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Neurociências
Neurociências UM IN STR UMEN TA L TEÓRICO-
UM INSTRUMENTAL TEÓRICO-
E P I S T E M O L ÓG I CO E M E TO DO L ÓG I CO
E P I S T E M O L Ó G I C O E M E TO D O L Ó G I C O
I N TER DI SCI P LI N A R
INTERDISCIPLINAR

Cristina Novikoff
Cristina
Carlos Novikoff
Alberto Schettini Pinto
CarlosMarcio
AlbertoVieira
Schettini Pinto
Xavier
Marcio Vieira Xavier
Sergio Pavanelli Trindade
SergioPergentino
Tigernaque Pavanelli Trindade
de Sant’ana Junior
Tigernaque Pergentino de Sant’ana Junior
(Organizadores)
(Organizadores)
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Cristina Novikoff
Carlos Alberto Schettini Pinto
Marcio Vieira Xavier
Sergio Pavanelli Trindade
Tigernaque Pergentino de Sant’ana Junior
(Organizadores)
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NEUROCIÊNCIAS: um instrumental teórico-


epistemológico e metodológico interdisciplinar

Editora CRV
Curitiba – Brasil
2023
Copyright © da Editora CRV Ltda.
Editor-chefe: Railson Moura
Diagramação e Capa: Designers da Editora CRV
Imagem da capa: Vecstock | Freepik
Revisão: Os autores

DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP)

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CATALOGAÇÃO NA FONTE
Bibliotecária responsável: Luzenira Alves dos Santos CRB9/1506

N477

Neurociências: um instrumental teórico-epistemológico e metodológico interdisciplinar / Cristina


Novikoff, Carlos Alberto Schettini Pinto, Marcio Vieira Xavier, Sergio Pavanelli Trindade,
Tigernaque Pergentino de Sant’ana Junior (organizadores) – Curitiba : CRV: 2023.
184 p.

Bibliografia
ISBN Digital 978-65-251-5375-9
ISBN Físico 978-65-251-5374-2
DOI 10.24824/978652515374.2

1. Psicologia comportamental 2. Neurociências 3. Ensino 4. Ciências Militares I. Novikoff,


Cristina, org. II. Pinto, Carlos Alberto Schettini, org. III. Xavier, Marcio Vieira, org. IV. Trindade,
Sergio Pavanelli, org. V. Sant’ana Junior, Tigernaque Pergentino de, org. VI. Título VII. Série.

CDU 159.9 CDD 158

Índice para catálogo sistemático


1. Psicologia comportamental - 158

2023
Foi feito o depósito legal conf. Lei nº 10.994 de 14/12/2004
Proibida a reprodução parcial ou total desta obra sem autorização da Editora CRV
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Tadeu Oliver Gonçalves (UFPA)
Tania Suely Azevedo Brasileiro (UFOPA)

Este livro passou por avaliação e aprovação às cegas de dois ou mais pareceristas ad hoc.
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SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO�������������������������������������������������������������������������������������������� 9
Carlos Alexandre de Oliveira Costa

INTRODUÇÃO����������������������������������������������������������������������������������������������� 11

NEUROCIÊNCIA EXPERIMENTAL E A PSICOBIOLOGIA DO


TRANSTORNO DE ESTRESSE PÓS-TRAUMÁTICO������������������������������� 17
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Hugo Bayer Reichmann


Leandro José Bertoglio

DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES PARA PENSAR A RELAÇÃO


ENTRE MEMÓRIA, COGNIÇÃO E A CONSCIÊNCIA�������������������������������� 33
Cristina Novikoff
Valéria Marques de Oliveira

FUNÇÕES EXECUTIVAS E AUTORREGULAÇÃO EMOCIONAL������������ 53


Emmy Uehara Pires

TECNOLOGIA E NEUROCIÊNCIAS APLICADAS AO AMBIENTE


MILITAR���������������������������������������������������������������������������������������������������������� 69
Carlos Alberto Schettini Pinto

A ATENÇÃO, A MEMÓRIA E A EMOÇÃO COMO ASPECTOS


INTERCESSORES DAS NEUROCIÊNCIAS NA APRENDIZAGEM��������� 87
Cristina Novikoff
Marcio Vieira Xavier

A IMPORTÂNCIA DAS FUNÇÕES EXECUTIVAS EM SALA DE AULA�� 107


Luciana Carneiro

AS NEUROCIÊNCIAS E A FORMAÇÃO MILITAR PARA O COMBATE:


possibilidades e limitações���������������������������������������������������������������������������� 119
Tigernaque Pergentino de Sant’ana Junior

“NEUROMIL” – NEUROCIÊNCIA E LIDERANÇA: uma análise de


aspectos mentais (cognição, emoção e comportamento) de líderes no
contexto da liderança militar�������������������������������������������������������������������������� 141
Sergio Pavanelli Trindade

AS NEUROCIÊNCIAS, A VIDA E A MORTE HUMANIZADA�������������������� 167


Sônia Cardoso Moreira Garcia

ÍNDICE REMISSIVO����������������������������������������������������������������������������������� 181


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APRESENTAÇÃO
Carlos Alexandre de Oliveira Costa1

É com grande entusiasmo e honra que apresento a obra “Neurociências: um


instrumental teórico-epistemológico e metodológico interdisciplinar”,
fruto do projeto “NeuroMil: da Formação ao Combate” em desenvolvimento
no Centro de Estudos de Pessoal e Forte Duque de Caxias – CEP/FDC. O
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objetivo do NeuroMil é estudar o impacto das neurociências nos diferentes


cursos de formação militar, buscando compreender as neurociências como
um instrumental teórico-epistemológico e metodológico para o processo de
ensino do Sistema de Educação e Cultura do Exército.
Essa obra abrange capítulos que exploram temas relevantes da neuro-
ciência aplicada ao contexto militar. Entre os temas de interesse ao Exército
Brasileiro a neurociência experimental, psicobiologia, transtorno de estresse
pós-traumático, emoções, memória, cognição, consciência, funções executivas,
liderança, autorregulação emocional, tecnologia e a neuroeducação, como
ferramentas para apoiar a formação militar para o combate, discutindo suas
possibilidades e limitações.
A obra representa uma importante iniciativa de estudo interdisciplinar no
ambiente militar que visa aprimorar a formação militar e compreender a rela-
ção entre as neurociências e o comportamento no contexto militar, buscando
aplicações práticas e benefícios para o bem-estar e a capacidade de defesa da
instituição. Ela é um convite para compreendermos mais profundamente o que
nos torna humanos e para apreciarmos a potencialidade e a complexidade de
nossas mentes, especialmente para intervir no comportamento de militares,
visando aumentar o poder de defesa e combate da instituição.
Espero que esta obra inspire a curiosidade e a dedicação pela busca do
conhecimento, afinal, a exploração da mente é um caminho infinito e sem-
pre fascinante.
Boa leitura e uma jornada enriquecedora pela neurociência!

1 Diretor de Ensino e Comandante do CEP/FDC.


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INTRODUÇÃO

A obra “Neurociências: um instrumental teórico-epistemológico e metodo-


lógico interdisciplinar” é a primeira publicação do projeto “NeuroMil:
da Formação ao Combate” em desenvolvimento no Centro de Estudos de
Pessoal e Forte Duque de Caxias.
Esse projeto nasceu das discussões instigadas em 2021, nas aulas da
disciplina denominada “Introdução à Neuropsicopedagogia” do Curso de
Psicopedagogia Escolar do CEP\FDC. A proposta do projeto NeuroMil é pro-
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mover a articulação entre neurociências e comportamento militar. Observou-se


no decorrer da disciplina, o interesse dos oficiais participantes das aulas e na
sua aplicação prática. Daí resultou a criação do grupo de pesquisa Neuro-
Mil, com o intuito de se estudar o impacto das neurociências nos diferentes
cursos de formação militar, com o objetivo de compreender as neurociências
como instrumental teórico-epistemológico e metodológico para o processo
de ensino do Sistema de Educação e Cultura do Exército, visando intervir no
comportamento de militares, com a finalidade de aumentar o poder de defesa
e combate da instituição.
Aberto a outros diálogos e estudos, o grupo NeuroMil amplia suas par-
cerias acadêmico-científicas e busca novos estudos na área das Ciências Mili-
tares e Neurociências, com foco na formação integral do profissional militar
– resultando na presente obra.
No primeiro capítulo, Leandro José Bertoglio e Hugo Bayer Reichmann
trabalham no texto intitulado “Neurociência experimental e a psicobiologia
do transtorno de estresse pós-traumático”, com a explicação sobre a evolu-
ção da neurociência desde os primeiros estudos elucidando sobre a natureza
do comportamento humano. Demonstram que muito se aprendeu com estu-
dos clínicos e pesquisas com humanos, mas grande parte do conhecimento
acumulado ao longo do tempo foi obtido com estudos utilizando animais de
laboratório. A utilização destes é essencial para o descobrimento de novos
mecanismos neurológicos que vão desde o nível molecular ao comportamental.
Dentro da neurociência experimental, uma área que tem avançado muito é
a neurobiologia da memória, devido ao surgimento de novas tecnologias e a
demanda por novas terapias. Aqui o foco será, em especial, na psicobiologia do
transtorno de estresse pós-traumático e como esse transtorno se correlaciona
com o estudo das memórias traumáticas, desde mecanismos básicos até as
abordagens terapêuticas mais modernas
Em “Diálogos interdisciplinares para pensar a relação entre memó-
ria, cognição e a consciência”, das autoras Cristina Novikoff e Valéria Mar-
ques de Oliveira é apresentada a literatura brasileira, que apesar do volume
12

de artigos publicados nos periódicos nacionais sobre memória ou cognição


apresenta uma lacuna referente à consciência. Apesar de seu importante papel
na construção do conhecimento, a consciência é pouco destacada na literatura
vigente. A pergunta de partida para discutir a questão é sobre como as ciências
humanas têm pensado a relação entre a memória, cognição e consciência? O
objetivo é discutir a complexa relação da tríade memória, cognição e consciên-
cia a partir do levantamento dos múltiplos entendimentos sobre a memória,
dentro do quadro analítico interdisciplinar, com a abordagem da psicologia,
filosofia e as neurociências. Trata-se de estudo revisional da literatura mediado

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pela Tabela de Análise de Textos-Acadêmico-Científicos de Novikoff (2010)
como estratégia metodológica para gerar as categorias conceituais. Resulta
do estudo duas categorias, a saber: aporte teórico-funcionalista; aporte teó-
rico-epistemológico. A base teórica dos estudos se fundamenta nos autores
Baddley (1974; 1986; 1992; 1996; 2000ab; 2003; 2009), Izquierdo (2002;
2011), Vigotski (1996, 2001; 2007; 2009) e Wechsler (1991; 1997). A cor-
relação entre memória e cognição é de 70% e com consciência fica em 30%
dos trabalhos.
No terceiro capítulo designado como “Funções executivas e autor-
regulação emocional” de Emmy Uehara Pires, as funções executivas e a
autorregulação emocional desempenham um papel fundamental no cotidiano,
influenciando a capacidade de lidar com desafios, tomar decisões e regular
nossas emoções. Enquanto as primeiras são responsáveis por habilidades
cognitivas superiores, que nos ajudam a estabelecer metas, manter o foco
e controlar impulsos, a segunda se refere à capacidade de reconhecer, com-
preender e regular nossas emoções. A relação entre as funções executivas e
a autorregulação emocional tem implicações relevantes em diversas áreas da
vida, incluindo educação, trabalho e saúde mental. Deste modo, desenvol-
ver e fortalecer estas habilidades nos permite enfrentar os desafios de forma
adaptativa, tomar decisões mais adequadas e manejar nossas emoções de
maneira mais saudável. Investir no treinamento e na promoção destas habi-
lidades pode trazer benefícios significativos para o bem-estar e qualidade de
vida do indivíduo. Assim, o presente capítulo tem como objetivo fornecer um
panorama sobre as funções executivas e regulação emocional, bem como os
principais aspectos acerca do desenvolvimento, áreas cerebrais e implicações
na vida diária.
“Tecnologia e Neurociências aplicadas ao ambiente militar”, o quarto
capítulo elaborado por Carlos Alberto Schettini Pinto buscou destacar e estrei-
tar a relação entre a neurociência e o ambiente tecnológico, principalmente
o advindo da Indústria 4.0, verificando suas pertinências e aplicações no
ambiente militar. O trabalho apresenta como objetivo, realizar uma profunda
NEUROCIÊNCIAS: um instrumental teórico-epistemológico e metodológico interdisciplinar 13

pesquisa bibliográfica sobre como a interface entre a neurociência e a tecnolo-


gia interagem no ambiente militar. Este é um estudo de revisão bibliográfica,
onde foram utilizados sites de busca, como Web Of Science, SCIELO, dentre
outros, por meio das palavras-chave: Indústria 4.0, Tecnologia, Neurociên-
cias, Ambiente Militar. Além disso, as pesquisas foram estendidas a livros e
a sítios empresariais e governamentais. Como resultado, foi possível verificar
a importância das neurociências no ganho cognitivo dos militares e a pos-
sibilidade de pesquisa e aprendizado com o uso dos adventos tecnológicos
existentes. Por fim, conclui-se que esta simbiose neurociências – tecnologia
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é fundamental para a mensuração da capacidade cerebral e cognitiva, além de


influenciar o desenvolvimento de tecnologias mais avançadas, como interfaces
cérebro-máquina e dispositivos de estimulação cerebral.
No quinto capítulo, intitulado “A atenção, a memória e a emoção como
aspectos intercessores das neurociências na aprendizagem”, Cristina Novi-
koff e Marcio Vieira Xavier, buscam entender a relação entre as neurociências
e aprendizagem a partir da criação de ambientes mais interativos. Na literatura,
a convicção de que as neurociências têm muito a acrescentar para a formação
de docentes é cercada de argumentos válidos, com amparo em diferentes áreas
de conhecimento geradores da disciplina denominada neuroeducação. Entre
o rol de perguntas pertinentes para estudar esta intrigante relação, objetiva-se
responder sobre como a neuroeducação pode contribuir para a criação de
ambientes de aprendizagem mais eficazes? A literatura brasileira é vasta em
estudos sobre aprendizagem pautada nos clássicos Piaget e Vigotski. Neste
texto a proposta é relacionar os teóricos às neurociências dentro da abordagem
da neuroeducação. Resulta a apresentação das diferenças e verossimilhan-
ças entre as abordagens psicogenéticas e histórico-cultural para um ensino
na contemporaneidade.
No sexto capítulo, A importância das Funções Executivas em Sala
de aula” da psicóloga Luciana Carneiro tem o objetivo da pesquisa é evi-
denciar, pela literatura, os benefícios do estímulo das FE para as práticas em
sala de aula, tendo por foco os anos iniciais do ensino fundamental. A etapa
dos anos iniciais do ensino fundamental é reconhecida pela alfabetização e
contato com os primeiros conceitos matemáticos, de forma que o estímulo das
Funções Executivas se mostra essencial para que a criança alcance um bom
desempenho de aprendizagem que refletirá ao longo de sua trajetória escolar.
Trata-se de uma pesquisa qualitativa, descritiva, realizada pelo procedimento
da revisão bibliográfica da literatura. Foram consultados artigos científicos
publicados na Scientific Digital Library Online – Scielo, Capes e Google
Scholar. Os resultados evidenciaram que o desenvolvimento da criança e sua
aprendizagem nos anos iniciais do ensino fundamental estão relacionados ao
14

bom desenvolvimento das habilidades cognitivas da memória do trabalho, do


controle inibitório e da flexibilidade cognitiva. Conclui-se que são diversas
possibilidades para que o docente trabalhe o desenvolvimento das FE em
sala de aula, dentre as quais o uso de jogos e recursos digitais, esportes e
as brincadeiras.
“As neurociências e a formação militar para o combate: Possibilida-
des e Limitações” de Tigernaque Pergentino de Sant’ana Junior, desenvolve
o sétimo capítulo com o objetivo de avaliar o potencial das neurociências
como uma ferramenta para apoiar a formação militar para o combate, discu-

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tindo suas possibilidades e limitações. Foram apresentados diversos estudos
e artigos que abordaram diferentes perspectivas para utilizar ferramentas das
neurociências para melhorar o desempenho dos militares em situações de
combate. Entre as possibilidades discutidas, estão o uso de neurofeedback
para melhorar a resiliência e o controle emocional dos militares e o uso de
tecnologias para aprimorar o desempenho físico e cognitivo do combatente.
Também foram discutidas as limitações das pesquisas atuais em razão das
tecnologias disponíveis e das implicações éticas envolvidas no uso dessas
tecnologias, incluindo questões de privacidade e manipulação mental. Dessa
forma, as neurociências se apresentam como uma importante aliada na capa-
citação dos militares, preparando-os de forma mais adequada para situações
críticas e adversas.
O oitavo capítulo denominado “Neurociência e Liderança: uma análise
de aspectos mentais (cognição, emoção e comportamento) de líderes no
contexto da liderança militar” de Sergio Pavanelli Trindade, aborda o tema
da neurociência aplicada à liderança. O objetivo foi compreender como os
avanços da neurociência cognitiva (processos mentais – cognição, emoção e
comportamento) contribuem para o desenvolvimento da liderança transforma-
cional, visando a aplicação dessa compreensão ao contexto militar. Apresenta
o cenário mundial de volatilidade, incerteza, complexidade e ambiguidade
(o mundo VUCA) e seus desafios para as organizações e se constitui num
contexto propício para o desenvolvimento da liderança transformacional.
O estudo concluiu que: a) a liderança transformacional é capaz de motivar
e mover uma organização vertical e horizontalmente, preparando-a para as
mudanças e dinâmicas impostas. b) o campo de estudo relacionando neuro-
ciência e liderança se encontra em fase exploratória e em ampla difusão; c)
a neurociência aplicada à liderança revela as atividades e mecanismos do
cérebro que melhoram as competências necessárias de um líder; d) estraté-
gias de intervenções neurocognitivas como mindfulness, regulação SCARF
e outras atuam sobre os circuitos cerebrais de auto regulação, controle de
impulsos e força de vontade e; e) o treinamento de competências em liderança
NEUROCIÊNCIAS: um instrumental teórico-epistemológico e metodológico interdisciplinar 15

transformacional tem como objetivos essenciais o gerenciamento das amea-


ças SCARF e fortalecimento dos circuitos neurais do Sistema 2, diretamente
relacionados com necessidades do “cérebro social”.
Para encerrar a obra, o nono capítulo intitulado “As neurociências, a
vida e a morte humanizada” desenvolvido por Sônia Cardoso Moreira Gar-
cia. A autora apresenta a relação das neurociências, com a difícil relação de
perdas, discutindo os processos de morte humanizada, como parte de estudo
e pesquisa no ensino do curso de medicina do Centro Universitário de Volta
Redonda (UniFOA).
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Os organizadores.
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NEUROCIÊNCIA EXPERIMENTAL E A
PSICOBIOLOGIA DO TRANSTORNO
DE ESTRESSE PÓS-TRAUMÁTICO
Hugo Bayer Reichmann2
Leandro José Bertoglio3
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Introdução

O ser humano busca entender sua mente e como ela pode existir desde
tempos em que a própria ciência ainda era algo inimaginável. Com o
desenvolvimento das ciências biomédicas, principalmente a partir do século
XIX, ficou claro que nossa experiência consciente depende de impulsos ner-
vosos em nosso cérebro. O interesse nas neurociências é crescente desde
então, e diversas metodologias experimentais para desvendar os mecanismos
e processos que ocorrem no sistema nervoso surgem a cada dia. Devido a
diversos fatores, principalmente éticos e logísticos, grande parte dos estudos
em neurociências são desenvolvidos em camundongos e ratos, que compar-
tilham uma história evolutiva conosco.
Desde a publicação do livro “A Origem das Espécies” por Charles Dar-
win, e com o estabelecimento da teoria da Evolução como modo de entender
o lugar do ser humano na natureza, a noção de que temos uma origem comum
com os outros mamíferos se consolidou (de fato, não mamíferos e todos os
outros seres vivos também, porém o ancestral comum é muito mais distante).
Outro livro importante desse ilustre autor se chama “A Origem do Homem”,
onde são abordadas as semelhanças e diferenças entre cérebro e comporta-
mento do Homem em relação aos outros animais. Talvez o principal legado
desse estudo seja a noção de que a cognição humana e animal é contínua e
não discretamente diferenciada – Darwin argumentou que a diferença entre
humanos e outros animais seria de “grau”, e não de “tipo”. Desde então,
diversas áreas da ciência têm entendido a cognição desse modo, e o uso de
animais em pesquisas neurocientíficas passou a ser justificado. Obviamente

2 Biólogo. Mestre em Farmacologia. Doutorando em Neurociências. E-mail: hugo.bayer@tamu.edu


3 Professor Titular. Subcoordenador do Programa de Pós-Graduação em Farmacologia (PPG-FMC) da UFSC.
Tem experiência e contribuição científica na área de neuropsicofarmacologia e neurociências (ansiedade
e ao processo de aprendizagem e memória aversiva). Membro da SBFTE, SBNeC, SfN (EUA) e ReBraEM
(Rede Brasileira de Estudos da Memória).
18

que não podemos entender todas as funções humanas utilizando animais,


mas boa parte delas possui mecanismos comuns que podem ser explorados.
Por exemplo, é impraticável estudar linguagem em roedores, mas é total-
mente possível estudar mecanismos cerebrais que levam a comportamentos
ansiosos ou depressivos.
Um dos mecanismos que podemos explorar em outros animais é o res-
ponsável por comportamentos defensivos ou de evitação. Isso porque o medo
é uma emoção fundamental e ancestral: quase todos os animais dependem do
medo para se manter vivos. Por exemplo, tendo em mente a seleção natural,

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os ratos que não temessem corujas e outros predadores teriam uma chance
menor de se reproduzir antes de serem predados e, assim, não deixariam tantos
descendentes quanto aqueles que temem seus predadores e os evitam. Assim,
os mecanismos neurobiológicos engajados em respostas defensivas possuem
uma forte pressão seletiva já que eles definitivamente não podem “falhar”, e
com isso, a estrutura básica é compartilhada por diversos animais. Portanto,
a utilização de animais não humanos no estudo da neurobiologia do medo
tem sido bastante frutífera há mais de um século.

Neurociência Experimental e a Neurobiologia da memória

Abordagens em neurociência experimental em humanos e outros


animais

Estudos neurocientíficos com humanos e animais não humanos utilizam


uma série de abordagens que podem revelar diferentes aspectos do funcio-
namento do cérebro e como isso se relaciona a comportamentos específicos.
Uma técnica bastante comum é a ressonância magnética funcional (aparelho
que permite determinar o grau de atividade em determinada região encefálica)
durante tarefas executadas em laboratório e correlacionar o grau de atividade
de determinada região com o desempenho ou comportamento observado. Essa
técnica, por ser pouco invasiva e relativamente barata, é comumente utilizada
em seres humanos.
A técnica descrita acima (ressonância magnética funcional) se baseia
meramente na observação da atividade cerebral, e pesquisadores correlacio-
nam a atividade do cérebro com determinados comportamentos. Uma das
limitações desse tipo de técnica é que correlações não podem ser considera-
das para implicar causalidade, logo técnicas que permitam interferir com a
atividade cerebral também são necessárias. Por razões óbvias, a manipula-
ção cerebral de humanos saudáveis no contexto da pesquisa é praticamente
inexistente. No entanto, durante determinadas cirurgias, ou para tratamentos
NEUROCIÊNCIAS: um instrumental teórico-epistemológico e metodológico interdisciplinar 19

em pacientes refratários a terapias convencionais, a estimulação ou inibição


de determinadas regiões cerebrais é realizada. Uma terapia que vem sendo
cada vez mais utilizada, trata-se da estimulação cerebral profunda ou DBS
(do inglês deep brain stimulation), que consiste na inserção de eletrodos
utilizados para estimular regiões profundas do cérebro de pacientes com
diversas disfunções neurológicas, e tem trazido benefícios notáveis prin-
cipalmente para pacientes com tremor essencial e a Doença de Parkinson
(Perlmutter; Mink, 2006).
Novamente, esse tipo de estudo onde podemos determinar relações de
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causalidade entre atividade cerebral e comportamento são extremamente res-


tritos em seres humanos. É aqui que a utilização de animais na pesquisa se
mostra essencial. Antes de prosseguir é interessante mencionar que, para todos
os estudos envolvendo animais, existem determinadas “validades” que devem
ser consideradas, são elas, de acordo com Nunes e Hallak (2014):

• Validade de face ou validade aparente: diz respeito a capacidade


de um modelo animal mimetizar os sintomas de uma condição. Por
exemplo, se pesquisadores desenvolvem um modelo animal para
estudar depressão – os animais apresentam sintomas semelhantes a
seres humanos (ex.: anedonia, perda ou aumento de peso, alterações
de sono etc.)?
• Validade de construto: refere-se à capacidade do modelo animal de
reproduzir os mecanismos etiológicos daquela doença ou transtorno.
Por exemplo, um modelo ideal de transtorno de estresse pós-traumá-
tico (TEPT) deveria envolver alterações nos circuitos cerebrais que
governam respostas defensivas e/ou a memória de tais experiências.
• Validade preditiva: a validade preditiva está relacionada com a
maneira como um determinado modelo animal prediz o resultado
de tratamentos para uma condição. Por exemplo, um modelo de
ansiedade utilizando animais onde os mesmos medicamentos efe-
tivos para humanos com transtornos de ansiedade (ansiolíticos)
também são efetivos nos animais, é um modelo com uma boa vali-
dade preditiva.

Tendo isso em mente, conseguimos apreciar o fato de que todo modelo


tem limitações, mas que se soubermos onde residem seus pontos fortes e
validades experimentais, são de fato muito úteis. Outra compreensão neces-
sária para analisar resultados de neurociência experimental é a distinção entre
abordagens experimentais. Todos os estudos experimentais com organismos
vivos irão se encaixar em ao menos uma das seguintes abordagens:
20

• Estudos observacionais: pesquisadores observam duas variáveis


e as correlacionam. Por exemplo, o nível de adrenalina no sangue
em indivíduos que são submetidos a um determinado teste pode
ser correlacionado com o grau de ansiedade observado (Starkman
et al., 1990).
• Estudos de perda de função: uma manipulação é realizada, onde
uma estrutura ou processo do organismo é removida ou inibida.
Por exemplo, ao utilizar bloqueadores de receptores para adrena-
lina, podemos observar níveis de medo reduzidos (Villain et al.,

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2016). Estudos de perda de função são utilizados para estudar a
necessidade de uma estrutura ou processo em algum comporta-
mento ou função.
• Estudos de ganho de função: manipulações onde uma nova
propriedade é atribuída a um organismo ou uma propriedade ou
processo preexistente é estimulado. Por exemplo, injeções de
adrenalina em pacientes com transtorno do pânico são capazes de
aumentar a chance de ocorrência de um ataque de pânico (Velt-
man et al., 1996). Estudos de ganho de função são utilizados para
estudar a suficiência de uma estrutura ou processo em algum com-
portamento ou função.

Modelos animais para o estudo da neurobiologia do transtorno de


estresse pós-traumático

O TEPT é uma condição psiquiátrica que aflige indivíduos que passam


por situações traumáticas. É um transtorno relativamente comum, sendo que
nos Estados Unidos a prevalência em algum momento da vida é de 6,8%
(dados do National Institute of Health). Antes da descrição apropriada desse
transtorno, médicos e pesquisadores já tinham identificado os principais sin-
tomas em indivíduos que passaram por eventos catastróficos e traumáticos,
principalmente no contexto de guerras. No entanto, foi apenas durante a
guerra do Vietnã que a documentação sistemática dos pacientes foi suficiente
para entender que o então chamado de “fadiga de combate” era de fato um
transtorno psiquiátrico (Kulka, 1991). Hoje se sabe que o TEPT pode ocorrer
não apenas entre combatentes, mas em qualquer pessoa submetida a uma
situação traumática, ou até mesmo ao observar outras pessoas passando por
essas situações, algo que é conhecido como “trauma vicariante” (McCann;
Pearlman, 1990). Mas ainda assim, o principal causador do TEPT entre
NEUROCIÊNCIAS: um instrumental teórico-epistemológico e metodológico interdisciplinar 21

indivíduos do sexo masculino ainda é a participação em guerras (dados do


National Institute of Health).
Alguns dos sintomas do TEPT de acordo com o DSM-V são a evoca-
ção involuntária de memórias intrusivas do evento traumático, pesadelos
recorrentes, evitação excessiva de pistas que remetem ao trauma, hiper-
-reatividade e hipervigilância, e persistência dos sentimentos negativos
associados ao trauma. As principais terapias utilizadas no TEPT são chama-
das “terapias de exposição”, que consistem na apresentação justamente de
pistas que remetem ao trauma em um local seguro e controlado, e partem do
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princípio de que a exposição a esses estímulos de maneira continuada pode


causar uma diminuição nas respostas defensivas ao longo do tempo, o que
levaria a extinção da reposta inapropriada. Esse tipo de terapia é efetivo,
porém o retorno dos sintomas depois de certo tempo é relativamente comum
(Maren; Holmes, 2016). Além disso, até hoje não existe um único fármaco
aprovado especificamente para o tratamento das memórias que subsidiam
o TEPT, sendo que os pacientes normalmente utilizam antidepressivos e
ansiolíticos para amenizar os sintomas, mas estes não auxiliam na resolução
do transtorno.
Os principais modelos de TEPT em animais se baseiam no fato de que
este transtorno sempre tem seu início em um evento traumático, logo buscam
modelar esse aspecto através do estudo de memórias de medo ou traumáticas.
Portanto, um procedimento muito utilizado em laboratório para o estudo
de memórias de medo é o condicionamento Pavloviano, que consiste no
pareamento de pistas neutras com eventos aversivos ou apetitivos (ruins ou
bons). Inicialmente descrito pelo médico russo Ivan Pavlov em cachorros,
que observou que quando chegava a hora de seus cães serem alimentados
(ele estudava enzimas digestivas na época e já tinha recebido um prêmio
Nobel por isso), eles começavam a salivar antes mesmo de receberem a
comida, e suspeitou que determinados sons do ambiente eram responsá-
veis pela resposta dos animais. Para testar essa hipótese ele desenvolveu o
seguinte experimento: utilizou-se de um estímulo apetitivo (comida) para
condicionar um estímulo neutro (som de um sino), tornando-se então este
som um estímulo condicionado que agora é capaz de induzir uma resposta
similar àquela exibida na presença de comida (salivação). Então, cunhou
os termos “estímulo incondicionado”, “estímulo condicionado”, “resposta
incondicionada” e “resposta condicionada” para descrever os elementos
envolvidos no processo de condicionamento (Figura 1).
22

Figura 1 – Condicionamento clássico ou pavloviano. 1) Inicialmente,


temos o estímulo incondicionado (comida) gerando uma resposta
incondicionada (salivação). 2) O estímulo neutro (som do sino) não gera
qualquer resposta no animal por si só. 3) Quando o estímulo neutro é
apresentado de maneira concomitante a apresentação da comida, ele se
torna um estímulo condicionado e 4) passa a induzir a resposta condicionada
(salivação) mesmo quando apresentado sem a presença de comida

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Para o estudo de memórias de medo, obviamente os estímulos utili-
zados diferem daqueles inicialmente utilizados por Pavlov, que usou um
estímulo apetitivo (comida), mas a lógica continua a mesma. Normalmente
se utilizam roedores, que são colocados em uma caixa de condicionamento
onde são apresentados determinados sons (estímulos inicialmente neutros),
que são pareados com choques suaves nas patas (estímulo incondicionado).
Após alguns pareamentos, os sons são capazes de evocar respostas defen-
sivas (ex.: congelamento) por si só. De modo interessante, assim como na
clínica psiquiátrica, pesquisadores também utilizam uma estratégia similar
a “terapia de exposição” nesse tipo de experimento. O processo de apren-
dizado que é a base das terapias de exposição é a extinção de respostas
condicionadas. Na extinção, após a obtenção de uma resposta condicio-
nada, o estímulo condicionado é apresentado repetidamente sem que haja
nenhum outro estímulo aversivo ou apetitivo, e, portanto, após numerosas
apresentações ele perde a habilidade de evocar uma resposta comporta-
mental. Fazendo um paralelo com o cotidiano, seria como se uma pessoa
que é assaltada em determinada rua e fica com medo de voltar naquela
NEUROCIÊNCIAS: um instrumental teórico-epistemológico e metodológico interdisciplinar 23

rua, deixa de ter medo do lugar após ter que passar por aquela rua diversas
vezes (talvez faça parte do trajeto para o trabalho, por exemplo), pois nada
de ruim aconteceu novamente. Aqui temos um detalhe importantíssimo do
TEPT: pacientes com esse transtorno, diferentemente de indivíduos saudá-
veis, apresentam uma dificuldade muito maior para “extinguir” memórias
traumáticas (Norrholm et al., 2011).
Um dos métodos mais tradicionais utilizados para estudar a função de
regiões cerebrais no processamento de memórias traumáticas é a realização
de lesões em determinadas estruturas para determinar como a perda de fun-
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ção daquela região altera os comportamentos defensivos dos animais. Com


esse tipo de estratégia, ainda no século passado, a neurociência identificou
algumas regiões cerebrais cruciais na regulação de memórias de medo
e comportamentos defensivos como, por exemplo, a amígdala (Maren;
Fanselow, 1996), que é considerada um eixo central para a formação de
memórias de medo, já que é na amígdala que ocorre a codificação do
pareamento entre estímulo condicionado (som, luz etc.) e incondicionado
(choque); o córtex pré-frontal medial, em especial a porção infralímbica,
que é crucial para a extinção de memórias de medo (Milad; Quirk, 2002)
– e por sinal a região homóloga no humano se encontra hipoativa em
pacientes com TEPT (Koenings; Grafman, 2009); e o hipocampo, que é
uma região crucial na representação contextual, sendo importante para que
nos lembremos onde e quando determinados eventos ocorreram e essencial
para a consolidação de memórias (Squire et al., 2015). O descobrimento
da função específica de diversas regiões encefálicas é essencial para que
possamos avançar no desenvolvimento de novas estratégias e terapias para
tratar pacientes com TEPT.
Assim, o condicionamento de medo em roedores é uma das estratégias
mais usadas ao redor do mundo para o estudo de memórias traumáticas. Diver-
sos avanços já foram obtidos desde que esse protocolo passou a ser utilizado,
tanto no sentido de aprimorar as técnicas utilizadas no laboratório, quanto no
sentido de facilitar a busca de novas alternativas no tratamento do TEPT. A
seguir, detalharemos esses avanços tecnológicos que servem não apenas para
o estudo de memórias como para neurociência, em geral.

Técnicas utilizadas pela neurociência moderna

Os dois métodos mais tradicionais para o estudo da função de uma dada


região do cérebro em uma tarefa são lesões e inativação (ou ativação) farma-
cológica. As lesões são um método mais antigo, onde os pesquisadores geram
um dano permanente (através de moléculas tóxicas ou estimulação elétrica
24

excessiva) em uma região do cérebro de um animal (Figura 2A). Ao avaliar


os desfechos comportamentais e fisiológicos, eles determinam qual seria o
papel daquela região. Por exemplo, se é realizada uma lesão na amígdala de
um animal e este perde a capacidade de formar novas memórias de medo,
pode-se deduzir que a amígdala é necessária para a formação destas memórias.
Um dos problemas desse método é que é impossível determinar precisamente
quando a estrutura danificada seria importante. No exemplo acima, a amígdala
poderia ser importante no momento da evocação (na hora que testaremos os
animais para inferir os efeitos da lesão) ao invés da formação das memórias.

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Por isso, as inativações/ativações farmacológicas trazem um grande
avanço porque normalmente são reversíveis. As intervenções farmacológicas
são realizadas através da inserção de “cânulas” no cérebro do roedor (Figura
2B), que permitem injeções locais de drogas que ativam ou inibem a ativi-
dade neuronal na região onde são injetadas. Esses tratamentos normalmente
começam a agir em poucos minutos e tem uma ação de no máximo poucas
horas. Utilizando um exemplo parecido ao anterior, poderíamos estudar a
atividade da amígdala especificamente durante a formação de memórias de
medo se injetássemos uma substância inibidora (por exemplo, muscimol, um
agonista de receptores GABA-A) antes de realizarmos o condicionamento de
medo nos animais. Em outro grupo de animais, poderíamos realizar o mesmo
tratamento antes da evocação dessas memórias de medo para determinar o
papel da amígdala nesse momento.

Figura 2 – Métodos clássicos de manipulação da atividade cerebral. A)


Em experimentos que se utilizam de lesões elétricas em regiões do cérebro,
eletrodos são posicionados na região de interesse, e uma corrente elétrica é
ativada até “queimar” os neurônios do local. Após o procedimento a região de
interesse se torna inoperante. B) Em experimentos que utilizam manipulações
farmacológicas, cânulas são implantadas no crânio e com isso é possível injetar
substâncias em regiões específicas do cérebro, em geral essas substâncias são
drogas capazes de ativar ou inativar a região de interesse de maneira transitória
NEUROCIÊNCIAS: um instrumental teórico-epistemológico e metodológico interdisciplinar 25

Nos exemplos descritos acima, caso fosse observada alguma alteração


no comportamento de animais submetidos a lesões e inativações, poderíamos
atribuir a diminuição na atividade da amígdala como a causa dessas mudanças.
Inativações e lesões são exemplos de ferramentas experimentais em estudos
de perda de função, portanto conseguimos determinar se determinadas regiões
são necessárias para determinados comportamentos e funções através desses
métodos. Em contrapartida, utilizando ativações farmacológicas conseguimos
determinar se determinadas regiões cerebrais são suficientes para induzir
algum comportamento ou função. Por exemplo, se injetarmos uma droga ativa-
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dora (por exemplo, NMDA) na amígdala, provavelmente observaríamos mais


“congelamento” do que no grupo controle e, assim, poderíamos inferir que a
atividade aumentada da amígdala foi suficiente para induzir respostas de medo.
Mais recentemente, foram desenvolvidos outros dois métodos comple-
mentares para a manipulação neuronal em laboratório: a quimiogenética e
a optogenética. Ambas se utilizam de vetores virais não patogênicos que
são capazes de entrar nos neurônios e inserir seu material genético neles,
por isso o sufixo “genética” em ambos os termos. Na quimiogenética, os
vetores virais injetados entregam DREADDs (do inglês, Designer Receptors
Exclusively Activated by Designer Drugs), que são receptores que perma-
necem neutros no organismo, sem ser ativados por nenhuma substância ou
neurotransmissor endógeno (Figura 3A). No entanto, esses receptores podem
ser ativados por uma droga chamada de N-óxido de clozapina (CNO). Ou
seja, quando um animal que recebeu uma injeção de vetor viral recebe um
tratamento com CNO, aqueles neurônios que expressam os DREADDs
irão ser os únicos afetados pelo CNO. Esse tipo de técnica também pode
ser utilizada para estudos de ganho e perda de função assim como as mani-
pulações farmacológicas, mas já que se utilizam de engenharia genética
podem conferir uma maior especificidade em termos da população neuronal
afetada. Nessa técnica podemos utilizar diferenças moleculares de neurônios
específicos para regular a expressão dos vetores virais. Por exemplo, se qui-
sermos estudar apenas os neurônios liberadores de dopamina de uma região
cerebral, podemos usar a enzima que sintetiza dopamina como “gatilho”
para a expressão do nosso vetor viral.
A optogenética, por sua vez, possui “opto” no nome, pois envolve o uso
de luz para manipulação neuronal. Neurônios (exceto aqueles da retina que
possuem cones e bastonetes) não são células responsivas a luz, ou seja, se
um neurônio do hipocampo recebesse um feixe de luz, nada aconteceria. No
entanto, utilizando optogenética, conseguimos tornar neurônios responsivos
a luz e combinar isso com a implantação de fibras ópticas no cérebro para
manipular a atividade desses neurônios em tempo real (Figura 3B). De modo
26

similar ao que ocorre na quimiogenética, na optogenética se utilizam vetores


virais capazes de induzir a expressão de genes específicos. Nesse caso, esses
genes codificam opsinas, que são receptores capazes de interagir com a luz
(similares aqueles presentes nas células fotossensíveis da retina). Quando a luz
incide sobre as opsinas elas permitem que íons entrem e saiam dos neurônios,
gerando respectivamente ativação e inativação. O método também permite
experimentos de perda e ganho de função de neurônios e é possível ter como
alvo subtipos específicos de neurônios. Uma vantagem que esse método traz
em relação a manipulações farmacológicas e quimiogenéticas (ambas na escala

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de minutos a horas) é a especificidade temporal, pois as ativações e inativa-
ções ocorrem na escala de segundos. Outra possibilidade que esse método
traz é o estudo de projeções entre diferentes regiões do cérebro. Por exemplo,
se o vírus é injetado na amígdala e as fibras óticas são colocadas no córtex
pré-frontal, manipularemos apenas os axônios provenientes de neurônios
da amígdala, uma vez que no córtex pré-frontal, nenhuma outra célula será
responsiva a luz (Figura 3B).

Figura 3 – Métodos contemporâneos de manipulação da atividade cerebral.


A) Na quimiogenética, os vetores virais são injetados e transferem seu
material genético para os neurônios, que passam a expressar os receptores
(DREADDs) que são exclusivamente ativados pelo ligante CNO, que pode
ser injetado pela via intraperitoneal, e agirá nos neurônios que estão
expressando os DREADDs. B) Na optogenética os vetores virais induzem
a expressão de canais iônicos que permitem a entrada de íons na célula
quando a luz de um determinado comprimento de onda incide sobre eles
(opsinas). Com isso, é possível estimular neurônios específicos de acordo com
a especificidade molecular do vetor utilizado e também estudar projeções
específicas: no esquema o vetor é injetado na BLA e as fibras são colocadas
no IL, portanto apenas neurônios de projeção BLA → IL são estimulados.
CNO = N-Óxido de Clozapina; DREADD = Designer Receptor Exclusively
Activated by Designer Drugs; BLA = amígdala basolateral; IL = infralímbico
NEUROCIÊNCIAS: um instrumental teórico-epistemológico e metodológico interdisciplinar 27

A quimiogenética e optogenética causaram um aumento exponencial no


acúmulo de conhecimento sobre o papel de diferentes regiões do cérebro, e
de suas diferentes subpopulações de neurônios. Hoje, a neurociência de ponta
utiliza esses métodos para identificar potenciais alvos para o tratamento de
doenças psiquiátricas como o TEPT, correlacionar anatomia e fisiologia com
comportamento de um modo específico e instantâneo. No entanto, esses métodos
figuram como técnicas de “ciência básica”, e dificilmente serão empregadas para
uso em humanos nos próximos anos. No entanto, algumas outras estratégias,
que serão discutidas a seguir possuem um potencial de translação clínica maior.
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Aspectos translacionais e novas abordagens no tratamento das


memórias traumáticas

Atualmente, o principal tratamento para o TEPT é a chamada “terapia


de exposição”, que consiste na apresentação sucessiva dos estímulos que
remetem ao trauma num ambiente seguro. Como mencionado anteriormente,
esse tipo de terapia se baseia no aprendizado de que essas mesmas pistas
que eram associadas a sentimentos negativos agora são neutras, processo
conhecido como “extinção”. A extinção de memórias também foi descrita por
Ivan Pavlov, que descreveu o condicionamento (Figura 1), onde o cientista
observou que após seus cachorros serem condicionados, a apresentação do
estímulo condicionado (som) induzia a resposta condicionada (salivação), mas
que se o estímulo condicionado fosse apresentado muitas vezes sem que os
animais recebessem comida novamente, a resposta condicionada diminuía.
Acredita-se que a extinção envolve a formação de uma nova memória, de
valência neutra, que compete com a memória formada previamente (Maren
et al., 2013). Na clínica do TEPT, o principal complicador desse processo é
que, como a memória traumática original não é apagada, ela frequentemente
volta a atormentar o paciente. Isso se dá através de três processos diferentes,
de acordo com Myers e Davis, 2006:

• Recuperação espontânea: com o passar do tempo, a memória de


extinção enfraquece e a memória de medo original retorna e os
sintomas reaparecem;
• Reinstalação: quando ocorre um evento estressor qualquer, a memó-
ria de medo original pode ganhar força e retornar;
• Renovação do medo: quando evocada num contexto diferente
daquele onde a extinção ocorreu (consultório do psicólogo, por
exemplo), a memória de extinção enfraquece e a memória de medo
original retorna.
28

Esses processos demonstram a dificuldade em tratar memórias traumáti-


cas e reforçam a necessidade de buscar novas terapias. Existem possibilidades
de tornar a terapia de exposição e as memórias de extinção que ela gera mais
fortes e mitigar o retorno do medo, e essa abordagem segue sendo relativa-
mente efetiva e amplamente utilizada na clínica do TEPT. No entanto, como
a extinção não envolve a “deleção” da memória original, sempre existe uma
chance de que ela retorne.
Uma abordagem alternativa, que parece envolver uma modificação per-
sistente na memória original, é o “bloqueio da reconsolidação”. Para entender

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esse processo é necessário entender o que é consolidação e reconsolidação. A
consolidação é o período após a formação de uma memória, no qual diversos
processos moleculares e celulares ocorrem nos neurônios para garantir que
essa memória recém-formada seja duradoura (Squire et al.; 2015). Um dos
processos centrais na consolidação é a síntese de novas proteínas, o que é
necessário para que sejam formadas novas sinapses e o traço de memória seja
estabilizado. Quando uma memória já consolidada é relembrada ela pode
entrar novamente em um processo plástico onde novas informações podem
ser incorporadas através de alterações sinápticas, que também demandam
síntese de novas proteínas e outros processos moleculares – esse processo é
chamado de reconsolidação (Nader, 2015).
Assim, a chamada “janela de reconsolidação” permite que memórias
sejam alteradas quando elas são evocadas e reativadas. Esse processo foi
relatado inicialmente nos anos 1960, mas só mais recentemente que ele foi
investigado de forma mais sistemática (Przybyslawski; Sara, 1997; Nader et
al., 2000). Agora o foco de estudo é os procedimentos que induzem a recon-
solidação de memórias e como podemos tirar proveito disso no contexto da
terapia do TEPT. Por exemplo, diversos estudos sugerem que o tratamento
com propranolol (uma droga que impede a ação da adrenalina) é capaz de
amenizar memórias traumáticas quando aplicado após uma sessão de reati-
vação da memória traumática (Pigeon et al., 2022). Apesar dos resultados
positivos, essa abordagem terapêutica é recente e ainda carece de mais
ensaios clínicos e estudos de caso para que seja comprovada sua eficácia e
segurança, mas se trata de uma nova esperança para o tratamento de milhões
de pacientes com TEPT ao redor do mundo. É importante também entender
que memórias de medo, ou aversivas, não são necessariamente traumáticas,
e para conseguir avançar nos tratamentos em humanos, é necessário que
no laboratório possamos modelar memórias que sejam de fato traumáticas
(Gazarini et al., 2023).
NEUROCIÊNCIAS: um instrumental teórico-epistemológico e metodológico interdisciplinar 29

Considerações finais

A neurociência comportamental é uma área da ciência que atualmente


passa por uma revolução devido ao advento de novas tecnologias que per-
mitem correlacionar a atividade neuronal com comportamentos específicos.
Alguns desses avanços foram mencionados no texto (quimiogenética e optoge-
nética), e existem diversos outros sendo desenvolvidos nesse exato momento.
No que tange a neurobiologia das memórias traumáticas, pesquisadores bus-
cam utilizar essas novas tecnologias em conjunto com uma literatura vasta
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e tradicional, que é construída há mais de cem anos, e essa combinação tem


rendido frutos como a descoberta do processo de reconsolidação de memórias,
que tem enormes implicações clínicas.
É importante perceber que embora o motivo de tamanho investimento
de tempo e recursos nas neurociências seja a sua aplicabilidade clínica, essa
da área da ciência também tem trazido luz a questionamentos ancestrais do
ser humano a respeito de si próprio. O curioso é que grande parte disso é
descoberto, utilizando-se de outros animais, a partir de anatomia e fisiologia
comparativa. Mas afinal isso faz total sentido uma vez que, como diria Dob-
zhanksy, “nada faz sentido em biologia exceto à luz da evolução”.
30

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DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES
PARA PENSAR A RELAÇÃO
ENTRE MEMÓRIA, COGNIÇÃO
E A CONSCIÊNCIA
Cristina Novikoff4
Valéria Marques de Oliveira5
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Introdução

A memória enquanto habilidade ou funcionalidade mental foi sinalizada


na Antiguidade, como atividade de armazenar e recuperar informações
no ato de memorizar as proposições filosóficas para o bem pensar (Ordine,
2011). Os estudos avançaram e ela ganha novos entornos teórico-metodoló-
gicos por diferentes áreas de conhecimento e, atualmente, com o apoio de
tecnologias as imagens e mapeamentos cerebrais delineiam aportes teóricos
e metodológicos valiosos para a Educação.
As neurociências, psicologia e filosofia revigoram seus estudos com apoio
das tecnologias para propiciar novos conhecimentos sobre a tríade memória,
cognição e consciência. Imbricadas entre si, a memória é pouco estudada
em relação à cognição e a consciência na literatura brasileira. No entanto,
a memória se apresenta num quadro teórico-epistemológico com múltiplos
conceitos. Fato âncora para a pergunta de partida sobre como as ciências
humanas têm pensado a relação entre a memória, cognição e a consciência.
Nesses termos, o objetivo desse artigo é discutir o complexo enten-
dimento de memória e sua ligação com a cognição e a consciência, sob a
perspectiva interdisciplinar à luz da filosofia, psicologia e das neurociências.
Cabe assinalar que o presente artigo é um dos produtos do projeto denominado

4 Doutorado em Psicologia da Educação – PUCSP (2004). Programa de Pós-Graduação em Ciências Militares


e Humanidades do Centro de Estudos de Pessoal e Forte Duque de Caxias- CEP/FDC. Líder do NeuroMil:
da Formação ao Combate – CEP/FDC. E-mail: cristina.novikoff@gmail.com
5 Doutorado em Psicologia – UFRJ (2005). Programa Pós-Graduação em Psicologia referente ao ano letivo
de 2022. (UFRRJ). Linha de pesquisa: 2 – PPGPSI/UFRRJ – Clínica, Saúde e Educação na Contemporanei-
dade. Líder do Grupo de Pesquisa (CNPq): Aprendizagem e Cultura Organizacional na Contemporaneidade:
Narrativas Dialógicas Emancipatórias. UFRRJ – Seropédica, RJ. E-mail: leriamarques@gmail.com
34

“NeuroMil”, do Centro de Estudos de Pessoal (CEP), que estuda as neuro-


ciências como instrumental teórico-epistemológico e metodológico para o
processo de ensino em espaços militares, como caminho necessário às solu-
ções educacionais.
Pensar a memória permitiu a revisão dos clássicos e da literatura vigente
para mapear as raízes da construção desse conceito e percorrer os novos
entendimentos conceituais e sua interface com a cognição e a consciência.
Na área das neurociências, a memória é tratada em cinco campos de
estudo. Entre eles: i) neurociência comportamental; ii) neurofisiologia; iii)

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neuroanatomia; iv) neuropsicologia e; v) neurociência cognitiva. Elas estudam
a memória de modo a apresentar seus tipos e função, detalhando a estrutura
e do sistema nervoso, considerando o cérebro como centro das discussões.
Nesse texto o conceito de memória é apresentado para aferir sua relação
com a cognição e a consciência. Também se levanta os autores mais indica-
dos nos textos, para traçar a tendência de se estudar a memória, segundo a
literatura vigente no Brasil.

Noção basilar sobre memória

Ao retomar os prolegômenos, da filosofia à psicanálise, a memória


guarda lugar de importância para aprender e tem impacto na consciência
humana. Enquanto na filosofia, a memória surge como armazenamento das
ideias, dos saberes e chega a ser objeto de duas teorias de memória episó-
dica, como geradora de episódios que podem servir para reproduzir (Teoria
Causal) ou criar novas formas (Teoria Simulacionista). Na psicanálise, a
memória é problematizada por Freud (1899/1996) desde as suas diferentes
manifestações no psiquismo como as relacionadas ao funcionamento, dis-
torções, influência das fantasias nas rememorações e a amnésia frente os
primórdios dos anos infantis.
O rol de estudiosos sobre a memória, no campo das neurociências no
Brasil vem crescendo e em destaque recortamos Ivan Izquierdo, por sê-lo reco-
nhecido mundialmente e por suas pesquisas sobre memória e aprendizagem.
Izquierdo (2002) define a memória como uma função neurosensorial,
complexa e multifacetada, que envolve diversas regiões do cérebro e múlti-
plos sistemas neuroquímicos. Portanto, o neurocientista a descreve como um
processo dinâmico e complexo que envolve várias etapas e sistemas neurais,
com a capacidade de reter, codificar, consolidar e recuperar informações e
experiências passadas. Ele enfatiza, ainda, que a memória é influenciada por
fatores emocionais, como a atenção, a motivação e a ansiedade, que podem
afetar tanto a codificação quanto a recuperação de informações.
NEUROCIÊNCIAS: um instrumental teórico-epistemológico e metodológico interdisciplinar 35

A retenção de informações na memória começa com a codificação, que


é o processo pelo qual as informações são transformadas em uma forma
que podem ser armazenadas no cérebro. As informações sensoriais em sinais
neurais, que são transmitidos por meio de sinapses entre os neurônios. A codi-
ficação pode ocorrer de várias maneiras, incluindo a repetição, a associação
com outras informações já armazenadas na memória e a elaboração (isto é, a
conexão das informações a um contexto mais amplo).
As informações são, então, processadas em várias regiões do cérebro,
incluindo o córtex pré-frontal, o hipocampo e o sistema límbico. O hipocampo,
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em particular, é considerado uma região chave para a formação da memória


de longo prazo. Uma vez que as informações são codificadas, elas passam
pela consolidação, que é o processo pelo qual as memórias são estabilizadas
e armazenadas em longo prazo. A consolidação pode ocorrer em diferentes
momentos e envolve vários sistemas cerebrais, como o hipocampo, a amígdala
e o córtex pré-frontal.
O armazenamento pode ser temporário ou permanente. E a sua recupera-
ção ou processo pelo qual as informações armazenadas na memória são recu-
peradas e trazidas para a consciência pode ser influenciada por vários fatores,
como o contexto em que as informações foram codificadas, a associação com
outras informações, a emoção relacionada à informação e danos cerebrais
sejam físicos ou psicológicos, bem como medicamentoso ou orgânico, uma vez
que odo o processamento cerebral tem uma base bioquímica” (Rocha, 2000).
É importante destacar que o esquecimento faz parte do processamento de
memória. Como apontam os estudiosos “há o esquecimento real: memórias
que desaparecem por falta de uso, com atrofia sináptica” (Izquierdo; Bevila-
qua; Cammarota, 2006, p. 290).
A mente humana enquanto Sistema Funcional Complexo – SFC é o lócus
do ato mental, ou seja, “o conjunto dinâmico de operações abstratas processa-
das em diversas regiões cerebrais interconexas, cada uma contribuindo com
a operação específica, como ocorre na memória” (Damasceno, 2020, p. 156).
O ato mental da cognição envolve as denominadas “Funções Psicológi-
cas Superiores (FPS), como memória, consciência, percepção, atenção, fala,
pensamento, vontade, formação de conceitos e emoção, intercambiam-se nesta
rede de nexos ou relações e formam, assim, um sistema psicológico, em que
as funções se relacionam entre si” (Souza; Andrada, 2013, p. 357).
O ato mental cognitivo envolve todos esses elementos apresentados ante-
riormente, podendo ser entendido como sendo o conjunto de habilidades
cognitivas ou pensamento superior (Vigotski, 1993) incluindo “sentir, pensar,
perceber, lembrar, raciocinar, formar estruturas complexas de pensamento e
a capacidade para produzir respostas aos estímulos externos” (Vieira, 1996).
36

A cognição ganha aso nas ciências sociais com Bandura (1986) que
destacou “o papel central dos processos cognitivos, vicários, autorregula-
dores e autorreflexivos em exercer impacto na adaptação e nas mudanças
humanas” (Mata; Rodríguez, 2012, p. 191). De outro modo, os processos
cognitivos inferem na capacidade das pessoas se autorregularem e desenvol-
verem comportamentos.
A consciência tem importante papel nos processos até aqui descritos.
Cabe questionar como ela aparece na literatura brasileira? Eis o que se des-
creve no próximo tópico.

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Material e método

Para realizar o artigo, foi realizado o estudo do conhecimento e não da


arte, uma vez que esse se difere daquele voltado a fazer o estudo de textos
e/ou publicações e resumos somente de parte de um tema/assunto. Aquele,
à “sistematização da produção numa determinada área do conhecimento”
(Romanowski; Ens, 2006). Noutras palavras, o estado da arte não se limita a
estudar resumos, e sim todo o corpus teórico que o originou. Difere da pro-
posta que toma os artigos e apenas se recortam os conceitos e bibliografias
estudadas pelos autores estudados.
Importa destacar que o aprofundamento no conceito se faz meritório
por indicar caminhos do surgimento de termos, como linguagem científica e
sua tendência. Assim, o cuidado na apresentação minuciosa dos conceitos foi
realizado com o levantamento de produções sobre o tema. Foram elencados
os artigos publicados em periódicos nacionais que utilizam os descritores
“memória” e “cognição”. A busca foi nas principais bases de dados da
plataforma de periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal
de Nível Superior (CAPES). Para aprofundar o tema, buscou-se na Brasil
Scientific Electronic Library Online – SciElo, os indexadores “memória”
e “cognição” onde foram capturados 21 artigos, com o critério de inclusão
selecionar os das áreas temática “educational”, “education” e “psicologia”.
Desses o critério de exclusão foi o foco para dificuldades ou transtornos de
aprendizagem, restando apenas dez artigos. O tratamento se deu pelo uso
da Tabela de Análise de Textos-Acadêmico-Científicos de Novikoff (2010).
Ela contém três seções. Duas seções de descrição de textos e uma seção
de análise e interpretação textual. A primeira seção corresponde à descri-
ção do resumo do artigo; a segunda à descrição dos elementos científicos
distribuídos em cinco dimensões, a saber: epistemológica, teórica, técnica,
morfológica e analítico-conclusiva. E a terceira seção para elaboração de
texto crítico do artigo estudado. O período temporal de revisão será de 2000
NEUROCIÊNCIAS: um instrumental teórico-epistemológico e metodológico interdisciplinar 37

a 2022, período profícuo de estudos sobre o tema neurociências e educação


(Firmino, 2020; Ferraz, 2015).
A análise de conteúdo (Bardin, 1970) foi adotada para eleger as cate-
gorias dos tipos de conceitos, suas áreas de conhecimento e a relação com a
consciência. Na primeira leitura dos artigos encadernados foram selecionados
os resumos para filtro do tema e marcação dos indexadores. Na sequência, na
leitura integral de cada artigo foram marcados os conceitos e fundamentação
teórica. Na terceira etapa foram sintetizados os resumos, conceitos e conclusão
dos artigos. Os dados foram transportados para o quadro identificador desses
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dados. Daí se abstraiu as categorias considerando três critérios: 1. Similitude


de termos; 2. Similitude de entendimentos/ideia; 3) similitude de área de
conhecimento. As categorias são explicadas ao longo da discussão.
Por fim, foram selecionadas todas as referências dos textos no compu-
tador, copiadas e coladas e tratadas no software Excel para aferir as cinco
mais citadas.

Resultado

Os dados do levantamento da literatura ao serem tratados na TABDN,


permitiram identificar os termos “memória”, “cognição” e “consciência”.
Primeiro apresentamos os conceitos levantados dentro de um quadro descri-
tivo das ideias trabalhadas em cada artigo, os conceitos de maior destaque
em cada texto (Quadro 1).

Quadro 1 – Artigos selecionados para identificar os conceitos


de memória, cognição e consciência, SCIEloBrasil
Referência
Dimensão teórica
(ABNT)
(R) Desde os anos cinquenta, o enfoque cognitivo tem assumido um papel fundamental na pesquisa
VASCONCELLOS, Silvio J. L. Vasconcellos;

das duas revoluções cognitivas. Psicologia em Estudo,


VASCONCELOS, Cristiane T. de D. V. Uma análise

psicológica. Revolução Cognitiva é a designação do movimento intelectual que iniciou uma nova área de
Maringá, v. 12, n. 2, p. 385-391, maio/ago. 2007.

estudos conhecida como ciência cognitiva. De outra forma, um novo movimento chamado de segunda
revolução cognitiva enfatiza a importância das práticas discursivas para os processos mentais humanos. O
principal objetivo deste trabalho é caracterizar e comparar as duas revoluções cognitivas. Com base numa
revisão da literatura e em uma discussão histórica sobre ambos os movimentos, os autores consideram
o impacto da primeira revolução cognitiva, bem como as limitações da segunda revolução cognitiva. O
propósito desta análise não é contestar a importância dos enfoques discursivos e construtivistas. Em
contrapartida, os autores afirmam que tais processos são insuficientes para caracterizar uma segunda
revolução no âmbito das ciências cognitivas.
(C) O advento de um novo modo de conceber e investigar a mente, ocorrido no final dos anos cinquenta é
designado como Revolução Cognitiva. Nesse contexto, o computador acaba servindo como uma metáfora
promissora, vinculada a uma nova compreensão ontológica da mente. Um crescente número de trabalhos
experimentais, a partir de então, encarrega-se de estudar os processos de memória, atenção, raciocínio,
percepção, evidenciando que a mente poderia ser investigada de um modo verdadeiramente científico.
continua...
38

continuação
Referência
Dimensão teórica
(ABNT)
(6) PEREIRA, Marta Maximo; ABIB, Maria Lucia Vital dos Santos. Memória, cognição e afe- (2) PEREIRA, Damasceno, Benito. Contribuições dos estudos de autores sovié-
tividade: um estudo acerca de processos de retomada em aulas de Física do Ensino Médio. ticos para a psicologia e a neurociência cognitiva contemporâneas. Cadernos

Os avanços da neuropsicologia e da neurociência cognitiva têm confirmado, cada vez mais, essa estrutura
sistêmica e dinâmica da atividade mental, mostrando, por exemplo, que a memória – capacidade de
codificar, registrar e evocar informações – não é uma faculdade mental isolada localizada em um centro
cerebral único, mas um SFC constituído de diversos subtipos de memória e de operações mnésicas,
cada qual processada em diferentes conjuntos (redes) de regiões cerebrais interconexas. Assim, temos
a memória episódica retrospectiva, de longo prazo – memória do passado, que representa episódios ou
eventos de nossa história autobiográfica pessoal, consistindo na lembrança consciente desses eventos
(p. ex.: do momento e do local em que o indivíduo se casou). Existe também a memória de trabalho ou
operacional (working memory) – capacidade de manter no foco da consciência, simultaneamente e por

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CEDES, v. 40, n. 111, p. 156-164, ago. 2020.

curto período (segundos), diferentes tipos de informações e de poder operar com elas (p. ex.: ao resolver
um problema aritmético). Há a memória prospectiva, memória do futuro, que consiste em lembrar-se de
executar posteriormente ações agora intencionadas (p. ex.: pagar as contas no dia seguinte). Além delas,
existe a memória semântica, nosso conhecimento conceitual (p. ex.: saber o que é um restaurante, o que
significa comprar), que constitui condição necessária, embora não suficiente, às funções psicológicas
superiores – como raciocínio (pensamento) lógico e discursivo –, as quais requerem outras funções não
mnésicas adquiridas a partir da adolescência. Além de tudo isso, existem interações e dependências
recíprocas entre os subtipos de memória. Assim, a memória semântica (p. ex.: aprendizado do conceito
de restaurante por uma criança) se baseia em experiências episódicas repetidas (de alimentar-se em
diferentes restaurantes). Por outro lado, uma experiência episódica (p. ex.: presenciar uma demonstração
de pessoas carregando cartazes e exigindo aumento de salário) fica mais bem-memorizada se o sujeito
entender que se trata de uma greve e todas as suas implicações (memória semântica).

Assim, Vigostki (2009, p. 16) critica a separação entre as dimensões cognitiva e afetiva do funcionamento
psicológico, adotando uma abordagem unificadora entre elas:
[...] como se sabe, a separação entre a parte intelectual da nossa consciência e sua parte afetiva e
volitiva é um dos defeitos radicais de toda a psicologia tradicional. [...] Quem separou desde o início o
pensamento do afeto fechou definitivamente para si mesmo o caminho para a explicação das causas
do próprio pensamento, porque a análise determinista do pensamento pressupõe necessariamente a
revelação dos motivos, necessidades, interesses, motivações e tendências motrizes do pensamento,
que lhe orientam o movimento nesse ou naquele aspecto (Vigostki, 2009, p. 16; Pereira; Santos, 2016,
p. 860, grifo nosso).
Ciência & Educação, Bauru, v. 22, n. 4, p. 855-873, dez. 2016.

Os registros foram coletados em aulas de Física do Ensino Médio. Como resultado, construímos duas
categorias: memória científico-afetiva e memória afetivo-vivencial. As memórias científico-afetiva
se referem àquilo que o sujeito retoma dos momentos do ensino de Física e que guarda estreita relação
com o conhecimento científico escolar e/ou é influenciado por ele (Pereira; Abib, 2016, p. 862).
As memórias afetivo-vivencial se referem à importância também do aspecto cognitivo das interações
sociais na constituição dessa memória. Entendemos que o aspecto cognitivo da memória afetivo-vivencial
se faz presente à medida que o sujeito que sente e é afetado pelas relações sociais só o faz porque
conhece, aprende e desenvolve a cada dia formas de estar no mundo e de se relacionar com os demais
e com as situações sociais que lhe permitem ser afetado por elas (Pereira; Abib, 2016, p. 868).
Assim, consideramos que, ao lembrarmos alguma ideia ou situação, ela se transforma em algo diferente,
devido à mediação realizada. Mesmo que se queira memorizar alguma coisa, a “cópia” na memória
nunca é idêntica ao que se quer memorizar, tampouco uma réplica perfeita, pois tal processo não é
direto, mas sim mediado.
De acordo com Izquierdo (2002, p. 12),
“[...] todos sabemos como é fácil aprender ou evocar algo quando estamos alertas e de bom ânimo;
e como fica difícil aprender qualquer coisa ou até lembrar o nome de uma pessoa ou de uma canção
quando estamos cansados, deprimidos e muito estressados” (p. 859).
continua...
NEUROCIÊNCIAS: um instrumental teórico-epistemológico e metodológico interdisciplinar 39

continuação
Referência
Dimensão teórica
(ABNT)
Recentemente, a literatura cognitiva passou a definir esse processo como suscetibilidade das memórias
(7) BOURSCHEID, Fábio Rodrigo; CARNEIRO, Paula. A labilidade do

efeito de reconsolidação. Psicologia USP, v. 27, n. 1, p. 125-132, abr.


conhecimento adquirido: gênese e renascimento dos estudos sobre o

episódicas a influências ocorridas a partir do momento em que uma informação é recuperada (Finn;
Roediger, 2011; Finn; Roediger; Rosenzweig, 2012; Lee, 2008, 2009; Nader; Schafe; Le Doux, 2000; Sara,
2000). Ou seja, processo passivo de “leitura” das informações previamente armazenadas. Ao contrário,
quando uma informação é recuperada, de modo a ficar disponível para a lembrança consciente, ela
incorre em um estado lábil, no qual fica suscetível a modificações ou distorções (Finn; Roediger, 2011;
Hardt; Einarsson; Nader, 2010; Bourscheid; Carneiro, 2016, p. 126).
Conforme asseveram Nader e Einarsson (2010), um grande limitador nas atuais teorias relacionadas à
reconsolidação é que estas são, em sua maioria, qualitativas, uma vez que investigam principalmente
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a relação entre consolidação e reconsolidação. Em vista disso, não são capazes de fazer predições
experimentais a respeito de quando e como uma memória irá incorrer ou não em um processo de
reconsolidação (embora exceções possam ser encontradas em estudos como o de Lee, 2009). Muito cedo
foi observado que nem todas as memórias são suscetíveis aos efeitos relacionados ao fenômeno aqui
discutido, mas os limites dentro dos quais o efeito ocorre permanecem em aberto, e futuras investigações
devem explorar essa lacuna (Chan; LaPaglia, 2013; Lee, 2009).
Conforme Dudai (2009), embora a memória seja responsável por armazenar informações sobre o passado,
seu valor adaptativo está em permitir ao organismo responder a eventos do presente e do futuro. E é
exatamente sob essa ótica de funcionalidade e de dinamismo que nos parece evidente a existência de
um mecanismo que permita agregar informações ao conhecimento existente, ou mesmo que permita
2016.

modificar a relevância de uma informação armazenada (Bourscheid; Carneiro, 2016, p. 129).


SOARES, Ricardo de Medeiros; MARIZ, João Vitor Braz; CATTUZZO, Maria
Teresa. Avaliação da cognição, atividade física e aptidão física de idosos: uma
revisão crítica. Estudos de Psicologia, Natal, v. 18, n. 2, p. 315-324, jun. 2013.
(11) DINIZ, Ariane Brito; GUERRA, Elisa Renata Freitas de Menezes;

Em que pese o fato de apresentar diferentes delineamentos de pesquisa, amostras e instrumentos de


avaliação, os resultados apresentados nos estudos sugerem que especialmente a aptidão física pode
exercer influências positivas no desempenho cognitivo de idosos. Foi possível observar que muitos dos
achados sobre cognição, atividade física e aptidão física podem estar relacionados às particularidades
de seus métodos. Nesta revisão, identificou-se que os estudos têm se preocupado em avaliar a cognição
abrangendo suas principais expressões: memórias de trabalho e semântica, atenção e função executiva.
Assim, qualquer estudo que se proponha a investigar a cognição, necessariamente, deveria ocupar-se
em avaliar esses diversos elementos que, juntos, fundamentam a cognição. Além disso, uma vez que as
medidas da cognição sofrem efeito da escolaridade e de fatores socioculturais, essas variáveis precisam
ser controladas, inclusive na escolha de testes psicológicos que minimizem a sua influência. As avaliações
da aptidão física diferem em razão do

Fonte: Elaborada pelas autoras.

Observa-se que a memória, como um dos elementos do ato mental é


estudada em diálogo com o conceito de cognição, sem aderência à consciência.
Na saúde ela toma ares estruturais, detalhadamente pela neuroanatomia
e suas congêneres do campo biológico.
40

Na psicologia a descrição estrutura e função se abraçam e dividem em


duas vertentes (Aula Psicopedagogia).
Na Educação, a memória se associa a diferentes abordagens. Uma de
perspectiva estrutural e mecanicista que a torna um mal a ser trabalhado na
escola. Outra com mais cuidado entende seu papel e a estuda como importante
elemento para a aprendizagem.
Para a literatura os autores mais citados foram tabulados no software
EXCEL. As referências foram organizadas por cor (dez cores) e depois
se organizou em ordem alfabética para contabilizar as mais citadas e em

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quais artigos.
O que é memória e quais são os seus tipos, segundo as neurociências?
A memória é a capacidade do cérebro de armazenar, recuperar e utilizar
informações e experiências passadas. Ela é uma função cognitiva complexa
que desempenha um papel fundamental em muitos aspectos da nossa vida,
desde a aprendizagem e tomada de decisões até as relações sociais e a cons-
trução de identidade.
Existem vários tipos de memória, cada um com características e proces-
sos diferentes. Segundo a neurociência, os principais tipos de memória são:

• Memória de curto prazo: também conhecida como memória de tra-


balho, é responsável por armazenar informações por alguns segun-
dos ou minutos para uso imediato. É essencial para a realização de
tarefas cotidianas, como lembrar-se de um número de telefone ou
de um endereço.
• Memória de longo prazo: é responsável por armazenar informações
por períodos mais longos, de dias a anos. Pode ser subdividida em:
• Memória declarativa: relacionada à capacidade de lembrar de fatos,
eventos e informações específicas, como nomes, datas e aconteci-
mentos históricos. Ela pode ser subdividida em memória episódica
(memória de eventos autobiográficos) e memória semântica (memó-
ria de conceitos e conhecimentos gerais).
• Memória não declarativa: relacionada à capacidade de aprender
habilidades e procedimentos, como andar de bicicleta, tocar um
instrumento musical ou jogar um jogo. Ela pode ser subdividida
em memória procedimental (memória de habilidades motoras) e
memória condicionada (associações entre estímulos e respostas).
• Memória sensorial: é responsável por armazenar informações sen-
soriais breves, como imagens visuais ou sons, que são necessárias
para a percepção e o processamento de informações.
NEUROCIÊNCIAS: um instrumental teórico-epistemológico e metodológico interdisciplinar 41

• Memória de emoção: é responsável por armazenar informações


emocionais, que estão ligadas a estados afetivos como medo, felici-
dade ou tristeza. É influenciada por hormônios e neurotransmissores
relacionados ao sistema límbico do cérebro.

Os dados, também permitiram estabelecer duas categorias, a


saber: aporte teórico-funcionalista; aporte teórico-epistemológico;
aporte teórico-metodológico.
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1. Aporte teórico-funcionalista: descrevem os conceitos em seus aspec-


tos funcionais de dois modos em relação à consciência: i) descreve
a memória dentro do quadro anatomofuncional ou anatomibioló-
gico sem citar a consciência; ii) descreve a memória dentro do
quadro anatomofuncional ou anatomibiológico com apresentação
da consciência;
2. Aporte teórico-epistemológico: descrevem as bases teóricas de
modo a conceituar a memória de dois modos: i) exclusão da cons-
ciência; ii) citação do termo, onde inclui o termo consciência sem
aprofundar, apenas cita dentro de outro quadro epistemológico,
como na descrição de cognição ou memória.

Quanto ao número de vezes que aparecem os termos “memória”, “cog-


nição” e “consciência”, dentro dos dez artigos, a tabela 1 destaca cada um
desses indexadores.

Tabela 1 – Identificação de indexadores “memória”,


“cognição” e “consciência” – SCIEloBrasil
Dimensão Epistemológica
Referências ABNT
Memória Cognição Consciência
Vasconcellos, Silvio J. L. Vasconcellos; Vasconcelos, Cristiane T. de D. V.
Uma análise das duas revoluções cognitivas. Psicologia em Estudo, Maringá, 67 9 1
v. 3. 12, n. 2, p. 385-391, maio/ago. 2007.
(2) Pereira, Damasceno Benito. Contribuições dos estudos de autores
soviéticos para a psicologia e a neurociência cognitiva contemporâneas. 30 4 4
Cadernos CEDES, v. 40, n. 111, p. 156-164, ago. 2020.
(6) Pereira, Marta Maximo; Abib, Maria Lucia Vital dos Santos. Memória,
cognição e afetividade: um estudo acerca de processos de retomada em
95 18 1
aulas de Física do Ensino Médio. Ciência & Educação, Bauru, v. 22, n. 4,
p. 855-873, dez. 2016.
(7) Bourscheid, Fábio Rodrigo; Carneiro, Paula. A labilidade do
conhecimento adquirido: gênese e renascimento dos estudos sobre o 89 1 1
efeito de reconsolidação. Psicologia USP, v. 27, n. 1, p. 125-132, abr. 2016.
continua...
42

continuação
Dimensão Epistemológica
Referências ABNT
Memória Cognição Consciência
(11) Diniz, Ariane Brito; Guerra, Elisa Renata Freitas de Menezes; Soares,
Ricardo de Medeiros; Mariz, João Vitor Braz; Cattuzzo, Maria Teresa.
Avaliação da cognição, atividade física e aptidão física de idosos: uma 52 41 0
revisão crítica. Estudos de Psicologia, Natal, v. 18, n. 2, p. 315-324, jun.
2013.
(12) De Nardi, Tatiana; Sanvicente-Vieira, Breno; Grassi-Oliveira, Rodrigo.
Déficits na memória de trabalho em idosos com depressão maior: uma
21 12 0
revisão sistemática. Psicologia: Teoria e Pesquisa, v. 29, n. 2, p. 221-228,

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jun. 2013.
(13) Eugênio, Tiago José Benedito. Um olhar evolucionista para os
mecanismos cognitivos associados às trocas sociais. Psicologia: Teoria e 10 3 2
Pesquisa, v. 29, n. 1, p. 71-78, mar. 2013.
(14) Faria, Elaine Leporate Barroso; Mourão Júnior, Carlos Alberto. Os
recursos da memória de trabalho e suas influências na compreensão da 103 3 0
leitura. Psicologia: Ciência e Profissão, v. 33, n. 2, p. 288-303, 2013.
(17) Mota, Márcia Maria Peruzzi Elia da. Explorando a relação entre
consciência morfológica, processamento cognitivo e escrita. Estudos de 6 1 51
Psicologia, Campinas, v. 29, n. 1, p. 89-94, mar. 2012.
(21) Mota, Márcia da. Uma introdução ao estudo cognitivo da memória a
curto prazo: da teoria dos múltiplos armazenadores a memória de trabalho. 67 9 1
Estudos de Psicologia, Campinas, v. 17, n. 3, p. 15-21, dez. 2000.
Fonte: Elaborado pelas autoras.

Observa-se que a memória, aparece em 77% do corpus estudado, sem


contar o título. A cognição representou 14% e a consciência, apenas 9%.
Observa-se que a memória, como um dos elementos do ato mental é
estudada de modo específico em 100% da literatura levantada, sendo que
faz diálogo com o conceito cognição em 70%. Já em relação à consciência,
apenas 30% se fizeram notar.
Os autores mais citados nas 381 referências dos dez artigos estudados
encontraram Baddley (1974; 1986; 1992; 1996; 2000ab; 2003; 2009), com
seus estudos sobre memória de trabalho. As referências e citações estão em
três trabalhos, sendo duas citações para dois artigos e cinco em outra. Seguem
as obras citadas em dois artigos distintos com as de Izquierdo (2011) sobre
memória, de Vigotski sobre a construção do pensamento e da linguagem e
Wechsler com a escala de inteligência e o manual de administração e pontuação.
Observa-se que os estudos sobre a consciência numa abordagem neu-
rocientífica ainda é acanhada e necessita ser ampliado. Tarefa árdua e anda-
mento em laboratórios de estudos em diversos países como Estados Unidos
da América, Canadá, Alemanha, Reino Unido e Suíça, além do Brasil.
NEUROCIÊNCIAS: um instrumental teórico-epistemológico e metodológico interdisciplinar 43

Memória e consciência

Apesar de sua importância se observou a ausência da consciência nos


estudos sobre memória, apesar de estudos como o de Koch e Crick e outros,
como Singer, Gray, Logotheis, Chalmers etc. Daí abrir um tópico para situá-la
de modo breve, mas com pontos de conexão entre a memória e a consciência,
como instrumento epistemológico e metodológico para se pensar sobre sua
implicação na aprendizagem.
Existem muitos estudiosos da consciência, incluindo filósofos, neuro-
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cientistas, psicólogos, e outros de áreas afins que apresentam epistemologias


que inferem nas metodologias de estudo e implicam nas práticas de diferentes
profissionais da saúde.
Para René Descartes, filósofo francês do século XVII que propôs que a
consciência era separada do corpo, observa-se o problema da ideia de enti-
dades separadas e distintas, implica em afirmar que a consciência não pode
ser estudada empiricamente, ou seja, através da observação e análise do com-
portamento e das atividades cerebrais, por exemplo. Além disso, a separação
entre mente e corpo sugere que as causas dos eventos mentais e físicos são
diferentes, o que pode limitar a compreensão da interação entre esses dois
aspectos da experiência humana. E, em termos metodológicos, a abordagem
de Descartes pode levar à exclusão da subjetividade na investigação científica,
uma vez que a subjetividade é considerada um aspecto exclusivamente mental.
Isso pode levar a uma compreensão incompleta da experiência humana, já que
a subjetividade é fundamental para a compreensão das emoções, cognições e
comportamentos. Neste sentido, observam-se as limitações teóricas e meto-
dológicas na investigação científica da consciência deste filósofo
Em William James, o psicólogo americano do final do século XIX que
estudou a consciência e a experiência subjetiva, as implicações teóricas e
metodológicas significativas para a psicologia. James propôs que a consciência
é um processo contínuo e fluente de pensamento, emoção e percepção, em
vez de ser compostos de elementos discretos e isolados. Ele também enfati-
zou a importância da subjetividade na compreensão da experiência humana,
argumentando que a análise objetiva e científica da mente não poderia ser
totalmente compreendida sem levar em conta as perspectivas e interpretações
pessoais do indivíduo.
Do ponto de vista metodológico, a abordagem de James enfatizou a
importância da introspecção como uma ferramenta para investigar a experiên-
cia subjetiva. Ele incentivou os psicólogos a descreverem detalhadamente suas
próprias experiências mentais e a observar as reações emocionais e físicas que
acompanhavam essas experiências. Isso levou a um método de investigação
44

introspectiva que, embora controverso e frequentemente criticado, influenciou


significativamente o desenvolvimento da psicologia experimental.
As implicações teóricas e metodológicas da abordagem de James incluem
uma ênfase na continuidade e fluidez da consciência, a importância da sub-
jetividade na compreensão da experiência humana, e o uso da introspecção
como uma ferramenta de investigação.
Sigmund Freud, o fundador da psicanálise, que estudou a consciência em
termos de conflitos inconscientes, também tem implicações teóricas e meto-
dológicas significativas para o estudo da consciência. Em sua teoria, Freud

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propõe que a consciência é apenas uma pequena parte da mente, com a maior
parte dos processos mentais ocorrendo no nível inconsciente. Ele acreditava
que a consciência é afetada por conflitos inconscientes que surgem de traumas
de infância e que esses conflitos podem ser tratados por meio da análise de
sonhos, associação livre e outros métodos psicanalíticos. Essa abordagem tem
implicações metodológicas na medida em que a psicanálise se concentra na
exploração de processos mentais inconscientes, muitas vezes através da inter-
pretação de linguagem simbólica, como os sonhos. Isso requer uma abordagem
qualitativa e interpretativa para análise de dados, ao invés de uma abordagem
quantitativa e objetiva comumente utilizada em outras áreas da psicologia.
Do ponto de vista teórico, a abordagem de Freud tem implicações para
o entendimento da natureza humana, da personalidade e do comportamento
humano. Sua teoria propõe que o comportamento humano é motivado por
processos inconscientes e que traumas de infância e conflitos internos podem
ter efeitos duradouros na personalidade e comportamento do indivíduo. Essas
ideias tiveram um impacto significativo não só na psicologia, mas também em
outras áreas como a literatura, a cultura popular e a teoria feminista.
Carl Jung, o psiquiatra suíço que propôs que a consciência era composta
por uma porção consciente e uma porção inconsciente foi discípulo de Freud
e que esta última continha informações e experiências pessoais e coletivas
que influenciam o comportamento humano. Uma das principais implicações
teóricas da abordagem de Jung é que a consciência não é apenas uma entidade
individual, mas também é influenciada por elementos coletivos e transpessoais
que fazem parte do inconsciente coletivo da humanidade. Além disso, Jung
também propôs que a consciência individual era influenciada por arquétipos
universais, que são padrões inconscientes de comportamento e pensamento
que se manifestam em diferentes culturas e épocas.
No que se refere às implicações metodológicas, a abordagem de Jung
propôs que a análise da consciência e do inconsciente envolve a exploração
dos sonhos, imagens, símbolos e fantasias, além de outras técnicas, como a
associação livre e a amplificação. Jung também enfatizou a importância da
NEUROCIÊNCIAS: um instrumental teórico-epistemológico e metodológico interdisciplinar 45

relação terapêutica na análise da consciência, e propôs que o processo de


individuação, que envolve a integração de elementos inconscientes na cons-
ciência, é um processo contínuo ao longo da vida.
Francisco Varela propôs a teoria da enação, que tem implicações teóricas
e metodológicas interessantes para o estudo da consciência. Essa teoria sugere
que a cognição é um processo ativo que emerge da interação entre o organismo
e o ambiente. Em outras palavras, a percepção, o pensamento e a consciência
são fenômenos que emergem a partir da interação do organismo com o mundo
ao seu redor, em vez de serem propriedades intrínsecas do cérebro.
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Essa abordagem tem implicações metodológicas porque enfatiza a impor-


tância da observação direta e da experimentação para o estudo da consciência.
Varela argumentou que a introspecção e o relato subjetivo são importantes para
o estudo da consciência, mas que esses métodos devem ser complementados
por métodos objetivos, como a neuroimagem e a modelagem computacional.
Além disso, a teoria da enação tem implicações para a compreensão da
relação entre mente e corpo. Varela argumentou que o corpo é um componente
essencial da cognição, e que a consciência emerge da interação do cérebro com
o corpo e o ambiente. Essa abordagem enfatiza a importância da neurociência
corporal e da psicologia somática para o estudo da consciência.
Christof Koch é um neurocientista americano conhecido por suas pesqui-
sas sobre a consciência e por sua proposta de teoria da informação integrada.
A teoria de Koch parte do pressuposto de que a consciência é uma propriedade
fundamental do universo, que emerge da complexidade e da integração da
informação dentro de um sistema neural.
Uma das implicações teóricas da abordagem de Koch é a ideia de que a
consciência não pode ser explicada apenas em termos de atividade cerebral,
mas depende também da organização da informação no cérebro. Segundo
Koch, a consciência não é um estado binário (presente/ausente), mas sim um
espectro contínuo, que varia em intensidade e conteúdo.
Metodologicamente, a teoria da informação integrada proposta por Koch
é baseada na utilização de técnicas avançadas de neuroimagem, como a res-
sonância magnética funcional (fMRI) e a eletroencefalografia (EEG), para
investigar os padrões de atividade cerebral associados à consciência. A teoria
de Koch também enfatiza a necessidade de uma abordagem multidisciplinar
para o estudo da consciência, que integre dados da neurociência, da filosofia
e da psicologia. Esses são apenas alguns exemplos, pois a pesquisa sobre a
consciência é muito ampla e variada, envolvendo muitos estudiosos e abor-
dagens diferentes.
As neurociências têm um papel importante na compreensão da consciên-
cia. A consciência pode ser definida como a experiência subjetiva do mundo
46

que um indivíduo tem. É um dos fenômenos mais complexos do cérebro


humano, e a sua base biológica ainda não é completamente compreendida.
É notória a estreita relação entre memória e consciência, pois a memória
é uma das funções cognitivas que permite ao indivíduo ter a percepção de
sua própria existência e a consciência de si mesmo no tempo e no espaço.
A memória permite a recordação de eventos passados, experiências vividas
e aprendizados adquiridos ao longo da vida. Essa recordação é essencial
para a formação da identidade do indivíduo e para a sua capacidade de
interagir com o mundo ao seu redor, além de permitir que ele se projete no

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futuro e planeje suas ações. A consciência, por sua vez, é a capacidade de
estar ciente de si mesmo e do ambiente ao seu redor, de forma integrada e
contínua. Assim, a memória é um componente fundamental para a formação
da consciência, pois permite ao indivíduo reconhecer-se como uma enti-
dade temporal, capaz de perceber, lembrar e refletir sobre si mesmo e sobre
o mundo que o rodeia. Por outro lado, a consciência também é essencial
para o funcionamento da memória, pois permite ao indivíduo estar atento e
concentrado no momento da codificação, armazenamento e recuperação das
informações. Além disso, a consciência pode influenciar a forma como as
informações são organizadas e interpretadas pela memória, através do uso
de estratégias de processamento e de elaboração, por exemplo. Portanto,
a relação entre memória e consciência é bidirecional e interdependente, e
estudos recentes da neurociência buscam entender melhor essa complexa
interação entre essas funções cognitivas.
Outro e importante aspecto da consciência envolver, segundo Grof
(1987), aspectos de como a relação entre a consciência e a morte, a expe-
riência de nascimento e renascimento podem ser observados na busca por
transcendência através de práticas como a meditação e o uso de substâncias
psicodélicas. Ele também discute sua própria experiência como terapeuta,
trabalhando com pacientes que experimentaram estados alterados de cons-
ciência em psicoterapia.
No geral, seu estudo sobre o “Além do cérebro” é uma obra rica em
detalhes que desafia as ideias convencionais sobre a natureza da consciência
e propõe uma abordagem mais ampla e holística da psicoterapia, que leva em
consideração não apenas a biologia, mas também a cultura e a espiritualidade.
Dos dados expostos e discutidos é possível abstrair a ideia de ser a
neurociência uma valiosa ciência que oferece ampla gama de técnicas e
abordagens que podem ajudar a entender a relação entre a memória e a cog-
nição, desde a identificação de áreas cerebrais envolvidas até a investigação
de processos celulares e moleculares. E, quando se olha para a consciência,
vale buscar Chritof Koch e Francis Crick (Bear; Connors; Paradiso, 2017)
NEUROCIÊNCIAS: um instrumental teórico-epistemológico e metodológico interdisciplinar 47

que sinalizam os avanços da consciência via neurociências. Para os cien-


tistas, prêmio Nobel por seu estudo da estrutura de DNA, com abordagem
neurocientífica, apresentam os Correlatos Neurais da Consciência (NCN)
que são os mínimos eventos neuronais suficientes para uma dada percepção
consciente, ou seja, demonstram o que ocorre com os neurônios quando você
experimenta algo saboroso ou algum tipo de sentimento. Contudo, ainda é
um mistério explicar “como nos tornamos consciente da informação a que
voltamos nossa atenção [...] no entanto, como a consciência envolve manter
na mente a informação, ela certamente envolve interações com os sistemas
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de memória” (p. 750).


Essa aproximação da memória e cognição da consciência pode ser pro-
fícuo para os estudos atuais frente aos problemas sociais, educacionais de
esvaziamento de sentidos do ato mental formativo seja para vida cidadã seja
para o indivíduo se perceber diante de si, do mundo e das coisas. O ato cria-
tivo e suas consequências advêm do nível de consciência que o sujeito e a
sociedade conseguiram desenvolver, portanto, a informação, história dos fatos
e acontecimentos, revisão da vida em sociedade e pessoal é valiosa para o
desenvolvimento da consciência.

Palavras de encerramento

Apresentamos a evolução dos conceitos de memória e de cognição da


literatura vigente dentro das ciências humanas e alguns traços da consciência,
enquanto essencial para a evolução do indivíduo e da sociedade.
Embora a consciência continue sendo um mistério, a pesquisa em neu-
rociências oferece novas pistas para entender como as experiências sub-
jetivas são geradas a partir da atividade cerebral. A consciência é um dos
tópicos mais fascinantes da ciência e continua sendo objeto de estudo intenso
nas neurociências.
As neurociências estudam o cérebro e o sistema nervoso, que são fun-
damentais para a percepção, atenção, memória e outras funções que são
essenciais para a consciência. A pesquisa em neurociências tem avançado na
compreensão de como os diferentes sistemas cerebrais estão envolvidos na
geração e manutenção da consciência.
Cabe salientar que este artigo pretendeu um debate não exaustivo sobre
a relação memória, cognição consciência, considerando sua amplitude. No
entanto, buscou trazer algumas reflexões para instigar novos estudos com
teorias e metodologias em busca de contribuições desse importante tema para
as ciências humanas.
48

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FUNÇÕES EXECUTIVAS E
AUTORREGULAÇÃO EMOCIONAL
Emmy Uehara Pires6

Introdução
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A relação entre as funções executivas (FE) e a autorregulação emocional


(AE) é estreita e complexa. As FE, responsáveis pelo controle e direção
dos processos cognitivos, desempenham um papel fundamental na regulação
das emoções. Habilidades como controle inibitório, memória de trabalho/
operacional e flexibilidade cognitiva/mental estão envolvidas na capacidade
de regular e modular as respostas emocionais. Por exemplo, o controle inibi-
tório permite inibir impulsos emocionais desadaptativos e escolher respostas
mais adequadas em determinadas situações. Da mesma forma, a flexibilidade
cognitiva possibilita uma mudança de perspectiva emocional, facilitando a
adaptação a novos estímulos e contextos. Além disso, a memória de trabalho
desempenha um papel crucial na regulação emocional, permitindo o arma-
zenamento e a manipulação de informações relevantes para a avaliação e o
processamento das emoções.
Por outro lado, a AE também influencia o funcionamento das FE. A
capacidade de identificar, avaliar e regular as emoções de forma adaptativa
contribui para a tomada de decisões mais eficazes, a resolução de problemas e
a manutenção do equilíbrio emocional. A interação entre as FE e AE é essen-
cial para o desenvolvimento saudável e o bem-estar emocional, pois impacta
diretamente a maneira como lidamos com as emoções, tomamos decisões e
nos comportamos no mundo ao nosso redor. Compreender essa interconexão
é fundamental para promover estratégias eficazes de intervenção e apoio na
melhoria dessas habilidades-chave.
Neste capítulo, será explorado a natureza dessas interconexões e como
o funcionamento das FE pode influenciar a AE, assim como a forma como
a regulação emocional impacta as FE. Além disso, discutiremos as implica-
ções práticas desses conceitos e as possíveis intervenções e estratégias para
promover o desenvolvimento saudável das FE e da AE.

6 Doutora em Psicologia Clínica (Linha: Clínica e Neurociências) na PUC-Rio (2014). Professora Adjunta do
DEPSI/PPGPSI (UFRRJ). E-mail: Emmy.uehara@gmail.com
54

Funções executivas e autorregulação emocional

Funções executivas

O construto das FE, segundo o modelo proposto por Adele Diamond


(2013), refere-se a um conjunto de habilidades cognitivas superiores que per-
mitem o controle consciente e flexível do pensamento, do comportamento e
das emoções, com o objetivo de atingir metas e adaptar-se a novas situações.
Essas habilidades estão envolvidas no planejamento, na inibição de respostas

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automáticas, na flexibilidade cognitiva, na memória de trabalho/operacional, no
raciocínio abstrato, na autorregulação e na resolução de problemas complexos.
Diamond (2013) enfatiza que as FE são fundamentais para o funcio-
namento adaptativo em várias áreas da vida, sendo compostas por três fun-
ções nucleares:

1. inibição (controle inibitório e de interferência) – habilidade de inibir


respostas prepotentes (forte tendência do indivíduo) ou respostas a
estímulos distratores que interrompam o curso eficaz de uma ação,
ou ainda a interrupção de respostas que estejam em curso. A inibi-
ção também implica o controle de interferência do pensamento, da
emoção e motor;
2. memória de trabalho (ou operacional) – capacidade de manter, reter
e manipular, por um curto período, a informação que está sendo
processada, antes de desaparecerem por completo. Isto é, envolve
a atualização e monitoramento das representações coletadas. Ela
é composta de quatro componentes: o executivo central (controla
o fluxo de informação da memória, da atenção e da ação), a alça
fonológica (processa informações verbais), o esboço visuoespacial
(realiza e processa informações visuais e espaciais) e o retentor
episódico (integração da informação verbal e visual e comunicação
com a memória de longo prazo; e
3. flexibilidade cognitiva (ou mental) – habilidade de modificar ou
alternar o curso das ações ou dos pensamentos conforme as exi-
gências dos estímulos externos. Relaciona-se com o automonito-
ramento, aprendizado com os erros, geração de novas estratégias,
atenção dividida e processamento de múltiplas informações de
maneira concomitante.

Estas forneceriam uma base para o desenvolvimento de outras habilida-


des executivas, como o raciocínio, resolução de problemas e planejamento
(Diamond, 2013). Por exemplo, a capacidade de planejar ajuda a organizar
NEUROCIÊNCIAS: um instrumental teórico-epistemológico e metodológico interdisciplinar 55

tarefas e definir metas, enquanto a inibição permite controlar impulsos e com-


portamentos inadequados. A flexibilidade cognitiva possibilita a adaptação a
diferentes perspectivas e a mudanças de contexto, e a memória de trabalho/
operacional é essencial para armazenar e manipular informações relevantes
temporariamente. Além disso, as funções executivas estão interconectadas com
outros processos cognitivos e emocionais, como a AE e a tomada de decisões.
De acordo com o modelo proposto, os diferentes componentes das FE
estão associados a áreas e circuitarias cerebrais específicas (Collette et al.,
2006). No entanto, é importante salientar que, apesar da existência de áreas
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cerebrais relacionadas à componentes das FE, o funcionamento executivo é


resultado da integração de redes neurais distribuídas em todo o cérebro (Fiske;
Holboe, 2019; Funahashi; Andreau, 2013).

a) O controle atencional está associado principalmente ao córtex


pré-frontal dorsolateral e ao córtex parietal. Essas áreas cerebrais
desempenham um papel crucial no direcionamento e na regulação
da atenção, permitindo a focalização em informações relevantes e
a supressão de estímulos distratores.
b) A inibição de respostas impulsivas está associada principalmente
ao córtex pré-frontal ventromedial, que está envolvido no con-
trole e supressão de comportamentos impulsivos e na regulação
das emoções.
c) A memória de trabalho/operacional tem uma relação com a atividade
do córtex pré-frontal dorsolateral, que desempenha um papel impor-
tante no armazenamento temporário e manipulação de informações
em um curto período.
d) A flexibilidade cognitiva é atribuída principalmente à ativação do
córtex pré-frontal dorsolateral e do córtex cingulado anterior. Essas
áreas cerebrais estão envolvidas na capacidade de alternar entre
diferentes conjuntos de regras mentais, mudar de perspectiva e se
adaptar a novas situações.
e) O planejamento e a organização estão relacionados ao córtex pré-
-frontal dorsolateral, que desempenha um papel fundamental no
estabelecimento de metas, na elaboração de estratégias e no plane-
jamento de ações para atingir essas metas.

No que diz respeito ao desenvolvimento das FE, Best e Miller (2010)


ressaltam que ocorre ao longo da infância, adolescência e vida adulta, com um
importante papel do ambiente, dos fatores genéticos e das experiências na sua
maturação. Durante a infância, as FE estão em estágio inicial de desenvolvi-
mento. Nesse período, a criança começa a desenvolver a capacidade de inibir
56

respostas impulsivas, manter a atenção, alternar entre tarefas e planejar ações.


Estas funções são essenciais para o controle comportamental e emocional,
bem como para o desenvolvimento cognitivo e social. Na adolescência, há um
período crítico para o desenvolvimento. Nessa fase, ocorrem mudanças signi-
ficativas no cérebro, particularmente, na área pré-frontal, que desempenha um
papel central no controle executivo. As habilidades de autocontrole, tomada de
decisão e planejamento continuam a se desenvolver e se aprimorar durante a
adolescência. No entanto, os adolescentes ainda podem apresentar dificuldades
em regular suas emoções e controlar impulsos devido a essa imaturidade das

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FE (Crone, 2009). Por fim, ao longo da vida adulta, as FE continuam a se
desenvolver, mas a velocidade desse desenvolvimento diminui em comparação
com a infância e a adolescência. Durante essa fase, as habilidades executivas
atingem maior estabilidade e refinamento. Os adultos são capazes de planejar
e tomar decisões de forma mais eficaz, controlar seus impulsos e regular suas
emoções com maior facilidade. No entanto, o envelhecimento pode levar a
algumas mudanças nas FE, como uma diminuição gradual da velocidade de
processamento e uma maior vulnerabilidade ao estresse.

Autorregulação emocional

O termo “autorregulação emocional” se refere à capacidade de uma pes-


soa identificar, avaliar e regular suas próprias emoções de maneira adaptativa,
de acordo com suas metas e contexto. Esse conceito é baseado no modelo
de James Gross (2013), que propõe uma abordagem integrativa para com-
preender a regulação emocional. Segundo este modelo, a AE envolve quatro
componentes principais:
Seleção de situações: Esse componente se refere à escolha ativa das situa-
ções ou contextos emocionais que uma pessoa decide vivenciar. Por exemplo,
alguém pode optar por assistir a um filme alegre para melhorar seu humor ou
evitar ambientes estressantes que possam desencadear emoções negativas.
Modulação da atenção: A modulação da atenção está relacionada à dire-
ção e foco da atenção da pessoa. Ela pode escolher direcionar sua atenção para
estímulos emocionais específicos, ampliando ou reduzindo sua importância.
Por exemplo, alguém pode se concentrar em pensamentos positivos para
diminuir a intensidade de emoções negativas.
Avaliação cognitiva: Esse componente envolve a avaliação cognitiva das
emoções, que inclui a interpretação e atribuição de significado às experiên-
cias emocionais. As pessoas podem reinterpretar eventos emocionalmente
desafiadores de maneira mais positiva ou realista, o que pode influenciar a
intensidade e a duração das emoções vivenciadas.
NEUROCIÊNCIAS: um instrumental teórico-epistemológico e metodológico interdisciplinar 57

Modulação da resposta: A modulação da resposta diz respeito às estraté-


gias e ações adotadas para influenciar e regular as respostas emocionais. Isso
inclui a supressão ou expressão adequada de emoções, a busca por suporte
social, o uso de estratégias de enfrentamento adaptativas (como a resolução
de problemas) e técnicas de relaxamento para lidar com emoções intensas.
Neste modelo, a AE é uma habilidade dinâmica e processual, na qual
esses componentes interagem de maneira complexa, ressalta Gross (2013).
Assim, o objetivo final é alcançar um estado emocional adaptativo, que esteja
alinhado com as metas e valores pessoais. Isto é, a AE se refere à habilidade de
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selecionar contextos, direcionar a atenção, avaliar cognitivamente as emoções


e modular as respostas emocionais para alcançar um equilíbrio emocional
adaptativo. Esse processo é fundamental para a regulação saudável das emo-
ções e o bem-estar psicológico.
De acordo com Etkin, Büchel e Gross (2015), diferentes áreas do cérebro
estão envolvidas na regulação emocional. Cada componente da autorregulação
emocional está associado a redes neurais específicas. A seguir, descreverei as
áreas do cérebro relacionadas a cada componente:

a) a) Seleção de situações: A seleção de situações emocionais envolve


a ativação de regiões cerebrais responsáveis pelo processamento e
avaliação de estímulos emocionais. Essas regiões incluem o córtex
pré-frontal ventromedial (CPM), o córtex cingulado anterior (CCA)
e o hipocampo. Essas estruturas ajudam na avaliação das situações
emocionais e na tomada de decisões sobre como responder a elas.
b) b) Modulação da atenção: A modulação da atenção está associada a
várias áreas do cérebro, incluindo o córtex pré-frontal dorsolateral
(CPFDL), o córtex parietal inferior e o córtex cingulado poste-
rior. Essas regiões estão envolvidas na capacidade de direcionar e
manter a atenção em estímulos relevantes, enquanto inibem distra-
ções emocionais.
c) c) Avaliação cognitiva: A avaliação cognitiva das emoções é mediada
principalmente pelo córtex pré-frontal ventromedial (CPM) e pelo
córtex cingulado anterior (CCA). Essas áreas estão envolvidas na
atribuição de significado às emoções, na interpretação de eventos
emocionais e na geração de respostas emocionais adaptativas.
d) d) Modulação da resposta: A modulação da resposta emocional
envolve uma rede neural ampla, incluindo o córtex pré-frontal ven-
tromedial (CPM), o córtex cingulado anterior (CCA), o córtex pré-
-frontal dorsolateral (CPFDL) e o córtex orbitofrontal (COF). Essas
regiões desempenham papéis cruciais na regulação das emoções,
58

controlando a expressão emocional, a supressão de respostas emo-


cionais indesejadas e a regulação da intensidade emocional.

Quanto ao desenvolvimento, a AE passa por um processo contínuo e não


linear de amadurecimento ao longo da infância, adolescência e vida adulta.
Assim como nas FE, seu desenvolvimento pode variar individualmente e ser
influenciado por fatores genéticos, ambientais e sociais (Martin; Ochsner, 2016).
Na infância, as habilidades de regulação emocional estão em estágio inicial
de desenvolvimento. Os bebês dependem dos cuidadores para regular suas

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emoções, principalmente por meio da interação social e do conforto físico.
Durante esse período, eles começam a aprender a identificar e expressar emo-
ções básicas, como alegria, tristeza e raiva. Já na idade pré-escolar, as crianças
começam a desenvolver estratégias mais elaboradas de regulação emocional.
Elas aprendem a usar palavras para expressar suas emoções, bem como a bus-
car apoio e consolo dos adultos. No entanto, a regulação emocional nessa fase
ainda é guiada principalmente por fatores externos, como a presença de um
cuidador. Durante a idade escolar, as crianças adquirem maior controle sobre
suas emoções e desenvolvem estratégias cognitivas mais avançadas de regulação
emocional. Elas aprendem a reavaliar situações emocionalmente desafiadoras,
a adotar perspectivas diferentes e a utilizar estratégias de solução de problemas
para lidar com suas emoções. Além disso, as crianças começam a desenvolver
a capacidade de regular suas emoções em contextos sociais, como a sala de
aula. A adolescência é um período de grandes mudanças emocionais e sociais.
Ahmed et al. (2015) ressaltam que os adolescentes enfrentam desafios em termos
de regulação emocional, uma vez que estão lidando com a intensificação das
emoções, o desenvolvimento da identidade pessoal e a busca de independência.
Durante esse período, eles começam a desenvolver uma maior consciência
emocional e a explorar diferentes estratégias de regulação emocional, tanto adap-
tativas quanto desadaptativas. Na vida adulta, espera-se que as pessoas tenham
desenvolvido habilidades sólidas de regulação emocional. Elas são capazes de
identificar suas emoções, tolerar e regular a experiência emocional, bem como
utilizar estratégias adaptativas para lidar com situações desafiadoras. A regulação
emocional na vida adulta é influenciada por fatores como experiências de vida,
relacionamentos interpessoais e contextos socioculturais.
James Gross descreve várias aplicações clínicas e implicações práticas
da AE em seu trabalho. Por exemplo, a AE desempenha um papel crucial na
compreensão e tratamento de diversos transtornos mentais, como Ansiedade,
Depressão (Yoon et al., 2013), Transtorno de Estresse Pós-traumático (TEPT)
e Transtornos Alimentares (Prefit et al., 2019). A identificação e o treina-
mento de estratégias eficazes de regulação emocional podem ser aplicados no
NEUROCIÊNCIAS: um instrumental teórico-epistemológico e metodológico interdisciplinar 59

contexto clínico para melhorar o bem-estar emocional dos indivíduos. Por isso,
a AE pode ser alvo de intervenções terapêuticas voltadas para a melhoria da
saúde mental. Terapias cognitivo-comportamentais, como a Terapia de Acei-
tação e Compromisso (ACT) e a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC),
incorporam estratégias de regulação emocional para ajudar os indivíduos a
desenvolverem habilidades de adaptação e enfrentamento. Do mesmo modo, a
compreensão da AE pode ser útil na prevenção de problemas de saúde mental
e no desenvolvimento de estratégias de promoção da saúde emocional. Ao
fornecer educação e treinamento, é possível capacitar as pessoas a lidarem
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com o estresse, enfrentar desafios emocionais e promover o bem-estar geral.


Além do contexto clínico, a AE também possui implicações significativas
na educação. Ao ensinar estratégias de AE nas escolas, é possível ajudar os
alunos a gerenciarem suas emoções, a lidar com o estresse acadêmico e a pro-
mover um ambiente de aprendizado saudável (Vierhaus et al., 2016). Ainda,
professores e educadores podem se beneficiar ao cultivar sua própria AE para
fornecer um suporte adequado aos alunos. Assim, a AE se torna essencial para
o funcionamento saudável dos relacionamentos interpessoais. Compreender
e regular as emoções é fundamental para a comunicação eficaz, resolução de
conflitos e manutenção de relacionamentos satisfatórios. Sua aplicação pode
fortalecer a qualidade dos relacionamentos pessoais e profissionais, promo-
vendo uma vida mais saudável e satisfatória.

Qual a relação entre estes constructos e suas implicações práticas?

Como foi observado anteriormente, os modelos de James Gross (2013)


sobre autorregulação emocional e de Adele Diamond (2013) sobre funções exe-
cutivas estão relacionados, pois ambos reconhecem a importância do controle
cognitivo na regulação das emoções e no funcionamento executivo. O modelo
de James Gross propõe que a autorregulação emocional envolve duas etapas
principais: a seleção da estratégia de regulação emocional e a implementação
dessa estratégia. Ele identifica cinco estratégias de regulação emocional: rea-
valiação cognitiva, supressão emocional, mudança de atenção, modificação da
situação e modificação da resposta. A capacidade de selecionar e implementar
a estratégia adequada requer habilidades de controle cognitivo, como a inibição
de respostas impulsivas, a flexibilidade cognitiva e o monitoramento atencional.
Por sua vez, o modelo de Adele Diamond (2013) destaca que as funções
executivas são responsáveis por controlar o pensamento, o comportamento e as
emoções para atingir metas e se adaptar às demandas do ambiente. As funções
executivas incluem a inibição de respostas impulsivas, a memória de trabalho, a
flexibilidade cognitiva, o planejamento e a organização, e o controle atencional.
60

Essas habilidades executivas são essenciais para a autorregulação emocional,


pois permitem que indivíduos avaliem e modifiquem suas respostas emocionais
de maneira adaptativa. Dessa forma, o modelo fornece uma base conceitual
para entender como as funções executivas estão envolvidas na autorregulação
emocional. As habilidades executivas, como a inibição de respostas impulsivas
e a flexibilidade cognitiva, permitem que as pessoas selecionem estratégias
apropriadas de regulação emocional e as implementem efetivamente.
Ambos os modelos reconhecem a interconexão entre o controle cognitivo,
as funções executivas e a autorregulação emocional. A capacidade de regular

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as emoções de forma adaptativa depende da interação entre o controle cogni-
tivo e as habilidades executivas, destacando a importância desses processos
para a regulação emocional eficaz. Desta forma, as FE e a AE desempenham
papéis cruciais em várias áreas da vida, incluindo educação, trabalho e saúde
mental. Suas implicações nesses domínios são amplas e influenciam signifi-
cativamente o desempenho, o bem-estar e a qualidade de vida das pessoas.
No âmbito da saúde mental, as FE e a AE desempenham um papel central.
Por exemplo, dificuldades nas FE, como déficits de atenção, problemas de
memória e dificuldade de autorregulação do comportamento, estão frequente-
mente associadas a várias patologias e transtornos. Por exemplo, o Transtorno
do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), caracterizado por dificuldades
de atenção, hiperatividade e impulsividade. Essas dificuldades podem afetar as
FE, como o controle inibitório, o planejamento e a organização, além de inter-
ferir na AE, resultando em emoções intensas e impulsivas (Groves et al., 2021).
Outro transtorno é o Transtorno do Espectro Autista (TEA). Os indivíduos
com TEA frequentemente apresentam prejuízos nas FE, como a flexibilidade
cognitiva, que podem levar a desafios na AE, resultando em dificuldades em
compreender e expressar emoções de maneira adequada (Demetriou, 2019). Os
transtornos de ansiedade, como Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG),
Transtorno do Pânico e Transtorno de Estresse Pós-traumático (TEPT), podem
afetar negativamente as FE e a AE. A ansiedade excessiva pode prejudicar a
atenção, a memória de trabalho e a capacidade de tomar decisões, ao mesmo
tempo em que resulta em uma regulação emocional desregulada, com medos
e preocupações intensos. Os Transtornos do Humor, como a Depressão e o
Transtorno Bipolar, podem interferir nas FE, como a memória de trabalho/
operacional, a concentração e o planejamento. Além disso, a desregulação
emocional é uma característica central desses transtornos, manifestando-se
como tristeza profunda, irritabilidade intensa e mudanças de humor acentuadas.
Transtornos como o Transtorno do Jogo Compulsivo está associado a dificul-
dades no controle inibitório e na regulação emocional, podendo resultar em
comportamentos impulsivos e explosões emocionais inadequadas. Transtornos
NEUROCIÊNCIAS: um instrumental teórico-epistemológico e metodológico interdisciplinar 61

alimentares, como Anorexia nervosa, Bulimia nervosa e Transtorno da Com-


pulsão Alimentar Periódica, podem afetar as FE relacionadas ao controle de
impulsos, à tomada de decisões e ao planejamento (Prefit et al., 2019). A AE
também é afetada, com alterações no processamento de emoções relacionadas
ao peso, imagem corporal e alimentação.
No contexto educacional, as FE desempenham um papel fundamental no
processo de aprendizagem. Habilidades como atenção seletiva, memória de
trabalho/operacional, planejamento e autorregulação do comportamento são
essenciais para aquisição de conhecimento, resolução de problemas e alcance
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de metas acadêmicas. Alunos com bom desenvolvimento das FE tendem a ter


melhor desempenho escolar, maior capacidade de organização e autorregula-
ção do estudo, além de serem mais capazes de lidar com desafios e adaptar-se
a diferentes demandas acadêmicas (Neuenschwander et al., 2012). Da mesma
forma, a AE desempenha um papel importante na promoção de um ambiente
de aprendizagem saudável, ajudando os estudantes a lidarem com o estresse,
regular emoções negativas e manter a motivação e o engajamento.
No ambiente de trabalho, segundo Tan et al. (2022), as FE são essenciais
para o desempenho eficiente e produtivo. Habilidades como planejamento,
organização, tomada de decisão e resolução de problemas são valorizadas em
diversas profissões. Um desenvolvimento adequado das FE pode melhorar
a capacidade de gerenciar prazos, estabelecer prioridades, manter o foco e
adaptar-se a mudanças no ambiente de trabalho. Além disso, a AE é fundamen-
tal para a saúde e o sucesso profissional. A capacidade de lidar com pressão,
regular emoções em situações estressantes e manter relações interpessoais
saudáveis é essencial para o bem-estar no trabalho, a tomada de decisões
eficazes e a construção de uma carreira satisfatória.
No contexto militar, o prejuízo nas FE e na AE podem ter impactos sig-
nificativos (Cosic et al., 2012). Por desempenhar um papel crucial na tomada
de decisões eficazes e no planejamento estratégico, se um militar apresenta
prejuízo nessas habilidades, pode ter dificuldades em avaliar adequadamente as
informações relevantes, considerar diferentes opções, antecipar consequências
e tomar decisões assertivas. Isso pode ter repercussões sérias em situações
críticas onde decisões rápidas e precisas são necessárias, podendo compro-
meter o desempenho operacional do militar e colocar em risco a segurança
pessoal e a eficácia da missão.
Outra habilidade relevante para militares é a capacidade de liderar efe-
tivamente requer habilidades de controle executivo, como a capacidade de
organizar, delegar tarefas, manter o foco e tomar decisões sob pressão (Koh;
O’Higgins, 2018). Militares com prejuízos nas FE podem enfrentar dificulda-
des em assumir papéis de liderança, gerenciar equipes e coordenar atividades
62

complexas. Um bom gerenciamento do estresse também é essência no trabalho


militar, pois muitas vezes envolve situações estressantes e de alto risco. A
desregulação emocional pode dificultar a capacidade de lidar com o estresse
de maneira saudável. Militares que enfrentam dificuldades na AE podem ter
maior propensão a reações emocionais intensas e descontroladas, o que pode
prejudicar a tomada de decisões, coesão do grupo, confiança e o trabalho em
equipe e a capacidade de manter a calma e se adaptar a situações desafiadoras.
De acordo com Meridith e colaboradores (2011), a resiliência é fundamen-
tal para os militares, pois enfrentam desafios físicos, emocionais e psicológicos

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durante o serviço. Um prejuízo nas FE e na AE pode diminuir a capacidade de
se adaptar e se recuperar desses desafios, tornando os militares mais suscetíveis
ao estresse crônico, esgotamento e problemas de saúde mental. Estratégias de
treinamento, apoio psicológico e intervenções direcionadas podem ser úteis
para auxiliar os militares a desenvolverem habilidades de controle executivo
e regulação emocional, melhorando assim o seu desempenho e bem-estar.
Além dos impactos mencionados anteriormente, um comprometimento
executivo e desregulação emocional podem ter os seguintes impactos no dia a dia:

Quadro 1 – Impactos no dia a dia do mau funcionamento


executivo e desregulação emocional
Habilidades Prejuízo
O mau funcionamento executivo pode dificultar a realização de tarefas diárias, como o cumprimento
Tarefas
de prazos, a organização de materiais, a priorização de atividades e a gestão do tempo. Isso
diárias
pode levar a atrasos, falta de eficiência e aumento do estresse na execução das tarefas diárias.
A rotina diária está sujeita a mudanças frequentes e imprevisíveis. Um comprometimento executivo
Adaptação a
pode dificultar a adaptação a essas mudanças, tornando mais desafiador lidar com situações novas,
mudanças
ajustar-se a novos procedimentos e responder de maneira flexível a demandas em constante evolução.
A falta de habilidades executivas pode afetar o planejamento e a organização pessoal. Isso
Planejamento e
pode se refletir em dificuldades para estabelecer metas claras, criar planos de ação, estabelecer
organização
prioridades e seguir uma rotina disciplinada. A falta de organização pessoal pode gerar estresse
pessoal
adicional e dificuldades para equilibrar as demandas profissionais e pessoais.
Um mau funcionamento executivo pode prejudicar a capacidade de identificar soluções eficazes
Resolução de para problemas e desafios do dia a dia. A dificuldade em analisar as informações relevantes,
problemas pensar de forma flexível e considerar diferentes perspectivas pode levar a respostas menos
efetivas e a um aumento na sensação de frustração e ineficácia.
As FE desempenham um papel crucial no processo de aprendizagem. Um comprometimento
executivo pode afetar a atenção, a memória de trabalho/operacional e a capacidade de
Capacidade de
concentração, o que pode interferir na absorção e no processamento das informações. Isso
aprendizado
pode levar a um desempenho acadêmico ou profissional abaixo do potencial e dificuldades na
assimilação de novos conhecimentos e habilidades.
A desregulação emocional pode influenciar o autocontrole comportamental. Isso pode resultar
Autocontrole em impulsividade, comportamentos de risco e dificuldades em resistir a tentações ou lidar com
comportamental situações estressantes de forma adequada. A falta de autocontrole comportamental pode ter
consequências negativas tanto em âmbito pessoal quanto profissional.
Fonte: Elaborado pelo/a autor/a.
NEUROCIÊNCIAS: um instrumental teórico-epistemológico e metodológico interdisciplinar 63

Esses são apenas alguns exemplos dos impactos que um comprometi-


mento executivo e desregulação emocional podem ter no dia a dia. É impor-
tante reconhecer essas dificuldades e buscar estratégias e apoio adequados
para minimizar os efeitos negativos e promover um funcionamento mais eficaz
e saudável. Sendo assim, o fortalecimento das FE por meio de intervenções
específicas pode ajudar a melhorar o funcionamento cognitivo e a adaptabi-
lidade desses indivíduos. Essas condições mencionadas acima não são exclu-
sivamente causadas por prejuízos nas FE e na AE, mas esses fatores podem
desempenhar um papel significativo no seu desenvolvimento e manutenção.
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O tratamento e a abordagem terapêutica geralmente envolvem estratégias


para fortalecer essas habilidades, visando a melhora do funcionamento global
dos indivíduos afetados. Por exemplo, o treinamento das FE e da AE pode
ser realizado por meio de abordagens e estratégias específicas. Aqui estão
algumas sugestões de métodos de treinamento:

Quadro 2 – Métodos de treinamento das FE e da AE


Método Objetivo a ser alcançado
Visa melhorar as habilidades cognitivas, como a memória de trabalho, a flexibilidade cognitiva e o controle
Treinamento
inibitório. Isso pode ser feito por meio de exercícios e tarefas que desafiam e exercitam essas habilidades,
cognitivo
como jogos de memória, quebra-cabeças, jogos de estratégia e treinamento de atenção seletiva.
Envolve técnicas que ajudam a reconhecer, regular e gerenciar suas emoções de maneira saudável. Isso
Treinamento
pode incluir estratégias de relaxamento, técnicas de respiração, práticas de mindfulness e exercícios
de controle
de visualização. O objetivo é aumentar a consciência emocional e desenvolver habilidades para lidar
emocional
com emoções intensas de forma construtiva.
Fortalecer a capacidade de lidar com o estresse e superar adversidades. Esses programas podem
envolver treinamento em habilidades de enfrentamento, desenvolvimento de estratégias de resolução
Programas de
de problemas, promoção de um estilo de vida saudável e aulas de educação emocional. O objetivo é
resiliência
equipar os indivíduos com as ferramentas necessárias para lidar de forma adaptativa com as demandas
do cotidiano.
Treinamento Envolve a exposição a cenários simulados, exercícios práticos e estudos de caso. Os indivíduos
em tomada de podem aprender estratégias de avaliação de informações, consideração de opções, antecipação de
decisão consequências e tomada de decisões baseadas em princípios éticos.
Em casos mais complexos, pode ser necessária a intervenção de profissionais de saúde mental,
Intervenções como psicólogos ou psiquiatras, para fornecer suporte e tratamento especializado. Terapia cognitivo-
psicológicas comportamental, treinamento de habilidades sociais e programas de redução de estresse baseados
em mindfulness são exemplos de intervenções psicológicas.
Fonte: Elaborado pelo/a autor/a.

A adaptação das estratégias de treinamento às necessidades e contextos


específicos são de suma importância. Além disso, a criação de um ambiente
de apoio e compreensão, juntamente com o estabelecimento de práticas de
autocuidado, também pode contribuir para o desenvolvimento saudável das
FE e da AE nos indivíduos.
64

Considerações finais

A relação entre as funções executivas e a autorregulação emocional é


íntima e interdependente. Um bom funcionamento das funções executivas
auxilia na regulação das emoções, permitindo que sejamos capazes de pen-
sar antes de agir impulsivamente, considerar diferentes perspectivas e tomar
decisões informadas. Por sua vez, uma autorregulação emocional eficaz con-
tribui para a melhoria das funções executivas, uma vez que emoções intensas
e desreguladas podem interferir na atenção, no planejamento e na tomada

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de decisões.
Quando as funções executivas e a autorregulação emocional estão em
equilíbrio, podemos enfrentar os desafios diários com mais eficácia. Uma
boa regulação emocional nos permite lidar com o estresse de forma saudável,
prevenir o desgaste emocional e promover relações interpessoais positivas.
Por sua vez, as funções executivas nos ajudam a manter o foco, resolver pro-
blemas complexos e tomar decisões que considerem tanto a lógica quanto as
emoções envolvidas.
No entanto, quando esses processos estão comprometidos, podemos
enfrentar dificuldades em diversas áreas. Dificuldades nas FE podem levar
a problemas de organização, procrastinação, dificuldade de concentração
e falta de planejamento. Já uma desregulação emocional pode resultar em
explosões emocionais, dificuldades em controlar impulsos, problemas nos
relacionamentos e maior vulnerabilidade ao estresse. Por isso, é essencial
promover o desenvolvimento saudável, investir em estratégias de treinamento
e intervenções que visem aprimorar essas habilidades pode trazer benefícios
significativos para a qualidade de vida, o bem-estar emocional e o desempe-
nho nas atividades diárias. A educação, a terapia cognitivo-comportamental,
a prática de mindfulness e o apoio social são algumas das abordagens que
podem ser úteis nesse sentido.
NEUROCIÊNCIAS: um instrumental teórico-epistemológico e metodológico interdisciplinar 65

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TECNOLOGIA E NEUROCIÊNCIAS
APLICADAS AO AMBIENTE MILITAR
Carlos Alberto Schettini Pinto7

Introdução
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A neurociência é um campo interdisciplinar que estuda o sistema nervoso


e o cérebro, incluindo sua estrutura, função e comportamento. A neu-
rociência tem uma ampla gama de aplicações em diversas áreas, incluindo
medicina, psicologia, educação, esportes, tecnologia e muito mais. A neuro-
ciência tem a capacidade de transformar e melhorar a vida das pessoas, tanto
na prevenção quanto no tratamento de doenças.
A neurociência tem uma relação com a tecnologia, pois muitas das téc-
nicas utilizadas para estudar o cérebro e o sistema nervoso dependem de
avanços tecnológicos.
A tecnologia tem sido uma ferramenta importante para o avanço da
neurociência. Com o avanço da tecnologia, novos métodos de pesquisa estão
sendo desenvolvidos para melhor compreensão do cérebro.
No ambiente militar, a neurociência tem sido cada vez mais utilizada
para melhorar o treinamento de soldados e a tomada de decisões estratégicas.
Por exemplo, a neurociência pode ser utilizada para melhorar a capacidade
de atenção, a memória e a tomada de decisões dos soldados em situações de
estresse e pressão. Há estudos em que, por intermédio do acionamento men-
tal, os militares possam comandar determinados equipamentos. Além disso,
a neurociência pode ser aplicada para entender melhor os efeitos de lesões
cerebrais e traumas no cérebro de soldados.
Em geral, a neurociência é um campo de estudo que tem um grande
potencial para melhorar a vida das pessoas e transformar diversas áreas,
incluindo a tecnologia, a indústria 4.0 e o ambiente militar. Desta forma, com
o avanço da tecnologia, a neurociência tem sido cada vez mais utilizada para
compreender o cérebro humano e melhorar a nossa compreensão da mente
e do comportamento

7 Mestre em Engenharia de Produção e Sistemas, CEFET-RJ (2019). Centro de Estudos de Pessoal e Forte
Duque de Caxias/ CEP/FDC. E-mail: schettini.buco@gmail.com
70

Desenvolvimento

A partir de agora, conheceremos um pouco da neurociência e a sua inter-


face com a tecnologia, mais particularmente com as tecnologias aderentes ao
ambiente da Indústria 4.0 e suas capacidades para o ambiente militar.
Na Figura 1 a seguir, destacamos a partir do Diagrama de Venn, uma
visão destes atores.

Figura 1 – Diagrama de Venn

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Fonte: Elaborada pelo autor.

Há uma percepção de que a tecnologia e a neurociências caminham juntas


em diversos campos cognitivos. Onde há a ação da neurociência e a influên-
cia da tecnologia, elas podem coexistir pacificamente e, indo além, criando
suporte de ambos os lados. Desta forma, não seria impensável afirmarmos
que estes dois campos geram suporte e capacidade ao ambiente militar, seja
no campo do aprendizado, seja no campo das operações militares, até por-
que, para realizarmos as operações militares é fundamental que possuamos
profissionais devidamente capacitados cognitivamente para executar as ações
de forma proativa e decisiva.
Antes de mais nada, devemos compreendermos que a neurociência é o
estudo do sistema nervoso, incluindo sua estrutura, função, desenvolvimento
e patologia. É uma área interdisciplinar que envolve a biologia, psicologia,
medicina e outras áreas da saúde. A neurociência tem como objetivo entender
NEUROCIÊNCIAS: um instrumental teórico-epistemológico e metodológico interdisciplinar 71

como o cérebro e o sistema nervoso funcionam e como eles afetam o com-


portamento humano.
Por muito tempo a neurociência ficou limitada ao seu aspecto biológico,
isto é, os comandos gerados no cérebro que eram executados pelas outras
partes do corpo. Com a evolução humana, a forma de enxergar o cérebro
mudou, ficando evidente sua performance na tomada de decisões.
Podemos perceber esta importância, neste extrato de texto apresentado
por Ribeiro (2013, p. 7), em que se pergunta como interpretar as novas des-
cobertas das neurociências:
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No encontro entre matemática, física, química, biologia, psicologias, filo-


sofia e artes, as neurociências fascinam o público pela possibilidade de
compreensão dos mecanismos das emoções, pensamentos e ações, doenças
e loucuras, aprendizado e esquecimento, sonhos e imaginação, fenôme-
nos que nos definem e constituem. Mais concretamente, profissionais de
saúde, terapeutas, professores e legisladores podem agora se apropriar da
imensa massa de dados empíricos sobre genes, proteínas, células, circuitos
e organismos inteiros. Mas para quê? (Ribeiro, 2013, p. 7).

Então, não podemos perceber a neurociência somente por e pela neuro-


ciência, mas irmos além, descortinarmos novas capacidades e possibilidades.
Destas possibilidades, iremos nos ater na que nos remete ao ambiente tecno-
lógico, isto é, suas interconexões.
A relação entre a neurociência e as tecnologias têm sido cada vez mais
estreita e produtiva nos últimos anos. Como vimos anteriormente, a neuro-
ciência é o estudo do cérebro e do sistema nervoso, já as tecnologias são fer-
ramentas criadas pelo homem para melhorar a vida cotidiana. A combinação
dessas duas áreas pode ter impactos significativos na forma como entendemos
e lidamos com o cérebro humano.
Ao avaliarmos a ingerência que a tecnologia pode ter na neurociência,
podemos listar que uma das principais formas pelas quais a neurociência
tem se beneficiado das tecnologias é através de avanços em técnicas de ima-
gem cerebral. Isso inclui tecnologias como ressonância magnética funcional
(fMRI), tomografia por emissão de pósitrons (PET) e eletroencefalograma
(EEG). Essas técnicas permitem que os pesquisadores visualizem a atividade
do cérebro em tempo real, fornecendo informações valiosas sobre como dife-
rentes áreas do cérebro funcionam em conjunto e como isso afeta o compor-
tamento humano.
Não obstante, as tecnologias também podem ser usadas para estimular
ou modificar a atividade cerebral. Isso inclui dispositivos como estimulado-
res cerebrais profundos (DBS) e estimuladores transcranianos de corrente
72

contínua (tDCS). Esses dispositivos podem ser usados para tratar condições
neurológicas, como doença de Parkinson e depressão, ou para melhorar o
desempenho cognitivo em indivíduos saudáveis.
Por outro lado, a neurociência também tem influenciado o desenvol-
vimento de tecnologias. Por exemplo, a compreensão da neuroplasticidade
– a capacidade do cérebro de se adaptar e mudar ao longo do tempo – tem
inspirado a criação de jogos e aplicativos de treinamento cerebral que visam
melhorar habilidades cognitivas específicas. Da mesma forma, a compreensão
de como o cérebro processa a informação visual tem sido fundamental para o

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desenvolvimento de tecnologias de realidade virtual e aumentada.
No entanto, também existem preocupações com relação ao uso das tec-
nologias na neurociência. Algumas pessoas temem que o acesso excessivo à
tecnologia possa prejudicar o desenvolvimento cerebral em crianças e jovens.
Além disso, a privacidade e a segurança dos dados são uma preocupação
crescente quando se trata de tecnologias de imagem cerebral e dispositivos
de estimulação cerebral.
A tecnologia, atualmente, está inserida em todos os ambientes e, para
aprofundarmos sobre a tecnologia no ambiente atual, precisaremos referendar
a Indústria 4.0.
A Indústria 4.0 é uma evolução da indústria que busca integrar a tecnolo-
gia digital com a produção industrial, permitindo que as empresas possam ter
uma produção mais eficiente e eficaz. Essa nova revolução industrial é baseada
em tecnologias como a Internet das Coisas (IoT), Realidade Aumentada e
Virtual, Inteligência Artificial (IA), Robótica Avançada e outras tecnologias
emergentes que estão mudando a forma como as empresas operam.
Vejamos alguns exemplos:

1. Realidade aumentada e virtual: essas tecnologias permitem criar


experiências imersivas e interativas que podem ser usadas para
simular cenários e treinar habilidades específicas. Isso pode ser
útil para a neurociência, permitindo simular ambientes de pesquisa,
tratamentos ou terapias.
2. Robótica avançada: robôs podem ser usados para realizar tarefas
complexas e perigosas, permitindo que os neurocientistas realizem
experimentos e coletam dados que seriam difíceis ou impossíveis
de obter de outra forma.
3. Internet das coisas (IoT): sensores IoT podem ser usados para moni-
torar atividades cerebrais, coletar dados de pacientes em tempo real,
e criar sistemas de feedback para apoiar a reabilitação após lesões
cerebrais ou distúrbios neurológicos.
NEUROCIÊNCIAS: um instrumental teórico-epistemológico e metodológico interdisciplinar 73

4. Inteligência artificial (IA): a IA pode ser usada para análise de


dados, identificação de padrões e criação de modelos preditivos.
Isso pode ser aplicado na neurociência para identificar novas áreas
de pesquisa, diagnosticar condições neurológicas, e desenvolver
terapias personalizadas.
5. Impressão 3D: a impressão 3D pode ser usada para criar próteses
personalizadas, modelos de órgãos e tecidos, e dispositivos de neu-
roestimulação. Isso pode ser útil para a neurociência, permitindo
criar ferramentas de pesquisa personalizadas e soluções de trata-
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mento sob medida para pacientes.

A Indústria 4.0 vem se tornando uma das principais tendências atuais


representando um grande desafio e uma grande oportunidade para as empresas.
Ela permite que as empresas obtenham informações em tempo real sobre seus
processos de produção, o que possibilita a tomada de decisões mais informadas
e uma maior eficiência no processo de produção.
Certamente a integração dos estudos resultantes da neurociência em
consonância com as especificidades da Indústria 4.0 podem gerar inúmeros
e significativos benefícios uma vez que a neurociência pode ajudar a com-
preender melhor o funcionamento do cérebro humano e como ele responde a
estímulos externos, enquanto a indústria 4.0 permite a criação de processos
industriais mais eficientes, automatizados e personalizados.
A Tabela 1 destaca algumas possíveis aplicações resultantes
desta interação.

Tabela 1 – Aplicações de processos Industriais


Processos Industriais Definição
Com base em conhecimentos sobre como o cérebro humano processa informações
Melhoria da ergonomia e
sensoriais, a indústria 4.0 pode desenvolver tecnologias que ajudem a prevenir
segurança no ambiente de
lesões e doenças ocupacionais, além de tornar o ambiente de trabalho mais seguro
trabalho
e confortável.
A neurociência pode contribuir para a criação de interfaces que permitam a
Desenvolvimento de interfaces
comunicação direta entre o cérebro humano e as máquinas, possibilitando o controle
cérebro-máquina
de dispositivos industriais por meio de sinais cerebrais.
Com a utilização de sensores e tecnologias de automação, a indústria 4.0 pode
Otimização de processos monitorar e analisar em tempo real o desempenho de máquinas e equipamentos,
industriais permitindo a identificação de problemas e a implementação de soluções mais
eficientes.
Personalização de produtos e serviços: a partir do conhecimento sobre o
Personalização no comportamento do consumidor e suas preferências, a neurociência pode ajudar a
atendimento ao cliente criar produtos e serviços personalizados que atendam às necessidades individuais
de cada cliente.
Fonte: Elaborada pelo autor.
74

Como vimos anteriormente, a Indústria 4.0 se refere à quarta revolução


industrial, caracterizada pela integração de tecnologias avançadas em proces-
sos de fabricação, tais como inteligência artificial, internet das coisas, robótica
avançada, realidade aumentada e virtual, entre outros.
Fica óbvio que a inteligência artificial e a neurociência têm uma relação
muito próxima, já que a inteligência artificial é inspirada no funcionamento
do cérebro humano. A neurociência estuda como o cérebro humano processa
informações, e a inteligência artificial busca replicar esses processos em sis-
temas artificiais.

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Os modelos de aprendizado de máquina usados na inteligência artificial
muitas vezes são baseados em redes neurais, que são estruturas computacio-
nais que imitam a forma como os neurônios no cérebro se comunicam. Essas
redes neurais são projetadas para aprender a partir de dados, assim como o
cérebro humano aprende a partir da experiência.
A pesquisa em neurociência pode fornecer informações valiosas para
aprimorar a inteligência artificial, permitindo que os cientistas entendam
melhor como o cérebro humano processa informações e usa esse conheci-
mento para desenvolver modelos mais precisos de aprendizado de máquina.
Por outro lado, a inteligência artificial também pode ajudar a neurociência,
oferecendo novas ferramentas para análise de dados e simulação de processos
cerebrais complexos.
Atualmente, uma das grandes discussões reside no surgimento do Chat-
GPT, que é um modelo de linguagem natural que utiliza inteligência artificial
para construir textos coerentes e plausíveis. Ele é baseado em uma técnica
chamada transformer8, que usa uma rede neural profunda para processar infor-
mações em sequências. Ele foi treinado em uma grande quantidade de dados
para aprender padrões e tendências na linguagem humana. Desta forma, a
inteligência artificial é a base do funcionamento do Chat GPT.
De tudo o que apresentamos até o presente momento, podemos infe-
rir que os termos aprendizagem e conhecimento acabam possuindo enorme
importância para a neurociência e, porque não afirmar, para as tecnologias
que se associam às temáticas advindas da Indústria 4.0.

8 Um modelo transformer é uma rede neural que aprende o contexto e, assim, o significado com o monitora-
mento de relações em dados sequenciais como as palavras desta frase. Ele aplica um conjunto em evolução
de técnicas matemáticas, chamadas de atenção ou autoatenção, para detectar as maneiras sutis como até
mesmo elementos de dados distantes em uma série influenciam e dependem uns dos outros (Merrit, 2022).
Introduzido em 2017, é usado principalmente no campo do Processamento de Linguagem Natural (PLN),
mas pesquisas recentes também desenvolveram sua aplicação em outras tarefas, como compreensão de
vídeo (Deeplearningbook, 2022).
NEUROCIÊNCIAS: um instrumental teórico-epistemológico e metodológico interdisciplinar 75

Corroborando este entendimento, compreendemos que o processo de


transformação dos robôs virtuais e da inteligência artificial invadem os
empregos industriais e administrativos. A interação direta entre o cérebro
e os computadores já é um fato. A preparação dos indivíduos e a competi-
tividade de um país ou conglomerado cultural ou geopolítico dependerá de
sua capacidade de neuroaprendizagem. Na sociedade do conhecimento, isso
se torna o fator chave para qualquer vitória social, política, econômica ou
militar (Kamelman, 2017).
Carvalho (2010) destaca que Diante das inúmeras mudanças na socie-
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dade atual, geradas principalmente pelos avanços tecnológicos que nos


disponibilizam informações, faz-se necessária uma cultura de aprendizado
que gere conhecimento. Para tanto, há que se buscar um sistema educa-
cional democrático o qual assuma o compromisso de promover situações
de aprendizagem nas quais as exigências da sociedade moderna sejam
atendidas, para que todos possam desenvolver suas capacidades, mediante
uma educação que aceite a diversidade. Para isso, é imprescindível explo-
rar e estimular o potencial de aprender de todos os cidadãos. Torna-se
obrigatório, então, promover a reconfiguração pedagógica nos ambientes
educativos, pois o estímulo do potencial dos estudantes oportunizará um
melhor desempenho individual.
A terminologia Tecnologias Convergentes se refere ao estudo interdisci-
plinar das interações entre sistemas vivos e sistemas artificiais para o desenho
de novos dispositivos que permitam expandir ou melhorar as capacidades
cognitivas e comunicativas, a saúde e a capacidade física das pessoas e, em
geral, produzir um maior bem-estar social” (Consejo Superior de Investiga-
ciones Científicas, 2005).
No que tange ao ambiente militar, devido às alterações radicais na
natureza dos conflitos humanos ocorridos recentemente, os serviços de
defesa nacionais podem ser fortalecidos a partir da Convergência Tecno-
lógica nas áreas de antecipação de ameaças, na construção de veículos
de combate teleguiados, na educação e no treinamento para a guerra, na
elaboração de respostas adequadas às ameaças químicas, biológicas e físi-
cas; no desenvolvimento de novos sistemas de combate, no tratamento não
medicamentoso para aumentar o desempenho humano e nas aplicações de
interfaces entre os seres humanos e instrumentos ou dispositivos (Cava-
lheiro, 2007).
Ao adentrarmos no escopo do ambiente militar, percebamos a importân-
cia da neurociência e das temáticas da indústria 4.0 neste campo operacional,
a partir do descrito por Kamelman (2017).
76

As neurociências, a inteligência artificial, a robótica e as nanotecnologias


têm um impacto decisivo na sétima revolução militar e na revolução dos
assuntos militares. O conhecimento do cérebro e sua marca na neuroapren-
dizagem e na tomada de decisões oferecem uma oportunidade única para
melhorar a competitividade argentina a partir da melhoria de seu capital
humano. A incorporação das Neurociências na Gestão Educacional civil
e militar é oportuna como substrato que supera o conhecimento neuro-
cognitivo na tomada de decisões. A partir de uma visão sobre a teoria da
complexidade, elencam-se diretrizes e escopos para uma nova revolução
na gestão do conhecimento no campo da defesa e o desenvolvimento de

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uma linha de pesquisa que gera escola própria, mas vinculada à tarefa
internacional (Kamelman, 2017, p. 65).

Podestá (2016, p. 28) afirma que “A arte militar considerada como o


conjunto de preceitos e regras para a organização e ação dos exércitos deve
ser complementada com a ciência porque esta a valida na sua essência e
ajuda a legitimá-la”.
Partindo deste pressuposto, Kaleman (2017, p. 67) discorre que as neu-
rociências validam e legitimam o

[...] porquê e o como de preceitos e regras e desmistificam histórias fracas


em evidências científicas e mais ricas em vieses e preconceitos. O seu
trânsito resolve as limitações e potencialidades dos modelos de simulação
e treino, ao mesmo tempo que fornece as bases psiconeuroendócrinas do
comportamento humano quando presumivelmente tenta fazer uma escolha
racional, tanto em condições de laboratório como em situações extremas,
incluindo o combate (Kamelman, 2017, p. 65).

Para Soisa (2018, p. 5), “o uso do poder militar não é mais a primeira
opção em um conflito. As neurociências ajudam a otimizar o processo de
tomada de decisão, minimizando os erros ao se avaliar as possibilidades que
irão gerar a tomada de uma decisão”. Soisa (2018, p. 5) cita Liddell-Hart
(1941) “Existem vários exemplos em que o Estado vem utilizando ferramentas
de abordagem lateral para a solução ou gestão de um conflito”, contextuali-
zando que, não apenas com o uso da força bélica é possível se inserir num
conflito, e segue apresentando os seguintes acontecimentos como exemplos
recentes em que alguns fatores de poder foram afetados a partir do uso das
neurociências, visando atingir ao seu oponente sem a necessidade da utilização
da força militar efetivamente ativa:
NEUROCIÊNCIAS: um instrumental teórico-epistemológico e metodológico interdisciplinar 77

Quadro 1 – Fatores de Poder a partir do uso da Neurociência – Exemplos

Quanto ao uso do poder científico tecnológico para diminuir um conflito, em janeiro de 2010, há indícios da ação dos
EUA e Israel na infecção pelo vírus Stuxnet na usina nuclear em Natanz, no Irã. Desta forma, sem a necessidade do uso
da força letal, a partir de um ataque cibernético, pode proporcionar efeitos nos aspectos sociais, políticos e econômicos
iranianos. Segundo Bararbani (2020, p. 34) “as consequências sociais e políticas estão associadas à indefinição do
governo iraniano ao tratar publicamente dos ataques, o que pode ter afetado a credibilidade das lideranças daquele
Estado” No que tange ao lado econômico, o ataque também trouxe consequências negativas, visto que o Irã, que já
sofria com embargos econômicos internacionais, viu-se em uma situação complicada para substituir as cerca de mil
centrífugas avariadas em Natanz.

Outro exemplo do uso do componente científico-tecnológico a ser relatado, ocorreu em 2007, na Estônia, quando estava
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sendo discutido a possibilidade da retirada do monumento dedicado ao soldado soviético de sua capital Talín, e ser
realocado em um cemitério fora da cidade. Tal movimento gerou uma revolta por parte do governo russo. Em retaliação,
os sistemas bancários da Estônia foram afetados. Destacamos que, além do componente científico-tecnológico, pode-se
inferir que o fator psicossocial também foi afetado.

Ao falarmos de fatores psicossociais, não podemos deixar de abordar a gestão da mídia de comunicação social e a
sua veiculação de vídeos. Os diversos grupos terroristas que utilizam os sistemas de “broadcast” para difundir suas
ideias e divulgar imagens de suas ações terroristas, principalmente utilizando cidadãos comuns, ou mesmo soldados
rivais. Desta forma, estes grupos inoculam na população o medo e atingem a opinião pública

Fonte: Elaborada pelo autor.

Expondo estes três exemplos, podemos ver que por meio de ações tecno-
lógicas, sem o uso extensivo do poderio bélico convencional, mas sim com a
ação de elementos que atingem o espectro comportamental, ambiental e social.
Desta forma, é compreensível corroborar com o pensamento de Soisa (2018, p.
6) quando afirma que “o uso da neurociência na tomada de decisão nos permite
encurtar nosso ciclo OODA9 – para isso temos que reeducar nossas ações; isso
leva tempo e conhecimento como cada um responde sob certas circunstâncias”.
Percebemos que as ações voltadas à preparação mental e comportamental vem
se tornando importantíssima para o sucesso das ações militares.
Continuando no ambiente dinâmico da Inteligência Artificial aplicada no
ambiente militar, trazemos um extrato da reportagem do sítio Sputnik, o qual
questiona se a Inteligência Artificial Chinesa ensinará os generais chineses
a lutar melhor:

A inteligência artificial chinesa AlphaWar, criada por uma equipe de cien-


tistas liderada pelo professor Huang Kaiqi no Instituto de Automação da
Academia de Ciências da China, passou o teste de Alan Turing10, revelam
seus criadores (Sputinik, 2023).

9 O ciclo OODA é o ciclo observar-orientar-decidir-agir, desenvolvido pelo estrategista militar e coronel da


Força Aérea dos Estados Unidos John Boyd.
10 O teste consiste em uma pessoa ter um diálogo via texto com outra pessoa e um computador e ter que
determinar com quem está falando. Se confundir o computador com a pessoa, então o computador tem
consciência e pode pensar.
78

A criação, por parte da China, de um simulador de operações militares,


possibilitou o desenvolvimento de operações em combate, aplicando novas
metodologias e avaliando situações estratégicas a nível de treinamento do
alto comando. Outro fator importante neste simulador é que ele utiliza as
estratégias, táticas e armamentos dos oponentes. No caso da China, são uti-
lizadas as táticas dos EUA e dos países da OTAN. Além disso, a Inteligência
Artificial irá aprender, além do citado acima, sobre as experiências de todas
as guerras que os EUA e os países da OTAN realizaram, proporcionado, como
resultado, um excelente arcabouço cognitivo proporcionando uma simulação

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de combate mais próxima à realidade a ser realizada.
Desta forma,

Cada general chinês terá a oportunidade de combater com seus adversários


em condições quase indistinguíveis das reais. Estas podem ser batalhas de
computador longas e extenuantes. Os generais chineses vão ter de melhorar
suas técnicas de combate e inventar novas para vencer. O resultado das
batalhas vai mostrar quais métodos são eficazes e quais não são.
Como a inteligência artificial aprende com seus erros, recebendo informa-
ção completa, ela será capaz de modificar e desenvolver a estratégia e as
táticas estadunidenses. A inteligência artificial pode combater com armas
que ainda estão em desenvolvimento e ainda não entraram em serviço.
Em outras palavras, ela permite experimentar a guerra do futuro, inventar
seus próprios métodos e compreender que tipo de equipamento de combate
é necessário para essa guerra do futuro.
Se os generais chineses aprenderem como derrotar um inimigo mais forte
em batalhas computadorizadas, vão ter vantagem sobre os generais norte-
-americanos, japoneses, coreanos e outros que não passaram pela mesma
escola (Sputnik, 2023).

Podemos inferir que, além de interferir no desenvolvimento da tecno-


logia, a neurociência também auxilia na área tecnológica-militar uma vez
que, compreendendo melhor o cérebro, fica mais fácil entender as ações dos
oponentes, o que eles pretendem e quais os próximos passos podem dar. Isso
ajuda nas proposições de operações, visto que poderão ser traçados perfis e
predizer quais seriam as suas próximas ações.
Ao versarmos sobre as Realidades Aumentada e Virtual, falaremos o
Simulador de Apoio de Fogo (SIMAF). Este é um sistema de simulação
usado pelas forças armadas para treinamento e planejamento de apoio de fogo
em operações militares. Ele fornece uma representação virtual do campo de
batalha e permite que os usuários simulem diferentes cenários de combate,
incluindo a escolha de armas e munições, o posicionamento das tropas e o
planejamento de ataques e defesas.
NEUROCIÊNCIAS: um instrumental teórico-epistemológico e metodológico interdisciplinar 79

Reveste-se em um sistema integrado que usa tecnologia de compu-


tação gráfica e de comunicação para criar um ambiente de simulação rea-
lista. Ele é projetado para treinar os militares em táticas e procedimentos
de combate, bem como para avaliar e aprimorar a eficácia das unidades e
sistemas de armas.
Os usuários podem simular ações ofensivas e defensivas, bem como
operações de combate em áreas urbanas e rurais. O SIMAF, na Figura 2, pode
ser usado tanto em salas de treinamento como em locais externos, usando
equipamentos de simulação móveis. Ele é uma ferramenta importante para o
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treinamento militar moderno e ajuda a garantir que as forças armadas estejam


preparadas para uma variedade de situações de combate.
De acordo com Amorim e Santos (2022, p. 4),

Dada a complexidade do sistema a ser simulado, é na modalidade virtual


onde se empregam os meios de simulação com maior tecnologia embar-
cada. Sua aplicação principal é o desenvolvimento da destreza individual
e coletiva no emprego de determinado material de uso militar. Existem
simuladores virtuais de procedimentos de torre e cabine para adestramento
da guarnição dos carros de combate, bem como simuladores de helicóptero
para treinamento da tripulação. Merece destaque o fato de que ambos os
simuladores permitem o adestramento a baixo custo, sem consumo de
munição e combustível e sem o desgaste e dispêndio com a manutenção
do material bélico (Amorim; Santos, 2022, p. 4).

Cunha (2011, p. 132-133) cita o uso, por parte do exército americano,


dos sistemas JWARS11 (Joint Warfare System) e JSIMS12 (Joint Simulation
System) como ferramentas que colaboram para estimular a capacidade deci-
sória dos integrantes de estados-maiores.

11 JWARS é um sistema de simulação construtiva no escalão teatro de operações e operações conjuntas. O


sistema pode simular o comportamento de forças militares desde a sua base até os desdobramentos de
seu emprego em combate.
12 A missão do JSIMS é desenvolver um Sistema de Simulação Conjunta que fornecerá ambientes sintéticos
operacionalmente válidos e prontamente disponíveis para uso pelos “Commandes-in-Chief” (CINCs), seus
componentes, outras organizações conjuntas e os Serviços.
80

Figura 2 – SIMAF

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Fonte: Brasil [s.d].

A realidade virtual e aumentada pode ser aplicada de diversas formas


na neurociência, incluindo em pesquisas científicas e em terapias médicas.
Por meio da realidade virtual, a simulação de ambientes virtuais permite ao
pesquisador estudar o comportamento humano em situações controladas. O
treino de habilidades motoras e cognitivas é outro processo que pode ser,
como por exemplo, a coordenação olho-mão e a atenção seletiva. Por fim a
relação do Brain-Computer Interface (BCI) com a Realidade Virtual possibilita
a criação de conexões entre o sistema nervoso e o ambiente virtual no intuito
do controle de determinado equipamento.
Como exemplo de aplicação da robótica avançada, fazendo uso do BCI
citando anteriormente temos, na Figura 3, o projeto de tecnologia militar
australiano no controle de um cão-robô utilizando a mente. Segundo o sítio
Engenharia 360 (2023),

O equipamento permite que os soldados visualizem um tabuleiro formado


por quadrados brancos piscantes. Quando o operador concentra sua atenção
em um desses espaços, um biossensor no headset lê os sinais emitidos pelo
córtex visual e os envia para um decodificador com Inteligência Artificial.
Esse decodificador, então, transmite os sinais para o cão-robô, permitindo
que ele entenda o comando (Engenharia 360, 2023).
NEUROCIÊNCIAS: um instrumental teórico-epistemológico e metodológico interdisciplinar 81

Na Figura 3, o robô é comandando a partir de um biossensor fixado na


parte de trás da cabeça do militar. Este biosensor detecta as ondas cerebrais
e sinaliza um circuito de amplificação. Por fim, um decodificador de inteli-
gência artificial traduz o sinal em comandos, e o robô os executa (Australian
Government Defence, 2022).

Figura 3 – Imagem Cão-robô


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Fonte: Australian Goverment Defence (2022).

Por fim, Amarante (2013, p. 89) corrobora o seu pensamento quanto à


fundamental presença da neurociência como alicerce ao aprendizado destes
sistemas tecnológicos complexos:

Devemos estar conscientes, no entanto, de que existem sistemas adapta-


tivos complexos que, segundo Gell-Mann, são sistemas que aprendem e
evoluem lançando mão de informações adquiridas a partir de sua interação
com o meio ambiente. Esses sistemas proliferam no mundo real, podendo
envolver uma criança aprendendo a língua ou a evolução biológica resul-
tante da interação com o ambiente, como ocorre com as bactérias que
desenvolvem resistência a antibióticos. A ciência relacionada a esses
fenômenos ainda está longe de ser compreendida, mas acreditamos que
a chave para a adaptação ao meio ambiente e o correspondente apren-
dizado reside na neurociência, e mais especificamente na rede neural
(Amarante, 2013, p. 89).

O uso da Impressora 3D, também conhecida como Modelagem por


Fusão e Depósito (Fused Deposition Modeling – FDM), ou ainda, Técnica
82

de Fabricação Aditivada, é outra tecnologia que tem sido cada vez mais
utilizada em atividades militares devido à sua capacidade de produzir peças
e equipamentos personalizados de maneira rápida e eficiente. Algumas
das aplicações mais comuns incluem a produção de peças de reposição
para equipamentos militares, a fabricação de protótipos para testes e a
criação de ferramentas e dispositivos específicos para as necessidades das
tropas em campo.
Além disso, a impressão 3D tem sido usada para criar próteses perso-
nalizadas para militares feridos em combate. Com a impressão 3D, é possí-

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vel produzir próteses sob medida que se ajustam perfeitamente ao corpo do
paciente e oferecem maior conforto e funcionalidade.
Outra área em que a impressão 3D tem sido usada em atividades mili-
tares é na produção de armamentos. Embora a impressão 3D ainda não seja
capaz de produzir armas de fogo totalmente funcionais, ela pode ser usada
para produzir algumas partes de armas, como miras e acessórios, bem como
algumas peças de armas não letais, como granadas de treinamento.
A Marinha Americana (US Navy) está utilizando este tipo de manufa-
tura aditiva em seus navios para manutenir e fabricar equipamentos e peças
essenciais para os navios danificados. Seck (2017), cita a declaração do
Tenente Coronel Howard Marotto, líder da equipe de implementação do
serviço para a fabricação aditivada, desenvolvimento e implementação da
impressão 3D, onde este afirma que “Fomos o primeiro serviço a realmente
implantar impressoras 3D em uma zona de combate com forças conven-
cionais reais”. E continua relatando que “Houve impressoras implantadas
no passado na comunidade das forças especiais, mas elas sempre foram
implantadas com engenheiros. Na verdade, implantamos essas impressoras
com nossos fuzileiros navais e demos a eles o treinamento [para usá-las]
enquanto implantados”.
O sítio da Marinha do Brasil, (BRASIL.a, s.d.) destaca que, durante
a pandemia da covid, a Marinha utilizou “impressoras 3D para produzir e
doar máscaras para profissionais da saúde no combate ao novo coronavírus.
Segundo o comandante Hélio Blacker Espozel, ao menos 30 itens são pro-
duzidos por dia”.
Como vimos, a impressão aditiva pode ser usada na fabricação de peças
de artefatos militares, permitindo a produção rápida e personalizada de compo-
nentes específicos, como drones ou peças de equipamentos de proteção indi-
vidual. Correlacionando-a à neurociência, sua simbiose pode ter um impacto
significativo na eficácia e segurança das operações militares visto que estas
tecnologias permitem uma abordagem mais personalizada e adaptável para a
fabricação e utilização dos artefatos militares.
NEUROCIÊNCIAS: um instrumental teórico-epistemológico e metodológico interdisciplinar 83

Considerações finais

Sob a perspectiva de que as neurociências e as tecnologias, principal-


mente as advindas da Indústria 4.0, pareçam distantes entre si, é perceptível
a interseção entre elas e a sua importância no ambiente laborativo militar.
A Indústria 4.0 é uma revolução tecnológica que se baseia na digitaliza-
ção dos processos industriais e na utilização de tecnologias inteligentes para
otimizar a produção e aumentar a eficiência das empresas. Por outro lado, as
neurociências são uma área que se dedica ao estudo do cérebro humano e do
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sistema nervoso, buscando entender o funcionamento desses sistemas e como


eles influenciam o comportamento humano.
Ficou nítida a contribuição por parte das neurociências junto às tec-
nologias da Indústria 4.0, a partir da melhor compreensão das habilidades
cognitivas, além de um melhor entendimento de como as tecnologias podem
melhorar a qualidade profissional e de vida das pessoas.
Em particular no ambiente militar, restou evidente que a utilização da
tecnologia permite uma significativa melhora no combate moderno e, a utili-
zação dos conhecimentos neurocientíficos proporcionou um ganho qualitativo
e profissional no ambiente militar.
84

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A ATENÇÃO, A MEMÓRIA E A EMOÇÃO
COMO ASPECTOS INTERCESSORES
DAS NEUROCIÊNCIAS NA
APRENDIZAGEM
Cristina Novikoff13
Marcio Vieira Xavier14
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Introdução

A área de conhecimento da educação é estudada mediante aportes teóricos


da sociologia, da filosofia, da psicologia e de outras interessadas em
traçar planos de desenvolvimento educacional eficiente (Ortiz, 2009; Kolb;
Bryan; Whishaw, 2002; Simões; Nogaro, 2016; Sternberg, 2000). Para respon-
der às exigências da sociedade do conhecimento, a educação tem percorrido
diferentes caminhos para explicar a relação entre as dimensões cognitivas e
a afetivo-emocionais, bem como as socioculturais, ético e morais (Salami;
Sarmento, 2011). Neste capítulo, as duas primeiras dimensões sob a perspec-
tiva da neuroeducação serão o alvo a ser apresentado para o leitor pensar. O
caminho adotado será de analisar as teorias em torno da influência da interação
social, cultural, da linguagem e da experiência na construção do conhecimento
e abordagens Vigotskiana frente o desenvolvimento da cognição e interseção
entre a aprendizagem e as neurociências. Se antes os estudos se limitavam a
observação e tomada de medidas de testes cognitivos ou emocionais, atual-
mente os cientistas das neuroeducação se debruçaram sobre as pesquisas
usando recursos tecnológicos e de imagens para sua depuração.
A literatura permite revisitar o saber de Hipócrates sobre o encéfalo
confirmado nos estudos da década de 1990, período de retomada da fonte de
origem da aprendizagem e, que hodiernamente, se ampliou a discussão com
as neurociências que nos permite aprofundar seus achados mediante imagens
a dinâmica da aprendizagem, dada por todo o cérebro.

13 Doutorado em Psicologia da Educação – PUCSP (2004). Programa de Pós-Graduação em Ciências Militares


e Humanidades do Centro de Estudos de Pessoal e Forte Duque de Caxias- CEP/FDC. Líder do NeuroMil:
da Formação ao Combate – CEP/FDC. E-mail: cristina.novikoff@gmail.com
14 Mestre em Humanidades em Ciências Militares (CEP/FDC). Especialista em Psicopedagogia Escolar (CEP/
FDC). Neuroeducação (UNINTER). Ciências Militares (CEP/FDC) e Administração de Empresa (FGV).
E-mail: marciovx1260@gmail.com
88

A história das neurociências como a história da neuroanatomia, da neu-


roquímica, da neurofisiologia e da neuropsicologia mantém uma relação com
outras áreas do conhecimento, como a filosofia, a psicologia e a medicina,
mostrando como a interdisciplinaridade é fundamental para o avanço da ciên-
cia (Almeida, 2019).
O conceito de neurociências a ser adotado neste texto é de que se refere
ao “estudo do sistema nervoso, incluindo a anatomia, fisiologia, bioquímica,
farmacologia, patologia e psicologia, com o objetivo de compreender as bases
biológicas do comportamento humano e animal” (Mora; Sanguinetti, 1994).

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Para organizar a argumentação sobre o pressuposto teórico de que a
escolha da abordagem teórica interfere na aprendizagem, o presente capítulo
apresentará o conceito de aprendizagem e sua relação com as neurociências,
como exercício do pensamento neurocientífico (Brato, 2006).
A questão de partida é sobre quais são as abordagens teóricas de apren-
dizagem que as neuroeducação podem oferecer para a criação de ambientes
de aprendizagem mais eficazes? Para respondê-la, apresenta-se a análise de
pontos relevantes desta ciência e dos estudos de Piaget e Vigotski.
A discussão será mediada pela descrição das descobertas atuais sobre o
cérebro, de seus mecanismos de funcionamento e processos químico-físicos
inibidores e estimuladores que ajudam a compreender o que estudiosos do
campo empírico haviam teorizado. Na sequência, apresentar as propostas
pedagógicas para o ensino mais eficaz.

Aprendizagem: noções basilares

Os conceitos de aprendizagem em Piaget e Vigotski diferem ao enfa-


tizarem a importância da interação social, da cultura, da linguagem e da
experiência na construção do conhecimento. Embora tratem estes conceitos
como elementos da abordagem mais centrada no aluno e em atividades que
incentivam a participação ativa e a reflexão crítica apresentam diferen-
ças, e, também compartilhem algumas semelhanças, que serão abordadas
neste texto.
Iniciaremos pela abordagem de Piaget, que carrega tanto a conotação
cognitivista (Mizukami, 1986) como construtivista (Daflon, 2019), em que
ambas estão dentro de uma proposta estruturalista. A teoria psicogenética
é reconhecida e classificada como construtivista, embasada em três asser-
ções resultantes de seus estudos experimentais. Primeiramente, Piaget (1976;
1976a; 1976b), em que acreditava que o conhecimento é construído pelo indi-
víduo através de suas próprias ações e interações com o ambiente. Segunda, na
perspectiva de que o conhecimento não é simplesmente adquirido através da
NEUROCIÊNCIAS: um instrumental teórico-epistemológico e metodológico interdisciplinar 89

experiência direta, mas sim construído pelo sujeito a partir de sua própria ati-
vidade cognitiva. E, por fim, através do desenvolvimento cognitivo como um
processo ativo, contínuo e cumulativo, no qual o indivíduo constrói estruturas
mentais cada vez mais complexas para lidar com as informações recebidas
do ambiente. A alcunha de abordagem construtivista vem justamente dessa
ênfase dada ao papel ativo do indivíduo na construção do conhecimento e no
desenvolvimento cognitivo.
Kamii e Devries (1993) discutem como a educação pré-escolar pode ser
desenvolvida a partir do construtivismo de Piaget. As autoras enfatizam que o
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conhecimento não é passivamente recebido pelos indivíduos, mas sim cons-


truído ativamente por eles, através de suas interações com o meio ambiente.
Essa construção do conhecimento ocorre através de processos mentais, como
a assimilação, acomodação e equilibração, que são influenciados pelo desen-
volvimento cognitivo do indivíduo.
Já, Daflon (2019) destaca a ideia central Piagetiana, em que o conheci-
mento é construído pelo sujeito a partir da sua interação com o meio, e não
apenas transmitido de forma passiva pelo ambiente. O autor argumenta que
a adoção de estratégias pedagógicas que promovam a construção ativa do
conhecimento pelas crianças é fundamental para o desenvolvimento cognitivo
e socioafetivo na primeira infância.
Assim, Piaget é considerado um dos principais teóricos do construti-
vismo, uma vez que a sua teoria enfatiza a importância da construção ativa
do conhecimento pelo indivíduo, em contraposição a uma visão mais passiva
do aprendizado.
Os estudos experimentais de Piaget permitiram que ele defendesse a
lógica dos erros como estratégia para compreender os processos subjacentes
às respostas. Processos dependentes da maturação orgânica, que levaram Pia-
get a criar os estágios de desenvolvimento humano, em que as mudanças das
características da criança com a interação social são necessárias para ocorrer
a aprendizagem, uma vez que a criança abandonaria o erro ao amadurecer,
mediante o processo de adaptação e organização.
A concepção piagetiana de inteligência se ancora nos aspectos cognitivo
e afetivo. O aspecto cognitivo se desenvolve continuamente e tem três ele-
mentos: o conteúdo ou conhecimentos prévios; a função de acordo com sua
atividade intelectual (assimilação e acomodação) e; a estrutura formada pela
“racionalidade”, um “saber fazer”. Portanto, a criança passa de um estágio a
outro por meio da interação ativa de suas estruturas mentais e seu ambiente.
Observa-se a ideia de desenvolvimento intelectual como um processo de
sucessivas reestruturações do conhecimento, em busca da adaptação, ou seja,
um estado de equilíbrio entre o indivíduo e o meio.
90

A teoria de Piaget descreve a maturação, experiência ativa, interação


social e equilibração como os fatores necessários para o desenvolvimento
da inteligência e, de modo semelhante, o desenvolvimento afetivo. Piaget
descreveu três tipos de conhecimento: o conhecimento físico, o conheci-
mento lógico-matemático e o conhecimento social. O conhecimento físico é
o conhecimento das propriedades dos objetos e é derivado das ações sobre
os objetos. O conhecimento lógico-matemático é construído com base nas
ações sobre os objetos. O conhecimento social é sobre coisas criadas pelas
culturas. Cada tipo de conhecimento depende das ações físicas ou mentais.

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A psicologia cognitiva carrega o entendimento sobre as diferentes etapas
da percepção visual, a atenção seletiva, os processos de memória, o processa-
mento da linguagem, as teorias do pensamento e da resolução de problemas,
entre outros (Sternberg, 2000), sem adentrar nos aspectos culturais e deixando
a lacuna das diferenças sociais e culturais dos sujeitos da aprendizagem. Neste
ponto, apresenta-se outra abordagem reconhecida pelos educadores como
sendo uma referência para o processo de ensino – a teoria de Vigotski. Essa
teoria se baseia nas filosofias de Spinoza (século XVII), especialmente em
relação à teoria do afeto, e em Marx (século XIX), que considera a historici-
dade como elemento constituinte do sujeito.
A teoria de Vigotski elabora o conceito da unidade afetivo-cognitiva,
mediada por signos e instrumentos, dentro de uma perspectiva social e sim-
bólica, que é entendida como social-histórica, cuja importância reside no
aspecto cultural e do contexto social no processo de aprendizagem.
Segundo Vigotski, o desenvolvimento cognitivo é um processo que
ocorre através da interação social, em que os alunos aprendem com os mestres
e com outros membros da sociedade. A aprendizagem é mediada por instru-
mentos e signos culturais, como a linguagem e as tecnologias, que permitem
que os alunos internalizem conhecimentos e desenvolvam habilidades cada
vez mais complexas.
A teoria de Vigotski também destaca a importância da zona de desen-
volvimento proximal, que se refere não à diferença entre o que um dicente
pode fazer sozinho ou por intermédio de um docente ou de um outro aluno
mais experiente. A teoria Vigotskiana não pode ser reduzida a abordagem
meramente cognitivista ou individualista, mas deve ser compreendida dentro
de uma perspectiva histórica, social e cultural. Portanto, a Zona de Desenvol-
vimento Proximal (ZDP), como Vigotski elucida, segundo Newton Duarte
(2001), é uma das principais contribuições da teoria de Vigotski para a com-
preensão do processo de aprendizagem. A ZPD é uma zona dinâmica, em cons-
tante mudança e evolução, que varia de acordo com as atividades propostas e
as relações estabelecidas entre os sujeitos envolvidos no processo educativo.
NEUROCIÊNCIAS: um instrumental teórico-epistemológico e metodológico interdisciplinar 91

O autor ressalta que a ZDP não é uma medida fixa, mas sim um processo em
constante transformação. Fica claro que não é uma medida de diferença entre
o que sabe o que não se sabe – isto tem implicações pedagógicas e metodo-
lógicas em que exige do professor estar atento ao desenvolvimento do aluno
para desafiá-lo constantemente.
Duarte (2001) também destaca que a ZDP não pode ser confundida com
o nível de desenvolvimento real do aluno, ou seja, aquilo que ele já sabe e é
capaz de fazer sem ajuda. A ZDP é uma zona intermediária e, mais uma vez,
não é a distância, entre o que o aluno já sabe e o que ele ainda não é capaz de
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fazer sozinho. É a zona de trabalho intencional e volitivo de aprendizagem,


ciente de que tem alguém, um mediador mais experiente que sabe fazer e
estará a sua disposição para ajudá-lo a alcançar o êxito, mesmo que repita a
operação mental, expressiva, oral ou física.
O papel do mediador na ZDP é fundamental para que ocorra a aprendi-
zagem. Segundo Duarte (2001), o mediador deve ser alguém que conheça as
características e necessidades do aluno e que saiba como conduzi-lo para além
do que ele já sabe. O mediador deve atuar de forma a favorecer o desenvol-
vimento das habilidades e competências do aluno, proporcionando desafios
adequados e apoiando-o nos momentos de dificuldade.
Duarte (2001) destaca que a ZDP não deve ser vista como um limite ou
uma barreira para a aprendizagem, mas sim como uma possibilidade de avanço
e desenvolvimento. A partir da ZDP, é possível identificar as potencialida-
des do aluno e traçar estratégias para estimular o seu crescimento cognitivo
e emocional.
O papel do educador, portanto, é fundamental para estimular o desen-
volvimento cognitivo dos alunos, oferecendo desafios adequados ao nível de
desenvolvimento e oferecendo suporte adequado para que elas possam avançar
em seus conhecimentos e habilidades.
Difere dos modelos tradicionais de ensino, que se baseiam na transmis-
são de conhecimentos prontos e acabados e individualmente, como destaca
Duarte (2001). Segundo ele, a teoria de Vigotski valoriza a importância do
processo de construção do conhecimento pelos próprios alunos, por meio da
interação com o ambiente e com os outros sujeitos.
É possível elencar três aspectos da referida diferença. Em primeiro lugar,
Vigotski argumenta que o conhecimento é construído socialmente, ou seja, é
uma construção colaborativa que emerge da interação entre os indivíduos em
um contexto cultural e histórico específico. Isso significa que a transmissão
de conhecimento não pode ser entendida simplesmente como a transmissão
de informações de um professor para um aluno, mas sim como um processo
mais complexo que envolve a participação ativa do aluno na construção do
92

conhecimento. Em segundo lugar, Vigotski enfatiza a importância da zona


de desenvolvimento proximal (ZDP) na transmissão de conhecimento. Para
Vigotski, o papel do professor é identificar a ZDP do aluno e fornecer o suporte
necessário para que ele possa avançar em seu aprendizado. Em terceiro lugar,
Vigotski destaca a importância da linguagem na transmissão de conhecimento.
Para ele, a linguagem não é apenas um meio de comunicação, mas também
um meio de construção de significado. Assim, o ensino não deve ser apenas
um processo de transmissão de informações, mas sim um processo de cons-
trução conjunta de significados. Duarte (2005) destaca que a transmissão de

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conhecimento de Vigotski difere do ensino tradicional também na ênfase
dada à atividade do aluno. Enquanto o ensino tradicional muitas vezes se
concentra na memorização de informações e na reprodução de conhecimentos
preexistentes, a abordagem de Vigotski valoriza a atividade do aluno como
um agente ativo na construção do seu próprio conhecimento. Enquanto estu-
dioso da psicologia histórico-cultural, Duarte também alerta para o perigo de
uma interpretação equivocada da teoria de Vigotski, que pode levar a uma
pedagogia meramente tecnicista, na qual os signos e instrumentos culturais
são vistos como ferramentas neutras e universais, que podem ser aplicadas de
forma mecânica em qualquer contexto. Para Duarte, a teoria de Vigotski só
pode ser plenamente compreendida se for vista como uma crítica aos modelos
de ensino tradicionais e ao mesmo tempo como uma valorização da cultura e
da história dos sujeitos envolvidos no processo de aprendizagem.
Em resumo, a teoria de Vigotski enfatiza a importância do contexto social
e cultural na aprendizagem e no desenvolvimento cognitivo. É uma abordagem
que reconhece a importância do papel do educador e das relações sociais no
processo de aprendizagem e na formação do sujeito.

Algumas diferenças e pontos de verossimilhanças

Piaget e Vigotski são dois teóricos da educação e da psicologia do século


XX, cada um com uma abordagem teórica e metodológica distinta. Embora
haja semelhanças no que se refere ao interesse em estudar o desenvolvimento
cognitivo, não se deve precipitar em afirmar que há verossimilhanças entre
eles. Aqui cabe esclarecer que as palavras semelhança e verossimilhança
possuem significados diferentes e podem ser usadas em contextos distintos.
A semelhança se refere à qualidade do que é semelhante, ou seja, a carac-
terística de ter algo em comum com outra coisa ou pessoa. No caso de teo-
rias, por exemplo, pode-se dizer que duas têm semelhança quanto ao objeto
de estudo – a aprendizagem e o seu desenvolvimento. Já verossimilhança
diz respeito à qualidade do que é verossímil, ou seja, a característica de ser
NEUROCIÊNCIAS: um instrumental teórico-epistemológico e metodológico interdisciplinar 93

provável, coerente ou plausível. Neste caso, as teorias em questão não têm


os mesmos argumentos. Os estudos e experimentos são distintos em termos
geográficos, culturais e históricos. As conclusões sofrem distinções e partem
de premissas distintas.
Em resumo, enquanto semelhança se refere a traços comuns entre coisas
distintas, verossimilhança se refere a algo que é provável ou coerente com a
realidade apresentada.
Portanto, as abordagens teóricas de Piaget e Vigotski apresentam dife-
renças significativas e poucas aproximações, sob o ponto de vista pedagógico.
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Em primeiro lugar, a origem do conhecimento é uma das principais diferenças


entre eles. Para Piaget, o conhecimento tem origem na experiência sensorial
e motora, enquanto Vigotski destaca a importância dos processos mentais e
culturais, com a mediação da linguagem e dos signos.
Outra diferença significativa é que, para Piaget, o desenvolvimento cog-
nitivo está relacionado principalmente a aspectos maturacionais e biológicos,
sem considerar a historicidade do sujeito. Já para Vigotski, a cultura e a história
são mediadoras fundamentais do processo de desenvolvimento cognitivo e
provocam o desenvolvimento do sujeito.
Além disso, Piaget enfatiza a importância do desenvolvimento cognitivo
e dos estágios de desenvolvimento, enquanto Vigotski destaca o papel do
ambiente social e cultural na formação dos conceitos e do indivíduo.
Por fim, a aprendizagem é outro ponto de divergência entre os dois teó-
ricos: Vigotski dá ênfase ao aprendizado mediado signos e linguagem dados
na cultura, enquanto Piaget valoriza a aprendizagem autônoma e a descoberta.
É importante destacar, no entanto, que mesmo havendo aproximações sobre a
valorização da linguagem como mediadora do processo de desenvolvimento
cognitivo, embora esta tenha papel distinto. Enquanto Piaget se concentra na
construção de estruturas mentais e na adaptação ao ambiente, Vigotski está
mais preocupado com a mediação e a transformação da experiência humana.
No entanto, há na literatura algumas aproximações entre as abordagens
teóricas desses dois estudiosos da aprendizagem que merecem atenção. Algu-
mas das principais semelhanças apresentadas são:

• Enfatizam a importância da aprendizagem na formação do indivíduo.


• Reconhecem a importância da interação social no processo
de desenvolvimento.
• Defendem que o indivíduo é ativo na construção do conhecimento
e no processo de aprendizagem.
• Reconhecem a importância da cultura e do ambiente na formação
do indivíduo.
94

A questão é que diferem no modo como entendem cada tópico. O modelo


teórico de Piaget é biológico quanto à interação entre organismo e meio-am-
biente. E, o de Vigotski a natureza é de sê-lo histórico-cultural. Assim, este
destaca a capacidade de aprender junto com o outro (zona de desenvolvimento
potencial), superando a ideia de aprender somente quando está biologica-
mente pronto. A proposta de desenvolvimento de Vigotski é de transmissão
do conhecimento e experiência em que a imitação, ou seja, o esforço do aluno
em seguir modelos com ajuda de outrem mais experiente corrobora com a
aprendizagem do aluno em superar seu não saber. Esse posicionamento vem

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ao encontro da aprendizagem criativa e critica com que as neurociências têm
apresentado e será descrito ao longo dos próximos tópicos.
O papel da linguagem, com suas significações e sentidos fazem a dife-
rença na mediação. Em Piaget a linguagem é sempre limitada ao que o aluno
já conhece e em Vigotski esta é mediadora de desafios para executar o que
ainda não sabe, mas que com a ajuda é possível realizar – o cérebro é realmente
colocado em modo de atenção e curiosidade.
Um dos pontos divergentes entre Piaget e Vigotski parece estar basica-
mente centrado na concepção de desenvolvimento. A teoria piagetiana consi-
dera-o em sua forma retrospectiva, isto é, o nível mental atingido determina
o que o sujeito pode fazer. A teoria vigostkiana, considera-o na dimensão
prospectiva, ou seja, enfatiza que o processo em formação pode ser concluído
através da ajuda oferecida ao sujeito na realização de uma tarefa.
O papel do educador, portanto, é fundamental para estimular o desenvol-
vimento cognitivo das crianças, oferecendo desafios adequados não presos à
níveis de desenvolvimento, mas ao nível de potencial em realizar uma tarefa
com suporte adequado de outra pessoa para que elas possam avançar em seus
conhecimentos e habilidades.
A teoria de Vigotski não pode ser reduzida a uma abordagem meramente
cognitivista ou individualista, mas deve ser compreendida dentro de uma
perspectiva histórica, social e cultural.
Difere dos modelos tradicionais de ensino, que se baseiam na transmissão
de conhecimentos prontos e acabados, como destaca Duarte (2001). Segundo
ele, a teoria de Vigotski valoriza a importância do processo de construção do
conhecimento pelos próprios alunos, por meio da interação com o ambiente
e com os outros sujeitos.
No entanto, o autor também alerta para o perigo de uma interpretação
equivocada da teoria de Vigotski, que pode levar a uma pedagogia meramente
tecnicista, na qual os signos e instrumentos culturais são vistos como ferra-
mentas neutras e universais, que podem ser aplicadas de forma mecânica em
qualquer contexto. Para Duarte, a teoria de Vigotski só pode ser plenamente
NEUROCIÊNCIAS: um instrumental teórico-epistemológico e metodológico interdisciplinar 95

compreendida se for vista como uma crítica aos modelos de ensino tradicionais
e ao mesmo tempo como uma valorização da cultura e da história dos sujeitos
envolvidos no processo de aprendizagem.
Em resumo, a teoria de Vigotski enfatiza a importância do contexto social
e cultural na aprendizagem e no desenvolvimento cognitivo. É uma abordagem
que reconhece a importância do papel do educador e das relações sociais no
processo de aprendizagem e na formação do sujeito.

As Neurociências: caminhos para a neuroeducação


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A neurociência pode ajudar a entender o desenvolvimento humano, sua


evolução e a aprendizagem de várias maneiras. Aqui estão alguns exemplos:

1. Estudos com animais: A pesquisa com animais, como camundongos


e macacos, permite a manipulação genética e farmacológica para
examinar os efeitos sobre a memória e a aprendizagem. Isso pode
ajudar a identificar os mecanismos moleculares e celulares que sus-
tentam esses processos cognitivos.
2. Estudos clínicos: A neurociência também pode ajudar a entender
como a memória e a aprendizagem são afetadas em condições clíni-
cas, como o Alzheimer, a esquizofrenia e o transtorno de déficit de
atenção e hiperatividade (TDAH). Isso pode ajudar a desenvolver
tratamentos mais eficazes para essas condições.
3. Modelos computacionais: A neurociência também pode usar mode-
los computacionais para simular processos cognitivos, incluindo a
memória e a aprendizagem. Isso pode ajudar a identificar as regras
e princípios que governam esses processos e testá-los em diferen-
tes cenários.
4. Estudos de neuroimagem: A neuroimagem, como a ressonância
magnética funcional (fMRI), permite a visualização da atividade
cerebral em tempo real enquanto uma pessoa realiza tarefas que
envolvem a memória e a aprendizagem. Isso pode ajudar a iden-
tificar quais regiões do cérebro estão envolvidas nessas funções e
como elas se comunicam entre si.

As neuroimagens com uma série de imagens, como ressonância magné-


tica e tomografia computadorizada, podem ajudar a compreender a localiza-
ção e a função das diferentes áreas do cérebro, bem como sobre os sistemas
sensoriais, o sistema nervoso autônomo e o controle motor (Felten; O’Ba-
nion; Maida, 2016). Estas têm sido usadas recorrentemente em estudos para
96

aferir a arquitetura e funcionamento do cérebro diante de distintas tarefas


de aprendizagem.
O artigo de Grady et al. (1999) explora as diferenças relacionadas à
idade na conectividade funcional do hipocampo durante a codificação de
memória. O estudo utilizou ressonância magnética funcional (fMRI15) para
medir a atividade cerebral em jovens adultos (idades entre 19 e 35 anos) e
idosos saudáveis (idades entre 60 e 77 anos) enquanto realizavam uma tarefa
de codificação de palavras.
Os resultados mostraram que, em comparação aos jovens adultos, os idosos

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apresentaram uma menor conectividade funcional entre o hipocampo e outras
regiões cerebrais durante a tarefa de codificação de palavras. Além disso, os
idosos apresentaram uma menor atividade no hipocampo esquerdo em compa-
ração ao hipocampo direito, enquanto nos jovens adultos não houve diferença
na atividade entre os hemisférios. Esses resultados são importantes porque
sugerem que o envelhecimento saudável pode estar associado a mudanças na
conectividade funcional do hipocampo durante a codificação de memória.
Outro estudo das transformações do cérebro observadas no estudo lon-
gitudinal associado à inteligência foi o de Schaie e Zanjani (2006) com o
objetivo foi examinar as mudanças na inteligência fluida e cristalizada em
uma amostra de seis mil voluntários adultos saudáveis com idades entre 22 e
99 anos. A amostra foi avaliada em oito ocasiões diferentes, com intervalos
de cerca de sete anos entre cada avaliação. Os resultados mostraram que,
em média, a inteligência fluida começou a diminuir a partir dos 30 anos de
idade, enquanto a inteligência cristalizada se manteve estável ou até mesmo
aumentou até a idade avançada. Além disso, os resultados também sugeriram
que o nível educacional dos participantes desempenhou um papel importante
na manutenção da inteligência cristalizada ao longo do tempo. Este estudo
longitudinal é considerado um dos mais abrangentes sobre o envelhecimento
cognitivo e tem importantes implicações para o desenvolvimento de interven-
ções educacionais e cognitivas ao longo da vida.
Eles descobriram que as mudanças físicas do cérebro são causadas em
razão da alteração da camada de mielina, que reveste as células nervosas.
Elas provocam sinapses mais rápidas, acionando dois processos fico-químicos
importantes para raciocinar. O primeiro a mudança do padrão de ativação
cerebral, ou seja, os sujeitos de meia idade acionam áreas diferentes das usadas
anteriormente para fazer as mesmas tarefas. Assim, a região frontal do cérebro,
encarregada da racionalidade, passa a concentrar a maior parte das atividades.
E, a área posterior da cabeça, região onde estão algumas das estruturas ligadas
as nossas respostas emocionais, é acionada com menos frequência. Outra

15 Functional Magnetic Ressonance Imaging – FMRI.


NEUROCIÊNCIAS: um instrumental teórico-epistemológico e metodológico interdisciplinar 97

mudança significativa encontrada nas imagens e testagens dizem respeito à


variedade e quantidade de áreas cerebrais. Se antes os adultos jovens (de até
30 anos), usavam somente metade do cérebro, os mais velhos usam mais áreas
cerebrais – usam as duas áreas cerebrais. Vale esclarecer que há hipóteses a
serem testadas sobre as descobertas apresentadas. As já conhecidas é de que
o desempenho cognitivo apresenta declínio a partir da meia-idade; que o
tamanho do efeito de idade varia em função do tipo de habilidade cognitiva
avaliada; que fatores como escolaridade, renda e saúde podem influenciar o
desempenho cognitivo ao longo da vida. Outras como a de “o cérebro pode,
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sim, estar ficando velho. Mas, ao redirecionar funções para áreas diferentes e
para mais regiões, dá mostras de que é capaz de se adaptar e manter seu bom
funcionamento” (Schaie; Zanjani, 2006). Esta plasticidade é o que se poderia
de nominar de nova zona de desenvolvimento proximal. Noutras palavras, o
cérebro em desafio encontra caminhos de aprendizagem – eis o que se pode
deduzir de importante contribuição das neurociências para a formação de
professores e instrutores.
A neurociência do comportamento, segundo Kolb e Whishaw (2002) os
processos neurobiológicos que subjazem o comportamento humano, como
a percepção, a atenção, a aprendizagem e a memória, podem ser exploradas
por professores interessados na relação entre o sistema nervoso e a cognição.
Entre outras valiosas contribuições das neurociências para a educação
estão as análises da superativação do cérebro, representada pelo uso simultâ-
neo de várias áreas, carregando a proposição de ser tanto melhora do raciocínio
como processo de compensação por busca de áreas que ajudem na solução
por perda de informação de outra área antes buscada.
Nos estudos suprecitados de Schaie e Zanjani (2006) é observado que
nas camadas mais profundas do cérebro há o que denominaram de “modo-
-padrão”, um circuito disparado nos momentos de reflexão, em que o cérebro
não desliga ou não descentra em termos psicológicos (Reuter-Lorenz, 2008).
Em resumo, a neurociência pode ajudar a entender a relação entre a
memória e a aprendizagem por meio de estudos de neuroimagem, pesquisas
com animais, estudos clínicos e modelos computacionais. Essas abordagens
podem fornecer insights importantes sobre os mecanismos subjacentes que
sustentam esses processos cognitivos e ajudar a desenvolver estratégias para
melhorar a memória e a aprendizagem.
A neuroeducação pode ajudar a entender a relação da aprendizagem com
outras funções cerebrais como a memória. As principais contribuições seriam:

1. Identificação de áreas cerebrais envolvidas na memória e na apren-


dizagem: Através de técnicas de neuroimagem, como a ressonância
98

magnética funcional (fMRI). Aqui, os pesquisadores conseguem


identificar quais regiões cerebrais são ativadas durante a memória e
a aprendizagem. Por exemplo, sabe-se que o hipocampo e o córtex
pré-frontal medial estão envolvidos na memória episódica, enquanto
o cerebelo está envolvido na aprendizagem motora;
2. Investigação dos processos celulares envolvidos na memória e na
aprendizagem: Através de estudos com animais de laboratório, os
pesquisadores conseguem investigar os processos celulares envol-
vidos na memória e na aprendizagem. Por exemplo, sabe-se que

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a plasticidade sináptica (ou seja, a capacidade das sinapses entre
neurônios de se modificarem) é importante para a formação e a
manutenção da memória e;
3. Estudo de distúrbios da memória e da aprendizagem: A neurociên-
cia também pode ajudar a entender os distúrbios da memória e da
aprendizagem, como a amnésia e o transtorno do déficit de atenção
e hiperatividade (TDAH). Estudar esses distúrbios pode ajudar os
pesquisadores a compreenderem melhor os processos normais de
memória e aprendizagem.

Em resumo, a neuroeducação oferece uma ampla gama de técnicas e


abordagens que podem ajudar a entender a relação entre a memória e a apren-
dizagem, desde a identificação de áreas cerebrais envolvidas até a investigação
de processos celulares e moleculares. Noutras palavras, as práticas das neuro-
ciências, com seus estudos de imagens (Brust, 2000; Macedo; Boggio, 2016;
Kande et al., 2014) favorecem a neuroeducação e o pensar nas estratégias
de ensino eficaz, para educadores que desejam compreender melhor como o
cérebro funciona e como isso pode ser aplicado na prática pedagógica, visando
uma educação mais eficaz e inclusiva (Simões; Nogaro, 2016).
O impacto no ambiente de aprendizagem, a partir dos neurotransmisso-
res envolvidos na cognição, memória e na aprendizagem são a acetilcolina,
dopamina, noradrenalina, glutamato e GABA. Por serem comunicados pelas
sinapses, esses mediadores químicos são encontrados geralmente em vesí-
culas pré-sinápticas.
São exemplos de neurotransmissores a adrenalina, o glutamato e o gama-
-aminobutírico “GABA”.
Os neurotransmissores atuam de modo a combinar com uma célula-alvo,
chamado de combinação intercelular, com a função de transmissão, modu-
lação e amplificação das informações entre neurônios. As células possuem
receptores específicos para cada tipo de neurotransmissor. A maneira que um
neurotransmissor influencia um neurônio pode ser classificada em:
NEUROCIÊNCIAS: um instrumental teórico-epistemológico e metodológico interdisciplinar 99

• Excitatória: criação de um sinal elétrico no neurônio receptor;


• Inibitória: restrição de um potencial de ação no neurônio receptor;
• Modulatória: regulação da população de neurônios.

Neurotransmissores excitatórios e inibitórios atuam rapidamente entre o


espaço de dois neurônios e são diferenciados pelo receptor que se ligam, ou
seja, dependem de qual receptor foi ativado. Além disso, a excitação ou a ini-
bição podem ocorrer também em uma fibra muscular ou uma célula glandular.
O impacto do ensino a partir dos neurotransmissores envolvidos na memó-
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ria e na aprendizagem é significativo. Por exemplo, a acetilcolina é essencial


para a formação de novas memórias e para a plasticidade neuronal. Isso signi-
fica que, ao ensinar novos conceitos ou informações, a ativação da via colinér-
gica pode ajudar os alunos a consolidarem essas informações em sua memória.
Da mesma forma, a dopamina é importante para a motivação e recom-
pensa, e pode ser liberada quando os alunos experimentam sucesso ou pro-
gresso em sua aprendizagem. Isso pode ajudar a reforçar o comportamento
desejado e aumentar a motivação para aprender.
A motivação provocada na forma de desafios e incentivos pode afetar a
aprendizagem por meio da ativação de certos neurotransmissores no cérebro,
que por sua vez afetam o processamento cognitivo e a formação de memórias.
Quando estamos motivados, nosso cérebro libera neurotransmissores como a
dopamina, que está associada à sensação de prazer, recompensa e motivação.
A dopamina pode melhorar a atenção, a memória de curto prazo e a aprendi-
zagem, pois aumenta a atividade das redes neurais envolvidas na codificação
e retenção de informações.
Além disso, a noradrenalina é outro neurotransmissor que é liberado
quando estamos motivados. A noradrenalina está envolvida no controle da
atenção e na regulação do estado de alerta, e pode ajudar a melhorar a memória
de longo prazo, bem como a plasticidade sináptica, que é a capacidade do
cérebro de mudar e se adaptar em resposta ao aprendizado.
A serotonina também pode desempenhar um papel na motivação e na
aprendizagem, pois ajuda a regular o humor, o apetite, o sono e a ansiedade.
Quando os níveis de serotonina são adequados, podemos sentir um maior bem-
-estar e confiança, o que pode nos motivar a aprender e buscar novos desafios.
Portanto, a motivação pode afetar a liberação de neurotransmissores que
influenciam o processo de aprendizagem, melhorando a atenção, a memória
e a plasticidade sináptica, além de regular o humor e a ansiedade, proporcio-
nando um ambiente mais propício para a aprendizagem.
O glutamato é o principal neurotransmissor excitatório no cérebro, e está
envolvido na plasticidade sináptica, que é fundamental para a aprendizagem e
100

memória. O GABA, por outro lado, é o principal neurotransmissor inibitório


no cérebro e está envolvido no controle de impulsos e ansiedade, o que pode
afetar a capacidade dos alunos de se concentrarem e aprenderem.
Em síntese, os neurotransmissores envolvidos na memória e na aprendi-
zagem têm um impacto significativo no processo de ensino e na capacidade
dos alunos de aprender. Compreender esses neurotransmissores e como eles
afetam o comportamento pode ajudar os professores a criarem um ambiente
de ensino mais eficaz e a melhorar a aprendizagem dos alunos.
A teoria de Vigotski enfatiza a importância das interações sociais e cul-

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turais, da linguagem e dos processos simbólicos na mediação do aprendizado
e do desenvolvimento cognitivo. Essa perspectiva tem sido relacionada às
descobertas das neurociências sobre o papel das interações sociais e emo-
cionais no desenvolvimento do cérebro e no processamento de informações
simbólicas. Assim, a teoria de Vigotski tem sido associada às neuroeducação
por enfatizar a importância das interações sociais, culturais e dos processos
simbólicos na mediação do aprendizado e do desenvolvimento cognitivo.
Observa-se pelo exposto, que as teorias de Piaget e Vigotski têm sido rela-
cionadas às neurociências dentro da chamada neuroeducação porque suas ideias
foram apoiadas por estudos neurocientíficos em áreas como a plasticidade
cerebral e as interações sociais e culturais. No entanto, é importante destacar
que essas teorias são psicológicas e não neurocientíficas. As teorias de apren-
dizagem baseadas na neurociência reconhecem a importância da experiência
e da interação com o ambiente no desenvolvimento cognitivo, além da capa-
cidade do cérebro de mudar e se adaptar por meio de intervenções mediadas.
A obra “A pedagogia da neurociência: ensinando o cérebro e a mente”
apresenta diversas estratégias de ensino baseadas em descobertas da neuro-
ciência, como:

• Aulas que engajam o aluno emocionalmente, como trabalhar com his-


tórias, jogos e atividades que estimulem a curiosidade e o interesse.
• Ensino ativo, em que os alunos são encorajados a construir seu
próprio conhecimento por meio de debates, pesquisas e projetos.
• Ensino personalizado, em que o professor busca conhecer o perfil
de cada aluno para adequar o ensino às suas necessidades.
• Uso de múltiplas linguagens e recursos tecnológicos, como vídeos,
animações, músicas e jogos educativos, para tornar o ensino mais
dinâmico e interativo.
• Ensino de habilidades metacognitivas, como a capacidade de moni-
torar e regular o próprio processo de aprendizagem, identificando
estratégias eficazes e superando dificuldades.
NEUROCIÊNCIAS: um instrumental teórico-epistemológico e metodológico interdisciplinar 101

• Prática de atividades físicas e estímulo a hábitos saudáveis, como


sono adequado e alimentação balanceada, que favorecem o desen-
volvimento cognitivo e emocional dos alunos.

Essas estratégias visam proporcionar um ambiente de aprendizado mais


estimulante, agradável e eficaz para os alunos, promovendo o desenvolvimento
cognitivo e socioemocional.
Oliveira (2015) discute a relação entre a neurociência e a pedagogia,
buscando aplicar as descobertas científicas sobre o cérebro e a mente para
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aprimorar a prática educacional. O autor apresenta uma visão geral das


principais descobertas da neurociência, bem como sugestões de estratégias
pedagógicas que podem ser utilizadas para otimizar o processo de apren-
dizagem, sem, contudo, considerar o contexto cultural do aluno. Discute
a importância da plasticidade cerebral e como ela pode ser utilizada em
prol da aprendizagem.
Entre as estratégias de ensino eficazes que se aduz da obra de Oliveira
(2015), destacam-se as seguintes:

• Aulas que engajam o aluno emocionalmente, como trabalhar


com histórias, jogos e atividades que estimulem a curiosidade e
o interesse.
• Ensino ativo, em que os alunos são encorajados a construir seu
próprio conhecimento por meio de debates, pesquisas e projetos.
• Ensino personalizado, em que o professor busca conhecer o perfil
de cada aluno para adequar o ensino às suas necessidades.
• Uso de múltiplas linguagens e recursos tecnológicos, como vídeos,
animações, músicas e jogos educativos, para tornar o ensino mais
dinâmico e interativo.

Facci (2004) tece sua crítica às apropriações que ela considera enviesadas
pela perspectiva utilitarista e pós-modernas da teoria vigotskiana e destaca
algumas estratégias de ensino sob o enfoque de Vigotski, tais como:

• Ensino colaborativo: A colaboração entre os estudantes é impor-


tante para o processo de aprendizagem, pois permite a troca de
informações e a construção de novos conhecimentos. O professor
deve incentivar a cooperação entre os alunos e promover ativida-
des em grupo.
• Zona de desenvolvimento proximal: O professor deve identificar a
zona de desenvolvimento proximal de cada aluno, ou seja, o nível
de aprendizagem que ele é capaz de alcançar com a ajuda do pro-
102

fessor ou dos colegas. Assim, o professor pode planejar atividades


que desafiem o aluno e, ao mesmo tempo, estejam dentro de sua
zona de desenvolvimento proximal.
• Mediação do professor: O papel do professor é fundamental no
processo de aprendizagem, pois ele é responsável por mediar o
conhecimento entre os alunos e o mundo. O professor deve estar
atento às necessidades dos alunos e adaptar sua metodologia de
ensino de acordo com as particularidades de cada um.
• Uso de ferramentas culturais: Vigotski defendia o uso de ferramentas

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culturais, como livros, jogos e materiais didáticos, no processo de
ensino-aprendizagem. Essas ferramentas podem ajudar os alunos
a compreenderem conceitos abstratos e a construir conhecimento
de forma significativa.
• Aprendizagem significativa: Vigotski valorizava a aprendizagem
significativa, ou seja, aquela que tem relação com a vida do aluno
e com sua experiência pessoal. O professor deve buscar atividades
que tenham significado para os alunos e que os motivem a aprender.

Observa-se a diferença da abordagem de Vigotski ao se considerar os


aspectos culturais para promover o ambiente de ensino eficaz, para além dos
aspectos neurobiológicos.
Com os estudos é possível buscar articular os conhecimentos sobre a
neuroplasticidade, memória, atenção e emoção, mostrando como esses pro-
cessos cognitivos estão relacionados com a criatividade (Muniz, 2014). Este
agrupamento de habilidades apresenta estudos científicos que demonstram
como a prática de exercícios mentais pode ter um impacto positivo na saúde
cerebral, contribuindo para o desenvolvimento de novas habilidades e apri-
morando o desempenho cognitivo.

Palavras de encerramento

Enquanto Piaget rejeita a utilização de “ajudas externas” em seus testes,


considerando-as inviáveis para detectar e permitir a evolução mental do sujeito,
Vigotski as aceita e as considera fundamentais para o processo evolutivo.
Em contraste com Piaget, Vigotski estabelece uma sequência de ensino
que permita o progresso adequado, impulsionando o aprendiz a realizar novas
aquisições sem esperar a maturação “mecânica” e evitando a pressuposi-
ção de dificuldades para progredir devido a um desequilíbrio inadequado.
É dessa concepção que Vigotski afirma que a aprendizagem ocorre antes
do desenvolvimento.
NEUROCIÊNCIAS: um instrumental teórico-epistemológico e metodológico interdisciplinar 103

Para Vigotski, as potencialidades do indivíduo devem ser levadas em


consideração durante o processo de ensino-aprendizagem. Isso ocorre porque,
por meio do contato com uma pessoa mais experiente e com o contexto históri-
co-cultural, as potencialidades do aprendiz são transformadas em situações que
ativam esquemas processuais cognitivos ou comportamentais, ou que geram
novas potencialidades no indivíduo, em um processo dialético contínuo. Ele
destaca em sua teoria, como a aprendizagem impulsiona o desenvolvimento.
Assim, cabe à escola exercer seu papel essencial na construção desse ser, a
partir do direcionamento do ensino para etapas ainda não alcançadas pelos alu-
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nos, incentivando novas conquistas e o desenvolvimento potencial do aluno.


Outro aspecto da teoria histórico-cultural é o desenvolvimento do ensino
de habilidades metacognitivas, como a capacidade de monitorar e regular o
próprio processo de aprendizagem, identificando estratégias eficazes e supe-
rando dificuldades.
As neurociências, especificamente a neuroeducação que se alimenta das
descobertas da neurociência computacional que tem demonstrado como o
cérebro armazena e processa informações, ajuda a compreender sua impor-
tância para a aprendizagem.
Já a neurociência afetiva corrobora no entendimento de como as relações
psicossociais influem nas tomadas de decisões e, consequentemente na relação
com a aprendizagem.
A neurobiologia da cognição alimenta parte dos estudos da Neuroeduca-
ção e é essencial para entender a aprendizagem, bem como explicar o papel
da plasticidade cerebral, desde que seja usada para pensar as estratégias de
ensino crítica e criativa.
Conhecer as regiões cerebrais e os múltiplos sistemas neuroquímicos,
também é importante para analisar as dificuldades de aprendizagem e funda-
mentar as escolhas estratégicas de ensino-aprendizagem.
Se a memória é influenciada por fatores emocionais, como a atenção,
a motivação e a ansiedade, que podem afetar tanto a codificação quanto a
recuperação de informações, o professor pode eleger um ambiente de apren-
dizagem mais eficaz, com estratégias de ensino pautadas na zona de desen-
volvimento proximal.
Abstrai-se que com as descobertas da neuroeducação, a prática de ativi-
dades físicas e estímulo a hábitos saudáveis, como sono adequado e alimen-
tação balanceada são condições que favorecem o desenvolvimento cognitivo
e emocional dos alunos.
Essas condições visam proporcionar um ambiente de aprendizado mais
estimulante, agradável e eficaz para os alunos, promovendo o desenvolvimento
cognitivo e socioemocional.
104

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A IMPORTÂNCIA DAS FUNÇÕES
EXECUTIVAS EM SALA DE AULA
Luciana Carneiro16

Introdução
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A s Funções Executivas – FE podem ser compreendidas como um con-


junto de habilidades que auxiliam o sujeito na realização de tarefas, no
direcionamento e avaliação de metas, e na resolução de problemas de médio
a longo prazo. Tais habilidades são construídas a partir de um conjunto de
ações cognitivas classificadas memória operacional, flexibilidade cognitiva
e controle inibitório (Malloy-diniz et al., 2016).
A partir das Funções Executivas o comportamento é direcionado para a
realização de objetivos (Diamond, 2013). Se não há adequada estimulação
das FE na infância, o sujeito pode ter maior propensão ao uso de subs-
tâncias, a hiperatividade e ao Déficit de Atenção, pois as FE têm relação
com o comportamento e com as dimensões sociais e cognitivas do sujeito
(Axelson; Pena, 2015).
A partir das habilidades complexas desenvolvidas pelas FE é possível
direcionar o pensamento para a realização de metas, tornar o comportamento
mais flexível, tomar decisões mais assertivas e controlar impulsos, além de
realizar o constante monitoramento sobre os progressos alcançados para a
solução emergente de problemas:

As funções executivas envolvem o circuito neural do córtex pré-frontal e


referem-se a funções cognitivas como a flexibilidade cognitiva, a inibição
(autocontrole e autorregulação), a memória de trabalho, a resolução de
problemas, o raciocínio e o planejamento (Ramos, 2019, p. 1376).

Assim como os adultos, as crianças também têm afazeres que lhe exigem
o gerenciamento de várias informações e do seu agir. No contexto escolar,
as crianças têm provas, prazos, relacionamentos sociais que são mantidos
16 Fonoaudiologia – IBMR (Centro Universitário IBMR, 1993). Psicologia – UNESA (2011). Especialização:
Psicomotricidade – UNESA (1996); Psicopedagogia Institucional – UCB (2006); Neurociências Aplicadas
à Aprendizagem – UFRJ (2021). Ocupação Profissional: Servidora Pública há 24 anos, tendo como área
de atuação a Secretaria Municipal de Educação de Resende como Fonoaudióloga Escolar. Atendimento
Clínico no Espaço FelizMente; Diretora Regional do Super Cérebro, unidades de Resende e Barra Mansa.
E-mail: lufonocarneiro@hotmail.com
108

e a cobrança para a realização de diversas atividades. Portanto, a discussão


sobre o estímulo das FE no ambiente escolar busca gerar aporte de evidên-
cias que demonstrem os benefícios de tal estímulo para os estudantes auxi-
liando para que possam prosseguir desenvolvendo as FE ao longo da vida. O
objetivo da pesquisa é evidenciar, pela literatura, os benefícios do estímulo
das FE para as práticas em sala de aula, tendo por foco os anos iniciais do
ensino fundamental.

As funções executivas

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O comportamento do indivíduo é direcionado para a realização de tarefas
para alcançar objetivos a partir do funcionamento das Funções Executivas
– FE. Ainda, é por meio das habilidades apresentadas pelas FE que se tem a
flexibilidade dos pensamentos e das estratégias, a autorregulação emocional,
o controle inibitório, monitoramento de progresso, redirecionamento de estra-
tégias, solução de problemas e tomada de decisão (Carvalho; Abreu, 2014).
De modo geral, considera-se que as Funções Executivas são processos
cognitivos de integração e controle para a execução de comportamentos dire-
cionados à objetivos. A sua atuação ocorre por seus subcomponentes como a
atenção, planejamento de sequências, monitoramento e avaliações das próprias
ações, programação e inibição do processamento de informações irrelevantes
(Moura, 2018).
Os estudos da neurociência e da psicologia cognitiva se debruçam para
a compreensão das FE e sua relação com o comportamento humano. Na psi-
cologia cognitiva houve o estudo comparativo entre o cérebro humano e sua
capacidade de memória do trabalho e as capacidades de computadores. Nas
décadas de 1950 e 1960 teorias computacionais contribuíram para a com-
preensão das dimensões das FE. Na neurociência, a Teoria Localizacionista
atribuída à Franz Gall e o método anatomoclínico de Paul Broca e Phineas
Gage deram início às investigações das FE. Porém, foi em um artigo publicado
no ano de 1968 por Luria que as FE foram mencionadas pela primeira vez no
meio científico (Rocha, 2018).
Desde a década de 1950 diversos estudos vêm sendo desenvolvidos
atribuindo cada vez maior importância do desenvolvimento das FE, com seus
subtemas definidos em memória do trabalho, controle inibitório e flexibilidade
cognitiva relacionado ao desenvolvimento e aprendizagem na infância e na
adolescência, além de influenciar aspectos comportamentais na vida adulta
(Barros; Hazin, 2013).
O desenvolvimento das FE ocorre gradualmente por um longo processo
com início aos 12 meses de vida da criança e término na adolescência ou
NEUROCIÊNCIAS: um instrumental teórico-epistemológico e metodológico interdisciplinar 109

início da vida adulta. Entre os 4 e 8 anos de idade da criança, há intensificação


no processo de desenvolvimento das FE, porém, ao longo de sua maturação
podem ocorrer situações que desviem o seu bom funcionamento, comprome-
tendo as suas habilidades (Carvalho; Abreu, 2014).
A literatura enfatiza que apesar dos subcomponentes das FE estarem
relacionados entre si, são constructos separados compreendidos em Memória
do trabalho, controle inibitório e flexibilidade cognitiva (Léon et al., 2013). O
controle inibitório está relacionado à habilidade de agir somente após pensar.
A inibição compreende a atenção seletiva e o controle que auxilia no autocon-
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trole e disciplina, bem como, inibir a atenção de distratores e o comportamento


reativo ou tendencioso.
Para exemplificar a função inibitória, pode-se mencionar o ato de ignorar
distrações para que a atenção esteja focada na tarefa que o sujeito se propõe
a realizar, resistir vontades para dar atenção ao que realmente é importante
no momento, frear impulsos de responder com grosserias diante de inconve-
niências, controlar emoções, esperar a vez, agir de forma controlada a partir
da mensuração das consequências de cada ato (Carvalho; Abreu, 2014).
A memória do trabalho possibilita a manipulação da informação a par-
tir da retenção temporária e integração da informação a partir de estímulos
externos beneficiando o raciocínio e a aprendizagem. É por meio da memória
do trabalho que as informações novas são integradas às informações anterior-
mente recebidas possibilitando a atribuição de sentidos aos eventos ao longo
do tempo (Léon et al., 2013).
Carvalho e Abreu (2014) elucidam a função da memória do trabalho
com exemplos cotidianos de seu funcionamento, como decorar um número
de telefone até que se possa anotar, guardar informações que serão utilizadas
em seguida, como uma instrução para chegar a um endereço, lembrar se tem-
perou ou não a comida, conectar informações entre um parágrafo e outro em
um texto, lembrar das etapas da solução de um problema aritmético, seguir
etapas de instruções sem lembretes e lembrar regras preestabelecidas, como
em um jogo.
A Flexibilidade cognitiva está relacionada a habilidade de ajustes de
comportamentos e ações diante de imprevistos ou de novas demandas. Tal
habilidade é inerente a capacidade de modificar o foco atencional para alcançar
objetivos (Léon et al., 2013). A exemplo do funcionamento da flexibilidade
cognitivo se tem a aplicação de diferentes regras para diferentes contextos,
usar a flexibilidade nas relações sociais, usar a flexibilidade para prosseguir
com a persistência, pensar soluções alternativas diante de imprevistos e capa-
cidade para resolução de conflitos (Carvalho; Abreu, 2014).
110

Diamond (2013) afirma que para a flexibilidade deve haver, em alguma


extensão a memória do trabalho e a inibição. É pelas habilidades das FE que
se tem respostas em situações em que o uso do instinto seria insuficiente,
imprudente ou impossível. Com o desenvolvimento das FE se tem o planeja-
mento, a flexibilidade que permite mudanças e adaptações, capacidade para
resolução de problemas e bom desenvolvimento do raciocínio lógico. Tais
habilidades se tornam fundamentais para que o indivíduo seja bem-sucedido
em seus empreendimentos profissionais, pessoais e escolares, pois afetam
praticamente todos os campos do comportamento humano (Quadro 1):

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Qua 1 – As Funções Executivas e sua influência no comportamento humano
Aspects The ways in which Efs are relevant
References
of life to that aspect of life

EFs are impaired in many mental disorders, including:


Baller e Volkow, 2006
• Addictions
Diamond 205; Lui e Tannock, 2007
• Attention deficit hyperactivity (ADHD)
Mental Fairchild et al., 2009
• Conduct disorder
health Taylor-Tavares et al., 2007
• Depression
Penadés et al., 2007
• Obsessive compulsive disorder (OCD)
Barch, 2005
• Schizophrenia

Physical Poorer EFs are associated with obesity, overeating, Crescioni et al. 2011; Miller et al., 2011;
health substance abuse, and poor treatment adherence Riggs et al., 2010

Quality
People with better EFs enjoy a better quality of life Brown e Landgraf, 2010; Davis et al., 2010
of life

School EFs are more important for school readiness than are
Blair e Razza 2007, Morrison et al., 2010
readiness IQ or entry-level reading or math

School EFs predict both math and reading competence Borella et al., 2010; Duncan et al., 2007;
success throughout the school years Gathercole et al., 2004

Job Poor EFs lead to poor productivity and difficult finding


Bailey, 2007
success and keeping a job

A partner with poor EFs can be more difficult to get


Marital
along with, less dependable, and/or more likely to act Eakin et al., 2004
harmony
on impulse

Public Poor EFs lead to social problems (including crime,


Broidy et al. 2003; Denson et al., 2011
safety reckless behavior, violence, and emotional outbursts)

Fonte: Diamond (2013, p. 137).

Em sua esquematização, Diamond (2013) apresenta a relação das FE


com aspectos da vida dos indivíduos. Para a saúde mental é demonstrado
que as FE sofrem alterações dada a verificação de transtornos mentais, os
comprometimentos são vistos em vícios, déficit de atenção e hiperatividade,
NEUROCIÊNCIAS: um instrumental teórico-epistemológico e metodológico interdisciplinar 111

desordens do comportamento, na depressão, esquizofrenia e no transtorno


obsessivo-compulsivo. Na saúde física o mau desenvolvimento das FE
pode ser verificado em obesidade, abuso de ingestão de substâncias e baixa
adesão à tratamentos.
Diamond (2013) ainda afirma que as pessoas com FE mais desenvolvidas
desfrutam de melhor qualidade de vida. Para a vida escolar, a importância das
FE está acima do nível de QI ou da leitura básico, pois seu bom desenvolvi-
mento garante sucesso no aprendizado da leitura e funções da matemática ao
longo dos anos escolares. No trabalho, o mau desenvolvimento das FE pode
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ser notado na falta de produtividade e dificuldades de manter uma ocupação


por longo período.
Para a vida matrimonial, as FE também influenciam na harmonia do
casal, pois um cônjuge com mau desenvolvimento das FE pode agir por
impulso, ser mais difícil de lidar e menos confiável. O mesmo ocorre na vida
social, já que o sujeito pode ficar mais propenso às explosões emocionais,
aos comportamentos violentos e ao crime (Diamond, 2013).
Durante o ciclo vital, os componentes da FE seguem trajetos distin-
tos, pois, na adolescência algumas habilidades já estão bem estabelecidas,
enquanto outras começam o seu desenvolvimento. A literatura enfatiza que
as FE têm grande potencial de desenvolvimento entre 4 e 8 anos (Carvalho;
Abreu, 2014) ou 5 e 7 anos (Dias; Seabra, 2013). Dos 8 aos 15 anos de idade,
as FE são desenvolvidas de forma moderada e com reduzido desenvolvimento
entre 15 e 17 anos de idade:

O cérebro necessita das duas primeiras décadas de vida para se desenvol-


ver a níveis adultos. Durante esse tempo, as diferentes regiões do cérebro
se desenvolvem em ritmos diferentes. Juntamente com essas mudanças
localizadas, as conexões entre as regiões cerebrais também se desenvolvem
gradualmente ao longo da infância e da adolescência. Em conjunto com
esses desenvolvimentos na estrutura e na função cerebral se verificam
progressos na capacidade de realizar tarefas de funcionamento executivo.
As crianças apresentam melhorias graduais em sua capacidade de planejar
com antecedência, de alternar entre tarefas e de inibir uma resposta quando
instruídas a fazê-lo (Morton; 2013, p. 11).

A inibição é a primeira habilidade que emerge na infância, por volta


dos 12 meses de idade e segue em desenvolvimento até os 3 anos de idade.
Porém, somente aos 4 ou 5 anos, as crianças conseguem agir de modo mais
moderado, idade em que seu desenvolvimento é mais intensificado. Na
adolescência há o encerramento do desenvolvimento do controle inibitório
(Dias; Seabra, 2013).
112

O desenvolvimento da memória do trabalho é perceptível a partir dos 3


anos de idade, fase em que a criança precisa cada vez menos da presença de
objetos para os descrever e pensar sobre eles. O desenvolvimento da memória
do trabalho segue pela infância, adolescência e início da vida adulta. Já a fle-
xibilidade necessitaria da aquisição das habilidades do controle inibitório e da
memória do trabalho desenvolvendo-se mais tardiamente. A flexibilidade tem
início aos cinco anos (com intensidade dos 5 aos 7 anos), desenvolvendo-se
até os 15 anos de idade (Dias; Seabra, 2013).

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Benefícios do estímulo das funções executivas nos anos iniciais do
Ensino Fundamental

A partir das atividades que estimulam as habilidades cognitivas das FE,


a criança inserida nos anos iniciais do ensino fundamental atua com maior
autonomia, exerce melhor a regulação emocional e o controle inibitório.
Tais habilidades à auxiliam para o convívio com professores e colegas, na
disciplina e seguir regras que fazem parte do ambiente escolar (Ramos;
Rocha, 2016).
Dias (2019) explica que a partir da capacidade de neuroplasticidade
cerebral que faz parte dos processos da ramificação dos dendritos e construção
e eliminação das sinapses, a estrutura do Sistema Nervoso é alterada a partir
dos estímulos ambientais. O comportamento infantil é regulado a partir de
representações ativas e latentes e a representação de sua inter-relação. Durante
todo o desenvolvimento infantil, a representação latente é construída pelos
hábitos que se apresentam em memórias de longo prazo. Já a representação
ativa é referente as FE que se desenvolve durante toda a infância, de forma
que quanto mais desenvolvidas suas habilidades cognitivas, melhor a criança
consegue regular aspectos do seu comportamento.
Ao pesquisar as relações entre a linguagem e o desenvolvimento infan-
til com 32 crianças de 3 a 6 anos, Léon (2013) utilizou o teste de Trilhas
para crianças em fase pré-escolar, o teste de Stroop computadorizado, o teste
de atenção por cancelamento e o Inventário de Funcionamento Executivo e
Educação Infantil e o comportamento. Ficou evidenciado pelos testes que o
desenvolvimento das funções cognitivas na infância tinha relação direta com
o comportamento, linguagem verbal e escrita.
Cada fase do desenvolvimento infantil tem suas características próprias e
o desenvolvimento específico de habilidades das FE, de forma que os métodos
de avaliação e as intervenções devem ocorrer considerando todas as parti-
cularidades envolvidas no desenvolvimento infantil de acordo com a faixa
etária (León, 2013).
NEUROCIÊNCIAS: um instrumental teórico-epistemológico e metodológico interdisciplinar 113

Oliveira e Ramos (2021) evidenciam que o estímulo das FE na infância,


em crianças inseridas nos anos iniciais do ensino fundamental beneficiam
aspectos sociais, cognitivos e sociais, melhorando o convívio e a aprendi-
zagem. As próprias crianças notam o progresso em seu desempenho a partir
das intervenções que estimulam as FE, pois, como evidenciado por Oliveira
e Ramos (2021) que realizaram uma intervenção ao desenvolvimento das
FE em crianças dos anos iniciais do ensino fundamental a partir de jogos
analógicos, é notada melhora na atenção e memória que refletem no desem-
penho escolar.
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Outra dimensão em que os benefícios do bom desenvolvimento das FE


são notados é comportamental, pois, quanto mais são desenvolvidas as habi-
lidades cognitivas, melhor é o relacionamento das crianças com os adultos
e seus colegas. A melhora no relacionamento social da criança tem relação
com o controle inibitório e com a flexibilidade cognitiva, fazendo com que a
criança passe a evitar conflitos e punição (Reis; Sampaio, 2018).
Nota-se que as FE exercem grande influência no comportamento da
criança, pois é a partir cada uma das dimensões das FE impactam diretamente
em uma esfera do desenvolvimento. A memória do trabalho está relacionada
ao desenvolvimento da linguagem, a compreensão de regras e ao armaze-
namento das informações de curto prazo. Para que a criança tenha uma boa
adaptação às novas situações, possa monitorar e avaliar seu desempenho e
mudar de estratégia diante da constatação de que o objetivo não será alcan-
çado pelo caminho escolhido, é necessário que haja boa habilidade de flexi-
bilidade cognitiva. Os aspectos indesejáveis do comportamento, adequação
à ética de convivência e inibição da impulsividade estão associados ao con-
trole inibitório, habilidade essencial para que a criança possa se desenvolver
socialmente de forma saudável, respeitando e compartilhando da amizade
de colegas e docentes.

Possibilidades do estímulo das funções executivas em sala de aula

As FE podem ser estimuladas em diferentes situações do cotidiano


escolar, por meio de atividades que exijam da criança o uso das habilidades
cognitivas permitindo ao docente tanto a identificação de desvios no desenvol-
vimento das FE quanto planejamento de intervenção para melhorar a resposta
cognitiva diante de desafios.
Belli e Manrique (2018) realizaram um estudo com crianças inseridas
nos anos iniciais do ensino fundamental e três professores, sendo escolhida a
disciplina Matemática para a pesquisa-ação. A pesquisa foi dividida em três
partes, sendo na primeira parte realizado o trabalho de formação dos docentes
114

para trabalharem a situação problema que levaria ao estímulo das FE do con-


trole inibitório, memória do trabalho e flexibilidade cognitiva. Na segunda
parte, os professores desenvolveram a atividade em sala de aula e, na terceira
parte, relataram os resultados da atividade e suas percepções.
Foi escolhido, como método de trabalho, a situação problema pois esti-
mula o trabalho colaborativo em busca da descoberta e aprendizado de novos
conceitos. A situação problema matemática foi trabalhada a partir de mate-
rial concreto, perguntas respondidas oralmente por grupos e debate sobre as
respostas, transcrição dos resultados na lousa e reunião das respostas que

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solucionavam a situação-problema (Belli; Manrique, 2018).
Os docentes avaliaram a autonomia, a regulação emocional e o trabalho
em grupo. Durante o início da atividade os estudantes do 2º ano do ensino
fundamental se mantiveram calmos e concentrados, mesmo surpresos com a
presença da pesquisadora, porém tiveram dificuldades na hora de compartilhar
o material completo requerendo maiores explicações quando ao uso coletivo
dos materiais (Belli; Manrique, 2018).
Tal situação oportunizou o trabalho do equilíbrio emocional. As crianças
se antecipavam para realizar a atividade, de forma que a professora interveio
explicando a importância de esperar o término das explicações para executar
uma ação, estimulando o controle inibitório. No momento da resolução final
da atividade, notou-se que algumas duplas não demonstravam autonomia
requerendo a mediação docente, o que auxiliou para futuros planejamentos
que contemplassem maior autonomia na realização das tarefas (Belli; Man-
rique, 2018).
Para Crespi, Noro e Nóbile (2020), o desenvolvimento das Funções
Executivas impacta em um comportamento mais autônomo, seguro e maiores
oportunidades de aprendizagem e desenvolvimento. O conjunto de habilidades
desenvolvidas pelas FE auxiliam para maior qualidade de vida, relacionamen-
tos saudáveis e aprendizagem, pois há maior atenção na execução de tarefas
e controle de comportamentos impulsivos, evitando conflitos.

Considerações finais

O objetivo da pesquisa foi evidenciar, pela literatura, os benefícios do


estímulo das FE para as práticas em sala de aula, tendo por foco os anos
iniciais do ensino fundamental. Para isso, foi compreendido que os estudos
sobre as FE partem dos campos da neurociência e psicologia cognitiva,
que desde a década de 1950 vem revelando a associação positiva entre
o bom desenvolvimento das FE com aspectos comportamentais, sociais
e cognitivos.
NEUROCIÊNCIAS: um instrumental teórico-epistemológico e metodológico interdisciplinar 115

As Funções Executivas são conceituadas como habilidades cognitivas


que auxiliam na realização de tarefas. Divididas pelos subtemas da memória
do trabalho, flexibilidade cognitiva e controle inibitório, tais habilidades são
desenvolvidas desde os primeiros 12 meses do sujeito, prolongando-se até
o início da vida adulta. Na infância há o desenvolvimento acelerado das FE,
de forma que seu estímulo em crianças que estão inseridas nos anos iniciais
do ensino fundamental pode resultar em melhoras na atenção, na motivação,
no respeito às regras e sociabilização, bem como, aprendizagem, raciocínio
lógico, equilíbrio de emoções e redução de comportamentos indesejados.
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Entre as possibilidades do estímulo das FE nos anos iniciais do ensino


fundamental, as mais evidenciadas pela literatura são o uso de recursos digi-
tais, os recursos lúdicos, as brincadeiras e os jogos, bem como, as atividades
esportivas. Na prática pedagógica docente, nota-se que as atividades que
envolvem desafios e estimulam a participação ativa do estudante são funda-
mentais para o desenvolvimento das Funções Executivas.
116

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AS NEUROCIÊNCIAS E A FORMAÇÃO
MILITAR PARA O COMBATE:
possibilidades e limitações
Tigernaque Pergentino de Sant’ana Junior17
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Introdução

O objetivo desta pesquisa é avaliar o potencial das neurociências como


uma ferramenta para apoiar a formação militar para o combate. Trata-se
de estudo qualitativo, baseado na interpretação e compreensão do objeto de
estudo por meio de uma pesquisa bibliográfica e de uma análise descritiva do
tema. Pretende-se identificar como o conhecimento sobre o funcionamento
do cérebro e a influência de fatores internos e externos pode ser aplicado no
contexto militar, visando melhorar o desempenho dos soldados em situações de
combate. Além disso, busca-se analisar como a neurociência pode contribuir
para aprimorar as práticas para a preparação dos combatentes, tornando-as
mais eficazes e adaptadas às necessidades de desenvolvimento da resiliência
dos soldados no campo de batalha.
As neurociências são uma área científica que se dedica ao estudo do
sistema nervoso central, abrangendo o seu funcionamento, estrutura, desen-
volvimento e possíveis alterações ao longo da vida. Esse sistema é constituído
pelo cérebro, coluna vertebral e nervos periféricos. Com base na psicologia,
neurologia e biologia, a neurociência proporciona um conhecimento aprofun-
dado sobre o funcionamento cerebral, fornecendo informações valiosas para
a prática pedagógica. Com isso, é possível melhorar a aprendizagem, ofere-
cendo caminhos para um processo mais eficiente (Cardoso; Queiroz, 2019).
Além disso, as neurociências têm implicações em várias áreas do conhe-
cimento, como a psicologia, a filosofia, a educação, a medicina e as ciências
sociais. Por exemplo, a compreensão dos processos cerebrais envolvidos
na tomada de decisões e na regulação emocional pode ajudar a desenvolver
técnicas de ensino mais eficazes e aprimorar as práticas clínicas em diversas
áreas da saúde mental. Assim, o estudo das neurociências é fundamental para
o avanço do conhecimento humano em várias áreas, permitindo uma visão

17 Mestre em Humanidades em Ciências Militares, CEP/FDC (2021). Centro de Estudos de Pessoal e Forte
Duque de Caxias/ CEP/FDC. E-mail: tigermbax@hotmail.com
120

mais ampla e integrada do funcionamento do cérebro e de como ele afeta o


comportamento humano (Pinel, 2017).
A formação militar para o combate requer habilidades e competências
específicas que são essenciais para o sucesso das operações. Dentre elas, des-
tacam-se o treinamento de resistência física, aprimoramento das habilidades
de tiro e estratégias de sobrevivência em situações extremas. Entretanto, a
formação militar moderna também deve incluir aspectos relacionados à saúde
mental e emocional dos soldados, uma vez que estes são fatores fundamen-
tais para o desempenho durante as operações de combate. Nesse sentido, a

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neurociência pode ajudar a desenvolver novas abordagens para aprimorar o
treinamento militar, bem como para melhorar o bem-estar e o desempenho
dos soldados durante e após o combate. Além disso, as neurociências também
podem ajudar a desenvolver novas estratégias para tratar doenças e lesões
relacionadas ao combate, como a síndrome pós-traumática e lesões cerebrais
traumáticas (Tracey; Flower, 2014).
Tomamos a resiliência como “a capacidade de se adaptar e se recuperar
de adversidades e estressores, de modo a retornar a um estado funcional de
bem-estar”. Destacamos que a resiliência não é uma característica estática
de uma pessoa, mas sim uma habilidade que pode ser aprendida e desenvol-
vida ao longo do tempo por meio de treinamento e prática. Desse modo, a
resiliência é importante para indivíduos que enfrentam situações de estresse
e adversidade, como os militares, pois ajuda a minimizar os efeitos negativos
desses eventos na saúde mental e física (Zueger et al., 2022).
Embora as técnicas de treinamento militar tenham evoluído significati-
vamente nas últimas décadas, as operações militares contemporâneas exigem
soldados altamente capacitados para lidar com situações complexas e dinâ-
micas. Nesse sentido, o estudo das neurociências pode fornecer uma com-
preensão mais profunda das estruturas cerebrais e dos processos cognitivos
e emocionais que influenciam a tomada de decisões em situações de estresse
e perigo. Assim, o uso da neurociência na formação militar pode contribuir
para o desenvolvimento de estratégias efetivas de treinamento que levem em
conta a complexidade dos processos cognitivos e emocionais envolvidos nas
operações de combate.

As neurociências e a capacitação militar

Embora as primeiras descrições do sistema nervoso datem de mais de


2000 anos atrás, foi somente no século XIX que a neurociência começou a
se consolidar como uma disciplina científica. Desde então, a pesquisa nessa
área tem avançado rapidamente, com o desenvolvimento de novas técnicas de
NEUROCIÊNCIAS: um instrumental teórico-epistemológico e metodológico interdisciplinar 121

neuroimagem e a compreensão cada vez mais precisa das funções cerebrais.


No contexto militar, a neurociência tem sido utilizada para entender e melhorar
o desempenho dos soldados, especialmente em situações de combate, além
de ser aplicada em questões relacionadas à saúde mental e ao tratamento de
lesões cerebrais traumáticas (Tracey; Flower, 2014).
As pesquisas nessa área têm se concentrado em compreender os proces-
sos cerebrais envolvidos na tomada de decisões, na regulação emocional e na
capacidade de adaptação em situações adversas, além de buscar desenvolver
ferramentas e técnicas que possam ser utilizadas na formação e treinamento
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dos soldados.
A relação entre o cérebro e o comportamento humano em situações
de combate é bastante complexa e tem sido objeto de estudo de diversas
áreas do conhecimento, incluindo a neurociência. Estudos têm mostrado que
a ativação de áreas cerebrais específicas pode influenciar a tomada de deci-
sões dos soldados em situações de combate, bem como sua capacidade de
regulação emocional e adaptação a situações adversas. Além disso, fatores
como o estresse e a fadiga podem interferir no funcionamento do cérebro
e, consequentemente, no desempenho dos soldados em campo de batalha.
Portanto, compreender a relação entre o cérebro e o comportamento humano
em situações de combate pode ser fundamental para o desenvolvimento de
técnicas e estratégias que possam melhorar o desempenho dos soldados em
operações militares (National Research Council, 2008).
Segundo o National Research Council (2009), existem várias possibi-
lidades para melhorar o desempenho dos soldados em situações de combate
por meio da aplicação de conhecimentos em neurociência. Abaixo, listamos
algumas delas:

1. Compreensão da tomada de decisões sob estresse: A compreen-


são dos mecanismos cerebrais envolvidos na tomada de decisões
sob estresse pode ajudar os militares a treinarem e se prepararem
melhor para situações de combate, onde decisões rápidas e precisas
são necessárias.
2. Regulação emocional: O controle emocional é crucial para o sucesso
em situações de combate, e a compreensão dos mecanismos cere-
brais envolvidos na regulação emocional pode ajudar a desenvol-
ver técnicas de treinamento que ensinem aos soldados como lidar
melhor com emoções negativas, como medo e ansiedade.
3. Melhora da memória: O desenvolvimento de técnicas que melhoram
a memória pode ajudar os soldados a lembrarem de informações
importantes em situações de combate, como a localização de alvos
ou a posição de companheiros de equipe.
122

4. Aprimoramento do desempenho físico: A compreensão dos mecanis-


mos cerebrais envolvidos no controle motor pode ajudar a melhorar
a precisão e a velocidade dos movimentos dos soldados, além de
aumentar sua resistência e capacidade física em situações de combate.
5. Uso de neurotecnologias: O livro discute a possibilidade de utili-
zação de dispositivos de estimulação cerebral e outras tecnologias
neurocientíficas para melhorar o desempenho dos soldados em com-
bate. Essas tecnologias podem incluir desde dispositivos que ajudam
a melhorar a concentração e a vigilância até implantes cerebrais que

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podem controlar as emoções e reduzir o estresse.

Todas essas possibilidades se relacionam com as potencialidades da resi-


liência. Para Zueger et al. (2022), a resiliência é de grande importância para
o profissional militar, pois ele é constantemente exposto a situações adversas
e de grande pressão, que podem afetar seu desempenho e sua saúde mental.
Ao desenvolver a resiliência, o militar é capaz de lidar de forma mais efetiva
com essas situações, mantendo sua capacidade de tomar decisões importantes
e executar suas tarefas mesmo sob condições de estresse extremo. Além disso,
a resiliência também é importante para que o militar possa se recuperar mais
rapidamente de situações traumáticas, como perdas de colegas de trabalho ou
experiências de combate intenso, minimizando os efeitos negativos sobre sua
saúde mental e garantindo sua prontidão para futuras missões.
A resiliência está diretamente relacionada às neurociências porque
envolve processos neurobiológicos e psicossociais complexos que permitem
que uma pessoa enfrente situações adversas e se recupere delas. A resiliência
envolve habilidades cognitivas, emocionais e comportamentais que estão rela-
cionadas à atividade cerebral, como a capacidade de regulação emocional, a
tomada de decisões, o planejamento e a resolução de problemas. Além disso,
estudos em neurociência mostram que o cérebro é capaz de mudanças estrutu-
rais e funcionais em resposta a experiências de estresse e adversidades, o que
pode afetar a resiliência de uma pessoa. Assim, as neurociências podem for-
necer conhecimentos e ferramentas para o desenvolvimento e aprimoramento
da resiliência em profissionais militares (National Research Council, 2009).
Os mecanismos cerebrais envolvidos no desenvolvimento da resiliência
são complexos e envolvem várias regiões cerebrais e sistemas neurotrans-
missores. Alguns estudos, como o de Arnsten, A. F. (2009) e de McEwen, B.
S. (2008) sugerem que a amígdala, uma região cerebral que desempenha um
papel crucial na regulação emocional, é uma das principais áreas envolvidas
na resposta ao estresse e na adaptação à adversidade. A amígdala é responsá-
vel por sinalizar a presença de ameaças e desencadear respostas emocionais
e fisiológicas que preparam o corpo para lidar com situações de perigo.
NEUROCIÊNCIAS: um instrumental teórico-epistemológico e metodológico interdisciplinar 123

Segundo esses mesmos autores, além da amígdala, outras regiões cere-


brais (Figura 1) também estão envolvidas na resposta ao estresse e na regu-
lação emocional, como o córtex pré-frontal ventromedial, o hipocampo e o
sistema límbico. O córtex pré-frontal ventromedial é importante para a ava-
liação e regulação de emoções negativas, enquanto o hipocampo desempenha
um papel crucial na memória e na aprendizagem contextual, permitindo que o
indivíduo possa reconhecer e responder a situações semelhantes no futuro. O
sistema límbico, por sua vez, é responsável pela regulação do comportamento
motivado e pela resposta emocional a estímulos.
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A neuroplasticidade, ou seja, a capacidade do cérebro de se adaptar e


mudar ao longo do tempo, também é fundamental para o desenvolvimento
da resiliência. O treinamento de resiliência pode ajudar a fortalecer as cone-
xões neurais envolvidas na regulação emocional e no controle da resposta ao
estresse, permitindo que o indivíduo se adapte melhor a situações adversas e
enfrente desafios de forma mais eficaz.
O uso das neurociências para a formação militar pode trazer uma série
de implicações éticas. Uma das principais preocupações é a privacidade e a
confidencialidade dos dados coletados durante as avaliações neurológicas.
Essas informações podem ser sensíveis e, se não forem adequadamente prote-
gidas, podem ser utilizadas para fins discriminatórios ou prejudicar a carreira
dos militares. Portanto, é essencial que os dados coletados sejam protegidos
por leis e regulamentos rigorosos que garantam a privacidade dos indivíduos
avaliados (National Research Council, 2009).

Figura 1 – Regiões cerebrais

Fonte: Levent Efe Medical illustration studios (2023).


124

Essa mesma obra indica que outra preocupação ética é a possibilidade de


que as informações coletadas sejam utilizadas para fins militares ofensivos.
Por exemplo, se for possível identificar características neurais que aumentem
a resiliência de soldados, essas informações poderiam ser utilizadas para
selecionar indivíduos que sejam mais adequados para missões de combate, o
que poderia levar a um uso indevido da tecnologia neurológica e prejudicar
a justiça social e a igualdade de oportunidades.
Finalmente, há a questão da autonomia dos militares em relação à sua
saúde e bem-estar. Embora a formação neurológica possa ajudar a aumentar

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a resiliência e o desempenho dos militares, é importante que eles tenham
autonomia para decidir se desejam participar ou não de tais programas. Além
disso, é essencial que os militares sejam informados de maneira clara e precisa
sobre as implicações e limitações dos métodos neurológicos utilizados, a fim
de que possam tomar decisões informadas sobre sua participação.

Possibilidades da neurociência para o desenvolvimento da


resiliência do profissional militar para o combate

Segundo o National Research Council (2009), a resiliência é uma carac-


terística importante para enfrentar situações adversas, sejam elas físicas, emo-
cionais ou mentais. Ela é definida como a capacidade de uma pessoa lidar
com o estresse, recuperar-se rapidamente de situações negativas e aprender
com as experiências para se adaptar melhor no futuro. Estudos sugerem que
a resiliência está relacionada a mecanismos cerebrais complexos e envolve
várias regiões cerebrais e sistemas neurotransmissores.
Southwick et al. (2014) discutem a complexidade da resiliência e como
ela pode ser influenciada por múltiplos fatores genéticos, epigenéticos, neu-
robiológicos, psicológicos, sociais e culturais. Os autores destacam que a
resiliência é um fenômeno multidimensional que envolve a capacidade de
enfrentar adversidades, se adaptar a mudanças e se recuperar de experiências
traumáticas. Essa capacidade varia de indivíduo para indivíduo e pode ser
influenciada por fatores biológicos e psicossociais.
No que diz respeito aos fatores genéticos, esse autor destaca que a resi-
liência pode ter uma base genética, sendo influenciada por variantes de genes
que afetam a regulação do estresse, a plasticidade neuronal e a função neu-
rotransmissora. Estudos em animais e humanos sugerem que genes como
BDNF e FKBP5 podem estar envolvidos na modulação da resiliência. No
entanto, é importante destacar que a genética não é o único fator determinante
da resiliência, e que fatores ambientais e psicológicos também desempenham
um papel importante.
NEUROCIÊNCIAS: um instrumental teórico-epistemológico e metodológico interdisciplinar 125

Além dos fatores genéticos, esse artigo destaca a importância dos fatores
epigenéticos na regulação da resiliência. A epigenética se refere a alterações
químicas no DNA que podem afetar a expressão de genes, sem alterar a
sequência do DNA. Essas alterações podem ser influenciadas por fatores
ambientais, como o estresse, a nutrição e o estilo de vida, e podem ter efeitos
de longo prazo na regulação do estresse e da emoção. Estudos sugerem que
alterações epigenéticas em genes relacionados ao eixo hipotálamo-hipófise-
-adrenal podem estar envolvidas na regulação da resiliência em indivíduos
expostos a adversidades precoces.
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Também se destaca a importância dos fatores psicológicos, sociais e cul-


turais na regulação da resiliência. A resiliência pode ser influenciada por fatores
como o suporte social, a autoeficácia, a capacidade de regulação emocional e a
visão de mundo do indivíduo. Além disso, a resiliência pode ser influenciada por
fatores culturais, como as normas e valores relacionados à superação de adver-
sidades e à busca de ajuda. Os autores destacam a importância de abordagens
interdisciplinares na compreensão da resiliência, que considerem os múltiplos
fatores que influenciam esse fenômeno complexo (Southwick et al., 2014).
O livro “Opportunities in Neuroscience for Future Army Applications”
destaca que os fatores genéticos desempenham um papel importante no desen-
volvimento da resiliência. Estudos sugerem que as diferenças individuais
na resiliência estão relacionadas à variação genética na expressão de genes
envolvidos em processos biológicos críticos para a regulação do estresse.
Esses genes incluem aqueles que codificam para os receptores de cortisol,
os transportadores de serotonina e as enzimas responsáveis pela síntese e
metabolismo de neurotransmissores importantes na regulação emocional.
Em particular, variantes genéticas que afetam a expressão do gene
FKBP5, que codifica para uma proteína que regula a resposta ao cortisol,
têm sido implicadas na vulnerabilidade ao estresse e na resiliência. Estudos
demonstraram que portadores de uma variante específica desse gene têm uma
maior probabilidade de desenvolver transtornos mentais após exposição a
eventos estressantes, enquanto portadores de outra variante apresentam maior
resiliência (National Research Council, 2009).
Além disso, outros genes envolvidos na regulação da resposta ao estresse,
como os genes que codificam para os receptores de dopamina e noradrenalina,
também podem influenciar a resiliência. Variações nessas proteínas podem
afetar a sensibilidade do indivíduo ao estresse e à capacidade de se recuperar
após eventos traumáticos. Esses achados têm implicações importantes para
o desenvolvimento de estratégias terapêuticas e preventivas baseadas em
intervenções genéticas e epigenéticas para aumentar a resiliência e reduzir a
vulnerabilidade ao estresse.
126

O artigo “Circulating biomarkers associated with performance and resi-


lience during military operational stress” investigou o papel dos biomarcadores
na resiliência e desempenho em militares durante períodos de estresse opera-
cional. Os biomarcadores são moléculas ou substâncias no corpo que podem
ser medidas e indicar a presença ou estágio de uma doença ou condição, bem
como o desempenho e resiliência de um indivíduo.
Os autores examinaram biomarcadores sanguíneos em militares antes,
durante e após um período de estresse operacional, buscando entender como
esses biomarcadores podem estar associados ao desempenho e resiliência em

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situações de estresse. Eles encontraram várias substâncias, como citocinas
pró-inflamatórias, proteínas de choque térmico e hormônios do estresse, que
podem ser potencialmente úteis na identificação de militares com maior capaci-
dade de lidar com estresse e, portanto, maior resiliência (Beckner et al., 2021).
Embora a pesquisa nesse campo ainda seja limitada, os resultados indi-
cam que os biomarcadores podem ser úteis na identificação de indivíduos
com maior probabilidade de lidar com estresse operacional e desempenho
mais eficaz em tais situações. Portanto, o estudo desses biomarcadores pode
ter implicações importantes para o treinamento e seleção de militares, bem
como para o desenvolvimento de intervenções para promover a resiliência e
o desempenho em situações de estresse operacional.
Segundo o National Research Council (2009), a neuroplasticidade, ou seja,
a capacidade do cérebro de se adaptar e mudar ao longo do tempo, também
é fundamental para o desenvolvimento da resiliência. O treinamento de resi-
liência pode ajudar a fortalecer as conexões neurais envolvidas na regulação
emocional e no controle da resposta ao estresse, permitindo que o indivíduo se
adapte melhor a situações adversas e enfrente desafios de forma mais eficaz.
Portanto, é importante entender os mecanismos cerebrais envolvidos na
resiliência para desenvolver estratégias eficazes de treinamento e prevenção
de transtornos mentais relacionados ao estresse, como a síndrome do estresse
pós-traumático. A promoção da resiliência pode ser uma importante estraté-
gia de intervenção para melhorar a saúde mental e o bem-estar de militares
expostos a situações de estresse e adversidade.

A importância das neurociências para o fortalecimento mental


para a tomada de decisões sob o estresse do combate

A resiliência é um fator importante para a tomada de decisão sob estresse,


especialmente em ambientes militares em que as decisões podem ter consequên-
cias críticas para a missão e a segurança da equipe. Segundo o livro “Opportuni-
ties in Neuroscience for Future Army Applications”, a resiliência está associada
NEUROCIÊNCIAS: um instrumental teórico-epistemológico e metodológico interdisciplinar 127

a uma maior flexibilidade cognitiva e adaptabilidade, permitindo que indivíduos


resilientes possam rapidamente mudar de estratégia em situações de estresse
e se ajustar a novas informações. Além disso, a resiliência está associada a
uma maior capacidade de tolerar a ambiguidade e a incerteza, o que pode ser
essencial em situações em que as informações são limitadas e o tempo é crítico.
Os mecanismos neurais que sustentam a resiliência também estão rela-
cionados à tomada de decisão sob estresse. Estudos sugerem que a região
pré-frontal dorsolateral do cérebro, que está envolvida no planejamento e na
tomada de decisões, é mais ativa em indivíduos resilientes do que em indivíduos
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menos resilientes durante tarefas que exigem flexibilidade cognitiva e adapta-


ção. Além disso, a amígdala, uma região cerebral que desempenha um papel
crucial na regulação emocional, também é importante para a tomada de decisão
sob estresse. Indivíduos com maior capacidade de regulação emocional, que é
um componente chave da resiliência, tendem a ter uma resposta menos exage-
rada da amígdala a estímulos estressantes, permitindo uma melhor capacidade
de tomar decisões racionais em situações de pressão. Portanto, a resiliência
pode ajudar a melhorar a tomada de decisão sob estresse, o que é essencial
em ambientes militares e pode ter implicações significativas para o sucesso
da missão e para a segurança da equipe (National Research Council, 2009).
Beckner et al. (2021) abordam a importância da resiliência para a tomada
de decisão sob estresse em militares. Os autores relatam que, durante situações
de estresse, as decisões tomadas por militares podem afetar diretamente a
missão e a segurança da equipe. A resiliência é considerada uma característica
importante para ajudar os militares a tomarem decisões eficazes sob estresse, já
que permite que eles se recuperem rapidamente de eventos adversos e mante-
nham a capacidade de pensar de forma clara e racional em situações de pressão.
Segundo esse artigo, a resiliência também é importante para a adaptação a
situações de mudanças inesperadas durante uma missão militar. A capacidade
de se adaptar rapidamente a novas situações e de lidar com as incertezas é
fundamental para manter a segurança e o sucesso da missão. A resiliência pode
ajudar os militares a se adaptarem a essas mudanças e a manterem a clareza
mental para tomar decisões eficazes em situações de incerteza.
Os autores do artigo concluem que a resiliência é uma característica
fundamental para o sucesso de militares em situações de estresse operacional.
A capacidade de manter a clareza mental e de se recuperar rapidamente de
eventos adversos pode ajudar os militares a tomarem decisões eficazes e a se
adaptar rapidamente a novas situações, garantindo a segurança da equipe e o
sucesso da missão. Portanto, o desenvolvimento e o treinamento da resiliência
devem ser considerados uma prioridade para militares que buscam aumentar
sua capacidade de tomar decisões sob estresse operacional.
128

No artigo de Southwick et al. (2014), os autores também destacam a


importância da resiliência para a tomada de decisão sob estresse. Eles argu-
mentam que a resiliência está relacionada à capacidade de lidar com situações
adversas de forma adaptativa e eficaz, o que é fundamental para a tomada
de decisões sob estresse. A resiliência permite que uma pessoa se recupere
rapidamente de situações estressantes, mantenha a calma e tome decisões
racionais e objetivas.
Além disso, os autores destacam que a resiliência também está rela-
cionada à capacidade de se adaptar a mudanças inesperadas e de lidar com

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incertezas. Em situações de estresse, a capacidade de se adaptar rapidamente
às mudanças pode ser crucial para a tomada de decisões eficazes e seguras. A
resiliência também pode ajudar a minimizar o impacto do estresse na saúde
mental e física, permitindo que uma pessoa permaneça focada e alerta durante
situações estressantes.
Em resumo, a resiliência desempenha um papel fundamental na tomada
de decisão sob estresse, permitindo que as pessoas lidem de forma adaptativa
e eficaz com situações adversas. A capacidade de se recuperar rapidamente,
manter a calma, adaptar-se a mudanças inesperadas e lidar com incertezas é
crucial para tomar decisões racionais e objetivas em situações de estresse. A
resiliência também pode ajudar a minimizar os efeitos negativos do estresse
na saúde mental e física, permitindo que uma pessoa permaneça focada e
alerta durante situações estressantes.
Schafer, Snarr e Schmitt (2011) investigaram as relações entre hardiness
(uma característica de personalidade que envolve o compromisso com a vida,
controle e desafio) e o status de saúde física e mental em militares dos EUA.
Os resultados mostraram que os militares com maior nível de hardiness rela-
taram melhor saúde mental e física em comparação com aqueles com menor
nível de hardiness. Além disso, o estudo também encontrou evidências de
que a relação entre hardiness e saúde mental era mediada pela percepção de
controle, enquanto a relação entre hardiness e saúde física era mediada pelo
compromisso com a vida.
Os autores destacaram a importância da promoção de hardiness entre
militares, já que essa característica pode ajudá-los a lidar melhor com os
desafios e estresses do ambiente militar e, assim, melhorar sua saúde física
e mental. O artigo sugere que a hardiness pode ser promovida por meio de
intervenções focadas em três componentes principais: compromisso, controle
e desafio. Essas intervenções podem incluir o treinamento em habilidades de
resolução de problemas, a promoção de um ambiente de trabalho que permita
maior autonomia e controle e a exposição gradual a situações estressantes
para desenvolver a capacidade de lidar com desafios.
NEUROCIÊNCIAS: um instrumental teórico-epistemológico e metodológico interdisciplinar 129

Além disso, o artigo destaca a importância de desenvolver a resiliência


como uma forma de promover a hardiness. Isso pode ser feito por meio de
intervenções que ajudem os indivíduos a lidarem com situações estressantes
de forma adaptativa, como o treinamento em mindfulness e a terapia cognitivo-
-comportamental. Os autores também destacam a importância de promover a
saúde física e mental, como forma de aumentar a hardiness. Isso pode incluir o
estímulo a hábitos saudáveis, como a prática regular de atividade física, o sono
adequado e a alimentação equilibrada, bem como o tratamento de problemas
de saúde mental, como a depressão e o transtorno de estresse pós-traumático.
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O artigo conceitua hardiness como uma característica psicológica que


envolve a capacidade de enfrentar e lidar com situações estressantes de
maneira adaptativa. Hardiness seria composto por três componentes inter-
-relacionados: comprometimento (engajamento pessoal e significado), controle
(sentimento de que é possível influenciar o ambiente) e desafio (ver estressores
como oportunidades para crescer e se desenvolver). Esses componentes traba-
lham juntos para permitir que uma pessoa se adapte efetivamente a situações
desafiadoras, em vez de ser sobrecarregada pelo estresse.
Os pesquisadores mediram o compromisso com a vida por meio da Escala
de Compromisso com a Vida (Life Commitment Scale – LCS), que é composta
por nove itens avaliando a disposição para enfrentar os desafios e a crença
na importância da vida. Os participantes responderam a perguntas como “Eu
sou dedicado(a) a fazer com que minha vida seja significativa” e “Eu tenho
um senso de missão ou propósito de vida”. As respostas variam de 1 (dis-
cordo completamente) a 5 (concordo completamente), com escores mais altos
indicando maior compromisso com a vida (Schafer; Snarr; Schmitt, 2011).
Aprofundando os estudos sobre mindfulness, a pesquisa de Johnson et al.
(2014) teve como objetivo avaliar os efeitos do treinamento de mindfulness em
fuzileiros navais norte-americanos que estavam prestes a serem enviados em
missões de combate. Cabe destacar que esse autor define mindfulness como a
habilidade de estar presente no momento presente, consciente de seus pensa-
mentos e emoções sem julgamento. A prática de mindfulness envolve treinar
a mente para se concentrar no momento presente e aceitar os pensamentos
e emoções que surgem sem julgá-los ou se apegar a eles. Através da prática
regular de mindfulness, espera-se que os indivíduos desenvolvam maior auto-
consciência, autocontrole e capacidade de lidar com o estresse e a adversidade.
Para o experimento de Johnson et al. (2014), foram selecionados 147
participantes que apresentavam Sintomas de Estresse Pós-Traumático (TEPT)
e ansiedade, e foram divididos em dois grupos: um grupo controle que recebeu
o tratamento habitual e um grupo experimental que recebeu o treinamento
de mindfulness.
130

O grupo experimental participou de um programa de oito semanas de trei-


namento de mindfulness, que consistiu em sessões de duas horas por semana,
além de práticas diárias de mindfulness. As práticas incluíam a atenção plena
à respiração, ao corpo e às emoções. Já o grupo controle não recebeu nenhum
tipo de intervenção adicional. Foram realizadas avaliações psicológicas antes
e após o treinamento.
Os resultados mostraram que o grupo experimental apresentou reduções
significativas nos sintomas de TEPT e ansiedade em comparação com o grupo
controle. Além disso, os participantes que praticaram mindfulness relataram

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maior bem-estar psicológico, melhora na qualidade do sono e redução da
depressão em comparação com o grupo controle. Os autores sugerem que o
treinamento de mindfulness pode ser uma intervenção útil para melhorar a
resiliência e a capacidade de lidar com o estresse em militares que enfrentam
situações de risco em suas missões.
Os autores apresentaram duas práticas de mindfulness utilizadas no estudo:
mindfulness de respiração e mindfulness corporal. A prática de mindfulness
de respiração consiste em focar a atenção na respiração, observando o fluxo
de ar entrando e saindo do corpo e notando os pensamentos que surgem sem
julgá-los ou envolver-se com eles. A prática de mindfulness corporal envolve
focar a atenção nas sensações físicas do corpo, como a tensão muscular, dor ou
formigamento, e observar essas sensações sem julgamento. Ambas as práticas
foram ensinadas em sessões de treinamento em grupo, com duração de duas
horas por semana, durante oito semanas. Os participantes também foram incen-
tivados a praticar essas técnicas em casa por pelo menos 15 minutos por dia.
Para avaliar a eficácia do treinamento de mindfulness, foram utilizados
questionários, testes neuropsicológicos, imagens cerebrais e amostras bio-
lógicas dos participantes. Os questionários avaliavam o nível de estresse,
sintomas depressivos e de ansiedade, enquanto os testes neuropsicológicos
avaliavam a cognição, memória e tomada de decisão dos militares. As imagens
cerebrais foram usadas para avaliar as mudanças na atividade cerebral dos
participantes, enquanto as amostras biológicas foram usadas para avaliar os
níveis de cortisol e outros biomarcadores associados ao estresse.
Os militares também foram acompanhados durante a implantação em
combate para avaliar se o treinamento de mindfulness teve um efeito duradouro
na resiliência e no desempenho sob estresse em situações reais de combate
(Johnson et al., 2014).
Butler e Foss (2021) estudaram o treinamento Mindfulness-Based Mind
Fitness Training (MBMFT), que foi desenvolvido em 2014 especificamente
para o uso militar, incorporando a prática de mindfulness para melhorar a
regulação do sistema nervoso autônomo. O método permite que os militares
NEUROCIÊNCIAS: um instrumental teórico-epistemológico e metodológico interdisciplinar 131

preparem melhor o sistema nervoso autônomo para uma resposta dinâmica em


situações estressantes. Além de ajudar a preparar os militares para situações
estressantes, o MBMFT visa ajudá-los a evitar o esgotamento em exposição
prolongada ao estresse.
Os resultados da implementação do treinamento de mindfulness com mari-
nes mostraram que houve uma diminuição nos níveis de estresse percebido e
uma recuperação mais rápida da frequência cardíaca após eventos estressantes.
Isso indica que a prática de mindfulness pode ser uma maneira eficaz de reduzir
tanto o estresse físico quanto psicológico entre os militares. Além do mindfulness
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individual, a prática coletiva de mindfulness pelas organizações militares pode


desempenhar um papel crucial no sucesso confiável. Estudos longitudinais de
organizações de alta confiabilidade, como os U.S. Navy SEALs, mostraram que
a prática de mindfulness individual combinada com uma cultura organizacional
coletiva de mindfulness pode permitir que as organizações funcionem em um
ambiente que permite o fracasso como uma oportunidade de crescimento e
desenvolvimento. Embora nem os SEALs nem a organização coletiva tenham
passado por treinamento formal em mindfulness, o estudo destaca a importância
do mindfulness em organizações de alta confiabilidade, especialmente dentro
das forças de operações especiais (Butler; Foss, 2021).
As técnicas das neurociências também podem contribuir com a melhora
da memória para ajudar a lembrar de informações importantes para o combate.
De acordo com o National Research Council (2009), a memória é fundamental
para o desempenho em combate, pois permite ao soldado lembrar de informa-
ções cruciais, como táticas de batalha, identificação de alvos e equipamentos.
A capacidade de recordar essas informações é fundamental para a tomada de
decisões rápidas e eficazes em situações de combate, especialmente quando
há pouco tempo para avaliar a situação.
Além disso, a memória também é importante para a identificação de
ameaças e perigos. Soldados precisam ser capazes de identificar rapidamente
situações de risco e lembrar-se de como agir de forma apropriada para garantir
sua segurança e a dos seus colegas de equipe. A falta de memória pode levar
a erros de julgamento e ações inadequadas, colocando em risco a missão e a
vida dos soldados.
Assim, a melhoria da memória e das habilidades cognitivas relaciona-
das pode ser uma estratégia valiosa para aumentar a eficácia e a segurança
das operações militares. A pesquisa em neurociência pode fornecer insights
importantes sobre como a memória funciona e como ela pode ser melhorada,
contribuindo para a preparação de soldados mais capacitados e preparados
para enfrentar desafios em situações de combate.
132

Os estudos apresentados pelo National Research Council (2009), apresen-


tam várias estratégias que podem ser usadas para melhorar a memória e ajudar
a lembrar de informações importantes. Algumas dessas estratégias incluem:

1. Repetição: A repetição é uma técnica comum usada para melhorar a


memória. Ao repetir uma informação várias vezes, você pode ajudar
a consolidá-la em sua memória de longo prazo.
2. Associação: Associar novas informações a algo que você já conhece
bem pode ajudar a fixá-las na memória. Por exemplo, se você quiser

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lembrar o nome de alguém novo, tente associá-lo a algo que lembre
o nome dessa pessoa.
3. Elaboração: A elaboração envolve a criação de histórias ou conexões
entre informações para ajudar a lembrá-las. Isso pode envolver a
criação de acrônimos ou a construção de uma narrativa que ajude
a lembrar uma sequência de informações.
4. Organização: Organizar as informações de uma maneira lógica pode
ajudar a lembrar delas. Por exemplo, se você tiver uma lista de
tarefas a fazer, organizá-las por ordem de prioridade pode ajudar a
lembrar do que precisa ser feito primeiro.
5. Visualização: A visualização pode ser uma técnica eficaz para
ajudar a lembrar informações. Isso pode envolver a criação de
imagens mentais que representam as informações que você está
tentando lembrar.

Essa mesma obra explora diversas possibilidades de aprimoramento do


desempenho físico para melhorar a precisão, velocidade e resistência dos
soldados. Uma dessas possibilidades é o uso de técnicas de treinamento físico
de alta intensidade, que têm sido demonstradas como eficazes para melhorar
a força, velocidade e resistência dos soldados. Essas técnicas incluem treina-
mento de alta intensidade intervalado, treinamento de força e treinamento de
resistência. Além disso, o livro também sugere o uso de tecnologias avançadas,
como a estimulação elétrica transcraniana, que tem sido demonstrada como
eficaz para melhorar a força e a resistência muscular, bem como para reduzir
a fadiga muscular durante exercícios prolongados.
Outra abordagem apresentada nesse livro para aprimoramento do desem-
penho físico é a utilização de técnicas de neurofeedback18. Essas técnicas

18 Neurofeedback é uma técnica de treinamento cerebral que utiliza sinais eletroencefalográficos (EEG) para
ajudar os indivíduos a regularem sua atividade cerebral. Durante uma sessão de neurofeedback, sensores
são colocados no couro cabeludo do indivíduo para monitorar a atividade elétrica do cérebro. Esses sinais
são então exibidos em um computador, permitindo que o indivíduo veja a atividade cerebral em tempo real.
NEUROCIÊNCIAS: um instrumental teórico-epistemológico e metodológico interdisciplinar 133

permitem aos soldados treinarem sua atividade cerebral para melhorar o


desempenho físico e cognitivo. Por exemplo, o neurofeedback pode ser usado
para ajudar os soldados a melhorarem a coordenação, a precisão e a velocidade
dos movimentos, bem como para reduzir a ansiedade e a fadiga mental durante
exercícios prolongados. Além disso, o livro também destaca a importância
da nutrição adequada para o desempenho físico dos soldados, incluindo o
consumo de nutrientes específicos para melhorar a força, a resistência e a
recuperação muscular.
Por fim, esse livro também destaca a importância do sono para o desem-
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penho físico dos soldados. A privação do sono pode ter efeitos prejudiciais
sobre a capacidade dos soldados de realizar tarefas físicas e cognitivas comple-
xas, bem como sobre sua capacidade de se recuperar após exercícios intensos.
Portanto, o livro sugere que os militares devem prestar atenção à qualidade
e quantidade de sono dos soldados e implementar estratégias para garantir
que eles recebam o sono adequado para o desempenho físico ideal. Isso pode
incluir a educação dos soldados sobre a importância do sono, a criação de
ambientes de sono apropriados e a implementação de políticas que promovam
o sono adequado, como a redução do tempo de trabalho e o agendamento de
intervalos regulares de descanso.
O uso de neurotecnologias também abre um leque de possibilidades
para a melhora do desempenho do soldado em combate. O estudo apre-
sentado por Krishnan (2016) aborda o uso de tecnologias para apoiar a
capacitação dos militares. Ele discute várias tecnologias, como Estimulação
Transcraniana de Corrente Contínua (ETCC)19, neurofeedback, treinamento
de realidade virtual e outras, que podem ser usadas para melhorar o desem-
penho dos militares em várias tarefas, desde o combate até a operação de
equipamentos complexos.
O livro destaca o potencial dessas tecnologias para ajudar os militares a
desenvolverem habilidades importantes, como a tomada de decisões rápidas
e precisas, a melhoria da memória e a redução do estresse e da fadiga. Ele
também discute os desafios e limitações associados ao uso dessas tecnologias,
tais como o risco de se depender excessivamente delas, o que pode levar a uma

Com o treinamento adequado, o indivíduo pode aprender a controlar a atividade cerebral para melhorar
a função cognitiva, emocional e física. O neurofeedback tem sido utilizado para tratar uma variedade de
condições, incluindo transtornos de ansiedade, depressão, TDAH e transtornos do espectro autista, bem
como para melhorar o desempenho cognitivo em atletas e militares.
19 A Estimulação Transcraniana por Corrente Contínua (ETCC) é uma técnica de estimulação cerebral não
invasiva que utiliza eletrodos para aplicar corrente elétrica de baixa intensidade sobre o couro cabeludo.
A corrente elétrica passa através do cérebro e pode modificar a atividade neural em áreas específicas do
cérebro, podendo ter efeitos tanto excitatórios quanto inibitórios sobre as redes neurais. A ETCC tem sido
amplamente estudada como uma ferramenta terapêutica em diversas condições neurológicas e psiquiátricas,
bem como uma técnica de aprimoramento cognitivo e motor em indivíduos saudáveis.
134

diminuição da capacidade do militar de tomar decisões por conta própria em


situações críticas, bem como o custo dessas tecnologias, que podem ser caras
e difíceis de usar, o que pode limitar sua adoção em contextos militares, além
das questões em torno da segurança e da confiabilidade, tornando necessário
o desenvolvimento de mais pesquisas.
Esse autor discute a crescente utilização da neurociência nas forças
armadas, tanto em termos de desenvolvimento de armamentos quanto no
treinamento dos militares para o combate, e explora a ideia de que a neurotec-
nologia pode ser usada para melhorar o desempenho dos soldados no campo de

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batalha, identificando e tratando condições de saúde mental, além de detectar
mentiras e alterações emocionais. Além disso, ele discute a possibilidade de
que a neurotecnologia seja utilizada para criar “neuroarmas”, ou seja, armas
que podem alterar o comportamento e as emoções dos indivíduos.
Dessa maneira, as neurociências têm um papel fundamental no forta-
lecimento mental de militares para tomada de decisões sob o estresse do
combate. Isso porque, a partir dos estudos sobre a plasticidade cerebral, é
possível desenvolver técnicas e treinamentos específicos que permitem que
o cérebro seja capaz de lidar de forma mais eficaz com o estresse e a pressão
do ambiente de combate. Além disso, o uso de tecnologias como o neuro-
feedback e a estimulação cerebral podem ajudar a melhorar a resiliência dos
militares, promovendo um maior controle emocional, concentração e tomada
de decisões mais assertivas, mesmo sob pressão. Dessa forma, as neurociên-
cias se apresentam como uma importante aliada na capacitação dos militares,
preparando-os de forma mais adequada para situações críticas e adversas.

Desafios e limitações

No livro “Military Neuroscience and the Coming Age of Neurowarfare”,


o autor Armin Krishnan (2016) discute os desafios éticos em torno do uso
da neurociência na formação militar para o combate. Ele argumenta que o
uso de neurotecnologias, como o neurofeedback e a estimulação cerebral,
pode levantar questões éticas sobre a manipulação da cognição humana e a
privacidade dos soldados. Krishnan também destaca que o uso de técnicas de
neurociência pode criar desigualdades entre os militares, com aqueles que têm
acesso a essas tecnologias tendo uma vantagem injusta sobre seus colegas.
Além disso, o autor também aborda a questão do controle da mente, argu-
mentando que o uso de técnicas de neurociência pode potencialmente levar
a manipulação da vontade dos soldados, o que levanta preocupações éticas
importantes. Krishnan (2016) enfatiza que a regulamentação e a supervisão
NEUROCIÊNCIAS: um instrumental teórico-epistemológico e metodológico interdisciplinar 135

adequadas são necessárias para garantir que o uso da neurociência na formação


militar seja ético e justo.
Em geral, o autor destaca que o uso da neurociência na formação militar
para o combate apresenta uma série de desafios éticos importantes, que devem
ser cuidadosamente considerados para garantir que o uso dessas tecnologias
seja ético e justo.
Além dos desafios éticos relacionados ao uso de neurotecnologias na
formação militar para o combate, a possibilidade de utilização de tais tecno-
logias para manipulação ou controle mental, o que poderia levar a violações
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dos direitos humanos e da dignidade dos soldados. Outro desafio ético é o uso
de tecnologias invasivas, como implantes neurais, que podem ser utilizados
para melhorar o desempenho dos soldados, mas que também representam
riscos para a saúde e integridade física dos indivíduos.
Outra questão ética diz respeito ao uso de neurotecnologias no contexto
de conflitos armados. Ele aponta que o uso de tais tecnologias pode levar a
uma escalada de violência, uma vez que os avanços tecnológicos de um país
podem levar a uma corrida armamentista entre nações, em que cada uma
busca desenvolver tecnologias cada vez mais sofisticadas e poderosas. Além
disso, o uso de neurotecnologias no contexto de conflitos armados pode levar
a uma desumanização do inimigo, uma vez que a tecnologia pode ser utilizada
para neutralizar a empatia e compaixão dos soldados em relação aos seus
adversários (Krishnan, 2016).
A privacidade dos soldados também é uma preocupação, uma vez que
as tecnologias utilizadas para medir e monitorar a atividade cerebral podem
revelar informações pessoais e íntimas. Outra questão importante é o poten-
cial para o uso indevido das tecnologias, como a manipulação ou o controle
da mente, o que poderia levar a violações de direitos humanos e crimes de
guerra (National Research Council, 2009).
As limitações das pesquisas também podem ocorrer em razão das tecno-
logias existentes, que podem incluir a falta de precisão ou confiabilidade das
tecnologias utilizadas para medir as variáveis neurobiológicas
​​ relevantes, bem
como a falta de compreensão completa do cérebro humano e suas funções.
Além disso, pode haver limitações na capacidade de traduzir os resultados da
pesquisa em intervenções práticas e eficazes no campo. Outra limitação é a
possibilidade de viés na interpretação dos dados e nas conclusões tiradas, bem
como na aplicação dos resultados da pesquisa no mundo real. Além disso, há
limitações em relação à ética e privacidade dos dados coletados durante as
pesquisas, que precisam ser abordados para garantir a segurança e bem-estar
dos participantes da pesquisa (Krishnan, 2016).
136

Outra limitação é a disponibilidade limitada de tecnologias portáteis e


não invasivas para monitorar a atividade cerebral em tempo real em ambientes
de campo e combate. Além disso, muitas das técnicas de neuroimagem mais
avançadas, como a ressonância magnética funcional, exigem equipamentos
caros e volumosos que não são facilmente transportáveis para o campo de
batalha. Outra dificuldade é o fato e que a maioria das pesquisas em neuro-
ciência militar tem sido realizada em condições de laboratório, o que pode não
refletir as complexidades e desafios do ambiente real de combate. Além disso,
as pesquisas em neurociência ainda estão em fase inicial, e muitas das relações

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entre a atividade cerebral e o desempenho humano são ainda desconhecidas
ou mal compreendidas (National Research Council, 2009).
Por fim, a interpretação dos resultados das pesquisas em neurociência
aplicada à formação militar e ao combate requer habilidades especializadas
e conhecimentos em várias disciplinas, incluindo neurociência, psicologia,
engenharia e ciência da computação, o que pode ser uma limitação para muitos
pesquisadores e militares.

Conclusão

A aplicação da neurociência na formação militar para o combate apre-


senta possibilidades e limitações. Por um lado, o uso de técnicas como o
neurofeedback pode contribuir para o aprimoramento do desempenho físico
e cognitivo dos militares, permitindo que eles sejam mais precisos, velozes e
resistentes. Além disso, a identificação de marcadores neurais de resiliência e
vulnerabilidade emocional pode auxiliar na seleção e treinamento de soldados
mais aptos a lidar com situações estressantes. Contudo, essas abordagens
enfrentam limitações, como a falta de tecnologias suficientemente avançadas
para realizar pesquisas precisas e confiáveis, além dos desafios éticos envol-
vidos no uso da neurociência na formação militar.
Outra possibilidade das neurociências para a formação militar é o uso de
tecnologias para apoiar o treinamento, como simulações de realidade virtual,
que podem fornecer experiências mais próximas da realidade do combate.
Entretanto, as limitações tecnológicas e financeiras dificultam a aplicação
dessas técnicas em larga escala, além de que elas não substituem completa-
mente a experiência e o treinamento em campo.
A discussão ética é um aspecto fundamental que não pode ser negligen-
ciado na aplicação das neurociências na formação militar para o combate. O
uso de tecnologias invasivas, como o implante de dispositivos cerebrais, sus-
cita preocupações quanto à privacidade, liberdade individual e controle externo
sobre as emoções e comportamentos. Além disso, a seleção de soldados com
NEUROCIÊNCIAS: um instrumental teórico-epistemológico e metodológico interdisciplinar 137

base em características neurobiológicas pode levar a preconceitos e discrimina-


ção, bem como questionamentos éticos sobre o uso da ciência para aprimorar
habilidades de combate em detrimento de outras áreas importantes da vida.
Concluindo, é possível perceber a complexidade e amplitude do tema
abordado, o que limita o alcance da presente pesquisa. No entanto, espera-se
que as questões levantadas aqui possam provocar reflexões acerca de novas
possibilidades de aplicação das neurociências na formação militar, princi-
palmente no que diz respeito ao uso do neurofeedback e do mindfulness em
cursos operacionais que simulem situações de combate real, a fim de se obter
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uma avaliação mais precisa do seu potencial na capacitação dos militares. Isso
ajudaria a entender se as melhorias observadas em laboratório se traduzem
em benefícios reais em campo.
138

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“NEUROMIL” – NEUROCIÊNCIA E
LIDERANÇA: uma análise de aspectos
mentais (cognição, emoção e comportamento)
de líderes no contexto da liderança militar
Sergio Pavanelli Trindade20
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Introdução

O início das pesquisas científicas sobre liderança data do fim do século


XIX e início do século XIX, com os estudos biográficos de personagens
importantes da história, no entanto, alguns escritos produzidos desde a era
antiga e medieval ainda servem de referência para os estudos sobre o tema
na atualidade, destaque para as obras “A Arte da Guerra” de Sun Tzu, escrita
cerca de 350 a.C., e “O Príncipe” de Maquiavel, escrita no séc. XVI.
Um corpo de teorias foi se fortalecendo desde a Teoria dos “Grandes
Homens”, que se baseou em estudos biográficos de personalidades históricas
como Alexandre “O Grande”, Napoleão Bonaparte e outros, visando o levan-
tamento de suas características e aspectos pessoais que pudessem explicar a
liderança reconhecidamente atribuída a eles. Pela teoria dos Grandes Homens,
a liderança era concebida como um atributo inato, que se transmitia de geração
em geração, o que legitimava as dinastias.
Na primeira parte do século XX, os estudos sobre personalidade, no
âmbito da psicologia, mantiveram a concepção inata da liderança, porém o
objetivo desses estudos recaiu sobre os traços de personalidades, na tentativa
de compreender “quem o líder é”, ou seja, quais as características pessoais
específicas que o definem. O período pós 2ª Guerra Mundial inaugurou um
tempo de estudos comportamentais em busca de se conhecer “o que líderes
fazem”, que estilos de liderança poderiam ser mais adequados, uma vez que
o modelo de liderança nazista de Adolf Hitler (1889-1945) indicava um estilo
não muito ideal.
Por volta da década de 1970, as teorias de liderança passaram a ressaltar
o aspecto contingencial / situacional, deixando claro que o grupo de liderados

20 Mestre em Teoria e Pesquisa do Comportamento, UFPA (2013). Exército Brasileiro. E-mail: sergiopavanelli-
trindade@gmail.com
142

e o contexto em que a liderança ocorre assumem papel determinante para


selecionar o líder mais eficaz, condicionando assim as características pes-
soais e os estilos dos líderes ao que a situação pede. A partir desse momento,
a liderança passou a ser entendida como um fenômeno social no qual o líder
exerce algum tipo de poder e influência social sobre um ou mais indivíduos,
em algum ambiente, e dessa forma, reconhece a importância de todos os seus
atores envolvidos: o líder, os liderados e a situação, abrindo, dessa forma, a
possibilidade para uma nova era da liderança.
A liderança, no âmbito das sociedades civilizadas, é um fator que ajuda

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a construir, manter e evoluir os padrões de uma cultura, seja ela global, local,
familiar, institucional ou organizacional, na medida em que determinado grupo
social têm suas ações, atitudes, crenças e valores influenciadas e referenciadas
por um indivíduo ou grupo de indivíduos (líderes) que de modo consentido ou
não exercem poder de direcionamento e ordenamento dos demais da coletivi-
dade (Bass, 1990). Em ambientes industriais, educacionais e militares, e em
movimentos sociais, a liderança desempenha um papel crítico e é, portanto,
um assunto importante para estudo e pesquisa.
Vivemos num cenário mundial desafiador para as organizações, carac-
terizado pela volatilidade, incerteza, complexidade e ambiguidade (o mundo
VUCA), é o contexto em que líderes precisam demonstrar a capacidade de
proporcionar uma visão clara e de ser um referencial para as pessoas. A lide-
rança deve impulsionar e estimular a iniciativa, a proatividade e a agilidade
em todas as circunstâncias, O líder e os seguidores devem trabalhar juntos
para alcançar a visão compartilhada (Juhro; Aulia, 2018). Esse tipo de lide-
rança se ajusta perfeitamente com a definição de liderança transformacional
de Burns (1978) e Bass (1990). E estudos recentes revelam que a liderança
transformacional é considerada mais eficaz do que outros estilos de liderança
para antecipar os desafios dessa era VUCA (Edison et al., 2018).
A compreensão acerca da liderança pressupõe a integração de diversas
áreas do conhecimento humano tais como: filosofia, sociologia, antropologia,
psicologia, psicanálise, história, administração, linguística e outras. Mais
recentemente a neurociência se apresenta como mais um campo de conheci-
mento útil para a análise da liderança, uma vez que torna possível a compreen-
são dos mecanismos das emoções e dos mais diversos processos cognitivos
como a atenção, a percepção, o pensamento, a memória, a aprendizagem,
o juízo, o raciocínio, a linguagem, a iniciativa, a decisão, a imaginação, a
criatividade e outros.
A partir da década de 1990, os estudos sobre o cérebro começaram a
preponderar e impulsionar o ramo da neurociência. Essa época denominada
de “A Era do cérebro”, abriu caminho para uma compreensão mais refinada
NEUROCIÊNCIAS: um instrumental teórico-epistemológico e metodológico interdisciplinar 143

da mente humana que, inequivocamente ou não, passou a se materializar,


desde então, na atividade cerebral. Técnicas de neuroimagem desenvolvidas
com a ressonância magnética, a tomografia computadorizada etc., permitiram
acesso visual ao funcionamento cerebral de sujeitos humanos em condições
experimentais controladas, o que resultou, e ainda vem resultando, em des-
cobertas importantes para diversas áreas de atuação humana.
Os processos mentais de líderes transformacionais é um tema para a
análise da neurociência aplicada à liderança ou neuroliderança e, nesse sen-
tido, o modelo SCARF de Rock (2008) e a teoria do Processo Dual – Sistema
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de pensamento 1 e Sistema de pensamento 2 de Schiffer (1998) ampliado


posteriormente por Stanovich e West (2000) possibilitaram o avanço na com-
preensão acerca da complexidade do trabalho mental processado no cérebro
do líder. Quatro domínios vêm sendo avaliados em estudos de neuroliderança,
são eles: 1) tomada de decisão e resolução de problemas; 2) colaborar com e
influenciar os outros; 3) regulação emocional; e 4) facilitação da mudança. E
as bases neurais inerentes a esses domínios já estão a serviço da melhoria da
eficácia do comportamento dos líderes transformacionais em meio ao mundo
VUCA por meio de intervenções que atuam sobre os circuitos da autorregu-
lação, do controle de impulsos e da força de vontade.
O presente artigo tem por objetivo compreender como os avanços da
neurociência cognitiva (processos mentais – cognição, emoção e comporta-
mento) contribuem para o desenvolvimento da liderança transformacional,
visando a aplicação dessa compreensão ao contexto militar. Para tanto, serão
discutidos os seguintes tópicos\; a construção histórico-teórica do constructo
da liderança, a importância da liderança transformacional o desenvolvimento
da neurociência, a relação entre neurociência e liderança e, por fim, uma
análise da neurociência aplicada sobre os processos mentais envolvidos no
processo de liderança.

Desenvolvimento

Liderança

Quando se pensa em liderança, inúmeros conceitos, percepções e perspec-


tivas podem ser considerados, no entanto, para além das afirmações e certezas,
o que mais faz sentido, ainda hoje, são questionamentos. O que é liderança?
Qual a sua natureza? Qual sua importância? Que variáveis a compõem? O que
faz de uma pessoa um líder? Todas as pessoas podem ser líderes? A pessoa
que lidera a faz em quaisquer circunstâncias ou contextos? Inúmeros são os
questionamentos e não é por acaso que, desde os gregos até os dias de hoje,
144

um esforço tem sido empreendido para responder a estas e outras questões


no intuito de aprofundar e melhor compreender a liderança. Desse modo,
teorizar sobre o tema da liderança não tem sido uma tarefa fácil, muito pelo
contrário, tem sido extremamente difícil, tendo em vista que grande é a sua
complexidade e diversos são os fatores ou variáveis que a determinam ou a
envolvem, caracterizando-a como um fenômeno multifatorial.

Construção histórico-teórica da liderança

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Pode-se dizer que o estudo da liderança se confunde com o estudo da
origem das civilizações, uma vez que a nossa sociedade moldou e foi moldada
pelo que os líderes fizeram (Bass, 1990). Ensinamentos milenares como os
contidos em “Arte da guerra” de Sun Tzu (544 – 496 a.C.), em “A República”
de Platão (428 – 347 a.C.) e em “Como se tornar um líder” de Plutarco,
atravessaram os tempos e são referências até hoje para líderes de diversos
segmentos da nossa sociedade. Entretanto, as primeiras tentativas de sistemati-
zação dos estudos sobre liderança datam de meados do século XIX e início do
século XX, período que coincide com a consolidação das ciências humanas,
especialmente, a antropologia, a sociologia e a psicologia.
A análise dos feitos de indivíduos expoentes da história e a importância
desses líderes para a evolução da humanidade representou o ponto de partida
para o entendimento da liderança. Em 1840, Thomas Carlyle (1795-1881),
escreveu “On Heroes, Hero-Worship, and The Heroic in History” e revelou
a importância dos atributos pessoais para a liderança de grandes homens da
história, como Maomé, Dante, Lutero e Napoleão. Em 1869, Sir Francis Gal-
ton (1822-1911) escreveu “Genius Hereditário: uma investigação sobre suas
leis e Consequências”, onde estudou 400 líderes, visando avaliar a correlação
entre a hereditariedade e a genialidade de “pessoas ilustres”.
Segundo Benmira e Agboola (2021), estudos como os de Carlyle
(1840/1993) e Galton (1869) vieram a inaugurar a primeira das quatro prin-
cipais eras da teoria da liderança, a era dos traços, caracterizada pelas teorias
dos Grandes Homens e dos Traços (de 1840 a 1940. A partir desse período,
seguiram-se as eras comportamental (de 1940 a 1950), situacional (1960) e
nova liderança (de 1990 a 2000), ver Tabela 1.
NEUROCIÊNCIAS: um instrumental teórico-epistemológico e metodológico interdisciplinar 145

Tabela 1 – Resumo das principais teorias da liderança


Principais teorias da liderança
Era Período Teoria Descrição
Concentra-se em líderes natos
1840 Grandes Homens
Traço Concentra-se na identificação de traços e características de
1930-1940 Traços
líderes eficazes
Comportamental 1950 Comportamental Foco nas ações e habilidades dos líderes

Foco em líderes adaptando seu estilo considerando o


Situacional 1960 Contingencial
ambiente situacional
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Transacional Foco na liderança como troca de custo-benefício


Transformacional Foco em um estilo inspirador que leva os seguidores a níveis
1990
Compartilhada / cada vez mais altos de conquista
1990
Coletiva / Foco nos seguidores que lideram uns aos outros
Nova Liderança 2000
Colaborativa Foco no engajamento dos seguidores. Estilo centrado na
2000
Servidora pessoa
2000
Inclusiva Considera a complexidade de nosso mundo moderno e o
Complexa sistema social como um todo
Fonte: Traduzido e adaptado de Benmira e Agboola (2021).

Definição, natureza e componentes da liderança

Em um estudo revisional, Burns (1978) identificou mais de 130 diferentes


definições de liderança. De fato, encontrar uma definição precisa da liderança
tem sido uma tarefa difícil devido à complexidade dos fatores que a envol-
vem, assim sendo, a cada nova pesquisa uma concepção diferente surge e um
novo fator passa a ser explorado nesse processo (Yukl, 2006). Uma definição
específica e amplamente aceita de liderança ainda não existe e pode nunca ser
encontrada. Tal inexatidão conceitual da liderança pode ser explicada dada a
natureza complexa da liderança. Portanto, a conclusão a que se chega é que
a liderança pode ser fácil de identificar In Loco; no entanto, é difícil definir
com precisão (Day; Antonakis, 2012).
Se considerarmos as tendências naturais e humanistas presentes nas ciên-
cias humanas, podemos entender que a liderança tem sido mais compreendida
do que necessariamente explicada. Desse modo, por maiores que sejam os
esforços no intuito de estabelecer relações de causa e efeito, de definir obje-
tivamente as leis e princípios que explicam a liderança, o que de fato se tem
146

conseguido, até o momento, é uma maior compreensão do fenômeno conhe-


cendo os fatores envolvidos em sua ocorrência em momentos e contextos
específicos sem uma pretensão em explicá-la definitivamente.
Apesar de certo pessimismo, após todos esses anos de pesquisa, o saldo
pode ser considerado positivo. Chegou-se ao consenso sobre alguns elemen-
tos essenciais e definidores da liderança. De uma forma geral, ela envolve
uma relação interdependente entre líderes e seguidores em um contexto ou
situação específica. Além disso, nela está sempre presente um processo de
influência, o atingimento de objetivos específicos e a transformação em

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algum grau do contexto social compartilhado entre líderes e seguidores
(Turano; Cavazotte, 2016).
A liderança é uma função tanto de aspectos biológicos como sociocultu-
rais. Os estudos sobre liderança evoluíram de traços psicológicos para estilos
de comportamento, incluindo fatores situacionais e aspectos cognitivos e já
permitem uma justa compreensão sobre a sua composição e natureza (Dias et
al., 2022). Os componentes da liderança interagem entre si de modo dinâmico
e podem ser assim detalhados: a) o componente biológico (Identificado pelos
traços de personalidade herdados geneticamente); b) o componente compor-
tamental (Representado pelos variados estilos de liderança); c) o componente
cultural/social (Referente às situações e contingências); e d) o componente
cognitivo (Relativo ao processamento mental que habilita o processo decisório).
A liderança se manifesta nas relações interpessoais, envolvendo assim,
pelo menos duas pessoas que se comportam, formando o que a sociolo-
gia e a psicologia social, ambas, denominam de grupo social. O compor-
tamento dos indivíduos dentro do grupo social pode ser de líder ou de
seguidor. Assumir um papel de líder ou de seguidor está condicionado a
aspectos relacionados ao próprio indivíduo, ao grupo e ao contexto social
ou situacional/contingencial.
A maioria dos estudiosos da liderança provavelmente concordaria, em
princípio, que a liderança pode ser definida como um processo de influência
que ocorre entre um líder e seguidores, sendo esse processo explicado pelas
características disposicionais e comportamentais do líder, pelo desempenho
do seguidor, pelas concepções e atribuições do líder, e pelo contexto em que
ocorre esse processo de influência (Day; Antonakis, 2012).
Haslam et al. (2020) partem da premissa de que a liderança nunca é apenas
sobre líderes, pois trata-se de líderes e seguidores que se unem como membros
de um grupo social que lhes dá um sentido de identidade social compartilhada
– um senso de “nós”. Nesses termos, a liderança é entendida como o processo
através do qual os líderes trabalham com os seguidores para criar, representar,
avançar e incorporar esse senso de identidade social compartilhada.
NEUROCIÊNCIAS: um instrumental teórico-epistemológico e metodológico interdisciplinar 147

Liderança não é simplesmente conseguir que as pessoas façam coisas,


trata-se de levá-los a querer fazer coisas, diz respeito à formação de crenças,
desejos e prioridades, envolve compartilhamento de uma visão de como o
mundo era, é e deveria ser, trata-se de obter influência, não garantindo a
conformidade, em última análise, envolve necessariamente conquistar os
corações e mentes dos outros ou aproveitar suas energias e decisões (Haslam
et al., 2020).
O evento da pandemia da covid-19, trouxe transformações significativas
para as relações entre as pessoas, potencializando o uso de recursos tecno-
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lógicos como intermediadores de encontros sociais, e ampliando padrões de


relacionamento para a modalidade on-line, em diversos ramos de atividade
humana, como trabalho (home office), ensino (aulas síncronas e assíncronas),
atendimentos psicológicos etc. Dias et al., (2022) aborda que em função dessa
explosão de tecnologias avançadas de comunicação, a liderança evoluiu do
tradicional “olho no olho”, para a “e-liderança” – um tipo de liderança onde
os líderes influenciam “um-para-um” ou “um-para-muitos” remotamente
(Zaccaro; Bader, 2003).
A noção de que a liderança motiva as pessoas a trabalharem juntas para
um objetivo ou meta comum conduz a uma conclusão direta acerca da sua
relevância para a sociedade humana em geral, a conclusão de que ela é um
dos principais recursos pelo qual se dão as transformações em nosso mundo.
Daí, o grande desafio para as pesquisas em liderança passa a ser: compreender
a natureza dessa “cola” que une os líderes e seguidores juntos neste esforço,
ou melhor, descobrir o que os compromete um com o outro e com sua tarefa
compartilhada? (Haslam et al., 2020).

A importância da liderança transformacional

Com a evolução dos estudos sobre liderança, ao longo das quatro princi-
pais eras das teorias de liderança (Benmira; Agboola, 2021), foram surgindo
denominações específicas para qualificar o comportamento dos líderes em
relação aos seus seguidores. Essas qualificações representam os estilos de
liderança que, dentre os diversos estudados, destacamos os três estilos tra-
dicionais da era “comportamental”: o autocrático, o democrático e o laissez
faire, originados dos estudos de Kurt Lewin e cols (Lewin; Lippit, 1938),
nas universidades de Iowa, Ohio State e Michigan, e os dois estilos mais
abrangentes da era “nova liderança”: o transacional e o transformacional,
estipulados por Burns (1978) e Bass (1990).
A liderança transacional pressupõe uma relação líder-seguidor baseada
no uso de recompensas e punições, portanto, as fontes motivacionais dos
148

seguidores são externas; já a liderança transformacional está firmada numa


relação de confiança e as fontes de motivação dos seguidores são internas.
A Tabela 2 abaixo descreve nove diferenças sobre os estilos transacional e
transformacional de liderança que sinalizam de forma clara a importância e
urgência da liderança transformacional, bem como sua relativa superioridade
em comparação com a liderança transacional.

Tabela 2 – Diferenças entre os estilos de liderança transacional e transformacional


Estilo de liderança transformacional Estilo de liderança transacional

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Motivar os seguidores, encorajando-os a colocar o valor da orga- Motivar seguidores cumprindo seus desejos
nização acima dos interesses do grupo. pessoais.
Seguidores passam por autotransformação através do desenvolvi- Seguidores atingem os objetivos com recompen-
mento de idealismo e valores para alcançar objetivos. sas e punições.
As ações proativas tendem a ser adaptativas às mudanças. As ações responsivas tendem a ser rígidas.

Tenha metas de longo prazo. Concentre-se nas situações atuais.

Pode ser usado em organizações que passam por turbulências Pode ser usado em organização estável
adequadamente. corretamente.
Trabalha para mudar a cultura organizacional propondo novas Trabalha em uma cultura organizacional
ideias. estabelecida.
Adequado para organização que exige criatividade e inovação. Não acomoda criatividade e inovação.

A tomada de decisão tende a ser mais prática porque depende da A tomada de decisões segue o estilo burocrático.
agilidade e influência pessoal do líder.
Perspectiva da neurociência aplicada: Perspectiva da neurociência aplicada:
os funcionários entendem que a razão por trás da transformação os funcionários nunca estão satisfeitos com as
é sustentável. recompensas, portanto, as recompensas devem
ser sempre aumentadas.
Fonte: Traduzido, revisado e adaptado de Juhro e Aulia (2018).

Burns (1978) afirma que a liderança transformacional é um tipo de lide-


rança capaz de mudar as expectativas, alegações e motivações de seus segui-
dores, além de promover a transformação no âmbito de uma organização.
Traduz-se numa liderança impulsionadora e que estimula a iniciativa e proa-
tividade dos seguidores, primando pela agilidade em todas as circunstâncias.
A liderança transformacional é um estilo de liderança participativo em que
o líder e os seguidores trabalham juntos para alcançar a visão compartilhada
(Juhro; Aulia, 2018).
Segundo Bass (1990), a liderança transformacional possui quatro
componentes básicos, quais sejam: 1) Influência Idealizada – atributos e
NEUROCIÊNCIAS: um instrumental teórico-epistemológico e metodológico interdisciplinar 149

comportamentos do líder que o faz um modelo para os subordinados, é a com-


ponente emocional da liderança, onde há um apelo emocional à alteração dos
interesses individuais pelos interesses do grupo; 2) Motivação Inspiracional
– atitudes do líder de encorajamento e otimismo aos subordinados, suscitando
o compromisso para com os objectivos a alcançar, especialmente objectivos
ambiciosos, vistos como inalcançáveis, comunicando confiança, fornecendo
significado ao trabalho e desafio, estimulando o espírito individual e colectivo;
3) Estimulação Intelectual – líder estimula a inovação e a criatividade, inclui
os subordinados no processo de tomada de decisão, reformula os problemas
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através da partilha de diferentes perspectivas, procurando diferentes pontos


de vista para a resolução de problemas e conseguir com que os outros olhem
para os problemas de perspectivas diferentes; 4) Consideração Individualizada
– o líder fornece apoio socioemocional aos seguidores, aconselha, mantendo
contato frequente e estimula o autodesenvolvimento dos subordinados.
Se há uma interação entre duas partes dentro de uma organização com um
propósito coletivo, se o líder transforma, motiva e desenvolve comportamento
ético e as aspirações dos seguidores, podemos concluir que está ocorrendo
liderança transformacional (Simola et al., 2012), tendo como resultados espe-
rados a melhora da moralidade, da motivação e do desempenho dos seguido-
res, bem como a eficácia organizacional.
Considerando os efeitos da pós-modernidade, percebe-se que vivemos
num mundo cuja situação é marcada pela Volatilidade, Incerteza, Complexi-
dade e Ambiguidade (o mundo VUCA – sigla formulada pelo exército norte-
-americano para descrever cenários e contextos de guerra possíveis de serem
enfrentados e que ganhou destaque, especialmente, após o atentado de 11 de
setembro). Essa concepção de mundo se alinha com a noção de “modernidade
líquida” de Bauman (2001), para quem vivemos em uma sociedade onde nada
mais é fixo e rígido como na modernidade sólida. Tudo é fluido e mutável.
Este cenário do mundo Pós-moderno desafia as organizações sociais e
seus líderes precisam ter um perfil capaz de proporcionar uma visão clara e
referencial para as pessoas diante uma realidade muito desafiadora. Segundo
Juhro e Aulia (2018), a liderança transformacional é considerada o estilo mais
adequado e eficaz para ser aplicado na era VUCA.

Neurociência

A neurociência é um campo de estudo interdisciplinar cujo objeto de


estudo é o sistema nervoso, sua estrutura e funcionamento, sendo o cérebro
o componente focal desse sistema complexo (Rekart, 2019).
150

O protagonismo do cérebro

O período de Renascimento científico e cultural, ocorrido na Europa,


entre os séculos XV e XV, foi fundamental para a evolução de diversos cam-
pos de conhecimento e a medicina foi um deles. Neste contexto, o dogma-
tismo religioso, marca registrada da era medieval, começa a perder espaço
e a sociedade volta ao seu curso no tocante à evolução da racionalidade, da
ciência e da natureza.

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Neste processo de voltar a valorizar o ser humano, o estudo do corpo
“ganha corpo”. Pega carona com as artes e tem grande evolução. Muitos
dos artistas, como Leonardo Da Vinci e Michelangelo dissecavam corpos
com a justificativa de estudar a anatomia humana para melhor elaborar
suas obras, especialmente pinturas e esculturas envolvendo o corpo [...]
Especula-se ainda que alguns dos mestres do Renascimento esconderam
em suas obras imagens anatômicas do cérebro, dentre esses artistas estão
Michelangelo Buonarotti e sua A Criação de Deus, aportada no teto da
capela Sistina, ou Gerard David, com a sua Transfiguração de Cristo,
que se assemelha a uma secção coronal do cérebro (Tieppo, 2019, p. 13,
grifo do autor).

A técnica de dissecação representou um marco do seu estudo e compreen-


são. René Descartes contribuiu muito para isso, no século XVII, ao inaugurar
pensamento científico baseado em sua visão dualista acerca do corpo e mente,
o que criou a desculpa necessária junto à igreja para que se estudasse o corpo
sem comprometer a alma.

No final do século XVIII, o sistema nervoso já havia sido completamente


dissecado. Percebeu-se que todos os indivíduos tinham o mesmo padrão de
giros e sulcos que são as protuberâncias e reentrâncias do cérebro e que o
cérebro podia ser dividido em lobos (partes) e mapeado. Assim, inicia-se a
longa jornada da discussão da localização das funções cerebrais em áreas
específicas do cérebro (Tieppo, 2019, p. 15).

Até o final do século XIX, os avanços da medicina possibilitaram conhe-


cer bem a estrutura celular do corpo humano, a anatomia e a fisiologia de
todos os órgãos, porém ainda não se sabia de que substância exatamente era
feito o cérebro. Ao iniciar o século XX, as portas para compreender o fun-
cionamento do sistema nervoso se abrem com as descobertas das sinapses,
da possibilidade de detectar a atividade elétrica do cérebro por meio de apa-
relhos de eletroencefalografia, do mapeamento cerebral em plano cirúrgico,
relacionando estrutura e função mais facilmente.
NEUROCIÊNCIAS: um instrumental teórico-epistemológico e metodológico interdisciplinar 151

Na década de 70, Paul MacLean (1913-2007) desenvolveu o conceito de


cérebro trino: 1 – o cérebro reptiliano, mais primitivo, instintivo, respon-
sável pela sobrevivência e emoções primárias como fome e sede, capaz
de responder apenas com reflexos simples como nos répteis; 2 – o cérebro
límbico ou emocional, que seria o dos mamíferos inferiores, responsável
pelas emoções; 3 – o neocortex, cérebro mais recente e racional, responsá-
vel por tarefas intelectuais que só os seres humanos dominam e que seria
a parte do cérebro capaz de pensar abstratamente e produzir invenções.
Na década de 80, tivemos o início das neuroimagens. Tais imagens foram
revolucionárias para a compreensão do funcionamento do cérebro, pos-
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sibilitando uma visão mais dinâmica do sistema nervoso, com diversos


planos e cortes (Tieppo, 2019, p. 26).

A partir da década de 1990, o governo dos Estados Unidos decidiu


investir fortemente em descobrir como o cérebro humano funciona, e ins-
tituiu a “Década do Cérebro”. Isso significou um “boom” nas pesquisas
sobre o cérebro e fez expandir sobremaneira o campo da neurociência.
O resultado de todo esse investimento foi um incremento das técnicas
de escaneamento do cérebro (Neuroimagens): a ressonância magnética, a
tomografia funcional, o Pet Scan – Tomografia por Emissão de Pósitrons
(PET), entre outras.
A partir dessa imensa evolução dos últimos anos, a neurociência (a ciên-
cia do cérebro) atingiu um status tão abrangente que passou a se caracterizar
como um campo de pesquisa que extrapola os estudos patológicos ou da fun-
cionalidade das partes do sistema nervoso, ela se propõe também a investigar
a mente, a consciência, o inconsciente e o comportamento. A neurociência
reconhece os processos mentais como resultantes do nosso sistema nervoso
central, portanto, os conhecimentos por ela produzidos não são aplicados pela
medicina, mas também por profissionais das mais diferentes áreas, como a
economia, a educação, o direito, a psicologia, a gestão de pessoas, o mar-
keting, entre outras. Sendo uma das aplicações mais fantásticas e também
mais polêmicas da neurociência o desenvolvimento da inteligência artificial
(Tieppo, 2019).

A neurociência aplicada à liderança

Os avanços da neurociência vêm estimulando pesquisadores de diversas


áreas do conhecimento humano a buscarem a interlocução entre suas áreas e a
neurociência. Ela tem fascinado cada vez mais, devido ao seu potencial para
explicar inúmeros aspectos definidores e constituintes da dimensão humana,
em especial, as emoções, os pensamentos e as ações (Ribeiro, 2013).
152

O cérebro controla todos os aspectos da vida humana. De acordo com


pesquisas e estudos recentes, fica cada vez mais evidente que tudo o que
vemos, ouvimos, cheiramos, digerimos, falamos, sentimos e pensamos
depende da atuação do cérebro. Inclusive como agimos e nos comporta-
mos, nossas crenças, memórias e desejos, nossa motivação e até nossa
própria identidade (Tieppo, 2019, p. 1).

As pesquisas sobre o sistema nervoso naturalmente transcendem as ques-


tões biológicas e envolvem outras áreas bem distintas, associando o cérebro
e os processos mentais aos mais diferentes temas e áreas do conhecimento

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humano. Assim sendo, a neurociência tem se mostrado extremamente impor-
tante para melhor compreender as atitudes e comportamentos dos colabora-
dores de uma organização (Silva; Goulart, 2015).
Como já vimos, a liderança é um fenômeno ou processo decorrente da
interação entre indivíduos dentro de um contexto grupal. A dinâmica das
interações desses indivíduos nos grupos perpassa muitos dos aspectos já bem
estudados pela psicologia social, tais como atitudes, percepção interpessoal,
comunicação, cooperação, competição, tomada de decisão, influência, relações
de poder, cognição social, entre outros. Para efeito deste estudo analisaremos,
em especial, o aspecto da cognição social.
Segundo Troccoli (2011), a cognição social é um processo mental pelo qual
os indivíduos manifestam seus pensamentos, sentimentos e comportamentos a
respeito de si mesmos e dos outros, constituído de dois elementos básicos: 1)
os esquemas e 2) as atribuições, sobre os quais atuam os processos de atenção,
memória e inferência. Por meio da cognição social percebemos, processamos,
armazenamos e usamos informações que recebemos de nosso mundo social.
Sob outra ótica, a cognição social não é considerada apenas um tópico
da psicologia social, mas uma abordagem a partir da qual diversos tópicos da
psicologia social são analisados, inclusive a liderança. Essa nova abordagem
da cognição social a toma como uma novidade conceitual e metodológica que
introduz as questões cognitivas subjacentes aos tópicos tradicionais da psico-
logia social (Devine et al., 1994). Ao estabelecer a relação entre neurociência
e liderança, temos acompanhado o crescimento da neurociência cognitiva
social que, na sua versão aplicada, é neurociência cognitiva organizacional.
BUTLER et al. (2015) vêm contribuindo para o crescimento desse novo
campo de estudo (Organizational Cognitive Neuroscience – OCN), relacio-
nando a área do comportamento organizacional (liderança) com a neuro-
ciência (processos mentais), o qual encontra-se numa fase exploratória de
sua emergência e difusão. Segundo LEE et al. (2012) a abordagem da OCN
é uma perspectiva frutífera tanto para o campo da liderança quanto para a
pesquisa neurocientífica. Os autores delineiam a OCN e admitem ser ainda o
NEUROCIÊNCIAS: um instrumental teórico-epistemológico e metodológico interdisciplinar 153

início dos esforços para se apropriar dos avanços da neurociência cognitiva


e outras abordagens para entender o comportamento humano e se infiltrar na
pesquisa sobre liderança.

De fato, defendemos a visão de que a aplicação adicional de métodos


cognitivos e técnicas neurocientíficas para pesquisa de liderança pagarão
grandes dividendos em nossa compreensão de comportamentos de lide-
rança eficazes e, como tal, uma futura simbiose entre os dois campos é
uma necessidade (Lee et al., 2012, p. 213).
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Neurociência e liderança transformacional

Alguns estudos que buscaram relacionar a liderança transformacional


a princípios de neurociência obtiveram correlações muito positivas e confir-
maram a possibilidade de alcançar bons níveis de liderança transformacional
por meio de intervenções de neurociência aplicada (Sinek, 2015; Swart et al.,
2015; Juhro; Aulia, 2018). Com base nessas pesquisas, as 9 (nove) compe-
tências essenciais/obrigatórias de uma liderança transformacional são: inova-
ção, agilidade, inteligência emocional (liderança do eu), inteligência social,
capacidade de influenciar os outros, habilidades de comunicação, visionário,
resolver problemas e tomada de decisão).
No estudo realizado por Juhro e Aulia (2018) constatou-se que além
das 9 (nove) competências da liderança transformacional, as intervenções
baseadas na neurociência aplicada podem alcançar outras competências de
liderança, como empatia, espiritualidade, coaching, aconselhamento, mentoria
e liderança vibrante. Dentre as mais conhecidas intervenções ou técnicas de
neurociência aplicada, têm-se: o relaxamento, a atividade física e cerebral,
rotulagem, atenção plena, interação, a compreensão das preferências de comu-
nicação, regulação SCARF, estratégias de fragmentação, “AHA” a realização
do momento e a mitigação do viés, que podem ser usadas para gerenciar as
emoções. “Emoções que são bem geridas irão desencadear a libertação de
hormônios que têm um impacto positivo nos comportamentos de liderança”
(Juhro; Aulia, 2018, p. 219).
Sobre a neurociência aplicada à liderança, Juro e Aulia (2018, p. 211)
concluem que:

[...] dá uma compreensão sobre as atividades e mecanismos do cérebro que


melhoram as competências necessárias de um líder [...] ajuda um líder a
transformar a organização [...] pode ajudar uma liderança transformacional
a alcançar um estado “fisicamente, emocionalmente e mentalmente seguro”
e encorajar uma organização a transformar-se efetivamente.
154

O treinamento mental de um líder, o desenvolvimento de suas capacida-


des de interação e percepção social, a sua habilidade de criar uma identidade
social com seus seguidores e promover a força do seu grupo ou organização,
são aspectos da liderança transformacional que a neurociência potencializa.
Haslam et al. (2020) ressalta a importância dos princípios de cognição social
e identidade social em sua análise psicológica da liderança. Este autor reco-
nhece os trabalhos de John Turner e de vários outros pesquisadores como Mike
Hogg, Daan van Knippenberg e Naomi Ellemers, os quais forneceram suporte
empírico para a ideia de que liderança eficaz é fundamentada na identidade

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social compartilhada.
A liderança transformacional reúne características mentais (emocionais,
cognitivas e comportamentais) que se afinam profundamente a esse modelo
de identidade social compartilhada. Bass (1993) confirma essa realidade de
interdependência e compartilhamento de sentidos entre líderes e as organiza-
ções que representam, ao afirmar “que a cultura organizacional é em boa parte
desenvolvida pelos seus líderes, assim como a cultura de uma organização
promove o desenvolvimento de suas lideranças”.
Edison et al. (2018) relacionaram as características do mundo atual e os
desafios impostos às organizações e às suas lideranças no tocante à situação
volátil, incerta, complexa e ambígua conhecida como VUCA. Os autores
concluíram que a liderança transformacional é considerada mais eficaz do
que outros estilos de liderança para antecipar os desafios dessa era VUCA.
Destacaram que, é imprescindível que um líder procure se desenvolver sempre,
agindo com agilidade na consecução dos objetivos organizacionais.
O estudo de Edison et al. (2018) buscou analisar numa primeira etapa
a correlação entre aspectos de liderança (através do Questionário de Lide-
rança Multifatorial/avaliação MLQ), funções cognitivas (através da avalia-
ção Wechsler Bellevue) e padrão de atividade cerebral/mapeamento cerebral
(através de Eletroencefalografia/EEG). Em seguida, dispuseram um estímulo
por meio de neurofeedback para treinar o controle dos participantes sobre
suas ondas cerebrais. Os resultados revelaram que os líderes têm desempe-
nho melhor com um estilo de liderança transformacional (subtipos influência
idealizada e inspiração motivadora) e quando conseguem controlar conscien-
temente suas ondas cerebrais.

Os líderes transformacionais em organização militar e seus


processos mentais

De acordo com Rock e Schwartz (2007), estudar a liderança transfor-


macional na perspetiva da neurociência cognitiva nos permite compreender
NEUROCIÊNCIAS: um instrumental teórico-epistemológico e metodológico interdisciplinar 155

melhor a base neural e a atividade cerebral como um todo da liderança trans-


formacional, permitindo ainda, impactar positivamente a sua eficácia perante
a organização, seja ela de natureza governamental, empresarial, eclesiástica
ou militar.
Levando-se em conta os componentes básicos da liderança transforma-
cional apresentados por Bass (1990), o líder deve apresentar comportamen-
tos, emoções e pensamentos compatíveis com tarefas complexas, tais como:
influenciar, motivar, inspirar, ensinar, encorajar, apoiar, desenvolver, capacitar,
comprometer, aconselhar, enfim, servir de referência positiva para a trans-
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formação dos seus seguidores em termos de crescimento tanto do indivíduo


e quanto do grupo.
Considerando também o fato do mundo atual ser caracterizado pelos
desafios da era VUCA, ou seja, mudando constante e rapidamente, as organi-
zações estão necessitando de líderes transformacionais que possuam, também,
flexibilidade e adaptabilidade e que estejam dispostos sempre a aprender e
renovar as visões e estratégias organizacionais para acompanhar as progressões
dos tempos (Edison et al., 2018).

A Liderança Transformacional no contexto das organizações


militares

As regras, regulamentos, procedimentos e exercícios militares dão esse


caráter estruturante dos comportamentos na instituição militar, no entanto a
liderança transformacional tem um impacto positivo conforme afirma Bass
(1998), para quem submissão e obediência à hierarquia podem ser alcançadas
tanto segundo uma liderança transaccional, quanto pela liderança transforma-
cional, no entanto, os componentes motivacionais do estilo transformacional
são ainda mais capazes para gerar o “sentido” na mente e no coração dos
subordinados ao ponto de até morrerem por uma causa.
Comparativamente à liderança transacional, na predição da prontidão, do
esforço extra, do compromisso e da satisfação, a liderança transformacional
conduz a níveis mais elevados de esforço extra, compromisso, satisfação e
a melhores desempenhos numa grande variedade de contextos e situações
(Avolio, 1999).
O paradigma da liderança transformacional tem grande relevância para
organizações que têm por base o voluntariado, onde as recompensas são mais
baseadas no reconhecimento pessoal e no compromisso para com valores e
ideais (Bass; Avolio, 2004). Aspectos bem presentes na estrutura das organi-
zações militares, entretanto, o líder deve se atentar para a existência de con-
dutas estigmatizantes e discriminatórias, preconceitos, vieses, personalismos
156

e outros fatores de desagregação que podem desconfigurar o ambiente militar,


naturalmente identificado pela camaradagem, sinergia, união e coesão.
Os líderes transformacionais apresentam níveis mais baixos de reação
à crítica e à agressão, mas níveis maiores de autoconfiança, apoio e pragma-
tismo e atributos de feminilidade. A partir deste estudo Ross (1990) sobre
características de personalidade, de líderes transformacionais, podemos nos
questionar se o baixo nível de reação à crítica e o alto nível de atributos de
feminilidade seriam ajustados à liderança em contextos militares.
Estudos em ambientes militares mostraram que: a) os líderes transfor-

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macionais são avaliados pelos seus subordinados como os mais eficazes e são
escolhidos para ocuparem lugares de maior responsabilidade (Yammarino;
Bass, 1990; Atwater; Yammarino, 1992); b) a liderança transformacional se
correlaciona com baixos níveis de rotação de pessoal, elevada satisfação e
compromisso, bem como elevado sucesso organizacional (Dvir et al., 2002);
e c) os comportamentos associados à liderança transformacional aumentam
os efeitos dos comportamentos transacionais, a motivação e o compromisso
(Kane; Tremble, 2000).

Processos mentais (integração dos aspectos cognitivo, emocional


e comportamental) de líderes transformacionais

Para análise dos processos mentais de líderes transformacionais, é pre-


ciso resgatar dois conceitos importantes no campo da neurociência aplicada
à liderança ou neuroliderança: o modelo SCARF de Rock (2008) e a teoria
do Processo Dual – Sistema de pensamento 1 e Sistema de pensamento 2
(Shiffer, 1998; Stanovich; West, 2000), visando dar conta de compreender a
complexidade do trabalho mental que se processa no cérebro do líder.

O modelo SCARF

O modelo SCARF compreende cinco domínios da experiência social


humana, capazes de ativar os circuitos de “recompensa primária” ou “ameaça
primária” no cérebro, fundamentados cientificamente nas respostas de apro-
ximação / afastamento, que vai impactar diretamente no desempenho mental
de líder e liderados (Rock, 2008).
Componentes do Modelo SCARF:

S – Status (nossa percepção de nossa posição social relativa a uma


pessoa ou pessoas num grupo).
NEUROCIÊNCIAS: um instrumental teórico-epistemológico e metodológico interdisciplinar 157

C – Certeza (nossa crença de que sabemos o que vai acontecer no


instante seguinte).
A – Autonomia (nossa necessidade de termos um senso de controle
sobre os eventos).
R – Relação (nossa natureza social gregária, nossa necessidade de
sermos aceitos).
F – Fairness (justiça) (nossa expectativa de que haja justiça nas
trocas entre as pessoas.
Um indivíduo ao perceber uma ameaça a algum componente de seu
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SCARF poderá ter uma a redução no desempenho cognitivo, pois sofrerá uma
alteração em seu cérebro, especialmente no sistema límbico, por intermédio
da amígdala, responsável pela lembrança daquilo que devemos nos afastar
e do que podemos nos aproximar. Segundo Arnsten (1998, citado por Rock,
2008) há uma forte correlação negativa entre a quantidade de ativação de
ameaça e os recursos disponíveis para o córtex pré-frontal, resultando em
menos oxigênio e glicose disponíveis para as funções do cérebro envolvidas
na memória de trabalho, tornando o indivíduo menos propenso a solucionar
problemas complexos e mais propenso a cometer erros.
Da mesma forma, um indivíduo que é ameaçado por seu superior, não
consegue encontrar respostas inteligentes, pois seus recursos cognitivos dimi-
nuem. Falar com um supervisor ou com alguém em posição hierárquica supe-
rior muito provavelmente irá gerar tensão ou estresse (ativar uma resposta de
afastamento), impedindo as pessoas de pensar de maneira racional e criativa (a
resposta de aproximação). A resposta de afastamento promove intensa excita-
ção do sistema límbico, de forma mais rápida e com efeitos mais duradouros,
comparada a uma resposta de aproximação, conforme afirma Beaumeister
(2001, citado por Rock, 2008).
Por outro lado, um indivíduo que recebe um elogio ou reconhecimento
por seu trabalho ou missão cumprida, ativa emoções positivas, como interesse,
felicidade, alegria e desejo que irão motivar respostas de aproximação que, no
meio militar, pode ser comparado ao sentimento moral elevado dos subordi-
nados. Dentro do cérebro desse indivíduo, os níveis de dopamina aumentam,
gerando condições muito favoráveis para a aprendizagem.
O conhecimento acerca do modelo SCARF possibilita às organizações,
inclusive as militares, desenvolver planos de treinamento para suas lideranças
no sentido de proporcionar uma visão clara e referencial para os subordinados
diante uma realidade muito desafiadora da realidade atual. O gerenciamento
das ameaças SCARF por um líder transformacional o permite perceber mais
facilmente os gatilhos sociais que geram tanto respostas de aproximação
quanto de afastamento nas pessoas. Para Rock (2008), este modelo visa ajudar
158

a minimizar as respostas de ameaça que são facilmente ativadas e maximizar


os estados de aproximação / engajamento.
Os estímulos aversivos são processados no sistema límbico antes que
cheguem à consciência. Naccache et al. (2005, citado por Rock, 2008) rea-
lizou um estudo apresentando, de forma subliminar, palavras sem sentido
com aparência semelhante a palavras ameaçadoras, e constatou que essas
palavras-estímulos foram categorizadas como possíveis ameaças pela amíg-
dala. O experimento conclui que a resposta aproximação / afastamento leva
a atenção a um nível de processamento reflexo, automático e rápido.

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A Teoria do Processo Dual

A teoria do Processo Dual – Sistema de pensamento 1 e Sistema de pen-


samento 2 de Shiffer (1998), defende que possuímos dois circuitos cerebrais
distintos: 1) um que é automático, inconsciente e rápido; e 2) o outro, contro-
lado, consciente e lento. Ringleb et al. (2015) descreve o Sistema 1 como o
sistema mais “rápido”, evolutivamente mais antigo, associativo, automático,
inconsciente, e o Sistema 2 como o sistema mais “lento”, evolutivamente mais
recente, distintamente humano, baseado em regras, controlado, consciente.
Os circuitos do Sistema 2 alocam a atenção do cérebro para as atividades
de esforço, associadas à concentração e foco. Essas atividades mentais são
cruciais para a sobrevivência no complexo ambiente social dos humanos, e o
desenvolvimento dos circuitos neurais do Sistema 2 se relacionam diretamente
com necessidades do “cérebro social” (Dunbar, 2014; Lieberman, 2013), neste
contexto se destacam circuitos como a autorregulação, o controle de impulsos
e a força de vontade.
Ringleb et al. (2015) discorre sobre os quatro domínios avaliados em
estudos sobre neuroliderança, e descreve inúmeras bases neurais já são com-
preendidas que estão a serviço da melhoria da eficácia do comportamento dos
líderes transformacionais em meio ao mundo VUCA. Os domínios da neuroli-
derança são: 1) tomada de decisão e resolução de problemas; 2) colaborar com
e influenciar os outros; 3) regulação emocional; e 4) facilitação da mudança.

Tomada de decisão e resolução de problemas

No que se refere à tomada de decisão e resolução de problemas, muitos


dos nossos problemas e decisões que temos que tomar são sociais (Lie-
berman, 2013). Além disso, muitas de nossas decisões são tomadas sob
estresse, o que afeta o nosso desempenho, dependendo do nível de cortisol
liberado ou do gênero masculino ou feminino. A neurociência já admite
NEUROCIÊNCIAS: um instrumental teórico-epistemológico e metodológico interdisciplinar 159

uma distinção entre decisões em que (1) o estresse afeta o resultado e (2) o
estresse ativa o “lutar” ou nos põe em alerta. A primeira situação é caracte-
rizada por circuitos cerebrais analíticos do Sistema 2, enquanto a segunda é
caracterizada por circuitos automáticos do Sistema 1. Singer et al., (2013)
identificou o hipocampo como sendo a importante estrutura cerebral no
processo de tomada de decisão e, além do impacto do estresse, outros fatores
como sono, exercício, dieta e atenção plena também podem afetar a eficácia
da tomada de decisão.
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Colaborar com e influenciar pessoas

Na atitude de colaborar com e influenciar os outros, os líderes precisam


desenvolver os circuitos neurais no intuito de aumentar a sua consciência
social, a sua detecção de ameaças e recompensas em referência ao SCARF,
sua autoconsciência e sua autorregulação. Pesquisadores do “NeuroLeader-
ship Labs” que, por aproximadamente 15 anos, vêm desenvolvendo o campo
da neuroliderança, abordam o tema da atividade cerebral no processo da
influência social e se referem à “Teoria da Liderança do Cérebro Social”. Os
autores entendem que o cérebro humano foi obrigado a adaptar-se em meio a
um ambiente social complexo para sobreviver, e assim evoluíram mecanismos
neurais agudamente sensíveis ao contexto social – particularmente a qualquer
sinal (real ou percebido) que nossa inclusão social estava de alguma forma
em risco (Ringleb et al., 2012).
A capacidade dos líderes de se adaptar e gerenciar questões de conexões
sociais de importância para a sua organização é uma função de sua “com-
plexidade mental” (Ringleb et al., 2015). A complexidade mental que um
líder transformacional deve conceber não apenas o ajudará em sua adapta-
ção a um novo grupo social, mas, sobretudo, o capacitará para fazê-lo pros-
perar e ter sucesso. Para tanto, dois sistemas neurocognitivos se mostram
úteis às habilidades sociais: a) o sistema de neurônios espelho e b) o sistema
de mentalização.
O sistema de neurônios espelho é ativado durante a execução e a
observação de ações motoras; ao passo que o sistema de mentalização
é ativado quando um indivíduo infere a opinião ou o estado mental de
outra pessoa (Van Overwalle; Baetens, 2009). Esses sistemas corroboram o
modelo dual de processamento do nosso cérebro, pois o sistema de neurô-
nios espelho atua na identificação de comportamento de forma automática
e isso se afilia com circuitos do Sistema 1, e o sistema de mentalização
atua na atribuição causal social de forma consciente e, por isso, se afilia
aos circuitos do Sistema 2.
160

Regulação emocional

Perceber, identificar, entender e gerenciar com sucesso tanto as suas


emoções quanto as emoções dos outros são ingredientes fundamentais que
compõem a complexidade mental do líder transformacional. Essa liderança
demonstra sua eficácia quando consegue gerenciar e potencializar as emo-
ções suas e dos seguidores, de modo a gerar confiança e satisfação, moral e
motivação dentro das organizações em geral. A regulação emocional é um
domínio focal da equipe de pesquisadores do “NeuroLiderança” e de extrema

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relevância conceitual para o desenvolvimento de liderança e estratégias de
intervenção (Ringleb et al., 2015).

Facilitação da mudança

Tanto líder como liderados necessitam seguir se desenvolvendo indivi-


dualmente, de modo a se tornarem pessoas cada vez melhores para a sociedade
ao ser redor. O domínio de Facilitação da Mudança permite aos líderes trans-
formacionais lançarem mão de intervenções de mudança individual baseadas
em princípios neurocognitivos como a Mindfulness (atenção plena) e exercí-
cios cerebrais baseados em computador.
Quando estipulamos uma meta definida racional e conscientemente por
intermédio do Sistema 2, visando implementar uma mudança em nossa vida,
nos deparamos com obstáculos dentro do próprio cérebro, nos circuitos do Sis-
tema 1, tornando-nos, inconscientemente, “imunes à mudança” (Kegan; Lahey,
2009). Além disso, emoções negativas como medo, preocupação e ansiedade
que sentimos há ameaça ao nosso SCARF, também oferecem obstáculos aos
nossos objetivos de mudança pessoal. Um líder que deseja se tornar mais
delegativo e participativo, objetivo do Sistema 2, pode se sentir inseguro pelo
medo de perder o controle, objetivo de autopreservação do Sistema 1 para “não
perder o controle”. O objetivo inconsciente e automático do Sistema 1 torna
muito difícil para o indivíduo atingir seu objetivo do Sistema 2. Resumindo, O
objetivo das estratégias de intervenção de Mindfulness e exercícios cerebrais
baseados em computador é ajudar o indivíduo a gerenciar a preocupação do
SCARF, diminuindo a força e intensidade dos circuitos do Sistema 1 do cére-
bro e, consequentemente, fortalecer a capacidade de vigilância e modulação
dos circuitos do Sistema 2 de um indivíduo (Oschsner, 2013).
NEUROCIÊNCIAS: um instrumental teórico-epistemológico e metodológico interdisciplinar 161

Considerações finais

Desafios atuais da era tecnológica e informacional (o mundo VUCA) têm


impactado a sociedade em todos os seus contextos: econômico, militar, fami-
liar, da saúde, político, educacional etc. requerendo adaptação e flexibilidade
das organizações. Diante dessa realidade, o desafio tanto para indivíduos como
para a sociedade é, como sempre foi em nossa trajetória humana, a evolução,
a adaptação. E a liderança sempre foi uma ferramenta importantíssima na
história em todas as transformações passadas. Tendo como marca identitária
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a força física guerreira, o heroísmo, o poder de herança dos monarcas, a força


política, a representatividade social, ou qualquer outro aspecto de influência
social, a função da liderança foi se construindo no sentido de servir de refe-
rência e esperança para as organizações sociais em momentos de crise.
A liderança acontece na interação entre indivíduos num contexto grupal.
A liderança transformacional é a concepção teórica que abrange e congrega
os principais elementos constituintes da liderança, a saber: os atributos de
líderes e liderados; a relação autêntica entre líderes e liderados que compar-
tilham suas identidades enquanto um grupo social coeso; e a situação que
dispõe contingências desafiadoras para líderes e liderados. Os estudos em
liderança atestam a importância da liderança transformacional em ser capaz
de motivar e mover uma organização vertical e horizontalmente, além de
impulsioná-la para ser mais ágil, flexível e adaptável frente às mudanças e
dinâmicas impostas.
Os avanços em neurociência estão possibilitando a alavancagem de inú-
meros temas nas ciências humanas de modo geral, permitindo a ampliação
da compreensão dos fenômenos. A base teórica fornecida pelo campo da
cognição social somada ao conhecimento mais aprofundado do funciona-
mento do sistema nervoso, em especial do cérebro, abriu a possibilidade de
um campo emergente de estudo relacionando neurociência e liderança, e com
isso temos acompanhado o crescimento da neurociência cognitiva social que,
na sua versão aplicada, é neurociência cognitiva organizacional (OCN), que
se encontra em fase exploratória e em ampla difusão.
Um treinamento de competências em liderança transformacional poten-
cializaria, de forma específica, as capacidades de. inovação, agilidade, inteli-
gência emocional (liderança do eu), inteligência social, influenciar os outros,
comunicação, ser visionário, resolver problemas e tomada de decisão, bem
162

como de outras competências gerais de liderança, como empatia, espiritua-


lidade, coaching, aconselhamento, mentoria e liderança vibrante. O desen-
volvimento e alcance das competências de liderança transformacional por
intermédio de intervenções baseadas na neurociência aplicada tem sido
objeto de estudo de pesquisadores do “NeuroLeadership” há aproximada-
mente 15 anos.
A compreensão sobre o modelo SCARF e sobre processamento Dual
do nosso sistema nervoso (semelhança com a atuação do Sistema Nervoso
Periférico (SNP) Autônomo – Simpático e Parassimpático) contribui para

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a análise da complexidade do trabalho mental que se processa no cérebro
do líder e dos seus liderados. Para melhoria da eficácia do comportamento
dos líderes transformacionais em meio ao mundo VUCA, é importante
desenvolver as bases neurais nos domínios da neuroliderança (a tomada de
decisão e resolução de problemas, o colaborar com e influenciar os outros,
regulação emocional e a facilitação da mudança), atuando sobre os circuitos
da autorregulação, do controle de impulsos e da força de vontade por meio
de intervenções neurocognitivas. De modo geral, líderes e liderados devem
ser capacitados no gerenciamento das ameaças SCARF e fortalecimento dos
circuitos neurais do Sistema 2, diretamente relacionados com necessidades
do “cérebro social”.
Finalizando, intentou-se com este artigo estimular o desenvolvimento
de discussões e pesquisas acerca do tema da neuroliderança no contexto das
organizações militares que, pela natureza da sua finalidade, necessita prima-
riamente da eficácia da atuação de seus comandantes em diversos níveis junto
aos seus subordinados em circunstâncias adversas e estressoras com perigo
e risco de morte iminentes.
NEUROCIÊNCIAS: um instrumental teórico-epistemológico e metodológico interdisciplinar 163

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AS NEUROCIÊNCIAS, A VIDA E
A MORTE HUMANIZADA
Sônia Cardoso Moreira Garcia21

Introdução
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E ste estudo busca explorar o impacto das neurociências na vida e morte


humanizada. A neurociência, como campo científico que estuda o sistema
nervoso e o cérebro, tem avançado significativamente nas últimas décadas.
Esses avanços têm proporcionado uma compreensão mais profunda sobre a
maneira como funcionamos como seres humanos, tanto em termos de saúde
quanto de doença. Com isso, têm surgido novas possibilidades de aborda-
gens mais humanizadas para lidar com a vida e morte. Das neurociências da
anatomia à experimental, diferentes ciências dialogam com a psicobiologia
desde o transtorno de aprendizagem ao estresse pós-traumático. São inúme-
ros os diálogos interdisciplinares para pensar as neurociências e as funções
executivas entre memória, cognição e a consciência. Tais funções executivas
e autorregulacão emocional embasam o ser e o saber. Outros temas como as
tecnologias aplicadas ao ambiente militar se alimentam dos conhecimentos
das neurociências
Nesse capítulo a atenção, a memória e a emoção como aspectos interces-
sores das neurociências na aprendizagem dialogam sobre a importância das
Funções Executivas, especialmente no curso de medicina para tratar do tema
morte de modo humanizado. Com base nas descobertas das neurociências, a
vida humanizada busca promover o bem-estar de uma pessoa por completo.
Assim como a vida, a morte também pode ser abordada de maneira huma-
nizada com base nos conhecimentos das neurociências. O fim da vida é um
processo complexo que envolve tanto o paciente quanto seus entes queridos.
Nesse contexto, a abordagem humanizada valoriza o respeito à autonomia do
paciente, garantindo que suas vontades sejam seguidas. Além disso, a equipe

21 Mestra em Ensino das Ciências da Saúde e do Meio Ambiente – UniFOA. Especialista em Gestão e Saúde
– FIOCRUZ. Especialização em Psicologia Hospitalar e da Saúde – CEPPS. Professora Supervisora do
Eixo Medicina e Humanidades do UniFOA. Extensão em Psicooncologia. Conselho Editorial – Revista
FASF – Brasil. Professora Revisora de Artigos na Revista Valore – RJ. Professora Revisora de Artigos na
Revista RPI – Revista de Pesquisa Interdisciplinar: uma construção para o desenvolvimento técnico-cien-
tífico-acadêmico da área interdisciplinar. Pesquisadora colaboradora/LAGERES – Laboratório de Estudo e
Pesquisa na/para a Formação de Professores – CNPq (2010-2022). E-mail: sph1918@hotmail.com
168

médica trabalha em conjunto com especialistas em cuidados paliativos para


minimizar o sofrimento físico e emocional do paciente, promovendo uma
morte digna e com qualidade. Isso implica considerar suas necessidades físi-
cas, emocionais e psicológicas. Por exemplo, pacientes com doenças neuro-
lógicas podem se beneficiar de uma abordagem que inclui terapias cognitivas,
fisioterapia, acompanhamento psicológico e suporte emocional. Dessa forma,
a vida é valorizada e melhorada, proporcionando uma experiência de saúde
mais abrangente e gratificante.
As neurociências como disciplina são trabalhadas em diferentes cursos

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de graduação, e nos de Pós-Graduação. No curso de medicina têm avançado e,
como uma área de estudo em constante expansão, em articulação com outras
áreas de conhecimento, como Psicologia, Biologia e Química, abrangendo
uma variedade de temas que vão além do entendimento do funcionamento do
cérebro humano. Entre esses temas, um dos aspectos mais relevantes para o
curso de medicina é o papel das neurociências na compreensão da vida e da
morte humanizada.
A vida e a morte humanizadas são conceitos que se referem à perspec-
tiva ética e humanitária aplicada à medicina e aos cuidados em/de saúde. O
objetivo é proporcionar um tratamento respeitoso e compassivo às pessoas,
garantindo-lhes que suas escolhas e desejos sejam respeitados ao longo do
processo de saúde e doença, incluindo o momento da morte. Em um con-
texto tradicional, os cuidados de saúde costumavam se concentrar apenas
na cura de doenças físicas. No entanto, com o conhecimento adquirido pelas
neurociências, ficou claro que a saúde humana está intrinsecamente ligada
a fatores psicológicos, sociais e emocionais. A abordagem humanizada leva
em consideração todos esses aspectos e busca proporcionar uma qualidade
de vida mais digna e satisfatória para os indivíduos.
Para discutir o tema, o presente texto trabalha as diretrizes do curso
de medicina, na sequência os conceitos de vida e morte articulados
às neurociências.

O curso de medicina e seus enfoques neurocientíficos

O curso de medicina tem como missão a formação do perfil médico,


segundo as Diretrizes Curriculares do Ministério da Cultura e Educa-
ção (MEC)22,

Médico, com formação generalista, humanista, crítica e reflexiva. Capa-


citado a atuar, pautado em princípios éticos, no processo de saúde-doença

22 Cf. http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/Med.pdf
NEUROCIÊNCIAS: um instrumental teórico-epistemológico e metodológico interdisciplinar 169

em seus diferentes níveis de atenção, com ações de promoção, prevenção,


recuperação e reabilitação à saúde, na perspectiva da integralidade da assis-
tência, com senso de responsabilidade social e compromisso com a cida-
dania, como promotor da saúde integral do ser humano (MEC, 2023, p. 1).

É o curso responsável pela formação humanizada dos futuros médicos


que atuarão diretamente com pacientes que enfrentam doenças graves e muitas
das vezes, fora de possibilidades terapêuticas como câncer ou doenças neuro-
lógicas degenerativas. As neurociências possibilitam o desenvolvimento de
abordagens terapêuticas mais individualizadas. Isso inclui terapias e psico-
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terapias que visam não apenas a recuperação física, mas também a melhoria
da qualidade de vida e o alívio do sofrimento emocional.
Entre vinte e dois itens de conhecimentos, competências e habilidades
específicas propostas nas diretrizes supracitadas, destacam-se duas para o
presente capítulo. São elas:

Diagnosticar e tratar corretamente as principais doenças do ser humano


em todas as fases do ciclo biológico, tendo como critérios a prevalência
e o potencial mórbido das doenças, bem como a eficácia da ação médica;
Atuar na proteção e na promoção da saúde e na prevenção de doenças,
bem como no tratamento e reabilitação dos problemas de saúde e acom-
panhamento do processo de morte (MEC, 2023, p. 2).

Os conhecimentos e competências e habilidades mencionam a impor-


tância de diagnosticar e tratar corretamente as principais doenças ao longo de
todas as fases do ciclo biológico humano, levando em consideração critérios
como a prevalência das doenças e seu potencial de causar morbidade. Isso
destaca a necessidade de uma abordagem abrangente na área da saúde, visando
garantir o bem-estar dos indivíduos em todas as etapas de suas vidas.
Além disso, o texto também enfatiza o papel fundamental dos profis-
sionais de saúde em não apenas tratar doenças, mas também em proteger e
promover a saúde, bem como prevenir problemas de saúde antes que ocorram.
A atuação na prevenção de doenças é crucial para reduzir a carga das enfer-
midades na população e melhorar a qualidade de vida.
A parte que menciona o tratamento e a reabilitação de problemas de
saúde, juntamente com o acompanhamento do processo de morte, ressalta a
abordagem holística da medicina, que busca não apenas curar doenças, mas
também proporcionar suporte físico e emocional aos pacientes em todas as
fases da vida, inclusive no enfrentamento de situações terminais.
No geral, o texto destaca a importância de uma atuação médica que não
se limite apenas à resolução de problemas de saúde, mas que também englobe
170

a prevenção, promoção da saúde e o suporte integral ao paciente, proporcio-


nando uma abordagem mais completa e abrangente na área da saúde.
As neurociências agregam valores aos aspectos apontados pela impor-
tância de diagnosticar e tratar corretamente as principais doenças ao longo de
todas as fases do ciclo biológico humano, levando em consideração critérios
como a prevalência das doenças e seu potencial de causar morbidade. Isso
destaca a necessidade de uma abordagem abrangente na área da saúde, visando
garantir o bem-estar dos indivíduos em todas as etapas de suas vidas.
Além disso, as Diretrizes também enfatizam o papel fundamental dos pro-

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fissionais de saúde em não apenas tratar doenças, mas também em proteger e
promover a saúde, bem como prevenir problemas de saúde antes que ocorram.
Em relação ao desenvolvimento cognitivo e saúde mental ao longo da
vida, é especialmente relevante nas neurociências, pois o cérebro e o sistema
nervoso desempenham um papel crucial em todas as fases da vida. Diagnos-
ticar e tratar corretamente doenças neurológicas, como transtornos neurop-
siquiátricos e distúrbios do desenvolvimento, é fundamental para garantir o
bem-estar mental e emocional ao longo do ciclo biológico.
Para se estudar a prevenção de problemas de saúde também é vital buscar
as neurociências, já que muitas condições neurológicas têm componentes
genéticos e ambientais. Ela ajuda a compreender que um ambiente saudável
desde a infância, com estímulos cognitivos e emocionais adequados, pode
contribuir para reduzir o risco de distúrbios neurológicos no futuro.
No caso de reabilitação neurológica, a menção ao tratamento e rea-
bilitação de problemas de saúde também é altamente relevante as neu-
rociências. Pacientes que passaram por lesões cerebrais, como acidentes
vasculares cerebrais (AVCs) ou traumatismos cranianos, podem se beneficiar
de intervenções de reabilitação neurológica para recuperar funções perdidas
ou comprometidas.
No referente a integração física e emocional, a abordagem holística da
medicina mencionada nas diretrizes também é valide se apoiar nas neuro-
ciências. Muitos distúrbios neurológicos têm implicações emocionais signi-
ficativas, e a atenção ao suporte emocional dos pacientes é crucial para uma
recuperação completa. Além disso, a compreensão das interações entre o
sistema nervoso e outros sistemas do corpo é essencial para uma abordagem
verdadeiramente integrada.
Ao se estudar envelhecimento e demências, sabe-se que à medida que
a população envelhece, as doenças neurodegenerativas, como o Alzheimer
e outras demências, tornam-se mais prevalentes. O diagnóstico precoce e o
tratamento adequado dessas condições são cruciais para melhorar a qualidade
de vida dos indivíduos afetados.
NEUROCIÊNCIAS: um instrumental teórico-epistemológico e metodológico interdisciplinar 171

Em resumo, a interseção entre os conceitos apresentados nas Diretrizes do


MEC ganha importante apoio nas neurociências como uma abordagem ampla
e integrada na área da saúde, especialmente no contexto das complexas rela-
ções entre o cérebro, o sistema nervoso e o bem-estar geral ao longo da vida.

Relato de um estudo de caso

Nesse tópico trazemos um estudo de caso na busca pela humanização


na morte: o caso de uma paciente com esclerose múltipla.
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A humanização no cuidado de pessoas fora de possibilidades terapêuticas,


uma vez que o termo terminal vendo sendo substituído pelo acima trazido e
entendendo que o termo terminal inferi em uma conotação de fim absoluto e no
extermínio a médico e/ou curto prazo, não restando a pessoa do adoecimento
uma experiência de dignidade e respeito à sua história de vida e mesmo, de
morte. Trazemos, ainda, nesse sentido, que na visão integral e biopsicossocial
do sujeito, tal olhar sobre a pessoa da doença parte do princípio do reconheci-
mento de sua vida com todas as suas nuances e de sua história. O olhar biop-
sicossocial nos aproxima do ser da doença e não somente do órgão da doença
ou da doença em si, mas na pessoa que a desenvolve com possibilidades de
enfrentamentos humanizados. Assim, com o caso aqui reproduzido, cremos
permitir o caminhar de nossos pensamentos e ações rumo à compreensão da
relevância do tema e o quão se mostram necessários debates e discussões, na
atualidade, nesse sentido. No caso específico de pessoas portadoras de escle-
rose múltipla, uma doença degenerativa e progressiva, as demandas sobre a
humanização da morte ganham ainda mais importância.
Neste momento, abordaremos a história de Sueli, uma paciente de 34
anos que se defrontou com os desafios da esclerose múltipla e com as adver-
sidades encontradas no processo de morte humanizada.
Sueli foi diagnosticada com esclerose múltipla há 12 anos e desde então,
lidou com as barreiras físicas e emocionais impostas pela doença. Familiares e
equipe multi e interdisciplinar de saúde acompanharam de perto seu percurso,
oferecendo cuidados e estrutura durante todo o período de convivência com
a doença e em seu desfecho.
No estágio avançado da esclerose múltipla, Sueli passou a apresentar uma
piora gradativa e significativa em sua qualidade de vida. Sua motricidade ficou
ainda mais comprometida, e as funções básicas do dia a dia, como alimentação
e higiene pessoal, necessitavam de auxílio constante. Sueli começou a expres-
sar seu entendimento acerca da gravidade de sua doença e junto a isso, suas
preocupações essencialmente voltadas para o filho de sete anos, do qual, diante
do prognóstico do adoecimento e sua evolução, seria interrompida e assim,
172

seu desejo de ter dias de convivência com o filho, explorando esse tempo para
deixar registrados em sua mente e coração, ideias sobre a vida em si, foram
ouvidos e iniciamos um planejamento de atividades a curto prazo, como fazer
gravações de áudios e vídeos onde Sueli deixou registradas suas impressões
sobre as fases de vida que seu filho viveria em sua ausência, quando aqui não
mais estivesse e além disso, ela manifestou, também, o desejo de uma morte
digna, cercado de afeto, amor e respeito, mas sentia que suas vontades não
eram inteiramente compreendidas pela equipe médica e mesmo pela família
e rede de amigos, os quais com uma forma de amor específica a eles, lutavam

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para que ela aqui ficasse a qualquer preço.
A partir da intervenção psicoterapêutica feita pela psicologia e direcio-
nada para os familiares e amigos, foi possível vir estabelecendo outras signi-
ficações acerca da morte e construir novas ideias as quais permitiram a eles,
não somente, deixar a fase da negação da doença, mas aceitar o diagnóstico
e o prognóstico, compreendendo que mesmo fora de possibilidades de cura,
havia muito a ser feito e assim o foi.
De igual forma, a equipe de saúde entre médicos, enfermeiros e outros
profissionais envolvidos foram abordados pela psicologia, no sentido de com-
preenderem que as emoções que ali os permeavam eram as egóicas, aquelas
que nos levam a pensar em nossa suposta onipotência, sentimento este que nos
impele a pensar que tudo podemos e isso, em qualquer momento ou situação.
Com os médicos e enfermeiros não era diferente, como uma forma de defesa e
um processo de proteção da dor diante da morte que se anunciava, resistiam no
enfrentamento e isso, demostrado nos discursos de que “tudo isso passará...”
“Você ficará bem” e outros. Vale ressaltarmos que tal emoção causa sofrimento
imensurável tanto para a pessoa do adoecimento, que vive a fantasia de uma
cura mágica e desfechos imaginários não coerentes à situação, quanto para
familiares/rede social que desenvolvem expectativas as quais reforçarão a
possibilidade de cura súbita.
Prosseguindo em nosso Caso, temos que com a degradação de seu quadro
de saúde, Sueli precisou ser internada em uma unidade de cuidados intensivos
e nesse momento, com a equipe já imbuída de novas ideias sobre a morte e
a humanização, apesar de todos os esforços da referida equipe médica, Sueli
ainda se sentia desvalorizada em suas escolhas e tratada apenas como mais
um caso clínico, uma vez que estar em sua casa, em seu quarto e entre os
seus amados, era o seu desejo e isso parecia impossível. Seu anseio de partir
cercada por seus familiares e amigos não era respeitado, o que gerava grande
angústia e sofrimento emocional.
Diante dessa situação e orientados pela psicologia, sua família decidiu
intervir e buscar uma mudança nesse cenário de desumanização. Por meio
NEUROCIÊNCIAS: um instrumental teórico-epistemológico e metodológico interdisciplinar 173

de discussões e reuniões com a equipe médica, eles expuseram os desejos de


Sueli em relação aos cuidados e ao processo de morte. Além disso, trouxeram
à tona a importância da escuta ativa, do acolhimento emocional e espiritual,
tanto para o paciente quanto para a família. Após tais intervenções de estímulo
ao processo de comunicação sem ruídos, a equipe médica passou a adotar
uma abordagem mais humanizada no cuidado de Sueli. Foram providenciadas
adequações em sua rotina preservando, ao máximo, sua autonomia e privaci-
dade. Além disso, permitiu-se que amigos e familiares pudessem estar mais
presentes e participativos no processo, oferecendo suporte clínico, emocional
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e conforto espiritual.
A partir dessa humanização no cuidado, Sueli teve seus desejos ouvidos,
acolhidos e atendidos. Ela pôde vivenciar uma partida mais digna e tranquila,
tendo ao seu lado aqueles que tanto amava. Sua família também pôde vivenciar
um processo de luto mais saudável, pois sentiu que suas contribuições foram
significadas e respeitadas.
O caso de Sueli ilustra a importância da humanização no cuidado de
pessoas fora de possibilidades terapêuticas, especialmente aqueles com
doenças degenerativas e progressivas, como a esclerose múltipla. A busca
por um cuidado mais humanizado se torna essencial para garantir a dig-
nidade do paciente em seus últimos momentos e para proporcionar apoio
emocional às suas famílias. A escuta ativa, a compreensão das vontades e a
adaptação dos cuidados às necessidades individuais e subjetivas são funda-
mentais nesse processo. A humanização da morte não apenas traz conforto
e dignidade, mas também contribui para a superação do tabu sobre esse
assunto, incentivando a sociedade a encarar a morte de forma mais natural
e livre de preconceitos.

Diálogos

Para o diálogo, busca-se em Searle (2006) a proposição filosófica


enquanto investigação, uma pesquisa que envolve o exercício de distinguir
com precisão duas esferas da mente que estão inseparavelmente ligadas. Essas
esferas representam a parte intrínseca da mente, que existe independentemente
de qualquer observador e, portanto, tem natureza objetiva, e a parte que diz
respeito ao observador, ou seja, a parte subjetiva.
Dentro desse contexto, a parte intrínseca da mente pode ser conside-
rada como sendo influenciada pelo corpo, estando intimamente ligada a ele.
Por outro lado, a parte relacionada ao observador, embora surja da realidade
física e corporal, exibe certas características que não podem ser totalmente
explicadas por abordagens estritamente fisicalistas. Portanto, Searle afirma
174

que não toda a realidade é exclusivamente objetiva, mas sim que parte dela
possui um caráter subjetivo.
Noutras palavras, Searle pontua que uma investigação visa discernir entre
as duas esferas da mente, ou seja, reconhece que a mente contém elementos
tanto objetivos quanto subjetivos, e enfatiza que nem toda realidade pode ser
reduzida a uma abordagem puramente objetiva, reconhecendo assim a impor-
tância da subjetividade na compreensão completa da experiência humana.
Após a revisão teórica e apresentação do estudo de caso, observa-se
que as neurociências desempenham um papel fundamental nessa abordagem

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humanizada, fornecendo conhecimentos sobre o funcionamento do cérebro
e as bases neurobiológicas do comportamento humano. Essas informações
permitem uma compreensão mais aprofundada das necessidades e experiên-
cias dos pacientes em diferentes estágios de suas vidas e condições de saúde.
As abordagens terapêuticas mais individualizadas em pacientes que
enfrentam doenças graves, como câncer ou doenças neurológicas degenera-
tivas, observou-se que as neurociências têm contribuído para o cumprimento
da medicina humanizada, em que as terapias visam não apenas a recupera-
ção física, mas também a melhoria da qualidade de vida e o alívio do sofri-
mento emocional.
Além disso, as neurociências têm fornecido subsídios para a reflexão
sobre questões éticas relacionadas ao final da vida. Por meio do estudo das
funções cerebrais e das percepções da consciência, os profissionais de saúde
e os familiares podem tomar decisões informadas sobre tratamentos, cuidados
paliativos e o respeito às vontades do paciente.
A compreensão das neurociências, também é relevante em situações de
morte cerebral e em debates sobre a doação de órgãos. A definição precisa da
morte cerebral e os critérios para o diagnóstico são fundamentais para garantir
a integridade e a humanização do processo de doação, além de assegurar que
a família esteja devidamente informada e envolvida nas decisões.
Em um contexto mais amplo, as neurociências incentivam a sociedade a
repensar suas atitudes em relação à morte e a encará-la como parte inevitável
do ciclo da vida. A abordagem humanizada busca garantir que os pacientes e
seus entes queridos sejam apoiados emocionalmente, oferecendo um ambiente
compassivo e digno nos momentos mais desafiadores da existência.
No entanto, é importante destacar que a aplicação ética das neurociências
na vida e na morte humanizada é um tema complexo que requer um diálogo
interdisciplinar. Profissionais da saúde, pesquisadores em neurociências, bioe-
ticistas e a sociedade em geral devem colaborar para garantir que os avanços
científicos sejam usados para promover o bem-estar humano e o respeito à
dignidade de cada indivíduo.
NEUROCIÊNCIAS: um instrumental teórico-epistemológico e metodológico interdisciplinar 175

Em poucas palavras, as neurociências têm um papel significativo na busca


por uma abordagem mais humanizada à vida e à morte. Com uma compreensão
mais profunda do cérebro e do comportamento humano, é possível fornecer
cuidados de saúde mais individualizados, respeitando as escolhas e desejos
dos pacientes e promovendo uma maior compaixão e dignidade ao longo de
todo o ciclo da vida.
Muitos poderiam pensar que a conexão entre neurociência, vida e morte
humanizada seria impossível de ser pensada ou mesmo escrita ou descrita.
Parar, pensar, usar o cérebro para se interrogar sobre quais seriam as possibi-
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lidades de abordagem para o foco em tela, conduziu-nos a uma palavra que


provavelmente poderá representar o caminho aqui a ser percorrido em busca
do proposto que é tecer uma rede de comunicação entre neurociência, vida e
morte humanizada: sinapses. Esta é a palavra. O que buscamos são sinapses
entre a neurociência, a vida e a morte humanizada e tal consideração nos con-
duz a um processo de compreensão mais efetivo, rumo ao entender o conceito
de sinapse e trazê-lo, metaforicamente, para essa experiência.
A sinapse é uma região de proximidade entre um neurônio e outra célula
por onde é transmitido o impulso nervoso. Sabemos que os impulsos nervo-
sos devem passar de uma célula à outra para que ocorra uma resposta a um
determinado sinal. Ela é o contato entre duas células nervosas, entre dois
neurônios e onde se efetua a transmissão da atividade nervosa. A sinapse é
o caminho por onde tudo acontece inclusive, a vida e a morte humanizada.
Nesse sentido, podemos tomar a vida e a morte como as duas células nervosas,
os neurônios, os quais se encontrando produzirão sinapses as quais possibili-
tam atividade nervosa e tal atividade pode ser percebida não tão somente na
vida, mas também na morte e na morte humanizada. Na vida e na morte há
movimento, há energia, há cor e sinais que as anunciam e as diferenciam e
tudo isso são sinapses, são conexões, são contatos com respostas.
Prosseguindo no pensar sobre a relação entre neurociência, vida e morte
humanizada, de forma imediata, somos conduzidos ao fato de que neurociên-
cia, vida e morte, possuem algo em comum e que faz toda a diferença nos
processos existenciais. Algo como um ponto de interseção entre os referidos
fenômenos, sejam eles vida ou morte, ou seja, algo entre tudo aquilo que
acontece, algo já nomeado como as sinapses produzindo dinâmica, energia
e movimento que, por sua vez, estarão lá mostrando suas evidências, suas
possibilidades, sua realidade.
Segundo Searle (1995), nosso cérebro possui propriedades, que ele
chama de background e redes, herdadas geneticamente, capazes de toma-
rem uma direcionalidade a objetos e a coisas existentes no mundo e nesse
momento nos remetemos à vida e à morte humanizada, e o autor a esse
176

processo dá o nome de intencionalidade da mente. Poderíamos cogitar aqui


o fato de termos um fundo como experiência o qual herdado geneticamente
possa ser repetido por cada um de nós e nisso inserimos a experiência da
vida e da morte. E ainda, vale pensar se a intencionalidade da mente que
foca objetos e coisas, poderá balizar sua própria vida e morte a partir de um
background. Se assim o for, herdamos percepções sobre experiências vividas
e entre elas a vida e a morte e assim, a morte poderá se tornar humanizada
por meio da transformação de uma experiência vivida herdada. Aquilo que
não foi humanizado, poderá vir a ser.

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Nessa perspectiva e nessa busca pela compressão do exposto, nos apro-
ximamos do conceito de plasticidade neuronal que refere, mais especifica-
mente, às alterações celulares envolvendo os neurônios (Da Silva, 2020). O
autor nos traz que o cérebro humano é formado por um conjunto de estruturas
complexas, áreas funcionais e diversos estímulos que se integram provocando
alterações em diferentes áreas cerebrais e, assim, coordenando as áreas internas
e externas do organismo. Desta forma, trazemos a viabilidade das contribui-
ções da neurociência no sentido de nos permitirmos compreender que, por
meio do processo de plasticidade neuronal, podemos transformar e modificar
nossos backgrouns e nossas redes herdadas geneticamente.
Bartoszeck e Bartoszeck (2009) explicam que os circuitos neuronais são
responsáveis pelas funções básicas do nosso sistema nervoso, bem como de
outros animais. No caso humano determinam como nos comportamos como
indivíduos. Nossas emoções vivenciadas como medo, raiva e as situações
prazerosas da vida se originam da atividade dos circuitos neuronais do cérebro.
Nossa habilidade de pensar e armazenar lembranças depende de atividades
físico-químicas complexas que ocorrem nos circuitos neuronais.
Na literatura especializada, a descrição conceitual e teórica das emoções
envolve diversas perspectivas. a maioria dos pesquisadores concorda que as
emoções compreendem componentes afetivos, cognitivos e comportamentais,
associados a componentes neurobiológicos.
Joaquim et al. (2010) nos adverte sobre o fato de que essa visão, que
de certa forma se aproxima da teoria do gene egoísta de Dawkins. Andrade
(2009) pressupõe a mente como um sistema fechado, mas não desconsidera
a plasticidade do sistema nervoso, e sua afinidade na relação com o meio
influenciando em grande medida o desenvolvimento cerebral e mental do
organismo a partir de estímulos captados pelas vias sensoriais. Nesse sentido,
podemos pensar a vida e a morte humanizada como experiências vividas e
que são captadas por cada um de nós e internalizadas de acordo com nossas
percepções. Os mesmos autores trazem considerações relevantes onde a
referida teoria lança luz em um dos principais aspectos e enigma psicanalítico
NEUROCIÊNCIAS: um instrumental teórico-epistemológico e metodológico interdisciplinar 177

levantado por Freud: o da identificação. Os autores assinalam que curiosa-


mente o próprio Freud igualou os instintos de vida e de morte à assimilação
e à desassimilação, sem que se tenha desenvolvido a ideia (Andrade, 2009).
Esses instintos nos remetem a ideia de que a matéria orgânica (organismo)
surgiu da associação de elementos químicos inorgânicos, principalmente o
carbono, (instinto de vida), onde ulteriormente essa associação é desfeita
pela morte do organismo (desassimilação-instinto de morte), devolvendo
ou retornando ao aspecto inorgânico novamente. Isso faz sentido em um
aspecto evolucionista, dizer que a vida do organismo é mantida e desfeita
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pelo processo de metabolismo.


Retomando a neurociência, temos que a mesma é conceituada como
uma área que estuda o sistema nervoso central (SNC) e suas ações no corpo
humano (Cosenza, 2011) e diante disso, podemos pensar a vida e a morte
como fenômenos e ainda, que tais ações se dão diretamente no corpo humano
determinando vida ou morte.
A neurociência se faz presente em distintas áreas do conhecimento e
intervém em diferentes cenários como a Medicina, entre outras. É uma ciência
que busca compreender o funcionamento do cérebro e do sistema nervoso e
o estuda em suas funcionalidades. Dessa forma, para tratar da neurociência
é necessário apontar para um elemento fundamental que é o cérebro. É no
cérebro que as coisas acontecem. O cérebro é um arcabouço que completa
o nosso sistema nervoso e é considerado o órgão mais complexo do nosso
organismo. O cérebro é uma porção do sistema nervoso central que está con-
tida no interior da caixa craniana. Faz parte do encéfalo, sendo responsável
por representar cerca de 80% da massa dessa porção do SNC. O cérebro é
a parte do encéfalo relacionada com funções como a memória, inteligência,
raciocínio, linguagem, comportamento, emoção e razão. Além disso, é também
o cérebro o responsável pelo controle da contração dos músculos esqueléticos
e integração de informações sensoriais.
No contexto da vida e da morte humanizada, a neurociência desempenha
um papel fundamental ao lançar luz sobre os processos cognitivos, emocionais
e neurais que caracterizam nossa existência. E é a plasticidade oriunda da inte-
ração organismo-ambiente que diferencia e molda os circuitos neurais, e que
mantém a individualidade neural do organismo que tem avançado coo objeto
de estudos. Nesses estudos, sobre a plasticidade neural “incluem aqueles que
manipulam o ambiente e analisam mudanças em circuitos neurais e outros
que enfatizam recuperação comportamental após lesão do sistema nervoso”
(Ferrari; Toyoda; Faleiros; Cerutti, 2001, p. 187).
A relação entre a plasticidade cerebral e a ressignificação da vida pode
ser percebida quando se apreende que a plasticidade cerebral é a capacidade
178

do cérebro de se modificar e se adaptar ao longo da vida. Estudos neuro-


científicos têm demonstrado que o cérebro humano é capaz de desenvolver
novas conexões neurais, mesmo em idades avançadas. Esse conhecimento tem
implicações significativas para a vida humanizada, uma vez que nos permite
pensar na ressignificação de experiências traumáticas, doenças crônicas ou
perdas irreparáveis. O cérebro não está condenado a uma estrutura fixa; ele
pode se transformar e encontrar maneiras de promover a qualidade de vida
mesmo diante de adversidades.
Em relação à consciência e a experiência da morte, as neurociências têm

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se debruçado sobre a complexa questão da consciência e sua relação com a
morte. Estudos mostram que a consciência pode persistir mesmo em estados
de coma profundo ou morte cerebral, desafiando concepções tradicionais
sobre o fim da vida. Essas descobertas têm sido fundamentais para a promoção
de cuidados paliativos humanizados, nos quais é reconhecida a importância
de manter conexões emocionais e sociais com pacientes em estágios finais
de vida. Compreender a complexidade da consciência diante da morte nos
encoraja a adotar uma abordagem mais respeitosa, compassiva e digna em
relação aos pacientes.
Desses elementos conceituais, agregam-se a empatia e a compaixão como
bases para uma morte humanizada. As neurociências também têm nos forne-
cido insights valiosos sobre os mecanismos neurais subjacentes à empatia e à
compaixão. Estudos têm demonstrado que a capacidade de se colocar no lugar
do outro e de sentir compaixão é inerente à nossa biologia. Essa compreensão
tem implicações vitais na forma como lidamos com a morte. Ao reconhecer e
cultivar nossa capacidade empática, podemos oferecer um suporte emocional
mais efetivo a indivíduos em seus momentos finais. A morte humanizada
envolve tratar os pacientes com dignidade, respeito e compreensão, buscando
aliviar seu sofrimento físico, psicológico e emocional.
Observa-se que os avanços recentes na neurociência, destacando como
esse conhecimento tem contribuído para uma abordagem mais humanizada
em relação à vida e à morte.

Considerações finais

A neurociência desempenha um papel crucial na promoção de uma vida e


morte humanizada. Seu conhecimento nos permite repensar a ressignificação
da vida diante de adversidades, compreender a complexidade da consciência
na morte e cultivar empatia e compaixão em nossas relações com pacientes
terminais. À medida que avançamos em nosso entendimento das estruturas
cerebrais e dos processos mentais, temos a responsabilidade de aplicar esse
NEUROCIÊNCIAS: um instrumental teórico-epistemológico e metodológico interdisciplinar 179

conhecimento para oferecer cuidados que honrem a dignidade e a individua-


lidade de cada ser humano. A neurociência nos convida a repensar nossas
concepções tradicionais sobre a vida e a morte, buscando uma abordagem
mais humanizada e compassiva no cuidado dos pacientes.
A neurociência desempenha um papel fundamental na busca por uma
vida e morte humanizada. Ao fornecer uma compreensão mais aprofundada
dos processos cerebrais e das necessidades humanas, a neurociência permite
que os profissionais da saúde adotem uma abordagem mais holística e cen-
trada no paciente. A vida e a morte humanizadas valorizam a dignidade e o
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bem-estar dos indivíduos, garantindo que eles tenham uma experiência de


saúde satisfatória do início ao fim.
180

REFERÊNCIAS
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SEARLE, J. R. Intencionalidade. São Paulo: Martins Fontes, 1995.


ÍNDICE REMISSIVO
A
Ambiente militar 7, 9, 12, 13, 69, 70, 75, 77, 83, 84, 128, 156, 167
Atividade cerebral 18, 19, 24, 26, 45, 47, 71, 95, 96, 122, 130, 132, 133, 135,
136, 143, 154, 155, 159
Autorregulação emocional 7, 9, 12, 53, 54, 56, 57, 59, 60, 64
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C
Cérebro Humano 46, 50, 69, 71, 73, 74, 83, 105, 108, 135, 151, 159, 168,
176, 178
Cognição 7, 9, 11, 12, 14, 17, 33, 34, 35, 36, 37, 38, 39, 41, 42, 45, 46, 47,
48, 50, 87, 97, 98, 103, 130, 134, 141, 143, 152, 154, 161, 165, 167
Comportamento humano 11, 44, 71, 76, 80, 83, 88, 97, 108, 110, 120, 121,
153, 174, 175
Consciência 7, 9, 11, 12, 33, 34, 35, 36, 37, 38, 39, 41, 42, 43, 44, 45, 46,
47, 49, 58, 63, 77, 151, 158, 159, 167, 174, 178
Construção do conhecimento 12, 87, 88, 89, 91, 92, 93, 94
Controle inibitório 14, 53, 54, 60, 63, 107, 108, 109, 111, 112, 113, 114, 115

D
Desenvolvimento proximal 90, 92, 97, 101, 102, 103

E
Emoção 7, 13, 14, 18, 35, 41, 43, 54, 87, 102, 125, 141, 143, 167, 172, 177
Ensino fundamental 13, 108, 112, 113, 114, 115
Estresse pós-traumático 7, 9, 11, 17, 19, 20, 58, 60, 126, 129, 167
Estudo da consciência 44, 45
Estudo de memórias 21, 22, 23

F
Flexibilidade cognitiva 14, 53, 54, 55, 59, 60, 63, 107, 108, 109, 113, 114,
115, 127
Formação militar 7, 9, 11, 14, 119, 120, 123, 134, 135, 136, 137
Funcionamento do cérebro 18, 73, 74, 96, 119, 120, 121, 151, 168, 174, 177
182

Funções executivas 7, 9, 12, 13, 53, 54, 55, 59, 60, 64, 107, 108, 110, 112,
113, 114, 115, 116, 117, 167

H
Hiperatividade 60, 95, 98, 107, 111, 116

I
Inteligência artificial 72, 73, 74, 75, 76, 77, 78, 80, 81, 85, 151
Interação 43, 45, 46, 53, 58, 60, 73, 75, 81, 87, 88, 89, 90, 91, 93, 94, 100,

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149, 152, 153, 154, 161, 177

L
Liderança transformacional 14, 142, 143, 147, 148, 149, 153, 154, 155, 156,
161, 162

M
Memória 7, 9, 11, 12, 13, 14, 17, 18, 19, 27, 28, 33, 34, 35, 36, 37, 38, 39,
40, 41, 42, 43, 46, 47, 48, 49, 50, 53, 54, 55, 59, 60, 61, 62, 63, 69, 87, 90,
95, 96, 97, 98, 99, 100, 102, 103, 105, 107, 108, 109, 110, 112, 113, 114, 115,
121, 123, 130, 131, 132, 133, 142, 152, 157, 167, 177
Memória de trabalho 38, 40, 42, 48, 49, 53, 54, 55, 59, 60, 61, 62, 63, 107, 157
Memórias de medo 21, 22, 23, 24, 28
Morte humanizada 7, 15, 167, 168, 171, 174, 175, 176, 177, 178, 179

N
Neurociência Aplicada 9, 14, 136, 143, 148, 151, 153, 156, 162
Neurociência Cognitiva 14, 34, 38, 41, 50, 51, 105, 143, 152, 153, 155, 161
Neurociência experimental 7, 9, 11, 17, 18, 19
Neurofeedback 14, 132, 133, 134, 136, 137, 154, 163
Neuroliderança 143, 156, 158, 159, 160, 162
Neuromil 7, 9, 11, 33, 34, 87, 141
Neurotecnologias 122, 133, 134, 135

P
Piaget 13, 88, 89, 90, 92, 93, 94, 100, 102, 104, 105
NEUROCIÊNCIAS: um instrumental teórico-epistemológico e metodológico interdisciplinar 183

Planejamento 54, 55, 56, 59, 60, 61, 62, 64, 78, 107, 108, 110, 113, 122,
127, 172
Problemas de saúde 59, 62, 129, 169, 170
Processo de aprendizagem 17, 61, 62, 90, 92, 93, 95, 99, 100, 101, 102, 103
Processo de ensino 9, 11, 34, 90, 100, 102, 103
Processo Dual 143, 156, 158
Psicobiologia 7, 9, 11, 17, 167
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Q
Qualidade de vida 12, 60, 64, 111, 114, 168, 169, 171, 174, 178

R
Regulação emocional 12, 53, 56, 57, 58, 59, 60, 62, 64, 112, 114, 119, 121,
122, 123, 125, 126, 127, 143, 158, 160, 162
Resiliência 14, 62, 63, 119, 120, 122, 123, 124, 125, 126, 127, 128, 129,
130, 134, 136
Respostas impulsivas 55, 56, 59, 60

S
Sala de aula 7, 13, 14, 58, 107, 108, 113, 114, 116
Saúde mental e física 120, 128
Scarf 14, 15, 143, 153, 156, 157, 159, 160, 162, 164
Sistema nervoso 17, 34, 47, 69, 70, 71, 80, 83, 88, 95, 97, 112, 119, 120, 130,
131, 149, 150, 151, 152, 161, 162, 167, 170, 171, 176, 177

T
Tecnologias 11, 13, 14, 29, 33, 70, 71, 72, 73, 74, 75, 82, 83, 90, 116, 122,
132, 133, 134, 135, 136, 147, 167
Teoria de Vigotski 90, 91, 92, 94, 95, 100
Transtorno de estresse 7, 9, 11, 17, 19, 20, 58, 60, 129

V
Vida 7, 12, 15, 20, 40, 45, 46, 47, 54, 55, 56, 58, 59, 60, 63, 64, 69, 71, 83,
96, 97, 102, 108, 109, 110, 111, 112, 114, 115, 119, 125, 128, 129, 131, 137,
152, 160, 167, 168, 169, 170, 171, 172, 174, 175, 176, 177, 178, 179
Vigotski 12, 13, 35, 42, 51, 88, 90, 91, 92, 93, 94, 95, 100, 101, 102, 103
Editora CRV - Proibida a impressão e/ou comercialização

SOBRE O LIVRO
Tiragem: Não comercializada
Formato: 16 x 23 cm
Mancha: 12,3 x 19,3 cm
Tipologia: Times New Roman 10,5 | 11,5 | 13 | 16 | 18
Arial 8 | 8,5
Papel: Pólen 80 g (miolo)
Royal | Supremo 250 g (capa)

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