Você está na página 1de 31

Fisiopatologia celular

Apresentação
Nesta Unidade de Aprendizagem estudaremos as alterações básicas estruturais e funcionais que
acontecem nas células. Quando nossos tecidos sofrem estresse, pode haver alterações estruturais e
de funcionamento, fruto da adaptação às novas situações. As células ou os tecidos submetidos a
uma nova condição podem sofrer modificações regressivas (degenerações ou lesões por distúrbios
metabólicos, reversíveis ou irreversíveis) ou progressivas (distúrbios de crescimento e proliferação).
As alterações na fisiologia celular podem gerar modificações até em níveis mais complexos, além do
tecidual, como orgânico e sistêmico e no organismo como um todo.I

Bons estudos.

Ao final desta Unidade de Aprendizagem, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

• Reconhecer as principais mudanças celulares que ocorrem em condições patológicas.


• Identificar fatores etiológicos que provocam reações e adaptações celulares.
• Diferenciar características fisiopatológicas celulares.
Desafio
O papilomavírus humano (HPV) é um vírus que infecta a pele e a mucosa do colo do útero.

A infecção pelo HPV normalmente causa verrugas genitais e pode causar câncer do colo do útero,
sintomas que são resultado da reação das células ao agente estressor (o vírus HPV).

Ao realizar um teste de triagem, que tipo de adaptação celular será encontrado nas células afetadas
pelo HPV? Que características celulares podem indicar câncer ou uma condição pré-cancerosa?
Infográfico
O esquema a seguir apresenta um resumo geral sobre o que vamos trabalhar nesta unidade de
fisiopatologia celular. Confira!
Conteúdo do livro
O estudo da morfologia dos tecidos é fator importante para o acompanhamento ou para o
diagnóstico de determinada doença. O patologista é capaz de identificar as diferentes adaptações
celulares reversíveis e irreversíveis através da análise da biópsia tecidual. As adaptações
celulares estão ligadas a processos fisiológicos na gravidez e na regeneração hepática após doação
para transplante de parte do fígado, e, a processos patológicos, como o câncer, a esclerose lateral
amiotrófica e o infarto do miocárdio.

Para melhor compreender as adaptações celulares, leia o capítulo Fisiopatologia Celular da obra
Genética e Patologia – base teórica desta Unidade de Aprendizagem.

Boa leitura.
GENÉTICA E
PATOLOGIA

Ana Paula Aquistapase Dagnino


Fisiopatologia celular
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Reconhecer as principais mudanças celulares que ocorrem em con-


dições patológicas.
 Identificar fatores etiológicos que provocam reações e adaptações
celulares.
 Diferenciar características fisiopatológicas celulares.

Introdução
Em homeostase, a célula normal é submetida a inúmeros estímulos, como
estresse ou agressões, que causam danos diretos. Diante de situações
como essas, a célula pode percorrer duas vias distintas, a adaptação ou
a incapacidade de se adaptar, o que leva à lesão celular. A lesão celular
pode ser reversível ou irreversível.
Neste capítulo, você vai estudar as diferentes respostas celulares diante
de situações fisiológicas, como o exercício ou a gravidez, e patológicas,
como a insuficiência cardíaca ou a caquexia. Algumas dessas respostas
são fundamentais para a sobrevivência das células ou do tecido. Você
também vai compreender os dois principais processos de morte celular,
a necrose e a apoptose, que possuem importantes diferenças entre si e
afetam a fisiologia e a doença no nosso organismo.

1 Mudanças celulares em condições


patológicas
A patologia é uma especialidade médica que estuda as causas das doenças
— etiologia —, assim como a evolução das doenças — patogênese. Para o
estudo da etiologia e da patogênese de determinada doença, torna-se im-
2 Fisiopatologia celular

prescindível a compreensão dos sintomas, gerados a partir de uma resposta


do organismo à lesão decorrente da doença. A patologia é fundamental, pois
tem efeitos diagnóstico e prognóstico, auxiliando o profissional médico na
escolha adequada do tratamento, além de ajudar na descoberta da causa da
doença. Atualmente, a patologia diagnóstica se utiliza de técnicas avança-
das de biologia molecular e análise proteômica para o estudo de alterações
moleculares. Essas técnicas têm revolucionado o estudo de tumores, com
alterações morfológicas idênticas, mas com evolução, resposta ao trata-
mento e prognóstico totalmente distintos (KUMAR; ABBAS; ASTER, 2016;
REISNER, 2016).
A célula em seu estado normal responde às demandas fisiológicas de
maneira a manter o seu estado de equilíbrio, a homeostase. Na homeos-
tase ou diante de um estímulo patológico, a célula responde por meio de
adaptações estruturais e funcionais reversíveis. Caso o estímulo não seja
eliminado e a célula não se adapte, o quadro pode evoluir para uma lesão
celular irreversível — as lesões irreversíveis serão abordadas profunda-
mente no terceiro tópico deste capítulo. As adaptações celulares reversíveis
podem ocorrer no fenótipo, no número, no tamanho, na atividade meta-
bólica ou na funcionalidade das células. As adaptações celulares ocorrem
principalmente por meio:

 do aumento (hiperplasia) ou da diminuição (aplasia) do número de


células;
 do aumento (hipertrofia) ou da redução (atrofia) do tamanho da
célula;
 da transformação de um tipo celular em outro (metaplasia).

A Figura 1 mostra exemplos de cada adaptação celular (KUMAR; ABBAS;


ASTER, 2016; REISNER, 2016; SILBERNAGL; LANG, 2016).
Fisiopatologia celular 3

Figura 1. As células epiteliais sofrem diferentes adaptações: hipertrofia, atrofia, hiperplasia


e metaplasia. Essas adaptações podem ocorrer em resposta a estímulos fisiológicos, como
na gestação, ou a estímulos nocivos, como o fumo. Adaptações celulares também são
observadas em doenças crônicas, como hipertensão e gastrite. O músculo esquelético
sofre hipertrofia mediante musculação e atrofia por falta de uso (tala de gesso na perna,
por exemplo) ou por prejuízo da inervação.
Fonte: Adaptada de Silbernagl e Lang (2016).

A seguir, são descritas as diferentes formas de adaptações ou mudanças


celulares (BARRETT et al., 2014; KUMAR; ABBAS; ASTER, 2016; REIS-
NER, 2016).

Hipertrofia — É caracterizada pelo aumento no tamanho das células e,


por consequência, pelo aumento do órgão afetado. É interessante lembrar
de que a hipertrofia e a hiperplasia ocorrem como uma resposta das células
com capacidade de divisão aos estímulos. Comumente, esses dois tipos de
adaptações ocorrem concomitantemente. A hipertrofia da paratireoide é
estimulada pelos níveis baixos de Ca+ no plasma, encontrados na doença
renal crônica e no raquitismo. Células que não se dividem, como as células
do miocárdio, respondem somente por meio da hipertrofia. A hipertrofia
pode ser fisiológica (induzida por exercício ou pela gravidez) ou patoló-
gica (como o aumento do músculo cardíaco na insuficiência cardíaca).
A hipertrofia fisiológica é desencadeada por sensores mecânicos e, poste-
riormente, pela ativação da via fosfoinositídeo 3-cinase (PI3K)/Akt. Por
4 Fisiopatologia celular

sua vez, a hipertrofia patológica é desencadeada por agonistas e fatores


de crescimento, resultando na ativação da via em cascata da proteína G
ligada a receptores. Após a ativação das vias de transdução, a ativação
dos fatores de transcrição (GATA4, fator nuclear de células T ativadas e
fator estimulador do miócito 2) é requerida para o aumento da síntese de
proteínas musculares, resultando em hipertrofia. Na Figura 2, podemos
observar miócitos cardíacos normais e hipertróficos.

Figura 2. Em (a), constam miócitos normais e, em (b), miócitos hipertróficos. Os miócitos


não possuem capacidade de divisão, compensando a carga de trabalho adicional por
meio do aumento de tamanho. Neste caso, o ventrículo do paciente teve aumento de
carga de trabalho, em decorrência de uma pressão sanguínea elevada. Núcleos “boxcar”
grandes e retangulares estão presentes em células hipertróficas que sofreram endomitose
com aumento de ploidia, sem divisão.
Fonte: Reisner (2016, p. 23).

Hiperplasia — É caracterizada pelo aumento do número de células e, por essa


razão, somente ocorre em células com capacidade de divisão. Assim como a
hipertrofia, a hiperplasia pode ser fisiológica, como ocorre na proliferação do
epitélio glandular da mama feminina durante a gravidez ou na puberdade e na
regeneração hepática após doação para transplante de parte do fígado. Pode
também ser patológica, como ocorre na hiperplasia das glândulas endome-
triais, causada pelo desequilíbrio dos hormônios progesterona e estrogênio.
A hiperplasia nas células do fígado é induzida por fatores de crescimento ou
por regeneração a partir de células-tronco. Na Figura 3, podemos verificar
dois exemplos de hiperplasia.
Fisiopatologia celular 5

É importante compreender que a hiperplasia patológica é um ambiente propício para


a ocorrência de uma proliferação celular fora de controle, sendo característica de dife-
rentes tipos de câncer, como do câncer de cólon, que apresenta elevada mortalidade.
Saiba mais sobre a hiperplasia do cólon acessando a matéria Hiperplasia no tecido do
cólon (c2020), no site da Khan Academy.

Figura 3. Em (a), vemos a hiperplasia da glândula tireoide e, em (b), uma glândula tireoide
normal. A glândula tireoide hiperplásica apresenta um número elevado de células foliculares
e pequenos folículos muito ativos. Em (c), vemos a hiperplasia da glândula paratireoide e, em
(d), uma glândula paratireoide normal. A glândula paratireoide hiperplásica apresenta lobo
com densidade maior de células principais, com septos do tecido conectivo imperceptíveis.
Fonte: Reisner (2016, p. 25).

Atrofia — É caracterizada pela diminuição no tamanho e no número de


células, levando a uma diminuição do órgão ou tecido afetado. A atrofia
pode ser fisiológica (diminuição do útero após o parto) ou patológica (atrofia
na caquexia, com perda de peso e de massa muscular associadas). Na atro-
6 Fisiopatologia celular

fia, podemos observar diminuição também no tamanho das organelas, com


reduzida atividade metabólica. Além disso, as células musculares possuem
uma quantidade menor de retículo endoplasmático rugoso e menor número
de mitocôndrias e miofilamentos. A atrofia resulta do desequilíbrio entre a
produção e a degradação das proteínas celulares. Em situações de falta de
nutrientes ou desuso do órgão, ligases de ubiquitina são ativadas, e as proteínas
são degradadas nos proteossomos. Em adição, a privação de nutrientes pode
ocasionar a autofagia por essas células. Na Figura 4, observamos um exemplo
de atrofia muscular.

Figura 4. Corte histológico em microscopia óptica da musculatura estriada esquelética. Em


(a), vemos a atrofia do músculo esquelético por denervação e, em (b), fibras esqueléticas
normais. As fibras esqueléticas atróficas apresentam perda de massa e sistema contrátil
desorganizado.
Fonte: Reisner (2016, p. 26).

Metaplasia — É caracterizada pela substituição de um tipo celular adulto


ou diferenciado por outro tipo celular. Essa alteração reversível ocorre em
resposta ao estresse e comumente está presente em áreas com neoplasia. Po-
demos observar a metaplasia nos brônquios de fumantes, com substituição do
epitélio colunar ciliado pelo epitélio escamoso. Para que a metaplasia ocorra,
há uma reprogramação de células tronco normais ou de células mesenqui-
mais indiferenciadas que estão no tecido conjuntivo. Citocinas e fatores de
crescimento induzem a expressão de genes responsáveis pela diferenciação
específica de células tronco. Na Figura 5, verificamos metaplasia brônquica
em um paciente fumante.
Fisiopatologia celular 7

Figura 5. Corte histológico em microscopia óptica. Em (a), vemos a metaplasia escamosa


e, em (b), um epitélio colunar ciliado normal, áreas do brônquio de um fumante.
Fonte: Reisner (2016, p. 26).

Autofagia ou autodigestão — A falta de nutrientes ou o envelhecimento levam


tanto à atrofia quanto à autofagia. A autofagia é o processo pelo qual a célula
promove a remoção de constituintes celulares com dano e a reciclagem de nu-
trientes. Nesse tipo de adaptação celular, há a formação de autofagolisossomos,
quando os autofagossomos se fundem aos lisossomos. Nos autofagolisossomos,
ocorre a digestão dos componentes celulares com dano.

2 Reações e adaptações celulares causadas


por fatores etiológicos
Como visto anteriormente, diante de alguma alteração fisiológica ou um
estímulo nocivo, as células sofrem adaptações, para resguardar sua sobre-
vivência e sua funcionalidade. Contudo, em algumas situações de estímu-
los muito intensos e nocivos, a células não se adaptam e podem progredir
para um estado de lesão celular irreversível, culminando em morte celular.
Os fatores etiológicos que estimulam a resposta celular podem ser de natu-
reza distinta. As adaptações celulares são geradas em resposta a estímulos
fisiológicos alterados ou que causam danos, mas não são letais (KUMAR;
ABBAS; ASTER, 2016).
8 Fisiopatologia celular

A hipertrofia e a hiperplasia, por exemplo, podem ser causadas por aumento


de demanda ou aumento de estímulo. O aumento de demanda de trabalho
é bem descrito em atletas que praticam musculação, e esse estímulo leva à
hipertrofia de células queratinizadas e à hiperplasia da musculatura esquelética
e de células epidérmicas/epiteliais. Estímulos hormonais são amplamente
associados com a ocorrência de hipertrofia e hiperplasia em mulheres na
menarca ou durante o ciclo menstrual, assim como em grávidas ou lactan-
tes. Escaladores de alta altitude podem sofrer o estresse por anoxia, e esse
estímulo resulta em hiperplasia de precursores de hemácias na medula óssea
para suporte, devido à ausência de oxigênio. Outro estímulo importante é a
infecção, podendo provocar hipertrofia e hiperplasia de células epiteliais da
pele, como visto na infeção por papilomavírus (KUMAR; ABBAS; ASTER,
2016; REISNER, 2016).
A atrofia é resultado da redução de nutrientes ou da redução do estímulo.
A redução do suporte sanguíneo ou isquemia pode levar à atrofia do tecido,
podendo ser resultado da aterosclerose, observada na senescência, resultando
na atrofia de órgãos como o coração e o cérebro. A atrofia por desuso é co-
mumente vista em pacientes acamados e em indivíduos com osso fraturado e
imobilizado. Esse tipo de atrofia é reversível inicialmente com aporte motor.
No entanto, pode progredir para osteoporose, se o desuso for por tempo prolon-
gado, com atrofia acompanhada por reabsorção óssea. Ademais, a diminuição
de estímulo endócrino por estrogênio resulta em atrofia da mama, do epitélio
vaginal e do endométrio em mulheres pós-menopausa (KUMAR; ABBAS;
ASTER, 2016; REISNER, 2016).

A esclerose lateral amiotrófica é uma doença neurodegenerativa que causa a destruição


dos neurônios motores inferiores. Essa doença se caracteriza por atrofia muscular
progressiva e hipotonia, fasciculações, paralisia flácida e hiporreflexia. A atrofia vista
nessa síndrome é relacionada à falta de uso. Durante a necropsia, observa-se que
a medula espinal é rígida, devido às cicatrizes encontradas na estrutura da medula
(colunas laterais) e pela multiplicação de astrócitos. O cientista britânico Stephen
Hawking foi reconhecido internacionalmente por seu trabalho na área da física e era
portador de esclerose lateral amiotrófica (BARRETT et al., 2014).
Fisiopatologia celular 9

Com relação à metaplasia, esta é provocada por uma irritação crônica, de


origem física ou química. A metaplasia com substituição de células epiteliais
normais por células escamosas no trato respiratório pode ser resultado da
irritação crônica provocada pela deficiência de vitamina A ou pela fumaça do
cigarro. Metaplasias persistentes podem evoluir para um epitélio metaplásico
com características malignas de câncer. Adenocarcinomas podem aparecer
em áreas em que o epitélio escamoso do esôfago é substituído por células
colunares tipo intestinais. Essa metaplasia é observada no esôfago de Barrett,
influenciada pelo refluxo do ácido gástrico (KUMAR; ABBAS; ASTER,
2016; REISNER, 2016).
As lesões celulares como a necrose são geradas em resposta a estímulos
químicos tóxicos, infecções microbianas ou hipóxia. A morte celular pode ser
ocasionada pelos seguintes estímulos nocivos (KUMAR; ABBAS; ASTER,
2016):

 agentes infecciosos, como vírus, bactérias, fungos e parasitas;


 agentes químicos, como a glicose e o sal, que provocam desequilíbrio
eletrolítico nas células, arsênico ou cianeto, com destruição celular
direta, além de poluentes, inseticidas e o álcool como droga social;
 agentes físicos, como trauma mecânico devido a acidentes de automóvel,
choque elétrico, radiação e queimaduras;
 hipóxia súbita ou intensa com redução da respiração oxidativa aeróbica,
ocasionada por isquemia, insuficiência cardiorrespiratória, anemia e
envenenamento por monóxido de carbono ou por perda sanguínea grave;
 respostas imunes a autoantígenos, vírus ou substâncias ambientais;
 deficiências proteico-calórica ou de vitaminas, anorexia nervosa, além
de excesso de colesterol;
 defeitos genéticos que levam à deficiência de proteínas funcionais.

A necrose pode ser uma consequência de uma doença de base. A doença trombótica
púrpura fulminante é causadora de injúria renal aguda. As lesões purpúricas rompem
e progridem para a necrose, com posterior exposição óssea. Para saber mais sobre a
necrose na púrpura fulminante, leia o artigo Achados histológicos renais em paciente com
injúria renal aguda associada à purpura fulminans: relato de caso, de Martins et al. (2019).
10 Fisiopatologia celular

A necrose do tecido pode ocorrer como resposta à exposição da célula a


diferentes estímulos. Glutamato e agentes oxidantes (venenos) são capazes
de ativar os canais de Na+ e Ca+, aumentando a entrada dessas substâncias
na célula. Veja na Figura 6 a descrição das consequências para a célula (SIL-
BERNAGL; LANG, 2016).

Figura 6. A necrose é resultante de diferentes causas: hipoglicemia, hipóxia, isquemia,


envenenamento, substâncias endógenas e atividade de células excitáveis ou da taxa de
transporte das células epiteliais. O aumento intracelular de Na+ e Ca+ leva ao inchaço da
célula, à inibição mitocondrial e à diminuição de ATP. Em situações de falta de oxigênio,
a via da glicólise anaeróbica é ativada, gerando acidose citosólica e extracelular. Esses
eventos levam à diminuição de ATP. Em situações de hipoglicemia, hipóxia e isquemia, a
deficiência de ATP induz a diminuição da Na+/K+-ATPase e a posterior despolarização da
membrana, com formação de edema. Os níveis diminuídos de ATP também interferem na
proteção celular contra radicais livres. Esses oxidantes podem destruir a membrana celular
e induzir a liberação de macromoléculas. A inflamação é ativada devido à presença dessas
macromoléculas. A ativação dessas vias resulta em morte celular por necrose.
Fonte: Adaptada de Silbernagl e Lang (2016).
Fisiopatologia celular 11

A morte celular por apoptose, especificamente, tem causas de origem


fisiológica e patológica. Em condições fisiológicas, a apoptose é extremamente
importante para:

 manutenção do número de diferentes populações celulares (células


epiteliais das cristas intestinais);
 eliminação de linfócitos autorreativos, impedindo o surgimento de
doenças autoimunes;
 involução de tecidos hormônio-dependentes em situações de privação
do hormônio, como castração, desmame, menopausa e menstruação;
 morte celular programada de células na embriogênese;
 morte de células do sistema imune que já cumpriram sua função nas
respostas inflamatórias ou de defesa.

Em condições patológicas, a apoptose elimina células com danos irrepa-


ráveis ocasionados por (KUMAR; ABBAS; ASTER, 2016):

 hipóxia, medicamentos antineoplásicos e radiação, que danificam


o DNA, gerando mutações que podem resultar em transformação
maligna;
 radicais livres ou mutações específicas, que podem causar o acúmulo
no retículo endoplasmático de proteínas dobradas de maneira errada,
podendo resultar em alguma doença degenerativa;
 atrofia patológica no pâncreas, na parótida ou no rim, após obstrução
de ducto;
 morte celular induzida pelo vírus ou pela resposta imune do hospedeiro
durante infecções virais.

A apoptose patológica, que leva a diferentes distúrbios, é desencadeada por


diferentes estímulos, como observado na Figura 7 (SILBERNAGL; LANG,
2016).
12 Fisiopatologia celular

Figura 7. A morte celular apoptótica aumentada (a) leva à insuficiência hepática e à morte
de diferentes tipos celulares, como hepatócitos e linfócitos, ocasionando alterações fisio-
lógicas. Além disso, a morte de células funcionais ocasiona a degeneração neuronal em
diferentes doenças neurodegenerativas. A apoptose diminuída (b) é desencadeada pela
ativação de diferentes vias e leva a várias doenças. As infecções persistentes ocorrem por
causa da ausência de apoptose em células infectadas pelos patógenos. Tumores podem
ser resultado do escape de células da morte celular apoptótica. Situações em que células
imunocompetentes não sofrem apoptose podem ocasionar doença autoimune. A apoptose
reduzida também pode levar a um excesso de células do corpo lúteo, com produção cons-
tante de progesterona (hiperfunção), e à geração de anormalidades no desenvolvimento,
como a sindactilia (fusão entre dois ou mais dedos).
Fonte: Silbernagl e Lang (2016, p. 15).

3 Características fisiopatológicas celulares


A lesão celular é caracterizada por diferentes alterações morfológicas celula-
res. O desenvolvimento das manifestações morfológicas de lesões celulares
reversíveis é muito mais rápido quando comparado ao desenvolvimento de
lesões irreversíveis como a necrose, com total perda de função celular. A lesão
Fisiopatologia celular 13

reversível é caracterizada pela perda da homeostase hidroeletrolítica da célula,


com tumefação celular e das organelas e aparecimento de bolhas na membrana
plasmática. Outras características importantes ocorrem, como degradação dos
ribossomos, dilatação do retículo endoplasmático e agregação da cromatina
do núcleo. Essas alterações celulares são resultado de uma função celular
reduzida, com pouca síntese de ATP, deficiência na produção de proteínas,
colapso da integridade da membrana e citoesqueleto e DNA com danos.
O aparecimento de vacúolos lipídicos no citoplasma também está associado à
lesão reversível. A degeneração gordurosa afeta principalmente os hepatócitos
e as células do miocárdio, que são dependentes do metabolismo da gordura.
Na Figura 8, podemos observar as alterações morfológicas da lesão celular
que evoluem para necrose ou apoptose (KUMAR; ABBAS; ASTER, 2016).

Figura 8. Sequência das alterações morfológicas da lesão celular, progredindo para diferentes
tipos de morte celular, necrose ou apoptose.
Fonte: Kumar, Abbas e Aster (2016, p. 93).

Caso a célula não se recupere dessas lesões reversíveis, isso pode culminar
na morte celular necrótica, com rompimento ou perda nuclear, caracterizando,
assim, a lesão irreversível. As células necróticas possuem falha na integridade
14 Fisiopatologia celular

da membrana, promovendo a liberação do conteúdo intracelular e provocando


inflamação. Os conteúdos celulares são digeridos enzimaticamente pelos
lisossomos das próprias células lesados (autólise) ou de leucócitos recrutados
para o sítio inflamado. Podemos observar o processo de necrose resultante da
rejeição de tecidos transplantados. O dano no tecido é causado pela resposta
imunológica de linfócitos T contra o tecido transplantado (BARRETT et al.,
2014; KUMAR; ABBAS; ASTER, 2016; REISNER, 2016).
Quando existem muitas células necróticas, há a formação do tecido ne-
crótico, que pode apresentar diferentes padrões morfológicos. A seguir são
apresentados os diferentes tipos de necrose (KUMAR; ABBAS; ASTER,
2016; REISNER, 2016).

Necrose caseosa — Esse tipo de necrose ocorre em resposta a uma infecção


tuberculosa. É caracterizada pela formação do chamado granuloma, um
agregado de células inflamatórias, principalmente macrófagos epitelioides.
A área central da necrose é esbranquiçada e caseosa, ou seja, se assemelha
a queijo.

Necrose coagulativa — Caracterizada por desnaturação proteica (coagula-


ção) e autólise retardada, com ruptura nuclear visível e células sem núcleo e
eosinófilas. A isquemia ocasionada por obstrução de vasos provoca necrose
coagulativa em todos os órgãos, menos no cérebro.

Necrose fibrinoide — Esse tipo de necrose ocorre em resposta a uma vascu-


lite imunologicamente mediada, em que imunocomplexos se depositam nas
paredes das artérias, juntamente com fibrina, dando um aspecto amorfo e
róseo-brilhante à área necrosada.

Necrose adiposa enzimática — Essa necrose se desenvolve como resultado


do dano causado pela pancreatite. As lipases, liberadas principalmente das
células acinares do pâncreas, quebram os triglicerídeos, gerando ácidos graxos,
que se combinam com o cálcio, formando sabões. Os sabões são reconhecidos
macroscopicamente por áreas calcárias brancas visíveis.

Necrose liquefativa — Nesse tipo de necrose, é verificada a formação de


pus, devido à presença de leucócitos e suas enzimas, que são liberadas para
a digestão das células mortas. A necrose liquefativa é resultado de infecções
bacterianas e de infarto do tecido neural.
Fisiopatologia celular 15

Na Figura 9, são apresentados os diferentes tipos de necrose.

Figura 9. Corte histológico em microscopia óptica. Em (a), vemos a necrose caseosa, com
estrutura clássica de um granuloma no centro (estrela), com células epitelioides (seta
pequena) e uma célula gigante (seta). Em (b), observamos a necrose coagulativa após
infarto renal, apresentando células necróticas sem núcleo. Em (c), observamos a necrose
adiposa enzimática, com tecido adiposo do pâncreas saponificado (área em destaque),
apresentando processo inflamatório e ácinos danificados (setas). Em (d), vemos a necrose
liquefativa, com parênquima pulmonar destruído, apresentando abcesso com infiltrado
inflamatório excessivo. Em (e), observamos a necrose fibrinoide, com neutrófilos de núcleos
escuros na parede da artéria necrótica.
Fonte: (a–d) Reisner (2016, p. 39–40); (e) Kumar, Abas e Aster (2016, p. 101).
16 Fisiopatologia celular

A apoptose é um processo de lesão celular que se diferencia da necrose,


pois é ordenada e controlada, além de não induzir uma resposta inflamatória
no hospedeiro, que pode ser danosa. A apoptose é um processo pelo qual as
células “se suicidam”, ativando mecanismos para degradação do seu DNA
(uma DNase) e para degradação de proteínas nucleares e do citoplasma.
O processo inicial da apoptose ocorre por meio da retração da célula, com
citoplasma denso e organelas compactadas. A cromatina se condensa em
massas densas na membrana nuclear, com posterior rompimento do núcleo.
Por consequência, há a formação dos corpos apoptóticos, que são, poste-
riormente, fagocitados, sem extravasamento do conteúdo celular. Os corpos
apoptóticos possuem membrana, organelas e citoplasma, podendo conter
fragmentos nucleares.
É importante destacar que a apoptose é um tipo de morte celular, mas
não está associada somente à lesão da célula. Ao contrário da necrose, que
está sempre associada a um processo patológico, a apoptose está presente
em processos fisiológicos essenciais, na menstruação com descamação do
endométrio e na diminuição da mama posterior ao período lactente. Na Figura
10, verificamos corpos apoptóticos no fígado de paciente com febre amarela
(KUMAR; ABBAS; ASTER, 2016; REISNER, 2016).

Figura 10. Corte histológico de tecido he-


pático em microscopia óptica, apresentando
corpos apoptóticos com núcleos condensados
fragmentados.
Fonte: Reisner (2016, p. 41).
Fisiopatologia celular 17

A morte celular pode caracterizar um processo normal ou patológico.


Como processo normal, a morte celular é primordial para a manutenção da
homeostase, no desenvolvimento de órgãos e na embriogênese. No processo
patológico, o estudo realizado por patologistas da morte celular é essencial
para o diagnóstico e o acompanhamento da progressão de determinada
doença. O entendimento de como uma lesão evolui do estado reversível para
o irreversível é clinicamente relevante, pois abordagens para a prevenção
dos efeitos prejudiciais ao nosso organismo podem ser traçadas, evitando-
-se, assim, a progressão para doenças como o câncer, a obesidade, dentre
outras. Contudo, os mecanismos associados a essa evolução para um estágio
irreversível são complexos e de difícil correlação bioquímica e morfológica.

BARRETT, K. E. et al. Fisiologia médica de Ganong. 24. ed. Porto Alegre: AMGH, 2014.
KUMAR, V.; ABBAS, A. K.; ASTER, J. C. Robbins & Cotran patologia: bases patológicas das
doenças. 9. ed. São Paulo: Elsevier, 2016.
REISNER, H. Patologia: uma abordagem por estudos de casos. Porto Alegre: AMGH, 2016.
SILBERNAGL, S.; LANG, F. Fisiopatologia: texto e atlas. 2 ed. Porto Alegre: Artmed, 2016.

Leituras recomendadas
HIPERPLASIA no tecido do cólon. [S. l.: s. n.], c2020. 1 vídeo (6 min). Publicado pelo canal
da Khan Academy. Disponível em: https://pt.khanacademy.org/science/health-and-
-medicine/gastrointestinal-system-diseases/colon-diseases/v/hyperplasia-in-colon-
-tissue. Acesso em: 24 jun. 2020.
MARTINS J. I. S. et al. Achados histológicos renais em paciente com injúria renal aguda
associada à purpura fulminans: relato de caso. Brazilian Journal of Nephrology, v. 41, n. 2,
p. 296–299, 2019. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/jbn/v41n2/pt_2175-8239-
jbn-2018-0074.pdf. Acesso em: 24 jun. 2020.
18 Fisiopatologia celular

Os links para sites da web fornecidos neste capítulo foram todos testados, e seu fun-
cionamento foi comprovado no momento da publicação do material. No entanto, a
rede é extremamente dinâmica; suas páginas estão constantemente mudando de
local e conteúdo. Assim, os editores declaram não ter qualquer responsabilidade
sobre qualidade, precisão ou integralidade das informações referidas em tais links.
Dica do professor
O vídeo a seguir aborda os fundamentos da fisiopatologia estudados nesta Unidade de
Aprendizagem.

Aponte a câmera para o código e acesse o link do conteúdo ou clique no código para acessar.
Exercícios

1) O crescimento desorganizado de um tecido específico, resultando em células que variam de


tamanho, forma e aspecto e que podem ser um foco de surgimento de câncer, é
denominado:

A. Metaplasia fisiológica
B. Atrofia
C. Displasia
D. Hipertrofia patológica
E. Aplasia

A) A

B) B

C) C

D) D

E) Todas as alternativas estão corretas.

2) Uma mulher de 75 anos, com doença de Alzheimer, faleceu em função da insuficiência


cardíaca congestiva. À necropsia, o cérebro mostra sulcos alargados e diminuição de massa.
O cérebro dessa paciente exemplifica qual das seguintes respostas à lesão crônica?

A. Metaplasia patológica
B. Atrofia
C. Hiperplasia fisiológica
D. Hipertrofia fisiológica

A) A

B) B

C) C

D) D
E) Todas as alternativas estão corretas.

3) A sobrevivência de uma célula está associada diretamente a homeostasia, garantindo assim a


manutenção do volume celular e do meio intracelular. Nesse contexto, o equilíbrio
intracelular de proteínas, aminoácidos e outros substratos orgânicos, é mantido pela
Na+/K+-ATPase que bombeia sódio (Na+) para fora em troca de potássio (K+). Assinale qual
condição pode interferir no funcionamento Na+/K+-ATPase, interferir na homeostase
celular e ocasionar morte celular necrótica?

A) Hiperglicemia.

B) Insuficiência renal.

C) Hipóxia.

D) Taquicardia.

E) Aumento da diurese.

4) As mudanças observadas nas células quando se adaptam a agentes estressores, promovendo


metaplasia:

A) São irreversíveis.

B) Sempre resultam em câncer.

C) Mudam de um tipo celular para outro.

D) Mostram diferenciação anormal.

E) Todas as alternativas estão corretas.

5) Assinale a alternativa que apresenta a definição correta de endonucleases.

A) As endonucleases são enzimas que atuam reconhecendo sequências de pares de bases


específicas em moléculas de DNA e cortando-as nesses pontos.

B) São uma condição de hiperplasia promovida pela estimulação hormonal excessiva.

C) É o evento de morte celular, geneticamente programada, que envolve uma série de alterações
morfológicas no citoplasma e núcleo, causando a inativação e a fragmentação da célula
apoptótica, ao final de seu ciclo celular.

D) Estuda as doenças e seus agentes estressores.

E) Apontado como um fator comum para o desenvolvimento de displasia cervical.


Na prática
Você precisa identificar o agente causador da infecção para melhor tratar a lesão, evitando que as
bactérias se tornem resistentes com o uso indevido de antibióticos não específicos.

Para a identificação dos micro-organismos patogênicos existentes na lesão, é coletado material


biológico da úlcera de pressão (líquido da superfície das úlceras) com um swabs (haste longa com
algodão na extremidade).

As colônias são identificadas por meio do método de Gram. Para isolamento e identificação das
espécies, são utilizadas provas bioquímicas, dentre elas os testes de catalase, motilidade, oxidase,
DNAse, urease, H2O, indol, sacarose, citrato, lisina e lactose.
Saiba +
Para ampliar o seu conhecimento a respeito desse assunto, veja abaixo as sugestões do professor:

ALBERTS, B.; JOHNSON, A.; LEWIS, J.; RAFF, M.; ROBERTS,


K.; WALTER, P. Biologia molecular da célula. 5.ed. Porto
Alegre: Artmed, 2010.

Conteúdo interativo disponível na plataforma de ensino!

SILVERTHORN, D.U. Fisiologia humana: uma abordagem


integrada. 5.ed. Porto Alegre: Artmed, 2010.

Conteúdo interativo disponível na plataforma de ensino!

Você também pode gostar