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Educação escolar e cultura(s): construindo caminhos

Introdução

Este texto introdutório enfoca a dificuldade enfrentada pelos professores em tornar a cultura

um elemento central no currículo e em aplicar uma orientação multicultural em suas práticas

educacionais. Questionamentos frequentes sobre como lidar com a diversidade cultural dos

alunos, adaptá-los às normas vigentes e integrar suas experiências de vida à função escolar

demonstram uma visão limitada sobre cultura, ensino e aprendizagem.

Apesar das dificuldades expressas pelos professores, o texto reconhece a existência de

experiências significativas que buscam transcender o pluralismo superficial do

multiculturalismo e dar voz às minorias étnicas e raciais marginalizadas, além de indivíduos

de camadas populares. No entanto, aponta que uma orientação multicultural emancipatória

ainda não norteia consistentemente as práticas curriculares nas escolas ou na formação de

professores.

Para alcançar uma justiça curricular que reduza desigualdades e promova a igualdade, os

autores defendem a necessidade de considerar a tensão entre políticas de igualdade e de

diferença. Reconhecem a importância da diferença, mas também destacam a necessidade

de não perder de vista a ideia de totalidade, especialmente em um país como o Brasil,

marcado pela desigualdade social.

Além disso, enfatizam que a mudança curricular para incorporar uma perspectiva

multicultural não é fácil. Isso requer novas posturas, saberes, objetivos, conteúdos,

estratégias e formas de avaliação por parte dos professores. A falta de recursos, apoio,

formação adequada e as precárias condições de trabalho são vistos como obstáculos para

concretizar propostas curriculares que considerem a cultura e a pluralidade cultural no

cotidiano escolar.

O texto busca oferecer subsídios, princípios e sugestões para ajudar os professores a tornar

a cultura um elemento central de seus planos e práticas pedagógicas. Não busca impor

modelos, mas estimular uma abordagem autônoma, coletiva e criativa na construção e


desenvolvimento de novos currículos. Acredita-se que as pesquisas acadêmicas podem

catalisar experiências que transformem o cotidiano escolar em um espaço de reflexão,

crítica e justiça curricular.

Por fim, estrutura-se o texto para discutir a centralidade da cultura na sociedade e na

educação, as relações entre escola e cultura(s), estratégias pedagógicas para abordar a

diversidade cultural no currículo e considerações sobre os desafios na formação de

professores para lidar com as questões culturais contemporâneas em suas práticas.

A centralidade da cultura

O texto discute a centralidade da cultura no mundo contemporâneo, destacando seu papel

crescente na vida social e acadêmica. Autores como Baudrillard, Featherstone, Michael

Apple e os ligados ao marxismo culturalista enfatizam a importância da cultura e sua

relação com a política, ideologia e lutas por hegemonia.

Featherstone observa uma mudança: embora a cultura estivesse outrora na periferia das

ciências sociais, agora move-se em direção ao centro, influenciada pelo aumento dos

estudos interdisciplinares. Michael Apple ressalta a relevância das lutas culturais na batalha

pela hegemonia, mas adverte sobre a importância de não desconsiderar o capitalismo e as

relações de produção.

Os teóricos do marxismo culturalista como Raymond Williams e Edward Thompson

contestam a visão marxista ortodoxa, que reduz a cultura a um mero reflexo da estrutura

econômica. Eles enfatizam que a cultura não é um epifenômeno, mas está intrinsecamente

ligada às experiências e interações humanas reais.

Stuart Hall reafirma a centralidade da cultura no cenário contemporâneo, destacando seu

papel na formação de identidades sociais e na revolução cultural. Ele aponta a cultura como

uma condição constitutiva das práticas sociais, enfatizando que toda prática social possui

uma dimensão cultural.


Hall esclarece que a cultura não é o único aspecto a ser considerado, mas é uma condição

essencial para compreender a vida e a organização da sociedade. Ele ressalta a

interconexão entre cultura e economia, afirmando que ambas se constituem mutuamente.

Este argumento destaca a estreita relação entre práticas escolares e culturais.

Escola e cultura(s)

O texto aborda a interação entre escola e cultura, destacando a impossibilidade de separar

o processo educativo da cultura em que está inserido. Ele ressalta que a escola é uma

instituição cultural e que a relação entre elas é complexa e profundamente interligada.

Apesar dessa conexão intrínseca entre escola e cultura, questiona-se por que atualmente

essa constatação parece desafiadora para as práticas educativas, sugerindo que essa

interdependência não é amplamente reconhecida. A escola, historicamente construída na

era da modernidade, foi vista como um meio privilegiado para transmitir a cultura, mas

questiona-se o que exatamente constitui produções culturais significativas e quem define

esses aspectos.

Autores como Gimeno Sacristán ressaltam a visão da educação como promotora do

progresso e do ideal ilustrado. Contudo, estudos têm demonstrado que essa visão

monocultural da educação acaba por padronizar os conteúdos e ignorar a diversidade

cultural dos alunos, gerando tensões e conflitos quando diferentes culturas entram em

contato no ambiente escolar.

A proposta de Pérez Gómez de entender a escola como um "cruzamento de culturas"

destaca a necessidade de reconhecer e compreender as diferentes culturas presentes no

contexto escolar. Ele aponta que a natureza do que os alunos aprendem está diretamente

relacionada a esse cruzamento entre culturas críticas, acadêmicas, sociais, institucionais e

experienciais.

A escola, portanto, está desafiada a lidar com a pluralidade de culturas, reconhecer e

valorizar as diferenças, o que se apresenta como um grande desafio diante de sua

tendência histórica de homogeneização e padronização. O texto enfatiza a importância de


abrir espaço para a diversidade e a diferença na escola, uma vez que esta sempre teve

dificuldades em lidar com a pluralidade cultural.

Diversidade cultural e currículo

O texto aborda a interconexão entre a educação multicultural e a necessidade de

reformulação dos métodos pedagógicos para lidar com a diversidade cultural. Apresenta o

conceito de "multiculturalismo crítico", enfatizando não apenas o reconhecimento da

diversidade cultural, mas também a análise das relações de poder presentes nessas

interações culturais.

Os especialistas entrevistados defendem uma abordagem pedagógica que vá além do

"daltonismo cultural", que desconsidera a riqueza das múltiplas culturas no ambiente

escolar. Propõem estratégias que ajudem a lidar com essa heterogeneidade, reescrevendo

o conhecimento a partir das diferentes raízes étnicas e culturais, ampliando a compreensão

das conexões entre culturas e desafiando hierarquias culturais.

Uma das estratégias sugeridas é a "ancoragem social" dos conteúdos curriculares,

destacando como esses conhecimentos foram historicamente construídos e como suas

raízes culturais foram frequentemente negligenciadas. Propõe-se evidenciar como o

conhecimento está ligado aos eventos e experiências do mundo concreto, bem como

explorar quem se beneficia e quem perde com as formas de uso desse conhecimento.

Outra proposta é a crítica dos diferentes artefatos culturais presentes na vida dos alunos,

transformando a escola em um espaço de crítica cultural. Os especialistas defendem que

tudo o que é considerado "natural" e "inevitável" deve ser questionado e potencialmente

transformador.

Além disso, sugerem expandir os conteúdos curriculares para incluir a discussão e

desconstrução não apenas das manifestações culturais secundarizadas, mas também das

culturalmente valorizadas socialmente. A ideia é ampliar a visão cultural dos alunos,

incentivando a discussão e a crítica de elementos culturais presentes em filmes, anúncios,

modas, costumes, entre outros, além de aproveitar os recursos culturais da comunidade

escolar.
No geral, o texto propõe estratégias pedagógicas que visam desestabilizar atitudes de

preconceito e discriminação, promovendo a compreensão das interações entre diferentes

culturas, desafiando as hierarquias culturais e fomentando um ambiente escolar que

valorize e integre a pluralidade cultural.

O combate à discriminação e ao racismo no cotidiano escolar

O texto aborda a importância de combater a discriminação e o preconceito no ambiente

escolar, destacando a existência de sutis processos discriminatórios nas práticas sociais e

educacionais. Evidencia que tanto a discriminação étnica quanto a social são amplamente

presentes na sociedade e nas escolas, ressaltando que ambas são inter-relacionadas, mas

não podem ser reduzidas uma à outra.

Discriminação pode se manifestar de várias maneiras, não apenas com base étnica ou

social, mas também em relação a gênero, orientação sexual, idade, características físicas,

entre outros aspectos identitários e comportamentais. A cultura da discriminação permeia a

sociedade, refletindo-se no não reconhecimento e, em muitos casos, na consideração de

outros como "inferiores" devido a características identitárias específicas.

O ambiente escolar não está imune a esses preconceitos e discriminações, apesar de

muitas vezes a cultura escolar não reconhecê-los. A representação padronizada da

igualdade ("todos são iguais") e o caráter monocultural da escola muitas vezes mascaram a

existência desses problemas, o que pode perpetuar os padrões discriminatórios presentes

na sociedade.

O texto destaca que a discriminação afeta diversas dimensões do ambiente escolar, como o

projeto pedagógico, o currículo explícito e oculto, as relações interpessoais, as atividades

em sala de aula, o material didático, entre outros. Também salienta que expressões

comuns, piadas, apelidos e brincadeiras são áreas especialmente sensíveis a

manifestações de discriminação na escola.

Identificar estratégias para lidar com essas questões no cotidiano escolar é fundamental.

Em um grupo focal com professores que já trabalhavam na perspectiva da educação

multicultural e antidiscriminatória, foram discutidas diversas estratégias. Reconhecer a


existência do problema, não silenciá-lo e refletir sobre ele foram apontados como pontos de

partida para avançar em direção a uma educação mais inclusiva.

Um exemplo citado foi o de uma situação em que uma criança negra era chamada de

"macaquinha" na escola. A professora, ao questionar essa denominação, destacou a

diferença entre apelidar a criança negra de "macaquinha" enquanto outras crianças brancas

não recebiam apelidos relacionados a animais. Esse tipo de abordagem, ao questionar

incidentes críticos, promove a reflexão sobre situações discriminatórias e ajuda a revelar

seu caráter negativo e excludente.

Assim, o texto enfatiza a importância de reconhecer, discutir e desnaturalizar atitudes

discriminatórias no ambiente escolar para promover uma educação mais inclusiva e

consciente da diversidade.

Outra iniciativa proposta pelos professores(as) relacionava-se ao trabalho coletivo:

Nessa perspectiva, afetar o projeto político-pedagógico da escola se faz

imprescindível:

O trecho discute várias iniciativas propostas por professores para lidar com a discriminação

no ambiente escolar. Destaca-se a importância do trabalho coletivo entre os docentes para

promover mudanças efetivas. O diálogo, questionamento e debate são apontados como

essenciais para desenvolver um novo olhar sobre as práticas escolares e para construir

práticas mais inclusivas.

Os educadores enfatizam a necessidade de fortalecer a autoestima, o respeito mútuo e a

valorização entre os alunos. Um exemplo foi compartilhado sobre como a relação entre

professores e alunos, independentemente da raça, influencia na percepção dos alunos

sobre respeito e discriminação. A atitude de um professor ao fazer comentários

discriminatórios é destacada como prejudicial para o ambiente escolar.

É ressaltado que as questões de discriminação não devem ser dissociadas do

desenvolvimento curricular. Propõe-se a "ancoragem social do currículo", ou seja, associar

o conteúdo técnico e científico a questões sociais para promover reflexões mais amplas.
Mudar o projeto político-pedagógico da escola é mencionado como um ponto crucial para

criar um ambiente mais inclusivo e democrático.

Os educadores reconhecem a complexidade do processo de lidar com a discriminação, mas

enfatizam a importância de persistir mesmo diante dos desafios. Identificam as dificuldades

da escola em enfrentar essa problemática e, embora tenham dificuldade em assumir

responsabilidade direta nos processos discriminatórios, propõem iniciativas variadas para

trabalhar a temática em várias dimensões.

Construindo uma nova perspectiva para a educação escolar

O texto destaca a necessidade de uma reformulação profunda na visão de educação para

lidar com questões culturais na escola. Essa mudança não pode ser apenas aditiva, ou seja,

incluir conteúdos sem modificar a visão de ensino, mas requer uma nova ótica,

sensibilidade e revisão da cultura escolar.

Enfatiza-se que os professores desempenham um papel crucial nesse processo. Por isso, a

formação inicial e continuada dos educadores deve ser direcionada para promover a

inclusão dessas questões na educação. No entanto, essa preocupação ainda é pouco

presente nos processos de formação de professores, embora esteja ganhando espaço em

instituições de formação educacional.

O texto sugere alguns elementos fundamentais para essa mudança:

​ Contextualização da problemática: Analisar os desafios que uma sociedade

globalizada e multicultural apresenta para a educação, considerando o contexto

atual.

​ Reflexão sobre a identidade cultural: Estimular os educadores a refletirem sobre sua

própria identidade cultural, como ela é construída e que referências são

privilegiadas, promovendo uma maior autoconsciência sobre suas origens e

experiências.

​ Aprofundamento da formação cultural brasileira: Questionar os mitos e leituras

hegemônicas da cultura brasileira, especialmente o mito da democracia racial, e

discutir as relações entre os diferentes grupos étnicos e sociais.


​ Interação com diferentes grupos culturais: Proporcionar interações reflexivas com

diferentes grupos étnicos e culturais, incorporando uma sensibilidade antropológica

para compreender o mundo do outro.

O objetivo é formar educadores que reconheçam a importância da cultura, valorizem a

diversidade e trabalhem para construir uma sociedade mais igualitária e democrática. A

meta final é que esses profissionais atuem como agentes de transformação social e cultural,

promovendo justiça e equidade na sociedade.

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