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ANATOMIA

PATOLÓGICA
LICENCIATURA EM CIÊNCIAS BIOMÉDICAS LABORATORIAIS

Joana Santos, MD 2019

Joana Santos jbs@ess.ipp.pt


Adaptação celular
ADAPTAÇÃO CELULAR
• Alteração reversível no

◦ número
◦ tamanho
◦ fenótipo
◦ atividade metabólica
◦ ou função da célula

em resposta a alterações do seu ambiente


ADAPTAÇÃO CELULAR
• Pode ser fisiológica ou patológica
ADAPTAÇÃO CELULAR
• Adaptação fisiológica: resposta a uma situação
normal produzida por hormonas/mediadores
químicos endógenos ou por stress mecânico
ADAPTAÇÃO CELULAR
• Adaptação fisiológica: resposta a uma situação
normal produzida por hormonas/mediadores
químicos endógenos ou por stress mecânico
• Exemplos:
• Aumento mamário e uterino durante a
gravidez
• Ganho muscular com exercício físico
ADAPTAÇÃO CELULAR
• Adaptação patológica: resposta que permite à
célula alterar a sua estrutura ou função de forma
a escapar a um lesão - no entanto, a célula perde
a sua função normal
ADAPTAÇÃO CELULAR
• Adaptação patológica: resposta que permite à
célula alterar a sua estrutura ou função de forma
a escapar a um lesão - no entanto, a célula perde
a sua função normal
• Exemplo:
• Metaplasia escamosa do epitélio brônquico
dos fumadores
HIPERTROFIA
• Aumento do tamanho das células → aumento
do tamanho do órgão
• Não há formação de novas células
• As células pré-existentes ficam maiores, com
maior número de proteínas e organelos
HIPERTROFIA
• Ocorre em órgãos com uma capacidade limitada
de replicação celular
• Pode ser fisiológica ou patológica
HIPERTROFIA

• Exemplos – exercício físico:


• O exercício físico estimula o “crescimento” o
músculo estriado e o músculo cardíaco por
hipertrofia uma vez que estas células musculares
possuem pouca capacidade replicativa
HIPERTROFIA

• Na hipertensão arterial ou doença valvular


podemos ter hipertrofia patológica com aumento
do coração (cardiomegalia).
• O miocárdio sujeito a esforço persistente (por
aumento do workload ou estenose valvular)
hipertrofia para gerar uma maior força de
contração
HIPERTROFIA

• Os mecanismos de hipertrofia cardíaca


envolvem dois tipos de sinais:
• Triggers mecânicos (ex: estiramento)
• Mediadores solúveis (ex: fatores de
crescimento ou hormonas adrenérgicas)
HIPERTROFIA

• Estes estímulos transformam-se em vias de


transdução de sinal que induzem um número de
genes
• Estes genes estimulam a síntese de proteínas
como fatores de crescimento
HIPERTROFIA

• Como resultado temos síntese de mais proteínas


e miofilamentos por célula
• Aumentando a força gerada por cada contração
a célula pode responder à demanda aumentada
HIPERTROFIA

• Pode também haver um switch das proteínas de


contração do tipo adulto para tipos fetais ou
neonatais:
• Ex: a cadeia pesada de α miosina é
substituída por uma cadeia β fetal que
permite contrações mais lentas e
energeticamente mais económicas
HIPERTROFIA
• As adaptações ao stress podem progredir para
dano celular funcionalmente significativo se o
fator de stress não for aliviado
• Ex: Qualquer que seja a causa da hipertrofia, há
um limite para a capacidade de aumento da
massa muscular
HIPERTROFIA
• Existem limites para a vascularização adequada
das fibras hipertrofiadas e para o fornecimento
de ATP pelas mitocôndrias
• A“maquinaria” de síntese proteica não consegue
produzir proteínas contráteis e elementos do
citoesqueleto em número suficiente
HIPERTROFIA
• Quando estes mecanismos não conseguem
compensar o stress - alterações degenerativas
que culminam em dilatação ventricular
HIPERPLASIA
• Aumento do número de células – diferenciadas ou
progenitoras
• Acontece em tecidos com populações celulares
capazes de se replicarem
HIPERPLASIA
• Pode ser fisiológica (hormonal ou compensatória)
ou patológica
• Em qualquer dos casos, a proliferação celular é
estimulada por fatores de crescimento
HIPERPLASIA
• Hiperplasia fisiológica:
• Hiperplasia hormonal: proliferação do epitélio
glandular da mama durante a puberdade e
gravidez
HIPERPLASIA
• Hiperplasia fisiológica:
• Hiperplasia compensatória: proliferação de
hepatócitos após hepatectomia
• A atividade mitótica começa nas primeiras 12h
após a cirurgia e é possível restaurar o fígado
ao seu tamanho normal
• o estímulo para a hiperplasia são fatores de
crescimento produzidos pelos hepatócitos
poupados.
HIPERPLASIA
• Hiperplasia patológica:
• Estimulação excessiva por hormonas ou
fatores de crescimento
• Hiperplasia benigna da próstata
HIPERPLASIA
• Depois da menstruação – proliferação do
epitélio endometrial (efeitos estimulantes do
estrogénio e efeitos inibitórios da progesterona)
• Excesso de estimulação estrogénica - hiperplasia
endometrial (hemorragia uterina anómala)
HIPERPLASIA
• Verrugas (hiperplasia
patológica): o epitélio é
estimulado por fatores de
crescimento
• Os fatores de crescimento
são produzidos graças a
genes virais ou genes das
células infetadas
HIPERPLASIA

• Os processos hiperplásicos mantêm-se sob


controlo: se o estímulo inicial terminar, a
hiperplasia também finda

• É esta resposta aos mecanismos de controlo que


distingue a hiperplasia do cancro, no qual o
crescimento é desregulado/descontrolado
HIPERPLASIA

• No entanto, tecidos hiperplásicos podem ter risco


aumentado de desenvolver cancro (ex: endométrio)
HIPERTROFIA/HIPERPLASIA

• A hipertrofia e a hiperplasia podem ocorrer em


simultâneo, resultando num aumento de tamanho
do órgão envolvido

• Exemplos – gravidez:
• O estrogénio estimula a hipertrofia e hiperplasia
do músculo liso do útero
HIPERTROFIA/HIPERPLASIA
ATROFIA

• Diminuição das células por perda de substância


• Quando há um número significativo de células
envolvidas - todo o tecido ou órgão fica
reduzido/atrófico
ATROFIA
• Causas de atrofia:
• Diminuição do workload (imobilização)
• Perda de inervação
• Diminuição da irrigação
• Nutrição desadequada
• Perda de estimulação endócrina
• Envelhecimento (atrofia senil)
ATROFIA

• Pode ser patológica ou fisiológica:


Fisiológica – perda hormonal na menopausa
Patológica – perda de inervação numa fratura
ATROFIA

• A atrofia resulta de:


a) diminuição da síntese proteica
b) aumento da degradação proteica
ATROFIA

• Diminuição da síntese proteica:


Redução da atividade metabólica
ATROFIA

• Aumento da degradação de proteínas:


Défice nutricional/desuso - ativação das ligases da
ubiquitina que vão ligar múltiplas cópias de
ubiquitina a proteínas celulares e identificá-las para
degradação nos proteossomas
Este processo de proteólise acelerada também é
visto em condições catabólicas como na caquexia
associada ao cancro
ATROFIA

• Em alguns casos a atrofia pode resultar de


autofagia com aumento do número de vacúolos
autofágicos
METAPLASIA

• Mudança de um tipo de célula (epitelial ou


mesenquimatosa) por outro tipo de célula
• É um mecanismo de adaptação porque a célula
sujeita a um stress particular é substituída por
outra célula capaz de resistir a esse ambiente
adverso
METAPLASIA
• Acredita-se que a metaplasia resulta de uma
reprogramação de células progenitoras e não de
um fenómeno de transdiferenciação
METAPLASIA

• O epitélio estratificado pavimentoso é mais


resistente perante químicos nocivos

• No entanto, algumas características protetoras


são perdidas com esta metaplasia como a
secreção de muco e clearence ciliar
METAPLASIA
• Na gastrite crónica (refluxo gastroesofágico) o
epitélio esofágico pode sofrer metaplasia para
epitélio colunar do tipo gástrico ou intestinal
METAPLASIA

• A metaplasia também pode ocorrer em células


mesenquimatosas, geralmente como alteração
patológica e não como resposta adaptativa
• Exemplo: em alguns tecidos moles observa-se
formação de osso em locais de lesão
METAPLASIA

• Se o estímulo que levou à metaplasia for


persistente pode haver transformação maligna
METAPLASIA

• No pulmão, a metaplasia escamosa coexiste


frequentemente com carcinomas escamosos
• Acredita-se que o tabagismo inicialmente causa
metaplasia escamosa e mais tarde leva ao
desenvolvimento de cancro nesses focos de
metaplasia
Depósitos de
substâncias
ACUMULAÇÃO INTRACELULAR
• Em algumas circunstâncias as células podem
acumular quantidades anormais de várias
substâncias que podem ser inócuas ou podem
causar dano celular
ACUMULAÇÃO INTRACELULAR
• A acumulação de substâncias pode ocorrer no
citoplasma, nos organelos (lisossomas) ou no
núcleo
• As substâncias podem ser produzidas pelas
células afetadas ou terem origem extracelular
ACUMULAÇÃO INTRACELULAR
ESTEATOSE

• Acumulação de triglicerídeos
• Mais comum no fígado (esteatose hepática);
também pode ocorrer no coração, músculo
esquelético, rim, etc
• Causas possíveis: toxinas (álcool), malnutrição,
diabetes mellitus, obesidade e anoxia
• No coração, rim e músculos associa-se a hipoxia
ESTEATOSE
• Macroscopicamente vemos o chamado fígado
gordo: um fígado grande, amarelado e gorduroso
• A transformação é reversível se houver abstenção
COLESTEROL
• Utilizado na síntese de membranas celulares
• O metabolismo celular de colesterol é regulado
de forma a suprir as necessidades para novas
membranas celulares - sem acumulação
significativa
COLESTEROL

• No entanto, se a quantidade de lípidos exceder a


capacidade das células fagocitárias, surgem
diversos processos patológicos:
• Aterosclerose, Xantomas, Colesterolose,
Inflamação e Necrose
COLESTEROL
Aterosclerose:
- Artérias de grande calibre:
• Células musculares lisas com vacúolos lipídicos
• Macrófagos camada íntima contendo colesterol
e ésteres de colesterol

Formação de placas de ateroma


COLESTEROL
Xantomas:
• Acumulação de colesterol nos macrófagos -
macrófagos espumosos no tecido conjuntivo
• Hiperlipedimia adquirida e/ou hereditária
COLESTEROL
Colesterolose:
• Acumulação de macrófagos repletos de
colesterol na lâmina própria da vesícula biliar
• Pólipos de colesterol
COLESTEROL
COLESTEROL
PIGMENTOS

Substâncias coloridas que podem ser :


◦ Exógenas (carbono)
◦ Endógenas (melanina, lipofuscina, derivados da
hemoglobina….)
PIGMENTOS

Carbono:
◦ Pigmento exógeno mais frequente
◦ Presente na poluição atmosférica é inalado e
fagocitado pelos macrófagos alveolares
◦ Acaba por ser depositado nos gânglios linfáticos
peribrônquicos e no parênquima pulmonar
(antracose)
PIGMENTOS
PIGMENTOS

Lipofuscina
• Material amarelado/acastanhado e granular,
intracelular
• Acumula-se particularmente no coração, fígado e
cérebro com o envelhecimento e atrofia
• Não é prejudicial para as células mas é um
marcador de dano por radicais livres
PIGMENTOS

Melanina
• Pigmento endógeno - castanho/negro
• Sintetizado por melanócitos - barreira protetora
contra a radiação UV
• Acumulado por queratinócitos da camada basal e
por macrófagos da derme
PIGMENTOS

Hemossiderina
• Pigmento dourado/acastanhado e granular
derivado da hemoglobina
• Acumula-se quando há excesso local ou sistémico
de ferro
• Deposição excessiva de ferro – hemossiderose
PROTEÍNAS

• Morfologicamente menos visíveis do que a


acumulação de lípidos
• Ocorre na forma de gotículas, vacúolos ou
agregados eosinofílicos (citoplasma e espaço
intersticial)
PROTEÍNAS
Acumulação Intracelular
- Corpos de Russel
Acumulação extracelular
- Amilóide
PROTEÍNAS
Corpos de Russel
◦ Acumulação excessiva de proteínas
(imunoglobulinas) em plasmócitos
◦ Surge em situações inflamatórias agudas ou
crónicas e processos neoplásicos (mieloma
múltiplo)
◦ H&E: inclusões intracitoplasmáticas eosinofilícas
PROTEÍNAS

Corpos de Russel
PROTEÍNAS
Amilóide
◦ Substância proteinácea anormal
◦ Morfologicamente homogénea
◦ H&E: amorfa, homogénea e eosinofilíca
PROTEÍNAS
PROTEÍNAS

Amilóide
◦ Bioquimicamente heterogénea
◦ Mais de 30 proteínas identificadas
PROTEÍNAS

Amilóide
◦ Dois grupos principais:
a) proteínas normais que têm tendência para se
agregar particularmente se em quantidades
aumentadas
b) proteínas mutadas com misfolding inerente e
consequente agregação
PROTEÍNAS
Amiloidose
◦ Doença caracterizada por depósitos extracelulares
de proteínas fibrilares que causam dano dos
tecidos e alterações funcionais
◦ Estes depósitos resultam da agregação de
proteínas que seriam solúveis na sua configuração
habitual
◦ Pelo menos 30 proteínas foram identificadas como
podendo dar origem a depósitos amiloides
PROTEÍNAS
Amiloidose
• Classificação clínica e bioquímica
• Generalizada Vs Localizada
• Primária Vs Secundária
Primária: expansão clonal de plasmócitos
Secundária: doença inflamatória crónica

• Familiar Vs Adquirida
PROTEÍNAS

Amiloidoses adquiridas
◦ Amiloidose primária AL (mais comum, mais grave)
◦ Amiloidose secundária AA
◦ Amiloidose associada à diálise
◦ Amiloidose senil
PROTEÍNAS
Amiloidose primária (AL)
• As fibrilas da amiloide AL derivam das cadeias leves
de imunoglobulinas monoclonais
• Associada ao Mieloma Múltiplo, alguns linfomas,
leucemias…
• Fígado e nervos periféricos ++
PROTEÍNAS
Amiloidose secundária (AA)
• Complicação de doenças inflamatórias e/ou
infeciosas com produção do reagente de fase aguda
SAA
• 1 a 5% dos doentes com artrite reumatoide e
doença de Crohn
• Tuberculose também é uma importante causa
PROTEÍNAS
Amiloidose associada à diálise
• Amiloide β2 Microglobulina
• Afeta sobretudo estruturas articulares e
periarticulares
• 20-30% dos doentes com doença renal terminal 3
anos depois do início da diálise
PROTEÍNAS
Amiloidose senil
• Surge nos idosos (>70 anos)
• Resulta da acumulação de TTR
• Acomete sobretudo o coração
PROTEÍNAS
Alzheimer
• Depósitos intracerebrais e cerebrovasculares de
amiloide derivados da proteína Aβ
• Esta proteína é um produto da degradação de outra
proteína transmembranar dos neurónios (APP)
PROTEÍNAS

Amiloidoses hereditárias
◦ Doenças autossómicas dominantes
◦ Mutações nos genes da TTR, cistatina C ou outras
proteínas
◦ Apresentam sintomas geralmente em idade adulta
PROTEÍNAS
Paramiloidose ou Polineuropatia Amiloidótica Familiar (PAF)
PROTEÍNAS
Paramiloidose ou PAF
• Associada à proteína transterritina (TTR) produzida
no fígado
• Forma mais comum de amiloidose hereditária
• Frequente em portugueses (Póvoa do Varzim)
• Neuropatia autonómica e periférica e
cardiomiopatia
PROTEÍNAS
Amiloidose
Macroscopicamente

• Órgãos aumentados

• Cor acinzentada

• Consistência firme
PROTEÍNAS
Amiloidose
Microscopicamente

• O diagnóstico é histológico!

• Material amorfo, hialino em H&E

• Depósitos extracelulares, muitas vezes na membrana basal

• Depósitos perivasculares - proliferação de plasmócitos


Caso clínico
Caso clínico
Mulher de 60 anos

Natural da África do Sul, residente em Portugal há 12 anos

Antecedentes pessoais

Hábitos etílicos: ingestão mais importante de álcool até há 15


anos (vinho e cerveja); atualmente uma garrafa de vinho por dia

Sem outros antecedentes relevantes, medicação habitual ou


história familiar
Caso clínico
Referenciada por hepatomegalia

Desconforto no hipocôndrio direito com 1 ano de evolução e


noção de distensão abdominal

Sem outras queixas


Caso clínico
Ecografia abdominal:

Fígado globoso com contornos lobulados e dimensões moderada


a severamente aumentadas

Ecogenicidade parenquimatosa preservada


Caso clínico
Consulta de Hepatologia

Biópsia hepática
Dois retalhos filiformes de tecido acastanhado, o maior
de 15 mm
VERMELHO DO
CONGO

Amiloidose
hepática
VERMELHO DO CONGO
LUZ POLARIZADA
Caso clínico
Biópsia medula óssea: depósitos de substância amilóide;
presença de cadeias leves

Gamopatia monoclonal de significado indeterminado (MGUS)


Caso clínico
Biópsia medula óssea: depósitos de substância amilóide;
presença de cadeias leves

Gamopatia monoclonal de significado indeterminado (MGUS)

Amiloidose AL

Iniciou tratamento com Ciclofosfamida + Bortezumab +


Dexametasona
OBRIGADA!

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