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A Formação
do
Pensamento Econômico
de Karl Marx
De 1843 até a redação de O Capital
Tradução de
C arlos H e n r iq u e de E scobar ^
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A Z A H A R E D IT O R E S
RIO DE JANEIRO
Título original:
1968
Impresso no Brasil
índice
1 Franz Mehring, Aus dem literarischen Nachlass von Karl Marx und
Friedrich Engels 1841 bis 1850, vol. I, 3.a e d ., Dietz Stuttgart, 1920,
p á g . 359.
2 “Em Manchester, eu me choquei com o fato de que as realidades
econômicas, que até então não tinham desempenhado qualquer papel,
12 PENSAM EN TO EC O N Ô M IC O DE KARL M A R X
48 Ver capítulo 5.
49 Cf. Fr. Engels, Introduction à K. Marx, Les Luttes de Classes en
France ( 1848-1850), em Oeuvres Choisies en deux volumes, I, Moscou,
Ed. du Progrès, 1955.
50 Ver principalmente: A. Andrieux e J. Lignon, L’Ouvrier d’aujourd’
hui, Paris, Rivière, 1960; Hans-Paul Bahrdt, Walter Dirks u.a., Gibt es
noch ein Proletariat?, Frankfurt, Europäische Verlagsanstalt, 1962 etc.
Um exemplo divertido que diz respeito à Grã-Bretanha foi recentemente
revelado por Robin Blackburn ( “ Inequality and Exploitation’’, em New
Left Review, n.° 42, março-abril de 1967). Um sociólogo tinha dedica
do um estudo à atitude dos trabalhadores da fábrica de Vauxhall, em
Luton, por respeito à direção de sua caixa: 77% daqueles que trabalha
vam no departamento de montagem teriam manifestado uma “atitude
positiva’’. Apenas um mês depois da publicação dêsse estudo, houve uma
verdadeira revolta nessa mesma fábrica, dirigida precisamente contra
aquêles que fazem parte dessa direção.
2
33 K. Marx, Fr. Engels, Die Deutsche ldeólogie, pág. 34; ver tam
bém pág. 59.
34 K. Marx, Grundrisse der Kritik der politischen Oekonomie, pág. 231.
35 Ihid., pág. 34.
36 Ibid., pág. 585.
37 K. Marx, Fr. Engels, Die deutsche Ideologie, págs. 34-5, 68-9, 456-7
etc.
CA PITALISM O E COM UM ISN O 41
S
da Riqueza das N ações: "N ão é com o ouro ou com o dinhei
ro, é com o trabalho que tôdas as riquezas do mundo foram
O • compradas originàriamente, e seu valor para aqueles que as
co oj possuem e que procuram trocá-las por novos produtos é pre-
3 ^ cisamente igual à quantidade de trabalho que elas colocam
uj em situação de comprar ou de encomendar” .4 Mas êle não
° acrescenta comentários, reservando sua crítica a outra passa
gem de Adam Smith, onde êste havia deduzido a divisão do
^ J trabalho de uma exigência de troca, a existência da troca de-
<£ pendendo por sua vez da existência prévia da divisão do tra-
^ jS balho.5 É abordando Ricardo que êle formulará sua polêmica
c £3 contra a teoria do valor-trabalho.
^ § Êle o faz seguindo passo a passo a polêmica que Engels
já havia desenvolvido sôbre o mesmo assunto nos seus Umrisse
Q zu einer Kritik der Natíonalõkonomie. O valor das mercado
rias é ainda concebido como idêntico aos preços. Êle é com
posto da contribuição do trabalho e daquela dos materiais
sôbre os quais opera o trabalho. M arx aprova a nota de
Proudhon, segundo a qual a renda e o lucro são “ superacres-
centados” e constituem pois um fator de reencarecimento dos
preços.6 Marx aceita a censura de Say por respeito a Ricardo,
segundo a qual êste faz abstração da procura na determinação
do valor. Êle reduz a lei da oferta e da procura a dois fenô-
NUi menos de concorrência: a concorrência entre fabricantes, que
determina a oferta; a concorrência entre consumidores, que
determina a procura. M as esta última, conclui Marx critican-
ò0
3 Ver principalmente D. I. Rosenberg, ibid., pág. 95.
4 Adam Smith, La Richesse des Nations, I, págs. 60-1 da edição cita-
(Vf\ da por Marx, em M e g a , I, 3, pág. 458.
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\ 51 6 K. Marx, Fr. Engels, m e g a , I, 3, pág. 458.
6 Ibid., pág. 501.
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44 P E N S A M E N T O EC O N O M IC O DE KARL M A R X
17 Mehring, Aus dem litemrischen Nachlass von Karl Marx und Frie-
drich Engels, vol. II, pág. 332.
18 K. Marx, Fr. Engels, m e g a , I, 6, págs. 597-622.
48 P E N S A M E N T O EC O N Ô M IC O DE KAHL M A R X
9 Cf. esta nota de Hegel escrita em lena em 1805: “As fábricas, as ma
nufaturas fundam a sua existência precisamente na miséria de uma clas
se” (citado em Georg Lukacs: D er junge Hegel, pág. 423).
10 K. Marx, Das Elend der Philosophie, págs. 121-4; K. Marx, Fr. En
gels: Das Kommunistische Manifest, Berlim, 1918, Verlag Buchandlung
Vorwärts, págs. 26-27.
58 P E N S A M E N T O E C O N O M IC O DE KABL M A R X
33 Ver Godelier, op. cit., pág. 33, sôbre as formas de dissolução do modo
de produção asiático.
34 Lembremos a êsse respeito que o subcapítulo do qual é extraída a
passagem dos Grundrisse que trata do “ modo de produção asiático’’ é
intitulado: “ Formas que Precedem a Produção Capitalista” , e que é in
tercalado num capítulo consagrado à acumulação primitiva do capital.
O contexto demonstra imediatamente que essa intercalação tem um sen
tido preciso: trata-se de demonstrar por que, no seio do “ modo de pro
dução asiático” , mesmo a acumulação mais vasta de somas de dinheiro
não produziu um processo de acumulação de capital. Assim também
Lênin caracteriza o “ despotismo asiático” em 1914 nestes têrmos: “ Cada
um sabe que êsse gênero de regime político goza de uma grande esta
bilidade nos países em que a economia é marcada pela predominância
de traços inteiramente patriarcais, pré-capitalistas, e por um fraco de
senvolvimento da economia mercantil e da diferenciação das classes”
( Oeuvres, vol. 20, pág. 426, Editions sociales, Paris, 1959). Dificilmente
reconhecer-se-á nessa descrição a sociedade que se intercala entre o c o
munismo tribal e a sociedade fundada na escravidão. . . É verdade que
nos Grundrisse, Marx caracteriza também o modo de produção asiático
como uma das formas de propriedade coletiva do solo originadas da
decomposição do comunismo tribal — no mesmo nível que a proprie
dade coletiva do ager publicus em Roma ou que a propriedade coletiva
do solo entre os germanos e os eslavos (págs. 380-6). Foi sem dúvida
essa passagem que induziu em êrro certos autores. Mas, no mesmo con
texto, Marx precisa bem que de tôdas essas formas de propriedade co-
“m odo de produção a s iá t ic o ” 131
chinês, que fêz muito cedo da China um dos países mais den
samente povoados do mundo. Mas essa proeza está subordi
nada a trabalhos hidráulicos de tal amplitude que as comunas
ou mesmo os grupos das comunas ou das províncias não po
dem executá-los.37 !É daí que nasce a necessidade objetiva, o
papel funcional, de um poderoso poder central. Daí também
a possibilidade de ver desenvolver-se bastante rápidamente
grandes manufaturas, muito mais cedo do que na Europa,38
mas sem dar origem a uma burguesia livre, mesmo no sentido
medieval do têrmo. O Estado é muito forte, impõe à acumu
lação do capital-dinheiro um ritmo muito descontínuo, subor
dina demais a vida intelectual e científica às necessidades da
agricultura,39 para permitir um processo equivalente ao da
acumulação primitiva do capital e da constituição de uma in
dústria moderna com proletariado livre da Europa ocidental.
É preciso insistir sôbre o fato de que essa sociedade não
é de maneira alguma “primitiva” , no sentido de uma ausência
de classes sociais claramente delimitadas ou constituídas. A o
contrário, ao lado dos camponeses existem não somente os
funcionários públicos, mas ainda proprietários fundiários (que
se apropriam ilegalmente da propriedade do solo) e comer
ciantes e banqueiros, muitas vêzes imensamente ricos. Mas
o que determina a especificidade dessas classes no “ modo de
produção asiático” é que, diante da hipertrofia do poder de
Estado, êles não podem nunca adquirir o poder social e po
lítico que, em outros países, deu origem ao feudalismo primei
ro, ao capitalismo moderno em seguida. Eis aquilo de que o
conceito de “ modo de produção asiático” deve dar conta.
Deve-se aqui responder a uma objeção formulada por
Michael Mauke, que particularmente se aplicou a aprofun
dar a noção de classe para Marx em relação com uma tese
sôbre os empregados que êle estava acabando no momento em
52 Ibid., pág. 8.
53 E . R . Leach: “ Hydraulic Society in Ceylon” , em Past and Present,
n.° 15, abril de 1959, págs. 2-26.
138 P E N S A M E N T O E C O N Ô M IC O DE KARL M A R X
Essa teoria não foi retomada, sob essa forma crua, se
não por diversos socialistas ditos “ utópicos” e por Lassalle e
a sua famosa “ lei de bronze dos salários” . 2 M arx e Engels
jamais a defenderam, mas ela os influenciou, incontestável-
mente, a formular a sua primeira teoria errônea dos salários,
que concluiu, como a teoria Ricardo-Malthus, com a tendên
cia dos salários de cair para o mínimo vital fisiológico e aí se
manter.
É “ o esbôço genial” do jovem Engels, Umrisse zu einer
Kritik der Nationalökonomie, que fornece a teoria dos salá
rios que os dois amigos manterão, em grandes linhas, até o
segundo exílio de M arx na Inglaterra. Engels ai condena
como “ infame e ignóbil” a doutrina de Malthus,. mas dela
adota, não obstante, as conclusões: “ A o trabalho não volta
senão o que é estreitamente necessário, os meios de subsistên
cia totalmente nus. . . ” 3 Êle deduz êsse fato não de um mo
vimento demográfico (se bem que afirma que seja um mérito
de Malthus ter demonstrado “ que a população pesa sempre
sôbre os meios de ocupação” 4), mas de um fato econômico: a
concorrência universal na qual os operários são mais fracos
do que os capitalistas, e tanto mais enfraquecidos porque po
dem ser substituídos por máquinas.
Depois, aquêle argumento final que, nos Umrisse, apa
rece um tanto marginal, ocupará o primeiro lugar na teoria
dos salários das obras de juventude de M arx e de Engels.
Assim, nas suas “ Notas de Leitura” do ano de 1844, Marx
já então acrescentou, aos textos de Ricardo e de Adam
Smith, o comentário que aqui está: “ Em todos os países in
dustriais, o número de operários é agora superior à procura,
e pode-se recrutar, cotidianamente, proletariado desempregan
do, do mesmo modo como aquêles operários aumentam por
sua vez êsse proletariado. Assim, a acumulação tem, tam
42 Ibidem.
43 Briefwechsel zwischen Fr. Engels und K. Marx, vol. III, pag. 259.
10
ções sociais, a miséria operária, que são, por assim dizer, re
sumidas no fenômeno do trabalho alienado.
Mas, aqui, o pensamento de M arx oscila à beira de
grandes descobertas. Num dos fragmentos dos Manuscritos
de 1844, Marx precisa, de maneira notável, o trabalho alie
nado como o produto de uma forma particular da sociedade.
Êle se recusa, explicitamente, a recuar o problema nas bru
mas do passado. Êle proclama: “ Partimos de um fato eco
nômico contemporâneo. O operário torna-se tanto mais po
bre quanto mais riquezas produz. . . O operário torna-se tan
to mais uma mercadoria barata quanto mais mercadorias pro
duz. A desvalorização do mundo humano cresce em propor
ção direta com a valorização do mundo das coisas (mercado
rias, E. M . ) . O trabalho não produz, somente, mercado
rias; produz, também, êle próprio e o operário como merca
doria, e isso justamente na medida em que produz, precisa
mente, mercadorias.” 17
N ão queremos prosseguir a citação, mas tudo permane
ce coerente no contexto indicado pelo próprio M arx. O tra
balho alienado, na sociedade contemporânea, é o trabalho que
não é mais proprietário dos produtos de seu trabalho, é o
trabalho que enriquece outros com seus próprios produtos, é
o trabalho que se torna trabalho forçado, que se torna tra
balho em proveito dos que não traba.lham. Noutros têrmos:
o trabalho alienado, aqui, está, claramente, reduzido à divi
são da sociedade em classes, à oposição entre o Capital e o
Trabalho, à propriedade privada, e, se se quiser, numa pas
sagem bastante obscura, à divisão do trabalho e ao nascimen
to da produção mercantil.18
M as êsse manuscrito se interrompe, bruscamente, nesse
caminho. O pensamento bifurca, e produz uma passagem em
que a origem do trabalho alienado1 não é mais procurada
numa forma específica da sociedade humana, mas na própria
61 Jahn, op. cit., pág. 683, e Cornu, op. cit., pág. 152.
62 Jahn, op. cit., págs. 863-4.
83 Emile Bottigelli, “Présentation” dos Manuscrits de 1844, págs.
LXVII-LXVIII.
180 PENSAM EN TO EC O N Ô M IC O DE KARL M A R X
80“ Não faço senão mencionar êsse problema, tanto mais que se pode
estimar que a produção mercantil terá desaparecido da sociedade co
munista plenamente desenvolvida, se bem que essa estimação apareça
como problemática ( ! ) à luz das experiências atuais” (Adam Schaff,
Marxismus und das menschliche Individuum, Europa-Verlag, Viena,
1966, pág. 177).
31 Nowe Drogi, número de dezembro de 1965.
32 Schaff reconhece que a socialização dos meios de produção não po
de senão começar o processo de desalienação. Mas êle dá mais ênfase
à educação socialista do que à mudança das condições econômicas (prin
cipalmente ao necessário enfraquecimento das normas de distribuição
burguesas) para arrematar êsse processo. Sua defesa em favor de um
“igualitarismo moderado” e de maior liberdade de opinião e de crítica
a respeito da “ elite no poder” é meritória, mas não vai ao fundo das
coisas.
202 P E N S A M E N T O EC O N Ô M IC O DE KARL M A R X
16 K. Marx, Fr. Engels, D ie deutsche Ideologie, págs. 70, 78, 222, 228.
47 Cf. Georg Klaus: “ A fim de desenvolver tôdas as potencialidades
criadoras do homem, é necessário libertá-lo amplamente da obrigação
de fornecer trabalho esquemático. . . ” “ A cibernética e a automação são
as condições técnicas dessa situação (comunista), porque permitem ao
homem se libertar de todo trabalho esquemático não-criador.. . Elas
lhe darão sobretudo o tempo de uma formação científica e técnica uni-
versál, isto é, as condições de um trabalho verdadeiramente criador no
nível atual da produção” ( Kybernetik in philosophischer Sicht, Dietz-
Verlag, Berlim, 1965, págs. 457, 4 6 4 ).
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