópio, v. 2, n. 1, jan/jun 2004, p.


49-54

56
Informação importante sobre o exame
● A prova tem uma duração de 2 horas.

● A prova tem um mínimo de 10 perguntas.

● A prova tem perguntas fechadas (escolha) e abertas, estas últimas respondem-se em


espanhol.

● Todas as perguntas são sobre um texto completo de uma página e meia


aproximadamente.

● O texto pertence a um dos gêneros trabalhados no curso. Os mais comuns são o


artigo de opinião, a notícia, o artigo científico e o texto expositivo teórico.

● A prova avalia a capacidade de compreender o texto, analisá-lo e explicar o que foi


compreendido e analisado.

● Nenhum material de apoio pode ser usado, à exceção do dicionário on-line


português-português disponibilizado no computador da sala.

● Para produzir suas respostas às perguntas abertas, considere que será avaliada:

1. A forma em que está escrita a resposta, sua organização e claridade.

2. A ilustração e explicação através de conteúdo específico do texto.

3. O estabelecimento de relações entre os aspectos envolvidos em cada resposta e o


texto em seu conjunto (seu gênero, seu propósito, sua esfera de circulação, sua
orientação, seus autores, seu meio ou suporte, etc.).

4. O uso de conceitos e vocabulário técnico e preciso apresentado nas ferramentas


do curso.

57
Exemplo de exame - TEXTO
1960 Rev. Estud. Ling., Belo Horizonte, v. 28, n. 4, p. 1959-1982, 20201

Da polêmica aos discursos de ódio: um estudo da recepção


no twitter sob a perspectiva semiolinguística

Mônica Santos de Souza Melo


Universidade Federal de Viçosa (UFV), Viçosa, Minas Gerais / Brasil monicassmelo@yahoo.com.br
http://orcid.org/0000-0002-6502-9280

Resumo: Esse artigo tem como objetivo contribuir para o estudo da recepção no âmbito da
Análise do Discurso, analisando o tênue limite entre manifestações polêmicas e discursos de
ódio em comentários de internautas em resposta a um vídeo publicado pelo ex-deputado Jean
Wyllys, intitulado “Qual dos dois está mais próximo dos – ou segue mais os – ensinamentos
deixados por Jesus nos evangelhos? Qual dos dois preserva mais os verdadeiros valores
cristãos?” A partir das contribuições de Charaudeau (2008) e Barros (2015), dentre outros,
procuramos analisar os comentários produzidos pelos internautas sobre essa mensagem. Por
meio da diferenciação de manifestações de concordância e discordância, identificamos os casos
de rejeição extrema ao locutor, os quais ultrapassam o plano da polêmica e se caracterizam
como discursos de ódio, revelando, nos dados analisados, traços da chamada matriz ideológica
da direita conservadora.

Palavras-chave: discurso; discursos de ódio; religião; política.


eISSN: 2237-2083 DOI: 10.17851/2237-2083.28.4.1959-1982
Recebido em 20 de março de 2020 Aceito em 25 de maio de 2020

1 1 Introdução

O Brasil tem vivido momentos de efervescência política, desde o processo de afastamento da ex-presidente
Dilma Rousseff, que chegou a termo em 2016. O país vive, desde então, uma polarização política entre esquerda
e direita que repercutiu em todos os setores da sociedade. A eleição, em 2018, de Jair Bolsonaro, representante
da extrema direita, que defende uma política neoliberal e princípios ultraconservadores, fomentou o debate em
torno de questões de ordem política, econômica, social e moral. As manifestações públicas de Bolsonaro a favor
da ditadura, da tortura e da homofobia, além de todas as ações do seu governo contra os menos favorecidos, as
minorias, as universidades, a cultura, o meio ambiente, entre outros, têm causado reações, favoráveis e
contrárias.

2 Grande parte dessas reações tem se materializado por meio de publicações nas redes sociais, espaço que tem se
mostrado um cenário privilegiado para o debate público em torno de temas de interesse geral. [...] Uma das

1
Partes do texto foram retiradas para não ultrapassar a extensão adequada para uma prova.

58
personalidades que tem se mostrado mais ativas no sentido de comentar e questionar os direcionamentos
adotados pelo atual governo é o ex-deputado federal Jean Wyllys. Jornalista, professor universitário e político
filiado ao PSOL (Partido Socialismo e Liberdade), Wyllys foi reeleito em 2018, porém abriu mão do terceiro
mandato, para sair do Brasil, justificando essa atitude por estar sendo vítima de ameaças. [...]

3 Jean Wyllys tem se expressado pelas mídias sociais a respeito de uma série de temas que dizem respeito à
realidade brasileira. Suas publicações, porém, são alvos de uma série de manifestações, em grande parte,
contrárias ao seu posicionamento, manifestações essas que muitas vezes ultrapassam o limite da discordância
em relação a suas opiniões e extrapolam para o nível das agressões pessoais.

4 Diante desse cenário, nosso artigo tem como objetivo contribuir para o estudo da recepção no âmbito da
Análise do Discurso, no sentido de propor, a partir de trabalhos de Charaudeau (2008), Amossy (2017) e Barros
(2015), alguns parâmetros que permitam interpretar o tênue limite entre manifestações polêmicas e discursos
de ódio e, por meio desses parâmetros, descrever e analisar os comentários de internautas em resposta a um
vídeo publicado pelo ex-deputado Jean Wyllys, intitulado “Qual dos dois está mais próximo dos – ou segue mais
os – ensinamentos deixados por Jesus nos evangelhos? Qual dos dois preserva mais os verdadeiros valores
cristãos?” A mensagem e os comentários, objetos de nossa análise, foram publicados no twitter, no dia 06 de
outubro de 2019, e se referem à iniciativa do papa Francisco de convocar o Sínodo da Amazônia, para discutir o
problema dos desmatamentos e queimadas na região amazônica. Trata-se de um vídeo que obteve, até o dia 08
de outubro de 2019, 72 comentários, os quais pretendemos analisar a partir do quadro teórico e metodológico
que será apresentado a seguir. [...]

2 Interações via twitter como gênero situacional

5 [...] O twitter, assim como as redes sociais em geral, tem colaborado para o surgimento de um novo espaço
público de discussão de temas variados. Sua utilização corresponde, ainda, a um processo de ampliação do uso
dessas redes, que têm sido cada vez mais utilizadas por instituições e seus representantes que passam a usá-las
estrategicamente para publicação de conteúdos pessoais e institucionais, e como mecanismo de captação.

6 Podemos descrever a configuração das interações via twitter como um gênero situacional, adotando os
parâmetros descritos por Charaudeau (2004). Para esse autor, os chamados gêneros situacionais são frutos da
situação de comunicação, das identidades dos parceiros do ato comunicacional, da situação na qual esse ato se
realiza e da finalidade desse ato. Em outras palavras, o que os participantes fazem no ato linguageiro, o
contexto e a finalidade desse ato configuram as situações de comunicação.

7 Focalizaremos, aqui, a finalidade do gênero interações via twitter, levando em conta a relação entre as
identidades dos parceiros da troca (e as escolhas dos modos enoncivos a elas associadas), o propósito
comunicativo e as circunstâncias materiais nas quais se localizam as situações de comunicação que compõem o
corpus. [...]

8 Para se analisarem as interações nas redes sociais, é essencial que seja abordada a instância de recepção. Esse
aspecto vem sendo introduzido, gradativamente, nos estudos discursivos, tendo em vista sua importância para
a compreensão do funcionamento do ato de linguagem. [...]

9 4 Uma tipologia básica para o estudo da recepção nas redes sociais: os comentários do twitter vistos sob a
perspectiva semiolinguística

No âmbito da Teoria Semiolinguística do Discurso, de Patrick Charaudeau (2008), as relações sociodiscursivas,


que comportam o espaço da recepção, estão circunscritas àquilo que ele chama de “circuito externo de

59
comunicação”, que envolve os seres envolvidos nos atos de fala enquanto sujeitos psicossociais. [...]

10 Segundo Charaudeau (2010), o espaço de recepção é o espaço da prática social em que o sujeito deve atribuir
sentidos ao ato de comunicação. Trata-se, portanto, do espaço dos efeitos produzidos. Para o autor, nas
situações de comunicação em que o sujeito interpretante é plural e heterogêneo (como na comunicação
midiática), a possibilidade de coincidência entre o efeito visado pelo locutor e o efeito produzido pelo receptor é
ainda menor.

11 Vamos considerar os textos produzidos no âmbito da recepção como discursos de comentário. Para
Charaudeau (2006), esse tipo de discurso revela a opinião do sujeito que comenta. Ele é uma espécie de
termômetro que permite avaliar a repercussão dos discursos os quais repercutem.

12 [...] Partindo da descrição de Charaudeau (2008), propomos que essas atitudes podem ser, basicamente, de
concordância ou de discordância. [...] Vejamos, a seguir, como o discurso polêmico e, por conseguinte, o
discurso de ódio se relacionam ao esquema descrito acima.

13 5 Atitudes de discordância: o discurso polêmico

O não-engajamento ou discordância, descritos acima, podem instaurar a polêmica no discurso. [...] Para
Kerbrat-Orecchioni (1980), no discurso polêmico, há o confronto de teses antagônicas que refletem diferentes
opiniões sobre um determinado tema, por meio de procedimentos retóricos e discursivos, tais como a negação,
a marcação axiológica (avaliação em termos de bem/mal), citações, ironias, hipérboles, entre outros. Essa
situação envolveria uma polarização em torno de opiniões que não são totalmente individuais, mas que
representam posições de grupos. Porém, essa polêmica não implica necessariamente a violência verbal. Quando
se extrapola da polêmica para a violência verbal, rejeitando-se, de forma extrema, não o dito, mas aquele que o
disse, tem-se a expressão do ódio. Tentaremos, nas seções seguintes, articular a abordagem discursiva da
polêmica, resumida acima, ao discurso de ódio para, finalmente, analisar os dados em questão.

14 6 Do discurso polêmico ao discurso de ódio

Entendemos, a partir da descrição acima, que o discurso de ódio vai além do não-engajamento ou da
discordância em relação ao pensamento ou àquilo que o outro disse, ou seja, entendemos que ele extrapola a
polêmica. Propomos que se compreenda o discurso de ódio como uma manifestação verbal que diz respeito ao
comportamento de rejeição extrema do estatuto do emissor, que promove a violência e a hostilidade, sobretudo
contra pessoas pertencentes a grupos mais vulneráveis, em função da sua identidade social.

15 O discurso de ódio é objeto de estudo de alguns pesquisadores da área do Direito. Meyer-Pflug (2009)
compreende o discurso de ódio como a manifestação de “ideias que incitem a discriminação racial, social ou
religiosa em determinados grupos, na maioria das vezes, as minorias”. (MEYER-PFLUG, 2009, p. 97). Sarmento
(2006) aborda o discurso de ódio como “manifestações de ódio, desprezo ou intolerância contra determinados
grupos, motivadas por preconceitos ligados à etnia, religião, gênero, deficiência física ou mental ou orientação
sexual, dentre outros fatores [...]”. (SARMENTO, 2006, p. 54-55). De acordo com Shafer, Leiva e Santos (2015, p.
147): “O discurso de ódio está dirigido a estigmatizar, escolher e marcar um inimigo, manter ou alterar um
estado de coisas, baseando-se numa segregação. Para isso, entoa uma fala articulada, sedutora para um
determinado grupo, que articula meios de opressão.” Consequentemente, esse tipo de discurso pode provocar
efeitos altamente nocivos, como aponta Brugger (2007), para quem essas manifestações podem provocar dois
tipos de efeitos: os imediatos (insultar, assediar, intimidar) e os mediatos (instigar a violência e/ou a
discriminação).

60
16 No âmbito dos estudos discursivos, destaca-se a contribuição de Barros (2015), a respeito dos chamados
“discursos intolerantes”. Para a autora, os discursos intolerantes se pautam em quatro percursos temáticos: a
animalização do outro; a anormalidade do diferente; o caráter doentio do outro e a imoralidade do outro (ser
sem ética). Segundo a autora:

[...] os discursos intolerantes desenvolvem temas e figuras a partir da oposição semântica fundamental entre
a igualdade ou identidade e a diferença ou alteridade, e, com base nisso, constroem quatro percursos
temáticos e figurativos mais frequentes: o da animalização e desumanização do “outro”, a que são atribuídos
traços físicos e características comportamentais de animais; o da “anormalidade” do diferente, que é e age
contra a “natureza”; o do caráter doentio e esteticamente condenável da diferença, pois, nesse percurso, o
diferente é considerado como doente e como louco, em oposição aos sadios de corpo e mente, e, enquanto
“doente”, também como feio; o da imoralidade do “outro”, de sua falta de ética. (BARROS, 2015, s/p.)

17 A partir dos dados que analisamos, propomos que podem ser identificados, além dos quatro percursos
temáticos identificados por Barros (2015), outros três temas recorrentes em discursos intolerantes, os quais
identificamos como: i. associação do outro ao pecado; ii. demonização do outro; iii. ridicularização do outro.

18 7 Descrição e análise dos dados: discurso de ódio e imaginários do discurso conservador

A partir da articulação das propostas de Charaudeau (2008) e Barros (2015), acrescidas dos percursos temáticos
por nós incorporados, procuramos trazer uma pequena contribuição à análise dos discursos de ódio, montando
um quadro que nos permita descrever os dados do nosso corpus e analisar os discursos de ódio que neles se
manifestam. Sendo assim, identificamos os seguintes posicionamentos:
1. Atitudes de concordância aceitação em relação ao dito; aceitação em relação ao falante.
2. Atitudes de discordância em relação ao dito; em relação ao falante:
– rejeição ao outro;
– rejeição extrema ao outro por: animalização; anormalidade; imoralidade; caráter doentio; imagem
esteticamente condenável ou destoante do padrão hegemônico; pecado; demonização; ridicularização.

19 Como informamos acima, os comentários que são alvos de nosso estudo se referem a um vídeo publicado pelo
ex-deputado Jean-Wyllys intitulado: “Qual dos dois está mais próximo dos – ou segue mais os – ensinamentos
deixados por Jesus nos evangelhos? Qual dos dois preserva mais os verdadeiros valores cristãos?” Nesse vídeo o
deputado elogia a iniciativa do Papa Francisco de realizar o Sínodo da Amazônia, evento no qual a Igreja
Católica procurou orientar a atuação da Igreja Católica a favor da Floresta Amazônica e dos povos que nela
vivem.

20 [...] A exaltação ao comportamento do Papa Francisco e as críticas implícitas a Bolsonaro motivaram uma série
de reações de ódio ao Papa, de exaltação a Bolsonaro, mas, sobretudo, de crítica e intolerância contra a fala e a
pessoa de Wyllys, por meio de discursos de ódio de internautas.

21 Como vimos, os discursos de ódio são aqueles em que há discordância por rejeição extrema ao outro, expressa
pelos processos descritos acima. Dos 72 (setenta e dois) comentários que se sucederam à postagem de Wyllys
até a data em que encerramos nosso levantamento, apenas 08 (oito) expressaram concordância ou engajamento
em relação ao dito ou à pessoa de Wyllys. Todos os demais expressaram discordância ou não-engajamento,
sendo que 13 (treze) representam rejeição em relação ao dito e 51 (cinquenta e um) em relação ao locutor.

61
22 Dos 51 (cinquenta e um) comentários que revelam rejeição em relação ao locutor, identificamos 38 (trinta e oito)
casos de rejeição extrema, assim distribuídos: [...]
i. Animalização, ii. Anormalidade, iii. Imoralidade, iv. Caráter doentio, v. Imagem esteticamente condenável, vi.
Pecado, vii. Ridicularização, viii. Demonização.
Por fim, há exemplos de ameaça velada à integridade física do locutor ou a pessoas da sua família [...]

23 Os dados acima têm um aspecto em comum: todos trabalham com uma representação de Jean Wyllys como ser
anômalo ou que foge a um padrão, sejam eles éticos ou estéticos. Quanto a comentários que desqualificam
Wyllys no domínio do ético, encontram-se os processos de animalização, anormalidade, imoralidade, caráter
doentio e ridicularização. Julgamentos do domínio do ético representam uma avaliação dos comportamentos
dos indivíduos em termos morais, que os definem como comportamentos certos ou errados, do bem ou do mal,
a partir de um certo parâmetro que não é individual, mas que representa, quase sempre, o posicionamento de
um grupo. Também esses padrões adotados por certos grupos na sociedade em diferentes épocas afetam a
avaliação do corpo do indivíduo em termos do domínio do estético, definindo, entre outros, o que é feio ou
bonito. Vejamos como isso se dá nos dados selecionados.

24 Com relação à animalização, quando o internauta se refere a Jean como “lhama surtada”, considera-se que ele
tem características que fogem aos padrões normais de seres humanos. Além disso, o uso de um animal do
gênero feminino, acompanhado do adjetivo “surtada”, que significa descontrolada ou neurótica, recupera a
imagem estereotipada do homossexual escandaloso, cujo comportamento vai contra os padrões considerados
normais. Quanto à anormalidade, temos em (4) o uso do pronome demonstrativo “isso”, usado normalmente
para apontar objetos, sendo que, no enunciado dado, é usado para se referir a Jean Wyllys. A utilização desse
pronome para se referir a pessoas é visto como uma forma de denegri-las, de desqualificá-las, comparando-as
a coisas, objetos e as destituindo de sua essência humana.

25 Também no domínio do ético, alguns comentários dirigem a Wyllys ofensas de toda a ordem, expressas por
adjetivos tais como: “hipócrita”, “mané”, “desprezível”, “repugnante”, “asqueroso”, “mentiroso”, “vagabundo”,
“cara de pau”, “lixo”, quase sempre expressas arbitrariamente. Essa atitude dificilmente proporciona espaço
para uma contra-argumentação, uma vez que se trata, em geral, de expressões coléricas desprovidas de um
embasamento racional que possa ser contestado. Essa fuga à normalidade alcança também o domínio do
estético, em enunciados que expressam desprezo pela sua aparência e pelo seu cabelo.

26 A construção da imagem de Wyllys como alguém que rompe os padrões de normalidade avança no sentido de
caracterizá-lo como uma figura doentia, como alguém que apresenta traços patológicos (idiota, tarado) e que é
visto como ridículo. Por fim, extrapola para valores do âmbito religioso, descrevendo-o com o pecador ou seja,
como alguém que transgride as leis de Deus. Os enunciados que apresentam alguma justificativa para esse
julgamento se pautam no fato de Wyllys ser homossexual, comportamento associado ao pecado definido pela
Igreja Católica como “luxúria”, identificado, por exemplo, pela referência, nos dados, a Sodoma e Gomorra e
pela citação da passagem bíblica Levítico 20:13. Alguns comentários, por fim, chegam ao extremo de associá-lo
ao demônio.

27 Constata-se, nos comentários acima, que as expressões de ódio resgatam a identidade social do sujeito locutor,
com manifestações explícitas de intolerância de gênero, religiosa e política, direcionadas, no caso em análise, à
identidade do locutor como homossexual, umbandista e político de esquerda, respectivamente. Essas
manifestações dizem muito sobre os sujeitos comunicantes, responsáveis pelas postagens. Embora não tenha
sido nosso objetivo investigar quem são os autores da postagem, interessa-nos, além de levantar o conteúdo
dessas postagens, entender os imaginários que elas representam.

62
28 8 Considerações Finais

Nossa intenção, com o estudo aqui apresentado, foi trazer uma modesta contribuição às discussões em torno da
recepção e dos discursos de ódio nas redes sociais. A partir da articulação das propostas de Charaudeau (2008)
e Barros (2015), acrescidas dos percursos temáticos por nós incorporados, elaboramos um quadro que nos
permitisse descrever os dados do nosso corpus e analisar os discursos de ódio que neles se manifestam.

29 Acreditamos que a análise dos comentários que compõem o nosso corpus pode servir não apenas como uma
verificação dos efeitos obtidos pela postagem em questão, mas também, como um indício que nos permite
compreender como se dá a interação nas redes sociais e como ela pode se constituir não só como um espaço de
discussão, polêmica e difusão de discursos de ódio, mas, também, como tentativa de silenciamento, opressão, e
como mecanismo de manutenção de poder.

30 Por fim, temos a convicção de que as discussões em torno da temática da violência verbal e dos discursos de
ódio são muito relevantes no cenário que vivemos, uma vez que podem servir como denúncia das atitudes de
intolerância que se evidenciam, de forma crescente, na nossa sociedade.

63
31 Agradecimentos
Agradecemos ao apoio do CNPq, por meio de Bolsa de Produtividade em Pesquisa, para a realização deste
trabalho.

Referências

AMOSSY, R. Por uma análise discursiva e argumentativa da polêmica. EID&A – Revista Eletrônica de Estudos
Integrados em Discurso e Argumentação, Ilhéus, v. 13, p. 227-244, 2017. DOI: https://doi.org/10.17648/eidea-13-1526

BARROS, C. J. Com medo de ameaças, Jean Wyllys, do PSOL, desiste de mandato e deixa o Brasil. Folha de São Paulo,
São Paulo, 24 jan. 2019. Poder, s/p. X. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/
poder/2019/01/com-medo-de-ameacas-jean-wyllys-do-psol-desiste-de-mandato-e-deixa-o-brasil.shtml. Acesso
em: 24 jan. 2019.

BARROS, D. L. P. de. Intolerância, preconceito e exclusão. In: LARA, G. P.; LIMBERTI, R. P. (org.). Discurso e
(des)igualdade social. São Paulo: Editora Contexto, 2015. 206 p.

BOURDIEU, P. O capital social – notas provisórias. In: CATANI, A.;NOGUEIRA, M. A. (org.). Escritos de Educação.
Petrópolis: Vozes, 1998. p. 67-67.

BRUGGER, W. Proibição ou proteção do discurso de ódio? Algumas Observações sobre o Direito Alemão e o
Americano. Revista de Direito Público, Brasília, v. 1, n. 15, p. 117-136, 2007. DOI: https://
doi.org/10.11117/22361766.15.01.04. Disponível em: https://www.
portaldeperiodicos.idp.edu.br/direitopublico/article/view/1418/884%3E. Acesso em: 8 fev. 2020.

CHARAUDEAU, P. Visadas discursivas, gêneros situacionais e construção textual. In: MACHADO, I. L.; e MELLO, R. de.
Gêneros reflexões em análise do discurso. Belo Horizonte: Nad/Fale-UFMG, 2004. p. 13-42.

CHARAUDEAU, P. Discurso das mídias. São Paulo: Contexto, 2006.

CHARAUDEAU, P. Les stéréotypes, c’est bien. Les imaginaires, c’est mieux. In: BOYER, H. (org.). Stéréotypage,
stéréotypes: fonctionnements ordinaries et mises en scène. Paris: L’Harmattan, 2007. p. 49-62.

CHARAUDEAU, P. Linguagem e discurso: modos de organização. São Paulo: Contexto, 2008.

CHARAUDEAU, P. Um modelo sócio-comunicacional do discurso: entre situação de comunicação e estratégias de


individualização. In: STAFUZZA, G.; PAULA, L. (org.). Da análise do discurso no Brasil à análise do discurso do Brasil.
Uberlândia: EDUFU, 2010. p. 34-47.

CHARAUDEAU, P. Du discours politique au discours populiste. Le populisme est-il de droite ou de gauche? In:
CORCUERA, F. et al. (org.). Les discours politiques. Regards croisés. Paris: L’Harmattan, 2016. p.
32-43.
[...]

64
Exemplo de exame - QUESTIONÁRIO
ATIVIDADE 1 (CONTEXTUALIZAÇÃO)

COMANDO: Assinale em cada uma das afirmações se é certa (C), errada (E) ou não consta
(NC) no texto.

1. Na pesquisa, foram analisados vários dos posicionamentos do ex-deputado federal


Jean Wyllys a respeito da realidade brasileira e do governo de Bolsonaro. NÃO CONSTA

P4. … descrever e analisar os comentários de internautas em resposta a um vídeo publicado pelo


ex-deputado Jean Wyllys, intitulado “Qual dos dois está mais próximo dos – ou segue mais os –
ensinamentos deixados por Jesus nos evangelhos? Qual dos dois preserva mais os verdadeiros
valores cristãos?” A mensagem e os comentários, objetos de nossa análise, foram publicados no
twitter, no dia 06 de outubro de 2019…

2. No texto, é defendido que somente são válidas as pesquisas das postagens nas redes
sociais, quer dizer, só das mensagens produzidas pelos emissores. ERRADA

P.8 Para se analisarem as interações nas redes sociais, é essencial que se aborde a instância de
recepção. Esse aspecto vem sendo introduzido, gradativamente, nos estudos discursivos, tendo em
vista sua importância para a compreensão do funcionamento do ato de linguagem. [...]

P11.Vamos considerar os textos produzidos no âmbito da recepção como discursos de comentário.


Para Charaudeau (2006), esse tipo de discurso revela a opinião do sujeito que comenta. Ele é uma
espécie de termômetro que permite avaliar a repercussão dos discursos os quais repercutem.

3. De acordo com a autora, os comportamentos violentos contra grupos minorizados


não podem ser equiparados às práticas de debate de ideias. CERTA.

P14. Entendemos, a partir da descrição acima, que o discurso de ódio vai além do não-engajamento
ou da discordância em relação ao pensamento ou àquilo que o outro disse, ou seja, entendemos que
ele extrapola a polêmica. Propomos que se compreenda o discurso de ódio como uma manifestação
verbal que diz respeito ao comportamento de rejeição extrema do estatuto do emissor, que promove a
violência e a hostilidade, sobretudo contra pessoas pertencentes a grupos mais vulneráveis, em
função da sua identidade social.

4. A relevância do estudo sobre as interações em redes sociais é vinculada à


conjuntura da realidade ideológico-política no Brasil . CERTA

65
P1. O país vive, desde então, uma polarização política entre esquerda e direita que repercutiu em
todos os setores da sociedade. [...]

P2 Grande parte dessas reações tem se materializado por meio de publicações nas redes sociais,
espaço que tem se mostrado um cenário privilegiado para o debate público em torno de temas de
interesse geral. [...]

5. A autora manifesta ter se preocupado por utilizar, em seu embasamento teórico,


autores que têm pontos de vista diferentes sobre a temática. NÃO CONSTA .

Não são referenciadas fontes discordantes.

6. No resumo, são mencionados a delimitação do estudo, uma antecipação dos


resultados e as contribuições para o contexto acadêmico. CERTA

Resumo: Esse artigo tem como objetivo contribuir para o estudo da recepção no âmbito da Análise do
Discurso, analisando o tênue limite entre manifestações polêmicas e discursos de ódio em
comentários de internautas em resposta a um vídeo publicado pelo ex-deputado Jean Wyllys,
intitulado “Qual dos dois está mais próximo dos – ou segue mais os – ensinamentos deixados por
Jesus nos evangelhos? Qual dos dois preserva mais os verdadeiros valores cristãos?” ….identificamos
os casos de rejeição extrema ao locutor, os quais ultrapassam o plano da polêmica e se caracterizam
como discursos de ódio, revelando, nos dados analisados, traços da chamada matriz ideológica da
direita conservadora

ATIVIDADE 2 (ORGANIZAÇÃO)

COMANDO: Escolha a descrição que melhor se corresponde com a função do parágrafo 4.

A. Explanar as descobertas resultantes da análise dos comentários do twitter.


B. Introduzir o leitor no contexto político em que está inserida a pesquisa.
C. Apresentar a perspectiva de Jean Wyllys como ator-chave no contexto político brasileiro.
D. Apresentar os propósitos e o enquadramento teórico-metodológico do estudo. CERTA

ATIVIDADE 3 (GÊNERO)

COMANDO: Considerando que a reportagem é um gênero que no âmbito jornalístico


apresenta uma pesquisa aprofundada sobre um assunto e o artigo científico é um gênero
que na esfera científico-acadêmica comunica os resultados de uma pesquisa, qual desses
gêneros se cristaliza no texto “Da polêmica aos discursos de ódio: um estudo da recepção
no twitter sob a perspectiva semiolinguística”. Justifique sua resposta analisando exemplos
do texto.
Lembre responder em espanhol.

66
Máximo de 200 palavras.

RESPOSTA: O texto “Da polêmica aos discursos de ódio: um estudo da recepção no twitter
sob a perspectiva semiolinguística ” é um artigo científico, comunica os resultados de uma
pesquisa sobre o discursos de odio nas redes socias para demonstrar que eles estão
enquadrados por fora do âmbito da polêmica e respondem a comportamentos violentos
contra grupos vulnerados. Sua autora é integrante da comunidade científica-acadêmica
brasileira (Universidade Federal de Viçosa (UFV), o texto foi publicado em uma revista
acadêmica (Rev. Estud. Ling., Belo Horizonte, v. 28, n. 4), pelo que trata-se de um veículo de
comunicação científica entre pares. O texto está estruturado em blocos (título, resumo,
palavras-chave, introdução, metodologia, resultados, discussão e conclusões) nos quais é
comum nos textos deste gênero. A respeito da sua organização interna prima a
argumentação e a explicação, também são trazidas ao texto múltiplas referências
(Charaudeau, Amossy, Barros, Meyer-Pflug,Sarmento) como base teórica ou antecedentes
da pesquisa que servem para sustentar a legitimidade das afirmações feitas. Neste texto,
também é característica a configuração do discurso segundo as formas de enunciação na
esfera científica, nas quais se procura tomar certa distância do texto para torná-lo mais
convincente e legítimo, assim, é possível observar distintas estratégias orientadas a esse
objetivo, como o uso de formas impessoais.

ATIVIDADE 4 (VOZ PASSIVA / IMPERSONALIZAÇÃO)

COMANDO: Que efeito poderia causar na interpretação a forma de mencionar as ações


(verbos) e os participantes (pessoas ou instituições) no trecho em destaque do parágrafo 8
copiado abaixo?
Explique analisando o exemplo.
Lembre responder em espanhol.
Máximo de 100 palavras.

“... Para se analisarem as interações nas redes sociais, é essencial que seja abordada a instância
de recepção…”

RESPOSTA: O fato de apresentar a oração em sua forma passiva faz com que a ação
demandada, ou seja, a análise da “recepção”, fique colocada no primeiro plano. Se a oração
estivesse em sua forma ativa, quem ficaria no primeiro plano seria o agente dessa ação, que
neste caso não está completamente definido, pois seriam futuros pesquisadores que
poderiam levar a cabo essa ação. O uso da oração em sua voz passiva permite enfatizar o
que é mais importante para os autores, dizer qual é a importância de que estudos de
recepção sejam realizados, para além de quem for que realize esses estudos.

ATIVIDADE 5 (CONEXÃO)

67
COMANDO: No parágrafo 3:
a) Copie a palavra usada no texto para indicar uma contraposição a respeito das publicações
de Wyllys nas redes sociais. ______PORÉM____________

b) Qual expressão seria equivalente em espanhol


asimismo ___ ____por lo tanto __X__sin embargo ___pero

c) Explique quais elementos foram colocados em contraposição e por que esse trecho é uma
forma de fundamentar a motivação da pesquisa.
Máximo de 100 palavras.

RESPOSTA:

P3. Jean Wyllys tem se expressado pelas mídias sociais a respeito de uma série de temas que dizem
respeito à realidade brasileira. Suas publicações, porém, são alvos de uma série de manifestações, em
grande parte, contrárias ao seu posicionamento, manifestações essas que muitas vezes ultrapassam o
limite da discordância em relação a suas opiniões e extrapolam para o nível das agressões pessoais.

No parágrafo 3 o conector "porém" indica uma contraposição entre o uso das redes sociais
por parte de Wyllys para expressar-se sobre diversos temas da atualidade brasileira e as
respostas em forma de ataque que tem recebido a essas publicações. O trecho, além de
contribuir à contextualização da pesquisa, também oferece uma motivação para fazê-la,
quer dizer, se explicita que a repercussão com comentários negativos às publicações do
ex-deputado não são meramente discrepâncias do âmbito da polêmica, mas formas
públicas de comportamento violentas. Salientar o interesse social do objeto estudado é uma
forma de dar relevância ao estudo feito.

ATIVIDADE 6 (POLIFONIA)

COMANDO: A partir da leitura dos parágrafos 15 e 16, responda, qual é a característica que
diferencia Barros de Sarmento?

Que trabalham sobre temáticas diferentes.


Que possuem pontos de vista discordantes.
Que possuem orientações epistemológicas diferentes.
Que pertencem a áreas de pesquisa diferentes. RESPOSTA: opção correta.

ATIVIDADE 7 (EXPLICAÇÃO/ARGUMENTAÇÃO)

68
COMANDO: Releia o parágrafo 23 e responda, que conceitos são explicados pela autora? Por
que essas explicações são necessárias nessa seção do artigo? Máximo de 200 palavras.

RESPOSTA: No parágrafo 23, a autora explica o que ela entende por “julgamento ético” e
por “julgamento estético”. Essa explicação se faz necessária porque sua análise de dados
mostra que todos os comentários que revelam rejeição em relação a Jean Wyllys o fazem a
partir de julgamentos desses dois tipos. Isso faz com que a autora considere necessário
explicitar ao leitor o que se entende por julgamento ético e estético.

ATIVIDADE 8 (AVALIAÇÃO)

COMANDO: Escolha, da lista de expressões do parágrafos 25, as que têm um papel


avaliativo e marcam o posicionamento da autora no texto.

dificilmente RESPOSTA: opção correta.


de toda ordem RESPOSTA: opção correta.
contra-argumentação
domínio

ATIVIDADE 9 (LÉXICO)

COMANDO: Escolha, na lista de palavras do parágrafo 27, aquelas que parecem


corresponder ao campo disciplinar do artigo (vocabulário técnico).

identidade social RESPOSTA: opção correta.


manifestações explícitas
postagens
imaginários RESPOSTA: opção correta.
sujeitos comunicantes RESPOSTA: opção correta.
expressões

ATIVIDADE 10 (ANÁFORAS)

COMANDO: De acordo com o parágrafo 29, que evento ou situação pode se tornar o
contexto de processos de opressão?.

RESPOSTA: De acordo com a autora, a “interação nas redes sociais” ou “ela” pode se
constituir “como tentativa de silenciamento, opressão, e como mecanismo de manutenção de
poder”.

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