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Diferenças entre o normal e o

patológico

Apresentação
Atualmente, a psicologia tem buscado melhorar a saúde mental e a qualidade de vida das pessoas
como um todo. Para isso, é necessário que os profissionais da área debatam sobre temas diversos
ainda no processo de formação. A abordagem de questões em torno do normal e do patológico
devem ser discutidas, pois são temas centrais e relevantes para a compreensão e o
aprofundamento dos aspectos relacionados aos diagnósticos psicopatológicos.

Nesta Unidade de Aprendizagem, você vai estudar as diferenças entre o normal e o patológico,
passando pela compreensão desses conceitos e pela discussão sobre os critérios de normalidade
existentes. Por fim, serão expostas algumas situações que exemplifiquem condutas normais e
psicopatológicas.

Bons estudos.

Ao final desta Unidade de Aprendizagem, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

• Explicar os critérios de normalidade.


• Conceituar normalidade e psicopatologia dentro dos campos biológico, sociocultural,
pragmático e fundamental.
• Exemplificar situações de conduta normal e psicopatológica.
Desafio
A psicologia considera e busca compreender a relação entre o normal e o patológico. Cabe destacar
que, para qualquer diagnóstico psicológico, outros aspectos precisam ser observados. É necessário
contextualizar as características e as queixas apresentadas por cada indivíduo quando se trata dos
limites entre o normal e o patológico.

Considere a situação a seguir:

a) O que você deveria fazer inicialmente? Sem considerar nenhum tipo de avaliação, qual seria a
hipótese psicopatológica inicial para a paciente, considerando apenas os sintomas relatados?

b) Após a avaliação, considerando a realidade social da paciente e demais aspectos, quais


associações entre normal e patológico seriam possíveis?
Infográfico
A complexidade que envolve a discussão entre o normal e o patológico tem sido observada ao
longo dos anos. Por isso, problematizar essas questões pensando no conceito ampliado de saúde é
fundamental.

Neste Infográfico, você vai observar o conceito de normalidade sob a ótica de algumas das diversas
áreas da psicologia.
Aponte a câmera para o
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Conteúdo do livro
No campo da atuação profissional, a compreensão dos aspectos subjetivos é fundamental para a
intervenção do psicólogo. Dessa forma, o estudo dos aspectos psicopatológicos e a discussão entre
o normal e o patológico contribuem com o entendimento e com a consolidação dessa área do
conhecimento.

É comum questionar a respeito do que é ser normal, refletir sobre qual área da psicologia estuda a
relação entre normal e patológico ou até mesmo pensar em condutas consideradas patológicas que
podem ser vistas como normais.

No capítulo Diferenças entre o normal e o patológico, você vai aprofundar seus estudos sobre o
conceito e os critérios da normalidade e entender a definição da psicopatologia. Por fim, você vai
ver exemplos que mostram a diferença entre condutas normais e patológicas. Situações que
poderão estar presentes em qualquer campo de atuação do psicólogo.

Boa leitura.
FUNDAMENTOS DAS
PSICOPATOLOGIAS E
DO PSICODIAGNÓSTICO
Diferenças entre
o normal e o
patológico
Mariane Lopez Molina

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

> Explicar os critérios de normalidade.


> Conceituar normalidade e psicopatologia dentro dos campos biológico,
sociocultural, pragmático e fundamental.
> Exemplificar situações de conduta normal e psicopatológica.

Introdução
Na psicologia, a compreensão do ser humano é fundamental para o direcionamento
das intervenções. Mas você já se questionou por onde deve começar? A resposta
é simples: conhecendo as características do paciente. Na prática, porém, sabe-se
que isso é bastante complexo, pois deve-se diferenciar o normal do patológico.
Ciente de que cada indivíduo é único e, portanto, tem as suas subjetividades, o
psicólogo deve garantir que isso norteie a sua prática. Os manuais e instrumentos
de trabalho apresentam os critérios para as patologias, mas é de responsabilidade
do profissional realizar o diagnóstico diferencial, ou seja, distinguir o normal do
patológico.
Neste capítulo, você vai aprofundar os seus conhecimentos sobre psicopatologia
e psicodiagnóstico, com destaque para os conceitos de normalidade e psicopato-
logia, passando pelos campos que os permeiam. Além disso, você também será
apresentado a situações que exemplificam e diferenciam as condutas normais
das patológicas.
2 Diferenças entre o normal e o patológico

Os critérios da normalidade em
psicopatologia
Historicamente, a questão da normalidade versus anormalidade tem sido
objeto de estudos e debates, sobretudo na área da psicologia. Por isso, não
há um consenso sobre os limites entre o normal e o patológico, de modo que
muitas vezes esses limites acabam sendo delineados por padrões sociais e
culturais. Ao longo desta seção, serão abordados alguns critérios que devem
ser observados no que diz respeito à questão da normalidade, especialmente
no estudo dos aspectos psicopatológicos.
Segundo Dalgalarrondo (2019), há nove critérios de normalidade no campo
da psicopatologia. O primeiro seria a normalidade como ausência de doença.
Do ponto de vista de saúde, a normalidade é vista como a ausência de doença.
Para a psicopatologia, a normalidade é definida como a ausência de sintomas
que caracterizam o paciente como portador de um transtorno mental definido.
Segundo Dalgalarrondo (2019, p. 45), esse critério pode ser considerado “falho
e precário, pois, além de redundante, baseia-se em uma ‘definição negativa’,
ou seja, define-se a normalidade não por aquilo que ela supostamente é, mas
por aquilo que ela não é, pelo que lhe falta”.
Contrapondo esse conceito, considerado falho e focado na inexistência
da doença, tem-se a normalidade ideal, que pode ser entendida a partir de
uma normalidade estabelecida como ideal. Ou seja, trata-se de um conceito
socialmente construído, que relaciona à normalidade a algo que supostamente
seria considerado mais sadio e evoluído. Esse conceito de normalidade está
estreitamente relacionado a questões socioculturais, entendendo os padrões
de normalidade como aqueles que se ajustam aos padrões estabelecidos por
determinada sociedade (CECCARELLI, 2010).

Para saber mais sobre o conceito de normalidade como ausência


de doença, consulte o artigo intitulado “O conceito de saúde”, de
Marco Segre e Flávio Ferraz (1997). Nesse texto, os autores discutem e levan-
tam questionamentos a respeito da definição atual de saúde sustentada pela
Organização Mundial da Saúde (OMS).

Por sua vez, a normalidade estatística está relacionada aos aspectos


quantitativos, ou seja, àquilo que está sendo observado com maior frequência.
A partir disso, cria-se uma curva considerada normal, de modo que os pontos
situados fora dela são tidos como anormais ou doentes (SALGADO-NETO;
SALGADO, 2011). Quando relacionados a questões de saúde geral e mental,
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esses parâmetros podem ser considerados falhos, visto que nem tudo o que
é frequente pode ser considerado saudável e nem tudo que é infrequente
pode ser considerado patológico. Os sintomas ansiosos e depressivos, bem
como o abuso de álcool, são muito frequentes na população; porém, não
podem ser considerados normais ou saudáveis, por exemplo.
Já o conceito de normalidade como bem-estar toma, como base, o dire-
cionamento dado pela OMS, definindo a saúde não apenas como ausência de
doença, mas compreendendo-a como completo bem-estar físico, mental e
social (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 1946). Essa definição tem sido contes-
tada por ser ampla e de difícil mensuração. De fato, o que seria o bem-estar?
Além disso, especula-se que as pessoas teriam dificuldade em se classificar
em completo bem-estar, o que, por consequência, as distanciaria de se consi-
derarem saudáveis. Esse questionamento é complementado pela abordagem
da normalidade funcional, que se baseia no parâmetro de funcionalidade e
considera patológico o que é disfuncional, gerando sofrimento significativo
para o indivíduo e/ou terceiros.
Essa disfuncionalidade pode ser abordada considerando a normalidade
como processo, critério que toma os aspectos mais dinâmicos do indivíduo,
ou seja, os processos correspondentes a cada etapa evolutiva. Tem relação
com o processo de desenvolvimento humano e os processos esperados
para cada faixa etária, levando em conta as questões psicossociais do in-
divíduo. Porém, nem sempre o desenvolvimento vai corresponder ao que
é esperado para cada etapa do ciclo vital, principalmente quando se trata
do papel das diferenças individuais. Nesse quesito, entra a normalidade
subjetiva, relacionada à percepção subjetiva, ou seja, à visão que o próprio
indivíduo tem de si e do seu estado de saúde. Algumas questões de saúde
mental podem demonstrar o ponto falho desse critério, como é o caso de
pacientes bipolares, por exemplo, que, na fase maníaca, enxergam-se em
perfeito estado de saúde, mas, na verdade, estão acometidos por uma fase
aguda do transtorno psicológico. Isso revela o quanto a percepção subjetiva
do indivíduo muitas vezes não corresponde à realidade quando se trata da
sintomatologia psicopatológica.
A normalidade como liberdade, sob a ótica fenomenológica existencial da
condição psicopatológica, ou seja, de ter uma doença mental, pode se relacio-
nar com a perda de liberdade em relação a si mesmo e perante a sociedade.
Segundo Dalgalarrondo (2019, p. 46), “as enfermidades físicas são ameaças
à vida, as enfermidades mentais são ataques à liberdade. [...] no transtorno
mental [...] o processo mórbido travando, bloqueando, dissolvendo a atividade
psíquica, diminui a liberdade e responsabilidade do paciente mental”.
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Embora, em alguns casos, a presença de um transtorno mental esteja


relacionada com a perda de liberdade, a maioria das práticas dos profissionais
de psicologia é especialmente voltada para que o paciente não experencie
essa privação da liberdade. Por isso, para nortear a atuação profissional,
prognósticos e encaminhamentos, considera-se a normalidade operacional,
que seria a definição e delimitação entre o normal e o patológico. Embora
possa ser questionável em psicopatologia, um exemplo de critério operacional
seriam os manuais diagnósticos para a definição dos transtornos mentais,
como o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM, 5ª
edição) e a Classificação Internacional de Doenças (CID, 11ª edição).
A partir do conteúdo apresentado nesta seção, fica evidente que, em
psicopatologia, os critérios de normalidade e doença são influenciados por
diversos fatores. Podem ser destacadas, aqui, questões filosóficas, culturais,
sociais e até mesmo individuais. Elas revelam que ter uma doença mental
extrapola a definição do que é ser normal ou não, envolvendo um olhar
especializado, humano e individualizado em relação às pessoas. Assim, a
atuação do profissional de psicologia vai muito além de critérios e manuais
diagnósticos, sendo necessária uma formação ética, técnica e profissional.
E, para que isso seja possível, os conceitos de normalidade e psicopatologia
devem ser abordados de forma mais aprofundada. É o que você verá na
próxima seção.

Definição de normalidade e de
psicopatologia
Antes de mais nada, é necessário questionar o que é, afinal, ser “normal”.
Talvez você até mesmo tenha ficado confuso na tentativa de definir esse termo.
A mesma confusão assolou aqueles que, ao longo dos tempos, buscaram
delimitar as fronteiras entre normal e patológico.
Especialmente em psicopatologia, controvérsias marcam a história da
normalidade versus anormalidade. Dalgalarrondo (2019) destaca que essa
delimitação tem recebido carga “valorativa”. Ou seja, a definição de norma-
lidade tem sido atrelada ao desejável ou indesejável, bem como àquilo que
é bom ou ruim. Isso nos remete a uma questão social, reducionista, e mesmo
que se afirme a ilegitimidade desses valores, eles acabam presentes quando
se trata de definir alguém como “anormal” em termos psicopatológicos.
Para você compreender melhor essa questão valorativa, com influências
sociais e culturais, observe a Figura 1.
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Figura 1. Representação do conceito de normalidade.

A Figura 1 exemplifica os parâmetros que são criados e influenciados pela


questão social e cultural, em que determinada pessoa que não corresponde a
esses parâmetros é tida como destoante, diferente, anormal. Trata-se de uma
postura que deve ser evitada, de modo que profissionais da saúde mental
devem estar atentos, visto que cada indivíduo tem as suas características
individuais. Isso corroborado por Oliveira (1997, p. 45), que afirma que “duas
metas de difícil compatibilização, a compreensão da diversidade e a busca
daquilo que é universal no ser humano, tem gerado um campo permanente
de tensão da produção do conhecimento em psicologia”.
De fato, as discussões em torno da normalidade em psicopatologia consis-
tem em “um debate vivo, intenso, interessado, repleto de valores (explícitos
ou não), com conotações políticas e filosóficas (explícitas ou não) e conceitos
que implicam o modo como milhares de pessoas serão situadas em suas
vidas na sociedade” (DALGALARRONDO, 2019, p. 42). Esses debates não se
relacionam aos casos extremos, como os transtornos mentais mais severos,
demências avançadas, sintomas psicóticos graves e deficiências intelectuais:
esses debates se referem a questões menos complexas, que se caracterizam,
às vezes, por comportamentos que geram certa dificuldade cotidiana no
indivíduo. Assim, os pacientes podem ser equivocadamente diagnosticados
e tratados de forma psicopatológica, até mesmo com uso inapropriado de
medicamentos.
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Na literatura científica, não há consenso em relação ao que seria


considerado normalidade (DALGALARRONDO, 2019). Trata-se, de fato,
de parâmetros que consideram normal o que seria esperado, desejável. Em
psicopatologia, esses parâmetros não se diferenciam, pois existem padrões
esperados de comportamentos e sintomas que serão avaliados visando a iden-
tificar as características disfuncionais e prejuízos ao indivíduo, respeitando as
suas características individuais. Para auxiliar os profissionais, são utilizados,
como referenciais, o DSM e a CID.

Ao tratar do conceito de normalidade, inevitavelmente se deve abordar a


sua conceitualização em psicopatologia. Portanto, aqui também cabe concei-
tuar e debater sobre a psicopatologia, definida como “o ramo da ciência que
trata da natureza essencial da doença ou transtorno mental — suas causas,
as mudanças estruturais e funcionais associadas a ela e suas formas de
manifestação” (DALGALARRONDO, 2019, p. 26). Já Dalgalarrondo (2019, p. 26)
define a psicopatologia de uma forma mais ampla, compreendendo-a como “o
conjunto de conhecimentos referentes ao adoecimento mental do ser humano”.
Cabe destacar que, por se referir às questões de saúde mental, trata-se de
um campo científico, livre de julgamento moral, que busca a identificação e
a compreensão dos diversos elementos psicopatológicos.
A literatura tem evidenciado que a psicopatologia tem diversas vertentes,
tendo sido conceituada de diversas formas ao longo dos tempos. Por isso,
configura-se como um campo complexo, composto por vários ângulos e
direções que ultrapassam o campo psicológico (CECCARELLI, 2005; MORAES;
MACEDO; KOTHER, 2018; DALGALARRONDO, 2019). Aqui, o foco é a psicopatologia
sob a ótica dos campos biológico, sociocultural, pragmático e fundamental,
como você verá a seguir.
A psicopatologia biológica estuda os aspectos cerebrais, neuroquímicos
ou neurofisiológicos das doenças e dos sintomas mentais, evidenciando que
“a base de todo transtorno mental consiste em alterações de mecanismos
neurais e de determinadas áreas e circuitos cerebrais” (DALGALARRONDO,
2019, p. 36).
Consideradas as questões biológicas, outro ponto central no estudo
das questões de saúde mental é a psicopatologia sociocultural, cujo enfo-
que está no estudo dos transtornos mentais sob a influência de aspectos
socioculturais, como, por exemplo, discriminação, pobreza, migração, etc.
Conforme mencionado anteriormente, é aqui que o conceito de normalidade
versus anormalidade é construído, com base em normas, valores e símbolos
socialmente instituídos. Em outras palavras, é aqui que a cultura será fun-
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damental para o estabelecimento dos parâmetros normal e patológico, bem


como para a constituição dos transtornos e das suas formas de intervenção.
Outra perspectiva relevante é a da psicopatologia pragmática, também
chamada de operacional pragmática, que define os transtornos mentais de
forma pragmática, clínica ou orientada pela pesquisa. Atualmente, estão,
nesse modelo, os manuais diagnósticos mais utilizados para a classificação
dos transtornos mentais, como o DSM, estadunidense, e a CID, da OMS.
Sob outro enfoque, tem-se a psicopatologia fundamental. “Proposta pelo
psicanalista francês Pierre Fedida, visa a centrar a atenção da pesquisa psi-
copatológica sobre os fundamentos históricos e conceituais de cada conceito
psicopatológico” (DALGALARRONDO, 2019, p. 37). Essa vertente não inclui ape-
nas a psicopatologia médica, mas considera as tradições literárias, artísticas
e outras relacionadas à condição humana, acreditando que o sofrimento pode
ser experienciado como enriquecimento.
Nesta seção, você pôde compreender melhor os conceitos de normalidade
e psicopatologia, bem como as implicações desses conceitos nas diferentes
áreas de atuação do psicólogo. Os conhecimentos adquiridos pela leitura
deste tópico serão fundamentais durante a sua atuação profissional, con-
tribuindo para a compreensão dos processos psicológicos e para o direcio-
namento dos processos avaliativos, os encaminhamentos, as intervenções
e os prognósticos.
A seguir, serão vistas algumas exemplificações de condutas normais e
psicopatológicas.

Condutas normais e psicopatológicas


O estudo dos aspectos psicopatológicos, conforme visto ao longo deste
capítulo, requer conhecimento teórico e técnico. Além disso, devem ser con-
sideradas as questões individuais e socioculturais do indivíduo.
Conforme destacado por Cabrita e Abrahão (2014, p. 639), “a saúde seria
a capacidade de o organismo responder às agressões externas e às suas
deficiências internas. Havendo resposta eficaz, se estabeleceria a saúde; não
havendo tal resposta, haveria a doença”. Segundo esse enfoque, a anormali-
dade de um órgão não implica necessariamente doença. Em psicopatologia,
não é diferente. Ou seja, a pessoa ter algum sintoma não necessariamente quer
dizer que ela está acometida por um transtorno mental, pois o diagnóstico
depende de inúmeros fatores, como, por exemplo, o contexto social e familiar
no qual ela está inserida. Por isso, aqui você verá como os conceitos de normal
e patológico são problematizados em algumas das áreas da saúde mental.
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Na perspectiva da psicologia forense, alguém considerado psicologica-


mente normal se torna responsável pelos próprios atos ou ações (DALGA-
LARRONDO, 2019). Por isso, determinar se uma pessoa é considerada normal
ou não em termos de saúde mental pode implicar questões legais, judiciais,
criminais e sociais, influenciado no destino dessa pessoa.
Já a epidemiologia é conhecida como a área que estuda a manifestação e a
evolução dos transtornos mentais, ou seja, trata-se de um campo da pesquisa
científica. Inclusive, os dados epidemiológicos contribuem fortemente para a
definição dos conceitos de normalidade em saúde em geral e psicopatologia
(DALGALARRONDO, 2019). Por exemplo, foi por meio da epidemiologia que, nos
últimos tempos, observou-se um crescimento exponencial de psicopatologias
na infância e na adolescência. Isso possibilitou novas descobertas, como a
existência de comorbidades. De fato, maioria dos transtornos da idade adulta
tem origem na infância (DUMAS, 2018). Além disso, todos os novos insights
proporcionados pelos estudos científicos e epidemiológicos têm possibilitado,
aos longos dos anos, avanços no conhecimento, o surgimento de novas áreas
de atuação e a implementação de programas de prevenção e intervenção.
Por sua vez, a psiquiatria cultural, ou etnopsiquiatria, discute a relação
entre o fenômeno considerado psicopatológico e o contexto social (DALGA-
LARRONDO, 2019). Nessa área, o conceito de normalidade é foco constante
de pesquisa e debates com enfoque sociocultural. Aqui, as questões socio-
culturais são consideradas fundamentais para a compreensão do fenômeno
psicopatológico. Um exemplo é uma criança com dificuldades de aprendizagem
por insegurança alimentar, ou seja, falta de alimentação. Outro exemplo são
os senegaleses que se refugiam no Brasil. Conforme corroborado por Martin,
Goldenberg e Silveira (2018), os cuidados em saúde acabam por constituir a
porta de entrada para os imigrantes nos serviços públicos, pois, em algum
momento, haverá busca pelo alívio dos seus sofrimentos em contextos de
serviços marcados por desafios nos processos de inclusão.
De forma complementar, tem-se as políticas de saúde destinadas à saúde
mental, as quais demandam que sejam estabelecidos os critérios de nor-
malidade. De fato, essa delimitação influencia fortemente as ações e os
serviços que deverão ser criados e destinados à população de saúde mental
(DALGALARRONDO, 2019), como a complexidade de cada serviço de saúde. Por
exemplo, quando o paciente de saúde mental deve ser encaminhado para
um Centro de Atenção Psicossocial (CAPS)? Quando um paciente precisa
de acompanhamento em ambulatório especializado? Quando há necessi-
dade de planejamento de alguma ação para um grupo específico? Qual é a
abrangência territorial de um determinando serviço de saúde? Todas essas
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e outras questões são levadas em consideração na parte de planejamento


das políticas públicas em saúde mental.
Já no processo de orientação e capacitação profissional é necessário o
entendimento de normalidade para a melhor capacitação e o direcionamento
adequado das pessoas com transtornos mentais (DALGALARRONDO, 2019), bem
como para explorar as habilidades e compreender as limitações individuais.
Por exemplo, é necessário avaliar o impedimento de uma pessoa psicótica
para porte de arma e identificar pessoas com crises epiléticas para o manuseio
de máquinas com maior periculosidade. Nesse quesito, o profissional precisa
estar engajado em avaliar e proporcionar espaço para o desenvolvimento do
ser humano, mas considerando as suas limitações e os riscos a que se pode
expor no desempenho de atividades laborais. Atualmente, pode-se destacar
o papel do psicólogo organizacional, relacionado a vagas destinadas para
pessoa com deficiência (PCD).
Por fim, destaca-se a prática clínica, em que se torna relevante avaliar
a existência de fenômenos normais e patológicos no sentido de direcionar
as intervenções, bem como avaliar a necessidade de outras intervenções,
como a psiquiátrica para avaliação do uso de psicofármacos, por exemplo
(DALGALARRONDO, 2019). Aliás, cabe destacar aqui que o reconhecimento
dos aspectos psicológicos tem mais utilidade para o profissional do que
para o paciente, pois eles servirão para direcionar intervenções específicas
e mais assertivas. É necessário ter em vista a perspectiva da atuação clínica
como saúde, em que indivíduos sem alguma psicopatologia também podem
ser beneficiados pela psicoterapia. Um exemplo disso são as pessoas que
buscam o psicólogo sem uma queixa e/ou demanda, apenas visando ao
autoconhecimento e à exploração de habilidades.
Após algumas áreas terem sido elencadas e ter sido explicado de que forma
podem ser problematizadas, serão abordados, a seguir, alguns exemplos
que demonstram criticamente como a conduta normal e psicopatológica se
apresenta nos diferentes campos de atuação do psicólogo.
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A depressão talvez seja uma das palavras mais utilizadas em saúde


mental. Como sintoma, pode assumir o significado de tristeza; porém,
como diagnóstico, pode acometer pessoas que nem se consideram tristes, sendo
a tristeza um dos critérios diagnósticos para a depressão.
Nesse contexto, uma mudança do DSM-V envolve o luto, pois certamente as
pessoas que perderam um ente querido passarão pelo processo de luto (BAR-
NHILL, 2015). Portanto, cabe, ao profissional, a compreensão e a diferenciação de
um luto normal para um luto patológico, sendo o patológico aquele que passa
a considerar o sofrimento característico de uma depressão.
Outros exemplos incluem o transtorno opositor desafiador (TOD) e o trans-
torno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) em crianças. Muitos casos
envolvendo essas patologias acabam sendo “confundidos” e diagnosticados de
forma equivocada. Por exemplo, crianças com contexto familiar desfavorável,
com negligência dos cuidados e violência como prática familiar recorrente,
podem apresentar comportamentos relacionados às condições mencionadas.
No entanto, ao se considerar o ambiente e as condições sociais em que elas
vivem, jamais poderão ser considerados diagnósticos psicopatológicos.
Já em relação à ansiedade, tem sido desafiadora a realização dos diagnós-
ticos diferenciais, sobretudo porque, além de ser um dos transtornos mais
prevalentes mundialmente, a ansiedade, o medo e a esquiva são respostas
normais e adaptativas de todo ser humano. Essa dificuldade é ainda maior nos
casos em que o indivíduo apresenta sintomas ansiosos leves (BARNHILL, 2015).

As situações exemplificadas permitem que sejam problematizadas as


situações normais e patológicas. A partir disso, pode-se refletir sobre a
importância do olhar crítico por parte dos profissionais. A essa altura, é
importante ter ficado claro que aspectos como cultura, ambiente, diferenças
individuais e aspectos sociais precisam ser considerados pelo profissional
ao se deparar com as questões de saúde mental. De fato, o contexto no
qual o indivíduo está inserido influenciará a sua conduta e a sua percepção
em relação a si mesmo e ao mundo. Além das situações exemplificadas, o
estresse, a ausência de sono, a alimentação inadequada e as preocupações
com situações cotidianas podem facilmente ser considerados psicopatológicos
caso o profissional não busque compreender essas questões levando em
consideração o contexto social do indivíduo.
Por fim, destaca-se a problematização sobre o normal e o patológico.
Neste capítulo, esses conceitos foram mais bem delimitados, bem como
alguns dos critérios de normalidade abordados em psicopatologia. Também
foi discutida a complexidade de definir o que é ser normal ou não. Conforme
explanado nos exemplos, uma condição patológica em um contexto pode ser
totalmente normal em outro, considerando a realidade social do indivíduo.
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De forma geral, o intuito foi problematizar os conceitos apresentados,


demonstrando que a prática profissional e o estudo dos transtornos men-
tais vão muito além de conceitos delimitados, manuais diagnósticos e da
compreensão da saúde como ausência de doença. Nesse sentido, espera-se
que você tenha compreendido a relevância de o profissional de psicologia
exercitar o senso crítico, considerar as diferenças individuais, o contexto em
que as pessoas estão inseridas e, acima de tudo, reconhecer que o trabalho
do psicólogo vai além de lidar com pessoas: ele deve ser pautado no cuidado
e no respeito pela individualidade de cada um.

Referências
BARNHILL, J. W. Casos clínicos do DSM-5. Porto Alegre: Artmed, 2015. (E-book).
CABRITA, B. A. C.; ABRAHÃO, A. L. O normal e o patológico na perspectiva do envelheci-
mento: uma revisão integrativa. Saúde em Debate, v. 38, n. 102, p. 635-645, jul./set. 2014.
CECCARELLI, P. R. A patologização da normalidade. Estudos de Psicanálise, n. 33, p.
125-136, jul. 2010.
CECCARELLI, P. R. O sofrimento psíquico na perspectiva da psicopatologia fundamental.
Psicologia em Estudo, v. 10, n. 3, p. 471-477, dez. 2005.
DALGALARRONDO, P. Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais. 3. ed. Porto
Alegre: Artmed, 2019.
DUMAS, J. E. Psicopatologia da infância e da adolescência. 3. ed. Porto Alegre: Artmed,
2018.
MARTIN, D.; GOLDBERG, A.; SILVEIRA, C. Imigração, refúgio e saúde: perspectivas de
análise sociocultural. Saúde e Sociedade, v. 27, n. 1, p. 26-36, jan./mar. 2018.
MORAES, F. C.; MACEDO, F. S.; KOTHER, M. M. A noção de psicopatologia: desdobramentos
em um campo de heterogeneidades. Ágora: Estudos em Teoria Psicanalítica, v. 21, n.
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OLIVEIRA, M. K. Sobre diferenças individuais e diferenças culturais: o lugar da aborda-
gem histórico-cultural. In: AQUINO, J. G. (org.). Erro e fracasso na escola: alternativas
teóricas e práticas. São Paulo: Summus, 1997. p. 45-61.
SALGADO-NETO, G.; SALGADO, A. Sir Francis Galton e os extremos superiores da curva
normal. Revista de Ciências Humanas, v. 45, n. 1, p. 223-239, jan. 2011.
WORLD HEALTH ORGANIZATION. Preamble to the constitution of the World Health Or-
ganization. Geneva: WHO, 1946. (Official Records of the World Health Organization, 2).

Leituras recomendadas
SEGRE, M.; FERRAZ, F. C. O conceito de saúde. Revista de Saúde Pública, v. 31, n. 5, p.
538-542, out. 1997.
WHITBOURNE, S. K; HALGIN, R. P. Psicopatologia: perspectivas clínicas dos transtornos
psicológicos. 7. ed. Porto Alegre: AMGH, 2015.
12 Diferenças entre o normal e o patológico

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Dica do professor
Na psicologia, ter o conhecimento de alguns conceitos básicos é essencial, independentemente da
área de atuação. Por isso, é indispensável abordar temas que envolvem a questão normalidade
versus anormalidade em psicopatologia.

Nesta Dica do Professor, você vai saber um pouco mais sobre a delimitação dos conceitos
normalidade e psicopatologia e vai compreender a relevância na prática do profissional de
psicologia.

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Exercícios

1) Para a psicologia, a compreensão dos limites entre o normal e o patológico tornam-se


componentes imprescindíveis tanto no acolhimento quanto nas intervenções realizadas em
qualquer indivíduo.

Sobre os conceitos de normalidade e psicopatologia, observe as afirmativas:

I. O conceito de normalidade versus anormalidade não foi considerado tema de grande


debate ao longo dos anos.

II. A normalidade tem sido fortemente associada à carga valorativa e consequentemente


social.

III. Parâmetros sociais de normalidade geralmente são criados e portanto devem ser tratados
com atenção pelos profissionais de saúde mental.

É correto o que se afirma em:

A) II e III.

B) Apenas I.

C) I e III.

D) Apenas II.

E) I, II e III.

2) A psicopatologia teve diversas vertentes e formas de ser conceituada ao longos dos tempos
e, por isso, configura-se como um campo complexo, composto por vários ângulos e direções.
Sendo assim, em psicopatologia existem algumas formas de abordar o conceito de
normalidade versus anormalidade, considerando as perspectivas biológica, sociocultural,
pragmática e fundamental.

Assinale a alternativa que aborda corretamente os conceitos apresentados na questão.

A) A pragmática, que se baseia nos aspectos socialmente construídos, enquanto que a


fundamental considera a pesquisa psicológica.
B) A biológica considera os aspectos relacionados à neuroquímica, por exemplo, e a sociocultural
se baseia em normas e valores socialmente instituídos.

C) A fundamental está focada na abordagem dos aspectos cerebrais, enquanto que a biológica
está focada nos aspectos neuroquímicos.

D) A sociocultural estuda as influências dos aspectos socioculturais enquanto que a fundamental


atua de forma prática e orientada para a clínica.

E) A pragmática baseia-se na definição dos transtornos mentais de forma clínica, enquanto que a
biológica tem seu foco nos aspectos dos conceitos históricos.

3) O conceito de normalidade em psicopatologia também implica a própria definição do que é


saúde e doença/transtorno mental. Os próprios termos levantam discussão. No século XIX,
usava-se o termo “alienação”; no século XX, passou-se a usar o termo “doença mental”; e,
nas últimas décadas, com os sistemas de classificação internacional de doenças e problemas
relacionados à saúde (CID) e com o manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais
(DSM) ganhando protagonismo, passou-se a usar o termo “transtorno mental”
(DALGALARRONDO, 2019).

Por isso, tratando-se dos aspectos de normalidade alguns critérios precisam ser
considerados. Tendo em vista esses critérios, considere verdadeiro ou falso.

( ) A normalidade ideal não tem relação com os aspectos socioculturais, mas apenas com o
indivíduo que é considerado sadio e evoluído.

( ) A normalidade como processo está associada ao desenvolvimento humano e ao que é


esperado para cada faixa etária, considerando as questões psicossociais do indivíduo.

( ) A normalidade subjetiva está relacionada com a percepção que o próprio indivíduo tem de
si e de seu estado de saúde. Algumas questões de saúde mental podem demonstrar o ponto
falho desse critério.

( ) A normalidade como ausência de doença para a psicopatologia pode ser definida como a
ausência de sintomas que caracterizam o indivíduo como portador de um transtorno mental
definido.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência correta.

A) F – V – V – V.

B) F – F – V – V.

C) F – V – V – F.
D) F – V – F – V.

E) V – V – V – V.

4) Para a delimitação das fronteiras entre o normal e o patológico, algumas questões precisam ser
observadas. Por isso, considere o seguinte caso:

Considerando os nove critérios de normalidade, esse caso pode ser melhor relacionado ao conceito
de:

A) normalidade ideal, aquela relacionada a um conceito socialmente construído.

B) normalidade estatística, aquela observada com mais frequência e relacionada aos aspectos
quantitativos.

C) normalidade operacional, aquela que delimita o normal e o patológico.

D) normalidade como ausência de doença, aquela que considera a não existência do sintoma ou
da doença.

E) normalidade funcional, aquela relacionada aos aspectos funcionais e disfuncionais, podendo


gerar sofrimento.

5)
A questão da normalidade versus anormalidade tem sido ponto de discussão e controvérsia
ao longo dos tempos. Na psicologia, esse debate pode ser considerado central quando se
refere ao ramo da ciência que trata da natureza essencial da doença ou transtorno mental.

Considerando os conceitos de normal e patológico, observe as afirmativas:

I. A psicopatologia estuda os transtornos mentais, bem como suas causas, as mudanças


estruturais e funcionais associadas a ele e suas formas de manifestação.

II. Torna-se relevante e necessário ao profissional ter um conjunto de conhecimentos


referentes ao adoecimento mental do ser humano.

III. A psicopatologia é conhecida como ramo da ciência que estuda somente as formas de
manifestação dos transtornos mentais.

É correto o que se afirma em:

A) Apenas I.

B) Apenas II.

C) I e II.

D) II e III.

E) Apenas III.
Na prática
A reflexão sobre o normal versus o patológico possibilita compreender como esse tema é relevante
na prática profissional do psicólogo. Por isso, é necessário que ele esteja preparado para conduzir
demandas que envolvem questões culturais e sociais.

O profissional de saúde mental precisa estudar os aspectos psicopatológicos e também buscar a


compreensão do todo. E esse todo, muitas vezes, vai considerar a realidade em que o indivíduo está
inserido, como, por exemplo, os aspectos socioculturais.

Neste Na Prática, você vai ver a importância do estudo e da compreensão dos aspectos
socioculturais e a sua relação com os fenômenos psicopatológicos.
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Saiba +
Para ampliar seu conhecimento a respeito desse assunto, veja abaixo as sugestões do professor:

O que são o normal e o patológico?


Sabe-se da importância de diferenciar o normal do patológico, do ponto de vista científico. Por isso,
neste vídeo, você vai acompanhar uma pequena revisão sobre esses conceitos, bem como os
critérios de normalidade.

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O normal e o patológico, de Canguilhem


George Canguilhem foi um dos autores de renome no estudo do normal e do patológico,
publicando um livro sobre o tema. Propôs uma reflexão filosófica sobre métodos e técnicas, a fim
de conceituá-los para uma melhor e mais clara compreensão dos fenômenos patológicos humanos.
Neste vídeo, você vai acompanhar um pequeno resumo sobre a visão e as obras desse autor.

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A personalidade normal e patológica


Para aprofundar os estudos sobre normalidade, leia o capítulo 1, "Estruturas e normalidade". Nele
você vai ver mais sobre o conceito de normalidade e os aspectos relacionados.
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