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CATÁLOGO
COORDENAÇÃO EDITORIAL | Luís Sebastian
Nuno Resende
COORDENAÇÃO CIENTÍFICA | Nuno Resende
AUTORES DOS TEXTOS |Ana Sampaio e Castro
Ana Cristina Sousa
Célia Taborda
David Ferreira
Hugo Barreira
Lúcia Rosas
Luís Corredoura EXPOSIÇÃO
Luís Sebastian INICIATIVA | Direção Regional de Cultura do Norte (DRCN)
Maria Leonor Botelho ORGANIZAÇÃO | Museu de Lamego | Vale do Varosa
Manuel Pedro Ferreira FINANCIAMENTO | DRCN / ON2, O Novo Norte | QREN | FEDER | UE
Miguel Rodrigues APOIO | Liga dos Amigos do Museu de Lamego
Nuno Resende Escola de Hotelaria e Turismo do Douro-Lamego
Salvador Magalhães Mota DIREÇÃO | Luís Sebastian (DRCN | Museu de Lamego)
DESIGN GRÁFICO | Cristina Dordio COMISSARIADO CIENTÍFICO | Nuno Resende
FOTOGRAFIA | Ana Sampaio e Castro PROJETO MUSEOGRÁFICO | Nuno Resende
Biblioteca Nacional Digital Luís Sebastian (DRCN | Museu de Lamego)
Bruno Marques. DCRN © APOIO À ORGANIZAÇÃO | Alexandra Falcão (DRCN | Museu de Lamego)
Câmara Municipal de Vila Nova de Foz Côa GESTÃO DE RECURSOS HUMANOS E FINANCEIROS | Paula Duarte (DRCN | Museu de Lamego)
Diocese de Lamego DESIGN | Cristina Dordio
Hugo Pereira. DRCN © FOTOGRAFIA | Pedro Martins
Instituto Geográico do Exército EXECUÇÃO E MONTAGEM | Outros Mercadus, Lda.
José Pessoa. Museu de Lamego. DRCN © TRATAMENTO AUDIOVISUAL | Digitalframe, Lda.
Luís Corredoura TEXTOS | Nuno Resende
Luís Sebastian. Museu de Lamego. DCRN © TRADUÇÃO | Paulo Vaz (Escola de Hotelaria e Turismo do Douro-Lamego)
Nuno Resende SONOPLASTIA | Luís Sebastian (DRCN | Museu de Lamego)
Pedro Martins. DRCN © TEMA MUSICAL | Luís Sebastian (DRCN | Museu de Lamego)
Soia Catalão. DRCN © IMAGENS | Museu de Lamego (Lamego, Portugal)
Biblioteca Nacional de Portugal (Lisboa, Portugal)
GESTÃO FINANCEIRA | Paula Duarte (DRCN | Museu de Lamego)
Morgan Library (New York, United States of America)
PRODUÇÃO |Outros Mercadus
Bodleian Library (Oxford, United Kingdom)
EDIÇÃO | DCRN | Museu de Lamego | Vale do Varosa
Bibliothèque National de France (Paris, France)
FINANCIAMENTO | DRCN / ON2, O Novo Norte | QREN | FEDER | UE
Bibliothèque de la ville de Troyes / Mediatheque Grand Troyes (Troyes, France)
IMPRESSÃO | WGroup
ISBN | 978-989-98657-9-2
Österreichische Nationalbibliothek (Wien, Österreich)
DAVID FERREIRA
DCRN - Direcção Regional de Cultura do Norte
CÉLIA TABORDA
Universidade Lusófona do Porto
LUÍS CORREDOURA
Universidade de Évora
TÁBUA DE AUTORES 5
LUÍS SEBASTIAN
DCRN - Direcção Regional de Cultura do Norte
Director do Museu de Lamego
MIGUEL RODRIGUES
DCRN - Direcção Regional de Cultura do Norte
SALVADOR MOTA
Professor Associado da FCS da UCP – CR. Braga
Membro do CEFH e CITCEM
LUIS SEBASTIAN
DRCN | MUSEU DE LAMEGO
Na década de noventa do século XX assistimos em
DIRETOR DO MUSEU DE LAMEGO Portugal a um despertar para a importância e potencial
do que podemos designar de herança monástica. Inter-
venções de recuperação e/ou adaptação de mosteiros
como o de São Martinho de Tibães ou Santa Maria do
Bouro, ou conventos como os de Santa Clara-a-Velha
de Coimbra, foram em grande parte consequência
deste movimento, mas igualmente seus impulsionado-
res. À mudança na forma como olhávamos então este
património, juntou-se o desafio técnico e científico do
seu estudo e recuperação patrimonial e turística, o que
levou, por si só, a uma revolução na área, com o surgi-
mento de termos tão sintomáticos quanto «Arqueologia
Monástica».
Já em 1998, no âmbito das comemorações dos 900
anos da Ordem de Cister, realizou-se no Mosteiro de
Santa Maria de Alcobaça o Colóquio Cister: Espaços,
Territórios, Paisagens, pela mão do agora extinto Instituto
Português do Património Arquitetónico (IPPAR). Deste re-
sultaria a Carta de Alcobaça, documento onde ficariam
definidas especificamente as principais linhas orienta-
doras de salvaguarda, recuperação e valorização do
Património Cisterciense Nacional.
É neste contexto que se iniciam diversas intervenções
em edifícios monásticos, entre os quais se inclui o Já em 2012, com a afetação do Museu de Lamego 7
Mosteiro de São João de Tarouca, e mais tarde, o à DRCN, este passa por sua vez a assumir a gestão di-
Mosteiro de Santa Maria de Salzedas. reta do projeto Vale do Varosa, permitindo uma par-
Já com a extinção do IPPAR e a criação da Direção tilha de meios, potenciais e sinergias, pela primeira
Regional de Cultura do Norte (DRCN) em 2007, um vez possíveis.
especial interesse é dado à região duriense, entre- Nesta continuidade, o projeto «Cister no Douro»
tanto classificada pela UNESCO como Património da nasce da dupla intenção de divulgar o património
Humanidade em 2001. Dentro da herança histórica, cisterciense duriense e de contribuir para a conso-
e inclusive pelo papel direto que teve na construção lidação da sua investigação. A persecução deste
do Douro vinícola, a presença cisterciense na região duplo objetivo foi materializada em dois distintos mas
impôs-se novamente, e de forma natural, como ele- complementares suportes: expositivo e editorial
mento de destaque. O suporte expositivo materializou-se na construção
Neste âmbito, em 2009, a DRCN inicia o projeto Vale de uma instalação multimédia itinerante, de formato
do Varosa, que apesar de transversal ao vale deste versátil e adaptável, totalmente sustentada em ima-
pequeno rio afluente do Douro, incluía como princi- gem impressa e projetada, de discurso acessível,
pais monumentos os mosteiros cistercienses mascu- bilingue, tendo por alvo um público generalista e di-
linos de São João de Tarouca e de Santa Maria de versificado, nacional e internacional, destinada a ser
Salzedas. Dando consequência a intervenções ante- instalada em espaços públicos de grande afluência.
riores, entre as quais se destaca a integral escava- O suporte editorial consubstanciou-se numa publi-
ção arqueológica do mosteiro medieval de São João cação que, indo para além do convencional formato
de Tarouca, realizada entre 1998 e 2009, este projeto de catálogo, procurou reunir um diversificado con-
Vale do Varosa veio não só tornar possível grandes junto de investigadores que, no todo, contribuíssem
obras de recuperação do edificado, mas igualmente para uma visão geral e multifacetada do fenómeno
apostar na maior divulgação deste património. cisterciense na região, à luz do conhecimento atual.
MARIA ALEGRIA MARQUES
8 A presente obra assume-se como o repositório de
mais uma das muitas e sedutoras experiências com
que o Museu de Lamego tem brindado o público nos
últimos anos. Com efeito, ela é, afinal, o Catálogo de
uma exposição organizada por esse Museu e pela
Direcção Regional de Cultura do Norte, sobre a pre-
sença cisterciense no Douro. Edita a obra o Museu de
Lamego, em mais uma acção de relevo nos seus fins
culturais.
Comissionada por um jovem académico, de pro-
vas dadas, – Nuno Resende –, já de si, a exposição
assumiu-se como um evento pouco comum, por
vários aspectos. Em primeiro lugar, assinalemos o
ineditismo da sua inauguração: na Cidade Invicta,
tendo tido por local a estação da Casa da Música,
do Metro do Porto, um local muito frequentado, mas
pouco utilizado em matérias culturais. Em segundo
lugar, sublinha-se a actualidade das técnicas utiliza-
das, imagem e som, bem de acordo com o sentido
de inovação e modernidade que se liga à Ordem
que se pretendia celebrar. Assumia-se, assim, quer
pelo apelo do espaço, quer pelas técnicas utilizadas,
como um convite ao cidadão que passava, atrain-
do-o e envolvendo-o numa mensagem em que a
imagem e o som projectados tinham um papel pri- sou a região e os séculos, e outros a ficarem-se pelo 9
mordial. nome pouco mais que circunscrito à região onde se
Pretendia-se, assim, que cidadão que passava, implantaram.
«ouvia» e, acaso, «via», e «visitante» que «via» e «ou- Não encontraremos, nela, uma história das citadas
via» se tornassem, afinal, um único, na interrogação abadias. Antes, ela oferece uma reflexão sobre al-
de um passado e na fruição de uma herança. guns aspectos, por vezes muito pouco conhecidos ou
Quanto à obra que ora se apresenta, como o nome porque circunscritos, ou porque pouco estudados, o
indica – Cister no Douro –, ela debruça-se sobre o que significa que a obra é compartimentada e muito
conjunto de mosteiros situados na bacia do Douro diversificada nas suas temáticas.
que se ligaram a Cister, embora tenhamos de re- No entanto, podemos achar também textos de
conhecer que é bastante alargado o conceito ge- âmbito mais lato, enquadradores de problemáticas
ográfico em questão. Situados a Sul do Douro, mais e de tempos, como o são aqueles que se debruçam
ou menos afastados desse rio, são eles, os mosteiros sobre a extinção das ordens religiosas («O decreto
de S. João de Tarouca, Santa Maria de Salzedas, S. de extinção das ordens religiosas: impacto nos mos-
Pedro das Águias, Santa Maria de Aguiar, São Pedro teiros cistercienses do Douro») e nos elucidam sobre
e São Paulo de Arouca e Nossa Senhora da Assunção o modo como os homens e, sobretudo, os poderes,
de Tabosa. do século XX e já do XXI se posicionam acerca do
Como se conclui, constituem um conjunto alarga- entendimento da herança cisterciense e do modo
do e heterogéneo, quer pela qualidade dos seus ha- da sua preservação e transmissão aos vindouros («A
bitantes – homens ou mulheres –, quer pelo tempo em classificação do património imóvel: do Estado Novo
que surgiram – a maioria surgiu na época medieval aos nossos dias»), temáticas que, afinal, ultrapassam,
–, quer, ainda, pelo protagonismo que lograram no até, a herança cisterciense.
contexto da história da Ordem de Cister em Portugal, Especifiquemos alguns elementos da obra.
com alguns a granjearem uma fama que ultrapas- Em primeiro lugar, realce-se que ela reúne a cola-
boração de 12 autores – Ana Sampaio e Castro, Célia da Ribeira de Aguiar, respectivamente); do carácter
Taborda, David Ferreira, Hugo Barreira, Lúcia Rosas, atractivo do mosteiro, com a existência de um burgo
Luís Corredoura, Maria Leonor Botelho, Manuel Pedro à volta da casa monástica, prova do seu relaciona-
Ferreira, Miguel Rodrigues, Nuno Resende, Salvador mento e interpenetração com a comunidade envol-
Magalhães Mota e Saul Gomes –, que assinam, indi- vente, como em Salzedas.
vidualmente ou em conjunto, 23 entradas. Como se Já a espiritualidade nos surge por via do tratamen-
conclui, constituem, um conjunto assinalável, na sua to de temas específicos, ilustrados em textos acerca
maioria de jovens e promissores autores, ao lado de do significado do claustro (ilustrado com a elegante
alguns nomes já consagrados nos estudos portugue- realização em Tabosa); da apresentação e interpre-
10 ses, muito embora a sua ainda ou relativa juventude. tação de programas iconográficos quer expressos
Quanto às matérias versadas, cingindo-se às casas em pintura, quer em escultura, em casos diversos
cistercienses do vale do Douro ou a aspectos mui- como Tarouca, Salzedas e Arouca; da consideração
to específicos delas, tornam a obra heterogénea, ao da música nos mosteiros cistercienses, aqui represen-
mesmo tempo que atraente, porque diversificada. tada pelo caso de Arouca; e, por fim, pela ilustração
Por opção ou por condição, as diversas casas mo- do quotidiano dos monges, seja por via da reflexão
násticas apresentam uma cobertura bastante varia- acerca da vivência do tempo nos mosteiros, seja
da, talvez até mais que o esperado, uma vez que al- pela consideração das várias facetas do quotidiano
gumas temáticas se podem rastrear em todas elas. num mosteiro.
De todo o modo, encontram-se assuntos clássicos Contudo, e atendendo a que não há categorias
nos estudos cistercienses, sejam de natureza mate- puras, alguns dos itens enunciados acabam por cru-
rial, do mundo das infra-estruturas económicas ou zar-se com outras realidades. Assim, a espiritualida-
das realizações artísticas, sejam do campo da espi- de linda com a liturgia e a simbólica, como no caso
ritualidade. do estudo do anel de oração de Tarouca, da escultu-
Assim, são tratados problemas de implantação ra de Santa Bárbara em Cimbres, ou dos programas
das abadias, aqui ilustrados através do caso de São iconográficos de capitéis, cadeirais, decoração de
Pedro das Águias; da arte primitiva de Cister (capi- coros, com os últimos e penúltimos a levarem-nos
tel de Salzedas, do século XII, ao que tudo indica da também à descoberta da arte, seja na expressão
chamada abadia velha); da organização do domí- da escultura e da pintura, seja, ainda, ajudando à
nio e das características e realizações da economia compreensão das mentalidades, pois tais peças são
cisterciense (os coutos, com os respectivos marcos e também o reflexo de um tempo e dos homens e não
outros sinais arquitectónicos, e as granjas, ilustrados só daqueles que os realizaram, mas também e com
com o caso do padrão de Cimbres e da singular torre mais interesse ao nosso intento, daqueles ou daque-
ou ponte fortificada de Ucanha, e da granja de Foz las que as encomendaram.
Finalmente, há que considerar ainda outros dois a fotografia» e «O mosteiro de Arouca e o cinema»).
importantes campos que o responsável pela obra No ano em que se perfazem 900 anos sobre o reju-
houve por bem fazer considerar. Referimo-nos às ex- venescimento que representou a fundação de Clara-
pressões literárias cultivadas ou suscitadas por estes val por Bernardo de Fontaine, saúda-se a publicação
mosteiros, campo em que cumpre destacar o inte- desta obra. Fruto de uma parceria entre duas institui-
ressante e importante artigo sobre o controverso «Frei ções que, claramente, assumem o seu papel e a sua
Bernardo de Brito e os escritores cistercienses nos responsabilidade em matérias culturais e na valori-
mosteiros do Douro», e, de um outro modo, também zação e dinamização de uma região que a Ordem
um outro, intitulado «O romantismo literário e os mos- de Cister moldou – ou ajudou a moldar – ao longo de
teiros cistercienses do Douro: uma voz feminina entre séculos (salientem-se as reminiscências ainda pre- 11
ruínas», misto de história e memória. E, por considera- sentes até na organização física do espaço durien-
se a memória, leiam-se os muito interessantes capí- se), saúdem-se os autores e o Coordenador da obra.
tulos sobre pratos, ponto de partida para uma história Pelo seu labor, Cister no Douro não é, apenas, uma
de família ligada a mosteiros cistercienses, no caso memória, muito menos um slogan. Na expressão dos
Tarouca e Salzedas («Vasconcelos: história social de artigos que se seguem, descobrem-se realizações
um prato»), bem como para apresentar uma ten- multifacetadas, expressão de cultura e saber, de arte
dência individualizante entre as casas das diversas e de técnica, que ajudaram ao moldar da persona-
ordens e congregações, bem como, in limine, en- lidade única de um espaço, simultaneamente fautor
tre os seus membros («Tigela brasonada de faiança da alma dos homens que o habitam e que, por isso,
coimbrã»). ganha em dimensão na projecção de uma memória
E se estas peças são, elas próprias, retalhos de ímpar do passado das suas terras.
vidas, exemplos de modas, expressões de técnicas
correntes, são também a manifestação de memó-
rias. De um tempo, de comunidades, de vidas. Nem
se conceberia uma obra deste teor sem esta impor-
tante parte da vida dos homens, a memória e a con-
sideração de algumas das suas diversas formas. Já
apresentámos alguns estudos que representam tam-
bém essa preocupação. Mas, num tempo de apelo
constante a técnicas e tecnologias, não se pode ad-
mirar que os autores tenham considerado dois cam-
pos de certo modo inovadores nos estudos cister-
cienses, a fotografia e o cinema («Marques Abreu e Pampilhosa, 30 de Abril de 2015
NUNO RESENDE | COMISSÁRIO CIENTÍFICO DE CISTER NO DOURO
CISTER NO DOURO:
MODO TDE
COMPOSIÇÃO
13
O que o leitor tem entre mãos é um catálogo de exposição.
Este esclarecimento é necessário porquanto durante o último século as historiografias e a museologia nos
habituaram à ideia dos conteúdos expositivos apresentados em listagens ou «filas» de objectos, por vezes des-
critos até à exaustão. Funcionalidade, materialidade e sequencialidade – como se a forma, o lugar e o tempo
fossem sempre determinantes para um conhecimento que, na solidão de uma sala de museu, nos confronta
violentamente com a obra de arte – esta por vezes apenas compreensível através de legendas ou de um
percurso delineado na arquitectura.
Não obstante tal experiência (nem sempre agradável e frequentemente redutora), entre o observador, a
obra e o lugar, esta ideia serviu para desenhar a exposição temporária Cister no Douro, onde a morfologia do
claustro, – espaço fechado – se transmutou em lugar de confluência, atracção e confronto.
Assim nasceu, em 2014, este projecto expositivo o qual, através da simulação de um lugar claustral e re-
correndo apenas à imagem e ao som, traçou uma viagem ao percurso da implantação e desenvolvimento
da Ordem de Cister na região do Douro. O título, ainda que vago por associar duas realidades à partida
dissemelhantes (uma histórica e humana e outra natural e geográfica) fundamenta-se nessa difusa articu-
lação entre ambas. Cister, uma antiga mas obscurecida ordem religiosa que o liberalismo português votou
ao esquecimento e o Douro, expressão supra-territorial que hoje constitui uma marca inegável de atracção
turística, ainda que essencialmente reconhecida pelo seu valor paisagístico.
Mas se a paisagem é uma construção (e é-o, naturalmente, quando mais não seja pelos olhos de quem
a interpreta) Douro e Cister cruzam-se para narrar um percurso iniciado no século XII entre os habitantes das
comunidades da região e os monges brancos que se instalaram a poucas léguas a sul do rio, num dos seus
afluentes, denominado Varosa. A ordem não se restringiu, porém, à parte setentrional da bacia hidrográfica
do Douro, acompanhando o movimento humano e político que ao longo dos séculos XII e XIII estendeu os
limites do crescente reino de Portugal para além do Tejo. Mas a concentração de um conjunto notável de
edifícios cistercienses erguidos ainda durante a idade média ao longo da antiga fronteira cristã que foi o curso
do Douro (Santa Maria de Aguiar, São Pedro das Águias, Salzedas, São João de Tarouca e Santa Maria de
Arouca), não pode passar despercebida na geografia religiosa nacional. De resto, a vitalidade não se perdeu
durante a medievalidade, porquanto na época Moderna, para além da renovação espiritual e arquitectó-
nica dos velhos mosteiros, dois novos espaços nasceram no mesmo território, aumentando a presença e o
testemunho cisterciense na «margem» sul do Douro: São Pedro das Águias e Nossa Senhora da Assunção de
Tabosa, este um instituto de monjas bernardinas sujeito aos rigores dos planaltos beirões.
Não é, pois, esta relação construída no anacronismo tantas vezes aproveitado pela moderna burocracia
de gabinete que, longe de compreender (ou querer compreender) a importância de se preservar o espírito
14 das coisas no seu lugar original, subverte geografias e cronologias para servir os projectos turísticos. Não é o
Passado, a História ou a Memória que se devem vergar às necessidades económicas do Presente, ou aos
desejos futurísticos das comissões de planeamento, mas antes o desejável contrário – o de que o património
possa contribuir, na sua autoridade temporal, para articular e proporcionar o bem-estar das comunidades ao
seu redor e o conhecimento aos visitantes que nele procuram a individualidade perdida entre a dissolução
estética da sociedade contemporânea.
Constituem, pois, os termos Cister e Douro, uma feliz associação consolidada pelos estudos que ora se apre-
sentam neste catálogo. Propício à construção de um reino o Douro, outrora fronteira, tornou-se território de
acção para a vocação aculturadora da ordem de Cister – aculturação aqui aplicada no triplo sentido da
palavra cultura, enquanto instituição espiritual (culto), fundada na matriz beneditina da oração e do trabalho
(cultura) e cujo elementos se entregavam à construção do saber (Cultural).
Confirmam-no os autores do presente conjunto de ensaios, alguns inéditos e reveladores, ora destacando
expressões materiais da Ordem, através da sua missão edificadora que semeou, afora as igrejas e respectivas
casas monásticas (cat. 1, 8), os marcos (cat. 5), as granjas (cat. 6) as pontes e vias (cat. 8) que são ainda o
testemunho da transformação do território duriense; ora elencando a importância dos locais sob a sua juris-
dição como centros de produção ou atracção artística (cat. 2, 9, 10, 13, 14), em que objectos, indivíduos,
práticas sociais (cat. 15, 17) e culturais (cat. 4, 11) modelaram a expressão homogeneizante deste conjunto
de mosteiros.
Organizado cronologicamente (doutra forma não poderia ser, pois é impossível fugir ao curso do tempo),
este catálogo procura elencar um conjunto de aspectos nem sempre presentes numa exposição conven-
cional. Desde logo ao recusar entregar ao objecto a primazia do individual. Esse modelo de catalografia,
centrado na descrição (por vezes exaustiva e exauriente) da peça, na elaboração de uma fortuna crítica
e na indicação do percurso da mesma até ao seu plinto expositivo, reprime a compreensão das razões e
das funções, dos meios e das práticas e, sobretudo, do seu significado total. Quando exposto numa vitrina o
objecto não respira e nós não respiramos com ele – ainda mais por que «prejudicados» pelas medidas preven-
tivas e de salvaguarda que as boas práticas de conservação reservam (ainda bem, claro!) para que não haja
contacto físico entre ambos.
Neste catálogo não há somente objectos, há propostas, há ideias – umas fundadas na materialidade de um
capitel (cat. 2), de um anel (cat. 3) ou na de dois pratos de faiança (15, 16), outras nas folhas de um romance
(cat. 19), numa fotografia de ruínas ou nos fotogramas de um filme sobre um amor trágico (cat. 21). Mas se
cada um dos exemplos indicados apresenta materialidade (e logo factualidade) - mormente através dos seus
suportes (pedra, madeira, papel, cerâmica, película, etc.ª) – também acolhe leituras e interpretações diver-
sas, mesmo quando apenas se dirige o olhar para parte desse objecto, como no caso aqui apresentado que
revê com mais atenção a imagem (ou imagens) da pintura de um desaparecido conjunto de tábuas associa- 15
do a Salzedas (cat. 10). Afinal de contas, não andaremos há muito a olhar para fragmentos e a apreciá-los
sem os compreendermos? Aliás, não teremos já perdido demasiado tempo muito tempo a observar de perto
o que ao longe se veria melhor?
E sempre presos à ideia de criação (da obra) esquecemos a sua destruição que é também parte da sua
materialidade, neste caso anulada ou transformada em ruína, por exemplo, para regressarmos ao fragmento
que, no caso de Cister no Douro, constitui um dos tópicos mais relevantes da sua História (cat. 19). Espoliados
do seu património humano logo depois de 1834 (cat. 18) os homens e mulheres dos mosteiros de Cister viram
o seu acervo perder-se, em parte enquanto materialidade, mas anos e décadas o mesmo património recon-
verteu-se num conjunto de propostas que apontam para novos caminhos (cat. 22).
Aos autores desta obra foi pedido que, no conjunto das suas aptidões e conhecimentos construíssem um
diálogo com e entre os objectos, as ideias, as formas, os textos e contextos, no sentido de construir (ou recons-
truir), entre palimpsestos, ruínas e fragmentos, não uma obra nova, nem definitiva, mas um alfobre de soluções
para, de mais longe e com mais liberdade procurar desenhar uma imagem com maior definição do Passado,
da Memória colectiva e do Património – que é, afinal, a súmula de tudo.
E o Douro, na sua luminosidade característica, nos seus horizontes rasgados e na intemporalidade do seu
lugar como encontro de caminhos, cremos, assim o permitiu.
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01 SÉCULOS XII-XX
MOSTEIRO DE SÃO PEDRO DAS ÁGUIAS
MOSTEIRO DE SÃO
PEDRO DAS ÁGUIAS
MARIA LEONOR BOTELHO
Na margem sul do rio Douro, São Pedro das Águias construído num local que apenas uma vocação ere-
(Tabuaço, Granjinha) afirma-se pelo carácter original mítica pode justificar. Se o movimento eremítico já
da sua implantação (figura 1) na orografia das mar- tinha alguma expressão entre nós no século XII (MAT-
gens do rio Távora. O carácter isolado deste eremi- TOSO, 1972), ocorreu assim uma maior receptividade
tério e que os condes portucalenses, em comunhão à nova forma de vida monástica, cujas afinidades ao
com a paisagem agreste envolvente, estava bem nível de um «culto da solidão» e do despojamento,
de acordo com os preceitos ascéticos da Ordem da auto-subsistência e da comunhão profunda com
religiosa de São Bernardo de Claraval (1090-1153). É a natureza, se tornam evidentes.
de suma importância o facto de este templo ter sido Tendo em conta as fontes documentais, só em 1205
Figura 1 | Implantação do Mosteiro de São Pedro das Águias. Foto Pedro Martins © DRCN 17
é que o Mosteiro de São Pedro das Águias foi citado cas, com as cabeceiras dirigidas para Oriente. Como
pela primeira vez e nas atas dos Capítulos Gerais de se sabe, existem razões teológicas que justificam a
Cister (SOUSA, 2005: 113 e BARROCA, 2000: II, I, 603). A orientação das igrejas cristãs e que permitem estabe-
sua filiação a São João de Tarouca deve ter ocorrido lecer uma série de paralelismos com as mesquitas e
algures durante os finais do século XII. Todavia, sabe-se sinagogas no que toca à relação dos edifícios com
que este mosteiro já existia no século XII, sob a forma os pontos geográficos (GUERRA, 1986). Além disso, ao
de eremitério e que os condes portucalenses, D. Henri- românico liga-se intimamente a teoria da «teologia so-
que e D. Teresa, o coutaram com um extenso território lar», a importância simbólica do nascer e do pôr-do-sol
(PÉREZ, 2010: 257-270). (figura 2). Ocupando toda a largura do socalco, a en-
18 Implantada num pequeno balcão, entre altas fragas trada ocidental de São Pedro das Águias está a curta
e declive abrupto sobre a margem esquerda do rio Tá- distância do maciço rochoso, quase esbarrando com
vora, esta igreja está assim perdida em isolamento e este. A igreja de São Pedro das Águias assume, pois,
implantada no sentido do declive por imposição da um lugar de destaque no panorama geral do româ-
regra de orientação das construções religiosas români- nico português, não só pela sua original implantação,
Figura 2 | Alçado sul e implantação do Mosteiro de São Pedro das Águias. Foto Pedro Martins © DRCN
mas também pelo carácter cuidado de toda a sua
fábrica construtiva e escultórica, esta última irmanada
do eixo Braga-Rates (BOTELHO, 2013, 513-526).
Característica abadia de montanha, São Pedro das
Águias ergue-se num «vale perigoso» (MARQUES, 1998:
317), conforme classificação do visitador quinhentista
Bronseval. No que à igreja concerne, único vestígio
remanescente da estrutura monástica que no século
XVI ainda mostrava ao visitador o dormitório e as ruínas
do seu claustro(figura 3), só a implantação no sentido 19
do declive pode justificar o desnível existente entre a
capela-mor e o corpo da igreja, este último ocupando
uma cota bem mais elevada do terreno. Deste modo,
no acesso ao interior da nave única há degraus des-
cendentes e o seu piso interior vai baixando progressi-
vamente em direcção à cabeceira rectangular.
O carácter de isolamento é cedo notado: em 1227
documenta-se um pedido do abade de São Pedro
das Águias para mudar a respectiva abadia de local,
qual abadia de montanha, edificada inicialmente em
local quase inacessível (MARQUES, 1998: 53). Mais tar-
de, aquele que veio a ficar conhecido como «antigo
mosteiro» foi abandonado pelos próprios cistercienses
que acabaram por fundar um «novo» nas proximida-
des (Tabuaço, Távora), em finais do século XVI.
Tendo em conta as características arquitectónicas e
escultóricas, mas também a tipologia da epígrafe do
portal lateral Norte (figura 4), propiciatória e apotro-
paica e que transcreve, adaptando, o texto do Salmo
121,8 – «O Senhor guardará a tua saída e a tua en-
trada, desde agora e para sempre» (apud BARROCA,
2000, II, I, p. 600-604), é bem possível que a igreja de
São Pedro das Águias tenha sido edificada no século
20
XII, muito embora a cabeceira possa ser, neste caso, na encontramos uma nítida influência do românico do
mais tardia. A ser assim, na construção deste eremité- foco bracarense, nomeadamente na composição de
rio não se seguiu a regra de construção de uma igreja animais afrontados, feita no sentido das aduelas.
na época românica e que geralmente era iniciada Em São Pedro das Águias materializa-se, assim, de
pela cabeceira. Tal facto apenas poderá ser justifi- forma significativa, uma relação muito peculiar entre
cado pela reduzida proximidade entre a fachada o território envolvente e a orografia que acolhe a ex-
ocidental e a escarpa abrupta, o que não invalidou, pressão física dos vestígios remanescentes dos mos-
contudo, que no seu portal, composto por três arqui- teiros que integraram a Ordem de Cister a partir do
voltas que se apoiam em leões-atlantes, quais figuras século XII, assumindo-se, seguramente, como um dos
guardiãs (figura 5), se desenvolvesse uma profusa e edifícios de mais original implantação neste contexto, 21
túrgida ornamentação escultórica. Na arquivolta inter- não só em Portugal, como ainda no quadro europeu.
Figura 5 | Pormenor da inscrição do portal lateral norte. Foto Pedro Martins © DRCN
02 SÉCULOS XII-XX
MOSTEIRO DE SANTA MARIA DAS SALZEDAS
CAPITEL
DE CLAUSTRO COM
LEÕES AFRONTADOS
LÚCIA MARIA CARDOSO ROSAS
Exemplar de exceção no românico português, dada mânico de Salzedas. Apesar destas afinidades entre o
a raridade de peças com escultura figurativa prove- românico do Poitou e o capitel de Salzedas, é sabido
nientes de claustros da época, e dada a qualidade que as comparações formais nem sempre permitem
do seu desenho e fatura, o capitel com dois leões estabelecer relações entre oficinas ou mesmo deter-
afrontados exposto no núcleo museológico de Santa minar a origem de um modelo, tal a amplitude da dis-
Maria de Salzedas convida a uma reflexão sobre a seminação dos temas e das formas.
arte românica portuguesa e, mais concretamente, so- O tema dos leões afrontados é, sem dúvida, um dos
bre o sentido das imagens figuradas em capitéis. mais glosados na arte românica da europa ocidental.
Embora a cabeça esculpida no capitel de Salzedas Encontramos este tema em capitéis de portal, arco
apresente alguma ambiguidade quanto à espécie triunfal, colunas que dividem as naves, tímpanos, re- 23
animal que representa, já que pode figurar um qual- levos encastrados nas fachadas ou capitéis de claus-
quer felino, a verdade é que a presença da juba, tro. Além do significado simbólico e iconográfico que
apenas incisa na peça, não oferece dúvidas quanto certamente tem, a figura do leão presta-se às cons-
à identificação de um leão. François de La Bretèque tantes que melhor caraterizam a escultura românica:
notou, a propósito da ambiguidade de algumas repre- o gosto pela simetria, o preenchimento do campo es-
sentações da época medieval que, por muito bizarra cultórico com a comprida cauda que permite efeitos
que seja a anatomia do leão, a juba funciona como visuais multímodos, como o prolongamento ornamen-
o signo principal da sua identificação (BRETÈQUE, 1985: tal do corpo do animal, o desdobramento de uma
145). Cremos, no entanto, que em alguns casos a juba figura com uma cabeça comum nas duas faces de
não seria esculpida mas unicamente pintada. Há re- um capitel ou a disposição que vemos na peça de
presentações de leões que não a figuram, como a Salzedas: dois leões com uma única cabeça, escul-
de um capitel da igreja de Saint-Pierre de Parthenay- pidos na mesma face da imposta-capitel. Este tema
le-Vieux (Poitou-Charantes) onde a inscrição LEONES é frequente em Castela, Leão e França, nomeada-
não deixa lugar para dúvidas sobre a identificação mente na região do Poitou onde o tema do leão, aí
dos animais. Neste caso a solução formal das cabe- particularmente glosado, já mereceu o estudo de M.
ças apresenta semelhanças com o capitel de Salze- I. Takeshita. Entre os vários modelos, o autor menciona
das. Num exemplar com policromia da igreja de Sain- a solução que apresenta dois leões esculpidos num
te Radegonde (Poitou-Charantes) está representado mesmo capitel com uma cabeça comum, indicando
um leão cuja juba é realçada a traços negros sobre numerosos exemplares patentes nas igrejas do Poitou
fundo amarelo, assim como os olhos, o nariz e a boca, (TAKESHITA, 1980: 43-45).
ou seja os elementos mais expressivos da figura. Este O tema dos leões afrontados tem inúmeras varian-
exemplar tem igualmente semelhanças, tanto no re- tes, ora apresentando leões com duas cabeças que
levo como no desenho, com o capitel do claustro ro- se afrontam na esquina do capitel, como no exemplar
24
do interior da igreja de S. Pedro de Rates (Póvoa de No românico português não é tarefa fácil entender
Varzim), ora se adossam na aresta e voltam as cabe- o sentido das imagens e, muito menos, as possíveis re-
ças que ocupam as duas faces do capitel, ora ainda lações temáticas entre os capitéis ou outros elementos
se mostram afrontados na mesma face de um capitel. esculpidos presentes numa mesma igreja. O número
Noutros casos os leões engolem uma figura humana, de capitéis românicos historiados com temas religiosos,
como no arco triunfal da igreja de S. Salvador de Bra- míticos e profanos, não ultrapassará uma centena e
vães (Ponte da Barca) ou, em composição de mais meia (ALMEIDA, 2001: 160) e poucos são os que apre-
claro sentido, integram a cena vetero-testamentária sentam um claro sentido. A figuração não aparenta,
de Daniel na Cova dos Leões (charola de Tomar), um na maior parte das vezes, fazer parte de um programa
dos temas mais comuns do românico do ocidente eu- iconográfico.
ropeu. As interpretações que a historiografia tem produzido
25
Figura 1 | Capitel do Claustro, Núcleo Museológico do Mosteiro de Santa Maria de Salzedas. Foto Luís Sebastian. © Museu de Lamego, DRCN
sobre esta questão são pouco conclusivas, ambíguas cultura dos capitéis: a noção de programa que, apli-
e até forçadas. Contudo, há exemplares que mere- cada à escala do décor da igreja, tende a sugerir que
cem uma renovada atenção à luz das noções propos- praticamente tudo foi previamente definido, deven-
tas por Jérôme Baschet, Jean-Claude Bonne e Pierre- do encadear-se com o objetivo de criar um discurso
Olivier Dittmar (BASCHET et al., 2012a). A noção de contínuo e unificado, e a noção de que a distribuição
agencement destina-se a repensar a disposição dos dos capitéis não corresponde a qualquer organização
capitéis, ou seja as relações das suas relações, com a coerente. A noção de agencement pretende ser mais
configuração arquitetónica e funcional do lugar ritu- ampla, mais rica e mais subtil do que as anteriormente
al. Esta noção pretende escapar aos dois postulados referidas (BASCHET, et al., 2012b), fornecendo um esti-
opostos que habitualmente enformam a análise da es- mulante modelo operativo.
Se a questão da dificuldade interpretativa se coloca
relativamente aos capitéis, encontramos um proble-
ma semelhante no que diz respeito aos temas escul-
pidos nos portais (cat. 1). Sendo a escultura românica
portuguesa muito marcada pelo gosto da escultura
vegetalista e geométrica, fenómeno que radica na in-
fluência das pré-existências dos séculos da Alta Idade
Média e da artesania moçárabe, não é muito frequen-
te encontrarmos programas figurativos com a erudi-
26 ção, dimensão e complexidade dos exemplares dos
outros reinos hispânicos. Os portais axiais de S. Salvador
de Bravães S. Pedro de Rates e S. Salvador de Ansiães
são, neste sentido, e de certa forma, excecionais no
panorama do românico português, embora estejam
longe de apresentar a mesma escala programática
e figurativa, quando comparados com outros exem-
plares europeus. No entanto, a raridade de progra-
mas iconográficos com temas religiosos não significa
a inexistência de um sentido das imagens nos portais.
Uma grande parte da escultura românica portuguesa
afirma a conceção do portal como Porta do Céu ou
Pórtico da Glória e tem um claro sentido apotropai-
co expresso ora em signos como o nó de Salomão, o
pentalfa ou os discos helicoidais, ora na presença de
animais míticos, como as harpias ou terríficos como a
serpente, o cão e o leão (ALMEIDA, 2001: 158-159).
Animal de guarda, e símbolo mais erudito que o cão
ou a serpente, o leão está presente com esse sentido
no portal sul de S. Pedro de Rates, na fachada oci-
dental de Santa Maria Maior de Tarouquela (Cinfães),
suportando o tímpano do portal axial de S. Pedro das
Águias (Tabuaço), em mísulas de S. Fins de Friestas (Va-
lença) e em S. Salvador de Ansiães (Carrazeda de An-
A SACRALIZAÇÃO DOS
ESPAÇOS:
O ANEL DE ORAÇÃO DO
MOSTEIRO DE S. JOÃO DE
TAROUCA ANA SAMPAIO E CASTRO
Fundado em 1140, através da carta de couto do Capítulo medieval, situada na ala dos monges, na
concedida por D. Afonso Henriques, o mosteiro cis- continuação do transepto. Esta parede apresentava
terciense masculino de S. João de Tarouca (Tarouca, uma técnica de construção similar a todas as outras
Viseu, Portugal) foi alvo de intervenção arqueológica medievais: duas faces de silhares graníticos sobrepos-
entre 1998 e 2007, no âmbito de um amplo plano de tos, com uma altura entre os 40 a 60 cm e com uma
reabilitação e musealização da responsabilidade da espessura total entre os 100 a 112 cm. O espaço entre
Direção Regional de Cultura do Norte/Secretaria de os silhares, tendo estes uma largura entre os 20 a 50
Estado da Cultura. cm, era ocupado por pedra de média e pequena
O mosteiro encontra-se implantado no vale do dimensão e argamassa de baixa aderência, sendo
rio Varosa, no cruzamento de duas linhas de água, exatamente neste local encontrado o anel. Este po- 29
apresentando uma planta tipicamente cisterciense sicionamento revela que a sua deposição ocorreu
(figura1). Até à sua extinção, em 1834, toda a área após a colocação da primeira fiada de silhares e res-
monástica foi sofrendo várias alterações com a rea- petivo enchimento com pedra e argamassa, depre-
daptação de espaços e construção de novos edifí- endendo-se assim que a segunda fiada terá selado o
cios a norte. anel no interior desta parede.
A intervenção arqueológica, direcionada para a O anel em prata (figura 2) apresenta um diâmetro
identificação dos vários espaços existentes, permitiu de 20 mm com 3 mm de largura e 0,7 mm de espes-
a identificação da função de cada uma das salas. sura, tendo de peso 0,85 g. A altura máxima das letras
Neste contexto o anel de oração foi exumado em é de 1,8 mm, encontrando-se gravadas através de
2001 aquando da definição da parede norte da Sala punção e incisão, sendo a primeira técnica mais re-
+
D – Deus absconditus, dives, destructor mortis
I – Imago Dei, intellectus invisibilis
A – Alpha et Omega admirabilis
+
B – Bonitas Bonus Messias mediator propheta(m)
E B E C H+
I – Iesus iustus procedens iudex vivoru(m) et mortuoru(m)
R +
S+
S – Salvator Sanctus splendor gloria(m)
+
S – Salvator salutaris Dei, seggregatus ab omni malo
S+
+
I D+
N – Novissimus sacerdos
A+
B I +S +S +A B
+
S – Serpens exaltatus in cruce vos q(ui) credis in ipso n(on) pereat s(e)d habeat vitam eternam
+
H – Homo, hostia, hostium
C – Candor lucis eternae, Christus, creator, consolator
E – Emanuel egenus
B – Bona radix Jesse, bonus et fidelis
E – Excelsior calis factus expectatio gentiu(m)
R – Redemptor rex regnum
+
Figura 3. Foto José Pessoa. © Museu de Lamego, DRCN S – Sancte Deus, Sancte fortis, Sancte et immortalis misere nobis
31
Figura 1 | Planta do mosteiro medieval de S. João de Tarouca. Figura Luís Sebastian. © Museu de Lamego, DRCN
04 SÉCULOS XII - XIII
MOSTEIRO DE SANTA MARIA DE AROUCA
A MÚSICA NA ORDEM
DE CISTER E OS
ANTIFONÁRIOS
DE AROUCA
MANUEL PEDRO FERREIRA
A música tem um papel central no culto cristão; ela liturgia e à música religiosa. Isto foi facilitado por uma
projecta a palavra revelada, sacralizando-a e ajudan- notação musical («notação aquitana») que represen-
do a modular o decorrer do tempo de acordo com o tava espacialmente a posição das notas em torno de
ritmo da liturgia (FERREIRA, 2007) (cat. 13). O carácter uma linha horizontal de referência, permitindo assim a
do antigo canto litúrgico é transversal aos vários ritos, cada indivíduo aprender sozinho uma melodia nova.
quer do Oriente, quer do Ocidente latino. Na Penín- Recordemos que a dimensão musical da liturgia ca-
sula Ibérica, após a unificação política imposta pelos tólica era baseada no canto a uma só voz, ou seja,
Visigodos, impôs-se um rito «hispânico» de que há tes- com uma única linha melódica, ainda que a execu-
temunho musical fragmentário no Palácio Episcopal ção coral fosse dominante. No repertório romano-
de Lamego. Trata-se de um bifólio, que serviu durante franco coexistiam então o canto gregoriano tradicio- 35
séculos como capa de livro, que inclui, entre outros nal e peças de variada índole: melodias recentes para
itens, o «Sono» Refugium meum deus meus, a «Laudes» o Ordinário da Missa, ofícios completos suscitados por
Laudate dominum a terra montes, e a leitura das La- novas devoções ou festividades, hinos comemorativos
mentações de Jeremias (III, 1-3) para o quinto domin- compostos em diferentes épocas, e um grande núme-
go da Quaresma (FERREIRA, 2010: 58-81). Atendendo a ro de amplificações do canto gregoriano destinadas
que a Catedral de Lamego foi reestabelecida na sua a solenizar ou sublinhar a sua inserção litúrgica, mor-
dignidade eclesiástica pelo rei de Leão e Castela, no mente «tropos» e sequências de Aleluia com ou sem
terceiro quartel do século XI, é possível que este frag- texto próprio («prosa»). Com a chegada triunfal, em
mento fosse originalmente parte de um livro de origem meados do século XII, da Ordem de Cister, foi impor-
castelhana ou leonesa. Após 1080 deu-se a substitui- tada e disseminada no ocidente da Península uma
ção do rito hispano-visigótico pelo rito romano-franco versão sistematicamente depurada e bastante parti-
(o rito da cidade de Roma, reinterpretado e suplemen- cular das melodias gregorianas e um hinário preten-
tado pelos clérigos do Império carolíngio aquando da samente restaurado, baseado na tradição milanesa;
sua adopção na segunda metade do século VIII). As a notação musical usada até ao início do século XIII,
antigas melodias hispano-visigóticas, registadas por neumas do nordeste francês dispostos sobre pauta,
escrito através de neumas melodicamente imprecisos, com características particulares, é sintomática da fi-
deixaram de ser ensinadas e foram esquecidas, com liação em Claraval dos mosteiros cistercienses portu-
poucas excepções. Para que os clérigos pudessem gueses (extensiva a quase todos os mosteiros galegos,
aprender as melodias romano-francas (o chamado em contraste com o sucedido em Leão, onde Cîteaux
«canto gregoriano»), importaram-se livros, métodos de estabeleceu o importante mosteiro de Carracedo, ou
ensino e professores, maioritariamente vindos do sul e Castela, dominada por Morimond).
sudoeste de França (sobretudo da Aquitânia), que ti- A Ordem de Cister distinguiu-se, nos primeiros séculos,
nha uma pujante tradição regional no que respeita à pela definição, imposição centralizada e observância
estrita de regras em todos os campos da actividade participarem regularmente no Capítulo Geral, reu-
monástica. Na definição dessas regras, os cistercienses nido anualmente em Cister para discussão de casos
foram norteados pela vontade de regresso às fontes particulares e aprovação de normas estatutárias. Por
primitivas. Assim aconteceu com a Regra de S. Bento, vezes havia dispensas transitórias. Por volta de 1200, a
com a pronúncia do latim, com a selecção do hinos e tolerância máxima de não-comparência para aba-
com a eleição da tradição melódica gregoriana. dias distantes como as da Escócia era a presença a
É, de facto, sabido que na primeira metade do sé- cada quatro anos, extensível a cinco por motivo de
culo XII a Ordem de Cister procurou chegar a uma edi- força maior; mas já em 1211 a regra para o abade de
ção do canto gregoriano o mais fiel possível às origens; Aguiar (então um dos mosteiros mais importantes do
36 para tal começou por adoptar a tradição de Metz, re- reino de Leão) era a comparência ano sim, ano não.
putada a mais antiga, mas, perante a insatisfação de Ora, em 1197 são desculpados pelo Capítulo Geral os
muitos monges (que recusavam admitir a autentici- abades ibéricos que não haviam comparecido por
dade do seu idiomatismo germânico), a Ordem criou causa das incursões muçulmanas ocorridas no centro
uma edição musical própria (FERREIRA, 2003). da Península, mas encarrega-se o abade de Aguiar
Tal como explicado pelo próprio S. Bernardo no Pro- de distingui-los dos que faltaram sem motivo, e que
logus in antiphonarium, os seus antecessores, por volta devem, portanto, cumprir uma penitência (BORGES,
de 1110, decidiram que «nos louvores divinos devia 1998; CANIVEZ, 1933).
cantar-se segundo o que fosse mais autêntico»; de- Neste contexto, a originalidade dos livros cistercien-
pois de se adoptar o antifonário da catedral de Metz, ses copiados em Portugal é necessariamente limitada,
e tendo concluído que este era corrupto, os monges mas pode ser identificada na adopção de tradições
continuaram a usá-lo até que num Capítulo Geral re- locais (sobretudo relativas ao santoral), no desenvolvi-
alizado entre 1135 e 1140, «decidiram que devia ser re- mento do culto mariano, na adição de hinos e mesmo
visto e corrigido» (GUENTNER, 1988: 152). Esta segunda na composição polifónica (FORTU, 2014). O principal,
reforma, promulgada entre 1142 e 1147, foi preparada senão único, centro de produção manuscrita de livros
sob a supervisão de S. Bernardo por uma comissão de de coro em Portugal era Alcobaça. O repertório cis-
especialistas, provavelmente presidida por Guido Au- terciense foi posteriormente adoptado pelos mosteiros
gensis, abade e autor de um detalhado tratado musi- femininos de Lorvão e Arouca, refundados com patro-
cal, Regulæ de arte musica (MAÎTRE, 1995). cínio real nas primeiras décadas do século XIII.
Os livros de canto, em qualquer parte da Europa A adopção do uso Cisterciense implicava o recur-
onde houvesse mosteiros cistercienses, deviam copiar so aos livros, ao conselho e à instrução providenciada
até ao mínimo detalhe o modelo centralmente apro- por monges cistercienses. O mosteiro cisterciense mais
vado. As actualizações das rubricas e do repertório próximo, S. João de Tarouca era, a par do mosteiro de
eram facilitadas pela obrigatoriedade de os abades Alcobaça, um dos mais importantes mosteiros portu-
gueses. Os manuscritos de Arouca, contudo, nunca o grande diversidade de opiniões, muitas vezes infun-
mencionam. Em contrapartida, o testamento da Rai- dadas. A óbvia pertença deste par de antifonários a
nha Mafalda beneficia Salzedas, perto de Lamego, e uma série de manuscritos musicais que inclui também
Alcobaça a sul. Dona Urraca Viegas de Tuías, dama o Gradual de Lorvão (actualmente na Torre do Tom-
importante da região de Lamego, ligada ao mostei- bo), o antifonário do mosteiro burgalês de Las Huelgas
ro de Salzedas, onde foi sepultada, havia educado e o fragmento musical nº 11 da Biblioteca Nacional,
D. Mafalda como se fora sua filha, deixando-lhe em faz com que a datação deva ter em conta toda a
herança grande parte das suas propriedades. Pela série, bem como a produção manuscrita alcobacen-
leitura do testamento de D. Mafalda, tomamos co- se que lhe serve de contexto, o que aponta para a
nhecimento de que Alcobaça lhe devia uma quantia última década do século XII (FERREIRA, 2013). A análise 37
considerável, embora a tivesse presenteado com uma das iniciais iluminadas revela a presença de um estilo
Bíblia. É assim provável que Alcobaça tenha fornecido decorativo típico de Alcobaça — a avaliar pelos res-
livros litúrgicos a Arouca e ajudado a implementar as pectivos Missais e Legendário —, e próximo daquele
suas novas rotinas monásticas. que, desenvolvido ao longo do século XII, se encontra
Arouca conserva um importante grupo de manus- disseminado por volta de 1200 a norte e sul do Canal
critos litúrgicos. Entre estes, avultam quatro códices da Mancha (MIRANDA, 1995, 1998; FREILE, 2007).
que perfazem dois antifonários completos, compre- Quanto ao par 22/23, o seu estilo decorativo, se
endendo cada um deles dois volumes; o conjunto bem que relativamente rico, é claramente diferente
mais antigo — Mss. 21/25 (olim 1*/2*) — é datável dos do par 21/25 (as iluminuras encontram paralelos, por
finais do século XII, e o restante — Mss. 22/23 (olim exemplo, no Sacramentário de Fitero, de c. 1200); a
3*/4*) —, do primeiro quartel do século XIII (FERREIRA, sua origem é possivelmente espanhola. Este não seria
2009). O facto de que um coro monástico requeria caso único em Arouca, pois o seu Colectário, estu-
dois antifonários, um para cada lado do coro, e a dado por Manuel Joaquim, foi importado da Galiza
circunstância de nenhum outro antifonário ter esta- (JOAQUIM, 1957); neste manuscrito, a análise dos ín-
do, que se saiba, em uso em Arouca, sugere que am- dices litúrgicos permite concluir que o conjunto das
bos os antifonários acima referidos estão em Arouca capítulas e colectas e, provavelmente, a secção do
desde c. 1225; a análise interna dos mesmos aponta Ofício de defuntos datam de c. 1228 ou copiam sem
para a mesma conclusão. alteração um modelo desse ano, enquanto o calen-
Os volumes 21/25 são um dos mais brilhantes teste- dário e as notas de cômputo que encabeçam o vo-
munhos da tradição manuscrita de Clairvaux, trans- lume foram escritos em 1231.
plantada para Alcobaça primeiramente aquando da Não são somente a impressionante qualidade artísti-
sua fundação, e novamente em finais do século XII. ca, a data recuada e o bom estado de conservação
A sua datação e a sua origem têm dado azo a uma que fazem dos antifonários 21/25 de Arouca testemu-
nhos artísticos e musicais de primeira ordem, mas tam- duas peças a duas vozes acrescentadas ao Gradu-
bém a presença, no Ms. 25, de uma adição rara: um al de Hauterive (Oxford, Bodleian Library, lat. liturg.
hino a São Bernardo, escrito para duas vozes por volta d.5), que, embora incaracterísticas, se costumavam
de 1225, num estilo bastante arcaico para a época. considerar o primeiro exemplo histórico conhecido de
O códice recebeu nova encadernação em 1483; um polifonia cisterciense. O discante a S. Bernardo passa
bifólio solto, escrito nas páginas interiores, foi integrado portanto a partilhar com estas peças o estatuto de
no volume e corresponde desde então aos seus fólios mais antiga polifonia cisterciense, sendo ainda, das
2 e 3. No fólio 2v, vêem-se dois hinos em honra de S. três composições, a única a ilustrar uma devoção ca-
Bernardo, copiados na primeira metade do século XIII, racterística da Ordem de Cister (edição musical e gra-
38 provavelmente por altura da introdução em Arouca vação em CD in FERREIRA, 2008).
do uso monástico cisterciense (FERREIRA, 2010: 212-54). Apresentam-se de seguida alguns excertos do texto
O hino que encima o fólio, «Exultat celi curia», aparece musicado, numa tradução semanticamente exacta,
com notação musical para duas vozes, dispostas uma embora poeticamente aproximativa:
por cima da outra. Apesar do aspecto modesto, trata- Exulta a corte do Céu, alegre com júbilo festivo;
se do documento polifónico mais antigo até hoje en- folga a Santa Madre Igreja com o seu santo filho.
contrado em Portugal. Para além deste facto, que por Bernardo, desde pequeno, grande virtude mostrou;
si só lhe asseguraria uma importância excepcional, o do mundo, em virginal graça, vencedor desabro-
hino de Arouca é sensivelmente contemporâneo de chou.
Figura 2 | Arouca, Museu de Arte Sacra, Ms. 21 (Antifonário, c. 1195). Início do responsório Quadraginta dies et noctes.
Fotografia Diogo A. Veiga © CESEM.
Figura 1 | Arouca, Museu de Arte Sacra, Ms. 21 (Antifonário, c. 1195). Início do responsório Angelus Domini descendit.
Fotografia Diogo A. Veiga © CESEM.
[...] Amante da solidão, servir a Deus desejava; XVII, sem cota, com encadernação mole de carnei-
palavras de admirável doçura escrevia, lia e ensi- ra castanha. O volume transmite composições sacras
nava. normalmente a 4 vozes (por vezes a 5 ou a 3 vozes) de
[...] Bernardo, que as tentações do mísero mundo vários autores, muitos deles anónimos; os que apare-
tinha desprezado, cem identificados incluem o célebre Cristóbal de Mo-
ofereceu, da vida, o perfume, como um perfumoso rales (representado por um raro Magnificat), os com-
nardo. positores Manuel Mendes e Francisco Vellez, ligados a
[...] Maravilhosa era a sua simplicidade e grande a Évora, e Aires Fernandes, ligado a Coimbra, todos do
sua paciência; século XVI; e ainda músicos activos por volta de 1600,
enorme era a sua caridade e também a sua sapi- como António de Oliveira, Simão dos Anjos de Gou- 39
ência. veia e Frei João Leite Azevedo, também conhecido
Em louvor da santa Virgem Maria, livros fez editar; por D. João dos Mártires; completa a lista de autores
da Mãe de Deus e do Homem nos legou louvor um enigmático «Brasil». O códice foi recentemente
exemplar. objecto de uma dissertação exemplar, que demons-
Anote-se ainda a presença em Arouca de um livro trou a sua vinculação interna ao ambiente cistercien-
de música polifónica da primeira metade do século se (CARVALHO, 2012).
Figura 4 | Arouca, Museu de Arte Sacra, Ms. 22 (Antifonário, c. 1220). Cânticos para primeiro domingo do Advento e
sábado anterior, incluindo o início do responsório Aspiciens a longe. Fotografia Diogo A. Veiga © CESEM.
05 SÉCULO XII
CIMBRES
COUTO DO MOSTEIRO DE SANTA MARIA DE SALZEDAS
O COUTO DE SANTA
MARIA DE SALZEDAS:
O MARCO TERRITORIAL
DE CIMBRES ANA SAMPAIO E CASTRO
Durante a Idade Média a delimitação de domínios 2 – Caminhos: «strada mourisca», «viam couam» e
era comummente demarcada fisicamente através «viam antiquam» (AZEVEDO, 1958: 315-316; 354-
da colocação de marcos ou padrões de pedra. Os 355).
mais usuais são aqueles de secção circular e dispos- 3 – Termos territoriais: «divisionem Sancti Felicis»,
tos verticalmente no solo, apresentando uma ins- «cautum Palacioli et Sever», «cautum de Leo-
crição no topo relativa ao proprietário do domínio. mir», «parte per Serzedo», «dividit per Sancto
Eram colocados em locais onde não existiam qual- Martino das Caas», «Ceimada», «Lamego» e
quer tipo de elementos geográficos ou humanos que «Hermamar» (AZEVEDO, 1958: 291-292; 315-316;
pudessem servir de limite, sendo escolhidas áreas 354-355).
onde poderiam ocorrer disputas territoriais com ou- Uma das primeiras notícias referentes ao couto de 41
tros senhores ou populações. Argeriz data de 1135, onde Egas Moniz e Teresa Afon-
A fixação dos limites de um couto seguia pelo me- so adquirem propriedades em S. Pedro e Cimbres1
nos dois tipos de elementos – geográficos e humanos. (cat. 9). Argeriz agregava um vasto território, corres-
No primeiro podem-se incluir referências a linhas de pondente, grosso modo, a cinco freguesias atuais:
água ou elevações. O segundo apresenta normal- Ucanha, Granja Nova, Vila Chã da Beira e Salzedas
mente como limites monumentos funerários, cami- do concelho de Tarouca e Cimbres do concelho de
nhos, termos territoriais de outros domínios ou estru- Armamar, sendo detido por Egas Moniz e após a sua
turas antrópicas. morte a sua segunda esposa, Teresa Afonso, herdou
No caso do couto do mosteiro cisterciense masculi- metade (FERNANDES, 1984: 28).
no de Santa Maria de Salzedas observamos o recurso Após a fundação do mosteiro de Santa Maria de
a elevações: «montem qui dicitur Aveis», «montis qui Salzedas e doação do seu couto por Teresa Afonso, o
dicitur Maoes», «sumitatem de Lamelas», «Saxo», «Poi- topónimo Argeriz desapareceu, sendo substituído por
jo», «Ledanarium», «montem de Almudafaz», «Montem aquele de origem monástica.
Rasum» (AZEVEDO, 1958: 291-292; 315-316; 354-355) e Entre 1152 e 1164 sucedem-se vários documentos
a linhas de água: «fontem de Felmiro», «Barosa», «pe- relativos ao couto de Argeriz, sendo referidos os seus
lago de Mauriano», «fontem de Salgueiro», «aquam limites em três deles. O primeiro, de 1152, é a carta
de Torno», «fontem de Centanaes» (AZEVEDO, 1958: de doação de D. Afonso Henriques a D. Teresa Afon-
291-292; 315-316). so. No segundo, de 1155, D. Teresa Afonso recebe
Relativamente a elementos humanos existe a pre- permissão real para a transferência do couto para o
sença de: mosteiro de Salzedas. E o documento de 1161 onde
1 – Monumentos funerários: «arcam de Mendo Her- D. Afonso Henriques outorga a carta de «firmidão» ao
mezendiz» e «arcam de Pelagio Randis» (AZEVE- mosteiro com a isenção dos direitos reais.
DO, 1958: 315-316). Analisando o trio documental e iniciando o percur-
so do término do couto a sul (figura 1), verificamos as laciolo et revertitur in torno et quomodo dividitur
seguintes referências: cum Sever atque cum seixas», correspondendo
1 – «per portum de Alvares», podendo ser atribuída à divisão com o couto de Passô («palaciole»),
à passagem do rio Varosa, provavelmente de sendo situada na junção do rio Torno com a ri-
poldras, junto à atual localidade de Dalvares beira de Santiais. Este limite segue o curso do
(FERNANDES, 1985: 57). rio Torno («per aquam de torno»), dividindo tam-
2 – «per illum montem qui dicitur Averiz» ou «et per bém com o couto de Sever e por Seixas.
montem de Almudafaz», correspondendo à 9 – «et dividit per illum cautum de Leomir et parte
elevação junto à presente povoação de Val- per Serzedo», «postea dividit cum Leomir per la-
devez. ginam de seixa» ou «et cum Serzedas», refere-se 43
3 – «per illum fontem de felmiro» ou «fonte de Sal- à partição pelo couto de Leomil e pela atual
gueiro», possivelmente alude a uma nascente freguesia de Sarzedo (concelho de Moimenta
de uma linha de água que corre em direção da Beira).
ao rio Varosa. 10 – «et per sanctum Martinum de Cas», «deinde ad
4 – «et quomodo dividitur cum summitatem illius sartaginem», «postea ad fontem de salgueiro»,
montis qui dicitur Maoes», reporta-se à eleva- «deinde per ledanarium» ou «et cum sancta
ção junto do atual sítio de Mões. Maria de Lobazaim et cum sartagine et cum
5 – «et per illam divisionem sancti Felicis» ou «dein- Sancto Martino per vallem de Cadellas et per
de ad cautum de cruzilada de sancto Felice», illum saxum de Ledenario». Limite pelo couto
refere-se a Sanfins, povoação com términos de S. Martinho das Chãs, posteriormente in-
próprios nesta época (FERNANDES, 1985: 99). tegrado no couto de Santa Cruz de Lumiares
6 – «per summitatem de Lamellas», corresponden- (FERNANDES, 1985: 100), sendo «sartaginem»
do à elevação nas proximidades do lugar de ou «sartagine» a fronteira oeste, entre os sítios
Lamelas. de Lameira Longa e Carvalhos, do couto de
7 – «et vadit per illum furatorium», «deinde ad capi- Santa Maria de Lobozaim. Este último, embora
ta de furadorio» ou «et per caput de furadoiro», tendo-se perdido o topónimo, corresponde-
embora presentemente não exista uma corres- ria à localidade de Castelo, no concelho de
pondência para este topónimo podemos supor Moimenta da Beira (FERNANDES, 1985: 58). A
tratar-se do cume («caput») de algum outeiro referência a «fontem de salgueiro» provavel-
denominado de «furatorium». mente relaciona-se com a nascente da ribeira
8 – «et dividit per illum cautum palaciole et Sever de Temilobos e «per vallem de Cadellas» ao
et per illas sexae», «deinde per aquam de torno vale formado por esta mesma linha de água.
cum palaciolo» ou «quomodo dividitur cum pa- «Ledenario» ou «ledanarium» reporta-se ao
Figura 1 | Limite do couto do mosteiro de Sta Maria de Salzedas. Figura Ana Sampaio e Castro
monte Ladário, atual Senhora da Graça (Cim- 2) e 2 - que, possivelmente, aqui foram colo-
bres, Armamar), ainda assim denominado por cados evitando disputas territoriais com estas
Fr. Baltasar dos Reis (2002a: 12) nos inícios de povoações.
século XVII. 12 – «et per illo poio et venit ad Barosam», «postea
11 – «et per illa strada mourisca et per Ceimada», per Laginam», «deinde per valem viridem», «di-
«postea per viam covam», «postea ad arcam viditur cum Lamego per pelago de Mauriano»
de Pelagio Randis», «postea ad arcam de ou «atque cum illa ficulnea de area petrina et
Mendo hermezendis», «deinde aqua vertente cum Lameco per vallem viridem et intrat in Ba-
cum Queimada» ou «et cum sancta Cruce per rosam». «poio» deverá corresponder ao monte
44 aucturas atque cum Hermamar et per illam ar- onde se ergue a capela de S. Lourenço, iden-
cam de Pelagio Randiz et per illam viam anti- tificando-se aqui também um marco (Marco
quam usque in montem rasum». A referência a 5). «per Laginam» adequa-se ao limite anterior
«strada mourisca», «viam antiquam» ou «viam a este marco, entre o monte designado por
covam» corresponde a uma via que de Quei- Raso e a capela de S. Lourenço. «vallem viri-
madela ligava a Santa Cruz de Lumiares (CAS- dem», topónimo atualmente inexistente, pode
TRO, 2014: 46). «arcam de Pelagio Randiz» e ser interpretado como o vale imediatamente
«arcam de Mendo hermezendis» sugere como a seguir à elevação da capela de S. Louren-
limite túmulos de senhores que nesta época ço, dirigindo-se para o rio Varosa. «pelago de
eram colocados em locais de passagem (FER- Mauriano» é o atual Poço de Mourão, junto
NANDES, 1985: 59), tendo posteriormente sido ao rio Varosa. «ficulnea de area petrina» é de
substituídos por marcos (Marco 3 e 4). «sancta difícil interpretação, podendo contudo cor-
Cruce per aucturas», «Ceimada», «Hermamar» responder à fronteira entre o monte Raso e a
e «montem rasum» refere-se aos términos de capela de S. Lourenço, pois a linha posterior
Santa Cruz de Lumiares, Queimada, Armamar é Lamego e «vallem viridem». O limite oeste
e monte Raso. Este limite está bem definido no do couto era definido pelo rio Varosa até ao
terreno através de marcos - Marco 1 ( figura primeiro ponto.
1. «in termino de Argeriz subtus Ledanarium discurrentibus rivulis Torno at Barosa» (FERNANDES, 1995: 204).
45
06 SÉCULOS XII - XIX
MOSTEIRO DE SANTA MARIA DE AGUIAR
AS GRANJAS
DE SANTA MARIA
DE AGUIAR:
O CASO DA FOZ
DA RIBEIRA DE AGUIAR LUÍS CORREDOURA
A presença da Ordem de Cister ao longo das mar- as separava. No entanto, dado o facto de a Granja
gens do Douro ocorreu em vários pontos, consoante da Foz da Ribeira de Aguiar ainda hoje estar intima-
a localização do mosteiro (cat. 1) e a facilidade de mente associada à maior riqueza local, i.é, à produ-
acesso ao curso de água. Em relação ao cenóbio de ção vitivinícola, o presente ensaio incidirá sobre esta
1
Santa Maria de Aguiar , situado nas proximidades de propriedade, em tempos património dos monges de
Figueira de Castelo Rodrigo, c. de 20km a sul do Dou- Cister, uma das onze granjas que outrora estava asso-
ro, as propriedades que este complexo monástico ciadas ao mosteiro em questão.
detinha junto ao grande curso de água poder-se-iam Em termos de implantação, a mencionada granja
resumir, basicamente, a duas: Granja de S. Cibrão e situava-se na freguesia de Almendra, concelho de
Granja e Pesqueira da Foz da Ribeira de Aguiar. Em Vila Nova de Foz Côa, numa «península» bordejada 47
termos geográficos, não era grande a distância que pelo rio Douro, a norte, e pela ribeira de Aguiar, a sul
Figura 1 |Granja e Pesqueira da Foz da Ribeira de Aguiar. Extracto da carta militar nº141 à escala aprox. 1: 50 000 -. Cerca de 3Km a nascente da actual «Quinta da Granja» localiza-
se o monte Castelo, sítio onde se encontram as antigas ruínas da cidade de Calábria. (imagem a partir de cartografia do Instituto Geográfico do Exército).
e poente, encontrando-se alcantilada (figura 1) no alto de decli-
vosas encostas que descem até ao leito destes cursos de água.
O seu acesso realiza-se através de um caminho de terra batida
que entronca na E.N. 322 e que também permite chegar às ru-
ínas existentes nas imediações do antigo povoado conhecido
como Calábria.
Presentemente propriedade da empresa Sogrape, ligada à
produção vinícola e comércio de vinhos, a «Quinta da Gran-
ja» – designação actual do local – estende-se por cerca de 80
48 hectares cobertos de vinha. Situada num local privilegiado, não
obstante os sinuosos acessos, apresenta um grande potencial
para exploração turística, graças à paisagem envolvente, e
fundamentalmente vitivinícola. Das construções existentes, há a
salientar o complexo de apoio à quinta, localizado no extremo
poente da mesma, sobre o local de encontro das águas da ri-
beira de Aguiar com o rio Douro. Edificado num estilo puramente
vernacular, não foi possível averiguar como é a distribuição dos
espaços interiores, situação que também impediu um melhor dis-
cernimento quanto à antiguidade das construções, supondo-se
que o existente remonta, quanto muito, ao século XIX – quiçá
edificado sobre outras mais prístinas –. Uma série de construções
avulsas, usadas como dependências pelos trabalhadores agrí-
colas junto à construção principal também desvirtuam o local,
impedindo uma melhor percepção da verdadeira dimensão da
(figura 2) implantação do edifício principal. Na margem oposta
àquela onde se situam estas construções, existem umas ruínas in-
teressentes cujo acesso se afigura quase impossível. Não se sabe
se pertenceram ao complexo cisterciense e qual terá sido a sua
função (figura 3).
Em termos históricos, a Granja da Foz da Ribeira de Aguiar está
indissociavelmente ligada à história da Granja de S. Cibrão, vis-
to ambas terem sido a «ponta da lança» do Mosteiro de Santa
Maria de Aguiar nas margens do Douro, rio sobremaneira impor-
Figura 3 | Vista nascente da parte urbana da «Quinta da Granja» Figura 4 | Vista panorâmica da encosta sul da «Quinta da Granja», repleta de vinhedo. A ribeira de
Aguiar delimita este lado da propriedade.
descrição dos limites desta quinta foi truncada (figura rias do Mosteiro de Santa Maria de Aguiar da Con-
4) na restante folha] (…). A Foz de Aguiar traz arren- gregação de Santa Maria de Alcobaça da Ordem
dada Francisco Martins, morador em Almendra, por de S. Bernardo», redigidas em 1785, refere que nesta
nove anos que se começaram por S. Marinho de mil data «ainda o Mosteiro possui esta quinta que borde-
quinhentos e quarenta e dois anos e há-de pagar ja os rios Aguiar e Douro6».
cada ano trinta fanegas de trigo e cem barbos de Desamortizada aquando da extinção das ordens
dois palmos e duzentas e cinquenta bogas, um bode religiosas em 1834 (cat. 18), passou pelas mãos de
e quatro perdizes e o pão por Santa Maria de Agosto vários proprietários, até ter sido adquirida há alguns
e as perdizes pelo natal e o bode pela Páscoa e as anos pela empresa Sogrape Vinhos. A actual «Quinta
bogas e barbos pela Quaresma». da Granja», cujo nome demonstra bem ser uma remi- 51
Fr. Manuel de Figueiredo, «cronista dos cistercienses niscência de outros tempos, é nos dias presentes uma
de Portugal e Algarves», nas suas «Abreviadas Memó- das principais unidades produtoras de uvas para vi-
nho desta empresa.
A PONTE FORTIFICADA
DE UCANHA
ANA SAMPAIO E CASTRO
Classificada Monumento Nacional pelo decreto apresenta balcões, assentes em cachorros, com ma-
de 23 de Junho de 1910 (DG, 1ª série, n.º 136) a ponte tacães servindo para o lançamento de projéteis. Este
fortificada de Ucanha (Ucanha, Tarouca), construída tipo de balcões surge no final de século XIII, durante
sobre o rio Varosa, constitui um dos raros exemplares o reinado de D. Dinis, tornando-se popular durante
ainda sobreviventes deste tipo de construções (figura todo o século seguinte e prolongando-se até ao iní-
1). A ponte, em cavalete, apresenta quatro arcos cio de século XVI (NUNES, 2006: 56). Atualmente o
quebrados e dois talhamares triangulares a montan- topo da torre tem telhado de quatro águas, obra
te. A torre, de planta quadrada, tem o piso térreo realizada pela DGEMN nos finais dos anos 30 do sé-
vazado por arco de volta perfeita, sendo o interior culo passado e enquadrada em várias intervenções
constituído por três pisos distintos. Os alçados oeste aqui efetuadas por esta instituição, nomeadamente 53
e este do primeiro piso têm pequenas frestas para a obras de demolição e reconstrução dos pisos interio-
entrada de luz. No segundo andar são observáveis res. Em fotografia publicada em 1933 nas «Memórias
janelas geminadas de perfil gótico nas faces oeste de Mondim da Beira» (VASCONCELLOS, 1933: 83, 85),
e este. O centro dos quatro alçados do terceiro piso a torre ainda conserva as ameias originais, quatro em
Figura 1 | Vista geral da ponte fortificada de Ucanha. Foto Pedro Martins © DRCN
cada aresta e uma a meio de cada face, sendo lar- bre o rio Côa, apresenta um tabuleiro em cavalete,
gas e altas, apontando para uma solução caracterís- três arcos quebrados, dois talhamares triangulares a
tica do século XV (NUNES, 2006: 38-39). montante e dois contrafortes escalonados a jusante,
Marcando a entrada no couto do mosteiro de San- sendo constituída por silhares siglados. A torre, situa-
ta Maria de Salzedas e como se lê em inscrição loca- da a sul, de planta retangular, atualmente só apre-
lizada na face exterior este, a torre foi edificada por senta o andar térreo, não se entrevendo qualquer
iniciativa do então abade do mosteiro, D. Fernando, silhar siglado. Alguns autores atribuem uma cronolo-
que ocupou o cargo entre 1453 e 1474 (VASCON- gia anterior ao Tratado de Alcanices (1297), embo-
CELLOS, 1933: 84). Contudo, Fr. Bernardo de Brito (BRI- ra ainda dentro do reinado de D. Dinis, motivando
54 TO, 1602: 292) aponta a data precisa de 1465 para a sua construção o controle eficaz do trânsito nesta
a edificação da torre, embora não apresente dados importante passagem entre dois reinos (BARROCA,
concretos que refiram este ano específico. Coloca- 2008-2009: 238). Para além desta só chegaram até
mos a hipótese da ponte atual já existir aquando da nós representações iconográficas ou descrições,
construção da torre, pois como é observável no alça- como no caso da ponte fortificada de Barcelos, que
do oeste a torre foi adossada à ponte (Figura 2), para apresentava uma torre quadrada com três arcadas
além de que as marcas de canteiro presentes na tor-
re são distintas daquelas encontradas nos silhares da
ponte (figura 3 e 4).
Até ao foral de D. Manuel (1504) que proíbe o pa-
gamento de portagem, a torre serviria como depósi-
to de géneros pagos pelos viandantes que a transpu-
nham. Por aqui passava a via em direção a Lamego,
para noroeste, e para sudeste para a zona de Vila
Nova de Paiva e Moimenta da Beira, sendo provável
a sua filiação romana, pois por aqui passaria uma es-
trada ligando Lamego à Beira Interior (CASTRO, 2013:
110). É assim possível a existência, no local da atual
ponte de Ucanha, de uma travessia de cronologia
mais recuada, ainda que não restem qualquer tipo
de vestígios materiais, indicando contudo uma cons-
trução em materiais perecíveis.
Em Portugal apenas subsiste mais um exemplo des-
ta arquitetura, a Ponte de Sequeiros, no Sabugal. So-
Figura 3 | Quadro com as marcas de canteiro mais comuns da ponte. Figura Ana Sampaio e Castro
Figura 4 | Quadro com as marcas de canteiro presentes em silhares e aduelas da torre. Figura Ana Sampaio e Castro
08 SÉCULOS XVI - XXI
MOSTEIRO DE SANTA MARIA DE SALZEDAS
O MOSTEIRO E O BURGO
ANA SAMPAIO E CASTRO
NUNO RESENDE
O lugar do Burgo, situado às portas da igreja e mos- estava o dito lugar de Argeriz. A reforçar a hipóte-
teiro de Santa Maria de Salzedas (figura 1) constitui a se de um povoado antigo neste local temos ainda
materialização urbanística das relações de indivídu- as evidências arqueológicas. De facto, na encosta
os leigos ao serviço da comunidade cisterciense, ou oeste da elevação da capela de Nossa Senhora da
dela dependentes, quase desde a sua fundação, no Piedade, encontram-se numerosos vestígios de frag-
século XII, até à atualidade (figura 3 cat. 22). mentos de cerâmica comum medieval e cerâmica
Aquando do início de construção do mosteiro, em de construção. A este exemplo junta-se o do Burgo
1168, provavelmente existiria já um pequeno aglo- próximo do mosteiro de S. João de Tarouca, situado
merado populacional nas suas proximidades. Como a poucos quilómetros de Salzedas, que já existiria an-
refere A. de Almeida Fernandes (FERNANDES, 1995: tes do estabelecimento monástico (SEBASTIAN et alii, 57
203) o território, designado por Argeriz, que se tornou 2008: 143).
couto monástico tinha como povoado principal Villa É após a implantação do mosteiro que este núcleo
Plana de Argeriz, situado no sopé da elevação onde se terá transferido para o local presente, designado
se ergue atualmente a capela de Nossa Senhora da por Burgo (figura 2). Atualmente este pequeno aglo-
Piedade. Esta capela, edificada no século XVIII sob merado, na sua maior parte desabitado, é constituí-
égide monástica, deverá ter substituído uma mais an- do por um conjunto de estruturas justapostas, onde o
tiga, possivelmente a igreja de S. Salvador de Argeriz espaço privado é mais representativo, originando um
a qual, segundo um documento datado de 1153, o tecido denso e irregular com ruas estreitas, sinuosas e
seu presbítero trocou pela de S. Silvestre de Britiande descontinuadas (figura 3).
(FERNANDES, 1984: 28). De um modo geral este conjunto apresenta habi-
Uma das primeiras referências documentais onde tações com dois pisos, paredes exteriores em alvena-
encontramos Villa Plana de Argeriz data de 1144 ria de pedra no andar inferior, normalmente utilizado
(FERNANDES, 1995: 204) e em 1150 é mesmo referida para guarda das alfaias agrícolas e/ou de gado, e
a villa de Argeriz numa carta de venda de proprieda-
des efetuada a D. Teresa Afonso (FERNANDES, 1984:
15). Fr. Baltazar dos Reis (2002: 23-24) no manuscrito
Breve relação da fundação e antiguidade do Mos-
teiro de Santa Maria de Salzeda de início de século
XVII menciona um local denominado por vinhas de
Argeriz, localizado num vale, junto da igreja de S. Sal-
vador de Argeriz, edificação então ainda existente,
onde no dito sittio de Argeriz se achão oje alicesses
e vestigios de edificios antigos, aonde parece que
de tabique no piso superior e nas divisões internas. deve-se a fatores como o clima ou a facilidade de
Esta técnica encontra-se, sobretudo, na designada acesso a materiais autóctones, evitando um custo
arquitetura vernacular das regiões do Alto Douro, acrescido na construção das habitações e paralela-
Trás-os-Montes e Beira Alta. Consiste na aplicação mente criando um ambiente mais estável no interior
de terra argilosa, amassada com água e fibras ve- das divisões.
getais (palha) como enchimento e sob elementos de Até à época moderna o lugar parece indissociável
madeira que são colocados na vertical, horizontal do mosteiro. No foral outorgado, em 1504, ao Cou-
ou inclinados. Embora só se encontre documentada to de Salzedas ainda se não refere qualquer povoa-
entre nós a partir de século XVII, é contudo provável ção nomeada como Burgo ou Salzedas, sendo ape-
que tenha uma cronologia mais recuada, uma vez nas indicados os lugares de Granja Nova, Ucanha,
que na Europa terá sido utilizada desde a Idade Mé- Cimbres, Meixedo, Murganheira, Vila Pouca, Formilo
dia (PINTO, 2013: 32). A popularidade desta técnica e Valdevez (CASTRO, 2014: 36). Porém, no Numera-
mento de 1527 aparece referido o mosteiro da Cer- século XVII, colhemos algumas expressões da vivência
zeda, com 14 moradores o que poderia incluir a co- humana à sombra do Mosteiro. E a própria autonomi-
munidade monástica e eventuais leigos (COLLAÇO, zação do lugar, revelada na alteração das designa-
1931: 130). Efetivamente se aos 14 moradores corres- ções Burgo e Mosteiro, empregadas sistematicamen-
1
ponder um número entre os 60,2 e os 67,2 indivíduos te até 1696 e depois substituídas definitivamente no
podemos calcular o número de habitantes do Burgo formulário da documentação paroquial por Salzedas
através de uma indicação cronologicamente próxi- (ADL, Paroquiais, Mistos 1690-1723, fls. 2-2 v.º).
ma. Trata-se da referência do visitador cisterciense Titulava-se então a paróquia como do Bom Jesus
D. Edme de Selieu que, tendo passado em Salzedas de Salzedas ou do Santíssimo Nome de Jesus de Sal-
em Janeiro de 1533, indicou para o mosteiro 23 pro- zedas, sendo regida por um cura apresentado pelo 59
fessos e 3 noviços (BRONSEVAL, 1970). Subtraindo os abade do mosteiro. Os livros paroquiais revelam-nos
ocupantes do mosteiro aos 60-67 indivíduos atrás re- a inconstância dos ciclos curas nomeados, que se su-
censeados talvez possamos contabilizar pouco mais cedem em pequenos intervalos – alguns de menos
de três dezenas de indivíduos a habitar o Burgo no de um ano.
início do século XVI. A cartografia antiga também não indica, quer
Infelizmente sabemos muito pouco sobre os ho- gráfica, quer toponimicamente nem o Burgo, nem
mens e as mulheres que ali viviam que formariam Salzedas. Na região, apenas a carta de Fernando
uma mescla de lavradores, oficiais mecânicos e, Álvaro Secco (SECO, 1559-1561) assinala São Pedro
porventura, alguns comerciantes e serviçais com das Águias e as de d’Abeville (D’ABEVILLE, 1654), F.
vínculos ao mosteiro. É provável que a edificação de Wit (WIT, 1670) e de Jaillot (JAILLOT, 1711) sinalizam
do novo complexo monástico no século XIII enredas- o topónimo Tarouca. Na cartografia de setecentos
se na sua órbita vários oficiais e obreiros, foreiros e surge a Ucanha, indicada na Província da Beira por
outros colonos atraídos pela pujante atividade cons- Carpinetti (CARPINETTI, 1769 - 1779). Mas em nenhu-
trutiva e humanizadora que implicava acalentar a ma outra carta, até ao século XIX, surge o Mosteiro
formação de comunidades laboriosas, não apenas ou o Burgo de Salzedas.
para a construção, mas para o arroteamento e cul- É, contudo, um memorialista das luzes, o Padre Luís
tivo de terra bravia. Seriam talvez alguns destes ho- Cardoso que, através do seu Dicionário Geográfico
mens que no dia 6 de Janeiro de 1533 assistiram à de 1751 nos traz as primeiras notícias monográficas
sagração do novo abade de Salzedas, na presença sobre o Burgo. Segundo a sua descrição era lugar da
do visitador D. Edme que, não obstante ter conside- Provincia da Beira, Bispado, e Comarca de Lamego,
rado o lugar solitário e desabitado, se espantou com Concelho, e Termo da Villa de Ucanha, sendo Dona-
a multidão assistente (BRONSEVAL, 1970: 517-519). tarios delle os Religiosos do Mosteiro de Santa Maria
Dos registos paroquiais de Salzedas, iniciados no de Salzedas (CARDOSO, 1751: 307). Tinha 75 vizinhos
e a paróquia, com um altar, estava dentro do lugar, dos registos de casamentos, baptismos e óbitos no
com o orago Bom Jesus2. O cura era, como já refe- lugar de Salzedas, entre 1690 e 1799, obtivemos o se-
rimos, da apresentação do Dom Abade. Para além guinte gráfico:
da invocação patronal, cultuava-se dentro da igreja
matriz S. Caetano e S. Sebastião. Na paróquia exis-
tiam ainda três irmandades, a do Rosario, das Almas,
e do Bom Jesus e cura dela estendia a sua jurisdição
pelos lugares de Meixedo, Cortegada, Murganheira,
e Vila Pouca, em cujas aldeias erguiam-se as «Ermi-
60 das de S. Salvador, S. Barbara, S. Marinha, S. Antonio,
S. André, S. Luzia, e Espirito Santo. Acrescentava ain-
da o memorialista que os frutos, que em mais abun-
dancia recolhem os moradores desta Freguesia, são,
trigo, milho painço, centeyo, azeite, vinho, e casta-
nha em abundancia; tambem cria muita caça, de
coelhos, lebres e predizes» (CARDOSO, 1751, II: 307).
Sem dados estatísticos regulares disponíveis até ao Fonte: Livros de Registos Paroquiais de Salzedas (Arquivo Diocesano de Lamego).
Figura 4 | Sacristia da igreja de Salzedas: paramenteiro e pinturas de Bento Coelho da Silveira (1677-1685). Foto Pedro Martins © DRCN
em Salzedas nesta época, como Manuel Gomes, ofi- Leal à época em que a obra foi suspensa acrescenta
cial de pedreiro natural de São Mamede de Ferreira, às suas palavras uma importância que não podemos
arcebispado de Braga, falecido naquele lugar em ignorar. Segundo ele, quando Junot invadiu Portugal
20-9-1754 (ADL, Paroquiais, Salzedas, Óbitos 1739-177, em 1807, a obra da fachada de Salzedas parou, e
cx. 3, l.º 2, fl. 43). É, pois, natural que esta migração de nunca mais, até hoje, se concluiu (LEAL, 1878: 373).
oficiais cuja mão-de-obra servia o estaleiro da nova É provável que o conturbado clima político e eco-
igreja monástica influísse no crescimento da comuni- nómico contribuísse para o abandono do projecto
dade de Salzedas dando expressão à vitalidade de- arquitectónico. No entanto, as razões inerentes à pa-
mográfica a partir da década de 1730. ragem das obras ou de, pelo menos, ao seu abranda-
Mão anónima assinalou, num códice pertencente mento em finais do século XVIII, são-nos ocultas pela 63
ao espólio de Leite de Vasconcelos, a paragem das documentação disponível e para já reconhecida.
obras durante o abadessado de Gregório Pereira Não obstante, no início do século XIX constituía Sal-
(1796-1797), mas não o explica. Segundo o redator zedas um núcleo urbano onde se registava a preva-
do dito códice, o abade Gregório Pereira, de Lisboa, lência de mão-de-obra especializada nos ofícios da
continuou com o frontispício e o deixou no estado cantaria, como testemunham as várias referências a
em que actualmente se acha e se não fora a sus- pedreiros dali naturais a trabalharem em igrejas da
pensão que ouve de obras a deixaria completa por região (ALVES, 2008: 48, 71).
que se conhecia nelle hu grande desejo de o man- Em finais do século XIX Salzedas tinha 251 morado-
dar acabar […]3. res, sendo o lugar mais populoso do termo da Uca-
Embora reconhecido pela ausência de referências nha (SERRÃO, 1970: 40).
à origem das suas fontes, a proximidade de Pinho
Figura 5 | Claustro novo de Salzedas e vista sobre o remate inacabado do frontispício da igreja. Foto Pedro Martins © DRCN
1. Para cálculo do número de habitantes por fogo adoptámos a proposta de J. José Alves Dias que afina a média anteriormente desenvolvida de 4/5 indivíduos
para os valores coeficientes de 4,3 e 4,8 pessoas p/ fogo (DIAS, 1996, I: 39).
2. A esta igreja refere-se frei Baltasar dos Reis, nestes termos: Junto desta Igreja [a monástica] á porta principal della mandou esta Sñora [Dona Maria de Sousa]
fazer hua Cappella para a gente secular poder ouvir missa, porquanto era Custume usado, não entrar pessoa algua Leiga nas Igrejas dos Mosteiros desta
Religião como ainda oje se uza em alguns Mosteiros de outros Reinos, a qual Igreja oje serve de Capella E freguesia de alguns Lugares que tem aobrigação
de virem a ella ouvir Missa. Tem esta igreja, da porta principal da Igr.ª do Mosteiro ata porta della sette varas E de largo tem quatorze (REIS, 2002: 22). A igreja
paroquial teria, assim, sido mandada edificar em vida de D. Maria de Sousa (século XIV), assinalando a existência de um pequeno núcleo de habitantes que
justificasse tal fundação.
3. Museu Nacional de Arqueologia, Espólio de José Leite de Vasconcelos, Códice sobre a fundação do Mosteiro de Salzedas, fl. 25 v.º.
09 SÉCULO XVI
CIMBRES | COUTO DO MOSTEIRO DE SANTA MARIA DE SALZEDAS
ESCULTURA DE
SANTA BÁRBARA
EM CIMBRES NUNO RESENDE
A escultura de Santa Bárbara da igreja matriz de precioso e raro, tendo comunicado a «descoberta»
Cimbres(figura 1), até ao presente exemplar singular num artigo publicado no Boletim da Casa Regional
conhecido no contexto de importação de arte reli- da Beira Douro (CARVALHO, 1953). O primeiro autor
giosa em Portugal – única pela particularidade do desenvolveu, posteriormente, em 1959, num opús-
seu recorte plástico e pela ausência de obras simi- culo algumas questões iconográficas e de proveni-
lares conhecidas – constitui, no entanto, um registo ência onde desenvolveu a sua análise ao trabalho
material das trocas comerciais e das relações diplo- escultórico que admitiu pudesse ter sido executado
máticas do reino português com a europa nórdica na Europa do norte, associando-lhe o trabalho gotici-
entre os séculos XV e XVI. zante de Claus Sluter, escultor de circulação franco-
O seu reconhecimento enquanto peça escultórica flamengo (CARVALHO, 1959: 21). 65
excepcional remonta a 1953, quando um médico e Aludiu à notável peça, quase meio século depois,
investigador local, João dos Santos Carvalho, acom- João Soalheiro no catálogo O Compasso da terra,
panhado do director do Museu de Lamego, João em 2006 (SOALHEIRO, 2006, II: 120)1, sugerindo a sua
Amaral, ambos a reconheceram como espécime incorporação no património local, dentro da esfera
Figura 1 | Escultura de Santa Bárbara de Cimbres: recorte a meio-corpo. Foto Luís Sebastian
das relações de um abade de Salzedas natural de do devocionário medieval europeu, revela carac-
Cimbres, Dom Brás, a quem aludiremos mais adiante. terísticas iconográficas e formais que a posicionam
Porém, as circunstâncias que levaram ao depósito como tendo saído das mãos de um artífice contem-
desta escultura nesta pequena igreja rural são ainda porâneo e próximo a mestres quatrocentistas e qui-
desconhecidas, tendo sido apenas afloradas em 1953 nhentistas flamengos e alemães.
e 1959 pelo citado articulista que, ao tentar reconsti- De resto embora sem esculturas contemporâneas
tuir o percurso da peça, nos descreve uma situação identificadas a que possamos buscar comparações
paradigmática das circunstâncias inerentes a muitas directas quer a gravura, quer a pintura flamengas
obras de arte religiosas. Segundo o autor, abordando e alemã, da transição do século XV para o século
66 a proveniência da escultura, refere: XVI fornecem-nos pistas para a datação da Santa
Sabe-se somente que há poucos anos atrás era Bárbara em Cimbres. Autores como o gravador ale-
pertença de uma obscura velhota de nome igual mão Israel van Meckenem (1445-1503) (figura 3) ou
ao da Santa e que por morte dela passou à Capela o Mestre de Frankfurt (1460-c.1533) (Colecção do
do Espírito Santo, onde hoje se encontra (CARVALHO, Mauritshuis, Inv. 855, c. 1510-1520) revelam nas suas
1953: 72). representações de Bárbara formas aproximadas à
Ora, o pequeno excerto é suficientemente expres- que inspirou o autor da nossa escultura: a mártir, em
sivo para desejarmos rever algumas atribuições e até pé, exibe numa das mãos o livro e na noutra a pal-
cronologias que na historiografia da arte portuguesa ma sendo ladeada por uma torre cujas dimensões se
têm tomado como pretexto o local de depósito dos aproximam à da figura. É sobretudo no tratamento
objectos. O próprio carácter móvel das peças obsta das vestes, no arranjo dos cabelos e na arquitectura
a considerações absolutas, e por vezes demasiado da torre que encontramos paralelos ao nível do de-
inflexíveis, sobre encomendas e autorias. Hoje con- senho. Em dois dos seus trípticos o mestre de Frankfurt
servada na igreja de Cimbres (figura 2), em 1953 na pinta uma Bárbara invariavelmente ataviada com a
capela do Espírito Santo e, anteriormente, na mão mesma indumentária: manto, corpete cingido por
de um particular, a escultura de Santa Bárbara é, no uma fita pouco apertada sobre o ventre e envergan-
entanto, um documento sobre uma época e, dentro do uma luxuosa coifa.
desta, dos poderes que na região podem ter contri- Na pintura Sagrada Família com anjo músico (1510-
buído para a sua existência. 1520) do Museu do Prado, a Santa apresenta-se sen-
Produzida talvez em contexto oficinal desenvolvido tada, com o livro sobre o regaço tendo atrás um
no território da actual Bélgica ou regiões periféricas pano da torre cuja estrutura grandiosa é truncada
(tendo em consideração a florescente actividade de pelos limites da tábua. Porém, num outro painel do
produção artística no eixo Antuérpia-Médio Reno), mesmo período, hoje exposto no Mauritshuis (figura
esta imagem, a de uma das mártires mais afamadas 6), o artista representa a mártir em pé que, quase de
costas, deixa entrever o livro aberto sobre a mão es-
querda. Acompanha-a uma torre cuja estruturação
arquitectónica é muito semelhante à da escultura de
Cimbres: três registos marcados por várias fenestra-
ções rematados por campanário com cúpula esfé-
rica. O único elemento que distancia a Bárbara de
Cimbres das do mestre de Frankfurt é o cabelo. No
caso da primeira ressalta o trabalho da trança dupla
que emoldura a face e cai sobre os ombros – tipo de
apresentação feminina muito associada a um gosto
germânico que pode afinar a área geográfica do
centro de produção onde esta escultura poderá ter
sido executada (figura 7).
Devemos outrossim chamar a atenção para ou-
tras duas imagens que, em Portugal, se aproximam
em modelo e composição à imagem de Cimbres. A
primeira apareceu à venda em 1971, referida num
leilão organizado pelos antiquários Dinastia. A breve
entrada do catálogo da leiloeira descreve-a como
escultura em pedra, da Escola Alemã, remetendo
o autor da descrição para obras dos escultores ale-
mães, muito especialmente Tilman Rimenschneider
nas figuras do túmulo do Imperador Henrique II e de
sua mulher Cunegundes, na catedral de Bamberg
(S.a., 1971: 7) (figura 8). A segunda foi apresentada
no catálogo No tempo das Feitorias (DIAS, 1992: 164-
165), como imagem depositada na igreja de Entra-
das do concelho de Castro Verde. Trata-se de uma
escultura das oficinas de Malines que se aproxima em
dimensão e recorte (embora distante na configura-
ção da indumentária e atavios) à Santa Bárbara de
Cimbres – modelo em voga na viragem do século XV
para o século XVI, na Europa.
Figua 3 | Gravura representando Santa Bárbara, de Israhel van Meckenem (1455 - 1503) (Rijksmuseum: RP-P-1955-523).
SÃO SEBASTIÃO
E SANTO ANTÃO: DUAS
PINTURAS REVISITADAS.
ANA CRISTINA SOUSA
NUNO RESENDE
A primeira referência documental a esta pintura Em Vasco Fernandes e Gaspar Vaz, sobretudo nes-
de São Sebastião é a que, com segurança, a situa te último, é ainda manifesta a influência de um mes-
na igreja de Salzedas em 1919. Nesse ano, José de tre flamengo, que é aquele cuja mão é dominante
Figueiredo, do Conselho de Arte e Arqueologia da nos cinco painéis que restam do antigo retábulo da
1ª Circunscrição, requisitou que lhe fossem entregues, capela-mor da Sé de Lamego, e a que chamaremos
afim de os estudar e beneficiar, os quadros do sécu- «mestre de Salzedas» pois aí êle aparece-nos isola-
lo XVI, São Jorge [sic] e São Sebastião, existentes na do nos dois paineis que há anos encontrámos nesta
Igreja de Salzedas1(figuras 1 e 2). igreja; mas essa influência limita-se quási só ao ma-
Parece certo que os dois quadros foram levados neirismo dos cabelos, vistos sob uma forma especial e
para Lisboa, onde José de Figueiredo os examinou, acentuadamente linear, sem esquecer que êsse ma- 73
redigindo, em 1924, um artigo para a revista Lusitania neirismo reveste já, nos dois pintores, um carácter sui
atribuindo a sua execução a um Mestre de Salzedas generis e menos exótico, caldeado e transformado
e cuja obra individualizava em relação a Gaspar Vaz na sua visão essencialmente nacional2 [sublinhado
e Vasco Fernandes – pintores cujas autorias causa- nosso] (FIGUEIREDO, 1924a).
vam, então, polémica nos meios historiográficos: O mesmo autor acrescentou ao conjunto outros
79
1. Cf. SGMF, CJBC/VIS/TAR/ADMIN/012, Proc. 5938, L. 10, fl. 388; proc. 5939, l. 10, fl.. 388.A designação São Jorge poderá ser engano ou gralha. Efectivamente nada
na iconografia do santo que configura par com São Sebastião nos remete para o mártir da Capadócia, invariavelmente representado como um cavaleiro.
No entanto a figura encapelada permaneceu por identificar até à década de 1990, sendo referida na catalografia como Santo Peregrino. Trata-se, natural-
mente, de Santo Antão, acompanhado do tau e exibindo entre dedos da mão direita o que poderá ser uma bolota, um dos alimentos do porco, alusão à sua
qualidade de patrono dos animais domésticos.
2. E acrescentava, em nota, no mesmo artigo: Embora nada possamos dizer de definitivo por agora quanto à identificação dêstre mestre, não podemos deixar
de constatar desde já as suas afinidades com a obra averiguada de António de Holanda (FIGUEIREDO, 1924).
3. Embora sem registos sobre a sua aquisição, supõe-se que aquele coleccionador portuense as teria adquirido na região de Lamego, cf. obra citada no texto.
4. «Consideradas por José de Figueiredo, as dos santos, primeiramente da escola quatrocentista florentina e, depois, de mestre flamengo; e as das santas de um
continuador português do autor dos dois painéis anteriores e, mais tarde, do próprio Mestre de Salzedas, estas quatro tábuas, apesar da ortografia das inscri-
ções que se vêem nas duas últimas, são típicas da segunda época de Vasco Fernandes, e dir-se-á terem pertencido ao mesmo conjunto» (REIS-SANTOS, 1946:
23). O autor repete esta interpretação em 1962 (REIS-SANTOS, 1962).
5. Agradecemos a colaboração da Doutora Deolinda Carneiro, do Museu Municipal de Etnografia e História da Póvoa de Varzim na leitura e identificação dos
elementos que compõem o traje de São Sebastião.
6. Oostsanen, Jacob Cornelisz van (1509-1513). https://www.rijksmuseum.nl/en/collection/RP-P-1887-A-12207 (240 mm × w 188 mm, digitalização de gravura sobre
papel). [Amesterdão]: Rijksmuseum. Disponível em: http://hdl.handle.net/10934/RM0001.COLLECT.37436.
7. Cf. Inglés, Jorge (1465 [ca.]). [Retablo de San Jeronimo]. http://ceres.mcu.es/pages/Viewer?accion=42&AMuseo=MNEV&Museo=MNEV&Ninv=CE0009&t
xt_id_imagen=1&txt_rotar=0&txt_zoom=10&txt_contraste=0&txt_totalImagenes=13&dbCode=1&txt_polarizado=&txt_brillo=10.0&txt_contrast=1.0 (fotografia
digital). [Valhadolide]: Museo Nacional de Escultura. Disponível em: http://ceres.mcu.es/pages/ResultSearch?Museo=MNEV&txtSimpleSearch=Retablo%20
de%3Cb%3E%20San%20%3C/b%3EJer%F3nimo&simpleSearch=0&hipertextSearch=1&search=simple&MuseumsSearch=MNEV|&MuseumsRolSearch=15&listaMu
seos=[Museo%20Nacional%20de%20Escultura].
8. Cf. Ximénez, Miguel (1494). [San Juan Bautista, San Fabián y San Sebastián] http://www.museunacional.cat/sites/default/files/015858-CJT.JPG (fotografia digi-
tal). [Barcelona]: Museu Nacional d’Arte de Catalunya. Disponível em: http://www.museunacional.cat/es/colleccio/san-juan-bautista-san-fabian-y-san-sebas-
tian/miguel-ximenez/015858-cjt.
9. MATES, Joan (1417-1425). [Calvario; San Sebastián] http://www.museunacional.cat/sites/default/files/042340-000_16714.JPG (fotografia digital). [Barcelona]:
Museu Nacional d’Arte de Catlunya. Disponível em: http://www.museunacional.cat/es/colleccio/calvario-san-sebastian/joan-mates/042340-000.
10. FERRER, Jaume (1450[ca]). [San Sebastián] http://www.museunacional.cat/sites/default/files/114745-000.JPG (fotografia digital). [Barcelona]: Museu Nacional
d’Arte de Catlunya. Disponível em: http://www.museunacional.cat/es/colleccio/san-sebastian/jaume-ferrer/114745-000.
11. Maestro de La Seu d’Urgell (1495-498[ca]). [San Sebastián] http://www.museunacional.cat/sites/default/files/200469-000.JPG (fotografia digital). [Barcelona]:
Museu Nacional d’Arte de Catalunya. Disponível em: http://www.museunacional.cat/es/colleccio/san-sebastian/mestre-de-la-seu-durgell/200469-000.
11 SÉCULOS XVI-XIX
MOSTEIROS DE SÃO JOÃO DE TAROUCA | SANTA MARIA DE SALZEDAS
SÃO PEDRO DAS ÁGUIAS | SANTA MARIA DE AGUIAR.
FREI BERNARDO DE
BRITO E OS ESCRITORES
DOS MOSTEIROS
CISTERCIENSES DO
DOURO NUNO RESENDE
1. Quando aquele que viria a tornar-se Cronista em 1536) e que traçam uma imagem exemplar da
Mor da Ordem de Cister em Portugal, frei Bernar- casa.
do de Brito, chegou a São João de Tarouca (figura Conquanto os visitadores de 1533 (apud BRONSE-
1), em 1589, para ouvir as prelecções filosóficas de VAL & COUCHERIL, 1970) sejam parcos em referên-
frei Teodósio de Lucena, o mosteiro era um impor- cias, elogiosas ou de censura, ao estado do mosteiro
tante pólo cultural da região. Tal se infere da leitura de São João (tendo a comitiva realizado uma incur-
das visitações que anos antes o visaram (em 1533 e são pela igreja, sacristia, biblioteca, dormitório e re-
Figura 1 | Vista sobre o mosteiro de São João de Tarouca (2010). Foto Pedro Martins © DRCN
feitório) concluiu M. Alegria Marques – comparando Bernardo de Brito (figura 2) chegou, portanto, a
esta visita com os apontamentos de outras contem- São de Tarouca com 21 anos, depois de ter passado
porâneas – que São João seria mosteiro bem ordena- por Roma e de ter tomado o hábito cisterciense no
do (MARQUES, 1998: 74). Esta organização espelha- mosteiro de Alcobaça, em 1585, casa onde profes-
se na visita de 1536 (apud GOMES, 1998), quando as sou, sendo o seu mestre de noviciaria frei Francisco
observações dos visitadores atentaram sobretudo de Santa Clara.
em questões morais e menos ao funcionamento da Nascido em Almeida, em 1568, com o nome secu-
casa, que parecia regular. Embora com menos reli- lar de Baltasar de Brito, filho do militar Pedro Cardo-
giosos do que anos antes (chegara a ter 25 religio- so de Andrade e de D. Maria de Brito de Andrade
82 sos e em 1536 havia apenas oito monges de cogula, – ambos de famílias da nobreza regional – o futuro frei
quatro barbatos e três noviços) o capital humano Bernardo cresceu em contexto de monarquia dual,
de Tarouca ainda serviu para suprir as ausências em num território outrora fronteiriço que a união ibérica
Santa Maria de Aguiar e da Estrela que os visitadores diluiu. É provável que proximidade a casas cistercien-
consideravam mosteiros menos providos de mãos e ses como a de Santa Maria de Aguiar (figura 3) influís-
de vozes (apud GOMES: 316-319). sem na família de Baltasar o desejo de encaminhá-lo
A acção reformadora do Cardeal D. Henrique à para a ordem cisterciense, muito embora o seu bió-
frente de Alcobaça e da ordem de Cister em Portu- grafo refira que o pai o mandou a Roma estudar para
gal alcançou S. João de Tarouca que, ao longo da viver no Seculo herdeiro dos seus serviços militares (S.
primeira metade do século XVI, sofrera com as ques- BOAVENTURA, 1827: 108). Religioso ou militar, a carrei-
tões comendatárias (fora tornada Comenda em ra de Baltasar só poderia singrar na aproximação aos
1540) e com a interferência de D. João III no sentido poderes da monarquia ibérica, num tempo em que
da sua extinção (GOMES, 2006)1. Depois da morte do as centralidades se definiam no acesso, ainda que
monarca e com a anuência do papado, em 1559 D. efémero e volátil, a certas instituições.
Henrique restabeleceu São João de Tarouca, Salze- Nesse sentido, a Ordem de Cister com forte implan-
das e Santa Maria Aguiar dos direitos e posses de que tação a sul do Douro assumia através das suas casas,
haviam sido desviados abrindo caminho aos aba- uma rede privilegiada de expressão cultural e econó-
dessados trienais (GOMES, 2006: 389-390). Começou mica, no momento em que a corte se trasladara ao
então um período de recuperação e prosperidade centro da Península Ibérica. Embora a historiografia
para São João de Tarouca – mosteiro definitivamen- de pendor nacionalista tenha insistido na ideia do
te restaurado em 1562 (cf. GOMES, 2006: 389, nota esvaziamento social e económico de Portugal sobre
56) – para o que terá contribuído a fundação de um o domínio dos Filipes a revitalização institucional de
colégio destinado ao ensino de latim, obra ou missão ordens como a de Cister pode ter estimulado o de-
do já então regente D. Henrique (LOBO, 1840: 6). senvolvimento de núcleos regionais de poder.
Figura 2 | Frei Bernardo de Brito: reprodução de pintura a óleo [produzida entre 1600 e 1650?] (Biblioteca Nacional).
Iniciador de uma obra emuladora do poder ré-
gio – a Monarquia Lusitana – frei Bernardo de Brito
tirou partido de um dos mais importantes recursos dos
mosteiros cistercienses: a memória escrita preservada
nos seus cartórios e bibliotecas. Como o próprio afir-
mou: nas horas que me ficavam livres das obrigações
essenciaes, gastava em lição perpetua nos Livros
antigos, notando em cada hum deles o que acha-
va tocante aos Lusitanos […] (apud S. BOAVENTURA,
1827: 110). 83
Em 1597 publicou o primeiro volume da sua Mo-
narchia Lusitana, assinando-se Cronista Geral e Reli-
gioso da Ordem de S. Bernardo. Seguiu-se, em 1609,
a segunda parte da mesma obra, intercalada pela
Geografia antiga da Lusitania (1597) e pela Primeira
parte da Chronica de Cister (1602). Existem, porém,
vários registos dos seus escritos e obras começadas
ou intentadas (apud S. BOAVENTURA, 1827: 131-136).
De formação humanista, frei Bernardo de Brito procu-
rou no passado clássico um presente glorioso, para
que visse o Mundo as Obras da Nação Portugueza, e
deixassem as Estrangeiras de nos tractar com o afron-
toso nome de Bárbaros (apud S. BOAVENTURA, 1827:
110). E como acrescenta o citado biógrafo que, se
para a redacção da primeira parte da Monarquia
Lusitana não foi necessário a seu Auctor ver Carto-
rios, nem pergaminhos; porque daquele tempo tão
antigo não havia outras Memórias, salvo as que se
achão nos Historiadores Gregos, e Latinos já então im-
pressos […] porem para continuar a Obra conforme
o preceito d’ElRei, era necessário andar, e ver mais
terras que Alcobaça […] (S. BOAVENTURA, 1827: 111).
Embora não seja possível reconstituir o percurso de
investigação de frei Bernardo de Brito grande parte J. Leite de Vasconcelos, próximo ainda ao tempo
da memória historiográfica certamente a colheu nos do desmantelamento elaborou uma breve análise
acervos monásticos, nomeadamente nos de Arouca sobre os cartórios e bibliotecas de Salzedas e São
(figura 4), Salzedas2, Santa Maria de Aguiar (figura 3) João de Tarouca – que lhe eram familiares nascera
e São João de Tarouca, cujas bibliotecas e cartórios nas proximidades de ambos os mosteiros. No seu livro
constituíam importantes repositórios de saber. Memórias de Mondim da Beira alude ao percurso de
Efectivamente, não obstante o estado de aban- certos manuscritos e ao destino de muitos livros das
dono de alguns mosteiros cistercienses da região respectivas bibliotecas (VASCONCELOS, 1933: 154-
do Douro ainda durante o início da época moder- 170; 206-211; 339). Interessa-nos particularmente as
84 na (veja-se o caso de Santa Maria de Aguiar, cf. notas que Vasconcelos coligiu a partir do documento
BRONSEVAL&COCHERIL, 1970), as suas bibliotecas intitulado Inventario de toda a livraria typographica e
fundadas na Idade Média possibilitaram a forma- manuscrita de São João de Tarouca, realizado em 21
ção, de um expressivo conjunto de escritores, com de Julho de 1834, onde o autor assinala a referência
proveniências diversas mas que deixaram associa- a obras de carácter eclesiástico (catequéticas, his-
dos os seus nomes aos mosteiros onde professaram tóricas, hagiográficas, de parenética, jurisprudência
e (ou) onde viveram. Embora espoliadas pelo regime e direito), mas também de filosofia e de medicina,
liberal as livrarias e arquivos dos mosteiros constituíam retiradas a uma sala com cerca de doze estantes
expressivos acervos culturais, em parte dispersos, de- preenchidas com um mais de um milhar e meio de
sintegrados depois de 1834. volumes (VASCONCELOS, 1933: 339-340). Na livraria
Figura 3 | Mosteiro de Santa Maria de Aguiar. Foto Pedro Martins © DRCN Figura 4 | Mosteiro de Santa Maria de Arouca. Foto Pedro Martins © DRCN
de Salzedas, segundo o autor inferior em volumes a acervos bibliográficos permitiram a sistematização
São João de Tarouca, a repartição das obras fazia-se de uma lista de nomes de monges cistercienses as-
por temas e assuntos similares (VASCONCELOS, 1933: sociados aos mosteiros do Douro que deixaram obra
347-350). publicada, inédita ou desaparecida. No intuito de
2. As fontes seis e setecentistas, impressas e manus- organizar esta informação dispersa aqui deixamos
critas, algumas referenciadas nas livrarias dos mos- breves notas biográficas e bibliográficas sobre cada
teiros de Salzedas e Tarouca e ainda disponíveis em um dos referidos autores.
85
AUTORES
DOS MOSTEIROS CISTERCIENSES DO DOURO3
Anastácio de Linhares Mosteiro de Santa Maria de Salzedas [data desconhecida,
Natural de Linhares século XVIII]; [2] - Fundação do Convento de S. Bernardo de
Professou em Santa Maria de Aguiar Tavira [sem indicação de data]; [3] - Summario do Cartorio
Redigiu: [1] - Exposito moralis in sex alas Seraphin Isaiae de Alcobaça [sem indicação de data]; [4] - Formulario de
[data desconhecida] Varias Cartas, Alvaras, etcª [sem indicação de data]; [5] -
Fonte: COD431 Summario do Cartorio de San Bernardo de Coimbra [sem
indicação de data]; [6] - Radius Bibliothecae Alcobacensis
Baltasar dos Reis [sem indicação de data]; [7] - Radiolorum raddi Bib. [sem
Fal. 1621 indicação de data]; [8] - De Oratoris, Eremitis, seu Capellis
Professou em Santa Maria de Salzedas Monachorum [sem indicação de data]; [9] - Indulta Aposto-
Redigiu [1] - Libro da fundaçam do Mosteiro de Salzedas lica pro Alcobaciensi Monasterio [sem indicação de data]
(1612). (MUÑIZ, 1793: 307).
Fonte: MUÑIZ, 1793 Fonte: BN, Cod. Alc. 394; MUÑIZ, 1793
1. A extinção de São João de Tarouca, ainda que temporária chegou a acontecer e incluiu Salzedas, ambos incorporados noutros patrimónios; o primeiro mos-
teiro no domínio dos freires da Ordem de Cristo de Coimbra e o segundo no dos freires de Avis. Cf. VASCONCELOS, 1933: 361-362.
2. Mosteiro onde viria a falecer. Em 1927 ainda era visível a epígrafe da sua campa rasa na capela-mor, cf. COUTO, 1927: 31.
3. Esta lista é constituída por verbetes com os seguintes campos: Nome (secular ou religioso), naturalidade ou lugar de nascimento e data (N.), lugar de óbito e
data (Fal.); Mosteiro onde professou (e data, caso exista registo); Obra(s) que redigiu (publicada e manuscrita e datas, caso existam); Fonte(s). Respeita-se a
grafia dos títulos, segundo os autores das fontes consultadas. Informações adicionais são acrescentadas entre parêntesis rectos.
4. Diogo Barbosa Machado acrescenta que frei Lourenço terá redigido certas poesias satíricas pedindo que as reduzissem a cinzas, depois da sua morte (MA-
CHADO, 1752: 30).
5. Diogo Barbosa (MACHADO, 1752: 225) transcreve as primeiras estrofes do poema, cujo manuscrito escreveu encontrar-se na Biblioteca do Marquês do Louri-
çal.
6. Sobre esta obra o autor da Biblioteca Cisterciense Espanola diz ter havido uma segunda parte (MUÑIZ, 1793: 129).
7. Segundo o autor da Biblioteca, a obra constaria de 37 capítulos, estando «incompleta» (MUÑIZ, 1793: 143).
8. O autor dá-nos a indicação de existirem dois volumes desta obra (MUÑIZ, 1793: 143)
9. O autor diz que «Está incompleta» (MUÑIZ, 1793: 143)
10. «Está en las licencias» - referência do autor (MUÑIZ, 1793: 143)
11. «Está en las licencias» -referência do autora, que acrescenta: «Todas estas obras se conservam en poder del Autor, que hoy vive», (MUÑIZ, 1793: 143).
12. Cf. a lista dos abades de Aguiar, publicada em COUTO, 1927: 49 ss.
13. Diogo Barbosa (MACHADO 1752: 453) acrescenta a este título a indicação […] Procissão dos Nús em Coimbra e esclarece que todas as obras do autor se
encontravam na Biblioteca do Mosteiro de Alcobaça.
14. Frei Manuel da Rocha, natural de Castelo Branco (onde nasceu em 1676), professou em Alcobaça em 1692 mas ensinou Teologia em Santa Maria de Salzedas
e São João de Tarouca (MACHADO, 1752: 352).
15. Dado que não nos foi possível reconhecer e consultar as obras elencadas, apenas o título nos serviu para aferir do teor das mesmas. Desconhecemos a
temática ou assunto de 29 obras.
012 SÉCULOS XVII-XVIII
MOSTEIRO DE NOSSA SENHORA DA ASSUNÇÃO DE TABOSA
O CLAUSTRO DO
MOSTEIRO DE NOSSA
SENHORA DA ASSUNÇÃO
DE TABOSA: UMA
ARQUITECTURA «SENZA
TEMPO»
ANA CRISTINA SOUSA
Construído nos primeiros anos do século XVIII, o de casas monásticas, muitas de instituição tardia,
claustro do antigo Mosteiro de Nossa Senhora de Ta- este mosteiro constitui (figura 1) a última fundação
bosa apresenta-se no contexto artístico da época da feminina cisterciense em Portugal.
sua construção como uma arquitectura «senza tem- Situado na freguesia de Tabosa do Carregal (conce-
po» e impõe-nos a necessária reflexão sobre crono- lho de Sernancelhe), as características do mosteiro de-
logias, linguagens artísticas e periferias. Instalado na vem ser analisadas em função do lugar ermo, inóspito
região sul duriense, com uma elevada concentração e isolado, onde os invernos, gerados pelo Diabo «para
95
tormento da Serra», são rigorosos e se prolongam, mar- encerramento (SANTOS, 2002: 35, 37, 47 e 64).
cados pelo «vento que corta», por «pancadas de água A 22 de abril de 1692 é assinada, em casa de D.
rijas como penedos», pela «neve de cantaril» que vem Maria Pereira, a Escritura de Doação, Dotação e Fun-
da Serra da Estrela, «mais sólida que muralha de bron- dação do Mosteiro de Nossa Senhora da Assunção,
ze, pelas trovoadas vindas das serranias, Montemuro, acto que resulta de uma série de diligências previa-
Estrela, Santa Helena e Lapa [...], que despem os seus mente desenvolvidas junto do rei D. Pedro II, Diocese
raios e troncos como numa batalha», por cima das po- de Lamego e Congregação de Alcobaça, onde se
voações, «e abate árvores, derrota telhados, estoira a regista a «Relação de Bens» dotados pela fundadora
1
madre às nascentes e alaga tudo» . Local muito pou- para a sua criação (SANTOS, 2002: 44). Estiveram pre-
96 co povoado no século XVII (a fundação do mosteiro sentes no acto de fundação a própria D. Maria Perei-
dará origem ao nascimento do pequeno povoado ra, como primeira outorgante, e os Abades D. Diogo
de Tabosa), as condições do terreno obedeciam aos de Castelo Branco e Manuel Coelho, dos Mosteiros
preceitos de isolamento, solidão, recolhimento e co- de São Pedro das Águias e de Santa Maria de Sal-
munhão com a natureza determinados pela Ordem zedas respectivamente, como comissários e procu-
(MARTINS, 2007: 194). A iniciativa da sua construção radores do Abade Geral da Congregação de Alco-
deveu-se a um voto pio de D. Maria Pereira, benemé- baça, que declararam aceitar «todos os encargos,
rita devota de Nossa Senhora da Assunção, de S. Ben- cláusulas, condições e obrigações» registados (SAN-
to e S. Bernardo, cuja Regra foi seguida no Mosteiro, TOS, 2002: 45). A fundação do mosteiro surge, neste
perpetuando uma determinação presente desde os sentido, como a última das novas fundações vincu-
tempos de formação e expansão da Ordem de Cister, lada à Abadia de Alcobaça desde a sua instituição
a de dedicar todas a igrejas «a Santa Maria, Rainha enquanto Congregação Autónoma, em 15672. Os
do Céu e da Terra» (MARTINS, 2011: 100). O mosteiro terrenos destinados pela piedosa senhora para edifi-
seguiu a reforma espiritual do movimento das «Religio- cação do imóvel respeitavam aos da Quinta da Rua,
sas Recoletas», iniciado em Valladolid por Santa Tere- seu local de residência, que herdara de Diogo Ribeiro
sa de Ávila, no século XVII, que procurou recuperar as Homem, seu primeiro marido3.
práticas de recolhimento, austeridade, simplicidade A construção do conjunto monástico iniciou-se
e rigor da vida claustral, práticas que distinguiram e com a edificação da igreja em 1685, ainda em vida
marcaram a vida das freiras em Tabosa (COCHERIL, do segundo marido de D. Maria Pereira. A Escritura
1986: 111; SANTOS, 2002: 41). A clausura impedia-as de de Doação, Dotação e Fundação do Mosteiro su-
passar a cerca e colocava-as na dependência dos gere que a sua construção já avançava à data da
mosteiros masculinos mais próximos, neste caso São formalização. De acordo com a vontade expressa
Pedro das Águias, que dispunha de Confessor, Feitor e pela fundadora, o Mosteiro deveria acolher 25 reli-
alguns religiosos, relação que se manteve até ao seu giosas, incluindo quatro conversas e oito noviças.
Conhecem-se os dados de 30 religiosas que viveram giosas a rezar nelas no «dia de Sam Louren-
no mosteiro entre 1694 e 1760, todas de estirpe privile- ço» (10 de Agosto); no mesmo ano deu-se
giada (SANTOS, 2002: 56-57). D. Maria Pereira faleceu início ao douramento da capela-mor, obra ter-
a 1696 e de acordo com a sua vontade e conforme minada em janeiro do ano seguinte:
consta no documento da fundação, foi sepultada Acabouse de Dourar a Tribuna e Tecto da Ca-
«em uma sepultura na capela-mor do dito seu mos- pella Mor em Janeiro de mil e Seis Sentos e noven-
teiro, para que especialmente as religiosas delle, lhe ta e Seis; e posce o Santissimo no Sacrario novo
acomodassem a sua alma» (SANTOS, 2002: 60), o que do Retabulo dia da Converção de Sam Paullo da
confirma a sua iniciativa como um ato pio de carác- mesma hera [25 de Janeiro] (BN, Cod. 1254 – Mic
ter perpétuo. 813 – Códices Alcobacenses, fol. 75). 97
As primeiras religiosas chegaram ao Mosteiro a 10 Esta informação refere o douramento mais tar-
de Setembro de 1692, oriundas da casa de Nossa Se- dio do retábulo em relação à sua colocação na
nhora da Nazaré do Mocambo (Lisboa): 24 religiosas igreja, como seria frequente no tempo, e o acres-
do coro e três conversas (SANTOS, 2002: 68). Segundo cento de um novo sacrário.
o relato da Madre Brites do Menino Jesus4, os traba- • 1696 – Em setembro do mesmo ano foi colocado
lhos de construção não se encontravam concluídos um retábulo no coro, «com todas as mais miude-
à data, como prometera a fundadora; só a igreja se zas de Santos e Peanhas»;
encontrava acabada, dispondo o conjunto de onze • 1697 – Foram colocadas as grades de separação
celas inacabadas: entre a capela-mor e a nave, prática corrente
[…] encontramos um começo de convento, nu, que procurava evitar o acesso dos leigos a este
desprovido de comodidade, [...] não tinha uma úni- espaço sagrado «e doirouse o Arco de fora».
ca cela para nos recolhermos, tudo o mais parecia A mesma fonte permite-nos acompanhar cronoló-
um cortelho para animais que um convento para reli- gica e espacialmente as principais fases de constru-
giosas [...] como não tínhamos outro local, instalamo- ção do Mosteiro. A natureza do terreno determinou
nos no coro, ali rezávamos, comíamos e trabalháva- a organização da planta, explicando as diferenças
mos» (SANTOS, 2002: 70-71). perceptíveis em relação a outros conjuntos monás-
A igreja e o respectivo coro continuarão a merecer ticos daquela ordem. A estrutura foi construída so-
os maiores cuidados por parte da comunidade ao bre terreno granítico de forte inclinação, definindo a
longo da última década do século XVII, tal como se igreja um eixo horizontal na parte mais baixa e não
pode avaliar pela descrição contida no Livro da Re- no ponto mais elevado do vale como era habitual
lação e das Couzas Memoravens [...]: (MARTINS, 2011: 332). E tal como, nas proximidades,
• 1695 – 1696: execução das «cadeiras» do Coro a Virgem milagrosa da Lapa escolheu uma «penha
e respetiva colocação, começando as reli- bruta, que daria para construir uma aldeia» (RIBEIRO,
1983: 243) para aí repousar e ser alvo de devoção, nhos de Hieronymus Cock (c. 1510 - 1570) e Hans Vre-
também em Tabosa foi necessário quebrar a pedra deman de Vries (1527 - c. 1604) (VREDEMAN DE VRIES,
dura e transformar a antiga fraga num terreiro, tra- 1604), tão caro ao maneirismo do norte de Portugal e
balho iniciado em 1698 e terminado em Abril de 1702 cujo gosto se prolongou no tempo: é delimitado por
5
(figura 2) . No lado Norte estava já concluída, desde duas pilastras de fuste canelado, capitéis toscanos,
1697, a capela térrea de São José, construída por ini- arco de volta perfeita ao centro, formado por cin-
ciativa da primeira abadessa Madre Antónia de San- co aduelas e apoiado em dois pilares, entablamento
ta Maria. A qualidade dos elementos arquitectónicos constituído por friso decorado com motivos geomé-
é atestada pelo portal que se conserva, antecedido tricos intercalando ovas, losangos e círculos concên-
98 por um vestíbulo de onde arrancam as escadarias de tricos, suplantado por cornija avançada. Na continui-
acesso ao sobrado e coro alto, a escada das ma- dade e sobre este edificado, construi-se o «Dromitorio
tinas, cuja porta se encontra hoje emparedada. O que Vaij para o Coro», obra terminada em 1701. Ma-
portal da capela (figura 3), construído em granito de dre Brites do Menino Jesus acrescenta que a cape-
grão mais fino do que o usado nos muros, apresenta la ficava «muito perto da sua cela e aí comungava
uma estrutura sóbria mas bem desenhada, na linha cada oito dias» (CARVALHEIRA, 2004: 76-77).
da tratadística nórdica, versão simplificada dos dese- As obras de pedraria do claustro começaram nos
Figura 2 | Fachada sul do mosteiro de Tabosa: terreiro, escadaria e mirante e portal. Foto Pedro Martins © DRCN
«primeiros Dias de junho da hera de mil e Sete Sen- disium Claustralis, no dizer de Bernardo de Claraval,
tos e três e estavam terminadas no Ultimo Dia de constitui o epicentro do Mosteiro, determinando a or-
junho da hera de mil Sete Sentos e Coatro, Sendo ganização dos seus espaços de vida espiritual e física
Abbades[s]a a Madre Eugenia de Santa helena» (BN, mas permitindo, também, a antevisão do Paraíso Ce-
Cod. 1254, Códices Alcobacenses, fol. 73 Vº), tendo- leste (MARTINS, 2007: 197-199). Esta condição impõe
se escavado parte da fraga que existia no terreno o silêncio, a reflexão e a meditação a todos os que
para o efeito. A obra foi benzida apenas em 1724 obrigatoriamente circulam neste «interface de aces-
(CARVALHEIRA, 2004: 73). sibilidades» que constitui o legado cisterciense (AL-
Do que resta das dependências do antigo conjun- MEIDA, 2001: 82), um ponto de encontro privilegiado
to conventual, o claustro continua a impôr-se como e lugar de leitura, fonte vital de luz natural para os 99
espaço de memória e de coesão entre os seus ele- espaços que naturalmente o envolvem. Respeitando
mentos, «unique» segundo Maur Cocheril entre tudo a habitual planta quadrangular com galerias porti-
o que visitou, «svelte, élegant, avec ce quelque cho- cadas, o claustro de Tabosa une-se à igreja pelo lado
se de gracieux, pour ne pas écrire: de féminin, qui en Este, posição pouco habitual mas explicada pelas
fait tout le charme au milieu des fleurs qui tapissent le condições topográficas6, a Sul a Sala do Capítulo, a
préau» (COCHERIL, 1986: 122-123). Verdadeiro Para- Sala de Visitas e o Locutório, a Oeste o calefatório, re-
Figura 3 | Vestíbulo e entrada para a
capela de S. José. Foto Pedro Martins
© DRCN Figura 4 | Claustro. Foto Pedro Martins © DRCN Figura 5 | Claustro. Foto Pedro Martins © DRCN
Figura 13 | Portal sul (pormenor do remate e pedra de armas da Ordem de Cister).
Foto Pedro Martins © DRCN
Figuras 6 a 12 - Reproduções de gravuras de tratadística da arquitectura pub. em VREDEMAN DE VRIES & HONDIUS, 1604; ANDROUET DU CERCEAU & COCK, 1549;
no determinaram, desta forma, a organização e Lamego, cidades que conheceram um grande de-
distribuição dos elementos no espaço. Os cursos de senvolvimento artístico nos séculos XVII e XVIII (CAR-
água, a Poente parecem ter determinado a constru- VALHEIRA, 2004: 72). As dificuldades levantadas pela
ção das dependências funcionais como a Cozinha, toponímia, a dureza do granito britado e aproveita-
os Lavabos e o Refeitório. Esta realidade reafirma a do para o levantamento das obras e alguma mão-
importância deste elemento na escolha do local e o de-obra menos qualificada, poderão justificar muitas
respectivo impacto no edificado. A documentação fragilidades e irregularidades observadas na cantaria
atesta também a existência de rouparias, oficinas e de fustes e outros elementos arquitectónicos. No en-
celeiros que podem ter sido, igualmente, construídos tanto, o equilíbrio demonstrado na planta domina-
102 deste lado do quadrilátero, respeitando uma práti- da pela quadratura do claustro ao centro, pelo eixo
ca corrente nas edificações cistercienses, ou seja, as da igreja definido a Levante e pela emblemática
áreas de serviço ocuparem em toda a sua extensão fachada a Sul, apontam para um risco de carácter
o lado oposto ao da igreja (CARVALHEIRA: 2004: 75). erudito, estando o seu autor familiarizado com a tra-
A Hospedaria dava continuidade a estes dois apo- tadística quinhentista e seiscentista que adaptou às
sentos confinando com o Mirante. exigências de contenção e simplicidade impostas
Desconhece-se a autoria do projecto e o nome pelas recolectas. A singularidade da arquitectura de
dos responsáveis pela sua concretização. Ana Car- Tabosa reside, de facto, no equilíbrio e harmonia do
valheira sugere que conjunto.
os seus execu- Em 1771, D. Manuel de Mendonça, por alegada
tantes terão pressão do Marquês de Pombal, mandou encerrar o
vindo de Mosteiro de Tabosa, determinando que as religiosas
Viseu e as rendas da instituição fossem transferidas para
o u o Colégio de São Francisco Xavier de Setúbal e os
de seus bens para a Coroa11. Abandonado, o Mosteiro
entra numa primeira fase de ruína, tendo sido alvo
de pilhagem. A ascensão de D. Maria I ao trono pro-
porcionará, no entanto, a inversão deste processo,
com a reabertura da casa e o regresso das religiosas
a ela afectas, agora sem rendas e sem dotes (SAN-
TOS, 2002: 128). O edifício monástico conheceu uma
reedificação a partir de 1777 mas não é possível de-
terminar o nível de degradação anterior e o volume
de obras necessário para o retorno das religiosas.
Consideramos que o essencial da planta e organi- Inventário dos bens do Mosteiro de 1844, realizado a
zação do mosteiro se manteve. A responsabilidade pedido de D. Maria II, sabemos que então residiam
das obras ficaram a cargo de Frei José da Fonseca e aí cinco religiosas e uma pupila. Cinco anos volvidos,
Castro, do Mosteiro de Salzedas, nomeado Intenden- este número caíra para apenas uma religiosa, Tho-
te de Obras pelo Capítulo Geral, que foi «morador na mazia Rita, «adiantada em anos, doente», a cargo
dita casa, enquanto as religiosas de Tabosa se não de uma «engeitada […] que a dita freira criou por ca-
recolhe[ram] ao seu mosteiro» (SANTOS, 2002: 163). ridade», que administrava os bens e que ia vendendo
As dificuldades sentidas pela comunidade agra- «alguns trastes». Através deste documento, ficamos
varam-se entre 1810-1825, sendo as religiosas susten- igualmente a saber que o Mosteiro tinha capacida-
tadas pela «Arca da Caridade» criada pela Con- de para acolher 35 religiosas12 (cat. 19). Thomazia 103
gregação de Alcobaça e para a qual contribuíam Rita faleceu a 27 de Março de 1850. O estado de
os mosteiros mais ricos, no concreto, neste caso, os abandono e a inexistência de uma autoridade que
de Arouca e de Lorvão (SANTOS, 2002: 64). Com a o protegesse, conduziram à sua rápida degradação
extinção das Ordens Religiosas em 1834 (cat. 18), na e destruição, servindo os seus elementos arquitectó-
sequência do Decreto de 28/05, assiste-se à apro- nicos como matéria-prima para o levantamento das
priação do seu património por parte do Estado, pro- casas vizinhas do povoado. Só a igreja e os seus per-
cesso marcado pelo litígio com os herdeiros da fun- tences foram preservados, entregues à população e
dadora, que reivindicavam esses bens, alegando o à Paróquia de Tabosa, Diocese de Lamego.
estabelecido na escritura da fundação. Segundo o
1. As palavras e expressões entre aspas correspondem a expressões soltas de Aquilino Ribeiro em Terras do Demo constituindo, todo o texto, uma paráfrase de
vários momentos da obra do autor. RIBEIRO, 1983: 40, 45, 47, 103.
2. Depois do nascimento da Congregação Autónoma de Alcobaça e da desvinculação portuguesa relativamente a Cister, foram criados os Mosteiros de Nossa
Senhora da Piedade de Tavira (1530), Nossa Senhora da Nazaré de Mocambo (1653), Nossa Senhora da Assunção de Tabosa e a filiação de Nossa Senhora
da Nazaré de Setúbal (MARTINS, 2011: 124).
3. Casou em segundas núpcias com Paulo Homem Teles, fidalgo da Casa Real, do quem igualmente ficou viúva e sem descendência, o que motivou a fundação
do mosteiro no terreno da Quinta da Rua.
4. Madre Brites do Menino Jesus ingressou no Mosteiro a 13 de Julho de 1696 e foi secretária da comunidade até à data da sua morte (30 de Abril de 1761).
SANTOS, 2002: 89.
5. «[…] neste mesmo Anno [1698] se Comesou a tirar a fraga para se fazer o Terreiro», cf. BN, Códices Alcobacenses, cod. 1254 (mic. 813), fol. 74.
6. As igrejas dos mosteiros situam-se normalmente a Norte do conjunto monasterial.
7. «Acabouse de fazer o Cartorio em Vespor do Apos=/tollo S. Bertolomeu, anno de mil e Sete Sentos e qua=/renta e Sinco Custou de ofesial que fes, e pintor
/ Sesenta mil Reis, sendo feitor o muito Reverendo padre frei jos / de Almeida, e Confessor o muito Reverendo Padre frei Bento de Afonseca” /FGBNL, Cod.
1254 - Mic 813, Códices Alcobacenses, Couzas / memoravaens da Fundação deste / Convento de Nossa Senhora da Assunpção / do lugar de Teoboza, de
Recole/as da ordem de Nosso Padre S. Bernardo / O segundo que se Fundou neste Reino de Portugal, na hera de 1692 a», cf. BN, Códices Alcobacenses, cod.
1254 (mic. 813), fol. 74.
8. A Roda continuou a funcionar depois da extinção do mosteiro, a cargo da Igreja (SANTOS, 2002: 207).
9. «Fesce o Dormitorio da Enfermaria / na hera de mil e Seis Sentos e no/venta e outo», cf. BN, Códices Alcobacenses, cod. 1254 (mic. 813), fol. 74.
10. Fesce a Escada para a grade e aos / Cazas das grades e acabou-se o Te/rreiro em o mês de Abril de mil e / sete Sentos e Dous; Sendo ainda a / primeira
Abbadesa a Madre Antonia de Santa Maria. /, cf. BN, Códices Alcobacenses, cod. 1254 (mic. 813), fol. 74.
11. D. Manuel de Mendonça foi mais tarde destituído do cargo e acusado de traição em relação ao governo da Ordem de Cister em Portugal (SANTOS, 2002:
64 e 124).
12. Documento datado de 1849 da Repartição da Fazenda do Governo Civil de Viseu (apud SANTOS, 2002:
013 SÉCULO XVIII
MOSTEIRO DE SÃO JOÃO DE TAROUCA
ESPELHOS DE MODELOS:
A PINTURA
HAGIOGRÁFICA
DO CORO DA IGREJA DE
SÃO JOÃO DE TAROUCA
NUNO RESENDE
Reconhecida já a autoria das obras do coro e (SMITH, 1968: 68), por tratar-se de um coro médio
caixa do órgão da igreja do mosteiro de São João – implantado a meio da nave central da igreja – o
de Tarouca, da lavra do entalhador Luís Pereira da cadeiral de São João de Tarouca compõe-se de 28
Costa, do Porto, e do imaginário Ambrósio Coelho, assentos em pau-preto, dispostos em duas ordens,
de Serzedelo (SMITH, 1968), importa olhar com mais num total de 56 cadeiras distribuídas por dois andares
atenção para os retratos que assomam de entre o e dois lanços. Sobre o cadeiral 16 telas com retratos
faustoso trabalho de talha. de meias figuras masculinas, emoldurados por traba-
Como o descreveu Robert Smith, caso único en- lho de talha dourada que apresenta características
tre as peças principais que sobrevivem em Portugal formais do barroco joanino (por exemplo nas mísulas
Figura 1 | Ala norte do cadeiral da igreja de São João de Tarouca. Foto Pedro Martins © DRCN
105
quarteladas que separam as molduras dos retratos) do nos colocamos frente ao conjunto. Confrontados
(figura 1), mas ainda presa a uma linguagem nacio- com o brilho flamejante do ouro que insufla vida nas
nal documentada pela abundante escultura figura- figuras representadas, somos impelidos a escutar os
tiva que marca o ritmo ornamental da composição. diálogos que parecem sussurrar a partir das janelas
Neste sentido urge repensar as balizas cronológicas abertas na floresta de talha.
definidas por R. Smith e outros autores em relação Nas clareiras assomam, pois, 16 figuras masculinas
aos estilos do barroco da talha portuguesa (cat. 14). recortadas pela cintura, cujas posições e gestos nos
R. Smith que, transcreveu excertos do contrato da impelem a compará-las a uma dramaturgia. Todos os
obra, datado de 4 de Abril de 17291, aludiu também actores compartilham o mesmo cenário e figurino: o
106 à alteração do plano inicial que implicava, segundo alvo hábito cisterciense que contrasta com o fundo
o risco de frei Luís de São José2, a execução de pai- escuro e inerte de onde assomam os actores para
néis em meio relevo em lugar das actuais pinturas. nos indicar, através da gestualidade das mãos e dos
Poderá ter sido a desistência de Ambrósio Coelho, olhares uma linguagem que é tudo menos estática,
hipotético responsável pelos painéis, que determinou não obstante as feições quase inexpressivas que o
a preferência pela pintura como suporte narrativo. artífice ou artífices plasmaram em cada um dos re-
Porém, a escolha da pintura a óleo em detrimento tratados. De resto, comum neste género de pintura
do relevo constitui solução idêntica a outros cadeirais hagiográfica, o autor ou autores da mesma não atin-
setecentistas de igrejas da ordem, nomeadamente gem o nível de individualização recorrendo à busca
a nível regional, como em São Pedro das Águias e pelo verismo facial ou anatómico, se não através da
Santa Maria de Arouca (cat. 14)3. inclusão de elementos que identificam, acentuam ou
Não datadas, não assinadas, nem referidas na do- destacam a figura e a sua importância ou função na
cumentação – que apenas alude à obra da talha hierarquia eclesiástica da ordem.
e do cadeiral do coro (cujo contrato de obrigação Encontramo-nos ante um programa iconográfico
data de 6 de Abril de 1729)4 –, as pinturas são, pelo pensado para um espaço particularmente importan-
seu traço, pelo tratamento da cor e da luz e pelo te em contexto eclesial. Aqui cantavam-se os ofícios
desenho fisionómico e anatómico das figuras, quase litúrgicos, numa organização não apenas melódica,
contemporâneas das obras de marcenaria. mas humana, em que cada indivíduo ocupava o
Frente a frente, num registo paralelo (ver quadro 1) seu lugar hierárquico (cat. 4). Assim o especificam os
exibem-se oito telas emolduradas pela riqueza e vi- cerimoniais monásticos e os livros de usos e ofícios,
vacidade da talha dos caixilhos, que em caprichosas com as suas normas sobre tempos, gestos e acções.
curvas e sobrepujanças rodeia os retratos, tornando Como na pauta de um antifonário tudo estava regra-
o conjunto cada vez mais plástico e complexo (Smith, do e o coro era o espelho da organização social de
1968: 68). Esta apreciação de Smith é oportuna quan- um mosteiro (cat. 17).
Nesse sentido, a presença de retratos de santos nos mosteiros cistercienses do Douro as representa-
ou figuras reverendas da ordem nos espaldares dos ções dos santos cistercienses, exceptuando, claro,
cadeirais poderá revelar-se não apenas como uma os amiúde replicados irmãos espirituais São Bernardo
forma de propaganda catequética, tão necessária e Santa Umbelina, São Bento e Santa Escolástica. In-
numa ordem vincadamente internacional, mas tam- variavelmente estes encontram-se ainda hoje repre-
bém como um manual comportamental. De resto, a sentados nos retábulos das ermidas, capelas e igrejas
distância cronológica e cultural das figuras dos gran- monásticas e paroquiais da região - nomeadamente
des cistercienses – entre veneráveis, beatos, santos, nas que integravam o conjunto dos padroados dos
santas e mártires – espalhados por uma Europa me- mosteiros cistercienses.
dieval, escapava (pelo menos visualmente) aos mon- O espírito reformista do século XVIII aproveitou as 107
ges que em setecentos os apenas conheciam atra- grandes renovações arquitectónicas para exaltar as
vés das hagiografias manuscritas ou impressas. Quem figuras maiores da ordem, nomeadamente os seus
eram, portanto, aqueles heróis fundacionais que ha- santos e patronos, destacando o papel espiritual (e
viam ajudado a erguer a «civilização» cisterciense? até político) dos seus homens e mulheres, através dos
O que os distinguia mas, sobretudo, o que os aproxi- respectivos modelos de santidade e de intelectuali-
mava dos comuns monges que diariamente deviam dade. Esta afirmação é clara em São João de Tarou-
cumprir as funções e ofícios dentro do mosteiro? ca, onde o coro médio constituiu um dos elementos
Implantado num território marcado por devoções mais notáveis das grandes obras reformistas que o
de forte atracção popular, como São Sebastião, barroco produziu nesta igreja.
São Brás ou Santa Luzia (cat. 10), cujas iconografias Voltemo-nos, portanto, para os dezasseis retratos e
eram largamente disseminadas através de esculturas passemos à sua identificação. Estes organizam-se em
e pinturas em templos comunitários, escasseavam duas filas conforme a seguinte disposição e legenda:
S. BERME.v S. THEOB.DO
S.GERARDO [oculto]5
S.MAVRI.co S.ALBERICO
S.GVLHERME S.THOMAS
S.P.A BENEDI.To 12 O S.P. ALEX.3º
O S.Pe. URBANO 4.º O S.P. EUF. 3.º
S. ESTEV.º N.P.S BND
Figura 2 | Santo Estevão e Papa Urbano IV. Foto Pedro Martins © DRCN
Figura 3 | Papa Eugénio III e São Bernardo de Claraval. Foto Pedro Martins © DRCN
Figura 7 | Papa Benedito XII e São Guilherme. Foto Pedro Martins © DRCN
Figura 8 | São Bartolomeu e São Pedro de Castro. Foto Pedro Martins © DRCN
figurados exibem ou para os quais apontam em ges- Mas, ainda que auditivamente silencioso, o diálo-
tos teatrais. Esta dramaturgia é acentuada pela posi- go neste programa iconográfico exibe expressões
ção das cabeças dos figurados que, a ¾ se articulam metafóricas sobre a palavra – seja a palavra escrita
num quase-diálogo ou são entrecortadas com ma- testemunhada nos alfarrábios que acompanham as
nifestações do divino, patentes em alguns quadros figuras ou os gestos que traduzem percursos exem-
através da representação de feixes de luz diagonais plares que recordam, por exemplo, a carta de São
que atraem e posicionam o olhar dos representados Bernardo a Balduíno de Rieti dissertando sobre as
em miradas místicas. obrigações de um prelado (apud MUNIZ, 1793: 52).
110
Figura 9 | São Tomás e Papa Alexandre III. Foto Pedro Martins © DRCN
111
1. D. Domingos de Pinho Brandão documentou todo o processo contratual do coro e cadeira no terceiro volume da sua Obra de talha dourada […], cf. BRAN-
DÃO, 1986: 152-159.
2. A frei Luís de São José atribui-se participação nos riscos na igreja de São Vicente de Braga (1713), na capela do Desterro na cerca de Alcobaça (1717) e da
bacia e varandim do órgão de Santa Maria de Arouca (1738) e duas caixas, cf. SOBRAL, 2000 e ALVES, 2008: 177.
3. Registavam-se pinturas (hagiográficas?) no cadeiral de São Pedro das Águias (mosteiro novo) que foi transplantado na década de 1940 à capela-maior da
igreja de São Cipriano, no arciprestado de Resende da diocese de Lamego.
4. Veja-se a publicação do contrato em BRANDÃO, 1986: 156.
5. Embora oculta sobre o douramento a legenda desta figura, pode tratar-se de Roberto de Inglaterra, abade cisterciense do século XIII.
6. Com Roberto e Albérico (ver adiante) Estêvão de Harding fecha o trio que se tornou o alicerce da ordem cisterciense, marcada pela cisão de Molesmes e
que conduziu à fundação de Citeaux em 1098. Os três religiosos foram abades da casa-mãe de Cister.
7. Bernardo, nascido em Fontaines-les-Dijon ingressou em Cister em 1113, tornando-se um dos mais activos representantes desta nova ordem. Foi importante
doutrinador, tendo deixado vasta obra parenética e epistolográfica onde disserta sobre as fundações da Igreja e dos seus problemas à luz do seu tempo.
8. Balduíno, de Rieti, viveu no século XII e foi, em 1140, apresentado por São Bernardo para abade de São Pastor. Comemorado a 24 de julho nos santorais
cistercienses.
9. Teobaldo, nascido em 1200, era neto de Luís VI e foi abade de Vaux de Cernay. Era afamado orador e evangelizador. Comemorado a 7 de Julho.
10. Albérico, sucessor de Roberto, foi o segundo abade de Citeaux e a sua memória comemora-se a 26 de Janeiro.
11. Maurício, da Bretanha (século XII). Fundou a abadia de Carnoet. Comemora-se o seu dia litúrgico a 13 de Outubro.
12. Bartolomeu, que as fontes cistercienses chamam santo e dizem ter sido irmão de São Bernardo, foi terceiro abade de Firmitate (MONTALVO, 1602: 72)
13. Guilherme era natural de Inglaterra. Foi abade de Rielvau e fundador de várias abadias. Viveu no século XII e a sua memória litúrgica é recordada a 2 de
Agosto.
14. Com o nome secular de Jacques Fournier, foi papa de 1334 a 1342 (em Avinhão) tendo sido anteriormente religioso cisterciense nos mosteiros de Boulbonne
e Fontfroid.
15. Jacques Pantaleón subiu ao trono pontifício como Urbano IV em 1261, tendo regido a Igreja até 1264. É tido como religioso cisterciense.
16. De nome secular Anselmo da Baggio foi papa de 1061 a 1073. Apoiou a Reconquista ibérica.
17. Foi o primeiro papa cisterciense, nascido em Pisa em 1115 e falecido em Tivoli em 1153. Durante o seu pontificado promoveu a Segunda Cruzada e a ele se
dirigiu São Bernardo com o tratado De consideratione (1148-1153). Beatificado em 1872 por Pio IX era já considerado venerável. Comemorado a 8 de Julho
nos calendários cistercienses.
18. Originário da Normandia, Tomás encarna a figura de um cavaleiro medieval chamado à religião pela vocação e pelo estudo. Tornou-se uma das figuras mais
proeminentes da Igreja em Inglaterra, tendo encabeçado o arcebispado de Cantuária em 1163. A sua oposição ao poder régio valeu-lhe o martírio, que o
colocou entre os mais importantes da sua ordem e da sua época.
19. A este respeito veja-se o que escreve frei António Brandão (BRANDÃO, 1632: 37). Sobre o mártir (noutros autores dito beato) São Pedro de Castro Novo, o
mesmo autor refere: «O segundo sujeito da Ordem de Cister foi o insigne Mártir S. Pedro de Castro novo, a quem os hereges matarão andando neste sagrado
ministério com cargo de Legado Apostólico [...] estando um dos hereges a este santo Legado (que ia bem fora de lhe suceder semelhante caso) uma cruel
lançada a traição, voltou o Santo pera seu homicida, vendo que era perigosa a ferida e a exemplo do grande Protomártir S. Estevão lhe disse com muita
piedade e paciência: Deus te perdoe irmão, que eu te perdoo, fazendo despois a Deus algumas deprecações devotíssimas repousou o Santo Mártir em o
Senhor» (BRANDÃO&BASTO, 1945: 92). Uma representação deste mártir encontra-se no retábulo da capela de São Pedro do Torno, próximo ao mosteiro de
Santa Maria de Salzedas (SOALHEIRO, 2006).
20. São vários os veneráveis, beatos ou santos ligado à Ordem de Cister com este nome. Cremos, contudo, que a representação presente no coro de São João
de Tarouca se trata de Gerardo, irmão de Bernardo. A sua memória litúrgica recorda-se a 14 de Junho.
014 SÉCULO XVIII
MOSTEIRO DE SANTA MARIA DE AROUCA
O CORO DO
MOSTEIRO DE SANTA
MARIA DE AROUCA: UMA
LEITURA
ICONOGRÁFICA ANA CRISTINA SOUSA
[...] choro e mais choro; pois de continuo estão no choro, pois das vinte e quatro horas que tem o dia natural,
as três partes se gastão no choro como se exprimenta, com tanto Amor asistindo a divina Magestade que no
gosto com que estão conhecem o quanto se agrada [...]. Porque as vozes por não disermos que cada hua he
milagre, será clima do lugar mais não se negará que algua he vox de milagre da sancta Rainha que enleião
os sentidos quando se ouvem a saber he tão profundo que a madura da musica só ellas a alcanssão, com
tanta gala de cantar que se o mesmo Orpheu cantar as ouvira aprenderia com tão bom ar de cantar [...].”
113
Em 1702, a primitiva igreja medieval do Mosteiro nasceram a nova igreja e o coro, espaços separados
de Arouca encontrava-se num estado avançado pelas grades de clausura, divisão reforçada pelas
de degradação, como se infere do relato dos visi- cortinas que impediam todo o contacto entre as re-
tadores de Alcobaça que então a inspeccionaram.
Tendo começado a sua reedificação a partir desta
data, o projeto ficou a dever-se a Carlos Gimac, o
melhor arquitecto do reino (AA.VV., 2009: 30; ROCHA,
2011: 322). D. Maria Baldaia de Miranda, cantora-mor
do coro em 1718, deixou-nos um testemunho desta
atribuição no memorial da bênção da nova igreja.
Apesar de Paulo Varela Gomes considerar que os do-
cumentos de que dispomos não são suficientes para
garantir a autoria do projecto a Carlos Gimac, defen-
dendo que as características da obra não se ajustam
à dos documentos (GOMES, 1996: 145-146), o texto
de 1718 expõe, de forma clara, que de Italia era o
insigne architecto Carlos Gimac que della fes a plan-
ta e a Senhora D. Margarida de Miranda que Deus
tem sendo Prelada se animou a chama-lo de Lisboa
aqui a dar principio a tão eroico templo (…) (ROCHA:
2011, 322). A investigação aturada e as reflexões de-
senvolvidas nos últimos anos por Manuel Joaquim Ro-
cha clarificam esta autoria. Do risco de Carlos Gimac
Figura 1 | Coro da igreja do mosteiro de Santa Maria de Arouca. Foto Pedro Martins © DRCN
ligiosas e os fiéis, excepto nos períodos previstos para et cônsul Hispaniarum […] Olisipone fecit anno Domi-
a observação do Santíssimo Sacramento. ni 1739. Vários documentos referem os pagamentos
A singularidade do espaço interior da igreja e do efetuados entre 1738 e 1743 ao seu executor. Consta
coro reside na relação harmónica de cada um dos de varandim, zona de teclado, espaldares dos tubos,
elementos no seu todo, os princípios de harmonia e sendo decorado com talha joanina e pinturas mar-
proporção que marcaram continuamente a discus- moreadas. A data de 1743 parece respeitar à data
são teórica e o paradigma da arquitectura clássica. do acabamento das pinturas (BRANDÃO: 1986: 359).
A luz actua como elemento definidor e hierarquizante O cadeiral, executado entre 1722 e 1725, domina o
do espaço, abundante ao nível da capela-mor e do corpo central do coro, devendo-se a sua execução
114 coro, tornando-se mais sombria na nave (Figura 1). A aos entalhadores António Gomes e Filipe da Silva,
nave central do coro, uma verdadeira caixa de luz dois dos mais reconhecidos mestres da escola do Por-
branca, é profusamente iluminada por duas grandes to (FERREIRA-ALVES, 1992: 380; FERREIRA-ALVES, 2001,
janelas que proporcionam um efeito de luz total e um 57 e 65). O primeiro, ao Paraíso e o segundo junto à
ambiente único (ROCHA, 2006: 575-576, 578 e 580). Fábrica do Tabaco, extramuros, da cidade do Porto
O coro, com três naves, tendo a central cerca do (BRANDÃO, 1985: 616). É considerado um dos mais ri-
dobro da largura das laterais e cobertura em abóba- cos e cenográficos exemplares do mundo português,
da de berço, foi continuamente enriquecido, ao lon- pela qualidade da talha e pelos originais remates
go da primeira metade do século XVIII, com um novo que expõem meninos com cartelas e fitas, efeito úni-
mobiliário litúrgico que o nobilitou e o converteu num co no entender de Robert Smith, que contribuiu para
dos mais emblemáticos conjuntos barrocos do mos- acentuar o verticalismo dos espaldares (SMITH, 1968:
teiro. A presença do órgão à entrada do coro reforça 53) e impõe uma leitura contínua e ritmada ao con-
a ideia da música como um caminho de ascese e de junto (FERREIRA-ALVES, 2001: 69) (figura 2). Apresenta
aspiração ao divino. Todos os ofícios eram cantados! 104 assentos em pau-preto sendo, assim, o segundo
Vários documentos relativos a pagamentos e uma maior de Portugal depois do de Lorvão, com 108
escritura de quitação publicados por Domingos Pi- (SMITH, 1968: 53).
nho Brandão (28.04.1741) permitem-nos situar a obra Os espaldares são preenchidos com pinturas nar-
no tempo. Da autoria do organeiro de Valladolid rativas, de autoria desconhecida. Atendendo às
residente em Lisboa, Dom Manuel Benito Gomes de características da indumentária das personagens re-
Herrera (ou Dom Manuel Bento Gomes Ferreira como presentadas, Robert Smith considerou que as pinturas
também assinava), o órgão foi executado em Lisboa, acusam uma data algo posterior à talha do espaldar,
em 1739, conforme se pode ler na legenda encon- defendendo que o cadeiral de Arouca serviu de mo-
trada no interior da peça durante o restauro de 1982- delo ao de São João de Tarouca, realizado quatro
1983: D. Emmanuel Benedictus a Gomez ex-hispanus anos mais tarde (cat. 13). Natália Ferreira-Alves su-
geriu também o carácter mais tardio do programa da dita estante, e nela se fará uma só entrada no
pictórico em relação aos restantes elementos artís- meio, em cada lado, para subirem para o coro de
ticos do coro (FERREIRA-ALVES, 1992: 380). Manuel cima (BRANDÃO, 1985: 616).
Joaquim Rocha, partindo da análise detalhada do A descrição detalhada do texto parece apontar
processo de Beatificação de D. Mafalda, redigido apenas para o trabalho do cadeiral propriamente
em meados do século XVIII, e no qual se regista in- dito e não para a talha dos espaldares que o so-
formações recolhidas junto das religiosas relativas brepõe. O documento descreve, igualmente, de
a representações da Rainha existentes no Mosteiro, forma pormenorizada, o fornecimento da madeira
chama a atenção para a ausência de referências do «Brasil» e de castanho e a alimentação dos tra-
sobre as quatro pinturas da vida da Benfeitora nos es- balhadores durante a obra por parte do Mosteiro, 115
paldares do coro, concluindo que à data ainda não bem como a responsabilidade dos pregos, ferra-
existiam (ROCHA, 2011: 353). O autor sugere, por isso, gens e outros elementos da obra, mas é totalmente
que o programa iconográfico dos espaldares poderá omisso quanto à talha dos espaldares e respectivas
ter sido totalmente refeito à data da sua beatifica- pinturas (BRANDÃO: 1985: 616-617). A descrição feita
ção, em 1792. A análise da documentação relativa à em meados do século XVIII, no âmbito do processo
encomenda da obra de talha do coro permitiu-nos, de beatificação da rainha Mafalda, é muito precisa
de facto, pensar em novas hipóteses. O contrato e em relação a todos os elementos constitutivos deste
obrigação, realizado entre o Mosteiro na pessoa do espaço, desde a estatuária, retábulos, estante e ca-
Padre Fr. Simão de Almeida e os entalhadores Antó- deiral com duas ordens de cadeiras primorosamente
nio Gomes e Filipe da Silva, é bastante detalhado no
que diz respeito à distribuição do cadeiral no espaço
e aos elementos decorativos, descrito na forma que
se contém nos riscos:
[…] e todo há-de ficar guarnecido de cadeiras até
chegar à porta que está no fim do coro, de uma e
outra banda, as quais se repartirão pelo modo que
melhor parecer, as quais cadeiras levarão assim nos
respaldos, assim por baixo como por cima, suas almo-
fadas encaixilhadas e lisas, e as ante-claves levarão
sua talhinha holandesa pelos lados e fronteira, e no
coro ou cadeiras de baixo levará sua estante com
suas quartelas ou metas na melhor forma que pare-
cer, correspondendo as ante-claves e sustentação
Coração com coroa de espinhos – Amor de Cristo Coração trespassado por flecha – Amor de Maria
Última Ceia Lava-pés
S. Bernardo e S. Gerardo Santa Umbelina e S. Bernardo
Nascimento de Nossa Senhora Nascimento de Cristo
S. José S. Cristóvão
Entrada da Rainha Mafalda no Mosteiro Vinda da Rainha Mafalda para Arouca
Nossa Senhora da Conceição Nossa Senhora do Pilar
Rainha Mafalda lançando o hábito branco às religiosas Morte da Rainha Mafalda
Santo António S. Marçal
Baptismo de Cristo Adoração dos Reis Magos
Samaritana S. Roberto
Santa Maria Egipcíaca Adultera
Conversão de S. Paulo Conversão de Madalena
AS MULHERES ADÚLTERAS
E AS CONVERSÕES EMBLEMÁTICAS
Enquanto espaço de oração e reflexão de um
cenóbio feminino, as pinturas dos espaldares assu-
1. Na cidade do Porto conhecem-se várias moradas dos dois entalhadores. António Gomes morou na Rua da Porta de Carros, no Rocio de São Bento das Freiras,
na Rua das Flores, Rua Nova do Bonjardim e Rua do Paraíso. Filipa da Silva na Rua Chã, Rua do Calvário, Rua Nova do Bonjardim “junto” da Fábrica de Tabaco,
onde residia à data do contrato para Arouca (FERREIRA-ALVES, 2001: 57 e 65).
015 SÉCULO XVIII
MOSTEIRO DE SÃO JOÃO DE TAROUCA
VASCONCELOS:
A HISTÓRIA SOCIAL DE
UM PRATO
NUNO RESENDE
Ainda com pouca expressão na historiografia portu- seu círculo familiar poderia elucidar-nos, ao nível da
guesa, o método prosopográfico aplicado ao estudo arte, sobre gostos, procedências e clientelismos que
de abades e outros religiosos das comunidades cis- naturalmente influíram nas empreitadas artísticas e
tercienses, poderia elucidar-nos sobre aspectos parti- no mecenatismo de alguns abadessados.
1
culares da organização dos mosteiros desta ordem . Naturalmente devemos diferenciar entre abades-
Proveniência geográfica, estatuto e formação dos sados perpétuos e abadessados trienais, em cujos
egressos forneceriam, enquanto campos do formu- períodos diferiu a administração das casas monásti-
lário das prosopografias, uma melhor compreensão cas. Os abades perpétuos eram, como a designação
sobre o funcionamento da engrenagem eclesiástica assinala, eleitos e apresentados naquele benefício
e social dentro do vários mosteiros Cister, nomeada- até ao final da sua vida e os abades trienais indica-
mente ao nível da permanência ou preeminência de dos para períodos menores e não consecutivos – es-
certas famílias e, ou, linhagens à frente dos destinos tratégia que visava, entre outros aspectos, limitar o
dos mosteiros. A procedência social dos abades e o controlo das casas monásticas por linhagens e indiví-
1. Dentro dos estudos de natureza prosopográfica ou abordagens similares no contexto das comunidades cistercienses devemos salientar os trabalhos de A.
Fialho Conde (2009) para o sul de Portugal e Luís Miguel Rêpas (2003) para as casas femininas.
2. Sobre alguns casos irregulares nas comunidades de Tarouca e a vontade dos monarcas em as resolver ver COSTA, 1984: 547 e COSTA, 1984: 522.
3. Esta indicação de M. Gonçalves da Costa é confirmada pelo Livro de Noviciaria, onde aparecem as profissões de Frei Mauro da Conceição, a 18 de Abril de
1708 e a de frei Agostinho (que M. Gonçalves da Costa chama Amaro) do Pilar a 22 de Junho de 1709.
4. Todas as indicações respeitantes a nascimentos, datas de baptismo e matrimónio foram consultadas no Arquivo Diocesano de Lamego, cf. ADL, Paroquiais,
Ferreiros de Tendais, Mondim da Beira e Tendais, livros dos anos respectivos (dado o mau estado de conservação de alguns códices não é possível a apresen-
tação do número do fólio). Nas obras indicadas encontram-se outras referências para a reconstituição da genealogia abordada.
016 SÉCULO XVII (2ª METADE)
MOSTEIRO DE SÃO JOÃO DE TAROUCA
TIGELA BRASONADA
DE FAIANÇA COIMBRÃ
LUÍS SEBASTIAN
A louça destinada ao serviço de ingestão dos ali- quer de aquisição, esta louça de faiança pode ser
mentos no espaço do refeitório monástico passa a dividida em dois grandes grupos, a que convencio-
ser, predominantemente, de faiança a partir dos fi- namos nomear de louça indiferenciada e louça de
nais do século XVI. Quer em termos de produção encomenda (figura 1). Por louça indiferenciada de-
Figura 1 | Tigela brasonada das olarias de Coimbra. Foto José Pessoa. © Museu de Lamego, DRCN
135
signamos toda a louça produzida sem prévia enco- tras palavras, através de elementos figurativos – bra-
menda e comercializada abertamente no mercado, sões, simbólica religiosa, etc. – ou, mais diretamente,
logo, de uso corrente em contextos quer civis, milita- através de inscrição (figura 2).
res ou religiosos, enquanto por louça de encomenda Esta louça de encomenda pode ainda por sua vez
designamos toda a louça sujeita a prévia encomen- ser subdividida entre louça de encomenda institucio-
da e produzida de acordo com características perso- nal e louça de encomenda pessoal, entendendo-se
nalizadoras impostas pelo encomendador. por louça de encomenda institucional toda a louça
No caso da louça de faiança portuguesa, a perso- produzida de acordo com prévia encomenda da ins-
nalização de acordo com a encomenda dá-se por tituição, no caso, adquirida pelo mosteiro e destina-
136 regra ao nível da decoração pintada, reaproveitan- da ao uso no refeitório, e por louça de encomenda
do as formas, pastas e esmaltes presentes na restante pessoal toda a louça produzida de acordo com pré-
louça indiferenciada. Já esta personalização da lou- via encomenda de um determinado indivíduo, ad-
ça de encomenda pode ser feita de duas diferentes quirida pelo mesmo e destinada a seu uso pessoal.
maneiras, graficamente ou caligraficamente, por ou- Focando-nos na louça de encomenda institucional,
Figura 2 | Louça de encomenda em faiança das olarias de Coimbra e Vila Nova (de Gaia) recuperada nas escavações arqueológicas do Mosteiro de São João de Tarouca.
constatamos por regra a sua possível subdivisão em ins- As inscrições identificativas tão simplesmente iden-
crição evocativa, inscrição identificativa, inscrição fun- tificam o mosteiro, surgindo apenas o topónimo, sem
cional, heráldica identificativa e simbologia religiosa. mais indicação à natureza institucional, resultando
As inscrições evocativas, por extenso ou em abre- em S. João de Tarouca, Salzedas, ou noutras ordens,
viatura, correspondem regra geral ao nome do Tibães, Mafra, etc.
padroeiro da Ordem, ou a um qualquer santo de As inscrições funcionais, que começam a surgir ten-
grande devoção local. É disso exemplo a recorrente dencialmente a partir de cerca de 1700, desempe-
ocorrência de louça com as iniciais S.B. ou o acró- nham um papel meramente prático, de organização
nimo S.BR.DO, relativos a São Bernardo, verificável interna, atribuindo de forma indissociável um conjun-
desde o início do século XVII e predominante duran- to de louças a um determinado espaço funcional, 137
te a primeira metade do século XVII. Ainda que não como HOSPEDES ou HOSPEDARIA.
santos diretamente relacionáveis com a Ordem de Igualmente sem grandes variações, a louça de en-
Cister, registam-se amiúde inscrições referentes a São comenda institucional com heráldica identificativa
Domingos e São Francisco. apresenta, no caso da Ordem de Cister, o correspon-
Figura 3 | Cronograma evolutivo da decoração de báculo sobre mitra das olarias de Coimbra
dente brasão, ou, recorrentemente a partir do século XVII, o brasão de Cister nacional
(ou da Congregação de Alcobaça), com o escudo de armas dividido verticalmente,
ocupando a metade direita com as armas de Portugal e a metade esquerda com o
brasão de Cister.
Por fim, dentro da louça de encomenda institucional com simbologia religiosa, en-
contramos como recorrente o uso de simbologia hagiográfica, como o cordeiro mís-
tico (ou agnus dei), símbolo evocativo de S. João Baptista, ou a chave, evocativa de
São Pedro.
Dentro desta, e em destaque pela sua maior ocorrência, quer em número quer em
138 transversalidade aos mosteiros cistercienses para os quais contamos com recolha de
vestígios cerâmicos, temos a partir dos meados do século XVII a insígnia compósita de
um báculo sobreposto a uma mitra, podendo em algumas variações mais tardias, já
de século XVIII, surgir apenas um destes elementos isolados (figura 3).
Simbologia recorrente nos mosteiros cistercienses, em elementos de arquitetura, ta-
lha dourada, pintura, etc., esta evoca a independência do abaciado em relação ao
bispado, tema caro e especialmente sensível à Ordem de Cister.
O espécime em estudo corresponde a uma tigela asada com tampa lobulada
produzida nas olarias de Coimbra, estendendo-se a sua produção a toda a segunda
metade de século XVII. No caso, integrava uma baixela completa que contava ain-
da com três pratos de forma igual, mas de diferentes dimensões – pequeno, médio e
grande.
Recuperada nas escavações arqueológicas realizadas no Mosteiro de São João de
Tarouca entre 1998 e 2007, a esta forma inicial de representação foi ainda possível jun-
tar diversas variantes posteriores, que além de provar a sua sobrevivência até meados
do século XVIII, revelam igualmente a sua permanente evolução, sempre no sentido
de uma crescente simplificação da solução inicial, perdendo primeiro o escudo ladea-
do de volutas e encimado por elmo, para depois ou acentuar a estilização do conjun-
to solitário da mitra e báculo, ou apenas apresentar um destes elementos, mantendo
contudo neste último caso algum do realismo da representação inicial.
Estas variações evolutivas não aconteceram contudo numa linha temporal linear e
contínua. Pelo contrário, vemos os seus períodos de produção sobreporem-se parcial-
mente, dando gradualmente lugar à fase evolutiva seguinte, com o seu período de
maior popularidade a acontecer entre cerca de 1675-1725.
Para este período, e na variante de estilização quase máxi-
ma do conjunto de apenas mitra e báculo, foi ainda possível
recuperar nas escavações arqueológicas no Mosteiro de São
João de Tarouca um fragmento de cabo de talher – colher ou
garfo (?) – com o mesmo exato motivo gravado, indicando
que a partir dos finais do século XVII parece ter sido prática
corrente a encomenda conjunta de louça e talheres com a
mesma temática decorativa e simbólica.
O fenómeno específico em que se insere esta tigela braso-
nada encaixa então na leitura geral de que até meados de 139
seiscentos tivemos o predomínio da louça indiferenciada nos
refeitórios monásticos cistercienses, a partir de quando vemos
começar a impor-se o uso de louça de encomenda. Na se-
gunda metade de seiscentos a louça indiferenciada é ain-
da em maior número que a louça de encomenda, passando
esta a ser predominante apenas com o início da centúria de
setecentos. Uma das consequências deste movimento, não
sendo ele circunscrito à Ordem Cisterciense, é a de que a
partir de meados de seiscentos verificamos, ao nível da perso-
nalização da louça, uma clara distinção entre as louças dos
diversos mosteiros e conventos do reino.
A este predomínio da louça de encomenda poder-se-ia en-
tender corresponder um maior esforço de uniformização da
utensilagem empregue nas mesas dos refeitórios cistercienses,
e, sintomaticamente, uma maior regulamentação do quoti-
diano comum (figura 4). Contudo, é igualmente com a cen-
túria de setecentos que registamos o aparecimento da louça
de encomenda de uso pessoal, pelo que a esta uniformiza-
ção não terão deixado de escapar os membros da comuni-
dade com maiores posses e filiação familiar de maior prestígio
(cat. 15).
Figura 4 | Quadro de formas standard das baixelas de encomenda produzidas nas olarias de faiança de Coimbra.
017 SÉCULOS XVII-XIX
MOSTEIROS DE SÃO JOÃO DE TAROUCA E SANTA MARIA DE SALZEDAS
PRÁTICAS SOCIAIS,
QUOTIDIANO E
EMOLUMENTOS DOS
MONGES DA
CONGREGAÇÃO DE
ALCOBAÇA DA ORDEM DE
S. BERNARDO
SALVADOR MAGALHÃES MOTA
Procuraremos no presente verbete, elucidar um monásticas encetadas pelos cistercienses dos Reinos
pouco sobre o quotidiano dos monges de Cister após de Castela estão estreitamente relacionadas com
a época da reforma católica e da constituição da as reformas arquitectónicas (GONZALEZ GARCIA,
Congregação de Alcobaça da Ordem de S. Bernar- 2000:156).
do e se possível, averiguar as motivações da sua pro- A reforma não incide apenas no alargamento dos
cura em termos de noviciado sobretudo, nas casas espaços de cada cenóbio, no sentido de serem mais
mais importantes como Alcobaça, Tarouca (figura 1), aconchegados e mais funcionais. A maior parte dos
Salzedas (figura 2) e Bouro, isto somente, em termos noviços depois de fazerem a profissão, seguiam cur-
de conventos masculinos. so de arte, ou filosofia e depois, teologia nos vários
Os conventos na época moderna sofreram impor- colégios e mosteiros das Congregações atingindo 141
tantes modificações no espaço e redimensionamen- um grau de conhecimento e de preparação que os
to, coincidindo com uma gestão mais profissionaliza- habilitavam a exercerem determinadas funções que
da e com um aumento das rendas e dos rendimentos. com o tempo começaram directamente ou indirec-
Fr. Maur Coheril diz-nos que os Abades Gerais de Alco- tamente a serem remuneradas e actualizadas. Ana
baça puseram em acção um vasto programa de res- Mouta Faria diz-nos que na carreira eclesiástica que
tauração material (COCHERIL,1978:34). José Mattoso implicava funções de natureza religiosa, fossem elas
realça que o mesmo se passava noutras ordens reli- culturais ou pastorais, estava associada a cada uma
giosas e instituições eclesiásticas (MATTOSO,1997:15). sua dotação material sem a qual nenhuma função
Gonzalez Garcia é de opinião que as reformas tinha existência reconhecida. Como é evidente a
situação não deveria ser muito diferente para os reli-
giosos conventuais. Para a mesma autora as oportu-
nidades no âmbito do labor intelectual eram várias; o
ensino nos seus diversos escalões totalmente contro-
lado pelo clero, a música exigida à maior parte dos
eclesiásticos, o acesso a cargos públicos, sobretudo
se fossem nobres e com grau académico (juízes ecle-
siásticos, ministros, inspectores, comissários, inquisido-
res etc…) (FARIA,1987:30-33).
O que acabou de ser dito faz descolar uma das
funções principais dos monges religiosos após o Con-
cilio de Trento, a necessidade de estudar (estudo),
colocada ao mesmo nível da oração. O ensino em
termos práticos achava-se dividido em 3 níveis. O
Figura 1 | Sacristia da igreja de São João de Tarouca. Foto Pedro Martins © DRCN
primeiro coincidindo com o noviciado, era obrigató- Ambos os cursos, mas, especialmente, o de Artes,
rio e bastante selectivo. Aprendia-se o Latim, a Gra- provavelmente por ser mais abrangente, dava aos
mática, a Religião e os Usos e Costumes da Congre- candidatos entrada direta no curso de Teologia já
gação. Eram vigiados pelo Pe. Mestre de Noviços e considerado de nível superior conjuntamente com os
demorava sensivelmente, um ano. Quem fosse apro- cursos de Leis, Medicina e Cânones. António de Vas-
vado continuaria a estudar e passava a professo. concelos, autor clássico nestas matérias, informa-nos
Quem não mostrasse capacidade e qualidades era que para a matrícula no 1º ano da Faculdade de Te-
obrigado a sair do convento rapidamente. ologia e de Medicina exigia-se de ordinário o grau de
Para além do noviciado que era uma espécie de licenciado ou de bacharel em Artes e para um aluno
142 ensino elementar, criou-se o chamado ensino inter- fazer a inscrição nas Faculdades Jurídicas tinha de
médio ou secundário consubstanciado nos cursos de apresentar certidão passada pelo Principal do Colé-
Artes ou Filosofia. Para a frequência destes cursos, os gio das Artes de haver sido examinado e aprovado
candidatos tinham de possuir determinados requisitos no exame de aptidão para cursar estas faculdades e
como sejam: 4 anos na condição de professo, menos de ter conhecimentos essenciais da escrita e da fala
de 30 anos de idade, não ter raça de cristão novo até de Latim (VASCONCELOS, 1939: 2-10).
4º grau, nem mouro, nem mulato, não ter fealdade que O curso de teologia de nível superior era feito em
prejudique o púlpito, domínio do latim e da gramática diversas etapas, sendo a primeira o bacharelato, a
portuguesa (DIFFINIÇOENS, 1593: 40-50) (cat. 11). licenciatura e o doutoramento considerado o último
Os candidatos tinham ainda de ser humildes, de grau. Em Teologia o último grau coincidia também,
bons costumes, capazes e inteligentes dado que com o de Mestre, sobretudo, para ordens religiosas.
eram sujeitos a exames por parte de examinadores O curso era leccionado na Universidade de Coimbra
e ainda a uma selecção rigorosa feita pelos abades e nos diversos Colégios universitários que se foram
conventuais donde eram originários, mesa do defini- instalando na Lusa Atenas, como o do Espirito Santo
tório e abade geral (A.D.B. CI -188, fl. 109vs). O curso fundado pelos cistercienses.
de Artes estava planeado para três anos, tinha de ser Outra função muito importante para uma ordem
aprovado em definitório com a presença e anuên- regular como a nossa era a oração a diversas horas
cia do Geral, ministrando-se as seguintes disciplinas: do dia. Todos ou quase todos os monges deviam es-
humanidades (grego, latim, hebraico), Matemática, tar presentes. Em ambas as estações do ano os nos-
Ciências e Filosofia (RODRIGUES, 1987:13-22). A Filo- sos monges levantavam-se muito cedo, por volta das
sofia podia também ser dada em separado, como 5 / 6 horas da manhã. A jornada era preenchida com
curso autónomo o definitório atendendo ao tempo uma série de orações, rezas e missas. Um documento
das aulas e depois dos estudantes cursarem Philoso- de 1770 informa-nos que da parte da manhã reza-
fia seguem o de Teologia… (A.D.B. CI -188, fl. 27). va - se a Prima, a Terça, a Sexta e a Noa, para além
da missa maior do dia. Da parte de tarde com mais ajudavam nas suas funções. Abaixo do Abade nos
tempo livre rezava-se Vésperas e Completas. Como monges brancos havia um Prior e por vezes um Sub
é evidente estes horários podiam variar e serem ajus- – prior que substituíam o Abade nas suas ausências e
tados por decisões dos Capítulos e das Juntas Gerais. impedimentos (MOTA, 1989:65 -76).
Evitava-se orar com velas e com recurso à luz das Além de orarem, estudarem e trabalharem os mon-
candeias de azeite por serem perigosas1. ges tinham as suas horas definidas para em conjunto
Seguia-se o trabalho, não o manual entrado em tomarem as suas refeições no refeitório.
desuso já desde a época medieval, mas o de gestão As refeições tinham o seu cerimonial. Todos os reli-
e administração de cada casa religiosa. Cada mon- giosos ao som do tanger do sino deviam estar presen-
ge, de acordo com a sua antiguidade, competência tes no refeitório com excepção dos idosos, doentes 143
e conhecimentos procurava desempenhar uma ou e acamados que comiam nas enfermarias ou nas
várias funções nos conventos. No plano da gestão celas particulares ou, ainda, quem o D. Abade ou o
temporal sublinhamos como principais os padres bol- Pe. Prior dessem autorização para se ausentar. Havia
seiros (recebimentos e pagamentos a dinheiro e fei- monges que procuravam arranjar subterfúgios para
tura de livros de contabilidade), procurador (ligações não estarem presentes, o que era sempre motivo de
com o exterior), tulheiro (recebia rendas em géneros),
Figura 2 | Sacristia da igreja de Santa Maria de Salzedas. Foto Pedro Martins © DRCN
o celareiro (encarregado dos fornecimentos da cozi-
nha), mestre de obras (conservação, melhoramentos
e novas obras), cartoreiro e bibliotecário (tratavam
do cartório e da biblioteca podendo acumular com
outra função), boticário (compra e feitura de medi-
camentos) e hospedeiro (tratava de receber e aco-
modar os viajantes e convidados).
No plano espiritual, igualmente importante tínha-
mos os padres cantor–mor (preparava os ofícios re-
ligiosos), mestre de noviços (pedagogia e ensino,
sobretudo, dos mais novos) sacristão (ajudava para
que nada faltasse ao santo sacrifício da missa). Aci-
ma de todas as funções e competências estava o
D. Abade, verdadeiro pai e responsável máximo em
cada unidade religiosa. Era eleito em Capítulo Ge-
ral em Alcobaça por um período trienal. Pertencia-
lhe escolher os colaboradores mais próximos que o
reparo e condenação. Evitava-se a existência de pa- de Alexandre VII em 1666 elogiava a abstinência mas
nelas distintas, ou seja, a feitura de pratos diferentes permitia comer carne à Ordem 3 vezes na semana
conforme o estatuto dos religiosos. No Verão jantava- (LEKAI, 1987:480). A prática, contudo, generalizou-se
se por volta das 12 horas e ceava-se pelas 18 horas fora dos dias de abstinência, com excepção da 4ª
procurando rentabilizar a existência de luz natural. feira (A.D.B. - CI – 188, fl.43), sendo constantes as refe-
No Inverno pelas mesmas razões, os monges comiam rências ao seu consumo e por vezes às quantidades
mais cedo ao jantar por volta das 11 horas, e cea- médias que se devia gastar com cada religioso, in-
vam por volta das 17 horas antes do sol se pôr (A.D.B. cluindo sobras.
- CI - 188, fl. 43). Os religiosos, após o tanger dos si- Vejamos os alimentos mais consumidos pelos reli-
144 nos, entravam em silêncio no refeitório, sentando-se giosos de S. Bernardo. Uma decisão do Capítulo Ge-
conforme a hierarquia e antiguidade em termos de ral de 1/5/1630 dizia que se devia dar ao jantar 5/4
profissão. A mesa em forma de U era presidida pelo de vaca, 1 arrátel de carneiro, à ceia, 1 arrátel de
Pe. Prior do mosteiro já que o D. Abade, frequente- carneiro, o pão servido, obrigatoriamente, a cada re-
mente, comia em mesa separada, acompanhando feição teria o peso de um arrátel (entre 358 e 459 gr.)
algum visitante ou estando ausente do cenóbio. No (VITERBO,1984:584). O vinho era o melhor que houves-
início e no final de cada refeição ouviam um trecho se em cada convento e cada monge teria direito a
da bíblia ou uma parte alusiva à história da vida dos um quartilho (0,375 l.) (SERRÃO,1979:Vol.V:70) a cada
santos, lido por um dos monges professos mais junio- refeição …e recomendamos muito aos P. Abba-
res (A.D.B. - CI – 192 - Doc. 215 fl. 2). des que dem sempre alguma coisa de antepasto…
As refeições eram servidas por conversos, embora (A.D.B. - CI – 186, fl. 3 vs).
os monges também colaborassem passando as tra- Atribuía-se a cada religioso uma média de 700
vessas aos parceiros. Havia uma exigência rigorosa a 1000 gramas de carne, quase 3/4 litro de vinho e
no que diz respeito ao cumprimento dos dias de abs- cerca de ½ Kg de pão, sem falar em frutas, legumes
tinência, que calculamos em 68 a 70 dias (OLIVEIRA, e lacticínios que os mosteiros tinham em mediana
MCMLXXI:342) por ano onde a carne era, expressa- abundância. Temos 2 pratos ao jantar e 1 prato à
mente, proibida sendo substituída pelo peixe. O con- ceia. A surpresa é a relativa pouca quantidade de
sumo de carne era estritamente regulamentado (DI- pão ingerida, se compararmos com estratos sociais
FFINIÇOENS, 1593:40). Havia a consciência que uma inferiores. O consumo de vinho está dentro dos pa-
mesa demasiada farta, distraia os espíritos e estimula- râmetros para a época. Tinha de ser vinho de boa
va o apetite sexual. A ideia era concentrar a energia qualidade. Os monges gostavam mais do maduro do
dos monges em tarefas mais contemplativas e teoló- que do verde, este último consumido mais por jorna-
gicas. Corpos débeis e fracos atingiriam mais, facil- leiros e criados (MOTA, 2006: 97). Em contrapartida,
mente, os louvores divinos. A constituição apostólica nesta dieta privilegiada avulta o consumo de carne
em quantidade e em qualidade, dado que a carne Abade Geral. Para além desta ajuda, havia melho-
de vaca e a de carneiro eram das mais apreciadas rias na alimentação em espécie, em determinadas
(CRESPO e HASSE, 1981:101). festividades religiosas, ou em dias, considerados mais
Para além destas funções que preenchiam uma importantes. Nestes dias excepcionais, podia-se dar
parte significativa do dia, com o tempo e à medida até 3 ou 4 pitanças entrando ao jantar ou à ceia car-
que as rendas dos conventos permitiam procurou-se nes de leitão, coelho, pombo e peru. Não obstante
que a carreira eclesiástica regular fosse atractiva sus- o afirmado procurava-se minimizar custos no refeitó-
citando que filhos segundos da nobreza e do tercei- rio (AD.B. - CI -192…,Doc. 16, Leis da Junta Geral de
ro estado, sobretudo dos escalões mais elevados a 2/3/1768, fl. 4).
ela concorressem em grande número. Os benefícios Mas os emolumentos não se ficavam por aqui, de- 145
sociais e os emolumentos não eram negligenciáveis, pendendo do religioso e da função que desempe-
levando a que o recrutamento de noviços nos cister- nhavam dentro e fora da Congregação podiam re-
cienses não fosse um problema, pois havia excesso ceber côngruas, ordenadas (os), assinaturas de muitas
de candidatos para as vagas existentes, até pratica- variedades, inquirições, tenças, pés de altar, mimos,
mente à extinção dos conventos e dos bens dos reli- missas, sermões, pregações, esmolas (para prossecu-
giosos decretada em Maio de 1834. ção de estudos), e beneficiarem de casa, criado e
Vejamos os principais emolumentos e regalias so- sege aparelhada (SOUSA e GOMES,1998:127-134).
ciais alcançados pelos religiosos brancos de Cister Coloca-se então uma questão. Que fazer a uma
(Cf. a propósito o quadro a seguir mencionado). eventual verba amealhada se os monges faziam
Era muito variável e ficava um pouco ao arbítrio do votos de pobreza, quando da passagem a monge
VESTIDORIA subsídio anual atribuído em dinheiro para renovação do vestuário. Variava conforme, se fosse casa grande ou pequena, o estatuto do monge e a
época que estamos a considerar.
PITANÇA subsídio relacionado com a alimentação que devia ser melhorada em certos dias determinados pelos costumes, paga
em espécie ou em dinheiro para além de uma quantia a liquidar no final de cada triénio.
Era muito variável e ficava um pouco ao arbítrio do Abade Geral. Para além desta ajuda, havia melhorias na alimentação em espécie, em determina-
das festividades religiosas, ou em dias, considerados mais importantes. Nestes dias excepcionais, podia-se dar até 3 ou 4 pitanças entrando ao jantar ou
à ceia carnes de leitão, coelho, pombo e peru. Não obstante o afirmado procurava-se minimizar custos no refeitório (AD.B. - CI -192…,Doc. 16, Leis da
Junta Geral de 2/3/1768, fl. 4).
PROPINA subsídio um pouco incaracterístico e aleatório mas que surge associado na documentação a despesas relacionadas com o asseio e a limpeza, mor-
mente, a compra de sabão. Em 1772 o Geral tinha de propina 4800 reis e o comum dos religiosos 1200 (A.D.B. - CI -192 - Capítulos Gerais. Doc. 17 1, Leis
da Junta Geral de 3/4/1772, fl. 6).
VIÁTICO subsídio atribuído a religiosos que se deslocavam em serviço. A mobilidade era grande, pois que procuradores, abades, visitadores, definidores, confesso-
res, feitores, capelães, pregadores, deslocavam - se, frequentemente. Pretendia-se que o fizessem com decência, com moderação e sem necessidades.
Teve início por uma lei de 1/9/1573 do Cardeal D. Henrique, sendo objeto de legislação posterior, nem sempre conseguida. Tudo indica que nunca se
estipularam porções certas. A lei de 14/6/1760 parece-nos a mais adequada. Estabelece um tostão por cada légua. Assim se um religioso fosse para o
mosteiro de Bouro (Cf. - Quadro - Emolumentos atribuídos aos monges bernardos) que distava de Alcobaça 46 léguas, receberia 4 600 reis, se incluísse
trem e bestas receberia mais 12200 reis (B.N.L.(R.) - COD. 1480 . Sobre as contribuições para viagens chamadas viáticos, 1770, fl. 368 – 377).
EMOLUMENTOS ATRIBUÍDOS AOS MONGES BERNARDOS
OFICIAIS
1696 Casas grandes 10 000
Casas pequenas 8 000
OFICIAIS
1705 Casas grandes 10 000
146 Casas pequenas 10 000
GERAL 38 800
EX-GERAL 28 800
DEFINIDOR, VISITADOR, PRIOR, SECRETÁRIO DO GERAL,
1772 MESTRE DE NOVIÇOS E CELAREIRO 26 400
OFICIAIS
Casas grandes 14 400
Casas pequenas 12 000
OFICIAIS
1782 Casas grandes 14 400
Casas pequenas 14 400
OFICIAIS
1783 Casas grandes 16 800
Casas pequenas 14 400
OBSERVAÇÕES: Na nomenclatura cisterciense Casas Grandes, masculinas e femininas, eram as de Alcobaça, Bouro, Salzedas, Tarouca, Colégio de Coimbra,
Seiça, Lorvão, Arouca e S. Bento de Castris, pequenas eram todas as outras.
FONTES: BNL. FIGUEIREDO, FR. Manoel de, Memórias para a História da Comarca de Alcobaça, Vol. Manuscrito enumerado de 1 a 15, In COD. 1480 – Sobre
as contribuições para viagens chamadas viáticos de 14 de Setembro de 1770, fls. 368 – 377 e COD. 1482 – Regulamento das Pitanças, fls. 138 - 156,
A.D.B. – CI 186 – 192 – Leis dos Capítulos e Juntas Gerais, (1630 – 1828).
EMOLUMENTOS ATRIBUÍDOS AOS MONGES BERNARDOS
PRIOR 30 000
CELAREIRO 50 000
PE. MESTRE DA NOVICIARIA 120 000| 24 000
TULHEIRO, BOLSEIRO 12 000
1678 - 1757
PE. ENFERMEIRO 2 000|4000|4800
PE. MESTRE DE OBRAS, CANTOR E MESTRE DA CAPELA 6 000
PE. HOSPEDEIRO, PORTEIRO E SACRISTÃO 4 000 147
Nota: Para além das que são pagas em determinados dias, estas liquidam-se no final de cada triénio.
GERAL 4 800
EX- GERAL 3 200
DEFINIDOR, VISITADOR, PRIOR, SECRETÁRIO DO
GERAL, MESTRE DE NOVIÇOS E CELAREIRO 2 400
SUPRIOR, PRESIDENTE, SACRISTÃO – MOR E MENOR,
1772
MESTRE DAS CERIMÓNIAS, PADRE ENFERMEIRO,
PADRE CARBONÁRIO, SUBCELEREIRO, PADRE PE-
DAGOGO, 2 000
OUTROS RELIGIOSOS 1 200
Nota: dava-se em dias de S. Bernardo e outros costumados
Exemplos:
SEIÇA = 11 léguas x 100 reis = 1 100 + 3 000 a) 4 100
BOURO = 46 léguas x 100 reis= 4 600 + 12 200 a) 16 800
1770
FIÃES = 56 léguas x 100 reis = 5 600 + 15 400 a) 21 000
a) Aluguer de bestas para a viagem
professo? Pensamos que nada obstava a que guar- que seria necessário quando a idade estivesse mais
dassem uma verba para gastos pessoais, como a avançada e necessitassem de ajuda, independen-
compra de livros e apetrechos e objetos de uso pes- temente, do amparo que o mosteiro proporcionasse.
soal. Nada obstava, a que tivessem o seu pecúlio, Pela leitura das decisões capitulares estas matérias
nunca foram consensuais, como vimos. Por um lado, ses, dependendo do estatuto do religioso. Se fosse
procurava-se a proibição pela proibição, por outro, doente poderia ficar mais tempo. Cada mosteiro
procurava-se regulamentar as práticas existentes. tinha as suas quintas ou granjas (cat. 6) preparadas
Realçaríamos ainda, um conjunto de regalias so- para essa eventualidade (A.D.B.- CI -191…Leis da
ciais e lazeres que de alguma forma se podem con- Junta Geral de 1/10/1752, fl. 155vs). Por serem quin-
siderar, verdadeiramente, antecipadores em relação tas eram também espaços resguardados, longe
ao comum da sociedade, tornando a carreira do dos seculares, portanto, propensas ao lazer, ao des-
monacato regular atractiva, razão pela qual muitos canso e à meditação. Havia sempre alguma vigi-
mosteiros tinham muita procura. lância sobre esses religiosos por parte da hierarquia
148 • Concessão de licenças apenas a professos (com dos conventos (A.D.B.- CI – 187… Leis do Capítulo
mais de 4 anos de hábito) para se ausentarem dos Geral de 1/5/1690, fl. 34).
mosteiros, durante um determinado período de • Lazeres e divertimentos, quer nas quintas, quer no
tempo. O objetivo mais invocado para o pedido próprio mosteiro na área restrita da cerca. Nesta
de concessão era para visitar a família ou tratar de matéria não há uma posição homogénea, depen-
assuntos pessoais. O Definitório, o Abade ou o Prior dendo muito do carácter de quem presidisse aos
concedia as licenças. Tratava-se de uma questão destinos de cada convento e da congregação.
que dividia os diversos Abades Gerais que deram O permitido andava muito perto do transgredido
orientações diferentes ao longo dos triénios dos e vice - versa. Eram questões de disciplina e não
séculos XVII e XVIII. Como é evidente, os religiosos de natureza religiosa ou teológica. O que nuns con-
eram necessários nos serviços religiosos e no cum- ventos era tolerado noutros podia ser proibido, ra-
primento das horas canónicas, caso contrário, te- zão pela qual se procura alguma coerência nestas
riam que aceitar mais noviços para o cumprimento matérias:
do estipulado. Variou, sempre, entre quinze dias a • Possibilidade de darem passeios fora da clausura,
dois meses a concessão da ausência (A.D.B.- CI pelo menos, nos Mosteiros da Beira «…não sahirão
-191 – Leis da Junta Geral de 17/5/1757, fl. 17vs). Por em as casas grandes menos de 5 religiosos e nas
vezes, dava-se até mais tempo, se os mosteiros não pequenas menos de 3 com um prelado ou ancião
tivessem celas condignas ou estivessem em obras, do mosteiro…»2.
especialmente, na ala dos dormitórios. O normal • A música era entendida como um acompanha-
era a permissão de um mês, tal como consta de mento indispensável nos serviços religiosos mas,
uma carta expedida ao Geral da Congregação também, como instrumento de deleite e prazer.
pela Rainha D. Maria I, datada de 30/11/1777. Procurava-se, no entanto, que não fosse a música
• Direito a férias nas quintas da ordem, também de tocada pelos seculares (nem sempre conseguida)
duração variável, uma semana, um mês a dois me- «…e porque também parece alheio do estado reli-
gioso entregar a devertimentos proprios de secula- -191 – Leis da Junta Geral de 10/8/1755, fl. 161vs).
res… aos mais distrahidos mandarão…que nenhum • Critica-se, asperamente, os religiosos o irem ver e
religioso posa tocar viola, rabeca ou outro qualquer assistir a festas profanas tão impróprias como teatro
estromento dentro nos mosteiros, nem ainda nas e touradas, escandalizando os próprios seculares …
quintas aonde estiverem de recreação, excepto cujo erro suposto não possamos já remediar ao me-
cravo, manicordio, arpa e flauta…»3. nos para que no tempo futuro não sirva de exem-
• Permissão de jogos de cartas e de dados a dinhei- plo o passado…5.
ro até 200 reis (não jogarão mais nesse dia se per- Da mesma forma, a assistência médica e medica-
derem) no tempo das recreações, sempre fora da mentosa não era nada desprezível no contexto da
clausura, somente entre religiosos, sendo expres- época contribuindo para que a qualidade e a espe- 149
samente proibido jogarem com seculares e muito rança de vida dos religiosos fosse maior que o comum
menos a dinheiro (A.D.B. - CI -188…Leis da Junta da população (GÓMEZ GARCIA,1997:320-322).
Geral de 4/3/1748, fl. 134vs). Da mesma forma, Assim quase todos os mosteiros denominados ca-
eram permitidos aos monges depois de vésperas sas grandes tinham enfermaria recebendo religiosos
em alguns dias recrearem-se com o jogo da bola e doentes, velhos e achacados. A frente deste serviço
da laranjinha (A.D.B.- CI -188…Leis do Capítulo Ge- estava o Pe Enfermeiro, cuja importância cada vez
ral de 4/5/1744, fl. 115 vs). Proibidos eram os jogos mais se destacava, sobretudo, em Alcobaça, onde
denominados de parar (A.D.B. - CI -192 - Doc. 17 2 havia grande número de debilitados6. Tinha contabi-
- Leis do Capítulo Geral de 2/5/1778, fl. 11vs). lidade própria, havendo um livro de receitas e despe-
• Restrições a que nos mosteiros de religiosas se or- sas, recebendo dos Padres Bolseiros todas as verbas
ganizassem comédias, bailes, festas, teatros ou ou- necessárias para suportar todos encargos, incluindo
tras semelhantes distracções seja por impulso de pagamento de honorários do médico do partido, do
religiosas, criadas ou seculares «…quando suceder cirurgião e do sangrador. Era coadjuvado nas suas
haver alguma comedia de fora ou entremeses que tarefas diárias por 5 ou 6 moços dos mais jovens e
se queirão representar para as religiosas verem não capazes para ajudar os doentes. Em Alcobaça ha-
consentirão que seja na igreja…são so para o culto via uma média de assistência de um moço noviço
e veneração de Deos…»4 ou donato para 4 ou 5 religiosos doentes (A.D.B. CI
• Proibição, pelo direito canónico, dos religiosos ca- -188 – Leis da Junta Geral de 26/1/1732, fl. 54 vs). Os
çarem com armas de caça, cães e aves de rapina moços assistentes varriam as celas, faziam as camas,
por ser impróprio do seu estatuto, somente usar os lavavam as roupas e iam buscar água e azeite para
cajados contra os coelhos e andar atrás das lebres. alumiarem as candeias. Transportavam os doen-
Era aceitável usar armas e cães para guarda e vi- tes para onde fosse necessário incluindo o refeitório
gilância das quintas e gados da ordem (A.D.B. - CI onde tinham direito a refeições (comida separada)
diferentes e de melhor qualidade (A.D.B. CI -188 – Leis procurando sempre estar a botica mui provida dos
do Capítulo Geral de 4/5/1744, fl.111). Ao Padre En- simples e mais mezinhas necessarias as necessidades
fermeiro estavam-lhe atribuídas tarefas de chefia e e enfermidades que sobrevierem aos religiosos fazen-
organização do serviço. Recebia e acompanhava do e mandando fazer as agoas estilladas, emxaropes,
o abade, o médico, o cirurgião, o sangrador, o bo- perolas, receituários e mais compostos de que se usa
ticário, o barbeiro nas suas visitas aos doentes, que pedindo pera isso ao prelado que bem o saiba fazer
se pretendiam diárias. Tomava bem nota das mezi- quando a casa o não houver…7. Como os remédios
nhas e xaropes a dar aos doentes, suas quantidades, se estragavam facilmente, e era necessário repor sto-
sem qualquer engano e verificaria se os mesmos as cks, fazendo-os de novo, muitas vezes distribuíam-se
150 tomavam. Entrava na cozinha para assegurar a boa os excedentes pelos pobres que deles necessitassem
qualidade dos alimentos e temperos tanto ao jantar ou então como acontecia em Alcobaça uma parte
como à ceia. Asseguraria que os moribundos rece- eram vendidos, sendo as receitas utilizadas depois de
bessem a tempo os sacramentos, avisando os religio- pagar as despesas para o ornato das capelas-mores
sos da ocorrência (A.D.B. CI -188- Leis da Junta Geral e para a livraria (A.D.B.- CI -191…Leis da Junta Geral
de 26/10/1746, fl.125). de 3/10/1758, fl.177). Tinha livro próprio de receita e
Ligada à enfermaria estava a botica estando à despesa, sinal evidente de autonomia em relação ao
frente o Padre Boticário. Tinha a responsabilidade de serviço anterior.
dar resposta ao receituário prescrito pelos médicos. Relacionado ainda, com questões de saúde e de-
Os mosteiros de Alcobaça e Bouro tiveram botica pendendo do parecer do médico e do abade ou
desde muito cedo, sendo famosa a da casa mãe abadessa os religiosos podiam ir a banhos de mar ou
dos cistercienses que de resto, tinha contabilidade às caldas ou ainda a outras quaisquer termas (A.D.B.
separada da enfermaria (NATIVIDADE, 1885:135-139). - CI -192…Leis da Junta Geral de 19/6/1781, fl. 3 vs).
Salzedas e Tarouca, ao que parece, só alcançariam Alcobaça por uma questão de poupança preferia
esse desiderato a partir da segunda metade do sé- que os religiosos necessitados de banhos de mar fos-
culo XVIII, dado que ainda em 1758 se pedia um sem para S. Martinho ou para a Pederneira, os outros
boticário a Alcobaça que tinha três, podendo dispo- doentes fossem para as Caldas da Rainha e em últi-
nibilizar um (A.D.B.- CI -191… Leis da Junta Geral de mo caso para outras estâncias termais. Aos primeiros,
3/10/1758, fl.177). O boticário deveria ser uma pessoa atribuíam-se apenas rações e pitanças por a congre-
caridosa para lidar com os doentes, fosse bom de ci- gação dispor de quintas na região para receber os
ência ou tivesse experiência de botica e teria …uma monges, aos segundos pagava o arrendamento das
taboa com as receitas que devem dar a cada do- casas até 9 600 reis e uma diária a cada monge de
ente nam se fiando nunca de sua memoria pois he 240 reis até ao máximo de um mês, os últimos resol-
cousa de tanta importancia a saude dos religiosos… ver-se-ia caso a caso (A.D.B. - CI -192, Leis da Junta
Geral de 22/11/1790, fl. 2). Como as despesas eram religioso, doutrinal e espiritual. Com o passar dos anos
muitas os religiosos que tivessem um pecúlio superior a preocupação maior e que ocupava mais tempo
36 mil euros, o mosteiro só pagaria parte das despe- aos religiosos era o estudo. Com o tempo esboça-se
sas, os outros com menos capacidade económica uma hierarquia nos mosteiros, baseada no grau de
teria de ser financiado pelo comum do convento da instrução que cada religioso conseguisse alcançar,
sua proveniência (A.D.B.- CI -189…Leis da Junta Geral cumprindo uma das determinações do Concilio de
de 6/5/1785, fl. 80). Bouro utilizava as quintas e gran- Trento, que era tudo fazer para alcançar uma melhor
jas que tinha em Terras de Bouro como suporte aos preparação doutrinária e teológica do clero secu-
religiosos que iam a termas às Caldas do Gerês. Para lar e regular. Não era o critério único de ascensão,
evitar estadias demasiado prolongadas, convívio mas sem dúvida, um dos mais seguros e o que abria 151
com seculares e para evitar escândalos e divertimen- a porta a cargos mais importantes da Congregação
tos, os religiosos deviam ir em grupo acompanhados como; Abade e Prior, Geral e Conventual, Procura-
de um religioso responsável nomeado pelo abade dor, Visitador, Definidor ou, mesmo fora da Ordem,
(A.D.B.- CI -189…Leis da Junta Geral de 6/5/1785, fl. como; Professor, Cronista, Bispo, Juiz do Santo Ofício
80 vs.). etc…Pelo desempenho destes cargos, havia uma re-
muneração, que era proporcional à função ocupa-
CONCLUSÃO. Os monges tinham na época mo- da e que se encontrava regulamentada. Procurava-
derna uma jornada diária muito preenchida com se desta forma pragmática, tornar mais atractiva a
orações, rezas e missas às quais se procurava a mo- função de religioso conventual. A somar a estes emo-
bilização da comunidade. Os mais consagrados e lumentos, temos um conjunto de práticas, regalias,
preparados ajudavam ainda o D. Abade no exer- «direitos» sociais não negligenciáveis e em certa me-
cício de determinadas tarefas de natureza adminis- dida, verdadeiramente, antecipadores como; assis-
trativa e espiritual. Durante o dia havia tempo para tência gratuita na doença, medicamentos, licenças,
três refeições e um passeio a meio da tarde ou em ida a banhos, estância em quintas da ordem etc...
alternativa a leitura de um determinado livro de cariz
1. Por exemplo, a Sexta e a Noa poderiam seguir-se à missa principal. As Completas poderiam ser rezadas ao fim da tarde antes do início da ceia. Os testemunhos
falam ainda de Canonicas, Matinas e Laudes que seriam rezadas antes das Completas e ainda Graças e Meridianas (antes da Noa). Sobre o assunto consulte
ainda: A.D.B. - CI - 188 – Leis que se fizeram em Capítulos e Juntas Gerais, (1708- 1749). In Leis da Junta Geral de 5/4/1728, fl.43.
2. A.D.B. - CI -192 - Capítulos Gerais. Docs. 10 a 23. Século XVII - 1828. In Doc. 21 5 - Leis da Junta Geral de 2/5/1778, fl. 1.
3. A.D.B. - CI -188 – Leis que se fizeram em Capítulos e Juntas Gerais, (1708- 1749).In Leis da Junta Geral de 4/3/1748, fl. 134vs.
4. A.D.B.- CI - 187 – Leis que se fizeram no Capítulo Geral 1663- (1705). In Leis da Junta Geral de 2/5/ 1688, fl. 27vs.
5. A.D.B. - CI -192 - Capítulos Gerais. Docs. 10 a 23. Século XVII - 1828. In Doc. 14 1 - Leis da Junta Geral de 8/11/1760, fl. 8.
6. B.N. R. – COD. 1482 – Regulamento da Pitanças, fl.138-156. In FIGUEIREDO, Fr. Manoel de - Memórias para formar a Historia de Comarca de Alcobaça,«…o que
catholicamente desempenhar esta obrigação tem muito merecimento porque não há objectos de que mais fujamos naturalmente que dos indivíduos da
mesma espécie a que a doença aflige, e a molestia atormenta; athe Deus os separa do mundo dos vivos. Este official atura, sofre impertinentes, só ajuda a
bem morrer os criados e moribundos…costumam darlhe 4000 a 4800 reis pelo que em futuro regulamento deve ser o mais attendido….».
7. T.T. - ALC. – B – 50 – 198 – Livro dos usos antigos das cerimónias e louvaveis costumes da Ordem Cisterciense ainda que já alteradas no anno de 1630, escrito
por Fr. António de Lisboa, fl. 74.
018 SÉCULO XIX
MOSTEIROS DE S. JOÃO DE TAROUCA, SANTA MARIA DE SALZEDAS,
S. PEDRO DAS ÁGUIAS, SANTA MARIA DE AGUIAR, SANTA MARIA DE
AROUCA E NOSSA SENHORA DA ASSUNÇÃO DE TABOSA.
O DECRETO DE
EXTINÇÃO DAS ORDENS
RELIGIOSAS: IMPACTO
NOS MOSTEIROS
CISTERCIENSES DO
DOURO CÉLIA TABORDA
A vitória liberal, em 1834, abriu caminho para a ordens religiosas. Pelo decreto de 28 de Maio de 1834,
grande transformação política, económica, social e publicado a 30 de Maio, foram extintos todos os con-
religiosa que ocorreu no período de instauração do ventos, mosteiros, hospícios e todas as casas religiosas
liberalismo e que impulsionou a modernização de masculinas, sendo nacionalizados todos os seus bens.
Portugal. As casas femininas mantiveram-se até morrer a últi-
Nesse processo, várias medidas legislativas foram ma freira, altura em que os seus bens foram integra-
promulgadas, entre elas, o decreto de extinção das dos no erário público. Só os objetos sagrados ficaram
Figura 1 | Dormitório do mosteiro de São João de Tarouca (2010). Foto Pedro Martins © DRCN
153
de fora. Estes foram entregues aos bispos para os dis- justificação incluía causas que iam da ideologia à
tribuírem pelas igrejas mais pobres (Decreto de 30 de política, passando pela economia, moral e pela pró-
maio de 1834 apud REBELLO, 1896:54-55). pria religião. Os argumentos baseavam-se em certos
Joaquim António de Aguiar, ministro e secretário de factos, como: pregarem contra a liberdade, utilizan-
Estado dos Negócios Eclesiásticos e da Justiça de D. do os púlpitos para caluniar e o confessionário para
Pedro, foi o mentor da referida lei. Este decreto veio trair; substituírem os bispos e párocos junto das po-
responder ao racionalismo liberal, profundamente pulações, levando-as a afastarem-se do verdadeiro
anticlerical, sobretudo em relação ao clero regular, evangelho e a enveredar pela superstição; impedi-
pela sua existência ser considerada incompatível rem, enquanto celibatários e corpos de mão-morta,
154 com o avanço civilizacional. o desenvolvimento das atividades económicas e
Este diploma foi precedido de um relatório onde consequentemente o aumento das finanças do Esta-
se explicavam as razões de tão drástica medida. A do (SILVA, 1989: 12, 13).
Figura 3 | Sala do capítulo do mosteiro de Santa Maria de Aguiar. Foto Pedro Martins © DRCN
A única solução possível para o ministro foi extinguir Maria de Aguiar (figura 3). Os femininos, S. Pedro e S
«esses enormes corpos que Jesus Cristo não criou» e .Paulo de Arouca e Nossa Senhora da Assunção de
que eram perniciosos à sociedade. Na verdade, Tabosa (figura 4) foram extintos com a morte da últi-
o decreto tinha objetivos terrenos mais prementes. ma freira. O primeiro em 1886 e o segundo em 1850.
Com esta lei, os liberais tentavam salvaguardar o re- Após a publicação do decreto, os monges durien-
gime e a estabilidade das novas instituições expur- ses tiveram que abandonar os respetivos mosteiros
gando um inimigo político. Em simultâneo, pensavam (cat. 19). Despojados das suas casas, estes regulares
evitar o descalabro financeiro com as vendas dos ficaram à mercê da sorte, da caridade alheia ou
bens expropriados. do subsídio estatal. Com efeito, pelo mesmo docu-
No Douro, este diploma extinguiu os mosteiros mas- mento, o Governo comprometia-se a pagar pensões 155
culinos de S. João de Tarouca (figura 1), Santa Maria anuais para a sustentação dos frades e monges, mas
de Salzedas (figura 2), S. Pedro das Águias e Santa apenas para os que não tivessem servido no cam-
Figura 4 |Mosteiro de Nossa Senhora da Assunção de Tabosa. Foto Pedro Martins © DRCN
po miguelista (SILVA, 1989: 12, 13). Por conseguinte, Ao redistribuir a terra, surgiria uma nova classe de
ficaram excluídos do benefício: 1º- os religiosos que proprietários que iria defender o sistema que lhes pro-
tomaram armas contra o trono legítimo, ou contra porcionou o acesso à propriedade, alargando, desta
a liberdade nacional. 2º - Os que em favor da usur- forma, os liberais, a sua base de apoio. Além disso,
pação abusaram do seu ministério no confessioná- com a desamortização tentavam resolver, ou pelo
rio ou no púlpito. 3º - Os que aceitaram benefício ou menos atenuar, o problema da dívida pública (SILVA,
emprego do governo do usurpador. 4º - Os que de- 1989: 11-14). As consequências que daqui advieram
nunciaram ou perseguiram duramente os seus conci- foram polémicas, por se ter considerado que não se
dadãos por seus sentimentos de fidelidade ao trono preveniram devidamente os efeitos daí decorrentes,
156 legítimo e adesão à carta constitucional. 5º - Os que o destino das pessoas e dos bens.
acompanharam as tropas do usurpador. 6º - Os que Em todos os mosteiros da região duriense o proces-
no ato do restabelecimento da autoridade da rainha so de expropriação foi semelhante e célere. Entre os
ou depois dele nas terras onde residiam abandona- meses de Julho e Agosto, deslocou-se a cada um dos
ram os seus conventos, mosteiros, hospícios ou casas mosteiros um representante do Estado, geralmente
respetivas (A.N/T.T, A.H.M.F, mosteiro de Santa Maria um juiz de fora e um escrivão, e coadjuvado por um
de Aguiar, nº3, cx.2191). abade ou algum monge residente procederam ao
De qualquer forma, mesmo os que foram contem- inventário dos bens de cada casa. É de referir que
plados com o benefício ficaram igualmente reduzi- só em Santa Maria de Aguiar é que foi o abade a
dos à miséria. A pensão raramente era paga no de- auxiliar as autoridades liberais.
vido tempo e na quantia estipulada, sendo o valor Depois de avaliado, o vasto património monástico
tão irrisório que mal dava para os ex-monges sobre- foi arrendado ou vendido de imediato. No caso de
viverem. Salzedas, a Cerca foi arrendada a um ex-monge do
É a fase mais radical do constitucionalismo para a mosteiro, Fr. Pedro de Santa Ana, pela quantia de
integração do aparelho religioso no sistema político. 24.000 réis por ano. Outro ex-monge da mesma co-
Sob o pretexto do envolvimento dos monges na luta munidade também aparece nos documentos como
antiliberal1, evocando a legitimidade do cristianismo arrendatário de umas casas e hortas, pelas quais pa-
primitivo (onde não existiam estes corpos) e as «lu- gava 9.600 réis por ano (A.N/T.T., A.H.M.F. Mosteiro de
zes do século», foram suprimidos, de uma só vez, 356 Santa Maria de Salzedas, cx.2249.).
conventos masculinos e 12 femininos e integrados no Os edifícios foram colocados à venda. Tarouca
erário público cerca de 15.000 contos de réis (SILVA, rendeu 72 contos (figura 5) e oitenta mil réis (A.N/T.T.,
1993: 341). A.H.M.F. Mosteiro de S.João de Tarouca, cx.2255.);
Esta legislação, para além das razões aduzidas, Salzedas, devido ao fogo que quase o consumiu (SIL-
inseria-se numa estratégia estrutural de mudança. VA, 2007: 225-229), foi vendido às parcelas; Santa Ma-
ria de Aguiar, como não foi logo vendido (apenas em entanto, muita informação ardeu juntamente com a
1844), deteriorou-se e desvalorizou-se, arrecadando documentação destas Casas. Em 1841, os arquivos
o Estado apenas 6 contos e seiscentos mil réis por este dos cistercienses do Douro, que estavam depositados
imóvel (BORGES, 1997:307). em Viseu, foram consumidos pelo fogo, dificultando,
Pelos documentos e vestígios que chegaram até assim, a reconstituição da história destes mosteiros
nós só se observam efeitos nefastos do decreto de durienses e da própria ordem de Cister.
28 de Maio para os mosteiros do Douro (cat. 20). No
157
1. Os liberais consideravam que os mosteiros tinham sido convertidos «em assembleias revolucionárias; os púlpitos em tribunais de calúnias facciosas sanguinolen-
tas; e o confessionário em oráculos de fanatismo e de traição» (REBELLO, 1896:51).
019 SÉCULO XIX (1879)
MOSTEIROS DE SÃO JOÃO DE TAROUCA E
NOSSA SENHORA DA ASSUNÇÃO DE TABOSA
O ROMANTISMO
LITERÁRIO E OS
MOSTEIROS
CISTERCIENSES DO
DOURO: UMA VOZ
FEMININA ENTRE RUÍNAS. NUNO RESENDE
Faz horror contemplar estes edifícios tão magestosos, tão vastos e tão sólidos assim mutilados, esboroados e destruídos!
Maria do Pilar Bandeira M. Osório, 1879
159
A figura de D. Maria do Pilar Bandeira Monteiro Embora o catálogo da Biblioteca Nacional de Por-
Osório é praticamente desconhecida no panorama tugal apenas indique um único título assinado por
das letras portuguesas. No entanto o conjunto da sua D. Maria do Pilar – A secular do Convento de Barrô,
obra identificada concede-lhe algum relevo no con- editado em 1882 – a sua obra compõe-se de, pelo
texto de produção literária fora dos grandes meios menos, mais quatro romances publicados: Lágrimas
intelectuais do Portugal de oitocentos. e Saudades (1872)1, Uma família que viveu no seculo
Nascida em Cárquere (c. Resende), em 1844, filha passado (1879), A filha do Povo (1892)2 e As duas mu-
do juiz António Bandeira Monteiro Subágua e Vas- lheres (data de publicação desconhecida)3. Disper-
concelos, fidalgo miguelista, literato, e de D. Joaqui- sos pelo periodismo da época encontram-se, ainda,
na Emília, ambos de famílias beirãs, a autora cresceu vários artigos e crónicas que manifestam os principais
e viveu entre Cinfães, de onde provinha a sua ascen- interesses da escritora: a história, o património, a pai-
dência materna e Britiande (c. Lamego), onde casou sagem e a natureza na geografia do Douro seten-
(MELO, 1992: 73-74 e PINTO, 1985: 102-103). Conhece- trional. Em 1872 escreveu para o Novo Almanach de
dora da geografia física e social da região, por via Lembranças Luso-Brazileiro dois artigos, um intitulado
dos vínculos consanguíneos e afinitivos que a posi- O crepúsculo da manhã (OSÓRIO, 1872b), e outro
cionavam no centro das relações linhagísticas de um versando a história do Convento de Santo António
vasto conjunto de casas senhoriais locais, D. Maria do de Ferreirim (OSÓRIO, 1872a), onde explora a curiosi-
Pilar produziu uma obra considerável dentro do gé- dade arqueológica sobre as ruínas à sua vista (a au-
nero do romance. Ainda que com certeza destinada tora estanciava em Britiande, na casa de São Bento).
a um casamento de conveniência e circunscrita aos Efectivamente embora a sua escrita seja, do ponto
limites domésticos da sua família, D. Maria Pilar trilhou de vista narrativo, de consistência romântica – quer
um percurso ao seu tempo mais frequentemente des- nos tópicos, quer na construção psicológica e física
tinado aos homens. das personagens – a sua busca pela objectividade
descritiva dos edifícios e dos lugares (frequentemen- Na primeira história que ocupa a primeira parte do
te colhida em fontes históricas) revela a uma sensibi- romance, a escritora descreve o amor impossível de
lidade naturalista4. D. Leonor de Menezes e de Francisco Amaral, noviço
Essa característica sobressai no romance Uma fa- de São João de Tarouca, cuja acção se desenrola
5
mília que viveu no seculo passado (OSÓRIO, 1879) . pelos ainda vivos e poderosos edifícios monásticos
Editado no Porto em 1879, narra a vivência de uma cistercienses a sul do Douro – instituto masculino onde
família nobre de Tarouca, centrando-se na infortu- acontece o amor entre as referidas personagens e
nada vida amorosa das filhas de Álvaro de Menezes uma casa feminina, para onde segue a malograda
e de Filipa Osório. A acção desenrola-se a partir da Leonor, vergada à autoridade paterna.
160 vila de Tarouca, mas estende-se ao mosteiro de São Para além da descrição dos espaços (mosteiro de
João, ao convento de Tabosa e à vila de Linhares São João, cap. IV; Tabosa, cap. XXII), das práticas
(junto à da serra da Estrela), percorrendo as vicissitu- nele desenroladas (como os ofícios da Semana San-
des de um conjunto de relações sentimentais, sujeitas ta na igreja de São João, capítulo V) e dos indivíduos
à luz do direito e da moralidade vigente. e funções a eles afectos (a cultura dos frades bernar-
Figura 2 | Ruínas do mosteiro de S. João de Tarouca: Reprodução de Bilhete postal ilustrado (não datado). Colecção Nuno Resende
procurou na história do monaquismo português ele- através escrita o que mais tarde virá a ser feito pela
mentos para a reabilitação cultural (e até espiritual) fotografia: a inevitabilidade estética da ruína (figura
do país, numa época que procurava num tempo dis- 2). A questão não era, porém, meramente da ordem
tante o que a contemporaneidade, ainda lembrada da arquitectura. A ruína ideológica assume frequen-
do Barroco, não podia fixar como modelo. temente como tópico na escrita da época. Leite de
Esta exaltação da ruína e a busca pela vivificação Vasconcelos chega a desculpar-se:
da mesma é transversal ao pensamento do século […] não quero parecer louvaminheiro ou pane-
XIX e constitui um dos tópicos mais expressivos da gerista dos frades, quero unicamente prestar culto à
obra de D. Maria Pilar. É-lhe próxima, aliás, através verdade […] se por um lado S. João de Tarouca mui-
162 das obras monográficas de J. Leite de Vasconcelos to perdeu com a retirada dos seus religiosos, adquiriu
e do Abade Vasco Moreira (cat. 19) que enfatizam por outro lado um bem […] assim que as portas do
Figura 3 | Fachada do mosteiro de Nossa Senhora da Assunção de Tabosa. Foto Pedro Martins © DRCN
mosteiro se cerraram, e para sempre, os mandriões para onde seguiam mulheres cujo destino estava tra-
que em S. João viviam da sôpa conventual, ou d’ela çado pela legislação e pelo costume. Ali viviam as
muito se aproveitavam, começaram com a enxada senhoras Rebellos que a condição de filhas últimas
e com o picaveque, a arrotear as moitas […] (VAS- de uma casa de Britiande sequestrara do mundo em
CONCELOS, 1933: 434). Tabosa. E é sobretudo nestes quadros, os da descri-
A sensibilidade de D. Maria do Pilar em relação às ção da vida social, das práticas e dos estigmas que
solitárias e arruinadas casas monásticas da região de D. Maria do Pilar acrescenta mais expressividade aos
Lamego (veja-se o convento de Barrô, tratado pela locais que com rigor descreve. A profissão da angus-
autora em obra de 1882) revela menos a aceitação tiada noviça Helena em Tabosa (cap. XXIX) ou, já na
pelo modelo de viva eclesiástica (de que as suas per- segunda parte do romance, a história do enjeitado 163
sonagens são prisioneiras) e mais o elogio pela força e pobre Jacinto (afinal filho de um nobre da vila de
imagética dos edifícios, descritos como elementos Linhares) ou ainda a notável dissertação sobre os
basilares de uma certa paisagem civilizacional e até malefícios dos morgadios (cap. XXII) constituem va-
moralizadora.. liosos elementos que constituem parte da gramática
Em Tabosa, destino de D. Leonor, a escritora des- realista que marcam a literatura portuguesa de final
creve a solidão do lugar em terreno montanhoso e de oitocentos.
frio […] sitio ermo para que as orações das monjas D. Maria do Pilar Bandeira Monteiro Osório faleceu
não fossem perturbadas pelas vozes do mundo (OSÓ- em Britiande, a 15 de Outubro de 1887.
RIO, 1879: 19), assinalando assim a qualidade do sítio,
1. Não localizámos em qualquer acervo bibliográfico esta obra. Pinho Leal cita-a no oitavo volume do seu Portugal Antigo e Moderno, a propósito de Quarquere
(LEAL, 1878: 7) e Joaquim Caetano Pinto resume a sua acção, indicando 1872 como ano da sua publicação (PINTO, 1985: 102-103).Este autor possuía um
exemplar que indica no catálogo bibliográfico de Resende nas Letras: Lagrimas e saudades, 166x118 mm e 160 pp., Tipografia do «Jornal do Porto», Rua Ferreira
Borges, 31, Porto, 1872 (PINTO, 1985: 35).
2. Foi, segundo Joaquim Caetano PINTO (1985: 103) publicação póstuma a cargo do filho adoptivo de D. Maria do Pilar (Vasco Maria Osório, a quem a autora
dedicou o romance Uma família que viveu no seculo passado). Foi editada em Lamego: A Filha do Povo, 195x124 mm e 164 pp., edição póstuma, Minerva da
Loja Vermelha, Rua de Almacave 103/105, Lamego, 1892 (PINTO, 1985: 35, 103).
3. Não conhecemos qualquer referência editorial sobre esta obra.
4. A única análise à sua obra é a que faz Joaquim Caetano Pinto. Este, que foi seu biógrafo em Resende nas Letras, assinala que Maria do Pilar floresceu em ple-
na escola romântica e faz lembrar Júlio Dinis pelos seus romances passados na aldeia, descrevendo cenários, costumes, antiguidades e lendas do povo. São
dispersivos, entretecidos de várias paixões amorosas, mas a sua prosa, atraente e correcta, tem estilo e carácter. (PINTO, 1985: 102). Nesta publicação o autor
transcreve excertos de A filha do povo e Lagrimas e Saudades (apud PINTO, 1985: 169-177).
5. Utilizámos uma edição encadernada em Miscelânea com A Secular do Convento de Barrô, da mesma autora, e Os Frades, de João de Lemos, cujo volume,
hoje na nossa propriedade, integrou a biblioteca Pedro A. Ferreira, abade de Miragaia.
020 SÉCULO XX
MOSTEIRO DE SÃO JOÃO DE TAROUCA
S. JOÃO DE TAROUCA:
AS RUÍNAS DO MOSTEIRO
(CLICHÉ E SIMILI-
GRAVURA DE MARQUES
ABREU)
MARIA LEONOR BOTELHO
S. João de Tarouca, 1910. Assim se data um curioso e dos grandes fotógrafos de arte como Carlos Relvas
artigo que o Abade Vasco Moreira assinou na rúbrica (1838-1894), Emílio Bïel (1838-1915), José Antunes Mar-
«Portugal Pittoresco» da revista Arte: Archivo de Obras ques Abreu (1879-1958), Domingos Alvão (1872-1946)
de Arte (MOREIRA: 1910, 8). Redigido e assinado no ou Guilherme Bonfim Barreiros (1894-1973). Entre nós,
ano em que se implantou a República, este texto tão foi na transição do século XIX para o século XX que se
peculiar apenas conheceu o prelo em Janeiro do ano sentiram os mais significativos progressos ao nível da
seguinte e recebeu o título de «Ruínas (S. João de Ta- arte da fotografia que, pela ação da luz, fixa a ima-
rouca)». gem de pessoas ou cousas sobre placa metallica, pa-
Consagrada nos dias de hoje, a ilustração assume- pel, vidro (ABREU: 1904, 4). Impera então uma fotogra-
se como uma ferramenta fundamental para o estudo fia de tendência artística - ela própria uma forma de 165
e para a divulgação dos objetos artísticos e do patri- arte -, onde o objeto artístico, ou seja, o monumento
mónio edificado. Nas publicações atentas aos monu- é tratado com contornos algo subjetivos, ao modo de
mentos (figura 1), identifica-se um momento inicial no personagem retratada.
qual a ilustração surge sob a forma de gravuras isola- A revista Arte, publicada entre 1905-1912, veio pre-
das, entre páginas de texto, a que se segue um outro, encher uma lacuna até então existente no jornalismo
já a partir dos finais dos anos sessenta do século XIX e portuense (e talvez nacional), sendo considerada dig-
onde se manifesta um novo alento dado pela foto- na de figurar nas melhores bibliotecas, porque as en-
grafia (ROSAS: 1996, I). Depois, temos a era dos clichés riquece ([S.a].: 1906). Publicação mensal, a Arte teve
Figura 1 | Mosteiro de São João de Tarouca (2014). Foto Pedro Martins © DRCN
por fim a promoção, defesa, divulgação e sensibiliza- através da qual se procura motivar o respeito ou de-
ção para um património arquitetónico específico (o nunciar o vandalismo (BORGES: 2013, 21). Apesar da
românico) que, com fins pedagógicos (figura 2), é arti- beleza e da crítica tão favorável que acolheu à épo-
culado com a forte carga fotográfica nelas presentes ca (BORGES: 2013 e BOTELHO: 2013), a fotografia de
(BORGES: 2013, 20). Foi cada vez maior o papel assu- Marques Abreu procuraria representar o real, credível,
mido pelos estudos de Património monumental, pre- do registo, relacionando diretamente as imagens e as
texto para que Marques Abreu iniciasse um percurso coisas (BORGES: 2013, 22).
de defesa e divulgação do património e que fizesse Ora, no número da revista Arte que foi publicado
da Arte um palco de experiências e procedimentos em Janeiro de 1911, ao texto que o Abade Vasco Mo-
166 que lhe seriam muito úteis posteriormente (BORGES: reira intitula de «Ruínas (S. João de Tarouca)», associa-
2013, 262), em publicações como a Ilustração Moder- se um cliché e simili-gravura de Marques de Abreu, o
na (1926-1932). documentador (BORGES: 2013, 23), intitulada de «S.
Já nesta época identifica-se em Marques de Abreu João de Tarouca – Ruínas do Mosteiro» (figura 1). Nela,
aquilo a que Pedro Aboim chamou de fotografia «en- um conjunto de silhares amontoam-se diante das ru-
gagé», empenhada, ou seja, a fotografia documento ínas daquilo que seria a sala do capítulo e, d’um e
Figura 2 | Ruínas do mosteiro de São João de Tarouca. Sala do Capítulo (cliché de Marques Abreu, 1911)
Figura 3 | Ruínas do mosteiro de São João de Tarouca. Claustro de século XVII (cliché de Marques de Abreu, 1911)
outro lado lado, vêm-se as parêdes meio caídas, co- entre a nossa realidade e a francesa pós-revolucio-
roádas de ervas e musgo, enquanto que num primeiro nária. Chateaubriand procurara justificar a importân-
plano, à esquerda, levanta-se melancólica, uma das cia da arquitetura medieval enquanto sinónimo de
quatro colunas que ladeavam o nóbre claustro (MO- Catolicismo, numa evidente tentativa de defesa do
REIRA: 1911, 8). património religioso perante as destruições e vandalis-
Logo de início, é feita uma alusão às espécies que mos de que foi alvo durante os tempos da Revolução
François-René de Chateaubriand (1768-1848) identifi- (BOTELHO: 2013, 56). Num outro contexto, e num outro
cou nas ruínas, uma, obra do tempo; e por isso menos tempo, o Abade Moreira alude à destruição ocorrida
desagradável (…) outra, obra do homem, sempre ra- aqui em 1908 e cujas solitárias ruínas lembram enterne-
dical e abruta; e por isso, mais melancólica e sombria cidamente os tempos idos, em que «virtude eroica os 167
na sua perspetiva (MOREIRA: 1911, 4). É nesta última ermos abitava» (MOREIRA: 1911, 6 e 9).
categoria que o Abade Moreira enquadra as ruínas Mais, o Abade Moreira descreve aquilo que terá sido
monásticas de São João de Tarouca: o braço umano a Sala do Capítulo, com as suas grandes janelas, dos
desfez, em mezes, o que gerações ergueram em se- seus colunélos, rendilhados, dos seus lindos frisos, bor-
culos (MOREIRA: 1911, 4). Note-se aqui um paralelismo dados de era, e do espaldar da cadeira do D. Abade,
desenhado, na parêde, a tinta vermelha como san-
gue (MOREIRA: 1911: 6). E continua explicando que ao
lado do refeitório era o açougue, com janelas estrei-
tas, voltadas para o rio, de elegante abóbada arte-
soada, e suspensa em arcos abatidos, apoiados em
enormes colunas, cujos capiteis e fustes eram de estilo
romanico (MOREIRA: 1911: 6).
Apesar do tom do discurso, tão romântico e apo-
logético da ruína, como pedagógico e criador de
sensibilidades em prol da salvaguarda de um patrimó-
nio perdido, é muito importante este testemunho de
quem era (ainda) Abade do Mosteiro de São João de
Tarouca, num momento imediatamente anterior à sua
destruição. Compreende-se, também, a publicação
deste artigo, peculiar, numa revista como a Arte, uti-
lizada por Marques Abreu, seu proprietário e gerente,
como plataforma divulgadora, «gratuita», do patrimó-
nio medieval português (BORGES: 2013: 262).
Figura 4 | Ruínas do mosteiro de São João de Tarouca, torre sineira de século XVIII (2010).
Foto Pedro Martins © DRCN
021 (1921-23)
MOSTEIRO DE SANTA MARIA DE AROUCA
UM «CONVENTO» DE
CELULOIDE – SANTA
MARIA DE AROUCA NO
FILME MULHERES DA
BEIRA DE RINO LUPO
HUGO BARREIRA
Pensar um filme enquanto objeto passível de inte- esta deve ser encarada como exploratória, necessa-
grar uma mostra diversificada obriga, naturalmente, riamente parcelar, e propedêutica para um estudo
a um exercício de seleção criterioso da informação de maior profundidade a realizar futuramente. Assim,
a colocar na sua entrada de catálogo. Esta pode- focar-nos-emos na presença do mosteiro no filme de
ria seguir uma abordagem mais tradicional, conten- Rino Lupo, referindo outros aspetos na medida em
do uma sinopse, uma contextualização dos aspetos que se revelem necessários para a compreensão da-
de produção e receção do filme e as menções de quela ou que constituam novos dados sobre a obra.
responsabilidade e de interpretações principais. Não Para o estudo de Mulheres da Beira como fonte,
será, porém, a abordagem seguida neste texto. A procurámos compreender como foi criado este «con-
decisão de encarar o objeto fílmico de uma perspe- vento de celuloide», começando por esclarecer que 169
tiva particular assentou em dois fatores principais: em é como convento que o edifício aparece designado
primeiro lugar, Mulheres da Beira (1921-1923) foi já ob- no filme e no conto de Abel Botelho (1854-1917) da
jeto de diversas referências em obras que procuram qual é adaptado. Assim, é necessário perceber, em
traçar uma panorâmica da cinematografia portu- primeiro lugar, as referências ao mosteiro feitas pelo
guesa, está presente em bases de dados e, sobre- escritor para, em seguida, atentarmos na presença
tudo, foi parte integrante do aturado estudo sobre do mosteiro no filme e, posteriormente, analisar a
o seu realizador, o italiano Rino Lupo (1888-1934), da mesma.
responsabilidade de Tiago Baptista (BAPTISTA: 2008), A presença de Arouca na obra de Abel Botelho foi
que, pela sua qualidade e atualidade, serviu de re- já objeto de um estudo aprofundado por parte de
ferência para a nossa abordagem; por outro lado, o António Manuel S. P. Silva (SILVA, 1994), no qual são
objeto fílmico deve ser, neste texto, encarado como
uma materialização da fortuna crítica de uma ar-
quitetura cisterciense, o Mosteiro de Santa Maria de
Arouca, pelo que a presente entrada de catálogo o
abordará sobretudo como tal.
A partir desta dupla advertência, cabe questionar
o papel da cinematografia enquanto fonte para o
conhecimento de um objeto artístico, abordagem
que exige e tem como ponto de partida uma análise
crítica que tenha em consideração e problematize
os diversos aspetos em torno da criação do filme. As
limitações inerentes à natureza deste estudo condi-
cionaram a profundidade da abordagem, pelo que
Figura 3 | Fotograma da mesma sequência mostrando a recriação de uma celebração na igreja do Mosteiro. Fonte: LUPO, Rino, Realiz. (1923) – Mulheres da Beira.
Edição da Câmara Municipal de Tabuaço (2005). 21’16’’.
Ana segue para a vila de Arouca, lugar em que se confidente de Ana, aparece, à janela desta, trans-
dão os acontecimentos propiciadores do desenlace, portando uma bilha à cabeça enquanto, num plano
que tem lugar na Freita e na Mizarela. A dicotomia de fundo, dança um conjunto de jovens, trajando a
cidade-campo, tão ao gosto de Abel Botelho como rigor, e um lavrador conduz o gado. O mesmo tipo de
da cinematografia da época (cf. BAPTISTA, 2008: olhar recriador está também presente na represen-
90-91), firma-se na oposição entre os vícios da vila, tação das mulheres de Arouca, ricamente vestidas e
prefiguração da cidade, e na pureza do campo, adornadas, nas cenas com o moleiro, e na sequên-
bem como nas duas personagens-tipo que lhe dão cia da festa, com verdadeiros desfiles de tipos saídos
expressão, respetivamente o fidalgo e o pastor. Entre de pinturas e peças de teatro de costumes regionais
172 estas duas realidades passeia-se a ambígua natureza por entre os quais os bem mais autênticos habitantes
de Ana, uma menina-mulher, «simultaneamente cau- da vila fazem cândidas e deliciosas aparições.
sa e efeito de toda a acção do filme e do seu desfe- É percetível um olhar que sintetiza os diversos ele-
cho fatal» (BAPTISTA, 2008: 91), e justamente servida mentos do conto, e das suas matrizes regionalistas,
na película pelo talento e peculiar beleza de Brunilde em quadros tipificados, descritivos e visualmente ca-
Júdice (1898-1979). tivantes, ainda devedores de um tardo-romantismo
Embora o conto seja seguido de perto por Lupo (cf. que era bem patente na pintura coeva de feição
BAPTISTA, 2008: 91), aspeto que se destaca numa pri- mais conservadora e que respondia ao gosto gene-
meira análise, é necessário atentar no modo como ralizado do público. Esta analogia não seria estanha
o «descritivo singelo» foi «enriquecido de detalhes e a Lupo que, na referida entrevista, confessa:
de pormenores» na tradução para uma linguagem Se me consente o paradoxo, eu, como meteur-
da imagem como a cinematografia. A paisagem en-scène, sou um pintor. Deixo accionar, livremente,
que seduzira o escritor abunda nas inúmeras vistas toda a minha fantasia, vejo os aspectos e os panora-
tomadas na região de Arouca. Em muitas delas, a mas, fixo-os e idealizo depois o quadro a reproduzir
fotografia demora-se em panorâmicas, de sabor pic- (BAPTISTA, 2008:219).
torialista, enfatizando os jogos de luz, e, sobretudo, A divisão da ação em «quadros» de duração va-
torna a paisagem personagem, trabalhando a sua riável era prática comum na cinematografia muda
relação com as figuras através da manipulação da e permitia, em Mulheres da Beira, a introdução de
escala. Estes aspetos são notórios na sequência de diversos momentos humorísticos e anedóticos que
planos que apresentam Ana ou nas vistas tomadas suavizavam as características agrestes do conto. Um
nas serras onde nos é artificiosamente apresentado outro tipo de quadros permitia enriquecer visualmen-
André. O pitoresco da natureza cede lugar, em ou- te a película, apresentando o local da ação, como
tras cenas, ao pitoresco dos costumes regionais. As- na vista da Frecha da Mizarela, anunciada por um
sim, a Tia Maria, personagem secundária do filme, e intertítulo, ou o conjunto de vistas do Porto que, atra-
vés das palavras da Tia Maria, povoavam de sonhos também percetível na escolha dos espaços da vila
o temperamento facilmente impressionável de Ana. em que a ação decorre, formando e projetando
Nestas vistas, nomeadamente nas do Porto (uma a ideia de um perímetro reduzido com o mosteiro
panorâmica da cidade tirada a partir da cota alta como pano de fundo, com destaque para a Praça
de Gaia, onde a câmara não nos permite ver a Pon- Brandão de Vasconcelos, antiga Praça da Vila, mui-
te Luiz I3, uma vista da Torre dos Clérigos e uma vista to alterada nos finais do século anterior (CF. ROCHA,
dos navios ancorados no cais) está bem patente o 2011: 236-253), e na qual Ana toma consciência da
sabor documentarista, devedor não só dos intentos sua simplicidade ao constatar a elegância das mu-
de Rino Lupo e da Invicta, mas também da atividade lheres da vila), ou a utilização de alguns dos edifí-
em obras de não-ficção do operador Artur Costa de cios anexos à cerca, como a Hospedaria de Cima 173
Macedo (1894-1966), que além das colaborações nos (cf. ROCHA, 2011: 275), onde, com o mosteiro como
primeiros filmes de Leitão de Barros, filmara diversos pano de fundo, Ana se impressiona com os fidalgos
documentários e atualidades cinematográficas antes que observa na sua escadaria.
da sua vinda para a Invicta (cf. BAPTISTA, 2008: 96). O mosteiro toma um claro lugar de destaque nos
É neste tipo de transformações e afastamentos quadros que formam a sequência anunciada pelo
em relação ao conto, que o mosteiro de Arouca intertítulo «Era dia de festa em Arouca.», inteiramente
conhece um papel importante no filme. A princípio, resultante da imaginação de Lupo e da sua equipa.
encontramos a sua referência na fala de Ana que, Destas imagens, às quais voltaremos, destacam-se
abraçando uma galinha num humorístico quadro, duas pequenas cenas de interiores do mosteiro: os
expressa a sua felicidade: «- … sabes, irei a Arouca dois planos do retábulo lateral da igreja, onde se en-
todos os dias..., ha lá um bonito convento… ruas… contra a urna da Beata Mafalda (antecedidos pelo
casas brancas com janellas… e depois os homens lá intertítulo «O tumulo da Rainha Santa em ebano e
não tem a cabeça como os d’ aqui… e então os fi- prata») e dois planos de uma celebração num interior
dalgos?...» de igreja, notoriamente recriado.
Será também através do olhar de Ana que vemos Estava assim lançada a tónica das restantes apa-
o mosteiro pela primeira vez. Após a sua chegada rições do mosteiro e da sua imagem no filme. Como
a Arouca, a jovem depara-se com a imponência elemento dominante da vila, na frente do qual ti-
da fachada da igreja e de todo o alçado norte do nham lugar as sociabilidades da população, era não
mosteiro, numa vista tomada de nascente para po- só o cenário ideal para as peripécias de Ana, como o
ente, com a entrada da igreja em primeiro plano. Ao encontro com um Fidalgo já decidido a conquistá-la
fundo, embora pouco nítido, é ainda visível o pórtico e que a seguira desde a entrada para a igreja, mas
do Terreiro, posteriormente suprimido e que foi recen- também o cenário para os pitorescos quadros de
temente reconstruído. A centralidade do mosteiro é costumes, integrados na ação, ou a esta acessórios,
como as danças junto ao cruzeiro, que enriqueciam Ana lançada a seus pés, em que o expressivo diálogo
o filme e lhe emprestavam o tão desejado caráter visual permite a economia da fala escrita, contan-
português. do apenas com um intertítulo: «- … e pequei madre
Por outro lado, e permitindo a introdução de um Thereza… mas estou arrependida e bem castigada.».
elemento que ecoa e amplifica a significação da Este permite uma progressiva transição para o desfe-
dicotomia cidade-campo, o mosteiro é ainda o lu- cho da cena, em que a Madre deixa Ana entregue à
gar onde Ana aprende a ler e a escrever, por ação sua sorte, na impossibilidade de atender às suas súpli-
da Madre Superiora, que procura igualmente edu- cas: «- Sim, madre, confio n’ella, mas seja caridosa e
car a jovem na fé, originando momentos cómicos dê-me asilo no convento… não me deixe morrer, por-
174 e que procuram traduzir visualmente as debilidades que morreria uma alma inocente que trago dentro
intelectuais e morais da personagem, analiticamente de mim!» ; «Tu n’esse estado?... oh!... não! não pódes
descritas por Abel Botelho e transpostas no filme para ficar aqui. Vae e que deus te acompanhe.».
situações concretas de fácil apreensão. Narradas O reforço do papel da piedade popular, que en-
por Ana à Tia Maria e compostas por diversos pla- contramos na inclusão do mosteiro na ação, pode
nos, as cenas são filmadas em interiores de estúdio e também ser encontrando na visão da figura de ves-
acompanhadas dos intertítulos: «- … depois a supe- tes brancas que aponta a Ana o seu destino, e que
riora do convento começou a ensinar-me a lêr e a a bibliografia geralmente associa à Virgem Maria,
escrever!...» ; «- … Ah! como é difficil! parece-me que prenunciando semelhantes estratégias em Os Lobos
nunca chegarei a aprender!... depois a religião?...» e Fátima Milagrosa (cf. BAPTISTA, 2008: 100). Embora
; - «… Ó tia maria será verdade o que diz a superiora? consideremos questionável uma tão estrita associa-
Diz que a verdadeira vida é no ceu, que só lá é que ção, não podemos deixar de salientar o modo como
Deus nos póde dar a felicidade, e que até é por isso Lupo, ou a Invicta, se distanciaram, uma vez mais,
que elle morreu por nós todos?». dos aspetos do conto de Abel Botelho que poderiam
Estas cenas vaticinam igualmente o desfecho, que ser menos bem recebidos por parte do público trans-
o reencontro com a Madre Superiora, interpretada formando-os em situações visualmente apelativas e
por Maria Júdice, a mãe de Brunilde, acabará por facilmente assimiláveis.
precipitar. A demanda de auxílio por parte de Ana A partir da visualização do filme, na versão que co-
é precedida do intertítulo: «No dia seguinte de ma- nhecemos (edição de 2005 da Câmara Municipal de
nhã Anninhas ia procurar um refúgio no convento de Tabuaço, apresentando o filme restaurado em 2002
Arouca.». pela Cinemateca Portuguesa-Museu do Cinema a
Filmada na mesma sala onde a Madre Superiora partir de diversas fontes), é assim possível organizar
a havia ensinado a escrever, a cena tem como ele- em três tipologias as cenas em que figura o mostei-
mento principal um extenso plano aproximado de ro: as cenas de exterior, rodadas in loco na vila de
Arouca; as cenas de interior, rodadas in loco nos es- dro que mostra umas pedras mal pintadas, de muito
paços do mosteiro; e as cenas de interior, recriadas pouco realismo.5
em estúdio. Como já foi referido, o conhecimento da A recriação dos interiores do mosteiro não prima,
produção de Mulheres da Beira é ainda muito lacu- na generalidade, pelas suas qualidades visuais, em-
nar, contudo, a análise dos dados existentes permite bora seja necessário considerar dois espaços diferen-
formular um conjunto de questões sobre as cenas tes: a igreja e as dependências monásticas. Pouco
elencadas. depois dos planos do túmulo de Mafalda, surgem
A rodagem do filme, que deveria terminar em Ou- dois planos de uma celebração religiosa na preten-
tubro de 1921, iniciou-se na viragem para Setembro e sa igreja do mosteiro. No primeiro vemos a nave da
terá terminado a 10 de Novembro, depois de apro- igreja e o coro das freiras, separados por uma grade 175
vado um adiamento para o prazo máximo de 15 de muito simples. O duplo espaço é consideravelmen-
Novembro, quando a montagem do primeiro posi- te amplo e nele podemos ver dois vãos de moldura
tivo deveria estar concluída (cf. BAPTISTA, 2008: 95). simples, ao nível superior da parede lateral, e, ao ní-
A este respeito, atente-se no anúncio que a revista vel inferior, uma fila de quadros. O ritmo é reforçado
Porto Cinematográfico publicava no duplo número pela presença de pilastras, sendo visível, na primeira,
referente a Setembro/Outubro de 1921, referindo que uma pia de água benta. Copiosa quantidade de fiéis
a Invicta tinha terminado havia pouco tempo «A Fre- ajoelhados baixa a cabeça, persignando-se em se-
cha da Misarella Um conto do livro Mulheres da Beira, guida, enquanto o sacerdote, sob um pálio, eleva a
de Abel Botelho»4. custódia, voltado para a câmara, que se localiza no
Sabemos que, ainda em Novembro, Rino Lupo, Ar- lugar do altar, num ângulo que permite uma melhor
tur Costa de Macedo e Henrique Alegria, diretor artís- apreensão do espaço. No coro são visíveis as religio-
tico da Invicta, se deslocaram a Lisboa para filmarem sas que, no plano seguinte, são objeto de destaque.
diversas cenas para Mulheres da Beira, questionan- A câmara, por detrás das grades, em primeiro plano,
do-se Tiago Baptista se não se trataria do conjunto mostra-nos as pretensas monjas de Santa Maria de
de cenas de interiores que poderiam ter sido filmados Arouca, ajoelhadas junto a um muito simples cadeiral
num teatro lisboeta (cf. BAPTISTA, 2008: 95-96). Inde- tendo na frente a Superiora que delas se distingue
pendentemente do local de filmagem, os cenários claramente pela expressividade.
mereceram os piores ataques por parte da crítica Não encontrámos quaisquer dados sobre o espa-
especializada, sendo notória a fraca qualidade de ço em que estes planos foram rodados, aparentan-
muitos deles: do tratar-se de um cenário muito mais cuidado que
Esta pelicula tem o defeito da má decoração, que os restantes. A articulação do espaço da nave e do
em algumas scenas ressalta aos olhos do espectador, coro, bem como os elementos arquitetónicos e deco-
como seja aquele fundo no interior da casa de Pe- rativos simplificam a igreja monástica, aliviando-a da
sumptuosidade e da erudição e resumindo-a através A cena rodada no interior do mosteiro reduz-se a
de uma imagem facilmente apreensível pelo público. dois planos do túmulo da Beata Mafalda no interior
A presença da grade, elemento fundamental e que, da igreja, nos quais o sabor documentarista anuncia-
especialmente no segundo plano, é enfatizada pela do pelo intertítulo é atenuado pela anedótica pre-
relação com a câmara, evoca a clausura monásti- sença de uma piedosa Ana. O primeiro é uma pa-
ca e a divisão entre dois universos distintos, que Ana norâmica que, partindo da jovem, se aproxima do
irá também conhecer. O cuidado com os elementos retábulo, ao nível do altar, repleto de sacras, e per-
que compõem a elaborada descrição destas cenas mitindo entrever aquilo que nos parece ser a sombra
é ainda visível nos chamativos hábitos das religiosas, do operador, possivelmente Artur Costa de Macedo,
176 embora sem preocupações de rigor com a Ordem manivelando. O segundo plano é mais afastado, e
de Cister, e na representação da elevação, plena de nele vemos Ana aproximando-se do túmulo, já visível
pitoresco. Atente-se, todavia, que o contacto que a na totalidade, embora maculado por uma sombra
equipa tomou com o espaço da igreja do mosteiro que se projeta sobre o altar. Em ambos os planos é
(o único que, comprovadamente, visitou) poderá ter possível apreciar a aparatosa ornamentação, com a
informado a construção de um cenário, ou a procura banqueta, as flores, sacras e reposteiros, bem como
de um local, que, dentro das suas limitações, permi- uma coluna com um anjo tocheiro, constituindo um
tisse evocar o espaço original. precioso registo do interior da igreja nos anos 20. As
Em contraste, as cenas em que a Madre Superiora referidas sombras resultarão, possivelmente, das difí-
ensina Ana são rodadas em cenários muito simples, ceis condições de captação, fruto da iluminação do
parcamente decorados por apontamentos de ar- espaço que, pesem embora as suas características,
cos, e mobilados com cadeiras estofadas em couro seria todavia insuficiente para a sensibilidade das pe-
e uma mesa em primeiro plano, facilmente associá- lículas coevas, pelo que se terá recorrido a espelhos
veis ao ambiente religioso evocado. Ao fundo, uma ou outros mecanismos de direcionamento da luz.
pequena imagem de Cristo Crucificado, sobre uma Os numerosos exteriores, que marcam o filme com
estante, é o único adorno da parede. Este cenário a sua beleza e frescura, em claro contraste com a
será ainda utilizado para o reencontro de Ana com produção anterior da Invicta (cf. PINA, 1986: 37), são
a Madre Superiora, numa repetição que poderá ter igualmente reveladores do processo criativo de Rino
eventuais fins narrativos. Um outro cenário, ou parte Lupo, muito baseado na liberdade de improvisação
deste, de reduzidas dimensões, é utilizado para os e no aproveitamento das possibilidades dos locais
ensinamentos religiosos da jovem, limitando-se a um que ia descobrindo. Segundo A. Videira Santos:
nicho onde se rasga um fruste vão em arco aponta- Lupo, como já vimos, chegou ao Porto em Agosto
do, junto do qual se encontra uma estante com um de 1921 e logo nesse mês se deslocou com a equipa
evangeliário. de filmagem e artistas para a região de Arouca, ten-
do inclusivamente aproveitado os festejos à Senho- Ana. A análise da sequência permite acompanhar o
ra de Lurdes que se realizaram em Nespereira, entre processo em detalhe.
aquela localidade e Cinfães, a 28 e 29, para fixar A «festa» começa com um plano da torre sineira
diversos aspectos da grande procissão e do arraial, da capela da Misericórdia, onde os sinos tocam a
incluindo nalgumas cenas um elemento do elenco rebate, numa clara sinestesia tão ao gosto do cine-
feminino [Brunilde Júdice] (BAPTISTA, 2008: 255).6 ma mudo. O plano seguinte mostra-nos o largo do
Precedidas pelo intertítulo «Era dia de festa em mosteiro, filmado de este para oeste, engalanado e
Arouca» e intercaladas com vistas da vila engala- animado por uma concorrida romaria. Em seguida,
nada no contexto de uma romaria que não conse- vemos aproximar-se a procissão, percorrendo uma
guimos, até ao momento, identificar, as imagens da vereda na direção da câmara, que se situa num pla- 177
procissão em Nespereira tornam-se assim parte de no mais elevado, através de uma vista já tomada na
uma festa que, tal como nos é apresentada, resulta Nespereira. Este plano é intercalado com um outro
inteiramente de uma construção cinematográfica. A em que Ana, chegando às imediações do mosteiro,
montagem de toda a sequência, que integra ainda pelo caminho habitual, se aproxima da câmara e
as vistas do túmulo e a celebração no interior da igre- demonstra o seu entusiasmo por ver a procissão. Num
ja, poderia até procurar representar as célebres fes- novo plano, Ana aproxima-se do moleiro explicando
tas em honra da Beata Mafalda, realizadas em Maio, o seu contentamento e afastando-se novamente,
embora as datas tradicionalmente apontadas para reaparece numa nova vista tomada em Nesperei-
a rodagem contrariem, naturalmente, a possibilida-
de do seu registo.
Estamos assim perante uma hábil aplicação das
técnicas que permitem à cinematografia construir
uma geografia criativa ou paisagem artificial, ten-
do por base a manipulação das relações espácio-
temporais entre os planos individuais através de uma
síntese orientada pela narrativa e assegurada pelo
processo de montagem das imagens. Inerente a
todo o processo cinematográfico e potenciada, em
casos como este, para efeitos narrativos, a geografia
criativa permitiu a Lupo colocar em Arouca uma ani-
mada e pitoresca romaria que não só contribui para
o desenrolar da ação, mas também intensifica o pa-
pel da vila enquanto propiciadora da perdição de
CLASSIFICAÇÃO DO
PATRIMÓNIO IMÓVEL: DO
ESTADO NOVO AOS
NOSSOS DIAS. DAVID FERREIRA
MIGUEL RODRIGUES
A classificação é o reconhecimento por parte do com as consequentes vendas e destruições de gran-
Estado do valor patrimonial excepcional de um bem, des edifícios e colecções artísticas, foram o rastilho
que passa a ser formalmente assumido como parte que motivou a reacção das elites (cat 18 e 19). O mo-
estruturante da identidade nacional. Este reconheci- delo, com mais ou menos dramatismo, permanece
mento faz recair sobre o bem os mecanismos legais até aos nossos dias. O património é um antídoto para
de protecção e valorização, uma vez que o seu sig- a voragem da modernidade. Assim, embora a pre-
nificado e destino interessam à Nação. Este esque- servação dos monumentos tenha recebido atenção
ma, que hoje nos parece natural, só se consolidou legislativa desde pelo menos o Renascimento, é en-
em Portugal no início do século XX, depois de muitas tre o final do século XVIII e meados do XIX, no quadro
hesitações e combates políticos. do fim dos regimes absolutistas e de uma reinvenção 183
Na base dos movimentos de salvaguarda patrimo- das identidades nacionais, que o tema se impõe jun-
nial está o binómio conhecimento | sentimento de to das elites e que estas exigem uma actuação firme
perda. A valorização do património cultural alimen- do Estado.
ta-se do conhecimento científico, especialmente do A lista de monumentos nacionais de 1881 da As-
conhecimento histórico, que permite compreender a sociação dos Architectos Civis e Archeologos e o
importância do documento | monumento e confere decreto de 16-06-1910, ilustram bem as tipologias pa-
bases sólidas ao processo de valorização e selecção. trimoniais na viragem do século. È interessante notar
Por outro lado, o monumento, que é objectivamen- que não perderam actualidade e fixaram o corpus
te um suporte de memória, procura apaziguar a fundamental do património português. Mais, o diplo-
angústia da morte e da aniquilação (CHOAY, 2000: ma de 1910 foi um dos raros momentos de selecção
16). Ora, o sentimento de perca acentuou-se muito sistematizada do património imóvel. Depois disso
na Época Contemporânea, fruto de revoluções ide-
ológicas, políticas e tecnológicas. A capacidade de
transformar o mundo físico numa escala e velocida-
de inéditas e uma sociedade que elegeu a mudan-
ça como um fim em si, tiveram como consequência
uma perda de referências que o património tenta
colmatar. À fórmula kantiana que define a moderni-
dade (mudança = evolução), opôs-se então a ideia
forte da defesa do património: certos objectos de-
vem permanecer.
As expropriações dos bens da aristocracia e da
Igreja que acompanharam as revoluções liberais,
Figura 2 | Claustro do mosteiro de Santa Maria de Salzedas. Foto Pedro Martins © DRCN
gos, caminhos-de-ferro, património monástico, paisa- ficada. Contudo, a classificação de obras recentes
gens vinícolas… é também movida pelo desejo de associar o pres-
Finalmente, a expansão cronológica significa a tígio do reconhecimento jurídico de valor patrimo-
patrimonialização de objectos muito recentes. Nos nial à obra de autor. Que melhor prémio do que o
últimos anos foram classificados dezenas de edifícios carimbo de monumento nacional? Acontece que,
dos anos 50 e 60 e o tempo parece encurtar cada nesta perspectiva, o julgamento da crítica substitui o
vez mais. Em 2013 foi classificada a Igreja de Santa julgamento da história. O tempo deixou de mediar
Maria (Marco de Canavezes), obra concluída em a apreciação de valor e foi substituído pelo aplauso
1996, mas o fenómeno adquiriu contornos polémicos durante a estreia. Colocam-se algumas questões de
com a abertura, em 2005, dos processos de classifi- fundo: a classificação deve continuar ligada à ideia 187
cação da Casa da Música e do Estádio Municipal de de património cultural e este à ideia de monumen-
Braga, então ainda em fase de construção. Revela- to? A noção de classificação pode ser mais ampla e
se aqui um sentido de urgência que nos parece uma constituir, simplesmente, um reconhecimento de qua-
reacção contraditória (paradoxal). A sociedade que lidade? A noção de património cultural imóvel pode
ergueu a mudança como um valor em si, é a mesma ser «apenas» a de uma obra importante, mesmo sem
que reage ao culto contemporâneo da transforma- possuir densidade histórica? Não adianta muito pro-
ção através de uma tentativa de preservação ampli- curar resposta nos critérios legais de classificação.
Eles são muito abrangentes, o que não é necessa-
Figura 3 | Fotografia aérea do lugar do Burgo de Salzedas (2012). Foto Piqueiro
riamente errado. Esta latitude é inerente ao carácter
muito subjectivo do conceito valor cultural ou valor
patrimonial, perante o qual o legislador preferiu es-
tabelecer um quadro de referência, que é depois in-
terpretado no caso concreto pela administração. A
discricionariedade técnica é uma ferramenta preferí-
vel quando a valoração depende de conceitos com
grande amplitude interpretativa. O que interessa, jul-
gamos, é ter consciência de que estamos à beira de
um novo paradigma e que este exige uma reflexão
colectiva profunda, que evite a arbitrariedade e a
casuística e promova uma base de consenso que
preserve a dignidade da classificação.
Em São João de Tarouca (figura 1) e em Santa Ma-
ria de Salzedas (figura 3) encontramos dois exemplos
do movimento de expansão aplicado ao património azulejos do século XVII, e os jardins anexos.
cisterciense. O decreto n.º 40 684 de 1956 classificou a • Decreto n.º 67/97 de 31/12/1997: promoveu a re-
Igreja de São João de Tarouca, mas um entendimen- classificação como Monumento Nacional.
to mais amplo e informado do património monástico • Decreto 31-I/2012 de 31/12/2012: ampliou a área
conduziu um 1978 à publicação do decreto 95/78, classificada, de modo coincidir com a cerca e
onde se esclarece que: A classificação de monumen- alterou a designação para Mosteiro de Santa
to nacional atribuída à Igreja de S. João de Tarouca, Maria de Salzedas.
compreendendo o túmulo do conde de Barcelos e o • Portaria 291/2014 de 30/04-/2014: fixa a zona es-
quadro S. Pedro, de Grão-Vasco, pelo Decreto 40684, pecial de protecção, cujo limite máximo dista
188 de 13 de Julho de 1956, passa a abranger o Conven- mais de 1km do núcleo monástico edificado.
to de S. João de Tarouca, com todos os elementos Na base desta expansão está o acumular de co-
que ainda possui. Em 1956 valorizaram-se apenas as nhecimento científico sobre os coutos monásticos,
peças consideradas notáveis (igreja, túmulo, qua- que nos permite lançar um olhar mais informado so-
dro), em 1978 toda a realidade física associada ao bre os monumentos e sobre a relação que estabele-
mosteiro é entendida como relevante. Em 1999 é fi- cem com o território envolvente. A valorização desta
xada a zona especial de protecção, que abrange relação histórica e interpretativa é uma consequên-
cerca de 7 km². Observamos o mesmo processo em cia inevitável, que se vai depois reflectir na classifica-
Salzedas (figura 3): ção e fixação de zonas especiais de protecção.
• Decreto 95/78 de 12/09/1978: classifica como Integram o património cultural não só o conjunto
Imóvel de Interesse Público a Igreja de Salzedas, de bens materiais e imateriais de interesse cultural
incluindo as tábuas quinhentistas, uma imagem relevante, mas também, quando for caso disso, os
da Virgem, em prata, um contador de sacristia respectivos contextos que, pelo seu valor de testemu-
semelhante ao do Mosteiro do Bouro, o cadeiral nho, possuam com aqueles uma relação interpretati-
e todo os elementos de valor artístico ainda exis- va e informativa (n.º 6 do artigo 2º da Lei 107/2001 de
tentes, a Sala do Capítulo, forrada de azulejos do 08 de Setembro – conceito e âmbito do património
século XVII, a Capela do Desterro, revestida de cultural).
1. Através do Projecto de Classificação do Património Arquitectónico Português do Século XX, lançado pelo IPPAR durante a presidência do Arquitecto João
Belo Rodeia.
2. Interessa notar que as classificações de paisagem cultural surgem em Portugal sob impulso externo, através da UNESCO.
189
CISTER NO DOURO |
190
| o projecto
191
A maqueta.
A montagem.
A exposição.
FONTES E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ACRÓNIMOS 1Sm 1.º de Samuel (Livros Históricos) Jd Judas (Cartas Católicas)
adb – Arquivo Distrital de Braga 1Tm 1.ª a Timóteo (Cartas de São Paulo) Jdt Judite (Livros Históricos)
ADL – Arquivo Diocesano de lamego 1Ts 1.ª aos Tessalonicenses (Cartas de São Paulo) Jl Joel (Livros Proféticos)
ARIRSM – Arquivo da Real Irmandade da Rainha Santa Mafalda 2Cor 2.ª aos Coríntios (Cartas de São Paulo) Jn Jonas (Livros Proféticos)
BN – Biblioteca Nacional de Portugal 2Cr 2.º das Crónicas (Livros Históricos) Jo João (Evangelhos)
MNA – Museu Nacional de Arqueologia 2Jo 2.ª de João (Cartas Católicas) Jr Jeremias (Livros Proféticos)
SGMF – Secretaria Geral do Ministério das Finanças 2Mac 2.º dos Macabeus (Livros Históricos) Js Josué (Livros Históricos)
TT – Arquivos Nacionais da Torre do Tombo 2Pe 2.ª de Pedro (Cartas Católicas) Jz Juízes (Livros Históricos)
2RS 2.º dos Reis (Livros Históricos) Lc Lucas (Evangelhos)
2Sm 2.º de Samuel (Livros Históricos) Lm Lamentações (Livros Proféticos)
ABREVIATURAS FREQUENTES 2Tm 2.ª a Timóteo (Cartas de São Paulo) Lv Levítico
AA.VV. – Autores Vários 2Ts 2.ª aos Tessalonicenses (Cartas de São Paulo) Mc Marcos (Evangelhos)
Cx. - Caixa 3Jo 3.ª de João (Cartas Católicas) Ml Malaquias (Livros Proféticos)
Cod. – códice Abd Abdias (Livros Proféticos) Mq Miqueias (Livros Proféticos)
Consult. - Consultado Act Actos dos Apóstolos Mt Mateus (Evangelhos)
Coord. - Coordenação Ag Ageu (Livros Proféticos) Na Naum (Livros Proféticos)
Cient. - Científica Am Amós (Livros Proféticos) Ne Neemias (Livros Históricos)
Dir. – Direcção Ap Apocalipse Nm Números (Pentateuco)
Ed. – Edição Br Baruc (Livros Proféticos) Os Oseias (Livros Proféticos)
Fol. – fólio Cl Colossenses (Cartas de São Paulo) Pr Provérbios
L.º - Livro(s) Ct Cântico dos Cânticos Rm Romanos (Cartas de São Paulo)
Mss./ ms. – Manuscritos/manuscrito Dn Daniel (Livros Proféticos) Rt Rute (Livros Históricos)
Org. – Organizado/organização Dt Deuterónimo Sb Sabedoria (Livros Sapienciais)
Publ. – Publicação/publicado Ecl Eclesiastes (ou Qohélet) Sf Sofonias (Livros Proféticos)
Rev. – Revisão Ef Efésios (Cartas de São Paulo) Sir Ben Sirá (ou Eclesiástico)
S.N. – Sem nome [de editor] Esd Esdras (Livros Históricos) Sl Salmos
S.L. – Sem local [de edição] Est Ester (Livros Históricos) Tb Tobite (Livros Históricos)
SS. – Seguintes (páginas) Ex Êxodo Tg Tiago (Cartas Católicas)
Ez Ezequiel (Livros Proféticos) Tt Tito (Cartas de São Paulo)
Fl Filipenses (Cartas de São Paulo) Zc Zacarias (Livros Proféticos)
ABREVIATURAS DOS LIVROS DA BÍBLIA Flm Filémon (Cartas de São Paulo)
1Cor 1.ª aos Coríntios (Cartas de São Paulo) Gl Gálatas (Cartas de São Paulo)
1Cr 1.º das Crónicas (Livros Históricos) Gn Génesis
1Jo 1.ª de João (Cartas Católicas) Hab Habacuc (Livros Proféticos)
1Mac 1.º dos Macabeus (Livros Históricos) Heb Hebreus (Cartas de São Paulo)
1Pe 1.ª de Pedro (Cartas Católicas) Is Isaías (Livros Proféticos)
1Rs 1.º dos Reis (Livros Históricos) Jb Job (Livros Sapienciais)
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