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DESCRIÇÃO

A emergência e consolidação histórica das políticas patrimoniais no Brasil, pensando os instrumentos jurídico-administrativos, as estratégias
e modalidades de atuação.

PROPÓSITO
Compreender os instrumentos e dispositivos que orientam a política de preservação cultural no Brasil realizada pelo IPHAN, de modo a
refletir sobre as divergências e convergências no trato de bens materiais e imateriais.

OBJETIVOS

MÓDULO 1

Definir os princípios gerais e os instrumentos de atuação que orientam as políticas de patrimônio cultural no Brasil promovidas pelo Instituto
do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN).

MÓDULO 2

Exemplificar os dispositivos jurídico-administrativos utilizados pelo IPHAN em relação ao seu conjunto de bens culturais tombados e
registrados.

MÓDULO 3
Identificar o processo de tombamento pelo IPHAN, a partir de exemplos de bens materiais, com arquiteturas de diversas naturezas, bem
como acervos.

INTRODUÇÃO
Nos últimos vinte anos, as concepções de fundo e o repertório de manifestações culturais que compõem o universo do Patrimônio Cultural do
Brasil assistiram a uma grande transformação. Desde 4 de agosto de 2000, por efeito do Decreto 3.551, que instituiu o Registro de Bens
Culturais da Natureza Imaterial e criou o Programa Nacional de Patrimônio Imaterial (PNPI), o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN) vem realizando políticas públicas setoriais voltadas para a documentação, o reconhecimento, a valorização e o apoio
sustentável dos chamados bens culturais de natureza imaterial.

A partir de então, ofícios e modos de fazer tradicionais; formas de expressão (musicais, coreográficas, cênicas, literárias e lúdicas); lugares
onde se concentram ou se reproduzem práticas culturais; e celebrações coletivas associadas, em especial, aos grupos formadores da
sociedade brasileira passaram a ser, de modo sistemático, objeto de processos de identificação, de solicitação de registros e de ações e
projetos de salvaguarda.

O impacto da publicação do decreto, no âmbito das políticas de patrimônio cultural no Brasil, é marcante ao possibilitar, entre outras coisas, a
inclusão de grupos, segmentos sociais e suas referências culturais até então alijados desse campo de atuação. Assim, se nossa percepção
sobre o universo que constituía o patrimônio cultural brasileiro recaía preferencialmente sobre edificações antigas e imponentes (igrejas,
casarões coloniais, edifícios públicos, centros históricos etc.), que remetiam a períodos históricos pregressos, do ano de 2000 em diante
manifestações culturais tradicionais vivas e atuantes, capazes de referenciar a construção de identidades sociais, passaram a fazer parte
desse conjunto: Maracatu, Frevo, Círio de Nazaré, Bumba meu Boi, Jongo, Viola de Cocho, Festa do Divino, entre tantos outros.

Neste material, você conhecerá os princípios e instrumentos das políticas de patrimônio cultural no Brasil, particularmente, aquelas
promovidas pelo IPHAN.
Vamos lá!

MÓDULO 1
 Definir os princípios gerais e os instrumentos de atuação que orientam as políticas de patrimônio cultural no Brasil promovidas
pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN).

Uma breve História do IPHAN


BENS REGISTRADOS: SABERES E FAZERES
O IPHAN é o principal órgão nacional a direcionar as políticas patrimoniais brasileiras. Sua origem é distante, mas suas funções estão em
constante processo de modificação. Neste primeiro momento, vamos lidar com a construção e operação dos bens registrados.

O processo mais conhecido é o de tombamento, curiosamente associado a referências diversas – desde piadas (“o tombamento é deixar
prédios tombar”) ou até explicações do senso comum que associam a noção de tombamento à situação de que “ninguém pode mexer”.
 VOCÊ SABIA

O termo tombamento tem origem no nome pelo qual costumava ser chamada a Torre de Registros de Lisboa, onde diversos processos
burocráticos eram registrados e arquivados, conhecida como Torre do Tombo.

Neste módulo, vamos conhecer um pouco da história dos registros patrimoniais no Brasil e seus caminhos.

UMA BREVE HISTÓRIA


Mesmo que o Decreto 3551 tenha sido publicado somente em agosto de 2000, ele representa, para o IPHAN, o ponto culminante de um
longo processo de discussões e iniciativas que remontam aos primórdios da criação do órgão, ocorrida em janeiro de 1937.

Naquele momento, o escritor paulista Mário de Andrade (1893-1945) foi convidado por Gustavo Capanema (1990-1985), à frente do
Ministério da Educação e Saúde, a redigir um anteprojeto que subsidiasse a criação de um órgão federal dedicado à preservação do
patrimônio histórico e artístico nacional. Ao lado disso, nas páginas da grande imprensa, intelectuais de renome denunciavam a destruição de
monumentos e a evasão de objetos artísticos da arte colonial.

 Gustavo Capanema em 1932.


 Mário de Andrade em 1928.

Mário de Andrade redigiu uma proposta bastante ousada e avançada. Em seu texto, ele já previa a identificação e a valorização de
expressões culturais populares – o folclore ameríndio, a arquitetura popular, os objetos rituais e de uso doméstico, as paisagens, as receitas
culinárias, os provérbios. Por razões diversas, tal perspectiva não foi implementada naquele momento.

Boa parte das sugestões delineadas por Mário de Andrade não foi aproveitada, posteriormente, na redação da versão final do Decreto-Lei nº
25, de 30 de novembro de 1937, que organizou as práticas de preservação no Brasil e restringiu a ação do IPHAN à chamada “pedra e cal”.

Em meados dos anos 1970, as ideias pioneiras de Mário de Andrade voltaram à cena por meio da atuação do advogado e designer gráfico
pernambucano Aloísio Magalhães (1927-1982). Sob sua coordenação, foi criado em 1975 o Centro de Referência Cultural (CNRC), entidade
formada por pesquisadores da Universidade de Brasília (UnB) e funcionários do governo federal.
Mediante convênio firmado entre a Secretaria de Educação e Cultura do DF e a Secretaria de Tecnologia Industrial do Ministério da Indústria
e Comércio, o CNRC implementou uma série de projetos que promoveram a atualização do debate sobre os sentidos da preservação e
ampliaram a noção de patrimônio para abranger questões como a necessidade de promover modelos autônomos de desenvolvimento
econômico e a valorização da diversidade regional.

Foram realizados vários projetos de documentação e de pesquisas junto a distintos grupos sociais, como:

PEDRA E CAL

É o “conjunto de bens móveis e imóveis existentes no país e cuja conservação seja de interesse público, quer por se acharem
vinculados a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou
artístico” (Decreto-Lei nº 25, 30 de novembro de 1937).

Levantamentos socioculturais em Alagoas e Pernambuco;

Inventários de tecnologias patrimoniais, que incluíram o uso de computador na documentação visual de padrões de tecelagem manual
e de trançado indígena;

Implantação do Museu Aberto de Orleans, em Santa Catarina, entre outros.



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Essas reflexões e ações sobre a importância dos bens culturais imateriais como referências basilares para vários grupos formadores da
sociedade brasileira seriam retomadas nos debates que envolveram a Assembleia Constituinte e incluídas nos artigos 215 e 216 da
Constituição Federal promulgada em 1988.


SAIBA MAIS

Artigos 215 e 216 da Constituição Federal de 1988

Bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória
dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:

as formas de expressão;

os modos de criar, fazer e viver;

as criações científicas, artísticas e tecnológicas;

as obras, os objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais;

os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico” (Constituição
da República Federativa do Brasil, 1988)
No fim dos anos de 1990, ocorreram dois eventos de enorme importância para a consolidação efetiva dessas propostas: a contratação de
uma equipe de pesquisa, liderada pelo antropólogo Antonio Augusto Arantes, para a construção de uma metodologia de pesquisa para
analisar os bens culturais de natureza imaterial, que resultou na formulação do Inventário Nacional de Referências Culturais (INRC) e na
realização de um seminário internacional na cidade de Fortaleza, em 1997, para discutir estratégias e formas de proteção ao patrimônio
imaterial, dando origem ao documento A Carta de Fortaleza.

Embora tenha inicialmente causado certa hesitação e alguma controvérsia, o emprego da expressão “patrimônio cultural imaterial” aos
poucos se impôs, procurando designar, tal como define a Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial, ocorrida em Paris
em 2003 (CURY, 2004).

A publicação do Decreto 3551/2000 forneceu o arcabouço jurídico-administrativo necessário para a atuação concreta do IPHAN com bens
culturais de natureza imaterial, ao regulamentar as disposições contidas no Art. 216 da Constituição de 1988. O Decreto 3551/2000
estabelece a figura jurídica do Registro como o instrumento privilegiado para a atuação.

Há uma distinção nos parâmetros de atuação dos órgãos de preservação. No caso do tombamento, o que se busca preservar é a integridade
física do bem cultural. Já o instrumento do Registro pressupõe o caráter processual e dinâmico das formas e dos sentidos dos bens culturais,
submetidos por seus praticantes a um contínuo processo de recriação e atualização. Nesse caso, a preservação tem como foco a busca de
instrumentos e medidas de salvaguarda que viabilizem as condições de sua produção e reprodução.

De acordo com o Decreto 3.551/2000, os bens culturais podem ser inscritos em um ou mais dos seguintes Livros: Livro de Registro dos
Saberes; Livro de Registro das Celebrações; Livro de Registro das Formas de Expressão; Livro de Registro dos Lugares.

Os bens inscritos em um ou mais desses Livros de Registro recebem o título de Patrimônio Cultural do Brasil. Mas esse reconhecimento
significa mais do que a mera atribuição de um título. Dentre seus efeitos, instaura-se um compromisso entre o poder público e os bens
titulados, de documentá-los e dar-lhes ampla divulgação e promoção, de modo que toda a sociedade possa ter acesso a informações sobre
sua origem, relevância e especificidades.

Um plano de salvaguarda envolve ações, tais como:


INRC

O INRC é um instrumento metodológico composto de questionários e fichas a serem preenchidos no decorrer de uma pesquisa de
identificação. Mesmo que não tenha sido elaborado para ser utilizado exclusivamente no campo do patrimônio imaterial, ele foi
apropriado pelos gestores dessa área e exerceu papel fundamental na implementação e consolidação da política federal de
salvaguarda, tornando-se um de seus principais pilares.

A CARTA DE FORTALEZA

Nesse documento, recomendava-se o aprofundamento do debate sobre o conceito de patrimônio cultural imaterial e o desenvolvimento
de estudos para a criação de um instrumento legal, instituindo o “Registro” como principal modo de preservação e de reconhecimento
de bens culturais dessa natureza. Teve como resultados: a criação de uma comissão com o objetivo de elaborar proposta visando à
regulamentação da salvaguarda do patrimônio cultural imaterial; e o início do Grupo de Trabalho Patrimônio Imaterial – GTPI, que
reunia técnicos do IPHAN, da Funarte e do MinC para assessorar essa comissão.

REGISTRO
O Registro tem como o seu principal intuito assegurar, de acordo com o seu artigo 6º, “documentação por todos os meios técnicos
admitidos, cabendo ao IPHAN manter banco de dados com o material produzido durante a instrução do processo” e, ainda, “ampla
divulgação e promoção”.

CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO E REPRODUÇÃO

São estas algumas medidas: documentação do bem, com vistas a preservar sua memória; a transmissão de conhecimentos e
competências; o acesso às matérias primas e demais insumos necessários à sua produção; o apoio e fomento à produção e ao
consumo; a sua valorização e difusão junto à sociedade; e, principalmente, esforços no sentido de que os detentores desses bens
assumam a posição de protagonistas na preservação de seu patrimônio cultural.

LIVRO DE REGISTRO DOS SABERES

Serão inscritos conhecimentos e modos de fazer enraizados no cotidiano das comunidades.


LIVRO DE REGISTRO DAS CELEBRAÇÕES

Serão inscritos rituais e festas que marcam a vivência coletiva do trabalho, da religiosidade, do entretenimento e de outras práticas da
vida social.

LIVRO DE REGISTRO DAS FORMAS DE EXPRESSÃO

Serão inscritas manifestações literárias, musicais, plásticas, cênicas e lúdicas.

LIVRO DE REGISTRO DOS LUGARES

Serão inscritos mercados, feiras, praças e santuários onde se concentram e reproduzem práticas culturais coletivas.
Apoio à transmissão dos saberes e das habilidades relacionados aos bens culturais;

Promoção e divulgação do bem cultural;

Valorização de mestre e executantes;

Melhoria das condições de produção, reprodução e circulação;

Organização dos detentores e das atividades comunitárias.


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OS INSTRUMENTOS DE ATUAÇÃO NA SALVAGUARDA DO


PATRIMÔNIO IMATERIAL
PROCESSOS DE IDENTIFICAÇÃO

Em 1999 foi contratada a empresa Andrade & Arantes, capitaneada pelo famoso antropólogo Antonio Augusto Arantes. Seu objetivo era
conceber uma metodologia de pesquisa voltada para a identificação e o armazenamento de conhecimento sobre bens culturais de natureza
imaterial, para responder a questões específicas de uma política pública patrimonial.

 Antônio Augusto Arantes.

O resultado foi a criação do Inventário Nacional de Referências Culturais (INRC), instrumento que tem como objetivo produzir conhecimento
sobre aspectos da vida social aos quais são atribuídos valores e sentidos e que, portanto, constituem marcos de referência e de identidade
para determinados grupos ou segmentos sociais.
Essa metodologia, que teve como base experiências anteriores do IPHAN em Serro, Goiás e Diamantina, foi aplicada pela primeira vez na
área do Museu Aberto do Descobrimento, na costa sul da Bahia. A partir da experiência-piloto, o INRC foi adotado, com os devidos ajustes a
cada contexto específico, pelos inventários realizados pelas unidades do IPHAN.

O INRC é composto de um conjunto de fichas que permite armazenar e sistematizar informações produzidas em pesquisa de campo e de
arquivos. Suas instruções estão delineadas no Manual de Aplicação do INRC, que prevê três etapas sucessivas de pesquisa:

LEVANTAMENTO PRELIMINAR
Mapeamento, reunião e sistematização das principais informações sobre o universo (territorial, geopolítico ou temático) ou bem cultural
inventariado, realizado por meio de levantamentos bibliográficos, entrevistas com membros da coletividade estudada e contatos com
instituições afins; a partir desse mapeamento geral, seleciona-se o que será identificado.

IDENTIFICAÇÃO
Descrição sistemática e aprofundada do bem cultural selecionado. Com base na aplicação e no preenchimento das fichas de identificação
(divididas nas seguintes categorias: saberes e ofícios, formas de expressão, celebrações, edificações e lugares), o objetivo desta fase
consiste na descrição detalhada das principais características culturalmente relevantes para a compreensão adequada do bem, assim como
no diagnóstico de questões ou entraves para a sua reprodução e continuidade.

DOCUMENTAÇÃO
Elaboração de estudos técnicos e autorais, de natureza eminentemente etnográfica; produção de um documento audiovisual com vistas à
instrução do processo de registro; e, ainda, a fundamentação do trabalho de inserção dos dados, obtidos nas etapas anteriores, no banco de
dados do INRC.

O INRC busca descrever e documentar cada bem imaterial identificado como referência cultural significativa para os grupos sociais
relacionados a um território ou tema cultural, para que se possa compreender os processos de formação histórica, produção, reprodução e
transmissão que caracterizam esse bem, assim como as condições, os problemas e os desafios para a sua continuidade.
Trata-se, portanto, de um trabalho primordial para o conhecimento desse universo de bens culturais e para a fundamentação das demais
ações de salvaguarda. O recurso a essa metodologia possibilita a obtenção de subsídios para: instrução de processos de registro;
formulação de planos e ações de salvaguarda; e implementação de ações de apoio e fomento em atendimento a demandas sociais
identificadas no processo de inventário.

UMA CARACTERÍSTICA DE FUNDAMENTAL IMPORTÂNCIA NA METODOLOGIA DO INRC É O


ENVOLVIMENTO E, MAIS QUE ISSO, A PARTICIPAÇÃO DOS DETENTORES, TRANSMISSORES
E USUÁRIOS DOS BENS CULTURAIS, NÃO APENAS PRESTANDO INFORMAÇÕES, MAS
TAMBÉM COMO INTÉRPRETES DOS SENTIDOS E VALORES ATRIBUÍDOS A ESSES BENS E
COMO AGENTES DE AÇÕES DE SALVAGUARDA.
Até o momento, foram realizados mais de 150 INRC em todo o Brasil. Parte desse material subsidiou os processos de registro realizados
pelo IPHAN.

O REGISTRO
O registro de um bem de natureza imaterial como Patrimônio Cultural do Brasil tem como objetivo reconhecer e valorizar sua relevância
para a identidade e o patrimônio cultural do Brasil. O objetivo do Registro propicia, pelos meios mais adequados à natureza do bem, sua
continuidade, com base na produção de conhecimento, documentação, reconhecimento, valorização, apoio e fomento.

 O Maracatu de Baque Solto, de Pernambuco, é uma das manifestações artísticas protegidas como Patrimônio Cultural do Brasil que
constam no Livro de Registro das Formas de Expressão do IPHAN.

As propostas de registro devem ser coletivas, envolvendo, sempre que possível, a representação dos detentores dos bens em questão e
sendo, obrigatoriamente, acompanhadas pela manifestação de sua anuência. Nas propostas, deve constar descrição pormenorizada do bem
a ser registrado, acompanhada de documentação correspondente, na qual se mencione todos os seus elementos culturalmente relevantes.
Uma vez recebidas pelo IPHAN, essas propostas são avaliadas em caráter preliminar e, se julgadas procedentes, são encaminhadas para
instrução do respectivo processo administrativo.

 A Ritxòkò – expressão artística e cosmológica do povo Karajá – foi inscrita no Livro de Registro das Formas de Expressão do IPHAN em
2012.

A instrução dos processos de Registro é sempre supervisionada pelo IPHAN. Consta de descrição pormenorizada do bem a ser registrado,
acompanhada da documentação correspondente, e deve mencionar todos os elementos que lhe sejam culturalmente relevantes, abrangendo
o seu passado e o presente, e suas diferentes versões. Poderá ser feita por outros órgãos do Ministério da Cultura, pelas unidades estaduais
do IPHAN ou por entidade pública ou privada habilitada a produzi-la.

Realizada a instrução do processo, o IPHAN emite parecer que é publicado no Diário Oficial da União e na sua página na internet, para
eventuais manifestações da sociedade sobre o Registro. Decorridos trinta dias da publicação, o processo é encaminhado ao Conselho
Consultivo do Patrimônio Cultural para deliberação. Até o momento, são 48 bens registrados, dentre eles: Samba de Roda do Recôncavo
Baiano; Cachoeira de Iauaretê - Lugar Sagrado dos povos indígenas dos Rios Uaupés e Papuri; Feira de Caruaru; Complexo Cultural do
Bumba meu Boi do Maranhão etc.

AÇÕES DE APOIO E FOMENTO

Para além da descrição detalhada dos principais “aspectos culturalmente relevantes” que caracterizam o bem cultural submetido ao processo
de registro, as pesquisas de identificação procuram diagnosticar entraves e dificuldades que afligem a manifestação com o intuito de
promover projetos e ações de fomento capazes de garantir-lhe as condições sociais, econômicas e ambientais necessárias para a sua
reprodução e continuidade.

Tais ações, designadas de planos de salvaguarda, são, em linhas gerais, medidas preocupadas em apoiar, de modo sustentável, a
continuidade dos bens registrados, compreendendo desde a promoção da inclusão social e melhoria da vida de produtores e detentores de
tais saberes, até ao auxílio para a organização comunitária ou intermediação no acesso a matérias-primas importantes para determinada
produção artesanal do lugar.

Requisito fundamental para a formulação e implementação dos planos de salvaguarda é a ampla mobilização e participação dos detentores
dos bens culturais registrados, atuando em parceria com os poderes públicos (o Estado por meio do IPHAN e do MinC, e instituições
federais, estaduais e municipais) e organizações da sociedade.

SABERES E FAZERES
Apresentados os princípios gerais e os instrumentos de atuação que orientam as políticas de patrimônio cultural no Brasil promovidas pelo
IPHAN, passaremos, a seguir, a examinar dois bens registrados pelo órgão, nos quais as dimensões dos saberes e fazeres tradicionais foram
destacadas como os elementos centrais tanto para a titulação do bem, quanto para a atuação em suas respectivas salvaguardas. O melhor
caminho para percebermos esses fazeres é conhecer um pouco mais da história e do processo, então vamos lá!


SAIBA MAIS

Quer conhecer um pouco dos procedimentos e bens registrados? Confira, na seção Explore+, o PDF 2 – O Registro: instrumento de atuação
na salvaguarda do patrimônio imaterial.

 Imagem do Acervo IPHAN.

MODO DE FAZER VIOLA DE COCHO


O Modo de Fazer Viola de Cocho, tal como ele ocorre nos estados do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, foi registrado em 14 de janeiro de
2004, sendo inscrito no Livro de Registro dos Saberes. Conforme descrição contida no Manual do INRC, “Ofícios e Modos de Fazer” são
definidos por atividades desenvolvidas por especialistas reconhecidos como conhecedores de técnicas e de matérias-primas que identifiquem
um grupo social ou uma localidade. Refere-se à produção de objetos e à prestação de serviços que tenham sentidos práticos ou rituais,
indistintamente (Manual do INRC, 2000).

Esculpidas de modo inteiramente artesanal e com o uso de matérias-primas presentes na vegetação nativa, os conhecimentos e as técnicas
necessários para a confecção do instrumento musical, que se associa ao Cururu e ao Siriri, manifestações culturais ligadas à religiosidade e
à brincadeira, foram salvaguardados pelo IPHAN por força de sua centralidade na sensibilidade musical e sociabilidade festiva específica na
região.

O nome Viola de Cocho se deve à técnica de escavação da caixa de ressonância do instrumento, a partir de uma tora de madeira inteiriça,
mesma técnica utilizada na fabricação de cochos (recipientes em que se depositam o alimento do gado). Nesse cocho, já escavado no
formato de uma viola, são afixados um tampo e as demais partes que caracterizam o instrumento, como cavalete, espelho, rastilho e
cravelhas.

Os materiais utilizados na confecção do instrumento são encontrados no ecossistema regional: para o corpo da viola, são utilizadas peças de
madeira extraídas da vegetação nativa; para o espelho, cravelhas e pestanas são usados cedro, mogno, aroeira e outras madeiras; e, para
o tampo, a raiz de figueira e a teca (uma madeira asiática de ampla utilização, em especial na construção de embarcações).
Tradicionalmente, as madeiras são retiradas com machado, porém o uso de motosserra tem otimizado o trabalho de corte e beneficiamento
da matéria-prima.

VEGETAÇÃO NATIVA
Comumente, a ximbuva e o sarã-de-leite, mas também a mangueira, o cedro-rosa e o cajá-manga.

MOTOSSERRA

Com essa ferramenta podem ser cortadas aproximadamente dez violas de um único tronco, ao passo que, com o machado, de uma
árvore como o sarã, se ela for grossa, fazem-se no máximo três violas, resultando em menor produção e maior perda.

 Exposição de Viola de Cocho para venda na porta da casa de Caetano Ribeiro, em Cuiabá (MT), no ano de 2007. Foto: Edilberto
Fonseca. Dossiê IPHAN 8 – Modo de Fazer Viola de Cocho.

Com cera de abelha preparavam-se os pontos, trastes feitos de barbante, para que se fixem na madeira. Já com as tripas de algumas
espécies de macacos eram feitas as cordas. Nas últimas décadas, com exceção da madeira, esses materiais têm sido substituídos por
produtos industrializados, tais como cola industrial, cera industrial e linha de náilon para as cordas. A utilização dos encordoamentos à base
de tripa de animais e de fios de tucum está praticamente extinta, tendo sido, devido à proibição da caça na região cuiabana e no Pantanal,
substituída pelo emprego de linha de pesca.

Alguns cururueiros gostavam mais da sonoridade das cordas de tripa; outros preferem as cordas de náilon de pesca, por serem mais
duráveis. Mesmo que com adaptações necessárias relativas às matérias-primas, os artesãos conservam as técnicas e os conhecimentos
fundamentais oferecidos pelo saber tradicional.

A viola, sempre de fabricação artesanal, é usada principalmente por músicos das camadas populares em suas festas e seus divertimentos
tradicionais. Nas festas católicas de Mato Grosso, por exemplo, especialmente as do ciclo joanino, há sempre uma roda de cururu ou de siriri,
nas quais a Viola de Cocho aparece como o principal instrumento.

 Detalhe: as fitas coloridas amarradas no cabo indicam o número de rodas de cururu em que a viola foi tocada em homenagem a algum
santo – que possui, cada qual, sua cor particular.

Elas podem ser decoradas com temas do pantanal, desenhadas a fogo e pintadas com tinta colorida, ou bem branquinhas, na madeira crua,
com ou sem verniz. As fitas coloridas amarradas no cabo indicam o número de rodas de cururu em que a viola foi tocada em devoção a
algum santo, tendo cada qual sua cor particular.

A titulação do bem não incidiu sobre o instrumento, mas sim sobre os conhecimentos e as técnicas tradicionais que envolvem a sua
fabricação. As pesquisas que subsidiaram o processo de registro detectaram o risco de desaparecimento da Viola de Cocho pela idade
avançada dos detentores desse saber.

No momento do registro, eram poucos os especialistas que ainda detinham os conhecimentos e as técnicas exigidos para a confecção dos
instrumentos. Como garantir a reprodução e a continuidade do bem nessas circunstâncias? Que estratégias de atuação devem ser
implementadas para reverter o quadro indicado?

DENTRE AS AÇÕES DE SALVAGUARDA CONDUZIDAS PELO IPHAN, FORAM REALIZADAS


OFICINAS DE TRANSMISSÃO DE SABERES, ENVOLVENDO MESTRES EXPERIENTES E
JOVENS INTERESSADOS EM APRENDER OS RUDIMENTOS DO PROCESSO DE
FABRICAÇÃO. NESSES ESPAÇOS DE TROCAS DE CONHECIMENTOS, FOI POSSÍVEL
GARANTIR A TRANSMISSÃO DE CONTEÚDOS RELATIVOS AO CORTE DA MADEIRA E
MANUSEIO ADEQUADO DOS INSTRUMENTOS. DESSA MANEIRA, FICOU ASSEGURADA A
PERMANÊNCIA DOS SABERES, QUE FORAM TRANSMITIDOS AO MAIS JOVENS.
A salvaguarda do processo de fabricação artesanal teve de ser ecologicamente sustentável e fundada numa relação consciente do artesão
com o meio ambiente. Para tal, foram formulados planos de manejo sustentável das espécies vegetais que servem de matéria-prima para o
fabrico do instrumento, de modo a garantir a preservação do patrimônio ambiental da região. Assim, foi elaborado um plano de manejo das
espécies vegetais utilizadas na fabricação da Viola de Cocho – a ximbuva e o xará-de-leite – e publicado um material didático sobre o
assunto.

A garantia do acesso às matérias-primas e da reprodução artesanal não são suficientes para fortalecer a continuidade do modo de fazer do
bem. As pesquisas que subsidiaram o registro indicaram a necessidade de ações integradas à valorização da sonoridade desse instrumento
e de suas funções nas celebrações tradicionais da região Centro-Oeste do Brasil. Nas festas onde a Viola de Cocho se faz presente, o
Cururu e o Siriri vêm perdendo espaço para outras manifestações culturais em decorrência das pressões geradas pela cultura de massa.

Em vista disso, foram realizados festivais e premiações envolvendo a Viola de Cocho, de maneira a destacar a importância do instrumento no
imaginário sonoro e artístico da região pantaneira. Com isso, os violeiros encontram respaldo e estímulo para seguir adiante com o fabrico
dos instrumentos e a participação em festas tradicionais.

A partir desse conjunto de ações, espera-se garantir as condições adequadas para que tanto o fabrico do instrumento musical, quanto o seu
uso em festas tradicionais permaneçam vigentes e possam ser usufruídos por sucessivas gerações.

PLANOS DE MANEJO SUSTENTÁVEL

Em decorrência da legislação ambiental que determina a autorização para corte de árvores, muitas vezes, os artesãos encontram-se na
posição de ilegalidade por cortar madeira ou com ela trabalhar sem esse licenciamento, dadas as dificuldades em obtê-lo junto às
instituições ambientais competentes.


SAIBA MAIS
Quer conhecer outros exemplos de fazeres artesanais? Confira, na seção Explore+, o PDF 3 – O caso do modo artesanal de fazer queijo em
Minas, nas regiões do Serro, da Serra da Canastra e do Salitre.

VERIFICANDO O APRENDIZADO

1. A PARTIR DE 4 DE AGOSTO DE 2000, POR EFEITO DO DECRETO 3551, QUE INSTITUIU O REGISTRO DE
BENS CULTURAIS DE NATUREZA IMATERIAL E CRIOU O PROGRAMA NACIONAL DE PATRIMÔNIO
IMATERIAL, O INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL (IPHAN) VEM REALIZANDO
POLÍTICAS PÚBLICAS VOLTADAS PARA O RECONHECIMENTO, A VALORIZAÇÃO E O APOIO SUSTENTÁVEL
AOS CHAMADOS BENS CULTURAIS DE NATUREZA IMATERIAL. ASSINALE A ALTERNATIVA CORRETA NO
QUE DIZ RESPEITO ÀS ATRIBUIÇÕES ESPECÍFICAS DO CITADO DECRETO:

A) Garantir a integridade física e manutenção das características originais dos bens culturais.

B) Produzir documentação por todos os meios técnicos admitidos e garantir a ampla divulgação e promoção.

C) Realizar visitas técnicas, fiscalizações e, caso seja necessário, emissão de autorizações, notificações e embargos.

D) Proceder ao pagamento de cachês e auxílios aos detentores dos bens culturais registrados.

E) Constituir uma rede de benesses àqueles que participam da manutenção de bens culturais.
2. A POLÍTICA DE SALVAGUARDA DO PATRIMÔNIO IMATERIAL POSSUI UM CONJUNTO DE INSTRUMENTOS
DE ATUAÇÃO QUE PERMITE AO IPHAN LEVANTAR INFORMAÇÕES E GERAR CONHECIMENTO, REALIZAR
DIAGNÓSTICOS E IMPLEMENTAR POLÍTICAS PÚBLICAS VOLTADAS PARA A SUSTENTABILIDADE DOS
BENS DE NATUREZA IMATERIAL. DENTRE OS INSTRUMENTOS DE ATUAÇÃO MOBILIZADOS PELO ÓRGÃO,
DESTACA-SE O INVENTÁRIO NACIONAL DE REFERÊNCIAS CULTURAIS (INRC), METODOLOGIA DE
PESQUISA QUE VEM SENDO USADA DESDE 2000. ASSINALE A ALTERNATIVA CORRETA NO QUE DIZ
RESPEITO ÀS POSSIBILIDADES DE SUBSÍDIOS OFERECIDOS PELA APLICAÇÃO DE UM INRC:

A) Instrução de processos de registro; formulação de planos e ações de salvaguarda; implementação de ações de apoio e fomento em
atendimento a demandas sociais identificadas no processo de inventário.

B) Instrução de processos de tombamento; formulação de projetos de restauração e intervenção; realização de obras de reparo e
conservação.

C) Diagnóstico socioeconômico dos bens; avaliação das condições sanitárias e de conforto nos locais de sua ocorrência.

D) Avaliação e monitoramento de atividades comerciais e econômicas; recenseamento demográfico e cadastramento de grupos.

E) Investigação das atividades econômicas relacionadas com o bem cultural; estímulo de sua interseção com a economia regional.

GABARITO

1. A partir de 4 de agosto de 2000, por efeito do Decreto 3551, que instituiu o Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial e
criou o Programa Nacional de Patrimônio Imaterial, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) vem realizando
políticas públicas voltadas para o reconhecimento, a valorização e o apoio sustentável aos chamados bens culturais de natureza
imaterial. Assinale a alternativa correta no que diz respeito às atribuições específicas do citado decreto:

A alternativa "B " está correta.


Comentário: O Decreto 3551 estabeleceu, em seu art. 6º, que ao “Ministério da Cultura cabe assegurar ao bem registrado: I –
documentação por todos os meios técnicos admitidos, cabendo ao IPHAN manter banco de dados com o material produzido durante a
instrução do processo; II – ampla divulgação e promoção”. Por força da natureza dinâmica e processual dos bens de natureza imaterial, não
caberia ao IPHAN assegurar a manutenção de suas características originais, tampouco garantir sua integridade física, atribuições que se
adequam melhor a bens de natureza material. De igual maneira, a política de salvaguarda estabelecida pelo Decreto 3551 não prevê o
pagamento de cachês e auxílios a grupos específicos, mas o apoio à sustentabilidade do bem cultural por meio de ações e projetos de
fomento que contemplem dimensões e aspectos fragilizados. Dentre tais ações, o decreto estipulou a garantia de produzir documentação
(por meio de processos de identificação) e ampla divulgação e promoção, que podem ser exercidas por meio de várias possibilidades.

2. A política de salvaguarda do patrimônio imaterial possui um conjunto de instrumentos de atuação que permite ao IPHAN levantar
informações e gerar conhecimento, realizar diagnósticos e implementar políticas públicas voltadas para a sustentabilidade dos
bens de natureza imaterial. Dentre os instrumentos de atuação mobilizados pelo órgão, destaca-se o Inventário Nacional de
Referências Culturais (INRC), metodologia de pesquisa que vem sendo usada desde 2000. Assinale a alternativa correta no que diz
respeito às possibilidades de subsídios oferecidos pela aplicação de um INRC:

A alternativa "A " está correta.

Comentário: O Inventário Nacional de Referências Culturais (INRC) é o principal instrumento utilizado pelo IPHAN para a instrução de
processos de registro, formulação de planos e ações de salvaguarda, implementação de ações de apoio e fomento em atendimento a
demandas sociais identificadas no processo de inventário. Por meio do preenchimento de duas fichas, é possível reunir e sistematizar
informações decisivas não apenas sobre as características culturalmente relevantes que definem um bem cultural, mas também realizar um
diagnóstico de suas demandas e fragilidades.
MÓDULO 3
 Identificar o processo de tombamento pelo IPHAN, a partir de exemplos de bens materiais, com arquiteturas de diversas
naturezas, bem como acervos.
Identificando conceitos
 Casa dos contos, em Ouro Preto (MG), edifício histórico tombado pelo IPHAN.

BENS TOMBADOS
Nos módulos anteriores, acompanhamos em detalhes o processo de implantação da política de salvaguarda do patrimônio imaterial.
Destacou-se a progressiva consolidação de entendimentos e iniciativas que resultaram na promulgação do Decreto 3551/2000, assim como
os instrumentos de gestão da área, voltados para a manutenção das condições sociais e ambientais que assegurem a continuidade dos bens
de natureza imaterial.

Este módulo trata do chamado patrimônio de “pedra e cal”, isto é, os bens de natureza material. Para tanto, teremos que retomar ao contexto
de criação do IPHAN, pois o tombamento e os mecanismos de atuação do órgão são anteriores ao Decreto 3551/2000. Assim, vamos rever
alguns pontos já destacados, mas a partir de um novo ângulo.
A criação do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (atualmente Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), por
meio da promulgação da Lei nº 378, em 13 de janeiro de 1937, com a finalidade de promover em todo o país, e de modo permanente, o
tombamento, a conservação, o enriquecimento e o conhecimento do patrimônio histórico e artístico nacional, foi motivada por uma
série de fatores.

Desde meados da década de 1920, intelectuais alertavam sobre a depredação e o abandono de monumentos e edificações históricas, assim
como a evasão de objetos artísticos do Período Colonial. Em resposta a essas demandas, foram criadas pelo poder público de alguns
estados Inspetorias Estaduais de Monumentos Históricos – em 1926, em Minas Gerais; em 1927, na Bahia; em 1928, em Pernambuco. Por
fim, por iniciativa do poder público federal, a cidade de Ouro Preto foi elevada à categoria de Monumento Nacional em 1934.

Anos mais tarde, a publicação do Decreto nº 25, de 30 de novembro de 1937, organizou a política de patrimônio em nível federal. A partir da
década de 1930, com a centralização política provocada pela Revolução de 1930 e intensificada com a instauração do Estado Novo (1937-
1945), surgiram as condições favoráveis para a criação de um órgão nacional de preservação do patrimônio histórico e artístico nacional.

A chegada de Getúlio Vargas (1882-1954) iniciou uma expansão do aparato burocrático-administrativo estatal no Brasil, com a criação de
ministérios, secretarias, inspetorias, superintendências, agências reguladoras etc. Durante os anos de 1930 e 1940, foram abertos
ministérios, uma série de organismos vinculados em linha direta à Presidência da República e uma rede de autarquias, conselhos,
departamentos e comissões especiais.

Em meados do ano de 1936, Gustavo Capanema (1990-1985), então Ministro da Educação e Saúde Pública, recebeu das mãos do
advogado e jornalista mineiro Rodrigo Melo Franco de Andrade (1898-1969) o texto do Decreto nº 25, que instituiu o órgão e definiu seus
parâmetros de atuação.

De acordo com o seu artigo 1º, “Constitui o patrimônio histórico e artístico nacional o conjunto dos bens móveis e imóveis existentes no país e
cuja conservação seja de interesse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional
valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico” (Decreto-Lei nº 25/1937).
SERVIÇO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL

Ao longo de seus mais de oitenta anos de existência, o IPHAN assumiu diferentes designações. Em 1946, o então Serviço do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional passa a ser Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (DPHAN); em 1970, torna-se
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN); em 1979, volta a ser Secretaria; em 1981, passa a Subsecretaria,
mantendo a sigla SPHAN; finalmente, em 1994, readquire a designação de Instituto, permanecendo assim até os dias atuais. Para fins
didáticos, manteremos ao longo do texto a sigla IPHAN, desconsiderando as sucessivas mudanças de nomenclatura indicadas.

POR MEIO DE SEU TOMBAMENTO, ISTO É, SUA INSCRIÇÃO EM UM OU MAIS DOS LIVROS
DO TOMBO, UM BEM DE NATUREZA MATERIAL É RECONHECIDO COMO INTEGRANTE DO
PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL.
O tombamento é um ato declaratório, no qual se ressalta a importância de uma edificação, um sítio ou conjunto urbano ou, ainda, conjunto de
artefatos ou objetos que encarnam valores e de grande importância para a história, memória e identidade cultural de nosso país. São também
sujeitos a tombamento os monumentos naturais, os sítios e as paisagens que importe conservar e proteger pela feição notável com que
tenham sido dotados pela natureza ou criados pela indústria humana.

 Museu Imperial, em Petrópolis (RJ).

Os bens tombados podem ser inscritos em um ou mais dos Livros do Tombo criados pelo Decreto nº 25. São eles: Livro do Tombo
Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico; Livro do Tombo Histórico; Livro do Tombo de Belas Artes; Livro do Tombo das Artes
Aplicadas.

Qualquer pessoa física ou jurídica poderá solicitar o tombamento de um bem ao IPHAN, bastando encaminhar correspondência à
Superintendência do IPHAN em seu estado, à Presidência do IPHAN, ou ao Ministério da Cultura. Para ser tombado, o bem passa por um
processo administrativo que analisa sua importância em âmbito nacional e, posteriormente, o bem é inscrito em um ou mais Livros do Tombo.

Os bens tombados de natureza material estão sujeitos à fiscalização realizada pelo Instituto para verificar suas condições de conservação,
e qualquer intervenção nesses bens deve ser previamente autorizada.
LIVRO DO TOMBO ARQUEOLÓGICO, ETNOGRÁFICO E
PAISAGÍSTICO

São inscritos os bens culturais em função do valor arqueológico, relacionado a vestígios da ocupação humana pré-histórica ou histórica;
de valor etnográfico ou de referência para determinados grupos sociais; e de valor paisagístico, englobando tanto áreas naturais,
quanto lugares criados pelo homem aos quais é atribuído valor à sua configuração paisagística, mas também cidades ou conjuntos
arquitetônicos que se destaquem por sua relação com o território onde estão implantados.

LIVRO DO TOMBO HISTÓRICO

São inscritos os bens culturais em função do valor histórico. É formado pelo conjunto dos bens móveis e imóveis existentes no Brasil e
cuja conservação seja de interesse público por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil. Reúne, especificamente, os
bens culturais em função do seu valor histórico que se dividem em bens imóveis e móveis.

LIVRO DO TOMBO DE BELAS ARTES


São inscritos bens culturais em função do valor artístico. O termo belas-artes é aplicado às artes de caráter não utilitário, opostas às
artes aplicadas e às artes decorativas.

LIVRO DO TOMBO DAS ARTES APLICADAS

São inscritos os bens culturais em função do valor artístico, associado à função utilitária. Essa denominação (em oposição às belas-
artes) se refere à produção artística que se orienta para a criação de objetos, peças e construções utilitárias.

BENS TOMBADOS DE NATUREZA MATERIAL

Os bens tombados de natureza material podem ser imóveis, como cidades históricas, sítios arqueológicos e paisagísticos e bens
individuais; ou móveis, como coleções arqueológicas, acervos museológicos, documentais, bibliográficos, arquivísticos, fotográficos e
audiovisuais.

 Sítio Arqueológico da Pedra Preta, em Paranaíta (MT).

Sob a tutela do IPHAN, os bens tombados se subdividem em bens móveis e imóveis, entre os quais estão conjuntos urbanos, edificações,
coleções e acervos, equipamentos urbanos e de infraestrutura, paisagens, ruínas, jardins e parques históricos, terreiros e sítios
arqueológicos. O objetivo do tombamento de um bem cultural é impedir sua destruição ou mutilação, mantendo-o preservado para as
gerações futuras.

A partir de 13 de janeiro de 1937, começa a funcionar oficialmente o então Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Do ponto de
vista administrativo, sua estrutura organizacional ficou composta da seguinte maneira: uma Divisão de Estudos de Tombamento (DET), e a
ela estavam vinculadas a Seção de Arte, a Seção de História, o Arquivo Central e a Divisão de Conservação e Restauro (DCR),
subdividida em Seção de Projetos e Seção de Obras. Havia ainda quatro distritos, que deveriam reproduzir a estrutura organizacional da
“área central”, ainda que com equipes bastante reduzidas, ficando a maioria dos assuntos sob a responsabilidade do próprio chefe do distrito.
Em sua maioria, os profissionais que se integraram aos quadros do IPHAN eram egressos ou adeptos do movimento modernista, cujo
pensamento estético e posições ideológicas se baseavam em uma noção de identidade e cultura nacional marcada pela procura da
originalidade da nação.

De acordo com a narrativa definida pelos técnicos do IPHAN, a arte barroca foi eleita como a expressão estética mais autêntica e a
experiência colonial como o período fundador da vida nacional. Outros estilos, como o neoclassicismo, por exemplo, foram colocados de
lado. Essa ênfase pode ser vislumbrada na grande quantidade de núcleos urbanos coloniais tombados pelo órgão, como os conjuntos
arquitetônicos e urbanísticos das cidades mineiras de Ouro Preto, São João del-Rei, Serro, Tiradentes, Mariana, Diamantina, Congonhas do
Campo.

 Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição de Antônio Dias, uma das mais representativas de Ouro Preto (MG) e sede do Museu
Aleijadinho.
BENS TOMBADOS E A ARQUITETURA CIVIL E MILITAR

Ao longo da chamada “Fase Heroica” (1937-1967), período de trinta anos em que o IPHAN foi presidido por Rodrigo Melo Franco de
Andrade (1898-1969), a atuação do órgão recaiu, quase exclusivamente, sobre a proteção de edificações religiosas, militares e civis de
tradição luso-brasileira e associadas ao Período Colonial da história do Brasil.

 Forte dos Reis Magos, edificação militar histórica localizada na cidade de Natal (RN).

Em seus primeiros anos de atividade, o IPHAN tombou uma grande quantidade de bens:

Período Quantidade de bens


1938 215

1939 45

1940 15

Entre 1941 e 1955 111


Atenção! Para visualização completa da tabela utilize a rolagem horizontal

A partir de meados da década de 1970, o IPHAN passou a ser alvo de críticas, advindas de movimentos sociais e intelectuais, que
denunciavam o caráter elitista e a pouca representatividade dessa política.

Em 1979, a fusão do Centro Nacional de Referência Cultural (CNRC), Fundação Pró-Memória e IPHAN, sob a direção de Aloísio Magalhães,
promoveu uma inflexão nas políticas de preservação, ao redefinir os critérios tradicionais que imperavam dentro do órgão, e assumiu uma
concepção ampliada de patrimônio.

Atualmente, são cerca de 100 cidades históricas protegidas, mais de mil bens tombados individualmente – em especial edificações civis,
religiosas e militares, obras de arte, imagens e objetos sacros –, cerca de 15 mil sítios arqueológicos cadastrados em, como vimos, 48
manifestações culturais registradas como patrimônio imaterial.
O EXAME DE ALGUNS EXEMPLOS: REPERTÓRIO E ESTRATÉGIAS

Embora tenhamos chamado a atenção para o predomínio de bens tombados associados à arte barroca, indicaremos um conjunto de bens
associados a diferentes estilos arquitetônicos e artísticos, assim como segmentos e grupos distintos da sociedade brasileira a fim de revelar a
progressiva ampliação do conjunto acautelado pelo IPHAN.

ARQUITETURA CIVIL

CASA DE CHICO MENDES

Em 2011, o IPHAN realizou o primeiro tombamento no estado do Acre, com a inscrição da Casa de Chico Mendes e de seu acervo
(composto de móveis, roupas e livros de seu proprietário), localizados no município de Xapuri, no Livro do Tombo Histórico. O tombamento de
uma pequena e simples casa de madeira tinha como objetivo ressaltar a importância decisiva da figura de seu ilustre residente, o seringueiro
e ativista socioambiental Francisco Alves Mendes Filho (1944-1988), assim como a importância da identidade seringueira, isto é, dos “povos
da floresta” que habitam e trabalham na região.

CASA DE CHICO MENDES


Além do tombamento em nível federal, a Casa de Chico Mendes é também protegida em nível estadual.

 Casa de Chico Mendes, na cidade de Xapuri (AC). Acervo IPHAN.

O imóvel, localizado no município de Xapuri, onde o seringueiro passou os últimos dois anos de sua vida e onde foi assassinado em 22 de
dezembro de 1988, foi tombado mediante pedido entregue ao IPHAN por sua filha e presidente do Instituto Chico Mendes, Elenira Mendes,
em conjunto com o Comitê Chico Mendes, representativo de mais de vinte instituições, entre elas o Centro de Defesa dos Direitos Humanos
e Educação Popular (CDHEP), o Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS) e a União das Nações Indígenas do Acre e Sul do Amazonas
(UNI).
Ao contrário da monumentalidade de outras edificações acauteladas pelo IPHAN, a Casa de Chico Mendes é um imóvel singelo, que
obedece a um sistema construtivo e padrão arquitetônico tradicional da região, ainda de uso frequente. A casa cabocla em madeira coberta
de telha de barro possui apenas 4m de largura e pode ser edificada em menos de uma semana. Todo composto de tábuas verticais, inclusive
as portas e janelas, o imóvel possui telhado em formato de V, de telha francesa. Além da edificação, os objetos pessoais do seringueiro e o
mobiliário presente na casa também foram tombados.

 Vista geral da Rua Batista de Moraes, na cidade de Xapuri (AC).

A necessidade de proteção do imóvel deveu-se, de um lado, à descaracterização do bosque que compõe a paisagem circundante, com a
derrubada de algumas árvores e uma invasão urbana; e, de outro, à importância de se estabelecer um marco edificado que simbolizasse a
luta travada por seu morador contra a devastação ambiental da região.

Para a preservação e conservação da edificação, o IPHAN promoveu recentemente obras de restauro, além de estabelecer critérios para a
definição da poligonal de entorno do monumento, com o objetivo de garantir a preservação da visibilidade da casa de Chico Mendes. A área
de entorno de bens tombados é prevista e orientada pelo artigo 18 do Decreto-Lei nº 25 de 1937, no que diz respeito à proteção de sua
visibilidade no âmbito da paisagem na qual se encontra.

Em relação às obras na edificação, a Casa de Chico Mendes recebeu, após uma enchente que a danificou, reforço estrutural dos pilares e
amarrações nas junções da estrutura para garantir sua estabilidade. Também foi feita a microdrenagem ao redor da edificação para minimizar
os efeitos da umidade sobre os pilares de madeira.
É interessante lembrar que são poucos os casos de tombamento, autorizados pelo IPHAN, de residências ligadas a personalidades a fim de
evitar que critérios técnicos e interesses políticos se confundam. No exemplo da Casa de Chico Mendes, os motivos evocados, para além da
importância de seu morador, foram questões de urbanização no entorno e a preservação da memória e das práticas nos seringais da região.

ÁREA DE ENTORNO

Essa proteção ocorre mediante a criação de normas para os padrões de construção da área, que são elaboradas a partir de estudos
técnicos realizados pelos órgãos de preservação do patrimônio cultural. Após a criação dessas normas e da poligonal da área, a
oficialidade se dá pela publicação no Diário Oficial por meio de uma Portaria. A partir de então, as novas construções nessa área ficam
sujeitas às normas e aos padrões estabelecidos.

 Forte dos Reis Magos em Natal (RN). Fonte: Acervo IPHAN.


ARQUITETURA MILITAR

FORTE DOS REIS MAGOS

Estima-se que a construção do Forte dos Reis Magos, localizado na cidade de Natal (RN), tenha sido iniciada em 6 de janeiro de 1598. Em
1630, documentos registram que ele estava completamente concluído. A autoria do projeto é atribuída ao engenheiro-mor do Brasil,
Francisco de Farias Mesquita. Em formato de estrela de cinco pontas, o Forte dos Reis Magos constitui o marco inicial da cidade de Natal,
fundada em 25 de dezembro de 1599, representando um bem cultural importante para a história e a ocupação da região.

No Brasil, foram construídas centenas de fortificações a partir do século XVI, no litoral e em pontos estratégicos do interior e das áreas de
fronteira. As fortalezas são as grandes edificações militares, com duas ou mais baterias de canhões instaladas em pontos diferentes no
interior da construção, onde existem vários prédios, torre de observação, entre outras obras. Algumas se tornaram parte da paisagem urbana,
o que ocorreu com a Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção, ao redor da qual cresceu a cidade de Fortaleza, capital do Ceará.

Após sofrer um contínuo processo de degradação, o Forte dos Reis Magos foi tombado pelo IPHAN em 1949, sendo inscrito no Livro do
Tombo Histórico. Na certidão de tombamento do bem, podemos ler sobre sua construção em 1598, em estacada e areia solta, e sua posterior
reforma por Francisco de Frias da Mesquita, engenheiro-mor e dirigente das obras de fortificações do Brasil (1603-1634), com a substituição
de taipa por pedra, concluindo as obras em 1628.

 Forte dos Reis Magos em Natal (RN). Fonte: Acervo IPHAN.

O desenho da planta, de autoria de Gaspar de Samperes, possuía a forma clássica do forte marítimo: um polígono estrelado, no qual o
ângulo reentrante ficava na direção norte. A casa de pólvora, com traço primitivo do arquiteto-mor Francisco Farias, se localiza no centro da
praça de armas. A construção, em três pavimentos, tem cobertura de quatro águas e escada de pedra. O acesso ao forte é feito por uma
passarela ou ponte, da praia ao passadiço e, a partir daí, através de arcada à direita, que sai para um corredor. Possui escada para
terrapleno e portão para praça.

 Vista interna do Forte dos Reis Magos.

Entre 1953 e 1958, foi objeto de obras de restauração, a fim de minimizar sua deterioração. Desde a década de 1960, passou a ser
administrado pela Fundação José Augusto/Governo Estadual do Rio Grande do Norte. Em 2013, a gestão da fortificação passou para o
IPHAN, que realizou pesquisa arqueológica e histórica e elaborou o projeto de restauro da edificação, visando à preservação de um dos bens
culturais mais expressivos do Brasil, permitindo sua apropriação pela sociedade.

Em 2018, em acordo entre a União e o Governo do Estado do Rio Grande do Norte, a gestão do Forte dos Reis Magos voltou a ser de
responsabilidade da Fundação José Augusto.
BENS TOMBADOS: ARQUITETURA RELIGIOSA E ACERVOS E
COLEÇÕES

ILÊ AXÉ IYÁ NASSÔ OKÁ, TERREIRO DA CASA BRANCA DO ENGENHO


VELHO

O tombamento do Ilê Axé Iyá Nassô Oká, Terreiro da Casa Branca do Engenho Velho, localizado em Salvador (BA), no ano de 1984,
representou um ponto de inflexão nas políticas de preservação de bens culturais materiais. Até então, apenas edificações religiosas católicas
haviam sido incluídas no repertório de bens representativos do patrimônio cultural brasileiro.

 Bem cultural Casa Branca do Engenho Velho, Salvador (BA).

O Terreiro da Casa Branca foi o primeiro monumento negro tombado pelo IPHAN, abrindo o caminho para outros, nos anos seguintes. Com
isso, o repertório de bens culturais tombados passou, ainda que timidamente, a ser mais inclusivo e plural, abrigando exemplares de
monumentos vinculados aos demais grupos formadores da sociedade brasileira.

 Casa Branca em dia de festa de Oxóssi em 1985. Foto: Cedoc, publicada no jornal A TARDE em 07 jun. de 1985.

Os motivos que levaram ao tombamento do conjunto de edificações religiosas que compõem o Terreiro da Casa Branca se subordinam a dois
fatores correlacionados: a relevância e centralidade de seu conjunto edificado para as religiões de matriz afro-brasileira; e o acirramento da
especulação imobiliária na área do terreno.

Localizado às margens da Avenida Vasco da Gama, em Salvador, o terreno onde ainda se situa o Casa Branca vinha sendo, à época,
progressivamente desmembrado pela construção e ocupação irregular de edificações em seu entorno, representando um risco para as
árvores sagradas centenárias do terreiro.

Além disso, o suposto proprietário do lote, Hermógenes Príncipe de Oliveira, rico dono de terras em Salvador, residente no Rio de Janeiro,
vinha ameaçando as lideranças religiosas de despejo, sob a alegação de que a parcela lhe pertencia e que poderia apresentar seus
documentos de posse. Pesquisas em cartórios de registros de imóveis, contudo, revelaram que a doação das terras que compreendem o
terreiro foi anterior à aquisição feita por Hermógenes Príncipe de Oliveira.

 Ilê Axé Iyá Nassô Oká, Casa Branca do Engenho Velho, Salvador (BA).
Com efeito, o Terreiro da Casa Branca teria sido o primeiro a funcionar regularmente na Bahia, desde a primeira metade do século XIX,
sendo matriz de outros terreiros da tradição nagô que se formaram a partir dele. De acordo com estudiosos, sua fundação foi realizada por
três mulheres africanas, trazidas como escravas para o Brasil, que mantiveram a tradição de seus cultos em meio às condições desumanas
do regime escravista.

 Coroa de Xangô, no interior do barracão.

De grande notoriedade na capital baiana, o Terreiro da Casa Branca sempre foi frequentado por figuras de destaque, pesquisadores e, mais
recentemente, turistas. A celeuma ao redor do tombamento do Terreiro da Casa Branca mobilizou a grande imprensa, os intelectuais e as
lideranças de movimentos sociais, que saíram em sua defesa.

Reivindicando a relevância do Candomblé como um sistema religioso fundamental na constituição da identidade de significativas parcelas da
sociedade brasileira, o tombamento do bem ocorreu em 25 de maio de 1984, a partir de decisão conferida pelo Conselho Consultivo do
IPHAN. O relator do processo, o antropólogo Gilberto Velho, defendeu a importância de se incluir o Terreiro da Casa Branca no Livro do
Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico, por força de sua antiguidade e importância como matriz religiosa, de onde se originaram
alguns dos principais terreiros, não só da Bahia, mas do país como um todo. Segundo o relator, o terreiro expressava com vigor tradições de
origem africana, um espaço sagrado onde edificações, árvores e paisagens constituíam um todo integrado.

Por se tratar de um conjunto edificado em plena atividade, com seus fiéis, sacerdotes e rituais em intenso dinamismo, o relator recomendava
que:

CITAÇÃO
O ACOMPANHAMENTO E A SUPERVISÃO DO IPHAN DEVEM, MANTENDO SEUS
ELEVADOS PADRÕES, INCORPORAR UMA POSTURA ADEQUADAMENTE
FLEXÍVEL, DIANTE DESSE FENÔMENO RELIGIOSO. [...] ESTA SACRALIDADE, NO
ENTANTO, NÃO É SINÔNIMO DE IMUTABILIDADE, POIS SERÃO AS PRÓPRIAS
INTERPRETAÇÕES DO GRUPO QUE DEVERÃO FORNECER AS REFERÊNCIAS AO
APOIO DO ESTADO. ISSO NÃO SIGNIFICA ABRIR MÃO DA SERIEDADE DAS
NORMAS DO IPHAN, MAS SIM PROCURAR UMA ADEQUAÇÃO PARA LIDAR COM
O FENÔMENO SOCIAL EM PERMANENTE PROCESSO DE MUDANÇA.

(VELHO, 2015)

A proteção conferida ao Terreiro da Casa Branca marcou não apenas uma inflexão nas políticas de preservação, mas também a adoção de
uma perspectiva mais alargada e flexível, admitindo que um conjunto de edificações em pleno uso e suscetíveis a transformações pudesse
figurar entre os bens tombados. Desde então, as intervenções do IPHAN sempre foram conduzidas de acordo com as decisões dos adeptos
da casa de culto.

ACERVOS E COLEÇÕES
Como vimos, além de bens móveis e imóveis e monumentos naturais, sítios e paisagens, o IPHAN também preservou acervos e coleções
artísticas e científicas. Dentre os acervos tombados pelo IPHAN, destaca-se a coleção arqueológica e etnográfica do Museu Paraense Emílio
Goeldi, inscrita no Livro do Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico, em 30 de maio de 1940, devido ao seu inestimável valor para a
Ciência e a História do Brasil, particularmente para o conhecimento da diversidade biológica e cultural da região amazônica.

Uma das mais antigas instituições de estudos científicos do Brasil, o Museu Emílio Goeldi foi fundado em 1866, quando o naturalista mineiro
Domingos Soares Ferreira Penna, radicado no Pará, organizou uma associação cultural para recolher e preservar coleções etnográficas e
arqueológicas. Contribuiu muito para isso a estada em Belém do naturalista suíço Luiz Agassiz em fins de 1885.

 Museu Paraense Emílio Goeldi, localizado em Belém (PA).

Em 1888, o governo fechou o Museu por achar que era uma repartição inútil. Em 1891, o então Museu Paraense foi reinaugurado, ocupando
um prédio contíguo ao antigo Liceu Paraense (atual Colégio Estadual Paes de Carvalho). Três anos depois, o suíço Emílio Goeldi assumia
sua direção. O Decreto do governo de 1894, estabeleceu uma nova estrutura sob a inspiração de Goeldi.

Em 1895, todo o acervo do Museu era transferido para uma área situada entre as Avenidas Independência e Gentil Bittencourt, sendo mais
tarde adquirido todo o quadrilátero atual. Em 1896, foi implantado no Parque Zoobotânico um serviço meteorológico. De 1894 a 1921, o
museu desenvolveu pesquisas nas suas diversas áreas, sendo grande parte da Amazônia visitada.

Também é preciso destacar uma das suas maiores contribuições ao Brasil: a questão relacionada com o secular litígio com a França quanto
ao domínio do antigo contestado da Guiana Brasileira (atual Amapá), pois, entre 1895 e 1896, os pesquisadores do Museu realizaram um
importante levantamento científico da região conflagrada. Os resultados obtidos foram decisivos para o melhor conhecimento do Amapá,
tanto quanto vieram reforçar a defesa dos interesses brasileiros defendidos pelo Barão do Rio Branco.

Por conta da crise da borracha e da Primeira Guerra Mundial, acontecimentos que devastaram a economia do país e principalmente a da
região amazônica, o museu passou por um grande período de estagnação e decadência, somente se recuperando em 1930. Por igual crise
passou após a Segunda Guerra Mundial, declinando assustadoramente para uma decadência completa.
Em 1951, com a criação do Conselho Nacional de Pesquisas, o museu se recuperou, sofrendo uma transformação de caráter científico,
reforçada pela criação, em 1952, do INPA (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia). A partir de 1955, as coleções científicas foram
largamente ampliadas. O antropólogo Eduardo Galvão, durante sua gestão à frente do museu, procedeu à separação e nova ordenação dos
acervos, a partir de critérios mais modernos e em concordância com o avanço do conhecimento na área da Antropologia. Atualmente, o
acervo está distribuído de acordo com as seguintes seções: acervo etnográfico, acervo arqueológico e acervo linguístico.

ACERVO ETNOGRÁFICO

Composto por mais de 15 mil objetos oriundos de 120 povos indígenas, principalmente da Amazônia brasileira, e em menor proporção
da Amazônia peruana e da colombiana; também guarda objetos dos Saramacá do Suriname e de populações tradicionais no Brasil,
como quilombolas, ribeirinhos e pescadores, além de uma importante coleção de objetos africanos que chegou ao Brasil no final do
século XIX.

ACERVO ARQUEOLÓGICO

Formado por aproximadamente 120 mil objetos e dois milhões de fragmentos procedentes de diversas regiões da Amazônia. A maior
parte do acervo é formada por coleções de cerâmicas arqueológicas (vasilhas, urnas funerárias, estatuetas etc.), contando também com
artefatos líticos (como pontas de flecha, lâminas de machado, muiraquitãs etc.), faianças, vidros, metais e materiais osteológicos –
ossos humanos e animais.

ACERVO LINGUÍSTICO

Iniciado na década de 1960, formou-se gradativamente em torno de registros audiovisuais de falas, cantos e outras formas de
expressão linguística e cultural dos povos indígenas da Amazônia. Atualmente o acervo contém acima de 20.000 itens referentes a
aproximadamente 80 línguas/etnias indígenas.
Identificando conceitos
VERIFICANDO O APRENDIZADO

1. O PRINCIPAL INSTRUMENTO JURÍDICO-ADMINISTRATIVO DE ATUAÇÃO UTILIZADO PELO IPHAN NA


PRESERVAÇÃO DE BENS DE NATUREZA MATERIAL É O DECRETO-LEI Nº 25, DE 30 DE NOVEMBRO DE 1937.
A SEU RESPEITO, ASSINALE A ALTERNATIVA CORRETA:

A) O Decreto-Lei nº 25 criou o Livro do Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico, o Livro do Tombo Histórico e o Livro do Tombo das
Belas Artes.

B) São também sujeitos a tombamento os monumentos naturais, bem como os sítios e as paisagens que importe conservar e proteger pela
feição notável com que tenham sido dotados pela natureza ou agenciados pela indústria humana.

C) O objetivo do tombamento é garantir o uso social de espaços apropriados por práticas e atividades de naturezas variadas.

D) São partes legítimas para a solicitação de um pedido de tombamento o Ministro de Estado da Cultura; as instituições vinculadas ao
Ministério da Cultura; as Secretarias de Estado, de Município e do Distrito Federal; as sociedades ou associações civis.

E) O Decreto-Lei nº 25 informa que estão sujeitos a tombamento apenas bens de natureza material para a feitura de trabalho humano e
grupos sociais identificados no momento do processo de solicitação ao IPHAN.

2. O TOMBAMENTO DO ILÊ AXÉ IYÁ NASSÔ OKÁ, TERREIRO DA CASA BRANCA DO ENGENHO VELHO, NA
CIDADE DE SALVADOR, NO ANO DE 1984, REPRESENTOU UMA INFLEXÃO NAS POLÍTICAS DE
PRESERVAÇÃO CONDUZIDAS PELO IPHAN. A PARTIR DE ENTÃO, A PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO
MATERIAL PASSOU A ABRIGAR EDIFICAÇÕES OU CONJUNTOS EDIFICADOS LIGADOS A RELIGIÕES DE
MATRIZ AFRO-BRASILEIRA. ASSINALE, NAS ALTERNATIVAS ABAIXO, AS CAUSAS PRINCIPAIS QUE
LEVARAM AO TOMBAMENTO DO TERREIRO DA CASA BRANCA DO ENGENHO NOVO:

A) O impacto causado pela especulação imobiliária e sua relevância como casa matricial para religiões afro-baianas.

B) O progressivo desaparecimento das práticas religiosas e as dificuldades de manutenção econômica do terreiro.

C) A incidência cada vez mais acentuada de atos de vandalismo e de intolerância religiosa.

D) O atendimento a uma demanda política advinda de setores da elite local, interessados em capitalizar dividendos eleitorais com a
repercussão do tombamento.

E) A dificuldade de manter a estrutura física da edificação pelos grupos sociais envolvidos com o Terreiro da Casa Branca do Engenho Velho,
por este continuar sendo utilizado por fiéis.

GABARITO

1. O principal instrumento jurídico-administrativo de atuação utilizado pelo IPHAN na preservação de bens de natureza material é o
Decreto-Lei nº 25, de 30 de novembro de 1937. A seu respeito, assinale a alternativa correta:

A alternativa "B " está correta.

Comentário: O tombamento de um bem material se faz a partir de sua inscrição nos quatro Livros do Tombo criados pelo Decreto-Lei
25/1937, a saber: Livro do Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico, o Livro do Tombo Histórico e o Livro do Tombo das Belas Artes e
Livro do Tombo das Artes Aplicadas. A inscrição de um bem material em cada um deles tem como objetivo garantir a sua integridade física,
impedindo sua destruição e mutilação. Além dos bens móveis e imóveis, estão também sujeitos a tombamento os monumentos naturais, os
sítios e as paisagens que importe conservar e proteger pela feição notável com que tenham sido dotados pela natureza ou criados pela
indústria humana. Ao contrário do registro, em que os pedidos são feitos por sociedades e associações civis, qualquer pessoa física ou
jurídica poderá solicitar o tombamento de um bem ao IPHAN, bastando, para tanto, encaminhar correspondência à Superintendência do
IPHAN em seu estado, à Presidência do IPHAN ou ao Ministério da Cultura. Para ser tombado, o bem passa por um processo administrativo
que analisa sua importância em âmbito nacional e, posteriormente, o bem é inscrito em um ou mais Livros do Tombo.

2. O tombamento do Ilê Axé Iyá Nassô Oká, Terreiro da Casa Branca do Engenho Velho, na cidade de Salvador, no ano de 1984,
representou uma inflexão nas políticas de preservação conduzidas pelo IPHAN. A partir de então, a preservação do patrimônio
material passou a abrigar edificações ou conjuntos edificados ligados a religiões de matriz afro-brasileira. Assinale, nas alternativas
abaixo, as causas principais que levaram ao tombamento do Terreiro da Casa Branca do Engenho Novo:

A alternativa "A " está correta.

Comentário: O tombamento do Ilê Axé Iyá Nassô Oká, Terreiro da Casa Branca do Engenho Velho, foi motivado pela presença de uma
intensa especulação imobiliária em seu entorno, assim como sua centralidade para as religiões de matriz afro-brasileira na Bahia. Conforme
vimos, a área em que o terreiro se localiza foi progressivamente cercada por construções – parte das quais irregulares – e passou a ser
valorizada com a expansão da malha urbana da cidade de Salvador. Além disso, o Terreiro da Casa Branca do Engenho Velho comparece
como uma referência central para as práticas e a cosmologia religiosa afro-brasileira desde o começo do século XX, sendo destacado por
intelectuais e estudiosos como o mais antigo dos terreiros de Salvador.

CONCLUSÃO
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste tema, você teve uma experiência sobre as práticas atuais de preservação do patrimônio cultural. Primeiro, vivendo um pouco da
história do IPHAN e de como chegamos às regras atuais de registros de bens.

Em seguida, reconheceu o que o Patrimônio Histórico Brasileiro precisa para ter seu registro e as práticas associadas ao compromisso dos
registros e dos saberes que eles representam.

Por fim, percebeu como os espaços são vivos e constantemente discutidos e retrabalhados, não representando o seu tombamento a
cristalização de uma memória, mas o envolvimento do espaço em um conjunto de ações vinculadas ao patrimônio.

AVALIAÇÃO DO TEMA:
REFERÊNCIAS
CURY, I. (Org.) Cartas Patrimoniais. 3. ed. Rio de Janeiro: IPHAN, 2004.

FONSECA, M. C. L. Três anos de existência do Decreto 3.551/2000. In: O Registro do Patrimônio Imaterial: Dossiê final das atividades da
Comissão e do Grupo de Trabalho Patrimônio Imaterial. Brasília: Ministério da Cultura/ Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional,
2003.

INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL. Manual do Inventário Nacional de Referências Culturais. Brasília:
Departamento de Identificação e Documentação do IPHAN, 2000.

INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL. O Registro do Patrimônio Imaterial. Dossiê Final das atividades da
Comissão e do Grupo de Trabalho Patrimônio Imaterial. Brasília: MinC/IPHAN, 2012.

SANT’ANNA, M. A face imaterial do patrimônio cultural: os novos instrumentos de reconhecimento e valorização. In: ABREU, R.;
CHAGAS, M. (Orgs.) Memória e patrimônio: ensaios contemporâneos. Rio de Janeiro: DP&A., 2003.

VELHO, G. Parecer do Conselheiro Gilberto Cardoso Alves Velho. In: Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Políticas de
Acautelamento do IPHAN: Ilê Axé Iyá Nassô Oká: Terreiro da Casa Branca. Salvador, BA: IPHAN, 2015.

EXPLORE+
Para ampliar seus conhecimentos sobre os bens registrados discutidos neste tema, sugerimos a consulta aos seguintes dossiês produzidos
pelo IPHAN:
Dossiê IPHAN 9 – Feira de Caruaru

Dossiê IPHAN 1 – Círio de Nazaré

Dossiê IPHAN 8 – Modo de Fazer Viola de Cocho

Dossiê IPHAN 15 – Tambor de Crioula do Maranhão

Dossiê IPHAN 11 – Modo Artesanal de Fazer Queijo de Minas, nas regiões do Serro, da Serra da Canastra e do Salitre

Ver PDF (Foram sinalizados ao longo do texto)

Lista

Artigo 1 - BREVE RETROSPECTO HISTÓRICO O DECRETO 3551/2000

Artigo 2 - O REGISTRO INSTRUMENTO DE ATUAÇÕES NA SALVAGUARDA DO PATRIMÔNIO IMATERIAL

Artigo 3 - O CASO DO MODO ARTESANAL DE FAZER QUEIJO EM MINAS, NAS REGIÕES DO SERRO, DA SERRA DA
CANASTRA E DO SALITRE

Artigo 4 - LIVRO DAS CELEBRAÇÕES O CASO DO CÍRIO DE NAZARÉ

Artigo 5 - LIVRO DE REGISTRO DE LUGARES E A FEIRA DE CARUARU

Artigo 6 - ARQUITETURA CIVIL UMA ANÁLISE DO TOMBAMENTO DO TEATRO JOSÉ DE ALENCAR


Artigo 7 - IGREJA SÃO FRANCISCO DE ASSIS TOMBAMENTO DE EDIFÍCIO RELIGIOSO

CONTEUDISTA
Rodrigo Martins Ramassote

 CURRÍCULO LATTES

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