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A SELEÇÃO LEXICAL E A ESTRUTURAÇÃO DO TEXTO

Maria Aparecida Lino Pauliukonis (UFRJ)

Este trabalho é um estudo da seleção e emprego de itens lexicais na reformulação de referentes e na


construção do objeto discursivo. O objetivo é analisar e categorizar as principais estratégias de correferenciação
e reformulação em uma dada situação comunicativa e avaliar a importância da seleção lexical e de outros
recursos modalizadores, na construção do objeto de discurso.

Tendo em vista o ensino da leitura e da produção de textos em Português, pretende-se contribuir para a
formação de um leitor mais eficiente em termos de análise do objeto discursivo, reconstruído na interação
autor/leitor. A pesquisa, sob perspectiva enunciativa da análise do discurso, busca analisar quais os índices de
subjetividade contribuem para a construção das imagens dos enunciadores. Analisa-se um corpus formado de
textos do Jornal O Globo (editoriais e artigos assinados opinativos) e da Revista Veja(reportagens).

Parte-se da hipótese de que no exame do texto como discurso, prioritariamente deve-se levar em conta o
processo da enunciação, a identidade dos seres envolvidos no discurso, o “contrato comunicativo”, que
comanda e rege os enunciados, as condições da situação e a cenografia em que se dá o emprego dos
elementos lingüísticos, conforme a perspectiva da Teoria da Semiolingüística de base enunciativa cf.
Charaudeau (1996) e Maingueneau (2001).

O modelo de análise semiolingüística, segundo Monnerat (2004), “visa tratar o ato de linguagem como lugar de
intercâmbio de mensagens e de possibilidades de uso do signo lingüístico, num processo que se define como
a encenação de um ato de linguagem numa situação de comunicação específica. (...) A natureza do ato de
comunicação, com os seus componentes (situação, modos de organização do discurso, categorias da língua e
texto) põe em evidência o aspecto fundamental do modelo: língua e discurso são orientados pela finalidade
comunicativa que motiva o sujeito falante em seus quatro desdobramento (sujeito comunicante/sujeito
interpretante – seres do circuito externo do ato de linguagem, parceiros do FAZER e sujeito enunciador/sujeito
destinatário – seres do circuito interno do ato de linguagem, protagonistas do DIZER). (Charaudeau, 2001,
1992). Esses sujeitos agem de modo a produzir a significação discursiva, que resulta do lingüístico e
do situacional, duas dimensões autônomas do discurso, componentes que operam o material verbal e o
material psicossocial, respectivamente”.

Procurando estabelecer aqui, portanto, uma interdependência entre a estruturação do enunciado e seu
entendimento, tendo em vista as operações enunciativas, o trabalho analisa a seleção lexical e os processos
anafóricos com o emprego de certas expressões reformulativas, vistas como estratégias coesivo -
argumentativas no discurso midiático, sob perspectiva da Teoria Semiolingüística da Enunciação.

Esta pesquisa faz parte do Projeto Integrado do Grupo CIAD-Rio, entidade de pesquisa que congrega
pesquisadores da UFRJ, UFF e UERJ e tem como problemática comum examinar as "Operações lingüístico-
discursivas e a construção do "ethos" do sujeito enunciador em textos midiáticos e literários.” – a pesquisa está
em processo de análise de dados.

O trabalho aqui apresentado configura-se como produto do subprojeto intitulado: “Operações correferenciais e
reformulativas na construção do ethos dos sujeitos enunciadores”. O objetivo da pesquisa é verificar o papel da
escolha do léxico na progressão textual, em textos opinativos em jornais de grande circulação no país: O
Globo,. Jornal do Brasil, Folha de São Paulo e a Revista Veja.

A escolha pelo exame da enunciação deriva do modo como se concebe a linguagem, a qual: "(...) do ponto de
vista do sentido, (...) é resultante de diversas dimensões do ato de linguagem: o conteúdo semântico do
proposto (logos), a imagem que o locutor projeta de si no enunciado (ethos) e a forma de implicar
emocionalmente o interlocutor (pathos). Neste Projeto Integrado, escolheu-se trabalhar na dimensão do
"ethos", por entender que é nela que se pode ver melhor o poder de influência do enunciador. Esse processo
manifesta-se claramente em textos midiáticos e literários, objeto de investigação” (cf. Charaudeau, 2005).

Justificativa

Na mídia impressa de grande circulação do país, são freqüentes artigos de opinião


assinados, que versam sobre variados problemas sociais, econômicos e políticos do
Brasil e do mundo. São textos essencialmente expressos no modo argumentativo
de organização do discurso, que apresentam uma seleção de recursos
argumentativos na montagem de sua organização. Esta pesquisa propõe-se a
examinar a configuração enunciativa dessas estratégias argumentativas, analisando
os índices lingüísticos que “orientam” o sentido para uma determinada direção e
cujo fim último é conseguir a adesão /sedução do leitor destinatário. Dada a
importância dos textos da Mídia e de seus diversos gêneros textuais na sociedade
atual, torna-se importante analisar como os textos são interpretados por leitores
criticamente, uma vez que eles são também co-autores capazes de avaliar as
mensagens a eles dirigidas.

Problemática e hipótese principal

A pesquisa analisa operações argumentativas ocorridas na escolha lexical, em


textos jornalísticos, sob a perspectiva da teoria enunciativa.

Pretende-se responder as seguintes questões:

a) Que recursos coesivo/seqüenciais caracterizam mais fielmente os modos


enunciativo e argumentativo de organização do discurso midiático?

b) Quais as principais operações enunciativas de seleção lexical correferenciais são


usadas em textos opinativo

c) Em que sentido a seleção de itens lexicais e de outros recursos coesivos atuam


no mecanismo de construção da subjetividade em textos jornalísticos atuais?

Hipótese norteadora: Procurando estabelecer uma interdependência entre a


estruturação do enunciado e a sua enunciação, parte-se da hipótese de que a
identidade dos seres envolvidos no discurso, o “contrato comunicativo” que rege os
enunciados, a situação e a cenografia determinam a escolha lexical, organizam a
estruturação textual e orientam argumentativamente o discurso como um todo.

Objetivos

Analisar e categorizar as principais estratégias de reformulação do objeto discursivo


em uma dada situação comunicativa. Avaliar a importância da seleção lexical e de
outros recursos modalizadores, na construção do discurso e das imagens
(ethos) dos enunciadores.

Linha de pesquisa e base teórica

A Pesquisa situa-se na Linha de pesquisa: Língua, discurso e ensino do Programa


de Pós- Graduação em Letras Vernáculas da UFRJ e tem como perspectiva teórica
os estudos enunciativos da linguagem (Benveniste (1976), os princípios da
Semântica Argumentativa, (Ducrot, 1984) e da teoria dialógica e polifônica
(Bakhtin, 2000); para a análise dos dispositivos argumentativos do texto, a
pesquisa fundamenta-se nas noções de contratode comunicação, de modos de
organização do discurso, segundo a Teoria Semiolingüística de Patrick Charaudeau
(1992,1996) e nos conceitos deethos discursivo e de cenografia propostos por
Dominique Maingueneau (2001).

Corpus

Estão sendo analisados cerca de 90 (cinqüenta) textos opinativos, veiculados em


jornais de grande circulação, nesta fase, focaliza-se o Jornal O Globo; foram
selecionados artigos assinados (textos opinativos propriamente ditos), crônicas de
diversos autores, em um período, analisando como se manifesta a seleção lexical,
em textos publicados em uma época determinada e constituídos por uma temática
comum.

Segundo o recorte teórico adotado, parte-se da hipótese de que no exame da


construção do texto como discurso, prioritariamente deve-se levar em conta a
identidade dos seres envolvidos na enunciação, sua posição frente ao “contrato
comunicativo”, que comanda e rege os enunciados, ascondições da situação e a
cenografia em que se dá o emprego dos elementos lingüísticos. Ou seja, parte-se
do princípio de que a comunicação humana, do ponto de vista do sentido, é
"resultante" de diversas dimensões do ato comunicativo, englobando o conteúdo
semântico, a situação social e a construção de imagens (ethos) dos enunciadores.

Neste trabalho enfoca-se, portanto, a construção do ethos do sujeito enunciador do


discurso e seu papel argumentativo sobre os sujeitos destinatário/ interpretante.
Busca-se distinguir no conteúdo representativo (dictum) e a atitude (modus) do
sujeito falante em relação a esse conteúdo co-construído e co-referenciado.

A seguir um modelo de como a observação do léxico pode contribuir para se


detectar o sentido de um texto.

O léxico
e a construção/avaliação dos referentes

Parte-se do princípio de que é pela escolha vocabular que o enunciador busca


expressar seu ponto de vista em relação ao mundo que o cerca, emitindo juízos de
valor. Assim, na cadeia referencial do texto, o objeto vai sendo construído pela
seleção lexical, pelas retomadas, por sinonímias e hiperonímias, e por
caracterizações de cunho subjetivo, que expressam uma avaliação positiva ou não
do objeto construído discursivamente e durante a interação,com a conivência do
sujeito interpretante.

A seguir, vamos observar como isso ocorre, em um texto publicado na Revista


Veja em 14/06/89, enfocando o caso do desconhecido da camisa branca, que
enfrentou uma coluna de tanques na Avenida da Paz Eterna, em Pequim, fato que
teve repercussão mundial, ao ser transmitido ao mundo, ao vivo pelas câmeras de
televisão.

Esse tipo de proposta de análise objetiva demonstrar a função do léxico na


formulação do objeto discursivo e do emprego de expressões reformulativas,
como ou seja, por exemplo; ao mesmo tempo, permite verificar como se dá a
constituição do referente e a avaliação do sujeito enunciador do texto, sobre o fato
narrado. A seguir, o texto, os grifos são nossos.

Um homem sozinho, com uma jaqueta em uma das mãos e um embrulho na outra, com ar
de quem tanto podia ter saído de uma manifestação como estar a caminho do trabalho ou
das compras, ou seja, um anônimo. Um homem de camisa branca e calças pretas. Um
chinês num oceano de 1.1 bilhão de chineses. Um desconhecido. Sobre a montanha de
cadáveres com a qual o regime chinês reafirmou sua tirania na semana passada, ao reprimir
com punho impiedoso os estudantes reunidos em nome da democracia na Praça da Paz
Celestial, esse cidadão anônimo fixou uma imagem poderosa. Durante seis minutos, na
manhã da última segunda-feira, o homem da camisa branca brincou de dançar com a morte.
Sozinho, em plena Avenida da Paz Eterna, ele enfrentou uma coluna de tanques.

A cena foi registrada pelas câmeras da televisão americana e estarreceu o mundo inteiro. De
frente para o tanque que liderava a coluna, o cidadão desconhecidoparou uma fileira de 23
mastodontes blindados. Em seguida subiu no primeiro tanque: “Por que vocês estão aqui?,
gritava. Sem resposta, desceu. E continuou na frente do urutu chinês. O tanque tentou
desviar para direita, o homem interrompeu a passagem. Voltou para o centro, lá estava ele
de novo. O balé letal só terminou quando um grupo de pessoas tirou o toureiro
de tanques do meio da avenida.” (“O desconhecido da camisa
branca”. Revista Veja, 14/06/1989).

Na análise do léxico, é necessário observar que os itens lexicais, ao longo do texto, vão sendo acrescidos de
referências a categorizações, que permitirão verificar que os itens não se recobrem semanticamente e que o
grau de semelhança entre os termos é gradativo, propiciando que o objeto discursivo seja todo reconstruído ao
longo do texto.
Nesse sentido, impõe-se um novo conceito de referência, que é substituído pelo de referenciação, ou melhor,
um processo interativo de co-construção do objeto discursivo, como ilustram as palavras de Marcuschi (1998:
2):

A noção de referência não supõe que os referentes sejam necessariamente objetos do


mundo, mas pode postulá-los como objetos do discurso (...) Com isto, evita-se tomar a
língua como instrumento ou como determinada e transparente. Adota-se uma noção de
língua como atividade cognitiva e interativa, social e histórica (...)

A noção aqui evocada de referenciação, aliada à da credibilidade do enunciador que “ (...) não é dada, mas
adquirida, e pode ser, a todo momento, rediscutida”, (Charaudeau, 1996) - ajudam a compreender que
interpretar um texto não é decifrar algo que poderia estar numa sentença ou no signo isolado, mas é dominar
uma praxis, ter domínio sobre os lances que ela pode propiciar e desempenhar no jogo da linguagem como um
todo. Dessa forma, ensinar poderia ser um meio de se treinar os alunos para a praxissocial da linguagem, por
meio do entendimento das operações enunciativas, realizadas pelo sujeito enunciador nos diferentes contextos.
E é nesse sentido que se está postulando aqui que o ensino da leitura e interpretação passa pela
conscientização da construção textual e do papel dos sujeitos enunciadores, sobretudo quando da escolha
lexical e do enquadramento do objeto discursivo feito ao longo do texto.

Referências bibliográficas

CHARAUDEAU, Patrick. Para uma nova análise do discurso. In: CARNEIRO, Agostinho Dias. O discurso da
mídia. Rio de janeiro, Oficina do Autor, 1996, p 05-35.

OLIVEIRA, Helênio Fonseca de. Os conectores reformulativos. In: DECAT, Maria Beatriz et alii (Org.). Scripta.
Revista de Lingüística e Filologia. v. 5, n. 09, Ed. Puc Minas, 2001. p. 229-233.

MAINGUENEAU, D. Análise de textos de comunicação. São Paulo: Cortez, 2001

MARCUSCHI, L.A. Anáfora sem antecedente. Recife, 1998, (mimeo)

MONNERAT, Rosane . S,. M. Modalidades discursivas no texto midiático – interface com a lingüística do texto.
(mimeo)

PAULIUKONIS, M.A.L. Marcas discursivas do enunciador midiático: casos de modalização autonímica. In: ––– &
GAVAZZI, S. (Orgs.) Texto e discurso: mídia, literatura e ensino. Rio de Janeiro, Lucerna, 2003:38-51.

PAULIUKONIS, M.A.L & GAVAZZI, S. (Orgs). Da língua ao discurso: reflexões para o ensino. Rio de Janeiro,
Lucerna, 2005.

PERELMAN, Chaim; OLBRECHET TYTECCA, Lucie. Tratado de argumentação: a nova retórica. São Paulo, Martins
Fontes, 1996. [1ª. ed. 1958].

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