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DIVERSIDADE CULTURAL: A IMPORTÂNCIA

DAS DIVERSAS CULTURAS NO ENSINO-


APRENDIZAGEM, NO DESENVOLVIMENTO DA
CIDADANIA E NA PRESERVAÇÃO DE
VALORES ÉTICOS E MORAIS
OLIVEIRA, Rosane Machado de. Diversidade Cultural: A Importância
das Diversas Culturas no Ensino-Aprendizagem, no Desenvolvimento
da Cidadania e na Preservação de Valores Éticos e Morais. Revista
Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 02, Vol. 01.
pp 376-403, Abril de 2017. ISSN:2448-0959

RESUMO
O presente trabalho apresenta uma síntese da obra do pintor Victor
Meirelles de Lima (A Primeira Missa no Brasil), como também, uma
análise das diversas culturas no ensino-aprendizagem, no
desenvolvimento da cidadania, na preservação de valores éticos e
morais, e nas relações sociais. Verifica-se, a necessidade da escola e
dos professores/educadores reverem o currículo educacional e suas
práticas pedagógicas, as quais devem contemplar à valorização para
com a diversidade sociocultural de cada aluno que chega até a escola,
de forma a reconhecer a “bagagem” e as experiências acumuladas,
que os educandos trazem para o contexto escolar. O objetivo geral da
pesquisa é analisar a influência das diversas culturas no ensino-
aprendizagem e na construção de identidades a partir das diferenças.
O objetivo específico é aprofundar o conhecimento e o conceito sobre
a diversidade cultural na escola e na sociedade. O procedimento
metodológico é de natureza qualitativa desenvolvida através de
pesquisa bibliográfica exploratória. Através dos resultados do
assunto investigado, foi possível compreender, que a diversidade
cultural é a relação do “eu” com o “outro”, isto é, do respeito para com
as diferenças individuais, coletivas, locais, regionais e nacionais. O
desafio analisado contemporaneamente concentra-se, na ausência de
atividades pedagógicas culturais diversificadas no contexto formal e
não formal. Analisa-se, que falta uma formação crítica, reflexiva para
professores e gestores educacionais. Nota-se ainda, que a má
formação não efetiva o processo de aprendizagem, de cidadania,
ética, moral, e de coletividade. O que precisa ser modificado, não é a
cultura dos discentes, mas, a cultura da escola, a qual muitas vezes,
segue um padrão tradicional, passivo, e totalmente fragmentado,
“desligado” da realidade social.

Palavras-Chave: Diversidade Cultural, Victor Meirelles de Lima,


Aprendizagem, Valores, Cidadania.

1. INTRODUÇÃO
O estudo realizado tem por objetivo analisar a obra do pintor Victor
Meirelles de Lima (A Primeira Missa no Brasil), como também, a
importância das diversas culturas no ensino-aprendizagem, no
desenvolvimento da cidadania e na preservação de valores éticos e
morais.

Nota-se, que a escola, juntamente com os professores/educadores, e


a comunidade escolar em geral, devem obter posturas éticas e ações
democráticas, a fim de reconhecer e respeitar a diversidade cultural e
social entre as pessoas, e principalmente, entre os discentes que
chegam até a escola, trazendo uma bagagem de conhecimentos,
experiências, vivências, valores éticos, morais e culturais. É
necessário, que o currículo escolar esteja agregado há valores, com
base na realidade sociocultural de todos os alunos, e não apenas
voltado a atendar aos interesses da classe dominante. Em relação a
isso Barreiros e Morgado afirmam:

Observa-se que a escola, assim como o seu currículo, reflete os


interesses da classe dominante por meio de um currículo arbitrário,
que oculta às distâncias culturais e identidades presentes em sala de
aula e na sociedade. A instituição do saber contínua a desenvolver
uma educação monocultural, com posturas nada democráticas na
difusão dos conhecimentos. A diversidade cultural ainda é associada
ao outro, ao exótico e ao diferente. (BARREIROS: MORGADO, 2002, p.
96).

O tema proposto resultou de interesse, investigação e reflexão pelo


assunto abordado, assim como de pesquisa, análise crítica e
compreensão dos fatos. Em análise a pesquisa, verificou-se a
importância e a influência das diversas culturas na aprendizagem
qualitativa, na relação benéfica entre as pessoas, na preservação de
valores éticos e morais, e na construção de identidades a partir das
diferenças encontradas nos diversos contextos sociais. O
entrosamento com as diversas culturas oferece oportunidades de
participação efetiva no meio social, tanto no contexto formal, quanto
no contexto não formal. O tema abordado buscou verificar quais
soluções e conhecimentos pode-se alcançar para desenvolver um
ensino-aprendizagem mais amplo, significativo e qualitativo, como
também, um processo de desenvolvimento cultural mais diversificado
em nossas escolas e em nossa sociedade contemporânea. A
abordagem metodológica é de natureza qualitativa, sendo
desenvolvida através de pesquisa bibliográfica exploratória (livros,
metodologia científica, dicionário, jornais, revistas, etc.). Em relação à
pesquisa exploratória, Gil (1999), descreve que, a pesquisa
exploratória tem como objetivo, proporcionar maior familiaridade do
pesquisador com o problema, com vistas a torná-lo mais explícito,
pode envolver levantamento bibliográfico (neste caso, da intuição do
pesquisador). Através de estudos aprofundados sobre o tema,
(diversidade cultural), elaborou–se o seguinte problema de pesquisa.

Por que contemporaneamente muitas escolas persistem no modelo


monocultural de ensino aprendizagem e não na diversidade cultural
presente no contexto escolar?

Em relação a tal problematização, pode-se ressaltar através de


estudos aprofundados sobre o tema, que há uma necessidade muito
grande da parte da escola, dos educadores e funcionários em geral,
em contemplar as diferenças culturais de forma ética, inclusiva e
comprometida com a realidade sociocultural dos alunos. Contudo, os
discentes precisam ser valorizados, pois ao chegar à escola, os
mesmos já trazem conhecimentos, crenças, tradições culturais, e
valores fundamentais para viver em sociedade.

É preciso urgentemente, de uma atuação competente no âmbito


escolar, no desenvolvimento de metodologias culturais diversificadas,
com saberes pedagógicos ampliados e recursos concretos para fazer
a diferença no ensino, como também, oferecer oportunidades aos
alunos, para que cada um possa contar um pouco de sua cultura em
sala de aula para os demais colegas e professores, pois, atitudes
assim, enriquecem as aulas, a aprendizagem, a curiosidade dos
alunos pela cultura do colega que pode ser diferente da sua, o respeito
pelas diferentes tradições e a valorização na construção da
identidade cultural dos educandos. O resultado do estudo oferece
possibilidades para a escola, juntamente com os educadores e a
comunidade escolar em geral, repensarem novas práticas educativas
em novos contextos sociais, com o desenvolvimento de atividades
alternativas, e de fato, voltadas para a realidade e a diversidade
cultural dos discentes.

2. A INFLUÊNCIA DA DIVERSIDADE CULTURAL NO


BRASIL É DESTACADA NA OBRA DO PINTOR
VICTOR MEIRELLES DE LIMA
Quando paramos para refletir e analisar profundamente a cultura
brasileira, podemos até nos questionar, como surgiram tantas
culturas? Será que estamos preparados para lidar com a diversidade
cultural existente? O que é de fato a construção de identidades
culturais dos povos? Ou, o que é o conceito de cultura?

Tais questionamentos surgem, e nos fazem repensar,


questionamentos esses, que devem ser pesquisados, estudados,
analisados, e refletidos concretamente, em busca de respostas
objetivas e qualitativas. Precisamos entender de fato, a variedade, a
diversidade, os processos culturais dos povos, para então, podermos
nos socializar com as mais diversas pessoas através do diálogo, da
amizade, da compreensão, da solidariedade, do respeito para com o
outro e suas diferenças.

Analisa-se, que um importante antropólogo, ao escrever sobre o


conceito de cultura afirma o seguinte:

Não dirigido por padrões culturais – sistemas organizados de


símbolos significantes – o comportamento do homem seria
virtualmente ingovernável, um simples caos de atos sem sentido e de
explosões emocionais, e sua experiência não teria praticamente
qualquer forma. A cultura, a totalidade acumulada de tais padrões,
não é apenas um ornamento da existência humana, mas uma
condição essencial para ela – a participação base de sua
especificidade. (GEERTZ, 2008, p. 33).

De fato, a cultura é uma arte, é um sistema de símbolos e significados,


isto é, a cultura envolve diferenças e semelhanças, entre (linguagens,
relações de parentesco, gênero, religiões, crenças, vestimentas,
cardápio, tradições, arte, economia, valores, etc.), sendo estes,
estabelecidos pelo grupo o qual as pessoas estão inseridas. Contudo,
entende-se por diversidade uma variedade, conforme afirma Anete
Abramowicz:
Diversidade pode significar variedade, diferença e multiplicidade. A
diferença é qualidade do que é diferente; o que distingue uma coisa
de outra, a falta de igualdade ou de semelhança. (ABRAMOWICZ,
2006. P.12)

Contemporaneamente, existe uma multiplicidade de culturas, de


povos, de classe social, etnia, religião, clima, economia, diferenças
sociais e culturais, o que representa que, “apenas hoje é assim, uma
multiplicidade de culturas”. Mas de fato, a multiplicidade de culturas
e as diferenças sociais sempre existiram no Brasil. A diversidade
cultural faz parte da história do Brasil, o qual é composto por um
território amplo, extenso e diversificado. Verifica-se, através dos
registros históricos, que muito antes do descobrimento do Brasil pelo
português Pedro Álvarez Cabral, em 22 de abril do ano de 1.500, os
indígenas já habitavam em território brasileiro, sendo que os
principais disseminadores da cultura brasileira são primeiramente os
povos indígenas, em seguida, os colonizadores europeus e os
escravos africanos, e, posteriormente, os imigrantes italianos,
japoneses, alemães, poloneses, árabes, entre outros.

Através de estudos aprofundados sobre diversidade cultural no Brasil,


analisou-se, a importante obra do pintor Victor Meirelles de Lima, o
quanto obra de Victor é influente e imprescindível para o ensino-
aprendizagem na educação brasileira. A obra do pintor Victor
Meirelles de Lima (A Primeira Missa no Brasil), é detalhada pelo pintor
passo-a-passo, o qual utilizou de conhecimentos sólidos e reais para
elaborar a grandiosa arte, assim como de referências, registros
escritos e saberes precisos em relação aos povos indígenas e aos
povos europeus.

O pintor Victor Meirelles de Lima nasceu em Desterro, atual


Florianópolis, capital do Estado de Santa Catarina, em agosto do ano
de 1832. Vindo de família de poucos recursos financeiros, Meirelles
começou a demostrar seu talento e seu gosto pela pintura ainda
menino, sendo que aos 14 anos de idade, o mesmo foi conduzido ao
Rio de Janeiro, para fazer parte do grupo de estudantes da Academia
Imperial de Belas Artes. Victor Meirelles de Lima fez parte da primeira
geração de alunos da Academia Imperial de Belas Artes, o qual se
firmou como um dos grandes nomes no cenário artístico nacional. O
mesmo obteve do governo imperial, bolsas de estudos para continuar
os estudos na Europa, alternando de residência entre França e Itália,
o qual lecionou na Instituição até o fim do Regime Monárquico. É
importante ressaltar, que Meirelles desenvolveu a maior parte de sua
carreira durante o Segundo Reinado, entre os anos (1840 há 1889),
encontrando no Imperador Dom Pedro II, um grande admirador de
suas obras, de suas pinturas. Meirelles dedicou-se três anos na
elaboração de sua esplêndida obra (A Primeira Missa no Brasil de
1859 há 1861), quando conseguiu expô-la no Salão Oficial de Paris,
sendo o mesmo o primeiro artista brasileiro a participar de uma
mostra internacional desse porte, fato esse, que marcou não somente
sua carreira como a própria história da Academia Imperial de Belas
Artes. Em 1876, a tela volta a ser exposta no exterior, na Filadélfia,
juntamente com outras composições do mesmo artista.

Certamente, a obra de Meirelles retrata momentos muito


significativos na história do descobrimento do Brasil, das populações,
e da diversidade cultural presente dentro do mesmo contexto social.
A pintura de Victor Meirelles de Lima (A Primeira Missa no Brasil) é
realmente influente no contexto cultural do país, onde o pintor deixa
explícito de maneira mais real possível, a diversidade cultural do povo
brasileiro ou do imigrante no Brasil, um povo “misturado”, simples, de
fé, que frequentavam os mesmos lugares, que se respeitam em seus
costumes, crenças, vestimentas, ideais, tradições e em suas diversas
culturas.

Muitas pessoas precisam ter em mente, que ninguém nasce pronto e


acabado, pois um recém-nascido precisa de todo o cuidado
necessário para sobreviver, crescer e evoluir, assim é o conhecimento,
ninguém nunca saberá tudo, pois o conhecimento precisa ser
primeiramente ensinado, em seguida estudado a fundo, para então,
adquirir o saber, e de fato, estar em constante atualização, pois até o
que se sabe ou se adquire como certo, é modificado século após
século.

É necessário reverter o quadro de preconceitos sobre as diversas


culturas, pois, verifica-se, que ninguém nasce com preconceito sobre
a cultura de outras pessoas, da cor de pele, dos olhos, do cabelo, da
altura, da magreza, da gordura exagerada, das crenças religiosas, do
machismo adquirido como, “as mulheres são seres frágeis”, ou “quem
usa roupa ou qualquer objeto cor – de – rosa é mulherzinha, homem
que é homem usa azul e não rosa”. Analisa-se, que o preconceito, a
discriminação, e a rebeldia para com as diferenças, vêm muitas vezes
de dentro dos próprios lares chamados – famílias, pois, é com as
famílias que as crianças crescem e aprendem muito até chegar à
escola. O que nota-se muitas vezes, é que algumas crianças já
chegam à escola com piadas de mau gosto, como falar ou rir da cor
de pele do colega, da roupa simples que usa, ou até mesmo do cabelo
meio “desarrumado”.

Muitas crianças, ainda na infância, já se mostram “carregadas” de


preconceitos dentro de si, em relação a qualquer diferença
encontrada, tais preconceitos, certamente, são adquiridos com
aqueles que a criança convive. Em seguida, a análise da importante
obra do pintor Victor Meirelles de Lima.

Figura 1 – A Primeira Missa no Brasil, em 1861. Óleo sobre tela, 268 x


356 cm, MNBA/RJ. Fonte: Imagem ilustrativa do “Quebra-cabeça
Primeira Missa no Brasil”, Bharat Brasil. Disponível em:
www.consuladodosbrinquedos.com.br/produto/quebra-cabeca-
primeira-missa-no-brasil-1000-pecas-bharat Brasil/ 1349. Acesso em:
19 jun. 2016.

Nota-se, através das imagens na tela, que o pintor Victor Meirelles de


Lima, buscou desenvolver uma arte real, não excludente sobre o
descobrimento do Brasil, e sobre a diversidade cultural presente no
território brasileiro, onde indígenas e europeus participavam
democraticamente do mesmo contexto religioso (A Missa), essa
realizada no Brasil no dia 05 de maio do ano de 1.500 (Mil e
quinhentos).

Meirelles representou a verdadeira diversidade cultural dos povos, o


qual buscou destacar em sua tela a óleo, a natureza harmoniosa e
exuberante, com árvores altas, coqueirais, vista para o mar, e a
população indígena e europeia participando da cerimônia religiosa.
Verifica-se, a cruz grande de madeira no altar bem construído, o Frei
Henrique de Coimbra segurando a taça e erguendo-a com o cálice
enquanto desenvolvia a Sagrada Missa. A pintura de Meirelles,
simplesmente mexe com a emoção e a sensibilidade de quem a vê,
pelo fato de ser uma arte real “a mistura dos povos”, com base na
diversidade cultural do Brasil, no qual, Victor teve muitas fontes
escritas para elaborar o quadro, sendo que uma foi de muita
influência, como, a carta de Pero Vaz de Caminha, o qual descobriu o
Brasil em 1.500 juntamente com Pedro Álvarez Cabral.

A Carta de Caminha é um documento muito importante e significativo


para a compreensão dos fatos reais na época do descobrimento do
Brasil. Caminha, escreve em sua carta sobre a chegada ao Brasil, e o
espanto dos portugueses ao se depararem com os povos indígenas
que já viviam em terra brasileira. O espanto dos portugueses,
certamente foi pelos costumes e os modos dos indígenas, modos
esses, que eram completamente diferentes dos portugueses, um
exemplo de grande diferença que se verifica de imediato é: os
indígenas andavam “nus”, já os portugueses andavam bem vestidos.
A seguir o início da Carta a el-rei dom Manuel sobre o descobrimento
do Brasil, escrita por Pero Vaz de Caminha.

Senhor, posto que o capitão-mor desta vossa frota, e assim os outros


capitães escrevem a Vossa Alteza a notícia do achamento desta
Vossa terra nova, que se agora nesta navegação achou, não deixarei
de também dar nisso minha conta a Vossa Alteza, assim como eu
melhor puder, ainda que – para o bem contar e falar – o saiba pior que
todos fazer! [….] E portanto, Senhor, do que hei de falar começo. E digo
quê: A partida de Belém foi – como Vossa Alteza sabe, segunda feira
9 de março. E sábado, 14 dito mês, entre as 8 e 9 horas, nos achamos
entre as Canárias, mais perto da Grande Canária. E ali andamos todo
aquele dia em calma, á vista delas, obra d de Cabo Verde, a saber da
ilha de São Nicolau, segundo o dito de Pero Escolar, piloto. e três a
quatro léguas. E domingo, 22 do dito mês, ás dez horas mais ou
menos, houvemos vista das ilhas. FONTE: CAMINHA, 1974.
Nesse exemplo, por meio da narrativa, são apresentadas informações
precisas acerca de quando e onde ocorreram os fatos, marcadas por
expressões adverbiais de tempo (horas e datas) e de lugar (espaço
geográfico). Ao lado das informações sobre o tempo e o lugar,
também são apresentadas informações sobre o modo como as ações
se desenvolveram: “E ali andamos todo aquele dia em calma”.

Se continuarmos lendo o relato de Caminha, encontraremos várias


passagens em que ele descreve suas percepções do que foi
encontrado pela expedição.

Ali veríes galantes, pintados de preto e vermelho, e quartejados, assim


pelos corpos como pelas pernas, que, certo, assim pareciam bem.
Também andavam entre eles quarto ou cinco mulheres, novas, que
assim nuas, não pareciam mal. Entre elas andava uma, com uma coxa,
do joelho até o quadril e a nádega, toda tingida daquela tintura preta;
e todo o resto da sua cor natural. Outra trazia ambos os joelhos com
as curvas assim de tintas, e também os colos dos pés; e suas
vergonhas tão nuas, e com tanta inocência assim descoberta, que não
havia nisso desvergonha nenhuma. Todos andavam rapados até por
cima das orelhas; assim mesmo de sobrancelhas e pestanas. Trazem
todos as testas, de fonte a fonte, tintas de tintura preta, que parece
uma fita preta da largura de dois dedos. Mostraram-lhes um parece
papagaio pardo que o Capitão traz consigo; tomaram-no logo na mão
e acenaram para a terra, como se os houvesse ali. Mostraram-lhes
uma galinha; quase tiveram medo dela, e não lhe queriam pôr a mão.

Depois lhe pegaram, mas como espantados. Deram-lhes ali de comer:


pão e peixe cozido, confeitos, fartéis, mel, figos passados. Não
quiseram comer daquilo quase nada; e se provavam alguma coisa,
logo a lançavam fora. Trouxeram-lhes vinho em uma taça; mal lhe
puseram na boca; não gostavam dela nada, nem quiseram mais.
Trouxeram-lhes água em uma albarrada, provaram cada um o seu
bochecho, mas não beberam; apenas lavaram as bocas e lançaram-
na fora. Viu deles umas contas de rosário, brancas; fez sinal que lhes
dessem, e folgou muito com elas, e lançou-as no pescoço; e depois
tirou-as e meteu-as em volta do braço, e acenava para a terra e
novamente para as contas e para o colar do Capitão, como se dariam
ouro por aquilo. FONTE: CAMINHA, 1974.

A descrição de Caminha, enfatizando o estranhamento diante do povo


desconhecido, procura revelar impressões iniciais das características
desse povo, sem pretender sistematiza-las ou explicá-las. São
relatados alguns de seus aspectos físicos e algumas de suas ações
não condiz com os padrões de comportamentais dos portugueses, o
que provoca espanto e curiosidade. É a descrição do exótico, de um
“outro” cujas diferenças abalam nossas formas cristalizadas de
compreensão, do que seja a espécie humana, mas também nos
ajudam a conhecer a entender esse “outro”.

Pode-se afirmar que a obra de Victor Meirelles de Lima é uma obra


realista, inclusiva, inspiradora e diversificada, pois o mesmo ressaltou
da melhor forma possível os personagens do contexto brasileiro, de
maneira a abranger muitos aspectos culturais, ambientais, religiosos,
sociais entre outros.

É relevante, em nossa atualidade, as escolas e os


professores/educadores, se atualizarem, buscarem aprofundar seus
estudos e se espelharem na obra de Meirelles, a qual pode ser
encontrada nos livros de história utilizados no contexto escolar. Nota-
se, a influência que têm a pintura e a imagem de Meirelles, a qual pode
ser trabalhada em sala de aula, debatida, e refletida com os discentes,
na busca de observar concretamente que as diferenças fazem parte
da história, e que as mesmas, são muito significativas para o
conhecimento e para o ensino-aprendizagem. De fato, o exemplo é
que faz a diferença na construção de saberes ampliado, e a tela de
Meirelles, se analisada profundamente, oferece oportunidades,
exemplos e pontos positivos, esses, os quais podem ser trabalhados
na escola e nos demais contextos sociais, na busca de uma ampla
conscientização sobre as diferenças. As diferenças de vida, dos
povos, de classe, economia, religião entre outros, são benéficas para
todos que desejam viver bem em sociedade, isto é, viver com as
diferenças eticamente, é saber respeitar a si próprio e aos outros. A
pintura histórica de Meirelles foi a mais valorizada na Academia em
meados do século XIX. Como explica Coli (1998, p. 117).

Meirelles atingiu a convergência rara das formas, intenções e


significados que fazem com que um quadro entre poderosamente
dentro de uma cultura. Essa imagem do descobrimento dificilmente
poderá vir a ser apagada, ou substituída. Ela é a primeira missa no
Brasil. São os poderes da arte fabricando a história.

Contudo, buscou-se analisar e ressaltar a grandiosa obra do pintor


Victor Meirelles de Lima (A Primeira Missa no Brasil), na busca de
demostrar o quanto a diversidade cultural é significativa na
construção de uma sociedade justa, inclusiva e democrática. Como
se analisou, o Brasil é marcado pela cultura indígena, pelos habitantes
indígenas que já viviam no Brasil muito antes dos portugueses
chegarem ao Brasil, e antes mesmo, deste país vim a se chamar Brasil.
É essencial refletir, que a mistura dos diversos povos no mesmo
contexto social é gratificante. Na obra de Meirelles, o pintor deixa bem
claro, a importância da diversidade cultural, das diferenças, do
conhecimento, do saber, e do respeito mútuo nas relações sociais,
econômicas, culturais, ambientais, religiosas etc.

2.1 A IMPORTÂNCIA DAS DIVERSAS CULTURAS NO


ENSINO-APRENDIZAGEM
É imprescindível analisar, que a cultura é um conjunto de
conhecimentos, de significados, ideias, crenças, valores, arte,
representações simbólicas, linguagem, religião, regras, economia,
saberes construídos e acumulados por diversos grupos de pessoas
na sociedade, e transmitidos de geração em geração, por meio do
processo de assimilação – ensino-aprendizagem. Nesse sentido,
podemos afirmar que a cultura é:

Cultura é um conjunto de princípios (explícitos e implícitos) herdados


por indivíduos membros de uma dada sociedade, princípios esses que
mostram aos indivíduos como ver o mundo, como vivenciá-lo
emocionalmente e como se comportar em relação ás outras pessoas,
ás forças sobrenaturais ou aos deuses e ao ambiente natural. Essa
cultura também proporciona aos indivíduos um meio de transmitir
suas diretrizes para a geração seguinte mediante o uso de símbolos,
da linguagem, da arte e dos rituais. Em certa medida, a cultura pode
ser vista como uma “lente” herdada para que o indivíduo perceba e
entenda o seu mundo e para que aprenda e viver nele. Crescer em
determinada sociedade é uma forma de enculturação pela qual o
indivíduo, aos poucos, adquire a sua “lente”. Sem essa percepção de
mundo, tanto a coesão, quanto à continuidade de qualquer grupo
humano seriam impossíveis. (HELMAN, 2003, p. 12).

O Brasil é um país rico em conhecimentos, saberes e diversidade


cultural, por outro lado, não podemos deixar de acrescentar, a grande
desigualdade social que existe no Brasil. Por este motivo, verifica-se
a importância de se obter na escola um ensino-aprendizagem voltado
ás mais diversas culturas brasileiras, pois é fundamental trabalhar
com os discentes a importância dos povos indígenas no Brasil, os
quais constituíram a população nativa do país, em seguida, os povos
portugueses, os quais colonizarão a nação, e posteriormente os
negros africano que foram trazidos para o Brasil, e explorado a força
de trabalho dos mesmos. Os escravos eram considerados pelos seus
senhores como uma “mercadoria/ propriedade”, em outras palavras,
(negros – escravos dos senhores de posses de terras).

Analisando tais fatos, pode-se afirmar que não tem lógica a escola ou
a sociedade querer focar apenas uma cultura para ensinar valores,
modos, costumes, crenças entre outros, pois isso é alienar crianças,
jovens e adultos em processo de desenvolvimento e conhecimento. É
fundamental, entendermos, que não existe apenas uma cultura, mas
sim, diversas culturas produzidas exclusivamente pelas pessoas.
Focar uma cultura em si, é se fechar para as demais, certamente, é
viver sem saber a amplitude dos conhecimentos humanos, dos
valores de cada povo, e das tradições das mais diversas culturas
existentes. O antropólogo Claude Lévi – Strauss, citado por Castro
(2000), define cultura como:

O processo por meio do qual o homem dá sentido a si e a todas as


coisas que o cercam: a natureza e o outro com o qual estabelece
relações de convivência. A cultura não possui conteúdo em si mesma:
é produto exclusivo da condição humana. O homem é tanto seu
produtor quanto é por ela produzido.

É importante ressaltar, que somos produto e produtores de diversas


culturas, sendo que é pela cultura que somos construídos, e de fato,
contribuímos positivamente para a construção ou para a continuação
da cultura de geração em geração. Ou seja, somos capazes de
assimilar conhecimentos e utilizá-los em nosso favor, isto é, de
produzir o que não temos, e enriquecer nossa cultura com novas e
diversas atividades. Como ressalta Guerreiro (2001).

A capacidade de simbolização e criação cultural permitiu-nos


constituir uma extraordinária característica: pensar no que não está
presente, diante dos nossos olhos. Essa capacidade de abstração e
transcendência possibilitou superar as limitações impostas pela
natureza. Com isso, conquistamos o planeta e colocamos as demais
espécies sob nosso domínio. Somos capazes de elaborar uma
vestimenta que nos protegerá do frio e, assim, embora sem um
organismo adaptado para tanto, sobrevivemos em regiões árticas.
Somos capazes de criar aviões e submarinos e, sem asas ou
nadadeiras, avançamos por ares e mares. Tornamo-nos os mais
poderosos do planeta. (GUERREIRO, 2001, p. 27)
É preciso refletir, que a escola quando não contempla as diferenças
individuais e sociais eticamente, essa assume uma postura
antidemocrática que reduz a diversidade, homogeneizando-a,
desconsiderando de fato as características socioculturais próprias e
resultantes das vivências dos alunos. Em 1997, com a publicação do
documento Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), o Ministério da
Educação e Cultura (MEC) tornou pública sua preocupação com a
realidade escolar e com as diferenças culturais nela presentes. Nesse
documento, o Ministério da Educação e da Cultura (MEC), admite que:

O Brasil apresenta uma composição populacional cuja


heterogeneidade é tão significativa que faz com que o país
desconheça a si mesmo e, por isso, acabam por prevalecer no
ambiente escolar “vários estereótipos, tanto regionais quanto em
relação a grupos étnicos, sociais, e culturais” (BRASIL, 1997).

Contudo, analisa-se ainda, que quando a escola se fecha em seu


mundo e se acomoda em sua estrutura, ou “faz de conta” que não
enxerga ou não valoriza os saberes dos discentes no âmbito
educacional, pode-se acrescentar, que tal escola encontra-se
totalmente desligada da realidade social de todos os alunos, assim
como do mundo globalizado.

Desligada do que acontece lá fora de todos estes acontecimentos


surpreendentes e inesperados que não podem ser programados
previamente. Desligada da realidade cotidiana das crianças, do tipo
de experiência ou de vivência no qual os alunos se sentiriam á
vontade. Desligada da realidade política que daria sentido ao ensino.
(São raras as aulas onde o que se escreve serve realmente para uma
comunicação com o mundo exterior ou onde a matemática é utilizada
para a solução de problemas reais). (HARPER, et al., 1980, p. 62)

Na escola o professor/educador deve ter uma visão ampla do que é


diversidade cultural, do quanto à diversidade é importante e
fundamental para a vida em sociedade, para a vida em grupos, e para
a vida em comunidade/coletividade.

Analisa-se a seguir, a figura 2, a qual representa um pouco da


diversidade cultural no Brasil, onde, cada cultura de vários povos é
formada por muitos elementos significativos e qualitativos, entre eles
pode-se destacar (etnia, crenças, ideais, mitos, valores éticos e
morais, festas populares, danças, objetos, tradições, alimentação,
vestimentas, trabalho, religião etc.).
Figura 2 –
Diversidade Cultural: Cultura estampada nas vestes, na pele, nos
gestos, nas cores, nos objetos utilizados e nos movimentos
realizados. Fonte: http://educador.brasilescola.com/estrategias-
ensino/a-diversidade-cultural-brasileira-sala-aula.htm

Observa-se, que a cultura brasileira é um tema de extrema importância


que deve ser trabalhado na escola com os educandos no processo de
ensino-aprendizagem, onde, o ensino deve ser voltado para uma
educação humana e multicultural, no sentido de construir como
princípio ético, o respeito e a convivência com as diversas realidades
existentes.

De acordo com o Artigo 4 – Os direitos humanos, garantia da


diversidade cultural.

A defesa da diversidade cultural é um imperativo ético, inseparável do


respeito á dignidade humana. Ela implica o compromisso de respeitar
os direitos humanos e as liberdades fundamentais, em particular os
direitos das pessoas que pertencem à minoria e os dos povos
autóctones. Ninguém pode invocar a diversidade cultural para violar
os direitos humanos garantidos pelo direito internacional, nem para
limitar seu alcance. (UNESCO, 2002, p.3).

Portanto, o ensino-aprendizagem é mais significativo quando se


busca trabalhar com as diferenças sociais, culturais, ambientais,
religiosas, econômicas entre outras. Trabalhar com a diversidade em
sala de aula, é fundamental para construímos um mundo mais justo,
mais ético, e muito mais compreensível e sensibilizado. Pois, muitas
vezes quem “julga” uma cultura ou uma religião, certamente é uma
pessoa que não possui uma consciência sólida, do quanto às
diferenças são importantes, significativas e complementares no dia a
dia e na sociedade. Obviamente, as pessoas que não aceitam as
diferenças, não obtiveram conhecimentos precisos e concretos
quanto ao significado, a influência e o privilégio das diferenças na vida
humana em sociedade.

A diversidade deve ser reconhecida e compreendida como


determinante na formação de identidade. Portanto, pensar a diferença
na escola é fundamental para realizar um trabalho que reconheça a
existência de diversos grupos culturais, com manifestações
específicas (visões de mundo, representações, etc.), que sejam
capazes de perceber influências – sociais, culturais, e étnicas,
presentes no cotidiano do/ aluno/ da aluna. (BARREIROS; MORGADO,
2002, p. 93).

Carlos Rodrigues Brandão, um importante educador brasileiro, com


relevantes obras na área da educação e também na de antropologia,
no livro – A educação como cultura, ao tratar do tema, afirma:

Pois somos a única espécie que, munida de um mesmo aparato


biopsicológico, ao invés de produzir um único modo de vida, ou
maneiras de ser muito semelhantes, geramos quase incontáveis
formas de ser e de viver no interior de inúmeras variedades de culturas
humanas. (BRANDÃO, 2002, p. 23)

De tal forma, somos de fato todos da mesma espécie, mas em relação


á cultura, não há igualdade, somos todos diferentes nas crenças, nos
costumes, isto é, as diferenças culturais são produzidas
historicamente. Se imaginarmos um mundo sem diversidade,
devidamente poderíamos pensar num mundo sem abrangência, e sem
a variedade de conhecimento que temos, pois seríamos todos “um
povo da mesma cultura”, e nesse contexto, não haveria as diferenças
para complementar as relações entre as pessoas e o mundo. Por isso,
a escola precisa estimular as diferenças e dar significados, na busca
de oportunizar e produzir saberes em diferentes níveis de
aprendizagens, segundo Soares (2003 pág. 161).

As diferenças fazem parte de um processo social e cultural e que não


são para explicar que homens e mulheres negros e brancos,
distinguem entre si, é antes entender que ao longo do processo
histórico, as diferenças foram produzidas e usadas socialmente como
critérios de classificação, seleção, inclusão e exclusão.

As diferenças culturais são essenciais em todas as sociedades, pois


são as diferenças que fazem a diferença, é a diversidade que oferece
oportunidade de conhecer o outro, de respeitar, entender, analisar e
estudar os conhecimentos culturais passados, na busca de enriquecer
as diversas culturas do presente.

Certamente, quando nos deparamos com as diferenças, essas


mesmas diferenças nos fazem refletir, e ampliar nossa visão de
mundo, de sociedade, de saberes, de valores éticos e
morais. Carvalho (2013), afirma:

É preciso valorizar a diversidade em conjunto com as teorias e


culturas, para assim sobrepor as barreiras e colisões que existem na
sociedade ofertando desse modo melhorias no âmbito educacional
da maneira que se espera para o desenvolvimento do país… Uma
educação acolhedora que tem em vista considerar em toda área
educacional todos os estudantes no seu beneficio à escolarização.
(CARVALHO, 2013)

Porém, a escola como função social, deve garantir a socialização, a


valorização da diversidade cultural humana, à ética, a moral e o
respeito mútuo para com as diferenças entre todas as pessoas,
principalmente com as famílias dos alunos e com os alunos inseridos
no contexto escolar. Sejam famílias tradicionais ou não, todos devem
ter acesso ao conjunto de conhecimentos produzidos e acumulados
historicamente e socialmente pela humanidade. É imprescindível
compreender, que quando se fala de família na escola, na participação
das atividades dos filhos, tem que haver o entendimento que a escola
precisa saber respeitar e aceitar eticamente os diferentes tipos de
família da atualidade, de modo a vim atender á diversidade, e
contemplar as diferenças dentro e fora da escola. Em relação á
constituição familiar, Lima (2009), contribui para com essa análise.
Não podemos criar em nossas mentes modelos de família tradicional
ou ideal. Lima (2009) acrescenta o que deve ser considerado pela
escola em relação à participação da família:

Um outro aspecto a ser considerado é a participação dos pais no


processo pedagógico e nas discussões relativas á diversidade. Assim
como a escola passou por transformação ao longo da história, a
família também. Essa constatação nos faz pensar sobre os diferentes
tipos de família na atualidade, essas mudanças familiares refletem
diretamente na escola e na relação entre as crianças. Vale destacar
que essas diferenças devem ser consideradas na prática educativa de
modo a não criar situações de discriminação e preconceito com as
crianças que não possuem uma família nos moldes tradicionais e
presentes muitas vezes nas imagens de livros didáticos: pai, mãe e
dois filhos. (LIMA, 2009, p. 20)

É essencial que a escola, os professores, e todos aqueles que


compõem a equipe escolar, saibam desenvolver um ensino-
aprendizagem baseado na experiência dos discentes que chegam até
a instituição de ensino, onde a escola deve reconhecer que para
educá-los, é necessário conhecer o meio o qual os alunos vivem, isto
é, a escola deve buscar saber da cultura, da vida, da família, do
sofrimento, dos sonhos e das alegrias dos educandos. A respeito
disso, é interessante lembrar-se do poema de Vidal Didonet, citado por
Campos (2005), no poema (Para você me educar), que diz:

Você precisa me conhecer. Precisa saber da minha vida, meu modo


de viver e sobreviver. Conhecer a fundo as coisas nas quais eu creio e
ás quais me agarro nos momentos de solidão, desespero e
sofrimento. Precisa saber e entender as verdades, pessoas e fatos
aos quais atribuo forças superiores ás minhas e ás quais me entrego
quando preciso ir além de mim mesmo.

Para você me educar, precisa me encontrar lá onde eu existo, quer


dizer, no coração das coisas, nos mitos e nas lendas, nas cores e
movimentos, nas formas originais e fantásticas, na terra, nas estrelas,
nas forças dos astros, do sol e da chuva. Para você me educar, precisa
estar comigo, onde eu estou, mesmo que venha de longe e que esteja
muito adiante. Só há uma forma de construí-lo: a partir de mim mesmo
de do meio em que vivo. [….]

Contudo, a escola jamais pode reproduzir desigualdades sociais,


culturais, e econômicas, religiosas, princípios ideológicos, entre
outros, pois tal conduta é antiética, e de fato, fragmenta o processo
de ensino-aprendizagem dos discentes, criando barreiras e bloqueios.
Percebe-se, que a escola quando não exerce um papel democrático
nos diversos contextos sociais, certamente a mesma, busca
privilegiar a classe dominante, e exclui a democracia e a igualdade
para com a maioria de seus alunos.
2.3 A DIVERSIDADE CULTURAL NO
DESENVOLVIMENTO DA CIDADANIA E NA
PRESERVAÇÃO DE VALORES ÉTICOS E MORAIS
Pensar na educação de forma ética e democrática é sem dúvidas
pensar na diversidade cultural, na cidadania, na inclusão social, na
preservação de valores éticos e morais, e no bem comum de todas as
pessoas. Observa-se, que se faz necessário uma educação voltada
para a diversidade cultural, onde a educação deve estar interligada há
projetos educacionais e propostas de intervenções pedagógicas
consistentes, que compreendam socialmente o mundo de vivências
onde os discentes estão inseridos, como também, que compreenda o
mundo de forma global, isto é, uma educação que seja capaz de
formar pessoas cidadãs que saibam se colocar no lugar do outro, na
cultura do outro, na vida, na alegria, no sofrimento do outro, que
saibam viver eticamente no meio social, onde as pessoas devem
desenvolver atitudes de respeito á alteridade e se tornarem visíveis às
diferenças socioculturais existentes em todos os contextos sociais.
Vejamos o que afirma Libâneo, ao falar em sentido amplo da
educação (1994):

Em sentido amplo, a educação compreende os processos formativos


que ocorrem no meio social, nos quais os indivíduos estão envolvidos
de modo necessário e inevitável pelo simples fato de existirem
socialmente, neste sentido, a prática educativa existe numa grande
variedade de instituições e atividades sociais decorrentes da
organização econômica, política e legal de uma sociedade, da religião,
dos costumes, das formas de convivência humana. (LIBÂNEO, 1994,
p. 17)

Ser portador ou portadora de uma cultura diferente do outro, é obvio


que não torna ninguém mais cidadão, mais ético, mais importante ou
menos importante que as demais pessoas portadoras de outras
culturas. Conforme La Taille, citado por Rossein (2006, p. 169):

A teoria de Piaget vai ao encontro das características da sociedade


democrática moderna [….]. O sistema democrático pede a
cooperação. Basta verificar quais são suas exigências: levar em conta
o ponto de vista alheio, respeitá-lo, fazer acordos, negociações,
contratos com o outro, admitir e respeitar as diferenças individuais,
conviver com a pluralidade de opiniões, de crenças, de credos etc.
Além do mais, pelas características do mundo moderno, somos cada
vez mais levados a ter de encontrar e nos relacionar com pessoas e
culturas diversas, de formação diversa, de religiões diversas [….].
Como diz Piaget, a nova exigência é a de coordenar os diversos
pontos de vista e diferenças e não mais de reduzi-los através de
modelos a serem imitados por todos.

A cultura de cada cidadão deve ser privilegiada, respeitada eticamente


e valorizada em todos os contextos sociais. Verifica-se, o quanto as
regras culturais são essências para a construção da cidadania, para o
viver bem em sociedade, e para a formação digna da espécie humana.
Obviamente, nossos sentimentos, nossas ações, nossos valores,
nossos juízos morais, éticos e religiosos são compostos
culturalmente pelas regras que aprendemos com nossos familiares,
com o nosso grupo social, sendo que com o tempo, podemos seguir
ou não os valores adquiridos, na busca de preservar, construir ou
acrescentar ao longo da vida, novos valores, novas crenças ou uma
nova ordem. Nesse sentido Passador (2001) acrescenta:

Essa ordem, que é a ordem humana por definição, tem por princípio e
fundamento as regras que produzimos e sobre as quais alicerçamos
a possibilidade de sermos humanos. Sem regras, seríamos incapazes
de produzir ordem e sentido para nossas ações e pensamentos e,
consequentemente, para a realidade que vivemos e produzimos. Sem
elas, não seríamos a espécie de homem que somos. (PASSADOR,
2001, p. 62).

Em 10 de dezembro do ano de 1948, em assembleia geral, a


Organização das Nações Unidas (ONU) proclamou e adotou a
Declaração Universal dos Direitos Humanos, importante documento
que norteia as políticas públicas em relação aos cidadãos e cidadãs,
bem como o seu respeito deve também fazer parte das relações entre
as nações. Dada à importância do tema e a frequência com que a
violação dos direitos humanos se faz presente no nosso cotidiano,
vamos relembrar os artigos primeiro, segundo e sétimo da
Declaração:

Artigo I – Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e


direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação
umas ás outras com o espírito de fraternidade.

Artigo II – Toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as


liberdades estabelecidas nesta Declaração, sem distinção de
qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião
política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza,
nascimento, ou qualquer outra condição.

Artigo VII – Todos são iguais perante a lei e tem direito, sem qualquer
distinção, a igual proteção da lei. Todos têm direito a igual proteção
contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e
contra qualquer incitamento a tal discriminação. (ONU, 1948).

É imprescindível a escola observar, que cada aluno é produto de um


conjunto de experiências, de vivências, e de sonhos nos mais
diferentes espaços sociais dos quais participa.

A homogeneização dos sujeitos como alunos corresponde à


homogeneização da instituição escolar, compreendida como
universal. A escola é vista como uma instituição única, com os
mesmos sentidos e objetivos, tendo como função garantir a todos o
acesso ao conjunto de conhecimentos socialmente acumulados pela
sociedade. Tais conhecimentos, porém, são reduzidos a produtos,
resultados e conclusões, sem levar em conta o valor determinado dos
processos. (DAYRELL, 1996, p. 139)

Todavia, é necessário convivermos com as diferenças, a fim de


reconhecê-las, respeitá-las, como também, crescer pessoalmente e
profissionalmente através das diferenças, da diversidade. Na escola,
para a construção da cidadania, da ética e da moral, é preciso que a
escola saiba se adaptar as mais diversas culturas de seus discentes,
na busca de preservar valores, crenças, tradições, como também, um
ensino-aprendizagem democrático em todos os contextos sociais.
Banks, citado por Candau (2002b), defende:

O que precisa ser mudado não é a cultura dos alunos, mas a cultura
da escola, que é construída com base em um único modelo cultural, o
hegemônico, apresentando um caráter monocultural. A educação
multicultural é um movimento reformador destinado a realizar
grandes mudanças no sistema educacional. Concebe como a
principal finalidade da educação multicultural favorecer que todos os
estudantes desenvolvam habilidades, atitudes e conhecimentos
necessários para atuar no contexto da sua própria cultura étnica, no
da cultura dominante, assim como para interagir com outras culturas
e situar-se em contextos diferentes dos de sua origem.

Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais (1998), a moral é o


conjunto de princípios, crenças, regras que orientam o
comportamento dos indivíduos nas diversas sociedades é no campo
da moral que dominam os valores relacionados ao bem e ao mal,
como aquilo que deve ser buscado ou de que se deve afastar.

Assim, tornasse necessária a elaboração de critérios que


classifiquem as ações como boas ou más corretas ou inadequadas,
e que orientem e justifiquem a escolha do cidadão.

A ética, por sua vez, é a reflexão crítica da moral


e serve para verificar a coerência entre práticas e princípios,
questionando e/ou reformulando os valores e as normas
estabelecidas pela moral. Observa-se, que quando a cidadania, a ética
e a moral estão presentes nas relações sociais e no contexto escolar,
certamente estes valores, proporcionam conhecimentos amplos,
concretos e uma conduta humana para os educandos em fase de
escolarização. Segundo Boff (2003, p. 38):

Ética é a parte da filosofia. Considera concepções de fundo acerca da


vida, do universo, do ser humano e de seu destino, estatui princípios e
valores, orientam pessoas e sociedades. Partamos dos sentidos da
palavra ethos, donde deriva ética. Constatamos que a escrita da
palavra ethos aparece em duas formas, [….] significando a morada
humana e também caráter, jeito, modo de ser, perfil de uma pessoa; e
[….] querendo dizer costumes, usos, hábitos e tradições.

Precisa-se de uma escola, composta por educadores e gestores que


saibam diferenciar a ética da moral, buscando nesse sentido,
acrescentar tais valores no ensino-aprendizagem dos discentes no
contexto escolar. Em relação à diferenciação dos termos, Sung e Silva
(2007, p. 13), argumentam que geralmente:

Visa-se distinguir o conjunto das práticas morais cristalizadas pelo


costume e convenção social dos princípios teóricos que as
fundamentam ou criticam. O conceito de ética é usado aqui para se
referir á teoria sobre a prática moral. Ética seria então uma reflexão
teórica que analisa e critica ou legitima os fundamentos e princípios
que regem um determinado sistema moral (dimensão prática).

De fato, o respeito para com a diversidade cultural é uma questão de


ética, educação, e princípio humano. A Constituição de 1988 em seu
Art. 5° deixa bem explícito que todos são iguais perante a lei, e
acrescenta:

Educação, direito de todos e dever da família e do estado, é a base


para a construção e o desenvolvimento de uma sociedade mais justa,
solidária e livre, e contribui tanto para o desenvolvimento individual,
quanto para o desenvolvimento social. No Brasil são marcantes as
diferenças regionais e sociais, portanto, na escola convivem pessoas
das mais diversas origens, raças, credos, gênero e condições sociais;
isto é, nela encontramos o retrato dessa mistura que traduz a
diversidade do povo brasileiro, e para qual os educadores precisam se
preparar e desenvolver ações que cumprem o preceito constitucional
de que “todos são iguais perante a lei” (CF, Art. 5.°).

Observa-se, diariamente, como é comum a escola ensinar muitas


regras, sendo essas, regras de memorização, decoreba e crendices
fora da vida prática dos discentes. Contudo, no contexto escolar, é
preciso ensinar aos educandos o caminho dos valores, da ética, da
moral e da diversidade, de forma que alunos possam aprender a
conviver eticamente com as diferenças em sociedade, em
comunidade/coletividade. Thums (2003, p. 405) afirma que:

É preciso saber os caminhos da cultura, conhecer as motivações das


pessoas nos respectivos grupos sociais e tentar proporcionar formas
de vida possíveis em meio á miséria e á intolerância. O elemento do
bem comum é um dos mais significativos no momento atual da
sociedade brasileira. É preciso valorizar as ações destinadas á
coletividade, de forma justa e equitativa, bem como evitar as
condições de miserabilidade das pessoas. Esta é uma forma urgente
de salvaguardar a cidadania.

Portanto, verifica-se o quanto se faz necessário no contexto escolar o


educar para vida. Educar, com base em ensinamentos e em valores
fundamentais para se viver bem em sociedade, valores esses, que não
se memoriza, nem escreve e reescreve, mas que os discentes
concebem através de uma aprendizagem concreta, qualitativa e
significativa em diversos contextos. Obviamente, uma escola
democrática saberá desenvolver nos discentes atitudes éticas,
sensibilidades, solidariedade, pensamento crítico, e real para viver em
sociedade e se entrosar com as diferenças. Conclui-se, que a escola
deve formar os educandos para serem capazes de se desenvolveram
como cidadãos livres e não alienados pela mídia, ou pela sociedade,
onde o ensino-aprendizagem escolar deve ser crítico, e voltado há
valores.

3. METODOLOGIA
Na procura de analisar e obter resultados qualitativos sobre a
importância das diversas culturas no ensino-aprendizagem, no
desenvolvimento da cidadania e na preservação de valores éticos e
morais, a realização e conclusão desde trabalho fundamentou-se em
pesquisa bibliográfica exploratória, realizada na biblioteca do
município de Bela Vista da Caroba – PR, e na biblioteca Universitária
do Polo de Capanema – PR, da Faculdade Internacional de Curitiba
(FACINTER). Onde, utilizou-se de (livros de metodologia científica,
obras literárias e didáticas, artigos científicos, dicionários, revistas,
jornais etc.). Na pesquisa identificou a necessidade da escola,
juntamente com os professores e a comunidade escolar em geral,
desenvolver práticas de ensino-aprendizagem diversificadas e
concretas, baseadas na realidade sociocultural dos educandos que a
instituição de ensino recebe na busca de valorizar cada cultura de
cada discente que chega até a escola trazendo histórias, crenças,
tradições, opiniões, sonhos, alegrias e sofrimentos. Como também, é
preciso que a diversidade cultural, seja dialogada em casa pelos pais
para com seus filhos, na busca de construir consciência do quanto às
diferenças são importantes e necessárias para a vida em sociedade,
assim como o respeito aos valores éticos e morais de cada pessoa.

A pesquisa bibliográfica científica foi realizada com base em material


bibliográfico referente ao assunto abordado, (diversidade cultural),
analisada em escritos meramente pedagógica sob a visão de vários
autores, assim como suas obras. Na busca por obter respostas aos
questionamentos suscitados pela consecução das metas
estabelecidas, optou-se pelo estudo de natureza qualitativa, que para
Gil (1999):

O uso dessa abordagem propícia o aprofundamento da investigação


das questões relacionadas ao fenômeno em estudo e das suas
relações, mediante a máxima valorização do contato direto com a
situação estudada, buscando-se o que era comum, mas
permanecendo, entretanto, aberta para perceber a individualidade e
os significados múltiplos.

Através do estudo de natureza qualitativa, foi possível compreender


os valores construtivos, ético, moral e as relações sociais. O conteúdo
abordado foi desenvolvido com base em análise crítica, investigativa,
pesquisa ativa, e conhecimentos sólidos sobre o tema norteador do
trabalho.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Analisou-se, durante o desenvolvimento do trabalho científico, que a
escola, a sociedade e a população em geral, devem obter uma
consciência ética e moral, na busca de compreender profundamente
as diferenças culturais e sociais de cada povo, de cada
grupo/comunidade. É fundamental, o respeito mútuo para com os
diferentes grupos e culturas que compõem a sociedade, como
também, é preciso desenvolver convivências com os diversos grupos
de pessoas, e utilizar-se das diferenças, para o enriquecimento
cultural e social do país.

Contudo, é imprescindível que a instituição escolar busque valorizar


os saberes dos alunos que chegam até a escola na busca de
conhecimentos significativos, pois, tais discentes, já trazem uma
bagagem de conhecimentos, experiências, vivências, e, sobretudo, de
cultura.

A escola precisa ser ética, democrática, flexível, e sensível para com


as diferenças, na busca de abrir caminhos e possibilitar
oportunidades para os discentes se apropriarem de conhecimentos
críticos e científicos, através de interações com os demais colegas,
de cooperação, coletividade, e construção de identidades a partir das
diferenças. É preciso uma escola, que saiba desenvolver uma
metodologia de ensino concreta, diversificada, ética, humana e
qualitativa, com o objetivo de desenvolver habilidades e competências
necessárias para o exercício da cidadania plena dos alunos.

Com isso, as escolas, juntamente com seus educadores e a


comunidade escolar em geral, devem valorizar a pluralidade cultural,
isto é, garantir um processo de inclusão social diversificado, de modo
a beneficiar á todos os alunos, respeitando as necessidades e as
possibilidades de desenvolvimento de cada educando.

Valorizar a diversidade cultural, as várias formas de ver o mundo, de


se expressar e de se relacionar com a comunidade escolar, são
mudanças necessárias para que a escola desenvolva a aprendizagem
da convivência, do respeito e da tolerância, cumprindo assim o que
prevê a Lei de Diretrizes e Bases – LDB 9.394/ 96 em seu primeiro
artigo.

O tema abordado resultou em um amplo aprendizado em questão á


problematização apresentada, como também, de reflexão crítica
acerca da realidade dos fatos estudados, assim como, de
compreensão dos diversos contextos sociais, da análise da
importante obra do pintor Victor Meirelles de Lima (A Primeira Missa
no Brasil), onde, Meirelles ressalta em sua pintura, a diversidade
cultural existente no Brasil. Certamente, a obra marcou a história do
Brasil, onde Meirelles fez questão de incluir em sua tela os povos
indígenas e os povos europeus participando do mesmo contexto
religioso, na Missa do Frei Henrique Coimbra.

As culturas diversificadas proporcionam conhecimentos


aprofundados, ricos em saberes e essencial à conduta humana,
contudo, conhecer e participar de outras culturas, certamente, oferece
para crianças, jovens, adultos e idosos, maiores oportunidades e
capacidade de estabelecer laços e se desenvolver fisicamente e
cognitivamente, através do contato com diversas realidades,
atividades e com diferentes pessoas, o que pode auxiliar, por exemplo,
no desenvolvimento da (memória, percepção, imagem mental,
raciocínio, linguagem, entre outras).

Em forma de conclusão do artigo científico, pode-se afirmar que as


contribuições trazidas pelo trabalho foram meramente qualitativas e
significativas, porém, é preciso acrescentar, que se faz necessário,
estudos continuados e aprofundados sobre o tema diversidade
cultural, para então, podermos atingir novas metas, novos objetivos e
novos resultados na inclusão social, e em relação às diferenças
culturais, tanto no contexto formal, quanto no contexto não formal.

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Acesso em 6 de Janeiro de 2010.

[1] Graduada em Pedagogia pela Faculdade Internacional de Curitiba


– PR, (FACINTER), Graduanda de Licenciatura Plena em História
(FACINTER), Especialização em Educação Especial e Inclusiva
(FACINTER), Especialização Docência no Ensino Superior (Faculdade
de Educação São Luís), Pós-Graduanda em História e Cultura Afro-
Brasileira e Indígena (FACINTER).

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ROSANE MACHADO DE OLIVEIRA
Graduada em Licenciatura Plena em Pedagogia pela Faculdade Internacional de
Curitiba – PR, (FACINTER). Graduada em Licenciatura Plena em História – pela
Faculdade Internacional de Curitiba (FACINTER). Graduada de Licenciatura Plena
em Sociologia – Turma de Outubro de 2017 da (FACINTER). Especialização em
Educação Especial e Inclusiva (FACINTER). Especialização em Docência no
Ensino Superior pela Faculdade de Educação São Luís de São Paulo – SP.
Especialização em Gestão Escolar: Orientação e Supervisão pela Faculdade de
Educação São Luís – SP. Especialização em Ensino Lúdico pela Faculdade de
Educação São Luís – SP.

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RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAS, HISTÓRIA, CULTURA AFRICANA E AFRO-
BRASILEIRA NA EDUCAÇÃO PÚBLICA: DA LEGALIDADE À REALIDADE1

Elvira Maria Isabel Jaroskevicz2

RESUMO

A Lei nº. 10639/03 alterou a Lei nº. 9394/96, a LDBEN (Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional), tornando obrigatória a inclusão nos currículos da Educação Básica a
História e Cultura Africana e Afro-brasileira. As Diretrizes Curriculares Nacionais, emanadas
pelo Conselho Nacional de Educação, ampliaram as discussões, incluindo a educação das
relações étnico-raciais. O que se pretende é analisar como se deu a educação da população
negra e afro-descendente ao longo do tempo e como se estabelecem hoje nas escolas as
relações Étnico-Raciais e o ensino de história e cultura africana e afro-brasileira. A partir daí,
verificar qual a proposta da SEED (Secretaria de Estado da Educação) Paraná para o
tratamento da temática étnico-racial e de que forma os educadores tem internalizado essas
propostas. Finalizando, aponta-se para os caminhos possíveis para a implementação da lei nas
escolas da rede pública estadual.

Palavras-chave: Educação. Relações étnico-raciais. História e cultura africana

1
Artigo orientado pela Profª. Drª. Fátima Maria Neves, da Universidade Estadual de Maringá.
fatimauem@hotmail.com
2
Pedagoga do Colégio Estadual Enira Moraes Ribeiro – EFMP, Paranavaí – PR, Professora PDE,
Turma 2007. prof_elvira@hotmail.com.
2

INTRODUÇÃO

A luta pela igualdade de direitos para a população afro-descendente no Brasil não


terminou com o fim do regime escravocrata. É aí que ela começa, pois a Lei Áurea e as outras
que a precederam não deram conta de assegurar direitos à população liberta e a seus
descendentes. Como afirma CUNHA

Além de sermos uma sociedade forjada na construção de um escravismo criminoso, a abolição


foi realizada sem uma ampla revisão de direitos e necessidades da população negra. Ao
contrário, as políticas republicanas sempre foram da “negação do Brasil” e da europeização do
país. As políticas cultural e educacional são exemplos importantes deste esforço, onde nós
encontramos uma constante “folclorização”, simplismos, desprezo e perseguição à cultura
africana e afrodescendente (CUNHA JUNIOR, 2008: p. 7).

Continuaram na marginalidade, sem direito à terra, trabalho digno, educação, saúde ou


habitação, constituindo a parcela mais empobrecida da população brasileira até hoje . Como
revelam as pesquisas recentes realizadas pelo IBGE:

As desigualdades raciais manifestas em todos os indicadores aqui analisados expressam a


recorrente exclusão social à qual homens e mulheres, identificados como pretos ou pardos, são
submetidos ao longo do percurso de suas vidas. Sistematicamente desfavorecidos quanto às
condições de moradia, assistência médico-sanitária, escolaridade, emprego e renda, para
mencionar os mais importantes fatores de exclusão, este segmento populacional de
ascendência africana e indígena também apresenta maiores níveis de mortalidade infantil,
menores valores de esperança de vida ao nascer, maiores índices de mortalidade de jovens e
maiores proporções de mortalidade de gestantes. (Síntese de Indicadores Sociais do
PNAD/IBGE 2007: p. 182).

Ao longo do tempo o Movimento Negro, pós-abolição encampou inúmeras lutas para


a formulação de atitudes em defesa da população negra, conforme descreve CUNHA
JUNIOR:

Um foco de origem dos movimentos sociais negros é resultante das ações sociais de luta pela
abolição do escravismo criminoso e da insatisfação dos resultados práticos da abolição. [...]
Outra origem que deve ser considerada ao aparecimento destes movimentos sociais no meio
negro foi o conjunto de políticas imigratórias européias que se configuravam como políticas
3

racistas contrárias aos interesses e à estabilidade social, econômica e política das populações
negras. Além destas organizações de protesto e formulação direta de luta política devemos
considerar a existência de instituições culturais e religiosas que defendem, de certa maneira, a
consolidação de uma expressão cultural negra. (CUNHA JUNIOR, 2008: p. 3)

Muitas vitórias foram conquistadas, sendo uma delas a aprovação da Lei 10639/03,
que altera a Lei nº. 9394/96, que estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional,
tornando obrigatório o ensino de História e Cultura Africana e Afro-brasileira na Educação
Básica. A Lei 10639/03 introduziu na LDEN a obrigatoriedade do ensino de história e cultura
africana afro-brasileira. Em março de 2008, entrou em vigor a Lei 11.465/08, que novamente
alterou o Art. 26-A da LDBEN, acrescentando a obrigatoriedade do estudo de História e
Cultura Indígena, juntamente com o estudo de Historia e Cultura Africana e Afro-brasileira.
Contudo há que se ressaltar que a Lei 10639/03 continua em vigor, mesmo com o advento a
Lei 11.645/08, e desse modo, como este trabalho se refere apenas à história e cultura africana
e afro-brasileira, será usada como referência a Lei 10639/03, sem desconsiderar as
modificações produzidas pela nova legislação.
A lei foi um passo importante e teve na seqüência a aprovação das Diretrizes
Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e o Ensino da História e Cultura
Africana e Afro-Brasileira pelo Conselho Nacional de Educação, traduzindo os princípios da
lei de forma a colaborar para a sua implementação nas escolas. No entanto, sabe-se do
desconhecimento dos professores em relação aos conteúdos exigidos pela lei.
“Todos são iguais perante a lei” é o que garante o Art. 5º da Constituição Federal,
prevendo não haver desiguais, mas diferentes. A escola é uma das instituições que deve
contribuir para o cumprimento da norma constitucional e para a mudança do quadro vigente,
sendo de sua competência respeitar matrizes culturais e construir identidades. Para tanto, faz-
se necessário repensar conceitos e verdades arraigados nos educadores.
Para isto, o parecer do Conselho Nacional de Educação, nas questões introdutórias,
esclarece que
procura oferecer uma resposta, entre outras, na área da educação, à demanda da população
afrodescendente, no sentido de políticas ações afirmativas, isto é, políticas de reparações e de
reconhecimento e valorização de sua história, cultura e identidade. Trata ele de política
curricular, fundada em dimensões históricas, sociais, antropológicas oriundas da realidade
brasileira, e busca combater o racismo e as discriminações que atingem particularmente os
negros. Nesta perspectiva, propõe a divulgação e produção de conhecimentos, a formação de
atitudes, posturas e valores que eduquem cidadãos orgulhosos de seu pertencimento étnico-
4

racial – descendentes de africanos, povos indígenas, descendentes de europeus, de asiáticos –


para interagirem na construção de uma nação democrática, em que todos, igualmente, tenham
seus direitos garantidos e sua identidade valorizada ( CNE/Parecer 03/04).
Em 2007, como proposta de trabalho para o Programa de desenvolvimento
Educacional (PDE), surgiu a possibilidade de aprofundar os estudos na temática e
acompanhar as políticas da SEED para a implementação da lei nas escolas da rede pública
estadual.
A militância na luta pela igualdade racial, há mais de uma década, além da vivência na
escola pública, possibilitaram a sensibilização para a temática e a reflexão a partir dos vários
autores que têm se dedicado ao estudo da educação das relações étnico-raciais e da história e
cultura africana e afro-brasileira.
A pretensão neste texto é fazer uma breve revisão de literatura enfocando a educação
do negro e as relações étnico-raciais na escola, analisar as propostas da SEED Secretaria de
Estado da Educação) para a implementação da lei e o registro sobre a visão dos educadores
nas escolas públicas estaduais, a partir dos relatos de professores e pedagogos participantes do
curso oferecido no Grupo de Trabalho em Rede (GTR) e na intervenção ocorrida na escola,
como atividades previstas no PDE (Programa de Desenvolvimento Educacional) da Secretaria
de Estado da Educação do Paraná.

REFLEXÕES SOBRE EDUCAÇÃO, RACISMO E ANTI-RACISMO.

A educação do negro: breve retrospectiva

Torna-se difícil resgatar a educação da população negra ao longo do tempo, pois a


História da Educação não tem contemplado a multiplicidade dos aspectos da vida social e da
riqueza cultural do povo brasileiro. Mariléia dos Santos Cruz, refletindo sobre o assunto,
aponta que

têm sido esquecidos os temas e as fontes históricas que poderiam nos ensinar sobre
experiências educativas, escolares ou não, dos indígenas e dos afro-brasileiros. O estudo, por
exemplo, da conquista da alfabetização por esse grupo; dos detalhes sobre a exclusão desses
setores das instituições escolares oficiais, dos mecanismos criados para a escolarização oficial;
da educação dos quilombos; da criação de escolas alternativas; da emergência de uma classe
média negra escolarizada no Brasil; ou das vivências nas primeiras escolas oficiais que
5

aceitaram negros são temas que, além de terem sido desconsiderados no relato da história
oficial da educação, estão sujeitos ao desaparecimento. (CRUZ, 2005: p. 22-23).

A influência da Nova História Cultural no campo da História da Educação permitiu


incorporar categorias teorizadas em outros campos, passando a ser “consideradas
imprescindíveis para entender o passado dos fenômenos educativos, como as de gênero, de
etnia e de geração, ao lado da classe social, já consagrada pelos estudos marxistas.” (LOPES e
GALVÃO, 2001: p. 41).

Por muito tempo, não se perguntou, por exemplo, sobre a educação dos negros, dos indígenas
ou sobre as especificidades da educação feminina nos diferentes momentos do passado. Hoje,
essas questões são fundamentais para o entendimento do que foi, do que é a educação
brasileira. Mesmo assim muitos ainda teimam em não querer enxergar que são profundamente
diferentes as histórias da educação do homem e da mulher, da criança e do adulto, do negro,
do branco, do indígena e do judeu... Enxergar o “outro” continua exigindo um grande esforço
principalmente para os que não ocuparam o lugar dos que pouco puderam falar ou escrever ao
longo da história (LOPES e GALVÃO, 2001: p. 41).

Alguns estudiosos, na maioria afro-brasileiros, têm se dedicado à pesquisa de fontes


que possam elucidar a história que insiste em não ser contada.
Mário Maestri aponta que, ao chegarem, os escravizados iniciavam sua instrução para
o trabalho agrícola ou outro a que fosse servir, não havendo preocupação nem em ensinar-lhes
a língua, sendo obrigados a aprender por imitação. Na cidade havia um ambiente mais
propício para uma educação formal e informal, pois era lucrativo ter um escravo que soubesse
algum ofício, para alugá-lo. Isso fez com que muitos aprendessem a ler, escrever e contar.
(MAESTRI, 2004: p.195).
A Constituição de 1824 coibia o ingresso da população escrava nas escolas (art. 6º,
item I) a qual se restringia a brasileiros e os escravos eram na maioria africanos de
nascimento. A Reforma Couto Ferraz (decreto nº. 1.331 de 17 de fevereiro de 1854) institui a
obrigatoriedade da escola primária para crianças de 7 anos. Cabe, no entanto, ressaltar dois
pontos relevantes na lei: não seriam admitidas crianças com doenças contagiosas e nem
escravas. Além disso, não havia previsão para a educação de adultos. (SILVA e ARAÚJO,
2005: p. 68).
Os Anais dos Congressos Agrícolas são fontes imprescindível para elucidar o
momento de transição do trabalho escravo para o trabalho livre, mostrando as divergências
6

entre os que defendiam a educação dos nacionais (ex-escravos e descendentes) e os que


defendiam a entrada de imigrantes chineses ou europeus para suprir a escassez de braços
oriunda das transformações em processo. Os que defendiam o aproveitamento da mão-de-obra
nacional preocupavam-se com a criação de escolas para treinamento, uma vez que libertos os
escravos o seu encaminhamento para o trabalho livre precisaria se dar pela persuasão
(SCHELBAUER, 1998: p.38).
De acordo com a autora, “apesar dessa crença, a escola voltada para o treinamento de
mão-de-obra assalariada não se efetivou, e, surpreendentemente, essas discussões
desaparecem, de maneira simultânea à abolição definitiva” (SCHELBAUER, 1998: p.52).
É notório que, resolvida a questão da mão-de-obra pela entrada de imigrantes
europeus, a educação da população negra foi esquecida. Muitas tentativas de regulamentação
do ensino público foram feitas após a abolição, em 1888, no entanto, pelo teor de tais
reformas

deduz-se que a população negra teve presença sistematicamente negada na escola: a


universalização ao acesso e a gratuidade escolar legitimaram uma “aparente” democratização;
porém, na realidade, negaram as condições objetivas e materiais que facilitassem aos negros
recém-egressos do cativeiro e seus descendentes um projeto educacional, seja este universal
ou específico. (SILVA e ARAÚJO, 2005: p. 71).
Somente ao final do século XIX, com o advento do ensino popular e o ensino
profissionalizante é que a população negra tem oportunidades concretas de escolarização. A
educação popular se estabeleceu em grupos escolares urbanos e escolas isoladas nos bairros
operários e fazendas. O ensino profissionalizante vem pela criação das primeiras escolas, por
decreto de Nilo Peçanha, objetivando a formação de um mercado interno de mão-de-obra.
(SILVA e ARAÚJO, 2005: p. 72).
Apesar das circunstâncias sociais que mantinham o negro fora da escola , o ensino
profissionalizante propiciou a escolarização profissional e superior de uma pequena parcela da
população negra. Esta população negra intelectualizada propiciou o surgimento dos
movimentos negros, sendo a Frente Negra Brasileira, fundada em 1931, o maior e mais amplo
movimento negro, tendo inclusive implantado uma escola em sua sede no centro de São Paulo
(IDEM: p. 73).
Além da Frente Negra, outra experiência importante, a partir dos próprios negros, foi
o Teatro Experimental do Negro (TEN) criado no Rio de Janeiro em outubro de 1944,
proposto por Abdias do Nascimento. A educação no TEN não se limitou à escolarização,
7

sendo incorporada a perspectiva emancipatória do negro no seu percurso político e consciente


de inserção no mercado de trabalho; na dimensão da educação política. O sentido de ser negro
foi colocado na perspectiva da negação da suposta inferioridade natural dos negros.
(ROMÃO, 2005: p. 119)
Em 1961 é promulgada a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(Lei nº. 4024/61) onde está posto no Título I – Dos Fins da Educação – Art. 1º - alínea g, a
condenação a qualquer tratamento desigual por motivo de convicção filosófica, política ou
religiosa, bem como quaisquer preconceitos de classe ou raça. Na verdade ficou mais como
discurso, não havendo ênfase na escola para todos. (DIAS, 2005, p. 52). A Lei 5692/71 que
reformou a LDBEN de 1961 manteve no texto a condenação ao preconceito de raça.
Quanto à Lei 5692/96, o processo foi diferente, já que ocorreu após a promulgação da
Constituição de 1988, no momento de pós-abertura política, com ampla movimentação da
sociedade civil. Em seu Art. 26, §4º, lê-se que o Ensino de História do Brasil levará em conta
as contribuições das diferentes culturas e etnias para a formação do povo brasileiro,
especialmente as de matriz indígena, africana e européia. (IDEM: 2005, p. 57).
A Lei 10639/03 alterou a Lei 5.692/96 em seus artigos 26 e 79, tornando obrigatório o
ensino de História e Cultura Africana e Afro-Brasileira e estabelecendo a inclusão no
calendário escolar de 20 de novembro como ‘Dia Nacional da Consciência Negra”. Na
seqüência, o Conselho Nacional de Educação aprovou as Diretrizes Nacionais para a
Educação das Relações Étnico-Raciais e para o ensino de História e Cultura Africana e Afro-
Brasileira.
Em 2008, a Lei 11.465/08 dá nova redação ao Art. 26-A da LDBEN, incluindo a
obrigatoriedade do estudo da História e Cultura Indígena.
Este breve relato objetiva mostrar a lentidão com que se caminha na conquista do
direito á educação para a população negra no Brasil. 120 anos se passaram desde a abolição
dos escravos e “seus descendentes ainda reivindicam medidas compensatórias na área
educacional, capazes de eliminar os efeitos persistentes das barreiras impostas no passado e
equiparar as oportunidades de desenvolvimento que deveriam ser oferecidas a todos” (SILVA
e ARAÚJO, 2005: p. 75)

Apontamentos sobre as relações étnico-raciais na escola pública e o ensino de


história e cultura africana e afro-brasileira
8

Depois de muitas interdições, a massificação da escola pública permitiu a presença da


população afro-brasileira. Porém, os dados sobre a escolaridade das crianças de ascendência
africana sugerem que a sua vida escolar é mais difícil e acidentada que a das brancas.
Dados da Síntese de Índices Sociais de 2007, baseada em dados coletados pelo
IBGE/PNAD coletados em 2006 revela que as desigualdades sociais se agravaram entre
brancos e negros na última década. Diz o documento que em relação à educação

as taxas de analfabetismo, de analfabetismo funcional e de freqüência escolar continuam


apresentando diferenças significativas entre os níveis apresentados pela população branca,
sempre favorecida, e os da população preta e parda. Em números absolutos, em 2006, entre
cerca de 15 milhões de analfabetos brasileiros se encontram mais de 10 milhões de pretos e
pardos, mostrando a gravidade deste problema para este segmento da população. As taxas de
analfabetismo para a população de 15 anos ou mais de idade foram de 6,5% para brancos e de
mais que o dobro, 14%, para pretos e pardos.
A taxa de analfabetismo funcional também é muito menor para brancos. O indicador de média
de anos de estudo da população de 15 anos ou mais de idade mostra uma vantagem de 2 anos
para brancos, com 8,1 anos de estudos, em relação a pretos e pardos, com 6,2 anos, diferença
que vem se mantendo constante ao longo dos anos segundo as informações disponíveis. Outro
indicador, o da distribuição por cor ou raça da população que freqüenta escola com idades
entre 18 e 24 anos mostra também significativas diferenças entre os grupos analisados.
Enquanto o percentual de brancos que aparecem como estudantes de nível superior ou terceiro
grau é de 56%, o de pretos e pardos apenas alcança 22%, mostrando a enorme diferença de
acesso e permanência dos grupos raciais neste nível de estudo. (IBGE/PNAD – Síntese de
Dados Sociais 2007: p. 182, 183).

Para Elizabeth Fernandes de Souza, compreender como se dão as relações no interior


da escola é fundamental à pesquisa, pois a escola é o lócus de relações sociais que estruturam
e marcam o processo de socialização. Moldam-se comportamentos e estruturam-se formas de
agir a partir do que é aprendido e internalizado desde a mais tenra infância (SOUZA, 2001: p.
61).
Diante de tais preocupações, pesquisadores têm se voltado à tarefa de desvendar como
se dão as relações raciais no interior das escolas. Consuelo Dores Silva analisou como se
processam as relações sociais entre alunos de etnias diferentes e como esta relação interfere
na constituição da identidade e na auto-representação dos alunos negros no interior de uma
escola pública de um bairro periférico de Belo Horizonte (SILVA, 1995: p.20).
9

As falas coletadas tornam visíveis tais relações. As crianças e adolescentes negros


queixaram-se dos constantes nomes com que eram apelidados, em suas interações com os
colegas.
“Quando alguma pessoa coloca apelido em mim, eu me sinto humilhada e triste. Vou
dar alguns apelidos: nega, urubu, filha do Mussum. Quem me chama dessas coisas é o T.
(Sujeito D. M.)
“F. me chama de negra, diz que o meu nome é nome de escrava. Quando ele passa
perto da minha casa, grita meu nome e me ofende com palavras.” (S.M.)
A redação proposta pela pesquisadora mostra o desconforto por não serem tratados
pelo nome.
“Gostaria de ser alto e bonito, forte e não queria ter defeito, porque os meninos fica
mexendo comigo.”
“Eles fica me chamando de beiçudo e eu queria ter o lábio certo.”
(Redação do sujeito R. S.)
A autora, analisando os dados, expõe:

Através desta investigação, observamos que este ideal de brancura induz o sujeito negro, aqui
representado pelos alunos não-brancos, à rejeição de sua cor e de suas características físicas
raciais, como pudemos captar durante as entrevistas e na análise de redações (IDEM: p. 108).

Eliane Cavalleiro, por sua vez, pesquisou, no ano de 1998, a realidade escolar de uma
escola municipal de educação infantil na cidade de São Paulo. A pesquisadora trabalhou em
duas etapas. Primeiramente observou, em três salas de aula, alguns procedimentos de crianças
e adultos diante da diversidade racial, valores atribuídos pelos professores de educação
infantil aos seus alunos e os valores atribuídos pelas crianças a seus pares; atitudes e práticas
evidenciadoras da presença de discriminação e preconceito na pré-escola. Em uma segunda
etapa foram entrevistados profissionais da escola, alunos e familiares, a fim de levantar os
efeitos das relações sociais na vida dos entrevistados e na sociedade brasileira.
A reflexão sobre os dados coletados levou a pesquisadora a concluir que o espaço
escolar reproduz o modelo de beleza branca/européia, fazendo com que as crianças negras
recusem as características raciais do grupo negro.

“É, eu disse para ela (a professora) que eu não queria ser preta, eu queria ser como a Angélica.
Ela é bonita.” (CAVALLEIRO, 2001: p.146).
10

Evidenciou-se também o sofrimento da criança negra, exposta diariamente à violência,


de forma explícita ou simbólica, influenciando negativamente na construção de sua
identidade.
É fácil concluir, a partir dos relatos, que

a contribuição da escola tem sido, não de estimular o desenvolvimento de processos


identidários que façam da sociedade brasileira uma sociedade mais igualitária; ao contrário, a
escola reproduz e mantém a estrutura e o modelo de relações sociais vigentes, calcados na
percepção da diferença como sinônimo de inferioridade (FOGAÇA, 2006: p.44).

As pesquisas revelam o que o currículo não mostra: as relações raciais na escola não
são harmoniosas e necessitam ser modificadas, sob pena de continuarem produzindo e
reproduzindo desigualdades, a partir da inferiorização dos grupos não brancos.
Por outro lado, a história e cultura africana e afro-brasileira ainda está pouco presente
nos currículos escolares. Segundo Circe Bittencourt (2005), a concepção de História ensinada
é a de que indígenas e negros não possuem história, apenas influenciaram ou contribuíram
para a vida cultural brasileira, principalmente por meio de hábitos alimentares, música,
eventos esportivos.
Não se conta sobre os movimentos de resistência e de luta contra a escravidão
ocorridas no Brasil, como as revoltas dos Malês, da Balaiada, da Chibata, dos Búzios, nem
sobre a formação dos quilombos (SANTOS, 1997: p.78).
No entanto, muitos historiadores fazem a crítica de que a História do Brasil seja
ensinada na perspectiva de um passado único e homogêneo, ignorando os diferentes setores
sociais e étnicos da sociedade brasileira, atribuindo tal construção ao mito da democracia
racial criado para fundamentar a homogeneização cultural e omitir as diferenças e
desigualdades sociais. (BITTENCOURT, 2005: p 198-199).
O principal problema encontrado no processo de ensino de História Africana é relativo
aos preconceitos que se têm sobre a África. Para Henrique Cunha Júnior, “a imagem do
africano na nossa sociedade é a do selvagem acorrentado à miséria. Imagem construída pela
insistência e persistência das representações africanas como a terra dos macacos, dos leões,
dos homens nus e dos escravos” (CUNHA JR, 1997: p. 58).
Portanto, faz-se urgente aprofundar o conhecimento sobre a história e cultura africana
e afro-brasileira para compreendê-las no contexto da história geral da humanidade.
11

AS POLÍTICAS EDUCACIONAIS DO PARANÁ E A INSERÇÂO DOS


CONTEÚDOS REFERENTES ÀS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS E
HISTÓRIA E CULTURA AFRICANA E AFRO-BRASILEIRA

No Paraná, algumas ações e políticas têm sido implementadas pela SEED, desde a
aprovação da Lei 10639/03, a partir das discussões das entidades do Movimento Negro e da
APP-Sindicato. Constituiu-se uma comissão para discussão e encaminhamentos referentes à
temática das relações étnico-raciais na escola e o ensino de História e Cultura Afro-brasileira
e Africana. Resultou daí a elaboração de dois cadernos temáticos visando a divulgação da Lei
e das Diretrizes Curriculares Nacionais editadas pelo Conselho Nacional de Educação
(Parecer nº 003/2004, de 10 de março de 2004), das Normas Complementares elaboradas pelo
Conselho Estadual de Educação, bem como divulgar experiências desenvolvidas sobre a
temática nas escolas públicas estaduais.
Ao prefaciar o caderno temático “Educação para as Relações Étnico-Raciais”, a então
Superintendente de Educação, Drª. Yvelise Freitas de Souza Arco-Verde, explicita o
pensamento da SEED:

Tais conteúdos não se constituem como temas transversais, pois não são assuntos a serem
esporadicamente trabalhados na forma de projetos ou apenas durante dias específicos como o
Dia da Consciência Negra, são, sim, conforme indicam nossas Diretrizes, conteúdos que
devem ser trabalhados em todas as disciplinas da matriz curricular e assim devem estar
contemplados no Projeto Político-Pedagógico de cada instituição de ensino (ARCO-VERDE,
2006: p.7).

Em documento elaborado pela Coordenação de Gestão Escolar (CGE/SEED) para a


Semana Pedagógica Descentralizada nas escolas em julho de 2008, evidencia-se a forma de
implementação dos conteúdos referentes às questões étnico-raciais, dentro de uma visão de
currículo, conhecimento e conteúdo.

Em síntese, o currículo é a expressão das concepções (de homem, de mundo, de ensino e


aprendizagem, de método e de educação), das aspirações sobre a escola e seu papel social, das
práticas pedagógicas e das relações nela vividas. É, como conseqüência disto, a seleção
intencional de conteúdos, saberes e conhecimentos, os quais devem ser democratizados para
toda a população, uma vez que são requisitos mínimos para a participação consciente em uma
12

sociedade cada vez mais excludente, seletiva e contraditória (Orientações para a Organização
da Semana Pedagógica, 2008: p. 6).

Este mesmo texto revela claramente a discordância em relação aos Parâmetros


Curriculares Nacionais que trazem a temática das relações étnico-raciais como um tema
transversal, tratado como pluralidade cultural.

Sem dúvida, com estas atribuições a escola serviria de cortina de fumaça para camuflar as
reais condições estruturais sob as quais a sociedade e cada sujeito em si está condicionado.
Portanto, agrava-se o fato de pensar que, pedagogicamente, a pedagogia de projetos é tomada
como possibilidade de ensino, encobrindo a sistemática pontual que encerra em si mesma.
[...]
O modelo de organização curricular proposto pelos PCN, com base na pedagogia do aprender
a aprender, descentrou os conteúdos historicamente constituídos nas disciplinas escolares, por
meio dos quais a escola trabalha com o conhecimento para dar destaque a outros conteúdos,
chamados por Sacristan (2000) de ‘nebulosos e pouco claros’. (Idem, 2008: p. 8)

O texto expressa o entendimento de que, ao lado de outros assuntos como Estatuto da


Criança e do Adolescente, Estatuto do Idoso, violência e drogadição, a história e cultura
africana e afro-brasileira se insere entre os Desafios Educacionais Contemporâneos, os quais
têm uma historicidade ligada ao papel e à cobrança da sociedade civil organizada, em especial
dos movimentos sociais (p. 12).

É na categoria totalidade – condição de compreensão do conhecimento nas suas determinações


que as questões sociais, ambientais, econômicas, políticas e culturais podem e devem ser
tratadas. Nesta perspectiva, os ¨desafios educacionais” no currículo devem pressupor ser parte
desta totalidade.Portanto eles não podem se impor à disciplina numa relação artificial e
arbitrária, devem ser “chamados” pelo conteúdo da disciplina em seu contexto e não o
contrário, transversalizando-o ou secundarizando-o (p.12).

Se há o entendimento de que os citados desafios devem ser tratados de forma


curricular, é nas Diretrizes Curriculares que devem se inserir. Portanto, cabe analisar como as
relações étnico-raciais e o ensino de história e cultura africana e afro-brasileira, objeto deste
estudo, nelas são incorporados.
13

As diretrizes curriculares de História se organizam em três conteúdos estruturantes,


entendidos como conhecimentos que aproximam e organizam os campos da História e seus
objetos. São eles: relações de trabalho, relações de poder e relações culturais.

Por meio destes conteúdos estruturantes o professor deve discorrer acerca dos problemas
contemporâneos que representam demandas sociais concretas, alguns deles, inclusive, foram
estabelecidos em lei, tais como a inclusão das temáticas de História e Cultura Afro-Brasileira e
da História do Paraná (p. 33).

Esta forma de organização dos conteúdos permite a inclusão da história e cultura


africana e afro-brasileira naturalmente.
Nas diretrizes curriculares de Geografia a abordagem também é feita a partir de
conteúdos estruturantes, que se desdobram em conteúdos específicos, assim como as
diretrizes curriculares das outras disciplinas. Constituem-se conteúdos estruturantes: as
diversas dimensões do espaço geográfico: dimensão política, dimensão sócio-ambiental e a
dimensão cultural, na perspectiva da Geografia Crítica. Tal abordagem permite, se houver
interesse por parte do professor, incluir de forma mais sistemática a questão das relações
étnico-raciais.
Especificamente, no tratamento da metodologia, há referência à Lei 10639/03.

O professor de Geografia deve estar atento à Lei nº 10639/03, tornando obrigatório abordar
conteúdos que envolvam a temática da história e cultura afro-brasileira e africana que podem
ser vistas nas diferentes séries do Ensino Fundamental e Médio e relaciona-las aos conteúdos
estruturantes de forma contextualizada. O trabalho pedagógico com esta temática pode ser
feita, por exemplo, por meio de mapas, maquetes, textos, imagens, fotos que tragam
conhecimentos específicos tais como: a composição da população brasileira e miscigenação
dos povos; a distribuição espacial da população afrodescendente no Brasil e no mundo; as
contribuições do negro na construção cultural da nação brasileira; as migrações do povo
africano no tempo e no espaço; o trabalho e renda dos afrodescendentes.; a configuração
espacial do continente africano (Diretrizes de Geografia, p. 48).

Em Matemática, no trato das tendências metodológicas é colocada como possibilidade


a etnomatemática, a qual leva em consideração que não existe um único, mas vários e
distintos conhecimentos e nenhum é menos importante que o outro. As manifestações
14

matemáticas são percebidas por meio de diferentes teorias e práticas, das mais diversas áreas
que emergem dos ambientes culturais. (Diretrizes de Matemática, p.26)
A Educação Física traz como objeto de estudo a cultura corporal Quando trata sobre
cultura corporal e diversidade as diretrizes rezam que

Aulas de Educação Física podem revelar-se excelente oportunidade de relacionamento,


convívio e respeito entre as diferenças de desenvolvimento, de idéias e de valorização
humana, para que seja levado em conta o outro (Diretrizes de Educação Física, p. 29 ).

É usada nota de rodapé para lembrar sobre a obrigatoriedade legal em se trabalhar


conteúdos referentes às relações étnico-raciais.
Ao tratar sobre lutas, aparece capoeira como uma das possibilidades a serem
trabalhadas, ao lado do karatê, judô e outras lutas marciais orientais. Quando se refere às
danças, o texto menciona a dança afro-brasileira como sendo uma dança que retrata bem a
questão cultural (p. 42)
Nas diretrizes de Arte, a forma como se estruturam os conteúdos – elementos formais,
composição, movimentos e períodos - permite que se introduza a temática de cultura africana
e afro-brasileira nas artes visuais, dança e música.
Ao conceber como conteúdos estruturantes, mito e filosofia, teoria do conhecimento,
ética, filosofia política, filosofia da ciência e estética, o texto das diretrizes de Filosofia
justifica a dificuldade que seria trabalhar uma divisão geográfica devido à carência de
bibliografia sobre filosofia oriental e africana.
Na disciplina de Sociologia, ao tratar do conteúdo Direitos, cidadania e movimentos
sociais, as diretrizes propõem que “numa perspectiva crítica que contemple diferentes linhas
interpretativas, a análise sociológica da categoria trabalho, na contemporaneidade, deve
problematizar o lugar da mulher, do negro e do índio, ou seja, das denominadas minorias”
(Diretrizes de Filosofia, p. 51).
As diretrizes de Língua Estrangeira Moderna abrem alguma possibilidade de trabalhar
a temática racial ao colocar dentre os princípios que norteiam os fundamentos teórico-
metodológicos o direito à diversidade (cultural, identidária, lingüística), pautado no ensino de
línguas que não priorize a manutenção da hegemonia cultural (Diretrizes de Língua
Estrangeira Moderna, p. 18).
As diretrizes de Ciências, Química, Física, Biologia, Língua Portuguesa e Ensino
Religioso não trazem nenhuma referência à temática da Cultura africana e afro-brasileira.
15

Diante do que evidenciam as diretrizes, pode-se aferir que ainda não concretizam plenamente
a proposta da SEED.

AS VIVÊNCIAS NA ESCOLA PÚBLICA DO PARANÁ

Se nos documentos das diretrizes oficiais ainda não se concretizaram as políticas da


SEED voltadas para as relações étnico-raciais e ensino da história e cultura africana e afro-
brasileira, na prática escolar têm se realizado pelo empenho de alguns abnegados, na maioria
engajados nas lutas de entidades do Movimento Negro. Os contatos com professores e
pedagogos a partir do Grupo de Trabalho em Rede (GTR) e da implementação da proposta do
PDE na escola, revelam o que pensam e fazem os professores ao tratarem da questão.
A implementação no Colégio Enira Moraes Ribeiro de Paranavaí deu-se a partir de um
curso de 40 horas, com participação de professores de diferentes disciplinas. No curso foi
trabalhado o material didático “Educação das relações étnico-raciais na escola: desafios para a
implementação da Lei nº 10639/03” produzido para o PDE. Também foram estudadas as
diretrizes nacionais do Conselho Nacional de Educação e as normas complementares do
Conselho Estadual de Educação, os cadernos temáticos produzidos pela SEED, além de
textos de diversos autores, versando sobre o ensino de história e cultura africana e afro-
brasileira, Ao término do curso aferiu-se em que o mesmo contribuiu para a sensibilização e
formação de cada um dos participantes.
O registro da fala dos professores contribui para o entendimento da realidade escolar:

“Em capacitações realizadas na escola estudei sobre as relações étnico-raciais muito pouco.
Este curso contribuiu para adquirir conhecimento e desconstruir alguns mitos que são tão
fortes que surgem dificuldades para articular nossas informações” ( V.B.)

“O curso foi de grande importância, pois eu não tinha conhecimento de alguns assuntos
abordados nos encontros. Gostei de conhecer um pouco mais sobre as relações étnico-raciais e
cultura africana.” (E. V.)

“Eu não tinha a mínima noção da cultura africana, da sua importância para a construção do
povo brasileiro. Comecei a entender a História Africana e por que é tão importante que ela
seja ensinada nas escolas, universidades e movimentos sociais. (R. L.)
16

Quando Henrique Cunha diz “A África é do outro lado da rua e nos falta coragem para
atravessá-la” está dizendo a mais pura verdade. E também que a nossa pobreza foi
conseqüência de uma dominação escravista e racista que nos empobreceu sistematicamente
nos dois lados do Atlântico – me abre a cabeça para entender um pouco mais sobre as relações
étnico-raciais”. (S. C.)

“Achei que a contribuição que o curso trouxe no meu caso, foi poder analisar mais
intimamente a questão racial, não somente com relação aos outros, mas também a mim
mesmo. Isto poderá me ajudar certamente na minha relação com todos: professores e alunos,
nas relações do dia-a-dia, me tornando mais consciente.” (R. L)

“O curso foi muito importante para a minha formação docente. Pois a cada dia vivemos
diferentes situações em sala de aula e com o curso me sinto um pouco mais preparada para
resolver situações de preconceito.” (V. B.)
“O curso teve contribuições teóricas e fortalecimento de idéias e parâmetros para a prática
educativa. Como educadora posso refletir sobre as desigualdades sociais e contribuir para
desenvolver uma nova cultura, novas relações.” (V. B.)

“É preciso conhecer a verdadeira história da África para se desconstuir mitos e reconstruir a


verdadeira história, pois todo esse aprendizado foi baseado em uma história parcial, distorcida
e promotora do racismo. E cabe a nós, professores, dar início para que as gerações futuras
percebam o grande erro cometido.” (L. S. e M. A. Z.)

A partir dos estudos, os professores pensaram algumas atividades e conteúdos a serem


trabalhados.
No geral: organizar palestras e atividades culturais contemplando as relações étnico-
raciais para pais e alunos; capacitação de professores.
Arte: confecção de máscaras africanas; a influência dos negros na arte brasileira; as
danças africanas tradicionais e as danças contemporâneas de influência negra; negros de
destaque no esporte, dança, música, canto, teatro, cinema, televisão; símbolos gráficos –
Adinkra
Matemática: ensinar jogos do tipo Mankala; realizar campeonatos;
Química: incluir a África ao tratar sobre a história da química; produção de melanina.
Os depoimentos revelam a insegurança dos educadores frente ao desafio colocado e o
desejo de conhecer mais sobre a temática.
17

Os pedagogos e professores que participaram do Grupo de Trabalho em Rede também


demonstraram haver tentativas em realizar atividades que contemplem as relações étnico-
raciais e história e cultura africana e afro-brasileira, porém de forma esporádica, sem muita
sistematização. Nem todos conheciam as diretrizes curriculares nacionais emanadas pelo
Conselho Nacional de Educação nem os cadernos temáticos produzidos pela SEED. Ao
analisarem o Projeto Político Pedagógico de suas escolas perceberam que as relações étnico-
raciais não aparecem como um problema a ser enfrentado.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A realidade apresentada por meio dos estudos, reflexões e depoimentos mostra que a
escola reproduz as discriminações e preconceitos da sociedade nas suas relações sociais. Por
outro lado, existe um reconhecimento das desigualdades étnico-raciais e o desejo de
transformá-las por grande parte dos educadores, tanto daqueles que estão nas escolas quanto
os que estão na SEED, responsáveis pela gestão de políticas educacionais.
Também fica evidente que a maioria dos educadores, por não ter usufruído de tal
formação, não conhece questões relacionadas à África, nem a trajetória dos africanos e afro-
descendentes no Brasil, o que impossibilita trabalhar história e cultura africana e afro-
brasileira coerentemente, sem folclorismos.
Diante desta constatação, aponta-se para a necessidade de uma política de formação
mais intensa, que chegue a todos os educadores da rede pública estadual. Além disso, faz-se
necessário o acompanhamento sistemático dos Projetos Político-Pedagógicos e Propostas
Curriculares das escolas. A instituição de algum concurso (premiação) para professores que
apresentem trabalhos significativos com seus alunos poderia ser um incentivo a mais para a
concretização de políticas educacionais voltadas para a superação do racismo.
O presente trabalho se propôs a mostrar como é tratada a temática pela Lei nº
10639/03 pela SEED e como os professores e pedagogos têm interiorizado as propostas de
implementação. Descortina-se, a partir desta reflexão, um campo profícuo de pesquisa para se
desvendar como se dá a concretização das diretrizes curriculares nas práticas escolares da rede
pública estadual do Paraná.
18

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22
RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAS, HISTÓRIA, CULTURA AFRICANA E AFRO-
BRASILEIRA NA EDUCAÇÃO PÚBLICA: DA LEGALIDADE À REALIDADE1

Elvira Maria Isabel Jaroskevicz2

RESUMO

A Lei nº. 10639/03 alterou a Lei nº. 9394/96, a LDBEN (Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional), tornando obrigatória a inclusão nos currículos da Educação Básica a
História e Cultura Africana e Afro-brasileira. As Diretrizes Curriculares Nacionais, emanadas
pelo Conselho Nacional de Educação, ampliaram as discussões, incluindo a educação das
relações étnico-raciais. O que se pretende é analisar como se deu a educação da população
negra e afro-descendente ao longo do tempo e como se estabelecem hoje nas escolas as
relações Étnico-Raciais e o ensino de história e cultura africana e afro-brasileira. A partir daí,
verificar qual a proposta da SEED (Secretaria de Estado da Educação) Paraná para o
tratamento da temática étnico-racial e de que forma os educadores tem internalizado essas
propostas. Finalizando, aponta-se para os caminhos possíveis para a implementação da lei nas
escolas da rede pública estadual.

Palavras-chave: Educação. Relações étnico-raciais. História e cultura africana

1
Artigo orientado pela Profª. Drª. Fátima Maria Neves, da Universidade Estadual de Maringá.
fatimauem@hotmail.com
2
Pedagoga do Colégio Estadual Enira Moraes Ribeiro – EFMP, Paranavaí – PR, Professora PDE,
Turma 2007. prof_elvira@hotmail.com.
2

INTRODUÇÃO

A luta pela igualdade de direitos para a população afro-descendente no Brasil não


terminou com o fim do regime escravocrata. É aí que ela começa, pois a Lei Áurea e as outras
que a precederam não deram conta de assegurar direitos à população liberta e a seus
descendentes. Como afirma CUNHA

Além de sermos uma sociedade forjada na construção de um escravismo criminoso, a abolição


foi realizada sem uma ampla revisão de direitos e necessidades da população negra. Ao
contrário, as políticas republicanas sempre foram da “negação do Brasil” e da europeização do
país. As políticas cultural e educacional são exemplos importantes deste esforço, onde nós
encontramos uma constante “folclorização”, simplismos, desprezo e perseguição à cultura
africana e afrodescendente (CUNHA JUNIOR, 2008: p. 7).

Continuaram na marginalidade, sem direito à terra, trabalho digno, educação, saúde ou


habitação, constituindo a parcela mais empobrecida da população brasileira até hoje . Como
revelam as pesquisas recentes realizadas pelo IBGE:

As desigualdades raciais manifestas em todos os indicadores aqui analisados expressam a


recorrente exclusão social à qual homens e mulheres, identificados como pretos ou pardos, são
submetidos ao longo do percurso de suas vidas. Sistematicamente desfavorecidos quanto às
condições de moradia, assistência médico-sanitária, escolaridade, emprego e renda, para
mencionar os mais importantes fatores de exclusão, este segmento populacional de
ascendência africana e indígena também apresenta maiores níveis de mortalidade infantil,
menores valores de esperança de vida ao nascer, maiores índices de mortalidade de jovens e
maiores proporções de mortalidade de gestantes. (Síntese de Indicadores Sociais do
PNAD/IBGE 2007: p. 182).

Ao longo do tempo o Movimento Negro, pós-abolição encampou inúmeras lutas para


a formulação de atitudes em defesa da população negra, conforme descreve CUNHA
JUNIOR:

Um foco de origem dos movimentos sociais negros é resultante das ações sociais de luta pela
abolição do escravismo criminoso e da insatisfação dos resultados práticos da abolição. [...]
Outra origem que deve ser considerada ao aparecimento destes movimentos sociais no meio
negro foi o conjunto de políticas imigratórias européias que se configuravam como políticas
3

racistas contrárias aos interesses e à estabilidade social, econômica e política das populações
negras. Além destas organizações de protesto e formulação direta de luta política devemos
considerar a existência de instituições culturais e religiosas que defendem, de certa maneira, a
consolidação de uma expressão cultural negra. (CUNHA JUNIOR, 2008: p. 3)

Muitas vitórias foram conquistadas, sendo uma delas a aprovação da Lei 10639/03,
que altera a Lei nº. 9394/96, que estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional,
tornando obrigatório o ensino de História e Cultura Africana e Afro-brasileira na Educação
Básica. A Lei 10639/03 introduziu na LDEN a obrigatoriedade do ensino de história e cultura
africana afro-brasileira. Em março de 2008, entrou em vigor a Lei 11.465/08, que novamente
alterou o Art. 26-A da LDBEN, acrescentando a obrigatoriedade do estudo de História e
Cultura Indígena, juntamente com o estudo de Historia e Cultura Africana e Afro-brasileira.
Contudo há que se ressaltar que a Lei 10639/03 continua em vigor, mesmo com o advento a
Lei 11.645/08, e desse modo, como este trabalho se refere apenas à história e cultura africana
e afro-brasileira, será usada como referência a Lei 10639/03, sem desconsiderar as
modificações produzidas pela nova legislação.
A lei foi um passo importante e teve na seqüência a aprovação das Diretrizes
Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e o Ensino da História e Cultura
Africana e Afro-Brasileira pelo Conselho Nacional de Educação, traduzindo os princípios da
lei de forma a colaborar para a sua implementação nas escolas. No entanto, sabe-se do
desconhecimento dos professores em relação aos conteúdos exigidos pela lei.
“Todos são iguais perante a lei” é o que garante o Art. 5º da Constituição Federal,
prevendo não haver desiguais, mas diferentes. A escola é uma das instituições que deve
contribuir para o cumprimento da norma constitucional e para a mudança do quadro vigente,
sendo de sua competência respeitar matrizes culturais e construir identidades. Para tanto, faz-
se necessário repensar conceitos e verdades arraigados nos educadores.
Para isto, o parecer do Conselho Nacional de Educação, nas questões introdutórias,
esclarece que
procura oferecer uma resposta, entre outras, na área da educação, à demanda da população
afrodescendente, no sentido de políticas ações afirmativas, isto é, políticas de reparações e de
reconhecimento e valorização de sua história, cultura e identidade. Trata ele de política
curricular, fundada em dimensões históricas, sociais, antropológicas oriundas da realidade
brasileira, e busca combater o racismo e as discriminações que atingem particularmente os
negros. Nesta perspectiva, propõe a divulgação e produção de conhecimentos, a formação de
atitudes, posturas e valores que eduquem cidadãos orgulhosos de seu pertencimento étnico-
4

racial – descendentes de africanos, povos indígenas, descendentes de europeus, de asiáticos –


para interagirem na construção de uma nação democrática, em que todos, igualmente, tenham
seus direitos garantidos e sua identidade valorizada ( CNE/Parecer 03/04).
Em 2007, como proposta de trabalho para o Programa de desenvolvimento
Educacional (PDE), surgiu a possibilidade de aprofundar os estudos na temática e
acompanhar as políticas da SEED para a implementação da lei nas escolas da rede pública
estadual.
A militância na luta pela igualdade racial, há mais de uma década, além da vivência na
escola pública, possibilitaram a sensibilização para a temática e a reflexão a partir dos vários
autores que têm se dedicado ao estudo da educação das relações étnico-raciais e da história e
cultura africana e afro-brasileira.
A pretensão neste texto é fazer uma breve revisão de literatura enfocando a educação
do negro e as relações étnico-raciais na escola, analisar as propostas da SEED Secretaria de
Estado da Educação) para a implementação da lei e o registro sobre a visão dos educadores
nas escolas públicas estaduais, a partir dos relatos de professores e pedagogos participantes do
curso oferecido no Grupo de Trabalho em Rede (GTR) e na intervenção ocorrida na escola,
como atividades previstas no PDE (Programa de Desenvolvimento Educacional) da Secretaria
de Estado da Educação do Paraná.

REFLEXÕES SOBRE EDUCAÇÃO, RACISMO E ANTI-RACISMO.

A educação do negro: breve retrospectiva

Torna-se difícil resgatar a educação da população negra ao longo do tempo, pois a


História da Educação não tem contemplado a multiplicidade dos aspectos da vida social e da
riqueza cultural do povo brasileiro. Mariléia dos Santos Cruz, refletindo sobre o assunto,
aponta que

têm sido esquecidos os temas e as fontes históricas que poderiam nos ensinar sobre
experiências educativas, escolares ou não, dos indígenas e dos afro-brasileiros. O estudo, por
exemplo, da conquista da alfabetização por esse grupo; dos detalhes sobre a exclusão desses
setores das instituições escolares oficiais, dos mecanismos criados para a escolarização oficial;
da educação dos quilombos; da criação de escolas alternativas; da emergência de uma classe
média negra escolarizada no Brasil; ou das vivências nas primeiras escolas oficiais que
5

aceitaram negros são temas que, além de terem sido desconsiderados no relato da história
oficial da educação, estão sujeitos ao desaparecimento. (CRUZ, 2005: p. 22-23).

A influência da Nova História Cultural no campo da História da Educação permitiu


incorporar categorias teorizadas em outros campos, passando a ser “consideradas
imprescindíveis para entender o passado dos fenômenos educativos, como as de gênero, de
etnia e de geração, ao lado da classe social, já consagrada pelos estudos marxistas.” (LOPES e
GALVÃO, 2001: p. 41).

Por muito tempo, não se perguntou, por exemplo, sobre a educação dos negros, dos indígenas
ou sobre as especificidades da educação feminina nos diferentes momentos do passado. Hoje,
essas questões são fundamentais para o entendimento do que foi, do que é a educação
brasileira. Mesmo assim muitos ainda teimam em não querer enxergar que são profundamente
diferentes as histórias da educação do homem e da mulher, da criança e do adulto, do negro,
do branco, do indígena e do judeu... Enxergar o “outro” continua exigindo um grande esforço
principalmente para os que não ocuparam o lugar dos que pouco puderam falar ou escrever ao
longo da história (LOPES e GALVÃO, 2001: p. 41).

Alguns estudiosos, na maioria afro-brasileiros, têm se dedicado à pesquisa de fontes


que possam elucidar a história que insiste em não ser contada.
Mário Maestri aponta que, ao chegarem, os escravizados iniciavam sua instrução para
o trabalho agrícola ou outro a que fosse servir, não havendo preocupação nem em ensinar-lhes
a língua, sendo obrigados a aprender por imitação. Na cidade havia um ambiente mais
propício para uma educação formal e informal, pois era lucrativo ter um escravo que soubesse
algum ofício, para alugá-lo. Isso fez com que muitos aprendessem a ler, escrever e contar.
(MAESTRI, 2004: p.195).
A Constituição de 1824 coibia o ingresso da população escrava nas escolas (art. 6º,
item I) a qual se restringia a brasileiros e os escravos eram na maioria africanos de
nascimento. A Reforma Couto Ferraz (decreto nº. 1.331 de 17 de fevereiro de 1854) institui a
obrigatoriedade da escola primária para crianças de 7 anos. Cabe, no entanto, ressaltar dois
pontos relevantes na lei: não seriam admitidas crianças com doenças contagiosas e nem
escravas. Além disso, não havia previsão para a educação de adultos. (SILVA e ARAÚJO,
2005: p. 68).
Os Anais dos Congressos Agrícolas são fontes imprescindível para elucidar o
momento de transição do trabalho escravo para o trabalho livre, mostrando as divergências
6

entre os que defendiam a educação dos nacionais (ex-escravos e descendentes) e os que


defendiam a entrada de imigrantes chineses ou europeus para suprir a escassez de braços
oriunda das transformações em processo. Os que defendiam o aproveitamento da mão-de-obra
nacional preocupavam-se com a criação de escolas para treinamento, uma vez que libertos os
escravos o seu encaminhamento para o trabalho livre precisaria se dar pela persuasão
(SCHELBAUER, 1998: p.38).
De acordo com a autora, “apesar dessa crença, a escola voltada para o treinamento de
mão-de-obra assalariada não se efetivou, e, surpreendentemente, essas discussões
desaparecem, de maneira simultânea à abolição definitiva” (SCHELBAUER, 1998: p.52).
É notório que, resolvida a questão da mão-de-obra pela entrada de imigrantes
europeus, a educação da população negra foi esquecida. Muitas tentativas de regulamentação
do ensino público foram feitas após a abolição, em 1888, no entanto, pelo teor de tais
reformas

deduz-se que a população negra teve presença sistematicamente negada na escola: a


universalização ao acesso e a gratuidade escolar legitimaram uma “aparente” democratização;
porém, na realidade, negaram as condições objetivas e materiais que facilitassem aos negros
recém-egressos do cativeiro e seus descendentes um projeto educacional, seja este universal
ou específico. (SILVA e ARAÚJO, 2005: p. 71).
Somente ao final do século XIX, com o advento do ensino popular e o ensino
profissionalizante é que a população negra tem oportunidades concretas de escolarização. A
educação popular se estabeleceu em grupos escolares urbanos e escolas isoladas nos bairros
operários e fazendas. O ensino profissionalizante vem pela criação das primeiras escolas, por
decreto de Nilo Peçanha, objetivando a formação de um mercado interno de mão-de-obra.
(SILVA e ARAÚJO, 2005: p. 72).
Apesar das circunstâncias sociais que mantinham o negro fora da escola , o ensino
profissionalizante propiciou a escolarização profissional e superior de uma pequena parcela da
população negra. Esta população negra intelectualizada propiciou o surgimento dos
movimentos negros, sendo a Frente Negra Brasileira, fundada em 1931, o maior e mais amplo
movimento negro, tendo inclusive implantado uma escola em sua sede no centro de São Paulo
(IDEM: p. 73).
Além da Frente Negra, outra experiência importante, a partir dos próprios negros, foi
o Teatro Experimental do Negro (TEN) criado no Rio de Janeiro em outubro de 1944,
proposto por Abdias do Nascimento. A educação no TEN não se limitou à escolarização,
7

sendo incorporada a perspectiva emancipatória do negro no seu percurso político e consciente


de inserção no mercado de trabalho; na dimensão da educação política. O sentido de ser negro
foi colocado na perspectiva da negação da suposta inferioridade natural dos negros.
(ROMÃO, 2005: p. 119)
Em 1961 é promulgada a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(Lei nº. 4024/61) onde está posto no Título I – Dos Fins da Educação – Art. 1º - alínea g, a
condenação a qualquer tratamento desigual por motivo de convicção filosófica, política ou
religiosa, bem como quaisquer preconceitos de classe ou raça. Na verdade ficou mais como
discurso, não havendo ênfase na escola para todos. (DIAS, 2005, p. 52). A Lei 5692/71 que
reformou a LDBEN de 1961 manteve no texto a condenação ao preconceito de raça.
Quanto à Lei 5692/96, o processo foi diferente, já que ocorreu após a promulgação da
Constituição de 1988, no momento de pós-abertura política, com ampla movimentação da
sociedade civil. Em seu Art. 26, §4º, lê-se que o Ensino de História do Brasil levará em conta
as contribuições das diferentes culturas e etnias para a formação do povo brasileiro,
especialmente as de matriz indígena, africana e européia. (IDEM: 2005, p. 57).
A Lei 10639/03 alterou a Lei 5.692/96 em seus artigos 26 e 79, tornando obrigatório o
ensino de História e Cultura Africana e Afro-Brasileira e estabelecendo a inclusão no
calendário escolar de 20 de novembro como ‘Dia Nacional da Consciência Negra”. Na
seqüência, o Conselho Nacional de Educação aprovou as Diretrizes Nacionais para a
Educação das Relações Étnico-Raciais e para o ensino de História e Cultura Africana e Afro-
Brasileira.
Em 2008, a Lei 11.465/08 dá nova redação ao Art. 26-A da LDBEN, incluindo a
obrigatoriedade do estudo da História e Cultura Indígena.
Este breve relato objetiva mostrar a lentidão com que se caminha na conquista do
direito á educação para a população negra no Brasil. 120 anos se passaram desde a abolição
dos escravos e “seus descendentes ainda reivindicam medidas compensatórias na área
educacional, capazes de eliminar os efeitos persistentes das barreiras impostas no passado e
equiparar as oportunidades de desenvolvimento que deveriam ser oferecidas a todos” (SILVA
e ARAÚJO, 2005: p. 75)

Apontamentos sobre as relações étnico-raciais na escola pública e o ensino de


história e cultura africana e afro-brasileira
8

Depois de muitas interdições, a massificação da escola pública permitiu a presença da


população afro-brasileira. Porém, os dados sobre a escolaridade das crianças de ascendência
africana sugerem que a sua vida escolar é mais difícil e acidentada que a das brancas.
Dados da Síntese de Índices Sociais de 2007, baseada em dados coletados pelo
IBGE/PNAD coletados em 2006 revela que as desigualdades sociais se agravaram entre
brancos e negros na última década. Diz o documento que em relação à educação

as taxas de analfabetismo, de analfabetismo funcional e de freqüência escolar continuam


apresentando diferenças significativas entre os níveis apresentados pela população branca,
sempre favorecida, e os da população preta e parda. Em números absolutos, em 2006, entre
cerca de 15 milhões de analfabetos brasileiros se encontram mais de 10 milhões de pretos e
pardos, mostrando a gravidade deste problema para este segmento da população. As taxas de
analfabetismo para a população de 15 anos ou mais de idade foram de 6,5% para brancos e de
mais que o dobro, 14%, para pretos e pardos.
A taxa de analfabetismo funcional também é muito menor para brancos. O indicador de média
de anos de estudo da população de 15 anos ou mais de idade mostra uma vantagem de 2 anos
para brancos, com 8,1 anos de estudos, em relação a pretos e pardos, com 6,2 anos, diferença
que vem se mantendo constante ao longo dos anos segundo as informações disponíveis. Outro
indicador, o da distribuição por cor ou raça da população que freqüenta escola com idades
entre 18 e 24 anos mostra também significativas diferenças entre os grupos analisados.
Enquanto o percentual de brancos que aparecem como estudantes de nível superior ou terceiro
grau é de 56%, o de pretos e pardos apenas alcança 22%, mostrando a enorme diferença de
acesso e permanência dos grupos raciais neste nível de estudo. (IBGE/PNAD – Síntese de
Dados Sociais 2007: p. 182, 183).

Para Elizabeth Fernandes de Souza, compreender como se dão as relações no interior


da escola é fundamental à pesquisa, pois a escola é o lócus de relações sociais que estruturam
e marcam o processo de socialização. Moldam-se comportamentos e estruturam-se formas de
agir a partir do que é aprendido e internalizado desde a mais tenra infância (SOUZA, 2001: p.
61).
Diante de tais preocupações, pesquisadores têm se voltado à tarefa de desvendar como
se dão as relações raciais no interior das escolas. Consuelo Dores Silva analisou como se
processam as relações sociais entre alunos de etnias diferentes e como esta relação interfere
na constituição da identidade e na auto-representação dos alunos negros no interior de uma
escola pública de um bairro periférico de Belo Horizonte (SILVA, 1995: p.20).
9

As falas coletadas tornam visíveis tais relações. As crianças e adolescentes negros


queixaram-se dos constantes nomes com que eram apelidados, em suas interações com os
colegas.
“Quando alguma pessoa coloca apelido em mim, eu me sinto humilhada e triste. Vou
dar alguns apelidos: nega, urubu, filha do Mussum. Quem me chama dessas coisas é o T.
(Sujeito D. M.)
“F. me chama de negra, diz que o meu nome é nome de escrava. Quando ele passa
perto da minha casa, grita meu nome e me ofende com palavras.” (S.M.)
A redação proposta pela pesquisadora mostra o desconforto por não serem tratados
pelo nome.
“Gostaria de ser alto e bonito, forte e não queria ter defeito, porque os meninos fica
mexendo comigo.”
“Eles fica me chamando de beiçudo e eu queria ter o lábio certo.”
(Redação do sujeito R. S.)
A autora, analisando os dados, expõe:

Através desta investigação, observamos que este ideal de brancura induz o sujeito negro, aqui
representado pelos alunos não-brancos, à rejeição de sua cor e de suas características físicas
raciais, como pudemos captar durante as entrevistas e na análise de redações (IDEM: p. 108).

Eliane Cavalleiro, por sua vez, pesquisou, no ano de 1998, a realidade escolar de uma
escola municipal de educação infantil na cidade de São Paulo. A pesquisadora trabalhou em
duas etapas. Primeiramente observou, em três salas de aula, alguns procedimentos de crianças
e adultos diante da diversidade racial, valores atribuídos pelos professores de educação
infantil aos seus alunos e os valores atribuídos pelas crianças a seus pares; atitudes e práticas
evidenciadoras da presença de discriminação e preconceito na pré-escola. Em uma segunda
etapa foram entrevistados profissionais da escola, alunos e familiares, a fim de levantar os
efeitos das relações sociais na vida dos entrevistados e na sociedade brasileira.
A reflexão sobre os dados coletados levou a pesquisadora a concluir que o espaço
escolar reproduz o modelo de beleza branca/européia, fazendo com que as crianças negras
recusem as características raciais do grupo negro.

“É, eu disse para ela (a professora) que eu não queria ser preta, eu queria ser como a Angélica.
Ela é bonita.” (CAVALLEIRO, 2001: p.146).
10

Evidenciou-se também o sofrimento da criança negra, exposta diariamente à violência,


de forma explícita ou simbólica, influenciando negativamente na construção de sua
identidade.
É fácil concluir, a partir dos relatos, que

a contribuição da escola tem sido, não de estimular o desenvolvimento de processos


identidários que façam da sociedade brasileira uma sociedade mais igualitária; ao contrário, a
escola reproduz e mantém a estrutura e o modelo de relações sociais vigentes, calcados na
percepção da diferença como sinônimo de inferioridade (FOGAÇA, 2006: p.44).

As pesquisas revelam o que o currículo não mostra: as relações raciais na escola não
são harmoniosas e necessitam ser modificadas, sob pena de continuarem produzindo e
reproduzindo desigualdades, a partir da inferiorização dos grupos não brancos.
Por outro lado, a história e cultura africana e afro-brasileira ainda está pouco presente
nos currículos escolares. Segundo Circe Bittencourt (2005), a concepção de História ensinada
é a de que indígenas e negros não possuem história, apenas influenciaram ou contribuíram
para a vida cultural brasileira, principalmente por meio de hábitos alimentares, música,
eventos esportivos.
Não se conta sobre os movimentos de resistência e de luta contra a escravidão
ocorridas no Brasil, como as revoltas dos Malês, da Balaiada, da Chibata, dos Búzios, nem
sobre a formação dos quilombos (SANTOS, 1997: p.78).
No entanto, muitos historiadores fazem a crítica de que a História do Brasil seja
ensinada na perspectiva de um passado único e homogêneo, ignorando os diferentes setores
sociais e étnicos da sociedade brasileira, atribuindo tal construção ao mito da democracia
racial criado para fundamentar a homogeneização cultural e omitir as diferenças e
desigualdades sociais. (BITTENCOURT, 2005: p 198-199).
O principal problema encontrado no processo de ensino de História Africana é relativo
aos preconceitos que se têm sobre a África. Para Henrique Cunha Júnior, “a imagem do
africano na nossa sociedade é a do selvagem acorrentado à miséria. Imagem construída pela
insistência e persistência das representações africanas como a terra dos macacos, dos leões,
dos homens nus e dos escravos” (CUNHA JR, 1997: p. 58).
Portanto, faz-se urgente aprofundar o conhecimento sobre a história e cultura africana
e afro-brasileira para compreendê-las no contexto da história geral da humanidade.
11

AS POLÍTICAS EDUCACIONAIS DO PARANÁ E A INSERÇÂO DOS


CONTEÚDOS REFERENTES ÀS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS E
HISTÓRIA E CULTURA AFRICANA E AFRO-BRASILEIRA

No Paraná, algumas ações e políticas têm sido implementadas pela SEED, desde a
aprovação da Lei 10639/03, a partir das discussões das entidades do Movimento Negro e da
APP-Sindicato. Constituiu-se uma comissão para discussão e encaminhamentos referentes à
temática das relações étnico-raciais na escola e o ensino de História e Cultura Afro-brasileira
e Africana. Resultou daí a elaboração de dois cadernos temáticos visando a divulgação da Lei
e das Diretrizes Curriculares Nacionais editadas pelo Conselho Nacional de Educação
(Parecer nº 003/2004, de 10 de março de 2004), das Normas Complementares elaboradas pelo
Conselho Estadual de Educação, bem como divulgar experiências desenvolvidas sobre a
temática nas escolas públicas estaduais.
Ao prefaciar o caderno temático “Educação para as Relações Étnico-Raciais”, a então
Superintendente de Educação, Drª. Yvelise Freitas de Souza Arco-Verde, explicita o
pensamento da SEED:

Tais conteúdos não se constituem como temas transversais, pois não são assuntos a serem
esporadicamente trabalhados na forma de projetos ou apenas durante dias específicos como o
Dia da Consciência Negra, são, sim, conforme indicam nossas Diretrizes, conteúdos que
devem ser trabalhados em todas as disciplinas da matriz curricular e assim devem estar
contemplados no Projeto Político-Pedagógico de cada instituição de ensino (ARCO-VERDE,
2006: p.7).

Em documento elaborado pela Coordenação de Gestão Escolar (CGE/SEED) para a


Semana Pedagógica Descentralizada nas escolas em julho de 2008, evidencia-se a forma de
implementação dos conteúdos referentes às questões étnico-raciais, dentro de uma visão de
currículo, conhecimento e conteúdo.

Em síntese, o currículo é a expressão das concepções (de homem, de mundo, de ensino e


aprendizagem, de método e de educação), das aspirações sobre a escola e seu papel social, das
práticas pedagógicas e das relações nela vividas. É, como conseqüência disto, a seleção
intencional de conteúdos, saberes e conhecimentos, os quais devem ser democratizados para
toda a população, uma vez que são requisitos mínimos para a participação consciente em uma
12

sociedade cada vez mais excludente, seletiva e contraditória (Orientações para a Organização
da Semana Pedagógica, 2008: p. 6).

Este mesmo texto revela claramente a discordância em relação aos Parâmetros


Curriculares Nacionais que trazem a temática das relações étnico-raciais como um tema
transversal, tratado como pluralidade cultural.

Sem dúvida, com estas atribuições a escola serviria de cortina de fumaça para camuflar as
reais condições estruturais sob as quais a sociedade e cada sujeito em si está condicionado.
Portanto, agrava-se o fato de pensar que, pedagogicamente, a pedagogia de projetos é tomada
como possibilidade de ensino, encobrindo a sistemática pontual que encerra em si mesma.
[...]
O modelo de organização curricular proposto pelos PCN, com base na pedagogia do aprender
a aprender, descentrou os conteúdos historicamente constituídos nas disciplinas escolares, por
meio dos quais a escola trabalha com o conhecimento para dar destaque a outros conteúdos,
chamados por Sacristan (2000) de ‘nebulosos e pouco claros’. (Idem, 2008: p. 8)

O texto expressa o entendimento de que, ao lado de outros assuntos como Estatuto da


Criança e do Adolescente, Estatuto do Idoso, violência e drogadição, a história e cultura
africana e afro-brasileira se insere entre os Desafios Educacionais Contemporâneos, os quais
têm uma historicidade ligada ao papel e à cobrança da sociedade civil organizada, em especial
dos movimentos sociais (p. 12).

É na categoria totalidade – condição de compreensão do conhecimento nas suas determinações


que as questões sociais, ambientais, econômicas, políticas e culturais podem e devem ser
tratadas. Nesta perspectiva, os ¨desafios educacionais” no currículo devem pressupor ser parte
desta totalidade.Portanto eles não podem se impor à disciplina numa relação artificial e
arbitrária, devem ser “chamados” pelo conteúdo da disciplina em seu contexto e não o
contrário, transversalizando-o ou secundarizando-o (p.12).

Se há o entendimento de que os citados desafios devem ser tratados de forma


curricular, é nas Diretrizes Curriculares que devem se inserir. Portanto, cabe analisar como as
relações étnico-raciais e o ensino de história e cultura africana e afro-brasileira, objeto deste
estudo, nelas são incorporados.
13

As diretrizes curriculares de História se organizam em três conteúdos estruturantes,


entendidos como conhecimentos que aproximam e organizam os campos da História e seus
objetos. São eles: relações de trabalho, relações de poder e relações culturais.

Por meio destes conteúdos estruturantes o professor deve discorrer acerca dos problemas
contemporâneos que representam demandas sociais concretas, alguns deles, inclusive, foram
estabelecidos em lei, tais como a inclusão das temáticas de História e Cultura Afro-Brasileira e
da História do Paraná (p. 33).

Esta forma de organização dos conteúdos permite a inclusão da história e cultura


africana e afro-brasileira naturalmente.
Nas diretrizes curriculares de Geografia a abordagem também é feita a partir de
conteúdos estruturantes, que se desdobram em conteúdos específicos, assim como as
diretrizes curriculares das outras disciplinas. Constituem-se conteúdos estruturantes: as
diversas dimensões do espaço geográfico: dimensão política, dimensão sócio-ambiental e a
dimensão cultural, na perspectiva da Geografia Crítica. Tal abordagem permite, se houver
interesse por parte do professor, incluir de forma mais sistemática a questão das relações
étnico-raciais.
Especificamente, no tratamento da metodologia, há referência à Lei 10639/03.

O professor de Geografia deve estar atento à Lei nº 10639/03, tornando obrigatório abordar
conteúdos que envolvam a temática da história e cultura afro-brasileira e africana que podem
ser vistas nas diferentes séries do Ensino Fundamental e Médio e relaciona-las aos conteúdos
estruturantes de forma contextualizada. O trabalho pedagógico com esta temática pode ser
feita, por exemplo, por meio de mapas, maquetes, textos, imagens, fotos que tragam
conhecimentos específicos tais como: a composição da população brasileira e miscigenação
dos povos; a distribuição espacial da população afrodescendente no Brasil e no mundo; as
contribuições do negro na construção cultural da nação brasileira; as migrações do povo
africano no tempo e no espaço; o trabalho e renda dos afrodescendentes.; a configuração
espacial do continente africano (Diretrizes de Geografia, p. 48).

Em Matemática, no trato das tendências metodológicas é colocada como possibilidade


a etnomatemática, a qual leva em consideração que não existe um único, mas vários e
distintos conhecimentos e nenhum é menos importante que o outro. As manifestações
14

matemáticas são percebidas por meio de diferentes teorias e práticas, das mais diversas áreas
que emergem dos ambientes culturais. (Diretrizes de Matemática, p.26)
A Educação Física traz como objeto de estudo a cultura corporal Quando trata sobre
cultura corporal e diversidade as diretrizes rezam que

Aulas de Educação Física podem revelar-se excelente oportunidade de relacionamento,


convívio e respeito entre as diferenças de desenvolvimento, de idéias e de valorização
humana, para que seja levado em conta o outro (Diretrizes de Educação Física, p. 29 ).

É usada nota de rodapé para lembrar sobre a obrigatoriedade legal em se trabalhar


conteúdos referentes às relações étnico-raciais.
Ao tratar sobre lutas, aparece capoeira como uma das possibilidades a serem
trabalhadas, ao lado do karatê, judô e outras lutas marciais orientais. Quando se refere às
danças, o texto menciona a dança afro-brasileira como sendo uma dança que retrata bem a
questão cultural (p. 42)
Nas diretrizes de Arte, a forma como se estruturam os conteúdos – elementos formais,
composição, movimentos e períodos - permite que se introduza a temática de cultura africana
e afro-brasileira nas artes visuais, dança e música.
Ao conceber como conteúdos estruturantes, mito e filosofia, teoria do conhecimento,
ética, filosofia política, filosofia da ciência e estética, o texto das diretrizes de Filosofia
justifica a dificuldade que seria trabalhar uma divisão geográfica devido à carência de
bibliografia sobre filosofia oriental e africana.
Na disciplina de Sociologia, ao tratar do conteúdo Direitos, cidadania e movimentos
sociais, as diretrizes propõem que “numa perspectiva crítica que contemple diferentes linhas
interpretativas, a análise sociológica da categoria trabalho, na contemporaneidade, deve
problematizar o lugar da mulher, do negro e do índio, ou seja, das denominadas minorias”
(Diretrizes de Filosofia, p. 51).
As diretrizes de Língua Estrangeira Moderna abrem alguma possibilidade de trabalhar
a temática racial ao colocar dentre os princípios que norteiam os fundamentos teórico-
metodológicos o direito à diversidade (cultural, identidária, lingüística), pautado no ensino de
línguas que não priorize a manutenção da hegemonia cultural (Diretrizes de Língua
Estrangeira Moderna, p. 18).
As diretrizes de Ciências, Química, Física, Biologia, Língua Portuguesa e Ensino
Religioso não trazem nenhuma referência à temática da Cultura africana e afro-brasileira.
15

Diante do que evidenciam as diretrizes, pode-se aferir que ainda não concretizam plenamente
a proposta da SEED.

AS VIVÊNCIAS NA ESCOLA PÚBLICA DO PARANÁ

Se nos documentos das diretrizes oficiais ainda não se concretizaram as políticas da


SEED voltadas para as relações étnico-raciais e ensino da história e cultura africana e afro-
brasileira, na prática escolar têm se realizado pelo empenho de alguns abnegados, na maioria
engajados nas lutas de entidades do Movimento Negro. Os contatos com professores e
pedagogos a partir do Grupo de Trabalho em Rede (GTR) e da implementação da proposta do
PDE na escola, revelam o que pensam e fazem os professores ao tratarem da questão.
A implementação no Colégio Enira Moraes Ribeiro de Paranavaí deu-se a partir de um
curso de 40 horas, com participação de professores de diferentes disciplinas. No curso foi
trabalhado o material didático “Educação das relações étnico-raciais na escola: desafios para a
implementação da Lei nº 10639/03” produzido para o PDE. Também foram estudadas as
diretrizes nacionais do Conselho Nacional de Educação e as normas complementares do
Conselho Estadual de Educação, os cadernos temáticos produzidos pela SEED, além de
textos de diversos autores, versando sobre o ensino de história e cultura africana e afro-
brasileira, Ao término do curso aferiu-se em que o mesmo contribuiu para a sensibilização e
formação de cada um dos participantes.
O registro da fala dos professores contribui para o entendimento da realidade escolar:

“Em capacitações realizadas na escola estudei sobre as relações étnico-raciais muito pouco.
Este curso contribuiu para adquirir conhecimento e desconstruir alguns mitos que são tão
fortes que surgem dificuldades para articular nossas informações” ( V.B.)

“O curso foi de grande importância, pois eu não tinha conhecimento de alguns assuntos
abordados nos encontros. Gostei de conhecer um pouco mais sobre as relações étnico-raciais e
cultura africana.” (E. V.)

“Eu não tinha a mínima noção da cultura africana, da sua importância para a construção do
povo brasileiro. Comecei a entender a História Africana e por que é tão importante que ela
seja ensinada nas escolas, universidades e movimentos sociais. (R. L.)
16

Quando Henrique Cunha diz “A África é do outro lado da rua e nos falta coragem para
atravessá-la” está dizendo a mais pura verdade. E também que a nossa pobreza foi
conseqüência de uma dominação escravista e racista que nos empobreceu sistematicamente
nos dois lados do Atlântico – me abre a cabeça para entender um pouco mais sobre as relações
étnico-raciais”. (S. C.)

“Achei que a contribuição que o curso trouxe no meu caso, foi poder analisar mais
intimamente a questão racial, não somente com relação aos outros, mas também a mim
mesmo. Isto poderá me ajudar certamente na minha relação com todos: professores e alunos,
nas relações do dia-a-dia, me tornando mais consciente.” (R. L)

“O curso foi muito importante para a minha formação docente. Pois a cada dia vivemos
diferentes situações em sala de aula e com o curso me sinto um pouco mais preparada para
resolver situações de preconceito.” (V. B.)
“O curso teve contribuições teóricas e fortalecimento de idéias e parâmetros para a prática
educativa. Como educadora posso refletir sobre as desigualdades sociais e contribuir para
desenvolver uma nova cultura, novas relações.” (V. B.)

“É preciso conhecer a verdadeira história da África para se desconstuir mitos e reconstruir a


verdadeira história, pois todo esse aprendizado foi baseado em uma história parcial, distorcida
e promotora do racismo. E cabe a nós, professores, dar início para que as gerações futuras
percebam o grande erro cometido.” (L. S. e M. A. Z.)

A partir dos estudos, os professores pensaram algumas atividades e conteúdos a serem


trabalhados.
No geral: organizar palestras e atividades culturais contemplando as relações étnico-
raciais para pais e alunos; capacitação de professores.
Arte: confecção de máscaras africanas; a influência dos negros na arte brasileira; as
danças africanas tradicionais e as danças contemporâneas de influência negra; negros de
destaque no esporte, dança, música, canto, teatro, cinema, televisão; símbolos gráficos –
Adinkra
Matemática: ensinar jogos do tipo Mankala; realizar campeonatos;
Química: incluir a África ao tratar sobre a história da química; produção de melanina.
Os depoimentos revelam a insegurança dos educadores frente ao desafio colocado e o
desejo de conhecer mais sobre a temática.
17

Os pedagogos e professores que participaram do Grupo de Trabalho em Rede também


demonstraram haver tentativas em realizar atividades que contemplem as relações étnico-
raciais e história e cultura africana e afro-brasileira, porém de forma esporádica, sem muita
sistematização. Nem todos conheciam as diretrizes curriculares nacionais emanadas pelo
Conselho Nacional de Educação nem os cadernos temáticos produzidos pela SEED. Ao
analisarem o Projeto Político Pedagógico de suas escolas perceberam que as relações étnico-
raciais não aparecem como um problema a ser enfrentado.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A realidade apresentada por meio dos estudos, reflexões e depoimentos mostra que a
escola reproduz as discriminações e preconceitos da sociedade nas suas relações sociais. Por
outro lado, existe um reconhecimento das desigualdades étnico-raciais e o desejo de
transformá-las por grande parte dos educadores, tanto daqueles que estão nas escolas quanto
os que estão na SEED, responsáveis pela gestão de políticas educacionais.
Também fica evidente que a maioria dos educadores, por não ter usufruído de tal
formação, não conhece questões relacionadas à África, nem a trajetória dos africanos e afro-
descendentes no Brasil, o que impossibilita trabalhar história e cultura africana e afro-
brasileira coerentemente, sem folclorismos.
Diante desta constatação, aponta-se para a necessidade de uma política de formação
mais intensa, que chegue a todos os educadores da rede pública estadual. Além disso, faz-se
necessário o acompanhamento sistemático dos Projetos Político-Pedagógicos e Propostas
Curriculares das escolas. A instituição de algum concurso (premiação) para professores que
apresentem trabalhos significativos com seus alunos poderia ser um incentivo a mais para a
concretização de políticas educacionais voltadas para a superação do racismo.
O presente trabalho se propôs a mostrar como é tratada a temática pela Lei nº
10639/03 pela SEED e como os professores e pedagogos têm interiorizado as propostas de
implementação. Descortina-se, a partir desta reflexão, um campo profícuo de pesquisa para se
desvendar como se dá a concretização das diretrizes curriculares nas práticas escolares da rede
pública estadual do Paraná.
18

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22
IDENTIDADE E DIFERENÇA NOS ESPAÇOS EDUCATIVOS
INFANTIS
Edmacy Quirina de Souza macy.souza@hotmail.com
Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, Brazil
Nilson Fernandes Dinis ndinis@ufscar.br
Universidade Federal de São Carlos, Brazil
Revista Práxis Educacional, vol. 17, núm. 44, pp. 423-442, 2021

INTRODUÇÃO

Identidade e diferença são temas que se encontram em voga. Identidade docente,


identidade cultural, identidade negra, identidade do trabalhador, identidade sexual, ou
respeito às diferenças, valorização das diferenças. Enfim, os conceitos identidade e
diferença apresentam diversas ramificações.
Neste estudo, propomos uma análise do conceito de identidade racial no contexto
escolar, apoiado nas imagens (fotos de painéis, gravuras) coletas nas instituições de
educação infantil. Propomos discuti-los como constitutivos do espaço educativo,
possibilitando desconstruir discursos homogeneizadores que sedimentam preconceitos no
interior da escola. Numa aproximação com os Estudos Culturais, "compreendem-se os
sujeitos como tendo identidades plurais, múltiplas; identidades que se transformam, que
não são fixas ou permanentes, que podem até mesmo ser contraditórias" (LOURO, 2012,
p. 28).
O Dicionário Analógico da Língua Portuguesa: ideias afins traz o significado de
identidade como um conjunto de caracteres próprios, exclusivos de uma pessoa; fazer de
duas coisas ou mais uma só. Apresenta igualdade, semelhança, autenticidade,
conformidade, aderência, como palavras sinônimas de identidade o que nos faz pensar
que identidade não comporta uma única significação e que se altera de acordo com o
contexto histórico e cultural. Nesse dicionário, diferença, por sua vez, é aquilo capaz de
distinguir uma coisa da outra; característica do que é diferente, desprovido de semelhança;
que não possui nem demonstra igualdade; qualidade do que é diverso ou díspar; em que
há diversidade; heterogeneidade (DICIONÁRIO, 2010).
A racionalidade ocidental, arquitetada pela ciência moderna, nos conduz a uma
busca constante de referências que servem de apoio ao estabelecimento de uma identidade
fixa, inabalável e universal, ou seja, uma identidade do sujeito do sexo masculino e
branco. Aprendemos com Hall (2004) que as velhas identidades já não dão conta de uma
ancoragem estável e segura; há, hoje, o que ele chama de “crise de identidade”. Em
algumas perspectivas tradicionais, o indivíduo é totalmente centrado, unificado, dotado
de capacidade, contínuo, segundo uma concepção individualista. Os discursos produzidos
na história, quer do sujeito do Iluminismo, quer do sujeito sociológico, quer do sujeito
pós-moderno, contribuem para que percebamos os nossos equívocos e erros e possamos
rever nossas certezas, pois nada está pronto e acabado, nada mais é sólido e seguro.
A identidade para Hall (2012, p. 104) é um conceito polissêmico, e tudo o que
leva ao essencialismo precisa ser colocado em desconstrução. Para ele, a “identidade é
um desses que opera ‘sob rasura’, no intervalo entre a inversão e a emergência: uma ideia
que não pode ser pensada de forma antiga, mas sem a qual certas questões-chave não
podem ser sequer pensadas”. Hall (2012) faz uma análise da articulação entre sujeito e
práticas discursivas e propõe o conceito de identificação, enfatizando o processo de
subjetivação e a política de exclusão que essa subjetivação parece implicar. A abordagem
discursiva vê a identificação
[...] como uma construção, como um processo nunca completo - como
algo sempre “em processo”. Ela não é, nunca completamente determinada
- no sentido de que se pode, sempre, “ganhá-la” ou “perdê-la”; no sentido
de que ela pode ser, sempre, sustentada ou abandonada [...] a identificação
é, ao fim e ao cabo, condicional; ao fim e ao cabo, alojada na contingência.
Uma vez assegurada, ela não anulará a diferença (ibid., p. 106).

As categorias raça, etnia, diferença se constituem em discursos produzidos para


legitimar hierarquias, poderes, verdades e saberes. Nesse sentido, propomos analisar a
identidade e a diferença a partir das imagens que foram coletadas nas instituições de
educação infantil, destacando o preconceito e o racismo explícito nas imagens.
Nessa trajetória, direcionada por uma investigação empírica, a pesquisa foi
orientada pela seguinte problematização: Como os espaços e ambientes, as práticas
imagéticas, discursivas e disciplinares revelam a questão racial? Como essa produção
discursiva influencia na constituição de suas identidades?
O estudo teve como objetivo analisar como os espaços e os discursos imagéticos
revelam a questão racial e como a criança, na condição de sujeito produzido
culturalmente, experiencia as diferenças étnico-raciais no contexto da educação infantil.
A análise investigativa se assenta nas produções imagéticas que ornamentam os espaços
e os ambientes das instituições de educação infantil, particularmente painéis, fotos,
gravura e que o seu espaço é caracterizado, majoritariamente, pela cultura eurocêntrica.
O que estamos chamando de “discurso imagético” é justamente a materialidade
não linguística, ou seja, a análise discursiva de outros tipos de linguagem, neste caso em
especial, as imagens fixas (fotografias, gravuras). Por meio das materialidades discursivas
se processam as leituras dos textos imagéticos exibidos no contexto escolar.
Segundo Sargentini e outros (2012, p, 214).), o texto imagético se apresenta como
“unidade de significação constituída por sistemas semiológicos de natureza verbal
(linguística) e não verbal (imagens estáticas e animadas, sons, sinais, símbolos, etc.) e
pelo funcionamento enquanto unidade de expressão do discurso”. O texto se constitui a
“materialização concreta do discurso em uma ou em diferentes linguagens”.
A pesquisa empírica aconteceu nos anos de 2013 e 2014, nas instituições de
educação infantil (creches e pré-escolas) da rede municipal de ensino de Itapetinga,
cidade situada na região Sudoeste da Bahia. As imagens foram coletadas nas doze
instituições de educação infantil, cujos nomes foram modificados para garantir o
anonimato. Optamos por designá-las com nomes de alguns/algumas teóricos/teóricas que
discutem infância, relações raciais, diferença: Creche Maria Bujes, Creche Fúlvia
Rosemberg, Creche Moysés Kuhlmann Jr., Pré-Escola Mariano Narodowski, Escola
Stuart Hall, Pré-Escola Tomaz Tadeu da Silva.
Nas sessões de fotografia, procurávamos enquadrar o objeto selecionado junto
com a criança para a qual tivéssemos tido permissão para fotografar1. Ainda que a
fotografia se proponha a capturar a realidade como é, há uma manipulação, uma
fabricação, pois “conhecemos os limites de um documento fotográfico, sabemos que ele
mostra apenas aquilo que o fotógrafo quis enquadrar e aquilo que determinada luz e
sombra lhe permitiu revelar” (MANGUEL, 2001, p. 92). Kossoy (2012, 79) afirma que
“a fotografia, porém, não é apenas um documento por aquilo que mostra da cena passada,
irreversível e congelada da imagem; faz saber também de seu autor, o fotógrafo, e da
tecnologia que lhe proporcionou uma configuração característica e viabilizou seu
conteúdo”.
I DENTIDADE E DIFERENÇA NA ESCOLA A PARTIR DA IMAGEM

Os discursos sedimentados nos estudos multiculturalistas evocam a convivência


de diferentes grupos, culturas e etnias que buscam a preservação das identidades, mas
sem abrir mão das diferenças. Essa identidade foge da concepção de sujeito unificado e
móvel e se caracteriza como identidade híbrida (HALL, 2004). Nessa perspectiva, os
discursos produzem significados sobre a realidade, por meio da cultura e das práticas
sociais. Os discursos produzem a identidade e a diferença e são produzidos por elas dentro
do contexto cultural numa relação constante de saber e poder. Diferenças, linguagem,
cultura constituem-se em movimentos, cujos sentidos e significados sempre escapam.
Desse ponto de vista, a identidade étnico-racial só pode ser compreendida em sua
conexão com a produção da diferença, a qual é concebida como um processo social
discursivo. Identidade e diferença estão em conexão e estão sujeitas a vetores de forças e
relações de poder. Elas nunca são inocentes. O que se deseja, na maioria das vezes, é uma
identidade normal, natural, desejável e única - eu sou isso, eu sou aquilo, eu sou desse
jeito, ou eu nasci assim, eu sou normal, eu sou branco/a, eu sou negro/a etc.
Para desconstruir essa visão normativa e fixa de identidade, Silva (2012, p. 96)
sugere que
A identidade não é uma essência; não é um dado ou fato - seja de natureza,
seja de cultura. A identidade não é fixa, estável, coerente, unificada,
permanente. A identidade tampouco é homogênea, definitiva, acabada,
idêntica, transcendental. Por outro lado, podemos dizer que a identidade é
uma construção, um efeito, um processo de produção, uma relação, um
ato performativo. A identidade é instável, contraditória, fragmentada,
inconsistente, inacabada. A identidade está ligada a estruturas discursivas
e narrativas.

Se a identidade do sujeito é constituída de acordo com as suas várias experiências,


a escola deveria se portar como uma instituição de questionamentos, como um espaço
que pode favorecer a discriminação ou possibilitar a valorização da construção da
identidade. Se o sujeito tem uma experiência cultural diferente, por que ele tem de ser
igual? Identidades culturais decorrem do nosso pertencimento a diversas culturas,
diferentes etnias, línguas, religiões e nacionalidades. O fracionamento da identidade em
múltiplas identidades não significa que elas sejam vividas harmonicamente.
Hall (2004, p. 13) sustenta que “dentro de nós, há identidades contraditórias,
empurrando em diferentes direções, de tal modo que nossas identificações estão sendo
continuamente deslocadas”, construindo um “pluralismo de identidades”. Essas
identidades são, na maioria das vezes, “contraditórias ou não resolvidas” (ibid. p. 12), em
razão das intensas e constantes interpelações dos sistemas sociais e culturais, que
deslocam e descentram os sujeitos.
Segundo Macedo (2010, p. 31), os sujeitos “constroem sua identidade no interior
da cultura. Pertencer a uma cultura é tranquilizador porque permite a identificação com
aquelas com que partilham estórias, memorias, imagens. Há tempos, a pluralização de
culturas mostrou que não se pode ser um só, mas vários”.
Vejamos algumas imagens. A partir de agora, exploraremos melhor a construção
dessas identidades dentro das escolas que atendem a crianças de 0 a 5 anos de idade.
A Imagem 1 mostra um grupo de três crianças negras e, ao lado delas, colado no armário,
um palhaço de cabelo loiro e, atrás das crianças, cinco figuras, que, pelo “corte” de cabelo,
o tipo de camiseta, poderiam ser identificadas como de meninos brancos, mostrando as
letras do alfabeto (as vogais).

Imagem 1
Creche Fúlvia Rosemberg.
Fonte: Elaborada pelos autores
As tensões entre identidade e diferença no interior da escola, onde a diferença é
vista como uma ameaça, algo indesejável, têm colocado o outro (aquele que é diferente
de mim) numa posição de erradicação da alteridade.
As escolas, certamente, ainda vivem sob a égide da colonização, pois, além de
considerar a brancura como a identidade normal, valorizam o gênero masculino. Por que
o palhaço e os bonecos que exibem as vogais no corpo são masculinos? Em que lugar
estão as meninas? A escola que, no início, separou católicos de protestantes, adultos de
crianças, ricos de pobres (LOURO, 2013), negros de brancos, também separa meninos de
meninas, privilegia a cultura branca e masculina. O impacto dessas escolhas sobre a
identidade da criança é devastador.
Com as imagens projetadas nesses cartazes, a escola aponta aqueles que deverão
ser modelos e permite que os sujeitos se reconheçam (ou não) nesses modelos. É preciso
tornar visível, além da cultura e da imagem de crianças negras, mais meninas e negras,
estas que foram ocultadas na história e continuam sendo ocultadas nas gravuras e cartazes.
Uma escola que deixa emergir a diferença no seu cotidiano pedagógico contribui para a
desconstrução das fixações da brancura e do sexismo, permitindo que a cultura apareça
como uma prática para dar sentido à educação e ao mundo.
O cartaz da Imagem 2, que se encontra em um muro situado no fundo da creche,
mostra duas crianças brincando, uma negra e uma branca. Podemos inferir que existe a
representação da diversidade e a contemplação da diferença por aparecer a criança negra
nesse contexto de negação de imagens de pessoas negras. Observamos, porém, que o
garoto negro está empurrando a menina branca. Quem sabe, caracterizando o filho do
empregado, empurrando a sinhazinha? Ele não poderia estar em outro balanço, brincando
também?

Imagem 2
Creche Moysés Kuhlmann Jr
Fonte: Elaborado pelos autores.
As imagens contribuem para alargar as diferenças, pois a diferença, como a
identidade, não é um fato da natureza, o que acontece em uma perspectiva de base
essencialista; ao contrário, elas são construídas nas relações sociais e de poder que
atravessam os sujeitos. Trabalhar com a diferença é apontar para a sua não neutralidade.
Estas exposições (painéis, imagens) não podem ser consideradas como produtos
naturais ou desinteressados; elas são um artefato social, histórico, que está entrelaçado
numa relação de poder e de luta pela manutenção da dominação étnico-racial
eurocêntrica.
Na Imagem 3, há um grupo de crianças negras brincando de roda e, ao fundo,
na Imagem 4, duas figuras de crianças desenhadas no muro da escola. É possível
notarmos, nesta gravura, as características fenotípicas das figuras, uma situação que se
constitui realidade comum nas escolas. Percebemos a questão da diferença como algo
dado e fixo. É natural que as imagens tenham traços fenotípicos de pessoas brancas,
enquanto as crianças sejam negras, pois elas precisam ver como funciona a realidade e
precisam se adequar a ela. O diferente se constitui na criança negra, e não nas imagens
brancas, e esta diferença, vista de modo exótico, só poderá ser representada nas imagens
folclóricas, como a imagem lendária do Saci Pererê. Silva (2013) assegura que parece ser
desejo nosso aparar as arestas do outro para torná-lo um mesmo, para fazê-lo caber em
nossa normatividade, uma vez que o estranho e o diferente sempre nos trazem algo de
inquietante.
Imagem 3
Pré-Escola Tomaz T. da Silva
Fonte: Elaborado pelos autores

Imagem 4
Pré-Escola Tomaz T. da Silva
Fonte: Elaborado pelos autores
Para Silva (2012, p. 74), “parece ser fácil definir a ‘identidade’ pelo aquilo que se
é”, ou seja, quando se diz sou negro/a, tenho o nariz achatado, largo, estou afirmando a
diferença, não sou branco/a, não tenho o nariz afilado. “As afirmações sobre diferença só
fazem sentido se compreendidas em sua relação com as afirmações sobre
identidade” (ibid. p. 75), e vice-versa.
A identidade e a diferença estão ligadas a relações de poder, haja vista não haver
um fundamento único para esses constructos. São construções históricas e discursivas que
se manifestam num embate constante de jogo de forças, pois são, na maioria das vezes,
“contraditórias ou não resolvidas” (HALL, 2004, p. 12), em razão das intensas e
constantes interpelações dos sistemas sociais e culturais.
A identidade e a diferença nas instituições educativas vão além das questões de
tolerância e respeito para com a diversidade cultural, pois a presença apenas desses
“nobres sentimentos impedem que vejamos a identidade e a diferença como processos de
produção social, como processos que envolvem relações de poder” (SILVA, 2012, p. 96).
A tolerância aqui é entendida para além do suportar, associado ao politicamente correto.
Muito mais do que tolerar deve-se promover condições para expor essas diferenças e criar
possibilidades de múltiplas respostas para as mesmas.
Avtar Brah (2006), ao problematizar o conceito de diferença, compreende-o como
categoria analítica e destaca quatro diferentes modos de ser conceituada: diferença como
experiência; diferença como relação social; diferença como subjetividade e diferença
como identidade.
Essas quatro categorias surgem em momentos e contextos variados, mas o
interessante é notar que elas estão presentes nas escolas. A primeira, a diferença como
experiência, está fortemente ligada ao feminismo, ao dar "voz coletiva às experiências
pessoais das mulheres" (BRAH, 2006, p. 359), explorando as experiências individuais.
"A experiência não reflete de maneira transparente uma realidade pré-determinada, mas
é uma construção cultural" (ibid., p. 360), o lugar de formação do sujeito. Sabemos que
os sujeitos são constituídos por meio das várias experiências, e estas, por serem diferentes,
muitas vezes, são inferiorizadas, relegadas.
Sobre a segunda maneira de conceituar a diferença, Brah (2006, p. 362) a destaca
como sendo a diferença uma relação social. Defende a maneira como a diferença é
“constituída e organizada em relações sistemáticas através de discursos econômicos,
culturais e políticos e práticas institucionais articulados e instituídos por diferentes
regimes de poder”. Esta diferença pode ser entendida como as trajetórias históricas e
contemporâneas das circunstâncias materiais e práticas culturais que produzem as
condições para a construção das identidades de grupo. Essa diferença se reverbera quando
legados da escravidão, do colonialismo ou do imperialismo são invocados.
Para Silvério (1999, p. 157), a escravidão moderna
Foi motivada economicamente, justificada religiosamente e naturalizada
pela ciência do século XIX. No momento em que a colonização se torna a
alternativa de exploração econômica, a ‘inferioridade’ dos povos
colonizados estava ‘comprovada’ cientificamente, cabendo, portanto, à
cultura europeia com o apoio de seu aparato bélico e militar cumprir sua
missão civilizatória.

A diferença como subjetividade modifica as concepções do sujeito como


unificado, racional, centrado na consciência de homem universal, e faz emergir críticas
nas diferentes direções, como os pós-estruturalistas, o feminismo, o anticolonialismo, o
antirracismo, problematizando a "universalização das afirmações de verdade
reivindicadas pelas grandes narrativas da história que colocam o ‘homem’ europeu em
seu centro" (BRAH, 2006, p. 365). A subjetividade se constitui em um constante
processo, e não como algo fixado e unificado. Nossa subjetividade é atravessada pelos
discursos, que são culturais e históricos.
E, por fim, a última categoria de análise: a diferença como identidade. Nesta, a
autora revela que as questões de identidade estão "intimamente ligadas a questões de
experiência, subjetividade e relações sociais [...]. As identidades são sinalizadas pela
multiplicidade de posições de sujeito que constituem o sujeito. Portanto, a identidade não
é fixa, nem singular; ela é uma multiplicidade relacional em constante mudança" (BRAH,
2006, p. 371).
Percebemos, com essa discussão de Brah, que essas quatro formas de conceituar
a diferença não estão separadas, ora sendo uma coisa, ora sendo outra. Elas estão
intimamente conectadas pelas experiências, pelas relações sociais, construindo as
subjetividades e identidades dos sujeitos através dos contextos culturais. As diferenças
não existem em si, não são essencialistas, elas são produzidas por meio de práticas e
discursos que as significam, que lhes dão sentido. A diferença é nomeada em
conformidade com um determinado lugar, que se coloca como referência. E aqui, esta
referência é a escola.
A escola que nos foi legada pela modernidade está sedimentada na produção e
reprodução da identidade e da diferença. Os novos grupos tidos como minoritários, que
antes estavam excluídos desse espaço educativo, como mulheres e pessoas negras, agora
começam a fazer parte e a requisitar transformações nos currículos pedagógicos e na
organização escolar para atender às diferenças entre os sujeitos. Inserir no currículo uma
discussão profícua sobre diversidade cultural, sexual, de gênero, de raça e etnia não é tão
simples. Os currículos, programas, materiais e rituais pedagógicos privilegiam uma
cultura normativa e branca, exemplificada pelos livros didáticos, já mencionados, e pelas
próprias imagens discutidas neste trabalho.
Um dos traços que caracterizam a modernidade é o processo de individualização
baseado na divisão social do trabalho e o desenvolvimento da sociedade privada
regulando o espaço e o tempo dos indivíduos. Michel Foucault (1987) mostrou como o
tempo e o espaço organizaram-se no século XVIII mediante o poder disciplinar nas
escolas, mediando, avaliando e controlando os/as alunos/as, para transformá-los/as
em corpos dóceis, que aceitam a discriminação e se calam diante da supremacia da cultura
branca. A escola foi gestada como máquina capaz de fazer dos corpos o objetivo do poder
disciplinar.
Segundo Louro (2002, p. 121),
O espaço não é um “cenário”, mas é parte da trama, é um constituidor de
sujeitos. As divisões que nele se estabelecem, o que se constrói e o que se
faz vazio, os caminhos que se abrem e os muros que se edificam, o que
põe perto ou longe, vizinho ou estrangeiro, os lugares que se estabelecem
para os sujeitos, os móveis e objetos que se lhes destinam, por onde se
permite ou proíbe ir - são criações que se transformam, que se ajustam as
necessidades e interesses mutantes, que servem a alguns e não a outros,
que implicam relações de poder.

Como um espaço atravessado por divisões sociais (gênero, etnia, classe, idade)
que influenciam na constituição identitária do sujeito, a escola continua não apenas a
produzir e a reproduzir diferentes sujeitos, como a multiplicar os desiguais. Projetos de
regeneração e profilaxia social foram arquitetados conforme o pressuposto de que
determinados sujeitos fogem aos modelos de “normais” e disciplinados. A
disciplinaridade e seus resultados são vistos como naturais e necessários, e o espaço
escolar, como espaço de regeneração, de formar corpos dóceis e produtivos.
A seguir, a Imagem 5, registrada na Creche Fúlvia Rosemberg, a qual atende a
crianças de um (01) a três (03) anos de idade. Ao fundo, há duas bonequinhas sentadas
no morango, que são denominadas maçãzinha (cabelo loiro) e moranguinho (cabelo
marrom) e que, socialmente, poderíamos classificá-las como brancas. Notamos que as
crianças que frequentam a creche são negras (Imagem 6). Esta imagem está colada na
janela que dá acesso à secretaria da instituição. Observamos, bem ao fundo da Imagem
05, dentro da secretaria, a ilustração de uma garota branca colada ao mural.

Imagem 5
Creche Fúlvia Rosemberg
Fonte: Elaborado pelos autores

Imagem 6
Creche Fúlvia Rosemberg
Fonte: Elaborado pelos autores.
A escola "impõe, a sim mesma, o dever de fazer de cada um de nós alguém;
alguém com uma identidade bem definida pelos cânones na normalidade, os cânones que
marcam aquilo que deve ser habitual, repetido, reto, em cada um de nós" (FERRÉ, 2011,
p. 196). A diferença se constitui no ‘‘desvio, a inclinação até o não idêntico e nos afasta
da identidade’’.
Podemos destacar as múltiplas identidades e diferença pelas quais o sujeito é
atravessado. O que é uma criança? Uma criança negra? Uma criança menina? Uma
criança bonita? Uma criança brasileira? Nordestina? Baiana? Essas identidades são
constituídas a partir do outro, de um ideal de criança, de beleza, de brasileiro, ou melhor,
são estabelecidos com base em um modelo. E qual o modelo? Como a pessoa branca
constrói a pessoa negra (FANON, 2008) de forma incompleta, quem constrói a criança e
a mulher é o homem branco e, geralmente, as constrói de forma imperfeita - a mulher é a
histérica; a criança, a pequena selvagem; a pessoa negra, a degenerada - pois ele, o homem
branco, o eurocêntrico, o colonizador, o civilizado só enxerga a si mesmo e o outro como
não igual, como não humano. Nesse sentido, reduz-se a diferença a nichos homogêneos
e deixa marcada a diferença como resultado da história e das relações de poder. A outro,
ao diferente, cabe ser respeitado e, até aceito, sem jamais ser enfrentado em sua potência.
É por inúmeras maneiras que o racismo aflora no sistema educacional - na
ornamentação do espaço, na distribuição das imagens que compõem as salas, os
corredores e as portas. O espaço escolar converteu-se em um espaço homogêneo e
hierarquizado e de controle dos processos de ensino aprendizagem sob o qual se corrigem
e normalizam os sujeitos. Existem muito poucas gravuras com as quais a criança preta ou
parda (criança negra) possa se identificar. “Suas crenças, conhecimento, destrezas e
valores são ignorados” (SANTOMÉ, 2012, 165).
Na Imagem 7, registrada na Escola Stuart Hall, que atende a crianças de 4 e 5 anos
de idade (pré-escola), aparecem as gravuras de duas crianças brancas e uma criança negra
e, à frente, um grupo de nove alunos/as todos com características de crianças negras.
Talvez sejam declaradas da cor parda. Não há crianças loiras nesta sala de aula. No painel,
as duas crianças brancas estão juntas, e a criança negra encontra-se afastada por uma
árvore, no outro extremo do painel. Isso seria apenas uma coincidência, ou estaria
relacionado ao isolamento da pessoa negra, à sua segregação, à sua exclusão?

Imagem 7
Pré-Escola Stuart Hall
Fonte: Elaborado pelos autores.
Por outro lado, podemos refletir sobre a presença de um personagem negro em
meio a um número maior de personagens brancos. Se não existe criança loira, por que
tanta necessidade de a representar? Isso faz-nos lembrar de comerciais televisivos, seja
de crianças, seja de adultos, em que as empresas exibem imagens de pessoas brancas de
olhos azuis ou verdes e, ao final do comercial, aparece rapidamente uma pessoa negra,
como se para justificar o não racismo da empresa - “Olha aí, colocamos uma pessoa negra
no comercial, não somos racistas”.
É possível ver que as crianças negras aparecem como ameaça à ordem social; são
os inimigos da sociedade, os desprivilegiados, que não devem ser expostos. As escolas
incorporaram temas como diversidade e diferença e corroboram os documentos oficiais
e políticas públicas, mas, por outro lado, encaram a centralidade de personagens
brancos/as com naturalidade. Ostentam a não superação do etnocentrismo e manifestam
um discurso eurocêntrico, que condiciona o campo pedagógico.
Vejamos mais alguns exemplos (Imagens 8 e 9) que ilustram esse discurso. Numa
sala de pré-escola, é costume o/a professor/a ter um varal em que são penduradas as
atividades com prendedores de roupas. Acreditamos que a professora resolveu enfeitar os
prendedores com rostinhos de crianças, para ficar mais organizado e bonito, mas fez isso
com cabecinhas de crianças brancas. Não conseguimos visualizar nenhuma cabecinha
com características de criança negra nos prendedores, embora a sala seja composta de
mais de vinte crianças negras. Nesta sala, só conseguimos autorização para fotografar
essas três crianças. Vejamos a imagem da direita, em que as cabecinhas aparecem de
forma mais visível.

Imagem 8
Pré-Escola M. Narodowski
Fonte: Elaborado pelos autores

Imagem 9
Pré-Escola M. Narodowski.
Fonte: Elaborado pelos autores.
Segundo Silva (2012), as estratégias pedagógicas para lidar com a identidade e a
diferença têm se pautado em três categorias, assim classificadas: liberal, terapêutica e a
de inspiração pós-estruturalista. Mas existe uma que se encontra no lugar intermediário
entre a primeira (liberal) e a segunda (terapêutica).
A estratégia liberal, ao trabalhar com a diversidade, estimula e cultiva o
sentimento de boa vontade. Segundo essa estratégia, a diversidade é constructo da
natureza, é porque “nasceu assim”; Deus os criou desse jeito, e, por isso, devem ser
respeitados ou tolerados, pois eles não têm culpa de ser como são. O problema é que essa
abordagem “deixa de questionar as relações de poder e os processos de diferenciação que,
antes de tudo, produzem a identidade e a diferença” (SILVA, 2012, p. 98).
A estratégia terapêutica posiciona a diversidade como boa e natural, mas atribui a
rejeição da diferença e do outro a distúrbios psicológicos e, que por isso, as atitudes e os
comportamentos preconceituosos e discriminatórios devem ser tratados, pois constituem
desvio de condutas. A pedagogia e o currículo devem proporcionar atividades e exercícios
de conscientização para que os/as estudantes mudem os seus comportamentos e as suas
atitudes (idem).
A estratégia intermediária baseia-se na intercalação entre as duas primeiras e,
conforme Silva, é a mais comum na rotina escolar e no currículo. Ela “consiste em
apresentar aos estudantes e às estudantes uma visão superficial e distante das diferentes
culturas”. Para ela “o outro aparece sob a rubrica do curioso e do exótico” e não há
questionamento das relações de poder que envolvem a identidade e a diferença, pois isso
é feito de forma distante para não causar “nenhum risco do confronto e dissonância”
(SILVA, 2012, p. 99).
E, por fim, a abordagem pós-estruturalista, segundo a qual a pedagogia e o
currículo tratam a identidade e a diferença como questões políticas e produções culturais
sedimentadas nas relações de poder e, por isso, não são fixas e imutáveis. “Antes de
tolerar, respeitar e de admitir a diferença, é preciso explicar como ela é ativamente
produzida” (idem).
Independente da estratégia utilizada, a pedagogia, o currículo, os/as professores/as
precisam colocar tais temáticas no centro dos discursos da escola, com vistas a equacionar
uma política de alteridade com seus múltiplos modos de endereçamentos2, pois não existe
uma estratégia certa, ou melhor, em todas correm-se riscos. Como os modos de
endereçamento “erram” seus públicos, o currículo, a pedagogia, as estratégias de ensino
também podem errar. Os sujeitos e as identidades são múltiplos; de forma análoga, as
estratégias podem ser múltiplas, sem garantias de sucesso.
O poder de endereçamento

Não é, pois, o poder de obter, à vontade, respostas previsíveis e desejadas


dos estudantes ou dos públicos. Não é o poder de posicionar os estudantes
em algum desejado e preciso ponto do mapa de relações sociais. O poder
de endereçamento não é algo que os professores possam dominar,
controlar, predizer ou transformar em uma tecnologia. (ELLSWORTH,
2001, p. 43).

O currículo e a aprendizagem se conectam com linhas de fuga; não há como


controlar o que o/a aluno/a vai ou não aprender, pois a aprendizagem se comunica com o
improvável. Como lidar com as diferenças em espaços que são tão voláteis? É preciso
pensar o sujeito para além dos binarismos, dualidades, como multiplicidade de lugares,
de identidades, de diferenças. A problematização de temas como etnia e raça nos
currículos vai além das discussões sobre o acesso, as cotas e um currículo que abarque
essas questões, embora sejam questões importantes. Faz-se necessário problematizar o
currículo, e não reduzir essas questões a temas transversais, como dia do índio, da
consciência negra, mas torná-las centrais, como campo de conhecimento, poder e
identidade.
Comumente vemos, nas instituições educativas, atividades fragmentadas e
isoladas, às quais se dedica uma hora ou um dia para discutir e problematizar a cultura
africana ou indígena, e, no resto do ano, não se fala mais no assunto. Essas atitudes
possibilitam o estudo da diversidade cultural de forma isolada e esporádica.
Não obstante,
Na medida em que as relações de sala de aula são moldadas pelos
antagonismos sociais e econômicos mais amplos bem como definidos
pelas relações de gênero e raça, os educadores não podem cerrar o espaço
da diferença entre endereçamento e resposta. Eles jamais podem impedir
o medo, a fantasia, o desejo, o prazer e o horror que fervilham no espaço
social e histórico entre endereçamento e resposta, currículo e estudante.
(ELLSWORTH, 2001, p. 49).

A escola continua a instituir os espaços de cada sujeito e a indicar o que cada um


pode e deve fazer. Ela aponta quem deve ser selecionado como modelo e qual o
referencial a seguir. Se for selecionar uma criança para apresentar uma peça teatral,
cantar, dançar, em geral escolhe a branca. Quando seleciona a criança negra, direciona-a
a papéis subalternos. Ao longo da história, vemos que o lugar da pessoa negra é
predeterminado e, hierarquicamente, os negros/as se posicionam atrás, e brancos/as à
frente.
Dessa forma não dá para pensar um currículo isoladamente das tramas que se
estabelecem no cotidiano escolar. É preciso atentar para o racismo e o etnocentrismo que
estão presentes nos discursos por meio da linguagem, do olhar e das ações que manifestam
relações de poder, nas quais estamos todos enredados, pois é na interação com o outro
que vemos a diferença. O sujeito se constitui na relação com o outro pela mediação
cultural. E ao manter essas relações, podemos experimentar e construir nossas
subjetividades. Somos atravessados por várias experiências na condição de sujeitos.
Coisas que acontecem conosco, sobre nós, fora de nós afetam a maneira de pensar, agir,
sentir e viver. A experiência constrói o sujeito e sua subjetividade. Esta experiência
envolve, claramente, princípios de alteridade.
A foto de um garoto ao lado do Papai Noel (Imagem 10) é bem interessante. A
mãe fez questão de que tirássemos a foto do seu filho, que já apareceu em outra fotografia
na discussão do tópico Imagem, memória e discurso. Era o final do ano de 2013, e a escola
estava organizada para o encerramento das atividades letivas. A mãe, ao posicionar a
criança junto ao Papai Noel, o tempo todo pedia para o filho dar risada. Observamos que
essa mãe (negra), com seu comportamento e atitude, tem uma excelente dose de
autoestima e um olhar positivo em relação à pessoa negra, o que foi percebido na atitude
da criança, que fez questão de sair na fotografia. Optamos por usar esta foto para mostrar
que o Papai Noel também, aparentemente, é branco.

Imagem 10
Creche Maria Bujes
Fonte: Elaborado pelos autores.
Se a escola fabrica sujeitos, subjetividades, identidades; se a disciplina é
produtiva, então como se dão essas construções na educação infantil? Observamos que o
processo de fabricação dos sujeitos é continuado e geralmente muito sutil. Porém, se
Admitirmos que a escola não apenas transmite conhecimentos, nem
mesmo apenas os produz, mas que ela também fabrica sujeitos, produz
identidades étnicas, de gênero, de classe; se reconhecemos que essas
identidades estão sendo produzidas através de relações de desigualdade,
se admitirmos que a escola está intrinsecamente comprometida com a
manutenção de uma sociedade dividida e que faz isso cotidianamente,
com nossa participação ou omissão; se acreditamos que a prática escolar
é historicamente contingente e que é uma prática política, isto é, que se
transforma e pode ser subvertida; e, por fim, se não nos sentimos
conformes, então certamente, encontramos justificativas não apenas
para observar, mas, especialmente, para tentar interferir na continuidade
dessas desigualdades (LOURO, 2012, p. 89-90).
A escola precisa valorizar uma estética negra que extrapole o glamour da TV. A
estética negra necessita se propagar nos telejornais e novelas brasileiras, e não apenas no
carnaval carioca, em que a mulher negra exibe a sua sensualidade. Precisa ser
incorporada, no cinema, aos desenhos animados, na literatura infantil, nos muros e
paredes das escolas.
Vale questionar por que os sujeitos, a raça, a sexualidade sempre são
caracterizados, discutidos como isso ou aquilo, verdadeiro ou falso, legal ou ilegal, vez
que as pessoas negras e as brancas, o mundo e o submundo, o normal e o patológico estão
sempre separados por uma linha imaginária. Nos discursos racializados, tudo o que não
pode ser pensado em termos científicos, civilizados, desenvolvidos cairá no colonialismo
do sem lei e sem regra, um estado de natureza que caracteriza a dominação patriarcal e
colonial hegemônicas.
Vemos que a escola reproduz esse paradigma quando separa alunos/as fortes e
fracos/as, como a sociedade também opera nessa lógica quando, binariamente, separa
homem e mulher, hetero e homo, criança e adulto, negro/a e branco/a, europeu/ia e
africano/a e/ou latino/a, enfim. Os discursos da escola, como inclusiva e aberta, que
integra harmonicamente as diferenças, caem por terra diante de todas as imagens
mostradas no decorrer deste capítulo. Os regimes de verdade constroem esse “outro”
(negro/a) como objeto colonial.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As imagens analisadas delineiam um retrato revelador dos discursos do


branqueamento e fornecem elementos para compreendermos as violências raciais que se
fazem presentes nas escolas. Ressoam, na nossa sociedade, na escola e nas pedagogias
empregadas no contexto escolar, situações marcadamente racistas. Não são raras as
situações de discriminação que as crianças enfrentam como pudemos apresentar no
decorrer deste trabalho. O preconceito racial e o racismo manifestam-se nas relações
pessoais, institucionais, na mídia, nas empresas, escolas, universidades, nos currículos
escolares, nas salas de aula, nos livros didáticos, nas livrarias. É preciso manter a denúncia
e luta por melhores condições de vida para nossas crianças.
A falta de problematização dos temas diversidade, discriminação e racismo no dia
a dia da escola e o comportamento silencioso e acrítico dos adultos diante das situações
discriminatórias podem levar muitas crianças a cristalizarem aprendizagens. É preciso
educar para o respeito à diversidade étnico-racial, buscando uma “pedagogia multirracial”
(ARROYO, 2007), pois é dever da escola eliminar toda forma de racismo instituído.
As creches e pré-escolas se constituem em ambientes ricos para observarmos
como as crianças pequenas formam a sua identidade étnico-racial. A educação infantil
tem o papel de possibilitar à criança o desenvolvimento do senso crítico, para que possa
experimentar outros valores, respeitar a pluralidade étnico-racial. O racismo e os
processos discriminatórios devem ser colocados em discussão diuturnamente.

REFERÊNCIAS

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VALORIZAÇÃO DAS DIVERSIDADES NA PROMOÇÃO DA
EDUCAÇÃO INCLUSIVA
“Temos o direito de ser iguais
sempre que as diferenças nos inferiorizem,
temos o direito de ser diferentes
sempre que a igualdade nos descaracterize”.
Boaventura Santos
Desde os primórdios da humanidade que a diversidade humana está posta;
entretanto, só a partir do século XX a sociedade declara a heterogeneidade dos seres
humanos.
A escola tem demonstrado grande dificuldade para atender a esta
diversidade, pois perduram ainda percepções e práticas arraigadas por tendências
pedagógicas que creem no processo de aprendizagem homogeneizado, apesar da
comunidade escolar se compor de alunos de diferentes grupos sociais, políticos, étnicos,
religiosos, etc. Segundo Carvalho (2002, p. 70) “Pensar em respostas educativas da
escola é pensar em sua responsabilidade para garantir o processo de aprendizagem para
todos os alunos, respeitando-os em suas múltiplas diferenças.”
Corroborando com Carvalho, Araújo (1998, p.44) diz:“[...] a escola precisa
abandonar um modelo no qual se esperam alunos homogêneos, tratando com iguais os
diferentes, e incorporar uma concepção que considere a diversidade tanto no âmbito do
trabalho com os conteúdos escolares quanto no das relações interpessoais.”
Reconhecendo a importância a e relevância da temática em discussão, o presente
texto acredita ser fundamental levar o professor a refletir que vivemos em um
mundo de diversidades, onde a individualidade humana deve ser respeitada, reconhecida
e aceita, uma vez que, comprovadamente somos diferentes uns dos outros, o que faz
com que todos nós tenhamos capacidades e limitações para aprender. Neste contexto,
cabe ao professor reconhecer seu papel de mediador de aprendizagens, para todos os
alunos, devendo ser esta mediação desprovida de preconceito, estigma e exclusão.
Nesse sentido, Amaral (1998), ressalta que a educação precisa prestar um bom
serviço à comunidade, buscando atender as especificidades dos alunos que chegam à
escola, cabendo à educação adequar-se às necessidades dos alunos e não os alunos às
necessidades e limitações escola. Vale destacar que não é nosso objetivo, transformar a
escola em um serviço de assistência social, desconsiderando seu papel de promotora de
novos conhecimentos necessários ao exercício de cidadania consciente, uma vez que sua
função é capacitar o aluno para ser um agente transformador da sua realidade social.
Mas, queremos enfatizar que o direito de emancipação humana é de todos, devendo a
escola e os seus professores, buscar alternativas diferenciadas para atingir seus
diferentes grupos de acadêmicos, evitando desta forma, a exclusão e, consequentemente,
a discriminação.
Acredita-se, portanto, ser necessário oferecer subsídios aos professores para
auxiliá-los na condução de sua prática pedagógica inclusiva, deste modo, o presente
texto tem por objetivo resignificar o pensar e o agir do professor, frente ao processo de
ensino e aprendizagem no contexto de uma escola aberta às diferenças, levando-os à
prática da ação-reflexão-ação.
CONSIDERAÇÕES SOBRE A EDUCAÇÃO CONTEMPORÂNEA

A sociedade contemporânea vem sofrendo muitas interferências políticas,


econômicas, sociais, tecnológicas, fazendo com que mudanças também ocorram dentro
das escolas, uma vez que o ensino precisa compreender quais são os
conhecimentos necessários para capacitar o aluno e torná-lo agente de transformação
social. Deste modo, é importante ressaltar que a escola não é a única detentora de saber,
visto que os
meios de comunicação de massa e as tecnologias estão muito presentes na
atualidade. Pensando sobre esta nova realidade escolar Heerdt (2003, p. 69) diz, “o
grande desafio, sem dúvida, não é o de estar ciente destas transformações, mas sim
integrá-las e contemplá-las no trabalho educacional.” Assim, a escola precisa promover
um resgate da sua função de promotora de novos conhecimentos, buscando refletir
criticamente sobre as ações e condutas cotidianas, tendo em vista desenvolver novas
formas de atuar na educação que promova o sucesso do aluno.
Ao adentrar este universo da ação-reflexão-ação, é necessário que a equipe
escolar busque respostas para os seguintes questionamentos acerca do currículo: Qual é
a concepção de mundo, de homem, de sociedade, de conhecimento, de ensino e de
aprendizagem que o nosso currículo possui? Buscar respostas para estas indagações
demonstra que a comunidade escolar visualiza o currículo como uma ferramenta que
ajuda o professor a mediar a aquisição de novos conhecimentos, principalmente quando
reconhece o valor dos conhecimentos prévios dos alunos – conhecimento real, e
compromete-se em levar o aluno a adquirir o conhecimento científico – conhecimento
ideal, ao considerar o currículo como dinâmico, transformador e articulado com
a práticasocial. Na atual instituição educacional não se admite mais currículos que não
sejam críticos, que desafiem os alunos, que os levem a pensar, a refletir, a buscar, a se
tornar pessoas ativas no processo de construção de novas aprendizagens, cujo objetivo
dever ser capacitar os alunos a sua emancipação cultural e assim, não serem pessoas
passivas e submissas frente a uma situação imposta pela sociedade.
Na Educação Contemporânea é necessário que a escola se preocupe com o
desenvolvimento de um sistema de ensino interconectado com os problemas da
sociedade atual, abolindo a velha estruturação um ensino fragmentado e
descontextualizado da realidade. Vale destacar que o professor e a escola na educação
contemporânea, possuem um papel fundamental, o de levarem os alunos a
desenvolverem a sua capacidade crítica para analisarem as informações que recebem e
assim, desenvolverem o seu senso crítico. Neste contexto, o processo de aprendizagem
na educação contemporânea é vista numa perspectiva globalizante [1] e
multidimensional, tendo o foco da educação voltado para o aluno, uma vez que o
processo educativo leva em conta as suas peculiaridades, considerando-o integralmente.
Deste modo, reconhece-se que o aluno do século XXI precisa desenvolver-se de
forma global, assim, o processo de ensino e aprendizagem não poderá acontecer
poráreas de desenvolvimento, mas, sim, de forma que contemple os aspectos cognitivos,
afetivo, sociocultural e da comunicação, indissociáveis, já que as fontes de
informação, desolução de problemas, de investigação e de crítica não são adquiridas
apenas nas
experiências escolares, mas, principalmente, da interação do sujeito com o
ambiente, com as experiências de vida e com a sua cultura.
A construção do conhecimento na Educação Contemporânea deve ocorrer
coletivamente e estar voltada para questões que contemplem as diferenças, ou seja, a
diversidade humana que compõe a escola, sendo necessário para isso, incluir questões a
serem discutidas e/ou refletidas tais como: etnia, raça, gênero, classe, sexo, entre outras,
valorizando todo o conhecimento que os diferentes grupos trazem para a sala de aula,
enriquecendo muito mais o ensino e a aprendizagem, onde, infelizmente acabam sendo
despercebidos ou ignorados por muitos professores.
4 DESAFIOS DA PROFISSÃO DOCENTE NA EDUCAÇÃO ATUAL
Antigamente a escola era reconhecida como um dos únicos locais onde o
processo ensino-aprendizagem ocorria, sendo a figura do professor de extrema
relevância, pois ele era o responsável pelo ato de ensinar. Era dele a missão de ensinar a
ler, a escrever, a somar, multiplicar... As responsabilidades ligadas ao processo de
ensino cabiam aos professores e as responsabilidades ligadas à educação eram da
família, de acordo com normas e valores estabelecidos pela igreja.
O contexto atual marcado por grandes evoluções na sociedade, principalmente
de cunho científicas e tecnológicas requerem mudanças na escola, especialmente na
atuação do professor, que ao longo dos anos vem sentindo que sua profissão está
perdendo a identidade. É necessário resgatar a função fundamental do professor
enquanto agente formador que oportuniza a formação e transformação dos alunos,
desenvolvendo neles o espírito crítico e a cidadania.
O professor precisa estar ciente de seu papel frente à realidade social,
econômica, tecnológica que ocorre atualmente. Estamos vivendo no mundo da
globalização, o que torna as coisas fora da escola muito mais atraentes, pois esta ainda
continua ministrando aulas desinteressantes e maçantes, que em nada oportunizam ao
aluno a reflexão e o desenvolvimento do senso crítico. A influência do mundo
globalizado recai diretamente sobre os processos de ensino, pois o conhecimento ocorre
em concomitância com a influência da mídia, das tecnologias[2] e até mesmo com as
influências da sociedade, exigindo muito mais do professor que precisa propiciar aos
alunos situações que possam estimular e motivar o desejo de aprender, levando-os a
reconhecer a importância e utilidade da busca pelo conhecimento. Assim, precisa
utilizar-se de metodologias diferenciadas que surpreendam os alunos, que os encante
para o desenvolvimento do assunto a ser desenvolvido, pois é necessário reconhecer que
somente o fato de o professor falar e de o aluno escutar não significa que ocorreu
aprendizagem. Porém, de nada adianta ao professor utilizar-se de estratégias
diferenciadas, de tecnologias variadas se ele não conseguir atrair a atenção dos alunos
especialmenlogias variadas se ele não conseguir atrair a atenção dos alunos
especialmente para o ensino. De acordo com Heerdt (2003, p. 69) “Se o recurso não
estiver sintonizado com aquilo que está sendo apresentado, o aluno aciona um zap
mental. Ele muda de canal, desliga-se do professor que está na frente dele. Continua
fisicamente na sala de aula, mas sua mente viaja para bem longe dali.”
Promover aprendizagem não é uma tarefa fácil para a atual função docente, o
que demanda compromisso e responsabilidade bem como, estar disposto a buscar novas
metodologias, através da formação continuada, cabendo, portanto à escola oferecer aos
seus professores momentos de atualização profissional. Por outro lado, vale
lembrar que a escola não é a única responsável pela formação continuada de seus
professores, mas
sim uma parceira, quando também cabe ao professor, buscar autonomamente a
sua formação continuada. Esta parceria, com certeza, tende a proporcionar a melhoria
na
qualidade do ensino. Segundo Heerdt (2003, p. 70), “Evidenciam-se, uma série
de desafios, alguns inéditos, que precisam ser assumidos e incorporados na prática
docente. A mudança, o novo, o questionamento, o diferente, quase sempre são causa de
insegurança e medo. Mas é necessário ousar e enfrentar”.
Entre os inúmeros desafios postos para o professor, podemos destacar a
atualização profissional, a criatividade, a organização do trabalho pedagógico por meio
da ação de planejar, a mediação do processo ensino aprendizagem, a relação
interpessoal entre professor e aluno, bem como a parceria escola e família, lidar com
todos estes desafios faz parte da profissão docente. Percebe-se, portanto que atualmente
não está sendo fácil ao professor competir com tudo aquilo que o mundo fora da escola
oferece aos alunos. O professor precisa abusar de sua capacidade de criação e ter
consciência da necessidade de mudar sua prática pedagógica.
Assim, o desafio está no fazer diferente o que diz respeito à ação docente, tendo
claro que o professor não pode restringir a sua competência apenas aos conhecimentos
específicos de sua área de atuação, mas, a competência pedagógica que lhe
proporcionará conhecimentos e domínios dos processos de ensino e aprendizagem. Para
isso o professor deve reconhecer que a aula expositiva, verbalista, utilizada
como única
forma de interação do processo de ensino e de aprendizagem no ensino
tradicional, já
está ultrapassada. Deste modo, ao planejar o professor precisa estar ciente do
que quer ensinar e de como vai ensinar, para que possa interagir adequadamente com
seus alunos, uma vez que, professores e alunos têm acesso a muitos outros
conhecimentos através de diversos recursos tecnológicos e pedagógicos, sendo na
maioria das vezes atraentes e interativos.
De acordo com Gadotti (1992, p. 70) é preciso saber e entender que, “Todo ser
humano é capaz de aprender e de ensinar, e, no processo de construção do
conhecimento, todos os envolvidos aprendem e ensinam. O processo de ensino-
aprendizagem é mais eficaz quando o educando participa, ele mesmo, da construção do
‘seu’ conhecimento e não apenas “aprendendo” o conhecimento.” O aluno atual é
esperto, curioso, sente prazer em investigar, em descobrir, não aceitando mais os
conhecimentos prontos repassados pelo professor. A tarefa do professor[3] está cada vez
mais difícil. É chegada a hora de superar a reprodução e fragmentação dos
conhecimentos. O professor precisa assumir seu papel de mediador, de facilitador do
processo, instigando os alunos a pensar, a refletir, a pesquisar, conduzindo os para a
construção do conhecimento.
A relação professor e aluno não poderiam ficar de fora, uma vez que é
considerada de suma importância para todo o processo de construção do conhecimento,
pois o clima de afetividade nesta relação pode contribuir para que a aprendizagem
ocorra em uma interação contínua. É comum, muitas vezes, os alunos encontrarem no
professor aquilo que gostariam de encontrar em seus familiares, mas também pode
trazer consequências desastrosas se o professor não souber conduzir esta situação de
afetividade em sala de aula. A presença e participação da família durante todo o
processo de aprendizagem é fundamental. Infelizmente é possível perceber que as
famílias delegam somente à escola a responsabilidade pela educação de seus filhos,
fazendo com que os professores, muitas vezes, se encontrem sozinhos neste processo,
tendo que desenvolver vários papéis dentro da escola, o que acaba por influenciar em
sua ação docente.
Mas, o desafio posto para este texto diz respeito à diversidade, o qual envolve a
quebra de paradigmas historicamente construídos para que a escola possa
assumir seu papel de inclusão.

DIVERSIDADE NA PERSPECTIVA DE UMA EDUCAÇÃO PARA TODOS

É a diversidade que melhor ilumina a necessária globalidade, ou seja, é sendo


diferentes que nos tornamos iguais na condição humana.
Um dos aspectos a ser desenvolvido em nossos alunos é a cidadania, que
pressupõe respeito às diferenças, não com a intenção de acentuar as desigualdades, mas
de respeitar as diversidades entre os indivíduos. Cada aluno é único, portanto, tem suas
características particulares que merecem ser consideradas pelo professor e pela
escola.
• Mas o que é a diversidade?
• O que a diversidade pode influenciar na educação de nossos alunos?
• Na escola pública é possível perceber a existência da diversidade?
Questões como estas fazem parte das discussões realizadas nas escolas, tanto na
escola pública como na privada, uma vez que a escola é considerada como um
dos universos em que a diversidade humana se faz presente.
Ao analisarmos etimologicamente a palavra diversidade, podemos constatar que,
de acordo com o Minidicionário Aurélio (2004), diversidade significa:
“1Qualidade ou condição do que é diverso, diferença, dessemelhança. 2Divergência,
contradição (entre ideias etc.). 3Multiplicidade de coisas diversas: existência de seres e
entidades não idênticos, ou dessemelhantes, oposição.”
Quando falamos sobre diversidade em educação nos remetemos a idéia de dar
oportunidades a todos os alunos de acesso e permanência na escola, com as mesmas
igualdades de condições, respeitando as diferenças. Ao se abordar a questão das
diferenças ou diversidades, não se remete somente às minorias ou às crianças com
necessidades especiais. É muito mais amplo, pois todos nós seres humanos somos
únicos, portanto diferentes uns dos outros. Tal fato trata-se de denominar como
diversidade as diferentes condições étnicas e culturais, as desigualdades
sócioeconômicas, as relações discriminatórias e excludentes presentes em nossas
escolas e que compõem os diversos grupos sociais.
Pesquisas demonstram que cada vez mais tem aumentado a presença de alunos
que historicamente tinham sido excluídos da escola. Esta realidade pode ser vista
principalmente nas escolas públicas, por constituir um espaço de grande diversidade,
bemquando descrever no seu Projeto Pedagógico o perfil dos alunos que compõem as
suas salas de aula, o que demonstra claramente que a educação pública está voltada para
a educação de todas as pessoas e não mais para uma minoria como relata a história da
Educação, ao descrever que nos primórdios da educação da humanidade ela era
totalmente elitista, sendo o seu acesso permitido apenas a uma pequena parcela da
população.
Atualmente, é grande o acesso da população a escola publica, no entanto o seu
desafio é garantir a permanência e o sucesso escolar de todos os alunos, por
meio de suas aprendizagens. Este avanço ocorreu devido a Declaração Mundial sobre
Educação para todos (1990), no seu Artigo 3º, quando declarou que: é necessário
universalizar o acesso à educação e promover a equidade, melhorando sua qualidade,
bem como tomar medidas efetivas para reduzir as desigualdades.
Na escola do século XXI, é possível perceber que a heterogeneidade está
presente, ou seja, os alunos que lá estão são muito diferentes dos das décadas passadas,
pois a escola atualmente é composta por grupos muito diferentes, tais como: sociais,
econômicos, religiosos, culturais, de gênero, étnicos, com necessidades especiais, etc.
Além desses grupos, ainda encontramos os que apresentam facilidade para aprender e
outros que sofrem para assimilar os conceitos mais simples, alguns que apresentam
facilidade para aprender; mas não se interessam, pois não querem nada com nada;
outros com dificuldades e se mostram muito interessados; outros com estilos de
aprendizagem diferentes; e outros indisciplinados.
Todo esse contexto mostra que os alunos que compõem nossas salas de aula não
são iguais e que, portanto, não é possível desenvolver uma ação pedagógica única e
homogênea.
Considerando que a escola pública trabalha com a diversidade e que é necessário
respeitar as diferenças existentes em sala de aula e em todo o ambiente escolar, não é
possível que o professor continue desenvolvendo o ensino aplicável a todos os alunos. É
preciso que se diversifique a prática pedagógica, buscando atender as
características e
as necessidades de cada aluno, criando contextos educacionais que permitam
atender as especificidades de todos. É primordial que o professor se preocupe em
desenvolver sua aula reconhecendo as diferenças existentes entre os alunos, senão estará
desenvolvendo um ensino igual para todos, valorizando somente a transmissão de
conteúdos, sendo um trabalho descontextualizado, que não desafia os alunos, que não os
leva a produção de uma verdadeira aprendizagem, fazendo com que o ensino se efetive
somente para alguns alunos, não atingindo o todo.
Este pensamento é corroborado pelo Conselho Nacional de Educação no seu
Parecer n. 017/2001, quando reconhece que, “A consciência do direito de constituir uma
identidade própria e do reconhecimento da identidade do outro se traduz no direito à
igualdade e no respeito às diferenças, assegurando oportunidades diferenciadas
(eqüidade), tantas quantas forem necessárias, com vistas à busca da igualdade. O
princípio da equidade reconhece a diferença e a necessidade de haver condições
diferenciadas para o processo educacional.” (BRASIL, 2000, p.11)
Deste modo acredita-se que o professor que reconhece as diferenças em suas
aulas é capaz de reconhecer o outro e valorizá-lo de acordo com suas especificidades e
potencialidades, assegurando aos alunos a equidade, ou seja, igualdade de
oportunidades a todos para poderem se desenvolver de acordo com sua realidade,
promover uma educação que valorize as raízes de cada cultura, ou seja, uma educação
multicultural.
Segundo Gadotti (1992, p. 21), “A escola que se insere nessa perspectiva
procura abrir os horizontes de seus alunos para a compreensão de outras culturas, de
outras linguagens e modos de pensar, num mundo cada vez mais próximo, procurando
construir uma sociedade pluralista.”
Na escola inclusiva todos os alunos, independente de suas condições físicas,
intelectuais, sociais, lingüísticas, religiosas, sexuais ou outras, têm direito de acesso, de
permanência e de sucesso. De acordo com Carvalho (2000, p. 120), uma escola
inclusiva é aquela escola que “inclui a todos, que reconhece a diversidade e não tem
preconceito contra as diferenças, que atende às necessidades de cada um e que promove
a aprendizagem.”
É fundamental então, identificar os obstáculos que dificultam o sucesso dos
alunos no processo de aprendizagem e buscar tornar o ensino e a aprendizagem um
processo prazeroso, numa interação contínua entre o professor, o aluno e o
conhecimento. O professor necessita estar bem preparado para desafiar os alunos,
através do uso de É fundamental então, identificar os obstáculos que dificultam o
sucesso dos alunos no processo de aprendizagem e buscar tornar o ensino e a
aprendizagem um processo prazeroso, numa interação contínua entre o professor, o
aluno e o conhecimento. O professor necessita estar bem preparado para desafiar os
alunos, através do uso de estratégias mais interessantes, que permitam uma participação
reflexiva dos alunos e,para tanto, é fundamental que o professor tenha convicção de que
a aprendizagem é possível para todos os alunos.
Talvez a grande dificuldade atual da humanidade esteja em entender que, Ser
humano é entender que a diversidade leva à unidade, que a unidade leva à
solidariedade,que a solidariedade leva à igualdade, que a igualdade leva à liberdade, que
a liberdade leva à diversidade. (BOURDOUKAN, apud Cadernos da EJA –
Diversidades e trabalho. 2007, p. 26 e 27)
Deste modo, acredita-se que a escola e o professor sejam parceiros
incondicionais da diversidade, uma vez que o educador é modelo para o aluno, portanto
professores preconceituosos terão alunos preconceituosos, professores inclusivos terão
alunos quereconhecem na diversidade o significado de ser humano.

INCLUSÃO
De acordo com o Mini-dicionário Aurélio (2004), incluir (inclusão) significa:
1Conter ou trazer em si; compreender, abranger. 2Fazer tomar parte; inserir, introduzir.
3Fazer constar de lista, de série, etc; relacionar.”
Para Monteiro (2001): “[...] A inclusão é a garantia, a todos, do acesso contínuo
ao espaço comum da vida em sociedade, uma sociedade mais justa, mais igualitária, e
respeitosa, orientada para o acolhimento a diversidade humana e pautada em ações
coletivas que visem a equiparação das oportunidades de desenvolvimento das
dimensões humanas (MONTEIRO, 2001, p. 1).”
De acordo com Mantoan (2005), inclusão: “É a nossa capacidade de entender e
reconhecer o outro e, assim, ter o privilégio de conviver e compartilhar com pessoas
diferentes de nós. A educação inclusiva acolhe todas as pessoas, sem exceção. É para o
estudante com deficiência física, para os que têm comprometimento mental, para os
superdotados, para todas as minorias e para a criança que é discriminada por qualquer
outro motivo. Costumo dizer que estar junto é se aglomerar no cinema, no ônibus e até
na sala de aula com pessoas que não conhecemos. Já inclusão é estar com, é interagir
com o outro.”
Em se tratando de educação partimos do pressuposto de que inclusão é a ideia de
que todas as crianças têm o direto de se educar juntos em uma mesma escola, sem que
esta escola exija requisitos para ingresso e não selecione os alunos, mas, sim, uma
escola que garanta o acesso e a permanência com sucesso, dando condições de
aprendizagem a todos os seus alunos.
Tudo isso é possível na medida em que a escola promova mudanças no seu
processo de ensinar e aprender, reconhecendo o valor de cada criança e o seu estilo de
aprendizagem, reconhecendo que todos possuem potencialidades e que estas
potencialidades devem ser desenvolvidas.
Quando pensamos em uma escola inclusiva, é necessário pensar em uma
modificação da estrutura, do funcionamento e da resposta educativa, fazendo com que a
escola dê lugar para todas as diferenças e não somente aos alunos com
necessidades especiais. A fim de mudar a sua prática educativa, a escola deverá
desenvolver estratégias de ensino diferenciadas que possibilitem o aluno a aprender e se
desenvolver adequadamente. De acordo com Carvalho (2000, p. 111) “A proposta
inclusiva pressupõe uma ‘nova’ sociedade e, nela, uma escola diferente e melhor do que
a que temos.” E diz ainda, “Mas aceitar o ideário da inclusão, não garante ao bem
intencionado mudar o que existe, num passe de mágica. A escola inclusiva, isto é, a
escola para todos deve estar inserida num mundo inclusivo onde as desigualdades não
atinjam os níveis abomináveis com os quais temos convivido.”
A escola é o espaço primordial para se oportunizar a integração e melhor
convivência entre os alunos, os professores e possibilita o acesso aos bens culturais.
Portanto é preciso que a escola busque trabalhar de forma democrática, oferecendo
oportunidades de uma vida melhor para todos independente de condição social,
econômica, raça, religião, sexo, etc. Todos os alunos têm direito de estarem na escola,
aprendendo e participando, sem ser discriminado ou ter que enfrentar algum tipo de
preconceito por motivo algum.
Segundo Haddad (2008) “[...] o benefício da inclusão não é apenas para crianças
com deficiência, é efetivamente para toda a comunidade, porque o ambiente escolar
sofre um impacto no sentido da cidadania, da diversidade e do aprendizado.” Na
Constituição Federal (1988) a educação já era garantida como um direito de todos e um
dos seus objetivos fundamentais era, “promover o bem de todos, sem preconceitos de
origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.” No (artigo
3º, inciso IV) da Constituição Federal (1988), como também no artigo 205, a educação é
declarada como um direito de todos, devendo ela garantir o pleno desenvolvimento da
pessoa, o seu exercício de cidadania e a qualificação para o trabalho.
A educação inclusiva é reconhecida como uma ação política, cultural, social e
pedagógica a favor do direito de todos a uma educação de qualidade e de um sistema
educacional organizado e inclusivo. À escola cabe a responsabilidade em atender as
diferenças, considerando que para haver qualidade na educação é necessário assegurar
uma educação que se preocupe em atender a diversidade.
Segundo Mantoan (2005, p.18), se o que pretendemos é que a escola seja
inclusiva, é urgente que seus planos se redefinam para uma educação voltada para a
cidadania global, plena, livre de preconceitos e que reconhece e valoriza as diferenças.
A educação inclusiva visa desenvolver valores educacionais e metodologias que
permitam desenvolver as diferenças através do aprender em conjunto, buscando a
remoção de barreiras na aprendizagem e promovendo a aprendizagem de todos,
principalmente dos que se encontram mais vulneráveis, em contraposição com a escola
tradicional, que sempre foi seletiva, considerando as diferenças como uma anormalidade
e, desenvolvendo um ensino homogeneizado Carvalho (2000).
Corroborando a afirmação de Carvalho, Araújo (1988, p. 44) diz: “[...] a escola
precisa abandonar o modelo no qual se esperam alunos homogêneos, tratando como
iguais os diferentes, e incorporar uma concepção que considere a diversidade tanto no
âmbito do trabalho com os conteúdos escolares quanto no das relações interpessoais. É
preciso que a escola trabalhe no sentido de mudar suas práticas de ensino visando o
sucesso de todos os alunos, pois o fracasso e o insucesso escolar acabam por levar os
alunos ao abandono, contribuindo assim com um ensino excludente.”
A educação inclusiva, dentro de um processo responsável, precisa garantir a
aprendizagem a todas as pessoas, dando condições para que desenvolvam sentimentos
de respeito à diferença, que sejam solidários e cooperativos. De acordo com Mantoan,
(2008, p.2): “Temos de combater a descrença e o pessimismo dos acomodados e
mostrar que a inclusão é uma grande oportunidade para que alunos, pais e educadores
demonstrem as suas competências, poderes e responsabilidades educacionais. As
ferramentas estão aí, para que as mudanças aconteçam, urgentemente, e para que
reinventemos a escola, desconstruindo a máquina obsoleta que a dinamiza, os conceitos
sobre os quais ela se fundamenta os pilares teórico-metodológicos em que ela se
sustenta.”
Em busca de uma escola de qualidade, objetivando uma educação voltada para a
emancipação e humanização do aluno, é fundamental que o sistema educacional prime
por uma educação para todos, onde o enfoque seja dado às diferenças existentes dentro
da escola. Uma tarefa nada fácil, que exige transformações acerca do sistema como um
todo e mudanças significativas no olhar da escola, pensando a adaptação do contexto
escolar ao aluno. Com o objetivo de construir uma proposta educacional inclusiva e
ressponsável é fundamental que a equipe escolar tenha muito claro os princípios
norteadores destaproposta que devem estar calcados no desenvolvimento da
democracia.
De acordo com o documento Diretrizes Nacionais para a Educação Especial
(2001, p. 23) os princíppios norteadores de uma educação inclusiva são:
- Preservação da dignidade humana;
- Busca de identidade;
- Exercício de cidadania.

DIVERSIDADES NO CONTEXTO DA ESCOLA PÚBLICA

A realidade que permeia as escolas públicas apresenta desafios a serem


enfrentados, ou pelo menos, a serem colocados como reflexão aos professores e a toda a
comunidade escolar, preocupada com os novos rumos e um novo caminhar do processo
de ensino e aprendizagem.
A seguir, o presente texto apresentará as diversidades normalmente encontradas
na escola e que hoje despontam como desafios para a ação docente do educador.

DIVERSIDADES RELIGIOSAS

Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, por sua religião. Para
odiar, as pessoas precisam aprender; e se podem aprender a odiar, podem ser ensinadas
a amar.
O respeito à diversidade é um dos valores de cidadania mais importantes, sendo
fundamental valorizar cada pessoa, independente de qual religião pertença, tendo
consciência de que cada uma teve e tem sua contribuição ao longo da história. Assim, as
diferentes expressões religiosas devem ser consideradas na escola, especialmente na
escola pública.
Para melhor entender este novo universo conceitual e de conteúdo, Silva (2004,
p. 140) esclarece dizendo, “Ensino de religiões, estudo de diversidades, exercícios de
alteridade: estes sim podem ser conteúdos trabalhados na escola pública. Da mesma
forma que o professor de literatura faz referência a diversas escolas literárias; da mesma
forma que o professor de História enfatiza diversos povos, assim o ensino de religiões
deve enfatizar diversas expressões religiosas, considerando que as religiões fazem parte
da aventura humana.“
A escola precisa valorizar os fenômenos religiosos como patrimônio cultural e
histórico, buscando discutir princípios, valores, diferenças, tendo em vista a
compreensãodo outro. Por isso é importantíssimo que o professor trabalhe com os
alunos atitudes de tolerância e respeito às diferenças desenvolvendo um trabalho com a
diversidade religiosa. E ele pode estar utilizando-se das aulas de Ensino Religioso para
estar fazendo este trabalho ou de quaisquer outras situações em suas áreas de
conhecimento, tomando o cuidado em refletir com os alunos o maior número possível
de expressões religiosas existentes na sociedade, buscando garantir o direito de livre
expressão de culto, evitandose o proselitismo ou intolerância religiosa.
Ao estar abordando estas questões religiosas, especialmente nas aulas de Ensino
Religioso, é preciso que se tome o cuidado para não realizar catequese dentro da
escola,
pois a escola pública não é confessional e, portanto, não pode se reduzir a
nenhum tipo específico de religião, o que pode causar crime de discriminação. Segundo
a LDB 9394/96, em seu artigo 33º podemos encontrar o seguinte esclarecimento, “O
Ensino Religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante da formação básica do
cidadão e constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas do ensino
fundamental, assegurando o respeito a diversidade cultural religiosa do Brasil, vedadas
quaisquer formas de proselitismo.” (BRASIL, 1996) A liberdade religiosa é um dos
direitos fundamentais da humanidade, como afirma a Declaração Universal dos Direitos
Humanos (1948) em seu art. XVIII:
Toda pessoa tem o direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este
direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa
religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, isolada ou
coletivamente, em público ou particular.( NACÕES UNIDAS, 1948.)
A própria Constituição Brasileira (1988) em seu art. 5º, inciso VI diz: “É
inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos
cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e as suas
liturgias.” (BRASIL,1998, p. 5).
É preciso cuidar para que não seja realizado dentro da escola discriminação
quanto as diversidades religiosas existentes mantendo equilíbrio e imparcialidade, em
busca de uma educação de qualidade. É um grande desafio para a escola pública levaros
alunos a reflexão sobre a diversidade de nossa cultura, marcada pela religiosidade.
Segundo Heerdt, (2003, p. 34) Ӄ fundamental que as escolas incentivem os
educandos a conhecer a sua própria religião, a ter interesse por outras formas de
religiosidade, valorizando cada uma e respeitando a diversidadereligiosa, sem nenhum
tipo de preconceito.”
A escola pública deve trabalhar no sentido de ampliar os limites quanto aos
vários tipos de culturas religiosas, desmontando os preconceitos, fazendo com que todos
sejam ouvidos e respeitados, pois intolerância religiosa é desrespeito aos direitos
humanos. De acordo com o Código Penal Brasileiro constitui crime (punível com multa
e até detenção), zombar publicamente de alguém por motivo de crença religiosa,
impedir ou perturbarcerimônia ou culto, e ofender publicamente imagens e outros
objetos de culto religioso.
Assim, cada cidadão precisa assumir a postura do respeito pelo ser humano,
independente de religião ou crença, tendo consciência de que cada pessoa pode
fazer sua opção religiosa e manifestar-se livremente de acordo com os princípios de
cada cultura.
Sugestões de filmes que abordam a temática: Fé; Marcelino pão e vinho; 21
gramas; Baraka; Deus é brasileiro.

DIVERSIDADES DE GÊNERO

Vivemos em uma sociedade pluralista, onde o respeito à individualidade e o


direito de expressão devem ser considerados. A escola pública deve ser o espaço das
liberdades democráticas. Segundo Gomes (1998, p.116), “Entre preconceitos e
discriminações, cabe à escola pública o importante papel de proporcionar a seus alunos
um modelo de tolerância a ser aplicado na sociedade.”
Ao se abordar a questão de gênero, logo vem a ideia de gênero ligada aos sexos
masculino e feminino, enfatizando a questão da exclusão da mulher, sempre
desprivilegiada na sociedade ao longo da história. Essa exclusão é marcada na
sociedade em diversas situações, como mercado de trabalho, política etc, privilegiando
o homem, e enxergando-o com capacidade de liderança, força física, virilidade, capaz
de garantir osustento da família e atender ao mercado de trabalho, etc, em contraposição
a mulher vista como reprodutora, com a responsabilidade por cuidar dos filhos, da
família, das atividades domésticas, etc.
Muitas transformações vêm ocorrendo nas relações de sexo na sociedade,
fazendo com que essa visão sobre a mulher seja desmistificada e dando oportunidades
às mulheres para dividirem os mesmos espaços profissionais e pessoais com os homens,
apesar de ainda haver uma grande desproporção e divisão de poderes que favorecem
mais aos homens, discriminando, por sua vez, o sexo feminino.
Mas quando se trata a questão de gênero na sociedade não podemos relacionar
somente ao sexo feminino ou masculino, pois atualmente abrange também outras
formas culturais de construção de sexualidade humana, vistos muitas vezes com
desprezo e com atitudes discriminatórias na sociedade e, mesmo, na escola, como os
homossexuais, um grupo que, assim como as mulheres, sofreram e continuam sofrendo
discriminações ao longo dos séculos e, tem sofrido com os estigmas, estereótipos e
preconceitos.
É preciso desconstruir os preconceitos e estereótipos em termos de diferença
sexual, possibilitando a inclusão de todas as pessoas, sejam elas do sexo feminino ou
masculino e, considerando as múltiplas formas em que estes podem se desdobrar, pois a
diferença na orientação sexual e nas formas como as diferenças de gênero se
estabelecem, não justificam a exclusão. É preciso enxergar o mundo presente nas
relações humanas e aceitar que a diversidade baseada na igualdade e na diferença é
possível.
A escola precisa levar a reflexão sobre as diferenças e preconceitos de gênero,
buscando sensibilizar a todos os envolvidos na educação para as situações que
produzem preconceitos e resultam em desigualdades, muito presentes no cotidiano
escolar, onde muitas vezes preponderam falas ou situações diversas de distinção de sexo
entre os alunos. É preciso ter consciência que o enaltecimento da diferença de gênero
traz aspectos negativos, desconsiderando muitas vezes o direito, a habilidade e a
capacidade de cada pessoa. De acordo com Vianna e Ridenti (1998, p. 102) “O
ambiente escolar pode reproduzir imagens negativas e preconceituosas, por exemplo,
quando professores relacionam o rendimento de suas alunas ao bom comportamento, ou
quando as tratam como esforçadas e quase nunca como potencialmente brilhantes,
capazes de ousadia e lideranças. O mesmo pode ocorrer com os alunos quando estes não
correspondem a um modelo masculino predeterminado.”
A escola, como bem aponta o material pedagógico “Educar para a diversidade –
um guia para professores sobre orientação sexual e identidade de gênero”, tem a função
de contribuir para o fortalecimento da autoestima dos alunos, independente do gênero,
buscando afirmar o respeito pelo outro, bem como o interesse pelos sentimentos dos
outros, independente das suas diferenças,
É preciso que cada um reconheça no outro: homem, mulher, homossexual etc.,
pessoas com necessidades, interesses, sentimentos... e que estas possuem seu valor na
sociedade e precisam ser valorizados e terem os mesmos direitos garantidos a qualquer
cidadão.
Sugestões de filmes que abordam a temática: Filadélfia; O segredo de Brokeback
Montain; O sorriso de Monalisa; Beijando Jessica Stein; Gia - Fama e
Destruição; Lostand Delirious - Assunto de meninas; Essa Estranha Atração; O
talentoso ripley; Beleza americana;

DIVERSIDADES DO CAMPO

A escola atende em seu cotidiano, muitos alunos advindos de diversos grupos,


entre eles, possui os alunos do campo com sua cultura e seus valores que precisam ser
reconhecidos e valorizados, pois são muitas as influências e contribuições trazidas
poreles, principalmente em relação ao trabalho, a história, o jeito de ser, os
conhecimentos e experiências, etc. A LDB 9394/96 (1996), reconhece a diversidade do
campo e as suas especificidades, estabelecendo as normas para a educação do campo em
seu artigo 28.
A escola precisa refletir sobre a educação para as pessoas do campo, que muitas
vezes são obrigados a aceitar e desenvolver seu processo educativo dentro de um
currículo totalmente urbano, que desconhece a realidade e as necessidades do campo.
As pessoas que vivem no campo têm sua cultura, seus saberes de experiência, seu
cotidiano, que acabam sendo esquecidos, fazendo com que percam sua identidade,
supervalorizando somente o espaço urbano, quando eles têm muitos conhecimentos a
especificidades, estabelecendo as normas para a educação do campo em seu artigo 28.
A escola precisa refletir sobre a educação para as pessoas do campo, que muitas
vezes são obrigados a aceitar e desenvolver seu processo educativo dentro de um
currículo totalmente urbano, que desconhece a realidade e as necessidades do campo.
As pessoas que vivem no campo têm sua cultura, seus saberes de experiência,
seu cotidiano, que acabam sendo esquecidos, fazendo com que percam sua identidade,
supervalorizando somente o espaço urbano, quando eles têm muitos
conhecimentos anão podem ser marginalizados ou discriminados por sua condição
geográfica. Muitos assuntos relacionados à vida no campo podem ser abordados pelos
professores em seu dia-a-dia da sala de aula como reforma agrária, MST,
desenvolvimento sustentável, cultura, produção agrícola, entre outros, primando por
fazer com que estes alunos sintam-se valorizados dentro da escola e que tenham sua
cultura, forma e estilo de vida valorizados .
Segundo Caldart (2005, apud DCE Educação do Campo, 2006) “[...] A escola
precisa cumprir sua vocação universal de ajudar no processo de humanização, com as
tarefas específicas que pode assumir nesta perspectiva.” Ao mesmo tempo, é chamada a
estar atenta às particularidades dos processos sociais do seu tempo histórico e ajudar na
formação das novas gerações trabalhadoras e de militantes sociais.
Os alunos advindos do campo precisam se sentir parte do processo e terem o seu
valor reconhecido pela sociedade, a começar pela escola, que trabalha no sentido
dedesenvolver a humanização e a emancipação dos cidadãos. Sugestão de filme que
aborda a temática: Não há terra sem dono;
ALUNOS COM NECESSIDADES EDUCACIONAIS ESPECIAIS

Aos alunos com necessidades educacionais especiais devem ser garantidos os


mesmos direitos e as mesmas oportunidades dos alunos ditos “normais”, pois a escola é
o espaço de formação para todos. Segundo Carvalho (2000, p. 106) “Enquanto espaço
de formação, diz respeito ao desenvolvimento, nos educandos, de sua capacidade crítica
e reflexiva, do sentimento de solidariedade e de respeito às diferenças, dentre outros
valores democráticos.”
O movimento pela inclusão oportuniza o direito de todos os alunos de estarem
juntos aprendendo, tendo suas especificidades atendidas. Assim, a Lei abre espaço
também aos alunos com necessidades educacionais especiais a serem atendidos em
escolas especiais ou escolas regulares, de acordo com suas especificidades.
A Constituição Federal de 1988 define, em seu artigo 205, a educação como um
direito de todos, garantindo o pleno desenvolvimento da pessoa, o exercício da
cidadania e a qualificação para o trabalho. No artigo 206, inciso 1, estabelece a
“igualdade de condições de acesso e permanência na escola”, como um dos princípios
para o ensino e, garante, como dever do Estado, a oferta do atendimento educacional,
preferencialmente na rede regular do ensino (art. 208).
A atual LDBEN 9394/96 (1996) também assegura aos alunos com
necessidadesm educacionais especiais o atendimento, em seu artigo 4, inciso 3
“atendimento educacional especializado gratuito aos educandos com necessidades
especiais, preferencialmente na rede regular de ensino.”
A escola é a responsável em oportunizar aos alunos o acesso aos conhecimentos
historicamente produzidos, principalmente a escola pública regular, considerada o local
preferencial para a escolarização formal dos alunos com necessidades especiais, tendo
como forma de complementação curricular os apoios e serviços especializados.
É chegada a hora de a escola oferecer oportunidades a todos os alunos
indiscriminadamente, como um direito essencial na vida de cada cidadão, inclusive os
com necessidades especiais. Assim, a escola regular precisa se preocupar em
refletir com seus alunos o conceito de diferença e de especial, salientando que não são
somente osalunos com necessidades especiais que são diferentes e especiais, mas todos
nós e que, as mesmas oportunidades devem ser dadas a todos, para que possam obter
sucesso em sua vida escolar e pessoal e assim, exercer a cidadania.
Há a necessidade de criar dentro da escola espaços para diálogos, trocas de
idéiastambém aos alunos com necessidades educacionais especiais a serem atendidos
em escolas especiais ou escolas regulares, de acordo com suas especificidades.
A Constituição Federal de 1988 define, em seu artigo 205, a educação como um
direito de todos, garantindo o pleno desenvolvimento da pessoa, o exercício da
cidadania e a qualificação para o trabalho. No artigo 206, inciso 1, estabelece a
“igualdade de condições de acesso e permanência na escola”, como um dos princípios
para o ensino e, garante, como dever do Estado, a oferta do atendimento educacional,
preferencialmente na rede regular do ensino (art. 208).
A atual LDB 9394/96 (1996) também assegura aos alunos com necessidades
educacionais especiais o atendimento, em seu artigo 4, inciso 3 “atendimento
educacional especializado gratuito aos educandos com necessidades especiais,
preferencialmente na rede regular de ensino.” A escola é a responsável em oportunizar
aos alunos o acesso aos conhecimentos historicamente produzidos, principalmente a
escola pública regular, considerada o local preferencial para a escolarização formal dos
alunos com necessidades especiais, tendo como forma de complementação curricular os
apoios e serviços especializados.
É chegada a hora de a escola oferecer oportunidades a todos os alunos
indiscriminadamente, como um direito essencial na vida de cada cidadão, inclusive os
com necessidades especiais. Assim, a escola regular precisa se preocupar em refletir
com seus alunos o conceito de diferença e de especial, salientando que não são somente
osalunos com necessidades especiais que são diferentes e especiais, mas todos nós e
que, as mesmas oportunidades devem ser dadas a todos, para que possam obter sucesso
em sua vida escolar e pessoal e assim, exercer a cidadania.
Há a necessidade de criar dentro da escola espaços para diálogos, trocas de
idéiasna escola como:
- no currículo e nas adaptações curriculares;
- na avaliação contínua do trabalho;
- na intervenção psicopedagógica;
- em recursos materiais;
- numa nova concepção de especial em educação, etc.
Sugestões de filmes que abordam a temática: Rain Man; Tomy; O milagre de
Anne Sullivan; O Guardião de memórias; Uma lição de amor; Meu nome é rádio; Meu
namorado Pupkim; Uma mente brilhante; Óleo de Lorenzo; Hellen Keller; O
despertarpara a vida; Sempre amigos; Simples como amar; Meu pé esquerdo.
DIVERSIDADE ETNICO-RACIAL E CULTURA AFRO-BRASILEIRA E
AFRICANA
O que nos faz semelhantes ou mais humanos, são as diferenças. Nilma Lino
Gomes
Somos uma sociedade sem preconceitos?
Há igualdade de direitos entre negros e brancos em nossa sociedade?
Presenciamos situações de preconceito em nosso dia-a-dia, evidenciadas em frases
como estas: “pessoa de cor “, “a coisa tá preta”, “olha o cabelo dela”, “olha a cor do
fulano”, “tem o pezinho na senzala”, “serviço de preto”, etc?
A escola é responsável por trabalhar no sentido de promover a inclusão e a
cidadania de todos os alunos, visando a eliminar todo tipo de injustiça e discriminação,
enxergando os seres humanos dotados de capacidades e valorizando-os como pessoas,
principalmente dos afro-descendentes, marcados por um histórico triste na educação e
na sociedade brasileira de discriminação, racismo e preconceito.
A escola tem o importante papel de transformação da humanidade e precisa
desenvolver seu trabalho de forma democrática, comprometendo-se com o ser humano
em sua totalidade e respeitando-o em suas diferenças. De acordo com Ribeiro (2004, p.
7) “[...] a educação é essencial no processo de formação de qualquer sociedade e
abre
caminhos para a ampliação da cidadania de um povo.”
Os afro-descendentes devem ser reconhecidos em nossa sociedade com as
mesmas igualdades de oportunidades que são concedidas a outras etnias e grupos
sociais, buscando eliminar todas as formas de desigualdades raciais e resgatar a
contribuição dos negros na formação da sociedade brasileira e, assim, valorizar a
história e cultura dos afro-brasileiros e africanos.
Segundo as DCN para a Educação das Relações Étnicos-Raciais e para o Ensino
de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana (2003, p. 5) ”Reconhecimento
implica justiça e iguais direitos sociais, civis, culturais e econômicos, bem como
valorização da diversidade daquilo que distingue os negros dos outros grupos que
compõem a população brasileira. E isto requer mudança nos discursos, raciocínios,
lógicas, gestos, posturas, modo de tratar as pessoas negras. Requer também que se
conheça a sua história e cultura apresentadas, explicadas, buscando-se especificamente
desconstruir o mito da democracia racial na sociedade brasileira; mito este que difunde
crença de que, se os negros não atingem os mesmospatamares que os não negros, é por
falta de competência ou interesse, desconsiderando as desigualdades seculares que a
estrutura social hierárquica cria com prejuízos para o negro.”
Para que haja realmente a construção de um país democrático, faz-se necessário
que todos tenham seus direitos garantidos e sua identidade valorizada, a começar pela
escola que, infelizmente, continua desenvolvendo práticas preconceituosas detectadas
no currículo, no material didático, nas relações entre os alunos, nas relações entre
alunos, e não poucas vezes até professores. Segundo Pinto (1993, apud Rosemberg,
1998, p. 84) “[...] “ao que tudo indica, a escola, que poderia e deveria contribuir para
modificar as mentalidades antidiscriminatórias ou pelo menos para inibir as ações
discriminatórias, acaba contribuindo para a perpetuação das discriminações, seja por
atuação direta de seus agentes, seja por sua omissão perante os conteúdos didáticos que
veicula, ou pelo que ocorre no dia-a-dia da sal de aula.”
Corroborando o que diz Pinto, Silva (2002, p. 140) afirma que:
“Os dados mostram claramente que o sistema educacional brasileiro é seletivo e
discriminatório, porque seleciona em especial os pobres, os negros, os mulatos os
nordestinos.” “[...] Assim sendo, a marginalização cultural e o racismo estão entre as
principais razões que explicam as grandes taxas de evasão e repetência na escola
básica.”
A educação é o fato de maior eficácia para contribuir para a promoção dos
excluídos. Por isso, muitas ações têm sido desencadeadas no sentido de reconhecimente
valorização do negro, garantindo a eles as mesmas condições, numa constante luta
contra o racismo e o preconceito. Luta esta que deve ser de todos, todos que acreditam
num país democrático, justo e igualitário.
Atualmente, a escola e a sociedade têm se preocupado com a criação de
representações positivas sobre o negro, possibilitando uma inserção social do negro em
alguns setores da sociedade, mudando aos poucos a situação do negro. Um exemplo real
e recente disso é a Presidência dos Estados Unidos, sendo conquistada por um negro:
Barako Obama. O próprio estabelecimento da Lei nº 10.639/03 que altera a LDB
9394/96 já retrata a preocupação na reflexão acerca do preconceito e da discriminação,
buscando democratizar e universalizar o ensino, garantindo a todos os alunos o
reconhecimento e valorização de sua cultura, de sua história, de sua identidade, e, assim,
combater oracismo e as discriminações, educando cidadãos orgulhosos de seu
pertencimento étnico-racial tendo seus direitos garantidos e sua identidade valorizada.
Sugestões de filmes que abordam a temática: Mentes que brilham; Hotel
Ruanda; Encontrando Forrester; quanto vale ou é por quilo: Escritores da Liberdade;
Carandiru; A cor púrpura; separados, mas iguais; Homens de Honra; Amistad;

DIVERSIDADE SÓCIO-ECONÔMICA E CULTURAL

A escola pública possui em sua grande maioria alunos provenientes de uma


classe sócio-econômica cultural desfavorecida, de famílias que possuem uma condição
de vida desfavorável e que, na maioria, possuem dificuldades de aprendizagem. São
alunos filhos da classe trabalhadora, cujo pais permanecem a maior parte do dia fora de
casa trabalhando como empregados em indústrias, lojas, casas de família, em trabalhos
sazonais como bóias-frias na zona rural, cortadores de cana, pedreiros, garis,
empregadas domésticas, etc. Muitos pais encontram-se até desempregados, realizando
um “bico” aqui ou ali. Esses compõem a maioria dos alunos que a escola pública atende
e que precisa dar conta, oportunizando condições de aprendizagem, num processo de
qualidade. Eles são alunos que estão à margem da sociedade, e que muitas vezes passam
por diversas circunstâncias perversas, como a fome, situações de violência, problemas
com alcoolismo e drogas, situações de abandono, entre outros. Esses são os verdadeiros
excluídos da sociedade que estão na escola clamando por ajuda. E as condições
socioeconômicas e culturais é um dos fatores que podem interferir, e muito, no
desempenho escolar dos alunos.
O desafio da escola é este: possibilitar a essa grande maioria o acesso à escola,
mas garantindo-lhes permanecer e ter sucesso no processo de ensino e aprendizagem,
pois o acesso ao conhecimento historicamente elaborado é que poderá dar a esses
alunos, muitas vezes excluídos do sistema e da sociedade, condições para transformar
suas vidas e possibilitar uma maior inserção na comunidade, podendo atuar como
cidadãos, capazes de transformá-la.
O sistema, a escola, os professores, precisam reconhecer nesses alunos os seres
humanos que ali estão e clamam por uma oportunidade, que sonham com uma
perspectiva de vida melhor e que querem ter seus direitos de cidadãos garantidos. É
preciso destruir o histórico de exclusão e desigualdade do sistema escolar
público,reconhecendo em cada aluno suas potencialidades.
A escola precisa se preocupar em oferecer um ensino público de maior
qualidade, que possa compensar, pelo menos parcialmente, as dificuldades de
aprendizagem. É preciso que se fique claro que as crianças que vivem em ambientes
desfavoráveis também podem ter um nível de aprendizagem satisfatória. Cabe à escola
oportunizar essas condições, oferecendo o apoio necessário aos alunos em condições
socioeconômicas e culturais desfavoráveis, ajudando-os a superar as dificuldades e
carências do contexto onde vivem, procurando destruir o histórico de exclusão e
desigualdade do sistema escolar público.
Sugestões de filmes que abordam a temática: Orgulho e preconceito; Diário de
uma paixão; Hoje e amanhã;

DIVERSIDADE INDÍGENA

Uma outra diversidade verificada no interior da escola pública, que vem sendo
muito valorizada atualmente é com relação à educação escolar indígena. Os indígenas
também clamam por processos educacionais que lhes permitam o acesso aos
conhecimentos universais, mas que valorize também suas línguas e saberes tradicionais.
A Constituição de 1988 reconheceu o direito dos índios (autóctones) de permanecerem
índios e de terem suas tradições e modos de vida respeitados. Em seu art. 210 fica
assegurado aos povos indígenas o direito de utilizarem suas línguas maternas e
processos próprios de aprendizagem buscando transformar a instituição escolar em um
instrumento de valorização e sistematização de saberes e práticas tradicionais, ao
mesmo tempo em que possibilita aos índios o acesso aos conhecimentos universais e a
valorização dos conhecimentos étnicos.
A partir da Constituição de 1988 e mais fortemente na LBB 9394/96 os
indígenas passaram a ser reconhecidos legalmente em suas diferenças e peculiaridades.
A LDB 9394/96 (1996) estabelece em seu artigo 78, que aos índios devem ser
proporcionadas arecuperação de suas memórias históricas, a reafirmação de suas
identidades étnicas e a valorização de suas línguas e ciências. Aos índios, suas
comunidades e povos devem ser garantidos o acesso às informações, conhecimentos
técnicos e científicos da sociedade nacional e das demais sociedades indígenas e não-
índias. O Plano Nacional de Educação (2001) estabelece objetivos e metas para o
desenvolvimento da educação escolar indígena diferenciada, intercultural, bilíngüe e de
qualidade. Muitas ações em relação à educação escolar dos indígenas já foram
realizadas, porém ainda se percebe um quadro desigual, fragmentado e pouco
estruturado de oferta e atendimento educacional aos índios.
A diversidade dos povos indígenas precisa ser considerada de fato, exigindo
iniciativas diferenciadas por serem portadores de tradições culturais específicas. A
escolarização dos indígenas precisa acontecer a partir do paradigma da especificidade,
da diferença, da interculturalidade e da valorização da diversidade linguística
desenvolvendo assim, ações culturais, históricas e lingüísticas.
Os indígenas precisam ser respeitados e incluídos nos sistemas de ensino do
país, tendo a sua diversidade étnica valorizada e que entre os indígenas e não indígenas
haja um diálogo tolerante e verdadeiro. A proposta é por uma educação escolar indígena
diferenciada, que possibilite a inclusão deste grupo no sistema educacional, tendo
respeitadas as suas peculiaridades. Por isto, muitos investimentos têm sido realizados
com relação a educação escolar dos indígenas, principalmente em relação aos
professores, capacitando professores indígenas que conhecem a realidade, a história e a
cultura do seu grupo ao longo de todo o processo histórico brasileiro. A questão da
educação escolar indígena é uma grande evolução e conquista.
Muitas reflexões e muitas ações ainda precisam ser desencadeadas com o
objetivo de valorização e preservação da cultura indígena, propiciando o
reconhecimento dos indígenas como sujeitos da história e que a eles devem ser
garantidos o acesso aos direitos de qualquer cidadão.
Sugestões de filmes que abordam a temática: Pocahontas; Dança com os lobos;
Pirinop – meu primeiro contato; Dança da ema; A semente da vingança; Estratégia
Quando se trabalha diretamente com linguagem constata-se de modo muito
evidente, a existência de formas diferentes no falar; são variações (variantes) que
obedecem diferentes fatores: regional, de gênero, situacional, sociocultural etc. No
entanto, a escola prioriza o trabalho com a Norma Padrão- NP. As outras formas de
falar não recebem tanta atenção no ensino sistematizado.
Ocorre a exclusão com a linguagem oral e escrita, pois, existe um parâmetro
para orientar o exercício linguístico, mas que acaba por ser adotado como padrão entre o
certo e errado. Quem não fala e não escreve de acordo com a NP é discriminado
socialmente e sofre sansões negativas.
A linguagem é, sem sombras de dúvidas, a grande ponte que liga o “eu”ao “tu”,
o “eu” ao “diferente de mim” (ao outro). Um forte e poderoso instrumento para os que
acreditam num mundo mais harmônico, melhor para todos, sem distinções. Porém, para
que isso ocorra, reiteramos, é necessário entendê-la, reconhecer o seu poder nas relações
sociais e observá-la em toda sua plenitude.
E que isso não fique limitado a alguns profissionais, mas seja parte da bagagem
cultural de todos os que trabalham com educação, inclusive dos nossos educandos. A
escola tem a função de ensinar seus educandos, por meio dos seus professores, a
dominar a NP, porque ela é exigida pela sociedade. O que a escola e os professores não
podem e não devem fazer é promover a discriminação de quem não exerce a NP, por
não entender ainda que é por meio dela que se organiza determinadas relações sociais e
que ela é utilizada como meio de acessibilidade à ampliação da capacidade de
comunicação.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A lei preconiza a universalização da educação para todos, garantindo o direito ao


acesso, a permanência e ao sucesso dos alunos. No entanto, a realidade educacional
contemporânea coloca a escola pública como o palco da diversidade, pois ali se
encontram alunos de diferentes grupos. A diferença entre os grupos é visível e o
trabalho pedagógico precisa voltar-se à diferença, oportunizando o direito de educação
para todos.
Vale destacar que o trabalho com a diversidade está ligado à proposta de
inclusão, que emerge como um grande desafio para a educação, pois, pensar em
inclusão pressupõe uma série de fatores, principalmente os que dizem respeito aos
alunos. Assim, pensar em inclusão, não é só dirigir o olhar para os alunos com
necessidades especiais, mas sim, para todos aqueles alunos que estão nas salas de aula,
que muitas vezes sofrendo preconceitos e discriminações por pertencer a este ou aquele
grupo.
Trabalhar com uma proposta de diversidade, propiciando oportunidades de
inclusão a todos os alunos na escola, não é uma tarefa fácil, uma vez que não se resume
apenas na garantia do direito de acesso. É preciso que lhes sejam garantidas as
condições de permanência e sucesso na escola.
Para que o processo de inclusão ocorra satisfatoriamente é preciso que haja
investimento em educação, senão é um projeto fadado ao insucesso, pois a escola
precisa oferecer estrutura adequada para que ele ocorra. A dura realidade das condições
de trabalho e os limites da formação profissional, o número elevado de alunos por
turma, a rede física inadequada, o despreparo para ensinar "alunos especiais" ou
diferentes são fatores a ser considerados no processo de inclusão que garanta a
participação de todos os alunos e o sucesso, evitando-se assim o alto número de alunos
evadidos e até os retidos no ano letivo.
É de extrema relevância que a escola, especialmente a pública, reconheça as
diferenças, valorizando as especificidades e potencialidades de cada um, reconhecendo
a importância do ser humano, lutando contra os estereótipos, as atitudes de preconceito
e discriminação em relação aos que são considerados diferentes dentro da escola.
É preciso que todos tenham clareza de que sempre vai haver diferenças, mas é
possível minimizá-las, desde que haja interesse em propiciar uma educação de
qualidade a todos. Portanto é preciso haver uma transformação da realidade com o
objetivo dediminuir a exclusão dos alunos, especiais ou não do sistema educacional. É
necessário que se proponha ações e medidas que visem assegurar os direitos
conquistados, a melhoria da qualidade da educação, o investimento em uma ampla
formação dos educadores, a remoção de barreiras físicas e atitudinais, a previsão e
provisão de recursos materiais e humanos entre outras possibilidades.
Como diz Mantoan (2008, p. 20) “O essencial, na nossa opinião, é que todos os
investimentos atuais e futuros da educação brasileira não repitam o passado e
reconheçam e valorizam as diferenças na escola. Temos de ter sempre presente que o
nosso problema se concentra em tudo o que torna nossas escolas injustas,
discriminadoras e excludentes, e que, sem solucioná-lo, não conseguiremos o nível de
qualidade de ensino escolar, que é exigido para se ter uma escola mais que especial,
onde os alunos tenham odireito de ser (alunos), sendo diferentes.” (grifo nosso).
Precisamos ser otimistas e transformar em realidade o sonho de uma
educaçãopara todos, nos convencendo das potencialidades e capacidades dos seres
humanos, acreditando que, somando nossas diferenças, poderemos provocar mudanças
significativas na educação e na sociedade, diminuindo preconceitos e
estereótipos e tornando nosso país mais humano, fraterno, justo e solidário.

REFERÊNCIAS

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CULTURA BRASILEIRA: DA DIVERSIDADE À DESIGUALDADE

Francisco Porfírio

https://brasilescola.uol.com.br/sociologia/cultura-brasileira-diversidade-
desigualdade.htm
Apesar de ser um país com uma vasta constituição cultural, o Brasil apresenta
elementos que atestam a desigualdade social entre as diversas culturas que o constituem.

A pobreza e a desigualdade social são evidentes nas periferias brasileiras.A+


A-
A cultura brasileira é diversificada, o que não exclui a evidente desigualdade
social, que é uma característica marcante de nosso país e é atestada pela evidente
hegemonia de uma classe social nos processos de divisão social do trabalho e de divisão
da renda, além de fatores como o acesso à saúde, educação, saneamento e segurança.
Apesar de vasta e ampla, a cultura brasileira torna-se símbolo de status para
as elites, que selecionam arbitrariamente aquilo que deve ou não ser consumido,
relegando o que não foi selecionado para o limbo da produção cultural. Ademais, a nossa
rica cultura popular faz contraste ao nosso povo, desprovido, muitas vezes, de insumos
básicos para a sobrevivência.
É comum escutarmos que o Brasil é um país miscigenado, de cultura vasta e
crenças religiosas sincréticas. De fato, a formação étnica do povo brasileiro ocorreu,
primeiramente, com a miscigenação entre povos africanos, portugueses (que já tinham
em sua linhagem traços de miscigenação entre povos diversos do continente europeu) e
indígenas.
Ao longo do tempo decorrido, desde o início da república, o Brasil recebeu
imigrantes italianos, japoneses, alemães e de outros países sul-americanos. Isso somente
atesta que, tomando o significado de cultura por uma concepção geral que envolve os
hábitos, costumes, a culinária, as crenças e o modo de vida geral de um povo, o Brasil é
realmente vasto.
Porém, essa concepção diversa da cultura brasileira pode resultar em um olhar
equivocado quanto à não existência de mazelas sociais, como a desigualdade social, o
elitismo cultural e o racismo.
Gilberto Freyre, em Casa-Grande e Senzala, aponta sua análise sobre a sociedade
colonial brasileira para um rumo, no mínimo, estranho: ele fala de uma relação harmônica
entre negros e brancos no Brasil Colonial, o que parece ser um eufemismo que relativiza
o que realmente aconteceu – a dominação pura e simples de brancos contra negros.
A miscigenação que Freyre utiliza como dado para atestar a sua teoria nada mais
foi que fruto de abusos sexuais e estupros de homens brancos contra as suas escravas e
contra as mulheres indígenas. Quando se relativiza a dominação branca durante o período
colonial, tende-se a apoiar um racismo estrutural que perdura até hoje.
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O elitismo cultural (que, apesar de toda a vastidão cultural brasileira, existe por
aqui) também é fator estruturante para a manutenção das desigualdades sociais que
privilegiam etnias, classes sociais e regiões.
Durante muito tempo, a Antropologia formulou teorias que tentaram justificar a
existência de culturas superiores e inferiores, de acordo com o desenvolvimento
fenotípico dos povos que criaram essas culturas. Uma dessas teorias é o darwinismo
social, que passou a ser questionado por Franz Boas, no fim do século XIX, e somente
caiu de vez a partir do estruturalismo de Claude Lévi-Strauss.

FORMAÇÃO E DIVERSIDADE CULTURAL DA POPULAÇÃO


BRASILEIRA
O território brasileiro era habitado, até 1500, pelos povos nativos, chamados
pelos europeus de índios. Porém, não havia apenas uma tribo ou uma vertente cultural
indígena nas terras que os povos Tupi chamavam de Pindorama: eram quatro
agrupamentos linguísticos diferentes (Tupi-Guarani, Jê, Caribe e Aruaque). Esses grupos
étnicos eram divididos em milhares de tribos, essas divididas em aldeias. Cada tribo
possuía seus costumes.
Com a captura e escravização dos povos africanos, pudemos observar uma
vastidão cultural semelhante à dos povos indígenas, pois não havia uma só tribo de onde
os portugueses capturavam os africanos ou uma só cultura africana. Os povos africanos
eram vastos, divididos em várias tribos e de várias origens étnicas diferentes, o que
conferiu à formação cultural afro-brasileira uma vastidão e amplitude tão diversa quanto
à indígena.
A vinda de povos brancos, de origem europeia, para o Brasil, tanto portugueses
(que por si só já tinham uma origem poliétnica) como a vinda de italianos e alemães,
contribuiu para a miscigenação de nosso povo. No Brasil, surgiu uma cultura ímpar,
fruto da forte miscigenação, que resultou em produtos culturais populares sem igual no
mundo.
Há também em nossa terra e na formação de nosso povo o sincretismo
religioso devido à mistura de crenças, o que resultou, por exemplo, no surgimento de uma
religião genuinamente brasileira: a umbanda, que mistura elementos do candomblé e do
kardecismo.
Preconceito cultural no Brasil
Desde o início da colonização, um elitismo cultural reina no Brasil, pois os
portugueses viam a si mesmos como superiores e os povos nativos como inferiores. O
trecho transcrito a seguir atesta essa visão etnocêntrica:
“A língua deste gentio toda pela costa é uma, carece de três letras, não se acha
nela f, nem l, nem r, coisa digna de espanto, porque assim não têm fé, nem lei, nem rei, e
desta maneira vivem sem justiça e desordenadamente”i.
Mais tarde, quando os africanos começaram a ser escravizados por povos
europeus, a escravidão assentava-se, igualmente, em um etnocentrismo racista e em um
elitismo cultural: os europeus, brancos, julgavam-se superiores aos africanos por seus
fenótipos e por suas características culturais que, no julgamento dos próprios europeus,
eram superiores.
Os europeus tinham um sistema político governamental e com formação estatal,
dominavam a pólvora e a escrita, além de terem moeda e iniciarem o capitalismo
mercantilista. Os povos do sul desenvolveram-se de maneira diferente. Com exceção de
alguns povos mesoamericanos, nativos da África e da América viviam em contato com a
natureza e não estabeleciam relações comerciais nem centralização de poder.
O modo de vida dos nativos africanos e americanos era autossuficiente, e a sua
cultura tinha ganhado contornos diferentes da cultura europeia. A justificação do domínio
pela cultura é um forte elemento do preconceito cultural no Brasil.
Hoje, podemos falar da existência de um elitismo que culmina na discriminação
daquelas pessoas marginalizadas (que estão à margem da sociedade, devido à exclusão
social) e em um racismo estrutural. O racismo estrutural, muito forte no Brasil, é um tipo
de racismo velado e indireto. Ele pode ser manifestado por meio de dados
socioeconômicos, como os que apontam que os negros ganham, em média, 1,2 mil reais
a menos que os brancos, segundo levantamento do IBGEii.
Esse tipo de racismo arrasta-se sorrateiramente desde a abolição da escravidão,
que deu a liberdade por direito aos negros escravizados, mas não deu suporte educacional,
econômico e de assistência básica para que aquela população pudesse organizar a sua
vida. Teorias que apontam para uma democracia racial, como a de Gilberto Freyre,
somente reforçaram a ideia de que estava tudo bem, quando não estava.
Por não possuir um regime de apartheid, como houve nos Estados Unidos, o
brasileiro médio (em especial a população branca) cresceu acreditando que havia
oportunidades iguais para negros, brancos e indígenas, quando, na verdade, nunca houve,
e quem sofre com isso diariamente são os negros de classe baixa. Esses aspectos atestam
que existe uma direta relação entre desigualdade social e diversidade cultural.

DIFERENÇA ENTRE DIVERSIDADE CULTURAL E DESIGUALDADE


SOCIAL

Em termos de estrita interpretação, diversidade cultural e desigualdade social são


completamente diferentes. Desigualdade social faz referência
à diferença entre as classes sociais e aos rendimentos de cada classe. Diversidade
cultural faz referência à vasta quantidade de culturas diferentes existentes em um
nosso território.
No Brasil, a associação entre os termos “desigualdade social” e “diversidade
cultural” é possível, pois apesar de nossa diversa formação cultural, a exclusão social
apresenta-se como um fator de exclusão que se manifesta, majoritariamente, por meio da
diferença entre as diversas culturas que formam a população brasileira.
Notas
i GÂNDAVO, Pero de Magalhães. Tratado da Província do Brasil. Rio de Janeiro:
INL/MEC, 1965, p. 182.
ii VELASCO, Clara. Negros ganham R$ 1,2 mil a menos que brancos em média no
Brasil; trabalhadores relatam dificuldades e “racismo velado”. In: G1 Economia.
Disponível em: https://g1.globo.com/economia/noticia/negros-ganham-r-12-mil-a-
menos-que-brancos-em-media-no-brasil-trabalhadores-relatam-dificuldades-e-racismo-
velado.ghtml. Acesso em 25/04/2019.
1
Revista Direito e Humanidades

A POSIÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS SOBRE DIREITOS


HUMANOS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
3
THE POSITION OF INTERNATIONAL TREATIES ON HUMAN RIGHTS IN
BRAZILIAN LAW

Pedro Ribeiro Agustoni Feilke*

RESUMO
O presente trabalho científico busca averiguar a posição que os tratados internacionais, especial-
mente os de direitos humanos, assumem no ordenamento jurídico pátrio. Para tanto, faz, inicial-
mente, um arrazoado histórico relativo à evolução do Direito Internacional Público e o status quo
atual. Após analisar a posição que os tratados comuns ocupam no direito nacional, passa ao estudo
do tema central, isto é, os tratados internacionais sobre direitos humanos. Nese ponto, disserta de-
tidamente a respeito da evolução do entendimento do Supremo Tribunal Federal relativo ao tema,
verificando as várias teorias utilizadas pelos ministros em suas decisões. Após contrapor, à sequên-
cia, a posição do STF com a da doutrina mais moderna, faz uma ponderação final crítica a respeito
do posicionamento do Supremo Tribunal Federal sobre a temática abordada.
Palavras-chave:Direito Internacional Público. Tratados Internacionais. Tratados internacio-
nais de direitos humanos.

ABSTRACT
This scientific work aims to investigate the position that international treaties, especially human ri-
ghts, assumes in the national law. Therefore, it initially a historical rationale for the development of
the Public International Law and the current status quo. After examining the position that ordinary
treaties occupy in national law, it passes to the study of the central theme, i.e., international human
rights treaties. At this point, carefully lecture on the evolution of the understanding of the Supre-
me Court on the issue by checking the various theories used by ministers in their decisions. After
counter, the sequence, the position of the STF with the most modern doctrine, makes a final critical
weighting about the positioning of the Supreme Court on the theme.
Keywords:Public International Law. International Treaties. International human rights trea-

1 Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela PUCRS. Pós-graduando em Direito do Estado pela Uniritter Laureate Universi-
ties. Mestrando em Fundamentos da Integração Jurídica pela UFRGS. Advogado.
2
Revista Direito e Humanidades

1 Introdução divíduos (Accioly, 1991). Essa conceituação, propos-


ta por Hildebrando Accioly, em 1957, permanece váli-
Muito se fala em globalização nos tempos atuais, utilizando da até os dias atuais, em que pese o advento de uma
o termo indistintamente para as mais variadas situações. vasta gama de novas organizações no cenário global.
No campo do Direito, a globalização, ou internacionalização
das normas, assume características próprias que tradu- Também chamado de “direito das gentes” (jus gentium)3,
zem o grau de integração verificado em determinado país. o Direito Internacional Público somente se consolidou
em meados do século XVII, destacando-se como uma
Em que pese a acepção, certas vezes pejorativa, que disciplina com características próprias, a partir do Tra-
a expressão globalização assume, mostra-se funda- tado de Vestfália, de 16484. Com o passar dos anos, e
mental que os ordenamentos jurídicos nacionais se a evolução do conceito de “sociedade internacional”, o
coloquem em posição alinhada com os tratados inter- Direito Internacional Público foi assumindo uma cres-
nacionais firmados pelo país, para garantir a credibili- cente importância, especialmente após as duas Guer-
dade jurídica do país, perante a ordem internacional. ras Mundiais do século XX (Mazzuoli, 2002). Toda essa
evolução do direito internacional, como um braço do
O presente artigo, atento à necessidade de os Esta- Direito, alçado à relação interestatal, só foi possível por
dos respeitarem os tratados aos quais se vincularam, meio da criação de uma sociedade internacional, na
visa a analisar como o ordenamento jurídico brasilei- qual os países se reuniram, cedendo uma parcela de
ro, em particular, vem lidando com essa questão de sua soberania em prol de um objetivo maior. Isto por-
hierarquia dos tratados internacionais. O foco dado que, como em qualquer sociedade, é impossível viver
é especificamente a problemática dos tratados inter- desprovido de regras, em total anarquia. Em não exis-
nacionais sobre direitos humanos, haja vista existir tindo qualquer regramento ou ordenamento jurídico,
uma visão diferenciada do Supremo Tribunal Fede- é inconcebível a ideia de uma sociedade organizada7.
ral a respeito deles, com base na interpretação dos
parágrafos 1º e 3º do art. 5º da Constituição Federal. Não se concebe mais, hoje, aquela arcaica ideia de
buscar a validade do Direito Internacional na superada
Tratar-se-á, neste estudo, da visão que a doutrina e a teoria voluntarista, segundo a qual a obrigatoriedade
jurisprudência pátria vêm adotando no tocante à hie- do direito internacional adviria exclusivamente da von-
rarquia dos tratados internacionais, especialmente os tade dos Estados. Como assevera Cançado Trindade,
de direitos humanos. Para tanto, faz uso do método a resposta para o fundamento de validade do Direito
de pesquisa bibliográfica e jurisprudencial, bem como Internacional é encontrada na “consciência jurídica uni-
de uma análise histórico-descritiva da doutrina so- versal”, partindo da ideia de justiça objetiva construída,
bre o tema. Ao fim e ao cabo, buscar-se-á definir se o consoante a recta ratio. A recta ratio (expressão equi-
Brasil é ou não um país respeitador dos tratados que parada à orthos logos grega) se identificaria como um
firma junto à comunidade internacional, com ênfase dos principais fundamentos do jus gentium. Segundo os
na análise dos tratados sobre direitos humanos, dada princípios da recta ratio – cuja origem remonta a Platão
a sensibilidade e diferenciação que o tema possui. e Aristóteles – “cada sujeito de Direito deve comportar-
-se com justiça, boa-fé e benevolência.”. Dessa manei-
ra, é possível vislumbrar como a recta ratio identifica-
2. EVOLUCÃO DO DIREITO INTER- -se com a ideia de direito natural, algo é precedente e
NACIONAL PÚBLICO está acima das vontades dos Estados (Trindade, 2006).

O caminho para o qual se parece seguir, não mais permi-


Entende-se como Direito Internacional Público o aglo- te que os países se enclausurem em um casulo jurídico
merado de regras e princípios que visam a disciplinar interno, sob o pálio de uma soberania já mitigada. A reali-
direitos e deveres internacionais, cujos sujeitos são dade sócio-jurídica internacional transforma-se a cada mi-
tanto os Estados e organismos análogos, quanto os in- nuto. Não mais vigora a plena força o princípio do domes-
3
A utilização da expressão “Direito das Gentes” (advinda da tradução literal do latim “Jus Gentium”) é aceita entre os internaciona-
listas, de modo geral, em que pese o vocábulo “gente” não mais retratar bem a realidade
dos atores presentes no cenário internacional. DEL’OLMO, Florisbal de Souza. Curso de Direito Internacional Público.
Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 26.
4
Para Del’Olmo, o “Tratado de Vestfália marca, em um consenso dos tratadistas, o ponto de partida do Direito Interna-
cional moderno. Dois princípios então proclamados, o da igualdade religiosa (Estados católicos e protestantes passam
a gozar das mesmas prerrogativas), e o do equilíbrio europeu (garantia de surgimento de novos Estados), terão forte
influência em toda a ordem jurídica. [...] Com a paz da Vestfália triunfa o princípio da igualdade jurídica entre os Esta-
dos.” Ibidem. p.14 e 15.
7
DEL’OLMO, op. cit. p.1.
3
Revista Direito e Humanidades

tic affair (ou da não ingerência), que cerceava a atuação hierarquia existente entre leis nacionais e tratados inter-
do direito internacional, perante os Estados soberanos; nacionais, dos quais o Brasil faça parte, deixando tal in-
evoluindo para a ideia do international concern, segundo cumbência à doutrina e jurisprudência (Mazzuoli, 2008).
a qual a proteção a direitos básicos do ser humano torna-
-se uma questão de direito internacional (Gomes, 2011). A questão é inegavelmente complexa e sua solução
Essa nova realidade transmite a ideia de que o bem comum passa por definições conceituais que vão ganhar sig-
internacional se coloca acima do bem comum nacional, e nificação mediante um processo cognitivo subjetivo. O
o Estado nacional deixou de ser uma sociedade autossu- STF evoluiu o seu posicionamento, tendo alterado-o de
ficiente e fechada, necessitando de integração com os de- maneira importante nos últimos anos. Para o estudo do
mais países da sociedade internacional. A própria ideia de tema, far-se-á uma divisão: primeiro, estudar-se-ão os
soberania, que no século XVI era conceituada por Bodin tratados internacionais comuns para, após, realizar-se
como um “poder absoluto e perpétuo de uma República”, a análise dos tratados internacionais sobre direitos hu-
transformou-se, nas palavras de Néstor Pedro Sagüés, em manos, que são o principal escopo do presente artigo.
“una potestad relativa, cada vez más recortada” (Gomes,
2011). Assim, a mitigação da soberania ocorre no mes-
mo ritmo em que a sociedade internacional se fortalece.
3. DOS TRATADOS INTERNACIO-
NAIS COMUNS
O entendimento tende para um caminho dialógico, no
qual haja uma constante conversação entre as duas ju- Primeiramente, abordaremos a hierarquia dos tratados in-
risdições (Gomes, 2011). O precursor de tal ideia é o ternacionais comuns – isto é, aqueles que não versam so-
alemão Erik Jayme, que em seu Curso geral de Haia, bre direitos humanos – no ordenamento jurídico brasileiro.
em 1995, chamou de “diálogo das fontes” (dialogue des
sources) a tentativa de conciliar duas fontes de direito dis- A doutrina a propósito da matéria é extremamente con-
sonantes, a fim de que formassem algo novo, com base troversa. Os entendimentos variam desde a ideia de
em tal “conversa”. Ainda que a referida teoria tenha sido que o tratado internacional não pode suplantar lei ordi-
concebida inicialmente para o campo do direito interna- nária (segundo adeptos da teoria dualista e a monista
cional privado, não há impedimento algum em estendê- nacionalista) até o pensamento daqueles doutrinado-
-la ao campo de atuação do Direito Internacional Público. res que defendem o status supraconstitucional dos tra-
tados internacionais, visto que seriam normas que se
Segundo a teoria de Jayme, à solução de antinomias inserem no conceito de jus cogens internacional (adep-
que surgem no cotidiano jurídico não são mais suficien- tos da teoria monista internacionalista) (Sagüés, 1999).
tes os métodos hermenêuticos tradicionais da revo-
gação por derrogação tácita ou ab-rogação de norma Assim considerando, caberia a pergunta: o que ocorre se
incompatível (Miragem, 2012). As diversas fontes de uma lei brasileira ofende um tratado internacional comum,
direito, tais como os direitos constitucionais, fundamen- ratificado pelo Brasil? Novamente, a solução é complexa.
tais, humanos, leis, códigos, tratados etc., “não mais se Para alguns, seria o caso de inconstitucionalidade, por vio-
excluem, ou não mais se revogam mutuamente; ao con- lação indireta da constituição (transgressão da escala hie-
trário, elas falam umas às outras e os juízes são leva- rárquica) (Sagüés, 1999). Outros consideram que se trata
dos a coordenar estas fontes escutando o que as fon- pura e simplesmente do tradicional controle de legalidade
tes dizem” (Jayme, 2012). Desta feita, surge uma nova das leis nacionais. De outra banda, há a posição de Ma-
proposta de perspectiva, acerca da relação entre as zzuoli, que considera ser o caso do controle de supralega-
mais diversas fontes que o direito tem a si, imanentes. lidade, expressão criada por ele para conceituar aqueles
tratados que estão acima da normatividade ordinária, mas
Em termos de fontes de direito internacional, os tratados abaixo da Constituição Federal, o que, na prática, teria
internacionais ocupam hoje um lugar de proeminência os mesmos efeitos do controle de legalidade, visto que
no plano jurídico mundial, constituindo a principal fonte só poderia ser feito de maneira difusa (Mazzuoli, 2008).
de obrigação do direito internacional (Piovesan, 2010).
Posta em evidência a discussão doutrinária, cumpre
Na realidade brasileira, a Constituição da República Fe- esclarecer de que maneira a corte suprema brasileira
derativa do Brasil, promulgada em 1988, após o perío- vem divisando a questão. Diferentemente do que ocor-
do ditatorial, garante a adoção de direitos e garantias re com os tratados que versam sobre direitos humanos
oriundos de tratados internacionais de que a República (como se verá no próximo ponto), a maioria dos ministros
brasileira for parte15. Entretanto, a CRFB/88, não consig-
nou expressamente em nenhum de seus dispositivos a do Supremo mantém o clássico posicionamento conser-

15
Art. 5º, § 2º da CRFB: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos prin-
cípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.”. BRASIL. Constituição
(1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988.
4
Revista Direito e Humanidades

vador da Corte, no sentido de que os tratados internacio- dos princípios regedores das relações internacionais do
nais ratificados pelo Brasil têm status de lei ordinária20. Brasil o da prevalência dos direitos humanos (inciso II, do
artigo 4º, da CRFB/88), garantindo, em âmbito constitu-
Desse modo, o poder para fazer tratados pelo Estado cional endógeno, a vedação à tortura ou tratamento hu-
brasileiro (treaty-making power) ainda hoje é subordina- mano degradante (inciso III do artigo 5º). Dispôs-se que
do à Constituição da República, levando à conclusão de “as normas definidoras dos direitos e garantias funda-
que “[n]enhum valor jurídico terá o tratado internacional, mentais têm aplicação imediata” (parágrafo 1º do art. 5º).
que, incorporado ao sistema de direito positivo interno,
transgredir, formal ou materialmente, o texto da Carta Quanto à relação de direitos integrantes do nosso orde-
Política.”21 Assim, a Constituição acaba sendo um limite namento jurídico, o parágrafo 2º do art. 5º dispõe que “os
material aos tratados internacionais firmados pelo Brasil, direitos e garantias expressos nesta Constituição não ex-
em que pese que tal afirmação esteja desconforme com cluem outros decorrentes do regime e dos princípios por
o que o Direito Internacional Público estabelece. Quanto ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a
ao confronto entre tratados internacionais gerais e leis or- República Federativa do Brasil seja parte.” Por sua vez, a
dinárias, segundo o STF, continuariam sendo resolvidos Emenda Constitucional 45, de 2004, fez mais dois adendos
pelos clássicos métodos de especialidade e anterioridade. de parágrafos ao artigo 5º, formulando, no parágrafo 3º, a
ideia de que “tratados e convenções internacionais sobre
4. DOS TRATADOS SOBRE DIREI- direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do
Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos
TOS HUMANOS votos dos respectivos membros, serão equivalentes às
emendas constitucionais.” e, no parágrafo 4º, enunciando
Cumpre destacar, em princípio de discussão, que a Cons- que “O Brasil se submete à jurisdição de Tribunal Penal
tituição Federal de 1988 representou um marco na história Internacional, a cuja criação tenha manifestado adesão”.
brasileira. Após o fim do período ditatorial, o Brasil cami-
nhava rumo a uma nova ordem jurídico-social, marcada No quadro geral de integração de normas de direito interna-
por um processo de redemocratização e de institucionali- cional com a Constituição Federal de 1988, o parágrafo 3º
zação dos direitos humanos. Concomitantemente, o Esta- do art. 5º eleva os tratados sobre direitos humanos a uma
do brasileiro aderia e ratificava cada vez mais instrumentos categoria superior às demais normas internacionais, mo-
jurídicos internacionais relativos à proteção dos direitos tivo pelo qual os direitos humanos devem ser vistos como
humanos, tanto no âmbito do sistema das Nações Unidas alvos de prerrogativas constitucionais no ordenamento ju-
quanto no sistema Interamericano de direitos humanos. rídico brasileiro. Ainda que assim não fosse, há que se con-
siderar que esses direitos, ditos humanos, estão no mais
Nesse contexto, a Constituição brasileira de 1988 contém alto patamar da hierarquia normativa, por serem aqueles
diversos dispositivos que dão vida a essa nova posição que tutelam os bens jurídicos que o ser humano tem a si
do Brasil, relativa aos direitos humanos, sendo conside- inarredáveis e, se extirpados do homem, não mais assim
rada como o “documento mais abrangente e pormeno- poderemos chamá-lo. Justifica-se a importância da defe-
rizado sobre os direitos humanos jamais visto no Brasil” sa dos direitos humanos em face de crimes de lesa-huma-
(Piovesan, 2010), estando entre as Constituições mais nidade, pois eles violam não só o direito das vítimas, mas
avançadas no mundo nesta matéria. A dignidade da pes- a própria “consciência da humanidade” (Jardim, 2011).
soa humana foi alçada a um dos fundamentos da Repú-
blica Federativa brasileira24. Estabeleceu-se como um Reconhecida a peculiaridade inerente à proteção dos
20
Neste sentido: “os tratados concluídos pelo estado federal possuem, em nosso sistema normativo, o mesmo grau
de autoridade e de eficácia das leis nacionais”. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Medida Cautelar na Ação Direta
de Inconstitucionalidade nº 1347. Relator: Min. Celso de Mello, Brasília, DF, 05/09/1995, Diário da Justiça, Brasília,
DF, 1º dez. 1995; e “Tratados e convenções internacionais – tendo-se presente o sistema jurídico existente no Brasil
(RTJ 83/809) – guardam estrita relação de paridade normativa com as leis ordinárias editadas pelo Estado brasileiro.
A normatividade emergente dos tratados internacionais, dentro do sistema jurídico brasileiro, permite situar esses atos
de direito internacional público, no que concerne à hierarquia das fontes, no mesmo plano e no mesmo grau de eficácia
em que se posicionam as leis internas do Brasil. A eventual precedência dos atos internacionais sobre as normas infra-
constitucionais de direito interno brasileiro somente ocorrerá – presente o contexto de eventual situação de antinomia
com o ordenamento doméstico –, não em virtude de uma inexistente primazia hierárquica, mas, sempre, em face da
aplicação do critério cronológico (lex posterior derogat priori) ou, quando cabível, do critério da especialidade.” BRASIL.
Supremo Tribunal Federal. Extradição nº 662 (Peru). Relator: Min. Celso de Mello, Brasília, DF, 28/11/1996, Diário da
Justiça, Brasília, DF, 13 jun. 2003.
21
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo Regimental no Mandado de Injunção nº 772. Relator: Min. Celso de
Mello, Brasília, DF, 24/10/2007, Diário da Justiça, Brasília, DF, 20 mar. 2009.
24
Cf. art. 1º, III da CRFB.
5
Revista Direito e Humanidades

direitos humanos, o sistema jurídico brasileiro adotou – ensão do desenvolvimento jurisprudencial da corte.
expressamente pelo art. 5º, parágrafo 3º da CRFB, intro- A temática tinha uma interpretação do STF, no sentido de
duzido pela EC 45/04, como dito anteriormente – o posi- que a Convenção Americana de Direitos Humanos não
cionamento segundo o qual os direitos humanos possuem era aplicável à legislação brasileira, no presente caso,
uma hierarquia superior aos demais (“privilégio hierárqui- uma vez que a Convenção teria status de lei ordinária,
co”, segundo Carlos Weis, 2006), conforme se depreen- não podendo, portanto, contrariar a Constituição Federal,
de da leitura sistemática do conjunto ordenamental bra- a qual permite a prisão civil por dívida, no caso do de-
sileiro. Nessa senda, colocam-se como parcial exceção positário infiel. Nesse sentido podemos citar como exem-
à regra de incorporação de tratados internacionais os plos o HC 73.044/SP, julgado em 1996, e o HC 72.131,
relativos a direitos humanos, divergindo quantos aos de- julgado em 1995, nos quais o STF, por maioria (no HC
mais no tangente à integração, eficácia e aplicabilidade. 72131, a votação teve quatro votos contrários), decidiu
que a prisão civil do depositário infiel era constitucional33.
Entretanto, o criticado29 parágrafo 3º do art. 5º da CRFB
não logrou êxito em pôr termo às discussões a respeito Contudo, cabe ressaltar que, anteriormente à reforma
da hierarquia das normas internacionais de direitos hu- constitucional que acrescentou o § 3º no art. 5º da CRFB
manos. Segundo parte da doutrina humanista, a redação (EC 45/04), o próprio STF já sinalava a necessidade de
trazida pela EC 45/2004 não levou em consideração a uma maior hierarquia normativa dos tratados sobre direi-
doutrina e jurisprudência internacional relativa ao tema, tos humanos. É o que podemos depreender de trecho da
tendo aumentado ainda mais a controvérsia a respeito ementa do HC 81.319/GO, de 2002, que também tratava
do status das normas ratificadas pelo Estado brasilei- sobre a questão da prisão do depositário infiel, in verbis:
ro, na temática dos direitos humanos (Mazzuoli, 2011).
É irrecusável que os tratados e convenções interna-
Assim, criou-se um intricado quadro, em que coexistem cionais não podem transgredir a normatividade subor-
três tipos de hierarquia de normas internacionais, peran- dinante da Constituição da República nem dispõem de
te as de direito interno: a das normas internacionais que força normativa para restringir a eficácia jurídica das
não versam sobre direitos humanos (trabalhadas no ponto cláusulas constitucionais e dos preceitos inscritos no
anterior); as normas internacionais de direitos humanos, texto da Lei Fundamental (...). Revela-se altamente
ratificadas pelo Estado brasileiro, que não passaram pelo desejável, no entanto, “de jure constituendo”, que, à
procedimento do parágrafo 3º do art. 5º da CRFB31; e os semelhança do que se registra no direito constitucio-
tratados internacionais sobre direitos humanos que passa- nal comparado (Constituições da Argentina, do Para-
ram pelo quórum previsto no 3º do art. 5º da CRFB32. Para guai, da Federação Russa, do Reino dos Países Bai-
cada uma dessas normas há um diferente grau hierárqui- xos, e do Peru, v.g.), o Congresso Nacional venha a
co, havendo entendimentos nos mais diversos sentidos. outorgar hierarquia constitucional aos tratados sobre
direitos humanos celebrados pelo Estado brasileiro34.
4.1– Do posicionamento do STF
Atendendo ao clamor por uma maior atenção aos tratados
Para analisar a evolução do posicionamento do STF, de direitos humanos, a inserção do § 3º no art. 5º da CRFB,
em relação à colocação dos tratados internacionais feita pela EC 45/04, deixa claro que não há mais dúvidas
sobre direitos humanos no direito nacional, usare- de que os tratados internacionais sobre direitos humanos,
mos o exemplo paradigmático da prisão do deposi- aprovados no rito do referido parágrafo, têm força constitu-
tário infiel, que muito tem a contribuir para a compre- cional. Contudo, os demais tratados sobre direitos huma-
nos não aprovados, segundo aquele procedimento ,conti-
29
Grande parte dos doutrinadores de direitos humanos vê com olhos críticos tal emenda, acreditando que ela veio
para tumultuar ainda mais a estrutura hierárquica dos tratados sobre direitos humanos. Cf. VENTURA, Deisy. A Inter-
pretação Judicial da Lei de Anistia Brasileira e o Direito Internacional. Revista Anistia Política e Justiça de Transição /
Ministério da Justiça. Brasília, nº 4, jul./dez. 2010. p. 203.
31
Para Rezek, “é sensato crer que, ao promulgar esse parágrafo na Emenda constitucional 45, de 8 de dezembro de
2004, sem nenhuma ressalva abjuratória dos tratados sobre direitos humanos, outrora concluídos mediante processo
simples, o Congresso constituinte os elevou à categoria dos tratados de nível constitucional”. REZEK, José Francisco.
Direito Internacional público: curso elementar. 11 ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 103. Por outro lado, o Ministro Gil-
mar Mendes, no voto do Rext 466.343/SP, entendeu que a referida Emenda acabou representando “uma declaração
eloquente de que os tratados internacionais já ratificados pelo BRASIL. anteriormente à mudança constitucional, e não
submetidos ao processo legislativo especial de aprovação no Congresso Nacional, não podem ser comparados às
normas constitucionais.” BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n.466343 de São Paulo. Relator:
Min. Cezar Peluso, Brasília, DF, 03 dez. 2008, Diário da Justiça, Brasília, DF, 5 de jun. 2009.
32
Até hoje, somente foi aprovado segundo o rito do § 3º do art. 5º da CF, a Convenção Internacional sobre os Direitos
das Pessoas com Deficiência (Dec. 6.949, de 25.8.2009).
6
Revista Direito e Humanidades

nuariam, segundo tal posição do STF, no nível das normas STF representa um avanço no âmbito dos direitos humanos.
legais ordinárias, no nosso ordenamento jurídico interno.
A referida posição, todavia, não é unânime no pró-
Todavia, esse entendimento foi reformado para mais bem prio tribunal constitucional. Em voto divergente, o Min.
se coadunar com a ordem jurídica constitucional e o pa- Celso de Mello considerou que os tratados de direi-
norama jurídico internacional, a partir da decisão do Re- tos humanos, em si mesmos considerados, possui-
curso Extraordinário 466.343/SP, em dezembro de 2008, riam força de norma constitucional, diante da previsão
a qual consubstanciou que os tratados internacionais do art. 5º, § 1º e 2º da Constituição Federal. Esse en-
de direitos humanos valem mais do que a lei e menos tendimento vai ao encontro das aspirações da doutri-
que a Constituição, estando no nível supralegal no País. na humanista, bem como da consolidada jurisprudên-
cia dos tribunais internacionais de direitos humanos36.
Desse modo, a posição que hoje adota o Supremo, ca-
pitaneada pelo Min. Gilmar Mendes, leva em conside- O Min. Joaquim Barbosa, por sua vez, entendeu por reco-
ração a importância que o tópico dos direitos humanos nhecer a hierarquia constitucional da Convenção America-
possui, entretanto, não os coloca imediatamente em nível na sobre Direitos Humanos, no julgamento do AI 601.832,
constitucional. Para assumir o status de norma consti- por conta do disposto no §3º do art. 5º, afirmando que “a
tucional, contudo, necessitam passar pelo procedimen- Corte deve evoluir do entendimento então prevalecente
to previsto no art. 5º, § 3º da Constituição, quando, en- (...) para reconhecer a hierarquia constitucional da Conven-
tão, passarão a formar o “bloco de constitucionalidade”. ção.”37 Assim, o ministro Barbosa, ainda que por argumen-
tos distintos do ministro Celso de Mello, reconheceu o status
O Min. Gilmar Mendes, no voto proferido no RE 466.343/ normativo constitucional dos tratados de direitos humanos,
SP, destacou existirem quatro correntes principais a res- ao interpretar extensivamente o § 3º do art. 5º da CRFB.
peito do status normativo dos tratados internacionais so-
bre direitos humanos, a saber: supraconstitucional; cons- Como se pode notar, a posição adotada pelo STF utiliza com
titucional; supralegal e status de lei ordinária. A seu ver, no imperícia o direito internacional, autorizando-se a dizer, no
contexto observado hodiernamente, há “a abertura cada mesmo sentido em que Deisy Ventura o faz, que o “STF
vez maior do Estado constitucional a ordens jurídicas su- aplica pouco e mal o Direito Internacional” (Ventura, 2010).
pranacionais de proteção de direitos humanos”, restando, Esse fato é o que leva a doutrinadora citada, com base
portanto, evidente que os tratados internacionais sobre di- na doutrina de Marcelo Neves (2009) e Bruce Ackerman
reitos humanos merecem tratamento privilegiado. Dessa (1996), a afirmar que a postura do STF é de “provincianis-
maneira, adotou o ministro a tese da supralegalidade, se- mo jurídico”, visto que desconsidera os grandes avanços
gundo a qual os tratados e convenções sobre direitos hu- da doutrina e jurisprudência internacionais (Ventura, 1991).
manos seriam infraconstitucionais, “porém, diante de seu
caráter especial, em relação aos demais atos normativos 4.2 – Da posição doutrinária
internacionais, também seriam dotados de um atributo de
supralegalidade”35. Apesar de não atender plenamente às O entendimento esposado pelo Supremo Tribunal Fe-
expectativas humanistas e à evolução constatada na juris- deral é, de certo modo, conservador e desatende às
prudência das cortes internacionais sobre direitos huma- expectativas do constitucionalismo moderno. A dou-
nos, é inegável que a adoção desse posicionamento pelo trina dominante, por sua vez, vem discutindo a matéria
33
Cabe colacionar trecho da ementa do HC 73.044, elucidativo para entender a posição adotada então pelo STF: “Os
compromissos assumidos pelo Brasil em tratado internacional de que seja parte (§ 2º do art. 5º da Constituição) não
minimizam o conceito de soberania do Estado-povo, na elaboração da sua Constituição; por essa razão, o art. 7º,
nº 7, do Pacto de São José da Costa Rica, (“ninguém deve ser detido por dívida”: “este princípio não limita os man-
dados de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar”) deve
ser interpretado com as limitações impostas pelo art. 5º, LXVII, da Constituição”. BRASIL. Supremo Tribunal Federal.
Habeas Corpus n.73.044. Relator: Min. Mauricio Correa, Brasília, DF, 19 mar. 1996, Diário da Justiça, Brasília, DF, 20
set. 1996. O entendimento de que os tratados internacionais de direitos humanos possuem status normativo de lei
ordinária é observado, contudo, desde o julgamento do Recurso Extraordinário nº 80.004, de 1977.
34
Idem. Habeas Corpus nº 81.319. Relator: Min. Celso de Mello, Brasília, DF, 24 abr. 2002, Diário da Justiça, Brasília,
DF, 19 ago. 2005.
35
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 466.343, de São Paulo. Relator: Min. Cezar Peluso,
Brasília, DF, 03 dez. 2008, Diário da Justiça, Brasília, DF, 5 de jun. 2009. Cumpre ressaltar que essa tese já havia
sido defendida no ano de 2000, pelo Ministro Sepúlveda Pertence, no voto do RHC 79-785-RJ.
36
É o que se vê no voto do Ministro proferido no RE 466.343/SP: “Após muita reflexão sobre esse tema (...), inclino-
-me a acolher essa orientação, que atribui natureza constitucional às convenções internacionais de direitos humanos
[...].” Ibidem.
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Revista Direito e Humanidades

de maneira mais profícua, e evoluindo a passos largos


no campo do direito internacional dos direitos humanos. Em suma, os tratados internacionais sobre direitos hu-
Atualmente, a corrente que entende que os tratados in- manos aprovados pelo rito do § 3º do art. 5º seriam
ternacionais de direitos humanos possuem hierarquia “equivalentes” à norma constitucional (material e formal-
constitucional, independente do rito do § 3º do art. 5º mente constitucionais), enquanto que os demais, que
da CRFB é a mais adotada pelos internacionalistas. não passaram por esse procedimento, teriam apenas
“status” de norma constitucional (somente materialmen-
Nesse sentido, Flávia Piovesan acredita que a Cons- te constitucionais). Na prática, as consequências de o
tituição brasileira, ao prescrever que os direitos e ga- tratado ser formalmente constitucional, são a de que ele
rantias ali expressos não excluem outros decorrentes reformaria efetivamente a Constituição, não poderia ser
de tratados internacionais42, estaria, a contrario sensu, denunciado e serviria como paradigma para o contro-
admitindo a inclusão dos direitos enunciados nos trata- le concentrado de constitucionalidade (Mazzuoli, 2011).
dos internacionais de que o Brasil é parte no catálogo
de direitos constitucionalmente protegidos. A Carta bra- Conforme se afere das considerações ora examinadas, a
sileira teria atribuído aos direitos humanos consagrados posição da doutrina mais moderna, a respeito da posição
em instrumentos internacionais, então, “uma natureza hierárquica dos tratados internacionais sobre direitos hu-
especial e diferenciada, qual seja, a natureza de nor- manos, é muito mais avançada que a do Supremo Tribunal
ma constitucional” (Piovesan, 2010). Não bastasse tal Federal, em termos de respeito às normas internacionais.
fato, assevera a autora que os tratados internacionais Tal descompasso entre doutrina e jurisprudência demons-
sobre direitos humanos teriam, por si só, natureza ma- tra que o ordenamento jurídico pátrio ainda não assimilou
terialmente constitucional, dado seu conteúdo normativo. devidamente o Direito Internacional Público como fonte
de direito interno, isto é, não utilizado meramen-
Valério Mazzuoli também interpreta que o § 2º do art. 5º da te para relações internacionais entre Estados, mas
CRFB pretende expressar que outros direitos e garantias também nas relações jurídicas de direito interno.
relativos a direitos humanos, presentes em instrumentos
ratificados pelo Estado brasileiro, se incluiriam no chama-
do bloco de constitucionalidade, independentemente do
5.CONCLUSÃO
procedimento previsto no § 3º do mesmo art. 5º. Desse
Como se pode aferir, a partir do arrazoado supraexpos-
modo, a Constituição aceitaria uma “dupla fonte norma-
to, o entendimento do STF evoluiu daquele que creditava
tiva” no sistema de direitos e garantias: a do direito in-
a toda espécie de tratado internacional o mesmo status
terno, composta pelos direitos expressa e implicitamente
de lei ordinária para a ideia de que os tratados interna-
inseridos no texto constitucional; e a do direito internacio-
cionais sobre direitos humanos possuem grau hierárqui-
nal, representada pelos tratados internacionais de direi-
co supralegal, vale dizer, estão acima das leis e abaixo
tos humanos em que o Brasil for parte (Mazzuoli, 2011)45.
da Constituição; ressalvado o caso em que os tratados
de direitos humanos forem aprovados no rito do art. 5º,
Para combater a aparente clareza do § 3º do art. 5º da
§ 3º da CRFB, ocasião em que assumirão status de nor-
CRFB, Mazzuoli lança mão de uma teoria segundo a qual
ma constitucional. Quanto aos demais tratados, esses
o procedimento previsto no aludido texto constitucional
remanesceriam no nível das leis infraconstitucionais.
serviria tão somente para dar eficácia formal aos tratados
internacionais sobre direitos humanos, uma vez que eles
Adverte-se, contudo, que, em consonância com a
não necessitam de confirmação de sua eficácia material-
mais moderna doutrina, os tratados internacionais so-
mente constitucional. O fato de o parágrafo 3º dizer que os
bre direitos humanos, devido a sua relevância, in-
mencionados tratados assumiriam força de norma consti-
tegrariam diretamente o bloco de constitucionalida-
tucional não acarreta na conclusão de que os demais tra-
de, tendo, portanto, nível de norma constitucional. Os
tados terão eficácia de lei ordinária ou ainda supralegal46.

37
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo Regimental no Agravo de Instrumento nº 601.832. Voto do Min. Joa-
quim Barbosa, Brasília, DF, 17 mar. 2009, Diário da Justiça, Brasília, DF, 3 abr. 2009.
42
Cf. art. 5º, § 2º da CRFB.
45
Em suas palavras: “[...] se a Constituição estabelece que os direitos e garantias nela elencados ‘não excluem’
outros, provenientes dos tratados internacionais, ‘em que a República Federativa do Brasil seja parte’, é porque ela
própria está a autorizar que esses direitos e garantias internacionais constantes dos tratados de direitos humanos
ratificados pelo Brasil ‘se incluem’ no nosso ordenamento jurídico interno, passando a ser considerados como se es-
critos na Constituição estivessem. É dizer, se os direitos e garantias expressos no texto constitucional ‘não excluem’
outros, provenientes dos tratados internacionais em que o Brasil seja parte, é porque, pela lógica, na medida em que
tais instrumentos passam a assegurar outros direitos e garantias, a Constituição ‘os inclui’ no seu catálogo de direitos
protegidos, ampliando o seu ‘bloco de constitucionalidade’.
46
Ibidem. p. 50 et. seq.
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Revista Direito e Humanidades

tratados restantes teriam o status supralegal, dada REFERÊNCIAS


a proeminência que o direito internacional assume.
ACCIOLY, Hildebrando. Manual de direito in-
Forma-se, então, uma dinâmica quadripartite do controle ternacional público. São Paulo: Saraiva, 1991.
que o judiciário faz das normas: em primeiro lugar, temos
o controle de legalidade, que nada mais é do que a análise BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República
de determinado ato ou norma, em confronto com alguma Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988.
lei da constelação jurídica nacional; em segundo plano,
temos o controle de constitucionalidade, isto é, aquele que ______. Supremo Tribunal Federal. Agravo Regi-
confronta lei ou ato com a Constituição Federal; em ter- mental no Agravo de Instrumento nº 601.832. Voto
ceiro lugar, coloca-se o controle de supralegalidade, que do Min. Joaquim Barbosa, Brasília, DF, 17 mar.
é aquele em que o paradigma de controle são os tratados 2009, Diário da Justiça, Brasília, DF, 3 abr. 2009.
internacionais, que não versam sobre direitos humanos;
e, por último, coloca-se o controle de convencionalida- ______. ______. Agravo Regimental no Mandado de In-
de, que busca compatibilizar as normas internas ao que junção n. 772. Relator: Min. Celso de Mello, Brasília, DF,
o direito internacional dos direitos humanos propugna. 24/10/2007, Diário da Justiça, Brasília, DF, 20 mar. 2009.

Com tudo isso em mente, ressalta-se novamente a falta ______. ______. Arguição de Descumprimento de Precei-
de compromisso de nossa Suprema Corte com os instru- to Fundamental n. 132, Relator: Min. Ayres Britto, Brasília,
mentos internacionais que o Brasil ratificou. O caminho DF, 5 mai. 2011, Diário da Justiça, Brasília, DF, 14 out. 2011.
que se deve seguir aqui é o da relação dialógica entre
as fontes de direito, de acordo com a doutrina interna- ______. ______. Arguição de Descumprimento de Pre-
cionalista moderna. A nova ordem mundial apresenta ceito Fundamental nº 153, Brasília, DF, 29 de abril
um novo paradigma, segundo o qual os países devem 2010. Diário da Justiça, Brasília, DF, 6 de agosto 2010.
se conectar, dentro da sociedade internacional na qual
se inserem, pugnando cada vez mais pela cooperação ______. ______. Extradição nº 662 (Peru). Rela-
e compromisso com uma ordem jurídica supraestatal. tor: Min. Celso de Mello, Brasília, DF, 28/11/1996,
Diário da Justiça, Brasília, DF, 13 jun. 2003.
Não basta tão somente que os países se declarem au-
tossuficientes e utilizem como único parâmetro de ______. ______. Extradição nº 954 (Itália). Rela-
aferição de validade das leis a Constituição nacio- tor: Min. Joaquim Barbosa, Brasília, DF, 17 mai.
nal. Neste novo cenário mundial, o diálogo não deve 2005, Diário da Justiça, Brasília, DF, 24 mai. 2005.
se operar unicamente entre as fontes de direito, mas
também entre a jurisprudência das cortes; no pre- ______. ______. Habeas Corpus nº 73.044. Re-
sente caso, a jurisprudência do STF deve se conec- lator: Min. Mauricio Correa, Brasília, DF, 19 mar.
tar dialogicamente com a jurisprudência da Corte IDH. 1996, Diário da Justiça, Brasília, DF, 20 set. 1996.

Todo esse esforço deve colocar em evidência o prin- ______. ______. Habeas Corpus nº 81.319. Re-
cípio que mais demonstra essa nova ordem mundial: o lator: Min. Celso de Mello, Brasília, DF, 24 abr.
princípio pro homine, ou o da norma mais favorável ao 2002, Diário da Justiça, Brasília, DF, 19 ago. 2005.
homem. O referido princípio, que já foi aplicado pelo
STF em determinadas situações, representa o mais ______. ______. Habeas Corpus nº 91.361. Re-
alto grau de evolução do direito, em relação à prote- lator: Min. Celso de Mello, Brasília, DF, 23 set.
ção dos direitos humanos. Quando o aludido for colo- 2008, Diário da Justiça, Brasília, DF, 6 fev. 2009.
cado no lugar que merece, estaremos diante de uma
nova realidade jurídica, na qual os direitos humanos ______. ______. Habeas Corpus nº 96.772 de São
representam uma verdadeira preocupação do Estado. Paulo, Relator: Min. Celso de Mello, Brasília, DF,
09/06/2009, Diário da Justiça, Brasília, DF, 21 ago. 2009.

______. ______. Medida Cautelar naAção Direta de Inconsti-


tucionalidade nº 1347. Relator: Min. Celso de Mello, Brasília,
DF, 05/09/1995, Diário da Justiça, Brasília, DF, 1 dez. 1995.

______. ______. Recurso Extraordinário nº 466.343 de


São Paulo. Relator: Min. Cezar Peluso, Brasília, DF, 03
dez. 2008, Diário da Justiça, Brasília, DF, 5 de jun. 2009.

______. ______. Recurso Extraordinário nº 511.961.


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