Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Daniel Novaes
Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Educação
da Universidade São Francisco – USF
msdanielnovaes13@gmail.com
Resumo
Este estudo se encontra na temática da formação de professores. Tem como objetivo, discutir
como a pesquisa narrativa possibilitou um movimento de formação para um grupo de
professoras do interior do estado de São Paulo. O contexto da produção das narrativas é o de
um curso de extensão intitulado ‘O transtorno do espectro autista na contemporaneidade:
ações e reflexões’ na qual elas participaram como alunas. O referencial que o subjaz é o da
pesquisa narrativa alinhavado à perspectiva histórico-cultural. Tal perspectiva compreende que
os processos que viabilizam a (trans)formação humana ocorrem por meio dos signos. Assim, a
linguagem humana se torna signo por excelência por possibilitar que os sujeitos se relacionem,
mas para tanto, é necessário que estejam em um determinado contexto socio-histórico-cultural.
Tomando a linguagem como fundante para a constituição humana, a pesquisa narrativa se
constitui como espaço de escuta às denúncias, desejos, e, de (re)construção da realidade. As
narrativas sinalizam que as professoras relatam: 1. Não terem conhecimentos para lidar com os
sujeitos com deficiências; 2. Não terem escolha em querer ou não o aluno; 3. A tentativa de
realizar o seu trabalho na prática. Tais deslocamentos possibilitam a reflexão acerca da
educação inclusiva e da intencionalidade do fazer/querer do professor. Ademais dá indícios de
como, por meio das narrativas das professoras, foi acontecendo um processo formativo.
INTRODUÇÃO
são fictícios.
Por fim, trazemos excertos de três narrativas com o intuito de refletir sobre as
possibilidades de formação de professoras por meio de suas narrativas.
Quem narra? Quem narra, conta sua história, seus modos de vida, fala
do lugar social na qual se encontra e, ao falar, se relaciona com o outro. Assim,
se impregna da cultura.
Nesse sentido, a perspectiva histórico cultural é porta de entrada para a
reflexão acerca da pesquisa narrativa como possibilidade de formação. Oriunda
da tensão entre a psicologia que considera o homem em sua organicidade e as
ideias de Marx sobre o homem como um ser transformador da natureza para
além de seu corpo, Vigotski (1991), precursor dessa vertente teórica, propõe
um olhar para o desenvolvimento do ser humano como um sujeito fruto de suas
relações em um contexto sócio-histórico-cultural. Nas palavras do autor:
CONTEXTUALIZAÇÃO DO ESTUDO
4 O curso foi conduzido por um dos autores deste texto, de modo que optamos por relatar na
primeira pessoa do singular, seus procedimentos didáticos.
Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais – DSM V (APA, 2014); o texto
de Santos (2018) explicando como se elabora um diagnóstico de autismo; a
dissertação de mestrado acerca das possibilidades de trabalho com crianças
com TEA – Pereira (2018); o estudo de Oliveira e Sertié (2017) sobre
aconselhamento genético do TEA e excertos de Paulo Freire sobre o papel do
professor como transformador.
Como as professoras relatavam a vontade em conhecer acerca do TEA
do ponto de vista neurológico, bem como a elaboração do diagnóstico, foram
trabalhados no segundo encontro os textos com esse viés. Ao problematizar e
indagá-las a respeito do papel do professor em relação ao aluno com TEA, elas
ficavam em silêncio, e por vezes, comentavam que o aluno não tinha jeito.
Com vista a isso, no terceiro encontro emergiu a possibilidade de
abordar a temática de um outro modo. Assim, apresentei a elas o estudo que
desenvolvi no mestrado (PEREIRA, 2018), fundado nos pressupostos de
Vigotski (2011), sobre a criança com deficiência, a fim de suscitar reflexões
sobre novos modos de se compreender o aluno com TEA e as possibilidades
de ensino-aprendizagem. Também mostrei alguns vídeos da minha pesquisa,
sobre atividades que deslocavam o aluno da esfera de atividades
mecanizadas, para um espaço simbólico, na qual o outro (o professor)
viabilizava um caminho de atividades lúdicas na qual ambos interagiam e
trocavam experiências.
Ao término do curso, solicitei a produção de uma nova narrativa escrita,
a fim de identificar possíveis deslocamentos das professoras em relação a
novos modos de conceber o aluno com TEA e as possibilidades de trabalhar
com conteúdos significativos. Para tanto, pedi para que escrevessem uma
narrativa a partir da seguinte provocação: “Porque eu sou professora de
inclusão5.” Essa narrativa também foi lida e discutida no grupo.
Como já mencionamos, neste estudo, nos propusemos a analisar as
produções narrativas de algumas das participantes da formação. Em
consonância com Sarmento (2016), assumimos uma análise interpretativa, pois
ao analisar fragmentos das narrativas escritas das professoras, buscamos
5 O termo ‘professora de inclusão’ foi utilizado tendo em vista que esse era o modo como as
professoras se denominavam.
conhecer o modo como elas revelam suas experiências com o ensino para
alunos com TEA.
NARRATIVAS DOCENTES: INDÍCIOS DE UM PROCESSO FORMATIVO
Ao assumirmos os pressupostos da perspectiva histórico-cultural,
compreendemos que o desenvolvimento humano é um processo não linear, por
vezes, contraditório e com idas e vindas. Tendo isso em vista, é que
procedemos as análises das narrativas das docentes, que durante quatro
encontros de três horas, tiveram a possibilidade de escutar, questionar e
refletirem sobre o aluno com TEA e vias de ensino para esse aluno. Desse
modo, o que destacamos neste texto são indícios (PINO, 2005) de um
processo de desenvolvimento.
Como mencionamos, as narrativas das professoras acontecerem em
dois momentos6. A primeira partiu da seguinte solicitação: “escreva a partir de
suas vivências, quais são as suas dificuldades frente ao transtorno do espectro
autista”, e, a segunda, de uma pergunta disparadora: “porque eu sou
professora de inclusão?” Para este texto, apresentamos excertos das
narrativas das professoras Luiza, Mariana e Maria. Ao elaborar sua primeira
narrativa, Luiza nos relata:
N1:Luiza: O que se faz necessário para uma criança muitas vezes é impossível para os
pais, principalmente na escola rural. Principais dúvidas... Como ajudar o professor que
está na sala de aula? Como podemos ajudar a criança a ter auto-regulação,
compreender os combinados, aceitar de maneira pacífica o não. Nos momentos de
surtos, o que podemos, o que devemos e o que não devemos fazer?
N2: Luiza: “Sou professora a partir do momento que há a troca de conhecimento com o
outro, sou professora a partir do momento que eu me permito aprender com o meu
aluno. Sou professora pois estou lá de mente aberta e pronta para ouvir e respeitar meu
aluno. Sou professora de inclusão pois sem o educando não há o processo de
aprendizagem. Olhar para todos os alunos e perceber suas particularidades e suas
REAIS (grifo da autora) necessidades. Desafiá-los, encorajá-los. E com isso buscar o
sentido: pra quê escola? Pois o aluno que não vê sentido na escola, fica perdido, para
trás. E o professor consciente e que sabe o sentido de seu dever entende que a inclusão
está na união/troca/empatia com seu principal foco, o aluno. Finalizo com Ghandi: seja a
mudança que você quer e deseja ver no mundo.”
N1: Mariana: “No ano de 2011, tive um aluno no infantil IV, que tinha traços do TEA. A
maior dificuldade de toda a equipe escolar, foi em conseguir fazer com que a mãe,
aceitasse os encaminhamentos e orientações para se fechar o diagnóstico. Recusa,
negação e por fim, a transferência do aluno para outra escola [...] hoje sou conselheira
tutelar e inúmeras são as vezes, em que somos acionados pelas escola que relatam das
dificuldades com os alunos “de inclusão. Relatam dos problemas familiares e da falta de
apoio na rede, são 69 escolas municipais, cerca de 15 mil apenas dessas escolas, sem
contar as escolas estudais (19)”
N1: Maria: “Não tenho experiência com criança portadora de TEA, portanto tenho
curiosidade sobre o tema, pois como profissional, poderei receber em qualquer instante
um aluno e quero ao menos saber como recebê-lo. Tenho receio, pois sempre escuto
relatos que me deixa nervosa. Quero aprender a buscar práticas que contribuam para o
ensino e aprendizagem caso receba uma criança com esse transtorno. É importante
também conhecer melhor as (formas) teóricas técnicas para lidar com o aluno para que o
processo facilite a relação.”
N2: Maria: “Ser professor de inclusão muitas vezes não é uma escolha pessoal, a
inclusão entra na vida do profissional e temos que ir atrás de novos conhecimentos para
colaborar com aquele aluno que é meu neste ano.”
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
HUNT, Peter. Crítica, teoria e literatura infantil. São Paulo. Cosac Naify,
2010. 328. pp.