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Gêneros textuais e a leitura literária: a formação do leitor.

Salete Rosa Pezzi dos Santos


Universidade de Caxias do Sul
Dr. em Letras (UFRGS)
sarpsantos@terra.com.br

Cecil Jeanine Albert Zinani


Universidade de Caxias do Sul
Dr. em Letras (UFRGS)
cezinani@terra.com.br

A leitura poderia ser caracterizada como uma atividade de


integração de conhecimentos, contra a fragmentação. Devido à
abertura que o texto proporciona ao leitor para relacionar o assunto
que está lendo a outros assuntos que já conhece, ele favorece, no
plano individual, a articulação de diversos saberes.

Kleiman e Moraes (1999)

RESUMO: Considerando-se a literatura uma modalidade de conhecimento do ser humano e do


mundo, torna-se relevante oferecer condições ao aluno para que ele perceba a importância dessa
disciplina em sua formação integral, o que poderá ser feito através da problematização do fato literário
e da possibilidade de encaminhar a solução por meio de um modelo que privilegie essa abordagem.
Uma modalidade alternativa de trabalho refere-se à utilização de aspectos da pesquisa-ação, na
perspectiva de Thiollent (2000), cuja renovação, no processo educacional, defende a atuação de
professores e alunos como pesquisadores em sala de aula. Como tal, o professor detém melhores
condições de avaliar a prática docente, cujo resultado pode representar a melhoria e aperfeiçoamento
do processo educacional. Esta discussão aborda a relevância de utilizar aspectos da pesquisa-ação, no
ensino da literatura, que deverá ser trabalhada em sua variação textual, a fim de contribuir para
revitalizar esse conhecimento.

PALAVRAS-CHAVE: literatura, ensino, gêneros textuais, pesquisa-ação.

ABSTRACT: Considering literature a knowledge modality of the humanity and of the world
it is relevant to offer conditions to the students realize the importance of this discipline to their
total formation; what can be done by questioning the literary fact and the possibility of
reaching the solution using a model that privileges this approach. An alternative modality of
effort concerns the use of action research aspects in Thiollent’s perspective whose educational
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process renovation defends the teachers and students acting as researchers in classroom. Thus,
the teacher secures better conditions to evaluate its practice; the result might represent an
improvement in the educational process. The present discussion involves the relevance of
using action research aspects in the literature teaching, which must be managed in its textual
variation to contribute to the revitalization of this knowledge.

KEY-WORDS: literature; teaching; textual types; action research.

1 Literatura e conhecimento

A literatura, como disciplina nos currículos escolares, tem sofrido significativo apagamento,
despertando o interesse de estudiosos da área, que procuram novos caminhos para o ensino
desse conhecimento, renovando estratégias de abordagem para a questão.
Se, antes do século XX, os livros aos quais as crianças e jovens tinham acesso não eram mais
que algumas traduções ou obras que atendiam ao interesse da classe dominante, divulgando
sua ideologia, a partir de Monteiro Lobato, a leitura literária passa a ter outro caráter, o de
obra emancipatória. Como tal, passa a deflagrar um processo de crítica aos valores impostos
às crianças tradicionalmente, o que viria a influir de forma considerável nas produções
literárias destinadas a jovens e crianças, no Brasil, em especial, a partir de 1980. Assim, tendo
em vista a potencialidade da obra literária como elemento formador do ser humano,
estudiosos buscam tornar a literatura um conhecimento que possa funcionar como recurso
transdisciplinar, na medida em que desenvolve competências e habilidades valiosas para
outros campos de estudo, bem como, segundo uma ótica cultural, transformá-la em fator de
humanização e unificação em uma sociedade tecnológica e fragmentada.
A partir do pressuposto que a literatura configura-se como uma modalidade de compreensão
do ser humano e do mundo, além de ser uma práxis social, torna-se essencial oportunizar ao
educando condições para que ele perceba a relevância dessa disciplina em sua formação
integral. Para isso, precipuamente, o mundo adulto – professores, pais – necessita estar ciente
dessa importância, pois é um primeiro passo em direção ao entendimento de que
o texto literário veicula uma modalidade de conhecimento particular que não se
assemelha ao saber produzido pela ciência. Sendo, ao mesmo tempo, representação
e análise, a literatura possibilita o resgate da realidade. Essa modalidade de texto,
por sua natureza, possibilita a crítica e a contradição através de uma linguagem não-
linear, isto é, distinta da linguagem comum. O autor aproveita o seu conhecimento
de mundo, recria essa experiência através dos recursos de seu imaginário e expressa-
a por meio da linguagem artisticamente trabalhada. Uma vez que esse texto
relaciona-se com a realidade e a experiência humana, desempenha uma função
muito significativa no aspecto comunicativo, pois auxilia o sujeito a emancipar-se
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na medida em que pode libertá-lo do processo de massificação a que está


submetido... (ZINANI e SANTOS, 2004, p. 65).

Constata-se, assim, a premência de colocar o educando em contato com a literatura, e uma


forma de fazê-lo é trabalhar o texto literário em suas variações textuais, possibilitando a
produção de sentidos, uma vez que o estudo que somente privilegia a memorização de datas,
nomes de autores, listas de obras não sensibiliza o educando para a potencialidade do texto
literário. Independentemente de se tratar de conto, crônica, romance, poema, peça teatral, o
professor, como mediador, poderá estimular o aluno para a leitura da literatura. Um trabalho
que privilegia a diversidade de textos literários propicia a construção de um repertório de
leitura, o que favorece maior conhecimento do mundo e de si mesmo. Esse percurso poderá
contribuir para o desenvolvimento de uma conduta de autonomia do ser humano, na mesma
proporção em que amplia seu horizonte de expectativas e aprimora sua capacidade crítica.
Entretanto, é importante que o professor esteja atento, não só à questão do espaço destinado
ao texto literário em sala de aula, como também à forma como o material poderá ser
trabalhado e aos gêneros textuais que veiculam esse conhecimento. Essa articulação se
justifica, na medida em que as contínuas mudanças que se operam na sociedade exigem
transformações na educação, na escola, no processo de ensino.
Perrenoud (1990, p. 5), preocupado com essa questão, afirma que, diante das modificações
sociais, torna-se premente uma “prática reflexiva e participação crítica.” [...] Enfatiza, ainda,
que “os professores não chegam a ser os intelectuais, no sentido estrito do termo, são ao
menos os mediadores e intérpretes ativos das culturas, dos valores e do saber em
transformação.” Nesse trajeto, torna-se viável pensar em uma modalidade alternativa de
ensino e aprendizagem, um método de trabalho que se contraponha aos moldes positivistas de
base empírica. Uma forma de fazê-lo, acredita-se, é através da problematização do fato
literário e da possibilidade de encaminhar a solução por meio de um modelo que privilegie
essa abordagem, um método baseado na investigação, que defenda a atuação do professor e
dos alunos como pesquisadores em sala de aula. Essa particularidade de trabalho remete a um
procedimento muito utilizado em ciências sociais, denominado pesquisa-ação, cuja
renovação, na área educacional, poderá significar a otimização do ensino. Dessa maneira, o
professor detém as melhores condições de avaliar a prática docente, cujo resultado pode
representar a melhoria do evento educacional, e os alunos podem participar ativamente do
processo de ensino e aprendizagem, favorecendo o desenvolvimento de sua autonomia.
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Nessa perspectiva, o propósito deste estudo é ensejar uma discussão sobre a relevância de
trabalhar com diferentes gêneros textuais em sala de aula, numa abordagem da pesquisa-ação
no ensino da literatura, a fim de contribuir para revitalizar esse conhecimento, acenando com
a possibilidade de mudança na formação do educador e do educando, mudança essa que
poderá ser concretizada a partir da capacitação humanística, técnica e científica dos recursos
humanos envolvidos. Promover a literatura para que se torne, além de agradável e produtiva,
uma possibilidade de reflexão sobre o ser humano e a sociedade, torna-se, então, um ato
imprescindível.

2 Literatura: leitura e emancipação

A crise no ensino da literatura tem suscitado as mais variadas discussões entre estudiosos da
área. Para alguns, o problema situa-se no aluno que não lê, não apresenta maturidade para
entender o fato literário, prefere dedicar-se a outras atividades, cujo apelo permanente
encontra-se na mídia que envolve, de forma indiscriminada, todas as pessoas. Para outros, o
problema está no professor que não dispõe de um acervo de estratégias para o
desenvolvimento do gosto pela leitura, não conhece suficientemente uma metodologia que vá
ao encontro do ensino da literatura para jovens e crianças, ou mesmo, não frequenta com
assiduidade os livros e a literatura. Outros, ainda, atribuem essa crise a fatores externos, tais
como bibliotecas mal equipadas ou insuficientes, alto preço dos livros, pouco tempo para
leitura.
Considerando-se que a civilização deste início de milênio é fundamentalmente letrada, torna-
se imprescindível ao ser humano ter a sua disposição as ferramentas necessárias, que lhe
possibilitem a sobrevivência num mundo que depende da palavra escrita para a realização das
ações mais triviais. Muito mais que executar ações rotineiras, a pessoa, continuamente,
necessita tomar decisões que exigem pensamento reflexivo, raciocínio, conhecimento. Este
último, basicamente, obtido através de duas fontes, ou seja, primeiramente, pela experiência
direta, na qual é executada uma tentativa, e, quando adequada a resposta, a experiência é
registrada como válida, caso contrário, é descartada e nova tentativa é realizada. Essa
modalidade de aprendizagem, fundamentada no ensaio e erro, é interessante e provê a pessoa
com experiências ricas e duradouras. A outra forma de enriquecer o universo pessoal é pela
leitura de textos diversificados, através da qual é possível desenvolver inúmeras habilidades,
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tais como, observação, comparação, seleção, análise e síntese, transposição de dados para
outras situações. Evidentemente, a experiência direta também enseja o desenvolvimento
dessas habilidades, entretanto, é mais limitada, pois a ocorrência de situações concretas
depende inteiramente de uma relação de casualidade. Já na leitura, especialmente de textos
ficcionais, a diversidade de situações é muito maior, possibilitando o contato com
experiências múltiplas e variadas. Isso pode ser comprovado, por exemplo, por estudos que
remontam à literatura infantil.
No trabalho relativo à influência dos contos de fadas sobre a psique infantil, Bettelheim
(1980) enfatiza a necessidade de fantasia para que o infante possa organizar seu mundo
interior e promover a integração de sua personalidade. Como a criança, atualmente, está mais
exposta ao bombardeio de informações nem sempre felizes, à solidão ocasionada por pais que
exercem suas profissões fora de casa e ao isolamento que isso acarreta, ela necessita
vislumbrar a possibilidade de que, apesar de “rejeitada e abandonada”, poderá dispor de ajuda
para reencontrar seu lugar no mundo que a cerca. Bettelheim (1980, p. 20) ressalta que a
criança precisa do “reasseguramento oferecido pela imagem do homem isolado que, contudo,
é capaz de conseguir relações significativas e compensadoras com o mundo ao seu redor.” A
obra literária parece cumprir, assim, um importante papel, pois, enquanto diverte o leitor,
proporciona-lhe caminhos que o levam ao auto-conhecimento necessário à sua formação
como ser humano, à organização de sua personalidade. Também Zilberman e Magalhães
(1982) discutem a necessidade de uma literatura emancipatória como elemento básico para a
educação de um ser pensante e crítico. Zilberman (1982, p. 13) afirma que a literatura pode
servir de ponte para o infante alcançar maior compreensão da realidade circundante:
se a criança – devido não só à sua circunstância social, mas também por razões
existenciais – se vê privada ainda de um meio interior para a experimentação do
mundo, ela necessitará de um suporte fora de si que lhe sirva de auxiliar. É este
lugar que a literatura infantil preenche de modo particular, porque, ao contrário
da pedagogia ou dos ensinamentos escolares, ela lida com dois elementos que
são especialmente adequados para a conquista desta compreensão do real:
- com uma história que apresenta, de maneira sistemática, as relações presentes
na realidade, que a criança não pode perceber por conta própria; [...]
- com a linguagem, que é o mediador entre a criança e o mundo, de modo que,
propiciando, através da leitura, um alargamento do domínio lingüístico, a
literatura infantil preencherá uma função de conhecimento.

Portanto, a literatura associada à leitura, enquanto forma de expressão, utiliza a linguagem


verbal para a construção de um mundo coerente e compreensível que possibilita, em sua
essência, a união da racionalidade da linguagem com a fantasia, sem perder de vista os
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universos do autor e do leitor. Para Flôres (2008, p. 26),


no momento em que busca apreender o que acontece ao seu redor, interagindo
com o Outro, o indivíduo estabelece ligações entre ele e o mundo. É quando
passa a interpretar indícios de toda sorte. Através da interpretação, portanto, o
homem mistura-se ao texto-mundo, situando-se em relação a si e aos demais, ao
tempo e ao espaço, vendo, ouvindo, enfim testando e avaliando o que pode lhe
servir de orientação, informando-se sobre as coordenadas dêiticas de pessoa,
espaço e tempo, em suma, integrando-se ao ambiente em que vive.

Isso remete a conjecturar sobre o caráter formativo da leitura do texto literário, na medida em
que oportuniza a reflexão sobre o ser humano e sua circunstância, auxiliando-o a ter mais
segurança diante de suas próprias vivências, o que justifica reconhecer como imprescindível a
tarefa da escola de formar leitores. Zilberman e Silva (1988) também assinalam que o ensino
da literatura tem o compromisso de formar o leitor, através de atividades que proporcionam
experiências com textos literários.
A mediação do professor na condução da leitura de textos literários, por conseguinte, pode
determinar a constituição de um leitor produtor de sentidos, pois não basta decodificar o que
está escrito na página, é necessário que o aprendiz, a partir de seu repertório de conhecimento,
tenha a oportunidade de alargar seu horizonte de expectativas para poder tornar-se um
apreciador da palavra artística. Por esse viés, viabiliza-se uma visão de ensino de literatura
que transgride o processo de respostas pré-determinadas para dar lugar a uma diversidade de
alternativas possíveis em que o aluno se percebe um ser humano capaz de pensar criticamente.
Se a escola visa à formação de indivíduos, então a literatura deveria ter um lugar de destaque
nos currículos escolares pela potencialidade de transgressão que lhe é inerente. Entretanto, por
fugir aos padrões tradicionais de ensino, os gêneros textuais literários, frequentemente, não
são trabalhados em sua potencialidade artística, em especial, nas últimas séries do ensino
fundamental. Caso o professor de Língua Portuguesa não perceba a importância de seu papel
como mediador de leitura, privará seu aluno da mobilização necessária para otimizar o
processo de leitura do texto literário em seus mais variados gêneros.
Uma das alternativas para o ensino da literatura, que tem se mostrado altamente promissora, é
a modalidade da pesquisa-ação aplicada ao ensino. Retomando-se os conceitos de Guido
Irineu Engel (2000), fica evidenciada a importância desse trabalho, pois essa modalidade de
pesquisa, segundo o autor, pode configurar-se como uma alternativa para a necessidade de
otimizar o processo de ensino em sala de aula. Desse modo, a mescla de teoria e prática pode
tornar-se uma realidade para professores, auxiliando-os na solução de problemas, na medida
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em que eles se tornarem pesquisadores em suas salas de aula. Como as modalidades de


pesquisa estão sujeitas à mudança, uma vez que o conhecimento é provisório e depende do
contexto, essa atividade pode tornar-se uma ferramenta adequada ao desenvolvimento do
ensino de literatura em sala de aula, pois ela apresenta flexibilidade para adequar-se a
variantes e, nesse trajeto, pode oportunizar aos pesquisadores a ampliação de suas percepções.
Devido à necessidade de interação das experiências de leitura, através da socialização de
vivências - diálogo entre professor e aluno -, considera-se que a pesquisa-ação pode ser uma
modalidade de ensino de literatura apreciável, uma vez que pode promover ações que visem à
emancipação de alunos e professores, a partir do pressuposto de que o processo educativo
fundamenta-se no tripé ação/reflexão/ação. A proposta que contempla essa metodologia
propõe a organização de um planejamento que prevê atividades a serem desenvolvidas pelo
grupo, cujo acompanhamento deve ser feito através de observação e registros adequados para
fornecerem subsídios de análise e reflexão. Cristóvão (2002, p. 39) também considera que
“uma reflexão coletiva demanda uma sistematização,” envolvendo participação em
“experiências de aprendizagem, consideração de experiências já vividas [...] e envolvimento
com pesquisa-ação, que poderiam contribuir para o desenvolvimento de uma prática reflexiva
do ensino.” A autora ressalta que “a prática reflexiva implicaria uma análise do contexto em
que se está inserido, para que a participação de cada sujeito possa ser crítica, com tomadas de
decisão conscientes e responsáveis.” (CRISTÓVÃO, 2002, p. 40).
Nesse trajeto de processo reflexivo, é possível operar uma avaliação contínua que permitirá
determinar ou a necessidade de replanejamento ou a possibilidade de avanço dos estudos,
oportunizando uma trajetória de autonomia e emancipação tanto para o aluno quanto para o
professor. Nesse sentido, é importante mencionar a discussão de Thiollent (2000) sobre o
assunto, o qual considera a pesquisa-ação como uma metodologia que envolve investigadores
na captação dos problemas, na reflexão e na testagem de soluções. O resultado desse processo
dialético é a criação de uma metodologia de cunho crítico com apresentação de componentes
conscientizadores e emancipadores, reforçando a idéia de que, aplicada à educação, a
pesquisa-ação pode promover o aperfeiçoamento de professores e o aprimoramento do ensino.
O autor afirma que a estratégia metodológica que orienta a pesquisa-ação tem em vista a
interação entre os implicados na situação, interação essa responsável pela priorização dos
problemas que requerem solução. O objeto de investigação é constituído por uma situação
social e pelos problemas que a envolvem, e o seu objetivo consiste em resolver e/ou
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esclarecer as questões relacionadas à situação observada. Todo o processo é acompanhado e


não se restringe, apenas, a solucionar determinados problemas, mas também a ampliar o nível
de consciência e de conhecimento dos grupos envolvidos. Ao apresentar os princípios que
norteiam a pesquisa-ação, Thiollent (2000) enfatiza a utilização das formas de raciocínio e
argumentação, princípios que fazem parte da lógica formal. Embora privilegie o lado
empírico, também são enfatizados os pressupostos teóricos, sem os quais a pesquisa ficaria
descaracterizada. Outro elemento inovador consiste no aspecto político e valorativo que
constitui essa modalidade de pesquisa. Esse aspecto diz respeito à colocação do saber ao
alcance de grupos, tendo em vista tanto a conscientização quanto o comprometimento com a
ação coletiva. Portanto, a especificidade da pesquisa-ação está no fato de a produção de
informação e conhecimento ser orientada com a função política de possibilitar a organização e
a autonomia de ação do grupo.
Engel (2000, p. 183) enfatiza a idéia de que a pesquisa-ação transforma a sala de aula em
laboratório, e alunos e professores deixam de ser consumidores de pesquisas alheias para
tornarem-se pesquisadores, produtores de conhecimento. Segundo o autor, “a pesquisa-ação é
o instrumento ideal para uma pesquisa relacionada à prática” e assinala características
essenciais da pesquisa-ação voltada à aprendizagem, tais como: (a) a pesquisa deve ser um
processo de aprendizagem para todos os envolvidos, superando a separação entre sujeito e
objeto da pesquisa; (b) as estratégias e produtos terão validade para os envolvidos se houver
apreensão e modificação de uma situação; (c) como é situacional, procura diagnosticar e
resolver um problema, não se interessando por generalizações. No entanto, a repetição do
estudo em diferentes situações com resultados semelhantes possibilita a enunciação de um
resultado científico generalizável; (d) como a pesquisa-ação é auto-avaliativa, o processo é
constantemente monitorado, e o feedback converte-se em redefinições e mudanças de rumo;
(e) como é cíclica, essa pesquisa possibilita, através das fases finais, o aprimoramento das
fases anteriores.
Fundamentalmente, uma proposta metodológica que privilegia a ação do aluno situa-o como
centro do evento educacional. O papel do professor – também colocado como coordenador
das atividades - consiste, dessa maneira, em deflagrar o processo, orientá-lo, promover
feedback e propor o redirecionamento das ações quando necessário, a fim de que o
conhecimento se torne uma produção coletiva pela qual todos são responsáveis.
Considerando-se esses aspectos, a operacionalização de uma proposta metodológica para o
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ensino da literatura poderia, então, consistir em que, depois de estabelecidos os objetivos que
o professor-pesquisador deseja atingir, este organize com os alunos uma discussão sobre
gêneros textuais, livros, leitura e literatura, com a finalidade de verificar quais as idéias que
circulam no grupo, suas necessidades e potencialidades, estabelecendo-se um diagnóstico
sobre a situação desse universo. A partir da discussão, são eleitos alguns tópicos considerados
importantes para a investigação, momento em que se determinam os objetivos do trabalho a
ser desenvolvido. Na fase exploratória, após o diagnóstico, de acordo com Thiollent (2000),
são definidas as estratégias metodológicas e planejadas as ações. Assim, escolhem-se os
textos, organizam-se roteiros de leitura e estabelecem-se alguns procedimentos para a
realização da investigação proposta. Com o levantamento das questões norteadoras da
pesquisa selecionadas, torna-se imprescindível buscar subsídios em referencial teórico,
disponível em diferentes áreas do conhecimento, o qual fornecerá elementos para elucidar
possíveis dificuldades no andamento do trabalho. Isso oportunizará ao aluno entrar em
contato com variados gêneros textuais, o que permitirá a diversidade na formação de seu
repertório de leitura.
Visto que a troca de idéias e o debate são indispensáveis para o engajamento na atividade, o
trabalho é desenvolvido em grupos, justificando-se a proposição da atividade fundamentar-se
nos princípios da pesquisa-ação, que supõe uma atividade coletiva em que o
comprometimento pessoal é fundamental para a consecução dos objetivos.
Como forma de divulgação e avaliação do trabalho realizado, cada grupo apresenta, na
modalidade que lhe parecer mais adequada, os resultados obtidos, colocando-os em discussão
no grande grupo. A avaliação é efetivada pelos alunos-pesquisadores e coordenada pelo
professor, os quais levam em conta a realização de todas as etapas do processo, examinando-
se, assim, a produtividade da leitura, a pertinência das questões de pesquisa, a adequação dos
procedimentos realizados, a apresentação dos resultados bem como a discussão plenária sobre
a atividade efetivada. Com esses passos, não só é possível avaliar a maturidade alcançada pelo
grupo em cada etapa da trajetória desenvolvida pelos alunos e pelo professor em sala de aula,
como também a percepção do aluno a respeito do trabalho calcado na diversidade de gêneros
textuais literários, favorecendo o entendimento sobre a necessidade dessa variedade para a
construção do conhecimento.

3 Literatura: reflexão e criticidade


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Machado (2004, p. 90), quando discute a constituição do campo da literatura infantil e juvenil,
no Brasil, pondera que
acompanhar a trajetória de formação de um público leitor de literatura no Brasil
é uma tarefa que aciona uma complexa rede da qual participam aspectos de
diferentes naturezas tais como o das diferentes condições de uso da escrita e da
leitura dos sujeitos que interagem na sociedade contemporânea; o das relações
existentes entre as práticas escolares e a formação efetiva do leitor de livros de
literatura; o das relações de poder mantidas pelas instituições escolares e as
políticas públicas de leitura, que afetam diretamente a produção e a circulação de
livros para crianças e jovens; entre tantos outros aspectos referentes ao campo da
leitura literária e seu ensino.

Sendo assim, pensar sobre formas de trabalhar o texto literário, em sala de aula, deve ocupar
um lugar cada vez mais abrangente nas discussões sobre o assunto. Acredita-se que a
modalidade de trabalho apresentada possa configurar-se como uma das alternativas de
abordagem da literatura no ensino, na medida em que promove o aprimoramento de
competências e habilidades relevantes para a vida prática. Dessa forma, a literatura torna-se,
além de guardiã do patrimônio cultural, uma possibilidade de dotar o ser humano de
desenvolvimento afetivo, cognitivo e social necessários para a integração da personalidade e
socialização. Entretanto, para que um processo de ensino dessa natureza alcance resultados
apreciáveis, torna-se indispensável o engajamento de um maior número de professores, pois,
com a divulgação de trabalhos que podem propiciar ao educando a descoberta de como
apreciar o texto literário, haverá maior estímulo para que escolas se comprometam com
projetos de ensino mais abrangentes e menos personalizados, conferindo-lhes maior
credibilidade. Na esteira dessas considerações, cabe ressaltar, também, de acordo com
Perrenoud (1999, p. 10), a necessidade de a prática pedagógica sustentar-se não só por um
conhecimento metodológico e teórico, mas também por atitudes e capacidades específicas.
Para o autor, somente “funcionando numa postura reflexiva e numa participação crítica [é]
que os estudantes tirarão melhor proveito de uma formação em alternância.” Nessa medida, o
educando estará exposto a um ambiente de interação que o remete a pensar sobre a
importância de se constituir um “ser aprendente”, que percebe na contínua busca do
conhecimento um bem maior. De acordo com Alarcão (2003, p. 26), “o aluno tem de se
assumir como um ser (mente num corpo com alma) que observa o mundo e se observa a si, se
questiona e procura atribuir sentido aos objetos, aos acontecimentos e às interações.” A
literatura, por seu caráter multíplice, cumpre papel fundamental na formação do educando, na
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medida em que fornece os subsídios necessários para conduzi-lo ao desenvolvimento de uma


atitude crítica e reflexiva em relação ao seu contexto e, por conseguinte, atuante em seu meio.

Referências

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