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Fundamentos

Metodológicos do
Ensino da Arte e Música
As Linguagens Artísticas: Cênicas

Responsável pelo Conteúdo:


Prof. Me. Bruno Pinheiro Ribeiro

Revisão Textual:
Prof. Me. Claudio Brites
As Linguagens Artísticas: Cênicas

• As Artes Cênicas;
• Fundamentos do Ensino de Dança na Escola;
• Fundamentos do Ensino de Teatro na Escola.


OBJETIVOS

DE APRENDIZADO
• Estudar as linguagens do teatro e da dança;
• Refletir, principalmente, sobre qual o papel dessas expressões artísticas na escola;
• Perceber as linguagens da dança e do teatro na escola como conhecimento e expressão,
merecendo assim uma atenção maior por parte dos educadores;
• Apresentar fundamentos e proposições pedagógicas dessas linguagens.
UNIDADE As Linguagens Artísticas: Cênicas

As Artes Cênicas
As artes da cena es tão ligadas à apresentação direta, não adiada ou
apreendida por um meio de comunicação, do produto artístico. O equi-
valente inglês (performing arts) dá bem a ideia fundamental destas artes
da cena: elas são “performadas”, criadas diretamente, hic et nunc, par
a um público que assiste (a) a representação: o teatro falado, cantado,
dançado ou mimicado (gestual), o balé, a pantomima, a ópera são os
exemplos mais conhecidos. Pouco importa a forma do palco, e a relação
palco-plateia (relação teatral); o que conta é a imediatidade da comuni-
cação com o público por intermédio dos performers (atores, dançarinos,
canto res, mímicos etc.). (PAVIS, 2008, p. 27)

Como destacado por Patrice Pavis, as artes cênicas se caracterizam pela multi-
plicidade de formas que tem como elemento comum a imediaticidade de sua relação
com o público mediada pelos performers. Esse tipo de comunicação se realiza em
um tempo e em um espaço comum, consolidando assim a cena como um ponto de
encontro e contato entre os artistas e o público, que, dada a sua abertura e variedade,
pode se realizar em muitos lugares, como palcos, praças, casas, escolas, fábricas,
ruas, parques etc.
Além da variedade espacial, há a variedade de modalidades das artes cênicas,
teatro e dança, que são as categorias mais conhecidas, mas também se configuram
nesse escopo: performances, happenings, instalações, site specific etc. E mesmo
dentro das categorias mais tradicionais existem variedades e fusões, como: dança-
-teatro, teatro gestual, teatro de bonecos, teatro de máscaras e inúmeros estilos de
dança e teatro. E em todos esses casos, há sempre o encontro dos corpos e suas
inúmeras relações naquele espaço-tempo.

Para abarcar esse manancial de possibilidades, o ensino das artes cênicas deve
valorizar a riqueza e a complexidade da linguagem da cena, procurando apresentar,
debater e experimentar as mais variadas formas cênicas, percebendo suas proximi-
dades e afastamentos. Esse processo pode proporcionar uma reflexão crítica sobre
como nos comportamos, como nossos corpos interagem uns com os outros, e
quanto de comum e incomum há em nossas relações públicas e íntimas.

Apesar da relevância do ensino das artes cênicas como linguagem de descoberta,


expressão e reflexão, durante muito tempo essas linguagens cênicas estiveram na escola
apenas para realizar apresentações temáticas de fim de ano ou em datas especiais.
Esse cenário começou a se modificar a partir do final dos anos da década de 1980,
seguindo as transformações escolares que já estudamos em outras unidades, contudo,
sua realização pedagógica ainda precisa avançar em muitos aspectos.

Será possível fazer um bom trabalho em relação a essas linguagens artísticas se


apropriando de saberes sobre fundamentos teóricos e metodologias. Fazemos aqui
o convite para que você estude este texto, e os demais indicados na leitura básica
e complementar, para adentrar na investigação da linguagem cênica e seu papel
na educação.

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Espetáculo Paraíso Perdido, do Teatro da Vertigem: https://bit.ly/30L5NQX

A autora de vasta literatura sobre o ensino da dança, Isabel Marques, que atua
também como coreógrafa e diretora de grupos de dança, faz críticas a uma concep-
ção muito comum no ensino da dança, trata-se das coreografias mecânicas e temá-
ticas, as quais, em geral, são apresentadas nos finais dos ciclos escolares. Esse tipo
de proposta valoriza o evento em si, a direção da escola e o público, que geralmente
são os pais das crianças, mas não articula objetivos pedagógicos nem a preocupação
com o que a criança está aprendendo. Com esse tipo de proposta, a escola perde o
seu papel principal, deixando a potência do aprendizado por meio das expressões
cênicas esvaziada.

Dança
dan · ça
[d’ɐ̃ sɐ] s. f. (Do Fr. danse)
1. Sequência de passos, de movimentos corporais, executados geralmente ao som de música
por uma ou várias pessoas segundo uma arte, técnica ou código cultural específico.
2. Mover os pés e o corpo, geralmente ao som da música e de acordo com o seu ritmo,
executando uma série de passos, por vezes específicos.
3. Ação de dançar.
4. Modo ou forma de execução de movimentos corporais.
5. Passos cadenciados, geralmente ao som e compasso de música.
6. Movimento incessante (figurado).

Fonte: https://bit.ly/30SFEQf

A dança ainda é entendida de forma equivocada por muitas escolas, que


costumam apresentá-la somente nas datas comemorativas e na forma de
reproduções de coreografias prontas. (MARQUES apud POLATO, 2008)

A dança pode ser compreendida como expressão individual ou coletiva e seu


ensino na escola desencadeia uma série de competências e habilidades, como,
por exemplo:
• atenção;
• percepção do corpo e do movimento;
• senso de cooperação e solidariedade;
• relação coletiva e percepção do movimento do outro;
• respeito às diferenças culturais;
• coordenação e consciência corporal;
• comunicação e autoestima;
• criação de poéticas artísticas.

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As pessoas dançam por muitos motivos: profissional, estética, prazer ou tradição


cultural. A dança é uma das manifestações mais antigas da humanidade. Na escola,
podemos explorar o patrimônio cultural imaterial, formado pelos conhecimentos, as
tradições e ações passadas de geração a geração – como no caso das danças típicas
que compõem a diversidade cultural brasileira.

Os seres humanos se expressam por meio de muitas linguagens, a dança é a


linguagem do movimento expressivo. O corpo humano, ao se movimentar com
intenção expressiva, estabelece relações consigo mesmo (suas possibilidades e
limites), com os outros (pessoas e objetos), com o tempo (pulsação e ritmo), o
peso, a fluência e com o espaço ao redor.

Roger Garaudy (1980), filósofo e estudioso, diz que a dança é a expressão que
potencializamos por meio de movimentos do corpo. Esses movimentos são orga-
nizados em sequências significativas; dançar é uma experiência que vai além das
palavras. Esse autor realça a ideia que dançar é uma das formas de existir.

Existem danças étnicas, populares, folclóricas, teatrais etc. Uma das formas de
ampliar saberes culturais dos alunos é apresentar espetáculos de dança para nutrir
esteticamente o repertório cultural. O melhor é sempre assistir presencialmente,
mas hoje há muitas possibilidades, como fazer pesquisas na internet ou assistir a
espetáculos gravados.

A dança desde tempos remotos foi se consolidando de maneira particular nas dife-
rentes culturas e etnias que foram se formando por todo o mundo. Dessa forma, cada
civilização desenvolveu sua lógica, mística e estética para criar na arte dos movimentos.

É interessante que os educadores apresentem diferentes manifestações de dança


para os alunos e discutam com eles as transformações estéticas e filosóficas da dança
ao longo dos tempos. Para isso, é importante que se aponte a história da dança e as
diversas funções dessa manifestação cultural: como rito, diversão, expressão individual
ou como manifestação coletiva de uma comunidade étnica.

Há muitas manifestações de danças antigas. Esse tipo de manifestação de expres-


são corporal pode ainda ser visto em várias culturas. Podemos apresentar para as
crianças danças étnicas brasileiras, por exemplo, temos as manifestações indígenas e
afrodescendente, entre outros povos e culturas, trabalhando dessa forma com o tema
transversal, a pluralidade cultural.

No geral, tem-se por dança étnica aquela produzida por uma comunidade étnica e
cultural. A forma e os motivos em dançar são passados de geração em geração, com
mínimos acréscimos e modificações. Nesse caso, estariam as danças ritualísticas, de
vários grupos que vemos ainda hoje, sendo executadas. A dança étnica pressupõe
também uma elaborada expressão artística, exigindo conhecimento e dedicação por
parte dos executantes e dos demais membros da comunidade. Muitas vezes, vemos
que as danças étnicas podem influenciar o folclore de uma região ou de um país, e
muitas ainda são praticadas. Danças essas que são consideradas patrimônios históricos
e culturais da humanidade.

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Figura 1 – Espetáculo Água, de Pina Bausch
Fonte: design-is-fine.org

Fundamentos do Ensino de Dança na Escola


Falamos de danças, típicas, étnicas e há também as danças artísticas. Quando pen-
samos em uma bailarina, será que imaginamos a figura de uma jovem com roupas
esvoaçantes e dançando com sapatilhas de ponta? Esse tipo de figurino segue a
tradição das companhias de ballet que escolhem compor espetáculos ao estilo do
ballet clássico. Estética artística da dança que nasceu na Europa, nas cortes, e teve
seu apogeu na França, na corte de Luís XIV, conhecido como o “Rei Sol”. Ele foi
um grande estimulador das artes, criando uma série de instituições destinadas a
promovê-las, dentre as quais a Académie Royale de la Danse, em 1661. Em seu
reinado, surgiram as figuras do professor e do coreógrafo de dança. Suas caracterís-
ticas referem-se: à linearidade nos movimentos; à verticalidade; à utilização de nar-
rativas associadas aos contos de fadas, histórias de príncipes e princesas; ao padrão
estético definido: a bailarinos e bailarinas magros, altos, de pernas longas; à busca
pelo etéreo, divino, além do humano. Nesse contexto, surgiu a sapatilha de ponta e
o coque nos cabelos das mulheres.

Na dança moderna e contemporânea surgem outras concepções dessa arte em que


se rompem as barreiras do movimento expressivo, conhecido como clássico, dando
espaço para outras formas artísticas. A bailarina Alemã, que viveu entre os tempos de
1940 e 2009, Pina Bausch inovou a linguagem da dança, fazendo uma união entre as
linguagens do teatro e da dança e criando coreografias expressivas, que exploravam
tanto o corpo dos bailarinos como suas emoções, criando movimentos e expressões
diferentes dos vistos na arte clássica do ballet. Ela costumava dizer que até nas pon-
tas dos dedos podemos perceber movimentos belos e expressivos. Acreditava que
era preciso que cada bailarino conhecesse seu próprio corpo para potencializá-lo na
arte da dança. Valorizava a investigação dos movimentos, com base no pensamento

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UNIDADE As Linguagens Artísticas: Cênicas

em que cada pessoa, seja essa adulta ou criança, traz consigo uma experiência e
repertório de movimentos, e que cabe às pessoas dançantes descobrir qual é o seu
movimento mais expressivo.

Pina Bausch acredita que para dançar precisamos aflorar nossas emoções e sensi-
bilidades, e fazer os movimentos que o nosso corpo nos pedir. Precisamos mergulhar
em nossas emoções, como nas memórias, sonhos e medos.

Café Muller, criado em 1978, é um dos grandes espetáculos da história da dança. Com
a própria Pina Bausch em cena, essa coreografia, com invenções formais sofisticadas e
uma pesquisa corporal vertical, interveio de modo crítico sobre diversos aspectos da vida
moderna­e foi filmada pela televisão alemã em 1985, sendo uma das grandes referências
para os estudos da dança. Disponível em: https://youtu.be/WZd2SkydIXA

Espetáculo Café Muller, de Pina Bausch. Disponível em: https://bit.ly/2AyKUhs

Pensando nos ensinamentos de Pina Bausch na escola como uma das propostas me-
todológicas, podemos contar histórias com os movimentos e criar sequências coreográfi-
cas a partir de como cada um sente o seu próprio corpo e os movimentos que ele pode
fazer. Para isso, é importante conhecer também os elementos de linguagem corporal.

Rudolf Laban, que viveu entre 1879 e 1958, foi um bailarino e coreógrafo austro-
húngaro que analisou de forma sistemática os elementos constitutivos do movimento
humano (linguagem corporal). Além disso, enfatizou a importância da dança na es-
cola, onde deveriam ser realizadas atividades que reforçassem as faculdades naturais
de expressão da criança, preservassem a espontaneidade do movimento, mantendo-o
vivo, e estimulassem a expressão artística no âmbito da arte do movimento.
Laban elaborou um sistema de análise da movimentação humana, apli-
cável à dança, à terapia, à interpretação e a qualquer outra atividade que
inclua movimentos. [...] Ao final de seu trabalho, criou um esquema das
várias qualidades do movimento, um código (sistema de notação) que
atende a várias linguagens expressivas. (SIQUEIRA, 2006, p. 78)

Para Laban, a compreensão da dança acontece a partir do entendimento dos


princípios do movimento:
• O corpo que se move;
• O espaço em que o corpo ocupa e se move;
• As relações entre corpos, coisas no mundo e na dança.

Também pesquisou sobre:


• Fluxo que é a liberação de energia que se coloca no movimento e sua fluência;
• Peso como o grau de energia, tensão, força que se coloca no movimento;

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• Tempo na relação de velocidade e variações de unidades de andamento lento ou
rápido do movimento;
• Espaço como as possíveis relações de trajetórias, ocupação de planos, dos lugares
em que podem acontecer os movimentos.
O treinamento corporal busca desenvolver as diferentes nuances destas
qualidades dinâmicas no aluno, além de suas preferências cotidianas.
Por oscilarem num continuum entre dois pólos reciprocamente influen-
tes..., o estudo corporal de cada fator implica em perceber suas duas
vertentes e as gradações entre elas. Quanto mais se explora, por exem-
plo, o peso forte, mais fácil é perceber e experienciar o peso leve...
Uma qualidade naturalmente influencia a outra, numa constante trans-
formação e gradual habilidade para realizar e identificar cada variação.
(FERNANDES, 2006, p. 122)

A melhor forma de ensinar às crianças a arte da dança é proporcionar o autoco-


nhecimento do corpo e a percepção do que esse pode fazer. Laban realizou vários
estudos a partir de movimentos cotidianos.

Propostas, como convidar as crianças para formar uma roda em um espaço am-
plo e depois conversar sobre como elas se movem no dia a dia, podem ser um bom
começo. Depois, exercícios em que as crianças possam expressar de forma livre e
dinâmica esses movimentos, assim como fazer combinações de movimentos e criar
sequências coreográficas são oportunidades de desenvolver a dança na escola, indo
além dos movimentos estereotipados e repetitivos das apresentações sem propósitos
pedagógicos de festinhas escolares. Pense nisso! A dança é uma linguagem do corpo
e, como tal, é área de conhecimento e expressão poética.

O ensino do teatro na escola tem como proposta a aprendizagem de conceitos e


noçõesque explorem o movimento, corpo, gesto, comunicabilidade, recursos cênicos,
jogos teatrais, jogos dramáticos e a improvisação, tendo como foco o processo de
criação e compreensão dessa linguagem expressiva.

Teatro
te · a · tro
[tj’atru] s. m. (Do Lat. theatrum < Gr. théatron, θέατρον)
1. Arte de representação em palco.
2. Lugar onde se representam obras dramáticas ou líricas, comédias, revistas.
3. Construção que, nos primeiros locais de representação, na Grécia, era em forma de anfi-
teatro adossado a uma colina, compreendendo três espaços fundamentais: o local para os
espetadores, o teatro, para o coro a orquestra, e para a movimentação dos atores, a cena.
4. Conjunto de obras dramáticas, geralmente de um autor, de um país, de uma época.

Fonte: https://bit.ly/2N8tPgP

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UNIDADE As Linguagens Artísticas: Cênicas

Ensinar teatro é tratar de recuperar a autonomia do sujeito criador e da autocons-


ciência de expressões. É explorar a imaginação e memória, além da observação e
criação. Incluir o teatro na rotina escolar é explorar o gesto, o movimento, a expres-
são, a voz, com suas combinações estéticas e poéticas.

Os jogos e exercícios teatrais são as estratégias ou instrumentos que utilizamos


para desenvolver o processo de ensino e aprendizagem dessa linguagem. Quanto à
metodologia para o fazer teatral, ela deve coordenar o aprendiz de teatro na pas-
sagem por três momentos diferentes, que estão ligados à Abordagem Triangular do
ensino de arte, nos quais o aluno, diante de cada fase de sua idade, precisa:
• assistir a espetáculos teatrais de vários gêneros (tragédia, drama, comédia), estilos
(realista, naturalista, expressionista, farsa, grotesco, commedia dell’arte) e formas
(teatro de sombras, de corpo, de bonecos, entre outros), tanto de grupos teatrais
profissionais quanto de amadores e de produções dos próprios colegas;
• experimentar as diversas propostas cênicas;
• ter a possibilidade de contextualizar tanto o que faz como o que vê.

Apesar da especificidade da linguagem teatral, ela não pode ser vista isoladamente,
devendo ser inserida no mundo da ciência, da história, da literatura, entre outras áreas
do conhecimento, destacando seu ensino de forma global e constitutiva de uma cida-
dania cultural.
O teatro é mesmo, na verdade, um ponto de vista sobre um aconteci-
mento: um olhar, um ângulo de visão e raios ópticos o constituem. Tão
somente pelo deslocamento da relação entre olhar e objeto olhado é
que ocorre a construção onde tem lugar a representação. Durante muito
tempo, na língua clássica dos séculos XVII e XVIII, o teatro será também
a cena propriamente dita. Por uma segunda transação metonímica, o te-
atro se torna enfim a arte, o gênero dramático (daí as interferências com
a literatura, tão amiúde fatais à arte cênica), mas também a instituição
(o Teatro Francês) e finalmente o repertório e a obra de um autor (o teatro
de Shakespeare). (PAVIS, 2008, p. 372)

Espetáculo Lugar Nenhum, da Companhia do Latão. Disponível em: https://bit.ly/2YCqU5m

Fundamentos do Ensino de Teatro na Escola


O trabalho com a linguagem cênica para alunos de ensino fundamental e edu-
cação infantil tem como propósito a compreensão de que fazer teatro é um jogo:
quando as crianças são bem pequenas, elas naturalmente fazem isso – ao brincarem
de faz de conta, por exemplo, ou de exercer papéis como de mamãe ou filhinho entre
outros experimentados nas brincadeiras.

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Faz parte do mundo da criança brincar de interpretar papéis. Com o passar
do tempo, a criança cresce e podemos introduzir os jogos com regras, em que há
combinados para as brincadeiras. Dessa forma, o teatro faz parte do desenvolvi-
mento das crianças.

Para a educadora Ingrid Koudela (2011), o jogo teatral no contexto da sala de aula
é importante enquanto proposta metodológica de aprendizagem cognitiva, afetiva e
psicomotora. É por meio de jogos em grupos que a criança desenvolve o senso de
coletividade e cooperação. Nos jogos teatrais, as crianças podem criar e aprender
como se dá a linguagem do teatro.
No jogo teatral, pelo processo de construção da forma estética, a criança
estabelece com seus pares uma relação de trabalho em que a fonte da
imaginação criadora – o jogo simbólico – é combinada com a prática
e a consciência da regra de jogo, a qual interfere no exercício artístico
coletivo. O jogo teatral passa necessariamente pelo estabelecimento de
acordo de grupo, por meio de regras livremente consentidas entre os par-
ceiros. O jogo teatral é um jogo de construção com a linguagem artística.
Na prática com o jogo teatral, o jogo de regras é princípio organizador do
grupo de jogadores para a atividade teatral. O trabalho com a linguagem
desempenha a função de construção de conteúdos, por intermédio da
forma estética. (KOUDELA; SNATANA, 2005, p. 149-150)

Os princípios de criação e expressão artística na linguagem do teatro estão liga-


dos ao desenvolvimento das noções de jogos de faz de conta, jogos teatrais, impro-
visação e dramatização:
• Nos jogos de faz de conta há espontaneidade e expressão lúdica. As crianças
brincam, criam personagens e situações imaginárias e, dessa forma, exploram
suas fantasias;
• Os jogos teatrais possibilitam às crianças experimentarem e descobrirem os signos
de seu cotidiano, o que proporciona ao aprendiz vivências culturais significativas;
• A improvisação permite às crianças desencadearem o processo de criação,
imaginação e expressão pessoal ou em grupo;
• A dramatização é um exercício que explora tanto a memória quanto a imaginação.
As crianças aprendem a contar histórias e a mostrar ideias e pensamentos.

É importante que o educador valorize os processos do fazer teatral, não somente


o produto, como a montagem de peças teatrais, que visa apenas preencher datas
comemorativas e calendários de festas escolares. É importante que os professores
e aprendizes de arte percebam o longo caminho a percorrer, antes de se propor a
montagem de um texto dramático.

Brincar e jogar são atividades fundamentais no momento do desenvolvimento da


criança. Podemos, diante de cada fase do desenvolvimento infantil, explorar ações
em três momentos:

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• Jogos simbólicos: a criança brinca de faz de conta, imagina personagens e


situações, quer mostrar não exatamente o que vê, mas sim o que pensa sobre
o que vê e percebe em suas leituras de mundo. É um momento lúdico em que a
criança aprende a ser autônoma em suas escolhas e sonhos;
• Jogos de regras: nos jogos com regras, as crianças aprendem a fazer combi­
nados e exercer papéis que podem estar ligados a situações cotidianas. Enten-
der as regras do jogo é o desafio para estar no jogo. Jogamos com o corpo
(para concretizar e materializar o jogo) e com a mente (criando estratégias para
­alcançar o objetivo do jogo). Solucionar os problemas propostos pelos jogos é o
grande desafio e desenvolve muitas habilidades, competências e atitudes;
• Jogos dramáticos: a proposta do teatro na escola não é montar uma peça
e apresentá-la para todos, embora isso possa acontecer. Deve-se privilegiar
a construção dos saberes nessa linguagem com exercícios que tenham como
­objetivo criar e jogar no fazer expressivo do teatro. O professor poderá explorar
com as crianças os jogos dramáticos em que os sons, os gestos e a narração
formem um momento de vivência com as linguagens do teatro. Como exemplo,
podemos contar uma história para crianças e depois pedir que elas recontem
por meio da dramatização. Nesse tipo de proposta, podemos observar como as
crianças se relacionam com a escuta da narração, a dramatização e a produção
de sons e movimentos na improvisação ou representação.

Oficina com Augusto Boal. Disponível em: https://bit.ly/37FVnDJ

Fazer o jogo teatral pressupõe que a criança entenda as regras que o próprio jogo
apresenta, como também aceite o desafio que o jogo coloca. Nesse sentido, o papel
do professor é fundamental. É ele quem, como propositor do jogo, terá de dar as
instruções para que o jogo aconteça, instruções que devem ser claras e objetivas,
para que os participantes do jogo as entendam.

A norte americana Viola Spolin (1906-1994) pesquisou vários exercícios de impro­


visação teatral e o fazer teatral. Para essa autora, os jogos teatrais proporcionam a
resolução de problemas, exercícios para desenvolver a inteligência, criatividade e
expressão artística.
jogar um jogo; predispor-se a solucionar um problema sem qualquer pre-
conceito quanto à maneira de solucioná-lo; permitir que tudo no ambiente
(animado ou inanimado) trabalhe para você na solução do problema; não
é a cena, é o caminho para a cena; uma função predominante do intuitivo;
entrar no jogo traz para pessoas de qualquer tipo a oportunidade de apren-
der teatro; é “tocar de ouvido”; é processo, em oposição a resultado; nada
de invenção ou de originalidade ou de idealização; uma forma, quan-
do entendida, possível para qualquer grupo de qualquer idade; colocar
um objeto em movimento entre os jogadores como um jogo; solução de
problemas em conjunto; a habilidade para permitir que o problema da
atuação emerja da cena; um momento nas vidas das pessoas sem que

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seja necessário um enredo ou estória para a comunicação; uma forma de
arte; transformação; produz detalhes e relações com um todo orgânico;
processo vivo. (SPOLIN, 2005, p. 341)

O professor pode, nesse sentido, ser aquele que no jogo teatral proporá os proble-
mas e desafios por meio de instruções, agindo como um mediador e orientador do
grupo de crianças enquanto jogam. A instrução tem como objetivo a manutenção do
foco da atividade realizada pelo aluno. Ela deve levar o jogador para a dimensão do
“aqui e agora”, para a resolução de um problema ou desafio que o jogo teatral sugere.

No jogo teatral, devemos considerar o trabalho a partir de três noções específicas:


• o onde: que é o lugar da realização do jogo: um castelo, uma praia, uma sala
qualquer. Esse espaço, definido e proposto pelos jogadores, pode ter ou não
objetos de cena (móveis ou objetos que compõem um cenário). O lugar pode
ser imaginário. Nesse caso, as ações das personagens devem levar a plateia a
imaginar um determinado lugar;
• o quem: noção por meio da qual se vai atender às prerrogativas da personagem
da cena. São os papéis do jogo teatral que devemos desenvolver. É a persona-
gem dramática do jogo. É quando mostramos quem somos para uma plateia;
• o que: que se refere à ação dramática do jogo teatral: é a atividade do ator-alu-
no, que mostrará o que faz no aqui/agora da cena teatral, dentro de um espaço
e de um tempo cênico.

Essas três noções básicas (onde, quem e o que) compõem o sistema de jogo teatral
proposto por Viola Spolin, e podem contribuir para o ensino do teatro nas escolas.
Vejamos o que Ricardo Japiassu, pesquisador do ensino de teatro, diz a respeito das
noções de onde, quem e o que. Essas noções compõem os princípios fundamentais
para a instalação da realidade cênica, quer dizer, da realidade do signo teatral ou da
existência propriamente dita do fenômeno teatral criado com base no jogo:
Essas noções compõem os princípios fundamentais para a instalação
da realidade cênica, quer dizer, da realidade do signo teatral ou da exis-
tência propriamente dita do fenômeno teatral criado com base no jogo.
(JAPIASSU, 2005, p. 70)

As noções de onde, quem e o que podem ser trabalhadas em conjunto ou


separadamente, dependendo dos objetivos ou das expectativas de aprendizagem
estabelecidas. É bom lembrar que a atividade artística na escola formal não tem o
objetivo de formar atores ou artistas em geral, nem se espera que o professor seja
um diretor teatral. O importante é que professor e aluno sejam sensíveis aos signos
da linguagem cênica do teatro e da dança, que se apropriem das linguagens da
Arte e, consequentemente, que se divirtam e construam conhecimentos e saberes
sobre as artes cênicas.
O teatro, no processo de formação da criança, cumpre não só a função
integradora, mas dá oportunidade para que ela se aproprie crítica e
construtivamente dos conteúdos sociais e culturais de sua comunidade

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UNIDADE As Linguagens Artísticas: Cênicas

mediante trocas com os seus grupos. No dinamismo da experimen-


tação, da influência criativa propiciada pela liberdade e segurança, a
criança pode transitar livremente por todas as emergências internas
integrando imaginação, percepção, emoção, intuição, memória e racio-
cínio. (BRASIL, 1997, p. 84)

Figura 2 – Espetáculo O canto da praça, grupo TEIA do colégio Nossa Senhora das Dores
Fonte: noato.org

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Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

Sites
Plataforma Teatro na Escola
https://bit.ly/2NmDIYg

Vídeos
Angel Vianna conversa sobre dança no Arte do Artista – Arte do Artista
Na conversa com Aderbal Freire-Filho, Angel Vianna revisita sua trajetória
profissional, como o nascimento do trabalho de expressão corporal, termo
disseminado no Brasil por ela e pelo marido, Klaus Vianna. Também relembra como
sua escola começou nos anos 50, em sua terra natal (Minas Gerais), passando pela
efervescente cena universitária baiana dos anos 60, para só depois se estabelecer
no Rio de Janeiro.
https://youtu.be/bJ2KJIDtECc
A Sagração da Primavera, por Pina Bausch
Nesta brilhante coreografia criada em 1975 para sua Tanztheather Wuppertal,
Pina Bausch criou a coreografia com a música de Stravinski. No ano em que a
coreógrafa e bailarina morreu, 30 de junho de 2009, a Temporada de Dança do
Teatro Alfa trouxe tal coreografia.
https://youtu.be/nd_ZCuqYdVE
Percursos da Arte na Educação - Ingrid Dormien Koudela
O vídeo Percursos da Arte na Educação é tributário de uma experiência iniciada
em 2008 na Universidade de São Paulo com apoio da Pró-Reitoria de Cultura e
Extensão no Centro Universitário Maria Antonia (USP), projeto de memória que
concentrou-se majoritariamente em pesquisadores do campo acadêmico.
https://youtu.be/9TigyEiS0eg
Colóquio: “O que é Pedagogia do Teatro” com Ingrid Koudela, Ivam Cabral e Maria Thaís
https://youtu.be/XAZ6D6PMatk

Leitura
Educação como expressão do corpo que dança: um olhar sobre a vivência da dança em projetos sociais
https://bit.ly/3d8BINL
Revista Nupeart – Volume 17
https://bit.ly/2BmmaZv

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UNIDADE As Linguagens Artísticas: Cênicas

Referências
ARAÚJO, P. A linguagem do corpo: passos e gestos se transformam em instru-
mentos de comunicação e expressão. Revista Nova Escola. Abril/Setembro, 2007.
Disponível em: <https://novaescola.org.br/conteudo/3276/a-linguagem-do-corpo>.
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BOAL, A. Jogos para atores e não atores. São Paulo, Cosac Naify, 2015.

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FERNANDES, C. O Corpo em Movimento – o sistema Laban/Bartenieff na forma-


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