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FICHAS TÉCNICAS

CATÁLOGO
COORDENAÇÃO EDITORIAL | Luís Sebastian
Nuno Resende
COORDENAÇÃO CIENTÍFICA | Nuno Resende
AUTORES DOS TEXTOS |Ana Sampaio e Castro
Ana Cristina Sousa
Célia Taborda
David Ferreira
Hugo Barreira
Lúcia Rosas
Luís Corredoura EXPOSIÇÃO
Luís Sebastian INICIATIVA | Direção Regional de Cultura do Norte (DRCN)
Maria Leonor Botelho ORGANIZAÇÃO | Museu de Lamego | Vale do Varosa
Manuel Pedro Ferreira FINANCIAMENTO | DRCN / ON2, O Novo Norte | QREN | FEDER | UE
Miguel Rodrigues APOIO | Liga dos Amigos do Museu de Lamego
Nuno Resende Escola de Hotelaria e Turismo do Douro-Lamego
Salvador Magalhães Mota DIREÇÃO | Luís Sebastian (DRCN | Museu de Lamego)
DESIGN GRÁFICO | Cristina Dordio COMISSARIADO CIENTÍFICO | Nuno Resende
FOTOGRAFIA | Ana Sampaio e Castro PROJETO MUSEOGRÁFICO | Nuno Resende
Biblioteca Nacional Digital Luís Sebastian (DRCN | Museu de Lamego)
Bruno Marques. DCRN © APOIO À ORGANIZAÇÃO | Alexandra Falcão (DRCN | Museu de Lamego)
Câmara Municipal de Vila Nova de Foz Côa GESTÃO DE RECURSOS HUMANOS E FINANCEIROS | Paula Duarte (DRCN | Museu de Lamego)
Diocese de Lamego DESIGN | Cristina Dordio
Hugo Pereira. DRCN © FOTOGRAFIA | Pedro Martins
Instituto Geográico do Exército EXECUÇÃO E MONTAGEM | Outros Mercadus, Lda.
José Pessoa. Museu de Lamego. DRCN © TRATAMENTO AUDIOVISUAL | Digitalframe, Lda.
Luís Corredoura TEXTOS | Nuno Resende
Luís Sebastian. Museu de Lamego. DCRN © TRADUÇÃO | Paulo Vaz (Escola de Hotelaria e Turismo do Douro-Lamego)
Nuno Resende SONOPLASTIA | Luís Sebastian (DRCN | Museu de Lamego)
Pedro Martins. DRCN © TEMA MUSICAL | Luís Sebastian (DRCN | Museu de Lamego)
Soia Catalão. DRCN © IMAGENS | Museu de Lamego (Lamego, Portugal)
Biblioteca Nacional de Portugal (Lisboa, Portugal)
GESTÃO FINANCEIRA | Paula Duarte (DRCN | Museu de Lamego)
Morgan Library (New York, United States of America)
PRODUÇÃO |Outros Mercadus
Bodleian Library (Oxford, United Kingdom)
EDIÇÃO | DCRN | Museu de Lamego | Vale do Varosa
Bibliothèque National de France (Paris, France)
FINANCIAMENTO | DRCN / ON2, O Novo Norte | QREN | FEDER | UE
Bibliothèque de la ville de Troyes / Mediatheque Grand Troyes (Troyes, France)
IMPRESSÃO | WGroup
ISBN | 978-989-98657-9-2
Österreichische Nationalbibliothek (Wien, Österreich)

DEPÓSITO LEGAL | 395817/15 Bibliothèque Municipale de Toulouse (Toulouse, France)


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ANA CRISTINA SOUSA | accsousa@letras.up.pt


Professora auxiliar do DCTP – Departamento de Ciências e Técnicas do Património
Faculdade de Letras da Universidade do Porto
Investigadora do CITCEM - Centro de Investigação Transdisciplinar «Cultura, Espaço e Memória»

ANA SAMPAIO E CASTRO | ana.sampaioecastro@gmail.com


Doutoranda em Arqueologia Histórica – FLUP
Bolseira da FCT

DAVID FERREIRA
DCRN - Direcção Regional de Cultura do Norte

CÉLIA TABORDA
Universidade Lusófona do Porto

HUGO BARREIRA | hbarreira@letras.up.pt


Assistente convidado do DCTP – Departamento de Ciências e Técnicas do Património
Faculdade de Letras da Universidade do Porto
Investigador do CITCEM - Centro de Investigação Transdisciplinar «Cultura, Espaço e Memória»

LÚCIA ROSAS | lrosas@letras.up.pt


Professora catedrática do DCTP – Departamento de Ciências e Técnicas do Património
Faculdade de Letras da Universidade do Porto
Investigadora do CITCEM - Centro de Investigação Transdisciplinar «Cultura, Espaço e Memória»

LUÍS CORREDOURA
Universidade de Évora
TÁBUA DE AUTORES 5

LUÍS SEBASTIAN
DCRN - Direcção Regional de Cultura do Norte
Director do Museu de Lamego

MANUEL PEDRO FERREIRA | mpferreira@fcsh.unl.pt


Professor Associado
Faculdade de Ciências Sociais e Humanas - Universidade Nova de Lisboa
Presidente do CESEM

MARIA LEONOR BOTELHO | mlbotelho@letras.up.pt


Professora auxiliar do DCTP – Departamento de Ciências e Técnicas do Património
Faculdade de Letras da Universidade do Porto
Investigadora do CITCEM - Centro de Investigação Transdisciplinar «Cultura, Espaço e Memória»

MIGUEL RODRIGUES
DCRN - Direcção Regional de Cultura do Norte

NUNO RESENDE | nmendes@letras.up.pt


Professor auxiliar do DCTP – Departamento de Ciências e Técnicas do Património
Faculdade de Letras da Universidade do Porto
Investigador do CITCEM - Centro de Investigação Transdisciplinar «Cultura, Espaço e Memória»

SALVADOR MOTA
Professor Associado da FCS da UCP – CR. Braga
Membro do CEFH e CITCEM
LUIS SEBASTIAN
DRCN | MUSEU DE LAMEGO
Na década de noventa do século XX assistimos em
DIRETOR DO MUSEU DE LAMEGO Portugal a um despertar para a importância e potencial
do que podemos designar de herança monástica. Inter-
venções de recuperação e/ou adaptação de mosteiros
como o de São Martinho de Tibães ou Santa Maria do
Bouro, ou conventos como os de Santa Clara-a-Velha
de Coimbra, foram em grande parte consequência
deste movimento, mas igualmente seus impulsionado-
res. À mudança na forma como olhávamos então este
património, juntou-se o desafio técnico e científico do
seu estudo e recuperação patrimonial e turística, o que
levou, por si só, a uma revolução na área, com o surgi-
mento de termos tão sintomáticos quanto «Arqueologia
Monástica».
Já em 1998, no âmbito das comemorações dos 900
anos da Ordem de Cister, realizou-se no Mosteiro de
Santa Maria de Alcobaça o Colóquio Cister: Espaços,
Territórios, Paisagens, pela mão do agora extinto Instituto
Português do Património Arquitetónico (IPPAR). Deste re-
sultaria a Carta de Alcobaça, documento onde ficariam
definidas especificamente as principais linhas orienta-
doras de salvaguarda, recuperação e valorização do
Património Cisterciense Nacional.
É neste contexto que se iniciam diversas intervenções
em edifícios monásticos, entre os quais se inclui o Já em 2012, com a afetação do Museu de Lamego 7
Mosteiro de São João de Tarouca, e mais tarde, o à DRCN, este passa por sua vez a assumir a gestão di-
Mosteiro de Santa Maria de Salzedas. reta do projeto Vale do Varosa, permitindo uma par-
Já com a extinção do IPPAR e a criação da Direção tilha de meios, potenciais e sinergias, pela primeira
Regional de Cultura do Norte (DRCN) em 2007, um vez possíveis.
especial interesse é dado à região duriense, entre- Nesta continuidade, o projeto «Cister no Douro»
tanto classificada pela UNESCO como Património da nasce da dupla intenção de divulgar o património
Humanidade em 2001. Dentro da herança histórica, cisterciense duriense e de contribuir para a conso-
e inclusive pelo papel direto que teve na construção lidação da sua investigação. A persecução deste
do Douro vinícola, a presença cisterciense na região duplo objetivo foi materializada em dois distintos mas
impôs-se novamente, e de forma natural, como ele- complementares suportes: expositivo e editorial
mento de destaque. O suporte expositivo materializou-se na construção
Neste âmbito, em 2009, a DRCN inicia o projeto Vale de uma instalação multimédia itinerante, de formato
do Varosa, que apesar de transversal ao vale deste versátil e adaptável, totalmente sustentada em ima-
pequeno rio afluente do Douro, incluía como princi- gem impressa e projetada, de discurso acessível,
pais monumentos os mosteiros cistercienses mascu- bilingue, tendo por alvo um público generalista e di-
linos de São João de Tarouca e de Santa Maria de versificado, nacional e internacional, destinada a ser
Salzedas. Dando consequência a intervenções ante- instalada em espaços públicos de grande afluência.
riores, entre as quais se destaca a integral escava- O suporte editorial consubstanciou-se numa publi-
ção arqueológica do mosteiro medieval de São João cação que, indo para além do convencional formato
de Tarouca, realizada entre 1998 e 2009, este projeto de catálogo, procurou reunir um diversificado con-
Vale do Varosa veio não só tornar possível grandes junto de investigadores que, no todo, contribuíssem
obras de recuperação do edificado, mas igualmente para uma visão geral e multifacetada do fenómeno
apostar na maior divulgação deste património. cisterciense na região, à luz do conhecimento atual.
MARIA ALEGRIA MARQUES
8 A presente obra assume-se como o repositório de
mais uma das muitas e sedutoras experiências com
que o Museu de Lamego tem brindado o público nos
últimos anos. Com efeito, ela é, afinal, o Catálogo de
uma exposição organizada por esse Museu e pela
Direcção Regional de Cultura do Norte, sobre a pre-
sença cisterciense no Douro. Edita a obra o Museu de
Lamego, em mais uma acção de relevo nos seus fins
culturais.
Comissionada por um jovem académico, de pro-
vas dadas, – Nuno Resende –, já de si, a exposição
assumiu-se como um evento pouco comum, por
vários aspectos. Em primeiro lugar, assinalemos o
ineditismo da sua inauguração: na Cidade Invicta,
tendo tido por local a estação da Casa da Música,
do Metro do Porto, um local muito frequentado, mas
pouco utilizado em matérias culturais. Em segundo
lugar, sublinha-se a actualidade das técnicas utiliza-
das, imagem e som, bem de acordo com o sentido
de inovação e modernidade que se liga à Ordem
que se pretendia celebrar. Assumia-se, assim, quer
pelo apelo do espaço, quer pelas técnicas utilizadas,
como um convite ao cidadão que passava, atrain-
do-o e envolvendo-o numa mensagem em que a
imagem e o som projectados tinham um papel pri- sou a região e os séculos, e outros a ficarem-se pelo 9
mordial. nome pouco mais que circunscrito à região onde se
Pretendia-se, assim, que cidadão que passava, implantaram.
«ouvia» e, acaso, «via», e «visitante» que «via» e «ou- Não encontraremos, nela, uma história das citadas
via» se tornassem, afinal, um único, na interrogação abadias. Antes, ela oferece uma reflexão sobre al-
de um passado e na fruição de uma herança. guns aspectos, por vezes muito pouco conhecidos ou
Quanto à obra que ora se apresenta, como o nome porque circunscritos, ou porque pouco estudados, o
indica – Cister no Douro –, ela debruça-se sobre o que significa que a obra é compartimentada e muito
conjunto de mosteiros situados na bacia do Douro diversificada nas suas temáticas.
que se ligaram a Cister, embora tenhamos de re- No entanto, podemos achar também textos de
conhecer que é bastante alargado o conceito ge- âmbito mais lato, enquadradores de problemáticas
ográfico em questão. Situados a Sul do Douro, mais e de tempos, como o são aqueles que se debruçam
ou menos afastados desse rio, são eles, os mosteiros sobre a extinção das ordens religiosas («O decreto
de S. João de Tarouca, Santa Maria de Salzedas, S. de extinção das ordens religiosas: impacto nos mos-
Pedro das Águias, Santa Maria de Aguiar, São Pedro teiros cistercienses do Douro») e nos elucidam sobre
e São Paulo de Arouca e Nossa Senhora da Assunção o modo como os homens e, sobretudo, os poderes,
de Tabosa. do século XX e já do XXI se posicionam acerca do
Como se conclui, constituem um conjunto alarga- entendimento da herança cisterciense e do modo
do e heterogéneo, quer pela qualidade dos seus ha- da sua preservação e transmissão aos vindouros («A
bitantes – homens ou mulheres –, quer pelo tempo em classificação do património imóvel: do Estado Novo
que surgiram – a maioria surgiu na época medieval aos nossos dias»), temáticas que, afinal, ultrapassam,
–, quer, ainda, pelo protagonismo que lograram no até, a herança cisterciense.
contexto da história da Ordem de Cister em Portugal, Especifiquemos alguns elementos da obra.
com alguns a granjearem uma fama que ultrapas- Em primeiro lugar, realce-se que ela reúne a cola-
boração de 12 autores – Ana Sampaio e Castro, Célia da Ribeira de Aguiar, respectivamente); do carácter
Taborda, David Ferreira, Hugo Barreira, Lúcia Rosas, atractivo do mosteiro, com a existência de um burgo
Luís Corredoura, Maria Leonor Botelho, Manuel Pedro à volta da casa monástica, prova do seu relaciona-
Ferreira, Miguel Rodrigues, Nuno Resende, Salvador mento e interpenetração com a comunidade envol-
Magalhães Mota e Saul Gomes –, que assinam, indi- vente, como em Salzedas.
vidualmente ou em conjunto, 23 entradas. Como se Já a espiritualidade nos surge por via do tratamen-
conclui, constituem, um conjunto assinalável, na sua to de temas específicos, ilustrados em textos acerca
maioria de jovens e promissores autores, ao lado de do significado do claustro (ilustrado com a elegante
alguns nomes já consagrados nos estudos portugue- realização em Tabosa); da apresentação e interpre-
10 ses, muito embora a sua ainda ou relativa juventude. tação de programas iconográficos quer expressos
Quanto às matérias versadas, cingindo-se às casas em pintura, quer em escultura, em casos diversos
cistercienses do vale do Douro ou a aspectos mui- como Tarouca, Salzedas e Arouca; da consideração
to específicos delas, tornam a obra heterogénea, ao da música nos mosteiros cistercienses, aqui represen-
mesmo tempo que atraente, porque diversificada. tada pelo caso de Arouca; e, por fim, pela ilustração
Por opção ou por condição, as diversas casas mo- do quotidiano dos monges, seja por via da reflexão
násticas apresentam uma cobertura bastante varia- acerca da vivência do tempo nos mosteiros, seja
da, talvez até mais que o esperado, uma vez que al- pela consideração das várias facetas do quotidiano
gumas temáticas se podem rastrear em todas elas. num mosteiro.
De todo o modo, encontram-se assuntos clássicos Contudo, e atendendo a que não há categorias
nos estudos cistercienses, sejam de natureza mate- puras, alguns dos itens enunciados acabam por cru-
rial, do mundo das infra-estruturas económicas ou zar-se com outras realidades. Assim, a espiritualida-
das realizações artísticas, sejam do campo da espi- de linda com a liturgia e a simbólica, como no caso
ritualidade. do estudo do anel de oração de Tarouca, da escultu-
Assim, são tratados problemas de implantação ra de Santa Bárbara em Cimbres, ou dos programas
das abadias, aqui ilustrados através do caso de São iconográficos de capitéis, cadeirais, decoração de
Pedro das Águias; da arte primitiva de Cister (capi- coros, com os últimos e penúltimos a levarem-nos
tel de Salzedas, do século XII, ao que tudo indica da também à descoberta da arte, seja na expressão
chamada abadia velha); da organização do domí- da escultura e da pintura, seja, ainda, ajudando à
nio e das características e realizações da economia compreensão das mentalidades, pois tais peças são
cisterciense (os coutos, com os respectivos marcos e também o reflexo de um tempo e dos homens e não
outros sinais arquitectónicos, e as granjas, ilustrados só daqueles que os realizaram, mas também e com
com o caso do padrão de Cimbres e da singular torre mais interesse ao nosso intento, daqueles ou daque-
ou ponte fortificada de Ucanha, e da granja de Foz las que as encomendaram.
Finalmente, há que considerar ainda outros dois a fotografia» e «O mosteiro de Arouca e o cinema»).
importantes campos que o responsável pela obra No ano em que se perfazem 900 anos sobre o reju-
houve por bem fazer considerar. Referimo-nos às ex- venescimento que representou a fundação de Clara-
pressões literárias cultivadas ou suscitadas por estes val por Bernardo de Fontaine, saúda-se a publicação
mosteiros, campo em que cumpre destacar o inte- desta obra. Fruto de uma parceria entre duas institui-
ressante e importante artigo sobre o controverso «Frei ções que, claramente, assumem o seu papel e a sua
Bernardo de Brito e os escritores cistercienses nos responsabilidade em matérias culturais e na valori-
mosteiros do Douro», e, de um outro modo, também zação e dinamização de uma região que a Ordem
um outro, intitulado «O romantismo literário e os mos- de Cister moldou – ou ajudou a moldar – ao longo de
teiros cistercienses do Douro: uma voz feminina entre séculos (salientem-se as reminiscências ainda pre- 11
ruínas», misto de história e memória. E, por considera- sentes até na organização física do espaço durien-
se a memória, leiam-se os muito interessantes capí- se), saúdem-se os autores e o Coordenador da obra.
tulos sobre pratos, ponto de partida para uma história Pelo seu labor, Cister no Douro não é, apenas, uma
de família ligada a mosteiros cistercienses, no caso memória, muito menos um slogan. Na expressão dos
Tarouca e Salzedas («Vasconcelos: história social de artigos que se seguem, descobrem-se realizações
um prato»), bem como para apresentar uma ten- multifacetadas, expressão de cultura e saber, de arte
dência individualizante entre as casas das diversas e de técnica, que ajudaram ao moldar da persona-
ordens e congregações, bem como, in limine, en- lidade única de um espaço, simultaneamente fautor
tre os seus membros («Tigela brasonada de faiança da alma dos homens que o habitam e que, por isso,
coimbrã»). ganha em dimensão na projecção de uma memória
E se estas peças são, elas próprias, retalhos de ímpar do passado das suas terras.
vidas, exemplos de modas, expressões de técnicas
correntes, são também a manifestação de memó-
rias. De um tempo, de comunidades, de vidas. Nem
se conceberia uma obra deste teor sem esta impor-
tante parte da vida dos homens, a memória e a con-
sideração de algumas das suas diversas formas. Já
apresentámos alguns estudos que representam tam-
bém essa preocupação. Mas, num tempo de apelo
constante a técnicas e tecnologias, não se pode ad-
mirar que os autores tenham considerado dois cam-
pos de certo modo inovadores nos estudos cister-
cienses, a fotografia e o cinema («Marques Abreu e Pampilhosa, 30 de Abril de 2015
NUNO RESENDE | COMISSÁRIO CIENTÍFICO DE CISTER NO DOURO

CISTER NO DOURO:
MODO TDE
COMPOSIÇÃO
13
O que o leitor tem entre mãos é um catálogo de exposição.
Este esclarecimento é necessário porquanto durante o último século as historiografias e a museologia nos
habituaram à ideia dos conteúdos expositivos apresentados em listagens ou «filas» de objectos, por vezes des-
critos até à exaustão. Funcionalidade, materialidade e sequencialidade – como se a forma, o lugar e o tempo
fossem sempre determinantes para um conhecimento que, na solidão de uma sala de museu, nos confronta
violentamente com a obra de arte – esta por vezes apenas compreensível através de legendas ou de um
percurso delineado na arquitectura.
Não obstante tal experiência (nem sempre agradável e frequentemente redutora), entre o observador, a
obra e o lugar, esta ideia serviu para desenhar a exposição temporária Cister no Douro, onde a morfologia do
claustro, – espaço fechado – se transmutou em lugar de confluência, atracção e confronto.
Assim nasceu, em 2014, este projecto expositivo o qual, através da simulação de um lugar claustral e re-
correndo apenas à imagem e ao som, traçou uma viagem ao percurso da implantação e desenvolvimento
da Ordem de Cister na região do Douro. O título, ainda que vago por associar duas realidades à partida
dissemelhantes (uma histórica e humana e outra natural e geográfica) fundamenta-se nessa difusa articu-
lação entre ambas. Cister, uma antiga mas obscurecida ordem religiosa que o liberalismo português votou
ao esquecimento e o Douro, expressão supra-territorial que hoje constitui uma marca inegável de atracção
turística, ainda que essencialmente reconhecida pelo seu valor paisagístico.
Mas se a paisagem é uma construção (e é-o, naturalmente, quando mais não seja pelos olhos de quem
a interpreta) Douro e Cister cruzam-se para narrar um percurso iniciado no século XII entre os habitantes das
comunidades da região e os monges brancos que se instalaram a poucas léguas a sul do rio, num dos seus
afluentes, denominado Varosa. A ordem não se restringiu, porém, à parte setentrional da bacia hidrográfica
do Douro, acompanhando o movimento humano e político que ao longo dos séculos XII e XIII estendeu os
limites do crescente reino de Portugal para além do Tejo. Mas a concentração de um conjunto notável de
edifícios cistercienses erguidos ainda durante a idade média ao longo da antiga fronteira cristã que foi o curso
do Douro (Santa Maria de Aguiar, São Pedro das Águias, Salzedas, São João de Tarouca e Santa Maria de
Arouca), não pode passar despercebida na geografia religiosa nacional. De resto, a vitalidade não se perdeu
durante a medievalidade, porquanto na época Moderna, para além da renovação espiritual e arquitectó-
nica dos velhos mosteiros, dois novos espaços nasceram no mesmo território, aumentando a presença e o
testemunho cisterciense na «margem» sul do Douro: São Pedro das Águias e Nossa Senhora da Assunção de
Tabosa, este um instituto de monjas bernardinas sujeito aos rigores dos planaltos beirões.
Não é, pois, esta relação construída no anacronismo tantas vezes aproveitado pela moderna burocracia
de gabinete que, longe de compreender (ou querer compreender) a importância de se preservar o espírito
14 das coisas no seu lugar original, subverte geografias e cronologias para servir os projectos turísticos. Não é o
Passado, a História ou a Memória que se devem vergar às necessidades económicas do Presente, ou aos
desejos futurísticos das comissões de planeamento, mas antes o desejável contrário – o de que o património
possa contribuir, na sua autoridade temporal, para articular e proporcionar o bem-estar das comunidades ao
seu redor e o conhecimento aos visitantes que nele procuram a individualidade perdida entre a dissolução
estética da sociedade contemporânea.
Constituem, pois, os termos Cister e Douro, uma feliz associação consolidada pelos estudos que ora se apre-
sentam neste catálogo. Propício à construção de um reino o Douro, outrora fronteira, tornou-se território de
acção para a vocação aculturadora da ordem de Cister – aculturação aqui aplicada no triplo sentido da
palavra cultura, enquanto instituição espiritual (culto), fundada na matriz beneditina da oração e do trabalho
(cultura) e cujo elementos se entregavam à construção do saber (Cultural).
Confirmam-no os autores do presente conjunto de ensaios, alguns inéditos e reveladores, ora destacando
expressões materiais da Ordem, através da sua missão edificadora que semeou, afora as igrejas e respectivas
casas monásticas (cat. 1, 8), os marcos (cat. 5), as granjas (cat. 6) as pontes e vias (cat. 8) que são ainda o
testemunho da transformação do território duriense; ora elencando a importância dos locais sob a sua juris-
dição como centros de produção ou atracção artística (cat. 2, 9, 10, 13, 14), em que objectos, indivíduos,
práticas sociais (cat. 15, 17) e culturais (cat. 4, 11) modelaram a expressão homogeneizante deste conjunto
de mosteiros.
Organizado cronologicamente (doutra forma não poderia ser, pois é impossível fugir ao curso do tempo),
este catálogo procura elencar um conjunto de aspectos nem sempre presentes numa exposição conven-
cional. Desde logo ao recusar entregar ao objecto a primazia do individual. Esse modelo de catalografia,
centrado na descrição (por vezes exaustiva e exauriente) da peça, na elaboração de uma fortuna crítica
e na indicação do percurso da mesma até ao seu plinto expositivo, reprime a compreensão das razões e
das funções, dos meios e das práticas e, sobretudo, do seu significado total. Quando exposto numa vitrina o
objecto não respira e nós não respiramos com ele – ainda mais por que «prejudicados» pelas medidas preven-
tivas e de salvaguarda que as boas práticas de conservação reservam (ainda bem, claro!) para que não haja
contacto físico entre ambos.
Neste catálogo não há somente objectos, há propostas, há ideias – umas fundadas na materialidade de um
capitel (cat. 2), de um anel (cat. 3) ou na de dois pratos de faiança (15, 16), outras nas folhas de um romance
(cat. 19), numa fotografia de ruínas ou nos fotogramas de um filme sobre um amor trágico (cat. 21). Mas se
cada um dos exemplos indicados apresenta materialidade (e logo factualidade) - mormente através dos seus
suportes (pedra, madeira, papel, cerâmica, película, etc.ª) – também acolhe leituras e interpretações diver-
sas, mesmo quando apenas se dirige o olhar para parte desse objecto, como no caso aqui apresentado que
revê com mais atenção a imagem (ou imagens) da pintura de um desaparecido conjunto de tábuas associa- 15
do a Salzedas (cat. 10). Afinal de contas, não andaremos há muito a olhar para fragmentos e a apreciá-los
sem os compreendermos? Aliás, não teremos já perdido demasiado tempo muito tempo a observar de perto
o que ao longe se veria melhor?
E sempre presos à ideia de criação (da obra) esquecemos a sua destruição que é também parte da sua
materialidade, neste caso anulada ou transformada em ruína, por exemplo, para regressarmos ao fragmento
que, no caso de Cister no Douro, constitui um dos tópicos mais relevantes da sua História (cat. 19). Espoliados
do seu património humano logo depois de 1834 (cat. 18) os homens e mulheres dos mosteiros de Cister viram
o seu acervo perder-se, em parte enquanto materialidade, mas anos e décadas o mesmo património recon-
verteu-se num conjunto de propostas que apontam para novos caminhos (cat. 22).
Aos autores desta obra foi pedido que, no conjunto das suas aptidões e conhecimentos construíssem um
diálogo com e entre os objectos, as ideias, as formas, os textos e contextos, no sentido de construir (ou recons-
truir), entre palimpsestos, ruínas e fragmentos, não uma obra nova, nem definitiva, mas um alfobre de soluções
para, de mais longe e com mais liberdade procurar desenhar uma imagem com maior definição do Passado,
da Memória colectiva e do Património – que é, afinal, a súmula de tudo.
E o Douro, na sua luminosidade característica, nos seus horizontes rasgados e na intemporalidade do seu
lugar como encontro de caminhos, cremos, assim o permitiu.

NORMAS DE PUBLICAÇÃO
Ao longo desta obra o leitor encontrará remissões para assuntos ou temáticas tratadas por outro autor ou autores através da indicação «cat.» seguida do número respectivo
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01 SÉCULOS XII-XX
MOSTEIRO DE SÃO PEDRO DAS ÁGUIAS

MOSTEIRO DE SÃO
PEDRO DAS ÁGUIAS
MARIA LEONOR BOTELHO
Na margem sul do rio Douro, São Pedro das Águias construído num local que apenas uma vocação ere-
(Tabuaço, Granjinha) afirma-se pelo carácter original mítica pode justificar. Se o movimento eremítico já
da sua implantação (figura 1) na orografia das mar- tinha alguma expressão entre nós no século XII (MAT-
gens do rio Távora. O carácter isolado deste eremi- TOSO, 1972), ocorreu assim uma maior receptividade
tério e que os condes portucalenses, em comunhão à nova forma de vida monástica, cujas afinidades ao
com a paisagem agreste envolvente, estava bem nível de um «culto da solidão» e do despojamento,
de acordo com os preceitos ascéticos da Ordem da auto-subsistência e da comunhão profunda com
religiosa de São Bernardo de Claraval (1090-1153). É a natureza, se tornam evidentes.
de suma importância o facto de este templo ter sido Tendo em conta as fontes documentais, só em 1205

 Figura 1 | Implantação do Mosteiro de São Pedro das Águias. Foto Pedro Martins © DRCN 17
é que o Mosteiro de São Pedro das Águias foi citado cas, com as cabeceiras dirigidas para Oriente. Como
pela primeira vez e nas atas dos Capítulos Gerais de se sabe, existem razões teológicas que justificam a
Cister (SOUSA, 2005: 113 e BARROCA, 2000: II, I, 603). A orientação das igrejas cristãs e que permitem estabe-
sua filiação a São João de Tarouca deve ter ocorrido lecer uma série de paralelismos com as mesquitas e
algures durante os finais do século XII. Todavia, sabe-se sinagogas no que toca à relação dos edifícios com
que este mosteiro já existia no século XII, sob a forma os pontos geográficos (GUERRA, 1986). Além disso, ao
de eremitério e que os condes portucalenses, D. Henri- românico liga-se intimamente a teoria da «teologia so-
que e D. Teresa, o coutaram com um extenso território lar», a importância simbólica do nascer e do pôr-do-sol
(PÉREZ, 2010: 257-270). (figura 2). Ocupando toda a largura do socalco, a en-
18 Implantada num pequeno balcão, entre altas fragas trada ocidental de São Pedro das Águias está a curta
e declive abrupto sobre a margem esquerda do rio Tá- distância do maciço rochoso, quase esbarrando com
vora, esta igreja está assim perdida em isolamento e este. A igreja de São Pedro das Águias assume, pois,
implantada no sentido do declive por imposição da um lugar de destaque no panorama geral do româ-
regra de orientação das construções religiosas români- nico português, não só pela sua original implantação,

 Figura 2 | Alçado sul e implantação do Mosteiro de São Pedro das Águias. Foto Pedro Martins © DRCN
mas também pelo carácter cuidado de toda a sua
fábrica construtiva e escultórica, esta última irmanada
do eixo Braga-Rates (BOTELHO, 2013, 513-526).
Característica abadia de montanha, São Pedro das
Águias ergue-se num «vale perigoso» (MARQUES, 1998:
317), conforme classificação do visitador quinhentista
Bronseval. No que à igreja concerne, único vestígio
remanescente da estrutura monástica que no século
XVI ainda mostrava ao visitador o dormitório e as ruínas
do seu claustro(figura 3), só a implantação no sentido 19
do declive pode justificar o desnível existente entre a
capela-mor e o corpo da igreja, este último ocupando
uma cota bem mais elevada do terreno. Deste modo,
no acesso ao interior da nave única há degraus des-
cendentes e o seu piso interior vai baixando progressi-
vamente em direcção à cabeceira rectangular.
O carácter de isolamento é cedo notado: em 1227
documenta-se um pedido do abade de São Pedro
das Águias para mudar a respectiva abadia de local,
qual abadia de montanha, edificada inicialmente em
local quase inacessível (MARQUES, 1998: 53). Mais tar-
de, aquele que veio a ficar conhecido como «antigo
mosteiro» foi abandonado pelos próprios cistercienses
que acabaram por fundar um «novo» nas proximida-
des (Tabuaço, Távora), em finais do século XVI.
Tendo em conta as características arquitectónicas e
escultóricas, mas também a tipologia da epígrafe do
portal lateral Norte (figura 4), propiciatória e apotro-
paica e que transcreve, adaptando, o texto do Salmo
121,8 – «O Senhor guardará a tua saída e a tua en-
trada, desde agora e para sempre» (apud BARROCA,
2000, II, I, p. 600-604), é bem possível que a igreja de
São Pedro das Águias tenha sido edificada no século

Figura 3 | Portal principal (pormenor). Foto Pedro Martins © DRCN 


Figura 4 | Portal principal: pormenor dos capitéis
e figuras guardiãs. Foto Pedro Martins © DRCN 

20
XII, muito embora a cabeceira possa ser, neste caso, na encontramos uma nítida influência do românico do
mais tardia. A ser assim, na construção deste eremité- foco bracarense, nomeadamente na composição de
rio não se seguiu a regra de construção de uma igreja animais afrontados, feita no sentido das aduelas.
na época românica e que geralmente era iniciada Em São Pedro das Águias materializa-se, assim, de
pela cabeceira. Tal facto apenas poderá ser justifi- forma significativa, uma relação muito peculiar entre
cado pela reduzida proximidade entre a fachada o território envolvente e a orografia que acolhe a ex-
ocidental e a escarpa abrupta, o que não invalidou, pressão física dos vestígios remanescentes dos mos-
contudo, que no seu portal, composto por três arqui- teiros que integraram a Ordem de Cister a partir do
voltas que se apoiam em leões-atlantes, quais figuras século XII, assumindo-se, seguramente, como um dos
guardiãs (figura 5), se desenvolvesse uma profusa e edifícios de mais original implantação neste contexto, 21
túrgida ornamentação escultórica. Na arquivolta inter- não só em Portugal, como ainda no quadro europeu.

 Figura 5 | Pormenor da inscrição do portal lateral norte. Foto Pedro Martins © DRCN
02 SÉCULOS XII-XX
MOSTEIRO DE SANTA MARIA DAS SALZEDAS

CAPITEL
DE CLAUSTRO COM
LEÕES AFRONTADOS
LÚCIA MARIA CARDOSO ROSAS
Exemplar de exceção no românico português, dada mânico de Salzedas. Apesar destas afinidades entre o
a raridade de peças com escultura figurativa prove- românico do Poitou e o capitel de Salzedas, é sabido
nientes de claustros da época, e dada a qualidade que as comparações formais nem sempre permitem
do seu desenho e fatura, o capitel com dois leões estabelecer relações entre oficinas ou mesmo deter-
afrontados exposto no núcleo museológico de Santa minar a origem de um modelo, tal a amplitude da dis-
Maria de Salzedas convida a uma reflexão sobre a seminação dos temas e das formas.
arte românica portuguesa e, mais concretamente, so- O tema dos leões afrontados é, sem dúvida, um dos
bre o sentido das imagens figuradas em capitéis. mais glosados na arte românica da europa ocidental.
Embora a cabeça esculpida no capitel de Salzedas Encontramos este tema em capitéis de portal, arco
apresente alguma ambiguidade quanto à espécie triunfal, colunas que dividem as naves, tímpanos, re- 23
animal que representa, já que pode figurar um qual- levos encastrados nas fachadas ou capitéis de claus-
quer felino, a verdade é que a presença da juba, tro. Além do significado simbólico e iconográfico que
apenas incisa na peça, não oferece dúvidas quanto certamente tem, a figura do leão presta-se às cons-
à identificação de um leão. François de La Bretèque tantes que melhor caraterizam a escultura românica:
notou, a propósito da ambiguidade de algumas repre- o gosto pela simetria, o preenchimento do campo es-
sentações da época medieval que, por muito bizarra cultórico com a comprida cauda que permite efeitos
que seja a anatomia do leão, a juba funciona como visuais multímodos, como o prolongamento ornamen-
o signo principal da sua identificação (BRETÈQUE, 1985: tal do corpo do animal, o desdobramento de uma
145). Cremos, no entanto, que em alguns casos a juba figura com uma cabeça comum nas duas faces de
não seria esculpida mas unicamente pintada. Há re- um capitel ou a disposição que vemos na peça de
presentações de leões que não a figuram, como a Salzedas: dois leões com uma única cabeça, escul-
de um capitel da igreja de Saint-Pierre de Parthenay- pidos na mesma face da imposta-capitel. Este tema
le-Vieux (Poitou-Charantes) onde a inscrição LEONES é frequente em Castela, Leão e França, nomeada-
não deixa lugar para dúvidas sobre a identificação mente na região do Poitou onde o tema do leão, aí
dos animais. Neste caso a solução formal das cabe- particularmente glosado, já mereceu o estudo de M.
ças apresenta semelhanças com o capitel de Salze- I. Takeshita. Entre os vários modelos, o autor menciona
das. Num exemplar com policromia da igreja de Sain- a solução que apresenta dois leões esculpidos num
te Radegonde (Poitou-Charantes) está representado mesmo capitel com uma cabeça comum, indicando
um leão cuja juba é realçada a traços negros sobre numerosos exemplares patentes nas igrejas do Poitou
fundo amarelo, assim como os olhos, o nariz e a boca, (TAKESHITA, 1980: 43-45).
ou seja os elementos mais expressivos da figura. Este O tema dos leões afrontados tem inúmeras varian-
exemplar tem igualmente semelhanças, tanto no re- tes, ora apresentando leões com duas cabeças que
levo como no desenho, com o capitel do claustro ro- se afrontam na esquina do capitel, como no exemplar
24

do interior da igreja de S. Pedro de Rates (Póvoa de No românico português não é tarefa fácil entender
Varzim), ora se adossam na aresta e voltam as cabe- o sentido das imagens e, muito menos, as possíveis re-
ças que ocupam as duas faces do capitel, ora ainda lações temáticas entre os capitéis ou outros elementos
se mostram afrontados na mesma face de um capitel. esculpidos presentes numa mesma igreja. O número
Noutros casos os leões engolem uma figura humana, de capitéis românicos historiados com temas religiosos,
como no arco triunfal da igreja de S. Salvador de Bra- míticos e profanos, não ultrapassará uma centena e
vães (Ponte da Barca) ou, em composição de mais meia (ALMEIDA, 2001: 160) e poucos são os que apre-
claro sentido, integram a cena vetero-testamentária sentam um claro sentido. A figuração não aparenta,
de Daniel na Cova dos Leões (charola de Tomar), um na maior parte das vezes, fazer parte de um programa
dos temas mais comuns do românico do ocidente eu- iconográfico.
ropeu. As interpretações que a historiografia tem produzido
25

 Figura 1 | Capitel do Claustro, Núcleo Museológico do Mosteiro de Santa Maria de Salzedas. Foto Luís Sebastian. © Museu de Lamego, DRCN

sobre esta questão são pouco conclusivas, ambíguas cultura dos capitéis: a noção de programa que, apli-
e até forçadas. Contudo, há exemplares que mere- cada à escala do décor da igreja, tende a sugerir que
cem uma renovada atenção à luz das noções propos- praticamente tudo foi previamente definido, deven-
tas por Jérôme Baschet, Jean-Claude Bonne e Pierre- do encadear-se com o objetivo de criar um discurso
Olivier Dittmar (BASCHET et al., 2012a). A noção de contínuo e unificado, e a noção de que a distribuição
agencement destina-se a repensar a disposição dos dos capitéis não corresponde a qualquer organização
capitéis, ou seja as relações das suas relações, com a coerente. A noção de agencement pretende ser mais
configuração arquitetónica e funcional do lugar ritu- ampla, mais rica e mais subtil do que as anteriormente
al. Esta noção pretende escapar aos dois postulados referidas (BASCHET, et al., 2012b), fornecendo um esti-
opostos que habitualmente enformam a análise da es- mulante modelo operativo.
Se a questão da dificuldade interpretativa se coloca
relativamente aos capitéis, encontramos um proble-
ma semelhante no que diz respeito aos temas escul-
pidos nos portais (cat. 1). Sendo a escultura românica
portuguesa muito marcada pelo gosto da escultura
vegetalista e geométrica, fenómeno que radica na in-
fluência das pré-existências dos séculos da Alta Idade
Média e da artesania moçárabe, não é muito frequen-
te encontrarmos programas figurativos com a erudi-
26 ção, dimensão e complexidade dos exemplares dos
outros reinos hispânicos. Os portais axiais de S. Salvador
de Bravães S. Pedro de Rates e S. Salvador de Ansiães
são, neste sentido, e de certa forma, excecionais no
panorama do românico português, embora estejam
longe de apresentar a mesma escala programática
e figurativa, quando comparados com outros exem-
plares europeus. No entanto, a raridade de progra-
mas iconográficos com temas religiosos não significa
a inexistência de um sentido das imagens nos portais.
Uma grande parte da escultura românica portuguesa
afirma a conceção do portal como Porta do Céu ou
Pórtico da Glória e tem um claro sentido apotropai-
co expresso ora em signos como o nó de Salomão, o
pentalfa ou os discos helicoidais, ora na presença de
animais míticos, como as harpias ou terríficos como a
serpente, o cão e o leão (ALMEIDA, 2001: 158-159).
Animal de guarda, e símbolo mais erudito que o cão
ou a serpente, o leão está presente com esse sentido
no portal sul de S. Pedro de Rates, na fachada oci-
dental de Santa Maria Maior de Tarouquela (Cinfães),
suportando o tímpano do portal axial de S. Pedro das
Águias (Tabuaço), em mísulas de S. Fins de Friestas (Va-
lença) e em S. Salvador de Ansiães (Carrazeda de An-

Figura 2 | Capiteis igreja. Foto Pedro Martins © DRCN 


siães), onde dois leões de olhos bem abertos servem abade (DIAS, 1997) onde S. Bernardo pergunta o que
de gonzos na parte interna do portal principal, de- fazem nos claustros, entre outros seres, os leões ferozes,
monstrando claramente o seu simbolismo de animal e se refere aos capitéis esculpidos com uma só cabe-
de guarda. A propósito deste exemplar, C. A. Ferreira ça e vários corpos ou um corpo com várias cabeças.
de Almeida refere que, conforme a crença de então, Embora a arquitetura cisterciense tenha, em corres-
se acreditava que o leão, mesmo dormindo, estava pondência com o texto de S. Bernardo, utilizado raras
sempre de olhos abertos (ALMEIDA, 2001: 159). vezes a figura humana ou animal, preferindo os temas
Na simbólica medieval todos os animais são ambi- geométricos e vegetalistas esculpidos de forma conti-
valentes, assumindo um caráter positivo ou negativo. da, a verdade é que a escultura arquitectónica figu-
O leão pode simbolizar os animais hostis e ser a pró- rativa surge nos mosteiros cistercienses, principalmente 27
pria imagem do demónio, conforme a mensagem de a partir das primeiras décadas do século XIII. É disso
S. Pedro: sede sóbrios e vigiai, pois o vosso adversário, exemplo, como demonstrou M. Aitana Monge Zapata,
o diabo, como um leão a rugir, anda a rondar-vos, o mosteiro de Santa María de la Sierra (Segovia) cuja
procurando a quem devorar (1 Pe. 5, 8). A Bíblia, que filiação em Cister foi realizada por monges vindos de
menciona o leão 157 vezes, projeta essa imagem am- Cîteaux, em data anterior a 1219. Apesar de se encon-
bivalente. Nos salmos (Sal. 7, 3; Sal. 9, 9; Sal. 22, 13. 21; trar em estado de ruína, mantém uma profusão de
Sal. 56, 5; Sal. 90, 13) e em outras passagens (2 Tm. 4, capitéis animalistas. Sendo embora um mosteiro ante-
17), o leão é uma criatura claramente hostil e perigo- riormente beneditino, a construção que se conserva
sa (GARCÍA GARCÍA, 2009: 34). Já a visão positiva do deve corresponder a uma edificação já cisterciense
leão está presente tanto no Apocalipse, onde Cristo (MONGE ZAPATA, 2011: 333.).
é aclamado como o Leão de Judá (Ap. 5, 5), como A sagração de Santa Maria de Salzedas ocorrida
no Antigo Testamento onde o leão é visto como uma em 1225, altura em que os monges terão abandona-
animal forte e valente. No Fisiólogo e nos bestiários o do a Abadia Velha (cat. 8), mosteiro que ficou inaca-
caráter positivo do leão está relacionado com a sua bado (CASTRO, 2014: 16-17), indica que a época da
própria natureza, sendo uma das suas virtudes a de sua construção estava já distante dos rigores de auste-
dar vida às crias que nascem nado-mortas. Esta res- ridade construtiva da Ordem de Cister. No interior da
surreição é interpretada à imagem do próprio Cristo, igreja conservam-se capitéis figurativos, sob as pilastras
porque se realiza ao terceiro dia do nascimento (DUR- da época moderna, que a recente intervenção reve-
LIAT 1985: 75). lou. Certamente que um mais completo conhecimen-
Sendo Santa Maria de Salzedas um mosteiro da or- to das peças românicas de Salzedas merecerá uma
dem cisterciense e tendo este texto como mote um renovada atenção.
capitel figurativo que pertenceu ao claustro, é inevi-
tável referirmo-nos à célebre Apologia a Guilherme,
03 SÉCULO XII
MOSTEIRO DE SÃO JOÃO DE TAROUCA

A SACRALIZAÇÃO DOS
ESPAÇOS:
O ANEL DE ORAÇÃO DO
MOSTEIRO DE S. JOÃO DE
TAROUCA ANA SAMPAIO E CASTRO
Fundado em 1140, através da carta de couto do Capítulo medieval, situada na ala dos monges, na
concedida por D. Afonso Henriques, o mosteiro cis- continuação do transepto. Esta parede apresentava
terciense masculino de S. João de Tarouca (Tarouca, uma técnica de construção similar a todas as outras
Viseu, Portugal) foi alvo de intervenção arqueológica medievais: duas faces de silhares graníticos sobrepos-
entre 1998 e 2007, no âmbito de um amplo plano de tos, com uma altura entre os 40 a 60 cm e com uma
reabilitação e musealização da responsabilidade da espessura total entre os 100 a 112 cm. O espaço entre
Direção Regional de Cultura do Norte/Secretaria de os silhares, tendo estes uma largura entre os 20 a 50
Estado da Cultura. cm, era ocupado por pedra de média e pequena
O mosteiro encontra-se implantado no vale do dimensão e argamassa de baixa aderência, sendo
rio Varosa, no cruzamento de duas linhas de água, exatamente neste local encontrado o anel. Este po- 29
apresentando uma planta tipicamente cisterciense sicionamento revela que a sua deposição ocorreu
(figura1). Até à sua extinção, em 1834, toda a área após a colocação da primeira fiada de silhares e res-
monástica foi sofrendo várias alterações com a rea- petivo enchimento com pedra e argamassa, depre-
daptação de espaços e construção de novos edifí- endendo-se assim que a segunda fiada terá selado o
cios a norte. anel no interior desta parede.
A intervenção arqueológica, direcionada para a O anel em prata (figura 2) apresenta um diâmetro
identificação dos vários espaços existentes, permitiu de 20 mm com 3 mm de largura e 0,7 mm de espes-
a identificação da função de cada uma das salas. sura, tendo de peso 0,85 g. A altura máxima das letras
Neste contexto o anel de oração foi exumado em é de 1,8 mm, encontrando-se gravadas através de
2001 aquando da definição da parede norte da Sala punção e incisão, sendo a primeira técnica mais re-

 Figura 2 | Anel de oração. Foto José Pessoa. © Museu de Lamego, DRCN


presentativa e tendo secção em bisel com cerca de deste tipo de «legendas devocionais acrósticas». De
0,2 mm de profundidade. A segunda técnica foi ape- facto os exemplares conhecidos já para o século XVI-
nas utilizada nos segmentos circulares das letras S, B, XVII apontam para um valor apotropaico das letras
G, R e D e com uma profundidade inferior a 0,1 mm. contra a Peste, sendo que no caso deste anel o seu
O conjunto de letras maiúsculas estão associadas valor pode indicar a invocação de poderes contra os
em sete grupos e separadas por sete cruzes gre- malefícios, os incêndios e as tempestades. Esta carga
gas potentadas: + Z + DIA + SAB + Z + MGF + BFRS. simbólica leva-nos a considerar que aquando da sua
Tipologicamente podem ser classificadas dentro do deposição possa ter existido uma pequena cerimó-
Alfabeto Carolino, sendo que este tipo de alfabeto nia com um sentido apotropaico e esconjurador.
30 iniciou-se, entre nós, na primeira metade de século Cronologicamente a análise gliptográfica do con-
XII, dominando a segunda centúria e parte do sécu- junto monástico medieval sugere que a igreja terá
lo seguinte. A sequência das letras corresponde ao sido a primeira construção edificada, seguindo-se a
início de um verso, representando uma oração im- ala dos monges, calefactório e cozinha. É também
petratória ou propiciatória (figura 3)(cat. 1, 2). Este de pressupor que a edificação do claustro se tenha
anel reveste-se ainda de extrema importância cultu- efetuado ao mesmo tempo, embora não tenhamos
ral, visto que, até à data, é o exemplo mais antigo quaisquer dados gliptográficos que nos permitam

+
D – Deus absconditus, dives, destructor mortis
I – Imago Dei, intellectus invisibilis
A – Alpha et Omega admirabilis
+
B – Bonitas Bonus Messias mediator propheta(m)

E B E C H+
I – Iesus iustus procedens iudex vivoru(m) et mortuoru(m)

R +

S+
S – Salvator Sanctus splendor gloria(m)
+
S – Salvator salutaris Dei, seggregatus ab omni malo
S+

+
I D+

A – Altissimus Agnus Dei qui tullis peccata mundi


B – Benignus spiritus animaru(m) sanctarum
N

N – Novissimus sacerdos

A+
B I +S +S +A B
+
S – Serpens exaltatus in cruce vos q(ui) credis in ipso n(on) pereat s(e)d habeat vitam eternam
+
H – Homo, hostia, hostium
C – Candor lucis eternae, Christus, creator, consolator
E – Emanuel egenus
B – Bona radix Jesse, bonus et fidelis
E – Excelsior calis factus expectatio gentiu(m)
R – Redemptor rex regnum
+
 Figura 3. Foto José Pessoa. © Museu de Lamego, DRCN S – Sancte Deus, Sancte fortis, Sancte et immortalis misere nobis
31

 Figura 4 | Panela votiva. Foto José Pessoa. © Museu de Lamego, DRCN


32
33

terior sugere que esta tenha sido depositada como


corroborar esta hipótese, pois a fundação original preenchimento, resultando na fragmentação, sem
foi totalmente desmantelada dando lugar a um deslocamento, das paredes da peça.
novo claustro de estilo maneirista. Contudo podemos Esta deposição contrasta com a trivialidade do
apontar como baliza cronológica da construção objeto: uma panela de fabrico comum com vestí-
destes edifícios, nomeadamente da Sala do Capítu- gios de fuligem, fruto da sua continuada utilização.
lo, os últimos decénios de século XII e os primeiros da A aparente banalidade poderá conter uma carga
centúria seguinte, corroborando assim a datação da simbólica, uma vez que não serviu de recetáculo a
produção do anel de oração. qualquer matéria orgânica então desintegrada, pois
A intencionalidade desta deposição poder-se-á re- como foi verificado encontrava-se preenchida inte-
lacionar com um outro artefacto exumado durante a riormente com terra. Embora a maioria das deposi-
intervenção arqueológica: uma panela de cerâmica ções conhecidas em contextos de construção se re-
preta (figura 4) encontrada no alicerce da Sacristia portem a moedas, têm vindo a ser detetados outros
original. Encontrava-se colocada na sua posição na- objetos mais triviais, como por exemplo uma espinha
tural e no topo do aterro colocado para a elevação de peixe colocada com um fragmento de cerâmica,
do piso lajeado da Sacristia. Para além do seu posi- sob um dos ladrilhos de um piso de tijoleira relaciona-
cionamento perfeitamente vertical, o facto da terra do com a reformulação da antiga casa da moeda
que se encontrava no seu interior ser idêntica à ex- no Porto, em cerca de 1628.

 Figura 1 | Planta do mosteiro medieval de S. João de Tarouca. Figura Luís Sebastian. © Museu de Lamego, DRCN
04 SÉCULOS XII - XIII
MOSTEIRO DE SANTA MARIA DE AROUCA

A MÚSICA NA ORDEM
DE CISTER E OS
ANTIFONÁRIOS
DE AROUCA
MANUEL PEDRO FERREIRA
A música tem um papel central no culto cristão; ela liturgia e à música religiosa. Isto foi facilitado por uma
projecta a palavra revelada, sacralizando-a e ajudan- notação musical («notação aquitana») que represen-
do a modular o decorrer do tempo de acordo com o tava espacialmente a posição das notas em torno de
ritmo da liturgia (FERREIRA, 2007) (cat. 13). O carácter uma linha horizontal de referência, permitindo assim a
do antigo canto litúrgico é transversal aos vários ritos, cada indivíduo aprender sozinho uma melodia nova.
quer do Oriente, quer do Ocidente latino. Na Penín- Recordemos que a dimensão musical da liturgia ca-
sula Ibérica, após a unificação política imposta pelos tólica era baseada no canto a uma só voz, ou seja,
Visigodos, impôs-se um rito «hispânico» de que há tes- com uma única linha melódica, ainda que a execu-
temunho musical fragmentário no Palácio Episcopal ção coral fosse dominante. No repertório romano-
de Lamego. Trata-se de um bifólio, que serviu durante franco coexistiam então o canto gregoriano tradicio- 35
séculos como capa de livro, que inclui, entre outros nal e peças de variada índole: melodias recentes para
itens, o «Sono» Refugium meum deus meus, a «Laudes» o Ordinário da Missa, ofícios completos suscitados por
Laudate dominum a terra montes, e a leitura das La- novas devoções ou festividades, hinos comemorativos
mentações de Jeremias (III, 1-3) para o quinto domin- compostos em diferentes épocas, e um grande núme-
go da Quaresma (FERREIRA, 2010: 58-81). Atendendo a ro de amplificações do canto gregoriano destinadas
que a Catedral de Lamego foi reestabelecida na sua a solenizar ou sublinhar a sua inserção litúrgica, mor-
dignidade eclesiástica pelo rei de Leão e Castela, no mente «tropos» e sequências de Aleluia com ou sem
terceiro quartel do século XI, é possível que este frag- texto próprio («prosa»). Com a chegada triunfal, em
mento fosse originalmente parte de um livro de origem meados do século XII, da Ordem de Cister, foi impor-
castelhana ou leonesa. Após 1080 deu-se a substitui- tada e disseminada no ocidente da Península uma
ção do rito hispano-visigótico pelo rito romano-franco versão sistematicamente depurada e bastante parti-
(o rito da cidade de Roma, reinterpretado e suplemen- cular das melodias gregorianas e um hinário preten-
tado pelos clérigos do Império carolíngio aquando da samente restaurado, baseado na tradição milanesa;
sua adopção na segunda metade do século VIII). As a notação musical usada até ao início do século XIII,
antigas melodias hispano-visigóticas, registadas por neumas do nordeste francês dispostos sobre pauta,
escrito através de neumas melodicamente imprecisos, com características particulares, é sintomática da fi-
deixaram de ser ensinadas e foram esquecidas, com liação em Claraval dos mosteiros cistercienses portu-
poucas excepções. Para que os clérigos pudessem gueses (extensiva a quase todos os mosteiros galegos,
aprender as melodias romano-francas (o chamado em contraste com o sucedido em Leão, onde Cîteaux
«canto gregoriano»), importaram-se livros, métodos de estabeleceu o importante mosteiro de Carracedo, ou
ensino e professores, maioritariamente vindos do sul e Castela, dominada por Morimond).
sudoeste de França (sobretudo da Aquitânia), que ti- A Ordem de Cister distinguiu-se, nos primeiros séculos,
nha uma pujante tradição regional no que respeita à pela definição, imposição centralizada e observância
estrita de regras em todos os campos da actividade participarem regularmente no Capítulo Geral, reu-
monástica. Na definição dessas regras, os cistercienses nido anualmente em Cister para discussão de casos
foram norteados pela vontade de regresso às fontes particulares e aprovação de normas estatutárias. Por
primitivas. Assim aconteceu com a Regra de S. Bento, vezes havia dispensas transitórias. Por volta de 1200, a
com a pronúncia do latim, com a selecção do hinos e tolerância máxima de não-comparência para aba-
com a eleição da tradição melódica gregoriana. dias distantes como as da Escócia era a presença a
É, de facto, sabido que na primeira metade do sé- cada quatro anos, extensível a cinco por motivo de
culo XII a Ordem de Cister procurou chegar a uma edi- força maior; mas já em 1211 a regra para o abade de
ção do canto gregoriano o mais fiel possível às origens; Aguiar (então um dos mosteiros mais importantes do
36 para tal começou por adoptar a tradição de Metz, re- reino de Leão) era a comparência ano sim, ano não.
putada a mais antiga, mas, perante a insatisfação de Ora, em 1197 são desculpados pelo Capítulo Geral os
muitos monges (que recusavam admitir a autentici- abades ibéricos que não haviam comparecido por
dade do seu idiomatismo germânico), a Ordem criou causa das incursões muçulmanas ocorridas no centro
uma edição musical própria (FERREIRA, 2003). da Península, mas encarrega-se o abade de Aguiar
Tal como explicado pelo próprio S. Bernardo no Pro- de distingui-los dos que faltaram sem motivo, e que
logus in antiphonarium, os seus antecessores, por volta devem, portanto, cumprir uma penitência (BORGES,
de 1110, decidiram que «nos louvores divinos devia 1998; CANIVEZ, 1933).
cantar-se segundo o que fosse mais autêntico»; de- Neste contexto, a originalidade dos livros cistercien-
pois de se adoptar o antifonário da catedral de Metz, ses copiados em Portugal é necessariamente limitada,
e tendo concluído que este era corrupto, os monges mas pode ser identificada na adopção de tradições
continuaram a usá-lo até que num Capítulo Geral re- locais (sobretudo relativas ao santoral), no desenvolvi-
alizado entre 1135 e 1140, «decidiram que devia ser re- mento do culto mariano, na adição de hinos e mesmo
visto e corrigido» (GUENTNER, 1988: 152). Esta segunda na composição polifónica (FORTU, 2014). O principal,
reforma, promulgada entre 1142 e 1147, foi preparada senão único, centro de produção manuscrita de livros
sob a supervisão de S. Bernardo por uma comissão de de coro em Portugal era Alcobaça. O repertório cis-
especialistas, provavelmente presidida por Guido Au- terciense foi posteriormente adoptado pelos mosteiros
gensis, abade e autor de um detalhado tratado musi- femininos de Lorvão e Arouca, refundados com patro-
cal, Regulæ de arte musica (MAÎTRE, 1995). cínio real nas primeiras décadas do século XIII.
Os livros de canto, em qualquer parte da Europa A adopção do uso Cisterciense implicava o recur-
onde houvesse mosteiros cistercienses, deviam copiar so aos livros, ao conselho e à instrução providenciada
até ao mínimo detalhe o modelo centralmente apro- por monges cistercienses. O mosteiro cisterciense mais
vado. As actualizações das rubricas e do repertório próximo, S. João de Tarouca era, a par do mosteiro de
eram facilitadas pela obrigatoriedade de os abades Alcobaça, um dos mais importantes mosteiros portu-
gueses. Os manuscritos de Arouca, contudo, nunca o grande diversidade de opiniões, muitas vezes infun-
mencionam. Em contrapartida, o testamento da Rai- dadas. A óbvia pertença deste par de antifonários a
nha Mafalda beneficia Salzedas, perto de Lamego, e uma série de manuscritos musicais que inclui também
Alcobaça a sul. Dona Urraca Viegas de Tuías, dama o Gradual de Lorvão (actualmente na Torre do Tom-
importante da região de Lamego, ligada ao mostei- bo), o antifonário do mosteiro burgalês de Las Huelgas
ro de Salzedas, onde foi sepultada, havia educado e o fragmento musical nº 11 da Biblioteca Nacional,
D. Mafalda como se fora sua filha, deixando-lhe em faz com que a datação deva ter em conta toda a
herança grande parte das suas propriedades. Pela série, bem como a produção manuscrita alcobacen-
leitura do testamento de D. Mafalda, tomamos co- se que lhe serve de contexto, o que aponta para a
nhecimento de que Alcobaça lhe devia uma quantia última década do século XII (FERREIRA, 2013). A análise 37
considerável, embora a tivesse presenteado com uma das iniciais iluminadas revela a presença de um estilo
Bíblia. É assim provável que Alcobaça tenha fornecido decorativo típico de Alcobaça — a avaliar pelos res-
livros litúrgicos a Arouca e ajudado a implementar as pectivos Missais e Legendário —, e próximo daquele
suas novas rotinas monásticas. que, desenvolvido ao longo do século XII, se encontra
Arouca conserva um importante grupo de manus- disseminado por volta de 1200 a norte e sul do Canal
critos litúrgicos. Entre estes, avultam quatro códices da Mancha (MIRANDA, 1995, 1998; FREILE, 2007).
que perfazem dois antifonários completos, compre- Quanto ao par 22/23, o seu estilo decorativo, se
endendo cada um deles dois volumes; o conjunto bem que relativamente rico, é claramente diferente
mais antigo — Mss. 21/25 (olim 1*/2*) — é datável dos do par 21/25 (as iluminuras encontram paralelos, por
finais do século XII, e o restante — Mss. 22/23 (olim exemplo, no Sacramentário de Fitero, de c. 1200); a
3*/4*) —, do primeiro quartel do século XIII (FERREIRA, sua origem é possivelmente espanhola. Este não seria
2009). O facto de que um coro monástico requeria caso único em Arouca, pois o seu Colectário, estu-
dois antifonários, um para cada lado do coro, e a dado por Manuel Joaquim, foi importado da Galiza
circunstância de nenhum outro antifonário ter esta- (JOAQUIM, 1957); neste manuscrito, a análise dos ín-
do, que se saiba, em uso em Arouca, sugere que am- dices litúrgicos permite concluir que o conjunto das
bos os antifonários acima referidos estão em Arouca capítulas e colectas e, provavelmente, a secção do
desde c. 1225; a análise interna dos mesmos aponta Ofício de defuntos datam de c. 1228 ou copiam sem
para a mesma conclusão. alteração um modelo desse ano, enquanto o calen-
Os volumes 21/25 são um dos mais brilhantes teste- dário e as notas de cômputo que encabeçam o vo-
munhos da tradição manuscrita de Clairvaux, trans- lume foram escritos em 1231.
plantada para Alcobaça primeiramente aquando da Não são somente a impressionante qualidade artísti-
sua fundação, e novamente em finais do século XII. ca, a data recuada e o bom estado de conservação
A sua datação e a sua origem têm dado azo a uma que fazem dos antifonários 21/25 de Arouca testemu-
nhos artísticos e musicais de primeira ordem, mas tam- duas peças a duas vozes acrescentadas ao Gradu-
bém a presença, no Ms. 25, de uma adição rara: um al de Hauterive (Oxford, Bodleian Library, lat. liturg.
hino a São Bernardo, escrito para duas vozes por volta d.5), que, embora incaracterísticas, se costumavam
de 1225, num estilo bastante arcaico para a época. considerar o primeiro exemplo histórico conhecido de
O códice recebeu nova encadernação em 1483; um polifonia cisterciense. O discante a S. Bernardo passa
bifólio solto, escrito nas páginas interiores, foi integrado portanto a partilhar com estas peças o estatuto de
no volume e corresponde desde então aos seus fólios mais antiga polifonia cisterciense, sendo ainda, das
2 e 3. No fólio 2v, vêem-se dois hinos em honra de S. três composições, a única a ilustrar uma devoção ca-
Bernardo, copiados na primeira metade do século XIII, racterística da Ordem de Cister (edição musical e gra-
38 provavelmente por altura da introdução em Arouca vação em CD in FERREIRA, 2008).
do uso monástico cisterciense (FERREIRA, 2010: 212-54). Apresentam-se de seguida alguns excertos do texto
O hino que encima o fólio, «Exultat celi curia», aparece musicado, numa tradução semanticamente exacta,
com notação musical para duas vozes, dispostas uma embora poeticamente aproximativa:
por cima da outra. Apesar do aspecto modesto, trata- Exulta a corte do Céu, alegre com júbilo festivo;
se do documento polifónico mais antigo até hoje en- folga a Santa Madre Igreja com o seu santo filho.
contrado em Portugal. Para além deste facto, que por Bernardo, desde pequeno, grande virtude mostrou;
si só lhe asseguraria uma importância excepcional, o do mundo, em virginal graça, vencedor desabro-
hino de Arouca é sensivelmente contemporâneo de chou.

 Figura 2 | Arouca, Museu de Arte Sacra, Ms. 21 (Antifonário, c. 1195). Início do responsório Quadraginta dies et noctes.
Fotografia Diogo A. Veiga © CESEM.

 Figura 1 | Arouca, Museu de Arte Sacra, Ms. 21 (Antifonário, c. 1195). Início do responsório Angelus Domini descendit.
Fotografia Diogo A. Veiga © CESEM.
[...] Amante da solidão, servir a Deus desejava; XVII, sem cota, com encadernação mole de carnei-
palavras de admirável doçura escrevia, lia e ensi- ra castanha. O volume transmite composições sacras
nava. normalmente a 4 vozes (por vezes a 5 ou a 3 vozes) de
[...] Bernardo, que as tentações do mísero mundo vários autores, muitos deles anónimos; os que apare-
tinha desprezado, cem identificados incluem o célebre Cristóbal de Mo-
ofereceu, da vida, o perfume, como um perfumoso rales (representado por um raro Magnificat), os com-
nardo. positores Manuel Mendes e Francisco Vellez, ligados a
[...] Maravilhosa era a sua simplicidade e grande a Évora, e Aires Fernandes, ligado a Coimbra, todos do
sua paciência; século XVI; e ainda músicos activos por volta de 1600,
enorme era a sua caridade e também a sua sapi- como António de Oliveira, Simão dos Anjos de Gou- 39
ência. veia e Frei João Leite Azevedo, também conhecido
Em louvor da santa Virgem Maria, livros fez editar; por D. João dos Mártires; completa a lista de autores
da Mãe de Deus e do Homem nos legou louvor um enigmático «Brasil». O códice foi recentemente
exemplar. objecto de uma dissertação exemplar, que demons-
Anote-se ainda a presença em Arouca de um livro trou a sua vinculação interna ao ambiente cistercien-
de música polifónica da primeira metade do século se (CARVALHO, 2012).

 Figura 5 | Arouca, Museu de Arte Sacra, Ms. 23 (Antifonário, c. 1220).


 Figura 3 | Arouca, Museu de Arte Sacra, Ms. 25 (Antifonário, c. 1195). Início do
Pormenor: iluminura com figura de rainha (D. Mafalda?). Fotografia
responsório Vidi speciosam sicut columbam. Fotografia Diogo A. Veiga © CESEM.
Diogo A. Veiga © CESEM.

 Figura 4 | Arouca, Museu de Arte Sacra, Ms. 22 (Antifonário, c. 1220). Cânticos para primeiro domingo do Advento e
sábado anterior, incluindo o início do responsório Aspiciens a longe. Fotografia Diogo A. Veiga © CESEM.
05 SÉCULO XII
CIMBRES
COUTO DO MOSTEIRO DE SANTA MARIA DE SALZEDAS

O COUTO DE SANTA
MARIA DE SALZEDAS:
O MARCO TERRITORIAL
DE CIMBRES ANA SAMPAIO E CASTRO
Durante a Idade Média a delimitação de domínios 2 – Caminhos: «strada mourisca», «viam couam» e
era comummente demarcada fisicamente através «viam antiquam» (AZEVEDO, 1958: 315-316; 354-
da colocação de marcos ou padrões de pedra. Os 355).
mais usuais são aqueles de secção circular e dispos- 3 – Termos territoriais: «divisionem Sancti Felicis»,
tos verticalmente no solo, apresentando uma ins- «cautum Palacioli et Sever», «cautum de Leo-
crição no topo relativa ao proprietário do domínio. mir», «parte per Serzedo», «dividit per Sancto
Eram colocados em locais onde não existiam qual- Martino das Caas», «Ceimada», «Lamego» e
quer tipo de elementos geográficos ou humanos que «Hermamar» (AZEVEDO, 1958: 291-292; 315-316;
pudessem servir de limite, sendo escolhidas áreas 354-355).
onde poderiam ocorrer disputas territoriais com ou- Uma das primeiras notícias referentes ao couto de 41
tros senhores ou populações. Argeriz data de 1135, onde Egas Moniz e Teresa Afon-
A fixação dos limites de um couto seguia pelo me- so adquirem propriedades em S. Pedro e Cimbres1
nos dois tipos de elementos – geográficos e humanos. (cat. 9). Argeriz agregava um vasto território, corres-
No primeiro podem-se incluir referências a linhas de pondente, grosso modo, a cinco freguesias atuais:
água ou elevações. O segundo apresenta normal- Ucanha, Granja Nova, Vila Chã da Beira e Salzedas
mente como limites monumentos funerários, cami- do concelho de Tarouca e Cimbres do concelho de
nhos, termos territoriais de outros domínios ou estru- Armamar, sendo detido por Egas Moniz e após a sua
turas antrópicas. morte a sua segunda esposa, Teresa Afonso, herdou
No caso do couto do mosteiro cisterciense masculi- metade (FERNANDES, 1984: 28).
no de Santa Maria de Salzedas observamos o recurso Após a fundação do mosteiro de Santa Maria de
a elevações: «montem qui dicitur Aveis», «montis qui Salzedas e doação do seu couto por Teresa Afonso, o
dicitur Maoes», «sumitatem de Lamelas», «Saxo», «Poi- topónimo Argeriz desapareceu, sendo substituído por
jo», «Ledanarium», «montem de Almudafaz», «Montem aquele de origem monástica.
Rasum» (AZEVEDO, 1958: 291-292; 315-316; 354-355) e Entre 1152 e 1164 sucedem-se vários documentos
a linhas de água: «fontem de Felmiro», «Barosa», «pe- relativos ao couto de Argeriz, sendo referidos os seus
lago de Mauriano», «fontem de Salgueiro», «aquam limites em três deles. O primeiro, de 1152, é a carta
de Torno», «fontem de Centanaes» (AZEVEDO, 1958: de doação de D. Afonso Henriques a D. Teresa Afon-
291-292; 315-316). so. No segundo, de 1155, D. Teresa Afonso recebe
Relativamente a elementos humanos existe a pre- permissão real para a transferência do couto para o
sença de: mosteiro de Salzedas. E o documento de 1161 onde
1 – Monumentos funerários: «arcam de Mendo Her- D. Afonso Henriques outorga a carta de «firmidão» ao
mezendiz» e «arcam de Pelagio Randis» (AZEVE- mosteiro com a isenção dos direitos reais.
DO, 1958: 315-316). Analisando o trio documental e iniciando o percur-
so do término do couto a sul (figura 1), verificamos as laciolo et revertitur in torno et quomodo dividitur
seguintes referências: cum Sever atque cum seixas», correspondendo
1 – «per portum de Alvares», podendo ser atribuída à divisão com o couto de Passô («palaciole»),
à passagem do rio Varosa, provavelmente de sendo situada na junção do rio Torno com a ri-
poldras, junto à atual localidade de Dalvares beira de Santiais. Este limite segue o curso do
(FERNANDES, 1985: 57). rio Torno («per aquam de torno»), dividindo tam-
2 – «per illum montem qui dicitur Averiz» ou «et per bém com o couto de Sever e por Seixas.
montem de Almudafaz», correspondendo à 9 – «et dividit per illum cautum de Leomir et parte
elevação junto à presente povoação de Val- per Serzedo», «postea dividit cum Leomir per la-
devez. ginam de seixa» ou «et cum Serzedas», refere-se 43
3 – «per illum fontem de felmiro» ou «fonte de Sal- à partição pelo couto de Leomil e pela atual
gueiro», possivelmente alude a uma nascente freguesia de Sarzedo (concelho de Moimenta
de uma linha de água que corre em direção da Beira).
ao rio Varosa. 10 – «et per sanctum Martinum de Cas», «deinde ad
4 – «et quomodo dividitur cum summitatem illius sartaginem», «postea ad fontem de salgueiro»,
montis qui dicitur Maoes», reporta-se à eleva- «deinde per ledanarium» ou «et cum sancta
ção junto do atual sítio de Mões. Maria de Lobazaim et cum sartagine et cum
5 – «et per illam divisionem sancti Felicis» ou «dein- Sancto Martino per vallem de Cadellas et per
de ad cautum de cruzilada de sancto Felice», illum saxum de Ledenario». Limite pelo couto
refere-se a Sanfins, povoação com términos de S. Martinho das Chãs, posteriormente in-
próprios nesta época (FERNANDES, 1985: 99). tegrado no couto de Santa Cruz de Lumiares
6 – «per summitatem de Lamellas», corresponden- (FERNANDES, 1985: 100), sendo «sartaginem»
do à elevação nas proximidades do lugar de ou «sartagine» a fronteira oeste, entre os sítios
Lamelas. de Lameira Longa e Carvalhos, do couto de
7 – «et vadit per illum furatorium», «deinde ad capi- Santa Maria de Lobozaim. Este último, embora
ta de furadorio» ou «et per caput de furadoiro», tendo-se perdido o topónimo, corresponde-
embora presentemente não exista uma corres- ria à localidade de Castelo, no concelho de
pondência para este topónimo podemos supor Moimenta da Beira (FERNANDES, 1985: 58). A
tratar-se do cume («caput») de algum outeiro referência a «fontem de salgueiro» provavel-
denominado de «furatorium». mente relaciona-se com a nascente da ribeira
8 – «et dividit per illum cautum palaciole et Sever de Temilobos e «per vallem de Cadellas» ao
et per illas sexae», «deinde per aquam de torno vale formado por esta mesma linha de água.
cum palaciolo» ou «quomodo dividitur cum pa- «Ledenario» ou «ledanarium» reporta-se ao

 Figura 1 | Limite do couto do mosteiro de Sta Maria de Salzedas. Figura Ana Sampaio e Castro
monte Ladário, atual Senhora da Graça (Cim- 2) e 2 - que, possivelmente, aqui foram colo-
bres, Armamar), ainda assim denominado por cados evitando disputas territoriais com estas
Fr. Baltasar dos Reis (2002a: 12) nos inícios de povoações.
século XVII. 12 – «et per illo poio et venit ad Barosam», «postea
11 – «et per illa strada mourisca et per Ceimada», per Laginam», «deinde per valem viridem», «di-
«postea per viam covam», «postea ad arcam viditur cum Lamego per pelago de Mauriano»
de Pelagio Randis», «postea ad arcam de ou «atque cum illa ficulnea de area petrina et
Mendo hermezendis», «deinde aqua vertente cum Lameco per vallem viridem et intrat in Ba-
cum Queimada» ou «et cum sancta Cruce per rosam». «poio» deverá corresponder ao monte
44 aucturas atque cum Hermamar et per illam ar- onde se ergue a capela de S. Lourenço, iden-
cam de Pelagio Randiz et per illam viam anti- tificando-se aqui também um marco (Marco
quam usque in montem rasum». A referência a 5). «per Laginam» adequa-se ao limite anterior
«strada mourisca», «viam antiquam» ou «viam a este marco, entre o monte designado por
covam» corresponde a uma via que de Quei- Raso e a capela de S. Lourenço. «vallem viri-
madela ligava a Santa Cruz de Lumiares (CAS- dem», topónimo atualmente inexistente, pode
TRO, 2014: 46). «arcam de Pelagio Randiz» e ser interpretado como o vale imediatamente
«arcam de Mendo hermezendis» sugere como a seguir à elevação da capela de S. Louren-
limite túmulos de senhores que nesta época ço, dirigindo-se para o rio Varosa. «pelago de
eram colocados em locais de passagem (FER- Mauriano» é o atual Poço de Mourão, junto
NANDES, 1985: 59), tendo posteriormente sido ao rio Varosa. «ficulnea de area petrina» é de
substituídos por marcos (Marco 3 e 4). «sancta difícil interpretação, podendo contudo cor-
Cruce per aucturas», «Ceimada», «Hermamar» responder à fronteira entre o monte Raso e a
e «montem rasum» refere-se aos términos de capela de S. Lourenço, pois a linha posterior
Santa Cruz de Lumiares, Queimada, Armamar é Lamego e «vallem viridem». O limite oeste
e monte Raso. Este limite está bem definido no do couto era definido pelo rio Varosa até ao
terreno através de marcos - Marco 1 ( figura primeiro ponto.

Figura 2 | Marco de Cimbres. Foto Luís Sebastian. © Museu de Lamego, DRCN 

1. «in termino de Argeriz subtus Ledanarium discurrentibus rivulis Torno at Barosa» (FERNANDES, 1995: 204).
45
06 SÉCULOS XII - XIX
MOSTEIRO DE SANTA MARIA DE AGUIAR

AS GRANJAS
DE SANTA MARIA
DE AGUIAR:
O CASO DA FOZ
DA RIBEIRA DE AGUIAR LUÍS CORREDOURA
A presença da Ordem de Cister ao longo das mar- as separava. No entanto, dado o facto de a Granja
gens do Douro ocorreu em vários pontos, consoante da Foz da Ribeira de Aguiar ainda hoje estar intima-
a localização do mosteiro (cat. 1) e a facilidade de mente associada à maior riqueza local, i.é, à produ-
acesso ao curso de água. Em relação ao cenóbio de ção vitivinícola, o presente ensaio incidirá sobre esta
1
Santa Maria de Aguiar , situado nas proximidades de propriedade, em tempos património dos monges de
Figueira de Castelo Rodrigo, c. de 20km a sul do Dou- Cister, uma das onze granjas que outrora estava asso-
ro, as propriedades que este complexo monástico ciadas ao mosteiro em questão.
detinha junto ao grande curso de água poder-se-iam Em termos de implantação, a mencionada granja
resumir, basicamente, a duas: Granja de S. Cibrão e situava-se na freguesia de Almendra, concelho de
Granja e Pesqueira da Foz da Ribeira de Aguiar. Em Vila Nova de Foz Côa, numa «península» bordejada 47
termos geográficos, não era grande a distância que pelo rio Douro, a norte, e pela ribeira de Aguiar, a sul

 Figura 1 |Granja e Pesqueira da Foz da Ribeira de Aguiar. Extracto da carta militar nº141 à escala aprox. 1: 50 000 -. Cerca de 3Km a nascente da actual «Quinta da Granja» localiza-
se o monte Castelo, sítio onde se encontram as antigas ruínas da cidade de Calábria. (imagem a partir de cartografia do Instituto Geográfico do Exército).
e poente, encontrando-se alcantilada (figura 1) no alto de decli-
vosas encostas que descem até ao leito destes cursos de água.
O seu acesso realiza-se através de um caminho de terra batida
que entronca na E.N. 322 e que também permite chegar às ru-
ínas existentes nas imediações do antigo povoado conhecido
como Calábria.
Presentemente propriedade da empresa Sogrape, ligada à
produção vinícola e comércio de vinhos, a «Quinta da Gran-
ja» – designação actual do local – estende-se por cerca de 80
48 hectares cobertos de vinha. Situada num local privilegiado, não
obstante os sinuosos acessos, apresenta um grande potencial
para exploração turística, graças à paisagem envolvente, e
fundamentalmente vitivinícola. Das construções existentes, há a
salientar o complexo de apoio à quinta, localizado no extremo
poente da mesma, sobre o local de encontro das águas da ri-
beira de Aguiar com o rio Douro. Edificado num estilo puramente
vernacular, não foi possível averiguar como é a distribuição dos
espaços interiores, situação que também impediu um melhor dis-
cernimento quanto à antiguidade das construções, supondo-se
que o existente remonta, quanto muito, ao século XIX – quiçá
edificado sobre outras mais prístinas –. Uma série de construções
avulsas, usadas como dependências pelos trabalhadores agrí-
colas junto à construção principal também desvirtuam o local,
impedindo uma melhor percepção da verdadeira dimensão da
(figura 2) implantação do edifício principal. Na margem oposta
àquela onde se situam estas construções, existem umas ruínas in-
teressentes cujo acesso se afigura quase impossível. Não se sabe
se pertenceram ao complexo cisterciense e qual terá sido a sua
função (figura 3).
Em termos históricos, a Granja da Foz da Ribeira de Aguiar está
indissociavelmente ligada à história da Granja de S. Cibrão, vis-
to ambas terem sido a «ponta da lança» do Mosteiro de Santa
Maria de Aguiar nas margens do Douro, rio sobremaneira impor-

Figura 2 | Ortofotomapa da actual «Quinta da Granja». A parte


urbana da quinta localiza-se no extremo poente da propriedade.
(Serviços Técnicos da C. M. de Vila Nova de Foz Côa) 
49
tante para o escoamento da sua produção agrícola. concelho de Castelo Rodrigo, sendo a mesma en-
De igual modo, não se poderá olvidar a importância dossada ao abade Raimundo, ao seu prior Hilário e
que as pesqueiras situadas nesta granja terão tido no a todo o mosteiro de Aguiar, na qual é confirmada a
fornecimento de peixe aos monges de Aguiar, condi- doação da granja da foz de Aguiar e anunciado que
cionados que estavam por uma dieta que lhes restrin- ninguém poderá pescar nas suas levadas4.
gia o consumo de carne. Outra referência digna de nota que surge na docu-
Referênciada pela primeira vez no ano de 1176, mentação do arquivo de «Aguiar» depois das men-
quando o rei Fernando II de Leão doa esta pesqueira cionadas prende-se com o aluguer que o mosteiro
ao Mosteiro de Santa Maria de Aguiar, representado fez, em 1466, desta pesqueira e dos seus moinhos a
50 pelo abade D. Hugo2, a doação da Granja da Foz um tal Gil Fernandes5.
de Aguiar acabaria por ser confirmada em 1217 pelo No «Tombo da Fazenda do Mosteiro de Nª Sra de
sucessor do rei de Leão, D. Afonso IX3. Aguiar, 15436» é referido que «a foz de Aguiar é uma
Em 1222 é emitida uma carta pelos alcaides do quinta que o Mosteiro tem no Douro a qual parte [a

Figura 3 | Vista nascente da parte urbana da «Quinta da Granja»   Figura 4 | Vista panorâmica da encosta sul da «Quinta da Granja», repleta de vinhedo. A ribeira de
Aguiar delimita este lado da propriedade.
descrição dos limites desta quinta foi truncada (figura rias do Mosteiro de Santa Maria de Aguiar da Con-
4) na restante folha] (…). A Foz de Aguiar traz arren- gregação de Santa Maria de Alcobaça da Ordem
dada Francisco Martins, morador em Almendra, por de S. Bernardo», redigidas em 1785, refere que nesta
nove anos que se começaram por S. Marinho de mil data «ainda o Mosteiro possui esta quinta que borde-
quinhentos e quarenta e dois anos e há-de pagar ja os rios Aguiar e Douro6».
cada ano trinta fanegas de trigo e cem barbos de Desamortizada aquando da extinção das ordens
dois palmos e duzentas e cinquenta bogas, um bode religiosas em 1834 (cat. 18), passou pelas mãos de
e quatro perdizes e o pão por Santa Maria de Agosto vários proprietários, até ter sido adquirida há alguns
e as perdizes pelo natal e o bode pela Páscoa e as anos pela empresa Sogrape Vinhos. A actual «Quinta
bogas e barbos pela Quaresma». da Granja», cujo nome demonstra bem ser uma remi- 51
Fr. Manuel de Figueiredo, «cronista dos cistercienses niscência de outros tempos, é nos dias presentes uma
de Portugal e Algarves», nas suas «Abreviadas Memó- das principais unidades produtoras de uvas para vi-
nho desta empresa.

1. Fundado ou filiado algures entre 1171 e 1175.


2. In AN/TT, “Aguiar”, m.7, doc.12.
3. In AN/TT, “Aguiar”, m.1, doc.28. “Adefonsus dei grati Legionis Rex. Totis qui litteras istas uiderint Salutem et gratiam. Sapiatis quod/Ego Concedo et Autorgo
Abbatj et fratribus de Aguilar illas pesqueiras de fouze de / Aguilar.ut habeant eas in pace et possideant.sicut unquam melius habuerunt.et possederunt./ libe-
rius.De illa autem uinea que ibi est. Mando quod adueniant se cum suis dominis.et de / beneplacito eorum comparent eas si uoluerint comparare.Et defendo
firmiter et incauto quod / nullus faciat predictis Abbatj et fratribus de Aguilar tortum nec forciam nec demagis.super / predictis pesquariis.Et qui inde aliud fecerit.
iram meam habebit et quantum prendiderit dup / plabilt.et mihi.C.Morabitinos pectabit.Datum in Almeida.X.die Januarij.(…) ».
4. In AN/TT, “Aguiar”, m.3, doc.139.
5. In AN/TT, “Aguiar”, m.6, doc.15.
6. In AN/TT, “Aguiar”, m.12, doc. 31.
7. Cit. por Júlio António BORGES (2001: 215).
ribeira de
07 SÉCULO XV
UCANHA
COUTO DO MOSTEIRO DE SANTA MARIA DE SALZEDAS

A PONTE FORTIFICADA
DE UCANHA
ANA SAMPAIO E CASTRO
Classificada Monumento Nacional pelo decreto apresenta balcões, assentes em cachorros, com ma-
de 23 de Junho de 1910 (DG, 1ª série, n.º 136) a ponte tacães servindo para o lançamento de projéteis. Este
fortificada de Ucanha (Ucanha, Tarouca), construída tipo de balcões surge no final de século XIII, durante
sobre o rio Varosa, constitui um dos raros exemplares o reinado de D. Dinis, tornando-se popular durante
ainda sobreviventes deste tipo de construções (figura todo o século seguinte e prolongando-se até ao iní-
1). A ponte, em cavalete, apresenta quatro arcos cio de século XVI (NUNES, 2006: 56). Atualmente o
quebrados e dois talhamares triangulares a montan- topo da torre tem telhado de quatro águas, obra
te. A torre, de planta quadrada, tem o piso térreo realizada pela DGEMN nos finais dos anos 30 do sé-
vazado por arco de volta perfeita, sendo o interior culo passado e enquadrada em várias intervenções
constituído por três pisos distintos. Os alçados oeste aqui efetuadas por esta instituição, nomeadamente 53
e este do primeiro piso têm pequenas frestas para a obras de demolição e reconstrução dos pisos interio-
entrada de luz. No segundo andar são observáveis res. Em fotografia publicada em 1933 nas «Memórias
janelas geminadas de perfil gótico nas faces oeste de Mondim da Beira» (VASCONCELLOS, 1933: 83, 85),
e este. O centro dos quatro alçados do terceiro piso a torre ainda conserva as ameias originais, quatro em

 Figura 1 | Vista geral da ponte fortificada de Ucanha. Foto Pedro Martins © DRCN
cada aresta e uma a meio de cada face, sendo lar- bre o rio Côa, apresenta um tabuleiro em cavalete,
gas e altas, apontando para uma solução caracterís- três arcos quebrados, dois talhamares triangulares a
tica do século XV (NUNES, 2006: 38-39). montante e dois contrafortes escalonados a jusante,
Marcando a entrada no couto do mosteiro de San- sendo constituída por silhares siglados. A torre, situa-
ta Maria de Salzedas e como se lê em inscrição loca- da a sul, de planta retangular, atualmente só apre-
lizada na face exterior este, a torre foi edificada por senta o andar térreo, não se entrevendo qualquer
iniciativa do então abade do mosteiro, D. Fernando, silhar siglado. Alguns autores atribuem uma cronolo-
que ocupou o cargo entre 1453 e 1474 (VASCON- gia anterior ao Tratado de Alcanices (1297), embo-
CELLOS, 1933: 84). Contudo, Fr. Bernardo de Brito (BRI- ra ainda dentro do reinado de D. Dinis, motivando
54 TO, 1602: 292) aponta a data precisa de 1465 para a sua construção o controle eficaz do trânsito nesta
a edificação da torre, embora não apresente dados importante passagem entre dois reinos (BARROCA,
concretos que refiram este ano específico. Coloca- 2008-2009: 238). Para além desta só chegaram até
mos a hipótese da ponte atual já existir aquando da nós representações iconográficas ou descrições,
construção da torre, pois como é observável no alça- como no caso da ponte fortificada de Barcelos, que
do oeste a torre foi adossada à ponte (Figura 2), para apresentava uma torre quadrada com três arcadas
além de que as marcas de canteiro presentes na tor-
re são distintas daquelas encontradas nos silhares da
ponte (figura 3 e 4).
Até ao foral de D. Manuel (1504) que proíbe o pa-
gamento de portagem, a torre serviria como depósi-
to de géneros pagos pelos viandantes que a transpu-
nham. Por aqui passava a via em direção a Lamego,
para noroeste, e para sudeste para a zona de Vila
Nova de Paiva e Moimenta da Beira, sendo provável
a sua filiação romana, pois por aqui passaria uma es-
trada ligando Lamego à Beira Interior (CASTRO, 2013:
110). É assim possível a existência, no local da atual
ponte de Ucanha, de uma travessia de cronologia
mais recuada, ainda que não restem qualquer tipo
de vestígios materiais, indicando contudo uma cons-
trução em materiais perecíveis.
Em Portugal apenas subsiste mais um exemplo des-
ta arquitetura, a Ponte de Sequeiros, no Sabugal. So-

Figura 2 | Alçado oeste da torre. Fotografia Ana Sampaio e Castro 


e associada ao Paço Condal (FLORES, 1999: 305). A Em França os exemplares que ainda subsistem datam
de Ponte de Lima, com uma ponte constituída por 24 todos entre finais de século XIII e a centúria seguinte
arcos e uma torre quadrangular em cada extremida- como a Ponte de Vieux (Orthez), Valentré (a oeste
de ou de Amarante, que exibia uma torre de defesa de Cahors) e Sospel (Côte d’Azur). Na Grã-Bretanha
quadrangular situada na margem esquerda do rio e restam duas construções deste género, a Ponte de
destruída em 1763 (SARDOEIRA, 2009: 8). Warkworth, a norte de Newcastle, dos finais de sécu-
Na Europa são conhecidas em Espanha as pontes lo XIV, inícios do século XV e Monmouth no País de
fortificadas de Besalú (Gerona), reformada no século Gales, tendo aqui a torre sido adossada nos finais de
XIV e com a mesma cronologia a de Frías (Burgos). duzentos, inícios de trezentos.
55

 Figura 3 | Quadro com as marcas de canteiro mais comuns da ponte. Figura Ana Sampaio e Castro

 Figura 4 | Quadro com as marcas de canteiro presentes em silhares e aduelas da torre. Figura Ana Sampaio e Castro 
08 SÉCULOS XVI - XXI
MOSTEIRO DE SANTA MARIA DE SALZEDAS

O MOSTEIRO E O BURGO
ANA SAMPAIO E CASTRO
NUNO RESENDE
O lugar do Burgo, situado às portas da igreja e mos- estava o dito lugar de Argeriz. A reforçar a hipóte-
teiro de Santa Maria de Salzedas (figura 1) constitui a se de um povoado antigo neste local temos ainda
materialização urbanística das relações de indivídu- as evidências arqueológicas. De facto, na encosta
os leigos ao serviço da comunidade cisterciense, ou oeste da elevação da capela de Nossa Senhora da
dela dependentes, quase desde a sua fundação, no Piedade, encontram-se numerosos vestígios de frag-
século XII, até à atualidade (figura 3 cat. 22). mentos de cerâmica comum medieval e cerâmica
Aquando do início de construção do mosteiro, em de construção. A este exemplo junta-se o do Burgo
1168, provavelmente existiria já um pequeno aglo- próximo do mosteiro de S. João de Tarouca, situado
merado populacional nas suas proximidades. Como a poucos quilómetros de Salzedas, que já existiria an-
refere A. de Almeida Fernandes (FERNANDES, 1995: tes do estabelecimento monástico (SEBASTIAN et alii, 57
203) o território, designado por Argeriz, que se tornou 2008: 143).
couto monástico tinha como povoado principal Villa É após a implantação do mosteiro que este núcleo
Plana de Argeriz, situado no sopé da elevação onde se terá transferido para o local presente, designado
se ergue atualmente a capela de Nossa Senhora da por Burgo (figura 2). Atualmente este pequeno aglo-
Piedade. Esta capela, edificada no século XVIII sob merado, na sua maior parte desabitado, é constituí-
égide monástica, deverá ter substituído uma mais an- do por um conjunto de estruturas justapostas, onde o
tiga, possivelmente a igreja de S. Salvador de Argeriz espaço privado é mais representativo, originando um
a qual, segundo um documento datado de 1153, o tecido denso e irregular com ruas estreitas, sinuosas e
seu presbítero trocou pela de S. Silvestre de Britiande descontinuadas (figura 3).
(FERNANDES, 1984: 28). De um modo geral este conjunto apresenta habi-
Uma das primeiras referências documentais onde tações com dois pisos, paredes exteriores em alvena-
encontramos Villa Plana de Argeriz data de 1144 ria de pedra no andar inferior, normalmente utilizado
(FERNANDES, 1995: 204) e em 1150 é mesmo referida para guarda das alfaias agrícolas e/ou de gado, e
a villa de Argeriz numa carta de venda de proprieda-
des efetuada a D. Teresa Afonso (FERNANDES, 1984:
15). Fr. Baltazar dos Reis (2002: 23-24) no manuscrito
Breve relação da fundação e antiguidade do Mos-
teiro de Santa Maria de Salzeda de início de século
XVII menciona um local denominado por vinhas de
Argeriz, localizado num vale, junto da igreja de S. Sal-
vador de Argeriz, edificação então ainda existente,
onde no dito sittio de Argeriz se achão oje alicesses
e vestigios de edificios antigos, aonde parece que

Figura 1 | Fachada a igreja de Salzedas. Foto Pedro Martins © DRCN 


58

 Figura 2. Ana Sampaio e Castro

Figura 3 | Arruamento do Burgo de Salzedas. Foto Luís Sebastian 

de tabique no piso superior e nas divisões internas. deve-se a fatores como o clima ou a facilidade de
Esta técnica encontra-se, sobretudo, na designada acesso a materiais autóctones, evitando um custo
arquitetura vernacular das regiões do Alto Douro, acrescido na construção das habitações e paralela-
Trás-os-Montes e Beira Alta. Consiste na aplicação mente criando um ambiente mais estável no interior
de terra argilosa, amassada com água e fibras ve- das divisões.
getais (palha) como enchimento e sob elementos de Até à época moderna o lugar parece indissociável
madeira que são colocados na vertical, horizontal do mosteiro. No foral outorgado, em 1504, ao Cou-
ou inclinados. Embora só se encontre documentada to de Salzedas ainda se não refere qualquer povoa-
entre nós a partir de século XVII, é contudo provável ção nomeada como Burgo ou Salzedas, sendo ape-
que tenha uma cronologia mais recuada, uma vez nas indicados os lugares de Granja Nova, Ucanha,
que na Europa terá sido utilizada desde a Idade Mé- Cimbres, Meixedo, Murganheira, Vila Pouca, Formilo
dia (PINTO, 2013: 32). A popularidade desta técnica e Valdevez (CASTRO, 2014: 36). Porém, no Numera-
mento de 1527 aparece referido o mosteiro da Cer- século XVII, colhemos algumas expressões da vivência
zeda, com 14 moradores o que poderia incluir a co- humana à sombra do Mosteiro. E a própria autonomi-
munidade monástica e eventuais leigos (COLLAÇO, zação do lugar, revelada na alteração das designa-
1931: 130). Efetivamente se aos 14 moradores corres- ções Burgo e Mosteiro, empregadas sistematicamen-
1
ponder um número entre os 60,2 e os 67,2 indivíduos te até 1696 e depois substituídas definitivamente no
podemos calcular o número de habitantes do Burgo formulário da documentação paroquial por Salzedas
através de uma indicação cronologicamente próxi- (ADL, Paroquiais, Mistos 1690-1723, fls. 2-2 v.º).
ma. Trata-se da referência do visitador cisterciense Titulava-se então a paróquia como do Bom Jesus
D. Edme de Selieu que, tendo passado em Salzedas de Salzedas ou do Santíssimo Nome de Jesus de Sal-
em Janeiro de 1533, indicou para o mosteiro 23 pro- zedas, sendo regida por um cura apresentado pelo 59
fessos e 3 noviços (BRONSEVAL, 1970). Subtraindo os abade do mosteiro. Os livros paroquiais revelam-nos
ocupantes do mosteiro aos 60-67 indivíduos atrás re- a inconstância dos ciclos curas nomeados, que se su-
censeados talvez possamos contabilizar pouco mais cedem em pequenos intervalos – alguns de menos
de três dezenas de indivíduos a habitar o Burgo no de um ano.
início do século XVI. A cartografia antiga também não indica, quer
Infelizmente sabemos muito pouco sobre os ho- gráfica, quer toponimicamente nem o Burgo, nem
mens e as mulheres que ali viviam que formariam Salzedas. Na região, apenas a carta de Fernando
uma mescla de lavradores, oficiais mecânicos e, Álvaro Secco (SECO, 1559-1561) assinala São Pedro
porventura, alguns comerciantes e serviçais com das Águias e as de d’Abeville (D’ABEVILLE, 1654), F.
vínculos ao mosteiro. É provável que a edificação de Wit (WIT, 1670) e de Jaillot (JAILLOT, 1711) sinalizam
do novo complexo monástico no século XIII enredas- o topónimo Tarouca. Na cartografia de setecentos
se na sua órbita vários oficiais e obreiros, foreiros e surge a Ucanha, indicada na Província da Beira por
outros colonos atraídos pela pujante atividade cons- Carpinetti (CARPINETTI, 1769 - 1779). Mas em nenhu-
trutiva e humanizadora que implicava acalentar a ma outra carta, até ao século XIX, surge o Mosteiro
formação de comunidades laboriosas, não apenas ou o Burgo de Salzedas.
para a construção, mas para o arroteamento e cul- É, contudo, um memorialista das luzes, o Padre Luís
tivo de terra bravia. Seriam talvez alguns destes ho- Cardoso que, através do seu Dicionário Geográfico
mens que no dia 6 de Janeiro de 1533 assistiram à de 1751 nos traz as primeiras notícias monográficas
sagração do novo abade de Salzedas, na presença sobre o Burgo. Segundo a sua descrição era lugar da
do visitador D. Edme que, não obstante ter conside- Provincia da Beira, Bispado, e Comarca de Lamego,
rado o lugar solitário e desabitado, se espantou com Concelho, e Termo da Villa de Ucanha, sendo Dona-
a multidão assistente (BRONSEVAL, 1970: 517-519). tarios delle os Religiosos do Mosteiro de Santa Maria
Dos registos paroquiais de Salzedas, iniciados no de Salzedas (CARDOSO, 1751: 307). Tinha 75 vizinhos
e a paróquia, com um altar, estava dentro do lugar, dos registos de casamentos, baptismos e óbitos no
com o orago Bom Jesus2. O cura era, como já refe- lugar de Salzedas, entre 1690 e 1799, obtivemos o se-
rimos, da apresentação do Dom Abade. Para além guinte gráfico:
da invocação patronal, cultuava-se dentro da igreja
matriz S. Caetano e S. Sebastião. Na paróquia exis-
tiam ainda três irmandades, a do Rosario, das Almas,
e do Bom Jesus e cura dela estendia a sua jurisdição
pelos lugares de Meixedo, Cortegada, Murganheira,
e Vila Pouca, em cujas aldeias erguiam-se as «Ermi-
60 das de S. Salvador, S. Barbara, S. Marinha, S. Antonio,
S. André, S. Luzia, e Espirito Santo. Acrescentava ain-
da o memorialista que os frutos, que em mais abun-
dancia recolhem os moradores desta Freguesia, são,
trigo, milho painço, centeyo, azeite, vinho, e casta-
nha em abundancia; tambem cria muita caça, de
coelhos, lebres e predizes» (CARDOSO, 1751, II: 307).
Sem dados estatísticos regulares disponíveis até ao  Fonte: Livros de Registos Paroquiais de Salzedas (Arquivo Diocesano de Lamego).

século XIX, apenas podemos comparar a indicação


do Numeramento de D. João III que indicava os 14 O pequeno Burgo do século XVI converteu-se, pois,
moradores da Cerzeda com os 75 vizinhos referidos ao longo dos séculos XVII e XVIII num lugar com no-
no Dicionário Geográfico de 1751. Naturalmente tável vitalidade demográfica. Ao nível de nascimen-
notamos um incremento da população, que acom- tos, o lugar de Salzedas manteve-se abaixo do regis-
panha a tendência nacional e até internacional. to anual de 100 indivíduos para, a partir do primeiro
Contudo como se terá processado este movimento quartel do século XVIII, evidenciar um considerável
demográfico localmente? Sob a jurisdição espiritual aumento quer em número de casamentos, quer de
e temporal do mosteiro, como se reflectiria esta rela- nascituros/batizados. E a progressão continua expo-
ção na demografia? nencialmente até finais do século XVIII, em particular
Valioso documento do tipo qualitativo, os registos a partir da década de 1770.
paroquiais são, também, fontes de teor estatístico A que se deveu tal crescimento? Só um estudo
que permitem uma análise da demografia local, mais aturado sobre a exploração da terra e dos seus
cujo movimento pode ajudar-nos a compreender a recursos e a sua administração pela principal entida-
relação dos seus habitantes com o mosteiro sob cuja de dominial local – o mosteiro – poderá explicar com
sombra habitavam. A partir de uma contabilização rigor este aumento demográfico. Mas um aspeto, o
da proximidade a uma estrutura arquitetónica de ção começou pela capela-mor.
grandes dimensões, explica, em parte, a fixação hu- O documento contabilístico de 1750 explica a ra-
mana no local. A necessidade de assegurar o traba- zão da obra: por ameaçar ruína a igreja necessitou de
lho braçal, a deslocação de matéria-prima e a sua intervenções que começaram pelos fundamentos da
transformação – processo destinado a abastecer os cabeceira – a qual e pela aspereza do terreno onde
habitantes do mosteiro e a sustentar a maleabilidade se situava exigiu um gasto considerável. Para o proje-
arquitetónica do complexo, poderá ter contribuído to foram chamados a Salzedas Gaspar Ferreira, para
para o incremento demográfico, sobretudo ao longo fazer o risco da mesma capela e António de Andra-
do século XVIII. de, para o desenho da tribuna e coro. A descrição
São conhecidos dois períodos de grande ativida- do decurso da obra é reveladora da complexidade e 61
de construtiva em Salzedas: um no início da época grandeza (a expressão é do redator) do projeto:
moderna que corresponde aos abadessados de D. […] Em quebrar pedraria para a Capela Mor, fac-
Brás de Cimbres e D. Damião Rodrigues e outro, já tura della, e forro com muro arroda, materaes perten-
em pelo século XVIII de que é testemunho a estrutura centes a ella, como madeira para andaimes, pregos,
actual da igreja. Embora nos centremos no espaço varios ferros, Grades para as frestas, arame e feitio
eclesial, a atividade construtiva e reconstrutiva man- das [...] Cal, tijolo para as abobedas, e factura dellas,
teve-se ao longo do século XVII, nomeadamente na telha e Conducção aguço de picos, ferragem de
edificação da ala sul e segundo claustro (CASTRO, Carros e para madeira para elles, Carpinteiros e as
2014: 34). Muitas destas intervenções, à falta de do- muitas juntas de boys que se comprarão para condu-
cumentação são atestadas por cartelas datadas e zirem a pedraria, e mais materiaes para a ditta obra
breves referências esparsas pela documentação polvora e, chumbo, vidros que vierão do Porto para
(COSTA, 1984: 540). as vidraças das frestas; e mas Couzas […] (TT, Mosteiro
No entanto a obra que definiu, cremos, uma rutura de Alcobaça, 3.ª Inc., mç. 4, doc. 184, fl. 3)
com o edifício medieval foi a que marcou o abades- Esta obra, quase fundacional, em nada reflete,
sado trienal de frei Pedro Castelo Branco (1747-1750) portanto, o trabalho de Carlos Guimach que durante
– a quem José Leite de Vasconcelos indica como fi- algum tempo foi indicado pela historiografia da arte
lho de Salzedas (VASCONCELOS, 1933: 399). Na folha como o obreiro da nova igreja de Salzedas. De resto,
contabilística referente ao seu primeiro período de a sua presença em Portugal a partir de, pelo menos,
governo assinalam-se várias intervenções dispersas, o ano de 1690 (GOMES, 1996) não coincide nem com
quer pela cerca, quer fora dela (em moinhos, muros, a cronologia de edificação da estrutura de Salzedas
etc.ª), quer nos dormitórios e celas (TT, Mosteiro de Al- (iniciada por volta de 1747), nem com a linguagem
cobaça, 3.ª Inc., mç. 4, doc. 184). É, contudo, a igreja arquitetónica do frontispício cuja construção deverá
que mereceu a atenção do abade, cuja reedifica- ter ultrapassado os limites do século XVIII.
Já quanto à presença em Salzedas do arquiteto contabilística. A partir da década de 1730 registam-
Gaspar Ferreira esta é corroborada pela vasta obra se várias alusões a mortes relacionadas com obras
que deixou nas regiões da Beira Alta e do Mondego no convento: em 1734 Jerónimo, solteiro, carpintei-
tendo trabalhado como mestre entalhador e arquite- ro da Província de Entre Douro e Minho faleceo de
to em projetos para Coimbra (Biblioteca, 1718), Viseu um desastre no real mosteiro de Salzedas (ADL, Pa-
(1720 e 1733), Mangualde (1721), Santa Comba Dão roquiais, Salzedas, Óbitos 1710-1739, cx. 3, l.º 1, fl. 80);
(1737), Arouca (Mosteiro, 1744 e 1746) e Montemor- em 1750, José, solteiro, cahio das obras do convento,
o-Velho (Hospital, 1752-1754) estes últimos trabalhos (ADL, Paroquiais, Salzedas, Óbitos 1739-177, cx. 3, l.º
registados contratualmente (ALVES, 2001, I: 335-341; 2, fl. 27); em 1755 Manuel de Araújo, cayo nas obras
62 FERREIRA-ALVES, 2008: 123), a que agora se acrescen- deste Mosteiro de Salzedas, de que logo falleceo
ta a referência ao risco da capela maior de Salzedas, (ADL, Paroquiais, Salzedas, Óbitos 1739-177, cx. 3, l.º 2,
executado por volta de 1750. fl. 49). É de resto pertinente assinalar a proveniência
Os livros de registo paroquial são consentâneos minhota destes e de outros oficiais que muito embora
com o frenesim atrás descrito pelo redator da folha não tenham falecido nas obras do mosteiro viviam

 Figura 4 | Sacristia da igreja de Salzedas: paramenteiro e pinturas de Bento Coelho da Silveira (1677-1685). Foto Pedro Martins © DRCN
em Salzedas nesta época, como Manuel Gomes, ofi- Leal à época em que a obra foi suspensa acrescenta
cial de pedreiro natural de São Mamede de Ferreira, às suas palavras uma importância que não podemos
arcebispado de Braga, falecido naquele lugar em ignorar. Segundo ele, quando Junot invadiu Portugal
20-9-1754 (ADL, Paroquiais, Salzedas, Óbitos 1739-177, em 1807, a obra da fachada de Salzedas parou, e
cx. 3, l.º 2, fl. 43). É, pois, natural que esta migração de nunca mais, até hoje, se concluiu (LEAL, 1878: 373).
oficiais cuja mão-de-obra servia o estaleiro da nova É provável que o conturbado clima político e eco-
igreja monástica influísse no crescimento da comuni- nómico contribuísse para o abandono do projecto
dade de Salzedas dando expressão à vitalidade de- arquitectónico. No entanto, as razões inerentes à pa-
mográfica a partir da década de 1730. ragem das obras ou de, pelo menos, ao seu abranda-
Mão anónima assinalou, num códice pertencente mento em finais do século XVIII, são-nos ocultas pela 63
ao espólio de Leite de Vasconcelos, a paragem das documentação disponível e para já reconhecida.
obras durante o abadessado de Gregório Pereira Não obstante, no início do século XIX constituía Sal-
(1796-1797), mas não o explica. Segundo o redator zedas um núcleo urbano onde se registava a preva-
do dito códice, o abade Gregório Pereira, de Lisboa, lência de mão-de-obra especializada nos ofícios da
continuou com o frontispício e o deixou no estado cantaria, como testemunham as várias referências a
em que actualmente se acha e se não fora a sus- pedreiros dali naturais a trabalharem em igrejas da
pensão que ouve de obras a deixaria completa por região (ALVES, 2008: 48, 71).
que se conhecia nelle hu grande desejo de o man- Em finais do século XIX Salzedas tinha 251 morado-
dar acabar […]3. res, sendo o lugar mais populoso do termo da Uca-
Embora reconhecido pela ausência de referências nha (SERRÃO, 1970: 40).
à origem das suas fontes, a proximidade de Pinho

 Figura 5 | Claustro novo de Salzedas e vista sobre o remate inacabado do frontispício da igreja. Foto Pedro Martins © DRCN

1. Para cálculo do número de habitantes por fogo adoptámos a proposta de J. José Alves Dias que afina a média anteriormente desenvolvida de 4/5 indivíduos
para os valores coeficientes de 4,3 e 4,8 pessoas p/ fogo (DIAS, 1996, I: 39).
2. A esta igreja refere-se frei Baltasar dos Reis, nestes termos: Junto desta Igreja [a monástica] á porta principal della mandou esta Sñora [Dona Maria de Sousa]
fazer hua Cappella para a gente secular poder ouvir missa, porquanto era Custume usado, não entrar pessoa algua Leiga nas Igrejas dos Mosteiros desta
Religião como ainda oje se uza em alguns Mosteiros de outros Reinos, a qual Igreja oje serve de Capella E freguesia de alguns Lugares que tem aobrigação
de virem a ella ouvir Missa. Tem esta igreja, da porta principal da Igr.ª do Mosteiro ata porta della sette varas E de largo tem quatorze (REIS, 2002: 22). A igreja
paroquial teria, assim, sido mandada edificar em vida de D. Maria de Sousa (século XIV), assinalando a existência de um pequeno núcleo de habitantes que
justificasse tal fundação.
3. Museu Nacional de Arqueologia, Espólio de José Leite de Vasconcelos, Códice sobre a fundação do Mosteiro de Salzedas, fl. 25 v.º.
09 SÉCULO XVI
CIMBRES | COUTO DO MOSTEIRO DE SANTA MARIA DE SALZEDAS

ESCULTURA DE
SANTA BÁRBARA
EM CIMBRES NUNO RESENDE
A escultura de Santa Bárbara da igreja matriz de precioso e raro, tendo comunicado a «descoberta»
Cimbres(figura 1), até ao presente exemplar singular num artigo publicado no Boletim da Casa Regional
conhecido no contexto de importação de arte reli- da Beira Douro (CARVALHO, 1953). O primeiro autor
giosa em Portugal – única pela particularidade do desenvolveu, posteriormente, em 1959, num opús-
seu recorte plástico e pela ausência de obras simi- culo algumas questões iconográficas e de proveni-
lares conhecidas – constitui, no entanto, um registo ência onde desenvolveu a sua análise ao trabalho
material das trocas comerciais e das relações diplo- escultórico que admitiu pudesse ter sido executado
máticas do reino português com a europa nórdica na Europa do norte, associando-lhe o trabalho gotici-
entre os séculos XV e XVI. zante de Claus Sluter, escultor de circulação franco-
O seu reconhecimento enquanto peça escultórica flamengo (CARVALHO, 1959: 21). 65
excepcional remonta a 1953, quando um médico e Aludiu à notável peça, quase meio século depois,
investigador local, João dos Santos Carvalho, acom- João Soalheiro no catálogo O Compasso da terra,
panhado do director do Museu de Lamego, João em 2006 (SOALHEIRO, 2006, II: 120)1, sugerindo a sua
Amaral, ambos a reconheceram como espécime incorporação no património local, dentro da esfera

 Figura 1 | Escultura de Santa Bárbara de Cimbres: recorte a meio-corpo. Foto Luís Sebastian
das relações de um abade de Salzedas natural de do devocionário medieval europeu, revela carac-
Cimbres, Dom Brás, a quem aludiremos mais adiante. terísticas iconográficas e formais que a posicionam
Porém, as circunstâncias que levaram ao depósito como tendo saído das mãos de um artífice contem-
desta escultura nesta pequena igreja rural são ainda porâneo e próximo a mestres quatrocentistas e qui-
desconhecidas, tendo sido apenas afloradas em 1953 nhentistas flamengos e alemães.
e 1959 pelo citado articulista que, ao tentar reconsti- De resto embora sem esculturas contemporâneas
tuir o percurso da peça, nos descreve uma situação identificadas a que possamos buscar comparações
paradigmática das circunstâncias inerentes a muitas directas quer a gravura, quer a pintura flamengas
obras de arte religiosas. Segundo o autor, abordando e alemã, da transição do século XV para o século
66 a proveniência da escultura, refere: XVI fornecem-nos pistas para a datação da Santa
Sabe-se somente que há poucos anos atrás era Bárbara em Cimbres. Autores como o gravador ale-
pertença de uma obscura velhota de nome igual mão Israel van Meckenem (1445-1503) (figura 3) ou
ao da Santa e que por morte dela passou à Capela o Mestre de Frankfurt (1460-c.1533) (Colecção do
do Espírito Santo, onde hoje se encontra (CARVALHO, Mauritshuis, Inv. 855, c. 1510-1520) revelam nas suas
1953: 72). representações de Bárbara formas aproximadas à
Ora, o pequeno excerto é suficientemente expres- que inspirou o autor da nossa escultura: a mártir, em
sivo para desejarmos rever algumas atribuições e até pé, exibe numa das mãos o livro e na noutra a pal-
cronologias que na historiografia da arte portuguesa ma sendo ladeada por uma torre cujas dimensões se
têm tomado como pretexto o local de depósito dos aproximam à da figura. É sobretudo no tratamento
objectos. O próprio carácter móvel das peças obsta das vestes, no arranjo dos cabelos e na arquitectura
a considerações absolutas, e por vezes demasiado da torre que encontramos paralelos ao nível do de-
inflexíveis, sobre encomendas e autorias. Hoje con- senho. Em dois dos seus trípticos o mestre de Frankfurt
servada na igreja de Cimbres (figura 2), em 1953 na pinta uma Bárbara invariavelmente ataviada com a
capela do Espírito Santo e, anteriormente, na mão mesma indumentária: manto, corpete cingido por
de um particular, a escultura de Santa Bárbara é, no uma fita pouco apertada sobre o ventre e envergan-
entanto, um documento sobre uma época e, dentro do uma luxuosa coifa.
desta, dos poderes que na região podem ter contri- Na pintura Sagrada Família com anjo músico (1510-
buído para a sua existência. 1520) do Museu do Prado, a Santa apresenta-se sen-
Produzida talvez em contexto oficinal desenvolvido tada, com o livro sobre o regaço tendo atrás um
no território da actual Bélgica ou regiões periféricas pano da torre cuja estrutura grandiosa é truncada
(tendo em consideração a florescente actividade de pelos limites da tábua. Porém, num outro painel do
produção artística no eixo Antuérpia-Médio Reno), mesmo período, hoje exposto no Mauritshuis (figura
esta imagem, a de uma das mártires mais afamadas 6), o artista representa a mártir em pé que, quase de
costas, deixa entrever o livro aberto sobre a mão es-
querda. Acompanha-a uma torre cuja estruturação
arquitectónica é muito semelhante à da escultura de
Cimbres: três registos marcados por várias fenestra-
ções rematados por campanário com cúpula esfé-
rica. O único elemento que distancia a Bárbara de
Cimbres das do mestre de Frankfurt é o cabelo. No
caso da primeira ressalta o trabalho da trança dupla
que emoldura a face e cai sobre os ombros – tipo de
apresentação feminina muito associada a um gosto
germânico que pode afinar a área geográfica do
centro de produção onde esta escultura poderá ter
sido executada (figura 7).
Devemos outrossim chamar a atenção para ou-
tras duas imagens que, em Portugal, se aproximam
em modelo e composição à imagem de Cimbres. A
primeira apareceu à venda em 1971, referida num
leilão organizado pelos antiquários Dinastia. A breve
entrada do catálogo da leiloeira descreve-a como
escultura em pedra, da Escola Alemã, remetendo
o autor da descrição para obras dos escultores ale-
mães, muito especialmente Tilman Rimenschneider
nas figuras do túmulo do Imperador Henrique II e de
sua mulher Cunegundes, na catedral de Bamberg
(S.a., 1971: 7) (figura 8). A segunda foi apresentada
no catálogo No tempo das Feitorias (DIAS, 1992: 164-
165), como imagem depositada na igreja de Entra-
das do concelho de Castro Verde. Trata-se de uma
escultura das oficinas de Malines que se aproxima em
dimensão e recorte (embora distante na configura-
ção da indumentária e atavios) à Santa Bárbara de
Cimbres – modelo em voga na viragem do século XV
para o século XVI, na Europa.

 Figura 2 | Escultura de Santa Bárbara (paróquia de Cimbres) Foto Luís Sebastian


Normalmente expedidas através da costa, por co- ra formado pelos lugares do Mosteiro, Ucanha, Meixe-
mércio marítimo (recordemos a importância das Fei- do, Murganheira, Vila Pouca, Valdevez, Granja Nova
torias Portuguesas na Flandres) estas imagens eram e Formilo. Embora fosse na Ucanha a cabeça do dito
desembarcadas nos portos nacionais e daí transpor- couto, era no mosteiro que se provia à administração
tadas até aos seus vários destinos: igrejas, oratórios temporal do território que através dos abades e seus
particulares, mosteiros, etc2. Nesse sentido não é inu- adjuvantes tratavam do recebimento dos dereitos
sitada a presença de uma peça desta cronologia que particularmente a cada huu dos ditos lugares
em Cimbres, sobretudo no contexto religioso e ad- sam cotheudos decrarados per seos contratos e es-
ministrativo da época: tratava-se de um curato filial cripturas, como especifica o teor do foral manuelino
68 da importante igreja monástica de Salzedas, em cujo outorgado em 1504. Neste ano já o lugar de Cimbres,
território se construíra como comunidade e paróquia à semelhança dos seus congéneres vizinhos, estava
ao longo da Idade Média3. devidamente povoado com todos os foros e liberda-
Cimbres, hoje freguesia do concelho de Armamar, des, certamente ratificados por contratos firmados
foi uma das povoações do couto de Salzedas, outro- quase imediatamente ao coutamento, pois seria ne-

 Figua 3 | Gravura representando Santa Bárbara, de Israhel van Meckenem (1455 - 1503) (Rijksmuseum: RP-P-1955-523).

 Figura 4 | Desenho do toucado de Santa Bárbara de Cimbres, publicado


em CARVALHO, 1959.
cessário dar expressão à humanização do território, da Igreja, como prova a sua condição de criado de
ora despovoado, ora acometido por crises agrícolas D. Jorge da Costa. Referimo-nos, afinal, à ligação a
e sociais. De resto em 1527, no âmbito do primeiro uma das mais importantes e influentes figuras da his-
registo estatístico nacional, já Cimbres apresentava tória política e religiosa de Portugal quatrocentista:
um conjunto de 55 moradores, sendo o quarto maior aquele que foi arcebispo de Évora, Lisboa e Braga e
núcleo urbano dentro do Couto de Salzedas, a seguir ocupou os mais altos cargos na cúria romana entre
à Ucanha, à vila ou burgo e à Granja Nova (apud 1477 e 1508. Poderá ter sido, aliás, na companhia do
COLLAÇO, 1931: 130). cardeal Alpedrinha que Dom Brás efectuou algumas
O facto de se lhe associar, já no século XIV o nome das sete viagens a Roma, na última das quais, ao que
de um dos abades de Salzedas – D. Afonso de Cim- parece em 1507, o consagrárão em Bispo de Biblion. 69
bres (abade de 1429 a 1456) –, é de certa forma reve- Já detinha este título, juntamente com o de bispo
lador da existência de uma elite local – elite que pro- de Osma, quando recebeu a mitra abacial de Sal-
duzirá, menos de um século depois daquele prelado, zedas, que envergava (a acreditarmos em Baltasar
um outro abade, de nome Brás. dos Reis), no ano de 1503 (REIS, 1943: 72). Embora não
Nascido talvez durante o último quartel do século saibamos o seu apelido o Episcopologio Español cha-
XV, Brás de Cimbres provinha de uma família da pe- ma-o Blas de Fernando (apud GUITARTE IZQUIERDO,
quena nobreza regional, cujo extraordinário percurso 1994: 24), pelo que, consideramos fosse o seu apelido
o genealogista Alão de Morais narrou, ainda que a Fernandes, porventura de origem patronímica.
voo de pássaro, na sua Pedatura Lusitana. O papel de Blasius Abba Salzedae não foi mera-
Embora, como explica o genealogista, lhe fosse im- mente a de um amanuense, como sugere o cronis-
putada ascendência nobre paterna pelos Rebelos de ta frei Baltasar dos Reis. O seu abadessado coincide
Caria, Brás seria filho de uma hua forneira pello que E com um dos mais fecundos períodos de produção
por ser criado do Cardeal D. Jorge da Costa tomou artística em Portugal e especificamente na região de
por armas o escudo partido ao 1.º A roda de S. Cata- Lamego onde, durante os primeiros terços do sécu-
rina do Cardeal, E ao 2.º hu feixe de lenha aludindo lo XVI laboraram vários artistas nas empreitadas do
ao officio de sua mãe e assi estão nas Salzedas (Mo- retábulo maior da sé de Lamego (1506-1511) e nas
rais, 1948,III: 26). E, não obstante estas poucas linhas obras da igreja de Ferreirim (1533-1534).
possam transmitir a ideia de uma inusitada ascensão E dentre todos os abades perpétuos de Salzedas,
social em Portugal de quatrocentos, a sua condição cuja informação biográfica é, como se sabe, es-
de ilegítimo não teria limitado o acesso a um lugar cassa, devemos salientar as referências que lhe são
eclesiástico – o caminho para fulgurante carreira. dirigidas, quer pelo já referido Alão de Morais, quer
Pelo contrário. De resto tudo indica que o percurso por cronistas, nomeadamente Manuel Faria e Sousa
de Brás resulte das boas relações que possuía no seio (1590-1649) que na sua obra Europa Portuguesa (ed.
1680) assinalou uma notável encomenda do abade dos olhos, de tal modo, que sendo o retabolo de al-
de Cimbres: tura muy grande, por onde as figuras, que ficavão no
El singular Retablo de la Iglesia de las Salzedas todo alto houverão de parecer menores, de tal modo foy
de figuras de relieve, fabrica admirable de D. Blas de- a industria do Artifice compassando a estatura das
cimo quinto Abbad de aquel Monasterio. Siendo de imagens, e dando a cada uma dellas tanto mayor
mucha altura son las Imagens ultimas de lo alto a la grandes, quanto a vista hia mais faltando, que ficáo
vista del proprio tamaño que las de abaxo: a imita- todas juntas parecendo de hum tamanho (SILVA,
cion de las que serven en la Coluna de Trajana de 1725: 125).
Roma (SOUSA, 1680: 214). Importa acrescentar, ainda, outros dados à biogra-
70 Esta descrição, até ao presente ignorada pela his- fia de D. Brás, nomeadamente alguns elementos para
toriografia, não só enfatiza o papel empreendedor a reconstituição das suas relações pessoais. Efectiva-
de Dom Brás, mas adianta, outrossim, alguns ele- mente, em nota à genealogia do abade, Alão de
mentos desconhecidos sobre a estrutura da igreja Morais associa-lhe o nome de Luís Eanes, seu criado,
medieval. Efectivamente, no início do século XVI a que D. Bras […] mandando o a França com 200 Urs.
igreja de Salzedas recebeu uma obra retabular que
 Figura 5 | Reprodução de escultura de Santa Bárbara (leiloada em 1971), pub. em S.A.,
a colocaria entre o conjunto de grande empreitadas 1971.
artísticas que então se executavam um pouco por
todo o reino, nomeadamente em Coimbra, Lisboa e
Funchal. E parece verosímil associar-se a esta obra a
figura de Arnao de Carvalho que em 1510, na cidade
de Lamego, emparceirou com Ângelo Ravanel, mes-
tre borguinhão, como testemunha o acto público
notarial de 29 de Janeiro daquele ano (apud COR-
REIA, 1924 110-111 e CORTEZ, 1957: 11). Virgílio Correia
situou-o em 1523 em Salzedas, onde residia e onde
provavelmente assistia à obra do retábulo, então em
curso (CORREIA, 1924: 85).
De tal forma foi a obra de Dom Brás marcante no
panorama artístico português que, quer os homens
do seu tempo, quer os que depois dele vieram ainda
dois séculos depois se lhe referem:
Fez na Casa hum retabolo de figuras de vulto, feitas
com proporção, e grandeza conveniente à distancia
p.ª comprar ouro p.ª dourar o retabolo das Salzedas raciocínio dos críticos amadores de 1953, nomeada-
se deixou ficar em Paris estudando levãtãdo-se cõ o mente o conhecimento sobre a materialidade de
dr.º (MORAIS, 1948,III: 262). um retábulo, dourado, de figuras de relevo – à seme-
Não obstante a inusitada acção do dito Luís (que lhança dos que ainda se conhecem para Coimbra
o genealogista indica como filho de um abade de ou Funchal – de resto ambas empreitadas de artistas
São João de Tarouca), o mesmo viria a casar com nórdicos, não será a Santa Bárbara de Cimbres efec-
a filha de Dom Brás, chamada D. Guiomar Fernan- tivamente uma remanescência daquela obra – pa-
des. O casal foi sepultado no mosteiro de Salzedas, limpsesto da destruição setecentista que imprimiu ao
como consta do testamento comum que o genealo- edifício o desenho actual?
gista em parte transcreveu: e mt.º desejamos nossos Obviamente apenas a documentação nos pode- 71
corpos seram levados ao d.º Mostr.º (das Salzedas) rá esclarecer esta questão, mas as pistas levantadas
pella criação q tivemos daquella casa, E amor q lhe apontam-nos outros caminhos, nomeadamente os
temos, E obrigação que q lhe somos, E por hi iazarem que cruzam o abadessado de Dom Brás e a sua (pre-
nossos paes. E avós e filho [...] (MORAIS, 1948, III:262): tensa) interferência na encomenda dos quatro pai-
– dando assim expressão a estratégias nepotistas que néis atribuídos a Vasco Fernandes e hoje desmembra-
dominariam ambos os mosteiros cistercienses. dos (RODRIGUES, 1992, 2001, 2004). É provável que a
Apresentados os factos impõe-se agora colocar escultura em Cimbres tivesse lugar naquele retábulo
uma questão, de resto já levantada no artigo de – uma vez que, até como refere Frei Baltasar dos Reis,
1953: qual a proveniência desta escultura? A respos- ao dito retábulo composto por vinte E hu paineis com
ta seguiu-se, no mesmo texto, quase impensada: É figuras de vulto grandes se acrescentaram outras pe-
de crer que tenha vindo do vizinho mosteiro de Salze- quenas que na obra se puserão (REIS, 1936: 20).
das. Às perguntas feitas e às respostas devidamente Mas e quanto aos ditos painéis - teriam eles lugar
reflexionadas não se pode se não reproduzi-las. Mas no seu imponente retábulo de figuras de vulto (cat.
tendo em consideração os dados que acrescem ao 10)?

1. O autor designa-a por Santa Catarina o que naturalmente é lapso.


2. Será pertinente destacar a origem e o percurso da imagem da Virgem do Leite, da igreja de Tarouquela (DIAS, 2000 e BOTELHO&RESENDE, 2014: 207)
3. Cabe aqui salientar a presença, geograficamente próxima (em Tarouca), de uma Santa Bárbara de influência flamenga identificada em 2006 por Rui Maurício
na sequência da segunda fase de Inventário da Diocese de Lamego (MAURICIO, 2006, II: 102-103).
10 SÉCULO XVI
MOSTEIRO DE SANTA MARIA DE SALZEDAS (ASSOCIADO)

SÃO SEBASTIÃO
E SANTO ANTÃO: DUAS
PINTURAS REVISITADAS.
ANA CRISTINA SOUSA
NUNO RESENDE
A primeira referência documental a esta pintura Em Vasco Fernandes e Gaspar Vaz, sobretudo nes-
de São Sebastião é a que, com segurança, a situa te último, é ainda manifesta a influência de um mes-
na igreja de Salzedas em 1919. Nesse ano, José de tre flamengo, que é aquele cuja mão é dominante
Figueiredo, do Conselho de Arte e Arqueologia da nos cinco painéis que restam do antigo retábulo da
1ª Circunscrição, requisitou que lhe fossem entregues, capela-mor da Sé de Lamego, e a que chamaremos
afim de os estudar e beneficiar, os quadros do sécu- «mestre de Salzedas» pois aí êle aparece-nos isola-
lo XVI, São Jorge [sic] e São Sebastião, existentes na do nos dois paineis que há anos encontrámos nesta
Igreja de Salzedas1(figuras 1 e 2). igreja; mas essa influência limita-se quási só ao ma-
Parece certo que os dois quadros foram levados neirismo dos cabelos, vistos sob uma forma especial e
para Lisboa, onde José de Figueiredo os examinou, acentuadamente linear, sem esquecer que êsse ma- 73
redigindo, em 1924, um artigo para a revista Lusitania neirismo reveste já, nos dois pintores, um carácter sui
atribuindo a sua execução a um Mestre de Salzedas generis e menos exótico, caldeado e transformado
e cuja obra individualizava em relação a Gaspar Vaz na sua visão essencialmente nacional2 [sublinhado
e Vasco Fernandes – pintores cujas autorias causa- nosso] (FIGUEIREDO, 1924a).
vam, então, polémica nos meios historiográficos: O mesmo autor acrescentou ao conjunto outros

Figura 1 | Pintura representando São  Figura 2 | Pintura representando


Sebastião (Paróquia de Salzedas/ Santo Antão (Paróquia de Salze-
Diocese de Lamego).  das/Diocese de Lamego).
dois painéis depositados no Museu Municipal do Por- tros compromissos na região, concretamente a res-
to – um, de Santa Catarina, o outro, de Santa Luzia, ponsabilidade de fazer um retábulo para a igreja do
e ambos com a respectiva legenda em flamengo mosteiro de Santa Maria de Salzedas. Não se conhe-
– atribuindo a autoria do hipotético políptico ao re- cem quaisquer informações escritas. No entanto, a
ferido mestre de Salzedas (FIGUEIREDO, 1924b). Estas partir de algumas associações, é possível dar à ideia
duas pinturas estariam no Museu do Porto desde 1908 alguma coerência (RODRIGUES, 2000, I: 198).
(SOARES&CARVALHO, 2004: 44-45)3. Embora consensual esta atribuição não se firma,
A proposta de José de Figueiredo viria a ser rejei- como já vimos (e como a autora refere) nem em
tada alguns anos depois por Luís Reis Santos que, em qualquer referência documental nem em elementos
74 1946, associando aos painéis de Salzedas as repre- que factualmente associem as duas tábuas de São
sentações femininas que integravam o acervo do Sebastião e Santo Antão a Salzedas (pelo menos an-
MNSR, considerou serem as quatro pinturas típicas da tes de 1919) e menos ainda, que as duas pinturas de
segunda época de Vasco Fernandes, afinando o pe- Santa Luzia e Santa Catarina tenham tido a mesma
ríodo da execução dos «dois dípticos» para os anos proveniência. Em suma, não existe qualquer prova
de 1511 a 1520 (REIS-SANTOS, 1946: 23)4. que relacione as quatro tábuas com uma estrutura
Em Outubro de 1950, na Exposição de Arte Sacra retabular destinada àquela igreja de Salzedas e to-
realizada no Museu de Lamego, as duas pinturas de das as afirmações expostas pelos mais diversos auto-
Salzedas são já definitivamente atribuídas à lavra res baseiam-se em meras suposições.
do notável artista Grão Vasco (VAZ, AMARAL&PIRES, De facto, os inventários existentes para Salzedas
1950). E nesta condição continuaram a ser apresen- são inconclusivos quanto à proveniência das tábuas.
tadas nas exposições e roteiros seguintes, onde figu- No inventário de 1834, elaborado na sequência da
raram, em 1959 (S.A., 1959), em 1967 (S.A., 1967), 1968 extinção das ordens religiosas, são referidos doze al-
(S.A., 1968), em 1992 (RODRIGUES, 1992), em 2005 tares laterais todos ornados com imagens e costuais
(apenas o painel de S. Sebastião: SERRÃO, 2005) e de pau e, na sacristia, quinze quadros grandes em
em 2006 (RESENDE, 2006). volta da mesma samchristia (apud CASTRO, 2014:
Em 2000, a investigadora Dalila Rodrigues, que 95). O acervo sumariamente indicado nas fontes cor-
abordou e reviu a obra de Vasco Fernandes à luz da responde ao trabalho pictórico associado à retabu-
historiografia nacional, reiterou a atribuição de Luís lística (ainda existente ao longo das paredes laterais
Reis-Santos quanto à execução das tábuas de Salze- da igreja) e ao conjunto que orna o paramenteiro e
das e a das do acervo do Museu Nacional Soares dos a sacristia, obra documentada e atribuída a Bento
Reis, considerando o conjunto como obra retabular: Coelho da Silveira (SOBRAL, 2006a; SOBRAL, 2006b).
Na sequência desta importantíssima empreitada De resto, as grandes empreitadas seiscentistas e se-
artística de Lamego, [Vasco Fernandes] assumiu ou- tecentistas teriam arredado o património medieval,
substituindo-o por intervenções ao gosto da época
(cat. 8). Corresponderiam, efectivamente, as quatro
pinturas a um primitivo retábulo de Salzedas? E seria
este um retábulo-mor, um retábulo lateral ou um dos
retábulos colaterais?
A estrutura da igreja medieval de Salzedas persis-
te, ainda, sobre as reconstruções levadas a cabo nos
séculos XVI, XVII e XVIII (figura 3). À parte os três ab-
sidíolos e a capela-mor original o templo apresenta
ainda parte da volumetria medieval, revelando-se 75
na planta longitudinal de três naves - uma central e
duas laterais – um edifício de grandes dimensões. In-
felizmente o que arqueologia permitiu revelar a nível
da estrutura e fundações (CASTRO, 2014a) não nos
possibilita um conhecimento mais profundo sobre o
património integrado. Nos altares e capelas colate-
rais (quatro, segundo o cronista Baltasar Reis) quais
seriam as invocações aí cultuadas? Não o sabemos.
Porém, não obstante esta ausência de informação
sobre o corpo da igreja, convém elencar alguns da-
dos sobre a estrutura da capela-mor medieval de
que subsistem algumas descrições. Desde logo a
referência a uma cerimónia de sagração, ocorrida
em Janeiro de 1533, e à qual assistiu o cisterciense
D. Edme de Salieu durante sua visita a este mosteiro
(cat. 9).
Este acto deve corresponder à inauguração de um
novo retábulo ou até a profundas remodelações le-
vadas a cabo na capela-mor. Tais obras coincidem
com os abadessados de D. Brás de Cimbres (1503-
1530) e de D. Damião Rodrigues (1530-1540). O pri-
meiro, como já referimos (cat. 9) parece ter sido um
activo reformador de Salzedas, a quem se imputa a

 Figura 3 | Igreja de Salzedas: nave central. Foto Pedro Martins © DRCN


edificação do retábulo mor da igreja, assinalado no res contra a peste dando, como exemplo, o políptico
século XVII por Manuel Faria e Sousa como obra ad- da autoria de Mathias Grünewald realizado entre os
mirável. Este retábulo era constituído por figuras de anos de 1512 e 1516 e que actualmente se expõe no
vulto, como o descreveu frei Baltasar dos Reis: Museu de Unterdinden em Colmar (França). Os dois
O Retablo da Capella mor he dos melhores que volantes representam São Sebastião (à esquerda) e
se podem achar Em Espanha, tem vinte E hu painéis Santo Antão (à direita) a ladear uma tábua central
com as figuras de vulto grandes, afora outras peque- de maiores proporções que expõe uma rica icono-
nas que na obra se puserão (REIS, 1943: 20). grafia do Calvário, obra com características plásticas
Obra escultórica, portanto, sem lugar para pintura, e cromáticas que muito individualizam este autor.
76 como se infere das várias descrições colhidas entre os A análise iconográfica da imagem de São Sebas-
séculos XVII e XVIII (cat. 9). De resto e dado o cuidado tião sugere, de facto, outras leituras e outras proveni-
dos cronistas no elogio da fábrica, forma e dimensões ências. O mártir é representado jovem, com cabelos
do retábulo, porque ignorariam o trabalho pictórico? longos arruivados e imberbe, em pé, vestido como um
E mais ainda por que ignorariam o trabalho de pin- rico cavaleiro com traje de viagem, mangas farpa-
tura de um autor cujo nome nunca deixou de firmar das e soltas, capa e botas com esporas. A presença
interesse entre os memorialistas desde o século XVI? da espada que sobressai por baixo do amplo manto
Vítor Serrão recorda esta mistificação do pintor pelos e a correia e bainha aludem, ainda, à sua condição
seus principais mecenas ainda em vida do artista, re- de soldado de que fala Réau (1998: 197). Na mão
forçada a partir do século XVII por rasgados elogios esquerda segura a seta do martírio e na direita o que
que tocam o universo da credulidade e da supersti- parece ser um chapéu de cavaleiro, embora apre-
ção colectiva. A viagem a Itália e a sua colaboração sente um outro pousado na cabeça, negro, de abas
com Perugino contam-se entre esse fenómeno de viradas para cima típico da indumentária deste perí-
glorificação do artista (SERRÃO, 2002:105-106). odo5. Vítor Serrão refere que esta iconografia do san-
A ligação das duas tábuas de São Sebastião e San- to é rara mas não inédita na arte portuguesa, recor-
to Antão é, de facto, indiscutível. A medida de ambas dando o exemplo da predela do retábulo da autoria
(108,5x60 cm), a ausência de pintura nos rebordos su- dos mestres Vicente Gil e Manuel Vicente, pintado
perior e inferior (lugar de antiga moldura), o enqua- em data próxima (c. 1504-1515), para a Capela do
dramento das figuras no espaço rochoso, os muros Hospital de Nossa Senhora de Campos da Misericór-
de separação entre os taumaturgos e a paisagem dia de Montemor-o-Velho (SERRÃO, 2005: 74; CASIMI-
de arquitecturas de traça nórdica, associada ao fac- RO, 2004, II: 1321-1323). No entanto, cremos que se
to dos dois santos serem antipestíferos, corroboram trata de uma representação atípica na produção
a ideia de um conjunto pictórico. Louis Réau (1998: artística portuguesa, na qual dominou o modelo do
197) acentua esta relação dual de santos protecto- Mártir jovem, belo, desnudo e sagitado que surge a
partir dos séculos XIII ou XIV e que se impôs por toda nel esquerdo, uma representação de São Sebastião
a Europa a partir de meados do século XV (LANZUE- vestido como cavaleiro, com espada embainhada,
LA HERNÁNDEZ, 2006: 236). Esta iconografia convi- arco e três flechas. A obra pertenceu à capela de
veu durante algum tempo com a do santo vestido São João de Latrão, na Madeira, mandada edificar
como nobre cavaleiro, tal como a que se apresenta por Nuno Fernandes Cardoso, rico mercador e pro-
na tábua em análise, mas a brutal representação do dutor de açúcar e sua mulher Leonor Dias. A data da
suplício dramático do mártir cravejado de setas, ali- encomenda ocorreu entre 1512 e 1515 tendo o co-
mentada pelas narrativas hagiográficas da Legenda mitente determinado, em testamento, o programa
Áurea (séc. XIII) e mais tarde do Flos Sanctorum, aco- iconográfico das principais representações. O histo-
lhiam maior atenção dos fiéis, comovendo o espírito riador Eberhar von Bodenhausen atribuiu, em 1905, o 77
e despertando emoções (Hippolyte Delehaye cit in Tríptico da Misericórdia ao pintor flamengo Jan Pro-
LANZUELA HERNÁNDEZ, 2006: 237). voost (1662/5-1529), um dos mais reconhecidos da
Esta figuração de São Sebastião vestido como um sua geração, que trabalhou em Antuérpia, cidade
jovem e rico cavaleiro surge, de facto, com frequên- com forte presença portuguesa no primeiro quartel
cia, na pintura dos séculos XV e primeiro quartel do do século XVI. O restauro da obra, com o recurso às
XVI, nas cidades italianas (Pietro Perugino (1476); técnicas de reflectografia, estudo do desenho e aná-
Benozzo Gozzoli (1464-65); Rafael Sanzio (1501-2); lise comparativa com outras obras do autor vieram
Gionvanni Antonio Boltraffio (dos finais da década confirmar esta atribuição (CARVALHO et alli: 2012). A
de 90 de Quatrocentos); na Alemanha (Mathias Grü- organização deste tríptico permite sugerir uma estru-
newald -1512-1516); nos Países Baixos (Jacob Corne- tura semelhante para as duas tábuas associadas a
6
lisz van Oostsanen – 1509-1513); Castela (na obra Salzedas que fariam, desta forma, parte de um con-
7
de Jorge Inglês , 1465), Aragão (na obra de Miguel junto entretanto desmantelado e cuja tábua central
Ximénez, 1494)8 e Catalunha (Joan Mates9, cerca de se perdeu ou se encontra dispersa. É possível que as
1417-1425; Jaume Ferrer10, cerca de 1450; Mestre da tábuas dos dois santos antipestíferos estivessem as-
11
Sé de Urgell , cerca de 1495-1498); Retábulo de São sociadas a uma invocação de Nossa Senhora, aten-
Sebastião e Santa Tecla da Catedral de Barcelona, dendo à importância que o culto à Virgem assumiu
de 1486-98; Retábulo da Coroação e Retábulo do em épocas de epidemias de peste: Imaculada Con-
Ecce Homo da Catedral de Teruel, do séc. XV e finais ceição, Virgem da Piedade, da Graça ou da Miseri-
de XV/princípios do XVI respetivamente; São Sebas- córdia (LANZUELA HERNÁNDEZ, 2006:249), tal como o
tião da igreja Santos Justo e Pastor de Villar del Cobo, demonstra o exemplar do MNAA referido. Jean Delu-
Teruel, do séc. XV), entre outros. meau referiu as constantes representações de Maria
O tríptico de Nossa Senhora da Misericórdia12 do entronizada entre santos protectores da peste (e re-
Museu Nacional de Arte Antiga apresenta, no pai- cebendo por sua mediação as preces dos enfermos)
na pintura europeia a partir do século XIV (DELUMEAU descrições apresentadas obrigam-nos a recordar a
cit in LANZUELA HERNÁNDEZ, 2006:249). Se os comiten- importância que a importação de obras de arte da
tes da Madeira optaram pela parelha São Sebastião Flandres e de outros centros de produção artística as-
/São Cristovão, os do Douro escolheram a associa- sumiu no período em estudo bem como a presença
ção São Sebastião/Santo Antão. Importa, igualmen- de artistas de origem flamenga no nosso território, que
te, valorizar as características de representação des- circulavam livremente pelo país. E se as duas tábuas
te santo taumaturgo. Santo Antão apresenta a sua de Salzedas foram associadas às duas de Santa Ca-
iconografia habitual, um ancião de barbas grisalhas, tarina e Santa Luzia guardadas no Museu Nacional
cabeça coberta, pés descalços e uma longa capa Soares dos Reis, não se compreende também que
78 de lã, alusiva ao hábito da sua ordem (RÉAU, 1998: as inscrições titulares das santas em francês (ou em
113), mas ricamente debruada com peles, mais con- flamengo como refere José de Figueiredo em 1924),
forme à indumentária de um rico cidadão da Flan- circunstância extravagante notada (mas ignorada),
dres do que à de um humilde eremita do deserto. Na em 1946 por Luís Reis Santos, não tenham sido alvo de
mão esquerda o Tau e na direita uma pequena con- reflexão. Basta salientar, novamente, o notável per-
ta ou bolota que aqui parece substituir o porco, um curso do Abade D. Brás de Cimbres e o seu círculo
dos seus atributos mais correntes. de influências e contactos na Europa da viragem do
O tríptico de Nossa Senhora da Misericórdia e as século XV para o século XVI (cat. 9).
Para a região em análise, importa igualmente
refletir outrossim sobre a tão citada passagem da
carta do Bispo de Viseu, D. Fernando Gonçalves de
Miranda ao Cabido da cidade, datada de 22 de Se-
tembro de 1500, relativa ao retábulo para a capela-
mor da diocese, que, neste contexto, serve apenas
para confirmar o prestígio e a regularidade com que
se recorria a obras forâneas:
[...] mas ajnda me apreso muyto a poder acabar
ho retavollo pêra esa see como vos tenho escripto já
e escrepveime ho que vos parece se ho faremos de
prata ou de tintas por que de qualquer maneira que
quisermos de frandres se ha de trazer mylhor e mays
barato [...] (apud RODRIGUES, 2000: 214-215).
Não sendo possível, no atual estado da investiga-
ção, avançar com dados mais concretos sobre a au-
 Figura 4 | «Fragmentos - Expressões de Arte Religiosa do Mosteiro de Santa Maria
de Salzedas»: pinturas de Santo Sebastião e Santo Antão. Foto Pedro Martins ©
DRCN
toria e origem dos dois painéis ditos de Salzedas, pa- século XIX e inícios de XX e que a atribuição ao pintor
rece ficar provado, no entanto, que o destino original Vasco Fernandes assentou, desde o primeiro momen-
destas tábuas não foi a igreja do Mosteiro, que a sua to, numa cadeia de suposições sem qualquer suporte
presença no cenóbio se ficou certamente a dever científico (figura 4).
à problemática da mobilidade de obras de arte do

79

1. Cf. SGMF, CJBC/VIS/TAR/ADMIN/012, Proc. 5938, L. 10, fl. 388; proc. 5939, l. 10, fl.. 388.A designação São Jorge poderá ser engano ou gralha. Efectivamente nada
na iconografia do santo que configura par com São Sebastião nos remete para o mártir da Capadócia, invariavelmente representado como um cavaleiro.
No entanto a figura encapelada permaneceu por identificar até à década de 1990, sendo referida na catalografia como Santo Peregrino. Trata-se, natural-
mente, de Santo Antão, acompanhado do tau e exibindo entre dedos da mão direita o que poderá ser uma bolota, um dos alimentos do porco, alusão à sua
qualidade de patrono dos animais domésticos.
2. E acrescentava, em nota, no mesmo artigo: Embora nada possamos dizer de definitivo por agora quanto à identificação dêstre mestre, não podemos deixar
de constatar desde já as suas afinidades com a obra averiguada de António de Holanda (FIGUEIREDO, 1924).
3. Embora sem registos sobre a sua aquisição, supõe-se que aquele coleccionador portuense as teria adquirido na região de Lamego, cf. obra citada no texto.
4. «Consideradas por José de Figueiredo, as dos santos, primeiramente da escola quatrocentista florentina e, depois, de mestre flamengo; e as das santas de um
continuador português do autor dos dois painéis anteriores e, mais tarde, do próprio Mestre de Salzedas, estas quatro tábuas, apesar da ortografia das inscri-
ções que se vêem nas duas últimas, são típicas da segunda época de Vasco Fernandes, e dir-se-á terem pertencido ao mesmo conjunto» (REIS-SANTOS, 1946:
23). O autor repete esta interpretação em 1962 (REIS-SANTOS, 1962).
5. Agradecemos a colaboração da Doutora Deolinda Carneiro, do Museu Municipal de Etnografia e História da Póvoa de Varzim na leitura e identificação dos
elementos que compõem o traje de São Sebastião.
6. Oostsanen, Jacob Cornelisz van (1509-1513). https://www.rijksmuseum.nl/en/collection/RP-P-1887-A-12207 (240 mm × w 188 mm, digitalização de gravura sobre
papel). [Amesterdão]: Rijksmuseum. Disponível em: http://hdl.handle.net/10934/RM0001.COLLECT.37436.
7. Cf. Inglés, Jorge (1465 [ca.]). [Retablo de San Jeronimo]. http://ceres.mcu.es/pages/Viewer?accion=42&AMuseo=MNEV&Museo=MNEV&Ninv=CE0009&t
xt_id_imagen=1&txt_rotar=0&txt_zoom=10&txt_contraste=0&txt_totalImagenes=13&dbCode=1&txt_polarizado=&txt_brillo=10.0&txt_contrast=1.0 (fotografia
digital). [Valhadolide]: Museo Nacional de Escultura. Disponível em: http://ceres.mcu.es/pages/ResultSearch?Museo=MNEV&txtSimpleSearch=Retablo%20
de%3Cb%3E%20San%20%3C/b%3EJer%F3nimo&simpleSearch=0&hipertextSearch=1&search=simple&MuseumsSearch=MNEV|&MuseumsRolSearch=15&listaMu
seos=[Museo%20Nacional%20de%20Escultura].
8. Cf. Ximénez, Miguel (1494). [San Juan Bautista, San Fabián y San Sebastián] http://www.museunacional.cat/sites/default/files/015858-CJT.JPG (fotografia digi-
tal). [Barcelona]: Museu Nacional d’Arte de Catalunya. Disponível em: http://www.museunacional.cat/es/colleccio/san-juan-bautista-san-fabian-y-san-sebas-
tian/miguel-ximenez/015858-cjt.
9. MATES, Joan (1417-1425). [Calvario; San Sebastián] http://www.museunacional.cat/sites/default/files/042340-000_16714.JPG (fotografia digital). [Barcelona]:
Museu Nacional d’Arte de Catlunya. Disponível em: http://www.museunacional.cat/es/colleccio/calvario-san-sebastian/joan-mates/042340-000.
10. FERRER, Jaume (1450[ca]). [San Sebastián] http://www.museunacional.cat/sites/default/files/114745-000.JPG (fotografia digital). [Barcelona]: Museu Nacional
d’Arte de Catlunya. Disponível em: http://www.museunacional.cat/es/colleccio/san-sebastian/jaume-ferrer/114745-000.
11. Maestro de La Seu d’Urgell (1495-498[ca]). [San Sebastián] http://www.museunacional.cat/sites/default/files/200469-000.JPG (fotografia digital). [Barcelona]:
Museu Nacional d’Arte de Catalunya. Disponível em: http://www.museunacional.cat/es/colleccio/san-sebastian/mestre-de-la-seu-durgell/200469-000.
11 SÉCULOS XVI-XIX
MOSTEIROS DE SÃO JOÃO DE TAROUCA | SANTA MARIA DE SALZEDAS
SÃO PEDRO DAS ÁGUIAS | SANTA MARIA DE AGUIAR.

FREI BERNARDO DE
BRITO E OS ESCRITORES
DOS MOSTEIROS
CISTERCIENSES DO
DOURO NUNO RESENDE
1. Quando aquele que viria a tornar-se Cronista em 1536) e que traçam uma imagem exemplar da
Mor da Ordem de Cister em Portugal, frei Bernar- casa.
do de Brito, chegou a São João de Tarouca (figura Conquanto os visitadores de 1533 (apud BRONSE-
1), em 1589, para ouvir as prelecções filosóficas de VAL & COUCHERIL, 1970) sejam parcos em referên-
frei Teodósio de Lucena, o mosteiro era um impor- cias, elogiosas ou de censura, ao estado do mosteiro
tante pólo cultural da região. Tal se infere da leitura de São João (tendo a comitiva realizado uma incur-
das visitações que anos antes o visaram (em 1533 e são pela igreja, sacristia, biblioteca, dormitório e re-

 Figura 1 | Vista sobre o mosteiro de São João de Tarouca (2010). Foto Pedro Martins © DRCN
feitório) concluiu M. Alegria Marques – comparando Bernardo de Brito (figura 2) chegou, portanto, a
esta visita com os apontamentos de outras contem- São de Tarouca com 21 anos, depois de ter passado
porâneas – que São João seria mosteiro bem ordena- por Roma e de ter tomado o hábito cisterciense no
do (MARQUES, 1998: 74). Esta organização espelha- mosteiro de Alcobaça, em 1585, casa onde profes-
se na visita de 1536 (apud GOMES, 1998), quando as sou, sendo o seu mestre de noviciaria frei Francisco
observações dos visitadores atentaram sobretudo de Santa Clara.
em questões morais e menos ao funcionamento da Nascido em Almeida, em 1568, com o nome secu-
casa, que parecia regular. Embora com menos reli- lar de Baltasar de Brito, filho do militar Pedro Cardo-
giosos do que anos antes (chegara a ter 25 religio- so de Andrade e de D. Maria de Brito de Andrade
82 sos e em 1536 havia apenas oito monges de cogula, – ambos de famílias da nobreza regional – o futuro frei
quatro barbatos e três noviços) o capital humano Bernardo cresceu em contexto de monarquia dual,
de Tarouca ainda serviu para suprir as ausências em num território outrora fronteiriço que a união ibérica
Santa Maria de Aguiar e da Estrela que os visitadores diluiu. É provável que proximidade a casas cistercien-
consideravam mosteiros menos providos de mãos e ses como a de Santa Maria de Aguiar (figura 3) influís-
de vozes (apud GOMES: 316-319). sem na família de Baltasar o desejo de encaminhá-lo
A acção reformadora do Cardeal D. Henrique à para a ordem cisterciense, muito embora o seu bió-
frente de Alcobaça e da ordem de Cister em Portu- grafo refira que o pai o mandou a Roma estudar para
gal alcançou S. João de Tarouca que, ao longo da viver no Seculo herdeiro dos seus serviços militares (S.
primeira metade do século XVI, sofrera com as ques- BOAVENTURA, 1827: 108). Religioso ou militar, a carrei-
tões comendatárias (fora tornada Comenda em ra de Baltasar só poderia singrar na aproximação aos
1540) e com a interferência de D. João III no sentido poderes da monarquia ibérica, num tempo em que
da sua extinção (GOMES, 2006)1. Depois da morte do as centralidades se definiam no acesso, ainda que
monarca e com a anuência do papado, em 1559 D. efémero e volátil, a certas instituições.
Henrique restabeleceu São João de Tarouca, Salze- Nesse sentido, a Ordem de Cister com forte implan-
das e Santa Maria Aguiar dos direitos e posses de que tação a sul do Douro assumia através das suas casas,
haviam sido desviados abrindo caminho aos aba- uma rede privilegiada de expressão cultural e econó-
dessados trienais (GOMES, 2006: 389-390). Começou mica, no momento em que a corte se trasladara ao
então um período de recuperação e prosperidade centro da Península Ibérica. Embora a historiografia
para São João de Tarouca – mosteiro definitivamen- de pendor nacionalista tenha insistido na ideia do
te restaurado em 1562 (cf. GOMES, 2006: 389, nota esvaziamento social e económico de Portugal sobre
56) – para o que terá contribuído a fundação de um o domínio dos Filipes a revitalização institucional de
colégio destinado ao ensino de latim, obra ou missão ordens como a de Cister pode ter estimulado o de-
do já então regente D. Henrique (LOBO, 1840: 6). senvolvimento de núcleos regionais de poder.

Figura 2 | Frei Bernardo de Brito: reprodução de pintura a óleo [produzida entre 1600 e 1650?] (Biblioteca Nacional). 
Iniciador de uma obra emuladora do poder ré-
gio – a Monarquia Lusitana – frei Bernardo de Brito
tirou partido de um dos mais importantes recursos dos
mosteiros cistercienses: a memória escrita preservada
nos seus cartórios e bibliotecas. Como o próprio afir-
mou: nas horas que me ficavam livres das obrigações
essenciaes, gastava em lição perpetua nos Livros
antigos, notando em cada hum deles o que acha-
va tocante aos Lusitanos […] (apud S. BOAVENTURA,
1827: 110). 83
Em 1597 publicou o primeiro volume da sua Mo-
narchia Lusitana, assinando-se Cronista Geral e Reli-
gioso da Ordem de S. Bernardo. Seguiu-se, em 1609,
a segunda parte da mesma obra, intercalada pela
Geografia antiga da Lusitania (1597) e pela Primeira
parte da Chronica de Cister (1602). Existem, porém,
vários registos dos seus escritos e obras começadas
ou intentadas (apud S. BOAVENTURA, 1827: 131-136).
De formação humanista, frei Bernardo de Brito procu-
rou no passado clássico um presente glorioso, para
que visse o Mundo as Obras da Nação Portugueza, e
deixassem as Estrangeiras de nos tractar com o afron-
toso nome de Bárbaros (apud S. BOAVENTURA, 1827:
110). E como acrescenta o citado biógrafo que, se
para a redacção da primeira parte da Monarquia
Lusitana não foi necessário a seu Auctor ver Carto-
rios, nem pergaminhos; porque daquele tempo tão
antigo não havia outras Memórias, salvo as que se
achão nos Historiadores Gregos, e Latinos já então im-
pressos […] porem para continuar a Obra conforme
o preceito d’ElRei, era necessário andar, e ver mais
terras que Alcobaça […] (S. BOAVENTURA, 1827: 111).
Embora não seja possível reconstituir o percurso de
investigação de frei Bernardo de Brito grande parte J. Leite de Vasconcelos, próximo ainda ao tempo
da memória historiográfica certamente a colheu nos do desmantelamento elaborou uma breve análise
acervos monásticos, nomeadamente nos de Arouca sobre os cartórios e bibliotecas de Salzedas e São
(figura 4), Salzedas2, Santa Maria de Aguiar (figura 3) João de Tarouca – que lhe eram familiares nascera
e São João de Tarouca, cujas bibliotecas e cartórios nas proximidades de ambos os mosteiros. No seu livro
constituíam importantes repositórios de saber. Memórias de Mondim da Beira alude ao percurso de
Efectivamente, não obstante o estado de aban- certos manuscritos e ao destino de muitos livros das
dono de alguns mosteiros cistercienses da região respectivas bibliotecas (VASCONCELOS, 1933: 154-
do Douro ainda durante o início da época moder- 170; 206-211; 339). Interessa-nos particularmente as
84 na (veja-se o caso de Santa Maria de Aguiar, cf. notas que Vasconcelos coligiu a partir do documento
BRONSEVAL&COCHERIL, 1970), as suas bibliotecas intitulado Inventario de toda a livraria typographica e
fundadas na Idade Média possibilitaram a forma- manuscrita de São João de Tarouca, realizado em 21
ção, de um expressivo conjunto de escritores, com de Julho de 1834, onde o autor assinala a referência
proveniências diversas mas que deixaram associa- a obras de carácter eclesiástico (catequéticas, his-
dos os seus nomes aos mosteiros onde professaram tóricas, hagiográficas, de parenética, jurisprudência
e (ou) onde viveram. Embora espoliadas pelo regime e direito), mas também de filosofia e de medicina,
liberal as livrarias e arquivos dos mosteiros constituíam retiradas a uma sala com cerca de doze estantes
expressivos acervos culturais, em parte dispersos, de- preenchidas com um mais de um milhar e meio de
sintegrados depois de 1834. volumes (VASCONCELOS, 1933: 339-340). Na livraria

 Figura 3 | Mosteiro de Santa Maria de Aguiar. Foto Pedro Martins © DRCN  Figura 4 | Mosteiro de Santa Maria de Arouca. Foto Pedro Martins © DRCN
de Salzedas, segundo o autor inferior em volumes a acervos bibliográficos permitiram a sistematização
São João de Tarouca, a repartição das obras fazia-se de uma lista de nomes de monges cistercienses as-
por temas e assuntos similares (VASCONCELOS, 1933: sociados aos mosteiros do Douro que deixaram obra
347-350). publicada, inédita ou desaparecida. No intuito de
2. As fontes seis e setecentistas, impressas e manus- organizar esta informação dispersa aqui deixamos
critas, algumas referenciadas nas livrarias dos mos- breves notas biográficas e bibliográficas sobre cada
teiros de Salzedas e Tarouca e ainda disponíveis em um dos referidos autores.

85
AUTORES
DOS MOSTEIROS CISTERCIENSES DO DOURO3
Anastácio de Linhares Mosteiro de Santa Maria de Salzedas [data desconhecida,
Natural de Linhares século XVIII]; [2] - Fundação do Convento de S. Bernardo de
Professou em Santa Maria de Aguiar Tavira [sem indicação de data]; [3] - Summario do Cartorio
Redigiu: [1] - Exposito moralis in sex alas Seraphin Isaiae de Alcobaça [sem indicação de data]; [4] - Formulario de
[data desconhecida] Varias Cartas, Alvaras, etcª [sem indicação de data]; [5] -
Fonte: COD431 Summario do Cartorio de San Bernardo de Coimbra [sem
indicação de data]; [6] - Radius Bibliothecae Alcobacensis
Baltasar dos Reis [sem indicação de data]; [7] - Radiolorum raddi Bib. [sem
Fal. 1621 indicação de data]; [8] - De Oratoris, Eremitis, seu Capellis
Professou em Santa Maria de Salzedas Monachorum [sem indicação de data]; [9] - Indulta Aposto-
Redigiu [1] - Libro da fundaçam do Mosteiro de Salzedas lica pro Alcobaciensi Monasterio [sem indicação de data]
(1612). (MUÑIZ, 1793: 307).
Fonte: MUÑIZ, 1793 Fonte: BN, Cod. Alc. 394; MUÑIZ, 1793

Basílio de Almeida Bernardo de Castelo Branco


Natural de Almeida N. em Guardão, 1655; fal. Alcobaça, 1725 Professou em
Professou em Santa Maria de Aguiar São João de Tarouca (1671)
Redigiu [1] - De verbo abreviato [data desconhecida]. Foi o responsável pela causa da beatificação das rainhas
Fonte: BN, Cod. Alc. 431 D. Sancha e D. Mafalda, graça que alcançou para a Coroa
Portuguesa em 1705. Foi cronista-mor do reino e académico
Benedito de São Bernardo da Academia Real de História (PEREIRA&RODRIGUES, 1903:
N. Castro Daire 23)
Professou em Santa Maria de Salzedas Publicou: [1] - Discursos Sacros (Roma, 1706); [2] - Sermão
Redigiu: [1] - Collecção Curioza de varias couzas perten- do auto da fé, que se celebrou na cidade de Coimbra em 6
centes aos Religiozos Cistercienses de Portugal, por FR. Be- de agosto de 1713 (Coimbra, 1714); [3] - Sermão de acção
nedicto de S. Bernardo Monge Cisterciense Luzitano do Real de graças pela aclamação d’el-rei D. João IV, pregado no
collegio de S. Bernardo de Coimbra, etc (Coimbra, 1714); Bernardo de Portugal no padroado dos Mosteyros da mesma
[4] - Resposta à invectiva que fez José da Cunha Brochado, Ordem (1594).
sobre a pergunta que fizera, se nas Memorias Historicas que Fonte: MUÑIZ, 1793
escrevia d’el-Rei D. Pedro I por ordem da Academia, havia
de chamar a este principe Cruel ou Justiçoso (1722). Hilário das Chagas
Fontes: MUÑIZ, 1793 e PEREIRA&RODRIGUES, 1905. Século XVI (1575, seg. MUÑIZ, 1793: 94)
Professou em Santa Maria de Salzedas
Bernardo Figueiroa Redigiu: [1] - Memoria da Fundação de Alcobaça. Memo-
N. Melgaço ria de todos os Mosteiros de S. Bernardo que El rei D. Manoel
Fal. 1708 mandou visitar: Lembrança de como foi fundado o Mosteiro
Professou em Santa Maria de Salzedas de Cister. Catalogo dos Primeiros vinte Abades de Alcobaça
Redigiu: [1] - Fundação do Mosteiro de S. Maria de Fiãens [sem indicação de data]
[sem indicação de data] (MUÑIZ, 1793: 143) Fonte: MUÑIZ, 1793
86 Fonte: MUÑIZ, 1793
Julião de Resende
Cristóvão de Santiago Professou em São João de Tarouca
Fal. 1615 Redigiu: [1] - Ethimologiae nominum S. Scripture [data des-
Natural da Serra da Estrela conhecida]; [2] - Glossa in Evang. Mathei [sem indicação de
Professou em Santa Maria de Salzedas data] (MUÑIZ, 1793: 276)
Redigiu: [1] - Recopilação das Doações, privilégios, e mais Fonte: MUÑIZ, 1793
noticias, pertencentes ao Convento de Salzedas (apud S.A.,
1776: 311-312); [2] - Hum grande volume in Folio em que se Lourenço de Lisboa
copilou a Substancia das Doaçoens e Privilegios e Titulos N. 1620 (Sande); fal. 1673 (São João de Tarouca)
principaes do dito Mosteiro [de Salzedas] (BN, Cod. Alc. 431) Professou em São João de Tarouca (1620)
[sem indicação de data] Redigiu: [1] - Batalha de Montes Claros (verso) [em data
Fonte: BN, Cod. Alc. 431/S.A., 1776 desconhecida]; [2] - Descripção de Lamego até a barca da
Regoa [sem indicação de data] (MACHADO, 1752:30)4
Feliciano Coelho Fonte: BN, Cod. Alc. 431/MACHADO, 1752
Fal. 1636 (Alcobaça)
Professou em Santa Maria de Salzedas Luís de São Bento
Foi Geral da Congregação em 1627 N. Porto; fal. 1767
Redigiu: [1] - Tractatus orandi, & Meditandi (Lisboa, 1624) Professou em São João de Tarouca
(MUÑIZ, 1793: 95) Redigiu: [1] - Diccionario Ministral de todos os Ministros que
Fonte: MUÑIZ, 1793 tem havido no Reyno [em data desconhecida]; [2] - Relação
dos effeitos que produzio na Villa de Alcobaza o terremoto
Francisco de Azevedo do I. de Novembro de 1755 [sem indicação de data] (MUÑIZ,
Professou em Santa Maria de Salzedas 1793: 307)
Redigiu: Desconhece-se a extensão e teor da sua produ- Fonte: MUÑIZ, 1793
ção escrita.
Fonte: MUÑIZ, 1793. Luís Lainez
N. Sabugal
Gerardo das Chagas Professou em Santa Maria de Salzedas
N. (Vilas Boas ou Touro); Fal. 1611 (Salzedas) Redigiu: [1] - Relação do Antigo Santuario de N. Senhora
Professou em Santa Maria de Salzedas da Abbadia do seu principio ate ao prezente (1776); [2] - His-
Foi Doutor em Teologia pela Universidade de Coimbra e toria Genealogia das Illmas Familias Souzas, e Fonsecas [sem
Geral da Ordem (1591) (MUÑIZ, 1793: 94) indicação de data] (MUÑIZ, 1793: 185).
Redigiu: [1] - Desenção do direito que tem à Ordem de S. Fonte: MUÑIZ, 1793
Luís Sá posta a um Togado da Corte sobre o mesmo assumpto [ver
N. Óbidos 3] [sem indicação de data]; [5] - Introdução para a História
Professou em Santa Maria de Salzedas Ecclesiastica do Bispado Lamecense [Lisboa, 1787]; [6] - Dis-
Doutor em Teologia pela Universidade de Coimbra, Cate- sertação Historia-Critica-Apologetica convincente da novís-
drático de Prima e Reitor da mesma instituição. sima opinião que seguio que o Infante D. Luiz Duque de Beja
Redigiu: [1] - Officia Virginis Bonae mortis. Verae Vitae. In- fora deseherdado do Direito da sucessão do Reyno, pela de-
maculate Conceptionis. Dolorosae Passionis Filli & Solitudinis sigualdade do Casamento [1788]; [7] - Descripção de Portu-
matris (Coimbra, 1647); [2] - Serm. de Aclamaçam (Coimbra, gal, apontamentos e Notas da sua Historia antiga, e Moder-
1641); [3] - Serm. pelo Bom Sucesso das Armas Portuguesas na, Eclesiastica, Civil e Militar [1788]; [8] - Supplemento a
(Coimbra, 1641); [4] - Serm. pelo livramento de S. Magest. Descripção de Portugal em satisfação da carta que hum
(Coimbra, 1647); [5] - Inauguratio de Stemate Lusitano [ser- Prelado do Reyno escreveo ao Author da mesma obra
mão pelas exéquias de D. Teodósio] (Coimbra, 1654); [6] - [1788]; [9] - Provas da votiva acção do primeiro monarca de
Tres sonetos a Pancurpia, de Fr. Christovão de Osorio (Lisboa, Portugal, que na marcha para escalar Santarém prometteo
1628); [7] - Arbor meilor, fructus optimus [sem indicação de à Deos a fundação de hum Mosteiro Cisterciense, se pelas
87
data]; [8] - Manoplia Catholicorum contra Jansenistas [sem intercessoens de S. Bernardo ficasse Senhor da Fortaleza que
indicação de data]; [9] - Diadema intellectuale [sem indica- hia atacar [Lisboa, 1788]; [10] - Origem verdadeira do Conde
ção de data]; [10] - Tonitrum Crucis [sem indicação de data]; D. Henrique Soberano independente de Portugal, e por Va-
[11] - Escudo Cisterciense [sem indicação de data]; [12] - De ronia da Casa de Borgonha, Ducado, terceiro neto de Ro-
Gratiu & libero arbytrio [Coimbra, sem indicação de data] berto o Devoto, ofrecida a todos os Portuguezes [1789]; [11]
(MUÑIZ, 1793: 293). - Dissertação Historica, e critica para distinguir D. Pedro Afon-
Fonte: MUÑIZ, 1793. so filho do Conde D. Henrique, Religioso Cisterciense de Alco-
baza, de D. Pedro Affonso filho do Rey Affonso Henriques
Manuel da Conceição [1789]; [12] - Mapa nominal de todos os Abades de Alcoba-
Professou em São João de Tarouca (1676) ça, Geraes da Congregação de San Bernardo, com todas as
Redigiu: [1] - Fundação Real do Mosteiro de Alcobaça declarações, e circunstancias, que os facem conhecidos, e
[sem indicação de data]5 (MACHADO, 1752: 225). respeitados [Lisboa, 1789]; [13] - Dissertação histórica e Criti-
Fonte: MACHADO, 1752. ca, que mostra não deu o Senhor D. Affonso Henriques ao
Mosteiro Real de Santa Cruz de Coimbra o domínio temporal
Manuel de Figueiredo de Leiria, nem na Jurisdicção Ecclesiastica, que lhe doou, foi
N. Vila Real compreendida à Villa de Aljubarrota, que não hé em parte
Professou em São João de Tarouca. alguma do seu termo sujeita as determinações do Foral de
Foi cronista da Ordem de Cister em Portugal. Porto de Mós [1790]; [14] - Vida da Augustissima Rainha Santa
Redigiu: [1] - Relação das acçoens com que nos Real Mos- Teresa filha do segundo Rei de Portugal, e Religiosa Cister-
teiro de Alcobaza se renderão a Deos as Graças pelos felicís- ciense; escrita por Joseph Pereira Bayão, suplementada com
simos anos del Rey D. Joze I, Celebrandose no Mesmo Mostei- Dissertações, notas y documentos por Fr. Manoel de Figueire-
ro a Inauguração da Estatua Equestre deste Monarcha do [Lisboa, 1791]; [15] - Satisfação aos reparos, e perguntas
[Lisboa, 1775]; [2] - Cartas a respeito da Heroina de Aljubarro- que fez hum Viajante Historiador Portuguez examinando os
ta Brites de Almeida que com a Pa, do seu forno matou sete Retratos dos Antiquissimos Monarchas Portuguezes, que es-
soldados do Egercito inimigo no dia 14 de Agosto de 1395 tan na Hospedaria do Real Mosteiro de Alcobaça [1792]; [16]
[Lisboa, 1776]; [3]- Dissertação Historica Critica em que clara- - Carta a hum brigadeiro de Tras os Montes sobre a origem
mente se mostram fabuloso os factos, com que está enreda- das pensoens vulgarmente chamadas: Votos de Santiago
da a Vida de Rodrigo Rey dos Godos que este Monarcha na [sem indicação de data] [17] - Catalogo e Supplemento
batalha de Guadalete morreo; que são apócrifas as peregri- Chronologico-Historico e Critico dos Substitutos dos Esmoleres
nações da Imagem milagrosa de N. Senhora venerada no Mores dos Reis de Portugal, 4. gr. dos volum. Historia da Esmo-
termo da Villa da Pederneira; que não é verdadeira a Doa- laria Mor de Portugal, e Catalogo dos Propietarios e Substitu-
ção, que muitos crêm fez a mesma Senhora D. Fuas Roupi- tos do mesmo Emprego com 30 Documentos, que mostrão
nho, Gobernador de Porto de Mós [Lisboa, 1776]6; [4] - Res- sempre os Abbades de Alcobaza tiverão a propriedade do
mesmo Ministerio, regalia de aprezentarem aos Monarchas catalogo dos Priores de Alcobaza que administrão os mes-
quem os servisse nos seus impedimentos, fol. Segunda Parte mos bens de 1660 até 1789 [sem indicação de data]; [35] -
da Alcobaza Ilustrada7 [sem indicação de data]; [18] - Catá- Resposta, e satisfação a hum Amigo mostrando que foi o
logo dos Arcebispos, e Bispos Cistercienses de Portugal e me- Mosteiro de Alcobaza ate o Reinado de D. Affonso 4 Archivo
morias de Alguns Monges ilustres que professárão o mesmo Real, ou Torre do Tombo [sem indicação de data]; [36]- Duas
Instituto. Fundação do Collegio de Espirito Santo de Coimbra, cartas que mostrão como exemplos, Historiadores e Juristas,
e Catálogos dos Dons Abbades reitores Lentes da Universida- obtiveram os Reys de Portugal, Castella, e mais Monarchas
de e Doutores do mesmo Collegio [sem indicação de data]; de Hespanha Bullas Apostolicas para perceberem os Dicimos
[19] - Catalogo dos Monges de San Bernardo que forão das terras conquistadas e os doárão a muitas Cathedraes,
Chronistas Mores do reyno de Portugal [sem indicação de Igrejas, e Mosteiros [sem indicação de data]; [37] - Disserta-
data]; [20] - Catalogo dos mesmos Monges da mesma Or- ção Historica, e Critica que faz certa a existência, e os efeitos
dem, que desta forão Chronistas [sem indicação de data]; da segunda Doação que D. Affonso Henriques faz ao Prela-
[21] Catalogo dos Monges da mesma Ordem que forão De- do, e Monges de Alcobaza no anno de Christo 1183 abali-
88 putados, e Qualificadores do Santo Officio [sem indicação zando as terras já doadas na primeira doação, e doandole
de data] [22] - Serie dos Monges, que tiverão na dita Ordem os Dizimos das suas produçoens [sem indicação de data];
os Privilegios de Ex Geraes [sem indicação de data]; [23] - [38] - Historicas reflexoens com as quaes se explicão as letras
Serie dos Lentes de Artes da dita Ordem [sem indicação de do Caliz preziozo de Alcobaza, mostrando quem deu esta
data]; [24] - Fundação, e catálogo dos Abbades do Mosteiro peza ao Mosteiro; seguindo em tudo diversa idea das estam-
de Ceiza [sem indicação de data]; [25] - Fundação, e Cata- padas por alguns Autores Portuguezes [sem indicação de
logo dos Abade do Mosteiro do Desterro [sem indicação de data]; [39] - Principio do Anniversario de D. Alffonso Henriques
data]; [26] - Fundação e Catalogo dos Abbades Reitores do que celebrão os Monges de Alcobaza com ornamento festi-
Collegio de nra. Senhora da Conceição de Alcobaza [sem vo no dia 7 de Dezembro [sem indicação de data]; [40] - Ins-
indicação de data]; [27] - Catalogo dos Priores de Odivellas, tituição da Capella de D. Pedro I no Mosteiro de Alcobaza, e
Creação da sua Abbadia, e Catalogo dos seus Abbades aplicação da hipoteca por el Rey D. Fernando, com tudo o
[sem indicação de data]; [28] - Correçoens, e Adiçoens dos mais que respeita a este assumpto [sem indicação de data];
4 Tomos da Bibliotheca Lusitana no que he respectivo aos [41] - Principio e circunstancias do Anniversario que celebrão
Cistercienses [sem indicação de data]; [29] - Colleção dos os Monges de Alcobaza no I de Fevereiro pelo Cardeal Mo-
Escriptores Cistercienses omitidos nos 4 Tomos da Bibliotheca narcha [sem indicação de data]; [42] - Reflexoens, e funda-
Lusitana; e dos que escreverão depois de impressos os mes- mentos que desmanchão quanto se oppoz contra a Doação
mos volumes [sem indicação de data]; [30] - Catalogo dos que o Conde D. Henrique fez ao Mosteiro de Lorbão doan-
Presidentes da Congregação de Alcobaza por falecimiento dole quazi todas as terras, e Padroados, de que he Donata-
do Rmos. Geraes [sem indicação de data]; [31] - Memorias rio. Collecção de Apontamentos históricos para convencer o
dos Comendatarios de Alcobaza D. Jorge de Almeida, D. Memorial do Cabido de Leiria, que pertendia lhe pagasse do
Jorge de Ataide, e D. Fernando de Austria, que não tiveram Mosteiro de Alcobaza a terça parte dos Dizimos de muitas
jurisdição no Mosteiro [sem indicação de data]; [32] - Memo- terras que possuía no Bispado Leiriense [sem indicação de
rias do Arcebispo de Braga D. Fr. Alexandre de Portugal data]; [43] - Duas Cartas históricas, e Juridicas respondendo
Commendatario do Mosteiro de Ceiza [sem indicação de ao dito Cabido [de Leiria] sobre o mesmo assunto. Collecção
data]; [33] - Memorias para a Historia do Cardeal Monarcha de apontamentos territoriais, e divisórios do Patriarchado de
D. Henrique I Geral da Congregação de Alcobaza, divididas Lisboa, e do Bispado de Leiria para instruir Engenheiros que
por épocas das suas Dignidades, e Soberania E inscripçoens formarão o Mapa dos Confins, e divisoens das mesmas Dio-
para os novos retratos dos Abades perpétuos, Commenda- ceses, para se juntar a cauza que correo sobre o mesmo ob-
tarios, e Triennaes do Mosteiro de Alcobaza de 1152 até 1789 jecto da terça dos Dizimos [sem indicação de data]; [44] -
[sem indicação de data]; [34] - Principio e renovação do Collecção de Apontamentos históricos, que servirão de base
Laus Perenne do Mosteiro de Alcobaza, e memoria abrevia- ao Memorial que acabou de convencer a pouca justiça da
da do Monge Cistercienses Portuguez Fr. Thomaz de Brito, mitra Patriarchal que obrigava o Mosteiro de Alcobaza a pa-
que aplicou muitos bens para mayor solemnidade do mes- garlhe a terça dos Dizimos das Quintas, que possue no destri-
mo Laus Perenne, e culto do Santissimo Sacramento; com o to do mesmo Patriarchado [sem indicação de data]; [45] -
Discurso histórico, que aponta as partes, figuras e Cores de fundamento para o Cisterciense Caramuel nos Philipus Pru-
que devem ser formadas as Armas Cistercienses [sem indica- dens ventilar, e os Reino ficava devoluto ao mesmo Mosteiro
ção de data]; [46] - Títulos, e Arvores de muitas Familias de por morte do Cardeal rey? [sem indicação de data]; [54] -
Portugal [sem indicação de data]; [47] - Parecer histórico e Parecer histórico sustentando que a carta da mesma oferta
jurídico, em que sustenta não hé obrigado o Alcaide Mor de a Senhora de Claraval, e de proteczão ampla aos Cistercien-
Alcobaza a concertar a Cadea da mesma Villa [sem indica- ses, não foi privilegio Grazioso, mas acto remuneratório, e
ção de data]; [48] - Mapa de todos os Monges da Congre- assento das Cortes de Lamego [sem indicação de data]; [54]
gação de Alcobza, feito en todos os Triennios decorrentes de - Livro Mestre do Mosteiro de Alcobaza com declarazão de
1762 até 1789. Resposta a um Prelado regular sobre os Con- todas as suas Officinas, e trastes, que nestas existem; de to-
tratos que Felipe I fez com alguas Congregaçoens respecti- dos os seus prédios rústicos, e urbanos, alfaias, e moveis, que
vos aos Padroados de alguns Mosteiros, que ficarão pagan- a todos os respeitão, origens, e actuaes estados das suas ren-
do pensoens a Capella Real [sem indicação de data]; [49] das [sem indicação de data]; [55] - Livro Mestre do Mosteiro
- Instituição e prezente Estado dos Lugares do Religiozos do de Cos, feito com a formalidade dos antecedentes [sem in-
Padroado Real nos Mosteiros de Odivellas, Esperanza, Santa dicação de data]; [56] - Regulamento para governo do Cel- 89
Anna de Lisboa, Chagas de Villaviçoza, Santa Monica de leireiro Mor de Alcobaza no pagamento das vestidorias, viá-
Evora, e nuestra Senhora da Graza de Abrantes, conforme a ticos, pitanzas, Lavapes dos pobres em quinta feira Santa, e
disposição da Rainha D. Catherina, e compromisso do Car- otras despezas certas da mesma Officina [sem indicação de
deal Rei, e confirmação de Clemente 8 [sem indicação de data]; [57] - Critica do Kalendario Cisterciense de 1771 mos-
data]; [50] - Resposta a pergunta se os Dons Abbades Gera- trando estava em muitos pontos contrario aos preceitos dos
es Esmoleres Mores são Conselheiros dos Monarchas Portu- Usos de Cister, Leys, Rituaes, e costumes da Ordem [sem indi-
guezes como Esmoleres Mores, ou como Abbades de Alco- cação de data]; [58] - Allegazão Historica Critica e Juridica
baza, em que se mostra quando principiárão a ter a mesma feita no litigio, em que se disputaba o Paadroado [sic] da
honra, e pela Collecção dos documentos do Cartorio de Al- Igreja de S. Maria de Porto de Mos, para mostrar, que: Eccle-
cobaza as occazioens em que os mesmos Monarchas trata- sia Sanctae Mariae Portus Molarum, he a Igreja de Santa Ma-
rão com o titulo de seus Conselleiros os Abades Perpetuos, e ria de Puerto de Mos, que foi doada ao Mosteiro de Alcoba-
triennaes do mesmo Mosteiro [sem indicação de data]; [51] za por D. Affonso 3; assim se julgou [sem indicação de data];
- Mapa dos Monarchas, e Princepes sepultados no Cruzeiro [59] - Parecer histórico, e jurídico sobre a duvida de perten-
de Alcobaza, para onde os treladou o Abbade Fr. Jorge de cerem os Expedientes, e os Emolumentos das Provizoens dos
Mello: e requerimento a sua Magestade pedindo Licença Eleitos em Capitulo Geral de Alcobaza ao Secretario deste
para serem trasladados os mesmos Corpos Reaes a nova Corpo, ou aos do Rmo. D. Abbade Geral [sem indicação de
Caza feita pera seu deposito [sem indicação de data]; [52] data]; [60] - Index de 7 Tomos de Cartas escriptas pelos Mo-
- Voto histórico em que mostra não há Ley, ou preceito regio narchas Portuguezes aos Prelados de Alcobaza8 [sem indica-
que prohiba dentro das Igrejas de S. Julião da Villa da Peder- ção de data]; [61] - Reforma e adicionamento para o Expe-
neira; Estado de possuidores da Quinta do mesmo nome; e diente de todas as merces, e mais dependências, que
parecer sobre o direito; e parecer sobre o direito de quem respeitarão a Real Abbadia de Alcobaza [sem indicação de
pretendia suceder na mesma Quinta ao ultimo possuidor data]; [62] - Formulario para as Vicitas dos Padres Geraes, e
[sem indicação de data]; [53] - Principio dos Capitulos Gera- Vizitadores; e para processar as cauzas crimes da Congrega-
es Cistercienses de Portugal, origem, e numero dos seus vo- zão [sem indicação de data]; [63] - Mapa Historico de todas
gaes; dos que forão casados em alguns tempos, e dos que as facendas, que possue o Real Mosteiro de Alcobaza, com
se concederão, e os que actualmente os tem; Ordem das declarazoens, e citas dos títulos das suas aquiziçoens, e tem-
suas Eleiçõens, e declarazão das alternativas dos Geraes, Di- pos das posses, apprezentado ao Corregidor da Comarca
ffinidores, Abbades, e Procuradores Geraes [sem indicação de Liria para satifazão des Ordens Regias [sem indicação de
de data]; [53] - Explicazão de Thomar sobre as antiguidades, data]; [64] - Regulamento para o Expediente da Meza de
e Profissoens dos Leigos nas Ordens Monasticas, e cores dos Facenda de Mosteiro de Alcobaza, cobranza de suas ren-
hábitos, resposta a hua Personagem sobre antiguidades, e das, e distribuição de todos os seus ramos [sem indicação de
posse da oferta, que Senhor D. Affonso Henriques fez, e paga data]; [65] - Parecer Historico-Juridico refutando os votos
a Coroa Portugueza a nuestra Senhora de Claraval, que deu contrarios, e mostrando não devião ser alienados os Paosaes
[Passais] das Igrejas de Evora, Turquel, e Cella, pelo não com- ma Caza [sem indicação de data]; [79] - Descripção do
preender a Ley de 4 de Julho de 1768 [sem indicação de Concelho de Lafoens, e do dito Mosteiro com o Catalogo
data]; [66] - Instruczoens históricas, e Juridicas para serem tra- dos seus Abades Vitalicios, e Jurisdiçoens que tem [sem indi-
tadas na Junta das Confirmazoens de D. Joze I as dependên- cação de data] [80] - Descripção do sima Coa, no Estado
cias da Congregazão de S. Bernardo, cum hum Mapa de actual, e seculos antecendentes, e do Mosteiro Cisterciense
todos os títulos desta Congregazão, apprezentados na mes- de Santa Maria de Aguiar, com o Catalogo dos seus Abba-
ma Junta, datas, e declarazoens substanciaes das cautelas des Vitalicios, Triennaes, e Jurisdiçoens, que tem [sem indica-
dos ditos títulos [sem indicação de data]; [67] - Discurso Histo- ção de data]; [81] - Resposta historica, e critica ao D. Abba-
rico, e Juridico mostrando não devia Mosteiro de Alcobaza de de Aguiar sobre a Doação que Affonso Rey de Leão filho
pagar anualmente quarenta mil reis ao Seminario de Santa de Fernando 2 e Urraca de Portugal fez ao mesmo Mosteiro
Catherina de Lisboa [sem indicação de data]; [68] - Memo- doandolhe as terras, e jurisdiçoens da Villa de Bouça situada
rias das Vida, e Governos dos Rmos. Geraes da Congrega- no mesmo Reino [sem indicação de data]; [82] - Index da
ção de S. Bernardo Fr. Pedro de Mendonza, Fr. Joze Cardozo, Pologia do Padre Mestre Cisterciense Vasques respectiva a
90 Fr. Manoel de Barboza, Fr. Luiz Pereira, Fr. Caetano de Sam- conservação dos Ritos, e Ceremonias da mesma Orden [sic]
payo, Fr. Nuno Leitão, Fr. Manoel de Mendoza, Fr. Antonio [sem indicação de data]; [83] - Relazão da hospedagem,
Caiado, Fr. Antonio Caldeira, Fr. Alexandre Vasconcellos, Fr. que a N. Augustissima Soberana D. Maria I fizeram o Prelado,
Antonio da Mota, e Fr. Antonio de Magalhaens [sem indica- e Monges do Mosteiro de Alcobaza no dia 14 de Outubro até
ção de data]; [69] - Assento de todos os Religiozos que fale- dia 18 do dito mez, em que sua Magestade, e Real Familia
cerão na Congregação no decurso de 10 Triennios [sem indi- fizeram Corte o mesmo Mosteiro [sem indicação de data];
cação de data]; [70] - Memorial Historico, e Juridico [84] - Historia Corographica da Comarca de Alcobaza com
apprezentado a Coregidor de Leiria para mostrar que o D. exacta descripção de todas as partes do Mosteiro, Jurisdiço-
Abbade Geral Esmoler Mor pode apprezentar todos os Offi- ens, e Regalias, e de quanto respeita a suas terras no Eccle-
cios das terras de que he Donatario, não se encartando os siastico, Civil, e Militar: Com hua descripção das fundaçoens
apprezentados no tempo que determinão as Leys [sem indi- dos Mosteiros que forão, e ainda estão subjeitos aos Abba-
cação de data]; [71] - Mapa de todos os Padroens de Juro des Geraes de Alcobaza [sem indicação de data]; [85] -
Real da Congregação de S. Bernardo, com declaraçoens Mapa de todas as espécies de tributos que pagão ao Rey os
dos seus capitães, antiguidades, venzimentos dos seus redi- moradores da Comarca de Alcobaza [sem indicação de
tos, libros, e folhas, em que estão registrados na Torre do Tom- data]; [86] - Descripção da sepultura do Conde de Barcellos
bo [sem indicação de data]; [72] - Mapa de todos os Caza- D. Pedro, que jaz no Mosteiro Cisterciense de S. João de Ta-
mentos, Baptizados, Obitos, e indivíduos que vivião na rouca [sem indicação de data]; [87] - Mapa de todos os fo-
Comarca de Alcobaza nos anos de 1773, 74, 75 e 76 [sem ros que os moradores da Comarca de Alcobaza pagão a
indicação de data]; [73] - Parecer Historico, e Juridico Expon- particulares; [88] - Mapa de todos os Religiozos Cistercienses
do os fundamentos para serem revindicadas as facendas da Portuguezes falecidos de 1700 até 1784 [sem indicação de
Coroa que os Corpos de mão morta alienarão, com o pre- data]; [89] - Critica branda do Diario Ecclesiastico vulgar-
texto da Ley de 4 de Julho de 1768 [sem indicação de data]; mente chamado Folhinha de Algibeira, apontando os seus
[74] - Colleczão de todos os Epitaphios abertos em muitas erros Historicos nos Catalogos dos Reys, e Rainhas de Portugal
Igrejas, Capitulos, e Claustros da Congregação de Alcobaza [sem indicação de data]; [90] - Dissertação histórica-critica
[sem indicação de data]; [75] - Serie de todos os Ouvidores sustentando foi verdadeiro o triunfo do Abbade João Gover-
com alzada, que houve na Comarca de Alcobaza de 1521 nador de Monte Mor o Vello, e o milagre de resucitarem to-
até 1644. E provas das suas Jurisdizoens [sem indicação de dos os que forão mortos com os golpes do mesmo Abbade,
data]; [76] - Mapa, e Notas de todos os Padroados nas Igre- e seus Soldados [sem indicação de data]; [91] - Mapa de
jas da Congregação de S. Bernardo; [77] - Memorias do Mos- todos os Monarchas de Europa em 1787 dividido as partes de
teiro Cisterciense de S. Christovao de Lafoens, que conthem sua maioridade, nomes, e Soberanias [sem indicação de
a Vida do seu Fundador D. João Peculiar Arcebispo de Braga data]; [92] - Arvores genealógicas que mostrão por muitas
[sem indicação de data]; [78] - Dissertação que mostra não Linhas, e Cazas de Borbon, e Palatina os parentescos, que
foi o mesmo Prelado Eremita Augustiniano: Notas respectivas tem os Principes noivos de Portugal, e Hespanha com os Mo-
a vida do mesmo Veneravel Fr. João Cirita Abbade da mes- narchas, e Principes da Europa [sem indicação de data]; [93]
- Critica de pequeno Libro: Demetrio moderno [sem indica- co de Almeida até o prezente [sem indicação de data];
ção de data]; [94] - Primeira, e segunda Resposta a hum [108] - Catalogo nominal dos Infantes, e Infantas portuguezes
Censor regio, que mostrou em hua larga Dissertação he fa- que casarão fora do Reyno, com as noticias respectivas aos
bulosa a origem da Familia de Tavora; e que esta não foi Consorcios, e sucessoens [sem indicação de data]; [109] -
Padroeira do Mosteiro Cisetrciense de S. Pedro das Águias Catalogo dos Reys, e Rainhas de Portugal, e de seus filhos e
[sem indicação de data]; [95] - Resposta ao mesmo tempo filhas, emendado nos erros, e descuidos com que ate agora
Censor, e duvidas que propoz sobre a filiação Regia do Car- tem corrido, com hum dilatadíssimo Prefacio, em que se illus-
melitano Calzado D. Fr. João Manoel Bispo de Tiberiades, de trão muitos dos substanciaes pontos de Historia Portuguezas
Ceuta, e Guarda [sem indicação de data]; [96] - Memorias [sem indicação de data]; [110] - Diccionario Fluvial Portuguez
Geographicas, e Historicas da Comarca de Alcobaza, es- principiado; e Collecção total das notícias para a mesma
criptas a instancia do sargento Mor do Regimento da Cava- obra [sem indicação de data]; [111] - Reparos dos 5 Tomos
laria de Almeida João Bernardo Real da Gama, que perten- da Bibliotheca Lusitana [sem indicação de data]; [112] - En-
dia formar hum Dicionario Geographico de Portugal [sem trada, e progressos da Tipographia em Portugal [sem indica-
indicação de data]; [97] - Creação de Procurador Geral Cis- ção de data]; [113] - Catalogos dos Vice Reys, e Governado- 91
terciense na Cidade do Porto, com o mais que lhe respeita, e res de Portugal no Governo Filippino [sem indicação de
Catalogo dos que occuparão o mesmo lugar até 1783 [sem data]; [114] - Catalogo dos Secretarios de Estado dos Monar-
indicação de data]; [98] - Fundação dos mosteiros Cister- chas Portugueses [sem indicação de data]; [115] - Catalogo
cienses de S. Bernardo de Portalegre, e S. Bento de Evora; e dos Regentes do Reyno de Portugal na menoridade, e impe-
Catalogo dos Confessores desta Caza [sem indicação de dimentos dos seus Monarchas; [116] - Index de todas as rega-
data]; [99] - Respostas a 193 Perguntas respectivas a Culturas, lias dos Chefes Cistercienses de Portugal, como Esmoleres
e outros assumptos, remetidas pelo Intendente Geral de Poli- Mores do Rey, Geraes da Ordem, e Abade de Alcobaza
cia; addiccionadas com apontamentos, e notas para maior [sem indicação de data]; [117] - Historia de Santa Mafalda
clareza das mesmas Respostas [sem indicação de data]; Raynha de Castella, na qual por documentos se provão as
[100] - Origem, diversos Estados, e descripção do mosteiro de acçoens da sua Vida, e Virtudes9. Prefacio do Libro da Recei-
Cos; Catalogo das suas Abbadessas, e Confessores [sem indi- ta, e despeza da Bibliotheca do Mosteiro de Alcobaza, que
cação de data]; [101] - Mapas Cronologicos, e Nominaes de contem hua instrução para os Bibliothecarios: A Historia da
todos os Geraes, Deffinidores, Abbades, Vizitadores, Secreta- mesma antiga, e moderna Bibliotheca, e Catalogo dos seus
rios, Vogaes, Doutores, e Confessores, Mestres de Noviciado, Bibliothecarios de 1657 ate 1789. Vida do Barão de Laudon e
Procuradores Geraes, e Priores de Alcobaza; da origen [sic] descripção de Belgrado, vertidas de Castelhano, e supple-
dos Capitulos Cistercienses de Portugal até 1780 Cister Purpu- mentadas com grandes, e pequenas notas10 [sem indicação
rado; Vida, e acçoens dos Papas, e Cardeaes Cistercienses de data]; [118] - Vida do Chronista Mor Fr. Bernardo de Brito,
[sem indicação de data]; [102] - Titulos com Grandeza, e sem e a sua Geographia antiga de Lusitania, notada [sem indica-
ella, que existem, e acabarão em Portugal. Vida do Cister- ção de data]11.
ciense Bispo, e Arcebispo D. João Caramuel [sem indicação Fonte: MUÑIZ, 1793.
de data]; [103] - Vida do Arcebispo de Braga D. Lourenzo
Vicente da Lourinhã [sem indicação de data]; [104] - Chro- Matias da Conceição
nologia Bernardina, escripta por Mavillon, vertida em Portu- N. 1629; fal. 1687 (Tavira)
guez, e adicionada com advertencias e notas [sem indica- Natural da Vila de Pombal
ção de data]; [105] - Mapas dos Mosteiros de Cos, e Professou em São João de Tarouca (1646)
Alcobaza, com declaração das suas fundaçoens, numero Foi Abade de Santa Maria de Aguiar (1683)12
de indivíduos, rendimentos, encargos, e dividas, para serem Redigiu: [1] - Viridiario poético [sem indicação de data];
apprezentados a N. Soberana, na conformidade das suas [2] - Fundação do Real Mosteiro de Alcobaça em Outava
Ordens. Relação da Cheya, que indundou Alcobaza, na [sem indicação de data]; [3] - Rithma em 7 cantos em 8.º
noute de 23 para 24 de Fevereiro 1774 [sem indicação de anno de 1676; [4] - Vida e Morte do Veneravel P.e Antonio da
data]; [106] - Reparos, e Notas do Almanak de Lisboa de 1788 Conceição Religiozo da Congregaçam de S. João Evange-
e advertências para o do anno de 1789; [107] - Catalogo dos lista em Verso Anno de 1678; [5] - Vidas das Rainhas S. Isabel,
Vice Reys, e Gobernadores da Asia Portugueza de D. Francis- do Infante S. Fernando, da Princesa S. Juana, e do Card. D.
Henrique [sem indicação de data]; [6] - Historia das Excluímos desta listagem os religiosos naturais da
Imagens de N. Senhora em Portugal, e da Procissam
dos Nus [sem indicação de data]13
Diocese de Lamego que nasceram à sombra ou
Fonte: BN, Cod. Alc. 431/MUÑIZ, 1793/MACHADO, na proximidade dos mosteiros cistercienses a sul do
1752.
Douro, ou que noutros institutos, mais distantes, se
Pôncio de Pinhel formaram, como os casos de frei Bernardino Souto-
Natural de Pinhel maior, natural de Britiande (MUNIZ, 1793: 325); e ainda
Professou em Santa Maria de Aguiar
Redigiu: [1] - Sermones Divi Augustini in Epistolam os de vários escritores e professores que transitaram
Joannis; Expositio Joannis Constantinopolitani […]. por aquelas casas (o exemplo de frei Manuel da
Fonte: BN, Cod. Alc. 431.
Rocha)14. Porém a relação apresentada é represen-
92 Teotónio de Condeixa tativa das redes de circulação de saber entre os mos-
Natural de Condeixa
Professou em Santa Maria de Aguiar
teiros cistercienses e do grau de intelectualidade de
Redigiu: [1] - De verbo abreviato. alguns dos seus religiosos.
Fonte: BN, Cod. Alc. 431.
Tendo em conta a amostragem (21 autores e 165
obras) e a janela cronológica (séculos XVII e XVII) de-
vemos salientar as temáticas e assuntos mais abor-
dados pelos escritores, tendo à cabeça da lista as
questões de crítica histórica (40), ligadas a aspecto
de direito e jurisprudência (nomeadamente asso-
ciadas à posse de património e jurisdições - obras
na sua maioria manuscritas); obras memorialísticas,
referentes à história fundacional das casas monásti-
cas (26), biografias e róis biográficos (22) claramente
laudatórios sobre figuras-chave da ordem (escritores,
e da história nacional (normalmente figuras régias);
trabalhos de carácter diplomático e arquivístico (19),
parenética e teologia (note-se o notável conjunto de
panegíricos e sermões nacionalistas do período res-
tauracionista) (12), cronística (12) e, curioso aponta-
mento, obras poéticas (5), algumas de teor satírico.
Assinala-se também a ocorrência de alguns escritos
sobre genealogia familiar nobiliárquica e heráldica
institucional (6)15 e direito (1).
Nesta amostragem a média de 2-3 obras redigi-
das por cada autor é anulada pela vasta produção e arquivista propugnando pela defesa da memória e
de frei Manuel Figueiredo (118 obras) produzida até do património cistercienses, procurando refutar ale-
1789, em cujo ano vivia como atestava o autor da Bi- gações que contrapunha com o acesso a um vasto
blioteca Cisterciense Espanola (cf. nota 11). Pouco se alfobre de informações disponíveis nos cartórios e bi-
sabe sobre a sua biografia, para além de que nasceu bliotecas monásticos.
em Vila Real e que a sua actividade literária foi profí- Embora, frisemo-lo novamente, esta breve relação
cua a partir da década de 70 do século XVIII. Homem não possa constituir um elemento de mediação do
de luzes, e fadigas, digno por certo de mais larga contributo intelectual para a cultura portuguesa da
vida, e melhor fortuna, pela imparcialidade do seu época moderna e, em particular, do Antigo Regime,
caracter, como o descreve Fr. Joaquim de S. Agosti- a apresentação dos elementos supra parece contra- 93
nho numa Memória sobre os Códices Manuscritos de dizer a vox populi oitocentista que, acicatada pela
Alcobaça (S. AGOSTINHO, 1793: 301), estaremos pe- propaganda liberal, chamava bernardice a frase
rante um dos mais laboriosos cronistas da Ordem de equivoca ou mal construída, como assim no-lo escre-
Cister, com uma obra marcadamente polemista em ve D. Maria do Pilar (OSÓRIO, 1872a: 21) (cat. 19).
que o autor intervém como historiador, memorialista

1. A extinção de São João de Tarouca, ainda que temporária chegou a acontecer e incluiu Salzedas, ambos incorporados noutros patrimónios; o primeiro mos-
teiro no domínio dos freires da Ordem de Cristo de Coimbra e o segundo no dos freires de Avis. Cf. VASCONCELOS, 1933: 361-362.
2. Mosteiro onde viria a falecer. Em 1927 ainda era visível a epígrafe da sua campa rasa na capela-mor, cf. COUTO, 1927: 31.
3. Esta lista é constituída por verbetes com os seguintes campos: Nome (secular ou religioso), naturalidade ou lugar de nascimento e data (N.), lugar de óbito e
data (Fal.); Mosteiro onde professou (e data, caso exista registo); Obra(s) que redigiu (publicada e manuscrita e datas, caso existam); Fonte(s). Respeita-se a
grafia dos títulos, segundo os autores das fontes consultadas. Informações adicionais são acrescentadas entre parêntesis rectos.
4. Diogo Barbosa Machado acrescenta que frei Lourenço terá redigido certas poesias satíricas pedindo que as reduzissem a cinzas, depois da sua morte (MA-
CHADO, 1752: 30).
5. Diogo Barbosa (MACHADO, 1752: 225) transcreve as primeiras estrofes do poema, cujo manuscrito escreveu encontrar-se na Biblioteca do Marquês do Louri-
çal.
6. Sobre esta obra o autor da Biblioteca Cisterciense Espanola diz ter havido uma segunda parte (MUÑIZ, 1793: 129).
7. Segundo o autor da Biblioteca, a obra constaria de 37 capítulos, estando «incompleta» (MUÑIZ, 1793: 143).
8. O autor dá-nos a indicação de existirem dois volumes desta obra (MUÑIZ, 1793: 143)
9. O autor diz que «Está incompleta» (MUÑIZ, 1793: 143)
10. «Está en las licencias» - referência do autor (MUÑIZ, 1793: 143)
11. «Está en las licencias» -referência do autora, que acrescenta: «Todas estas obras se conservam en poder del Autor, que hoy vive», (MUÑIZ, 1793: 143).
12. Cf. a lista dos abades de Aguiar, publicada em COUTO, 1927: 49 ss.
13. Diogo Barbosa (MACHADO 1752: 453) acrescenta a este título a indicação […] Procissão dos Nús em Coimbra e esclarece que todas as obras do autor se
encontravam na Biblioteca do Mosteiro de Alcobaça.
14. Frei Manuel da Rocha, natural de Castelo Branco (onde nasceu em 1676), professou em Alcobaça em 1692 mas ensinou Teologia em Santa Maria de Salzedas
e São João de Tarouca (MACHADO, 1752: 352).
15. Dado que não nos foi possível reconhecer e consultar as obras elencadas, apenas o título nos serviu para aferir do teor das mesmas. Desconhecemos a
temática ou assunto de 29 obras.
012 SÉCULOS XVII-XVIII
MOSTEIRO DE NOSSA SENHORA DA ASSUNÇÃO DE TABOSA

O CLAUSTRO DO
MOSTEIRO DE NOSSA
SENHORA DA ASSUNÇÃO
DE TABOSA: UMA
ARQUITECTURA «SENZA
TEMPO»
ANA CRISTINA SOUSA
Construído nos primeiros anos do século XVIII, o de casas monásticas, muitas de instituição tardia,
claustro do antigo Mosteiro de Nossa Senhora de Ta- este mosteiro constitui (figura 1) a última fundação
bosa apresenta-se no contexto artístico da época da feminina cisterciense em Portugal.
sua construção como uma arquitectura «senza tem- Situado na freguesia de Tabosa do Carregal (conce-
po» e impõe-nos a necessária reflexão sobre crono- lho de Sernancelhe), as características do mosteiro de-
logias, linguagens artísticas e periferias. Instalado na vem ser analisadas em função do lugar ermo, inóspito
região sul duriense, com uma elevada concentração e isolado, onde os invernos, gerados pelo Diabo «para

 Figura 1 | Claustro. Foto Pedro Martins © DRCN

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tormento da Serra», são rigorosos e se prolongam, mar- encerramento (SANTOS, 2002: 35, 37, 47 e 64).
cados pelo «vento que corta», por «pancadas de água A 22 de abril de 1692 é assinada, em casa de D.
rijas como penedos», pela «neve de cantaril» que vem Maria Pereira, a Escritura de Doação, Dotação e Fun-
da Serra da Estrela, «mais sólida que muralha de bron- dação do Mosteiro de Nossa Senhora da Assunção,
ze, pelas trovoadas vindas das serranias, Montemuro, acto que resulta de uma série de diligências previa-
Estrela, Santa Helena e Lapa [...], que despem os seus mente desenvolvidas junto do rei D. Pedro II, Diocese
raios e troncos como numa batalha», por cima das po- de Lamego e Congregação de Alcobaça, onde se
voações, «e abate árvores, derrota telhados, estoira a regista a «Relação de Bens» dotados pela fundadora
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madre às nascentes e alaga tudo» . Local muito pou- para a sua criação (SANTOS, 2002: 44). Estiveram pre-
96 co povoado no século XVII (a fundação do mosteiro sentes no acto de fundação a própria D. Maria Perei-
dará origem ao nascimento do pequeno povoado ra, como primeira outorgante, e os Abades D. Diogo
de Tabosa), as condições do terreno obedeciam aos de Castelo Branco e Manuel Coelho, dos Mosteiros
preceitos de isolamento, solidão, recolhimento e co- de São Pedro das Águias e de Santa Maria de Sal-
munhão com a natureza determinados pela Ordem zedas respectivamente, como comissários e procu-
(MARTINS, 2007: 194). A iniciativa da sua construção radores do Abade Geral da Congregação de Alco-
deveu-se a um voto pio de D. Maria Pereira, benemé- baça, que declararam aceitar «todos os encargos,
rita devota de Nossa Senhora da Assunção, de S. Ben- cláusulas, condições e obrigações» registados (SAN-
to e S. Bernardo, cuja Regra foi seguida no Mosteiro, TOS, 2002: 45). A fundação do mosteiro surge, neste
perpetuando uma determinação presente desde os sentido, como a última das novas fundações vincu-
tempos de formação e expansão da Ordem de Cister, lada à Abadia de Alcobaça desde a sua instituição
a de dedicar todas a igrejas «a Santa Maria, Rainha enquanto Congregação Autónoma, em 15672. Os
do Céu e da Terra» (MARTINS, 2011: 100). O mosteiro terrenos destinados pela piedosa senhora para edifi-
seguiu a reforma espiritual do movimento das «Religio- cação do imóvel respeitavam aos da Quinta da Rua,
sas Recoletas», iniciado em Valladolid por Santa Tere- seu local de residência, que herdara de Diogo Ribeiro
sa de Ávila, no século XVII, que procurou recuperar as Homem, seu primeiro marido3.
práticas de recolhimento, austeridade, simplicidade A construção do conjunto monástico iniciou-se
e rigor da vida claustral, práticas que distinguiram e com a edificação da igreja em 1685, ainda em vida
marcaram a vida das freiras em Tabosa (COCHERIL, do segundo marido de D. Maria Pereira. A Escritura
1986: 111; SANTOS, 2002: 41). A clausura impedia-as de de Doação, Dotação e Fundação do Mosteiro su-
passar a cerca e colocava-as na dependência dos gere que a sua construção já avançava à data da
mosteiros masculinos mais próximos, neste caso São formalização. De acordo com a vontade expressa
Pedro das Águias, que dispunha de Confessor, Feitor e pela fundadora, o Mosteiro deveria acolher 25 reli-
alguns religiosos, relação que se manteve até ao seu giosas, incluindo quatro conversas e oito noviças.
Conhecem-se os dados de 30 religiosas que viveram giosas a rezar nelas no «dia de Sam Louren-
no mosteiro entre 1694 e 1760, todas de estirpe privile- ço» (10 de Agosto); no mesmo ano deu-se
giada (SANTOS, 2002: 56-57). D. Maria Pereira faleceu início ao douramento da capela-mor, obra ter-
a 1696 e de acordo com a sua vontade e conforme minada em janeiro do ano seguinte:
consta no documento da fundação, foi sepultada Acabouse de Dourar a Tribuna e Tecto da Ca-
«em uma sepultura na capela-mor do dito seu mos- pella Mor em Janeiro de mil e Seis Sentos e noven-
teiro, para que especialmente as religiosas delle, lhe ta e Seis; e posce o Santissimo no Sacrario novo
acomodassem a sua alma» (SANTOS, 2002: 60), o que do Retabulo dia da Converção de Sam Paullo da
confirma a sua iniciativa como um ato pio de carác- mesma hera [25 de Janeiro] (BN, Cod. 1254 – Mic
ter perpétuo. 813 – Códices Alcobacenses, fol. 75). 97
As primeiras religiosas chegaram ao Mosteiro a 10 Esta informação refere o douramento mais tar-
de Setembro de 1692, oriundas da casa de Nossa Se- dio do retábulo em relação à sua colocação na
nhora da Nazaré do Mocambo (Lisboa): 24 religiosas igreja, como seria frequente no tempo, e o acres-
do coro e três conversas (SANTOS, 2002: 68). Segundo cento de um novo sacrário.
o relato da Madre Brites do Menino Jesus4, os traba- • 1696 – Em setembro do mesmo ano foi colocado
lhos de construção não se encontravam concluídos um retábulo no coro, «com todas as mais miude-
à data, como prometera a fundadora; só a igreja se zas de Santos e Peanhas»;
encontrava acabada, dispondo o conjunto de onze • 1697 – Foram colocadas as grades de separação
celas inacabadas: entre a capela-mor e a nave, prática corrente
[…] encontramos um começo de convento, nu, que procurava evitar o acesso dos leigos a este
desprovido de comodidade, [...] não tinha uma úni- espaço sagrado «e doirouse o Arco de fora».
ca cela para nos recolhermos, tudo o mais parecia A mesma fonte permite-nos acompanhar cronoló-
um cortelho para animais que um convento para reli- gica e espacialmente as principais fases de constru-
giosas [...] como não tínhamos outro local, instalamo- ção do Mosteiro. A natureza do terreno determinou
nos no coro, ali rezávamos, comíamos e trabalháva- a organização da planta, explicando as diferenças
mos» (SANTOS, 2002: 70-71). perceptíveis em relação a outros conjuntos monás-
A igreja e o respectivo coro continuarão a merecer ticos daquela ordem. A estrutura foi construída so-
os maiores cuidados por parte da comunidade ao bre terreno granítico de forte inclinação, definindo a
longo da última década do século XVII, tal como se igreja um eixo horizontal na parte mais baixa e não
pode avaliar pela descrição contida no Livro da Re- no ponto mais elevado do vale como era habitual
lação e das Couzas Memoravens [...]: (MARTINS, 2011: 332). E tal como, nas proximidades,
• 1695 – 1696: execução das «cadeiras» do Coro a Virgem milagrosa da Lapa escolheu uma «penha
e respetiva colocação, começando as reli- bruta, que daria para construir uma aldeia» (RIBEIRO,
1983: 243) para aí repousar e ser alvo de devoção, nhos de Hieronymus Cock (c. 1510 - 1570) e Hans Vre-
também em Tabosa foi necessário quebrar a pedra deman de Vries (1527 - c. 1604) (VREDEMAN DE VRIES,
dura e transformar a antiga fraga num terreiro, tra- 1604), tão caro ao maneirismo do norte de Portugal e
balho iniciado em 1698 e terminado em Abril de 1702 cujo gosto se prolongou no tempo: é delimitado por
5
(figura 2) . No lado Norte estava já concluída, desde duas pilastras de fuste canelado, capitéis toscanos,
1697, a capela térrea de São José, construída por ini- arco de volta perfeita ao centro, formado por cin-
ciativa da primeira abadessa Madre Antónia de San- co aduelas e apoiado em dois pilares, entablamento
ta Maria. A qualidade dos elementos arquitectónicos constituído por friso decorado com motivos geomé-
é atestada pelo portal que se conserva, antecedido tricos intercalando ovas, losangos e círculos concên-
98 por um vestíbulo de onde arrancam as escadarias de tricos, suplantado por cornija avançada. Na continui-
acesso ao sobrado e coro alto, a escada das ma- dade e sobre este edificado, construi-se o «Dromitorio
tinas, cuja porta se encontra hoje emparedada. O que Vaij para o Coro», obra terminada em 1701. Ma-
portal da capela (figura 3), construído em granito de dre Brites do Menino Jesus acrescenta que a cape-
grão mais fino do que o usado nos muros, apresenta la ficava «muito perto da sua cela e aí comungava
uma estrutura sóbria mas bem desenhada, na linha cada oito dias» (CARVALHEIRA, 2004: 76-77).
da tratadística nórdica, versão simplificada dos dese- As obras de pedraria do claustro começaram nos

 Figura 2 | Fachada sul do mosteiro de Tabosa: terreiro, escadaria e mirante e portal. Foto Pedro Martins © DRCN
«primeiros Dias de junho da hera de mil e Sete Sen- disium Claustralis, no dizer de Bernardo de Claraval,
tos e três e estavam terminadas no Ultimo Dia de constitui o epicentro do Mosteiro, determinando a or-
junho da hera de mil Sete Sentos e Coatro, Sendo ganização dos seus espaços de vida espiritual e física
Abbades[s]a a Madre Eugenia de Santa helena» (BN, mas permitindo, também, a antevisão do Paraíso Ce-
Cod. 1254, Códices Alcobacenses, fol. 73 Vº), tendo- leste (MARTINS, 2007: 197-199). Esta condição impõe
se escavado parte da fraga que existia no terreno o silêncio, a reflexão e a meditação a todos os que
para o efeito. A obra foi benzida apenas em 1724 obrigatoriamente circulam neste «interface de aces-
(CARVALHEIRA, 2004: 73). sibilidades» que constitui o legado cisterciense (AL-
Do que resta das dependências do antigo conjun- MEIDA, 2001: 82), um ponto de encontro privilegiado
to conventual, o claustro continua a impôr-se como e lugar de leitura, fonte vital de luz natural para os 99
espaço de memória e de coesão entre os seus ele- espaços que naturalmente o envolvem. Respeitando
mentos, «unique» segundo Maur Cocheril entre tudo a habitual planta quadrangular com galerias porti-
o que visitou, «svelte, élegant, avec ce quelque cho- cadas, o claustro de Tabosa une-se à igreja pelo lado
se de gracieux, pour ne pas écrire: de féminin, qui en Este, posição pouco habitual mas explicada pelas
fait tout le charme au milieu des fleurs qui tapissent le condições topográficas6, a Sul a Sala do Capítulo, a
préau» (COCHERIL, 1986: 122-123). Verdadeiro Para- Sala de Visitas e o Locutório, a Oeste o calefatório, re-
 Figura 3 | Vestíbulo e entrada para a
capela de S. José. Foto Pedro Martins
© DRCN  Figura 4 | Claustro. Foto Pedro Martins © DRCN  Figura 5 | Claustro. Foto Pedro Martins © DRCN
 Figura 13 | Portal sul (pormenor do remate e pedra de armas da Ordem de Cister).
Foto Pedro Martins © DRCN

sendo o sobreclaustro constituído por balaustrada de


recorte quadrangular semelhante à de São Mamede
de Lorvão, que suportava colunas e um entablamen-
to reto com cobertura em madeira que se perdeu
(figuras 5 e 6). A solução aproxima-se das observa-
das em desenhos de perspectiva de Hans Vrede-
man de Vries, 1527 - ca. 1604) (VREDEMAN DE VRIES,
1604), de Hendrik Hondius (HONDIUS, 1647, fol. 21) e
nos de Jacques Androuet du Cerceau (Androuet du
100 Cerceau&cock, 1549), nos quais observamos a repe-
tição do uso da ordem toscana, o emprego da arqui-
trave corrida em detrimento do arco, coberturas de
madeira e as balaustradas sobre os entablamentos
feitório e latrinas e a Norte a Capela de São José e o pontuados por colunas ou obeliscos no alinhamen-
dormitório já analisados. Constitui, neste sentido, um to dos tramos. E não podemos ignorar a herança de
símbolo da vida orgânica interna, unindo a comuni- Sebastiano Serlio (1475-1554), Andrea Palladio (1508-
dade à igreja, e constituindo um espaço funerário pri- 1580) e Giacomo Barozzi da Vignola (1507-1573),
vilegiado. O claustro de Tabosa assumiu, como todos cujas obras serviam de «uso pessoal» a «curioso[s] e
os outros, este carácter multifuncional, encontrando- engenheiro[s] ou architeto[s]» deste período como
se aí sepultadas algumas das freiras que ali viveram demonstrou Manuel Joaquim Rocha em relação a
e que conquistaram fama de santidade, passando Carlos Gimac (ROCHA, 2011: 395) (figuras 7-13) .
«para a outra vida com opinião de Santas e todas O jardim claustral, quadrangular e a céu aberto, é
com signaes de bem aventuradas seja Deus louva- separado das galerias por um muro baixo onde as-
do» (CARVALHEIRA, 2004: 198). sentam as colunas, acedendo-se ao seu interior por
O claustro segue a organização de dois pisos que pequenas aberturas. Obedece a um esquema de de-
se impôs a partir de Quinhentos apresentando, no senho geométrico com lajedo e espaços para can-
entanto, uma tipologia única em relação aos restan- teiros. À semelhança dos demais claustros, o espaço
tes mosteiros cistercienses portugueses, formado por central é ocupado por uma fonte mais cenográfica e
uma estrutura arquitravada assente sobre colunas plástica do que a traça envolvente. É composta por
de ordem toscana, que se conservam na totalida- uma taça de planta irregular, com um elemento ver-
de (MARTINS, 2011: 315-316) (figura 4). As aberturas tical ao centro e repuxo para a água, organização
e as mísulas que se conservam nos muros recordam idêntica à de outros claustros cistercienses (MARTINS,
a armação de madeira que separava os dois pisos, 2011: 328) mas de debuxo próprio. Também para a
fonte podemos encontrar eco na tratadística fla- reia Borges, nomeadamente à entrega de alimentos
menga e francesa dos séculos XVI e XVII, como o como sopa e pão (cit. in MARTINS, 2011: 394). O piso
Second livre d’architectvre de Jacques Androuet du superior estaria ocupado pelo «Dormitório da Enfer-
Cerceau, no qual se pode observar múltiplos dese- maria», construído em 16989, local certamente esco-
nhos para pavimentos, fontes, poços, lareiras e vãos lhido pela boa exposição solar que apresenta. Esta
(CERCEAU, 1561). fachada voltada a Sul é a mais monumental e ceno-
No lado Sul do claustro distingue-se uma sequên- gráfica do conjunto. O portal nobre preserva ainda
cia de três salas pelo qual se acede directamente: a uma sequência decorativa de gosto barroco: ladea-
sala do Capítulo, espaço de reunião da comunidade do por pilastras caneladas, sobreposto por varandim,
monástica terminado em 17457, o parlatório ou locu- nicho com uma estátua de São Bernardo e remate 101
tório, a partir do qual as religiosas poderiam contac- com frontão de linhas ondulantes, delimitado por pi-
tar com o exterior e onde se distribuíam tarefas e se náculos e apresentando ao centro o brasão com as
conversava, ouvia ou transmitia mensagens verbais Armas da Congregação de Cister em Portugal (figura
ao Abade. Segundo Nelson Correia Borges (cit. in 14). Na sequência desta ala, na parte mais alta do
MARTINS, 2011: 364), as grades, também assim desig- terreno, como é frequente nestas casas, construi-se
nadas nos mosteiros femininos por ser este o local de o Mirante, dependência específica dos conventos
contacto com o exterior, ficavam sempre contíguas femininos. Apresenta a forma de um torreão avan-
à portaria. É nesta sala que se encontra igualmente çado, com dois pisos, amplas janelas rasgadas para
o Torno ou Roda, artifício exclusivo dos conventos fe- o terreiro no sobrado, espaço de recreação das re-
mininos e aberta para a portaria, permitindo a troca ligiosas que permitia o olhar discreto para o exterior
8
de bens com o exterior e a entrega de crianças . O (MARTINS, 2011: 408). A construção deste edifício e
último destes compartimentos seria a sala de visitas. respetiva escadaria foram concluídos em Abril de
Nos mosteiros femininos a portaria destinava-se à ca- 170210.
ridade, à esmola da porta no dizer de Nelson Cor- As características topográficas e físicas do terre-

 Figuras 6 a 12 - Reproduções de gravuras de tratadística da arquitectura pub. em VREDEMAN DE VRIES & HONDIUS, 1604; ANDROUET DU CERCEAU & COCK, 1549;
no determinaram, desta forma, a organização e Lamego, cidades que conheceram um grande de-
distribuição dos elementos no espaço. Os cursos de senvolvimento artístico nos séculos XVII e XVIII (CAR-
água, a Poente parecem ter determinado a constru- VALHEIRA, 2004: 72). As dificuldades levantadas pela
ção das dependências funcionais como a Cozinha, toponímia, a dureza do granito britado e aproveita-
os Lavabos e o Refeitório. Esta realidade reafirma a do para o levantamento das obras e alguma mão-
importância deste elemento na escolha do local e o de-obra menos qualificada, poderão justificar muitas
respectivo impacto no edificado. A documentação fragilidades e irregularidades observadas na cantaria
atesta também a existência de rouparias, oficinas e de fustes e outros elementos arquitectónicos. No en-
celeiros que podem ter sido, igualmente, construídos tanto, o equilíbrio demonstrado na planta domina-
102 deste lado do quadrilátero, respeitando uma práti- da pela quadratura do claustro ao centro, pelo eixo
ca corrente nas edificações cistercienses, ou seja, as da igreja definido a Levante e pela emblemática
áreas de serviço ocuparem em toda a sua extensão fachada a Sul, apontam para um risco de carácter
o lado oposto ao da igreja (CARVALHEIRA: 2004: 75). erudito, estando o seu autor familiarizado com a tra-
A Hospedaria dava continuidade a estes dois apo- tadística quinhentista e seiscentista que adaptou às
sentos confinando com o Mirante. exigências de contenção e simplicidade impostas
Desconhece-se a autoria do projecto e o nome pelas recolectas. A singularidade da arquitectura de
dos responsáveis pela sua concretização. Ana Car- Tabosa reside, de facto, no equilíbrio e harmonia do
valheira sugere que conjunto.
os seus execu- Em 1771, D. Manuel de Mendonça, por alegada
tantes terão pressão do Marquês de Pombal, mandou encerrar o
vindo de Mosteiro de Tabosa, determinando que as religiosas
Viseu e as rendas da instituição fossem transferidas para
o u o Colégio de São Francisco Xavier de Setúbal e os
de seus bens para a Coroa11. Abandonado, o Mosteiro
entra numa primeira fase de ruína, tendo sido alvo
de pilhagem. A ascensão de D. Maria I ao trono pro-
porcionará, no entanto, a inversão deste processo,
com a reabertura da casa e o regresso das religiosas
a ela afectas, agora sem rendas e sem dotes (SAN-
TOS, 2002: 128). O edifício monástico conheceu uma
reedificação a partir de 1777 mas não é possível de-
terminar o nível de degradação anterior e o volume
de obras necessário para o retorno das religiosas.
Consideramos que o essencial da planta e organi- Inventário dos bens do Mosteiro de 1844, realizado a
zação do mosteiro se manteve. A responsabilidade pedido de D. Maria II, sabemos que então residiam
das obras ficaram a cargo de Frei José da Fonseca e aí cinco religiosas e uma pupila. Cinco anos volvidos,
Castro, do Mosteiro de Salzedas, nomeado Intenden- este número caíra para apenas uma religiosa, Tho-
te de Obras pelo Capítulo Geral, que foi «morador na mazia Rita, «adiantada em anos, doente», a cargo
dita casa, enquanto as religiosas de Tabosa se não de uma «engeitada […] que a dita freira criou por ca-
recolhe[ram] ao seu mosteiro» (SANTOS, 2002: 163). ridade», que administrava os bens e que ia vendendo
As dificuldades sentidas pela comunidade agra- «alguns trastes». Através deste documento, ficamos
varam-se entre 1810-1825, sendo as religiosas susten- igualmente a saber que o Mosteiro tinha capacida-
tadas pela «Arca da Caridade» criada pela Con- de para acolher 35 religiosas12 (cat. 19). Thomazia 103
gregação de Alcobaça e para a qual contribuíam Rita faleceu a 27 de Março de 1850. O estado de
os mosteiros mais ricos, no concreto, neste caso, os abandono e a inexistência de uma autoridade que
de Arouca e de Lorvão (SANTOS, 2002: 64). Com a o protegesse, conduziram à sua rápida degradação
extinção das Ordens Religiosas em 1834 (cat. 18), na e destruição, servindo os seus elementos arquitectó-
sequência do Decreto de 28/05, assiste-se à apro- nicos como matéria-prima para o levantamento das
priação do seu património por parte do Estado, pro- casas vizinhas do povoado. Só a igreja e os seus per-
cesso marcado pelo litígio com os herdeiros da fun- tences foram preservados, entregues à população e
dadora, que reivindicavam esses bens, alegando o à Paróquia de Tabosa, Diocese de Lamego.
estabelecido na escritura da fundação. Segundo o

1. As palavras e expressões entre aspas correspondem a expressões soltas de Aquilino Ribeiro em Terras do Demo constituindo, todo o texto, uma paráfrase de
vários momentos da obra do autor. RIBEIRO, 1983: 40, 45, 47, 103.
2. Depois do nascimento da Congregação Autónoma de Alcobaça e da desvinculação portuguesa relativamente a Cister, foram criados os Mosteiros de Nossa
Senhora da Piedade de Tavira (1530), Nossa Senhora da Nazaré de Mocambo (1653), Nossa Senhora da Assunção de Tabosa e a filiação de Nossa Senhora
da Nazaré de Setúbal (MARTINS, 2011: 124).
3. Casou em segundas núpcias com Paulo Homem Teles, fidalgo da Casa Real, do quem igualmente ficou viúva e sem descendência, o que motivou a fundação
do mosteiro no terreno da Quinta da Rua.
4. Madre Brites do Menino Jesus ingressou no Mosteiro a 13 de Julho de 1696 e foi secretária da comunidade até à data da sua morte (30 de Abril de 1761).
SANTOS, 2002: 89.
5. «[…] neste mesmo Anno [1698] se Comesou a tirar a fraga para se fazer o Terreiro», cf. BN, Códices Alcobacenses, cod. 1254 (mic. 813), fol. 74.
6. As igrejas dos mosteiros situam-se normalmente a Norte do conjunto monasterial.
7. «Acabouse de fazer o Cartorio em Vespor do Apos=/tollo S. Bertolomeu, anno de mil e Sete Sentos e qua=/renta e Sinco Custou de ofesial que fes, e pintor
/ Sesenta mil Reis, sendo feitor o muito Reverendo padre frei jos / de Almeida, e Confessor o muito Reverendo Padre frei Bento de Afonseca” /FGBNL, Cod.
1254 - Mic 813, Códices Alcobacenses, Couzas / memoravaens da Fundação deste / Convento de Nossa Senhora da Assunpção / do lugar de Teoboza, de
Recole/as da ordem de Nosso Padre S. Bernardo / O segundo que se Fundou neste Reino de Portugal, na hera de 1692 a», cf. BN, Códices Alcobacenses, cod.
1254 (mic. 813), fol. 74.
8. A Roda continuou a funcionar depois da extinção do mosteiro, a cargo da Igreja (SANTOS, 2002: 207).
9. «Fesce o Dormitorio da Enfermaria / na hera de mil e Seis Sentos e no/venta e outo», cf. BN, Códices Alcobacenses, cod. 1254 (mic. 813), fol. 74.
10. Fesce a Escada para a grade e aos / Cazas das grades e acabou-se o Te/rreiro em o mês de Abril de mil e / sete Sentos e Dous; Sendo ainda a / primeira
Abbadesa a Madre Antonia de Santa Maria. /, cf. BN, Códices Alcobacenses, cod. 1254 (mic. 813), fol. 74.
11. D. Manuel de Mendonça foi mais tarde destituído do cargo e acusado de traição em relação ao governo da Ordem de Cister em Portugal (SANTOS, 2002:
64 e 124).
12. Documento datado de 1849 da Repartição da Fazenda do Governo Civil de Viseu (apud SANTOS, 2002:
013 SÉCULO XVIII
MOSTEIRO DE SÃO JOÃO DE TAROUCA

ESPELHOS DE MODELOS:
A PINTURA
HAGIOGRÁFICA
DO CORO DA IGREJA DE
SÃO JOÃO DE TAROUCA
NUNO RESENDE
Reconhecida já a autoria das obras do coro e (SMITH, 1968: 68), por tratar-se de um coro médio
caixa do órgão da igreja do mosteiro de São João – implantado a meio da nave central da igreja – o
de Tarouca, da lavra do entalhador Luís Pereira da cadeiral de São João de Tarouca compõe-se de 28
Costa, do Porto, e do imaginário Ambrósio Coelho, assentos em pau-preto, dispostos em duas ordens,
de Serzedelo (SMITH, 1968), importa olhar com mais num total de 56 cadeiras distribuídas por dois andares
atenção para os retratos que assomam de entre o e dois lanços. Sobre o cadeiral 16 telas com retratos
faustoso trabalho de talha. de meias figuras masculinas, emoldurados por traba-
Como o descreveu Robert Smith, caso único en- lho de talha dourada que apresenta características
tre as peças principais que sobrevivem em Portugal formais do barroco joanino (por exemplo nas mísulas

 Figura 1 | Ala norte do cadeiral da igreja de São João de Tarouca. Foto Pedro Martins © DRCN
105
quarteladas que separam as molduras dos retratos) do nos colocamos frente ao conjunto. Confrontados
(figura 1), mas ainda presa a uma linguagem nacio- com o brilho flamejante do ouro que insufla vida nas
nal documentada pela abundante escultura figura- figuras representadas, somos impelidos a escutar os
tiva que marca o ritmo ornamental da composição. diálogos que parecem sussurrar a partir das janelas
Neste sentido urge repensar as balizas cronológicas abertas na floresta de talha.
definidas por R. Smith e outros autores em relação Nas clareiras assomam, pois, 16 figuras masculinas
aos estilos do barroco da talha portuguesa (cat. 14). recortadas pela cintura, cujas posições e gestos nos
R. Smith que, transcreveu excertos do contrato da impelem a compará-las a uma dramaturgia. Todos os
obra, datado de 4 de Abril de 17291, aludiu também actores compartilham o mesmo cenário e figurino: o
106 à alteração do plano inicial que implicava, segundo alvo hábito cisterciense que contrasta com o fundo
o risco de frei Luís de São José2, a execução de pai- escuro e inerte de onde assomam os actores para
néis em meio relevo em lugar das actuais pinturas. nos indicar, através da gestualidade das mãos e dos
Poderá ter sido a desistência de Ambrósio Coelho, olhares uma linguagem que é tudo menos estática,
hipotético responsável pelos painéis, que determinou não obstante as feições quase inexpressivas que o
a preferência pela pintura como suporte narrativo. artífice ou artífices plasmaram em cada um dos re-
Porém, a escolha da pintura a óleo em detrimento tratados. De resto, comum neste género de pintura
do relevo constitui solução idêntica a outros cadeirais hagiográfica, o autor ou autores da mesma não atin-
setecentistas de igrejas da ordem, nomeadamente gem o nível de individualização recorrendo à busca
a nível regional, como em São Pedro das Águias e pelo verismo facial ou anatómico, se não através da
Santa Maria de Arouca (cat. 14)3. inclusão de elementos que identificam, acentuam ou
Não datadas, não assinadas, nem referidas na do- destacam a figura e a sua importância ou função na
cumentação – que apenas alude à obra da talha hierarquia eclesiástica da ordem.
e do cadeiral do coro (cujo contrato de obrigação Encontramo-nos ante um programa iconográfico
data de 6 de Abril de 1729)4 –, as pinturas são, pelo pensado para um espaço particularmente importan-
seu traço, pelo tratamento da cor e da luz e pelo te em contexto eclesial. Aqui cantavam-se os ofícios
desenho fisionómico e anatómico das figuras, quase litúrgicos, numa organização não apenas melódica,
contemporâneas das obras de marcenaria. mas humana, em que cada indivíduo ocupava o
Frente a frente, num registo paralelo (ver quadro 1) seu lugar hierárquico (cat. 4). Assim o especificam os
exibem-se oito telas emolduradas pela riqueza e vi- cerimoniais monásticos e os livros de usos e ofícios,
vacidade da talha dos caixilhos, que em caprichosas com as suas normas sobre tempos, gestos e acções.
curvas e sobrepujanças rodeia os retratos, tornando Como na pauta de um antifonário tudo estava regra-
o conjunto cada vez mais plástico e complexo (Smith, do e o coro era o espelho da organização social de
1968: 68). Esta apreciação de Smith é oportuna quan- um mosteiro (cat. 17).
Nesse sentido, a presença de retratos de santos nos mosteiros cistercienses do Douro as representa-
ou figuras reverendas da ordem nos espaldares dos ções dos santos cistercienses, exceptuando, claro,
cadeirais poderá revelar-se não apenas como uma os amiúde replicados irmãos espirituais São Bernardo
forma de propaganda catequética, tão necessária e Santa Umbelina, São Bento e Santa Escolástica. In-
numa ordem vincadamente internacional, mas tam- variavelmente estes encontram-se ainda hoje repre-
bém como um manual comportamental. De resto, a sentados nos retábulos das ermidas, capelas e igrejas
distância cronológica e cultural das figuras dos gran- monásticas e paroquiais da região - nomeadamente
des cistercienses – entre veneráveis, beatos, santos, nas que integravam o conjunto dos padroados dos
santas e mártires – espalhados por uma Europa me- mosteiros cistercienses.
dieval, escapava (pelo menos visualmente) aos mon- O espírito reformista do século XVIII aproveitou as 107
ges que em setecentos os apenas conheciam atra- grandes renovações arquitectónicas para exaltar as
vés das hagiografias manuscritas ou impressas. Quem figuras maiores da ordem, nomeadamente os seus
eram, portanto, aqueles heróis fundacionais que ha- santos e patronos, destacando o papel espiritual (e
viam ajudado a erguer a «civilização» cisterciense? até político) dos seus homens e mulheres, através dos
O que os distinguia mas, sobretudo, o que os aproxi- respectivos modelos de santidade e de intelectuali-
mava dos comuns monges que diariamente deviam dade. Esta afirmação é clara em São João de Tarou-
cumprir as funções e ofícios dentro do mosteiro? ca, onde o coro médio constituiu um dos elementos
Implantado num território marcado por devoções mais notáveis das grandes obras reformistas que o
de forte atracção popular, como São Sebastião, barroco produziu nesta igreja.
São Brás ou Santa Luzia (cat. 10), cujas iconografias Voltemo-nos, portanto, para os dezasseis retratos e
eram largamente disseminadas através de esculturas passemos à sua identificação. Estes organizam-se em
e pinturas em templos comunitários, escasseavam duas filas conforme a seguinte disposição e legenda:

[ALA NORTE] [ALA SUL]

S. P CAS.To [NAVE CENTRAL] S. BADU.NO

S. BERME.v S. THEOB.DO
S.GERARDO [oculto]5
S.MAVRI.co S.ALBERICO
S.GVLHERME S.THOMAS
S.P.A BENEDI.To 12 O S.P. ALEX.3º
O S.Pe. URBANO 4.º O S.P. EUF. 3.º
S. ESTEV.º N.P.S BND
 Figura 2 | Santo Estevão e Papa Urbano IV. Foto Pedro Martins © DRCN
  Figura 3 | Papa Eugénio III e São Bernardo de Claraval. Foto Pedro Martins © DRCN

É provável que, no século XVIII, um qualquer mon-


ge habitante do mosteiro de São João, conhecedor
da história da Ordem de Cister entendesse imedia-
tamente a organização das figuras no espaço do
coro.
Caminhando entre os cadeirais, fazendo o percur-
so a partir da porta dos monges o religioso seguido,
de um lado e de outro pelos olhares de abades,
mártires, santos e veneráveis monges, quatro sumos
108 pontífices ligados à fundação da comunidade e pe-
las figuras de Santo Estêvão Harding6 (figura 2) e São
Bernardo de Claraval7 (figura 3) (pedras angulares no
projecto de consolidação da instituição cisterciense)
compreenderia a lógica subjacente a tal disposição.
O percurso assinala uma organização hierárquica
do programa iconográfico (num plano horizontal, de
oriente de para ocidente) de acordo com a memó-
ria histórica da ordem, em que cada figura, a norte,
espelha outra, a sul, correspondente ou próxima nos
atributos hagiográficos e nas características espiritu-
ais ou temporais.
Efectivamente cada indivíduo contribui, individual-
mente, com a sua hagiografia, revelada visualmente
por certos atributos, para uma mensagem particular
sobre o seu múnus na ordem, mas o conjunto do pro-
grama revela preocupações de ordem propedêuti-
ca que nos remete para a afirmação de característi-
cas comuns entre os representados.
Estamos perante uma escolha pensada sobre um
conjunto de homens que marcaram a Ordem de Cis-
ter, quer pelo seu trabalho como líderes de comuni-
dades (abades como São Balduíno de Rieti8 (figura
4), São Teobaldo9 (figura 4), Santo Albérico10 (figura

  Figura 4 | São Balduíno e São Teobaldo. Foto Pedro Martins © DRCN


 Figura 5 | [São Roberto de Inglaterra?] e S. Albérico. Foto Pedro Martins © DRCN
Figura 5 | [São Roberto de Inglaterra?] e S. Albérico. Foto Pedro Martins © DRCN 

Figura 6 | São Maurício e São Gerardo. Foto Pedro Martins © DRCN  

5), São Maurício11 (figura 6), São Bartolomeu de Firmi-


tate12 (figura 8) e São Guilherme de Rielvaux13 (figura
7), ou da própria Igreja (os Papas Benedito XII14, Ur-
bano IV15, Alexandre II16, Eugénio III17 e o arcebispo
Tomás Becket18) (figuras 2, 3, 7 e 9), quer ainda como
doutrinadores, confessores e mártires entre cujas figu-
ras se destaca São Pedro de Castro19 (figura 8), morto
às mãos dos hereges e que certa memorialística cis-
terciense considera o primeiro Inquisidor – lugar dispu-
tado com São Domingos de Gusmão. Este sentido de 109
abnegação e sacrifical dos representados impõe-se
naturalmente como formulário normativo de santi-
dade, mas assume na comunidade de São João de
Tarouca um papel particular enquanto mostruário de
modelos a seguir pelos monges.
De resto a presença de homens que preteriram a
mundanidade, como o próprio São Bernardo ou o seu
irmão São Gerardo20 (figura 6) ou ainda São Teobal-
do (gerados numa época de ideal cavaleiresco) do-
cumentam uma característica da vocação religiosa
medieval que se estende culturalmente a São João
de Tarouca do século XVIII - casa que então alberga-
va grande parte dos filhos de uma nobreza regional
(cat. 15) consciente do seu passado linhagístico.
Compõe-se, portanto, esta galeria, de retratos que
transpõem um conjunto de indivíduos maioritaria-
mente originários da sociedade medieval dos séculos
XII-XIII para um palco onde poses e gestos virtuosos
os transportam para um num plano de missão espiri-
tual e temporal marcadamente barroco, acentuado
pela presença cenográfica de elementos represen-
tativos dos poderes (espiritual, temporal, cultural): mi-
tras, báculos, tiaras pontifícias, livros e papéis que os

Figura 7 | Papa Benedito XII e São Guilherme. Foto Pedro Martins © DRCN  

Figura 8 | São Bartolomeu e São Pedro de Castro. Foto Pedro Martins © DRCN 
figurados exibem ou para os quais apontam em ges- Mas, ainda que auditivamente silencioso, o diálo-
tos teatrais. Esta dramaturgia é acentuada pela posi- go neste programa iconográfico exibe expressões
ção das cabeças dos figurados que, a ¾ se articulam metafóricas sobre a palavra – seja a palavra escrita
num quase-diálogo ou são entrecortadas com ma- testemunhada nos alfarrábios que acompanham as
nifestações do divino, patentes em alguns quadros figuras ou os gestos que traduzem percursos exem-
através da representação de feixes de luz diagonais plares que recordam, por exemplo, a carta de São
que atraem e posicionam o olhar dos representados Bernardo a Balduíno de Rieti dissertando sobre as
em miradas místicas. obrigações de um prelado (apud MUNIZ, 1793: 52).

110

 Figura 9 | São Tomás e Papa Alexandre III. Foto Pedro Martins © DRCN

Figura 10 | Perspectiva do coro, nave central e capela maior da igreja


de São João de Tarouca. Foto Pedro Martins © DRCN 
Convocar à acção e propor que a palavra profe-
rida, falada ou cantada, tornasse expressão material
de um ideal espiritual seria, com certeza, o mote des-
ta composição de pinturas hagiográficas do cadeiral
de São João de Tarouca (figura 10).

111
1. D. Domingos de Pinho Brandão documentou todo o processo contratual do coro e cadeira no terceiro volume da sua Obra de talha dourada […], cf. BRAN-
DÃO, 1986: 152-159.
2. A frei Luís de São José atribui-se participação nos riscos na igreja de São Vicente de Braga (1713), na capela do Desterro na cerca de Alcobaça (1717) e da
bacia e varandim do órgão de Santa Maria de Arouca (1738) e duas caixas, cf. SOBRAL, 2000 e ALVES, 2008: 177.
3. Registavam-se pinturas (hagiográficas?) no cadeiral de São Pedro das Águias (mosteiro novo) que foi transplantado na década de 1940 à capela-maior da
igreja de São Cipriano, no arciprestado de Resende da diocese de Lamego.
4. Veja-se a publicação do contrato em BRANDÃO, 1986: 156.
5. Embora oculta sobre o douramento a legenda desta figura, pode tratar-se de Roberto de Inglaterra, abade cisterciense do século XIII.
6. Com Roberto e Albérico (ver adiante) Estêvão de Harding fecha o trio que se tornou o alicerce da ordem cisterciense, marcada pela cisão de Molesmes e
que conduziu à fundação de Citeaux em 1098. Os três religiosos foram abades da casa-mãe de Cister.
7. Bernardo, nascido em Fontaines-les-Dijon ingressou em Cister em 1113, tornando-se um dos mais activos representantes desta nova ordem. Foi importante
doutrinador, tendo deixado vasta obra parenética e epistolográfica onde disserta sobre as fundações da Igreja e dos seus problemas à luz do seu tempo.
8. Balduíno, de Rieti, viveu no século XII e foi, em 1140, apresentado por São Bernardo para abade de São Pastor. Comemorado a 24 de julho nos santorais
cistercienses.
9. Teobaldo, nascido em 1200, era neto de Luís VI e foi abade de Vaux de Cernay. Era afamado orador e evangelizador. Comemorado a 7 de Julho.
10. Albérico, sucessor de Roberto, foi o segundo abade de Citeaux e a sua memória comemora-se a 26 de Janeiro.
11. Maurício, da Bretanha (século XII). Fundou a abadia de Carnoet. Comemora-se o seu dia litúrgico a 13 de Outubro.
12. Bartolomeu, que as fontes cistercienses chamam santo e dizem ter sido irmão de São Bernardo, foi terceiro abade de Firmitate (MONTALVO, 1602: 72)
13. Guilherme era natural de Inglaterra. Foi abade de Rielvau e fundador de várias abadias. Viveu no século XII e a sua memória litúrgica é recordada a 2 de
Agosto.
14. Com o nome secular de Jacques Fournier, foi papa de 1334 a 1342 (em Avinhão) tendo sido anteriormente religioso cisterciense nos mosteiros de Boulbonne
e Fontfroid.
15. Jacques Pantaleón subiu ao trono pontifício como Urbano IV em 1261, tendo regido a Igreja até 1264. É tido como religioso cisterciense.
16. De nome secular Anselmo da Baggio foi papa de 1061 a 1073. Apoiou a Reconquista ibérica.
17. Foi o primeiro papa cisterciense, nascido em Pisa em 1115 e falecido em Tivoli em 1153. Durante o seu pontificado promoveu a Segunda Cruzada e a ele se
dirigiu São Bernardo com o tratado De consideratione (1148-1153). Beatificado em 1872 por Pio IX era já considerado venerável. Comemorado a 8 de Julho
nos calendários cistercienses.
18. Originário da Normandia, Tomás encarna a figura de um cavaleiro medieval chamado à religião pela vocação e pelo estudo. Tornou-se uma das figuras mais
proeminentes da Igreja em Inglaterra, tendo encabeçado o arcebispado de Cantuária em 1163. A sua oposição ao poder régio valeu-lhe o martírio, que o
colocou entre os mais importantes da sua ordem e da sua época.
19. A este respeito veja-se o que escreve frei António Brandão (BRANDÃO, 1632: 37). Sobre o mártir (noutros autores dito beato) São Pedro de Castro Novo, o
mesmo autor refere: «O segundo sujeito da Ordem de Cister foi o insigne Mártir S. Pedro de Castro novo, a quem os hereges matarão andando neste sagrado
ministério com cargo de Legado Apostólico [...] estando um dos hereges a este santo Legado (que ia bem fora de lhe suceder semelhante caso) uma cruel
lançada a traição, voltou o Santo pera seu homicida, vendo que era perigosa a ferida e a exemplo do grande Protomártir S. Estevão lhe disse com muita
piedade e paciência: Deus te perdoe irmão, que eu te perdoo, fazendo despois a Deus algumas deprecações devotíssimas repousou o Santo Mártir em o
Senhor» (BRANDÃO&BASTO, 1945: 92). Uma representação deste mártir encontra-se no retábulo da capela de São Pedro do Torno, próximo ao mosteiro de
Santa Maria de Salzedas (SOALHEIRO, 2006).
20. São vários os veneráveis, beatos ou santos ligado à Ordem de Cister com este nome. Cremos, contudo, que a representação presente no coro de São João
de Tarouca se trata de Gerardo, irmão de Bernardo. A sua memória litúrgica recorda-se a 14 de Junho.
014 SÉCULO XVIII
MOSTEIRO DE SANTA MARIA DE AROUCA

O CORO DO
MOSTEIRO DE SANTA
MARIA DE AROUCA: UMA
LEITURA
ICONOGRÁFICA ANA CRISTINA SOUSA
[...] choro e mais choro; pois de continuo estão no choro, pois das vinte e quatro horas que tem o dia natural,
as três partes se gastão no choro como se exprimenta, com tanto Amor asistindo a divina Magestade que no
gosto com que estão conhecem o quanto se agrada [...]. Porque as vozes por não disermos que cada hua he
milagre, será clima do lugar mais não se negará que algua he vox de milagre da sancta Rainha que enleião
os sentidos quando se ouvem a saber he tão profundo que a madura da musica só ellas a alcanssão, com
tanta gala de cantar que se o mesmo Orpheu cantar as ouvira aprenderia com tão bom ar de cantar [...].”

Religiosa de Arouca, finais do séc. XVII (apud AA.VV, 2009: 21).

113
Em 1702, a primitiva igreja medieval do Mosteiro nasceram a nova igreja e o coro, espaços separados
de Arouca encontrava-se num estado avançado pelas grades de clausura, divisão reforçada pelas
de degradação, como se infere do relato dos visi- cortinas que impediam todo o contacto entre as re-
tadores de Alcobaça que então a inspeccionaram.
Tendo começado a sua reedificação a partir desta
data, o projeto ficou a dever-se a Carlos Gimac, o
melhor arquitecto do reino (AA.VV., 2009: 30; ROCHA,
2011: 322). D. Maria Baldaia de Miranda, cantora-mor
do coro em 1718, deixou-nos um testemunho desta
atribuição no memorial da bênção da nova igreja.
Apesar de Paulo Varela Gomes considerar que os do-
cumentos de que dispomos não são suficientes para
garantir a autoria do projecto a Carlos Gimac, defen-
dendo que as características da obra não se ajustam
à dos documentos (GOMES, 1996: 145-146), o texto
de 1718 expõe, de forma clara, que de Italia era o
insigne architecto Carlos Gimac que della fes a plan-
ta e a Senhora D. Margarida de Miranda que Deus
tem sendo Prelada se animou a chama-lo de Lisboa
aqui a dar principio a tão eroico templo (…) (ROCHA:
2011, 322). A investigação aturada e as reflexões de-
senvolvidas nos últimos anos por Manuel Joaquim Ro-
cha clarificam esta autoria. Do risco de Carlos Gimac

Figura 1 | Coro da igreja do mosteiro de Santa Maria de Arouca. Foto Pedro Martins © DRCN 
ligiosas e os fiéis, excepto nos períodos previstos para et cônsul Hispaniarum […] Olisipone fecit anno Domi-
a observação do Santíssimo Sacramento. ni 1739. Vários documentos referem os pagamentos
A singularidade do espaço interior da igreja e do efetuados entre 1738 e 1743 ao seu executor. Consta
coro reside na relação harmónica de cada um dos de varandim, zona de teclado, espaldares dos tubos,
elementos no seu todo, os princípios de harmonia e sendo decorado com talha joanina e pinturas mar-
proporção que marcaram continuamente a discus- moreadas. A data de 1743 parece respeitar à data
são teórica e o paradigma da arquitectura clássica. do acabamento das pinturas (BRANDÃO: 1986: 359).
A luz actua como elemento definidor e hierarquizante O cadeiral, executado entre 1722 e 1725, domina o
do espaço, abundante ao nível da capela-mor e do corpo central do coro, devendo-se a sua execução
114 coro, tornando-se mais sombria na nave (Figura 1). A aos entalhadores António Gomes e Filipe da Silva,
nave central do coro, uma verdadeira caixa de luz dois dos mais reconhecidos mestres da escola do Por-
branca, é profusamente iluminada por duas grandes to (FERREIRA-ALVES, 1992: 380; FERREIRA-ALVES, 2001,
janelas que proporcionam um efeito de luz total e um 57 e 65). O primeiro, ao Paraíso e o segundo junto à
ambiente único (ROCHA, 2006: 575-576, 578 e 580). Fábrica do Tabaco, extramuros, da cidade do Porto
O coro, com três naves, tendo a central cerca do (BRANDÃO, 1985: 616). É considerado um dos mais ri-
dobro da largura das laterais e cobertura em abóba- cos e cenográficos exemplares do mundo português,
da de berço, foi continuamente enriquecido, ao lon- pela qualidade da talha e pelos originais remates
go da primeira metade do século XVIII, com um novo que expõem meninos com cartelas e fitas, efeito úni-
mobiliário litúrgico que o nobilitou e o converteu num co no entender de Robert Smith, que contribuiu para
dos mais emblemáticos conjuntos barrocos do mos- acentuar o verticalismo dos espaldares (SMITH, 1968:
teiro. A presença do órgão à entrada do coro reforça 53) e impõe uma leitura contínua e ritmada ao con-
a ideia da música como um caminho de ascese e de junto (FERREIRA-ALVES, 2001: 69) (figura 2). Apresenta
aspiração ao divino. Todos os ofícios eram cantados! 104 assentos em pau-preto sendo, assim, o segundo
Vários documentos relativos a pagamentos e uma maior de Portugal depois do de Lorvão, com 108
escritura de quitação publicados por Domingos Pi- (SMITH, 1968: 53).
nho Brandão (28.04.1741) permitem-nos situar a obra Os espaldares são preenchidos com pinturas nar-
no tempo. Da autoria do organeiro de Valladolid rativas, de autoria desconhecida. Atendendo às
residente em Lisboa, Dom Manuel Benito Gomes de características da indumentária das personagens re-
Herrera (ou Dom Manuel Bento Gomes Ferreira como presentadas, Robert Smith considerou que as pinturas
também assinava), o órgão foi executado em Lisboa, acusam uma data algo posterior à talha do espaldar,
em 1739, conforme se pode ler na legenda encon- defendendo que o cadeiral de Arouca serviu de mo-
trada no interior da peça durante o restauro de 1982- delo ao de São João de Tarouca, realizado quatro
1983: D. Emmanuel Benedictus a Gomez ex-hispanus anos mais tarde (cat. 13). Natália Ferreira-Alves su-
geriu também o carácter mais tardio do programa da dita estante, e nela se fará uma só entrada no
pictórico em relação aos restantes elementos artís- meio, em cada lado, para subirem para o coro de
ticos do coro (FERREIRA-ALVES, 1992: 380). Manuel cima (BRANDÃO, 1985: 616).
Joaquim Rocha, partindo da análise detalhada do A descrição detalhada do texto parece apontar
processo de Beatificação de D. Mafalda, redigido apenas para o trabalho do cadeiral propriamente
em meados do século XVIII, e no qual se regista in- dito e não para a talha dos espaldares que o so-
formações recolhidas junto das religiosas relativas brepõe. O documento descreve, igualmente, de
a representações da Rainha existentes no Mosteiro, forma pormenorizada, o fornecimento da madeira
chama a atenção para a ausência de referências do «Brasil» e de castanho e a alimentação dos tra-
sobre as quatro pinturas da vida da Benfeitora nos es- balhadores durante a obra por parte do Mosteiro, 115
paldares do coro, concluindo que à data ainda não bem como a responsabilidade dos pregos, ferra-
existiam (ROCHA, 2011: 353). O autor sugere, por isso, gens e outros elementos da obra, mas é totalmente
que o programa iconográfico dos espaldares poderá omisso quanto à talha dos espaldares e respectivas
ter sido totalmente refeito à data da sua beatifica- pinturas (BRANDÃO: 1985: 616-617). A descrição feita
ção, em 1792. A análise da documentação relativa à em meados do século XVIII, no âmbito do processo
encomenda da obra de talha do coro permitiu-nos, de beatificação da rainha Mafalda, é muito precisa
de facto, pensar em novas hipóteses. O contrato e em relação a todos os elementos constitutivos deste
obrigação, realizado entre o Mosteiro na pessoa do espaço, desde a estatuária, retábulos, estante e ca-
Padre Fr. Simão de Almeida e os entalhadores Antó- deiral com duas ordens de cadeiras primorosamente
nio Gomes e Filipe da Silva, é bastante detalhado no
que diz respeito à distribuição do cadeiral no espaço
e aos elementos decorativos, descrito na forma que
se contém nos riscos:
[…] e todo há-de ficar guarnecido de cadeiras até
chegar à porta que está no fim do coro, de uma e
outra banda, as quais se repartirão pelo modo que
melhor parecer, as quais cadeiras levarão assim nos
respaldos, assim por baixo como por cima, suas almo-
fadas encaixilhadas e lisas, e as ante-claves levarão
sua talhinha holandesa pelos lados e fronteira, e no
coro ou cadeiras de baixo levará sua estante com
suas quartelas ou metas na melhor forma que pare-
cer, correspondendo as ante-claves e sustentação

 Figura 2 | Cadeiral do coro. Foto Pedro Martins © DRCN


feitas com seu ornato e espaldares, tudo de talha mente pensados e que obedecem a um programa
dourada (ROCHA, 2011: 337) mas não faz qualquer coerente com objectivos catequéticos muito claros.
alusão às pinturas dos espaldares. Conclui-se, por-
tanto, que em meados do século XVIII os espaldares, PINTURAS DOS ESPALDARES
executados em data posterior à do cadeiral mas já Consideramos, para esta leitura, as 26 telas dos es-
existentes nesta data, ainda não apresentavam pin- paldares do cadeiral mais as quatro pinturas emol-
turas e que o programa que hoje aí vemos é mais duradas pela talha da entrada cerimonial do coro,
tardio, certamente do terceiro quartel de Setecentos destinada às procissões e cerimónias mais solenes,
como se pode inferir pelas vestes usadas por algumas para a qual todos os olhares necessariamente se
116 das personagens do programa pictórico. A talha dos voltavam. A leitura iconográfica deve ter em conta
espaldares, que Robert Smith elegeu como modelo o usufruto do local, destinado exclusivamente às re-
de originalidade do «Estilo Nacional», influenciando ligiosas que habitavam o cenóbio. Alvo de insistente
outros cadeirais portugueses como o de São João de observação e contemplação nas muitas horas que
Tarouca, poderá ter sido executada uns anos mais estas passavam no coro, o programa pictórico deve,
tarde em relação ao cadeiral, integrando já o gosto por isso, ser entendido na sua componente pedagó-
joanino que então se afirmava (cat. 13). gica, enquanto exemplo de virtude e de orientação
Quanto ao programa iconográfico das pinturas espiritual. Considerando tratar-se, sobretudo, de ca-
dos espaldares, Robert Smith considerou tratar-se de deirais pensados para monges e freiras que expõem
uma selecção aparentemente arbitrária, como ilumi- filas de santos e santas, Robert Smith estabeleceu,
nuras num livro de horas medieval (SMITH, 1968: 53). A desde logo, a relação entre os temas e a ordem de
exposição que se segue pretende demonstrar, pelo Cister (SMITH, 1968: 14). De uma maneira geral, as
contrário, que os temas escolhidos foram cuidadosa- pinturas do espaldar repetem temas recorrentes no

LADO DO EVANGELHO LADO DA EPÍSTOLA

Coração com coroa de espinhos – Amor de Cristo Coração trespassado por flecha – Amor de Maria
Última Ceia Lava-pés
S. Bernardo e S. Gerardo Santa Umbelina e S. Bernardo
Nascimento de Nossa Senhora Nascimento de Cristo
S. José S. Cristóvão
Entrada da Rainha Mafalda no Mosteiro Vinda da Rainha Mafalda para Arouca
Nossa Senhora da Conceição Nossa Senhora do Pilar
Rainha Mafalda lançando o hábito branco às religiosas Morte da Rainha Mafalda
Santo António S. Marçal
Baptismo de Cristo Adoração dos Reis Magos
Samaritana S. Roberto
Santa Maria Egipcíaca Adultera
Conversão de S. Paulo Conversão de Madalena

São Bento São Francisco Santo Amaro São Bernardo


conjunto monacal. A análise do conjunto pictórico a humanidade do pecado original, com o diadema
permitiu-nos agrupar os temas em núcleos temáticos de doze estrelas à volta da cabeça, túnica branca e
e coerentes em termos de mensagem. manto azul, descalça, envolta em nuvens e rodeada
por querubins. Ocupa, com Nossa Senhora do Pilar, o
ICONOGRAFIA MARIANA: centro das 26 pinturas do cadeiral determinando, no
NOSSA SENHORA DA CONCEIÇÃO nosso entender, a organização e leitura dos restantes
E NOSSA SENHORA DO PILAR temas.
Os temas marianos não são estranhos num espa- O culto a Nossa Senhora do Pilar consolida-se, em
ço cisterciense. A devoção à Mãe adoptiva, que faz Portugal, na década de quarenta de Seiscentos, mas
com que todos os monges sejam irmãos de Jesus, foi ganha sobretudo força após a Guerra da Restaura- 117
intensa desde a instituição da Ordem (BORGES, 1994: ção. Em 1642, quatro anos antes da iniciativa de D.
264). Maria, cheia de Graça, Mãe do Salvador, inter- João IV, Saragoça havia proclamado a Virgem do
cessora privilegiada dos fiéis junto do seu Filho e que Pilar padroeira da cidade (MOREIRA, 1985: 45). A sua
os livra de todo o mal… é representada, no conjunto escolha traduz a mensagem de solidez e proteção
das pinturas dos espaldares, na iconografia da Se- da Salve Regina, clemens, pia e dulcis Virgo María,
nhora da Conceição, Virgem puríssima concebida sólido pilar da Igreja, símbolo de união entre o Céu e
sem pecado, que deu à luz sem «mancha» perma- a Terra e intercessora privilegiada junto do seu Filho.
necendo imaculada. Tema fundamental da pintura Vestida de túnica rosa, manto azul e coroa na cabe-
peninsular de Seiscentos, a sua afirmação em Portu- ça, está pousada sobre um robusto pilar de mármore
gal foi reforçada pela aclamação da Virgem como róseo, rodeada por nuvens e querubins, segurando o
Padroeira do Reino, por D. João IV, nas Cortes de Menino no colo.
1646, confirmada por breve de Clemente X, datado
de 1671. A importância teológica, dogmática e con- EPISÓDIOS DA VIDA DE MARIA E DE CRISTO
sequentemente artística do tema levou à definição Centralizando as pinturas do cadeiral, as pinturas
de uma iconografia própria fixada no século XV e re- de Nossa Senhora da Conceição e do Pilar abrem o
tirada da passagem do Apocalipse: uma Mulher ves- caminho para os temas marianos e cristológicos. O
tida de Sol, com a Lua debaixo dos pés e com uma Nascimento de Nossa Senhora, a que veio ao Mun-
coroa de doze estrelas na cabeça (Ap 12, 1). Esta do para redimir a Humanidade do Pecado Original,
imagem conheceu uma grande popularidade entre a nova Eva concebida sem pecado, ocupa natural-
pintores do barroco espanhol e foi especialmente mente um lugar privilegiado neste programa. A com-
eternizada por Murillo: Maria sobre o globo terrestre, posição segue a iconografia tradicional, com Santa
suspensa nos céus, com o crescente aos pés com os Ana, num segundo plano, deitada na cama auxilia-
quais pisa a serpente do mal, redimindo desta forma da por uma serva que lhe leva alimento, e no primei-
ro, as parteiras e serviçais que preparam o banho de Festejado no Calendário Litúrgico no dia 6 de Ja-
Maria, verificando uma delas a temperatura da água neiro, o Baptismo de Cristo insere-se nas “Festas das
com a mão. Do lado oposto, a Natividade de Cristo Luzes” e da Teofania do Senhor, o que explica a re-
e respetiva adoração pela Virgem em flexis genibus, presentação da Epifania ou da Adoração dos Reis
e pelos pastores. O sentido religioso e místico está re- na tela fronteira, a primeira manifestação de Cristo
forçado pela luz que cobre o Menino e pelo anjo que aos homens como Verbo encarnado, símbolo da Re-
segura a filactera onde se lê Gloria in excelssis Deo, o denção e da Salvação e convite claro à meditação
Glória a Deus nas Alturas e paz na terra aos homens fundamental num espaço de oração. A composição
por Ele amados (Lc 2, 14). O cordeiro, de pernas ata- reflete, na generalidade, uma iconografia definida
118 das em frente à manjedoura, anuncia o Sacrifício do nos finais da Idade Média: os três Reis, ricamente
Salvador para a remissão dos pecados, recordando vestidos, apresentando idades diferenciadas, símbo-
as palavras de João Baptista – Eis o Cordeiro de Deus, lo das três idades do Homem, com a negritude de
que tira o pecado do mundo! (Jo 1, 29) –, constituin- Baltazar (o mais novo) a aludir ao carácter universal
do igualmente um convite à reflexão sobre o mistério da Fé em Cristo. Gaspar, o mais velho, ajoelha-se
da Encarnação. perante o Menino, cabeça descoberta em sinal de
A cena do Baptismo de Cristo reforça a presença humildade e respeito, coroa, toucado e ceptro no
das duas figuras principais: Cristo ao centro, nas águas chão. O Menino, envolto nos seus panos e sentado
baixas do Jordão cujo caudal se perde de vista, des- na manjedoura, brinca com o ouro que lhe oferece
nudo e com cendal, a perna esquerda apoiada numa o Rei, símbolo da sua condição régia, sendo susten-
rocha, em postura humilde e compenetrada; São João tado por Maria que o olha de forma meiga e mater-
Baptista à direita, com o corpo parcialmente coberto nal. José, atrás, rejuvenescido, observa com ternura
por uma pele de cabra e longo manto vermelho, cruz a cena que é composta também pelo séquito dos
de madeira e filactera com a habitual inscrição Ecce Reis e pelos pastores.
Agnus Dei, vertendo sobre a cabeça de Cristo a água A cerimónia do Lava-pés associa-se ao episódio da
que recolheu do rio. Na margem esquerda, um anjo Última Ceia e recorda o momento em que, Jesus, sa-
ajoelhado observa atentamente a cena de mãos ve- bendo bem que tinha chegado a sua hora da passa-
ladas em sinal de respeito. A pomba branca do Espírito gem deste mundo para o Pai, levou o seu amor pelos
Santo, envolvida num resplendor de luz, desce sobre a discípulos até ao extremo, levantou-se da mesa, atou
cabeça de Cristo, fonte da nova luz e do renascimento uma toalha à cintura, deitou água na bacia e lavou-
espiritual, entendendo-se o baptismo como um incen- lhes os pés, secando-os com uma toalha (Jo 13, 1-5).
tivo à conversão através do Poder do Espirito Santo, re- O pintor seguiu de perto o texto de João e representou
cordando as palavras de João: Ele há-de baptizar-vos Jesus a lavar os pés de Pedro que gesticula, eviden-
no Espírito Santo e no fogo (Lc 3: 16). ciando o diálogo ocorrido entre os dois (Jo 13, 6-10),
enquanto os demais apóstolos aguardam. Acto de vida relacionadas com o mosteiro. Os temas que ne-
humildade, que Cristo quer deixar como exemplo aos las têm lugar devem ser entendidos como registos de
discípulos, o Lava-pés anuncia também a traição de memória da benfeitora enquanto modelo, exemplo
Judas, pois vós estais limpos, mas não todos (Jo 13, 10), de resignação e entrega espiritual para todas as mu-
tema que parece igualmente constituir uma mensa- lheres que escolhem o caminho da fé e da renúncia
gem de reflexão para os que frequentavam o espaço aos bens terrenos. Mulher de vida santa, protagoni-
do coro. za uma nova fundação da comunidade e eleva-se
Em frente a esta cena, o artista representou a Últi- ao prestígio dos santos fundadores, trocando a regra
ma Ceia, tema fulcral do Cristianismo por represen- beneditina pelos hábitos brancos de Cister (COELHO,
tar a instituição da Eucaristia, o mais importante dos 1989:19). 119
Sacramentos após o Concílio de Trento. A legenda Do lado do Evangelho e a ladear a imagem da
Cea Sacramental na base da tela reforça a ligação Imaculada, foram representados os temas A Entrada
do tema com a Divina Eucaristia. Os doze apóstolos da Santa Rainha em Arouca e A Rainha Santa dei-
rodeiam uma mesa redonda e Judas, à direita, de tando o Hábito Branco às Religiozas. No primeiro, Ma-
costas para o espectador e com o rosto voltado para falda, ricamente vestida e coroada, acompanhada
fora do cenário, contrário à direcção de Cristo, es- por duas servas, apresenta-se em frente de um grupo
conde atrás das costas o saco da traição. Distingue- de religiosas vestidas com o hábito negro dos bene-
se igualmente dos companheiros pelo tom acasta- ditinos, entre elas a abadessa com o seu báculo. Na
nhado das suas vestes e por parecer estar ausente segunda tela a rainha, sentada e vestida com cogu-
da cena, absorto nos seus pensamentos. Cristo, ao la branca e véu preto na cabeça, está rodeada por
centro, segura o pão com a mão direita, abençoa um grupo de religiosas. As três primeiras albergam já
com a esquerda e olha fixamente em frente, refor- o hábito branco de Cister e as outras quatro, vesti-
çando a solenidade do gesto que sobreviverá muito das ainda com o hábito negro, aguardam a sua vez.
para lá do espaço físico onde a cena se insere: Tomai Símbolo exterior de uma renovada exigência na vida
e comei, este é o meu corpo. de oração, meditação e trabalho imposto à comuni-
dade (COELHO, 1989: 27), que as religiosas quiseram
EPISÓDIOS desta forma recordar.
RELACIONADOS COM A RAINHA MAFALDA Em frente, do lado da Epístola, a ladear a imagem
A Rainha Mafalda marcou durante séculos a me- de Nossa Senhora do Pilar, representou-se A morte
mória do mosteiro, determinando também a função da Rainha Santa no mosteiro de Tuias (Marco de Ca-
dos espaços e consequentemente os programas ar- naveses), deitada no seu leito, vestida com o hábito
tísticos do conjunto monástico. Quatro das 26 telas branco da ordem, segurando um crucifixo na mão e
dos espaldares do coro envolvem passagens da sua dirigindo-se com a outra para o grupo numeroso de re-
ligiosas chorosas que o rodeiam. Trata-se, certamente, segurando com a mão esquerda o báculo e aben-
de uma referência ao crucifixo de marfim que Mafal- çoando com a direita. Tal como na tela de São Ber-
da segurava quando expirou, objecto de grande ve- nardo, apresenta uma mitra exatamente igual a seus
neração e por isso colocado nas maons das noviças pés, por evidente afinidade compositiva. Entendido
quando professavam, segundo o relato de D. Joana como o mestre espiritual de todo o monacato oci-
Teresa (ROCHA: 2010: 355). Um exemplo de boa morte, dental (DUCHET-SUCHAUX, 2009: 89) e patriarca entre
serena e confiante para os cristãos como a descreve- os cistercienses, a sua imagem consta repetidamen-
ram os cronistas (COELHO, 1989: 37). Do outro lado da te nos cenóbios da Ordem. Com uma representação
imagem A vinda da Rainha Santa para Arouca, o epi- de todo idêntica à de São Bento, Santo Amaro, mon-
120 sódio da trasladação do corpo de Mafalda de Tuias ge beneditino companheiro do patriarca, reforça o
ou de Rio Tinto, de acordo com a tradição. Segundo simbolismo fundador e a valorização da vida monás-
a lenda, a mula que transportou o corpo da rainha tica neste programa.
ajoelhou-se várias vezes durante o percurso, tendo O mesmo simbolismo fundador explica certamente
sido construídos nesses locais ilustres monumentos. O a integração de S. Roberto (1024-1110) neste con-
pintor representou um desses momentos, já junto ao junto temático, representado com uma iconografia
mosteiro de Arouca, estando a mula prostrada rodea- atípica, de joelhos perante a imagem de Maria com
da por quatro monges brancos de Cister. o Menino sentada numa nuvem, que lhe entrega um
cinto, materialização do compromisso entre a nova
OS FUNDADORES Ordem e o Divino, proclamando a força e os pode-
O local escolhido para a representação dos fun- res de que está investido o seu portador (CHEVALIER,
dadores foi a parede da entrada cerimonial do coro, 1982:198). Uma estranha vassoura repousa aos pés
local privilegiado valorizado pela imagem da Rainha do grupo, símbolo provável da renovação espiritual
Mafalda que encima o portal de acesso. São Bernar- de Cister e da casa arrumada pelas mãos puras do
do está representado com o manto branco da Or- seu Fundador, directamente apoiado pela Mãe de
dem, tonsurado e nimbado, empunhando o bácu- Deus.
lo na mão direita e abençoando com a esquerda. A presença da iconografia de São Francisco é co-
Como é habitual na sua iconografia, a mitra e res- mum noutros espaços cistercienses, como em Lorvão,
pectivas fitas repousam no chão a seus pés, simboli- onde consta num dos relevos do espaldar do coro. É
zando as repetidas recusas da dignidade episcopal. também um santo Fundador, da Ordem dos Frades
São Bento foi representado numa composição idên- Menores, instituição protegida pelos reis da primeira
tica, de corpo alongado na tela, amplo hábito negro dinastia, nomeadamente D. Afonso II e D. Afonso III
da Ordem que fundou e cogula com capuz que lhe e pelas infantas Sancha e Teresa. A sua rápida ca-
cobre a cabeça, com tonsura, imberbe e nimbado, nonização em 1228 é bastante expressiva da popu-
laridade e da fama de santidade que rapidamente Episódio igualmente recorrente nos cenóbios cis-
conquistou, o que explica a grande devoção que tercienses, exemplificado pelo trabalho de Bento
acolheu em meios civis e religiosos. Entendido como Coelho da Silveira na igreja de Salzedas, o pintor re-
um modelo de ascetismo no período barroco, o seu presentou na tela fronteira a esta, a visita de Umbe-
culto foi reforçado em muitas instituições monásticas lina, irmã de São Bernardo, ao mosteiro de Claraval.
como em Lorvão e em Arouca. A sua integração nas Num ambiente exterior, Umbelina, ricamente vestida,
molduras do topo da entrada do coro, junto de São revelando a sua vida de excessos e futilidade, cho-
Bento, São Bernardo e Santo Amaro, figuras basilares ra após a recusa do irmão em a receber. No ar pa-
do monaquismo ocidental e da vida contemplativa, recem ficar as palavras proferidas pelo cronista da
denuncia o prestígio do seu culto entre as religiosas ordem, Bernardo de Brito: Oh, pouco venturosa de 121
desta comunidade de Cister. Envergando o hábito mim! E se eu sou pecadora, não veio Cristo ao mun-
da ordem e prostrado de joelhos em terreno aber- do para redenção dos tais?, desabafo de humilda-
to, é representado no momento da Estigmatização, de que abrandou o coração descontente do irmão.
perante a imagem de Cristo que surge no céu, cru- Exemplo de uma pecadora arrependida, Umbelina
cificado e envolto por seis pares de asas seráficas, seguiu posteriormente a vida monástica, tendo pro-
segundo a visão do Poverello, paralelismo directo do fessado no mosteiro beneditino Jully-les-Nounains, do
santo com a vida do Salvador. qual foi superiora (SOBRAL, 1998: 314 e 324). A figura
de Umbelina reaparece numa das imagens do coro,
SÃO BERNARDO no lado da Epístola.
E OS IRMÃOS GERARDO E UMBELINA
A origem social de São Bernardo, nascido na Bor- OS CHRISTOPHOROI:
gonha no seio de uma família nobre e piedosa, não SÃO JOSÉ, SÃO CRISTÓVÃO, SANTO ANTÓNIO
foi esquecida pelos comitentes do programa pictóri- A inclusão de São José entre as pinturas dos espal-
co. No lado do Evangelho, depois do Nascimento da dares do coro é explicada pela importância que o
Virgem, o artista representou os dois irmãos Bernar- seu culto conheceu na Época Moderna, fortemente
do e Gerardo ricamente vestidos com típicos trajes impulsionado por Santa Teresa de Ávila, Santo Inácio
barrocos. Tratando-se de um conjunto iconográfico de Loiola e pelos cistercienses em particular (BOR-
que obriga à reflexão sobre o despojamento e os GES, 1994: 276). Esta valorização do pai adoptivo nas
valores da vida monástica, inclui-se aqui a presença comunidades de Cister encontra já eco no período
de Gerardo, o valente cavaleiro que mais resistiu ao medieval, nomeadamente em São Bernardo de Cla-
abandono da vida mundana e a ingressar na vida raval, que valoriza a relação de protecção, afecto e
monástica, conforme o relato de Vorágine na Legen- ternura de São José para com o Menino que abra-
da Áurea (VORÁGINE, 2004, II: 513). ça, alimenta, conduz pela mão ou pega carinho-
samente nos braços. Tal como refere Francisca Pires com que o santo segura o Menino e o olhar de ternu-
de Almeida, citando Caroline Walker Bynum, esta ra que pousa sobre Ele. O ramo de açucenas floridas
espiritualidade afectiva surge no século XII entre os que prende no peito reforça esta leitura de pureza e
cistercienses, conferindo características maternais de bondade do bom velho José (SANTOS OTERO, 1963:
carinho e afecto a figuras masculinas e, em particu- 334) escolhido para esposo da Virgem Mãe.
lar, a São José, enaltecendo-se, desta forma, as suas O nome Cristóvão, o portador de Cristo, espelho
qualidades humanas e o verdadeiro amor paternal de São José nos espaldares, segue a mesma linha de
enquanto imitador de Maria… Imitatio Mariae (PIRES reflexão. Cristóvão, o gigante errante que na sua in-
ALMEIDA, 2015: 114-115 e 119). Esta afectividade é cessante busca do amo mais poderoso do mundo, se
122 evidenciada na pintura do espaldar pelo cuidado coloca ao serviço de viajantes e peregrinos ajudando-
os a fazer a travessia de perigosos rios. Numa dessas
passagens transporta uma criança cujo peso se vai
tornando sucessivamente mais pesado, o que o obri-
ga a apoiar-se num tronco seco, atributo que passa a
fazer parte da sua iconografia e que aqui está presen-
te na forma de uma palmeira porque justus ut palma
florebit (Sl, 92-12). Entre os seus atributos comuns usa
também a túnica curta até aos joelhos, a capa pelas
costas, aqui de vermelho intenso, apoiando-se na pal-
meira como se de um cajado se tratasse. A tradição
popular atribui-lhe a protecção contra a morte súbita.
A presença do santo entre os temas escolhidos na pin-
tura dos espaldares demonstra quão frustradas foram
as tentativas do Concílio de Trento em apagar o culto
de um santo tão associado à superstição e à magia.
(MANZARBEITIA VALLE, 2009: 45).
A escolha de São António explica-se igualmente
pela sua iconografia protectora de Cristo, que se-
gura com meiguice ao colo. Mas também pode ser
entendida, como considerou Nelson Correia Borges,
pelo facto de ter sido contemporâneo das Santas
Rainhas e conhecer grande devoção entre as religio-
sas dos mosteiros por elas fundados, como em Lor-

 Figura 3 | Pintura do coro representando a introdução do hábito de Cister em Arouca pela


mão de Santa Mafalda. Foto Nuno Resende
vão, constando nas lendas de Vida de Santa Teresa mem funções de exemplo e de ética. Mas recordam
e em relatos de intervenções miraculosas (BORGES, igualmente os princípios fundamentais do Cristianis-
1994: 271). É representado com o habitual hábito dos mo como a tolerância e o perdão e a sua conquista
franciscanos e cordel com três nós evocativos dos através da fé e do arrependimento. Os episódios das
votos de Pobreza, Castidade e Obediência, com mulheres adúlteras, os mais populares na iconogra-
o Menino ao colo sentado sobre o livro. Trata-se de fia medieval e moderna, foram os temas escolhidos
uma iconografia popularizada a partir do século XVI para os espaldares junto à porta do coro. A conver-
(REAU, 2000: 127), que Murillo reforçou no seguinte são de Madalena surge em frente à conversão de
(DUCHET-SUCHAUX, 2009: 50). Na mão direita expõe São Paulo, memória alusiva à primitiva designação
a cruz, símbolo do martírio de Cristo, cuja palavra ex- do mosteiro dedicado aos Santos Pedro e Paulo, 123
pandiu pelo mundo.
São Marçal, localizado em frente a Santo António
e a ladear o episódio da morte da Rainha, é repre-
sentado com vestes episcopais e mitra na cabeça, a
apagar um incêndio com o báculo, milagre póstumo
divulgado a partir do século XV (REAU, 2001: 321). O
tema substitui, de forma clara, o mesmo milagre pro-
piciado pela Beata Mafalda no Mosteiro de Arouca;
trata-se de uma narrativa muito divulgada na icono-
grafia da rainha antes ainda da sua beatificação,
que se encontra representada no cadeiral de Lorvão
(BORGES, 1994: 277). O tema repetia-se igualmente
em duas telas que existiam no interior do coro, referi-
das pela Madre Maria Luísa Teresa Bernarda em 1753,
com a Serva de Deus vestida de Religioza com titulos
de Beata e em acção de apagar o fogo miraculosa-
mente, um ainda em vida e outro depois de morta
(ROCHA, 2010: 353-354).

AS MULHERES ADÚLTERAS
E AS CONVERSÕES EMBLEMÁTICAS
Enquanto espaço de oração e reflexão de um
cenóbio feminino, as pinturas dos espaldares assu-

Figura 4 | Pintura do coro representando a Conversão de Santa Maria Madalena.


Foto Nuno Resende 
homenagem àquele que é entendido como um eterna, os três caminhos escolhidos por Madalena de
dos pilares da igreja e um dos fundadores da Igreja que fala Vorágine (VORÁGINE, 2004, I: 382), iluminada
Universal. A conversão de São Paulo repete a icono- pelo Espírito Santo e transbordando essa luz sobre os
grafia vulgarizada no ocidente cristão, com o santo outros enquanto modelo de virtude e exemplo.
caído no chão junto do seu cavalo branco, ricamen- Segue-se na tela seguinte A Adultera e, no lado
te equipado. A composição segue de perto a descri- fronteiro, Santa Maria Egipcíaca, a prostituta de Ale-
ção dos Actos dos Apóstolos: Saulo olha para o céu, xandria que se transformou na patrona das mulhe-
ofuscado pela luz intensa que o cega e que envolve res arrependidas (REAU, 2001: 336). Stª Mª Egicíaca,
a figura de Cristo que aponta para o grupo. Os três acentua o sentido de penitente, em genuflexão,
124 soldados, companheiros de viagem de Paulo, olham mãos unidas e dedos cruzados com fervor no mo-
para cima com expressões de surpresa e espanto, mento de receber a comunhão que lhe é ministrada
ouvindo a voz mas não vendo ninguém (Act 9, 7). pelo ermitão Zósimo, tal como se infere no relato da
A importância atribuída neste programa pictóri- Legenda Áurea (VORÁGINE, 2004, I: 239). O corpo
co às mulheres pecadoras que conquistaram a sal- está coberto pela capa que o sacerdote lhe dera um
vação através do arrependimento, da fé e de uma ano antes, no primeiro encontro, os cabelos longos,
vida entregue à penitência e oração é evidente num purificados pelas águas do Jordão, com que cobriu o
espaço de vocação feminina, tendo sido converti- corpo desnudo e queimado pelo sol durante os qua-
das em modelos de vida monástica. Maria Madale- renta e sete anos que viveu recolhida e em oração
na, a mulher que lava os pés de Cristo com as suas no deserto. O nimbo na cabeça, os dois anjos que
lágrimas, que os seca com os seus cabelos e os unge a ladeiam segurando nas mãos um manto branco e
com o perfume contido no vaso (Lc 7, 36-49), o seu os querubins que tudo observam do alto, anunciam
atributo mais comum aqui pousado sobre a mesa, o momento que antecede a sua morte, a sua ele-
surge representada no espaldar fronteiro ao da vação ao Céu pelos anjos e a conquista da santi-
Conversão de Saulo, constituindo um dos temas de dade como resultado da sua entrega, sofrimento e
maior significado da época barroca. Jovem e bela, oração. A iconografia da mulher adúltera segue de
com uns longos cabelos loiros e ricamente vestida, perto a descrição de João e respeita à composição
personifica a devoção e arrependimento, de olhos mais divulgada do tema no período Moderno: Jesus
lacrimejantes voltados para a luz divina que inunda inclinado sobre o chão, a escrever com o dedo na
o espaço, orientação contrária à do espelho que lhe terra, rodeado pelos doutores da Lei e os fariseus, em
fica em frente, memória da sua vida de cortesã e de número de quatro, e a mulher no meio deles (Jo 8,
pecado, deixando cair aos pés a caixa de joias que 1-11), com a mão direita sobre o peito, em sinal de
se espalham pelo chão. É a imagem da penitência, arrependimento, de rosto belo e sereno, com os olhos
da contemplação interior e da conquista da glória pousados sobre a figura de Cristo.
Na continuidade de Santa Maria Egipcíaca, aque- exemplo de renúncia aos bens terrenos e de entrega
la que tal como Cristo caminha sobre as águas do à vida contemplativa e de oração, entendida como
Jordão (VORÁGINE, 2004, I: 239), que purificou os seus caminhos de Salvação alcançáveis também através
cabelos na água deste rio e, por isso, também asso- da vida monástica. A presença dos fundadores – São
ciada ao simbolismo do Baptismo, segue-se o tema Bento, Santo Amaro, São Roberto, São Bernardo e
da Samaritana. A pecadora da Samaria, a quem São Francisco – reforça estes valores da vida mona-
Cristo pede água, apresenta-se em pé, encostada cal, de entrega através da oração e da contempla-
ao poço de Jacob, com a bilha de barro pousada ção, a Maria e a Cristo, que mereceram igualmente
sobre o muro, a mão sobre o peito ouvindo as pa- um lugar de destaque neste programa iconográfico.
lavras de Jesus, sentado à sua frente, que gesticula Todos os temas são coroados pelos dois corações fe- 125
em sinal de diálogo. O episódio foi desde os primeiros ridos, um com a coroa de espinhos, alusão ao sacri-
séculos do Cristianismo entendido como um símbolo fício e martírio do filho de Deus que se fez homem, o
dos gentios ou dos estrangeiros convertidos por Cristo Verbo feito carne no seio da Virgem Maria, cujo co-
(REAU, 2002: 336), relacionando-se igualmente com o ração sangra trespassado por uma espada. A coroa
rito baptismal, a água viva fonte da vida eterna (Jo, de rosas, flor de Maria, que envolve o coração ferido
4:10 e 13). Assim se explica que a cena seguinte re- e em chamas, simboliza a dor da Mãe por Amor do
presente, precisamente, O Baptismo de XPto. filho morto na cruz para remissão dos pecados da Hu-
Desta exposição resulta claro que o programa ico- manidade.
nográfico apresentado nos espaldares do coro obe- Espaço de conjugação harmónica no qual a ar-
deceu a uma escolha pensada e cuidadosamente quitetura, a obra de talha, escultura e pintura for-
encadeada. A apologia da figura de Mafalda torna- mam um todo sublime, acompanhada pelas notas
se evidente, memória de uma fundação e modelo melodiosas da música que emana do órgão, o coro
da vida monástica, evidenciando-se igualmente as de Arouca assume-se como um lugar que excede as
virtudes de piedade e expiação das mulheres adúlte- esferas humanas no qual se imitam os Serafins que as-
ras, símbolo do arrependimento, de Santa Umbelina, sistem a Deos no ceo (ROCHA: 2010, 356).

1. Na cidade do Porto conhecem-se várias moradas dos dois entalhadores. António Gomes morou na Rua da Porta de Carros, no Rocio de São Bento das Freiras,
na Rua das Flores, Rua Nova do Bonjardim e Rua do Paraíso. Filipa da Silva na Rua Chã, Rua do Calvário, Rua Nova do Bonjardim “junto” da Fábrica de Tabaco,
onde residia à data do contrato para Arouca (FERREIRA-ALVES, 2001: 57 e 65).
015 SÉCULO XVIII
MOSTEIRO DE SÃO JOÃO DE TAROUCA

VASCONCELOS:
A HISTÓRIA SOCIAL DE
UM PRATO
NUNO RESENDE
Ainda com pouca expressão na historiografia portu- seu círculo familiar poderia elucidar-nos, ao nível da
guesa, o método prosopográfico aplicado ao estudo arte, sobre gostos, procedências e clientelismos que
de abades e outros religiosos das comunidades cis- naturalmente influíram nas empreitadas artísticas e
tercienses, poderia elucidar-nos sobre aspectos parti- no mecenatismo de alguns abadessados.
1
culares da organização dos mosteiros desta ordem . Naturalmente devemos diferenciar entre abades-
Proveniência geográfica, estatuto e formação dos sados perpétuos e abadessados trienais, em cujos
egressos forneceriam, enquanto campos do formu- períodos diferiu a administração das casas monásti-
lário das prosopografias, uma melhor compreensão cas. Os abades perpétuos eram, como a designação
sobre o funcionamento da engrenagem eclesiástica assinala, eleitos e apresentados naquele benefício
e social dentro do vários mosteiros Cister, nomeada- até ao final da sua vida e os abades trienais indica-
mente ao nível da permanência ou preeminência de dos para períodos menores e não consecutivos – es-
certas famílias e, ou, linhagens à frente dos destinos tratégia que visava, entre outros aspectos, limitar o
dos mosteiros. A procedência social dos abades e o controlo das casas monásticas por linhagens e indiví-

 Figura 1 | Prato (perfil). Foto José Pessoa. © Museu de Lamego, DRCN


duos, práticas largamente difundidas durante a Ida-
de Média.
É, aliás, pertinente assinalar o caso de D. Brás de
Cimbres (cat. 12), abade de Salzedas, cuja filha,
Guiomar Fernandes casou com um filho do abade
de São João de Tarouca e ambos viveram na órbita
do primeiro mosteiro onde determinaram como últi-
ma vontade ser sepultados pela criação que haviam
tido naquela casa e pelo amor que lhe tinham (cf.
128 MORAIS, 1948, III:262). Quase naturalmente o genea-
logista Alão de Morais, que apontou a carinhosa de-
dicação ao mosteiro de Salzedas pelo casal acres-
centou, mais adiante, na sua genealogia, que o filho
de ambos, Damião Rodrigues Dom Abb.e do Mostr.º
das Salzedas […] sucedeo a seu Avo D. Bras (MORAIS,
1948, III: 263). Ambos os casos, ocorridos na viragem
do século XV para o século XVI são reveladores da
forma como certos eclesiásticos e suas famílias toma-
vam os mosteiros um prolongamento do seu domínio
doméstico2.
Não obstante este cenário, conhecido através
das inúmeras queixas apresentadas por leigos e clé-
rigos ao longo da medievalidade e pelo esforço dos
conciliares de Trento em refrear o monopólio e a im-
punidade de certas famílias (invocando direitos de
padroado, comedorias, etc.) a época moderna não
constituiu um período isento de disputas pelo contro-
lo das casas monásticas, dos seus rendimentos e, cla-
ro, dos seus espaços de poder. No caso da nobreza
portuguesa, inquilina e devedora das ordens religio-
sas, devemos entender a entrega dos filhos e das fi-
lhas segundas aos conventos e mosteiros não apenas
numa lógica devocional ou de vocação. Assegurar o
acesso à vida religiosa aos membros secundários da
família, para que não dependessem dos morgados e
titulares das casas nobiliárquicas, constituía um recur-
so ao alcance das famílias nobres que poderia, ain-
da, contribuir para o controlo das casas monásticas
– algumas delas autênticos panteões linhagísticos.
O prato que ora se apresenta, em cerâmica vidra-
da, com decoração monocroma a azul sobre fundo
branco, é um elemento representativo de práticas e
atitudes sociais da nobreza, parte da qual procurava 129
ascender a cargos eclesiásticos (figura 1). Não obs-
tante a simplicidade da peça, cuja ornamentação
se cinge ao friso da aba há algo que nela sobressai:
o apelido Vasconcelos. Grafado no covo do prato
ao longo de três registos, a sua presença remete-nos
mais para o mundo doméstico da casa laica, do que
para o espaço monástico, onde foi exarado em con-
texto arqueológico (figura 2). Esta peça de louça de
encomenda (cat. 16) inscreve-se no que A. Noguei-
ra Gonçalves denominou de faianças com marcas
nominais de propriedade (GONÇALVES, 1954). Como
explicar a presença deste prato em São João de Ta-
rouca?
O ingresso na ordem de Cister estruturava-se em
torno de conversos, noviços e monges. Os conversos
eram leigos afectos ao trabalho braçal da comuni-
dade; os noviços aspirantes ao estado eclesiástico
cuja preparação para receber o hábito durava cer-
ca de um ano; e os monges, a quem podiam ser con-
cedidas ordens, destacavam-se entre si pela maior
ou menor formação recebida (CISTER, 1998: 13). Na-
turalmente fora desta tríade, uma plêiade de indiví-
duos, cada qual com as suas funções, dependia e

 Figura 2 | Prato (inscrição). Foto José Pessoa. © Museu de Lamego, DRCN


contribuía para o funcionamento dos mosteiros, den- (doc. em 1703, 1704, 1705), frei Paulo de Vasconcelos
tro ou fora deles (cat. 16). Mas o acesso aos espaços (1709) e o já atrás mencionado frei Rodrigo de Vas-
monásticos estava reservado a pouco mais do que o concelos que assina uma profissão em 1712. Outros-
conjunto de indivíduos que se inscreviam nos grupos sim, ao longo das referências biográficas dos noviços
descritos. são indicados vários progenitores de sobrenome
A passagem do modelo de abadessados perpé- Vasconcelos, apelido cujos filhos bem poderiam usar
tuos para abadessados trienais ocorreu, em de São como nome secular, quer por herança materna ou
João de Tarouca, na sequência da restauração do paterna.
mosteiro, em 1560 (VASCONCELOS, 1933: 391). Cinco
130 anos antes a casa havia sido suprimida e todos os
seus bens entregues à Ordem de Cristo. Embora não
se conheçam listas exactas dos abades, entre o con-
junto de nomes reunidos por Leite de Vasconcelos e
M. Gonçalves da Costa, são poucos os que usaram
o apelido Vasconcelos ao longo do período de ad-
ministração trienal, nomeadamente frei Rodrigo de
Vasconcelos (documentado em 1783) e frei António
de Vasconcelos (documentado em 1797). Mas nem
todos assinam com o seu nome laico e a inconstân-
cia nos apelidos não permite aferir de ligações fami-
liares directas, quando amiúde se combinam diferen-
tes composições de sobrenomes.
No entanto, ao longo do século XVIII destacam-se
alguns egressos sobre cujas vidas sabemos um pouco
mais e a algum dos quais se poderá atribuir a posse
desta peça de louça. Através do Livro de Noviciaria
do mosteiro de São João de Tarouca, redigido entre
1692 e 1762, (TT, Mosteiro de São João de Tarouca,
Livro [dos] Graos de Noviciaria]) é possível registar al-
guns nomes com o referido apelido, nomeadamente
os de frei Feliciano de Vasconcelos, mestre e prior dos
noviços (assinalado nos anos de 1702, 1703, 1731 e
1733), frei Nuno de Vasconcelos, mestre dos noviços

Figura 4 | Pintura retabular da capela de São Jorge (Mondim da Beira)


representando São Sebastião. © Diocese de Lamego 
Todavia, e apesar da dispersão geográfica de al- liciana Pinto Botelho sendo o contraente natural da
guns indivíduos assim apelidados, Vasconcelos, tor- freguesia e concelho de Ferreiros de Tendais (onde
nou-se particularmente sonante em contexto regio- era capitão-mor) e a nubente de Mondim da Beira.
nal associando-se, a partir de finais do século XVII, a Não obstante o desrespeito pelo costume tradicional
várias famílias da região, que tinham como epicentro que determinava a celebração do enlace na terra
a vila de Mondim, às portas do cenóbio cisterciense da noiva, o casal mudou-se para a vila de Mondim,
de São João de Tarouca. onde lhes nasceram quatro filhos documentados pe-
Efectivamente, a 29 de Maio de 1677 ocorreu ali o los registos paroquiais: Heitor (baptizado a 7-9-1688),
matrimónio entre Manuel Vaz Pinto de Resende e Fe- Angélica (b. 18-9-1685), Feliciana (b. 3-7-1691) e Ro-
 Figura 5 | Fachada da capela de São Jorge (Mondim da Beira). © 131
 Figura 3 | Inscrição e pedra de armas da igreja de Mondim da Beira. © Nuno Resende Diocese de Lamego
drigo (5-2-1693). Pelo lado paterno eram descenden- João de Tarouca a Mondim influiu na escolha. Mas
tes de uma família das elites municipais de Ferreiros não poderia esta distância geográfica converter-se
de Tendais e Tendais (freguesias do actual concelho numa apetência pelo domínio do poder que cada
de Cinfães) e por via materna, do licenciado Francis- um destes mosteiros encerrava?
co Guedes Alcoforado, homem letrado e de haveres Quer no ramo de Ferreiros de Tendais e Tendais,
natural de Sedielos, do então concelho de Pena- quer no ramo de Mondim da Beira, vários foram os
guião, mas morador em Mondim da Beira pelo ca- elementos desta família que seguiram a via eclesiás-
samento com Serafina Botelho Rebelo. A presença e tica cisterciense. Dos seis filhos da irmã do supra cita-
a importância destes Botelhos em Mondim está aliás do Manuel Vaz Pinto de Resende – chamada Maria
132 documentada, não apenas nos registos paroquiais, de Resende - dois foram monges de Cister: frei Mau-
mas na heráldica presente na arquitectura da igreja ro da Conceição e frei Agostinho do Pilar e, ambos
matriz de Mondim, assinalada por pedra de armas professos de São João de Tarouca - o primeiro em
(figura 3). O poder desta família espelhava ainda na 1708 e o segundo em 1709 (cf. COSTA, 1992: 708)3. A
arquitectura e no programa artístico da capela de inexistência de prole legítima dos irmãos destes dois
São Jorge, cujo orago e devoção secundária (São eclesiásticos originou, aliás, a extinção deste ramo e
Sebastião) destacam o papel das armas na consoli- a subsequente queda ou esvaziamento de uma casa
dação do estatuto desta família (figuras 4 e 5) senhorial em Ferreiros de Tendais (RESENDE, 2013b).
Está assim atestada a nobreza e as ligações des- Em Mondim da Beira destacavam-se os filhos do já
ta família à nobreza regional, cujo poder se firmava referido Heitor, filho de Manuel Vaz Pinto de Resende
por casamentos entre iguais, nomeadamente com e de Feliciana Pinto Botelho. Heitor Pinto de Vascon-
elementos das elites locais (nobreza de pelourinho) celos casou a 17 de Agosto de 1723, em Mondim da
que repartia endogamicamente a administração do Beira, com Benta Mesquita de Pimentel de cujo ma-
governo municipal. trimónio nasceram oito filhos documentados. Um, de
Parece, todavia, não cingir-se a estratégia desta nome António, morreu sem geração; Francisca fale-
família à obtenção, posse e transmissão dos cargos ceu, ao que parece, solteira; Teresa e Jorge Gouveia
municipais de Mondim, Ferreiros de Tendais e Tendais, Pinto casaram, ambos com geração, e Francisco
como caminho único para o controlo institucional lo- António Pinto foi, de acordo com o Nobiliário de Fel-
cal e regional – neste caso através de matrimónios. gueiras Gaio, Cap.am na Índia Cavaleiro da Ordem
Muitos dos filhos segundos seguiram a via eclesiástica de Cristo (GAIO, 1938-1941: Vasconcelos §22 N23). Os
– os quais, podendo escolher entre um abrangente restantes filhos do casal seguiram a carreira eclesiás-
leque de ordens religiosas, elegeram a Ordem de Cis- tica: Angélica, Manuel e Luís.
ter para o seu percurso eclesiástico. Certamente a Luís, monge de S. Bernardo alcançou a dignidade
proximidade geográfica das casas de Salzedas e São de Abade de Santa Maria de Aguiar, Manuel a de
abade de São João de Tarouca e Angélica professou Confirma-o, de resto, o lugar de Mondim na geo-
em Arouca (GAIO, 1938-1941: Vasconcelos §22 N24). grafia regional: enclave entre os coutos de São João
Embora dispondo, apenas, de elementos respeitan- de Tarouca e Salzedas e curato anexo à paróquia de
tes aos actos baptismais de três dos filhos de Heitor São Pedro (COSTA, 1708: 252), a sua posição obriga-
Pinto de Vasconcelos, a saber: Manuel (bap. 21-10- va as elites locais a um constante diálogo (nem sem-
1725), Jorge (bap.30-3-1727) e Teresa (bap. 26-7- pre pacífico) com as instituições mais poderosas.
1729) nos dois últimos casos são relevantes os nomes Manuel, filho de Heitor Pinto de Vasconcelos e de
dos padrinhos e dos participantes no acto: D. Maria Benta Pimentel, professou a 25 de Março de 1741,
de Berredo, abadessa do Convento de Arouca (ma- sob o abadessado de frei Leopoldo Botelho e com
drinha de Jorge) e os reverendos Manuel da Fonseca o testemunho de, entre outros, frei Jorge Pimentel. 133
e Francisco Guedes, com procurações do Rev.º Dom Deve tratar-se do Frei Manuel Pinto assinalado na lista
Abade de S. João Frei Francisco do Espírito Santo e publicada das Memórias de Mondim da Beira, que o
com procuração de D. Teresa Bernarda de Mesquita, documenta em 1762 como comitente das urnas dos
religiosa em o convento de Arouca. Este conjunto de altares e o que sagrou o altar-mor (VASCONCELOS,
ligações a casas masculinas e femininas da ordem 1933: 393).
de Cister é reveladora da influência e do entrosa- Parecerá casualidade o encontro dos mesmos
mento desta família em mosteiros cistercienses regio- apelidos naquele acto de profissão, e o percurso algo
nais. E a ascensão de alguns dos seus elementos aos inusitado que fizemos em redor de um vulgar prato -
lugares abaciais, transmitidos geracionalmente entre mas até podermos cruzar as biografias de cada um
tios e sobrinhos, entre irmãos ou parentes próximos é destes indivíduos, todos de apelidos Vasconcelos ou
outrossim testemunho de estratégias clientelares e a ele ligados, e a sua permanência em São João de
nepotistas que sugerem a necessidade da manuten- Tarouca, apenas podemos conjecturar sobre a tes-
ção da preeminência linhagística naquelas casas e situra de tais relações, passíveis de materialização
ordem. numa peça de cerâmica4.

1. Dentro dos estudos de natureza prosopográfica ou abordagens similares no contexto das comunidades cistercienses devemos salientar os trabalhos de A.
Fialho Conde (2009) para o sul de Portugal e Luís Miguel Rêpas (2003) para as casas femininas.
2. Sobre alguns casos irregulares nas comunidades de Tarouca e a vontade dos monarcas em as resolver ver COSTA, 1984: 547 e COSTA, 1984: 522.
3. Esta indicação de M. Gonçalves da Costa é confirmada pelo Livro de Noviciaria, onde aparecem as profissões de Frei Mauro da Conceição, a 18 de Abril de
1708 e a de frei Agostinho (que M. Gonçalves da Costa chama Amaro) do Pilar a 22 de Junho de 1709.
4. Todas as indicações respeitantes a nascimentos, datas de baptismo e matrimónio foram consultadas no Arquivo Diocesano de Lamego, cf. ADL, Paroquiais,
Ferreiros de Tendais, Mondim da Beira e Tendais, livros dos anos respectivos (dado o mau estado de conservação de alguns códices não é possível a apresen-
tação do número do fólio). Nas obras indicadas encontram-se outras referências para a reconstituição da genealogia abordada.
016 SÉCULO XVII (2ª METADE)
MOSTEIRO DE SÃO JOÃO DE TAROUCA

TIGELA BRASONADA
DE FAIANÇA COIMBRÃ
LUÍS SEBASTIAN
A louça destinada ao serviço de ingestão dos ali- quer de aquisição, esta louça de faiança pode ser
mentos no espaço do refeitório monástico passa a dividida em dois grandes grupos, a que convencio-
ser, predominantemente, de faiança a partir dos fi- namos nomear de louça indiferenciada e louça de
nais do século XVI. Quer em termos de produção encomenda (figura 1). Por louça indiferenciada de-
 Figura 1 | Tigela brasonada das olarias de Coimbra. Foto José Pessoa. © Museu de Lamego, DRCN

135
signamos toda a louça produzida sem prévia enco- tras palavras, através de elementos figurativos – bra-
menda e comercializada abertamente no mercado, sões, simbólica religiosa, etc. – ou, mais diretamente,
logo, de uso corrente em contextos quer civis, milita- através de inscrição (figura 2).
res ou religiosos, enquanto por louça de encomenda Esta louça de encomenda pode ainda por sua vez
designamos toda a louça sujeita a prévia encomen- ser subdividida entre louça de encomenda institucio-
da e produzida de acordo com características perso- nal e louça de encomenda pessoal, entendendo-se
nalizadoras impostas pelo encomendador. por louça de encomenda institucional toda a louça
No caso da louça de faiança portuguesa, a perso- produzida de acordo com prévia encomenda da ins-
nalização de acordo com a encomenda dá-se por tituição, no caso, adquirida pelo mosteiro e destina-
136 regra ao nível da decoração pintada, reaproveitan- da ao uso no refeitório, e por louça de encomenda
do as formas, pastas e esmaltes presentes na restante pessoal toda a louça produzida de acordo com pré-
louça indiferenciada. Já esta personalização da lou- via encomenda de um determinado indivíduo, ad-
ça de encomenda pode ser feita de duas diferentes quirida pelo mesmo e destinada a seu uso pessoal.
maneiras, graficamente ou caligraficamente, por ou- Focando-nos na louça de encomenda institucional,

 Figura 2 | Louça de encomenda em faiança das olarias de Coimbra e Vila Nova (de Gaia) recuperada nas escavações arqueológicas do Mosteiro de São João de Tarouca.
constatamos por regra a sua possível subdivisão em ins- As inscrições identificativas tão simplesmente iden-
crição evocativa, inscrição identificativa, inscrição fun- tificam o mosteiro, surgindo apenas o topónimo, sem
cional, heráldica identificativa e simbologia religiosa. mais indicação à natureza institucional, resultando
As inscrições evocativas, por extenso ou em abre- em S. João de Tarouca, Salzedas, ou noutras ordens,
viatura, correspondem regra geral ao nome do Tibães, Mafra, etc.
padroeiro da Ordem, ou a um qualquer santo de As inscrições funcionais, que começam a surgir ten-
grande devoção local. É disso exemplo a recorrente dencialmente a partir de cerca de 1700, desempe-
ocorrência de louça com as iniciais S.B. ou o acró- nham um papel meramente prático, de organização
nimo S.BR.DO, relativos a São Bernardo, verificável interna, atribuindo de forma indissociável um conjun-
desde o início do século XVII e predominante duran- to de louças a um determinado espaço funcional, 137
te a primeira metade do século XVII. Ainda que não como HOSPEDES ou HOSPEDARIA.
santos diretamente relacionáveis com a Ordem de Igualmente sem grandes variações, a louça de en-
Cister, registam-se amiúde inscrições referentes a São comenda institucional com heráldica identificativa
Domingos e São Francisco. apresenta, no caso da Ordem de Cister, o correspon-
 Figura 3 | Cronograma evolutivo da decoração de báculo sobre mitra das olarias de Coimbra

dente brasão, ou, recorrentemente a partir do século XVII, o brasão de Cister nacional
(ou da Congregação de Alcobaça), com o escudo de armas dividido verticalmente,
ocupando a metade direita com as armas de Portugal e a metade esquerda com o
brasão de Cister.
Por fim, dentro da louça de encomenda institucional com simbologia religiosa, en-
contramos como recorrente o uso de simbologia hagiográfica, como o cordeiro mís-
tico (ou agnus dei), símbolo evocativo de S. João Baptista, ou a chave, evocativa de
São Pedro.
Dentro desta, e em destaque pela sua maior ocorrência, quer em número quer em
138 transversalidade aos mosteiros cistercienses para os quais contamos com recolha de
vestígios cerâmicos, temos a partir dos meados do século XVII a insígnia compósita de
um báculo sobreposto a uma mitra, podendo em algumas variações mais tardias, já
de século XVIII, surgir apenas um destes elementos isolados (figura 3).
Simbologia recorrente nos mosteiros cistercienses, em elementos de arquitetura, ta-
lha dourada, pintura, etc., esta evoca a independência do abaciado em relação ao
bispado, tema caro e especialmente sensível à Ordem de Cister.
O espécime em estudo corresponde a uma tigela asada com tampa lobulada
produzida nas olarias de Coimbra, estendendo-se a sua produção a toda a segunda
metade de século XVII. No caso, integrava uma baixela completa que contava ain-
da com três pratos de forma igual, mas de diferentes dimensões – pequeno, médio e
grande.
Recuperada nas escavações arqueológicas realizadas no Mosteiro de São João de
Tarouca entre 1998 e 2007, a esta forma inicial de representação foi ainda possível jun-
tar diversas variantes posteriores, que além de provar a sua sobrevivência até meados
do século XVIII, revelam igualmente a sua permanente evolução, sempre no sentido
de uma crescente simplificação da solução inicial, perdendo primeiro o escudo ladea-
do de volutas e encimado por elmo, para depois ou acentuar a estilização do conjun-
to solitário da mitra e báculo, ou apenas apresentar um destes elementos, mantendo
contudo neste último caso algum do realismo da representação inicial.
Estas variações evolutivas não aconteceram contudo numa linha temporal linear e
contínua. Pelo contrário, vemos os seus períodos de produção sobreporem-se parcial-
mente, dando gradualmente lugar à fase evolutiva seguinte, com o seu período de
maior popularidade a acontecer entre cerca de 1675-1725.
Para este período, e na variante de estilização quase máxi-
ma do conjunto de apenas mitra e báculo, foi ainda possível
recuperar nas escavações arqueológicas no Mosteiro de São
João de Tarouca um fragmento de cabo de talher – colher ou
garfo (?) – com o mesmo exato motivo gravado, indicando
que a partir dos finais do século XVII parece ter sido prática
corrente a encomenda conjunta de louça e talheres com a
mesma temática decorativa e simbólica.
O fenómeno específico em que se insere esta tigela braso-
nada encaixa então na leitura geral de que até meados de 139
seiscentos tivemos o predomínio da louça indiferenciada nos
refeitórios monásticos cistercienses, a partir de quando vemos
começar a impor-se o uso de louça de encomenda. Na se-
gunda metade de seiscentos a louça indiferenciada é ain-
da em maior número que a louça de encomenda, passando
esta a ser predominante apenas com o início da centúria de
setecentos. Uma das consequências deste movimento, não
sendo ele circunscrito à Ordem Cisterciense, é a de que a
partir de meados de seiscentos verificamos, ao nível da perso-
nalização da louça, uma clara distinção entre as louças dos
diversos mosteiros e conventos do reino.
A este predomínio da louça de encomenda poder-se-ia en-
tender corresponder um maior esforço de uniformização da
utensilagem empregue nas mesas dos refeitórios cistercienses,
e, sintomaticamente, uma maior regulamentação do quoti-
diano comum (figura 4). Contudo, é igualmente com a cen-
túria de setecentos que registamos o aparecimento da louça
de encomenda de uso pessoal, pelo que a esta uniformiza-
ção não terão deixado de escapar os membros da comuni-
dade com maiores posses e filiação familiar de maior prestígio
(cat. 15).
Figura 4 | Quadro de formas standard das baixelas de encomenda produzidas nas olarias de faiança de Coimbra. 
017 SÉCULOS XVII-XIX
MOSTEIROS DE SÃO JOÃO DE TAROUCA E SANTA MARIA DE SALZEDAS

PRÁTICAS SOCIAIS,
QUOTIDIANO E
EMOLUMENTOS DOS
MONGES DA
CONGREGAÇÃO DE
ALCOBAÇA DA ORDEM DE
S. BERNARDO
SALVADOR MAGALHÃES MOTA
Procuraremos no presente verbete, elucidar um monásticas encetadas pelos cistercienses dos Reinos
pouco sobre o quotidiano dos monges de Cister após de Castela estão estreitamente relacionadas com
a época da reforma católica e da constituição da as reformas arquitectónicas (GONZALEZ GARCIA,
Congregação de Alcobaça da Ordem de S. Bernar- 2000:156).
do e se possível, averiguar as motivações da sua pro- A reforma não incide apenas no alargamento dos
cura em termos de noviciado sobretudo, nas casas espaços de cada cenóbio, no sentido de serem mais
mais importantes como Alcobaça, Tarouca (figura 1), aconchegados e mais funcionais. A maior parte dos
Salzedas (figura 2) e Bouro, isto somente, em termos noviços depois de fazerem a profissão, seguiam cur-
de conventos masculinos. so de arte, ou filosofia e depois, teologia nos vários
Os conventos na época moderna sofreram impor- colégios e mosteiros das Congregações atingindo 141
tantes modificações no espaço e redimensionamen- um grau de conhecimento e de preparação que os
to, coincidindo com uma gestão mais profissionaliza- habilitavam a exercerem determinadas funções que
da e com um aumento das rendas e dos rendimentos. com o tempo começaram directamente ou indirec-
Fr. Maur Coheril diz-nos que os Abades Gerais de Alco- tamente a serem remuneradas e actualizadas. Ana
baça puseram em acção um vasto programa de res- Mouta Faria diz-nos que na carreira eclesiástica que
tauração material (COCHERIL,1978:34). José Mattoso implicava funções de natureza religiosa, fossem elas
realça que o mesmo se passava noutras ordens reli- culturais ou pastorais, estava associada a cada uma
giosas e instituições eclesiásticas (MATTOSO,1997:15). sua dotação material sem a qual nenhuma função
Gonzalez Garcia é de opinião que as reformas tinha existência reconhecida. Como é evidente a
situação não deveria ser muito diferente para os reli-
giosos conventuais. Para a mesma autora as oportu-
nidades no âmbito do labor intelectual eram várias; o
ensino nos seus diversos escalões totalmente contro-
lado pelo clero, a música exigida à maior parte dos
eclesiásticos, o acesso a cargos públicos, sobretudo
se fossem nobres e com grau académico (juízes ecle-
siásticos, ministros, inspectores, comissários, inquisido-
res etc…) (FARIA,1987:30-33).
O que acabou de ser dito faz descolar uma das
funções principais dos monges religiosos após o Con-
cilio de Trento, a necessidade de estudar (estudo),
colocada ao mesmo nível da oração. O ensino em
termos práticos achava-se dividido em 3 níveis. O

 Figura 1 | Sacristia da igreja de São João de Tarouca. Foto Pedro Martins © DRCN
primeiro coincidindo com o noviciado, era obrigató- Ambos os cursos, mas, especialmente, o de Artes,
rio e bastante selectivo. Aprendia-se o Latim, a Gra- provavelmente por ser mais abrangente, dava aos
mática, a Religião e os Usos e Costumes da Congre- candidatos entrada direta no curso de Teologia já
gação. Eram vigiados pelo Pe. Mestre de Noviços e considerado de nível superior conjuntamente com os
demorava sensivelmente, um ano. Quem fosse apro- cursos de Leis, Medicina e Cânones. António de Vas-
vado continuaria a estudar e passava a professo. concelos, autor clássico nestas matérias, informa-nos
Quem não mostrasse capacidade e qualidades era que para a matrícula no 1º ano da Faculdade de Te-
obrigado a sair do convento rapidamente. ologia e de Medicina exigia-se de ordinário o grau de
Para além do noviciado que era uma espécie de licenciado ou de bacharel em Artes e para um aluno
142 ensino elementar, criou-se o chamado ensino inter- fazer a inscrição nas Faculdades Jurídicas tinha de
médio ou secundário consubstanciado nos cursos de apresentar certidão passada pelo Principal do Colé-
Artes ou Filosofia. Para a frequência destes cursos, os gio das Artes de haver sido examinado e aprovado
candidatos tinham de possuir determinados requisitos no exame de aptidão para cursar estas faculdades e
como sejam: 4 anos na condição de professo, menos de ter conhecimentos essenciais da escrita e da fala
de 30 anos de idade, não ter raça de cristão novo até de Latim (VASCONCELOS, 1939: 2-10).
4º grau, nem mouro, nem mulato, não ter fealdade que O curso de teologia de nível superior era feito em
prejudique o púlpito, domínio do latim e da gramática diversas etapas, sendo a primeira o bacharelato, a
portuguesa (DIFFINIÇOENS, 1593: 40-50) (cat. 11). licenciatura e o doutoramento considerado o último
Os candidatos tinham ainda de ser humildes, de grau. Em Teologia o último grau coincidia também,
bons costumes, capazes e inteligentes dado que com o de Mestre, sobretudo, para ordens religiosas.
eram sujeitos a exames por parte de examinadores O curso era leccionado na Universidade de Coimbra
e ainda a uma selecção rigorosa feita pelos abades e nos diversos Colégios universitários que se foram
conventuais donde eram originários, mesa do defini- instalando na Lusa Atenas, como o do Espirito Santo
tório e abade geral (A.D.B. CI -188, fl. 109vs). O curso fundado pelos cistercienses.
de Artes estava planeado para três anos, tinha de ser Outra função muito importante para uma ordem
aprovado em definitório com a presença e anuên- regular como a nossa era a oração a diversas horas
cia do Geral, ministrando-se as seguintes disciplinas: do dia. Todos ou quase todos os monges deviam es-
humanidades (grego, latim, hebraico), Matemática, tar presentes. Em ambas as estações do ano os nos-
Ciências e Filosofia (RODRIGUES, 1987:13-22). A Filo- sos monges levantavam-se muito cedo, por volta das
sofia podia também ser dada em separado, como 5 / 6 horas da manhã. A jornada era preenchida com
curso autónomo o definitório atendendo ao tempo uma série de orações, rezas e missas. Um documento
das aulas e depois dos estudantes cursarem Philoso- de 1770 informa-nos que da parte da manhã reza-
fia seguem o de Teologia… (A.D.B. CI -188, fl. 27). va - se a Prima, a Terça, a Sexta e a Noa, para além
da missa maior do dia. Da parte de tarde com mais ajudavam nas suas funções. Abaixo do Abade nos
tempo livre rezava-se Vésperas e Completas. Como monges brancos havia um Prior e por vezes um Sub
é evidente estes horários podiam variar e serem ajus- – prior que substituíam o Abade nas suas ausências e
tados por decisões dos Capítulos e das Juntas Gerais. impedimentos (MOTA, 1989:65 -76).
Evitava-se orar com velas e com recurso à luz das Além de orarem, estudarem e trabalharem os mon-
candeias de azeite por serem perigosas1. ges tinham as suas horas definidas para em conjunto
Seguia-se o trabalho, não o manual entrado em tomarem as suas refeições no refeitório.
desuso já desde a época medieval, mas o de gestão As refeições tinham o seu cerimonial. Todos os reli-
e administração de cada casa religiosa. Cada mon- giosos ao som do tanger do sino deviam estar presen-
ge, de acordo com a sua antiguidade, competência tes no refeitório com excepção dos idosos, doentes 143
e conhecimentos procurava desempenhar uma ou e acamados que comiam nas enfermarias ou nas
várias funções nos conventos. No plano da gestão celas particulares ou, ainda, quem o D. Abade ou o
temporal sublinhamos como principais os padres bol- Pe. Prior dessem autorização para se ausentar. Havia
seiros (recebimentos e pagamentos a dinheiro e fei- monges que procuravam arranjar subterfúgios para
tura de livros de contabilidade), procurador (ligações não estarem presentes, o que era sempre motivo de
com o exterior), tulheiro (recebia rendas em géneros),
 Figura 2 | Sacristia da igreja de Santa Maria de Salzedas. Foto Pedro Martins © DRCN
o celareiro (encarregado dos fornecimentos da cozi-
nha), mestre de obras (conservação, melhoramentos
e novas obras), cartoreiro e bibliotecário (tratavam
do cartório e da biblioteca podendo acumular com
outra função), boticário (compra e feitura de medi-
camentos) e hospedeiro (tratava de receber e aco-
modar os viajantes e convidados).
No plano espiritual, igualmente importante tínha-
mos os padres cantor–mor (preparava os ofícios re-
ligiosos), mestre de noviços (pedagogia e ensino,
sobretudo, dos mais novos) sacristão (ajudava para
que nada faltasse ao santo sacrifício da missa). Aci-
ma de todas as funções e competências estava o
D. Abade, verdadeiro pai e responsável máximo em
cada unidade religiosa. Era eleito em Capítulo Ge-
ral em Alcobaça por um período trienal. Pertencia-
lhe escolher os colaboradores mais próximos que o
reparo e condenação. Evitava-se a existência de pa- de Alexandre VII em 1666 elogiava a abstinência mas
nelas distintas, ou seja, a feitura de pratos diferentes permitia comer carne à Ordem 3 vezes na semana
conforme o estatuto dos religiosos. No Verão jantava- (LEKAI, 1987:480). A prática, contudo, generalizou-se
se por volta das 12 horas e ceava-se pelas 18 horas fora dos dias de abstinência, com excepção da 4ª
procurando rentabilizar a existência de luz natural. feira (A.D.B. - CI – 188, fl.43), sendo constantes as refe-
No Inverno pelas mesmas razões, os monges comiam rências ao seu consumo e por vezes às quantidades
mais cedo ao jantar por volta das 11 horas, e cea- médias que se devia gastar com cada religioso, in-
vam por volta das 17 horas antes do sol se pôr (A.D.B. cluindo sobras.
- CI - 188, fl. 43). Os religiosos, após o tanger dos si- Vejamos os alimentos mais consumidos pelos reli-
144 nos, entravam em silêncio no refeitório, sentando-se giosos de S. Bernardo. Uma decisão do Capítulo Ge-
conforme a hierarquia e antiguidade em termos de ral de 1/5/1630 dizia que se devia dar ao jantar 5/4
profissão. A mesa em forma de U era presidida pelo de vaca, 1 arrátel de carneiro, à ceia, 1 arrátel de
Pe. Prior do mosteiro já que o D. Abade, frequente- carneiro, o pão servido, obrigatoriamente, a cada re-
mente, comia em mesa separada, acompanhando feição teria o peso de um arrátel (entre 358 e 459 gr.)
algum visitante ou estando ausente do cenóbio. No (VITERBO,1984:584). O vinho era o melhor que houves-
início e no final de cada refeição ouviam um trecho se em cada convento e cada monge teria direito a
da bíblia ou uma parte alusiva à história da vida dos um quartilho (0,375 l.) (SERRÃO,1979:Vol.V:70) a cada
santos, lido por um dos monges professos mais junio- refeição …e recomendamos muito aos P. Abba-
res (A.D.B. - CI – 192 - Doc. 215 fl. 2). des que dem sempre alguma coisa de antepasto…
As refeições eram servidas por conversos, embora (A.D.B. - CI – 186, fl. 3 vs).
os monges também colaborassem passando as tra- Atribuía-se a cada religioso uma média de 700
vessas aos parceiros. Havia uma exigência rigorosa a 1000 gramas de carne, quase 3/4 litro de vinho e
no que diz respeito ao cumprimento dos dias de abs- cerca de ½ Kg de pão, sem falar em frutas, legumes
tinência, que calculamos em 68 a 70 dias (OLIVEIRA, e lacticínios que os mosteiros tinham em mediana
MCMLXXI:342) por ano onde a carne era, expressa- abundância. Temos 2 pratos ao jantar e 1 prato à
mente, proibida sendo substituída pelo peixe. O con- ceia. A surpresa é a relativa pouca quantidade de
sumo de carne era estritamente regulamentado (DI- pão ingerida, se compararmos com estratos sociais
FFINIÇOENS, 1593:40). Havia a consciência que uma inferiores. O consumo de vinho está dentro dos pa-
mesa demasiada farta, distraia os espíritos e estimula- râmetros para a época. Tinha de ser vinho de boa
va o apetite sexual. A ideia era concentrar a energia qualidade. Os monges gostavam mais do maduro do
dos monges em tarefas mais contemplativas e teoló- que do verde, este último consumido mais por jorna-
gicas. Corpos débeis e fracos atingiriam mais, facil- leiros e criados (MOTA, 2006: 97). Em contrapartida,
mente, os louvores divinos. A constituição apostólica nesta dieta privilegiada avulta o consumo de carne
em quantidade e em qualidade, dado que a carne Abade Geral. Para além desta ajuda, havia melho-
de vaca e a de carneiro eram das mais apreciadas rias na alimentação em espécie, em determinadas
(CRESPO e HASSE, 1981:101). festividades religiosas, ou em dias, considerados mais
Para além destas funções que preenchiam uma importantes. Nestes dias excepcionais, podia-se dar
parte significativa do dia, com o tempo e à medida até 3 ou 4 pitanças entrando ao jantar ou à ceia car-
que as rendas dos conventos permitiam procurou-se nes de leitão, coelho, pombo e peru. Não obstante
que a carreira eclesiástica regular fosse atractiva sus- o afirmado procurava-se minimizar custos no refeitó-
citando que filhos segundos da nobreza e do tercei- rio (AD.B. - CI -192…,Doc. 16, Leis da Junta Geral de
ro estado, sobretudo dos escalões mais elevados a 2/3/1768, fl. 4).
ela concorressem em grande número. Os benefícios Mas os emolumentos não se ficavam por aqui, de- 145
sociais e os emolumentos não eram negligenciáveis, pendendo do religioso e da função que desempe-
levando a que o recrutamento de noviços nos cister- nhavam dentro e fora da Congregação podiam re-
cienses não fosse um problema, pois havia excesso ceber côngruas, ordenadas (os), assinaturas de muitas
de candidatos para as vagas existentes, até pratica- variedades, inquirições, tenças, pés de altar, mimos,
mente à extinção dos conventos e dos bens dos reli- missas, sermões, pregações, esmolas (para prossecu-
giosos decretada em Maio de 1834. ção de estudos), e beneficiarem de casa, criado e
Vejamos os principais emolumentos e regalias so- sege aparelhada (SOUSA e GOMES,1998:127-134).
ciais alcançados pelos religiosos brancos de Cister Coloca-se então uma questão. Que fazer a uma
(Cf. a propósito o quadro a seguir mencionado). eventual verba amealhada se os monges faziam
Era muito variável e ficava um pouco ao arbítrio do votos de pobreza, quando da passagem a monge

VESTIDORIA subsídio anual atribuído em dinheiro para renovação do vestuário. Variava conforme, se fosse casa grande ou pequena, o estatuto do monge e a
época que estamos a considerar.

PITANÇA subsídio relacionado com a alimentação que devia ser melhorada em certos dias determinados pelos costumes, paga
em espécie ou em dinheiro para além de uma quantia a liquidar no final de cada triénio.
Era muito variável e ficava um pouco ao arbítrio do Abade Geral. Para além desta ajuda, havia melhorias na alimentação em espécie, em determina-
das festividades religiosas, ou em dias, considerados mais importantes. Nestes dias excepcionais, podia-se dar até 3 ou 4 pitanças entrando ao jantar ou
à ceia carnes de leitão, coelho, pombo e peru. Não obstante o afirmado procurava-se minimizar custos no refeitório (AD.B. - CI -192…,Doc. 16, Leis da
Junta Geral de 2/3/1768, fl. 4).

PROPINA subsídio um pouco incaracterístico e aleatório mas que surge associado na documentação a despesas relacionadas com o asseio e a limpeza, mor-
mente, a compra de sabão. Em 1772 o Geral tinha de propina 4800 reis e o comum dos religiosos 1200 (A.D.B. - CI -192 - Capítulos Gerais. Doc. 17 1, Leis
da Junta Geral de 3/4/1772, fl. 6).

VIÁTICO subsídio atribuído a religiosos que se deslocavam em serviço. A mobilidade era grande, pois que procuradores, abades, visitadores, definidores, confesso-
res, feitores, capelães, pregadores, deslocavam - se, frequentemente. Pretendia-se que o fizessem com decência, com moderação e sem necessidades.
Teve início por uma lei de 1/9/1573 do Cardeal D. Henrique, sendo objeto de legislação posterior, nem sempre conseguida. Tudo indica que nunca se
estipularam porções certas. A lei de 14/6/1760 parece-nos a mais adequada. Estabelece um tostão por cada légua. Assim se um religioso fosse para o
mosteiro de Bouro (Cf. - Quadro - Emolumentos atribuídos aos monges bernardos) que distava de Alcobaça 46 léguas, receberia 4 600 reis, se incluísse
trem e bestas receberia mais 12200 reis (B.N.L.(R.) - COD. 1480 . Sobre as contribuições para viagens chamadas viáticos, 1770, fl. 368 – 377).
EMOLUMENTOS ATRIBUÍDOS AOS MONGES BERNARDOS

DATAS DE REFERÊNCIA TIPOS E CARACTERÍSTICAS VALOR (EM REIS)


I – VESTIDORIA (VESTUÁRIO)

OFICIAIS
1696 Casas grandes 10 000
Casas pequenas 8 000

OFICIAIS
1705 Casas grandes 10 000
146 Casas pequenas 10 000

PRIOR, CELAREIRO E MESTRE DA NOVICIARIA


Casas grandes 24 000
1728 Casas pequenas 12 000
TULHEIROS
Casas grandes 14 400

GERAL 38 800
EX-GERAL 28 800
DEFINIDOR, VISITADOR, PRIOR, SECRETÁRIO DO GERAL,
1772 MESTRE DE NOVIÇOS E CELAREIRO 26 400
OFICIAIS
Casas grandes 14 400
Casas pequenas 12 000

OFICIAIS
1782 Casas grandes 14 400
Casas pequenas 14 400

OFICIAIS
1783 Casas grandes 16 800
Casas pequenas 14 400

OBSERVAÇÕES: Na nomenclatura cisterciense Casas Grandes, masculinas e femininas, eram as de Alcobaça, Bouro, Salzedas, Tarouca, Colégio de Coimbra,
Seiça, Lorvão, Arouca e S. Bento de Castris, pequenas eram todas as outras.
FONTES: BNL. FIGUEIREDO, FR. Manoel de, Memórias para a História da Comarca de Alcobaça, Vol. Manuscrito enumerado de 1 a 15, In COD. 1480 – Sobre
as contribuições para viagens chamadas viáticos de 14 de Setembro de 1770, fls. 368 – 377 e COD. 1482 – Regulamento das Pitanças, fls. 138 - 156,
A.D.B. – CI 186 – 192 – Leis dos Capítulos e Juntas Gerais, (1630 – 1828).
EMOLUMENTOS ATRIBUÍDOS AOS MONGES BERNARDOS

DATAS DE REFERÊNCIA TIPOS E CARACTERÍSTICAS VALOR (EM REIS)


II – PITANÇA (melhoramentos na alimentação)

PRIOR 30 000
CELAREIRO 50 000
PE. MESTRE DA NOVICIARIA 120 000| 24 000
TULHEIRO, BOLSEIRO 12 000
1678 - 1757
PE. ENFERMEIRO 2 000|4000|4800
PE. MESTRE DE OBRAS, CANTOR E MESTRE DA CAPELA 6 000
PE. HOSPEDEIRO, PORTEIRO E SACRISTÃO 4 000 147
Nota: Para além das que são pagas em determinados dias, estas liquidam-se no final de cada triénio.

III – PROPINA (ASSEIO E LIMPEZA)

GERAL 4 800
EX- GERAL 3 200
DEFINIDOR, VISITADOR, PRIOR, SECRETÁRIO DO
GERAL, MESTRE DE NOVIÇOS E CELAREIRO 2 400
SUPRIOR, PRESIDENTE, SACRISTÃO – MOR E MENOR,
1772
MESTRE DAS CERIMÓNIAS, PADRE ENFERMEIRO,
PADRE CARBONÁRIO, SUBCELEREIRO, PADRE PE-
DAGOGO, 2 000
OUTROS RELIGIOSOS 1 200
Nota: dava-se em dias de S. Bernardo e outros costumados

IV – VIÁTICO (DESLOCAÇÕES – 1 TOSTÃO POR LÉGUA)

Exemplos:
SEIÇA = 11 léguas x 100 reis = 1 100 + 3 000 a) 4 100
BOURO = 46 léguas x 100 reis= 4 600 + 12 200 a) 16 800
1770
FIÃES = 56 léguas x 100 reis = 5 600 + 15 400 a) 21 000
a) Aluguer de bestas para a viagem

professo? Pensamos que nada obstava a que guar- que seria necessário quando a idade estivesse mais
dassem uma verba para gastos pessoais, como a avançada e necessitassem de ajuda, independen-
compra de livros e apetrechos e objetos de uso pes- temente, do amparo que o mosteiro proporcionasse.
soal. Nada obstava, a que tivessem o seu pecúlio, Pela leitura das decisões capitulares estas matérias
nunca foram consensuais, como vimos. Por um lado, ses, dependendo do estatuto do religioso. Se fosse
procurava-se a proibição pela proibição, por outro, doente poderia ficar mais tempo. Cada mosteiro
procurava-se regulamentar as práticas existentes. tinha as suas quintas ou granjas (cat. 6) preparadas
Realçaríamos ainda, um conjunto de regalias so- para essa eventualidade (A.D.B.- CI -191…Leis da
ciais e lazeres que de alguma forma se podem con- Junta Geral de 1/10/1752, fl. 155vs). Por serem quin-
siderar, verdadeiramente, antecipadores em relação tas eram também espaços resguardados, longe
ao comum da sociedade, tornando a carreira do dos seculares, portanto, propensas ao lazer, ao des-
monacato regular atractiva, razão pela qual muitos canso e à meditação. Havia sempre alguma vigi-
mosteiros tinham muita procura. lância sobre esses religiosos por parte da hierarquia
148 • Concessão de licenças apenas a professos (com dos conventos (A.D.B.- CI – 187… Leis do Capítulo
mais de 4 anos de hábito) para se ausentarem dos Geral de 1/5/1690, fl. 34).
mosteiros, durante um determinado período de • Lazeres e divertimentos, quer nas quintas, quer no
tempo. O objetivo mais invocado para o pedido próprio mosteiro na área restrita da cerca. Nesta
de concessão era para visitar a família ou tratar de matéria não há uma posição homogénea, depen-
assuntos pessoais. O Definitório, o Abade ou o Prior dendo muito do carácter de quem presidisse aos
concedia as licenças. Tratava-se de uma questão destinos de cada convento e da congregação.
que dividia os diversos Abades Gerais que deram O permitido andava muito perto do transgredido
orientações diferentes ao longo dos triénios dos e vice - versa. Eram questões de disciplina e não
séculos XVII e XVIII. Como é evidente, os religiosos de natureza religiosa ou teológica. O que nuns con-
eram necessários nos serviços religiosos e no cum- ventos era tolerado noutros podia ser proibido, ra-
primento das horas canónicas, caso contrário, te- zão pela qual se procura alguma coerência nestas
riam que aceitar mais noviços para o cumprimento matérias:
do estipulado. Variou, sempre, entre quinze dias a • Possibilidade de darem passeios fora da clausura,
dois meses a concessão da ausência (A.D.B.- CI pelo menos, nos Mosteiros da Beira «…não sahirão
-191 – Leis da Junta Geral de 17/5/1757, fl. 17vs). Por em as casas grandes menos de 5 religiosos e nas
vezes, dava-se até mais tempo, se os mosteiros não pequenas menos de 3 com um prelado ou ancião
tivessem celas condignas ou estivessem em obras, do mosteiro…»2.
especialmente, na ala dos dormitórios. O normal • A música era entendida como um acompanha-
era a permissão de um mês, tal como consta de mento indispensável nos serviços religiosos mas,
uma carta expedida ao Geral da Congregação também, como instrumento de deleite e prazer.
pela Rainha D. Maria I, datada de 30/11/1777. Procurava-se, no entanto, que não fosse a música
• Direito a férias nas quintas da ordem, também de tocada pelos seculares (nem sempre conseguida)
duração variável, uma semana, um mês a dois me- «…e porque também parece alheio do estado reli-
gioso entregar a devertimentos proprios de secula- -191 – Leis da Junta Geral de 10/8/1755, fl. 161vs).
res… aos mais distrahidos mandarão…que nenhum • Critica-se, asperamente, os religiosos o irem ver e
religioso posa tocar viola, rabeca ou outro qualquer assistir a festas profanas tão impróprias como teatro
estromento dentro nos mosteiros, nem ainda nas e touradas, escandalizando os próprios seculares …
quintas aonde estiverem de recreação, excepto cujo erro suposto não possamos já remediar ao me-
cravo, manicordio, arpa e flauta…»3. nos para que no tempo futuro não sirva de exem-
• Permissão de jogos de cartas e de dados a dinhei- plo o passado…5.
ro até 200 reis (não jogarão mais nesse dia se per- Da mesma forma, a assistência médica e medica-
derem) no tempo das recreações, sempre fora da mentosa não era nada desprezível no contexto da
clausura, somente entre religiosos, sendo expres- época contribuindo para que a qualidade e a espe- 149
samente proibido jogarem com seculares e muito rança de vida dos religiosos fosse maior que o comum
menos a dinheiro (A.D.B. - CI -188…Leis da Junta da população (GÓMEZ GARCIA,1997:320-322).
Geral de 4/3/1748, fl. 134vs). Da mesma forma, Assim quase todos os mosteiros denominados ca-
eram permitidos aos monges depois de vésperas sas grandes tinham enfermaria recebendo religiosos
em alguns dias recrearem-se com o jogo da bola e doentes, velhos e achacados. A frente deste serviço
da laranjinha (A.D.B.- CI -188…Leis do Capítulo Ge- estava o Pe Enfermeiro, cuja importância cada vez
ral de 4/5/1744, fl. 115 vs). Proibidos eram os jogos mais se destacava, sobretudo, em Alcobaça, onde
denominados de parar (A.D.B. - CI -192 - Doc. 17 2 havia grande número de debilitados6. Tinha contabi-
- Leis do Capítulo Geral de 2/5/1778, fl. 11vs). lidade própria, havendo um livro de receitas e despe-
• Restrições a que nos mosteiros de religiosas se or- sas, recebendo dos Padres Bolseiros todas as verbas
ganizassem comédias, bailes, festas, teatros ou ou- necessárias para suportar todos encargos, incluindo
tras semelhantes distracções seja por impulso de pagamento de honorários do médico do partido, do
religiosas, criadas ou seculares «…quando suceder cirurgião e do sangrador. Era coadjuvado nas suas
haver alguma comedia de fora ou entremeses que tarefas diárias por 5 ou 6 moços dos mais jovens e
se queirão representar para as religiosas verem não capazes para ajudar os doentes. Em Alcobaça ha-
consentirão que seja na igreja…são so para o culto via uma média de assistência de um moço noviço
e veneração de Deos…»4 ou donato para 4 ou 5 religiosos doentes (A.D.B. CI
• Proibição, pelo direito canónico, dos religiosos ca- -188 – Leis da Junta Geral de 26/1/1732, fl. 54 vs). Os
çarem com armas de caça, cães e aves de rapina moços assistentes varriam as celas, faziam as camas,
por ser impróprio do seu estatuto, somente usar os lavavam as roupas e iam buscar água e azeite para
cajados contra os coelhos e andar atrás das lebres. alumiarem as candeias. Transportavam os doen-
Era aceitável usar armas e cães para guarda e vi- tes para onde fosse necessário incluindo o refeitório
gilância das quintas e gados da ordem (A.D.B. - CI onde tinham direito a refeições (comida separada)
diferentes e de melhor qualidade (A.D.B. CI -188 – Leis procurando sempre estar a botica mui provida dos
do Capítulo Geral de 4/5/1744, fl.111). Ao Padre En- simples e mais mezinhas necessarias as necessidades
fermeiro estavam-lhe atribuídas tarefas de chefia e e enfermidades que sobrevierem aos religiosos fazen-
organização do serviço. Recebia e acompanhava do e mandando fazer as agoas estilladas, emxaropes,
o abade, o médico, o cirurgião, o sangrador, o bo- perolas, receituários e mais compostos de que se usa
ticário, o barbeiro nas suas visitas aos doentes, que pedindo pera isso ao prelado que bem o saiba fazer
se pretendiam diárias. Tomava bem nota das mezi- quando a casa o não houver…7. Como os remédios
nhas e xaropes a dar aos doentes, suas quantidades, se estragavam facilmente, e era necessário repor sto-
sem qualquer engano e verificaria se os mesmos as cks, fazendo-os de novo, muitas vezes distribuíam-se
150 tomavam. Entrava na cozinha para assegurar a boa os excedentes pelos pobres que deles necessitassem
qualidade dos alimentos e temperos tanto ao jantar ou então como acontecia em Alcobaça uma parte
como à ceia. Asseguraria que os moribundos rece- eram vendidos, sendo as receitas utilizadas depois de
bessem a tempo os sacramentos, avisando os religio- pagar as despesas para o ornato das capelas-mores
sos da ocorrência (A.D.B. CI -188- Leis da Junta Geral e para a livraria (A.D.B.- CI -191…Leis da Junta Geral
de 26/10/1746, fl.125). de 3/10/1758, fl.177). Tinha livro próprio de receita e
Ligada à enfermaria estava a botica estando à despesa, sinal evidente de autonomia em relação ao
frente o Padre Boticário. Tinha a responsabilidade de serviço anterior.
dar resposta ao receituário prescrito pelos médicos. Relacionado ainda, com questões de saúde e de-
Os mosteiros de Alcobaça e Bouro tiveram botica pendendo do parecer do médico e do abade ou
desde muito cedo, sendo famosa a da casa mãe abadessa os religiosos podiam ir a banhos de mar ou
dos cistercienses que de resto, tinha contabilidade às caldas ou ainda a outras quaisquer termas (A.D.B.
separada da enfermaria (NATIVIDADE, 1885:135-139). - CI -192…Leis da Junta Geral de 19/6/1781, fl. 3 vs).
Salzedas e Tarouca, ao que parece, só alcançariam Alcobaça por uma questão de poupança preferia
esse desiderato a partir da segunda metade do sé- que os religiosos necessitados de banhos de mar fos-
culo XVIII, dado que ainda em 1758 se pedia um sem para S. Martinho ou para a Pederneira, os outros
boticário a Alcobaça que tinha três, podendo dispo- doentes fossem para as Caldas da Rainha e em últi-
nibilizar um (A.D.B.- CI -191… Leis da Junta Geral de mo caso para outras estâncias termais. Aos primeiros,
3/10/1758, fl.177). O boticário deveria ser uma pessoa atribuíam-se apenas rações e pitanças por a congre-
caridosa para lidar com os doentes, fosse bom de ci- gação dispor de quintas na região para receber os
ência ou tivesse experiência de botica e teria …uma monges, aos segundos pagava o arrendamento das
taboa com as receitas que devem dar a cada do- casas até 9 600 reis e uma diária a cada monge de
ente nam se fiando nunca de sua memoria pois he 240 reis até ao máximo de um mês, os últimos resol-
cousa de tanta importancia a saude dos religiosos… ver-se-ia caso a caso (A.D.B. - CI -192, Leis da Junta
Geral de 22/11/1790, fl. 2). Como as despesas eram religioso, doutrinal e espiritual. Com o passar dos anos
muitas os religiosos que tivessem um pecúlio superior a preocupação maior e que ocupava mais tempo
36 mil euros, o mosteiro só pagaria parte das despe- aos religiosos era o estudo. Com o tempo esboça-se
sas, os outros com menos capacidade económica uma hierarquia nos mosteiros, baseada no grau de
teria de ser financiado pelo comum do convento da instrução que cada religioso conseguisse alcançar,
sua proveniência (A.D.B.- CI -189…Leis da Junta Geral cumprindo uma das determinações do Concilio de
de 6/5/1785, fl. 80). Bouro utilizava as quintas e gran- Trento, que era tudo fazer para alcançar uma melhor
jas que tinha em Terras de Bouro como suporte aos preparação doutrinária e teológica do clero secu-
religiosos que iam a termas às Caldas do Gerês. Para lar e regular. Não era o critério único de ascensão,
evitar estadias demasiado prolongadas, convívio mas sem dúvida, um dos mais seguros e o que abria 151
com seculares e para evitar escândalos e divertimen- a porta a cargos mais importantes da Congregação
tos, os religiosos deviam ir em grupo acompanhados como; Abade e Prior, Geral e Conventual, Procura-
de um religioso responsável nomeado pelo abade dor, Visitador, Definidor ou, mesmo fora da Ordem,
(A.D.B.- CI -189…Leis da Junta Geral de 6/5/1785, fl. como; Professor, Cronista, Bispo, Juiz do Santo Ofício
80 vs.). etc…Pelo desempenho destes cargos, havia uma re-
muneração, que era proporcional à função ocupa-
CONCLUSÃO. Os monges tinham na época mo- da e que se encontrava regulamentada. Procurava-
derna uma jornada diária muito preenchida com se desta forma pragmática, tornar mais atractiva a
orações, rezas e missas às quais se procurava a mo- função de religioso conventual. A somar a estes emo-
bilização da comunidade. Os mais consagrados e lumentos, temos um conjunto de práticas, regalias,
preparados ajudavam ainda o D. Abade no exer- «direitos» sociais não negligenciáveis e em certa me-
cício de determinadas tarefas de natureza adminis- dida, verdadeiramente, antecipadores como; assis-
trativa e espiritual. Durante o dia havia tempo para tência gratuita na doença, medicamentos, licenças,
três refeições e um passeio a meio da tarde ou em ida a banhos, estância em quintas da ordem etc...
alternativa a leitura de um determinado livro de cariz

1. Por exemplo, a Sexta e a Noa poderiam seguir-se à missa principal. As Completas poderiam ser rezadas ao fim da tarde antes do início da ceia. Os testemunhos
falam ainda de Canonicas, Matinas e Laudes que seriam rezadas antes das Completas e ainda Graças e Meridianas (antes da Noa). Sobre o assunto consulte
ainda: A.D.B. - CI - 188 – Leis que se fizeram em Capítulos e Juntas Gerais, (1708- 1749). In Leis da Junta Geral de 5/4/1728, fl.43.
2. A.D.B. - CI -192 - Capítulos Gerais. Docs. 10 a 23. Século XVII - 1828. In Doc. 21 5 - Leis da Junta Geral de 2/5/1778, fl. 1.
3. A.D.B. - CI -188 – Leis que se fizeram em Capítulos e Juntas Gerais, (1708- 1749).In Leis da Junta Geral de 4/3/1748, fl. 134vs.
4. A.D.B.- CI - 187 – Leis que se fizeram no Capítulo Geral 1663- (1705). In Leis da Junta Geral de 2/5/ 1688, fl. 27vs.
5. A.D.B. - CI -192 - Capítulos Gerais. Docs. 10 a 23. Século XVII - 1828. In Doc. 14 1 - Leis da Junta Geral de 8/11/1760, fl. 8.
6. B.N. R. – COD. 1482 – Regulamento da Pitanças, fl.138-156. In FIGUEIREDO, Fr. Manoel de - Memórias para formar a Historia de Comarca de Alcobaça,«…o que
catholicamente desempenhar esta obrigação tem muito merecimento porque não há objectos de que mais fujamos naturalmente que dos indivíduos da
mesma espécie a que a doença aflige, e a molestia atormenta; athe Deus os separa do mundo dos vivos. Este official atura, sofre impertinentes, só ajuda a
bem morrer os criados e moribundos…costumam darlhe 4000 a 4800 reis pelo que em futuro regulamento deve ser o mais attendido….».
7. T.T. - ALC. – B – 50 – 198 – Livro dos usos antigos das cerimónias e louvaveis costumes da Ordem Cisterciense ainda que já alteradas no anno de 1630, escrito
por Fr. António de Lisboa, fl. 74.
018 SÉCULO XIX
MOSTEIROS DE S. JOÃO DE TAROUCA, SANTA MARIA DE SALZEDAS,
S. PEDRO DAS ÁGUIAS, SANTA MARIA DE AGUIAR, SANTA MARIA DE
AROUCA E NOSSA SENHORA DA ASSUNÇÃO DE TABOSA.

O DECRETO DE
EXTINÇÃO DAS ORDENS
RELIGIOSAS: IMPACTO
NOS MOSTEIROS
CISTERCIENSES DO
DOURO CÉLIA TABORDA
A vitória liberal, em 1834, abriu caminho para a ordens religiosas. Pelo decreto de 28 de Maio de 1834,
grande transformação política, económica, social e publicado a 30 de Maio, foram extintos todos os con-
religiosa que ocorreu no período de instauração do ventos, mosteiros, hospícios e todas as casas religiosas
liberalismo e que impulsionou a modernização de masculinas, sendo nacionalizados todos os seus bens.
Portugal. As casas femininas mantiveram-se até morrer a últi-
Nesse processo, várias medidas legislativas foram ma freira, altura em que os seus bens foram integra-
promulgadas, entre elas, o decreto de extinção das dos no erário público. Só os objetos sagrados ficaram

 Figura 1 | Dormitório do mosteiro de São João de Tarouca (2010). Foto Pedro Martins © DRCN

153
de fora. Estes foram entregues aos bispos para os dis- justificação incluía causas que iam da ideologia à
tribuírem pelas igrejas mais pobres (Decreto de 30 de política, passando pela economia, moral e pela pró-
maio de 1834 apud REBELLO, 1896:54-55). pria religião. Os argumentos baseavam-se em certos
Joaquim António de Aguiar, ministro e secretário de factos, como: pregarem contra a liberdade, utilizan-
Estado dos Negócios Eclesiásticos e da Justiça de D. do os púlpitos para caluniar e o confessionário para
Pedro, foi o mentor da referida lei. Este decreto veio trair; substituírem os bispos e párocos junto das po-
responder ao racionalismo liberal, profundamente pulações, levando-as a afastarem-se do verdadeiro
anticlerical, sobretudo em relação ao clero regular, evangelho e a enveredar pela superstição; impedi-
pela sua existência ser considerada incompatível rem, enquanto celibatários e corpos de mão-morta,
154 com o avanço civilizacional. o desenvolvimento das atividades económicas e
Este diploma foi precedido de um relatório onde consequentemente o aumento das finanças do Esta-
se explicavam as razões de tão drástica medida. A do (SILVA, 1989: 12, 13).

 Figura 2 | Claustro de Salzedas (2010). Foto Pedro Martins © DRCN

Figura 3 | Sala do capítulo do mosteiro de Santa Maria de Aguiar. Foto Pedro Martins © DRCN 
A única solução possível para o ministro foi extinguir Maria de Aguiar (figura 3). Os femininos, S. Pedro e S
«esses enormes corpos que Jesus Cristo não criou» e .Paulo de Arouca e Nossa Senhora da Assunção de
que eram perniciosos à sociedade. Na verdade, Tabosa (figura 4) foram extintos com a morte da últi-
o decreto tinha objetivos terrenos mais prementes. ma freira. O primeiro em 1886 e o segundo em 1850.
Com esta lei, os liberais tentavam salvaguardar o re- Após a publicação do decreto, os monges durien-
gime e a estabilidade das novas instituições expur- ses tiveram que abandonar os respetivos mosteiros
gando um inimigo político. Em simultâneo, pensavam (cat. 19). Despojados das suas casas, estes regulares
evitar o descalabro financeiro com as vendas dos ficaram à mercê da sorte, da caridade alheia ou
bens expropriados. do subsídio estatal. Com efeito, pelo mesmo docu-
No Douro, este diploma extinguiu os mosteiros mas- mento, o Governo comprometia-se a pagar pensões 155
culinos de S. João de Tarouca (figura 1), Santa Maria anuais para a sustentação dos frades e monges, mas
de Salzedas (figura 2), S. Pedro das Águias e Santa apenas para os que não tivessem servido no cam-

 Figura 4 |Mosteiro de Nossa Senhora da Assunção de Tabosa. Foto Pedro Martins © DRCN
po miguelista (SILVA, 1989: 12, 13). Por conseguinte, Ao redistribuir a terra, surgiria uma nova classe de
ficaram excluídos do benefício: 1º- os religiosos que proprietários que iria defender o sistema que lhes pro-
tomaram armas contra o trono legítimo, ou contra porcionou o acesso à propriedade, alargando, desta
a liberdade nacional. 2º - Os que em favor da usur- forma, os liberais, a sua base de apoio. Além disso,
pação abusaram do seu ministério no confessioná- com a desamortização tentavam resolver, ou pelo
rio ou no púlpito. 3º - Os que aceitaram benefício ou menos atenuar, o problema da dívida pública (SILVA,
emprego do governo do usurpador. 4º - Os que de- 1989: 11-14). As consequências que daqui advieram
nunciaram ou perseguiram duramente os seus conci- foram polémicas, por se ter considerado que não se
dadãos por seus sentimentos de fidelidade ao trono preveniram devidamente os efeitos daí decorrentes,
156 legítimo e adesão à carta constitucional. 5º - Os que o destino das pessoas e dos bens.
acompanharam as tropas do usurpador. 6º - Os que Em todos os mosteiros da região duriense o proces-
no ato do restabelecimento da autoridade da rainha so de expropriação foi semelhante e célere. Entre os
ou depois dele nas terras onde residiam abandona- meses de Julho e Agosto, deslocou-se a cada um dos
ram os seus conventos, mosteiros, hospícios ou casas mosteiros um representante do Estado, geralmente
respetivas (A.N/T.T, A.H.M.F, mosteiro de Santa Maria um juiz de fora e um escrivão, e coadjuvado por um
de Aguiar, nº3, cx.2191). abade ou algum monge residente procederam ao
De qualquer forma, mesmo os que foram contem- inventário dos bens de cada casa. É de referir que
plados com o benefício ficaram igualmente reduzi- só em Santa Maria de Aguiar é que foi o abade a
dos à miséria. A pensão raramente era paga no de- auxiliar as autoridades liberais.
vido tempo e na quantia estipulada, sendo o valor Depois de avaliado, o vasto património monástico
tão irrisório que mal dava para os ex-monges sobre- foi arrendado ou vendido de imediato. No caso de
viverem. Salzedas, a Cerca foi arrendada a um ex-monge do
É a fase mais radical do constitucionalismo para a mosteiro, Fr. Pedro de Santa Ana, pela quantia de
integração do aparelho religioso no sistema político. 24.000 réis por ano. Outro ex-monge da mesma co-
Sob o pretexto do envolvimento dos monges na luta munidade também aparece nos documentos como
antiliberal1, evocando a legitimidade do cristianismo arrendatário de umas casas e hortas, pelas quais pa-
primitivo (onde não existiam estes corpos) e as «lu- gava 9.600 réis por ano (A.N/T.T., A.H.M.F. Mosteiro de
zes do século», foram suprimidos, de uma só vez, 356 Santa Maria de Salzedas, cx.2249.).
conventos masculinos e 12 femininos e integrados no Os edifícios foram colocados à venda. Tarouca
erário público cerca de 15.000 contos de réis (SILVA, rendeu 72 contos (figura 5) e oitenta mil réis (A.N/T.T.,
1993: 341). A.H.M.F. Mosteiro de S.João de Tarouca, cx.2255.);
Esta legislação, para além das razões aduzidas, Salzedas, devido ao fogo que quase o consumiu (SIL-
inseria-se numa estratégia estrutural de mudança. VA, 2007: 225-229), foi vendido às parcelas; Santa Ma-
ria de Aguiar, como não foi logo vendido (apenas em entanto, muita informação ardeu juntamente com a
1844), deteriorou-se e desvalorizou-se, arrecadando documentação destas Casas. Em 1841, os arquivos
o Estado apenas 6 contos e seiscentos mil réis por este dos cistercienses do Douro, que estavam depositados
imóvel (BORGES, 1997:307). em Viseu, foram consumidos pelo fogo, dificultando,
Pelos documentos e vestígios que chegaram até assim, a reconstituição da história destes mosteiros
nós só se observam efeitos nefastos do decreto de durienses e da própria ordem de Cister.
28 de Maio para os mosteiros do Douro (cat. 20). No

157

1. Os liberais consideravam que os mosteiros tinham sido convertidos «em assembleias revolucionárias; os púlpitos em tribunais de calúnias facciosas sanguinolen-
tas; e o confessionário em oráculos de fanatismo e de traição» (REBELLO, 1896:51).
019 SÉCULO XIX (1879)
MOSTEIROS DE SÃO JOÃO DE TAROUCA E
NOSSA SENHORA DA ASSUNÇÃO DE TABOSA

O ROMANTISMO
LITERÁRIO E OS
MOSTEIROS
CISTERCIENSES DO
DOURO: UMA VOZ
FEMININA ENTRE RUÍNAS. NUNO RESENDE
Faz horror contemplar estes edifícios tão magestosos, tão vastos e tão sólidos assim mutilados, esboroados e destruídos!
Maria do Pilar Bandeira M. Osório, 1879

159
A figura de D. Maria do Pilar Bandeira Monteiro Embora o catálogo da Biblioteca Nacional de Por-
Osório é praticamente desconhecida no panorama tugal apenas indique um único título assinado por
das letras portuguesas. No entanto o conjunto da sua D. Maria do Pilar – A secular do Convento de Barrô,
obra identificada concede-lhe algum relevo no con- editado em 1882 – a sua obra compõe-se de, pelo
texto de produção literária fora dos grandes meios menos, mais quatro romances publicados: Lágrimas
intelectuais do Portugal de oitocentos. e Saudades (1872)1, Uma família que viveu no seculo
Nascida em Cárquere (c. Resende), em 1844, filha passado (1879), A filha do Povo (1892)2 e As duas mu-
do juiz António Bandeira Monteiro Subágua e Vas- lheres (data de publicação desconhecida)3. Disper-
concelos, fidalgo miguelista, literato, e de D. Joaqui- sos pelo periodismo da época encontram-se, ainda,
na Emília, ambos de famílias beirãs, a autora cresceu vários artigos e crónicas que manifestam os principais
e viveu entre Cinfães, de onde provinha a sua ascen- interesses da escritora: a história, o património, a pai-
dência materna e Britiande (c. Lamego), onde casou sagem e a natureza na geografia do Douro seten-
(MELO, 1992: 73-74 e PINTO, 1985: 102-103). Conhece- trional. Em 1872 escreveu para o Novo Almanach de
dora da geografia física e social da região, por via Lembranças Luso-Brazileiro dois artigos, um intitulado
dos vínculos consanguíneos e afinitivos que a posi- O crepúsculo da manhã (OSÓRIO, 1872b), e outro
cionavam no centro das relações linhagísticas de um versando a história do Convento de Santo António
vasto conjunto de casas senhoriais locais, D. Maria do de Ferreirim (OSÓRIO, 1872a), onde explora a curiosi-
Pilar produziu uma obra considerável dentro do gé- dade arqueológica sobre as ruínas à sua vista (a au-
nero do romance. Ainda que com certeza destinada tora estanciava em Britiande, na casa de São Bento).
a um casamento de conveniência e circunscrita aos Efectivamente embora a sua escrita seja, do ponto
limites domésticos da sua família, D. Maria Pilar trilhou de vista narrativo, de consistência romântica – quer
um percurso ao seu tempo mais frequentemente des- nos tópicos, quer na construção psicológica e física
tinado aos homens. das personagens – a sua busca pela objectividade
descritiva dos edifícios e dos lugares (frequentemen- Na primeira história que ocupa a primeira parte do
te colhida em fontes históricas) revela a uma sensibi- romance, a escritora descreve o amor impossível de
lidade naturalista4. D. Leonor de Menezes e de Francisco Amaral, noviço
Essa característica sobressai no romance Uma fa- de São João de Tarouca, cuja acção se desenrola
5
mília que viveu no seculo passado (OSÓRIO, 1879) . pelos ainda vivos e poderosos edifícios monásticos
Editado no Porto em 1879, narra a vivência de uma cistercienses a sul do Douro – instituto masculino onde
família nobre de Tarouca, centrando-se na infortu- acontece o amor entre as referidas personagens e
nada vida amorosa das filhas de Álvaro de Menezes uma casa feminina, para onde segue a malograda
e de Filipa Osório. A acção desenrola-se a partir da Leonor, vergada à autoridade paterna.
160 vila de Tarouca, mas estende-se ao mosteiro de São Para além da descrição dos espaços (mosteiro de
João, ao convento de Tabosa e à vila de Linhares São João, cap. IV; Tabosa, cap. XXII), das práticas
(junto à da serra da Estrela), percorrendo as vicissitu- nele desenroladas (como os ofícios da Semana San-
des de um conjunto de relações sentimentais, sujeitas ta na igreja de São João, capítulo V) e dos indivíduos
à luz do direito e da moralidade vigente. e funções a eles afectos (a cultura dos frades bernar-

 Figura 1 | Frontispício da obra Uma familia que viveu no


dos, p. 21, a origem nobre dos monges, p. 23, etc.ª) D.
seculo passado, de D. Maria do Pilar (1879). Colecção Nuno Maria do Pilar discorre na descrição histórica e visual
Resende
do local à data da redacção propondo compara-
ções entre o Passado e um Presente que a autora
bem conheceu. Embora não siga uma linha apolo- informes, que estão ahi como que para darem tes-
gética da cultura fradesca, D. Maria do Pilar (de que temunho ás gerações vindouras, de que o anjo da
a autora claramente se demarca ao longo da nar- destruição passou sobre aquella casa, porque ás vir-
rativa) não deixa de acentuar, em tom melancólico tudes primitivas succederam ahi os abusos e as ini-
e de queixume, o estado dos edifícios religiosos no quidades!
rescaldo dos decretos liberais (cat. 18): Resta também o claustro com as suas sepulturas
Em 1834 esta casa soffreu a sorte das outras casas profanadas, aonde se divisam alguns farrapos e algu-
religiosas; á voz da autoridade os monges sahiram mas cabeças, nas quaes havia apenas um circulo de
para a rua, grutescamente vestidos, porque foram in- cabelo, mas em cujos craneos haveriam talvez bem
timados para trajarem prontamente vestidos secula- nobres pensamentos (OSÓRIO, 1879: 28). 161
res e eles não os tinham; embrulharam-se pois como Oscilando entre a ideia da decadência que na opi-
poderam e vieram vaguear no mundo como uma nião pública liberal justificara a extinção das ordens e
horda de saltimbancos, cuja pátria é desconhecida. o esvaziamento das suas casas monásticas, e a glória
O mosteiro foi entregue á acção selvagem, que e poder das mesmas, a autora disserta sobre a força
n’esses tempos tudo empolgou e destruiu. O que ha- visual das ruínas como exemplo moral social. Este dis-
via no convento de rico e de bom, e que mãos de curso sobre o ruínismo é, de resto, compartilhado por
homem podessem mover, foi arrombado, quebrado, vários autores contemporâneos, entre os quais se des-
arrancado e detsruido. Os moveis, as madeiras, as te- taca Alexandre Herculano, que encontrou nas ruínas
lhas, o ferro, tudo, tudo! Que cousa feroz é a ignorân- de becos tortuosos de Lisboa a justificação para a
cia, que cousa medonha é a cubiça! redacção de O Monasticon publicado em fascículos
Faz horror contemplar estes edifícios tão magesto- na revista Panorama a partir de 1841 (HERCULANO,
sos, tão vastos e tão sólidos assim mutilados, esboro- 1977).
ados e destruídos! Ah! A mão do homem não é assás O elogio do monaquismo e da ruína – sendo esta
forte, e o sopro da tempestade assás violento para arquitectónica ou palimpséstica – é recorrente na
obrarem taes prodígios de devastação; o anathema obra de Alexandre. Não obstante o seu pensamento
que cahiu sobre a cidade peccadora e a condem- anticlerical, Herculano deixou-se enlevar pelo signifi-
nou a não lhe ficar pedra sobre pedra, parece que cado histórico e social do monge e pelos testemunhos
se estendeu a estas casas, cujas iniquidades infiorngi- da sua presença no território, nomeadamente contra
ram as leis da eterna justiça! (OSÓRIO, 1879: 19). uma estética do vazio que o liberalismo logrou plan-
No capítulo VIII a autora regressa às ruínas, pergun- tar na paisagem oitocentista. Dividido entre o sentido
tando: O que foi feito de tantas grandezas e de tan- de dever no cumprimento do avanço ideológico li-
tas magificencias? E responde: beral e a incapacidade de obstar à campanha ico-
Umas poucas de ruínas, umas poucas de pedras noclasta do movimento a que pertencia, Herculano

 Figura 2 | Ruínas do mosteiro de S. João de Tarouca: Reprodução de Bilhete postal ilustrado (não datado). Colecção Nuno Resende
procurou na história do monaquismo português ele- através escrita o que mais tarde virá a ser feito pela
mentos para a reabilitação cultural (e até espiritual) fotografia: a inevitabilidade estética da ruína (figura
do país, numa época que procurava num tempo dis- 2). A questão não era, porém, meramente da ordem
tante o que a contemporaneidade, ainda lembrada da arquitectura. A ruína ideológica assume frequen-
do Barroco, não podia fixar como modelo. temente como tópico na escrita da época. Leite de
Esta exaltação da ruína e a busca pela vivificação Vasconcelos chega a desculpar-se:
da mesma é transversal ao pensamento do século […] não quero parecer louvaminheiro ou pane-
XIX e constitui um dos tópicos mais expressivos da gerista dos frades, quero unicamente prestar culto à
obra de D. Maria Pilar. É-lhe próxima, aliás, através verdade […] se por um lado S. João de Tarouca mui-
162 das obras monográficas de J. Leite de Vasconcelos to perdeu com a retirada dos seus religiosos, adquiriu
e do Abade Vasco Moreira (cat. 19) que enfatizam por outro lado um bem […] assim que as portas do

 Figura 3 | Fachada do mosteiro de Nossa Senhora da Assunção de Tabosa. Foto Pedro Martins © DRCN
mosteiro se cerraram, e para sempre, os mandriões para onde seguiam mulheres cujo destino estava tra-
que em S. João viviam da sôpa conventual, ou d’ela çado pela legislação e pelo costume. Ali viviam as
muito se aproveitavam, começaram com a enxada senhoras Rebellos que a condição de filhas últimas
e com o picaveque, a arrotear as moitas […] (VAS- de uma casa de Britiande sequestrara do mundo em
CONCELOS, 1933: 434). Tabosa. E é sobretudo nestes quadros, os da descri-
A sensibilidade de D. Maria do Pilar em relação às ção da vida social, das práticas e dos estigmas que
solitárias e arruinadas casas monásticas da região de D. Maria do Pilar acrescenta mais expressividade aos
Lamego (veja-se o convento de Barrô, tratado pela locais que com rigor descreve. A profissão da angus-
autora em obra de 1882) revela menos a aceitação tiada noviça Helena em Tabosa (cap. XXIX) ou, já na
pelo modelo de viva eclesiástica (de que as suas per- segunda parte do romance, a história do enjeitado 163
sonagens são prisioneiras) e mais o elogio pela força e pobre Jacinto (afinal filho de um nobre da vila de
imagética dos edifícios, descritos como elementos Linhares) ou ainda a notável dissertação sobre os
basilares de uma certa paisagem civilizacional e até malefícios dos morgadios (cap. XXII) constituem va-
moralizadora.. liosos elementos que constituem parte da gramática
Em Tabosa, destino de D. Leonor, a escritora des- realista que marcam a literatura portuguesa de final
creve a solidão do lugar em terreno montanhoso e de oitocentos.
frio […] sitio ermo para que as orações das monjas D. Maria do Pilar Bandeira Monteiro Osório faleceu
não fossem perturbadas pelas vozes do mundo (OSÓ- em Britiande, a 15 de Outubro de 1887.
RIO, 1879: 19), assinalando assim a qualidade do sítio,

1. Não localizámos em qualquer acervo bibliográfico esta obra. Pinho Leal cita-a no oitavo volume do seu Portugal Antigo e Moderno, a propósito de Quarquere
(LEAL, 1878: 7) e Joaquim Caetano Pinto resume a sua acção, indicando 1872 como ano da sua publicação (PINTO, 1985: 102-103).Este autor possuía um
exemplar que indica no catálogo bibliográfico de Resende nas Letras: Lagrimas e saudades, 166x118 mm e 160 pp., Tipografia do «Jornal do Porto», Rua Ferreira
Borges, 31, Porto, 1872 (PINTO, 1985: 35).
2. Foi, segundo Joaquim Caetano PINTO (1985: 103) publicação póstuma a cargo do filho adoptivo de D. Maria do Pilar (Vasco Maria Osório, a quem a autora
dedicou o romance Uma família que viveu no seculo passado). Foi editada em Lamego: A Filha do Povo, 195x124 mm e 164 pp., edição póstuma, Minerva da
Loja Vermelha, Rua de Almacave 103/105, Lamego, 1892 (PINTO, 1985: 35, 103).
3. Não conhecemos qualquer referência editorial sobre esta obra.
4. A única análise à sua obra é a que faz Joaquim Caetano Pinto. Este, que foi seu biógrafo em Resende nas Letras, assinala que Maria do Pilar floresceu em ple-
na escola romântica e faz lembrar Júlio Dinis pelos seus romances passados na aldeia, descrevendo cenários, costumes, antiguidades e lendas do povo. São
dispersivos, entretecidos de várias paixões amorosas, mas a sua prosa, atraente e correcta, tem estilo e carácter. (PINTO, 1985: 102). Nesta publicação o autor
transcreve excertos de A filha do povo e Lagrimas e Saudades (apud PINTO, 1985: 169-177).
5. Utilizámos uma edição encadernada em Miscelânea com A Secular do Convento de Barrô, da mesma autora, e Os Frades, de João de Lemos, cujo volume,
hoje na nossa propriedade, integrou a biblioteca Pedro A. Ferreira, abade de Miragaia.
020 SÉCULO XX
MOSTEIRO DE SÃO JOÃO DE TAROUCA

S. JOÃO DE TAROUCA:
AS RUÍNAS DO MOSTEIRO
(CLICHÉ E SIMILI-
GRAVURA DE MARQUES
ABREU)
MARIA LEONOR BOTELHO
S. João de Tarouca, 1910. Assim se data um curioso e dos grandes fotógrafos de arte como Carlos Relvas
artigo que o Abade Vasco Moreira assinou na rúbrica (1838-1894), Emílio Bïel (1838-1915), José Antunes Mar-
«Portugal Pittoresco» da revista Arte: Archivo de Obras ques Abreu (1879-1958), Domingos Alvão (1872-1946)
de Arte (MOREIRA: 1910, 8). Redigido e assinado no ou Guilherme Bonfim Barreiros (1894-1973). Entre nós,
ano em que se implantou a República, este texto tão foi na transição do século XIX para o século XX que se
peculiar apenas conheceu o prelo em Janeiro do ano sentiram os mais significativos progressos ao nível da
seguinte e recebeu o título de «Ruínas (S. João de Ta- arte da fotografia que, pela ação da luz, fixa a ima-
rouca)». gem de pessoas ou cousas sobre placa metallica, pa-
Consagrada nos dias de hoje, a ilustração assume- pel, vidro (ABREU: 1904, 4). Impera então uma fotogra-
se como uma ferramenta fundamental para o estudo fia de tendência artística - ela própria uma forma de 165
e para a divulgação dos objetos artísticos e do patri- arte -, onde o objeto artístico, ou seja, o monumento
mónio edificado. Nas publicações atentas aos monu- é tratado com contornos algo subjetivos, ao modo de
mentos (figura 1), identifica-se um momento inicial no personagem retratada.
qual a ilustração surge sob a forma de gravuras isola- A revista Arte, publicada entre 1905-1912, veio pre-
das, entre páginas de texto, a que se segue um outro, encher uma lacuna até então existente no jornalismo
já a partir dos finais dos anos sessenta do século XIX e portuense (e talvez nacional), sendo considerada dig-
onde se manifesta um novo alento dado pela foto- na de figurar nas melhores bibliotecas, porque as en-
grafia (ROSAS: 1996, I). Depois, temos a era dos clichés riquece ([S.a].: 1906). Publicação mensal, a Arte teve

 Figura 1 | Mosteiro de São João de Tarouca (2014). Foto Pedro Martins © DRCN
por fim a promoção, defesa, divulgação e sensibiliza- através da qual se procura motivar o respeito ou de-
ção para um património arquitetónico específico (o nunciar o vandalismo (BORGES: 2013, 21). Apesar da
românico) que, com fins pedagógicos (figura 2), é arti- beleza e da crítica tão favorável que acolheu à épo-
culado com a forte carga fotográfica nelas presentes ca (BORGES: 2013 e BOTELHO: 2013), a fotografia de
(BORGES: 2013, 20). Foi cada vez maior o papel assu- Marques Abreu procuraria representar o real, credível,
mido pelos estudos de Património monumental, pre- do registo, relacionando diretamente as imagens e as
texto para que Marques Abreu iniciasse um percurso coisas (BORGES: 2013, 22).
de defesa e divulgação do património e que fizesse Ora, no número da revista Arte que foi publicado
da Arte um palco de experiências e procedimentos em Janeiro de 1911, ao texto que o Abade Vasco Mo-
166 que lhe seriam muito úteis posteriormente (BORGES: reira intitula de «Ruínas (S. João de Tarouca)», associa-
2013, 262), em publicações como a Ilustração Moder- se um cliché e simili-gravura de Marques de Abreu, o
na (1926-1932). documentador (BORGES: 2013, 23), intitulada de «S.
Já nesta época identifica-se em Marques de Abreu João de Tarouca – Ruínas do Mosteiro» (figura 1). Nela,
aquilo a que Pedro Aboim chamou de fotografia «en- um conjunto de silhares amontoam-se diante das ru-
gagé», empenhada, ou seja, a fotografia documento ínas daquilo que seria a sala do capítulo e, d’um e

 Figura 2 | Ruínas do mosteiro de São João de Tarouca. Sala do Capítulo (cliché de Marques Abreu, 1911)

Figura 3 | Ruínas do mosteiro de São João de Tarouca. Claustro de século XVII (cliché de Marques de Abreu, 1911)

outro lado lado, vêm-se as parêdes meio caídas, co- entre a nossa realidade e a francesa pós-revolucio-
roádas de ervas e musgo, enquanto que num primeiro nária. Chateaubriand procurara justificar a importân-
plano, à esquerda, levanta-se melancólica, uma das cia da arquitetura medieval enquanto sinónimo de
quatro colunas que ladeavam o nóbre claustro (MO- Catolicismo, numa evidente tentativa de defesa do
REIRA: 1911, 8). património religioso perante as destruições e vandalis-
Logo de início, é feita uma alusão às espécies que mos de que foi alvo durante os tempos da Revolução
François-René de Chateaubriand (1768-1848) identifi- (BOTELHO: 2013, 56). Num outro contexto, e num outro
cou nas ruínas, uma, obra do tempo; e por isso menos tempo, o Abade Moreira alude à destruição ocorrida
desagradável (…) outra, obra do homem, sempre ra- aqui em 1908 e cujas solitárias ruínas lembram enterne-
dical e abruta; e por isso, mais melancólica e sombria cidamente os tempos idos, em que «virtude eroica os 167
na sua perspetiva (MOREIRA: 1911, 4). É nesta última ermos abitava» (MOREIRA: 1911, 6 e 9).
categoria que o Abade Moreira enquadra as ruínas Mais, o Abade Moreira descreve aquilo que terá sido
monásticas de São João de Tarouca: o braço umano a Sala do Capítulo, com as suas grandes janelas, dos
desfez, em mezes, o que gerações ergueram em se- seus colunélos, rendilhados, dos seus lindos frisos, bor-
culos (MOREIRA: 1911, 4). Note-se aqui um paralelismo dados de era, e do espaldar da cadeira do D. Abade,
desenhado, na parêde, a tinta vermelha como san-
gue (MOREIRA: 1911: 6). E continua explicando que ao
lado do refeitório era o açougue, com janelas estrei-
tas, voltadas para o rio, de elegante abóbada arte-
soada, e suspensa em arcos abatidos, apoiados em
enormes colunas, cujos capiteis e fustes eram de estilo
romanico (MOREIRA: 1911: 6).
Apesar do tom do discurso, tão romântico e apo-
logético da ruína, como pedagógico e criador de
sensibilidades em prol da salvaguarda de um patrimó-
nio perdido, é muito importante este testemunho de
quem era (ainda) Abade do Mosteiro de São João de
Tarouca, num momento imediatamente anterior à sua
destruição. Compreende-se, também, a publicação
deste artigo, peculiar, numa revista como a Arte, uti-
lizada por Marques Abreu, seu proprietário e gerente,
como plataforma divulgadora, «gratuita», do patrimó-
nio medieval português (BORGES: 2013: 262).

 Figura 4 | Ruínas do mosteiro de São João de Tarouca, torre sineira de século XVIII (2010).
Foto Pedro Martins © DRCN
021 (1921-23)
MOSTEIRO DE SANTA MARIA DE AROUCA

UM «CONVENTO» DE
CELULOIDE – SANTA
MARIA DE AROUCA NO
FILME MULHERES DA
BEIRA DE RINO LUPO
HUGO BARREIRA
Pensar um filme enquanto objeto passível de inte- esta deve ser encarada como exploratória, necessa-
grar uma mostra diversificada obriga, naturalmente, riamente parcelar, e propedêutica para um estudo
a um exercício de seleção criterioso da informação de maior profundidade a realizar futuramente. Assim,
a colocar na sua entrada de catálogo. Esta pode- focar-nos-emos na presença do mosteiro no filme de
ria seguir uma abordagem mais tradicional, conten- Rino Lupo, referindo outros aspetos na medida em
do uma sinopse, uma contextualização dos aspetos que se revelem necessários para a compreensão da-
de produção e receção do filme e as menções de quela ou que constituam novos dados sobre a obra.
responsabilidade e de interpretações principais. Não Para o estudo de Mulheres da Beira como fonte,
será, porém, a abordagem seguida neste texto. A procurámos compreender como foi criado este «con-
decisão de encarar o objeto fílmico de uma perspe- vento de celuloide», começando por esclarecer que 169
tiva particular assentou em dois fatores principais: em é como convento que o edifício aparece designado
primeiro lugar, Mulheres da Beira (1921-1923) foi já ob- no filme e no conto de Abel Botelho (1854-1917) da
jeto de diversas referências em obras que procuram qual é adaptado. Assim, é necessário perceber, em
traçar uma panorâmica da cinematografia portu- primeiro lugar, as referências ao mosteiro feitas pelo
guesa, está presente em bases de dados e, sobre- escritor para, em seguida, atentarmos na presença
tudo, foi parte integrante do aturado estudo sobre do mosteiro no filme e, posteriormente, analisar a
o seu realizador, o italiano Rino Lupo (1888-1934), da mesma.
responsabilidade de Tiago Baptista (BAPTISTA: 2008), A presença de Arouca na obra de Abel Botelho foi
que, pela sua qualidade e atualidade, serviu de re- já objeto de um estudo aprofundado por parte de
ferência para a nossa abordagem; por outro lado, o António Manuel S. P. Silva (SILVA, 1994), no qual são
objeto fílmico deve ser, neste texto, encarado como
uma materialização da fortuna crítica de uma ar-
quitetura cisterciense, o Mosteiro de Santa Maria de
Arouca, pelo que a presente entrada de catálogo o
abordará sobretudo como tal.
A partir desta dupla advertência, cabe questionar
o papel da cinematografia enquanto fonte para o
conhecimento de um objeto artístico, abordagem
que exige e tem como ponto de partida uma análise
crítica que tenha em consideração e problematize
os diversos aspetos em torno da criação do filme. As
limitações inerentes à natureza deste estudo condi-
cionaram a profundidade da abordagem, pelo que

Figura 1 | Fotograma da primeira aparição do Mosteiro no filme, visto pelos olhos de


Ana. Fonte: LUPO, Rino, Realiz. (1923) – Mulheres da Beira. Edição da Câmara Municipal
de Tabuaço (2005). 10’47’’. 
explorados os espaços selecionados pelo escritor, a O «convento» aparece assim inserido numa curta
maneira como este os descreve, entre a precisão e descrição que releva os aspetos sofisticados de Arou-
a idealização, e a relação de Abel Botelho com os ca, quando comparada com a Gondra, de onde
locais que figuram no seu conto Frecha da Mizarela, Ana, a infeliz protagonista do conto, é natural. Abel
publicado na coletânea Mulheres da Beira, cuja pri- Botelho não se alonga em descrições do edifício (SIL-
meira edição data de 1898. Tendo por base a primei- VA, 1994: 149), preferindo perder a mirada do leitor
ra e a segunda edição, de 1917, que à semelhança nos aspetos naturais das serras circunvizinhas, limitan-
das seguintes, apresenta ligeiras alterações ao conto do-se a esta menção, importante, todavia, por assi-
datado de Outubro de 1883, bem como o estudo nalar o modo como este se destacava no panorama
170 em epígrafe referido, não foi difícil perceber a breve da vila (cf. BOTELHO, 1917:12).
menção que do mosteiro é feita e que permanece Em Frecha da Mizarela, Abel Botelho narra as des-
inalterada em todas as versões: venturas de Ana, que vivia com seu pai numa mise-
A filha aceitou radiante a proposta da nova ocu- rável casa na aldeia de Gondra. Obrigada por este
pação. Ir ver Arouca e o seu convento! Que ventura! a vender pão, que iria buscar a Arouca, dá por si a
E depois, aquelas casas caiadas, com caixilhos de vi- percorrer as serranias rumo à vila, antevisão da tão
draça, e a estrada a macadame, alva como fita de desejada vida citadina que ambicionava encontrar
nastro, a ziguezaguear, a brilhar…(BOTELHO, 1917:12). no Porto. Sonhando com um desfecho que a afas-
 Figura 2 | “Era dia de festa em Arouca”. Fotograma da sequência, vendo-se a vila engalanada. Fonte: LUPO, Rino, Realiz. (1923) – Mulheres da Beira. Edição da Câmara Municipal de
Tabuaço (2005). 17’48’’.
tasse da rudeza do pai e do campo, fica indiferente compromissos já assumidos e o elevado volume de
aos protestos de amor do pastor André e, em Arou- trabalho poderão explicar a contratação de um des-
ca, cede aos avanços do Fidalgo da Mó. A «funesta conhecido, ao qual é entregue a realização de uma
ambição»1 de Ana depressa se revela na sua ver- adaptação do conto de Abel Botelho, que deveria
dadeira dimensão quando, grávida e abandonada ser rodada e montada até Outubro do mesmo ano
pelo Fidalgo, se depara com um André furioso ao re- (cf. BAPTISTA, 2008: 88). Os pormenores do processo
conhecer a sua condição. Os ermos da Freita anun- e da própria adaptação são apenas razoavelmente
ciam um previsível desfecho, que parece atenuado conhecidos, mas é possível perceber um pouco do
pelo reencontro com o pastor, já completamente dis- modus operandi de Lupo através de uma entrevista
posto a perdoar o passado. Incapaz, porém, de lidar concedida à Cine Revista em Novembro de 19212. 171
com a sua situação, e contemplando a Frecha da Nela, o italiano não só refere como o impressionaram
Mizarela, Ana despede-se de André, abandonando- as paisagens portuguesas, como também deixa en-
se a uma morte que a orografia propiciava. trever alguns aspetos relacionados com a receção
Demorando-se nas descrições dos aspetos naturais do conto:
e moldando, através deles, a ação e o seu desenla- Li avidamente aquele punhado de páginas e, à
ce, Abel Botelho convida a uma adaptação plena medida que as percorria, comecei, através das suas
de cenas de exteriores, idealmente captadas nos lo- linhas, a dar largas à minha fantasia, permitindo-me
cais de origem. É, porém, bem mais parco na descri- enriquecer de detalhes e de pormenores, aqueles
ção de situações, preferindo explorar as patologias descritivo singelo, de onde não ressaltam nem indi-
de que enfermavam os temperamentos das suas cações nem factos absolutamente concretizados.
personagens (cf. BAPTISTA, 2008: 89-90), providen- Procurei seguidamente a região onde a parte culmi-
ciando, deste modo, um menor número de elemen- nante do drama tinha de desenrolar-se. Levaram-me
tos visuais para uma cinematografia ainda adversa a Arouca e eu fiquei positivamente deslumbrado.
das subtilezas (cf. BARDÈCHE & BRASILLACH, 1938: p. Fui às margens do Caima e a minha alma de artista
154), com a natural exceção das experiências van- enterneceu-se, apaixonou-se, perante tão grandioso
guardistas, e criada em função de um público com quadro. Sim, aquele deveria ser o scenario [argu-
notória incapacidade para as assimilar. Os interesses mento] da obra a que ia meter ombros (cf. BAPTISTA,
e preocupações de Abel Botelho, que justificam a 2008: 219).
referência única ao mosteiro, condicionam, deste As necessárias rodagens de exteriores são, assim,
modo, a adaptação fílmica e explicam as alterações enfatizadas por Lupo, que retém do conto o triângu-
que esta irá introduzir. lo geográfico onde a ação decorre (cf. SILVA, 1994:
Em Agosto de 1921, Rino Lupo chega à Invicta Film, 142). Partindo de Gondra («Gandara» no filme), e
apresentando-se como um experiente realizador. Os passando pela Vala, onde André declara o seu amor,

 Figura 3 | Fotograma da mesma sequência mostrando a recriação de uma celebração na igreja do Mosteiro. Fonte: LUPO, Rino, Realiz. (1923) – Mulheres da Beira.
Edição da Câmara Municipal de Tabuaço (2005). 21’16’’.
Ana segue para a vila de Arouca, lugar em que se confidente de Ana, aparece, à janela desta, trans-
dão os acontecimentos propiciadores do desenlace, portando uma bilha à cabeça enquanto, num plano
que tem lugar na Freita e na Mizarela. A dicotomia de fundo, dança um conjunto de jovens, trajando a
cidade-campo, tão ao gosto de Abel Botelho como rigor, e um lavrador conduz o gado. O mesmo tipo de
da cinematografia da época (cf. BAPTISTA, 2008: olhar recriador está também presente na represen-
90-91), firma-se na oposição entre os vícios da vila, tação das mulheres de Arouca, ricamente vestidas e
prefiguração da cidade, e na pureza do campo, adornadas, nas cenas com o moleiro, e na sequên-
bem como nas duas personagens-tipo que lhe dão cia da festa, com verdadeiros desfiles de tipos saídos
expressão, respetivamente o fidalgo e o pastor. Entre de pinturas e peças de teatro de costumes regionais
172 estas duas realidades passeia-se a ambígua natureza por entre os quais os bem mais autênticos habitantes
de Ana, uma menina-mulher, «simultaneamente cau- da vila fazem cândidas e deliciosas aparições.
sa e efeito de toda a acção do filme e do seu desfe- É percetível um olhar que sintetiza os diversos ele-
cho fatal» (BAPTISTA, 2008: 91), e justamente servida mentos do conto, e das suas matrizes regionalistas,
na película pelo talento e peculiar beleza de Brunilde em quadros tipificados, descritivos e visualmente ca-
Júdice (1898-1979). tivantes, ainda devedores de um tardo-romantismo
Embora o conto seja seguido de perto por Lupo (cf. que era bem patente na pintura coeva de feição
BAPTISTA, 2008: 91), aspeto que se destaca numa pri- mais conservadora e que respondia ao gosto gene-
meira análise, é necessário atentar no modo como ralizado do público. Esta analogia não seria estanha
o «descritivo singelo» foi «enriquecido de detalhes e a Lupo que, na referida entrevista, confessa:
de pormenores» na tradução para uma linguagem Se me consente o paradoxo, eu, como meteur-
da imagem como a cinematografia. A paisagem en-scène, sou um pintor. Deixo accionar, livremente,
que seduzira o escritor abunda nas inúmeras vistas toda a minha fantasia, vejo os aspectos e os panora-
tomadas na região de Arouca. Em muitas delas, a mas, fixo-os e idealizo depois o quadro a reproduzir
fotografia demora-se em panorâmicas, de sabor pic- (BAPTISTA, 2008:219).
torialista, enfatizando os jogos de luz, e, sobretudo, A divisão da ação em «quadros» de duração va-
torna a paisagem personagem, trabalhando a sua riável era prática comum na cinematografia muda
relação com as figuras através da manipulação da e permitia, em Mulheres da Beira, a introdução de
escala. Estes aspetos são notórios na sequência de diversos momentos humorísticos e anedóticos que
planos que apresentam Ana ou nas vistas tomadas suavizavam as características agrestes do conto. Um
nas serras onde nos é artificiosamente apresentado outro tipo de quadros permitia enriquecer visualmen-
André. O pitoresco da natureza cede lugar, em ou- te a película, apresentando o local da ação, como
tras cenas, ao pitoresco dos costumes regionais. As- na vista da Frecha da Mizarela, anunciada por um
sim, a Tia Maria, personagem secundária do filme, e intertítulo, ou o conjunto de vistas do Porto que, atra-
vés das palavras da Tia Maria, povoavam de sonhos também percetível na escolha dos espaços da vila
o temperamento facilmente impressionável de Ana. em que a ação decorre, formando e projetando
Nestas vistas, nomeadamente nas do Porto (uma a ideia de um perímetro reduzido com o mosteiro
panorâmica da cidade tirada a partir da cota alta como pano de fundo, com destaque para a Praça
de Gaia, onde a câmara não nos permite ver a Pon- Brandão de Vasconcelos, antiga Praça da Vila, mui-
te Luiz I3, uma vista da Torre dos Clérigos e uma vista to alterada nos finais do século anterior (CF. ROCHA,
dos navios ancorados no cais) está bem patente o 2011: 236-253), e na qual Ana toma consciência da
sabor documentarista, devedor não só dos intentos sua simplicidade ao constatar a elegância das mu-
de Rino Lupo e da Invicta, mas também da atividade lheres da vila), ou a utilização de alguns dos edifí-
em obras de não-ficção do operador Artur Costa de cios anexos à cerca, como a Hospedaria de Cima 173
Macedo (1894-1966), que além das colaborações nos (cf. ROCHA, 2011: 275), onde, com o mosteiro como
primeiros filmes de Leitão de Barros, filmara diversos pano de fundo, Ana se impressiona com os fidalgos
documentários e atualidades cinematográficas antes que observa na sua escadaria.
da sua vinda para a Invicta (cf. BAPTISTA, 2008: 96). O mosteiro toma um claro lugar de destaque nos
É neste tipo de transformações e afastamentos quadros que formam a sequência anunciada pelo
em relação ao conto, que o mosteiro de Arouca intertítulo «Era dia de festa em Arouca.», inteiramente
conhece um papel importante no filme. A princípio, resultante da imaginação de Lupo e da sua equipa.
encontramos a sua referência na fala de Ana que, Destas imagens, às quais voltaremos, destacam-se
abraçando uma galinha num humorístico quadro, duas pequenas cenas de interiores do mosteiro: os
expressa a sua felicidade: «- … sabes, irei a Arouca dois planos do retábulo lateral da igreja, onde se en-
todos os dias..., ha lá um bonito convento… ruas… contra a urna da Beata Mafalda (antecedidos pelo
casas brancas com janellas… e depois os homens lá intertítulo «O tumulo da Rainha Santa em ebano e
não tem a cabeça como os d’ aqui… e então os fi- prata») e dois planos de uma celebração num interior
dalgos?...» de igreja, notoriamente recriado.
Será também através do olhar de Ana que vemos Estava assim lançada a tónica das restantes apa-
o mosteiro pela primeira vez. Após a sua chegada rições do mosteiro e da sua imagem no filme. Como
a Arouca, a jovem depara-se com a imponência elemento dominante da vila, na frente do qual ti-
da fachada da igreja e de todo o alçado norte do nham lugar as sociabilidades da população, era não
mosteiro, numa vista tomada de nascente para po- só o cenário ideal para as peripécias de Ana, como o
ente, com a entrada da igreja em primeiro plano. Ao encontro com um Fidalgo já decidido a conquistá-la
fundo, embora pouco nítido, é ainda visível o pórtico e que a seguira desde a entrada para a igreja, mas
do Terreiro, posteriormente suprimido e que foi recen- também o cenário para os pitorescos quadros de
temente reconstruído. A centralidade do mosteiro é costumes, integrados na ação, ou a esta acessórios,
como as danças junto ao cruzeiro, que enriqueciam Ana lançada a seus pés, em que o expressivo diálogo
o filme e lhe emprestavam o tão desejado caráter visual permite a economia da fala escrita, contan-
português. do apenas com um intertítulo: «- … e pequei madre
Por outro lado, e permitindo a introdução de um Thereza… mas estou arrependida e bem castigada.».
elemento que ecoa e amplifica a significação da Este permite uma progressiva transição para o desfe-
dicotomia cidade-campo, o mosteiro é ainda o lu- cho da cena, em que a Madre deixa Ana entregue à
gar onde Ana aprende a ler e a escrever, por ação sua sorte, na impossibilidade de atender às suas súpli-
da Madre Superiora, que procura igualmente edu- cas: «- Sim, madre, confio n’ella, mas seja caridosa e
car a jovem na fé, originando momentos cómicos dê-me asilo no convento… não me deixe morrer, por-
174 e que procuram traduzir visualmente as debilidades que morreria uma alma inocente que trago dentro
intelectuais e morais da personagem, analiticamente de mim!» ; «Tu n’esse estado?... oh!... não! não pódes
descritas por Abel Botelho e transpostas no filme para ficar aqui. Vae e que deus te acompanhe.».
situações concretas de fácil apreensão. Narradas O reforço do papel da piedade popular, que en-
por Ana à Tia Maria e compostas por diversos pla- contramos na inclusão do mosteiro na ação, pode
nos, as cenas são filmadas em interiores de estúdio e também ser encontrando na visão da figura de ves-
acompanhadas dos intertítulos: «- … depois a supe- tes brancas que aponta a Ana o seu destino, e que
riora do convento começou a ensinar-me a lêr e a a bibliografia geralmente associa à Virgem Maria,
escrever!...» ; «- … Ah! como é difficil! parece-me que prenunciando semelhantes estratégias em Os Lobos
nunca chegarei a aprender!... depois a religião?...» e Fátima Milagrosa (cf. BAPTISTA, 2008: 100). Embora
; - «… Ó tia maria será verdade o que diz a superiora? consideremos questionável uma tão estrita associa-
Diz que a verdadeira vida é no ceu, que só lá é que ção, não podemos deixar de salientar o modo como
Deus nos póde dar a felicidade, e que até é por isso Lupo, ou a Invicta, se distanciaram, uma vez mais,
que elle morreu por nós todos?». dos aspetos do conto de Abel Botelho que poderiam
Estas cenas vaticinam igualmente o desfecho, que ser menos bem recebidos por parte do público trans-
o reencontro com a Madre Superiora, interpretada formando-os em situações visualmente apelativas e
por Maria Júdice, a mãe de Brunilde, acabará por facilmente assimiláveis.
precipitar. A demanda de auxílio por parte de Ana A partir da visualização do filme, na versão que co-
é precedida do intertítulo: «No dia seguinte de ma- nhecemos (edição de 2005 da Câmara Municipal de
nhã Anninhas ia procurar um refúgio no convento de Tabuaço, apresentando o filme restaurado em 2002
Arouca.». pela Cinemateca Portuguesa-Museu do Cinema a
Filmada na mesma sala onde a Madre Superiora partir de diversas fontes), é assim possível organizar
a havia ensinado a escrever, a cena tem como ele- em três tipologias as cenas em que figura o mostei-
mento principal um extenso plano aproximado de ro: as cenas de exterior, rodadas in loco na vila de
Arouca; as cenas de interior, rodadas in loco nos es- dro que mostra umas pedras mal pintadas, de muito
paços do mosteiro; e as cenas de interior, recriadas pouco realismo.5
em estúdio. Como já foi referido, o conhecimento da A recriação dos interiores do mosteiro não prima,
produção de Mulheres da Beira é ainda muito lacu- na generalidade, pelas suas qualidades visuais, em-
nar, contudo, a análise dos dados existentes permite bora seja necessário considerar dois espaços diferen-
formular um conjunto de questões sobre as cenas tes: a igreja e as dependências monásticas. Pouco
elencadas. depois dos planos do túmulo de Mafalda, surgem
A rodagem do filme, que deveria terminar em Ou- dois planos de uma celebração religiosa na preten-
tubro de 1921, iniciou-se na viragem para Setembro e sa igreja do mosteiro. No primeiro vemos a nave da
terá terminado a 10 de Novembro, depois de apro- igreja e o coro das freiras, separados por uma grade 175
vado um adiamento para o prazo máximo de 15 de muito simples. O duplo espaço é consideravelmen-
Novembro, quando a montagem do primeiro posi- te amplo e nele podemos ver dois vãos de moldura
tivo deveria estar concluída (cf. BAPTISTA, 2008: 95). simples, ao nível superior da parede lateral, e, ao ní-
A este respeito, atente-se no anúncio que a revista vel inferior, uma fila de quadros. O ritmo é reforçado
Porto Cinematográfico publicava no duplo número pela presença de pilastras, sendo visível, na primeira,
referente a Setembro/Outubro de 1921, referindo que uma pia de água benta. Copiosa quantidade de fiéis
a Invicta tinha terminado havia pouco tempo «A Fre- ajoelhados baixa a cabeça, persignando-se em se-
cha da Misarella Um conto do livro Mulheres da Beira, guida, enquanto o sacerdote, sob um pálio, eleva a
de Abel Botelho»4. custódia, voltado para a câmara, que se localiza no
Sabemos que, ainda em Novembro, Rino Lupo, Ar- lugar do altar, num ângulo que permite uma melhor
tur Costa de Macedo e Henrique Alegria, diretor artís- apreensão do espaço. No coro são visíveis as religio-
tico da Invicta, se deslocaram a Lisboa para filmarem sas que, no plano seguinte, são objeto de destaque.
diversas cenas para Mulheres da Beira, questionan- A câmara, por detrás das grades, em primeiro plano,
do-se Tiago Baptista se não se trataria do conjunto mostra-nos as pretensas monjas de Santa Maria de
de cenas de interiores que poderiam ter sido filmados Arouca, ajoelhadas junto a um muito simples cadeiral
num teatro lisboeta (cf. BAPTISTA, 2008: 95-96). Inde- tendo na frente a Superiora que delas se distingue
pendentemente do local de filmagem, os cenários claramente pela expressividade.
mereceram os piores ataques por parte da crítica Não encontrámos quaisquer dados sobre o espa-
especializada, sendo notória a fraca qualidade de ço em que estes planos foram rodados, aparentan-
muitos deles: do tratar-se de um cenário muito mais cuidado que
Esta pelicula tem o defeito da má decoração, que os restantes. A articulação do espaço da nave e do
em algumas scenas ressalta aos olhos do espectador, coro, bem como os elementos arquitetónicos e deco-
como seja aquele fundo no interior da casa de Pe- rativos simplificam a igreja monástica, aliviando-a da
sumptuosidade e da erudição e resumindo-a através A cena rodada no interior do mosteiro reduz-se a
de uma imagem facilmente apreensível pelo público. dois planos do túmulo da Beata Mafalda no interior
A presença da grade, elemento fundamental e que, da igreja, nos quais o sabor documentarista anuncia-
especialmente no segundo plano, é enfatizada pela do pelo intertítulo é atenuado pela anedótica pre-
relação com a câmara, evoca a clausura monásti- sença de uma piedosa Ana. O primeiro é uma pa-
ca e a divisão entre dois universos distintos, que Ana norâmica que, partindo da jovem, se aproxima do
irá também conhecer. O cuidado com os elementos retábulo, ao nível do altar, repleto de sacras, e per-
que compõem a elaborada descrição destas cenas mitindo entrever aquilo que nos parece ser a sombra
é ainda visível nos chamativos hábitos das religiosas, do operador, possivelmente Artur Costa de Macedo,
176 embora sem preocupações de rigor com a Ordem manivelando. O segundo plano é mais afastado, e
de Cister, e na representação da elevação, plena de nele vemos Ana aproximando-se do túmulo, já visível
pitoresco. Atente-se, todavia, que o contacto que a na totalidade, embora maculado por uma sombra
equipa tomou com o espaço da igreja do mosteiro que se projeta sobre o altar. Em ambos os planos é
(o único que, comprovadamente, visitou) poderá ter possível apreciar a aparatosa ornamentação, com a
informado a construção de um cenário, ou a procura banqueta, as flores, sacras e reposteiros, bem como
de um local, que, dentro das suas limitações, permi- uma coluna com um anjo tocheiro, constituindo um
tisse evocar o espaço original. precioso registo do interior da igreja nos anos 20. As
Em contraste, as cenas em que a Madre Superiora referidas sombras resultarão, possivelmente, das difí-
ensina Ana são rodadas em cenários muito simples, ceis condições de captação, fruto da iluminação do
parcamente decorados por apontamentos de ar- espaço que, pesem embora as suas características,
cos, e mobilados com cadeiras estofadas em couro seria todavia insuficiente para a sensibilidade das pe-
e uma mesa em primeiro plano, facilmente associá- lículas coevas, pelo que se terá recorrido a espelhos
veis ao ambiente religioso evocado. Ao fundo, uma ou outros mecanismos de direcionamento da luz.
pequena imagem de Cristo Crucificado, sobre uma Os numerosos exteriores, que marcam o filme com
estante, é o único adorno da parede. Este cenário a sua beleza e frescura, em claro contraste com a
será ainda utilizado para o reencontro de Ana com produção anterior da Invicta (cf. PINA, 1986: 37), são
a Madre Superiora, numa repetição que poderá ter igualmente reveladores do processo criativo de Rino
eventuais fins narrativos. Um outro cenário, ou parte Lupo, muito baseado na liberdade de improvisação
deste, de reduzidas dimensões, é utilizado para os e no aproveitamento das possibilidades dos locais
ensinamentos religiosos da jovem, limitando-se a um que ia descobrindo. Segundo A. Videira Santos:
nicho onde se rasga um fruste vão em arco aponta- Lupo, como já vimos, chegou ao Porto em Agosto
do, junto do qual se encontra uma estante com um de 1921 e logo nesse mês se deslocou com a equipa
evangeliário. de filmagem e artistas para a região de Arouca, ten-
do inclusivamente aproveitado os festejos à Senho- Ana. A análise da sequência permite acompanhar o
ra de Lurdes que se realizaram em Nespereira, entre processo em detalhe.
aquela localidade e Cinfães, a 28 e 29, para fixar A «festa» começa com um plano da torre sineira
diversos aspectos da grande procissão e do arraial, da capela da Misericórdia, onde os sinos tocam a
incluindo nalgumas cenas um elemento do elenco rebate, numa clara sinestesia tão ao gosto do cine-
feminino [Brunilde Júdice] (BAPTISTA, 2008: 255).6 ma mudo. O plano seguinte mostra-nos o largo do
Precedidas pelo intertítulo «Era dia de festa em mosteiro, filmado de este para oeste, engalanado e
Arouca» e intercaladas com vistas da vila engala- animado por uma concorrida romaria. Em seguida,
nada no contexto de uma romaria que não conse- vemos aproximar-se a procissão, percorrendo uma
guimos, até ao momento, identificar, as imagens da vereda na direção da câmara, que se situa num pla- 177
procissão em Nespereira tornam-se assim parte de no mais elevado, através de uma vista já tomada na
uma festa que, tal como nos é apresentada, resulta Nespereira. Este plano é intercalado com um outro
inteiramente de uma construção cinematográfica. A em que Ana, chegando às imediações do mosteiro,
montagem de toda a sequência, que integra ainda pelo caminho habitual, se aproxima da câmara e
as vistas do túmulo e a celebração no interior da igre- demonstra o seu entusiasmo por ver a procissão. Num
ja, poderia até procurar representar as célebres fes- novo plano, Ana aproxima-se do moleiro explicando
tas em honra da Beata Mafalda, realizadas em Maio, o seu contentamento e afastando-se novamente,
embora as datas tradicionalmente apontadas para reaparece numa nova vista tomada em Nesperei-
a rodagem contrariem, naturalmente, a possibilida-
de do seu registo.
Estamos assim perante uma hábil aplicação das
técnicas que permitem à cinematografia construir
uma geografia criativa ou paisagem artificial, ten-
do por base a manipulação das relações espácio-
temporais entre os planos individuais através de uma
síntese orientada pela narrativa e assegurada pelo
processo de montagem das imagens. Inerente a
todo o processo cinematográfico e potenciada, em
casos como este, para efeitos narrativos, a geografia
criativa permitiu a Lupo colocar em Arouca uma ani-
mada e pitoresca romaria que não só contribui para
o desenrolar da ação, mas também intensifica o pa-
pel da vila enquanto propiciadora da perdição de

Figura 4 | Um outro fotograma, no final da celebração, mostrando a saída do povo. O


edifício é, na realidade, a capela da Misericórdia. Fonte: LUPO, Rino, Realiz. (1923) –
Mulheres da Beira. Edição da Câmara Municipal de Tabuaço (2005). 21’41’’. 
ra, onde observa a procissão ao longe. É notório o dos elementos na lateral direita. Seguindo a multidão,
esforço pelo respeito da continuidade, já canónica Ana entra no templo, sob o olhar atendo do Fidalgo,
na cinematografia de então, na direção de olhares e captado num outro plano ao qual se segue um novo,
entradas e saídas das personagens, reforçando, des- em que o vemos assomar-se à entrada da capela.
te modo, a coesão entre planos tão díspares e asse- Percebemos, através de um intertítulo, que estamos
gurando o logro. No plano seguinte, Ana encontra-se perante o túmulo da «Rainha Santa», e, através dos
junto à multidão, à direita, observando a procissão dois planos captados no interior da igreja do mostei-
de perto. No alpendre de um edifício, possivelmente ro, vemos Ana junto ao túmulo de Mafalda.
localizado em Arouca, os três fidalgos, juntamente Um novo plano do Fidalgo permite-nos perceber
178 com cinco mulheres em trajes pretensamente regio- que este observa Ana, sendo todavia impossível
nais, observam aquilo que depreendemos ser a pro- perceber onde terá sido tomada a vista, dado não
cissão. A câmara aproxima-se dos fidalgos no plano conseguirmos reconhecer a estrutura ornamentada,
seguinte e percebemos que a atenção destes recaía aparentemente pétrea, que lhe serve de cenário. Se-
especialmente sobre uma jovem «bem bonita». Per- guem-se os dois planos da celebração no interior da
cebemos, através do plano seguinte, novamente igreja e, por fim, um novo plano do portal da capela
rodado em Nespereira, que se tratava de Ana, que da Misericórdia, de onde sai Ana juntamente com o
continua a observar a procissão junto da multidão. A povo, precedendo as cenas da festa no exterior do
atenção da câmara volta-se agora para a riqueza mosteiro.
da procissão e dos seus andores, através de um pla- A análise dos diferentes planos que constituem a
no captado sobre uma curva, o que permite impri- sequência da festa permite-nos perceber também
mir um maior dinamismo a toda a cena. O intercalar que o «convento» do filme resulta da articulação de
deste plano de sabor documentarista, onde não são espaços diversificados, pertencentes ao mosteiro ou
visíveis personagens, com o plano dos fidalgos e com recriados, aos quais a montagem confere um senti-
mais planos de Ana observando a procissão, atua no do de unidade que ilude as diferentes proveniências
sentido de construir uma unidade de espaço e tem- espaciais e temporais. A utilização de outras arquite-
po, dentro das possibilidades do trabalho de geogra- turas locais, como a capela da Misericórdia, confere
fia criativa que temos vindo a analisar. uma maior verossemelhança a este convento, estra-
No último plano que vemos de Nespereira, Ana tégia que é também seguida na inserção cinemato-
afasta-se da multidão, sendo então seguida, em novo gráfica da procissão em Arouca, cuja ausência de
plano rodado em Arouca, por um Fidalgo da Mó já interiores dificulta a perceção da trapaça. Posto isto,
decidido a conquistá-la. Um outro plano mostra-nos é ainda necessário atentar nas vicissitudes do proces-
o portal da capela da Misericórdia, onde ainda era so de montagem de Mulheres da Beira.
visível o gradeamento, identificável pelo desenho Por razões que não se encontram ainda esclare-
cidas, o processo de edição (tintagem, viragem e BAPTISTA, 2008: 89). O «Magnífico film português em 6
montagem) terá decorrido em Paris, nos laboratórios partes», como se anunciava, foi bem recebido pela
da Pathé, em Janeiro de 1922, segundo as atas das crítica, louvado pelo seu caráter nacionalista, paten-
reuniões do conselho de administração da Invicta te na forma como eram captadas as belezas naturais
(cf. BAPTISTA, 2008: 96). O procedimento era pou- do país, constituindo, nas suas interrupções da narra-
co habitual, visto a empresa dispor de laboratórios tiva, autênticos momentos de contemplação da pai-
próprios, e denotava já um atraso em relação aos sagem (cf. BAPTISTA, 2008: 96-97). Embora encontre-
compromissos estabelecidos. À montagem estão tra- mos rasgados elogios às imagens de exteriores, como
dicionalmente associados Georges Pallu (1869-1948), os «os magníficos aspectos naturais e costumes du-
o realizador contratado pela Invicta, e Mme. Meunier rienses» (cf. BAPTISTA, 2008: 97), ufanados quiçá mais 179
(cf. BAPTISTA, 2008:282), embora as dúvidas persistam pelo objeto do que pela sua representação, e sejam
sobre o envolvimento de Lupo, cujo afastamento de- referidas as críticas positivas à fotografia de Artur Cos-
rivou, segundo alguns autores, do arrastar da narra- ta de Macedo (cf. BAPTISTA, 2008: 96-98), as opiniões
tiva em que este incorria(cf. ANDRADE, 2001: 60). As não foram unânimes, e é notória a crítica que a revis-
inconsistências persistem ainda nos restantes dados ta Porto Cinematográfico apresenta:
disponíveis sobre o filme mas neles não nos demora- A técnica fotográfica é, como já disse, muito má,
remos, salientando, porém, a dificuldade que será altera frequentes vezes a mascara dos interpretes, e
perceber, em sentido estrito, as responsabilidades não dá realce aos exteriores soberbos que esta fita
de Rino Lupo no produto final, nomeadamente nas nos apresenta, vistas panorâmicas magníficas, dons
sequências referidas, mais devedoras da montagem, da natureza que nós possuímos e muitas casas es-
e em todos os desvios presentes na adaptação do trangeiras invejariam, e que Rino Lupo soube apre-
conto de Abel Botelho. Contribui igualmente para ciar, fazendo viver no entrecho de Mulheres da Beira,
esta ressalva, o facto de o mais recente restauro a beleza de algumas das nossas riquezas naturais.7
procurar ser uma versão aproximada da montagem Já Rino Lupo não poupara elogios ao seu opera-
original, estreada em 1923, e que terá conhecido di- dor, considerando Artur Costa de Macedo como «in-
versas alterações, tal como é indicado no início da discutivelmente, o primeiro português que se revela
edição digital em DVD. cheio de gosto e de predicados técnicos invulgares»
A responsabilidade pelo atraso da estreia, mais de (cf. BAPTISTA, 2008: 220), salientando igualmente o
um ano após o final da rodagem e quando Rino Lupo papel do assistente de realização Pedro da Fonseca
se havia já desvinculado da Invicta, é geralmente «que é um régisseur de qualidades modelares» (BAP-
imputada ao realizador, embora, como defende TISTA, 2008: 220).
Tiago Baptista, deva ser igualmente considerada a Como encarar então Mulheres da Beira à luz das
planificação da produção da própria empresa (cf. questões levantadas pela abordagem que presente-
mente ensaiámos? O seu papel como documento é mados filmes de não-ficção, pelo que a análise da
inquestionável, constituindo um valioso registo atra- documentação cinematográfica deve ser particular-
vés da imagem em movimento da região de Arouca mente cautelosa.
e da Nespereira, o que o torna, segundo nos indicou É notório que seja precisamente através deste dis-
Nuno Resende, no mais antigo filme conhecido sobre positivo criativo que Rino Lupo constrói o seu con-
Cinfães. Contudo, a nossa análise demonstrou como vento de celuloide, num laborioso processo que
o filme, quando encarado como documento, deve combina vistas de exterior com as raras imagens do
ser abordado de forma crítica, tendo por base uma interior da igreja e as suas fantasiosas recriações. Tal
contextualização que permita conhecer, tanto quan- é especialmente visível na forma como, em poucos
180 to possível, os aspetos de produção. A isto devemos minutos, a cinematografia se apropria do portal da
juntar todo o processo de seleções que a criação da capela da Misericórdia e o transforma no portal da
obra cinematográfica acarreta, desde os locais de igreja do mosteiro, para em seguida nos levar ao seu
tomada de vista, aos enquadramentos, passando interior verdadeiro e, numa troca de olhares, o recriar
pelos aspetos técnicos do equipamento fotográfico, em localização desconhecida. O filme não deixa por
entre muitos outros, resultantes de condicionamentos
ou da vontade expressa de um ou mais membros da
equipa. O mesmo se poderá dizer da montagem,
quer do ponto de vista da seleção do material ex-
posto, quer da sua articulação, quer mesmo do nível
de intervenção do seu responsável no produto final.
Neste sentido, destaca-se o modo como o cine-
ma pode, fácil e eficientemente, contar uma meia
verdade ou mentir de forma deliberada. A geografia
criativa é assim uma das muitas ferramentas que a
cinematografia utiliza para suprir as dificuldades de
produção, permitindo-lhe, por exemplo, combinar
exteriores captados in loco com interiores de estúdio,
ou para criar realidades unicamente possíveis no fil-
me, como a animada festa na Arouca de Mulheres
da Beira. Contudo, e por ser inerente ao processo ci-
nematográfico, tendo por base a continuidade, que
a linguagem do cinema codificou à medida que
se desenvolvia, está igualmente presente nos cha-

Figura 5 | Grade do mosteiro de Arouca. Foto Pedro Martins © DRCN 


isso de ser um documento para o estudo do mosteiro quer como memória de uma instituição. O percetível
e da sua igreja, registando alguns dos seus aspetos entusiasmo de Lupo pelo documentar, mais ou me-
antes das principais intervenções de que seria objeto nos efabulado, das terras e costumes onde a ação
ao longo do século XX, com destaque para as obras decorria, corroborado pelas suas palavras, e a ex-
de restauro a cargo da Direcção-Geral dos Edifícios periência de Artur Costa de Macedo, resultam num
e Monumentos Nacionais iniciadas em 1936 (cf. RO- conjunto de planos que, encenando ou registando,
CHA, 2011: 439-450). Assim, num plano voltado para reinventam a imagem de um mosteiro habitado e o
nascente, e servindo de cenário a Ana, é claramente colocam como parte integrante da narrativa.
visível o pórtico de acesso ao mosteiro, antes da sua O mosteiro do filme amplifica o sentido da ação, es-
demolição e posterior reconstrução, sendo também clarecendo o público para as debilidades do carác- 181
assinalável o valor como registo das vistas tomadas ter de Ana e para os seus dilemas e ambiguidades.
no interior da igreja. Do mesmo modo, o filme é igual- Para tal, presta-se não só como cenário mas também
mente um registo inédito e eloquente da grandiosa como personagem coletiva, atuando como reposi-
procissão em honra de Nossa Senhora de Lurdes bem tório e voz da moral. É também o mosteiro que, num
como um comentário às práticas devocionais e re- derradeiro comentário, por ventura ecoado pela vi-
ligiosas no Portugal dos anos 20. Saliente-se ainda o são junto à Frecha da Mizarela, conduz a jovem ao
valor da imagem em movimento para uma mais cla- inevitável desfecho. Por fim, é também junto ao mos-
ra perceção dos espaços e da sua escala, potencia- teiro, no contexto particular da festa religiosa, que
da pelo cruzamento com outros tipos de documen- Ana e o Fidalgo se encontram, traçando desde já o
tação. destino da protagonista. Para este episódio tão intrín-
Por fim, e atentando no papel do mosteiro na seco à piedade popular, e às manifestações profa-
adaptação a filme do conto de Abel Botelho, per- nas a ela associadas, catalisadores de sociabilidades
cebemos que o convento de celuloide não seria o com as quais o público facilmente se identificaria,
do escritor, que apenas o refere, e terá antes resul- é assim transposta, em pleno colorido, a dicotomia
tado da ação que a presença do mosteiro exerceu cidade-campo numa eficaz tradução visual dos seus
sobre Rino Lupo e a sua equipa, quer como edifício, valores decadentistas.

1. Um subtítulo da adaptação fílmica.


2. Transcrita na íntegra em BAPTISTA, 2008: 219-220.
3. Questionamo-nos se o enquadramento selecionado para esta panorâmica poderá estar relacionado com preocupações de rigor cronológico, referente à
cronologia da ação do conto (187…) ou a do filme, indeterminada mas possivelmente anterior, de acordo com a caracterização das personagens e a presen-
ça de uma comunidade de religiosas no mosteiro.
4. «PORTO Cinematográfico – Revista Mensal», Ano III, N.º 2/3, 30 de Setembro a 31 de Outubro de 1921.
5. «PORTO Cinematográfico – Revista Mensal», Ano IV, N.º 11, 30 de Junho de 1923.
6. Cf. Nota 20. Não tivemos acesso à obra original, não editada, pelo que recorremos à transcrição feita por Tiago Baptista.
7. «PORTO Cinematográfico – Revista Mensal», Ano IV, N.º 11, 30 de Junho de 1923.
022 SÉCULOS XX-XXI
MOSTEIROS DE SÃO JOÃO DE TAROUCA
E SANTA MARIA DE SALZEDAS

CLASSIFICAÇÃO DO
PATRIMÓNIO IMÓVEL: DO
ESTADO NOVO AOS
NOSSOS DIAS. DAVID FERREIRA
MIGUEL RODRIGUES
A classificação é o reconhecimento por parte do com as consequentes vendas e destruições de gran-
Estado do valor patrimonial excepcional de um bem, des edifícios e colecções artísticas, foram o rastilho
que passa a ser formalmente assumido como parte que motivou a reacção das elites (cat 18 e 19). O mo-
estruturante da identidade nacional. Este reconheci- delo, com mais ou menos dramatismo, permanece
mento faz recair sobre o bem os mecanismos legais até aos nossos dias. O património é um antídoto para
de protecção e valorização, uma vez que o seu sig- a voragem da modernidade. Assim, embora a pre-
nificado e destino interessam à Nação. Este esque- servação dos monumentos tenha recebido atenção
ma, que hoje nos parece natural, só se consolidou legislativa desde pelo menos o Renascimento, é en-
em Portugal no início do século XX, depois de muitas tre o final do século XVIII e meados do XIX, no quadro
hesitações e combates políticos. do fim dos regimes absolutistas e de uma reinvenção 183
Na base dos movimentos de salvaguarda patrimo- das identidades nacionais, que o tema se impõe jun-
nial está o binómio conhecimento | sentimento de to das elites e que estas exigem uma actuação firme
perda. A valorização do património cultural alimen- do Estado.
ta-se do conhecimento científico, especialmente do A lista de monumentos nacionais de 1881 da As-
conhecimento histórico, que permite compreender a sociação dos Architectos Civis e Archeologos e o
importância do documento | monumento e confere decreto de 16-06-1910, ilustram bem as tipologias pa-
bases sólidas ao processo de valorização e selecção. trimoniais na viragem do século. È interessante notar
Por outro lado, o monumento, que é objectivamen- que não perderam actualidade e fixaram o corpus
te um suporte de memória, procura apaziguar a fundamental do património português. Mais, o diplo-
angústia da morte e da aniquilação (CHOAY, 2000: ma de 1910 foi um dos raros momentos de selecção
16). Ora, o sentimento de perca acentuou-se muito sistematizada do património imóvel. Depois disso
na Época Contemporânea, fruto de revoluções ide-
ológicas, políticas e tecnológicas. A capacidade de
transformar o mundo físico numa escala e velocida-
de inéditas e uma sociedade que elegeu a mudan-
ça como um fim em si, tiveram como consequência
uma perda de referências que o património tenta
colmatar. À fórmula kantiana que define a moderni-
dade (mudança = evolução), opôs-se então a ideia
forte da defesa do património: certos objectos de-
vem permanecer.
As expropriações dos bens da aristocracia e da
Igreja que acompanharam as revoluções liberais,

Figura 1 | Mosteiro de São João de Tarouca Foto Pedro Martins © DRCN 


classificaram-se algumas séries tipológicas específi- privados. No distrito de Braga, por exemplo, até 1970
cas – os pelourinhos em 1933, os marcos pombalinos as classificações centram-se em igrejas, capelas e sí-
do Douro Vinhateiro em 1946, as fortificações do lito- tios arqueológicos. Apenas em 1940 será classificado
ral norte em 1967 ou a arquitectura portuguesa do o primeiro imóvel particular: a Honra de Vasconcelos
1
século XX, a partir de 2004 – mas nunca mais existiu em Amares. Se excluirmos os 13 pelourinhos classifica-
uma reflexão formalizada e global sobre a classifica- dos em 1933 verificamos que de 1910 a 1940 apenas
ção. são classificados 12 imóveis em todo o distrito. A partir
A selecção de 1910 é eclética e se é verdade de 1940 serão classificados, em média, 20 imóveis por
que predominam os monumentos de raiz medieval, década. A primeira igreja barroca a ser classificada
184 encontram-se igualmente bem representados os no norte do país foi a matriz de Sambade (Alfândega
monumentos romanos, pré-históricos, manuelinos, da Fé) em 1935 e só em 1958 é novamente classifica-
renascentistas e mesmo diversos palácios barrocos. da uma igreja barroca, em São Pedro de Miragaia.
São classificados sobretudo imóveis propriedade do A actualização é lenta e só com muito atraso são
Estado. Entre 1920 e 1970 as classificações confirmam seguidas as metodologias propostas internacional-
e completam o quadro definido em 1910, segundo mente. Aos critérios histórico, arqueológico, artístico
uma lógica de complementaridade em relação à e arquitectónico, que enquadram as classificações
listagem inicial, com enfoque nas fortificações e edi- na primeira metade do século, acrescenta-se em
fícios religiosos de origem medieval, conseguindo-se 1949 o valor paisagístico e em 1973 o valor etnográfi-
uma cobertura quase integral destas tipologias. co (Decreto-lei 2032/49 de 11 de Junho e Decreto-lei
Só muito lentamente se inicia a protecção formal 582/73 de 5 de Novembro).
de edifícios barrocos (igrejas e solares) e de imóveis Durante os anos 70 e 80, o número de classifica-

 Gráficos 1a 4 | Evolução da Classificação do Património (século XX).


ções aumenta substancialmente e mostra uma evo- • Avança-se para a classificação da arquitectura
lução conceptual: modernista, que terá um grande impulso em 2004
• Abrange cada vez mais imóveis propriedade de com o Projecto de Classificação do Património
particulares, até então raros. Arquitectónico Português do Século XX.
• Classificam-se conjuntos urbanos e ampliam-se • Surgem as primeiras classificações de paisagens
as zonas de protecção no interior das cidades, culturais, através da inclusão na Lista do Patrimó-
tendência que prossegue até aos nossos dias. nio Mundial da Paisagem Cultural de Sintra em
• Incluem-se as áreas não edificadas dos monu- 1995 e do Alto Douro Vinhateiro em 20012.
mentos (cercas, jardins, parques, caminhos) tra- A evolução aqui esboçada é de um movimento
duzindo uma visão mais ampla dos objectos e a de acumulação e expansão patrimonial, que segue 185
valorização do contexto paisagístico. em linha com as tendências da doutrina internacio-
• Aumentam as classificações de sítios arqueológi- nal. Para além de continuar a incidir nas tipologias
cos, que incluem também áreas urbanas e reser- consagradas em 1881, a expansão assume três for-
vas arqueológicas. mas básicas: uma expansão territorial, uma especiali-
• As classificações passam a abranger edifícios zação tipológica e uma expansão cronológica.
cada vez mais recentes (barroco, neo-clássico, A expansão territorial conhece duas formas. Uma
arquitectura do ferro, arte nova). diz respeito à protecção cada vez mais alargada
A partir dos anos 90 estas tendências consolidam- da envolvente dos monumentos, outra diz respeito
se e surgem outras concretizações: à protecção de imóveis cada vez maiores. Através
• Inicia-se, timidamente, a classificação de arqui-
tectura vernacular e arquitectura industrial.
das zonas de protecção, o Estado reconhece que o A expansão pela especialização concretiza-se na
contexto físico com que o monumento se relaciona acumulação de tipologias patrimoniais, motivada
é importante para a sua salvaguarda patrimonial e pelo avanço de estudos científicos especializados,
assiste-se ao aumento das áreas das zonas especiais traduzindo um alargamento do conceito de patri-
de protecção, que atingem nalguns casos dimensões mónio que a classificação vai também reflectir. Já
consideráveis, como em São João de Tarouca, nas mencionámos os centros urbanos, o património ver-
Ruínas de Tróia ou em Alcobaça. Contudo, o território nacular, a paisagem cultural, o património industrial e
abrangido pelas zonas de protecção assume apenas a arquitectura contemporânea. Podemos acrescen-
a forma de enquadramento. Ele não é o objecto nu- tar o património subaquático e os jardins históricos,
186 clear, mas uma figura de acompanhamento subordi- mas a individualização de categorias não cessa de
nada ao monumento principal. A segunda etapa é aumentar. A lista dos comités científicos do ICOMOS
aquela que nos remete já para um território alargado é elucidativa. Nela encontramos, para além das tipo-
com valor patrimonial intrínseco. Existem muitas con- logias já mencionadas, comités para a arquitectura
cretizações, mas as mais significativas dizem respei- em terra, arte rupestre, madeira, itinerários culturais,
to à patrimonialização de zonas urbanas de génese fortificações e património militar, património construí-
antiga (os centros históricos) e à paisagem, que vai do partilhado, pinturas murais, ou vitral. A lista integra
surgir como um conceito totalizante. ainda as pontes históricas, teatros e anfiteatros anti-

 Figura 2 | Claustro do mosteiro de Santa Maria de Salzedas. Foto Pedro Martins © DRCN
gos, caminhos-de-ferro, património monástico, paisa- ficada. Contudo, a classificação de obras recentes
gens vinícolas… é também movida pelo desejo de associar o pres-
Finalmente, a expansão cronológica significa a tígio do reconhecimento jurídico de valor patrimo-
patrimonialização de objectos muito recentes. Nos nial à obra de autor. Que melhor prémio do que o
últimos anos foram classificados dezenas de edifícios carimbo de monumento nacional? Acontece que,
dos anos 50 e 60 e o tempo parece encurtar cada nesta perspectiva, o julgamento da crítica substitui o
vez mais. Em 2013 foi classificada a Igreja de Santa julgamento da história. O tempo deixou de mediar
Maria (Marco de Canavezes), obra concluída em a apreciação de valor e foi substituído pelo aplauso
1996, mas o fenómeno adquiriu contornos polémicos durante a estreia. Colocam-se algumas questões de
com a abertura, em 2005, dos processos de classifi- fundo: a classificação deve continuar ligada à ideia 187
cação da Casa da Música e do Estádio Municipal de de património cultural e este à ideia de monumen-
Braga, então ainda em fase de construção. Revela- to? A noção de classificação pode ser mais ampla e
se aqui um sentido de urgência que nos parece uma constituir, simplesmente, um reconhecimento de qua-
reacção contraditória (paradoxal). A sociedade que lidade? A noção de património cultural imóvel pode
ergueu a mudança como um valor em si, é a mesma ser «apenas» a de uma obra importante, mesmo sem
que reage ao culto contemporâneo da transforma- possuir densidade histórica? Não adianta muito pro-
ção através de uma tentativa de preservação ampli- curar resposta nos critérios legais de classificação.
Eles são muito abrangentes, o que não é necessa-
 Figura 3 | Fotografia aérea do lugar do Burgo de Salzedas (2012). Foto Piqueiro
riamente errado. Esta latitude é inerente ao carácter
muito subjectivo do conceito valor cultural ou valor
patrimonial, perante o qual o legislador preferiu es-
tabelecer um quadro de referência, que é depois in-
terpretado no caso concreto pela administração. A
discricionariedade técnica é uma ferramenta preferí-
vel quando a valoração depende de conceitos com
grande amplitude interpretativa. O que interessa, jul-
gamos, é ter consciência de que estamos à beira de
um novo paradigma e que este exige uma reflexão
colectiva profunda, que evite a arbitrariedade e a
casuística e promova uma base de consenso que
preserve a dignidade da classificação.
Em São João de Tarouca (figura 1) e em Santa Ma-
ria de Salzedas (figura 3) encontramos dois exemplos
do movimento de expansão aplicado ao património azulejos do século XVII, e os jardins anexos.
cisterciense. O decreto n.º 40 684 de 1956 classificou a • Decreto n.º 67/97 de 31/12/1997: promoveu a re-
Igreja de São João de Tarouca, mas um entendimen- classificação como Monumento Nacional.
to mais amplo e informado do património monástico • Decreto 31-I/2012 de 31/12/2012: ampliou a área
conduziu um 1978 à publicação do decreto 95/78, classificada, de modo coincidir com a cerca e
onde se esclarece que: A classificação de monumen- alterou a designação para Mosteiro de Santa
to nacional atribuída à Igreja de S. João de Tarouca, Maria de Salzedas.
compreendendo o túmulo do conde de Barcelos e o • Portaria 291/2014 de 30/04-/2014: fixa a zona es-
quadro S. Pedro, de Grão-Vasco, pelo Decreto 40684, pecial de protecção, cujo limite máximo dista
188 de 13 de Julho de 1956, passa a abranger o Conven- mais de 1km do núcleo monástico edificado.
to de S. João de Tarouca, com todos os elementos Na base desta expansão está o acumular de co-
que ainda possui. Em 1956 valorizaram-se apenas as nhecimento científico sobre os coutos monásticos,
peças consideradas notáveis (igreja, túmulo, qua- que nos permite lançar um olhar mais informado so-
dro), em 1978 toda a realidade física associada ao bre os monumentos e sobre a relação que estabele-
mosteiro é entendida como relevante. Em 1999 é fi- cem com o território envolvente. A valorização desta
xada a zona especial de protecção, que abrange relação histórica e interpretativa é uma consequên-
cerca de 7 km². Observamos o mesmo processo em cia inevitável, que se vai depois reflectir na classifica-
Salzedas (figura 3): ção e fixação de zonas especiais de protecção.
• Decreto 95/78 de 12/09/1978: classifica como Integram o património cultural não só o conjunto
Imóvel de Interesse Público a Igreja de Salzedas, de bens materiais e imateriais de interesse cultural
incluindo as tábuas quinhentistas, uma imagem relevante, mas também, quando for caso disso, os
da Virgem, em prata, um contador de sacristia respectivos contextos que, pelo seu valor de testemu-
semelhante ao do Mosteiro do Bouro, o cadeiral nho, possuam com aqueles uma relação interpretati-
e todo os elementos de valor artístico ainda exis- va e informativa (n.º 6 do artigo 2º da Lei 107/2001 de
tentes, a Sala do Capítulo, forrada de azulejos do 08 de Setembro – conceito e âmbito do património
século XVII, a Capela do Desterro, revestida de cultural).

1. Através do Projecto de Classificação do Património Arquitectónico Português do Século XX, lançado pelo IPPAR durante a presidência do Arquitecto João
Belo Rodeia.
2. Interessa notar que as classificações de paisagem cultural surgem em Portugal sob impulso externo, através da UNESCO.
189
CISTER NO DOURO |
190
| o projecto

191

A maqueta. 

A montagem. 

A exposição. 
FONTES E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ACRÓNIMOS 1Sm 1.º de Samuel (Livros Históricos) Jd Judas (Cartas Católicas)
adb – Arquivo Distrital de Braga 1Tm 1.ª a Timóteo (Cartas de São Paulo) Jdt Judite (Livros Históricos)
ADL – Arquivo Diocesano de lamego 1Ts 1.ª aos Tessalonicenses (Cartas de São Paulo) Jl Joel (Livros Proféticos)
ARIRSM – Arquivo da Real Irmandade da Rainha Santa Mafalda 2Cor 2.ª aos Coríntios (Cartas de São Paulo) Jn Jonas (Livros Proféticos)
BN – Biblioteca Nacional de Portugal 2Cr 2.º das Crónicas (Livros Históricos) Jo João (Evangelhos)
MNA – Museu Nacional de Arqueologia 2Jo 2.ª de João (Cartas Católicas) Jr Jeremias (Livros Proféticos)
SGMF – Secretaria Geral do Ministério das Finanças 2Mac 2.º dos Macabeus (Livros Históricos) Js Josué (Livros Históricos)
TT – Arquivos Nacionais da Torre do Tombo 2Pe 2.ª de Pedro (Cartas Católicas) Jz Juízes (Livros Históricos)
2RS 2.º dos Reis (Livros Históricos) Lc Lucas (Evangelhos)
2Sm 2.º de Samuel (Livros Históricos) Lm Lamentações (Livros Proféticos)
ABREVIATURAS FREQUENTES 2Tm 2.ª a Timóteo (Cartas de São Paulo) Lv Levítico
AA.VV. – Autores Vários 2Ts 2.ª aos Tessalonicenses (Cartas de São Paulo) Mc Marcos (Evangelhos)
Cx. - Caixa 3Jo 3.ª de João (Cartas Católicas) Ml Malaquias (Livros Proféticos)
Cod. – códice Abd Abdias (Livros Proféticos) Mq Miqueias (Livros Proféticos)
Consult. - Consultado Act Actos dos Apóstolos Mt Mateus (Evangelhos)
Coord. - Coordenação Ag Ageu (Livros Proféticos) Na Naum (Livros Proféticos)
Cient. - Científica Am Amós (Livros Proféticos) Ne Neemias (Livros Históricos)
Dir. – Direcção Ap Apocalipse Nm Números (Pentateuco)
Ed. – Edição Br Baruc (Livros Proféticos) Os Oseias (Livros Proféticos)
Fol. – fólio Cl Colossenses (Cartas de São Paulo) Pr Provérbios
L.º - Livro(s) Ct Cântico dos Cânticos Rm Romanos (Cartas de São Paulo)
Mss./ ms. – Manuscritos/manuscrito Dn Daniel (Livros Proféticos) Rt Rute (Livros Históricos)
Org. – Organizado/organização Dt Deuterónimo Sb Sabedoria (Livros Sapienciais)
Publ. – Publicação/publicado Ecl Eclesiastes (ou Qohélet) Sf Sofonias (Livros Proféticos)
Rev. – Revisão Ef Efésios (Cartas de São Paulo) Sir Ben Sirá (ou Eclesiástico)
S.N. – Sem nome [de editor] Esd Esdras (Livros Históricos) Sl Salmos
S.L. – Sem local [de edição] Est Ester (Livros Históricos) Tb Tobite (Livros Históricos)
SS. – Seguintes (páginas) Ex Êxodo Tg Tiago (Cartas Católicas)
Ez Ezequiel (Livros Proféticos) Tt Tito (Cartas de São Paulo)
Fl Filipenses (Cartas de São Paulo) Zc Zacarias (Livros Proféticos)
ABREVIATURAS DOS LIVROS DA BÍBLIA Flm Filémon (Cartas de São Paulo)
1Cor 1.ª aos Coríntios (Cartas de São Paulo) Gl Gálatas (Cartas de São Paulo)
1Cr 1.º das Crónicas (Livros Históricos) Gn Génesis
1Jo 1.ª de João (Cartas Católicas) Hab Habacuc (Livros Proféticos)
1Mac 1.º dos Macabeus (Livros Históricos) Heb Hebreus (Cartas de São Paulo)
1Pe 1.ª de Pedro (Cartas Católicas) Is Isaías (Livros Proféticos)
1Rs 1.º dos Reis (Livros Históricos) Jb Job (Livros Sapienciais)
FONTES MANUSCRITAS

ADB CI - 186 – Definições que fazem nos Capítulos Gerais (Lº das) 1629 – (1748).
ADB CI – 192 - Capítulos Gerais. Doc.s 10 a 23. Século XVII – 1828.
ADB CI -191 – Resoluções tidas em Juntas do Capítulo Geral, 1708 – 1759/86.
ADB CI -189 – Leis do Capítulo Geral,1778 – (1812).
ADB CI -188 – Leis que se fizeram em Capítulos e Juntas Gerais, (1708- 1749).
ADB CI - 187 – Leis que se fizeram no Capítulo Geral 1663- (1705).
ADL Paroquiais, Paróquia do Bom Jesus de Salzedas.
ARIRSM Mss. 21/25.
ARIRSM Mss. 22/23.
BN Códices Alcobacenses, Cod. 1254 (mic. 813), Couzas / memoravaens da Fundação deste / Convento de Nossa Senhora da As-
sunpção / do lugar de Teoboza, de Recole/as da ordem de Nosso Padre S. Bernardo / O segundo que se Fundou neste Reino de
Portugal, na hera de 1692 a.
BN Códices Alcobacenses, Cod. 148.
BN Códices Alcobacenses, Cod. 1480, Sobre as contribuições para viagens chamadas viáticos de 14 de Setembro de 1770, fls. 368 –
377.
BN Códices Alcobacenses, Cod. 1482, Regulamento das Pitanças, fls. 138-156.
MNA Códice sobre a fundação do Mosteiro de Salzedas. Museu Nacional de Arqueologia [Legado documental de Leite de Vasconce-
los].
SGMF CJBC/VIS/TAR/ADMIN/012, Proc. 5938, L. 10, Fl. 388; Proc. 5939, L. 10. 193
TT Mosteiro de Alcobaça, 3.ª Inc., mç. 4, doc. 184, fl. 3.
TT A.H.M.F, Mosteiro de Santa Maria de Aguiar (nº3), cx.2191.
TT A.H.M.F, Mosteiro de Santa Maria de Aguiar (nº3), cx.2191.
TT A.H.M.F. Mosteiro de S.João de Tarouca, cx.2255.
TT Fundo de Mosteiro de São João Baptista de Tarouca, Livro [dos] Graos de Noviciaria.
TT A.H.M.F. Mosteiro de Santa Maria de Salzedas, cx.2249.

FONTES CARTOGRÁFICAS

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1604 vorum: [Hendrik Hondius].
Índice

6 Prefácio | Luis Sebastian


8 Prefácio | Maria Alegria Marques
12 Introdução | Nuno Resende
CATALOGRAFIA
16 1| Mosteiro de São Pedro das Águias
Maria Leonor Botelho
22 2 | Capitel de Claustro com leões afrontados
Lúcia Rosas
28 3 | A sacralização dos espaços: o anel de oração do mosteiro de São João de Tarouca
Ana Sampaio e Castro
34 4 | A música na Ordem de Cister e os antifonários de Arouca
Manuel Pedro Ferreira
40 5 | O couto de Santa Maria de Salzedas: o marco territorial de Cimbres
Ana Sampaio e Castro
46 6 | As Granjas de Santa Maria de Aguiar: o caso da Foz da Ribeira de Aguiar
Luís Corredoura
52 7 | A Ponte fortificada da Ucanha
Ana Sampaio e Castro
56 8 | O Mosteiro e o Burgo
Ana Sampaio e Castro e Nuno Resende
64 9 | A escultura de Santa Bárbara em Cimbres
Nuno Resende
72 10 | São Sebastião e Santo Antão: duas pinturas revisitadas
Ana Cristina Sousa e Nuno Resende
80 11 | Frei Bernardo de Brito e os escritores dos mosteiros cistercienses do Douro
Nuno Resende
94 12 | O claustro do mosteiro de Nossa Senhora da Assunção de Tabosa: uma arquitectura «senza temopo»
Ana Cristina Sousa
104 13 | Espelhos de modelos: a pintura hagiográfica do coro da igreja de São João de Tarouca
Nuno Resende
112 14 | O coro do Mosteiro de Santa Maria de Arouca: uma leitura iconográfica
Ana Cristina Sousa
126 15 | VASCONCELOS: a história social de um prato
Nuno Resende
134 16 | Uma tigela brasonada de faiança coimbrã
Luís Sebastian
140 17 | Práticas sociais, quotidiano e emolumentos dos monges da Congregação de Alcobaça da Ordem de São Bernardo
Salvador Magalhães Mota
154 18 | O decreto de extinção das ordens religiosas: impacto nos mosteiros cistercienses do Douro
Célia Taborda
158 19 | O Romantismo literário e os mosteiros cistercienses do Douro: uma voz feminina entre ruínas
Nuno Resende
164 20 | S. João de Tarouca: as ruínas do Mosteiro (cliché e similigravura de Marques Abreu)
Maria Leonor Botelho
168 21 | Um «convento» de celulóide - Santa Maria de Arouca no filme Mulheres da Beira de Rino Lupo (1921-23)
Hugo Barreira
182 22 | A classificação do património imóvel: do Estado Novo aos nossos Dias
David Ferreira e Miguel Rodrigues
190 Projecto expositivo
192 Fontes e referências bibliográficas

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