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Adaptações celulares ao estresse

Apresentação
As células, na homeostase, são capazes de suprir as demandas fisiológicas, embora apresentem
certa limitação funcional e estrutural. No entanto, quando submetidas a condições adversas, como
um estresse fisiológico ou um estímulo nocivo, elas podem ajustar sua estrutura e função de forma
a garantir a sua sobrevivência nessas condições.

Adaptações celulares correspondem a alterações reversíveis no tamanho, no número, no fenótipo,


na atividade metabólica ou na função das células. Essas alterações são desencadeadas por
modificações em seu ambiente. As respostas de adaptação podem ser fisiológicas, porém,
eventualmente, também são capazes de desencadear um processo de lesão celular associado a
diversas condições clínicas.

Nesta Unidade de Aprendizagem, você vai estudar os diferentes tipos de adaptação celular e as
etapas da resposta celular ao estresse e a estímulos nocivos. Ainda, você vai conhecer algumas
alterações clínicas relacionadas a esses eventos.

Bons estudos.

Ao final desta Unidade de Aprendizagem, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

• Descrever os principais mecanismos de adaptação celular.


• Esquematizar os estágios da resposta celular ao estresse e a estímulos nocivos.
• Relacionar as adaptações celulares e algumas alterações clínicas conhecidas.
Desafio
Respostas de adaptação são eventos comuns em diferentes tipos celulares expostos a um estresse
fisiológico. Essas respostas possibilitam a manutenção da função e da sobrevivência celular. No
entanto, elas também podem estar envolvidas em alterações clínicas observadas inclusive na área
da odontologia. A partir disso, acompanhe a situação a seguir:
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Considerando o caso descrito, responda as questões a seguir:

a) Entre os mecanismos de adaptação celular ao estresse, qual está envolvido no aumento do


volume do músculo masseter observado nessa paciente?

b) Considerando a resposta anterior, comente sobre a provável causa para o desenvolvimento da


referida resposta de adaptação celular.
Infográfico
Adaptações celulares podem ser consideradas respostas normais e potencialmente reversíveis que
são desenvolvidas após as células serem submetidas ao estresse. Entretanto, quando essa resposta
ocorre em excesso, ou quando as células são expostas a estímulos nocivos, elas podem sofrer um
processo de lesão reversível (que permite que as células posteriormente retornem ao seu estado
original) ou irreversível (que culmina na morte da célula).

Acompanhe, neste Infográfico, os estágios da resposta celular ao estresse e a estímulos nocivos.


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Conteúdo do livro
As células, em seu estado normal, se encontram em equilíbrio e são capazes de suprir as demandas
fisiológicas mesmo com restrições funcionais e estruturais. Esse estado, entretanto, pode ser
modificado após a exposição das células ao estresse. Nessa situação, as células são capazes de
responder ao estímulo e de adequar a sua estrutura e a sua função, estabelecendo um novo
equilíbrio, na tentativa de garantir a sua sobrevivência.

Essas respostas adaptativas são importantes e estão envolvidas em uma diversidade de processos
fisiológicos. Entretanto, elas também podem induzir um processo progressivo de lesão celular, que
está envolvido em diferentes alterações clínicas.

No capítulo Adaptações celulares ao estresse, base teórica desta Unidade de Aprendizagem, você
vai encontrar a descrição dos diferentes mecanismos que a célula utiliza para se adaptar frente a
modificações em seu ambiente. Você também vai verificar o processo progressivo da resposta
celular que, eventualmente, pode resultar em lesões e, ainda, vai conhecer algumas condições
clínicas de grande relevância e que são associadas a essas respostas adaptativas.

Boa leitura.
PROCESSOS
PATOLÓGICOS
Adaptações celulares
ao estresse
Fernanda dos Santos Petry

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

> Descrever os principais mecanismos de adaptação celular.


> Esquematizar os estágios da resposta celular ao estresse e a estímulos
nocivos.
> Relacionar as adaptações celulares e algumas alterações clínicas co-
nhecidas.

Introdução
Em seu estado de equilíbrio, ou homeostase, as células suprem as necessidades
fisiológicas, mesmo que apresentem relativa limitação funcional e estrutural.
Essa limitação se dá pelo estado metabólico, de diferenciação e de especiali-
zação celular, pela disponibilidade de substratos e pelas restrições impostas
por células vizinhas. Entretanto, quando expostas a condições de estresse
fisiológico ou a estímulos patológicos, essas mesmas células são capazes de
responder e ajustar sua estrutura e sua função.
Adaptações são alterações reversíveis em tamanho, número, fenótipo, ati-
vidade metabólica ou função das células, desencadeadas por modificações em
seu ambiente. As células podem apresentar diferentes respostas adaptativas,
dependendo do estresse ou do estímulo a que estão submetidas. Em todos os
casos, as adaptações celulares permitem que se estabeleça um novo estado
de equilíbrio que, embora seja alterado, favorece a modulação da atividade
funcional da célula, assim como sua sobrevivência (KUMAR; ABBAS; ASTER, 2016).
2 Adaptações celulares ao estresse

Neste capítulo, você vai estudar os diferentes mecanismos de adaptação


celular ao estresse fisiológico ou a estímulos nocivos, os estágios da resposta
celular a esses fatores e algumas alterações clínicas em que as formas pato-
lógicas dessas respostas adaptativas estão envolvidas.

Mecanismos de adaptação celular


Dependendo do estresse fisiológico ou do estímulo nocivo a que são expostas,
as células são capazes de desenvolver diferentes tipos de respostas de adap-
tação potencialmente reversíveis, que proporcionam o ajuste de sua estrutura
e de sua função e favorecem sua sobrevivência nesse ambiente alterado.
Observe, na Figura 1, os diferentes mecanismos de adaptação encontrados
nas células e alguns exemplos de eventos fisiológicos e patológicos em que
elas estão envolvidas. Você verá esses processos em maiores detalhes ao
longo deste capítulo. No quadro superior, estão representadas células em
seu estado normal. Abaixo, estão os diferentes mecanismos utilizados pelas
células para se adaptarem frente a estresses fisiológicos ou estímulos nocivos:
hipertrofia, atrofia, hiperplasia e metaplasia.

Figura 1. Mecanismos de adaptação celular.


Fonte: Silbernagl e Lang (2016, p. 5).
Adaptações celulares ao estresse 3

Hipertrofia
A hipertrofia corresponde ao aumento no tamanho das células, o que resulta
em aumento do volume do órgão ou do tecido em que essa alteração é en-
contrada. É uma resposta característica de células com capacidade limitada
de divisão, como as musculares estriadas esqueléticas e cardíacas. Por isso,
é importante ter em vista que o órgão hipertrófico não apresenta novas
células, mas sim células maiores (KUMAR; ABBAS; ASTER, 2018).
A hipertrofia pode ser induzida pelo aumento da demanda funcional
da célula e pela estimulação desencadeada por hormônios ou fatores de
crescimento. Com isso, a síntese e a incorporação de novos componentes
intracelulares (especialmente proteínas) são induzidas, levando ao aumento
do tamanho celular. Essa resposta adaptativa está envolvida em processos
fisiológicos, como você verá a seguir (KUMAR; ABBAS; ASTER, 2016, 2018;
REISNER, 2016).

„ Hipertrofia muscular em atletas: o aumento no volume das fibras


musculares ocorre em resposta ao aumento da demanda metabólica
decorrente de maior carga de trabalho.
„ Hipertrofia das fibras musculares do útero durante a gravidez: a ação
dos hormônios estrogênicos, que se ligam a receptores nas células do
músculo liso, induz o aumento da síntese de proteínas nessas células.

A resposta hipertrófica pode também estar envolvida no processo


de lesão tecidual, que será abordado posteriormente neste capítulo.

Hiperplasia
A hiperplasia é definida como o aumento no número de células em um órgão
ou tecido. Diferentemente da hipertrofia, a hiperplasia ocorre somente em
células que apresentam a capacidade de se dividir. Assim, o aumento da
proliferação celular ocorre em resposta a um estímulo, como hormônios
ou fatores de crescimento, ou pelo surgimento de novas células a partir de
células-tronco teciduais.
4 Adaptações celulares ao estresse

Assim como a hipertrofia, a hiperplasia pode ser fisiológica. Nesse caso,


ela é desencadeada quando há aumento na demanda funcional dos órgãos
sensíveis aos hormônios ou quando há a necessidade de compensação após
lesão ou ressecção. Confira os tipos a seguir (KUMAR; ABBAS; ASTER, 2016, 2018).

„ Hiperplasia hepática: é uma forma de hiperplasia compensatória, que


ocorre após a ressecção parcial do fígado (como em transplantes), e
permite a regeneração desse órgão até seu tamanho original. O pro-
cesso é induzido pela produção e liberação de fatores de crescimento
polipeptídicos por hepatócitos não lesionados ou por células não
parenquimatosas do fígado. Esses fatores se ligam a receptores nas
células remanescentes e ativam vias de sinalização, que estimulam a
proliferação celular. Nos casos em que a capacidade proliferativa das
células está comprometida, como na hepatite, a regeneração pode
ocorrer a partir de células-tronco intra-hepáticas.
„ Hiperplasia da medula óssea: em resposta à deficiência de células
sanguíneas completamente diferenciadas, após uma hemorragia aguda
ou após destruição prematura das hemácias, o fator de crescimento
eritropoietina pode estimular a hiperplasia da medula óssea.
„ Hiperplasia do epitélio glandular da mama feminina: na puberdade e
durante a gravidez, o estímulo hormonal induz a proliferação das células
do epitélio glandular, levando ao aumento do volume das mamas.

Embora hiperplasia e hipertrofia sejam respostas de adaptação celular


distintas, em alguns órgãos elas podem ocorrer simultaneamente. Isso é
possível em células que apresentam a capacidade de se dividir, como é o caso
das células do epitélio glandular da mama. Por isso, o aumento do volume
das mamas femininas, observado na puberdade e na gravidez, dá-se pela
proliferação celular (hiperplasia) e pelo aumento do tamanho das células
(hipertrofia) (KUMAR; ABBAS; ASTER, 2016, 2018).

Atrofia
Atrofia é a diminuição do tamanho e, em alguns casos, do número de células,
o que resulta na redução do volume do órgão ou tecido. Essa resposta se
dá pela tentativa da célula em ajustar sua necessidade metabólica frente à
Adaptações celulares ao estresse 5

redução de estimulação trófica, suprimento sanguíneo ou nutrição. Sendo


submetida a esses tipos de estresse, a célula sofre retração, que resulta
da diminuição na síntese e do aumento na degradação de proteínas, o que
diminui sua demanda metabólica e permite sua sobrevivência (KUMAR; ABBAS;
ASTER, 2016, 2018; REISNER, 2016).

Embora células atróficas apresentem redução de sua função, elas não


estão mortas (KUMAR; ABBAS; ASTER, 2018; SILBERNAGL; LANG, 2016).

A síntese de proteínas diminui em função da atividade metabólica reduzida,


e a degradação proteica ocorre principalmente pela via ubiquitina-proteos-
somo. Em algumas situações fisiológicas, a resposta atrófica é associada
também ao aumento da reciclagem de componentes celulares por autofagia
(autodigestão), processo de degradação dependente de lisossomos (REISNER,
2016). Assim como para as respostas de adaptação descritas até aqui, a atrofia
também pode ser fisiológica ou patológica. Entre os processos fisiológicos
em que essa alteração está envolvida, podemos considerar os seguintes
(KUMAR; ABBAS; ASTER, 2016):

„ atrofia de estruturas embrionárias (como a notocorda e o ducto tireo-


glosso), durante o desenvolvimento fetal;
„ involução uterina após o parto;
„ atrofia fisiológica do endométrio, do epitélio vaginal e da mama por
perda da estimulação estrogênica após a menopausa.

Em condições de atrofia acentuada, as células acumulam o pigmento


denominado lipofuscina, ceroide ou pigmento de desgaste (Figura 2). Isso
ocorre porque alguns dos restos celulares presentes nos vacúolos autofágicos
resistem à degradação lisossomal adicional e se acumulam no citoplasma
como corpos residuais. Esses grânulos, de cor parda, podem ser observados
nos tecidos pela utilização da coloração hematoxilina-eosina.
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Figura 2. Lipofuscina: pigmento granular marrom (seta) próximo ao núcleo em miócitos


cardíacos em biópsia retirada de um coração atrófico.
Fonte: Reisner (2016, p. 30).

Metaplasia
Metaplasia refere-se à alteração reversível em que um tipo celular diferenciado
(epitelial ou mesenquimal) é substituído por outro. O fator desencadeante
para essa resposta pode ser um estímulo nocivo ou a irritação crônica, tanto
física quanto química. Nesse processo, ocorre a substituição de um tipo
celular mais sensível a um dado estímulo nocivo por outro tipo celular mais
resistente e que apresente vantagem de sobrevivência.
Essa resposta adaptativa ocorre a partir da reprogramação de células-
-tronco nos tecidos normais ou de células mesenquimais indiferenciadas no
tecido conjuntivo e não de alteração fenotípica (transdiferenciação) de um
tipo celular já diferenciado. O direcionamento para uma via de diferenciação
específica pode ser induzido por sinais gerados por citocinas, fatores de
crescimento e componentes da matriz extracelular.

Na maioria das circunstâncias, alterações metaplásicas são indese-


jáveis e estão associadas à predisposição ao desenvolvimento de
neoplasias, conforme será abordado posteriormente (KUMAR; ABBAS; ASTER,
2016, 2018; SILBERNAGL; LANG, 2016).
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Estágios da resposta celular ao estresse


e a estímulos nocivos
Conforme visto até aqui, estresses fisiológicos de diferentes tipos ou es-
tímulos lesivos não letais podem desencadear diferentes mecanismos de
adaptação nas células (Quadro 1), os quais visam à manutenção da função
e à sobrevivência celular. Essas respostas estão envolvidas em processos
fisiológicos observados em diferentes estágios do desenvolvimento e em
diferentes órgãos e tecidos. No entanto, eventualmente, elas também podem
ser consideradas o ponto inicial de um processo gradativo de lesão celular
que culmina com a morte das células envolvidas e que está associado a
diversas alterações clínicas.

Quadro 1. Natureza dos diferentes estímulos que induzem o estabelecimento


de adaptações celulares

Estímulos fisiológicos alterados e


Adaptações celulares
alguns estímulos lesivos não letais

Aumento da demanda e aumento do estímulo Hiperplasia, hipertrofia


(como fatores de crescimento e hormônios)

Redução de nutrientes e redução do estímulo Atrofia

Irritação crônica (física ou química) Metaplasia

Fonte: Adaptado de Kumar, Abbas e Aster (2016, p. 33).

Após o estabelecimento inicial da adaptação celular em resposta a um


estímulo, é possível que a célula retorne ao seu estado original sem o desen-
volvimento de um dano significativo caso o agente causador seja eliminado.
No entanto, se a resposta adaptativa desenvolvida pelas células for persis-
tente ou excessiva ou se elas forem expostas a agentes significativamente
nocivos, privadas de nutrientes essenciais ou sofrerem mutações, pode
ocorrer uma lesão celular (KUMAR; ABBAS; ASTER, 2016).
As lesões celulares podem ser consideradas reversíveis ou irreversíveis
dependendo da natureza do agente agressor, da intensidade e da duração
da agressão e da capacidade de reação do organismo. Até certo ponto, essa
lesão pode ser reversível, o que significa que a célula é capaz de retornar ao
seu estado original. Por outro lado, nos casos em que o estímulo nocivo não
é interrompido ou é severo desde o início, atinge-se um ponto de não retorno,
8 Adaptações celulares ao estresse

em que a célula se encontra irreversivelmente lesada. O estabelecimento de


uma lesão irreversível ocorre por uma sucessão de eventos que contribuem
para que a célula se torne incapaz de retornar ao seu estado original. Embora
seja complexo determinar os critérios para o desenvolvimento de uma lesão
irreversível, algumas alterações morfológicas podem ser muito significativas
nesse sentido, como grande tumefação mitocondrial, perda de cristas, depó-
sitos floculares da matriz e bolhas e solução de continuidade na membrana.
Como resultado do progressivo dano celular e do desencadeamento de
lesão irreversível, ocorre o direcionamento da célula para o processo de
morte celular por duas vias distintas: a necrose e a apoptose. A necrose é
uma forma de morte celular seguida de autólise, ou seja, da degradação dos
componentes celulares por enzimas liberadas dos lisossomos da própria
célula. Já a apoptose é um tipo de morte celular programada, em que a célula
é estimulada a acionar mecanismos que levam à sua morte. Ao contrário da
necrose, a apoptose não envolve a autólise ou a ruptura da membrana plasmá-
tica. Nesse caso, a célula apoptótica passa por um processo de fragmentação,
e seus fragmentos, envolvidos por membrana plasmática, são endocitados
por células da vizinhança. Com isso, não há a quimiotaxia ou a ativação de
células fagocitárias. Paralelamente ao processo de morte induzido por lesões
celulares, é possível também que esse processo ocorra mesmo na ausência
de lesões degenerativas precedentes. Isso ocorre quando o agente agressor
induz rapidamente a morte celular (BRASILEIRO FILHO, 2016).
Esse processo progressivo, desde o surgimento de uma adaptação celular
em resposta a um agente estressor ou a um estímulo nocivo até o desencade-
amento de lesões irreversíveis e de morte celular, está atrelado ao desenvol-
vimento de alterações clínicas e de patologias em diferentes órgãos e tecidos.
Por isso, são de fundamental importância o conhecimento dos mecanismos de
adaptação celular ao estresse, bem como de seus fatores causais, e a correta
identificação dessas alterações a nível tecidual, sempre que possível, já que
esse pode ser considerado o estágio inicial (e potencialmente reversível)
de um processo progressivo de lesão celular (KUMAR; ABBAS; ASTER, 2016).

Adaptações celulares e alterações clínicas


Como vimos, as adaptações celulares são mecanismos utilizados pelas células
para se adaptarem frente a estresses fisiológicos ou estímulos nocivos e, entre
elas, estão a hipertrofia, a atrofia, a hiperplasia e a metaplasia. A seguir, você
conhecerá algumas formas patológicas das respostas a essas adaptações
celulares e suas respectivas alterações clínicas.
Adaptações celulares ao estresse 9

Hipertrofia cardíaca
A hipertrofia cardíaca ocorre como consequência à hipertensão arterial ou à
doença valvar aórtica. Nesse caso, em compensação à sobrecarga de trabalho
cardíaco, os miócitos aumentam seu tamanho (Figura 3). Nessa etapa inicial,
a resposta hipertrófica é fisiológica, já que com ela ocorre o aumento da
força gerada pelo miócito, o que contribui para a capacidade de trabalho do
músculo cardíaco como um todo.

A B

Figura 3. (a) Miócitos cardíacos normais. (b) Miócitos cardíacos hipertróficos.


Fonte: Reisner (2016, p. 23).

No entanto, quando esse processo se torna crônico, o limite da hipertrofia


é atingido, e o aumento do volume muscular não é mais capaz de compensar
a sobrecarga de trabalho. Com isso, ocorrem lesões significativas nas fibras
miocárdicas, incluindo a fragmentação e a perda de elementos contráteis e,
eventualmente, a morte dos miócitos cardíacos. Esse quadro pode evoluir para
a insuficiência cardíaca e levar à morte súbita (KUMAR; ABBAS; ASTER, 2016;
REISNER, 2016). Embora os miócitos cardíacos não se dividam, eles compensam
a carga de trabalho adicional aumentando de tamanho. As células sofrem
endomitose (com aumento em ploidia, sem divisão), resultando, muitas vezes,
em grandes núcleos retangulares.

Hiperplasia
A maior parte das formas patológicas de hiperplasia é atribuída à ação ex-
cessiva ou inapropriada de hormônios ou de fatores de crescimento sobre
suas células-alvo.
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Hiperplasia endometrial
A hiperplasia endometrial (sangramento menstrual anormal) ocorre pela
perturbação do equilíbrio entre estrogênio e progesterona, responsáveis
pela regulação da proliferação epitelial uterina após o período menstrual.
Nesse quadro, o efeito inibitório da progesterona sobre a atividade prolife-
rativa dessas células é prejudicado, resultando em estimulação estrogênica
aumentada e, consequentemente, em hiperplasia das glândulas endometriais
(KUMAR; ABBAS; ASTER, 2016, 2018).

Hiperplasia prostática benigna


A hiperplasia prostática benigna ocorre em resposta ao estímulo hormonal
androgênico (KUMAR; ABBAS; ASTER, 2016). Em homens idosos, é comum o
aumento benigno da glândula prostática devido à hiperplasia nodular nas
mucosas e submucosas periuretrais e das células do estroma (Figura 4).
Com o aumento do volume da próstata, pode ocorrer a compressão parcial
ou completa da uretra, levando à dificuldade na micção, obstrução urinária
e retenção de urina na bexiga. Embora seja uma alteração benigna, o acom-
panhamento clínico do paciente é necessário, visto que ela, eventualmente,
precede o desenvolvimento de câncer de próstata (HAMMER; MCPHEE, 2016;
KIERSZENBAUM; TRES, 2021).

Figura 4. Hiperplasia prostática benigna.


Fonte: Hammer e McPhee (2016, p. 668).
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Hiperplasia associada a infecções virais


Na hiperplasia associada a infecções virais, alguns vírus, como os papilo-
mavírus, produzem fatores de crescimento que interferem na regulação
da proliferação celular do hospedeiro. Com isso, ocorre o surgimento de
verrugas cutâneas e de lesões de mucosa, compostas por massas de epitélio
hiperplásico, que podem predispor ao desenvolvimento de câncer (KUMAR;
ABBAS; ASTER, 2016, 2018).

O processo hiperplásico, nas situações descritas acima, permanece


controlado. Se o estímulo estressor for reduzido ou interrompido, as
alterações podem regredir. Ainda assim, alterações hiperplásicas patológicas
requerem atenção, tendo em vista a predisposição ao aparecimento de câncer,
processo em que os mecanismos de controle de proliferação se tornam desre-
gulados ou ineficazes (KUMAR; ABBAS; ASTER, 2018).

Atrofia
Formas patológicas de atrofia podem ter diversas causas e serem locais ou
generalizadas.

Atrofia por desuso


A atrofia por desuso ocorre pela diminuição da carga de trabalho dos mús-
culos esqueléticos, por exemplo, após a imobilização de um membro para a
cicatrização de uma fratura ou quando um indivíduo está submetido a repouso
absoluto em leito. Essa atrofia pode ser revertida após a restauração da
atividade motora. No entanto, com o prolongamento da imobilidade, as fibras
musculares esqueléticas podem diminuir tanto em número (pela indução de
apoptose) quanto em tamanho. Além disso, por envolver também o aumento
da reabsorção óssea, esse quadro pode desencadear a osteoporose (KUMAR;
ABBAS; ASTER, 2016, 2018).

Atrofia por denervação


Na atrofia por denervação, após uma lesão dos nervos, as fibras musculares
por eles inervadas podem sofrer atrofia, já que dependem dessa inervação
para um metabolismo e uma função adequados (KUMAR; ABBAS; ASTER, 2016;
12 Adaptações celulares ao estresse

SILBERNAGL; LANG, 2016). Observe, na Figura 5a, que a denervação do músculo


esquelético leva a uma forma característica de atrofia. As fibras musculares
perdem massa, e o sistema contrátil é desorganizado até sobrar pouco além
de núcleos residuais. As fibras atróficas formam ângulos no corte transversal.
Por fim, ocorre a necrose celular, e as fibras musculares são substituídas por
tecido conectivo. Na Figura 5b, estão fibras musculares esqueléticas normais.

A B

Figura 5. (a) Atrofia por denervação do músculo esquelético. (b) Fibras musculares esque-
léticas normais.
Fonte: Reisner (2016, p. 26).

Atrofia por redução do suprimento sanguíneo


Na atrofia por redução do suprimento sanguíneo, um órgão ou tecido, ao
receber menor suprimento sanguíneo — por exemplo, por doença oclusiva
arterial —, pode sofrer lenta atrofia. Essa alteração é bastante comum no
cérebro durante o envelhecimento, o que chamamos de atrofia senil (KUMAR;
ABBAS; ASTER, 2016).

Atrofia por nutrição inadequada


O quadro de atrofia por nutrição inadequada é observado em casos de desnu-
trição proteico-calórica grave, conhecida como marasmo. Após o esgotamento
de outras reservas energéticas, como o tecido adiposo, ocorre a utilização
significativa de proteínas do músculo esquelético como fonte de energia.
Com isso, há o desenvolvimento de caquexia, ou seja, consumo muscular
acentuado (KUMAR; ABBAS; ASTER, 2016).
Adaptações celulares ao estresse 13

Atrofia por compressão


A atrofia por compressão pode ocorrer, por exemplo, em tecidos saudáveis
que estejam circundados por massas tumorais. A resposta atrófica, nesse
caso, decorre do comprometimento do suprimento sanguíneo para o tecido
saudável que é provocado pela pressão causada pela massa em expansão
(KUMAR; ABBAS; ASTER, 2016).

Metaplasia
Como abordado anteriormente, alterações metaplásicas costumam ser indese-
jáveis e estão associadas à predisposição ao desenvolvimento de neoplasias.
Isso ocorre pelo prejuízo de mecanismos protetores e pela instabilidade genética
decorrentes da exposição contínua das células ao fator estressor. Antes de
surgir a neoplasia, no entanto, é possível que as células metaplásicas retornem
a seu estado original se o estímulo lesivo for retirado, embora a recuperação
tecidual completa, nesse caso, provavelmente não seja possível (REISNER, 2016).

Metaplasia epitelial do tipo colunar para escamoso


A metaplasia epitelial do tipo colunar para escamoso é a forma mais co-
mum de metaplasia epitelial e pode ser identificada no trato respiratório
de fumantes em resposta à irritação crônica. Nessa situação, as substâncias
nocivas presentes na fumaça do cigarro induzem a substituição das células
epiteliais colunares e ciliadas da traqueia e dos brônquios por células epiteliais
escamosas estratificadas (Figura 6).

A B

Figura 6. Duas áreas de um brônquio de fumante apresentam: (a) metaplasia escamosa;


(b) uma área normal com epitélio colunar ciliado.
Fonte: Reisner (2016, p. 26).
14 Adaptações celulares ao estresse

Essa transformação representa uma vantagem para a célula, já que o


epitélio escamoso estratificado é mais resistente e capaz de sobreviver nesse
ambiente adverso. Entretanto, essa resposta traz também a desvantagem
da perda de mecanismos importantes de proteção contra infecções, como
a secreção de muco e a remoção ciliar da matéria particulada. Como conse-
quência tardia desse processo, pode haver o surgimento de câncer no trato
respiratório (KUMAR; ABBAS; ASTER, 2016, 2018).

Metaplasia epitelial do tipo escamoso para colunar


Na metaplasia epitelial do tipo escamoso para colunar (esôfago de Barrett),
em decorrência de doença do refluxo gastroesofágico crônica, o epitélio
escamoso estratificado do esôfago pode ser substituído por epitélio colu-
nar gástrico ou do tipo intestinal. Embora essa alteração possa predispor
ao desenvolvimento de câncer, ela pode ser completamente revertida se
tratada adequadamente (KUMAR; ABBAS; ASTER, 2016, 2018; REISNER, 2016;
SILBERNAGL; LANG, 2016).

Metaplasia do tecido conjuntivo


A metaplasia do tecido conjuntivo corresponde à formação de tecidos mesen-
quimais, como cartilagem, osso ou tecido adiposo, em tecidos que normal-
mente não os apresentam. Isso ocorre na condição conhecida como miosite
ossificante, em que há a formação de osso em um tecido muscular que tenha
sofrido lesão traumática (KUMAR; ABBAS; ASTER, 2016; REISNER, 2016).

Como você estudou neste capítulo, as células apresentam a importante


capacidade de responder à exposição a estresses fisiológicos ou a estímulos
nocivos, de diferentes tipos, desenvolvendo mecanismos de adaptação que
propiciam o ajuste de sua estrutura e de sua função e favorecendo a sua so-
brevivência em um ambiente alterado. As respostas de adaptação permitem
que as células aumentem ou diminuam seu tamanho (hipertrofia e atrofia,
respectivamente), aumentem seu número (hiperplasia) ou, ainda, alterem
reversivelmente seu tipo celular (metaplasia). Em termos fisiológicos, esses
mecanismos são imprescindíveis para processos que ocorrem em diversos
órgãos e tecidos em diferentes situações e fases da vida. Por outro lado, há
de se considerar também que, eventualmente, essas respostas podem atuar
como o ponto de partida de um processo gradativo de lesão celular, que está
envolvido no aparecimento de alterações clínicas e de patologias nos órgãos
ou tecidos em que elas são encontradas. Dessa forma, é de grande importância
Adaptações celulares ao estresse 15

o conhecimento dos diferentes mecanismos de adaptação encontrados nas


células, de suas características, bem como dos fatores que os desencadeiam,
tanto fisiológicos quanto patológicos.

Referências
BRASILEIRO FILHO, G. Bogliolo, patologia. 9. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2016.
HAMMER, G. D.; MCPHEE, S. J. Fisiopatologia da doença: uma introdução à medicina
clínica. 7. ed. Porto Alegre: AMGH, 2016.
KIERSZENBAUM, A. L.; TRES, L. L. Histologia e biologia celular: uma introdução à pato-
logia. 5. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2021.
KUMAR, V.; ABBAS, A.; ASTER, J. Robbins e Cotran patologia: bases patológicas das
doenças. 9. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2016.
KUMAR, V.; ABBAS, A.; ASTER, J. Robbins, patologia básica. 10. ed. Rio de Janeiro:
Elsevier, 2018.
REISNER, H. M. Patologia: uma abordagem por estudos de casos. Porto Alegre: AMGH,
2016.
SILBERNAGL, S.; LANG, F. Fisiopatologia: texto e atlas. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2016.
Dica do professor
Quando submetidas a um estresse fisiológico ou a um estímulo nocivo, as células são capazes de
responder a essa situação, ajustando a sua estrutura e a sua função na tentativa de garantir a sua
sobrevivência.

Nesta Dica do Professor, você vai aprender sobre os tipos de adaptações celulares e vai conhecer
um exemplo prático de cada uma delas.

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Exercícios

1) Adaptações celulares são alterações reversíveis no tamanho, no número, no fenótipo, na


atividade metabólica ou na função das células. Essas alterações são desencadeadas por
modificações em seu ambiente, como a exposição a um estresse fisiológico ou a um estímulo
nocivo.

Analise os itens a seguir e faça a correta associação entre os tipos de adaptação celular e a
sua respectiva definição:

I — Hipertrofia
II — Hiperplasia
III — Atrofia
IV — Metaplasia

( ) Alteração em que um tipo celular diferenciado é substituído por outro.


( ) Aumento no número de células em um órgão ou tecido.
( ) Aumento no tamanho das células de um órgão ou tecido.
( ) Redução no tamanho e/ou no número de células de um órgão ou tecido.

Marque a alternativa que apresenta a ordem correta:

A) IV, I, II, III.

B) III, II, I, IV.

C) IV, II, I, III.

D) II, I, IV, III.

E) III, I, IV, II.

2) Hipertrofia e hiperplasia são formas diferentes de adaptação celular ao estresse. Entretanto,


elas podem coexistir em alguns órgãos e contribuir para a variação de seu volume.

Assinale, entre as alternativas a seguir, a que apresenta uma condição em que se esperaria
observar hipertrofia e hiperplasia ocorrendo simultaneamente:

A) Aumento do volume cardíaco devido à hipertensão.

B) Regeneração do volume hepático após ressecção parcial.


C) Aumento do volume do músculo masseter associado ao bruxismo.

D) Aumento do volume das mamas durante a puberdade e a gravidez.

E) Redução do volume muscular após imobilização.

3) A atrofia é um tipo de adaptação celular ao estresse caracterizada pela diminuição do


tamanho e, em alguns casos, do número de células em um órgão ou tecido.

Em relação a essa resposta adaptativa, assinale a alternativa correta:

A) Na desnutrição grave, como o marasmo, a atrofia muscular ocorre pelo aumento da síntese
proteica após o esgotamento das reservas energéticas.

B) A involução uterina gradual, observada após o parto, ocorre por atrofia induzida por
denervação.

C) Tecidos com atrofia significativa acumulam grânulos de lipofuscina, que podem ser
observados a partir da utilização da coloração hematoxilina-eosina.

D) A atrofia muscular, observada após a imobilização de um membro, se dá pela perda de


estimulação endócrina.

E) A atrofia senil, que pode ser observada no cérebro de idosos, ocorre pelo aumento do
suprimento sanguíneo para esse órgão.

4) Um tecido ou órgão, quando submetido à irritação crônica, seja ela física ou química, pode
sofrer uma alteração reversível em que um tipo celular diferenciado é substituído por outro.

Considere a seguinte situação: um indivíduo apresenta queixa recorrente de dor em


queimação na região epigástrica e diagnóstico de doença do refluxo gastroesofágico crônica.
Ele foi submetido a uma endoscopia e à biópsia esofágica. Esse exame revelou algumas áreas
teciduais com alterações características de esôfago de Barrett.

Assinale a alternativa que contém a adaptação celular encontrada nesse caso:

A) Metaplasia epitelial do tipo colunar para escamoso.

B) Metaplasia epitelial do tipo escamoso para colunar.

C) Metaplasia do tecido conjuntivo.

D) Hipertrofia de células epiteliais.


E) Hiperplasia de células epiteliais.

5) Células são capazes de responder à exposição ao estresse ou a um estímulo nocivo,


ajustando sua estrutura e sua função na tentativa de garantir a sua sobrevivência. Essas
respostas são frequentemente envolvidas em alterações clínicas observadas em diferentes
órgãos e tecidos.

Leia as afirmativas a seguir a respeito de adaptações celulares observadas em diferentes


situações clínicas:

I — O aumento do volume do músculo masseter, observado em indivíduos com apertamento


dentário, se dá pela hiperplasia das células musculares induzida pelo aumento da carga de
trabalho à qual o músculo está submetido.

II — O desenvolvimento de lesões nodulares na mucosa bucal, em decorrência do trauma


causado pela utilização de próteses dentárias removíveis mal adaptadas, ocorre pela
hiperplasia de fibroblastos da lâmina própria.

III — Em fumantes habituais, a irritação crônica provocada pelas substâncias nocivas


presentes na fumaça do cigarro pode levar à substituição das células epiteliais colunares e
ciliadas da traqueia e dos brônquios por células escamosas estratificadas.

Assinale a alternativa que contém a(s) assertiva(s) correta(s):

A) Apenas I.

B) Apenas II.

C) Apenas III.

D) Apenas I e III.

E) Apenas II e III.
Na prática
Adaptações celulares estão envolvidas em uma diversidade de alterações clínicas observadas
rotineiramente, inclusive na área da odontologia. A identificação e o diagnóstico corretos dessas
alterações são de fundamental importância para garantir a saúde e o bem-estar do paciente.

Neste Na Prática, você vai conhecer o caso observado pelo dentista Renato e a sua conduta frente
às características observadas no exame de seu paciente.
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Para diferentes situações que podem vir a acontecer, as células possuem alguns mecanismos de
adaptação. Você sabe quais são as características desses mecanismos? Teste seu conhecimento
abaixo!

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Saiba +
Para ampliar o seu conhecimento a respeito desse assunto, veja abaixo as sugestões do professor:

Anatomia patológica
Nesta página, você pode acessar um banco de imagens de lâminas representativas das principais
adaptações celulares.

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Patologia oral
Neste livro, você vai encontrar exemplos práticos de alterações clínicas envolvendo as adaptações
celulares na área da odontologia.

Conteúdo interativo disponível na plataforma de ensino!

Hiperplasia fibrosa inflamatória em mucosa oral: relato de caso


No artigo a seguir, você vai acompanhar um interessante relato de caso sobre hiperplasia fibrosa
inflamatória em mucosa oral.

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Hipertrofia idiopática do masseter: a propósito de um caso


clínico
Neste artigo, você vai conferir um caso clínico de hipertrofia idiopática do músculo masseter.
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