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Museus como Agentes de Mudança

Social e Desenvolvimento:
Propostas e reflexões museológicas

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Museus como Agentes de Mudança
Social e Desenvolvimento:
Propostas e reflexões museológicas

MARIA CRISTINA OLIVEIRA BRUNO


KÁTIA REGINA FELIPINI NEVES
Coordenadoras

iii
O Museu de Arqueologia de Xingó da Universidade Federal de Sergipe agradece
ao Departamento de Museus do IPANH a cessão da imagem referente à Semana
Nacional de Museus utilizada na capa deste livro.

Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca


Central da Universidade Federal de Sergipe

Museus como agentes de mudança social e desenvolvi-


M986m mento: propostas e reflexões museológicas / coorde-
nação, Maria Cristina Oliveira Bruno, Katina Regina
Felipini Neves. – São Cristóvão : Museu de Arqueologia
de Xingó, 2008.
185 p. : il

1. Museus. 2. Desenvolvimento social. I. Bruno, Maria


Cristina Oliveira, Kátia Regina Felipini Neves.

CDU 069:316.43

A REVISÃO DE LINGUAGEM, AS OPINIÕES E OS CONCEITOS OMITIDOS NOS


TRABALHOS SÃO DE RESPONSABILIDADE DOS RESPECTIVOS AUTORES.

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Sumário SUMÁRIO

Apresentação 7

PRIMEIRA PARTE: CONCEITOS, TRAJETÓRIAS E MUDANÇAS

1 Museus e Desenvolvimento Local: um balanço crítico 11


Hughes de Varine-Bohan
Consultor Internacional sobre Desenvolvimento Local

2 Mudança Social e Desenvolvimento no Pensamento da Museóloga


Waldisa Rússio Camargo Guarnieri: textos e contextos 21
Maria Cristina Oliveira Bruno
Museu de Arqueologia e Etnologia – MAE/USP
Andrea Mattos Fonseca
Kátia Regina Felipini Neves
Curso de Especialização em Museologia – CEMMAE/USP

3 A Radiosa Aventura dos Museus 41


Mário de Souza Chagas
Universidade Federal do Rio de Janeiro - UniRio/
Departamento de Museus e Centros Culturais do Iphan

4 As Ondas do Pensamento Museológico: balanço sobre a produção brasileira 53


Manuelina Maria Duarte Cândido
Museu da Imagem e do Som – MIS/CE

5 ¿Que Puede Hacer la Arquitectura por los Museos? 73


Juan Carlos Rico
Conservador de Museus

6 Evaluación en Museos y Desenvolvimiento Social:


presupuestos téoricos y metodológicos 91
Felipe Tirado Segura
Universidade Autónoma de México – UNAM

5
SEGUNDA PARTE: EXPERIÊNCIAS, PROPOSTAS E PERSPECTIVAS

1 Acessibilidade, Inclusão Social e Políticas Públicas:


uma proposta para o Estado de São Paulo 115
Amanda Pinto da Fonseca Tojal
Pinacoteca do Estado de São Paulo

2 Participação e Qualidade em Museus. O caso do


Museu do Trabalho Michel Giacometti 137
Isabel Victor
Museu do Trabalho Michel Giacometti

3 Museus, Exposições e Identidades: os desafios do tratamento


museológico do patrimônio afro-brasileiro 157
Marcelo Nascimento Bernardo da Cunha
Universidade Federal da Bahia – UFBA/ Museu Afro-Brasileiro

4 As Questões Indígenas e os Museus: a experiência do Museu do Oiapoque 173


Lux Boelitz Vidal
Universidade de São Paulo – USP

5 Memória e Movimentos Sociais: o caso da Maré 183


Cláudia Rose Ribeiro da Silva
Museu da Maré

6 Memorial da Resistência: perspectivas interdisciplinares


de um programa museológico 195
Maria Cristina Oliveira Bruno
Museu de Arqueologia e Etnologia – MAE/USP
Maria Luiza Tucci Carneiro
Universidade de São Paulo – USP
Gabriela Aidar
Pinacoteca do Estado de São Paulo

Perfil dos Autores 205

6
Apresentação

O
Os museus, para alguns, ficaram marcados como locais de coisas velhas e sem
vida, mas, para outros, são instituições que podem desempenhar uma função
social junto às sociedades onde estão inseridas. Essas visões polarizadas são, por
um lado, desconcertantes, mas, por outro, são desafiadoras, pois nos impulsio-
nam a procurar entender as idiossincrasias que delimitam os cenários da ação
museológica.

Os artigos reunidos neste livro revelam algumas perspectivas, a partir das quais
essas instituições têm procurado novos caminhos, têm permeado as difíceis rotas
das ressignificações dos acervos e coleções, têm desdobrado as suas ações na
busca de novos públicos, mas, em especial, têm revelado que os trabalhos preser-
vacionistas permitem as mudanças e desafiam os pressupostos do desenvolvi-
mento social, desde que sintonizados com seu entorno social. E todos temos
consciência que esta sintonia é difícil, vulnerável e multifacetada.

7
Essas perspectivas, por sua vez, indicam a ção social dos museus e têm apostado na
preocupação com os princípios teóricos e busca de novos percursos. A sua concepção
metodológicos para a implantação dos pro- é uma resposta a um generoso convite feito
cessos museológicos, evidenciam a necessi- pelo Prof. José Alexandre Felizola Diniz do
dade de implantação de políticas públicas Museu de Arqueologia de Xingó da Universi-
para que os museus participem dos grandes dade Federal de Sergipe que , mais uma vez,
debates do Estado, indicam as necessárias demonstra a sua sensibilidade para a necessi-
preocupações com o espaço arquitetônico, dade de debate em torno de temas museoló-
com a qualidade dos trabalhos museológi- gicos. A realização desta coletânea só foi
cos, com as exigências de avaliação dos pro- possível pelo apoio competente da
cedimentos institucionais e com o delinea- museóloga Kátia Felipini que partilha as res-
mento de novas compreensões sobre o papel ponsabilidades editoriais.
inclusivo dos museus.
Agradeço aos autores, que confiaram nes-
Acreditamos que os museus devem de- ta proposta e garantiram o seu êxito, expon-
sempenhar um singular papel social, pois do suas idéias e revelando as suas experiên-
podem impulsionar mudanças, e os autores cias. Este livro é dedicado aos novos estu-
aqui reunidos apresentam alguns caminhos dantes de Museologia e esperamos que possa
sólidos para essas trajetórias. servir de inspiração para os seus percursos
profissionais.
Este livro é o resultado de muitos entrela-
çamentos entre profissionais que, por dife- Maria Cristina Oliveira Bruno
rentes caminhos, têm problematizado a fun- São Paulo, outono, 2008.

8
1ª parte
CONCEITOS, TRAJETÓRIAS E MUDANÇAS
ARTIGO
1
Museus e desenvolvimento
social – um balanço crítico1

n HUGUES DE VARINE-BOHAN

A
INTRODUÇÃO
Na tradição museológica mundial, tal qual é representada pelo ICOM e tal

N qual é refletida por diferentes leis nacionais que regulamentam a instituição


museu, um museu, qualquer que seja a sua disciplina (arte, ciência, história,
antropologia etc) é constituído em torno de uma coleção que ele se serve para
a completar, conservar, estudar, apresentar... Para a maior parte dos teóricos,
dos profissionais e dos administradores, um museu não existe que para e pela
sua coleção.
Esta coleção, que é arbitrada pelo museu, deve ser aberta a um “público”, isto
é, aos visitantes. Há dois séculos, o público era constituído de artistas e de
letrados, profissionais ou amadores. Depois, os progressos do nível de vida e da
educação trouxeram ao museu um número que não pára de crescer de mem-
bros de classe média e de escolares. Enfim, os grandes museus de arte e os
pequenos museus locais entraram na era do turismo de massa, ao ponto que o
turista nacional ou estrangeiro procura ocupar o lugar no museu do visitante
local. 70% de visitantes de exposições permanentes do Musée du Louvre em
Paris são de estrangeiros, enquanto que 20% ao menos são de escolares que
vêm em grupo.
12 HUGUES DE VARINE-BOHAN

Por diferentes razões – patrimônio em natural. Eles se referem habitualmente


moda, impulso do turismo – o número de à Declaração dita “de Santiago” (Mesa
museus explodiu em quase todos os países, Redonda da UNESCO realizada em
enquanto que as grandes instituições se tor- Santiago do Chile, 1972).
naram sempre maiores, mais ricas, então
mais caras. Mas não podemos esquecer que as três
grandes categorias de museus – de arte, de
Esta evolução, que é claramente marcada história e de ciências – há muito tempo, mas
pelo prestígio e por programas dos grandes sobretudo nos últimos vinte anos, fazem es-
museus de arte nos países com forte atração forços consideráveis para melhor servir às
turística, conheceu, há 50 anos, de início populações que não fazem parte habitual-
com exceções, posteriormente, há uns trinta mente de seus “públicos”: desenvolvem dinâ-
anos, movimentos de idéias e de práticas que mica de “mediação”, que diferem notada-
se distanciam da norma dominante. Três des- mente das práticas antigas das visitas “guia-
ses movimentos podem ser notados como das”, que procuram se adaptar às culturas vi-
particularmente inovadores e portadores de vas dos visitantes para facilitar o contato
problemáticas novas. com a exposição, e também cada vez mais
adaptar a exposição à diversidade de seus
- Numerosos museus, nos novos países visitantes.
independentes e em geral em vias de
desenvolvimento ou “emergentes”, vi- Apresentar a questão da relação do museu
sam explicitamente ou implicitamen- com o desenvolvimento, e mais particular-
te ao reforço da independência cultu- mente à dimensão social de seu desenvolvi-
ral, da identidade local, regional, naci- mento, é então procurar determinar, a partir
onal, a educação das novas gerações e de práticas profissionais e institucionais, a
a proteção do patrimônio endógeno atitude dessas diferentes categorias de mu-
contra os vandalismos e os tráficos; seus com a sociedade que os circunda, em
um modelo é o Musée National de função dos objetivos políticos e culturais que
Niamey (Niger) nos anos 60. eles se dão ou que lhes são impostos, e não
mais como no passado, a partir da natureza
- Os museus nascidos de reivindicações de suas coleções e das competências de suas
locais, culturais ou sociais, mas sobre- responsabilidades científicas. Porque as cole-
tudo políticas, da parte das popula- ções se tornaram aqui essencialmente o ma-
ções oprimidas ou marginalizadas terial com o qual o museu poderá, ou não,
(minorias étnicas, comunidades au- servir à sociedade, como seu staff científico
tóctones, territórios em crise mineira e cultural poderá, ou não, ser um ator cons-
ou industrial); um exemplo neste caso ciente e eficaz do acompanhamento cultural
é o Anacostia Neighborhood Museum, da mudança desta sociedade.
em Washington DC (Estados Unidos).
Mas isso não é suficiente: é necessário se
- Enfim, a grande família dos museus perguntar qual é o lugar que a sociedade
comunitários, muitas vezes chamados ocupa nesses museus, se ela os considera
igualmente ecomuseus, que, desde os como verdadeiros meios de desenvolvimen-
anos 70, tentam criar sobre territórios to, ou se ela os deixa em um lugar de consu-
determinados, urbanos e rurais, dinâ- mação cultural, para proveito das elites do
micas culturais de desenvolvimento li- território, dos grupos escolares enquadrados
gadas ao patrimônio local, cultural e e dos turistas. Porque é também a todo o cor-
MUSEUS E DESENVOLVIMENTO SOCIAL – UM BALANÇO CRÍTICO 13

po social e às estruturas institucionais ou pri- responsabilidade social de seus fundadores,


vadas que o estruturam que o museu deve se salvo para certos grandes museus privados
dirigir para lhe propor novos papéis e lhe da América do Norte. No mais, a focalização
pedir novos serviços. da museologia tradicional sobre suas cole-
ções e sobre o crescimento do público em
Com a finalidade de limitar a dimensão termos quantitativos para justificar os orça-
deste ensaio, tratarei sucessivamente três mentos mais e mais exigentes, não deixa
conjuntos simples: quase lugar às preocupações mais imediatas,
· Os grandes museus, cujo território é que consistiriam em se interessar pelas popu-
muito vasto (mundial, nacional, regio- lações locais menos “cultas” (que se qualifica
nal) e cuja coleção não é sempre re- na França como o “não público”, o que é a
presentativa do território; prova de sua invisibilidade), salvo para aco-
· Os museus locais cujo território é mais lher o público cativo dos grupos escolares
ou menos nitidamente limitado ao em visitas organizadas.
ambiente próximo ou a uma temática
específica (uma indústria, um sitio his- Por outro lado, muitos museus clássicos, a
tórico ou natural, por exemplo); partir dos impulsos dados de início pelos
· As instâncias locais de desenvolvi- museus científicos, técnicos ou industriais,
mento social, educativo e sócio-cultu- têm progressivamente adotado, mesmo à
ral em suas relações com os museus margem de suas estratégias e programas, as
que lhes são próximos. perspectivas da “mediação”, visando adaptar
os seus métodos de comunicação, de condu-
Meu ponto de vista será essencialmente ção, de educação a diferentes públicos, com
aquele de um desenvolvimentista porque, se os objetivos claramente sociais: integração
eu sou há muito tempo um observador inte- cultural de populações imigrantes,
ressado na evolução dos museus e da Muse- mobilização cívica, informação ou mesmo
ologia, eu penso que é interessante levar em consulta sobre políticas públicas, acolhimen-
conta o olhar de um profissional do desen- to de pessoas portadoras de deficiências etc.
volvimento e das relações entre os diferentes Desde os anos 1960, o Brooklyn Children
atores deste. Museum ou o serviço sueco de exposições
itinerantes Riksutställningar trabalham sobre
temas como o conhecimento de outras cul-
OS GRANDES MUSEUS PODEM, OU DEVEM, SE turas e a compreensão dos problemas do de-
OCUPAR DO DESENVOLVIMENTO SOCIAL? senvolvimento que emergem de públicos
numerosos ancorados em suas comunidades
Tudo depende dos seus objetivos, ou dos e em suas culturas vivas. Mais recentemente,
objetivos que lhes são atribuídos pelas auto- no último decênio, os museus municipais de
ridades de tutela. Se se trata apenas de pro- Lyon aderiram e participam ativamente da
mover a arte, a cultura, a ciência para um convenção que liga as principais instituições
público culto, ou de se projetar para o turis- culturais da cidade com as políticas de rege-
mo em massa, ou para contribuir para a ima- neração urbana da área metropolitana. A
gem ou para o prestígio da cidade, de uma Smithsonian Institution em Washington – DC
autarquia, de um mecenas ou de um intelec- permitiu e financiou a criação do célebre
tual, é difícil falar de desenvolvimento social museu afro-americano de Anacostia, ao pas-
ou do interesse da sociedade em seu conjun- so que, nos anos 70 e na linha estabelecida
to. Aliás, é raro, historicamente, que os mu- em Santiago, o Museu Nacional de Antropo-
seus tenham sido criados sob os cuidados da logia do México experimentou, com o proje-
14 HUGUES DE VARINE-BOHAN

to “La Casa del Museo”, um serviço dirigido zação estruturada, pesada e complexa, como
aos bairros pobres da periferia da cidade. é um grande museu artístico ou científico, a
Mais recentemente, é o Museu Imperial de se preocupar com uma grande parcela da
Petrópolis que se engajou na política de edu- população local que não tem o desejo de
cação patrimonial e de participação no de- entrar nestes templos de saber, nem o conhe-
senvolvimento urbano, dirigida especial- cimento dos códigos intelectuais necessários
mente para a população do seu entorno. O à compreensão daquilo que se encontra em
Musée Dauphinois de Grenoble conduz há seu interior. Esta população não tem uma
mais de trinta anos uma ação contínua e ex- demanda explícita a ser confrontada com
pressiva a serviço de todos os segmentos da uma oferta pré-existente, capaz de
população, não somente de Grenoble, mas redefinir o projeto.
também da região “Dauphiné” e dos Alpes
franceses. Notaremos nestes exemplos, como É porque, em geral, há uma satisfação em
em outros casos, a participação entusiasta do anunciar uma vontade de “democratização
conjunto de profissionais nos métodos e nas cultural”, onde a oferta cultural é suposta-
atividades que não são habitualmente consi- mente apropriada pelo conjunto da popula-
deradas e inseridas nas normas museológi- ção, com menos esforços de comunicação ou
cas e museográficas habituais. de orientação do público, sem uma verdadei-
ra mudança profunda, ou ainda da pedagogia
A iniciativa desses projetos, programas, dirigida ao público escolar, na esperança de
ações, surgem geralmente de personalidades que a visita organizada (obrigatória) das crian-
fortes, quer seja dos responsáveis pelo mu- ças ao museu algumas vezes durante o seu
seu, quer seja dos membros do seu serviço período escolar seja suficiente para atrair seus
“educativo”. Para nomear aqueles inovado- pais ou para que voltem ao museu quando
res que não estão mais em atividade, eu cita- adultos. São pressupostos que, do meu ponto
rei a cooperação exemplar entre S. Dillon de vista, jamais foram realmente verificados.
Ripley, diretor geral da Smithsonian
Institution, e John Kinard, fundador do Outro elemento que me parece importan-
Musée d´Anacostia, ou entre Boubou Hama, te e que pode explicar bem as incompreen-
presidente da Assembléia Nacional do Niger, sões e os erros de orientação: o desenvolvi-
e Pablo Toucet, criador do Musée National mento social é uma tarefa coletiva, que im-
de Niamey. A conjunção entre museu e de- plica as comunidades, as famílias, as associa-
senvolvimento social não existe em si, ela ções de maneira mais ou menos solidária. A
exige uma força de vontade e perseverança, prática cultural “social” é de início uma prá-
para vencer as forças contrárias: de uma parte tica coletiva, de esporte, de festa, de lazer.
inércia ou mesmo hostilidade dos profissio- Quando se vai ao museu, se vai em casal, em
nais obcecados pela coleta e pela pesquisa, família ou entre amigos. O discurso e a práti-
ou ainda, pela desconfiança de responsáveis ca dos profissionais de museu consideram
políticos e administrativos preocupados com seguidamente o “visitante” como um indiví-
a rentabilidade e com a comunicação, mas duo só (isto é, um amador motivado que
também do ceticismo dos agentes sociais que vem ao museu por razões pessoais) ou como
vêem tradicionalmente nos museus uma ins- o membro de um grupo organizado, escolar,
tituição empoeirada e reservada pra o delei- de idosos ou de turistas, mais ou menos dis-
te de uma “elite” de privilegiados da cultura. ciplinados e que vai “seguir o guia”.

É necessário confessar que não é nem evi- Pesquisas recentes verificam esta distância
dente e nem fácil levar à frente uma organi- entre a oferta do museu e a maioria da popu-
MUSEUS E DESENVOLVIMENTO SOCIAL – UM BALANÇO CRÍTICO 15

lação, dificultando a emergência de um “pú- nente. Eles não podem absolutamente imitar
blico” culto. os grandes museus. Pelo contrário, eles têm a
possibilidade de fixar objetivos políticos,
Há então um longo caminho a percorrer educativos, culturais ou sociais autônomos,
pelos grandes museus seguindo o exemplo menos dependentes dos imperativos da co-
daqueles que já demonstraram que é possí- leta, da pesquisa, da conservação que as
vel desempenhar um papel no desenvolvi- grandes instituições. Em geral, são
mento social e cultural das comunidades do pluridisciplinares e têm uma proximidade
seu entorno: a intuição dos participantes de fácil com a população (ou a comunidade)
Santiago, que expressou no conceito de que eles servem. Suas responsabilidades são,
“museu integral” desenvolvido nas resolu- talvez, menos qualificadas que a de seus co-
ções adotadas, isto é, um museu que deve legas das grandes cidades, mas localmente
levar em consideração a totalidade da socie- eles são “notáveis”, que têm ou podem ad-
dade na qual ele está inserido, para se colo- quirir uma influência. Eles são atores da vida
car a seu serviço e se organizar em conseqü- local. Eles têm acesso fácil aos políticos, aos
ência, e fica claro para os museólogos cons- outros responsáveis das instituições culturais
cientes que o seu lugar na sociedade e o dos e sociais, eles são atores da vida local. Aque-
agentes sociais é o de buscar um conjunto de les que têm um estatuto associativo, contrari-
soluções provenientes de uma observação e amente aos grandes museus institucionais,
de uma escuta das comunidades do entorno. têm conselhos de administração, com mem-
bros voluntários ativos, que devem ter em
Os Museus Locais conta seus contextos cultural, social, econô-
mico, e são estreitamente ligados ao seu ter-
Falarei aqui de museus locais em geral, ritório.
aqueles que são de uma maneira ou de outra
vinculados a um território, vila, pequena re- Eles têm então naturalmente a tendência
gião, cidade, bairro, sítio industrial, parque de buscar uma nova via: sob sua pressão, o
natural, e não exclusivamente de museus movimento mundial chamado Nova Museo-
atrelados ao que se entende de “nova logia, que teve início por alguns “grandes”
museologia”. Com efeito, esta tendência mu- museólogos nos anos 1970, é progressiva-
seológica já está contemplada em seus textos mente dotado de uma concepção mais soci-
fundadores e em suas práticas cotidianas, e al e política de museu: é o museu comunitá-
são referências fortes para as comunidades, rio, o ecomuseu, ou ainda o museu de terri-
ao desenvolvimento global e sustentável. tório, que se vê um agente e um ator
Mas esses ecomuseus, museus comunitários, patrimonial e cultural do micro-desenvolvi-
ou outros são ainda uma minoria, mesmo mento dos territórios. Mesmo que se trate de
que nos últimos trinta anos têm–se multipli- um movimento mundial, divulgado agora
cado em quase todos os países do mundo os em todos os continentes, cada unidade local
museus de iniciativa local, sob estatutos mui- é original, pode-se dizer única, pois ela deve
to variados. Para se desenvolver, eles são – se adaptar à interação complexa dos fatores
ou deveriam ser – um interlocutor institucio- e dos múltiplos parceiros, segundo as confi-
nal natural à dimensão do território, uma gurações cada vez mais diferentes, e mesmo
ferramenta cultural para a valorização do evolutivas, para se adaptar às mudanças
capital patrimonial deste território. endógenas e exógenas.

Esses museus são geralmente pequenos, Esses museus demonstraram e demons-


têm poucos meios e pouco pessoal perma- tram cotidianamente a sua utilidade para o
16 HUGUES DE VARINE-BOHAN

desenvolvimento local, propondo estruturas, tomam o essencial da tradição


técnicas e métodos para a exploração dos “ecomuseal” sem nem sempre respei-
três recursos principais do território: o capi- tar a lógica de processo e a relação
tal cultural, constituído pelo patrimônio cul- fundadora com a comunidade.
tural e natural, na sua concepção global e na
sua relação permanente com as culturas vi- - Os museus que não buscam (ou não
vas dos habitantes; o capital social, que se ainda) sua afiliação a uma rede
enraíza no cenário do patrimônio e da cultu- estruturada e a um corpo de doutrina
ra partilhada, mas de onde se retira os ele- mais ou menos obrigatório. Esses mu-
mentos de identidade, de responsabilidade, seus têm seu próprio caminho e são
de cooperação, de trocas, de confiança; en- fortemente identificados à pessoa ou
fim, o patrimônio econômico, na medida ao grupo que os fundou. Encontram-
onde o patrimônio é ao mesmo tempo fonte se em numerosos países e têm muitas
de produções e transformações endógenas, vezes dificuldades, dadas ao seu não
um meio de difusão e uma atração para a conformismo em relação às normas
indústria do turismo exógeno. oficiais ou ao seu isolamento. Encon-
tra-se no Brasil (Santa Cruz), na Índia
Acredito poder distinguir várias tendênci- (Chaul-Revdanda), na África (o mu-
as fortes neste mosaico de pequenos museus seu-banco cultural de Fombori, no
locais: Mali), no Canadá (certos museus
oriundos das comunidades autócto-
- os museus que qualificarei de ideoló- nes, elas mesmas sem intervenção di-
gicos, sem que este termo seja levado reta de conselheiros externos).
no sentido pejorativo e crítico. São
iniciativas que seguem uma doutrina - Como a maior parte dos museus aci-
mais ou menos formalizada, como os ma descritos, se não todos, acham-se
museus comunitários mexicanos. Eles no meio rural, é preciso dar um lugar
buscam geralmente se dar definições à parte aos museus ou ecomuseus ur-
comuns, a oferecer uma formação banos que representam o movimento
profissional a seus assalariados ou a da Nova Museologia em face dos anti-
seus voluntários, a se agrupar em uma gos “museus de cidade”, em que eles
rede. É também o caso na França, para se vêem estreitamente associados à ci-
os ecomuseus e “museus de socieda- dade atual e a sua evolução
de” que formaram uma federação na- (ecomuseu do Fier Monde, em Mon-
cional, ou em Portugal, onde a Nova treal, ecomuseu do Val de Bièvre, pró-
Museologia é dotada há vinte anos de ximo à Paris). Esses museus buscam
uma dimensão social e de uma disci- soluções originais à necessidade de
plina universitária particular, a Socio- construir os pontos entre os responsá-
museologia. veis pelo urbanismo que conduzem as
mudanças da forma da cidade e do
- as redes de ecomuseus sustentadas e lugar da vida dos habitantes, e esses
por vezes mesmo iniciadas pelas ad- mesmos habitantes, para lhe permitir
ministrações nacionais ou regionais compreender essas mudanças e talvez
(China, Itália). São iniciativas políticas, mesmos de acompanhá-las. A experi-
fortemente ligadas a objetivos de de- ência, ainda não transformada em
senvolvimento turístico e a dispositi- museu, da Expedição São Paulo 2004,
vos de financiamento público, que re- foi um modelo metodológico, como
MUSEUS E DESENVOLVIMENTO SOCIAL – UM BALANÇO CRÍTICO 17

foi em seu tempo (anos 1960) o recuos, porque ele vive. É isto que o distin-
Neigborhood Museum d’Anacostia gue do museu de coleção, inserido em um
(Washington). edifício mais ou menos solene, que é para a
cultura viva, aquilo que a produção fora do
Enfim, é preciso não esquecer das iniciati- solo de morangos e champignons é para a
vas que não levam o nome de museu, mas agricultura de campo.
que salientam claramente o mesmo processo
e que por vezes superam a criação de mu- Para ir ainda mais longe na análise, nós
seus ou de exposições e que fazem parte de podemos sem dúvida considerar que esses
um dispositivo mais amplo. Penso aqui no museus são projetos claramente políticos, ao
Projeto Identidade da Quarta Colônia (Bra- menos que eles se vinculem a planos e a pro-
sil, RS), no programa de desenvolvimento do gramas de desenvolvimento relativos a três
Maestrazgo (Espanha, Aragão, Província de dimensões: cultural, social e econômica. Na
Teruel), aos múltiplos “Parish Maps” britâni- melhor das hipóteses, esse caráter político é
cos, aos “Mappe di Comunità” italianos, aos reconhecido e aceito pelos poderes locais
inventários participativos e aos Departamen- ou regionais. Algumas vezes, o museu é re-
tos de Memória de tantas cidades brasileiras conhecido por esses poderes como uma ma-
(Porto Alegre ou Viamão, RS), ou Gênova, nifestação de reivindicação identitária ou da
Itália. inclusão do cultural no desenvolvimento
que é seguidamente considerado apenas
O que nós podemos tirar de comum, a econômico. É o caso, em particular dos terri-
partir desses casos múltiplos e diversos? Dis- tórios onde os responsáveis políticos, obce-
semos primeiro que as dimensões “territó- cados pela indústria turística, só procuram o
rio” e “comunidade” são solidariamente es- patrimônio e os museus como uma atração
senciais, por sua vez como fonte de materi- turística.
ais colocados em cena pelo museu (o patri-
mônio no sentido mais amplo do termo que As instâncias de desenvolvimento social
substitui aqui a noção restritiva de coleção),
como quadro físico e humano da atividade O museu, quer seja grande e generalista,
produzida, quer seja endógena ou exógena, ou local com vocação territorial e comunitá-
enfim como destinatários desta atividade no ria, não pode agir só em relação ao desen-
econômico e no social, que deve se exercer volvimento e à sociedade de seu entorno.
a proveito do desenvolvimento. Ele não pode viver em simbiose, ou como se
diz hoje em dia, em rede, com o conjunto
Em seguida, notamos o caráter original e das outras instituições e estruturas, públicas e
único de cada iniciativa, que não pode se privadas, que constroem em conjunto o de-
moldar num regulamento administrativo ou senvolvimento, mas que seguidamente es-
numa definição muito estrita. Mesmo lá quecem o museu, cuja imagem fica, para
onde existem as redes estruturadas, negocia- muitos, como aquela de uma casa fechada
se com as individualidades reivindicadas. sobre suas coleções e falando em uma lin-
guagem codificada.
Depois, lembramos o princípio de proces-
so “open-ended”, que não tem lugar nos ca- Face à nova dinâmica demonstrada pelo
lendários fixados pelos políticos ou pelos museu, é necessário que exista e se manifeste
técnicos: um tal museu não se inaugura, ele abertamente o reconhecimento, da parte de
se constrói por uma sucessão de etapas, de todo o tecido social envolvente, do patrimô-
eventos, de momentos, de progressos e de nio cultural e natural como recurso do terri-
18 HUGUES DE VARINE-BOHAN

tório e do museu como instrumento central mum, de trocas. Saber que o museu pode e
de valorização deste patrimônio. Porque este quer colaborar com o desenvolvimento social
recurso pode servir de material tanto à edu- faz germinar idéias e projetos novos da parte
cação escolar como à educação popular, à dos atores sociais e culturais do território. Esta
constituição da imagem e da identidade da abertura possibilita ao museu que ele encon-
comunidade, ao encorajamento à tre possibilidades de contato com os meios e
criatividade individual, aos lazeres coletivos, as problemáticas que não lhes são familiares;
ao acolhimento de visitantes, ao reforço das ele pode pedir aos atores sociais, profissionais
ligações com os emigrantes e à inserção dos ou militantes, para lhe ajudar a melhor adap-
imigrados etc. tar a linguagem e suas ações de cultura em
relação às expectativas da população que não
Uma vez este reconhecimento adquirido, faz parte de seus públicos habituais.
uma cooperação deve se estabelecer, seja
por convenções formais (como aquela que É necessário sublinhar a importância que
foi assinada em Lyon entre as instituições esta colaboração entre o museu e seus agen-
culturais, incluindo os museus, e as estrutu- tes e atores sociais pode ter a função de medi-
ras de regeneração urbana), seja pelas rela- ação que todo museu, atualmente, deve ou
ções sobretudo informais entre os profissio- deveria assegurar. Entendemos por mediação,
nais do social e do museu, como o MINOM a partir de relações aos conceitos tradicionais
português deu exemplo associando de visita guiada e trabalho educativo no mu-
museólogos e professores do primário e se- seu: ela é a iniciativa que consiste em estabe-
cundário na reflexão contínua, há mais de lecer e facilitar um diálogo sensível entre, de
quinze anos, sobre função social do museu. uma parte, uma pessoa ou um grupo que visi-
Esta cooperação tinha sido integrada nos es- ta o museu ou participa de uma de suas ativi-
tatutos do ecomuseu da comunidade urbana dades e, de outra parte, um objeto, uma paisa-
Le Creusot-Montceau desde 1974, que fize- gem ou um bem imaterial, ou seja, a cultura
ram de 250 associações, grupos e instituições viva e os saberes de um e os conteúdos cultu-
educativas do território a base de um “comi- rais e científicos do outro. Levar em conside-
tê de usuários”, que tinha o papel de definir e ração a questão social nas missões do museu
avaliar os programas de ação do museu. Este é assegurar que a diversidade das populações
mesmo ecomuseu, mais recentemente, res- e das culturas, das linguagens, das gerações,
pondeu à demanda de centros vizinhos de das origens, das crenças, das experiências
tratamento de Alzheimer visando fornecer- profissionais enriquecerão a museologia e a
lhes objetos usuais do passado, suscetíveis museografia estabelecidas. É uma nova forma
das lembranças dos doentes. de comunicação com o patrimônio, respeito-
so com o visitante, como ocorre na nova
O museu, dessa forma, fica não somente a museologia. Ela é responsável pelo nascimen-
serviço do capital cultural da comunidade, to de uma nova profissão, que se abre tanto
mas também de seu capital social: ele aporta aos funcionários assalariados dos museus
suas coleções e suas técnicas de expressão, quanto aos voluntários. E a mediação será
suas redes de relações, seus saberes, seus pró- mais efetiva, os mediadores serão mais efici-
prios locais; e ele recebe igualmente de sua entes, quando estes estabelecerem contato di-
comunidade colaborações, informações so- reto com o seu meio, tanto em sua vida coti-
bre os projetos que estão em desenvolvimen- diana e nas suas relações de trabalho.
to, lições e críticas, um conhecimento refina-
do das necessidades e demandas da popula- Isto me leva a sugerir que os responsáveis
ção. É um lugar de encontro, de trabalho co- dos museus e em geral do patrimônio acres-
MUSEUS E DESENVOLVIMENTO SOCIAL – UM BALANÇO CRÍTICO 19

centaram um termo ao conceito de “projeto os seus territórios, mas também em seus en-
científico e cultural” que define (ou deveria contros profissionais, reflitam sobre o que
definir) os objetivos e as missões de suas insti- eles podem aportar às agendas 21 que lhes
tuições, aquele do “social”, que significaria pu- concernem, que eles levem esta reflexão,
blicamente a vontade do museu de cumprir tanto quanto possível, com seus colegas do
suas obrigações junto à sociedade local, no setor cultural, social e econômico. Será um
senso largo, na linha direta do “museu integral” pretexto perfeito para mostrar concretamen-
definida pelo Seminário de Santiago, com a te o papel do museu na mudança e no de-
mesma igualdade de outros termos do projeto. senvolvimento social.

As mudanças que se impõem em todas as


nossas sociedades, sobre o plano tanto cultu- BIBLIOGRAFIA
ral como social e econômico, exige a
mobilização de todas as instituições que de- Abaixo se encontrará não uma bibliografia
têm e geram uma parte do capital de nossos exaustiva sobre o tema, mas uma lista de
territórios e de nossas comunidades, quer obras que podem ilustrar este artigo.
seja de natureza cultural, social ou econômi-
ca. Isto significa que o museu tem o seu pa- Bedekar (Prof. V.H.), New Museology for
pel específico a desempenhar no acompa- India, National Museum, New Delhi, 1995,
nhamento das mudanças e que ele deve sem 181 p.
cessar se re (inventar).
Bevort (Antoine) e Lallement (Michel) (dir.),
A nova museologia incluiu e transformou Le capital social, Performance, équité et
em profundidade a instituição museológica réciprocité, La Découverte – Mauss, Paris,
para ligá-la ao território, à comunidade, ao 2006, 320 p.
patrimônio e em geral à vida cotidiana. Resta,
sem dúvida, um passo a dar, para que o museu Bruno (Cristina), Chagas (Mário), Moutinho
venha a ser um dos instrumentos das “agen- (Mário) (ed.), Sociomuseology, Edições uni-
das 21 locais”. Esta sugestão foi extraída da versitárias Lusófonas, Lisbonne, 2007, 220 p.
Conferência da Terra - Rio 92. É curioso cons-
tatar que os primeiros ecomuseus surgiram Communication and Exploration, Papers
por causa da primeira Conferência da Terra of the International Ecomuseum Conferen-
de 1972, realizada em Estocolmo, e que o pri- ce, Guiyang (China), 2005, Trentino Cultura,
meiro fórum mundial de ecomuseus foi uma Trento (Italie)
das manifestações organizadas pelo Brasil no
quadro da Conferência do Rio. Coincidência? Davis (Peter), Ecomuseums, a sense of
Por ter a meta de promover um desenvolvi- place, Leicester University Press, 1999, 271 p.
mento sustentável, as agendas 21 devem, em
cada território, se ancorar no terreno do patri- Desvallées (André), éd., Vagues, Une
mônio e se exprimir na linguagem da cultura anthologie de la nouvelle muséologie,
viva das comunidades: o museu pode ser a Editions W, collection museologia, diffusion
ponte oferecida à nossa geração para passar Presses Universitaires de Lyon, Tomes 1 et 2,
do passado ao futuro na continuidade e no 1992 et 1994, 530 et 574 p.
respeito da ecologia humana e ambiental.
Educação e Património histórico-cultu-
Proponho, em conclusão, que os profissi- ral (número especial), Ciências e Letras,
onais de museu, em suas instituições e sobre FAPA n°27, 2000, 348 p., Porto Alegre (Brasil)
20 HUGUES DE VARINE-BOHAN

Freire (Paulo), Educação como Prática da Patrimônio e Educação (número especial),


Liberdade, Rio de Janeiro 1967, tradução Ciências e Letras, FAPA n°31, Porto Alegre
francesa (Brasil), 2002, 383 p

Freire (Paulo), Ação Cultural para a Liber- Textos de Museologia, Jornadas sobre a
dade e outros escritos, Paz e Terra, 1987, Função Social do Museu, Cadernos do
149 p. MINOM Portugal, n°1, 1999,99p.

Gjestrum (J.A.) & Maure (M.), éd., Økomu- Togni (Roberto), Per una museologia delle
seumsboka - identitet, økologi, culture locali, Universitá degli Studi di
deltakelse, Icom Norwegian committee, Trento, 1988
Tromsø, 1988, 191 p.
Transmission, Trans-missions –
Maggi (Maurizio), Gli Ecomusei, Umberto Ecomusées et Musées de société entre
Allemandi, Torino, 2000, 124 p. rupture et continuité, actes des 3°
rencontres professionnelles de la FEMS,
Maggi (Maurizio), Ecomusei, Guida Europea, 2006, 120 p.
Umberto Allemandi, Torino, 2002, 238 p.
Varine (Hugues de), L’Initiative Commu-
Museet som makt och Motstånd, Festskrift nautaire, collection museologia, Mâcon,
till Erik Hofrén, Norrkôping,1996, 207 p. MNES & W, 1992 (diffusion Presses
Universitaires de Lyon)
Museologia social (obra coletiva), Unidade
Editorial, 2000, 136 p., Porto Alegre (Brasil) Varine (Hugues de), Les racines du futur –
Développement local et patrimoine ,
Papers in Museology 1, Almqvist & Wiksell Asdic, 2002 (diffusion Editions du Papyrus)
IntI, Stockholm, 1992, 202 p. (Report from
two symposia at the Department of
Museology, Umeå University: What is Nota
Museology ? & Local and Global) 1
Este texto não comporta referências a obras em
particular. Ele é resultado da experiência pes-
Parreiras Horta (Ma de L.) et al., Guia Básico soal do autor adquirida durante os últimos cin-
qüenta anos. Entretanto, a resumida lista biblio-
de Educação Patrimonial, Museu Imperial gráfica no final do artigo, visa fornecer pistas de
e IPHAN, 1999, 65 p. pesquisa e de reflexão.
ARTIGO
2
Mudança Social e Desenvolvimento no
Pensamento da Museóloga Waldisa
Rússio Camargo Guarnieri:
Textos e Contextos

n MARIA CRISTINA OLIVEIRA BRUNO

A
ANDREA MATOS DA FONSECA
KÁTIA REGINA FELIPINI NEVES

“(...) temos que colocar um primeiro dado também


da realidade, do momento que a gente está
vivendo dentro da ciência museológica ou da
prática museológica. Há, na realidade, uma
museologia existente, real, que está aí fora, e há
uma museologia postulada, sonhada, desejada.”1

APRESENTAÇÃO

E
Este artigo, elaborado a seis mãos que refletem diferentes gerações do cenário
museológico paulista, apresenta a trajetória intelectual de Waldisa Rússio
Camargo Guarnieri, a partir de seu envolvimento com os problemas que entrela-
çam os museus, com a área de conhecimento Museologia e com o exercício de
cidadania. Trata-se de um ensaio, de uma busca de razões e de influências, de
uma tentativa de delimitação e que, ancorado em seus próprios textos, procurou-
se apontar a sua compreensão sobre os múltiplos contextos em que atuou com
singular protagonismo, deixando uma herança extremamente importante para
um novo pensar museológico e, ao mesmo tempo, desafios para aqueles que a
ouviram repetir que o museólogo é, antes de tudo, um trabalhador social.
22 MARIA CRISTINA O. BRUNO; ANDREA M. DA FONSECA; KÁTIA R. FELIPINI NEVES

As análises aqui apresentadas estão - como a construção do quadro


inseridas em um contexto programático de referencial da disciplina Museologia
pesquisa – “Sistema de Gerenciamento de se organiza em sua dimensão teórica e
Referências Patrimoniais da Museologia aplicada;
Paulista - SIG.RP-MUSP “, iniciado desde
2005, orientado para as perspectivas de cons- - como o pensamento museológico
trução, estudo, preservação e socialização paulista reflete a realidade histórico-
da memória sobre a ação museológica patrimonial do Estado e
implementada por profissionais do Estado
de São Paulo que, embora silenciadas no ce- - como a produção museológica
nário da Museologia brasileira, se fazem no- paulista contextualiza o pensamento
tar desde o início do século XX, a partir da acadêmico e as ações associativas.
produção acadêmica, dos vetores de ensino
especializado e da atuação junto às institui- Pretende-se que, a partir do processo in-
ções museológicas e associativas. vestigativo acima mencionado e da identifi-
cação das quatro questões elencadas, os estu-
O conjunto dessas pesquisas tem a inten- dos inseridos neste programa de pesquisa
ção de identificar e sistematizar as fontes do- desvelem as interlocuções entre os processos
cumentais e orais relativas às matrizes deste de desenvolvimento sócio-econômico-cul-
pensamento, com vistas a responder a ques- tural e os procedimentos preservacionistas e
tões sobre o perfil desta regionalidade, como a respectiva função dos campos de ação
também, pretende entender as característi- museológica neste contexto. É propósito,
cas e o alcance da diáspora destas idéias e também, desvendar as influências recebidas
das ações museológicas paulistas. Desta for- e projetadas neste contexto de ação museo-
ma, esses estudos, com distintas característi- lógica.
cas, estão organizados em torno da hipótese
de que há um pensamento museológico O artigo ora apresentado foi elaborado
paulista, que tem sido desenvolvido ao lon- como um ensaio, parte desse programa e
go das últimas décadas e tem contribuído está orientado especificamente para os estu-
para a consolidação de processos de forma- dos sobre o pensamento e a ação institucio-
ção profissional e institucionalização dos nal de Waldisa Rússio Camargo Guarnieri
processos museológicos e, ainda, tem influ- (1935 – 1990), considerando a relevância da
enciado a constituição do cenário – nacio- sua produção acadêmica, do seu papel no
nal e internacional – da Museologia como ensino e de sua atuação profissional junto aos
campo de conhecimento. museus paulistas e suas respectivas projeções
em cenários mais amplos, mas, sobretudo,
Trata-se de programa de pesquisa compro- este artigo busca desvelar o seu pioneirismo
metido com estudos sobre mentalidades, a par- ao vincular os museus aos movimentos soci-
tir do cotejamento entre a trajetória biográfica ais, ao articular estas instituições com as estru-
e a produção profissional, com vistas à identifi- turas de poder político e econômico, ao pro-
cação do tratamento de quatro questões: por conceitos museológicos não circunscritos
aos acervos e coleções e, em especial, ao con-
- como as delimitações do campo de tribuir com a organização epistemológica da
ação museológica se estruturam a par- disciplina aplicada Museologia.
tir da elaboração das noções de fenô-
meno, processo e sistema museológi- Deve ser ressaltado que o programa de
cos; pesquisas SIG.RP.MUSP, anteriormente indi-
MUDANÇA SOCIAL E DESENVOLVIMENTO NO PENSAMENTO DA MUSEÓLOGA ... 23

cado, é constituído por um conjunto de estu- Neste artigo, a intenção é recuperar de al-
dos monográficos e/ou biográficos, com o guns dos textos elaborados por Waldisa as
propósito de dar seqüência à organização e marcas que registram as suas idéias em torno
divulgação desse pensamento e das ações da problemática museológica, sinalizam
museológicas desenvolvidas no Estado de para a sua sensibilidade em relação à per-
São Paulo. Cabe registrar, ainda, que este cepção sobre os diferentes contextos em que
programa de estudos sobre mentalidades atuou e, ainda, apontam para caminhos iné-
está delimitado em análises sobre a ação ditos para a sua época que a colocam como
museológica a partir da segunda metade do uma das precursoras, no Brasil, dos postula-
século vinte, considerando, entretanto, a in- dos da Sociomuseologia. Os textos de
fluência fundante e a herança intelectual do Waldisa, relativos a trabalhos acadêmicos
pensamento e das ações de Affonso de (dissertação e tese), a artigos publicados em
Taunay junto ao Museu Paulista e de Mário periódicos, a conferências apresentadas em
de Andrade junto ao Departamento de Cul- eventos científico-culturais são sempre
tura da Cidade de São Paulo, uma vez que argumentativos e permeados por expressões
ambos desenvolveram relevantes trabalhos de convicção inerentes à realidade sócio-
nas primeiras décadas do século passado, le- cultural. O seu estilo, tanto na escrita quanto
gando importante patrimônio de idéias e re- na fala – revela um olhar sensível voltado às
alizações, que contribuíram com a delimita- reciprocidades entre as elites e os marginais,
ção de uma ação museológica regional e entre o poder e os despossuídos e entre a
delinearam as características patrimoniais a necessidade de estabelecer museus compro-
serem ressignificadas por ações museológi- metidos com as mudanças sociais e as críti-
cas nas décadas posteriores. cas contundentes aos museus que abandona-
ram a noção de processo. A sua biografia é
A segunda metade do século passado, permeada por ações militantes a favor das
foco central do mencionado programa de liberdades democráticas e da igualdade soci-
pesquisa, registrou iniciativas direcionadas à al e econômica.
formação especializada, à implantação de
processos museológicos sistêmicos e à ex-
pressiva produção acadêmica, consolidando 1) OS PRIMEIROS PERCURSOS: O ENCONTRO
os campos de ação museológica nesse Esta- COM OS CONTEXTOS MUSEOLÓGICOS
do. A partir das realizações de Vinícius Stein
Campos, desenvolvidas ao longo da década A construção da memória da Museologia
de cinqüenta e ligadas ao governo do Esta- é uma tarefa que não pode ser realizada,
do, teve início uma trajetória de profissiona- muitas vezes, sem o estudo biográfico e a
lização que pode ser identificada em distin- análise da produção de seus principais pro-
tos vetores de análise e, neste contexto, a tagonistas. E não seria diferente em relação à
museóloga Waldisa Rússio Camargo Museologia paulista, uma vez que São Paulo
Guarnieri, personagem central deste artigo, conta com importantes personagens para a
desempenhou papel referencial, cujo legado historicidade da Museologia brasileira, como
ainda carece de estudo, sistematização e so- Affonso Taunay, Mario de Andrade, Paulo
cialização de suas idéias e realizações. A sua Duarte, Vinicius Stein Campos, Pietro Maria
trajetória, no âmbito desse programa de pes- Bardi, Maurício Segall, Aracy Amaral, Ernani
quisas, está embasando a elaboração de um da Silva Bruno, Walter Zanini, Ulpiano Bezer-
livro específico, que deverá entrelaçar a di- ra de Meneses, entre outros e, sem dúvida ne-
vulgação de textos inéditos com artigos es- nhuma, Waldisa Rússio Camargo Guarnieri,
critos por diferentes especialistas. personagem principal deste artigo.
24 MARIA CRISTINA O. BRUNO; ANDREA M. DA FONSECA; KÁTIA R. FELIPINI NEVES

Nascida em 5 de setembro de 1935, em trativos do Museu de Arte Sacra, do Museu


São Paulo, a produção acadêmica e profissi- da Casa Brasileira e de reorganização da Pi-
onal de Waldisa Rússio – sua identidade pro- nacoteca do Estado, todos localizados na ci-
fissional – encontra-se bastante relacionada dade de São Paulo. Como desdobramento
com as questões sociais, políticas e culturais desse trabalho, no início da década de 1970,
que permearam as décadas de sua existên- torna-se responsável pela estruturação e im-
cia, até a sua morte prematura em junho de plantação do Museu da Casa Brasileira, assu-
1990. Suas primeiras publicações coincidem mindo a sua direção entre os anos de 1970 e
com sua juventude e datam de 1943 e têm 1975. Ainda nessa década, coordena o Gru-
um caráter literário, incluindo crítica e fic- po Técnico de Museus da Secretaria de Esta-
ção em jornais secundaristas e universitários, do da Cultura, para o qual realiza um inven-
além de revistas especializadas. tário sobre a situação dos museus do Estado,
com vistas à readequação da política cultu-
No ano de 1957, torna-se funcionária pú- ral e museológica paulista. A partir desse
blica estadual, exercendo inicialmente fun- momento, passa a dedicar expressiva aten-
ções de Técnica de Documentação, Secretá- ção para os problemas que envolviam os
ria do Diretor do Departamento da Receita museus e identifica a carência de
da Secretaria da Fazenda do Estado e, poste- capacitação profissional, mas, ao mesmo
riormente, Assistente Técnica. A sua carreira tempo, descobre a potencialidade destas ins-
como funcionária pública do Estado prosse- tituições para o tratamento da herança cul-
gue e, mediante diferentes concursos, entre tural e o respectivo papel político que pode-
as décadas de 1960 e 1990, alcança outros riam desempenhar.
patamares e responsabilidades, junto à Se-
cretaria da Cultura e Secretaria de Ciência e Nesse período, simultaneamente com os
Tecnologia. Liderou mudanças administrati- trabalhos relativos à reforma administrativa
vas, coordenou grupos de trabalho e implan- do Estado de São Paulo, Waldisa dá início
tou programas culturais. A sua projeção pro- aos estudos de pós-graduação em Ciências
fissional alcançou, ainda, a elaboração de Sociais, na Escola Pós-Graduada da Funda-
diversos projetos museológicos como, por ção Escola de Sociologia e Política de São
exemplo, o projeto para a Casa-Museu Paulo/FESP-SP, concentranto as suas pesqui-
dedicada a Guilherme de Almeida, em São sas nas reciprocidades entre a história políti-
Paulo, e a proposta da Estação Ciência, tam- co-administrativa do Estado de São Paulo e
bém em São Paulo, a convite do CNPq. a criação e desenvolvimento dos museus, re-
fletindo o perfil que sempre marcou a FESP/
Em 1959, gradua-se na Faculdade de Direi- SP, desde o seu surgimento nos anos da déca-
to da Universidade de São Paulo. Em parale- da de 1930, no que tange aos compromissos
lo, também leciona português, história do com as análises e proposições relativas ao
Brasil, francês e profere palestras. Nesse ano, quadro sócio-histórico circundante. É possí-
ela também passa a exercer a advocacia com vel considerar que se delineou, em torno de
escritório próprio, voltando, posteriormente, suas pesquisas, um cenário muito estimulan-
a exercer funções em órgãos públicos. te para a elaboração de sua dissertação de
mestrado. Por um lado, os conteúdos trata-
A sua inserção na área museológica dá-se dos na Escola Pós-Graduada sempre tiveram
no final dos anos de 1960, quando participa o compromisso com pressupostos socialistas
do Grupo Executivo da Reforma Administra- e, por outro, a oportunidade de conhecer a
tiva do Estado de São Paulo – GERA, como fundo a realidade das estruturas do Estado,
responsável pelos projetos técnico-adminis- permitiram a elaboração de um trabalho
MUDANÇA SOCIAL E DESENVOLVIMENTO NO PENSAMENTO DA MUSEÓLOGA ... 25

acadêmico comprometido com a mudança mais que meros ‘complementos’ da edu-


e com a transformação da realidade. É nesse cação formal (...).”4
momento que Waldisa dá início aos seus per-
cursos pelas rotas delineadas pela Museolo- Em sua dissertação, Waldisa Rússio faz um
gia e marcadas pela realidade dos museus. recorte da história dos museus, aborda o his-
Esses percursos são realizados, cabe registrar, tórico dessas instituições no Brasil e escolhe
a partir de olhares e percepções construídos os museus do Estado de São Paulo como
com referenciais teórico-metodológicos amostragem para seu estudo, evidenciando
provenientes das Ciências Sociais. uma singular capacidade para análise de
contextos conjunturais. Para estes últimos,
Já em 1977, é convidada pela então presi- apresenta avaliações de sua situação geral,
dente do Comitê Brasileiro do ICOM, um estudo contextual e, também, uma análi-
Fernanda de Camargo-Moro, a ingressar nes- se do conceito sociológico de burocracia em
te Conselho Internacional de Museus da relação a instituições museológicas. Dados
UNESCO. Além disso, neste mesmo ano de- que a levarão a dissertar a respeito da rela-
fende na Fundação Escola de Sociologia e ção entre os recursos humanos e financeiros
Política de São Paulo a primeira dissertação no museu, sua não profissionalização, o seu
de mestrado que aborda a Museologia no elitismo e a necessidade de sua inserção nos
Brasil, denominada “Museus: um aspecto das processos sociais, desenvolvendo, assim, a
organizações culturais num país em desen- idéia de inclusão, especialmente, do público
volvimento”. Neste contexto, esse trabalho é infantil em museus. Esse trabalho é, portanto,
pioneiro nos cenários acadêmicos e, ao mes- um divisor de águas nas ondas que têm per-
mo tempo, reflete a sua percepção mitido a emergência de uma Museologia
vanguardista ao nomear os museus como paulista, pois a partir dele, fica evidente a
agentes de desenvolvimento. necessidade de compreender o museu como
um fenômeno social inserido em contextos
“O museu deve ser compreendido como mais amplos.
um processo em si mesmo, como uma re-
alidade dinâmica. (...) O museu não exis- “Lembraríamos ainda, muito modesta-
te isoladamente, mas dinamicamente, na mente, mas sem falsos constrangimentos,
sociedade.”2 que foi na Escola Posgraduada de Ciênci-
as Sociais, da Fundação Escola de Socio-
“A organização do museu não pode alie- logia Política de São Paulo, que se apre-
nar-se do processo social, como um todo; sentou, pela primeira vez, em nosso país,
é esta atitude esquiva de alheamento uma memória sobre a Museologia (12/10/
que o vem condenando, sistematicamen- 1977; memória apresentada pela atual
te, ao esquecimento.”3 coordenadora dos cursos).”5

“Experiência vital para o homem con- Essa dissertação permitiu, também, a cons-
temporâneo, o museu permanece ina- tatação da profunda carência profissional na
cessível a parcelas significativas da popu- qual os museus do Estado estavam mergu-
lação. lhados e, evidentemente, a necessidade de
Num país como o nosso, em que a pirâ- alterar esta realidade para que os museus
mide demográfica repousa sobre larga pudessem corresponder às expectativas no
base de crianças e jovens, é imperdoável que diz respeito às potencialidades sociais e
que os museus não tenham sido desper- culturais identificadas pelo mesmo trabalho
tados para a necessidade de serem algo acadêmico. Um resultado imediato dessa
26 MARIA CRISTINA O. BRUNO; ANDREA M. DA FONSECA; KÁTIA R. FELIPINI NEVES

constatação está na origem da criação do plando não apenas as direções e chefias,


Curso de Especialização em Museologia na mas lembrando a multiplicidade dos
FESP/SP em parceria com o Museu de Arte tempos sociológicos brasileiros e as pro-
de São Paulo Assis Chateaubriand/MASP, fundas diferenças regionais, para que
uma vez que tanto o Professor Pietro Maria não se perca o patrimônio cultural e a
Bardi, diretor do museu e o Professor Anto- herança do povo brasileiro, onde ape-
nio Rubbo Müller, coordenador da Escola nas for possível a curto e médio prazo
Pós-graduada, presentes na banca de avalia- profissionais de nível médio e, mesmo,
ção da dissertação, ficaram sensibilizados apenas pessoas treinadas ou que te-
pela causa e apoiaram a implantação do nham recebido a “capacitação profissio-
mencionado curso. Esta singular iniciativa nal” supletiva da formação adequada
permitiu à Waldisa a concepção e liderança ideal.”6
de um processo de ensino, de 1978 até a sua
morte, que causou outra ruptura em contex- Assim, o fato de ter escolhido a FESP/SP e
tos mais amplos. Para a realidade museológi- o curso em nível de pós-graduação em Mu-
ca paulista, este curso dá início às possibili- seologia deve-se também a pelo menos, se-
dades de formação especializada para aque- gundo a museóloga, duas razões de fato e
les que se interessavam pelas questões dos uma de fato e de direito:
museus. Entretanto, é possível verificar que
esse programa de ensino causa um profundo “A primeira diz respeito à instituição em
impacto nos circuitos museológicos de ou- que foi instalado o Curso; a segunda (ain-
tras regiões do Brasil, marcando para sempre da de fato), diz respeito ao momento em
o perfil da formação profissional em nosso que surgiu o curso; a terceira (de fato e
país. de direito) tem a ver com novos regula-
mentos expedidos pelo MEC, em
Esta complementaridade de caráter acadê- 1977.”7
mico entre a FESP/SP e o programa da especi-
alização idealizado por Waldisa Rússio foi im- Em relação à instituição, considerava a
portante para a escolha desta instituição para FESP/SP uma instituição pioneira na forma-
abrigar o curso em 1978. Cabe fazer algumas ção de pesquisadores e cientistas sociais, o
considerações referentes à formação profissio- que lhe dava uma reciprocidade com os ide-
nal almejada pela autora e a escolha da FESP/ ais da autora:
SP para instalação do curso de pós-graduação
em Museologia. Embora enfatizasse que o estu- “(...) Convém lembrar que quando sobre-
do da Museologia exigia um trato interdiscipli- veio o decreto-lei de 1946, que reconhe-
nar e lhe parecesse viável que fosse em nível ceu e autorizou o funcionamento da
de pós-graduação, pois os estudantes já possu- FESP/SP, esta já possuía, desde 1941, a Es-
em o domínio de uma disciplina, Waldisa cola Pósgraduada, e, desde 1933, a Escola
Rússio propunha a formação em vários níveis, Livre de Sociologia e Política, posterior-
por acreditar que esta seria uma atitude mais mente transformada em bacharelado
aberta e propícia à realidade brasileira, consi- sob o nome de Escola de Sociologia e
derando a diversidade política, econômica e Política de São Paulo.”8
sociocultural, além da coexistência de tempos
sociológicos diferentes. Além disso, a autora também destaca, em
relação à origem do curso de Museologia na
“Há que se cogitar de uma hierarquia de FESP/SP, a intrínseca relação com a sua pro-
cargos e funções museológicas, contem- posta pedagógica e a metodologia:
MUDANÇA SOCIAL E DESENVOLVIMENTO NO PENSAMENTO DA MUSEÓLOGA ... 27

“O fato de o curso ter surgido junto a Porto Alegre e Curitiba, ou seja, São Pau-
esta Escola beneficiou sua estrutura e lo não teria nenhum centro de formação
forma pedagógica desde o início, pois se- de pessoal para museu.
guiu a trilha da Escola Pósgraduada, esta- Foi nesse momento que surgiu a Resolu-
belecendo não apenas a multiprofissio- ção 14/77 do CFE/MEC. Ela nos proporcio-
nalidade, como essencial ao desenvolvi- nava um duplo e útil instrumento de tra-
mento do programa pedagógico, mas, balho: em primeiro lugar, um artifício le-
também, a interdisciplinaridade como gal, válido, ético e eficaz juridicamente,
método.”9 pelo qual poderíamos, enfim, criar cursos
de especialização que, feitos
Ainda em relação à criação de cursos de seqüencialmente, se somariam, perfa-
Museologia, a autora apresenta a visão do zendo os créditos necessários a um
MEC naquele contexto em relação ao bacha- Mestrado dentro da Escola Pósgraduada
relado e discute a situação dos cursos já exis- de Ciências Sociais.”11
tentes:

“O momento em que surgiu o curso é 2) A difusão de suas idéias: projetos, aulas,


outro dado importante. Em 1977, o MEC conferências e publicações
se manifestava contrariamente à abertu-
ra de outros cursos de Museologia em ní- Em 1980, Waldisa Rússio prossegue sua
vel de bacharelado. O curso da UFBA se trajetória acadêmica e defende seu
encontrava praticamente bloqueado, doutoramento com o título “Um Museu de
sem nenhuma manifestação de protesto, Indústria para a cidade de São Paulo”. Sua
exceto a solitária e solidária atitude do tese caracteriza-se não só como um estudo
Prof. Mário Barata que enviou uma carta acadêmico, mas também como um projeto
ao Reitor daquela instituição, manifestan- museológico para instalação de um Museu
do-se contra o fechamento do curso.”10 de Indústria em São Paulo. As proposições
de Waldisa Rússio fundamentam-se, princi-
Também vale ressaltar, conforme textos de palmente, no caráter processual da institui-
Waldisa Rússio, que São Paulo encontrava-se ção museológica com diferentes sedes, na
fora do eixo de discussão e de criação de consideração do patrimônio material e ima-
centros para formação na área de Museolo- terial deste segmento e na interdisciplinari-
gia, considerando que, em sua dissertação de dade da equipe de trabalho. Além de docu-
mestrado, fica registrado que a realidade mentar e revalorizar o patrimônio industrial,
profissional de São Paulo não tinha sido o museu atuaria, segundo a autora, no esti-
tocada pela formação profissional já existen- mulo à consciência crítica em relação à in-
te no país desde a década dos anos 1930 no dustrialização no Brasil e na valorização do
Rio de Janeiro e o quanto esta questão inter- trabalho como fruto da ação humana. Apon-
feria na qualidade dos trabalhos museológi- ta como elementos estruturadores da tese:
cos existentes na cidade de São Paulo e por
todo o interior do Estado. “Partindo da análise de alguns dos princi-
pais museus genericamente denomina-
“Encontros de cultura, realizado em dos de ciência, indústria e técnica no
Brasília e Salvador, propunham um Siste- mundo, e dos projetos existentes no Bra-
ma Nacional de Museus: este previa al- sil, formula-se a proposta de um Museu
guns Pólos Regionais de Formação, situ- Industrial em São Paulo, com base no
ando-os no Rio de Janeiro, Bahia, Recife, desenvolvimento histórico-social da re-
28 MARIA CRISTINA O. BRUNO; ANDREA M. DA FONSECA; KÁTIA R. FELIPINI NEVES

gião, na realidade brasileira, trazendo no meios para atingí-los, legitimados numa


bojo do projeto algumas constribuições esperança de preser vação das raízes
novas no que diz respeito a: a) apresenta- humanísticas e ecológicas; é tempo de se
ção de tese quanto aos elementos for- documentar a memória de um processo
mais; trata-se de um projeto museológico que se está perdendo mais rapidamente
e seu embasamento científico; b) quanto do que as demais facetas da civilização e
ao museu proposto em si, como museu- da cultura por ele engendrado.”13
processo, na medida em que é de múlti-
pla-sede (novidade no Brasil): núcleo cen- “Os museus são filhos da sociedade que
tral, museus setoriais e museus de fábrica os engendra... e, como todos os filhos,
(este, o ponto nodal do museu-processo; servem para ajudar os “pais” no seu pro-
c) quanto à ética de aquisições: não se cesso de atualização, de reciclagem do
apropriar de objetos pertencentes à his- mundo.”14
tória local ou regional (ética expressa-
mente mencionada e enfatizada); quanto Ainda se referindo ao Museu da Indústria
ao caráter interdisciplinar e recrutamen- proposto nessa tese, a autora informa:
to de pessoal técnico em vários graus de
escolaridade e de “status”; exemplo mais “É um museu dinâmico pelas próprias
típico: monitores-operários (atores); tensões sociais que registra: talvez seja
monitores-alunos do SENAI ou operários dos poucos museus em que não se tenha
aposentados (intérpretes e monitores- a impressão de que a Vida parou. A vida
universitários (monitores stricto sensu); e) e suas angústias; a vida e suas alegrias; a
não se restringe a ser um trabalho aca- vida e suas contradições; a vida pulsan-
dêmico, mas formula uma proposta con- do, latejando como sangue nos corações
creta de museu, exequível e adequado à dos Homens.”15
nossa realidade, exatamente porque
emerge dessa mesma realidade.”12 A práxis museológica proposta por
Waldisa Rússio rompe com uma possível
Esse trabalho que, mais uma vez, abre alas dicotomia entre o homem e o mundo, ou
para o museu ser considerado um fenômeno ainda, com uma separação objetiva entre o
passível de análise acadêmica, avança em homem e sua realidade, tornando-se uma
muitas direções que enraizam, ainda mais, as teoria e uma prática que entendem que o
idéias de Waldisa em uma estratigrafia de homem, o objeto e o cenário desse encontro
ações e idéias que possibilitarão um novo de- são constituídos pelo mesmo estofo social,
senho para o surgimento de uma Nova Muse- histórico e político.
ologia e da Sociomuseologia. Trata-se de uma
tese que inaugura a noção de processo como “(...) Podemos dizer que é através da mu-
método museológico para a implantação de sealização de objetos, cenários e paisa-
museus, surpreende pela ênfase que é dada às gens que constituam sinais, imagens e
idéias de redes e sistemas patrimoniais, confir- símbolos, que o Museu permite ao Ho-
ma a necessidade de uma postura ética frente mem a leitura do Mundo.
às desenfreadas espolições das referências A grande tarefa do museu contemporâ-
culturais e reitera a refinada percepção da neo é, pois, a de permitir esta clara leitu-
autora em relação às potencialidades museo- ra de modo a aguçar e possibilitar a
lógicas para o tratamento da herança emergência (onde ela não existir) de
patrimonial, pois em suas próprias palavras: uma consciência crítica de tal sorte que a

“É tempo de repensar os valores, para


poder projetar novos fins e cogitar novos
MUDANÇA SOCIAL E DESENVOLVIMENTO NO PENSAMENTO DA MUSEÓLOGA ... 29

informação passada pelo museu facilite No processo cultural, a ação de preser-


a ação-transformadora do Homem.”16 var implica em criar uma memória cujo
repertório serve à informação, que por
Verifica-se, assim, uma interface de suas ser conscientizadora precede toda a
visões, explicitadas em seus trabalhos acadê- ação modificadora, geradora de novos
micos, com o contexto político e social de fatos culturais.
uma sociedade brasileira em transição. Neste Este circuito exige, pela sua própria dinâ-
sentido, é possível perceber intercruzamen- mica, a intervenção de agentes culturais
tos de suas propostas com as idéias e ideais extremamente participantes, conscientes
do educador brasileiro Paulo Freire, do urba- e críticos. É aí que se interligam as pala-
nista argentino Jorge Enrique Hardoy, do ani- vras: museologia, museu, museólogo.”17
mador de desenvolvimento comunitário
francês Hughes de Varine-Bohan, por exem- Sendo assim, nas proposições de Waldisa
plo, no que concerne ao reconhecimento da Rússio a Museologia também guarda um es-
relação entre a apropriação de conhecimen- paço de reflexão no qual o ser humano pode
tos e a capacidade de decisão; da permanen- rever-se, ver o outro, o seu tempo e suas res-
te visão crítica como vocação natural do ser ponsabilidades, caracterizando-se também
humano; da necessidade de uma conscienti- como uma especificidade dessa área permi-
zação para que o ser humano renuncie a um tir uma ambivalência dialógica entre o insti-
papel de espectador, rompendo com a aco- tuído e o porvir.
modação diante do mundo e assuma uma
responsabilidade existencial como sujeito na “Essa historicidade do Homem, de que
ação-transformadora diante da vida. ele se faz cada vez mais consciente ao
mesmo tempo em que conhece sua
Ao longo de sua trajetória, mas com maior finitude, leva-o a aspirar a sua transcen-
ênfase no início da década dos anos de 1980, dência; essa transcendência que ele só
evidencia-se uma correlação entre suas prá- irá encontrar no sonho que arquitetou,
ticas profissionais e a busca de explicações e na ciência que produziu, no artefato que
teorizações contextualizadas nas Ciências logrou construir, na compreensão que
Sociais, possibilitando seu aperfeiçoamento, deu aos objetos do mundo ao seu redor,
ao mesmo tempo em que difundia seus co- naturais ou modificados pelo seu traba-
nhecimentos e experiências, através dos cur- lho; este registro e este trabalho que irão
sos e palestras que proferia, e que contem- agasalhar-se nos museus, sob a forma de
plavam temas como educação em museus, objetos e artefatos, marcando a pereni-
formação e capacitação profissional, gestão dade da ação e da inteligência compre-
museológica, a função dos museus na con- ensiva e modificadora do Homem, aquilo
temporaneidade, a questão do museu e turis- que marca a sua transcendência e redi-
mo, entre outros. me a sua finitude.”18

“Uma das mais sérias questões referen- Envolvida pelos desafios de implantar um
tes à preservação e comunicação do pa- curso de especialização que atraia fortes reações
trimônio cultural, pois o trabalho de mu- no cenário acadêmico vinculado à Museologia
seu é de fundamental importância para a no país e de desenvolver um projeto pioneiro
manutenção do trinômio orientador do no que diz respeito ao perfil museológico do
processo cultural: esse trinômio consiste Museu da Indústria em São Paulo, Waldisa passa
em três atividades distintas e interliga- a desempenhar um papel referencial em deba-
das, a saber, preservar, informar e agir. tes públicos, inseridos nos mais variados even-
30 MARIA CRISTINA O. BRUNO; ANDREA M. DA FONSECA; KÁTIA R. FELIPINI NEVES

tos relativos aos processos de redemocratiza- dem manter como quintais do mundo
ção que o Brasil passa a vivenciar no final dos dito ‘subdesenvolvido’, e que são, lamen-
anos da década de setenta. tavelmente, importadores de todo um
lixo cultural distribuído intensamente
Vale lembrar, também, que Waldisa Rússio através de embalagens mais, ou menos,
foi testemunha dos anos de repressão e cen- atraentes pelos veículos de comunicação
sura, além de viver a expectativa pela abertu- de massa, os museus nacionais são
ra política do país. Sua produção, dessa for- uma necessidade e uma urgência. Tes-
ma, também se vê permeada pela inquieta- temunhos de nossa identidade cultural,
ção de ideais de democratização de conhe- repertórios organizados de nossa memó-
cimentos e igualdade social. Para ela, então, ria, os museus nacionais cumprem, ou
a instituição museológica não pode estar se- devem cumprir, cada vez mais, seu desti-
parada da vida e da realidade, devendo tam- no de resistência a uma invasão que
bém engajar-se nesses processos, tendo tenta desde seus inícios, anular as nacio-
como um de seus papéis fundamentais di- nalidades. Não se fala, aqui, de um naci-
fundir conhecimentos e instigar a capacida- onalismo infantil: fala-se de uma naciona-
de de reflexão e questionamento. lidade suficientemente fortalecida para
dialogar com outras, fala-se de uma iden-
“Ora, nós, brasileiros, vivemos ainda a tidade que se afirma através das
tentativa de superação de entraves à alteridades.”20
nossa independência econômica, política,
cultural, a qual necessariamente passa Se no início de suas análises museológi-
pela superação da dominação científica e cas, ainda nos anos da década de sessenta, o
tecnológica. Esta independência está ínti- contexto sociocultural expressava as amar-
ma e essencialmente ligada à comunica- guras de uma convivência com os regimes
ção do conhecimento científico e políticos autoritários e os respectivos refle-
tecnológi-co e da formação de novas, xos nas instituições da cultura e do patrimô-
mais numerosas e mais intensas voca- nio, já a partir do final dos anos de 1980 o
ções na área. Daí o projeto museológico seu olhar vai se dirigir para a importância do
estar vinculado, também, a esse compro- engajamento dos museus e da Museologia
misso, dentro de uma metodologia clara nas frentes que a sociedade civil abria, deli-
de ‘pesquisa/conhecimento/ação’.”19 neando novos contextos socioculturais.

Essa necessidade de relacionar o contexto A historicidade do fenômeno museológi-


museológico ao momento histórico brasilei- co paulista e brasileiro destaca-se ao longo
ro, fundamentando-se continuamente neste dos escritos ou de palestras proferidas por
binômio museu-sociedade, reafirmando a Waldisa Rússio, dos quais podem ser citados,
função política-social da instituição museo- como exemplos, “Existe um passado museo-
lógica também transparece na sua preocupa- lógico brasileiro?” (1979), “Museus de São
ção na escrita de uma memória para a Muse- Paulo” (1980), “O mercado de trabalho do
ologia brasileira e, especialmente, para uma museólogo na área da Museologia” (1982),
Museologia paulista. “Museus Nacionais: O ‘Museu da República’”
(1989). Nesses, ela reitera a necessidade de
“Em países como o nosso e como grande formação profissional em Museologia e da
parte dos latino-americanos, caça de re- capacitação continuada dos profissionais de
serva do capitalismo internacional, e que museus; diagnostica a situação dos museus
forças poderosas e retrógradas preten- brasileiros e procura identificar suas influên-
MUDANÇA SOCIAL E DESENVOLVIMENTO NO PENSAMENTO DA MUSEÓLOGA ... 31

cias e características; denuncia a permanên- essas atividades, destaca-se sua participação


cia de uma elitização tanto do ambiente, no Comitê Internacional de Redação do Di-
quanto da ocupação das funções; além de cionário Internacional de Museologia, ativi-
reconhecer algumas renovações, tendências dade para qual viaja anualmente para a
e seu potencial institucional. Hungria e para Portugal durante os anos de
1983 e 1987. Nesta mesma direção, também é
“São Paulo, apesar de tudo, passa por um importante destacar que o trabalho e as pro-
renascimento na área de museus: discu- postas de Waldisa Rússio têm um caráter
te-se (ao menos, a falta de uma ação efe- instituinte no contexto brasileiro. Desta for-
tiva e mais dinâmica, a discussão existe) ma, a construção de um vocabulário ou de
a dessacralização dos museus, a um léxico que colabore para a melhor com-
am-pliação dos públicos, o ser viço preensão do fenômeno museológico e deli-
educativo e a ação cultural. É ver-dade mite uma área de atuação também é recor-
que a discussão não sensibiliza a todos; rente em seus escritos, como se percebe abai-
não é extensa, embora, em certos seto- xo no uso de termos como: museografia,
res, se faça já em nível profundo. projeto museográfico, curadoria, comunica-
Mas existe, ainda, a proliferação caótica ção museológica, conser vação e ação
e, em vários ní-veis, a institucionalização educativa e cultural.
demagógica e o ranço colonial lutando
contra a especialização e profissionaliza- “No projeto museográfico considerare-
ção. Uma terrível luta en-tre a valorização mos toda a ação prática proposta para
do profissional e o filhotismo, que vê nas viabilizar o projeto museológico em ter-
escolas, na formação específica, o seu mai- mos de curadoria (identificação, docu-
or inimigo. Enfim, há grandes mentação e, obviamente, coleta de acer-
an-tagonismos e grandes contradições na vo e seu acompanhamento), conserva-
paisagem museológica paulista. Mas essa ção (incluindo os aspectos de segurança,
contradição mesma não seria, em si, um si- conservação preventiva e eventual res-
nal de vitalidade, um sintoma de mudança. tauro, abrigo em reservas etc), comuni-
Esperemos que sim. Esperemos que, do cação museológica (exposição, publica-
mero crescimento nu-mérico (expressão, ções de museu) e ação educativa e cul-
talvez, na área cultural, do nosso próprio tural, obviamente uma forma de comu-
caóti-co e desordenado crescimento) nicação museológica que por sua especi-
passemos agora à uma outra fase, mais ficidade e interações com a Educação
feliz porque mais racional; uma fase (não-formal, num sentido mais alto e
em que, nos museus, se verifique o es- mais amplo envolvendo não só Educação
forço construtor a que, até por necessi- continuada mas preparação para a
dade de sobrevivência, está se dirigindo vida) já se constitui em sub-domínio da
o movimento nosso de industrialização, Museografia.”22
mola mestra do desenvolvimento, pro-
cesso gestáltico, distêrnico, globalizante e “Na realidade, a Museologia nasce com a
interativo.”21 Museografia para, aos poucos, vencer a
gradação que separa o “Grapho” do
Ao longo dos anos, também consolida sua “Logos”. Assim, de inicio temos efetiva-
atuação no ICOM, sendo designada a repre- mente a Museografia, mera descrição do
sentar o Brasil em diferentes ocasiões, tanto fato museológico e soma de conhecimen-
como participante de congressos, quanto tos práticos servindo à finalidade de
como ministrante de palestras e cursos. Entre montagem de exposições e apresentação
32 MARIA CRISTINA O. BRUNO; ANDREA M. DA FONSECA; KÁTIA R. FELIPINI NEVES

de objetos. Porém, gradativamente, e a social, o qual tem seu trabalho estritamente


medida em que se desenvolvem os pró- ligado não somente ao cumprimento de
prios museus, a Mu-seografia vai se cons- uma função social, mas de quem trabalha de
tituindo em aspecto de uma ciência em forma consciente com o social, colaborando
constru-ção, a Museologia. E esta se faz, para incutir ações de mudança. Esse traba-
cada vez mais, sistema de conhecimento, lho associativo trouxe outras possibilidades
resultante de observação e experimento de articulação com os ex-alunos, já forma-
com método próprio, partindo para a dos pelo mencionado curso de especializa-
formulação de leis e o reconhecimento ção, com profissionais de outros campos que
do fato museológico, definido em catego- também militavam pelo reconhecimento
rias e hierarquizado.”23 profissional, mas serviu, sobretudo, para di-
fundir em escala nacional que em São Paulo
Além disso, na produção de Waldisa Rússio, criava-se uma diferenciada forma de atuar
estimulada pela dinâmica do ICOFOM/ICOM – em relação aos museus. Esta marca vai
Comitê de Teoria Museológica do Conselho permear o desenho do cenário da Museolo-
Internacional de Museus transparece a tentati- gia paulista a partir dos anos de 1980, com
va de constituir uma epistemologia reflexos até os dias de hoje. Ainda nesse con-
museológica não só fundamentada em texto, liderou a organização de vários en-
parâmetros técnicos, mas em construir uma contros, seminários e viagens culturais que
epistemologia relacionada ao social. se embrenharam na realidade museológica
paulista. A ASSPAM teve, também, participa-
“E me pergunto se a formação dada aos ção decisiva na regulamentação da profissão
museólogos tem sido adequada às necessida- de Museólogo (1984) embora as suas refle-
des não apenas de acompanhar as mudan- xões não foram devidamente consideradas
ças tecnológicas, mas, sobretudo, de viver e na versão final da Lei n.º 7.287, de 18 de de-
compreender os problemas e as questões da zembro de 1984.
nossa sociedade e do nosso tempo? Estamos
formando técnicos ou cientistas e trabalha- “Portanto, é claro que a preservação do
dores sociais? Sei que algumas destas ques- patrimônio cultural é um ato e um fato
tões não se referem ao MinC, mas são funda- político e temos de assumí-lo como tal,
mentais para o aperfeiçoamento dos nossos mesmo nas nossas áreas específicas de
museus.”24 atuação profissional.
No caso do museólogo, trabalhador soci-
Não são parte das preocupações de al, significa não recusar a dimensão e o
Waldisa Rússio somente a formação e a risco político social do seu trabalho.”25
capacitação profissional dos museólogos e
dos profissionais que atuavam em museus, No ano de 1984, organiza o Instituto de
mas ela também sentiu uma inquietação re- Museologia de São Paulo, que tem sua ori-
lativa à necessidade da sua organização gem no Curso de Especialização em Museo-
como categoria profissional. Em 1983, então, logia da Escola Pós-Graduada de Ciências
lidera a organização da Associação Paulista Sociais da Fundação Escola de Sociologia e
de Museólogos – ASSPAM, da qual foi sua Política de São Paulo (FESP/SP), sendo sua
primeira presidente, e da Associação de Tra- primeira diretora. Nesse novo programa de
balhadores de Museus – ATM. ensino, procura vincular a perspectiva de
pesquisa às propostas de formação especi-
Waldisa Rússio enxerga a atuação profissi- alizada. Além disso, também é a primeira la-
onal do museólogo como um trabalhador tino-americana a ministrar aula no Seminá-
MUDANÇA SOCIAL E DESENVOLVIMENTO NO PENSAMENTO DA MUSEÓLOGA ... 33

rio Internacional de Formação de Pessoal, a paço que a recebe e a abriga, no qual


convite do Ecomuseu da Comunidade Urba- convive com os objetos, nem os danifica;
na do Creusot, França, sobre o projeto Museu convive com eles. Depois de tantos anos
da Indústria e de suas propostas de caráter de proibições, de equívocos e de
inclusivo para diferentes públicos, incluindo desinformação, é tempo de os dirigentes
crianças e pessoas com deficiência. e o pessoal de museu passarem a ver na
criança o seu pú-blico de hoje e de ama-
As questões que vão embasar os grandes nhã, o seu agente polarizador de outros
debates museológicos no final da década públi-cos (como a Propaganda já o desco-
dos anos de 1990, relativos às formas como brira, anteriormente). Sobretudo, é pre-
os museus podem enfrentar desafios de in- ciso que os museus repensem a sua fun-
clusão cultural e social, já aparecem muito ção como efetivamente humanizadora,
tempo antes nos textos de Waldisa e, de for- e, dentro dessa função, programem seus
ma reiterada, ela organiza o seu pensamento métodos voltando-se também, e princi-
com vistas a refletir sobre novos métodos de palmente, para as crianças.”27
trabalho.
Nos estudos sobre Waldisa Rússio, perce-
É durante suas palestras e visitas nacionais be-se a interlocução entre a teoria e a prática
e internacionais que Waldisa tem contato museológica e a aguda percepção em rela-
com as múltiplas experiências nos distintos ção ao seu entorno sociocultural. Neste sen-
cenários da Museologia. Assim, ela procura tido, busca organizar saberes não só no cam-
refletir sobre essas possibilidades de atuação po empírico, mas também o enriquecimento
no âmbito brasileiro. Como se evidencia na conceitual e a tentativa de elaboração de al-
análise da Exposição sobre “Tropa, Tropeiros guns princípios que concedam à Museologia
e Tropeirismo”, apresentada no MASP no fi- um aprofundamento e um arcabouço acadê-
nal do ano de 1979, e concebida pela pri- mico28.
meira turma dos alunos do Curso de Especi-
alização em Museologia, que contava em seu “Vinculada à prática museal, a Museolo-
roteiro expositvo com um local específico gia teve seu desenvolvimento científico
para crianças, no qual a terceira idade e ou- retardado pela estreita ligação de sua
tros visitantes participavam das atividades. base institucional, o museu, com o Poder
(Político e Econômico). É com essa subor-
“Nos últimos dois anos, percorri, em estu- dinação nítida que se formam as cole-
dos, alguns países: Inglaterra, Portugal, ções e a ênfase que a elas é dada, en-
França, Itália, Israel, Estados Unidos, Mé- quanto quantidade e valor de raridade,
xico. Fiquei aturdida com o número de antigüidade ou autenticidade. As cole-
crianças – não somente escolares – que ções refletem o poder ou o saber, que é
pude ver nos museus destes países. também uma modalidade do Poder. Sem
Do pequenino Portugal ao novíssimo Is- perderem essa conotação, as contradi-
rael e aos superpoderosos Estados Uni- ções de nossa época possibilitam uma re-
dos, é inacreditável o número de crian- flexão crítica que ultrapassa o Museu
ças que não apenas visitam, mas partici- para preocupar-se com o fato que nele
pam de atividades especiais dos mu- (museu) acontece.
seus.”26 É assim que a Museologia, em suas ori-
gens, uma mera descrição do museu e de
“Liberta, participante e ativa, respeitada, suas coleções, vai se alçar à posição de
a criança passa a amar e respeitar o es- estudo das relações entre o Museu e a
34 MARIA CRISTINA O. BRUNO; ANDREA M. DA FONSECA; KÁTIA R. FELIPINI NEVES

Sociedade e, finalmente (estágio atual), à profunda entre homem e objeto, a qual


Ciência das relações entre o Homem e a primeiro se estabelece somente com os
Realidade, segundo Gregorová; ou, das objetos materiais, agora ampliou-se às
relações entre o Homem e sua Herança criações abstratas, na medida em que se
Cultural, segundo Van Mensch, ou, segun- pode relacioná-las materialmente.”30
do o nosso próprio conceito, a Ciência do
fato museológico, entendido sempre em A museóloga paulista identificará, então,
um processo, e constituído pela relação como objeto de estudo da Museologia o fato
profunda entre o homem, sujeito que museal ou fato museológico. Sendo assim,
conhece, e o objeto, parte da realidade, para ela, então, o conhecimento museológi-
da qual o Homem também participa, co abarca não somente o conhecimento téc-
num cenário institucionalizado, o mu- nico racional e sistemático, ou ainda, o co-
seu.”29 nhecimento teórico das disciplinas que sus-
tentam o caráter interdisciplinar da Museo-
Ainda nesta construção do valor logia. Mas o conhecimento museológico
epistemológico da Museologia, Waldisa também é construído por uma prática na
Rússio, identificará a especificidade desta qual este conjunto de conhecimentos adqui-
área de estudos tanto no seu caráter interdis- re um caráter processual de interdependên-
ciplinar como método de pesquisa e ação, cia, reciprocidade, conexões e coerência.
quanto na reflexão sobre a relação homem/
objeto/sociedade, no qual o objeto museali- “(...) O fato museal é a relação profunda
zado insere-se em uma nova semântica que entre o homem, sujeito conhe-cedor e o
o torna não só compreensível em si e em um objeto, parte da realidade à qual o ho-
contexto, mas com o qual será possível mem igualmente pertence e sobre a qual
releituras do mundo. A Museologia, assim, tem o poder de agir.
inscreve-se entre as ciências humanas e soci- (...) Assim, a Museologia constitui um
ais, já que terá como sujeito e objeto de estu- ramo específico do conhecimento
do a ação humana na sociedade. cientifico (lógico, racional, sistemático)
que não dispensa sua prática, para a
“Como vimos, este processo comporta qual são elaborados técnicas e procedi-
vários níveis: a consciência, a mentos, instrumentos operacionais de
internalização, a concentração, a alimen- trabalho baseados no conhecimento
tação do repertório da memória, ponto cientifico anterior; um conheci-mento
de partida do senso crítico que elabora as cientifico que se renova e rejuvenesce
comparações. Ao mesmo tempo, o ho- com o auxílio da prática e do empírico,
mem em relação com o objeto (parte de compreendidos aqui como a experiência
uma realidade à qual ele também partici- vivida, a atividade consciente que, no
pa e sobre a qual é capaz de interferir) – momento de visão e de re-visão e da
passa de um comportamento passivo, de leitura ou re-leitura do mundo, do real,
simples função, a um comportamento po- do natural, ajuda a construção e o de-
tencialmente ativo e criativo. Ele deve senvolvimento do cultural, do conceitu-
então não somente formular julgamento, al, do histórico.”31
mas transformações. Ele é capaz de com-
preender e de aceitar a novidade, as Já em relação ao caráter interdisciplinar
transformações de uma sociedade em da Museologia, a autora destaca que esta se
contínua evolução e todo o processo ci- constitui por diferentes domínios de conhe-
entífico, histórico e social. Essa relação cimento e seus objetos de estudo, além de
MUDANÇA SOCIAL E DESENVOLVIMENTO NO PENSAMENTO DA MUSEÓLOGA ... 35

disciplinas auxiliares e complementares, os processos, à inclusão sociocultural, ao cará-


quais estão em contínua interação. ter interdisciplinar do conhecimento muse-
ológico e à formação profissional. Além de
“A explicação que os diferentes ‘tipos’ de caracterizar o cerne da ação museológica
conhecimento são colo-cados em dife- como essência da própria ação humana nos
rentes níveis é fundamental para a defi- processos de construção das identidades e
nição do campo de co-nhecimento muse- da memória social, bem como das ações de
ológico (Museologia como ciência) e leva preservação e transformação do patrimônio
a importantes conseqüências no terreno em herança.
do ensino museológico (Museologia en-
quanto conhecimento científico ou disci- “Da mesma forma, podemos dizer que o
plina para ensinar e aprender) e, portan- museu constitui a forma mais artificial de
to, da formação profissional.”32 preservação e construção da memória
social e de sua comunicação. Entretanto,
A análise do conjunto da obra de Waldisa como o cantar da voz humana, pode-rá
Rússio, em grande parte ainda inédita, carac- ele transmitir tal mensagem de vida, co-
teriza o pioneirismo de seu trabalho e a atua- nhecimento e emoção, que nenhum de
lidade de suas idéias e propostas para a Mu- nós virá jamais a se lembrar da sua
seologia na contemporaneidade, no que ‘artificiali-dade’ que, afinal, é a de mais
concerne à inserção da Museologia na pers- um dos inúmeros artefatos do homem.
pectiva das ciências humanas e sociais, além (...) É preciso mudar o mundo. É preciso
de propor a dinamização da instituição mu- respeitar a Vida. É preciso realizar um
seológica, tendo em vista a sua vinculação desenvolvimento que se faça em benefí-
aos processos de desenvolvimento social e cio da maioria dos homens e em benefí-
de conhecimento científico. cio de todos os seres vivos. Se o
Cientificista da Renascença, versátil e
“Por outro lado, essa relação dialógica universal, se preocupava com as dimen-
entre Homem e Objeto (no caso, o Obje- sões do Homem e com o compromisso da
to é o próprio Fenômeno Científico), que Ciência para com o Ho-mem, o Cientista
constitui o cerne do fato e do processo da atualidade, altamente especializado,
museal e museológico, é essencial à pro- mas cônscio de sua responsabilidade hu-
posta da Estação Ciência, concebida mana e social, preocupa-se sim com as
como cenário (no sentido antropológico dimensões do Homem, dimensões que se
do termo) para a plena realização desse estendem para lutar em benefício de to-
diálogo alimentador de memória e das as formas viventes. Esta inquieta-ção
realimentador do processo de criação ci- e esta atitude têm de estar reveladas em
entífica, ambos essenciais para o País. toda a exposição, mas também na ação
(...) Está superada a fase do museu + re- educativa e cultural a ser desenvolvida
flexo da sociedade; inicia-se e impõe-se pela Estação Ciência.”34
a fase do museu-processo e do museu
agente modificador da realidade social.”33 No dia 11 de junho de 1990, após uma via-
gem ao México, morre Waldisa Rússio vítima
Seus estudos e proposições, além de uma de moléstia cardíaca. A sua trajetória profis-
visão precursora, inserem a autora na atuali- sional e acadêmica pode ser balizada, entre
dade de problemáticas e questões que ainda a sua dissertação e a sua tese, pela descober-
rondam o cotidiano das instituições museo- ta da Museologia pelos caminhos das Ciênci-
lógicas, no que diz respeito à revisão dos as Sociais, ao analisar a função dos museus
36 MARIA CRISTINA O. BRUNO; ANDREA M. DA FONSECA; KÁTIA R. FELIPINI NEVES

em uma reforma administrativa do Estado e “O museu tem sempre como sujeito e ob-
ao assumir a função de implantar um museu jeto o homem e seu ambiente, o homem
como assistente técnica na Secretaria de e sua história, o homem e suas idéias e
Cultura, Ciência e Tecnologia em São Paulo. aspirações. Na verdade, o homem e a
Para tanto, procurou os cursos de Museolo- vida são sempre a verdadeira base do
gia da Bahia e do Rio de Janeiro, levantou museu e que faz com que o método a ser
bibliografia, estabeleceu contatos e acabou utilizado em Museologia seja essencial-
criando o Curso de Especialização em Mu- mente interdisciplinar, posto que o estudo
seologia da FESP/SP, influenciando com do homem, da natureza e da vida, de-
suas idéias a formação de dezenas de profis- pende do domínio de conhecimentos ci-
sionais que desempenham diferentes papéis entíficos muito diversos.
na condução da Museologia entre nós. Quando o museu e a Museologia, no sen-
Além disso, o fato de ter se vinculado ao so global do termo, estudam o ambiente,
ICOM possibilitou não somente que conhe- o homem, ou a vida, são obrigados a re-
cesse o pensamento de estudiosos estran- correr às disciplinas que a exagerada es-
geiros, mas também desenvolvesse uma pecialização atual separou por completo.
correspondência profícua, explicitando as A interdisciplinaridade deve ser o méto-
suas idéias para profissionais das mais varia- do de pesquisa e de ação da Museologia
das proveniências. e, portanto, o método de trabalho nos
museus e cursos de formação de
Sintonizada com sua época, a década de museólogos e funcionários de museu.”35
70 e 80 do século XX levantava uma série de
questões sobre a atuação dos museus na so- A sistematização da área disciplinar foi
ciedade. “O museólogo é um trabalhador uma de suas preocupações e, pode-se afir-
social”, dizia Rússio. Incoerente seria con- mar, um de seus legados à Museologia. O ca-
ceber a Museologia como uma disciplina ráter reflexivo de seu trabalho tem continui-
tecnicista, restrita ao tratamento das cole- dade com aqueles que conviveram e parti-
ções museais. A interlocução com outras lharam de seu pensamento. Este se reflete
áreas do conhecimento poderia articular e tanto no âmbito da formação profissional,
orientar as práticas museológicas visando quanto na sistematização do conhecimento
ao desenvolvimento das sociedades. Desta museológico.
forma, sua trajetória esteve intrinsecamente
ligada, de forma pioneira, às preocupações “Quero esclarecer que neste quadro de
de uma Museologia Social. Em outros ter- referência situarei meu trabalho, o qual
mos, dos pressupostos da Sociomuseologia, penso ser mais uma reflexão do que um
que impregnaram a realidade museológica princípio básico: uma reflexão que aten-
paulista. da ao diálogo e à crítica, sem os quais
ficaria fechada em si mesma, sem a pos-
Essa preocupação em definir a Museolo- sibilidade de se estender e se enriquecer,
gia, para além do caráter epistemológico, re- ou, também, fazer sua revisão.”36
verberava em dois aspectos que coaduna-
vam com seu pensamento: a sistematização Waldisa Rússio pautou a sua trajetória
da Museologia e a formação profissional. Era profissional com diferentes formas de
pragmática. Somente formando de maneira engajamento e enxergou nos museus a sin-
crítica os profissionais de museus seria possí- gular potencialidade para a promoção das
vel colocar em prática uma Museologia mudanças sociais. Encarou o ensino como
engajada. uma missão e conseguiu sensibilizar os seus
MUDANÇA SOCIAL E DESENVOLVIMENTO NO PENSAMENTO DA MUSEÓLOGA ... 37

alunos para os desafios relativos a esta poten- de Estudos Brasileiros da Universidade de


cialidade. Os seus textos refletem os contex- São Paulo – IEB/USP.
tos pelos quais a museóloga transitou, mas,
em especial, revelam as suas preocupações _____. Alguns aspectos do patrimônio cultu-
reiteradas com equilíbrio entre preservação ral: o patrimônio industrial. São Paulo. 1983-
patrimonial e desenvolvimento social. 1985. Acervo SIG.RP.MUSP, doação de Maria
Cristina Oliveira Bruno

Bibliografia Consultada: _____. Texto III - Cultura, Patrimônio e Pre-


servação. In: ARANTES, Antonio Augusto
RÚSSIO, Waldisa. Museu: um aspecto (Org.). Estratégias de Construção do Patri-
das organizações culturais num mônio Cultural. São Paulo: Brasiliense,
país em desenvolvimento. São Paulo, Dis- 1984. p.59-78.
sertação ( Mestrado) FESP/SP, 1977.
_____. Exposição: texto museológico e con-
_____. Museologia e Museu, O Estado de texto cultural. São Paulo, 1986. Acervo
São Paulo, São Paulo, 01 de julho 1979, p. 6- SIG.RP.MUSP, doação de Maria Cristina Oli-
7. Suplemento Cultural. Acervo SIG.RP.MUSP, veira Bruno
doação de Maria Cristina Oliveira Bruno
_____. Museu, Museologia, Muse ólogos e
_____. Existe um passado museológico brasi- Formação. Revista de Museologia. Instituto
leiro? O Estado de São Paulo, São Paulo, de Museologia, FESPSP, v.l, n.l, p.7-11, 1989.
29 jul. 1979, p.6-8. Suplemento Cultural.
Acer vo SIG.RP.MUSP, doação de Maria _____. Museus Nacionais: o Museu da Repú-
Cristina Oliveira Bruno blica. São Paulo, 1989. Acervo SIG.RP.MUSP,
doação de Maria Cristina Oliveira Bruno
_____. Os museus e a crian ça brasileira. O
Estado de S. Paulo, São Paulo. 16 dez 1979, _____. Conceito de Cultura e sua
p.11-13. Suplemento Cultural, recorte. Su- interrelação com o Património Cultural e a
plemento Cultural. Acervo SIG.RP.MUSP, do- Preservação. Cadernos Museológicos, Rio
ação de Maria Cristina Oliveira Bruno de Janeiro, n.3, out. 1990.

_____. Um Museu de Indústria para São _____. A interdisciplinaridade em Museolo-


Paulo, São Paulo, Tese (Doutorado), FESP/ gia. São Paulo. S/ data. Acervo SIG.RP.MUSP,
SP, 1980. doação de Maria Cristina Oliveira Bruno

_____. Museus de São Paulo. O Estado de _____. Estação Ciência, um projeto com-
S. Paulo, São Paulo. 13 jan 1980, p. 11-13. prometido com a vida - O Projeto Museoló-
Suplemento Cultural. Recorte. Acer vo gico. São Paulo. S/ data. Acer vo
SIG.RP.MUSP, doação de Maria Cristina Oli- SIG.RP.MUSP, doação de Maria Cristina Oli-
veira Bruno veira Bruno

_____. O Mercado de trabalho do museólogo _____. Formação do Museólogo: por que em


na área da Museologia. I Encontro de nível de Pósgraduação?. São Paulo. S/ data.
Museólogos do Norte e Norte, Fundação Fundo Waldisa Rússio – Instituto de Estudos
Joaquim Nabuco – Departamento de Museo- Brasileiros da Universidade de São Paulo –
logia. 1982. Fundo Waldisa Rússio – Instituto IEB/USP.
38 MARIA CRISTINA O. BRUNO; ANDREA M. DA FONSECA; KÁTIA R. FELIPINI NEVES

16
_____. Museologia e Ciências Humanas e RÚSSIO, WALDISA. Alguns aspectos do
patrimônio cultural: o patrimônio industrial.
Sociais. São Paulo. S/ data. Fundo Waldisa São Paulo. 1983-1985. Acervo SIG.RP.MUSP,
Rússio – Instituto de Estudos Brasileiros da doação de Maria Cristina Oliveira Bruno
17
RÚSSIO, Waldisa. Formação do Museólogo: por
Universidade de São Paulo – IEB/USP.
que em nível de Pósgraduação?. São Paulo. S/
data. Fundo Waldisa Rússio – Instituto de
_____. Sistema da Museologia. São Paulo. S/ Estudos Brasileiros da Universidade de São
Paulo – IEB/USP. Grifos da autora
data. Acervo SIG.RP.MUSP, doação de Maria 18
RÚSSIO, Waldisa. Museologia e Museu, O
Cristina Oliveira Bruno Estado de São Paulo, São Paulo, 01 de julho
1979, p. 6-7. Suplemento Cultural. Acervo
SIG.RP.MUSP, doação de Maria Cristina Oliveira
Bruno
19
RÚSSIO, Waldisa. Estação Ciência, um projeto
comprometido com a vida - O Projeto
Notas Museológico. São Paulo. S/ data. Acer vo
SIG.RP.MUSP, doação de Maria Cristina Oliveira
1
RÚSSIO, Waldisa. Texto III - Cultura, Patrimônio e Bruno
20
Preservação. In: ARANTES, Antonio Augusto RÚSSIO, Waldisa. Museus Nacionais: o Museu
(Org.). Estratégias de Construção do Patrimônio da República. São Paulo, 1989. Acer vo
Cultural. São Paulo: Brasiliense, 1984 SIG.RP.MUSP, doação de Maria Cristina Oliveira
2
RÚSSIO, Waldisa. Museu, um aspecto das Bruno
21
organizações culturais num país em RÚSSIO, Waldisa. Museus de São Paulo, O
desenvolvimento. São Paulo: FESP, 1977. Estado de S. Paulo, São Paulo. 13 jan 1980, p.
(Dissertação de Mestrado), p. 132 11-13. Suplemento Cultural. Acer vo
3
RÚSSIO, Waldisa. Museu, um aspecto das SIG.RP.MUSP, doação de Maria Cristina Oliveira
organizações culturais num país em Bruno
22
desenvolvimento. São Paulo: FESP, 1977. RÚSSIO, Waldisa. Museus Nacionais: o Museu
(Dissertação de Mestrado), p. 133 da República. São Paulo, 1989. Acer vo
4
Ibidem, p. 147 SIG.RP.MUSP, doação de Maria Cristina Oliveira
5
RÚSSIO, Waldisa. Museologia e Ciências Bruno
23
Humanas e Sociais. São Paulo. S/ data. Fundo RÚSSIO, Waldisa. Museologia e Museu, O
Waldisa Rússio – Instituto de Estudos Estado de São Paulo, São Paulo, 01 de julho
Brasileiros da Universidade de São Paulo – IEB/ 1979, p. 6-7. Suplemento Cultural. Acervo
USP. SIG.RP.MUSP, doação de Maria Cristina Oliveira
6
RÚSSIO, Waldisa. O Mercado de trabalho do Bruno
24
museólogo na área da Museologia. I Encontro RÚSSIO, Waldisa. Museus Nacionais: o Museu
de Museólogos do Norte e Norte, Fundação da República. São Paulo, 1989. Acervo SIG.RP.
Joaquim Nabuco – Departamento de MUSP, doação de Maria Cristina Oliveira Bruno
25
Museologia. 1982. Fundo Waldisa Rússio – RÚSSIO, WALDISA. Alguns aspectos do
Instituto de Estudos Brasileiros da patrimônio cultural: o patrimônio industrial.
Universidade de São Paulo – IEB/USP. Grifos da São Paulo, 1983-1985. Acervo SIG.RP.MUSP,
autora doação de Maria Cristina Oliveira Bruno
26
7
RÚSSIO, Waldisa. Formação do Museólogo: por RÚSSIO, Waldisa. Os museus e a Criança Brasileira,
que em nível de Pósgraduação?. São Paulo. S/ O Estado de S. Paulo, São Paulo. 16 dez 1979,
data. Fundo Waldisa Rússio – Instituto de p.11-13. Suplemento Cultural. Acervo SIG.RP.
Estudos Brasileiros da Universidade de São MUSP, doação de Maria Cristina Oliveira Bruno
27
Paulo – IEB/USP. Grifos da autora Ibidem
28
8
Ibidem RÚSSIO, Waldisa. Museologia e Museu, O
9
Ibidem Estado de São Paulo, São Paulo, 01 de julho
10
RÚSSIO, Waldisa. Formação do Museólogo: por 1979, p. 6-7. Suplemento Cultural. Acervo
que em nível de Pósgraduação?. São Paulo. S/ SIG.RP.MUSP, doação de Maria Cristina Oliveira
data. Fundo Waldisa Rússio – Instituto de Bruno
29
Estudos Brasileiros da Universidade de São RÚSSIO, Waldisa. Exposição: texto
Paulo – IEB/USP. Grifos da autora museológico e contexto cultural. São Paulo,
11
Ibidem 1986. Acervo SIG.RP.MUSP, doação de Maria
12
RÚSSIO, Waldisa. Um museu da indústria na Cristina Oliveira Bruno
30
cidade de São Paulo. São Paulo: FESP/SP, RÚSSIO, Waldisa. A interdisciplinaridade em
1980. (Tese de Doutorado). p. 240 Museologia. São Paulo. S/ data. Acer vo
13
Ibidem, p. 240 SIG.RP.MUSP, doação de Maria Cristina Oliveira
14
RUSSIO, Waldisa. Um museu da indústria na Bruno
31
cidade de São Paulo. São Paulo: FESP, 1980. RÚSSIO, Waldisa. Sistema da Museologia. São
(Tese de Doutorado). p. 240 Paulo. S/ data. Acervo SIG.RP.MUSP, doação de
15
Ibidem Maria Cristina Oliveira Bruno
MUDANÇA SOCIAL E DESENVOLVIMENTO NO PENSAMENTO DA MUSEÓLOGA ... 39

32
Ibidem SIG.RP.MUSP, doação de Maria Cristina Oliveira
33
RÚSSIO, Waldisa. Estação Ciência, um projeto Bruno
35
comprometido com a vida - O Projeto RÚSSIO, Waldisa. A interdisciplinaridade em
Museológico. São Paulo. S/ data. Acer vo Museologia, São Paulo. S/ data. Acer vo
SIG.RP.MUSP, doação de Maria Cristina Oliveira SIG.RP.MUSP, doação, doação de Maria Cristina
Bruno Oliveira Bruno
34 36
RÚSSIO, Waldisa. Estação Ciência, um projeto RÚSSIO, Waldisa. Sistema da Museologia. São
comprometido com a vida - O Projeto Paulo. S/ data. Acervo SIG.RP.MUSP, doação de
Museológico. São Paulo. S/ data. Acer vo Maria Cristina Oliveira Bruno
ARTIGO
3
A radiosa aventura dos Museus

n MÁRIO CHAGAS

A herança museológica do século XX impõe-se como carta-testamento e rep-

A to a exigir leituras e exercícios de decifração, com a certeza antecipada de que


múltiplas respostas são possíveis. Na aurora do novo milênio, os museus – de
artes ou de ciências, públicos ou privados, populares ou eruditos, biográficos,
etnográficos, locais, regionais ou nacionais – ainda surpreendem, provocam
sonhos e vôos nas asas da imaginação. Eis o que eles ainda são: cantos que
podem dissolver o presente no passado e, também, fazê-lo desabrochar no futu-
ro; antros ambíguos que podem servir indistintamente a dois ou mais senhores;
campos que tanto podem ser cultivados para atender a interesses personalistas
como para favorecer o desenvolvimento social de populações locais; espaços
que tanto podem ser celas solitárias como terrenos abertos e iluminados pelo
sol; casas habitadas, ao mesmo tempo, pelos deuses da criação, da conservação
e da mudança.
42 MÁRIO CHAGAS

Os museus ainda são lugares privilegiados Por tudo isso, suponho que não é despro-
do mistério e da narrativa poética que se vido de sentido o entendimento de que as
constrói com imagens e objetos. O que torna trocas entre centro e periferia são mais inten-
possível essa narrativa, o que fabula esse ar sas, complexas e desconhecidas do que nor-
de mistério é o poder de utilização das coi- malmente se imagina. A antropofagia - con-
sas como dispositivos de mediação cultural vém salientar - não é uma exclusividade do
entre mundos e tempos diferentes, significa- modernismo brasileiro. No campo museal
dos e funções diferentes, indivíduos e grupos ela tem sido uma prática que amiúde se faz
sociais diferentes. presente no plano nacional e internacional.
Não soa estranho para esse campo a hipótese
Ler e narrar o mistério do mundo através de que aquilo que aqui se produz não seja
de um mundo de coisas é um desafio que se tão-somente cópia, mas seja também origi-
impõe antes mesmo do aprendizado das pri- nal e, portanto, passível de ser antropofagiza-
meiras letras e dos primeiros números. Com- do. Registre-se ainda que a imaginação
preender e saber operar no espaço (tridi- museal brasileira, para o bem e para o mal,
mensional) com o poder de mediação de parece aderir com facilidade ao novo, sem
que as coisas estão possuídas é a base da ima- que isso impeça o hibridismo e represente
ginação museal. Não há museu possível sem grandes compromissos ou grandes rompi-
que essa potência imaginativa entre em mo- mentos.
vimento, é ela que atualiza os museus e lhes
confere vida e significado político-social. No século XX, no Brasil e no mundo, os
museus multiplicaram-se com grande velo-
O surgimento de novos paradigmas não cidade. E essa multiplicação numérica veio
inviabiliza inteiramente o paradigma anteri- acompanhada de uma expressiva ampliação
or, abre apenas novos campos de possibilida- da museodiversidade; além disso, o seu ape-
des e disponibiliza novas (ou velhas) ferramen- lo mítico parece também ter crescido, sem
tas para o enfrentamento de novos (ou velhos) prejuízo das suas dimensões política e
problemas. Além disso, é importante ressaltar, a lúdico-educativa.
complexidade da dinâmica social não autori-
za a naturalização da crença em marcos rígi- Desde o século XVIII, vinha gradualmente
dos que pretendem fazer tabula rasa dos pro- germinando a suposição de que tudo seria
cessos e desenvolvimentos anteriores. passível de musealização, e isso parece ter se
confirmado no século XX. E essa confirma-
No caso dos museus, essa compreensão é ção veio por caminhos variados; surgiram
de grande importância, uma vez que eles e pelo mundo afora museus de um tudo: mu-
seus acervos, mesmo quando organizados seus que se chamam museus; museus que se
dentro do paradigma clássico da chamam casas, espaços e centros culturais;
museologia, podem ser sementes capazes de museus que se chamam jardins, cidades e sí-
explodir, num determinado agora, com o vi- tios históricos, etnográficos e arqueológicos;
gor de uma narrativa que esboroa a preten- museus que se chamam ônibus, navios e
são de construção de muros separadores de trens; museus que se chamam ruas, redes de
tempos e espaços. De resto, o paradigma esgoto e reservas florestais.
clássico de museologia no Brasil e no mun-
do europeu, por exemplo, dominou a maior A escrita dos museus voltou ao campo de
parte do século XX e sobrevive robusto, interesse de artistas, filósofos, antropólogos,
como um componente a mais do espectro sociólogos, educadores, historiadores, políti-
cultural contemporâneo. cos etc. Em meu entendimento, isso ocorreu
A RADIOSA AVENTURA DOS MUSEUS 43

por, pelo menos, dois motivos relativamente 2003, na Pinacoteca do Estado de São Paulo,
simples: a centralidade do poder de media- Timothy Mason informou que, na Grã-
ção das imagens e dos objetos no cosmo da Bretanha, existiam, em 1962, em torno de
cultura; e a capacidade de renovação da 900 museus e, em 2003, aproximadamente
imaginação museal. 2.500, dos quais 1.100 eram pequenos mu-
seus que sobreviviam independentes de re-
Quando, nas décadas de 1960 e 1970, al- cursos financeiros hauridos diretamente das
guns setores da vanguarda cultural do Oci- esferas governamentais.
dente anunciaram a morte ou, no melhor
dos casos, o desaparecimento próximo dos No Brasil, a proliferação dos museus tem
museus, supostamente não levavam em con- correspondência com esse quadro geral,
ta esses dois singelos motivos. uma vez que, como obser vou Benny
Schvasberg, em 1972, estimava-se um total
Em agosto de 1971, como informou de 391 museus e, em 1984, esse número foi
Hugues de Varine, durante a IX Conferência ampliado para 803 (SCHVASBERG, 1989:
Geral do Icom, realizada em Paris, Dijon e 115-116). Hoje, segundo os dados do Cadas-
Grenoble, o beninense Stanislas Adotévi e o tro Nacional de Museus, projeto desenvolvi-
mexicano Mario Vásquez proclamavam do pelo Departamento de Museus e Centros
abertamente: a “revolução do museu será ra- Culturais do Iphan, existem no Brasil algo
dical, ou o museu desaparecerá” (VARINE, em torno de 2470 museus.
1979: 23; 2000: 63-64).
De qualquer forma, as críticas dirigidas ao
O necrológio do museu, traduzido a partir caráter dinossáurico de algumas instituições
de um determinado desejo político, apare- museais surtiram algum efeito e parecem ter
cia acompanhado de um discurso que colo- estimulado os ventos reformistas e moderni-
cava em movimento críticas severas ao cará- zantes que, nas décadas de 1980 e 1990, pas-
ter aristocrático, autoritário, acrítico, conser- saram por algumas delas. A modernização
vador e inibidor dessas instituições, conside- trouxe maior preocupação com os serviços
radas como espécie em extinção e, por isso destinados ao público e maior atenção para
mesmo, apelidadas de “dinossauros” e de as práticas pedagógicas, além do aprimora-
“elefantes brancos”. No entanto, 20 ou 30 mento dos recursos expográficos e do refina-
anos depois, verificou-se que os museus não mento dos procedimentos técnico-científi-
só não morreram, como se proliferaram e cos nas áreas de preservação, conservação,
ganharam destaque na cena cultural e na restauração e documentação museográfica.
vida social do mundo contemporâneo.
Num mundo que passou a adotar o espetá-
Alguns exemplos sobre a proliferação dos culo como medida de todas as coisas, o pró-
museus coligidos na obra La Museologie, prio caráter dinossáurico foi transformado
creditada a George Henri Rivière (1989: 62- em elemento espetacular. Como um
68) são esclarecedores e indicam que, no pe- corolário da cultura espetacular absorvida e
ríodo de 1975 a 1985, o número de museus desenvolvida pelos museus clássicos e tradi-
aumentou expressivamente em países como a cionais, consagraram-se as chamadas mega-
antiga República Federal da Alemanha, o Ca- exposições, algumas tratando de artes, outras
nadá, os Estados Unidos, o Japão e a França. de tesouros históricos e outras ainda de ciên-
cias e de dinossauros, todas sempre espeta-
No seminário “Gestão museológica: desa- culares. Os dinossauros musealizados e os
fios e práticas”, realizado, em setembro de museus dinossáuricos voltaram à moda. Os
44 MÁRIO CHAGAS

ventos reformistas, no entanto, não pretendi- conselheiro permanente do Icom, e de Serge


am abolir e não aboliram os acentos autori- Antoine, conselheiro do ministro do Meio
tário, aristocrático, colonialista e imperialis- Ambiente. Durante esse almoço, George
ta de muitas dessas instituições. O que se pre- Henri Rivière e Hugues de Varine, visando à
tendia evitar – e se evitou – é que um museu abertura de um novo campo para a pesquisa
como o Louvre, considerado como “protóti- museológica, explicitaram o desejo de ouvir
po do almoxarifado de um patrimônio bur- o ministro manifestar-se publicamente acer-
guês” (MENEZES, 1994: 11), fosse incendiado, ca das relações entre o museu e o meio am-
como simbólica e ironicamente preconiza- biente. O conselheiro do ministro, no entan-
vam os representantes da geração rebelde do to, estava reticente:
movimento social francês de Maio de 1968.
Esforçamo-nos sem êxito, G.H. Rivière e
A minha sugestão é que o diagnóstico da eu, para convencer nosso interlocutor da
morte ou do desaparecimento próximo dos vitalidade do museu e de sua utilidade.
museus – considerados como lugares consa- Finalmente, por brincadeira, eu disse:
grados pela tradição cultural da burguesia “seria absurdo abandonar a palavra; me-
ocidental – deve ser lido como parte dos lhor mudar sua imagem de marca... mas
movimentos político-sociais de crítica e pode-se tentar criar uma nova palavra a
contestação que, nas décadas de 1960 e 1970, partir do museu...”. E tentei diversas com-
atingiram em cheio diversos valores binações de sílabas a partir das duas pa-
institucionalizados. Se, por um lado, essas lavras “ecologia” e “museu”. Na segunda
críticas parecem ter contribuído para a in- ou terceira tentativa, pronunciei
venção de um novo futuro para os museus “ecomuseu”. Serge Antoine aguçou o ou-
clássicos e tradicionais, por outro, parecem vido e declarou pensar que talvez essa
ter colocado em movimento o desejo de se palavra pudesse oferecer ao Ministro a
constituir uma nova imaginação museal, até ocasião de abrir um novo caminho à es-
então não prevista. tratégia de seu Ministério (VARINE, 2000:
64).
No início da década de 1970, essa nova
imaginação museal começou a ganhar visi- Como se pode perceber, o termo
bilidade a partir de experiências desenvolvi- ecomuseu nasceu de um jogo de palavras e
das em diversas partes do mundo, sem que inteiramente vinculado a interesses políti-
entre elas houvesse, inicialmente, visíveis ca- cos. Não se deve ter ingenuidade a esse res-
nais de intercâmbio. Nesse quadro, situa-se o peito. Tratava-se de imaginar uma nova pos-
surgimento do ecomuseu, que, segundo o sibilidade de ação museal livre do “passadis-
criador do termo, nada mais era “do que mo empoeirado” (VARINE, 2000: 64) e aberta
uma tentativa, um convite a dar provas de para as conexões entre cultura e natureza,
imaginação, de iniciativa e de audácia” entre museu e meio ambiente. A formulação
(VARINE, 2000: 62). teórico-conceitual desse novo tipo de mu-
seu – envolvendo as noções de patrimônio
Hugues de Varine, um dos participantes da total ou integral, participação comunitária,
geração de 1968, relata que foi ele quem cu- desenvolvimento local e meio ambiente (ou
nhou o neologismo ecomuseu, num restau- território) – foi decorrente de um trabalho
rante em Paris, na primavera de 1971, duran- posterior. Na raiz desse novo tipo de museu,
te um almoço para tratar da organização da estava presente a importância da utilização
IX Conferência Geral do Icom, na compa- da “linguagem das coisas” como dispositivo
nhia de George Henri Rivière, ex-diretor e de mediação de práticas e relações
A RADIOSA AVENTURA DOS MUSEUS 45

socioculturais, incluindo as questões de uso e neral Augusto Pinochet Ugarte. Foi, portanto,
preservação dos chamados recursos naturais. no ventre desse governo socialista e demo-
craticamente eleito, num momento de ten-
Em setembro de 1971, o ministro francês são política para toda a América Latina que
do Meio Ambiente lançou oficialmente, em se realizou um dos encontros mais
Dijon, a idéia do ecomuseu como instituição emblemáticos e seminais da museologia na
norteada por uma pedagogia do meio ambi- segunda metade do século XX.
ente e, na maioria das vezes, inserida em par-
ques naturais (VARINE, 2000: 68). Nessa mes- Contrariando as tendências em voga, to-
ma época, Hugues de Varine foi convidado dos os especialistas convidados para a Mesa
por Marcel Evrard, que atuava na Associação Redonda de Santiago do Chile eram latino-
de Amigos do Museu do Homem de Paris, americanos e, por essa razão, foi adotado o
para participar do projeto de instalação de espanhol como idioma oficial de comunica-
um museu na comunidade Le Creusot- ção. Além disso, também foram convidados
Montceau-les-Mines. De acordo com o depo- para intervir nos debates especialistas em
imento e a memória de Hugues de Varine, o educação, urbanismo, agricultura, meio am-
projeto do Museu do Homem e da Indústria biente e pesquisa científica. Durante a etapa
nesta comunidade tomou forma em novem- de preparação do encontro, cogitou-se a en-
bro de 1971. Três anos mais tarde, esse mu- trega da direção dos trabalhos a Paulo Freire.
seu-processo, fragmentado e espalhado Por razões políticas, sua indicação foi vetada
numa área urbana de 500 quilômetros qua- na Unesco por um delegado do governo bra-
drados, com 90 mil habitantes, receberia ofi- sileiro, que, naquela altura, vivia sob um regi-
cialmente a designação de ecomuseu. No me de ditadura militar.
entanto, entre o ecomuseu anunciado no
contexto da política governamental do mi- Ao fazer um exercício de lembrança do
nistro francês do meio ambiente e o que chamou a “aventura de Santiago”,
ecomuseu abrigado pelo Museu do Homem Hugues de Varine registrou, como resultados
e da Indústria da comunidade Le Creusot- inovadores daquele encontro, duas noções: o
Montceau-les-Mines, existiam nítidas diferen- “museu integral”, isto é, um processo que leva
ças (VARINE, 2000: 68-69). A principal delas em “consideração a totalidade dos problemas
era o caráter urbano e o sentido de participa- da sociedade”; e o “museu enquanto ação”,
ção da população local que informava o isto é, como um “instrumento dinâmico de
processo de reflexão e ação do Museu do mudança social”. A combinação dessas duas
Homem e da Indústria. noções permitiu que se lançasse no campo do
esquecimento aquilo que, durante mais de
Seguindo por outras trilhas teóricas e prá- 200 anos, se apresentava como paradigma
ticas, um grupo de museólogos e profissio- identitário dos museus: “a missão da coleta e
nais de museus reuniu-se em Santiago do da conservação”. Por esse caminho, chegou-
Chile, em maio de 1972, para a realização de se ao “conceito de patrimônio global a ser
uma mesa redonda sobre o papel dos mu- gerenciado no interesse do homem e de to-
seus na América Latina. dos os homens” (VARINE, 1995: 18).

Em 1970, Salvador Allende havia sido Na reunião de Santiago do Chile, não se


eleito para a presidência do Chile e dera iní- falava em ecomuseu. O que estava em pauta
cio ao governo socialista da Unidade Popu- na agenda dos debates museológicos era a
lar, processo que seria interrompido, em noção de museu integral, mas, com certeza,
1973, com o golpe militar liderado pelo ge- havia agulha e linha costurando aproxima-
46 MÁRIO CHAGAS

ções entre esses diferentes caminhos de re- analisando o que de comum nas suas
novação da imaginação museal. ações poderia servir de elo a uma cola-
boração mais estreita, afirmando simul-
Iniciado por volta de 1973 e interrompido taneamente que a museologia trilhava
em 1980, o projeto experimental da “Casa novos rumos (1989: 55).
del Museo” desenvolvido em bairros popula-
res do México, a partir do Museu Nacional de Quando oriento o olhar para a herança
Antropologia, é um exemplo claro de aplica- museológica do século XX – sobretudo a que
ção das resoluções de Santiago do Chile e se construiu após a Segunda Guerra Mundial
que apresenta conexões com os princípios –, parece-me claro que as décadas de 1970 e
teóricos dos ecomuseus comunitários. 1980 caracterizaram-se como um período de
(VARINE, 2000: 67-68). efervescência e turbulência museal sem pre-
cedentes. Experiências variadas e inovado-
O golpe militar que pôs fim ao governo ras foram levadas a efeito e novos enfoques
socialista de Salvador Allende contribuiu teóricos foram desenvolvidos. Os museus,
para o silêncio que se impôs em torno da que até aquela época proclamavam a sua
memória daquele emblemático encontro. O neutralidade política e celebravam o seu dis-
desejo de silenciar a construção de uma tanciamento dos problemas sociais, foram
nova imaginação museal, com acento popu- sacudidos e desafiados a enfrentar situações
lar, participativo e utópico, com uma face concretas que não diziam respeito apenas às
política de esquerda, não foi eficaz a ponto tradições de um passado idealizado, mas sim
de impedir que 10 anos depois, 20 anos de- ao cotidiano e à contemporaneidade das so-
pois e mesmo 35 anos depois os principais ciedades em que estavam inseridos. Traba-
temas daquela memorável mesa redonda lhar com museus deixou de ser apenas um
voltassem sucessivamente a ocupar a agenda exercício de retirar, às vezes, a poeira das
de outros encontros locais, regionais, nacio- coisas, de elaborar, de vez em quando, eti-
nais e internacionais. quetas óbvias, de registrar, disciplinada e do-
cilmente, a acromegalia das coleções e de
O desenvolvimento silencioso de experi- contar – ora pelo modo eufórico, ora pelo
ências orientadas por novas perspectivas deprimido – o número de visitantes. Traba-
museológicas eclodiu, com vigor e algum lhar em museus passou a significar também
barulho, no primeiro ateliê internacional re- ter interesse na vida social e política – das
alizado em 1984, na cidade canadense de pessoas, das coleções, dos patrimônios cultu-
Quebec, ocasião em que foram retomadas rais e naturais e dos espaços – e, por essa ve-
explicitamente as resoluções da Mesa Re- reda, a ser um exercício explícito de operar
donda de Santiago do Chile e foram com relações de memória e poder por meio
lançadas as bases do que se convencionou da mediação das coisas concretas.
chamar de Movimento Internacional da
Nova Museologia (Minom). Segundo depoi- O paradigma clássico da museologia foi
mento de Mario Moutinho: posto em xeque. Mas isso não quer dizer que
tenha desaparecido ou sucumbido depois
Coube ao grupo dos ecomuseus do das batalhas travadas nas décadas de 1970 e
Quebec, em particular à ação de Pierre 1980. Os museus clássicos e tradicionais, as-
Mayrand e de René Rivard, lançar um sim como os outros museus, são dotados de
projeto de encontro internacional onde um poder mimético e de uma grande capa-
se reunissem museólogos de vários paí- cidade de adaptação aos novos tempos. Isso
ses, representando experiências diversas, também não quer dizer, como procurei de-
A RADIOSA AVENTURA DOS MUSEUS 47

monstrar, que não tenham sido obrigados a mônio material e espiritual compondo
acionar mecanismos de reforma e de moder- narrativas poéticas, costurando práticas
nização. Mas, ao acionar esses mecanismos, políticas e pedagógicas que não esta-
eles cuidaram de manter intactos os alicer- vam previstas nos manuais museológi-
ces sobre os quais se assentavam. cos da primeira metade do século XX.

Quando assento a lupa para melhor obser- O caráter inovador dessa imaginação
var a herança museológica do século XX, sal- museal que se desenvolveu no enfrentamen-
tam aos olhos a grande proliferação de mu- to com o paradigma clássico da museologia
seus de variados tipos e a constituição de não é suficiente para afastar dos museus e
uma imaginação museal inovadora: aquela dos processos museais que inspira determi-
que se alimenta de práticas culturais desali- nados riscos e perigos, alguns dos quais fo-
nhadas com a idéia de acumulação ram anteriormente identificados por Hugues
patrimonial e que, em vez de se orientar para de Varine. Aos já identificados, acrescento
as grandes narrativas, desejosas de grandes alguns outros e, desse modo, componho e
sínteses, volta-se para as “narrativas modes- apresento a seguir um conjunto setenário de
tas” (KUMAR, 1997) e valoriza a relação entre riscos e perigos que ameaçam os novos mu-
os seres e entre os seres e as coisas. Podem seus e processos museais:
ser narrativas modestas, mas apresentam pu-
jança discursiva e capacidade de promover 1) ser considerado como ameaça ao mu-
outras possibilidades de identificação. seu clássico e a toda ação cultural espe-
tacular, o que pode ocasionar o seu es-
Essa nova imaginação museal está na origem: vaziamento socioeconômico ou sim-
plesmente a intervenção autoritária;
· da apropriação do saber museológico
especializado por determinados grupos 2) ser considerado como um “outro” e,
étnicos e sociais, que, em combinação portanto, na lógica do “mesmo”, sem
com os seus próprios saberes, geram sa- identidade com o universo museal, o
beres híbridos capazes de produzir prá- que pode levar à negação do direito de
ticas inovadoras; ser apenas um museu diferente;

· das experiências museográficas que se 3) ser esconderijo e máscara dos represen-


realizam na primeira pessoa e permi- tantes do modelo clássico e tradicional,
tem que o outro tome a palavra e fale o que pode originar a confusão e o des-
por si mesmo; crédito;

· da multiplicação de museus locais de 4) a falta de maturidade dos participantes


participação coletiva, sem especializa- do processo inovador, especialmente
ção disciplinar e orientados para a va- naquilo que se refere ao enfrentamento
lorização de contra-memórias que, du- de crises internas; isso pode provocar
rante longo tempo, estiveram silencia- tanto o retorno ao paradigma clássico
das ou colocadas à margem dos proces- como a instalação de múltiplos proce-
sos oficiais de institucionalização de dimentos rebeldes e inconseqüentes;
memórias nacionais ou regionais;
5) o controle de todo o processo museal
· dos procedimentos museológicos que por uma única família ou um único
operam ao mesmo tempo com o patri- grupo, o que pode fomentar a repro-
48 MÁRIO CHAGAS

dução dos modelos autoritários, ego- diversidade museal, de que eles podem ser
cêntricos, excludentes e antidemocrá- tomados como ferramentas de trabalho – e
ticos; podem, portanto, servir a interesses variados
– e de que, mesmo dentro de um único mu-
6) o abandono da especificidade da lin- seu, existem múltiplas linhas de força em
guagem das coisas e da narrativa poéti- ação. Um outro desafio é compreender os
ca, o que pode propiciar a transforma- museus como práticas sociais e centros de
ção do museu em outra coisa qualquer; interpretação, e isso possibilita que sejam
entendidos como campos de relações objeti-
7) o rompimento do canal de contato com vas, subjetivas e intersubjetivas. Pensar os
o outro, com o diferente e mesmo com o museus como espaço de relações é aceitar a
universal, o que pode levar à paralisia sua dimensão humana, a sua condição de
cultural, ao exercício estéril de falar a “casa do homem” em processo de constru-
mesma coisa para o mesmo. Esse último ção e, em conseqüência, o seu estado de per-
perigo pode desembocar na autofagia, manente tensão.
que é, em tudo e por tudo, o contrário da
antropofagia dos velhos modernistas. Em 1980, Waldisa Russio Camargo
Guarnieri elaborou o projeto do Museu da
Para além de todos esses riscos e perigos, Indústria, Comércio e Tecnologia de São
interessa reter que os museus constituem, Paulo, concebendo-o como embrião de um
hoje, fenômeno muito mais complexo do ecomuseu de múltipla sede. Nesse projeto,
que aquilo que se imaginava na década de ela propunha a musealização de fábricas e
1960. Para compreendê-los criticamente, empresas e adotava o “discurso chapliniano
não é mais suficiente reduzi-los ao papel de como tema básico” (GUARNIERI, 1980). No
“bastião da alta cultura” (HUSSEYN, 1994) e começo, no meio e no fim do documento de
de legitimadores dos interesses das classes divulgação do projeto, ela repetia o mote de
dominantes, ainda que esses papéis continu- Charles Chaplin: “Vós não sois máquinas!
em sendo assumidos por muitas instituições. Não sois animais! Vós sois homens! Trazeis o
Ao serem compreendidos como campo de amor e a humanidade em vossos corações!
ação e discurso, os museus deixaram de inte- Vós, o povo, tendes o poder de criar esta vida
ressar apenas aos conser vadores dos livre e esplêndida... de fazer desta vida uma
memorabilia das oligarquias. Se isso é verda- radiosa aventura” (apud GUARNIERI, 1980).
de, mais do que nunca se evidencia a neces- Em meu entendimento, esse discurso univer-
sidade de entender tal fenômeno e aprender sal e humanizador de Chaplin aparecia ali
a utilizar esse instrumento mediador que in- na proposta de Waldisa Russio como o fio
terfere na vida social contemporânea. condutor de uma narrativa utópica, que an-
corava uma nova imaginação museal. Essa
Um dos desafios ao pensamento crítico narrativa parecia sugerir: os museus podem
sobre os museus é o desenvolvimento de in- ser compreendidos como máquinas, tecno-
vestigações específicas que levem em consi- logias ou ferramentas; mas nós não somos
deração um processo dialético mais comple- museus, não somos coisas, somos humanos.
xo do que aquele que se reduz ao jogo entre Nós trazemos o amor e a humanidade em
o passado e o presente, o velho e o novo, a nossos corações; nós temos o poder de criar
tradição e a modernidade. Esse desafio im- artefatos e museus; temos o poder de criar
plica, por exemplo, a consideração de que esta vida livre e esplêndida... de fazer da vida
os museus são plurais, de que há uma grande uma aventura radiosa.
A RADIOSA AVENTURA DOS MUSEUS 49

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ARTIGO
4
As Ondas do Pensamento
Museológico:
Balanço sobre a produção brasileira1

n MANUELINA MARIA DUARTE CÂNDIDO

A
INTRODUÇÃO

A
A Museologia vem passando por profundas transformações, notadamente desde
Mesa Redonda de Santiago, de 1972, que considerou prioridade a intervenção
social. O impacto desta Mesa Redonda, organizada pela Unesco, sobre o “Papel do
Museu na América Latina”, faz dela (DESVALLÉES, 1992), ao lado do colóquio “Mu-
seu e Meio Ambiente” (França, 1972) e das jornadas de Lurs, em 1966, onde se
iniciou a gestação do conceito de ecomuseu, um dos momentos fundadores da
chamada Nova Museologia. A Declaração de Quebec e a criação do MINOM –
Movimento Internacional para uma Nova Museologia em 1984, foram considera-
dos o reconhecimento pela Museologia do direito à diferença (MOUTINHO in
ARAUJO; BRUNO, 1995: 29). Em 1992, a Declaração de Caracas reafirmou a função
sócio-educativa do museu, o estímulo ao pensamento crítico e seu papel como
canal de comunicação (DESVALLÉES, 1992: 15-16). Neste ínterim, as reflexões da
Museologia apontam para a compreensão da cultura como criadora das condi-
ções necessárias para o desenvolvimento. Há um rompimento com a idéia de
coleção como fonte geradora dos processos museológicos, a preservação é enten-
dida como fundamental e como possibilidade de integrar diversos aspectos do
patrimônio e potencializar a ação interdisciplinar. Em meio a esta ampliação con-
ceitual e experiências de aplicação, percebemos que não houve produção científi-
ca e sistematização do pensamento museológico equivalentes, especialmente num
Brasil de estreitas possibilidades de formação na área, panorama que apenas no
início do século XXI vai aos poucos sendo transformado.
54 MANUELINA MARIA DUARTE CÂNDIDO

Podemos mapear tentativas de sistemati- presentes em Vagues, e no qual não iremos


zação da produção da Nova Museologia, nos deter aqui. Este artigo vai direto para o
como os dois volumes de “ Vagues: une balanço sobre a produção brasileira, com a
anthologie de la nouvelle muséologie”, orga- ressalva de que estudamos a produção dos
nizada por André Desvallés (1992-1994). Em seis autores mencionados até o que foi possí-
língua portuguesa os vazios são mais eviden- vel acessar em 2000, ano de produção do tra-
tes, pois mesmo aspectos mais tradicionais balho original. Nele procuramos contribuir
da Museologia ainda carecem de maiores com futuras revisões bibliográficas apresen-
análises e de publicações, para que se ampli- tando resenhas dos trabalhos principais dos
em os debates e a divulgação da informação. seis autores estudados, que também serão su-
A parca – embora crescente – produção aca- primidas aqui. Foram resenhadas as disserta-
dêmica e a inexistência de traduções de al- ções de mestrado dos seis autores e teses dos
guns documentos fundamentais têm dificul- que tinham, à época, concluído doutorado.
tado avanços mais significativos, a despeito
de alguns esforços para publicação da pro-
dução na área2. A PRODUÇÃO BRASILEIRA E AS ONDAS DE RE-
NOVAÇÃO DA MUSEOLOGIA
A limitada representação da Museologia
brasileira na antologia3 motivou uma revisão Nas resenhas dos trabalhos estudados des-
do pensamento museológico nacional no tacamos os termos que apresentavam para-
sentido de localizar uma produção que foi lelos com conceitos apresentados na anto-
olvidada e trazer à luz uma parcela da pro- logia francesa. É a análise das convergênci-
dução brasileira dispersa em teses, anais e as e divergências entre a bibliografia nacio-
documentos de encontros, revistas e livros. nal e a estrangeira, além dos diferentes pon-
Este trabalho se justificou, então, pela ausên- tos de vista dos autores brasileiros estuda-
cia de revisão sistemática da produção bibli- dos sobre os principais conceitos da chama-
ográfica nacional acerca da chamada Nova da Nova Museologia, que apresentaremos a
Museologia. Passados alguns anos desde sua seguir.
elaboração, mantivemos como recorte a
produção analisada à época (2000). Relacio- Um tópico largamente identificado na an-
namos seis autores que se destacavam pela tologia foi a problemática dos museus em
relevância de sua produção acadêmica e bi- crise, entendida como uma crise de identi-
bliográfica, de suas experiências na aplica- dade institucional. Mário Chagas considerou
ção da Museologia e de sua participação em o atual estágio da Museologia “um momento
programas de formação profissional na área: de grande fertilidade, se não decorrente,
Teresa Scheiner e Mário Chagas (RJ); Maria pelo menos estreitamente relacionado com
Célia Santos (BA); Waldisa Russio, Cristina uma crise de identidade perfeitamente
Bruno e Heloisa Barbuy (SP). identificável” (CHAGAS,1996: 18). Teresa
Scheiner entende também que a crise dos
O trabalho denominado Ondas do Pensa- museus ocorre no âmbito da identidade ins-
mento Museológico Brasileiro, inspirou-se titucional, pois estariam sendo definidos, na
em Vagues e trouxe de lá também a noção relação homem-museu, um novo sujeito e
do infindável e do movimento contínuo que um novo museu. Este, no processo de
a produção do conhecimento tem, e a idéia reformulação, passou por uma “crise de
de que o pensamento museológico passa identidade, com o advento de novos mode-
sempre por ondas de renovação. Há todo um los conceituais e a geração de novas propos-
capítulo dedicado à revisão dos conceitos tas e programas de ação, que fogem às fór-
AS ONDAS DO PENSAMENTO MUSEOLÓGICO 55

mulas tradicionalmente definidas por algu- Para Heloisa Barbuy, a Nova Museologia é
mas sociedades” (SCHEINER, 1998: 111). Para “ Uma filosofia guiada pelo sentido de
ela, a identidade dos museus hoje, estaria li- dessacralização dos museus e, sobretudo, de
gada à sua compreensão como plural, medi- socialização, de envolvimento das popula-
ador desta pluralidade junto a outras instân- ções ou comunidades implicadas em seu
cias de representação, fenômeno cultural raio de ação” (BARBUY, 1995: 209). Portanto,
em processo – não instituição –, comprome- distingue Museologia e Nova Museologia
tido com a identidade como processo, não como prismas da disciplina. Cristina Bruno
verdade (Idem: 125). argumenta que há somente uma Museologia,
e a Nova Museologia seria denominação
Scheiner identifica como dilemas atuais adequada somente ao movimento inaugura-
da Museologia: entender como o museu tra- do em Quebec, em 1984 (BRUNO, 1995:158).
dicional disseminou-se além da Europa e Não é uma outra Museologia, mas um alarga-
tornou-se hegemônico, distanciar-se do mito mento de horizontes epistemológicos com
e atuar sobre a realidade; analisar os mode- as mesmas preocupações (Idem: 158). Maria
los museológicos alternativos que o séc. XX Célia Santos (2002) se define simplesmente
viu nascerem (Idem: 137-138). Para Chagas, como museóloga, evitando a rotulação de
tais modelos, com toda a reformulação con- “nova museóloga” e trabalha com a adoção
ceitual que acarretaram, geraram para a Mu- de novos conceitos e práticas trazidas para a
seologia o problema da coexistência de pa- realidade social em que se insere, sem rom-
radigmas distintos. A de Peter Van Mensh pimento radical com o patrimônio já institu-
(1994) onde coexistem múltiplas tendências cionalizado. Ao revisar em 1992, no Encon-
do pensamento museológico contemporâ- tro Internacional de Ecomuseus, as ações
neo, revela a inexistência, até o momento, desenvolvidas no Museu de Arte Sacra da
de uma orientação vitoriosa, o que caracteri- UFBA, mostra que não desvincula a ação
zaria uma crise de paradigmas na Museolo- museológica transformadora da atuação em
gia (CHAGAS, 1996: 29). museus tradicionais. Identifica nas práticas
realizadas nesse museu elementos da
Evres (1992: 195-212) relativiza a conclu- ecomuseologia, como a cultura entendida
são de Chagas de que a convivência de para- enquanto processo social, a ação integrada à
digmas na Museologia constituiria um “caos comunidade e a prática social como ponto
teórico” que se resolveria com a hegemonia de partida; e propõe que o exercício museo-
de um dos paradigmas. Evres se opõe, por lógico se relacione com os modelos dentro
entender que a diversidade de orientações de uma necessária redução ao contexto soci-
não é conseqüência de uma crise, mas da ri- al de aplicação (SANTOS, 1993: 114-115).
queza de soluções surgidas no confronto
com a realidade. No mesmo trabalho Evres Discussão inseparável é a própria
estuda as idéias de Cristina Bruno, mas não indefinição da Museologia enquanto campo
no que diz respeito a este problema do científico. Há propostas desde a patrimonio-
paradigma. Entendemos que esta museóloga logia de Tomislaw Sola (já aceita por Van
considera a existência dos múltiplos univer- Mensch), passando pela disciplina científica
sos de aplicação como parâmetros para ajus- em processo de constituição de Ana
tar a prática museológica, mas que se baseia Gregorová, à definição do ICOM da Museo-
sempre na orientação do paradigma da Mu- logia como ciência aplicada ainda muito li-
seologia como estudo do fato museal, ou gada à instituição museu. Embora não total-
seja, da relação do homem com o objeto mente consensuais são constantes a tríade
num cenário. Homem (público/ sociedade), Objeto (cole-
56 MANUELINA MARIA DUARTE CÂNDIDO

ção/ patrimônio), Cenário (museu/ territó- plina aplicada cujas preocupações princi-
rio), em relação, conforme a definição do pais são a identificação e análise do com-
fato museal por Waldisa Russio. A amplitude portamento do homem em relação ao seu
atribuída a cada um desses vértices dá a patrimônio; e o desenvolvimento de pro-
abrangência do papel do museu e da Museo- cessos que convertam o patrimônio em he-
logia. A bibliografia brasileira compartilha o rança e participem da construção das iden-
debate. Santos (1996: 94-95), em busca de tidades.
uma metodologia para a Museologia, revisa
as “cinco linhas básicas de atuação da ciên- Scheiner (1998) identifica três vertentes da
cia museológica”, de Van Mensch, que são a teorização em Museologia: uma na teoria do
Museologia Geral, a Museologia Aplicada, a patrimônio4, geraria o dilema de que a Muse-
Museologia Especial, a Museologia Histórica ologia depende de uma área do pensamento
e a Museologia Teórica. Tais linhas são, basi- maior à qual pertenceria; a segunda congre-
camente, a composição dos quadros ga aplicação e teorização como partes
referenciais da disciplina propostos por indissociáveis; e a terceira pesquisa o fenô-
Cristina Bruno. A formulação de quadros sin- meno museu. A combinação destas posturas
téticos, aliás, é uma constante em Bruno e faria da Museologia uma ciência específica
Santos. O exercício de síntese e de sistemati- ou vinculada a uma ciência do patrimônio e
zação do conhecimento da área reforça a da memória, que busca elementos para a de-
perspectiva de ambas na formulação de uma finição de uma linguagem própria e univer-
teoria própria para a Museologia. sal em suas experimentações. Sua própria
dissertação, entretanto, é mostra de uma for-
Mário Chagas também afirma seu interesse ma de conceber a Museologia mais afeita à
em discutir os fundamentos epistemológicos discussão teórica que à aplicação e ao con-
da Museologia, colocando-os acima da consi- fronto dos conceitos com a realidade. Indo
deração da mesma como ciência, prática, além do raciocínio que identifica na aproxi-
arte ou disciplina, ainda que diga preferir as- mação dos museus com a visão antropológi-
sim considerá-la: como disciplina (CHAGAS, ca o mais significativo avanço5, Scheiner
1996: 17). A compreensão de Museologia des- (1998) apresenta uma concepção
te autor amplia a definição de Waldisa Russio, biocêntrica, fundamentada na lógica
embora parta dela como base, por entender holística, integradora. Ao contrapor o avan-
que o museu possa ser um cenário institucio- ço do discurso às práticas museológicas tra-
nalizado ou não. O museu conceitual é uma dicionais, sugere a alimentação recíproca de
categoria que ele exprime já na análise do teoria e prática. Entretanto, outros momen-
pensamento marioandradiano, onde o identi- tos do seu discurso afastam a característica
fica. Para Chagas, a relação entre homem, ob- de disciplina aplicada da Museologia. A ri-
jeto e cenário constitui uma realidade em queza de sua contribuição consiste na articu-
trânsito e o estabelecimento da relação como lação da teoria museológica com outras áre-
figura geométrica baseada em três vértices as do conhecimento, estimulante por propor
caracteriza um ternário matricial para o pen- novas articulações. Contudo, parece se afas-
samento e para a aplicação da Museologia tar das tentativas de síntese do pensamento
(Idem: 31). O museu conceitual está presente museológico e também da imperatividade
ainda em outros, como Bruno e Scheiner. da aplicação como método para a constru-
ção do pensamento na área. Em um paralelo
Bruno (1996: 09-38) está envolvida no es- com o que Bruno tem postulado, no sentido
forço para a organização epistemológica da de chegar a modelos, sínteses, sistematiza-
Museologia, que compreende como disci- ções, fixação das bases de uma teoria museo-
AS ONDAS DO PENSAMENTO MUSEOLÓGICO 57

lógica, parece-nos que Scheiner vai numa ressa-se ainda pela discussão sobre o conceito
direção oposta, mas complementar, abrindo de realidade, recorrendo a Bellaigue, Sola e
debates e trazendo elementos de outras áreas Van Mensch, que o aproximaram do recorte
para a Museologia. correspondente à herança cultural e natural
(Idem: 92). Para Bruno (1998a: 19) herança sig-
Apresenta a Museologia como “campo nifica um passo além do patrimônio cuja trans-
disciplinar que trata das relações entre o fe- formação em herança se dá a partir da consci-
nômeno Museu e as suas expressões, a partir ência de sua existência.
das diferentes visões de mundo que cada so-
ciedade elabora, no tempo e no espaço” Santos (1996: 276) apresenta fato museal
(SCHEINER, 1998: 136). Ou como “campo do como “a qualificação da cultura em um pro-
conhecimento que analisa e investiga o Mu- cesso interativo de ações de pesquisa, preser-
seu em todas as suas expressões e manifesta- vação e comunicação, objetivando a cons-
ções”, com o caráter “valorizador de peculia- trução de uma nova prática social”. Heloisa
ridades locais, bem como o papel de Barbuy (1989: 37) acrescenta: “A Museologia,
catalisadora do câmbio social, dando ênfase então, não apenas estuda a relação entre o
ao desenvolvimento de formas de museu homem e a realidade, entre o homem e o
que atendam às conjunturas contemporâne- objeto mas procura, também, atuar sobre
as” (Idem: 124). Dentre os seis autores estuda- esta relação e transformá-la”. Inserir-se na re-
dos, é a única que não se refere à relação alidade e agir sobre ela é uma posição que
triangular já mencionada, portanto, que não vem se firmando na Museologia. Autores
se fixa na definição de Russio para fato como Maria Célia Santos defendem uma
museal. Fica mesmo difícil enquadrá-la no abordagem de cultura integrada a outros as-
esquema de Van Mensch para as tendências pectos do cotidiano. Ao afirmar que a procu-
do pensamento museológico. Entretanto, ra pela qualificação da cultura deva ser reali-
como a própria autora considera-se ao lado zada por meio das ações de pesquisa, preser-
de Russio e Stránský na análise do museu vação e comunicação, a autora está definin-
enquanto fenômeno, tendemos a concluir do também o que entende ser a cadeia ope-
que ela esteja na vertente em que Van ratória básica da Museologia (1996: 271).
Mensch os qualifica: a do estudo de uma re- Também Van Mensch (anotações de aula) e
lação específica entre homem e realidade. Mário Chagas (1996: 92) partem destes princí-
Outra possibilidade é supô-la em acordo pios de investigação, preservação e comuni-
com Evres (2000: 60) na hipótese de que a cação em equilíbrio dinâmico. Em outras
figura triangular não dê conta de uma Muse- ocasiões Chagas se refere a uma cadeia ope-
ologia voltada para um patrimônio em cons- ratória mais sintética, distribuída entre pre-
tante reelaboração, já que ao invés de vérti- servação e dinamização (Idem: 63).
ces preexistentes a relação estaria constante-
mente redefinindo o que sejam homem, ob- Fomos convencidos, entretanto, pelo argu-
jeto e cenário.6 mento do Curso de Especialização em Museo-
logia do MAE/USP, conseqüentemente, de
O fato museal também está presente no pen- Cristina Bruno, segundo o qual a cadeia opera-
samento de Santos, que cita em sua obra a de- tória da Museologia consiste na salvaguarda e
finição de Waldisa Russio segundo a qual ele é na comunicação patrimoniais. Este ponto foi
“a relação profunda entre o homem, sujeito inclusive alvo de questões postas pelos alunos
conhecedor, e o objeto que é parte da realida- do CEMMAE a Peter Van Mensch em entrevista
de à qual o homem pertence e sobre a qual ele inédita (realizada em 05/10/2000). Longe de ser
age” (RUSSIO, apud SANTOS, 1996: 92). Inte- uma questão de terminologia, como pode pa-
58 MANUELINA MARIA DUARTE CÂNDIDO

recer, é um debate que a museóloga paulista Ainda para Bruno (1998a: 54-55), “a Muse-
propõe e que pode ser uma de suas maiores ografia corresponde ao universo da técnica,
contribuições, por afirmar a salvaguarda e a da prática, enfim, do fazer museal. (...) Sendo
comunicação patrimoniais como faces de assim, o conjunto de aplicações das idéias e
operacionalização da Museologia, ambas de conceitos, para a consecução de atividades
caráter preservacionista. de conservação, documentação, exposição
e ação educativo-cultural, diz respeito ao
É possível que Mário Chagas seja um dos universo museográfico”. Expografia é o ter-
primeiros a aquiescer a esta formulação, visto mo usado especificamente para discurso
existir, na sua obra, um discurso que inclui a expositivo. Chagas (1996: 33) também consi-
necessidade de comunicação e uso social do dera a museografia como Museologia aplica-
patrimônio na preservação. Assim, ela não da, responsável pelas “condições práticas e
seria equivalente absoluto do termo salva- operacionais de ocorrência do fato museal”.
guarda, menos ainda de investigação. Ao Russio, na apresentação do anteprojeto mu-
ponderar os sentidos de tombamento e de seográfico presente em sua tese de
preservação, o autor se aprofunda no exame doutoramento, revela uma noção de
da origem latina de preservação (Praeservare museografia similar às anteriores. Os concei-
– ver antecipadamente o perigo) para afirmar tos de museografia e de Museologia de
que “o perigo maior que paira sobre um bem Barbuy (1999: 43) são expressos quando se
cultural é a sua própria morte ou deterioração” refere à museografia como “a idéia de uma
(CHAGAS, 1999: 104), e que “o sentido da pre- organização espacial e visual corresponden-
servação está na dinamização (ou uso social) te a uma dada concepção intelectual e ideo-
do bem cultural preservado” (Idem: 105). Se- lógica (museologia)”. Desta forma, trata por
guindo este raciocínio, Chagas poderá resolver museografia não toda aplicação da Museo-
o paradoxo por ele identificado entre as neces- logia, mas o que denominamos expografia.
sidades de conservação e de dinamização, di- Já Scheiner (1998: 124), ao definir
ante da inexorável ação do tempo sobre os museografia, como “o conjunto de práticas
bens patrimoniais (CHAGAS, 1996: 104). Como através das quais o Museu se viabiliza, ga-
hoje compreendemos, a preservação pode es- nhando uma identidade específica, uma per-
tar fundamentando igualmente ações de sal- sonalidade própria”, estaria em acordo com
vaguarda e de comunicação patrimoniais. Bruno, Chagas e Russio, mas eventualmente,
usa o termo também no sentido de expogra-
Para Bruno, a Museologia é uma discipli- fia (Idem: 137).
na preservacionista baseada na cadeia ope-
ratória de salvaguarda e comunicação: “Rea- A determinação do universo de museali-
firmando que a preservação é a função bási- zação também é alvo das discussões, com a
ca de um museu e que a partir dela estão afirmação de uma noção cada vez mais am-
subordinadas todas as outras, tais como cole- pliada do patrimônio musealizável, passan-
ta e estudo dos objetos e/ou espécimes da do de objeto para uma orientação teórica
natureza; salvaguarda das coleções e/ou re- baseada no fato museal, como é predomi-
ferências patrimoniais (conservação e docu- nante ou talvez unânime entre os seis
mentação) e comunicação (exposição, edu- museólogos estudados. Chagas (1996) enten-
cação e ação sócio-cultural), salienta-se que de que o conceito de museu cobre o univer-
o desempenho articulado de todas estas so inteiro e tudo é musealizável. Museu é o
facetas preservacionistas deve estar vincula- lugar onde podem ser estudadas as relações
do ao exercício da disciplina museológica” entre o homem e a realidade do universo em
(BRUNO, 1995: 145-146). sua totalidade. Sua noção de patrimônio
AS ONDAS DO PENSAMENTO MUSEOLÓGICO 59

corresponde a “um conjunto de bens cultu- musealização foi a adoção da interdiscipli-


rais sobre o qual incide uma determinada naridade como método de trabalho, idéia
carga valorativa” (Idem: 40 – em nota de recorrente tanto em Vagues como entre os
rodapé). O bem natural incluído no cultural, museólogos que estudamos. Russio (1977,
como em Russio, para quem os objetos a se- 1980) recomenda a interdisciplinaridade
rem musealizados são todos os elementos como método de pesquisa, de ação e de for-
externos ao homem e passíveis de serem mação profissional. Maria Célia vai além e
percebidos ou modificados, eleitos em vir- integra aos diferentes esforços profissionais a
tude do seu potencial de significação participação comunitária – que Russio alme-
(RUSSIO, 1990: 07-12). A natureza é um bem ja, mas não insere no âmbito da ação inter-
cultural, na medida em que mesmo que não disciplinar: “a abrangência do patrimônio
seja alterada, ela é percebida e dotada de cultural, a cultura entendida como o resulta-
significados e valores pelo homem. do do trabalho do homem, conduz-nos, cada
Scheiner (1998: 44) também compreende vez mais, para o trabalho interdisciplinar,
que os museus são espelhos onde a socieda- multidisciplinar e de participação dos diver-
de se reflete por meio de uma parte eleita e sos grupos da comunidade” (SANTOS, 1993:
preservada do seu patrimônio, proveniente 105). Chagas (1996: 49) opta por ela como
de um amplo universo. Para o tratamento “crítica da especialização e recusa de uma
deste patrimônio a solução da Museologia ordem institucional dividida”, e ainda como
foi voltar-se para uma perspectiva de ação exigência para a transformação da formação
integral e conceber novos modelos museoló- profissional. Para este autor, é pela opção in-
gicos (Idem: 49). terdisciplinar que a Museologia mostra sua
vitalidade (Idem: 50). A ação interdisciplinar
A amplitude do universo de musealização da Museologia consiste, para Cristina Bruno,
é presente, segundo Vagues, no pensamento no fato de que esta disciplina não estuda es-
museológico internacional. Referindo-se ao pecificamente o homem, o objeto ou o cená-
que chama de uma Museologia globalizante, rio, mas uma relação estabelecida entre eles,
Desvallées (1989: 14) desafia: “O museu ultra- denominada fato museal.8 Acresça-se a isto,
passa suas paredes. Suas coleções estão em a tarefa de comunicar o conhecimento pro-
toda parte. Tudo lhe pertence. Todo patrimô- duzido em outras áreas do conhecimento.
nio é museal - e não apenas museificável.
Tudo é museu!”. Polemiza os mecanismos de Se tais transformações foram exigências
seleção e exclusão, próprios da Museologia. da alteração em um dos vértices do fato
Embora tudo seja passível de musealização, museal, devemos nos deter agora na análise
não é possível musealizar tudo, daí a crítica do alargamento conceitual que desobrigou
sobre o conceito de museu integral, que seria da formação de coleções o processo de mu-
ligado a uma má tradução de museu integra- sealização. Heloisa Barbuy, que participou da
do: como a musealização envolve recortes, criação de um dos raros exemplos de experi-
seleção, opções, descartes, falar de um mu- mentações no Brasil do modelo de
seu integral é uma tendência ao totalitaris- ecomuseus, o Museu da Cidade de Salto
mo e o que é fatível é a existência de um (SP), aponta a concepção de objeto ligada a
modelo museológico que integre as parcelas esse modelo museológico: “O acervo não é
derivadas de diferentes vertentes patrimoni- indesejado ou banido; ao contrário, é ampli-
ais.7 ado, tanto no sentido de sua natureza como
no de seu significado, abrangendo bens imó-
Outra exigência desta nova forma de con- veis e territórios inteiros, além de espécimes
ceber o objeto museológico e o universo de vivos e de bens imateriais” (BARBUY, 1995:
60 MANUELINA MARIA DUARTE CÂNDIDO

210). Segundo ela, a compreensão de uma de tempos idos. Embora não o diga clara-
ruptura radical foi imprópria: “Que esses ob- mente, parece-nos subjacente a considera-
jetos sejam recolhidos ou não para dentro ção de que hoje o museu pode, sim, existir
de um museu, isto depende de cada contex- sem objetos.
to cultural e de cada projeto museológico
mas em nenhum momento propôs-se que os Afirmada, porém, a permanência do obje-
objetos deixassem de ser inventariados ” to na tríade que define o objeto de estudo da
(Idem, 211). Uma alternativa à formação de Museologia como sendo o fato museal, pas-
coleções e à recolha de acervos pode ser samos à outra vertente da questão, referente
encontrada entre os modelos museológicos à relação museu-público. Maria Célia Santos
propostos por Bruno (1995): a constituição (1993: 75) confere à identificação entre o pú-
de bancos de dados de referências patrimo- blico e o que se encontra exposto, o papel de
niais. Mesmo sem nomeá-las diretamente, viabilizar esta comunicação. Se a identifica-
entendemos que Barbuy está tratando em ção é hoje palavra de ordem, o estranha-
seu texto daquilo que Bruno assim identifica. mento, o mistério e o distanciamento, já fo-
Já na obra de Chagas, há a alusão direta à ram a tônica da relação. Scheiner expôs
expressão referência patrimonial. como as normas coercitivas já nortearam a
visitação aos museus e geraram certo senso
Waldisa Russio (1980: 114), anterior a esta comum de qual seja a relação possível com
formulação, referia-se a uma “representativi- estas instituições. Para ela, é no séc. XIX que a
dade das peças”. Observe-se a magnitude da emoção entra no museu. Sentimentos como
noção de patrimônio aí envolvida, e a visão o prazer e a emoção são fatores desta rela-
antropocêntrica, porque o objeto não está ção pouco examinados pela Museologia,
presente per si, mas pelo que representa: sua como observaram Fattouh e Simeon (1997:
proposta era de que a linguagem dos objetos 31-32) em sua análise do pensamento do
narrasse o processo de industrialização e que ICOFOM.
aquele não fosse um museu de máquinas,
mas memória de lutas, de homens. Ainda as- A identificação do público com o patri-
sim, o abandono da tridimensionalidade mônio musealizado e sua utilização para ge-
equivaleria para esta autora, ao da represen- rar estímulos no sentido da conscientização
tatividade, documentalidade, testemunhali- e da ação sobre o real são hoje mais condi-
dade e significância inerentes aos objetos zentes com o papel social esperado de um
(Idem: 74-84). museu, que, para Bruno, se realiza na
intersecção de dois outros, o científico e o
Scheiner (2000: 22) entende que mais que educativo, ao “propiciar a compreensão so-
representação, o museu é criador de sentido. bre o patrimônio / herança e o exercício da
Os conjuntos significantes ali criados sinteti- cidadania” (BRUNO, 1998a: 27). Maria Célia
zariam práticas, valores e sensações do indi- Santos (1993: 52) afirma: “Para nós, o simples
víduo, considerados patrimônio pelos víncu- ato de preservar, isolado, descontextualiza-
los afetivos a eles atribuídos. A existência do do, sem objetivo de uso, significa um ato de
objeto seria, desde o mito de origem dos indiferença, um ‘peso morto’, no sentido de
museus, fundamental nos processos desen- ausência de compromisso. Entendemos o
volvidos (Idem, 29-30). Apenas nesta autora ato de preservar como instrumento de cida-
percebemos um certo distanciamento, como dania, como um ato político e, assim sendo,
se o objeto fosse uma realidade ligada so- um ato transformador, proporcionando a
mente a uma atuação museológica mais tra- apropriação plena do bem pelo sujeito, na
dicional, onde seria um mito arraigado des- exploração de todo o seu potencial, na inte-
AS ONDAS DO PENSAMENTO MUSEOLÓGICO 61

gração entre bem e sujeito, num processo de logia definido por Ulpiano Bezerra de
continuidade”. Um museu “onde o cidadão Meneses como administração da memória, e
comum encontre traços da sua cultura, do assim por diante. Scheiner imputa ao museu
fazer do seu dia-a-dia, se identifique como a filiação à memória, que o liga definitiva-
aquele que participa da História, que, sem mente aos seus meios capitais de expressão,
perder de vista as suas raízes, utiliza-a como o tempo, a língua e o espaço. E seria consoli-
referencial, compreende o seu presente e dado por meio do objeto, como em Chagas,
constrói o seu futuro” (Idem: 19). síntese das representações. Como os demais,
percebe a existência de uma memória
É nessa linha de pensamento que se en- multifacetada, construída no presente. Os
contra também Heloisa Barbuy (1989: 36), ao museus, como bibliotecas e arquivos, seriam
centrar o papel social e educativo do museu responsáveis pela guarda dos registros mate-
no seu potencial “de aumentar a capacidade riais da memória coletiva, fazendo dos
de uma coletividade de projetar seu próprio museólogos, administradores dessa memória
futuro e de ser sujeito ativo – e não passivo – (SCHEINER, 2000: 31-35). Como espelho, o
de sua própria história, a partir da consciên- museu lidaria simultaneamente, com identi-
cia que passa a ter de si mesma”, já que “a dade e alteridade, reconhecendo a
ação cultural exercida pelos museus e por pluralidade.
outras instituições culturais tem importante
papel na relação que o homem desenvolve A globalização, criou seu inverso, o refor-
com sua realidade ” (Idem: 40). Waldisa ço das identidades regionais. Esta autora
Russio (1977: 132) propôs um museu destaca a maneira como o museu, em meio
propiciador do questionamento, da crítica, à própria crise de identidade, tem articula-
da avaliação, da ética e da transformação: do o debate sobre esta problemática. Em es-
“O museu deve ser compreendido como um tudo de 1987 sobre a produção do ICOFOM
processo em si mesmo, como uma realidade em torno desta matéria, percebeu as origens
dinâmica. (...) O museu não existe isolada- regionais das distintas compreensões. Esta
mente, mas dinamicamente, na sociedade”. conclusão tem paralelo em Fattouh e
A atitude contrária estaria relegando o mu- Simeon (1997: 48), que apreendem da pro-
seu gradualmente ao esquecimento. dução dos autores procedentes de países
Scheiner alerta também para o papel de “es- em via de desenvolvimento o interesse em
tabelecimento e manutenção da compreen- uma ação que contribua para a construção
são e da tolerância intercultural”, ainda por de identidades nacionais, aspecto, a seu ver,
realizar (SCHEINER, 1998: 35). já resolvido no primeiro mundo. Para além
da busca de ingresso no “concerto das na-
Intrinsecamente ligados à teoria museoló- ções” (BARBUY, 1999; CHAGAS, 1999), os
gica estão os temas da memória, da identida- museus mesmo nos países subdesenvolvidos
de e da diversidade cultural. Para Bruno, é passam a reconhecer a importância da voca-
na consciência sobre o patrimônio e na ção territorial, com base em distintos níveis
construção das identidades que se realiza o de identidade sobre o qual estariam agindo.
tributo dessa disciplina. A intimidade entre Aos museus de caráter nacional, somam-se
Museologia e memória é identificada por os regionais e os locais. No Brasil, o conceito
Evres (2000:62) como existente desde Russio. de museus de território pouco a pouco pas-
Realmente, entre os autores estudados, todos sa a gerar processos museológicos.
praticam esta associação. Chagas entende os
bens patrimoniais como representações da Heloisa Barbuy (1995: 222), ao discutir os
memória, Bruno ressalta o papel da Museo- ecomuseus, alerta para que sua problemática
62 MANUELINA MARIA DUARTE CÂNDIDO

central – que aqui estendemos a toda a pro- está suspensa, presa por um fio de insatisfa-
blemática preservacionista – seja a definição ção” (1977: 142).
para “o limite entre o caráter revolucionário
ou conservador da construção de identida- Desenvolvimento pela qualificação da
des culturais”. O tema da vocação territorial cultura é a proposta presente em Santos e
está associado a uma nova discussão que se Bruno. O ingresso da reflexão sobre desen-
impõe no universo de reflexão da Museolo- volvimento por meio da preservação e da
gia e que diz respeito à necessária compre- ação museológica tornou-se possível somen-
ensão da cultura como criadora das condi- te com as alterações profundas na relação
ções necessárias para o desenvolvimento e, entre museu e passado. Hoje, esta não é a
portanto, sua preservação como fator indis- única temporalidade à qual se liga o museu:
pensável para tal (VARINE in DESVALLÉES, ele articula presente, passado e futuro, como
1992: 56). A disposição no sentido de associar catalisador da evolução social. Waldisa
desenvolvimento sustentável e afirmação do Russio (1977: 26) aludiu ao museu como
uso como estratégia de preservação do patri- “deflagrador das utopias”. A musealização
mônio permeia os debates contemporâneos tem um sentido, em sua obra, não somente
da Museologia, como exemplo, a Carta de de registro do passado, mas de preservação
Santa Cruz, oriunda do II Encontro Internaci- do presente e antecipação do futuro.
onal de Ecomuseus “Comunidade, Patrimô- Scheiner (2000: 91) denota ao fenômeno
nio e Desenvolvimento Sustentável” (2000). museu uma nova inserção no tempo afir-
mando que “Museu é tudo o que se dá no
A idéia não é nova nem o debate pode ser presente, e também o passado e a projeção
superficial. Como Evres, identificamos tam- de futuro”. A própria experiência do tempo
bém a presença de diferentes noções de de- teria sido contemporaneamente revolucio-
senvolvimento entre os documentos de Santi- nada: “presente, passado e futuro diluem-se
ago e de Caracas. Naquele, julga-se suficiente numa percepção de permanente atualidade,
a apreensão de modelos desevolvimentistas onde preservação e transformação se equi-
dos países do primeiro mundo pelos demais: valem” (Idem, 97). E seguem-se outros pontos
“Não há uma preocupação com a forma de de vista confluentes, como em Chagas (1996:
utilização das riquezas naturais, apenas com 99) “A cada dia assenta-se mais a noção de
quem as usa. Como forma de minimizar as que a sobrevivência da instituição museal
desigualdades sociais, o uso da natureza de- depende da sua capacidade de, enquanto
verá ser estendido a todos” (EVRES, 2000: 40). espaço cultural aberto e público, abrir-se
É uma natureza dominada pelo homem que para o tempo presente, para aquilo que de
se encontra nesse documento. Vinte anos de- museológico existe fora dos limites espaciais
pois, Caracas já reflete um mundo em que do museu institucionalizado”.
desenvolvimento e tecnologia não são sinôni-
mos. A desilusão com a manutenção das desi- Houve mesmo uma discussão sobre
gualdades em paralelo ao avanço tecnológi- futurologia e Museologia puxada pelo ICOM,
co e com a inaptidão dos padrões desenvolvi- na qual Barbuy afirmou: “(...) o objeto de tra-
mentistas do primeiro mundo para uma apli- balho é o tempo presente, em toda sua
cação direta e a-crítica nos demais países se fugacidade, em toda sua natureza de passa-
fazem notar. Waldisa Russio já prenunciava o do em potencial” (BARBUY, 1989: 36). E ain-
abismo entre desenvolvimento e progressos da: “ (...) há um papel reser vado à
tecnológico e econômico ao afirmar que Futurologia, que pode auxiliar a Museologia,
“não basta ao ser humano a fruição de um justamente com seus prognósticos sobre a
grande conforto material quando sua alma realidade de amanhã, definindo os pontos a
AS ONDAS DO PENSAMENTO MUSEOLÓGICO 63

serem estudados na cultura gerada e com uma opção política e transformadora.


catalisados ou transformados hoje, para a Não restam dúvidas, porém, que a preserva-
germinação de um futuro melhor. A Museo- ção tanto pode servir à transformação como
logia, então, não apenas estuda a relação à manutenção da ordem estabelecida e dos
entre o homem e a realidade, entre o ho- privilégios. Bruno é contundente na afirma-
mem e o objeto mas procura, também, atuar ção do caráter preservacionista. Seu discur-
sobre esta relação e transformá-la” (Idem, so reflete uma constante preocupação pelo
37). Para ela, a especificidade deste proble- não abandono do patrimônio já institucio-
ma no Brasil encontra-se no fato de existir nalizado. Barbuy (1989: 36) demonstra com-
“no mundo pragmático e no próprio senso- partilhar deste ponto de vista. Scheiner en-
comum, uma idéia de modernidade que é, tende que o museu ultrapassa os limites da
ainda, aquela do Futurismo do início do sé- materialidade dos objetos para criar conjun-
culo, que pregava a destruição do passado tos significantes que são o patrimônio. Iden-
para que este desse lugar a um mundo novo, tifica no mito de origem dos museus o cará-
nascido do zero. É a idéia do futuro ter preservacionista, mas, a nosso ver, associa-
substutivo (futuro entendido como os a sacralização, solenidade e ritualidade.
substutivo do passado e não como parte de Como foi explanado, ao designarem a Museo-
um mesmo processo)” (Idem: 38). logia como preservacionista, os demais auto-
res entendem sua potencialidade
Impõem-se novos tempos, posturas e rela- transformadora, ainda que em convivência
ções. A dicotomia museu-templo x museu- com o potencial para manutenção da ordem
fórum tratada por Chagas tem equivalência estabelecida. Essa autora aprova a preserva-
na discussão de Santos sobre museu como ção quando ela diz respeito à “atualização da
campo para fomento da ação. Mais que vida social” (SCHEINER, 2000: 40), como ocor-
ação, o museu para Chagas faz-se arena, tem re em ecomuseus e museus de território.
sua gota de sangue, suas contradições. Dis-
tancia-se “ da idéia de espaço neutro e A partir de Caracas (1992), o museu passou a
apolítico de celebração da memória” (CHA- ser afirmado como canal de comunicação,
GAS, 1999: 19) e assume a denúncia, a crítica tendência já incorporada pela Museologia bra-
e a reflexão. Associar a reflexão sobre a ori- sileira: “Ao lado de seu evidente compromisso
gem mitológica dos museus a esta tensão com a preservação, o museu deve ser pensado
entre memória e poder é marcante em Cha- e realizado como um canal de comunicação,
gas, que os trata como potenciais espaços capaz de transformar o objeto testemunho em
celebrativos da memória do poder ou arenas objeto diálogo, permitindo a comunicação do
para o levante democrático do poder da que é preservado. Às antigas responsabilidades
memória.9 de coletar, estudar, guardar o patrimônio, ou-
tras exigências se impuseram” (BRUNO, 1998:
Para Russio, defensora do caráter preser- 08-09). Há mesmo quem veja uma passagem
vacionista da Museologia, este pode se fun- para o campo dos meios de comunicação de
damenta na visão prospectiva. A especifici- massa, como Scheiner, porém entendemos
dade da ação museológica é o pressuposto que esta escala pode não ser compatível com a
da preservação, não no sentido de saudosis- realidade dos museus dos países em desenvol-
mo, mas de com fundamento político de in- vimento, embora se verifique em alguns mu-
formação para ação (RUSSIO, 1990: 10). Cha- seus do primeiro mundo.
gas faz também sua opção pelo uso social do
patrimônio. Da mesma forma, Santos (1993: A afirmação da comunicação afasta-se um
52) defende a preservação compromissada pouco da presença testemunhal do objeto
64 MANUELINA MARIA DUARTE CÂNDIDO

proposta por Russio. Quando a autora defen- considera-se em dívida com um estudo das
de a adequação da linguagem tridimensio- contribuições de Freire para as reflexões no
nal dos objetos para narrar o processo de in- âmbito da Museologia. Para ela, “A relação
dustrialização (RUSSIO, 1980: 114), a formu- entre museu e educação é intrínseca, uma
lação é centrada numa narrativa, não ainda vez que a instituição museu não tem como
em um diálogo. A informação contida nos fim último apenas o armazenamento e a
objetos interessa à Museologia pelos fatores conservação, mas, sobretudo, o entendimen-
de documentalidade, testemunhalidade e fide- to e o uso do acervo preservado, pela socie-
lidade. Bruno tem se detido com afinco na ca- dade, para que, através da memória preser-
racterização dos objetos de museu como obje- vada, seja entendida e modificada a realida-
to-diálogo, reforçando que eles não falam per de do presente. Nesse sentido, a própria con-
si, mas que seus sentidos e significados são cepção do museu é educativa, pois, o seu
construídos na relação com o público. objetivo maior será contribuir para o exercí-
cio da cidadania, colaborando para que o
A relação propiciada pelos museus é, para cidadão possa se apropriar e preservar o seu
Chagas, “campo fértil para a ocorrência o patrimônio, pois ele deverá ser a base para
processo educativo transformador, capaz de toda a transformação que virá no processo
estimular a descoberta, de produzir novo co- de construção e reconstrução da sociedade,
nhecimento, de despertar novas emoções, sem a qual esse novo fazer será construído
sensações e intuições” (CHAGAS, 1996: 84). de forma alienante” (SANTOS, 1993: 99).
Barbuy (1989: 36), combina as funções sociais
e educativas do museu para demonstrar seu Santos e Bruno estão lado a lado na defi-
potencial de conscientização e de nição da educação e da conscientização
capacitação coletiva para a tomada das ré- como parâmetros para o desenrolar do pa-
deas de seu porvir. O aprendizado baseado pel social dos museus, sem cujas limitações
na relação dialética entre educador e edu- sua ação pode perder as especificidades e
cando é defendido por Chagas (1996: 84): a confundir-se com atuações de outras áreas
ação educativa tem base no diálogo e permi- do conhecimento.
te a “transformação do bem cultural em bem
social” (Idem: 62). Russio, em suas propostas, Se as fronteiras do que seja ação museoló-
baseava a formulação das atividades gica são delimitadas pela educação e pela
educativas em uma concepção de aprendi- conscientização, estes limites foram explora-
zado constante. Talvez possamos entrever aí dos ao máximo pelas formulações que deri-
paralelos com a educação libertadora desen- varam no modelo museológico do
volvida em processo permanente, de Paulo ecomuseu. Muita confusão na interpretação
Freire. São características comuns a ambos, de conceitos tem feito desta denominação
o desenvolvimento da criatividade, do senso um guarda-chuva onde tudo cabe. Algumas
crítico e da consciência, numa perspectiva balizas, entretanto, são propostas por Barbuy
que a autora denomina ecológico - (1995: 211) a partir da conceituação de
humanista. Bellaigue: o território, a população como
agente, o tempo e o patrimônio. Bruno reduz
A expressão máxima da influência do o conceito às seguintes variáveis: o território,
pensamento deste educador entre os o patrimônio constituído sobre este espaço,
museólogos estudados pode ser a atuação de e uma população, que viva nesse território
Maria Célia Santos na Bahia. Ela mesma des- interagindo com esse patrimônio10. Russio,
taca este aspecto do seu pensamento em en- ao sugerir que os museus de fábrica propos-
trevista a Mário Chagas (SANTOS, 2002) e tos em seu doutorado fossem espécies de
AS ONDAS DO PENSAMENTO MUSEOLÓGICO 65

ecomuseus industriais, caracteriza-os “pelas ção. Sua colega carioca é contundente em


relações sistêmicas e pela participação co- caracterizar os museus por dinamismo, mu-
munitária no FAZER O MUSEU e no MANTÊ- danças, pluralidade e diversidade. Nela tam-
LO” (RUSSIO, 1980: 145). Já Scheiner (1998: bém se percebe a existência de um museu
40) acredita que nesse modelo e no dos mu- conceitual.
seus de território, “a musealização assume
uma característica de ‘ficção das trocas sim- As profundas alterações epistemológicas
bólicas’ e faz-se como um ato de restituição da Museologia não podiam deixar de refletir
do qual participam as coletividades; mais nas bases da formação profissional. O novo
que musealização trata-se de uma atualiza- museu exigiu repensar a carreira ainda vol-
ção da vida social em torno do fato cultural”. tada para estudos de coleções que compu-
nham o eixo da Museologia mais tradicional.
Aspecto freqüente na bibliografia é a ne- Aos compromissos com a manutenção física
cessidade de avaliação constante e reali- dos acervos somaram-se tantos outros que os
mentação do processo museológico. Contu- museólogos precisaram também descons-
do, o discurso tende apenas a indicar este truir os padrões clássicos de sua própria for-
compromisso, sem definições quanto aos mação. Mário Chagas (1996: 96) critica a for-
métodos de avaliação. O reconhecimento mação profissional autoritária, burocrática e
desta exigência, porém, é já um fator desvinculada de compromissos sociais e re-
decorrrente da compreensão do fenômeno lacionou sete imagens de museólogos a sete
museu como um processo, onde predomi- perigos. Assim, o ególatra, o primeiro-
nam os tempos longos e as formulações po- mundista, o tupiniquim-xenófobo, o conser-
dem ser minadas pelas descontinuidades. vador, o colecionador, o especialista e o
Russio é incisiva quanto à visão prospectiva generalista seriam tipos característicos dos
e processual e formula uma metodologia do desvios de condutas profissionais na Museo-
“MUSEU-PROCESSO” (RUSSIO, 1980: 117). logia. Suas atuações estariam permeadas por
perigos a serem afastados como a centraliza-
Bruno (1995: 352) reivindica tempos lon- ção no objeto, a mentalidade colecionante,
gos para a consolidação dos processos de a obsolescência da informação, o afastamen-
musealização, bem como Barbuy (1999, 40). to da realidade social, a carência de embasa-
A visão processual aparece não somente na mento teórico, a não valorização dos traba-
aquiescência ao longo prazo como tempo lhos de pesquisa e o enfoque autoritário.
para verificação dos efeitos da ação museo-
lógica, mas na gradual transferência de pa- O primeiro curso de pós-graduação na
péis das instituições para os processos muse- área foi criado, em São Paulo, por Waldisa
ológicos como responsáveis pela Russio (1978). É essencial entender seu pen-
deflagração de atitudes preservacionistas. samento pela influência que exerceu nos de-
Santos (1999) é também partidária da Museo- mais, alguns, inclusive, ex-alunos. O Instituto
logia processo e ao relatar sua experiência de Museologia de São Paulo da Fundação
no Museu Didático-Comunitário de Itapuã, Escola de Sociologia e Política de São Paulo
admite que o processo museológico antece- (FESP) adota a concepção de Museologia
deu a existência da instituição. Note-se que, como ciência em formação, cujo objeto é o
com todas as transformações conceituais fato museal. Para ela, a formação e a profissi-
adotadas, a autora ainda se refere à institui- onalização na área enfrentam desafios como
ção. No caso Chagas, por exemplo, há um acompanhar os museus nas novas exigências
entendimento de que o processo museológi- que lhe são feitas e em posicionar-se diante
co não gera necessariamente uma institui- de um problema identificado por Bourdieu
66 MANUELINA MARIA DUARTE CÂNDIDO

no fim da década de 60 e que no Brasil era nais e experiências institucionais. O segundo


ainda realidade: a seleção de pessoal para tinha um conjunto de seminários intensivos
museus não fundamentada em critérios de ministrados por profissionais nacionais e es-
formação. O fato foi agravado, para Russio, trangeiros e a continuidade das visitas técni-
pela regulamentação da profissão, que real- cas. Ao longo do curso eram ainda agendados
çou o critério do exercício profissional. Sua encontros museológicos e aulas especiais e os
argumentação define o museu como “base alunos realizam estágio obrigatório, além da
institucional necessária” à disciplina museo- pesquisa para elaboração da monografia,
lógica, não como seu todo. E remete a dis- cuja redação ocorria no último semestre.
cussão sobre formação a outra anterior, a
busca do campo de reflexão crítica específi- Nos cursos mais antigos, as graduações da
co da Museologia. Põe-se de acordo com Bahia e do Rio de Janeiro, as novas exigências
Stránský, da Escola de Museologia de Brno suscitaram reformulações curriculares. Maria
(atual República Tcheca), para quem “Não Célia Santos participou da reforma curricular
basta inculcar nos futuros museólogos co- da Museologia da UFBA, implantada em 1989,
nhecimentos e fazê-los adquirir uma experi- onde a ação museológica passou a voltar-se
ência; é preciso ensiná-los a pensar museo- mais para o binômio preservação-
logicamente e de maneira independente (...) dinamização culturais, ressaltando-se aqueles
Somente quadros dotados de conhecimen- até então discriminados, os costumes e faze-
tos teóricos poderão vir a ser co-criadores da res cotidianos. O conhecimento voltado so-
Museologia enquanto disciplina científica mente para as coleções foi minimizado. Para
independente. A necessidade de criar um sis- ela, o profissional da área deve dominar a téc-
tema teórico próprio da Museologia é pois nica para saber aplicá-la a qualquer contexto,
mais que determinante para o ensino da Mu- mas para isso, precisa saber analisar este con-
seologia” (STRÁNSKÝ, apud RUSSIO, 1989: texto, e adaptar suas técnicas a ele, trabalhar
10). interdisciplinarmente e em envolvimento
com a comunidade local, além de realizar
A influência desta perspectiva é notória uma avaliação constante do processo.
na concepção de Cristina Bruno para a Espe-
cialização em Museologia, criada na USP em Scheiner esteve envolvida, a partir de
1999, que tinha duração de um ano e meio, 1995, com a implantação do novo currículo
entre aulas e elaboração de trabalho de Museologia da UNI-RIO. Sua ação não
monográfico. As disciplinas básicas do curso tem sido apenas localizada à escola carioca,
procuravam equilibrar Museologia e mas estende-se à participação na pesquisa,
museografia como faces teórica e aplicada análise e reestruturação do “International
da formação profissional. A carga horária Syllabus for the Training of Personnel for
contava, no primeiro semestre, pelo aporte Museums”, a ser sugerido pelo ICTOP como
teórico-metodológico e relativo à historici- currículo básico de Museologia. Voltando-
dade do fenômeno museal, e pela instrução nos ao pensamento da autora, para quem “O
voltada aos aspectos de aplicação ou museólogo, hoje, não é quem trabalha nos
museografia, em duas disciplinas voltadas museus, mas quem pensa o Museu ”
para salvaguarda (conservação e documen- (SCHEINER, 1998: 141), deparamo-nos com o
tação) e para comunicação do patrimônio risco de uma opção pela formação que
(exposição e ação educativo-cultural). So- desassocie a reflexão e aplicação.
mavam-se às disciplinas básicas, no primeiro
semestre, seminários temáticos e visitas téc- Um aspecto complexo desta análise a que
nicas que apresentavam atuações profissio- nos propusemos é refletir sobre a coerência
AS ONDAS DO PENSAMENTO MUSEOLÓGICO 67

conceitual entre produção teórica, docência co a seguir, faleceu prematuramente (1990)


e aplicação museológica dos profissionais quando estava no ápice de sua atuação mu-
em questão. Não pretendemos fazer aprecia- seológica.
ções detidas, apenas ressaltar alguns aspec-
tos mais evidentes ou as próprias avaliações No pensamento de Cristina Bruno destaca-
dos autores sobre sua trajetória, como a de se uma preocupação em aproveitar a experi-
Maria Célia Santos, na já mencionada entre- ência profissional de aplicação museológica
vista a Mário Chagas, em que ressalta pontos e de refletir sobre ela nas etapas de gradua-
como a influência de Paulo Freire em seu ção acadêmica. Esta característica, como vi-
pensamento. Em outro momento de sua pro- mos, não é uma constante na área, o que dis-
dução, a autora identifica sua contribuição sipa a produção por não associar reflexão e
para a aplicação e reflexão em Museologia: prática como componentes indissociáveis
cultura como produto social, criado em pro- da construção do conhecimento museológi-
cesso; memória coletiva fomentando a com- co. Um aspecto a mencionar é a indicação
preensão e transformação da realidade; in- de desdobramentos possíveis, dos processos
centivo à apropriação e reapropriação do museológicos que origina. Sua tese e outros
patrimônio e do entendimento das identida- projetos são colocados num patamar de
des como plurais e dinâmicas; uso da memó- deflagradores de processos de formação
ria preservada para a formação do cidadão; profissional e pesquisa. Outras características
ação museológica gerada a partir da prática que se sobressaem nela são o rigor conceitu-
social; adoção de uma noção integrada da al e a busca incansável de uma sistematiza-
relação entre o homem e a natureza; tomada ção para a disciplina.
de posição com vistas à realização do com-
promisso social da Museologia com a trans- Teresa Scheiner não nos parece estar
formação e o desenvolvimento social; for- amarrada a esta sistematização, mas de certa
mação de sujeitos capazes de ver a realida- forma complementa a teorização em Museo-
de, expressá-la, expressar-se e transformar a logia por trazer um amparo conceitual e re-
realidade (SANTOS, 1999: 113-114). Para flexivo de outras disciplinas, por inserir o co-
Santos, a instância de aplicação foi sempre a nhecimento desta área no universo do pen-
base para sua reflexão acadêmica e para a samento científico. Sua visão é transdiscipli-
formulação e avaliação de conceitos. Sua nar, holística e biocêntrica, algo vanguardista
produção revela uma atuação profissional e que pode vir ou não a se firmar nas con-
apaixonada e comprometida. cepções de Museologia após o tempo neces-
sário para debates, ajustes e consolidações
A vinculação entre realização de trabalho que geram e destroem continuamente os pa-
acadêmico e proposta de aplicação é perce- radigmas. Alguns dados contribuem para a
bida ainda em Russio, precursora das discus- relevância da observação de seu pensamen-
sões sobre a disciplina no Brasil e da forma- to, ainda que não hegemônico, no Brasil:
ção em nível de pós-graduação. Como o dis- como publica também em inglês e foi Presi-
se Cristina Bruno (1995), foi uma “vanguarda dente do ICOFOM, tem grande projeção in-
solitária”. Influência notória na Museologia ternacional. Por outro lado, tem forte atua-
brasileira, reconhecida internacionalmente ção na Escola de Museologia na UNIRIO, e
e difusora em território nacional de diretri- atua na definição de parâmetros internacio-
zes internacionais como a revolução concei- nais para a formação em Museologia, junto
tual proposta em Santiago, esta autora muito ao ICTOP. Portanto, é imprescindível que
rapidamente produziu, formulou, formou. suas idéias sejam conhecidas, debatidas e
Mas como percebemos no quadro cronológi- ponderadas.
68 MANUELINA MARIA DUARTE CÂNDIDO

Heloisa Barbuy esteve envolvida no pro- na orientação a diversos estudantes e estagi-


cesso que originou uma experimentação da ários, organização de diversos eventos cien-
ecomuseologia no Brasil, que gerou por al- tíficos e docência. Seus processos de consul-
gum tempo reflexões e publicações por par- toria têm priorizado também, a formação e a
te desta profissional e aproximou-a de capacitação profissionais. Além disto, cola-
museólogos franceses como Mathilde bora com outras universidades, notadamen-
Bellaigue e François Hubert. Na década de te a Universidade Lusófona, em Lisboa, como
80, também atuou na formação profissional, docente do primeiro doutorado em língua
como auxiliar de ensino de Waldisa Russio portuguesa na área de Museologia. Mário
no Instituto de Museologia de S. Paulo, onde Chagas e Maria Célia são também ligados a
se especializou. Nos últimos anos, é docente este curso de pós-graduação.
do Museu Paulista da USP e se interessa pelo
estudo de questões da visualidade no séc. Teresa Scheiner, dentre os autores estuda-
XIX, o que leva a um afastamento das discus- dos, é a que vem contribuindo com mais re-
sões epistemológicas da Museologia para cir- gularidade para as publicações internacio-
cunscrever sua reflexão ao campo da Histó- nais, notadamente, do ICOFOM. Atuou na
ria. A atuação em formação vem se dando seleção e orientação de alunos da Escola de
de maneira esporádica, por meio de cursos Museologia em estágios, monografias e dis-
de extensão e seminários em cursos, além da sertações e organizou diversos congressos de
orientação de estágios e de pesquisas no Mu- Museologia nacionais e internacionais. De-
seu Paulista. senvolve, pela Tacnet Cultural Ltda., desde
1990, projetos editoriais e de consultoria
Mário Chagas alia em sua obra criticidade museológica, além da organização de cursos
e poesia, perspicácia e veia humorística. Sua e workshops.
análise do fenômeno museológico é crítica e
articulada com base nas reflexões sobre teo-
ria e prática. Uma trajetória marcada pelo CONSIDERAÇÕES FINAIS
amplo universo de atuação em instituições
museológicas, do Nordeste ao Sudeste brasi- Há uma especificidade da Museologia bra-
leiros e pela larga experiência em formação sileira? Esta é a questão que se interpõe à
profissional. Sem dúvida, Chagas realiza o nossa reflexão. Segundo Peter Van Mensch,
que Stránský propõe que deva ser o cerne da um dos maiores estudiosos do pensamento
formação em Museologia: pensa museologi- museológico internacional na atualidade, a
camente. Sua produção bibliográfica revela maior contribuição da América Latina para a
um pensamento que reflete museologica- Museologia foi a Declaração de Santiago do
mente sobre o universo. Encontra elementos Chile.11 Após Santiago o autor, não destaca
para teorizar sobre Museologia até mesmo nenhuma outra contribuição de peso inter-
no cinema e na literatura. Recentemente, nacional e perguntado sobre os museólogos
está ligado ao Departamento de Museus e aqui estudados limitou-se a ponderar o pro-
Cetros Culturais (DEMU) do IPHAN. blema da barreira lingüística, já que a maior
parte deles tem publicado somente em por-
Cristina Bruno coordenou a Especializa- tuguês e francês. Entretanto, na distinção que
ção em Museologia da USP ao longo de qua- fez das orientações teóricas da Museologia
tro turmas e dirigiu o Departamento de contemporânea, Van Mensch localiza na op-
Iconografia e Museus da Prefeitura de São ção pelo estudo do fato museal uma destas
Paulo, mas está de volta ao Museu de Arque- tendências, recorrendo assim a um conceito
ologia e Etnologia da USP onde prossegue definido por Waldisa Russio. Pela representa-
AS ONDAS DO PENSAMENTO MUSEOLÓGICO 69

tividade dessa análise e recorrência na bibli- da, colaborando para a divulgação maior da
ografia da conceituação gerada a partir da produção da Museologia em língua portu-
definição de fato museal por Russio, consi- guesa e abrindo uma das poucas vias editori-
deramos que esta tenha sido até o momento ais nesta língua que resistem às primeiras
a mais proeminente contribuição brasileira publicações.
para a construção epistemológica da Museo-
logia. Contribuição que consideramos de funda-
mental importância na bibliografia nacional
É, portanto, lamentável, que ainda hoje a é a opção por soluções particulares e criati-
barreira da língua seja critério para a delimi- vas frente às tecnologias inadequadas vindas
tação das idéias que possam ou não ser ele- do exterior. A necessidade de redução das
vadas ao plano do conhecimento internaci- teorias aos contextos específicos faz parte
onal e do reconhecimento de sua relevân- das reflexões que os países em desenvolvi-
cia. Por um lado, permanece no mundo da mento podem, mais que quaisquer outros,
Museologia a dicotomia entre reflexões de recomendar, por suas próprias e desastrosas
procedência anglófila ou francófila. Não que experiências com a importação de padrões
isto represente na maior parte dos casos uma não adaptados às suas realidades. Advertên-
discordância conceitual, mas uma resistên- cias a este respeito estão ainda em Scheiner
cia da intelectualidade desses universos em e Bruno. Uma outra consideração é essenci-
aprofundarem o debate da produção prove- al: a diversidade cultural deve ser valorizada
niente de outra língua. O ICOFOM é a instân- como o conjunto das possibilidades do ho-
cia do ICOM que tem proporcionado uma mem resolver sua existência material e ima-
quebra destas rotinas, com a adoção de terial. Como a biodiversidade proporciona
parâmetros bilíngües de publicações e deba- diferentes soluções para a sobrevivência bio-
tes. A superação de um empecilho adicional lógica das espécies, a diversidade cultural
tem sido objetivo de lavor suplementar: a representa os recursos disponíveis para a so-
problemática das terminologias, que gerou brevivência e adaptação da espécie humana
um Grupo de Trabalho específico no seio do ao seu ambiente. Com isto em apreço, avali-
ICOFOM. amos o Brasil como sendo possuidor de um
conjunto cultural especialmente diverso e
Ainda assim, a produção dos autores brasi- detentor de um vasto universo para experi-
leiros aqui estudados não é de largo conhe- mentações que venham a alimentar a
cimento internacional, seja porque os auto- teorização em áreas como a Museologia.
res não têm seus textos versados para outros
idiomas, seja porque nem todos têm ou tive- No sentido das contribuições epistemoló-
ram participação no ICOFOM. Na obra men- gicas, identificamos neste estudo uma outra
cionada de Fattouh e Simeon (1997: 31-32), formulação de grande relevância, quando
os brasileiros presentes são Barbuy, Bruno, Cristina Bruno, em seu exercício de sistema-
Russio e Scheiner, além de Marcelo Araujo e tização da teoria museológica, vai na essên-
Maria de Lourdes Parreiras Horta. cia da questão da especificidade do caráter
preservacionista da Museologia, desenvolvi-
Por isto, destacamos iniciativas como a da do por meios de ações que garantam a salva-
criação do ICOFOM-LAM, onde se tornaram guarda e a comunicação patrimoniais. A de-
possíveis os intercâmbios de idéias em ter- finição desta cadeia operatória básica para a
mos de América Latina e a da publicação já Museologia e a concepção de que a preser-
mencionada dos Cadernos de Sociomuseo- vação é a natureza deste processo nos pare-
logia em Portugal, que estão, há uma déca- ce ser um avanço no sentido da demarcação
70 MANUELINA MARIA DUARTE CÂNDIDO

de fronteiras entre a Museologia e outros ra- bre o pensamento museológico de Mário


mos do conhecimento. de Andrade o quanto se buscava, àquela
época, um modelo nacional de cultura. E
Há uma ou várias museologias? Os autores findo o século XX, será que se pode dizer
brasileiros estudados, mais que uma opção que há um projeto museológico realmente
radical por uma Nova Museologia, fazem re- brasileiro? Santos, “neste momento, a solu-
flexão e questionamento, busca de renova- ção para a museologia brasileira está no
ção da prática museológica. Scheiner, em pequeno museu comunitário”, construído
sua análise da produção do ICOFOM sobre por meio de uma metodologia
identidades, localiza especificidades regio- participativa (SANTOS, 1993: 70). Mas au-
nais; assim como na análise de Fattouh e tores como Bruno e Scheiner continuam a
Simeon, que concluíram, no entanto, pela apostar em um leque muito maior de pos-
existência de uma só Museologia. Mesmo sibilidades. O que está fora de questão é a
ponto de vista expresso pelo simpósio do necessidade de confrontar a teoria com o
ICOFOM de Hyderabad (1988), mencionado contexto real de aplicação, para definir o
por Van Mensch: “A opinião geral, expressa modelo a adotar.
pelos museólogos de diferentes partes do
globo, admitiu que no nível mais elevado de
abstração, só há uma museologia. No nível REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
prático, no entanto, podem haver muitas di-
ferenças de acordo com as condições cultu- ANAIS do I Encontro Internacional de
rais e sócio -econômicas locais ” (VAN Ecomuseus. Rio de Janeiro: Secretaria Mu-
MENSCH, 1994: 02). É, portanto, uma Museo- nicipal de Cultura, Printel, 1992.
logia com ondas de renovação.
ARAUJO, Marcelo M.; BRUNO, Cristina (orgs.).
Ainda que os autores que estudamos não A memória do pensamento museológico
se intitulem “novos” museólogos estão, com brasileiro: documentos e depoimentos.
suas práticas e reflexões, contribuindo para a Comitê Brasileiro do ICOM, 1995.
renovação da Museologia. São trajetórias
que se entrecruzam e se influenciam mutua- BARBUY, Heloisa. “Museu e geração de cultu-
mente, seja pela confluência , seja pela pro- ra”. In: Cadernos Museológicos, 2. Rio de
vocação de reflexões e oposição. Porém, se Janeiro: MinC / SPHAN / Pró-Memória, 1989.
os caminhos profissionais e acadêmicos se p. 36-40.
encontram, não percebemos correspondên-
cia para tal na bibliografia. Não notamos, na _____. “A conformação dos ecomuseus: ele-
dimensão esperada, uma utilização mútua mentos para a compreensão e análise”. in
da produção bibliográfica como ponto de Anais do Museu Paulista – História e cultura
partida para a discussão entre estes autores material. Nova Série, V. 3. São Paulo: Universi-
de suas concepções de Museologia. As oposi- dade de São Paulo, jan./dez. 1995. p. 209-36.
ções, aliás, são raramente acirradas, e talvez
em alguns pontos, a ampliação dos debates _____. A exposição universal de 1889 em
gerasse, dialeticamente, um desenvolvimen- Paris: visão e representação na sociedade
to epistemológico maior para a área. industrial. São Paulo: Edições Loyola, 1999.
(Série Teses).
Se há um modelo museológico próprio
do Brasil, é outra questão inerente a este BRUNO, Maria Cristina Oliveira. O Museu
estudo. Chagas ressalta em seu trabalho so- do Instituto de Pré-História: um museu a
AS ONDAS DO PENSAMENTO MUSEOLÓGICO 71

serviço da pesquisa científica. São Paulo: EVRES. Ana Cristina Léo Barcellos. A Mu-
FFLCH/USP, 1984. (Dissertação de sealização da Natureza. Patrimônio e Memó-
Mestrado). ria na Museologia. Rio de Janeiro: UNI-
RIO, 2000. (Dissertação de Mestrado)
_____. Objeto de museu: do objeto teste-
munho ao objeto diálogo. Palestra proferi- FATTOUH, Nadine, SIMEON, Nadia.
da na Reunião Regional da Associação Brasi- ICOFOM – Orientations museologiques et
leira de Antropologia. Belém: 1993 origines geographiques des auteurs. Paris:
(digitado). École du Louvre, 1997.

_____. Musealização da Arqueologia: um II ENCONTRO Internacional de Ecomuseus


estudo de modelos para o Projeto “Comunidade, Patrimônio e Desenvolvimen-
Paranapanema. São Paulo: FFLCH/USP, 1995. to Sustentável”. Carta de Santa Cruz. Santa
(Tese de Doutorado). Cruz, Rio de Janeiro: Maio de 2000.

_____. Museologia e comunicação. Lis- PRIMO, Judite (org.). Museologia e Patrimó-


boa: ULHT, 1996.(Cadernos de Sociomuseo- nio: documentos fundamentais. Lisboa: ULHT,
logia, 9). 1999. (Cadernos de Sociomuseologia, 15)
_____. Museologia para professores: os ca-
minhos da educação pelo patrimônio. São RUSSIO, Waldisa. Museu? Um aspecto das
Paulo: Centro Estadual de Educação organizações culturais num país em de-
Tecnológica Paula Souza, 1998a. senvolvimento. São Paulo: FESP, 1977. (Dis-
sertação de Mestrado).
_____. Curso de Especialização em Muse-
ologia - projeto acadêmico. S. Paulo: MAE/ _____. Um museu da indústria na cidade
USP, 1998b. de São Paulo. São Paulo: FESP, 1980. (Tese
de Doutorado).
CÂNDIDO, Manuelina Maria Duarte. Ondas
do Pensamento Museológico Brasileiro. _____. “Museologia, Museu, museólogos e
Lisboa: ULHT, 2003. (Cadernos de Sociomuse- formação”. in Revista de Museologia, 1.
ologia, 20). 259 p. São Paulo, 2o sem. 1989. p. 7-11.

CHAGAS, Mario. Há uma gota de sangue _____. “Conceito de cultura e sua inter-rela-
em cada museu: a ótica museológica de ção com o patrimônio cultural e a preserva-
Mário de Andrade. Lisboa: ULHT, 1999. (Ca- ção.” in Cadernos Museológicos, 3. Rio de
dernos de Sociomuseologia, 13) Janeiro: IBPC, 1990.

_____. Museália. Rio de Janeiro: JC Editora,1996. SANTOS, Maria Célia T. Moura. Reflexões
museológicas: caminhos de vida. Cadernos
DESVALLÉES, André. “A Museologia e os mu- de Sociomuseologia Nº18- ULHT, Lisboa,2002
seus: mudanças de conceitos”. in Cadernos
Museológicos, 1. Rio de Janeiro: MinC/ _____. Museu, escola e comunidade: uma
SPHAN - Pró-Memória, 1989. integração necessária. S. L.: SPHAN, 1987.

_____. Vagues: une anthologie de la _____. Repensando a Ação Cultural e


nouvelle museologie. Paris: W M. N. E. S., Educativa dos Museus. Salvador: Centro
1992 e 1994. Vol. 1 e Vol. 2. Editorial e Didático da UFBA, 1993.
72 MANUELINA MARIA DUARTE CÂNDIDO

_____. Processo museológico e educação: mentos fundamentais. Lisboa: Universidade


Lusófona de Humanidades e Tecnologia, 1999. Ca-
construindo um museu didático-comunitá- dernos de Sociomuseologia, 15). Nos últimos anos
rio. Lisboa: ULHT, 1996. (Cadernos de Socio- o Departamento de Museu e Centros Culturais do
IPHAN (DEMU), tem centrado esforços nas publi-
museologia, 7).
cações como a Revista MUSAS, no terceiro núme-
ro, e a Coleção Museu, Memória e Cidadania, tam-
VAN MENSCH, Peter. O objeto de estudo da bém com três títulos publicados.
Museologia. Rio de Janeiro: UNI-RIO/UGF, 3
Esta representação se resume ao texto de
1994. (Pretextos Museológicos, 1) Fernanda de Camargo e Almeida (como se assina-
va Fernanda de Camargo-Moro) no v. 2 de Vagues,
no capítulo referente às de experiências e práti-
SCHEINER, Tereza Cristina. “Museus universitá- cas. (ALMEIDA, Fernanda de Camargo e. “Le
rios: educação e comunicação”. Ciências em musée des images de l’inconscient – Une
expérience vécue dans le cadre d’um hôpital
Museus, V 4. Belém: Museu Goeldi/ CNPq, 1992. psychiatrique à Rio de Janeiro ” (1976), in
DESVALLÉES, 1994, op. cit. p. 204-213) É sintomáti-
ca, porém, a presença de um texto não propria-
_____. Apolo e Dioniso no Templo das
mente museológico, mas também de autoria de
Musas. Museu: gênese, idéia e representa- um brasileiro, o educador Paulo Freire, intitulado
ções em sistemas de pensamento da socieda- “L’éducation, pratique de la liberté (La société
brésilienne en transition)” (1971). A influência do
de ocidental. Rio de Janeiro: ECO/UFRJ, pensamento de Paulo Freire para este movimento
1998. (Dissertação de Mestrado) de renovação da Museologia já se faz notar no
convite a ele feito para a presidência da Mesa-Re-
donda de Santiago do Chile, episódio esclarecido
_____. “Muséologie et la philosophie du mais adiante. Algumas de suas idéias seriam mais
changement”. in ISS Museology. ICOM, Pa- tarde incorporadas por museólogos brasileiros ao
se referirem ao papel social e educativo dos mu-
ris, França, junho 2000. seus. (FREIRE, in DESVALLÉÉS, 1992: 195-212)
4
A já mencionada patrimoniologia.
NOTAS 5
Idéia constante em Bruno e Santos.
1
Este trabalho se baseia na monografia da Especi- 6
As discussões de ambas parecem aproximar-se
alização em Museologia da USP intitulada On- em alguns pontos como a apropriação da abor-
das do Pensamento Museológico Brasileiro, que dagem de Néstor García Canclini sobre patrimô-
teve origem a partir da observação da limitada nio em processo de reelaboração.
representação da Museologia brasileira na obra
“ Vagues: une anthologie de la nouvelle 7
Anotações de aula do Curso de Especialização
muséologie”, organizada por André Desvallés em Museologia referentes ao seminário proferi-
(1992-1994). É uma revisão do pensamento mu- do por Chagas dias 03 e 04/07/2000.
seológico nacional com o objetivo de localizar a
produção ausente naquela antologia, especial- 8
Anotações de aula do dia 09/08/1999, referente à
mente no âmbito das transformações conceitu- disciplina “Museologia: princípios teórico-meto-
ais pelos quais os museus e a Museologia passa- dológicos e a historicidade do fenômeno
ram na 2ª metade do século XX. museal”, ministrada pela Profa. Dra. Cristina Bru-
no no primeiro semestre do Curso de Especiali-
2
Destacamos, em língua portuguesa, a organização zação em Museologia.
de “A memória do pensamento museológico con-
temporâneo” (ARAUJO e BRUNO, op. cit.), com a 9
Seria este o tema principal de sua tese de dou-
reunião e tradução de documentos fundamentais torado, defendida em 2003, que ficou fora do
como as declarações de Santiago, Quebec e Cara- âmbito do nosso trabalho.
cas – acompanhados de textos-comentários; e a
publicação dos Cadernos de Sociomuseologia 10
Anotações de aula do dia 10/08/1999, referente à
pela Universidade Lusófona de Humanidades e disciplina “Museologia: princípios teórico-metodo-
Tecnologias, raro caso de continuidade nas publi- lógicos e a historicidade do fenômeno museal”,
cações desta área em português e onde aparecem ministrada por Cristina Bruno no CEMMAE.
textos brasileiros que em território nacional não
chegam a obter o mesmo espaço. Nessa série apa- 11
Anotações de aula do Curso de Especialização
receu ainda com uma organização de textos fun- em Museologia referentes ao seminário profe-
damentais de Museologia e Patrimônio (PRIMO, rido por Peter Van Mensch dias 02 a 06/10/
Judite (org.). Museologia e Património: docu- 2000.
ARTIGO
5
¿Que Puede Hacer La
Arquitectura Por Los Museos?

n JUAN CARLOS RICO

A
¿QUE PUEDE HACER LA ARQUITECTURA POR LOS MUSEOS?

M
Muchas veces me he hecho esta pregunta como profesional de la
arquitectura, bien entendido que con la mirada en la profundización que va
mas allá de la mera solución espacial, que evidentemente ha de ser siempre la
mejor posible. Como historiador y como conservador de museos, entiendo que
la arquitectura tiene mucho mas que decir y puede ayudar a facilitar el diálogo
con el contenido potenciando la puesta a punto de la obra.

Es importante aclarar que una brillante arquitectura no es un museo por si


misma; me explico: para que dicha institución sea concebida como tal, ha de
tener junto al contenedor, un contenido y una programación adecuada. Si afir-
mamos que un museo es bueno, ha de estar de un edificio / espacio, de alta
calidad, debe poseer una colección interesante y contar con una programación
de ideas eficaces para enseñarla. Entendámoslo, estas premisas han de darse
simultáneamente, es decir a la vez. Si no es así el resultado siempre será parcial
y por tanto insatisfactorio. Un museo es espacio, obra y presentación.
74 JUAN CARLOS RICO

Casi veinticinco años de investigación supone para nosotros un concepto experi-


mental mucho mas amplio de la mera
Todos este tiempo dedicado a analizar. In- solución de los problemas museísticos y
vestigar, experimentar y proponer alguna aclara mi afirmación del primer párrafo.
que otra directriz que haga que el diálogo
entre el público, la obra y la arquitectura sea El cuarto pilar: Como enseñar el objeto
lo mas fluido posible, con el mejor confort
ambiental y físico para el visitante y buscan- Hablaba antes cuando relataba mis
do la mayor eficacia comunicativa posible. conversaciones con el alumno / amigo
noruego, que posiblemente la frialdad con
Una conversación en Oslo que la sociedad se relaciona con el
pensamiento, la cultura y la ciencia humana,
Iniciaba las páginas del libro Como sea posiblemente un defecto de nuestra
enseñar el objeto cultural, reproduciendo incapacidad para enseñarlo de un manera
una conversación con un alumno noruego eficaz y atractiva, y esto es así ahora, en el
que militaba muy activamente en la siglo XXI, no como algo del pasado. Todas las
organización no gubernamental Amnistía In- investigaciones al respecto indican que
ternacional y que afirmaba que no entendía efectivamente nunca como hasta ahora ha
mi dedicación a los temas culturales, habido tanta gente en los museos, en las
cuando la humanidad se hundía en todo catedrales o en las ciudades históricas, pero
tipo de guerras e injusticias. Tras muchos con la misma rotundidad, los mismos especi-
encuentros, que como en todos estos casos alistas afirman que tras la lente de aumento
acaba siempre en una consistente amistad, se observa la enorme insatisfacción que ello
yo le contestaba que parece lógico que el les produce en su intimidad. Hay que ir por
hombre conozca junto a sus indignidades la presión social y el lenguaje de prestigio
máximas, sus mejores logros, no evidente- existente, pero como ya decía el psicólogo
mente como contrapeso o justificación norteamericano en el año 35 del siglo
alguna, sino como mera justicia. La realidad pasado, hay que escapar cuanto antes.
es que la reflexión (el pensamiento, la
filosofía), la creación (el arte, la cultura) y la En consecuencia junto a la investigación
experimentación (la ciencia, la tecnología), y la experimentación arquitectónica, hay
no son de los temas favoritos de la sociedad, que trabajar también el tema ya mas específi-
quizás por que los responsables de cada uno co dela relación del objeto con el público,
de ellos, no hemos sabido enseñarlos. del llamado tradicionalmente montaje de
exposiciones. A estos dos campos concretos
El museo como laboratorio se ha dedicado nuestro proyecto de
investigación, desde hace ya casi veinticinco
Viene a colación el comentario anterior, años.
por intuir que el museo, mas allá de sus
connotaciones específicas y particulares, es Los problemas actuales del contenedor: En-
el instrumento mas adecuado y manejable tre símbolos....
que tenemos en nuestras manos para investi-
gar y experimentar las dificultades y las Siempre he pensado que el protagonismo
posibilidades de “enseñar” los objetos y que que esta adquiriendo el museo en la
dichas propuestas pueden por extrapolación sociedad occidental actual no le esta benefi-
llevarse a otros campos mas amplios de la ciando en absoluto: por un lado es el emble-
cultura. Añado esta tercera reflexión que ma de una ciudad, región e incluso país y
¿QUE PUEDE HACER LA ARQUITECTURA POR LOS MUSEOS? 75

por otro es el pretexto para que los políticos programas (también en continua y confusa
laven su cara con respecto a la indiferencia evolución), y no sabemos como diseñarla y
con que miran la a la cultura. Esto hace que por tanto darle una formalización
se destinen enormes presupuestos coherente.
prácticamente ilimitados en su faceta
arquitectónica y urbanística, que, en la Dado la complejidad que demostró el
mayoría de los casos, no tienen continuidad paso del palacio al museo, ¿Seremos
en el mantenimiento de su programa poste- capaces de lograrlos por caminos mas rápi-
rior ( en España especialmente), con lo que dos, o tendremos que evolucionar con la
se están construyendo brillantes edificios lentitud y dificultad que costo la definición
que no son museos, ya que antes he explica- de una nueva tipología en el pasado? El
do que es absolutamente imprescindible tan- tiempo dirá si hemos aportado algo eficaz.
to un contenedor como un contenido y una
programación buenas (todas y a la vez) para Una parada en el camino
que la institución pueda recibir dicho
nombre. La gran beneficiada es sin lugar a “Dentro de los procesos técnicos conviene
dudas la arquitectura, que esta experimen- de vez en cuando hacer un alto y plantearse
tando nuevos materiales, sistemas desde un punto de vista mas personal sobre
constructivos y estructurales; algo es algo. lo que en realidad se esta haciendo, ya que
en la mayoría de los casos la propia
....y estrellas sin luz mecánica de la investigación no te permiten
“ver el bosque”, alejarte un poco y mirar con
Pero el problema no acaba aquí, ya que se mas perspectiva el tema”.
estén levantando estas espectaculares
construcciones, sin una revisión e Como enseñar el objeto cultural
investigación de los organigramas que los
sustentan: seguimos trabajando con los mo- ¿Qué hacer?, ¿qué dirección tomar? Todas
delos del siglo XIX, y es evidente que la estas incertidumbres cambiaron el ritmo del
sociedad ya no es la misma. trabajo que a partir de entonces se dividió en
dos apartados totalmente diferenciados:
Del palacio al museo...¿del museo a donde?
· El periodo reflexivo, en el que a base de
Con este subtítulo, se pretende expresar de una serie de preguntas ( la mayoría de
una manera irónica la relación que a mi ellas sin contestación), indagábamos so-
juicio se establece o se establecerá en el futu- bre las cuestiones que nos habría
ro, entre los dos cambios mas sustanciales llevado a semejante situación. (¿Por
que hasta la fecha a soportado el museo. qué no vienen a los museos?)

La primera fue evidentemente el paso del · El periodo consecuente, que intentaba


palacio al museo, suficientemente analizada reflejar ya de una manera mas pragmá-
en el volumen primero de la trilogía de tica, todos los pensamientos anteriores.
Museos. Arquitectura. Arte. La segunda es lo (La difícil supervivencia de los museos)
que ocurre precisamente en el momento
actual. ¿Del museo a donde?, ya que Si antes pensábamos seguir trabajando en
entiendo que necesitamos, como en el la profundización de los temas espaciales, de
pasado una nueva tipología espacial que sea diseño y técnicos, este intermedio nos lanzó
capaz de contener con eficacia unos nuevos a campos impensables para nosotros, como
76 JUAN CARLOS RICO

es el paisaje y el mundo comercial por


ejemplo, pasando a segundo término el · Un lenguaje de comunicación. En
antiguo programa. En él se anunciaba por primer lugar, considero que la
primera vez el proyecto de La Caja de Cristal exposición de obras de arte no es mas al
del que hablaremos con mas detenimiento. fin y al cabo que un lenguaje de
comunicación como otro cualquiera y
¿Continuidad o ruptura? en consecuencia con sus características
específicas que lo identifica.
Todos los caminos enunciados en La difí-
cil supervivencia de los museos, serán · La relación directa con la obra: Quizás
trabajados espacialmente a partir de ahora el avance de los medios de
individualmente y con mas detalle. Para comunicación y la incorporación a
estructurar este proyecto, que por su enver- ellos de la alta tecnología, haya despo-
gadura quedará siempre incompleto, se han jado a la exposición de todos aquellos
agrupado los trabajos en dos líneas paralelas: fines que tenía en sus comienzos y que
se consolidaron en el siglo XVIII con la
A. Desde la tradición, que abarca a todos ilustración. Concretamente en el tema
aquellos profesionales y propuestas que del arte, la característica primordial es
piensan que aunque resulta ya evidente la relación directa del visitante con la
que el museo ha de ser cambiado, tanto obra que convierte a este medio de
en su concepción social, como en su comunicación en insustituible: ningún
programación, organización, tipología otro por muy sofisticado que sea lo per-
espacial; se ha de hacer evolucionando mite, al menos por el momento.
a partir de lo que tenemos. Propugnan
pues el uso de los lenguajes · El confort máximo. Aunque en un
tradicionales como comienzo y base de exposición y máxime de arte ha de con-
las investigaciones. figurar sus condiciones ambientales en
función del objeto y no del visitante,
B. ¿Museos?. Otros muchos especialistas que en la mayoría de los casos
prefieren plantear una ruptura mas cla- necesitaría valores diferentes, cuando
ra entre lo que ya no nos sirve (al me- no contarios para su confort, hay que
nos íntegramente) y buscar soluciones conseguir por todos los medios posibles
que tengan las mínimas ataduras con su que el visitante se sienta cómodo y
antecesor, aunque todos están de tenga todos los factores a su favor para
acuerdo que manteniendo aquellos ele- que la relación directa con la obra sea
mentos que hoy todavía tienen la mas eficaz posible.
vigencia.
· ¿ Qué es descansar? En
Qué es para mi una exposición correspondencia con el punto anterior,
siempre me preocupó, lo que significa
Para acabar esta introducción unos breves esta palabra que va mas allá del mero
apuntes de lo que para mi significa una hecho de poner unos bancos en la sala.
exposición y las partes que mas me han
interesado y he trabajado con relación al · ¿ Asepsia o ambientación? Desde
espacio. Como es algo que ya he descrito en luego, no ya en los términos que lo
diferentes publicaciones, voy a hacer un plantearon los especialistas del siglo
simple resumen para orientación del lector. XIX en el sentido de atar a la pieza con
¿QUE PUEDE HACER LA ARQUITECTURA POR LOS MUSEOS? 77

su origen, sino mas bi’en en una cualquier otra actividad de experimentaci-


concepción mucho mas moderna y ón; ahora bien, dejando claro que estamos
mas relacionada con el dialogo entre en un proceso que no es puramente científi-
la obra y la arquitectura. co, ya que tiene componentes teóricos,
prácticos y creativos, lo que implica una
· ¿Informar / enseñar o disfrutar? cierta adaptación a determinados compo-
También desde el principio la ya nentes mientras se rechazan otros.
antigua discusión entre enseñanza o
disfrute y la relación en todo caso, con Pero como buscamos eficacia, pragmatis-
la información que debe acompañar a mo y no solo alardes formales, el ceñirnos a
la muestra y a la obra, fueron otros de un guión específico y claro, puede muy bien
los temas que siempre tuve presente en orientar y delimitar nuestro trabajo.
la concepción de la exposición. Entiendo pues que era muy importante dejar
claro a todos los colaboradores las reglas del
TRABAJANDO EL ESPACIO: LA IMPORTANTE juego: libertad absoluta pero ciñéndonos a
EXPERIENCIA DE LA CAJA DE CRISTAL un programa. Este es el fin exacto del proto-
colo teórico, en el que quedan definidas tan-
Es un programa de investigación que in- to los datos de la investigación teórica como
tenta encontrar, un prototipo espacial las fases a seguir y los puntos prioritarios a
abstracto (no ubicado en ninguna parcela trabajar.
concreta pero fácilmente modificable para
poder adaptarse a cualquiera) que definiera Un nombre con tres significados
la nueva organización de todos los compo-
nentes en sustitución del programa ya obso- “La caja de cristal” alude a un doble senti-
leto del museo actual. A modo de los largos do: por un lado la trasparencia conceptual,
procesos que llevaron a principios del siglo por otro la espacial. El primero intenta
XIX a definir lo que sería la estructura del reflejar de una manera clara todo el proceso
museo que ha llegado hasta nuestros días que genera el desarrollo del proyecto, es
(desde luego infinitamente mas modesto, sin decir tanto los aciertos como los fracasos en
su capacidad ni posibilidades constructivas), algo tan complejo como la búsqueda de una
este proyecto pretende lo mismo: conseguir nueva tipología arquitectónica. La
unas soluciones o al menos unas directrices trasparencia física se consigue a través de
que ordenen el confuso camino de las nuevas una organización espacial doble: una inter-
soluciones espaciales. Como en cualquiera na que logre que todas las funciones sean
proceso de investigación se elaboró un proto- visibles para el espectador, bien sea visitante,
colo teórico básicamente descrito en La difí- bien profesional del centro y otra externa al
cil supervivencia de los museos. tratar la permeabilidad de la piel exterior del
edificio, para así plantearnos hasta donde
¿Qué es un protocolo teórico? llega o puede llegar un museo en su entorno
físico.
En el mundo de la arquitectura y del diseño
es un término que utilizamos muy poco, pero La experimentación como creación
que es sin embargo imprescindible, en el mun-
do de la investigación experimental. Se ha intentado por todos los medios que
todos los colaboradores den prioridad a la
Hemos indicado que en este proyecto investigación y experimentación real, y
íbamos a trabajar tal y como se hace en destierren, en lo posible, las ideas “artísticas”
78 JUAN CARLOS RICO

como método, de originalidad como CUANTOS MAS MEJOR, CUANTO MAS DIFE-
actitud, de alarde formal como resultado, ya RENTES TAMBIÉN
que son caminos ineficaces, que en el mejor
de los casos tras brillantes resultados “Ninguno de nosotros solo es
formales, se esconden los mismos problemas tan inteligente como todos
de base sin resolver. nosotros juntos”
Proverbio japonés
Los profesionales de “reconocido prestigio”
Fundamentalmente por eficacia, hemos
Parece en un principio lo mas lógico decidido trabajar siempre colectivamente, es
seleccionar para las respuestas formales, a decir implicar al mayor número de profesio-
determinados especialistas, arquitectos y nales o estudiantes que estén interesados en
diseñadores “famosos” y plantearles las esta propuesta y compartan las mismas
propuestas de investigación teórica para que preocupaciones. Entendemos también que
experimentaran libremente, así se hace habi- los temas culturales, a pesar de haber
tualmente y tenemos a mano numerosos llegado, a nosotros junto a la
ejemplos concretos en busca de ideas y solu- personalización de unos nombres, son logros
ciones nuevas. de mucha gente que va avanzando poco a
poco y que da el gran salto en un momento
Sin embargo analizando mas despacio, determinado y de la mano de una figura
con un cierto detalle los resultados, se obser- concreta (único dato que manejamos),
va que en la mayoría de los casos, el autor de cuando la realidad histórica nos muestra que
prestigio, además de los problemas de sin el proceso colectivo anterior, dicho autor
disponibilidad de tiempo, esta mas no habría sido capaz de encontrar el nuevo
pendiente de otros “matices” que el de la camino.
propia experimentación y su inevitable
riesgo. Por tanto entendía que si era posible Pensé desde el principio que el desarrollo
habíamos de buscar otra vía mas libremente de La Caja de Cristal, requería un esfuerzo
implicada, buscar personas independientes y colectivo lo mas amplio posible en cantidad
arriesgadas, que no tuvieran nada que perder y calidad, ya que estábamos tratando un
si su propuesta fracasaba, (algo inherente en tema importante para la arquitectura (una
los procesos experimentales en el que el búsqueda de tipología), la museología (una
acierto y el error equidistan por igual) y nueva organización del espacio); y la
pudieran dedicar todo su tiempo y energía a exposición ( un concepto diferente). En
este trabajo de inciertos resultados. cantidad al pedir la colaboración de mas
personas; en calidad, intentando que lo
Los estudiantes de los últimos cursos o aceptaran diferentes ámbitos geográficos, di-
preferentemente recién acabados, no versas culturas y en lo posible que fueran
inmersos directamente todavía en proceso países jóvenes por las razones que voy a ex-
social del trabajo y en su vorágine de éxito plicar a continuación.
deseado y consecuente vanidad, me
parecieron los mas adecuados. Para ello Es verdad que en Europa, después de
pedí ayuda a la universidad. muchos siglos hay un nivel social equilibra-
¿QUE PUEDE HACER LA ARQUITECTURA POR LOS MUSEOS? 79

do, que permite un discurso intelectual y mínima oportunidad o las propuestas que
unos procesos de investigación coherentes, continuamente nos llegan para colaborar
pero es así mismo cierto y lo comento con nosotros. Aprovechémoslas.
siempre que me lo preguntan, que cuando
estoy en países de mas corta historia, su falta Es cierto que nuestros estudiantes deben
de estructuración social, su desigualdad en estar preparados para defenderse en la
el conocimiento, queda en mi opinión com- realidad y en ese sentido la universidad ha
pensada, (evidentemente a nivel de actitud, de estar alerta a como funcionan los meca-
nunca socialmente ) por una mayor nismo profesionales en la calle; pero con la
intensidad en todo. Hay mucho por hacer, misma rotundidad defiendo que la sociedad
hay pocas posibilidades y eso genera en los ha de conocer todo lo que el estudio, la
profesionales y especialmente en los investigación y la experimentación
alumnos una actitud increíblemente abierta. universitaria proponga, esa es su misión. Ya
Esto es bueno para la experimentación. Al no se reflexiona, apenas se discute. O es un
fin y al cabo todos estas nuevas propuestas camino en las dos direcciones, o la
siempre serán mejor escuchadas / aceptadas, universidad se convierte en una gestoría de
en aquellas sociedades que tienen todo por los intereses sociales, y desde luego no fue
delante un camino para configurar el futuro, creada para ese fin.
cuando ya no les sirven los viejos modelos
históricos, al que se añade un pasado sin de- Tres excelentes universidades de la
masiadas ataduras. arquitectura y algunos mas

La universidad infrautilizada Aprovechando mi intervención como


profesor fui proponiendo con calma en di-
Siempre he afirmado que en el mundo de los versas universidades e instituciones la
museos, me parece inconcebible la poca posibilidad de colaborar; se trataba eso si de
relación que existe entre estas dos instituciones, un problema fundamentalmente espacial y
máxime cuando su colaboración se perfila por tanto estaba exclusivamente dirigido a
como imprescindible. No obstante desgraciada- arquitectos. Debemos recordar, que en el
mente, esta falta de encuentro, diálogo y protocolo teórico, habían intervenido las
esfuerzo común parece que se amplía a todos otras profesiones implicadas. Es impresio-
los demás campos de las humanidades, nante la buena aceptación que desde un
despreciando una impresionante potenciali- principio mostraron los distintos departa-
dad, que es paradójicamente una de las mentos de proyectos, después los profesores
permisas de la génesis de la misma universidad. y por último los alumnos que se han
apuntado a colaborar. Tanto es así que el
Aprender es también investigar y experi- proyecto ha dejado en el camino dos univer-
mentar en un entorno de libertad y falta de sidades fuera por incapacidad de
presiones, de comodidad intelectual en defi- coordinación.
nitiva, que raramente se va a repetir a lo lar-
go de la vida profesional de una persona. La La universidad de Sâo Paulo, la Central de
realidad me lo ha certificado con creces ya Venezuela y la Politécnica de Madrid, junto a
que esta sedienta de hacerlo, como lo equipos individuales de Oslo y Buenos Aires
demuestran los alumnos que se les ofrece la han colaborado en el proyecto.
80 JUAN CARLOS RICO

Puntos prioritarios de la investigación Y en cuanto al segundo: la llegada de la


obra, tema muy importante y pocas veces
Recuerdo que para que un proceso de eficazmente solucionado, se sugería a los
investigación sea eficaz hay que ir poco a colaboradores que lo pensasen con un cierto
poco, si realmente queremos ir deprisa; los detenimiento, siguiendo un esquema pre-
auténticos avances no suelen aparecer de concebido e incidiendo en temas como el
repente, es un proceso colectivo de suma de trasporte, la carga y descarga, el control y el
esfuerzos. Por otro lado no hay que perderse diagnóstico, el camino hacia los almacenes,
ante un cambio tan complejo, para lo cual es etc.
mejor precisar (como en cualquier
desarrollo científico de laboratorio) aparta- Quizás haya sido junto con el tema
dos específicos y concretos de investigación, expositivo, la parte que mas atención a cau-
que de alguna manera deben ser prioritarios, sado en los autores, proponiendo soluciones
ya que llevan en si los cambios sustanciales muy interesantes que merecen la pena ser
del modelo. Veamos pues algunos ejemplos estudiadas por los responsables con un
indicativos de la complejidad del proyecto. cierto detenimiento.

1. La organización de los espacios 3. Espacios comunes y de trabajo

El primer punto de trabajo se centraba en Se pedía una reflexión sobre los


la compleja relación entre las dos diferentes espacios comunes y su relación con las
áreas: el CII ( Centro de investigación inte- distintas áreas del museo, en dos sentidos:
grado), CCI (Centro de comunicaciones in- como diálogo espacial y como utilización
tegrado) y la conexión física o visual entre en usos museísticos alternativos como el
sus componentes. Las soluciones han sido expositivo, salón de actos, etc., ya que pen-
interesantes y múltiples, tanto general como samos que no podemos permitirnos el lujo
parcialmente, optando por diferentes alter- de no tener cada metro cuadrado del
nativas de permeabilidad, en complicidad edificio sin utilizar constantemente, con lo
con los diferentes alturas. Sin embargo caro que resulta su construcción y su
surgió una sorpresa el de la flexibilidad y el mantenimiento.
crecimiento del espacio, algo que en un
principio no estaba incluido en los Llamamos “área de trabajo” al triángulo
presupuestos iniciales del proyecto. formado por la coordinación /
administración, la investigación y el área
2. Los accesos de la obra, un proble- técnica formada a su vez por los almacenes,
ma por resolver talleres y laboratorios. Se indicaba otra vez a
los equipos que estudiaran diversas solucio-
Los accesos en general y los de la obra en nes espaciales para conseguir una relación
particular, nos parecían importantes de tra- fluida entre ellas, ya que conforman por
tar; en el primer caso con la intención de bus- decirlo de alguna manera el “cerebro” del
car propuestas para la cada vez mas numero- museo y era importante la máxima
sa especialización de grupos que acceden al permeabilidad posible. Había además que
museo: personal, equipamiento técnico, compatibilizar esta organización con la del
suministradores, público, grupos, etc. CII y el CCI.
¿QUE PUEDE HACER LA ARQUITECTURA POR LOS MUSEOS? 81

4. La estrella del proyecto el espacio La caja de cristal también se llamaba así


de comunicación por el tratamiento de su límite físico. De
nuevo vuelve a ser un apartado con
Es la comunicación y concretamente la sugerencias sumamente interesantes que se
exposición, el tema que como era de esperar podrían agrupar en dos diferentes ideas:
ha resultado mas atrayente para todos los aquellos equipos que han trabajado la piel
equipos participantes, con las propuestas como una proyección de las actividades que
mas espectaculares. Es lógico por muchas se realizan dentro, es decir casi como un
razones: cartel anunciador y los que la han tratado
como un elemento permeable que
· Es el escaparate del museo, para bien y permitiese abrirse al exterior, según las
para mal, donde convergen todos los necesidades o intenciones de los responsa-
problemas de la institución, ante el pú- bles.
blico.
6. Las soluciones integrales
· Espacialmente es el área mas atractiva y
con mas posibilidades de experimenta- Para finalizar todo este apartado de
ción en campos bien diferentes. propuestas espaciales, me parecía impor-
tante incluir una serie de trabajos que se
Varios temas, habían de ser analizados, han preocupado por plantear
dentro de esta área. Los trataremos por sepa- prácticamente todos los puntos de
rado: investigación requeridos en el protocolo
teórico. Entiendo que su valor
En primer lugar el tratamiento de los independientemente del acierto en cada
almacenes y los talleres, que por otro lado uno de ellos, supone una labor de síntesis y
habían de ser; con todas las condiciones de metodología realmente encomiable, al in-
seguridad necesarias ( especificadas en el tentar dar una solución global a todo este
protocolo teórico), visitables; al menos parci- complejo rompecabezas.
almente. El visitante a través de diversos ele-
mentos arquitectónicos ( aberturas, ventanas, Análisis de resultados
muros, ) podría verlos, evidentemente sepa-
rados físicamente. En el libro se concluye con un estudio so-
bre las intervenciones, las prioridades y con-
En segundo lugar la relación entre secuentemente las partes que mayor interés
almacenes con el área expositiva debía ser ofrecen para los profesionales, en forma de
directa y eficaz técnicamente hablando, si cuadros muy sugerentes para tomar el pulso
era posible, casi “intercambiable”. real de la situación de dicha institución en
nuestros días.
En tercer lugar era importante pensar dife-
rentes sistemas para utilizar íntegramente el
espacio expositivo, o para entenderlo clara- ALGUNAS SUGERENCIAS DE RUPTURA
mente, que en cualquier punto del espacio
pudiera situarse una obra, olvidándose de las El cambio que se avecina, no solo es el
limitaciones del “perímetro”. sustancial que apreciamos en el punto ante-
rior como evolución interna del propio
5. La piel del museo, algo mas impor- museo y su lenguaje expositivo, también he-
tante de lo que parece mos podido observar presiones y actitudes
82 JUAN CARLOS RICO

que sobrepasan este marco de “tranquila” infantiles posibilite múltiples conexiones. De


evolución, para ir mucho mas allá. ahí el nombre elegido para designarlos.

Se podrá plantear el lector, si realmente Un espacio sin definir formalmente


muchos de estas ideas no pueden incluirse
en el desarrollo de los museos actuales y si 2. Las especialidades audiovisuales, necesitan
en un periodo de medio plazo, no serán de unos parámetros absolutamente diferente
asumidos a su espacio, como ha hecho a lo tanto de espacios como de equipamiento técni-
largo de la historia. co. Necesitan pues nuevas propuestas.

Pienso, que evidentemente sí, pero en un Museos pantalla. ¿Cómo ha de ser un espacio
proceso algo más complejo, ya que estas expositivo, cuando la obra no se cuelga, sino
nuevas concepciones, llevan implícito no que se proyecta?, esta sería la pregunta básica a
solo la nueva aceptación de una serie de la que vamos a intentar contestar formalmente.
conceptos, radicalmente diferentes, sino que A nivel de proyecto, esto significa un cambio
el equipamiento técnico y el diseño espacial trascendental en todos los parámetros del
que necesitan para desarrollarse es muy dife- diseño, ya que los “objetos” audiovisuales
rente. Por tanto si, creo que si los museos poseen unas condiciones bien diferentes tan-
siguen evolucionando con lógica, to en su sentido de exhibición, como en el
incorporarán estas formas de trabajar, pero equipamiento técnico.
no de una manera inmediata. El tiempo dará
la contestación exacta. ¿Cómo y donde se cuelga un cuadro virtu-
al?, ¿ dónde se guarda? Difícil planteamien-
Los trabajos los podríamos para clarificar to, respuesta y solución. Museos virtuales,
mas las propuestas en cuatros grupos. algo sobre lo que hay que afrontar por
mucho queramos evitarlo.
1. Espacios que sean capaces de respon-
der a dos temas fundamentales: El museo como equipamiento urbano

La necesidad de dar cobertura técnica y Si no vienen, nosotros vamos a buscarles.


espacial a las imbricaciones cada vez mas Esta podría ser la frase que define la actitud
frecuente entre las expresiones plásticas. de muchos profesionales y algunas instituci-
Museos escenarios ones para definir una actitud que va a
necesitar en los próximos años formalizarse.
(Permitirían todo tipo de actividades
culturales y plásticas). Hay no obstante que especificar dos
propuestas bien diferentes, por un lado un
La generación de un “marco o soporte ar- criterio de buscar al posible espectador en su
quitectónico” que permita la construcción de deambular por la ciudad y otro de carácter
áreas específicas para cada montaje o mucho mas pragmático en relación con los
exposición. Museos mecanos. Quizás la carac- programas de cultura de los municipios.
terística mas novedosa es la de construir un
espacio que no tiene los límites definidos, al En el recorrido cotidiano
menos en su concepción interior, es decir pa-
rece que lo que tenemos que buscar mas que Cambiamos los principios de la idea
una posible formalización es un sistema expositiva, el “museo” interfiere en la
constructivo, que a modo de los juegos circulación del peatón, es él que le esta bus-
¿QUE PUEDE HACER LA ARQUITECTURA POR LOS MUSEOS? 83

cando, el que se ofrece. No le exige nada, si de construir pero barata a medio y largo
quiere se para, si quiere sigue; no hay mayor plazo por su permanente utilidad. Es eviden-
relación entre ambos que un primer te que según las necesidades que tenga cada
contacto, que pretende en lo posible ser ciudad la instalación que se ha de pensar es
libre, evitar los condicionamientos sociales. diferente. Podríamos en un principio
plantear tres tipos de cuestiones: ¿Una sola
¿Cómo han de plantearse estos nuevos actividad o usos múltiples?, ¿Qué
espacios?, ¿Cómo son las visitas a sus equipamiento técnico debe llevar?, ¿Cómo
“colecciones?, ¿Con que criterios se montan? es su organización espacial?.

¿Logias en el siglo XXI? Elijamos el procedimiento que elijamos


para su construcción, bien sea sistemas
Y este es el tema en definitiva: ¿es posible prefabricados tradicionales, o modulares, o
recuperar la idea de la logia expositiva estructurales; el edifico debe cumplir una
renacentista y adaptarla a las características serie de requisitos para que funcione:
de la sociedad del siglo XXI? Si observamos Facilidad de transporte, rapidez en el
como funciona uno de esos espacios por levantamiento y del desmontaje del
ejemplo la de la Signoría en Florencia, en- espacio, flexibilidad de adaptación a la
contramos muchas concordancias con planta y a las cotas de las distintas parcelas
nuestra idea: en que vaya a situarse y por último el pro-
blema específico de la sustentación en el
Su ubicación urbana no interfiere en el terreno,
funcionamiento en general , ni en las
circulaciones en particular de los viandantes. TRABAJANDO LA PRESENTACIÓN ( EL DIÁLOGO
Su acceso es totalmente libre, aquel que ENTRE LA OBRA Y LA ARQUITECTURA)
quiere la visita y entra en su espacio, donde
además puede descansar, lo que añade un Después del espacio merece la pena in-
nuevo componente urbano a tener en cuenta. dagar ya directamente sobre las formas de
exponer, las formas de presentar el objeto
Museos parásitos o lo que habitualmente llamamos el
montaje de exposiciones. En este segundo
Si se trata de ponerse en el camino del apartado también los cambios han sido
posible espectador, que mejor que situarse sustanciales tanto en concepto como en
estratégicamente en aquellos lugares urbanos diseño. A continuación describiremos los
donde hay mas movimiento de personas; que caminos que hemos seguido y que son
mejor que aprovecharse de dicha circunstancia; complementarios del apartado anterior.
que mejor que convertirse en un parásito de los Dos campos han estructurado este camino
centros comerciales, intercambiadores de : Las técnicas expositivas y los nuevos
trasportes, aeropuertos, etc. medios audiovisuales en la era digital.

Museos portátiles De la museografía a las técnicas


expositivas
Una solución adecuada al concepto plás-
tico actual, de poder llegar “a cualquier Nos hemos visto inmersos dentro de cam-
punto, en cualquier momento y con pos expositivos diferentes, a los que nos ha
cualquier expresión” Una salida para el llevado inevitablemente la propia dinámica
equipamiento de las ciudades medias, cara del proceso de investigación, como el mun-
84 JUAN CARLOS RICO

do comercial, el del paisaje y, el virtual, en el siglo anterior cuando se


comprobando la cantidad de información universaliza con las llamadas ferias
perdida por estar aislados unos de otros, las comerciales y los recintos destinadas a
enormes posibilidades despreciadas por tal fin que en el último tercio del XX se
darnos la espalda, el tiempo perdido buscan- construyen en todas las ciudades
do soluciones ya resueltas en las otras espe- occidentales.
cialidades, que el término que mejor puede
delimitar toda esta nueva concepción, es el · Exposición comercial, que se inicia
de “técnicas expositivas”. desde las primeras civilizaciones con
los mercados, para en el siglo XVIII,
Basta mirar a nuestro alrededor para con la las grandes superficies
comprobar que cualquier curso o master que acristaladas especializarse en el
haga referencia al hecho de la exposición escaparatismo y las tiendas, para ya en
automáticamente queda adscrito a la el siglo XX desarrollar la derivación
museología, lo cual a mi entender es un hacia el consumo (grandes almacenes
error, desde luego comprensible y por tanto y grandes superficies) (Para mayor
justificable. información ver: La exposición comer-
cial: stand, ferias y grandes superficies.
En los espacios cerrados ( no así en el Editorial Trea)
paisaje) prácticamente hasta las primeras ex-
posiciones universales y su contenido indus- Límites y lenguajes
trial, todo el mundo de la exposición de ob-
jetos estaba en la institución museística; allí Pero la crisis de las tipologías, la superaci-
se analizaba, se experimentaba y se aplicaba. ón de la frontera arquitectónica y la
A partir de la segunda mitad del siglo XIX las aparición de las nuevas tecnologías,
cosas empiezan a cambiar marcan una nueva etapa que no ha hecho
mas que empezar y que yo de nuevo
Industria y consumo calificaría, puede que con la misma
redundancia de las otras dos, de tercera
Si la incorporación de las colecciones revolución expositiva.
reales a la propiedad estatal junto a su senti-
do de bien público instituido en USA , · Exposición en el paisaje, que como
marcaron en mi opinión lo que yo llamo la comentaba antes era muy importante
primera revolución museológica (Museos hasta el siglo XVIII, con numerosos
Arquitectura. Arte I: Los espacios estudios y escritos sobre distintos aspec-
expositivos), la influencia de la revolución tos como la percepción, los puntos de
industrial en la exposición y su directa vista, las perspectivas o los problemas
relación con la comercial, definen la segun- de la luz y las sombras.
da. Por ello industria y consumo van juntos a
pesar de estar separados históricamente casi Desgraciadamente todo ello cambia y
una centuria. Lo veremos. en la actualidad no aplicamos todos
estos conocimientos de una manera sis-
· Exposición industrial. Precisamente temática con los consabidos problemas
basada en los nuevos conceptos y urbanos y paisajísticos. ( Mas datos en:
propuestas que va a aportar la El paisajismo del siglo XXI entre la
revolución industrial. Mas información, ecología, la técnica y la plástica. Edito-
otros materiales, otra ambientación. Es rial Silex)
¿QUE PUEDE HACER LA ARQUITECTURA POR LOS MUSEOS? 85

· Exposición virtual. En estos últimos toda esta tecnología centrada en el


años asistimos a un nuevo museo, el de mundo virtual como del tercer hito mas
la red, el de Internet. Ya no tenemos que importante en la comunicación huma-
ir a ningún edificio, ni tan siquiera salir na, después de la imprenta y la
de casa, basta con conectarnos a una fotografía.
web de un artista para no solo ver su
obra, sino también para poder Dos concepciones diferentes
interactuar en ella. Hablaremos mas
específicamente de ella, en el apartado Todo el mundo de la nueva tecnología vir-
siguiente. tual ha de ser separada desde el comienzo
en dos partes absolutamente diferentes y que
Resumiendo de la antigua exposición del lo único que tienen en común es la
museo (para distinguirla la llamaremos cul- utilización de los mismos medios para con-
tural o tradicional) hemos pasado a un pa- seguir sus fines. Es fundamental que el lector
norama mucho más amplio con otros lo entienda así, ya que son dos propuestas
trabajos diferentes y otras técnicas que pode- que entiendo van a seguir caminos diferen-
mos aprovechar. Parece absurdo que todo el tes en el futuro, con concepciones muy di-
conocimiento generado quede aislado y cer- versas y que paradójicamente en los diversos
rado en cada parcela, porque muchas cosas trabajos de investigación llevados a cabo no
son comunes otras no, pero prácticamente se marca la frontera con suficiente nitidez.
casi todas ellas son trasladables de uno a otro
campo, después de someterlas a los cambios 1. La tecnología digital y virtual al servicio
necesarios. de obras y construcciones reales, es decir
¿Por que entonces no hablar de unas téc- que existen como tales físicamente en el
nicas que agrupen a todas ellas y dejar atrás mundo expositivo; imaginemos obras,
el concepto de la museografía tradicional? objetos, exposiciones y museos sobre los
que se aplica para analizar con mas
Un nuevo lenguaje expositivo precisión, manipular su composición y
contexto y otras muchas cosas mas que
Emprendemos ahora una parte realmente ya iremos viendo con mas detenimiento
importante en el campo expositivo, por dos en su momento.
razones fundamentales:
2. La tecnología como proceso de
· La primera por tratarse de un nuevo ins- creación, es decir generando en si
trumento de trabajo que como otras mismo los objetos, los entornos y las
veces ocurrió en el pasado, irrumpe, exposiciones si interesan. Consecuente-
con lo que eso implica de mente solo existe de una forma virtual y
desestabilización, de cambios, de todo su desarrollo ha de hacerse dentro
ganancias y de perdidas para los de esta tecnología. No obstante no nos
antiguos conocimientos, que a su vez engañemos y evitemos errores desde el
genera un proceso apasionante, que principio: es otra realidad con sus ca-
merece la pena seguir; racterísticas propias pero en ningún
caso ni secundaria ni complementaria
· La segunda por que todo hace de la otra; esta al mismo nivel.
presuponer que su implantación
sucesiva va a suponer una auténtica Repito ambas ideas son diferentes, se
revolución. Philippe Quêau califica a trabajan independientemente y nada tienen
86 JUAN CARLOS RICO

que ver una con la otra salvo en casos diez proyectos seleccionados por su interés,
excepcionales. se publicó en el año 2002 en ¿Por qué no
vienen a los museos?
¿Cómo se cuelga un cuadro virtual?
Entiéndase pues como una muestra muy
Hemos emprendido hace un año un resumida de todos los logros conseguidos
proyecto, para tratar de dilucidar algo colectivamente (nunca individual), por la
mas sobre el lenguaje virtual, colaboran- seriedad, metodología y trabajo en
do con dos de los mas prestigiosos grupos profundidad de estas ciento cincuenta
del país especializados en el tema. El personas a lo largo de los últimos diez años.
análisis se ha divido en tres puntos
fundamentales, que desarrollará cada uno Recuerdo que en todos los casos la
de dichos equipos: prioridad de base ha sido la búsqueda para
conseguir que la relación del visitante con la
1. Las posibilidades de la tecnología obra expuesta sea lo mas abierta y rica
audiovisual en las exposiciones posible en todos los sentidos posibles; desde
tradicionales (por identificarlas de el mas estricto diálogo conceptual a la
alguna manera), que apenas se utiliza. mayor coherencia y confort espacial.

2. Todo lo referente al tema virtual y su Soportes y montajes móviles. El primer


forma de generarlo, almacenarlo, grupo de proyectos que delimito es el que
conservarlo y exponerlo en la red. tiene una mayor preocupación desde el
punto de vista técnico. Son trabajos que
3. La aplicación de las técnicas audiovisuales estructuran como espina dorsal del montaje,
y sus programas informáticos en la el diseño de los elementos expositivos.
enseñanza y en la redacción del proyecto
de diseño de una exposición. Geometría e Itinerarios. Otra serie de
proyectos expresan la preocupación por
todo aquello que sea el movimiento del es-
LOS MONTAJES EXPERIMENTALES DEL pectador. ¿Recorridos perfectamente defini-
CENTRO SUPERIOR DE ARQUITECTURA dos?, ¿libertad absoluta para el visitante?. Los
análisis tanto en uno como en otro sentido,
En la idea de continuar nuestro trabajo de me han parecido sumamente interesante.
investigación en esta segunda parte de pre-
sentación de objetos, hemos trabajado du- La Rampa expositiva. Uno de los proble-
rante mas de tres lustros en promover la ex- mas pendientes de solucionar y que en mi
perimentación en el diseño de exposiciones. opinión no se planteó con profundidad en
toda la larga trayectoria del Museo
Esta propuesta se ha llevado a cabo en el Guggenheim de New York (antes de su
Centro Superior de Arquitectura de Madrid y ampliación), es el de conseguir la visión
esta pendiente de una ordenación, análisis y correcta y cómoda de las obras, cuando la
catalogación de los mas de trescientos circulación se hace en rampa.
proyectos acumulados en todos estos años.
Será un trabajo tan interesante, complejo y Dos o tres lecturas expositivas. Varios
sorprendente como La caja de cristal, pero alumnos se han sentido atraídos por la idea
dedicado al montaje de exposiciones. Un de poder tener dos ( o tres) exposiciones di-
pequeño avance de todo ello, en forma de ferentes a la vez sin variar las piezas de sitio;
¿QUE PUEDE HACER LA ARQUITECTURA POR LOS MUSEOS? 87

es decir según el itinerario que recorriesen. sustituyen el concepto del elemento auxiliar
Tema muy sugerente en el sentido de poder del soporte, por un montaje mucho mas in-
ver una misma obras desde puntos de vista tegrado, hay propuestos bastantes trabajos,
diversos. Difícil solución que siempre tiene prioritariamente diseñados por arquitectos.
como definitivo lenguaje a la geometría. Hay en mi opinión dos problemas que se
repiten en estos planteamientos: la relación
De obra en obra. La preocupación por no de la obra con el espacio, que suele ser mas
producir en el espectador la sensación de un compleja y la potencia que desarrolla la
camino a seguir, llegó a su máximo nivel en un arquitectura, que puede ejercer demasiada
proyecto que marcaba un rígido itinerario; presión sobre la obra.
consiguiendo que desde cada obra solo se vie-
ra la siguiente y por tanto el visitante lo seguía La estética (de la forma a la función). En
de una manera “subconsciente”. Los mas curi- general todos los proyectos que han sido
oso es que todo ello se lograba sin ningún ele- propuestos por alumnos con formación de
mento que no fuera la propia obra colgada. diseño, parten de las pautas estéticas, es
Fue un trabajo realmente complicado. decir prefiguran un entorno concreto espa-
cial y poco a poco lo van dando contenido.
Unidades expositivas y estructuras Lo respeto ,entiendo que es un camino
arquitectónicas. Otro grupo de investigación como cualquier otro, que ha de seguir su
ha sido el análisis de los límites en las proceso de desarrollo y resolver sus proble-
posibilidades que tienen las tipologías mas. No obstante siempre advierto a quien
clásicas (galería y rotonda), adaptadas a los lo toma que lo único exigible en los resulta-
condicionantes actuales. dos finales es que el contenido sea
coherente con el contenedor. Destacaría de
De igual manera se ha probado con dife- todos ellos la reflexión sobre lo que es el
rentes plantas, volúmenes, formas y “diseño”.
conexiones entre ellas. La antigua
recomendación del Congreso sobre Museos Los límites del diseño. Aquellos autores
de Arte celebrado en Madrid en el año 37, lo que manejan con soltura o experiencia si se
hemos hecho nuestro, incluidas las diferen- quiere, la formalización de los materiales,
tes experiencias con polígonos regulares tienen sin lugar a dudas ganado algo muy
importante que va a facilitarlos y a beneficiar
Una difícil conexión. Decía que la espiral el proyecto; pero no nos confundamos, el
es un espacio atractivo específicamente des- diseño tiene una función muy definida den-
de el punto de vista que tratamos. Ir colocan- tro del montaje de una exposición: no es
do obras que nos van haciendo crecer unas solo un problema formal.
expectativas hasta que llegamos a la recom-
pensa final, ha sido una constante en el El contenido (de la función a la forma).
trabajo de los museólogos. Curiosamente cuando un historiador se
propone realizar un proyecto de montaje,
Pero ¿qué hacer luego?, por que volver comienza por los instrumentos que mejor
por el mismo camino es algo contradictorio maneja: el estudio de la obra, sus
y que además rompería la satisfacción evoluciones, sus relaciones y debe decir que
conseguida. tienen una especial sensibilidad a la hora de
plantear “diálogos” entre las piezas. Es justo
En cuanto a los planteamientos de el camino contrario al de los diseñadores,
espacios fuertemente arquitectónicos que empiezan por su final.
88 JUAN CARLOS RICO

Como ellos han de recorrer en sentido in- exposiciones? La respuesta fue dada por un
verso un arduo camino que los lleve a dar proyecto, que tomando los elementos modu-
una respuesta formal coherente con sus lares y flexibles de una conocida sala de ex-
brillantes propuestas teóricas. posiciones bilbaína, proponía “jugar” a crear
diferentes espacios y consecuentemente ex-
Muchos de sus trabajos buscan un entorno posiciones.
“intimo” para que cada visitante se enfrente
con cada obra. Es un tema apasionante para Haga su propio montaje. Indudablemente
cualquier diseñador. es atractiva la posibilidad que ofrezca al visi-
tante la ordenación “ a la carta” de la
Como en mi propia casa. En estos diez exposición. Son evidentemente muchos los
años muchos proyectos han buscado un am- problemas que surgen principalmente desde
biente “domestico”, para ver las obras, diga- la conservación a la seguridad.
mos que con la “confortabilidad” que pode-
mos tener en el sofá del salón. Sin formas. Por último un trabajo ( se esta
desarrollando en estos momentos) que
Me parece que dentro de esta prioridad propone una reflexión sobre los espacios
por relacionar directamente al visitante con “blandos” dentro del mundo expositivo.
la obra, es un camino que no anda nada ¿Cómo puede uno percibir una exposición
equivocado. moviéndose a través de un suelo
ligeramente curvo? Para potenciar esta idea,
Los mas conceptuales. Para acabar este la obra cuelga de una estructura del techo,
somero repaso de los resultados prácticos, que a su vez contiene a las barandillas que
me gustaría decir algo de aquellas protegen de la diferencia de cotas y dan una
propuestas que han ido por derroteros mas cierta unidad al conjunto expositivo.
personales, ampliando horizontes muy
sugerentes. Lo realmente interesante y desgraciada-
mente no habitual, es que esta idea experi-
Dentro / fuera. El proyectar dentro de una mental se ha podido llevar a la realidad en
sala toda ella de cristal con un entorno verde una exposición del pintor Ikella Alonso,
muy agradable, hace que sea ineludible su resolviendo todas las pegas que tienen este
relación. Una solución incluso obvió la tipo de trabajo y cerrando por tanto con la
frontera entre lo interno y lo externo y práctica el circulo completo del proceso
trabajo en todo el espacio. lectivo.

El color. Es interesante comprobar, la dife- ¿Y ahora que ?


rente apreciación que se tiene de este ele-
mento, según el país (cultura ?) de donde O dicho de una forma menos coloquial:
provenga el autor. En el fondo es un problema ¿para que sirve todo esto?, ¿cómo se conti-
de la luz ambiental de cada zona. El proyecto nua y desarrollan todas estas incipientes
en cuestión lo diseño una alumna colombia- ideas espaciales?
na, que ante nuestro asombro fue montando
una sugerente relación obra- paramento- Ya lo decimos, esto es un punto de parti-
color, difícilmente pensado por un europeo. da, que pretende, como todos nuestros
trabajos mas la reflexión que un catálogo de
El juego. ¿ Es posible plantear un juego de soluciones. Es evidente que para aplicar
mesa con los ingredientes de un montaje de muchas de las ideas descritas gráficamente
¿QUE PUEDE HACER LA ARQUITECTURA POR LOS MUSEOS? 89

en estas páginas hay que reelaborarlas den- Museos. Arquitectura. Arte III: Los
tro del programa y de la localización de un Conocimientos Técnicos. Editorial Silex. 1999
proyecto concreto, pero también lo es, que
una lectura mas detallada del trabajo puede ¿Por qué no vienen a los museos?
provocar un cambio en la mentalidad en Historia de un fracaso. Editorial Silex
los profesionales en distintas direcciones
con vistas a mejorar la eficacia de los La difícil supervivencia de los museos.
museos. Si así se consigue todo este Editorial Trea.
inmenso trabajo habrá tenido sentido, el
tiempo nos lo dirá. El paisajismo del siglo XXI: entre la técni-
ca, la ecología y la plástica. Editorial Silex.
Otro alto en el camino
La exposición comercial: Tiendas y
En estos momentos iniciamos un nuevo escaparatismo, stand y ferias, gran-
periodo de reflexión sobre todo lo avanzado des almacenes y superficies. Editorial
en estos años y que emplearemos simultáne- Trea
amente para estudiar materias que
necesitábamos desde hace tiempo cuyo fin Manual práctico de museología,
es dotar al proceso de mayor eficacia. museografía y técnicas expositivas (Edito-
rial Silex 2006)
Me estoy refiriendo a la psicología social y
a la sociología de la cultura, que sin lugar a La Caja de cristal, un nuevo modelo de
dudas nos van a ayudar a dilucidar el museo/ The Cristal Box, a new model of
comportamiento de las personas en los Museum . En colaboración con varias uni-
museos, la razón de su insatisfacción y los versidades americanas y españolas (2008)
caminos que tenemos que abrir para poder
acercarnos con todos nuestras posibilidades Como enseñar el objeto Cultural. (Editori-
a ellos. al Silex 2008)

También con el espacio y por tanto con la ¿Cómo se cuelga un cuadro virtual? Las
arquitectura. exposiciones en la era digital (Editorial
Trea 2009)

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS La exposición de obras de Arte,


reflexiones de una historiadora, un artis-
Museos. Arquitectura. Arte I: Los ta y un arquitecto. (Editorial Silex 2009)
espacios Expositivos, premiado por el
Colegio Oficial de arquitectos de Madrid. La arquitectura como objeto, soporte y
Editorial Silex. 1994 contenedor expositivo (Editorial Silex 2009)

Museos. Arquitectura. Arte II: El Montaje Taller de Montaje de Exposiciones /


de Exposiciones. Editorial Silex. 1996. Workshop of Exhibition Design(2009)
ARTIGO
6
Evaluación en Museos y
Desenvolvimiento Social:
Presupuestos Téoricos y Metodológicos

n FELIPE TIRADO SEGURA

INTRODUCCIÓN

L
La evaluación sólo tiene sentido por sus repercusiones en el ámbito social,
ésta es un medio, no un fin; por ello el desenvolvimiento social del proceso de
evaluación constituye lo más relevante.

La evaluación tiene muchas repercusiones en el ámbito institucional y


puede, cuando está bien concebida, constituida y aprovechada, fortalecer de
manera muy importante el desarrollo institucional. En este artículo se trata de
destacar el papel que puede jugar la evaluación en los museos como un com-
ponente de la museología.

En las últimas décadas se ha ido acentuando la importancia de poder consti-


tuir procedimientos que permitan de la manera más objetiva, precisa, valida y
confiable, valorar el resultado de los esfuerzos institucionales de los museos. De
aquí ha surgido la necesidad de formalizar, teóricamente sus fundamentos y
desarrollar indicadores y procedimientos metodológicos que permitan llevar a
cabo dicha evaluación, lo cual se puede apreciar en una amplia literatura que se
ha ido concentrando en torno a este relevante componente de la museología
(Alt M., 1977; Loomis, 1987; Screven, 1990; Bicknell and Farmelo, 1993; Foddy,
1993; Sudbury, Rees and Russell, 1995; Scott, 1995; Thompson, 1996; Borun and
Korn, 1999; Wavell, 2002; Kelly, 2004; Newman and Malean, 2004)
92 FELIPE TIRADO

FILOSOFÍA DE LA EVALUACIÓN se define la respuesta de qué evaluar. Final-


mente hay que definir y sustentar para quién
Puntos de partida es la evaluación, quienes son los
beneficiarios; en general deben ser los
La legitimidad usuarios del mueso. De este modo es posible
construir los elementos de racionalidad que
Para poder tener los efectos sociales le den legitimidad al proceso y contribuyan
deseados, la evaluación debe cumplir con a la aceptación social, de manera que los
un principio substancial, este es que debe ser involucrados hagan suya la evaluación.
legítima. La legitimidad de un proceso se
constituye si éste es razonable, justo, genuino Otro principio que permite socializar el
y logra la aceptación social. proceso es que sea justo y equitativo. No se
puede esperar que una persona o institución
Si la evaluación no tiene credibilidad, el logre objetivos y metas cuando no tiene las
desenvolvimiento social del proceso será condiciones para cumplirlos. Pretender exi-
contraproducente, en lugar de contribuir al gir o esperar resultados que no son factibles
desarrollo institucional basado en el logro de alcanzarse dado que no se cuenta con los
de sus propósitos, puede llevar a elementos para lograrlos, deslegitima la
deformaciones derivadas de la simulación, evaluación y genera animadversión. Los
el trabajar para construir apariencias, falsear procedimientos deben reconocer las dife-
los resultados, de manera que lo que se oca- rentes responsabilidades y funciones que se
siona es más un deterioro que un beneficio. tienen en un museo, y la evaluación debe ser
De aquí que un punto de partida es que la acorde a esta diferenciación de roles. Es in-
evaluación sea legítima. justo tratar como iguales a desiguales, de
aquí que la evaluación debe ser equitativa,
Para que un proceso sea legítimo, como se reconociendo las circunstancias, las
indicó, requiere ser razonable. Un proceso condiciones con que se cuenta para cumplir
es razonable cuando existen premisas y argu- con los propósitos establecidos, reconocer
mentos congruentes en los cuales se susten- los compromisos asumidos y no pretender
ta, que permiten establecer juicios prudentes evaluar responsabilidades no contraídas o
y pertinentes. Los elementos de racionali- que no corresponden.
dad de la evaluación se sustentan en las
respuestas que se pueden generar ante las La evaluación debe ser genuina, cierta,
preguntas de ¿para qué evaluar?, ¿por qué basada en hechos reales. Estos elementos de
evaluar?, ¿qué evaluar?, ¿para quién es la legitimidad corresponden al método, al
evaluación? cómo evaluar, quién evalúa. En la
metodología de la evaluación hay tres
La pregunta de para qué evaluar, corres- conceptos claves que se deben de cumplir
ponde a las razones y elementos de juicio para que sea genuina, estos son la validez del
que justifican hacer un proceso de procedimiento, la confiabilidad y la
evaluación, son las razones antecedentes. precisión.
Las razones consecuentes responden a la
pregunta de por qué evaluar, son las La validez de un procedimiento se logra
consecuencias o beneficios que se esperan cuando lo que se evalúa es lo que se desea
lograr a partir de instituir un proceso de evaluar. Por ejemplo, si lo que se pretende
evaluación. En el análisis de las razones an- evaluar son las opiniones de los niños con
tecedentes y consecuentes de la evaluación, respecto a su apreciación sobre la obra de un
EVALUACIÓN EN MUSEOS Y DESENVOLVIMIENTO SOCIAL 93

determinado artista, los niños deben Las inconsistencias en los datos de


conocer la obra del artista para que sean vá- evaluación pueden variar, la variación
lidas sus opiniones, éstas deben correspon- puede ser pequeña o grande, lo que nos lleva
der a niños y sólo a niños, que sean sus al otro concepto que corresponde al nivel de
opiniones y no las de su profesor o sus pa- precisión. Podría ser que al contabilizar el
dres, si lo que se pretende evaluar es la número de visitantes que asistieron a la
opinión de los niños que visitaron una sala cafetería la resultante varíe en una o dos
determinada en la que se expone la obra del personas, o en 30 o 40, habría primero que
artista, éstas opiniones deben ser de los niños relativizar, por ejemplo en un porcentaje. El
que visitaron la sala y no de quienes visitaron grado puede en algunos casos llegar a ser
simplemente el museo, las opiniones deben aceptable y en otros no. La precisión absolu-
ser registradas con procedimientos o instru- ta no existe, incluso en los fenómenos físicos,
mentos bien diseñados que permitan obser- si deseáramos medir la magnitud de una
var las opiniones de apreciación sobre la puerta metálica en diezmilésimas de milíme-
obra determinada. Si los datos corresponden tros sería imposible, no sólo porque no con-
fielmente al fenómeno que se está evaluan- taríamos con un instrumento para lograr
do, podemos decir que es valido. Si no se medidas a este nivel de precisión, sino
cumplen estos preceptos la evaluación es in- también porque a este nivel de precisión la
válida, sería como hablar de litros de alcohol magnitud de la puerta varia debido a la tem-
cuando se trata de litros de agua. Si la peratura, de manera que siempre estaríamos
evaluación es valida ésta es genuina, y por lo obteniendo medidas diferentes, pero dentro
mismo cumple con un principio de legitimi- de cierto rango (más / menos x número de
dad. diezmilésimas), a estas variaciones es lo que
se conoce como el error de medida o error
Quién evalúa puede constituir un elemen- estándar. La precisión extrema es imposible
to importante de validación, ya que cambia además de inútil, pero la imprecisión
significativamente cuando ésta es realizada tampoco puede ser demasiado grande por
por la misma persona que es evaluada que dejaría de ser genuina o legítima la
(autoevaluación), a cuando es realizada por evaluación.
personas capacitadas y con experiencia en
evaluación, o por personas que buscan justi- En el apartado de metodología de la
ficar actos de reprimendas o remoción. evaluación regresaremos a los conceptos de
validez, confiabilidad y precisión vistos
Otro aspecto es la confiabilidad del como requerimientos técnicos; hasta aquí
proceso, es decir qué tan fiables son los datos valga señalar que son elementos que le dan
o resultados de la evaluación. El proceso es certeza a la evaluación, la hace genuina y
confiable si los datos son consistentes, si un con ello gana credibilidad y legitimidad.
observador coincide con otro o con él
mismo. Supongamos que en un listado de Finalmente está la interpretación y uso de
visitantes al museo se cuenta cuántos de los datos de la evaluación. Una cosa es me-
ellos asistieron a la cafetería. El número de dir y otra evaluar. La medida es la forma
asistentes debe coincidir si las cuenta una metodológicamente sustentada de obtener
persona u otra, incluso la misma persona si los parámetros de la magnitud de un
cuenta el listado dos o tres veces el número fenómeno. La evaluación es la valoración
debe coincidir, si no es así, la inconsistencia que se hace de los resultados obtenidos. Por
hace a los datos inconfiables. Si no hay confi- ejemplo, 60 años, es mucho o poco, esto de-
abilidad no es legítimo el procedimiento. pende del juicio de valoración. Dada la
94 FELIPE TIRADO

interpretación y valoración de los datos se La evaluación


determina como serán utilizados, lo que es
de suma relevancia para la aprobación soci- Todos nuestros actos son rutinariamente
al del proceso, determina que las personas objeto de una evaluación. Sistemáticamente,
contribuyan, que hagan suya la evaluación, sin proponernos, de manera implícita,
que se legitime. nuestras acciones cotidianas son valoradas
por sus resultados. Aquellas acciones que
Si se cumplen los preceptos enunciados, resultan efectivas para proporcionarnos los
la evaluación será legítima, tendrá fines deseados, sin estar necesariamente me-
credibilidad y aceptación social, lo que defi- diados por un acto deliberadamente
nirá su desenvolvimiento social. conciente, reciben una suerte de aprobación
y tienden a repetirse; de manera análoga, las
La cultura de la responsabilidad acciones que son fallidas para alcanzar
nuestros propósitos, o peor aún, que
La expresión de las ideas, el poder conducen a consecuencias adversas, son
analizar, discurrir y deliberar de manera abandonadas y evitadas. En este principio
colectiva sobre las responsabilidades y funci- de “selección natural”, radican las bases del
ones de los museos, el cómo valorar o aprendizaje y el comportamiento inteligen-
mesurar sus logros y limitaciones, abren te, en tanto permiten afrontar la diversidad e
espacios muy enriquecedores para construir ir reconociendo (aprendiendo) las rutas o
criterios compartidos en beneficio del vías más apropiadas.
desarrollo de la museología y el desenvolvi-
miento social de los museos. Cuando la valoración de las acciones pasa
a ser un acto deliberado, conciente y planifi-
En este trabajo se busca referir un conjun- cado, tiene origen lo que referimos como la
to de consideraciones que han sido elabora- evaluación.
das a lo largo de varios años de experiencia,
con el propósito de abrir o incitar a una La evaluación significa instituir una
reflexión colectiva sobre la evaluación, que disposición de búsqueda, generar una
hay que advertir que las más de las veces re- actitud crítica y autocrítica, lo que
sulta polémica, pero por lo mismo suelen ser desencadena un proceso de revisión y supe-
muy motivante y enriquecedores los debates ración persistente. De aquí su importancia.
que se suscitan.
Al analizar el significado de la evaluación,
De ninguna manera se pretende hacer conviene comenzar por las razones
planteamientos o expresiones de supuestas fundamentales en que se sustenta, las que se
verdades universales, aunque se formulen en desprenden de una serie de cuestionamien-
términos de afirmaciones provocativas. Se tos básicos, que responden al sentido de ser
trata de incitar la reflexión crítica en torno a de la evaluación. En otras palabras, al
este tema, de forma tal que contribuya al cuerpo sistemático de los principios y
planteamiento de ideas y criterios, que even- conceptos generales en que se basa la
tualmente se logren traducir en prácticas metodología de la evaluación.
que permitan mejorar las responsabilidades
institucionales de quienes están comprome- Estos cuestionamientos son, como ya se
tidos con el quehacer y mejoramiento de los refirieron en el apartado de la legitimidad: 1)
museos. por qué evaluar, cuál es la razón de ser de la
EVALUACIÓN EN MUSEOS Y DESENVOLVIMIENTO SOCIAL 95

evaluación; 2) para qué evaluar, qué contexto de los museos que es el punto de
beneficios se pueden esperar de la nuestro interés, se debe definir qué fines
evaluación; 3) qué, cuáles son los aspectos persigue el museo, cómo se concibe a éste,
que deben ser evaluados; 4) cómo, qué pro- que función social debe cumplir.
cedimientos permiten constituir un método
apropiado de evaluación, que dé certeza; 5) Se trata de poder valorar los logros, reco-
quiénes, a quién corresponden las responsa- nocer los aciertos, pero de igual modo iden-
bilidades de la evaluación; 6) dónde y tificar las omisiones, definir los errores; de
cuándo, ante qué circunstancias y en qué manera tal que con autocrítica se promueva
momentos resulta adecuado y oportuno tanto la apreciación de los aciertos como la
gestar un proceso de evaluación. de los desaciertos, con el fin de fortalecer las
acciones exitosas y corregir las equivocadas.
Estas interrogantes se convierten en ejes Bajo esta fórmula se puede concebir un
de reflexión que se entrelazan, ya que unos proceso de desarrollo institucional.
responden o derivan de los otros, por
ejemplo, las razones de por qué evaluar, El ejercicio de instrumentar un proceso
responden a los argumentos antecedentes de evaluación sistemático, permite construir
que justifican la evaluación. Estos argumen- parámetros de referencia, en los que se
tos, de manera implícita definen el para qué pueden establecer comparaciones, indica-
evaluar o la justificación consecuente, en dores que advierten de la dirección o
tanto son los beneficios que se espera trayectoria que tienen los cambios. Estos
obtener al atender las deficiencias o parámetros de referencia pueden ser auto
carencias que llevan a implementar un referidos, es decir, apreciar los cambios
proceso de evaluación. habidos dentro de los indicadores de las
acciones de uno mismo, en diferentes mo-
Por qué evaluar define carencias o proble- mentos, lo que configura trayectorias, define
mas, la necesidad de mejorar; el para qué tendencias, permite análisis longitudinales
evaluar atiende la carencia, busca resolver referidos a lo largo del tiempo. También
problemas, encontrar formas para mejorar, pueden constituir indicadores al comparar
de aquí que se señale que están los índices obtenidos con los de otras institu-
intrínsecamente relacionadas las causas (por ciones análogas. O bien considerando
qué) a los beneficios (para qué). circunstancias para que las comparaciones
sean relativas, proporcionadas y equitativas.
La evaluación debe ser sistémica, defini-
das las responsabilidades sociales del museo La comparación es una base sustantiva de
en cuestión, la evaluación constituye un la evaluación, es la manera de tener referen-
procedimiento que debe permitir reconocer tes que permiten posicionar, graduar, aquila-
y apreciar que tan efectivo, eficiente o tar el mérito o desmérito. Es sólo bajo con-
exitoso es el museo en el cumplimiento ca- trastes como se pueden percibir las particu-
bal de sus funciones sociales. laridades.

Por qué evaluar Una razón para promover la evaluación,


deriva de que aquellas actividades que son
Muchas pueden ser las razones que le dan susceptibles de ser definidas, de establecer in-
sentido de ser a la evaluación. El punto de dicadores de logro y mesurarse, las hace
partida está en precisar cuáles son los propó- también factibles de mejorar en su
sitos institucionales, para expresarlo en el cumplimiento, porque se puede dar
96 FELIPE TIRADO

seguimiento a su evolución. Este compartidos, encontrar acuerdos. De esta


conocimiento es sustantivo para la manera es posible asentar consecuencias
planeación, para el diseño de acciones futu- que estimulen los aciertos y reduzcan o
ras que permitan prosperar en el alcance de corrijan las fallas y omisiones, a partir de
nuestros propios fines. La evaluación acuerdos socialmente consensuados por los
requiere definir lo que se desea alcanzar, qué grupos de trabajo institucional.
es lo importante, diferenciar lo sustantivo de
lo complementario, valorar las funciones, El ejercicio sistemático y generalizado de
construir jerarquías, de manera que el la evaluación tiene un efecto social funda-
ejercicio de la evaluación conforme un mental, que es el promover una cultura de la
proceso regulador de la gestión institucional. responsabilidad. Saber cumplir con los com-
promisos que a cada quien le corresponden,
La visión de la evaluación como proceso dar cuenta de ellos y asumir las
para superar limitaciones a partir de corregir consecuencias de nuestros actos, es parte de
errores u omisiones, se basa en una filosofía lo que significa tener una cultura de la res-
de inclusión, que trata de generar un grupo ponsabilidad.
de colaboración, de promover responsabili-
dades compartidas, formar actitudes que La cultura de la evaluación implica tener
fortalezcan la cohesión social bajo una como valores socialmente compartidos el
identidad de grupo institucional, lo cual re- dar cuenta de nuestras responsabilidades y
sulta muy diferente a cuando la evaluación afrontarlas, estar abiertos y promover que se
es utilizada para justificar sanciones o la evalúe el producto de nuestros compromi-
remoción de las personas. sos; y si no cumplimos con los compromisos
asumidos, saber plantear consecuencias y
Si bien la evaluación permite reconocer asumirlas. Esto otorga el derecho de exigir
carencias, omisiones, precisar cuando el el principio de reciprocidad, elementos
desempeño es pobre, menesteroso, es impor- esenciales para la legitimidad de una norma
tante subrayar que no debe ser la vía para social.
señalar deficiencias, estigmatizar y marginar,
ya que es una de las razones más frecuentes La rendición de cuentas de nuestras res-
por las que se presentan grandes resistencias ponsabilidades es válida para todos,
sociales; sino por el contrario, se trata de comenzando por quienes tienen jerárquica-
reflexionar para resolver los problemas, mente mayores responsabilidades, dado que
alentar y abrir nuevas oportunidades, encon- sus decisiones son de mayor impacto y
trar soluciones, a partir de una firme cuentan con una situación privilegiada,
convicción de inclusión. como son los políticos y directivos. Parte
sustantiva del ejercicio de la democracia
a la evaluación, es porque ésta se utiliza está en la rendición de cuentas.
como vía para justificar la segregación, la
marginación, la coacción y la imposición de En el sector privado de la economía
sanciones, hasta llegar a la exclusión o algunas empresas, comúnmente las familia-
expulsión. res, suelen trabajar por imposición, de forma
autoritaria, hay una jerarquía en las respon-
Para alcanzar un proceso apropiado de sabilidades de mando y las decisiones son
desarrollo institucional se requiere definir verticales, los procesos de evaluación se
metas que sean plausibles de lograr, conside- establecen sin considerar la opinión de los
rar las condiciones, establecer compromisos evaluados, se aplican sanciones y remueven
EVALUACIÓN EN MUSEOS Y DESENVOLVIMIENTO SOCIAL 97

a las personas sin mayor consideración. La alcances y limitaciones obser vadas, a


resultante es que el personal trabaja bajo plantear la resolución de problemas, a pro-
presión, los índices de estrés son altos, hay mover un mejor desempeño institucional.
irritabilidad, falta de compañerismo, no se
genera identidad de grupo, no hay Los resultados de la evaluación
solidaridad institucional, lo cual natural- retroalimentan el logro de los objetivos,
mente merma la productividad, eficacia y modelan y orientan la praxis, entendida ésta
eficiencia. como la integración teórica explicativa
reflejada en las acciones prácticas. Es así
Trascendencia de la evaluación como la evaluación ofrece elementos
sustantivos para el desarrollo de la
Para qué evaluar museología, en tanto permite estimar o
valorar la operación del museo de manera
Probablemente el fin más importante de la sistémica, valorando aspectos como el éxito
evaluación es el promover el desarrollo ins- de una exhibición o el uso de determinados
titucional armónico, general y sistemático. tipos de guías, los efectos de cambios realiza-
dos o introducidos con propósitos experi-
Gracias a la evaluación se puede recono- mentales, establecer diagnósticos y
cer la existencia de problemas y definirlos pronósticos, dando lugar a procedimientos
con precisión, lo que en sí ya representa de metodología científica y desarrollo de
buena parte de su posible solución. Cuando nuevas tecnologías.
no somos capaces de percatarnos de la
existencia de un problema lo repetimos, ob- Contenidos de la evaluación
viamente estamos muy lejos de su solución,
y lo peor, en la medida que no se atiende, sus Qué evaluar
efectos nocivos siguen estando presentes y
tienden a incrementarse. Es objeto de evaluación todo lo que se
considere que es relevante.
Cuando se logra definir los problemas,
entonces es posible que se llegue a recono- La evaluación debe partir de la misión ins-
cer su origen y precisar sus causas. Si una titucional, de la visión que se tiene del
situación problemática es factible de museo, de la identificación de cuáles son sus
dimensionar su magnitud, de ser cuantifica- propósitos, objetivos y metas. De los ideales.
da, medida; entonces se tendrán referentes
puntuales con los cuales se puede saber si el Weil (Museum, 2003) recuerda que Johon
problema y sus consecuencias aminoran, Cotton planteó: “El valor de un mueso está
permanecen estables o aumentan, es decir, si en su uso”. Y agrega Weil que las potenciali-
se está mejorando, empeorando o se perma- dades de servicios de un museo son casi infi-
nece igual, información sumamente útil nitas. Señala que a través de el amplio rango
para la promoción institucional. de disciplinas e intenciones de los museos,
se tiene la capacidad de impartir
En síntesis, la evaluación ayuda a definir conocimientos, estimular inquietudes,
las prioridades institucionales, a precisar desarrollar habilidades, proveer experienci-
cuales son los objetivos a cumplir y las metas as de orden artístico - emotivas, fortalecer las
a alcanzar, a establecer con precisión y relaciones de la comunidad, despertar
claridad indicadores que permitan valorar intereses personales, ofrecer perspectivas, in-
los logros, a formular explicaciones de los fluir en las actitudes, modelar comportami-
98 FELIPE TIRADO

entos, trasmitir valores, generar aprecio, Evaluación de la experiencia museográ-


respeto, y mucho más. fica

Este tipo de potencialidades del museo, Una de las líneas de evaluación más
pueden constituir sus fines institucionales, comunes y específicas realizadas en los
pero deben ser explicitadas, de manera que museos, han sido los estudios de público. En
sean valoradas y puedan ser evaluadas, estos estudios se ha centrado el interés en
generándose para ello los indicadores que valorar el significado de la experiencia mu-
permitan saber en qué grado están siendo seográfica en los visitantes.
alcanzadas o cumplidas.
Un punto de partida ha consistido en defi-
Otro punto valioso a evaluar es el grado nir el perfil de los usuarios, para reconocer
de satisfacción (suitability) que el museo las variables de población o características
tiene para con sus visitantes. que la perfilan, tales como: género, edad,
motivo de la visita, grado de escolaridad y
También son objeto de evaluación los pro- nivel socioeconómico; de manera tal que se
cedimientos utilizados para lograr los objeti- puedan conocer las frecuencias y
vos. La evaluación debe reconocer y valorar porcentajes de estos indicadores, lo que le
los procesos. Por ejemplo, inventariar y permite al museo saber quiénes lo vistan y
valorar todos los procedimientos técnicos que motivó su vista. También se pueden
para sistematizar y estandarizar el montaje hacer correlaciones, análisis de varianza
de una exposición. (ANOVAS), regresiones múltiples, análisis
factoriales, para poder estimar y valorar los
La evaluación debe ser integral y sistemá- diversos factores que estén asociados a
tica. Integral en el sentido de que se evalúen efectos debidos a la experimentación muse-
todos los componentes. Sistemática en el ográfica.
sentido de ser institucional: planeada, clara-
mente definida y reglamentada, de Otros estudios tratan de evaluar el impac-
aplicación regular, definida en el tiempo. to que la exposición tiene en el público,
valorando aspectos de orden cognoscitivos,
La evaluación museográfica tiene varios tales como la comprensión y aprendizaje de
componentes específicos, tales como: la los elementos de conocimientos contenidos
misión del museo como institución de cultu- o requeridos en la exhibición; o de opinión
ra, la evaluación de la experiencia museo- que permiten valorar creencias, actitudes,
gráfica de sus visitantes, del museo como re- juicios y prejuicios; o también de recreación
curso educativo, de sus responsabilidades y artística y apreciación estética, lo que es par-
funciones como institución de educación ticularmente importante en el caso de los
permanente, como complemento para la museos de arte.
formación escolarizada, la satisfacción de las
expectativas de sus usuarios, el enriquecimi- Metodología de la evaluación
ento cognoscitivo o de apreciación de los
visitantes, la recreación, la pertinencia y Cómo evaluar
actualización de la exposición, lo apropiado
de la presentación o adecuado del montaje, Podemos diferenciar dos tipos de
el desarrollo y capacitación de su personal, evaluación, una que concentra la valoración
las condiciones de su infraestructura, la en los resultados y la otra que atiende el
calidad de sus servicios. proceso. A la primera se le conoce como
EVALUACIÓN EN MUSEOS Y DESENVOLVIMIENTO SOCIAL 99

evaluación sumativa, en tanto se ocupa de la de quienes tienen bajo su responsabilidad las


suma de todos los elementos que generan la diversas funciones del museo, o bien los visi-
resultante final del fenómeno a evaluar, tantes. Estos procedimientos se conocen
como podría ser la experiencia museográfi- como evaluación participativa.
ca que tienen los visitantes de un museo. La
evaluación de proceso, o formativa, es la que En los problemas metodológicos de la
ocupa de evaluar las condiciones y factores evaluación hay cuestiones técnicas que se
que generan la resultante. Lifshitz (2007) lo deben tener presentes. Una es el grado de
refiere en un ejemplo: “Cuando el cocinero subjetividad versus objetividad con que es
prueba la sopa, es evaluación formativa; posible mesurar el fenómeno que es nuestro
cuando el invitado prueba la sopa, es objeto de interés. Entre menos dependa de la
evaluación sumativa”. Aunque los procedi- interpretación o valoración subjetiva de
mientos de evaluación pueden ser los quien evalúa, la evaluación se considera que
mismos, en este ejemplo “saborear”, el es más objetiva y por lo mismo es mejor. Hay
enfoque varía, en uno es para mejorar, el un criterio técnico que tiene que ver con la
otro para degustar el resultado final. objetividad y que se denomina confiabili-
dad, es decir, si la apreciación realizada es de
Estrategias para la evaluación fiar. La confianza en una medida se gana en
la medida que es congruente con diferentes
La evaluación debe ser certera, creíble, observaciones, es decir, si en todas las
verosímil, admisible, eficaz, es decir, ser so- observaciones hay coincidencia, se repite la
cialmente aceptada y producir el efecto misma medida, la congruencia es total y
deseado. Lo que se quiere evaluar no es equivale a 1 o 100% confiable. Si se valora la
siempre lo mismo, por ello hay que reco- ejecución de un estudiante tres veces, y en
nocer de inicio que no hay un método de las tres se obtiene calificaciones diferentes,
evaluación, sino una pluralidad de procedi- entonces se tiene una evaluación que no es
mientos, los cuales permiten obtener diver- confiable.
sos indicadores, que constituyen formas de
acercamiento al fenómeno de interés. Unos Para ejemplificar lo anterior en el contex-
indicadores pueden ofrecer apreciaciones to de un museo. Si un observador sostiene
parciales generadas a partir de cierto punto que el número de visitantes de género
de vista en comparación con otras, por lo femenino fueron 123 en un día, y otro igual-
que resultan complementarias. mente afirma que fueron 123, el dato se hace
confiable. A la inversa, si hay discrepancias
Todos los actores del proceso museográfi- entre los observadores, en la medida que sus
co y los productos de sus acciones pueden datos difieren se tornan éstos inconfiables.
ser susceptibles de ser evaluados. Una apre-
ciación muy valiosa para tener referentes y Otro criterio técnico de la evaluación es
pautas de evaluación, se pueden dar el de la validez, la cual implica que lo que se
conociendo las opiniones de los especialis- pretende medir es lo que realmente se está
tas, de los expertos o pares académicos, pues midiendo. Por ejemplo, en una exhibición
este procedimiento permite contar con una en que se desea evaluar si se aprendió a par-
validación de contenidos, y establecer así los tir de las explicaciones que contienen las cé-
fines y objetos de la evaluación. dulas del museo, sería inválido si no se
reconoce lo que el visitante ya sabía sobre la
Otra fuente de evaluación es la que se da a materia antes de su vista, pues ese
partir del punto de vista de los implicados, conocimiento no se aprendió debido a la
100 FELIPE TIRADO

exposición. También sería invalido si a un Se identifica como evaluación cuantitati-


visitante se le pregunta sobre la claridad de va a la que se basa en los modelos que
las explicaciones de las cédulas y contesta utilizan las operaciones estadísticas para va-
considerando la facilidad de leer la letra de lidar sus instrumentos, fundamentar sus
los textos dado su tamaño y limpieza. observaciones y sustentar sus inferencias. La
evaluación cualitativa se identifica con la
Hay distintos tipos de validez, una es de que se sustenta más en las tradiciones de la
constructor o concepción, que corresponde investigación etnográfica, que suele ser de
a la coherencia de los argumentos o trabajo de campo, en narrativa, con reportes
reflexiones en torno a lo que se desea directos, basada en estudio de casos.
evaluar. Los argumentos y criterios deben ser
lógicamente razonables. Otra es la validez de Si bien es cierto que éstos procedimientos
contenido, que implica si se está evaluando y métodos para abordar la evaluación son
lo que se debe de evaluar. También está la diferentes, es importante apreciar que no son
validez de instrumentos, que corresponde a antagónicos ni excluyentes, sino por el con-
la efectividad de los medios para poder re- trario, pueden y deben ser complementarios.
gistrar o evaluar lo que se desea valorar. Por
ejemplo, alguien que mide temperatura sin En este debate hay una falacia que
considerar la presión atmosférica, tendrá un encubre una falsa polémica, pues no hay
fuente de invalidez. valoración posible que se pueda hacer sin
considerar aspectos cualitativos. La llamada
La evaluación también depende del grado evaluación cuantitativa centra la atención
de precisión requerido o deseado. Se en las magnitudes de los fenómenos,
pueden tener distintos grados de precisión, fenómenos que por su naturaleza son cuali-
desde la más exacta, aunque la exactitud to- tativamente distintos. Es cualitativamente
tal sólo es posible teóricamente, hasta los dis- distinto señalar que el 36% son estudiantes, a
tintos rangos de variación o estimación, lo decir que el 36% de los visitantes permane-
que en ciertos procedimientos se conoce cen en el museo menos de 45 minutos. Son
técnicamente como el error estándar de la dos fenómenos cualitativamente diferentes,
medida. Las evaluaciones se suelen lo relevante no es simplemente saber la
establecer en rangos de precisión, indicando magnitud (cuánto), sino también la dimensi-
en que medida puede variar el valor ón cualitativa (cuánto de qué).
promedio. Por ejemplo, se podría decir que
determinado porcentaje de los visitantes de Siempre que se contabiliza, se requiere
un museo son estudiantes, supongamos 36%, definir una unidad a partir de una cualidad,
sin embargo este valor varía, pongamos que lo relevante no es el número en sí, sino la
varia alrededor de un 4%, entonces se diría cualidad. Resulta cualitativamente distinto
que la media es de 36% más/menos 4%, por- tener 6 niños a 6 manzanas, lo relevante no
que a veces llega a ser hasta el 40% y en otras es el número, sino la magnitud de la
ocasiones sólo el 32%. cualidad a la que se refiere. La cualidad y la
cantidad son atributos inseparables, por ello
Evaluación cuantitativa versus cualitativa la diferenciación resulta un falso dilema.

En la literatura sobre los procesos de la Pero la magnitud además constituye en sí


evaluación se ha generado una misma una cualidad, pues en el cambio de
diferenciación en la que se señalan dos pers- las dimensiones de un fenómeno ocurren
pectivas: una cuantitativa y otra cualitativa. cambios cualitativos. Si en un museo el 80%
EVALUACIÓN EN MUSEOS Y DESENVOLVIMIENTO SOCIAL 101

de sus visitantes son escolares menores de 12 variable de interés específico, como podrían ser
años, podemos cualificar y decir que se trata escolares, o adultos de género femenino, o turis-
de un museo infantil, lo que tiene implicaci- tas, por mencionar algunos. La observación
ones sustanciales. Lo mismo ocurriría si se directa, el registro sistemático, las entrevistas
observara que el 70% de los asistentes son abiertas y estructuradas, así como los
analfabetos, el museo requeriría una trans- cuestionarios y encuestas, son procedimientos
formación conceptual cualitativa en sus fun- comunes que se utilizan para generar este tipo
ciones y maneras de operar. Resulta cualitati- de valoraciones.
vamente distinto si el 90% de los visitantes de
un museo reportan que éste es claro y ame- Cuando se quiere evaluar una población
no, a si sólo lo hacen así el 10%. Es cualitati- muy numerosa y variable, es muy difícil y
vamente distinto un museo que recibe 10 mil costoso, si no imposible, atender a todos los
personas al año, a otro que tiene un millón casos. Para ello se pueden usar técnicas
de visitantes en el mismo período. estadísticas de muestreo, que consiste en
elegir a una parte relativamente pequeña
Es cierto que algunas valoraciones son en pero representativa de todos los casos. Para
prosa, más descriptivas, y otras más en térmi- que de una selección podamos inferir cuales
nos cuantitativos, como ocurre en los son las características de toda la población, es
estudios de casos singulares a diferencia de necesario que los casos se elijan por un pro-
los de gran escala. Las evaluaciones de gran cedimiento aleatorio, de manera que
escala requieren del apoyo metodológico de cualquier caso tenga la misma probabilidad
la estadística, por la imposibilidad o lo de ser seleccionado. Por ejemplo, se puede
costoso que resultaría valorar puntualmente definir que de cada 20 personas que ingresan
a todos los miembros de una población que al museo, se entrevistará a la que ingrese en el
es numerosa y variable. veinteavo lugar, comenzando nuevamente a
contar para volver a seleccionar al veinteavo,
También es cierto que la exploración y así sucesivamente. Cualquier persona tiene
detallada de casos específicos, lo que se la misma probabilidad de ser seleccionada,
conoce como estudios de caso, proporciona por ello podemos asumir que la selección for-
apreciaciones muy valiosas que de otra ma un grupo elegido al azar y podrá ofrecer
manera sería imposible obtener, por ello re- una idea general de toda la población.
petimos, la evaluación debe considerar las
diversas metodologías para conocer y Puede ocurrir que los grupos de interés
valorar los fenómenos que ocurren dentro sean diferentes en proporción y por lo
del museo, de aquí que sean complementari- mismo en la muestra debe estar reflejada la
os y no excluyentes. proporción, pongamos por ejemplo que nos
interesa conocer las opiniones de los adultos
En una evaluación se debe comenzar por y adolescentes que tienen al menos un año
definir la unidad de análisis. Esta puede ser de estudios universitarios concluidos, en este
el visitante del museo, los grupos escolares, caso podría suceder que el 18% (+/- 2%) de
los profesores, los guías, los directivos, los los visitantes del museo son adultos
museos, etcétera. (mayores de 21 años > 21) y el 24% (+/- 3%)
adolescentes (> 14, < 21) con el nivel de
Es recomendable iniciar la evaluación por estudio requerido; por lo que “el peso
medio de estudios de caso, a través de procedi- muestral” debe corresponder a estas propor-
mientos etnográficos, con registros anecdóticos, ciones, de manera que no esté un grupo so-
por muestreo aleatorio, con base en un factor o bre-representado y el otro sub-representado.
102 FELIPE TIRADO

El número requerido para definir “un varianza no controlada, y lo importante es


grupo relativamente amplio”, depende de conocerla y determinarla.
la variabilidad de lo que nos interesa
conocer (factor del interés específico). Un Los procedimientos
ejemplo, si lo que queremos conocer es
cuántas mujeres y hombres visitan una Definición de propósitos para establecer
exposición, la variación se reduce a dos indicadores.
posibilidades: femenino o masculino. En
este caso el “grupo relativamente amplio” Un indicador constituye un referente que
podría ser de alrededor de 80 individuos si permite tener indicios del comportamiento
la estimación es estable. Una manera de de un fenómeno y hacerlo así manifiesto.
verificar la estimación, se hace repitiendo
el procedimiento y comparando los resulta- Cuando se tiene definido el objetivo de la
dos. Si esta verificación se hiciera muchas evaluación, es recomendable hacer
veces, podría resultar que, por ejemplo, en ejercicios previos por medio de la
la primera medición obtenemos que eran observación directa del fenómeno a obser-
62% mujeres y 38% hombres, en la segunda var, y tomar notas en una bitácora o diario,
observamos que resultan ser 64% mujeres y para ir señalando referentes que pudieran
en una tercera 63%. Las diferencias resul- ser indicadores para la evaluación. Resulta
tantes serían lo que podemos llamar el conveniente hacer estudios de caso para ex-
rango de error, error de medida o error plorar y determinar indicadores.
estándar, en este ejemplo sería de 1% (63%
más/menos 1%). De la observación directa se puede pasar a
la observación estructurada, en la que se
Pero si el factor de interés es la edad de tienen ya definidas una serie de categorías a
los visitantes, ésta variable tiene muchas ser observadas, estableciendo rutinas defini-
posibilidades, pues pueden ser desde visi- das en listas de cotejo (Check list).
tantes menores de 5 años, hasta mayores de
80. Aquí la variación no es dicotómica, Otro procedimiento puede ser a partir de
como en el caso del género: hombre o entrevistas, las cuales pueden ser abiertas,
mujer; sino puede tener más de 80 valores. como en el caso de la observación directa, o
En un factor como la edad que tiene una estructuradas, en la que se cuenta con un
variación tan amplia, se puede reducir la guión previo de preguntas, las que pueden
variable acotando por rangos, tales como: tener respuestas abiertas y/o cerradas (de
los que tienen 5 años o menores, los que opción múltiple).
tienen entre 6 y 10 años cumplidos, los de
11 a 15, los de 16 a 20, y así sucesivamente. La elaboración de preguntas o reactivos,
Como la variabilidad del factor edad es llamados así porque son instancias que
mayor, el “grupo relativamente amplio” incitan una reacción o respuesta normalizada
para hacer representativa la muestra, a una pregunta, deben ser eficaces para
deberá ser también mayor. Qué tan mayor. evaluar o diferenciar. Un reactivo busca dis-
Dependerá de la variabilidad, hasta poder criminar en la población (los encuestados o
encontrar su estabilidad, por ejemplo, que examinados) las diferentes maneras de res-
en las observaciones realizadas no hay dife- ponder a las preguntas. Por ejemplo, una
rencias mayores a un determinado valor pregunta tradicional de conocimiento, busca
entre las medidas observadas (error de me- poder discriminar entre quien sabe y no sabe
dida). Esto porque siempre hay una responder de manera apropiada o correcta.
EVALUACIÓN EN MUSEOS Y DESENVOLVIMIENTO SOCIAL 103

Un conjunto de preguntas integra un exposición resultó cansada? - Conteste un


cuestionario, el que debe ser diseñado bajo número entre 1 y 10, donde 1 quiere decir
una estructura con distintos componentes. que está totalmente de acuerdo y 10 total-
Primero hay que tener una introducción mente en desacuerdo. Otra manera es que
para el encuestador, explicitando primero sean contestadas en términos de
las razones de porque y para que se aplicará probabilidad, por ejemplo: ¿considera que
el cuestionario, cuales son los propósitos y volverá a visitar este museo? a) Seguro no -
las instrucciones puntuales de cómo debe b) Probablemente no - c) Probablemente sí -
ser aplicado, de forma que comprenda la d) Seguro sí - e) No sé. O por dimensión:
relevancia del estudio y el procedimiento ¿considera que es importante que los escola-
para así ganar su interés. El cuestionario res visiten esta exposición? a) Nada - b) Poco
también debe contar con una presentación - c) Algo - d) Mucho - e) No sé.
dirigida a los entrevistados o encuestados, en
la cual se le haga saber cuales son los fines Si se observa, en las preguntas no hay
que se persiguen, seguido de las neutralidad, el entrevistado debe inclinar su
instrucciones de cómo debe contestar a las opinión hacia una posición, positiva o nega-
preguntas, si son estas preguntas abiertas o tiva, favorable o desfavorable.
cerradas, de opinión o conocimientos. Pos-
teriormente se presentan los reactivos y fi- Se pueden construir preguntas de confia-
nalmente se hace una salida agradeciendo bilidad interna, es decir, para apreciar si el
su colaboración. encuestado mantiene una opinión
congruente. Por ejemplo, ante la afirmación:
El cuerpo de los reactivos puede ser ¿la exposición te resultó aburrida? a) Total-
estructurado en apartados, de acuerdo con mente en desacuerdo - b) En desacuerdo -
los propósitos de la evaluación. Los reactivos c) De acuerdo - d) Totalmente de acuerdo -
pueden ser cognoscitivos, es decir, que e) No sé; esta pregunta puede ser contrastada
exploran y evalúan conocimientos o la con la pregunta que diga: ¿la exposición te
comprensión del diseño museográfico; resultó entretenida? a) Totalmente en
pueden ser de escalas de actitudes u desacuerdo - b) En desacuerdo - c) De
opiniones, o bien de apreciación estética. acuerdo - d) Totalmente de acuerdo - e) No
sé. Si no hay consistencia en las respuestas,
La evaluación de opiniones, en las que no podemos considerar como poco confiable y
hay aciertos ni errores, se puede valorar por descartar los casos que son inconsistentes, lo
gradientes, haciendo la aplicación en una cual permite, lo que técnicamente se conoce
escala Likert, en las que las afirmaciones en como robustecer la base de datos.
que se presentan al entrevistado deben ser
contestadas por nivel de acuerdo, por Puede haber otros procedimientos para
ejemplo: ¿la exposición le resultó aburrida? valorar la experiencia de los visitantes, por
a) Totalmente en desacuerdo - b) En ejemplo, en una exposición artística, se puede
desacuerdo - c) De acuerdo - d) Totalmente considerar como un indicador el tiempo dedi-
de acuerdo - e) No sé. También pueden ser cado a ver la exhibición, o solicitar que se
preguntas por frecuencia, por ejemplo: escriba o grabar una pequeña narración sobre
¿usted recomendaría visitar este museo? a) cuáles de las obras son la que más le gustaron y
Nunca - b) Algunas veces - c) La mayoría de porqué considera que fue así.
las veces - d) Siempre - e) No sé. Se pueden
plantear preguntas de valoración referidas a En los museos de antropología, historia,
una escala numérica, por ejemplo, ¿la ciencia y tecnología, tienen un fuerte com-
104 FELIPE TIRADO

ponente cognoscitivo, es decir, en buena media, a quien piensa que la revolución


medida hay una intención museográfica francesa fue anterior a la edad media, pues
para que el visitante comprenda y aprenda el margen de error es menor en el primero
conocimientos que están expuestos en la caso que el segundo.
exhibición.
Los reactivos de opción múltiple pueden
En la evaluación cognoscitiva se pueden presentar el inconveniente de las respuestas
construir reactivos para evaluar aleatorias o por adivinación, ya que una
conocimientos básicos estructurales, de alta persona puede adivinar marcando la
validez. Estos son conocimientos básicos, respuesta correcta sin saber. La adivinación
porque representan las bases semánticas de alguna manera se pueden ponderar
conceptuales para poder comprender y introduciendo la opción “No sé”. No es lo
aprender otros conocimientos. Estructurales, mismo quien en un cuestionario de 100
porque generan la organización conceptual preguntas logra 90 aciertos y comete 10
de un campo de conocimiento. De alta errores, a quien obtiene 90 aciertos y ningún
validación, porque su desconocimiento sig- error porque contestó en las otras 10
nifica que se tienen vacíos conceptuales y de preguntas “No sé”. En el primer caso hay cla-
comprensión, lo que implica que ignora as- ros indicios de que obtuvo aciertos
pectos fundamentales de una esfera de adivinando, a diferencia del segundo caso.
conocimientos. Un ejemplo de esto en el
área de la historia, podría ser el siguiente Evaluación mediada por cómputo
reactivo.
En las últimas décadas las actividades hu-
Cuál es la secuencia histórica o cronológi- manas ha sido severamente impactadas por
ca de la ocurrencia de los siguientes el uso de las nuevas tecnologías de la
acontecimientos: información y la comunicación (TIC); en
muy diversos campos se ha generado una
a) El renacimiento, la edad media, la transformación radical con el acceso y uso
revolución francesa, la revolución rusa. de estas tecnologías. La evaluación no ha
sido una excepción, la incorporación de la
b) La revolución francesa, la revolución mediación computarizada ha revoluciona-
rusa, la edad media, el renacimiento, do múltiples aspectos, tales como sistemas
para recolección de datos ligados a base de
c) La edad media, el renacimiento, la datos, procesamiento electrónico de los
revolución francesa, la revolución rusa. datos, aplicación de procesadores estadísti-
cos muy poderosos que permiten hacer cál-
d) El renacimiento, la edad media, la culos por iteración que serían de otra
revolución rusa, la revolución francesa. manera inconcebibles, los resultados se
pueden ofrecer de manera inmediata y
e) No sé. simultánea, los tiempos de respuesta e inter-
respuesta quedan registrados, los bancos de
El análisis de las respuestas permite hacer información pueden ahora ser enormes, de
una evaluación no sólo por medio de los manera que se hagan proyecciones de
aciertos, sino también por el tipo y trayectorias longitudinales en el tiempo.
frecuencia de los errores. No es el mismo
tipo de error quien cree que el Para los usuarios, sobre todo los jóvenes,
renacimiento ocurrió antes que la edad los medios electrónicos les son más
EVALUACIÓN EN MUSEOS Y DESENVOLVIMIENTO SOCIAL 105

atractivos; emitir respuestas en este medio es Los visitantes de un museo o exposición son
mucho más fácil que escribir o rellenar alvé- muy heterogéneos, en muchos aspectos,
olos con lápiz, la letra es perfectamente cla- tales como: edad, nivel de escolaridad,
ra, se pueden hacer análisis semánticos, el situación socioeconómica, intereses, gustos,
manejo y edición de la imagen y audio en propósitos de su visita, etcétera.
formato digital son extraordinarios
ofreciendo a los procedimientos de Para afrontar la variabilidad se puede recurrir
evaluación posibilidades antes impensables. a una disciplina especializada en ello, que es la
estadística. La estadística se puede dividir en
La evaluación en medios electrónicos per- dos grandes apartados, uno que corresponde a
mite ser “adaptativa”, es decir, adaptarse a las la estadística descriptiva y otro a la estadística
circunstancias o condiciones de la persona inferencial. La primera tiene como propósito,
que responde, por ejemplo, si indica que es como su nombre lo dice, analizar y describir las
extranjero, se le presentan sólo preguntas características de los datos, a través de un
apropiadas a esa condición; o bien, si contes- compendio y síntesis de éstos, por medio de
ta que no visitó determinada sala del museo, extractos, esquemas y gráficos, que permiten
ya no se le presentan las preguntas relacio- construir una sinopsis o sumario. Los datos más
nadas. comunes son la obtención de distribución de
frecuencias, porcentajes, medidas de tendencia
La interconexión también abre extraordi- central (promedio – media, modo), medidas de
narias posibilidades, ya que el levantamiento variabilidad (desviación estándar), de precisión
de datos se puede hacer en línea abatiendo (error estándar), de asociación o causalidad
tiempo y distancias, al estar disponible las 24 (correlación), regresión (distribución del peso
horas de los 365 días del año. De igual modo de una correlación), entre otras.
pueden ser componentes integrales de los
museos virtuales. La estadística inferencial, tiene como pro-
pósito, como su nombre lo dice, poder infe-
rir las características relevantes de una
ANÁLISIS DE RESULTADOS población, esto a partir de un subconjunto o
muestra de población en la que se realiza un
Una parte muy importante de la análisis de probabilidades (análisis de
evaluación es cómo analizar los datos o re- varianza o covarianza y sus niveles de
sultados obtenidos. Cómo interpretarlos, significación), definiendo el grado de
cómo juzgarlos o valorarlos. En toda confianza que se puede tener de las
evaluación hay una valoración, la cual se inferencias que se generan.
basa en el juicio de apreciación, una
estimación subjetiva, la cual puede ser La estadística permite encontrar la
puesta a la consideración del grupo regularidad de la variabilidad de un conjun-
responsable, a manera de generar una to heterogéneo, y por medio de la ciencia de
deliberación y construir un consenso, con lo las probabilidades, establecer los factores
que se vuelve intersubjetiva, ya no corres- que determinan las regularidades de un
ponde a una persona sino a un grupo. fenómeno variable (análisis factorial); de
manera tal que se puedan construir
El primer problema dentro de los elemen- explicaciones de los fenómenos observados
tos a considerar es cómo juzgar la variabili- con base en un sustento empírico, al identifi-
dad o irregularidades que generalmente se car los factores o variables asociados al
observan, lo que se denomina la varianza. fenómeno objeto de estudio.
106 FELIPE TIRADO

La estadística también ha permitido afinar ser museos de ciencia, de historia o de arte, y


la efectividad de los reactivos que se utilizan éstos se asocian para establecer criterios e
en una prueba. La teoría clásica de la medi- indicadores de evaluación, construir instru-
da permite calibrar los niveles de dificultad y mentos e intercambiar experiencias.
discriminación de los ítems de una prueba a
partir de su congruencia interna Ahora es frecuente que se establezcan
(confiablidad). asociaciones de instituciones que crean con-
sensos, a partir de criterios, procedimientos y
La Teoría de Respuesta al Ítem es un pro- estándares de evaluación, para certificar o
cedimiento estadístico que actualmente se acreditar a las instituciones o personas que
usa para validar reactivos de una prueba cumplen un estándar o nivel de calidad, al
basados en una nueva concepción matemá- igual que ofrecer rutas para superar
tica, en la que se postula que las personas omisiones, deficiencias o errores; proporcio-
tienen un cierto nivel de habilidad o manera nando los recursos necesarios para
de opinar, y que los reactivos tienen un superarlos.
cierto nivel de dificultad o definición de un
atributo. Hay una expectativa sobre la Investigación
variable latente a medir, los reactivos son
apropiados en la medida que se apegan al La evaluación en sí constituye un procedi-
comportamiento de la variable latente, sobre miento de investigación en tanto significa
un continuo lineal, de manera que el proce- generar un trabajo sistemático y riguroso
dimiento permite reconocer las anomalías metodológicamente sustentado para obser-
que se desvían de la expectativa a partir de la var un fenómeno objeto de estudio, del cual
iteración, descartando los casos anómalos se recopilan datos empíricos susceptibles de
hasta llegar al mejor ajuste. El modelo ser replicados y refutados. El reconocer las
asume que las personas responden las variables a evaluar, definirlas, encontrar los
preguntas en función del nivel de sus habili- indicadores adecuados, mesurarlos,
dades y el nivel de dificultad de las validarlos, establecer su confiabilidad, defi-
preguntas (Wright y Stone 1998, Linacre, nir su aplicación, examinar la varianza,
2005). establecer los análisis de las relaciones
estadísticas, formular explicaciones y
La fase final del análisis de los resultados, conclusiones, constituye un proceso de
es poder llegar a conclusiones y investigación sistemática.
recomendaciones que permitan mejorar el
desempeño institucional. Pero también la evaluación puede ser un
objeto de estudio, es decir, la evaluación de
Sistemas Integrados la evaluación constituye así mismo un área
genuina de investigación, lo que permite el
Hasta ahora hemos referido a la desarrollo de procedimientos técnicos vali-
evaluación como un ejercicio institucional, dados.
sin embargo, resulta muy enriquecedor
cuando se pueden organizar procesos de La evaluación sistemática conforma
evaluación interinstitucional, es decir, parámetros básicos para la investigación, en
cuando un número importante de institucio- tanto permite constituir referentes estables
nes que comparten propósitos, como (líneas base) en los que se puedan apreciar
pueden ser los museos, aún mejor los que los efectos y las dimensiones en la variación
tienen propósitos más afines como pueden generada por las variables introducidas con
EVALUACIÓN EN MUSEOS Y DESENVOLVIMIENTO SOCIAL 107

propósitos experimentales. De este modo se ma axiológico, en el que se pueden dividir


pueden mesurar y apreciar los cambios que las opiniones basadas en diferentes
se producen con la manipulación empírica convicciones. Las convicciones parten de
de factores o variables específicas, y generar elementos axiomáticos, donde no hay
así nuevos conocimientos que permitan con- demostración, se apela a que la proposición
tribuir al desarrollo de la museología. resulta evidente, en la convicción de que se
cree que es justa, razonable, equitativa (de
Teniendo procedimientos de evaluación acuerdo a las circunstancias), legítima, pero
bien constituidos, se puede promover la ex- no hay demostración empírica de ello, se
perimentación, como la de nuevas sustenta en valores. De aquí que el tema de
estrategias de comunicación o educación la evaluación siempre puede ser polémico.
para mejorar en las funciones operativas del
museo. Una manera de sortear la dificultad
axiológica es estableciendo instancias
El ejercicio de la investigación representa colegiadas, donde un grupo de personas con
una actividad promotora en la búsqueda de amplia experiencia e informadas en la
innovación que permita lograr los propósi- materia, con una trayectoria de integridad y
tos del museo de una manera más eficaz y probidad demostrada, convoca a las
eficiente. Sus beneficios no tienen fronteras, personas interesadas en conocer y participar,
éstos pueden ser muchos, muy amplios y para que se generen a partir de la
provechosos. deliberación los criterios de valor con base
en el consenso. Este es un procedimiento
frecuentemente utilizado para otorgar
PUNTOS POLEMICOS reconocimientos o premios en las
organizaciones académicas, científicas y ar-
Lo axiológico de la evaluación tísticas. Incluso se llegan a establecer
consecuencias adversas que pueden llegar
La evaluación es una actividad que resulta hasta el retiro, esto cuando hay un
frecuentemente polémica. Esto se debe a tres incumplimiento reiterado y no se asumen ni
razones básicamente, una porque la se muestra que ha habido esfuerzos por
evaluación parte de valores los cuales son mejorar o superar las deficiencias previa-
apreciaciones basadas en criterios o mente señaladas.
convenciones que no siempre son comparti-
dos y no hay demostración empírica. Otro di- Otro punto polémico son los procedimi-
lema está en la legitimidad de los procedimi- entos que se utilizan en la evaluación, pues
entos, porque no se comparten las razones en éstos deben demostrar que son legítimos, en
que se fundamenta o justifica la evaluación, o tanto son razonables (para qué, por qué, qué
bien no se considera que sea justo, equitativo evaluar), justos, válidos y confiables (ciertos),
o apropiado el procedimiento. Y la tercera equitativos y socialmente aceptados, lo que
razón radica, como ya se mencionó, en las no siempre se logra con la plena satisfacción
consecuencias que se puedan establecer a de todas las partes, dando lugar a
partir de los resultados, ya que en muchas controversias. Muchos detractores de la
ocasiones se imponen situaciones adversas evaluación argumentan sobre estos aspectos
como castigos o despidos. para sustentar su oposición, de tal manera
que pueden evadir responsabilidades y no
Definir qué es lo importante, lo que debe tener que rendir cuentas, lo que suele
ser valorado como tal, representa un proble- generar muchos simpatizantes.
108 FELIPE TIRADO

Finalmente, el otro aspecto controvertido metas. De manera tal que es un instrumento


de la evaluación son las consecuencias que que facilita la formulación y el seguimiento
se deriven de sus resultados. De hecho, en de un plan de desarrollo institucional.
buena parte la importancia social que
tendrán los procesos de evaluación depen- Los procesos de evaluación generan la
derá de cuales son sus consecuencias. Si de profesionalización del trabajo museológico,
sus resultados nada se desprende, nada pasa, porque desarrollan competencias profesio-
la evaluación perderá todo interés y se irá nales, tales como: obser var, detectar,
extinguiendo hasta desaparecer. Por el con- conceptualizar, definir, registrar, cuantificar,
trario, si por ejemplo, de sus resultados de- medir, dar tratamiento a los datos (estadísti-
pende la admisión o exclusión a una ca), evaluar, diagnosticar, pronosticar, inter-
universidad, la promoción, el monto de la venir, establecer procesos experimentales,
remuneración que se recibe, o hay un pago idear tratamientos e investigar.
en función del desempeño; entonces la
evaluación cobra valor y se torna un asunto La investigación sistemática es la base
de primera importancia. para el desarrollo de la museología.

De aquí que la evaluación debe hacerse Los procesos de evaluación permiten dar
con toda responsabilidad, donde priven las cuenta puntual de los estados que guarda
razones y la equidad. La evaluación debe ser una institución, permite la rendición de
para permitir la superación, no para justifi- cuentas (accoutability) por ello constituye
car la exclusión. Su función social es un recurso idóneo para sustentar y facilitar
mejorar, promover la cultura de la responsa- fuentes de financiamiento.
bilidad, y no la de marginar, limitar, extinguir,
empobrecer. Los procesos de evaluación deben es-
tar en permanente revisión y constante
adecuación a la luz de los resultados que
CONCLUSION produce y los efectos que se generan.

La evaluación es un medio y no un fin en sí La evaluación, al definir qué es lo impor-


misma. tante, al establecer propósitos e indicadores,
regula la gestión institucional; se torna en
La función social de la evaluación está en guía y promotora, pues lo que se evalúa, es
el desarrollo institucional, impulsar la supe- lo que se valora, y por lo mismo lo que se
ración personal, mejorar, ser más eficiente, promueve.
promover una cultura de la responsabilidad.
De aquí que podemos concluir que la
La evaluación permite identificar proble- planeación y la evaluación forman parte de
mas, establecer indicadores, parámetros, y la proyección de la museología.
EVALUACIÓN EN MUSEOS Y DESENVOLVIMIENTO SOCIAL 109

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2ª parte
EXPERIÊNCIAS, PROPOSTAS E PERSPECTIVAS
ARTIGO
1
Acessibilidade, Inclusão Social e
Políticas Públicas: uma proposta
para o Estado de São Paulo
n AMANDA PINTO DA FONSECA TOJAL

A
INTRODUÇÃO

S
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS) 10% da população mundial
apresentam algum tipo de deficiência, o que representa aproximadamente 610
milhões de pessoas com deficiência no mundo, das quais 386 milhões fazem
parte da população economicamente ativa e 80% do total dessas pessoas vivem
em países em desenvolvimento.

No Brasil, dados estatísticos apurados pelo Censo Demográfico do ano de


2000, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ates-
tam a existência de 24,5 milhões de pessoas cadastradas portadoras de algum
tipo de deficiência (portadores de deficiências físicas, motoras, mentais, auditi-
vas e visuais), numa população geral de 169.799.170 habitantes o equivalente a
14,5% da população brasileira.
116 AMANDA PINTO DA FONSECA TOJAL

Os dados do Censo Demográfico mostram rial dessas pessoas com o patrimônio cultu-
também que, no total de casos declarados de ral presente nessas instituições.
portadores de deficiências, 8,3% possuem
deficiência mental, 4,1% deficiência física1, Como assinala Aidar (2002, p. 60), “em ter-
16,7% deficiência auditiva, 22,9% deficiência mos ideológicos, as instituições devem mo-
motora2 e 48,1% deficiência visual. Entre 16,5 ver-se na direção do reconhecimento da
milhões de pessoas com deficiência visual, idéia de que elas têm um papel a contribuir
159.824 são incapazes de enxergar, e, entre os para a igualdade social, para o fortalecimen-
5,7 milhões de brasileiros com deficiência to de indivíduos e grupos em desvantagem, e
auditiva, 176.067 não ouvem. para o incremento de processos democráti-
cos dentro da sociedade.”
Trata-se, portanto, de um universo expres-
sivo de pessoas com deficiências, agravado Todos esses temas, porém, não podem ser
pelo fato de o Brasil estar entre os países com concebidos de forma isolada, mas, ao con-
os maiores índices de acidentes de trabalho trário, devem ser pensados a partir de uma
e de violência urbana, o que amplia signifi- política cultural que tome por paradigma as
cativamente o número, principalmente de concepções museológicas contemporâneas.
indivíduos jovens com essas características. Tais concepções compreendem, além das
funções tradicionais (pesquisar, preservar e
Dentro desse quadro de referências, o mu- comunicar), o conceito da responsabilidade
seu, como instituição pública, deve ter como social, exigindo ações interdisciplinares que
objetivo não somente a preservação do pa- envolvam todas as áreas dessas instituições,
trimônio cultural nele abrigado, como tam- o que no caso da freqüência de públicos es-
bém o importante papel de promover ações peciais demandará a participação de todas
culturais enfocando o seu potencial educa- as instâncias do museu – um processo demo-
cional e de inclusão social, atuando como crático que reúna além das áreas de traba-
agente de conhecimento e fruição do patri- lho, os profissionais nela envolvidos incluin-
mônio histórico, auto-reconhecimento e do também a comunidade em geral.
afirmação da identidade cultural de todos os
cidadãos, independentemente de suas diver- Essa compreensão vem, portanto, se con-
sidades. trapor a uma visão em que as ações
educativas aparecem dissociadas do proces-
Nessa perspectiva, o conhecimento e a so museológico, visão esta ainda presente
fruição do objeto cultural, presente nos mu- em grande parte dos museus, exposições
seus, segundo uma visão democrática e temporárias de grande porte e outras institui-
multicultural, deve contemplar todos os pú- ções culturais brasileiras, o que, conseqüen-
blicos, sem distinções, o que especificamente temente, passa a se refletir diretamente na
para os públicos especiais (pessoas com limi- concepção, realização e continuidade de
tações sensoriais, físicas ou mentais) exige projetos educativos dessa natureza.
uma série de adaptações, tanto físicas (aces-
sibilidade arquitetônica e expográfica) como Em razão, portanto, da sua fragilidade, os
sensoriais (comunicação, apreensão espacial projetos educativos realizados a partir dessa
e estética do objeto cultural), além de um concepção e sem o respaldo de uma política
programa de ação educativa especializada, cultural que efetive e promova permanente-
cujo trabalho de mediação seja realizado mente um programa educativo estruturado,
por um agente facilitador que proporcione restringem-se a atendimentos superficiais ao
uma melhor compreensão e vivência senso- público visitante, descaracterizando a sua
ACESSIBILIDADE, INCLUSÃO SOCIAL E POLÍTICAS PÚBLICAS 117

verdadeira função sócio-cultural e revelan- Por outro lado, a incompreensão desses


do apenas um caráter temporário e com in- fatores frente às diferenças culturais é fre-
teresses muitas vezes apenas promocionais, qüentemente a causa de enfrentamentos, vi-
sendo a locução responsabilidade social olência e guerras, muitas vezes justificados
também apropriada de forma indevida. apenas por razões sociais, econômicas ou
geopolíticas, subestimando os fatores cultu-
Estender, pois, um projeto de acessibilida- rais.
de a todas as instâncias museológicas, visan-
do um trabalho mais substancial e coletivo A atividade cultural é integradora, am-
do museu para essa importante parcela da plia a capacidade humana de percepção e
sociedade materializa um objetivo que exige de inserção social, desenvolve o espírito
uma política cultural na forma de políticas crítico e a cidadania, é matéria-prima dos
públicas que efetivamente possam conceber sonhos e da memória. No afã de atender às
e implantar um trabalho permanente de demandas humanas, alimenta-se da utopia
acessibilidade e ação cultural para esse pú- que, por sua vez, impulsiona a criatividade
blico especial, já que o conceito de inclusão e a inovação, podendo tornar-se economi-
social compreende todos os espaços públi- camente expressiva e desempenhar seu pa-
cos, o que confere a uma instituição como o pel decisivo na geração de riqueza e em-
museu uma função eminentemente social pregos.
evidenciando sua responsabilidade com o
patrimônio material e imaterial por ela pre- A cultura na sociedade contemporânea
servado e disponibilizado à sociedade. se define, acima de tudo, pela pluralidade e
pela diversidade de aspectos e interfaces,
compreendendo-se essa dinâmica aberta às
MUSEU E INCLUSÃO SOCIAL transformações e à incorporação constante
de novos valores.
Para iniciar uma reflexão sobre este tema,
cumpre primeiramente pontuar alguns pres- Toda essa multiplicidade de manifesta-
supostos determinados pela cultura que di- ções culturais, desde que adequadamente
zem respeito ao seu importante papel para o apresentadas, pode influir positivamente
reconhecimento de um povo. para um melhor reconhecimento da cultura
tanto do passado como da atualidade, bem
A cultura tem como princípio possibilitar como possibilitar ao fruidor uma melhor
tanto o reconhecimento da identidade de convivência e confrontação com as produ-
um povo ou nação como também possibili- ções culturais inovadoras e com as rupturas
tar o reconhecimento da sua diferença – de próprias das novas linguagens, abrindo um
quem somos frente à diversidade do outro – importante espaço para o estímulo à sua
isto posto, não pode atualmente ser entendi- própria produção.
da senão como território da diversidade.
Por isso, cumpre às políticas públicas, ao
Assim, o seu reconhecimento e a sua prá- reconhecerem as múltiplas potencialidades
tica são fatores positivos que conduzem a da cultura, dar condições e infra-estrutura
uma maior abertura para a compreensão do para atender toda a cadeia de produção, cir-
outro e a sua relação com a natureza o que, culação, difusão e consumo de bens cultu-
conseqüentemente, possibilitará melhores rais, permitindo a todo cidadão a ampliação
relações de tolerância entre os homens e e fruição de bens simbólicos, como também
uma maior harmonia com o meio ambiente. o acesso a sua produção.
118 AMANDA PINTO DA FONSECA TOJAL

Outro aspecto relevante para o desenvol- de apoio) como também as áreas de pesqui-
vimento e a aplicação de políticas culturais sa, documentação e conservação.
é o que diz respeito às formas de acesso à
cultura por seus cidadãos. Por outro lado, ao adotar-se um
paradigma inclusivo para a política cultural
Sabendo que os bens culturais são produ- de um museu, há de se levar em conta a ne-
tos do conhecimento, o principal obstáculo cessidade de um redimensionamento de
à fruição das diferentes manifestações cultu- suas práticas museológicas, o que, na visão
rais é de natureza simbólica, isto é, um códi- de Aidar (2002, p. 60), representa “a adoção
go que necessita de uma alfabetização para de um posicionamento crítico em relação a
ser reconhecido ou revelado.3 Sendo assim, elas, o que significa não tomá-las como da-
cabe às políticas públicas prever investimen- das ou neutras mesmo aquelas que costu-
tos para a ampliação do repertório cultural mam ser consideradas assim, como as de
dos mais diversos setores da população, in- documentação e conservação. Paralelamen-
vestimentos estes que só serão viabilizados te, os museus deveriam promover uma de-
com o estabelecimento de parcerias tanto mocratização interna, evitando as rígidas hi-
com órgãos educacionais como também erarquias de poder e permitindo que diver-
com outras instituições públicas e privadas. sos setores da profissão e do público partici-
pem e tenham voz nos processos de tomadas
Trazendo estas questões para o universo de decisões.”
da museologia, resta evidente o importante
papel que a instituição cultural museu de- Deve-se levar em consideração que as
sempenha na ampliação do repertório cul- afirmações antes apresentadas ampliam as
tural dos cidadãos, já que a ela é conferida responsabilidades sociais que a princípio po-
a importante função de adquirir, preservar, diam parecer restritas à área de ação
documentar e comunicar os bens culturais, educativa do museu.
muitos deles deslocados de seu espaço ori-
ginal. Partindo do princípio de que ao setor
educativo compete maior parcela de res-
Aos museus, bem como a todas as institui- ponsabilidade acerca das demandas sociais
ções culturais, cabe também estar em nessa instituição, é importante ressaltar que
sintonia com o pensamento contemporâneo as ações previstas para essa área, mesmo sen-
de respeito e reconhecimento da diversida- do de crucial importância para a inclusão
de cultural e social trabalhando a favor não social, não podem ficar restritas às questões
somente da comunicação de seus objetos de ampliação da freqüência de diferentes ti-
culturais , sob um ponto de vista pos de públicos, tarefa esta que conduz à for-
multicultural, como também contribuindo mulação de estratégias que requeiram, entre
para a democratização cultural por meio outras, a eliminação de barreiras para o seu
dos processos de inclusão social. acesso, como as barreiras físicas, sensoriais,
financeiras, atitudinais e intelectuais, bem
Dessa forma, a inclusão social aplicada à como a importante tarefa de criar, preferen-
prática museológica deve conter um foco cialmente por meio de parcerias, um envol-
interdisciplinar abrangendo todas as áreas vimento desses públicos com essas institui-
de trabalho dessa instituição, o que envolve- ções.
ria os aspectos educacionais e museográfi-
cos (compreendendo desde concepção da Importa, pois, acrescentar a essa impor-
exposição até os recursos comunicacionais tante tarefa – a da inclusão social por meio
ACESSIBILIDADE, INCLUSÃO SOCIAL E POLÍTICAS PÚBLICAS 119

das ações educativas – para além de uma seus, Em termos pedagógicos, procedimen-
maior acessibilidade às instituições culturais, tos de conservação utilizados em museus e
o desenvolvimento de ações culturais que explicitados poderiam ajudar a promover
tenham tanto um impacto político, social e nos públicos visitantes uma consciência do
econômico.”A inclusão social em institui- papel e importância da preservação.”
ções culturais deve ser compreendida como
um passo além do trabalho de desenvolvi- Do mesmo modo, o papel do curador
mento de públicos, buscando ampliar suas também deveria ser redimensionado, substi-
atribuições e implicações sociais ao provo- tuindo sua posição de autoridade definitiva
car mudanças qualitativas no cotidiano dos para a de um papel mais flexível permitindo
grupos envolvidos. “ (Aidar, 2003, p. 6) a participação e contribuição de profissio-
nais de outras áreas do museu, principal-
Nesse sentido, a concepção de uma polí- mente no que diz respeito às preocupações
tica cultural para o museu, cujo pensamento pedagógicas de mediação e acessibilidade
ideológico inclui, além das suas funções tra- dos diversos tipos de públicos, para as quais
dicionais, o da responsabilidade social, im- a parceria compartilhada com os educado-
plicará respectivamente em ações interdisci- res dessas instituições torna-se fundamental.
plinares envolvendo todas as outras áreas de
atuação como, por exemplo, as de gerencia- Dessa forma, ao se filiar a essa visão con-
mento de coleções, pesquisa e documenta- temporânea da museologia o museu e outras
ção, que dentro desta concepção, poderiam instituições culturais terão não somente a
estar mais abertas à participação de diferen- consciência de seu importante papel social,
tes grupos sociais dispostos também a dar a mas também a oportunidade de refletir sobre
sua contribuição nos processos de aquisição, as suas próprias práticas, repensando perma-
seleção e complementação de pesquisas so- nentemente a sua condição de instituições
bre os objetos. públicas, fator este diferencial em relação às
concepções museológicas tradicionais, que
A pesquisa e a comunicação museológica restringiam esses espaços de cultura a sim-
deveriam se preocupar também em ampliar ples depositários da história, da tradição e da
a sua rede de informação acerca do patrimô- preservação de seus objetos.
nio pertencente a sua instituição, adaptando
os conteúdos apresentados aos diversos tipos
de públicos, permitindo, dessa forma, que PLANEJAMENTO DE POLÍTICAS PÚBLICAS DE
um maior grupo de pessoas tenha acesso a INCLUSÃO DE PÚBLICOS ESPECIAIS EM
essas informações. MUSEUS DO ESTADO DE SÃO PAULO

Outro exemplo de atuação interdiscipli- Isto posto, cumpre discutir, mesmo que ra-
nar pode ser demonstrado no campo da pidamente, uma experiência prática. Trata-
conservação, muito embora nele vigore uma se, assim, de examinar a metodologia aplica-
contradição, pois, como observa Aidar da durante o desenvolvimento da pesquisa
(2002, p. 61), “uma de suas tarefas é a de esta- da tese da referida autora com o objetivo de
belecer barreiras protetoras entre os objetos avaliar programas de acessibilidade e ação
e o público. Para responder a isso, poderiam educativa inclusiva instrumentalizados por
ser desenvolvidas alternativas para o uso meio de questionários aplicados em museus
controlado e supervisionado de certos obje- do interior de São Paulo pertencentes ao Sis-
tos, em contraponto à oposição negativa do tema de Museus do Estado, vinculados à Uni-
não toque, normalmente adotada em mu- dade de Preservação do Patrimônio Museo-
120 AMANDA PINTO DA FONSECA TOJAL

lógico (UPPM) da Secretaria de Estado da do6, a Unidade de Preservação do Patrimônio


Cultura. Museológico tem priorizado, entre as suas di-
versas ações, o desenvolvimento de programas
O estudo de quatro casos, incluindo a aná- de formação profissional e ações educativas
lise dos resultados obtidos pelos diagnósti- (visando atender uma parcela cada vez maior
cos, proporcionou subsídios para a discussão do público visitante) nesses museus.
sobre o planejamento de políticas públicas
de acessibilidade em museus, para o que, ali- Dessa forma, a UPPM, em parceria com a
ás, o Programa Educativo Públicos Especiais Ação Educativa da Pinacoteca do Estado e
da Pinacoteca do Estado de São Paulo4, tam- com apoio da Visa do Brasil, deu início, no
bém pertencente a UPPM, é referência. ano de 2006, a um programa de formação de
educadores e profissionais de museus coor-
Note-se, mais uma vez, que é preciso não denado pelo Programa Educativo Públicos
perder de vista a perspectiva que alinha esta Especiais (PEPE) denominado Programa de
discussão, isto é, que as ações não podem ser Formação em Acessibilidade e Ação Educa-
pensadas individualmente, mas, devem ser tiva Inclusiva em Museus.
articuladas a partir de políticas públicas de
caráter cultural. Esse programa inclui cursos de formação
para profissionais dos museus convocados
Essa advertência se faz necessária na exata pertencentes a UPPM, entre outros museus
medida em que se observa que há um grande convidados, além de assessorias e encontros
distanciamento entre as regulamentações do com a comunidade nas diversas unidades,
setor e sua prática cotidiana. A questão é de tanto da capital como do interior do Estado,
ordem político institucional, exigindo um tra- capacitando educadores e profissionais para
tamento desse porte. Pensar o museu como o planejamento e implantação de projetos
instrumento de inclusão do público especial de acessibilidade e ação educativa inclusiva,
pressupõe tomá-lo como instrumento de como também a conscientização das ques-
macro políticas públicas culturais. tões envolvendo a inclusão cultural de pes-
soas com deficiência na sociedade.
Vê-se, portanto, a viabilidade da concep-
ção e aplicação do planejamento conside- Paralelamente à realização desse progra-
rando as diretrizes estabelecidas pelo Siste- ma, iniciado no mês de Maio de 2006, con-
ma Estadual de Museus do Estado5, ao pro- tando com a participação de cinco unidades
mover e incentivar parcerias entre a Admi- museológicas convocadas, MHP Índia
nistração Pública com Organizações não Vanuíre (Tupã), MHP Conselheiro Rodrigues
Governamentais (ONG’s) e Associações de Alves (Guaratinguetá) , Museu Casa de
Amigos de Museus, como forma de amplia- Portinari (Brodowski), Museu da Casa Brasi-
ção, otimização e potencialização de recur- leira e Memorial do Imigrante, os dois últi-
sos técnicos, o que, conseqüentemente, re- mos, localizados na capital, foi realizado
sultará na consolidação e melhor articula- pela autora, no primeiro trimestre desse mes-
ção pública dos programas museológicos mo ano, quatro estudos de caso em museus
desenvolvidos por essas instituições. do interior do Estado, com o intuito de
pesquisar e elaborar um diagnóstico prelimi-
Por isso, e por ter como responsabilidade nar seguido de um parecer final, referências
oferecer o suporte técnico e operacional para fundamentais para a utilização de um mode-
o desenvolvimento da política cultural de 21 lo de planejamento objetivando a implanta-
instituições pertencentes ao Governo do Esta- ção de políticas públicas de acessibilidade às
ACESSIBILIDADE, INCLUSÃO SOCIAL E POLÍTICAS PÚBLICAS 121

instituições pertencentes ao Sistema Estadual nos aspectos físicos e arquitectónicos –


de Museus do Estado, bem como a outros Sis- acessibilidade do espaço – mas vai muito
temas ou Redes museais existentes no país. para além deles, uma vez que toca outras
componentes determinantes, que
Avaliação de acessibilidade física e concernem aspectos intelectuais e emocio-
sensorial de museus do interior do estado nais, acessibilidade da informação e do
acervo. (...) Uma boa acessibilidade do espa-
Para apresentar o estudo de caso, é preci- ço não é suficiente. É indispensável criar
so explorar os conceitos que fazem com que condições para compreender e usufruir os
o tema, acessibilidade em espaços museoló- objectos expostos num ambiente favorável.
gicos, seja de relevância dentro de uma polí- (...) Para, além disso, acessibilidade diz res-
tica cultural em consonância com as teorias peito a cada um de nós, com todas as rique-
da museologia contemporânea. zas e limitações que a diversidade humana
contém e que nos caracterizam, temporária
Segundo a ABNT7, o conceito de acessibili- ou permanentemente, em diferentes fases
dade diz respeito à possibilidade e condição da vida.”9
de alcance, percepção e entendimento para
a utilização com segurança e autonomia de É importante também frisar que o museu
edificações, espaço, mobiliário, equipamen- deve refletir para além do modelo médico
to urbano e elementos. – que define a deficiência como condição a
ser curada, algo patológico de responsabili-
Ao enfocar esse conceito sob o ponto de dade do indivíduo e que deve se possível,
vista da museologia, percebe-se que, às ques- ser superado para que o indivíduo possa se
tões acima assinaladas, que dizem respeito tornar uma pessoa normal – o modelo soci-
somente ao acesso físico das edificações, al – que reconhece que é a sociedade, e não
acrescentam-se outras de caráter atitudinal, o indivíduo com deficiência, responsável
cognitivo e social. pela criação de barreiras e cabe, portanto, a
ela eliminá-las dando plenas condições
Várias publicações, principalmente inter- para que todos possam nela atuar e partici-
nacionais, contendo pesquisas relacionadas par.10
tanto para as áreas técnicas e administrativas
de museus, como também descrevendo ava- Ao se conceber uma política cultural que
liações realizadas por públicos especiais fre- tenha como diretriz o compromisso de asse-
qüentadores das instituições, apresentadas gurar ações que vão de fato ao encontro das
na forma de guias de acessibilidade museo- necessidades e interesses dos diferentes pú-
lógica8, enfatizam que a responsabilidade blicos, em especial os públicos com necessi-
dos museus nos processos de inclusão sócio- dades especiais, mostrando-se adequadas
cultural deve ir além dos aspectos físicos, aos seus limites e capacidades, deve-se,
isto é, da eliminação das barreiras como pressuposto, dispor-se de instrumentos
arquitetônicas dos edifícios, espaços de cir- de avaliação dirigidos às questões de acessi-
culação e da montagem das exposições. bilidade para que o resultado da avaliação
possa definir as metas e estratégias cujos ob-
Entre essas publicações, destaca-se a edi- jetivos sejam o de melhorar as condições de
ção Temas de Museologia: Museus e Acessi- acesso e acolhimento do museu, como tam-
bilidade do IPM - Instituto Português de Mu- bém abrir espaço para novas possibilidades
seus (2004) que destaca: “Acessibilidade é de leitura e uma participação mais efetiva
aqui entendida num sentido lato. Começa dessas pessoas nas exposições.
122 AMANDA PINTO DA FONSECA TOJAL

É claro, também, que a concretização das tações visando à eliminação das barreiras
metas incluem as mudanças de mentalidade arquitetônicas. Nos museus, os obstáculos
e atitudes dos profissionais de museus, tanto podem se iniciar no lado externo do edifí-
no que se refere ao conhecimento e consci- cio, nas entradas e saídas, continuar na cir-
entização das necessidades do público alvo, culação interna vertical (escadas e falta de
como o de se propor projetos dentro de uma alternativas às escadas), horizontal (corredo-
perspectiva inclusiva, baseados em uma di- res, vãos portas, dificuldades para efetuar
nâmica de trabalho mais flexível, o que pres- manobras, manusear botões, maçanetas ou
supõe um trabalho de equipe mais sistemáti- equipamentos, pisos escorregadios ou altura
co e dialogante entre os vários profissionais inadequada de balcões e mesas) e se comple-
envolvidos - museólogos, pesquisadores, tar com a má localização dos objetos em
educadores, arquitetos, entre outros - não se exposição (colocados em painéis, vitrines e
esquecendo também, da importante partici- bases com iluminação e altura inadequadas
pação de pessoas com deficiência, órgãos e ou expostos de forma a facilitar acidentes).
instituições que as representam.
Barreiras Sensoriais
Compreende-se, portanto, que ao se pre-
tender elaborar um diagnóstico sobre acessi- As barreiras sensoriais dizem respeito às
bilidade em espaços museológicos, há de se questões comunicacionais, isto é, o acesso à
ter como parâmetro a eliminação de diver- informação, que deve se iniciar desde a fa-
sas barreiras que levem em consideração chada de entrada do museu com orienta-
tanto os aspectos físicos, sensoriais, cogniti- ções e indicações sobre os espaços existentes
vos como atitudinais, especificados a seguir: (guichês, balcões de informações, banheiros,
lojas, restaurantes, biblioteca, espaços admi-
Barreiras Físicas nistrativos e expositivos).

Os espaços museológicos são em geral Quanto aos aspectos de comunicação es-


projetados e concebidos de forma padroni- crita, visual e áudio-visual das exposições
zada, não levando em consideração as varia- (etiquetas, textos, vídeos, fotografias,
ções físicas, intelectuais e eventuais outras multimídia e áudio-guias), devem-se levar
diferenças existentes entre os indivíduos, em consideração as diferenças de altura e de
como por exemplo, as diferentes idades, al- compreensão visual e intelectual dos visitan-
turas, os diversos níveis cognitivos assim tes, sendo este último, muito importante,
como os diversos graus de comprometimen- pois consiste em diferenciar o nível de per-
to da mobilidade física que afetam as pessoas cepção e compreensão de obras e objetos
em um ou outro momento da sua vida. Os expostos.
inúmeros obstáculos presentes em um espa-
ço público prejudicam a circulação, utiliza- A maioria das exposições emprega textos
ção dos serviços disponibilizados, conforto, com linguagem especializada e complexa,
bem-estar e fruição do espaço museológico partindo do princípio segundo de que todos
por parte do público com comprometimen- os visitantes terão condições de lê-los e
tos em sua mobilidade física, temporária ou compreendê-los. Uma exposição de caráter
permanente. Além disso, grande parte dos inclusivo deverá, portanto, oferecer o mes-
edifícios que abrigam museus são constru- mo conteúdo adaptado aos diferentes níveis
ções antigas, muitas delas tombadas pelo pa- de compreensão e leitura e, no caso de pes-
trimônio histórico nacional, o que dificulta soas com deficiências sensoriais (auditivas
ainda mais a realização de reformas e adap- ou visuais), adaptar os textos para a escrita
ACESSIBILIDADE, INCLUSÃO SOCIAL E POLÍTICAS PÚBLICAS 123

Braille assim como na projeção de vídeos, experiências representam o principal méto-


adicionar legendas ou imagens com intér- do de acessar uma exposição. Participantes
pretes de língua dos sinais. com essas deficiências aproveitam muito
quaisquer oportunidades de tocar objetos
Ao se conceber uma exposição, importa (ou réplicas) e sentem que isso faz uma visita
também prever que muitos públicos terão li- ao museu valer à pena.”12
mitações de visão ou de compreensão da
linguagem oral e/ou escrita, o que levará à Barreiras Atitudinais
necessidade de incluir objetos, caixas senso-
riais, jogos ou equipamentos interativos. “Es- Como se afirmou anteriormente, as barrei-
sas opções, essenciais para alguns, serão ras atitudinais estão intrinsecamente relacio-
aproveitadas por todos, porque a comunica- nadas com as questões da inclusão das pes-
ção pode estabelecer-se de forma mais com- soas com deficiência na sociedade e conse-
pleta e enriquecedora: as pessoas passam a qüentemente com a necessidade da consci-
escolher entre ler e ouvir a informação, en- entização dos indivíduos da necessidade de
tre simplesmente ver ou ver e tocar um se obter um maior conhecimento e convívio
objecto.” 11 com as diferenças físicas e sensoriais dos se-
res humanos.
Outro fator importante diz respeito às opi-
niões e recomendações feitas pelo próprio Em outras palavras, conviver com a di-
público especial, que deve ser ouvido fre- versidade é tratar todo ser humano com
qüentemente, pois é para ele que adaptações dignidade. Por esse princípio é que as insti-
a serem realizadas nas exposições se desti- tuições museológicas devem se pautar, ori-
nam. Nas avaliações sobre a freqüência de entando todas as ações nelas desenvolvidas.
públicos especiais apresentadas nas publica- Para que essa atitude seja a de todos os fun-
ções consultadas, bem como, nos comentári- cionários da instituição, é preciso promo-
os e avaliações informais do público alvo ver encontros de sensibilização e conscien-
participante do Programa Educativo Públi- tização sobre as diferenças existentes na so-
cos Especiais da Pinacoteca do Estado, são ciedade em geral, e, em particular, dentro
enfatizados os resultados positivos obtidos da comunidade das pessoas com deficiên-
pela utilização de recursos de apoio multis- cias orientando-os sobre como se relacio-
sensoriais, bem como todas as formas de nar, conduzir e orientar esse público alvo
mediação, direta ou indireta, elaboradas nos dentro da instituição.
projetos de comunicação museológica dos
museus, o que também se comprova nos re- As diversas áreas e equipes de trabalho
latos de experiências e preferências aponta- devem ter também uma postura inclusiva ao
das pelos públicos especiais, principalmente desenvolver seus projetos e atividades, den-
pessoas com deficiências visuais, participan- tro de suas especificidades, sendo que, essa
tes das pesquisas realizadas nos museus aus- postura permitirá uma maior flexibilidade
tralianos (Australian Museum e National de projetos interdisciplinares e conseqüente-
Museum of Austrália):”Foi detectado que ex- mente a uma melhor otimização e
periências táteis ou multissensoriais melho- dinamização de ações favorecendo tanto os
ram significativamente a experiência no mu- profissionais envolvidos como a instituição
seu, oferecem maior acessibilidade ao con- como um todo. Ao considerar a relação e a
teúdo expositivo e representam uma parte dinâmica profissional dentro do processo de
muito agradável da visita. Para os cegos ou inclusão social, cabe a toda instituição cultu-
para aqueles que possuem baixa visão, essas
124 AMANDA PINTO DA FONSECA TOJAL

ral incluir também em seu quadro de funcio- não se tocar em obras e objetos, por questões
nários, profissionais com deficiências. de segurança e preservação do patrimônio,
quando não limita, impede - as de usufruir
As questões atitudinais inerentes às insti- totalmente dos espaços museológicos.
tuições museológicas perpassam o público
visitante, tanto geral como aquele com ne- Nas diversas avaliações, entrevistas e pes-
cessidades especiais. Uma política cultural quisas realizadas com públicos especiais13,
inclusiva deve ser perceptível a todos os visi- constatou-se que o acesso, a independência
tantes - as questões de acessibilidade física e a escolha são os pontos chaves mais valori-
dos espaços e equipamentos, a forma de co- zados. Isto quer dizer que, como qualquer vi-
municação desses espaços e dos conteúdos sitante, as pessoas com necessidades especi-
das exposições e, finalmente, as atitudes de ais querem fazer valer o seu direito à auto-
todos os seus funcionários. nomia, assim como procurar os serviços de
atendimento especializado quando lhes
Para tanto, é necessário também conside- convir. O direito à escolha tem sido recla-
rar as necessidades e recomendações apon- mado pelo público freqüentador dos mu-
tadas pelo público alvo, convidando-os a fa- seus e é um fator importante para a
zer parte de comissões e assessorias, além de efetivação de mudanças sensoriais e
oferecer outras oportunidades, não somente atitudinais. Da mesma forma, esse público
de freqüentar e usufruir as exposições, como quer opinar quanto ao conteúdo das diretri-
também de poder participar de eventos e zes elaboradas pelas políticas culturais das
outras programações adaptadas. instituições, que demandam
reestruturações em todas as áreas museoló-
O museu pode ampliar essas ações ofere- gicas, principalmente na área comunicaci-
cendo cursos de formação ou orientações onal. Aliás, a área comunicacional é a que
aos profissionais, parentes e acompanhantes tem por função conceber exposições basea-
das pessoas com deficiências, com o intuito das no modelo emergente, baseadas em
de melhorar sua participação e fruição nes- propostas mais interativas com os objetos e
sas instituições. com os diferentes níveis de informação so-
bre os conteúdos nelas apresentados, ao le-
Para finalizar, cumpre não perder de vista var em consideração os diversos graus de
que a igualdade entre as pessoas é direito de compreensão e de diversidade dos públicos
todos e que se concretiza mediante políticas visitantes.
que, ao tratar a todos igualmente, reconheça
também as suas diferenças, oferecendo as Entre as muitas respostas dos públicos es-
oportunidades necessárias para que todos peciais a esse respeito, destaca-se a pesquisa
possam desenvolver as suas potencialidades publicada na edição Museus e Acessibilidade
e serem atendidos em suas necessidades da coleção Temas de Museologia do Instituto
também como cidadãos independentes. Português de Museus, relatando um impor-
tante aspecto de ordem atitudinal da política
O museu tem também a missão social de cultural do museu, ao oferecer uma maior
fazer o seu espaço um espaço da diversida- variedade de opções de escolha e formas de
de, onde as diferenças sejam respeitadas e o participação desses públicos. “Os espaços e
direito de usufruir do patrimônio cultural é equipamentos para uso público devem estar
dado a todos. Essa questão entreabre abre sempre disponíveis, independentemente dos
uma reflexão polêmica, pois, para muitas dias da semana ou da presença de um deter-
pessoas, a institucionalização da regra de minado funcionário . No caso específico dos
ACESSIBILIDADE, INCLUSÃO SOCIAL E POLÍTICAS PÚBLICAS 125

museus, as pessoas com deficiência devem trutura e no funcionamento da organização,


poder efectuar a sua visita sozinhas sem a compreender a natureza e as causas dos pro-
necessidade de marcação prévia e não de- blemas ou desafios apresentados; descobrir
pender de grupos especialmente organiza- formas de solucionar esses problemas; e me-
dos. O visitante deve-se sentir bem-vindo em lhorar a eficiência e eficácia organizacio-
qualquer altura, e não estar sujeito a um ser- nais”, como informa Almeida (2005, p. 53).
viço que lhe é disponibilizado extraordinari-
amente.”14 Uma ficha diagnóstico deve conter, portan-
to, todos os dados relevantes que deverão ser
Por outro lado, observam-se também pes- coletados, como forma de se obter o maior
soas com necessidades especiais, principal- número de elementos que servirão como sub-
mente com deficiências auditivas e mentais, sídio para a elaboração de um projeto a ser
apontando a sua preferência por visitas ori- implantado em uma determinada instituição.
entadas por educadores, metodologia de tra-
balho que melhor disponibilizaria as infor- No caso das instituições museológicas e,
mações e conhecimentos, podendo também mais especificamente, de projetos para im-
proporcionar, na mesma ocasião, um bom plantação de programas de acessibilidades e
momento de convívio social e lazer. ação educativa inclusiva, todos os dados a se-
rem coletados deverão estar baseados nos as-
Entretanto, as pessoas favoráveis a esse pectos físicos, sensoriais e atitudinais, como
tipo de visita fazem uma recomendação per- forma de identificar barreiras e as ações ne-
tinente - que os educadores selecionados cessárias para minimizá-las e/ou suplantá-las.
para essas atividades sejam capacitados, atu-
ando com experiência no relacionamento e A coleta de dados deverá ser realizada, pre-
reconhecimento das necessidades e especifi- ferencialmente, por profissionais pertencen-
cidades para cada tipo de público e da natu- tes à instituição ou por um profissional espe-
reza de sua limitação. Optam também por cializado em realizar auditorias nessa área,
visitas organizadas com um número restrito sendo, portanto, muito importante a experi-
de participantes. Há ainda aquelas que prefe- ência, vivência ou vinculação desse responsá-
rem que essas visitas sejam realizadas fora vel na instituição, já que caberá a ele coorde-
dos horários regulares de abertura do museu, nar o diagnóstico desde a sua aplicação até a
ou mesmo, em horários em que esses espa- análise e interpretação desses dados.
ços estejam menos movimentados.
Para a apresentação dos estudos de caso
Essas considerações nos dão as referências desenvolvidos nesta pesquisa, foram analisa-
necessárias para o planejamento de uma fi- das fichas diagnósticos sobre acessibilidade
cha diagnóstico cuja função é a de orientar e aplicadas em museus portugueses e australi-
identificar barreiras de acessibilidade anali- anos, bem como o estudo de caso sobre Aná-
sando e definindo as metas para a implanta- lise da Acessibilidade na Pinacoteca do Esta-
ção de políticas culturais inclusivas nas insti- do de São Paulo apresentado na tese de dou-
tuições. torado da arquiteta Maria Elisabete Lopes
(FAU-USP). Foi incluído também um questio-
Ficha diagnóstico nário elaborado pela autora deste artigo, sín-
tese das análises desenvolvidas em sua dis-
Os principais objetivos para a concepção sertação de mestrado, aplicado em cursos de
e aplicação de um diagnóstico são os de po- formação para profissionais de museus, mi-
der “identificar pontos fortes e fracos na es- nistrados em diversas instituições do país.15
126 AMANDA PINTO DA FONSECA TOJAL

Esses documentos, assim como as visitas Além do critério acima apresentado, foi
técnicas feitas aos quatro museus paulistas acrescentado também o critério da localiza-
selecionados, resultaram na concepção de ção dos museus, situados em pontos estratégi-
uma ficha diagnóstico adaptada à realidade, cos das regiões oeste, norte e leste do Estado.
bem como às necessidades mais prementes
identificadas nessas instituições, cujos dados A aplicação da ficha diagnóstico, realizada
principais sobre as questões de acessibilida- durante as visitas técnicas da autora aos locais
de museológica são descritos no seguinte pré-determinados, acompanhada pelos dire-
quadro: tores ou coordenadores das referidas institui-
ções, consistiu primeiramente em um levan-
Estudos de caso tamento, compreendendo barreiras físicas e
sensoriais existentes nos espaços museológi-
Os estudos de caso apresentados a seguir cos, atendimentos regulares ocorridos nos úl-
foram realizados pela autora nos seguintes timos anos com públicos especiais, bem
museus do interior do Estado de São Paulo: como outras formas de atividades, contatos
ou parcerias realizadas com instituições
1. Museu Casa de Portinari – Brodowski educativas ou especializadas visando o aten-
dimento desse público alvo nos museus.
2. Museu Histórico e Pedagógico (MHP)
Bernardino de Campos – Amparo A partir do levantamento preliminar, ini-
ciou-se a coleta dos dados, incluindo docu-
3. M. H. P. Conselheiro Rodrigues Alves - mentação fotográfica, finalizada por uma reu-
Guaratinguetá nião de avaliação com a equipe do museu ou
com o profissional responsável pelo acompa-
4. M. H. P. Índia Vanuíre – Tupã nhamento da pesquisadora no museu.

O critério de seleção desses museus obe- Todo o material colhido foi concluído por
deceu às indicações feitas pela Diretora um parecer, entregue à diretora técnica do
Técnica do Grupo de Preservação do Patri- Grupo de Preservação do Patrimônio Muse-
mônio Museológico, Beatriz Augusta Correa ológico, assim como uma avaliação quanti-
da Cruz, por considerar que essas institui- tativa baseada nos resultados obtidos entre as
ções, pela relevância de seus acervos e de quatro instituições, com o objetivo de escla-
sua articulação cultural com a comunidade recer a situação atual em que se encontra-
local, poderão atuar como futuros pólos vam as questões de acessibilidade dessas ins-
multiplicadores de programas de acessibili- tituições, como forma de estabelecer metas e
dade e ação educativa inclusiva em outros prioridades para implantação de programas
museus, principalmente aqueles credencia- de acessibilidade, principalmente nos mu-
dos pelo Sistema de Museus do Estado de seus do interior do Estado, pertencentes a
São Paulo. essa Unidade.
ACESSIBILIDADE, INCLUSÃO SOCIAL E POLÍTICAS PÚBLICAS 127

FICHA DIAGNÓSTICO
(Síntese)
ACESSIBILIDADE FÍSICA E SENSORIALDE MUSEUS E INSTITUIÇÕES CULTURAIS
I. ACESSIBILIDADE FÍSICA
ÁREAS EXTERNAS Estacionamento
Sinalização
Pátios
Jardins
ENTRADAS E SAÍDAS Acesso Principal
Acesso Secundário
CIRCULAÇÃO INTERNA Circulação Horizontal
Circulação Vertical
Equipamentos
EXPOGRAFIA Circulação
Iluminação
Apresentação de obras e/ou objetos
Segurança
II. ACESSIBILIDADE SENSORIAL
PROGRAMAÇÃO AUDIOVISUAL Informações
Textos/Imagens
Legendas/Etiquetas
Multimídia
AÇÃO EDUCATIVA INCLUSIVA Indireta Recursos e Percursos Multissensoriais
Reproduções Bi e Tridimensionais
Direta Visitas Orientadas
Cursos de Formação
Conscientização Funcional
Assessorias
Parcerias
Avaliações
III. CONSIDERAÇÕES FINAIS
CLASSIFICAÇÃO DE Adequado
ACESSIBILIDADE DO Adaptado
MUSEU OU INSTITUIÇÃO Adaptável
128 AMANDA PINTO DA FONSECA TOJAL

Avaliação de Acessibilidade Física e integrando os diferentes museus. Realmente,


Sensorial de Museus o que se percebe é um agir isolado, depen-
dente de eventuais virtudes de pessoas deter-
Orientando-se pelos dados proporciona- minadas. As carências são compreendidas
dos pelas fichas diagnóstico, como também nos limites isolados de cada um dos museus.
das avaliações quantitativas contendo os re- É curioso notar que os reclamos (verbas, pes-
sultados individuais e comparativos dos qua- soal especializado etc.) dos responsáveis pe-
tro museus selecionados, foi possível elabo- los diferentes museus sempre são deduzidos
rar uma avaliação qualitativa das condições na perspectiva das necessidades deste ou da-
de acessibilidade existentes nessas institui- quele museu específico e isto porque não se
ções, apontando, nos itens relacionados às tem uma visão abrangente, seja do trabalho a
barreiras físicas, sensoriais e atitudinais, quais ser realizado, da área física a ser coberta, do
são os pontos fortes e os pontos fracos, sendo público a ser alcançado.
que esses últimos receberão maior atenção
nos projetos de acessibilidade que deverão Do ponto de vista institucional (regula-
ser implantados. mentação dos museus no Estado de São Pau-
lo), é nítida a preocupação em estruturar um
Enfim, a ficha diagnóstico pode ser consi- sistema que opere como tal. Sucede, no en-
derada também como um guia de acessibili- tanto, como assinalado anteriormente, que
dade em museus, cuja função é a de servir às na prática esse sistema não existe, não, pelo
mais diversas instituições, como forma da menos, na sua plenitude. O porquê disso
elaboração de planejamentos de programas toca diretamente no cerne deste artigo. O
de acessibilidade individuais ou em rede. que de fato possibilita que o sentido dos tex-
tos normativos e regulamentares passe para
No caso específico dos museus avaliados, a prática das estruturas é um conjunto coor-
obteve-se em escala decrescente de nível de denado de ações e programas que de forma
acessibilidade16 a seguinte relação: planejada dinamize as instituições existen-
tes. O que dá real sentido à norma regula-
- Museus com maior índice de acessibili- mentar é uma política pública que sirva de
dade – Museu Casa de Portinari e M.H.P. orientação para o agir institucional e seus res-
Índia Vanuíre; ponsáveis. Em não havendo essa orientação,
o que de fato passa a prevalecer é um
- Museus com menor índice de acessibili- voluntarismo, muitas vezes animado pela me-
dade – M.H.P. Bernardino de Campos e lhor das intenções, mas que, em termos
M.H.P. Conselheiro Rodrigues Alves. gerenciais, é de reduzidíssima eficácia. Even-
tualmente haverá um ou outro museu que,
Deve-se levar em consideração, porém, mercê dos préstimos de seu dirigente e de
que os resultados do diagnóstico que se ex- seus quadros técnicos, tenha um bom desem-
traem dos estudos de caso realizados não penho, transformando-se em ilhas de exce-
será completo se não transcender o exame lência. Mas, definitivamente, não se tratará de
individualizado das questões de acessibilida- uma regra e sim de uma excepcionalidade.
de de cada uma das instituições.
Cabe, portanto, à Secretaria da Cultura e à
Com efeito, a análise dos trabalhos empre- Unidade de Preservação do Patrimônio Museo-
endidos pelos quatro museus citados mostra lógico (UPPM), diante do quadro apresentado,
limitações em termos de ação coordenada e priorizar a formulação de políticas públicas cul-
programada, capaz de denotar um sistema turais que objetivem a inclusão do público espe-
ACESSIBILIDADE, INCLUSÃO SOCIAL E POLÍTICAS PÚBLICAS 129

cial, políticas essas que ao mesmo tempo orien- Bruno analisa o modelo de gestão museo-
tarão seus quadros profissionais, segundo os cri- lógico baseado em sistemas ou redes como
térios museológicos de gestão adequados à fun- sendo “uma proposta metodológica para
ção do museu, investindo em questões comuni- propor, realizar, e avaliar os distintos proce-
cacionais, de capacitação funcional, preserva- dimentos museológicos de salvaguarda
ção e proteção do patrimônio. (conservação e documentação) e comunica-
ção (exposição e educação/ação cultural)
das referências patrimoniais, coleções e
PLANEJAMENTO DE “POLÍTICAS PÚBLICAS DE acervos, a partir dos princípios de cadeia
ACESSIBILIDADE E AÇÃO EDUCATIVA EM MU- operatória, de reciprocidade entre ações téc-
SEUS DO INTERIOR DO ESTADO DE SÃO PAULO nicas, científicas e administrativas e, especi-
almente, no que tange ao alcance do enqua-
Introdução dramento patrimonial.”18

Agora, é preciso cuidar da apresentação Fica claro, portanto, que, ao se optar


de uma proposta de concepção de políticas por esse modelo, as instituições museoló-
públicas culturais de inclusão social de pú- gicas terão como objetivo a busca por ex-
blicos especiais a partir de planejamento, se- celência técnica e maior agilidade admi-
guindo o modelo de rede, tendo em vista a nistrativa, o que resultará no aprimora-
implantação de políticas públicas de acessi- mento dos serviços prestados por essas
bilidade e ação educativa inclusiva em mu- instituições.
seus, tema que vem sendo explorado ao lon-
go desta pesquisa a partir do reconhecimen- Assim, como ressalta Bruno19, “as redes e
to do importante papel sócio-cultural que os os sistemas têm grandes atributos no que se
museus e instituições culturais têm na atuali- refere à gestão. São metodologias apoiadas
dade, de acolher adequadamente os diferen- na reciprocidade, na solidariedade, na parti-
tes tipos de públicos e, especialmente, os pú- lha e na articulação, o que vem contribuir
blicos com necessidades especiais. significativamente para o amadurecimento
das instituições”.
Para isso, no entanto, é necessário apre-
sentar algumas considerações, iniciais a res- No entanto, é importante destacar que
peito de gestão sistêmica ou em rede, como esse novo modelo de gestão tem sido consi-
também a metodologia a partir da qual a derado mais um desafio para a museologia
proposta estará sendo estruturada. contemporânea, pois envolve uma nova po-
lítica de dinamização em vista de um mes-
Retomando as palavras de Bruno17, ao afir- mo objetivo, respeitando, porém, a diversi-
mar a necessidade da implantação de novos dade própria de cada instituição.
modelos de gestão para os museus, conside-
rando a multiplicação de suas potencialida- Exemplos dessas iniciativas já podem
des de articulação pública, há de se conside- ser vistas, na proposta de implantação do
rar que a inclusão de modelos sistêmicos ou Sistema Brasileiro de Museus, Sistema de
em rede muito contribuirá para a Museus do Estado de São Paulo, Sistema
museologia contemporânea, modelos que Municipal de Museus (São Paulo), Sistema
não podem deixar de ser adotados ao se pre- Estadual de Museus (SEM - Rio Grande do
tender desenvolver uma proposta relaciona- Sul), no SIM - Sistema Integrado de Museus
da com programas de acessibilidade e ação (Pará), e também na Rede Portuguesa de
educativa inclusiva nessas instituições. Museus (RPM).
130 AMANDA PINTO DA FONSECA TOJAL

Porém, em se tratando do planejamento de culadora de políticas públicas de acessibili-


políticas públicas de acessibilidade e ação dade e ação educativa inclusiva, em concor-
educativa em museus, tendo como referência dância com os objetivos acima apresentados
os museus do interior do Estado, pertencentes e que possa atuar, segundo o modelo de
ao Sistema de Museus, vinculado a UPPM da rede21, isto é, desenvolvendo ações de infor-
Secretaria de Cultura de São Paulo, torna-se mação, formação, apoio técnico e
imperativo conhecer os seus eixos de ação, certificação de museus (aqui exemplificados
assim como os objetivos por ele propostos. por uma rede de museus estatais do interior
paulista), mas com total abertura para ser
Para Silvia Alice Antibas, coordenadora aplicado e adaptado a qualquer rede de mu-
da Unidade de Preservação do Patrimônio seus, públicos ou privados, pertencente às
Museológico (UPPM), “o Sistema de Museus regiões ou estados do Brasil.
do Estado de São Paulo já existe desde a dé-
cada de 80. Inicialmente concebido como
órgão fomentador da política de museus, Planejamento de Políticas Públicas
está sendo reestruturado atualmente com
uma proposta de articulador de políticas pú- O exame de uma proposta de planeja-
blicas na área, com foco em quatro vertentes mento em rede com o objetivo de implantar
principais: informação, formação, apoio téc- Políticas Públicas de Acessibilidade e Ação
nico e certificação. Estas quatro linhas de Educativa Inclusiva em Museus do interior do
atuação abrangem todas as tipologias, ori- Estado de São Paulo exige que se apresente,
gens e filiação dos museus, já que são ações primeiramente, a metodologia que a orienta-
“macro”, de política pública, e com um foco rá, tendo em vista as etapas que deverão ser
muito grande nas necessidades do interior seguidas, seu acompanhamento e avaliação,
paulista. Os museus da capital, alguns de assim como as mudanças e adaptações ocor-
qualidade indiscutível, terão participação ridas durante e ao final do processo.
importante e servirão de base e modelo.”20
Segundo Almeida (2005, p. 2):”O planeja-
A autora citada apresenta também os prin- mento não é um acontecimento, mas um
cipais objetivos do Sistema, como sendo “o processo contínuo, permanente e dinâmico,
de implantar programas que estabeleçam que fixa objetivos, define linhas de ação, de-
padrões mínimos de desempenho para as talha as etapas para atingi-los e prevê os re-
instituições e estimulem o seu constante cursos necessários à consecução desses obje-
aperfeiçoamento, habilitando-os inclusive a tivos. Com a incorporação dessa prática, re-
receber recursos públicos e ter credibilidade duz-se o grau de incerteza dentro da organi-
para obter patrocínios privados.” zação, limitam-se ações arbitrárias, diminu-
em-se riscos ao mesmo tempo em que se dá
Silvia Antibas julga que o Sistema de Museus rentabilidade máxima aos recursos, tira-se
do Estado terá mais fôlego para desempenhar as proveito de oportunidades, com a melhoria
suas funções de órgão articulador e centralizar as da qualidade de serviços e produtos, e ga-
suas ações nas políticas públicas na exata medi- rante-se a realização dos objetos visados.”
da em que se promova a progressiva implanta-
ção do novo modelo de administração das insti- Ao iniciar, portanto, a estrutura de organi-
tuições culturais, as Organizações Sociais. zação de um planejamento, adequado às
questões de acessibilidade e ação educativa
Dessa forma, fica patente a possibilidade inclusiva em museus, foram consideradas as
de incluir nesse Sistema uma proposta arti- seguintes etapas que definem esse processo22:
ACESSIBILIDADE, INCLUSÃO SOCIAL E POLÍTICAS PÚBLICAS 131

1. O objeto a ser estudado e o objetivo É também importante ressaltar que o pla-


desse estudo; nejamento faz parte das diretrizes de uma
política cultural da instituição e dos órgãos a
2. O diagnóstico: coleta de informações ela subordinados e deverá estar não somente
que dará subsídio ao processo de avali- de acordo, como também compartilhar essas
ação do objeto; diretrizes.

3. O plano de ação: estruturado a partir Sendo assim, ao definir a aplicação desta


das diretrizes traçadas pelas políticas estrutura de planejamento, para compor
públicas dos órgãos competentes (Siste- uma rede de acessibilidade e ação educativa
ma de Museus do Estado, UPPM e Se- inclusiva os quatro museus diagnosticados
cretaria de Estado); no estudo de caso desta pesquisa, optou-se,
além das bases previstas pelas diretrizes do
4. A definição de metas e prioridades: pre- Sistema Estadual de Museus, pelas fontes re-
visões futuras, decisões sobre fins, meios ferentes ao projeto de implantação da Rede
e recursos; Portuguesa de Museus criada no ano 2000
pelo IPM24 (Instituto Português de Museus).25
5. A implementação do plano: formas de
acompanhamento tendo em vista à
consecução dos objetivos traçados e; CONSIDERAÇÕES FINAIS

6. A avaliação: processo que acompanha O exame das experiências dos quatro mu-
todas as etapas do planejamento (rela- seus do interior paulista – Museu Casa de
ção de interdependência) contribuindo Portinari, MHP Bernardino de Campos, MHP
inclusive para a implementação e ela- Conselheiro Rodrigues Alves e MHP Índia
boração de novos objetivos e metas en- Vanuíre – permite concluir que é perfeita-
volvendo essas ações. mente possível acreditar no desenvolvimen-
to de políticas públicas de acessibilidade e
- Etapas do Planejamento23 inclusão de públicos especiais em museus.
As quatro instituições, cada qual a sua ma-
neira, revelam, ao mesmo tempo, carências
em termos de acessibilidade e capacidade
de superá-las.

As políticas públicas, por sua vez, não po-


dem prescindir de ações planejadas e a sua
articulação, potencialização e otimização
pressupõem uma rede de acessibilidade inte-
grada por museus e por profissionais com a
função de formar, capacitar, acompanhar, di-
vulgar e avaliar permanentemente os pro-
gramas de acessibilidade, desenvolvidos nas
instituições, além de obter os recursos neces-
sários para os apoios técnicos, a implemen-
FIGURA 1 tação dos programas envolvendo as diversas
Etapas do Planejamento áreas museológicas, em especial no que
Fonte: adaptação Alfonso Ballestero a partir de Almeida (2005 p. 9-10).
concerne ao campo da comunicação, assim
132 AMANDA PINTO DA FONSECA TOJAL

como a ampliação do quadro de profissio- Note-se que os conceitos de rede museoló-


nais técnicos e especializados. gica e de inclusão social dialogam perfeita-
mente entre si, primeiro porque a noção de
Dois pontos precisam aqui ser destacados. rede não deixa de trazer em perspectiva o
Primeiramente, quando se fala de planeja- atuar cooperativo, solidário, articulado e es-
mento, é preciso não perder de vista que o pecialmente flexível, isto é, capaz de romper
caráter técnico especializado da ação de o dogmatismo das visões próprias do isola-
planejar não pode comprometer a dimensão mento em que não raro e comodamente se
política inerente ao objetivo que se pretende posicionam as diferentes áreas do processo
atingir, isto é, a inclusão social de públicos museológico. Essa flexibilidade também
especiais. Em segundo lugar, a rede de aces- ocorrerá a partir de outro eixo, aquele que
sibilidade que se propõe tem esse papel fun- interliga o museu com os seus diferentes ti-
damental de permitir compreender a políti- pos de público. É absolutamente fundamen-
ca pública específica que ela está desenvol- tal ter presente essa perspectiva, porque per-
vendo desde uma perspectiva macroscópi- mite que o discurso competente dos profissi-
ca, sem perder, contudo, de vista as exigênci- onais tenha sempre em vista as reais necessi-
as locais e específicas de cada instituição. dades do público, aquele que tem no patri-
mônio cultural do museu um poderoso ins-
Por outro lado, em função das análises e trumento de compreensão de sua própria
reflexões feitas durante o desenvolvimento história.
desta pesquisa, fica evidente que as diretrizes
apresentadas pelo Sistema Estadual de Mu- Em segundo lugar, o conceito de rede
seus do Estado demandam ainda, na sua to- museológica instrumentaliza a inclusão soci-
talidade, um esforço maior para serem pos- al, que há de ser a opção política primordial
tas em prática, promovendo um conjunto acreditando que a política de compreensão
mais coordenado de ações e programas, o do museu como engrenagem de um sistema
que, no caso de ações dirigidas às questões maior decorre de uma opção política clara,
de acessibilidade e inclusão de públicos es- pela afirmação de direitos fundamentais da
peciais em museus estatais, permite de fato pessoa humana.
instituir uma política de acessibilidade per-
manente envolvendo o edifício, seus espa- Por outro lado, quando se afirmou, no
ços, serviços, atendimento ao público e a início deste texto, que seu objetivo maior
formação de todo o corpo de funcionários. era confirmar a tese de que é possível e
Essa estrutura deverá estar permanentemen- mesmo politicamente fundamental que o
te articulada e sustentada por uma rede de museu e o patrimônio cultural nele presen-
implantação e qualificação em acessibilida- te sejam tomados como instrumentos de
de26, subordinada à Unidade de Preservação políticas públicas culturais de inclusão soci-
do Patrimônio Museológico da Secretaria de al de públicos especiais, seja no plano indi-
Estado da Cultura de São Paulo. vidual de uma instituição determinada, seja
especialmente no contexto de um conjunto
A rede de implantação e qualificação em sistêmico de instituições públicas (estatais)
acessibilidade não precisará se restringir aos e/ou privadas, o que se buscava era exata-
museus do interior e da capital paulista, po- mente pensar um conceito de rede de im-
dendo, ao contrário, ir além, para, seguindo plantação e qualificação em acessibilidade
as diretrizes do Sistema de Museus do Esta- que possibilitasse um sentido de
do, acolher também outras entidades muse- organicidade ao atuar nas instituições mu-
ológicas. seológicas.
ACESSIBILIDADE, INCLUSÃO SOCIAL E POLÍTICAS PÚBLICAS 133

Por certo que as dificuldades estruturais É preciso compreender, de toda forma,


e funcionais que acometem o Estado brasi- que nada do que se expôs valerá se não for
leiro representam um enorme obstáculo. considerada a importância dos fatores
Todavia, a busca de sua superação, com a atitudinais na superação de todos os obstá-
construção de um verdadeiro ambiente re- culos identificados. Na verdade, esses fatores
publicano, não necessariamente estatal, atitudinais se traduzem na vontade política
marcado profundamente pelo interesse de levar avante o projeto de inclusão social
público, também tem correspondido à his- de públicos especiais.
tória deste país, tensão que, no limite, tem
seu sentido positivo na exata medida em Por essa razão é que se fala na necessida-
que se compreenda que a dinâmica social de de uma postura inclusiva de todos os ato-
é alimentada não exclusivamente pelo res envolvidos no processo. Esses fatores
consenso. É curioso notar que os próprios atitudinais estão enraizados na crença em
textos que regulamentam os museus no Es- torno do princípio de que os direitos cultu-
tado de São Paulo afirmem a necessidade rais são realmente extensivos a todos, o que
de um atuar sistêmico, orientado por leva ao respeito às diferenças e à obrigação
macro políticas culturais. moral e política de atendê-los.

Mais uma vez, a noção de rede de implan-


tação e qualificação em acessibilidade deno- BIBLIOGRAFIA
ta uma enorme utilidade funcional por abrir-
se ela para a própria sociedade civil e suas ABNT NBR 9050:2004 – Acessibilidade a
organizações sociais. Esse tema é fundamen- edificações, mobiliário, espaços e equipa-
tal. Realmente, quando do início deste traba- mentos urbanos. Associação Brasileira de
lho se afirmou a enorme dificuldade opera- Normas Técnicas (ABNT), 2004. Disponível
cional de pensar a inclusão social, enquanto em: <http://www.mj.gov.br/sedh/ct/corde/
substrato de políticas públicas culturais, dpdh/corde/normas_abnt.asp>
como parte da agenda positiva do Estado, o
encaminhamento proposto foi no sentido de AIDAR, Gabriela. Museus e Inclusão Social.
que o espaço público não é obra exclusiva In: Revista Ciências e Letras: Patrimônio
do Estado. e Educação. Porto Alegre: Faculdade Porto
Alegrense de Educação, Ciências e Letras,
É importante neste momento retomar a 2002, n° 31.
idéia de que uma ação cultural, particular-
mente aquela que tenha por objetivo a inclu- _____. Arte e Cultura, Inclusão e Cidadania. In:
são social, somente se viabilizará se decorrer Seminário “Inclusão da Pessoa com Defici-
de uma articulação dos espaços culturais, ência Visual – Uma ação compartilhada”.
público (estatal) e privado. Afinal, o espaço São Paulo: Laramara – Associação Brasileira de
público não é uma questão de Estado, mas Assistência ao Deficiente Visual, 2003.
da sociedade.
ALMEIDA, Maria Christina Barbosa de. Pla-
Por outro lado, é preciso que se reconhe- nejamento de bibliotecas e serviços de
ça o que faz uma política ser pública não é informação. Brasília, DF: Briquet de Lemos
seu caráter estatal, mas o seu compromisso Livros, 2005.
material com a afirmação e concretização
dos direitos fundamentais como valor maior FÓRUM PERMANENTE. Museus de Arte. En-
do ser humano. trevista com Silvia Antibas e Cristina
134 AMANDA PINTO DA FONSECA TOJAL

Bruno.<http://forumpermanente. Uma política cultural para o estado de


incubadora.fapesp.br/portal/.painel/entrevis- São Paulo. São Paulo: Secretaria de Estado
ta/s_ antibas_bruno> da Cultura, 2003.

GIL, Marta (org.). O que as empresas podem


fazer pela inclusão das pessoas com defici-
ência. São Paulo: Instituto Ethos, 2002. NOTAS
1
LOPES, Maria Elisabete. Metodologia de Deficiência física: denominação dada às limi-
tações de locomoção e coordenação motora
análise e implantação de acessibilidade bem como às limitações dos sentidos da fala,
para pessoas com mobilidade reduzida e audição, visão, entre outras, decorrentes
principalmente de comprometimentos neuro-
dificuldades de comunicação. Tese (Dou- lógicos.
torado em Arquitetura) – Faculdade de Ar-
2
quitetura e Urbanismo, Universidade de São Deficiência motora: denominação dada às li-
mitações de locomoção ou a falta de um ou
Paulo, São Paulo, 2005. mais membros inferiores (pernas) ou superio-
res (braços).
Many voices making choices: museum 3
Por esse código perpassam tanto a cultura
audiences with disabilities. Australian erudita, a cultura popular como também a
Museum and National Museum of Australia: cultura de massa que indistintamente neces-
sitam ser compreendidas e “alfabetizadas”
AMARC, Australia, 2005. por todas as instâncias da sociedade.
4
O Programa Educativo Públicos Especiais foi
Museologia: Roteiros Práticos – Acessibilida- implantado no ano de 2003 pelo Núcleo de
de. Resource: Conselho de Museus, Ar- Ação Educativa da Pinacoteca do Estado de
quivos e Bibliotecas. São Paulo: Edusp/Fun- São Paulo, tendo a autora como coordenado-
ra. É um programa que tem por objetivo
dação Vitae, vol.8, 2005. atender de forma permanente públicos espe-
ciais, bem como oferecer cursos sobre “Ensi-
no da Arte na Educação Especial e Inclusiva e
Museus e Acessibilidade. Coleção Temas de Acessibilidade e Ação Educativa Inclusiva em
Museologia. Lisboa: Instituto Português de Museus” para profissionais das áreas de mu-
Museus (IPM), 2004. Disponível em: seus, educação e saúde. Faz parte também
do objetivo deste programa pesquisar e intro-
<www.ipmuseus.pt> duzir recursos de apoio multissensoriais facili-
tadores da compreensão de obras de arte
pelo público alvo, recursos estes, relaciona-
TOJAL, Amanda Pinto da Fonseca. Museu dos a obras de arte tanto do acervo como de
de Arte e Públicos Especiais. Dissertação exposições temporárias realizadas pela Pina-
(Mestrado em Artes) – Escola de Comunica- coteca do Estado.
ções e Artes, Universidade de São Paulo, São 5
Diretrizes previstas no Decreto n° 24.634, de
Paulo, 1999. 13 de Janeiro de 1986.
6
A UPPM tem sob a sua responsabilidade 21
_____. Políticas Públicas Culturais de In- museus ( 13 na capital e 8 no interior do Esta-
clusão de Públicos Especiais em Museus. do) preservando um acervo de aproximada-
mente 600.000 peças e totalizando uma
Tese (Doutorado em Ciências da Informação) visitação anual de aproximadamente
– Escola de Comunicações e Artes, Universi- 1.239.000 pessoas.
dade de São Paulo, São Paulo, 2007. Dispo- 7
ABNT NBR 9050:2004, p.2.
nível em:
8
Entre as publicações selecionadas encon-
tram-se os guias de acessibilidade “Museus e
<http://www.teses.usp.br/teses/disponíveis/ Acessibilidade” (IPM,2004), “Many Voices
27/27151/tde-19032008-183924/> Making Choices: Museum audiences with
Disabilities” (Australian Museum e National
ACESSIBILIDADE, INCLUSÃO SOCIAL E POLÍTICAS PÚBLICAS 135

Museum of Austrália, 2005) e Acessibilidade. ponível em: <http://forumpermanente.


Museologia - Roteiros Práticos, vol. 8 (EDUSP, incubadora.fapesp.br/portal/.painel/entrevis-
2005). ta/s_antibas_Bruno.>
9 21
Museus e Acessibilidade. Coleção Temas de Segundo Cristina Bruno e Clara Camacho,
Museologia. Instituto Português de Museus há diferenças entre os termos designados
(IPM):Lisboa, 2004, p.17. Disponível em: para o modelos Sistema e Rede em museus.
<www.ipmuseus.pt> O modelo Sistêmico é aquele que articula
elementos semelhantes, isto é, o conjunto de
10
Many Voices Making Choices: Museum elementos iguais, coordenados entre si e in-
audiences with disabilities, 2005, p.16. (tradu- timamente relacionados. O modelo de Rede
ção: Marina Falsetti). é o que articula elementos distintos, isto é,
uma estrutura ligada a diversas unidades di-
11
Museus e Acessibilidade. Instituto Português ferentes mas que passam a ser
de Museus (IPM), 2004, p. 29. interdependentes tendo em vista os mesmos
objetivos.
12
Many Voices Making Choices: Museum
22
audiences with disabilities, 2005, p.40. (tradu- Tendo como referência a pesquisa de
ção: Marina Falsetti). Almeida (2005 p.10) sobre as etapas do pro-
cesso de um planejamento e, tendo em vista
13
Um exemplo de avaliação com públicos espe- a necessidade de adaptação da metodologia
ciais em museus, entre eles pessoas com defi- apresentada para o planejamento que se
ciências visuais, foi realizado na Austrália, re- pretende desenvolver, foram acrescentadas
sultando em uma publicação denominada uma nova etapa referente ao Plano de Ação
“Many Voices Making Choices: Museum e uma breve descrição sobre o objetivo do
Audiences with Disabilities” (2005) em que os Objeto de Estudo analisado .
entrevistados relatavam as suas experiências
23
em museus e propunham melhorias, entre Segundo Almeida (2005, pp.9-10), “(...) o pla-
elas a de tornar os museus espaços cada vez nejamento é um processo cíclico, o que não
mais acessíveis e independentes para todos significa que seja um processo linear; pelo
os frequentadores. contrário, é um processo dinâmico e
interativo. Segundo Ferreira (2002), as fases
14
Museus e Acessibilidade. Coleção Temas de do planejamento se interpenetram, o que
Museologia. Instituto Português de Museus quer dizer que, embora se sucedam, não
(IPM):Lisboa, 2004,p.22. podem ser tratadas de maneira estritamen-
te linear. Na prática, há uma dinâmica que
15
Esse questionário foi aplicado em cursos rea- faz com que a elaboração do plano, por
lizados pelo SIM (Sistema Integrado de Mu- exemplo, já se configure como uma ação, à
seus) em Belém (Pará) e pela Casa Andrade medida que repercute na ação propria-
Muricy (museus do Estado do Paraná) em mente dita que está sendo preparada, e na
Curitiba, ambos ministrados pela autora. própria realidade em que o plano pretende
intervir”.
16
Para se obter uma análise completa dos re-
24
sultados desta pesquisa vide: Tojal (2007), pp. Estrutura de Projecto Rede Portuguesa de
252-258, disponível em: <http:// Museus. Disponível em: <www.ipmuseus.pt/
www.teses.usp.br/teses/disponíveis/27/27151/ pt/ipm>
tde-19032008-183924/>
25
Para se obter uma descrição completa das
17
Fórum Permanente: Museus de Arte. Entre- Etapas do Planejamento aplicado aos Museus
vista com Silvia Antibas e Cristina Bruno. Dis- do Estado de São Paulo vide: Tojal (2007) pp.
ponível em: <http://forumpermanente. 263-270 disponível em: <http://
incubadora.fapesp.br/portal/.painel/entrevis- www.teses.usp.br/teses/disponíveis/27/27151/
ta/s_antibas_Bruno.> tde-19032008-183924/>
18 26
Idem. A exemplo do GAM (Grupo de Acessibilida-
de em Museus) pertencente a RPM (Rede
19
Idem, p.5. Portuguesa de Museus) e do programa de
ação educativa inclusiva pertencente à
20
Fórum Permanente: Museus de Arte. Entre- rede de museus da cidade de Estrasburgo
vista com Silvia Antibas e Cristina Bruno. Dis- na França.
ARTIGO
2
Participação e Qualidade em
museus - O caso do Museu do
Trabalho Michel Giacometti1
n ISABEL VICTOR

A
“A Gestão da Qualidade é muito diferente da Qualidade.
Caracteriza-se pelo sistema de organização que está por
detrás para conseguir pôr em prática a Qualidade de
uma forma permanente e consistente. Tudo isto implica
que a Qualidade de um produto ou de um serviço esteja
definida quando se falam de Sistemas de controlo da
Qualidade. Se não se conseguir definir Qualidade não se
sabe o que se vai controlar ou gerir.”
(Ramos Pires, A., excerto de entrevista, publicado em “ Os
museus e a Qualidade “, Cadernos de Sociomuseologia,
nº23, Centro de Estudos de Sociomuseologia, Edições uni-
versitárias lusófonas, Universidade Lusófona de Humani-
dades e Tecnologias, Lisboa, 2005)

O Museu do Trabalho Michel Giacometti, foi o primeiro museu português a

O usar ferramentas da Gestão da Qualidade, a identificar, medir e publicar os seus


resultados de desempenho, com recurso á CAF – common assessment
framework e a comparar-se objectivamente, através de nove critérios e vinte e
três sub-critérios, previamente definidos pela ferramenta auto-avaliativa, com
outras organizações de natureza afim e/ ou diferenciada, que perseguem
objectivos sociais e culturais.
138 ISABEL VICTOR

sionais e outros, portadores de conhecimen-


A experiência daí resultante tem servido to, memórias, problemas; de modos de pen-
de reflexão, em meio universitário e sar e fazer diferenciados, que intervêm, com
museológico, com reflexo nas boas práticas as suas visões multímodas, na identificação,
que próprio museu adoptou, na prossecução classificação e reinvenção dos patrimónios,
da sua missão, assente na participação como em processos que contribuem para a quali-
processo-chave da Qualidade e na busca da ficação da cultura.
melhoria contínua, resultante da auto-avali-
ação e da constante revisão dos procedi- Maria Célia Santos, em entrevista concedi-
mentos. Aqui apresentam-se sinteticamente da a Mário Chagas (1998), a titulo de conclu-
os fundamentos e alguns exemplos de são, adverte os profissionais dos museus (...)
projectos realizados pelo museu com vista a para que olhem para os museus para além
auscultar as necessidades dos cidadãos-cli- dos museus (...); que o fazer museológico
entes do museu, fomentar a participação e produza conhecimento e seja impregnado
elevar o nível da procura como incentivo à de vida(...) em permanente abertura para
melhoria. avaliar os processos museais e para a auto
avaliação;(...) que procurem, constantemen-
Resultante de estudos, encontros e refle- te, a qualidade formal e a qualidade política,
xões sobre o tema foi criada, no ambito da assumindo o compromisso social e o exercí-
Universidade Lusófona de Humanidades e cio da cidadania.
Tecnologias, a página http://
www.aqualidadeemmuseus.net, disponível Nesta perspectiva, alia-se claramente qua-
online, desde 2006, ano em que teve lugar, lidade à participação dos sujeitos envolvidos
em Lisboa, no Instituto Português da Quali- nos processos museológicos, como base do
dade, o XIII Encontro Nacional Museologia e conhecimento musealizado a partir da soci-
Autarquias, subordinado ao tema “ A Quali- alização das diversos processos museológi-
dade em museus cos (pesquisa, preservação e comunicação).

Na perspectiva da Museologia Social, o A participação, como parâmetro funda-


museu encontra inequívoco sentido na parti- mental da qualidade em museus perspecti-
cipação dos cidadãos. A participação é vados a partir da comunidade e das necessi-
transversal a todo o processo museológico dades dos cidadãos (acervo de problemas,
gerado na dinâmica da comunidade como no dizer de Mário Chagas), é um aspecto
resposta aos seus anseios e necessidades. O axial da Nova Museologia, pelo que deverá
que confere Qualidade a este museu, que de- merecer elevada ponderação na avaliação e
signamos de novo tipo, é o facto dele ser re- auto avaliação em museus identificados
conhecido como obra inacabada de um com o seu paradigma. A noção de auto ava-
colectivo, reflexo das contradições de uma liação engloba também, na categoria de ci-
comunidade em mudança. É através da par- dadãos clientes, os trabalhadores dos mu-
ticipação em processos museológicos que os seus, a sua participação e os conhecimentos
museus, identificados com os princípios da induzidos pela sua especificidade profissio-
museologia social, constróem as suas mis- nal; categoria de primordial importância
sões. Os museus comprometid os com o de- que não é captada nos estudos tradicionais
senvolvimento e a não exclusão, optam por públicos, orientados exclusivamente para a
romper a armadura institucional e interagir avaliação dos produtos finais e das manifes-
numa rede social composta por pessoas, uni- tações associadas ao “consumo”. O acto
dades sociais (famílias), grupos socio-profis- constitutivo do fazer museológico, assente
PARTICIPAÇÃO E QUALIDADE EM MUSEUS 139

na participação, nos processos e na mudan- que afirma Cristina Bruno, a avaliação em


ça social, essência da Nova Museologia, re- museus deveria, através de indicadores pré –
sulta num impacto para a comunidade (de definidos, conseguir captar / medir a eficácia
que o museu e seus problemas são parte dos procedimentos técnicos e o seu nível de
activa ), teoricamente referenciado como interdependência. Na perspectiva do novo
categoria de análise do fenómeno museoló- paradigma da Museologia e tendo como re-
gico, mas que, na prática, não é avaliado/ ferência os sistemas da gestão da qualidade,
medido por falta de descritores/ indicadores esta forma de avaliação e auto avaliação
e de ferramentas adequadas. será, eventualmente, a mais habilitada para
captar a realidade museológica contempo-
Daqui se infere que os modelos convenci- rânea - multidisciplinar , estimuladora de di-
onais de estudos de públicos em museus e as álogos interculturais e participativa, na me-
grelhas de avaliação por eles aplicados não dida em que os processos museológicos não
servem para captar, em toda a sua extensão, estão confinados ao museu no sentido insti-
a qualidade formal e a qualidade política tucional do termo.
que distingue o fenómeno museológico ge-
rado pela Nova Museologia. A exposição, A aplicação do processo museológico na
função axial da museologia tradicional é, perspectiva de Maria Célia Santos (2002), no
por excelência, o objecto dos estudos de pú- texto intitulado “Processo muselógico: crité-
blicos , sinónimo de avaliação em museus. A rios de exclusão”,(...) não está restrita á insti-
museografia e as suas múltiplas narrativas, tuição museu, ele pode anteceder á existên-
ocupam, na museologia social, um patamar cia objectiva do museu ou ser aplicado em
distinto daquele que detém a clássica exposi- qualquer contexto social.
ção, na museologia tradicional. Na cadeia
operatória dos procedimentos museológi- Nesta noção de processo museológico
cos, identificados com a Nova Museologia, a não tem sentido avaliar produtos dissocia-
expografia é uma disciplina estruturante das dos de quem os produz e dos contextos dessa
narrativas diferenciadas que informam o dis- mesma produção.A qualidade associada á
curso museológico. A exposição, assim en- participação, mede-se pela eficácia do dia-
tendida, é um processo transversal que resul- logo e a interacção que se estabelece entre
ta da interacção de vários processos museo- os vários sujeitos na acção, em processos de
lógicos (conservação, documentação, expo- auto-avaliação. Os resultados evidenciados
sição, acção educativa) e não um produto constituem incentivo a melhorias continuas,
de final de linha. A este propósito refere-se traduzidas por novas práticas sociais associa-
Cristina Bruno (2002), Rio de Janeiro, Semi- das á participação, cidadania e ao desenvol-
nário Internacional, “Entre a museologia e vimento.
museografia: Propostas, problemas e ten-
sões”, (...) A operacionalização desta cadeia Avaliar os processos museológicos e a
de procedimentos técnicos e científicos – Qualidade por eles gerada, com base na par-
interdependentes – distingue e qualifica os ticipação, é pois, muito mais exigente e qua-
discursos expográficos dos museus em rela- litativamente diversa da avaliação de produ-
ção a outras formas de exposições.” tos finais, independentemente da sua quali-
dade intrínseca, que não é posta em causa,
Qualidade, na asserção etimológica do ou do seu impacto momentâneo medido
termo, é exactamente o que nos distingue o pela maior ou menor adesão dos públicos.
que nos torna diferentes o que nos confere Os museus inseridos na comunidade, com-
raridade (preciosidade). Se atentarmos ao prometidos com o desenvolvimento, opõem
140 ISABEL VICTOR

a participação á exclusão, o dialogo á conhecimento e vontade de participar das


intransigência e o conhecimento partilhado pessoas, grupos e associações, não é garantia
e gerido á meritocracia. A este propósito, da sua participação efectiva. (...)” Isto porque
Maria Célia Santos (1999) refere “ao reflectir o cidadão maior, tanto numa democra-
sobre o processo muselógico, inserindo nas cia como numa ditadura, não é conside-
demais praticas sociais, a partir de uma auto rado como pessoa adulta, como sendo
critica das nossa vivências (...) que possamos capaz de assumir a sua quota de respon-
assumir o nosso compromisso social com sabilidade na “coisa pública”.
qualidade, o que, implica participação,
imersa em nossa pratica cotidiana. Ainda As diversas formas de participação (ou de
(Pedro Demo,1994, citado por Maria Célia não participação) e o entendimento das mo-
Santos), salienta que Qualidade é participa- tivações que lhe estão associadas, são essen-
ção (...). É a melhor obra de arte do homem ciais para a eficiência de um sistema da Qua-
em sua história, porque a história que vale a lidade em museus. É através da participa-
pena, é aquela participativa(...) com o teor ção que as pessoas se projectam nos gru-
menor possível de desigualdade, de explora- pos, que expressam os seus anseios, que
ção, de mercantilizarão, de opressão. identificam os problemas e que engen-
dram os caminhos para a sua resolução.
Partindo da premissa de que participação Mas a não participação nem sempre é
é o grau de envolvimento dos actores so- alheamento, muitas vezes é a forma silencio-
ciais na tomada de decisão e admitindo sa de manifestar desconforto, de resistir pas-
que o grau de participação dos cidadãos é sivamente.
um dos indicadores primordiais da Qua-
lidade em museus na perspectiva da Mu- A Gestão da Qualidade é, neste e noutros
seologia Social, torna-se imperativo bus- aspectos, consonante com o paradigma da
car nas práticas museais as evidências Nova Museologia, centrado nas comunida-
desse envolvimento e identificar a especi- des e nas diversas formas de participação em
ficidade das acções e dos actores, assim ordem à satisfação das pessoas. O indicador
como a natureza do processo e o seu (grau de participação) e os descritores que
grau de efectivação. A participação co- lhe estão associados constituem um dos pro-
meça na clarificação dos objectivos e na cessos-chave da Museologia Social e a ex-
monitorização dos procedimentos que pressão mais fiel da avaliação da Qualidade
informam as decisões. em museus.

A este propósito Hugues de Varine, In Pa- A opacidade, mais ou menos generaliza-


trimónio e Educação Popular, 2004, salien- da, dos museus na sociedade, sustentada
ta que “O desenvolvimento local” “sustentá- pelo discurso do auto elogio da diferença,
vel”, enquanto processo dinâmico de trans- enfraquece a sua capacidade de interven-
formação da sociedade e do meio, assenta ção, restringe a comunicação, gera autismo
em grande parte na participação activa e cri- social e desmotiva as parcerias inter-organi-
ativa das comunidades locais. Sem essa par- zacionais. Pensamos que os museus ganhari-
ticipação, teremos apenas uma mera execu- am imenso em adoptar as ferramentas e con-
ção de programas tecnocráticos, cuja eficá- ceitos da Gestão da Qualidade, como ins-
cia depende da combinação conjuntural e trumento de medição dos resultados por
efémera de uma vontade política e da dispo- eles obtidos pelos na prossecução das mis-
nibilidade de meios financeiros e humanos.” sões, comparando-nos com os de outras or-
O autor lembra contudo que, só por si, o re- ganizações (benchmarking), propiciando a
PARTICIPAÇÃO E QUALIDADE EM MUSEUS 141

avaliação relativa do impacto dos museus na objectos do que com os objectivos, idola-
sociedade. Falta uma linguagem comum trando o que permanece e desperdiçando o
que permita comparar, sem preconcei- que fluí.
tos, o desempenho social dos museus
com o de outras organizações, tornando- Não nos podemos esquecer que nem toda
os mais acessíveis, “usáveis” e transpa- acção museológica conduz a produtos finais
rentes. e que a dimensão processual da museologia
social (a “caixa negra” que regista as mudan-
Essa opacidade inibe as expectativas dos ças de rumo e os fluxos varáveis de partici-
cidadãos relativamente à sua participação pação) carece de ser avaliada e explicitada
nos processos museológicos e na avaliação como evidência primordial da Qualidade
dos resultados, devido à dificuldade em museus.
objectiva em compreender como o podem
fazer e quais os benefícios que daí advêm A Gestão da Qualidade assenta na
para os indivíduos e para a comunidade. O autoavaliação, flexibilização e transparência
cidadão terá que saber, objectivamente, o das organizações, como via para o desenvol-
que pode esperar da entidade organizacio- vimento pessoal, a democratização das soci-
nal museu no contexto da sociedade actual edades e a satisfação das pessoas entendi-
e, enquanto membro da comunidade, saber das como input e output do sistema da Qua-
como pode contribuir activamente na defi- lidade.
nição da sua missão, comprometer-se com a
visão, identificar-se com os valores, enten- A dimensão ontológica do museu, como
der a especificidade processual do fazer lugar onde se pensa o mundo próximo e
museológico e, sobretudo, ter parte activa distante, em ordem à mudança, contra a ex-
na autoavaliação, como meio fundamental clusão, obriga a um exercício permanente
para prosseguir a melhoria contínua. de observação e negociação, resultante do
diálogo entre os museus, as pessoas e outras
O enfoque na participação como pro- organizações, formais e informais, com
cesso–chave da Qualidade em museus, perspectivas diferenciadas de sociedade,
tem conduzido, no interior e no exterior da valores, culturas e patrimónios. Esta não é
comunidade museológica, ao questiona- tarefa fácil porque, como todos sabemos,
mento desta lógica organizacional e da ideia não há museus neutros nem políticas inó-
de museu que lhe está subjacente, impulsio- cuas.
nando reflexões que visam a reavaliação dos
conceitos e práticas convencionais que mo- Há que fazer opções, estabelecer com-
delam a acção museológica e a revisão das promissos, firmar contratos sociais com
missões dos museus no que toca à sua fun- os parceiros e ter uma visão clara sobre
ção social e à percepção efectiva da Quali- o sentido a dar aos museus, inequivoca-
dade, como conceito abrangente, indissociá- mente expresso nas missões, fortalecido
vel dos ideais de desenvolvimento e de cida- no auto conhecimento e na avaliação
dania. A nosso ver, a permanência do pre- comparada dos resultados. Ter uma clara
conceito relativamente à autoavaliação e percepção do que representa a museologia,
participação efectiva dos cidadãos, assenta enquanto ciência – expressão do pensamen-
na opacidade dos modelos convencionais to contemporâneo e o campo da acção mu-
de gestão, baseados em administrações buro- seológica – a práxis que traduz o posiciona-
cráticas, centradas no controle das funções e mento dinâmico dos museus na sociedade,
das pessoas, mais preocupadas com os face aos graves problemas com que se depa-
142 ISABEL VICTOR

ram hoje as pessoas, aturdidas pela disper- museu. O mote era – o que é ser setubalense
são, reféns da solidão. numa cidade multicultural como Setúbal.
Como se estrutura essa identidade?
Setubalense é alguém natural da cidade ou
O CASO MUSEU DO TRABALHO MICHEL não será também setubalense alguém que a
GIACOMETTI. escolheu para trabalhar, que com ela se cru-
zou ocasionalmente ou alguém que, simples-
Os projectos “Olá Vizinhos” e “Tardes mente, tem Setúbal inscrita na sua vida por
Interculturais” razões afectivas ou de sobrevivência, ou seja,
naturalidade implica identidade?
O “Olá Vizinhos” é um projecto que tem
por objectivo apreender a concepção que os A memória e a identidade são vectores
vizinhos do museu têm do mesmo. Os vizi- fundamentais da Museologia Social e as “
nhos são os moradores, os proprietários e Tardes Interculturais” fomentam o debate de
funcionários das casas comerciais. Mais uma todas estas questões, “dão palco” aos partici-
vez o Museu desenvolve um projecto no pantes, envolvem-nos na sua concepção e
qual dá voz à comunidade onde está integra- execução. As tardes interculturais como,
do para assim perceber a relação que esses “Dar à luz longe de casa – as mulheres imi-
vizinhos estabelecem ou não com a institui- grantes e a maternidade”, “Solidão”, “O Não
ção. A verificar-se a segunda hipótese, o Trabalho – condição/exclusão”, “ O Museu e
projecto torna-se ainda mais útil ao produzir o Microcrédito “, são também exemplos de
pistas para novas linhas orientadoras que acções de sensibilização e de promoção do
derrubem essa “barreira invisível”, e promo- debate sobre fenómenos tão actuais como a
vam o contacto. imigração, a solidão (sobretudo entre os
mais idosos) e o desemprego.
As “Tardes Interculturais”, que se realizam
desde 2003, resultam de um projecto igual- O Museu do Trabalho Michel Giacometti
mente votado à comunidade, que visa dar tem fundado o seu percurso de vinte anos,
voz à diversidade e palco às expressões iden- no diálogo permanente com a comunidade
titárias. No último sábado de cada mês, o e na participação, no sentido do reconheci-
museu acolhe temáticas diversificadas, re- mento por parte da comunidade da impor-
correntes e/ou actuais, que emergem do tra- tância da participação das pessoas no estu-
balho com os diferentes grupos. As Tardes do, identificação, classificação e divulgação
Interculturais versam maioritariamente as di- dos seus patrimónios materiais e imateriais.
ferentes nacionalidades, grupos étnicos e
culturais que habitam em Setúbal, como a É desta forma, procurando o diálogo per-
tarde Húngara, Cigana, timorense, Búlgara, manente com a comunidade, estimulando a
Russa, Angolana, Moçambique, China, entre participação nas acções/projectos, que o
outros, promovem um maior conhecimento Museu do Trabalho tem processado o seu ca-
desses grupos e também o encontro e a troca minho. O modelo que adoptámos baseia-se
de experiências entre os participantes, já que no diálogo com as pessoas/recurso (usando a
e importa referir, as tardes são abertas a todos terminologia de Hugues de Varine) identifi-
os públicos. cadas em cada grupo e por ele reconhecidas
como líderes (formais e/ou informais), no in-
A tarde intercultural “Ser Setubalense – tuito de criar dinâmicas de observação/
memórias e representações identitárias” é acção, aprofundadas nas relações de confi-
paradigmática do percurso trilhado pelo ança inter-pessoal e de grupo, que condu-
PARTICIPAÇÃO E QUALIDADE EM MUSEUS 143

zam a acções/reflexo inspiradoras de apren- prescindem dele e orgulham-se da sua exis-


dizagens e potenciadoras de mudança. tência.

As pessoas, de todas as idades e condições


Olá Vizinhos! inquiridas, que nunca lá entraram ou que
apenas lá foram uma única vez, têm um mu-
Metodologia e objectivos seu imaginário na sua cabeça. Descrevem-
nos minuciosamente, para o gravador, o que
Há cerca de dois anos, num verão quente, supõem que estará no museu e a forma
uma equipa do Museu do trabalho, integrada como se apresenta. Mas quando se fala sobre
no projecto “Olá vizinhos!”, resolveu sair as expectativas relativamente ao papel do
para a rua, de gravador em punho, para per- museu, conseguimos perceber que as pesso-
guntar aos vizinhos o que significava para as esperam que o museu seja um museu, ou
eles o museu, em que momentos se tinham melhor, que cumpra tranquilamente as fun-
utilizado dos seus serviços, que emoções ex- ções essencialmente preservacionistas e
perimentaram no espaço museológico, quais expositivas que lhe estão idealmente come-
os momentos mais marcantes, quais os tidas. Assim como um hospital é um hospital,
projectos mais significativos e qual a razão ou um banco é um banco, esperam que o
de, apesar de tudo, ao fim de vinte anos, ain- museu corresponda à imagem que está insti-
da fazerem tanta cerimónia. A equipa, cons- tuída. De uma forma geral, as pessoas, quan-
tituída por duas pessoas em cada saída, en- do questionadas sobre o que podem trazer
trou em todas as lojas, escritórios, agências, de si para o museu e sobre as formas de o
cafés, restaurantes, igrejas, colectividades e fazer e vantagens que daí podem advir, têm
associações das imediações. Falou com resi- imensas dificuldades em responder e mos-
dentes ou com as pessoas que diariamente tram-se descrentes sobre o valor e eficácia
estão na rota do museu, gravou centenas de do seu próprio contributo. A falta de hábitos
horas de depoimentos, para tentar perceber de participação na vida das organizações,
quais as representações, inibições e motiva- constitui um enorme déficit de cidadania a
ções face ao espaço museológico. Ficou pa- que os museus não são alheios. As pessoas,
tente que, na generalidade as pessoas interes- de uma forma geral, não acreditam que a sua
sam-se e acompanham todos os passos da participação possa influenciar as decisões.
vida do museu, mas que se sentem inibidas Estão habituados e ser espectadores/consu-
em entrar. Precisam de um motivo, de um midores e não actores/cooperantes/ deciso-
dia especial, de uma companhia, para o fa- res. Há ainda um longo caminho a fazer para
zerem. O museu ainda não está na rota dos “descolar” da ideia de Museu-produtos para
seus quotidianos. Não constitui uma priori- a meta do Museu-resultados. Só a persistên-
dade enquanto serviço. É visto como um lu- cia no terreno, em estreitos círculos de dis-
gar de saber e lazer. Algumas pessoas (vizi- cussão, a confiança mútua entre parceiros e
nhos, com estabelecimentos na área), visita- o recurso pedagógico a ferramentas auto-
ram o museu quando eram estudantes, guar- avaliativas, permitirão entender as compe-
dam a boa recordação, reconhecem-lhe mé- tências dos actores sociais e as utensilagens
rito, mas acham que agora é para os filhos, práticas e teóricas “usáveis” no museu. Os
que eles já não têm nem idade nem tempo próprios museólogos terão que praticar e er-
para ir a museus. Estamos perante uma apa- rar para aprender. É o princípio elementar
rente contradição, muitas pessoas não do aprendizado do erro que pressupõe abrir-
“usam” o museu mas querem o museu. Não se a novos modelos de participação/acção/
144 ISABEL VICTOR

avaliação em prol da melhoria contínua e parte os próprios profissionais do museu,


da mudança. que gera confiança que atrai as sinergias
para mudar.
Este projecto que designámos prosaica-
mente por: “Olá vizinhos !” , começou por Sentimos que os museus, por vezes, sem
ser um simples questionário para captar as condições para tal, se desgastam numa
representações, sensibilidades, expectativas extroversão frenética, esquecendo-se que
e constrangimentos relativamente ás acessi- também é importante criar uma espécie de
bilidades ao museu mas acabou por se reve- lastro (identidade organizacional) que con-
lar um treino de extrema importância para forta e fideliza os cidadãos-clientes conferin-
todas as pessoas envolvidas : a equipa do do-lhes espaço e tempo para uma conscien-
museu, os voluntários, estudantes de Museo- te participação. Cremos que é fundamental
logia e as pessoas inquiridas. Vencidas cara a sentir que existem organizações, como os
cara, algumas das barreiras físicas e intelec- museus, que investem nas pessoas, na comu-
tuais resultantes da falta de comunicação e a nicação interpessoal, valorizando os resulta-
ideia mitificada do museu e das pessoas que dos, independentemente do tempo
lá trabalham, as pessoas arriscaram expor-se despendido para os alcançar. É preciso tem-
e intervir com críticas e sugestões. A boa vizi- po (e tempo de Qualidade) para fazer parti-
nhança implica que o museu se torne próxi- cipar as pessoas/parceiros nos processos de
mo e vigilante, que seja de confiança, que construção e auto-avaliação. São processos
expresse claramente os seus valores e mis- lentos de aprendizagem. Só assim se opera a
são, que se dê a conhecer, que reconheça o melhoria contínua e a consequente mudan-
espaço e individualidade de cada um. As re- ça. Não pode haver mudança se não se ava-
lações de confiança, baseadas na participa- lia, se não se dá espaço a uma participação
ção, são quanto a nós, o pilar da mudança. qualitativamente diferenciada.
São processos longos de amadurecimento,
discussão e construção colectiva que exigem
tempo e permanência no terreno. As “Tardes Interculturais“

Os eventos são notados e bem vindos, mas O museu como espaço de auto-repre-
quando questionadas, constatamos que o sentação de culturas
que mais marcou as pessoas é o que persiste, O museu como placa giratória de pes-
as acções e projectos que se foram entra- soas e ancoradouro de ideias
nhando nos quotidianos de cada um. São as
acções continuadas em que as pessoas se in- As Tardes Interculturais, no Museu do tra-
tegram envolvendo esforço, aprendizagens e balho, têm-nos revelado a importância de
ganhos individuais ou de grupo, ao nível que dar palco às diferentes expressões identitári-
maior impacto têm na comunidade vizinha. as e ás problemáticas contemporâneas que
Também o reconhecimento externo e a ca- afectam as pessoas e os grupos (nomeada-
pacidade de atrair mais valias sociais e cultu- mente imigrantes) gerando fenómenos de
rais ao lugar, é factor de regozijo e esperança incomunicabilidade e exclusão. Os proces-
de mais oportunidades, sobretudo para os sos, fundados na participação, visando a
jovens. É importante inovar mas também é auto-representação das culturas (mediadas
importante permanecer, persistir, avaliar, cri- pelos seus líderes e agentes locais) ajudam a
ar lastro, para navegar e ser reconhecido. È consolidar a noção de que o museu é uma
esse reconhecimento, esse entrosamento en- construção viva e mutável. A ideia de que o
tre as pessoas da comunidade, de que fazem Museu é uma ferramenta social versátil e
PARTICIPAÇÃO E QUALIDADE EM MUSEUS 145

usável por diferentes culturas. Ajuda a con- para todas as culturas ao longo de várias ge-
solidar a ideia do museu polifónico, que rações. O mercado pode ser um bom exem-
aceita diferentes narrativas a diferentes vo- plo para pensarmos o museu, como organi-
zes, evitando os ruídos, estridência e zação de reconhecida Qualidade que funci-
cacofonia, ditados por modelos rígidos. ona para vários públicos e que está na rota
de todos os setubalenses. O mercado do Li-
Mensalmente, no último Sábado de cada vramento, assim designado, tem mais de um
mês, o museu acolhe as Tardes Interculturais, século e mantém-se actual e actuante. Trata-
abrindo-se à livre participação dos diversos se de um equipamento tradicional de reco-
grupos geracionais, socio-profissionais, as- nhecida Qualidade, que se vai adaptando e
sim como ás diferentes etnias, nacionalida- inovando ao ritmo das necessidades e ex-
des e temáticas transversais por estes sugeri- pectativas dos cidadãos-clientes, aceitando
das e priorizadas. São encontros informais no seu interior vários formatos, oferecendo
feitos “por medida” e talhados em cima do vários produtos sem contudo perder a iden-
pano, à maneira do velho alfaiate. O dese- tidade.
nho destes encontros mensais ajusta-se ás
características identitárias, modos de vida e As Tardes Interculturais, são de entrada li-
formas de expressão de cada um destes gru- vre e integram sempre uma componente
pos com expressão local. Eles são as várias gastronómica, que reflicta a especificidade
formas de ser setubalense. O seu viver e con- dos sabores de cada uso e cultura, confecci-
viver resulta de construções, adaptações, onado pelos próprios em parceria com o
hibridações , recentes ou ancestrais e museu e a colaboração de comerciantes lo-
reflecte, nos mínimos pormenores, os vários cais. Cremos que o acto de comer à mesa e
olhares sobre a cidade, o território, a paisa- aceitar provar é um momento único de
gem, os recursos, as pessoas, os patrimónios aproximação. O detalhe dos procedimentos
materiais e imateriais. Só um trabalho no ter- para a confecção dos alimentos, a receita daí
reno, com os vários líderes ou pessoas –re- resultante, distribuída a todos os comensais e
curso (como as define Hugues de Varine), as- a oportunidade de avaliar conjuntamente os
sente na observação directa e na participa- resultados, provando e comparando, consti-
ção de todos os intervenientes, permite con- tuí a metáfora perfeita dos processos de
tornar a tentação de resumir ao exótico e aos hibridação cultural e a sua celebração numa
epifenómenos as culturas e patrimónios que linguagem prazerosa e universal que dispen-
desconhecemos. Tentamos a todo o custo sa tradução. O mesmo se passa com a músi-
evitar o triste espectáculo da folclorização ca, dança e outras expressões artísticas
da cultura. Trabalhamos persistentemente, convocadas mensalmente para as Tardes
há vários anos, com as pessoas de diferentes Interculturais no Museu do Trabalho Michel
gerações, origens, condições e profissões, os Giacometti. O extenso rol de programas e tí-
aspectos comuns da vida e dos quotidianos tulos das Tardes Interculturais , constituído
no sentido de entender e captar as mais por cerca de meia centena de temas e pro-
subtis transformações, as adaptabilidades blemas, espelha Setúbal na actualidade e re-
funcionais, morais, estéticas, artísticas e exal- vela a fisionomia do seu maior recurso
tar a espantosa capacidade de gerar mudan- patrimonial – as pessoas e as suas competên-
ças e inovação nas mais pequenas coisas. É cias. As aprendizagens de natureza comuni-
disso exemplo a culinária, expressão máxi- cacional e social geradas são a sua mais-va-
ma da fusão das culturas. O mercado local é, lia e o principal input do sistema de inova-
por isso talvez, um exemplo vivo de patrimó- ção e Qualidade. As aprendizagens são trans-
nio por todos referenciado. Uma plataforma versais e vão para além dos ganhos cogniti-
146 ISABEL VICTOR

vos. Eilean Hooper-Greenhill in “Studying ria uma espécie de templo, um imenso


Visitors” (2006) diz o seguinte: locus de conhecimento, onde cada pessoa,
com as ferramentas da sua cultura, as habili-
“A necessidade de prestar contas e o ênfa- dades do seu ser e a força das suas crenças,
se em políticas sociais baseadas em evi- animasse, com os seus, à sua maneira, no seu
dências, estimularam novas abordagens à tempo, ciclos de debate, fóruns abertos a au-
medição da aprendizagem, que compre- diências globais, em “altares” híbridos de li-
endem o carácter cultural da utilização do vre criação cultural, sempre inacabados, in-
museu e utilizam explicações socio-cultu- quietantes que se renovariam a cada novo
rais da aprendizagem. Explicações que in- olhar, em cada novo fórum.
sistem que a aprendizagem em museus
vai além dos ganhos cognitivos, que não é Este Museu /Templo inominável, multifor-
apenas estimulada através das colecções me, experimental, filosófico, onde apenas a
dos museus e que, nem sempre, é intenci- mudança é permanente, aparenta fragilida-
onal ou tem um propósito definido.” de, é volátil, causa estranheza, mas revela,
como nenhum outro, a fluidez do vivido, o
As evidências dessas aprendizagens ineditismo da experiência individual e o va-
reflectem-se na forma como as pessoas se lor inigualável do que é projectado a partir
apropriam do espaço museológico e usam de cada um, numa rede infinita de parado-
as suas ferramentas de divulgação e comuni- xos, memórias e esquecimentos. Este Museu /
cação cultural. Para que tal aconteça, Templo, feito de pessoas, assumiria as múlti-
esforçamo-nos por dar a conhecer, ás pesso- plas formas dos medos e desejos dos seus
as que connosco desenham estes eventos, as actores, em espaços imaginários de repre-
regras e a especificidade do saber fazer mu- sentação. Seria como que um terreiro
seológico, no sentido de favorecer a autono- ficcional, onde se contemplam admiráveis
mia no espaço museológico e o compromis- metáforas, criadas e recriadas a partir dos
so com a missão do museu. São muitas vezes universos individuais.
as próprias pessoas que montam as pequenas
exposições temporárias temáticas associadas Este Museu / Templo da Interculturalida-
às Tardes Interculturais e que guiam os visi- de, (com)vivencial, seria (imaginemos) um
tantes da comunidade no espaço museológi- observatório privilegiado da singularidade
co. Só fazendo se aprende. Só experimen- que informa a diversidade. Um espaço ceri-
tando se vão descobrindo novos usos para o monioso de escuta. Um itinerário crítico de
museu. Só abrindo as portas à diversidade o (auto) descoberta. Uma viagem ao âmago
museu se vai remodelando, reformatando e das identidades conflitantes geradas pelas
inovando sem perder a identidade que lhe diferenciações, desigualdades, etnias, gera-
confere Qualidade, que o diferencia, que o ções, géneros, sexos e classes. Comunicar, ou
torna tão precioso como o Mercado do Li- melhor, comunicar-se entre culturas exercita
vramento, inquestionável referência a (des)codificação das formas singulares de
patrimonial da cidade Setúbal. (com)viver e de (re)contar a diversidade
experienciada. A comunicação intercultural,
desafia, produz conhecimento; opera ruptu-
O Museu Intercultural, verdade ou utopia ? ras epistemológicas, expressas em metalin-
guagens, que evidenciam estórias significati-
No limite, se o museu intercultural real- vas de vidas significantes que são, afinal, a
mente existisse, seria tão utópico e essência do Museu / Templo da intercultura-
inspirador como o seu conceito gerador. Se- lidade e o seu maior acervo
PARTICIPAÇÃO E QUALIDADE EM MUSEUS 147

As famílias, percursos e valores – re- Perguntas como, qual a constituição das


serva de memórias / património imate- famílias migrantes?; que redes sociais supor-
rial da comunidade taram essas migrações?; como se estruturava
As genealogias e parentesco como o quotidiano? como se estruturava a divisão
detonadores da memória e ferramenta do trabalho na comunidade?; que valores
da Museologia Social educacionais e religiosos estavam na base da
comunidade?; e fundamentalmente como se
Em 2007, o Museu do Trabalho Michel, por estruturavam as identidades dos migrantes e
altura do XII Atelier Internacional do dos seus descendentes?, forneceram o ponto
MINOM, inaugurou no espaço museológico, de partida ao estudo.
uma exposição designada “Varinos, nós? –
Como musealizar um sentimento “, a partir Varinos, nós ?
de um estudo aprofundado dos percursos de
vida e reconstituirão das arvores genealógi- Como musealizar um sentimento ?
cas e das relações de parentesco, de cinco A exposição - objectos, signos, signifi-
famílias tradicionais de pescadores e de ope- cações e (re)significações. Etapas, fer-
rárias conserveiras de Setúbal. Este estudo ramentas e metodologias.
foi realizado em parceria com o departa-
mento de Antropologia da Universidade Mas então, que objectos são esses que nos
Nova de Lisboa, com a participação de dois propomos apresentar nesta exposição ? Que
estudantes finalistas de Antropologia, em re- gestos ou, mais precisamente, que gestuali-
gime de estágio académico no museu. dades, os tornam significativos ? Que subtile-
zas lhes conferem emoção ? Como museali-
Os varinos de Setúbal são migrantes da zar um sentimento ... eis a questão.
Murtosa, litoral Norte português, que chega-
ram a Setúbal em finais do séc. XIX, início do O desafio era gerar novos conhecimen-
séc. XX, em demanda de melhores condições tos e suscitar inquietação relativamente a
de vida, numa cidade marítima que nessa uma categoria identitária – os varinos, em
época se encontrava em pleno desenvolvi- Setúbal, aparentemente cristalizada num
mento industrial conserveiro. Sedearam-se beco histórico. Ora, tendo como lastro o
no Bairro da Fontaínhas e posteriormente ex- aturado trabalho de campo realizado por
pandiram-se ao Bairro Santos Nicolau, tor- Marta Ferreira e Ricardo Lousa, finalistas
nando-se uma das duas principais comunida- de Antropologia da Universidade Nova de
des marítimas em Setúbal. A outra, em tem- Lisboa, em estágio académico no Museu
pos sua rival, era constituída por migrantes do Trabalho Michel Giacometti,
algarvios, litoral Sul português, que habita- procurámos transpor para uma linguagem
vam maioritariamente o Bairro Tróino. museográfica , um dos aspectos mais
marcantes deste estudo. A identificação de
O projecto baseou-se no estudo das famíli- “um sentimento varino”, algo difuso, de di-
as de varinos migrantes ou descendentes de fícil definição, desgastado pelo tempo, de
migrantes, tendo como principal objectivo que nos falam algumas pessoas, de várias
aceder às suas memórias e aos processos de gerações, ligados a famílias de origem
consolidação das suas identidades, com re- murtoseira que migraram para Setúbal des-
curso ao parentesco, ferramenta clássica da de meados do século XIX, em demanda de
Antropologia com renovada aplicação na trabalho nas pescas e nas conservas de pei-
Museologia Social. xe.
148 ISABEL VICTOR

A identificação desta identidade, tantas e funcionalidades da vida moderna, este pes-


vezes patenteada como um pitoresco “ bilhe- cador de novo tipo, cortou as amarras com
te-postal”, carece de redefinição. Carece de os estereótipos, perdeu definitivamente os si-
perguntas para as quais raramente encontra- nais exteriores de exotismo, ditados pelo ves-
mos respostas nas palavras ditas. Hoje, quan- tir, pelo falar e pelo estar. Habita hoje outro
do perguntamos aos nossos informantes, o espaço na cidade, portanto é dentro de si
que é e como se distingue um varino , repor- próprio que temos que ir descobrir o tal “
tam-se a coordenadas de espaço/tempo – al- sentimento varino “que vem à baila, quando
guém que habita algures entre as Fontaínhas nos fala da infância no Bairro Santos, dos
e o Bairro Santos Nicolau, que tem ascen- magotes de rapazes que percorriam a pé a
dentes na Murtosa e que vivia de certa ma- cidade, dos tempos passados com o pai na
neira, segundo certos princípios hoje, muito pesca, da ritualização dos costumes, do bater
difíceis de identificar e quase impossíveis de das cartas nas tabernas. É alguém que se sen-
materializar expograficamente. te filho do mundo contemporâneo, membro
da comunidade global, mas ciente e seguro
A questão está em que os tempos muda- de uma origem determinada que o engran-
ram e a ideia idealizada do pescador “bilhete dece e ancora a um passado marcante. Fa-
postal” de camisa de xadrez e boné também lou-nos do alto dos seus trinta e cinco anos
se alterou. Assim sendo, urge questionar que de idade, da enorme vontade de deixar tudo
auto-representação têm os mais jovens desta (actualmente é mestre de rebocadores), e se-
suposta identidade varina, que imagem têm guir as pegadas do pai, investir na velha em-
os setubalenses, em geral, do tão aclamado barcação da família, uma barca chamada
pescador de Setúbal . “Alice dos Santos“ (nome da avó), vezeira nas
Festas da Troia e zarpar, mar dentro, a captu-
Pergunta-se mesmo à laia de provocação rar chocos, lulas, linguados, etc., seguindo a
– constituiria motivo de interesse etnográfi- tradição da família, sem abdicar da compa-
co, pretexto fotográfico, bandeira turística nhia do moderno pc portátil que o atira para
ou tema patrimonial, um jovem pescador as velozes ondas do mundo, quando as águas
que de manhã navega no rio e à tarde do rio estão mais paradas e o peixe teima em
na Internet ? Alguém aparentemente indis- não aparecer.
tinto, que usa calças “ Lois”, polos “Lacoste “
e óculos “ Ray Ban “ cabe no nosso imaginá- Assim, voltando à questão como museali-
rio de pescador ? Em que cartografia da me- zar um sentimento, neste caso “um sentimen-
mória se inscreve este homem? Em que pai- to varino “, optámos por pedir a cada família
sagem humana o fantasiamos ? Que futuro que escolhesse um objecto significativo da
lhe vaticinamos ? E ele, como se sentirá nes- herança varina, com o intuito de apresentar
te tempo ambíguo ? cinco objectos com “estória“, de significante
memória. Surgiu um problema – homens e
Esta personagem, paradigma de muitas mulheres não convergem nessa escolha. En-
outras, não é uma ficção, tem uma existência tão mudámos as regras e combinámos expor
real na comunidade marítima local, sinteti- dois objectos por cada família, um escolhido
zada na história de vida do elo mais jovem pelos homens e outro pelas mulheres. Tam-
de uma das cinco famílias de varinos por nós bém cada família retirou do álbum as foto-
estudadas. grafias mais significativas para expormos no
museu. Tudo será legendado com a partici-
Por imposição dos tempos, por mimetis- pação dos nossos interlocutores e na sua for-
mo social, em resposta a novas necessidades ma de contar. Mas alguns, sobretudo os mais
PARTICIPAÇÃO E QUALIDADE EM MUSEUS 149

velhos, não sabem ler ... assim filmámos, para “A sociedade pós-moderna é a sociedade
acesso visual, o que nos disseram sobre os em que reina a indiferença de massa, em
respectivos objectos, as significações e gestu- que domina o sentimento de saciedade e
alidades associadas. Então, foi muito interes- de estagnação, em que a autonomia pri-
sante descobrirmos o que, nem sempre, as vada é óbvia, em que o novo é acolhido
palavras explicam. A exemplificação gestual do mesmo modo que o antigo, em que a
do uso de um simples xaile preto de merino, inovação se banalizou, em que o futuro
com franjas de seda, guardado há cerca de deixou de ser assimilado a um progresso
noventa anos, no seio de uma das mais anti- inelutável.
gas famílias, mostra-nos que este assume dis-
tintas formas de se fazer ao corpo, consoante (...) A cultura pós-moderna é descentrada
a ocasião e a disposição. Uma linguagem e heteróclita, materialista e psi, porno e
simbólica subtil, provavelmente um traço da discreta, inovadora e rétro, consumista e
identidade varina (a confirmar em estudos ecologista, sofisticada e espontânea,
comparados), reconhecido entre as mulhe- espectacular e criativa; e o futuro não
res da comunidade, passado de geração em terá, sem dúvida, que decidir em favor
geração, num vendo/fazendo quase mudo, de uma destas tendências, mas, pelo con-
que se vai entranhando. Uma memória sin- trário, desenvolverá as lógicas duais, a
gular, sedimentada nos gestos : - “o xaile para co-presença flexível das antinomias “
o dia-a-dia”, caído pelo corpo sem artifícios ;
“o xaile para festa”, alegre, descaído sobre os O Museu que se cala para escutar, que ob-
ombros ; “o xaile para a missa” e o “xaile para serva criteriosamente, que diversifica os
sentimento “ que, em sinal de respeito ou de emissores e implica as pessoas na dissemina-
luto, tapa a cabeça e aconchega a dor. ção dos patrimónios e memórias, presta,
quanto a nós, um importante serviço à co-
Os objectos nesta exposição apresentam- municação polifónica e à livre expressão do
se como que fragmentos de um “relicário” pensamento e das identidades.
de família, mote para desfiar “ estórias “, ân-
coras de memórias, contornos de um “senti- No mundo global e ruidoso em que esta-
mento varino “que talvez um dia venhamos mos mergulhados, as pessoas precisam do
a compreender. Por essa mesma razão silêncio, anseiam ser ouvidas. O museu
começámos este texto com um ponto de in- pode recuperar esse importantíssimo pa-
terrogação - Varinos, nós ? Pois assim se in- pel na sociedade, pode ser um espaço ce-
terrogam os mais jovens, surpreendidos com rimonioso de escuta, um lugar fiável e
a persistência deste epíteto, tão longe vai o inspirador, um parceiro competente e activo
tempo da varinagem ; usámos as reticências na mudança.
... em sinal de continuação.
A disponibilidade para ouvir é, quanto a
nós, uma das formas mais activas de suscitar
O Museu, espaço cerimonioso de escuta, a participação e de favorecer as expressões
contra indiferença. identitárias dos diferentes grupos na comu-
nidade. A participação manifesta-se muitas
Gilles Lipovetsky, em “ A Era do Vazio “ vezes pelo silêncio, por isso é necessário es-
(1983), um ensaio sobre o individualismo tar atento, observar, deixar fluir. Criar oportu-
contemporâneo, refere que : nidade para o debate, retomar o lugar perdi-
150 ISABEL VICTOR

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PARTICIPAÇÃO E QUALIDADE EM MUSEUS 155

2
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SOCIAL. Touché, comme bien d’autres, par les
de Política Cultural, São Paulo, Iluminuras/ enseignements de G.H. Rivière, par la
FAPESP. muséographie de Per Uno Agren, par des
échanges fréquents avec Hugues De Varine , je
suis entraîné dans le mouvement associatif,
Verón, E. & Levasseur, M. (1989) Ethnographie depuis les évènements d’Avril 74, au Portugal.
de l’exposition: l’espace, le corps et le Parallèlement, je m’associe aux rencontres
organisées par le Creusot-Montceau-les Mines ,
sens. Paris, Centre Georges Pompidou. devenu un certain temps un pôle de
convergence de muséologues à la recherche de
“ quelque chose d’autre “ : Tous contaminés
Wolf, Mauro. (1987) Teorias da Comunica-
par la vague écomuséale qui déferle en France,
ção, Lisboa, Presença dans les années 70, la muséologie
communautaire active au Mexique, le terreau
est mûr, au début des années 80 , pour une
Wolf, R.L. (1980). “A Naturalistic View of action décisive de la part de musólogues et de
Evaluation.” Museum News, pp. 39-45. non muséologues contestant le système. Ce
furent, coup sur coup, la creation de
l’Ecomusée de la Haute-Beauce – Musée
REVISTAS: territoire, légitimisé par un article de Hugues de
Varine sur “ L’Ecomusée “ (Canada, l978), des
signes de mécontentement sporadiques au sein
Bitgood, S., ed. Visitor Behavior: A de Conférences générales de l’Icom (Mexico,
Publication for Exhibition-Type Facilities. Londres), la convergence spontanée de “
nouveaux muséologues “ au Québec (1984),
Jacksonville: Center for Social Design.
puis au Portugal , en 1985, pour la fondation
du mouvement. La référence à la Déclaration
Bitgood, S., et al, ed. Visitor Studies: Theory, de Santiago du Chili (1972) devient le prétexte
de légitimisation auprès de la communauté
research, and practice. Proceedings of the muséale internationale des partisans du
Annual Visitor Studies Conference changement qui ,étonnament, recevra l’aval de
l’Exécutif de l’ICOM sous forme d’une
Jacksonville:Center for Social Design.
organisation affiliée: On découvre l’ampleur
historique et territoriale des principes qui
Screven, C.G, and Shettel, H.H., editors. ILVS régiront çle mouvement à travers la révélation
des expérioences des deux continents
Review: A Journal of Visitor Behavior. Américains., un fil d’Arianne qui n’a rien de
Milwaukee: ILVS. linéaire, dont les tenants et aboutissants
s’entrecroisent, s’ entremêlent, pour place à
une philosophie de la “gestion de la
Notas compléxité des représentations sociales“ .
1
O Museu do Trabalho Michel Giacometti é um Reprenant la suggestion de John Kinard sur la
museu temático, criado em 1987, sob tutela do creation du forum catarsys, les tendances plus
município de Setubal. Inicialmente designado récentes de grandes institutions muséales à se
por Museu do Trabalho, veio a assumir o nome de transformer en agoras ( place d’idées, place
Michel Giacometti, após a morte do marchande confondues ), nous asssistons au
etnomusicólogo corso, que dedicou grande parte passage progressif du concept de l’écomusée,
da sua vida ao estudo da cultura portuguesa e réactualitsé, à travers ses différentes
que coordenou, após a revolução de Abril de générations, au concept intégratif de Musée-
1974, a recolha da colecção Etnográfica que este- Forum-Agora social, faisant la part égale à
ve na génese do museu. O museu está hoje insta- l’exposition et au débat citoyen. Cette
lado numa antiga fábrica de conservas de peixe, transmutation, déjà sensible à Santa Cruz de
simbolo da industria que marcou a história e me- Rio , apparaîtra avec évidence à Setubal lors du
mória da cidade. O Programa museológico é da 12e Atelier international du MINOM.
autoria de Ana Duarte, Fernando António Pierre Mayrand, 25 de Abril de 2008, in “
Baptista Pereira e Isabel Victor e o projecto de Musealogando – blog Museologia Social, http://
arquitectura da autoria de Sérgio Dias. www.musealogando.blogspot.com/
ARTIGO
3
Museus, Exposições e Identidades:
os desafios do tratamento museológico do patrimônio afro-brasileiro.

n MARCELO NASCIMENTO BERNARDO DA CUNHA

A
INTRODUÇÃO

M
Minhas experiências nos últimos anos, à frente da Coordenação do Museu
Afro-Brasileiro da Universidade Federal da Bahia, e como docente da discipli-
na Laboratório de Cultura Africana e Afro-brasileira, no curso de graduação em
Museologia desta mesma Universidade, entre outras experiências, evidencia-
ram a necessidade de reflexão sobre formas de patrimonialização e processos
expositivos de elementos relativos às culturas africanas e afro-brasileiras, no
Brasil, pois é perceptível, no sistema de representações, incluindo os museus, a
propagação de discursos e imagens sobre a presença de heranças negras na
formação da chamada “cultura nacional” marcados por repetição de lugares
comuns, conceitos e preconceitos, reduzindo e desqualificando a importância
da presença de matrizes africanas na construção das nossas formas de vida,
trabalho, sensibilidades, etc.
158 MARCELO NASCIMENTO BERNARDO DA CUNHA

Minhas experiências nos últimos anos, à grupos nos movimentos sociais, produzindo
frente da Coordenação do Museu Afro-Brasi- pressões que levam ao redimensionamento
leiro da Universidade Federal da Bahia, e de propostas e práticas institucionais, bus-
como docente da disciplina Laboratório de cando garantir a manutenção e justificativa
Cultura Africana e Afro-brasileira, no curso da existência de suas memórias. Mesmo as-
de graduação em Museologia desta mesma sim, e talvez por isso mesmo, é clara a resis-
Universidade, entre outras experiências, evi- tência dos museus no redimensionamento
denciaram a necessidade de reflexão sobre de suas práticas e abordagens, verificando-se
formas de patrimonialização e processos defasagem muito grande no que diz respeito
expositivos de elementos relativos às cultu- a discursos afirmativos que explicitem os va-
ras africanas e afro-brasileiras, no Brasil, pois lores de grupos historicamente colocados à
é perceptível, no sistema de representações, margem na sociedade e nos seus mecanis-
incluindo os museus, a propagação de dis- mos de representação simbólica.
cursos e imagens sobre a presença de heran-
ças negras na formação da chamada “cultura A ação preservacionista como um todo, e
nacional” marcados por repetição de luga- as práticas museológicas, em particular, con-
res comuns, conceitos e preconceitos, redu- figuram-se como uma apropriação de reali-
zindo e desqualificando a importância da dades que implicam na produção de ima-
presença de matrizes africanas na constru- gens e referências de memórias. Tais opera-
ção das nossas formas de vida, trabalho, sen- ções e jogos operados no tratamento
sibilidades, etc. patrimonial, produzem formas e modos de
rememoração, ao mesmo tempo em que
De forma geral, manifestações culturais produzem efeitos e exercícios de esqueci-
de origem ou influência africana são trata- mento. Portanto, na dialética das culturas e
das e apresentadas em recortes turísticos e no processamento histórico das referências e
folclorizadores que camuflam a força e o práticas culturais, Museus e Exposições cons-
sentido dessas manifestações na vida brasi- tituem-se como campos abertos para exercí-
leira. Podemos entender tal questão quando cios de trocas simbólicas, jogos de poder e
consideramos que exercícios de preservação de referências culturais, como campos privi-
e patrimonialização estão relacionados ao legiados de lutas e negociações nas práticas
modo pelo qual matrizes culturais são histo- sociais, em embates entre os diversos grupos
ricamente construídas, sistematizadas e sócio culturais constituídos e seus interesses
selecionadas, percebidas, e às formas pelas coletivos e específicos.
quais cada sociedade pretende representar-
se e identificar-se. Sendo o Brasil, historica- Expor é revelar, comungar, evidenciar ele-
mente ávido por branqueamento e constru- mentos que politicamente precisam ser
ção de auto-imagens européias, são produzi- explicitados, em uma perspectiva relaciona-
dos discursos marcados por visões da a um momento histórico, uma produção
eurocêntricas na formulação de uma estética, um ideal político. O Museu é ele-
pretensa cultura nacional, discriminando mento de propaganda ideológica através de
culturas negras ou culturas de negros. imagens e objetos, visando fabricar uma ima-
gem ideal1 da realidade e suas dimensões.
A questão da representação de grupos cul- Logo, ao analisarmos exposições museológi-
turais ditos tradicionais, em museus ou qual- cas e as representações nelas recorrentes, é
quer outro meio de difusão, tem estado na necessário entender a construção destas re-
ordem do dia como resultado do maior presentações como um processo histórico,
acesso e participação de membros de tais buscando compreender também, a aborda-
MUSEUS, EXPOSIÇÕES E IDENTIDADES 159

gem baseada nas imagens oficialmente cons- negro – traz em seu contexto desdobramen-
truídas, e conseqüentes inclusões e exclusões tos de grupos culturais, a realidade nacional
realizadas. expõe contextos extremamente plurais de
referências culturais, fundindo-se em novos
Os processos de exclusão social ocorridos agrupamentos culturais, mas também con-
na formulação da nação brasileira e de sua servando traços referenciais antigos e lon-
identidade nacional, utilizando a cultura gínquos, em ambiente onde a tradição e a
como ferramenta operacional, fundamenta- inovação dialogam permanentemente, em
ram-se na idéia de depuração do “cenário”, fusões e rupturas, acréscimos e exclusões.
de limpeza, organização e classificação das Daí a necessidade de passar da idéia de Iden-
suas referências nativas, portuguesas, africa- tidade Nacional Brasileira monolítica, ho-
nas, com a idealização das narrativas em tor- mogênea, para a idéia de Identidades Brasi-
no destes contingentes, e mitificação de al- leiras, de Culturas Brasileiras, resultantes de
gumas participações e presenças heróicas conflituosos encontros desenvolvidos ao
das três raças ao longo da nossa história. longo de 500 anos. Para esta operação ficam
evidentes o papel e a importância dos patri-
Neste processo está implicada a contínua mônios nacionais, que devem ser entendidos
determinação de papéis de destaque e de como
subordinação, a existência de indivíduos que
vencem e outros que são vencidos, grupos [...] o lugar onde melhor sobrevive hoje a
que constróem e outros que supostamente ideologia dos setores oligárquicos [...]
impedem o amplo desenvolvimento da na- existe como força política na medida em
ção, decorrendo um discurso maniqueísta e que é teatralizado [...] O mundo é um
manipulado em torno de histórias nacio- palco, mas o que deve ser representado
nais. Na perspectiva oficial de nacionalidade já está prescrito. As práticas e os objetos
homogênea, a diversidade e a pluralidade valiosos se encontram catalogados em
podem significar riscos para imagens ideali- um repertório fixo. [...] Por isso as noções
zadas construídas para a Nação, com conse- de coleção e ritual são fundamentais
qüente ameaça a poderes e lugares instituí- para demonstrar vínculos entre cultura e
dos. A idéia de homogeneidade traz consi- poder.2
go, normalmente, um processo de subordi-
nação, de exercícios de poder de um certo Nesta perspectiva, o museu exerce papel
grupo que opera conceitos e práticas ofici- de grande importância, como espaço institu-
ais da sociedade em detrimento de outros cional destinado à apresentação ritualizada
grupos, subordinados e inferiorizados no das culturas, palco para a sua exibição e en-
quadro das referências culturais e das deci- cenação, em que celebram-se valores elei-
sões e definições. tos como representativos de nacionalidades
e de culturas nacionais constituídas por eli-
No quadro do que é identificado como tes dominantes e seus simpatizantes. Neste
cultura nacional temos, pois, de estar atentos processo percebemos que o século XIX foi
para a complexidade de sua constituição/re- essencial, quando se desenrolaram ações es-
constituição, que implicam na diversidade, pecíficas, com estabelecimento de paradig-
pluralidade, contradição e mesmo oposição mas fundamentais na definição, proteção e
de referências, contextos, indivíduos e seus socialização de traços culturais entendidos
interesses. No Brasil, país formado por diver- como patrimônio da civilização ocidental,
sidade étnica muito grande, em que cada um estabelecendo-se vários Espaços de Memória
dos segmentos consagrados – índio, branco e com o objetivo de marcar e definir os ele-
160 MARCELO NASCIMENTO BERNARDO DA CUNHA

mentos constituintes de Nações que surgiam seado em conceitos elitistas de história,


e/ou afirmavam-se. povo, língua, cultura e arte, são evidentes as
dificuldades de introduzir elementos da cul-
A lógica de exaltação de determinadas tura material e sensível de povos considera-
práticas e grupos sócio culturais, em detri- dos primitivos, sem história e sem arte, se-
mento de outros, justificaram inclusive, todo gundo idéias dominantes na época, sendo
o processo de expansão colonizadora do utilizadas formas de exclusão e/ou
Ocidente cristão como forma de propiciar folclorização e manipulação de referências
processos civilizatórios para grupos consi- culturais de grupos como os afro-descen-
derados inferiores, primitivos e a-históricos, dentes, por exemplo. O problema de cons-
em um projeto justificado por discurso trução de imagens de progresso e moderni-
messiânico no qual os conflitos decorrentes dade e do projeto nacional baseado em pa-
do confronto de culturas e as conseqüências radigmas referentes à civilização européia
devastadoras destas intervenções foram ab- tornou-se evidente devido à presença de
solvidos pelos alegados benefícios espirituais matrizes culturais consideradas inferiores e
e intelectuais dele decorrentes. A mão civili- incivilizáveis.
zatória e confiscatória justificava-se, por seu
caráter benemérito e supostamente desinte- Tal discurso vigente no Brasil, desde o sé-
ressado. culo XIX, foi projetado para o XX e, mesmo
após surgirem idéias questionadoras destas
Desde momentos iniciais desta expansão noções racistas, firmaram-se no imaginário
ocidental houve grande interesse pela cultu- social, não somente entre pessoas considera-
ra material de povos e países colonizados, das despreparadas, mas, inclusive, e talvez
que gerou a criação de museus etnográficos, principalmente, como parte do pensamento
acarretando prejuízos para grupos de inte- das elites brasileiras, ecoando até hoje, em
resse para a etnografia e a ciência da época, vários discursos, de forma explicita ou implí-
com a ação violenta de retirada de elemen- cita. À cultura branca com raízes européias,
tos de suas culturas materiais, que eram envi- considerada superior e civilizada, opunham-
ados para Institutos de Pesquisa e Museus se a cultura indígena autóctone e a cultura
etnográficos europeus em formação negra, consideradas inferiores, selvagens e
bárbaras. Em tal situação produziam-se dis-
No caso do Brasil, o surgimento de uma cursos que passavam pela confrontação de
nação livre, no século XIX, implicou a forças e pela necessidade do estabelecimen-
(re)construção de imaginários e referências to de estratégias de controle e regulação que
que a sustentassem e a justificassem, crian- atenuassem o problema da formação étnica
do-se espaços de produção e sistematização brasileira, definindo a predominância de tra-
de conhecimentos, com a definição de ce- ços culturais de origem européia para a
nários, atores e enredos para a obra que era formatação da nacionalidade brasileira. O
inaugurada, sendo importantes os Institutos preconceito sobre as manifestações culturais
Geográficos e Históricos, as Escolas de Direi- de origem africana produziu imaginário so-
to e de Medicina, bem como os Museus, es- cial discriminatório, gerando novos e inter-
paços em que o perfil ideal do Brasil e do mináveis preconceitos e intolerâncias, base-
Homem Brasileiro era estudado, forjado e ados no desconhecimento efetivo das carac-
apresentado ao público. terísticas essenciais destas culturas.

No projeto de construção da Nação e da Ainda no quadro das tensões em torno da


Identidade e Cultura Nacional brasileira, ba- formação étnica brasileira, torna-se perceptí-
MUSEUS, EXPOSIÇÕES E IDENTIDADES 161

vel que na impossibilidade de exclusão ou exotiza, exorciza e infantiliza as culturas dos


mascaramento das presenças afro nas cultu- grupos ditos populares, rurais, tradicionais.3
ras brasileiras foram constituídas estratégias
diversas para dissimular traços destas cultu- Considerando a importância dos museus
ras, com recorrência a artifícios como a no quadro das instituições responsáveis pela
folclorização e fetichização. Neste contexto construção e difusão de imaginários nacio-
a preservação / patrimonialização estabele- nais, e a questão conflituosa da negação do
ceu-se como ferramenta de grande impor- negro na sociedade brasileira, podemos in-
tância no processo de seleção para a formu- dagar sobre o que tem sido exposto nas ex-
lação e estabelecimento de imagens acerca posições que tratam de culturas afro-brasilei-
da cultura nacional. A necessidade de defi- ras, ou culturas africanas e sua presença na
nir lugares específicos para as expressões cultura ocidental.
culturais e seus agentes produziu uma siste-
matização da cultura, estratificando manifes- No quadro das construções simbólicas em
tações e testemunhos, valorando-os a partir museus e exposições brasileiros acerca da
de padrões, paradigmas e estereótipos e pro- inserção de culturas africanas nas culturas
duzindo tipologias diferenciadas de locais brasileiras podemos perceber recorrências.
de preservação. A primeira está relacionada ao fato de que
raras são as exposições, entre nós, voltadas à
Surgiram determinados espaços, alternati- apresentação de culturas africanas e afro-
vos, para expressões consideradas à margem, brasileiras, que quando aparecem são trata-
ou fora do pretendido nível para a qualidade das como apêndices de narrativas em que
da cultura nacional. Categorias como folcló- predominam o referencial e o capital simbó-
rico e etnográfico transformaram-se em pon- lico relacionados a visão de mundo pautada
tos de direcionamento para elementos que em valores do ocidente branco e “civiliza-
setores dominantes pretendiam deslocar do do”. Esta omissão de tratamento está relacio-
foco da cultura oficial. A qualidade de fol- nada ao modo como é construída e aborda-
clórico, por exemplo, passou a destinar-se da a relação histórica e cultural entre Brasil e
para a produção dita popular, no sentido de África, em que há um tratamento que apre-
inferiorização que a idéia de cultura popular senta as culturas africanas como manifesta-
passou a ter, associada basicamente a negros ções que tangenciam as culturas brasileiras,
e pobres, em comparação, de forma parcial sem que seja afirmado, de forma categórica,
e interessada, com a cultura escolar e erudi- que estamos falando de uma das bases essen-
ta, de herança européia e notadamente bran- ciais da pretendida cultura nacional.
ca, percebendo-se ainda a tendência de pen-
sar o folclore e a cultura popular como ma- Ainda sobre imagens e discursos apresen-
nifestações extintas ou em vias de extinção, tados sobre a África identificamos referênci-
culturas pensadas como culturas mortas, ar- as em perspectiva romantizada, naturalizada
caicas, reservadas a momentos específicos, e racializada, nos moldes dos naturalistas e
aos círculos de estudos acadêmicos e de cientistas de fins do século XIX e inícios do
amadores bem intencionados. A força das XX, ou referências a um continente atrasado,
culturas populares, como fruto das organiza- povoado por sujeitos incapazes de decidi-
ções comunitárias, é reduzida a imagem de rem sobre seus destinos e caminhos. Imagi-
algo pensado como frágil, porque diferente nários que nem sempre se apresentam de
do imaginário oficial de referências e práti- forma explícita, mas sub-repticiamente em
cas culturais “bens estruturadas”. Na verdade, discursos que insistem em uma África no
uma atitude política e bem definida que pretérito, marcada por culturas tradicionais,
162 MARCELO NASCIMENTO BERNARDO DA CUNHA

nas quais tecnologias e modos de viver esta- lavouras e serviços da casa-grande, deixan-
riam classificados em estágios de primitivos do-se de lado vários outros setores em que
a retardados. Não encontramos exposições negros tiveram presença marcante, como
que apresentem referências contemporâneas nas chamadas artes e ofícios, produzindo
do continente, na sua complexidade decor- objetos para a sociedade civil e religiosa.
rente dos diversos momentos históricos, des- Não encontramos, em nenhuma exposição
de o período pré-colonial até a atualidade. de arte sacra cristã colonial, informações so-
bre a vasta participação de negros e mestiços
Esta visão de uma África marcadamente na sua produção.
tradicionalista, que alia tradição à manuten-
ção invariável de usos e costumes, sem histo- Os discursos costumam ser elaborados em
ricidade, é acompanhada da visão que apre- perspectiva comparativa, utilizando-se termos
senta o continente africano como um bloco classificatórios que enfatizam características da
homogêneo, sem que sejam considerados e produção de cultura material de africanos e
explicitados sua diversidade sociocultural, protagonistas das diásporas negras, através de
política e étnica. Tal construção simbólica adjetivos como ingênuo, rudimentar, elemen-
repete-se, em afirmações ou silêncios, nas tar, primitivo, selvagem. Supostas superiori-
salas de exposição. A visão homogeneizada dades são evidenciadas a partir da monta-
do continente africano transferiu-se para as gem de cenários que contrapõem hábitos e
imagens e imaginários construídos em torno costumes do mundo dito civilizado e supe-
da presença de africanos no Brasil, sem a rior a outros que apresentam traços consi-
consideração da ampla diversidade de gru- derados como reveladores de inferioridade.
pos étnicos, manifestações culturais e tradi-
ções que aqui aportaram, ocorrendo tam- Através de gravuras, objetos e documentos
bém a construção de imaginário sobre a su- escritos, predominam referências a castigos
perioridade iorubana que, somente nos últi- e controle dos escravos, produzindo imagi-
mos anos, começou a ser questionada, com a nários de desobediência de negros, como re-
emergência de estudos e movimentos volta- ações pessoais aleatórias, no entanto, não se
dos para explicitar a forte presença de gru- fala sobre as estratégias de reações individu-
pos bantofones no Brasil e a decorrente pe- ais e comunitárias, organizadas desde o inte-
netração de elementos culturais destas etnias rior das senzalas, passando pela casa grande
na formação das nossas culturas. e ganhando ruas, citando-se o movimento
quilombola, mas de modo reduzido, em re-
Outro fator presente nas salas de exposi- corte focado no Quilombo dos Palmares,
ção brasileiras é a localização dos negros no sem que sejam explicitadas características
passado, cumprindo papéis relacionados ao destes movimentos. Esta ausência de desta-
período colonial e imperial, basicamente na que a movimentos associativos ocorridos en-
lavoura monocultora, omitindo-se a impor- tre negros escravos e libertos, na sua diversi-
tância de escravos e libertos no âmbito do dade de configurações e objetivos, é quebra-
sistema econômico brasileiro como um da com considerações sobre algumas irman-
todo, em uma sociedade, que se estabeleceu dades, mas ainda assim, sem aprofundamen-
e manteve em relação de dependência total to sobre as dinâmicas e importância destas
com mão de obra negra cativa. Na aborda- organizações.
gem da participação de negros nos diversos
setores da sociedade brasileira, observamos No âmbito dos enfoques referentes às reli-
que existem lugares específicos de represen- giosidades encontramos apresentações que
tação, enfatizando-se o trabalho braçal das não exploram a complexidade e diversidade
MUSEUS, EXPOSIÇÕES E IDENTIDADES 163

dos mitos e ritos africanos, sua transposição Esta complexidade leva, geralmente, a
para o Brasil e o surgimento de novas estru- que documentos das culturas africanas e das
turas, criadas para dar conta de novas situa- diásporas sejam interpretados e apresenta-
ções e necessidades locais. O tratamento é dos, recorrentemente, pelo prisma da
marcado por um recorte que apresenta na etnologia e antropologia. Quase nunca en-
maioria das vezes, divindades iorubanas, contramos reflexões sobre o potencial histó-
destacando-se, por vezes, algum líder religi- rico e artístico destes acervos que, quando
oso, influente em determinado local, sem muito, são apresentados como complemen-
que, no entanto, sejam esclarecidas questões tares - ou de oposição –, a objetos históricos
relacionadas à estrutura e organização religi- e artísticos pertencentes a de sistemas cultu-
osa de caráter afro-brasileiro e o importante rais forjados a partir de idéias, conceitos e
protagonismo de tais líderes comunitários visões de mundo ocidentais, europeizadas.
religiosos. Exposições parecem não estar articuladas
aos avanços que têm sido observados, nos
O sincretismo religioso afro-brasileiro é últimos anos, na produção historiográfica
tratado como operação de subordinação ao sobre o continente africano, sua história, seus
universo judaico cristão, e não como estraté- povos e culturas e ainda sobre o Brasil e as
gia ardilosa de sobrevivência e simulação de várias dimensões da presença de tradições e
imaginários e práticas religiosas. Por outro culturas africanas, registradas através do patri-
lado, os terreiros de candomblé não são mônio artístico / cultural e na história do Bra-
abordados como espaços de resistência que sil. Vários discursos identificados em salas de
possibilitaram, através de suas dinâmicas, a exposição sobre o tema, já encontram-se de-
preservação de sínteses de elementos cultu- fasados em relação ao que vem sendo divul-
rais africanos transplantados para o Brasil. gado e discutido em outros contextos, como
periódicos publicados em vários centros de
Uma questão que chama bastante atenção ensino e pesquisa no Brasil e exterior.
sobre as exposições é o fato de que apesar de
estarem tratando de culturas nas quais ritmos Decerto não podermos esperar que os
e sonoridades são de extrema importância museus atualizem, permanentemente, os
como veículos de comunicação, raras são as conteúdos de suas exposições, mas devem
que utilizam o recurso de sonorização do am- buscar a atualização de seus discursos, lan-
biente, prevalecendo espaços expositivos si- çando mão de uma infinidade de recursos
lenciosos, ainda que com presença de instru- expográficos, que em diálogo com os objetos
mentos musicais em suas bases e vitrines. Esta expostos reforcem os sentidos dos temas tra-
questão serve para indicar que o tratamento tados e colaborem para maior entendimento
expográfico destas culturas, constitui em si do que é apresentado. Registros cinemato-
mesmo um desafio, pois estas se desenvolvem gráficos e sonoros, por exemplo, certamente
em estruturas complexas, que incluem uma in- ampliam a percepção do público em rela-
finidade de elementos que se inter-relacionam ção aos elementos culturais que são aborda-
em contextos de performances e diálogos en- dos e expostos, atenuando a distância e
tre diversas estruturas materiais, imagéticas e hermeticidade da apresentação de objetos
mentais, em jogos de cor, ritmos e interações. deslocados de seus contextos.
Esta situação traz para o museólogo, o desafio
de articular, na exposição, objetos e sentidos Por outro lado é necessário que os museus
que se encontram inteiramente desterritorali- e suas coleções sejam vistos como espaços
zados, deslocados e reinterpretados, quando que podem contribuir com o trabalho do his-
apresentados nas salas de museus. toriador, do antropólogo, do etnólogo, do
164 MARCELO NASCIMENTO BERNARDO DA CUNHA

artista, entre outros, uma vez que os objetos ções e em diversos países, permitindo refletir
depositados em suas reservas técnicas ou sa- sobre a historicidade das mesmas, conside-
las de exposição, são ricos indicadores de rando que as exposições são resultado de
evidências históricas, que podem permitir a múltiplas conjunturas institucionais. Traça-
recuperação de sentidos essenciais para a remos aqui algumas considerações sobre al-
compreensão das trajetórias dos diversos gru- gumas das instituições analisadas na cidade
pos sócio-culturais no contexto brasileiro. de Salvador.

Museus e exposições surgiram, e têm ser- MUSEU AFRO BRASILEIRO - UNIVERSIDADE


vido, ao longo do tempo, como veículos de FEDERAL DA BAHIA / CENTRO DE ESTUDOS
afirmação de discursos para a dominação, AFRO-ORIENTAIS.
como centros produtores e difusores de idéi-
as através de textos, objetos e imagens, sele- Criado em 1974, a partir de um Programa
cionados, clivados e preservados, na medida de Cooperação com Países Africanos, tendo
dos interesses de grupos detentores do poder como atribuições, tratar da contribuição afri-
de afirmação e manutenção de referenciais cana na formação cultural brasileira, expli-
patrimoniais oficiais. Buscando reverter este cando processos aculturativos no Brasil; pro-
quadro, têm sido desenvolvidas iniciativas já duzir descrições etnográficas dos povos afri-
há algumas décadas, provocando novas canos, propiciando a coleta, restauração e
perspectivas de seleção, preservação e exibi- preservação de bens culturais afro-brasilei-
ção de traços culturais desprezados, trazen- ros e incentivar o artesanato e outras mani-
do à cena novas narrativas e atores sociais, festações culturais de origem ou de inspira-
até então relegados a segundo plano, surgin- ção africana. Seu acervo foi composto de
do diversificação de tipologias institucionais peças africanas, basicamente da região da
e formas de realizar exposições, abrindo bre- costa ocidental africana e peças afro-brasi-
chas para introdução de conteúdos antes leiras, relativas às práticas religiosas e cultu-
impensáveis como passíveis de preservação rais da cidade de Salvador.
e exposição.
O anúncio da sua criação e instalação no
Entre tais iniciativas podemos apontar a prédio onde havia funcionado a primeira
reestruturação do Museu Afro-Brasileiro da Faculdade de Medicina do Brasil provocou
Universidade Federal da Bahia, o surgimento protestos de professores e ex-professores da
do Museu Afrobrasil, em São Paulo, o proje- Faculdade de Medicina, e desencadeou um
to de reestruturação do Museu da Abolição movimento em que solicitavam que as insta-
em Recife e o projeto de criação do Museu lações fossem destinadas exclusivamente a
Nacional da Cultura Afro-brasileira, em an- unidades relacionadas à Medicina, contes-
damento em Salvador. Projetos institucio- tando a presença do Museu naquele prédio.
nais que podem ser encaradas como desdo- Tal situação fez com que fosse inaugurado
bramentos dos debates iniciados já há alguns somente em 1982.
anos, pelas ações do Movimento Negro e po-
líticas afirmativas. A reação da Congregação de Medicina à
presença do Museu neste edifício manteve-
Em pesquisa realizada de 2002 a 20054 se mesmo após sua abertura, e mantem-se
para analisar discursos expositivos sobre cul- até hoje, ainda que ocupando área
turas africanas e afro-brasileiras, observamos reduzidíssima (400 m2 ) em relação a que fora
permanências ou transformações nas abor- inicialmente prevista - o conjunto arquitetô-
dagens apresentadas, em diferentes exposi- nico, com cerca de 11.000 metros quadrados.
MUSEUS, EXPOSIÇÕES E IDENTIDADES 165

Sua exposição inaugural foi estabelecida dos primeiros blocos afros. O Museu passou
como “Módulo Inicial” a ser expandido – a ser ponto obrigatório em visitas oficiais re-
fato que nunca ocorreu. A exposição atual, alizadas a Salvador (a exemplo de ministros
inaugurada em 1999, resultante de reestrutu- e chefes de Estado), atendendo a estudantes
ração iniciada em 1995, tem a seguinte pla- através de seu Programa Museu-Escola, e
nificação: como local para manifestações culturais,
lançamento de livros, exposições temporári-
1ª sala: África: Apresentação da África (ma- as de artes plásticas e desfiles de moda, de
pas: geofísico, da África pré-colonial, da Áfri- grupos organizados e indivíduos da comuni-
ca colonial e contemporânea e do tráfico de dade baiana.
escravos), mapa de localização da proveni-
ência do acervo; apresentação de elementos Malgrado sua importância, no final da dé-
da cultura material africana nos módulos: cada de 90 apresentava deterioração das
metalurgia, cerâmica, esculturas e máscaras, suas instalações, com necessidade evidente
vestes – tecelagem, objetos proverbiais, ins- de atualização de seus recursos expográfi-
trumentos musicais, lazer. cos, bem como da sua abordagem conceitu-
al. Em 1995 foram iniciadas ações para a sua
2ª Sala – Reinos africanos: Reinos Bantos; reestruturação e novamente, ao se desenvol-
Reino do Benin. ver este projeto, ocorreram protestos, por
parte da Congregação da Faculdade de Me-
3ª Sala - Religiosidade afro-brasileira: in- dicina da UFBA, quanto à sua permanência
formações sobre a vinda dos negros para o no prédio. Sua trajetória revela que o Museu
Brasil; nações religiosas do candomblé, di- sempre esteve prejudicado pela falta de po-
vindades da religiosidade afro-brasileira; fer- lítica para os museus da Universidade Fede-
ramentas litúrgicas e insígnias; fotos/referên- ral da Bahia, ficando evidente que diversas
cias de pais e mães-de-santo; bonecas “mini- contingências marcaram e moldaram as
aturas de orixás”. suas abordagens conceituais e expográficas.

4ª Sala – Obra do artista Caribé: 27 ta- Ao considerarmos suas exposições, perce-


lhas retratando orixás. bemos que a idéia de apresentar a diversida-
de cultural do continente africano, bem
Já no momento de sua criação, a impor- como das sociedades afro-brasileiras, jamais
tância do Museu foi reconhecida pelo povo- foi concretizada, dada a inexistência de
de-santo, por grupos de capoeira, blocos acervos e espaço físico suficiente para tal,
afros entre outros segmentos da comunidade bem como a dificuldade inerente ao trata-
negra baiana que doaram peças para com- mento de tal tema, por sua complexidade e
por o seu acervo. Por outro lado, sua criação abrangência, aliada à falta de pesquisadores
era sinal do interesse crescente nos meios especialistas para a interpretação e comuni-
acadêmicos e sociedade civil, pelo estudo cação dos conteúdos da totalidade do seu
de culturas africanas e afro-brasileiras e pela acervo.
representação da sua importância no quadro
da sociedade local e brasileira. O contexto Nos três projetos5, é sentida uma aborda-
da década de 1970 foi de grande importân- gem muito forte das referências à cultura
cia para a valorização das comunidades material, com módulos enfocando determi-
afro-descendentes no Brasil, ocorrendo na nadas tecnologias, sendo mais difícil, no en-
Bahia o fortalecimento do Movimento Ne- tanto, abordar e tratar referenciais das cultu-
gro, entre outras ações com o surgimento ras sensíveis, as chamadas culturas
166 MARCELO NASCIMENTO BERNARDO DA CUNHA

imateriais. Máscaras e esculturas, por exem- Na atual exposição do Museu Afro Brasi-
plo, marcam presença na exposição sem leiro houve tentativa de fugir da abordagem
menções ou configurações dos rituais, dan- do sincretismo, ou ao menos atenuá-lo, ape-
ças e cerimônias aos quais cada uma dessas sar de que para algumas divindades, como
máscaras se destinava ou se destina. Oxalá e Iansã6, isto seja muito difícil. Fugir
da abordagem recorrente do sincretismo en-
Analisando esta exposição percebemos tre catolicismo e candomblé, não está ligado
ausência de abordagens e referências aos a uma vontade de negá-lo e desconhecê-lo
movimentos de afirmação de identidades enquanto prática secular do encontro de
ocorridos ao longo dos séculos, dos movi- culturas, crenças e valores europeus e africa-
mentos quilombolas às políticas públicas nos, mas ao desejo em refletir sobre movi-
atuais e suas conseqüências. No projeto da mentos atuais nas comunidades afro-brasi-
atual exposição constava sala com referênci- leiras pela afirmação de suas culturas, sem a
as às lutas dos africanos na Bahia, com desta- necessidade de utilização de elementos es-
que para momentos chave na articulação tranhos para a sua legitimação ou para a
social, como formação de irmandades, gru- construção de discursos necessários no pas-
pos civis e resistências organizadas. No en- sado e inteiramente prescindíveis na atuali-
tanto, apesar de todo estudo ter sido realiza- dade.
do para a sua execução, a sala destinada
para tal módulo foi perdida nas negociações O projeto tentou tratar de aspectos das re-
com os representantes da Faculdade de Me- ligiões afro-brasileiras sem, necessariamente,
dicina, por ocasião dos últimos acertos para falar de catolicismo, ficando evidente, no
a permanência do Museu no prédio, na dé- entanto, que, para além de desejos conceitu-
cada de 90. Perda imensa para a exposição, ais e mesmo da vontade e orientação de cor-
comprometendo o conteúdo de sua narrati- rentes políticas da organização civil e religi-
va histórica. osa afro, as dinâmicas culturais são comple-
xas e o processo de sincretismo mantém-se
Em contrapartida, há questões que se dis- com novas perspectivas e utilizações, fazen-
põem de forma interessante na exposição, do sentido, ainda, para um grande número
como a busca pela fuga aos estereótipos, que de pessoas do culto religioso de matriz afro,
são comuns e recorrentes em exposições bem como ao chamado catolicismo popular,
deste tipo, como, por exemplo, a ênfase nor- indicando um caminho de mão dupla, nas
malmente atribuída às indumentárias utiliza- relações e permanências culturais locais,
das pelos iniciados durante as cerimônias de onde estão envolvidos católicos e “povo de
candomblé, enfatizando-se cromatismos santo”.
previamente estabelecidos para as represen-
tações das divindades. Na exposição atual, Podemos argumentar que alguns dos pro-
buscou-se trabalhar com questões mais blemas sofridos pelo Museu Afro Brasileiro
abrangentes e singularizadoras para o trata- da Universidade Federal da Bahia, em sua
mento das divindades. Por exemplo, nesta trajetória, estão relacionados a pensamentos
exposição, a ferramenta do Orixá fica utiliza- e posturas racistas, que fazem parte de com-
da como elemento de identificação de ar- portamentos recorrentes na cidade do Salva-
quétipos. Através dela busca-se construir um dor e estão presentes, também, no âmbito da
discurso que passa pela construção de ima- UFBA. No entanto, nos últimos anos, tem sido
gens sobre as divindades, o que representam desenvolvidas pesquisas que buscam ampliar
para os membros da comunidade, que senti- e fortalecer os discursos e as ações deste
do atribuem a suas existências e ações. museu, como, por exemplo, as investigações
MUSEUS, EXPOSIÇÕES E IDENTIDADES 167

recentes junto a Irmandade de Nossa Senho- Marta, Nossa Senhora da Conceição,


ra da Boa Morte, na cidade de Cachoeira, Santo Antônio e ainda dois terços em
Recôncavo baiano, e sobre memórias das ir- madeira. Em uma divisão denominada
mandades instaladas na igreja de Nossa Se- “Sala dos Presentes”, vitrines expõem
nhora do Rosário dos Pretos, no Pelourinho, uma diversidade de presentes para a re-
em Salvador, além de Programa Educativo ligiosa, além de quadro com fotografias
voltado para contribuir para a aplicação da que documentam alguns momentos im-
Lei 10.639, que instituiu a obrigatoriedade do portantes da sua vida.
Ensino da História e Cultura Africana e Afro-
Brasileira na rede de ensino público e priva- Andar superior:
do no Brasil. · Sala com cadeira / trono que pertenceu
a Mãe Menininha e cinco vitrines con-
tendo indumentárias, colares, panos da
MEMORIAL MÃE MENININHA DO GANTOIS costa e insígnias de orixás.

Inaugurado em fevereiro de 1992 em ho- Na visita ao Memorial de Mãe Menininha


menagem a uma das mais importantes e co- do Gantois percebe-se a importância de um
nhecidas mães-de-santo do Brasil, que du- local de rememoração no qual a história
rante 64 anos foi sacerdotisa com grande contada foi vivida e que a narrativa imagéti-
importância e poder na cidade do Salvador, ca e textual foi feita pelos seus protagonistas,
está instalado no local onde vivia a Yalorixá ou seja, é perceptível a relação entre a cultu-
Maria Escolástica da Conceição Nazaré, co- ra material apresentada e a própria comuni-
nhecida como Menininha do Gantois, em dade envolvida no processo social em que
área contígua ao barracão do terreiro7. A ex- emerge a liderança religiosa e a dinâmica de
posição inclui móveis, objetos de uso pesso- um templo religioso afro brasileiro da cida-
al, imagens religiosas, fotografias, entre ou- de do Salvador.
tros objetos, além de textos de personalida-
des baianas. O espaço, distribuído em dois Também interessa neste Memorial a sua
andares, é tratado museograficamente com abordagem biográfica, já que, normalmente,
cenário, vitrines, e painéis explicativos. Sua homens e mulheres das comunidades afro-
planificação envolve: brasileiras são lembrados reduzidos ao papel
de personagens coadjuvantes, ou melhor,
Térreo: transformados em estereótipos, como a
baiana de acarajé, a mãe-de-santo, o capoei-
· Sala de apresentação do Memorial, em ra, normalmente apresentados de forma
que se destacam textos sobre a Yalorixá, anônima, sem vínculos ou trajetória pessoal,
revelando traços da sua personalidade em situação na qual o africano e seus des-
e liderança. cendentes são diluídos e plasmados no qua-
dro genérico das ditas “manifestações cultu-
· Sala com reprodução do quarto da rais e folclóricas afro-brasileiras”. Neste
Yalorixá, com oratório, imagens católi- Memorial, esta lógica foi quebrada com a
cas e mesa com colares de orixás e ou- narrativa de uma história pessoal, evidenci-
tros objetos; penteadeira com rádio, ando-se a força e a importância desta “casa
imagem de Iemanjá, entre outras; de santo”, da sua líder e sua comunidade. O
cama, sobre a qual encontramos qua- Memorial, partindo de uma história pessoal,
dros de Jesus Cristo e santos católicos contribui para que seja rememorada toda a
como São Jorge, Santa Bárbara, Santa comunidade do Gantois e reforça o discurso
168 MARCELO NASCIMENTO BERNARDO DA CUNHA

sobre a dignidade dos afro-brasileiros e do Apesar de o Memorial reproduzir a estru-


povo do candomblé. tura convencional de museus tradicionais8,
há uma forma diferenciada na sua apresen-
Na sua estrutura expográfica é interessante tação e tratamento de imagens e textos. Não
a elaboração de uma narrativa que busca mais um discurso na terceira pessoa, do inte-
evidenciar as várias facetas de uma persona- lectual ou técnico que expõe sobre o tema,
lidade: sacerdotisa, mulher vaidosa, mãe de mas é a comunidade familiar – sanguínea e
família, seu entendimento de mundo, de religiosa - que fala de sua matriarca, que
Deus e das divindades. A exposição consti- apresenta sua líder inesquecível e amada.
tuiu-se a partir do olhar de seus filhos, com Sem referências a orixás e festas religiosas, o
suas saudades e declarações sobre impor- centro do enfoque é a sacerdotisa, em expo-
tância da sacerdotisa em suas vidas, ocorren- sição complexa, entremeando história, me-
do um diálogo entre o espaço da intimidade mória, biografia pessoal, comunitária e
e o espaço público, presente na reprodução grupal, com símbolos e evocações que per-
do seu quarto e nos seus objetos, que retra- mitem compreender questões e elementos
tam aspectos de seu cotidiano: repleto de que não se revelam apenas através da expo-
presentes, comendas, homenagens e objetos sição, mas na medida em que dialogam com
sacros. o todo da estrutura, na proporção do conhe-
cimento do visitante e na sua capacidade de
São presentes neste Memorial elementos perceber conteúdos implícitos. É uma expo-
do sincretismo e do contato e convivência sição em clima de sombras e luzes, silêncios
de referencias culturais católicas e da tradi- e reticências inerentes a ancestrais
ção africana, que faz parte de uma geração cosmogonias africanas, exigindo do pesqui-
tradicional, de mantenedoras da tradição sador ou visitante, distanciamento de suas
dos orixás no Brasil. São evocadas as primei- racionais e ocidentais concepções polariza-
ras casas de santo, em momento que o das em bem ou mal, sagrado e profano, para
sincretismo representou uma das estratégias sentir lugares de memórias africanas que,
principais para a sobrevivência e permissão dispersos no novo mundo, foram e são pre-
de cultos. O Memorial pode evocar e simbo- servados pelos próprios povos de santo,
lizar tensões e negociações vividas para a agentes difusores de Áfricas no Brasil.
sobrevivência física, psíquica, espiritual de
indivíduos e suas tradições africanas. Ainda que usando o recurso biográfico
como forma de relato político da resistência
O espaço do Memorial propicia diálogos de tradições africanas em Salvador, o
entre o que se expandia e o que se defendia, Memorial alcança, no recorte da apresentação
entre universos sagrados e profanos. O dito e de uma mãe-de-santo, evidenciar a importân-
o interdito, o exposto e o velado estão insta- cia da comunidade presente nesta representa-
lados em cômodos que a yalorixá ocupou ção museográfica da ancestral estrutura da re-
em vida, ao lado do barracão – espaço reser- ligiosidade Yorubá e suas lideranças. Falando
vado para as festas públicas, contexto que de uma, revela outras sacerdotisas; em home-
também leva a um clima esotérico, místico e nagem pessoal, dimensiona perspectivas do
de reverência, apesar de a estrutura religiosa, significado de ser liderança religiosa e comu-
a questão da religiosidade em si, não ser tra- nitária afro-descendente na incompletude da
tada no Memorial. Não existem textos e refe- República em estender a cidadania ao arreme-
rências às bases e funcionamento da religião, do da abolição99 Nos últimos anos surgiram
ficando evidente a dimensão biográfica da vários memoriais em terreiros de candomblé,
proposta. em Salvador e área metropolitana, destacan-
MUSEUS, EXPOSIÇÕES E IDENTIDADES 169

do-se o Museu do Ilê Axé Opô Afonjá, o Museu a história, formação e manifestações cultu-
comunitário da Mãe Mirinha de Portão e o rais de Salvador, sendo visível que o discurso
Memorial de Mãe Caetana. expográfico gira em torno de referências a
elementos afro-brasileiros, suas práticas cul-
turais, religiosas, costumes e cultura materi-
MUSEU DA CIDADE al. Sem articular tais evidências à importân-
cia de povos africanos na estruturação, orga-
Instalado no Largo do Pelourinho está li- nização e funcionamento de Salvador, esta
gado à Fundação Gregório de Matos da Se- cidade acaba sendo representada sem histó-
cretaria de Cultura do Município de Salva- ria, sem protagonistas contextualizados em
dor. Inaugurado em 05 de julho de 1973, sua suas relações de poder, cargos, funções, ativi-
exposição percorre três andares de dois so- dades econômicas, sociais, culturais.
brados conjugados. Com predominância de
imagens relacionadas a elementos das cultu- A recorrência a imagens ligadas ao uni-
ras afro-brasileiras, seu acervo é composto verso afro-brasileiro, mesmo que não seja in-
de fotografias, quadros, manequins vestidos dicado como intenção conceitual no museu,
com roupas de orixás, bonecos miniatura em traduz a grande força e presença das culturas
cenas do cotidiano da cidade do Salvador, e tradições africanas em Salvador. Já na en-
ex-votos, esculturas e móveis. A exposição trada, único momento de rápida referência
não segue abordagem cronológica ou preo- ao desenvolvimento da cidade, através de
cupação em apresentar aos visitantes acon- mapas antigos sobre a fundação e evolução
tecimentos marcantes da cidade, seu desen- do seu traçado urbanístico, temos as figuras
volvimento e trajetória histórica. de um homem ao tronco, sendo chicoteado
e manequins vestidos com indumentárias da
No andar térreo encontramos sala que Irmandade da Boa Morte10. Mesmo sem pro-
apresenta uma roda de orixás, o xirê, festa posta de abordar a cidade do Salvador a par-
pública de terreiro, com texto que fala sobre tir da contribuição das populações africanas
o candomblé e suas divindades e sala de ex- e afro-brasileiras, em seus mais de quatro-
posições temporárias para a apresentação de centos e cinqüenta anos, praticamente todo
temas correlatos à história da cidade e a ele- o conteúdo exposto remete à presença des-
mentos das culturas afro-brasileiras, na qual tes povos nesta cidade e a suas contribuições
é exposta permanentemente uma escultura para o desenvolvimento de sua vida urbana.
de negro acorrentado.
Chama nossa atenção o fato de que várias
No primeiro andar, encontramos salas que imagens referem-se à condição dos africa-
apresentam miniaturas com cenas do cotidi- nos enquanto escravos, em posturas de sub-
ano da cidade do Salvador nos séculos XIX e missão e sofrendo castigos, em fuga e/ou su-
XX, com predominância da presença de ne- jeição, refletindo recorrências observadas na
gros em atividades cotidianas: feiras, negros disposição de africanos em exposições: a ên-
fugidos, amas de leite, engenho, entre outras. fase na condição escravizada dos negros na
sociedade brasileira, complementada pela
No segundo e último andar encontramos referência seguida a castigos e torturas à que
obras de arte com temática afro, além de foram submetidos. Faltam nas exposições,
uma sala dedicada a ex-votos. imagens e textos que problematizem estes
enfoques, trazendo informações sobre rea-
Percebemos que apesar deste ser o Museu ções, rebeliões e movimentos de resistência,
da Cidade, não contempla dimensões sobre quer isolados ou grupais, como, por exem-
170 MARCELO NASCIMENTO BERNARDO DA CUNHA

plo, as diversas estratégias que buscaram mi- A Casa surgiu como local que além de ex-
nar ou atenuar, quando possível, o poder se- por deslocamentos das culturas do Benin
nhorial em relação aos corpos e mentes de deveria funcionar como centro cultural vol-
homens e mulheres negros. tado para a realização de cursos, palestras,
encontros e outras atividades de estreita-
Ainda sobre a construção de discursos re- mento de relações entre Bahia e Benin, ten-
lacionados à pretendida passividade dos afri- do sido as cidades de Salvador e Cotonou
canos escravizados e negros libertos, percebe- declaradas irmãs por ocasião da sua inaugu-
mos ausência de relatos ou imagens ração.
historicizando as experiências de trabalho,
luta, vida e morte, em uma cidade marcada Os objetos africanos expostos evidenciam
pela presença de homens e mulheres negros. semelhanças com os utilizados em vários se-
tores da vida cotidiana e religiosa na Bahia.
Existem também fotografias que mostram
CASA DO BENIN – SALVADOR-BA traços da presença brasileira no Benin, local
para onde retornaram vários afro-descen-
Instalada em conjunto composto por dois dentes do Brasil12, sendo notada a presença
sobrados, na parte inferior do largo do de traços culturais brasileiros introduzidos
Pelourinho, ao lado da Igreja de Nossa Se- pelos retornados no Benin, com ênfase na
nhora do Rosário dos Pretos, foi inaugurada arquitetura, graças a mestres de obras brasi-
em maio de 1988, ligada à Fundação leiros cujos ancestrais africanos edificaram
Gregório de Mattos, da Prefeitura Municipal Salvador da Bahia. A tese central da exposi-
de Salvador. Restaurado pela arquiteta Lina ção trata dessa ampla relação entre dois con-
Bo Bardi. Além das salas de exposição, o tinentes e a difusão de suas culturas13.
conjunto incluía a residência do diretor e
restaurante, hoje desativados. O espaço A Casa do Benin concretiza e simboliza
expositivo é distribuído em três pavimentos: ponto de relevância a ser considerado em
investigações sobre a historicidade do patri-
Andar Térreo: Exposição de Longa Duração. mônio cultural africano no Brasil: encontros,
tensões e negociações culturais, que provo-
1o. andar: Exposições Temporárias caram injunções pensadas em termos de sín-
teses, sincretismos e mestiçagens. Hoje pen-
2o. andar: atualmente dedicado a uma ex- sadas e trabalhadas em termos de culturas
posição de turbantes, que não são exclusiva- híbridas, constituídas entre fronteiras cultu-
mente africanos ou afro-brasileiros, mas a rais, “entre-lugares” de confrontos e incorpo-
maioria estilizada, com apelo artístico e fol- rações, implicando manutenção e negação,
clórico. conflitos e negociações.

A exposição traz a chancela de Pierre Ainda que a exposição da Casa do Benin re-
Verger, sendo plausível encará-la como uma caia em abordagens que enfatizam expressões
defesa visual de sua obra11, centrada nas reci- relacionadas à tradicionais culturas africanas
procidades ocorridas entre culturas brasilei- em termos de patrimônio cultural e material,
ras e africanas. Verger organizou a exposição ao apresentar manifestações culturais recípro-
a partir de objetos coletados na região do cas, vem abrindo expressivos diálogos entre
Golfo do Benin, tendo como conceito e pro- culturas tradicionais africanas e afro-brasilei-
posta evidenciar circuitos Bahia, Benin e ras, promovendo exposições temporárias de
Nigéria. artistas brasileiros e africanos contemporâneos.
MUSEUS, EXPOSIÇÕES E IDENTIDADES 171

5
CONCLUINDO 1974 – Projeto Original – Pierre Verger; 1982 –
Projeto “Modulo Inicial” – Jacyra Oswald; 1999 –
Marcelo Cunha e equipe de consultores.
Após este breve passeio virtual por salas de
6
Na Bahia é quase impossível não associar o
exposições soteropolitanas, que abordam pre-
Senhor do Bonfim/Jesus Cristo e Santa Bárba-
senças africanas na cidade e suas matrizes afri- ra a Oxalá e Iansã, respectivamente, por conta
canas, podemos perceber a complexidade e da forte tradição das festas da Lavagem da
Igreja do Bonfim (segunda quinta feira após a
desafios que tocam a interpretação, represen- festa da Epifânia, em janeiro) e Festa de Santa
tação e difusão de conteúdos que dêem conta Bárbara (4 de dezembro) das quais participam
tanto católicos quanto praticantes do can-
da complexidade histórica do continente afri-
domblé. Do processo de sincretismo ocorrido
cano e da trajetória dos negros no Brasil. na Bahia podemos destacar muito presente,
ainda, a relação entre Omolu e São Lázaro/
São Bartolomeu e Ibejis e São Cosme e São
Percebemos que somente o exercício de Damião.
produção de posturas e olhares críticos le-
7
Espaço onde são realizadas as cerimônias públi-
varão a transformações nas práticas profissi-
cas da comunidade religiosa – o Terreiro.
onais museológicas e dos produtos delas re-
8
sultantes, que implicam a reelaboração de O projeto e instalação foram desenvolvidos pelo
Departamento de Museus da Fundação Cultural
discursos, visando eliminar posturas do Estado da Bahia, com participação de
hegemônicas e monopolizadoras produzi- museólogos, historiadores e antropólogos, além
de pessoas da casa como depoentes.
das pelas elites e classes dominantes, em
torno da presença negra no Brasil e no 9
Nos últimos anos surgiram vários memoriais em
mundo. Só assim a museologia e os museus terreiros de candomblé, em Salvador e área me-
tropolitana, destacando-se o Museu do Ilê Axé
poderão provocar mudanças político-cul- Opô Afonjá, o Museu comunitário da Mãe
turais que visem o tão almejado, utópico e Mirinha de Portão e o Memorial de Mãe
Caetana.
pouco concretizado, exercício da cidada-
nia, com igualdade de direitos e respeito à 10
A Irmandade de Nossa Senhora da Boa Morte,
diversidade. da cidade de Cachoeira, no Recôncavo Baiano,
tem origem atribuída no início do século XIX, na
Igreja da Barroquinha, em Salvador, constituída
por mulheres negras escravas e libertas. Atual-
mente, formada por mulheres afro-descenden-
NOTAS tes, mantêm a tradição secular.
1
Ver HOBSBAWN, Eric. RANGER, Terence. A In- 11
VERGER, Pierre. Fluxo e Refluxo do Tráfico de
venção da Tradição. São Paulo: Paz e Terra, Escravos entre o Golfo do Benin e a Baía de
2002. Todos os Santos dos Séculos XVII ao XIX. Rio de
2
Janeiro/Salvador: Biblioteca Nacional/Corrupio,
CANCLINI, Nestor Garcia. Culturas Híbridas. 2002.
São Paulo: EDUSP, 2000. p.162
12
3
No século XIX descendentes de escravos africanos
Ver DE CERTEAU, Michel. A Beleza do Morto. In: no Brasil retornam para a África, surgindo no Benin
A Cultura no Plural: Papirus, 2001. (col. Traves- a comunidade de negros retornados, que passaram
sia do Século) a ser conhecidos como os Agoudas.Estabelecidos
4
no Benin, concentrados principalmente em Porto
Pesquisa realizada no âmbito do Doutorado Novo, passaram a ocupar lugar de destaque na soci-
em História Social da Pontifícia Universidade edade local. Ainda hoje existe esta comunidade de
Católica de São Paulo, sob a orientação da “brasileiros” no Benin.
profª Drª Maria Antonieta Antonacci. Ver CU-
NHA, Marcelo Nascimento Bernardo da Cu- 13
Sobre a questão dos retornados ver : CUNHA,
nha. Teatro de memórias, palco de esqueci- Manuela Carneiro da. Negros, Estrangeiros. Os
mentos: culturas africanas e das diásporas ne- escravos libertos e sua volta à África. São Paulo:
gras em exposições. São Paulo: PUC, 2006. Brasiliense, 1985. GURAN, Milton. Agudas – de
acesso em http://www.sapientia.pucsp.br/ africanos no Brasil a “Brasileiros” na África. His-
t d e _ b u s c a / tória, Ciência e Saúde – Manguinhos, jul./out.
processaPesquisa.php?listaDetalhes%5B%5D=2271 2000, vol.7, n.2. p.415 – 424.
ARTIGO
4
O museu dos povos indígenas
do Oiapoque - Kuahí
Gestão do Patrimônio Cultural pelos Povos Indígenas do Oiapoque, Amapá

n LUX BOELITZ VIDAL

A
INTRODUÇÃO

D
Diferentemente do que acontece com a arte ocidental, as artes indígenas
possuem sua fonte de inspiração em uma tradição milenar e representam, na
maioria das vezes, a filosofia de um povo, os seus valores, gostos, práticas soci-
ais e religiosas. Possuem, ainda, uma relação forte com o meio ambiente, com
a terra em que vivem, que conhecem, dominam e, na medida do possível,
preservam.

Mas estas sociedades nunca foram estáticas, sempre mudaram e evidentemen-


te de maneira muito mais acelerada após a colonização européia na América.

A história do contato trouxe as epidemias, a desapropriação das terras, os


sítios sagrados profanados, a catequização, a tutela, os projetos desenvolvimen-
tistas, a mineração, o gado, as guerras, mas também, no sentido inverso, a resis-
tência, a luta pela terra, o orgulho da identidade étnica, a luta pelos direitos
civis e políticos e pelo direito à diferença. A procura também de aliados na
sociedade envolvente e de uma inserção mais justa e participativa na socieda-
de nacional.
174 LUX VIDAL

Tudo isso mostra, mais uma vez, que estas O CONTEXTO


sociedades não vivem congeladas no tempo,
mas possuem uma longa história, tão longa Para melhor entender a especificidade do
quanto a nossa, algo que muitas vezes esque- Museu Kuahí1 é preciso oferecer algumas in-
cemos. Conseqüentemente as manifestações formações preliminares sobre a região.
artísticas destes povos também têm história,
os artistas possuem histórias de vida e especi- Os povos indígenas do extremo norte do
almente possuem nome e personalidade Amapá, habitantes da bacia do rio Uaçá e
própria, algo apenas recentemente reconhe- baixo curso do rio Oiapoque – Karipuna,
cido. Deste modo, a arte tradicional, assim Palikur, Galibi Marworno e Galibi Kali’na –
como as interessantes e criativas inovações são o resultado de várias migrações e fusões
não têm sido, ao longo dos tempos, aprecia- antigas e mais recentes de etnias diferentes e
das em termos justos, sendo consideradas mesmo não-índios. São portadores de tradi-
apenas “artesanato indígena”, ignorando-se ções culturais heterogêneas, histórias de
a qualidade e continuidade histórica destas contato e trajetórias diferenciadas, assim
manifestações que vão se renovando com o como suas línguas e religiões. Mesmo assim
tempo. Por outro lado, nas últimas décadas, esses povos têm conseguido conviver e cons-
tem-se observado esforços tanto por parte truir, ao longo do tempo, um espaço de
dos índios, que hoje estão mais bem informa- interlocução, especialmente hoje pelo viés
dos e também viajam mais, como por parte das Assembléias anuais, que reúnem as qua-
de antropólogos, artistas, curadores de mu- tro etnias, e de suas organizações indígenas.
seus ou bienais, em valorizar as artes indíge-
nas a partir de novas atitudes estéticas e Mesmo assim, apesar das diferenças, pre-
participativas. valece uma visível solidariedade entre esses
povos por compartilhar um mesmo territó-
Atualmente, temos observado a prolifera- rio, vivenciar uma situação geopolítica co-
ção de museus indígenas e regionais em mum, por manter e reativar relações de pa-
todo o mundo, modelo que vem sendo valo- rentesco e ajuda mútua, assim como lutar
rizado por possuir características próprias, unidos pela terra, saúde, educação e infraes-
diversas do modelo de museu conhecido trutura. Compartilham uma cosmologia es-
pelas grandes cidades. pecífica, indígena, Carib, Aruak, Tupi e tam-
bém cristã, um aspecto marcante que os índi-
Ao lado das atividades econômicas e polí- os definem como “nosso sistema”.
ticas, a cultura, definida de modo amplo,
desempenha cada vez mais um papel impor- Esses povos somam uma população de
tante para a participação e inclusão social. E 5.000 índios distribuídos em inúmeras aldei-
sendo possuidores de um patrimônio cultu- as e localidades menores, nas terras indíge-
ral rico, diferenciado e de grande beleza – nas Uaçá, Galibi e Juminã, demarcadas e ho-
situação que em nossos dias é considerada mologadas, configurando uma grande área
invejável -, os índios têm com que contribuir, contínua, cortada a oeste pela BR-156 que
o que os têm feito cada vez mais reconside- liga Macapá a Oiapoque.
rar e reivindicar sua inserção na sociedade
regional e no mundo moderno. Boa parte da população indígena do baixo
Oiapoque se comunica em vários idiomas,
Neste contexto é que se insere o Museu português e patoá ou kheoul (língua franca
Kuahí dos Povos Indígenas do Oiapoque, regional), idioma nativo dos Karipuna e Galibi
tema deste artigo. Marworno; os Palikur e Galibi Kali’na falam
O MUSEU DOS POVOS INDÍGENAS DO OIAPOQUE - KUAHÍ 175

suas respectivas línguas nas aldeias. Alguns ín- A IDÉIA DE UM MUSEU


dios também sabem se comunicar em francês.
Em 1997, após uma viagem a Alemanha,
A paisagem típica da região habitada pe- França e Portugal de algumas lideranças in-
los povos indígenas do Oiapoque é de dígenas, em companhia da deputada Janete
savana alagada, banhada por três grandes Capiberibe, os povos indígenas da região
rios, o Uaçá, o Urucauá e o Curipi, além de propuseram a criação de um museu em Oia-
inúmeros afluentes, igarapés e lagos. O rio poque, no centro da cidade, para dar visibili-
Oiapoque delimita a fronteira entre o Brasil dade à cultura indígena e, ao mesmo tempo,
e a Guiana Francesa. A oeste da terra indíge- ser um centro de referência, de memória, de
na, uma rica cobertura de floresta tropical, documentação e de pesquisa para os índios
com muitas palmeiras, vai ao encontro das e a sociedade oiapoquense. Esta proposta
montanhas do Tumucumaque; a leste, o rio surgiu da vontade dos índios de participar,
Cassiporé, o Cabo Orange e o Oceano Atlân- cada vez mais, em pé de igualdade – ainda
tico. As aldeias e as roças ocupam diferentes que de modo diferenciado – da vida regio-
ilhas. É uma região repleta de aves. nal e nacional. Cientes de sua riqueza cultu-
ral e material, das possibilidades de produ-
Esse território é, antes de tudo, um espaço ção e divulgação etnocientífica, artesanal e
vivido. Os índios possuem um conhecimen- artística; cientes também das possibilidades
to refinado desta vasta região, tão rica e di- de desenvolvimento sustentável e da urgên-
versificada. Toda esta paisagem, segundo os cia na melhoria dos programas escolares, os
índios, é habitada por seres humanos, ani- Povos Indígenas do Oiapoque se propuse-
mais e vegetais e também por seres “do outro ram a defender o Museu Kuahí como espaço
mundo”, que se manifestam pela intermedia- adequado para incentivar um vasto conjun-
ção dos pajés. Um mundo predominante- to de atividades, pesquisas e ações que bene-
mente aquático, cuja cosmologia privilegia ficiariam como um todo as comunidades in-
os seres sobrenaturais que habitam “o centro dígenas e suas iniciativas.
da mata e o fundo das águas”. Região que
antigos cartógrafos denominavam o “pays Ao mesmo tempo, o Museu possibilitaria o
sous l’eau”, peí abã dji lo em patoá. estreitamento de relações entre os índios e a
população do município de Oiapoque. A
As comunidades indígenas mantêm um proximidade com as aldeias, por sua vez, vi-
contato muito próximo com a cidade de Oi- ria a inseri-lo no contexto de origem, facili-
apoque e mesmo com Saint Georges, na tando a compreensão de seu acervo, estan-
Guiana Francesa, onde vendem seus produ- do distante o suficiente das mesmas para
tos agrícolas e artefatos, geralmente na pró- permitir às comunidades uma separação de
pria rua ou à beira do rio. seu cotidiano, conduzindo os índios a uma
visão mais crítica de si próprios e de seu pa-
Atualmente, grandes obras de infraestrutu- trimônio cultural. Além disso, possibilitaria o
ra estão sendo realizadas na região: o asfalta- intercâmbio com povos indígenas e museus
mento da BR-156, que corta a terra indígena de todo o Brasil e do mundo, através de con-
e a remoção de oito aldeias para longe da vênios com instituições e universidades.
estrada; a construção pela Eletronorte de um
linhão de energia elétrica ao longo da pró- Outro objetivo do Museu seria o de pos-
pria rodovia e a construção de uma ponte sibilitar alternativas de renda por meio da
sobre o rio Oiapoque entre a Guiana France- comercialização planejada da produção
sa e o Brasil. artesanal. O Museu viria a dar dignidade e
176 LUX VIDAL

visibilidade aos artefatos produzidos nas A IMPLANTAÇÃO DO MUSEU


aldeias e, sobretudo, aos mestres artesãos e
artistas, além de suscitar a preocupação O Museu Kuahí dos Povos Indígenas do
com a sustentabilidade da matéria-prima Oiapoque é uma entidade pública, sem fins
utilizada. lucrativos, de administração indireta vincu-
lada à estrutura organizacional da Secretaria
Vários índios da região conheciam o de Estado da Cultura do Amapá. O Museu
Museu Paraense Emilio Goeldi, em Belém, tem por finalidade dar visibilidade à diversi-
e haviam visto fotografias do Museu dade sócio-cultural dos povos indígenas do
Magüta dos índios Ticuna, do rio Solimões. Oiapoque das etnias Galibi Kali’na, Galibi
Eles foram fonte de inspiração para a ela- Marworno, Karipuna e Palikur e promover a
boração da proposta de construção do igualdade cultural entre a população do
Museu Kuahí. município de Oiapoque.

A proposta concreta para a construção do Embora o Museu Kuahí tenha sido inaugu-
Museu foi apresentada pelas lideranças indí- rado em 2007, sua presença já vem se fazen-
genas ao governo do Amapá em 1998 e in- do sentir há alguns anos, quando foram mi-
cluída formalmente no Programa de Desen- nistrados os primeiros cursos de capacitação
volvimento Sustentável do então governa- museológica para uma turma de quinze indí-
dor João Alberto Capiberibe. genas escolhidos pelas próprias comunida-
des de acordo com a formação escolar e in-
Em 2000 foi iniciada a construção do Mu- teresse de cada participante. Estes cursos fo-
seu e os índios, assessorados por mim e por ram ministrados em Oiapoque, no Museu
Lucia H. van Velthem, do Museu Paraense Paraense Emilio Goeldi e no Museu de Arte
Emilio Goeldi, entregaram ao governo um de Belém. Nesta cidade foram também visita-
conjunto de documentos: justificativa e ob- dos o Museu de Estado, o Museu de Arte Sa-
jetivos do Museu, Estatuto, lista de equipa- cra, galerias de arte e localidades da própria
mentos etc. Tratava-se de uma proposta ino- cidade de interesse histórico e turístico.
vadora, por não fazer deste um museu sobre
os índios, mas dos índios. Paralelamente, os resultados de variadas
pesquisas antropológicas (vide bibliografia) e
Segundo planejado o Museu seria manti- especialmente dois projetos culturais desen-
do pelo estado do Amapá e gerido pelos pró- volvidos nas aldeias foram de significativa im-
prios índios, diretamente envolvidos em to- portância para estimular a retomada cultural
das as atividades e com representação majo- que estas etnias têm presenciado. Trata-se dos
ritária no Conselho Curador. Cursos e ofici- projetos: 1) de Resgate e Fortalecimento Cultu-
nas de capacitação seriam oferecidos para a ral, desenvolvido pela Associação dos Povos
formação dos técnicos em museologia, pes- Indígenas do Oiapoque – APIO, em parceria
soas escolhidas pelas próprias comunidades com o Programa Demonstrativo para Popula-
indígenas. Esperava-se por parte do governo ções Indígenas do Ministério do Meio Ambien-
um apoio efetivo aos povos indígenas e suas te – PDPI / MMA; e 2) de Formação de Gestores
manifestações culturais, de cunho não- do Patrimônio Cultural, desenvolvido junto
paternalista, assumindo que a construção da aos professores indígenas que atuam nas aldei-
cidadania para os índios se fundamenta nos as da BR – 156, realizado pelo Iepé – Instituto
seus próprios valores, dinâmica e processo de Pesquisa e Formação em Educação Indíge-
histórico. na, em parceria com a Petrobrás Cultural.
O MUSEU DOS POVOS INDÍGENAS DO OIAPOQUE - KUAHÍ 177

O Projeto de Resgate e Fortalecimento DA INAUGURAÇÃO AOS DIAS DE HOJE


Cultural - APIO / PDPI, elaborado com os ín-
dios, visou incentivar os velhos artesãos e ar- O Museu Kuahí foi inaugurado no dia 19
tesãs a transmitir seus conhecimentos, sabe- de abril de 2007 – Dia Nacional do Índio –
res e técnicas relativos às mais diversas mani- com a presença de indígenas, autoridades
festações artísticas, artesanais, materiais e governamentais como o governador do esta-
imateriais, às gerações mais jovens. A pro- do Antonio Waldez Góes da Silva e de repre-
posta foi a de garantir a transmissão de co- sentantes da Secretaria do Estado de Cultura
nhecimentos em risco de extinção, uma vez do Amapá – Secult/AP, além da população
que seus últimos detentores somam número local.
bastante reduzido, a maioria já em idade
avançada. A inauguração do Museu, com uma signi-
ficativa exposição inaugural, ocupando to-
A Formação de Gestores do Patrimônio dos os ambientes, não teria sido possível sem
Cultural – Projeto Iepé / Petrobrás Cultural, o convênio 158/2005 entre a Secult/AP e o
por sua vez, teve o objetivo de formar profes- Ministério da Cultura – MinC. Foi graças a
sores indígenas para atuar como gestores de esse convênio que a Secult/AP pôde mobili-
seu patrimônio cultural material e imaterial, ar e equipar as diversas instalações. O Museu
através do aprendizado de procedimentos dispõe hoje de luminosas salas de exposição,
de seleção, preservação, pesquisa, registro e reserva técnica, auditório equipado e apro-
divulgação interna e externa dos bens cultu- priado para amplo público, sala de
rais. Embora este seja um processo lento e de processamento documental, biblioteca, sala
resultados difusos, assume grande importân- de leitura, sala de pesquisa e sala pedagógi-
cia a médio e longo prazo. As aldeias locali- ca. Na entrada, um grande hall acolhe os vi-
zadas ao longo da BR-156 foram escolhidas sitantes e abriga ainda a loja para venda de
para a realização deste projeto em função da artesanato. Há também espaços externos
situação de grande vulnerabilidade em que como uma grande varanda, também bastan-
se encontram, ocasionada pelas obras de pa- te freqüentada. Tem, enfim, à disposição de
vimentação da estrada e da passagem da li- todos os indígenas e cidadãos de Oiapoque
nha de transmissão de energia, mencionadas uma exposição de artefatos indígenas, uma
anteriormente. coleção bastante representativa com tendên-
Caminhando em concomitância com es- cia a aumentar com novas contribuições. Os
tes projetos, o Museu Kuahí desempenha pa- livros e revistas da biblioteca vêm sendo
pel de suma importância, ao possibilitar a cada vez mais solicitados pelos alunos e pro-
mudança da percepção indígena sobre a fessores para ajudá-los em seus próprios cur-
própria produção, nele exposta em suportes, sos de formação.
vitrines ou armazenada na reserva técnica.
De objetos de uso, comercializáveis ou E por falar em cursos de formação, o con-
descartáveis, as peças transformam-se em vênio Secult/MinC possibilitou a retomada
objetos-documento, com outra identidade e de um extenso e intenso processo de forma-
significado. Este novo posicionamento da ção profissional, técnica, museológica e mu-
produção cultural permite um olhar diferen- seográfica, aos dezenove indígenas que tra-
te, distanciado e crítico sobre a mesma. Ao balham no Museu, sendo que quinze, dentre
mesmo tempo, torna a gestão da produção eles, recebem bolsas de estudo diretamente
cultural mais interessante e integrada ao subsidiadas pelo convênio. Nesse período de
mundo moderno. formação, caracterizamos o Museu Kuahí
178 LUX VIDAL

como um museu-escola. Nessa direção, de além dos inúmeros turistas, especialmente


abril de 2007 até a data presente, em quase guianenses e franceses.
um ano de funcionamento, foi realizado um
esforço no sentido de organizar a equipe de Cabe finalizar esta apresentação registran-
bolsistas junto aos setores a que foram destina- do que os processos e projetos do Museu, as-
dos desde sua seleção, realizada no curso de sim como seu Estatuto (ainda não reconheci-
capacitação museológica e antropológica mi- do pela Secult/AP) seguem, na medida do
nistrado em 2006. Destaco aqui a contribui- possível, as diretrizes da Comissão Internaci-
ção do antropólogo Francisco S. Paes, asses- onal de Museus – ICOM – e contam com a
sor do Museu Kuahí desde sua inauguração. assessoria de profissionais experientes nas
áreas de antropologia, museologia, arqueo-
Em 2007 foram realizados junto aos téc- logia, ação educativa e outras.
nicos indígenas do Museu os cursos de
capacitação em Conservação Preventiva,
História da América Indígena e do Amapá e CONSIDERAÇÕES ACERCA DAS COLEÇÕES
Administração e Gestão. Para 2008 estão SOBRE OS POVOS INDÍGENAS DO OIAPOQUE
previstos os módulos de capacitação em
Antropologia (dois módulos), Arqueologia, Um aspecto interessante das atividades de
Jornalismo Comunitário e Editoração de resgate cultural nas aldeias, da inauguração
Boletim, Leitura e Produção Textual, Lin- do Museu Kuahí, assim como da encomenda
guagem Audiovisual, Museologia, Docu- de 250 artefatos para a exposição “A Presen-
mentação, Ação Educativa e Métodos de ça do Invisível – vida cotidiana e ritual entre
Pesquisa. os Povos Indígenas do Oiapoque”, montada
em 2007 no Museu do Índio – RJ, é a forma-
Novas ações e projetos que permitem a ção de várias coleções, em diferentes mo-
ampliação dos trabalhos junto às comuni- mentos e que comparadas entre si, revelam
dades indígenas e não-indígenas da região muito sobre a própria história dos Povos In-
do Oiapoque estão em curso: a realização dígenas do Oiapoque, o papel dos museus e
de exposição temporária e evento de encer- da documentação, a pesquisa antropológica
ramento do Projeto APIO/PDPI de Valoriza- e as ações efetivas de valorização e fortaleci-
ção e Resgate Cultural; a construção de mento cultural. Cada coleção em si é rele-
uma proposta de exposição temporária so- vante no conjunto das coleções, quando as
bre a arte dos índios Galibi Kali’na da características e o valor de cada uma se reve-
Guiana Francesa; exposição temporária so- la com relação às outras. O trabalho de
bre os resultados do projeto Iepé/Petrobrás curadoria para a exposição do Rio de Janei-
Cultural; Seminários sobre meio ambiente ro, assim como o seminário sobre Identida-
em parceria com as ONGs The Nature des e Patrimônio Cultural, organizado pelo
Conservancy (TNC), Iepé e a APIO; mostras MAE (Museu de Arqueologia e Etnologia da
de vídeo e palestras abertas ao público em USP) em junho de 2007, deixou este aspecto
geral, assim como nas escolas indígenas, re- bem claro.
alização de Turés, assembléias e outras ativi-
dades relevantes para os índios e para a so- Existe no Museu do Índio do Rio de Janei-
ciedade oiapoquense. ro uma coleção antiga, dos anos 1940-50 so-
bre os Povos Indígenas do Oiapoque, essen-
O Museu tem sido bastante freqüentado e cialmente sobre os Palikur. São objetos valio-
elogiado por parte dos visitantes indígenas, sos recolhidos por Eurico Fernandes, antigo
da cidade de Oiapoque e de todo o Amapá, funcionário do SPI na região e outros
O MUSEU DOS POVOS INDÍGENAS DO OIAPOQUE - KUAHÍ 179

indigenistas. A documentação é deficiente e realizada por mim e Artionka Capiberibe,


a descrição sumária. Há peças de plumária entre os Palikur, Karipuna e Galibi-Marworno
que hoje não produzem mais, ou fazem com na década de 1990. Os índios faziam poucos
decoração diferente. Antigos clarinetes, os artefatos para a venda, principalmente cola-
famosos turé, e pequenos objetos delicados, res, mas usavam cuias decoradas, faziam
que serviam como convites para os rituais, cestaria, especialmente para o tratamento da
além de pequenas bordunas que as mulheres mandioca, assim como raladores e esculturas
usavam durante os rituais para chamar a para as festas do Turé – mastros e bancos –,
chuva compõem a coleção. Estes objetos além de instrumentos musicais.
compõem a exposição “A Presença do Invisí-
vel”, ao lado das peças contemporâneas. Esta coleção de 260 peças não foi pensada
a priori, mas acompanha as pesquisas de
Os índios, convidados à inauguração da campo que se iniciaram em 1990 na região,
exposição, em junho de 2007, ficaram admi- por parte de pesquisadores da USP. Há uma
rados e muito satisfeitos de (re)ver estes arte- boa representação de todas as categorias
fatos mais antigos e bem conservados. O artesanais, peças bem documentadas, mas
Museu do Índio também possui uma coleção do ponto de vista estético deixa a desejar.
de armas de pesca; estas, até hoje não muda- Ainda não havia sido iniciado o projeto de
ram, são os mesmos artefatos confecciona- resgate cultural e nem toda a pesquisa sobre
dos com madeira, taboca, fio de curuá e fer- as marcas nos mais diferentes suportes. Sen-
ro batido. Em 2008, como em 1940-50, as do assim, ela é um marco histórico, a primei-
mesmas formas, o mesmo uso cotidiano. Por ra coleção que acompanha o início das pes-
outro lado, comparando os típicos chapéus quisas entre os Povos Indígenas do Oiapo-
Palikur, se antigamente o cobre-nuca de que, segundo um viés teórico que valoriza a
plaquetas de buriti era sempre ornamentado história, os processos e reconhece a hetero-
com marcas geométricas, hoje os índios pin- geneidade das manifestações culturais na re-
tam desenhos mais figurativos com temas gião. Esta coleção se insere entre uma mais
míticos ou da vida cotidiana, ou ainda capas antiga, a do Museu do Índio e as duas cole-
de revistas ou DVDs. ções seguintes, já frutos dos projetos de valo-
rização cultural nas aldeias, das pesquisas
Sabemos que há uma coleção Palikur na sobre cosmologia, xamanismo, cultura ima-
Europa, mas não a consultamos. São peças terial e patrimônio cultural indígena, com a
recolhidas por Curt Nimuendajú em 1926, formação de pesquisadores indígenas, assim
quando pesquisou na região. Estão documen- como da construção do Museu Kuahí.
tadas graças à monografia deste antropólogo.
Há também uma pequena coleção no Museu A coleção do Museu é formada por mais
Paraense Emilio Goeldi, pouco expressiva e de 300 peças, encomendadas, representando
pouco documentada, mas com algumas cerâ- todos os artefatos mais expressivos de uso
micas Galibi-Kali’na, artesania que não mais cotidiano e ritual e também peças fabricadas
realizam, trazidas pelo antropólogo Expedito para o comércio.
Arnaud na década de 1960. Os índios reco-
nheceram que as peças tinham sido elabora- Em suma, tanto para o acervo do Museu
das pela mãe do velho chefe atual, assim Kuahí como para a exposição “A Presença do
como algumas vestimentas. Invisível”, no Museu do Índio, foram produ-
zidas duas grandes coleções de artefatos
A primeira coleção mais sistemática e do- etnográficos de altíssima qualidade, fato que
cumentada, doada ao MAE - USP foi aquela surpreendeu a todos, inclusive aos próprios
180 LUX VIDAL

índios. Quando as coleções recolhidas nas conseqüência deste processo, o Kuahí hoje é
aldeias dos diferentes rios chegaram ao Mu- considerado como mais uma instituição in-
seu Kuahí e foram armazenadas em duas sa- dígena na região, tal como as outras associa-
las, a espera de seu destino, o conjunto cau- ções indígenas ou a FUNAI (também coman-
sou impacto. Alguns índios disseram que dada pelos índios), isto é, um sujeito político
nunca haviam visto certos artefatos, não os no contexto institucional indígena da região,
conheciam. Outros não se cansavam de per- com poder de representação. Por outro lado,
guntar e tirar fotos. De fato, não sabiam que muitos eventos da cidade de Oiapoque acon-
tudo isso ainda existia e poderia ter algum tecem no Museu, pelo espaço de qualidade
valor em outros contextos. Os artefatos reco- que ele oferece, o que também prestigia os
lhidos sob forma de coleção representaram índios no meio urbano e municipal.
algo novo para eles. Especialmente a cole-
ção para a exposição do Rio, acompanhada Uma última questão a ser considerada diz
de documentação, fotografias, vídeos, site, respeito à documentação. Há uma discussão
design museográfico apurado e participação com os índios sobre os documentos que de-
dos índios foi um evento muito importante vem compor os arquivos confidenciais, ape-
para dar visibilidade aos Povos Indígenas do nas acessíveis aos indígenas sob a orientação
Baixo Oiapoque, realçando sua identidade do Conselho de Apoio Indígena ao Museu
diferenciada. O Museu Kuahí e especialmen- Kuahí, e o que é acessível ao público. Isto é, o
te as atividades e conhecimentos a ele liga- Museu levanta uma série de discussões muito
das ganharam sentido em um contexto cul- atuais, sobre propriedade intelectual e manei-
tural mais amplo. ras de documentar e divulgar a cultura indí-
gena, não de maneira abstrata, mas bem con-
Há ainda uma outra pequena coleção, re- creta.
sultado do projeto de Resgate Cultural APIO
/ PDPI – MMA. Enquanto os velhos repassa-
vam seus conhecimentos aos mais jovens, os REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
artefatos produzidos eram levados à sede da
APIO e guardados em uma sala. São peças CASTRO, Esther de. “O Museu dos Povos In-
valiosas, muitas delas experimentais e teste- dígenas do Oiapoque: um lugar de produ-
munhas de todo um esforço de transmissão ção, conservação e divulgação da cultura”.
de saberes entre gerações. Fazem parte do In: Aracy Lopes da Silva e Mariana Ferreira
acervo peças bem antigas que não eram (orgs). Práticas Pedagógicas na Escola Indí-
mais fabricadas, mas também inovações, tan- gena. São Paulo: Global Editora, 2001.
to na forma como na decoração. Esta cole-
ção foi, em 2007, incluída no acervo do Mu- GALLOIS, Dominique T. (org). Patrimônio
seu Kuahí, mas como coleção específica e Cultural Imaterial e Povos Indígenas. São
separada, testemunha deste trabalho de res- Paulo: Iepé, 2006.
gate.
NIMUENDAJÚ, Curt. Os índios Palikur e seus
Um outro aspecto interessante com rela- vizinhos. Manuscrito traduzido por Tekla
ção ao Museu é que a demora em Hartmann do original “Die Palikur Indianer
implementá-lo fez com que os índios se und ihre Nachbarn”. NHII/USP, mimeo, 1926.
apropriassem dele, inclusive pedindo insis-
tentemente ao governo que o inaugurasse. O PAES, Francisco S. Curipi. Vídeo de 27 min.
Museu lhes aparece, assim, como mais uma São Paulo: Laboratório de Imagem e Som
conquista do movimento indígena. Como em Antropologia – LISA / FFLCH – USP, 2001.
O MUSEU DOS POVOS INDÍGENAS DO OIAPOQUE - KUAHÍ 181

TASSINARI, Antonella M. I. No Bom da Festa: o Uaçá e Baixo Oiapoque – Amapá. Publica-


processo de construção cultural das famílias ção avulsa nº 1. Rio de Janeiro: Museu do
Karipuna do Amapá. São Paulo: Edusp, 2003. Índio, 2007.

VIDAL, Lux B. “O modelo e a marca, ou o VIDAL, Lux B. Povos Indígenas do Baixo Oia-
estilo dos ‘misturados’: cosmologia, história e poque – o encontro das águas, o encruzo dos
estética entre os Povos Indígenas do Uaçá”. saberes e a arte de viver. São Paulo/Rio de
Revista de Antropologia, 42 (1/2), 1999. Janeiro: Iepé/Museu do Índio, 2007b.

VIDAL, Lux B. “O ralador de mandioca: Povos


Indígenas do Uaçá, Oiapoque, Estado do NOTA
Amapá”. In: Joaquim Pais de Brito (coord.). Os
1
Índios, Nós . Lisboa: Museu Nacional de Kuahí - pronuncia-se “kuarí” - é o nome
Etnologia, 2000b. dado ao Museu pelos índios. É um pequeno
peixe da região e o nome de um padrão
VIDAL, Lux B. A Cobra Grande: uma introdu- gráfico muito utilizado na decoração de ob-
ção à cosmologia dos Povos Indígenas do jetos.
ARTIGO
5
Memória e Movimentos Sociais:
o caso da Maré

n CLÁUDIA ROSE RIBEIRO DA SILVA

A
A gente lutou pra conseguir água, luz, esgoto, asfalto.
Hoje a gente tem uma comunidade bonita, com vários
postos de saúde e escolas... Só faltava mesmo o Museu
da Maré!
(Sr. Clóvis, liderança comunitária da Maré)

E
Esta foi uma das muitas intervenções feitas por lideranças comunitárias,
moradores e representantes das instituições públicas e ongs da Maré, durante
uma reunião que tinha como objetivo organizar a cerimônia de inauguração
do Museu, que ocorreu no dia 08 de maio de 2006. O evento foi realizado na
Casa de Cultura da Maré, juntamente com o lançamento nacional da 4a Sema-
na de Museus. A cerimônia contou com as presenças do ministro Gilberto Gil,
membros do Ministério da Cultura e do Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional, além dos representantes de vários museus e Pontos de Cul-
tura da cidade.
184 CLÁUDIA ROSE RIBEIRO DA SILVA

A criação do Museu foi amplamente “Gostaria de dar os parabéns pelo mu-


divulgada na mídia. A imprensa saudou a seu. Gostei muito pela criatividade e
iniciativa como pioneira, referindo-se ao pela realidade de tudo que eu vi aqui.
Museu da Maré como o “primeiro museu em Acho muito importante ter um lugar que
favelas”. Inúmeras matérias foram veicula- fale tudo sobre a história do nosso bairro.
das na televisão, no rádio, nos jornais, revis- Parabéns!”.
tas e internet. A inauguração do Museu não “O museu é lindo! Parabéns pela iniciati-
deixou, porém, de trazer polêmicas. O site va. O Rio de Janeiro precisa conhecer
Nomínimo abriu espaço para um debate so- esse Museu”.
bre qual teria sido o primeiro museu a funci- “Adorei saber que todo o trabalho que
onar em uma favela, se o Museu da Maré ou meu pai teve em prol da comunidade foi
o do Morro da Providência1. Aproveitando o reconhecido, com lembranças boas de
debate, várias pessoas fizeram duras críticas uma época que não volta mais. Espero
à inauguração do Museu: que os jovens de hoje saibam dar o valor
merecido a todos que juntos lutaram por
“Me diga: quem vai visitar esse museu, um bairro melhor e queiram crescer
logo na Maré, tão dividida por facções?” mais”.
“Esse negócio de glamorizar favelas em “O Museu carrega o potencial para a
vez de promover a sua extinção via re- transformação social”.
moções ou reurbanização levou o Rio à “É por iniciativas como essa que todos
situação que se vê hoje”. devem continuar tentando construir um
“Que lembranças terríveis são essas que mundo melhor. Parabéns e obrigada”.
as pessoas querem tanto guardar na me- “Eu achei muito criativa e excelente a
mória?... Morar em palafitas, sem rede de nossa história, pois assim as pessoas do
esgoto e inúmeras dificuldades enfrenta- futuro poderão ver o quanto nós, cida-
das”. dãos, trabalhamos para conquistar o que
queremos”.
Contrariando tais críticas, antes mesmo de
completar 1 ano de existência, o Museu rece- Estes depoimentos expressam o impacto
beu a Ordem do Mérito Cultural do Brasil e, do Museu sobre os moradores da Maré e de
ao completar 2 anos – sem contar com re- outros lugares da cidade do Rio de Janeiro e
cursos que possibilitem investimento em di- do Brasil, revelando que tal iniciativa possui
vulgação, o Museu já recebeu mais de 12 mil uma linguagem local e universal, fruto do
visitas. Muitos dos visitantes expressam suas diálogo entre os diferentes agentes sociais
opiniões e percepções sobre o Museu em um que constituem o Museu e garantem sua
livro de anotações, algumas das quais estão pluralidade.
reproduzidas abaixo:

“Hoje foi a 1ª vez que visitei o museu: es- O LUGAR


tava passando e resolvi entrar. Foi uma
das melhores experiências que tive nos O Museu está localizado na Casa de Cultu-
últimos anos. Incrível, não?!! É bom sa- ra da Maré, espaço cedido em comodato
ber que temos história, cultura, tradição, pela empresa Terminal 1 de Navegação ao
etc... Não somos números ou censo de Centro de Estudos e Ações Solidárias da
pobreza; somos gente. Que bom que há Maré (CEASM), ong responsável pela gestão
quem saiba disso e nos faça lembrar, do Museu. Há mais de dez anos fechado, o
porque às vezes esquecemos. Obrigado”. espaço era uma oficina de reparos de peças
MEMÓRIA E MOVIMENTOS SOCIAIS 185

navais localizada na Avenida Guilherme Desde sua inauguração em 1946, a Aveni-


Maxwell, antigo caminho para o Porto de da Brasil passou a ser parte inseparável da
Inhaúma, lugar ainda vivo na memória dos fisionomia da região, facilitando a migração,
moradores da Maré. o acesso dos moradores aos locais de traba-
lho, e a chegada do material necessário aos
Esta região – transformada em bairro pelo aterros e à construção das casas.
poder público municipal - compreende um
conjunto de 15 localidades onde moram cer- A ocupação da região atingiu seu auge na
ca de 132 mil pessoas2. A Maré está localiza- década de 1970, tendo se espraiado sobre as
da entre importantes vias expressas que cor- águas da Baía de Guanabara, como um im-
tam a cidade do Rio de Janeiro: a Avenida pressionante aglomerado de habitações
Brasil, a Linha Vermelha e a Linha Amarela. construídas sobre palafitas. Na década de
Das 15 localidades que foram reunidas sob a 1980, por meio do chamado Projeto Rio5,
designação de bairro, 12 estão situadas na houve a erradicação desse tipo de habitação.
área conhecida como Favela da Maré. Esta Foram realizados grandes aterros e construí-
área se estende paralelamente à pista de subi- dos conjuntos habitacionais na região para o
da da Avenida Brasil (sentido Zona Oeste da reassentamento das famílias removidas das
cidade), desde a FIOCRUZ (antigo prédio do áreas palafitadas.
Ministério da Saúde), até a altura da entrada
para o Aeroporto Internacional do Galeão. Na década de 1990, a Maré foi objeto de
outro processo de reassentamento promo-
A região da Maré, assim chamada por cau- vido pela Prefeitura6, principalmente de
sa dos mangues e praias que dominavam sua populações desabrigadas e moradores de
paisagem, foi sendo ocupada desde o perío- áreas de encostas e margens de rios, consi-
do colonial, quando exerceu preponderante deradas de risco. No mesmo período, ocor-
papel econômico, seja por nela existirem reu o fortalecimento do chamado “poder
dois portos3 por onde se escoava a produção paralelo”. Organizado em facções crimino-
das fazendas locais, seja por ter alimentado sas rivais, o tráfico de drogas passou a difi-
com seus mangues, os engenhos de cana-de- cultar, no cotidiano, o processo de integra-
açúcar e as olarias que ali se instalaram. ção das localidades.

Com a criação das estradas de ferro, no Durante a primeira gestão do Prefeito


final do século XIX, a região entrou em César Maia, foi criado o bairro da Maré por
declínio, pois a atividade econômica, antes meio da Lei Municipal nº 2.119 de 19 de ja-
situada em torno dos portos, voltou-se para neiro de 1994, publicada em Diário Oficial
os centros comerciais que se formaram junto de 24 de janeiro do mesmo ano. Tendo sido
às estações da linha da Leopoldina Railway4. alvo de inúmeros projetos governamentais e
de acordo com diversos interesses políticos,
Na década de 1940, com a abertura da a Maré, até então considerada como favela,
Avenida Brasil, a região conheceu novo e passou a ser tratada pelo poder público
paulatino desenvolvimento, devido à im- como uma área totalmente urbanizada, con-
plantação de um cinturão industrial às mar- dição esta que viabilizou a criação do bairro.
gens da avenida que, somado ao isolamento Mas, desde sua origem, a existência do bairro
dos terrenos na orla da Baía de Guanabara e da Maré não foi reconhecida pela maioria
à facilidade de acesso a tais áreas, criou con- dos moradores, que prefere se identificar
dições bastante favoráveis para o crescimen- com os bairros vizinhos à região: Bonsuces-
to de sua ocupação. so, Manguinhos, Ramos ou Penha.
186 CLÁUDIA ROSE RIBEIRO DA SILVA

É evidente que os diferentes processos de Oriundos de movimentos sociais, da pas-


ocupação das 15 localidades, a violência e toral da Igreja Católica e de outros espaços
as inúmeras modificações operadas pelo po- de militância, como associação de morado-
der público na geografia da região, são fato- res e partido político, os fundadores do
res que geraram obstáculos à constituição do CEASM desenvolveram uma forte identida-
bairro da Maré enquanto um “lugar de me- de com a Maré, o que contribuiu para fazer
mória” (NORA, 1993), onde as diferentes da ong uma experiência singular.
identidades e as inúmeras memórias dos
moradores pudessem encontrar um ancora- O CEASM desenvolve projetos, cujas
douro. No entanto, esses fatores também po- ações divulgam claramente a idéia de bairro.
dem ser percebidos, ainda que em graus di- Um desses projetos é a Rede Memória da
versos, na maioria das regiões da cidade tra- Maré, que objetiva preservar a história local
dicionalmente reconhecidas como bairros, o e contribuir para a criação do sentido de
que não impediu a seus moradores desen- pertencimento dos moradores ao bairro.
volver uma identidade com o lugar.
A origem deste projeto é anterior à funda-
Mas, ao contrário desses outros lugares, ção do próprio CEASM. Em 1989, um grupo
concebidos como partes integrantes da cida- de jovens, moradores da Maré, desenvolve-
de, o bairro da Maré foi criado a partir da ram um projeto chamado TV Maré, que se
favela, espaço historicamente associado a constituiu em uma das primeiras experiênci-
tudo o que se opõe à vida urbana. A subjetivi- as de TV comunitária do estado do Rio de
dade, as memórias e o cotidiano dos morado- Janeiro. A iniciativa previa a gravação de
res da região são marcados por esse estigma, imagens do cotidiano, eventos, festas e ou-
que também permanece profundamente ar- tros fatos que pudessem despertar o interesse
raigado nas pessoas que vivem nesta cidade. da comunidade. Todo material produzido
era exibido pelas ruas e praças, em aparelho
de televisão ou telão, em eventos que chega-
O CEASM E A CONSTRUÇÃO DO PROJETO POLÍ- vam a reunir até 200 pessoas.
TICO DE BAIRRO
Dessa experiência inicial surgiu a idéia da
Na contramão das representações domi- produção de um vídeo que contasse a histó-
nantes sobre as favelas, podemos encontrar ria das comunidades da Maré. Com esse ob-
na Maré algumas organizações não governa- jetivo foi traçado um pré-roteiro, que previa
mentais que formularam um discurso de va- a apresentação da história do lugar, conten-
lorização do lugar. Uma dessas ongs é o do informações que iam desde o período
CEASM, que atua de forma consciente no colonial até os dias atuais. Os agentes envol-
sentido de constituir uma memória coletiva vidos no projeto, interessados então, em pro-
em torno do bairro. duzir um vídeo amador que narrasse a histó-
ria do local onde viviam, acabaram por des-
Segundo Pandolfi e Grynszpan (2003), o cobrir, através de pesquisas realizadas de for-
CEASM é uma das ONGs mais importantes ma empírica e estimuladas pela curiosidade,
que atuam na região, destacando-se o fato aspectos muito interessantes da região. Tal
da instituição ter sido criada por moradores experiência acabou por constituir ao longo
e ex-moradores locais que, tendo alcançado de várias entrevistas realizadas, um impor-
formação universitária e estabilidade profis- tante acervo documental sobre a história da
sional, continuaram atuando em movimen- Maré e da própria cidade. Com o fim do
tos coletivos na Maré. projeto em 1995, os integrantes da TV Maré,
MEMÓRIA E MOVIMENTOS SOCIAIS 187

conscientes da importância do material que ria Municipal de Educação, Departamento


tinham produzido, mas sem condições mate- de Museus e Centros Culturais do IPHAN, Mi-
riais de organizá-lo e disponibilizá-lo à comu- nistério da Cultura; algumas associações de
nidade, resolveram manter tudo guardado. moradores, escolas públicas e ONGS locais.

Em 1997, alguns dos ex-integrantes da TV A ONG iniciou sua atuação em 1997, a


Maré participaram da fundação do CEASM, partir do projeto Pré-Vestibular Comunitário
retomando de imediato a idéia de trabalhar da Maré. As duas turmas que se formaram,
a questão da memória dos moradores, ao com 70 alunos cada, ocuparam salas na Pa-
mesmo tempo que iniciaram um processo róquia Nossa Senhora dos Navegantes, na
de recuperação, organização e conservação época, a única paróquia católica local. O
do material produzido anteriormente, consi- padre cedeu o espaço da igreja ao CEASM,
derando inclusive a possibilidade de sua enquanto as obras eram realizadas em sua
ampliação, transformando-o em embrião da sede, prédio cedido em comodato pela dire-
montagem de um acervo sistematizado, que toria da associação do Morro do Timbau.
o novo grupo resolveu chamar de Rede Me-
mória da Maré. Em parceria com a empresa Terminal 1 de
Transporte Marítimo, o CEASM abriu um
De acordo com as justificativas apresenta- novo núcleo no Morro do Timbau. Inaugu-
das nos projetos redigidos pela instituição – rada em 2003, a Casa de Cultura da Maré –
como por exemplo, a Rede Memória -, o assim chamada pelos participantes da ONG -
CEASM foi criado com a missão de promo- é um espaço dedicado aos projetos culturais
ver ações qualitativas, integradas e de longo desenvolvidos pela instituição.
prazo no espaço local, objetivando melhorar
a qualidade de vida dos moradores da Maré Os agentes sociais do CEASM formularam
e contribuir para a superação das representa- ao longo dos 11 anos de existência da ong, a
ções estereotipadas da favela que orientam a proposta política de invenção do bairro da
opinião pública em geral e, em particular, a Maré. De acordo com Hobsbawm (1997), o
opinião pública carioca. êxito das invenções depende de sua trans-
missão clara, de forma que o público possa
A instituição trabalha a partir do uso da entendê-la de imediato. Nesse sentido, é
metodologia de criação de redes sociopeda- possível perceber que o CEASM desenvolveu
gógicas, que visam articular grupos sociais vários projetos que, em suas ações divulgam
comprometidos com a participação cidadã a idéia de bairro.
(GOHN, 2007), contribuindo para a criação
de políticas públicas que melhorem qualita- Um desses projetos, como já foi dito, é a
tivamente a vida dos moradores da Maré e Rede Memória, que obteve reconhecimento
da cidade. nacional em 2005, ao receber o Prêmio
Rodrigo Melo Franco de Andrade, oferecido
Para desenvolver esse conjunto de proje- pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Ar-
tos, o CEASM estabeleceu diversas parcerias tístico Nacional (IPHAN). Tal premiação é
com instituições públicas e privadas, como conferida a pessoas ou instituições que de-
por exemplo, a empresa White Martins; os senvolvem ações de preservação do patri-
institutos Votorantim, C&A e Unibanco; mônio cultural brasileiro. O IPHAN selecio-
INFRAERO, FIOCRUZ, UFRJ, UFF, UNIRIO; Se- nou sete iniciativas em todo o Brasil, tendo
cretaria de Assistência Social e Direitos Hu- sido a Rede Memória premiada na categoria
manos do Estado do Rio de Janeiro, Secreta- de salvaguarda de bens de natureza imaterial.
188 CLÁUDIA ROSE RIBEIRO DA SILVA

Esse trabalho de preservação do patrimô- de. E foi isto exatamente que uma mu-
nio imaterial da Maré valoriza a história lo- lher inteligente fez, ignorando os protes-
cal, sistematizada em um texto ilustrado de tos de seu marido e começando a juntar
83 páginas, o Histórico da Maré. O texto foi pedaços de madeira, com o intuito de le-
escrito por Antônio Carlos Pinto Vieira, um vantar um barraco naquele ponto deser-
dos fundadores do CEASM e coordenador to que parecia não ter interesse a nin-
da Rede Memória. Seu trabalho apresenta a guém. Este primeiro casal vinha do cen-
história da região e sua relação com a dinâ- tro do Rio, onde vivia numa casa de cô-
mica da formação da cidade. Ordenando modos, atrás da Estação da Central do
numa seqüência cronológica os processos Brasil. A mulher tinha acabado de che-
históricos ocorridos na região e na cidade, gar do interior de Minas Gerais e não
desde o período colonial até o final da déca- conseguia viver sufocada no pequeno cô-
da de 1990, Vieira escreve a primeira versão modo, ‘com chuva caindo em goteiras’.
da história da Maré e, principalmente, cria Ela escolheu um ponto seco, convenien-
uma identidade comum entre as diversas lo- te, numa pequena elevação próxima ao
calidades que se formaram ao longo da Ave- mar e levantou seu pequeno barraco
nida Brasil, a partir da década de 1940. com os materiais que a maré trazia de
graça. Mais tarde ela se dedicou a plan-
Vieira afirma que a localidade mais antiga tar árvores frutíferas e uma horta e a
da região é o Morro do Timbau e, numa nar- cercar seu ‘território’. Ela conseguiu fa-
rativa mítica, apresenta a história de dona zer tudo sem que qualquer pessoa a per-
Orozina, conferindo àquela que teria sido a turbasse. Mesmo assim, o casal estava
primeira moradora do Morro do Timbau, o bastante assustado, percebendo que eles
status de fundadora da Maré: estavam ocupando algo, sem autoriza-
ção, que não lhes pertencia” (1998, p. 43-
A ocupação da comunidade propriamen- 44, grifo do autor).
te dita se dá a partir da chegada da pri-
meira moradora, d. Orozina, que num De acordo com Portelli (2002), um mito
passeio de final de semana se apaixona não é obrigatoriamente uma história inven-
pelo lugar, e recolhendo a madeira que a tada. Na verdade, o mito é “uma história que
maré trazia, demarca uma área e cons- se torna significativa na medida em que am-
trói o primeiro barraco e assim nos é con- plia o significado de um acontecimento in-
tada por Carlos Nélson: “[...] Havia ali dividual (factual ou não), transformando-o
uma praia, então limpa e agradável. Se na formulação simbólica e narrativa das
chamava Praia de Inhaúma, embora o auto-representações partilhadas por uma
bairro do mesmo nome ficasse distante, cultura (p. 121). É justamente essa narrativa
no interior do tecido urbano. Foi ali, ali- mítica sobre a origem da Maré que os agen-
ás, como resultado de um passeio de do- tes sociais do CEASM formularam a partir da
mingo à Praia de Inhaúma que os primei- história de dona Orozina, apresentada no
ros ocupantes se apaixonaram pelas ca- histórico escrito por Vieira.
racterísticas da localidade. Nada existia
ali, exceto o matagal que, na linguagem O Histórico da Maré compõe o acervo do
do dia a dia significava que a região esta- arquivo documental criado pela Rede Me-
va coberta de espessa vegetação. A mória com o objetivo de abrigar variadas
praia estava coberta de pedaços de ma- fontes sobre a história local: fotografias, ma-
deira trazidos pela maré, e que pareciam pas, uma hemeroteca, documentos oficiais
sugerir seu uso para alguma boa finalida- sobre a Maré, documentos particulares doa-
MEMÓRIA E MOVIMENTOS SOCIAIS 189

dos por moradores, monografias, teses etc. produzido e ampliado para compor várias
Não por um acaso, o arquivo foi batizado exposições sobre a história da Maré.
com o nome de dona Orozina.
As exposições são apresentadas em espa-
Desde sua inauguração, em 27 de abril de ços públicos locais, como escolas e praças.
2002, várias pessoas já passaram pelo arqui- Nos últimos anos, a Rede Memória vem reali-
vo. Algumas, para conhecer; outras, para ver zando também exposições em outros lugares
fotos antigas e “matar” a saudade do passado; fora da Maré, como por exemplo, no Institu-
e muitas, para pesquisar. Grande parte das to de Arquitetos do Brasil (IAB-RJ), Flamen-
pesquisas são realizadas por professores e go; no Instituto de Filosofia e Ciências Huma-
alunos das escolas públicas locais e por par- nas da UFRJ, Largo São Francisco; no Institu-
ticipantes dos outros projetos do CEASM. to de Educação da UFF, no Museu de Arte
Nos registros do arquivo consta um número Contemporânea, e no Centro Cultural do Tri-
considerável de consultas feitas por pesqui- bunal de Contas do Estado, em Niterói; e no
sadores ligados a diversas instituições da ci- Museu da República, Catete.
dade, tais como UNIRIO, CPDOC, UFRJ,
FIOCRUZ e outras. A Rede Memória também possui um gru-
po de contadores de histórias, cujo nome é
A equipe do arquivo é formada por jovens Maré de Histórias. Esse grupo desenvolve um
universitários, moradores da Maré, muitos trabalho a partir das narrativas dos morado-
dos quais fizeram o Curso Pré-Vestibular ofe- res, explorando o aspecto lúdico da história
recido pelo CEASM. Atualmente, eles estão da Maré - as lendas e os causos narrados pelos
em universidades públicas, cursando facul- mais velhos. Histórias como O Ensopado de
dades de História, Geografia, Bibliotecono- Cobra, O Porco com Cara de Gente, O Casa-
mia, Arquivologia e Serviço Social. Esses mento na Palafita e A Figueira Mal Assombra-
jovens realizam um trabalho de pesquisa da fazem parte do repertório do grupo.
junto aos moradores locais para reproduzir
os acervos pessoais sobre a história da Maré. Outro projeto desenvolvido pela Rede
Além disso, a equipe também desenvolve Memória é a pesquisa de história oral. Este
pesquisa em arquivos públicos e particulares projeto tem o objetivo de preservar a histó-
do Rio de Janeiro. ria da Maré, através do registro dos depoi-
mentos orais dos moradores mais antigos.
Em conseqüência do trabalho desenvolvi-
do, o arquivo abriga material variado sobre a A Rede Memória é um dos instrumentos
história local, composto por fotografias, pu- criados pelo CEASM para promover a divul-
blicações, fitas de vídeo e áudio, jornais e gação do bairro, suas questões atuais e sua
mapas. O acervo está disponível à consulta história. Dessa forma, o CEASM se apropria
de moradores, professores e alunos das esco- de uma criação político-administrativa do
las públicas do bairro e de pesquisadores das poder público e, numa outra perspectiva, in-
diversas instituições da cidade. venta o bairro da Maré, dando-lhe uma ori-
gem histórica comum e valorizando o lugar
Grande parte do acervo do Arquivo e os atores sociais que o construíram.
Orozina Vieira é constituído por fotografias,
que retratam variados aspectos da realidade A insistência do CEASM em utilizar a idéia
local, e fotos do início do século XX, de auto- de bairro para se referir e atuar na Maré, ape-
ria do conhecido fotógrafo Augusto Malta. sar da falta de identidade por parte da maio-
Esse acervo iconográfico foi, em parte, re- ria dos moradores em relação a essa idéia, é
190 CLÁUDIA ROSE RIBEIRO DA SILVA

de relevante importância. O CEASM é uma meios de comunicação que reduz a comple-


ong que atua de dentro para fora. Partindo xidade das favelas a uma cultura específica e
do local para o global, busca contribuir para diferente, contribuindo para reforçar o este-
transformar a Maré e a cidade. Para atingir reótipo desses espaços, enquanto lugares da
seus objetivos, o CEASM se apropriou do pobreza e da violência.
bairro - instituído de cima para baixo, a par-
tir de decreto municipal – de forma estraté- A opção do CEASM de se apropriar da cri-
gica para trabalhar o sentido de pertenci- ação do poder público, é assim analisada
mento do morador ao local em que vive. por Antônio Carlos, fundador da ONG e au-
Assim, a partir da invenção de um bairro, a tor do texto sobre a história da Maré:
ONG busca forjar uma nova cultura, que
rompa com a visão simplista sobre o lugar. O projeto não é do CEASM, acho que o
CEASM encampou essa proposta porque ela é
No entanto, o trabalho de transformação uma realidade que vai aos poucos se confor-
dos olhares estigmatizantes sobre a Maré é mando... E fez com tanta competência que
um desafio constante que nem sempre é re- parece mesmo ser um projeto do CEASM. A
conhecido, podendo ser apreendido e detur- gente não pode esquecer que antes do
pado por interpretações preconceituosas, CEASM ocorreram vários movimentos na
como a que segue: Maré nesse sentido. O Projeto Rio, com a
ameaça da remoção e a proposta de interven-
O BNDES financiou, a Prefeitura deu ção gigantesca, forçou a união das associa-
apoio e a ONG CEASM está realizando o que ções locais, e propôs um tema que era co-
parece ser o mais sério levantamento realiza- mum a todas as comunidades. Em 1995, sur-
do em favelas do Rio. Até porque o pessoal giu uma outra iniciativa que foi a UNIMAR
dessa ONG teve facilidade para entrar nos (União das Associações de Moradores da
barracos já que seu núcleo é formado por Maré). Isso foi motivado pela criação do bair-
universitários oriundos da Favela da Maré – ro Maré, em 1994, e a reaproximação das lide-
que hoje, como marco inicial de suas des- ranças com o engenheiro Edgard Amaral, um
venturas, nem favela mais se chama. dos principais articuladores do Projeto Rio.
Pespegaram-lhe o pomposo nome de “Com- Mas, o projeto de bairro encontrou sua maior
plexo” [...] Na Maré, são 38.083 barracos, expressão no CEASM, que pauta todas as suas
contabilizados pela ONG CEASM, que já ações para o espaço geográfico do bairro Maré.
contou efetivamente 102.828 habitantes [...] A divulgação do Pré-Vestibular, por exemplo, é
Nesses barracos, só miséria e doença, analfa- feita por meio de faixas e carro de som em to-
betismo e violência, a revelar uma única coi- das as comunidades; os alunos matriculados
sa: a solução do caso das favelas é não haver também são de várias comunidades; o projeto
mais favelas [...] (Jornal do Brasil, 2000 apud da Memória desenvolveu um histórico falando
ESTEVES, 2004, P. 33, grifo nosso)7. da região como um todo, desde o período co-
lonial, propondo uma memória coletiva da
Nesta notícia sobre o censo que o CEASM região, mas respeitando o específico das co-
realizou no ano de 2000, muito mais do que munidades. O CEASM faz uma competente
o total desconhecimento por parte do jorna- apropriação do projeto do bairro Maré e se
lista sobre a realidade da Maré, é possível tornou um dos seus principais agentes (Depo-
perceber uma visão homogeneizante dos imento cedido em 18/04/2008).
MEMÓRIA E MOVIMENTOS SOCIAIS 191

A CRIAÇÃO DO MUSEU DA MARÉ respostas para essas questões, sob pena de se


afastar de seu objetivo principal que é servir
Os narradores do CEASM têm clareza do à comunidade, que dele se apropria, e nele
seu papel de construtores de uma identidade deve estar representada. Dessa forma, o Mu-
coletiva dos moradores do bairro. Para tan- seu da Maré quer contribuir com o processo
to, desenvolveram instrumentos para alcan- de alargamento da perspectiva do papel dos
çar seus objetivos, como bem descreve Antô- museus na realidade contemporânea.
nio Carlos no depoimento acima. Um desses
instrumentos foi o calendário elaborado O museu não é um lugar para se guardar
pela Rede Memória em 2005. Família Maré - objetos ou cultuar o passado. Ele é um lugar
nome dado ao calendário - apresentou a de vida. Se a vida pode ser medida pelos
cada mês uma foto do acervo pessoal de al- anos, dias e horas, nos relógios e calendários,
guns moradores e seus depoimentos. no Museu da Maré ela é contada por tempos,
onde nada está acabado, tudo é mutável.
Inspirados pela experiência positiva do Passado, presente e futuro convivem nos
calendário e pelas várias exposições fotográ- tempos da água, da casa, da migração, do
ficas realizadas, principalmente a exposição trabalho, da resistência, da feira, da festa, da
A Força da Maré no Museu da República - fé, da criança, do cotidiano, do medo e do
que contou com a utilização de objetos em- futuro. São 12 exposições temáticas, como
prestados pelos moradores -, os participantes 12 são as horas do relógio e os meses do ano.
da Rede Memória estabeleceram uma parce-
ria técnica com o Departamento de Museus As exposições buscam representar os tem-
de Centros Culturais (DEMU)/IPHAN para a pos construídos a partir do lugar e da vida.
implantação de um novo projeto: o Museu Aqui os moradores tiveram que fazer seu
da Maré, que integra os Pontos de Cultura do chão. Fincaram as palafitas na água e sobre
Programa Cultura Viva/MINC. elas ergueram suas casas. O tempo era con-
tado pelo fluxo e refluxo da maré. Redes ao
Além de valorizar a história da região, o mar, aterros, rola-rola, bicas d’água, tijolos,
museu objetiva contribuir para ampliar a co- lajes, mutirão. Tudo isso faz parte do patri-
municação entre os diferentes patrimônios mônio construído por tantas pessoas ao lon-
existentes na cidade, favorecendo o exercí- go do tempo.
cio da cidadania e a participação das comu-
nidades no processo de apropriação do pa- Nesse lugar, onde muitos só enxergam a
trimônio cultural local e universal. violência, nasce uma nova maneira de con-
tar os tempos da cidade, a partir do diálogo,
Numa cidade tão complexa como o Rio da troca e do respeito à diversidade cultural.
de Janeiro, estabelecer uma relação orgâni- O Museu da Maré é um convite à construção
ca com a sociedade, respeitando sua diversi- desse novo tempo.
dade cultural é, sem dúvida, um desafio per-
manente para os museus. Como criar pontes Mário Chagas e Regina Abreu assim anali-
que favoreçam o diálogo entre as diferentes sam a importância do Museu:
realidades sócio-culturais existentes nessa ci-
dade? De que forma superar uma visão limi- A experiência do Museu como ferramenta
tada de patrimônio e valorizar também a de comunicação e trabalho contribui para
cultura material e imaterial produzida pelos a luta contra o preconceito em relação
subúrbios, comunidades populares e favelas? aos museus – tradicionalmente considera-
Um museu, seja ele qual for, deve encontrar dos como dispositivos de interesse exclusi-
192 CLÁUDIA ROSE RIBEIRO DA SILVA

vo das elites econômicas – e também em cultura “superior”. Pelo contrário, eles ne-
relação às favelas – comumente tratadas gam a idéia de sua absolutização, pois são
como lugares de violência, de barbárie, objetos muito simples do cotidiano dos mo-
de miséria e de desumanidade. A polêmi- radores da Maré. No entanto, ao terem sido
ca provocada pelo Museu da Maré subli- musealizados, tais objetos revelam plena-
nhou um fato que, mesmo sendo óbvio, mente a sua dimensão humana, que nos toca
frequentemente não é levado em conta, e emociona. No Museu, esses objetos são
qual seja: o da favela como lugar de cultu- verdadeiros lugares de memória.
ra, de memória, de poética, de trabalho, e
não apenas como território privilegiado Pierre Nora afirma que lugares de memó-
da bala perdida ou teatro de guerra onde ria são aqueles revestidos de simbolismo:
policiais enfrentam bandidos e bandidos “mesmo um lugar puramente funcional,
enfrentam policiais (2007, p. 133). como um manual de aula, testamento, uma
associação de antigos combatentes, só entra
No centro do Museu, emergindo do Tempo na categoria se for objeto de um ritual” (p.
da Água, surge um barraco em tamanho natu- 21). As inúmeras memórias existentes na
ral. É possível passar por entre as palafitas que o Maré, relacionadas a lugares, fatos, pessoas e
sustentam, olhar para cima e ver seu assoalho. objetos, foram revestidas de simbolismo pe-
Mas a experiência mais impactante ainda está los agentes sociais que criaram o Museu, ten-
por vir: entrar na casa e conhecer seu interior; do como eixo central o barraco sobre palafi-
imaginar como as pessoas podiam morar em tas, signo da miséria nacional durante déca-
um espaço tão pequeno que, ao mesmo tempo das, e que hoje se transforma em espaço ritu-
era sala, cozinha e quarto, razão de ser da exis- al de troca e encontro das diferentes memó-
tência de milhares de migrantes que foram che- rias de pessoas de todos os lugares.
gando ao longo de várias décadas.
Para Antônio Carlos Vieira, a casa é um
Por fora, as madeiras daquela construção espaço de encontros e trocas, aflorando nos
simples têm vários tons de azul; por dentro, visitantes diversos sentimentos que são com-
tudo é cor-de-rosa para receber e acolher os partilhados e criam uma “comunidade de
visitantes. Quem entra, se depara com um es- afetos”, que se contrapõe ao movimento de
paço muito bem arrumado, repleto de objetos fragmentação e individualismo do mundo
que não dialogam apenas com quem morou pós-moderno:
em um barraco ou mora em favela. Os objetos
têm vida, por isso eles interagem com o visitan- Se vivemos em um mundo dito pós-mo-
te, emocionam e aproximam memórias e pa- derno, cujas principais marcas são a perda
trimônios de diferentes tempos e lugares. de eixos referenciais, o descarte do espa-
ço concreto como espaço de encontro, a
São objetos simples, que poderiam ter sido comunicação virtual, o individualismo e a
esquecidos: imagens de santos, rede, lamparina, fragmentação de identidades, temos nes-
retratos de família, roupas, móveis; um sa casa um manifesto não escrito, que vai
paneleiro com panelas muito bem areadas; um em rota de colisão a este movimento. É
fogão da marca “Cosmopolita” e, sobre ele, um uma casa de lembranças, que reúne os
pente feito de ferro com cabo de madeira, cha- fragmentos, que valoriza o espaço local,
mado de “pente quente” ou pente de ferro. suas vivências e experiências coletivas,
que propõe uma memória projetada de
Os objetos do Tempo da Casa não são ca- acordo com as experiências de vida, tão
ros, não são raros nem são expoentes de uma diferentes, mas que estão ligadas por cer-
MEMÓRIA E MOVIMENTOS SOCIAIS 193

to fio condutor que perpassa essa memó- Sem dúvida, o Museu é um importante
ria. É um movimento de conexão, que instrumento usado pelos agentes sociais do
extrai das diferentes experiências senti- CEASM, que trabalham para deslocar o en-
mentos comuns e permite o encontro sur- quadramento da memória dos moradores da
preendente do que Halbwachs chama de Maré e da cidade do Rio de Janeiro, conce-
“comunidade de afetos” (2007, p. 154). bendo as diferenças e identidades enquanto
produções sociais que envolvem diversas re-
lações de poder.
CONCLUINDO
Por meio de várias ações, os idealizadores
Os agentes sociais que constroem o do CEASM teimam em valorizar aquilo que é
CEASM deram novo significado ao papel desprezado no geral pelos enquadradores
dos museus, que passam a ser também um das memórias oficiais: as lutas, o protagonis-
recurso para a reflexão sobre a identidade e mo, o patrimônio cultural dos moradores da
a importância do patrimônio cultural dos Maré, e a importância da história desse lugar
moradores das favelas, subúrbios, periferias e para a história de toda a cidade.
bairros populares.
Dessa forma, o Museu imaginado por esses
O conceito de identidade trabalhado no agentes como possibilidade de superação de
Museu é um conceito estratégico e político. uma identidade tida como normal - que gera o
Não se trata de discutir somente quem são os estigma contra a favela -, vai sendo por eles
moradores da Maré, mas, principalmente, inventado, à medida que novos discursos são
como esses moradores são representados na criados a partir da apropriação idéia de bairro
cidade e como essa representação tem influ- e do diálogo entre a realidade local e global.
enciado sua auto-imagem.

O Museu da Maré é uma proposta para a BIBLIOGRAFIA:


cidade pensar as identidades e as diferenças a
partir de novas referências que fujam do lugar A Maré em Dados: Censo 2000 – Análise da 1ª
comum do imutável, do permanente, do na- fase. Rio de Janeiro, CEASM, 2003.
tural e da normalidade. Ao mesmo tempo, o
Museu faz um convite aos moradores para ANDERSON, Benedict. Nação e Consciência
que assumam a militância contra a mesmice, Nacional. São Paulo, Ática, 1989.
os determinismos e os estigmas, deslocando
os enquadramentos atuais da memória CHAGAS, Mário; ABREU, Regina. “Museu da
(POLLAK, 1989), que são sempre pautados por Maré: narrativas a favor da dignidade social”.
um processo de normalização da identidade. In MUSAS – Revista Brasileira de Museus e
Museologia. Rio de Janeiro, Instututo do Pa-
Para Pollak, o trabalho de enquadramen- trimônio Histórico e Artístico Nacional – De-
to é realizado por certos atores sociais que partamento de Museus e Centros Culturais,
constroem uma memória oficial. No entan- n.3, 2007. p. 130-152.
to, apesar da aparente harmonia, essa me-
mória é sempre dinâmica e construída no CHAGAS, Mário. “Memória política e política
conflito. É justamente a instabilidade desse de memória”. In ABREU, Regina; CHAGAS,
processo que possibilita o trabalho de des- Mário (orgs). Memória e Patrimônio: ensaios
locamento da memória enquadrada. contemporâneos. Rio de Janeiro, DP&A, 2003.
194 CLÁUDIA ROSE RIBEIRO DA SILVA

_____. Diversidade museal e movimentos SILVA, Tomaz Tadeu da. “A produção social
sociais (arquivo eletrônico cedido pelo au- da identidade e da diferença”. In Identidade
tor). Rio de Janeiro, 2007. e diferença, a perspectiva dos Estudos Cultu-
rais. Petrópolis, Ed. Vozes, 2000. p. 73-102.
GOHN, Maria da Glória. “Movimentos soci-
ais na atualidade”. In GOHN, Maria da Glória VALLADARES, Lícia do Prado. “A Gênese da
(org). Movimentos sociais no início do sécu- Favela Carioca. A produção anterior às ciênci-
lo XXI: antigos e novos atores sociais . as sociais”. In Revista Brasileira de Ciências So-
Petrópolis, Vozes, 2007. p. 13-32. ciais. São Paulo, V. 15, nº 44, out., 2000. p. 5-34.

HALL, Stuart. “Quem precisa de identidade”. _____. A invenção da favela: do mito de


In Identidade e diferença, a perspectiva dos origem a favela.com. Rio de Janeiro, ED.
Estudos Culturais. Petrópolis, Ed. Vozes, FGV, 2005.
2000. p. 103-133.
VIEIRA, Antônio Carlos Pinto. Histórico da
HOBSBAWN, Eric; RANGER, Terence (orgs.). Maré. Rio de Janeiro, CEASM, 1998, mimeo.
A invenção das tradições. Rio de Janeiro, Paz
e Terra, 1997. _____. “Maré: casa e museu, lugar de memó-
ria”. In MUSAS – Revista Brasileira de Museus
JEUDY, Henri-Pierre. Memórias do Social. e Museologia. Rio de Janeiro, Instututo do
Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1990. Patrimônio Histórico e Artístico Nacional –
Departamento de Museus e Centros Cultu-
NORA, Pierre. “Entre memória e História: a rais, n.3, 2007. p. 153-160.
problemática dos lugares”. In Projeto Histó-
ria. São Paulo, Revista do Programa de Estu-
dos Pós-graduados em História e do Departa- Notas
mento de História, Vol. 10, dez, 1993. p. 7-28.
1
Sobre este tema, ver CHAGAS e ABREU (2007).
PANDOLFI, Dulce; GRYNSPAN, Mário (orgs.). 2
Essa população está distribuída pelas seguintes
A favela fala. Rio de Janeiro, FGV, 2003. comunidades: Conjunto Esperança, Vila do
João, Vila Pinheiros, Conjunto Pinheiros, Bento
Ribeiro Dantas, Morro do Timbau, Baixa do Sa-
POLLAK, Michael. “Memória, esquecimento, silên- pateiro, Parque Maré, Nova Maré, Nova Holanda,
cio”. In Estudos Históricos, n 3. Rio de Janeiro, 1989. Rubens Vaz, Parque União, Roquete Pinto, Praia
de Ramos, Marcílio Dias. Fonte: Censo Maré
2000/CEASM.
_____. “Memória e identidade social”. In Es-
3
Portos de Inhaúma e de Maria Angu.
tudos Históricos. Nº 10. Rio de Janeiro, 1992.
5
Projeto do Ministério do Interior lançado em
PORTELLI, Alessandro. “A Filosofia e os Fatos: 1979, e executado pelo Banco Nacional de Habi-
tação (BNH). O Projeto Rio tinha como um de
Narração, Interpretação e Significado nas seus objetivos o saneamento da orla da Baía de
Memórias e nas Fontes Orais”. In Tempo. Rio Guanabara ocupada por palafitas.
de Janeiro, V.I, nº 2, 1996. 6
Programa da Secretaria Municipal de Habitação
Morar sem Risco (VIEIRA, 1998, p. 78).
SILVA, Cláudia Rose Ribeiro da. Maré: a in- 7
André Esteves é jornalista e foi coordenador do
venção de um bairro . Dissertação de projeto O Cidadão até 2005. Sua dissertação de
Mestrado, defendida em 2006, no Programa mestrado é uma reflexão sobre a experiência que
viveu no CEASM e na Maré.
de Pós-graduação em História, Política e
Bens Culturais da Fundação Getúlio Vargas.
ARTIGO
6
Memorial da Resistência:
Perspectivas interdisciplinares
de um Programa Museológico
n MARIA CRISTINA OLIVEIRA BRUNO

A
MARIA LUIZA TUCCI CARNEIRO
GABRIELA AIDAR

APRESENTAÇÃO

E
Este texto apresenta o projeto do Memorial da Resistência, que foi desenvol-
vido visando à remodelação do antigo Memorial da Liberdade, através da inici-
ativa da Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo, cuja implantação teve
início em 1o. de maio de 2008.
A sua elaboração, a partir de estimulante exercício interdisciplinar, aproxi-
mou o conhecimento já produzido e sistematizado relativo às pesquisas histó-
ricas das potencialidades programáticas inerentes aos estudos museológicos,
permitindo a indicação de propostas conceituais e metodológicas para a res-
pectiva remodelação, com vistas à expansão de sua perspectiva preservacio-
nista e ampliação de seu potencial educativo-cultural. Trata-se de um projeto
voltado para a musealização da memória da resistência e da repressão, a partir
da apropriação de um segmento do antigo edifício sede do DEOPS/SP – Depar-
tamento Estadual de Ordem Política e Social do Estado de São Paulo, hoje
ocupado pela Estação Pinacoteca.
196 MARIA CRISTINA O. BRUNO; MARIA LUIZA TUCCI CARNEIRO; GABRIELA AIDAR

Os estudos e as análises para a elaboração 1 - UM CENTRO DE REFERÊNCIA DA MEMÓRIA


desta proposta giraram em torno de três seg- POLÍTICA BRASILEIRA
mentos, abaixo indicados:
1.1 Espaço da História e da Memória
- perspectiva histórica
- programa museológico Discutir estratégias de como conscientizar
- proposição para ação educativa e cul- a população brasileira sobre o papel das ins-
tural tituições de controle do Estado Moderno é
uma das múltiplas formas de lutarmos con-
A implantação e o desenvolvimento deste tra a repressão institucionalizada, vetor do
projeto contará com uma Comissão de ori- exercício da cidadania e da democracia. En-
entação composta por representantes das quanto historiadores, museólogos e educa-
Secretarias Estaduais de Cultura e da Justiça dores, devemos estar atentos à capacidade
e Defesa da Cidadania, do Fórum Permanen- que a intolerância e violência têm de
te dos Ex-Presos e Perseguidos Políticos do retornar disfarçadas de modernidade, de se
Estado de São Paulo, do Arquivo Público do manter e de se propagar através de novos
Estado, da área acadêmica e da Pinacoteca artifícios. E, toda vez que isto acontece, re-
do Estado que, por sua vez, atuará em conso- trocedemos no árduo processo de democra-
nância com as autoras da proposta e com a tização e reconhecimento dos Direitos Hu-
equipe técnica multiprofissional que terão a manos. Enfim, nem todos têm conhecimen-
responsabilidade de assegurar a condução tos dos fatos sob a perspectiva histórica; e
das linhas programáticas. nem todos têm conhecimento para dispor
do certo ou do errado. É neste sentido – de
Os trabalhos que embasaram a concepção investir contra a História Oficial e de romper
desta proposta apontaram, ainda, para a im- com os silêncios propositais da História –
portância das conexões com outras experi- que foi idealizada a remodelação do espaço
ências congêneres no Brasil e no exterior e do Memorial da Liberdade, sediado na Esta-
para a necessidade de atenção constante ção Pinacoteca, no Largo General Osório, nº
com a continuidade sistemática das pesqui- 66, em São Paulo.
sas históricas, com a atualização dos discur-
sos museológicos, com a ressignificação dos O prédio — que hoje abriga a Estação Pi-
espaços da memória e, acima de tudo, para o nacoteca — foi projetado pelo escritório de
não esmorecimento frente aos desafios edu- Ramos de Azevedo para ser o escritório cen-
cacionais relativos às questões que evidenci- tral e armazém central da E.F. Sorocabana
am os nossos traumas histórico-culturais. que ali funcionou entre 1914 e 1940. A partir
desta data, abrigou a Delegacia Especializa-
Este texto apresenta as intenções das auto- da de Explosivos, Armas e Munições vincula-
ras, explicita as suas argumentações históri- da ao DEOPS/SP e, no ano seguinte, as de-
cas direcionadas para a necessidade de re- mais repartições dessa Polícia Política, ór-
modelar a atual conjuntura museológica e gão-símbolo da repressão institucionalizada
registra as suas propostas metodológicas no Brasil. Antes de ser transferido definitiva-
para a implementação de uma nova identi- mente para este prédio, o DEOPS – criado
dade institucional. em 1924 para combater a subversão política
MEMORIAL DA RESISTÊNCIA 197

– teve outras sedes: à rua 7 de Abril, nº 81; tência, assim como pouco se conhece sobre
rua dos Gusmões, nº 86, e rua Visconde de os atos de repressão institucionalizada que,
Rio Branco, nº 280. em nome da ordem pública e da segurança
nacional, tiveram seu lugar na História. En-
A partir de 1940, o prédio abrigou também fim, o local carece de uma identidade políti-
a Repartição Central de Polícia e a Chefatura ca, apesar da preservação das celas que fo-
de Polícia (Secretaria de Estado dos Negóci- ram maquiadas para manter “as idéias fora
os da Segurança Pública) que ali permanece- de lugar”.
ram até 1951. Em síntese: o DEOPS ocupou
este espaço desde 1940 até o seu fechamento Assim, pretendemos—através deste proje-
em 1983, marco do final da ditadura institu- to de reformulação do espaço Memorial da
ída com o golpe militar de 1964. Assim, a his- Liberdade – resgatar a identidade social e
tória deste espaço extrapola as imagens de política do prédio da atual Estação Pinacote-
“armazém” da Sorocabana e de “porão” da ca cuja história carece de referências históri-
ditadura militar para alcançar uma dimen- cas. Através de processos museológicos e es-
são ainda maior: a do controle do cidadão tratégias pedagógicas interativas nos dispo-
pelo Estado brasileiro, em tempos de repú- mos a criar condições para informar o visi-
blica e em tempos ditatoriais. tante e formar cidadãos conscientes do seu
passado. Nada nos impede de reconhecer que
Atentos aos processos de higienização da cada vítima tem um valor absoluto se consi-
memória, não devemos perder de vista as derado o grau de injustiça cometido contra
múltiplas funções atribuídas a este prédio ela pelo Estado controlador de idéias e
desde o início do século XX até os dias atu- repressor de ações cotidianas. Entendemos
ais. Não devemos ser coniventes com os que dando a conhecer as histórias da repres-
restauros arquitetônicos implementados por são política e da resistência no Brasil contem-
políticas públicas interessadas em passar um porâneo estaremos instigando o diálogo para
verniz sobre o passado político do Brasil Re- a produção de uma cultura mais tolerante.
pública ou das duas ditaduras, a de Getúlio
Vargas e a Militar. Não podemos nos esquecer O espaço estará também aberto para dis-
que, durante 69 anos, o DEOPS exerceu a cutirmos estratégias de conscientização dos
função específica de controle político-soci- nossos jovens sobre o perigo da persistência
al: vigiou a sociedade e puniu cidadãos acu- de idéias autoritárias, legado das ditaduras
sados de “subversivos ou terroristas” por de- varguista (1937-1945) e militar (1964-1983).
fenderem projetos alternativos daquele sus- Esta será uma das múltiplas formas de salva-
tentado pelo Estado. Usou de práticas repres- guardamos nossas conquistas democráticas.
sivas violentas, arbitrárias e ilegais como a Portanto, cabe a nós, através da educação
tortura, cárcere privado, expulsão, deporta- formal e informal sensibilizar a população
ção e a execução sumária. para algumas singularidades da nossa história
política. Não podemos deixar que o mundo
Restaurado, o prédio mantêm hoje seu fique cego e que a memória se apague. E se
partido arquitetônico com novas funções isto acontece, o todo se converte em Nada. É
muito mais direcionadas à cultura do que à quando retrocedemos aos escombros da ig-
memória política. De forma muita tímida e norância numa espécie de “ ensaio sobre a
surda, o Memorial da Liberdade rende suas cegueira”, à moda do escritor José Saramago.
homenagens aos presos mortos e desapa-
recidos durante a Ditadura Militar. Pouco se Rememorar os atos intolerantes nos colo-
sabe sobre estes grupos e suas ações de resis- ca em estado de alerta contra uma possível
198 MARIA CRISTINA O. BRUNO; MARIA LUIZA TUCCI CARNEIRO; GABRIELA AIDAR

reprodução de certas circunstâncias históri- das, milhares de pessoas foram seqüestradas,


cas que, em diferentes momentos da história, presas e torturadas e, dezenas delas, assassi-
culminaram com a exclusão contra minorias nadas em nome da Segurança Nacional. E,
étnicas, religiosas e políticas, dentre outras. apesar do retorno do Estado de Direito, esta
Mas é preciso lembrar sempre que existem situação continua a incomodar o Estado que
parcelas da sociedade interessadas em silen- ainda reluta em abrir totalmente os arquivos
ciar ou então, em distorcer os fatos. Precisa- secretos e a investir na recuperação dos anti-
mos estar atentos a esta produção intencio- lugares.
nal de silêncios procurando compreender a
razão do não-dito pois nem sempre o silên- No antigo Memorial da Liberdade, apenas
cio é sinônimo de “implícito” ou de “não quatro celas vazias guardam a clareza per-
querer lembrar”. O não-dizer está, na maio- versa em sua estrutura: quase sem luz, ocul-
ria das vezes, ligado à história e à ideologia. tam os seus antigos desígnios deixando de
Portanto, certas ocorrências não devem ser mostrar o grotesco e a exclusão premeditada
interpretadas como meros acidentes de lin- pelo Estado. Se recuperadas na sua aparên-
guagem, e sim como um “ato de intenção”. cia, as celas e o “corredor de tomar sol” cer-
Para tanto, os nossos jovens têm que estar tamente poderão contribuir para a reconsti-
instrumentalizados (além de serem sensibili- tuição do drama vivenciado pelos presos
zados) para perceber os silêncios e as detur- políticos, rotulados de subversivos da ordem.
pações impostas pela História Oficial. Aqui Ordem que era apenas aparente pois, no fun-
está o desafio do Memorial da Resistência: do, o edifício revela o cenário privilegiado
“quebrar” a corrente do silêncio ajudando a da exclusão.
lembrar, sempre.
Enfim, cada uma das celas é um anti-lugar,
uma referência permanente à memória dos
1.2 Vestígios da história da repressão e mortos e desaparecidos políticos. Lapidadas
da resistência: pelo restauro, são fragmentos esgarçados da
memória, memória perversa que guarda sus-
Ao ingressar no prédio da Estação Pinaco- surros, gemidos. Nos andares superiores, de-
teca, raros são os visitantes que têm consci- sapareceram as salas majestosas e o mobiliá-
ência do real significado daquele lugar. Im- rio talhado por mestres do ofício para servir
ponente e majestosa, a arquitetura compõe às autoridades da ordem. Os arquivos da Po-
com o conjunto histórico da Luz recente- lícia Política – testemunhos dos atos da re-
mente revitalizado. Entre a Sala São Paulo, o pressão e da resistência – foram transferidos
Museu da Língua Portuguesa e a Pinacoteca para o Arquivo Público do Estado que, desde
do Estado, a construção se apresenta muito 1994, tem sob sua guarda cerca de 69 anos da
mais como um signo de riqueza e poder eco- nossa história política. Memória até então
nômico do que como espaço símbolo da re- intocada, silenciada, guardada à sete chaves,
pressão. em nome da ordem e da segurança nacio-
nal. Agora, em um outro contexto, os textos
O cenário de sede do antigo DEOPS/SP respiram o ar da liberdade. Outrora, indícios
foi, em grande parte, esvaziado de indícios de crime político; hoje, testemunhos da His-
que remetessem ao nosso passado político. tória. Se sistematizado, este acervo pode
A história da repressão, assim como a da re- retornar ao Memorial sob a forma de memó-
sistência no Brasil contemporâneo, carecem ria virtual associada à idéia de um centro de
de espaços-símbolos. Ao longo de seis déca- documentação e referências bibliográficas.
MEMORIAL DA RESISTÊNCIA 199

1983- Após extinção do DEOPS/SP, o acer- - difundir a importância da preserva-


vo fica sob a guarda da Polícia Federal. ção dos vestígios da memória, a partir
da pesquisa, salvaguarda e comunica-
1991- Documentos são entregues à Secre- ção das fontes e indicadores desta he-
taria de Estado da Cultura. rança patrimonial;

1991-1994 - Sob a guarda do Arquivo do - problematizar os distintos caminhos


Estado de São Paulo, o acer vo foi da memória da repressão e da resis-
disponibilizado para consulta à Comissão de tência, enfatizando as estratégias de
Familiares de Mortos e Presos Desaparecidos. controle de um Estado Republicano e
tendo como referência a ação do
1994- O governo do Estado libera os docu- DEOPS no Estado de São Paulo, a par-
mentos para consulta pública mediante a as- tir dos seguintes segmentos:
sinatura de um termo de responsabilidade,
iniciativa única e democrática do Estado de - memórias silenciadas / apagadas /
São Paulo. destruídas / exiladas.

TRAJETÓRIA DO ACERVO: DEOPS - pesquisas sobre a construção da me-


mória.
ACERVO DEOPS/SP (1924-1983)
- memória e herança patrimonial.
Séries Documentais Fichas Pastas
remissivas [c.] - atualizar as questões relativas à repres-
Prontuários 182. 000 150.000 são e resistência para os dias atuais.
Dossiês 1.100.000 9.626
Ordem Social 115.000 2.312
Ordem Política 120.000 1.582 2.2 Estrutura e Metodologia de Trabalho
Total 1.517.000 163.520 para o Programa Museológico:

A implantação deste programa deve rela-


2 - PROGRAMA MUSEOLÓGICO PARA O cionar ações de salvaguarda e comunicação,
MEMORIAL a partir da articulação com frentes de pes-
quisa em desenvolvimento, da cooperação
2.1 Conceito Gerador Museológico com projetos implementados pela Estação
Pinacoteca e, mediante o diálogo com a Co-
O histórico sobre o DEOPS e a trajetória missão de Orientação, em especial, com a
de ocupação do edifício em pauta indicam participação do Fórum Permanente dos Ex-
que este conceito gerador deve priorizar as Presos e Perseguidos Políticos.
seguintes características:
A estrutura para a configuração da nova
- evidenciar os vetores da memória, de dinâmica para o Memorial está ancorada na
uma instituição de controle do exercí- articulação de quatro vetores:
cio da cidadania, a partir da museali-
zação dos espaços da repressão e da a) Centro de Referência Documental;
resistência, como expressões do Esta-
do Moderno; b) Exposição de Longa Duração;
200 MARIA CRISTINA O. BRUNO; MARIA LUIZA TUCCI CARNEIRO; GABRIELA AIDAR

c) Exposições Temporárias e dos do roteiro temático de longa du-


ração;
d) Ações Educativo-Culturais
· realização de ações educativas, a par-
O desenvolvimento desses vetores depen- tir da perspectiva da educação
derá da reciprocidade das seguintes ações: patrimonial, vinculadas às linhas
programáticas em desenvolvimento
Ações de Pesquisa: na Estação Pinacoteca;

· conexão em rede com fontes docu- · implementação de projetos de difusão


mentais e orais e com os estudos sobre das pesquisas, articulados em torno de
o DEOPS/SP, produzidos pelos pesqui- seminários e outros eventos, como
sadores do PROIN – Projeto Integrado também, da produção de recursos
Arquivo do Estado/Universidade de multimídias.
São Paulo e de outras instituições
congêneres. As estratégias relativas às três linhas de
ações propostas serão implementadas simul-
Ações de Salvaguarda: taneamente, considerando que a compreen-
são sobre o perfil deste novo modelo museo-
· implantação de centro de referência lógico para o Memorial depende da recipro-
bibliográfica e de outros produtos de cidade entre o roteiro expositivo de longa
divulgação ligados ao escopo duração, a ação educativa e o centro de refe-
temático do Memorial; rência patrimonial, pontuada pela realiza-
ção de mostras temporárias e eventos de di-
· preser vação e recuperação fusão científico-cultural.
referencial dos espaços de memória
da sede do DEOPS e dos vestígios pa-
trimoniais correspondentes às ações 2.3 Os Lugares da Memória: do edifício sede
de controle, repressão e resistência; à diáspora patrimonial no estado de São
Paulo:
· realização de inventário de bens patri-
moniais, relativos ao enfoque central A partir de roteiro expositivo que deverá
do projeto, preservados em institui- ocupar alguns espaços relativos à memória
ções de memória. do DEOPS/SP, esta proposta sinaliza para ou-
tros lugares representativos da memória da
Ações de Comunicação: repressão e da resistência no Estado de São
Paulo. Da mesma forma, pretende nomear
· manutenção de exposição de longa outros lugares importantes para a constru-
duração voltada para o histórico do ção de uma rede de informações que favore-
edifício (lugar da memória) e para os çam a construção da memória coletiva e in-
respectivos desdobramentos de seu dividual. Sugestivas são as parcerias com ins-
uso para o controle, repressão e resis- tituições que preservam coleções e acervos
tência (vestígios e indicadores da me- relativos ao tema em pauta, assim como os
mória); contatos com cidadãos-testemunhos desta
História. A sinalização e a divulgação de ou-
· apresentação sistemática de mostras tros lugares e acervos têm a intenção de re-
temporárias com argumentos extraí- gistrar a diáspora dos indicadores da memó-
MEMORIAL DA RESISTÊNCIA 201

ria e, ao mesmo tempo, ampliar as potencia- 3a - painel apresentando imagens sobre os


lidades educativas do Memorial. diferentes usos do edifício, a saber: Armazém
da Sorocabana, DEOPS e Estação Pinacoteca.
3b - painel apresentando textos e imagens
2.4 A remodelação do espaço institucional: a relativos às estratégias de controle, repressão
ampliação das perspectivas de diálogo com e resistência selecionados junto ao acervo
o público e o cenário para a articulação das DEOPS/SP (prontuários e dossiês).
ações programáticas: 3c - terminal para acessar informações so-
bre lugares da memória a serem identifica-
A perspectiva de remodelação da antiga dos no Estado de São Paulo.
conjuntura institucional permitiu a elabora- 3d - catraca de controle de entrada do vi-
ção de um novo discurso expositivo que se sitante ao Memorial: com atribuição de uma
articula com o espaço destinado ao Centro identidade virtual remissiva a um documen-
de Referência e com a Sala de Exposições to de preso político cuja história de vida es-
Temporárias. Esta sensível ampliação conta, tará registrada no verso deste cartão. Junto a
ainda, com a organização de uma nova fa- esta ficha, será acrescentada a impressão di-
chada para a nova identidade do Memorial e gital do visitante coletada por meios eletrô-
com a utilização do auditório para as ativi- nicos, simultaneamente à sua passagem pela
dades educativo-culturais. catraca
3e - painel com texto de apresentação so-
As discussões para a concepção deste pro- bre o Memorial.
jeto de remodelação consideraram não só a
necessidade de ampliação das áreas para a 4) Sala de Acesso e Dispersão: os exemplos
nova proposta do Memorial, mas como esta dos recursos preservacionistas
proposta se articulará com o funcionamento 4a - painel apresentando imagens da
da Estação Pinacoteca. Dessa forma, a nova iconografia da repressão.
dinâmica prevista para o espaço do 4b - vitrina parietal para apresentação de
Memorial conta com a seguinte equação: bibliografia referencial.

1) Acesso/Acolhimento : a abertura do diá- 5) Centro de Referência: a valorização da


logo com o visitante pesquisa
1a jardim, área de convivência e espaços 5a – painel fotográfico com apresentação
para intervenção artística a partir de proje- da sala de arquivo, desdobrado
tos selecionados em concurso público: (tridimensionalmente) com o próprio arqui-
1b - Mural: Tributo à Resistência vo, este sob a guarda do Arquivo Público do
1c - Escultura: Tributo à Liberdade Estado.
1d – Arena de Protesto 5b – terminais eletrônicos para acesso aos
Bancos de Dados – Inventário do Fundo
2) Fachada de Identificação: a necessidade DEOPS/SP, organizado pelo PROIN – projeto
de uma nova identidade Integrado Arquivo Público do Estado/ Uni-
2a – três painéis para apresentação de versidade de São Paulo (site
imagens da resistência e da repressão expres- www.proin.usp.br)
sivas do acervo DEOPS/SP. 5c – escaninho para folhetos sobre o fun-
cionamento do DEOPS/SP, reprodução de
3) Áreas de Entrada: a perspectiva sobre as jornais e folhetos confiscados, relatórios de
redes de memória investigação de crimes políticos, fichas de
202 MARIA CRISTINA O. BRUNO; MARIA LUIZA TUCCI CARNEIRO; GABRIELA AIDAR

qualificação de personalidades brasileiras com as linhas programáticas atualmente de-


(artistas, escritores, cineastas, professores, en- senvolvidas pela instituição.
genheiros) e de anônimos da história (operá-
rios, sapateiros, alfaiates, padeiros, estudan- Salientamos a importância da presente
tes, etc) proposta contar com um espaço para mos-
tras de arte articuladas aos conteúdos do
6) Celas: a preservação dos lugares da me- Memorial, como forma de criar conexões
mória com as exposições e conteúdos da Estação
6a - cela reconstituída Pinacoteca. Este aspecto contribuirá de ma-
6b - cela dedicada à repressão (sons e ima- neira fundamental para a sinergia entre as
gens) ações educativas já desenvolvidas nas mos-
6c - cela dedicada à vivência na prisão tras da Estação, ampliando as possibilidades
(depoimentos) de trabalhos comuns e multidisciplinares.
6d - cela dedicada à resistência (imagens)
3.1.1 Processos formativos para educa-
7) Corredor para tomar sol dores:
7a - linha do tempo com iconografia da
repressão e resistência Encontros de formação para professores
do ensino formal e outros educadores para o
8) Instalação externa sobre a queima de li- uso qualificado dos conteúdos tratados pelas
vros: proposta de Rachel Rosalen exposições em sua prática pedagógica. Es-
Vídeo – instalação sobre o “apagamento trutura dos encontros a ser definida em con-
da memória” sonância às propostas museológicas.

A descrição acima apresentada que, neste 3.1.2 Material educativo impresso de apoio
texto, comparece apenas com suas indicações a educadores e público espontâneo:
principais no que tange ao roteiro expositivo e
à nomeação dos espaços, já está elaborada em Produção de materiais de apoio à prática
relação às proposições expográficas e repre- educativa em sala de aula acerca dos con-
sentará uma sensível ampliação das áreas teúdos tratados pela exposição de longa du-
expositivas, potencializando o diálogo com o ração, com foco no Ensino Médio e na disci-
visitante e a capacidade de extroversão do plina de História, com propostas interdisci-
centro de referência documental. plinares com as demais disciplinas. Este ma-
terial será elaborado em consonância com
as propostas museológicas. Produção de
3 - AÇÃO EDUCATIVA E CULTURAL: ARTICULA- guia de auto-visita para a exposição de lon-
ÇÕES ENTRE O MEMORIAL E A ESTAÇÃO PINA- ga duração, voltado ao público espontâneo.
COTECA
3.1.3 Mediação presencial à exposição
3.1 Ação Educativa: de longa duração:

A partir da proposta de remodelação do Esta ação, realizada por educadores sele-


Memorial da Liberdade, o Núcleo de Ação cionados e formados para oferecer visitas
Educativa da Pinacoteca delineou alguns educativas a grupos na exposição, tendo
pontos de trabalho preliminares, de acordo como público-alvo grupos escolares (princi-
MEMORIAL DA RESISTÊNCIA 203

palmente focada em ciclo de ensino funda- 3.2.2 Testemunhos e diálogos:


mental II, médio e superior), deve ser consi-
derada com parcimônia. Propomos um programa mensal de regis-
tro de depoimentos de ex-presos políticos,
Levando-se em conta as limitações de es- assim como de familiares de mortos e desa-
paço e a natureza da ação, é fundamental parecidos durante a ditadura militar com o
que se considerem as condições necessárias objetivo de reconstituirmos a memória polí-
para que se desenvolva, sendo a principal tica brasileira através da técnica da História
neste caso a criação de espaços que permi- Oral. Esta atividade será aberta ao público e
tam a relação entre fluxo e qualidade a gru- — além de instigar o debate e a reflexão —
pos de até 50 pessoas (divididos em dois gru- deverá gerar um conjunto de produtos
pos de até 25 pessoas cada, por educador) como: a publicação de livros de memória,
por horário de visita. Esta quantidade de vi- vídeos documentários e material audio-visu-
sitantes escolares é considerada padrão em al direcionado para as escolas, universida-
grupos em visita ao museu, dada a capacida- des, museus, arquivos históricos e centros de
de de transporte de ônibus. Isto implica no memórias.
uso dos espaços expositivos (celas) e na ne-
cessidade da criação de outro espaço de 3.2.3 Lançamento de livros:
acolhimento, contextualização e atividades
aos grupos. Enquanto um centro de referência da His-
tória do Brasil Contemporâneo e da memó-
3.2 Ação Cultural: ria política brasileira, o Memorial e a Estação
Pinacoteca estarão promovendo a publica-
3.2.1 Seminários Temáticos: ção, lançamento e apresentação de livros
que favoreçam o debate sobre a violação dos
Uma das vocações do Memorial da Resistên- direitos humanos e o direito à memória.
cia será a de oferecer um espaço para o debate
e a reflexão acerca do nosso passado político, 3.2.4 Festivais de Cinema:
instigando programas interativos com a Esta-
ção Pinacoteca. Os seminários temáticos de- Caberá ao espaço Memorial da Liberdade
vem reunir especialistas nacionais e estrangei- exibir e propiciar o debate sobre o papel da
ros, cujas experiências diferenciadas e multi- censura durante os tempos de ditadura mili-
disciplinares possam oferecer padrões de in- tar, além de colaborar para a preservação e
terpretações contrastantes com um passado re- divulgação do cinema político brasileiro. O
cente. Deverão estimular a consciência crítica próprio Fundo DEOPS/SP guarda registros
de forma a exigir o pleno exercício do direito à significativos da ação punitiva do Estado
história, à memória, à informação e à verdade, brasileiro que, entre 1964-1983, amordaçou a
rompendo com o “segredo eterno” dos arqui- produção cinematográfica brasileira. Raros
vos das ditaduras brasileiras. foram aqueles que conseguiram levar às telas
filmes que instigassem a reflexão política.
Considerando-se o espaço-símbolo repre- Através de mostras cinematográficas poderá
sentado pelo Memorial, deve-se assegurar – ser discutida a relação entre a política e a
como prática sistemática – a apresentação liberdade. Exibindo alguns dos filmes proibi-
de amplos painéis sobre as práticas da re- dos pelo regime militar, estaremos dando
pressão e as ações dos grupos de resistência voz a uma parcela de excluídos, tolhidos no
durante regimes autoritários e militares, e até seu “fazer cinematográfico”; exibindo filmes
mesmo democráticos. produzidos após a abertura estaremos ofere-
204 MARIA CRISTINA O. BRUNO; MARIA LUIZA TUCCI CARNEIRO; GABRIELA AIDAR

cendo parâmetros comparativos para avali- rio, dos caminhos percorridos pelos movi-
armos nossas conquistas democráticas e os mentos sociais (movimento negro, feminista,
legados do autoritarismo. estudantil, operário, etc) e, em especial, de
apresentar uma história de anônimos.
3.2.5 Exposições Temporárias:
Além disso, a programação de exposições
A documentação arquivada junto ao Fun- temporárias geradas pelo Memorial contará
do DEOPS nos oferece múltiplas possibilida- com mostras de artes visuais ligadas aos te-
des para “desarquivar” a história política bra- mas e conteúdos trabalhados no âmbito da
sileira, até então restrita a alguns poucos pes- exposição de longa duração e das ações cul-
quisadores. Múltiplas são as possibilidades turais aqui apontadas. Com isto, garantimos
temáticas, se levarmos em consideração que não apenas o necessário diálogo entre o
o DEOPS produziu uma verdadeira radio- Memorial e a instituição que o abriga e é res-
grafia da sociedade brasileira. Através dos ponsável por sua gestão – a Pinacoteca do
documentos confiscados temos condições, Estado - como enriquecemos e ampliamos as
por exemplo, de reconstituir aspectos signifi- abordagens e compreensões a respeito da
cativos da história do impresso revolucioná- memória política brasileira.
Perfil dos Autores

Amanda Pinto da Fonseca Tojal Andrea Matos da Fonseca


Amanda Tojal é especialista em Andrea Fonseca é graduada em Pedagogia
Museologia pela Fundação Escola de pela Universidade de São Paulo (2003), espe-
Sociologia e Política de São Paulo cialista em Estudos de Museus de Arte (2004)
(1988), mestre em Artes (1999) e douto- e Museologia (2005 - 2006). Atuou no Serviço
ra em Ciência da Informação (2007) de Atividades Educativas do Museu Paulista
pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo entre os anos
da Universidade de São Paulo. Atual- de 2002 a 2007 e, atualmente, é educadora
mente é educadora e coordenadora do no SESC-SP. Tem experiência na área de
programa educativo para públicos es- Educação não-formal, atuando principal-
peciais na Pinacoteca do Estado de mente nos seguintes temas: Museologia, Edu-
São Paulo. Publica livros, artigos em cação Inclusiva, Acessibilidade em museus e
periódicos especializados e em anais exposições, Ação cultural, Estudos de Públi-
de eventos. Atua na área de educação, co, Consumo cultural e Avaliação de exposi-
com ênfase em educação especial. ções.

205
Cláudia Rose Ribeiro da Silva Atuou como pesquisadora na Associação
Cláudia Rose Ribeiro possui Licenciatura em Nacional de História, no Itaucultural e no La-
História pela Universidade do Estado do Rio boratório de Políticas Públicas da UERJ, na
de Janeiro (1991) e mestrado avaliação qualitativa do Programa Cultura
profissionalizante em Bens Culturais e Proje- Viva, do MinC. Foi assistente de curadoria da
tos Sociais pela Fundação Getúlio Vargas Coleção Brasiliana da Fundação Estudar. Foi
(2006). Tem experiência na área de História, co-autora do projeto educativo da exposi-
com ênfase em História Política e Social, atu- ção “Vistas do Brasil, Coleção Brasiliana/Fun-
ando principalmente nos seguintes temas: fa- dação Estudar na Pinacoteca do Estado”, e
vela, memória e identidade. Atualmente, coordenadora da ação educativa desta ex-
além de exercer o magistério na rede muni- posição. Foi consultora do projeto educativo
cipal de ensino, é diretora do Centro de Estu- Centro-Periferia da 27ª Bienal de São Paulo.
dos e Ações Solidárias da Maré (CEASM), Atualmente é coordenadora do Programa de
gestora da Casa de Cultura da Maré e coor- Inclusão Sociocultural do Núcleo de Ação
denadora do Museu da Maré, no Rio de Ja- Educativa da Pinacoteca do Estado de São
neiro. Paulo.

Felipe Tirado Segura


Felipe Tirado possui licenciatura em Psico- Hugues de Varine-Bohan
logia pela Universidade Nacional Autónoma Hugues de Varine-Bohan foi diretor do Con-
de México – UNAM, México (1974), mestrado selho Internacional dos Museus – ICOM, no
em Psicologia Educativa pela Universidade qual organizou inúmeras reuniões relaciona-
de Leicester, Inglaterra (1981) e doutorado das com a atualidade e o futuro dos museus.
em um programa interinstitucional coorde- Atualmente, é consultor internacional sobre
nado pela Universidade Autónoma de desenvolvimento local e também webmaster
Aguascalientes (1997). Desde 1984, trabalha do site www.interactions-online.com, volta-
como pesquisador da Divisão de Investiga- do à divulgação de práticas e metodologias
ção da FES Iztacala – UNAM, onde já publi- relacionadas ao desenvolvimento local e ao
cou dezenas de trabalhos de pesquisa e de patrimônio cultural e natural das comunida-
divulgação. Nessa mesma universidade, é des. Tem várias obras publicadas sobre o
professor titular do Programa de Investiga- tema, dentre elas “O Tempo Social”,
ção Psicoeducativa desde 1987. Também mi- “L’initiative communautaire, recherche et
nistra cursos em universidades do exterior. expérimentation” e “Les racines du futur. Le
patrimoine au service du développement lo-
Gabriela Aidar cal”. É um dos principais estudiosos do con-
É graduada em História pela USP (1996), es- ceito de ecomuseu, com o qual desenvolve
pecialista em Estudos de Museus de Arte projetos há várias décadas e em vários paí-
pelo Museu de Arte Contemporânea (1998), e ses.
em Museologia pelo Museu de Arqueologia e
Etnologia (2000), ambos da USP. Obteve o tí- Isabel Victor
tulo de Master of Arts in Museum Studies Isabel Victor possui licenciatura em Sociolo-
pela Universidade de Leicester, na Inglaterra gia (ISCTE, 1981), pós-graduação em
(2002). Em 2006, foi contemplada com o Prê- Museologia Social, pela Universidade
mio Fundação Bunge Juventude na catego- Autónoma Luís de Camões, em Lisboa (1992),
ria Museologia. mestrado em Museologia, pela Universidade

206
Lusófona de Humanidades e Tecnologias de pela Universidade de São Paulo (1973). Atu-
Lisboa (2004), onde atualmente é docente do almente é Professora Doutora da Universida-
mestrado e doutoranda em Museologia. É de de São Paulo, Assessora da Fundação de
chefe da Divisão de Museus da Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo,
Câmara Municipal de Setúbal e diretora do Assessora do Conselho Nacional de Desen-
Museu do Trabalho Michel Giacometti. volvimento Científico e Tecnológico e Pro-
fessora Doutora da Comissão Pró Índio. Tem
Juan Carlos Rico Nieto experiência na área de Antropologia, com
Juan Carlos Rico é doutor em arquitetura ênfase em Teoria Antropológica. Atua princi-
pela Escola Técnica Superior de Arquitetura palmente nos seguintes temas: Brasil Central,
de Madrid e em Arte pela Faculdade de His- grupo indígena.
tória da Universidade de Salamanca. É con-
servador de museus. Coordena uma equipe Manuelina Maria Duarte Cândido
multidisciplinar de pesquisa em exposição e Manuelina Duarte possui graduação em His-
sua relação com o espaço, gerando diversas tória pela Universidade Estadual do Ceará
publicações. De acordo com os programas (1997), especialização em Museologia para
da União Européia, o ICOM (Conselho Inter- Universidade de São Paulo (2000) e
nacional de Museus) e o ILAM (Instituto mestrado em Arqueologia pela Universidade
Latinoamericano de Museus), realiza cursos de São Paulo (2004). Tem experiência nas
em diversas universidades européias e ame- áreas de História, Museologia e Arqueologia,
ricanas, além das que é professor titular. atuando principalmente nos seguintes te-
mas: museologia, preservação, patrimônio
Kátia Regina Felipini Neves cultural, educação patrimonial e história dos
Kátia Felipini possui graduação em museus. É membro do Conselho Internacio-
Museologia pela Faculdade de Filosofia, Le- nal de Museus (ICOM), faz parte da atual ges-
tras e Ciências Humanas da Universidade Fe- tão do Comitê Brasileiro do ICOM na quali-
deral da Bahia (1993) e especialização em dade de integrante do Conselho Consultivo.
Museologia pelo Curso de Especialização Tem livros e artigos publicados nas áreas
em Museologia do Museu de Arqueologia e mencionadas, atua como docente e como
Etnologia da Universidade de São Paulo consultora. Atualmente é gestora do Museu
(2002). É membro do Conselho Internacional da Imagem e do Som do Ceará (MIS-CE).
de Museus (ICOM). Atualmente é consultora
em Museologia e ministra cursos de Gestão Marcelo Nascimento Bernardo da Cunha
em Museus. Atua principalmente nas seguin- Marcelo Cunha possui graduação em
tes áreas: diagnóstico para implantação e Museologia pela Universidade Federal da
revitalização de instituições museológicas, Bahia (1992), mestrado em Informação Estra-
programação museológica, gerenciamento tégica pela Universidade Federal da Bahia
de acervos e exposições. (1999) e doutorado em História pela
Pontifícia Universidade Católica de São Pau-
Lux Boelitz Vidal lo (2006). Atualmente é Professor Adjunto da
Lux Vidal possui graduação em Artes pela Universidade Federal da Bahia e professor
Sarah Lawrence College (1951), mestrado em convidado da Universidade Lusófona de Hu-
Ciência Social (Antropologia Social) pela manidades e Tecnologias. Atua principal-
Universidade de São Paulo (1972) e doutora- mente nos seguintes temas: afro, arte,
do em Ciência Social (Antropologia Social) museologia, exposição, museus e acervos.

207
Maria Cristina Oliveira Bruno Mestrado como no Doutorado, tem o racis-
Cristina Bruno possui graduação em História mo como objeto de estudo, ambos publica-
pela Universidade Católica de Santos (1975), dos no formato livro. Em 2001, apresentou à
especialização em Museologia pela Escola Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Hu-
de Sociologia e Política de São Paulo (1980), manas da USP, sua Tese de Livre Docência,
mestrado em História Social pela Universida- intitulada “Cidadão do Mundo”. Desde 1984,
de de São Paulo (1984) e doutorado em Ar- é docente do Departamento de História da
queologia pela Universidade de São Paulo USP. Coordena diversos projetos de pesquisa,
(1995). Fez concurso de Livre-Docência em dentre o PROIN- Projeto Integrado Arquivo
Museologia no MAE/USP (2001). Atualmente Público do Estado/Universidade de São Pau-
é docente - professora associada- ms5 e Vice- lo. É organizadora de diversas coletâneas, in-
Diretora do Museu de Arqueologia e cluindo o Inventário DEOPS (Editora
Etnologia da Universidade de São Paulo, Humanitas, FFLCH/USP).
onde coordenou as quatro edições do Curso
de Especialização em Museologia (1999 - Mário de Souza Chagas
2006). Nesta instituição, participa do Progra- Mário Chagas possui graduação em
ma de Pós-Graduação em Arqueologia, mi- Museologia pela Universidade Federal do Es-
nistra disciplinas optativas de graduação so- tado do Rio de Janeiro (1979) e licenciatura
bre Museologia e desenvolve pesquisas de em Ciências pela Universidade do Estado do
comunicação museológica. É professora Rio de Janeiro (1980), mestrado em Memória
convidada da Universidade Lusófona de Hu- Social pela Universidade Federal do Estado
manidades e Tecnologias de Portugal, onde do Rio de Janeiro (1997) e doutorado em Ci-
ministra seminários e orienta mestrados e ências Sociais pela Universidade do Estado
doutoramentos no Centro de Estudos de do Rio de Janeiro (2003). Atualmente é pro-
Sociomuseologia. Tem experiência na área fessor adjunto da Universidade Federal do
de Museologia, com ênfase para o Ensino e Estado do Rio de Janeiro, técnico nível III do
Projetos de Comunicação Museológica, atu- Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
ando principalmente nos seguintes temas: Nacional, membro do conselho consultivo
museologia, museu, museologia brasileira e da Universidade Comunitária Regional de
musealização da arqueologia . Presta Chapecó, professor convidado da Universi-
consultorias a outras instituições para a ela- dade Lusófona de Humanidades e
boração de programas museológicos. Tecnologias, em Lisboa. Tem experiência na
área de Museologia, com ênfase em Memó-
Maria Luiza Tucci Carneiro ria Social, Instituições de Memória e Patri-
Historiadora, graduada em História pela Uni- mônio Cultural, atuando principalmente nos
versidade de São Paulo, instituição onde seguintes temas: pensamento social brasilei-
também desenvolveu seus estudos de pós- ro, museologia, museus, educação museal e
graduação em História Social. Tanto no gestão de patrimônio.

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