Você está na página 1de 11

PATOLOGIA GERAL

Matias P. J. Szabó, março 2021

Conceitos:

Saúde: estado de bem estar completo físico, mental e social e não apenas ausência
de doença ou mal estar (OMS, 1946)

Doença: Qualquer condição do corpo ou mente que diminui as chances de


sobrevivência do indivíduo ou da espécie (Majno, 1996). (número de doenças = 1894)
ou
Doença: é a culminação dos defeitos, anormalidades, excessos, deficiências e injúrias
variáveis que ocorrem nas células e tecidos e que por fim levam em disfunção
clinicamente aparente.
ou
Doença: Qualquer desvio ou interrupção da estrutura normal ou função de qualquer
parte, órgão ou sistema do organismo que se manifesta por um conjunto de
característico de sinais e sintomas.

Injúria: estímulo lesivo

Lesão: anormalidade do tecido com ou sem alteração morfológica detectável. De


forma simples, a lesão celular rompe a homeostasia celular. Lembrar que mudanças
bioquímicas podem preceder o aparecimento das lesões. Assim deve-se sempre
correlacionar lesões com suas bases bioquímicas.

Patologia (pathos = sofrimento; logos = estudo) em sua definição mais simples é o


estudo da doença. De acordo com o dicionário “Stedman´s Medical Dictionary”,
patologia é a ciência médica e especialidade preocupada com todos os aspectos da
doença, especialmente com a sua natureza essencial, causas e desenvolvimento de
condições anormais assim como com as alterações estruturais e funcionais que
resultam dos processos mórbidos.

Patologia Geral: estudos dos mecanismos básicos e comuns às diversas doenças,


independentemente de órgãos, sistemas ou espécie animal envolvida.

Patologia Especial: também conhecido por patologia dos sistemas estuda as


doenças de cada sistema.

Anatomia Patológica: estudo das alterações macro e microscópicas e respectivos


mecanismos (patogênese).

Finalidade da Patologia: diagnóstico

Diagnóstico: conclusão ou descrição concisa sobre a natureza, causa ou nome da


doença
Introdução: no estado atual da ciência, estudam-se as reações celulares e dos
tecidos a estímulos anormais que induzem a doença. Quatro aspectos da doença
representam o cerne da Patologia:

1. etiologia (causa: intrínseco e extrínseco/ uni ou multifatorial);


2. patogenia ou patogênese (mecanismo de desenvolvimento);
3. alterações morfológicas (alterações estruturais das células e tecidos/característicos
da doença ou diagnósticos do processo etiológico);
4. conseqüências funcionais (significado clínico/ sinais e sintomas/relevância).

Sendo a célula a unidade morfofuncional do organismo, a injúria celular e suas causas e


conseqüência merecem o enfoque central na Patologia. É também imperativo, entretanto,
ressaltar o papel da matriz extracelular na Patologia pela sua importância na integridade
das células, dos tecidos e dos órgãos.

O objetivo da patologia geral é estudar as reações básicas de células e tecidos


à injúria e comuns á diversas espécies animais. Na patologia especial são estudadas
as reações específicas de órgãos especializados e sistemas aos estímulos lesivos.

A patologia é uma disciplina intermediária essencial entre as disciplinas básicas


(anatomia, histologia e fisiologia) e aquelas aplicadas como a clínica, cirurgia e outros.

Pai da Patologia moderna: Rudolf Virchow (1821-1902), patologista alemão e que


descreveu a organização de células com funções específicas em um organismo e
afirmou que doença resulta da injúria ou disfunção de uma determinada população de
células.

Os estudos são feitos em oito níveis:


1) genético
2) molecular
3) subcelular (organelas)
4) celular
5) tecidual
6) órgãos isolados
7) indivíduos
8) populacional
9) meio ambiente

Um dos principais objetivos da patologia é a obtenção, em face de um processo


mórbido, de um diagnóstico e de um prognóstico. Para isso os Patologistas atuam em
diversos níveis:

 Anátomo-patologia (diagnóstico morfológico): lesões predominantes descritos


por macroscopia, microscopia ou ultra-estrutura, severidade, duração
distribuição, localização e a natureza (inflamação, degeneração por exemplo)
da lesão.
 Patologia cirúrgica: baseado em alterações morfológicas macro e microscópicas
e ultraestruturais de biópsias;
 Toxicologia;
 Patologia clínica: alterações em líquidos e células de um indivíduo;
 Patologia experimental: experimentos visando o reconhecimento e descrição de
processos mórbidos incluindo o agente etiológico, a patogênese, alterações
morfológicas e estruturais e funcionais.

MECANISMOS DE LESÃO E MORTE CELULAR


Da normalidade até a morte

Exatamente como nós, que vivemos em um mundo em mudanças constantes,


também as células e os tecidos sobrevivem em um microambiente que se modifica
constantemente. O estado "normal" ou "fisiológico", pois, é conseguido por respostas
adaptativas ao fluxo ininterrupto de vários estímulos que permitem às células e aos
tecidos se adaptarem e viverem em harmonia com seu microambiente. Assim sendo a
homeostasia é preservada. É somente quando os estímulos se tornam mais intensos,
ou a resposta do organismo se desintegra, que resulta a lesão/doença - generalização
tão verdadeira para o organismo como um todo quanto o é para a célula individual.
Existem poucas vias bioquímicas ou estruturas novas que ocorrem nos tecidos
enfermos. Existe apenas modificação, perda ou acentuação das vias e estruturas
preexistentes.
A célula normal fica confinada a uma amplitude bastante estreita de função e
estrutura por seus programas genéticos de diferenciação e especialização, pelas
imposições das células vizinhas, pela disponibilidade de substratos metabólicos e
pelas capacidades finitas de suas vias metabólicas primárias e alternativas. Diz-se que
a célula normal se encontra em um "estado de equilíbrio" (em homeostasia), capaz de
satisfazer as demandas fisiológicas. Os estresses ou estímulos externos ligeiramente
mais excessivos podem produzir inúmeras adaptações celulares na qual se alcança
um estado de equilíbrio novo, porém alterado, mas na qual a célula continua viável
(hipertrofia/músculos de halterofilistas por exemplo). Mas se os limites da capacidade
adaptativa forem ultrapassados, ou quando não é possível nenhuma resposta
adaptativa, segue-se uma seqüência de eventos denominada arbitrariamente lesão
celular, que pode variar de ligeira a letal. A lesão celular é reversível até certo ponto,
porém se o estímulo persiste ou se for suficientemente intenso desde o início, a célula
alcança um ponto sem retorno e sofre lesão celular irreversível e morte celular
(exemplo: isquemia do miocardio por 10 a 15 minutos- lesão reversível; por uma hora
já é irreversível). Assim sendo, adaptação, lesão reversível e morte celular devem ser
consideradas como estados ao longo de um contínuo de intromissão progressiva na
função e estrutura normais da célula.

De forma simplificada estímulos lesivos podem induzir na célula ou tecido afetado:

1. adaptação (atrofia, hipertrofia, hiperplasia, metaplasia);


2. degeneração (acúmulos intracelulares, alterações pigmentares e outros)
3. morte celular

Os limites entre estes são imprecisos


A morte celular é o resultado extremo da injúria celular e um dos eventos mais
importantes da patologia. A morte celular é também, entretanto, parte integrante de
processos fisiológicos e essencial na manutenção da homeostasia orgânica. Assim a
morte celular é crítica para a embriogênese normal, desenvolvimento do tecido linfóide
e involução determinada por hormônios. São conhecidos dois padrões morfológicos de
morte celular: necrose e apoptose. A primeira é a forma mais comum após estímulos
injuriantes e o segundo, um processo mais regulado, está mais envolvido na
eliminação de populações celulares indesejáveis ao longo de processos fisiológicos,
embora possa também ocorrer em processos patológicos.

Causas da lesão celular

Há numerosas causas de lesões celulares, porém as mais comuns são a


hipóxia, lesão química e lesões produzidas por agentes infecciosos. Em particular, a
lesão isquêmica (por hipóxia) pode ser um caminho através do qual outros agentes
lesivos podem atuar. De uma forma geral podemos agrupar as causas nos seguintes
grupos:

 hipóxia (por isquemia por exemplo e que é perda da irrigação sangüínea de um


tecido no caso de trombos, falência cardiovascular e outros);
 agentes físicos (traumatismo mecânico, extremos de temperatura, radiação,
choque elétrico e outros). Trauma pode causar ruptura direta de células, impedir a
circulação sanguínea. Calor excessivo pode desnaturar proteínas essenciais, frio
extremo pode dificultar o fluxo sanguíneo e cristais de gelo intracelulares podem
romper membranas celulares. Eletricidade gera calor excessivo ao passar pelos
tecidos e pode interromper a condução de impulsos nervosos. Radiação pode
ionizar a água celular e produzir radicais livres
produtos químicos. Produtos químicos, incluindo drogas e toxinas, podem alterar
a homeostase celular. Os produtos químicos afetam as células ligando-se aos
receptores, inibindo ou induzindo enzimas ou alterando as vias metabólicas,
produzindo radicais livres, aumentando a permeabilidade da membrana ou
danificando cromossomos ou componentes estruturais da célula
 agentes biológicos (vírus, micoplasmas, clamídias, riquétsias, bactérias, fungos,
protozoários, helmintos e ectoparasitas)
 disfunção imune (imunodeficiências, doenças autoimunes, reações de
hipersensibilidade)
 defeitos genéticos. Criação seletiva de animais domésticos resultou em
diminuição da diversidade genética em animais de raça pura e aumento da
prevalência de doenças hereditárias.
 envelhecimento. Células e tecidos envelhecem devido ao acúmulo de danos em
suas proteínas, lipídeos e ácidos nucleicos. Muito do dano do envelhecimento é
atribuído a radicais livres de oxigênio, mutações de DNA e senescência celular
 desequilíbrios nutricionais (hipovitaminoses, excessos nutricionais por exemplo)
 desequilíbrio da carga de trabalho. Sobrecarga leva à degeneração ou morte e
desuso à atrofia
Mecanismos gerais da injúria celular e necrose

A lesão celular é uma das alterações mais comuns da doença. Os mecanismos


moleculares responsáveis pela injúria celular e necrose são complexos, porém as
diversas causas (agentes etiológicos) ativam um ou mais dos quatro mecanismos
bioquímicos comuns que levam à lesão celular:

1. Permeabilização das membranas celulares (perda do controle da


permeabilidade seletiva);
2. Depleção de ATP
3. Alteração de vias bioquímicas (síntese de proteínas estruturais e enzimáticas,
em especial);
4. Dano ao DNA.

Considerações gerais:

a) Após uma injúria, a função celular é perdida muito antes que ocorra a morte
celular e as alterações morfológicas indicativas de lesão ou morte celular só
se tornam evidentes muito tempo depois. Por exemplo, as células do
miocárdio deixam de se contrair após 1 a 2 minutos de isquemia e morrem
somente 20 a 30 minutos após o início desta isquemia. Por outro lado, as
alterações ultra-estruturais características da morte celular só ocorrem 2 a 3
horas e as alterações vistas ao microscópio ótico 10 a 12 horas após o início
dessa injúria;
b) As reações da célula à injúria dependem do tipo de lesão, da intensidade e
duração dela;
c) O tipo celular, seu estado e adaptabilidade também determinam as
conseqüências da injúria celular;
d) Existe uma gama maior de agentes etiológicos frente á diversidade de
reações das células afetadas.

No caso de alguns agentes injuriantes os alvos do estímulo lesivo e os


mecanismos envolvidos estão bem definidos (cianeto/inativação da enzima
citocromo oxidase com consequente depleção de ATP; certas bactérias
elaboram fosfolipases que degradam fosfolipídios de membranas), entretanto,
existem diversas vias bioquímicas que parecem ser particularmente importantes
na mediação da injúria e morte celular frente à qualquer agente lesivo. São
eles:

 Privação de oxigênio e geração de radicais livres de oxigênio;


 Influxo de cálcio extracelular e liberação de cálcio intracelular de depósitos
com aumento conseqüente de cálcio citosólico que ativam fosfolipases;
proteases, endonucleases, ATPases;
 Depleção de ATP;
 Danos à mitocôndria (todas as células de mamíferos são dependentes do
metabolismo oxidativo);
 Defeitos na permeabilidade da membrana. (indiretamente pelas anteriores e
diretamente por ação de toxinas bacterianas, proteínas virais, linfócitos
citotóxicos, complemento, agentes físicos e químicos variados e outros).
LESÃO POR HIPÓXIA
Introdução: a hipoxia (diminuição da disponibilidade de oxigênio) é provavelmente a
causa mais comum de lesão celular e pode também ser um mecanismo final de lesão
iniciada por uma variedade de agentes físicos, biológicos e químicos. A lesão hipóxica
das células pode ser causada por:

1- Falha, perda ou redução do suprimento sangüíneo de um tecido (isquemia).


2- Oxigenação inadequada do sangue (na insuficiência cardíaca ou
respiratória).
3- Depleção da capacidade carreadora de oxigênio do sangue (anemias,
envenenamento pelo monóxido de carbono, por exemplo).
4- Bloqueio das enzimas oxidativas das células (cianeto-inativa a citocromo
oxidase por exemplo).

Dentre todas as causas da hipóxia a mais comum é a isquemia com um


agravante; ela também compromete glicólise anaeróbia ao impedir o aporte de
substratos. Portanto a isquemia lesa os tecidos mais rapidamente que a hipóxia pura e
simples. A isquemia pode ser determinada por impedimento do fluxo sanguíneo
arterial ou drenagem venosa deficiente. São exemplos de isquemia aquelas causadas
em seres humanos por doença arterial primária (aterosclerose), por coagulação
intravascular (trombo ou embolo), torções de órgãos (torção gástrica de cães ou
intestino de eqüinos) ou outras lesões que estreitam ou levam à oclusão das artérias.

Curiosidade: no envenenamento agudo por cianeto como os tecidos não utilizam o oxigênio do
sangue, o sangue venoso permanece rico em oxigênio e de coloração vermelho brilhante
como do sangue arterial.

Seqüência de eventos bioquímicos

O primeiro ponto de ataque da hipóxia é a respiração aeróbica das células, isto


é, a fosforilação oxidativa pelas mitocôndrias. Como a tensão de oxigênio dentro da
célula diminui, há a perda da fosforilação oxidativa e a geração de ATP diminui ou
pára. Esta perda do ATP- a fonte de energia- tem efeitos gerais sobre muitos sistemas
dentro da célula.

1) a diminuição na concentração de ATP e atividade elevada da ATPase leva a


uma falência na bomba de sódio e potássio com o acúmulo intracelular de sódio e
difusão de potássio para fora da célula. O acúmulo de sódio intracelular é
acompanhado por um ganho isosmótico de água pela célula. A pressão coloido-
osmótica intracelular é ainda mais elevada pelo acúmulo de catabólitos como fosfatos
inorgânicos, lactato e nucleosídeos purínicos;

2) ocorre um ritmo aumentado de glicólise anaeróbia para a manutenção da


disponibilidade de energia celular e para gerar ATP do glicogênio. O glicogênio é
assim rapidamente consumido. A glicólise resulta no acúmulo de ácido lático e
fosfatos inorgânicos o que pode reduzir o pH intracelular. A glicólise anaeróbia é
ineficiente na produção de ATP mas permite uma sobrevida curta. Neurônios não
geram ATP por via anaeróbia e são, portanto, extremamente sensíveis à hipóxia.

3) O decréscimo do pH e dos níveis de ATP levam ao destacamento dos


ribossomos do retículo endoplasmático rugoso e os polissomos se dissociam em
monossomos resultando no decréscimo na produção protéica;

4) de modo geral todas as funções celulares normais são prejudicadas


(ausência da produção de enzimas, da contração celular no caso das fibras
musculares e outros).

A bomba de sódio e potássio, para cada molécula de ATP, bombeia três Na+ para fora da célula e duas
de K+ para dentro. Assim a bomba mantém o gradiente iônico trans-membrana necessários para a
função normal do nervo e músculo.

INJÚRIA CELULAR INDUZIDA POR RADICAIS LIVRES


Ocorrência: muitas formas de lesão tóxica, assim como inúmeros processos
patológicos importantes, são causadas pela formação de radicais livres, elementos
altamente reativos. Estes processos incluem lesões por:

 compostos químicos
 radiação
 toxicidade do oxigênio e de outros gases
 envelhecimento celular
 morte microbiana por células fagocitárias;
 lesão inflamatória;
 destruição de tumor pelos macrófagos

De forma comum os radicais livres podem surgir nas células das seguintes maneiras:

 por reações endógenas, normalmente oxidativas, que ocorrem durante


processos metabólicos normais;
 pela absorção de energia radiante (luz ultravioleta, raios X por exemplo);
 pelo metabolismo enzimático de drogas e substâncias química exógenas
(CCl3., produto do CCl4 e acetaminophen, por exemplo)
 células inflamatórias produzem radicais livres durante fagocitose
 o óxido nítrico (NO), mediador químico importante produzido por vários
tipos celulares pode atuar como radical livre ou ser transformado em
espécies de nitrito extremamente reativos (ONOO-, NO2., NO3-).

Definição de radical livre: os elétrons nos átomos ocupam regiões de espaço


conhecidos como orbitais. Cada orbital pode possuir até dois elétrons que terão
“spins” opostos (o spin de um elétron descreve o seu comportamento em um campo
magnético, numa visão simplificada, diríamos que o elétron gira em torno do seu eixo
no sentido horário ou anti-horário). Quando o orbital tem um único elétron, diz-se que
este é desemparelhado. Assim sendo, um radical livre poderá ser definido como
qualquer molécula capaz de existência independente com um ou mais elétrons
desemparelhados (molécula que tenha um único elétron desemparelhado no orbital
mais externo).

Propriedades dos radicais livres: como os elétrons são mais estáveis quando
pareados nos orbitais, radicais livres são geralmente mais reativos que espécies não
radicais, embora possa haver uma variação considerável nessa reatividade.
Os radicais podem reagir com outras moléculas de diversas formas; quando
dois radicais se encontram podem combinar seus elétrons desemparelhados e se
juntarem para formar uma ligação covalente (um par de elétrons compartilhados). O
radical poderá doar seu elétron desemparelhado para uma outra molécula ou poderá
incorporar um elétron de uma outra molécula para parear. Entretanto, se o radical
recebe ou doa um elétron de uma espécie não radical, esse último se torna um radical,
revelando mais uma propriedade dos radicais livres que é iniciar reações em cadeia.

Injúria por radicais livres: quando gerados no interior das células, os radicais livres
causam injúria. Três reações são particularmente relevantes na injúria celular por
radicais livres:

1. Peroxidação lipídica de membranas: Os radicais livres, com seu elétron


desemparelhado, são propensos a extrair um H+ dos ácidos graxos
poliinsaturados nas membranas celulares. O ácido graxo que perde um H+
torna-se, ele mesmo, um radical livre (peróxid) e que irá extrair um H+ do ácido
graxo vizinho, propagando uma reação em cadeia. A oxidação dos ácidos
graxos poliinsaturados promove modificações físicas nas membranas celulares,
que resultam em alterações na fluidez e permeabilidade, comprometendo as
funções biológicas.

2. Fragmentação do DNA: a interação dos radicais livres com DNA pode quebrar a
fita do DNA induzindo morte celular, inibição da replicação do DNA e/ou
mutações com o surgimento de células neoplásicas.

3. Ligações cruzadas de proteínas: os radicais livres promovem ligações cruzadas


em proteínas levando à elevadas taxas de degradação ou perda de atividade
enzimática ou até à fragmentação protéica.

Espécies reativas do oxigênio – EROS (radicais livres de oxigênio): o aparecimento


dos seres aeróbicos foi um marco na evolução, pois o emprego de oxigênio aumenta a
extração de energia dos alimentos consumidos. Considerando o açúcar como alimento
básico, se o homem não utilizasse o oxigênio teria que ingerir 12 vezes mais
nutrientes para executar o mesmo trabalho.

Considerando a seguinte reação:

C6H12O6 + 6O2  6H2O + 6CO2


As células transformam a glicose em água e dióxido de carbono graças à
oxidação pelo oxigênio molecular, trata-se de uma reação de óxido-redução, em que
há trocas de elétrons entre os reagentes. No processo de formação da água, a
transferência de grande parte dos elétrons da glicose para o oxigênio é que produz a
formidável quantidade de energia. Na realidade essa reação pode ser desdobrada em
outras, pois a célula efetua a queima da glicose em inúmeras etapas, de modo a
aproveitar o máximo de energia produzida em cada uma. Em decorrência de sua
configuração eletrônica, a molécula de oxigênio tem forte tendência a receber um
elétron de cada vez, formando durante as reações as seguintes espécies
intermediárias:

1. ânion radical superóxido (O2-)


2. o peróxido de hidrogênio ou água oxigenada (H2O2)
3. o radical hidroxila (OH.)

Proteção celular contra radicais livres

Inativação dos EROS nas células: as células possuem em seu interior uma enzima
capaz de neutralizar essa tendência à redução monoeletrônica do oxigênio. Trata-se
da enzima citocromo oxidase que força a reação a ocorrer numa única etapa, sem a
formação de intermediários. Ainda assim, o processo de redução de 5% do oxigênio
que consumimos passa por etapas monoeletrônicas, com formação de intermediários;
as espécies reativas de oxigênio. Por serem extremamente instáveis estes compostos
podem se decompor espontaneamente, o ânion superóxido por exemplo, pode se
decompor espontaneamente em oxigênio e peróxido de hidrogênio. Além disso, as
células possuem mecanismos para inativarem as EROS:

 antioxidantes endógenos ou exógenos: por exemplo a vitamina E, Vitamina


C,  caroteno (precursor da vitamina A), cisteína, glutationa e D-
penicilamina, Proteínas séricas como a albumina, ceruloplasmina e
transferrina. Estas substâncias ou bloqueiam a fase de iniciação da
formação de radicais livres ou inativam estes radicais. Supõe-se que a
transferrina atue como antioxidante por se ligar ao ferro livre e que poderia
catalizar a formação de radicais.

 enzimas: a) catalase, presente nos peroxisomos catalisa a decomposição


de água oxigenada (É a presença de grande quantidade de catalase no sangue que
provoca um desprendimento visível de oxigênio todas as vezes que aplicamos água
oxigenada em cortes e ferimentos):

b) superóxido dismutase (SOD) catalisa a dismutação do ânion


superóxido:

c) glutationa peroxidase cataliza a ação da glutationa reduzida


(GSH) que atua na liberação do hidrogênio do –SH para um
radical hidroxila ou para o H2O2.
Curiosidade: em um indivíduo inspirando 100% de oxigênio, as mitocôndrias das
células do alvéolo pulmonar podem produzir uma quantidade cinco vezes superior de
radicais livres. Esta quantidade está acima do limite de inativação e captura de
radicais livres do sistema celular antioxidante. Ratos adultos inspirando oxigênio puro
morrem em 60 horas com edema pulmonar. Histologicamente observa-se destruição
do epitélio alveolar e do endotélio capilar subjacente.
A importância dos antioxidantes pode ser exemplificada pela doença do
músculo branco em suínos com alimentação deficiente em vitamina E e selênio.
Nestes animais a lesão por radicais livres leva á necrose de células musculares.

INJÚRIA POR ISQUEMIA-REPERFUSÃO

Havendo uma lesão reversível por isquemia a restauração do fluxo sanguíneo


pode resultar na recuperação celular. Em certas circunstâncias, entretanto, a
restauração do fluxo sanguíneo (reperfusão tecidual) em tecidos ainda viáveis, resulta
de forma paradoxal na injúria exacerbada e acelerada. Esta injúria por reperfusão tem
está associada com a duração da isquemia e susceptibilidade do órgão
(cérebro>coração>rim>intestino>músculo esquelético). Os mecanismos desta lesão
não estão totalmente claros, mas colaboram, a saber:

1) a restauração do fluxo sanguíneo banha as células em sofrimento e incapazes


de regular adequadamente seu meio iônico com altas concentrações de cálcio
(Ca++). Os níveis elevados de cálcio ativam fosfolipases; proteases,
endonucleases, ATPases diminuindo os níveis de ATP, de fosfolipídeos,
rompendo as proteínas da membrana e citoesqueleto e danificando a cromatina
nuclear;
2) a reperfusão leva a um recrutamento local maior de células inflamatórias que
liberam níveis elevados de radicais livres de oxigênio e que promovem lesão
adicional;
3) mitocôndrias danificadas, mas ainda viáveis, levam à uma redução incompleta
do oxigênio e, portanto, aumento na produção de radicais livres de oxigênio.
Além disso, células lesadas por isquemia possuem mecanismos anti-oxidantes
comprometidos.

INJÚRIA QUÍMICA

Agentes químicos induzem injúria celular por dois mecanismos gerais:

1) agindo diretamente ao se combinar com algum componente molecular crítico ou


organela celular. Por exemplo, algumas bactérias, tais como o Clostridium
perfringes, secretam uma toxina, a fosfolipase C que interage com os
fosfolipídeos das membranas e causa alterações agudas e graves da
permeabilidade com o influxo de íons e água para dentro da célula.
2) Muitos agentes químicos não são intrinsecamente ativos mas precisam ser
convertidos em metabólitos tóxicos reativos. Esta modificação normalmente
ocorre por ação das oxidases de função mista P-450 no retículo
endoplasmático liso do fígado e outros órgãos. Os metabólitos tóxicos mais
importantes são radicais livres. Um dos modelos mais bem caracterizados de
injúria química é a peroxidação lipídica no fígado pelo envenenamento com o
tetracloreto de carbono (CCL4), um composto empregado na lavagem a seco.
O efeito tóxico do tetracloreto de carbono não se deve ao CCL4, porém à
conversão de suas moléculas para um radical livre altamente reativo, que é o
CCL3., no retículo endoplasmático liso (REL). Outro composto que pode ser
tóxico em altas doses, o acetaminophen (Tylenol) induz necrose hepática por
formação de radicais livres nos hepatócitos.

Destino das células necrosadas: após a morte celular os componentes celulares são
progressivamente degradados, há um vazamento das enzimas celulares para o meio
extracelular e entrada de macromoléculas do interstício. A célula morta é então
substituída por massas de fosfolipídeos na forma de figuras de mielina. Estes serão
fagocitados ou degradados em ácidos graxos. Pode haver a calcificação de tais ácidos
com a formação de sebatos de cálcio.

O vazamento de enzimas intracelulares neste ponto proporciona parâmetros


clínicos, de morte celular, importantes. O músculo cardíaco, por exemplo, contém a
transaminase glutâmico-oxaloacética (GOT), transaminases pirúvicas, desidrogenases
láticas (LDH) e creatina quinase (CK). Níveis elevados de tais enzimas na circulação
sanguínea, particularmente da isoenzima específica creatina quinase da musculatura
cardíaca (CK-MB) ou uma isoforma da enzima fosfatase alcalina resistente à
temperatura do fígado são critérios clínicos valiosos para o infarto do micárdio.

BIBLIOGRAFIA

Majno, G.; Joris, I. Cells, tissues and disease. Principles of general Pathology. Blackwell
Science, 1996, pp. 973.

Zachary, J.F.; Pathologic Basis of Veterinary Disease. 6a Edição. Elsevier, 2017

Kumar, V.; et al. Robbins: Patologia Básica. 8a edição, Elsevier, 2008.

Você também pode gostar