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PARÓDIA E RELAÇÕES DE GÊNERO NO ENSINO FUNDAMENTAL II:


DISCUTINDO IMAGENS DA MULHER A PARTIR DA RETEXTUALIZAÇÃO
DE LETRAS DE FUNK1

Iskaime da Silva SOUSA2


Universidade Federal de Campina Grande (UFCG)
iskaime.sousa@gmail.com

RESUMO: Este trabalho tem como objetivo apresentar os resultados obtidos no projeto de
intervenção de Língua Portuguesa, partindo de uma experiência executada em uma escola
pública municipal, com alunos do nono ano do Ensino Fundamental, em São Domingos –
PB. Na pesquisa aplicada, foi proposta a reformulação dos discursos sexistas presentes em
algumas letras de música funk, a partir da produção do gênero textual/discursivo paródia.
E, deste modo, contribuiu tanto para a formação do aluno como sujeito crítico diante dos
vários discursos presentes nos textos como para o desenvolvimento das competências
linguísticas e discursivas necessárias a um proficiente ato de leitura e de escrita. A
desconstrução e reformulação dos discursos sexistas presentes nas músicas analisadas
pelos alunos foi realizada através de atividades de retextualização (Marcuschi (2008);
Dell’Isola (2007); Matencio (2002). A pesquisa empreendida pautou-se, principalmente, na
perspectiva dialógica de Bakhtin (2000), que aborda os enunciados como situações reais de
uso da língua. A fundamentação teórica tomou por base as contribuições sobre o sujeito-
leitor, num viés sociointeracionista do discurso (Koch e Elias (2014); nos estudos acerca
do letramento (Kleiman (2001); Rojo (2012) e nos estudos das relações de gênero (Louro
(2013; 2014). A aplicação das oficinas de leitura e debate resultou na produção de um livro
contendo atividades que integram a temática de gênero ao trabalho com o discurso e com a
música funk na aula de Língua Portuguesa.

PALAVRAS-CHAVE: Paródia. Retextualização. Gênero. Funk. Discurso.

PARODY AND GENDER RELATIONS IN ELEMENTARY SCHOOL:


DISCUSSING IMAGES OF WOMEN FROM THE RETEXTUALIZATION OF
FUNK LYRICS

ABSTRACT: This research had as main objective to present the results obtained in a
project of intervention of Portuguese Language, starting from an experience performed in a
municipal public school, with students of the ninth year of Elementary School, in São
Domingos - PB. In the applied research, was proposed the reformulation of the sexist
speeches present in some lyrics of funk songs from the production of a textual/discursive
genre of parody. And, in this way, contribute both to the formation of the student as a
critical subject before the several speeches present in the texts as well as for the
development of the linguistic and discursive skills necessary for a proficient act of reading
1
Este trabalho é um recorte da dissertação defendida em 2016 e intitulada: Paródia e gênero do Ensino
Fundamental II: discutindo imagens da mulher a partir da retextualização de letras de funk.
2
Mestre em Letras pela Universidade Federal de Campina Grande (UFCG).
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and writing. The deconstruction and reformulation of the sexist discourses present in the
songs analyzed by the students was performed through retextualization activities
(Marcuschi (2008); Dell’Isola (2007); Matencio (2002). The research undertaken was
based mainly on Bakhtin’s dialogical perspective (2000), which addresses the statements
as real situations of language use. We also took as theoretical basis the contributions on the
subject-reader, in a socio-interactionist bias of discourse (Koch & Elias (2014); studies on
literacy (Kleiman (2001); Rojo (2012) and studies of gender relations (Louro (2013; 2014).
The application of the reading and debates workshops resulted in the production of a book
that brings activities that integrate the gender topics to the work with the speech and the
funk music in Portuguese Language classes.

KEYWORDS: Parody. Retextualization. Genre. Funk. Speech.

1 INTRODUÇÃO

A preocupação com a qualidade do ensino e da aprendizagem da leitura e da escrita

decorre do fato de que vivemos hoje em uma sociedade que exige dos sujeitos certas

competências e habilidades para ler e escrever, que perpassam a visão decodificadora da

linguagem, levando em conta as intenções sociocomunicativas dos interlocutores e

inserindo-os em situações reais de interação pelas práticas sociais.

Ensinar a ler e a escrever, hoje, não pode ser uma prática isolada de outros

conhecimentos, isto é, a prática educativa da leitura e da escrita deve refletir os diversos

temas que envolvem o cotidiano do aluno (BRASIL, 1998). Nesse sentido, a pesquisa

implementada teve por objetivo, através de atividades de leitura e de escrita, possibilitar

aos discentes a reflexão sobre os discursos sexistas que são construídos e naturalizados

pelo gênero musical funk e, a partir disso, propor a reformulação de tais discursos.

A pesquisa fundamentou-se teoricamente na linguística textual (KOCH; ELIAS,

2014; BAKHTIN, 2000) em que a língua, neste âmbito, é vista enquanto elemento de

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interação e formação de sentidos em sociedade, cuja dinamicidade permite recriar-se de

acordo com as práticas discursivas.

A proposta de trabalhar com a produção de paródias possibilitou aos alunos a

oportunidade de autoria, ao (re)formularem os discursos apresentados nas letras de música

originais acerca das relações de gênero, através da retextualização. Matêncio (2002) afirma

que, ao retextualizar, o aluno redimensiona as projeções de imagem dos interlocutores, de

seus papéis sociais e comunicativos, atribuindo novo propósito à produção.

Vale salientar que o enfoque da proposta de intervenção considerou a dinamicidade,

a incompletude e a bagagem ideológica da língua. As atividades realizadas nas oficinas

ofereceram condições para que os alunos, ao produzirem as paródias, ampliassem sua

compreensão sobre o funcionamento da língua na circulação dos sentidos, utilizando sua

memória discursiva e seus contextos de interação com e pela linguagem.

2 UM OLHAR SOBRE AS REPRESENTAÇÕES DA MULHER NO FUNK

Com a eminência da globalização, o funk, movimento cultural produzido nos bailes

de periferia, agora, já não apresenta mais limites sociais e/ou econômicos. A repercussão

deste bem cultural acaba dando visibilidade aos discursos presentes nas músicas de funk,

levando os interlocutores a construírem sentidos a partir do que escutam. No que tange ao

discurso sobre a mulher, ao analisarmos essas letras, evidenciamos que a identidade

feminina está posta, na maioria dos casos, ao erotismo e à objetificação, e que o homem é o

detentor do domínio e da força.

Partindo do pressuposto de que o discurso veiculado pelo gênero funk atinge as

massas e de que sua linguagem pode transmitir ideologias sexistas e misóginas relativas à
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mulher, torna-se imprescindível uma reflexão e análise sobre as possíveis representações e

posturas assumidas pelos adolescentes ante esses discursos.

Embora seja um desafio uma proposta de ensino em que estejam imbricados dois

segmentos tão estigmatizados, como “funk” e “mulher”, é importante, no contexto atual,

que a escola possa oferecer um espaço dentro da rotina escolar para a reflexão sobre tais

segmentos, questionando tabus e preconceitos, a fim de promover a equidade entre os

sujeitos.

3 IDENTIDADE FEMININA E EDUCAÇÃO: CONTRIBUIÇÃO DOS ESTUDOS


DE GÊNERO PARA A DESCONSTRUÇÃO DE DISCURSOS SEXISTAS

Os documentos governamentais foram criados a fim de orientar o trabalho dos

docentes no que se refere à temática das questões de gênero. Segundo os Parâmetros

Curriculares Nacionais (BRASIL, 1998), o ensino deve compreender questionamentos

sobre os padrões de desigualdade de gênero e incentivar, na escola, a diversidade de

comportamento de homens e mulheres, bem como o respeito pelo sexo oposto. Em 2011, o

Ministério da Saúde criou uma coleção de fascículos destinados à Educação Básica que,

entre outros assuntos, abordava a temática “Gênero: saúde e prevenção nas escolas”,

destinada a adolescentes e jovens. Esses fascículos, numa visão bastante segregadora,

consideram que os usos do termo gênero estão associados à definição de atitudes e

comportamentos esperados por cada um dos sexos. Mesmo tendo sido distribuídos há

alguns anos, muitos exemplares ainda estão nas escolas. Por essa razão, as práticas

pedagógicas devem promover a inclusão da categoria gênero na escola para análise de

fenômenos sociais, com fins de sanar estas discriminações.

Sob esse aspecto, os PCN rejeitam a ideia do preconceito de gênero ao dizer que:
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[...] não é permitido qualquer tipo de discriminação com base no gênero


significa dizer que todas e todos merecem igual respeito da lei, dos
governantes e das pessoas em geral, independentemente de seu sexo, da
identidade que assumam ou do papel social que exerçam. (BRASIL, p.
11, 2011).

Deve haver, em sala de aula, a análise dos processos e das práticas sociais e

culturais que produzem determinados discursos sobre o feminino e o masculino,

investindo, sobretudo, na proposição de intervenções que permitam ao discente modificar,

minimamente, as relações de poder de gênero vigentes na sociedade atual.

Louro (2014), ao abordar sobre currículo, gênero e sexualidade, afirma que ainda,

em nossa sociedade, a identidade dominante se sobrepõe ao diferente e/ou às minorias. A

universalidade e estabilidade deste espaço central, que é conferido a esse sujeito social – o

masculino –, resultam de aspectos históricos do mesmo modo que a posição heteronômica

e descentralizada do feminino integra essa mesma história.

As ações didáticas, deste modo, avançam, ao sair de uma perspectiva de aceitação,

de reconhecimento e de contemplação das diferenças para permitir ao educando investigar

as “verdades únicas”, os restritos modelos hegemônicos de comportamento, analisando os

contextos em que foram estabelecidos e, posteriormente, impetrados no construto social, o

como (e por que) determinadas características (físicas, psicológicas, sociais etc.) são

marcas definidoras de diferenças.

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4 A MÚSICA NA SALA DE AULA: O FUNK COMO FERRAMENTA


PEDAGÓGICA

Para Kleiman (2001), a escola é apontada como uma agência de letramento por

excelência e, portanto, devem ser criados espaços para que o aluno experimente formas de

participação diferenciadas das práticas sociais letradas, institucionalizadas e legitimadas

globalmente. Sendo assim, faz-se necessário assumir a concepção de letramento local e,

em consequência deste, desenvolver no aluno multiletramentos inerentes à vida social

como objetivo estruturante do ensino de Língua Portuguesa na escola em todos os ciclos.

Conforme Rojo (2012, p. 181):

É indispensável um ensino de língua portuguesa que desenvolva um


processo de leitura/escrita em que o aprendiz se coloque como leitor
crítico e autônomo, um processo cujas atividades ultrapassem uma prática
de mera decodificação verbal, para privilegiarem a compreensão dos
textos segundo o caráter responsivo da linguagem e do discurso.

Em virtude de sua abrangência, o funk pode ser concebido como uma prática de

letramento voltada para a juventude e sua identidade. No entanto, utilizar as letras do

gênero funk na escola exige, antes de tudo, uma quebra de paradigmas daquilo que é visto

como socialmente aceitável pelas instituições e pelos próprios docentes, uma vez que o

funk é criticado por defender uma política de prazer, de objetificação da mulher, de

violência, dentre outros valores que, sem que reconheçamos, já se materializaram na

sociedade precedentemente ao surgimento do gênero musical.

Neste sentido, o processo torna-se mais complexo, uma vez que mesmo após a

luta do movimento, o preconceito ainda existe. E isso se dá porque o discurso criado nos

anos 90 sobre o funk e os funkeiros ainda perpassa a mente da elite do país até os dias

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atuais. “É som de preto / de favelado”, de bandido. Muitas vezes, visto como uma cultura

inútil ou como não sendo cultura, principalmente na região Nordeste, em que a maioria dos

pais não se sente inserida nesse contexto.

De acordo com estudos de Green e Bigun (1995), os jovens apresentam novas

necessidades e capacidades. São jovens que, entre outras coisas, estão imersos em uma

cultura midiática. Posto isto, acrescentar a música nas práticas pedagógicas confere ao

professor de língua portuguesa a condição de desenvolver com os alunos a tríade leitura-

reflexão-produção, a partir da realidade do educando. E, neste contexto, o trabalho com o

gênero musical funk, constituído de discursos e papéis sociais, possibilita a

problematização do cotidiano e a formação do cidadão.

5 PROCESSOS DE RETEXTUALIZAÇÃO ATRAVÉS DO GÊNERO TEXTUAL


PARÓDIA: DIVERSAS POSSIBILIDADES

O processo de retextualização, segundo Marcuschi (2008), parte do princípio de

que são os usos que fundam a língua e não o contrário, e, neste caso, não se pode tratar as

relações entre oralidade e escrita de forma dicotômica e inerte, mas que essas relações

sejam vistas de modo mais amplo em um contexto de práticas comunicativas e de gêneros

textuais. Esta abordagem reflete a retextualização como a transformação de um objeto de

análise (a oralidade) em outro (a escrita), numa relação contínua de comunicação e

(re)construção de sentidos.

Na figura que segue, podemos ver as possibilidades de retextualização apontadas

por Marcuschi (2008):

Figura 01 - Possibilidades de Retextualização

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Fonte: Marcuschi, 2008, p. 48

Na obra, o autor, tratando da oralidade e da escrita, afirma que ambas são diferentes

entre si, contudo, estariam gradativamente ligadas e funcionariam continuamente nas

comunicações sociointerativas. A retextualização, desse modo, não se configura como um

processo mecânico, mas que envolve operações complexas que interferem tanto no código

como no sentido.

Já, para Matêncio (2002, p. 112), o processo de retextualização seria “uma nova

versão do mesmo texto”, isto é, uma versão mais preocupada com aspectos linguísticos e

estruturais do texto, uma espécie de refinamento do texto-base. Em contrapartida, ao dizer

que “retextualizar é produzir um novo texto”, a autora enfatiza que esta produção ocorre a

partir de um ou mais textos-base, o que significa que o sujeito trabalha com estratégias

linguísticas, textuais e discursivas, projetando-as a fim de promover uma nova situação de

interação e, portanto, um novo foco e um novo quadro de referência.

É, nessa perspectiva, que o gênero textual/discursivo paródia “surge como uma

nova e diferenciada forma de se fazer a leitura do modelo convencional, sendo esta um

processo de discurso que retoma a consciência de forma crítica” (SANT’ANNA, 2003, p.

96). O trabalho com esta modalidade textual facilita a construção do posicionamento

discursivo no processo de ensino e aprendizagem, uma vez que promove a oportunidade de

reflexão e, numa perspectiva de retextualização, a refacção do discurso instituído no texto-

base.

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Neste âmbito, entendemos que abordar e discutir o significado social e cultural do

gênero textual/discursivo paródia é um passo inicial para a sua compreensão e apropriação,

de tal modo que, quando os discentes se depararem com este mesmo gênero, eles já

disponham dos conhecimentos necessários para entendê-lo, produzi-lo e, inclusive,

ressignificá-lo.

6 METODOLOGIA – APLICAÇÃO DAS OFICINAS

Este tópico apresenta o registro das oficinas pedagógicas aplicadas no nono ano do

ensino fundamental, na Escola Municipal Professor Maria Marques de Assis, situada na

cidade de São Domingos – PB. A aplicação das oficinas aconteceu durante oito encontros,

com a participação de 28 alunos, com faixa etária entre 12 e 14 anos, e uma docente como

mediadora das discussões.

As oficinas aplicadas foram pensadas com o propósito de oportunizar os discentes

ao alcance dos seguintes objetivos: i) refletir e analisar criticamente os padrões

estabelecidos pela sociedade para os gêneros, reconhecendo, inclusive, como o sexo vai ser

um vetor social que contribui para a (des)valorização do indivíduo, promovendo

desigualdades e preconceitos; ii) desenvolver habilidades referentes à leitura e à escrita,

numa perspectiva de práticas de letramento, uma vez que os textos trabalhados estão

diretamente vinculados ao contexto social dos discentes.

Neste sentido, o quadro 01, a seguir, apresenta as oficinas com suas nomenclaturas,

conteúdos e duração.

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Quadro 01 - Descrição das oficinas

OFICINAS ATIVIDADES DURAÇÃO

Apresentação da proposta de intervenção para os


discentes. Neste momento, eles foram incentivados a 1h30min. (2
1 – Para início de reconhecer a importância da discussão sobre as aulas)
conversa... questões de gênero na atualidade, bem como sobre a
representatividade da mulher em letras de música de
funk.
Explanação da origem e características deste gênero
2 – O percurso do musical, bem como a identificação dos seus atores 1h30min. (2
funk. sociais e o lugar histórico, cultural e social a eles aulas)
vinculados.

3 – Um conceito Neste segmento, os discentes puderam tomar


chamado gênero. conhecimento do conceito de gênero e identidade 2h15min. (3
feminina, refletindo, inclusive, sobre como uma visão aulas)
que se baseia no comportamento padrão em relação a
homens e mulheres pode gerar desigualdades.
Análise de letras de funk, de modo a reconhecer
4 – Funk e banalização aspectos linguísticos e discursivos que contribuem 1h30min. (2
do sexo. para uma representação social inferiorizada e sexista aulas)
da mulher.
Análise de letras de funk, de modo a compreender
5 – Nem só de que outros temas de relevância social, como 1h30min. (2
sexismo vive o funk. violência, drogas, segregação social, entre outros, aulas)
configuram também esse gênero musical.

Audição de músicas de funk escolhidas pelos alunos e


6 – Saber ouvir. análise linguística e discursiva das letras. Nesta 2h15min. (3
oficina, os alunos contaram com o auxílio de seus aulas)
celulares. Em seguida, os alunos apresentaram,
oralmente, os resultados de suas análises.

Apresentação do conceito do gênero paródia;


7 – O que é mesmo exibição de vídeos com paródias críticas. Proposta e 2h15min. (3
paródia? início da produção de paródias, com base nas aulas)
músicas de funk de preferência dos alunos.

Momento de continuação das produções do gênero


8 – Desconstruindo o paródia, com a função de autocorreção dos textos 2h15min. (3
preconceito. produzidos. aulas)

Total 15h/20 aulas

Fonte: Autoria própria

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A metodologia sugerida nas oficinas (quadro 01) é de linha participativa, uma vez

que os alunos participantes das ações são sujeitos ativos e foram envolvidos(as) nas

discussões de temas de relevância social, como as questões de gênero. E, neste sentido,

dada a relevância das discussões e aferições dos discentes, fez-se necessário descrevermos

o desenvolvimento das oficinas de maneira mais detalhada, de modo que apresentamos

recortes com as falas dos alunos, em que eles inferiram opiniões relevantes para os

objetivos a que cada oficina se propôs.

7 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS

As produções analisadas aqui são paródias musicais e, embora não seja esse o foco

de nossa análise, coube aos alunos, como interlocutores, a recuperação dos elementos que

deram sentido ao texto, mantendo seus aspectos composicionais (melodia, ritmo,

aliterações etc.) ou variando alguns deles para melhor atender aos seus intuitos de

produção. Coube também ao interlocutor, numa perspectiva dialógica (BAKHTIN, 2000),

reconhecer as diversas relações que o texto mantém com outros textos, bem como a relação

entre seus discursos.

Conforme mencionamos, os alunos escolheram os textos-base para a produção das

paródias e, em seguida, fizeram suas versões da letra original fundamentadas nas

discussões sobre as relações de gênero. Como exemplificação desse processo, segue um

recorte das paródias produzidas pelos alunos.

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Quadro 02 - Baile de Favela (texto original e paródia)

Baile de Favela (original) É Direito Delas (paródia 1)

Ela veio quente, e hoje eu tô fervendo Ela é independente, vai logo entendendo
Que ela veio quente, hoje eu tô fervendo Ela é independente, vai logo entendendo
Quer desafiar? Num tô entendendo Quer desafiar? Vai sair perdendo
Mexeu com o r7 vai voltar com a xota ardeno Mexeu com seus direitos, ela vai se defendendo
(vai) (vai)

Que o Helipa, é, baile de favela A cada hora, é, morre uma delas


Que a Marcone, é, baile de favela A cada hora, é, um homem bate nelas
Que a São Rafael, é, baile de favela Vamos refletir, é, se pôr no lugar delas
E os menor preparado pa foder com a xota dela Sempre preparados pra defender o lado delas
(vai) (vai)

Eliza Maria, é, baile de favela O respeito, é, é direito delas


Invasão, é, baile de favela A igualdade, é, é direito delas
E as casinha, é, baile de favela Ser mãe ou não, é direito delas
E os menor preparado pa foder com a xeca dela Casar ou ficar só, também é direito delas
(vai) (vai)

Que o Hebron, é, baile de favela Não ser violentada, é, é direito delas


A Bailão, é, baile de favela Não apanhar em casa, é, é direito delas
E na rua 7? Baile de favela! Não gostar de cantada, é, é direito delas
E os menor preparado pa foder com a xeca dela E você tá errado em julgar a vida delas.
(vai) (vai)

Ela veio quente, hoje eu tô fervendo Ela é independente, vai logo entendendo
Ela veio quente, hoje eu tô fervendo Ela é independente, vai logo entendendo
Quer desafiar? Num tô entendendo Quer desafiar? Vai sair perdendo
Mexeu com o r7 vai voltar com a xota ardeno Mexeu com seus direitos, ela vai se defendendo
(vai) (vai)

Que o Helipa, é, baile de favela A cada hora, é, morre uma delas


Que a Marcone, baile de favela A cada hora, é, um homem bate nelas
Que a são Rafael, é, baile de favela Vamos refletir, é, se pôr no lugar delas
E os menor preparado pa foder com a xota dela Sempre preparados pra defender o lado delas
(vai) (3x) (vai)(3x)

Eliza Maria, é, baile de favela O respeito, é, é direito delas


Invasão, é, baile de favela A igualdade, é, é direito delas
E as casinha, é, baile de favela Ser mãe ou não, é direito delas
E os menor preparado pa foder com a xeca dela Casar ou ficar só, também é direito delas
(vai) (vai)

Fonte: Dados da pesquisa, 2016

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Quadro 03 - Um tapinha não dói (letra original e paródia)

Um tapinha não dói (original) Uma tapinha dói (paródia 2)

Vai Glamurosa Vai, corajosa


Cruze os braços no ombrinho Não cruze os braços pro problema
Lança ele prá frente Procure seus direitos
E desce bem devagarinho... Estão na Lei Maria da Penha

Dá uma quebradinha Corre para delegacia


E sobe devagar E vai denunciar
Se te bota maluquinha Ele vai levar fichinha
Um tapinha eu vou te dar E sua vida melhorar
Porque: Porque:

Dói, um tapinha não dói Dói, uma tapinha dói


Um tapinha não dói Uma tapinha dói
Um tapinha não dói Uma tapinha dói
Só um tapinha...(2x) Mesmo uma tapinha...(2x)

Vai Glamurosa Vai, corajosa


Cruze os braços no ombrinho Não cruze os braços pro problema
Lança ele prá frente Procure seus direitos
E desce bem devagarinho... Estão na Lei Maria da Penha

Dá uma quebradinha Corre para delegacia


E sobe devagar E vai denunciar
Se te bota maluquinha Ele vai levar fichinha
Um tapinha eu vou te dar E sua vida melhorar
Porque: Porque:

Dói, um tapinha não dói Dói, uma tapinha dói


Um tapinha não dói Uma tapinha dói
Um tapinha não dói Uma tapinha dói
Só um tapinha...(2x) Mesmo uma tapinha...(2x)

Em seu cabelo vou tocar Se ele te violentar


Sua bôca vou beijar Sua vida ameaçar
Tô visando tua bundinha Precisa de uma fichinha
Maluquinho prá apertar...(2x) Vai logo denunciar... (2x)

Fonte: Dados da pesquisa, 2016

Identificamos que há, entre os textos originais e as paródias, (des)harmonia

proposital entre os discursos apresentados, visto que os textos originais apresentam uma
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visão sexista da mulher, na qual a representação feminina é posta à objetificação e à

submissão. Por outro lado, as paródias remetem à quebra da estigmatização da mulher

puramente corporificada, de maneira que, nas produções dos alunos, há uma valorização

do direito à igualdade nas relações de gênero e representação das lutas que permeiam o

universo feminino em meio ao que a sociedade espera.

Neste contexto, podemos observar que o texto-base utilizado para a paródia 1 se

baseia em dois temas – a objetificação da mulher e os bailes funks; já a paródia produzida

remete exclusivamente à mulher, apresentando um discurso de respeito ao direito das

mulheres, uma nova geração feminina que não se subjuga à sociedade: “Quer desafiar?/

Vai sair perdendo/ Mexeu com seus direitos/ ela vai se defendendo/”; “O respeito, é, é

direito delas/ A igualdade, é, é direito delas/ Ser mãe ou não, é, é direito delas/ Casar ou

ficar só também é direito delas./”. Também é possível perceber este discurso na paródia 4:

“Igualdade urgente/ Agora criou asa/ Está se empoderando/ Quer poder e vir”.

Percebemos que os alunos, ao se encontrarem na função de sujeitos do discurso,

assumiram, com os discursos presentes na paródia, uma nova visão ideológica sobre as

relações de gênero, na medida em que rechaçaram e/ou questionaram o discurso do texto-

base. Houve, portanto, o que Bakhtin (2000) apresenta como conflito de vozes, em que

nem sempre há harmonia entre o discurso citado e o discurso que cita. A segunda voz,

depois de se ter alojado na outra fala, entra em antagonismo com a voz original que a

recebeu, forçando-a a servir a fins diretamente opostos. É válido ressaltar que ocorreram

mudanças no tema, contudo alguns trechos dos textos-base não sofreram alteração, apenas

tiveram seus sentidos deslocados dos originais.

No que tange à intertextualidade, ao analisarmos as paródias, vemos que, embora

todas tenham certo grau de intertextualidade, a paródia 2 “Uma tapinha dói” (quadro 03) é
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a que apresenta, de forma mais clara, o uso deste fenômeno linguístico-literário e, neste

caso, ocorre uma intertextualidade externa (JENNY, 1979) e implícita. Os alunos citaram o

refrão do texto original criado por outro autor e o modificaram de forma parcial, com vistas

a atingirem seu objetivo ideológico-discursivo. Sendo assim, na letra original, os versos do

refrão são “Dói, um tapinha não dói/ Um tapinha não dói/ Um tapinha não dói/ Só um

tapinha.../”, enquanto na paródia os versos são: “Dói, uma tapinha dói/ Uma tapinha dói/

Uma tapinha dói/ Mesmo uma tapinha.../”. A intertextualidade está presente, ocorre a

citação do verso quase que de forma integral, pois há a retirada, na paródia, da palavra

“não” e o acréscimo do determinante de gênero no artigo indefinido “um” que passa a ser

“uma”.

O refrão recebeu uma nova conotação, na qual a violência contra a mulher, antes

incentivada no texto original através da negação, agora é repelida através da ênfase

presente na afirmação. A mudança no artigo também provoca uma disparidade discursiva

entre os dois textos, uma vez que, ao analisarmos sob uma perspectiva linguística, os

valores semânticos dos termos adquirem pesos diferentes, de modo que a expressão “um

tapinha” faz parte de um contexto amigável: “Ele me deu um tapinha nas costas e desejou

boa sorte”, isto é, distancia-se da ideia de violência. Já a expressão “uma tapinha”, alterada

pelos alunos, embora o substantivo esteja no diminutivo, pareceu propositalmente fazer

alusão à tapa, que, empregando-se no feminino, adquire a ideia de violência.

A interdiscursividade ou o interdiscurso, conforme Pêcheux (1997 apud

OLIVEIRA, 2013, p. 221), “é um conjunto de já-ditos que sustenta todo dizer”, isto é,

nosso enunciado estabelece relações dialógicas com tantos outros, provocando respostas.

Nos textos-base escolhidos pelos alunos e nas produções textuais deles, existe um percurso

temático que evidencia uma figura – a da mulher. A interdiscursividade adentrou no


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momento da produção quando os alunos, como representantes de um grupo social,

histórico e ideológico, dentro desse processo educativo, retomaram os discursos já-ditos

acerca desta figura, fizeram relações dialógicas com os discursos do nosso tempo, bem

como com os pontos de vista expostos por eles e pelo que viram nos vídeos exibidos ao

longo das oficinas, a exemplo da equidade de direitos, e produziram outros discursos.

No trecho da paródia 1 que segue, “A cada hora, é, morre uma delas/ A cada hora,

é, um homem bate nelas/ Vamos refletir, é, se pôr no lugar delas/ Sempre preparados pra

defender o lado delas”, ocorrem variações que remetem a informações e contextos

específicos e anteriores ao momento de produção, pois, nesta paródia há uma denúncia

sobre a quantidade de mulheres que é morta ou sofre violência a cada hora no mundo,

enfatizando a ideia de que elas precisam de apoio.

Neste âmbito, ao falar sobre enunciado, Faria e Silva (2013) afirma que este é

construído na interação entre os interlocutores. Ao falarmos, sempre nos dirigimos ao

outro, ainda que não saibamos quem esse outro é e, ao mesmo tempo, sempre estamos

retomando o que os outros já disseram, mesmo que esse diálogo não seja instantâneo e face

a face.

Em ambos os discursos há algo que foi dito antes, o “eu” que fala não remete

apenas a sua voz, mas a outras que foram se instituindo ao longo do percurso ideológico.

Existem, nessas passagens, várias vozes/discursos que se entrecruzam, da mulher

violentada, da justiça, do enunciador/aluno, dos grupos de luta pela dignidade da mulher,

do interlocutor a quem o discurso das paródias se dirige, entre outros.

A paródia, nesta pesquisa, é tratada como um gênero discursivo e, conforme

abordamos, o gênero do discurso remete a tipos relativamente estáveis de enunciados, e

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estes, por sua vez, contemplam tema, estilo e forma composicional. Sob esse prisma,

analisamos como ocorreu a presença desses elementos nas produções dos alunos.

O conteúdo temático nos gêneros discursivos, geralmente, apresenta elementos que

caracterizam os enunciados, de modo que cada gênero mantém um contrato temático

implícito que pode ser circulado em determinadas esferas e, neste sentido, a paródia

apresenta-se como um gênero livre que condiciona a alternância, inclusive entre o cômico

e o crítico, entre amenidades e questões polêmicas, facilitando o trabalho de produção

escrita, uma vez que ocorre esta flutuação temática (já esperada) como se nota, ao

compararmos o assunto temático do texto-base e da paródia 1 (quadro 2). Por denotar a

apreensão artística e, particularmente, musical da realidade, este gênero do discurso

permitiu uma reflexão ao mesmo tempo musical e poética do assunto cotidiano posto em

debate nas oficinas, as relações de gênero e a representação feminina no funk.

Observamos que, nas paródias produzidas, contrariamente ao que foi retratado nas

músicas originais, o enunciado foi determinado pelo contexto enunciativo, que se refere ao

atual momento no qual o uso das discussões sobre gênero estão se disseminando na

sociedade. As discussões realizadas nas oficinas provocaram questionamentos,

deslumbramentos e críticas, de maneira que os alunos focalizaram suas produções num

discurso crítico em relação à imagem da mulher e ao tratamento dado a ela pela sociedade

e pelo homem: “Ela é independente, vai logo entendendo/ Ela é independente, vai logo

entendendo/ Quer desafiar? Vai sair perdendo/ Mexeu com seus direitos, ela vai se

defendendo”.

No que se refere ao tratamento dado ao tema, de cunho crítico e de manifesto, as

produções alcançaram o objetivo pretendido pela proposta de intervenção. Em vários

momentos, percebemos marcas nítidas de como esse grupo social - os adolescentes -


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concebe as questões de gênero e os papéis sociais estabelecidos e, numa relação dialógica,

foi preciso pensar quais efeitos de sentido se provocaria nos interlocutores.

O conteúdo temático do gênero paródia mantém também o foco no destinatário.

Assim, a pressuposição de um destinatário, além de ser um elemento do tema, define as

escolhas estilísticas e a entonação expressiva do enunciado. As paródias, então, visando

esse interlocutor, apresentam várias referências ao destinatário, buscando colocá-lo na

posição de agente, na relação de interlocução: 1) “Vamos refletir, é, se pôr no lugar

delas”; 2) “E você tá errado em julgar a vida delas.”; 3) “Melhor dar espaço para elas/

Porque estão empoderadas.”.

No que se refere ao estilo nas produções dos alunos, vemos que, pelo fato de o

texto-base pertencer a uma esfera que valoriza a criatividade e a originalidade e por ser

ainda conteúdo de grande circulação, os discentes, ao produzirem seus textos, exploraram

efeitos de sentido dos componentes linguístico e melódico inerentes ao gênero discursivo

paródia.

A liberdade de expressão pautada pela linguagem musical, promovida nas oficinas,

permitiu a utilização de uso de variantes e coloquialismos, ao mesmo passo que

possibilitou a reflexão sobre vocábulos que não faziam parte do contexto de uso dos

alunos. Eles puderam também utilizar uma linguagem mais informal e subjetiva, que

remete a uma interação verbal mais próxima da realidade deles, devido ao espaço dado no

momento de produção dos textos, uma vez que o gênero discursivo paródia confere

autonomia de ideias e discurso ao sujeito-autor.

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8 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A intervenção apresentada nesta pesquisa, desenvolvida em uma turma de nono ano

do Ensino Fundamental, discutiu questões de gênero e de representação da mulher nas

músicas de funk a partir da proposta de produção do gênero paródia. Fundamentou-se

teoricamente no dialogismo de Bakhtin (2000), por meio do qual buscamos o

desenvolvimento do aluno como sujeito ativo, considerando sua cultura e língua e

enfatizando o ponto de vista de que as ideologias são fatores constitutivos do discurso.

Os PCN (BRASIL, 1998) instruem os caminhos pelos quais o professor deve seguir

para trabalhar com as questões de gênero, de modo a construir uma prática que reflita e

incentive democraticamente os valores individuais e coletivos. Apontam que, em relação a

esta temática, os professores devem transmitir aos educandos a importância da valorização

da equidade entre os gêneros e a dignidade dos sujeitos, bem como, ao orientar todas as

discussões, os próprios docentes devem respeitar a opinião de cada aluno e, ao mesmo

tempo, garantir o respeito e a participação de todos, apontando os preconceitos e

trabalhando pela não discriminação das pessoas.

Louro (2014) aponta que é indispensável que reconheçamos que a escola não

apenas reproduz ou reflete concepções de gênero e sexualidade que circulam na sociedade,

mas que ela própria as produz e que, embora presente em todos os dispositivos de

escolarização, a preocupação com sexualidade e gênero não é abordada de forma aberta.

Visando, pois, uma abordagem mais aberta, propomo-nos a levar essas discussões

para a sala de aula como parte do desenvolvimento das oficinas, o que contribuiu para que

a temática de gênero fosse abordada considerando o gosto musical dos jovens, de modo

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que eles puderam, através de uma atividade lúdica, refletir sobre as diferentes

representações relacionadas a homens e mulheres.

Observamos que a maior parte da turma se envolveu em todas as atividades

realizadas nas oficinas, fato que, a nosso ver, deveu-se a dois fatores: i) à inclusão das

músicas de funk, haja vista que esse gênero musical configura-se como preponderante no

dia a dia dos educandos, bem como a utilização de outras materialidades, a exemplo das

reproduções fílmicas e imagéticas a respeito do assunto; ii) ao fato de a temática estar em

foco na atualidade, uma vez que muito se discute na mídia sobre a violência contra a

mulher e a necessidade de empoderamento feminino, sejam estas discussões explícitas ou

não. As próprias alunas externalizaram a insatisfação com certos comportamentos de

meninos na escola e na sua comunidade.

Um ponto que favoreceu o desenvolvimento das oficinas e a participação dos

alunos de forma mais efusiva, foi o fato da possibilidade de uso dos celulares e notebooks,

os quais foram utilizados para ouvir, fazer downloads, compartilhar músicas com os

colegas do grupo e fazer pesquisas. Não houve problemas com a dispersão dos alunos nos

momentos de interação com o celular, pois todos os grupos utilizavam o aparelho apenas

para os objetivos propostos nas oficinas e, além disso, percebemos que cada grupo tinha o

cuidado para não atrapalhar a escuta do outro, respeitando limites de volume.

Estudos mostram que ainda há muito do patriarcado nas relações familiares,

inclusive nas cidades pequenas e interioranas, em que observamos comportamentos de

homens e de mulheres que, em sua maioria, reproduzem o discurso de obediência do

feminino como filha e como esposa. Neste sentido, os alunos poderiam ter feito suas

produções com base nesse imaginário que circula entre eles, contudo, suas paródias

mostraram que eles não apenas internalizaram as discussões promovidas nas oficinas a
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respeito de gênero como também demonstraram seus anseios enquanto cidadãos

relacionados à equidade de direitos entre homens e mulheres. Questões como a não

violência contra mulheres, igualdade de oportunidades, diretos de escolha e de ir e vir sem

julgamentos permearam as produções dos discentes, o que denota ser possível realizar uma

discussão sobre essa temática de forma positiva, qualquer que seja a realidade em que os

alunos estejam inseridos.

Entendemos que as atividades voltadas para a temática de gênero colaboraram para

que os alunos se sentissem valorizados por poderem refletir e expressar suas opiniões

acerca de um assunto tão significativo para a sociedade, ampliando os conhecimentos e

contribuindo para a consolidação de uma sociedade menos desigual.

O envolvimento dos alunos nas oficinas mostrou que, apesar dos desafios presentes

no ensino de leitura e de escrita, bons resultados podem ser atingidos. Para tanto,

comprovamos que atividades lúdicas que levem em consideração o jovem aluno em

transformação e sua relação com a linguagem e com sua cultura são eficientes. Nas

situações de produção estabelecidas nas oficinas, observamos que os alunos entenderam

que suas leituras e a compreensão da existência das interações dialógicas nos textos

influenciariam nos objetivos de escrita de cada produção.

Com a leitura do relato de experiência acerca da realização das oficinas e análise

das paródias produzidas, percebemos que os objetivos a que este trabalho se propôs foram

atingidos. Sendo assim, os alunos apreenderam que cada comunidade e movimento

cultural, a exemplo do funk, socialmente valorizados ou não, têm a sua estética específica e

não deve ser descartada, embora possa ser vista sob uma nova perspectiva, um outro

ângulo. A partir disso, é possível (re)significar seu entendimento sobre as relações de

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gênero e produzir dialogicamente textos que enlacem o uso da linguagem com uma visão

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