Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
O Mundo Funerário
Actas do II Congresso Internacional
Sobre Arqueologia de Transição
(29 de Abril a 1 de Maio 2013)
Editores
Gertrudes Branco
Leonor Rocha
Cidália Duarte
Jorge de Oliveira
Primitiva Bueno Ramírez
CHAIA
2015
II
Coordenação Editorial:
Gertrudes Branco
Leonor Rocha
Cidália Duarte
Jorge de Oliveira
Primitiva Bueno Ramírez
Design:
Ivo Santos
Gertrudes Branco
Leonor Rocha
Comissão Organizadora:
Leonor Rocha (CHAIA/ Universidade de Évora)
Cidália Duarte (DRCN)
Gertrudes Branco (CHAIA)
Ivo Santos (CHAIA/ Universidade de Évora)
Cláudia Teixeira (Universidade de Évora)
Jorge de Oliveira (CHAIA/ Universidade de Évora)
André Carneiro (CHAIA/ Universidade de Évora)
Rosário Fernandes (CHAIA/ Universidade de Évora)
Paula Morgado (CHAIA/ C. M. Monforte)
Sérgio Batista (C.M. Monforte)
Comissão Cientifica:
Ana Maria Bettencourt (Universidade do Minho)
Ana Maria Silva (Universidade de Coimbra)
André Carneiro (Universidade de Évora)
Chris Scarre (Durham University)
Cidália Duarte (DRCN)
Cláudia Teixeira (Universidade de Évora)
Filomena Barros (Universidade de Évora)
Helena Catarino (Universidade de Coimbra)
Jorge de Oliveira (Universidade de Évora)
Leonardo García Sanjuán (Universidad de Sevilha)
Leonor Rocha (Universidade de Évora)
Luc Laporte (Université de Rennes)
Primitiva Bueno Ramírez (Universidad de Alcalá de Henares)
Rodrigo de Balbin Behrmann (Universidad de Alcalá de Henares)
Serge Cassen (Université de Nantes)
Teresa Matos Fernandes (Universidade de Évora)
Apoio Técnico:
Ana Leonor Cavaco
Maria Manuela Mexia
Patrícia Flores
Pedro Soares
Rita Moura Torres
Sérgio Batista
III
Edição:
CHAIA
Centro de História de Arte e Investigação Artística
Universidade de Évora
Palácio do Vimioso
Largo Marquês de Marialva, 8
7000-809 Évora
http://www.chaia.uevora.pt/
ISBN: 978-989-99083-6-9
Patrocinadores/Apoio institucional:
Governo da República
Portuguesa
IV
ÍNDICE
PREFÁCIO VII
NOVOS DADOS SOBRE O MEGALITISMO FUNERÁRIO DO CONCELHO DE AVIS.................................................... 1
Ana Ribeiro
MORRE-SE HÁ MUITO TEMPO SOBRE A TERRA. TOPOGRAFIA FUNERÁRIA E SOCIEDADE NO ALTO
ALENTEJO EM ÉPOCA ROMANA......................................................................................................................................... 18
André Carneiro
A NECRÓPOLE DO POÇO DO CORTIÇO (ALANDROAL, PORTUGAL)………...……………………………………... 33
André Carneiro e Leonor Rocha
EXCAVACIÓN ARQUEOLÓGICA EN LA NECRÓPOLIS MEDIEVAL DE SAN LÁZARO, TOLEDO………………... 38
Antonio Rodríguez Fernández e Elena Rosado Tejerizo
DA NECRÓPOLE AO POVOADO DE SÃO FARAÚSTO II (ORIOLA, PORTEL): NOVAS PERSPECTIVAS
ATRAVÉS DE UMA ABORDAGEM PLURIDISCIPLINAR……………………………………………………………….. 48
Carlos Ferreira; Catarina Mendes; Maria Teresa Ferreira; Hélder Santos; Nuno Barraca
HALLAZGO DE UN SARCÓFAGO TARDORROMANO EN SANTA MARÍA DE BENQUERENCIA, TOLEDO…….. 54
Elena Rosado Tejerizo; Antonio Rodríguez Fernández; Elena Justel Gómez
ENTERRAMENTO DE CÃES NA QUINTA DO ALMARAZ (ALMADA, PORTUGAL)………………………………… 56
Francisco Correia
LA NECRÓPOLIS MUDÉJAR-MORISCA DE MUEL (ZARAGOZA): EL REFLEJO DE DOS RITOS FUNERARIOS
EN LA ESPAÑA MODERNA………………………………………………………………………………………………… 68
Ieva Reklaityte; Enrique García Francés
CONTRIBUTO PARA O CONHECIMENTO DA ANTA GRANDE DO ZAMBUJEIRO (ÉVORA, PORTUGAL): AS
PONTAS DE SETA…………………………………………………………………………………………………………… 80
Ivo Santos e Leonor Rocha
ESTUDO ANTROPOLÓGICO DO CONVENTO DE NOSSA SENHORA DA GRAÇA, TAVIRA (PORTUGAL)……… 88
Jaquelina Covaneiro; Sandra Cavaco; Teresa Carmo
O “ETERNO DESCANSO” NO NEOLÍTICO DO ALENTEJO NORTE……………………………………………………. 97
Jorge de Oliveira
ANÁLISIS DEL MODELO DE ORGANIZACIÓN ESPACIAL DE LA NECRÓPOLIS DE VALENCINA. LA
COMPLEJIDAD SOCIAL A DEBATE……………………………………………………………………………………….. 107
Juan Carlos Mejías García; Mª Rosario Cruz-Auñón Briones; Ana Pajuelo Pando; Pedro Manuel López Aldana
ANTA GRANDE DO ZAMBUJEIRO (ÉVORA, PORTUGAL): CONTRIBUTO PARA O CONHECIMENTO DAS
CERÂMICAS………………………………………………………………………………………………………………….. 126
Leonor Rocha
A ANTA DO MONTE VELHO (MONFORTE, PORTUGAL)………………………………………………………………. 136
Leonor Rocha e Paula Morgado
OS ELEMENTOS DE ADORNO NA NECRÓPOLE MEDIEVAL E MODERNA DA ALCÁÇOVA DO CASTELO
DE MÉRTOLA…………………………………………………………………………………………………………….. 143
Lígia Rafael; Maria de Fátima Palma; Rute Fortuna; Clara Rodrigues
ALCÁÇOVA DO CASTELO DE MÉRTOLA NECRÓPOLE MEDIEVAL E MODERNA………………………………... 157
Maria de Fátima Palma; Clara Rodrigues; Teresa Carmo
UNA NUEVA NECRÓPOLIS DE ÉPOCA VISIGODA EN CUBILLEJO DE LA SIERRA (GUADALAJARA, ESPAÑA).. 167
Mª Luisa Cerdeño; Emilio Gamo; Marta Chordá
APRECIACIONES EN RITUALES FUNERARIOS DE CUEVAS ARTIFICIALES, GILENA UN EJEMPLO………… 174
Mª Rosario Cruz-Auñón Briones; Juan Carlos Mejías-García; Ana Pajuelo Pando; Pedro Manuel López Aldana
SEPULTURAS ESCAVADAS NA ROCHA DA FREGUESIA DE ROSMANINHAL (IDANHA-A-NOVA)…………… 186
Mário Chambino; Francisco Henriques; João Carlos Caninas
A NECRÓPOLE ROMANA DA ROUCA (ALANDROAL, ÉVORA)………………………………………………………. 203
Mónica S. Rolo
DE NASCENTE PARA POENTE: REFLEXÕES SOBRE A SINTAXE DA ARQUITECTURA MEGALÍTICA NO
ALENTEJO……………………………………………………………………………………………………………………. 211
Pedro ALVIM
OS HIPOGEUS 3 E 4 DA QUINTA DO ANJO (PALMELA) – UMA ABORDAGEM GEOARQUEOLÓGICA………… 217
Pedro Mendes
V
LA CATACOMBE DES SAINTS PIERRE-ET-MARCELLIN A ROME (IER-IIIE S.) : DISCUSSION SUR L’ORIGINE
DES DEFUNTS ET LEUR DECES……………………………………………………………………………………………
233
Philippe Blanchard; Hélène Reveillas; Sacha Kacki; Dominique Castex
ESTUDO ANTROPOLÓGICO DO CONVENTO DE NOSSA SENHORA DO CARMO, TAVIRA………………… 253
Sandra Cavaco; Jaquelina Covaneiro; Teresa Carmo
ARQUEOLOGÍA FUNERARIA EN LA ALTA MONTAÑA DE TENERIFE (ISLAS CANARIAS)……………………… 260
Sergio Pou Hernández; Matilde Arnay de la Rosa; Carlos García Ávila; Efraín Marrero Salas; Emilio González Reimers
MUDANÇAS NOS SÍMBOLOS MATERIAIS DE IDENTIDADE NO PERÍODO VISIGODO A PROPÓSITO DAS
FIVELAS DE CINTURÃO LIRIFORMES……………………………………………………………………………………
271
Sofia Lovegrove
O ESPAÇO FUNERÁRIO ALTO-MEDIEVAL DA TORRE VELHA (CASTRO DE AVELÃS, BRAGANÇA)………….. 279
Sofia Tereso; André Brito; Cláudia Umbelino; Miguel Cipriano; Clara André; Pedro C. Carvalho
FORGET ME NOT… EXPOSURE OF CASE STUDIES DETECTED IN FUNERARY CONTEXTS, WHICH
DEPOSITION IS UNUSUAL (PORTUGAL)…………………………………………………………………………………
289
Sónia Ferro; Daniela Anselmo; Teresa Fernando
A PREFERÊNCIA PELA INUMAÇÃO NAS NECRÓPOLES ROMANAS DOS SÉCS. III - IV D.C. DO MUNICÍPIO
DE PENAFIEL (NORTE DE PORTUGAL)…………………………………………………………………………………..
296
Teresa Soeiro
ESTELAS MEDIEVAIS DO CASTRO DO JARMELO (GUARDA)……………………………………………………….. 312
Tiago Pinheiro Ramos
COLEÇÃO ANTÓNIO/DELMIRA MAÇÃS. O CASO DAS NECRÓPOLES DE SÃO SALVADOR DE ARAMENHA:
CERÂMICA COMUM. DADOS PRELIMINARES…………………………………………………………………………..
320
Vítor Dias
LAS ESTRUCTURAS FUNERARIAS DE CERRO VASCONCILLAS (ROTA, CÁDIZ)…………………………………. 332
Yolanda Costela Muñoz; Helena Courtot
VI
PREFÁCIO
Mais do que grandes templos ou majestosos palácios os testemunhos materiais da morte foram desde sempre objeto de
atenção e estudo por parte dos que sobre as memórias do passado se interessam. Muito antes da fase científica da
história da arqueologia, ou mesmo antes da fase dos “antiquários”, encontramos referências, ainda que duma forma algo
fantasiosa ou lendária, a estruturas tumulares e a obscuros ritos com elas relacionadas.
A forte carga mágica e religiosa em que todos os povos e culturas envolveram a morte contribui para que ela fosse
ritualizada de diferentes formas, mas sempre mantendo uma gramática praticamente comum, a de perpetuar a memória
dos que morriam. Assim, mais discretos, ou mais monumentais os espaços da morte foram e continuam a ser procurados
com diversos interesses, sejam eles científicos, religiosos ou, simplesmente, por aqueles a que vulgarmente chamamos
de “caça tesouros”. Mas as memórias materiais da morte não se esgotam nos espaços sepulcrais. Em paralelo existe um
vasto conjunto de artefactos específicos, diretamente associados com os contextos funerários, que de uma forma direta
ou indireta preencheram ao longo dos tempos os vastos complexos rituais da morte nos diferentes ambientes que os
produziram. Indissociável das estruturas e dos artefactos funerários o grande universo da antropologia biológica, nas
suas mais diversas vertentes e durante tanto tempo negligenciada, evidencia a enorme importância destes saberes para a
construção da memória histórica e arqueológica.
O Laboratório de Arqueologia da Universidade de Évora em parceria com o CHAIA ao organizarem a segunda edição
do CIAT – 2º Congresso Internacional sobre Arqueologia de Transição entenderam dedicá-lo, exatamente, aos
diferentes contextos funerários, dando especial preferência aos estudos realizados sobre os distintos períodos de
transição cultural. Neste evento participaram um alargado conjunto de investigadores que apresentaram e discutiram os
resultados dos seus estudos abarcando um amplo espectro cronológico.
Os três dias do congresso, que decorreu na Universidade de Évora, de 29 Abril a 1 de Maio de 2013, evidenciou quão
justo foi o tempo porque muitos foram os comunicantes e assistentes que quiseram partilhar e discutir os últimos
resultados das mais recentes investigações sobre o mundo funerário, evidenciando quanto oportuna foi a realização
desta reunião científica e cujas actas agora se publicam.
A todos os comunicantes e participantes e sobretudo a todos os que se disponibilizaram para que este congresso se
realizasse e a publicação das actas se concretizasse manifestamos o nosso agradecimento esperando que em breve
consigamos organizar o 4º Congresso de Arqueologia de Transição.
1 de Maio de 2015
Jorge de Oliveira
VII
O “ETERNO DESCANSO” NO 2. O fator económico
NEOLÍTICO DO ALENTEJO NORTE
Até ao presente a expressão arquitetónica da morte
Jorge de OLIVEIRA 1 durante o Neolítico na zona norte do Alentejo reconhece-
se, quase exclusivamente, nas vulgares antas e nas suas
distintas variantes, podendo apresentar diferentes
ABSTRACT dimensões, câmara regulares, ou alongadas, corredores
curtos, ou longos, utilizando na sua construção
This article discusses the main evidence of the megalithic maioritariamente o granito, ou o xisto. Isoladas, ou
rites that have been recovered over various years of formando necrópoles, destes monumentos conhecem-se
research in the area of North Alentejo, in Portugal. The mais de 650 no distrito de Portalegre. Para compreender a
big chronological gaps identified in dolmens and their razão da sua presença, ou da sua ausência a nível regional
connection to the Early Neolithic communities and to the já procedemos a diversos ensaios e já divulgámos os seus
menhirs (isolated or included in the dolmenic structures) resultados em diferentes textos. Naturalmente que os
are also analyzed. All of the absolute dates obtained up to espaços dos mortos estando nas imediações dos espaços
the present for this region´s megalithic monuments are dos vivos, a sua implantação estará diretamente
also presented. relacionada com a existência de recursos económicos.
Sendo estas comunidades as primeiras a começarem a
Keywords: Megalithic culture, rites, Alentejo, depender da agricultura e da pastorícia é natural que se
radiocarbon dates. fixassem nas imediações de solos com melhores aptidões
para a exploração agro-pecuária, mas na perspetiva da sua
tecnologia específica. Assim, procuraram solos leves e
1. Introdução bem drenados, nas imediações de linhas de água, de curso
permanente, onde podiam desenvolver uma agricultura
Na cultura dita “Ocidental”, profundamente imbuída de que mais não seria do que uma horticultura, aos olhos da
tradições judaico-cristãs, a morte é assumida, ainda que atualidade. Outro tipo de solos os mais propícios à
aparentemente, como um “eterno descanso”. Digo pastorícia foram igualmente procurados. Claramente
aparentemente porque raros, muito raros são os casos em rejeitados foram os solos hoje por nós considerados de
que os restos mortais são mantidos em eterno descanso. A elevado interesse agrícola. Os solos pesados, geralmente
mobilização dos tumulados quer por atos rituais diversos, argilosos, ainda que nas imediações das linhas de água,
quer por economia de espaço, quer por violação, quer tão foram preteridos pelas comunidades neolíticas porque
só por esquecimento ocorre e ocorreu ao longo de não possuíam tecnologia que lhes permitisse trabalhar
milénios. Este conceito de “eterno de descanso” estas terras. Reconhecemos, assim, que os solos
aparentemente parece ter estado igualmente presente atualmente classificados de classe A e B foram
noutras culturas e civilizações. As monumentais e explicitamente rejeitados por estas comunidades.
tendencialmente indestrutíveis estruturas funerárias Compreendida a estratégia do posicionamento genérico
neolíticas, sejam elas expressas em forma de dólmenes ou das antas e respectivos povoados, importa tentar analisar
outras, destinar-se-iam, teoricamente, a acolher em se nos é hoje ainda possível identificar algumas normas
“eterno descanso” os que a esses espaços tinham direito. rituais para a micro-localização dos espaços da mortos e
Constata-se, contudo, que esse “descanso eterno” pouco outras gramáticas rituais.
tinha de eterno e muito menos de descanso. Todo um
conjunto de rituais possíveis de identificar em contexto
de estudo arqueológico ou antropológico revelam que a
deposição fúnebre, para além de estar envolvida em
significativos atos simbólicos, seria antecedida de
complexas teatralizações e em subsequentes e contínuos
atos de revisitação e manipulação dos restos humanos.
Neste breve texto tentarei, limitado pelo espaço
disponível, isolar os principais registos arqueológicos que
nos possibilitam conhecer alguns apontamentos dos ritos
da morte durante o Neolítico no Norte do Alentejo que
passam, maioritariamente, por não dar descanso aos
mortos.
97
ARQUEOLOGIA DE TRANSIÇÃO: O MUNDO FUNERÁRIO
4. As cronologias
98
Jorge de Oliveira: O “ETERNO DESCANSO” NO NEOLÍTICO
99
ARQUEOLOGIA DE TRANSIÇÃO: O MUNDO FUNERÁRIO
megalíticos da Coudelaria de Alter? Seguramente que em perfeitamente situada nos contextos megalíticos
momento posterior à fase da ereção de menires. Mas se regionais, bastante próxima da data disponível para a
encontramos materiais, maioritariamente cerâmicos, Anta da Bola Cera (monumento de granito de corredor
atribuídos ao Neolítico antigo no interior dos dólmenes, curto), situada no concelho de Marvão. Esta amostra,
onde posicionar a fase dos menires? A fase “menírica” obtida a partir de ossos humanos queimados aos quais se
não poderá ser muito recuada em relação à emergência associava uma placa de xisto de recorte antropomórfico,
dos dólmenes porque as datas obtidas a partir de carvões, forneceu a seguinte idade: 4360 + 50 anos BP.
recolhidos na base de antas e sob as suas mamoas, como Igualmente, a amostra 1 da Anta da Cabeçuda,
Castelhanas, Cabeçuda e Figueira Branca, em Marvão e monumento de corredor curto, localizado no concelho de
mesmo a da Joaninha, em Cedillo, posicionam-se dentro Marvão, correspondente a carvões recolhidos na base da
das balizas cronométricas já disponíveis para os habitats câmara, associados a taças abertas que forneceu a
do Neolítico antigo, o mesmo acontecendo com data do seguinte idade: 3650 + 110 anos BP. Um outro
Menir da Meada. Suportados nestes dados teremos que monumento, este de corredor longo, a anta IV dos
aceitar que a “moda” de ereção de menires foi Coureleiros, situada no concelho de Castelo de Vide,
relativamente curta, sendo rapidamente absorvidos nos forneceu uma amostra de carvões recolhidos no corredor,
sepulcros megalíticos. A fase de ereção de menires associados a uma placa de xisto de recorte geométrico,
deverá ter sido muito efémera, ou então, a explicação que veio a dar a seguinte idade: 4240 + 150 anos BP.
para as datas muito antigas nas antas e a presença de Reconhece-se, assim, um perfeito enquadramento da
cerâmicas do Neolítico Antigo no seu interior terá que ter amostra A da anta da Joaniña nos mesmos contextos
outra explicação. A tese das trasladações defendida por cronológicos dos monumentos megalíticos de granito do
Leonor Rocha (Rocha, 2005), seguramente que é Norte-Alentejano. No que à amostra B da anta da Joaniña
globalmente aceitável, num sentido lato, contudo não diz respeito também ela é igualmente enquadrável no
responde ao problema das datas antigas obtidas sob as grupo das chamadas datas antigas do megalitismo da
mamoas. Anteriormente e com base em evidências claras, zona granítica. Neste grupo conhecem-se os seguintes
demonstrámos que alguns dos dólmenes estudados no valores: Amostra 2 da Anta das Castelhanas: 6300 + 110
nordeste alentejano foram construídos sobre habitats anos BP; Amostra 2 da Anta da Cabeçuda: 7660 + 60
anteriores, onde ocorriam lareiras e silos (Oliveira, 1997 anos BP e Anta da Figueira Branca: 6210 + 50 anos BP.
e 1998). Contudo, noutros casos tal situação não foi
detetada, encontrando-se os sítios de habitat bem
definidos, nas imediações dos dólmenes. O maior
problema coloca-se quanto ao posicionamento relativo
para a emergência dos menires. Se, de facto, eles já pré-
existiam ao tempo da construção dos primeiros dólmenes,
então, durante o Neolítico Antigo teremos que encontrar,
pelo menos, duas fases. Uma mais antiga, durante a qual
se ergueram menires e, posteriormente, uma fase de
construção de sepulcros megalíticos que incorpora
menires na sua estrutura funerária. A alternativa a esta
interpretação poderá ser equacionada se se vier a definir,
um dia, com precisão, o que se entende por Neolítico
Médio. Para reequacionar toda esta problemática há
necessidade de alargar as áreas de escavação dos habitats
e, sobretudo, procurar encontrar matéria datável para nos Figura 5 - Anta e menhir da Soalheira – Alter do Chão
ajudar a esclarecer, com precisão, a periodização do
Neolítico no interior alentejano.
Parece, assim, não restarem dúvidas e com base em
Pelas datas de radiocarbono disponíveis, embora apenas apenas duas datas da anta da Joaniña, que os pequenos
existam duas para sepulcros da zona xistosa, verificamos monumentos megalíticos da foz do Sever, são
que estas caem dentro dos valores cronológicos médios contemporâneos dos monumentos de maiores dimensões
dos monumentos de granito. Duas amostras de carvão situados no patamar granítico da Serra de S. Mamede.
recolhidas na anta da Joaniña, situada no Termo
Municipal de Cedillo, forneceram, respetivamente, as Em face dos dados disponíveis parece não haver dúvidas
seguintes idades: amostra A – 3840 + 170 anos BP; quanto à contemporaneidade dos dois grupos de
amostra B – 5400 + 210 anos BP. A primeira amostra monumentos. As dissemelhanças na volumetria
refere-se a carvões identificados sobre o lajeado da base arquitetónica e nos conjuntos artefatuais resultariam,
do monumento, associados a um machado de anfibolite e assim, de diferentes organizações sócio-económicas
a uma ponta de seta e lâmina de sílex. A segunda amostra impostas pela especificidade de recursos existentes em
refere-se a carvões localizados entre o lajeado da base do cada zona.
monumento e o solão xistoso, em terras argilosas muito
compactadas, sem materiais arqueológicos associados. Se
a amostra B parece corresponder a carvões anteriores à
construção do monumento, a segunda encontra-se
100
Jorge de Oliveira: O “ETERNO DESCANSO” NO NEOLÍTICO
101
ARQUEOLOGIA DE TRANSIÇÃO: O MUNDO FUNERÁRIO
Notou-se, assim, que, quer as bolsas funerárias, quer as provável átrio da Anta da Horta, situada na Coudelaria de
inumações primárias foram efetuadas preferencialmente Alter. Nos outros casos em que este tipo de materiais
junto aos esteios da câmara. Nos raros casos onde foi ocorreu (anta da Cabeçuda, Pombais e Coureleiros II)
possível compreender a relação anatómica dos elementos inseriam-se em terras muito revolvidas e notoriamente
ósseos das tumulações primárias, verificámos que os arrastadas do interior da câmara. Por outro lado, a
ossos longos encontravam-se, especialmente, mais presença de placas de xisto tanto está documentada nas
próximos dos esteios do que os ossos do crânio. Esta câmaras como nos corredores, contudo, verificamos que
constatação poderá não ser só explicável pela deposição em monumentos com níveis bem conservados, as placas
dos cadáveres em posição fetal e decúbito lateral como de xisto de contorno e decoração unicamente geométricos
ocorreu na anta da Bola da Cera, mas também pela queda encontram-se, maioritariamente, nos corredores. As
de corpos inicialmente encostados aos esteios. Assim se placas de xisto ardosiano, de micaxisto, ou arenito,
explicaria a posição em que se encontram a maior parte quando inteiras ou levemente fracturadas, encontram-se
das placas, com a face principal virada para o solo, sempre na base dos monumentos.
partindo-se do princípio que, maioritariamente, os ídolos-
placa teriam sido colocados ao pescoço dos inumados.
102
Jorge de Oliveira: O “ETERNO DESCANSO” NO NEOLÍTICO
Na anta I dos Coureleiros recolheram-se, para além da ausência de muitos fragmentos, não poderemos, contudo,
referida placa, mais três inteiras e um fragmento de outra. deixar de pensar em como durante as várias
De entre estas placas, duas apresentam num dos bordos deambulações que as bolsas funerárias certamente
uma curvatura algo exagerada, comparativamente com o fizeram, algumas partes de materiais já afetados
outro, fazendo adivinhar que também estas poderiam ter facilmente se perderiam. Durante as múltiplas visitações
sido obtidas do mesmo ou de outro báculo, como o foi, que em vida útil dos monumentos lhes fizeram, é
certamente, a CI 4. provável que, também, alguns materiais, ou fragmentos
deles, pudessem ter sido retirados, pela carga simbólica
que possuiriam.
103
ARQUEOLOGIA DE TRANSIÇÃO: O MUNDO FUNERÁRIO
nestas duas peças não estão presentes nos cristais nós estudada, e as diferentes volumetrias das suas antas
recolhidos nos outros monumentos. Parece, portanto, que parecem apontar para uma provável diferenciação social
a inclusão destas raridades geológicas, junto aos defuntos, dos inumados. Embora nesta necrópole não tivéssemos
poderá ser entendida não como mais um objeto de uso obtido material ósseo, o recolhido noutros monumentos
quotidiano, mas como elemento de adorno, ou como mostra-nos que a seleção dos que tinham direito a ser
objeto ritual. tumulados nestes monumentos não tinha em conta a idade
e nem, muito provavelmente, o género.
104
Jorge de Oliveira: O “ETERNO DESCANSO” NO NEOLÍTICO
105
ARQUEOLOGIA DE TRANSIÇÃO: O MUNDO FUNERÁRIO
106