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P R I M I T I VA B U E N O R A M Í R E Z e J O R G E A .

S O L E R D Í A Z
Coordenadores científicos

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ORGANIZAÇÃO FUNDACIÓN C.V. MARQ — MUSEO EXPOSIÇÃO — PRODUÇÃO
Museu Nacional de Arqueologia, Direção-Geral do ARQUEOLÓGICO PROVINCIAL DE ALICANTE
Património Cultural (MNA/DGPC) COMISSÁRIOS CIENTÍFICOS
Diputación Provincial de Alicante. Área de Cultura DIRETOR EXECUTIVO DA FUNDACIÓN C.V. Primitiva Bueno Ramírez
Fundación C.V. MARQ MARQ Jorge A. Soler Díaz
MARQ Museo Arqueológico Provincial de Alicante Josep Albert Cortés i Garrido
Museo Arqueológico Regional de la Comunidad de PROJETO EXPOSITIVO
Madrid (MAR) DIRETOR DO MARQ — MUSEO Rocamora Diseño y Arquitectura
ARQUEOLÓGICO DE ALICANTE
MECENAS Manuel H. Olcina Domènech DESENHO GRÁFICO
Ferrovial Serviços, S. A. Luis Sanz
Fundação Millennium BCP DIRETOR DE EXPOSIÇÕES DA
El Corte Inglés FUNDACIÓN C.V. MARQ COORDENAÇÃO TÉCNICA
Pastéis de Belém Jorge A. Soler Díaz FUNDACIÓN C.V. MARQ — MUSEO
Vila Galé — Hotéis Vila Galé ARQUEOLÓGICO DE ALICANTE
CHEFE DA UNIDADE DE COLEÇÕES Maria Teresa Ximénez de Embún Sánchez
E ESCAVAÇÕES DO MARQ — MUSEO
MUSEU NACIONAL DE ARQUEOLOGIA, ARQUEOLÓGICO DE ALICANTE COORDENAÇÃO TÉCNICA
DIREÇÃO-GERAL DO PATRIMÓNIO Rafael Azuar Ruiz MUSEU NACIONAL DE ARQUEOLOGIA
CULTURAL Patrícia Batista
(MNA/DGPC) ARQUITETO COLABORADOR DA Raquel Lázaro
FUNDACIÓN C.V. MARQ
DIRETOR-GERAL DO PATRIMÓNIO Rafael Pérez Jiménez TRANSPORTE DE BENS CULTURAIS
CULTURAL Feirexpo, S. A.
Bernardo Alabaça SECRETÁRIO DA FUNDACIÓN C.V. MARQ
Francisco Ibanco Llorca SEGURADORA
DIRETOR DO MUSEU NACIONAL DE Lusitania Seguros, S. A. — Mecenas Institucional
ARQUEOLOGIA DEPARTAMENTOS TÉCNICOS da Direção-Geral do Património Cultural
António Carvalho Unidade de Exposições e Divulgação
Unidade de Coleções e Escavações ASSISTÊNCIA NA MONTAGEM
Unidade Administrativa e Económica ANTRA Gestión Integral S.L
Unidade de Didática, Acessibilidade e J. C. Sampaio, L.da
Responsabilidade Social Feirexpo, S. A.

MUSEO ARQUEOLÓGICO REGIONAL DE LA APOIO TÉCNICO FUNDACIÓN C.V. MARQ


COMUNIDAD DE MADRID (MAR) Ricardo Valer Gosálbez

DIRETOR APOIO TÉCNICO


Enrique Baquedano Ana Margarida Gata Simão (MNA/DGPC)
Carlos Diniz (MNA/DGPC)
CHEFE DO SERVIÇO DE CONSERVAÇÃO E Carlos Morgado (MNA/DGPC)
INVESTIGAÇÃO Mário Antas (MNA/DGPC)
Elena Carrión Santafé João Pedro Silva (MNA/DGPC)
João Nuno Reis (Divisão de Arquivo Inventariação
CHEFE DO SERVIÇO DE EXPOSIÇÕES e Bibliotecas/Departamento de Bens Culturais/
María Carrillo Tundidor DGPC)
Luís Antunes (MNA/DGPC)
CHEFE DO SERVIÇO DE DIVULGAÇÃO E Luísa Guerreiro (MNA/DGPC)
COMUNICAÇÃO Paulo Alves (MNA/DGPC)
Luis Palop Fernández Salvador Batista (MNA/DGPC)
William Pimenta (MNA/DGPC)
CHEFE DO SERVIÇO DE ADMINISTRAÇÃO
José María Pérez Mármol TRADUÇÃO DE TEXTOS
Inpokulis Traduções

REVISÃO DE TEXTOS
Ana Caessa (MNA/DGPC)
Elena Morán
Capa
PLANO DE COMUNICAÇÃO
Ídolo-placa oculado com representações de
Divisão de Comunicação e Informática (DGPC)
antropomórficos tritriangulares. Mértola (Beja). Helena Martelo, António José Dores Cruz
Foto © DGPC/ADF/José Paulo Ruas.
Ídolo antropomórfico. Perdigões, Reguengos de FOTOGRAFIAS
Monsaraz (Évora). Foto © DGPC/ADF/José Paulo Ruas. Arquivo de Documentação Fotográfica da
Contracapa Direção-Geral do Património Cultural (ADF/
Ídolo ancoriforme. Cova de la Barcella, La Torre de les DGPC) — José Paulo Ruas, José Pessoa, José Rúbio.
Maçanes (Alicante). Foto © M. A. Cabrera. MNA/DGPC, António Ventura, Margarida Santos,
Paulo Alves, Rita Matos. Daniel Oliveira, António

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Faustino Carvalho, Rui Luís, AESDA, Arqueohoje, José Iñesta (particular) Peter Pentz, María Isabel Pérez Bernáldez, Pablo
Palimpsesto, Luís Bravo Pereira, Maria de Jesus Museo de Gavà Quesada Sanz, Miguel Ramalho, Manuel Ramos
Sanches, Joana C. Teixeira, Maria Helena Barbosa, Museo de Valladolid Lizana, Pedro Ramos Miguel, Bartolomé Ruiz
João A. Perpétuo, VNSP3000, Mário Novais, MARQ Museo Arqueológico de Alicante González, Concepción San Martín Montilla, Jose
Monteiro-Rodrigues, Marco Andrade, Museo «Camil Visedo Moltó» de Alcoy María Segura Martí, Thomas Schuhmacher, Andrés
J. L. Cardoso, Era Arqueologia, R. Parreira, Museo de Prehistoria de Valencia Silva Cordero, Ana C. Sousa, Juan Manuel Vargas
R. Soares, V. S. Gonçalves, António Valera, Museo de Bellas Artes de Castellón Jiménez y Eloísa Wattenberg García, Luis Palop
M. A. Blanco, R. de Balbín Behrmann, Museo Arqueológico Municipal de Lorca Fernández, Juan Antonio López Padilla
M. A. Cabrera, J. Coca, M. Díaz-Guardamino,
N. Fakoorzadeh, A. Fernández, L. Lammerhuber, AGRADECIMENTOS
L. Larsen, A. Martínez Levas, C. Martín, Ana Isabel Palma Santos, Associação dos CATÁLOGO
M. A. Marín, D. Oliveira, I. Palaguta, P. Quesada, Arqueólogos Portugueses — Museu do Carmo
J. Quinlan, A. Ramos, M. Reina, E. Starkova, (José Morais Arnaud, Célia Pereira, César Neves), COORDENADORES CIENTÍFICOS
V. Schulmeister, F. Velasco, S. Vicente, Câmara Municipal de Alter do Chão (Francisco Primitiva Bueno Ramírez
M. Torquemada, Conjunto Arqueológico Dólmenes António Martins dos Reis), Câmara Municipal de Jorge A. Soler Díaz
de Antequera, National Museum of Denmark e Cascais (Carlos Carreiras, João Miguel Henriques,
Paisajes Españoles, M. Soria, M. Sanchez, Salvador Susana Pombal), Câmara Municipal de Mora (Luís TEXTOS DE COLABORAÇÃO
Delgado Aguilar, José Manuel Sala, Museo de Simão), Câmara Municipal de Portimão (Isilda Ángel Rocamora Ruiz, Ana Catarina Sousa,
Bellas Artes de Castellón, Museo de Prehistoria Gomes, Isabel Soares, António Pereira), Câmara Andrea Martins, António Carlos Valera,
de Valencia, Museo de Málaga, Juan Pedro Bellón, Municipal de Torres Vedras (Carlos Manuel António Faustino Carvalho, Catarina Costeira,
Museo de Alcoy, Museo de Almería, Eva Rocamora, Antunes Bernardes, Isabel Luna, Francisca Ramos, César Neves, Elena Morán, Joana Castro Teixeira,
Susana Vicente Galende, Eloisa Watemberg, Josep Rui Silva) Companhia das Lezírias (António João João André Perpétuo, João Luís Cardoso, Jorge A.
Lluis Pascual, Francisco Blasco, Teresa Ximénez de Soler Díaz, Jorge Oliveira, José Arnaud, Leonor
Coelho de Sousa), Direção-Geral de Alimentação e
Embún Rocha, Marco António Andrade, Maria Helena
Veterinária (Susana Pombo), DGPC (Paula Mateus
Azevedo, Susana Martins, Paula Figueiredo, José Barbosa, Maria de Jesus Sanches, Mariana Diniz,
CONSERVAÇÃO E RESTAURO
António Gonçalves), Direção Regional de Cultura- Primitiva Bueno Ramírez, Rui Mataloto, Rui
Margarida Santos (MNA/DGPC)
-Alentejo (Ana Paula Amendoeira, Rafael Alfenim), Parreira, Victor S. Gonçalves
Rita Matos (MNA/DGPC)
ERA — Arqueologia/ Núcleo de Investigação
Arqueológica (António Valera) Ferrovial S. A. COORDENAÇÃO DA EDIÇÃO
AUDIOVISUAIS
(Tiago Borges, Carlos Marinho, Maria Grego), António Carvalho
Gustavo Vílchez
Fundação Millennium BCP (Embaixador António Lívia Cristina Coito
Rocamora Diseño y Arquitectura
Monteiro, Fátima Dias), El Corte Inglés (Enrique Maria José Grossinho (IN)
Hidalgo Miralles), Imprensa Nacional (Duarte
ILUSTRAÇÕES
Azinheira), Lusitania Seguros, S. A. (Catarina PARCEIRO EDITORIAL
Miranda Dreams
Major, Tiago Serra), Câmara Municipal de Loulé Imprensa Nacional (IN)
ENTIDADES EMPRESTADORAS (Vítor Aleixo, Dália Paulo, Ana Rosa Sousa), Museu
PORTUGUESAS de Arqueologia e Etnografia do Distrito de Setúbal
Associação dos Arqueólogos Portugueses/Museu (Joaquina Soares, Ana Férias), Museu Geológico —
Arqueológico do Carmo LNEG (Miguel Magalhães Ramalho, Rúben Dias,
Associação dos Municípios da Região de Setúbal/ José Anacleto), Nuno Quelhas, Pastéis de Belém PRÉ-IMPRESSÃO E IMPRESSÃO
Museu de Arqueologia e Etnografia do Distrito de (Miguel Clarinha), Museu Nacional de História Imprensa Nacional-Casa da Moeda (INCM)
Setúbal Natural e da Ciência/Universidade de Lisboa
Câmara Municipal de Cascais/Museu da Vila (Marta C. Lourenço, Liliana Póvoas), UNIARQ — DESENHO E MAQUETAGEM
Câmara Municipal de Portimão/Museu de Centro de Arqueologia da Universidade de Lisboa Luis Sanz
Portimão (Mariana Diniz), Vila Galé — Hotéis (Jorge
Câmara Municipal de Torres Vedras/Museu Rebelo Almeida, Gonçalo Rebelo Almeida), Julia REVISÃO DE TEXTOS
Municipal Leonel Trindade Elena Aguilera Collado, José Maria García Rincón, Sofia Roborg-Sondergaard (GoodSpell)
Direção Regional de Cultura — Alentejo María Dolores Baena Alcántara, Vicente Barba Lívia Cristina Coito
ERA — Arqueologia/Núcleo de Investigação Colmenero, Juan P. Bellón Ruiz, Núria Benavent
Arqueológica Bataller, Fereidoun Biglari, Josep Bosch Argilagos, DEPÓSITO LEGAL
Laboratório Nacional de Energia e Geologia Carmen Cacho Quesada, Andrés Carretero 485 656/21
(LNEG)/Museu Geológico Pérez, Felipa Díaz Fernández, María Jesús de
Museu Nacional de Arqueologia Pedro Michó, Alexandra Encarnação, Juan Javier ISBN
Museu Nacional de História Natural e da Ciência/ Enríquez Navascués, Inmaculada Escobar García, 978-972-27-2941-3 (INCM)
Universidade de Lisboa Carlos Ferrer García, Enric Flors Ureña, Eduardo 978-972-776-587-4 (DGPC)
UNIARQ — Centro de Arqueologia da Galán Domingo, Carlos García Sánchez, José
Universidade de Lisboa Maria García Rincón, Beatríz Gavilán Ceballos, EDIÇÃO N.º 1024787
María Soledad Gil de los Reyes, Francisca Hornos
ENTIDADES EMPRESTADORAS ESPANHOLAS Mata, Ian Hodder, Ángela Jiménez Belda, Anton Impresso em outubro de 2021
Museo Arqueológico Nacional Kern, Guillermo Kurtz Schaefer, Rosario León
Museo Arqueológico Regional de la Comunidad Marín, Encarnación Maldonado Maldonado, Todos os direitos reservados ao abrigo do código
de Madrid Concepción Martín Morales, Julián Martínez dos direitos de autor e direitos conexos
Museo de Málaga García, Andrés Martínez Novillo, Alba Martínez
Museo de Huelva Pérez, Andrés Martínez Rodríguez, Luis Pablo
Museo de Jaén Martínez Sanmartín, María Ascensión Morente
Museo de La Carolina del Monte, María Jesús Moreno-Garrido, Raúl Nota:
Museo de Almería Moya Vidal, Luis Enrique Miquel Santed, Ferrán Os nomes de pessoas, as designações de instituições e
Museo Arqueológico y Etnológico de Córdoba Olucha Montins, Arturo Oliver Foix, José Á. os topónimos apresentam-se nesta edição na língua
Museo Arqueológico Provincial de Badajoz Palomares Samper, Diómedes Parra Rodríguez, original

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GRAÇA FONSECA
M in is t ra d a C u l t u ra

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Portugal assumiu a 1 de janeiro de 2021 a Presidência do Conselho da União Europeia, o que significa
que, durante o primeiro semestre deste ano, Lisboa e Portugal são um dos centros da vida político-ins-
titucional da União Europeia. No quadro desta Presidência foi preparada uma ampla programação
cultural para apresentar ao público em Portugal e em vários países que integram a União Europeia.
É, assim, uma honra e um prazer poder apresentar, neste contexto, a exposição internacional Ídolos.
Olhares Milenares, que resulta de um desafio lançado pela Direção-Geral do Património Cultural à
Fundação Comunidade Valenciana MARQ — Alicante para a apresentação em Lisboa no início de
2021, no Museu Nacional de Arqueologia. Uma exposição que faz recuar o olhar para os primórdios
da expressão artística.
Esta iniciativa é hoje possível porque as equipas do Museu Nacional de Arqueologia e da Direção-Geral
do Património Cultural, em estreita colaboração com o Museo Arqueológico de Alicante e a Fundação
Comunidade Valenciana MARQ — Alicante, trabalharam afincadamente e de forma colaborativa
para garantir a apresentação desta exposição, ultrapassando todas as dificuldades e constrangimentos.
Importa sublinhar o facto de os organizadores terem sabido eleger um tema que afirma uma iden-
tidade arqueológica e a diversidade territorial, ao apresentar a arte pré-histórica ibérica e comum.
Europeia, portanto, também. Esta exposição não teria sido possível sem uma parceria alargada, que
envolveu diversas instituições científicas e culturais, num compromisso conjunto que permitiu consti-
tuir um consórcio de quase 30 instituições museológicas portuguesas e espanholas que disponibiliza-
ram as suas coleções. No Museu Nacional de Arqueologia reunimos 270 bens culturais excecionais do
Neolítico e do Calcolítico, muitos deles classificados como «Bens de Interesse Nacional», mas todos
verdadeiros Tesouros Internacionais.
Gostaria, também, de agradecer vivamente ao grupo de instituições culturais e aos mecenas de di-
mensão ibérica que se souberam juntar para viabilizar, num momento tão difícil da nossa vida em
sociedade, esta exposição. É uma prova de solidariedade europeia, mas é também o reconhecimento
da excelência dos nossos Museus Nacionais e das equipas que neles trabalham.
Mostrar como as comunidades humanas entre o 6.º e o 3.º milénio representaram o corpo humano,
os antepassados e os seus deuses — uma arte fundamentalmente produzida por mulheres —, como a
exposição nos mostra, parece ser uma oportunidade excelente para melhor conhecer os primórdios da
criação e da representação artística num vasto território atualmente em Portugal e Espanha.
Esta exposição recorda-nos que, através dos tempos e das culturas, partilhamos material genético,
partilhamos uma grande história, mas, mais que isso, partilhamos anseios, desejamos para lá do efé-
mero e projetamos contra o apagamento e o esquecimento o mais valioso dos testemunhos, o da arte.
E, através destas visões do passado, projetamos também um exemplo para o futuro, na centralidade
do trabalho em parceria e da cooperação internacional para a investigação, para o estudo e para a
divulgação do património arqueológico. Porque em última instância, todo o património cultural não
é de Portugal ou de Espanha, ele é humano e, por isso, comum a todos.
Agora que o Museu Nacional de Arqueologia dispõe de tão bela, singular e pedagógica exposição,
gostaria que todos pudessem tirar dela o melhor partido visitando-a.
9 de março de 2021

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CA R L O S M A Z Ó N G U I XOT
Pre s ide nt e d a Fu n d aci ón C. V. MA RQ e d a Di pu tac i ó n d e A lic ante

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O MARQ inaugurou em janeiro de 2020 o seu programa expositivo em Alicante com Ídolos. Miradas
Milenarias, uma exposição de enorme repercussão que agora é exibida em Lisboa, no Museu Nacional
de Arqueologia, após a sua passagem pelo Museo Arqueológico Regional de la Comunidad de Ma-
drid. Graças ao sucesso desta estreita colaboração institucional e quase pessoal entre estes grandes
museus, podemos, além disso, contar com iniciativas de destaque, como a que apresentamos hoje, um
magnífico volume de caráter científico que reúne os maiores especialistas da Península Ibérica, tanto
portugueses como espanhóis, em relação à Idade do Cobre e à sua singular arte móvel. A realização
desta nova publicação surge graças à participação da prestigiada Imprensa Nacional portuguesa neste
vasto projeto, que vai mais além da própria exposição.
A exposição Ídolos. Olhares Milenares coincidirá com a presidência da União Europeia, durante este
semestre, por parte do país luso cuja capital, precisamente, reunirá no Centro Cultural de Belém
os mandatários europeus, a escassos passos do Museu Nacional de Arqueologia. Esta coincidência
proporcionar-lhes-á a possibilidade de se aproximarem de forma sugestiva de peças singulares da
nossa Pré-História comum, uma referência cultural em torno da qual nascem numerosas iniciativas
conjuntas.
Os objetos representados e o seu conhecimento constituem um conjunto extremamente rico, variado
e expressivo que até à data não tinha sido objeto de um tratamento monográfico. Radiados como o
astro-rei, os olhos dos ídolos, sempre abertos, parecem controlar tudo, num tempo em que os especia-
listas detetam sintomas de hierarquização nas sociedades tribais do final do Neolítico e do início da
Idade do Cobre.
Alicante faz parte do seu âmbito geográfico. Entre outros, os conjuntos das cavernas funerárias de
El Fontanal de Onil, La Pastora de Alcoi ou os achados no povoado de El Niuet em Alqueria d’Asnar
assinalam a importância que no início do 3.º milénio a. C. tiveram aqui os esquemas antropomórficos
pintados sobre ossos longos de animais domésticos. Um suporte de sucesso que, de forma identitá-
ria, expressava uma ideia de vasto alcance e que, noutras áreas do Sul e do Ocidente peninsular, se
concretizava de maneira equivalente, como também sucedia ao observar-se impressa na cerâmica ou
decorada a repuxado em ouro, em povoados fortificados ou em grandes sepulcros megalíticos.
Nesse panorama, a colaboração com o Museo Arqueológico Regional de la Comunidad de Madrid e o
prestigiado Museu Nacional de Arqueologia de Portugal abre novas perspetivas. O MARQ é um dos
emblemas culturais mais identitário da nossa província e um orgulho para todos os alicantinos. As
suas produções expositivas contam com uma criatividade surpreendente, na qual o rigor dos discur-
sos, a qualidade das conceções ou os recursos didáticos e de acessibilidade utilizados o converteram
numa instituição de referência internacional.
Gostaria de felicitar os comissários e coordenadores deste novo trabalho que aqui apresentamos, Pri-
mitiva Bueno Ramírez, professora catedrática de Pré-História da Universidad de Alcalá de Henares,
Jorge A. Soler Díaz, doutorado e conservador de Pré-História do Museo Arqueológico Provincial
de Alicante e, também, António Carvalho, diretor do Museu Nacional de Arqueologia de Portugal,
entusiasta incansável e grande impulsionador desta iniciativa, pelo seu trabalho, dedicação e paixão.
Por último, quero manifestar a minha admiração e reconhecimento a todas pessoas que trabalham
para promover a cultura e, muito especialmente, às que dedicam todos os dias o melhor de si mesmas
para reforçar a atividade dos museus na Europa. A partir do Conselho Provincial de Alicante, de-
monstramos o nosso firme compromisso, ajuda e proximidade para consolidar este louvável desígnio.
OBRIGADO.
23 de fevereiro de 2021

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C OMU N I DA D DE M A D R I D

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A exposição Ídolos. Olhares Milenares, que foi inaugurada anteriormente no Museo Arqueológico de
Alicante (MARQ), do Conselho Provincial de Alicante e, posteriormente, no Museo Arqueológico
Regional de la Comunidad de Madrid (MAR), é o resultado do esforço de duas instituições unidas
por um mesmo conceito relativo ao que deve ser um museu arqueológico ao serviço da sociedade do
seu tempo. Foi uma excelente notícia o protocolo assinado entre a Dirección General de Patrimonio
Cultural do Conselho Provincial de Alicante e, em Portugal, a Direção-Geral do Património Cultural/
Museu Nacional de Arqueologia para apresentar esta magnífica exposição em Lisboa coincidindo
com a Presidência portuguesa do Conselho da União Europeia.
O Museo Arqueológico Regional de la Comunidad de Madrid teve presente, desde o princípio do seu
percurso, há mais de vinte anos, que a capacidade de cooperação com outras instituições de investi-
gação ou museus deveria converter-se no eixo fundamental da sua atuação. Esta forma de entender as
instituições culturais talvez esteja relacionada com o pensamento do diretor do MAR, o arqueólogo
Enrique Baquedano, que, enquanto especialista em evolução humana, tem defendido que foi a grande
capacidade cooperativa dos hominídeos que deu à luz o género Homo e a nossa própria espécie.
Foi uma grata surpresa comprovar que este objetivo vai sendo cumprido, projeto a projeto, com insti-
tuições de toda a índole, tanto nacionais como internacionais. O Governo da Comunidad de Madrid
partilha essa conceção da cultura como uma marca de excelência, e tendo por base o mandato cons-
titucional, para «vertebrar» os povos de Espanha, de acordo com a feliz expressão do grande Caro
Baroja. A cooperação leal entre as instituições é a melhor forma de construir os países e a identidade
europeia.
Os benefícios desta interpretação da gestão cultural traduzem-se na grande pluralidade das aborda-
gens teóricas expostas na diversidade das coleções exibidas nas exposições e, ao mesmo tempo, no
enriquecimento da própria vida interna das instituições, criando intercâmbios profissionais de ideias
e procedimentos. A colaboração que mantivemos durante estes meses pressupôs uma reconfirmação
do exemplo do dinamismo, profissionalismo e eficácia do MAR, do próprio Conselho Provincial de
Alicante e do Museu Nacional de Arqueologia português. O nosso agradecimento por isso, mais uma
vez, às equipas que possibilitaram a realização deste projeto.
Na exposição apresentámos, tanto no MARQ como no MAR, e agora no Museu Nacional de Arqueo-
logia, um conjunto de bens culturais que fazem conviver a sua natureza regional com uma vocação
universalista, partilhando o fascínio pela arqueologia entendida como reconstrução de um passado
remoto cujo olhar, a partir dos grandes olhos destes ídolos constantes da exposição, não podemos
evitar.
26 de março de 2021

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BERNARDO ALABAÇA
D ire to r- G e ra l d o Pat ri m ón i o C u l t u ral

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A Direção-Geral do Património Cultural (DGPC) garantiu no final de 2020, através de protocolo com
a Fundación Comunidad Valenciana — Museo Arqueológico de Alicante (C.V. MARQ), a apresen-
tação no Museu Nacional de Arqueologia da exposição internacional Ídolos. Miradas Milenarias, que
em Lisboa toma o nome de Ídolos. Olhares Milenares.
Importa assinalar a oportunidade de poder apresentar um tema arqueológico de enorme relevância
na Pré-História europeia, sublinhando simultaneamente o que é comum e distinto na diversidade ar-
queológica dos dois países, precisamente no momento em que Portugal assume a Presidência Rotativa
do Conselho da União Europeia.
Acresce que, devido aos acertos da programação da Mostra Espanha 2021, foi ainda possível inscrever
esta exposição no plano de atividades culturais, mostrando o dinamismo, a criatividade e a capaci-
dade de gerar parcerias e estabelecer o diálogo cultural entre importantes instituições museológicas
peninsulares.
Esta magnífica exposição tem como comissários científicos Primitiva Bueno Ramírez e Jorge A. Soler
Díaz e reúne, de Espanha, bens culturais de dezasseis museus e de um colecionador privado, distribuí-
dos por sete Comunidades Autónomas, que permitem ilustrar o tema no Sul e Sudoeste de Espanha.
Para a apresentação em Lisboa, e de forma a garantir uma efetiva representatividade nacional, a ex-
posição foi reorganizada com a presença de mais bens culturais das nossas coleções e de outras insti-
tuições portuguesas de âmbito nacional, regional e local, permitindo uma visão mais completa desta
realidade cronologicamente situada entre os 6.º e 3.º milénios a. C. no Centro/Sul de Portugal.
A exposição foi originalmente pensada para itinerar entre os Museus Arqueológicos de Alicante e
Regional de Madrid (Alcalá de Henares). Apresentá-la em Lisboa, sobretudo nos tempos difíceis que
vivemos, significa rentabilizar este investimento, convidando o público nacional a admirá-la na pri-
mavera/verão/outono de 2021, além de poder surpreender o numeroso público espanhol, entre outras
nacionalidades, que visita Lisboa.
Para este projeto foi possível associar um conjunto de mecenas com interesses ibéricos cujo apoio foi
essencial para a concretização deste objetivo, nomeadamente a Fundação Millennium BCP, o El Corte
Inglés, a Ferrovial Serviços, a Vila Galé Hotéis e os Pastéis de Belém, aos quais muito agradeço.
A Lusitânia Seguros, mecenas institucional da Direção-Geral do Património Cultural, e a Imprensa
Nacional, parceiro editorial, estão naturalmente envolvidas em mais um projeto na área do patrimó-
nio cultural português.
Confiança, palavra e sentimento centrais no processo de construção europeia, é a atitude que norteia
a apresentação em Lisboa da exposição Ídolos. Olhares Milenares, pelo que não é certamente uma coin-
cidência esta exposição ocorrer durante a Presidência que Portugal assume pela quarta vez. É este um
dos contributos da Direção-Geral do Património Cultural e do Museu Nacional de Arqueologia para
a Programação Cultural Oficial.
1 de março de 2021

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J U L I A PA R R A A PA R I C I O
Vice-presidente da Fundación C.V. MARQ e Deputada para a Cultura da Diputación de Alicante

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A exposição Ídolos. Miradas Milenarias do MARQ apresenta-nos uma página única da Pré-História na
Península Ibérica, um tema nosso, tão belo como singular, que mostra expressões artísticas da figura
e do rosto humano em pedra, cerâmica, osso, marfim e ouro. Tanto assim que os especialistas que
as estudavam entre os séculos XIX e XX as consideraram divindades, objetos de culto de povoadores
que, provenientes do Oriente, as traziam consigo introduzindo-as deste lado do Mediterrâneo com
as construções megalíticas e a metalurgia do cobre. Após um prolongado processo de investigação,
sabe-se hoje que este legado, considerado único na Europa, teve origem no Ocidente, como expressão
de um código que triunfou nas sociedades dos 4.º e 3.º milénios a. C.
A sua presença em ambientes domésticos, contextos rituais ou funerários evidencia a importância
e o sucesso que, ao longo de um milénio, estas representações simbólicas tiveram em grupos huma-
nos que, no Sul peninsular, mantiveram um diferente grau de complexidade social, localizando-se
tanto em grutas e habitats de cabanas frágeis como em povoados com muralhas e bastiões, ou em
complexas construções megalíticas. No rosto fazem prevalecer os olhos, dando assim protagonis-
mo ao olhar. A investigação atual permite que se considerem como expressões relacionadas com a
linhagem ou os antepassados.
Depois de permanecer no Museo Arqueológico Provincial de Alicante (MARQ) e no Museo Arqueo-
lógico Regional de la Comunidad de Madrid (MAR), a exposição Ídolos. Olhares Milenares chegou
ao Museu Nacional de Arqueologia de Portugal (MNA) e com ela, a criação de um novo trabalho
científico coordenado pela Doutora Primitiva Bueno Ramírez e o Doutor Jorge A. Soler Díaz, em
colaboração com a Imprensa Nacional de Portugal, que compilará, sob a forma de artigos, as últimas
novidades arqueológicas sobre a Idade do Cobre na Península Ibérica. A apresentação aqui realizada
de trabalhos como este, de caráter internacional e grande impacto científico, que conta com uma lon-
ga lista de colaboradores, tanto espanhóis como portugueses, ativos na primeira linha de investigação,
é, sem dúvida, um orgulho para mim, tanto como responsável pela Cultura do Conselho Provincial de
Alicante, como enquanto vice-presidente da Fundación C.V. MARQ.
Iniciado já o ano 2021 e superadas muitas das dificuldades originadas pela crise sanitária da Covid-19,
é um êxito poder continuar a fazer parte de um projeto desta envergadura e de tão grande alcance.
Com a nossa presença, pretendemos manter intacto o nosso compromisso com os cidadãos, garantin-
do-lhes o acesso universal à cultura através dos nossos museus.
Quero expressar o meu reconhecimento e gratidão às instituições colaboradoras, aos museus que em-
prestaram as peças e às equipas de profissionais que contribuíram para mostrar o importante papel
que a cultura e os museus ocupam no nosso continente. Parabéns a todos.
27 de janeiro de 2021

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J O S E P A L B E RT C O RT É S I G A R R I D O
D ire to r E xe cu t ivo d a Fu n d aci ón C. V. MA R Q

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Quando imaginávamos a exposição Ídolos. Miradas Milenarias na primavera de 2017 com Jorge A. So-
ler e Primitiva Bueno, contávamos com o apoio de Manuel Olcina e Enrique Baquedano, com as equi-
pas do MARQ e do MAR e com a confiança dos responsáveis políticos das nossas instituições. Neste
contexto, a partir da Fundación C.V. MARQ, começámos a promover com o diretor de exposições um
projeto conjunto entre ambos os museus, seguindo o modelo colaborativo traçado desde 2010 com
a plataforma europeia da European Exhibition Network (EEN). A ideia da exposição foi ganhando
forma e encontrou um impulso definitivo com os nossos novos responsáveis políticos, até chegar aos
primeiros contactos com o Museu Nacional de Arqueologia (MNA) de Portugal e, em particular, com
a pessoa de António Carvalho, que deu o melhor de si para fazer desta exposição no Museu Nacional
um momento inolvidável.
A exposição Ídolos. Miradas Milenarias foi aberta ao público a 29 de janeiro de 2020 em Alicante, no
MARQ, reuniu-nos em Alcalá de Henares, no MAR, a 28 de julho de 2020 e volta agora a reunir-nos
em Lisboa, no MNA, após meses de incerteza e sofrimento; e aqui permanecerá, graças ao esforço de
todos, até ao próximo dia 17 de outubro de 2021, para fruição de todos. Esta é a força da Cultura, a
força dos Museus.
Quero expressar e reiterar publicamente, com mais força e convicção que nunca, a utilidade e eficácia
dos museus na Europa deste século XXI. A colaboração institucional e o trabalho de equipa trouxeram-
-nos até aqui. Um exemplo digno de todos os elogios, que devemos estender a outros âmbitos, para
além do museológico ou cultural, entre administrações, países e ideologias, em benefício de todos os
cidadãos. Estou convencido, mais do que nunca, que este é o caminho a seguir para vencer as dificul-
dades e obstáculos, justamente quando enfrentamos um mundo jamais pensado.
A exposição Ídolos. Olhares Milenares é um exemplo que pôs à prova não só a capacidade e valia das
nossas equipas (superando, inclusivamente, o estado de emergência, o confinamento, o encerramento
dos nossos museus, as restrições de mobilidade, a doença…), como também o exercício de SOLIDA-
RIEDADE de outros 28 museus, que se puseram no nosso lugar, facilitaram a nossa tarefa e mantive-
ram o seu compromisso para com um projeto cultural único, construído a partir do rigor científico e
que soube chegar aos diversos tipos de público.
Neste quadro de confiança e colaboração cordial, nasce esta iniciativa com a apresentação desta mag-
nífica publicação que hoje chega às nossas mãos, em colaboração com a Imprensa Nacional de Por-
tugal e que reúne as últimas novidades arqueológicas sobre a Idade do Cobre na Península Ibérica,
fruto do trabalho e investigação de uma longa lista de especialistas de Espanha e Portugal, à escala
internacional.
Permitam-me que agradeça, uma vez mais, nestas linhas, o impagável esforço dos comissários da ex-
posição, Primitiva Bueno e Jorge A. Soler, por tornarem esta etapa da nossa história compreensível
para todos, através da investigação e do significado destas figuras vinculadas ao fenómeno do mega-
litismo peninsular, assim como a todos os colaboradores notáveis que contribuíram com artigos com
este mesmo e nobre propósito. Muito Obrigado a todos.
Convencido da utilidade da cultura e da investigação, tanto como do importante papel dinamizador
dos museus na nossa sociedade, permitam que os incentive a entrar no apaixonante mundo dos ídolos
da Península Ibérica. OBRIGADO.
12 de março de 2021

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A N T Ó N I O C A R VA L H O
D ire to r d o Mu se u Naci on a l d e A rqu eo lo g i a

O Museu Nacional de Arqueologia (MNA) apresenta a exposição temporária Ídolos. Olhares Mile-
nares/Ídolos. Miradas Milenarias, mostra de âmbito internacional inscrita no espírito da Presidência
Portuguesa da União Europeia que decorre no primeiro semestre do corrente ano.
A partir do património arqueológico de Portugal e Espanha, datado do 6.º ao 3.º milénio a. C., esta ex-
posição — comissariada por Primitiva Bueno Ramírez e Jorge A. Soler Díaz, com projeto museológi-
co e museográfico de Angel Rocamora e conceção gráfica de Luis Sanz — mostra-nos, de forma muito
detalhada, como as comunidades agropastoris dos Centro/Sul de Portugal e Espanha, com recurso a
diferentes materiais e em linguagens codificadas, legadas entre muitas gerações, representaram grá-
fica e artisticamente o corpo humano, recordando antepassados, criando linhagens e imaginando di-
vindades. Embora com especificidades regionais, estas manifestações artísticas, culturais e simbólicas
revelam inegáveis afinidades entre si, ilustrando assim, desde tempos milenares, o que é diferente e
comum numa Europa hoje unida.
A exposição Ídolos. Miradas Milenarias, no seu título original, organizada pela Fundación de la Comu-
nidad Valenciana/MARQ (Museo Arqueológico de Alicante) em colaboração com o Museo Arqueo-
lógico Regional de la Comunidad de Madrid (MAR), foi apresentada no início de 2020 no museu
alicantino. Reabriu ao público no dia 28 de julho de 2020, em Alcalá de Henares, onde esteve patente
até ao passado dia 10 de janeiro.
Para essa mostra, o MNA cedeu então 37 importantes bens culturais do seu acervo — como diversos
ídolos, báculos, placas de xisto e vasos cerâmicos, entre outros. Alguns deles assumiram na exposição
particular destaque museográfico, que contou ainda com vários outros bens oriundos de uma outra
coleção nacional.
Na sua primeira exibição, em Alicante, a exposição foi afetada pelo primeiro confinamento ditado
pela pandemia de Covid-19 e, depois, em Madrid, pelas restrições sanitárias impostas durante o «des-
confinamento», agravadas pelos efeitos da tempestade «Filomena», que provocou o pior nevão dos
últimos 50 anos. Ou seja, tudo fatores que impediram o público de visitar tão magnífica e desejada
exposição, facto que sublinha a importância da iniciativa da Direção-Geral Património Cultural e do
Museu Nacional de Arqueologia no sentido de alargar a sua fruição pública através da apresentação
em Lisboa.
Naturalmente que a exposição que agora se mostra em Lisboa não é uma simples réplica da anterior-
mente apresentada em Espanha. Com efeito, mantendo o conceito, as linhas de programação origi-
nais, a imagem, e mostrando importantes peças das coleções de 16 museus de Espanha e de um cole-
cionador privado, no MNA reforça-se a presença de património oriundo das coleções nacionais de
11 museus e instituições, provenientes de sítios arqueológicos localizados em 35 municípios portugue-
ses, distribuídos por 10 distritos. Com esta estratégia de reprogramação expositiva que os comissários
científicos Primitiva Bueno Ramírez e Jorge A. Soler Díaz aceitaram de bom grado realizar, comple-
ta-se o tema e alarga-se sob todos os pontos de vista, a representatividade nacional criando novos
motivos de interesse. O recurso a desenhos antigos dos materiais arqueológicos e das escavações rea-

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lizadas que se guardam no Arquivo Histórico do Museu é também uma inovação nesta apresentação.
Com este exercício pretendemos reforçar a nossa ligação às comunidades, onde os sítios arqueológi-
cos de onde são provenientes os bens culturais expostos se localizam.
Todo este património arqueológico é testemunho da intensa ocupação pelo Homem na Pré-História
de um vasto território hoje distribuído por Portugal e Espanha.
No que a Portugal diz respeito, a totalidade dos bens culturais que o Museu Nacional de Arqueologia
apresenta nesta exposição temporária integra o singular, e por vezes único, acervo artefactual que
explica ao público a relação das sociedades agropastoris do 4.º e 3.º milénio do Centro/Sul de Portugal
com um mundo mágico-simbólico. O tratamento museológico do tema, como outros realizados no
passado, constituirá certamente um inegável contributo e um impulso para, de futuro, integrar esse
mesmo conjunto de bens numa futura exposição permanente do museu, materializando desse modo
uma antiga aspiração de toda a comunidade.
Para o catálogo da exposição de Lisboa foram expressamente convidados vários investigadores portu-
gueses, especialistas em diferentes temas e cronologias, representando várias universidades e unida-
des de investigação. A Imprensa Nacional, ligada ao MNA desde 1895, é a parceira óbvia para a edição
do catálogo da exposição — Ídolos: Olhares Milenares. O Estado da Arte em Portugal —, cuja perenidade
fará, por certo, com que o tema permaneça muito para além das datas desta apresentação.
Um importante conjunto de mecenas foi reunido e associado ao projeto, também eles articulando
Portugal e Espanha. Trata-se da Fundação Millennium BCP, da Ferrovial Serviços, do El Corte Inglés,
da cadeia Vila Galé Hotéis, dos Pastéis de Belém e, claro, da Lusitania Seguros, mecenas institucional
da Direção-Geral do Património Cultural. Considerando a relevância temática da exposição e a opor-
tunidade do mesmo, foi inscrita na programação da Mostra Espanha 2021, que também nos concedeu
o seu apoio.
Uma iniciativa desta natureza e magnitude baseia-se na confiança. Essa é a palavra que tem norteado a
nossa relação com os responsáveis da Fundación C.V. MARQ, designadamente com o seu diretor-exe-
cutivo Josep Albert Cortés i Garrido, o Museu Arqueológico, a coordenadora técnica da exposição
Teresa Ximénez, e Yolanda Martínez da empresa ANTRA. Também com os comissários científicos e
todos os diretores e equipas técnicas de museus portugueses e espanhóis envolvidos e, ainda, com os
autores portugueses convidados a escrever para o catálogo editado pela Imprensa Nacional.
A exposição Ídolos. Olhares Milenares é exemplo de uma parceria virtuosa entre instituições que fazem
convergir os meios existentes para projetos comuns, de modo a garantir, com espírito de partilha, uma
programação de qualidade passível de ser apresentada em diferentes museus, reforçando, em tempos
difíceis e incertos, a ligação entre estes e a sociedade e, em especial, afirmando a função social e cultu-
ral do Museu Nacional de Arqueologia.
A terminar, cumpre agradecer a todos os que estiveram envolvidos direta e indiretamente neste mag-
nífico projeto.
7 de março de 2021

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MANUEL OLCINA DOMÈNECH
D ire to r d o MA RQ — Mu se o A rqu e oló g ic o d e A lic ante

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Ídolos. Olhares Milenares reúne no Museu Nacional de Arqueologia (MNA) a exposição que Primitiva
Bueno Ramírez e Jorge A. Soler Díaz comissariaram para ser exibida no Museo Arqueológico de
Alicante (MARQ), no primeiro semestre de 2020, e no Museo Arqueológico Regional de Madrid
(MAR), no segundo semestre do mesmo ano, e que conta a inestimável colaboração organizativa da
entidade cultural Fundación de la Comunidad Valenciana MARQ.
A exposição, constituída por 155 bens arqueológicos provenientes de cerca de vinte museus espanhóis
e de uma entidade privada, é enriquecida nesta ocasião por mais de uma centena de bens culturais das
coleções do Museu Nacional de Arqueologia e outras 10 entidades lusas, que representam o patrimó-
nio arqueológico de 35 municípios portugueses. Desejamos que o encanto e a qualidade indubitáveis
das peças, aliados a uma inovadora e sugestiva ambientação cenográfica, da responsabilidade de Ángel
Rocamora na montagem museológica e de Luis Sanz na comunicação visual, contribuam para que a
receção pelo público do MNA tenha o mesmo impacto positivo que na sua apresentação em outras
sedes.
A mostra permite aos comissários, especialistas neste período histórico, aproximar o público não ver-
sado em Pré-História da investigação e do conhecimento sobre a relação dos nossos antepassados re-
motos com o mundo transcendente. Povos que, ao longo de gerações entre o 6.º e o 3.º milénios a. C.,
deram forma a sistemas de organização social, económica e de crenças, cujas manifestações arqueoló-
gicas evidenciam o papel de destaque da Península Ibérica na formação histórica do território euro-
peu. Um evento especialmente significativo num ano em que Portugal detém a Presidência Rotativa
do Conselho da União Europeia.
O visitante ficará assombrado ao contemplar uma impressionante coleção de figuras que represen-
tam bem partes do corpo humano ou figuras antropomórficas de maior ou menor esquematismo da
Pré-História peninsular, realizadas em materiais diversos como osso, pedra, terracota, ou impressos
sobre recipientes de cerâmica. Uma fascinante materialização de imagens de divindades, seres míti-
cos ou potências naturais às quais o ser humano primitivo se esforçava para dar forma e poder assim
transmitir diretamente os seus anseios, angústias vitais e aspirações coletivas e, ao mesmo tempo, sen-
tir-se confortado pela proteção e benevolência da divindade representada, que podia ver e tocar. Um
modo de relação que, em certa medida, atravessou o tempo até hoje em numerosas culturas através de
representações com vários graus de realismo e beleza. Mas existem também as religiões, ou correntes
de uma religião, anicónicas, nas quais o deus, que é um, é uma entidade que não pode ser representa-
da, nem sequer indiretamente porque se cairia no pior dos pecados: a idolatria, onde a matéria física
substitui o ente.
Como Diretor do MARQ — Museo Arqueológico de Alicante, congratulo-me com esta nova ocasião
de colaborar com o Museu Nacional de Arqueologia, de Portugal, um dos museus de maior prestígio
da Europa. Uma excelente colaboração que agradeço, em especial, ao seu diretor António Carvalho,
cuja iniciativa levou à apresentação nesta instituição de um unicum da Arqueologia romana deposita-
do no MARQ e proveniente de Lucentum, a cidade romana que deu origem a Alicante. Trata-se da mão
de uma estátua monumental em bronze que empunha o cabo de uma espada cujo pomo é decorado
com duas cabeças de águia.
Felicito o Museu Nacional de Arqueologia, conjuntamente com as instituições e entidades colabora-
doras, e a Direção-Geral do Património Cultural da República Portuguesa, por materializarem esta
significativa exposição da qual desejo que os visitantes desfrutem neste museu como o fizeram no
MARQ e no MAR.
13 de janeiro de 2021

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E N R IQU E BAQU E DA NO
D ire to r d o Mu se o A rqu e ol óg ico Re gi o nal d a C o mu ni d ad e d e Mad r i d

Ídolos para quê?


A museologia tem também a sua própria história e, por isso, para contribuir para a sua construção futu-
ra, nos últimos anos, têm vindo a ser incluídos, nos catálogos das exposições importantes, capítulos ou
outros textos dedicados à explicação do porquê e do como das mesmas.
Neste caso, os comissários da exposição Ídolos. Olhares Milenares contaram o como e eu quero contar
algo a respeito do porquê e do para quê.
Sim, refiro-me ao embrião deste projeto, que se iniciou quando o meu colega e amigo Jorge Soler, res-
ponsável pelas exposições do Museo Arqueológico de Alicante, comentou que estava a concluir um tra-
balho sobre um conjunto alicantino de ídolos pré-históricos.
Jorge pensava que talvez se pudesse fazer uma exposição sobre este conjunto.
Quando vi o seu trabalho, comprovei que o conjunto arqueológico alicantino era verdadeiramente exce-
cional. Contudo, parecia-me que o tema era muito limitado e poderia ter uma abordagem excessivamen-
te local para uma exposição no Museo Arqueológico Regional de la Comunidad de Madrid.
Por isso, quis fazer-lhe uma contraproposta: a exposição deveria abranger todo o panorama peninsular
e ser concebida para ser usufruída por todos os públicos.
Tal significa que recorreríamos aos museus peninsulares com os melhores conjuntos de ídolos em Espanha
e Portugal para concentrar os empréstimos e reduzir os custos económicos.
E também que, para além da historiografia da descoberta e interpretação destes ídolos, seria apresenta-
do, de forma facilmente compreensível, o entendimento atual dos investigadores sobre esta complexa
manifestação arqueológica. Devíamos contar também o para quê dos ídolos.
Recordemos que, em arqueologia, os objetos, além de poderem ser muito belos e atraentes como é o
caso, são documentos que nos transmitem informação sobre o comportamento das sociedades corres-
pondentes.
Mas estes ídolos são muito mais que isso; informam-nos sobre a economia, a tecnologia ou a estética dos
seus criadores e ainda nos dão conta da sua espiritualidade, algo que na arqueologia é tão apaixonante
como difícil de obter.
A acrescer, propus-lhe uma colaboração institucional e económica entre os nossos respetivos museus.
Qualquer colaboração institucional é, em princípio, positiva, mas com o MARQ é uma garantia de
sucesso inequívoco. Como sempre, tanto o seu diretor Manuel Olcina, como o administrador da sua
Fundação, Josep Albert Cortés, deram-lhe o seu entusiástico apoio.
Com a aprovação do Conselho Provincial de Alicante e da Comunidade de Madrid, cuja secretária re-
gional da cultura, Marta Rivera, e a conselheira provincial alicantina da cultura, Julia Parra Aparicio, se
reuniram para celebrar e promover o acordo, propus integrar no comissariado Primitiva Bueno, profes-

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sora catedrática de Pré-História da Universidade de Alcalá de Henares e uma das maiores especialistas
em matéria de estética e religiosidade na Pré-História recente europeia.
Sabia que Primitiva Bueno e Jorge Soler fariam uma boa dupla e na prática foram uma equipa excelente.
A título de curiosidade, contarei que Primitiva pertence à segunda turma do curso de Pré-História da
Complutense, Jorge à quarta e eu à terceira. Gosto desta colaboração intergeracional.
São muitos os que intervieram na implementação do projeto elaborado pelos comissários e a todos es-
tamos muito agradecidos, mas permitam-me que destaque o papel dos colecionadores institucionais e
privados que emprestaram as peças expostas. Os nossos colegas envidaram esforços notáveis para nos
cederem algumas das suas peças principais e isto é de louvar. Estamos extremamente gratos!
E, por último, manifesto o meu desejo de que esta exposição cumpra as expectativas dos seus organiza-
dores e que todos vós, amigos dos museus e da arqueologia, da cultura e da ciência, possam dela desfrutar
tanto como nós.
Não me ocorre um melhor final possível para a exposição Ídolos. Olhares Milenares do que a sua apresen-
tação no Museu Nacional de Arqueologia, em Lisboa.
Primeiro, porque é de justiça. O próprio museu e outras coleções portuguesas contribuíram de forma
decisiva para o êxito da exposição com o empréstimo de muitas e fundamentais peças que estiveram em
Alicante e Alcalá de Henares.
Segundo, porque trabalhar com os colegas portugueses (eficazes, sábios, fiáveis e simpáticos) é um enor-
me prazer.
E, terceiro, porque sou um apaixonado por Portugal, pela sua terra e pelas suas gentes. Em Portugal,
gosto de tudo.
Quero aproveitar estas linhas para enviar aos meus amigos portugueses os meus melhores votos de que
superemos juntos esta maldita pandemia e erguer a minha voz para repetir, como faço tantas vezes:
«Menos mal que nos resta Portugal».
23 de fevereiro de 2021

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ÍNDICE 25 Relatos de imagens solares na Pré-História recente do Ocidente ibérico. Reflexões
a partir do projeto científico, expositivo e divulgativo «Ídolos. Olhares Milenares»
P r i m i ti va Bue no R a m í r e z e Jo r g e A . So le r D í a z

53 A figurinha antropomórfica do povoado do Neolítico antigo, da Valada do Mato


(Évora, Portugal), ou a importância do corpo humano
M a r i a na D i ni z

67 Olhares inesperados. A estela antropomórfica neolítica do Algar do Bom Santo


(Lisboa) no seu contexto funerário e ritual
A ntó ni o Faus ti no C a r va lh o

77 Trespassando o tempo. Oculados e outras formas antropomorfas da Pré-História


recente do Norte de Portugal
M a r i a d e Je s us Sa nc h e s , Joa na C a s tr o T e i x e i r a , M a r i a He le na
Ba r bo s a e João A nd r é P e r pé tuo

103 O simbólico em Vila Nova de São Pedro: ídolos, estatuetas e simbologia


A nd r e a M a r ti ns , M a r i a na D i ni z, C é s a r N e v e s e Jo s é Mor ai s Ar nau d

123 Recuperando contextos e interpretações de ídolos nas antigas sociedades


camponesas do Centro e Sul de Portugal: o Arquivo Leisner e os arquivos
históricos da Arqueologia portuguesa
A na C ata r i na So us a

149 A propósito das placas de xisto gravadas do Ocidente peninsular (3200-2500 a.n.e.).
Um depoimento pessoal
Vi c to r S. G o nça lv e s

171 Os «báculos» das sociedades agropastoris do Sul do território português (último


quartel do 4.º milénio/inícios do 3.º milénio a. C.)
João L uí s C a r d o s o

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201 Diversidade, circulação e desempenho social dos símbolos: as produções
iconográficas neolíticas e calcolíticas nos Perdigões (Reguengos de Monsaraz)
A ntó ni o C a r lo s Va le r a

213 À sua imagem e semelhança. De deuses, ídolos e representações simbólicas em


espaços de matriz habitacional durante os 4.º e 3.º milénios a.n.e. no Sul de
Portugal
M a r c o A ntó ni o A nd r a d e , C ata r i na C o s te i r a e R ui Matalot o

249 Tributos aos deuses: Os ídolos em contextos funerários da Pré-História recente no


Sul de Portugal
L e o no r Ro c h a

267 Monólogos entre ídolos-placa e pinturas esquemáticas na serra de S. Mamede


(Alentejo, Portugal)
Jo r g e O li v e i r a

285 Ídolos e manifestações do sagrado no 4.º e 3.º milénios a.n.e. no território de


Alcalar (Algarve, Portugal)
R ui Pa r r e i r a e E le na M o r á n

305 Um legado artístico excecional. Breve apontamento sobre peças singulares da


exposição «Ídolos. Olhares Milenares», Museo Arqueológico de Alicante, Museo
Arqueológico Regional de Madrid e Museu Nacional de Arqueologia de Lisboa
P r i m i ti va Bue no R a m í r e z e Jo r g e A . So le r D í a z

347 «Ídolos. Olhares Milenares». Projeto museográfico temporário, no Museu


Nacional de Arqueologia (Lisboa)
Á ng e l Ro ca m o r a R ui z

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ÍDOLOS: OLHARES MILENARES

Monólogos entre ídolos-placa e pinturas


esquemáticas na serra de S. Mamede (Alentejo, Portugal)
JORGE DE OLIVEIRA

1. CONTEXTUALIZANDO
É por demais hoje reconhecido que foi nos campos da peneplanície que se distende do pico da serra
de S. Mamede (1025 metros de altitude), e se aplainam em direção às três mais importantes bacias
hidrográficas do Sul: Tejo, Guadiana e Sado, que, aparentemente, terão emergido os mais singulares
e realistas ídolos-placa megalíticos. Refiro-me, naturalmente, aos ídolos-placa de arenito, ou rochas
congéneres onde os elementos anatómicos se relevam. Se a maior concentração destes preciosos arte-
factos se reconhece nos sepulcros megalíticos deste território, também nos mesmos monumentos, ou
nos que nas suas imediações se situam, se identificou, até agora, a maior concentração dos outros ído-
los igualmente aplanados, mas não expressamente relevados, maioritariamente de ardósia, com deco-
ração predominantemente geométrica ou geometrizante. Se estes artefactos são aqui tão numerosos
e, aparentemente naturais desta região e inconfundivelmente funerários, a sua abundância resulta
doutra realidade incontestável que é serem reconhecidos no território onde existe a maior densidade
e concentração de monumentos megalíticos, pelo menos, à escala peninsular (Oliveira, 2006). Apa-
rentemente, pelo menos no que ao número diz respeito, uma realidade terá uma relação direta com a
outra. Assim, constatam-se, para já, três observações contextuais nestes solos que se suavizam a partir
da serra de S. Mamede: originalidade, densidade e diversidade de artefactos que teoricamente são
exclusivamente funerários, os ídolos-placa. Mas quando se fala de ídolos-placa, a que indiscriminada-
mente outros apelidam tão só de placas de xisto, de que estamos, de facto, a falar?
Por norma, na nossa assumida ignorância, perante realidades observáveis cuja funcionalidade desco-
nhecemos, mas que possuem, formalmente, algumas semelhanças, ainda que ténues, ou que provêm
de contextos próximos, o nosso cérebro tende a reuni-las, a agrupá-las e, ainda mais e perigosamente,
a conferir-lhes atributos funcionais idênticos. Para nublar ainda mais esta leitura, sempre que uma
funcionalidade direta para o artefacto de imediato não se vislumbra, o nosso organizativo raciocí-
nio, por necessidade de rápido enquadramento funcional, atribui-lhe, por norma, funções de carácter
simbólico, esquecendo, para descanso mental, outras possibilidades eventualmente muito mais come-
zinhas. Face a esta nossa observação, torna-se imperioso que gradualmente tenhamos de equacionar
a natural dúvida quanto à consistência de estarmos perante a mesma realidade simbólica-funcional
no que se refere às diferentes materialidades, quer no que ao suporte e sobretudo à mensagem gráfi-
ca que comportam estes diferentes artefactos funerários conotadas como ídolos-placa. Muito a este
respeito se tem escrito desde que, em 1746, Estevão Liz Velho publica e descreve o primeiro ídolo-
-placa (Velho, 1746). Mas, se muitos têm escrito sobre o tema, poucos são os que o fizeram a partir
da observação direta dos seus contextos, aspeto fundamental e determinante para uma mais próxima
visão duma realidade que ocorreu há milhares anos. Infelizmente são as reflexões produzidas a partir
da observação indireta destes artefactos, normalmente através de bafientas vitrinas de museus, que
mais divulgação têm tido e que têm formatado ideias, negligenciando-se, porque menos apelativas, as

Placa esculpida. Anta da Horta, Alter do Chão (Portalegre). 267


Foto © DGPC/ADF/José Paulo Ruas.

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FIG. 1
Sítios megalíticos e decorados
ao ar livre no Norte do Alentejo.

meticulosas descrições dos contextos em que foram recolhidos. Torna-se, mesmo assim, muito apeti-
toso tentar entrar no mundo simbólico, se simbólico for, das primeiras comunidades que começaram
a domesticar a terra e animais nos vales férteis da peneplanície envolvente da serra de S. Mamede
através, exatamente, de um dos artefactos expressivamente identitários desta região, os ídolos-placa.
Se estas materialidades começaram a ser descritas há 275 anos e os seus espaços de recolha, nesta re-
gião, há igual tempo (Oliveira, 2007), teríamos obrigação, passados tantos anos, de ter mais certezas
do que dúvidas quanto ao seu significado. Mas, provavelmente, porque os formatadores de cérebros se
têm vindo a basear mais na observação indireta dos artefactos do que nos contextos em que a terra os
preservou, temos, até bem próximo dos nossos dias, andado continuamente a repetir teorias há muito
inventadas e deficientemente fundamentadas (Bueno e Balbín, 2009). Contudo, não é aqui o lugar
certo, nem o momento é oportuno, para entramos nessa abordagem. Enveredemos antes por outras
questões e problemáticas tão ou mais apelativas que suscitam amplas dúvidas e necessárias reflexões.
Em resposta a este ambiente especulativo temos hoje possibilidade de, com um já significativo traba-
lho de prospeção e escavação, começar a esboçar algumas linhas de pensamento que, de alguma forma,
nos podem permitir começar a melhor compreender o mundo dos que, especialmente a partir do
Neolítico, ocuparam a serra de S. Mamede, sobretudo as suas mais férteis encostas, e que produziram
estruturas, artefactos e mensagens que hoje consideramos como encorpados de atributos mágico-re-
ligiosos (Oliveira, 1998). Se, aparentemente, foi nas férteis encostas da serra de S. Mamede que terão
emergido um dos artefactos com maior carga simbólica da pré-história recente, os ídolos-placa rele-
vados e a sua deposição ocorre num dos mais densos, coerentes, mas morfologicamente diversificados
conjuntos megalíticos. Aparentemente, com a maior disponibilidade de datas mais antigas até agora
obtidas, natural é que a sua mensagem simbólica não se esgote nos conjuntos artefactuais, monu-
mentos funerários e menires, mas se distenda a outros cenários, sobretudo aqueles que dominam a
paisagem, quando há muitos milénios se iniciou a domesticação desta pelos primeiros agricultores e
pastores (Oliveira, 2008).

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ÍDOLOS: OLHARES MILENARES

Do cimo dos 1025 metros que o pico de S. Mamede alcança, o mais alto acidente natural a sul do Tejo,
podem descortinar-se perto de 1000 dólmenes e cerca de uma meia centena de menires, portanto uma
paisagem que foi densamente povoada no dealbar da sedentarização. Coroa a serra de S. Mamede uma
crista quartzítica onde a natureza fez abrir diáclases mais ou menos profundas. Esta crista organiza-se
sensivelmente no sentido noroeste-sudeste, expondo-se, assim, em grande parte, a uma forte exposi-
ção solar, com maior incidência ao seu ocaso (Oliveira e Oliveira, 2015).
Se conhecemos hoje com razoável segurança o posicionamento dos dólmenes e menires desta região,
já no que respeita aos espaços de vivência dos seus construtores os poucos testemunhos coerente-
mente estudados apenas os encontramos por entre as formações graníticas das terras da Coudelaria
de Alter do Chão (Oliveira, 2007), ou em idêntica situação nas margens do Sever, o concelho de
Marvão (Oliveira, Pereira, Parreira, 2005) e provavelmente apenas conviventes com a sua fase inicial.
Discretamente construídos entre gigantescos afloramentos graníticos e deles se socorrendo como pa-
ra-ventos aos ares que de norte sopram, estes espaços de vivência contrastam em monumentalidade
com as construções de carácter simbólico contemporâneas, pelo menos das suas fases fundacionais,
erguidas pelas mesmas comunidades que, naturalmente, se conhecem a curta distância. Encontramos
estas realidades nas estreitas planuras de terras leves e bem drenadas junto a linhas de água de curso
anual, sempre dando vistas para a crista quartzítica de S. Mamede que lá em cima domina o vale
monumentalizado. E estas terras altas coroadas pelos quartzitos que dominam visualmente os solos
que os primeiros agricultores agora ocupam foram por eles preteridas? Aparentemente sim. Acima
dos 650 metros desconhecem-se dólmenes e menires, e espaços de vivência também até agora não
se identificaram. Mas, se contemporâneas forem, uma outra funcionalidade estas comunidades en-
contraram para os abrigos, grutas e paredes que a natureza abriu ou aplainou nestes penhascos que
erguem no cimo da serra de onde tudo se observa e controla. Se a meia encosta, com fortes pendentes
e solos mais pobres, foi, na verdade, preterida em relação aos solos mais generosos e bem drenados que
se estreitam nas cotas mais baixas, já as diáclases da coroa quartzítica que lá em cima se eleva foram
procuradas para aí as mesmas prováveis comunidades promoverem um programa mágico-religioso
que, eventualmente, seria contemporâneo e/ou complementar das mensagens simbólicas inscritas nos
ídolos-placa, que «protegiam» os mortos nos dólmenes que, nos terrenos envolventes, construíram
(Oliveira, 2003).
Desde 1916 (Hernandez-Pacheco e Cabrera, 1916) que se conhecem nas cristas quartzíticas da serra
de S. Mamede estreitos abrigos com pinturas esquemáticas aparentemente contemporâneas das pri-
meiras comunidades agropastoris que por estas serras deambularam. Seria espectável que as pintu-
ras presentes nestes abrigos ocorressem preferencialmente nas concavidades naturais que melhores
condições de proteção apresentassem. Isto é, seria aceitável que os humanos que por estas serranias
andavam no 3.º e 4.º milénios a. C. tivessem deixado testemunhos gráficos da sua presença nas diácla-
ses onde tivessem habitado. Na verdade, algumas destas aberturas naturais apresentam o acolhimento
mínimo para garantir algum conforto a quem ali procure abrigo mais prolongado, tais como a Igreja
dos Mouros, ou o Pinho Monteiro, na freguesia da Esperança. Contudo, na sua grande maioria, as pin-
turas existentes nestas formações quartzíticas estão presentes ou em paredes mais ou menos verticais,
como acontece em Relvinha (Marvão) e S. Brás (Albuquerque), portanto sem qualquer tipo de pro-
teção, ou em estreitíssimas concavidades que não apresentam qualquer capacidade para acolher, por
mais do que um breve tempo, seres humanos. Excelentes exemplos do que afirmamos encontram-se
em diferentes concavidades tais como Louções, Gaivões e Toca da Raposa, na freguesia de Esperança,
no Ninho do Bufo, em Marvão, ou na Senhora da Penha, em Portalegre. O abrigo que, nesta serra,
maior e mais diversificada pintura apresenta é, sem qualquer dúvida, o dos Louções. Contudo, porque
a estreita diáclase que o permitiu se abre em acentuada pendente interna, a permanência de um ser
humano no seu interior torna-se extremamente incómoda para além de apresentar uma capacidade
volumétrica muito reduzida. Se Louções serviu de abrigo, teria de ser por um curto espaço de tem-
po e por circunstâncias muito extraordinárias. Semelhante situação ocorre na abertura natural mais
conhecida e a primeira a ser estudada cientificamente em Portugal, a dos Gaivões, situada a escassas
centenas de metros do anteriormente descrito (Oliveira, 2016). O Abrigo dos Gaivões, embora subs-

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tancialmente mais amplo do que o dos Louções, apresenta condições de acolhimento muito diminu-
tas. Com uma base extremamente irregular e escorregadia e em completa exposição aos elementos na-
turais, não confere qualquer conforto a quem ali procure refúgio prolongado. Contudo, para além do
Abrigo dos Louções, este será o que apresenta maior área decorada, tanto no exterior, como no teto,
ou nas paredes internas. Semelhante situação encontra-se na estreitíssima diáclase da serra da Penha,
em frente a Portalegre, onde com dificuldade cabe um ser humano e em posição de desconforto, mas
que apresenta pinturas. Esta situação repete-se continuamente em dezenas de estreitas concavidades
espalhadas pelos sítios mais insuspeitos da serra de S. Mamede (Oliveira, 2008).
Observa-se, igualmente, que quando algum destes abrigos apresenta alguma plataforma minimamen-
te estável no seu exterior, nela se ergueram, maioritariamente em períodos históricos, estruturas arti-
ficiais complementares. Esta afirmação, por falta de estudos, apenas é suportada ou nas características
das estruturas existentes em frente ao Ninho do Bufo, em Marvão, ou nas três curtas sondagens por
nós efetuadas no Abrigo da Igreja dos Mouros e no dos Gaivões, em Arronches. Situação semelhante,
mas para fins diferentes, decorre das sondagens e levantamentos que realizámos no interior da gruta
que se esconde por trás do altar da Ermida de Nossa Senhora da Lapa, perto de Alegrete, no concelho
de Portalegre. Embora em todos os locais onde abrimos sondagens no exterior os testemunhos iden-

FIG. 2
Em cima, Dólmen 1 da Nave Fria
com o Abrigo Pinho Monteiro
nas proximidades (Arronches).
Em baixo à esquerda, ídolo
pintado no Abrigo Pinho
Monteiro (Arronches). Em baixo
à direita, «máscara» no Abrigo
Pinho Monteiro (Arronches).

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ÍDOLOS: OLHARES MILENARES

tificados se enquadrem em épocas históricas e para funcionalidades diretamente relacionadas com a


vida quotidiana rural, já o prolongamento do Abrigo da Senhora da Lapa foi projetado para acolher
um templo cristão, pelo menos de origem medieval, se não mesmo anterior ao próprio cristianismo,
dando continuidade à decoração simbólica pré-histórica que se observa no teto da gruta (Oliveira,
2015a).
Reconhece-se, igualmente, que outros abrigos com maior capacidade de acolhimento existem nestas
formações rochosas, mas que não evidenciam qualquer sinal de pintura. São os que se abrem para
norte. Por norma apenas as diáclases ou paredes expostas ao Nascente ou ao Sul apresentam pintu-
ras. Poder-se-á sempre considerar que as aberturas ao norte desaconselham, por comodidade e con-
forto, a ocupação humana, mas, como atrás já demonstrámos, aparentemente, não seria a procura
de conforto, ou abrigo prolongado que terá gerado a aplicação de pinturas nestes quartzitos. Outras
razões, provavelmente mágico-religiosas, parecem ter justificado a sua pintura.
Se a direção da abertura das diáclases e das paredes parece ter uma relevante importância para nelas
se terem realizado pinturas, poderemos, eventualmente, encontrar aqui alguma concordância com
a organização da abertura dos espaços funerários megalíticos e posicionamento espacial dos meni-
res, isto é, orientados. Se todos os menires até agora conhecidos se implantam em suaves encostas a
espreitar o nascer do Sol, também todas as entradas dos sepulcros megalíticos obedecem à mesma
regra, ainda que com pequenas variantes até 15 graus para sul, na fase final destas manifestações,
igualmente concordantes com as normas que encontramos nos abrigos que comportam pinturas
(Oliveira, 2018).

2. O POSICIONAMENTO CRONOLÓGICO
Se não resta qualquer tipo de dúvida que as manifestações artísticas predominantes plasmadas nas
paredes e abrigos existentes na serra de S. Mamede são, estilística e tecnicamente, atribuíveis à Pré-
-História recente, genericamente incluída no largo espectro da denominada arte esquemática, não
temos, pelas razões que iremos apresentar, absoluta certeza da sua relação direta com qual das fases
do megalitismo que se conhece no seu entorno direto e/ou no que um pouco mais distante se co-
nhece. Se para as expressões rituais megalíticas, sejam funerárias ou menires, possuímos hoje uma
já alargada bateria de datações absolutas que nos permitem compreender genericamente o seu fa-
seamento no tempo, no que se reporta às manifestações artísticas conhecidas nesta região, porque
não conseguimos, até agora, obter datações diretas a partir delas, temos de nos sujeitar às incertezas
resultantes das datações indiretas resultantes das matérias orgânicas a elas associadas, em contexto
de escavação (Oliveira, 2016).
No decurso dos trabalhos desenvolvidos no Abrigo da Igreja dos Mouros (Esperança-Arronches)
foi possível recolher várias amostras de carvões das quais duas foram submetidas a datação. Car-
vões recolhidos no quadrado E3, situado junto à «pedra de altar» e sob um dos painéis pintados,
associados a pequenas concentrações de pasta de cor alaranjada e também branca, semelhantes às
cores utilizadas nas pinturas parietais forneceram a seguinte idade: Beta — 336388: 4320 +/– 30 BP,
que calibrada a 2 sigma resulta na data: Cal BC 3080 a 3060. Esta data parece estar em linha, quer
com os materiais atribuídos aos inícios do calcolítico identificados nos quadrados E5, E6 e D6, quer
com as cronologias normalmente consideradas nesta região para algum momento do largo espectro
da denominada arte esquemática. A outra amostra de carvões submetidos a datação foi recolhida,
no mesmo monumento, na sondagem aberta em frente do abrigo (D9), no interior do que pare-
ce ser uma estrutura em arco de círculo. Esta amostra forneceu a seguinte idade: Beta — 336387:
920 +/– 30 BP, que calibrada a 2 sigma resulta numa data no intervalo de: Cal AD 1020 a 1160.
Esta data medieval encontra paralelo com a obtida para o nível superficial de carvões recolhidos no
interior do Abrigo Pinho Monteiro (Esperança, Arronches) que forneceu a seguinte idade: Beta —
296435: 920 +/– 40 BP, que calibrada a 2 sigma resulta numa data no intervalo de: Cal AD 1010 a
1170. Esta interessantíssima concordância de datas para abrigos afastados entre si cerca de 4 km é

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FIG. 3
«Sol» pintado no Abrigo Pinho
Monteiro (Arronches). Vista
geral para o interior do abrigo
com pinturas de Louções
(Arronches). Mulher a dar à
luz no Abrigo Ninho do Bufo
(Marvão). Vista das escavações
no Abrigo da Igreja dos Mouros
(Arronches).

ainda mais relevante quando verificamos que a denominada Reconquista Cristã desta zona do Alen-
tejo, pelos homens de Afonso Henriques, terá ocorrido entre 1160 e 1170. Parece assim que a instabi-
lidade que as manobras militares de cristãos e muçulmanos provocavam, especialmente nos núcleos
urbanos, levaram alguns a procurar refúgio entre os abrigos naturais existentes na zona, ocupando
espaços que milhares de anos antes outros também procuraram. Se para as datas históricas temos
concordância entre os dois abrigos por nós escavados, já para épocas mais recuadas tal não se verifica.
Observámos que, na Igreja do Mouros, a data pré-histórica obtida está em concordância com a idade
e horizonte culturais atribuídos genericamente à arte esquemática e com os materiais exumados neste
abrigo; contudo afasta-se em muitos milénios, das datas e igualmente dos conjuntos artefactuais iden-
tificados no Abrigo Pinho Monteiro, a escassos 4 km de distância. No Abrigo Pinho Monteiro, as duas
amostras recolhidas junto à sua base remetem-nos para duas ocupações distintas, uma conotada com
momentos dos finais do Paleolítico: Beta 296433: 9640 +/– 50BP, que calibrada a 2 sigma resulta em:
Cal BC 9250 a 9100, e outra mesolítica: Beta 296434: 8390 +/– 40 BP, que calibrada a 2 sigma resulta
em: Cal BC 7570 a 7460. Parece, assim, que no Abrigo Pinho Monteiro desde, pelo menos, os finais da
última glaciação o homem acendeu aqui fogueiras e, já no Mesolítico, voltou a ocupar o lugar, voltan-
do a fazer lume onde talhou sílex e quartzos junto à entrada do abrigo. Mais tarde, já pelos finais do
Neolítico e durante o Calcolítico, ou mesmo já a entrar na Idade do Bronze, o Abrigo Pinho Monteiro
voltou a ser ocupado e alguns dos seus utentes, para além de erguerem um muro à entrada do abrigo,
conforme interpretação de Mário Varela Gomes (Gomes, 1989), pintaram profusamente o teto man-
tendo a temática esquemática e cores que variam entre o vermelho e o laranja. Deveremos, contudo,
estar disponíveis para reavaliarmos se toda a arte pintada no teto do Abrigo Pinho Monteiro terá
mesmo sido realizada em momentos tardios da Pré-História/inícios da metalurgia, ou se alguma não
remontará aos finais do Paleolítico, ou ao Mesolítico. Se assim for, e suportados nas datas disponíveis
e nos artefactos exumados no Abrigo Pinho Monteiro e enquanto não dispusermos de datas diretas
das pinturas, deveremos reequacionar o posicionamento crono-cultural, pelo menos de alguma arte,
considerada como esquemática, que genericamente temos vindo a considerar como a mais recente
dentro da Pré-História (Oliveira et al., 2012; Oliveira, 2016).

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ÍDOLOS: OLHARES MILENARES

Datas obtidas em abrigos com arte rupestre na serra de S. Mamede

Lab., Ref. e Sítio Tipo de amostra Contexto Data convencional BP Data Cal BC/AD (2 sigma)
Beta — 336388 Carvões Carvões associados 4320 +/– 30 BP Cal BC 3080 a 3060
Abrigo Igreja dos Mouros a concentrações de
pasta de cor
laranja e branca,
sob painel com pinturas
Beta — 336387 Carvões Carvões associados 920 +/– 30 BP Cal AD 1020 a 1160
Abrigo Igreja dos Mouros a estrutura semicircular
no exterior do abrigo
Beta — 296433 Carvões Amostra APM1, 9640 +/– 50 BP Cal BC 9250 a 9100
Abrigo Pinho Monteiro sobre a rocha no interior
da gruta
Beta — 296434 Carvões Amostra APM3, 8390 +/– 40 BP Cal BC 7570 a 7460
Abrigo Pinho Monteiro junto à parede da gruta
sobre a rocha
Beta — 296435 Carvões Amostra APM2, 960 +/– 40 BP Cal AD 1010 a 1170
Abrigo Pinho Monteiro nível de carvões a 15 cm
da superfície interior
do abrigo
Beta — 409560 Dente humano Mandíbula humana 210 +/– 30 BP Cal AD 1735 a 1805
Gruta da Sr.ª da Lapa no interior da gruta

Como vimos, sobretudo face ao reduzido número de amostras datadas e sempre de forma indireta
e à sua distensão temporal e reduzido conjunto de artefactos, que ou se atribuem a períodos muito
antigos (Paleolítico final) ou a tempos mais recentes (Calcolítico) misturados com a telegráfica infor-
mação da existência de materiais neolíticos e calcolíticos junto à entrada do Abrigo Pinho Monteiro
(Gomes, 1989), o posicionamento cronológico absoluto da arte ou das artes conhecidas na serra de
S. Mamede mantém-se, por agora, muito incerto. Teremos, num discurso assumidamente sincréti-
co, de considerar que as manifestações existentes nas paredes e diáclases quartzíticas de S. Mamede
não foram, nem poderiam ser, executadas no mesmo momento e pelas mesmas mãos. Se atendermos
à diversificada temática, à sua abundância no mesmo abrigo e no espaço geográfico, às diferentes
colorações, obtidas com pigmentos de diferentes origens, às constantes sobreposições, às distintas
técnicas, embora estas pouco diferentes entre si, teremos de assumir que a arte conhecida nas cristas
quartzíticas da serra de S. Mamede foi efetuada ao longo de um período temporal bastante amplo
(Oliveira et al., 2012). Provavelmente quase tão amplo quanto as datações indiretas nos induzem. Ha-
verá ainda que reconhecer que a ausência de expressões artísticas em superfícies que, aparentemente,
seriam as que melhores condições apresentavam para receberem pinturas hoje nada revela. Mas, para-
doxalmente, áreas imediatamente adjacentes, muito mais irregulares e rugosas, estão multiplamente
decoradas. Face a esta observação deveremos equacionar a hipótese de alguns espaços hoje «limpos»
terem contido em fase anterior pinturas, eventualmente as mais antigas, provavelmente obtidas com
pigmentos que não resistiram aos tempos, mas que à data das subsequentes manifestações artísticas
ainda se vislumbravam tendo sido, por isso, respeitadas e apenas as superfícies adjacentes foram ul-
teriormente pintadas. Consideremos, ainda a hipótese, face à constante presença de sobreposições
pictóricas, de observação direta, que algumas manchas de maior dimensão e pigmentos mais densos
ocultem manifestações artísticas contemporâneas das datações mais antigas que conseguimos obter,

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por exemplo para o Abrigo Pinho Monteiro, e assim se poderia explicar a não visualização atual, ou
a ausência de arte mais antiga em espaços que as estratigrafias e datações absolutas nos garantem que
tiveram ocupação humana, pelo menos, desde os finais do Paleolítico superior.
Se o nosso raciocínio tiver alguma razoabilidade, poderemos, então, estabelecer para além da contem-
poraneidade comprovada entre algumas manifestações artísticas e ocupação estruturada do Abrigo
da Igreja dos Mouros com fases de utilização de sepulcros megalíticos da região, durante os finais do
Neolítico e inícios do Calcolítico, como o comprovam as já abundantes datas e de diferentes sepulcros
que, entretanto, obtivemos para esta região (Oliveira, 2020). Veja-se a seguinte tabela com apenas
alguns exemplos de datas muito próximas da obtida no interior do Abrigo da Igreja dos Mouros, em
total associação com as manifestações artísticas aí existentes:

Sítio Tipo de Amostra Contexto Data Convencional BP Data Cal BC (2 sigma)


Abrigo da Igreja Carvões Carvões associados a 4320 +/– 30 3080 a 3060
dos Mouros (Arronches) concentrações de pasta
de cor laranja e branca,
sob painel com pinturas
e relevo antropomórfico
Anta 2 de S. Gens (Nisa) Ossos humanos Ossos humanos 4340 +/– 30 3094 a 2914
associados a ídolos-placa
em xisto e decoração
geométrica
Anta da Horta Ossos humanos Ossos humanos 4390 +/– 40 3350 a 3020
(Alter do Chão) associados a ídolos-placa
de arenito com decoração
antropomórfica relevada
e gravada
Anta da Horta Ossos humanos Ossos humanos 4190 +/– 50 2930 a 2860
(Alter do Chão) associados a placa de xisto
com decoração geométrica
Anta IV dos Coureleiros Carvões Carvões associados 4240 +/– 150 3335 a 2459
(Castelo de Vide) a placa de xisto com
decoração geométrica
Anta da Bola da Cera Ossos humanos Ossos humanos 4360 +/– 50 3258 a 2900
(Marvão) carbonizados associados
a ídolos-placa de micaxisto
com decoração
antropomórfica gravada

Com base nesta tabela, estamos em condições de poder afirmar que, entre meados do 3.º e inícios do
4.º milénio a. C., em datas calibradas, enquanto nos terrenos envolventes da serra de S. Mamede tumu-
lavam em dólmenes e junto dos defuntos colocavam maioritariamente ídolos-placa antropomórficos,
muitos deles relevados e alguns em ardósia, com decoração geométrica, no cima da crista quartzítica,
pelo menos no Abrigo da Igreja dos Mouros, pintavam com pigmentos avermelhados e alaranjados
figuras antropomórficas e em manchas brancas raspavam traços sequenciais e, provavelmente, pela
mesma altura, esculpiam no quartzito um busto humano à escala natural (Oliveira 2020).

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ÍDOLOS: OLHARES MILENARES

3. AS MENSAGENS GRÁFICAS
Aparentemente, durante todo o longo contexto megalítico, mas especialmente nos 3.º e 4.º milénios a. C.,
calibrados, foi recorrente a colocação junto dos tumulados de ídolos-placa de arenito, ou rochas con-
géneres, que nesta região tiveram grande expressão e que possuíam atributos anatómicos humanos
relevados, e simultaneamente a colocação de alguns mais simples, com decoração geométrica, obtidos
de ardósia. Se esta disparidade de artefactos simbólicos não bastasse para gerar interessante discus-
são, encontramos nos mesmos contextos e em associação outros artefactos, aparentemente prenhes
de carga simbólica, de recorte sub-retangular, ou em forma de «pele esticada» que tanto ocorrem nos
complexos monumentos de granito como a Anta da Horta, em Alter do Chão, como nos pequenos e
pouco expressivos sepulcros de xisto das margens do Tejo, como no monumento da Fonte da Pipa, no
concelho de Nisa (Oliveira, 2007).
Estes artefactos, exclusivamente funerários, tão abundantes e cuidadosamente preparados, e alguns
expressivamente antropomórficos, tão abundantes nesta região e provavelmente daqui originários,
deveriam ter um profundo enraizamento nos complexos mitológicos destas comunidades. É enten-
dimento generalizado atual — sobretudo com base nas similitudes do posicionamento dos braços e
mãos, quando os têm, com aqueles gestos normalizados da mulher em estado avançado de gravidez
que sustenta, para conforto, o ventre com os braços e mãos — a relação com alguma divindade neo-
lítica, intimamente associada à fertilidade, eventualmente entroncando nas paleolíticas «vénus» de
ventre e seios dilatados. Se os ídolos-placa antropomórficos e especialmente os relevados poderão
apontar nesse sentido, mais problemática é a sua direta associação aos outros artefactos, maiorita-
riamente de ardósia com decoração exclusivamente geométrica, ainda que nalguns, assumidamente
os mais raros, se esbocem mais ou menos nitidamente alguns traços anatómicos, tal como os olhos, o
nariz e os invulgares triângulos que os estudiosos da temática apelidam de púbicos. Nestes artefactos
aplanados, geralmente nos de ardósia, mas apenas numa pequena percentagem, ocorrem olhos raia-
dos, cuja representação encontra paralelo no vasto conjunto de artefactos assumidamente calcolíticos
do sudoeste peninsular, sejam eles em osso, calcário ou cerâmica. A invulgar placa de ardósia por nós
recolhida na Anta da 2 da Mitra, nas imediações de Évora, é provavelmente a melhor mensageira do
espírito maternal que estes artefactos continham. No centro duma placa de recorte sub-retangular de
bordadura decorada encontra-se gravada uma pequena figuração humana onde uma cabeça triangu-
lar se sustenta sobre um tronco igualmente triangular, do qual se destacam braços e pernas. Aparente-
mente, o jovem filho é suportado ao colo pela mãe, ou retrata-se, qual «ecografia», o feto no interior
da prenhe mãe, representação não invulgar noutros suportes, contextos e latitudes entre comunidades
que se acabavam de sedentarizar (Oliveira e Torres 2021).
Como até agora vimos, do ponto de vista cronológico e aparentemente cultural há uma estreita rela-
ção entre os abrigos pintados e esculpidos das cristas quartzíticas da serra de S. Mamede com os sepul-
cros megalíticos situados nos vales envolventes (Bueno et al., 2004, 2008). Aparentemente, os abrigos
e paredes com pinturas não tinham uma função enquanto abrigo prolongado, porque para isso não
apresentam grandes condições. Pelo que nos foi dado constatar, quase exclusivamente só os abrigos
e paredes que se abrem de leste e a sul possuem pinturas. Assim, perante estas observações, somos
levados a considerar que a maioria destes locais, se não mesmo a sua totalidade, durante o período
que tratamos, teria uma função predominantemente simbólica, para não dizer mágico-religiosa, e que
as manifestações neles pintadas estariam imbuídas dessa espiritualidade, onde a orientação solar e o
domínio visual sobre os campos monumentalizados, aparentemente, seria de extrema importância e
provavelmente mesmo determinante. Seriam, assim, ou espaços sagrados, ou repositórios de memó-
rias, porque outras funcionalidades, teoricamente, não possuem (Oliveira, 2012).
Desta forma, e considerando que junto aos tumulados nos sepulcros megalíticos os artefactos não
explicitamente funcionais que recorrentemente ocorrem, a que geralmente chamamos ídolos-placa,
são normalmente antropomórficos — onde os olhos, nariz, mãos e braços, e nos que formas geomé-
tricas possuem, evidenciam profusamente formas triangulares, a par, ainda que mais raramente, de
olhos solares ou raiados —, seria de supor que os temas mais recorrentes na arte que decora os abrigos

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FIG. 4
Em cima, distribuição dos
decalques e painéis no Abrigo
dos Gaivões (Arronches). Em
baixo, foto e traçado do painel
central do Abrigo dos Gaivões
(Arronches).

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ÍDOLOS: OLHARES MILENARES

que da serra espreitam os megálitos reproduzissem profusamente os mitos ou complexos mitológicos


que justificaram os mais singulares artefactos votivos que encontramos nos espaços funerários seus
contemporâneos.
Então, que mensagens gráficas se representam nas paredes e tetos destes abrigos? Embora as expres-
sões pictóricas, ainda que não muito variadas, sejam abundantes, dificilmente podemos encontrar
analogias gráficas entre as mensagens simbólicas que encontramos nas oferendas do interior dos
dólmenes com as que se identificam nas diáclases abertas nas cristas quartzíticas. Para procurar-
mos paralelos teremos primeiro de identificar e descrever as representações antropomórficas. As
representações assumidamente humanas são sempre esquematicamente lineares e desprovidas de
pormenores anatómicos. A cabeça raramente é representada e quando o é, traduz-se num ponto
ou em algo que se assemelha a um capacete, toucado ou eventuais tranças alargadas, tal como os
braços e pernas, sempre afastadas do tronco. Nalguns casos existe um pequeno prolongamento do
tronco que ultrapassa o início das pernas, não se percebendo bem se se trata duma clara intensão de
masculinizar a figura, se de uma imprecisão do pintor. Para além de estáticas, estas representações
são figuradas de frente. Os raros prenúncios de movimento encontram-se unicamente e de uma
forma muito discreta no teto do Abrigo dos Gaivões, quer numa potencial cena de caça ou pastoreio
na qual uma figura humana aparenta segurar um laço, quer no grupo de antropomorfos de mãos
dadas que junto à anterior cena é representado. Se considerarmos como representações humanas as
múltiplas grafias de I maiúsculo traçado em cima e em baixo, vulgarmente denominados por «icti-
formes», então é nestes onde os elementos anatómicos estão, de facto, totalmente ausentes. Assim,
no que à representação humana diz respeito, aparentemente, nenhum paralelismo direto com os
ídolos-placa podemos estabelecer. Se alguma verosimilhança se pode encontrar nas duas mensagens
gráficas, só a poderemos estabelecer com as supostas representações solares raiadas que ocorrem,
quer no painel de fundo do Abrigo dos Gaivões, quer no do teto do Abrigo Pinho Monteiro, por
via dos quais poderemos entabular algum paralelo gráfico com os olhos raiados ou solares de alguns
ídolos calcolíticos e também nas placas oculadas de ardósia. O que mais se destaca nos ídolos-placa,
sejam eles relevados ou gravados, são as caras e os seus penetrantes olhares. Na arte plasmada na
serra de S. Mamede destaca-se, no Abrigo Pinho Monteiro, em local intencionalmente dominante,
uma pintura que parece representar uma cara e que anteriores investigadores denominaram de
máscara. Porque se trata duma pintura que é delimitada por uma forma subquadrangular onde se
destacam dois grandes pontos que parecem representar uns olhos e eventualmente uma boca, confi-
gura-se como a pintura tutelar deste espaço, quer pela posição dominante que apresenta, quer pela
relevância comunicacional que detém. Provavelmente por esses motivos, é aquela que mais sinais de
vandalismo apresenta e, paralelamente, aquela que maior aproximação gráfica e simbólica poderá
ter com os seus prováveis contemporâneos ídolos-placa funerários. Existe outro pictograma em
Gaivões que aparenta ser uma figura oculada. Se assim o entendermos, estaremos perante os únicos
casos, explicitamente relacionáveis, com os grandes olhos que se destacam nos artefactos megalíti-
cos em forma de placa.
Convém aqui não esquecer a «Estela da Esperança» identificada nos inícios do século XX por Breuil,
junto aos abrigos da Esperança, durante a sua primeira visita ao local e que tanta celeuma gerou
com Leite de Vasconcelos quanto à sua propriedade. Desconhecendo-se o seu exato contexto, porque
aparentemente estaria junto ao caminho velho que liga a Esperança ao Vale de Junco, portanto a
curta distância dos abrigos, mas igualmente no sopé da cumeada, que é ocupada pelo povoado pré e
proto-histórico dos Louções e das já destruídas «Pedras das Cabrinhas», esta estela, pela sua configu-
ração e se fazendo parte do contexto arqueológico dos abrigos, é a manifestação idoliforme que maior
proximidade artística e simbólica tem com os ídolos-placa funerários megalíticos. O seu paralelismo e
proximidade relativa com a denominada «Estela do Crato» inscreve-se no epicentro dos ídolos-placa
relevados, nos quais o contorno da cabeça e a presença marcante de olhos e nariz poderão estabelecer
alguma conexão mágico-religiosa entre os artefactos do mundo funerário dolménico e as identidades
simbólicas que nos abrigos com pinturas poderão ter sido cultuadas (Bueno et al., 2005; Oliveira &
Oliveira, 2008).

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FIG. 5
Em cima à esquerda, placa em
xisto do Dólmen 2 de Mitra. Em
cima à direita, desenho de uma
placa gravada do Dólmen da
Horta (Alter do Chão). Em baixo
à esquerda, desenho de uma
placa de ídolo em micaxisto
do Dólmen da Horta (Alter
do Chão). Em baixo à direita,
desenho dos ídolos-placa
gravados do Dólmen da Horta
(Alter do Chão).

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ÍDOLOS: OLHARES MILENARES

FIG. 6
Em cima, conjunto de ídolos-
-placa do corredor do Dólmen da
Horta (Alter do Chão). Em baixo,
ídolos-placa do Dólmen da Horta
(Alter do Chão).

Da outra imagem que se multiplica e é claramente identitária, sobretudo das placas de ardósia, o
triângulo, apenas vislumbramos uma mancha muito imperfeita que parece esboçar uma figura de três
lados no Abrigo Pinho Monteiro.
Se a aproximação gráfica e simbólica dos ídolos-placa, expressivamente antropomórficos, à mulher
grávida tiver alguma sustentabilidade, então poderemos estabelecer, aqui sim, uma estreita e direta
relação entre o megalitismo funerário com a arte dos abrigos, através do expressivo e único, no pano-
rama nacional, pictograma da parturiente do Ninho do Bufo, identificado no concelho de Marvão.
Numa estreita concavidade natural aberta ao poente, quase no topo da falha que se rasga no mais
pronunciado pico quartzítico que limita Portugal de Espanha, no concelho de Marvão, descobrem-se
várias pinturas raiadas, cruciformes e punctiformes de cor vermelha e um raro cruciforme de cor
branca. No recanto menos acessível deste pequeno abrigo, quase a tocar o solo, reconhece-se uma
figura antropomórfica vertical, de braços e pernas abertas, com uma cabeça bem reconhecida da qual

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parece destacar-se, lateralmente, uma mancha que poderá representar o cabelo, ou toucado. Na mão
direita bem explícita parece isolar-se o polegar. O mais interessante nesta figura é a presença do que
aparenta ser a parte superior de um outro pequeno antropomorfo, invertido, constituído por tronco,
braços e cabeça que aparenta sair do meio das pernas da figura humana de maiores dimensões. Não
se trata de qualquer sobreposição de pictogramas tão comuns neste tipo de abrigos. A pintura é uma
só, com a mesma cor e técnica, obtida por traço digitado. Trata-se da representação duma parturiente
com a parte superior do neonato já expelida, observando-se bem a cabeça, os braços e parte do tronco.
À esquerda da imagem apresentam-se seis explícitos pontos igualmente digitados. Finas linhas verti-
cais, também pintadas a cor vermelha, são percetíveis na área envolvente deste conjunto, realizadas,
seguramente, em fase anterior. Esta pintura apresenta uma altura total de 11 cm e a distância máxima
entre os braços é de 9 cm.
Este pictograma mostra-se problematicamente algo apagado, sobretudo na zona inferior, resultante
de aparentes contactos tácteis, mas não intensionalmente destrutivos como ocorre num outro picto-
grama, posicionado igualmente junto ao solo, brutalmente riscado, não sendo hoje já percetível a sua
mensagem. Noutros abrigos, como o de Pinho Monteiro ou Gaivões, em Arronches, é notório que os
pictogramas, ou mesmo painéis, que mais se destacam, quer pela sua posição dominante, quer pela
sua fácil leitura, foram objeto de contínuos atos destrutivos. Neste caso, o pictograma aparenta ter
sido um alvo seletivo e continuado da atenção e contacto humano. Denota-se, aliás, que a sua super-
fície se apresenta mais regularizada do que a rocha ou pinturas envolventes. Esta representação de
parturiente localiza-se na zona mais protegida do abrigo, algo oculta numa dobra interior da rocha
natural à face esquerda da mais profunda e pequena concavidade do espaço, a cerca de 50 cm de altura
do atual solo. Um bloco solto de quartzito, de fácil remoção, encontra-se em frente ao local onde se
vê a pintura, configurando um assento para quem ali se quer temporariamente abrigar. A pintura da
parturiente apenas recebe a luz do Sol no seu ocaso e só se ilumina totalmente por alturas do solstício
de verão (Oliveira e Torres, 2021).
Esta pintura, que assumidamente parece retratar o nascimento de um ser humano, será o elo mais
forte que poderemos estabelecer entre a representação simbólica da gravidez por via dos ídolos-placa
antropomórficos, sobretudo os relevados e a representação da placa de ardósia da Anta 2 da Mitra,
atrás descrita, e a arte rupestre esquemática existente nas cristas quartzíticas da serra de S. Mamede
que continuamente controlam a megalítica peneplanície que a envolve (Oliveira et al., 2012).
Face ao que acima descrevemos e perante existência de tantas incertezas, quer do ponto de vista
funcional, cronológico e cultural, aparentemente, é mais o que separa o simbolismo do mobiliário das
manifestações megalíticas funerárias em relação aos grafismos dos abrigos que na crista quartzítica
se abrem do que aquilo que os pode unir. Se contemporâneos foram, e nalgum momento seguramente
que conviveram, comportam em si mensagens simbólicas assumidamente distintas. Nos vales onde os
sepulcros se erguem subjaz a materialidade duma espiritualidade que é teórica e predominantemente
funerária e que não se espelha nas mensagens gráficas que ficaram plasmadas nas diáclases da serra
que domina o vale. Contudo, tal como os dólmenes e menires espreitam a orientação solar, também,
preferencialmente, só os abrigos que se abrem à exposição solar foram os escolhidos para aí se guar-
darem memórias gráficas para o futuro. Entre diálogos impossíveis restam, por agora, os monólogos
silenciosos deste mundo simbólico.

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ÍDOLOS: OLHARES MILENARES

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