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educação-artifício

Organizadores:
Flávia Cristina Silveira Lemos Tecer o diferir no cuidado
Dolores Cristina Gomes Galindo
Pedro Paulo Gastalho de Bicalho em saúde como agência
Editora CRV - Proibida a impressão e/ou comercialização

Aluísio Ferreira de Lima


João Paulo Pereira Barros
de conexões plurais
Marilene Proença Rebello Souza
Leandro Passarinho Reis Júnior
Alcindo Antônio Ferla
Carla de Cássia Carvalho Casado Coleção
Alan Christian de Souza Santos Transversalidade e Criação
Bruno Jáy Mercês de Lima Ética, Estética e Política
Marcos Valério Santos da Silva Vol. 20
Daiane Gasparetto da Silva
Marcelo Ribeiro de Mesquita
Marcelo Moraes Moreira
Helder Corrêa Luz
Gilson Pompeu Pinto
Antonino Alves da Silva
Heidiany Katrine Santos Moreno
Rafaele Habib Souza Aquime
Válber Luiz Farias Sampaio
Cristina Simone Reis Oliveira
Karla Dalmaso de Souza
Ronilda Bordó de Freitas Garcia
Luciana Batista da Silva
Bruna dos Santos Sarubi
Tawane Tayla Rocha Cavalcante
Vitor Igor Fernandes Ramos
Rayssa Cristina Modesto da Rocha
Fabíola da Silva Costa
Renata Vilela Rodrigues
Paula Fabiana de Oliveira Palheta
Vera Lucia Fonseca de Souza
Carolina da Natividade Rodrigues Correa
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Flávia Cristina Silveira Lemos | Dolores Cristina Gomes Galindo
Pedro Paulo Gastalho de Bicalho | Aluísio Ferreira de Lima
João Paulo Pereira Barros | Marilene Proença Rebello Souza
Leandro Passarinho Reis Júnior | Alcindo Antônio Ferla
Carla de Cássia Carvalho Casado | Alan Christian de Souza Santos
Bruno Jáy Mercês de Lima | Marcos Valério Santos da Silva
Daiane Gasparetto da Silva | Marcelo Ribeiro de Mesquita
Marcelo Moraes Moreira | Helder Corrêa Luz | Gilson Pompeu Pinto
Antonino Alves da Silva | Heidiany Katrine Santos Moreno
Rafaele Habib Souza Aquime | Válber Luiz Farias Sampaio
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Cristina Simone Reis Oliveira | Karla Dalmaso de Souza


Ronilda Bordó de Freitas Garcia | Luciana Batista da Silva
Bruna dos Santos Sarubi | Tawane Tayla Rocha Cavalcante
Vitor Igor Fernandes Ramos | Rayssa Cristina Modesto da Rocha
Fabíola da Silva Costa | Renata Vilela Rodrigues
Paula Fabiana de Oliveira Palheta | Vera Lucia Fonseca de Souza
Carolina da Natividade Rodrigues Correa
(Organizadores)

EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde
como agência de conexões plurais

Coleção Transversalidade e Criação: Ética, Estética e Política


Volume 20

Editora CRV
Curitiba – Brasil
2023
Copyright © da Editora CRV Ltda.
Editor-chefe: Railson Moura
Diagramação e Capa: Designers da Editora CRV
Revisão: Os Autores

DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP)

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CATALOGAÇÃO NA FONTE
Bibliotecária responsável: Luzenira Alves dos Santos CRB9/1506

Ed24

Educação-artifício: tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais /


Flávia Cristina Silveira Lemos et al. (organizadores). – Curitiba : CRV, 2023.
740 p. (Coleção Transversalidade e Criação: Ética, Estética e Política, v. 20)

Bibliografia
ISBN Coleção 978-85-444-1750-8
ISBN Volume Digital 978-65-251-4015-5
ISBN Volume Físico 978-65-251-4019-3
DOI 10.24824/978652514019.3

1. Psicologia 2. Educação – Saúde Mental Coletiva 3. Subjetividade 4. Psicologia Social


I. Lemos, Flávia Cristina Silveira et al. org. II. Título III. Série.

CDD 150 CDU 159


Índice para catálogo sistemático
1. Psicologia social – 150

2023
Foi feito o depósito legal conf. Lei nº 10.994 de 14/12/2004
Proibida a reprodução parcial ou total desta obra sem autorização da Editora CRV
Todos os direitos desta edição reservados pela: Editora CRV
Tel.: (41) 3039-6418 – E-mail: sac@editoracrv.com.br
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Conselho Editorial: Comitê Científico:
Aldira Guimarães Duarte Domínguez (UNB) Andrea Vieira Zanella (UFSC)
Andréia da Silva Quintanilha Sousa (UNIR/UFRN) Christiane Carrijo Eckhardt Mouammar (UNESP)
Anselmo Alencar Colares (UFOPA) Edna Lúcia Tinoco Ponciano (UERJ)
Antônio Pereira Gaio Júnior (UFRRJ) Edson Olivari de Castro (UNESP)
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Carlos Federico Dominguez Avila (Unieuro) Fauston Negreiros (UFPI)
Carmen Tereza Velanga (UNIR) Francisco Nilton Gomes Oliveira (UFSM)
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Cesar Gerónimo Tello (Univer .Nacional Ilana Mountian (Manchester Metropolitan
Três de Febrero – Argentina) University, MMU, Grã-Bretanha)
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Eduardo Fernandes Barbosa (UFMG) Jacqueline de Oliveira Moreira (PUC-SP)


Elione Maria Nogueira Diogenes (UFAL) João Ricardo Lebert Cozac (PUC-SP)
Elizeu Clementino de Souza (UNEB) Marcelo Porto (UEG)
Élsio José Corá (UFFS) Marcia Alves Tassinari (USU)
Fernando Antônio Gonçalves Alcoforado (IPB) Maria Alves de Toledo Bruns (FFCLRP)
Francisco Carlos Duarte (PUC-PR) Mariana Lopez Teixeira (UFSC)
Gloria Fariñas León (Universidade Monilly Ramos Araujo Melo (UFCG)
de La Havana – Cuba) Olga Ceciliato Mattioli (ASSIS/UNESP)
Guillermo Arias Beatón (Universidade Regina Célia Faria Amaro Giora (MACKENZIE)
de La Havana – Cuba) Virgínia Kastrup (UFRJ)
Jailson Alves dos Santos (UFRJ)
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Lídia de Oliveira Xavier (UNIEURO)
Lourdes Helena da Silva (UFV)
Luciano Rodrigues Costa (UFV)
Marcelo Paixão (UFRJ e UTexas – US)
Maria Cristina dos Santos Bezerra (UFSCar)
Maria de Lourdes Pinto de Almeida (UNOESC)
Maria Lília Imbiriba Sousa Colares (UFOPA)
Paulo Romualdo Hernandes (UNIFAL-MG)
Renato Francisco dos Santos Paula (UFG)
Sérgio Nunes de Jesus (IFRO)
Simone Rodrigues Pinto (UNB)
Solange Helena Ximenes-Rocha (UFOPA)
Sydione Santos (UEPG)
Tadeu Oliver Gonçalves (UFPA)
Tania Suely Azevedo Brasileiro (UFOPA)

Este livro passou por avaliação e aprovação às cegas de dois ou mais pareceristas ad hoc.
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A quem acredita que é possível transformar, inventar e pensar.


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AGRADECIMENTOS
Nossa gratidão às universidades, programas de pós-graduação, pesquisado-
res(as), profissionais, movimentos sociais, gestores(as) e docentes que participaram
deste livro marcado por afetos e desejo de que os saberes possam ganhar intercessão
na publicação que permite conversar polissemicamente. Estão entre as universida-
des participante deste livro: USP; UNESP; UFPA; UEPA; UFRA; UFRGS; UNIR;
UFAM; UNIFAP; UFF; UERJ; UFMA; IFPA; UFRJ; UFC; UFT; UFMT; Escola
Bahiana de Medicina e Saúde Pública; Faculdade Católica Dom Orione-TO; Facul-
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dade Estácio, em Belém do Pará; Faculdade Estácio, em Castanhal-PA; Faculdade


Estácio em Ananindeua-PA; UNINASSAU; CESUPA e UNAMA.
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“Línguas selvagens não podem ser domadas, elas só podem ser cortadas”
(Glória Anzaldúa).

“Uma mulher que escreve tem poder, e uma mulher com poder é temida”
(Glória Anzaldúa).
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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO .......................................................................................... 21

ESPORTE, CULTURA E LAZER: linhas diagramáticas na produção da


subjetividade.................................................................................................... 23
Thaís de Souza Nogueira
Flávia Cristina Silveira Lemos
Rachel de Siqueira Dias
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Márcia Roberta de Oliveira Cardoso


Amanda Caroline da Silva Soares
Anderson Reis de Oliveira
Luana Karolina dos Santos Amorim

A INFÂNCIA MAQUINAL E SUA TERRITORIALIDADE EM QUESTÃO ... 37


Edna C. M. Moia Caldeira

POR QUE AS BÚSSOLAS SEMPRE APONTAM PARA O NORTE?


POR UMA CRÍTICA DECOLONIAL DO EXPANSIONISMO
NEOLIBERAL ................................................................................................. 53
Emanuel Messias Aguiar de Castro
Caio Monteiro Silva
Túlio Kércio Arruda Prestes

UMA ANÁLISE DA POPULARIZAÇÃO DAS PRÁTICAS DE


MEDITAÇÃO NO CONTEXTO ESCOLAR EM TEMPOS DE
CAPITALISMO NEOLIBERAL ...................................................................... 69
Cristiane Bremenkamp Cruz
Luciana Vieira Caliman

O DISPOSITIVO INTERCESSOR E OS SEUS MOMENTOS:


a intercessão-pesquisa como meio de produção de conhecimento ............... 85
Maico Fernando Costa
Silvio José Benelli

VOZES QUE ECOAM: escutas possíveis no trabalho com adolescentes


em cumprimento de medidas socioeducativas.............................................. 103
Francisca Maria Véras Linhares
Monalisa Pontes Xavier
Luciana Lobo Miranda
A PROFESSORA E A ENFERMEIRA: biopolítica da feminização da
atuação profissional nas áreas da educação e saúde .................................. 115
Fabrício Moraes Pereira
Letícia Carneiro da Conceição
Elizandra Fernandes Reis da Silva
Carlos Jorge Paixão

EDUCAÇÃO DO CAMPO, DECOLONIALIDADES E PERSPECTIVAS


DA PSICOLOGIA ........................................................................................ 129
Angélica de Souza Lima
Wellington da Rocha Almeida

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Juliana da Silva Nóbrega

EDUCAÇÃO, DIREITOS HUMANOS E RESISTÊNCIAS: ética,


estética e política em conversas com Michel Foucault ................................. 145
Ana Carolina Farias Franco
Shirle Rosângela Meira de Miranda
Antonino Alves da Silva
John Lennon Lima e Silva
Miguel Pereira de Assis
Carla Regina Guerra Moreira Lobo
José Araújo de Brito Neto
Antônio Soares Júnior

GESTÃO DEMOCRÁTICA NA EDUCAÇÃO E SUAS


(IM)POSSIBILIDADES DE EFETIVIDADE EM TEMPOS DE
NEOLIBERALISMO ..................................................................................... 161
Bárbara de Souza Campos
Vinicius Furlan

QUADROS DE GUERRA, VIDAS PRECÁRIAS E O DOCUMENTO


NA PESQUISA HISTÓRICA COM JORNAIS: a produção de jovens
negros e pobres como corpos aniquilados .................................................... 175
Ana Carolina Farias Franco
Flávia Cristina Silveira Lemos
Rachel de Siqueira Dias
Márcia Roberta de Oliveira Cardoso
Cristina Simone Reis Oliveira
Maria Fernanda Monteiro Favacho
Fernanda Souza da Silva

PARTOS E MODELOS: um debate relevante e necessário de ser


pensado na formação em saúde no Brasil .................................................... 203
Heidiany Katrine Santos Moreno
MEMÓRIA BIOCULTURAL E SABEDORIA GRIÔ NA AMAZÔNIA:
compreensões didático-pedagógicas a partir de espaços afrodiaspóricos ... 223
Raimundo Erundino Santos Diniz
Edilson Mateus Costa da Silva

A CONTRIBUIÇÃO DO CONCEITO DE DENEGAÇÃO FREUDIANA


E ALGUMAS CONSIDERAÇÕES PSICANALÍTICAS SOBRE A
NOÇÃO DE NEGACIONISMO.................................................................... 239
Deborah Lima Klajnman

O “MONSTRO DE OLHOS VERDES”: as violências de gênero na obra


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“Otelo, o Mouro de Veneza” .......................................................................... 257


Adriana Lustoza de Souza
Danielle Seabra Negrão da Silva
Luiz Felipe Maciel da Silva
Márcio Bruno Barra Valente
Barbara Araújo Sordi
Thamires Corrêa Sandres Arruda

BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE O CAMPO DA SAÚDE MENTAL ...275


Dorivaldo Pantoja Borges Junior
Vitor Igor Fernandes Ramos
Fabíola da Silva Costa

A SAÚDE MENTAL ENQUANTO CAMPO DE DISPUTA POLÍTICA........ 281


Bruna Moraes Garcia
Daniele Vasco Santos
Rayssa Cristina Modesto da Rocha

A IMPORTÂNCIA DA EDUCAÇÃO SEXUAL NA PREVENÇÃO DA


VIOLÊNCIA: o discurso sobre a sexualidade e as contribuições da
Psicologia Escolar para as políticas públicas ..........................................291
Thais Souza Bellucci
Marilene Proença Rebello de Souza

EDUCAÇÃO, PRECONCEITO E NECESSIDADE DE RESGATE DA


CAPACIDADE REFLEXIVA: para onde caminhamos? ............................... 307
Ana Carla Cividanes Furlan Scarin

CORPOGRAFIA: os processos de subjetivação do corpo e a produção


de saúde mental no território da dança ......................................................... 321
Millen Carvalho Cerqueira da Silva
Anna Amélia de Faria
Milena Lisboa
Júlia Maria Cardoso Silva Ferreira
PARA SEMPRE ALICE: uma leitura da dinâmica familiar e dos aspectos
cognitivos causados pela Doença de Alzheimer ........................................... 339
Danieli de Lemos Pantoja
Robenilson Moura Barreto

O PRINCÍPIO DA IGUALDADE TECENDO PARALELOS:


aproximações e distanciamentos entre Freire e Jacotot ............................... 351
Carolline Septimio Limeira
Vanessa Goes Denardi
Letícia Carneiro da Conceição

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GENEALOGIA E ALGUMAS ANOTAÇÕES SOBRE A PESQUISA DA
PERSISTÊNCIA DO DISPOSITIVO DE PERICULOSIDADE NOS
PROCESSOS DE EXECUÇÃO DA MEDIDA DE SEGURANÇA NO
PARÁ ............................................................................................................ 365
Karla Dalmaso Sousa
Geffison José Costa da Silva
Ellen Aguiar da Silva
Bruna Moraes Garcia
Patrícia Furtado Félix

VIOLÊNCIA LÍQUIDA: como prevenir ......................................................... 373


Vera Lucia Fonseca de Souza
Elisena Uchôa Medeiros
Jeanne Alcantara Vinagre
Jessica Kellen Correa da Silva

SOFRIMENTO PSÍQUICO DE MÃES DE CRIANÇAS COM


INSUFICIÊNCIA RENAL CRÔNICA ........................................................... 385
Ítala Suzane da Silva Figueiredo
Niamey Granhen Brandão da Costa

A PERPLEXIDADE DIANTE DA PANDEMIA DA COVID-19: um ensaio


sobre o luto, educação popular em saúde e o trabalho da psicologia ......... 399
Warlington Luz Lobo
Renata Sabrina Maciel Lobato Louzada
Paulo de Tarso Ribeiro de Oliveira
Lyah Santos Corrêa

PSICOLOGIA ESCOLAR EDUCACIONAL: relato das angústias de


estagiários de psicologia na prática do estágio remoto em tempos de
pandemia ....................................................................................................... 411
Ananda Barros Pinheiro
Danilo Mercês Freitas
Niamey Granhen Brandão da Costa
ADOLESCER: ser ou não ser? – Desafios, sofrimentos e perspectivas
de futuro ........................................................................................................ 423
Niamey Granhen Brandão da Costa

PESQUISA E PRÁXIS EM REDUÇÃO DE DANOS: uma abordagem


compreensiva ................................................................................................ 435
Rodrigo Santos Godinho
Mônica Ramos Daltro
Gerfson Oliveira

ARTE COMO EXPRESSÃO DOS DESEJOS INCONSCIENTES:


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uma análise sobre duas obras de Frida Kahlo .............................................. 447


Shara Catherine Marcos Atayde
Lêda Lessa Andrade Filha

AS RELAÇÕES SUBJETIVAS ESTABELECIDAS ENTRE O SUJEITO


E O OBJETO DROGA: considerações psicanalíticas ................................. 459
Lorena Cotias Macêdo
Lêda Lessa Andrade Filha

ASSÉDIO SEXUAL NO CONTEXTO ACADÊMICO: algumas análises


reflexivas ....................................................................................................... 471
Bruna dos Santos Sarubi
Jéssica Modinne de Souza e Silva
Larissa Azevedo Mendes
Alana Carolinne Gadelha Alves
Jéssica Costa Veiga

ESTRATÉGIAS DE ENFRENTAMENTO UTILIZADAS POR


ACADÊMICOS DE PSICOLOGIA NO ENSINO REMOTO EM
TEMPOS DE PANDEMIA ............................................................................ 481
Joana Maria Veiga de Lima
Milene Maria Xavier Veloso

SEXUALIDADE EM PESSOAS COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL:


um olhar sobre si mesmo .............................................................................. 495
Stéphanie Fiama De Macêdo Pinheiro
Aline Beckmann Menezes

PERCEPÇÕES DE SI: estudo sobre saúde mental dos agentes


prisionais na cidade de Belém/PA ................................................................. 509
Fernanda Nazaré da Luz
Leandro Passarinho Reis Júnior
Rafael José de Oliveira Leite
Warlington Luz Lobo
MÍDIAS SOCIAIS COMO PERSPECTIVA, PELA ÓTICA DA
PSICANÁLISE: considerando relacionamentos interpessoais .................... 533
Ana Carla Cividanes Furlan Scarin

INSTRUMENTOS DE AVALIAÇÃO PEDAGÓGICOS UTILIZADOS


NOS TRANSTORNOS ESPECÍFICOS DE APRENDIZAGEM................. 547
Léa Cláudia de Souza Lemos Soares
Patrícia Pacheco Dinelly Sirotheau Carneiro
Carla de Cassia Carvalho Casado

O ENSINO DE QUÍMICA E A PRÁTICA EDUCATIVA............................... 567

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Gilson Pompeu Pinto
Heidiany Katrine Santos Moreno

CONDIÇÃO SOCIOECONÔMICA E DE SAÚDE MENTAL DE


UNIVERSITÁRIOS: o inédito viável freireano como possibilidade ao
enfrentamento de desafios pandêmicos........................................................ 587
Lucivaldo da Silva Araújo
Ingrid Bergma da Silva Oliveira

ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO NA REDE DE PROTEÇÃO ÀS


CRIANÇAS E ADOLESCENTES EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA
SEXUAL........................................................................................................ 605
Hélio Moraes Araújo
Sueli Marques Ferraz

INCLUSÃO NA ESCOLA DE CRIANÇAS COM TEA: um direito de


cidadão .......................................................................................................... 613
Sueli Marques Ferraz
Eli da Silva Duarte
Joabe Duarte Gomes da Silva

SUBNOTIFICAÇÕES DE AGRAVOS À SAÚDE INFANTOJUVENIL


RELACIONADOS AO TRABALHO EM UMA UNIDADE BÁSICA DE
SAÚDE (UBS) RURAL DA REGIÃO NORTE ............................................. 627
Joice de Melo Batista
Vanderléia de Lurdes Dal Castel Schlindwein

AUTONOMIA E DISCIPLINA NA PANDEMIA: perspectivas para a


educação ....................................................................................................... 645
Luís Adriano da Silva
Jeyson Lucena da Silva

AS CONCEPÇÕES DE DEFICIÊNCIAS: atendimentos dispensados


e modificados como caminhos e opções de uma esfera em constante
adaptação ...................................................................................................... 655
Moisés da Costa Navegantes
TECENDO SABERES, PARTILHANDO EXPERIÊNCIAS E
CONSTRUINDO CONHECIMENTO: notas sobre oficinas de um curso
de extensão universitária............................................................................... 669
Aluísio Ferreira de Lima
Geovana Dara Pereira de Oliveira
Maria da Conceição Gomes da Silva
Stephanie Caroline Ferreira de Lima
Tatiana de Souza Santos Neves

ÍNDICE REMISSIVO ................................................................................... 681


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SOBRE OS(AS) AUTORES(AS) E ORGANIZADORES(AS) .................... 691


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APRESENTAÇÃO
Este é um livro de maquinaria com a educação e produções desejantes no
campo da saúde mental e coletiva, a partir das Amazônias em diálogos com outras
regiões. Os textos aqui organizados trazem uma diversidade de olhares e perspectivas,
apresentam vivências e experimentações singularizantes e caminhadas por trilhas
plurais, em conexões éticas, estéticas e políticas em territórios democratizantes das
subjetividades e das relações sociais.
Os capítulos são trabalhados com temáticas e conceitos que fazem dispositi-
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vos de análise e uma micropolítica potente para interrogar as práticas cotidianas e a


produção da sociedade contemporânea.
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ESPORTE, CULTURA E LAZER:
linhas diagramáticas na produção
da subjetividade
Thaís de Souza Nogueira
Flávia Cristina Silveira Lemos
Rachel de Siqueira Dias
Márcia Roberta de Oliveira Cardoso
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Amanda Caroline da Silva Soares


Anderson Reis de Oliveira
Luana Karolina dos Santos Amorim

Introdução
É importante iniciar a escrita deste capítulo com um questionamento que per-
passou todo o processo de pesquisa a respeito dos direitos ao esporte, cultura e lazer:
como e por que analisar estes três juntos, como se fossem um só? Parece ser uma
simplificação da multiplicidade destes conceitos, entretanto este não foi o objetivo. A
opção por discuti-los juntos nessa dissertação baseia-se no próprio Estatuto da Criança
e do adolescente que os colocam juntos em seu capitulo IV – Título II, garantido o
direito à cultura, ao esporte e ao lazer, o qual delimita em seu art. 58 que “no pro-
cesso educacional respeitar-se-ão os valores culturais, artísticos e históricos próprios
do contexto social da criança e do adolescente, garantindo-se a estes a liberdade da
criação e o acesso às fontes de cultura” e em seu art. 59 que “os Municípios, com
apoio dos Estados e da União, estimularão e facilitarão a destinação de recursos e
espaços para programações culturais, esportivas e de lazer voltadas para a infância
e a juventude” (BRASIL, 2011). A partir de tal ressalva, fez-se necessário discutir
os conceitos de autores a respeito dos mesmos.

Sobre os conceitos de esporte, cultura e lazer


O esporte, segundo Marques, Almeida e Gutierrez (2007), pode ser entendido
de diversas maneiras, visto que seu sentido sofre alterações a partir das interpre-
tações dos que dele participam, sendo este, então, heterogêneo e em processo de
construção constante:

Desse modo, o esporte seria um fenômeno sócio-cultural que engloba diversas


práticas humanas, norteadas por regras de ação próprias, regulamentadas e insti-
tucionalizadas, direcionadas para um aspecto competitivo, seja ele caracterizado
pela oposição entre sujeitos ou pela comparação entre realizações do próprio
indivíduo, que se manifestam através da atividade corporal (p. 229).
24

Sendo um fenômeno sociocultural, seria leviano determinar seu significado a


partir de uma forma específica de manifestação, pois elas são múltiplas: competi-
ção de alto rendimento, esporte com lazer, campeonatos, entre outras. Ou seja, as
manifestações esportivas diferem de acordo com o sentido e com a modalidade da
prática. Já a cultura é uma construção histórica que, segundo Bauman (2012), tem
uma ambivalência, que lhe é inerente, em seu conceito. É necessário enfrentar essa
ambivalência ao invés de separar as oposições, pois elas são faces inseparáveis. As
duas faces que compõe essa ambivalência são: a cultura enquanto possibilidade de
criar e liberdade; e, em oposição, a cultura enquanto modo de preservar normas e
manter a ordem. Portanto, “a cultura nada pode produzir além da mudança constante,

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embora só possa produzir mudança por meio do esforço de ordenação” (p. 28).
Guattari e Rolnik (1996) discutem os vários sentidos que a palavra cultura
teve no transcorrer da história e que coexistem, diferenciados pelos autores em três
categorias, a saber: a cultura-valor, assim denominada por corresponder a julgamento
de valor, podendo ser entendida tanto como uma categoria geral de valor cultural,
quanto como sistemas setoriais de valor com diferentes níveis culturais; a cultura-
-alma, assim denominada por preocupar-se com níveis territoriais da cultura, pelos
quais para cada grupo social e etnias é atribuída uma cultura; e a cultura-mercadoria
que pretende produzir, reproduz, se modificar constantemente e difundir mercadorias
culturais. Coexistindo e se complementando, essas três categorias discutidas pelos
autores são uma dimensão essencial na produção da força coletiva de trabalho, e na
produção do que eles chamam de força coletiva de controle social, a partir de uma
cultura universal (gerada pela produção dos meios de comunicação de massa e da
subjetividade capitalística) que também tolera escapes a essa universalidade:

É preciso, para isso, tolerar margens, setores de cultura minoritária – subjetividades


em que possamos nos reconhecer, nos recuperar entre nós numa orientação alheia
à do Capitalismo Mundial Integrado (CMI). Essa atitude, entretanto, não é apenas
de tolerância. Nas últimas décadas, essa produção capitalística se empenhou, ela
própria, em produzir suas margens, e de algum modo equipou novos territórios
subjetivos: os indivíduos, as famílias, os grupos sociais, as minorias, etc. Tudo isso
parece ser muito bem calculado. Poder-se-ia dizer que, neste momento, Ministérios
da Cultura estão começando a surgir por toda parte, desenvolvendo uma pers-
pectiva modernista na qual se propõem a incrementar, de maneira aparentemente
democrática, uma produção de cultura que lhes permita estar nas sociedades
industriais desenvolvidas (GUATTARI; ROLNIK, 1996, p. 19).

Hall (2009) contribuiu afirmando que sempre se está em processo de formação


cultural e que o trabalho de elaboração e produção de cultura é de interesse público e
político. Ao tratar do conceito de identidade, afirma que esta é o lugar que se assume,
sendo uma costura de posição e contexto, ou seja, uma questão histórica. O lazer é
definido por Marcellino (2007) como componente da cultura historicamente situada
e vivenciada no ‘tempo disponível’, com o objetivo apenas da satisfação provocada
pela própria situação de lazer e não com um utilitarismo:
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 25

É fundamental, como traço definidor, o caráter “desinteressado” dessa vivência.


Não se busca, pelo menos basicamente, outra recompensa além da satisfação
provocada pela situação. A disponibilidade de tempo significa possibilidade de
opção pela atividade prática ou contemplativa (MARCELLINO, 1990, p. 31).

Dumazedier (1976) também fala do lazer como não ligado a um utilitarismo,


sendo ele sem um fim lucrativo, usando o tempo disponível fora das obrigações
profissionais e sociais “para repousar, para divertir-se, recrear-se e entreter-se ou
ainda, para desenvolver sua informação ou formação desinteressada, sua participa-
ção social voluntária ou sua livre capacidade criadora” (p. 94). Fruto da sociedade
urbano-industrial, esses direitos têm recebido um enfoque maior a partir da criação
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do Ministério da Cultura e da recente criação do Ministério do esporte na Secretaria


de desenvolvimento do esporte e do lazer, pelo qual tem sido abordado, ainda que
menos que o necessário. Esses aspectos legislativos e institucionais estão mais bem
discutidos no tópico seguinte.

Marcos legislativos e história institucional


No Estatuto da Criança e do Adolescente, datado de 1990 e que dispões sobre
a proteção integral à criança e ao adolescente, esporte, cultura e lazer são garantidos
enquanto direitos fundamentais, conforme mencionado anteriormente, nos art. 58 e
59 (capítulo IV – Título II). No que tange à prevenção (Título III do ECA), esses
direitos são regulados pelo Poder Público, através do órgão competente, a fim de
garantir o que dispõe o art. 71: “A criança e o adolescente têm direito à informação,
cultura, lazer, esportes, diversões, espetáculos e produtos e serviços que respeitem
sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento” (BRASIL, 2011).
A história institucional do esporte no país teve seu início com a Lei n° 378, de
13 de março de 1937, que criou a Divisão de Educação Física do Ministério da Edu-
cação e cultura. Após várias transformações, extinções e novas criações, o Ministério
do Esporte foi criado, em 2003, com a missão de construir uma Política Nacional
de Esporte e garantir à população brasileira o acesso gratuito à prática esportiva,
qualidade de vida e desenvolvimento humano. Desde então, várias ações foram
direcionadas às crianças e aos adolescentes, principalmente às que residem em áreas
consideradas de vulnerabilidade social. O Programa Segundo Tempo é um exemplo
dessas ações governamentais que atuam em parcerias, tendo como público alvo do
mesmo as crianças, os adolescentes e os jovens classificados como expostos aos
riscos sociais. Outro exemplo são os Projetos Esportivos Sociais financiados a partir
de recursos possibilitados através de uma parceria entre o Ministério e o CONANDA
através do Fundo Nacional para a Criança e o Adolescente, em concordância com o
art. 260 do ECA. Entre outros programas, existe também o Projeto Esporte e Lazer da
Cidade com o objetivo de ampliar, democratizar e universalizar o acesso ao esporte
e ao lazer na sociedade. (MINISTÉRIO DO ESPORTE, s.d.).
Quanto à cultura, o Brasil criou em 1985 o Ministério que viria dar foco a ela, até
então tratada junto com a educação. Segundo o próprio Ministério (s.d.), “a cultura,
26

ademais de elemento fundamental e insubstituível na construção da própria identidade


nacional é, cada vez mais, um setor de grande destaque na economia do País, como
fonte de geração crescente de empregos e renda”. Dentre os muitos projetos imple-
mentados, o Plano Nacional de Cultura objetiva o planejamento e a implementação
de políticas públicas de promoção e garantia da diversidade cultural brasileira. Uma
ação que condensa a questão do esporte e do lazer, lançada pelo governo e atrelada ao
Ministério da Cultura, são as Praças dos Esportes e da Cultura que objetivam integrar
num mesmo espaço físico programas e ações culturais, práticas esportivas e de lazer,
formação e qualificação para o mercado de trabalho, serviços socioassistenciais,
políticas de prevenção violência e inclusão digital, de modo a promover a cidadania

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em territórios de alta vulnerabilidade social das cidades brasileiras:

Integrar num mesmo espaço físico programas e ações culturais, práticas espor-
tivas e de lazer, formação e qualificação para o mercado de trabalho, serviços
sócio-assistenciais, políticas de prevenção violência e inclusão digital, de modo
a promover a cidadania em territórios de alta vulnerabilidade social das cidades
brasileiras (MINISTÉRIO DA CULTURA, s.d.).

Demarcar esses marcos legislativos e institucionais se fez importante para enten-


der e analisar a criação e implementação das políticas públicas para esporte, cultura
e lazer, problematizando os objetivos, as relações de saber e poder e a produção de
subjetividades em jogo.

Prevenção e utilitarismo
Apesar de serem diretos previstos em lei, esporte, cultura e lazer são tidos como
privilégios, pois as classes pobres, ao não terem garantido seus direitos e ao viver em
uma luta diária por melhores condições de vida, têm o lazer como uma possibilidade
distante e o esporte é considerado como útil na medida em que ou é uma forma de
ascensão social ou é um modo de prevenção contra os riscos das ruas, preenchendo
o tempo das crianças e dos adolescentes. O ter que trabalhar tão presente no dia a
dia das classes pobres e a possibilidade de ócio tão mais permitida nas classes mais
abastadas, segundo Zaluar (1994), baseia-se na forma grega de pensar logicamente
a oposição entre trabalho e lazer na era clássica, sendo esse último associado à
capacidade de criação. Nunes (2003) discute a construção de distintos mecanismos
de subjetivação, a partir de condições desiguais de acesso a direitos, baseados na
distribuição desigual de renda e alertando para o papel que o mercado assume em
uma lógica capitalista de produção e consumo.
A noção de sociedade de controle de Deleuze (1992) é interessante para pensar
a oferta de esporte, cultura e lazer como gerência da vida. Diferente da sociedade
disciplinar de Foucault, a sociedade de controle caracteriza-se por uma forma de con-
trole aberto e contínuo, ultrapassando a fronteira entre o público e o privado. A partir
disso, é importante pensar em que medida o esporte, a cultura e o lazer são tratados
enquanto um modo de controle em meio aberto que age, concomitante à disciplina
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 27

e à biopolítica, como mecanismo de prevenção com o objetivo de garantir o futuro


da nação, a defesa da sociedade através da criança e do adolescente, gerindo o risco
que, segundo Castel (1987), “trata-se menos de afrontar uma situação já perigosa, do
que de antecipar todas as figuras possíveis da irrupção do perigo” (p. 127).
As autoras Bengio, Cruz e Lemos (2012) discutiram a questão da prevenção vin-
culada a dispositivos como esporte, cultura e lazer de modo a serem utilizados, segundo
uma lógica capitalista de investimento humano a partir da gestão e do controle da vida,
como modos de ocupar as crianças e adolescentes “sem ocupação” que estão expostos
a riscos que comprometem o futuro da nação. E é em nome desse futuro da nação
através da criança e do adolescente que a disciplina e a biopolítica aparecem como
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meios de gestão da vida e governo das condutas, em nome da defesa da sociedade:

Nesse processo, os jovens são apontados como o principal grupo que precisa ser
controlado, a criação da demanda da proteção materializa práticas não discursivas
de controle intervenção. Esse quadro legitima a necessidade de vigilância sobre
os corpos desses jovens. [...] Nesse ponto, a “falta de ocupação” do jovem é des-
tacada como uma das causas da violência, de sorte que se subtende que, quanto
menos tempo livre o jovem tiver, menores são as chances dele se envolver em
atividades criminosas (2012, p. 151).

A disciplina, segundo Foucault (2014a), controla as atividades, o tempo, os espa-


ços, os discursos, mantém a vigilância dos corpos e age pela sanção normalizadora,
visando reduzir a força política e aumentar a força econômica do corpo como uma
polícia das condutas na dimensão microfísica do poder-saber. Nessa configuração, o
esporte e o lazer são inseridos como meio de ocupar as crianças e os adolescentes,
livrando-os do “tempo livre” que oferece riscos a eles. Nas escolas, esse mecanismo
é visível na Educação Física, disciplina obrigatória em todas as instituições de ensino
brasileiras, termo este que vem pressupondo exatamente o controle do corpo, inti-
mamente relacionado à disciplina corporal. Presente, também, em muitos outros
aspectos desse espaço, o poder disciplinar controla as atividades, o tempo, os espa-
ços, os discursos, mantém a vigilância dos corpos e age pela sanção normalizadora.
Contrastando com a disciplina, por volta do século XVIII, formou-se a biopo-
lítica. Esse dispositivo de poder centra-se no corpo enquanto espécie, nos processos
biológicos enquanto população através de estatísticas de nascimento, mortalidade,
expectativa de vida, nível de saúde, entre outros e a vida passa a ser um problema
político (FOUCAULT, 2014a). Esses são os novos objetos de saber destinados ao
controle e regulação da população que é o novo corpo: um corpo múltiplo, descrito e
quantificado e produtor de múltiplos saberes. Tais saberes produzidos pela biopolítica,
no que diz respeito a essa pesquisa, interferem nas políticas destinadas ao esporte,
lazer e cultura como mecanismos de prevenção.
O esporte é muitas vezes apresentado como uma maneira de prevenir a violência,
considerada uma das maiores preocupações da sociedade. Um exemplo de tal dis-
cussão é feita pelos autores Maciel e Finck (S.d.), os quais apresentam a indisciplina
como um dos fatores que estão diretamente relacionados à violência, colocando o
28

esporte como uma forma de educar, formando o indivíduo e a sociedade de modo a


contribuir para o desenvolvimento do potencial individual e social e alcançando o
objetivo de prevenção. Os autores assinalam a importância de desenvolver “estraté-
gias através da prática do esporte, com enfoque educacional, visando à mediação de
intervenções para reflexões/ações sobre a violência” (s.d., p. 7).
Assim, percebe-se uma valorização desses dispositivos enquanto modos de pre-
venção ou enquanto moedas de troca por “bom comportamento” no cumprimento das
medidas e não enquanto direitos assegurados constitucionalmente. Percebe-se, também,
que tais discussões centram-se em etapas anteriores à entrada em conflito com a lei.

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Considerações finais: esporte, cultura, lazer e acesso a cidade
Falar de esporte, cultura e lazer é também falar de acesso à cidade. A (des)
organização e o funcionamento do espaço urbano, em uma sociedade permeada de
desigualdades sociais e econômicas, são alvos de muitos questionamentos quanto a
democratização do acesso a cidade e a garantia dos direitos fundamentais. Como as
pessoas se distribuem na cidade? Como se dá o acesso aos direitos fundamentais?
Quais os problemas de mobilidade? Quais os problemas de habitação?
Com o processo de urbanização do século XX1, o crescimento demográfico, os
investimentos em infraestruturas, a industrialização e as medidas sanitárias, a cidade
tornou-se produtora de pobreza visto o modelo socioeconômico em que se situa e
como se deu o processo de distribuição espacial da população (SANTOS, 2008).
A (des)organização e os planejamentos das cidades, segundo Silva (2014), são
marcados por práticas pouco democráticas, a partir da tentativa de uma assepsia social
que desqualifica a existência de determinados grupos populacionais em benefício de
interesses econômicos:

Tais fragmentações na contemporaneidade decorrem, em grande parte, da priva-


tização de setores do espaço público, os quais ficam restritos ao uso de grupos
específicos. [...] Diante do cenário contemporâneo de segregação possibilitada
por processos estigmatizantes, são vistos mecanismos de controle dos corpos
“indesejáveis” que reforçam o imperativo de circulação e intensificam a ruptura
dos direitos desses sujeitos por meio de estratégias higienistas. Tal lógica alimenta,
por sua vez, toda uma rede de monitoramento, a qual passa a vigiar os desloca-
mentos dos ditos suspeitos, em nome da segurança social (SILVA, 2014, p. 16-17).

Resistindo aos planejamentos urbanos que segregam cada vez mais para a peri-
feria grupos considerados indesejáveis, é possível ver no Brasil formas particulares
de espaços habitáveis. Entretanto, a circulação nos espaços ainda é uma questão
crescente, visto as múltiplas maneiras de restringir o acesso democrático de todos à
cidade. Essas questões atravessam direitos fundamentais como mobilidade, moradia,

1 Entende-se aqui, conforme nos fala Santos (2008), que o processo de urbanização brasileiro acontece
nos séculos anteriores ao XX, mas alcança uma dimensão macro em meados do referido século com o
crescimento demográfico e a industrialização.
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 29

esporte, cultura e lazer. Perguntas ressoam em uma tentativa de resistir a essas subje-
tivações capitalistas e em uma luta pela garantia de tais direitos: os espaços da cidade
proporcionam a prática de esporte, cultura e lazer? Que mecanismos de segregação
são ativados diariamente impedindo/atrapalhando a livre circulação nos espaços? Há
acesso gratuito a atividades culturais, esportivas e de lazer? As políticas de habitação
são pensadas em áreas do centro ou afastadas? Todos acessam os mesmos espaços
democraticamente? Quais as possibilidades de resistência?
Essas perguntas, entre tantas outras, questionam as desigualdades sociais gri-
tantes do país e o lugar que as periferias ocupam na (não) garantia desses direitos,
visto que é notório no planejamento das cidades que há diferenças entre elas e os
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bairros centrais e ricos seja na ausência ou não manutenção de praças públicas, nas
dificuldades de transporte para acessar o centro e os espaços públicos, na capitalização
da cultura e do lazer que restringe o acesso a atividades a quem consome.
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A INFÂNCIA MAQUINAL E SUA
TERRITORIALIDADE EM QUESTÃO
Edna C. M. Moia Caldeira

A pequena Maribel1 estava sentada à minha frente no sofá de três lugares com
o pai à sua esquerda. Os adultos presentes, eu e o pai, lhe dirigiam o olhar com aten-
ção, sem mesmo a alcançarmos na horizontalidade em função de sua altura. Corpo
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franzino, bem coberto pelos muitos babados de um vestido florido. No pulso direito
uma pulseira colorida de miçanga. Os pés a balançar no ar não tocavam o chão. Era
miúda. Mas essa pequena dimensão física de minha interlocutora era incompatível
com a enormidade de um sorriso que escapava simpático pelo canto da boca falante
e responsiva, permitindo-se mostrar os dentinhos que portavam aparelho ortodôntico
com ligas coloridas, combinando com a pulseira. Me dizia o seguinte sobre suas
competências escolares auto-observadas: “Não sou boa em matemática. Um dia, ela2
fez um jogo: quando eu errava a continha eu levava duas chineladas na mão, assim.
(esticando a palma da mão). Mas eu ficava bem séria. Só sentia o olho ardido. [...]”.
Assim a minha paciente, recém apresentada, terminava sua breve narrativa com
olhar fugidio, ainda explorando o espaço desconhecido do consultório e, logo depois,
inclinou a cabeça levemente pra baixo e manteve-se friccionando suavemente as
mãos uma na outra. Então.... o silêncio: meu, da criança e do pai. Esse não se mos-
trava surpreso ao assentir sutilmente com a cabeça, confirmando o que fora narrado.
Interrompendo o tempo de um vazio preenchido de significado e, me dirigindo ao pai,
entrego as palavras que pareciam traduzir sua expressão: “Parece complicado, não?!”
Apenas passado longo tempo desta cena clínica, em momento exato que escrevo
este artigo, o termo complicado pareceu traduzir uma espécie de surpresa misturada
com leve mal-estar por sentir uma total incongruência entre a experiência de punição
física narrada e uma resiliência, beirando a indiferença, por parte daquela menina.
Chamo a atenção sobre o fato de que a ocasião referida se tratava de um primeiro
contato com a paciente, não tendo, assim, a garantia de uma memória fiel a um
acontecimento ou se havia elaborações fictícias, estando eu ciente, com os meus anos
de estudo e prática profissional, que a verdade da criança estaria presente de todo
modo, independente de passeios que suas imagens mentais fariam entre a realidade
e a fantasia. O complicado, sinônimo de complexo, se associava mais ao que parecia
estranho e esquisito. A supor pela expressão facial combinada com as sutilezas do
comportamento de Maribel, que não me diziam absolutamente nada sobre sua expec-
tativa a respeito de minha reação ou a do pai diante do que se contava, parecia-me

1 Trata-se de um nome fictício adotado para garantir a ética do sigilo sobre a identidade da paciente, em
conformidade com a autorização dos respectivos responsáveis.
2 Referindo-se à sua mãe, coprodutora da pulseira artesanal, o que parecia marcar a lembrança de um bom
encontro afetivo.
38

um recorte de criança fora do esperado, ou ainda, que escapava do eixo a sua relação
com a dor, com o castigo ou consigo mesma.
Trago aqui este trecho de atendimento clínico inicial, por entender que nele
contém os elementos provocadores das reflexões que se seguem nesta escrita. Assim,
como análogo as palavras-chave que se destacam ao final de um resumo textual,
coloco em relevo algumas sentenças, eixos dos pensamentos que aqui se desen-
volverão: infância, territorialidade da infância, lugar da infância na lógica do
desempenho, infância maquinal.
O sentido adotado pelas ciências humanas sobre o conceito de territorialidade
apresenta inspirações na etologia, conforme muito bem abordado por Albagli (2004)

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em seu livro Território e Territorialidades. A palavra é adotada comportando uma
mescla entre o conceito de espaço e o seu uso significativo, conferindo identidade a
quem o ocupa, bem como função e singularidade ao lugar. Com este entendimento,
encontrei-me com as indagações iniciais: Qual é a territorialidade da criança? Qual
sua localização no “mapa” social? Que configuração apresenta atualmente?
Em uma abordagem geográfica sobre a infância, recordemos que a história é
sempre pertinente na localização de qualquer sujeito ao qual possamos nos referir.
Todo artigo que faz menção à criança perpassa pelas contribuições oferecidas
pela pesquisa histórica, havendo destaque à obra do historiador francês Philipe Ariès
que, dentre muitos trabalhos publicados de grande valor ao entendimento sobre a for-
mação social, desmitificando a família, a mulher e a criança, nos brindou em meados
do século XX com a obra História Social da Criança e da Família3, esclarecendo que
a concepção que temos da infância é construída no decorrer do tempo e de diversas
formas de acordo com as conjunturas socioculturais.
Ariès (2018) oferece um traçado temporal sobre as bases ideológicas de épocas
distintas que parte da invisibilidade da infância – largada à própria sorte em qualquer tipo
de violência, descarte ou aniquilação – até o momento em que a humanidade começa a
reservar à criança o lugar de sujeito singular. Isso acontece na conjunção de saberes que
passam a reconhecer as peculiaridades e importância da infância, apresentando-se como
porta-estandarte a pedagogia, a qual recebe suporte da psicologia e de outras áreas afins,
bem como dos conhecimentos de base biológica que passam a melhor identificar e detalhar
as especificidades do corpo nas etapas do desenvolvimento atualmente compreendidas.
Tendo em vista que este artigo parte de um olhar voltado ao psíquico do ser
humano em seu percurso inicial no ciclo de vida, recordemos o que significa o
indivíduo em sua infância para a psicologia e para a psicanálise. Especialmente
na clínica analítica de crianças se confirma que a percepção sobre a infância não
é atemporal e, sim, historicamente atravessada pelos valores, perspectivas de uma
época e de um coletivo social pelo imperativo do desejo vigente. Sigmund Freud
(1915), marcando o saber sobre o psiquismo com o reconhecimento do inconsciente
e da origem sexual das pulsões, formulou uma metodologia clínica inovadora que
apontou caminhos diversos para interpretarmos os significados camuflados nas
coisas, nos feitos humanos e nas suas palavras.

3 Título da tradução brasileira em sua primeira edição de 1978.


EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 39

As diversificações e complementações metodológicas no próprio campo psica-


nalítico4, posterior a Freud, que se seguem voltados à infância, vêm revelar o brincar
enquanto canal primordial da linguagem no início da vida humana, mas também
diz sobre distintos olhares sobre a criança, enviesados pelas perspectivas variadas
entre os saberes e moldagens dos contextos histórico-culturais. De qualquer modo,
consideremos o vanguardismo da psicanálise na concepção sobre a infância. Na
constatação que Freud (1915) nos ofereceu sobre o inconsciente, comprometendo a
segurança que o homem ocidental depositava sobre a razão, abre-se o debate sobre
a sexualidade infantil e se contesta sua inocência. A despeito de todo e qualquer
preconceito, distorções ou discordância teórica perante o pensamento freudiano, para
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além da fundação de um novo saber sobre a psiquê, reinaugura-se a própria criança


que, desse modo, ganha status de sujeito do desejo a partir de uma falta estrutural.
O novo infans5 da pedagogia, da psicologia e da psicanálise é legitimado junto
a sua bagagem de sentimentos e de potência cognitiva, antes alheios, mas que a
partir deste novo olhar, passou a justificar cuidados e investimentos da ciência e da
sociedade. A psicanálise deu então visibilidade à criança mesmo antes de seu nasci-
mento, posto que a ideia sobre ela está posta na teia representativa da rede familiar e
social, tecida pelo desejo e, por conseguinte, pelo imaginário de todos que a recebem
no mundo. Esta marca representacional que a criança adquire desde antes de sua
formação e surgimento biológico nada mais é que o imperativo da cultura sobre ela.
Uma cultura que lhe dá nome, gostos, características, perfil, entre outros elementos
que a configuram em anuência ao narcisismo externo. Afinal, o que se espera dela
sempre perpassa por um ideal alheio, sempre sob uma expectativa além do real, algo
que diz da falta estabelecida nos seus cuidadores em especial, ou seja, algo que vem
de um desejo inconsciente que ainda não é dela própria.
De acordo com o que nos enfatiza, a posteriori, a psicanálise de Lacan (1966), a
palavra é fio condutor do desejo. Assim, o pequeno indivíduo em sua infância molda-se
com o que é dito sobre ele. Desta forma, estivemos e estaremos todos sempre submergi-
dos na linguagem, mesmo antes das nossas primeiras verbalizações. Contudo, na nossa
constituição de sujeitos psíquicos, nos é reservado algo de uma condição autônoma,
quando diante de uma variabilidade de respostas ao desejo do outro (daquilo que é
dito sobre nós) reagimos e nos constituímos em nossa identidade de maneira singular,
dando expressividade a nossa humanidade na feitura de nossas autorias simbólicas.
Em se tratando de nossa natureza humana, atrelada a capacidade de criar repre-
sentações sobre nós, o outro e o mundo, é na infância que se retrata uma potência
de simbolização que se expressa concretamente e de forma privilegiada enquanto
brinquedo. Para a criança tudo ao seu redor substitui a palavra que ainda ensaia sua
acomodação no âmbito do pensamento. Do início da vida até o findar da infância,
os objetos concretos e os fenômenos de nossas ações nos servem intensamente de

4 In: COSTA, 2010; FERRO, 1995; ROZA, 1993.


5 Trata-se de uma raiz latina da palavra infância, amplamente utilizada nos artigos de psicologia e psicanálise,
tais como em Canestri (2021) e Gherovici (1999), que parecem associar o sentido etimológico a necessária
inserção de interlocutores na compreensão e expressão daquilo que a criança deseja dizer.
40

linguagem, a começar pelo corpo com suas posturas e movimentos até os objetos e
fazeres lúdicos. O corpo, o brinquedo e o brincar são, assim, componentes estrutu-
rais da infância que portam um sentido de liberdade vital para o processo criativo
e necessário ao desenvolvimento, ofertando um lugar específico para a infância no
mundo. Entendemos, assim, que a criança se apresenta a todos na conjunção de sua
ocupação espacial e objetos eleitos que alinham o cenário de suas brincadeiras, das
fantasias, dos movimentos, traquinagens e todas as invenções resultantes.
Ora, se a criança se constitui e se apresenta ao mundo eminentemente pelo
seu exercício lúdico, sustentado pela lógica do desejo criativo e do fazer de conta,
simulando a realidade numa riqueza teatral, corporal, sensorial e compartilhada,

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é totalmente pertinente que primeiro possamos reconhecer a territorialidade da
infância e, por conseguinte, pensar sobre ela na atualidade. O entendimento sobre
territorialidade apresenta o efeito da atuação do indivíduo em um dado espaço geo-
gráfico, no qual se estabelece um modo de agir, atravessado por elementos culturais
e ideológicos de implicância representativa, cultivando no indivíduo o sentimento de
pertencimento. De maneira complementar, o conceito de territorialidade nos reporta a
duas dimensões significativas: “[...] no âmbito individual, que6 diz respeito ao espaço
pessoal imediato e, no coletivo”, como “um meio de regular as interações sociais e
reforçar a identidade do grupo ou comunidade” (ALBAGLI, 2004, p. 28).
Ainda a literatura menciona que na relação que se estabelece entre o sujeito ou
grupo social com os seus espaços vivenciados, forma-se um sistema de comporta-
mento que configura, pelo viés da psicologia histórico-cultural, componente elementar
na condição social de desenvolvimento. Isso se torna de fundamental importância
quando pensamos que a infância diz do período decisivo no ciclo da vida, assim
sendo, da trilha do desenvolvimento. Neste sentido, não só a geografia, mas também
a educação e a psicologia, quando confluentes, proporcionam ainda mais conteúdo
para se pensar a territorialidade da criança.
Ao tentarmos localizar o sujeito em sua infância em lugares possíveis, aos quais
ele venha estabelecer vínculos que lhe outorguem sentidos, certamente localizamos
os terrenos em que ele possa dizer de si através de sua expressão imaginária e lúdica.
Tal pertencimento é o que lhe dá sustentação psíquica. É seu porto, seu abrigo. Que
lugares são esses? Pensemos que são todos aqueles que caibam a criança com toda
sua corporeidade e fazer infantil. Podemos dizer assim que esta já fez de seu território
a rua de sua casa, a praça, os quintais, o pátio da escola, a área de um condomínio, o
terreno baldio. São lugares que a infância acontece e marca, fazendo com suas mãos,
guiadas pela potência criativa desenfreada, construindo um mundo particular e, ao
mesmo tempo, a si mesmo. De posse de uma ferramenta mágica chamada brincar
e um corpo desbravador, que tudo capta e tudo diz, a criança estabelece seu mapa
em três dimensões territoriais observadas: 1º) O espaço físico permitido, frutífero
ao crescimento e evolução do sujeito que está se formando, quando mais amplo e
aberto for; 2º) O corpo da infância, de significativa bagagem sensorial, motora e
pulsional, que se lança a um fazer que pouco ou nada está atento ao juízo; 3º) A

6 Grifo nosso.
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 41

imaginação, terreno da fantasia que serve ao exercício necessário das elaborações


emocionais e psíquicas.
No universo infantil essas três dimensões conversam e se implicam mutualmente.
Do quarto da casa ou de seu quintal à rua, parquinho, pátio ou até espaços extensos
e ricos de natureza, neste caso àqueles hoje mais “afortunados”, a espacialidade é
demarcada pelos acontecimentos e objetos associados, os quais renomeamos aqui de
coisas de crianças7: são eles os brinquedos surrados, adquiridos ou inventados, os jogos
de bolas, paus, tacos, pedras, tampinhas, petecas, os riscos no chão, nas paredes, nos
papéis, os pulos, os arranhões, as torções ou marcas corporais que tatuam a memória,
e tudo mais que oferece seu sentido ao território, tracejando a história do pequeno
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sujeito em formação. Nos parece que tudo isso condiz com o termo bem apropriado
em uma das literaturas tomadas como apoio neste artigo: a Geografia da Infância. Não
haveria melhor maneira de nomear de fato aqui aquilo que é referido sobre a infância
como “o lugar concebido em todas as suas dimensões, com toda a rede simbólica que
o envolve” (LOPES; VASCONCELOS, 2006) e que, portanto, possível ser mapeado.
Os lugares mencionados e outros tornam-se terrenos da infância na medida em
que estão autorizados pela cultura e pela sociedade, ancoradouros que destinam aos
seus pequeninos os espaços possíveis, de acordo com o que se concebe subjetivamente
sobre a infância. Tunes (2018) nos indica a possibilidade de “[...] quem sabe, seja
possível afirmar que a ideia de infância diz respeito ao conjunto de todas as territo-
rialidades das crianças em todos os tempos e lugares.” Certamente a autora aqui se
aproxima do que havia constatado Ariés (2018) em décadas passadas sobre o surgi-
mento do sentimento de infância, em caráter universal, o qual só fora possível pelo
atravessamento ideológico regido pela economia e casado com os princípios morais
do tempo histórico, reservando o lugar da criança. Embora a literatura moderna já nos
venha complementar que há uma diversidade de culturas infantis, abrindo um leque
de dimensões da infância de acordo com as variabilidades de recintos produzidos
socialmente, há algo nela que é vigoroso e que parece justificar mais ainda a dinâmica
recíproca e dialética na constituição da criança e seu espaço. Queremos dizer que o
território, juntamente com as coisas compostas e suas regras, legitimam o lugar da
criança, mas por ela mesma podem ser contestados. Os pequenos sujeitos pervertem
o sentido de grande parte desses elementos que lhe são reservados. Afinal, como é
naturalmente previsto, é funcional ao desenvolvimento corromper as representações
das coisas dadas pois é resposta ao sentimento de ambivalência diante dos ditames
adultos versus seu próprio desejo e, por que não, sua força criadora, como somatório.
Neste sentido, desde o quarto que deixa de sê-lo para virar escola, supermercado,
casinha, fazenda, faroeste ou pista de corrida, entre tantos outros, até os ambientes
abertos também viram castelos, florestas mal assobradas e outros cenários de aventura.

7 Na cultura popular a expressão coisas de crianças refere-se a acontecimentos, produtos ou produções


provocados ou elaborados pelas crianças com grande carga fantástica e, por isso, com desmerecimento
de importância pelo adulto que a isto considera, no uso da expressão, algo como bobagem. Contudo, neste
artigo emprestamos os termos para lembrar deste valor popular adulterando-o e enriquecendo-o, na medida
em que identificamos as coisas de crianças enquanto seus objetos, lugares e fazeres, resultados de sua
presentificação e manifestação genuína.
42

No movimento subjetivo das crianças de transgredir os significados das coisas


oferecemos os créditos devidos ao sujeito sobre o efeito que ele produz no ambiente
explorado, tendo em conta que o contrário também é verdadeiro. Essa dupla afetação
entre criança e espaço físico colabora com o processo de formação de identidade dos
pequenos. Sabemos que em relação ao sujeito em sua infância a construção identitária
se dá em duas direções: na horizontalidade, junto aos pares, e na verticalidade com a
referência adulta. Em ambas se supõem a parceria com a presença real, condutora e
compartilhada. Assim, o território infantil é povoado, não só pela criança, mas pelo
outro que com ela realiza as trocas necessárias pelo genuíno canal dos afetos e da
ludicidade. Isso acontece em cenários específicos: os territórios da infância.

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A presença dos pares e, por vezes, dos adultos, é elemento a mais e de funda-
mental importância na composição da territorialidade infantil porque a invenção e seu
espaço não são construídos na solidão. Na criança há o apelo contínuo e espontâneo
pelo outro e este acaba por comparecer, mesmo nas vestes de um amigo imaginário.
Há de sempre haver um interlocutor enquanto a infância acontece. Compreendemos,
pois, que os diversos territórios da criança abarcam todos os componentes neces-
sários ao desenvolvimento do sujeito: os objetos lúdicos, o corpo ativo, a fantasia
e o outro. Neste contexto configura-se a condição para aquilo que compreendemos
como exercício civilizatório. Afinal de contas, são nesses espaços, preenchidos por
todos esses elementos, que se dão as vivências genuínas impulsionadas por um prazer
de tal intensidade que não discrimina qualquer diferença, desde a idade, sexo, raça
ou classe social. Essas e outras distinções que para o adulto devem ser preceitos a
considerar no estabelecimento de parcerias, pois para ele a estranheza da diferença
vale mais do que o resultado emocional do que se partilha, bem ao contrário do que
acontece com a criança. Pela via do brincar ela faz seu ensaio social mais amplo,
com a vantagem de que tem todas as chances iniciais, na própria espontaneidade
da brincadeira instaurada entre os brincantes, de formar seus laços, constatar que a
tolerância e o respeito oferecem ganhos no campo dos afetos e assim o circuito lúdico
se torna possível. É o desejo implicado nesta dinâmica que vai recortando o espaço,
reconfigurando o tempo e fazendo acontecer uma espécie de micro ordem social na
qual os embriões civilizatórios que convocam a criança estão sendo acessados pela
alteridade, empatia, fraternidade e partilha.
Quando mencionamos sobre o exercício civilizatório da criança nos seus terri-
tórios não podemos esquecer de que Freud (1929/30) já nos dizia em seu escrito O
mal-estar da civilização, que, diante das ambiguidades no campo das pulsões e das
emoções humanas que se chocam e que, portanto, poderiam assim lutarem entre si,
há o caminho possível do respeito, das alianças e pactos coletivos na justa distribui-
ção do gozo, como também postulou Lacan (1972/73). Assim sendo, o laço social é
condição que se institui nos esforços das negociações humanas para a convivência
equilibrada com compensações possíveis e partilhadas, ainda que com a ajuda das
ferramentas de sublimação criadas pela própria cultura.
Com base nas suas construções teóricas sobre a clínica, Freud então defendeu a
unidade entre os homens de maneira não romanceada, mas tratando da importância
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tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 43

de uma dinâmica econômica das pulsões onde o amor (eros8) tem papel fundamental
frente aos impulsos destrutivos do sujeito. Como se houvesse uma dança entre a pul-
são de vida e pulsão de morte, havendo passos assumidos por cada lado na medida
certa, dando harmonia a vida e permitindo que, assim, a sociedade evolua. Ainda
pequenos todos nós ingressamos neste baile e nosso primeiro palco é o brincar. Nele
trocamos, expurgamos mal-estares, inventamos sobre estes, criamos além. Atuamos
na fantasia e nela vivemos os prazeres de maneira mais ampla e irrestrita com a ajuda
de um corpo que atua junto, que se experimenta, sobe, desce, cai, machuca, ri, chora,
se enfeza, empurra, pula, segura, toca o outro para correr ou ficar, finge desaparecer
para aparecer de novo e causar espantos ou gargalhadas, alcançando o outro num
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processo inevitável de contágio, sem cerimônia, garantindo-se cumplicidade. Como


não considerar que o brincar seja é um dos primeiros treinos civilizatórios fazendo
simulacros da realidade e empreendendo seu poder de alterar sentidos?
A criança é revolucionária, no sentido estrito da palavra, ao provocar deslo-
camentos radicais nas concepções, mesmo que em boa parte. Assim ela faz com os
lugares que lhe reservam a cultura dando sua própria configuração, estabelecendo
genuinamente sua territorialidade, como desde cedo faz com os objetos e, nas brinca-
deiras, como vimos, ultrapassa os conceitos pré-concebidos dos mais velhos. Assim,
quase arriscando um trocadilho, concluirmos que a criança adultera aquilo do adulto.
Mas, em tempos atuais, a quantas anda essa territorialidade da infância que serve a
ela e a sociedade de maneira tão importante, diante de tudo que expomos até aqui
sobre o fazer e o acontecer lúdico das crianças e sua natureza?
Não é de hoje que testemunhamos muitas mudanças nos ambientes ocupados
pela infância. Embora, dentro de sua historicidade, a criança de alguns séculos atrás
tenha alcançado visibilidade quando a conjuntura econômica e social estabeleceu
linhas divisórias entre o público e o privado. Um pouco depois, a casa e a escola
passaram a demarcar ainda mais os lugares dos pequenos fazendo despontar uma certa
reclusão, embora ainda por um bom tempo contava-se com o amplo acesso às ruas,
calçadas e quintais nas áreas menos urbanizadas e, nos centros mais desenvolvidos
das cidades, as praças, os parques, os jardins e áreas abertas de vilas ou condomínios.
Em decorrência de vários fatores sociais a modernidade nos apresenta uma
outra configuração da territorialidade infantil com a contínua redução desses espaços
anteriormente mencionados, reservando ainda mais no cotidiano, não só das crianças,
mas de toda a sociedade, os ambientes fechados que unem a gastronomia, mercado
e algumas propostas de entretenimentos pagos tais como as galerias e shoppings.
Ressalto que a parte restante conhecida dos espaços que se mantêm ocupados pelas
crianças, como o lar e a escola, hoje em dia são acrescidos de alguns aspectos pecu-
liares. Se por um lado a casa passou a comportar as janelas virtuais dos dispositivos
de celulares, tablets e computadores permitindo com que seus residentes se ocupem
deles onde for possível acessá-los, por outro, as escolas buscaram ampliar suas
dependências de maneira a destinar lugares voltados a atender as novas demandas

8 Termo grego que significa “desejar com muito amor” e é utilizado na psicanálise para fazer referência ao
desejo sexual e a paixão.
44

pedagógicas, garantindo-se, por exemplo, a sala de informática, leitura, sala de


reforço ou apoio pedagógico, entre tantos outros.
Uma outra categoria de espaço que parece estar ganhando evidência enquanto
novidade à territorialidade da criança, refere-se àquela em que meninas e meninos
são levados a compromissos diários ou semanais que visam produções ou metas
específicas a serem cumpridas, certamente associadas a objetivos estabelecidos espe-
rados pelas famílias e por atores que vêm representar o cuidado à saúde e ao desen-
volvimento. Refiro-me às empresas, programas e projetos que propõem à sociedade
atividades de reforço escolar, clínicas psicopedagógicas, clínicas multiprofissionais,
ambientes e propostas técnicas terapêuticas diversas, escolas de esportes e outras

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tantas atividades a serviço de promover uma infância que venha atender as expecta-
tivas sociais vigentes, as mesmas que padronizam e elevam os patamares ideais do
desenvolvimento e habilidades de crianças e jovens de modo geral.
No atual direcionamento funcional aos espaços da infância parece haver um
anseio por desempenhos cognitivos e competências específicas que alcancem um
ideal narcísico de infância em vigor. Um modelo reconfigurado que parece encaixar
exatamente em uma ideologia proeminente, pensada pelo filósofo coreano Byng-
-Chul Han (2015) em sua obra Sociedade do cansaço, a qual é sustentada por uma
lógica do desempenho. Embora em sua obra ele não tenha tratado especificamente
das crianças, mas, ao que parece claro, é que nesta nova tipografia social, cada vez
mais dominante, ficam comprometidos os aspectos genuínos da territorialidade da
infância, tal qual discorremos anteriormente.
Neste novo cenário a criança vai experimentando algumas perdas psíquicas e
emocionais com o estreitamento da territorialidade, a qual antes parecia mais eficaz
em possibilitar um saber humanizador no exercício dos tatos sociais e condução do
campo subjetivo na convivência com o outro, na coletividade, na socialização e, por
conseguinte, no ensaio a uma civilidade saudável e necessária.
A criança está no mundo e por ele é atingido pelos menores ou maiores arranjos
sociais decorrentes da organização econômica, produtiva e política que se inserem
na cultura, interferem e remodelam valores e comportamentos. Isso tem nos exigido
pesquisas e reflexões através das ciências, especialmente as humanas, as quais vem
se debruçando em procurar compreender as ações e os princípios que vigoram na
sociedade contemporânea globalizada, de comunicação sem fronteiras graças ao
surgimento e alcance da internet, marcando a história de maneira paradigmática,
favorecendo ao homem novos ideais e novas condutas. Outros objetos de desejos
são definidos e, consequentemente, metas e objetivos fins de satisfação são reconfi-
gurados. A criança entra na baila, pois não só é pertencente do social como sujeito e
pequeno cidadão, mas como também carrega nas costas toda a carga de investimento
do desejo adulto. Assim, temos também outra criança. Ou seria outro lugar do infantil?
Quando a filosofia de Han (2015) introduz os construtos teóricos sobre a sociedade
do cansaço, somos situados no despontar de uma lógica de existência que se distin-
guiria do enquadramento disciplinar previamente abordado por Foucault (1975/2013),
na qual era patente um anseio social por moldar de maneira doutrinária os espaços, os
comportamentos e a subjetividade dos indivíduos, estabelecendo territórios diversos
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com padrões rígidos a serem seguidos passivamente para garantir um determinado


fim. Por isso guardamos na memória tantas histórias de severidade e violência contra a
humanidade, legitimadas pela institucionalização. Temos assim desde prisões e manicô-
mios que encarceravam para punir ou extirpar o que não era padrão, até as escolas que
propunham uma metodologia conservadora e de prática molestadora contra as crian-
ças. Tudo em nome de ajustar o sujeito em determinada normatização que garantisse
controle das condutas e das ideias. Mas na história do infantil isso deixou cicatrizes de
muita dor que, a despeito de todas as mazelas decorrentes para a vida dos indivíduos,
encontramos os relatos que a arte tenta fazer proveito para nos recordar de caminhos
a não serem nunca mais revisitados, conforme trechos literários:
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O Marco, que se portava mal e estudava à revelia, levava coças da professora.


Chegava sempre arreliado, barafustando contra tudo. Contava-me como era.
Batia-se nos alunos com a mão aberta no rosto, as costas da mão no rosto, os nós
dos dedos na nuca, a cana por trás das orelhas, a régua na palma da mão. Batia-se
nas crianças para castigá-las da infância e urgir que fossem adultas. Algumas,
estou certo, eram adultas antes de terminarem a escola primária. Encaravam a vida
num desamparo, em tão grande desafeto, que lhes pareceria estarem no declínio da
pior velhice, o corpo inteiro punido por respirar, estar ainda vivo.” [...] “A profes-
sora pediu-lhe a mão, mostrou que usaria a régua que o seu próprio pai acabara
de lhe oferecer, e bateu-lhe. Quando nos batia a palma da mão, era impossível
conter o braço. Os músculos desmanchavam um pouco e o sangue assomava à
pele que ficava rubra. E chorávamos lágrimas gordas, sem grito. Não se podia
fazer barulho. O grito daria lugar a uma segunda reguada, e estava tão provado
que assim era que o Manuel chorou mudo e curvou-se mais, a sua camisola verde
como um trapo amarrotado sempre sem ninguém dentro (MÃE, 2020, p. 47-51).

Esses extratos dessa belíssima obra de Valter Hugo Mãe (2020), que para mim
se destaca com seu grande talento e capacidade de traduzir a criança através da
sua internalizada, compõem o capítulo Curar a Infância. Isso nos diz que há muito
tempo os esforços voltados para moldar meninos e meninas os colocam na posição
de objetos descabidos que requeiram algum tipo de adequação. Aqui o escritor toma
de metáfora o discurso da saúde:

Pensei que se esforçavam para nos curarem da infância. Curar a infância. Pensava
assim. Estávamos como que enfermos daquela maleita e a precisar de regimes rigo-
rosos para que nos puséssemos ao caminho da lucidez que só acontecia aos adultos.
Com papeiras e sarampos, gripes e muitos estômagos revoltos, o pior da maleita
da infância vinha da ignorância e da imoralidade. Nascíamos burros e imorais.
Tínhamos de ser punidos para afinar as virtudes e não perecer na imundice e no
perigo. Depois de anos, desejava eu, curados da infância, estaríamos ensinados
para a normalidade e nunca mais nos haveriam de bater [...] (MÃE, 2020, p. 54).

Nossa protagonista do breve relato clínico que iniciou este artigo, apresenta uma
perspectiva a mais sobre esta infância que se “queria” curar. A infância de hoje ainda
carrega nos ombros o desejo externo em ser sarada de algo condizente a uma suposta
46

afecção que lhe acompanha, no entanto, como parece dizer Maribel, está convencida
de seu lugar de peça a ser reparada, internalizando exclusiva responsabilidade sobre seu
“desajuste” e, por isso, culpa-se, cobra-se e adoece. O retrato que oferecemos na cena nar-
rada marca nossa preocupação atual com a criança que é inserida de tal maneira na lógica
de produtividade humana onde o pequeno sujeito, como ilustra minha paciente, parece
normalizar sua dor na compassividade diante de uma punição vivenciada como jogo.
Na criança que revelava ter levado chineladas a cada falha na continha, mantendo
seu rosto impassivo, mesmo dizendo dos olhos ardidos, os mesmo que claramente nem
se mostraram ansiosos por uma expressão reativa de sua ouvinte, até então desconhe-
cida, que era eu, encontrava-se naquela fração de tempo a representação de uma infância

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que parece ocupada em responder a demanda de seus adultos, estes envolvidos na
ciranda da busca por desempenhos, estendendo aos seus sucessores metas associadas.
Meninos e meninas hoje somam com os jovens, os quais vinham há mais tempo
com expressivos sintomas de adoecimentos pela cobrança sobre suas competências.
Assim, vislumbramos um coletivo social passivo e alienado a atender a demanda de
superestimação de eficiência, principalmente cognitiva. No caso dos mais jovens,
o que antes se esperava enquanto obediência e bom comportamento, hoje se espera
como capacidade de alta performance e pontualidade nos marcos do desenvolvimento
e pedagógicos, tais como o falar, andar, ler, escrever, cumprir etapas escolares, tarefas,
habilidades, atitudes, entre tantos. Nesta lógica é conveniente que a criança também
“acredite” na estratégia discursiva antiga do “querer é poder” e que, portanto, está
nela própria toda a condição de trazer ao mundo seus superpoderes de competência.
Han ressalta que na sociedade de hoje “A positividade do poder é bem mais efi-
ciente que a negatividade do dever.” Uma ideia que alcança a criança quando os pais
não aceitam as limitações que elas apresentam em sua singularidade, e tentam nela
empreender a certeza de que ela pode ir além de seus limites. Nos pequenos sujeitos
alimenta-se a sensação nefasta de garantia de todo amor e admiração condicionada a
resposta que ela dará ao que dela esperam. Vemos então crianças também exauridas
nesta sociedade frenética do cansaço, ganhando de brinde o sentimento de culpa por
não atender as expectativas dos adultos, sejam estes os pais, a escola, a professora ou
outra referência social. Ficamos diante de uma criança mais competitiva, tamponando
o treino à empatia e outros valores necessários.
Recordo-me com isso de um outro caso que me chegou à clínica de um meni-
ninho de 5 anos de idade com sintomas que iniciava recusa a ir para a escola. Nos
relatos da mãe o pai, brasileiro, mas ex-residente dos EUA, após sua volta ao seu país,
carregando com isto muita frustração, exigia que o filho fosse bilíngue e que, com
essa intenção, exigia-lhe cotidianamente que falasse inglês, ao ponto de proibir o uso
de português em horários de sua rotina. Tal metodologia às avessas do pai repercutiu
em problemas sociais da criança na escola que ficava confusa e incongruente ao se
cobrar a aplicação dos termos de língua inglesa junto aos coleguinhas. Assim, este
pequenino passou a compor os índices dos novos sintomas da infância em função
da cultura do desempenho a qual, certamente, já afetava o pai tornando-o mais um
depressivo e fracassado produto social do momento.
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No caso das crianças percebemos que a frustração e impotência parece pro-


mover tantas vezes uma defesa pela “negação” ao desenvolvimento. É a fala que
se perde, a coordenação motora e o equilíbrio que não vinga, o estudo que não se
aprende, a hiperatividade, ansiedade, fobia, dispersão, irritabilidade ou alheamento
que se apresentam, e, drasticamente, o brincar que não se deseja. Para fazer frente a
estes problemas buscamos as técnicas na esperança de que elas retomem a trilha do
desenvolvimento. Na cena entra a pedagogia, psicologia e todas as especialidades
dissidentes que ampliam os leques de ferramentas e instrumentos terapêuticos para
melhor manobrar esta criança que sai da curva.
Para além, é claro, do imperativo da necessidade financeira que se apresenta
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a uma grande maioria populacional para que se garanta seu sustento, contas pagas
e até sobrevivência em tempos de degradação econômica, está em relevo o desejo
pelo sucesso de desempenho ocupando o mundo adulto em seus tantos turnos de
trabalho e ainda, para muitos, a vida acadêmica ou de aperfeiçoamento profissional
que lhe rendam o status almejado. Enquanto isso, na paisagem da família, está a
criança ocupada, se possível com multitarefas, mantida a ilusão de que estamos
fazendo o melhor pelas crianças e pelo futuro, o que na contramão a filosofia de Han,
interpretamos como um retrocesso da vida civilizatória, programando o tempo para
uma rotina preenchida de propósitos. O “fazer nada” da infância é condenada, como
há um tempo deprecia-se o ócio na contemporaneidade, assim como o espaço da
contemplação, elemento que Han nos alerta a resgatar na salvaguarda do ser humano.
A contemplação também efetua a comunicação necessária da criança com a
natureza e a todas as coisas, o que ela faz com maestria simplesmente por também ser
vital às suas elaborações simbólicas, elemento propulsor ao seu desenvolvimento. A
vida a ser contemplada tem seu espaço definido que também é o lugar que a infância
acontece. A criança do desempenho, ocupada em ambientes destinados a determi-
nadas produções a todo tempo, é também a criança conectada às telas quando há a
“sobra” do seu tempo.
Muito se tem discutido sobre o novo espaço do brincar no mundo virtual, con-
siderando a exposição excessiva às telas. O que tem suscitado questionamentos sobre
os efeitos que teremos ou temos da suspensão da experiencia corporal e a materiali-
dade simbólica das fantasias possíveis. De qualquer modo, pelo mundo paralelo da
realidade virtual, a despeito de perdas, para mim inquestionáveis no campo psíquico,
emocional e corporal para a criança, surge a suspeita de que esta entrega às imagens
do entretenimento virtual retrate um movimento do sujeito em tentar recuperar, sem
propósito consciente, algo perdido nos territórios infantis: o gozo da sensação de
liberdade dada pelo imaginário e pela fantasia, ainda que tenhamos certeza que os
sistemas e dispositivos tecnológicos entreguem ao sujeito ideias prontas empobre-
cendo o devir9. Mas não queremos nos adentrar aqui neste debate que, embora amplo
e necessário, apenas menciono no compromisso de ressaltar que a dinâmica lúdica
virtual acrescenta reconfiguração na territorialidade da criança havendo custos nisto.

9 Segundo dicionário online de português (Disponível em: https://www.dicio.com.br) termo originado do latim
devenire, significa passar a ser; fazer existir; tornar-se ou transformar-se.
48

O tempo e o espaço da infância têm seus critérios para que se garanta sua própria
sustentação. Sustentar a infância é não precarizar seu lugar físico e subjetivo, sua
territorialidade como assim compreendemos.
Somos irresponsáveis ao incluir as crianças em uma lógica mecânica, fazendo
delas engrenagem a serviço de um aparato automático maior proposto na atualidade,
produzindo dessa forma uma infância maquinal. Esse é um termo que me visita o
pensamento desde o incômodo que me provoca a sobrecarga de muitas crianças, em
número crescente, com as atividades a cumprir em sua rotina, todas com propostas
técnicas, didáticas e, por vezes, apenas ideológicas apresentadas pelos cuidadores
que discursam a favor desta ocupação dirigida diariamente, na certeza de que este

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é o caminho para a formação dos melhores indivíduos em suas potencialidades e
talentos, em nome de seu sucesso, que apenas lembrando, não é sinônimo de felici-
dade. Uma infância que se revela maquinal. Na definição da palavra de raiz latina
machiñale refere-se a algo em conformidade com a máquina, automático e sem
intensão própria ou consciente. Para mim é uma infância que se resulta na dinâmica
ocupacional que lhe impõem os adultos, a maioria destes terceirizando o cuidado
quando faz todas as apostas nas técnicas sobre o melhor educar, estimular e garantir
um futuro bem-sucedido com checklist de habilidades socialmente valorizadas,
inclusive supostamente rentáveis lá na frente.
Será a supercriança a ser um super adulto sem, contudo, dar-se conta de ter per-
dido parte da alma para executar protocolos ao crescimento, muito a despeito do desejo
e sentido do que se produz e, mais ainda, deixando ao abandono os lugares e suas coisas
que antes circulavam e expressavam suas invenções e fantasias, suas territorialidades
genuínas. Na função de uma engrenagem que pertence à um sistema padrão maior de
comportamentos, visando fins qualitativos e/ou quantitativos que expressem o máximo
de rendimento em aptidão, temos na infância maquinal a infeliz coincidência com o
que significa desempenho nas origens de seu estabelecimento terminológico, conforme
extrato: “[...] Conjunto de características que permitem determinar o grau de eficiência
e as possibilidades de operação de determinado veículo, motor, máquina etc.[...]”10. Ou
ainda temos de maneira complementar outra definição que nos chama aqui a atenção
às nossas reflexões: “[...] Modo de executar uma tarefa que terá, posteriormente, seu
grau de eficiência submetido a análise e apreciação [...]”11.
Estabelecemos os parâmetros e os avaliadores de nossos pequenos equipamen-
tos humanos. Temos como instrumentos, a exemplo, os catálogos de saúde (DSMs e
CIDs), testes de inteligência, inventários, simulados e avaliações aplicadas em grande
âmbito para colher indicadores educacionais. Os agentes que atuam na avaliação desta
infância são aqueles pela cultura legitimados como peritos da ciência: neuropediatras,
psiquiatras infanto-juvenis, psicólogos, psicopedagogos, neuropsicólogos, especialistas
diversos preocupados com o autismo, TDAH e outros fantasmas que vem assombrando
o desenvolvimento infantil esperado. Esta variabilidade que cresce continuamente,
ultrapassando esses exemplos, nos diz da importante evolução no campo dos saberes

10 Disponível em: https://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues.


11 Idem.
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 49

científicos sobre o ser humano aplicando-se sobre as crianças, mas também, ao notar-se
a proporção tomada na vida de meninos e meninas em sua vida pelo que é esperado
para ela, nos diz de um modismo de técnicas prontas com esperada eficiência ime-
diata, o que arriscaríamos apelidar neste sentido de psicologismos e pedagogismos,
diferenciando-os, é claro, das atuações sérias evidentemente necessárias por parte das
múltiplas profissões que atuam no cuidado à saúde e desenvolvimento da criança e
conseguem cumprir com seu compromisso ético de não objetificar o ser humano. No
caso da infância, deixando espaço ao seu protagonismo em sua liberdade criativa, no
tempo do “não fazer nada”, de suas peraltices, vivencias de conflitos e alianças entre
pares, seus lampejos, inventos e imaginações, demarcando seu chão.
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Se hoje nos apresenta então uma nova territorialidade que nos parece artifi-
cializada ou pré-pronta para que ali aconteça uma infância que execute atividades
direcionadas com metas previstas, ou pior, se a parte disto entram em cena as novas
babás eletrônicas12 no tempo que resta livre, que infância teremos, ou melhor con-
ceberemos? Seriam essas transformações na territorialidade infantil possíveis sem
ônus? O que fazer dessa infância maquinal? Há razoabilidade nas perspectivas sobre
os fazeres da criança?
Por ora, diante destas questões que se mantém, fica nossa preocupação com o
risco a uma degradação de nossos pequenos sucessores com perdas temidas na for-
mação subjetiva das crianças, deixando vulnerável tanto o sujeito da infância quanto
o futuro da ordem civilizatória. A criança permanece, mas a infância pode mudar e
com isso nos arrastar a perdas importantes nos aspectos de nossa espécie.
É urgente olharmos para a recuperação dos lugares produzidos pela criança, longe
dos excessos de direcionamentos e metas nos fazeres infantis. Precisamos garantir
aos pequenos os ambientes em que suas apreciações e encantamentos aconteçam nas
suas experiências sensoriais e afetivas com os outros, com os bichos e com todo seu
amplo mundo imaginário. Tudo isso, as coisas de criança, é do humano. Quem sabe
assim possamos interromper um curso que se inicia nocivo à infância, devolvendo
as condições favoráveis para as suas criações, entregando-lhe de volta seus espaços
nos quais confluem suas produções internas e suas ações concretas, resultando em
inventos valiosos e singulares. Se isso torna-se garantia, podemos então apostar na
esperança de uma sociedade que não se esvazie, que não empobreça sua essência pelo
automatismo e que não estenda tal destino a quem precisa seguir compondo o futuro.

12 Esta referência tem sido amplamente utilizada, como as que se apresentam no livro Intoxicações eletrônicas:
o sujeito na era das relações virtuais, contendo vários artigos organizados por Julieta Jerusalinsky e Angela
Batista em 2017. Diz da metáfora aplicada ao uso das telas de computadores, celulares e tablets em momento
que o adulto expõe as crianças, mesmo bebês, a se entreterem com as imagens ou dispositivos que as
acompanham, a fim de garantir o controle sobre o comportamento.
50

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WIKIPEDIA – A enciclopédia livre. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki.


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POR QUE AS BÚSSOLAS SEMPRE
APONTAM PARA O NORTE?
POR UMA CRÍTICA DECOLONIAL DO
EXPANSIONISMO NEOLIBERAL
Emanuel Messias Aguiar de Castro
Caio Monteiro Silva
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Túlio Kércio Arruda Prestes

Introdução
Para se falar em um projeto de crítica decolonial ao neoliberalismo, em nossa
leitura, é preciso retomar elementos fundamentais dos conceitos de Multidão e Impé-
rio dos filósofos Michael Hardt e Antonio Negri. Acreditamos que a partir desses
conceitos é possível minimamente compreender a capacidade colonizadora e de
expansão territorial do neoliberalismo.
Hardt e Negri (2003) sustentam que no Império todas as formas de governo
e dispositivos de governamentalidade coexistem em tempos e espaços geopolíticos
distintos ou até mesmo sobrepostos. É bem verdade, evidenciam os autores, que ainda
podemos falar de um núcleo central do capitalismo onde o trabalho imaterial tende
a concentrar-se, mas essa concentração, principalmente nos últimos anos, tem se
tornado cada vez mais dispersa, muito talvez pela lógica da economia compartilhada.
Apesar de podermos falar nessa dispersão, não podemos esquecer que os grandes
centros do capitalismo ainda mantêm minimamente uma cerebralidade em relação
às ações e decisões operacionais da racionalidade neoliberal. Isso não implica a
existência de um centro cognitivo, posto que é característica dessa racionalidade seu
poder mutagênico. Mas tomemos como exemplo Hollywood e a Indústria Cultural
do entretenimento cinematográfico hoje. Todas as produções milionárias e de arre-
cadação bilionária passam por Hollywood.
Em uma entrevista dada ao programa de comédia Choque de Cultura, o cineasta
brasileiro Kleber Mendonça Filho, um dos diretores do aclamado filme Bacurau,
relembrou a primeira vez que assistiu a um filme brasileiro e sua estranheza com
a familiaridade. O filme, fala o diretor, era ruim, mas era ruim porque era familiar.
Era falado em seu idioma. Toda a estranheza que o filme lhe trazia estava ligada à
familiaridade do cineasta com os eventos ali cinegrafados.
Essa anedota, e aqui é preciso colocar todas as aspas possíveis para evitar
generalizações contraproducentes, serve-nos de alegoria para compreender o poder
de produção de infamiliaridades do Império.
Aqui devemos retomar Freud (2019, p. 102) em o “Infamiliar” quando escreve que
“Em suma, familiar [HeimlichI] é uma palavra cujo significado se desenvolveu segundo
54

uma ambivalência, até se fundir, enfim, com seu oposto, o infamiliar [unheinmlich].
Infamiliar é de certa forma, um tipo de familiar”. Para Freud (2019), o infamiliar é algo
de familiar sujeito ao recalcamento. Sua estranheza está fundida a sua familiaridade.
Devemos aqui também lembrar o marcante episódio relatado por Fanon (2020)
quando descreve que fora muitas vezes apontado como alvo do medo das crianças o
medo do negro, uma vez que este se depara com um esquema corporal predisposto
a uma forma de vida que, ao mesmo tempo que lhe é familiar, é estranha.
Um estranho de seu corpo. Um estranho de seu próprio idioma. Fanon (2020,
p. 126) escreve que “No mundo branco, o homem de cor encontra dificuldades na
elaboração do seu esquema corporal. O conhecimento do corpo é uma atividade

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puramente negacional. É um conhecimento em terceira pessoa. Ao redor do corpo,
reina uma atmosfera de clara incerteza”.
O Império que se espalha e se expande em sua multiplicidade de possibilidades
ainda mantém minimamente um modelo de “forma de vida” que se decanta sobre o
mundo colonizado por muitas vias, das quais talvez a Indústria Cultural e a mídia
sejam as mais exemplares. O outro, como aponta Viveiros de Castro (2015), é essa
figura não europeia sempre posta em oposição.
Aqui estamos diante de uma cínica universalidade pretendida pelo Império. O
direito internacional que regula a ideia de um Estado internacional pauta-se na pro-
jeção de um “direito humano” que não é autorreflexivo sobre sua própria condição
da definição de humanidade.
O outro, não europeu, é o que podemos pensar através da alegoria de Kafka
(1999, p. 23) em “Atribulações de um pai de família”, em que nos conta sobre um
objeto misterioso de origem desconhecida, forma peculiar e de comportamentos
estranhos no tempo e no espaço. Assim escreve o autor:

Ele vive alternadamente no sótão, no vão da escada, nos corredores, no vestíbulo.


Às vezes desaparece por semanas inteiras; provavelmente se muda para outras casas,
mas é certo que acaba voltando à nossa. Cruzando a soleira, se ele está encostado ao
corrimão, lá embaixo, às vezes dá vontade de lhe falar. Não se fazem naturalmente
perguntas difíceis, ele é tratado – já o seu tamaninho nos induz – como uma criança.
Pergunta-se ‘qual é o teu nome?’. Ele responde ‘Odradek’. ‘E onde você mora?’ Ele
responde ‘residência indeterminada’, e ri; mas é uma risada como só sem pulmões se
produz. Soa, quem sabe, como o cochicho de folhas caídas. De hábito, este é o fim da
conversa. Mesmo estas respostas, aliás, não é sempre que se obtêm; com freqüência
ele fica mudo, por longo tempo, como a madeira que aparenta ser. Inutilmente eu
me pergunto – dele, o que será? É possível que ele morra? Tudo o que morre terá
tido, anteriormente, uma espécie de finalidade, uma espécie de atividade, na qual
se desgastou; não é o que se passa com Odradek. Será então que no futuro, quem
sabe se diante dos pés de meus filhos, e filhos de meus filhos, ele ainda rolará pelas
escadas, arrastando os seus fiapos? Evidentemente ele não faz mal a ninguém; mas
a idéia de que além de tudo me sobreviva, para mim é quase dolorosa.

O Odradek é, em suma, este outro que parece habitar esse espaço de incertezas.
Em sua particular leitura do conto, Žižek (2010) aponta que o Odradek cumpre um
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 55

papel do gozo para o pensamento lacaniano. Sua materialidade é abstração, e sua


abstração é material. Não se trata de uma existência propriamentre dita, mas de uma
insistência. Algo que de certa forma permeia a obra de Kafka em sua literatura menor.
O Odradek é, nesse sentido, algo político, como toda literatura menor o é nos dizeres
de Deleuze e Guattari (2014).
A questão confusa nessa analogia pode ser: qual é a relação entre o Odradek,
Frantz Fanon e o Império? A resposta, apesar de simples, requer uma reflexão que
passa pela construção do corpo colonizado cuja orientação, a bússola, sempre aponta
para o norte. O norte, aqui, tautologicamente ou pleonasticamente, como um norte.
O Odradek como uma coisa abarcada pelo Império, mas cuja condição de estranheza
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desloca-se dentro das familiaridades infamiliares produzidas pela expansão imperial e


seu direito universal que tenta, a partir da lógica da diversidade, submeter a diferença
a uma espécie de for dar freudiano.
Um jogo de vai e vem cujo gozo exprime-se ora pela azáfama jubilatória da
produção de um imaginário de identidades igualitárias, ora por uma violência que se
implicita pelos racismos até a produção das máquinas de matar do Estado.

Problemas no paraíso: a europa dita as regras para o parque humano?

Em seu livro Problemas no paraíso, Žižek (2015) nos alerta para os cuidados
que devemos ter com um antieurocentrismo acrítico. Na obra, o autor apresenta quase
que na íntegra um debate entre ele e Walter Mignolo sobre o que significa decolo-
nialidade. Žižek (2015) alerta para o perigo de negligenciar o pensamento europeu
em vez de desconstruí-lo. Para o autor, a posição radical de Mignolo (2013)1 afirma
que um intelectual decolonial tem coisas melhores a fazer do que se preocupar com
o pensamento europeu. Decerto existe uma série de interpretações equivocadas de
ambas as partes e não é de nosso interesse o debate sobre tais interpretações.
Vale, todavia, contextualizar que a afirmação de Mignolo (2013) é feita em um
texto, sem tradução para o português, Sim, nós podemos: pensadores e filósofos não
europeus. Nesse contexto, Mignolo (2013) está afirmando que, ao elencar a lista de
maiores filósofos e pensadores críticos da contemporaneidade, o filósofo italiano
Santiago Zabala não cita nenhum não europeu, negligenciando importantes nomes
como Henrique Dussel, Frantz Fanon, entre outros. Mas, como já afirmado, a polê-
mica em si pouco nos interessa, mas o que ela nos revela.
Žižek (2015) sustenta que, por mais que o capitalismo tenha se originado no
continente europeu, sua dimensão global é transcendente às fronteiras. Aqui o pen-
samento do autor é bastante análogo ao de Hardt e Negri (2003) sobre a noção de
Império. O capitalismo seria uma ordem global.
Voltemos um pouco e falemos do eurocentrismo no pensamento “ocidental”.
Em “Regras para o parque humano”, Sloterdijk (2018) nos lembra que o humanismo
do pós-guerra é uma cultura elitizada cercada por uma antropotécnica baseada no

1 Artigo publicado em 19 fev. 2013, em Al-Jazeera (Qatar). Disponível em: http://www.aljazeera.com/indepth/


opinion/2013/02/20132672747320891.html. Tradução: Vila Vudu.
56

potencial da comunicação. Assim, nós aprendemos a ser humanos com outros huma-
nos a partir de regras preestabelecidas para a convivência no “parque humano”.

O fenômeno do humanismo hoje merece atenção antes de mais nada porque nos
recorda – embora de forma velada e tímida – que as pessoas na cultura elitizada
estão submetidas de forma constante e simultânea a dois poderes de formação
– vamos aqui denominá-los, para simplificar, influências inibidoras e desinibido-
ras. Faz parte do credo do humanismo a convicção de que os seres humanos são
‘animais influenciáveis’ e de que é, portanto, imperativo prover-lhes o tipo certo
de influência. A etiqueta do humanismo recorda de forma falsamente inofensiva
a contínua batalha pelo ser humano que se produz como disputa entre tendências

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bestializadoras e tendências domesticadoras (SLOTERDIJK, 2018, p. 17).

Existe implicitamente nessa afirmação a ideia de que há, portanto, um modelo


de humanidade a ser seguido. Aqui está posta uma forte oposição, dentro do pensa-
mento humanista, entre o Humano e o Bárbaro. Percebamos que a questão não se
trata, pois, de qualquer relação entre humanidade e a espécie Homo sapiens, mas
uma introdução do sapiens na antropotécnica da leitura e da escrita.
Para Sloterdijk (2018), a tese fundamental do humanismo é que a humanização
se dá através da organização de “boas leituras”. Em certo sentido, uma predetermi-
nação de modelos pedagógicos generalizados a partir da ética moderna. Em larga
medida temos aqui uma espécie de evangelho na modernidade balizado pela filosofia
continental europeia. Em outra tonalidade, Sloterdijk (2002, p. 13) escreve que:

Cabe assim a Europa não apenas a responsabilidade pela calamidade colonia-


lista, mas também o mérito de ter tido pela primeira vez o lampejo – ainda que
enevoado – do moderno conceito de espécie; conceito esse que se expressou
exemplarmente na Declaração de Direitos Humanos. Tudo isso é apenas uma
maneira de dizer que a Europa, em sua fase decisiva na história mundial, era um
Império do Centro – não, porém, como a China tradicional, um centro estático
defensivo, mas antes um quartel general de um movimento de apropriação que
transformava em fontes de matéria-prima e zonas de influência tudo aquilo que
punha as mãos. A grande implicação das viagens de Colombo foi que a Terra e
o gênero humano se tornaram alvos das imagens e conceitos formulados pelos
europeus, cujas consequências se poderia resumir primordialmente nas frases
‘Ai dos descobertos’.

O paradoxo implícito contido nesse trecho do pequeno ensaio “Se a Europa


despertar” é que a culpabilização da Europa pela produção de uma forma de vida
domesticada a sua imagem e semelhança coloca o pensamento europeu no centro da
resolução do problema por ela própria criada. No final do ensaio, Sloterdijk (2002,
p. 76) escreve que “com razão a Europa foi denominada mãe das revoluções: uma
definição mais profunda designaria a Europa como o coração das revoltas contra o
sofrimento humano. Tão logo a Europa venha a despertar, as questões sobre a verdade
retornarão a grande política”.
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 57

Não é de se estranhar, diante disso, uma certa dualidade posta entre uma filosofia
continental europeia e uma filosofia produzida pelas colônias2. Voltemos ao debate
entre Mignolo e Žižek. Em sua defesa de uma necessidade de um retorno ao pensa-
mento crítico moderno sobre o capitalismo, Žižek (2015) acaba por, propositalmente
ou não, defender, em certo sentido, o mesmo pensamento de Sloterdijk (2003). Cabe
à Europa resolver o problema que ela mesma criou.
Žižek (2015, p. 187) transcreve parte da resposta de Mignolo.

Como pensador não europeu, meus sentidos reagiram à primeira sentença do


artigo de Žižek: Quando se diz eurocentrismo, todo intelectual pós-moderno de
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esquerda dotado de autorrespeito tem uma reação violenta, semelhante àquela


de Joseph Goebbels à cultura – buscar um revólver, vomitando acusações de
imperialismo cultural eurocêntrico protofascista. É possível, porém, imaginar
uma apropriação esquerdista da herança política europeia? … Minha resposta
a esse parágrafo, apresentada em algumas publicações, é a seguinte: Quando
se diz eurocentrismo, todo intelectual descolonial dotado de autorrespeito não
tem uma reação tão violenta quanto a de Joseph Goebbels à cultura – buscar um
revólver, vomitando acusações de imperialismo cultural eurocêntrico protofascista.
Um intelectual descolonial dotado de autorrespeito recorreria, em vez disso, a
Frantz Fanon: ‘Agora, camaradas, agora é o momento de decidir mudar de lado.
Devemos despir o grande manto da noite que nos tem envolvido e buscar a luz.
O novo dia que está chegando deve nos encontrar determinados, esclarecidos e
resolutos. Assim, meus irmãos, como poderíamos deixar de entender que temos
coisas melhores a fazer do que seguir as pegadas da Europa’ … nós, intelectuais
descoloniais, se não filósofos, ‘temos coisas melhores a fazer’, como diria Fanon,
do que nos envolver com questões debatidas por filósofos europeus.3

É do conhecimento do leitor familiarizado com a obra de Žižek que sua matriz


conceitual gira em torno de um certo lacano-hegelianismo com toques leninistas.
Tal matriz conceitual não deixa por ignorar, inclusive por motivações históricas, a
produção de conhecimento não europeia. Nesse sentido, a insistência em universa-
lização da crítica incorre no caos de ser confundida com um paradoxo ao estilo do
Gato de Schrödinger.
Em “A coragem da desesperança”, Žižek (2019, p. 34) escreve que:

O legado ocidental não é somente o da dominação imperialista pós-colonial, mas


também o exame auto-crítico da violência e da exploração que o ocidente trouxe
ao terceiro mundo. Os franceses colonizaram o Haiti, mas a revolução francesa
trouxe também os fundamentos ideológicos da rebelião que libertou os escravos

2 A escolha desse termo se deu pela indefinição dos termos que se referem à filosofia produzida pelas colônias.
Podemos falar em filosofia descolonial, decolonial, pós-colonial, contracolonial etc. Dada essa multiplicidade
de terminologias, mesmo entendendo que remete a pensamentos distintos, queremos, pelo menos nesse
ponto, apenas contrapor colonizador e colonizado.
3 O texto de Walter Mignolo (2013), “Yes, we can: Non-European thinkers and philosophers”, pode ser encontrado
na coluna de opinião do site do jornal Aljazeera pelo link: https://www.aljazeera.com/opinions/2013/2/19/
yes-we-can-non-european-thinkers-and-philosophers. Acesso em: 30 abr. 2021.
58

e estabeleceu o Haiti independente, o processo de descolonização foi posto em


movimento quando as nações colonizadas exigiram para si os mesmos direitos
que o ocidente havia conquistado. Em resumo, não devemos jamais esquecer que
o ocidente provê os padrões através dos quais (ele assim como seus críticos) vai
avaliar seus processos criminosos. Nós estamos lidando aqui com a dialética da
forma conteúdo: quando os países coloniais exigem independência e decretam
retorno às suas raízes, a própria forma desse retorno (a de uma nação-Estado) é
ocidental. Em sua própria derrota o ocidente está assim vencendo, e impondo sua
forma social ao outro. Os três tipos de subjetividade, que segundo Alain Badiou,
estão em operação no capitalismo global não cobrem a totalidade do campo. Há
a subjetividade da classe média ocidental hegemônica, que se percebe como um

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farol da civilização; há aqueles possuídos pelo desejo de Ocidente; e aqueles que,
pela frustração que têm do desejo do Ocidente, se voltam para um niilismo (auto)
destrutivo. Mas, há também o tradicionalismo global capitalista: a postura daqueles
que, embora participando plenamente da dinâmica do capitalismo global, tentam
conter seus excessos confiando em alguma ética ou modo de vida tradicional
(confucionismo, hinduismo etc.). O legado emancipatório europeu não pode ser
reduzido a valores europeus no sentido ideológico predominantemente, i.e., aquilo
que nossa mídia faz alusão quando fala sobre como nossos valores são ameaçados
pelo islã, ao contrário, a maior ameaça aquilo que vale a pena ser salvo na Europa
são os próprios defensores de hoje da Europa (os populistas anti-imigrantes). O
pensamento de Platão é um advento europeu, o igualitarismo radical é europeu, a
noção de subjetividade moderna é europeia; o comunismo é um advento europeu
se é que um dia houve um. Quando os marxistas celebram o poder do capitalismo
de desintegrar os velhos vínculos comunais, quando decretam que essa desinte-
gração era a abertura de um espaço para a emancipação radical, eles falaram em
nome do legado emancipatório europeu. É por isso que Walter Mignolo e outros
anti-eurocentristas pós-coloniais atacam Badiou e outros propositores do comu-
nismo, considerando-os muito europeus. Eles rejeitam a ideia corretíssima que o
comunismo é europeu e, em vez disso, propõem como fonte de resistência ao capi-
talismo glogal algumas antigas tradições asiáticas, latino-americanas ou africanas.

Parece haver no pensamento de Žižek (2019) uma espécie de lapso de lin-


guagem. Uma tentativa exagerada de que o pensamento europeu deve encontrar as
soluções, ou pelo menos oferecer as pistas, para o problema que ele próprio criou.
Aqui o autor perde uma dimensão mais complexa do que Latour (1994) chamou de
simetria entre os conceitos. Será mesmo necessário recorrer às categorias europeias
sempre? Isso não significa nunca. O ponto em questão reside no fato de que um
“perspectivismo” em sua radicalidade não recorre aos extremos, e sim à radicialidade.
Ao radicializar, horizontalizar, perspectivar o problema, estamos ainda recor-
rendo a uma categoria de matriz europeia proposta por Deleuze e Guattari (2011) que
é o Rizoma. Mas não estaria na própria obra de Žižek a resposta para o problema por
ele mesmo criado? A indolência do pensamento europeu não esbarraria na própria
noção de Paralaxe? Ao mudar o ponto de vista, o objeto também não se modificaria?
Ainda que exista um núcleo duro de Real, o capitalismo muda dependendo de que
lugar do mundo olhamos para ele. Eis o ponto em que a generalização do pensamento
crítico incorre em uma autoaporia ao perder de vista a crítica da imanência.
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 59

O Império é, para nós, uma solução temporária, pois teria ele a capacidade de
um conceito abrangente o suficiente para sempre refutar as críticas a ele apelando
para sua flexibilidade conceitual. Ao deliberadamente sustentar que no Império todas
as formas de governo coexistem, Hardt e Negri (2003) não estariam fazendo uso
desse recurso? Ou seja, é impossível encontrar um ponto em que sua afirmação seja
apórica, uma vez que ela tem a capacidade de se remodelar às críticas.
Não estamos com isso abandonando o conceito de Império, apenas apontando
uma limitação epistemológica dele. Como escreve Han (2018, p. 31), no texto
No enxame:
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Segundo Michael Hardt e Antonio Negri, a globalização desenvolve duas forças


opostas. De um lado, ela erige uma ordem de domínio capitalista descentralizada,
desterritorializada, a saber, o ‘Império’. De outro lado, ela produz uma assim
chamada ‘Multidão’, uma composição de singularidades que se comunicam por
meio da rede e agem conjuntamente. Ela se opõe, no interior do Império, ao
[próprio] Império. Hardt e Negri constroem o seu modelo teórico com base em
categorias historicamente ultrapassadas, como classe ou luta de classes. Assim,
eles definem a ‘Multidão’ como uma classe que é capaz de um agir conjunto:
‘Em uma primeira aproximação, a Multidão deve ser compreendida como com-
posição de todos aqueles que trabalham sob o domínio do capital e, por isso,
potencialmente como a classe que resiste ao domínio do capital’. A violência
que parte do Império é interpretada como a violência da exploração alheia: ‘A
massa (Multidão) é a verdadeira força produtiva do mundo social, enquanto o
Império é um aparato de exploração que vive da força vital da massa – ou, para
dizer tomando empréstimo a Marx, um regime de acumulação do trabalho morto,
que apenas sobrevive pelo fato de que ele suga, como um vampiro, o sangue
dos vivos’. O discurso de classe só faz sentido no interior de uma pluralidade
de classes. A Multidão, porém, é uma classe única. Todos que fazem parte do
sistema capitalista pertencem a ela. O Império não é uma classe dominante que
explora a Multidão, pois, hoje em dia, explora-se a si mesmo, mesmo que se
pense se encontrar em liberdade. O sujeito produtivo de hoje é ofensor e vítima
simultaneamente. Claramente, Negri e Hardt não conhecem essa lógica da autoex-
ploração, que é muito mais eficiente do que a exploração alheia. Ninguém domina
verdadeiramente no Império. Ele representa o sistema capitalista ele mesmo, que
se estende a todos. Assim, é possível, hoje, uma exploração sem dominação. O
sujeito econômico neoliberal não forma nenhum ‘Nós’ capaz de um agir con-
junto. A egotização crescente e a atomização da sociedade leva a que os espaços
para o agir conjunto encolham radicalmente e impede, assim, a formação de um
contrapoder que pudesse efetivamente colocar em questão a ordem capitalista. O
socius [‘social’] dá lugar ao solus [‘sozinho’]. Não a Multidão, mas sim a solidão
caracteriza a constituição social atual. Ela é abarcada por uma desintegração gene-
ralizada do comum e do comunitário. A solidariedade desaparece. A privatização
avança até a alma. A erosão do comunitário torna um agir comum cada vez mais
improvável. Hardt e Negri não tomam conhecimento desse desenvolvimento e
invocam uma revolução comunista da Multidão. O seu livro conclui com uma
idealização romântica do comunismo: ‘Na Pós-modernidade nos encontramos
novamente na mesma situação de Francisco de Assis, e contrapomos, à miséria
60

do poder, a alegria pelo ser. Nenhum poder poderá controlar essa revolução – pois
biopoder e comunismo, cooperação e revolução permanecem unidos no amor,
na simplicidade e também na inocência. Aí se mostra a leveza que não pode ser
oprimida e a felicidade de ser comunista.

Apesar da pertinência da crítica de Han (2018), alguns apontamentos devem


ser feitos a ela. Se Hardt e Negri (2003) não conseguem superar uma certa análise
epicêntrica do neoliberalismo, a partir do conceito de Império, por mais que esse
esforço seja visível e, aqui, chamo de análise epicêntrica uma análise que, partindo
de um ethos oikonomicos criado no centro do capitalismo, espalha-se pelo mundo. O
conceito de Multidão é um largo passo em caminho a essa superação, todavia esbarra

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no problema do trabalho imaterial.
Hardt e Negri (2014) avançam em direção à compreensão de que existe uma
Multidão de explorados, e não somente uma classe trabalhadora operária como se pensa
em um certo campo do marxismo. Todavia, não conseguem corporificar essa classe que
eles operam a partir do conceito de Multidão em “existências mínimas” – conceito de
Lapoujade (2017). Assim, sabemos que uma Multidão de explorados espalha-se pela
terra, mas não sabemos exatamente quem são, como são e pouco sabemos, a partir do
texto, quais modos de exploração/dominação operam sobre essa Multidão.
Por outro lado, Han (2018) limita-se à visão de um tipo de sujeito produtivo,
ignorando completamente, a exemplo do texto de Jesse Sousa (2018), existências
como a da “ralé”. Se é bem verdade que em um primeiro momento a uberização
causou certo tipo de euforia, não tardou para que os limites dela fossem, mediante os
limites do próprio corpo, explorados. O cansaço manifesto em forma de psicopato-
logias do trabalho é um reflexo de que esse trabalhador que se explora e goza dessa
exploração goza em um sentido lacaniano. Ou seja, goza a partir de um imperativo
superegoico de felicidade, e não da felicidade grega pensada como uma virtude.
Desta feita, é preciso analisar as continuidades e descontinuidades entre a relação
Multidão/solidão proposta por Han (2018) que por muito adota os diagnósticos apres-
sados aos quais se dirigem suas críticas. Em Sociedade da transparência, Han (2017)
recorre pelo menos a nove metadiagnósticos sociais sem que haja um geodiagnóstico.
Onde a sociedade é transparente? Os transparentes do portal da transparência dos
sites da Receita Federal brasileira são os mesmos invisibilizados pela necropolítica
brasileira (ou terceiro-mundista)?
Parece não haver preocupação por parte de Byung-Chul Han em responder a
essas perguntas. Ou seja, a questão fundamental é: o ocidente pode de fato oferecer
alternativas à anamorfose neoliberal da periferia do Império do capitalismo global?

Neoliberalismo na periferia do império: de cima pra baixo, de baixo


pra cima e de lá outra vez

Se é verdade que o Império e sua razão neoliberal se expandem largamente pelo


globo, não podemos falar, todavia, que tal racionalidade não encontra resistências
geopolíticas que a obrigam a acomodar-se de maneira mais flexível, ou menos rígida,
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 61

nos territórios onde assenta. O perigo de uma análise epicêntrica do neoliberalismo


é perder de vista a sua capacidade de adaptação e de tornar-se tão diferente onde se
instala que chegamos até a questionar se essa ubiquidade pode realmente ser deno-
minada de neoliberalismo.
Lazzarato (2019, p. 21) nos alerta para o perigo da homogeneização de certa
tradição analítica, escrevendo que:

Sobre essas bases, por uma década (de 1975 a 1986, mas um mês depois do golpe
de Estado os discípulos chilenos de Friedman se agitavam empolgadíssimos),
os economistas neoliberais se beneficiaram das condições ‘ideais’ para testar
suas receitas, pois o esmagamento sangrento da ‘revolução’ impediu qualquer
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questionamento, qualquer oposição, qualquer crítica. Outros países da América


Latina seguiram essas políticas inovadoras, Chicago Boys ocuparam postos-chave
no Uruguai, no Brasil e na Argentina. Quando da tomada do poder por Jorge
Rafael Videla na Argentina, responsável com a junta militar por outra matança
talvez ainda mais horrível, os neoliberais entraram no governo dos militares ten-
tando reproduzir as políticas chilenas de redução maciça dos salários e corte nas
despesas sociais, abrindo as portas para a privatização da escola, da saúde, da
aposentadoria etc. Essas políticas foram imediatamente reconhecidas e adotadas
pelo banco mundial sob o nome que mantêm até hoje ‘ajustes estruturais’. Foram
aplicadas na África do Sul, depois no Sul da Ásia e só tardiamente chegaram
no Norte. A tradição iniciada por Michel Foucault de analisar o neoliberalismo
ignorando completamente sua genealogia turva, escabrosa e violenta, em que se
cruzam torturadores militares e criminosos da teoria econômica, foi catastrófica
sob diversos pontos de vista. O problema não é moral (a indignação com o esma-
gamento armado dos processos revolucionários na América Latina), mas antes
de tudo teórico político. A governamentalidade, o empreendedor de si mesmo,
a concorrência, a liberdade, a ‘racionalidade’ do mercado etc., todos esses belos
conceitos que Foucault encontrou nos livros e que nunca confrontou com processos
políticos reais (escolha metodológica assumida) tem um pressuposto que, longe
de ser explicitado, é sempre cuidadosamente apagado.

Talvez haja alguns excessos nas palavras de Maurizio Lazzarato, porém o alerta
de não generalizar o modelo ordoliberal ou mesmo a noção de Capital Humano é
extremamente necessário. Veronica Gago (2018) nos oferece algumas pistas com-
plementares para compreendermos a incisiva crítica à tradição analítica foucaultina
do neoliberalismo, pelo menos no que tange sua dimensão biopolítica.
Para a socióloga argentina, devemos compreender essa ubiquidade neoliberal do
ponto de vista de uma arquitetura. Desta feita, a autora fala em um neoliberalismo de
cima para baixo e um neoliberalismo de baixo para cima. Em outras palavras, deve-
mos pensar em um neoliberalismo que pode ser compreendido em sua verticalidade
e em sua horizontalidade. As duras palavras de Lazzarato (2019) referem-se a essa
leitura de uma apologia da liberdade incrustada em uma reconstrução da democracia
liberal na segunda metade do século XX.
O questionamento de Lazzarato (2019) é um questionamento geo-histórico:
Aconteceu da mesma maneira em todos os lugares do mundo? Gago (2018) demonstra
62

que a arquitetura neoliberal não é apenas uma razão econômica generalizada por
uma nova ordem global, mas, ao espalhar-se pelo Império, essa arquitetura altera sua
dimensão estilística em um jogo de afastamentos e aproximações éticas e estéticas
entre centro e periferia do Império.
Gago (2018) opta por uma dupla leitura que transversaliza a tradição foucaul-
tiana e a tradição marxista, mas vai além, colocando essas tradições sob o ponto de
vista de uma crítica da colonização contemporânea. Podemos falar, em certo sentido,
de uma arquitetura da razão do Império cuja homogeneidade de processos políticos
e econômicos reduzidos a um direito internacional não é mais que mera ideologia,
posto que a periferia não está sob as mesmas condições econômicas do centro.

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Esse dualismo pode parecer ingênuo, mas não devemos esquecer que os anos
de bem-estar social na Europa arquitetaram uma infraestrutura de seguridade que
resiste, ainda que em ruínas, à tratorização neoliberal. O mesmo não pode ser dito
das periferias do capitalismo, cuja infraestrutura de seguridade sequer chegou a ser
implementada. Ao menor resquício de reformas mais radicais no sul global, os defen-
sores da economia neoliberal não tardaram em apoiar as mais violentas ditaduras na
América Latina, África, Oriente Médio, Sudeste Asiático etc.
Grégoire Chamayou (2020, p. 327, grifos nossos) reproduz integralmente uma
entrevista dada por Fredrich von Hayek em uma das visitas do economista austríaco
ao Chile no período ditatorial de Pinochet. Hayek, questionado sobre sua opinião
sobre as ditaduras na America Latina, responde:

Hayek: Bem eu diria que, como instituição de longo prazo, sou totalmente contra as
ditaduras. Mas uma ditadura pode ser um sistema necessário durante um período de
transição. Às vezes é necessário para um país ter, durante certo tempo, uma forma
de poder ditatorial. Como a senhora deve compreender, é possível para um ditador
governar de maneira liberal. E é igualmente possível que uma democracia governe
com total falta de liberalismo. Pessoalmente prefiro um ditador liberal a um governo
democrático sem liberalismo. […]. Sallas: Isso signifca que durante os períodos de
transição o senhor proporia governos mais fortes e ditatoriais… Hayek: […] Em tais
circunstâncias, é praticamente inevitável que alguém tenha poderes quase absolutos.

O trecho dessa entrevista aqui descrito nos coloca em frente à afirmação de


Lazzarato (2019) de que certos conceitos retirados dos livros de economia neoliberal,
em especial os que fazem apologia à liberdade individual, foram pouco ou nada con-
frontados com processos políticos reais. É exatamente nesse ponto que a tese de Gago
(2018) se apresenta como uma ferramenta poderosa para apreender tais processos na
realidade, quiçá o Real (em termos lacanianos) desses processos.
Gago (2018, p. 17, grifos da autora) nos apresenta então uma arquitetura
do neoliberalismo:

Uma primeira topologia: de cima para baixo, o neoliberalismo sinaliza uma


modificação do regime de acumulação global – novas estratégias de corporações,
agências e governos – que leva a uma mutação nas instituições estatais nacionais.
Nesse ponto o neoliberalismo é uma fase – e não um mero matiz – do capitalismo.
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 63

E de baixo para cima, o neoliberalismo é a proliferação de modos de vida que


reorganizam as noções de liberdade, cálculo e obediência, projetando uma nova
racionalidade e efetividade coletiva.

O paradoxo fundamental dessa arquitetura reside na relação diferente entre


os de baixo (neoliberalismo do sul) e os de cima (neoliberalismo do norte). Aqui a
distinção de Žižek (2014) sobre os tipos de violência nos é extremamente impor-
tante. O autor propõe a existência de três grandes categorias de violência: objetiva,
subjetiva e divina. Do ponto de vista de Žižek (2014), a violência objetiva é aquela
estrutural do capital e de sua linguagem. Como analisado por Marx (2013, p. 830),
quando confrontado o mito da acumulação primitiva com os processos históricos,
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o Capital nasce “escorrendo sangue e lama por todos os poros, da cabeça aos pés”.
Todavia, a história do liberalismo é, antes de tudo, uma história da apologia à
liberdade. Em sua Contra-história do Liberalismo, Domenico Losurdo (2006) nos
mostra que a história do liberalismo europeu confunde-se com a construção de um
capitalismo liberal escravocrata. O paradoxo nessa correlação é, todavia, posto que
fora a própria escravocracia que oferecera as bases para a acumulação primitiva.
Como apresenta Losurdo (2006), as grandes revoluções liberais ergueram-se sobre
os alicerces da escravocracia.
A solução encontrada pelos liberais modernos parece nos servir de analogia
para a solução neoliberal ao desmonte da seguração trabalhista e a implantação de
uma espécie de ditadura da flexibilidade. Assim, Losurdo (2006, p. 59) escreve que:

Enquanto estimula o desenvolvimento da escravidão-mercadoria sobre a base


racial e escava um abismo intransponível entre brancos e povos de cor, o
autogoverno civil triunfa agitando a bandeira da liberdade e da luta contra o
despotismo. Entre estas duas faces, que aparecem simultaneamente no curso
de um parto gêmeo, se instaura uma relação cheia de tensões e de contradições.
Nesta celebração da liberdade, que se entrelaça com a realidade de um poder
absoluto sem precedentes pode ser percebida uma ideologia. Mesmo desmisti-
ficadora, a ideologia nunca é o nada; pelo contrário a sua função mistificadora
não pode ser pensada sem alguma incidência concreta da realidade social. E
menos ainda a ideologia pode ser considerada sinônimo de mentira consciente:
se assim fosse, não conseguiria inspirar as mentes e produzir uma real ação
social e condenaria a impotência. Os teóricos e os protagonistas das revoluções
e dos movimentos liberais são tomados por um forte pathos convicto da liber-
dade e, justamente por isso, sentem constrangimentos em relação a escravidão.
Obviamente, na maioria dos casos, tal constrangimento não chega ao ponto
de colocar em discussão a ‘propriedade’ sobre a qual deitam a riqueza e a
influência social da classe protagonista da luta pelo autogoverno da sociedade
civil. No tocante a Inglaterra, acaba sendo embocado o caminho que remove
a escravidão propriamente dita em uma área distante da metrópole, colocada
nos confins do mundo civil, onde, em virtude da contiguidade e da pressão
da barbárie circunstante, o espírito da liberdade não consegue se manifestar
em toda sua pureza, como acontece na própria Inglaterra, naquela que é pátria
autêntica, a terra prometida da liberdade.
64

Se é da estrutura do capitalismo moderno essa violência subjetiva a partir dos


aparelhos repressivos do Estado parece, segundo Chamoyou (2019), que o caso neo-
liberal, principalmente na periferia do Império, consiste em um nó borromeano onde
o dentro e o fora, ou seja, a violência objetiva e subjetiva perdem suas fronteiras.
Se no caso liberal inglês os regimes escravocratas foram afastados do centro
liberal da Inglaterra, no caso do Império, onde a relação centro e periferia é muito mais
borrada, ainda é nas regiões periféricas onde acontecem os experimentos ditatoriais.
Entretanto, discordamos com veemência da existência de um pathos que não seja a
racionalidade cínica do neoliberalismo.
O caso de Hayek, descrito por Chamayou (2019), é contundente. No já acima

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transcrito trecho da entrevista, o economista austríaco afirma ser um ferrenho defensor
da liberdade do mercado, mesmo que imposta através de massacres ditatoriais como
ocorrera na América Latina entre os anos 1960 e fim dos anos 1990.
Desta feita, confrontado com situações históricas, o Real como forma de vio-
lência, em termos žižekianos, aparece amalgamado entre um neoliberalismo que
repete o derrame de lama e sangue nas zonas periféricas neocoloniais, ao mesmo
tempo em que produz uma violência sistêmica de uma nova codificação semiótica
de inclusão e exaustão das populações periféricas a novos regimes de trabalho que
funcionam, no dizer de Crary (2016), 24 horas por dia e 7 dias por semana (regime
24/7). É nesse ponto que o trabalhador se explora ao mesmo tempo em que goza
dessa autoexploração.
A diferença fundamental reside no que Veronica Gago (2019) chama de con-
dições neoliberais. Tais condições referem-se, em uma terminologia marxista, ao
desalinho entre a infra/superestrutura que o paradoxal laissez-faire do neoliberalismo
de cima tenta desmontar, ao passo que embaixo sequer existe uma estrutura a ser
desmontada, posto que, nos momentos iniciais das fundações desses alicerces de um
bem-estar social, estes foram sanguinariamente desmembrados pela operação Condor
apoiada por economistas como Milton Friedman e Fredrich Von Hayek.
Para Veronica Gago (2019), é preciso desmontar a arquitetura conceitual que
explica o neoliberalismo de um ângulo exclusivamente visto de cima para baixo.
A ubiquidade da racionalidade neoliberal não se assenta de maneira homogênea ao
longo da nova ordem global.
Assim, fazer uso dessa dualidade vertical, ou seja, de cima para baixo e de baixo
para cima, é necessário para horizontalizar os conceitos e, por fim, perspectivá-los
de maneira radical. Não é possível oferecer um diagnóstico das patologias sociais do
neoliberalismo que faça um delineamento, um desenho, um mapa, e não um mero
decalque das tatuagens inscritas na pele afro-latina ao longo dos laboratórios de tortu-
ras físicas, psicológicas e de austeridades econômicas na América Latina e na África.
Para refazer a arquitetura da crítica neoliberal, Gago (2019) propõe a descons-
trução de três ideias fundamentais que, segundo a autora, são os pilares fundamentais
da construção de uma crítica que não compreende a dimensão territorial do neoli-
beralismo. Em primeiro lugar, deve ser desconstruída a ideia de um neoliberalismo
como uma teoria macropolítica epicêntrica que sai do centro do capitalismo para a
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sua periferia como se nessa passagem não houvesse qualquer alteração ou ajuste das
ideias econômicas às realidades localizadas.
Isso desemboca diretamente no segundo ponto da autora. De certa forma, des-
construir a ideia de que o neoliberalismo, enquanto forma de racionalidade, age
apenas mediado pelos grandes atores, mesmo que estes pertençam às cenas locais.
Nesse sentido, seria o equivalente a afirmar que essa racionalidade é, acima de tudo,
uma psicologia tanto das massas quanto dos indivíduos. Ela atua produzindo com-
portamentos visíveis (para usar uma terminologia comportamental). Trata-se de uma
operação psicológica ambígua, pois sustenta-se, em larga escala, em uma fantasia
ideológica no sentido žižekiano, ao mesmo tempo que opera um conjunto de estímulos
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e reforçadores comportamentais e neurocomportamentais.

Considerações finais
Por fim, é preciso ir além de uma espera por um Estado que atue em oposição.
A batalha pela vida no neoliberalismo é uma batalha pelas formas de vida que são
atravessadas por dimensões macro, meso e micropolíticas. Assim, não é somente
a partir de uma macropolítica econômica de oposição, mas de um ethos que não
necessariamente deva ser individual, mas que deve estar intimamente ligado aos
sujeitos em suas coletividades.
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UMA ANÁLISE DA POPULARIZAÇÃO
DAS PRÁTICAS DE MEDITAÇÃO NO
CONTEXTO ESCOLAR EM TEMPOS
DE CAPITALISMO NEOLIBERAL
Cristiane Bremenkamp Cruz
Luciana Vieira Caliman
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Nossa atenção é um campo de batalha [...]. Cada um de nós pode aprender a


manejar melhor os recursos atencionais de modo a se tornar mais eficiente e
competitivo, ou então, diferentemente, podemos nos tornar mais atenciosos uns
com os outros e em relação ao modo como tecemos nossas vidas comunitárias.
(Yves Citton (2017) no prefácio do livro Ecologia da Atenção)

Introdução
Temos acompanhado no mundo contemporâneo uma proliferação de propostas de
práticas de meditação em diversos âmbitos, sobretudo no contexto escolar. Concomi-
tantemente, cresce o número de investigações sobre os efeitos dessas práticas no campo
educacional. Em geral, o termo meditação é utilizado referindo-se a uma larga extensão
de práticas, muitas vezes significativamente distintas: atenção focada na respiração,
visualização de uma deidade, recitação de um mantra, visualização de energia fluindo
pelo corpo, reflexão sobre argumentos narrativos ou sobre narrativas, além de diversas
formas de meditação sem objeto (LUTZ; DUNNE; DAVIDSON, 2007; CRUZ, 2020).
Além da identificação da meditação com as práticas mencionadas, a referida
palavra é ainda muito utilizada para se referir às situações em que nos pomos a pon-
derar e refletir sobre um assunto que necessita de avaliação delicada, tal como na
afirmativa corriqueira de que estamos meditando sobre uma decisão que precisamos
tomar. A expressão meditação é também recorrente no contexto de tradições religiosas
como na prática de reflexão sobre algum tema de escrituras sagradas. Antoine Lutz,
John Dunne e Richard Davidson (2007) descrevem essa complexidade e nuances em
torno do meditar e afirmam que a palavra “meditação” é uma categoria que com-
porta muitos matizes e que seu uso, nos dias de hoje, tem sido similar ao da palavra
“esporte” – “desconsiderando-se a ampla gama de diferenciações incluídas nesta
categoria e supondo-se, neste caso, que todos os esportes sejam o mesmo” (LUTZ;
DUNNE; DAVIDSON, 2007, p. 3). Diante desta variedade de tendências, buscaremos
situar e destrinchar ao longo deste artigo alguns dos sentidos envolvidos na prática
de meditação, a partir da análise de artigos e estudos sobre o tema.
Por meio de uma pesquisa com os termos buscadores “meditação” e “educação”
no Scielo e Google Acadêmico, encontramos artigos publicados entre os anos 2010 e
70

2020. Dentre estes, podemos mencionar artigos que fazem uma revisão de literatura
sobre a temática, que apresentam relatos de intervenções feitas na educação infantil
ou outras etapas de ensino, ou que fazem aproximações entre as práticas meditativas
e abordagens pedagógicas, por exemplo, um artigo que busca aproximar os efeitos
da meditação às proposições de Paulo Freire relativas ao cultivo de uma “curiosidade
crítica” e “abertura para a mudança”1.
Para quem trabalha no campo entre psicologia e educação, é cada vez mais
comum receber E-mails com divulgação de cursos e treinamentos, pós-graduações
ou workshops de estudo e práticas em torno do tema da meditação, ou o termo popu-
larizado Mindfulness (geralmente traduzido para o português como Atenção Plena).

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As páginas de jornal e revistas também têm abordado o assunto abundantemente,
e parece que para a mídia os exercícios de Mindfulness surgem, hoje, como uma
aposta para lidar com os desafios atencionais experimentados por adultos e crianças.
Se há dez anos acompanhávamos a explosão do uso de Ritalina2 como a prin-
cipal promessa de resolução dos problemas de falta de foco e concentração, hoje
ela divide espaço com a aposta coletiva na prática de Atenção Plena. E, embora tais
indicativos de tratamento para as vicissitudes atencionais (ora a recomendação de
medicamentos, ora a prescrição de práticas de meditação) apresentem direções apa-
rentemente contrárias de intervenção, vale ressaltar que temos visto sua coexistência
de modo não excludente, o que significa dizer que é comum acompanhar crianças,
jovens e adultos que, ao mesmo tempo, fazem uso de medicamentos como a Ritalina
e também se engajam em práticas de meditação/Atenção Plena.
É curioso notar que, assim como o uso do medicamento Ritalina, a meditação tem
sido muitas vezes prescrita para todas as idades indiscriminadamente como forma de
resolução individual de problemas considerados também individuais: a criança muito
agitada que não consegue terminar uma atividade proposta na escola; o estudante que
precisa melhorar seu desempenho acadêmico; a jovem ansiosa que transpira perante
uma tarefa desafiadora; a mãe que sente dificuldades em administrar o excesso de
atividades (cuidado de filhos, trabalho, casa etc.), o professor que se irrita por não
conseguir convocar a atenção de seus alunos. E ainda há crianças e adultos que não
apresentam nenhuma queixa específica, para os quais a meditação surge, em meio a
outras possibilidades, como exercício importante na conquista de um “bem-estar”.
Além disso, notamos nesses e em outros casos que a prescrição individual da
prática de meditação/Atenção Plena, com frequência, tem secundarizado a explicitação

1 Destacamos os seguintes trabalhos que estão referenciados na bibliografia deste artigo: “Educação,
Meditação e Autoconhecimento: sobre tecer como entretecemo-nos”, de Alessandra Marques, Sahmaroni
Olinda e Suelândia Olinda; “Contribuições da meditação em âmbito escolar”, de Tatiana Cossia e Maria
Andrade; e “Meditação na universidade: a motivação de alunos da UFRGS para aprender meditação”, de
Carolina Menezes, Bruna Florentin e Lisiane Bizarro.
2 Comercializado no Brasil sob os nomes Concerta® ou Ritalina®, o metilfenidato é um psicoestimulante que
se encontra disponível no mercado em apresentações de liberação imediata, cujo efeito é de curta duração,
ou de liberação prolongada, que se mantém durante mais tempo no organismo. O metilfenidato é o principal
medicamento prescrito para o tratamento do Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH),
sendo indicado também para narcolepsia (CALIMAN, 2006; ORTEGA et al., 2010).
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 71

das causas e condições que produzem de forma insidiosa as dificuldades atencionais


no mundo contemporâneo. Pouco se discute sobre os aspectos políticos e sociais que
transversalizam a experiência de desinvestimento atencional experimentada pelas
pessoas cotidianamente. No caso da escola, podemos citar as precárias condições de
trabalho, as salas de aula superlotadas, as questões de gênero em torno do excesso
de atividades a cargo das mulheres, o enfraquecimento de vínculos coletivos, enfim
uma gama de questões que produz desinvestimentos atencionais e desafios relacionais
tem sido, em geral, secundarizada.
Ron Purser e David Loy (2013), no artigo Beyond McMindfulness, afirmam que
a popularização crescente da prática de Atenção Plena adentrou a rotina não só de
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escolas, mas também de empresas, prisões e agências governamentais, inclusive o


Exército. Ressaltamos, conforme detalharemos em outra sessão deste texto, o aspecto
de disputa de sentidos em torno do tema Atenção Plena/Mindfulness. Podemos afir-
mar que não há consenso nesse campo e no que se refere às notícias veiculadas pela
mídia, bem como às discussões realizadas em periódicos científicos de psicologia,
há compreensões ora sensivelmente diferentes, ora bastante diversas. Da mesma
forma, há direções ético-políticas muito distintas orientando a realização das prá-
ticas meditativas em contexto escolar, sendo que com frequência observamos um
direcionamento pautado no objetivo de cultivar melhoria de desempenho escolar e
acadêmico, deixando-se de lado a direção de um cultivo ético. Nosso esforço ao longo
deste texto será, portanto, o de operar uma necessária distinção entre a popularização
das práticas de meditação e suas apropriações em tempos de capitalismo neoliberal
que em nossa contemporaneidade convive com exercícios éticos de transformação
genuínas a partir do cultivo atencional.

Meditação: popularização e apropriações


O título do texto Beyond McMindfulness, de Purser e Loy (2013), é sugestivo,
pois, ao proporem a noção McMindfulness, os pesquisadores nos fazem lembrar
inevitavelmente da empresa norte-americana McDonald’s, formulando uma crítica
feroz à transformação do movimento Mindfulness em uma indústria lucrativa, a qual
tem se apresentado como uma “panaceia universal” para resolver quase toda sorte
de preocupações diárias.

Até agora o movimento mindfulness tem evitado qualquer consideração séria


sobre o porquê o estresse é tão difundido nas instituições empresariais modernas.
Em vez disso, as corporações entraram na onda da meditação mindfulness porque
convenientemente invertem o ônus para o empregado individual: o estresse é
enquadrado como um problema pessoal, e mindfulness é oferecida como o remé-
dio certo para ajudar os funcionários a trabalharem mais eficientemente e com
calma dentro de ambientes tóxicos. Envolta numa aura de carinho e humanidade,
mindfulness é remodelada como uma válvula de segurança, como uma forma de
desabafar – uma técnica para lidar com e se adaptar às pressões e tensões da vida
corporativa (PURSER; LOY, 2013).
72

Os autores ainda mencionam que, sendo mais palatável ao mundo corporativo,


a prática ironicamente apelidada de McMindfulness surge descontextualizada de sua
finalidade de transformação da experiência subjetiva e objetiva – em suma, desco-
nectada de uma prática ética. Isto é, ao ser comercializada como questão individual,
interna e privada ou como método de autorrealização pessoal, reduz-se a potência
das práticas de cultivo de qualidades atencionais por meio da meditação, pois esta
potência está em interdependência com atos e práticas de cultivo ético que surgem
ancorados em uma experiência de transformação coletiva.
Dentre esses aspectos a serem cultivados, podemos ressaltar que a prática de
meditação, segundo os argumentos de Purser e Loy (2013), necessita ser acompanhada

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por um processo de transformação nos modos de viver e se relacionar consigo, com
o outro, com os acontecimentos e com a biosfera. Os autores apontam o aspecto con-
traproducente de apenas se “sentar” e praticar Atenção Plena (ou outras modalidades
de meditação) sem a sustentação concomitante de um exercício de transformação nos
modos de trabalhar, de cuidar, de amar, de viver, enfim, de se relacionar em sentido
amplo. Para Purser e Loy (2013), a prática da meditação da Atenção Plena necessita
ser acompanhada de um exercício de cuidado com nossos pensamentos, palavras
e ações, em suma, com nossa maneira de nos relacionar na vida, e necessita ser
sustentada por atitudes que visam evitar comportamentos nocivos e individualistas
enquanto desenvolvemos atitudes benéficas na conexão com nós mesmos, com os
outros e com o meio ambiente.
Os autores destacam que em tradições budistas – da qual geralmente os defen-
sores do treinamento em Atenção Plena afirmam se inspirar – há uma distinção entre
a Mindfulness Correta (Samma Sati) da Incorreta (Miccha Sati). Para os autores, a
distinção não é moralista: a questão é saber se a qualidade da prática é caracterizada
por propósitos que levam (ou não) à transformação ética individual e coletiva, tendo
em vista produzir benefícios à coletividade.
No âmbito das práticas educacionais, temos visto os governos proporem a
realização de práticas de meditação em suas mais diversas modalidades em esco-
las públicas federais, estaduais e municipais, além de sua proliferação em escolas
privadas. No entanto, a questão é que tal proposição muitas vezes surge de modo
hierárquico e impositivo, descontextualizado e sem sentido para os trabalhadores e
estudantes, ou então como proposta mercadológica, com vistas a aumentar rendi-
mentos financeiros com a venda e comercialização desses programas de práticas por
certos grupos beneficiários.
Há ainda o risco de que sejam realizadas pactuações entre governos e entidades
não governamentais, visando produzir a sensação de engajamento em processos de
transformação educacional, mas que atuam apenas como “perfumaria”, no sentido de
que secundarizam discussões relativas a democratização das relações de poder nas
instituições. Ao oferecerem tais atividades educacionais extracurriculares, desviam
a atenção da necessária análise em torno dos projetos pedagógicos conteudistas e
gestões autoritárias, além das precárias condições de trabalho com a qual os traba-
lhadores da educação são obrigados a exercer seu ofício cotidianamente. Em outros
casos, observamos ainda as práticas de meditação nas escolas surgirem ancoradas
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 73

em objetivos de melhoria do rendimento educacional e aumento da produtividade


individual, com vistas a promover melhores resultados dos estudantes em avaliações
como o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) e outros ranqueamentos similares.
Ricardo Sazaki (2017), no artigo O tripé de Mindfulness, também aponta o
perigo do uso eticamente dúbio da prática de Atenção Plena, com o exemplo de sua
utilização em empresas cujo objetivo é tornar os funcionários atentos, presentes,
sem julgarem ou criticarem, dóceis e servis para exploração de suas capacidades.
O autor afirma que a “criação de ovelhas”, que nunca questionam ordens vindas de
cima, contentes e sem espírito crítico algum, não é um uso ético da Atenção Plena.
Nessa direção de análise, podemos mencionar também o importante trabalho
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de Carla Sherrel e Judith Simmer-Brown (2017) no artigo Spiritual bypassing in


the contemporary Mindfulness movement, no qual as autoras trazem ainda outros
elementos que fortalecem a problematização que ensejamos apresentar. Nesse artigo,
elas sinalizam como exemplo a capa da revista Time, publicada no dia 3 de fevereiro
de 2014, cujo tema é Mindful Revolution, nome cunhado após a crescente popula-
rização da Atenção Plena nos últimos anos. Essa capa de revista produziu muitas
controvérsias, pois utilizava a imagem de uma mulher branca, jovem e magra que
meditava com um rosto alegre e bem-aventurado, apresentando-a como um ícone do
movimento da Atenção Plena. Essa representação pode ser facilmente visualizada
em muitas capas de revista com o mesmo tema e abordagem no Brasil3.
As controvérsias em relação a essa capa suscitaram análises relacionadas a
questões de gênero, idade, beleza, raça, classe – em suma, de localização sociocul-
tural e privilégios. As autoras consideram importante examinar as relações de poder
e marginalização implícitas nessa e em outras mídias em torno do movimento de
popularização da prática de Atenção Plena e, como um guia de questões, elaboraram
um interessante apêndice no final do artigo problematizando o modo de surgimento
desses temas4, veiculados corriqueiramente nas mais diversas mídias.

3 Por exemplo, a Revista Isto É, de fevereiro de 2016, tinha como matéria de capa “O poder da nova Meditação”.
Disponível em: https://istoe.com.br/edicao/887_O+PODER+DA+NOVA+MEDITACAO. Acesso em: 20 jun.
2021. Podemos mencionar também a Revista Super Interessante, de abril de 2017, com a capa “Mindfulness:
como domar a sua mente”. Disponível em: https://www.facebook.com/S-uperinteressante/photos/a.1015422
4636207580.1073741851.80591352579/10154846362737580/?type=3&theater. Acesso em: 20 jun. 2021.
4 O guia no final do artigo apresenta as seguintes direções de análise: 1) Em relação à expressão de gênero:
como o patriarcado se apropria das imagens dos corpos dessas pessoas que podem se identificar como
mulheres? Que gêneros e incorporações de gênero são sancionados no movimento da Atenção Plena? 2)
Classe socioeconômica: quem pode ter acesso à roupa, manicure, corte de cabelo e tempo que está sendo
exibido nessas imagens? Que mensagens sobre a classe socioeconômica são salientes no movimento da
Atenção Plena? 3) Orientação sexual: como essas imagens se comunicam com a heteronormatividade?
Quais mensagens sobre orientação sexual estão inseridas no movimento da Atenção Plena? 4) Corpo:
quais os pressupostos sobre a relação entre peso/formas do corpo e a Atenção Plena são expressados
nessas imagens? Quais formas do corpo são sancionadas no movimento da Atenção Plena? 5) Religião-
Espiritualidade: o que essas imagens podem comunicar sobre os contextos espiritual/religioso/secular
aludidos e/ou caricaturizados? 6) Potência: o que essas imagens podem comunicar sobre corpos e
habilidades? Quais corpos, intelectos e emoções são sancionados no movimento da Atenção Plena? 7)
Nacionalidade: o que essas imagens podem comunicar sobre as nacionalidades e/ou o status nacional
dessas pessoas? Que mensagens o movimento da Atenção Plena comunica quanto à imigração, status
74

O trabalho de Carla Sherrel e Judith Simmer-Brown (2017) concentra esforços


em analisar duas preocupações contemporâneas específicas relacionadas ao que
se apresenta de modo hegemônico no movimento de popularização e difusão da
prática de Atenção Plena. A primeira preocupação apontada por elas é referente ao
racismo, quer dizer, ao privilégio branco que invade a imagem e a cultura sugerindo
que a Atenção Plena é uma prática que promove estilos de vida, valores e normas
associados à branquitude. Carla Sherrel e Judith Simmer-Brown (2017) se pergun-
tam, afinal, se as práticas de Atenção Plena não foram apropriadas pela branqui-
tude negando as raízes de culturas asiáticas as quais emergem a partir de tradições
milenares, marginalizando muitas das comunidades que hoje a praticam e o cultivo

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ético associado a essas práticas em tais culturas. As autoras afirmam ainda que “não
tomar consciência do privilégio é um aspecto central do próprio privilégio”, o que
cria a ilusão de “invisibilidade da branquitude” (SHERREL; SIMMER-BROWN,
2017, p. 6). Essa invisibilidade pressupõe que as diferenças não são importantes e
as dinâmicas de poder são irrelevantes, perpetuando desigualdades e apropriações
imersas no modo de produção capitalista individualista a partir do qual o exercício
de meditação/Atenção Plena tem se popularizado.
Uma segunda problematização levantada pelo artigo por meio da análise da
capa da revista Time refere-se à representação da Atenção Plena como um estado de
concentração eticamente neutro, com um fim em si mesmo. As autoras afirmam que
esse modo de se relacionar com a meditação é incompatível com os ensinamentos
tradicionais que consideram o cultivo da Atenção Plena fundamental para práticas
de visão que incluem discernimento, investigação crítica e avaliações essenciais para
a atividade ética (WILLIAMS; KABAT-ZINN, 2013).
No contexto de nossa análise, esse é um ponto central. Afinal, questionamo-nos:
a que tem servido a proliferação das práticas de Atenção Plena que vemos se popu-
larizar nas escolas? Tais propostas de aprendizado da atenção têm se apresentado
profícuas em contribuir para uma transformação ético-política nas relações com o
conhecer? Ou têm sido apropriadas ao gosto capitalista como um engodo de mudança
com vistas a melhorar desempenhos escolares individuais?

Um caminho ético: contribuições de Francisco Varela


Trazemos o trabalho pioneiro de Francisco Varela (1992) para colocar em xeque
a ideia de praticar a meditação da Atenção Plena como exercício supostamente neu-
tro e com fim em si mesmo. Não podemos deixar de mencionar que, no momento
de expressividade de produção teórico/prática de Francisco Varela, a difusão da
meditação não havia ainda se popularizado como vemos florescer hoje por meio do
movimento Mindfulness. A prática da meditação não estava Disponível em aplica-
tivos de celulares e revistas dos aviões, tampouco ganhava espaços nos ambientes

de documentação e apropriação de cultura(s) dentro e entre as nações? 8) Idioma: o que essas imagens
podem estar comunicando em relação ao idioma da Atenção Plena? Quais línguas são sancionadas no
movimento da Atenção Plena? (SHERREL; SIMMER-BROWN, 2017).
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 75

sociais e paisagens subjetivas das coletividades. No entanto, embora Varela (1992)


não tenha testemunhado tal popularização da meditação do modo como vemos hoje,
o autor trouxe contribuições importantes a esse debate, fornecendo elementos que nos
permitem distinguir um trabalho exigente de transformação experiencial do engodo
a que a meditação pode estar hegemonicamente associada na contemporaneidade.
No segundo capítulo do livro Sobre a Competência Ética, Varela (1992) con-
centra-se em nos apresentar o pensamento de Meng Tzu (Mencius), um dos primeiros
confucianos. Para analisar mais a fundo como as pessoas podem cultivar as próprias
atitudes, Varela (1992) examina, com base na abordagem de Meng Tzu, três conceitos
em recíproca relação. Trata-se de extensão (t’ui ou ta), atenção (su) e consciência
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inteligente (chih).
Em relação ao primeiro conceito (extensão), a ideia de Meng Tzu é de que as
pessoas põem em prática a virtude quando procuram estender o conhecimento e os
sentimentos de momentos em que uma ação é considerada correta para situações
análogas, quando a atitude correta não é tão evidente. Afirma que a ação subjacente a
tal processo é, por sua vez, a de prestar atenção (su). Varela (1992) aponta que Meng
Tzu faz a seguinte afirmação: “a atenção insuficiente é a base de indicações contrárias
à autocultivação: se está presente, entende-se, de outro modo não” (VARELA, 1992,
p. 36). Nesse ponto, notamos como na perspectiva de Meng Tzu o cultivo da atenção
é indispensável ao desenvolvimento ético.
Concebe-se, pois, o treinamento ético como um processo que depende do per-
cepcionar claramente e do identificar correspondências ou afinidades entre situações.
Meng Tzu opõe-se à ideia de que o raciocínio ético implica a aplicação de regras ou
de princípios. Afirma, diferentemente, que nos tornamos muito mais articulados se
tendemos a captar correspondências e afinidades (extensão) (VARELA, 1992, p. 36).
Em suma, para Meng Tzu, cultivar uma postura ética se vincula ao cultivo da
atenção e se associa a uma disponibilidade para lidar com os acontecimentos inanteci-
páveis do viver, no sentido de que a extensão adequada (o cultivo de uma disposição
ética) possa facilmente ser ativada. Varela (1992) menciona ainda uma distinção
importante abordada em seu texto quando contrapõe duas figuras que caminham em
sentidos opostos: por um lado, a figura do “homem ético”; por outro, a do “honesto
homem da aldeia”. Este último pode ser expresso nos termos que seguem:
Existindo no mundo, há que comportar-se de um modo que agrade ao mundo.
Fingindo ser boa pessoa, tudo está bem... Se se pretendesse criticar semelhante pessoa,
nada se encontraria a que se referir... Ela partilha com os outros as práticas quotidia-
nas e está em harmonia com a mesquinhez do mundo... Agrada à multidão e é reta
consigo própria. É impossível enveredar pelo caminho de Yao e Shun [dois famosos
sábios] como uma pessoa assim. Não me agrada o homem honesto da aldeia, poderia
confundir-se com o virtuoso (MENG TZU, apud VARELA, 1992, p. 37).
Poderíamos também questionar: em que medida, hoje, as práticas de meditação
têm sido apropriadas por um funcionamento ao modo “honesto homem da aldeia”,
aliançada à individualização, adaptação à realidade e à mesquinhez do lucro? Como
distinguir o trabalho de transformação experiencial, que as práticas de meditação são
chamadas a cultivar, de seu engodo e afinidade com o modo de subjetivação capitalista?
76

A fim de diferenciar o cultivo da virtude de suas aparências, Meng Tzu identifica


quatro tipos de ações humanas, das quais só uma se revela como comportamento
ético. Como nos diz Varela (1992), as outras três, no melhor dos casos, são meras
aparências ou simulações declaradas: “são ações que brotam de um desejo de lucro,
de modelos habituais de resposta, do seguimento de regras” (VARELA, 1992, p. 37).
Tais ações são apresentadas em uma ordem crescente de proeminência. O
primeiro nível é o mais grave e, ao mesmo tempo, absolutamente disseminado na
contemporaneidade. Ao apresentar a meditação como panaceia para todos os pro-
blemas, como prática eticamente neutra e com fim em si mesma, descontextualizada
das relações de poder e jogos de força que atravessam este exercício tendo em vista

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melhoria de desempenho escolar individual, com promessas de resultados perfor-
máticos, enfim, em todos esses casos, denuncia-se o desejo subjacente de lucro, tal
como mencionado por Varela (1992).
No segundo nível, é o funcionamento por hábito em vez da corporificação da
consciência inteligente, o que significa que, nesse caso, simples respostas produzem
ações mecânicas e não implicam uma percepção sutil da situação com que o prati-
cante de meditação se depara na imprevisibilidade do viver. No contexto da prática
de meditação da Atenção Plena, poderíamos dizer que esse ponto se refere ao ato de
praticar por simples hábito, sem dimensionar a corresponsabilização ética necessária
e o engajamento em transformação da experiência e dos atos que tal cultivo convoca.
No terceiro nível, por sua vez, vemos destacar-se a dimensão de adesão a regras,
tal qual acontece no caso de um principiante que está a aprender uma habilidade
motora como dirigir ou praticar um instrumento musical. Varela (1992) usa a lin-
guagem de Meng Tzu ao afirmar que tais regras ainda permanecem em um nível
exterior ao corpo, pois diferem, pelo menos em certa medida, da inclinação do agente.
Relacionando à análise que tentamos realizar neste tópico, poderíamos dizer que
aqui já se estabelece um caminho no qual o praticante de meditação dimensiona a
necessidade de regularidade do exercício, o trabalho minucioso, contínuo e aplicado,
em corresponsabilização com o cultivo de atitudes benéficas à coletividade. Mas,
como afirma Varela (1992), só podemos considerar uma ação verdadeiramente ética
quando se age segundo disposições que advêm de um longo processo de cultivação
no momento da ação.
A pessoa não representa a ética, mas encarna-a, como um perito dá corpo ao
próprio saber-fazer; o sábio é ético ou, mais explicitamente, ações a este nível bro-
tam de inclinações que uma disposição inteligente da pessoa produz em resposta a
situações específicas (VARELA, 1992, p. 38).
Nesse nível, dimensiona-se o que Meng Tzu chamou de “extensão”. Ou seja,
a pessoa é indissociável da própria prática, corporifica-se à atividade que se está
a exercitar, certo de que não se pode conquistar um estado ideal a ser alcançado,
tampouco apressadamente. Essa qualidade de relação com o exercício da meditação
comporta precisamente uma “zona de aventura” que não será jamais ultrapassada,
pois o caminho se faz no próprio caminhar. Não se trata de busca por melhoria de
desempenho individual simplesmente, mas de manejar a possibilidade de descentrar
atitudes volitivas em meio a esses surgimentos, distanciando-se o quanto for possível
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 77

de objetivos autocentrados. Parece-nos, portanto, de extrema importância situar o


campo de forças de onde as práticas de meditação emergem, para que assim possamos
enfrentar os perigos que rondam a sustentação de um trabalho de cultivo atencional
ancorado em uma direção ética de transformação individual e coletiva da experiência.
Na última direção indicada por Meng Tzu, segundo Varela (1992), ressoam
numerosas vozes que conjuram a suposta ideia de neutralidade e apontam a prática
de cultivo da atenção em fina sintonia com uma ética do cuidado, o que pode se
apresentar sob distintas nomenclaturas. Embora no geral as pessoas se refiram à medi-
tação (em especial a sua forma secular Atenção Plena) como um bloco homogêneo
e compacto, trata-se de abordagens heterogêneas com propósitos também diversos.
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O que consideramos importante destacar é que o cultivo da atenção como prática de


cuidado por meio da meditação ancora-se, inevitavelmente, em um campo de forças
que necessita ser analisado e investido em uma direção de cultivo ético. Afinal, como
o cultivo da Atenção Plena pode se conjugar com processos de resistência, criação e
singularização nas relações com o conhecer em contexto escolar?

Destrinchando a Noção de Atenção Plena: algumas considerações


sobre a apropriação desta prática pela psicologia moderna
No artigo Is mindfulness present-centred and non-judgmental?, vemos o professor
Georges B. Dreyfus (2011), do Departamento de Estudos Religiosos da Willians Col-
lege, ampliar o debate ao situar com precisão o lugar da prática de Atenção Plena e suas
apropriações pela psicologia moderna, objetivando apresentar as diferentes concepções
que circulam nesse campo. O pesquisador afirma que não deseja desqualificar as rein-
terpretações de antigas tradições para o contexto moderno; seu propósito é oferecer uma
reflexão sobre os problemas que vê no modo como a meditação da Atenção Plena tem
sido conceitualizada na literatura psicológica e apropriada no contexto da modernidade.
Dreyfus (2011) começa o trabalho examinando uma definição padrão de Atenção
Plena na literatura de psicologia, que em geral a apresenta como “uma prática de
consciência não elaborativa e sem julgamento, centrada no presente” (DREYFUS,
2011, p. 42). O pesquisador rastreia essa definição presente também no trabalho
de alguns professores budistas ocidentais contemporâneos e, ao longo do artigo,
discorda parcialmente dessa compreensão, pois enfatiza o aspecto retentivo como
característica fundamental da Atenção Plena (para além do aspecto de experiência
centrada no presente, de não conceitualidade e ausência de julgamento que a literatura
psicológica enfatiza). Embora reconheça as diversas modalidades de compreensão
em torno das práticas características de Atenção Plena, Dreyfus (2011) identifica
alguns consensos nesse campo, dos quais discorda parcialmente, e que podem ser
sumarizados na definição apresentada por Bishop e colaboradores (2004):
Conceitualmente, a Atenção Plena tem sido descrita como uma espécie de
consciência não elaborativa, sem julgamento, centrada no presente, em que cada
pensamento, sentimento ou sensação que surge no campo atencional é reconhecido
e aceito como é (BISHOP et al., 2004, p. 232).
78

Discordando em parte dessa definição, Dreyfus (2011) amplia a compreensão da


prática de Atenção Plena, trazendo novos elementos. Antes de avançar neste tópico,
no entanto, o autor reconhece aspectos importantes dessa compreensão trazida por
Bishop e colaboradores (2004), conforme resumimos a seguir:

A ênfase na ausência de julgamento permite uma observação dos estados men-


tais sem se identificar com eles, criando uma atitude de curiosidade e aceitação
diante do que advêm na prática. Bishop também ressalta que a importância de
cultivar a atenção aparece como forma de se desvincular de padrões habituais
de reatividade discursiva e afetiva, de modo a permitir ações não aprisionadas
por hábitos e compulsões. Além disso, a ênfase em se permanecer centrado no

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presente permite que estejamos atentos ao que está se passando de momento a
momento (DREYFUS, 2011, p. 43).

Dreyfus (2011) ressalta que essa visão da Atenção Plena como uma atenção
despreocupada e não interferente, fundada na ausência de julgamento, na não con-
ceitualidade e centrada no presente, já ganhou ampla aceitação no contemporâneo.
Porém, aponta que a noção de Mindfulness em textos clássicos apresenta outra cono-
tação que necessita ser levada em conta. Em especial, o autor mostra que nos textos
clássicos o sentido de lembrar e de ter um propósito em mente são características
fundamentais da prática de Atenção Plena, ainda que esses usos sejam menos corri-
queiros na literatura contemporânea.
Seu trabalho nos mostra que a palavra Mindfulness foi usada para traduzir
vários termos budistas, principalmente do sânscrito smrti (Pāli sati, tibetano dran
pa). Dreyfus (2011) percebe que a compreensão de Mindfulness/Sati como cons-
ciência atual centrada no presente é limitada, pois reflete apenas alguns dos aspectos
possíveis de compreensão de tal termo. Segundo o pesquisador, a palavra smrti (Pāli
sati) vem da raiz sânscrito smr, o que significa “lembrar” e “manter em mente”, con-
forme já mencionamos. O autor apresenta ainda outras conotações fornecidas para
esse termo, tais como “não vaguear”, além do já mencionado sentido de “lembrar”.
Assim, Dreyfus (2011) enfatiza que essa compreensão de Sati não se coaduna com a
compreensão de Atenção Plena veiculada atualmente, ou seja, não está plenamente de
acordo com a noção de “atenção ao momento presente”, uma vez que Sati inclui o ato
de lembrar e de ter um propósito, dispondo, portanto, de uma dimensão avaliadora.
Voltando-se para outros textos clássicos, Dreyfus (2011) sugere visões de Aten-
ção Plena que estão ainda mais longe do entendimento contemporâneo. Por exemplo,
afirma que, no texto The questions of King Milinda, o monge Nagasena responde às
questões do rei grego Milinda e enfatiza as dimensões éticas da prática de Atenção
Plena, ressaltando que sua função não é apenas manter contato com o que está acon-
tecendo no momento presente, mas inclui “o propósito de não se afastar dos estados
mentais saudáveis e evitar estados mentais insalubres” (DREYFUS, 2011, p. 45).
O autor ressalta que essa compreensão de Atenção Plena está, portanto, muito
longe da ideia comumente aceita nos dias de hoje, afinal, se a prática é caracterizada
pela distinção entre estados mentais benéficos e insalubres, deve ser explicitamente
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 79

cognitiva e avaliadora, em contraste com a ideia de Atenção Plena como aceitação


sem julgamento de qualquer coisa que surja no fluxo habitual de consciência. Trata-se,
portanto, de uma dimensão ética que não é neutra, tal como também apresentamos
anteriormente a partir das contribuições de Francisco Varela (1992).
Dreyfus (2011) ressalta que a ideia de Atenção Plena comportando uma quali-
dade de participação, em vez de um atendimento meramente passivo ao que surge na
experiência, concorda em apresentar a Atenção Plena como “a capacidade da mente
de permanecer presente diante de um objeto sem dele se afastar” (DREYFUS, 2011,
p. 46). Assim, parece-nos importante refletir sobre a maneira como as fontes clássicas
apresentam o conceito de Atenção Plena/Sati. Afinal, percebemos que este termo tem
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conotações muito diferentes, tais como não vaguear, lembrar, estar cara a cara com o
objeto, assumir e examinar etc. Desse modo, para Dreyfus (2011) a prática de Atenção
Plena diz respeito mais à capacidade de manter um objeto na atenção sem perdê-lo
do que à aceitação daquilo que simplesmente surge no fluxo mental de consciência.
Vale ressaltar que as tradições budistas indicam frequentemente que o surgi-
mento de estados mentais e afetivos, de discursividades, ideias e emoções durante
a meditação ou em meio aos diversos afazeres da vida cotidiana se apresenta como
impulsos automáticos governados por responsividades inadvertidas. Desse modo, a
ideia de simplesmente seguir tais impulsos e acolhê-los não se coaduna totalmente
com o exercício de liberdade que a prática de meditação é chamada a cultivar no
contexto dessas tradições.
Varela, Thompson e Rosch (2003), no livro A Mente Incorporada, também
reposicionam o sentido de liberdade, questionando a ideia comumente aceita que
apresenta a noção de liberdade como livre-arbítrio ou ainda como a capacidade de se
fazer o que quer, quando se quer, seguindo impulsos que nos acometem. Os autores
consideram que “esta é a atitude menos livre – pois está acorrentada ao passado por
ciclos de condicionamento, e resulta em posterior escravização a padrões habituais
no futuro” (VARELA; THOMPSON; ROSCH, 2003, p. 133). E prosseguem:
Ser progressivamente mais livre é ser sensível às condições e possibilidades
genuínas de alguma situação presente, e ser capaz de agir de maneira aberta, não
condicionada pelo apego e volições egoístas. Essa abertura e essa sensibilidade
incluem não apenas a esfera imediata das percepções da própria pessoa; possibili-
tam-na também a estimar os outros e a desenvolver uma percepção compassiva das
aflições alheias. Os repetidos vislumbres, relatados pelos praticantes, dessa abertura e
genuinidade da vida humana explicam a vitalidade da tradição da atenção/consciência.
Ilustram também como uma rica tradição teórica pode ser naturalmente entrelaçada
com preocupações humanas (VARELA; THOMPSON; ROSCH, 2003, p. 133).
Podemos então dizer que, na prática de Atenção Plena, aquele que se exercita
se propõe a cultivar as próprias atitudes e será orientado a realizar um exercício ini-
cial de sustentação da atenção, a fim de não ser levado pelo fluxo de pensamentos e
afetos fugazes e por impulsos automáticos que o atravessam. Assim, os ensinamentos
clássicos irão enfatizar a capacidade de retenção da atenção como uma habilidade
natural existente em cada pessoa, que poderá ser fortalecida pela prática da meditação.
80

Para entender de forma ampliada a noção de Atenção Plena, Dreyfus (2011)


adverte que precisamos considerar o papel de outro aspecto fundamental dessa prá-
tica, qual seja, o desenvolvimento de uma compreensão distinta (samprajñāna, sam-
pajañña). Trata-se de uma forma de discriminação (em sânscrito, prajñā; em pali,
paññā) intimamente presente no exercício de Atenção Plena, pois se refere ao fato
de que essa prática nos permite “observar, compreender e avaliar o que precisa ser
avaliado” (DREYFUS, 2011, p. 50). Dreyfus (2011) afirma que esse ponto é visto
nas tradições budistas como um elemento central da prática da Atenção Plena, pois
uma compreensão distinta da realidade é decorrente de se prestar atenção de forma
sutil ao que acontece. Assim, prajñā pode ser descrito como uma forma de atenção

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que deriva do cultivo da Atenção Plena e se compõe com ela.
Como um modo de discriminar tais noções sem perder de vista a singularidade
de cada uma delas, Dreyfus (2011) chama de Wise Mindfulness (Sabedoria Inteligente)
essa noção ampliada que se ancora em dimensões avaliadoras para distingui-la do
que ele chama de Mindfulness Proper (Atenção Plena propriamente dita), que seria
a capacidade mais básica de manter um objeto sustentado na atenção, sem levar em
conta os aspectos avaliativos que a noção ampliada de Wise Mindfulness comporta5.
Poderíamos correlacionar essa análise ao que Varela (1992) trouxe com base em
Meng Tzu, apontando por seu turno a circularidade fundamental entre três conceitos
em recíproca relação: extensão (t’ui ou ta), atenção (su) e consciência inteligente
(chih). Parece-nos, portanto, que apenas com o cultivo da atenção em seu aspecto
retentivo sem a necessária circularidade apontada por Varela (1992), isto é, sem os
aspectos de avaliação das ações e a extensão de condutas éticas, a meditação por si só
apresenta poucos efeitos no aspecto de transformação efetiva nos modos de conhecer
e se relacionar uns com os outros.
Dreyfus (2011) afirma ainda que ao desenvolver a Atenção Plena nos tornamos
habilidosos na observação atenciosa que se passa em nós e no modo como, conti-
nuamente, produzimos mundos coemergentes. Assim, um praticante com um pouco
mais de experiência irá notar que no início há muita lentidão para detectar quando nos
dispersamos durante a prática, mas o desenvolvimento da Atenção Plena leva a uma
redução do tempo necessário para detectar o surgimento de tal vaguear. O aprendiz
da Atenção Plena poderá então perceber, em meio às ações no mundo, essa espécie
de “notificação” de impulsos automáticos que movem ações e afetos aflitivos e, por
meio desta notificação, estará talvez apto a evitar nutrir seus efeitos e condições de
existência, avaliando eticamente os benefícios ou dificuldades envolvidas nos afetos
que nos movem a cada instante.
É interessante abordarmos o termo “notificação” e desviá-lo de seu sentido
mais corriqueiro, pois cada vez mais os dispositivos eletrônicos, como aparelhos
celulares e computadores, marcam e capturam nossa atenção com as notificações da

5 Dreyfus (2011) adverte que o objetivo da prática de Atenção Plena não é alcançar estados superiores de
consciência por meio da concentração, mas efetivamente desenvolver uma compreensão distinta dos estados
corporais e mentais como impermanentes, de modo a desfazer nossos hábitos indutores de sofrimento
produzidos pelo apego à estabilidade e à experiência de um suposto eu imutável.
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 81

chegada de um E-mail, de uma nova mensagem em um grupo de WhatsApp e assim


por diante. Geralmente, nosso movimento mais automático – uma vez que visuali-
zamos tais notificações – é imediatamente responder a elas. Na prática de Atenção
Plena, entretanto, exercitamos não responder às notificações que se apresentam, mas
percebê-las em seus surgimentos e desvaneceres – ao invés de sermos arrastados ou
respondermos de modo automático. “Somente através da inclusão desta forma de
compreensão podemos entender o alcance mais amplo da noção de Atenção Plena
e assim estaremos aptos a perceber suas implicações em termos de transformações
cognitivas e experienciais” (DREYFUS, 2011, p. 51).
Dreyfus (2011) chama de “compreensão distinta” a capacidade meta-atentiva
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de monitorar os estados mentais e afetivos. Ele afirma que essa é uma dimensão
essencial da prática de desenvolver a Atenção Plena, a qual, portanto, não é apenas
baseada na capacidade de se concentrar/focar em um objeto unifocado e sustentar a
atenção de maneira retentiva. O autor diz que jogadores de videogames são peritos
nesse campo (produzir atenção unifocada), mas enfatiza o exercício mais fino que a
meditação envolve, pois tal atividade pressupõe a capacidade de modular a atenção
e reconduzi-la quando esta vagueia, trazendo-a de volta ao objeto escolhido como
amparo para o exercício e, além disso, pressupõe o cultivo de uma atenção contínua
à impermanência e à dimensão coemergente da realidade.
O autor ainda nos mostra que a tradição tibetana capta e nomeia uma qualidade
de atenção sábia com o termo dran shes, que seria a combinação da capacidade de
retenção da Atenção Plena com a capacidade de usar uma compreensão distinta.
Segundo Dreyfus (2011), é este tipo de atenção mais ampla que eventualmente pode
levar o praticante de meditação a uma visão mais profunda da impermanência e
coemergência de todos os fenômenos.

Considerações finais
Por meio de uma análise dos sentidos que ancoram distintas formas de com-
preensão da noção de Atenção Plena, pudemos dimensionar sua amplitude, distan-
ciando-nos do sentido mais limitado com vistas ao sucesso individual e à melhora
de um desempenho escolar e acadêmico, ou como atividade com fim em si mesma
desvinculada de uma prática ética.
Ressaltamos que, ao apresentar as distinções entre duas diferentes dimensões
de Atenção Plena (Mindfulness Proper x Wise Mindfulness), não pretendemos afir-
mar sua dissociabilidade. De outro modo, afirmamos a interdependência entre tais
concepções e até mesmo sua alimentação recíproca. O cuidado que devemos ter é
o de não permanecermos fixados a seu sentido mais restrito, e sim ampliá-lo e dis-
criminá-lo em tempos de confusão quanto às terminologias vinculadas à prática da
meditação/Atenção Plena.
Também vimos a partir de Dreyfus (2011), em consonância com Varela (1992)
e Varela, Thompson e Rosch (2003), que o objetivo da meditação não é obter um
estado calmo e focado, por mais útil que seja esse estado, mas é usá-lo para alcançar
82

uma compreensão mais profunda da dimensão de não dualidade e impermanência


de todos os fenômenos da realidade. Além de favorecer uma compreensão intuída
e corporificada da natureza mutável dos estados afetivos e mentais e do aspecto
coemergente entre sujeito e mundo, essa compreensão ampliada pode contribuir
para a geração de liberdade perante hábitos e tendências que produzem fixação,
automatismo e consequente sofrimento. Em outras palavras, a meditação da atenção
é convidada pelos autores mencionados a ser ferramenta de cultivo da liberdade em
uma direção ética e não de adaptação às exigências escolares e acadêmicas segundo
o modo de produção em tempos de capitalismo neoliberal, baseado em competitivi-
dade e individualização.

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No contexto contemporâneo de acirramento da competitividade, individualismo,
intolerância às diferenças, modelos extrativistas de relação com o bem comum, no
qual vemos atitudes autocentradas pilotarem a produção de mundos dicotômicos,
vale apostarmos na potência da educação em reencantar e fornecer caminhos pos-
síveis (mais solidários e éticos) para nos relacionarmos uns com os outros, com os
acontecimentos e com a biosfera.
Nessa direção, apostamos que é importante fazer uma crítica aos usos e apro-
priações individualizadoras das práticas de meditação no contexto escolar, uma vez
que o cultivo do silêncio por meio da meditação/Atenção Plena, aliado a um exercício
ético de cuidado com nossos pensamentos, falas e ações, pode ser uma ferramenta
potente no âmbito da educação e contribuir para práticas de transformação da expe-
riência, propiciando uma compreensão alargada da interdependência de nossas vidas
em tessituras comunitárias.
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 83

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O DISPOSITIVO INTERCESSOR
E OS SEUS MOMENTOS:
a intercessão-pesquisa como meio
de produção de conhecimento1
Maico Fernando Costa
Silvio José Benelli
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Introdução
Esse artigo consiste no recorte de uma tese de doutorado que consiste no resul-
tado de um trabalho de quase dez anos atuando na área da Saúde (COSTA; AMARAL;
COSTA-ROSA, 2016; COSTA, 2016; COSTA, 2021), representando um tempo amplo
de formação na práxis. Em especial, neste excerto, partilhamos as conceituações a
respeito dos tempos um e dois do DI: (1) a práxis propriamente dita do trabalhador-
-intercessor; (2) a produção de conhecimento do intercessor-pesquisador.
Buscamos com este trabalho apresentar a pertinência de um modo particular
de conceber a pesquisa em ciências humanas na universidade: o Dispositivo Inter-
cessor (DI). Não se trata apenas de um novo tipo de reflexão, mas da proposição
de uma práxis na qual se promove uma torção na relação clássica “sujeito-objeto”,
pela qual o sujeito costuma ser tomado como um objeto e como “dado” de pesquisa,
na perspectiva científica objetificadora mais comum. Mostra-se também como uma
oportunidade para que os integrantes da classe trabalhadora, inseridos em estabe-
lecimentos localizados no âmbito das políticas sociais e públicas, historicamente
destituídos das possibilidades de pensarem a respeito de seus fazeres, possam refle-
tir-teorizar-analisar a sua própria experiência de trabalho, tomando-a como práxis
e não como uma ação tarefeira e pragmática. A instrumentalização desta maneira
de operar na práxis por meio do DI tem como base uma perspectiva materialista e
revolucionária, tendo como princípio assumir um posicionamento decidido na luta
de classes frente à exploração da força de trabalho. Consequentemente, a partir deste
pressuposto, o horizonte fundante não visa menos do que interceder na divisão fun-
damental do trabalho e nos processos de saúde-adoecimento-Atenção, procurando
subvertê-los a favor das pessoas que mais sofrem os efeitos destrutivos do capital: a
classe trabalhadora enquanto polo social subordinado.
Portanto, o objeto deste artigo é descrever para o leitor interessado o DI, forma
de [intercessão-]pesquisa possível na Universidade, em seus dois momentos. Por
intermédio da experiência de um psicólogo, trabalhador-intercessor, discorreremos

1 Artigo produzido a partir da tese de doutorado defendida por Costa (2021), financiada pela FAPESP (Processo
2017/06805-1). Esta versão para publicação contou com a colaboração do Prof. Dr. Silvio José Benelli.
86

sobre o atendimento clínico oferecido a sujeitos que vivenciam um sofrimento intenso,


e que estavam internados em uma unidade hospitalar denominada Santa Casa de
Misericórdia2. Buscamos expor a maneira como, orientados em nossa práxis pelo DI,
intercedemos na prática hospitalar, operacionalizando formas singulares para lidar
com as problemáticas psíquicas e institucionais desse estabelecimento.
O projeto para o desenvolvimento desta intercessão-pesquisa, por meio da
Plataforma Brasil, foi avaliado e aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade,
sob o número 4.977.508. Para preservar a privacidade das pessoas atendidas e dos
trabalhadores, escolhemos nomes fictícios para a exposição das vinhetas clínicas.
Para fundamentar a teorização da experiência in vivo e in acto como trabalhador-

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-intercessor, buscando caracterizar seus vários momentos e operações, utilizamos
fundamentalmente as referências do Prof. Dr. Abílio da Costa-Rosa, fundador desta
abordagem multirreferencial, e também os trabalhos de intercessão-pesquisa já con-
cluídos por alguns de seus orientandos3.

A intercessão-pesquisa e o intercessor-pesquisador
A pesquisa-intercessão regida pelos princípios do DI é tributária do método de
atendimento clínico em psicanálise, que, para Lacan (2003), dá-se na inter-relação
dialética entre “psicanálise em intensão” e “psicanálise em extensão”. Neste caso, a
intercessão, a escuta dos sujeitos (psicanálise em intensão), distingue-se da pesquisa,
construção teórica acerca dos atendimentos (psicanálise em extensão). Para tanto,
utilizamos a categoria conceitual “Intercessão-Pesquisa” com o intuito de afirmar
que o lugar ocupado pelo trabalhador-intercessor foge das convenções perpetuadas
pelos métodos científicos positivistas, funcionalistas e sistêmicos. Na intercessão, o
trabalhador-intercessor não está fazendo pesquisa, ou levantando dados quando está
escutando (em atendimento clínico) os sujeitos do sofrimento ou os demais trabalha-
dores. Nestes termos, a forma do DI de conceber a pesquisa é similar à da psicanálise.

Trata-se, contudo, de um modo de conceber e de fazer pesquisa que deve ser


claramente diferenciado, em sua especificidade, do modo científico de conceber
e de fazer pesquisa. As razões dessa exigência de diferenciação sustentam-se, em
última instância, nas relações que a psicanálise mantém com a ciência clássica
(ELIA, 2000, p. 20, grifos do autor).

2 A intercessão-pesquisa foi desenvolvida por Maico Fernando Costa numa Santa Casa de Misericórdia e
os textos que compõem sua tese de doutorado consistem nas suas elaborações sobre sua própria práxis
operacionalizada nesse estabelecimento de Saúde.
3 O Dispositivo Intercessor (DI) consiste numa formulação original do Prof. Dr. Abílio da Costa-Rosa, docente
do Departamento de Psicologia Clínica e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia e Sociedade da
Universidade Estadual Paulista (Unesp), Faculdade de Ciências e Letras, Assis, São Paulo, falecido em
2018. A “Carta de fundação do Laboratório Transdisciplinar de Intercessão-Pesquisa em Processos de
Subjetivação e “Subjetividades saúde” (LATIPPSS)” escrita pelo Prof. Abílio, bem como trabalhos inéditos
sobre o tema foram publicados num número especial da Revista de Psicologia da UNESP organizado pelo
coletivo do Laboratório. Cf. em: http://seer.assis.unesp.br/index.php/psicologia/issue/view/88.
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Valendo-nos dessa concepção de Elia (2000), naquilo que interessa à psicaná-


lise, entendemos que, diferente da ciência clássica, a pesquisa derivada do processo
de intercessão não é feita para esquadrinhar um sujeito e conferir sentidos a ele, à
sua revelia. Ela é realizada para tratar dos limites e dos alcances do método psica-
nalítico. E isso não é algo que é produzido para a ciência (em seu teor tradicional),
mas é essencial para os operadores da escuta em formação, de modo a que possam
orientar-se em sua práxis analítica.
Partimos do pressuposto de que, desta forma, é possível fazer outro tipo de
ciência, sob o reconhecimento de que ao invés de operar a partir de um “saber sobre”
o mais fundamental é criar as condições para que os sujeitos possam “saber-se-de-si”
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e subverter o seu modo “padrão” de se subjetivar, normalmente alienado no outro


social. Assim, na transmissão de conhecimento tal como o entendemos no campo
de Freud e Lacan, não se transmite somente um conhecimento sobre como se deu
o modo de funcionamento do atendimento clínico, mas inclui como o sujeito se
implicou nesse processo. Por isso, ressaltamos a existência de um tipo de pesquisa
em que o sujeito e a sua experiência com o inconsciente venham em primeiro plano
em relação à elaboração teórica.
Essa maneira de encarar a produção teórica na Universidade atende pelo nome
de intercessor-pesquisador, uma das vestes do trabalhador-intercessor na reflexão
quanto ao seu fazer. O compromisso com a publicação de artigos, dissertações, teses
e livros derivados da intercessão-pesquisa e formalizados por meio do DImpc con-
siste em buscar instrumentalizar outras posições intercessoras, inspirando outros
trabalhadores que se interessem em considerar tais possibilidades.
Galiego e Costa-Rosa (2018) sugerem o conceito de efeitos-demonstração para
explicitar o valor de uma intercessão-pesquisa, consideram que a função do interces-
sor-pesquisador no compartilhamento de relatos críticos sobre sua própria experiência
visa a persuadir os trabalhadores a conclamarem outros meios de produzir saber junto
e a partir da Universidade. Os efeitos-demonstração têm como alvo a geração de
outros trabalhadores-intercessores, apresentando uma exposição das possibilidades
de ampliação quanto às representações sociais sobre os modos de operar no campo
político das instituições e de seus Estabelecimentos.
Conjecturamos que há nos postulados de pesquisa do DImpc muito do que o
“método Paulo Freire” já havia antecipado: uma pesquisa como ato criativo e não
como ato de consumo e “[...] a ideia de que ninguém educa ninguém e ninguém se
educa sozinho” (BRANDÃO, 1989, p. 21-22), mas que a educação e a transformação
da realidade histórica e institucional são processos coletivos. A intercessão se encontra
nesse entretempo, em que as palavras e os atos de linguagem podem ser propulsores da
criação de um trabalho que tenha em primeiro plano a própria experiência de trabalho.
Os trabalhadores precisam se reapropriar dos seus processos de trabalho, tornando-
-se sujeitos de sua práxis. Apostamos em um caminho de contestação à realidade
social hegemônica, que responde a um tipo de ciência – que pode ser denominada de
“capitalista” –, desvinculada da consciência de classe e que é reprodutora de seres
humanos que não conseguem pensar nas consequências do que fazem.
88

A título de resumo, destacamos que no primeiro momento do DI, enquanto um


trabalhador com as credenciais conferidas pela instituição, os atendimentos clínicos
dos sujeitos do sofrimento são trabalhados na direção da escuta em seu sentido
psicanalítico. Importa-nos destacar esta nuance, uma vez que concordamos com
a psicanálise ao destacarmos que toda pesquisa é clínica por excelência, “implica
que o pesquisador-analista [leia-se trabalhador-intercessor] empreenda sua pesquisa
a partir do lugar definido no dispositivo analítico como sendo o lugar do analista,
lugar de escuta e sobretudo de causa para o sujeito” (ELIA, 2000, p. 23). A função
do trabalhador-intercessor não consiste menos, e nem mais, do que ajudar o outro
a saber se ajudar, ser facilitador de um processo de agenciamento que em si já é

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agenciamento de mudanças (COSTA-ROSA, 2019b).
Está em questão o sujeito se servindo do dispositivo psicanalítico, possa ir traba-
lhando para transformar o seu sintoma em um enigma. Com isso, ocorre então a pro-
dução de um saber genuinamente novo, radicalmente oposto à categoria de doente tão
cultuada pelas ciências médicas em seus meios de tratamento. No segundo momento do
DI, estão em jogo as formulações teóricas e a escrita a respeito do primeiro momento.
A Intercessão-Pesquisa se ancora na psicanálise de Freud e Lacan na medida em que
esta postula que, para que haja as novas elaborações teóricas, a práxis deve vir em
primeiro lugar. Em outras palavras, de acordo com Freud (1996a), em psicanálise é
a experiência que contesta a teoria obrigando-a a se redimensionar, não o contrário.
Na especificidade dessa reflexão, a atuação do trabalhador advertido pela Psi-
canálise, pelo Materialismo Histórico, Análise Institucional e Filosofia da Diferença,
foi realizada em um contexto distinto do consultório clássico particular, contou com
diversos atravessamentos e influências externas. Expomos a pertinência de uma clí-
nica com outras configurações de tempo e de espaço (COSTA, 2016; ELIA, 2000;
GALIEGO, 2013; PÉRICO, 2014).
Neste propósito, a ideia de “contradispositivo” nos parece próxima da noção de
“Dispositivo Intercessor” caracterizada por Costa-Rosa (2013a; 2019b). O aspecto
notório ressaltado por Agamben (2009) nos serve para encontrar nas próprias raízes
do conceito de “dispositivo” a centelha necessária para transformá-lo, fazendo um
uso criativo e avesso às formações de subjetividades capitalistas. Se falamos de
contradispositivo é por nos referirmos a um dispositivo singularmente contraditório
aos que se regem por controlar, governar e assujeitar corpos. Nos termos atribuídos
pelo DI (COSTA-ROSA, 2008), argumentamos que na práxis em que se apreende as
intercessões de um trabalhador, orientado pela concretude da luta social e do conflito
psíquico, não há implicação subjetiva sem implicação sociocultural.

Operando com o DI na práxis: o “método” e seus “efeitos-


demonstração”
Conforme Costa-Rosa (2019a), o “método” intercessor, nomeado de Dispositivo
Intercessor (DI), sugere uma variação radical em comparação ao modo tradicional
de se conceber um instrumental científico,
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[...] trata-se de produzir saber sobre o processo de produção do saber na práxis,


ou seja, um saber sobre o processo de produção do saber na ação/para a ação; não
mais um saber para a prática, mas um saber sobre os processos de Intercessão no
processo de produção da própria práxis (como integração fazer-saber) (COSTA-
-ROSA, 2019a, p. 14-15).

O DI pode ser dividido em dois momentos, o que não quer dizer que essas fases
também não possam ocorrer simultaneamente (por isso falamos em anterioridade
lógica, e não cronológica, da prática em relação à pesquisa). São dois tempos lógicos,
mais do que meramente cronológicos. A práxis propriamente dita se instala no primeiro
momento e o trabalhador-intercessor, nessa etapa, consiste numa posição expressa
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[encarnada] que busca assumir as estratégias e táticas do DI. A pretensão consiste em


operar como um trabalhador transdisciplinar, o que inclui se instrumentalizar com
outros saberes/fazeres que não unicamente aqueles das disciplinas de sua formação
originária. O mote é alavancar processos de intercessão em dois âmbitos: no plano ins-
titucional do estabelecimento (no que se refere à divisão social do trabalho) e no plano
subjetivo, na relação com os sujeitos que se apresentam por meio de seus impasses
psíquicos (que exigem um trabalho de elaboração psíquica) (COSTA-ROSA, 2019b).
Relatamos um caso que acompanhamos como psicólogo durante algumas sema-
nas na Santa Casa, pois caracterizamo-lo como paradigmático quanto aos esforços
do trabalhador-intercessor (posição assumida a partir do DI) de agir em sua oferta
de tratamento, por intermédio dos seus diversos movimentos no Estabelecimento.
Buscamos, ao formalizar essa experiência de intercessão, ao mesmo tempo tensionar
os processos de trabalho enrijecidos e instituídos, visando sua subversão.
Cláudia, mulher branca, de 57 anos, obesa, diabética, trabalhadora rural, apo-
sentada por “invalidez”, estava internada por conta de uma cirurgia, em razão de uma
úlcera produzida em seu corpo: ela tinha uma grande ferida na perna. Era bastante
obesa e tinha sérios problemas no coração. Depois de nos apresentarmos como psicó-
logo, perguntamos sobre o que a havia trazido ao hospital. Ela nos respondeu que foi
devido a uma queda que teve, o tratamento não foi eficaz e por isso precisou voltar.
Pontuamos: “Uma queda te trouxe aqui?”. Ela sorriu e disse que não propriamente,
mas sim um mal-estar, as dores que estava sentindo. Sublinhamos: “As dores às vezes
dizem de dores outras, muitas vezes antigas”. Ela assentiu e continuou: “Eu estou
com uma ferida no corpo e essa ferida não conseguiu se cicatrizar. Eu sou diabética
também. A ferida estava fedendo muito, fedia ovo podre essa ferida. Aí eu tive que vir
até aqui”. Ficou em silêncio e olhando-nos. Resolvemos lhe dizer: “As feridas ficam
abertas e nos chamam a dar respostas, trazem aquilo que sentimos”. Perguntou-nos:
“É mesmo. Mas, como assim?”. Dissemos: “Você trouxe o significante ‘ferida’, fale
sobre o que ele representa para você”. Respondeu: “Ah, tem feridas que são físicas,
outras são da alma. As feridas, delas tem as da alma e as físicas”. Destacamos: “Isso
é importante, as feridas da alma ligadas às feridas físicas”.
Nesse momento, desatou a chorar em som alto, de maneira intensa e aos solu-
ços: “As minhas feridas da alma não se fecham, eu perdi meu filho quando ele era
bem novo, eu não aguento, ele morreu por aspirar veneno. Tentei me matar várias
90

vezes, inclusive com veneno, e não consegui. É muito difícil”. Pontuamos: “É difícil,
você fala de uma perda”. Replicou: “E não é só uma perda, foram várias”. Conti-
nuou Cláudia:

Depois, em seguida, minha mãe morreu e logo meu pai também morreu. Eu tive
outros três filhos, mas não esqueço essas mortes. E foram mortes num momento
em que meu casamento estava todo destruído. Hoje não, estamos há quarenta anos
juntos e meu marido me trata como se eu fosse um bebê.

Sublinhamos: “bebê?”. Assentiu com a cabeça e contou que era ele quem cui-
dava dela. Emendou e disse que sofria também pelos outros, entre choros, admitiu

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que não aguentava o sofrimento e a dor dos outros, sentia como se fossem as suas,
assim como quando os outros estavam felizes também ficava contente. Proferimos a
ela que o seu dizer trazia questões que poderiam ser de análise. Cláudia completou,
revelou que um de seus filhos comentou que ela se preocupava muito com os outros,
“meu filho fala pra mim: ‘eh, que coisa, mãe, você se preocupa muito, não pode se
preocupar muito com os outros’”. Chistosamente, relançamos os significantes: “Éh,
Cláudia, ‘coisa, de mãe!’”. Ela ficou olhando e repetiu o que dissemos, “coisa de
mãe”. Encerramos: “Vamos interromper nesse momento, interessa-me se pudermos
continuar a falar disso e das outras questões. Agradou-me escutá-la”. Cláudia res-
pondeu: “Me agradou muito falar com você, quero continuar sim, por favor, volte”.
Por meio dessa vinheta, enfatizamos umas das formas de assinalamento dos
significantes, oriundos dos discursos dos sujeitos. Em muitas situações, não assina-
lamos a mesma palavra que emerge, em repetição, de um discurso, mas a represen-
tação de um significante, uma palavra, que o sujeito disse e que retorna reiterando
um significante anteriormente expresso. Por exemplo, Cláudia expressava que se
preocupava por não saber como deixar de se angustiar. Noutro momento, disse que
se sentia sufocada e não sabia do porquê. Exprimiu que se sentia mal por não resol-
ver os problemas dos outros. Sublinhamos, relançando a ela, de modo diferente, os
significantes que emergiram em sessão precedente e pareciam a representar: “Você
disse que não deixa de se angustiar”. Ela nos fitou fixamente e confessou que não
sabia como responder, como permanecemos em silêncio, continuou e discursou sobre
algo que ficava martelando na sua cabeça.
Noutra sessão, Cláudia se interrogou se a sua vontade incessante de ajudar os
outros, e sofrer com o que os outros sofriam, não teria surgido quando o seu filho
morreu. É interessante como o trabalho com o significante possibilitou-lhe falar mais
e a se questionar, ao ponto de admitir em forma de pergunta: “como solucionar os
seus problemas quando se quer tanto resolver os dos outros?”.
Após uma semana voltamos ao quarto em que estava, ao nos aproximar ela
disse que perguntou por nós às enfermeiras da Unidade de Terapia Intensiva (UTI)
onde precisou ficar em observação para fazer uma bateria de exames. Pedimos que
continuasse falando, do ponto em que terminamos na última sessão. Contou que
sentia uma angústia, um sufoco que não sabia explicar, revelou que era muito sen-
sível e chorava por qualquer coisa. Desta vez, resolveu afirmar que depois da morte
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 91

do filho começou a se preocupar com o sofrimento das pessoas. Sentia-se satisfeita


quando resolvia o “problema” dos outros e que, por outro lado, dava-se conta de
que não conseguia encontrar as soluções para as suas próprias questões. Comentou
novamente sobre as suas tentativas de suicídio. Quando solicitamos que relatasse
sobre a angústia, respondeu que era algo que ficava martelando na cabeça, havia
uma porção de pensamentos. Não gostava de incomodar os outros. Mencionou que
a mãe era muito doente, cuidou dela até a sua morte. Perguntou novamente sobre
como solucionar os seus problemas, percebia que prestava tanto atenção nos outros
que se esquecia do que precisava verdadeiramente.
Decidimos encerrar a sessão neste momento. Ao sugerirmos que procurasse
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o psicólogo da Unidade Básica de Saúde (UBS) do seu bairro, respondeu que não
conseguiria ir sozinha. Enfatizamos que não queríamos mais do que desejar que ela
pudesse desejar se analisar e sugerimos que solicitasse a algum familiar uma ajuda
para se locomover até a UBS. Disse-nos que queria sim e iria pensar nisso. Ela nos
agradeceu depois que lhe passamos o contato de um psicólogo que atendia em uma
UBS, com o qual já tínhamos conversado a seu respeito.
Depois do atendimento, retornamos para a sala do setor administrativo e ligamos
para a enfermeira responsável pela Estratégia Saúde da Família (ESF) do território
de Cláudia. A enfermeira nos contou que desde que conhecia Cláudia nunca a viu
sair da cama. Dialogamos sobre o caso, discutimos sobre as possíveis ações que
poderiam ser incluídas num projeto de atendimento. Chegamos à conclusão de que
seria válido solicitar uma visita da equipe do Núcleo de Apoio à Saúde da Família
(NASF), um atendimento que teria um caráter compartilhado, para construir um tipo
de oferta que se harmonizasse à singularidade e à demanda de Cláudia. Ao telefone,
a enfermeira nos disse que iria entrar em contato com o NASF e depois nos ligaria
para avisar quando a visita à Cláudia acontecesse.
No dia seguinte, recebemos mais uma ligação da enfermeira da UBS, dizen-
do-nos que Cláudia recusara o atendimento, não queria receber visitas da equipe e
nem trocar os curativos de seus ferimentos. Decidimos que ligaríamos para ela e,
apostando na transferência estabelecida, perguntaríamos se poderia nos receber em
sua casa. Com a sua concordância, fomos visitá-la, já que não conseguia se locomover
da cama, para escutá-la e, depois em equipe, poderíamos pensar melhor sobre uma
direção de tratamento. Segundo a enfermeira, o seu marido havia dito que ela não
queria visitas. Ligamos e de pronto Cláudia concordou em nos receber. Neste ínterim,
o assistente social da Santa Casa ligou para o Centro de Referência de Assistência
Social (CRAS) do território onde Cláudia vivia. A psicóloga do Estabelecimento
(CRAS) se prontificou a ir à sua residência. A partir dessa visita, junto a Assistência
Social e à ESF do seu território, trabalharíamos em rede para atender Cláudia. A
única renda de Cláudia era um salário mínimo, sendo que o seu marido havia sido
demitido por se ausentar do trabalho para cuidar da esposa.
Este foi um caso bastante complexo. Considerando que o nosso contrato de
inserção institucional para o desenvolvimento da intercessão-pesquisa com a Santa
Casa – que funcionava como hospital geral de referência em uma região de 13 municí-
pios –, estava por se encerrar, a intenção era escutar Cláudia e quem sabe encaminhar
92

a continuação do trabalho para outro psicólogo que estaria situado a respeito do seu
caso. Na reunião de equipe, discutindo sobre a alta hospitalar de Cláudia, na qual
estavam presentes trabalhadores representantes de todos os Equipamentos de Saúde
da Atenção Básica, pretendíamos construir uma discussão que pudesse abordar as
possibilidades de escuta que alcançassem o desejo de Cláudia.
Na visita que fizemos à Cláudia em sua casa, percebemos que ela estava sentada
do lado de fora de sua casa, aguardando a nossa chegada com uma cadeira à sua frente.
Era uma casa bastante humilde, típica das pessoas pertencentes à classe trabalhadora
empobrecida e superexplorada. Falamos sobre as suas condições materiais, os recursos
financeiros que ela possuía para adquirir os aproximadamente vinte e oito tipos de

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medicações dos quais fazia uso. Mostrou-se interessada em, do mesmo modo, receber
a visita dos trabalhadores do CRAS, bem como a visita da equipe da ESF. Disse-nos
que dias atrás não recebeu a enfermeira para trocar os seus curativos, pois, algumas
semanas antes, os agentes comunitários de saúde e a enfermeira responsável disseram
que iriam até a sua casa para atendê-la e não foram, então, como a promessa não foi
cumprida, não quis mais os acolher em sua casa. Segundo Cláudia, foi justamente
naquela semana que os curativos das feridas não foram trocados que o seu estado de
saúde piorou e, por consequência disso, foi obrigada a ser internada na UPA e depois
transferida para a Santa Casa.
Conversamos a respeito de direitos sociais e da importância de ela reconhecer
que o atendimento que lhe era ofertado era uma conquista sua. Contou-nos que tra-
balhou a vida toda, cozinhava, trabalhava na roça, ajudava os outros. Segundo ela,
depois da morte do seu segundo filho, afundou-se nas medicações. Após comentar
sobre esse evento, concordou em receber a visita da equipe da ESF. O marido estava
desempregado e também aguardava pelo pagamento de uma indenização por parte de
uma usina onde trabalhou por muitos anos, em decorrência de um acidente de trabalho
que lhe custou a perda de metade de um dos dedos da mão. No momento, a única
fonte de renda da família era o Benefício de Prestação Continuada (BPC) de Cláudia.
Consideremos o encadeamento do processo de trabalho subjetivo empreendido
por Cláudia na medida em que o trabalhador-intercessor operou com os discursos4,
no sentido das suas subversões e passagens. Em um primeiro momento, Cláudia se
remeteu à ferida no corpo que não se cicatrizava, em seguida, apropriando-se do poder
de colocar a palavra em movimento, admitiu que próximas às feridas físicas existiam
as “feridas psíquicas” que não se fechavam. Conseguiu associar as feridas da alma com
a morte do filho e dos pais, confessou que não sabia o porquê de se sentir angustiada e
sufocada. Diante de seus infortúnios, também sofria pelos outros e a pouca satisfação
que tinha na vida era quando solucionava os problemas que não eram os seus.

4 Sobre a teoria dos discursos do Mestre (DM), da Histeria (DH), da Universidade (DU), do Analista (DA) e do
Capitalista (DC), ver: Costa-Rosa (2013a), Lacan (1992), Magno (2007), Souza (2008) e Vegh (2001). De
acordo com Lacan (1992), toda forma de enlace social é realizada por meio dessas diversas modalidades
discursivas. Cada uma se apresenta como um algoritmo de quatro lugares: o agente, o outro, a produção
e a verdade. Estes, por sua vez, serão ocupados por quatro elementos da álgebra lacaniana, a saber, $
barrado, a, S1, S2; e, dependendo de qual lugar cada elemento ocupar na estrutura discursiva, o elemento
possuirá uma conotação específica.
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 93

Após assumir que tentou se matar algumas vezes, na continuidade das ações
discursivas, Cláudia se deparou com o que teria sido a sua solução de compromisso,
a produção de sintoma, para não entrar em contato com o conteúdo traumático evo-
cado pela morte do filho: perguntou-se sobre a possibilidade de ter se despertado
pelo ímpeto de se identificar com a dor dos outros justamente depois da morte do
filho, quando iniciou o uso abusivo de fármacos.
Denotamos que essas passagens discursivas foram produzidas pelos giros dos
discursos operados pela escuta do trabalhador-intercessor. Em um dos momentos
provocamos uma ação para que a fala fosse instaurada, por isso, do lugar de mestria
(S1) a solicitação era para Cláudia colocar o seu saber (S2) para trabalhar, convocan-
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do-a a falar de onde tinha parado, a dizer sobre as feridas que lhe faziam sofrer, as
suas mortes e as faltas sentidas (a). Este ato foi paralelo à outra necessária posição a
ser ocupada junto a Cláudia no DU, operando com o saber (S2) no lugar de agente,
sublinhávamos para ela que as feridas (a), que ela expunha, narravam a presença de
dores psíquicas que também a marcavam como sujeito ($).
É indubitável, de acordo com nosso ponto de vista, que as transições de dis-
curso viabilizaram que Cláudia ($), a partir do DH, pudesse passar a questionar a
sua “angústia e sufoco” (S1) a ponto de associá-las com a morte do filho (S2), con-
seguindo a partir disso, perceber que a preocupação excessiva com os outros não
lhe permitia olhar para as suas próprias questões, o que representava uma manobra
de defesa do sofrimento. Tal percurso acenou para impasses a serem tratados numa
análise, indicados pelas fagulhas do que teriam sido pequenas passagens de Cláudia
pelo DA, denotadas por meio de um posicionamento no qual ela ocupava o lugar de
protagonista em seus processos de produzir a própria história e rever seus conflitos.
Movida pela questão (a) que emergia ao abordar sua angústia, era possível
notar a existência de pensamentos que a acompanhavam; Cláudia se pôs a perguntar
como um sujeito dividido ($) sobre a relação entre a identificação que fazia sobre o
sofrimento dos outros com os quais se ocupava e com sua própria angústia (S1) que
evitava e reprimia. E noutro encontro, aproximou-se de algo que num processo de
análise tem o seu estatuto de brecha aberta para uma mudança em um posicionamento
frente ao saber [inconsciente] (S2): como poderia Cláudia ter trabalhado a vida toda
na roça, tinha ajudado os outros, tinha pagado os seus impostos e, naquele instante
em que se encontrava debilitada fisicamente, recusava os atendimentos da UBS do
território e não se inquietava com seus próprios problemas de saúde física e subjetiva?
Cláudia concentrava tanta atenção nos conflitos alheios que se esquecia do que
realmente precisava. A escuta lhe permitiu entrever um pouco do que foi o laço com
a sua mãe (de quem cuidou até o seu falecimento) e questionar o que era a “coisa
de mãe” para ela. É certo que ela poderia continuar a avançar muito e com proveito
com o seu engajamento em um tratamento pela palavra, evidentemente, caso tivesse
condições propícias para que conseguisse chegar a UBS.
Por outro lado, talvez os acontecimentos não teriam sido tais como foram, se não
tivéssemos intensificado os contatos com outros agentes de Saúde para a construção
do caso de forma intrainstitucional, nas figuras do assistente social e da coordenação
de enfermagem. O diálogo com o CRAS e a ESF, no domínio interinstitucional,
94

enquanto referências territoriais para Cláudia, foi crucial, engendrou inclusive o desejo
dos Estabelecimentos em discutir nas pautas das reuniões, a dinâmica de Rede5 e os
processos de Alta Hospitalar, considerando a estreita ligação entre as problemáticas
sociais, afetivas, físicas entrelaçadas com as demandas subjetivas dos sujeitos.
A partir dessa experiência com Cláudia, as equipes de trabalhadores da Saúde
passaram a pensar sobre os mal-entendidos com as pessoas acolhidas nos diversos
dispositivos institucionais de Saúde, situações embaraçosas que, muitas vezes, eram
provocadas pela enorme carga de trabalho. Mais do que espaços protocolares, de
auditoria de condutas eficazes, tivemos reuniões nas quais pudemos interrogar os
procedimentos e as rotinas enrijecidas, discutindo sobre formas de organização do

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trabalho coletivo em Saúde numa linha mais participativa e horizontal.
Ao cruzamento dos sujeitos e o uso que fazem de seus Equipamentos de polí-
ticas públicas com as Redes e com os trabalhadores-operadores das ditas políticas,
Costa-Rosa (2008) nomeou de “Redes de contratualidade social”. Descreveu-as
como um componente fundamental e tático para a operacionalização do DI. Segundo
Costa-Rosa (2008), as redes de contratualidade social são criadas pelos sujeitos
para serem estratégias complexas, erigidas em cooperação com os trabalhadores da
Saúde orientados pela ética da Atenção Psicossocial, numa lógica antípoda aquela
médico-centrada e hospitalocêntrica.
Como uma ressonância à conceituação de Redes de contratualidade social,
encontramos no conceito de rede transferencial, oferecido por Seincman (2017),
uma valiosa interlocução: a escuta de um sujeito enodada aos discursos que o cir-
cundam. Nessa prática de atuação em rede, o manejo do campo transferencial se
faz necessário para a percepção das repetições, resistências e sugestionabilidades
que estão em jogo na condução coletiva dos casos clínicos, na sua complexidade
social/subjetiva. Por conseguinte, a apropriação da noção de rede transferencial não
apenas amplia o conceito psicanalítico de transferência, como permite a revisão de
conceitos atrelados a práticas em campos não tão explorados pelos psicanalistas.
Destarte, as redes de contratualidade social, levando em consideração a polisse-
mia dos determinantes sociais e psíquicos imanentes à vida humana, são apreendidas
de modo que as pessoas sejam os seus verdadeiros protagonistas. São, portanto, uma
multiplicidade de vínculos à disposição, tanto para os sujeitos quanto para as equipes
técnicas, para a efetiva realização de trocas socioculturais, subjetivas, afetivo-rela-
cionais e econômico-produtivas (COSTA-ROSA, 2008).

O DI como meio de produção de conhecimento (DImpc) e a


intercessão-pesquisa
Depois de descrevemos extensivamente o DI em seu primeiro momento – a
práxis propriamente dita –, anexado a este tempo “um” do processo de intercessão,

5 Sobre a complexidade e os impasses da estratégia de trabalho social em rede que não deve ser amador,
caseiro nem improvisado, ver as problematizações de Benelli (2016a, 2016b); Benelli e Costa-Rosa (2010);
Benelli; Ferri e Ferreira Jr. (2015).
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tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 95

caracterizamos a seguir o seu segundo momento, chamado de “Dispositivo Intercessor


como meio de produção de conhecimento” (DImpc). Essa dimensão do DI permite
que o trabalhador-intercessor transite para a posição de intercessor-pesquisador e seu
objetivo consiste em produzir não um saber sobre os sujeitos, tanto os sujeitos do
tratamento de Saúde quanto as equipes de trabalhadores, tomados enquanto objetos;
mas um saber de outra ordem, um saber sobre sua própria práxis. Trata-se de produzir
um saber-se enquanto ator de uma práxis na qual o outro ocupa, necessariamente, a
posição de sujeito. No tempo do DImpc o intercessor-pesquisador procura elaborar
teórica e conceitualmente suas inquietações, escrevendo suas reflexões acerca dos
efeitos de seu posicionamento no campo de trabalho, revisando suas estratégias e
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táticas, seus acertos e seus equívocos. Enquanto intercede na práxis, o trabalhador-


-intercessor não faz pesquisa, muito menos pesquisa tradicional objetificadora do
outro. O que não quer dizer que nos períodos da “práxis propriamente dita”, ele não
esteja refletindo in acto sobre a sua prática (COSTA-ROSA, 2019a; PÉRICO, 2014).
Mas quando o trabalhador-intercessor acessa seus intercessores teóricos-con-
ceituais – por meio de livros, de artigos, de material denominado de “teoria”, de
“bibliografia”, ele procura formalizar sua práxis, cotejando-a com a teoria, questio-
nando a teoria a partir do crivo da práxis e buscando também qualificar sua práxis.
O estudo da bibliografia, da “teoria” e dos “autores teóricos” é parte integrante
indispensável do DI, concretizada nos tempos de operação por meio do DImpc. Não
se trata de buscar uma verdade teórica supostamente capaz de ser aplicada visando
resolver de modo cabal problemas que são complexos, mas de, incluindo as “teorias”
no processo de intercessão, se inspirar criticamente para produzir soluções efetivas
locais, singulares e finitas.
O diário de campo de intercessão é o instrumento produzido e manuseado pelo
trabalhador-intercessor para registar as indagações, os impasses, o desenvolver da
sua práxis. O registro das impossibilidades, das impotências e dos possíveis flancos
a serem ocupados, faz parte do reposicionamento do trabalhador-intercessor com
relação às táticas adotadas no campo institucional constituído pelo Estabelecimento.

O diário de campo pode ser uma referência entre outras – que podem incluir
também documentos oficiais, livros de atas de reuniões, circulares internos, jornal
institucional, material institucional de formação, cartilhas etc. – que será utilizado
quando e no caso de se pretender fazer uma reflexão sistemática, crítica e analítica,
apresentando formal e teoricamente a intercessão realizada no campo da práxis
institucional (BENELLI, 2019, p. 106-107).

Os materiais teóricos colhidos do diário de campo de intercessão, servem à prática


do trabalhador-intercessor em sua análise política e institucional do Estabelecimento.
Nos processos de elaboração dos problemas e das dificuldades encontradas, os estudos
sobre o seu savoir-faire [saber-fazer] auxiliam o operador do DI a não se deixar levar
pela sedução de se confundir com a posição do especialista; e a não esquecer que a sua
luta tem íntima relação com as demandas da classe trabalhadora que são subjugadas
pelas relações capitalistas de dominação. O atributo de refletir, problematizar e estudar
96

sobre sua própria experiência de trabalho se mostra indispensável, pois permite ao


trabalhador se haver com a dimensão do trabalhado que é estranhada de si própria,
ou seja, conecta-o ao desejo de saber e ao que lhe é mais essencial quanto aos seus
horizontes éticos que são diametralmente contrários aos do capital.
Portanto, este modo de produção de conhecimento subverte o ato de pesquisar
por meio de um plano que não é o dos moldes clássicos. A finalidade é transformar/
agir operando com uma epistemologia transdisciplinar que possui uma valência
diversa no que diz respeito aos métodos de pesquisa convencionais produzidos na
Universidade, no sentido de não usurpar os sujeitos, tratando-os como se fossem
dados, objetificando-os. A empreitada do trabalhador-intercessor-pesquisador não

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é conhecer para transformar, mas sim, transformar conhecendo – o intento é “[...]
instaurar no campo processos de produção de saberes singulares, que façam frente
à reprodução dos saberes colonizadores e bancários” (GALIEGO; COSTA-ROSA,
2018, p. 272, grifos dos autores) e produzir um conhecimento que servirá aos traba-
lhadores que estão na (in)tensão da práxis cotidiana.

Considerações finais
Buscamos no decorrer do artigo tecer algumas considerações, contribuir com
a sedimentação das bases de formalização e estruturação do DI em seus momentos
de operar na práxis. Costa-Rosa (2019b) sugere, com o DI, a movimentação de uma
forma concreta de uma transformação/subversão de condições que antes eram propí-
cias para o assujeitamento de corpos e da subjetividade. As suas teorizações, dirigidas
ao campo da Saúde Mental Coletiva e das políticas públicas em geral, partem de uma
técnica e de uma ética que visam interceder num plano da realidade que, ao mesmo
tempo, é psíquica e social.
Assim sendo, Costa-Rosa (2013a, 2019a, 2019b), insiste em um tipo de dispo-
sitivo que pretende superar a lógica de registros de uma verdade absoluta, centrada
no imaginário, que permite acreditar que determinados desejos e estilos de gozo são
melhores do que os outros pela posição social que ocupam, ou pelos privilégios que são
“sagrados” à sua classe social. A aposta é no desejo e na vida enquanto arte e superação
dos modelos hegemônicos de concepção de sujeito-objeto. A possibilidade múltipla de
criar sentidos, e dar respostas simbólicas aos acontecimentos que se apresentam, está na
proposta de um dispositivo que seja contra-hegemônico e que, portanto, seja intercessor.
Em outros termos, operar com o DI é ter como mote de ação-reflexão o horizonte
que interessa às classes e sujeitos subordinados ao absolutismo do mestre moderno:
o mercado capitalista. De acordo com a lógica de raciocínio que apresentamos,
destacamos a luta de classes e os efeitos do Modo Capitalista de Produção na vida
material, social e psíquica, como as centralidades que compõem a técnica, a teoria
e a ética do DI. Essa especificidade teórica é o que mostra uma vinculação íntima
com as referências imprescindíveis de Marx.
As outras referências do DI não estão incluídas em seu arcabouço ao acaso,
no que diz respeito à Análise Institucional (Lourau e Lapassade), a Filosofia da
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Diferença (Deleuze, Guattari e Foucault) e a Psicanálise do campo de Freud e Lacan.


Trata-se de um conjunto de autores, de “correntes de pensamento”, que tinham em
comum a sua inspiração em Marx, escritores movidos, sobretudo, pelos impasses e
desafios de suas práxis singulares.
Lourau (2014), colocava em prática as suas análises das instituições e da ideo-
logia amparado nas teses marxistas. Do seu modo, Foucault (1979), numa de suas
entrevistas publicadas no livro intitulado “Microfísica do Poder”, reconheceu que
era impossível fazer história sem utilizar os conceitos de Marx e sem estar no hori-
zonte definido e descrito por ele. Já Deleuze (1992), em uma entrevista a Toni Negri,
revelou que tanto ele quanto Guattari, ambos, de maneiras diferentes, permaneciam
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marxistas. Parafraseando Lacan6 certamente é possível ir além de Marx, mas não


sem antes nos servirmos bem de suas contribuições fundamentais.
Os pensadores Lourau, Lapassade, Foucault, Deleuze, Guattari e Lacan foram
contemporâneos entre si e não faltam menções elogiosas de uns em relação aos
outros, em fases específicas de suas respectivas obras e ensino. Cremos que é impor-
tante promover desenvolvimentos teóricos e uma justificação argumentativa do uso
e anexação dessas referências bibliográficas utilizadas para a operacionalização e
formalização do DI. Soa como significativo realizar um trabalho mais detido de
exegese histórica que desvele as proximidades éticas e transdisciplinares entre as
referências que engendram essa abordagem multirreferencial.
E a respeito da formação transdisciplinar constitutiva do DI, possuímos a com-
preensão – também a ser melhor argumentada noutras possíveis intercessões-pes-
quisa – de que mesmo com base em Freud é exequível defender que na Psicanálise
há uma inclinação para a transdisciplinaridade (COUTINHO; FONTELES, 2019).
Em “O interesse científico da Psicanálise”, Freud (1996b) apregoa como sendo
campos de interesse da Psicanálise: a Psicologia, a Filologia, a Filosofia, a Biologia,
a perspectiva Desenvolvimentista, a História da Civilização, a Ciência da Estética,
a Sociologia e a Educação. Arriscaríamos, com essa amostra histórica encontrada,
uma pergunta: não poderíamos afirmar que a Psicanálise seria um produto de todos
estes domínios do saber e do conhecimento e, portanto, um “método” cujo funcio-
namento opera de forma transdisciplinar?
Reivindicamos a necessária consistência transdisciplinar da caixa de ferramen-
tas do trabalhador-intercessor, contendo operadores diversos que lhe permitem se
orientar em seu processo de trabalho, que é sempre localizado em instituições que
fazem estabelecimentos nos quais intercede junto aos outros atores institucionais. O
trabalhador-intercessor, em suas fisionomias, tem o seu lugar na sociedade e não é
indiferente às coisas fundamentais que interessam ao sujeito. Este é afeito ao arranjo
de “truques”, no manejo de uma escuta que lida com os impasses produzidos pelas
injunções da realidade, sobremaneira inóspitas para os que por elas são afetados.

6 “A hipótese do inconsciente, Freud o sublinha, não se sustenta sem o Nome-do-pai, por certo, é Deus. É
nisto aí que a psicanálise por triunfar, prova que do Nome-do-pai podemos também prescindir. Podemos
prescindir, à condição de nos servirmos dele” (LACAN, 2007, p. 132).
98

O grande mérito das contribuições do DI está em promover um posiciona-


mento advertido que permite operar de modo qualificado na práxis, avisado pela
complexidade que há na forma moebiana de assumir a realidade social e psíquica
como radicalmente entrelaçadas uma à outra (BENELLI; PÉRICO; COSTA-ROSA,
2017). Felizmente, há muitos trabalhadores que já são intercessores inadvertidos e
que articulam posturas intercessoras. A intenção com a explicitação e formalização
do modo de operar com o DI, vias de fato, é propor uma postura orientada em direção
à superação da divisão social do trabalho no contexto dos processos de saúde-adoe-
cimento-Atenção no campo das políticas públicas sociais.

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REFERÊNCIAS
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VOZES QUE ECOAM:
escutas possíveis no trabalho com adolescentes
em cumprimento de medidas socioeducativas
Francisca Maria Véras Linhares
Monalisa Pontes Xavier
Luciana Lobo Miranda
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Introdução
Historicamente a Psicologia se constituiu como um saber que demorou a
sair do consultório e se encontrar com as demandas decorrentes de marcadores de
classe, raça e gênero, sendo relativamente recentes as discussões sobre a produção
de conhecimento/práticas que sejam constituídas a partir do referente desses mar-
cadores na escuta.
Autores da Psicologia Social e da Psicologia Comunitária como Silvia Lane e
Martin-Baró trouxeram importantes contribuições para a aproximação com demandas
decorrentes de marcadores sociais, ressignificando um fazer a partir do tensionamento
de diretrizes clínicas e da concepção de uma atuação ético-politicamente implicada
com a afirmação de cidadania e a transformação social, bem como com a constru-
ção de um fazer psicológico voltado à inclusão de pessoas que até então não eram
concebidas como público dos serviços de atenção psicológica.
O encontro da Psicologia com o Sistema Único de Assistência Social (SUAS)
se dá a partir de um compromisso ético-político comum com a promoção da vida e
afirmação de direitos, já desbravados pela Psicologia Social latino-americana e que
se faz especialmente relevante em momentos de desresponsabilização do Estado para
com o bem-estar social e a superação das desigualdades e das injustiças sociais, bem
como de ameaça à democracia.
A Psicologia, como saber constituinte da atenção psicossocial, se pauta em
perspectiva crítica, politizante e politizada das questões sociais e, como argumenta
Benelli (2016, p. 43), “seu equacionamento passa necessariamente pela construção
de uma cidadania radicalmente democrática e popular”.
A inserção de psicólogos nos dispositivos da assistência social tem sido discu-
tido pelo Conselho Federal de Psicologia através do Centro de Referência Técnica
em Psicologia e Políticas Públicas (CREPOP) que, em construção dialógica com a
categoria, discute diretrizes e desafios à prática profissional voltada a um público atra-
vessado pela violação de direitos e vulnerabilidades múltiplas, de modo a promover
formas de atuação pautadas em “contribuições no sentido de considerar e atuar sobre
a dimensão subjetiva dos indivíduos, favorecendo o desenvolvimento da autonomia
e cidadania” (CREPOP, 2007, p. 22).
104

Apesar disso, nossa experiência docente e de atuação técnica em dispositivos


de atenção psicológica nos mostra que ainda hoje as teorias e diretrizes que dispomos
como instrumentos de formação muitas vezes não conseguem alcançar as singulari-
dades de modos de existir, de sofrimentos e adoecimentos e de produção de saúde a
partir do lugar socialmente instituído pelos atravessamentos de raça, classe e gênero.
Nos parece que o lugar de classe socialmente ocupado tem funcionado como
uma versão de unificação das experiências de vulnerabilidade, ocultando assim outros
vieses de vulnerabilização e/ou intensificação das vulnerabilidades. A experiência de
carência material parece englobar matriz racial, de gênero e suas interseccionalidades,
como se esses marcadores não fossem fundantes de modos de subjetivação.

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Quando a escuta não alcança tais experiências que produzem subjetividades,
finda por se constituir como mais uma estratégia de ocultamento que resulta em
naturalização de sofrimentos/adoecimentos desencadeados pela singularidade de cada
marcador e, assim, se afasta de seu compromisso ético-político com a emancipação
social e a promoção de saúde e cidadania.
Tais preocupações atravessam as problematizações em torno das possibilidades
do fazer psicológico no campo da assistência social, visto que concebemos que todo
e qualquer fazer somente se faz possível quando garantidas as condições para uma
escuta ética. Questionamos então o que tem sido escutado como demandas no trabalho
junto a populações vulnerabilizadas de modo geral, e, mais especificamente, a partir
da experiência de trabalho com adolescentes em cumprimento de medidas socioe-
ducativas acompanhados por um Centro de Referência Especializado de Assistência
Social – CREAS – de um município do litoral piauiense.
A partir disso, neste capítulo nos propomos a discutir a escuta de marcadores
sociais e os possíveis efeitos desses marcadores nas práticas psi ofertadas nos dis-
positivos de assistência social, tomando como lugar de partida as inquietações de
atendimentos a adolescente em cumprimento de medidas socioeducativas pela equipe
do CREAS de um município do litoral do Piauí.
Como caminhos metodológicos, partimos de uma pesquisa intervenção na
perspectiva da pesquisa intervenção (PI) e da critical participatory action research
(CPAR), sendo tecida a partir do encontro de uma psicóloga atuante no CREAS
com adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas e em diálogo com
duas docentes também de Psicologia. Registros em diários de campo e escuta não
estruturada do público junto ao qual a atuação foi construída foram tensionados
com as diretrizes legais a respeito do serviço prestado e pautaram a elaboração de
analisadores, bem como a análise processual de implicação.
O estudo foi pautado no desenvolvimento de práticas junto a 17 jovens em
cumprimento de medidas socioeducativas e os encontros para produção dos dados
foram realizados durante as atividades grupais cotidianas nesse dispositivo da
Assistência Social, que aconteciam quinzenalmente, e também através de encontros
de acompanhamento psicológico semanais, sejam na forma de visita domiciliar
ou na ida do jovem ao CREAS e também por reuniões de partilha com a equipe
técnica responsável pelos jovens, além do grupo de acolhimento mensal com os
pais dos jovens.
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 105

ECA, CREAS e Rede Socioassistencial: Condições de


(im)possibilidades nas medidas socioeducativas
A redução da maior idade penal é assunto recorrente no cenário nacional. Tal
embate se levanta a partir do anseio de alguns segmentos sociais em aplicar para
os adolescentes autores de atos infracionais as penas que são aplicadas a pessoas
adultas. Nesse sentido, é determinante para o embasamento dessa questão entender
como o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Lei nº 8.069/90) diferencia
crianças, adolescentes e adultos. Segundo esse documento, crianças são pessoas que
estão inseridas na faixa etária entre zero e doze anos incompletos. A partir dos doze
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até os dezoito anos, as pessoas são consideradas adolescentes e depois dos dezoito,
são consideradas adultas.
Assim, o tratamento jurídico despendido a crianças e adolescentes se ampara
nas disposições do ECA, atuando no sentido da proteção social e garantia de direi-
tos e não da punição e segregação social. Por sua vez, as medidas socioeducativas
previstas pelo ECA “têm caráter sancionatório, ou seja, não existe impunidade para
o adolescente a quem se atribua autoria de Ato Infracional” (SNAS, 2016).
Os adolescentes em conflito com a lei, assim se caracterizam a partir do momento
em que são tomados pelo sistema de justiça devido a qualquer ação por eles realizada
que infringe o Código Penal. Eles passam, então, de adolescentes que, na maioria
das vezes, não tiveram “acesso a bens e serviços sociais” (SCISLESKI et al., 2015,
p. 506) – que seriam a eles garantidos por lei, a adolescentes em conflito com a lei,
com a qual eles não puderam contar anteriormente enquanto sujeitos de direito.
A Política de Atendimento Socioeducativa é um conjunto de ações realizadas pelo
poder público e destinadas a adolescentes que cometeram ato delituoso. Essa política
é regulamentada pelo ECA, pelo Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo
(SINASE – Lei nº 12.594/2012), pela Assistência Social e pelas leis municipais.
Segundo o ECA, o intuito dessa política é responsabilizar o adolescente pelo ato come-
tido e, ao mesmo tempo, reduzir a vulnerabilidade social pela oferta de políticas que
proporcionem alternativas de reinserção social a esses adolescentes (GOMES, 2015).
Os atos infracionais são julgados pela Justiça Especial para Crianças e Ado-
lescentes, que decide através de determinação judicial qual tipo de medida deverá
ser aplicada, levando em consideração variados aspectos como: idade, reincidência,
gravidade do ato infracional etc. Dentre as medidas socioeducativas, temos as que são
aplicadas em meio fechado (medida de internação) e as cumpridas em meio aberto,
que podem ser Medida Socioeducativa de Prestação de Serviços à Comunidade (PSC)
ou de Liberdade Assistida (LA), além de advertência, de obrigação de reparo de dano
e de inserção no regime de semiliberdade (OLIVEIRA et al., 2014). Alguns jovens
cumprem os dois tipos de medidas, ingressando, em alguns casos, na medida de inter-
nação e, a depender de seu comportamento, sua medida progride para PSC ou LA.
Nossa discussão, no entanto, se pauta no acompanhamento dos adolescentes
em cumprimento do Medida Socioeducativa em Meio Aberto de PSC e LA, acom-
panhados pela equipe técnica do CREAS de um município do litoral piauiense de
106

aproximadamente 200 mil habitantes e que funciona como dispositivo de referência


na atenção social especializada.
O CREAS é um dispositivo da rede de assistência social relacionado à proteção
social especial de média complexidade, que “representa uma referência para a rede
de atendimento às situações de risco pessoal e social, especialmente nas situações
de violação de direitos” (SCHIMITT; NASCIMENTO; SCHWEITZER, 2016, p.
401). Atua como um órgão gerido pelo poder público, que executa trabalho em rede
objetivando o funcionamento da política de garantia de direitos.
Seu público é assim composto por pessoas consideradas vulneráveis, segundo os
códigos de direito vigentes, mais especificamente famílias, crianças, jovens, mulheres

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e pessoas idosas que tiveram seus direitos violados e/ou se encontram em situação
de dano ou agravo à integridade e à vida. Como unidade socioassistencial, é função
do CREAS: abordagem social, proteção e atendimento especializado a famílias e
indivíduos que vivenciam situação de violação de direitos, proteção social a jovens
em cumprimento de medida socioeducativa, proteção social especial a pessoas com
deficiência, idosas e suas famílias (SNAS, 2013).
A porta de entrada no serviço se dá por diversos caminhos, desde demanda
espontânea, quando a denúncia é feita direto no CREAS, a encaminhamentos de
diversos órgãos, como Ministério Público, Delegacia de Polícia Civil, Conselho
Tutelar, CRAS, Unidades Básicas de Saúde, dentre outros dispositivos da rede de
assistência, de saúde e/ou de educação.
Como parte de suas atribuições, no âmbito das medidas socioeducativas, o
CREAS é responsável por elaborar e executar o Plano Individual de Atendimento
(PIA), que norteia as intervenções da equipe técnica responsável pelo cumprimento
de tais medidas. Para isso, conta com equipe interdisciplinar composta por coorde-
nador geral, técnicos de nível superior com formação em Serviço Social, Psicologia
e Direito, orientador social e auxiliar administrativo (SNAS, 2011).
Profissionais de Psicologia integram a equipe do CREAS e a rede socioassis-
tencial, encontrando aí a possibilidade de espaços de rompimento com um clássico
fazer psicologizante e sua ressignificação como prática ético-politicamente implicada,
voltada para o compromisso social e a atuação pautada na compreensão dos proces-
sos de subjetivação constituintes e mantenedores de realidade social. No âmbito dos
serviços socioassistenciais, tem-se a possibilidade de superar concepções estigmati-
zantes, colocando em cena os múltiplos e heterogêneos vetores de subjetivação, que
passam necessariamente por marcadores como raça, classe e gênero. A produção de
realidades sociais acontece enodada nas interseccionalidades das existências singu-
lares e estas precisam ser consideradas como elementos de produção de vidas, de
sofrimento e de invenções de si.
Exemplo disso são os dados da pesquisa realizada pela Secretaria Nacional
de Assistência Social do Ministério do Desenvolvimento Social (2018), que traça
o perfil de adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas no Brasil.
Segundo a pesquisa, 89% dos adolescentes são do sexo masculino e 11% do sexo
feminino, 82% estão na faixa etária de 16 a 21 anos e, com relação ao ato infracional,
21% respondem por tráfico de drogas, 16% por roubo e 11% por furto. O número de
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 107

adolescentes em cumprimento de medidas por homicídio não chega a 1%. (Relatório


da Pesquisa Nacional das Medidas Socioeducativas em meio aberto no Sistema Único
de Assistência Social, 2018).
A pesquisa retrata a realidade a partir de indicadores etário e de gênero e carece
de indicadores de raça e classe. O relatório, por sua vez, referencia o perfil de ado-
lescentes em semiliberdade e em internação e este aponta que 60% são considerados
pretos ou pardos, 22% são brancos e 16% não apresentam informações sobre cor.
(Relatório da Pesquisa Nacional das Medidas Socioeducativas em meio aberto no
Sistema Único de Assistência Social, 2018). Tais dados coadunam com o perfil da
população carcerária brasileira, informados em 2017 pelo Departamento Penitenciário
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Nacional, que registra que 64% das mais de 726 mil pessoas encarceradas no Brasil
eram negros, pobres e com baixa escolaridade.
O funcionamento necropolítico que criminaliza a pobreza e a pretitude escancara
que a lógica da exclusão como mecanismo de proteção da sociedade ainda é o que dire-
ciona, no sistema capitalista, o controle penal através do sistema prisional, que atua sob
a perspectiva de “culpabilização individualizada”, onde o sujeito é o único responsável
pelo crime, desconsiderando-se o contexto social e seus atravessamentos. Dessa forma,
a pessoa pobre, por exemplo, é responsabilizada pelo seu estado de pobreza, o que con-
verge em direção à criminalização dos pobres a partir da concepção (errônea) de que
pobreza e criminalidade são sinônimos (OLIVEIRA; FÉLIX-SILVA; NASCIMENTO,
2014). A partir de uma releitura do que Altieres (2019) propõe como reflexão, a questão
que se impõe nesta discussão é muito mais sobre a cor da pele e a classe social, sobre
uma lógica de exclusão social, do que sobre reinserção e inclusão das pessoas que vivem
em contexto de violação de direitos, vulnerabilidades e criminalização.
A esse respeito, é importante considerar o fato de que as primeiras experiências
de conflito com a lei se iniciam ainda na infância ou na adolescência, em um contexto
social onde a maioria dos adolescentes que comete algum tipo de ato infracional é
marcada pela privação de acesso a direitos básicos e, consequentemente, de acesso
a sistemas de regulação social próprios da comunidade, que podem estar envolvidos
com a criminalidade (SCISLESKI et al., 2015).
Os dados anteriores também apontam que outra questão que culmina majorita-
riamente em cumprimento de medida socioeducativa é o envolvimento com drogas,
que é sempre visto como tráfico, já que, ainda como argumenta Altieres (2019),
quem é preto e pobre não pode ser só usuário (que não é criminalizado), é traficante.
Nesse cenário, temos que o sistema de justiça promove muito mais a responsa-
bilização dos adolescentes pelas infrações cometidas do que se preocupa em garantir
os direitos daqueles que deveriam ser prioridades do Estado, segundo o ECA, e que,
em virtude de suas condições sociais, têm menos acesso a tantos recursos que preci-
sariam estar disponíveis para a manutenção mínima da vida em sociedade.
A fragilidade da rede socioassistencial, por inúmeros motivos que passam pela
carência de pessoal até a falta de material e/ou espaço físico, também não consegue
dar conta das demandas de garantia de direitos, seja na prevenção ou na pósvenção,
refletindo outro ponto importante a ser considerado nos processos de produção de
subjetividade estudados aqui (ALTIERES, 2019).
108

Frente a isso, o protagonismo social, – que é, em resumo, um conceito pautado


na participação social de engajamento e posicionamento frente às questões sociais,
no sentido de solucionar os desafios reais da sociedade que o indivíduo compõe
(GONZALES; GUARESHI, 2009) – pode se apresentar como caminho para a com-
preensão dos processos de subjetivação envolvidos na questão, além de ter potência
para levantar reflexões transformadoras.

Do encontro da autoria na produção de analisadores


As inquietações sobre escutas possíveis no campo socioassistencial têm início no

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encontro com adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas a partir do
ingresso de uma das autoras deste como psicóloga do CREAS em agosto de 2018. A
reflexão de sua prática psi no CREAS se deu no (re)encontro com outra autora, a partir
da inserção nos dispositivos de assistência como supervisora de estágio. Tal (re)encontro
trouxe à tona a questão das vozes de pessoas vulnerabilizadas como desafio à construção
de um fazer psicológico eticamente implicado e capaz de romper com os referentes bio-
médicos de adoecimento e sofrimento psíquico, passando a compreender os marcadores
sociais que carregam elementos de produção de sofrimento e adoecimento e, nessa pers-
pectiva, ressignificando as psicopatologias a partir das experiências singulares de vida
que precisam se fazer presentes como condição fundante da escuta.
A constituição dos analisadores que permitem formular um olhar possível sobre a
escuta de marcadores sociais e os possíveis efeitos desses marcadores nas práticas psi
ofertadas no dispositivo de assistência social se concretiza quando da composição das
experiências das duas autoras já mencionadas com a terceira autora, que tem discutido e
produzido estudos e pesquisas na perspectiva da pesquisa-intervenção (PI) e da critical
participatory action research (CPAR). Essa figuração de pesquisa-intervenção permitiu
o desemaranhar de relações constituintes dos espaços institucionais e da micropolítica
do cotidiano dos adolescentes e das práticas que se destinam a acompanhá-los durante
o cumprimento da medida socioeducativa (MIRANDA; FINE; TORRE, 2020).

Construindo possíveis no trabalho com sujeitos em cumprimento


de medidas socioeducativas
Ao assumir o cargo de técnica de referência, a psicóloga ficou responsável
pelo atendimento de dois públicos: os casos de abuso sexual e o acompanhamento
de adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa. Apesar da experiência
profissional prévia no trabalho com o público especificado, uma primeira questão se
impôs, a saber, a grande diferença na abordagem e tratamento dessas duas demandas.
Para a primeira delas, as pessoas vitimadas pela violência sexual, atenção assistencial
pautada na escuta acolhedora e nas estratégias de cuidado e restituição compensatória
de direitos violados. Já aos adolescentes em cumprimento de medidas, é dispensado
um tratamento moral, atravessado por julgamentos em torno da criminalidade e do
uso de substâncias psicoativas, geralmente caracterizado como tráfico.
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 109

Esse fato retrata o olhar estigmatizado lançado sobre a questão das drogas e da
criminalidade, que desfigura os atravessamentos sociais, deslocando a dimensão da
saúde e da garantia de direitos para uma perspectiva jurídico-policial e punitiva que
concebe os adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa como deficiente
moral e único responsável pela prática de ato infracional. Com isso, há um apagamento
do viés político-social das infrações cometidas por adolescentes que bem contribui
para uma desresponsabilização do Estado e individualização/privatização da questão.
O estereótipo do “adolescente marginal” homogeneiza os múltiplos vetores de
subjetivação, relegando à invisibilidade as desigualdades sociais, os preconceitos
de raça, gênero, classe e credo e todas as oportunidades cessadas a partir desses
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marcadores sociais. Orientações técnicas para a atuação e teorias de embasamento


profissional pouco distinguem o perfil desses adolescentes, como se a categoria “em
cumprimento de medida socioeducativa” por si correspondesse a uma unidade iden-
titária capaz de permitir o desenho de práticas e ações aprioristicamente desenhadas
para caber todos os adolescentes a tal categoria pertencentes.
Quando assim se atua, a partir de um engessamento nas normativas, prescrições
e teorias, as disposições teóricas tendem a silenciar as interseccionalidades produto-
ras de destinos, de modo que a escuta das violências produzidas pelo racismo, pelas
hierarquias de gênero, pelas desigualdades de classe, pela intolerância religiosa etc.
são traduzidas em termos de categorias psicopatológicas ou desajustes sociais.
Resgatar o olhar para os territórios de ancoragem das existências desses adoles-
centes é uma via para romper com essas práticas silenciadoras e possibilitar que as
múltiplas vozes ecoem, já que somente ao se fazerem dizíveis e ecoarem sobre as prá-
ticas a eles destinadas é que se faz possível falar efetivamente em sujeitos de direitos.
Nesse sentido se deu a reorganização dos atendimentos, ações e processos de
trabalho no CREAS, com desconstruções em torno de aspectos conceituais e estruturas
institucionais. Apesar dos engessamentos instituídos, algumas ofertas de serviços,
os modos de planejamento e os objetivos das mesmas foram repensados e alterados.
Reuniões em forma de palestras sobre temas como motivação, cidadania, dinâ-
mica familiar etc. que aconteciam semanalmente, onde jovens assumiam um lugar
de escuta e suas vozes eram silenciadas, foram substituídas por encontros grupais
com participação da equipe técnica do dispositivo e alguns profissionais convidados.
Essa mudança possibilitou interação entre os jovens, que passaram a decidir temas
de interesse, atividades desejadas e a forma de realização das mesmas.
Desse modo, a equipe conseguiu romper com uma concepção educativa emba-
sada na transmissão de conteúdo com fins de disciplinarização dos adolescentes,
estabelecendo em seu lugar espaços de acolhimento, de expressão de singularida-
des e de afetos entre o coletivo composto por adolescentes e equipe técnica. Isso
possibilitou ainda uma des-hierarquização das questões conversadas, necessária ao
estabelecimento de diálogo e de escuta da alteridade.
Os temas de interesse coletivo foram sexualidade, uso abusivo de substâncias
psicoativas, saúde mental, código penal, adoção, dentre outros, que também puderam
ser trabalhados com visitas ao Sesc Caixeiral, encontro com os usuários dos serviços
ofertado pelo Centro de Referência Especializado para Pessoas em Situação de Rua
110

– Centro POP -, que aconteceu em parceria com estagiários de Psicologia da Univer-


sidade Federal do Piauí, encontro com profissionais da Casa de Acolhimento Infantil
e do Núcleo de Adoção, prática de yoga, preparação de alimentos, entre outros.
A perspectiva de trabalho também passou por ajustes, visto que a atuação da
psicóloga se encontra pautada nas políticas de redução de danos (MACRAE; TAVA-
RES; RÊGO, 2009). Apesar da precária compreensão a respeito das estratégias de
redução de danos e do preconceito prévio a elas dirigidas, hoje a redução de danos
é partilhada por toda a equipe técnica.
Por outro lado, além das atividades em grupo, os adolescentes também são
recebidos individualmente para atendimentos psicológicos marcados e recebem visi-

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tas domiciliares da assistente social e escolares da pedagoga e são monitorados pela
educadora social. A vigilância sobre o cotidiano desses adolescentes acontece de
acordo com a disponibilidade do carro no serviço. Essas ações são desafiadoras, na
medida em que sustentam uma lógica vigilante e punitiva que se estabelece a partir de
uma concepção de sujeito “perigoso”, que precisa estar sob controle biopolítico dos
agentes do Estado (FOUCAULT, 1999). O desafio tem sido fazer da visita domiciliar
mais um lugar de encontro no território do outro do que um dispositivo de controle.
Sobre o fluxo do atendimento, os documentos referentes ao cumprimento das
medidas socioeducativas chegam ao CREAS encaminhados pela 2ª Vara Criminal. As
informações são inseridas em um banco de dados específico para esses casos, a edu-
cadora social faz o controle dos casos e marca a elaboração do Plano de Atendimento
Individual (PIA). A fim de marcar um lugar de singularização do jovem, conseguiu-se
um redimensionamento na elaboração do PIA. Se antes este acontecia na presença de
todos os sujeitos envolvidos (família, adolescente e equipe técnica), conseguiu-se um
desvio no fluxo e este passou a se dar de forma que o primeiro momento é do jovem
com a psicóloga. Neste encontro são tratados temas mais reservados como uso abusivo
de substâncias psicoativas, sexualidade e sobre o ato infracional em si. Passada essa
conversa e o preenchimento do questionário de atendimento referente a esses temas,
a família, o adolescente e a equipe continuam a elaboração do plano em conjunto.

Quando aparece a cor da pele, o gênero, a classe social


Em consonância com os dados do Relatório da Pesquisa Nacional das Medidas
Socioeducativas em meio aberto no Sistema Único de Assistência Social (2018)
anteriormente referido, o perfil dos adolescentes em cumprimento de medida socioe-
ducativa atendidos pelo CREAS em questão é prioritariamente masculino, pretos e
pardos e em situação de vulnerabilidade social, além do atravessamento do uso de
substâncias psicoativas.
Esses sujeitos não têm sido protagonistas no acesso a direitos básicos, o que
os situa como pessoas em situação de vulnerabilidade em decorrência de um dos
fatores citados ou da interseccionalidade entre eles, que finda por intensificar as
vulnerabilidades. E a isso temos atrelada a dificuldade de acesso às políticas públicas
de construção de cidadania.
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 111

Como mencionado em tópico anterior, as medidas socioeducativas devem ofer-


tar políticas para a redução da vulnerabilidade e reinserção social dos adolescentes
(Gomes, 2015). Para isso, contudo, se faz imprescindível o reconhecimento das
condições produtoras de vulnerabilidades, ou seja, de uma escuta dos marcadores
sociais que atravessam a vida desses adolescentes.
É preciso deixar ecoar as nuances de suas vivências atravessadas pelas questões
de raça, gênero, classe social, religiosidade, dentre outras. Esses conteúdos, por vezes,
não são considerados pelas diretrizes de atuação, as teorias que embasam as práticas
e também por algumas equipes/profissionais como especificidades que atravessam as
existências de forma a produzi-las. Isso pode se expressar quando, durante a escuta,
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as pessoas se restringem à captação e registro de informações sobre a situação de


vulnerabilidade, isto é, desconsiderando a importância de compreender as especifi-
cidades e escutar as singularidades de cada sujeito, de cada história.
Ademais, é possível notar na fala das pessoas atendidas que elas não se reco-
nhecem como sujeitos de direitos, quando por exemplo sentem que um dispositivo
de Assistência Social pode fazer parte de um sistema punitivo que atua na violação
de direito, enquanto esse espaço deveria ser reconhecido como um lugar de cuidado
e garantia de tais direitos.
Esse ponto fica mais claro quando os adolescentes falam sobre o cumprimento
de medida socioeducativa, de serem obrigados judicialmente a comparecerem ao
serviço. De início, tem sido comum alguma resistência dos adolescentes para falar
sobre si, já que percebem isso como “uma prova contra ele”. A esse respeito, podemos
citar o caso de um jovem em cumprimento de medida socioeducativa que evadiu
do serviço pois havia cometido um novo delito e julgou que ia ser denunciado pela
equipe técnica. Foi preciso ressignificar o papel do CREAS para o jovem e sua família,
que o viabilizou o retorno do mesmo ao serviço e o cumprimento do que seria sua
segunda medida socioeducativa.
O trabalho de desconstrução da perspectiva vigilante e punitiva sobre o papel
do CREAS no cumprimento da medida nem sempre é alcançado e isso não se deve a
um único motivo, mas agencia várias dificuldades na oferta do serviço, que vão desde
o engessamento das práticas, o orçamento precário, a fragilidade da rede de atenção
psicossocial, as concepções já discutidas a respeito do adolescente em cumprimento
de medida, a ausência de suporte técnico, entre tantos outros fatores.
Nessa perspectiva, temos que fazer ver a cor da pele, o gênero, a classe social
e os demais marcadores da vida de cada adolescente como condição fundante para
a elaboração de políticas públicas e de práticas pautadas em escuta emancipatória e
na garantia de direitos e reconhecimento da cidadania.

Recortes e aberturas
Escutar o silenciamento daqueles que, por direito, deveriam ocupar o seu lugar
de fala, e para além disso, refletir sobre o que produz e como esse silenciamento se
manifesta também se torna um desafio cotidiano. Como professoras ou profissionais
112

de Psicologia no âmbito da Assistência Social e ainda lidando com a violação dos


direitos dos sujeitos que passam a ser considerados usuários do serviço, apontamos a
impotência da teoria e do fazer frágil, que não apontam como ser fluxo em um campo
engessado e pouco perene, onde apenas as dificuldades se renovam.
Os Cadernos de Orientações e os materiais que funcionam como diretrizes de
atuação são pautados em condições ideais de trabalho, desconsiderando os marcado-
res sociais produtores de subjetividades, bem como os desenhos específicos de cada
região/unidade, que contam com desafios diferentes. Dentre esses, a já citada falta de
recursos materiais ou de pessoal; a pressão dos órgãos da justiça que exigem respostas
através de relatórios psicossociais; a quantidade de casos recebidos, atendidos e em

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espera; a precarização do serviço e das condições de trabalho e o desafio de lidar
com uma demanda bem superior à capacidade de atendimento.
Nesse cenário, é notório que as possibilidades de falas sejam diminuídas e
mesmo com a ascensão dos debates sobre os recortes que evidenciam questões como
raça, gênero, religiosidade, classe social e dentre muitas outras especificidades, ainda
seja desafiador considerar a singularidade e a amplitude dos sujeitos que são acolhidos
nos serviços de Assistência Social. No entanto, é no cotidiano de nosso trabalho que
se dá o desafio de ouvir as vozes que ecoam, incorporando-as em nossas práticas.
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 113

REFERÊNCIAS
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ponível em: http://agendaprimeirainfancia.org.br/arquivos/tipificacao.pdf. Acesso
em: 12 out. 2020.
A PROFESSORA E A ENFERMEIRA:
biopolítica da feminização da atuação
profissional nas áreas da educação e saúde
Fabrício Moraes Pereira
Letícia Carneiro da Conceição
Elizandra Fernandes Reis da Silva
Carlos Jorge Paixão
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Introdução
Existe uma conjuntura histórica, política, étnico-racial, social e cultural nas
relações de gênero (portanto sexual, também) no que se refere à formação e atua-
ção profissional nos setores educação e saúde. Neste contexto, pretende-se discutir
acerca de dois expoentes predominantemente permeados pela prevalência feminina:
Magistério e Enfermagem.
A problemática a ser apresentada parte da busca da identificação das possíveis
operações biopolíticas que configuram tais nichos de trabalho essencialmente ocu-
pados por mulheres e, extrapolando os mesmos, entender as modulações de seus
processos laborais e ocupacionais a partir da concepção da interseccionalidade. Por
operações biopolíticas nos referimos, essencialmente, à acoplagem do poder discipli-
nar com bio, o poder da vida. Relacionando o corpo ao conceito de população através
do dispositivo da sexualidade, a biopolítica procura delinear como o poder se desen-
volve e passa a conduzir a vida, transpondo a sociedade da soberania sobre os terri-
tórios para a configuração social de regulação das populações (FOUCAULT, 2000).
Entendemos que o estudo do significado quantitativo do aumento da participação
do sexo feminino na composição de uma profissão ou ocupação é denominado de
feminilização, sendo chamada de feminização a mensuração e análise desta presença
(YANNOULAS, 2011). O processo de feminização remete, portanto, ao significado
qualitativo deste acesso massivo de mulheres a uma profissão ou ocupação, relacio-
nado às transformações de significação e valoração social deste exercício, derivadas
das variáveis de conjuntura sociopolítica e concepções de gênero predominantes
em um período (YANNOULAS, 2011). Procuramos delinear os jogos de força que
configuram este processo de feminização das duas profissões, tentando identificar
estratégias de governamento biopolítico desses corpos femininos.
No Brasil, os percursos da educação perpassam pela contribuição da mulher à
ampliação do magistério. Ainda que, inicialmente, os cursos de formação nesta área
fossem destinados aos homens, gradativamente foram surgindo as escolas para for-
mação de normalistas mulheres, sendo entendidas politicamente como uma profissão
estendida às atribuições de mãe, subsidiando tanto a cristalização histórica das funções
116

domésticas da mulher quanto ao preenchimento das vagas de lotação na educação


primária, com remuneração bem abaixo do usual (TANURI, 2000).
Quando se passa à realidade da enfermagem, a presença majoritariamente feminina
se relaciona aos primórdios da profissão, mundialmente ligada às práticas de cuidado,
realizadas por religiosas e leigas – sendo naturalizadas como uma extensão “natural”
das funções da maternidade (COELHO, 2005). O cuidado em saúde, conceito basilar
do campo da enfermagem, naturaliza a presença feminina na profissão – historicamente,
também marginalizada e inferiorizada (LIMA, 1998; FRANCO; MERHY, 2012).
Procuramos identificar como esse mecanismo de biopoder atua na construção
social e operação funcional da profissional da educação e da saúde, operando uma

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ordenação dos corpos e controle social da população, reproduzindo desigualdades
históricas. A partir desta ótica, entende-se que a essencialidade feminina da profissão
e a formação teórica e biopoliticamente condicionada como inerente do ser mulher
encontra força e direciona ao descrédito social, baixos salários e desvalorização da
mesma, evidenciando as desigualdades interseccionais (TAMBARA, 1998; TANURI,
2000; FOUCAULT, 2000; HIRATA, 2018; AKOTIRENE, 2019).
Não obstante, a integração da discussão à interseccionalidade é tão importante,
neste aspecto, que até mesmo os dados mais atualizados do Ministério da Educação,
quanto ao percentual de docentes com curso superior é estratificado apenas em porcen-
tagem nacional, por região geográfica, estados ou unidades federativas, municípios ou
escolas. Encontra-se estratificação por gênero através do Censo Escolar, porém a estra-
tificação por raça, classe, dados sociodemográficos de professores e professoras pelos
meios oficiais de acesso a informações educacionais é inexistente, o que dificulta quais-
quer medidas ou tentativas de mensuração, interpretação estatística, análise quantitativa
ou qualitativa deste cenário (AKOTIRENE, 2019; BRASIL, 2020; BRASIL, 2021).
Estudo específico sobre a participação feminina na educação entre os anos de
1991 e 2005, realizado pelo Ministério da Educação e pelo Inep (Instituto Nacional
de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) apontava a presença majoritária
de mulheres em todos os níveis de escolaridade e uma participação expressiva na
docência da educação superior, ao mesmo tempo em que alertava sobre a insuficiên-
cia dos dados para indicar mudanças efetivas nas relações de gênero, socialmente
construídas e imersas em complexas relações sociais de poder, expressas também
nas dinâmicas e contradições da escola e do campus. A análise apontava ser essencial
a busca pela desconstrução de mitos e estereótipos nos padrões estabelecidos nas
relações de trabalho e na ordem hierárquica das diferentes categorias de profissionais
que integram o sistema educacional no país., para além da democratização do acesso
à escolarização em diferentes níveis (BRASIL, 2007; RISTOFF, 2006).
No âmbito das relações de poder que compõem os mitos e estereótipos da presença
de mulheres em determinadas categorias profissionais, este ensaio pretende introduzir
uma discussão sobre a biopolítica do protagonismo feminino na atuação profissional,
do magistério à enfermagem, nas perspectivas de gênero feminino e suas nuances. Tal
protagonismo opera no campo simbólico, atravessado pelas construções sócio-histó-
rico-culturais que envolvem as duas profissões e delineiam um “gueto feminino” no
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 117

imaginário coletivo referente às atuações profissionais da professora e da enfermeira


(PEREIRA, 2011). Mas a presença feminina nestas duas áreas perpassa também o
acesso às profissões, notadamente caracterizadas pela formação técnica de nível médio
– como historicamente se dava o acesso da professora normalista ao magistério e como
atualmente ocorre o ingresso na área da saúde das técnicas em enfermagem.
O recorte de gênero que delineia nosso olhar para as profissionais da educação
e da saúde carrega outros marcadores de identidade, intrinsecamente imbricados
a ele, como os de raça e classe social. Como um instrumental teórico e metodoló-
gico, a abordagem interseccional reconhece a interação simultânea do racismo, do
capitalismo e do cisheteropatriarcado (AKOTIRENE, 2019). As políticas públicas
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de formação de nível médio, em geral, atendem a população que não tem acesso à
formação de nível superior e busca a inserção profissional de duração mais curta e
a perspectiva de mobilidade social representada pelo curso técnico (SILVA, 2005;
BRAZOROTTO, 2020; BRAZOROTTO; VENCO, 2021).
Na sobreposição dos marcadores de gênero, raça e classe, é o corpo da mulher
– e, principalmente, da mulher preta e pobre – quem assume, majoritariamente, a
centralidade desse debate. Para muito além de conceituações teóricas, cotidiana-
mente o corpo da mulher atravessa – e é atravessado – pelo poder e pela política,
em operações de controle social (BRUM, 2019). Qualquer tentativa de se entender
nossa sociedade, ainda tão patriarcal, machista, misógina, elitista e colonial, requer
a centralidade desse corpo na análise. Afinal, “é sempre do corpo que se trata – do
corpo e de suas forças, da utilidade e da docilidade delas, de sua repartição e de
sua submissão” (FOUCAULT, 2012, p. 28). É do corpo, portanto, que tratamos na
análise das possíveis operações biopolíticas que operam a feminização da atuação
profissional nas áreas da educação e saúde.

Histórico da configuração dos campos profissionais – e dos


imaginários acerca deles
No magistério, as primeiras instituições especificamente destinadas ao preparo de
professores para o exercício das funções se relacionam ao contexto da modernidade,
com a institucionalização da instrução pública no séc. XIX, substituindo o modelo de
formação anterior – exclusivamente empírica, sem base teórica – e implementando
ideais liberais de secularização e expansão do ensino primário a todas as camadas da
população (TANURI, 2000). Preocupações e iniciativas anteriores, como o Alvará de
6 de novembro de 1772 e a Lei de 15 de outubro de 1827, estabeleciam as chamadas
“Escolas de Primeiras Letras” por todo Império, com exames de seleção para profes-
soras de “reconhecida honestidade”. Dentro de um modelo educacional europeu, de
influência predominantemente francesa, nossa tradição colonial se expressava em um
projeto nacional destinado às elites, igualmente orientadas pela matriz cultural europeia.
A própria escolarização de mulheres se relaciona ao ethos da sociedade de corte
implantado no Brasil com a vinda da família real portuguesa no início do século
XIX, momento em que “a educação feminina penetrou como um valor positivo no
118

imaginário da elite” (MARQUES, 2004, p. 151). A escolarização das filhas dessa


elite local passou a acontecer em colégios privados, que expressavam a ideologia
ilustrada e liberal da sociedade europeia colonizadora. Longe de ter caráter eman-
cipador e libertador, no entanto, essa educação de orientação colonizadora atendia
aos propósitos de controle social dos corpos das mulheres, atuando no sentido da
manutenção daquelas configurações sociais.
Com a expansão da escolarização no século XX, as filhas das classes trabalha-
doras também alcançam este modelo de educação. E, como uma espécie de “extensão
natural” do papel social de mãe, a profissionalização da educadora é atravessada pela
visão sacerdotal do magistério, carregando e reforçando as tradicionalmente cultiva-

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das funções domésticas da mulher, sedimentando a economia da reprodução. Assim,
“mesmo sob a égide da ideologia do magistério como forma de sacerdócio, o controle
social sobre o comportamento feminino fazia com que as mulheres, a todo momento,
lembrassem de sua posição inferior na sociedade” (MARQUES, 2004, p. 165).
Em um deslocamento das elites para as classes sociais mais baixas, as estudantes
serão, cada vez mais cedo, estimuladas ao preenchimento de cargos de magistério
primário, com baixos salários. Esse provimento precoce da profissão, essencialmente
demarcado em seu recorte de gênero, passa a delimitar também o desprestígio social
e a baixa remuneração do magistério (TAMBARA, 1998; TANURI, 2000).
No campo da saúde, a regulamentação da profissão de enfermeiro e também da
formação técnica em Enfermagem foi realizada através da Lei Federal nº 7.498, de 25
de junho de 1986. Pela normativa, o Técnico de Enfermagem – titular de diploma ou
certificado expedido de acordo com a legislação e registrado pelo órgão competente
– tem o exercício da sua função estabelecido:

Art. 12. O Técnico de Enfermagem exerce atividade de nível médio, envolvendo


orientação e acompanhamento do trabalho de enfermagem em grau auxiliar, e
participação no planejamento da assistência de enfermagem, cabendo-lhe espe-
cialmente: a) participar da programação da assistência de enfermagem; b) executar
ações assistenciais de enfermagem, exceto as privativas do Enfermeiro, observado
o disposto no parágrafo único do art. 11 desta lei; c) participar da orientação e
supervisão do trabalho de enfermagem em grau auxiliar; d) participar da equipe
de saúde (BRASIL, 1986).

Para além de sua instituição legal, a profissão foi estabelecida e regulada também
simbolicamente. Considerada fundadora da enfermagem moderna, na transição do
século XIX para o século XX, a inglesa Florence Nightingale atuou na organização do
trabalho de voluntárias no cuidado a soldados feridos. Pela repercussão de suas ações,
que a elevaram à condição de expoente da cultura vitoriana, é atribuída a ela a profissio-
nalização das funções de enfermagem para mulheres, assim como a reputação favorável
do ofício, ampliando as formas socialmente aceitáveis de inserção feminina – ou, pelo
menos, de mulheres da classe aristocrática, como ela própria – na força de trabalho.
Ainda no século XVI, a Irmandade da Santa Casa de Misericórdia se instalou no
Brasil como a primeira instituição hospitalar da então colônia, derivada da instituição
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 119

portuguesa de mesmo nome. Executando as funções de ação social da Coroa, a partir


da remodelação da Confraria de Caridade Nossa Senhora da Piedade, a Santa Casa
expandiu sua presença nas colônias, destinada a aplicar suas noções próprias de cari-
dade cristã no atendimento aos pobres que se enquadrassem no perfil institucional
de seu modelo de assistência (FRANCO, 2011).
Além de irmandades, como a Santa Casa de Misericórdia, ordens religiosas
como a Ordem Terceira eram também expressão da tradição portuguesa no aten-
dimento à saúde de caráter assistencial e religioso (SANGLARD, 2003). Com um
modelo laico da caridade cristã na assistência de saúde, as variações de instituições
filantrópicas como a Sociedade Beneficente Portuguesa, ligada à classe de imigrantes
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comerciantes, se disseminaram no Brasil a partir do século XIX. Tanto a perspectiva


religiosa assistencial quanto a da filantropia empresarial no atendimento à saúde
estabelece relação com a figura da mulher que cuida, ampara, acolhe e assiste. Nos
séculos XIX e XX, sob a influência de ideais higienistas, as práticas de caridade e
de filantropia passaram a balizar as definições sociais de feminilidade (MARTINS,
2014, 2015; MEYER, 2014).
A partir da construção e da representação social da identidade da atuação e das
habilidades consideradas tipicamente femininas e difundidas histórica e culturalmente na
sociedade, os campos profissionais que envolvem o cuidado – como é o caso da enfer-
magem – se abastecem de valores reprodutores de desigualdades sociais (NAUDERER;
LIMA, 2005). Em tais construções, “por ser incondicional, à semelhança do amor de mãe,
o amor tanto é essencial nesse tipo de trabalho quanto pode colidir com as normatizações
que o regulamentam e reproduzir um modelo de divisão do trabalho que, necessariamente,
articula cuidado e gênero feminino” (SCOPINHO; ROSSI, 2017, p. 84-85).
A profissionalização do campo de atuação da enfermagem no Brasil, a partir do
século XIX, também tem o signo do feminino: Anna Nery, pioneira da enfermagem
no Brasil, batizou a primeira escola oficial brasileira de enfermagem de alto padrão.
Diante da “necessidade de elevar o status social e moral da enfermeira do século
XX, tão degradados nos séculos anteriores” (CARDOSO; MIRANDA, 1999, p. 346),
Nery simbolizou a profissão por reunir, em sua atuação, as características do corpo
docilizado: destaque social, boas condições socioeconômicas, formação moral e
comportamento disciplinado (CARDOSO; MIRANDA, 1999).

Ações e representações: atuação prática e construções simbólicas


A relação dos arquétipos femininos na atuação profissional nas áreas da educa-
ção e da saúde são atravessadas pelo imaginário social da enfermeira e da professora,
construídos simbólica e coletivamente. Tais construções reúnem traços psicossociais
que definem alguma identidade dentro do campo da cultura, representando o senso
comum da sociedade acerca de determinada manifestação, na convergência de um
conjunto de valores que a transpassa e influencia (MAGALHÃES, 2016).
A profissão da enfermeira e da professora, bem como suas práticas, são perpassa-
das por construções sociais que articulam a presença feminina nestes setores à extensão
120

de suposta vocação materna, relacionando a mulher ao cuidado, na educação e na saúde.


A associação naturaliza e reforça estereótipos de gênero, reprodutores de padrões his-
tóricos de desigualdades da sociedade machista (OLIVEIRA; RODRIGUES, 2018).
Presente na construção dos preconceitos, os estereótipos são produtos culturais,
formados na junção de aspectos psíquicos e sociais. As diversas estereotipias do pensa-
mento, articuladas aos conflitos psíquicos do sujeito, produzem relações entremeadas de
elementos próprios ao campo da cultura, modelando as manifestações de preconceitos
– referentes aos próprios objetos ou à percepção que se tem deles (CROCHIK, 1996).
O acesso ao campo profissional através da formação de nível médio, nas duas
áreas, opera por si um recorte socioeconômico no perfil profissional (BRAZOROTTO,

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2020; BRAZOROTTO; VENCO, 2021). No caso das duas profissões com presença
majoritariamente feminina que constituem nosso objeto, o recorte da atuação da
técnica em enfermagem e da professora normalista, no Brasil, nos leva também a
outros marcadores identitários, como os de raça e classe (AKOTIRENE, 2019). As
mulheres pobres são pretas e são esses os corpos que historicamente executam as
funções do cuidado e preenchem as vagas de trabalho em hospitais e escolas.
Nas duas profissões, a escritura das trajetórias desses corpos em sua utilização
pela economia capitalista emergiu no Brasil nos anos 1970, a partir de uma historio-
grafia do trabalho derivada da tradição marxista e da referência teórica da História
Social de matriz anglo-americana. Delineados por concepções sociais próprias do
período, tais estudos traziam os marcadores que embasaram a crítica à concepção
marxista nas décadas seguintes, como a predominância de determinantes estruturais
em relação à ação e às reações dos agentes sociais. A crítica a estas abordagens se
renova nos debates mais recentes, acerca dos componentes de sexismo e racismo
inerentes ao capitalismo (RAGO, 2007).
A consolidação do sistema capitalista dependia do subjugo das mulheres, da
escravidão dos negros e indígenas e da exploração colonial. Nesse cenário, o trabalho
não remunerado – especialmente feminino, no confinamento do ambiente domés-
tico, e o trabalho dos corpos escravizados – é a base do trabalho assalariado, desde
sua origem. A desvalorização econômica das tarefas domésticas, incluindo o sexo
e o trabalho reprodutivo, se configura como dispositivo de controle do corpo das
mulheres, próprio das dinâmicas do capitalismo (FEDERICI, 2017, 2019a, 2019b).
A partir das décadas de 1980 e 1990, sob influência das renovações teóricas
e temáticas da “Nova História” de matriz europeia francesa, as pesquisas sobre a
participação feminina no trabalho, no Brasil, ganham corpo. Os trabalhos buscam
ultrapassar as limitações anteriores, se somando às tentativas de construção de uma
historiografia das mulheres em nosso país, traçando as articulações com o mundo
do trabalho (RAGO, 2007).
Nesse processo complexo de criação da memória histórica, o silêncio sobre
as relações de poder entre os sexos se configura em mais uma forma de opressão,
ainda mais sofisticada e menos visível, reveladora dos jogos de força desse território
de disputa (RAGO, 2007). No campo das construções simbólicas destas atuações
práticas, as visões sociais das duas profissões são perpassadas por essa multiplici-
dade de embates.
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 121

Na educação, “a emergência da professora primária a partir de um arquétipo


baseado na exclusão social via salário e de exclusão biológica subentendida na voca-
ção da mulher para o trabalho docente” (TAMBARA, 1998, p. 49). A associação do
cargo técnico do magistério com a presença feminina opera, assim, a “reconstrução
de um paradigma de professor primário identificado com o perfil de mulher que então
povoava o imaginário hegemônico: assexuada, vestal, dependente, acrítica, não-ci-
dadã etc., cujo locus privilegiado foi a Escola Normal” (TAMBARA, 1998, p. 50).
Na saúde, reflexões acerca do trabalho da enfermagem apontam o empobre-
cimento em muitas dimensões, com uma força de trabalho desprofissionalizada,
fragmentada e com baixa valorização, frequentemente em relação de inferioridade a
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outros profissionais da área de saúde e associada, inclusive, à função de suporte ao


trabalho dessas outras profissões (LIMA, 1998; HEIDEMANN, 2009, 2021; JESUS
et al., 2008, 2010).

Delineando operações biopolíticas


Se as dinâmicas de feminização das duas profissões carregam em seu bojo a
reiteração de estereótipos de gênero, naturalizando a associação da mulher ao cuidado
e reforçando a visão histórica e socialmente construída do trabalho da enfermeira
e da professora como uma extensão do trabalho doméstico e reprodutivo, um o
componente político deste processo é a desvalorização social de ambas as atuações
profissionais. A partir da lógica capitalista de invisibilização do trabalho feminino,
ainda que ele seja a base de sustentação de todos os outros trabalhos remunerados e
socialmente valorizados, a feminização do magistério e da enfermagem implica na
subalternização da professora e da enfermeira. Nossa hipótese é a de que tais dinâ-
micas operam uma biopolítica da feminização das duas profissões, em cujos corpos
docilizados se inscrevem diversas dinâmicas de controle social e normatizações. Para
tanto, precisamos delinear a genealogia destas operações.
Antes de utilizarmos conceituações foucaultianas, entretanto, precisamos lem-
brar que nossas reflexões partem de uma empiria que nos desaloja e desafia a mobili-
zar teorias – e não o inverso. E as perspectivas teóricas que utilizamos não pressupõem
devoção e sim ousadia em relação aos teóricos e seus conceitos. Assim, ser fiel à
filosofia foucaultiana “significa, ao mesmo tempo, ser-lhe infiel, sem que aí exista
necessariamente uma contradição” (VEIGA-NETO, 2005, p. 24-25).
Assim como Paulo Freire afirmava não desejar ser seguido e sim reinventado
(FREIRE, 2009; FREIRE; FAUNDEZ, 2002) Foucault sempre lembrou que deveria
ser ultrapassado e deixado para trás por quem quisesse utilizar seus estudos, sendo
contrário até mesmo à sua utilização como “ferramenta” de análise de determinado
fenômeno. O autor registrou que gostaria que seus livros fossem espécies de bombas
ou fogo de artifício (FOUCAULT, 2003).
Úteis e belos, apesar de seu potencial destrutivo e de sua efemeridade, os con-
ceitos biopolíticos estão aqui sendo utilizados exatamente como bombas ou fogos de
artifício: tentando abrir caminhos e iluminar momentaneamente uma conjuntura, ainda
122

que não possam ser guardados em uma caixa de ferramentas para reutilização posterior.
E, dessas explosões, não saímos ilesos. Afinal, “de que valeria a obstinação do saber se
ele assegurasse apenas a aquisição dos conhecimentos e não, de certa maneira, e tanto
quanto possível, o descaminho daquele que conhece?” (FOUCAULT, 2020, p. 13).
Os conceitos de biopolítica e biopoder são articulados por Michel Foucault
no contexto da década de 1970, consolidando os estudos sobre a genealogia dos
micropoderes disciplinares, a partir de Nietzsche. Equacionando o poder disciplinar
na ordenação dos corpos, Foucault conceitua como biopoder o conjunto de meca-
nismos de controle social que determinam a vida dos indivíduos. Biopolítica seria
a articulação entre a política e a vida biológica, em uma multiplicidade de técnicas

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operadas na obtenção do subjugo dos corpos e controle social das populações. A
biopolítica governa a vida da população, estabelecendo papéis sociais a partir das
dinâmicas associadas à saúde, mortalidade e natalidade, por exemplo.
A partir da análise do contexto histórico do século XIX, Foucault identifica a
emergência das tecnologias do poder disciplinar, que se acoplam ao poder sobre a
vida, restrita até então à governamentalidade do poder soberano: “pode-se dizer que
o velho direito de causar a morte ou deixar viver foi substituído por um poder de
causar a vida ou devolver à morte” (FOUCAULT, 2012, p. 130).
O biopoder, como tecnologia de poder, não exclui a técnica disciplinar, mas a
integra, modifica parcialmente e a utiliza, implantando-se e incrustando-se efetiva-
mente nela através dessa técnica disciplinar prévia. Essa nova categoria biopolítica
é definida por Foucault como um poder político capilar e polimorfo, um conjunto
de micropoderes que relaciona o sujeito aos aparelhos de produção, fazendo emergir
saberes que operam a normalização dos sujeitos e a docilização dos corpos.
O poder sobre esses corpos é exercido em instituições disciplinares, como escolas,
fábricas, quartéis, prisões, hospitais. Como o elo mais importante dos agenciamentos
políticos, o corpo agencia também a resistência: “lá onde há poder há resistência ao
poder” (FOUCAULT, 2020, p. 91). Com o poder e a resistência a ele atuando ao nível
desse corpo, o poder do próprio corpo atua como uma espécie de “encaixe” entre
os micropoderes disciplinares e o poder sobre a vida. Afinal, “o corpo também está
diretamente mergulhado num campo político; as relações de poder operam sobre ele
de modo imediato; elas o investem, o marcam, o dirigem, o supliciam, submetem-no
a trabalhos, obrigam-no a cerimônias, exigem-lhe sinais” (FOUCAULT, 2012, p. 28).
Na conceituação foucaultiana, a sexualidade se relaciona a cada um de nós,
individualmente, mas também se relaciona simultaneamente à toda sociedade. Nesta
abordagem da vida, a sexualidade opera a produção tanto da individualidade quanto
da coletividade. O dispositivo da sexualidade, assim, atua no corpo individual e no
corpo social, mobilizando uma rede de saberes e poderes:

É um novo corpo: corpo múltiplo, corpo com inúmeras cabeças, se não infinito
pelo menos necessariamente numerável. É a noção de “população”. A biopolítica
lida com a população, e a população como problema político, como problema a
um só tempo científico e político, como problema biológico e como problema de
poder (FOUCAULT, 2000, p. 292-293).
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 123

A educação e a saúde se inserem nestas estratégias de governamento, operando


dispositivos disciplinares de controle social e governamentalidade dos corpos que
configuram a biopolítica da feminização das duas profissões (SILVA, 2013; FARIAS,
2018). Os mecanismos disciplinares, que atuam sobre o corpo, e os mecanismos regu-
lamentadores, que atuam sobre a população, são articulados pela norma – aplicada
“tanto ao corpo a ser disciplinado quanto à população que se quer regulamentar”
(VEIGA-NETO, 2011, p. 89).
O dispositivo da sexualidade articula o controle exercido sobre a anátomo-polí-
tica do corpo e o controle exercido sobre a biopolítica da população: “As disciplinas
lidavam praticamente com o indivíduo e com seu corpo. Não é exatamente com a
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sociedade que se lida nessa nova tecnologia de poder” (FOUCAULT, 2000, p. 292).

Considerações finais
Analisando construções histórico-sociais e a organização social do trabalho nas
áreas da educação e da saúde, podemos delinear operações que equacionam o poder
disciplinar na ordenação dos corpos docilizados das professoras e enfermeiras. Na
sujeição das mulheres para o trabalho do cuidado, como prolongamento do trabalho
doméstico e de reprodução, nos dois campos de atuação, se opera um ordenamento
social que reitera as desigualdades enquanto opera mecanismos de controle sobre
aqueles corpos femininos. Essa biopolítica da feminização das duas profissões embute
as dinâmicas próprias do capitalismo, que desvaloriza e desqualifica o trabalho do
cuidado ao mesmo tempo em que sedimenta nele o trabalho valorizado e qualificado,
a ser realizado majoritariamente pela população que corresponde a outros recortes
de gênero, raça e classe social.
Tal processo utiliza a normatização para operar seus mecanismos. Através dos
dispositivos disciplinares que agem na anátomo-política do corpo e mecanismos
regulamentadores que atuam na população, a norma se acopla ao dispositivo da
sexualidade, operando a biopolítica dos corpos. As normas perpassam tanto a regu-
lamentação legal das duas profissões e do acesso a elas quanto a regulamentação
simbólica do perfil e das estereotipias do corpo feminino docilizado sujeitado ao papel
social da professora e da enfermeira. O controle pode ser identificado nos mecanismos
de organização social do trabalho, que configuram a operação de feminização dos
campos profissionais do magistério e da enfermagem, bem como do ideário social
construído acerca deles.
124

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EDUCAÇÃO DO CAMPO,
DECOLONIALIDADES E
PERSPECTIVAS DA PSICOLOGIA
Angélica de Souza Lima
Wellington da Rocha Almeida
Juliana da Silva Nóbrega
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Gente que se mobiliza povo que ainda acredita jovens que têm a esperança de
ver a mudança no mundo ocorrer.
Tá faltando consciência vamos fazer diferença tudo pode estar perdido, mas
jovens unidos podem reverter…
essa situação! (Angélica de Souza Lima)

Introdução
Refletir sobre os enlaces entre psicologia e ruralidades é sem dúvida pensar
rumos diferentes de um campo de saber enrijecido no capitalismo. Ao contar sobre
as lutas históricas de povos que resistem a um sistema social excludente e violento,
posicionamos a psicologia dentro dessa luta visando ouvir um coletivo que no decorrer
da história foi silenciado.
Consiste em produzir saberes e efeitos que contemplem a diversidade do campo,
contando sobre as histórias de vida, da relação com a terra e dos vínculos em comu-
nidade, reconhecendo-os como identitário. Com isso, a partir desse diálogo queremos
propor o encontro da psicologia com a luta dos povos do campo caminhando no
sentido da decolonialidade.
Como dito por Paulo Freire (1980), a educação é potencial de transformação
da sociedade, e é nesse sentido que pensar uma educação do campo vai além da
efetivação das políticas de ensino básico e superior, buscando também situar e evi-
denciar as lutas dos povos do campo. Nessa perspectiva, uma psicologia decolonial
pretende uma revisão crítica em relação à sociedade e a sua estrutura hegemônica.
Opera a partir da compreensão de processos de sociedades tradicionais, dos seus
fenômenos, relações e resistência política em vista da dominação cultural e do poder
econômico (GONÇALVES, 2019). Adota uma lógica de desconstrução da matriz colo-
nial, valorizando todas as culturas, raça/etnia, modos de saber e produção, trazendo
uma dimensão político social cuja proposta está no combate a visão eurocêntrica
que desconsidera processos de subjetivação de determinados povos e classes. Tra-
ta-se também de situar a psicologia como um campo crítico em oposição a sistemas
hegemônicos e que as perspectivas sejam para falar a partir do lugar do outro, cuja
alteridade esteja definida politicamente considerando e respeitando as diferenças
(ALVES, DELMONDEZ, 2015).
130

A partir disso, esse capítulo é produzido sob a reflexão teórica de duas pesquisas
do mestrado acadêmico em psicologia da Universidade Federal de Rondônia, que
buscaram compreender os sentidos da educação do campo no âmbito da educação
básica e do ensino superior, tendo aqui o recorte para a importância da educação do
campo em uma perspectiva descolonizadora. Fazendo uso da perspectiva do cons-
trucionismo social, os sentidos são construções sociais produzidas cotidianamente,
pela qual as práticas discursivas, implicam-se a partir das ações, seleções, escolhas,
linguagens, contextos, e tudo que fizer parte das produções sociais (SPINK, 2010).
Além disso, entende-se que os processos se constituem de forma histórica e cul-
tural, se estabelecendo por meio das temporalidades, entendidas como tempo longo,

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que marca os conteúdos culturais, definidos ao longo da história da civilização; tempo
curto, das linguagens sociais aprendidas pelos processos de socialização; e o tempo
vivido, marcado pelos processos dialógicos. Desse modo, a perspectiva temporal
nos localiza na história das pessoas e do entorno social, e permite o entendimento
sobre como determinado assunto se inscreve no cotidiano (SPINK; FREZZA, 2013).
Com isso, abordaremos a importância da educação do campo pensando em uma
psicologia que busque construir possibilidades de pesquisa e atuação que considere a
diversidade de saberes e povos, rompendo com a herança dos padrões coloniais pre-
sentes na sociedade (LANDINI, 2015; LEITE; DIMENSTEIN, 2013; GONÇALVES,
2019). Desse modo, a organização narrativa deste texto está subdividida em três eixos
que apresentam a educação do campo enquanto: política, perspectiva descolonizadora
e do posicionamento identitário. O quarto eixo marca a psicologia nessa discussão,
ampliando para a construção de um discurso contra hegemônico, e por fim algumas
considerações com destaques aos aspectos potenciais discutidos ao longo deste estudo.

A história da educação do campo e a efetivação das políticas públicas


Para compreender a especificidade da educação do campo e aprofundar nas
questões de história, políticas públicas e cotidiano primeiramente faz-se necessário
entender sobre a educação formal. Garé (2014) destaca que a educação formal consiste
em um sistema de ensino pedagógico a partir de conteúdos previamente estipulados
na grade curricular e que a escola, nesse sentido, se torna generalista e homogênea
por não considerar as diversidades dos públicos no sistema de ensino.
Dito isso, a discussão sobre a educação em território rural perpassa pela reflexão
da importância do lugar de vivência para a população que nela habita. Historicamente,
desde a invasão da coroa portuguesa às terras brasileiras e em função do latifúndio
instaurado, o campo vem sendo atribuído como espaço de inferiorização em rela-
ção ao urbano, ficando cada vez mais estigmatizado e escasso de políticas públicas
(LIMA, 2022). Acerca disso, a educação do Campo surge a partir de várias lutas
dos movimentos sociais para a implementação de políticas públicas educacionais às
populações rurais. Consiste na busca da efetivação de um direito social e também
com o rompimento de uma história de marginalização e exclusão que se manifesta
desde o período colonial (CALDART, 2012).
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Os primeiros modelos de escolas em contexto rural começaram na década de


1960 através da criação das primeiras Escolas Agrícolas (EFAs) junto à Casa Familiar
Rural (CFR), no país da França e, se ampliando posteriormente a outros países da
Europa, em específico na Itália. Em território brasileiro no ano de 1968, inicialmente
no estado do Espírito Santo surge o movimento de Educação Promocional do Espírito
Santo (MEPES), tendo contribuições da Igreja Católica e da sociedade italiana, por
meio da criação da União das Escolas Família Agrícola do Brasil – UNEFAB (1982).
Outro marco importante foram os projetos de extensão realizados pelas instituições
escolares pelo qual se fomenta a ideia de uma educação comprometida com a rea-
lidade da escola e dos desafios encontrados nas mesmas (LEONARDE; SIMÕES,
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2007, PINTO; GERMANI, 2013).


Menezes, Silva e Rocha (2020) relatam sobre o I Encontro de Educadores e
Educadoras da Reforma Agrária (ENERA) em 1997, proposto pelo Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), com apoio de diferentes entidades, como
a Universidade de Brasília (UNB), com a finalidade de pensar sobre a inserção da
educação do campo nas políticas educacionais. O Governo Federal neste período
criou o Programa Escola Ativa, como política pública voltada aos povos do campo.
No ano de 1998 o Governo Federal fomentou a Articulação Nacional Por Uma
Educação do Campo, com o intuito de pensar nos processos educativos das pessoas
do campo, sendo posteriormente realizado a I Conferência Nacional Por Educação
Básica do Campo, tendo a participação do MST, UnB, Unicef, Unesco e CNBB,
caracterizando neste momento um avanço importante para Educação do Campo.
Sendo assim, neste mesmo ano, foi realizado um Encontro Nacional de Educadores
da Reforma Agrária, sendo criado o Programa Nacional de Educação na Reforma
Agrária (PRONERA) por meio da Portaria 10 de 1998, vinculado ao Ministério
Extraordinário da Política Fundiária (SILVA, 2017).
A Educação Rural (ER) segundo Santos e Neto (2015) aparece enquanto pro-
posta de Educação em 1934 com a promulgação da Carta Magna da Constituição da
República dos Estados Unidos do Brasil (CREUB) com as primeiras redações sobre
a ER, na qual pode ser identificado no artigo 121 § 4: “o trabalho agrícola será objeto
de regulamentação especial, em que se atenderá ao disposto neste artigo. Procurar-se-á
fixar o homem no campo, cuidar da sua educação rural, e assegurar ao trabalhador a
preferência na colonização e aproveitamento das terras públicas” (BRASIL, 1934).
Posteriormente a educação em contextos rurais seguiu duas propostas metodo-
lógicas, essas aplicadas pela União, estado ou município, sendo uma a “Educação no
campo” que tem como práxis a educação mediada no local de moradia das crianças,
jovens e adultos, mais sem abranger as especificidades do cotidiano dos povos cam-
poneses. Esta, compreende que os conhecimentos construídos historicamente pela
humanidade devem ser ofertados para toda sociedade, desde povos da cidade, indígenas,
remanescentes de quilombos, assentados e entre outros (CALDART, 2004). A outra
proposta de Educação está regulamentada no Decreto Federal nº 7352/2010 no artigo
1º que a “escola do campo: aquela situada em área rural, conforme definida pela Fun-
dação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, ou aquela situada em área
urbana, desde que atenda predominantemente a populações do campo” (BRASIL, 2010).
132

Caldart (2004) relata que a Educação do campo é específica para os povos que
vivem e trabalham no campo, abrangendo os aspectos da diversidade do cotidiano
e territorial, caracterizando-se como uma educação para os povos assentados de
Reforma Agrária, remanescentes de quilombos, ribeirinhos, povos da floresta, entre
outros. A proposta de uma educação específica respeitando a diversidade do cotidiano
dos povos e os diferentes territórios vai além de escolas instaladas no campo, mas
que as propostas de emendas curriculares de ensino estejam de acordo com a reali-
dade dos sujeitos demandados. Ou seja, a Educação do Campo enquanto proposta
epistemológica de ensino para os povos tradicionais tem a finalidade de potencializar
as escolas do campo, a formação de professores que possivelmente trabalharão com

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esse público, por meio de uma proposta teórica e pedagógica que adéqua às demandas
de cada território (LIMA, 2022; BRASIL, 2003).
Dessa forma, o movimento da Educação do Campo além das lutas dos movi-
mentos sociais, contou com o apoio de sindicatos rurais, Comissão Pastoral da Terra
(CPT), dentre outras organizações, viabilizando debates acerca de uma educação
articulada com a diversidade territorial e cultural dos povos (BRASIL, 2006).
Segundo Molina e Freitas (2015), sinaliza-se a importância de fomentar e exe-
cutar as políticas existentes sobre a Educação para os povos do campo, como também
a criação de projetos de educação integrado e político, que garanta o direito político
e pedagógico na relação entre escola, professor, e população do campo/rural, articu-
lando-se aos conhecimentos científicos acumulados historicamente e especificidade
de cada população do campo. Sendo assim, as autoras denunciam a urgência da Edu-
cação do Campo avançar, por mais que a realidade política do país tenha se voltado
mais para outras demandas, que não contemplam as necessidades dessa população,
se caracterizando como política de retrocesso.
Assim, Caldart (2012) defende que uma educação relacionada à realidade do
campo, vai além da mudança da nomenclatura, abrangendo a questões de política
educacional atrelando-se aos direitos sociais e políticas públicas educacionais para os
povos do campo, que considera a cultura desses aspectos de prática agroecológicas,
orgânica, e soberania alimentar. Sendo assim, a educação do campo em suas diversas
lutas e políticas conquistadas apresenta uma proposta que vai contra o sistema colo-
nial, buscando uma descolonização de acessos, principalmente no âmbito da educação.

A educação do campo na perspectiva decolonial


Os principais atores do Movimento da Educação do Campo são os povos do
campo e da floresta, através dos diversos movimentos sociais da terra, como o Movi-
mento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que em articulação a criação e
efetivação de políticas públicas educacionais para o rural. Para estes a Educação do
Campo, dentro desse processo de luta e resistência, se configura como fenômeno
sociopolítico, educacional e cultural em território brasileiro (CALDART, 2012).
Outrossim, a educação transformadora e emancipadora é direito dessa população,
os quais lutam por um projeto de Reforma Agrária voltado para o campesinato, em
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 133

suas múltiplas facetas, se posicionando de forma contrária às práticas do agronegócio


(FARIAS; FALEIRO, 2018).
A Educação do Campo em contexto brasileiro busca romper com um cenário
do campo enquanto lugar de produção do agronegócio, fomentando assim, a neces-
sidade relacionada às questões sociais, a igualdade, a justiça social a partir de um
pensamento democrático de equidade em relação ao acesso à terra, a exemplo disso
se tem o projeto de Reforma Agrária, que até o momento não foi efetivo no Brasil
(FARIAS; FALEIRO, 2018). Sobre essa reflexão acima citada salienta-se que a:

Democratização da terra, com a democratização do acesso ao conhecimento, para


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que os sujeitos coletivos possam, a partir do acesso à terra e aos recursos naturais,
ter estabelecido novos patamares para criação de condições que lhes garantam, a si
e a sua família, novas condições de vida com dignidade (MOLINA, 2015, p. 189).

Diante disso, Fernandes (2006) explicita sobre um campo camponês que se


posiciona por meio de um projeto anticapitalista, ou seja, a Educação do Campo
nesta realidade se contrapõe às práticas do agronegócio, do neoliberalismo, e de uma
pedagogia engessada por essas mesmas lógicas. Farias e Faleiro (2028) relatam sobre
a importância dessa perspectiva de educação para o camponês, que de grosso modo,
fomenta uma educação que não destrói, não exproprie seus modos de vida, que valoriza
o desenvolvimento territorial, o ambiente de vivência, desde o barraco de lona, a escola
de tábua ao cuidado com a terra, o rio, etc., esta educação surge e se desenvolve para
contestar as ideias de educação somente urbana, centralizada, capitalista e coloniais,
com o objetivo de alienar os povos que vivem no campo através de metodologias
pedagógicas que subordinam a população do campo à lógica de produção capitalista.
Outrossim, o território da América Latina sofreu com o colonialismo e, nos dias
atuais, vem sofrendo com os impactos da colonialidade. Esta que tenta submeter os
povos do campo à uma educação capitalista, a exemplo disso, a “colonialidade do
saber” que impacta os povos camponês com a validade epistemológica do ensino da
cidade e descredibilizando a epistemologia da Educação do Campo, caracterizando
esses sujeitos como inferiores, sem condições de produzir conhecimento, e a “colonia-
lidade do ser” que fomenta a dicotomias entre cidade e campo, criando-se ideologias
de discriminação aos sujeitos do campo, provocando a invisibilidade, ainda que a
Educação do Campo se posiciona enquanto resistência à esse sistema, a educação
ofertada ao rural é desumanizadora, eurourbana, centralizada e instrumentalizada
(SILVA et al., 2014; FARIAS; FALEIRO, 2018).
Vale ressaltar, que no Brasil o referencial da Educação do Campo está localizado
em comunidades/grupos subalternos, e leituras a partir da Pedagogia da Libertação,
como a obra da Pedagogia do Oprimido de Paulo Freire, que possibilita a fomentação
da autonomia, formação e emancipação humana e política dos sujeitos do campo,
confrontando as práticas de verticalizadas e opressoras nesta sociedade capitalista,
acreditando utopicamente em novas sociabilidades considerando as diversidades
territoriais (SILVA, 2018). Acerca do diálogo entre o conceito de decolonialidade e
educação popular:
134

[...] a aposta no conceito de decolonialidade, em relação com a educação popu-


lar, deve-se ao seu potencial crítico de denúncia dos distintos padrões de poder
nascidos com a modernidade/colonialidade, como o capitalismo, o racismo, o
patriarcado, a intolerância contra religiões minoritárias e sexualidades reprimidas,
o preconceito contra sujeitos, saberes e culturas que se desviam de forma hege-
mônica de ser, pensar, sentir e agir (MOTA NETO, 2016, p. 18).

Assim, tendo como base as perspectivas da decolonidade Farias e Faleiro (2018)


salientam que a Educação Rural se configura historicamente por um processo de coloni-
zação, na qual o colonialismo se caracteriza de forma estrutural através do eurocentrismo
econômico, sociocultural, epistêmico e político, que ainda que o colonialismo político

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tenha nuanças de um fim, às desigualdades e práticas hegemônicas tem se perpetuado,
mantendo com isso a colonialidade. Conforme Anibal Quijano (1992, p. 19) discute
“La colonialidad, en consecuencia, es aún el modo más general de dominación en el
mundo actual, una vez que el colonialismo como orden político explícito fue destruido”.
A Educação do Campo surge enquanto perspectiva decolonial se constituindo
como um “movimento” de luta, resistência, de práticas sociais e educativas e “para-
digma” no sentido epistemológico, teórico de práticas discursivas, configurando-se
nesse processo um posicionamento sócio-político e pedagógico de uma proposta
educacional que potencializa as práticas cotidianas dos sujeitos do campo na efeti-
vação dos seus direitos, especificamente no acesso à uma escola em seu território de
vivência, tendo como base curricular a sua realidade social, econômica, cultural e
ambiental (SILVA, 2018). Maria Silva (2018) defende o pensamento que a EC tem
como finalidade superar este modelo subalterno que provocou assimetrias sociais,
políticas e econômicas, fomentando a ideologia de um campo sem gente, tendo
também como desafio resistir o capitalismo opressor e lutar contra a colonialidade,
reforçando a visibilidade do campo com suas diversidades de práticas.

Caminhamos para uma necessidade de se fazer uma opção decolonial, no sentido


de reconhecer as formas de negação da possibilidade de agenciamento epistêmico
a sujeitos individuais e coletivos subalternizados e, a partir desse reconhecimento,
considerar a necessidade de desobediência epistêmica (MALHEIRO, 2021, p. 13).

Diante disso, Bruno Malheiro (2021) em uma experiência de construção do


IALA-amazônico no curso de especialização em “Educação do Campo, Agroeco-
logia e Questão Agrária na Amazônia” no Estado Pará dispõem caminhos, em sua
perspectiva, que atende uma proposta decolonial na educação, sendo esses: a criação
de uma comissão político-pedagógico do curso com representantes da Universidade
e dos movimentos sociais, de forma que garanta as vozes desses sujeitos, que muitas
das vezes são silenciadas, a realização do curso em um espaço de assentamento na
qual a metodologia pedagogia se adapta a realidade do assentamento, e o conselho
dos sábios, o qual conteve camponeses que contribuíram com suas experiências como
contribuição às práticas alternativas no assentamento.
Outrossim, que a proposta de ensino da Educação do Campo, especificamente
vinculados aos cursos de Licenciatura em Educação do Campo (LEDOC), atuam e se
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 135

posicionam em movimento decolonial nas instituições de Ensino Superior do Brasil,


rompendo dessa forma com as dicotomias e hegemonias provocadas pelo controle
do patriarcado (FERNANDES; COUTINHO, 2020).

LEDOC: os posicionamentos identitários e a universidade


transformada
Considerando a importância da educação do campo no processo decolonial,
vale destacar sobre o curso de LEDOC e como essa formação demarca o posicio-
namento identitário do ser camponês e camponesa (SPINK, 2011). Entendendo-a
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como importante ferramenta política, a LEDOC tem como base o fortalecimento da


educação do campo, o retorno às próprias comunidades, a valorização dos povos,
relações de trabalho e o rompimento com o pragmatismo de espaços educacionais
que se configuram de modo urbanizado (LEONARDE; SIMÕES, 2017).
Nesse sentido, essa formação se apresenta como lugar de reconhecimento, evo-
cando a desconstrução de uma autopercepção principiada na lógica colonizadora.
O curso de LEDOC proporciona para além do próprio processo de formação, a per-
cepção identitária em relação a sua origem e classe social, bem como estar em um
espaço, sendo este a universidade, que majoritariamente era frequentado somente por
grupos hegemônicos (brancos, ricos, urbanos) (LIMA, 2022). Além disso, o curso
enaltece a singularidade da vivência e o trabalho camponês, valorizando o campo,
que ao contrário da educação formal urbanizada tendia a colocar o espaço rural cada
vez mais como um lugar de atraso e sem conhecimento em detrimento ao urbano,
cujo direcionando consistia na mudança para as cidades (LIMA, 2022).
Contudo, não se trata de restringir a população camponesa ao território do campo
e seus modos de vida e produção, mas de reivindicar o reconhecimento social de uma
classe social, identificando-os como sujeitos coletivos e políticos na luta por seus direi-
tos constitucionais e inclusive da permanência territorial (SILVA; MACEDO, 2021). A
educação do campo nesse constructo, tem um papel social importante na história da luta
pela permanência na terra, que por meio do âmbito educacional reitera a luta campesina,
visto essa, como base da formação social brasileira, marcada por um histórico de opres-
são, violências, invisibilidade e falta de acessos (ZEFERINO; PASSOS; PAIM, 2019).
Assim, o curso de LEDOC, dentro do espaço universitário, convoca ao pen-
samento da estrutura acadêmica e universitária propondo a construção de um fazer
científico e também formativo que seja contra hegemônico, uma vez que as univer-
sidades ocidentalizadas se constituem por uma matriz eurocêntrica que persiste de
um sistema histórico de desigualdades sociais e se orienta pela referência colonial
branca, cisheteropatriarcal e cristão (GROSFOGUEL, 2016).
Segundo Zeferino, Passos e Paim (2019, p.29) “as pedagogias impostas por este
modelo de educação são reguladas pelo eurocentrismo subalternizante e epistemicida
que desperdiça as experiências dos/as/es educandos/as/es, bem como das/dos/des
educadoras/es em constante formação”. Desenvolver, portanto, um curso de licen-
ciatura que apresenta uma estrutura curricular baseada na pedagogia da alternância,
136

modo esse de formação totalmente diferente do convencional, bem como trazer ao


espaço acadêmico características do campo, são possibilidades de rompimento do
colonialismo dentro da universidade.
Essa inserção proporciona modificações, e pode se configurar como “um con-
junto de intervenções epistemológicas que denunciam a supressão, valorizam saberes
que resistiram com êxito e investigam as condições de diálogo horizontal entre conhe-
cimentos”. Além disso, tanto para quem esteja envolvido no processo formativo, como
no retorno às comunidades para lecionar nas escolas rurais, são potencializadores de
um ensino voltado às especificidades do campo, rompendo com a lógica de ensino
colonizador (SANTOS; MENESES, 2010, p. 53).
Contudo, para descolonizar as universidades de fato, ainda são muitas as trans-

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formações necessárias nesse processo, e que para isso, no campo de formação, preci-
sam ser incorporadas questões como de gênero, raça/etnia, natureza e territorialização.
Acerca disso, algumas produções apontam a necessidade de questionar a universidade
em sua matriz colonial, que privilegia classes hegemônicas, tendo pouco ou tardio
reconhecimento para trabalhos produzidos por mulheres, população negra, indígena,
tendo menor prestígio acadêmico no âmbito da formação.
Nessa constante, a implantação da LEDOC e a presença de estudantes e tra-
balhadores/as camponesas, fossem rurais, indígenas, quilombolas, introduzem “um
horizonte de superação ao desafio de descolonizar a formação de educadoras/es do
campo, historicamente ancorada em uma análise da sociedade a partir da categoria
trabalho”. É, portanto, uma forma de (re)conhecer, visibilizar, validar e valorizar
identidades, as culturas e os corpos historicamente subalternizados, inclusive os
saberes e as pedagogias esquecidas (ZEFERINO; PASSOS; PASSOS, 2019, p. 35).
Dessa forma essas pedagogias, dentro do processo sociopolítico, são propulsoras
de transformações nas realidades dentro e fora das escolas, proporcionando por meio
das interações entre estudantes e atores escolares espaços de trocas, vivências nos ter-
ritórios, nas universidades, organizações e movimentos sociais. Propõe-se dessa forma
ampliar as fronteiras das áreas das Ciências da Natureza, Ciências Humanas e Ciências
Sociais, considerando o saber popular em articulação com os saberes científicos.
Ressalta-se que a produção de conhecimento epistemológico de matriz colonial,
historicamente invalidam a produção de conhecimento fora de seu espectro, seguindo
a lógica eurocêntrica (GONÇALVES, 2019, p. 42). Com isso, pensar a pedagogia
da alternância no espaço universitário é sem dúvidas o marco de um rompimento
histórico nesse sistema hegemônico.
Contudo, essa transformação dentro da universidade é um grande desafio,
quando se percebe que a produção de saber que foge a lógica padronizada da uni-
versidade, não é totalmente aceita ou validada no espaço acadêmico. Muitas vezes,
a própria formação ou a dinâmica institucional urbanocentrada são barreiras nessa
legitimação de conhecimentos populares (LIMA, 2022). De tal modo, pensar esse
contexto por uma psicologia descolonizadora, consiste em buscar explicar e superar
as profundas marcas das desigualdades sociais que atravessam o campo, principal-
mente na educação, entendendo que a descolonização dos currículos, bem como a
formação de docentes que atuarão nas comunidades, consistem em transformações
na estrutura social (GONÇALVES, 2019; LIMA, 2022).
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 137

Psicologia e educação do campo na construção de um discurso


contra-hegemônico
Diante do contexto social, histórico e político, o sistema excludente de classes
e povos tem marcado a vida de comunidades. E é fato que a psicologia não pode
ficar alheia aos processos de dominação, violência, silenciamento e exclusão dessas
populações (TEIXEIRA, 2010). Cabe, portanto, à psicologia enquanto categoria
profissional e científica, construir um recorte crítico atento às mazelas sociais que
afligem diferentes culturas, povos e identidades.
Segundo Gonçalves (2019) a psicologia em sua práxis ainda perdura de um teor
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ideológico e colonizador, e isso reflete significativamente nas produções de conheci-


mento e da prática profissional. Nesse caminho, a psicologia deve se voltar para os
aspectos psicossociais dos povos rurais, questão fundiária, violências, conflitos refe-
rentes à demarcação de terras e aos impactos da natureza. O autor ainda aponta que
os moldes que engendram a sociedade estão pautados e direcionados por uma versão
embranquecida, patriarcal, classista, elitizada e eurocêntrica. Estas, por sua vez, hege-
monizam as produções de símbolos, de valores e dos sentidos construídos. Desse modo,
é essa epistemologia que indica quem deve ser escutado, valorizado, e quais conjuntos
de saberes devem ser considerados, o que se direciona em sua maioria para o urbano.
Enquanto isso, do outro lado, há uma heterogeneidade cujos saberes e identi-
dades estão articulados entre múltiplas raças e povos, mas que historicamente foram
invisibilizados pelo eurocentrismo e assim esquecidos pela psicologia e outras ciên-
cias (LIMA, 2022). Há nesse engendramento social, a digladiação entre o mundo
colonizador e o mundo colonizado, o que se descreve como dupla-consciência. Nessa
constante, entende-se que na conjuntura da sociedade atual, “as periferias das grandes
cidades brasileiras são as aldeias e os quilombos do século XXI”, estando às margens
dos acessos políticos e do reconhecimento social (GONÇALVES, 2019, p. 45).
Assim, para que a psicologia seja de fato um saber que expresse a realidade
social, é necessária uma formulação de conhecimento que parta do resgate de memó-
rias, história, saberes, relações presentes no cotidiano e da resistência popular. Tais
fundamentos, são primordiais na construção de uma psicologia decolonizadora para
a América Latina (GONÇALVES, 2019; LIMA, 2022).
Relacionando de tal modo, a história social da população camponesa, articulada
nos tempos longo, curto e vivido (SPINK; FREZZA, 2013) a psicologia decolonial
não é possível sem o reconhecimento da realidade social, das filosofias de povos
e dos processos de luta contra a dominação colonial. Deve-se, portanto, ter como
tarefa central a pretensão de uma “psicologia crítica, emancipadora e libertadora”.
bem como a articulação com outras áreas de conhecimento, que se direcionam para
uma práxis descolonizadora de fato (GONÇALVES, 2019, p. 48).
Acerca disso, a educação do campo apresenta uma lógica de resgate histórico,
político e identitário que interessa à psicologia. Na busca de tornar-se decolonial e de
inserir-se enquanto campo de saber nos contextos rurais, é necessário que a psicologia
busque estreitar os laços junto aos conhecimentos dos povos formadores. A chamada
138

incorporação dessa descolonização, advém da construção de um caminho que pense a


psicologia nas bases populares (LEITE, DIMENSTEIN, 2013). Nesse sentido, a educa-
ção do campo, em suas diferentes políticas, inclusive da LEDOC, produz novos sentidos
sobre o ser camponês, possibilitando caminhos para um posicionamento político no
acesso à universidade (LIMA, 2022). Esse entendimento corrobora como a lógica da
ecologia dos saberes de Boaventura Souza Santos (2018), que descreve sobre a validação
de todas as formas de conhecimento, o que leva a pensar que introduzir saberes do campo
dentro do espaço universitário é sair, como o autor chama, do ponto de ignorância, que é
o saber a rigor do colonialismo, seguindo para um conhecimento chamado solidariedade.
Esses aspectos apontam que as produções de conhecimento não enrijecem no

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padrão hierárquico e hegemônico do capitalismo, mas validam os conhecimentos
populares vindos de todas as origens e territórios, contemplando diversas classes e
povos (GONÇALVES, 2019).
Assim, ocupar espaços predominados pelas classes hegemônicas, por grupos antes
inferiorizados é, portanto, romper com a lógica da hierarquização do conhecimento,
construindo produções dentro dos próprios territórios. Trata-se de sair dos centros urba-
nos, cujas produções de saberes são vistas como de maior qualidade, enquanto o rural, é
relegado, estigmatizado, visto como lugar de atraso, não civilizado, e atribuído a ausência
de um pensamento válido (BRANDÃO; BORGES, 2007). Ademais, esse lugar social e
territorial, também marca uma vivência comunitária cujas vivências e relações são mais
fortes, e manifestam símbolos, culturas, costumes e tradições. Nesses espaços há uma
convivência maior com a natureza, cuja relação vai além da mercantilização da terra
e dos recursos naturais, transcendendo para uma relação afetiva (NÓBREGA, 2013).
Pensando por esse caminho, a psicologia nessa relação com a natureza, deve ser
uma psicologia indisciplinada, operária, artesã, camponesa, que busca a compreen-
são dos saberes que são produtos de sentidos para as populações do campo. É saber
sobre as plantas, estrelas, máquinas, comidas, festas, costumes, culturas e tradições,
conectando-se com a comunidade e com a terra (GONÇALVES, 2019). Portanto, só é
possível uma construção descolonizada se houver um real compromisso da psicologia
com a luta dos povos do campo, que historicamente vem sendo violentada e explo-
rada. Segundo Gonçalves (2019, p. 54), “a descolonização se refere a uma disputa
de projetos civilizatórios” e convoca para um posicionamento identitário da própria
psicologia, direcionada aos povos do campo e aos seus saberes e sentidos construídos.
Partindo disso, levanta-se os seguintes questionamentos: a psicologia tem se
inserido nos temas que envolvem os contextos rurais? Tem buscado construir um
discurso contra-hegemônico nesta base epistêmica e eurocêntrica? Tem contribuído
para o reconhecimento identitário e a produção de sentidos de povos do campo?
Em uma tentativa de resposta, entendemos que a própria constituição e cons-
trução histórica da psicologia também advém de uma matriz colonial e eurocentrada.
Desse modo, romper com esses paradigmas no âmbito da pesquisa e da atuação
profissional, ainda é um desafio, principalmente pelo desconhecimento da psicologia
quanto às populações do campo, seus modos de vida e das relações construídas no
cotidiano. Acerca disso, o Conselho Federal de Psicologia, tem produzido documentos
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tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 139

tais como as referências técnicas para atuação das(os) psicólogas(os) em questões


relativas à terra e dos povos tradicionais, no intuito orientar e direcionar profissionais
de psicologia a fim de garantir o respeito à integridade cultural e étnica de diferentes
povos, bem como apoiar as lutas por reivindicações de direitos e promover ações de
saúde mental com enfoque psicossocial (CFP, 2019a; CFP, 2019b).
Vê-se a partir disso que é existente os movimentos para uma prática decolonial
na psicologia e que essas construções já ampliam para um pensar e fazer para além
do discurso hegemônico. No entanto, ainda há um longo caminho a se percorrer para
que a diversidade de povos e classes sejam de fato contemplados pela nossa ciência.
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Algumas considerações
A partir das reflexões apresentadas ao longo desse texto, levantamos sobre o posi-
cionamento da psicologia na discussão dos contextos rurais, principalmente no âmbito
da educação do campo. Pensando em uma lógica de pesquisa e da práxis profissional
direcionada para o processo de descolonização, entende-se que a psicologia não deve se
traduzir há uma concepção que pensa o indivíduo descolado da sociedade, mas deve ter
o olhar atento e valorativo para os diferentes povos e os seus modos de vida e produção.
Pensando na luta histórica dos povos do campo e dos diversos fatores existentes
nos contextos rurais, inclusive com marcas sociais de violências, preconceitos e falta
de acessos políticos, a psicologia voltada para esse público precisa ter dimensão dos
sentidos da vida no campo. É necessário, portanto, considerar os aspectos da rela-
ção com a terra e com a natureza, das dimensões de trabalho, estudo, a vivência de
comunidade, dos saberes, estilo de vida e cultura que difere totalmente do urbano.
De tal modo, pensar a psicologia nessa discussão é sem dúvida adentrar em
um espaço sociopolítico contraditório ao conhecimento valorizado que é o padrão
e urbano-centrado. Sendo assim, este capítulo buscou tecer reflexões sobre a psi-
cologia descolonizadora no âmbito da educação do campo. Destaca-se que não se
trata de colocar uma separação entre campo e cidade como se estes povos não se
conectassem, mas de considerar que existem fenômenos, sociais, políticos, eco-
nômicos, históricos que mudam as formas de ser e estar no mundo, inclusive nos
aspectos subjetivos. Trata-se também de reconhecer o lugar de privilégio social
da psicologia nos processos de dominação social e excludente e que ao longo do
percurso histórico pouco estudou e produziu sobre os povos do campo, marcando
um posicionamento conivente como a história de exclusão, violências e barbáries
presentes na sociedade.
Com isso, ampliar a psicologia para os contextos rurais é ousar uma psicologia
que busca se descolonizar rompendo com os próprios paradigmas constituídos na base
colonial a emergir do lugar de saber e privilégio que é a psicologia, na esperança de
pensá-la chegando a todos os povos. Portanto, a continuidade de estudos, produções
e análises sobre a inserção da psicologia nos contextos rurais faz-se necessária,
principalmente mediante ao cenário político que induz a retrocessos de políticas
conquistadas através das lutas dos movimentos sociais do campo.
140

REFERÊNCIAS
ALVES, C. B.; DELMONDEZ, P. Contribuições do pensamento decolonial à psico-
logia política. Revista Psicologia Política, v. 15, n. 34, p. 647-661, 2015.

BRANDÃO, C. R.; BORGES, M. C. A pesquisa participante: um momento da edu-


cação popular. Revista Educação Popular, v. 6, p. 51-62, jan./dez. 2007.

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EDUCAÇÃO, DIREITOS
HUMANOS E RESISTÊNCIAS:
ética, estética e política em conversas
com Michel Foucault
Ana Carolina Farias Franco
Shirle Rosângela Meira de Miranda
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Antonino Alves da Silva


John Lennon Lima e Silva
Miguel Pereira de Assis
Carla Regina Guerra Moreira Lobo
José Araújo de Brito Neto
Antônio Soares Júnior

Introdução
Até o momento, privilegiamos uma narrativa sobre os efeitos biopolíticos e
disciplinadores de certas práticas associadas aos direitos humanos. Discorremos como
em nome dos direitos têm-se gerido a vida da população, por meios de processos de
judicialização e medicalização, que promovem assujeitamentos diversos. Agora, inte-
ressa-nos interrogar sobre a possibilidade da produção de direitos em outras paragens,
nas brechas dos processos de normalização da vida, como práticas de resistência.
Para Giacóia Júnior (2008), Foucault e Agamben construíram uma crítica radi-
cal aos direitos humanos, ao darem visibilidade a outras funções políticas que estes
cumprem para além da proteção legal dos indivíduos. Evidenciaram a lógica do
biopoder que reveste os direitos modernos. Sendo assim, coube a pergunta: seria
possível um direito que seja antidisciplinar e não-previdenciário? Giacóia Júnior
(2008) segue cético sobre a questão, considerando que é muito difícil, em tempos
neoliberais, algo não ser abocanhado pelo mercado e reinvestido, portanto, de uma
racionalidade normalizadora. Aqui, nesta tese, consideramos possível a produção de
direitos nos interstícios das linhas de fugas1, junto às lutas por singularização, como
direitos marginais e efeito de práticas de resistência.
Nesta mesma perspectiva, Coimbra, Lobo e Nascimento (2009) problematizam que,
nas sociedades modernas ocidentais, os direitos estão historicamente atrelados à concepção
de uma ordem imposta que asseguraria a paz e a ordem, bem como, a concepção abstrata
de humano, que esvaziam os processos inventivos dos modos de existência, e para escapar
desde modelo de direito, exige-se uma estratégia de transvaloração dos direitos, que afirme

1 As linhas de fuga são aquelas que escapam das tentativas de totalização. Conferir: DELEUZE, G.; GUATTARI,
G. Mil Platôs: Capitalismo e Esquizofrenia. v. 3. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1996.
146

as forças ativas das lutas agônicas. Assim, torna-se possível a afirmação de “direitos não
mais universais, absolutos, contínuos e em permanente estado de aperfeiçoamento, mas
locais descontínuos, fragmentários, processuais, em constante movimento e devir, como
a força que nos atravessam e nos constituem” (COIMBRA, 2011, p. 93).
Sustentar os direitos não-universais como emergentes das práticas de resistência
nos impele a problematizar este conceito a partir do arcabouço teórico-analítico em
que nos apoiamos. Foucault (2009d) ao descrever as proposições para uma analítica do
poder, assegura: “que lá onde há poder há resistência” (p. 105). Com isto quer afirmar,
que o poder não é absoluto, no sentido em que nada lhe escaparia. Pelo contrário,
para uma relação de poder se constituir, entende que é imprescindível que “o outro

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(aquele sobre o qual ele se exerce), seja inteiramente reconhecido e mantido até o
fim como sujeito de ação; e que se abra, diante da relação de poder, todo um campo
de respostas, reações, efeitos, invenções possíveis” (FOUCAULT, 1995, p. 243).
As relações de poder não podem ser mantidas sem a luta dos sujeitos por liberdade,
posto que ocorrem em um campo de possibilidades mais ou menos aberto, em que
a possibilidade de escape está lá sempre presente.
As resistências, no entanto, não se constituem como um fora do poder. Se enten-
dermos que as relações de poder são exercidas a partir de múltiplos pontos móveis
e desiguais, devemos considerar que a resistência se constitui como um contrapoder
e se estabelece também a partir de uma multiplicidade de lugares. Ainda sobre as
resistências, o filósofo pondera:

Também são, portanto, distribuídas sobre uma multiplicidade de pontos, os nós,


os focos de resistência disseminam-se com mais ou menos densidade no tempo
ou no espaço, às vezes provocando o levante de grupos ou indivíduos de maneira
definitiva, inflamando certos pontos do corpo, certos momentos da vida, certos
tipos de comportamento. Grandes rupturas radicais, divisões binárias e maciças?
Às vezes. É mais comum, entretanto, serem pontos de resistência móveis e transi-
tórios, que introduzem na sociedade clivagens que se deslocam, rompem unidades
e suscitam reagrupamentos, percorrem os próprios indivíduos, recortando-os e
os remodelando, traçando neles, em seus corpos e almas regiões irredutíveis. Da
mesma forma que a rede de relações de poder acaba formando um tecido espesso
que atravessa os aparelhos e instituições, sem se localizar exatamente neles, tam-
bém a pulverização dos pontos de resistência que torna possível uma revolução,
um pouco à maneira do Estado que repousa sobre a integração institucional das
relações de poder (FOUCALT, 2009d, p. 107).

Sampaio (2006, 2007), a partir de Foucault, ressalta o equívoco de pensar o


poder e a resistência a partir de binarismos, como as distinções entre os polos domi-
nador e dominado. A análise das forças nos jogos de poder deve incidir sobre “[...]
o conjunto heterogêneo de práticas de resistências com suas lutas locais, pontuais e
disseminadas e, por vezes, inesperadas” (p. 4). Vejamos que não é possível extrair
da resistência uma essência, posto que esta possui uma intensidade variável. Não é
necessariamente reativa e tampouco estaria no lugar da “grande recusa”. Deleuze
(2010, p. 127) define o que é resistir:
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 147

Transpor as linhas de força, ultrapassar o poder, isto seria como que curvar a
força, fazer com que ela mesma se afete, uma vez de afetar outras forças: uma
“dobra”, segundo Foucault, uma relação de força consigo. Trata-se de “duplicar”
a relação de forças, de uma relação consigo que nos permita resistir, furtar-nos,
fazer a vida ou a morte voltarem-se contra o poder.

É preciso falar em resistências no plural, em suas infinitas formas, que foram


mapeadas nos estudos históricos, nas lutas específicas de prisioneiros, de doentes em
hospitais, de mulheres e de soldados contra o controle incisivo sobre seus corpos. A
partir da pesquisa histórica, o filósofo pode mapear, não só o assujeitamento destes
corpos pelos mecanismos de poder, mas também suas práticas de desobediência.
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No texto O sujeito e o poder, têm-se pistas sobre os processos de lutas e


resistências contemporâneas. Tais lutas se posicionam contrárias aos processos de
individualização e totalização dos governos das condutas. As lutas contra as formas
de sujeição se tornaram imprescindíveis na atualidade, junto às lutas contra a explo-
ração econômica e a contra as formas de dominação. Estas primeiras são imediatas,
na medida em que focam nos inimigos imediatos e em problemas do presente. E
lançam a seguinte interrogação: “quem somos nós?”. São lutas, portanto, contra as
formas de sujeição (FOUCAULT, 1995). Assim, a questão que se põe a frente de
Foucault sobre as lutas por individualização questiona de maneira incisiva o modo
como somos governados. Como explicita Rodrigues (2008, p. 143), para o autor
trata-se menos da defesa dos direitos humanos naturais e toda problemática que o
conceito de “humano” carrega sobre si e mais dos “direitos dos governados”, ou
melhor, do direito de não sermos governados em absoluto, sem chance de questio-
namentos e problematizações.
Se desde o século XVI se impõe a questão “como governar?”, também se impõe
a inquietude de questionar “como não ser governado?”. Tais colocações são trazidas
por Foucault, em texto sobre a tarefa da atitude crítica como formar de escapar de
certas artes de governar. Ao tratar disso não se remete a ingenuidade de se afirmar a
existência de uma sociedade sem governo, antes de se colocar a questão: “como não
ser governado assim, por isso, em nome desses princípios, em vistas de tais objetivos
e por meio de tais procedimentos, não dessa forma, não para isso, não para eles”
(FOUCAULT, 1990, p. 38). Em outro trecho acrescenta:

E se a governamentalização é mesmo esse movimento pelo qual se tratasse na


realidade mesma de uma prática social de sujeitar os indivíduos por mecanismos
de poder que reclamam de uma verdade, pois bem, eu diria que a crítica é o
movimento pelo qual o sujeito se dá o direito de interrogar a verdade sobre seus
efeitos de poder e o poder sobre seus discursos de verdade; pois bem, a crítica
será a arte da inservidão voluntária, aquela da indocilidade refletida. A crítica teria
essencialmente por função a desassujeitamento no jogo do que se poderia chamar,
em uma palavra, a política da verdade (FOUCAULT, 1990, p. 5).

Foucault recorre ao texto de Kant sobre o que é a Aufklärung, de 1784, no qual


o filósofo descreve a atitude crítica necessária diante do estado de menoridade ao
148

qual a humanidade estaria submetida por um excesso de autoridade e pela ausência


de coragem. Para o filósofo alemão o projeto crítico passava pela tarefa de conhe-
cer os limites do conhecimento, esta era a primeira tarefa da Aufklärung. A atitude
crítica, com base nesta tarefa, estaria relacionada ao princípio de autonomia frente
à obediência a autoridade. Provocaria, portanto, o “desassujeitamento em relação
ao jogo de poder e da verdade” (FOUCAULT, 1990). Se para alguns filósofos pós-
-kantianos a atitude crítica restringiu-se ao aspecto epistêmico, desvencilhando-se
das dimensões ético-políticas, Foucault trilhou o caminho distinto: problematizou
“o que nós somos?”, a partir de um ethos ético. Para este, a atitude crítica tratou-se
de um exercício prático, que expôs os discursos de verdades e seus efeitos (CAN-

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DIOTTO, 2006).
Lançamos a questão-título desta sessão – “direitos humanos e resistências:
possíveis intersecções?” –, porque, apesar da produção dos direitos estar historica-
mente, na modernidade, relacionada a processos de governamentalização, e de que os
direitos, colonizados pelas normas, produzem efeitos políticos de sujeição, avaliamos
que outras práticas nomeadas como direitos humanos têm sido produzidas em uma
perspectiva ética que questiona até que ponto aceitamos ser governados de determi-
nado modo. Nestas práticas difusas, que não apresenta modelos a serem copiados,
notamos uma série de práticas de resistências, muitas vezes pontuais, que põe em
questionamento uma vida regulada e inventa novos modos de existência. Lemos et
al. (2014) notaram, por exemplo, nos acontecimentos que envolvem defensores de
direitos humanos na Amazônia, a luta “[...] por campos de possibilidade de existências
que singularizam mesmo diante da dor e pedem passagens para fazer valer direitos
negados” (p. 13). São dissidências políticas, que vão desestabilizando racismos e
produzindo direitos sem universalismos, mas em uma dimensão ética e estética de
uma política de existência.

Ética, estética, política e educação


As últimas obras de Foucault nos interpelam a pensar a possibilidade de cons-
truir novas relações consigo e com outros, por meio de uma ética do cuidado. Fonseca
(2011) analisa que, em “A Hermenêutica do Sujeito”2, o problema da educação é
colocado, especialmente, pelo diálogo entre Alcebíades e Sócrates, em que a questão
da educação é problematizada junto ao exercício das diversas funções políticas na
cidade. Alcebíades era o governante de Atenas, que cedo entrou na carreira política e
militar. Conhecido por suas virtudes de beleza e riqueza, mas também por sua vaidade
e ambição desmedida, Alcebíades, interpelado por Sócrates, é chamado à tarefa de
cuidar de si mesmo, isto é, de realizar uma série de operações sobre si (técnicas de
ascese) que o ajude a chegar a uma determinada forma de existência, por ele almejada.
Isto por que, de acordo com Foucault (2010, p. 35):

2 A Hermenêutica do Sujeito é a publicação que reuniu as aulas ministradas por Foucault no Collège de
France no ano 1982, no qual o autor apresenta a noção de “cuidado de si”, a partir do estudo histórico das
técnicas e procedimentos de constituição do sujeito ético.
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 149

Não se pode governar os outros, não se pode bem governar os outros, não se pode
transformar os próprios privilégios em ação política, em ação racional, se não está
ocupado consigo mesmo. Entre privilégio e ação política, este é, portanto, o ponto
de emergência da noção de cuidado de si.

O conhece-te a ti mesmo (gnôthi seautón) de Sócrates é, no fundo, um chamado


para voltar-se a si próprio (epiméleia heautoû). Alcebíades, embora, proveniente da
nobreza ateniense, apresentava uma falha em sua formação, a incapacidade de cuidar
de si mesmo. Falha grave, pois disso dependia o bem governar dos outros e da cidade.
Foucault evidenciou que o apelo a uma atitude para consigo aparece não somente nos
textos socrático-platônicos, mas também entre os cínicos, os estoicos e os epicuristas,
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os quais desenvolveram uma série de práticas de si, que iam das práticas de ascese
aos regimes de saúde; práticas de cuidado com o corpo às meditações e leituras.
Esta relação estabelecida consigo mesmo se dá no campo da experiência de si como
sujeito moral, onde o próprio sujeito é objeto de sua prática moral.
Com os gregos, Foucault adentrou a temática da produção da subjetividade,
afirmando-a como um processo histórico. Fez aparecer a possibilidade de se constituir
modos de existência, seguindo regras estéticas, éticas e políticas. Deu visibilidade à
produção da vida como uma obra de arte (DELEUZE, 2010). O retorno aos gregos
permitiu uma problematização do presente, o questionamento sobre o que fazemos
de nós mesmos, como temos nos constituído como sujeitos.
A partir da modernidade, outras formas de se constituir como sujeito foram
fabricadas. O cuidado de si perdeu espaço para o conhecimento de si. No proce-
dimento cartesiano de conhecer a si mesmo, o acesso à verdade se dá por meio de
condições formais e objetivas, em que o sujeito não se modifica. O sujeito volta-se
à sua própria consciência, em decorrência da valorização do cogito como forma
deste acesso à verdade, que já se encontra dada. Há aqui, portanto, outra forma de
relação entre sujeito e verdade, muito distinta da cultivada pela cultura helenística,
em que se valorizam as formas espirituais e tinha a verdade como um processo em
constante produção.
Conforme Freitas (2010), as problematizações do cuidado de si dos estudos
foucaultianos, ajudam a interrogar a formação do humano a partir das técnicas de si,
bem como, auxiliam a provocar o deslocamento, no campo da educação, “das práticas
de governo dos vivos para o governo ético de si mesmo, indagando a potencialidade
do cuidado de si na concretização de novas formas de vida para além da genealogia da
sujeição, descrito pelo próprio Michel Foucault” (p. 169). Aventa-se, desta maneira,
a educação como uma experiência refletida do exercício de liberdade.
Ainda para este autor, a formação, sob o princípio do cuidado de si, abriria ao
sujeito a possibilidade de romper com os modelos cognitivos, emocionais e sociocul-
turais dados, ao propiciar ao mesmo, exercícios de governo de si que põe em evidência
a capacidade de resistir. Deve, portanto, promover a liberdade de se produzir e se
modificar como sujeito, de maneira independente das paixões internas ou a coerções
externas. A educação passa a ser entendida não pelo acúmulo de conhecimento ou de
coisas aprendidas, mas pelo que “produzindo formas de experiência de si, conduz o
150

indivíduo a tornar-se sujeito, mediante atos concretos de resistências às formas de


vida instituídas” (FREITAS, 2010, p. 186).
No conjunto de obras de Foucault, é possível traçar dois tipos de registros
sobre os processos educativos. O primeiro refere-se àquele que tem curso a partir
do século XVII, ligado à racionalidade moderna que, além de hierarquizar as
formas de conhecimento, entre os científicos e os não-científicos, promove o
disciplinamento do alunado para viabilização do projeto moderno capitalista. O
segundo registro é aquele descrito em seus últimos cursos do Collège de France
(em especial “A Hermenêutica do Sujeito”, o “Governo de si e dos Outros” e a
“Coragem da Verdade”), nos quais o campo da educação é pensado a partir das

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experiências de produção das subjetividades antigas. Neste tópico revisaremos
estes dois registros e os efeitos dos projetos educativos implicados na produção
de subjetividades.
Para Fonseca (2011, p. 131) a questão da educação em Foucault “[...] não se
remete diretamente ao âmbito restrito dos processos de ensino e aprendizagem, mas
ao âmbito mais amplo e fundamental das formas históricas de subjetivação”. Como
os sujeitos são constituídos nas diferentes práticas formativas? O pensador francês
aponta alguns destes modos de produção de existências.
Ao descrever as escolas entre as instituições disciplinares, emergentes ainda
no século XVII, o filósofo a vincula ao projeto moderno iluminista, o qual tinha na
educação uma estratégia política fundamental para o adestramento dos incivilizados,
por meio da incitação de novas condutas, baseados na ordem e no progresso. Junto
com outras instituições (hospitais, prisões, fábricas, entre outras) formaram uma rede
complexa de dispositivos normativos, que fabricam sujeitos em uma perspectiva de
assujeitamento. Conforme Carvalho (2014, p. 106):

as instituições, dessa maneira, sempre tiveram por função integrar e incluir os


indivíduos em um conjunto específico de possíveis experiências, comparando-os,
diferenciando-os, hierarquizando-os, homogeneizando-os, distribuindo-os nas
funções sociais escalonadas, classificando-os, de todo modo.

Donzelot (1980) nota que os educadores compõem o conjunto de trabalha-


dores sociais que exercem a função policial, que se generalizou e não se restringiu
aos aparatos de segurança penal. No século XIX, o Estado fez das escolas o lugar
privilegiado do controle das famílias pobres e a inculcação dos valores morais e de
higiene, logo, se tornou espaço estratégico de medicalização das famílias.
Com Foucault entendemos que educar é uma forma de governo dos outros,
na medida em que incide no ato de conduzir condutas, visando alguns efeitos. A
condução de condutas se dá por meio de técnicas racionais que promovem práticas
de incitação e não de coerção, estes últimos ligados aos processos de dominação e
não das relações de poder. O professor é peça fundamental nos processos de gestão
da vida, pois afinal ele também governa. Ele “é um gestor dos focos de experiências
possíveis no interior da escola” (CARVALHO, 2014, p. 108).
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
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A instrução de jovens, cumprindo com o objetivo de submissão dos educandos à


ordem social, produz modos de subjetivação por meio de diversas estratégias e táticas
de adequação dos corpos no tempo e no espaço. Assim, vê-se na escola a distribuição
espacial dos alunos na sala de aula, visando diminuir comunicações indesejáveis e
aperfeiçoar o controle das condutas.
Vê-se, ainda, emergir programas pedagógicos, organizados linearmente em
séries, com grau de complexidade crescente, onde a cada série são prescritos exer-
cícios específicos e sucessivos, que permitem tanto a minúcia do controle, como a
intervenção pontual sobre cada indivíduo. Ao final de cada etapa de exercício, um
teste é proposto como forma de avaliação da aprendizagem e de diferenciação da
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aptidão entre os alunos. Esta gestão da multiplicidade fabrica a divisão binária entre
o normal e o anormal, por isso, afirma que o que está em jogo são processos de nor-
malização da sociedade (FOUCAULT, 2007).
A vigilância hierárquica é produzida na escola pelo corpo técnico, por meio de
técnicas de observação e registro dos desvios praticados pelos alunos, tendo como
padrão de referência o modelo do aluno ideal. Testes, provas e avaliações de desem-
penho são utilizados como forma de acompanhamento da vida dos alunos ao longo
de sua passagem na escola. O exame é um instrumento fundamental para mensura-
ção dos desvios, portanto, dos níveis de anormalidade do alunado. Trata-se de um
dispositivo que extrai verdades sobre os indivíduos, classifica-os e hierarquiza-os.
Funciona também como uma sanção normalizadora, na medida em que estabelece
“micropenalidades” (FOUCAULT, 2007).
Nas Universidades, os processos de disciplinamento ocorrem em duas direções,
além daquele promovido sobre o corpo de alunos e corpo técnico, este espaço produz
o disciplinamento dos saberes técnicos, os quais, desde o século XVIII, passaram
a rivalizar-se com base na noção de ciência. Assim, os saberes foram selecionados,
normalizados, hierarquizados e centralizados, pautados na definição de um conhe-
cimento verdadeiro.
Desde este período, um processo intenso de controle de saberes os organizou
em disciplinas. Estas, por sua vez, distinguem o “saber” do “falso saber”, a partir dos
princípios instituídos de veridicidade no interior das mesmas. As diversas disciplinas
constituem um campo maior de saber, que desde o século XVII, tem se construído
como ciência. Na hierarquização dos saberes, a ciência tem sido legitimada como
produtora de conhecimento verdadeiro e isto tem efeitos de poder, já que esta racio-
nalidade autoriza a prática pela ciência do policiamento dos outros saberes (FOU-
CAULT, 2005). As universidades se tornaram espaços privilegiados de produção
e de circulação deste saber científico. Gallo (2006, p. 557) destaca algumas das
consequências deste processo disciplinador:

Dentre elas, destaco a conformação do perfil moderno da universidade como


instituição classificadora e legitimadora dos saberes; a constituição da assim cha-
mada “comunidade científica”, operadora e geradora do consenso acadêmico; por
fim, uma mudança na forma do dogmatismo, que se desloca da ortodoxia (isto é,
“censura dos enunciados”) para uma espécie de “ortologia” (que seria a “disciplina
152

da enunciação”, a forma de controle que se exerce por meio da disciplina, tendo


a ciência como poder regulador e não mais a filosofia).

A partir dos estudos foucaultianos, os pesquisadores do campo da educação têm


problematizado a formação com um espaço de tensões, onde processos de normaliza-
ção ocorrem, concomitantemente, às práticas desviantes. Neste aspecto, concordamos
com Fonseca (2012), ao definir a educação como um “plano de embates entre devires
e deveres, entre imposições de normas e desvio das mesmas, lugar, pois, onde pode
se insurgir o sujeito ético como aquele que faz escolhas em relação aos encontros
que diminuem ou aumentam sua potência de vida” (p. 3).

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Silva e Freitas (2015) apontam que as primeiras apropriações do pensamento
de Foucault pelos estudos do campo da educação no Brasil tiveram como referência
principal o conceito de técnicas disciplinares dispostas no livro “Vigiar e Punir”. Tal
recepção é marcada pelo contexto histórico-político referente ao final de Ditadura
Civil-Militar e as lutas contra o autoritarismo deste período. Já em fins da década de
1990, os estudos em educação ampliam seus campos de análise a outras temáticas
presente nas últimas obras do filósofo francês. Em decorrência disto ocorre uma
pluralização de pesquisas voltadas a dimensão ética e estética da educação. Este
deslocamento deve-se, em grande parte, pela publicação tardia das últimas obras de
Foucault e de entrevistas reunidas nas coletâneas intituladas “Ditos e Escritos”, que
deram visibilidade a outro conjunto de problematizações, a saber, a noção de cuidado
de si como forma de governo de si e dos outros.

Considerações finais
Os discursos sobre os direitos se estabelecem em uma trama de lutas, uma
vez que os direitos humanos foram objetivados a partir de distintas e divergentes
racionalidades políticas. Tais racionalidades e objetos não estão colocados, contudo,
a uma suposta identidade destes sujeitos docentes, como numa relação de restrição
discursiva, apontada por Foucault (2004) ao tratar da relação do autor e sua obra. É
intrigante notar como num mesmo enunciado sobre os direitos, distintas racionali-
dades são colocadas em circulação. Em um mesmo enunciado acerca dos direitos
humanos, foram disparados efeitos de poder-saber-subjetivação diversos. Assim,
em um único discurso, viu-se a afirmação ética de um direito que se constitui como
prática de resistência, ao passo que se viu a enunciação de um discurso que coloca
os direitos em uma lógica judicializante e medicalizante, que submete a vida ao jogo
das práticas disciplinares e regulatórias.
Tal análise nos remete à própria lógica agonística das relações de poder, anun-
ciada por Foucault (1995), posto que apontam para relações de poder-saber que não
são estatísticas, já que se movem a todo momento em um jogo de incitação contínua.
Nem o poder se encontra fixado em um indivíduo ou em uma instituição, nem os
processos de resistência se colam às formas cristalizadas.
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 153

Se as relações de poder não estão dadas de antemão, os efeitos dos processos


formativos, em que se constituem diversas relações de poder-saber, também não estão
dados. Nos espaços educativos também emergem contrapoderes, os quais trazem
a crítica aos processos de governamentalização disparados por estes. A prática da
liberdade como condição dos jogos de poder instiga a produção de linhas de escape,
exigindo sempre um novo investimento do poder. Aquino e Ribeiro (2009) destacam
que é este “inacabamento compulsório das relações de poder” que mantém fluídos
os movimentos de governamentalização e mantém a liberdade como fonte e como
impedimento das tecnologias de poder. A educação pode, portanto, ser um espaço
de interrogação da constituição de nós mesmos, a partir de uma perspectiva de pro-
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blematização do presente.
154

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GESTÃO DEMOCRÁTICA
NA EDUCAÇÃO E SUAS
(IM)POSSIBILIDADES DE EFETIVIDADE
EM TEMPOS DE NEOLIBERALISMO
Bárbara de Souza Campos
Vinicius Furlan
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Notas introdutórias
Este manuscrito é resultado de uma experiência de estágio obrigatório e super-
visionado de Psicologia e Educação na Universidade Metodista de Piracicaba (UNI-
MEP) que foi realizado em uma escola pública da rede estadual do estado de São
Paulo. Ao longo do estágio, participamos das reuniões de ATPC com o objetivo de
intervir para colaborar na construção do ATPC num espaço político e coletivo e
contribuir com o processo de formação da consciência das funções do ATPC.
Os dados colhidos durante as reuniões de ATPC fizeram-nos notar o quanto a
política neoliberal é um entrave nas relações interpessoais e nos processos escolares.
Há uma forte hierarquização e autoritarismo, além da falta de recursos financeiros
e materiais, que acabam inviabilizando o trabalho dos professores. Isto reflete, por
sua vez, na reprodução do discurso neoliberal no interior da escola culpabilizando
os alunos pelos seus insucessos escolares, além da ausência de consciência de per-
tencimento de uma mesma classe de trabalhadores, resultando no individualismo
(princípio neoliberal) dos professores.
Ademais observamos efeitos da política neoliberal na gestão da escola. A
diretora sofre certa coerção (ou pressão) de pessoas da diretoria de ensino e acabava
reproduzindo esse autoritarismo com os professores, o que torna a gestão demo-
crática impossível. Ou seja, as relações de poder do sistema capitalista estão sendo
reproduzidas no cotidiano da escola impedindo a efetividade da gestão democrá-
tica, princípio assegurado pela Constituição de 1988 e pela Lei nº 9394/96 – Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Assim, diante das observações, a relação
entre gestão democrática e política neoliberal de educação delineou-se como objeto
de nossa intervenção e crítica, as quais apresentamos neste manuscrito. O objetivo
deste estudo, portanto, foi o de analisar a efetividade da gestão democrática em uma
escola do estado de São Paulo considerando a sua relação com a política neoliberal
do Governo do Estado de São Paulo, bem como de trazer a crítica social como
analítica que comporta significante para a formação crítica e política de estudantes
de Psicologia.
162

Neoliberalismo e educação: influência e efeitos


Por meio da educação grupos são formados, estruturas sociais se consolidam e
culturas são construídas ou transformadas. A educação sempre manteve uma relação
intrínseca com cidadania; a função da educação é formar cidadãos emancipados e
críticos em relação à sociedade, destacam Neto e Campos (2017). Os autores des-
tacam que para Kant

[...] a educação não deveria ter como princípio básico o treinamento das crianças
e sim o objetivo de ensiná-las a pensar. Na visão do autor, o aluno deveria ser

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educado para tornar-se um cidadão crítico e autônomo, capaz de pensar e refletir
sobre a realidade (NETO; CAMPOS, 2017, p. 3).

Iop (2009) aponta que para Kant o conceito de “estado de menoridade” estaria
presente em todas as sociedades humanas. O indivíduo no estado de menoridade, é
regido pelos afetos e não pela razão, analisa a realidade de acordo com seus afetos e
suas crenças. Somente através da educação seria possível a superação desse estado
de menoridade, que podemos denominar de alienação da consciência. O indivíduo
alienado, não é consciente de seus direitos e deveres enquanto cidadão, não é cons-
ciente do papel do Estado em relação à garantia desses direitos.
Cidadania, por sua vez, significa respeitar o interesse de todos, isto é, cidadania
pressupõe coletividade; é se reconhecer enquanto um indivíduo de direitos e deveres
resguardados pelo Estado e ter como limite de conduta os direitos humanos. A relação
entre educação e cidadania sofre transformações em função de novas configurações
políticas, sociais, econômicas e culturais. Com a ascensão do neoliberalismo e seus
princípios de liberdade e individualismo, o conceito de cidadania vem sofrendo
modificações, principalmente sua relação com a educação (NETO; CAMPOS, 2017).
O neoliberalismo não é apenas um sistema econômico, mas normativo, um sis-
tema de valores. Segundo seus valores de individualidade e liberdade, o indivíduo é
responsável por si mesmo, o Estado é destituído da sua função de proteger os direitos
dos cidadãos. Cidadania no neoliberalismo relaciona-se ao ter, é considerado cida-
dão aquele que tem um conjunto de habilidades ou capital e seja capaz de promover
seu desenvolvimento e progresso (NETO; CAMPOS, 2017); a mudança na vida do
indivíduo e seus direitos são de responsabilidade do próprio e não do Estado. Não só
a cidadania é de responsabilidade do sujeito, como a apropriação dos bens culturais
também; o neoliberalismo transfere a escola os princípios da meritocracia, do esforço
individual e da competitividade (NETO; CAMPOS, 2017). A função da escola é
ensinar o aluno a aprender a aprender, assim, caso não atinja o “sucesso escolar”,
o único responsável (ou culpado) é o próprio aluno e não a lógica excludente (que
inclui para excluir) que permeia todos os processos escolares.
O processo de hegemonia do neoliberalismo teve início na década de 90 após o
Consenso de Washington, que reuniu representantes de países capitalistas desenvol-
vidos, órgãos multilaterais como o Banco Mundial, FMI e representantes da América
Latina. O objetivo era acabar com a concorrência internacional e tornar a América
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 163

Latina um terreno para expansão dos negócios dos EUA, inclusive sua influência na
educação (NETO; CAMPOS, 2017). No Brasil, segundo Gadelha (2017), a crise na
educação teve início em 1965 com a ascensão do governo militar, período em que a
educação perdeu sua função de transformação social e passou a ser dominada pelo
pragmatismo e pela lógica liberal, além do desmonte cultural e identitário sofrido
pelo Brasil devido à forte influência dos EUA nas políticas do país. Foi na década
de 90 também, com os governos de Collor Mello e Fernando Henrique Cardoso, que
órgãos internacionais como o Banco Mundial, OCDE e FMI começaram a exercer
influência nas políticas educacionais. Dentre esses órgãos, o Banco Mundial é o mais
influente em propostas para políticas educacionais em países emergentes; isso faz
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parte do objetivo dos neoliberais de promover os ideais neoliberais. Sendo assim, a


influência neoliberal tomou posse das políticas educacionais, estimulando a expansão
de instituições de ensino privadas, a precarização das instituições públicas, a dimi-
nuição da responsabilização do Estado pela educação pública, refletindo no baixo
salário dos professores, além da falta de condições propicias para seu trabalho; ade-
mais, foram criados sistemas de avaliação externos que estabelecem um padrão de
rendimento escolar, ou seja, estabelecem metas ou resultados que as escolas devem
atingir (JUNIOR; MAUÉS, 2014).
Em síntese, a educação no neoliberalismo é utilizada como estratégia de vei-
culação dos ideais neoliberais e como fábrica de capital humano, isto é, indivíduos
com capacidade técnica para lidar com a competitividade do mercado internacional,
adaptados aos ideais do capital.

[...] o homem neste projeto é reconhecido como objeto e não sujeito desse pro-
cesso, já que a centralidade fica na técnica e no capital; a sociedade é identificada
como espaço recriador da exclusão; os processos sociais são construídos por
interesse da “minoria” (NETO; CAMPOS, 2017, p. 3).

O projeto que os autores acima citam, é o projeto neoliberal; a escola neste


projeto funciona de acordo com essas características: centralidade na técnica e no
capital; reprodução das exclusões que acontecem nas relações sociais fora da escola;
e os processos escolares ou estratégias pedagógicas são construídos a partir dos
interesses da classe dominante, que no caso é a minoria. Com a influência do neo-
liberalismo nas políticas educacionais, constitui-se uma nova regulação educativa:
gestão local, descentralização e autonomia administrativa e centralização da avaliação
sistêmica (JUNIOR; MAUÉS, 2014). A descentralização e autonomia administrativa
significam que a escola é a única responsável pelo desempenho de seus alunos e,
além disso, é incentivada a obter investimentos por capitação, uma vez que os gastos
orçamentários do Estado com políticas sociais (incluindo a educacional) no sistema
neoliberal são insuficientes para suprir todas as necessidades das escolas. A centra-
lização da avaliação sistêmica se refere às avaliações de desempenho escolar feitas
pelos Governos Federal e Estadual (Prova Brasil, ENEM, SAEB, SARESP – no caso
de São Paulo –, Provinha Brasil); a partir dos resultados obtidos nessas avaliações
cria-se uma hierarquia de instituições escolares que incentiva a competitividade
164

entre as escolas, além do conteúdo nestas avaliações serem predominantemente de


português e matemática, o que pode gerar um sentimento de desvalorização nos
professores das demais disciplinas.
Sobre gestão local se entende que a gestão ou administração dos sistemas de
educação é de responsabilidade de municípios e estados. O termo administração é
historicamente predominante no Brasil e envolve planejamento, organização, controle
e gestão das atividades educacionais; o termo gestão é mais abrangente pois abarca
aspectos filosóficos e políticos (LIBÂNEO, 2007). Segundo Paro (2013), administra-
ção é mediação para se chegar a um objetivo proposto, ou seja, é a utilização racional
dos recursos disponíveis para atingir um objetivo estabelecido, que no caso da escola

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deveria ser formar cidadãos e futuros trabalhadores com capacidade reflexiva e crítica.
Na década de 1980, movimentos sociais que lutavam pela redemocratização do
país, e defendiam a capacidade de autogoverno das instituições, foram os precursores
da gestão democrática nas instituições públicas, para que as formas de gestão empre-
sarial e autoritárias – baseadas nos modelos fordista e taylorista de produção – que
eram predominantes no período de ditadura militar fossem superadas e a democracia
prevalecesse em todas as instituições públicas (MASSON; VANACKER, 2018).
Esses modelos de gestão autoritários eram fortemente hierárquicos e a divisão social
do trabalho era visível, os funcionários eram submetidos as vontades e ordens de
seus staffs (gestores) mais próximos – os gestores pensavam, decidiam, controlavam
(trabalho intelectual) e os funcionários executavam (trabalho manual).
No campo da educação, os movimentos dos professores por melhores con-
dições de trabalho e remuneração, em defesa da escola pública e por mudanças na
organização e gestão das escolas, contribuíram para que a gestão democrática fosse
regulamentada já na Constituição de 1988 no art. 206. Com a LDB – Lei de Diretrizes
e Bases – nº 9394/96, o princípio da gestão democrática foi fortalecido; nos artigos 14
e 15, é assegurado a autonomia das escolas com relação à gestão e a obrigatoriedade
dos profissionais da educação participarem da construção do projeto pedagógico e
da participação da comunidade escolar e local em instâncias democráticas como os
conselhos escolares (BRASIL, 2018).
De acordo com o Anuário Brasileiro da Educação Básica (2019), a porcen-
tagem total de municípios que em 2014 tinham Conselho Municipal é de 87,6% e
especificamente na região sudeste de 91,6%, que se sobressaiu das demais regiões.
Em relação à composição dos Conselhos Escolares dos municípios, 64,3% são com-
postos por professores, funcionários, alunos e pais/responsáveis e apenas 6,6% não
possuem conselho escolar. Sobre a eleição de diretores, a indicação ainda é predo-
minante, 45,5% e a eleição 21,9%. O modelo de gestão democrática é estabelecido
com o intuito de garantir a participação da sociedade nas decisões das instituições
e de superar relações autoritárias herdadas de um passado escravagista e colonial.
A gestão democrática implica em compreender a escola como um espaço de fazer
política, no qual a participação social é princípio fundamental e as decisões tomadas
são construídas pelo coletivo que fazem a articulação de interesses individuais e
interesses coletivos, isto é, de toda a comunidade escolar. Além da participação nas
decisões, estratégias e processos escolares, é necessário a participação na construção
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 165

e elaboração de políticas educacionais e o controle de efetividade dos direitos que


devem ser protegidos e promovidos pelo Estado. Numa escola com gestão demo-
crática, o projeto pedagógico deve levar em conta as necessidades da comunidade
escolar (CAETANO, 2009). Portanto, gestão democrática implica em cidadania.
Segundo Caetano (2009), é dentro da escola que as pessoas aprendem o jogo
democrático e a participarem das decisões coletivamente, ou seja, a escola deve
formar cidadãos livres que saibam exercer sua cidadania e que visem transformar a
realidade. Porém, a mesma autora admite que não seja uma tarefa simples, pois para
que uma escola seja democrática, é preciso que a sociedade também seja democrática
e, no Brasil, sofremos o efeito de relações de exploração e dominação do passado que
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atualmente são mais sutis, porém muito mais opressoras, absolutas e alienantes. O
neoliberalismo transformou todos os direitos fundamentais de qualquer ser humano
em mercadorias; como já apresentado acima, o neoliberalismo, além de ser um modo
de operar na realidade, é também um modo de vida.
Com a regulamentação do princípio de gestão democrática como obrigatoriedade
nas escolas públicas, acreditava-se que não haveria mais obstáculos que impedissem
a participação da sociedade nas decisões educacionais (MASSON; VAN ACKER,
2018). Porém, não é impondo um modelo de gestão que mudaremos a escola, pois
é necessário que ocorra uma mudança da cultura escolar. Para que seja possível a
gestão democrática, é necessário um reconhecimento das pessoas que integram o
cotidiano escolar, da responsabilidade, dos benefícios e possibilidades (CAETANO,
2009). Entretanto, para que as pessoas de uma sociedade sejam conscientes de seus
direitos, que compreendam o conceito de democracia, é preciso que haja uma educa-
ção voltada para a emancipação das consciências e desenvolvimento do pensamento
crítico-reflexivo. Mas não é isso que vemos no cotidiano escolar.
A educação no neoliberalismo está voltada para a adaptação dos indivíduos a
nova ordem mundial, para que sejam mão de obra adequada aos novos modos de
produção e organização. O objetivo de sistema neoliberal é iludir a sociedade com a
promessa de igualdade de oportunidades, para ocultar as contradições e a divisão de
classes. Diante disso, apesar de existir uma lei que regulamenta o princípio da gestão
democrática nas instituições públicas de ensino, o que se vê é a lógica empresarial
dominando o território escolar; a(o) diretor(a) torna-se o gestor(a), que deve contro-
lar seus funcionários (no caso os professores) para unir esforços com o objetivo de
atingir metas de desempenho estabelecidas de fora do cotidiano escolar, pois tanto
os conteúdos como a própria escola devem estar voltados para o mercado e não para
a construção de uma sociedade democrática com cidadãos conscientes. O professor
é apenas um mediador do processo de aprender a aprender do aluno que aplica suas
técnicas em função das decisões tomadas pelo gestor escolar.
Não cabe o conceito de gestão democrática dentro do sistema neoliberal. Podem
existir fragmentos de emancipação, tentativas de democratização do ensino, porém
estas não são plenamente realizadas. Tudo é cooptado pelo capital. É a “semiformação
socializada na onipresença do espírito alienado”, como Adorno (1996, p. 388) denun-
ciou. Penna e Bello (2015) realizaram uma investigação de relatórios de estagiários
da área de Gestão escolar do curso de Pedagogia de uma Universidade da Grande São
166

Paulo. O objetivo da investigação foi analisar as formas de gestão escolar identificadas


pelos alunos e os efeitos destas nas relações estabelecidas dentro das escolas; além
disso, trouxeram para reflexão a importância do debate das percepções dos alunos
estagiários nas supervisões. Os estagiários realizaram o estudo em duas escolas da rede
pública estadual paulista situadas na periferia da Região Metropolitana. Penna e Bello
(2015) utilizaram de uma perspectiva da micropolítica do ensino para a organização
dos dados e, a partir das anotações dos alunos, identificaram características da gestão
escolar de cada escola e de ações que potencializavam ou não a participação de todos
da comunidade escolar. O resultado foi que, apesar das escolas pertencerem à mesma
comunidade e à mesma rede de ensino, ambas apresentam formas distintas de gestão;

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uma das escolas tinha um perfil mais propenso a ações coletivas e, na outra, a gestão
era centralizada na figura do diretor; em ambas as escolas foram identificados movi-
mentos de resistência. Ambas as escolas possibilitam formas distintas de socialização
aos seus componentes. Sobre a importância das supervisões na Universidade, Penna e
Bello (2015), afirmam que as supervisões se mostraram fecundas para a promoção de
aprendizagem dos alunos acerca das relações de poder estabelecidas no interior das
escolas. Percebe-se como cada escola estabelece relações de formas distintas mesmo
sendo pertencentes de uma mesma comunidade e que apesar da tentativa de promover
a gestão democrática, ainda há relações hierarquizadas verticalmente.
O estudo de Penna e Bello (2015) não traz informações sobre canais de participa-
ção da comunidade local. Já Rocha e Hammes (2018), num estudo feito numa escola
pública do Rio Grande do Sul, tiveram o objetivo de fazer uma análise do processo
de gestão da escola a partir da exploração dos arquivos documentais dos órgãos
da escola. A abordagem utilizada pelos autores foi a qualitativa do tipo descritiva
documental. Para a coleta de dados foi utilizado referenciais teóricos norteadores do
princípio de gestão democrática e a metodologia foi a análise de conteúdo. Rocha e
Hammes (2018) concluíram que a escola ainda está distante do que é estabelecido
pelos documentos oficiais e estudos sobre gestão democrática na escola. O conselho
escolar realiza poucas reuniões com um número muito pequeno de participantes; o
Serviço de Supervisão Escolar é o órgão mais consultado pelos professores e alunos;
além disso, é inexistente o Grêmio Estudantil. Com relação ao Círculo de Pais e Mes-
tres, não há registro de reuniões, os autores foram informados pela direção que não
houve reunião desde a posse dos novos membros, há dois anos. Ou seja, teoricamente,
os canais de participação da comunidade na escola existem, porém não são efetivos.
Para além das regiões Sul e Sudeste, Silva (2017) realizou um estudo numa escola
pública da rede municipal de Maceió – Alagoas – com o objetivo de identificar a con-
cepção de gestão escolar vivenciada na escola. Foi utilizada a abordagem qualitativa
de pesquisa do tipo estudo de caso e, além disso, utilizaram pesquisa bibliográfica e
documental acerca das questões levantadas. Para a coleta de dados foram aplicadas
entrevistas semiestruturadas e feita análise de conteúdo sobre os depoimentos. Os
participantes das entrevistas foram quatro membros do conselho escolar: gestora, pro-
fessora, coordenadora pedagógica e funcionária. Silva (2017) conclui que a concepção
vivenciada pela escola de gestão escolar é democrática-participativa; a equipe gestora
conseguiu romper com práticas conservadoras na escola da coordenadora pedagógica;
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tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 167

é possibilitado na escola um clima organizacional de comprometimento, diálogo e


compreensão; eles fazem um trabalho de articulação das práticas pedagógicas, admi-
nistrativas e financeiras com a comunidade escolar e local; porém ainda necessita de
estratégias para fortalecer a participação da comunidade local e dos pais.
Voltando a região Sul, Forster, Veit, Antich e Reis (2011) apresentam uma pes-
quisa diferente das descritas acima. Os autores desenvolveram um estudo numa escola
pública de ensino fundamental localizada no Sul do país com o objetivo de fazer uma
reflexão acerca dos processos formativos na perspectiva dos professores. Para tanto,
foram utilizadas entrevistas semiestruturadas e realizaram análise de conteúdo para
chegar às conclusões. Os autores concluíram que a formação desenvolvida na escola
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faz a articulação de interesses particulares dos professores com interesses da escola


como um todo, gerando um clima mais satisfatório e prazeroso entre professores e
alunos; consequentemente, os alunos se envolvem mais com trabalhos coletivos e
possuem maior autonomia. Porém, ainda falta a participação da comunidade local.
Diante da leitura dos estudos apresentados acima, percebe-se que na maioria
das escolas a maior dificuldade é a participação dos pais. Apesar das estatísticas do
Anuário Brasileiro de Educação Básica (2019) serem satisfatórias na região sudeste
acerca de canais de participação social, estes canais são criados apenas como obri-
gação burocrática e não toma forma na realidade.

Método
O método utilizado foi o qualitativo, uma vez que se tratou de observar e intervir
nas relações interpessoais e institucionais entre docentes, equipe gestora da escola e
política institucional. Foi utilizada como metodologia a observação participante que,
segundo Haguette (1999a), é uma técnica de coleta de dados na qual o observador faz
parte e intervém no contexto e sua presença deve ser constante. O observador, nesta
metodologia, possui papel ativo e interfere sobre contexto, ou seja, produz mudanças
sociais e é modificado pelo mesmo. O observador mantém interações face a face com
os observados. Para Haguette (1999b), a observação participante não é apenas uma
técnica de coleta de dados, mas uma metodologia de investigação e intervenção em
que a teoria orienta a prática.
Segundo a autora (1999b), a observação participante é um processo de compar-
tilhamento consciente e sistemático entre o observador e os observados nas atividades
da vida, de interesses e sentimentos, no sentido de se colocar no lugar do outro para
compreender sua realidade social.

Local

O local de pesquisa foi uma escola estadual do município do interior do estado


de São Paulo, localizada num bairro que é considerado pela coordenação e pelos
professores de periférico. É um prédio grande e todo cercado por um muro alto; no
interior há muitas grades que separam o pátio e as classes do muro, com o intuito
168

de evitar fugas de alunos. A escola recebia cerca de 1600 alunos contando com o
ensino médio e o ensino integral que ocorre no período da manhã. Em relação ao
número de funcionários, não foi fornecida a informação.

Participantes

Os participantes foram professores do Ensino Médio, na sua maioria mulheres (9)


e 8 homens, com idade variada, além da coordenadora pedagógica e a diretora da escola.

Instrumentos

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Foram utilizados diários de campo, como recurso para anotar as observações e
interpretações realizadas nas reuniões, em forma de narrativas, isto é, descrição da
situação as quais contemplam as impressões pessoais do pesquisador.

Procedimento

Inicialmente marcamos uma reunião com a coordenadora pedagógica para escla-


recermos os objetivos do estágio. Tratou-se de estágio obrigatório com duração de um
ano. Após esse momento de apresentação, começamos a participar das reuniões de
ATPC semanalmente às segundas-feiras que começavam às 17:00 horas e acabavam
às 18:30 horas. Ao final das reuniões, eram feitas anotações no diário de campo a fim
de sistematizá-las posteriormente e elaborarmos caminhos de intervenção.
Após a sistematização, foram levantadas 8 categorias de análise: estrutura da
escola; relações interpessoais na instituição; relação escola e aluno; percepção das
agentes educacionais acerca da imagem da diretora; percepção profissional dos profes-
sores; reunião de ATPC; e escola e política educacional. Porém, devido aos limites do
objetivo escolhido para este artigo, analisaremos apenas a categoria “escola e política
institucional”. Para a análise, foram utilizados como referenciais estudos acerca do
neoliberalismo na educação e sobre o conceito de gestão democrática na educação
e nas instituições brasileiras; a análise foi orientada pela crítica social como recurso
para formação crítica e política em Psicologia.

Resultados e discussões
O estágio teve início numa escola estadual de São Paulo no primeiro ano da
administração de João Dória, e pudemos perceber que este já havia realizado muitas
mudanças no campo da educação estadual.
Uma das mudanças mais visíveis foi a estratégia de ensino, que oficialmente
é denominada de Método de Melhoria e Resultado. Trata-se de uma estratégia de
resolução de problemas muito utilizado em empresas e funciona da seguinte forma:
identificação de problemas ou dificuldades da escola, levantamento de possíveis
soluções e estabelecimento de metas; esse processo é feito em conjunto todo final de
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ano com professores, alunos e pais de alunos. Os participantes são escolhidos pela
diretora e o critério de escolha das disciplinas que serão trabalhadas é feito deve ter
por base as dificuldades dos alunos; os alunos escolhidos para realizar são os que
possuem maior rendimento escolar.
A escolha dos participantes e das disciplinas não é feita de maneira democrá-
tica; esta função cabe apenas à diretora, os professores não são consultados e nor-
malmente as disciplinas trabalhadas são português e matemática que são conteúdos
de provas como SAEB, Prova Brasil etc., com o objetivo dos alunos terem um bom
desempenho nessas avaliações com o intuito de promover a escola enquanto uma
instituição de qualidade (status) e de obter como retorno uma quantidade maior de
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recurso financeiro a escola. A partir do mês de outubro até meados de novembro


de 2019, a diretora pediu para que os professores trabalhassem apenas português e
matemática, devido ao SARESP que teria no final de novembro. Ou seja, o ensino
está todo voltado para o técnico (instrumental) e para os resultados que devem atingir
para obterem uma nota maior nessas avaliações de desempenho feitas pelo Governo
Federal e Estadual. O neoliberalismo concebe a educação enquanto mercadoria, ou
seja, deixa de ser um direito fundamental para ser tratada enquanto um produto do
mercado que é vendido pela escola, que, no caso, é vista como uma empresa que
deve atingir metas. Sendo assim, a diretora torna-se gestora, e os professores são
os mediadores do processo de aprender a aprender do aluno, processo que justifica
a evasão escolar, repetência, o analfabetismo funcional etc.; na falta de esforço ou
interesse do aluno desresponsabilizando o Estado e a sociedade como responsáveis
pela educação de crianças e adolescentes. Temos assim a divisão social do trabalho
tradicional do capitalismo, o gestor pensa, os professores (técnicos) executam, e os
alunos tornam-se objetos do processo de aprendizagem, isto é, existe uma hierarquia
vertical dentro da escola que impede que exista um coletivo capaz de tomar decisões,
tornando os processos escolares não democráticos.
Em uma das reuniões, após a coordenadora pedagógica informar que os pro-
fessores só poderiam reprovar um número pequeno de alunos, mesmo que estes não
preenchessem os critérios para aprovação, os professores se revoltaram com a situa-
ção questionando a coordenação qual era a função deles ali dentro. Em que pese as
questões problemáticas com relação ao processo de ensino que se baseia numa lógica
espúria de métrica do conhecimento, observa-se com isto que, no neoliberalismo, o
professor é apenas um funcionário com capacidade técnica para mediar o processo
de aprendizagem dos alunos, ele apenas executa o que o gestor escolar decide, des-
tituindo o professor de sua autonomia e função.
Solicitamos à coordenação que nos explicasse o motivo dessa decisão; expli-
cou-nos que, quanto menos aluno a escola reprovar, mais recursos financeiros são
enviados para a escola pelo governo estadual. Questionada acerca do destino do aluno
que estaria saindo da escola sem nem ao menos saber ler, disse que “nós (escola) faze-
mos o que podemos, se o aluno não quer não é problema nosso, a vida vai ensinar”.
Há dois pontos a destacar da frase acima: primeiro, a busca incessante por recur-
sos financeiros; foi feito até um bingo para arrecadar dinheiro; todo final de ano a escola
recebe uma quantia em dinheiro enviada pelo Governo Estadual, porém, esse dinheiro
170

estava atrasado e, caso não viesse, usariam o que arrecadaram no bingo. Um dos prin-
cípios que o neoliberalismo promove é a descentralização e autonomia administrativa
e financeira, ou seja, incentiva as escolas na captação de investimentos, parcerias
público-privadas, e, nesse caso, a participação da comunidade local e de pais é vista
com bons olhos, pois estes acabam fazendo a função que deveria ser do Estado; bem
como torna a escola a única responsável pela aprendizagem de seus alunos. O segundo
ponto trata-se da desresponsabilização do Estado e da escola em relação à função de
promover educação de qualidade voltada para cidadania; se o aluno não vai bem, é
culpa dele mesmo afinal, no neoliberalismo, o indivíduo é empresário de si mesmo,
e, por ser empresário de si mesmo, é o único responsável por seu desenvolvimento.

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Em outras reuniões, houve momentos de coletividade dos professores. A coor-
denadora havia transmitido em uma das reuniões a data de entregas das notas finais
dos alunos e a data das provas que seriam no início de dezembro. Os professores se
reuniram e decidiram solicitar à diretora que mudasse a data das provas para final
de novembro, para que tivessem um tempo maior para correção e entrega de notas e
para ajudar os alunos que trabalham no comércio, pois normalmente final de ano estes
fazem uma jornada de trabalho maior, dificultando a frequência na escola. Porém, a
sugestão dos professores não foi acatada pela direção, pois esta se mostrou receosa em
relação à mudança das datas devido a imprevistos que poderiam ser proporcionados
pelo governo estadual, como questionários online enviados de última hora. A decisão
do coletivo foi submetida à decisão e ao medo da direção por conta da imprecisão
e desorganização da administração estadual. Assim, não só os professores, mas a
direção e coordenação se sentem sobrecarregados e desamparados, uma vez que se
tem uma administração estadual desorganizada e autoritária.
Houve ainda momentos que alguns professores tentaram organizar seus cole-
gas para participarem de atos a favor dos direitos trabalhistas dos professores que o
governo estadual pretendia tirar e/ou diminuir; porém, todos se mantiveram apáticos,
estáticos, como se não se preocupassem. Mais uma vez o individualismo – princípio
neoliberalista – presente nas relações interpessoais da escola. É cada um por si, há
ausência consciência de classe e nem de profissão entre os professores. É possível ver
os efeitos do conformismo, da adequação ao sistema, neutralizando qualquer impulso
de ruptura com a lógica do capital, que inicia na não possibilidade de autonomia das
decisões do coletivo de professores na gestão escolar.
Além dos problemas com a instância estadual, a escola mantém problemas
com supervisores da diretoria de ensino da cidade, que, segundo relatos nas reuniões
de ATPC, já expressaram ameaças em relação ao fechamento do ensino médio na
escola. A diretora trabalha contra essa medida fazendo articulações com políticos da
cidade, inclusive o prefeito. Quando não é o governo estadual, são as autoridades
locais, hierarquicamente acima da diretora, que impõem todo tipo de medida. Mais
uma vez nenhum professor foi consultado sobre isso. A preocupação da Diretoria de
Ensino é o rendimento dos alunos em português e matemática, mostrando o descaso
dos sistemas educacionais com outras disciplinas como filosofia, sociologia, história
etc., e a atenção excessiva em disciplinas não menos importantes como português e
matemática, porém voltadas apenas para a dimensão técnica dessas áreas do saber.
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Outro dado importante observado foi a ausência da comunidade local no coti-


diano da escola. Não existe. Ao contrário, a comunidade local é vista de forma
pejorativa por muitos funcionários na escola, pois é um bairro de periferia que
sofre com a criminalidade. Os professores, a coordenação, têm medo das pessoas
do bairro, tem medo de alunos envolvidos com a criminalidade, o preconceito de
classe acaba sendo um obstáculo que impede a efetividade da gestão democrática.
Gestão democrática implica na participação efetiva de toda a comunidade escolar, as
decisões tomadas dentro da escola devem ser estabelecidas com base nos interesses
coletivos e não individuais.
A última medida imposta pelo governo estadual foi a separação da reunião de
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ATPC; os professores foram divididos por áreas do conhecimento. Ou seja, o con-


tato entre os professores foi perdido, não há outro espaço de discussão do coletivo;
o coletivo antes mesmo de existir efetivamente foi desfeito. As discussões agora se
limitam a saberes específicos, não há interdisciplinaridade. Não há trocas de expe-
riências entre conhecimentos distintos e erradicou-se a possibilidade de constituição
de sentimento de pertença grupal e formação de uma identidade coletiva.
Portanto, no acompanhamento da gestão escolar, ao longo de um ano, obser-
varmos que não existe a possibilidade de gestão democrática numa escola submetida
pela lógica empresarial do neoliberalismo, onde os gestores pensam, mandam e
controlam e os funcionários apenas executam, sem debate, sem coletivismo, em que
o que importa é atingir resultados esperados pelos padrões de desempenho impostos
de cima. Incentiva-se a busca por parcerias público-privadas e o Estado não se res-
ponsabiliza pelo investimento e nem pela aprendizagem dos alunos. O ensino não
é democrático. A coletividade é fator essencial numa gestão democrática; onde há
individualismo não há coletividade. Professores, direção e coordenação reproduzem
as relações de poder do sistema capitalista, reproduzem os preconceitos de classe e o
princípio de individualismo. E assim o sistema neoliberal mantém direção, coordena-
ção, professores e alunos alienados dos processos sociais de exploração e dominação
que acontecem na sociedade e geram efeitos na educação.

Considerações finais
A educação é o processo de formação cultural do humano e mantém relação
intrínseca com a cidadania. Cidadania é voltada para o bem comum, ou seja, os
interesses de toda a sociedade e não apenas de alguns; é produto de uma gestão
democrática onde as decisões são tomadas pelo coletivo e há participação efetiva da
comunidade escolar. Porém, como tornar efetiva a gestão democrática num contexto
em que a educação é vendida como mercadoria, onde as relações são verticais e
divididas em trabalho intelectual e trabalho manual? Onde a escola funciona como
uma empresa capitalista?
As políticas educacionais afirmam que a gestão democrática é um princípio a ser
seguido na educação pública, porém, os conceitos de descentralização, autonomia e
participação social são usados pelo neoliberalismo para justificar o esvaziamento da
172

função do Estado enquanto principal regulador político e socioeconômico, fazendo


com que as políticas sociais – incluindo aí as educacionais – sejam deixadas em
segundo plano no orçamento. O princípio de gestão democrática é cooptado pelo
sistema capitalista, colocando-o a serviço da lógica liberal.
Apesar da importância do estudo dessa relação entre gestão democrática e
sistema neoliberal, não há muitas pesquisas voltadas para a dinâmica dessa relação,
principalmente estudos empíricos. Finalizamos este texto com a seguinte pergunta:
para que a gestão democrática não só da educação, mas de todas as instituições
públicas se efetive, será necessário outro sistema político, social e econômico? É
preciso ser anticapitalista para defender a gestão democrática das instituições públi-

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cas? Como atuará a Psicologia no âmbito da educação diante do cenário neoliberal?
Como as experiências de estágio no interior da educação neoliberal refletem nos
processos de formação em Psicologia? São questões que devem ser refletidas e, a
partir daí, estudadas para que possamos realizar transformações na educação e em
toda sociedade.
A crítica social orientou-se no sentido da análise e da denúncia da política
neoliberal que impede os caminhos para a gestão democrática da educação; como
isto podemos considerar que a crítica social comporta signo para a formação
política e crítica de estudantes de Psicologia a qual implique a construção da
cidadania dos estudantes e oriente o caminho da formação no horizonte da eman-
cipação humana.
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REFERÊNCIAS
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QUADROS DE GUERRA, VIDAS
PRECÁRIAS E O DOCUMENTO NA
PESQUISA HISTÓRICA COM JORNAIS:
a produção de jovens negros e pobres
como corpos aniquilados
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Ana Carolina Farias Franco


Flávia Cristina Silveira Lemos
Rachel de Siqueira Dias
Márcia Roberta de Oliveira Cardoso
Cristina Simone Reis Oliveira
Maria Fernanda Monteiro Favacho
Fernanda Souza da Silva

Introdução
Neste capítulo, pretendemos seguir a análise da produção do jornal como
documento na relação com a necropolítica e a produção de jovens pobres e negros
como matáveis, levantando questões acerca das novas formas de controle produzidas
pelo capitalismo contemporâneo e suas implicações sobre a regulação da juventude.
Esta escrita histórica, genealógicas e cartográfica das forças políticas e econômicas
contemporâneas que regulamentam as parcelas juvenis e outros segmentos popula-
cionais é necessária, pois são estas forças que fundamentam as racionalidades do
Diário do Pará na produção de notícias sobre o homicídio juvenil. Os jornais, em
especial, o Caderno Policial com as fotos que são veiculadas constrói regimes de
verdade e modos de regular as existências com vieses seletivos racistas, classistas,
de preconceito de gênero e etaristas. Resistir a estas racionalidades é lutar contra os
intoleráveis do nosso tempo.

A História e as tramas de Clio


A valorização do documento como fonte do ofício do historiador se imbrica
com o início do projeto de constituição da História como disciplina científica. Desde
o século XIX, quando certo modelo historiográfico foi objetivado como científico,
o documento tornou-se a fonte por excelência do acesso ao passado. As elites emer-
gentes da III República Francesa, no século XIX, a fim de construir uma memória da
nação e limitar o campo de sujeitos autorizados a produzir esta memória, fundamen-
taram o projeto de transformar a História em uma disciplina autônoma e científica,
definindo as regras e as metodologias autorizadas ao ofício do historiador. Antes
176

disto, na França, a prática da pesquisa histórica era metodologicamente heterogênea


e exercida por profissionais do campo da literatura e da filosofia (FERREIRA, 2002).
A iniciativa de institucionalização da História deve ser analisada, portanto,
vinculada a dois outros processos, que emergiram no século XIX: ao nacionalismo
difundido com a formação dos Estados Nacionais, em que o historiador passa a ser
considerado um intelectual de “ponta”, por deter a missão de construir a memória
da nação (ALVES, 1988); e a difusão do modelo epistemológico construído por
Auguste Comte, o modelo positivista, que se generaliza como parâmetro para as
chamadas ciências sociais.
Os historiadores da Universidade de Sorbonne, Charles-Victor Langlois e Char-

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les Seignobos, em 1898, publicaram um texto intitulado Introdução aos Estudos
Históricos, que divulgava os métodos das ciências históricas. Neste texto, entre outros
publicados pelos professores, defendiam que as fontes documentais se configura-
vam como os principais alvos da suspeita da História Metódica (BORGES, 2008).
Era nítida ainda a ressonância sobre a chamada Escola Metódica dos pressupostos
teóricos-metodológicos lançados pelo historiador Leopold Von Ranke (1795-1886):

Seriam quatro os pressupostos rankeanos necessários para atingir a objetividade


e conhecer a verdade da história – relatar apenas aquilo que realmente ocorreu, a
dissociação entre sujeito e objeto do conhecimento com objetivo a constituição
de uma visão imparcial dos acontecimentos, a ideia de que a história já existe em
si mesma, cuja estrutura é diretamente acessível ao conhecimento do historiador,
o historiador age dentro de uma relação passiva em relação ao fato histórico que
pretende registrar, a tarefa do historiador consiste fundamentalmente na reunião
de dados assentados em fontes seguras que revelaram a verdade sem necessidade
de qualquer tipo de especulação filosófica (ARRAIS, 2006, p. 1).

A crítica documental positivista assegurava que só a análise rigorosa dos docu-


mentos poderia legitimá-lo como fonte segura do passado. Com a garantia da autenti-
cidade e objetividade das fontes, os documentos passavam a figurar como testemunhos
fiéis dos acontecimentos. Estes eram tidos como provas dos fatos históricos e como
tais, carregavam, portanto, a verdade dos fatos pronta a ser revelada pelo historiador
(LE GOFF, 2006). Caberia ao historiador positivista organizar e ordenar os fatos his-
tóricos latentes no documento em uma sequência linear e cronológica, evidenciando
uma relação de causa e efeito entre os mesmos (SOUZA JÚNIOR, 1988).
Albuquerque Júnior (2009) aponta que tanto a Escola dos Annales, quanto o
materialismo histórico-dialético, correntes historiográficas que se tornaram hege-
mônicas ao longo do século XX, teceram críticas à posição positivista acerca do
documento. Enquanto os marxistas chamaram atenção para o caráter ideológico dos
documentos, questionando os interesses políticos e econômicos que sustentam os
discursos presentes nos mesmos; a Escola dos Annales questionava a credibilidade
dada, exclusivamente, aos documentos oficiais e de Estado, bem como “[...] propusera
a tese de que o documento era também uma elaboração do historiador e que este devia
ser pensado em suas condições de produção, arquivamento e recepção” (2009, p. 233).
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 177

Queremos destacar as contribuições desta última corrente historiográfica pela


proximidade que a mesma manteve com o pensamento foucaultiano. Le Goff (1996)
e Burke (1991) destacam o mérito dos Annales, movimento formado por um grupo de
historiadores associados à revista Annales d’histoire économique et sociale (lançada
em 1929, na França), para a construção de uma nova perspectiva historiográfica, que
rompesse com alguns destes postulados. Burke (1991, p. 11-12) destaca algumas
inovações engendradas por este grupo na tradição histórica:

Em primeiro lugar, a substituição da tradicional narrativa de acontecimentos por


uma história problema. Em segundo lugar, a história de todas as atividades huma-
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nas e não apenas história política. Em terceiro lugar, visando completar os dois
primeiros objetivos, a colaboração com outras disciplinas, tais como a geografia,
a sociologia, a psicologia, a economia, a lingüística, e tantas outras.

A escola dos Annales, como ficou conhecida, pode ser dividida em três fases: A
primeira (1920-1945), em que se destacam a produção teórica de Lucien Febvre e Marc
Bloch, foi marcada pela contraposição de seus membros à história tradicional, dirigida
a uma história política e de eventos (BURKE, 1991). A história factual positivista
dispunha-se a narrar apenas os grandes eventos políticos e a produção biográfica das
grandes personagens, fazia-se a história dos reis e dos marechais. A nova historiografia
francesa propunha-se a lançar a análise do não factual, isto é, investigar os eventos
ainda não reconhecidos como legítimos objetos de estudo (VEYNE, 2008).
No combate a posição positivista, Febvre e Bloch defendiam uma “história
total”, que apreendessem a história não dos fatos políticos, mas das sociedades huma-
nas. Sob a égide do termo “social”, estes historiadores “[...] procuraram demonstrar
que o epíteto ‘social’ significa a apreensão da história do homem na sua totalidade,
ou seja, o homem entendido no seio dos grupos de que faz parte” (SOUZA JÚNIOR,
1988, p. 73). Na segunda fase do movimento, são empregados novos conceitos, como
os de estrutura e conjuntura, assim como novos métodos, como o criado por Fernand
Braudel da história serial das mudanças de longa duração. A visibilidade as longas
durações era mais uma ferramenta de contraposição a esta história episódica, que se
materializava como crônica política dos acontecimentos oficiais (BURKE, 1991).
Após 1968, dá-se início a terceira fase do movimento, caracterizado pela plura-
lidade de abordagens. Enquanto alguns pesquisadores avançaram em direção a uma
história das mentalidades, uns apostavam em uma história quantitativa e outros ainda
se contrapunham a mesma. Destaca-se também uma “viragem antropológica”, isto
é, a aproximação do trabalho historiográfico à antropologia cultural, resultando na
produção de uma história cultural da sociedade. Outra característica desta fase é o
retorno à temática da política (já que nas outras fases do movimento, enfatizavam-se
os aspectos econômicos e sociais na narrativa historiográfica) e o renascimento do
interesse pela narrativa de eventos (BURKE, 1991).
A terceira geração dos Annales, também chamada de História Nova, de acordo
com Araújo e Fernandes (2006, p. 15), lançou “novas perspectivas e conceitos, deli-
mitados, principalmente, pelo esgotamento das concepções traçadas pela Escola
178

dos Annales e pelas mudanças políticas e sociais que marcaram as décadas de 1960
e 1970”. O lançamento das três publicações de Jacques Le Goff e Pierre Nora foi
fundamental para divulgação de novos métodos, novas abordagens e novos objetos
históricos. As novas movimentações e organizações políticas articuladas na emergên-
cia de novos atores sociais (mulheres, negros, trabalhadores migrantes, indígenas e
homossexuais), a partir da década de 60, teciam críticas à história oficial, que excluía
ou minorizava a atuação política destes grupos sociais. Na Inglaterra, neste período,
os historiadores marxistas são os primeiros a escrever uma “história vista de baixo”1
(ARAÚJO; FERNANDES, 2006). Segundo Veyne (2008, p. 27), passou-se a entender
que “os povos ditos sem história” eram, na realidade, “povos cuja história se ignora”.

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Foucault e a História Cultural na análise dos quadros de guerra
Foucault é contemporâneo a esta efervescência política que reinventava não
somente a historiografia como também outros campos de saber. Em meio a esta profícua
produção de novas formas de abordagens, dimensões e métodos históricos, Foucault
produzia pesquisas históricas que questionavam o presente por meio de problematizações
de caráter ético-políticas. Na introdução de Arqueologia do Saber, Foucault (2005a)
escreve sobre este novo posicionamento histórico, que começou a ser delineado na
primeira metade do século passado. Ele afirma que já há algum tempo historiadores do
pensamento, dos conhecimentos, da filosofia e da literatura indagam-se sobre as rupturas,
cortes, transformações, os quais revelam o interesse destes pela descontinuidade histórica
(como exemplo cita as proposições de Bachelard, Canguilhen, Guéroult) (FOUCAULT,
2005a). O pensador anuncia a que certa perspectiva histórica quer se distinguir: é aquela
que dá preferência aos longos períodos históricos, como se nestes fosse possível encontrar
“regulações constantes”, que apontassem para uma continuidade secular.
A nova história empreende ainda uma história geral, em detrimento de uma
história global. Esta última defende que sobre todos os acontecimentos ocorridos em
uma determinada época e lugar é possível identificar uma rede de causalidade que os
relacione e que expresse um único núcleo central. Busca-se o princípio de uma socie-
dade ou civilização; supõe-se a existência de estágios ou fases históricas, submetidos
a um princípio de coesão; ou ainda que estes acontecimentos apresentem uma mesma
forma de historicidade, “que compreenda as estruturas econômicas, as estabilidades
sociais, a inércia das mentalidades, os hábitos técnicos, os comportamentos políticos”,
e que possuam sempre as mesmas fôrmas de transformação (FOUCAULT, 2005a,
p. 11). É importante demarcar que há neste posicionamento um nítido distanciamento
da história total, visada pelos historiadores da primeira geração dos Annales, bem
como uma crítica ao conceito de “sociedade”, como norteador teórico das análises
históricas, assim como de outros conceitos universalizantes.
O projeto de uma história geral, pelo contrário, não anseia por invariantes his-
tóricos. O que a história nova problematiza são “as séries, os recortes, os limites, os

1 De acordo com Araújo e Fernandes (2006, p. 17): “a expressão ‘history from below’ (‘história vista de baixo’)
foi criada por Edward P. Thompson num artigo publicado em 1996 no suplemento literário do The Times.
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 179

desníveis, as defasagens, as especificidades cronológicas, as formas singulares de


permanência, os tipos possíveis de relação” (FOUCAULT, 2005a, p. 11). Ao fazer
isto, assegura Foucault, não se busca produzir uma variedade de histórias, que ainda
que ocorram no mesmo espaço e tempo, seja pensada de forma justaposta e em total
independência umas com as outras. O que se quer fazer aparecer são estas séries, a
relação entre estas séries (séries de séries), e de que modo estas compõem “quadros”.
Para Foucault (2005a, p. 14), a história contínua e a história totalizante conduzem
a um mesmo pressuposto: a “função fundadora do sujeito”, isto é, atribuem à consciên-
cia humana e ao sujeito originário, o sentido da história. Desta forma, as revoluções
jamais passariam de “tomadas de consciência”. O projeto arqueológico segue na
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direção da crítica a esta soberania do sujeito, objetivo que é mantido, como veremos
posteriormente, com o desenvolvimento da genealogia. Quis, assim, desvencilhar-se
destas práticas históricas: que se valiam da noção de um sujeito constituinte, e cujo
domínio de estudo era explicado a partir de um imperativo econômico, evidenciando
a relação entre uma superestrutura e uma infraestrutura. Não lhe interessava nem a
semiótica, com o uso das análises dos campos simbólicos e das estruturas significantes;
nem a dialética, que com sua lógica de contradição tentava evitar a “realidade aleatória
e aberta” dos acontecimentos históricos (FOUCAULT, 2009a, p. 5). Foucault reconhece
outra mudança na escrita da história e que incide sobre o documento: “a crítica ao
documento”, isto é, a crítica à noção de que no documento está a verdade dos fatos, e
que a partir deles o passado seria encontrado. Neste novo posicionamento da história:

[...] ela considera como sua tarefa primordial, não interpretá-lo, não determinar se
diz a verdade nem qual é o seu valor expressivo, mas sim trabalhá-lo no interior e
elaborá-lo: ela o organiza, recorta, distribui, ordena e reparte em níveis, estabelece
séries, distingue o que é pertinente do que não é, identifica elementos, define unida-
des, descreve relações. O documento, pois, não é mais, para a história, essa matéria
inerte através da qual ela tenta reconstruir o que os homens fizeram ou disseram,
o que é passado e o que deixa apenas rastros: ela procura definir, no próprio tecido
documental, unidades, conjuntos, séries, relações (FOUCAULT, 2005a, p. 7).

Tratava-se, portanto, de usar o documento não a favor de uma história-memória,


mas de debruçar-se sobre o mesmo, o problematizando como um monumento, isto
é, como o resultado de uma montagem, produzido por determinada sociedade e em
determinada época, afinal cada sociedade elege aquilo que deseja que se torne memória
coletiva (LE GOFF, 2006). Para Albuquerque Júnior (2009), ao passar a interrogar
junto com Le Goff sobre a produção do documento, Foucault avança em aspectos não
problematizados nem pela corrente marxista, nem exatamente pelos Annales, porque,
nestes movimentos, os documentos “[...] eram analisados (e também ainda o são, mui-
tas vezes) enquanto construções de versões sobre o passado, mas nunca interrogados
eles mesmos como construções narrativas” (2009, p. 234). Voltaremos a apresentar
o posicionamento foucaultiana sobre a história, nos interessa, por hora, salientar que
a inovação de objetos, abordagens e métodos históricos pela História Nova levou a
uma triunfante ampliação qualitativa e quantitativa do que se define como documento:
180

A história nova ampliou o campo do documento histórico; ela substitui a histó-


ria de Langlois e Seignobos, fundada essencialmente nos textos, no documento
escrito, por uma história baseada numa multiplicidade de documentos figurados,
produtos de escavações arqueológicas, documentos orais etc. Uma estatística, uma
curva de preços, uma fotografia, um filme, ou, para um passado mais distante, um
pólen fóssil, uma ferramenta, um ex-voto são, para a história nova, documentos
de primeira ordem (LE GOFF, 2005, p. 22).

É apenas com a efetiva expansão das fontes documentais e dos objetos de pes-
quisa, empreendidas pela terceira geração dos Annales, que o jornal ganhou um novo
estatuto nas produções históricas. Se para a tradição histórica prescrevia-se como

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fonte essencial, documentos que dispusessem de características objetivas, os jornais,
para esta lógica, não cumpriam os requisitos exigidos para uma fonte fidedigna, uma
vez que eram considerados como imparciais, pois produzidos a partir das paixões
dos jornalistas, transbordados de ideologias (DE LUCA, 2006). O método histórico,
especialmente o produzido pela História Nova, tem sido bastante utilizado pelos
estudos sobre a imprensa, para problematizar os aspectos de produção, circulação e
recepção da notícia. Vejamos esta possível articulação entre os campos disciplinares
da História e do Jornalismo.
Paul Veyne (2008), historiador e professor do Collège de France, afirma que a
História não se ocupa e nem pode se ocupar dos fatos do modo como estes ocorrem,
esta propõe sempre uma narrativa para os eventos históricos, como um itinerário possí-
vel dentre outros. O documento pode oferecer apenas os indícios e é o historiador quem
tecerá a trama dos acontecimentos, propondo certa versão, a que nomeará de História.

Os historiadores narram tramas, que são tantas quanto forem os itinerários traçados
livremente por eles, através do campo factual bem objetivo (o qual é divisível até
o infinito e não é composto de partículas factuais); nenhum historiador descreve
a totalidade desse campo, pois um caminho deve ser escolhido e não pode passar
toda a parte; nenhum desses caminhos é o verdadeiro ou é a História. Enfim o
campo factual não compreenderia lugares que se iria visitar e que chamariam de
acontecimentos: um fato não é um ser, mas um cruzamento de itinerários possíveis
(VEYNE, 2008, p. 45).

Com esta afirmação, o historiador não quer sustentar um relativismo teórico,


quer afirmar, sobretudo, que o passado é um campo altamente disputado e que não
há postura ingênua ou neutra neste tecer da história, uma vez que o historiador não
a escreve como um espectador distante dos eventos, já que o mesmo faz parte do
jogo constitutivo desta. E ainda que esteja limitado a um determinado tempo e lugar,
que lhe impõe regras e prescrições, o historiador não está inteiramente submetido
às mesmas, pode sempre escapar a repetição e produzir uma nova leitura, narrar o
mesmo evento pelas mais diversas perspectivas (ALBURQUERQUE JÚNIOR, 2007).
Tampouco há neutralidade na escolha do documento, o pesquisador, ao ele-
ger um documento para investigação, empreende sempre um recorte, entre tantos
outros possíveis, da realidade. Lembremos que o documento é, afinal das contas, um
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 181

monumento e como tal é “[...] o resultado da cristalização de verdadeiras ‘batalhas


pela memória’” (CASTRO, 2005, p. 15). É preciso, ainda, demarcar a diferença entre
memória e história. A memória individual ou coletiva não é o acesso direto aos even-
tos históricos, é sempre a visão de um grupo ou pessoa sobre o passado. A História
oferece uma conceitualização a estas memórias; neste sentido, Albuquerque Júnior
(2007) afirma que gestar a história é uma forma de violar memórias. A “História é
uma violação”, na medida em que historiador constrói uma narrativa a partir destas
memórias, buscando evidenciar as diferenças entre passado e presente e na medida
em que “[...] trabalha com temporalidades longas que escapam à cotidianidade de
qualquer pessoa ou conjunto de pessoas”, cuja experiência vivida apresenta uma
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temporalidade curta (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2007, p. 207).


É possível realizar aproximações entre o fazer do historiador e o fazer do jor-
nalista, ainda que suas práticas sejam demarcadas por objetivos e procedimentos
distintos. Tal como na escrita da história, o jornalista não narra a verdade dos fatos,
antes oferece uma versão para os eventos sociais. A articulação entre os fatos não é
natural no ofício do historiador, esta articulação “[...] é que é a condição de produção
dos discursos da História e do Jornalismo” (STEINBERGER, 2005, p. 91).
Assim, como um historiador pode narrar um século em apenas uma página,
o jornalista seleciona, organiza e simplifica um acontecimento, podendo narrá-lo
em uma pequena matéria ou, ainda, relatar um evento de um dia em longas repor-
tagens. Steinberger (2005) lembra o caso dos atentados de 11 de setembro, sobre
o qual muitas páginas foram dedicadas pela imprensa nacional e internacional. A
autora chama atenção aos possíveis efeitos desta seleção: “acontecimentos que só
são tratados em notas, por exemplo, serão considerados também pelo leitor como
de pouca importância” (p. 88).
Mas o que faz com que um evento tenha pouca ou grande importância para um
jornalista? O valor de noticiabilidade de um acontecimento é dado por um conjunto
de fatores como o “potencial de sedução apelativa” que tenha determinado fato, isto
é, a capacidade atribuída ao mesmo de atrair atenção de quem lê a notícia (STEIN-
BERGER, 2005). Mais do que isto, o que indicará qual evento é passível de se tornar
notícia ou não (para além das normativas técnicas, as quais o fazer do jornalista pode
estar submetido) é a orientação da política editorial a qual a empresa em que trabalha
possui e o contexto sociopolítico em que a matéria é produzida.
Os meios de comunicação também são produtores de memória coletiva. Neste
sentido, Barbosa (2004) ressalta os jornalistas como “senhores da memória”, pois
agenciam no processo seletivo de produção da notícia o que deve ser lembrado e o
que deve ser esquecido. Por ser outorgada como discurso verdadeiro, dificilmente,
questionamos a narrativa jornalística.

Fotografia como documento e enquadramentos de guerra


A produção da memória tem uma importante função política ao determinar
não somente o que deve ser lembrado, mas como o deve. Neste aspecto, os meios
de comunicação de massa tendem abordar, por exemplo, a vida dos jovens pobres
182

e moradores das periferias das grandes cidades menos nos espaços destinados ao
esporte, ao lazer e à cultura, do que nos noticiários policiais. Encontra-se aí rastros
de uma opção que deve ser tensionada. Os questionamentos do historiador frente a
suas fontes documentais lançaram-nos pistas para indagar nosso objeto de pesquisa,
o Diário do Pará: são perguntas referentes tanto ao contexto de produção deste docu-
mento, quanto ao contexto de recepção: a que posição institucional ocupa o produtor
deste documento? A partir de que argumentos sustenta seu discurso? Sobre qual tema
trata e qual não menciona? A que público se destina?
Os documentos em análise, no geral, são compostos por textos verbais e por foto-
grafias. Por ocuparem grande parte das matérias, consideramos importante fazer algu-

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mas considerações sobre as fotografias e apontar alguns elementos metodológicos que
orientaram a análise das mesmas. A técnica de fixar a luz dos objetos em uma câmara
escura, mediante a ação de processos químicos data do início do século XIX. Todavia,
no campo historiográfico, a fotografia permaneceu, por muito tempo, excluída do rol de
fontes privilegiadas, de acordo com os parâmetros da História Metódica. Borges (2008)
ressalta que os tipos iconográficos, para Escola Metódica no século XIX, possuíam
uma função subalterna nas pesquisas históricas: as imagens visuais eram utilizadas
apenas para facilitar a compreensão das informações contidas nas fontes impressas.
Ademais, requeria-se a manutenção de uma “visão retrospectiva” dos fatos,
pois se entendia que “só o recuo no tempo poderia garantir uma distância crítica” e
objetiva dos mesmos (FERREIRA, 2002, p. 316). Desde modo, as fotografias não
poderiam ser objetos de investigação das pesquisas históricas no século XIX, uma
vez que eram contemporâneas a elas. As fotografias eram consideradas “testemunhas
do presente”, não do passado. Só a mudança no paradigma histórico pôde igualar
a importância das fontes escritas, orais e visuais (BORGES, 2008). Já no campo
midiático, a fotografia foi adotada pela imprensa ainda no século XIX. Contudo,
somente ao longo do século XX, com o desenvolvimento das técnicas fotográficas,
estas passaram ocupar espaço mais relevante na imprensa, inclusive, levando a criação
de um gênero específico, qual seja: o fotojornalismo.
Zanchetta Jr. (2004) afirma que, a partir da década de 1920, “o fotojornalismo
aprimorou-se em diferentes campos, tendo como marca o flagrante do cotidiano (do mais
comum ao exótico), mas que passava a potencializar o sentimento humano (o drama,
o êxtase, a alegria, a intolerância)” (2004, p. 79-80). Um exemplo são as fotografias
de um caderno policial de um jornal impresso e as fotos selecionadas e editadas para
narrar as matérias e notícias produzidas. Em um Caderno de Polícia, a fotografia não
é um mero subsídio ao texto verbal, pelo destaque que são dadas às mesmas podemos
arriscar que as imagens fotográficas tenham um valor informacional maior do que a fala
escrita, em virtude dos possíveis efeitos de sensibilização do leitor que estas produzem.
Neste caso, como declara Butler (2019), trata-se de quadros de guerra.
Tal como o texto escrito, a fotografia não é simplesmente um retrato fiel e neutro
da realidade, ela oferece uma perspectiva do acontecimento. A escolha de determinada
luz, cor, enquadramento, angulação e plano pode cumprir com interesses diversos.
Estes elementos indicam não apenas uma filiação estética, mas também um posicio-
namento político do fotógrafo, do editor e da empresa jornalística.
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 183

De acordo com Zanchetta Jr. (2004), o uso da fotografia na imprensa pode cum-
prir com funções diversas: de entretenimento, quando seu uso faz um recorte pontual
do que se quer noticiar, evidenciando um sentido lúdico da imagem; de descrição,
quando a fotografia ajuda a compor o contexto da notícia, tendendo assim, a retratar
o lugar, os participantes, o modo ou momento em que tal evento aconteceu; o de
narração, quando a fotografia proporciona a identificação do encadeamento e das
consequências do evento noticiado; e de expressividade, quando a imagem por si só
tem a capacidade de sensibilizar o leitor, no geral, as fotos sobre os dramas humanos
(choro, dor e sangue) têm esta função. Em geral, o jornalista fotográfico registra
diversas imagens sobre um único evento, e a escolha da fotografia a ser publicada
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no jornal não está sujeita unicamente à qualidade da imagem, mas à função que se
pretende ressaltar. Ademais:

a escolha dependerá da posição política, da circunstância, da disponibilidade de


imagens raras [...], entre outros fatores. O perfil comercial e a necessidade de
oferecer uma informação “vibrante” tendem a fazer valer opções menos insossas
ou meramente descritivas (ZANCHETTA, 2004, p. 97).

Por que o Diário do Pará, ao noticiar os casos de homicídios contra jovens,


opta por publicar fotografias que privilegiam certo enquadramento, ângulo ou plano
de tomada? Ao fazer esta escolha, quais efeitos dispara? Estas questões mobiliza-
ram a análise das fotografias, que são problematizadas, de forma articulada com o
texto verbal.
No entanto, nesta dissertação, também não nos parece ser interessante pensarmos
as fotografias nem como mediadoras dos processos sociais, nem como recurso que
permite a retratação de práticas sociais. Concebemos as fotografias publicadas pelo
Diário do Pará como sendo elas mesmas práticas, que sustentam e que são sustentadas
por racionalidades, as quais analisamos à luz do método arquegenealógico. A partir
de agora, nos deteremos sobre as práticas históricas de Foucault feitas a partir de dois
registros – o da Arqueologia do Saber e o da Genealogia do Poder, evidenciando os
conceitos operatórios priorizados em cada um destes momentos. Os estudiosos das
obras de Foucault têm proposto, com certo consenso, uma divisão na trajetória dos
escritos do pensador francês em três momentos, evidenciando alguns deslocamentos
temáticos (MUCHAIL, 2004). Sobre estas rupturas, explicita Castro (2009, p. 189):

A tais deslocamentos corresponde a divisão, frequente, de dois ou três períodos


na obra de Foucault: arqueologia e genealogia, ou arqueologia, genealogia e
ética. A tais deslocamentos corresponde também seu interesse e preocupação, por
certas noções características de seu trabalho: epistême, dispositivo e prática. Esse
é certamente um modo correto de enfocar o trabalho de Foucault, na condição,
no entanto, de que não se acentuem demasiadamente tais deslocamentos. Por
deslocamentos não entendemos abandonos, mas sim extensões, ampliações do
campo de análise. Com efeito, a genealogia não abandonará o estudo das formas
de saber, nem a ética abandonará o estudo dos dispositivos de poder, mas cada
um desses âmbitos será reenquadrado em um contexto mais amplo. A noção de
184

dispositivo incluirá a noção de episteme, e a noção de prática incluirá a noção


de dispositivo. Todo o trabalho de Foucault poderia ser visto como uma análise
filosófica-histórica das práticas de subjetivação.

Estes deslocamentos não indicam um abandono do seu projeto inicial, mas


descrevem mudanças nas prioridades de suas análises, como evidenciam Lemos e
Cardoso Júnior (2009), da arqueologia, em que se priorizavam as análises das regras
que regem as práticas discursivas (com a ênfase sobre a teoria, em detrimento da
prática), passou-se a um momento posterior, com a invenção da genealogia, em
que a primazia analítica se tornou a investigação das práticas sociais. E em um
terceiro período, “[...] não há prioridade de teoria ou das práticas, mas imanência

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de saber-poder e, simultaneamente, produção de subjetividades” (2009, p. 353).
Mesmo reconhecendo que o arcabouço teórico da denominada “fase ética” de Fou-
cault poderia contribuir à fundamentação dos processos de subjetivação engendrados
pelos documentos investigados, nesta dissertação, em virtude das limitações dos
objetivos e do curto tempo de realização, optamos pelo uso dos conceitos operatórios
da arqueologia e da genealogia.

O trabalho com arquivos e a juventude pobre e negra nos jornais


De acordo com Machado (1988), a Arqueologia do Saber, livro de 1969, é
uma obra de referência para entender as pesquisas históricas de Foucault. Machado
(1998) ressalva que as posições metodológicas contidas neste livro não se referem,
contudo, ao que foi efetivamente empreendido nas obras anteriores. Antes, oferece
novas bases para as pesquisas arqueológicas. As análises arqueológicas anteriores a
este livro – História da Loucura, Nascimento da Clínica, As Palavras e as Coisas –
evidenciam uma homogeneidade em suas temáticas, posto que se centram na questão
“do homem no saber da modernidade”. Estas análises históricas estabelecem:

[...] um mesmo recorte temporal para os saberes ocidentais do século XVI até
o século XIX – Renascimento, época clássica e modernidade -, procura destruir
o mito da existência de um saber sobre o homem em outras épocas que não a
moderna, e demonstra o papel privilegiado que ocupa o homem nos saberes da
modernidade, através do estudo dos nascimentos do humanismo terapêutico psi-
quiátrico, da clínica como conhecimento do corpo doente individual, das ciências
empíricas e da filosofia que instituem o homem como ser empírico transcendental
e, finalmente, das ciências humanas que o representam como interioridade psico-
lógica ou exterioridade social (MACHADO, 1988, p. 176).

Quanto às questões metodológicas, estas pesquisas diferenciam-se das histórias


factuais das ideias e constituem-se como uma “história conceitual”, o que significa
dizer que a arqueologia problematiza a ciência, menos a partir de descrições de datas,
precursores e teorias, do que como um sistema de produção de conhecimentos e
de verdades (MACHADO, 1998). Ao propor a análise conceitual da formação dos
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 185

discursos científicos, o faz em cada pesquisa de maneira muito diversa. Os livros


História da Loucura e Nascimento da Clínica propõem a apreciação dos níveis de
percepção e do olhar, ou seja, investiga o que cada época define como verdadeiro. Já
em As Palavras e as Coisas tratava-se de problematizar as condições de possibilidade
dos saberes. Outra diferença, se a História da Loucura indagava sobre as práticas
políticas econômicas para analisar os discursos sobre a loucura, esta ênfase as práticas
exteriores perdem força nos escritos arqueológicos posteriores, tanto Nascimento da
Clínica como As Palavras e as Coisas desprivilegiam a relação entre as produções
de saber com o não-discursivo (MACHADO, 1988).
Considerando a existência de “arqueologias”, vale ressaltar que nesta disser-
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tação operamos com os conceitos e com as perspectivas históricas apresentados em


Arqueologia do Saber, os quais a partir deste momento deter-nos-emos. Mas afinal
do que realmente trata a arqueologia sinalizada em Arqueologia do Saber? Foucault
(2005a) a descreve como a análise da produção do arquivo. O arquivo, por sua vez,
é o conjunto de discursos pronunciados, que se transformam através da história e que
possibilitam o surgimento e põe em funcionamento outros discursos. Já os discursos,
mais do que um conjunto de fatos linguísticos ligados entre si por regras sintáticas de
construção, constituem um campo de lutas e de jogos estratégicos. Estes são formados
por conjunto de enunciados, isto é, por aquilo que é dito.
Para Deleuze (2005), os arquivistas tradicionais se valiam de duas técnicas, basi-
camente, a formalização e a interpretação. No primeiro caso, o intuito é de destacar
um “sobredito” da frase, em um campo de superfície simbólica, no segundo, propõe-se
rastrear o “não dito”, postulando que o inscrito revelaria um outro inscrito secreto.
Foucault, como um novo arquivista, lança um desafio: “[...] chegar a essas simples
inscrições do que é dito enquanto positividade do dictum, o enunciado” (DELEUZE,
2005, p. 26). Tratava-se de fazer aparecer o “jogo das regras que, numa cultura,
determinaram o aparecimento e o desaparecimento de enunciados, sua permanência
e seu apagamento, sua existência paradoxal dos acontecimentos e de coisas” (FOU-
CAULT, 2008a, p. 95). Diferente das frases e proposições, os enunciados são raros.
Para produzi-los, não precisa que haja originalidade, mais do que isto, prescinde da
existência de um Eu, do sujeito do cogito. O que interessa é a análise da relação deste
enunciado com outros enunciados, com seus sujeitos, seus objetos e seus conceitos
(DELEUZE, 2005) e a regularidade dos mesmos.
O discurso é uma prática social, a qual a pesquisa arqueológica explicita suas
condições de possibilidade, ao interrogar as regras de produção do mesmo. E nesta
trajetória não se busca reencontrar a unidade perdida do discurso, antes a disper-
são dos elementos. O discurso obedece a quatro regras de formação: dos objetos,
de enunciação, de estratégias e conceitos. Assim, a arqueologia prevê a formação
destes quatro níveis:

a) Dos objetos: deve-se atentar às condições históricas que possibilitaram o


aparecimento dos objetos, entendendo que estes emergem nos interstícios
da luta. Como afirma Foucault (2005a, p. 50), o objeto “não preexiste a
186

si mesmo, retido por alguns obstáculos aos primeiros contornos de luz,


mas existe sob as condições positivas de um feixe complexo de relações”;
b) Das modalidades enunciativas: estas devem ser descritas a partir das posi-
ções de sujeito, que não está relacionada à ideia de um sujeito fundador,
mas ao lugar institucional que este ocupa. As modalidades enunciativas
exprimem a dispersão dos sujeitos “[...] nos diversos status, nos diversos
lugares, nas diversas posições que podem ocupar ou receber quando exerce
um discurso, na descontinuidade dos planos de onde fala” (FOUCAULT,
2005a, p. 61);
c) Dos conceitos: Não se trata de buscar a coerência interna dos conceitos,

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mas analisar o campo dos enunciados, nos quais emergem os conceitos;
d) Das estratégias: trata-se de “definir um sistema de relações entre diversas
estratégias que seja capaz de dar conta de sua formação” (MACHADO,
1988, p. 164).

Esta formação discursiva, a qual os discursos se apoiam, pode estar relacio-


nada a vários campos de saber. Este é o caso do discurso da mídia, que como expõe
Fischer (2001, p. 9):

[...] não se fundamenta em apenas uma disciplina, mais em várias (ligadas ao


jornalismo, às artes plásticas, ao cinema, às tecnologias de informação, à teoria
da comunicação e assim por diante). Mais ainda se multiplicam nela os discursos,
as criações, recriações, transformações de enunciados distintos, em direção a um
novo discurso com características próprias.

Coube a esta pesquisa descrever, então, quais enunciados o Diário do Pará


tem construído sobre os casos de violência letal contra jovens, considerando que tais
enunciados estão apoiados em diversas formações discursivas, como a criminologia,
a demografia, a estatística, entre outras. E a delinear que características próprias estas
práticas trazem a partir da recriação destes diversos saberes, sustentadas em relações
de poder e forjando processos específicos de subjetivação. Em a Ordem do Discurso,
texto escrito na transição entre o projeto arqueológico e o genealógico, Foucault
(2004) afirma que as práticas discursivas estão submetidas a uma ordem discursiva,
produzida por uma determinada época e lugar, e que define as regras para produção
e circulação dos discursos. Neste texto, torna-se mais nítida a relação intrínseca entre
práticas discursivas e não discursivas:

[...] em toda a sociedade a produção do discurso é ao mesmo tempo controlada,


selecionada, organizada e redistribuída por certo número de procedimentos que
têm por função conjurar seus poderes e perigos, dominar seu acontecimento alea-
tório, esquivar sua pesada e temível materialidade.

Foucault (2004) apresenta estes procedimentos de limitação do discurso. Há


os procedimentos de controle externo (fundamentados em sistemas de exclusão);
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tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 187

os de controle interno (que implicam em princípios de classificação, distribui-


ção e ordenação dos discursos e que o limitam por um jogo de identidade); e
os procedimentos que operam pela rarefação dos sujeitos que falam, através de
mecanismos de desqualificação dos discursos destes. Para devolver ao discurso
o seu caráter do acontecimento, sugere alguns princípios metodológicos para a
análise dos mesmos:

1. O princípio de inversão: onde se acreditar encontrar uma condição de


expansão dos discursos, propõe enxergar uma rarefação dos discursos;
2. O princípio de descontinuidade: compreender os discursos como “práticas
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descontínuas, que se cruzam, por vezes, mas também se ignoram ou se


excluem” (FOUCAULT, 2004, p. 53);
3. O princípio de especificidade: não supor um jogo de significações prévias
ao discurso, que precisariam ser apenas decifradas. Concebê-lo como uma
prática e como tal, dentro de um princípio de regularidade;
4. O princípio de exterioridade: buscar as condições externas que possibilitam
a produção dos discursos.

As noções fundamentais que estes princípios apresentam são as de aconteci-


mento, de série, de regularidade e de condições de possibilidade, que se opõem as
de criação, unidade, originalidade e significação, que limitam o discurso. É com
estes conceitos arqueológicos que realizamos a análise dos documentos, desta forma
concebemos cada notícia como uma montagem, que não é idêntica ao acontecimento
relatado, e que é em si mesmo outro acontecimento constituído nas suas diversas
etapas de produção.
Tal como o Liberalismo, o Neoliberalismo mais do que um conjunto de teorias
econômicas e políticas, é uma racionalidade sobre o governo das populações, uma
forma de gerir a cultura e forjar subjetividades. Em Nascimento da Biopolítica,
curso do Collège de France de 1978-1979, Foucault (2008b) coloca que esta forma
de governo da população desenvolvida no fim da década de 40, está relacionada à
produção intelectual da Escola de Friburgo (da Alemanha) e da Escola de Chicago
(dos Estados Unidos), as quais questionaram o excesso de intervencionismo esta-
tal, deste período. No século XX, estes teóricos chamam atenção de que a ideia de
laissez-faire, princípio básico do liberalismo foi desvirtuada, sobretudo, nos países
do continente europeu e dos Estados-Unidos, com a adoção dos modelos de Estado
intervencionista, por sua maior ingerência estatal sobre a economia e investimento
sólido em políticas de seguridade social.
A lógica do “governa-se demais”, pressuposto básico do neoliberalismo, têm pro-
duzido um estado de insegurança generalizado, uma vez que o desmonte do Estado de
Bem-Estar Social tem fragilizado as políticas de seguridade social (como a previdência,
saúde e educação) e cujos efeitos são a generalização de processos de desfiliação social
(CASTEL, 1998). Em termos das políticas econômicas internacionais, a produção de
um conjunto de programas econômicos de caráter neoliberal está associada com a
188

tentativa de contornar a crise econômica de proporções mundiais2, que atravessou a


década de 1970, marcada pela alta taxa de inflação e pelo baixo crescimento econô-
mico. Estes programas serviram de modelo norteador da política econômica mundial,
ainda que a aplicação destas medidas tenha sido diferenciada tanto nos países centrais
como nos periféricos. A perspectiva em que se assenta este modelo traz em seu bojo a
ideia de que o Estado se caracteriza pela ineficiência e pela falta de agilidade na dire-
ção dos processos de natureza econômica, daí a necessidade de restringir a sua ação.
Organismos internacionais, como o Banco Mundial (BM) e Fundo Monetário
Internacional (FMI), fundados no período posterior a Segunda Guerra Mundial, contri-
buíram com a condução do processo de mundialização do capital. O risco da moratória

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da dívida externa, ainda nos anos 80, levou a estes organismos a uma contraofensiva
para regulamentação dos países devedores. Desta forma, estes organismos lançaram
sob a forma de “pacotes”, um conjunto de prescrições neoliberais para ajustes eco-
nômicos, como condicionantes de novos empréstimos (MELO, 2005). O Consenso
de Washington constitui-se como um destes pacotes de ajuste, propostos pelo BM e
o FMI, dirigidos aos países latino-americanos. Na América Latina, o Chile foi o pri-
meiro país a adotar o modelo neoliberal em sua administração política, na década de
70, em plena Ditadura Militar. O ajuste neoliberal nos outros países latino-americanos
ocorreu gradualmente, nas décadas de 80 e 90. Os contornos das políticas neoliberais
nestes países dependeram de suas características estruturais prévias, alguns destes
elementos foram apresentados por Soares (2007 p. 32-33): da estrutura do Estado (se
este era federativo, democrático ou autoritário); da estrutura da economia (se mais
industrializada ou exportadora de matérias-primas); da consolidação das políticas
públicas (se é de âmbito nacional; seu grau de universalidade do acesso; seu padrão
de financiamento e cobertura); e da extensão das condições de desigualdade social.
Neste cenário, Soares (2009, p. 35) considera que a experiência neoliberal do
Brasil pode ser considerada tardia, pois este foi um dos países a apresentar maior
resistência, na década de 80, “[...] às políticas de desregulamentação financeira e
abertura comercial irrestrita”. Contudo, a partir da década de 90, a autora analisa que
houve um intenso avanço deste modelo na gestão política-financeira do país, que foi
de encontro à tentativa tardia de construção de um Estado de Bem-Estar Social. Se
o Governo Collor abriu o país para uma profunda mudança na política econômica
brasileira, foram com a inauguração do Plano Real e com a gestão de Fernando
Henrique Cardoso que as diretrizes neoliberais se tornaram mais marcantes sobre as
políticas tanto econômicas quanto sociais.
Uma das consequências mais graves deste processo tem sido a privatização
das empresas estatais e a transferências da gestão e execução de diversos setores
públicos a fundações e entidades privadas, sob a forma de uma Reforma do Estado,
vulnerabilizando os avanços no campo da proteção social. A lógica privatista tem
adentrado, sobretudo, as áreas da Saúde e da Educação Públicas (SOARES, 2007).

2 Esta crise foi gerada por diversos fatores, entre estes a crise no sistema produtivo desencadeada pela
“mudança no paradigma tecnológico”, que foi chamada de “Terceira Revolução Industrial” e a redução da
autonomia dos Estados Nacionais, vinculada ao “intenso processo de internacionalização dos mercados,
dos sistemas produtivos e da tendência à unificação monetária e financeira” (SOARES, 2009, p. 12).
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Mesmo nos países centrais ou periféricos, a adoção de medidas neoliberais tem carac-
terísticas comuns, se no campo econômico este modelo implicou no aprofundamento
da internacionalização da economia e da liberalização do mercado, no campo das
políticas sociais os impactos não foram menores, Soares (2009, p.13) sintetiza estes:

[...] os direitos sociais perdem identidade e a concepção de cidadania se restringe;


aprofunda-se a separação público-privado e a reprodução é inteiramente devolvida
a este último âmbito; a legislação trabalhista evolui para uma mercantilização (e,
portanto, desproteção) da força de trabalho; a legitimação (do Estado) se reduz à
ampliação do assistencialismo.
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Este novo modelo de gestão das políticas sociais baseia-se numa nova forma
de conceituar a “pobreza”, que, nitidamente, individualiza suas causas, à medida que
esta é associada à falta de competências dos indivíduos em acessar as “oportunida-
des” supostamente oferecidas a todos pelo sistema político e econômico. Ugá (2004)
analisa de maneira detalhada a teoria social de pobreza que fundamenta as ações do
Banco Mundial. A autora afirma que este organismo tem preconizado, por meio de
seus relatórios, uma ordem social em que os Estados tenham uma atuação secundária
no desenvolvimento econômico, configurando-se apenas como um facilitador dos
mercados. Contudo, o BM recomenda também que os Estados atuem nos mercados
de serviço, em que o setor privado não tem interesse em participar, ou seja, “[...] em
prestação de serviços sociais aqueles que não podem pagar por eles (p. 58)”.
Desde 1990, o BM tem incentivado ações de “combate à pobreza”, entendendo
a mesma como “incapacidade de atingir um padrão de vida mínimo” (BANCO MUN-
DIAL, 1990 apud UGÁ, 2004, p. 58). O padrão de vida mínima referido pelo banco
deve ser definido a partir de um cálculo de renda, diferenciada para cada país (logo,
o padrão de vida mínimo de um país europeu é diferente de um país africano). E o
indivíduo incapaz é aquele que, simplesmente, não se mostra competitivo no mercado
econômico ou que não é capaz de prover sua própria renda.
Investir em “capital humano” é a chave para redução da pobreza, na ótica do
Banco Mundial, este defende que o investimento em educação pode resultar em
indivíduos mais competitivos, logo, com mais chances de empregabilidade. Aos
sujeitos que não detém este tipo de capital, recomenda-se aos “países em desen-
volvimento” que executam programas compensatórios e com o foco no aumento de
“capital humano” 3. Desta forma, fortalece o compromisso do Estado, apenas, com
os mais pobres e de maneira pontual (UGÁ, 1990). Os programas de transferência
de renda, carro-chefe das políticas sociais nas últimas gestões presidenciais, é um
exemplo de política compensatória, realizada com o objetivo de retirar parcela da
população da condição de pobreza absoluta para uma condição de pobreza relativa.

3 A teoria do Capital Humano constitui-se no elo entre educação e desenvolvimento econômico. Sob o prisma
do Capital Humano, a educação “se define como a atividade de transmissão do estoque de conhecimento e
saberes que qualificam para a ação individual competitiva na esfera econômica, basicamente, no mercado
de trabalho” (GENTILI, 1998).
190

Este modelo de política compensatória tem sido desenvolvido também para o


segmento juvenil. Como políticas compensatórias, estas não são destinadas a todos
os jovens, mas aqueles que merecem “mais atenção”, por seu suposto comportamento
de risco e vulnerabilidade, são estes os principais focos dos mecanismos de capturas
governamentais (FREITAS, 2009). De acordo com Freitas (2009) o desenvolvimento
de políticas para a juventude está vinculado tanto a objetivação da juventude como
uma categoria distinta no “ciclo de vida”, quanto a um movimento que colaborou “[...]
para veicular uma imagem da juventude diretamente ligada aos problemas da violên-
cia, das drogas, da gravidez indesejada, do vandalismo e da morbidade” (2009, p. 2).
Recentemente, o Estado brasileiro passou a desenvolver ações específicas para

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este público por meio da Secretaria Nacional da Juventude. A Secretaria, juntamente,
com o Conselho Nacional da Juventude foi instituída, em 2005, para articular a constru-
ção de uma Política Nacional da Juventude. Para consolidar de maneira descentralizada
e democrática esta política, além da instalação dos conselhos de juventude, também
foram realizadas duas Conferências Nacionais, a primeira em 2008 e a segunda em
2011. Estas conferências previam também a criação de uma “agenda juvenil”4.
O Programa Nacional de Inclusão dos Jovens (PROJOVEM) é a principal ação
do Governo Federal para este segmento. Instituído em 2005 e executado desde 2008,
o programa oferece elevação de escolaridade, capacitação profissional e inclusão
digital, em quatro frentes: PROJOVEM Urbano, Campo, Adolescente e Trabalhador,
para jovens de 15 a 29 anos.
Em debate na câmara dos deputados e senadores encontram-se alguns projetos
para construção de um marco legal, com vistas à transformação destas políticas em
políticas de Estado, como o projeto de emenda constitucional (PEC nº 042/2008), que
propõe a inclusão do termo “jovem” no texto constitucional, no capítulo de direitos e
garantias institucionais. O Plano Nacional de Juventude, constituído por um conjunto
de metas referentes à política juvenil que os governos federal, estadual e municipal
deverão cumprir, aguarda em pauta de votação no Senado e o Estatuto da Juventude,
encontra-se em discussão na Comissão Especial da Câmara.
Tal como a atuação dos Organismos Internacionais, como o UNICEF (Fundo
das Nações Unidas para Infância), contribuiu para a internacionalização dos direitos
da infância e se constituiu como força política importante para adesão do Brasil a
Doutrina de Proteção Integral, responsabilizando o Estado pela atenção integral,
promoção e garantia dos direitos das crianças e dos adolescentes, que passaram a ser
segmentos prioritários da ação política, após a promulgação da Constituição de 1988 e
do Estatuto da Criança e do Adolescente (de 1990), a criação de uma agência mundial
da juventude, pautada pelas Agências Multilaterais, tem se constituído como vetor
político importante para elaboração de políticas específicas pelos Estados Nacionais.
Durante a Conferência Mundial da Juventude, realizado em agosto de 2010,
na cidade de Léon no México, a Organização das Nações Unidas (ONU) lançou o
Ano Internacional da Juventude e Entendimento Mútuo (do período de 12 de agosto

4 Estas informações estão disponíveis no site da Secretaria Nacional da Juventude: www.


secretarianacionaldejuventude.org.br.
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de 2010 a 12 de agosto de 2011). A subordinação do Ano da Juventude a temática


do diálogo e entendimento mútuo visou, de acordo com a própria Agência: “promo-
ver os ideais de paz, respeito aos direitos humanos e solidariedade entre gerações,
culturas, religiões e civilizações” (ONU, 2010, p. 2). Este Organismo correlaciona
à diminuição do que definem como conflitualidade com ações de gestão da cultura,
por isso, por meio de parcerias de cooperação técnica com os países, como o Brasil,
incentiva a realização de uma série de ações voltadas para crianças e jovens sob este
prisma (LEMOS, 2010). Por serem considerados como fases iniciais do desenvol-
vimento, em uma lógica evolucionista, a infância e a juventude são alvos das ações
prioritárias de Organismos, como a UNESCO e o UNICEF, vinculados a ONU. É
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interessante notarmos a tônica econômica dada pelas Nações Unidas para as ações
voltadas à juventude. Por meio do Programa das Nações Unidas para a Juventude, a
ONU tem conclamado os países em desenvolvimento, onde vivem 87% dos jovens
no mundo, a investir em programas e políticas para este público, afirmando serem
estas medidas essenciais ao desenvolvimento econômico destes países:

A acumulação de capital humano e social deve começar em idade jovem, já que o


cérebro se desenvolve rapidamente durante a infância e adolescência. Além disso,
habilidades cognitivas e não-cognitivas precoces e recursos de saúde conduzem
para uma maior eficácia dos investimentos posteriores. Como resultado, a cons-
trução de uma base forte e o investimento em programas adaptados a crianças e
jovens avançam o desenvolvimento sócio-econômico (ONU,2010, n.p.).

Este organismo atrela a falta de investimento neste público a uma série de


riscos sociais, os quais os países devem evitar, uma vez que desembocarão em
custos econômicos:

Não investir nas crianças e nos jovens provoca custos econômicos, sociais
e políticos substanciais decorrentes dos resultados negativos, como abandono
escolar, entrada no mercado de trabalho precário, comportamentos sexuais de
risco, abuso de drogas, crime e violência. Em muitos países, o prejuízo geral
para a sociedade totaliza uma alta porcentagem do produto interno bruto por ano.
Algumas estimativas mostram que comportamentos de risco evitáveis provocam
prejuízos para a sociedade que chegam a bilhões de dólares. Por exemplo, na Amé-
rica Latina e no Caribe, uma série de comportamentos negativos dos jovens reduz
o crescimento econômico em até 2% anualmente. Estes números não refletem os
custos não mensuráveis, tais como a aflição psicológica, saúde precária, menos
participação cívica ou os efeitos inter-geracionais (ONU, 2010, n.p.).

Grande parte das ações das agências ligadas a ONU conta com o incentivo de
organismos financeiros como o Banco Mundial, que como já frisamos é um órgão que
tem ajudado a capilarizar a racionalidade neoliberal no mundo. A corresponsabilidade
da sociedade na gerência e execução das políticas sociais é também incentivada pelas
Nações Unidas, sob a produção do que se tem chamado de “responsabilidade social”
(LEMOS, 2010). Desta forma, a redução da participação do Estado na condução das
192

políticas sociais tem transferido cada vez mais a responsabilidade para organizações
privadas e do terceiro setor. De acordo Abramo (1997), anterior ao próprio enfoque
governamental sobre os jovens, encontram-se inúmeros projetos executados por
organizações sociais que têm este segmento como público prioritário. Projetos, cuja
tônica é a proteção dos adolescentes em situação de “desvantagem social”, oriundos
das “comunidades pobres”, e que desenvolvem ações, ao menos, em duas direções:
ações de promoção da integração social (com o desenvolvimento de projetos como
os de educação não-formal e de profissionalização), que trazem em seu escopo a ideia
de “[...] contenção do risco real ou potencial desses garotos, pelo seu ‘afastamento
das ruas’ ou pela ocupação de ‘suas mãos ociosas’” (ABRAMO, 1997, p. 26).

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A outra modalidade de ação propõe a “formação integral dos jovens” via forma-
ção para cidadania. Esta se incube de tratar dos problemas sociais que atravessam a vida
dos jovens, todavia, acabam por tomar os próprios jovens “[...] como problemas sobre
os quais é necessário intervir, para salvá-los e integrá-los à ordem social” (ABRAMO,
1997, p. 26). Entendemos que estes projetos, programas e políticas para juventude,
que têm enfatizado as questões da profissionalização e da educação, mostram-se como
políticas compensatórias de um Estado Mínimo, com vistas ao investimento em capital
humano futuro. De acordo com Cordeiro e Costa (2009), colocando-se, muitas vezes,
como “redentoras”, estas políticas têm forjado um “modo-jovem-trabalhador”, pouco
questionador sobre as condições de trabalho precário, terceirizado e temporário, con-
dizentes a flexibilização proposta pelas prescrições neoliberais.
A teoria do Capital Humano é a produção de uma governamentalidade, que
reenforma à sociedade segundo modelo da empresa, generalizando as relações de
mercado como princípio de inteligibilidade para todas as formas de relações sociais.
Sob o conceito de capital humano voltam-se as diversas iniciativas neoliberais, que
forjam subjetividades dos jovens como “empresários de si” (FOUCAULT, 2008b).
Assim, os jovens são convidados a investir em si mesmo para obter o conjunto de
competências, requeridos para participar de maneira competitiva nos espaços econô-
micos e sociais. Desta forma, o dispositivo gestão-inserção/escola/trabalho dispara
práticas, que culpabilizam os jovens por seus sucessos ou fracassos no mercado de
trabalho, sustentadas pela racionalidade que o destino dos jovens depende, unica-
mente, de suas habilidades e competências (CORDEIRO; COSTA, 2009).
Concordamos, ainda, com os diversos autores (COIMBRA; NASCIMENTO,
2003; LEMOS, 2010; CORDEIRO; COSTA, 2009; FREITAS, 2009) que tem afir-
mado as diversas ações para a infância e juventude como atualizações das estraté-
gias de biopoder. Em nome da proteção, defesa e garantias dos direitos dos jovens
classificados como “em situação de risco”, governa-se a juventude por meio de
práticas de racismo, que identificam a juventude moradora das periferias urbanas
como potencialmente perigosa e buscam a integração deste segmento por meio da
prescrição de modos de agir, pensar e sentir com base em modelos normativos.
Outros jovens, contudo, não enquadrados nas estratégias de inclusão precária ao
mercado, insubmissos ao modelo de subconsumidor, acabam sendo engolidos pelas
redes criminais, especialmente, as vinculadas ao narcotráfico e tornando-se os alvos
preferenciais das políticas penais, as quais, nas últimas décadas, têm se intensificado.
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 193

Considerações finais
Nas páginas policiais do Diário do Pará, a morte aparece como acontecimento,
ao mesmo tempo, impactante, em virtude dos recursos sensacionalistas utilizados
na construção da notícia, e previsível por ser resultado de uma trajetória juvenil que
insistiu em desviar do modelo do bom cidadão (dócil e produtivo), ao enveredar
pelos caminhos da criminalidade e dos vícios. Não à toa, a categoria trabalho é um
demarcador destacado pelo jornal, que opera práticas divisoras. Ao mencionar a
etiqueta-trabalho para identificar os participantes da trama da notícia, o Diário do
Pará classifica e hierarquiza os jovens a partir do modelo normalizado do “cidadão
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de bem”. Ou se é qualificado entre os “pobres, mas honestos” – o batedor de açaí,


o estudante, o auxiliar de pedreiro –, ou se ganha o estigma dos infames – o desem-
pregado, o viciado, o bandido, o assaltante.
Esta divisão binária produzida pelo Diário do Pará, entre os jovens “virtuosos”
e os jovens “viciosos”, atualiza a cisão entre os trabalhadores operada pelas práticas
penais, empreendidas desde o século XVIII. As práticas penais fabricam os crimi-
nosos, adverte Foucault (2007) em sua análise sobre o aparente fracasso da prisão
como instituição ressocializadora dos indivíduos, mais do que excluir os desviantes,
a prisão ou produz delinquentes novos ou os encerra mais nas redes da criminalidade.
Entre as eficácias para economia de poder das práticas punitivas reformadas, foi, jus-
tamente, a de estabelecer uma divisão conveniente entre o conjunto de trabalhadores,
cuja articulação queria-se de qualquer modo evitar. Os múltiplos levantes e frentes
de resistência popular que agitaram a Europa, nos séculos XVIII e XIX, eram sinais
da força insidiosa das classes populares organizadas. Com a ascensão econômica
e política da burguesia, esta passou a intolerar uma série de ilegalidades, até então
toleradas no Antigo Regime. O ilegalismo popular, desenvolvido após o período
revolucionário, surgia como um perigo a ser repelido, já que estes ganhavam dimen-
sões políticas perigosas aos novos códigos instalados pelo Novo Regime. Durante
a Revolução Francesa, os próprios movimentos políticos, fizeram uso constante das
formas existentes de ilegalidade para derrubar a aristocracia (FOUCAULT, 2007).
Em uma luta antissediciosa, as pessoas consideradas perigosas e violentas
deveriam ser isoladas, para evitar o desencadeamento de resistências. Para isso, era
necessário desvincular a delinquência de outras formas de ilegalidade, instalando uma
contradição entre a plebe não proletarizada e o proletariado (FOUCAULT, 2009g).
A delinquência isolada deveria se dedicar a uma criminalidade “politicamente sem
perigo e economicamente sem conseqüência” (FOUCAULT, 2007, p. 231). Para
eliminar os perigos das sedições, uma série de medidas de moralização das classes
populares foi aplicada: são políticas de urbanização, saúde e higiene, bem como de
treinamento para o trabalho e educação, difundido valores como os de honestidade,
retidão, poupança e respeito pela propriedade que passou a subjetivar as diversas
camadas sociais. No terceiro capítulo desta dissertação, mencionamos como este
conjunto de valores passou a distinguir, no Brasil da Primeira República, os pobres
honestos dos pobres viciosos. Tal dicotomia não deixou de ser produzida como
observamos nos documentos em análise.
194

O liberalismo objetivou a pobreza como condição propícia para a violência,


por isso criminalizam-se as condutas associadas a ela, como não ter estabilidade no
emprego ou não ser membro de uma família classificada como estruturada, como
pondera Coimbra e Nascimento (2003):

Em nosso país, desde o início do século XX, diferentes dispositivos sociais vêm
produzindo subjetividades onde o “emprego fixo” e uma “família organizada”
tornam-se padrões de reconhecimento, aceitação, legitimação social e direito
à vida. Ao fugir a esses territórios modelares entra-se para a enorme legião dos
“perigosos”, daqueles que são olhados com desconfiança e, no mínimo, evitados,
afastados, enclausurados e mesmo exterminados.

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Nos lembremos que o controle penal deve incidir não apenas sobre o crime,
mas sobre o que se é e, sobretudo, sobre o que poderá vir a ser, isto é, trata-se de
controle das virtualidades. Ser contumaz em crimes pode ser entendido, nesta racio-
nalidade, como uma tendência a cometer novos crimes. Neste caso, o dispositivo
de periculosidade é acionado. O temor da comunidade é ressaltado para expressar
o grau de periculosidade de alguns jovens, cuja vida tornou-se uma ameaça contra
todos. O alívio produzido pela morte parece ser o efeito subjetivo de um racismo,
em que “a morte do outro não é simplesmente a minha vida, na medida em que seria
minha segurança pessoal, a morte do outro, (a morte da raça ruim, da raça inferior
ou do degenerado, ou do anormal) é o que vai deixar a vida em geral mais sadia e
mais pura” (FOUCAULT, 2005b, p. 305). A morte, portanto, não é, apenas, ponto
final para uma vida de crimes, no plano da eugenia, o extermínio da raça inferior é
a condição para a purificação social, um desfecho trágico para um estado de “defi-
ciência física e moral”
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 195

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PARTOS E MODELOS:
um debate relevante e necessário de ser
pensado na formação em saúde no Brasil
Heidiany Katrine Santos Moreno

Introdução
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Busca-se apresentar uns modelos de assistência ao parto e, neste sentido, são


detalhados alguns elementos técnicos e conceituais, tais como: o modelo tecnocrático
a cesariana etc. Um desses modelos é o tecnocrático que segundo Maia (2010) no
Brasil realiza uma dualidade entre as esferas pública e privada, a plenitude de suas
duas possibilidades legítimas: um parto “normal” intervencionista e traumático e o
excesso de cesarianas, respectivamente. Enquanto os serviços públicos, aos quais tem
acesso a população de menor poder aquisitivo, oferecem às mulheres o parto normal
traumático, os serviços privados, com os quais as usuárias estabelecem uma relação
de consumo, oferecem a cesariana como marca de diferenciação e de “modernidade”.
Para ela não seria possível questionar o modelo de assistência ao parto sem questionar
toda a lógica de assistência à saúde no Brasil.

A compreensão das origens do modelo médico de assistência ao parto construído


na modernidade deve contemplar dois aspectos: o fato de que a medicina ocidental
iluminista passa a ver o corpo como máquina e o médico como o mecânico, aquele
que a conserta; e o reconhecimento de que o modelo de produção fabril passou a
ser aplicado na assistência à gestante, em que metáforas de tempo e movimento
são usadas tanto para descrever o “trabalho” de parto (DAVIS-FLOYD, 2001;
MARTIN, 2006 apud MAIA, 2010, p. 34).

O modelo tecnocrático estabeleceu um processo mecânico para a realização do


trabalho de parto em forma de protocolo e muitas mulheres não questionam porque
são realizadas tantas intervenções no momento da cirurgia. No modelo tecnocrático
o médico ocupa o lugar de protagonista do parto realizando uma cirurgia na qual
só ele tem controle e a mulher passa a ter um papel passivo, anestesiada em um
centro cirúrgico.

Em um ambiente hospitalar, tais práticas e rotinas tornam se padronizadas. Assim,


a imagem fragmentada do corpo máquina e da mulher útero, associada com a
ideia do hospital como uma linha de produção, permitiu que se instituísse uma
assistência padronizada que inclui a prática de deslocar a mulher durante o trabalho
de parto (DAVIS-FLOYD, 2001 apud MAIA, 2010, p. 35).
204

Nesse sentido de transformar o parto em linha de produção taylorista, podemos


verificar, nas maternidades e hospitais, que a estrutura do local é fragmenta como se
estivesse em uma fábrica, pré-parto, sala de parto, pós-parto, muitas vezes uma por
andar, justamente para que o processo mecânico seja realizado com mais rapidez e
precisão. Esse modelo de parto tem sido denominado de modelo tecnocrático e tem
se tornado o modelo predominante no Brasil.

Uma das mudanças mais emblemáticas na cena do parto, provocadas pelo modelo
tecnocrático, diz respeito à posição da mulher no trabalho de parto e no parto:
a medicalização do parto obrigou a mulher a se imobilizar e a se deitar. Com a
mulher deitada na cama, de pernas para cima e abertas, fica claro que o sujeito

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do parto é o médico, e não a mulher. Além disso, a litotomia dificulta o trabalho
de parto, o que acaba por justificar o uso indiscriminado de ocitocina (DINIZ;
DUARTE, 2004, p. 36).

O fato de impedir que a parturiente faça movimentos livremente aumenta as


dores. A posição deitada também impede que a mulher participe ativamente do parto,
muitas vezes fazendo com que seja realizada a manobra de Kristeller, que empurra
a barriga da gestante na hora do parto (essa prática é proibida e já foi retirada dos
livros de obstetrícia) , “contudo, a posição deitada não facilita o relaxamento do
músculo do períneo, obrigando o médico a realizar a episiotomia em todos os partos
vaginais” (DINIZ; DUARTE, 2004, p.37). Através dessa descrição de como acontece
as intervenções no modelo tecnocrático entendemos que se torna um efeito cascata
as intervenções e procedimentos que poderiam ser evitados se o individualismo da
mulher fosse respeitado no momento do parto. Não se pretende defender que não
se faça necessário realizar intervenções no parto, mas que fazer essas intervenções
como rotina e protocolo hospitalar, como descreve e prescreve o modelo tecnocrático,
suscita análises, pois padroniza para todas as mulheres uma forma de parir e não dá
opções para a mulher poder optar pelo que realmente deseja na hora do parto. Esses
processos retiram das mulheres o seu protagonismo, elas deixam de ser sujeito de
um momento único, o qual pertence a parturiente e não a equipe médica.

Cesárea: o modelo perfeito da assistência tecnocrática


Apesar de os índices de cesárea apresentarem crescimento em vários países do
mundo, inclusive Estados Unidos e Inglaterra, o Brasil tem sido considerado um dos
campeões mundiais desse tipo de parto, ocupando o segundo lugar no mundo com
55% (cinquenta e cinco por cento) dos partos cesáreos. Dos partos realizados na rede
pública de saúde 40% (quarenta por cento) ocorrem por meio de cesarianas. Quando
analisados na rede particular esse índice sobe para 84% (oitenta e quatro por cento)
variando de acordo a região do Brasil (GUEDES, 2018).
Há algumas décadas, o número excessivo de cesarianas no Brasil é causa de
preocupação. A tendência ao crescimento das taxas de cesáreas começou nos anos
1970. “Segundo dados do Inamps, a proporção de cesáreas no total de partos feitos
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 205

no sistema público de saúde passou de 15% em 1970 para 31% em 1980” (PERPÉ-
TUO; BESSA; FONSECA, 1998 apud MAIA, 2010, p. 37), e não parou mais de
crescer. O Brasil apresenta dificuldade de implementar as políticas de humanização
do parto, por múltiplos fatores. Segundo Maia (2010) muitas foram as causas para
que a cesariana fosse sendo incorporada como melhor modelo de parto, entre elas
está o fato de o INPS da época pagar um valor maior para a cesárea; medo por parte
das mulheres sobre a dor do parto; crença que o parto vaginal afrouxa os músculos
da vagina e causa interferência na satisfação sexual; a conveniência da hora marcada;
possibilidade do médico em conciliar sua agenda entre dias de consultório e dias de
cirurgias eletivas. Além disso, há ainda um pré-natal incapaz de preparar a mulher
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para o parto; o não pagamento de analgesia caso seja necessário; uso da cesárea para
efetuar laqueadura tubária e a associação entre parto vaginal e imprevisibilidade, esta
vista como algo negativo, e entre parto cesáreo e segurança.
Em artigo de 2006 citado por Maia (2010), Villar e colaboradores construí-
ram uma amostra estratificada em múltiplos estágios para vinte e quatro regiões
geográficas de oito países de América Latina: Argentina, Brasil, Cuba, Equador,
México, Nicarágua, Paraguai e Peru. Foram utilizados os dados de 97.095 (noventa
e sete mil e noventa e cinco) nascimentos de 120 (cento e vinte) instituições de
saúde selecionadas aleatoriamente de um universo de 410 (quatrocentas e dez)
organizações. A taxa média de cesariana do estudo foi de 33% (trinta e três por
cento), contra um índice maior em hospitais privados: 51% (cinquenta e um por
cento). E os resultados mostraram que há um aumento linear do uso de antibióticos
pós-parto e de morbidade materna severa com o aumento das taxas de cesariana,
bem como aumento do risco de morte fetal e do número de crianças que requereram
internação na UTI por sete dias ou mais.
A OMS recomenda que as taxas de cesariana não ultrapassem 15% do total de
partos. Porém, as taxas globais de cesariana estão muito além, no Brasil, estão em
torno de 40% de todos os partos, e são extremamente desiguais quando se considera
o status socioeconômico das mulheres.
Em um estudo de 2007, financiado pela ANS (Agência Nacional de Saúde), Leal
e colaboradores (apud MAIA, 2010) procuraram identificar os fatores relacionados
à escolha da via de parto pela mulher, nos serviços privados de saúde, considerando
três momentos diferentes da gestação: início da gravidez, fim da gravidez e hora do
parto. No início da gravidez, apenas 30% das mulheres afirmaram preferir uma cesá-
rea, já no fim da gravidez, a proporção se inverteu e 70% das mulheres já referiam
ter decidido pela cesárea. Na hora do parto, 88% das mulheres foram submetidas a
uma cesariana, sendo que 92% delas foram realizadas antes de a mulher entrar em
trabalho de parto. Dessa forma, é notório que existe algo no pré-natal que faz com
que as mulheres mudem de opinião para decidir sobre qual a melhor via de parto, e
a grande maioria acaba optando pela cesariana eletiva.
Mesmo com a orientação da OMS, o Brasil continua realizando as cesáreas
eletivas e isso se atribui, preponderantemente, à natureza do parto humanizado não
ser conciliável com as rotinas extenuantes de trabalho dos médicos, muitas vezes com
partos normais que se demoram por um grande período do dia, não possibilitando a
206

realização de consultas em outro período do dia, visto que um parto normal demanda
mais tempo e atenção da equipe médica.

Estudos sugerem que quando a mulher solicita uma cesárea, tal fato está intima-
mente relacionado com o modelo da assistência prestada: a demanda pela cesárea,
no Brasil, seria uma demanda por dignidade, já que o modelo de parto “normal”
praticado no país é profundamente medicalizado, intervencionista e traumático
(BARBOSA et al., 2003 apud MAIA, 2010, p. 40).

Assim, a mulher opta pela cesárea por achar que é um processo menos doloroso
e solitário, que irá sofrer menos violências obstétricas e que terá um suporte melhor

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da equipe medica em um centro cirúrgico. Somado a isso, Maia (2010) nos esclarece
que a liberdade de escolha acerca do tipo de parto é limitada pela falta de informação
das mulheres sobre riscos e benefícios dos procedimentos médicos, bem como pela
ausência de uma referência diferente de parto que não as duas do modelo tecnocrático:
um parto normal traumático, pelo excesso de intervenções desnecessárias e violência
obstétrica, ou uma cesárea agendada, rápida e aparentemente sem dor.

Afinal o que é humanizar partos e nascimentos?


Humanizar o parto e o nascimento é um movimento de contracultura que busca
resgatar a humanidade e a individualidade da mulher que pare, em oposição ao ideário
do corpo máquina, da mulher como fábrica de bebês e da maternidade como linha
de montagem (WAGNER, 2001 apud MAIA, 2010). O conceito de humanização é
amplo e polissêmico, autores como Tornquist (2003) e Diniz (2005) descrevem que
as práticas e as atitudes que objetivam promover partos e nascimentos saudáveis,
precisam garantir a privacidade, a autonomia e o protagonismo da mulher, oferecendo
procedimentos comprovadamente benéficos, evitando intervenções desnecessárias e
que sejam capazes de prevenir a morbimortalidade materna e fetal.
Para Davis-Floyd (apud MAIA, 2010, p. 43), é possível identificar três modelos
de assistência à saúde, e cada modelo compreendem doze aspectos, que descreve-
remos abaixo:

1. No modelo tecnocrático, a autora descreve a separação do corpo e mente;


a ideia do corpo como máquina; do paciente como objeto; da alienação do
paciente pelo profissional, diagnóstico e tratamento de fora para dentro;
organização hierárquica; padronização da assistência; autoridade e responsa-
bilidade apenas do profissional, e não do paciente; supervalorização da tec-
nologia (alta tecnologia/baixo contato); intervenções agressivas com ênfase
em resultados de curto prazo e a morte percebida como fracasso; sistema
dirigido para o lucro; intolerância com outras modalidades de assistência.
2. No modelo humanístico, existe uma conexão entre corpo e mente; o corpo
como um organismo; o paciente como um sujeito relacional; conexão e cui-
dado entre profissional e paciente; diagnóstico e tratamento de dentro para
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 207

fora e de fora para dentro; equilíbrio entre as necessidades da instituição


e as do indivíduo; informação, decisão e responsabilidade divididos entre
profissionais e pacientes; tecnologia contrabalanceada com humanismo
(alta tecnologia/alto contato); foco na prevenção; a morte percebida como
um resultado possível; assistência motivada pela compaixão; abertura a
outras modalidades de assistência.
3. No modelo holístico, há a unidade corpo-mente-espírito; o corpo como
um sistema energético ligado a outros sistemas energéticos; assistência à
pessoa completa em todo o seu contexto de vida; a unidade essencial entre
profissional e “cliente” (e não mais paciente); diagnóstico e tratamento de
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dentro para fora; assistência individualizada; autoridade e responsabilidade


inerentes ao indivíduo; tecnologia a serviço do indivíduo (baixa tecnologia/
alto contato); criação de condições de saúde e bem-estar a longo prazo; a
morte como uma etapa do processo; assistência motivada pela cura; prática
de diversas modalidades de assistência.

Pela classificação da autora, o modelo humanístico não rompe completamente


com a lógica do modelo tecnocrático. Apesar de seus avanços em relação ao modelo
tecnocrático, a ruptura real e efetivamente inovadora seria alcanças através do modelo
holístico que em termos da assistência, propõe devolver ao parto seu lugar como um
evento fisiológico e afetivo, assim como trazer a mulher de volta ao seu protagonismo.
Portanto, enfatiza que a mulher, caso queira, tenha um acompanhante ao seu lado,
liberdade de movimentação, utilização de métodos não farmacológicos para amenizar
a dor, presença constante de um profissional capacitado para acompanhar o parto,
escolha da melhor posição para parir, seja a primeira a ver seu bebê e pegá-lo, tenha
sua dor e seu medo respeitados como integrantes do processo.

A partir dos meados da década passada, começou a se distribuir pelo Brasil um modelo
de assistência obstétrica recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que
modifica o olhar do profissional de saúde sobre a parturiente e sua família, trata-se dos
Centros de Parto Normal (MACHADO; PRACA, 2006 apud MAIA, 2010, p. 275).

Esses centros atendem normas preconizadas pelo Ministério da Saúde, conforme


Portaria nº 985/99 GM/MS (BRASIL, 1999). São unidades de acolhimento ao parto
normal, fixadas fora do centro cirúrgico obstétrico, que aplicam práticas recomenda-
das, mas que se diferenciam dos serviços tradicionais de obstetrícia. Esses espaços
têm como objetivo resgatar o direito à privacidade e à dignidade da mulher para
dar à luz num local semelhante ao seu ambiente familiar, permitindo um trabalho
de parto ativo e participativo e, ao mesmo tempo, garantindo e oferecendo recursos
tecnológicos apropriados. Esses locais ainda permitem a parturiente receber seus
acompanhantes (OMS, 1996). É importante enfatizar que os centros de parto são
para efetuar partos de gestantes de baixo risco e que todos os centros de partos têm
um hospital ou maternidade próximo para receber essa parturiente, caso aconteça
alguma intercorrência no trabalho de parto.
208

No Pará, estado de origem da autora, temos apenas uma Casa de parto que fica
na cidade de Castanhal distante a oitenta e um quilômetros da capital Belém. O CPN
(Centro de Parto Normal “Haydee Pereira de Sena”), vinculado à Secretaria Municipal
de Saúde de Castanhal, foi inaugurado em 7 de janeiro de 2015 pela Portaria nº 11/
GM/MS, que estabelece diretrizes para implantação e habilitação de Centro de Parto
Normal no âmbito do SUS.
Ficando habilitado através do programa da Rede Cegonha1, instituído em 2011
pela presidenta Dilma Rousseff. O centro possui funcionamento vinte e quatro horas,
assistência humanizada à gestante e ao recém-nascido durante o pré-parto, parto e
pós-parto. São cinco quartos/leitos, todos com suíte preparados para partos normais,

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sendo que em um deles há banheira para as mães que optarem pelo parto na água. O
objetivo é incentivar o parto normal às gestantes de baixo risco.
Os procedimentos são feitos por enfermeiros obstetras capacitados e atualizados
pelo programa da Rede Cegonha e dão total assistência para a mãe e o bebê, antes e após
o nascimento. O Centro estimula a presença do acompanhante em todos os momen-
tos: no acolhimento, que é o primeiro contato com o estabelecimento, nas consultas e
participação das rodas de conversa até o pós-parto. Para que parturientes tenham seus
bebês no Centro, é preciso que a gestante tenha feito pré-natal em qualquer unidade de
saúde e não apresente doenças como diabetes ou pressão alta. O internamento acontece
quando a mulher está em trabalho de parto, pois não é feito nenhum tipo de indução.
O Hospital Municipal de Castanhal fica ao lado do Centro e serve como apoio caso
aconteça alguma intercorrência no trabalho de parto (CASTANHAL, 2019).
Para Bezerra e Cardoso (2006 apud MAIA, 2010), além de modificar a assis-
tência ao parto é necessária uma reestruturação nas maternidades e hospitais, pois, o
atendimento ao parto ainda é centrado no biológico, no modelo biomédico de saúde/
doença. Assim como, qualificar a equipe médica com cursos de humanização do
parto para que os profissionais tenham outra postura sobre a parturiente, importante
também inserir nos cursos ligados a saúde uma disciplina sobre a humanização da
assistência ao parto, principalmente nos cursos de obstetrícia. Ou seja, é uma jun-
ção de modificações que perpassam pela cultura e informação de um país, além do
enfrentamento ao sistema cesarista brasileiro.
Wagner (2001 apud MAIA, 2010) identifica pelo menos três modelos de assis-
tência ao parto: um modelo altamente medicalizado, com uso de alta tecnologia,
centrado no médico e que marginaliza as obstetrizes (EUA, Irlanda, Rússia, República
Tcheca, França, Bélgica, Brasil urbano), o modelo humanizado, com obstetrizes autô-
nomas e empoderadas e baixas taxas de intervenção (Holanda, Nova Zelândia e países
escandinavos); um modelo misto (Inglaterra, Canadá, Alemanha, Japão e Austrália).

No Brasil, o processo de institucionalização do parto foi bem-sucedido e, atual-


mente, o atendimento à parturiente e ao bebê é predominantemente medicalizado

1 Consiste numa rede de cuidados que visa assegurar à mulher o direito ao planejamento reprodutivo e à
atenção humanizada à gravidez, ao parto e ao puerpério, bem como à criança o direito ao nascimento
seguro e ao crescimento e ao desenvolvimento saudáveis. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/
saudelegis/sas/2017/prt0922_29_05_2017.html.
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 209

e hospitalar. Segundo os dados do Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos


(Sinasc), apenas 3,2% dos nascimentos no país ocorreram fora do ambiente hos-
pitalar, em 1999 e, se consideradas as outras instituições de saúde, essa proporção
cai para 1,3% (LEAL; VIACAVA, 2002 apud MAIA, 2010, p. 48).

No entanto, a institucionalização do parto não foi capaz de garantir a saúde


materna. A manutenção dos altos índices de morbidade e mortalidade materna em
ambientes hospitalares tem sido relacionada com um modelo de assistência ao parto
que pratica intervenções excessivas e padronizadas, muitas delas sem comprovação
de benefícios e outras comprovadamente danosas ou ineficazes.
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Entre as intervenções realizadas desnecessariamente ou sem indicação precisa,


estão: raspagem dos pelos pubianos (tricotomia); aplicação de enema; indução e/
ou aceleração do parto com ocitocina; realização de episiotomia (corte no períneo
pelo médico) em todos os partos vaginais; realização do parto com a mulher em
posição horizontal; restrição de líquidos, de alimentos e da movimentação durante
o trabalho de parto; rotura de membrana; aplicação da manobra de Kristeller e proi-
bição de acompanhante durante o trabalho de parto e parto (MAIA, 2010, p. 46).

É preciso dizer que existe uma dicotomia com relação à assistência hospi-
talar ao parto no Brasil: enquanto as gestantes de baixo risco são submetidas a
intervenções desnecessárias, as de alto risco não recebem o cuidado adequado
(OLIVEIRA, 2008, p. 895).

A discussão sobre humanização do parto também está na interface da luta pela


garantia dos direitos reprodutivos das mulheres. O conceito de direitos reprodutivos
nasceu no início da década de 1980 como estratégia discursiva das feministas na
prática política para reivindicar garantias de igualdade, liberdade, justiça social e
dignidade no exercício da sexualidade e da função reprodutiva (MAIA, 2010, p. 46).

O Ciclo de Conferências da ONU (Organização das Nações Unidas), em 1990, foi


fundamental para a consolidação do conceito de direitos reprodutivos. Incorporou-se,
no seu documento final, a seguinte definição para direitos reprodutivos: Os direitos
reprodutivos se ancoram no reconhecimento do direito básico de todo casal e de todo
indivíduo de decidir. Inclui também seu direito de tomar decisões sobre a reprodução,
livre de discriminação, coerção ou violência (ALVES, 2004 apud MAIA, 2010).
Portanto, para uma “assistência qualificada e humanizada”, segundo Maia
(2010), a mulher no pré-parto e parto deve utilizar o partograma (representação gráfica
da evolução do trabalho de parto), o qual institui que se deve oferecer, à parturiente,
líquido por via oral durante o trabalho de parto; respeitar a escolha da mulher sobre
o local e a posição do parto; respeitar o direito da mulher à privacidade no local do
parto; fornece às mulheres todas as informações e explicações que desejarem; permitir
liberdade de posição e movimento durante o trabalho de parto; estimular posições
não supinas (não deitadas) durante o trabalho de parto; oferecer métodos não inva-
sivos e não farmacológicos para alívio da dor, como massagens, banhos e técnicas
210

de relaxamento durante o trabalho de parto; executar procedimentos pré-anestésicos


e anestésicos, quando pertinente, e restringir o recurso à episiotomia.
Em termos de acesso Maia (2010) define a assistência à saúde no Brasil marcada
pela exclusão, desde seu início, e pela diferenciação, mais recentemente. Em termos de
modelo de assistência, privilegiou-se a perspectiva curativa e hospitalar. Em termos de
financiamento, constituiu-se de um híbrido público e privado. Em termos de ações e
serviços há uma marca do status social do(a) usuário(a). Em termos de atuação governa-
mental, o sistema privado resiste às normativas e regulamentações estatais. Tal estrutura
complexa se relaciona com o modelo de assistência ao parto praticado hegemonicamente
no país, qual seja, um modelo predominantemente hospitalar, intervencionista e excessi-

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vamente medicalizado. O Programa Rede Cegonha foi lançado em março de 2011, pela
então Presidenta Dilma Rousseff (PT), surgindo para substituir PAISM. Esse programa
propõe uma nova forma de assistência à gestação, parto e maternidade no Brasil.

Rede Cegonha é uma estratégia do Ministério da Saúde que visa implemen-


tar uma rede de cuidados para assegurar às mulheres o direito ao planejamento
reprodutivo e a atenção humanizada à gravidez, ao parto e ao puerpério, bem
como assegurar às crianças o direito ao nascimento seguro e ao crescimento e
desenvolvimento saudáveis.
São sete (7) os componentes financiados pelo MS:
- Ambiência;
- Banco de Leite Humano;
- Casa de Gestante Bebê e Puérpera;
- Centro de Parto Normal;
- Unidade Neonatal – UCINca;
- Unidade Neonatal – UCINco;
- Unidade Neonatal – UTIN (BRASIL, 2021).

O programa nasceu com a proposta de estruturar e organizar a atenção à saúde


materno-infantil no Brasil, visando melhorar o acesso e a qualidade do atendimento
ao nascimento na rede pública de saúde, tendo sobretudo algumas diretrizes nortea-
doras como: o teste rápido de gravidez nos postos de saúde; garantir o mínimo de
seis consultas de pré-natal durante a gestação, além de uma série de exames clínicos
e laboratoriais para a gestante; garantir teste de HIV (Vírus da Imunodeficiência
Humana) e sífilis; qualificação dos profissionais de saúde para uma atenção segura
e humanizada. Em 2013, foi lançado o 4º Caderno da Rede Humaniza SUS com
orientações e diretrizes especificamente em relação à qualificação das maternidades
no contexto da rede materna e infantil entre elas:

1. Garantir “vaga sempre” às mulheres gestantes, com acolhimento respeitoso e


classificação do risco e vulnerabilidade.
2. Garantir o direito a acompanhante de livre escolha a todas as mulheres, durante
o trabalho de parto, do parto, do aborto e do puerpério.
3. Adotar as boas práticas de atenção ao parto e ao nascimento, segundo as recomen-
dações da Organização Mundial da Saúde (OMS). Cadernos HumanizaSUS 106
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 211

4. Garantir privacidade da mulher no trabalho de parto e no parto.


5. Reduzir os índices de cesariana, de episiotomia e uso de ocitocina.
6. Promover o parto e o nascimento humanizados, ofertando métodos de alívio
da dor e possibilidade de partos na posição vertical.
7. Promover a participação do pai no momento do nascimento.
8. Promover o contato pele a pele entre mãe e bebê imediatamente após o nasci-
mento (BRASIL, 2013).
9. Garantir livre permanência da mãe e do pai juntos ao seu recém-nascido durante
todo o tempo de internação na UTI ou UCI.
10. Estimular a amamentação na primeira hora de vida e cumprir os dez passos
para a proteção, a promoção e o apoio ao aleitamento materno.
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11. Manter atuante comissão de investigação do óbito materno, fetal e infantil.


12. Manter ativos mecanismos de participação dos usuários, como ouvidoria,
conselho local de saúde, pesquisas de satisfação, caixas de sugestão, publicização
dos indicadores.
13. Garantir gestão participativa e democrática, valorizando o trabalho e o traba-
lhador da saúde (FIGUEREDO; LANSKY, 2014, p. 106.)

Outra diretriz é a criação de centros de gestante e do bebê para a assistência


à gravidez de alto risco e de casas de parto normal para implementar as demandas
do parto humanizado para os casos de baixo risco. Cada estado brasileiro recebeu
uma casa de parto normal como piloto para desenvolver a política pública, no estado
do Pará a casa de parto foi implantada na cidade de Castanhal. O objetivo geral do
programa era erradicar os altos índices de mortalidade materna e neonatal no Brasil,
sobretudo no norte e nordeste, bem como diminuir a realização de cesarianas, prin-
cipalmente as cesáreas eletivas, da qual o país é campeão na realização, dos quais
55% (cinquenta e cinco por cento) dos partos são por via da cirurgia, ultrapassando
a recomendação da OMS que é de 15% (quinze por cento) dos partos realizados
serem por via de cesáreas.
Em fevereiro de 2014, o município de Marabá, município de origem da autora
e foco de estudo deste trabalho, ainda não tinha instalado o programa Rede Cegonha.
O que fez com que a promotora de Justiça de Marabá, Mayanna Silva Queiroz, do
Ministério Público do Estado se reunisse com membros da Secretaria Municipal de
Saúde de Marabá, diretor e membros do Hospital Regional do Sudeste do Pará e o
Hospital Materno Infantil (HMI) para tratar da implantação imediata do programa
Rede Cegonha e o atendimento de obstetrícia de média e alta complexidade no
município. Ficou acordado que até o final do mês de fevereiro do corrente ano a
Secretaria de saúde apresentaria o plano de implantação (PALHETA, 2014). Também
temos a Lei do Acompanhante nº 11.108/2005 como diretriz da Rede Cegonha, que
determina que os serviços de saúde do SUS, da rede privada ou conveniada, são
obrigados a permitir à gestante o direito a acompanhante durante todo o período
de trabalho de parto, parto e pós-parto, a escolha da mulher. Dentre as mulheres
participantes desta pesquisa nenhuma teve esse direito garantido na hora do parto.
O acompanhante só pode entrar na maternidade quando a mulher foi transferida
para o quarto, ou seja, no pós-parto.
212

Outro dado importante que evidencia está negação de garantia do direito ao


acompanhante as parturientes na maternidade-HMI é o número de 18 denúncias
encontradas no site do MP-PA (Ministério Público Estadual) na promotoria de Marabá,
solicitando intervenção do MP-PA para garantir o acompanhamento a mulher ges-
tante que teve esse direito negado ao chegar no Hospital Materno Infantil para parir.
A lei é de 2005 e, em 2021, a maternidade do HMI ainda não conseguia cumprir a
lei, alegando que falta estrutura física, porém, em dezesseis anos, o executivo não
conseguiu adaptar a maternidade para que possa receber os acompanhantes das par-
turientes. Para Diniz (2006), as instituições de saúde, frequentemente, adotam várias
formas de opressão de maneira sinérgica, reproduzindo comportamentos e rotinas

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discriminatórias sem que consigam reconhecer, nessas rotinas, seu conteúdo opressor.

Considerações finais
Para Vendruscolo (2015), o parto e a assistência ao parto passaram da residência
ao hospital, de um evento que envolvia parteiras a um evento médico. Da não medica-
lização à medicalização, do natural a um evento regrado. Com tantas transformações
desenvolvidas para melhor atender a equipe de saúde e a gestante, a parturiente passou
de sujeito a objeto, ou seja, uma pessoa que pouco ou nada decide a respeito de como
o parto será conduzido. Os procedimentos são decididos pelo médico(a), por isso,
há uma mobilização no que tange o processo de humanização do parto, preconizado
pelo Ministério da Saúde, solicitando assistência integral e humanizada à mulher,
como uma tentativa de empoderamento dela, neste momento.
Maia (2010) relata que, no fim do século XIX, os obstetras passaram a empreen-
der campanhas para transformar o parto em um evento controlado por eles e circuns-
crito às maternidades, o que se efetivou na metade do século XX. Observa-se que
antes do advento da obstetrícia foi possível manter uma divisão do trabalho entre
médicos e parteiras, na qual partos “naturais” eram objeto da atenção da parteira
enquanto o médico era chamado a agir somente em casos de complicações.

A consolidação da presença do médico na cena do parto está associada à cria-


ção de um instrumental próprio (fórceps, pelvímetro, sondas, agulhas, tesouras,
ganchos e cefalotribos) e a práticas cada vez mais intervencionistas, associação
esta usada para construir uma imagem de conhecimento científico, competência
e superioridade dos médicos em relação às parteiras, que usavam apenas as mãos
nas suas manobras e diagnósticos (ROHDEN, 2001; MARTINS, 2004; MARTIN,
2006 apud MAIA, 2010, p. 31).

É necessário enfatizar que os profissionais da saúde, em sua maioria médicos,


fizeram um movimento para que o controle do parto fosse retirado da mulher e das
parteiras passando para a área de obstetrícia. Essa transferência ocasionou a perda
de protagonismo da mulher na hora do parto, visto que na hora do parto se o médico
achar necessário fazer interferências, ele realiza-as, na maioria das vezes, segundo
os relatos colhidos em pesquisa, sem consultar a parturiente ou acompanhante.
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tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 213

Registra-se que, no século XVII, os médicos passaram a controlar as parteiras, pro-


duzindo manuais para sua capacitação. No século XVIII, as parteiras frequentavam
escolas comandadas por médicos e disseminadas pela Europa (MARTINS, 2004).”
Por outro lado, a perseguição às parteiras, sua desqualificação e seu banimento tam-
bém fizeram desaparecer um conjunto significativo de conhecimentos das próprias
mulheres sobre seus corpos, suas dinâmicas e seus produtos” (TORNQUIST, 2004;
AIRES, 2006 apud MAIA, 2010, p. 31).

Mas, adentrando em um campo ocupado por mulheres e investindo em corpos


femininos, de cujas dinâmicas tinha pouco conhecimento, a medicina incorreu
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em inúmeros equívocos, em muitos casos contribuindo para a elevação das taxas


de mortalidade de mulheres e bebê (TORNQUIST, 2004, p. 80).

Além disso, de acordo com Maia (2010), os primeiros partos hospitalares eram
realizados nas enfermarias de mulheres dos hospitais gerais. A criação de hospitais
específicos para a realização dos partos – as maternidades – foi um evento do fim
do século XIX. O que acarretou altas taxas de mortalidade materna relacionadas a
partos hospitalares, na década de 1870, em função da infecção puerperal. Por isso,
as primeiras mulheres a recorrerem às maternidades eram pobres e/ou solteiras, que
o faziam como último recurso.

A construção de maternidades objetivava criar tanto um espaço de ensino e prática


da medicina da mulher como um lugar onde as mulheres sentissem segurança para
parir. Entretanto, somente após a Segunda Guerra Mundial houve queda signifi-
cativa na mortalidade materna e infantil, mudança menos ligada à obstetrícia do
que à medicina como um todo (TORNQUIST, 2004, p. 81).

Em suma, o evento complexo do parto e nascimento se tornou, ao longo dos


últimos séculos, um assunto médico e hospitalar, separado da vida familiar e comu-
nitária. É importante salientar que o parto hospitalar serviu à obstetrícia de três
maneiras: “restringindo a competição com as parteiras, estabelecendo o princípio
do controle médico sobre as pacientes e permitindo o treinamento de novos médi-
cos” (DOMINGUES, 2002, p. 35 apud MAIA, 2010, p. 33). O parto medicalizado
e hospitalar tornou-se sinônimo de modernidade, de segurança e de ausência de dor.
E, mais contemporaneamente, de espetáculo. Maia (2010) se refere a participação
constante de profissionais fotógrafos na sala de parto para registrar o momento do
nascimento como se esse profissional fizesse parte da equipe de saúde, esses partos
acontecem em sua grande maioria pela cesariana eletiva.

Ou seja, a assistência médico-hospitalar ao parto e nascimento lhe confere novos


significados. De evento fisiológico, familiar e social, o parto e nascimento trans-
forma-se em ato médico, no qual o risco de patologias e complicações se torna
a regra, e não a exceção. Inaugura-se o modelo tecnocrático de assistência ao
parto (MAIA, 2010, p. 34).
214

Nesse momento da história humana, já temos a presença de médicos realizando


os partos, de uma forma obrigatória e impositiva. Os riscos hospitalares ampliaram
as possibilidades de intervenção, resultando no aumento progressivo das cesarianas
(ALMEIDA; TANAKA, 2009). Ou seja, o parto que antes era de um ambiente privado
perde espaço para uma esfera pública, institucionalizada com uma figura masculina
no processo e participação do Estado através das políticas públicas de saúde. Visando
uma maior praticidade, ao contrário do que se poderia analisar de forma mais óbvia,
algumas intervenções desnecessárias como a ocitocina2 sintética usada para acelerar
o trabalho de parto e a episiotomia3 que são usadas como protocolo dos hospitais e
maternidades, causam traumas irreparáveis para as mulheres, pois são procedimentos

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realizados na maioria das vezes sem consultar a parturiente e esses procedimentos são
denominados como: violência obstétrica. Esse tipo específico de violência contra a
mulher é denunciado por movimentos sociais por todo Brasil e por algumas médicas
como Melania Amorim4, uma das referências no Brasil sobre parto humanizado.
Em relação às intervenções realizadas durante o trabalho de parto, a pesquisa “Nas-
cer no Brasil: inquérito nacional sobre parto e nascimento”, realizada pela Fundação
Oswaldo Cruz de 2011 a 20125, revelou que em mais de 70% (setenta por cento) das
mulheres foi realizada punção venosa, cerca de 40% (quarenta por cento) receberam ocito-
cina e realizaram aminiotomia (ruptura da membrana que envolve o feto) para aceleração
do parto e 30% (trinta por cento) receberam analgesia raqui/peridural. Já em relação às
intervenções realizadas durante o parto, a posição de litotomia (deitada com a face para
cima e joelhos flexionados) foi utilizada em 92% (noventa e dois por cento) dos casos,
a manobra de Kristeller (aplicação de pressão na parte superior do útero empurrando a
barriga da parturiente) teve uma ocorrência de 37% (trinta e sete por cento) e a episiotomia
(corte na região do períneo) ocorreu em 56% (cinquenta e seis por cento) dos partos. Esse
número de intervenções foi considerado excessivo e não encontra respaldo científico em
estudos internacionais (LEAL et al., 2014, p. 20 apud MAIA, 2010, p. 36).
Os resultados da pesquisa demostram o excesso de procedimentos adotados
pelos profissionais da saúde como protocolo em hospitais e maternidade na maioria
das vezes desnecessário, porém usado para acelerar o trabalho de parto ou para encer-
rar alguns partos que se tornam mais demorados. Em 2020, foi aprovada a segunda
pesquisa “Nascer no Brasil: inquérito nacional sobre parto e nascimento”, que cole-
tou dados de maternidade acima de quinhentos partos anuais, porém ainda não foi
publicada. A violência obstétrica implica em atos categorizados como fisicamente
ou psicologicamente violentos no contexto do trabalho de parto e nascimento6. São

2 A ocitocina sintética foi desenvolvida nos Estados Unidos, na década de 1950, e é usada até hoje para induzir
partos. Ela é aplicada na veia, com soro, para estimular as contrações uterinas, em casos específicos. A
principal diferença entre a natural e a sintética é que a última não atua no cérebro da mulher.
3 Episiotomia é uma incisão efetuada na região do períneo (área muscular entre a vagina e o ânus) para
ampliar o canal de parto.
4 Acesso em: https://radis.ensp.fiocruz.br/index.php/home/entrevista/o-nome-e-violencia-obstetrica.
5 Acesso em: https://portal.fiocruz.br/noticia/nascer-no-brasil-pesquisa-revela-numero-excessivo-de-cesarianas.
6 Ver: As Faces da Violência Obstétrica. Disponível em: https://www.ufrgs.br/jordi/172-violenciaobstetrica/
violencia-obstetrica/.
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 215

procedimentos realizados no corpo da mulher sem sua permissão, tendo em vista


que muitas vezes a equipe médica realiza os procedimentos e a mulher só perceber
após o parto. Muitos desses procedimentos foram naturalizados pelos hospitais como
necessários, porém, sua maioria não possui evidência médica.

A episiotomia de rotina era anteriormente considerada pelos obstetras uma estra-


tégia para proteger o períneo, o assoalho pélvico e o feto das lesões do parto,
porém gradualmente tem se demonstrado tratar-se de procedimento desnecessário
e prejudicial. Com o advento da Medicina Baseada em Evidências, os obstetras
precisam considerar que os riscos de lesão materna superam os possíveis benefí-
cios (AMORIM, 2008, p. 47).
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Pesquisas atuais, baseadas em evidências, comprovaram que a episiotomia além


de não proteger o assoalho pélvico7 aumenta a frequência de dor perineal, dispareu-
nia8, perda sanguínea, laceração do esfíncter anal9, lesão retal e incontinência anal,
sem reduzir as taxas de incontinência urinária ou melhorar os resultados neonatais.
Ainda que realizada rotineiramente sem indicação precisa, a episiotomia foi descrita
por Marsden Wagner como mutilação genital feminina, devendo, portanto, ser evitada
(AMORIM, 2008).
Em contrapartida a essas práticas violentas, na hora do parto e do nascimento
surgem, a partir de 1950, em vários países, movimentos de mulheres organizados bus-
cando discutir novas formas de partejar e tentando resgatar seu protagonismo feminino.
No Brasil, ele acontecerá em vários Estados de diferentes formas. Na década de 1970,
surgem profissionais dissidentes, inspirados por práticas tradicionais de parteiras e
de nascimentos em sociedades indígenas, como Galba de Araújo no Ceará e Moisés
Paciornick (1979) no Paraná, além do Hospital Pio X, em Goiás (DINIZ, 2009).
Percebe-se que, apesar de grande esforço da área da obstetrícia em retirar o
parto do protagonismo da mulher e da esfera privada, as mulheres sempre realizaram
resistência. Na atualidade muitos profissionais da saúde, baseando-se em evidências,
defendem o parto normal humanizado, por ser o melhor para mulher e bebê. Esse
movimento de tentar empoderar as mulheres na hora do parto e nascimento é jus-
tamente uma retomada do papel de sujeito inerente às mulheres, na hora do parto.

7 É um grupo de músculos voluntários e involuntários e ligamentos conectados a estruturas ósseas que se


fundem e sustentam os órgãos abdominais e pélvicos.
8 Dor genital associada à relação sexual.
9 Rompimento não intencional da pele e outras estruturas dos tecidos moles que, nas mulheres, separam
a vagina do ânus. As lacerações perineais ocorrem principalmente em mulheres como resultado do parto
vaginal, que estica o períneo, causando fissuras.
216

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MEMÓRIA BIOCULTURAL E
SABEDORIA GRIÔ NA AMAZÔNIA:
compreensões didático-pedagógicas a
partir de espaços afrodiaspóricos
Raimundo Erundino Santos Diniz1
Edilson Mateus Costa da Silva2
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Introdução
O artigo aborda aspectos histórico-antropológicos e educacionais relativos à
memória biocultural e pedagogia griô em contextos amazônicos ao relacionar as prá-
ticas ancestrais, saberes, técnicas e cosmologias amazônicas em territórios físicos e
simbólicos, urbanos e rurais configurados como espaço afro-diaspóricos amazônico.
Estas diversidades, bens culturais materiais e imateriais são compreendidos aqui como
resultados de memórias bioculturais e sabedoriais griôs inerentes às práticas sociais
de reproduções de saberes e conhecimentos reproduzidos historicamente em situações
sociais específicas através da oralidade e memória. Entende-se aqui que este conjunto
de manifestações culturais constituem ferramentas pedagógicas que precisam ser apro-
priadas ao ambiente educativo em espaços escolares e não escolares, instaurados a partir
de saberes das linguagens artísticas, corporidades e simbologias intrínsecas aos modos
de ser, viver, criar, reproduzir e representar das culturas amazônicas.
O artigo está organizado em duas seções: A primeira expõe análises conceituais
com preponderância às reflexões sobre memória biocultural, pedagogia griô e seus
desdobramentos teórico-metodológicos para inflexões epistemológicas alternati-
vas aos processos educacionais em contexto amazônicos. A segunda seção destaca
experiências práticas de reproduções de saberes em espaços afro-diaspóricos como
potencialidades didático-pedagógicas ao processo educacional voltado a pedagogia
diferenciada sensível ao saber local.

Inflexões epistemológicas: o outro lado da linha abissal


Enseja-se neste artigo provocar reflexões teórico-metodológicas de como
engendrar as culturas locais amazônicas aos processos didático-pedagógicos de

1 Historiador. Doutor em Ciências Socioambientais pelo Núcleo de Altos Estudos Amazônicos da Universidade
Federal do Pará (NAEA/UFPA). Professor permanente do Programa de Mestrado Profissional do Ensino de
História da Universidade Federal do Amapá (PROFHISTÓRIA/UNIFAP).
2 Doutor em História pelo programa de Pós-Graduação da Universidade Federal do Pará (UFPA/PPHIST).
Professor da Secretaria de Educação do Pará (SEDUC-PA).
224

ensino-aprendizagens que considerem as realidades locais. Intenta-se cultivar a


consciência de si mesmo e o direito à diferença como pré-requisitos indispensáveis
à constituição de uma personalidade coletiva autônoma, de uma educação que repro-
duza sentidos e coerências aos modos de vidas locais. Certamente, a opção e a ótica
desta reflexão ensejam provocar o autoexame a partir de conexões históricas locais
demarcadas pela presencialidade da cultura ancestral, menos pela reminiscência.
Tais conexões interculturais que posicionam maneiras distintas de interpretar o
processo histórico serão analisadas em termos de intercâmbios recíprocos na relação
tensa e conflituosa entre a cultura hegemônica e cultura transgressiva. As contri-
buições positivas do hibridismo cultural serão interpretadas como exercícios vitais

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de memórias coletivas ao campo educacional de modo a salientar a importância do
cultivo e valorização de identidades locais frente os movimentos de invisibilidades
e menoscabos produzidos pelo pensamento racional da linha abissal. Para Diniz e
Acevedo Marin (2014, p. 207):

O discurso hegemônico estaria acompanhado de ações colonizadoras, recupera-


ção do colonialismo, ideologias homogeneizantes e universalizantes, em favor
de um modelo de sociedade que não reproduzia a grande diversidade de grupos
e agentes sociais que foram aproximados pelas mesmas circunstâncias no con-
texto da formação de impérios coloniais. Modernidade e diáspora foram dois
movimentos concomitantes, que permitiram, por vezes, interconexões culturais
e identificações comuns, laços de solidariedades e movimentos de oposição à
cultura do colonizador.

A predominância de visões exteriores no currículo escolar que têm modelado a


marca registrada da educação escolar a partir de interesses externos. É cogente recu-
perar e reificar a conscientização para designar esse retorno às referências históricas
locais. É preciso aqui uma verdadeira revolução epistemológica e metodológica, que
seja primeiramente semântica e que, sem negar as exigências da ciência universal,
recupere referenciais de existências moldados a partir de saberes ancestrais, populares,
periféricos, subalternizados pela linha abissal3 da ciência moderna.
Faz-se necessário reinventar caminhos teórico-metodológicos para compreender
a complexidade e diversidade do patrimônio cultural material e imaterial que reúnem
a chave da reinterpretação do fazer educacional alternativa na Amazônia.
Neste ínterim, justifica-se a magnitude da memória biocultural e da sabedoria
griô como instrumentos de luta, representação e valorização da cultura imaterial
amazônica ao serem instrumentalizadas no fazer escolar e não escolar. Estas moda-
lidades reinterpretativas de práticas sociais e reprodução de saberes ancestrais per-
passam por signos, símbolos, saberes e fazeres circunscritos ao que se pondera como

3 Boaventura (2009) salienta que a colonialidade produziu divisões cartográficas, cognitivas, políticas e econômicas
caracterizadas por linhas de pensamentos abissais nas quais o norte, ocidental/civilizado/capitalista, controla
recursos simbólicos e materiais sustentados por discursos científicos dominantes, violências e apropriações
sobre o outro lado da linha abissal, o sul, primitivo/marginal/incivilizado caracterizado por territórios e sujeitos
entendidos como despossuídos de ciência e racionalidade. Portanto, ocupam um não lugar na história.
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 225

patrimônio histórico e artístico. Neste repertório, o patrimônio imaterial também


constitui “saberes, os ofícios, as festas, os rituais, as expressões artísticas e lúdicas,
que, integrados à vida dos diferentes grupos sociais, configuram-se como referências
identitárias na visão dos próprios grupos que as praticam” (CASTRO, 2008, p.12).
Para o Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), patrimônio
material o conjunto de bens culturais relativos à arqueologia, imagem, paisagem,
etnografia; história (narrativas e memórias); artefatos das belas artes e/ou das artes
aplicadas confluem repertórios de bens imateriais.
A memória biocultural instrumentaliza meios de compreensões historicizados
pelas paisagens, campos de pesquisas, identidades, territórios, símbolos, signos,
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patrimônios, documentos e bens culturais. E ainda, saberes tradicionais, estratégias


de manejo, técnicas e tecnologias artesanais, instrumentos musicais, corporidades
entre outras linguagens do mundo vivido. Para Toledo e Barrera-Bassols (2009), as
cosmovisões tradicionais apontam que o mundo social e o natural estão interligados
de acordo com o princípio da reciprocidade e atuam como reguladores de compor-
tamentos no que refere a relação dos seres humanos com o lugar, com a natureza.
Entende-se, portanto, que as práticas de reproduções culturais materiais e sim-
bólicas devem ser mediadas por negociações multiculturais de acordo com as crenças
coexistentes que podem ser compreendidas como resultados da “conservação simbó-
lica” e materializado no modo de vida, rituais, regras e condutas de sujeitos, coletivos
e comunidades. Os saberes locais não podem ser investigados apenas por catalogações,
análises laboratoriais, cálculos matemáticos e estruturais de racionalidade cartesiana. De
outro modo, devem contabilizar singularidades culturais voltadas a satisfação material,
espiritual e simbólica que acionam outras maneiras cognitivas de interpretar o mundo
a partir de narrativas, corporidades, lugares, crenças, cognições e vivencias práticas.
A memória biocultural permite ressignificar e atualizar práticas de conhecimen-
tos ancestrais herdadas culturalmente que se expressam por linguagens específicas
que codificam estratégias de permanências, sobrevivências, atualizações e inovações
ao tempo presente. Toledo e Barrera-Bassols (2009) assinalam que a diversidade
cultural expressada entre outros elementos pela diversidade linguística concentrada
geograficamente onde existem maior disponibilidades de recursos naturais e popula-
ções tradicionais, representam 1/5 da população mundial indicadas como periféricas
ou de terceiro mundo e estão localizadas abaixo da linha do equador.
Ressaltam que na representação cartográfica global estas áreas ocupam a faixa
central dos dois extremos do mapa planetário em diferentes ecossistemas e biomas,
recursos e paisagens como semiáridas, tropicais úmidas, montanhosas, alagadas etc.
Informam ainda que existem correlações entre as áreas de maior biodiversidade e o
“axioma biocultural” anunciado por Nietschmann (1992), que emprega o conceito de
“conservação simbólica” sustentado pela diversidade biológica e cultural, geografica-
mente conterrâneas. Os múltiplos usos da produção tradicional da natureza permitem
potencializar as interações ecológicas, diversidade genética-cultural-linguística.
A região amazônica localiza-se exatamente abaixo da linha do equador, enquanto
marcador geográfico global, portanto, contempla a complexidade cultural, linguística,
social e étnica salientada pelos autores. Deste modo, convém compreender a memória
226

biocultural e a pedagogia griô como elementos importantes a serem problematizados


em processos educacionais de modo a codificarem as especificidades da cultural
local. A memória biocultural permite aos indivíduos recuperar eventos do passado,
enquanto sociedade reproduzem memórias coletivas, memória social que interagem
com o presente ao se depararem com situações similares e permitem aprendizagens
para projeções futuras:

La memoria biocultural representa, para la especie humana, una expresión de la


diversidad alcanzada y resulta de un enorme valor para la cabal comprensión del
presente, y la configuración de un futuro alternativo al que se construye bajo los
impulsos e inercias actuales (TOLEDO; BARRERA-BASSOLS, 2009, p. 190).

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A memória biocultural sustenta-se no tripé: genética, linguística e cognição.
Os registros de conhecimentos e inter-relações entre a humanidade e a natureza per-
passam por diferentes contextos geográficos, ecológicos conservados com maior efi-
ciência por populações tradicionais. A sabedorias griôs4 pode exemplificar a memória
biocultural ao reproduzir artesanias ancestrais em espaços afrodiaspóricos, territórios
físicos e simbólicos urbanos e rurais da Amazônia. As manifestações de saberes e
práticas sociais, demarcadas por artesanias ancestrais sob o signo do cordão umbilical
afroindígena, são ressignificadas e atualizadas pela diversidade cultural inerente ao
processo histórico de ocupação da região.
Para compreensão do processo histórico considerando o contrapasso e contra-
tempo ao se referir à dinâmica cultural amazônica e a dinâmica temporal da noção
de tempo capitalista, reitera-se a concepção de tempo a partir da compreensão de
tempo griô, pontuadas nas observações de Obenga (2010):

Trata-se, a rigor, da história absoluta. Essa história – que apresenta sem datas e
de modo global, estágios de evolução, é simplesmente a história estrutural. Os
afloramentos e as emergências temporais denominadas em outros lugares “ciclo”
(ideia de círculo), “período” (ideia de espaço de tempo), “época” (ideia de parada
ou de momento marcado por algum acontecimento importante), “idade” (ideia
de duração, de passagem do tempo), “série” (ideia de sequência, de sucessão),
“momento” (ideia de instante, de circunstância, de tempo presente), etc., são
praticamente deixadas de lado pelo griot africano, enquanto expressões possíveis
de seu discurso. É claro que ele não ignora nem o tempo cósmico (estações, anos
etc.) nem o passado humano, já que o que ele relata é, de fato, passado. Mas lhe
é bastante difícil esboçar um modelo do tempo. Ele oferece de uma só vez toda
a plenitude de um tempo (OBENGA, 2010, p. 128).

De outro modo o pensamento griô é inerente a compreensão do contexto his-


tórico amazônico através da oralidade dos guardiões de memórias e sabedorias,

4 A palavra francesa griot e usada aqui para referir as autoridades populares que reproduzem as tradições
culturais africanas. Na língua africana Bambara são chamados “Dieli”. O nome Dieli em bambara significa
sangue. De fato, tal como o sangue, eles circulam pelo corpo da sociedade, que podem curar ou deixar doente,
conforme atenuem ou avivem os conflitos através das palavras e das canções (KI –ZERBO, 2010, p. 249).
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como afirma Ki–Zerbo (2010) contextualizando a importância de griôs em África:


“[...] a história falada constitui um fio de Ariadne muito frágil para reconstituir os
corredores obscuros do labirinto do tempo. Seus guardiões são os velhos de cabelos
brancos, voz cansada e memória um pouco obscura, rotulados às vezes de teimosos
e meticulosos” (KI –ZERBO, 2010, p. 40). Em seguida completa: “Cada vez que
um deles desaparece, é uma fibra do fio de Ariadne que se rompe, é literalmente um
fragmento da paisagem que se toma subterrâneo” (KI –ZERBO, 2010, p. 41). Indu-
bitavelmente, a tradição oral é a fonte histórica proeminente, avesso a alfabetização
letrada/escrita que esteriliza as mediações entre os sujeitos:
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Por mais útil que seja, o que é escrito se congela e se desseca. A escrita decanta,
disseca, esquematiza e petrifica: a letra mata (grifo nosso). A tradição reveste
de carne e de cores, irriga de sangue o esqueleto do passado. Apresenta sob as
três dimensões aquilo que muito frequentemente é esmagado sobre a superfície
bidimensional de uma folha de papel (KI –ZERBO, 2010 , p. 39).

Para o autor as narrativas e demais expressões orais, musicalidades, cantos e


provérbios constituem veículos da história falada, na Amazônia, as culturas e tradi-
ções são reproduzidas através de rituais, performances artísticas, instrumentalizações,
musicalidades a partir de produções locais, instrumentos e sons artesanais:

Com efeito, incorporam -se ao artista, e seu lugar é tão importante na mensagem
que, graças às línguas tonais, a música torna -se diretamente inteligível, trans-
formando -se o instrumento na voz do artista sem que este tenha necessidade de
articular uma só palavra. O tríplice ritmo tonal, de intensidade e de duração, faz-se
então música significante, nessa espécie de “semântico-melodismo” de que falava
Marcel Jousse. Na verdade, a música encontra -se de tal modo integrada à tradição
que algumas narrativas somente podem ser transmitidas sob a forma cantada. A
própria canção popular, que exprime a “vontade geral” de forma satírica e que
permaneceu vigorosa mesmo com as lutas eleitorais do século XX, é um gênero
precioso, que contrabalança e completa as afirmações dos “documentos” oficiais.
O que se diz aqui sobre a música vale também para outras formas de expressão,
como as artes plásticas, cujas produções são, por vezes, a expressão direta de per-
sonagens, de acontecimentos ou de culturas históricas (KI-ZERBO, 2010, p. 42).

A investigação cognitiva tão cara aos processos de ensino-aprendizagens vin-


cula-se diretamente ao conjunto de elementos que compões o sistema linguístico,
simbólico e cultural, a memória constitui recurso primordial na articulação de cada
uma das etapas de produção do conhecimento, execução de técnicas e estratégias. A
memória e a oralidade são responsáveis pela transmissão5 do conhecimento reprodu-
zido individualmente, coletivamente e comunitariamente como síntese ou resultado

5 Para Toledo e Barrera-Bassols (2009), existe uma distribuição de saberes entre os agentes que compõe o
grupo saberes coletivos e saberes individuais de acordo com a posição que ocupam no grupo, gênero e idade
que interferem na experiência histórica acumulada, as experiências e interações entre os membros de uma
mesma geração e gerações anteriores ou posteriores e a experiência particular de cada membro do grupo.
228

de um longo processo histórico moldado pelas gerações de saberes fracionados,


ajustados e articulados aos contextos socioculturais locais.
A modernidade impõe modelos educacionais pautados em relações instantâneas
que enfraquecem a capacidade de recordar processos de médios e longos prazos e con-
sideram as práticas rurais tradicionais como obsoletas, primitivas, arcaicas e inúteis.
Portanto as crenças na modernidade sob os rótulos de progresso e desenvolvimento
que caracterizados pelo uso da tecnologia para acelerar processos e resultados negam
e ignoram suas próprias existências, invisibilizam a consciência histórica e limitam
a forma de interpretar o presente, informam Toledo e Barrera-Bassols (2009).
Para Diniz e Acevedo Marin (2014), historicamente por diversas maneiras houve

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jogos de trocas mútuas entre África e outros continentes e, de forma particular,
África e Brasil. As especificidades culturais enraizaram-se e ressignificaram-se em
uma consciência histórica constantemente renovada, revivida e redimensionada em
diversas representações, físicas e simbologias. São diversas as conotações culturais,
políticas e religiosas sempre atravessadas por ancianidades afrodiaspóricas e africa-
nidades fundamentadas na presencialidade destes valores.
Na próxima seção serão apresentados e sistematizados espaços afro-diaspóri-
cos e possibilidades de usos da pedagogia griô e memorial biocultural ao processo
educacional sensível ao contexto histórico, cultural, social, étnico e cognitivo em
espaço Amazônico a partir de experiências do estado do Amapá.

Espaços afro-diaspóricos e potencialidades didático-pedagógicas


As potencialidades didático-pedagógicas da memória biocultural e pedagogia
griô têm sido reveladas e impulsionadas pelo projeto de extensão “Ensino de História
e Pedagogias griôs Amazônicas”6 da Universidade Federal do Amapá. A atualidade
do projeto justifica-se ao alinhamento as políticas educacionais favoráveis a inclusão,
diversidade e educação antirracista ao propor a recuperação de memórias e saberes
afro-diaspóricos, afro-brasileiros e afro-indígenas no Estado do Amapá, majoritaria-
mente de população negra. Enseja-se cultivar a formação de mentalidade acadêmica
sensível às questões étnico-raciais ao promover realizações de atividades correlatas
nos cursos de Graduação e Pós-Graduação.
O Projeto de extensão tem insistido no pêndulo jurídico relativo às Leis7 nº
10.639/03 e nº 11.635/08 de modo a incentivar a comunidade acadêmica a

6 O projeto de Extensão coordenado pelo Prof. Dr. Raimundo Diniz e organizado com as colaborações de
discentes e docentes do curso Pedagogia/Campus Santana da Universidade Federal do Amapá – UNIFAP,
enseja mapear histórias, memórias e saberes relativos à história local/regional e suas interfaces com o
processo educacional, ensino de História e as dinâmicas sócio culturais Amazônicas. Intenta revelar os
atravessamentos da história e cultura africana, afro-brasileira e afro-indígena, consoantes as Leis nº 10.639/03
e 11.645/08. Neste contexto de pandemia do covid-19 tem concentrado atividades remotas de entrevistas
e organização de eventos acadêmicos com representantes de comunidades locais, identidades coletivas,
pesquisadores, docentes e discentes de cursos de graduação e pós-graduação.
7 Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996 que estabelece as diretrizes e bases da educação
nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 229

problematizar, entender e ressignificar as ancestralidades e memórias históricas pau-


tadas em referencias étnico-raciais. Ademais, torná-los protagonistas de reflexões em
ambientes acadêmicos e profissionais de modo à instrumentalizá-los ao combate ao
racismo institucional, muito presente em unidades educacionais.
A metodologia de análise nesta seção caminha no sentido de repertoriar os
espaços afro-diaspóricos e na sequência apresentar reflexões na modalidade de per-
guntas para cultivar possibilidades didático-pedagógicas de como cultivar o processo
formativo-reflexivo. Não convém, portanto, apresentar fórmulas, respostas acabadas,
manuais didático-pedagógicos, sequencias didáticas ou roteiros. Acredita-se no pro-
cesso formativo dialógico-situacional que permite construir coletivamente alternativas
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e possibilidades metodológicas de como compreender as dinâmicas locais e traduzi-las


ao processo educacional escolar.
Os espaços afrodiaspóricos analisados aqui serão priorizados a partir do estado
do Amapá por registar uma população autodeclarada negra (78,9%), superior a nacio-
nal de 53,6% (IBGE, 2015). As terras do estado do Amapá administrativamente
estão distribuídas e destinadas de diferentes formas de gestão do espaço marcadas
por disputas e tensões entre diferentes modelos de desenvolvimento e ocupações.
Estas terras/territórios para as identidades coletivas8 conferem espaços de memórias
e ancentralidades, diferente dos sentidos atribuídos pelas cartografias administrativas,
oficiais que primam pela geopolítica e zoneamento econômico ecológicos.
Reflexões: quais são os espaços urbanos e rurais afrodiaspóricos do estado do
Amapá em? Estes espaços ocupam centralidades nas políticas públicas do Estado?
Os currículos escolares promovem o mapeamento e conhecimento destes espa-
ços afrodiaspóricos? Sujeitos, territórios e identidades coletivas afro-diaspóricas
transitam, ocupam e se identificam com as dinâmicas socioculturais, políticas e
econômicas dominantes no estado do Amapá? A centralidade e conhecimento des-
tes espaços afro-diaspóricos contribuem para o cultivo de consciência histórica e
reposicionamento da memória coletiva? Quais são nossas referências históricas? O
que aprendemos? O que ensinamos?
O chão/território ou terra/território tradicionalmente ocupados por identida-
des coletivas reúnem um arquipélago de saberes griôs amazônicos, guardiões de
memoriais. Estes griôs Amazônicos estão em comunidades tradicionais atravessadas
por desenhos geográficos oficiais que registram: 44,7% das terras estão ocupadas
por Unidades de Conservação (39% unidades federais e 5,7% unidades estaduais);

Afro-Brasileira”, e dá outras providências. Ou seja, não é uma lei separada, confere a própria LBD, lei federal.
Torna obrigatório que nos conteúdos escolares de todo o currículo formal devem problematizar a História
e Cultura Afro-Brasileira. Por fim, o calendário escolar incluirá o dia 20 de novembro como ‘Dia Nacional
da Consciência Negra’. A Lei nº 11.645/08 atualiza e completa a Lei nº 10.639/03 ao tornar obrigatório a
inserção da questão indígena no processo formativo escolar.
8 Para Klaus Eder (2003), o Estado Nacional é um mecanismo de domesticação dos sentimentos coletivos,
que atua unindo o povo em uma nação. As identidades coletivas relativizam esta unidade/nação e primam
pela autodefinição, pelas situações sociais específicas e territorialidades que conformaram sujeitos,
identidades e territórios. Portanto, contrariam as padronizações, homogeneizações, discursos e sentimentos
universalizantes.
230

terras indígenas ocupam 8,37%; glebas do estado 12%; glebas transferidas ao estado
10,05%; as áreas tituladas 11% e os assentamentos (federais, estaduais ou munici-
pais) que detêm 14,88% das terras do estado, o que corresponde a 2.125.326 hectares
(SILVA; FILOCREÃO; LOMBA, 2012).
Nesse sentido, convém refletir: quem define as configurações administrativas
do espaço geográfico? Os sujeitos e suas dinâmicas socioculturais locais ganham
centralidades nestes desenhos geográficos? Quais as funções de sensos, mapas e
museus? A história, memória e saberes são elementos definidores do delineamento
geográfico do processo de ocupação territorial?
Nestas terras tradicionalmente ocupadas, cultivam-se saberes e memórias ances-

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trais que historicamente configuraram modalidades organizativas voltadas a repre-
sentações econômicas, culturais, religiosas, políticas, entre outros fins. As práticas e
usos sociais de saberes e memórias sustentam mobilizações associativas que disputam
espaços no mercado de produtos amazônicos. Constitui-se um mercado de economias
simbólicas entrelaçadas a necessidade de reprodução social/material, as identidades
coletivas locais se apresentam com nominações específicas que demarcam o processo
de territorialidade reproduzido historicamente como a Cooperativa Mista dos Extrati-
vistas do Rio Iratapuru, Cooperativa Mista dos Extrativistas do Cumaru, Associação
dos Agricultores do Matapí, Movimento de Meninos e Meninas de Rua, Associação
Tambores da liberdade, Associação dos Produtores de Açaí dos Estados do Pará e
Amapá, Associação das Parteiras do Mazagão, Associações de Comunidades Quilom-
bolas, empresas de fitoterápicos e cosméticos, Reserva Extrativista Cajari, Associação
Devotos de São José dos Marabaxeiros da Juventude, Associação do Rio Maniva.
Pode-se dizer, então, que é nessa ampla e complexa coleção de representações
institucionais coletivas e/ou comunitárias que se promovem trocas de economias
simbólicas e utilitárias, sabedorias locais, saberes ancestrais, narrativas, relações de
pertencimentos. Essas sabedorias localizadas existem como consciências históricas
comunitárias, uma vez totalmente conjugadas, operam como guardiões de memórias
e lembranças históricas das maneiras de fazer, reproduzir e criar que historicamente
vem delineando paisagens, imagens e representações em intensas relações entre
seres humanos/natureza.
Outra modalidade de ocupação contemporânea do Estado do Amapá que tam-
bém conferem espaços afrodiaspóricos refere aos assentamentos. Segundo Silva,
Filocreão e Lomba (2012), atualmente são 40 projetos de assentamentos rurais, que
ocupam uma área de 2.125.329,0112 hectares, o que corresponde a 14,88% da área
total do Estado. Os assentamentos estão distribuídos entre várias jurisdições. Dos 40
projetos de assentamentos presentes no estado do Amapá, 30 estão sob jurisdição do
Instituto de Colonização e Reforma Agrária, 8 estão sob jurisdição do Instituto do
Meio Ambiente e Ordenamento Territorial do Estado do Amapá , 1 está sob juris-
dição do poder Municipal (Município de Laranjal do Jarí-AP) e 1 encontra-se sob
jurisdição do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBIO).
Estão localizados majoritariamente em espaços rurais em diversos atravessamentos
com saberes e culturais locais ribeirinhos, quilombolas, extrativistas e indígenas.
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O processo de ocupação por assentamentos nos leva a indagar: quantos assen-


tamentos conhecemos? O que motiva o movimento de assentados? Quais as políti-
cas educacionais para assentamentos? Quais as relações dos assentamentos com a
diversidade sociocultural local? Quais práticas pedagógicas são desenvolvidas nestes
assentamentos? Quais as estatísticas de conflito e tensões no processo de disputa pelos
recursos da natureza no espaço agrário onde estão famílias assentadas?
Estas indagações permitem refletir que a localização dos assentamentos em
espaços rurais oferece condições de estabelecer relações dialógicas com outras iden-
tidades coletivas, saberes, manifestações culturais e formações sociais historicamente
construídas por processos migratórios. São relações interculturais indiciárias de evi-
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dências do passado, ressignificadas no presente. A compreensão destas dinâmicas de


ocupações espaciais configura potencialidades e possibilidades de compreensões da
cultural local, relações de tensões e conflitos, disputas de narrativas que permitem
fazer inferências e relativizar o conhecimento histórico construído sob a ótica da
história local por meio da memória e oralidade (CAIMI, 2008).
Nestes espaços e em seu entorno são reproduzidas linguagens e sociabilidades
que norteiam narrativas, semânticas, expressões, vocábulos, sons, simbologias por
atos e gestos de comunicações que permitem entender os “sentidos das práticas” na
organização de identidades coletivas, bem como instituições, territórios e simbologias
que não podem escapar ao currículo da educação escolar. A memória recuperada a
partir de tempos da escravidão negra que não pode se confundir com a recuperação
de resquícios do passado, mas de experiências vividas que justificam a ancianidade,
o direito a terra, as histórias de lutas e de trabalhos individuais e coletivos, ressigni-
ficados com presencialidade quilombola em seus territórios.
Sobre as mobilizações de quilombos contemporâneos no estado do Amapá,
registra-se ,a partir da Fundação Cultural Palmares, 40 comunidades remanescentes
de quilombolas em processo de certificação. De outro modo, o INCRA registra 6
comunidades tituladas e/ou em processo. Observe que as etapas de titulações segundo
o Decreto nº 4.887/03 conferem: 1. Identificação; 2. Reconhecimento (recebem o
certificado e passam a acionar recursos e políticas públicas específicas); 3. Delimita-
ção (aplainado de Relatório Histórico antropológico da comunidade); 4. Demarcação
(realiza-se o processo de desintrusão quando houver); 5. Titulação; 6. Homologação.
Outras representações institucionais como a MALUNGO e a Coordenação Nacional
de Articulação de Quilombos (CONAQ), não governamentais, registram mais de
200 comunidades quilombolas no estado do Amapá, muitas das quais não iniciaram
nenhuma etapa do processo de titulação de territórios.
Os territórios quilombolas constituem um capítulo importante da história do
Amapá à medida que reproduzem interfaces com o processo de ocupação histórica e
transformações infraestruturais recentes em favor do pretenso desenvolvimento econô-
mico do estado. Nestes territórios as famílias orientadas pela sabedoria griô ancestral
e memória biocultural preservam e conservam áreas de florestas, campo, margens de
rios, nascentes, igapós, várzeas e toda a biodiversidade inerente a estes ecossistemas.
As apropriações das propriedades da natureza estabelecem “normas específicas”
e algumas são demarcadas por rituais, coletivamente ou individualizadas, convergem
232

para consensos estipulados conforme o calendário de atividades de produção agrícola,


extrativista, pasto, caça e pesca. As tarefas são permeadas por conhecimentos próprios
dos recursos que se atualizam a cada ação coletiva desenvolvidas no território e se
expressa como elemento relevante na definição étnica e identidades diferenciadas.
O uso comum de florestas, rios, lagos igarapés, campos e pastagens aparecem
combinados com os diferentes estágios de uso das áreas e atividades produtivas. Por
isso a necessidade de entender as diferentes dimensões simbólicas construídas pelos
agentes sociais nas terras tradicionalmente ocupadas e garantir os pressupostos para
a reprodução física e cultural fundamentados em costumes e tradições.
Apreende-se então que as modalidades e rituais de apropriações de recursos

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naturais manifestam a interação entre os quilombolas e o território que desdobram
em “valores subjetivados” em expressões identitárias de pertencimento, que tem
o uso comum como fator simbólico que orientador da tríade memória/identidade/
território. O território projetado como um bem comum não anula o estabelecimento
de microrrelações marcadas pelas diferenciações nas modalidades de apropriações,
que podem ser coletivas ou individuais, sem perder a coesão e a solidariedade prin-
cipalmente no que refere à questão do acesso.
Nesta esteira, reflete-se: quais os processos de historicidades e territorialidades
quilombolas no estado do Amapá? Quais os princípios e diretrizes da educação escolar
quilombola? Como pensar possibilidades pedagógicas para a escola/território? Os
griôs quilombolas ganham centralidade nos currículos e abordagens disciplinares?
Por outro ângulo, outros espaços afrodiaspóricos comumente localizados em
áreas urbanas conferem a presencialidade das religiões de matrizes africanas no estado
do Amapá. A “Caminhada das Bandeiras” que ocorre desde o dia 21 de janeiro de
20169, em Macapá-AP, exemplifica uma estratégia de mobilização política importante
para demarcar a existência/resistência deste processo de territorialidade afrodias-
pórica. A caminhada inicia na Praça Barão do Rio Branco percorre a rua Cândido
Mendes em direção ao Trapiche Eliezer Levy, centro de Macapá, orla da cidade.
O movimento tem sido organizado e liderado por representantes de religiões de
matrizes africanas e afro-brasileiras com adesões de representantes de outros cultos
e religiões. Em 2016 estavam presentes: Mãe Nina, Mãe Preta, Mãe Olete, Mãe
Conceição, Mãe Dulce, Pai Armando, Pai Có, Pai Aurélio, Pai Moraes, Pai Carlos,
entre outras autoridades. Pode-se considerar estes guardiões de memórias como griôs
da ancestralidade religiosa afrodiaspórica.
Reis et al. (2014) informam que, de acordo com Mãe Katia Obaluaê, existem
cerca de 150 terreiros de Tambor Mina e Umbanda legalmente registrados na Federa-
ção, no entanto, sem contar os clandestinos, o que subtende um número relativamente
maior. Majoritariamente no Amapá, nos rituais e cosmologias de matrizes africanas e
afro-brasileiras, umbanda ou candomblé, e suas derivações Mina e Mina Nagô, para
citar alguns, são facilmente encontrados elementos da cultura religiosa das matrizes
indígena, africana e europeia.

9 Estas informações foram coletadas durante a “Caminhada das Bandeiras” ao conduzir uma atividade de
campo com a turma do curso de Pedagogia/UNIFAP no contexto da disciplina Educação para as Relações
Étnico-Raciais em 2016.
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 233

Desta feita, pergunta-se: qual a importância da memória para os rituais afro-


-religiosos? Quais as relações entre rituais, natureza e saberes tradicionais? Quais
conflitos e tensões são provocados pelo racismo religioso?
No que refere às relações afro-indígenas inerentes ao processo histórico de
hibridação cultural convém registrar a presencialidade indígena no estado do Amapá e
suas interseccionalidades com o processo de formação da diversidade étnica e cultural
local. De acordo com os dados da Secretaria Extraordinária dos Povos Indígenas do
Amapá, há uma população estimada de 5.802 de indígenas em Oiapoque, 3.043 no
parque do Tumucumaque e 1.220 na região de Pedra Branca do Amapari, totalizando
uma população de 10.065 indígenas.
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O Amapá possui no total de 9 etnias indígenas SEPI/AP (2021). Na região Oiapo-


que, terra indígena Uaça, Juminã, Galibi: etnias Karipuna, Palikur, Galibi Manrworno e
Galibi Kalinã. Na região Parque do Tumucumaque, oeste do estado do Amapá, na região
norte do Pará, terra indígena do Parque do Tumucumaque e Rio Paru D´Este: etnias
Apalay, Waiana, Tiriyó, Kaxuyana. Na região Pedra Branca do Amapari, terra indígena
baixo rio Xingu, região delimitada pelos rios Oiapoque, Jari e Araguari: etnia Waiãpi.

Quadro 1 – Associações Indígenas do estado do Amapá


REGIÕES ASSOCIAÇÕES INDÍGENAS
Região Oiapoque Conselho de Caciques dos Povos Indígenas do Oiapoque – CCPIO
1. Associação das Mulheres Indígenas em Mutirão – AMIM
2. Articulação Indígena Rio Oiapoque – AIRO
Região Pedra Branca 1. Conselho das Aldeias Wajãpi – APINA
2. Associação Wajãpi Ambiente, Terra e Cultura – AWATAC
3. Associação dos Povos Indígenas Waiãpi Triangulo do Amapari – APIWATA
Região Parque Do 1. Associação dos Povos Indígenas Wayana e Apalai – APIWA
Tumucumaque 2. Associação dos Grupos Indígenas do Tumucumaque Waianã e Apalaí – AGITWA
3. Associação dos Povos Indígenas Titiyó, Kaxuana e Txikuyana – APITIKATXI
Fonte: Amapá, 202110.

A singularidade da sabedoria e mobilização indígena na Amazônia tem cons-


tituído o pêndulo do processo de delineamento geográfico em diversos estados da
Amazônia como no Amapá. As etnias indígenas, seus modos de vidas e estratégias de
permanências constituem inspirações para diversas identidades coletivas que lutam
contra as investidas sobre seus territórios. As terras indígenas têm sofrido muitas
invasões, mas as mobilizações indígenas são referências de representações políticas
e pressões contra os poderes econômico e poderes constituídos.
Desta forma, pergunta-se: quais as transversalidades da história e cultura indí-
gena a história local? Quais saberes afro-indígenas permeiam a cultura local? Quais
tensões e conflitam ameaçam as etnias indígenas no estado do Amapá?
Ao se referir ao contexto amazônico ganham notoriedades outras expressões
culturais permeadas de musicalidades, danças e corporidades de matrizes indígenas,

10 Disponível em: http://www.sepi.ap.gov.br/interno.php?dm=961.


234

afro-indígenas e africanas como o “batuque”, muito comum no Estado do Amapá


e em diversas regiões amazônicas sob diferentes ressignificações e temporalidades,
Diniz e Coelho (2016) apontam:

Salles (2003) em “O vocabulário Crioulo” apresenta uma larga descrição sobre a


história do Batuque e seus possíveis desdobramentos em diversos rituais africanos
e afro-indígenas. Demonstra que a dança e o uso do tambor ou de vários tambores
sempre esteve ligado aos folguedos e folias de negros escravos libertos e mestiços.
O autor faz referência aos registros de Spix e Martius (1820) quando se reportam
ao batuque como manifestações de lasciva e prazerosa dança características dos
negros. Da mesma forma, assinala que existem registros no Maranhão, catalogado

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pelo Frei Francisco de Nossa Senhora dos Prazeres, falando das reuniões de negros
em danças, batuques e cantorias que se ouviam a longas distâncias. Também apre-
senta uma compilação de registros relativos à prática do batuque na Amazônia e
aponta os escritos de Tó Texeira (músico negro) como registros cultivadores do
batuque em “arraiais” (festejos em ruas públicas) pelos anos de 1900 e 1915 no
Pará. Ele cita outras obras, músicas, contos e poesias como “Um samba a luz do
sol” de Juvenal Lavares (1895), que descreve o batuque no baixo Tocantins e em
“A mata submersa” de Peregrino Junior (1960) que registra no Baixo Amazonas,
negros envolvidos com danças, sapateados, umbigadas, rebolados e gingados sob
o som do batuque (COELHO; DINIZ, 2016, p. 139).

A corporeidade, musicalidade, percussão e teatralização da cultura amapaense


também figuram elementos tradicionais reproduzidos pela sabedoria griô e memória
biocultural. Em Macapá, o Bairro do Laguinho representa o processo de reterri-
torialização11 de famílias negras e da cultura afro-amapaense, são memórias que
carregam histórias, narrativas, danças e musicalidades ancestrais de pertencimento
as manifestações culturais negras. O bairro do laguinho é um bairro negro onde se
reproduzem muitas memórias griôs. Macapá é uma cidade negra nos moldes das
compreensões de Gomes (2006). Uma das letras de músicas do ritmo Marabaixo12,
característico da cultura amapaense, retrata o deslocamento das famílias: “Aonde tu
vai, rapaz/Por estes campos sozinho?/Vou fazer minha morada/Lá nos campos do
Laguinho...”. Este verso registra a memória do cantador de Marabaixo Raimundo
Ladislau, daquele que pode ser considerado o Hino da Nação Negra do bairro do
Laguinho. No bairro do laguinho está localizada a sede da União dos Negros do
Amapá (UNA), espaço de pertencimento a cultura negra que reproduz diversas
modalidades de expressões griôs.

11 As narrativas locais informam que o primeiro governador do Território do Amapá, capitão Janary Nunes,
projetou a urbanização da cidade de Macapá redefinindo espaços de ocupações, deslocando famílias para
áreas periféricas da cidade ao construir edificações públicas e residências para o funcionalismo e residência
governamental. As famílias que antes ocupavam o local hoje conhecido como praça Barão do Rio Branco,
foram desalojadas para o lugar hoje conhecido como bairro do laguinho.
12 O Marabaixo é uma dança ritmada por tambores e cantorias que recuperam experiências de parte da
história e cultura negra do Amapá, são memórias ancestrais que registram tradições populares negras
que gradualmente passaram a ocupar a região hoje conhecida como Mazagão Velho demandada dos
idos de 1771.
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 235

São muitos os griôs da cultura amapaense entre os quais podemos repertoriar:


Tia Biló, Sacaca, Mestre Pavão, Mestre Julião Ramos, Tia Zefa, Tia Chiquinha, Tia
Luci, Maria Libório do Marabaixo, Mãe Luzia, Verônica dos Tambores, cantor Zé
Miguel, entre outras tantas importantes personalidades.
Por conseguinte, reflete-se: quais histórias e memórias de griôs amapaenses são
reproduzidas em unidades educacionais? Quais espaços e lugares foram reterritoria-
lizados pela população negra no estado do Amapá? A memória griô é considerada
patrimônio histórico importante nas políticas públicas governamentais?

Considerações finais
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Esta análise objetivou revelar diferentes sentidos educacionais de manifestações


socioculturais amazônicas ao anunciar a memória biocultural e sabedoria griô como
bens culturais, patrimônios imateriais de potenciais compreensões didático-pedagógi-
cas ao processo de ensino-aprendizagem em espaços escolares e não escolares. Estas
modalidades de reproduções de memórias ancestrais guardam e entrelaçam saberes,
narrativas, linguagens artísticas, corporidades e simbologias inerentes à diversidade
cultural amazônica fundada em matrizes afrodiaspóricas e afro-indígenas.
O exercício metodológico procurou valer-se de um caminho transgressor de
mapear e interpretar registros de saberes locais em espaços afrodiaspóricos como
representações e identidades da cultura popular negra e ancestral amazônica. As
reflexões seguiram um trajeto reflexivo de compreensões dialógicas entre História,
Educação e Antropologia, utilizando fontes e técnicas de pesquisas qualitativas de
observações em campo evidenciando identidades, territórios e sujeitos. Estes foram
problematizados por perguntas motivadoras a pensar o lugar de cada um destes ele-
mentos no processo educacional e no acionamento de políticas de reconhecimento
que também garantam direitos específicos.
O resultado desta compilação de experiências de pesquisas, ensino e extensão
desenvolvidas no âmbito da Universidade Federal do Amapá demonstra a importância
da relação dialógica da entre a memória biocultural e a sabedoria griô e as univer-
sidades, as unidades educacionais. Representam estratégias teórico-metodológicos
aos processos de ensino-aprendizagem alinhados ao reposicionamento da história e
cultura local a centralidade do currículo, das políticas públicas, da gestão de territó-
rios, do patrimônio histórico, no caso amapaense, que serve para outras experiências
localizadas na Amazônia.
Em linhas gerais exercitou-se a compreensão ao esfacelamento de linhas de
pensamentos abissais entre o saber escolar/cientifico/formal e o saber não escolar/
popular/empírico tornando o processo educacional um movimento sem fronteiras.
236

REFERÊNCIAS
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A CONTRIBUIÇÃO DO CONCEITO DE
DENEGAÇÃO FREUDIANA E ALGUMAS
CONSIDERAÇÕES PSICANALÍTICAS
SOBRE A NOÇÃO DE NEGACIONISMO1
Deborah Lima Klajnman2
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É muito difícil compreender o que quer dizer isto, a negação. Se olharmos um


pouco mais de perto, percebemos, em particular, que há uma variedade muito
grande de negações, que são absolutamente impossíveis de reunir no mesmo
conceito (LACAN, 2003, p. 39).

Introdução
Neste texto, temos o intuito de nos havermos com algumas inquietações que se
iniciaram a partir de um desejo anterior às próprias pesquisas de mestrado e douto-
rado, de trabalhar com o diálogo entre psicanálise, cultura e política. Mantidas estas
inquietações em estado de latência, as pesquisas acadêmicas que se seguiram nos
deram base epistemológica da prática clínica para alçar agora este voo. Entendemos
que a articulação entre os campos psicanalíticos, cultural e político se faz ainda mais
pertinente no atual momento que vivemos, tanto a nível global, mas especialmente,
com infeliz destaque, a nível nacional, do que pretendemos nomear como política
negacionista. Para tanto, nossos exames vão na direção de recorrer à psicanálise
como uma possível chave de leitura a contribuir com questões políticas urgentes
e seus efeitos subjetivos relacionados a outras épocas históricas, mas que têm se
intensificado no momento que vivemos, de obscurantismo e negacionismo evidentes.
Assim sendo, visamos neste trabalho construir algumas investigações iniciais
em torno da noção de negacionismo, indagando-nos: pode a denegação freudiana
contribuir com a discussão relacionada aos ditos e práticas negacionistas?
Por conseguinte, o método utilizado para a escrita deste capítulo foi uma revisão
de literatura e especialmente aquele próprio da psicanálise, nas palavras de Freud

1 Este capítulo consiste em uma das versões de nosso projeto de Pós-Doutorado intitulado “Algumas leituras
psicanalíticas sobre a noção de negacionismo: a contribuição do conceito de denegação freudiana”, que
está sendo desenvolvido sob a supervisão do Prof. Dr. Paulo Endo, no Instituto de Psicologia da USP, SP.
2 Psicóloga, psicanalista, professora colaboradora do Departamento de Psicologia e Psicanálise da
Universidade Estadual de Londrina (UEL) e professora da Universidade Nove de Julho; doutora em psicanálise
pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) com cotutela pela Université Côte d’azur (França).
Membra do Corpo Freudiano Escola de Psicanálise Seção Rio de Janeiro. Desenvolve pesquisas nos campos
da Psicanálise, cujos principais eixos temáticos são: psicopatologia psicanalítica, metapsicologia, direitos
humanos, deslocamento forçado e questões migratórias.
240

(1996, p. 152): “a psicanálise faz em seu favor a reivindicação de que, em sua exe-
cução, tratamento e investigação coincidem”. Neste sentido, consideramos o imbri-
camento entre o social e o singular enunciado por Freud em alguns de seus textos,
especialmente na sua análise dos grupos (FREUD, 2019c), e relido por Lacan (1998c).
Tomamos a clínica enquanto acesso ao sujeito do inconsciente, isto é, a prática
de investigação psicanalítica decorrendo da clínica, o que não implica necessariamente
seu contexto de pesquisa, mas que ela exige do pesquisador-analista a execução de
sua pesquisa através da função definida pela clínica enquanto dispositivo (ELIA,
1999). É neste lócus de escuta que é possível que advenha o sujeito do inconsciente,
presumindo o desejo do analista-pesquisador e o ato analítico.

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O método freudiano indica o sintoma enquanto aquele que evidencia a divisão
subjetiva, relativo à verdade enquanto um semidizer, expondo o que é da ordem
familiar, social e política. Uma vez que:

[...] pensar o que a clínica psicanalítica permite para além dela mesma não pode
e não deve ser um demérito, mas sim a evidência da vitalidade da psicanálise em
revelar-se continuamente apta a revisar-se e a seus fundamentos, revelando-se,
desse modo, avessa ao seu próprio acabamento, ainda que atraída por sua inte-
gridade (ENDO, 2008).

Logo, o método de interpretação do sintoma tem como via de acesso a palavra,


produção de saber que será condicionado pela transferência e pela escuta do Outro,
enquanto moradia dos significantes, material com qual a psicanálise trabalha. Desta
maneira, sob a égide da inseparabilidade entre coletivo e o sujeito, pretende-se man-
ter o rigor destes preceitos no que diz respeito ao caminho para respostas às nossas
indagações de pesquisa.

Nossa trajetória: a loucura, segregação e Estado negacionista


Não há dúvidas de que a pandemia escancarou a proliferação de movimentos
negacionistas, bem como uma política oportunista e mortífera que já encontrava bases
no Brasil, produzindo, em sua união efeitos truculentos e devastadores, como, até o
mês de abril de 2022, 662 mil mortes de brasileiras e brasileiros, um número maior
do que o total de mortos maior do que em algumas Guerras, como a da Síria, que já
dura 10 anos3. Se este fato já justifica o aprofundamento das investigações acerca do
tema do negacionismo, outro ponto ainda potencializa esta legitimação. Chama-nos
a atenção o aumento, em 3 anos, de 270% de grupos neonazistas4, pesquisa realizada

3 Disponível em: https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/ansa/2021/03/15/guerra-na-siria-completa-10-


anos-e-soma-quase-400-mil-mortes.htm.
4 Disponível em: https://g1.globo.com/fantastico/noticia/2022/01/16/grupos-neonazistas-crescem-270percent-
no-brasil-em-3-anos-estudiosos-temem-que-presenca-online-transborde-para-ataques-violentos.ghtml.
Acesso em: 17 jan. 2022. Disponível em: https://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/594557-e-preciso-soar-
alarme-sobre-a-expansao-do-neonazismo-no-brasil-entrevista-com-a-antropologa-adriana-dias. Acesso
em 21 jan. 2022.
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pela antropóloga Adriana Dias, que vem observando há algumas décadas os chamados
discursos de ódio como centro da vida social.
Tomamos estes dois fatos como exemplos de fenômenos contemporâneos que
abarcam a temática negacionista em suas dimensões política e social, apostando
que a psicanálise, nosso principal instrumento de trabalho pode contribuir com as
inquietações que possuem como núcleo temático a possível colaboração freudiana do
termo denegação com a elucidação do fenômeno do negacionismo, tal como outras
indagações relativas a esta que se materializarão ao longo deste projeto.
Durante o percurso da especialização, do mestrado e do doutorado, as questões
de pesquisa visaram investigar a temática do diagnóstico diferencial em psicanálise,
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sua distinção em relação ao diagnóstico psiquiátrico, assim como a construção de


uma hipótese que possibilitasse questionar a categoria loucura enquanto dimensão
reduzida apenas à psicopatologia. Para isso foi considerado o âmbito referente ao
ser que fala tal como propôs Lacan (1974-1975); afirmando, no entanto, que esta
correlação já poderia ser encontrada na obra freudiana, tornando-se evidente a partir
da releitura de Lacan à Freud. Este foi o principal trajeto percorrido no percurso
do doutorado5 enquanto continuidade da pesquisa de mestrado e da especialização
já realizadas. Naquele tempo de escrita da tese, terminada em 2018, um dos eixos
temáticos, aprofundado principalmente no doutorado em cotutela com o Prof. Dr.
Jean Michel, na Université Côte d’Azur, em Nice, na França6, foi constituído pela
investigação do conceito freudiano de denegação (Verneinung), a partir de uma tra-
dução bilíngue alemão-francês comentada7 e de algumas indicações teóricas de um
interlocutor do nosso orientador francês, Alain Didier-Weill. O termo Verneinung,
como um dos “nãos” fundamentais, demarcado como mecanismo de defesa psíquico
e fundamental na discussão que diz respeito à constituição do sujeito, resistência
analítica e às diferentes formas subjetivas de estar no mundo, respondendo ao inas-
similável que corresponde aquilo que é da ordem do traumático.
A importância política daquela temática não estava explícita no momento de
escrita, mas vem ganhando corpo desde então, e o objetivo deste capítulo de livro é,
através deste ponto de partida, avançar no diálogo entre “a psicanálise, a cultura e a
política” por meio do viés do que podemos considerar como o movimento negacio-
nista e sua possível relação com os mecanismos de defesa formalizados por Freud,
em especial a denegação.
O começo desta trajetória de práxis e pesquisa teve início em um dos locais
segregatórios por excelência (LACAN, 1967), o hospital psiquiátrico, mais especifica-
mente o Instituto de Psiquiatria da Universidade do Brasil (IPUB), em 2011. Naquele
âmbito de trabalho, a complexidade singular da clínica pôde nos ensinar algumas lições
psicanalíticas, das quais destacamos, por ora, duas: as diferentes respostas subjetivas

5 Trabalho de pesquisa que será publicado em formato de livro ainda neste ano pela editora Contracapa com
o título “Todo mundo é louco, ou seja, delirante: novas hipóteses e uma concepção desde Freud”.
6 Pesquisa parcialmente financiada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
(CAPES), no ano de 2017, na modalidade de bolsa sanduíche.
7 DIE Verneinung (la dénégation). Tradução e comentários: Pierre Thèves e Bernard This. Paris: Le Coq-
Héron, 1982.
242

frente àquilo que é da ordem do traumático e o que Lacan articula enquanto prática
segregativa ao advento do discurso da ciência moderna. Estes dois pontos nos possi-
bilitam tirar consequências teóricas até o momento, tornando-se até mesmo báscula
para seguirmos em outros horizontes de pesquisa. A loucura aparecia no ambulatório
e na enfermaria daquele Hospital com todos os seus, muitas vezes, barulhentos efeitos
psíquicos; bem como ruídos de ordem social por meio de segregação.
Lembramos aqui de uma paciente, naquela época, internada já havia algumas
décadas, que parecia conjugar ambos os efeitos, representando um caso paradigmático
do hospital. Era conhecida por todos que lá trabalhavam, apenas por seu histórico
de agressões físicas, como a interna mais hostil do Instituto. Algumas de suas res-

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postas agressivas causavam medo em certos profissionais. Ela passava muito tempo
no hospital, sem obter o que era considerado alguma melhora, como por exemplo,
ter condições para morar em uma Residência Terapêutica e sua família também não
possuía estrutura para recebê-la em casa, tudo isso incitava nos médicos o interesse
em aplicar terapêuticas que social e historicamente podemos considerar invasivas e
violentas. Estas práticas de tratamento, tais como a eletroconvulsoterapia e a lobo-
tomia, seriam a condição para a sua saída do hospital. Na postura médica, este seria
o caminho para que ela fosse menos agressiva, de modo que não ameaçasse a ordem
social segregacionista, e pudesse, assim, voltar a ter alguma convivência na sociedade.
Pretendemos discutir as possíveis articulações entre esses dois pontos: de um
lado, as distintas expressões e respostas frente ao trauma psíquico; e do outro, a
prática segregativa que se desdobra em discursos preconceituosos, racistas, misó-
ginos, xenofóbicos etc. Estes atravessamentos estão articulados com a noção de
negacionismo, e por efeito, também incluem os discursos e declarações dos direitos
humanos, enquanto outro possível eixo de discussão.
Comecemos pelo que foi possível verificar no primeiro período de nossas pes-
quisas, a noção de trauma encontra um lugar significativo na história da psicanálise.
Para Freud (1980), o trauma é destacado em sua condição sexual, possuindo, ao nosso
ver, esta dimensão uma contribuição relevante na construção da sua teoria da fantasia.
Assim, Freud (2018a, p. 47) desistiu do que ele chamou de sua “neurótica (teoria das
neuroses)”, em que prevalecia a realidade factual, demarcando que no inconsciente
não há distinção entre realidade e ficção. Este caminho parece ter colaborado com a
defesa lacaniana, em ampliar a noção de trauma em sua dimensão de linguagem, o que
nos possibilitará indagar sobre os efeitos subjetivos dos discursos de ódio enquanto
traumáticos, por exemplo (LEBOVITS-QUENEHEN, 2020).
A concepção teórica-clínica que Lacan traz ao introduzir a noção de real nos
auxilia a tomar o trauma em seu âmbito contingente, que diz respeito ao que não pode
ser calculável, ao imprevisível e é, concomitantemente, estruturante. Lacan (2018)
utiliza o neologismo traumatisme, palavra-valise que associa o furo ao trauma e,
logo, articula o trauma com o real. Pretendemos nos servir também das discussões
realizadas por Paulo Endo (2013), que trabalha de forma acurada o conceito de trauma
desde o campo da medicina, passando pela tradição psicanalítica até associá-lo às
experiências sociais e políticas.
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 243

Com relação ao segundo ponto, situemos esta possível relação entre a noção de
segregação e o movimento negacionista. Juntamente com a pandemia de covid-19
(Coronavirus Disease [Doença do Coronavírus]-19), antes e depois da produção e
disponibilização das imunizações, fenômenos nomeados pela grande mídia e também
pela comunidade científica de “negacionismo” emergiram a nível mundial. O Brasil
entrou neste movimento com funesto destaque dentre os países que possuíam líde-
res negacionistas, juntamente com a Bielorrússia, Nicarágua e Turcomenistão, que
foram reconhecidos como Estados negacionistas no que dizia respeito à pandemia
de covid-19 (KLAJNMAN, 2021).
Ainda nesta aposta de articular a segregação com o negacionismo, podemos
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citar o conhecido exemplo do “Holocausto brasileiro”, ocorrido no Centro Hospitalar


Psiquiátrico de Barbacena, também denominado como Hospital Colônia Barbacena,
em Minas Gerais, onde estima-se que em cinco décadas 60 mil internos morreram
(ARBEX, 2013). Neste caso em especial, podemos nos perguntar sobre o imbrica-
mento entre o “não” que pode ser dado a nível da consciência, enquanto operação
psíquica singular própria da loucura em sua resposta ao inassimilável do trauma e a
negação radical, em âmbito social, podendo ser evidenciada através de movimentos
e acontecimentos que produzem a eliminação da vida. Quais possíveis relações pode-
mos fazer entre estas, ao mesmo tempo, próximas e diferentes negações?
No que toca ao movimento conhecido como negacionismo, tomando como
ponto de partida a pandemia de covid-19, mas não limitando-nos a ela, pretendemos
investigá-lo enquanto um fenômeno histórico, social e político que já se apresentou
em alguns momentos históricos cruciais no cenário mundial com a Shoah e a nível
nacional, como a Ditadura brasileira e se perpetua também com alguma frequência
entre os mundialmente chamados de “negacionistas climáticos”, que recusam as
argumentações científica a respeito das mudanças climáticas e aquecimento global8.
Por ora, ressaltamos esses quatro movimentos para verificarmos suas possíveis arti-
culações entre si, isto é, uma raiz em comum que elucide estas formas de assassinar
a história e de fazer política, como a que está em curso no Brasil de forma evidente.
Cumpre dizer que para tal reflexão, as contribuições de Freud possuem a
sua importância, considerando as suas elaborações de diferentes nãos, destacadas
enquanto distintas formas de responder ao traumático, ao que é da ordem do despra-
zeroso e inassimilável. Mostrando a sua pertinência, pretende-se, com a exposição
deste núcleo temático, construir as bases que certificarão nossa hipótese de trabalho
e sua relevância e urgência, uma vez que esta nova onda de negacionismo ronda esta
época e diante de sua cópula com a política vem forjando não apenas um assassinato
da história, mas assassinatos [tendo por base o não reconhecimento dos impactos e
riscos da covid-19] descomunais registrados em nosso país9. Acreditamos que tais
inquietações precisam de investigação, uma vez que clamam por publicações na área,
as quais ainda são escassas.

8 Disponível em: https://diplomatique.org.br/a-geopolitica-do-negacionismo-climatico/ e https://diplomatique.


org.br/a-negacao-climatica-do-governo-de-jair-bolsonaro/. Acesso em: 17 jan. 2022.
9 No momento da escrita deste texto, contabilizavam 657 mil mortes em território brasileiro.
244

Sofrimento psíquico: movimentos e políticas negacionistas


Frente às variadas manifestações de sofrimento psíquico, a prática psicanalítica
nos acareia com a complexidade da vida humana, instigando-nos a reconsiderar
tanto a nossa posição como analistas, como os limites da psicanálise e seus possíveis
diálogos com outros domínios de conhecimento.
Em 1913, no artigo “O Interesse Científico da Psicanálise”, Freud (1977) se dedi-
cou a elencar os aportes oferecidos pela Psicanálise às demais esferas do saber como
Artes, Filosofia, Biologia, Educação, Sociologia e História, validando tal campo como
instrumento para melhor compreensão da cultura. Neste mesmo viés, Endo (2018)

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defende a perspectiva interdisciplinar da psicanálise, acrescentando a esses campos
de saberes, para além da sociologia, a teoria política, que se faz muito pertinente em
nosso objeto de investigação. O regimento e repetição da economia psíquica nas for-
mações sociais e políticas (ENDO, 2018) é, portanto, um de nossos eixos de pesquisa.
Nesta direção trazemos algumas questões tais como: pode a psicanálise con-
tribuir com o entendimento a respeito dos movimentos e políticas negacionistas?
Se sim, quais os estatutos do sofrimento psíquico nas condições de proliferação de
movimentos e políticas negacionistas? Para avançarmos na formulação de possíveis
respostas a estas indagações investigaremos sobre o fenômeno do negacionismo,
o conceito freudiano de denegação e o imbricamento entre social e individual, que
defendemos ser próprio da psicanálise.

O negacionismo
Takimoto (2021), em seu livro “Como dialogar com um negacionista”, traz um
ponto de vista interessante ao realizar um experimento informal: a partir de sua preocu-
pação com o meio ambiente envia aos seus amigos “carnívoros”, considerados progres-
sistas e não negacionistas, pesquisas sobre a temática ambiental dando destaque a duas
vertentes das mesmas, uma em que relaciona diretamente o aquecimento global com
o consumo de carne (Revista Nature, assinado por 23 cientistas e ONU)10, e outra que
sinaliza que a indústria pecuária não possui conexão direta com o aquecimento global,
cuja fonte foi retirada do Portal do Agronegócio11. Advertida da pequena amostra da sua
pesquisa, bem como da necessidade de ampliá-la, Takimoto traz uma conclusão hipotética
sobre a universalidade do negacionismo. A autora afirma: “todos somos negacionistas
quando o assunto nos interessa, ou melhor, nos desinteressa” (2021, p. 28), visto que,
ao mexer com algo venerável para si, as pessoas consideraram apenas as pesquisas que
não lhe retirariam de seu lugar de conforto. Neste caso, as que endossavam que elas
poderiam continuar comendo carne, uma vez que, de acordo com aquele argumento, tal
consumo não era o principal fator que contribuía com o aquecimento global.
Para ir mais a fundo na questão, Takimoto (2021) recorre a explicações
cognitivistas de cunho psicológico, que elucidam as contradições e incoerências

10 Springmann et al. (2018). ONU, 2019. Disponível em: https://news.un.org/pt/story/2019/08/1682851.


11 Portal agronegócio em 11 de abril 2011.
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 245

comportamentais destas pessoas. Obviamente, de acordo com o seu próprio argu-


mento, estas explicações desconsideram a dimensão conflitiva constituinte exposta
por Freud e elucubrado através de sua teoria do dualismo pulsional; relida também
por Lacan ao utilizar a expressão “sujeito barrado, dividido”.
Diferentemente do caminho alçado por ela para justificar tais comportamentos,
encontramos na afirmação de Takimoto (2021) sobre a universalidade do negacio-
nismo um ponto que coincide com uma argumentação conclusiva trabalhada em
nossa tese de doutorado, desdobrada a partir da instigante asserção de Lacan (2010,
p. 35): “[...] todo mundo é louco, ou seja, delirante”. Esta afirmação, relida a partir
da clínica e das extensas revisitações em Freud sobre a temática relativa à nosografia
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psicanalítica, nos possibilitou construir a tese de que: “...é possível pensar em um


ponto de loucura inerente ao ser falante (falasser)” (KLAJNMAN, 2018, p. 135).
Nesta tese não se trata de considerar a loucura que conhecemos como da ordem
da psicose de forma generalista. Isto que chamamos de “ponto de loucura” pode ser
aproximado a um ponto cego, coincidindo com uma espécie de “não” que cada sujeito
precisa enunciar para que a vida seja possível.
A ideia, quando consideramos a universalização do negacionismo e também da
loucura – como um “não” que é preciso que seja dito para que seja possível viver –,
não consiste em banalizá-los, mas talvez, afirmar que, tal como todos são tomados
pelo trauma uma vez que ele é constituinte da subjetividade, é necessário também que
todos possam construir a sua singular saída com relação a este encontro com o evento
traumático. Uma delas seria o próprio “não”. Quanto ao tema, cabe-nos indagar se há
uma distinção na tentativa de aproximação entre a universalidade deste “não” como o
que estamos chamando de pontos de loucura e a suposta universalidade do negacio-
nismo. Sabemos que o primeiro trata daquilo que é estrutural, logo, disso do que não
escapamos; mas e quanto ao segundo caso? Quais seriam as relações que poderíamos
estabelecer entre ambos? Parece-nos que a cautela é importante para avançamos nestas
possibilidades de destrinchamento de tais problemas. Para tanto, seguimos.
A temática a respeito do negacionismo é também tratada a partir de um movi-
mento denominado “Revisionismo”. Vidal-Naquet (1988) trabalha com este contexto
considerando-o como produção de teses delirantes que negam certa realidade. Este
fenômeno teria tido origem datada após a segunda Guerra Mundial, pontualmente a
partir da negação do genocídio hitlerista, que foi sendo construído de forma gradual.
Inicialmente concebendo uma considerável redução dos assassinatos, posteriormente
formulando relativizações da dimensão enorme do Holocausto e finalmente, apresen-
tando sua negação completa. Castro (2014) também articula o Negacionismo com o
revisionismo ao definir o primeiro como:

uma das principais correntes pseudo-historiográficas [...] que há décadas produz


uma série de textos que se dedicam a provar que o Holocausto não existiu. [...]
Estas pessoas integram um movimento político e ideológico que afirma resgatar a
verdadeira história da II Guerra Mundial que estaria sendo deturpada pela “história
oficial”, dedicada a esconder os “verdadeiros” responsáveis pela guerra, os aliados,
e a incriminar os alemães e, por extensão, os nazistas. Proclamam-se integrantes
246

de um movimento autodenominado Revisionismo do Holocausto, mas os histo-


riadores chamam este movimento de Negacionismo do Holocausto (2014, p. 6-7).

Paul Rassinier, escritor francês, considerado por muitos autores (IGOUNET,


2020; CASTRO, 2014; NETO, 2009) um dos fundadores do negacionismo, criou
uma falsa versão da história, defendendo no livro “A mentira de Ulisses”, escrito no
início da década de 50, a ideia de que a Segunda Guerra foi um complô armado por
judeus para dominar o mundo.
Se o negacionismo nasce, como vemos, para recusar o holocausto, ele vem
se ampliado para outras temáticas e campos ficando ainda mais evidente em sua

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travessia de oceanos. Não há holocausto, nem aquecimento global12, pandemia13,
racismo, tampouco homofobia. Fazemos referências aqui às diferentes roupagens
do negacionismo contemporâneo mais flagrante. Um discurso muito presente social-
mente há cerca de 10 anos atrás (2010-2020), mas presente até os dias de hoje, dizia
respeito à inexistência da homofobia. Citamos, por exemplo, uma revista bastante
lida por adolescentes que mencionou em suas redes sociais um post no Twitter, este
afirmava: “Homofobia é invenção. Isso não existe. Ninguém tem fobia, medo de
baitolas ou sapatão. Termo criado para o politicamente correto”14. Outrossim, em um
site de uma associação de Direito Privado encontramos também a seguinte declaração
realizada no mesmo ano: “[...] a homofobia simplesmente não existe: é uma mera
palavra-chavão, vazia de qualquer substância, mas de forte impacto emocional”15.
Quanto às lideranças políticas, após o brutal espancamento que culminou no
assassinato de um homem negro por dois seguranças de uma famosa rede de super-
mercados na cidade de Porto Alegre, o vice-presidente do Brasil, Hamilton Mou-
rão, declarou no final do ano de 2020: “Lamentável, né? Lamentável isso aí. Isso é
lamentável. Em princípio, é segurança totalmente despreparada para a atividade que
ele tem que fazer [...] para mim, no Brasil não existe racismo. Isso é uma coisa que
querem importar aqui para o Brasil. Isso não existe aqui”16.
Seguindo ainda o negacionismo no âmbito político (e possivelmente como
estratégia política17), nos princípios de infecção da covid-19 no país, o presidente do
Brasil manteve esta mesma postura durante todo o enfrentamento da pandemia, ele
defendeu a promoção de remédio como a hidroxicloroquina, sem comprovada eficácia
científica, bem como proferiu declarações que minimizavam a gravidade do vírus18.
Mas não foi apenas no Brasil que a negação da pandemia se mostrou evidente19. O

12 Disponível em: https://piaui.folha.uol.com.br/materia/o-negacionismo-no-poder/.


13 Disponível em: https://www.economist.com/the-americas/2020/04/11/jairbolsonaro-isolates-himself-in-the-wrong-way.
14 Disponível em: https://capricho.abril.com.br/comportamento/homofobia-nao-existe-mas-a-cada-25-horas-um-gay-
e-morto-no-pais/.
15 Disponível em: https://ipco.org.br/confirmado-a-homofobia-nao-existe/.
16 Disponível em: https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/11/20/mourao-lamenta-assassinato-de-homem-
negro-em-mercado-mas-diz-que-no-brasil-nao-existe-racismo.ghtml.
17 Disponível em: https://www.scielo.br/j/edreal/a/DsjZ343HBXtdVySJcgmX3VS/?format=pdf&lang=pt.
18 Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-55107536.
19 Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-52028945.
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presidente da Bielorrúsia recomendou vodca para tratamento da covid-19 e manteve


os estádios de futebol e shows abertos, quando a única ação possível era o isolamento
social, uma vez que naquela época ainda não havia vacina20. Na Nicarágua, Daniel
Ortega tratou a covid-19 como um sinal de Deus21. Já o ditador do Turcomenistão
exigiu que a palavra “coronavírus” fosse excluída de qualquer publicação oficial22.
Estes quatro países formam o que Oliver Stuenkel23 chamou de “aliança de
avestruz”, realizando uma referência a lenda de que a avestruz esconde a cabeça na
terra em situações de perigo. Alusão que também encontramos em Freud ao discorrer
sobre o tratamento analítico e seus desafios. Ele faz referência ao “comportamento
recalcante...” (FREUD, 2018b, p. 157) de um paciente quando adota “a política de
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avestruz contra as origens da doença” (FREUD, 2018b, p. 157). Neste mesmo escrito
a impossibilidade de escutar o seu próprio enunciado fica evidente na explicação
freudiana, que acaba por se desviar ainda mais daquilo que ele denomina de “fazer
as pazes com o recalcado” (FREUD, 2018b, p. 157), ou seja, com o que é da ordem
do insuportável, e por este motivo, é preciso que se mantenha recalcado, negado.
Resgatando a comparação freudiana entre o arqueólogo e o analista (FREUD,
2018b), baseado na noção de construção e reconstrução de certas instâncias arrui-
nadas, uma questão que se coloca, visando a nossa temática principal, é se podemos
estabelecer uma relação entre estes discursos e práticas sociais negacionistas e o que
poderíamos denominar de recalcado social. Em outras palavras, se o que, a partir
de uma política de avestruz, insiste na produção de sintomas, também nos oferece
respostas no que diz respeito à dimensão social e política do sofrimento. Uma pista
para possíveis respostas a esta questão está na distinção que Freud realiza entre as
duas profissões, considerando que o fim para o arqueólogo consiste na reconstrução,
enquanto para o psicanalista construir é um trabalho liminar, porquanto sua função
está na possibilidade de conferir lugar ao que, de certa forma, já está presente, mesmo
que sem ter sido notado (KLAJNMAN, 2021).
Nesta mesma direção, destacamos também, a relevância histórica da segunda
Guerra Mundial, e mais precisamente, de um tempo posterior a ela; sendo, portanto,
no mínimo curioso que o início do movimento negacionista coincida com uma das
consequências; talvez a mais disseminada – com 193 signatários e traduzida em mais
de 500 idiomas –; que visava impedir a repetição das práticas atrozes daquela Guerra, a
saber: a constituição da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948. A partir
desta aproximação, indagamos: haveria alguma articulação possível entre o movimento
negacionista, tão presente atualmente, e a Declaração Universal dos Direitos Humanos?
Pretendemos, ainda, como fechamento deste tópico apresentar uma consideração
enquanto uma primeira análise hipotética para essa pergunta, a título de confirmação,

20 Disponível em: https://g1.globo.com/mundo/noticia/2020/03/31/presidente-da-belarus-mantem-


estadiosabertos-e-recomenda-vodka-e-sauna-contra-covid-19.ghtml.
21 Disponível em: https://veja.abril.com.br/mundo/presidente-da-nicaragua-reaparece-e-diz-que-covid-19-e-
sinalde-deus/.
22 Disponível em: https://super.abril.com.br/sociedade/ditador-do-turcomenistao-proibe-uso-da-palavra-
coronavirus/.
23 Professor associado na Escola de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV) em São Paulo.
248

mas que certamente exigiria uma futura investigação mais profunda. A saber, tal como
a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), o negacionismo pode ser pen-
sado como uma expressão de uma sociedade que deseja tamponar as suas fraturas,
inequidades e, talvez não por coincidência, esse evento tenha se situado historicamente
com a constituição do Estado de Bem-estar Social, negando as crises do capital?

Sobre o conceito de Denegação (Verneinung)


No texto Die Verneinung (1925), Freud apresenta as acepções lógica gramatical
e psíquica da negação a partir de uma análise de um atendimento clínico em que sua

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paciente, ao responder, durante uma sessão, a uma associação sobre quem poderia ser
a pessoa de seu sonho, que a princípio não lembrava, afirma a Freud, a partir de uma
negação: “O senhor pergunta quem pode ser essa pessoa no sonho. Minha mãe não
é” (2018c, p. 305). Freud indica o fato de ser exatamente desta negação que podemos
extrair a afirmação que só pôde advir à fala a partir dela; o que não quer dizer que haja
a aceitação consciente do material propriamente dito, a partir da condição negativa.
É neste sentido que, com as intervenções de Jean Hyppolite, a releitura lacaniana
(1998a; 1998b) propôs o termo “denegação” como tradução ao original Verneinung,
ao defender que neste caso trata-se de uma dupla negação, uma vez que a primeira
se dá no próprio ato psíquico do recalcamento. Denegar seria, portanto, negar um
conteúdo psíquico duas vezes, sendo esta segunda negação um apontamento para
uma espécie de afrouxamento do recalque, aquilo que fora afastado da consciência a
mando do princípio de prazer, permitindo, desta forma, que o conteúdo do recalcado
apareça mesmo sem a admissão consciente daquele que fala.
É relevante atentar para o fato de que, uma vez que a manifestação do conteúdo
se apresente em forma de negativa, a ideia continua recalcada, o que indica para
um aspecto importante, o de que na denegação, o recalque é mantido, isto é, a ideia
continua separada do afeto.
Neste texto de Freud (1925), encontra-se um ponto que nos parece surpreen-
dente na elucubração freudiana sobre o pensamento e a constituição do que pode ser
considerado enquanto realidade para o sujeito: a ocorrência de que, em vez do juízo
de existência ser anterior ao juízo de atribuição, isto significa, de haver primeiro a
introjeção de uma ideia para depois a atribuição de uma qualidade boa ou ruim a ela,
essa introjeção permanece em um segundo plano. Ou seja, antes se qualifica a ideia
com uma propriedade (boa ou ruim) para, depois, buscar na realidade a sua existência
ou não. Em outras palavras, a realidade será aquilo que para o sujeito foi identificado
“fora”, pelo juízo de existência, desde que já esteja avaliado anteriormente pelo
juízo de atribuição (KLAJNMAN, 2014). Esta condição nos permite considerar a
complexidade daquilo que é tido como realidade: só aceitamos como parte da nossa
realidade o que nos interessa, o que nos causa prazer, logo, o que desejamos incorporar
ao Eu. Será esta uma aproximação possível com o fenômeno negacionista? Isto quer
dizer, optamos, de alguma forma, por negar o que nos retira da zona ligada ao nosso
próprio prazer? Mas haveria diferenças entres os tipos de negação?
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Para continuar com as nossas investigações, pincelamos (KLAJNMAN, 2018)


uma versão deste texto comentada e traduzida do alemão para o francês por Thèves
e This. Nela destacamos especialmente a frase “Das ursprüngliche Lust-Ich will, wie
ich na anderer Stelle ausgeführt habe, alles Gute sich introjizieren, alles Schlechte
von sich werfen”24 (THÈVES; THIS, 1982, p. 13, grifo nosso). O destaque do termo
werfen foi utilizado como uma hipótese para localizar os distintos destinos daquilo
que é desprazeroso para o Eu. Em nossa pesquisa o mesmo verbo foi encontrado no
seguinte trecho do texto freudiano “Pulsões e seus destinos”:

O Eu extraiu [wirft] de si uma parte, que projeta no mundo externo e sente


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como hostil. Após esse rearranjo, é restabelecida a coincidência entre essas duas
polaridades: Sujeito – eu – com o prazer. Mundo exterior – com o desprazer
(anteriormente com a indiferença) (FREUD, 2017, p. 55, grifo nosso).

Nisto que diz respeito ao funcionamento psíquico e a constituição subjetiva parece


estar evidente para a psicanálise que se versa de uma concepção para decidir que só
existirá para o Eu aquilo que foi eleito enquanto tal, não se tratando de uma decisão
para definir se o objeto existe ou não. Desta maneira, é a forma de exclusão que varia,
uma vez que só existirá para o sujeito como realidade aquilo que foi eleito como tal,
logo, concomitantemente algo também é jogado fora, ejetado (KLAJNMAN, 2014). No
entanto, se o processo de pensamento vai em direção ao acesso do que podemos nomear
como realidade para a psicanálise, isso quer dizer que os pensamentos são conhecidos
por meio das palavras faladas, a especificidade da denegação é uma exceção neste caso.
Freud discorre sobre recalque (Verdrängung), recusa (Verleugnung) e rejeição
(Verwerfung) diferenciando-os enquanto mecanismos de defesa correspondentes à
especificidade das afecções neurose, perversão e psicose. Em nossa hipótese, Freud
escolheu, e sabemos por ele mesmo que essas escolhas não partem do âmbito da
coincidência, tanto em 1915 quanto em 1925 o verbo werfen (diferenciando-o do
mecanismo da psicose) para especificar um modo de exclusão da parte do Eu que
não lhe é aceitável, uma vez que gera desprazer; não se tratando de um mecanismo
de defesa próprio de alguma afecção, apesar de próximo àquilo que se refere a
constituição do sujeito. Isto se daria como caminho para apontar aquilo que pode
ser negado, mas pode vir a ser introjetado posteriormente, diferente dos mecanismos
de defesa respectivos a neurose, perversão e psicose. Neste pressuposto a operação
da Verneingung, enquanto subsequente lógico do mecanismo de recalque mantem
a exclusão, este “não” próprio do recalque parece ter alguma familiaridade com a
operação de Werfen (ejetar) (KLAJNMAN; VIVÈS, 2019).
É a partir deste encaminhamento teórico que pretendemos investigar o movi-
mento negacionista em sua condição política e social, bem como sua relação com
os mecanismos psíquicos de defesa explicitados por Freud. Em outras palavras, pre-
tendemos investigar se há alguma relação entre as operações psíquicas de negação

24 “O Eu-prazer (Lust-Ich) originário quer, como desenvolvi em outro lugar, introjetar-se tudo o que é bom e
jogar fora (Werfen) tudo o que é mau” (FREUD, 2018c, p. 316).
250

destacadas por Freud, considerando a verdrangung, verwerfung, verleugnung e princi-


palmente as operações Werfen e verneingung, podendo ainda acrescentar a austossung
e o que política e socialmente, bem como o senso comum denomina de negacionismo.

Relações entre o singular e o social: algumas leituras psicanalíticas


Apesar de uma parte da comunidade psicanalítica ter recusado por bastante
tempo a aceitar, como certeiramente destaca Endo (2008), Freud (1974; 2019a; 2019b;
2020) evidenciou nestes quatro textos principais o imbricamento entre o campo social
e individual, trabalhando em ambos não como uma dicotomia, mas com um conúbio,

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logo, mostrando a relevância de considerar a dimensão social para a psicanálise e
como ela poderia contribuir em interpretá-la.
Nesta direção, por meio de uma leitura freudiana rigorosa, Paulo Endo é con-
tundente ao afirmar que: “Não existe psicanálise, nem coisa alguma, sem inscrição
prévia num campo político, social e cultural” (2008, p. 23). Dez anos depois, ao
discutir sobre as ocorrências do pensamento freudiano na obra de Nobert Elias, foi
preciso em destacar o surgimento de elementos inconscientes nas formações sociais,
atuando como respostas de práticas e convenções que se repetem, muitas vezes por
longo período de tempo (ENDO, 2018).
Esta leitura, que nos parece mais fidedigna com a proposta freudiana, nos per-
mite fomentar algumas elucubrações, como a possibilidade de fazer equivaler os
mecanismos psíquicos, tal como o que retorna do recalcado, o sintoma, ao nível
singular, com aquilo que podemos denominar de “sintomas sociais”. Neste viés, ao
questionarmos se, a partir das formulações freudianas, podemos articular o nega-
cionismo a algum dos mecanismos de defesa ou operações psíquicas, interessa-nos
também aproximá-lo a um tema que Freud não chegou a nomear, mas Lacan tratou
enquanto segregação entre os anos de 1967 e 1970.
Podemos nos questionar se esta noção, que não chega a ser propriamente um
conceito lacaniano, pode ser compreendida como base para alguns discursos de
ódio, negação e eliminação. Portanto, tratamos aqui, nestes termos, de discursos
racistas, misóginos, xenofóbicos e antissemitistas, aproximando-os de fenômenos
negacionistas na qualidade de formas de negar, algumas vezes de modo radical, o
estranho, o estrangeiro, que com Freud (2020) podemos analisar em torno da palavra
Unheimlich – estranho e ao mesmo tempo familiar.
Por meio da verificação crescente destes discursos em confluência com o nosso
tema principal, procuramos relacionar as possíveis relações entre os fenômenos de
segregação e o discurso dos Direitos Humanos, buscando interrogar se há alguma
relação entre este discurso e o Discurso Capitalista (DIAS, 2008). Estas aproxima-
ções calcam-se também em três principais proposições de Lacan que articulamos. A
primeira em que ele afirma: “o que vimos emergir deles [campos de concentração],
para nosso horror, representou a reação de precursores em relação ao que se irá desen-
volvendo como consequência do remanejamento dos grupos sociais pela ciência, e,
nominalmente, da universalização que ela ali introduz” (LACAN, 2003a, p. 263).
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 251

A segunda, asseverando que o que diferencia o Discurso Capitalista dos demais


discursos25 é a rejeição (Verwerfung) da castração de todos os campos simbólicos,
acrescentando: “Toda ordem, todo discurso aparentado com o capitalismo deixa de
lado o que chamamos, simplesmente, de coisas do amor, meus bons amigos. Como
vocês veem, não é pouca coisa, certo?” (LACAN, 2011, p. 88). E por fim, a terceira:
incumbe como questão a convergência entre os desenvolvimentos da tecnificação da
ciência e o Discurso do Capitalismo como o que propicia tanto os processos como
os efeitos de segregação (LACAN, 1967, 2003a, 2003b).
Desta forma, considerando as possíveis relações entre negacionismo, segrega-
ção, Direitos Humanos e Capitalismo, que ainda requerem aprofundamento em suas
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aproximações e debates teóricos, indagamos: seriam os Direitos humanos uma solução


de compromisso, logo, um sintoma, diante dos efeitos desastrosos produzidos numa
sociedade capitalista que viabiliza cada vez mais a segregação enquanto seu efeito,
tendo como seus extremos os campos de concentração?
Para avançar em possíveis chaves para esta complexa questão, tomemos como
um dos exemplos mais nítidos o paradigma da segregação situado por Lacan (1992)
como os campos de concentração durante a segunda Guerra Mundial (1939-1945)
e, por efeito, a Declaração dos Direitos Humanos, como uma suposta tentativa de
evitar a repetição de homólogos horrores. Ou seja, uma possível hipótese é a de que
a Declaração dos Direitos Humanos apareceu como um efeito de retorno às atroci-
dades culminadas na Segunda Guerra Mundial, que, por sua vez, como não puderam
alcançar a todos, como supostamente visava, mesmo que apenas em níveis jurídicos
e teóricos, propiciou o surgimento de outras Declarações e Convenções. A partir de
agrupamentos sociais evidenciados por meio de suas expansões, acrescentou-se as
Convenções dos Direitos dos Deficientes, o Direito das Crianças, a Convenção sobre
a eliminação de toda forma de discriminação contra as mulheres e todas as formas
de discriminação racial, o Estatuto dos Refugiados etc.
Seriam estes exemplos de organizações realizadas pelo remanejamento dos
grupos sociais possuindo relação com o que Lacan (1992) evidencia a respeito da
cópula entre o capitalismo e certo tipo de ciência através da universalização que ela
propicia, sendo neste caso a ciência em sua aliança com o campo jurídico? Vamos
a um exemplo: sabemos que a Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados, de
1951, conhecida como Convenção de Genebra, também promulgada pela Organização
das Nações Unidas contém a definição do que é um refugiado. O que também quer
dizer que, por meio desta designação, amparada por uma suposta ideia de proteção,
a função de controle, a partir do reconhecimento jurídico do que se poderia deixar
viver ou deixar morrer também está presente (FOUCAULT, 1999).
Através destas considerações inquieta-nos problematizar os efeitos da rela-
ção entre o Discurso Capitalista, com suas diferentes alianças, seja com o Discurso

25 Lacan (1969-70/1972) teorizou sobre ao menos 4 discursos, além do Discurso Capitalista, a partir do que
Freud apresenta sobre as três operações impossíveis: governar, educar e analisar. Lacan desenvolveu
respectivamente o Discurso do Mestre, do Universitário e do Analista, acrescentando outra operação
impossível: a de se fazer desejar, a que ele constituiu como Discurso da Histérica.
252

Científico, médico ou jurídico, e a produção de segregação em variadas espécies.


Cabe trazer uma recente afirmação de Paulo Endo (2019a), pré-pandemia, mas sur-
preendentemente atual:

Pode-se realizar a vacinação em massa, mas não conseguiremos aplicar direitos


humanos em massa. Isso porque eles não são alcançáveis a não ser a partir de
modificações profundas nas instituições e no modo de pensar, sentir e viver das
pessoas para que os direitos humanos se convertam em formas inerciais de con-
vívio e justiça, que só ocasionalmente convocam o direito para sua concretização
(ENDO, 2019a, p. 178).

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Endo (2019a, 2019b) constata que não há nenhum país que tenha erradicado as
violações aos direitos humanos, uma forma de combate aos sofrimentos humanos,
supondo que sua possível causa seja a estruturação vacilante dos governos que se
omitem em fazê-lo. Esta leitura parece corroborar com a nossa hipótese de entrecruza-
mento entre o Discurso Capitalista e o Discurso dos Direitos Humanos. Afinal, dentro
deste sistema econômico que possui como efeitos a negação do social, privilegiando
uns em detrimento de outros, seria possível a garantia desses direitos? Por fim, esta é
mais uma pergunta que acrescentamos e ao mesmo tempo mantemos como impulso
à continuidade desta nossa incursão clínico-política.
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 253

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O “MONSTRO DE OLHOS VERDES”:
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Adriana Lustoza de Souza
Danielle Seabra Negrão da Silva
Luiz Felipe Maciel da Silva
Márcio Bruno Barra Valente
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Barbara Araújo Sordi


Thamires Corrêa Sandres Arruda

Introdução
O presente trabalho tem como objetivo problematizar as relações entre ciúme e
feminicídio a partir da investigação da peça Otelo, o Mouro de Veneza, de William
Shakespeare, sendo nossa leitura inspirada nas reflexões feministas.
O teatrólogo foi batizado em 26 de abril de 1564 e faleceu no dia 23 de abril
de 1616 aos 52 anos. Foi um dramaturgo, poeta e autor respeitado em sua época e
permanece aclamado até os dias atuais, atravessando principalmente os campos das
comédias e das tragédias. Sua obra Otelo foi escrita e apresentada pela primeira vez
entre 1603 e 1604, se enquadrando como uma tragédia (BLOOM, 2001). Embora
adiante apresentemos a peça, propriamente, é importante entender, para quem a
desconhece, que sua narrativa gira em torno de quatro personagens:
Otelo, um general mouro que serve ao reino de Veneza, Desdêmona, sua esposa,
Cássio e Iago, seu tenente e seu suboficial, respectivamente. Em linhas gerais, Otelo
promove Cássio de soldado à tenente. Isso desperta a inveja em Iago, pois ele almeja
o posto. Ressentido, arquiteta um plano de aproximar-se do general. Depois que eles
se tornam amigos, pouco a pouco, Iago passa a instigar em Otelo a suspeita quanto
a fidelidade matrimonial de Desdêmona, como se ela estivesse traindo Otelo com
Cássio. O plano do suboficial atinge seu ápice quando enciumado, Otelo procura sua
esposa para exigir retratação, todavia, acaba a matando em seu próprio quarto, asfi-
xiada. No final, o plano de Iago é descoberto. Otelo, quando percebe que a suspeita de
infidelidade por parte de Desdêmona não era verdadeira e que ele havia assassinado
ela de maneira “injusta”, comete suicídio sob o corpo da esposa. Iago termina preso.
Dito isso, acreditamos que este clássico da literatura inglesa possibilita reflexões
importantes à nossa atualidade sobre a violência contra as mulheres e o controle sobre
o corpo feminino e como isso aparece como expressão da relação afetivo-sexual entre
homens e mulheres, ou, ainda, como faceta do amor romântico.
A peça é considera um marco na cultura inglesa, tendo sido assim reconhecida à
época da sua estreia. Para Enéias Farias Tavares (2007), a tragédia se diferencia entre as
258

demais obras shakespearianas, já que se configurou como uma “obra adequada a todos
os níveis intelectuais e sociais, daqueles que pagavam entre um a cinco xelins para
assistir ao espetáculo desejando talvez um bom divertimento até os de gosto artístico
mais requintado” (TAVARES, 2007, p. 30). O professor doutor argumenta que em
Otelo estão presentes elementos como lutas, intrigas, discursos, guerras, romances e
violências, enfim, elementos que fizeram da peça quando estreou um sucesso “extre-
mamente popular e riquíssima do ponto de vista crítico” (TAVARES, 2007, p. 30).
Quando se trata da referida obra, precisamos reconhecer que estamos diante
de um texto que encontra repercussão e vivacidade mesmo após quatro séculos. Em
1922 foi feita a primeira versão cinematográfica da peça e, desde então, foram feitas

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mais de dez versões da obra e incontáveis adaptações ao longo dos anos. O professor
John Milton, da Universidade de São Paulo, argumenta que a peça Otelo, o Mouro
de Veneza, de Shakespeare, é um clássico porque trata de assuntos universais e coti-
dianos: ciúmes, traição, amor e racismo, de modo a despertar emoções ambíguas e
ambivalentes nas pessoas1.
Quanto ao apelo da obra de Shakespeare, uma curiosidade. Em 2016 foi
encomendada uma pesquisa sobre o autor pelo British Council e conduzida pela
YouGov, uma empresa internacional de pesquisas de mercado baseada na internet. A
pesquisa tinha como objetivo averiguar se o inglês ainda era conhecido, admirado,
entendido ou relevante. Então, foram realizadas mais de 18.000 entrevistas em quinze
países diferentes. Os números decorrentes do trabalho provam que ele é o autor mais
popular fora do Reino Unido, sendo este conhecido em muitos países de economias
emergentes como Índia, México, Brasil, Turquia, África do Sul e China. Neste sentido,
tratando-se do Brasil, a pesquisa revelou que cerca de 84% dos brasileiros dizem que
Shakespeare é relevante para o mundo hoje contra 57% dos britânicos. Além disso,
87% dos brasileiros afirmaram gostar do autor2.
Por isso, não estamos diante de um autor qualquer nem de uma obra comum. Ao
mesmo tempo, quando paramos diante das cenas retratadas na peça, nos diálogos e
discussões que a compõe, nas tramas que envolvem seus personagens, enfim, lemos a
história de uma tragédia de um homem que mata sua esposa por ciúme e por acreditar
que ela não foi fiel ao casamento de ambos e, logo em seguida, tira a própria vida.
De certo modo, não seria anacrônico afirmar que estamos diante de uma narra-
tiva sobre feminicídio seguido de suicídio masculino. Atualmente, longe dos romances
e das ficções, podemos pesquisar nos navegadores da internet usando os descritores
“homem mata esposa e se mata” e obteremos uma infinidade de resultados. Todas
as notícias de jornais brasileiros são diferentes, obviamente. Todavia parecem ser
variações sobre um mesmo tema: homem mata a mulher e se suicida, crime ocorreu
na Zona da Mata; marido mata mulher a tiros e se suicida na Zona Leste de SP, diz
Polícia Militar; homem mata esposa e comete suicídio em Águas Belas; marido

1 Disponível em https://jornal.usp.br/cultura/professor-mostra-as-varias-versoes-de-otelo-de-shakespeare/.
Acesso em: 19 nov. 2019.
2 Disponível em: https://blog.estantevirtual.com.br/2016/11/03/pesquisa-revela-que-shakespeare-e-mais-
popular-no-brasil-que-no-reino-unido/. Acesso em: 19 nov. 2019.
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persegue e mata esposa a tiros e se mata em seguida; homem mata esposa e filha e
comete suicídio em Chapecó; homem mata esposa e comete suicídio em São Gon-
çalo (RJ); homem mata a ex-mulher e se suicida na Grande SP3. Repetimos, todas
as notícias são variações sobre o que Otelo ilustra e encarna.
Por isso, decidimos pela referida peça de Shakespeare quando pensamos nas
relações entre ciúme e feminicídio a fim de problematizar a violência contra as
mulheres, as desigualdades de gênero e como isso se desdobra na compreensão do
amor romântico. Tais questões representam uma problemática bastante expressiva,
engendrada em um imaginário social e cultural de opressões que envolvem homens e
mulheres, embora em escalas distintas, que se estabeleceu há tempos e ainda persiste.
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Ademais, a obra de Shakespeare pode ser um objeto de estudo bastante interessante


para a Psicologia, tanto pela sua relevância cultural, social e política, atravessando
séculos, quanto pela sua riqueza de monólogos, que possibilitam uma exploração da
dinâmica das personagens e suas relações afetivo-sexuais.
Ao comparar os vícios e virtudes que Shakespeare retrata na obra com uma
compreensão de um Brasil do século XXI, cria-se uma abertura para maior entendi-
mento e problematização de como determinados traços culturais e sócio-históricos
perduram e influenciam o comportamento humano através dos tempos, assim como
revela a relevância de obras de arte como ferramentas que possibilitam análises
psicológicas, comportamentais e estruturais a partir do retrato de seus costumes e
realidades, possibilitando uma base de referência ou comparação para outros dados
acadêmicos – em especial, a dinâmica das relações de gênero, das violências contra
as mulheres e do machismo. Existe, portanto, uma forma de resgatar a importância
dessa temática e trabalhá-la a partir da literatura.
Os dados estatísticos apresentados em seguida nos mostram o quão urgente é
essa discussão e, para isso, é necessário fomentar reflexões para que se possam criar
estratégias adequadas no enfrentamento ao feminicídio. A partir de tais premissas,
surge o seguinte problema de pesquisa: como o relacionamento afetivo-sexual entre
Otelo e Desdêmona pode nos ajudar a problematizar as violências de gênero e o
ciúme na atualidade?

O feminicídio no Brasil
O termo feminicídio tornou-se presente no cotidiano, conforme os debates
sobre as relações de gênero, as violências contra as mulheres e suas vicissitudes se
aprofundam na sociedade. Torna-se importante, para estudo e discussão sobre o tema,
uma limitação do conceito segundo rigor acadêmico:

O conceito de femicídio foi utilizado pela primeira vez por Diana Russel em 1976,
perante o Tribunal Internacional Sobre Crimes Contra as Mulheres, realizado
em Bruxelas, para caracterizar o assassinato de mulheres pelo fato de serem
mulheres, definindo-o como uma forma de terrorismo sexual ou genocídio de

3 Pesquisa realizada em 19 de novembro de 2019 em diferentes fontes de notícias.


260

mulheres. O conceito descreve o assassinato de mulheres por homens motiva-


dos pelo ódio, desprezo, prazer ou sentimento de propriedade (MENEGHEL;
PORTELLA, 2017, p. 3079).

A Lei brasileira nº 13.104, de 9 de março de 2015, foi criada com o intuito de


tornar vigente o feminicídio enquanto crime hediondo, sendo uma conquista importante
para os direitos das mulheres, logo, a Lei: “Altera o art. 121 do Decreto-Lei nº 2.848,
de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, para prever o feminicídio como circunstân-
cia qualificadora do crime de homicídio, e o art. 1º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de
1990, para incluir o feminicídio no rol dos crimes hediondos” (BRASIL, 2015, n.p.).
De acordo com o Atlas da Violência (2019), em uma década (2007-2017), o

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número de ocorrências de homicídio contra mulheres teve um aumento significativo
de 30,7%, sendo que, apenas no ano de 2017, 4.936 mulheres foram assassinadas,
ocorrendo, aproximadamente, 13 assassinatos por dia neste ano. Ainda na referida
década de análise da pesquisa, dos homicídios cometidos contra mulheres em sua
totalidade, 28,5% ocorrem dentro das residências e, considerando a utilização de
armas de fogo dentro das residências, a taxa é de 29,8%.
Diante de tais dados, é necessário problematizar a dificuldade de tipificar a ocor-
rência do crime de feminicídio por não se saber com precisão quais crimes tiveram
relação com a discriminação à condição de mulher e/ou no contexto de violência
doméstica/familiar; entretanto, é relevante considerar que uma parte significativa
dos homicídios intencionais que ocorrem dentro das residências são perpetrados
por pessoas íntimas ou conhecidas das vítimas, tornando possível a compreensão
de que tais crimes de homicídio sejam um bom marcador para medir os índices de
feminicídio e sua evolução no país. Assim, considerando as altas taxas de homicídios
cometidos contra mulheres dentro das residências – 28,5% – e com a utilização de
armas de fogo dentro desse contexto – 29,8% –, é possível compreender que tal cres-
cimento reflete, efetivamente, o aumento de casos de feminicídio no Brasil (ATLAS
DA VIOLÊNCIA, 2019).
É possível visualizar que o racismo ainda exerce forte impacto na sociedade
de maneira geral, e a consequente desigualdade econômica, de gênero e raça é evi-
denciada na comparação dos índices de homicídio cometido contra mulheres negras
e não negras no Brasil. Somente no ano de 2017, as mulheres negras representaram
66% da totalidade de mulheres assassinadas no país e, levando em consideração os
anos entre 2007 e 2017, a taxa de homicídio de mulheres não negras teve crescimento
de 1,6%, já em relação ao homicídio de mulheres negras, tal aumento foi de 29,9%,
notabilizando, assim, a dificuldade do Estado brasileiro em garantir o estabeleci-
mento de políticas públicas no combate ao racismo, a desigualdade econômica e as
violências contra as mulheres.
Cabe ressaltar a dificuldade de identificar com precisão, diante dos dados, o
ciúme como motivador do assassinato contra mulheres, no entanto, pode-se consi-
derar que os altos índices de feminicídio têm forte relação com os mecanismos de
dominação e controle dos corpos das mulheres oriundos de uma cultura machista que
delimita de maneira rígida os lugares que os gêneros ocupam, sendo assim, é possível
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 261

considerar o ciúme como uma de tais ferramentas de controle presente nesses dados.
Isso então revela o quanto tal desigualdade de gênero nas relações afetivo-sexuais
está para além das questões socioeconômicas, pois se pode observar que, mesmo em
países desenvolvidos, onde tais índices são mais elevados, os números de violências
contra as mulheres e de feminicídio persistem (ATLAS DA VIOLÊNCIA, 2019).

Uma breve história do amor romântico


A concepção de amor apaixonado, diferente do amor romântico, pode ser enten-
dida como uma convergência entre o amor e a atração sexual que toma conta da vida do
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sujeito e o atrela fortemente ao seu objeto de desejo, ligada a uma necessidade imediata
de se estar com a pessoa amada, de maneira visceral, conflitando com as obrigações
do cotidiano. Logo, sob a perspectiva da ordenação e dos deveres sociais, tender à
desobediência provocada por esse sentimento é visto como algo “perigoso” e, portanto,
não reconhecido como alicerce fundamental para o casamento (GIDDENS, 1993).
O amor romântico, por outro lado, antes do final do século XVIII, resgata uma
noção de afeto entre companheiros vinculado à responsabilidade de ambos zelarem
pela família e/ou propriedade – porém, considerando a divisão dos papéis de gênero
que restringiam as mulheres aos cuidados da família e do lar, o dever de fomentar
o amor era atribuído majoritariamente a elas. Nesse tipo de amor, predomina-se
uma concepção divina que, apesar de incorporar elementos do amor apaixonado,
alinha-se com os valores cristãos da época, situando-se entre a liberdade e autos-
satisfação (GIDDENS, 1993).
Dessa forma, no século XVII da Europa pré-moderna, essa ideia de amor român-
tico alinhava-se também com a base sobre as quais os casamentos se sustentavam:
a da situação econômica. As classes mais pobres utilizavam o casamento como um
método de organizar o trabalho agrário, enquanto classes elitistas dispunham de maior
liberdade sexual – que representava uma expressão de poder – e, de certa forma,
transgrediam tais normas com maior facilidade (GIDDENS, 1993).
Diante disso, é possível visualizar que o relacionamento afetivo-sexual de Des-
dêmona e Otelo rompe com certas normativas da época, mas ao mesmo tempo atrela-
-se ao amor romântico no sentido da subordinação da mulher e da crença na virtude
do outro enquanto uma pessoa “especial”, apoiando-se neste outro e projetando nele
suas idealizações (GIDDENS, 1993). O ciúme romântico insere-se nesse contexto
enquanto uma pluralidade de entendimentos, de manifestações e de intensidades. Tal
sentimento desenvolve-se, muitas vezes, quando há a percepção de que o parceiro
não está tão estreitamente conectado com o próprio indivíduo da maneira que este
gostaria (CANEZIN; ALMEIDA, 2015).
Apesar da aparente característica atemporal do ciúme, há diversas nuances na
forma em que se relatam os padrões sociais que são impostos a homens e mulheres
e a consequente noção de infidelidade e desigualdade entre os gêneros demonstram
características peculiares e próprias de seu contexto. Como nota Baroncelli (2011)
sobre tais diferenças já descritas por diversos autores, é esperado perdão ou tolerância
262

por traições masculinas, enquanto a traição feminina pode levar a graves consequên-
cias, como abandono e morte.
Segundo Hirigoyen (2006), o comportamento ciumento evidencia uma neces-
sidade de se ter controle sobre outra pessoa, negando-a sua alteridade. Para a autora,
o ciúme excessivo demonstra um desejo de possuir o outro totalmente, de forma a
ter sua atenção e presença exclusivas. Diante da impossibilidade de tal simbiose, a
frustração interna é apaziguada ao acusar a pessoa de infidelidade, mesmo que não
tenha nenhum fundamento na realidade.

Estudos sobre o ciúme e as violências de gênero

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De acordo com Almeida, Rodrigues e Silva (2008), o ciúme pode ser enten-
dido como um sentimento que é desenvolvido na relação e reflete uma insegurança
afetiva gerada a partir do medo de que o(a) parceiro(a) afetivo talvez não esteja tão
estreitamente conectado com o outro da forma que este último gostaria, temendo,
assim, ser dispensável e abandonado pela outra pessoa. O ciúme pode surgir quando
um dos pares românticos achar que está sendo ameaçado pela figura de um possível
rival – uma pessoa que seja considerada (pelo par que sente ciúmes) mais atraente
e superior de alguma forma – podendo envolver sentimentos como desconfiança,
angústia, medo de ser substituído e de perder o outro, raiva, ansiedade e rejeição.
O fenômeno das violências contra mulheres só pode ser compreendido quando
inserido dentro de seu devido contexto social e cultural, pois os mesmos carregam
suas próprias normas e mecanismos de gênero, o que tornaria alguns casos de agressão
menos repugnantes ou até mesmo aceitos; nessa perspectiva, uma pesquisa executada
por Costa et al. (2016) sustenta a premissa de que ainda existe um imaginário de
“defesa da honra masculina” em casos de infidelidade – suposta ou não – por parte
das mulheres e de “submissão feminina” que atravessam a leitura social sobre tais
práticas de violência, ou seja, o sentido negativo de uma agressão física é minimi-
zado quando ocorre em um contexto de ciúmes, o que justificaria comportamentos
violentos por parte de homens contra mulheres.
Um estudo realizado por Oliveira et al. (2016) buscou compreender as violências
de gênero motivadas por ciúmes e suas vicissitudes em relacionamentos afetivo-se-
xuais entre adolescentes. Embora a pesquisa não tenha sido realizada com adultos,
traz contribuições significativas para compreender como os dispositivos de controle
dos corpos operam através das noções de gênero tradicionais. Observa-se que, já na
adolescência, período em que as(os) autoras(es) compreendem como o momento dos
contatos iniciais com esse tipo de relacionamento, meninas e meninos já carregam
consigo marcadores bastante delimitados a respeito das dinâmicas das violências de
gênero, tendo como ponto de partida o ciúme e a infidelidade enquanto justificativa
e legitimação de agressões físicas. Nesse sentido, a violência pode ser compreen-
dida enquanto parte da construção social das masculinidades. As(os) autoras(es)
problematizam a crença de que comportamentos violentos – nesse caso, a agressão
física – constituem os homens em sua essência, de tal forma a tornar socialmente
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 263

naturalizadas práticas de violências dos mesmos contra mulheres – sendo o ciúme


considerado justificável como catalisador de tais atos.
O estudo de Pimentel (2010), realizado na Delegacia da Mulher – DEAM – de
Belém com homens agressores, ressalta também a importância de problematizar a
educação de gêneros que ainda mantém e reforçam as assimetrias entre homens e
mulheres, examinando, principalmente, questões pertinentes à construção das mas-
culinidades. A proposta é apontar para a importância de uma Psicologia Clínica
socialmente engajada que considera os diversos contextos sociais em sua atuação e
também pontua como intervenções grupais contribuem positivamente no enfrenta-
mento de tais violências.
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Procedimentos metodológicos
O presente artigo trata de uma pesquisa bibliográfica qualitativa de caráter
exploratório, que objetiva aproximar-se do problema com o intuito de investigá-lo,
compreendê-lo e levantar hipóteses, ampliando as ideias sobre a temática (GIL,
2008). A partir disso, foi realizada uma análise literária da obra Otelo, o Mouro de
Veneza, utilizando trechos das falas da personagem Otelo, agrupados em núcleos de
significação do discurso, que nos permitam interpretar, a partir dos referenciais teó-
ricos utilizados no trabalho, mecanismos de ciúme e violência psicológica cometidos
envolvendo o casal principal – característico de relacionamentos abusivos.
Desse modo, foi utilizada a obra de Shakespeare traduzida por Marilise Rezende
Bertin e John Milton (2008). Também foi realizado um levantamento bibliográ-
fico buscando materiais que contivessem informações sobre os diversos contextos
de violências em relacionamentos afetivos-sexuais entre homens e mulheres e sua
relação com o ciúme, de forma que houvesse possibilidade de correlação com as
personagens da obra Shakespeariana com o intuito de realizar uma análise qualitativa
sobre a peça para verificar qual sua relevância para a compreensão das violências
de gênero na atualidade.
A análise literária pode ser considerada como um processo de desmonte de
um texto literário, com o intuito de conhecer os componentes de sua estrutura. Por
ser uma peça de teatro, o texto é estruturado em cenas em que os diálogos entre as
personagens ocorrem, logo, o desmonte da obra foi organizado a partir da transcrição
das cenas segundo tais diálogos que serão agrupadas em núcleos de significação do
discurso – ou núcleos temáticos –, os quais serão analisados (AGUIAR, 2007).
Dessa forma, considerando os termos “análise” e “literária”, evidencia-se uma
tentativa de aproximação do conhecimento de um determinado objeto de estudo –
nesse caso, a obra de Shakespeare, enquadrada na categoria de texto literário, como
um escrito de ficção (MOISÉS, 2007). Em conjunto com a análise da obra, foi impor-
tante, para dar continuidade ao estudo, relacionar com os livros e artigos científicos
selecionados, pois a partir dessa metodologia de análise, foi possível destrinchar
os pontos da obra relevantes para o trabalho e explorá-los com base nos materiais
utilizados e, assim, propor reflexões sobre o problema de pesquisa.
264

De acordo com Aguiar (2007), tais núcleos temáticos representam a organização


de temas, conteúdos ou questões centrais constituintes do conteúdo que se propõe a
analisar, não necessariamente por sua frequência, mas principalmente pelas emoções
e o envolvimento que provocam. Nessa perspectiva sócio-histórica, a linguagem é
compreendida como um instrumento de mediação da subjetividade fortemente atre-
lada aos processos sociais e históricos nos quais está inserida, materializando-os. A
partir da linguagem se dão as relações sociais e, por meio dos signos da linguagem
– as palavras propriamente ditas –, o mundo dos significados, produzidos social e
historicamente, são materializados e apreendidos pelas pessoas e encarnados nela
e nas instituições. Dessa maneira, os núcleos de significação do discurso buscam ir

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além, no sentido de compreender e analisar as vivências subjetivas dos indivíduos
expressadas através da fala. É a partir destes núcleos que a obra foi analisada.
A obra de Shakespeare é uma peça situada no século XVII que conta a história
de um homem chamado Otelo. Quando este assume o posto de general, desperta
o ódio de seu alferes, chamado Iago, ao escolher Miguel Cássio para o posto de
tenente. Movido pela inveja, Iago elabora e executa um plano maléfico de vingança
contra ambos, sentindo-se injustiçado por não ter sido escolhido por seu general
(SHAKESPEARE, 2008).
Otelo casa-se em segredo com Desdêmona, filha do senador veneziano Brabân-
cio. Nesse momento, Iago dá início à sua vingança ao acordar Brabâncio em uma noite
para alertá-lo que sua filha fugiria com Otelo. Indignado, o pai de Desdêmona acusa
o soldado, diante do Duque de Veneza, de tê-la enfeitiçado para conseguir casar-se
com ela. Logo, descobre que Otelo será enviado a Chipre para proteger a ilha contra
a iminência de um ataque turco. Desdêmona pede permissão para acompanhar o
marido e é concedida desde que Iago a acompanhe. Nesse momento, o vilão aproveita
a oportunidade para persuadir Rodrigo, cavalheiro de Veneza, a acompanhá-lo, com
intenção de incluí-lo em seus planos (SHAKESPEARE, 2008).
Ao se aproximarem de Chipre, uma tempestade os impede de chegar no tempo
planejado e, também, espalha os navios turcos. Para celebrar a vitória, os venezia-
nos organizam uma festa e Otelo nomeia Cássio oficial da guarda com o intuito de
proteger a população durante os festejos. Iago mais uma vez interfere embriagando
Cássio e pagando a Rodrigo para iniciar um confronto com o tenente, logo em seguida,
acordando Otelo para alertá-lo sobre a briga. Cássio é imediatamente rebaixado de
seu posto e aceito os conselhos de Iago, para pedir pessoalmente à Desdêmona que
intervenha na decisão do marido (SHAKESPEARE, 2008).
Otelo observa distante a conversa dos dois e Iago se aproveita para incitar o
ciúme no general, afirmando existir um caso de amor entre sua esposa e seu amigo.
As insinuações do vilão perduram e o general, acometido pelo ciúme, pede com-
provações. O alferes se depara com a possibilidade perfeita de dar continuidade ao
plano quando furta o lenço de Desdêmona, que fora presenteado a ela por Otelo. O
lenço – encontrado inicialmente por Emília, esposa de Iago e dama de companhia de
Desdêmona – é colocado no quarto de Cássio pelas mãos do próprio vilão e, quando
encontrado, é presenteado à Bianca, amante do ex-tenente (SHAKESPEARE, 2008).
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
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Inicialmente, a reação de Otelo é bastante defensiva, recusando-se a aceitar que


Cássio e Desdêmona seriam capazes de traí-lo, pois demonstra confiar plenamente nos
dois: “Acha que eu teria uma vida de ciúme, atormentada por suspeitas? Não! Que
eu seja um bode se alguma vez me deixar obcecado pelo tipo de suspeita que você
sugere” (SHAKESPEARE, 2008, p. 112). Entretanto, não descarta por completo a
hipótese de Iago, acrescentando ao final de sua fala: “Não Iago, vou ter que ver antes
de duvidar, quando duvidar buscarei provas e se houver provas, adeus amor e ciúme”
(SHAKESPEARE, 2008, p. 112), pois, o vilão sabe exatamente de quais conteúdos pode
se aproveitar para incitar essa ideia em seu general, e o faz com maestria em suas falas.
É possível vislumbrar, paulatinamente, o quanto Otelo demonstra estar conside-
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rando a traição como real e suas reações tornam-se cada vez mais violentas, imersas
em um sentimento de intensa agressividade. Isto aponta para o fato de que, a nível
cognitivo, o personagem se esforça para demonstrar-se inatingível e virtuoso, mas
seus sentimentos não estão de acordo com tal postura. Logo, Otelo mostra como
verdadeiramente a suposta infidelidade da esposa o afeta, quando conversa com Iago:
“Vá embora! Você me torturou com aqueles pensamentos [...]. Não tinha ideia que
ela me traia. Nunca vi ou suspeitei, então não me feria [...]. Ah, para sempre, adeus
à paz de espírito! Adeus à alegria!” (SHAKESPEARE, 2008, p. 122).
Precisamente nesse ponto da trama, Otelo passa a verbalizar ameaças violentas
em direção a Iago, muito relacionadas ao papel de investigador que o mesmo assumiu:
“Vilão, é bom provar que minha esposa é uma puta! Certifique-se disso. Dê-me prova
que posso ver. Caso contrário, prepare-se para sentir minha fúria!” (SHAKESPEARE,
2008, p. 122). Desde já, Otelo nos fornece indícios de comportamentos violentos
que, embora direcionados a Iago nesse momento, apontam para a possibilidade de
um desfecho trágico para seu casamento.
Iago continua a apresentar supostas provas da traição de Desdêmona e Otelo
aceita sua sugestão de asfixiar a esposa, após ter sido dominado pelo ciúme. Ao ser
apresentado à prova de Iago sobre a suposta traição de Desdêmona, Otelo demonstra
sentir-se, naquele momento, enfurecido: “Meus pensamentos de vingança fluem como
um rio violento e nunca mais voltarão ao amor. Eles fluem para a grande vingança até
devorar tudo” (SHAKESPEARE, 2008, p. 128). Agora direcionando suas ameaças à
Desdêmona – e também a Cássio, ao pedir que Iago se encarregue de tirar sua vida
–, aparenta estar certo de que se utilizará da violência para resolver esse conflito:
“Maldita seja, puta lasciva! Ah, maldita seja ela. Venha comigo. Vou pensar num jeito
de matar o belo demônio” (SHAKESPEARE, 2008, p. 128) Esse sentimento se inten-
sifica quando Ludovico, parente de Desdêmona, chega à ilha em posse de uma carta
do Duque de Veneza solicitando a Otelo que volte à pátria e deixe Cássio assumir o
comando em seu lugar. O general agride a esposa após um comentário despretensioso
e mesmo sob o testemunho de Emília alegando a inocência de Desdêmona.
Nesse momento, Iago jurara lealdade a Otelo e o vingaria assassinando Cássio. Em
segredo, almejara tirar a vida de Rodrigo também, por acreditar que ambos poderiam
arruinar seus planos. Isto, no entanto, não deu muito certo, Rodrigo morreu, porém Cás-
sio permaneceu vivo, apesar de ferido. Posteriormente, Otelo, em busca de sua esposa,
encontra-a em seu quarto e, após acusá-la de traição, a asfixia (SHAKESPEARE, 2008).
266

Ao saber do assassinato de Desdêmona, Emília confessa a Otelo, Ludovico e


Montano que tudo não passou de uma trama de Iago e sua senhora jamais fora infiel.
Como último recurso, Iago assassina Emília e foge, mas é capturado em seguida.
Otelo, após descobrir a verdade de que não foi traído, entra em desespero e se suicida
diante do corpo de Desdêmona, beijando-a pela última vez. No final, Cássio passa a
ocupar o posto de Otelo e Iago é entregue às autoridades (SHAKESPEARE, 2008).

Resultados e discussão
Segundo Moreira, Boris e Venâncio (2011), a violência é um fenômeno resul-

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tante de relações assimétricas concretizadas contra determinadas categorias da popu-
lação consideradas em maior ou menor grau de vulnerabilidade ou desvantagem,
transversal às relações sociais em âmbitos institucionais e interpessoais. Logo, a
violência de gênero é um produto da desigualdade nas relações entre homens e
mulheres que está presente nas estruturas de poder e posse que perpassam questões
do machismo, reservando às mulheres um espaço de subjugação e subordinação à
figura masculina.
Porchat (2014) afirma que o ser “mulher” e ser “homem” permanecem sendo
produzidos, reproduzidos e perpetuados por conjuntos de palavras e gestos que,
apresentados, estabelecem um fato na medida em que se reproduzem. O conceito de
gênero enquanto um ato performativo provoca uma reflexão no sentido de problema-
tizar a ideia de que gestos, palavras, comportamentos e desejos devem, supostamente,
estar atrelados a uma heteronormatividade compulsória que busca um padrão de
coerência a ser seguido entre gênero, sexo biológico, orientação sexual e desejo. De
acordo com Porchat na obra Histeria & Gênero (2014, p. 38): “Inventa-se a ideia de
‘ser’ para que os indivíduos sejam mais bem controlados”.
É possível compreender dentro dessa lógica que, por mais que tenha ocorrido
grandes mudanças culturais, sociais, econômicas e políticas, os papeis sociais de
gênero se mantém muito rígidos (HIRIGOYEN, 2006). Assim, muitos homens e
mulheres permanecem performando estereótipos de masculinidades e feminilidades
aprendidos desde a infância que se construíram enquanto verdades absolutas. Para
Butler (2003), definir gênero como “ato performativo”, consolida a ideia de per-
formatividade e de repetição como dispositivos através dos quais “verdades” são
produzidas e naturalizadas. O ato performativo produz e torna real e factual aquilo
que se nomeia, e repetição pois o ato refere-se a um código, alusão a algo.
Tal educação tem um papel importante no processo de tornar-se mulher e tor-
nar-se homem, pois é através da designação desses papeis socialmente esperados
que delimitam os espaços onde operam as mulheres e onde operam os homens. À
masculinidade, por exemplo, são atribuídas qualidades como: agressividade, coragem,
força, dominação, atuante, assertividade e pouco contato emocional; à feminilidade,
são esperadas: docilidade, gentileza, paciência, passividade, submissão, obediência e
altruísmo, um “se doar pelo outro” no sentido de ignorar suas próprias necessidades
para priorizar o outro (HIRIGOYEN, 2006; SAFFIOTI, 1987).
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Pode-se perceber que os homens, historicamente, desfrutam de muitos pri-


vilégios que os colocam em um lugar de poder que exclui e oprime as mulheres,
reservando a elas um local de subalternidade (HIRIGOYEN, 2006). O imaginário
social que cria uma noção de que “homens e mulheres sempre foram assim”, embora
desvalorize o gênero feminino, sustenta os mecanismos de dominação citados. Logo,
é importante dar foco à naturalização de processos construídos socioculturalmente
para compreendê-los sistematicamente (SAFFIOTI, 1987).
A violência contra a mulher, perpetrada por parte de seus parceiros íntimos,
em sua maioria se consolida através de uma repetição cíclica de ocorrências, come-
çando com ataques verbais e psicológicos, sem afetar diretamente a integridade física
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da mulher, porém abalando seu estado emocional e sua autoestima – chamadas de


microviolências – que, posteriormente, passam para o campo das agressões físicas,
tendendo à naturalização da violência no âmbito conjugal (MARQUES, 2005; HIRI-
GOYEN, 2006 apud GOMES; FERNANDES, 2018).
Resgatando a obra para análise, observa-se a manifestação inicial desse fenô-
meno a partir da fala de Iago, na tentativa de incitar esse sentimento em Otelo: “Cui-
dado com o ciúme, senhor. É um monstro de olhos verdes que debocha das vítimas
das quais se alimenta [...] pense na infelicidade de um homem que adora sua esposa,
no entanto duvida de sua fidelidade” (SHAKESPEARE, 2008, p. 112).
Primeiro núcleo: A violência psicológica perpetrada através do ciúme.

ATO II, CENA IV:


Otelo: Dê-me sua mão. Esta mão está úmida, senhora.
Desdêmona: Está úmida porque é jovem e inexperiente.
Otelo: Ela denuncia que você é fértil e tem um coração liberal. Quente, quente
e úmida. Esta mão necessita jejuar e rezar para se livrar das tentações, pois aqui
existe um jovem demônio que sua e geralmente se rebela. É uma mão boa e franca.
Desdêmona: Isso você pode dizer, pois foi esta mão que lhe deu meu coração.
Otelo: Uma mão liberal. Os corações dos antigos davam suas mãos em casamento.
Hoje em dia, as pessoas dão suas mãos umas às outras, sem dar seus corações
(SHAKESPEARE, 2008, p. 132).

Esse primeiro núcleo nos demonstra alguns comportamentos de Otelo em rela-


ção à Desdêmona que indicam sua suspeita de uma traição. O ato de dar as mãos
sem dar seus corações indica que, em sua percepção, a esposa não cumpriu com as
expectativas e responsabilidades do casamento ao ser infiel. Tais atitudes têm como
objetivo deixá-la incomodada e desestabilizada. Através desses mecanismos, é pos-
sível conquistar a submissão e o controle sobre Desdêmona, reforçando o poder de
Otelo na relação e os mecanismos de violência psicológica que atuam através de suas
palavras (HIRIGOYEN, 2006).
Segundo núcleo: O exercício do controle em uma relação abusiva.

ATO III, CENA IV:


Desdêmona: Por que você está gritando comigo tão furioso?
Otelo: Ele está perdido? Ele se foi? Fale, ele desapareceu? [o lenço]
268

Desdêmona: Deus nos ajude!


Otelo: O que você tem a dizer a seu favor?
Desdêmona: Não está perdido, mas e se estivesse?
Otelo: Pegue-o, deixe-me vê-lo.
Desdêmona: Eu vou, senhor, mas não agora. Isso é um truque para desviar minha
mente do que eu estou pedindo. Eu lhe imploro, receba Cássio novamente.
Otelo: Pegue o lenço. Minha mente está cheia de dúvidas (SHAKESPEARE,
2008, p. 134).

ATO IV, CENA II:


Otelo: Então você não viu nada?

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Emília: Nem nunca ouvi, nem nunca suspeitei.
Otelo: Sim, você certamente a viu junto com Cássio?
Emília: Mas não vi perigo algum e ouvi cada sílaba que pronunciaram.
Otelo: O quê? Eles nunca sussurraram?
Emília: Nunca, senhor.
Otelo: Nem lhe mandaram sair?
Emília: Nunca.
Otelo: Para apanhar um leque, as luvas dela, a máscara dela ou qualquer
outra coisa?
Emília: Nunca, senhor.
Otelo: Estranho (SHAKESPEARE, 2008, p. 160).

O segundo núcleo foi criado a partir da concepção de controle. Assim, é com-


preendido como controle todo e qualquer ato que tenha como objetivo espionar um
sujeito de forma maliciosa, a fim de governar suas ações e fiscalizar suas relações
interpessoais, seus comportamentos e até mesmo pensamentos (HIRIGOYEN, 2006).
Pode-se verificar que Otelo, no primeiro momento, utiliza-se do lenço como
recurso por meio do qual o controle sobre a esposa é instaurado, na medida em que
a perda do mesmo implica necessariamente em uma infidelidade. Já no segundo
momento, é possível notar que Otelo procura investigar Desdêmona secretamente
através de Emília, sua dama de companhia e amiga próxima, buscando comprovações
de sua suposta traição.
Terceiro núcleo: Humilhações, agressões verbais e desvalorização da figura
da mulher.

ATO IV, CENA II:


Otelo: Venha, jure e se dane no inferno por mentir. Ou melhor, os demônios deve-
riam teme-la como se você fosse alguém do céu. Portanto, dane-se duplamente
por jurar que é honesta!
Desdêmona: Os céus verdadeiramente sabem que o sou.
Otelo: Os céus verdadeiramente sabem que você é tão falsa como o inferno.
Desdêmona: A quem, senhor? Com quem, senhor? Como sou falsa?
Otelo: Ah, Desdêmona, vá embora, saia, suma daqui! (SHAKESPEARE, p.
162, 2008).
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ATO IV, CENA II:


Desdêmona: Espero que meu nobre senhor acredite que sou honesta.
Otelo: Ah, sim, como as moscas no verão o são na carne podre, fazendo vida até
com o vento. Ah, erva daninha, que é tão incrivelmente bela e cheira tão doce que
me dói quando a vejo, como gostaria que você nunca tivesse nascido.
Desdêmona: Ai de mim, que pecado cometi que não sei qual é?
Otelo: Como alguém tão linda pode ser uma puta? O que você fez? Ah, meretriz!
Minha face se tornaria uma forja se dissesse o que você fez. O que você fez? Os
céus tapam o nariz quando vêem você. O vento obsceno que beija tudo o que
encontra jamais te ouvirá. O que você fez? Puta descarada!
Desdêmona: Céus, você me trata injustamente! (SHAKESPEARE, 2008, p. 164).
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O terceiro núcleo engloba as situações de violência psicológica sofridas por


Desdêmona através da humilhação, agressão verbal e desvalorização do seu gênero.
Hirigoyen (2006) afirma que o aviltamento e a humilhação são mecanismos utiliza-
dos para impactar negativamente a autoestima do sujeito, gerando sentimentos de
menos-valia, expressos principalmente por meios de atitudes e palavras que o agridam
psicologicamente e que o façam duvidar de si mesmo, questionando seus próprios
valores e condutas, muitas vezes internalizando tais depreciações.
No que diz respeito à humilhação, cabe ressaltar que os xingamentos profe-
ridos por Otelo em direção à Desdêmona carregam um componente de teor sexual
machista fortemente ligados à condição de mulher, gerando um sentimento intenso
de vergonha e culpa na vítima, como nas cenas descritas acima, onde Otelo acusa-a
de ser falsa, infiel e promíscua.
Quarto núcleo: Agressão física, as ameaças e o feminicídio.

ATO IV, CENA I:


Ludovico: Talvez a carta o tenha perturbado. Acho que eles o querem enviar de
volta para casa e apontam Cássio como governador em seu lugar.
Desdêmona: Fico feliz com isso.
Otelo: Certamente!
Desdêmona: Senhor?
Otelo: Me alegro que você seja louca ao ponto de admiti-lo na minha frente.
Desdêmona: Mas por quê, doce Otelo...
Otelo: (Dá-lhe uma bofetada) Demônio!
Desdêmona: Não mereci isto (SHAKESPEARE, 2008, p. 156).

ATO V, CENA II:


Otelo: Tenho de fazê-lo, minha alma, tenho de fazê-lo. Não me peçam que eu
descreva meu ato a vocês, castas estrelas, mas tenho de fazê-lo. Todavia, não
derramarei seu sangue, nem marcarei sua pele, mais branca e suave do que o mais
puro mármore. Contudo, ela deve morrer, ou então trairá outros homens. Apago
primeiro a luz do quarto e depois a de sua vida. Se apago a luz, posso acendê-la
depois se me arrepender. Mas quando eu apagar sua luz, astuta representação da
natureza, não saberei onde estará aquele calor de Prometeu que pode restaurá-la:
quando arrancar a rosa, não serei capaz de lhe dar crescimento vital novamente,
270

ela secará; deixe-me cheirá-la enquanto ainda está no galho. (Ele a beija) Ah, res-
piração deliciosa, que quase me convence deixar de ser justo e não matá-la. Mais
um beijo. Se você continuar tão maravilhosa quanto agora quando estiver morta,
irei matá-la e beijá-la depois. Mais uma vez, e este é o último beijo. Tão doce e tão
fatal. Devo chorar, mas preciso ser cruel também. Essa justiça divina é dolorosa
quando realmente se ama – ela está acordando (SHAKESPEARE, 2008, p. 192).

ATO V, CENA II:


Otelo: O lenço que eu amava tanto e que lhe dei, você deu a Cássio.
Desdêmona: Não, pela minha vida, mande chamar o homem e pergunte a ele.
Otelo: Doce alma, não minta. Você está em seu leito de morte.

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Desdêmona: Sim, mas não estou morta ainda.
Otelo: Sim, mas estará muito em breve. Portanto, confesse seu pecado aberta-
mente agora. Porque mesmo se você jurar que é inocente de qualquer acusação,
não conseguirá mudar minha opinião ou remover o pensamento que está me
atormentando. Você vai morrer (SHAKESPEARE, 2008, p. 194).

ATO V, CENA II:


Desdêmona: Ah, me mande pro exílio, senhor, mas não me mate!
Otelo: Deite-se, prostituta!
Desdêmona: Mate-me amanhã – deixe-me viver esta noite.
Otelo: Não, se você lutar comigo...
Desdêmona: Só meia hora!
Otelo: Enquanto estiver fazendo isso não posso parar.
Desdêmona: Mas deixe-me fazer mais uma oração!
Otelo: É tarde demais. (Ele a sufoca) (SHAKESPEARE, 2008, p. 196).

O quarto e quinto núcleos configuram os conceitos de ameaça, agressão física e


o feminicídio. A ameaça pode ser compreendida enquanto uma manifestação da vio-
lência psicológica que antecipa comportamentos de maus-tratos, colocando a vítima
em uma situação desconfortável de perigo iminente. As agressões físicas incluem
diversos atos de crueldade que variam de um empurrão ao feminicídio propriamente
dito, constituindo um método extremo de subjugação da mulher, podendo ser mais ou
menos premeditado, com base nas situações de violência já sofridas. O feminicídio
motivado por ciúme evidencia um forte caráter de vingança e dominação máxima,
sendo o agressor o dono da última palavra (HIRIGOYEN, 2006).
É possível notar, nas falas de Otelo, que a morte de Desdêmona é proporcional
à sua suposta traição e, por conta disso, ela merece pagar por este erro com sua vida
para que, assim, outros homens não sofram em suas mãos e a justiça seja feita, de
acordo com sua concepção machista e deturpada da realidade.

Considerações finais
O feminicídio, atualmente, permanece como uma das principais causas de mor-
talidade feminina. É possível observar que, ao longo dos séculos – em especial, a
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 271

partir do século XVII, dado o período em que a obra foi escrita –, o fenômeno das
violências contra mulheres permanece sendo perpetuado, apesar das mudanças sociais,
econômicas, culturais e políticas. Embora a peça de Shakespeare retrate um contexto
de outra época em um outro país, ainda são nítidas as aproximações que podem ser
feitas com a realidade brasileira contemporânea do século XXI. Isso, sem dúvidas,
nos reafirma a importância do tema, levando em consideração as assimetrias nas
relações de gênero em nossa sociedade.
Neste contexto, o ciúme é inserido enquanto um elemento em que muitas vezes,
dentro da relação, é utilizado como motivo e justificativa para controlar, ameaçar,
humilhar, aviltar e até mesmo agredir física e psicologicamente a sua(seu) parceira(o)
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afetivo-sexual. Dentro desta compreensão, é possível visualizar que a violência psi-


cológica sofrida pode se manifestar de inúmeras formas; muitas vezes hostis, de falar
e gritar, dar ordens, xingar e ofender o outro, reiterando o próprio ciúme enquanto
mecanismo para exercer posse sobre a outra pessoa.
Fazendo um paralelo com a obra shakespeariana, é possível perceber que Otelo
justifica seu comportamento hostil para com Desdêmona a partir da suposição de que
ela está o traindo e, portanto, “merece” ser tratada rude e agressivamente. Interessante
notar que Desdêmona, por vezes, tenta justificar os comportamentos agressivos de
seu marido de vários modos, atribuindo a culpa a si mesma por “ter causado” as
atitudes violentas de Otelo – por mais que ela própria não compreenda o motivo de
tais atitudes e em todo momento, nega tê-lo traído – ou a causas exteriores a ele,
como as questões políticas e militares presentes na trama.
Outro ponto que merece ser destacado é a ideia de “justiça em defesa da honra
masculina” que até hoje surge enquanto justificativa para o crime de feminicídio. É
extremamente importante considerar o papel dessa ideia na legitimação e naturali-
zação da violência de gênero contra as mulheres; a qual, durante muito tempo, foi
até mesmo institucionalizada – em outras palavras, diante da lei, os homens teriam
razão em assassinar suas esposas, mitigando, assim, quaisquer atos de hostilidade
direcionados a elas. Logo, com base em tudo que foi exposto ao longo deste trabalho,
é nítido visualizar o quanto essa marca histórica permanece atravessando o imaginário
social na atualidade.
Na obra, Otelo comete suicídio ao descobrir que todas as acusações de infide-
lidade por parte de sua esposa eram falsas. Percebe-se que esse cenário então não
configura a tal “justiça” que defenderia sua honra e, nos diálogos que antecedem tal
acontecimento, tanto Otelo quanto as demais personagens sofrem por Desdêmona
não merecer ter sido morta. Isso leva a algumas reflexões: será que Otelo teria tirado
a própria vida caso, de fato, tivesse sido traído? Desdêmona então mereceria tamanha
crueldade por ter traído? Desdêmona só é digna de compaixão por ser uma perso-
nagem que corresponde a um ideal de mulher submissa, fiel e amável? A leitura da
trama, sob essa perspectiva, leva a compreender que o arrependimento do protagonista
deriva principalmente de tal injustiça, embora outros aspectos da ordem dos afetos
também sejam relevantes e precisem ser levados em consideração, especialmente
em casos reais.
272

Estudar as causas e impactos da violência contra as mulheres torna-se funda-


mental para engajar-se no seu enfrentamento, no qual o papel da Psicologia é de suma
importância e de vanguarda. Embora o caminho pareça claro, e muitos estudos já
estejam sendo desenvolvidos e rendendo preciosos frutos, o desafio maior se esbarra
na intervenção social e cultural, visto que problemas sociais endêmicos não podem
ser efetivamente suprimidos através de lutas individuais, porém necessitam de um
esforço conjunto entre a Psicologia e as estruturas sociais criadas para garantir a
segurança, saúde e bem-estar da população. Portanto, é imprescindível uma com-
preensão teórica e atuação prática ampliadas da Psicologia que consigam englobar
os diversos aspectos que circundam o fenômeno da violência de gênero, no intuito

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de se criar estratégias adequadas de intervenção.
Pode-se pensar, por exemplo, que uma educação pautada na desconstrução
de construtos machistas e heteronormativos atrelados aos papeis sociais de gênero
e nas formas de se relacionar entre mulheres e homens – seja afetiva, sexual e/ou
emocionalmente – é uma importante ferramenta que pode contribuir positivamente
na diminuição do número de feminicídios e nas inúmeras práticas de violências
contra as mulheres. A partir disso, se faz necessário ressaltar a relevância de grupos
de estudos sobre a temática, e grupos de apoio às vítimas de violência de gênero,
bem como grupos com os homens autores de agressão também, que sejam capazes
de oferecer um espaço de escuta, acolhimento e não julgamento, bem como de
sensibilização; de ações e eventos que busquem problematizar e debater a fim de
dialogar com a população acerca das violências de gênero e como identificá-las em
uma relação abusiva.
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 273

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BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE
O CAMPO DA SAÚDE MENTAL
Dorivaldo Pantoja Borges Junior1
Vitor Igor Fernandes Ramos
Fabíola da Silva Costa

Este tópico pretende circunscrever, de forma breve, a concepção de Saúde Men-


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tal a partir de dois pontos de partida: o Sistema Único de Saúde (SUS) e o Movimento
da Luta Antimanicomial (MLA). Para tanto, construiu-se um percurso que atravessa
questões históricas, uma vez que menciona as mudanças decorrentes da construção
de tal campo: 1. teóricas ao pontuar as características do que sustenta a atuação em
Saúde Coletiva e, sobretudo, em Saúde Mental; 2, por fim, alguns desafios para a
sua maior consolidação na contemporaneidade.
Se propor a delimitar os principais aspectos que compõem o campo de investi-
gação e assistência da Saúde Mental é, em primeiro momento, congregar no mesmo
discurso, componentes do fenômeno humano em suas dimensões sociais, culturais e
entre outras. Não à toa, as problematizações em Saúde Mental ultrapassam os espaços
de discussões psiquiátricas, psicológicas e psicanalíticas e fazem laço com outros
discursos do campo da Antropologia, da Comunicação e da Política, por exemplo.
Torre e Amarante (2001) afirmam que a maneira pela qual uma sociedade
lida com a loucura está diretamente ligada à visão de sujeito que está em voga no
momento. Os autores, como exemplo, citam que entre os séculos XVIII e XIX, quando
a razão e a produtividade eram as lógicas imperavam entre as relações sociais, a
dita “loucura” era, então, tomada como o contraponto da moral vigente: a desrazão
e a improdutividade. Dessa forma, a estratégia de enfrentamento que embasou suas
“práticas terapêuticas” caminhou rumo à segregação dos sujeitos ditos “loucos”.
Outro ponto que pode ser elucidado sobre evolução histórica do que se apreende
enquanto formas de encarar a loucura encontra-se em Foucault (2017) quando este
demonstra que a institucionalização da loucura não parte de um movimento à assis-
tência desses sujeitos, mas provém da intenção de segregá-los socialmente, esta
subsidiada pela ideia de que esses sujeitos seriam perigosos e violentos.
Em contribuição, uma afirmação de Torre e Amarante (2001, p. 2) pode ser
usada como exemplo. Os autores afirmam que:

O isolamento, semelhante ao estado in vitro, afasta as influências maléficas e a


contaminação. O afastamento serve para identificar diferenças entre os objetos.
Distinguir os “mansos” dos “agitados”, os “melancólicos” dos “sórdidos” e “imun-
dos”, os “suicidas”, ou seja, esquadrinhar cada tipo classificável, evitando que

1 Mestrando em Psicologia pela UFPA. Graduado em Psicologia pela Universidade da Amazônia (UNAMA);
Pesquisador do Grupo de Pesquisa Capital Social e Cultural (UNAMA/CNPq).
276

sua convivência agrave seu estado. O hospício, através do isolamento terapêutico,


permite a possibilidade da cura e do conhecimento da loucura a um só tempo.
O isolamento é ao mesmo tempo um ato terapêutico (tratamento moral e cura),
epistemológico (ato de conhecimento) e social (louco perigoso, sujeito irracional).

Instaurou-se, dessa forma, uma cultura de enfrentamento contra a loucura, pau-


tada no aprisionamento desses sujeitos, destituindo-os de seus direitos mais básicos.
Nesse sentido, é contra tal discurso que o movimento da Reforma psiquiátrica e a Luta
Antimanicomial se posicionam ao tentar inserir um novo paradigma sobre os sujeitos
outrora tidos por “alienados” e, em uma análise mais ampla, indesejáveis socialmente.
A Reforma Psiquiátrica, movimento de articulação de trabalhadores da saúde e

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usuários, redimensionou o tratamento de sujeitos com sofrimento mental grave. No
Brasil, amparada pela aprovação da Lei nº 10.216/2001, tal movimento adentrou os
diversos espaços propondo condutas diferentes, baseadas na não exclusão do usuário,
na valorização dos laços sociais durante o tratamento, a desinstitucionalização e a
criação de uma rede de atenção psicossocial (SILVA; NICOLAU, 2014).
Cabe aqui realizar uma pontuação a respeito da própria concepção de saúde
adotada na época anterior ao surgimento de movimentos como a Reforma psiquiátrica
ou a Luta Antimanicomial. Trata-se de um momento de ditadura militar, no qual a
assistência à saúde não era voltada a todas as pessoas e onde imperava a coerciti-
vidade social no modelo assistencial (BARBOSA; SILVEIRA; LEBREGO, 2020).
Não à toa, as reivindicações que motivaram a criação das políticas públicas não
foram exclusivamente à saúde mental, mas à democracia em si. Ou seja, o desejo que
existia entre as movimentações sociais era por um novo laço social – o que envolvia
mudanças de conhecimentos e modos se fazer saúde vigentes, trazendo a dimensão
coletiva da saúde ao centro do processo (BARBOSA; SILVEIRA; LEBREGO, 2020).
Tendo isso em vista, no que se refere a construção do campo da Saúde Coletiva
enquanto escopo teórico, Barreto e Souza (2015, p. 10) afirmam que seu objetivo
versa em “produzir conhecimentos e desenvolver tecnologias relacionados à situação
e aos determinantes da saúde das pessoas, bem como a formulação de políticas e a
organização de serviços e programas”.
Nesse sentido, obtém-se uma ampla possibilidade de discussões nesta nova con-
figuração de conhecimento, discussões estas que ultrapassam os limites das ciências
da saúde e adentram em problematizações que visam encarar o fenômeno humano
em sua totalidade e integralidade, atravessando a formação dos profissionais que se
são inseridos na promoção de saúde. Quanto a isso, Bezerra Jr (2007, p. 245-246)
afirma que:

O reflexo, junto aos novos profissionais, do esmaecimento da política, e a hege-


monia crescente do discurso técnico tornam a formação desses profissionais uma
tarefa complexa, pois se de um lado é preciso dar–lhes uma formação teórica e
técnica sólida, de outro é necessário que ela suscite uma vocação crítica e criativa,
de modo a atender aos desafios que um processo de transformação contínuo, como
a Reforma, impõe de modo constante.
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 277

Observa-se, na afirmação acima, a dinamicidade que atravessa as formulações


propostas, ao passo de atravessar pontos desde a formação dos profissionais de saúde,
inserindo a importância de se levar em conta a sua construção teórica e, especialmente,
crítica em saúde, atentando para componentes que o discurso biomédico outrora
vigente não levou em conta.
Compondo as construções coletivas em saúde, a Saúde Mental surge entre elas para
inserir a dimensão subjetiva no processo de saúde e adoecimento, levando-o a patama-
res maiores ao sair de uma posição exclusivamente terapêutica, para adentrar aspectos
contextuais de cada usuário. Para tanto, Scarcelli e Alencar (2009, p. 6) afirmam que:
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Tal formulação abre o diálogo com outros campos, disciplinas e condições mate-
riais e forças espirituais da nossa sociedade que se manifestam na desigualdade
social, nos mecanismos de opressão, nos modos de vida e seus efeitos nos proces-
sos de subjetivação. Estes são aspectos a serem considerados diante dos problemas
que nos assolam e que necessitam ser enfrentados no campo social; expressam-se,
também, por sofrimentos de várias ordens, frequentemente, adjetivados como
“doenças” de vários tipos (do corpo, da mente, da sociedade etc.) que precisam
ser superados e/ou evitados como modo de nos aproximarmos de bem-estares ou
daquilo que se denomina “saúde para todos‟.

No que se refere ao diálogo da Saúde Mental com os demais campos do saber,


Borges Junior, Corradi e Assumpção (2020) oferecem uma exemplificação interes-
sante que evidencia a importância de lançar mão dos veículos comunicacionais para
refletir a forma como questões referentes ao adoecimento mental podem ser alvo de
estigmatizações. O estudo em questão2 analisa uma matéria sobre uma pessoa em
sofrimento mental publicada em um portal de notícias e discute como os conteúdos
que circulam nos grandes veículos comunicacionais podem alimentar, no imaginário
social, o que Bezerra Jr (2007) chama de manicômios mentais.
De acordo com Bezerra Jr (2007), esta concepção diz respeito a um conjunto de
pensamentos discriminatórios que tomam vazão a partir de comportamentos de exclusão
desses sujeitos. Ou seja, embora haja um movimento e um novo discurso sobre o trato
na saúde mental, ainda perdura tais componentes que remetem à época manicomial.
Os movimentos estigmatizadores não se mostram exclusivos dos meios de
comunicação, mas refletem no exercício cotidiano dos serviços de atenção à Saúde
Mental quando se recebe os usuários também. Conforme apontam Nunes e Torrenté
(2009), os rótulos atribuídos aos sujeitos em sofrimento mental grave os colocam
enquanto naturalmente violentos ou pessoas que não são capazes de se autogerir.
Além disso, Machado e Lavrador (2001) constroem uma analogia denominada
por desejos de manicômio, que remetem às tendências dos sujeitos em se valer de
estratégias coercitivas que aprisionam, subjugam e segregam os sujeitos em sofrimento.
É justamente contra esses resquícios manicomiais que o Movimento da Luta
Antimanicomial (MLA) se organiza. De acordo com Luchmann e Rodrigues (2007), o
movimento busca a desconstrução e mudança das formas estigmatizantes de pensar o

2 Artigo disponível em: https://idonline.emnuvens.com.br/id/article/view/2464.


278

sofrimento mental. Ou seja, é uma organização coletiva que trabalha em prol de uma rup-
tura com concepções de violência, seja essa física ou simbólica para com estes sujeitos.
O que se pode compreender mediante as contribuições dos autores citados acima
remete ao segundo ponto proposto a ser discutido aqui: os desafios da atuação em
Saúde Mental, aspectos que precisam ser melhor amarrados na produção teórica e
no campo prático, visto que ambos não se dissociam. Entretanto, em paralelo, ocor-
reram movimentos de patologização da Saúde Mental, como se as configurações do
adoecimento mental estivessem totalmente dissociadas dos determinantes sociais
que atravessam esse processo (REY, 2011).
Eis que surge um primeiro desafio: o de circunscrever o que seria, de fato, essa

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subjetividade e, por conseguinte, deslocá-la de um campo que contempla estritamente
fenômenos intrapsíquicos e, alçá-la a um patamar mais amplo e abrangente, supe-
rando a dimensão patológica e adentrando um discurso que parte do pressuposto que
“toda produção cultural aparece organizada em nível subjetivo como configuração
subjetiva, pois essas expressam as produções singulares simbólico-emocionais da
pessoa e dos diferentes espaços sociais em que a pessoa atua” (REY, 2011, p. 34).
Dessa forma, entendimento sobre subjetividade vai para além de uma mera
representação psíquica ao reconhecer que aspectos sociais como a desigualdade social,
questões raciais e de gênero, por exemplo, são pilares fundamentais na construção
da subjetividade, visto que estes são fortes determinantes sociais que estruturam as
formas de vida na sociedade brasileira.
Ademais, outro desafio a ser enfrentado, como apontado por Silva e Nicolau
(2014), é a dificuldade de constituir um escopo teórico consistente, que contemple
interdisciplinarmente os campos do saber, unindo o aporte teórico aos movimentos
sociais. Além disso, as referidas autoras salientam os impasses no estabelecimento
de laço social para com os usuários dos serviços de saúde que, embora estejam
inseridos em programas sociais, não são vistos verdadeiramente enquanto sujeitos
ativos nesse processo.
Tal questão mostra-se fortemente ligada aos fracassos das políticas de Saúde
Mental. No que diz respeito a isso, à guisa de complementação, Cabral e Belloc
(2019) alertam para as características primordiais do Sistema Único de Saúde (SUS):
universalidade, integralidade e equidade. Especialmente no que se refere à última
característica, os autores enfatizam que não se promove saúde de maneira eficaz
quando não se parte do princípio que, em um território, pode-se encontrar diversos
tipos de grupos que, por sua vez, possuem suas particularidades.
Dessa feita, ciganos, negros, pessoas que vivem com aids, ribeirinhos, crianças,
adolescentes, adultos, idosos e entre outros recortes irão demandar componentes
assistenciais característicos às suas necessidades (CABRAL; BELLOC, 2019). Frente
aos destaques aqui realizados, como construir e operacionalizar políticas públicas
que contemplem tais desafios? Trata-se de um questionamento que não parte da
homogeneização do laço social, nem de uma visão exclusivamente apoiada em um
único campo do saber, mas que está atento aos determinantes e condicionantes de
saúde e aos debates interdisciplinares.
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tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 279

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A SAÚDE MENTAL ENQUANTO
CAMPO DE DISPUTA POLÍTICA
Bruna Moraes Garcia
Daniele Vasco Santos
Rayssa Cristina Modesto da Rocha

A liberdade, que é uma conquista, e não uma


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doação, exige uma permanente busca


(FREIRE, 2014, p. 46).

A saúde mental enquanto política pública no Brasil é um campo marcado por


constantes disputas políticas. Este texto propõe-se a refletir acerca dos tensionamentos
entre alguns dos múltiplos interesses dentro do campo da saúde mental. Para tanto,
iniciaremos com o debate sobre o saber psiquiátrico e seus modelos institucionais
localizados na psiquiatria clássica. Em seguida, abordaremos uma breve discussão
acerca dos mecanismos de controle chamados de biopolítica. Na sequência faremos
um passeio pelo percurso da Reforma Psiquiátrica, desde as primeiras instalações
de hospitais psiquiátricos no Brasil até culminar no atual estado da política nacional
de saúde mental no Brasil e seus desdobramentos.
A fim de iniciar esta discussão, partiremos do estudo do saber psiquiátrico e de
seus modelos institucionais. Paulo Amarante, em Loucos pela Vida (2013), refere-se à
psiquiatria clássica, a partir de três importantes obras, a saber: A História da Loucura
na Idade Clássica (1978), de Michel Foucault; Manicômios, Prisões e Conventos
(1974), de Erving Goffman e A Ordem Psiquiátrica: a idade de ouro do alienismo
(1978), de Robert Castel.
Em A História da Loucura na Idade Clássica, Foucault propôs um estudo não
sobre o discurso psiquiátrico, mas principalmente sobre o discurso silenciado da lou-
cura, esta entendida como desrazão (FOUCAULT, 1978; MONTEIRO, 2011; MALA-
MUT, 2011). Assim, o autor discorre sobre a passagem da loucura enquanto processo
social para tornar-se um problema de cunho patológico. Desse modo, até meados do
século XVII, tolerava-se que a loucura circulasse livremente nos espaços urbanos.
O tema da loucura era de domínio público, sendo discutido em expressões artísticas,
como no teatro. Ao longo do tempo, a loucura passou a ser enclausurada, primeira-
mente em leprosários, onde pôde compartilhar com aqueles que padeciam da lepra e
de doenças venéreas, a mesma exclusão social (FOUCAULT, 1978; BATISTA, 2014).
Já Goffman (1974) vem discutir em sua obra os modelos institucionais que abri-
gavam sujeitos marginalizados da sociedade. O autor chama de instituições totais os
espaços fechados de residência institucional nos quais a vida de seus internos assume
caráter estritamente disciplinar. O autor distingue cinco modelos de instituição total:
1. Espaços de assistência a sujeitos incapazes e inofensivos, como os orfanatos; 2.
Espaços de assistência a sujeitos incapazes e ameaçadores, mesmo que de modo não
282

intencional, como os manicômios; 3. Espaços de reclusão para proteger a sociedade


de sujeitos perigosos, como os presídios; 4. Instituições voltadas à instrução de regras,
como escolas; 5. Espaços de refúgio espiritual, como os conventos. Percebe-se, por-
tanto, que Goffman (1974) aproxima a prática de instituições que, apesar de exercerem
funções distintas, utilizam-se do mesmo modelo de disciplinarização. Desse modo,
nota-se que manicômios, prisões, orfanatos e conventos são instituições totais, todos
atuando pelo controle social através da exclusão e docilização dos corpos.
Outro dispositivo de controle dos corpos que atua enquanto instituição bio-
política é a medicina. Foucault (2012), ao estudar sobre o nascimento da medicina
social, aponta três importantes momentos de transformação da medicina: a norma-

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lização de práticas e saberes médicos, a normalização dos espaços urbanos com o
reordenamento de locais potencialmente disseminadores de pestes e a valorização
do corpo pelo mercantilismo de modo a torná-los cada vez mais produtivos. Desse
modo, a medicina social que emerge na Europa do séc. XVIII tem estreita relação
com práticas de normalização e demonstra, por conseguinte, como a medicina vem
atuando enquanto dispositivo biopolítico.
O saber e a prática psiquiátrica também atuam como dispositivos biopolíticos,
visto que as instituições psiquiátricas, assim como os hospitais, não atuavam com
função terapêutica até a Idade Média (AMARANTE, 2013; FOUCAULT, 2012).
Muito pelo contrário, eram espaços destinados ao enclausuramento de quaisquer
sujeitos que representassem uma possível ameaça à sociedade independentemente
de serem considerados loucos. É pelo viés da periculosidade da loucura que Castel
(1978) aborda este tema. Para este autor, a figura do louco o aproximava de duas
outras figuras sociais: a do criminoso e a da criança. Sua aproximação com o cri-
minoso se dava pela periculosidade. Divergia-se deste pela possibilidade não de
transgredir uma lei específica, tal qual o criminoso, mas de transgredi-las todas.
Aproximava-se da criança pela irresponsabilidade, pela desrazão. A figura do louco
despertava, assim, sentimentos de medo uma vez que além de perigoso, ele seria
irresponsável. Por ambas as características, ao louco a intervenção deveria dar-se
pela punição e tutela. Sob esta concepção, punição e tratamento tornaram-se pilares
das intervenções psiquiátricas de modo que punições acabaram tornando-se também
métodos de tratamento (AMARANTE, 2013; CASTEL, 1978; GOFFMAN, 1974).
Outros métodos de tratamento psiquiátrico iniciados neste período foram o isolamento
e a submissão, os quais teriam a função de resgate da razão (CASTEL, 1978).
No Brasil, a partir do início do século XIX, os ditos loucos passaram a ser
internados em Santas Casas (BATISTA, 2014) cuja intervenção se dava pelo abrigo
e não se restringia aos ditos alienados. É somente em 1852 que a loucura se desloca
do discurso religioso para passar a ser oficialmente visualizada sob o viés do discurso
médico-psiquiátrico com a inauguração do Hospício de Alienados Pedro II, fruto de
discussões políticas, médicas e religiosas (MONTEIRO, 2011; MACHADO et al.,
1978; ODA; DALGALARRONDO, 2005).
No Pará, por exemplo, intervenções institucionais de cunho religioso aos alie-
nados iniciaram 1865 e, em 1873, passaram a assumir um caráter mais científico
com o início do funcionamento do Hospício de Alienados de Tucunduba. No entanto,
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 283

longe de intervir por métodos que visassem o tratamento da loucura, além da exclu-
são social, este hospício atuava enquanto depósito desumanizado de sujeitos inde-
sejados (MOREIRA, 1905 apud ODA; DALGALARRONDO, 2005). Em Belém,
foi inaugurado o Hospício para Alienados Juliano Moreira em 1892, nos limites da
cidade (NASCIMENTO, 2014), com interesses baseados na eugenia (MONTEIRO,
2011). Desse modo, o que fosse considerado “feio” deveria ser afastado do olhar. Aos
loucos, o limite da cidade. No que se refere às práticas institucionais de tratamento
psiquiátrico no estado do Pará, em consonância com as discussões da área ocorridas
na Europa, entendia-se a loucura como perigosa à sociedade. Assim, intervenções
pautadas em violações de direitos humanos eram legitimadas, uma vez que “loucos”
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não eram considerados seres racionais (MACHADO et al., 1978).


Desse modo, conforme elencado anteriormente, destaca-se que práticas de inter-
venção à loucura baseadas na tortura e no isolamento social não foram exclusividade
paraense. Há, no Brasil, do final do século XIX ao longo do século XX, diversos
outros exemplos de violações de direitos humanos no contexto manicomial. Em
artigo publicado na Revista Construção, a doutora em Saúde Pública, Maria Isabel
Sanches Costa (2018) afirma:

Podemos citar ao menos três grandes hospitais em que houve denúncias gra-
víssimas de violação de direitos humanos: Hospital Vera Cruz (Sorocaba-SP),
Hospital do Juquery (Franco da Rocha-SP) e Hospital Colônia de Barbacena
(Barbacena-MG). Foram identificadas mortes causadas por maus tratos, fome,
frio, violência e doenças, bem como superlotação, ausência de documentos e
prontuários desatualizados ou perdidos.

No Brasil, portanto, verifica-se que os rumos da psiquiatria acompanharam as


tendências mundiais “tendo a psiquiatria brasileira, uma história pautada sobre a
prática asilar e medicalização do social” (ALVES et al., 2009, p. 91).
Para adentrar brevemente na Reforma Psiquiátrica, basearemos a discussão nos
estudos de Paulo Amarante (2013), que a considera enquanto “um processo histórico
de formulação crítica e prática que tem como objetivos e estratégias o questionamento
e elaboração de propostas de transformação do modelo clássico e do paradigma da
psiquiatria” (p. 87).
Assim, por volta da década de 1950, o cenário da assistência psiquiátrica no
Brasil era de hospitais psiquiátricos superlotados, com quadro de funcionários defa-
sado e espaço físico em condições degradantes (DEVERA; COSTA-ROSA, 2007). Ao
longo das duas décadas seguintes, aponta-se para um aprofundamento da precariedade
dessas instituições até culminar no que se chamou de Crise da DINSAM (Divisão
Nacional de Saúde Mental), que se refere à deflagração da greve entre os profissio-
nais de quatro unidades da DINSAM em 1978. O movimento de greve denunciava
o contexto de extrema precariedade de trabalho, incluindo denúncias de “agressão,
estupro, trabalho escravo e mortes não esclarecidas” (AMARANTE, 2013, p. 52).
Paulo Amarante (2013) compreende, portanto, que o início do movimento da
Reforma Psiquiátrica no Brasil tem seu marco em 1978, uma vez que foi a partir da
284

crise da DINSAM que se seguiram outros episódios que vieram dar visibilidade e
mobilizar cada vez mais setores de trabalhadores da saúde mental, estudiosos, usuá-
rios dos serviços, seus familiares, incluindo o debate na imprensa. Destaca-se neste
cenário a atuação de Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental (MTSM), que:

Procurando entender a função social da psiquiatria e suas instituições, para além


de seu papel explicitamente médico-terapêutico, o MTSM constrói um pensa-
mento crítico no campo da saúde mental que permite visualizar uma possibilidade
de inversão deste modelo a partir do conceito de desinstitucionalização (AMA-
RANTE, 1995, p. 492).

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Destarte, o objetivo que se pretende neste ponto da discussão é o de contex-
tualizar o período histórico social de emergência desse movimento, evidenciando a
participação popular e trabalhista enquanto atores ativos no processo de formulação
das políticas públicas em saúde mental.
Quatro décadas depois dos acontecimentos que desencadearam e produziram
o que conhecemos hoje como Política Nacional de Saúde Mental, há sistemáticos
e recorrentes ataques ocorridos mais recentemente com a Resolução nº 32/2017
da Comissão Intergestores Tripartite, a Portaria nº 3588/2017 do Ministério da
Saúde, a Resolução nº 01/2018 do Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas
(CONAD), a Nota Técnica nº 11/2019 da Coordenação-Geral de Saúde Mental,
Álcool e Outras Drogas, vinculada ao Ministério da Saúde, o Decreto nº 9761/2019 e
a Lei nº 13.840/2019. Dentre as diversas mudanças propostas para a Rede de Atenção
Psicossocial (RAPS) estão a reinserção de serviços que seguem a lógica manicomial
(Unidades Ambulatoriais Especializadas, Hospitais-Dia e Hospitais Psiquiátricos), o
anúncio de financiamento público para a compra de aparelhos de eletroconvulsotera-
pia (ECT), cuja prática foi usada indiscriminadamente nos longos anos de domínio
dos manicômios no Brasil (CRPRJ, 2019), sendo atualmente defendida por alguns
pesquisadores em condições excepcionais devidos a seus efeitos colaterais e que pode
voltar a “ser feito de maneira muito voluntariosa e pouco controlada, sendo utilizado
como forma de punição” (AMARANTE, 2019). As medidas defendem, ainda, a
internação compulsória, inclusive de crianças e adolescentes, violando seus direitos
assegurados por meio do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), defendem o
modelo de abstinência no tratamento do uso abusivo de álcool e outras drogas em
detrimento à Política de Redução de Danos, assim como avançam no financiamento
público de Comunidades Terapêuticas que além das denúncias de práticas de violação
de direitos humanos (CFP, 2018; GALINDO; MOURA; PIMENTÉL-MÉLLO, 2017),
funcionam com ênfase na internação, “sob a lógica do isolamento e ferindo a laicidade
das ações em saúde por serem, via de regra, de cunho religioso” (GUEDES, 2018).
Pode-se afirmar que estes dispositivos são “uma bomba sobre uma política que
vem sendo construída há quase 40 anos” (AMARANTE, 2019), alterando significati-
vamente a RAPS, configurando um importante retrocesso para a Reforma Psiquiátrica
Brasileira, articulando-se com o desmonte do Sistema Único de Saúde (SUS).
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 285

Faz-se importante pontuar que as políticas de desmonte do SUS têm caráter de


políticas de extermínio (ALMEIDA, 2020), de exclusão e violência, uma vez que
“as populações negra, pobre, LGBTQI+, indígena, jovem, favelada, periférica e em
situação de rua são as mais atingidas e impactadas pelos ataques [destas] políticas
conservadoras” (BRASIL DE FATO, 2019). Estas populações têm sido historicamente
marginalizadas, invisibilizadas e desumanizadas por meio de discursos que legitimam
práticas de violência e genocídio de cada um de seus corpos e, reiteradamente, operam
no silenciamento de suas histórias, sejam as pessoais ou as oficializadas.
Considerando que um discurso legitimador parte da perspectiva da história
contada somente pelo opressor, e que não ocorre por descuido, mas intencionalmente
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(GONÇALVES, 2019), podemos entender que;

É impossível falar sobre a história única sem falar do poder. Há uma palavra,
uma palavra malvada, em que penso, sempre que penso na estrutura do poder no
mundo. É “nkali”. É um substantivo que se pode traduzir por “ser maior do que
outro”. Tal como os nossos mundos econômico e político, as histórias também se
definem pelo princípio do “nkali”. Como são contadas, quem as conta, quando são
contadas, quantas histórias são contadas, estão realmente dependentes do poder
(ADICHIE apud GONÇALVES, 2019, p. 47).

Partindo dos estudos de Michel Foucault (2012) sobre as relações de poder,


entendemos que onde há exercício de poder, há resistência. Desse modo, as reflexões
aqui dispostas se propõem a atuarem enquanto força de resistência, buscando fomen-
tar a mobilização dos atores sociais que ensejam por uma política de saúde mental
acessível, não medicalizada, inclusiva e que reconheça a complexidade humana.
Paulo Freire (2014) ao debater sobre a relação entre opressores-oprimidos, aborda
a questão da liberdade enfatizando que esta se dá por meio da busca e da conquista,
não como algo que foi concedido por alguém. De modo que, “ninguém tem liberdade
para ser livre: pelo contrário, luta por ela precisamente porque não a tem” (p. 46).
Esta luta não deve se reduzir a meras palavras intelectuais, tampouco defender a ação
vazia de reflexão. Assim, o autor defende que a ação esteja engajada em reflexão e
que a reflexão conduza à prática. Freire defende que a luta pela humanização só é
possível meio da coletividade, enfatizando que “ninguém se liberta sozinho” (p. 74).
Nesse sentido, podemos reconhecer que desde que se propôs uma reforma
psiquiátrica com viés humanitário – a qual buscou reconhecer o louco enquanto um
sujeito de direitos – até os dias atuais, o campo de políticas públicas em saúde mental
no Brasil permanece sendo um território em disputa. Atualmente, nota-se o contumaz
avanço das redes de Comunidades Terapêuticas financiadas com recursos que deve-
riam estar fortalecendo a Rede de Atenção Psicossocial. O discurso da medicalização
segue avançando na reformulação das políticas de saúde mental, com largo apoio das
forças dos grandes empreendimentos psicofarmacológicos e discursos psiquiátricos
organicistas. Não negando a complexidade do debate, o que podemos dizer é que,
para resumir, a disputa política dá-se entre aqueles que visam transformar as políti-
cas de saúde mental em um grande negócio rentável versus aqueles que propõem a
entendê-la enquanto um direito social.
286

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EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 289

119 f. Dissertação (Mestrado em Psicologia) – Universidade Federal do Pará, Insti-


tuto de Filosofia e Ciências Humanas, Programa de Pós-Graduação em Psicologia.
Belém, 2011.

NASCIMENTO, S. B. Biopolíticas de saúde mental, poder disciplinar psiquiátrico


e modos de subjetivação de professoras primárias internadas como loucas. 2014.
217 f. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Federal do Pará, Instituto de
Ciências da Educação, Programa de Pós-Graduação em Educação, Belém, 2014.

ODA, A. M. G. R.; DALGALARRONDO, P. História das primeiras instituições para


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alienados no Brasil. História, Ciências, Saúde, Manguinhos, v. 12, n. 3, p. 983-1010,


set./dez. 2005. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/hcsm/v12n3/19.pdf. Acesso
em: 19 out. 2020.
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A IMPORTÂNCIA DA
EDUCAÇÃO SEXUAL NA
PREVENÇÃO DA VIOLÊNCIA:
o discurso sobre a sexualidade e as
contribuições da Psicologia Escolar
para as políticas públicas1
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Thais Souza Bellucci


Marilene Proença Rebello de Souza

Introdução
A violência sexual é um problema que aflige a sociedade e a cultura brasilei-
ras, além de inúmeras outras agressões propagadas relacionadas a ela, tais como de
gênero, classe, raça e contra a população LGBTQIA+. Nesse contexto, é necessário
averiguar o desamparo de dois grandes grupos que permaneceram sem direitos até
1988, o que intensificou seu estado de vulnerabilidade social: crianças e adolescentes.
De acordo com o Boletim Epidemiológico (2018), entre 2011 e 2017, foram
notificados no Sinan (Sistema de Informação de Agravos de Notificação) 184.524
casos de violência sexual no Brasil: 58.037 (31,5%) contra crianças e 83.068 (45,0%)
contra adolescentes. No caso de crianças, 74,2% das vítimas eram do sexo feminino e
45,5% eram negras (de 86% como total, pois em 14% este dado foi ignorado); 69,2%
das violências ocorreram na residência; em 81,6% o agressor era do sexo masculino
e em apenas 6,5% era desconhecido (destaca-se que em 37% era familiar). Já no caso
de adolescentes, 92,4% das vítimas eram do sexo feminino e 55,5% eram negras (de
89,9% como total, pois em 10,1% este dado foi ignorado); 58,2% das violências ocor-
reram na residência; em 92,4% o agressor era do sexo masculino e em apenas 21,8%
era desconhecido (destaca-se que em 38,4% havia vínculo intrafamiliar – familiares
e parceiros íntimos). É importante ressaltar outro trecho deste documento: “apesar
do elevado número de casos de violência sexual registrados no Sinan, estima-se que
haja subnotificação”. Em resumo, há uma concentração de 76,5% dos casos notifica-
dos nesses dois cursos de vida, com maior incidência na região Sudeste, e em maior
frequência ocorridos na residência da vítima e cometidos por agressores conhecidos.

1 Pesquisa de Iniciação Científica apresentada ao curso de Graduação em Psicologia do Instituto de Psicologia


da Universidade de São Paulo – CNPq. A Pró-Reitoria de pesquisa da Universidade de São Paulo atribuiu
Menção Honrosa a Thais Souza Bellucci pela apresentação deste trabalho na área de Ciências Humanas na
Etapa Internacional do 30º Simpósio Internacional de Iniciação Científica e Tecnológica da USP – SIICUSP,
sob a orientação de Marilene Proença Rebello de Souza, em 2022.
292

Estes dados mostram a emergência dessa urgente questão social, e eviden-


ciam a necessidade da construção de uma efetiva educação sexual. Segundo Maia
et al. (2012):

Uma educação sexual ética e comprometida com a emancipação dos indivíduos


deve questionar e debater os padrões de normalidade transmitidos entre as gera-
ções e que contribuem para a naturalização de comportamentos sexuais. É preciso
ressaltar que a sexualidade é uma construção social e, como tal, impõe certos
padrões de como devemos nos comportar. Exemplos dessa naturalização estão nos
padrões de beleza tidos como normais, que envolvem características físicas como
cor da pele, do cabelo, altura e principalmente massa corporal. Outro exemplo,

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segundo Louro (1998), são os padrões heteronormativos que colocam a diversi-
dade sexual como um “desvio”, estimulando a discriminação entre os jovens na
escola – algo bastante comum hoje em dia. Essa imposição de padrões acaba por
ser algo repressivo na medida em que coloca como regra certos comportamentos
em detrimento de outros (CHAUÍ, 1985).

Para Da Silva (2001), a educação sexual é essencial para superar a “reprodução


dos estereótipos e preconceitos de classe, de identidade política e de definição cul-
tural dos papéis sexuais”. Para Carvalho (2021), trata-se do “ensino de conceitos de
autoproteção, consentimento, integridade corporal, sentimentos e a diferença entre
toques agradáveis/bem-vindos e toques que são invasivos/desconfortáveis”.
Para compreender a forma como a educação sexual é feita atualmente, é neces-
sário examinar como ela é veiculada, que sentidos e significados a temática assume
na vida das pessoas em uma determinada cultura, e as formas como a transmissão
da concepção de sexualidade se efetua em uma sociedade de classes, marcada pela
desigualdade racial, socioeconômica, cultural e de gênero. Dessa forma, é funda-
mental compreender os discursos que atravessam a existência do sujeito desde o seu
nascimento, os quais designam sentido a tudo e constituem a sua subjetividade, tal
como propõe a semiótica.
Segundo Vygotsky (2001), o pensamento se realiza por meio da palavra, que
é o microcosmo da consciência humana, ou seja, o pensamento é determinado pela
linguagem. Ele considera que “para entender o discurso do outro, nunca é neces-
sário entender apenas umas palavras; precisamos entender o seu pensamento. Mas
é incompleta a compreensão do pensamento do interlocutor sem a compreensão
do motivo que o levou a emiti-lo”. Nesse sentido, para Foucault (SILVA, 2001), a
linguagem é marcada por relações de poder e de normatização que caracterizam o
discurso sobre sexualidade e sexo:

[...] o domínio do sexo produz a obediência. A obediência é condição fun-


damental para a manutenção do estado social do poder. [...] A sexualidade
enquanto dispositivo, na concepção de Foucault, não tem como razão o repro-
duzir, mas proliferar as formas de controlar as populações, inovando, ane-
xando, inventando e reinventando modos cada vez mais eficazes de controle
global das sociedades.
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 293

Há, pois, estratégias na construção dos discursos e na injeção de sen-


tido no mundo, por exemplo, a regulação da normatividade sexual, reprodutiva
e heteronormativa.
Ao se considerar esse contexto, sob a perspectiva de Vygotsky, o desenvolvi-
mento do psiquismo humano é sempre modelado e mediado pelo grupo cultural, o que
faz com que o processo educacional seja colocado em pauta: é a partir da mediação
de indivíduos que a criança pode internalizar as experiências culturais e reconstruir
sua ação por meio da organização dos seus próprios processos mentais. A ênfase no
outro como mediador torna evidente a relevância do professor, da escola e das trocas
efetivas entre as crianças como ferramentas fundamentais para o desenvolvimento
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humano e para a apropriação teórica, por meio de uma ação partilhada que estabelece
as relações entre sujeito e conhecimento. Além disso, o indivíduo não só internaliza
as formas culturais, como também as transforma; logo ele não é um mero produto do
contexto social, mas sim um sujeito ativo que pode intervir na criação do meio em
que vive (REGO, 1998). Nessa interação, a educação pode atuar como um caminho
de reflexão e reconstrução de normas socioculturais que causam dor e sofrimento
para grupos socialmente vulneráveis.
Este estudo visa, portanto, a identificar e a analisar leis e documentos que se
referem à cidadania e à sexualidade, a partir de 1988, nos quais as políticas públicas
para crianças e adolescentes se alicerçam, com foco na prevenção à violência sexual
e nos grupos socialmente mais afetados, com uma análise de gênero, de classe, de
raça e da população LGBTQIA+. Apresenta como objetivos específicos: a) identificar
e analisar documentos federais que apresentam diretrizes e orientações relativas à
cidadania e à educação sexual; b) identificar e analisar documentos municipais da
Secretaria Municipal de Educação de São Paulo (SME SP) que se referem a essa
temática; c) produzir banco de dados. Busca-se, pois, conhecer o lugar social e ins-
titucional em que se situa a educação sexual, e apontar lacunas e necessidades que
a trajetória dessa temática na cultura brasileira e paulistana revela, com a produção
de contribuições para as futuras gestões políticas brasileiras, com base na análise
das anteriores, a fim de combater a violência sexual e as demais associadas a ela.

Método de pesquisa
Trata-se de pesquisa documental por meio de revisão bibliográfica (BOGDAN;
BIKLEN, 1994) dos documentos nos quais se alicerçam as políticas públicas do
país e do município de São Paulo voltadas para o tema da educação sexual. Por ser
um problema estrutural, tem-se como hipótese que o discurso utilizado nessa for-
mação (ou ausência dela) é uma forma de controle e de manutenção da opressão de
determinados grupos, porque fundamenta a construção psíquica de crenças e valores
sobre sexualidade.
No âmbito da esfera nacional, este trabalho objetiva identificar e analisar como
a educação sexual aparece nas leis e nos marcos legais, representados pela Constitui-
ção Federal de 1988, pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (1996),
294

pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (1990), pela Declaração Universal dos


Direitos Humanos (1948), pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (1997), pelo
Plano Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes
(2013) e pela Resolução do Conselho Federal de Psicologia CFP nº 001/99. Esses
documentos nacionais foram escolhidos por serem base para as demais legislações,
e analisados, ou na própria fonte, ou por trabalhos anteriores.
No âmbito da esfera municipal, este estudo almeja identificar como o tema da
educação sexual se fez presente nas gestões do Município de São Paulo a partir de
1988. Considera-se importante esse levantamento, porque essa cidade, por sua comple-
xidade e dimensão, apresenta-se como um território em que propostas inovadoras no

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campo da educação e das políticas públicas são frequentes e, inclusive, difundidas em
outros municípios e estados brasileiros. Nesta pesquisa, realizou-se um levantamento
dos documentos produzidos pela Secretaria de Educação do Município de São Paulo
que tratam da temática da educação sexual, nas gestões das prefeituras geridas por:
Luiza Erundina (1989-1992), Paulo Maluf (1993-1996), Celso Pitta (1997-2000),
Marta Suplicy (2001-2004), José Serra (2005-2006), Gilberto Kassab (2006-2012),
Fernando Haddad (2013-2016), João Dória (2017-2018), Bruno Covas (2018-2021) e
Ricardo Nunes (2021-2022). Os documentos foram selecionados de acordo com pala-
vras-chave: sex, travesti, dst, aids, hiv, mulher, violência, gênero, igualdade e femin.
A base de dados identificada foi a Biblioteca Memória Documental (MD) da
SME SP: no Arquivo Digital (que foram solicitados na íntegra à MD) e no Centro
de Documentação (CEDOC e Acervo Digital). O primeiro contém aproximadamente
4.500 documentos técnicos e pedagógicos, que possibilitam um registro da história
da Educação da Cidade de São Paulo desde a década de 1930 até 2019, com um
catálogo para escolha de documentos pelo pesquisador, enviados mediante solicitação
à MD – esse catálogo (um documento no formato pdf com 1.428 páginas) por si só
já é bastante rico, pelo fato de apresentar: título, código, ano, sinopse e observação,
com um breve e detalhado resumo sobre o que compõe o documento. No CEDOC,
também chamado de Acervo Digital, há arquivos digitais para download produzidos a
partir de 2001: foram abertos mais de 580 documentos, com publicações de diversos
locais (Secretaria Municipal de Educação, Coordenadorias, Núcleos e Divisões, Dire-
torias Regionais, e Conselhos). Em sua página inicial, o site aponta outros locais que
visam à transparência da prefeitura no que se refere à educação, tais como: Portal da
Transparência, Portal de Dados Abertos, Pátio Digital, Portal da Legislação, Prestação
de Contas Públicas, Portal Planeja Sampa, Serviço de Informação ao Cidadão etc.,
ambientes que podem ser usados como base de dados para buscas futuras.
Em seguida, esses documentos foram analisados quantitativamente com base
em: gestão política; tema transversal ou focal; quando focal, identificação de tema
principal; e tipos de documentos. Para acessar a gestão, usou-se como base o ano de
publicação. Para definir se o tema era transversal ou focal, buscaram-se as palavras-
-chave nos documentos: no Arquivo Digital, isso foi feito no catálogo, que continha
um breve resumo do documento; no CEDOC e no Acervo Digital, foi preciso reabrir
cada documentação selecionada para verificar se era tema do documento ou apenas
citação; em ambos os locais, também foi considerado o título do documento. Para
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
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identificar o tema principal dos documentos focais, foi feita uma leitura dinâmica nas
partes em que apareciam as palavras-chave. Para identificar o tipo de documento, ou
foi analisado o título, ou a estrutura e a finalidade do arquivo.
Ao longo do processo, foi construído um Banco de Dados com essa documen-
tação sobre o tema no âmbito das políticas públicas, que contribuirá com o Portal
de Orientação à Queixa Escolar do Instituto de Psicologia da USP para acesso e
pesquisas futuras. Os documentos do acervo do Arquivo Digital estão organizados
em: palavra-chave, título, código, ano, sinopse, observação e prefeito do período; os
do CEDOC e do Acervo Digital em: palavra-chave, título, tema ou citação, subpasta,
ano e gestão municipal.
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Resultados

Documentos nacionais

Há extensa base legal nacional para subsidiar políticas públicas sobre o tema, e a
primeira década dos anos 2000 foi a de maior efervescência nessa produção, principal-
mente com a criação do “Plano Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual Contra
Crianças e Adolescentes” (PNEVSCA). Este documento foi usado como base nesta
análise, já que, além de ser o documento nacional mais direcionado a essa temática,
contém um histórico do tema e seus marcos normativos, nacionais e internacionais.
Com isso, foi possível investigar de forma mais diretiva diretrizes e orientações relativas
à cidadania e à educação sexual nos documentos nacionais. Neste Plano, a violência
sexual (abuso e exploração) é expressa como “todo ato, de qualquer natureza, atentatório
ao direito humano e ao desenvolvimento sexual da criança e do adolescente, praticado
por agente em situação de poder e de desenvolvimento sexual desigual em relação a
criança e adolescente vítimas”.
Em um contexto internacional, é relevante apontar dois documentos: Declara-
ção Universal dos Direitos Humanos (1948) e Declaração Universal dos Direitos da
Criança (1959). Com a primeira, houve uma universalização de direitos a todos os
seres humanos; com a segunda, houve uma enfatização desses direitos às crianças.
A partir da Constituição Federal de 1988 (CF/88), foram estabelecidos “princí-
pios da proteção integral dos direitos da criança e do adolescente”, com destaque ao
enfrentamento da violência sexual no art. 227: “A lei punirá severamente o abuso,
a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente”. Segundo o Plano,
antes disso, a violência sexual contra crianças e adolescentes “se configurava como
uma violência velada, pouco discutida e pouco assumida pelas políticas públicas”.

A CF/88 foi um marco, na medida em que provocou uma substancial mudança no


campo dos direitos humanos de crianças e adolescentes. A visão da “criança-ob-
jeto”, da “criança menor”, ou seja, a visão higienista e correcional é substituída
pela visão da criança como sujeito de direitos (PNEVSCA, 2013, p. 7).
296

Com o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, em 1990, foi possível afirmar


a universalidade dos direitos da criança, independentemente de estar em situação irregular
(público desprovido da tutela dos pais, logo sob tutela do Estado) ou não, o que promo-
veu a proteção integral a todas crianças e adolescentes brasileiros, reconhecidos então
como sujeitos de direito. Neste marco legal, há também, de forma explícita, a questão
da violência sexual, dividida em abuso sexual, exploração sexual comercial e tráfico
de pessoas com o fim de exploração sexual. Conforme analisa o PNEVSCA (2013):

A partir do ECA, foi implementado um sistema de justiça e de segurança específico


para crianças e adolescentes, com a criação de Juizados da Infância e Juventude,
bem como Núcleos Especializados no Ministério Público e Defensoria, além de

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delegacias especializadas, tanto para atendimento de crianças e adolescentes víti-
mas, quanto autores da violência. As delegacias especializadas foram determinan-
tes no processo de visibilidade da violência sexual contra crianças e adolescentes
(PNEVSCA, 2013, p. 7).

Com esses dispositivos, foram garantidos os direitos da criança e do adolescente


à vida, ao desenvolvimento, à proteção e à participação. Em 2000, o Conselho Nacio-
nal dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda, criado em 1991) aprova o
“Plano Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual Infantojuvenil”, e o “Comitê
Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes”
deve garantir, articular e monitorar sua implementação. Em 2003, no governo de
Luís Inácio Lula da Silva, é criada a “Comissão Intersetorial de Enfrentamento da
Violência sexual contra Crianças e Adolescentes”. Com esse Plano:

[...] o País vivencia uma série de avanços importantes na área do reconheci-


mento e enfrentamento da violência sexual contra crianças e adolescentes. Esse
instrumento tornou-se referência e ofereceu uma síntese metodológica para a
estruturação de políticas, programas e serviços para o enfrentamento à violência
sexual (PNEVSCA, 2013, p. 3).

Este Plano, extremamente relevante, propõe uma compilação de políticas, pro-


gramas e serviços a partir de seis eixos: Análise da Situação (estudar e pesquisar o
fenômeno da violência); Mobilização e Articulação (nacionais e regionais, com redes,
fóruns etc.); Defesa e Responsabilização (legislação, punição, serviços de notificação);
Atendimento (especializado e em rede); Prevenção (educação, sensibilização e autode-
fesa); e Protagonismo Infantojuvenil (com “participação ativa de crianças e adolescentes
pela defesa de seus direitos e na execução de políticas de proteção de seus direitos”).
Entre 2003 e 2004, foi efetuado um Relatório do Monitoramento deste Plano,
com o início de um processo de revisão deste documento. Em 2010, houve a produção
do Plano Decenal de Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes, um instrumento
proposto para nortear essas políticas de proteção, que englobou a versão atual do
PNEVSCA (2013). Um dos grandes focos da revisão foi o monitoramento e a ava-
liação, por meio da construção de indicadores – para propiciar melhor compreensão
do problema e, assim, orientação precisa das políticas públicas, a fim de reafirmar
a defesa dos direitos de crianças e adolescentes, especialmente dos que estão “em
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
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situação de ameaça ou violação ao direito fundamental de desenvolvimento de uma


sexualidade segura e saudável”. Eles estão divididos em eixos:

a) Prevenção, no qual vale ressaltar “o fortalecimento da rede familiar e


comunitária e a inserção das escolas em ações de prevenção”;
b) Atenção, que propõe a articulação de ações, instituições e políticas públicas
para combater o contexto multidimensional da violência sexual (interven-
ção em rede);
c) Defesa e Responsabilização, que trata de fiscalizar, investigar e respon-
sabilizar, por meio de dados do Sistema de Informações para a Infância
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e a Adolescência (Sipia) e do Disque Direitos Humanos (Disque 100);


d) Comunicação e Mobilização Social;

Embora caiba ao município a responsabilidade pela concretização da política


de atendimento à infância e à juventude, o poder público geralmente não tem
condições nem recursos suficientes para arcar sozinho com essa tarefa. Faz-se
necessário, pois, realizar amplo debate público de modo a mobilizar e envolver
todos os segmentos da sociedade na formulação, execução e avaliação de um
plano municipal de ação para o enfrentamento ao abuso e à exploração sexual
comercial de crianças e adolescentes (PNEVSCA, 2013, p. 25).

e) Participação e Protagonismo (de crianças e adolescentes);


f) Estudos e Pesquisas.

Além da DUDH, da CF/88, do ECA e do PNEVSCA, é ainda fundamental


tratar sobre a Lei de Diretrizes e Bases da Educação atual (LDB) e sobre os Parâ-
metros Curriculares Nacionais (PCN) de Orientação Sexual. Segundo Lima (2012),
a primeira garante em seu art. 2º que “a educação, dever da família e do Estado,
inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem
por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício
da cidadania”, assim como, no art. 3º, que a base deste ensino deverá ser “respeito
à liberdade e apreço à tolerância”. Já quanto ao PCN, as questões relacionadas à
sexualidade são trazidas de forma explícita – “Orientação Sexual” –, como um tema
que pode ser trabalhado por todas as áreas do conhecimento, de forma transversal.
Nele, há três eixos de discussão: corpo humano e sexualidade; relações de gênero;
DST/Aids. Entretanto, este PCN aponta que determinadas temáticas “extrapolam a
possibilidade da transversalização pelas disciplinas e demandam espaço próprio para
serem refletidas e discutidas”, entre elas a violência sexual.
Por fim, é interessante destacar também a Resolução do Conselho Federal de
Psicologia CFP nº 001/99 de 22 de março de 1999 (CFP 001/99), que “estabelece
normas de atuação para os psicólogos em relação à questão da Orientação Sexual”.
Ela destaca que o psicólogo é um profissional da saúde, que convive com questões
de sexualidade, tema que configura a identidade do sujeito; além disso, relembra que
a homossexualidade “não constitui doença, nem distúrbio, nem perversão” e que a
sociedade sofre uma inquietude em relação a “práticas sexuais desviantes da norma
298

estabelecida sócio-culturalmente”; ademais aponta o dever de contribuição da Psicologia


para o esclarecimento dessas questões, a fim de superar preconceitos e discriminações.
Como consequência, determina artigos que abordam: os princípios éticos do psicólogo,
com objetivo de não discriminar e de promover bem-estar; os conhecimentos da área que
promoverão o combate ao preconceito, à discriminação e à estigmatização; a proibição
de atividades que proponham a patologização de comportamentos homoeróticos, com
tratamento e cura; a proibição de pronunciamentos públicos que reforcem preconceitos
que relacionem homossexuais como portadores de desordens psíquicas.

Documentos municipais

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Assim como no caso da documentação nacional, foi possível encontrar uma
vasta quantidade de documentação municipal que trata do tema da educação sexual.
Foram encontrados 269 documentos (125 no Arquivo Digital e 144 no CEDOC e no
Acervo Digital) em que aparece o tema da educação sexual de forma geral. Dentre
eles, 62 são específicos sobre os temas: a) DST, AIDS e gravidez; b) sexualidade;
c) gênero, diversidade e discriminação; d) violência. No caso da última temática,
apenas dois possuíam foco específico em violência sexual, ambos denominados da
mesma forma, “Guia de Referência: Construindo uma Cultura Escolar de Prevenção
à Violência Sexual”, e produzidos em gestões do mesmo prefeito – Gilberto Kassab.
As modalidades destes documentos são: a) relatórios; b) cadernos e livros;
c) encontros e reuniões; d) documentos de formação, orientação e capacitação, e
guias, cartilhas, currículos e cursos; e) projetos. Entre os outros 207 documentos
(transversais), há: a) materiais de disciplinas específicas (língua portuguesa, mate-
mática, ciências naturais, história, geografia, arte e educação física); b) orientações
(curriculares, didáticas e outras) e referenciais; c) relatórios; d) revistas; e) textos
legais; f) projetos e programas; g) cadernos e livros; h) propostas de formação; i)
conferências, congressos, encontros, mostras, seminários e fóruns; j) documentos
informativos e reflexivos, e subsídios.
É importante ressaltar que, dos 269 documentos, 12 foram produzidos antes de 1988
(sete entre os 62 focais). Dentre os 125 documentos do acervo do Arquivo Digital, dois
documentos não foram encontrados até o momento (*E3.6.1/105c e *A3.5.1/3). Além disso,
na diferenciação entre tema focal ou transversal, é possível que tenham sido encontrados
mais documentos no CEDOC e no Acervo Digital, porque a busca foi feita dentro de cada
documento, não apenas no resumo do catálogo, conforme se deu no Arquivo Digital.

Análise Quantitativa

Quantidade de documentos (269) por gestão: Erundina (9); Maluf (16); Pitta
(7); Marta (65); Serra (10); Kassab (66); Haddad (64); Dória (3); Covas (0); Ricardo
Nunes (16); Anterior à 1988 (13). De acordo com esses dados, é possível perceber
maior concentração de documentos nas gestões de Kassab, Marta e Haddad.
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
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Figura 1 – Gráfico da porcentagem da quantidade


geral de documentos por gestão
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Quantidade de documentos focais (62) por gestão: Erundina (3), Maluf (14),
Pitta (1), Marta (18), Kassab (5), Haddad (2), Nunes (11) e anterior à 1988 (8).
Conforme a figura abaixo, é possível perceber alguns contrastes: a gestão do Maluf
aparece com uma visão mais biológica da temática; a da Marta aponta uma discussão
mais ampla do assunto; a do Kassab é a única com documentos específicos sobre
violência sexual; e a do Nunes aponta grande quantidade de documentos de formação
em comparação com as demais, com diversidade de temas e maior ênfase em gênero,
diversidade e discriminação.

Figura 2 – Gráfico da quantidade de documentos


focais por gestão com destaque por tema

Tipos de documentos focais por gestão e tema:


300

a) Anterior a 1988 (8): 4 formações e 4 projetos (sexualidade);


b) Gestão Luiza Erundina (3): 3 projetos (sexualidade);
c) Gestão Paulo Maluf (15): 4 encontros (3 sexualidade e 1 gravidez); 7
cursos (4 sexualidade e 3 DST); 4 encontros (3 DST e 1 gravidez)
d) Gestão Celso Pitta (1): 1 formação (sexualidade);
e) Gestão Marta Suplicy (17): 3 cadernos, 2 formações e 1 encontro (gênero);
3 boletins (sexualidade); e 8 projetos (7 sexualidade e 1 violência);
f) Gestão Gilberto Kassab (5): 3 formações (1 sexualidade e 2 violência
sexual); 1 projeto (sexualidade); e 1 caderno (gênero);
g) Gestão Fernando Haddad (2): 2 cadernos (discriminação);

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h) Gestão Ricardo Nunes (11): 11 formações – gênero (3), diversidade (4),
sexualidade (1), violência (2) e gravidez (1).

Figura 3 – Gráfico dos tipos de documentos focais por quantidade

De acordo com o gráfico, é notável a maior prevalência de Documentos de


Formação, Orientação, Capacitação, Guias, Currículos e Cursos; e Projetos.

Tipos de documentos transversais:

a) Materiais de disciplinas específicas, tais como língua portuguesa, matemá-


tica, ciências naturais, história, geografia, arte e educação física (39) – José
Serra (1), Kassab (22), Haddad (15), anterior a 1988 (1);
b) Orientações curriculares (12), orientações didáticas (15), outros documen-
tos de orientação (13) e referenciais (5) – Pitta (1), Marta (6), José Serra
(2), Kassab (23), Haddad (13);
c) Relatórios (8) – Erundina (1), Pitta (1) e Marta (6);
d) Revistas (8) – Marta (7), anterior a 1988 (1);
e) Textos legais (10) – Kassab (4), Haddad (4), Dória (2);
f) Projetos e programas (14): Erundina (1), Pitta (1), Marta (3), José Serra
(4), Kassab (3), Haddad (1), Dória (1);
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g) Cadernos (22) e livros (10): Marta (6), José Serra (2), Kassab (3), Haddad
(20), anterior a 1988 (1);
h) Propostas de formação (5): Ricardo Nunes (5);
i) Conferências, congressos, encontros, mostras, seminários e fóruns (10):
Erundina (1), Maluf (1), Pitta (1), Marta (3), José Serra (1), Kassab (3);
j) Documentos informativos e reflexivos (29) e subsídios (7): Erundina
(3), Maluf (1), Pitta (2), Marta (16), Kassab (3), Haddad (9), anterior
a 1988 (2).

Figura 4 – Gráfico dos tipos de documentos transversais por quantidade


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Com essa figura, é possível perceber a maior prevalência de Orientações e Refe-


renciais; Materiais de Disciplinas Específicas; Documentos Informativos e Reflexivos,
e Subsídios; e Cadernos e Livros.

Considerações finais
Nacionalmente, há ampla base legal para subsidiar políticas públicas para o
enfrentamento da violência sexual contra crianças e adolescentes. Foi possível perce-
ber grande efervescência do tema na primeira década dos anos 2000, com a efetivação
de inúmeros mecanismos de proteção à criança e ao adolescente com direcionamento
para prevenção dessa violência, por exemplo: o Plano Nacional de Enfrentamento da
Violência Sexual Contra Crianças e Adolescentes, o Comitê Nacional de Enfrenta-
mento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes e a Comissão Intersetorial
de Enfrentamento da Violência sexual contra Crianças e Adolescentes.
No âmbito municipal, também há muitos documentos sobre a temática ampla,
no entanto apenas dois sobre violência sexual como uma questão trabalhada de forma
focal, o que pode contribuir para sua invisibilidade, com o não falado atuando na
naturalização do problema, no controle social e na manutenção de preconceitos,
desigualdades e violências. De toda forma, uma das grandes virtudes desta pesquisa
302

foi encontrar e sistematizar uma enorme diversidade de documentos, de diferentes


épocas e contextos, o que permitirá um amplo acesso e estudo dessa temática.
Como há uma limitação da base de dados, já que nela não constam todos os
documentos produzidos pelas gestões, não foi possível ainda estabelecer conclusões
sobre o engajamento de cada uma das gestões públicas municipais com relação à
temática da violência sexual. Foram mantidos no site da SME SP documentos-base
de apenas algumas gestões, o que pode mascarar os resultados. Essa fonte poderia ser
complementada, em estudos futuros, com entrevistas com aqueles que participaram
diretamente do governo dessas políticas. É importante salientar que uma grande quan-
tidade de documentos em determinadas gestões não significa necessariamente uma
efetiva educação sexual que promova a prevenção da violência sexual; considera-se

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que a concepção de sexualidade que deve ser apresentada nas políticas públicas é
fundamental para o enfrentamento de preconceitos, com a superação de visões sobre
desenvolvimento humano, identidade de gênero e orientação sexual que sejam biná-
rias, violentas, machistas, misóginas, sexistas e cisheteronormativas.
Como o número de documentos encontrados foi muito superior ao esperado, não
foi possível ainda investigar como se dá o discurso nessa formação. Portanto, na fase II
desta pesquisa, os documentos focais serão analisados para compreender sua qualidade
em proteção e liberdade. Serão buscados: o contexto (histórico, social, político e da
política de educação); os valores e as concepções de educação sexual, de sexualidade
e de desenvolvimento humano; as estratégias de implementação previstas; as propostas
de avaliação dos resultados; o alcance educacional das políticas; e os principais tópicos
presentes na justificativa das políticas relacionados a: violência sexual, questões de
gênero, de orientação sexual, de raça, de deficiência e de classe, e grupo LGBTQIA+.
É recomendável que, futuramente, seja feita uma análise também dos documentos
transversais para ampliar a compreensão deste ensino de forma indireta, já que eles
também atuarão na construção das questões relacionadas ao tema da sexualidade.
Por fim, é preciso investigar a dicotomia existente entre o avanço das leis e das
políticas públicas e a não concretização delas no meio escolar. Embora haja vários estudos
sobre o tema, o que comprova sua necessidade, e uma vasta legislação, com diversas
políticas públicas com orientações e estratégias para os educadores em uma perspectiva
interdisciplinar, Lima (2012) aponta que não é possível identificar um avanço nas dis-
cussões sobre essa temática nas escolas, tampouco “trabalhos efetivos, sistemáticos e
transversais relacionados à sexualidade”. Para ela, um prognóstico possível é o despreparo
dos profissionais da educação, “devido à educação antissexual e opressora que recebeu e a
inexistência de discussões sobre essa temática na sua formação inicial e continuada – e o
receio de estar intervindo em uma área de cunho privado”. Porém, há inúmeras situações
que ocorrem em sala de aula que necessitam dessas discussões, e assim são enraizadas
com naturalidade, de forma a excluir “a expressão das múltiplas identidades sociocultu-
rais, favorecendo para a desvalorização e a manutenção das desigualdades”. Segundo ela,
como os currículos expressam o poder hegemônico, é preciso fazer uma educação com
diversidade sociocultural, a fim de desconstruir o “caráter homogeneizador, fragmentador
e reducionista da prática escolar, favorecendo uma educação antidiscriminatória, portanto
libertadora ou emancipatória, nos parâmetros de Freire (2011)”.
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 303

De acordo com Furlanetto et al. (2018), embora haja base legal, em seu estudo
“nenhum trabalho encontrado apresentou ações de educação sexual que se aproxi-
massem do preconizado, principalmente no que diz respeito à transversalização nos
diversos níveis de ensino”. É apontado, ainda, que “a maioria das ações foram classi-
ficadas como projetos pontuais que não fazem parte de uma prática escolar contínua”,
seja pela falta de acesso aos documentos oficiais, seja pela falta de capacitação. É
concluído que há medo de uma “antecipação dos comportamentos sexuais, além de
“receio de provocar conflitos com as famílias”, “crenças sexistas e religiosas de pais
e professores”, “receio de represália da comunidade escolar” e “desconforto para lidar
com a temática”.
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Para Campos e Urnau (2021), não é possível “esperar que as instituições esco-
lares sejam espaços de proteção e de enfrentamento da ESCA [Exploração Sexual de
Crianças e Adolescentes] se os profissionais que nela atuam não têm conhecimento
aprofundado sobre a temática e nem sequer sabem reconhecer suas causas e con-
sequências, muito menos que se trata de uma grave violação de direitos humanos”.
É demonstrado que “os direitos sexuais não são compreendidos na perspectiva dos
direitos humanos na escola”, e que a instituição não compreende “seu papel no
enfrentamento da violência sexual contra crianças e adolescentes”. Isso é agravado
com tentativas constantes de segmentos políticos e religiosos que convocam altera-
ções legais para impedir o diálogo sobre gênero e sexualidade no ambiente escolar, o
que reforça uma “visão conservadora machista, adultocêntrica e heteronormativa da
sexualidade, contribuindo para a violação de direitos do público infantil e juvenil”.
Portanto, Furlanetto et al. (2018) consideram essencial a “capacitação, tanto de
professores, quanto de profissionais da área da saúde” como uma estratégia para a
“transformação de padrões sexuais discriminatórios” e para “o cultivo de uma cultura
de prevenção em saúde no ambiente escolar”, o que convoca a Psicologia Escolar
para atuação, já que possui profissionais qualificados para atuar com estudantes,
pais e responsáveis. Além disso, pode proporcionar uma mobilização no cotidiano
escolar, com uma formação continuada com a instituição e com a equipe pedagó-
gica – “agentes de normalização dos comportamentos de ordem sexual, mesmo que
a educação formal em sexualidade não ocorra”. A educação sexual precisa, pois, ser
incluída como “prática regular e sistematizada”. Campos e Urnau (2021) apontam
a necessidade de transformar o ambiente escolar “em um espaço de pensamento
crítico”, que construa e promova uma “cultura de prevenção à violência sexual e de
afirmação dos direitos sexuais infantojuvenis”.
Para concluir, conforme o PNEVSCA (2013), é necessária uma “inserção das
escolas em ações de prevenção”, além de uma intervenção em rede, com articulação
de ações, instituições e políticas públicas intersetoriais para combater o contexto mul-
tidimensional da violência sexual. Para isso, é essencial a mobilização de “todos os
segmentos da sociedade na formulação, execução e avaliação de um plano municipal
de ação para o enfrentamento”, bem como de ações fruto de uma política nacional,
que possibilitem uma apropriação da sexualidade enquanto dimensão do desenvol-
vimento humano que precisa ser valorizada no trabalho educativo, a fim de superar
barreiras e informações baseadas em estereótipos e preconceitos.
304

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Fontes, 2001.
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EDUCAÇÃO, PRECONCEITO E
NECESSIDADE DE RESGATE
DA CAPACIDADE REFLEXIVA:
para onde caminhamos?
Ana Carla Cividanes Furlan Scarin
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Introdução
A educação consiste em um cenário onde movimentos sucessivos acontecem em
termos de encontros e desencontros no tocante ao ensinar e aprender. Neste cenário,
indagações emergem, validando, excluindo ou subvertendo a ordem do que se ensina
e do que se aprende, dando a esta condição – a de se questionar acerca de encontros
e desencontros – uma base reflexiva que nem sempre vinga em termos qualitativos.
A constituição da capacidade da reflexão atrelada à possibilidade de se pensar
criticamente é um processo do qual se deve cuidar e manter em vigência através do
estabelecimento de relações que busquem a real compreensão do conteúdo trabalhado,
desvelados os véus da ambiguidade e da ambivalência inerentes às relações humanas,
mesmo a relação ensino-aprendizagem. De acordo com Bauman (1999), a ambiguidade
tem atravessado as relações, dotando de inconsistência a transmissão do que se desejar
comunicar, sustentando o abismo já tão presente entre o fato e a narrativa do fato.
Esse abismo é amplificado pela vigência de ideologias as quais, a seu turno, dão voz
a discursos fascistas, que são postos em curso por ideias pré-conceituais, sendo a edu-
cação não compromissada com a qualidade um terreno fértil para essa disseminação.
Inerente à educação enquanto processo, há aqui situações/condições educacio-
nais que burlam os elementos propiciadores do encontrar-se com a autenticidade, ou
da busca pela verdade através do pensamento teórico. O excesso de desvelo quanto
ao exercício de um pragmatismo mais e mais acentuado limita a capacidade reflexiva,
porque aborta a possibilidade de zelar pelo isolamento de fatores, levando as massas
pragmáticas a estabelecerem, cada vez mais, comparações ineficientes e superficiais
no tocante aos assuntos que estaria em pauta para a reflexão, sustentando relações
ideológicas. Sem o isolamento de fatores, há um comprometimento definitivo na
construção da capacidade de pensar-se criticamente. Segundo Adorno:

Abandonando a seus inimigos a reflexão sobre o elemento destrutivo do pro-


gresso, o pensamento cegamente pragmatizado perde seu carácter superador e,
por isso, também sua relação com a verdade. A disposição enigmática das massas
educadas tecnologicamente a deixar dominar-se pelo fascínio de um despotismo
qualquer, sua afinidade autodestrutiva com a paranóia racista, todo este absurdo
incompreendido manifesta a fraqueza do poder de compreensão do pensamento
teórico atual (ADORNO, 1985, p. 13).
308

A educação é ao mesmo tempo vítima e promotora deste estado de coisas.


Vítima por reproduzir incessantemente as mesmas condições, se afundando no próprio
destino. E promotora na medida em que, ciente das limitações, faz com que sejam
expandidas enquanto verdades irrefutáveis. Estamos falando de um jogo de ilusões
onde todos saem perdendo: uns porque acreditam no que não existe, outros porque
insistem em entender como competência aquilo que, no final das contas, não se trata
de competência, mas de competição por uma repercussão abrangente junto a clientela
específica. Martins discute esta questão de maneira sábia:

Em outras palavras, um grupo possuidor de um frágil capital cultural toma de

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“empréstimo” sob forma de pagamento, de uma instituição com uma certa com-
petência no campo simbólico, uma caução para poder atuar no mercado destes
bens. É quando a instituição obtém esta caução simbólica que ela começa a operar
na busca e no atendimento da demanda (MARTINS, 1981, p. 85).

O “frágil capital cultural” perdura em meio às ideias mal organizadas que trans-
formam, por sua vez, ilusões em verdades e que reinscrevem uma educação de apa-
rências, resultando em uma formação isenta de qualidade, constando de profissionais
nem sempre hábeis no lidar com aquele que é nosso bem mais precioso: o material
humano. Educar é também rever permanentemente o próprio capital cultural, e tirar
este exame das relações especulares, onde buscaríamos, enquanto reflexo de nossas
reflexões, nossas elaborações e apropriações.
Ora, se existe essa necessidade, se de fato predomina esse consumismo espe-
cular caracterizado junto à educação, logicamente seu reflexo no social é notório. A
vanguarda hoje é ser diferente; mas ser diferente é ser igual, para poder pertencer,
para poder se identificar. Conforme Augé:

Por um lado, essas imagens tendem a constituir um sistema; elas esboçam um


mundo de consumo que todo indivíduo pode fazer seu porquê é nele incessan-
temente interpelado. A tentação do narcisismo é, aqui, ainda mais fascinante
porque parece expressar a lei comum: fazer como os outros para ser você mesmo
(AUGÉ, 2001, p. 97).

A tentação do narcisismo, a tentação do espelho, de fato, é grande. E a educação,


castrada enquanto processo, impossibilitada de parecer-se consigo mesma, tendo
que refletir a agonia de aspectos importantes, perde seu cabedal de importância na
medida em que não identifica o que existe entre quantidade e qualidade, entre criti-
cismo e conformismo, entre o que é legitimamente seu e que é do outro. As portas da
falência estão abertas, e seremos prontamente tragados pelas dificuldades inerentes
à consecução deste processo, pois essa imagem não o reflete, não o completa nem
sustenta: apenas reinscreve o que aparenta.
Educar traduz-se basicamente no eterno exercício de trazer à tona o que o outro
tem e não re-conhece como seu. E isso traduz um ideal. Em nome disto, muitas teorias
foram, são e serão escritas, debatidas, contestadas e aceitas. Afinal de contas, é pela
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 309

Educação que aprendemos a nos comunicar, a sermos responsáveis, a termos um


papel na sociedade. É através da Educação que aprendemos a pensar. Se podemos
pensar, podemos refletir. Se podemos refletir, podemos nos ver. Se podemos nos
ver, podemos mais facilmente vermos o outro. Se podemos apreender o outro tal
qual é, não precisamos de espelhos. Afinal de contas, espelhos funcionam enquanto
reflexos paliativos quanto àquilo que queremos construir, aos degraus que desejamos
galgar. E podemos fazê-lo sem culpa, sem ansiedade (que nada mais é do que o medo
do futuro, de algo desconhecido) quanto ao que seremos, ao nosso porvir, porque
tangenciaríamos com mais segurança o que baliza o perder e o ganhar a Dignidade,
contraponto básico de toda essa conversa.
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Entretanto, a digressão hoje, século XXI, é patológica, e mesmo as tentativas


de resgate estão imbuídas deste espírito conspurcado. Temos em Pignatari:

Na medida em que vai tomando consciência do problema, a elite procura engajar-


-se no processo de massificação da cultura, principalmente através das universi-
dades, a fim de preservar valores que consideram universais, mas que em muitos
casos – nas ciências humanas em especial – não são senão seus próprios valores
distintivos. O modo pelo qual julga poder solucionar o problema não é via mas-
sificação da cultura e sim via culturalização das massas, ou seja, levar a cultura
às massas. O processo, porém, parece irreversível e as massas consomem, através
dos meios de comunicação, tanto Shakespeare como Chacrinha, sem preocupar-se
com uma ordem de valores, com uma hierarquização que só tem significado para
a elite, pois é por meio desse processo e dessa aparente confusão que a massa vai
adquirindo capacidade de escolha e discriminação, capacidade de metalinguagem,
no processo de criação de sua própria tábua de valores (PIGNATARI, s.d., p. 85).

A educação se perde de si, e o funcionamento da máquina social aponta para


isso. A cultura de massas encontra-se em plena vigência, reiterada pelo consumismo
exacerbado. No “processo de criação de sua própria tábua de valores” (PIGNATARI,
s.d.) está clara a postura rígida em torno da defesa do comprável, do consumível, da
novidade, como se o bom, o confiável, o justo, ou seja, tudo o que possa indicar inser-
ção e manutenção de valores de cunho moral tivessem que passar por estes critérios
para então existirem. Critérios de posse às avessas, já que o único bem de possível
aquisição seria o que diz respeito à formação de cada um e o sentido que cada um dá
para aquilo que faz, moldando o funcionamento da engrenagem em termos de poder
dimensionar o passado, enxergar o presente e antecipar o futuro.
A necessidade de resgate é imperiosa, e a educação seria o instrumento. Como
depurar todos estes fatores, se não pudermos educar? Instrumento este hoje fragi-
lizado pelo contexto de tentativas mal elaboradas e mal acabadas que resultam em
fracassos, em reiterações ideológicas claramente expostas, e impossibilidades de
tirar a venda dos olhos para enfim enxergar o presente expresso no outro lado do
espelho, o da imagem real. É urgente que possamos encarar tudo isto de frente, sem
medo, com vistas a tomarmos decisões que não nos amarrem ainda mais, e para isso
é necessário que não compactuemos com políticas vigentes, e que tenhamos voz
para sermos ouvidos.
310

Podemos dialogar sobre um dos frutos do contexto ora em pauta: o preconceito.


O preconceito pode ser visto em algumas pessoas e demonstrado de diversas formas.
Ser diferente do padrão social aceito como certo, é um motivo para ser apontado como
incapaz, improdutivo, estranho, pecador e vários outros adjetivos dados a essas pessoas.
Segundo Veiga-Neto (2001), é cada vez mais variado e numeroso na modernidade
que vem, incansavelmente, inventando e multiplicando o que venha a ser o diferente:
os sindrômicos, deficientes, monstros, psicopatas (em todas as suas tipologias), os
surdos, os cegos, os aleijados, os rebeldes, os poucos inteligentes, os homoafetivos,
os estranhos, os outros, os miseráveis, o refugo enfim (VEIGA-NETO, 2001, p. 105).
Conforme citado acima, o preconceito está no diferente ou no não aceito para

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determinada cultura, e isso muda de acordo com os valores culturais. Isso muda
também o entendimento do que seja certo ou errado. Segundo Goffman (2004, p. 7),
buscando transitar entre o (pré)conceito do que seja esse “certo” ou esse “errado”,
“estigma é a situação do indivíduo que está inabilitado para a aceitação social”. E ainda

[...] o termo estigma será usado em referência a um atributo profundamente depre-


ciativo, mas o que é preciso, na realidade, é uma linguagem de relações e não de
atributos. Um atributo que estigmatiza alguém pode confirmar a normalidade de
outrem; portanto, ele não é, em si mesmo, nem honroso, nem desonroso (Gof-
fman, 1988, p. 13)

Afirma-se que os estigmas estão inseridos dentro do preconceito, e a denomi-


nação de estigma não é diferente do que busca a rotulação do que não é normal ou
do que foi marcado por algo que o diferencia do que seja o normal.
Estigma significa marca ou cicatriz deixada por ferida; qualquer marca ou sinal;
mancha infamante e imoral na reputação de alguém; sinal infamante outrora apli-
cado, com ferro em brasa nos ombros ou braços de criminosos, escravos etc.; aquilo
que é considerado indigno, desonroso; falta de lustre, brilho ou polimento; moral;
desonra, descrédito, infâmia, demérito, descrédito, deslustro, enxovalho, infâmia,
labéu, mácula, nódoa, perdição, perdimento, raiva, vergonha (HOLANDA, 1986).
Contudo, se um estigma é uma marca irreversível, a pessoa estigmatizada ape-
nas deixará de sofrer preconceito quando aquele estigma deixar de ser interpretado
como uma marca não aceita. Conforme Bauman (1999): “[...] uma vez que os sinais
do estigma são irremovíveis, uma categoria só pode deixar de ser estigmatizada se
o significante do estigma for reinterpretado como inócuo ou neutro ou se for com-
pletamente negada sua significação semântica e este se tornar socialmente invisível”
(BAUMAN, 1999, p. 79).
O conceito de anormal é o que mais causa estigmas. E a partir dessa reflexão,
podemos questionar: seria o que mais causa preconceito? Veiga-Neto (2001) explica

Se o conceito de anormal trata daquele que se desvia de normas e estas são cons-
tantemente variáveis, trata igualmente daquele ou daquela que gera surpresa ou
inquietação. Seria o que se comporta diferente, o que mora de maneira diferente,
o que come de maneira diferente, o que vive de maneira diferente, o que possui
hábitos e costumes diferentes (VEIGA-NETO, 2001, p. 111).
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
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Podemos chegar à rápida conclusão de que quase tudo que não está inserido no
padrão cultural de normal para aquela pessoa será tachado como anormal, tudo que
é anormal, quase sempre não é bem-vindo. O incômodo emerge do fato de que esse
conceito, de tão amplo, abarca uma imensa massa humana dos sem-emprego, dos
sem-teto, dos sem-terra, dos sem-cidadania, dos sem-educação, dos sem-saúde, dos
sem-perspectivas. Acrescentemos a esses grupos aqueles que não estão enquadrados
em nenhum dos grupos definidos a priori como anormais, mas vivem em uma con-
dição que os coloca em sintonia com eles, deparando-se com as mesmas mazelas e
carecendo dos mesmos direitos. A privação não só econômica, mas principalmente da
atenção, da civilidade, do respeito, do exercício espontâneo e autônomo da dignidade
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humana parece ser uma marca constitutiva desses sujeitos (VEIGA-NETO, 2001).
Os primórdios de relações fascistas podem ser observados nesse contexto.
Goffman (1959), ao tratar do estigma como uma forma de discriminação, utili-
za-se de duas categorias: a) a condição de desacreditado; e b) a condição de desacre-
ditável. A condição de desacreditável sugerida por Goffman (1959) diria respeito ao
indivíduo o qual não demonstra uma “qualidade diferencial manifesta e que não mereça
importância especial” (GOFFMAN, 1959, p. 220). “Quando um indivíduo se apresenta
dos outros, consciente ou inconscientemente projeta uma definição da situação, da
qual uma parta importante é o conceito de si mesmo” (GOFFMAN, 1959, p. 221).
Goffman (1959) também afirma que a organização da sociedade se dá através da
valorização de um indivíduo que possua certas características sociais, sendo assim suas
“marcas” dentro do contexto social deve ser moralmente aceito, da mesma forma o indiví-
duo que possua ou mesmo aparente ter tais característica aja como tal. Então a sociedade
tem como obrigação moral valorizar e tratar o indivíduo que exerce tais características.
Este autor ainda esclarece que o indivíduo não precisa ser o que ele não aparenta ser, se
ele não parece ser o que não é não tem a necessidade de fingir ser o que não é assim não
terá o tratamento dado a quem ele na realidade não é (GOFFMAN, 1959).
Os estereótipos poderiam sofrer rupturas, porém, tais rupturas não poderiam ser
julgadas pela sua frequência. Existem formas para que essas rupturas sejam prevenidas,
e existem também formas de se diminuir os efeitos das contradições que não se pode
evitar. A diplomacia se dá na tentativa do indivíduo de conservar a situação projetada
no outro, e quando as práticas defensivas se somam com a diplomacia, é organizada e
atuada uma forma de se manter a impressão de que o indivíduo passa perante os outros.
Dentro do grupo, os membros esperam que o indivíduo ignore os seus sentimen-
tos, fazendo com que o mesmo haja da forma aceita pelo grupo; na realidade isso ocorre
de forma simples, porque todos do grupo também ignoram os seus próprios sentimen-
tos para vivenciar o desejo aceito e criado pelo próprio grupo (GOFFMAN, 1959).
Erving Goffman (1959) afirma igualmente que as pessoas são categorizadas
pelas outras; essa categorização já tem início no primeiro contato entre a nova
pessoa e o grupo, e as mesmas são formuladas de acordo com o grupo social que o
novo membro está conhecendo. O autor citado exemplifica que quando uma pessoa
nos é apresentada nós observamos segundo categorias e atributos a partir dos quais
criamos uma identidade social para essa pessoa, de maneira exigente e, muitas
vezes, sem percebermos.
312

De acordo com o com o comportamento da pessoa e a exigente análise, pode


ocorrer dessa pessoa não se enquadrar nos padrões desejáveis ou aceitos para o ideal
de ser do outro. E assim ela será taxada como incapaz, e estigmatizada como infe-
rior. Esse estigma é criado de acordo com os atributos colocados no ponto de vista
do julgador como certo ou errado, então nem todos os adjetivos incongruentes seria
posto, apenas estaria em questão os que a pessoa taxa do que seria errado no ponto
de vista dela (GOFFMAN, 1959).
A sociedade estabelece os meios de categorizar as pessoas e o total de atributos
considerados como comuns e naturais para os membros de cada uma dessas categorias:
os ambientes sociais estabelecem as categorias de pessoas que têm probabilidade de

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serem neles encontradas. As rotinas de relação social em ambientes estabelecidos nos
permitem um relacionamento com “outras pessoas” previstas sem atenção ou reflexão
particular. Baseando-nos nessas preconcepções, nós as transformamos em expectati-
vas normativas, em exigências apresentadas de modo rigoroso. (GOFFMAN, 2004).
Existem três formas de estigmas, segundo Goffman (2004):

“Em primeiro lugar, há as abominações do corpo – as várias deformidades físicas.”


Na primeira forma de estigma entraria toda e qualquer diferença física, o que torna
o outro estigmatizado por ser taxado de incapaz, ou de diferente. Em segundo, as
culpas de caráter individual, percebidas como vontade fraca [...]. Vontade fraca
seria tudo o que é visto cabível de mudança ou melhora e o indivíduo não o faz,
por exemplo, paixões que cause sofrimentos, desonestidade, homossexualidade,
prisão, vício, alcoolismo, tentativas de suicídio e várias outros que perante o grupo
ou a cultura eu tenho como mudar, porém não o faço porque sou fraco. Finalmente,
há os estigmas tribais de raça, nação e religião, que podem ser transmitidos através
de linhagem e contaminar por igual todos os membros de uma família. Todos os
tipos de estigma fazem-se com que o novo membro seja visto de forma errônea
e pré-julgado, ocorrendo o isolamento ou o distanciamento do novo indivíduo,
assim suas qualidades vista como positivas e aceitas, não são percebidas pelo
grupo. No cotidiano, as pessoas não estigmatizadas pela sociedade veem e tratam
as pessoas com algum tipo de estigma de forma diferente, coloca-se uma série de
imperfeição a mais (GOFFMAN, 2004, p. 6).

Muitas vezes os indivíduos estigmatizados se sentem realmente com o estigma,


então se os outros o acham anormal, ele também passa a se condenar e se vir dessa
maneira, indigno de um destino próspero e oportunidades únicas. Conforme Gof-
fman (2004):

[...] levando-o inevitavelmente, mesmo que em alguns poucos momentos, a con-


cordar que, na verdade, ele ficou abaixo do que realmente deveria ser: A vergonha
se torna uma possibilidade central, que surge quando o indivíduo percebe que um
de seus próprios atributos é impuro e pode imaginar-se como um não portador
dele. A presença próxima de normais provavelmente reforçará a revisão entre auto-
-exigências e ego, mas na verdade o auto ódio e a autodepreciarão podem ocorrer
quando somente ele e um espelho estão frente a frente (GOFFMAN, 2004, p. 10).
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 313

A moralidade do homem igualmente o faz corrompido pela ideia do que é certo


ou errado, ou bem ou mal. De acordo com Nietzsche (1881), em todos os estados
primitivos da humanidade, “mal” é sinônimo de “individual”, “livre”, “arbitrário”,
“inabitual”, “imprevisto”, “imprevisível”. Nietzsche discute que os homens, já em
1881, estariam muito mais imorais que os de antigamente, e se houvesse forças para
lutar pela moralidade, deveriam começar revendo os seus costumes e suas tradições.
E o que é a tradição? “Uma autoridade superior à qual se obedece, não porque ordene
o útil, mas porque ordena” (NIETZSCHE, 1881, p. 29).
Ainda conforme Nietzsche (1881), o homem tem medo e obedece pelo temor,
pelo que é taxado como errado ou como certo, ou como bem ou mal, na realidade
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essa seria a tradição do que é certo, ou do que poderia ser chamado de moral, seria
um auto egoísmo obediente, não poder ser como a tradição pede, mas tem que se
obrigar a ser, caso não seja seria imoral ou talvez conseguisse algo a mais, criaria
uma nova moral a ser seguida, mas isso era difícil e perigoso.

Na origem, toda a educação e os cuidados do corpo, o casamento, a medicina,


a agricultura, a guerra, a palavra e o silêncio, as relações entre os homens e as
relações com os deuses, pertenciam ao domínio da moralidade: esta exigia que
prescrições fossem observadas, sem pensar em si mesmo como indivíduo. Nos
tempos primitivos, tudo dependia, portanto, do costume e aquele que quisesse
se elevar acima dos costumes devia tornar-se legislador, curandeiro e algo como
um semideus: isto é, deveria criar costumes — coisa espantosa e muito perigosa!
(NIETZSCHE, 1881, p. 30)

Fernandes e Costa (2009) conceituam o preconceito de forma simples, colo-


cando que o prefixo “pré” indica antecedência, o que vem antes; já “conceito” é algo
concebido, juízo que se faz de algo, o que eu penso de algo. Preconceito então é juízo
que eu faço de algo, porém o perigo é de como pode-se fazer juízo de algo que ainda
não se sabe o que é, ou que já até possui uma noção pré-concebida (FERNANDES;
COSTA, 2009, p. 20).
Popularmente chama- se de “ajuizado” aquela pessoa que passa conhecimento
juiz, ou seja, pessoa com conhecimento, sensata e ajuizada, se ajuizado é algo que foi
julgado e avaliado, pensa- se que tenha pelo menos o conhecimento do que se julga,
o que não ocorre com o pré-conceito, pois este já está imaculado na mente da pessoa,
então pergunta-se, como se classificar algo que não se conhece e não se importa em
querer conhecer. Podemos dizer assim então, que o uso do mesmo, seja uma atitude
discriminatória porque não faz o uso de um juízo, que tenha sido analisado com
antecedentes válidos, podendo ser considerado ignorante, pois o ignorante é quem
desconhece ou ignora, normalmente teme-se o que não conhece, sendo assim o medo
do causador do preconceito (FERNANDES; COSTA, 2009).
Os preconceitos mais comuns na sociedade são baseados na cor, sexo, classe
social, aparência física e religião, sendo assim tudo que é diferente é discriminado,
partindo da ideia de que o que é diferente não é aceito ou não merece respeito, então
pode se dizer que o preconceito vem de uma imagem padronizada que coletivamente
314

expressa ódio e raiva sem explicações e conceitos cabíveis de análises. Faz se neces-
sário entender que o mesmo vem de uma construção cultural e social, sustentada por
ideologias. Conforme Fernandes e Costa (2009):

A intensidade do preconceito pode estar associada às características individuais


de cada um, personalidades autoritárias tendem a ser menos tolerantes. Crianças
expostas à ambientes autoritários estão inclinadas a adotar visões preconceituo-
sas e discriminatórias. Os homens são diferentes, as diferenças geram tensões e
conflitos, mas se completam. É necessário que a sociedade compreenda que as
diferenças são enriquecedoras, e que é preciso conhecer o outro para conhecer a si
mesmo. Talvez, os preconceituosos tenham medo de se conhecer (FERNANDES;

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COSTA, 2009, p. 21).

O outro passa a ser um intruso que precisa ser combatido, ele é diferente do
eu social, diferente do que o social prega de como aceitável, assim a sociedade do
eu o exclui para se proteger, resistindo a qualquer mudança e temendo o novo. “É
importante, antes de prosseguir, verificar que a criação de uma sociedade ética, livre
de preconceitos, somente será possível, a partir do momento em que se reconhecer
o Outro como Nós.” (FERNANDES; COSTA, 2009, p. 22).
O sociólogo Octavio Ianni, em seu livro “Raças e classes sociais no Brasil”,
explica que o preconceito racial é composto de ideologias que distinguem os grupos
segundo as raças, em uma competição de privilégios sociais, reforçando assim os
atos preconceituosos. Quando pensamos nisso, observamos uma classe favorecida
por privilégios, e outra não, já que estamos em uma sociedade onde a ideologia do
branco é aceita, traduzindo assim como estagnação ou medíocre o crescimento das
ideologias da raça negra. Em síntese, a discriminação, as barreiras, os estereótipos
organizados em ideologias raciais operam como componentes ativos recorrentes num
sistema societário que, em conformidade com a estrutura de dominação vigente, deve
ser preservado, ainda que a custo da saúde das relações sociais justificadas por questões
políticas e econômicas cuja leitura feita pelo social é ideológica (IANNI, 1966, p. 64).
Ianni (1966) ainda relata:

[...] as ideologias raciais, assim como outras representações ideológicas parti-


culares, devem ser encaradas como componentes da consciência social. Ainda
que essas ideologias possuam certo grau de consistências interna e autonomia,
verificando-se, em consequência, a sua difusão e adoção pelos vários grupos e
classes sociais, elas não podem ser explicadas isoladamente, como se contivessem
todas as suas significações (IANNI, 1966, p. 63).

O preconceito pode-se dizer, que é fruto do senso comum da classe dominante,


o que é passado como certo e errado pelas gerações, e a discriminação com seus
derivados, o qual adquire características culturais. Para Descartes (2007), o precon-
ceito é pautado nesse tipo de juízo das gerações, e pela facilidade de deixar os ideais
serem levados pelas opiniões alheias, sem dar o juízo da opinião alheia. Ou seja:
sem reflexão como ponto de partida. “O bom senso é, das coisas do mundo, a mais
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 315

bem dividida, pois cada qual julga estar tão bem-dotado dele, que mesmo os mais
difíceis de se contentar em outras coisas, não costumam desejar tê-lo mais do que já
têm” (DESCARTES, 2007, p. 21).
Para Crochik (1997), o preconceito é apontado como desvio da razão (tam-
bém chamado de “má consciência” ou “irracionalidade”). Nesse caso, o preconceito
também aparece como produto da irracionalidade da sociedade atual, visto que esta
produz indivíduos dissociados de si mesmos e que não se identificam com diferentes
seres humanos. Se não há identificação do sujeito com os demais seres humanos, esses
se tornam alvos fáceis do preconceito pela projeção de fatores negativos sobre eles.
De acordo com Crochik (1997), “À medida que a contradição entre socie-
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dade e indivíduo se amplia, a contradição interna do indivíduo também aumenta”


(CROCHIK, 1997, p. 59). Isso propicia que o preconceito prevaleça como domi-
nante nas intermediações das relações sociais e subjetividade, de forma a ameaçar
a autoconservação humana por não garantir a racionalidade presente em relações
sociais mais humanas, mas incentivar a competição, rivalidade, oposição e combate
dos seres humanos entre si.
Relações sociais unilaterais, imediatistas e autoritárias também estão presentes
no preconceito. Esse aspecto também é consequência da falta de reflexão sobre si
mesmo e sobre os outros, de um pensar rígido sobre si mesmo de forma positiva, e
de forma negativa do “outro” (CROCHIK, 1997).
Assim, muitas vezes o preconceito é uma forma de defesa diante do “outro”,
que é visto como uma ameaça ao sujeito. É o falseamento da realidade através de uma
relação determinista, unilateral e imutável imposta pelo sujeito. Nesse caso, ocorre
um empobrecimento da multiplicidade das relações humanas, pois esse “outro” é
impossibilitado de se diferenciar ou transformar tal preconceito. Diante de uma relação
preconceituosa, tanto quem manifesta preconceito quanto quem sofre preconceito tor-
na-se espectador das relações sociais, por seguir padrões sociais impostos sem reflexão.
Quando Adorno e Horkheimer (1985) revela que “a classificação é a condição
do conhecimento, não o próprio conhecimento, e o conhecimento por sua vez destrói
a classificação” (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p. 205), eles apontam que o
sujeito do conhecimento constrói classificações para a compreensão de um determi-
nado objeto, mas não deve ficar preso a essas classificações, padronizações e tipifi-
cações. O indivíduo só pode existir enquanto sujeito de si mesmo e de suas relações
sociais quando construir uma sociedade que não tipifique, padronize e classifique
o ser humano em categorias fixas e rígidas, sem a possibilidade de transformação
das mesmas. Muitas vezes, na própria construção da linguagem, existem conceitos
e termos que trazem embutidos o preconceito, como é o caso do termo deficientes
(ADORNO; HORKHEIMER, 1985).
Como a própria palavra já diz, essas pessoas são apontadas como sendo defi-
cientes em algo ou alguma coisa. O preconceito está presente na linguagem quando
ocorre a generalização de características que são particulares de um determinado
grupo, pessoa ou objeto ou quando não há flexibilidade e contextualização dos ter-
mos e conceitos. Isto quer dizer que o preconceito está pautado por classificações
distorcidas e errôneas frente à realidade, que são também a-históricas, deterministas e
316

autoritárias de uns frente a outros. Um exemplo disso são os ditados e piadas populares
sobre diversas minorias, que colocam o “outro” como objeto de preconceito quando
relatam que “preto correndo é ladrão, e parado é vagabundo”.
Logo, a discussão do preconceito, segundo moldes da patologia e do distúrbio
emocional, postula o preconceito como forma hegemônica de adaptação à sociedade.
Preconceito é ação imediata, sem reflexão, que expressa a fragilidade do indivíduo
frente às suas próprias experiências, demarca defesas e paralisias na relação com o
outro e reproduz adaptações frente ao preconceito dominante na sociedade. Nessa
sociedade, é frequente a incorporação do homem como objeto de suas relações sociais
e não como sujeito das mesmas, o que facilita ainda mais a disseminação, adaptação

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e banalização do preconceito (ADORNO; HORKHEIMER, 1985).
Mesmo que nas afirmações preconceituosas possa haver elementos verdadei-
ros com relação ao “outro”, esses continuam sendo objeto do preconceito porque
seus aspectos subjetivos, dinâmicos e históricos não são levados em consideração.
Desse modo, o que é psicossocial torna-se natural e imutável, pelo fato de não se
considerar possibilidades de transformação desses aspectos. Ocorre assim, a disso-
ciação de determinadas características de certos grupos ou pessoas. Características
essas que não são próprias dos mesmos, mas, muitas vezes, elementos que o sujeito
não aceita em si mesmo e projeta no “outro”. Então, é fundamental a reflexão sobre
como são estabelecidas e construídas as relações psicossociais, para análise de como
essas relações estão sendo preconceituosas ou éticas. A ética pode ser encontrada
nas relações sociais se essas expressam aspectos democráticos e de igualdade; ou
seja, quando sujeito e objeto participam na construção da realidade e da sociedade
(ADORNO; HORKHEIMER, 1985).
Com o preconceito, existe uma relação de dominação de um ser humano frente
a “outro”, pela imposição de características distorcidas da realidade. Nesse caso,
sujeito e objeto permanecem prisioneiros de uma situação que não possibilita refle-
xões, transformações ou construções de relações mais igualitárias (ADORNO; HOR-
KHEIMER, 1985).
A ciência, conhecimento construído pelo homem, não é neutra e, como tal, pode
ser fruto do preconceito ou estar pautada por elementos preconceituosos. Enquanto
produção psicossocial, o preconceito está relacionado com uma cultura que usufrui
desse para obtenção de lucros e ganhos. É o caso da sociedade pautada na propriedade
privada, cuja subjetividade é fundamentalmente construída através dessa propriedade,
resultando em um empobrecimento das relações sociais. Consequentemente, a iden-
tificação dos seres humanos com a humanidade fica em segundo plano, e busca-se a
posse e identificação dos sujeitos com objetos da propriedade.
Além desses aspectos, a sociedade atual muitas vezes dificulta reflexões, críticas
e questionamentos sobre si própria. Tais fatos não produzem apenas a alienação dos
seres humanos, mas também condições propícias ao aparecimento do preconceito.
Uma sociedade pautada no preconceito é uma sociedade sem reflexão e sem razão.
Kant (1992, p. 13) aponta isso ao declarar: “Mas agora ouço gritar de todos os
lados: não raciocines! Diz o oficial: não raciocines, mas faz exercícios! Diz o fun-
cionário de Finanças: não raciocines, acredita! (Apenas um único senhor no mundo
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diz: raciocinais tanto quanto quiserdes e sobre o que quiserdes, mas obedecei!)”. Há,
por toda parte, restrição da liberdade de ação e de reflexão.
No entanto, apesar de o preconceito não ser algo exclusivo ou recente na socie-
dade atual, tem apresentado dimensões e características amplamente assustadoras
nesse século. Para Hobsbawn (1995, p. 122), “o fim do século XIX introduziu a
xenofobia de massa, da qual o racismo – a proteção da cepa local pura contra a con-
taminação, e até mesmo a submersão, pelas hordas invasoras subumanas – tornou-se
expressão comum”.
Adorno e Horkheimer (1985) ainda descrevem a frieza e a indiferença com
que os homens vivem suas relações na atualidade. É comum indivíduos encon-
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trarem dificuldades para amar, entregar-se, ou parar de se defender diante dos


outros em uma sociedade que incentiva o narcisismo, o culto do “eu” e de relações
individualistas, nas quais o “outro” só aparece como elemento figurativo de si
próprio. Enfim, uma sociedade que produz e reproduz relações preconceituosas é
a mesma sociedade que produz indivíduos pouco críticos, que facilmente aceitam
e reproduzem seus dogmas.
O problema maior do preconceito aparece quando se busca a eliminação do
“outro”, objeto de projeção dos aspectos negativos não aceitos em si próprios, como
é o caso no holocausto e nos grupos de extermínio. Tais barbáries continuam incom-
preensíveis à consciência, por mais que se busquem explicações para tais fatos. Tais
barbáries sustentam as relações em que o fascismo está presente e atuante como
ponto de partida, em tratativas sociais, políticas e econômicas, com seres humanos.
Ou seja, muitas são as questões vigentes. Inconsistentes ainda são as respostas.
A reflexão em torno da confecção acerca de um lugar torna-se mais e mais necessá-
ria, pela própria e inusitada ameaça de perdermos o fio da existência enquanto seres
identitários. Nos perdemos em plena arena, em plena guerra por lugares seguros.
Tentando nos assegurar, estamos nos perdendo.

Considerações finais
O preconceito é a valoração negativa que se atribui as características da alte-
ridade. Implica a negação do outro diferente e, no mesmo movimento, a afirmação
da própria identidade como superior/dominante. Mas isso indica que o preconceito
é possível onde existe uma relação social hierárquica, onde existem comando e
subordinação e racionalização do outro. Quem manda atribui valores à sociedade,
define o que é bom e o que é ruim. Aqueles que obedecem são alvo de atribuições
identitárias que os desvalorizam, especialmente, a seus próprios olhos. Para os que
obedecem trata-se de lutar contra uma autoidentificação negativa, mudando os valores,
transmudando as características ditas vergonhosas em características que orgulham.
Isso aparentemente permite quebrar a dialética do amo e do escravo, ao transformar
o escravo em senhor, isto é, em alguém que define valores na sociedade.
Mas na verdade institui uma nova dinâmica de sujeição e comando. Novos
valores instituídos como normas e novas figuras jurídicas que permitem mencionar
318

e punir o preconceito abre o caminho para a expansão de novos valores sociais. Mas
vale lembrar que a punição ao ladrão não evita que os roubos aconteçam, tanto quanto
a punição ao assassino não impede que se decrete morte aos outros. Porém, o apoio
jurídico pode estar disponível para quem o solicitar.
A modernidade implicou a pretensão de racionalização da sociedade. Isto é,
a aplicação de regras gerais e universais para a compreensão de fatos particulares
e dos indivíduos. O sistema jurídico, como normas genéricas passíveis de serem
aplicadas em casos particulares para enquadramento legal, traduz esse processo de
racionalização. Mas essa gaiola de ferro burocrática levou tanto ao desencantamento
do mundo quanto a sua desumanização. Esta última é representada nas interdições

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técnicas e linguísticas no mundo jurídico e do trabalho, que se traduzem em pro-
cedimentos e termos que apagam a singularidade histórica, social, cultural e moral
dos(as) envolvidos(as). Desse ponto de vista, a positivação dos direitos das minorias,
na medida em que traduz o reconhecimento de “um outro” diferente, constitui um
passo à frente. Mas essa ajuda jurídica pode não ser solicitada pelos que estão sendo
alvo de preconceito e discriminação, devido aos obstáculos que encontram certos
grupos sociais quanto ao acesso à Justiça.
Conclui-se proclamando que a conquista de amplitude dos direitos humanos
que visibilize ou destaque as mulheres, os negros, os homossexuais, entre outros
tidos como diferentes no mesmo patamar universalizador, é, portanto, uma tarefa
perene, como perene também é a sua reinterpretação. Existiria algum caminho
ou estratégia possível para isso? Além das formas racionais já mencionadas, tais
como as jurídicas, econômicas e políticas, em que medida a afetividade, vista como
intrusa e suspeita na sociedade moderna, poderia criar ou recriar os elos entre os
diferentes na sociedade, permitindo-lhes desse modo ir além das racionalizais que
fundam os relacionamentos sociais? Existe, a rigor, uma forma ou uma fórmula
explicativa acerca de qual seria o modo ideal de se conviver, ou seja: de como
deveríamos viver juntos?
A educação é parte fundamental na constituição de opiniões, pois a aplicação
de preceitos desenvolvidos por educadores leva a formação e aplicação de princípios
e valores. Trazer os educadores à realidade desvelada pelo aval dado às condições
ambivalentes de se lançar olhar para valores em constituição, quebrando a especula-
ridade desse processo, pode vir ao encontro do estabelecimento de possibilidades de
relacionamento em que se suporte a quebra de paradigmas em relação à aceitação do
outro. A relação especular reafirma, para manter-se viva, a busca por algo ou alguém
que tenha elementos semelhantes com quem busca, reiterando assim os pontos de
assemelhamento. Para quebrá-la, é necessário romper com relações encharcadas de
pontos que podem assinalar os assemelhamentos. O caminho para isso é a quebra de
paradigmas como fruto da reflexão. Daí vem a validação da já citada frase “o pre-
conceito é a valoração negativa que se atribui as características da alteridade”, uma
vez que estamos falando de leituras distorcidas da realidade, baseadas em narcisismo
e percepções parciais de si e do outro. A educação é excelente ferramenta quando o
desafio é quebra de paradigmas.
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Se não repensarmos e ressignificarmos o ato de ensinar e aprender, ou talvez de


refletir e apreender, insistiremos em co-produzir a máquina identitária responsável
pela sentença de morte da dignidade do viver (e não do sobreviver) identificatoria-
mente completos. Enquanto educadores e responsáveis pela formação de cidadãos, é
preciso atenção para o processo de constituição da máquina que assegura a atuação
enquanto tal, já que ela traz em seu bojo traços da maneira especular como, por vezes,
as questões e situações se apresentam e pode, com isso, forjar campo fértil para o
estabelecimento de relações que desencoragem a reflexão no tocante à perspectiva
de vivermos essas relações considerando as dimensões da ética, e da experiência da
dignidade humana reconhecida como tal.
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REFERÊNCIAS
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IANNI, O. Raças e classes sociais no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966.

KANT, I. Resposta à pergunta: o que é Iluminismo? In: KANT, I. A paz perpétua e


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Morgenröthe. Editora Escala, 1881.

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VEIGA-NETO, A. Incluir para excluir. In: LARROSA, J.; SKILAR, C. Habitantes


de babel: políticas e poéticas da diferença. Belo Horizonte: Autêntica, 2001.
CORPOGRAFIA:
os processos de subjetivação do corpo e a
produção de saúde mental no território da dança
Millen Carvalho Cerqueira da Silva
Anna Amélia de Faria
Milena Lisboa
Júlia Maria Cardoso Silva Ferreira
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Introdução
Ó homens superiores, o pior que há em vós é: não aprendestes a dançar como se
deves dançar – indo além de vós mesmos! Que importa se malograstes? Quanta coisa
é ainda possível! Então aprendei a rir indo além de vós mesmos! Erguei vossos cora-
ções, ó bons dançarinos! Mais alto! E não esqueçais o riso tampouco! [...] Apenas
na dança sei falar o símile das coisas mais altas (NIETZSCHE, 2011, p. 141-281).

Friedrich Nietzsche, em seu tempo, desconhecia o Estado da Bahia, mas já


demonstrava o efeito que a dança tem na experiência de um sujeito que deixa de
caminhar e parte em direção ao dançar. Aqui, onde todos os encontros são gingados,
dançados, onde os movimentos são lentos e acelerados, as corridas e os largos passos
ganham espaço nos palcos, onde o sincretismo salta da religião para os modelos e tipos
de dança. Do samba ao afro-reggae, do afoxé ao Balé russo, os movimentos desenham
durante décadas o corpo do povo baiano. Porém, apesar de todas as (an)danças e
encontros entre os povos, os pequenos e gigantes corpos precisam se inquietar com
seus territórios de corporeidade1 que “é o centro que possibilita introduzir o tempo, o
espaço, as forças, as resistências, as influências ambientais, caracterizando o diálogo
na ação e o pensamento” (VALÉRY, 2011b, p. 9). Entendemos assim esse território
como uma das maneiras de apreender o corpo, realizar modificações na dinâmica
dos espaços e do tempo nos mecanismos de criação artística.
Os territórios de corporeidade – os lugares por onde os corpos trafegam para
resistir e existir com suas danças – fazem parte, de muitas maneiras, da vida humana.
Uma delas é na arte, que tem como objetivo criar seres de sensações, agregados
sensíveis (DELEUZE; GUATTARI, 1997). O que aqui chamamos de arte atua
em um fora, uma exterioridade que se comunica com outros domínios criadores,
como por exemplo, a ciência e a filosofia (DELEUZE, 1997). A arte não retira
seus motivos de materiais previamente talhados com os quais erigiria seus seres de
sensação (DAMASCENO, 2017). Para que haja arte é imprescindível uma absoluta

1 Valéry (2011b) postula que, quando o corpo está em movimento ou em ação, ele instala um modo de “ser
no mundo”. A partir daí ele desenvolve a teoria dos quatro corpos: o corpo biológico, o que os outros veem,
o corpo racional e o quarto deles a corporeidade.
322

necessidade humana de resistir na vida (DELEUZE, 1999), sendo esse a sazão por
onde o artista cria. A dança é uma necessidade no corpo do bailarino, e como arte, tem
a potência de criar no corpo a função de “liberar a vida lá onde ela está aprisionada”
(DELEUZE, 2002, p. 37). Garaudy (1980) considera a dança como:

vivenciar e exprimir com o máximo de intensidade, a relação do homem com a


natureza, com a sociedade, com o futuro e com seus deuses. Dançar é, antes de
tudo, estabelecer uma relação ativa entre o homem e a natureza, é participar do
movimento cósmico e do domínio sobre ele (GARAUDY, 1980, p. 14).

Ao longo do tempo, a dança vem ocupando e desocupando espaços onde possa

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acontecer: das ruas aos centros religiosos, dos salões de festas às residências domi-
ciliares, das escolas aos teatros, a fim de produzir/promover multiplicidade. Dentre
esses espaços, destacamos o Teatro Castro Alves (TCA) com o Balé do Teatro Castro
Alves (BTCA). O BTCA é uma companhia de dança com 38 anos que, desde pri-
meiro de abril de 1981, faz sua história enfrentando lógicas hegemônicas, como a
ditadura militar (1964-1985). O BTCA, nascido em Salvador, é a quinta companhia
de Balé do Brasil e a primeira do Norte e Nordeste. Partindo da sua experiência,
inventa e reinventa formas de resistência, ampliando montagens de dança, criando
sons, cenários, figurinos e maquiagens.
Hoje, seguindo processos históricos que estão entorno de suas etapas criativas,
o BTCA é composto por 36 bailarinas que ressignificam seus corpos no palco, de
uma cultura ameaçada por uma democracia fragilizada, advinda do processo polí-
tico autoritarista, patriarcalista, racista e machista que nasce dentro das lógicas de
domínio. A partir dessas engrenagens, produz-se um tipo de subjetivação de corpo
que se tenciona entre a ética e a moral. O BTCA conta com mais de 70 montagens
em seu repertório, sendo presença destacada no cenário da dança nacional e interna-
cional, com obras memoráveis e investigativas, que alcançaram sucesso de público
e crítica, com apresentações em diversos estados brasileiros e em outros países.
O BTCA é uma companhia dançante, que trafega seus afetos, suas habilidades,
emoções e experiências entre os públicos/espectadores. É nessa relação entre público
e BTCA que um mapa é desenhado por meio de uma cartografia, não a que é utilizada
para marcar territórios sociopolíticos, econômicos, ligada a estudos de região no seu
recorte geofísico, mas como uma cartografia social, método que é desenvolvido a
partir das reflexões de Michel Foucault, Gilles Deleuze e Felix Guattari, filósofos
que viveram no século XX.
O método cartografia social possibilita “acontecimentos”, “algo provocado
por corpos que entrechocam” nos territórios e nos efeitos de forças das relações
humanas (DELEUZE; PARNET, 1998, p. 53, grifo do autor). O cartografo é aquele
que se depara com as histórias, com as formas de ver a vida ser feita e desenrolar-se,
é aquele que se dirige a corpos, que olha, sorri, conversa, provoca rupturas, sente os
elementos em cena, em acontecimento. Suely Rolnik (1989) destaca que:

A tarefa do cartógrafo é dar língua aos afetos que pedem passagem, dele se espera
basicamente que esteja mergulhado nas intensidades de seu tempo e que, atento às
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 323

linguagens que encontra, devore as que lhe parecerem elementos possíveis para
a composição das cartografias que se fazem necessárias. O cartógrafo é antes de
tudo um antropófago (2006, p. 23).

Entendendo a dinâmica do método cartográfico social, se fez necessário pensar


formas de produzir territórios onde fosse possível sentir nos corpos-dançantes o
efeito de mover-se com eles, fazer agrupamentos de ideias, de sentimentos, olhar e
ser olhado, misturar os olhares:

O olhar que meu olho mira e que me olha e que me despedaça para se juntar
em mim, são os olhares dos espelhos quebrados e seus milhares de reflexos que
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compõem um mosaico de imagens nas sociedades de produção de consumo capi-


talísticas. Nestes cenários, nossos olhos são viciados a olhar, a produzir, repro-
duzir, e a partir de seus reflexos, se produzirem. Imagens ganham visibilidade e
destaque no rol do consumo [...] olhar e ser olhado. Consumir e ser consumido
(GUEDES, 2013, p. 14).

Junto à cartografia social, utilizaremos o que Paola Berenstein (2008) nomeou


como corpografia, sendo uma cartografia do corpo, ou seja, parte das experiências
na dança e na vida urbana que ficam registradas no corpo em várias escalas temporais
de quem as experimentou:

As corpografias permitem tanto compreender as configurações de corporalidade


como memórias corporais resultantes da experiência de espacialidade, quanto
compreender as configurações urbanas como memórias especializadas dos cor-
pos que as experimentaram. Elas expressam o modo particular de cada corpo
conduzir a tessitura de rede de referências informativas, a partir das quais o seu
relacionamento com o ambiente pode instaurar novas sínteses de sentido ou
coerências (BRITTO, 2010, p. 15).

A corpografia é uma das ferramentas que possibilita compreender o desenrolar


de outras formas corporais ou incorporadas nos espaços do corpo-dançante. A partir
desse método, foram possíveis articulações com técnicas e tecnologias que permitiram
identificar no corpo-dançante a produção de saúde mental. Nesse sentido, entende-se
a saúde mental como saúde de si, como invenção criativa do sujeito, ou seja, uma
forma de compreender em si suas potencialidades (FOUCAULT, 2010). A respeito
da saúde de si, Parpinelli e Fabiano expressam que:

O bem-estar subjetivo, a autonomia e a autorrealização do potencial intelectual


e emocional da pessoa pressupõem também um processo de formação de subje-
tividades mais autônomas e críticas frente aos diferentes vetores de subjetivação
sociais e culturais (2006, p. 8).

Para chegar próximo à saúde de si, entramos em contato com as linhas traçadas
nos corpos-dançantes das bailarinas do Btca, uma rede complexa de sentidos, a partir de
324

suas vivências com a dança. Percebem-se as contribuições dessas redes no processo de


construção de relações e sentido para/com o corpo, compreendendo um corpo povoado
por viagens, músicas, movimentos e olhares. Neste sentido, Cunha e Silva (1999, p.
24) propõem pensar que “o corpo que dança é, por isso, um corpo cartografante: os
lugares por onde passam organizam-se como um mapa. E o mapa, ao revelar o corpo
através dos lugares por onde passou, emerge como uma metáfora do conhecimento”.
Esta corpografia no BTCA traça um mapa nos territórios da dança, em que um
cartografo de olhos e poros abertos aos afetos ensaia captar o entrechoque com as
bailarinas e bailarinos. Nesse processo, de acordo com Nyathi (2015), acontece “uma
explosão da experiência emocional. A dança é um microcosmo de uma sociedade em

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particular. É a sociedade em movimento”. Essa corpografia abriga as experiências
do encontro com as bailarinas e bailarinos do BTCA, ao longo do tempo em que
vivem com a dança em suas histórias. Essas bailarinas resistem aos efeitos da lógica
hegemônica cientificista, capitalista e machista, lógicas estas que desenvolvem for-
mas de controle e deslocam os processos subjetivos do corpo-dançante em direção
a um modelo disciplinar:

Digamos que a disciplina é o processo técnico unitário pelo qual a força do corpo
é com o mínimo de ônus reduzida como força “política”, e maximalizada como
força útil. O crescimento de uma economia capitalista fez apelo à modalidade
específica do poder disciplinar, cujas fórmulas gerais, cujos processos de submis-
são das forças e dos corpos, cuja “anatomia política”, em uma palavra, podem
ser postos em funcionamento através de regimes políticos, de aparelhos ou de
instituições muito diversas (FOUCAULT, 2000, p. 182)

É neste contexto que este trabalho traça pistas sobre o que pode um corpo-dan-
çante (SPINOZA, 2009), descrevendo os efeitos da dança na produção de saúde
mental, a partir da vivência com 5 (cinco) bailarinas que fazem parte do BTCA.
Convidamos assim, o leitor e a leitora, a pensar este corpo que dança em suas múl-
tiplas formas, idades, raças, flexibilidade; pensar as formas de resistência destes
corpos-dançantes; identificar as construções que vivificam e as que paralisam os
processos de construção e constituição dessas mulheres/bailarinas como sujeitas de
sua singularidade. Aqui, entraremos em fluxos diversos, onde suas potências de agir
são diminuídas e aumentadas todo tempo (SPINOZA, 2009). Entrechocaremos com
essa atitude humana de afetar e sermos afetados pelos encontros (CHAUÍ, 2011), de
experimentar um dançar de sensações com o BTCA.

Metodologia
Desenho de estudo: Este trabalho foi desenvolvido a partir do método qualita-
tivo, onde o pesquisador-observador utilizou como ferramenta a corpografia, ou seja,
um modo de trafegar pela subjetividade de um corpo em experiência com os afetos,
espaço e tempo e com tudo o que faz parte do seu ambiente de existência, determi-
nâncias físicas e simbólicas (FERREIRA, 2011). Um palco-território-corporeidades.
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
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O território institucional desse estudo foi o Balé do Teatro Castro Alves (BTCA).
No primeiro instante foi necessário entrar em contato com o Teatro. A partir das
mediações para efetuar a pesquisa, foi iniciado um vínculo entre pesquisador e diretor
de arte do BTCA, aproximação que tornou possível pensar como seria a chegada do
pesquisador no território. Essa corpografia foi dividida em duas etapas, que durou
entre o mês de agosto e setembro de 2018, contabilizando o total de 5 encontros. A
pesquisa foi aprovada pelo Conselho de Ética em Pesquisa CEP2 em 10/07/2018.
A Primeira etapa aconteceu durante quatro encontros, momento em que foram
feitas observações de como funcionavam os ensaios das bailarinas, onde emergiam
pistas do que acontecia durante as tardes na sala de ensaio do Teatro com o Balé.
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Todas essas informações foram registradas pelo pesquisador-cartógrafo, que,


segundo Jacques (2008), “vivencia e produz ações que contam as apropriações com
seus desvios e atalhos, experimentado com todos os sentidos corporais formas de
dar linguagem aos afetos do território” em um diário de campo, construído a partir
do método cartografia social, que diferente de outros métodos que se posiciona em
encontrar resultado ou conclusão, apropriou-se em acompanhar afetos, não dirigindo
sua pesquisa para a essência das coisas, mas caminhou para os encontros com as
coisas durante o tempo que esteve com o BTCA.
É desse lugar habitado – o BTCA – que foi desenvolvido o material que contém
narrativas do pesquisador-cartógrafo, que se posicionava com certo grau de abertura
do corpo, compondo aqui com José Gil3 no território da dança, buscando o aconte-
cimento que aquela sala trouxe.
Na segunda etapa, o quinto encontro, foi desenvolvido uma técnica chamada
linha de vida. Para essa parte da pesquisa, a seleção da amostra foi feita por conve-
niência, e a pesquisa foi desenvolvida a partir da disponibilidade das bailarinas – cinco
bailarinas se dispuseram a participar do tracejo das linhas de vida. Essa técnica é um
instrumento que possibilitou que elas traçassem suas histórias partindo do instante
em que se reconheceram desejantes do dançar em suas vidas, até a aproximação
desse desejo atualmente. A linha de vida consiste: uma linha horizontal é traçada
numa folha em branco que represente a vida do sujeito e, nessa linha as bailarinas
apontaram o ano que perceberam a dança entrar em suas vidas. Partindo dessa
data foi sucessivamente registrado outros anos que marcaram seus corpos com
a dança. As narrativas partem desses pontos que expressam os eventos importantes
que marcaram sua trajetória na dança e vida, evidenciando como se sentiam com
seus corpos ao longo dos anos destacados na linha de vida. Na finalização do
processo, foi aberto um espaço e compartilhamento das linhas de vida das bailarinas.
Após esse encontro, foram finalizadas com as bailarinas as atividades, e o pesquisador
se retirou do espaço do BTCA.
No escopo de mapear os dados capturados na cartografia narrada no diário de
campo e na linha de vida, foram utilizados conceitos como fundamentação teórica

2 CAAE 87792518.5.0000.5544
3 Filósofo moçambicano, que, entre seus livros publicados, destacamos “Movimento total: o Corpo e a dança”
e “Metamorfose do Corpo”.
326

que pudessem trabalhar nas discussões. Os conceitos que utilizamos como guias
analíticos do território foram os seguintes: Saúde de si, de Parpinelli e Fabiano
(2006); Acontecimento/entrechoque, de Deleuze (1998); e Arte, de Deleuze e
Guattari (1997). Foram também utilizados os conceitos de Corporeidade, de Valéry
(1980), e Dança, de Garaudy (1980). Além da leitura de artigos identificados na base
de dados da SciELO e PePSIC acerca da temática: cartografia social, corpografia,
saúde mental. Algumas pistas foram seguidas nesse território corpográfico explorado.

Pista serendipidades

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A dança na maioria das vezes, é provocada em um espaço-tempo no corpo onde
o bailarino ainda não sabe tanto se ali pode dançar, mas que apesar de não saber se há
possibilidades em determinados lugares-temporalidades, os corpos estão preparados
ou em preparação para experimentar. Essa seria a serendipidade, uma descoberta ou
encontros de algumas coisas enquanto estávamos procurando outra, mas para qual
já tínhamos que estar, digamos, preparados (GONÇALVES, 2017).
Um devir-Luedji Luna (2017), em seu canto “tanta volta pra nenhuma resposta”
e, assim, faz chegar novamente à pergunta que move e faz dançar mais. Uma dança
Serendip seria esse lugar onde o corpo acontece no desconhecimento de suas poten-
cialidades, experimentando, entre um e outro movimento, suas formas corporais e
incorporadas do acontecimento. Mudar os hábitos no território da dança pode pro-
vocar o corpo a se mover muitas vezes, a lugares desconhecidos de sua possibilidade
de movimento: uma coreografia nova, uma música antes nunca ouvida. Por mais que
outras possibilidades aqui sejam postas, haverá sempre serendipidade no ato de dançar:

Os bailarinos de pé, formaram uma grande roda. O movimento começava com os


pés “calcanhar para dentro, calcanhar para fora” o desenho do movimento com os
pés formando um quadrado, o som era das palmas que seguiam a movimentação,
e não o contrário. “Não é a música que diz o movimento, é o movimento que
escreve a música”, disse o Letieres aos bailarinos enquanto mostrava sua proposta
(DIÁRIO DE CAMPO, 22.08).

Um corpo é formado por várias atmosferas, camadas espessas de experiências


com o tempo, com as palavras, e com os lugares por onde transitou. Moehlecke e
Fonseca (2005) nos contam que o corpo que dança procura, por meio de sua gagueira
hesitante, saltar para a produção de sua própria língua. A dança se torna, então, um
meio de entrar em outro mundo, no mundo do outro.
Eu estava de pé, atrás do aprendiz de dançarino. a distância entre nossos corpos
era atada pela força do seu corpo tenaz e persistente em preservar aquele movimento.
Me sentia dentro e fora do ritmo que nos embalava. A insegurança de coexistir com
meu corpo em vários movimentos funções-bailarino-pesquisador produzia a tal textura
imprevisível da potência serendipe. Relaxo e deixo o corpo escrever como pode, com
seus afetos. O que me chama atenção, me lanço ao diário de um campo que dança:

[...] Dois indivíduos, um já na velhice-adulta e um outro jovem-adulto, contorciam


seus corpos no famoso “moon walker” – passo de dança criado pelo Michael
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Jackson –, a repetição entre os dois dançarinos me chamou a atenção, a cena


provocava gargalhadas entre os outros bailarinos (DIÁRIO DE CAMPO, 29.08).

Os mundos paralelos entre o velho e novo provocam no espaço da dança do BTCA


várias narrativas, era possível perceber as dificuldades de alguns corpos ali presentes, a
flexibilidade, a força e outras habilidades advindas do processo de dançar já não eram as
mesmas: “muitos aqui já caíram, fraturaram partes importantes do corpo, e estão aqui
dançando. Dançar é perigoso, doloroso” (DIÁRIO DE CAMPO, 29.08). As narrativas
demonstravam as marcas do tempo, e a insistência em lugares desconhecidos desse
corpo que resiste a vida pela via da arte, criando no mundo formas de afetar e serem
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afetadas com e pelo dançar. Como esse velho no novo e novo no velho me afeta, como
meu corpo se posiciona, se desloca, descola ou gruda com essa cena:

Era notório a diferença dos movimentos entre os corpos e histórias de cada um


com o processo da dança. Uma bailarina, que estava próximo à professora de
pilates com aparentemente seus 60 anos, demonstrava flexibilidade para vários dos
exercícios, já para outros, o corpo dizia de um limite que parecia vir dos efeitos
do tempo no corpo. A mesma bailarina se aventurava a compor o movimento para
que ele a alcançasse, e assim era feito, entre a solicitude do movimento perfeito
produzido pela professora de pilates, havia um “ideal” que para aquela bailarina
não era entendido com regra. Já outro bailarino de aparentemente 30 anos, que
estava mais ao fundo da sala, se exercitava buscando a maior elasticidade. Não
buscava muito o diálogo com a dificuldade do corpo naquele movimento, nem
com dinâmica do movimento, era público, ali o movimento “ideal” operava, e em
muitos momentos, notava a proximidade entre o que ele fazia e o que a professora
de pilates orientava (DIÁRIO DE CAMPO, 19.09).

O território de dança é diferente para cada corpo; as dificuldades se apresentam,


e, junto com elas, a necessidade de senti-las como limites ou avanços, conforme
o contexto vivido naquele momento. Não há uma dança que faz o movimento no
corpo passar de um movimento sensório-motor à arte, e que não precise de sentidos
para que seja construída. Talvez não haja apenas um só lugar para existir com o
dançar. A música é ferramenta que junto com o movimento forma a dança, compõe
esse território, e esse lugar precisa ser marcado a partir de suas influências, fazendo
com que o dançar se atualize no corpo, e o corpo se atualize na dança, mexendo
estruturas antes muito firmes.
Não há um único jeito de usar o corpo – disso Spinoza (2009) se encarregou
de nos alertar –, quando se está movido por uma dançar Serendipe, algo se desloca
no acontecimento, provocando territórios múltiplos, povoados por “experiências,
algo que nos acontece, nos alcança; que se apodera de nós, que nos tomba e nos
transforma” (HEIDEGGER, 1987 apud BONDÍA, 2002, p. 25). Um corpo com a
força da arte requer:

Parar para pensar, parar para olhar, parar para escutar, pensar mais devagar, olhar
mais devagar, e escutar mais devagar; parar para sentir, sentir mais devagar,
328

demorar-se nos detalhes, suspender a opinião, suspender o juízo, suspender a


vontade, suspender o automatismo da ação, cultivar a atenção e a delicadeza,
abrir os olhos e os ouvidos, falar sobre o que nos acontece, aprender a lentidão,
escutar aos outros, cultivar a arte do encontro, calar muito, ter paciência e dar-se
tempo e espaço (BONDÍA, 2002, p. 25).

Dentro da forma de dançar do BTCA muito havia a ser experienciado, ali ao


mesmo tempo em que se fazia um território de experiências para quem chegava pela
primeira vez no espaço, também era um território de experiências para os bailarinos
que já faziam parte da companhia. Na medida em que os “as bailarinas (o) foram se
misturando entre olhares, sons vocais e bateres de mãos” (DIÁRIO DE CAMPO,

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29.08). Algo de fora chegava pela via da experiência no meu corpo, transitando pelas
articulações, movendo-se pelas memórias corporais que tinha, chegando no campo onde
o movimento era transformado em algo não só do eu-bailarino para com o corpo, mas
uma atitude que agora disparava de meu corpo para uma outra, como uma comunicação
– a dança me fazia dançar junto com os bailarinos. Algo serendipiou, percebi que ali
como nos indica o devir-Luedji Luna (2017), “eu era a minha própria embarcação”.

A coreógrafa (Morena Nascimento) já havia sinalizado [...] era necessário que


cada corpo encontrasse seu caminho com o ritmo, tempo. Era necessário entrar
pelos poros da derme, era necessário alcançar o tato, estava ali a grande questão
do momento: os bailarinos que já acostumados com outra contagem de tempo,
com outra forma de ver a música, que, por conseguinte já havia criado memorias
no corpo sobre esses aprendizados, nesse momento foram convocados a estar
em experiência com outro jeito de fazer o dançar (DIÁRIO DE CAMPO, 3.10).

O corpo dançante se põe em aventuras com o pensamento, produzindo no


território da dança uma forma de dizer e ser no território, capaz de transitar entre
espaços conduzidos pela necessidade de criar pela via da arte, despertando no corpo
intensidade e movimento. Provocando a irrupção de um corpo-dançante diferencial.
Esse acontecimento também é possível quando a serendipidade afeta o território, o
território da dança.

Pista coalescência
Para criar uma dança, ou para sair do lugar sensório-motor, a bailarina faz
junções de cada etapa que passou com seus corpos, para que possa produzir um
acontecimento no presente. Coalescência equivale segundo dicionário Michaelis
(2019) é “aderência ou junção de partes ou tecidos que se encontravam separados”.
Passa por trajetos cheio de saberes, onde os limites e os excessos habitam, passa
por velocidades e lentidões, garantindo ao corpo o tempo do dançar. É justamente
esse tempo que transita pela dimensão da música, via que incute no corpo a tensão,
o não saber, o novo, que em alguma medida junta e se separa ao se afetar com as
notas, os sons, os ritmos.
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Há algo nessa aderência que provoca no corpo uma elaboração, ou seja, que pro-
duz um saber: a música adere ao corpo, e o corpo dança para dar lugar à música, esse é
o efeito de um corpo coalescente no processo que subjetiva a música em movimento.

Os bailarinos atentos prestavam atenção aos sons que o músico os apresentava.


Explicações históricas da construção instrumental do som; era necessário dizer:
“todo som é construído a partir da diáspora negra, essa música conta a história
da travessia dos navios negreiros, conta a nossa história, e é sobre isso que quero
contar com essa montagem entre a dança e a música”. – disse Letieres (DIÁRIO
DE CAMPO, 22.08).
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Porém, haja vista que o corpo coalesce para expandir, a música também coa-
lesce para poder habitar o corpo, como o movimento de crescimento de uma gota
d’água quando incorporada com outra. Esse movimento descrito parece de alguma
ordem despretensioso, mas vale experimentar colocar um músico e um bailarino ao
encontro, e logo algo de um faz desejo de caber no outro.

[...] A pensar de todos esses “esticamentos” entre músculos, membros e músicas,


foi a interpretação do Chico Buarque com a música chamada “Luisa” (1979) que
embalou uma parte geracional daquele grupo de bailarinos, a frase “Vem nave-
gando o azul do firmamento, e no silêncio lento um trovador, cheio de estrelas”
entoou como um coral, seguido de movimentos precisos e graciosos (DIÁRIO
DE CAMPO, 19.09).

A música anima o corpo que se põe ao dançar, ela faz o movimento sair para
outros sentidos, faz com que o dançar da bailarina produza coalescência com ins-
trumentos musicais, músicos, histórias. Assim se localiza os efeitos de uma corpo-
reidade manifesta, quando a bailarina que dança em diversas direções perde-se e
encontra-se nos lugares de partida e chegada por onde a música se faz existir:

O pilates terminava ao som dos “Novos Baianos”, com suas melodias e arranjos
poéticos: “Brasil, esquentai vossos pandeiros e iluminai os terreiros que os bra-
sileiros querem sambar”. Junto a esse convite, os corpos gingavam para fora do
tatame que posicionaram seus corpos durante a aula; levantando lentamente era
pedido que “subisse-subisse-subisse, e relaxasse, assim foi feito. Do alto com o
corpo, esticando toda coluna, todos os músculos. Um som de ar saindo dos corpos
tomavam meus ouvidos, meu corpo junto movia-se, relaxei, me juntei (DIÁRIO
DE CAMPO, 19.09).

A coalescência entre a música e a dança aciona não só os efeitos de um dizer


pela via da arte, mas também coloca o corpo em entrechoque com outros corpos que
produzem em seu cenário particular um lugar para o outro habitar. O BTCA consti-
tui-se como um encontro de corpos de onde a corporeidade do “cada um” aparece,
mesmo com muito esforço para existir com a dança, havendo muitas tentativas de
um modelo disciplinar do Estado exercer controle e diminuir a força das artes. É
330

no um-a-um que a dança faz dançar no corpo das bailarinas uma singularidade capaz
de transformar o jeito de estar no mundo.

A coreografa dizia não buscar uma cópia/reprodução do movimento que o corpo


dela fazia, mas sim, que pudessem estabelecer um “código” para que aqueles
corpos (BTCA) pudessem dialogar uns com os outros na mesma dança (Diário
de Campo, 3.10).

A corporeidade provoca o corpo a deslocar-se no tempo, no espaço, no biológico


do corpo e no espiritual dele – isso é traduzido como movimento na dança. O corpo
que ao dançar repousa muito pouco, lentifica e acelera seu processo de compreensão

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do movimento, abrindo e fechando tentativas de pôr o corpo em suficiência para a
dança. Valéry (2011a, p. 26-57) demonstra com sua poesia “Esboço de uma serpente”
como essa corporeidade desloca o corpo dançante:

Do prazer em que já te esvais,


Cede, corpo, às ávidas vozes!
E que as tuas metamorfoses
Em torno da Árvore dos Ais
Teçam um ritual de poses!
Vem sem ver! Em passos sem pausa
Ousa os pés que entre rosas pousas!
Dança, corpo... Não penses mais!
Aqui, só o gozo é a causa
Suficiente ao curso das cousas!...

A poesia demonstra como o corpo se deixa ir deslocando-se das regras e do


limbo que a moral o conduz para estar. É também na dança que a norma é tencionada,
é na dança que o corpo necessita provar de um outro lugar no próprio corpo, uma
ética que possibilite o bailarino ir aonde puder. Essa ética é também onde o corpo
produz um modo de se movimentar no mundo pela via do acontecimento, possibi-
litando outro encontro desse bailarino com o seu dançar, encontro este que provoca
a(o) bailarina(o) a experimentar seu corpo em busca de um novo saber sobre ele:

Morena já havia sinalizado [...] era necessário que cada corpo encontrasse seu
caminho com o ritmo, o tempo, era necessário entrar pelos poros da derme,
era necessário alcançar o tato, estava ali a grande questão do momento. Os
bailarinos que já acostumados com outra contagem de tempo, com outra forma
de ver a música, que, por conseguinte já havia criado memorias no corpo sobre
esses aprendizados, nesse momento foram convocados a estar em travessia com
o que eram em direção ao que viriam-a-ser com aquela forma nova de dançar
(DIÁRIO DE CAMPO, 3.10).

O corpo acontece sem pausar, o corpo está disponível aos encontros, porém
o corpo também se coloca apto aos desencontros que ele mesmo provoca ou que
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determinadas situações o fazem experimentar. Não há forma perfeita de se fazer o


dançar, coalescer em muitas situações é uma das maneiras para se criar um sentido
para a movimentação que é imaginada. Olhar, fazer, desfazer para poder recomeçar
o movimento, é necessário insistir no corpo, desmontá-lo para criar o outro:

[...] Foi perceptivo como uma irritação ocorria entre os pensamentos e os movi-
mentos, um bailarino olhava para o braço direito, franzia o rosto, como quem
expressa uma insatisfação, outro sorria quando a perna alcançava o que poderia ser
o “ideal”, mas em seguida olhava para o ombro que não se mexia como esperado.
VOLTA. Repete, volta, repete. Uma cobrança entre o que a coreografa fazia e o
que os bailarinos desejavam alcançar (DIÁRIO DE CAMPO, 3.10).
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Há sempre um novo ponto de encontro do corpo com o sensível do corpo, a


coalescência como acontecimento é esse espaço onde o corpo se identifica também
no corpo do outro para produzir seu espaço de criação. O novo pode ser o “habitual”
para quem dança – pegar o transporte, comer um cuscuz, sentar-se no sofá de casa,
tudo isso vira dança, vira algo novo – e para a subjetividade desse corpo que dança,
o novo é o agora:

As bailarinas [...] não mais seriam as tripulantes das naus, seriam o mar que reco-
lhiam os corpos, o mar que levaria os mortos e vivos, o mar que agitava ao som
de tambores e gritos, era uma espécie de movimento condutor de uma história, em
diferentes facetas: atearam uma garrafa com uma carta dentro, era um pedido de
socorro, esta seria a metáfora para aqueles bailarinos se movimentarem em coales-
cência: levar a carta-socorro há um lugar “sólido” (DIÁRIO DE CAMPO, 3.10).

Linhas antropofágicas
A corporeidade é o singular do corpo que dança e “cada execução da obra é
uma aproximação semelhante à sua primeira execução. De uma cultura para outra,
a corporeidade carrega consigo diferentes impressões que enformam os movimentos,
dando-lhes especificidades, ainda que sutis” (SOARES, 2013). Não obstante, os cor-
pos dançantes “escorregam” entre os territórios que transitaram, que transitam com
a dança, produzindo e sendo produzidos por corpos que devoram as linhas das ima-
ginações, assimilando um pensamento vivo, pulsante e prático. Mesmo sabendo que
“o corpo trai sempre. Por ele, o mundo muda na competência de guardar, de marcar
e sentir, espécie de bagagem polimórfica, amoral, imoral. Mesmo quando submetido,
deixa escapar, pelas frinchas performáticas, seus desejos” (FARIA, 2009, p. 111).
Como uma jiboia faminta quando encontra o boi, a bailarina devora e é devo-
rada pelos lugares por onde viajou, abraçando e sendo abraçada por vivências que
teve das geografias que habitou, ao encontrar um outro habitus, uma outra cultura,
uma outra política, uma outra economia, abraça o desconhecido, aperta-o, devora-o
e disso um outro corpo que dança se apresenta, como a jiboia quando constringe o
boi e devora-o, produzindo o tempo da digestão. Esse tempo compõe a corporeidade
332

da bailarina assimilando o novo, esse encontro no desconhecido, um canibalismo do


semelhante para fazer o singular.
Essa ideia de canibalismo urge do escritor Oswald de Andrade, que, em 1928,
escreve o Manifesto Antropofágico, conforme explica a pensadora Monica Dantas:

Como bem sabemos O Manifesto Antropófago, escrito por Oswald de Andrade


em 1928 difundiu os princípios da antropofagia. Ele retoma a ideia de canibalismo
ritual praticado pelos índios da tribo Tupinambá e propõe a ação antropofágica:
devorar a cultura estrangeira digeri-la e assimilá-la seletivamente para restaurar
seu próprio patrimônio cultural. Assim, passar da lógica da assimilação ao modo
antropofágico foi um gesto e um desejo necessários (DANTAS, 2008, p. 2).

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A antropofagia é um fazer com a própria vida em movimento, entrando em ter-
ritórios diferentes, para vir a ser outra forma do processo de entrega e dedicação nessa
novidade, compondo os espaços de constituição de ideia da arte a ser produzida. Esse
movimento do corpo que dança envolve muDanças advindas dessa antropofagia. Em “A
inconstância da Alma Selvagem”, Eduardo Viveiros de Castro (2017) nos indica que:

As mudanças corporais não podem ser tomadas apenas como signos das mudanças
de identidade social, mas como seus correlatos necessários, e mesmo mais: elas são
ao mesmo tempo a causa e o instrumento de transformação das relações sociais.
Isso significa que não é possível fazer uma distinção entre processos fisiológicos
e processos sociológicos; transformações do corpo, das relações sociais e dos
estatutos que as condensam são uma coisa só. Assim, a natureza humana é literal-
mente fabricada ou configurada pela cultura. O corpo é imaginado, em todos os
sentidos possíveis da palavra, pela sociedade. [...] O social não se deposita sobre
o corpo como sobre um suporte inerte, mas o constitui (2017, p. 72).

Nessa possibilidade de o corpo ser configurado pela cultura, movendo-se entre


os tempos, o humano e o animal entram na dança como um modo de “fazer com”, de
composição. Fazer com, aqui, significa não imitar, não fazer igual, mas juntos, mar-
cando e sendo marcado por uma experiência de estar memorando o outro e no outro
um encontro. Deleuze e Guattari marcam essa experiência como devir, que segundo os
filósofos, seria: “Jamais imitar, nem fazer como, nem se ajustar a um modelo, seja ele
de justiça ou de verdade [...] tornar-se cada vez mais sóbrio, cada vez mais simples,
tornar-se cada vez mais deserto e, assim, mais povoado” (DELEUZE; PARNET,
1998, p. 3-24). Essa experiência de devir-jiboia advindo dessa antropofagia situa um
bloco de encontro entre o humano e o animal (AGAMBEN, 2017), em que devorar
o outro se torna não uma prática violenta e sangrenta, mas “estratégias de afirmação
cultural, artística e política em países de economia periférica [...] porque, menos
demagógica e consensual, oferece a experiência de uma violência transformada”
(DANTAS, 2008, p. 2). No BTCA, essa experiência de devir-animal antropofágico,
chega no corpo dos bailarinos pela via da cobra, um devir-cobra:

Os bailarinos a postos, uma nova cena se configurará. Sons de chocalho, berim-


bau, “sax” e “carron” instrumentavam a coreografia de nome “Dan” – a cobra. O
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 333

espetáculo usa como base a história de Oxumarê4, orixá que representa a dualidade,
a diferença. Diferença. Os modos de corpos se moviam inicialmente dos seus
espaços íntimos aos coletivos. Toques, olhares, cheiros e sorrisos abraçavam a
movimentação. Para o alto, no colo. Em cima e embaixo. Silêncio. “Dan” apontava
para um desmonte de ideias hegemônicas. Era uma sintonia entre os bailarinos
onde já ganhava destaque a multiplicidade. A ideia foi fazer acontecer às diversi-
dades, isso estava posto, corpos magros, gordos, jovens e envelhecidos, homem
e mulher, raça e sexualidades, uma mistura que dizia de uma unidade política
resistente às itinerantes forças opressoras, mas que decidiram acampar no que
poderíamos chamar de mudanças. Nada depois daquilo permanecia o mesmo,
algo mudou (DIÁRIO DE CAMPO, 22.08).
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Os sons, os movimentos, os instrumentos musicais, os idiomas, as cores, o ar,


todos esses elementos e outros mais entram em relação com esse corpo que transita
pelas linhas que o montam e o fazem dançar. Esse devir-cobra que trafega por essas
bailarinas ocupa não só um lugar de repouso para esse corpo que relaxa quando se
depara com a “nova” dança, mas também articula uma certa velocidade, para mudar
esse corpo que reage à sua própria existência no mundo de outro, atempando sua
diferença pela linguagem. A discussão se torna mais evidente quando em uma das
linhas de vida, uma das bailarinas do BTCA diz que em 1990:

minha mudança para a Suíça, muitos novos estímulos corporais provocados por
aulas diferentes e abordagens diferentes dos movimentos me fizeram experimen-
tar uma revisão mais complexa e mais completa com o meu corpo (LINHA DE
VIDA, 1978).

As mudanças continuam em qualquer lugar por onde esses corpos transitem.


O devir-cobra devora e aperta pela via do abraço o conhecimento, que se faz novo,
é também o lugar no qual esse que dança produz o que aqui chamaremos saúde de
si, uma forma nominal de poder articular essa subjetividade no ponto de produção
do sensível, que tange à percepção do próprio corpo como esse canibal devorador,
e que devora para resistir ao mundo. Nessa medida, o mesmo corpo que transita por
espaços que afrontam a existência faz também com que essa saúde de si agencie
acontecimentos pela via desse devir-cobra.
A mesma bailarina que devorou os acontecimentos da Suíça em 1990 devora
uma nova forma de sentir o corpo em São Paulo em 2003, como ela descreve: “o
contato profissional com um dos grandes coreógrafos do mundo (Ohad Naharin5),
foi tão potente que senti meu corpo visitar sensações e explorar movimentos que
eu até então desconhecia” (LINHA DE VIDA, 1978). Esses efeitos de devorar os

4 “Oxumaré simboliza também a força vital, do movimento, de tudo o que é alongado. É ao mesmo tempo
macho e fêmea. Ele sustenta a terra e a impede de desintegrar-se. É a riqueza e a fartura. Algumas contas
azuis ditas Nana ou pedras de Aigry, denominavam-se Dan Mi (excremento de Dan) e são deixadas por ele
no chão à sua passagem; dizem que elas valem o seu peso de ouro” (VERGER, 1991, p. 231).
5 Ohad Naharin, diretor artístico da Batsheva Dance Company, é considerado um dos coreógrafos mais
importantes do mundo.
334

acontecimentos com o corpo compõem o ponto idôneo para uma noção de saúde de
si. Kafka, sobre esses acontecimentos, nos indica que “a partir de certo ponto não
há mais retorno. É este o ponto que tem de ser alcançado” (KAFKA, 2011, p. 185).
Seria como um ritual, como alguém que mergulha nas aventuras de um corpo
que dança, de um dançar que vivifica a existência, e percebe “como a bailarina
passa de uma motricidade pessoal a um elemento supra-pessoal, a um movimento de
mundo que a dança vai traçar” (MOEHLECKE; FONSECA, 2005). Essa bailarina
que devorou a Suíça em 1990 e São Paulo em 2003, só em Salvador em 2017 pôde
sentir os efeitos de um corpo forte e livre: “novo retorno, e dessa vez meu corpo volta
muito mais potente. Volto a treinar antes do trabalho com dança e reconheço um

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corpo mais forte e livre” (LINHA DE VIDA, 1978). A liberdade marca o processo
de corporeidade de uma bailarina livre, mas ela também abre para um outro corpo
dançante, a experiência de criar formas de produzir enfrentamentos.
Esses enfrentamentos marcam o corpo dançante desde seu início, quando as baila-
rinas buscam o dançar como lugar também de existência. Em 1976, uma outra bailarina
conta, ao iniciar em uma escola de dança, que foi tomada por um afeto que ela descreve:

Um choque de realidade, pois era uma Escola de Balé Clássico e pelo olhar de
todos eu poderia vir a ser uma bailarina clássica, porém, neste ano completaria 14
anos e para o pensamento da escola eu já estava “velha” para começar no ballet
clássico e então comecei no Jazz (Fui surpreendida por ser elogiada pela facilidade
do meu corpo e meu desenvolvimento naquele ano) (LINHA DE VIDA, 1974).

Essa mesma corporeidade, que encontra na liberdade formas de ser atualizada,


localiza também nos afetos forças para investir em uma saúde de si que é, ao longo
do processo do dançar, um traço de resistência a partir de suas singularidades. A
performance é um lugar de invenção dessa saúde de si, onde a subjetividade faz o
corpo sair de um pensamento para o ato, como nos indica a bailarina, quando diz:
“Pode falar de si em um solo (Desafio sempre!!!) desse ‘tipo físico’ pequeno dentro
do BTCA” (LINHA DE VIDA, 1974). Resistências que se fazem existir quando esca-
pam dos modelos de corpos ideais e demonstram como o corpo dançante expressa-se
no combate incansável entre vida e morte, brincando com os limites entre o que há
de moribundo e de embrionário, com as formas de expressar com a arte do dançar
o que foi devorado pelos lugares por onde passou (COELHO; FONSECA, 2007).
Da passagem de um “corpo neutro” (LINHA DE VIDA, 1993) a um corpo que
aperta e devora o mundo, existe a necessidade de reencontrar suas forças, enxergá-lo
como um campo de multiplicidades produtivas, para assim não sucumbir à tenta-
ção de fechá-lo, ao vê-lo como uma fronteira a ser vencida, explorada e controlada
(MOEHLECKE; FONSECA, 2005). Uma das bailarinas relata que:

Depois do contato em São Paulo com tantos artistas diferentes, meu corpo enten-
deu suas limitações e passou a tirar proveito do que o tempo se encarregou de
armazenar nele. De fato, uma escuta maior, e o entendimento de não reproduzir
o do outro e encontrar meu próprio caminho (LINHA DE VIDA, 1993).
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 335

O que vivifica é essa compreensão de um corpo que se atualiza pela via das
velocidades e lentidões da corporeidade, que estão na fronteira entre o corpo e a
dança, ao se afetar e ser afetada por outros corpos, vivenciando o que está disponí-
vel aos sentidos. Experimenta e tenta fazer um modo próprio de crescer com força
ou leveza, na medida em que o corpo vive com os acontecimentos. Essa noção do
corpo dançante, vibrando entre outros corpos, provoca uma saúde de si que não
dimensiona relações binárias entre a saúde do corpo e da mente, mas encontra no
devir-cobra uma forma potente e crítica, para enfrentar os diferentes vetores de
controle sociais e culturais de um corpo dançante, devorando e constringindo os
afetos no próprio percurso com o dançar.
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Considerações finais
Não saber o que pode um corpo faz do território da dança um quilombo de muitos
acontecimentos. Estes que chamamos de acontecimentos se constituem nesse espaço
serendipe, onde as coisas no/do mundo atravessam o corpo dançante, atualizado no
inesperado, mas que se coloca preparado para isso que é novo. Essa corpografia percebe
um corpo frágil e finito, que resiste à vida trafegando pelos modos de coalescência do
corpo com a sua própria história, com as experiências, com as múltiplas performances,
com os outros e com as geografias que trafegou, compondo danças com o tempo, com
os espaços, com a subjetivação, com outras formas de desejar. Marcamos aqui essas
outras formas de desejar, como uma forma atrevida da bailarina produzir resistência
no mundo, canibalizando os encontros e produzindo espaços singulares para experi-
mentar suas criações. A subjetivação do corpo dançante é o que movimenta a criação
de si, ou seja, marca a liberdade para existir de forma mais singular em um corpo que
se reinventa constantemente. Essa subjetivação descrita ao longo desta corpografia é
também o meio pelo qual o corpo experimenta uma experiência consigo, no modo de
fazer seu dançar com a vida. A subjetivação na saúde mental de uma bailarina produz o
dispositivo que aqui chamamos de saúde de si, evidenciando uma compositora/sujeita
de sua experiência com o dançar, movimentando o corpo por um modo de atualização
e vivência singular no curso da vida. Devorando e sendo devorada pelas performances,
espaços e histórias, a bailarina é a canibal que digere e é digerida pelos acontecimentos
à sua volta, compondo espaços de encontros para produzir uma saúde de si. Foram
identificadas como principais limitações da pesquisa a dificuldade de dados disponíveis
na literatura para compor essa corpografia, além de identificar que o tempo de coleta de
dados restrito de cinco encontros para composição do diário de campo impossibilitou
a coleta de mais informações. Pelas bases de dados que tivemos acesso, essa pesquisa
marca o início de um olhar interdito aos corpos em composição de suas subjetivações
da saúde mental dessas bailarinas do BTCA. Diante dos afetos que me atravessaram e
compuseram essa corpografia, proponho a criação de atividades com a psicologia dentro
do BTCA, desejando um cuidado mais próximos destes corpos dançantes.
336

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PARA SEMPRE ALICE:
uma leitura da dinâmica familiar e dos aspectos
cognitivos causados pela Doença de Alzheimer
Danieli de Lemos Pantoja1
Robenilson Moura Barreto2
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Introdução
Este texto pretende abordar os impactos cognitivos apresentados por pacientes
com Alzheimer a partir da correlação entre cenas do filme “Para Sempre Alice”, e os
aspectos teóricos e conceituais dessa que é uma doença neurodegenerativa que afeta
a memória. O longa metragem “Para Sempre Alice” é dirigido por Richard Glatzer
distribuído pela Sony Pictures Classics no ano de 2014 e tem a duração de 101 min.
A utilização do longa metragem retrata a história de Alice Howland (Julianne Moore)
50 anos, casada, mãe de três filhos. No filme, a personagem é referência em linguística
e professora em uma universidade renomada.
A princípio, a personagem não identifica os sintomas de Alzheimer, entretanto
a partir do momento que os sintomas compareceram durante seu exercício laboral, a
protagonista buscou auxílio médico. Recorreu a um neurologista, tendo como queixa
inicial déficits na memória diante dessa queixa, Alice foi submetida a avaliação clínica
e realizou exames de imagem.
Após extensa investigação, do quadro de saúde, Alice foi diagnosticada com
Alzheimer pré-senil3. É sabido que os impactos do Alzheimer afetam a saúde do
paciente de forma holística. Vale ressaltar que diagnóstico com a magnitude do
Alzheimer não se atém estritamente aos aspectos cognitivos, comparecem também
os aspectos psicológicos e comportamentais. Importante notar que o diagnóstico de
uma doença neurodegenerativa acarreta impactos diretos no paciente, bem como no
seu sistema familiar.
Tendo em vista que o longa metragem aborda a doença de Alzheimer de
maneira fidedigna, as conexões entre arte e neuropsicologia é de extrema relevância

1 Psicóloga, Gestalt Terapeuta. Especialista Neuropsicologia pelo Instituto de Pós-Graduação e Graduação-


IPOG. Área de atuação psicologia clínica. E-mail: dlpantoja85@hotmail.com.
2 Psicólogo, Psicanalista. Especialista em Educação Especial e Inclusiva. Mestre pelo Programa de
Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Pará (PPGP-UFPA). Pesquisador do
Laboratório de Psicanálise e Psicopatologia Fundamental da Universidade Federal do Pará (LPPF/
UFPA). Coordenador da Articulação Nacional de Psicólogas (os) Negras (os) e Pesquisadoras (es)
(ANPSINEP) – Região Norte. Atualmente docente de Psicologia na Faculdade Católica Dom Orione
(TO). E-mail: robenilsonbarreto@hotmail.com
3 Perda progressiva e irreversível das funções intelectuais, como alteração de memória, raciocínio e linguagem
e perda da capacidade de realizar movimentos e de reconhecer ou identificar objetos.
340

considerando que a compreensão sobre a doença requer um exercício complexo e


dinâmico na condução e decisão dos caminhos a serem percorridos.
De acordo com o Compêndio de Psiquiatria (KAPLAN, SADOK 2017:704), a
Doença de Alzheimer (DA), encontra-se inserida na categoria de demência (transtorno
neurocognitivo maior). Segundo essa classificação, demência refere-se a:

Processo de doença marcado pelo declínio cognitivo, mas com clareza de cons-
ciência. A demência não se refere a um baixo funcionamento intelectual, nem
retardo mental, porque estas são condições de desenvolvimento e estáticas, e os
déficits cognitivos na demência representa, um declínio de níveis anteriores de
funcionamento. A demência envolve múltiplos domínios cognitivos, e déficits

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cognitivos causam prejuízo significativo no funcionamento social e profissional.
Existem vários tipos de demência com base na etiologia: doença de Alzheimer [...].

A CID-11, responsável por realizar a classificação estatística internacional de


doenças e problemas relacionados à saúde caracteriza DA da seguinte maneira:

A demência decorrente da doença de Alzheimer é a forma mais comum de demên-


cia. O início é insidioso, com comprometimento da memória geralmente relatado
como a queixa inicial. O curso característico é um declínio lento, mas constante de
um nível anterior de funcionamento cognitivo com prejuízo em domínios cognitivos
adicionais (como funções executivas, atenção, linguagem, cognição social e julga-
mento, velocidade psicomotora, habilidades visuoperceptuais ou visuoespaciais)
emergindo com a progressão da doença. A demência devido à doença de Alzheimer
é frequentemente acompanhada por sintomas mentais e comportamentais, como
humor deprimido e apatia nos estágios iniciais da doença e pode ser acompanhada
por sintomas psicóticos, irritabilidade, agressão, confusão, anormalidades de mar-
cha e mobilidade e convulsões posteriormente estágios. Teste genético positivo.

Segundo a CID-11 lançada em 18 de junho de 2018 caracteriza a DA em duas


categorias: demência devido à doença de Alzheimer com início tardio e demência
devido à doença de Alzheimer com início precoce, neste artigo irei me ater a segunda
categoria, descrita como:

Demência devida à doença de Alzheimer em que os sintomas surgem antes dos 65


anos. É relativamente raro, representando menos de 5% de todos os casos, e pode
ser determinado geneticamente (doença de Alzheimer autossômica dominante). A
apresentação clínica pode ser semelhante aos casos com início tardio, mas uma
proporção significativa de casos manifesta sintomas atípicos, com déficits de
memória relativamente menos graves.

De acordo com Truzzi e Laks (2005), a DA de início precoce apresenta um qua-


dro de rápida evolução e corresponde apenas 10% dos casos de doença de Alzheimer.
Pouco estudada, o quadro manifesto da doença evolui com maior rapidez, logo os
prejuízos cognitivos são mais perceptíveis tanto para o paciente, quanto para pessoas
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tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 341

ao seu entorno. A representação desse quadro está apresentada no caso da protagonista


e a família que identifica a evolução do quadro demencial.
A DA é classificada em fases, levando em consideração o nível de autonomia e
desempenho nas atividades de vida diária (AVD). A literatura aponta que a DA possui
quatro fases. A primeira fase é denominada como leve, os sintomas apresentados são
desorientação quanto ao tempo e espaço, retraimento social, comprometimento na
memória recente e falta de interesse pelas atividades sociais. O estágio moderado
apresenta como sintomas nos aspectos cognitivos, afasia, agnosia, apraxia declínio
da memória mais acentuado, alterações comportamentais e alucinação. No estágio
moderadamente grave, o portador de DA torna-se dependente do seu cuidador as
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funções cognitivas estão seriamente deterioradas, não reconhece ninguém e nem a


si. No estágio final o sujeito com DA fica incontinente, com comprometimento na
linguagem severo que evolui para o mutismo (MOURA; MIRANDA 2015:190).
De acordo com Carrasco (2013) embora na DA tenha uma variedade de sintomas
de ordem cognitiva, também comparecem transtornos neuropsiquiátricos a medida
que o quadro demencial avança. Tais transtornos impactam diretamente a pessoa
com Alzheimer e seu contexto familiar, os sintomas mais frequentes são: alucinação,
ansiedade, alterações no comportamento e agitação. O longa metragem retrata Alice
em seu ambiente familiar, os sintomas de DA comparem em meio à dinâmica familiar,
pois assim como na realidade, a pessoa com DA está inserida em um contexto social
e familiar. Porém neste artigo compreendo que a forma mais didática de expor as
cenas e correlacionar os conceitos teóricos é realizar uma análise por categoria. A
princípio apresentarei cenas que ilustrem os déficits decorrentes da DA e em seguida
os impactos na dinâmica familiar

Aspectos cognitivos da memória em “Para Sempre Alice”


Dentre as funções cognitivas, o primeiro sintoma apresentado pela personagem
foi a memória. Considerando a complexidade da memória como função cognitiva,
esta constitui-se dos processos de recepção, arquivamento e recordação de informa-
ções juntamente com outros diversos processos neurais (ABREU et al. 2014 apud
BUENO, 2011, p. 227-240). Barbosa e Barbosa (2016) corroborando com Abreu
et al. 2018 acerca da complexidade da memória afirmam que “os mecanismos da
memória foram densamente estudados, e pesquisadores identificaram que ela não
pode ser considerada uma habilidade específica, e sim uma parte de uma complexa
combinação de sistemas mnemônicos.
Abreu et al. (2018) afirmam que a memória é a capacidade de realizar mudanças
no comportamento a partir de situações anteriores. Afirma ainda que, enquanto função
cognitiva constitui-se de aspectos complexos, a saber: codificação, armazenamento
e evocação. Codificação consiste em realizar o processamento da informação a ser
armazenada. Armazenamento é descrito como capacidade de reter fortalecer o que
se apresenta à medida que se apresenta, e a reconstrução ao longo de sua utilização
e entrada de novas informações.
342

Por fim, a evocação, é a capacidade de lembrar de uma informação armazenada.


Esse mecanismo é constituído pelo resgate, considerado como busca ativa de infor-
mações armazenadas e reconhecimento que consiste na comparação de estímulos
registrados previamente com estímulos atuais, é útil pois auxilia para descartar falsas
lembranças (ABREU et al., 2018, p.73).

Tempos e condições de memória em “Para Sempre Alice”


Compreende-se como memória de longo prazo a capacidade do sujeito arma-
zenar e recuperar de maneira consciente conhecimentos já adquiridos e experiências

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vividas. (ABREU et al. 2018, p. 77). Tendo em vista que um dos primeiros sintomas
apresentados em pacientes com Alzheimer é o déficit de memória, a cena abaixo
descreve de forma explícita o impacto na memória de longo prazo.
A memória de longo prazo é subdividida em memória consiste episódica em
recuperar dados biográficos e memória semântica corresponde ao “local” que o sujeito
recorre para acessar conhecimentos relevantes para a linguagem, nas cenas abaixo é
explícito o impacto da DA na memória semântica e episódica da protagonista, haja
vista que a mesma não conseguiu recuperar um conceito já armazenado.
No longa metragem “Para Sempre Alice”, a protagonista do filme é convidada
para realizar uma palestra em uma universidade. Alice inicia a palestra, o tema da
palestra é linguagem, ressalto que a personagem é considerada referência no assunto.
Porém no decorrer da sua fala, Alice esquece uma das palavras, faz uma piada apa-
rentemente com intuito de descontrair a audiência e fala um sinônimo da palavra
que desejava proferir.
Na reavaliação com o neurologista Alice já apresenta agravo significativo na memó-
ria e linguagem. O Médico solicita que ela identifique imagens, mas ela apresenta difi-
culdade em nomear as figuras, ressalto que na primeira avaliação os mesmos estímulos
visuais foram apresentados, entretanto na reavaliação Alice não conseguiu identificá-los.
Alice foi ministrar aula, mas não lembrava do conteúdo a ser ministrado, e
de maneira discreta pediu auxílio para os alunos e com esse subterfugio conseguiu
descobrir qual temática a ser abordada na aula. Posteriormente Alice recebeu uma
série de feedbacks negativos em relação ao seu desempenho acadêmico, precisou
informar sobre seu quadro de saúde e foi desligada da instituição. Lídia atuou em
uma peça, a família foi assisti-la e posteriormente ao final da peça a família de
Lídia foi cumprimentá-la no camarim. Todos teceram elogios e a parabenizaram, no
momento que Alice foi cumprimentar Lídia fez elogios, Ana percebeu que embora
Alice estivesse elogiando Lídia a protagonista não a reconhecia.
Outro impacto na memória em decorrência do Alzheimer pré-senil é a memória
de curto prazo. Compreende-se como memória de curto prazo e memória operacional
a capacidade de manter a informação disponível para recordação por um curto espaço
de tempo (ABREU et al. 2018, p. 75). Ainda sobre memória de curto prazo (MCP),
Barbosa e Barbosa (2016) afirmam que tem uma capacidade limitada de armazena-
mento e processamento e as informações são mantidas por segundos.
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 343

Os impactos na memória de curto prazo podem ser identificados em algumas


das cenas do longa metragem nas descrições que se seguem; em um almoço de
comemoração do Natal, no momento que Tom chegou, Alice estava na cozinha,
Tom apresentou sua namorada para protagonista e se retirou da cozinha, quando
Alice juntou-se a mesa com os demais convidados. Ao retornar à mesa de jantar
Alice apresentou-se novamente para namorada de Tom, causando estranhamento a
Lisa (namorada) e Lídia.
Na reavaliação o neurologista solicita que Alice memorize um nome e um
endereço, após um breve espaço de tempo, o médico pede que a protagonista repita
a informação que ele deu anteriormente, mas a personagem não consegue lembrar o
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endereço nem o nome a serem memorizados.

A linguagem e suas condições na doença de Alzheimer


Além de déficit na memória, em virtude do DA a linguagem de Alice ficou com-
prometida. Segundo Costa, Mansur, Silagem (2018, p. 60) ressaltam que a linguagem
é composta por “aspectos biológicos e sociais, que exprimem seu caráter essencial de
favorecer a adaptação do indivíduo ao ambiente”. As mesmas autoras afirmam que
linguagem não pode ser pensada sem considerar os elementos da cognição, linguístico
e social (MANSUR; COSTA; SILAGEM, 2018, p. 60).
No entender de Salles e Rodrigues (2014, p. 93), linguagem é uma habilidade
complexa e extremamente relevante ao sujeito considerando que é através dela que o
sujeito socializa, se comunica em sociedade e exerce suas funções laborais. Reafirma
ainda que a representação da linguagem abarca a saber os níveis: semântico, fonético,
fonológico, morfológico, lexical, sintático, pragmático e prosódico.
O componente semântico da linguagem é a compreensão do significado das
palavras. Fonético diz respeito a natureza física, produção e percepção das palavras.
Fonológico corresponde aos sons produzidos pela fala. Morfológico trata das unida-
des de significados de palavras ou parte delas. Lexical corresponde a compreensão
e produção de palavras. Sintático são as regras de estrutura das frases. Pragmático
compreende a forma como a língua corrente é usada e interpretada, considerando o
falante e o ouvinte por fim o componente prosódico, compreende a junção de reco-
nhecer, compreender, o sentido afetivo ou semântico, considerando na entonação e
padrões da fala (SALLES; RODRIGUES, 2014, p. 93).
Uma das alterações na linguagem é a afasia. Salles e Rodrigues (2014) afir-
mam que “afasia é definida como a perda ou deficiência da linguagem expressiva/
receptiva”, as mesmas autoras discorrem acerca do diagnóstico, que se dá por inter-
médio da execução de atividades relacionadas a linguagem escrita e oral, objeti-
vando avaliar compreensão, expressão, nomeação e repetição de palavras (SALLES;
RODRIGUES, 2014, p. 96).
Em algumas cenas é possível perceber que a protagonista apresenta um quadro
de afasia, especificamente em três modalidades da linguagem, respectivamente foné-
tico, lexical e morfológico. prejuízo em duas esferas da linguagem, respectivamente.
344

No almoço de Natal ao pedir que Tom e Lisa levassem um objeto para sala de jantar
Alice não conseguiu nomear o objeto. Durante a permanência na casa de praia Alice
em diálogo com o marido afirmou que parou de ler um livro pois estava cansada de
ler diversas vezes a mesma linha.

Alzheimer e impactos na dinâmica familiar


Desde o início, o longa metragem já anuncia como se configura a relação fami-
liar dos personagens envolvidos. Na atualidade, existem diversas formas de arranjos
familiares, por se tratar da relação entre as pessoas o conceito de família é instável

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e inseguro uma vez que existem mudanças nessa instituição inclusive por questões
históricas (BORSA; NUNES, 2017, p. 32). Para entender como a família de Alice lida
com o diagnóstico da DA, faz-se necessário lançar o olhar para a dinâmica familiar.
Para compreender uma família, é necessário voltar o olhar para sua estrutura, fron-
teiras e subsistemas. Estrutura corresponde ao funcionamento e seus subsistemas.
Podemos definir como estrutura “um conjunto invisível de exigências funcionais
que organiza as maneiras pelas quais os membros das famílias interagem” (PAZ;
COLOSSI, 2013, p. 552 apud MINUCHIN; FISHIMAN, 1990). Reafirma ainda que
os subsistemas de uma família são “agrupamentos familiares baseados em gerações,
gêneros e interesses em comum” (PAZ; COLOSSI, 2013, p. 552 apud NICHOLS;
SCHUWARTZ, 2007). O conceito de estrutura no filme é ilustrado na cena que
Alice em conversa com seu cônjuge afirma que Ana é igual a ela, no que tange aos
interesses, ambas seguiram uma carreira de nível superior.
Segundo a literatura compreende-se a estrutura e os subsistemas estão entre-
laçadas a noção de fronteira, definida como “barreiras invisíveis que envolvem os
sujeitos e os subsistemas e regulam o contato com os outros. No filme é nítido que
a fronteira estabelecida entre Ana e Alice é rígida, pois, Ana não aceita nem acata
que Alice lhe imponha a profissão a seguir. A família da protagonista é nuclear, ou
seja, é composta por mãe, pai e filhos(as). Borsa e Nunes (2017) compreendem que
este modelo de família é privilegiado historicamente, pois trata-se de um modelo
hegemônico da família tradicional burguesa, monogâmica e patriarcal. No longa
metragem embora este seja o modelo de família vigente, há uma peculiaridade, uma
vez que a mãe é diagnosticada com Alzheimer, logo, é necessário que seja realizado
um rearranjo familiar, pois outras necessidades emergiram no contexto familiar.
De acordo com Coelho e Diniz (2009), é explícito o fato de quadros demên-
cias não envolverem apenas o paciente. O diagnóstico inevitavelmente reverbera no
sistema familiar e rede de apoio. É evidente, portanto, que as demências não dizem
respeito apenas ao paciente. Atingem inevitavelmente o sistema familiar e sua rede
social de apoio. Especificamente no caso de famílias nas quais um dos membros pos-
sui o diagnóstico de uma doença neurodegenerativa o cuidado com o sujeito doente
recebe outro valor considerando a multiplicidade dos impactos no sistema familiar.

A doença de Alzheimer não atinge apenas o paciente, envolve toda a família na sua
complexidade, nas angústias geradas, nas dúvidas não esclarecidas. Os familiares
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 345

mergulham num processo infinito de aflições, tristezas, incompreensões, cobran-


ças críticas e todos os demais sentimentos negativos que possam atingir os seres
humanos. O cuidador acaba sendo a segunda vítima da doença tanto pela sobrecarga
física, emocional e financeira que lhe é imposta, como pelas mudanças do paciente
e ainda pelo comprometimento de seus projetos futuros (DINIZ et al., 2015, p. 10).

No que diz respeito ao diagnóstico “é fundamental que profissionais de saúde


compreendam que familiares são também e seus clientes em sentido amplo, e simul-
taneamente, parceiros no tratamento” (COELHO; DINIZ, 2009, p. 183). Acerca do
diagnóstico, fica claro a necessidade de a necessidade de mais informações sobre
DA na cena que Alice junto com o marido reúnem seus filhos para comunicar o diag-
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nóstico da protagonista. No que tange as relações familiares Coelho e Diniz (2009


apud BRODY, 1989) alertam sobre o surgimento de conflitos entre os cuidadores
ou acirramento de conflitos preexistentes. A literatura salienta que “cuidadores de
pacientes graves com Alzheimer vivenciavam conflitos graves com outros membros
da família” (COELHO; DINIZ, 2009, p. 184). Dando seguimento aos conflitos entre
membros familiares provenientes do diagnóstico de Alzheimer a literatura afirma que:

Cabe avaliar como o sistema familiar multigeracional – envolvendo paciente, espo-


so(a), filhos adultos, netos e outros membros- responde às demandas que a doença
crônica e a assistência[...] trazem ao longo do tempo [...] nem sempre a intensidade
da sobrecarga familiar está diretamente relacionada à severidade do prejuízo fun-
cional do paciente. A qualidade do relacionamento anterior dos membros da família
entre si [...] podem entre outros fatores, mediar o impacto subjetivo da doença e do
cuidar. Considerando que os membros de uma família, compartilham uma história
de significados construídos por uma vida em comum, a doença progressivamente
incapacitante de um familiar pode trazer à tona dificuldades não superadas, rancores
antigos e dívidas afetivas (COELHO; DINIZ, 2009, p. 184).

Considerando as cenas ilustradas pelo longa metragem, observa-se que Ana e


Lídia no decorrer da progressão do Alzheimer que acomete Alice os conflitos foram
acirrados, haja vista que em diversas cenas Ana tece comentários irônicos e deprecia-
tivos a Lídia. Na cena abaixo descrita podemos observar o acirramento dos conflitos.
Em um dado momento, o filme retrata uma situação na qual estão todos reunidos,
Alice pergunta repetidas vezes à Lídia o local e horário da peça que Lídia irá atuar.
A protagonista mediante a resposta de Lídia começa a anotar. Ana ao presen-
ciar a situação fala que não há necessidade de anotar pois, ninguém irá esquecê-la
(Alice). Lídia interrompe Ana e verbaliza que é importante para Alice anotar pois
isso a deixa mais tranquila. Lídia salienta que Ana fala como se a protagonista
não tivesse presente e a partir daí Ana e Alice trocam ofensas. Na compreensão de
Kucmanski et al. (2016) diante de tantas questões relativas ao Alzheimer, surge
nesse contexto a figura do cuidador, cabe a essa pessoa responsabilizar-se por cuidar
do paciente com Alzheimer, tarefa complexa que acaba por quase negligenciar suas
próprias necessidades e além da pessoa com DA precisa prestar assistência para
outros membros da família.
346

Os mesmos autores apresentam três tipos de cuidador, o primário é aquele que


está diretamente ligado aos cuidados da pessoa com DA. O cuidador secundário
possui as mesmas atribuições que o cuidador primário, entretanto não tem o mesmo
grau de responsabilidade, já os cuidadores terciários estão mais alheios no que tange
aos cuidados pessoa acometida pela DA, em geral o cuidado é temporário, atua como
substituto do cuidador primário de Kucmanski et al. (2016, p. 1023).
No filme observei que há um revezamento dos cuidadores de Alice, no início
do longa metragem o cuidador primário é seu cônjuge, periodicamente Lídia assume
o lugar de cuidadora primária. Em outro momento Alice tem uma cuidadora que
não constitui seu núcleo familiar. Posteriormente a cuidadora primária é Lídia que

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renunciou a sua vida profissional em detrimento dos cuidados com a mãe. Ressalto
que no decorrer da trama Tom em momento algum ocupou o lugar de cuidador e no
final do filme apenas Alice cuidava da mãe.
Diante das circunstâncias acima elencadas, considero necessário destacar a
necessidade de o cuidador também receber cuidados. Segundo Herrera Merchan et
al. (2020) tendo em vista que de maneira geral os cuidadores não têm conhecimento
técnico tampouco habilidade, cuidar de um sujeito com DA pode acarretar agravos
significativos em sua saúde física e emocional os mesmos autores ressaltam que ser
cuidador torna esta figura mais vulnerável a qualquer outro tipo de doença.

Mudanças na vida do cuidador pode se tornar um peso ou desafio de ordem


multidimensional, que é físico, emocional, financeiro e que também interfere
nos relacionamentos sociais e lazer. E, quando o cuidador assume a missão de
cuidar [...] sem tempo adequado de intervalo ou descanso, situações de desgaste
e sobrecarga ocorrem frequentemente (MARINS; HANSEN; SILVA, p. 355).

Retomando as especificidades do cuidado que a pessoa com DA requer, a segu-


rança é um item a ser considerado, tendo em vista que as pessoas com DA apresentam
o comportamento de fuga, e como foi anteriormente abordado o prejuízo visuoespacial
contribui para que o idoso se perca. O filme ilustra em dado momento que Alice usa
uma pessoa com na qual está escrito que ela tem problemas de memória. Esta estratégia
bem como o uso do celular para mensurar o seu nível de prejuízo na memória. Outro
aspecto que inspira cuidados por parte do cuidador é a segurança, a preocupação com
quedas e queimaduras é uma questão que demanda de maneira significativa a atenção do
cuidador. O filme ilustra essa cena, Lídia e Alice estavam em um vídeo chamado e Alice
começou a preparar um chá. Lídia demonstrou sua preocupação de maneira implícita
ao perguntar pela cuidadora, tendo em vista que o contato com o fogo representa risco.
Esta cena ilustra a necessidade de que o paciente com DA requer.

Considerações finais
Considerando que na atualidade a população brasileira tende a ser longeva, é
importante que estejamos atentos aos processos de adoecimento, principalmente de
ordem degenerativa, neste caso especificamente a Doença de Alzheimer. Embora
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 347

haja esforços da ciência para compreender a DA, ainda não existe cura para este
quadro demencial, tampouco sabemos sua origem, logo desenhar uma estratégia de
tratamento ainda é algo complexo.
Sabemos que por se tratar de um quadro que gera déficits de ordem cognitiva
e transtornos mentais, o acompanhamento do paciente precisa ser multiprofissional.
Considerando a complexidade que é um quadro de demência de Alzheimer, inevita-
velmente existem reverberações que envolvem o ciclo social do paciente, neste caso
especificamente a família.
Considerando os aspectos acima citados compreendo que cada vez mais deve-
-se procurar alternativas que possam na medida do possível tornar a experiência
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cotidiana dessa patologia menos nociva tanto para o sujeito acometido pela doença
de Alzheimer quanto para seus familiares. No que tange a família, em virtude do
alto investimento nos cuidados com o membro da família com DA, a família precisa
reconfigurar-se para lidar com esta demanda que emerge mediante o diagnóstico.
Consideramos também que na mesma medida que sejam feitos investimentos para
cuidar da pessoa com DA, é necessário que os familiares também possam investir em
si no sentido de autocuidado, uma vez que a rotina de cuidados é extensa e cansativa.
Para tal é importante que os familiares que exercem o papel de cuidadores possam
contar com rede de apoio.
O longa metragem ilustrou como a rotina familiar foi alterada, planos adiados
e alteração nas funções de cuidado bem como afastamento e aproximação nas rela-
ções. No caso do filme analisado, os cuidados com Alice ficaram especificamente
a cargo de uma das suas filhas, que renunciou aos próprios planos para exercer a
função de cuidadora primária. Neste caso, talvez fosse interessante que a cuidadora
principal pudesse contar com rede de apoio mais continua principalmente dos demais
familiares, outro aspecto é a participação em grupos de apoio mútuo no qual os par-
ticipantes compartilham entre si suas experiências como cuidadores de pessoas com
DA e psicoterapia individual e/ou familiar, haja vista que demandas individuais e de
cunho familiar tendem a ficar mais tensionadas.
348

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O PRINCÍPIO DA IGUALDADE
TECENDO PARALELOS:
aproximações e distanciamentos
entre Freire e Jacotot
Carolline Septimio Limeira
Vanessa Goes Denardi
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Letícia Carneiro da Conceição

Introdução
A escola proporciona a oportunidade de crianças e adultos se tornarem alunos,
deixarem para trás o ambiente familiar e se inserirem na relação pedagógica em
que as desigualdades que operam fora da escola estão suspensas ou interrompidas
(KOHAN, 2019, p. 87). Cunhado em Masschelein e Simons (2013), a suspensão é
um conceito que evidencia o caráter público da escola, enquanto espaço que torna
comum. Como característica da instituição escolar, tal conceituação de suspensão
indica que “na escola deixa de operar ou valer o que rege o mundo familiar e social
exterior à escola” (KOHAN, 2017, p. 593).
O professor, a partir de tal abordagem, é alguém que trabalha em uma realidade
com ritmo diferente da realidade produtiva, um tradutor de palavras que se encanta
por elevar o pensamento e ensinar o que se ignora. Rancière (2015) apresenta o
personagem emblemático de Jacotot, um mestre que opera uma ruptura com a sua
trajetória e a de seus alunos, que utiliza o espaço escolar e o tempo que dispõe para
construir a sua produção a partir do “improdutivo”.
Jacotot ensinva seus conhecimentos aos alunos, ensinando como os demais
professores, com o objetivo de efetivar o aprendizado. O seu ato essencial do mes-
tre, no entanto, era explicar: destacava os elementos simples dos conhecimentos e
harmonizava tal simplicidade de princípio com a simplicidade de fato, própria dos
espíritos jovens e ignorantes (RANCIÈRE, 2015, p. 19).
Rancière (2015) enfatiza a procura por uma experiência filosófica na trajetória
relatada por Jacotot no ensino da língua holandesa, desconhecida pelo próprio “mestre
ignorante”. Assim, relaciona o desconhecedor do próprio conhecimento, representado
pelo mestre ignorante, e a emancipação daqueles que se apropriam de sua falta. O
relato de experiência se amplia quando Jacotot estimula seus educandos a escreve-
rem em francês suas opiniões acerca do que haviam lido em holandês, revelando a
surpreendente autonomia dos educandos.
A partir da ideia de transmissão, abordada com o conceito de extensão, Freire
(2015) problematiza o entendimento do camponês enquanto “coisa”, objeto de planos
352

de desenvolvimento que o negam como ser de transformação do mundo” (FREIRE,


2015, p. 9). Operando nessa lógica, o extensionista ensina da forma que acredita que
o aprendizado ocorra: com alguém que saiba transmitindo tal saber a um outro que
desconhece. Essa relação hierárquica, para Freire, tem por objetivo fazer do aluno
(no caso, o camponês) um depósito que receba mecanicamente o conhecimento que o
homem “superior” (o técnico) acha que o camponês deve aceitar para ser “moderno”,
da mesma forma que o homem “superior” é moderno.
Em posição de inferioridade hierárquica, esse não saber fica atrelado sempre
a um saber específico, técnico, cheio e estruturado. Para Freire, quando o educador
compreende a sua própria relação com os educandos e também consegue se ver como

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um educando, ele compreende a si mesmo.
Quando o professor troca seu lugar, supostamente passando a ser “inferior”
nessa relação hierárquica, espera que outrem lhe ensine aquilo que ignora. Tal relação
do não-saber, no entanto, não o torna aprendiz mas receptor, porque compreende a
relação educativa enquanto extensão e não comunicação. O educador, que não se
vê como educador-educando, procurará uma relação bipartida, bipolarizada entre o
que tudo sabe e ensina e o que nada sabe e tudo necessita aprender, independente do
lugar que ocupe nesta hierarquia.
A falta de conhecimento para os mestres costuma lhes impor a chancela de
“maus professores”, pois não “dominam” o conhecimento ou não sabem “passá-lo”
aos demais. Tal pensamento se ancora na perspectiva de não se compreender a edu-
cação a partir da comunicação. Nesse contexto, a falta não é elemento mobilizador,
necessário e integrante comum do processo ensino-aprendizagem. A falta é elemento
vergonhoso e descredenciador, é suficientemente capaz de deslegitimizar qualquer
prática, experiência e história.
Nossa análise parte desse discurso da falta. Freire (2015, p. 9), acerca de tal
processo, já nos advertiu que

Conhecer não é o ato através do qual um sujeito transformado em objeto recebe


dócil e passivamente os conteúdos que outro lhe dá ou impõe. O conhecimento,
pelo contrário, exige uma presença curiosa do sujeito em face do mundo. Requer
sua ação transformadora sobre a realidade. Demanda uma busca constante
(FREIRE, 2015, p. 9).

Essa “busca constante” ocorre pela ausência, mas também pela crença de que
nos fazemos sujeitos pensantes na relação com o outro, que também é sujeito. Pode-
mos pensar se existiria alguém com habilidade técnica suficiente para ensinar ao
professor para que este também ensina ao seu aluno. Ou onde estaria o professor que
“domina” o conteúdo diante das inúmeras vicissitudes da prática escolar. Não seria o
fato ignorado mais importante para mover essa ação transformadora que é o aprender?
A escola tem como característica potente demarcar seu espaço como ambiente
de aprendizado. Mas qual aprendizado pode ser proporcionado quando se tem um
mestre que desconhece? Parece-nos uma relação não hierárquica, entre o mestre que
tudo sabe e o aluno que tudo precisa aprender. Inaugura-se uma relação permeada pela
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ignorância, pelo sentimento da falta que impulsiona, mobiliza, constrói, procura cartas
sobre a mesa mas não as encontra. Reposiciona-se novamente e estabelece seus parâ-
metros de aprender e ensinar. Essas são as características potentes do espaço escolar:
um local de conhecimentos encontrados na sua essência, combinados entre elementos
simples e necessários, no qual é importante que não seja preciso dar as explicações,
que a palavra do mestre tenha rompido a simples explanação que empobrece o pen-
samento. Acerca desse empobrecimento, Castillo (2014, p. 57) nos relembra

Durante demasiado tempo, nos foram deslinguando: silenciando, empobrecendo


nossa expressão, despoetizando-a, tirando-lhe a vida. Durante demasiado tempo,
nos impuseram modelos inalcançáveis, diante dos quais nossa experiência apareci
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como uma balbuciação incompreensível (CASTILLO, 2014, p. 57).

O embrutecimento das palavras está no momento em que tudo é necessário


dizer, como nas palavras de Beccaria, “àqueles a quem tudo é necessário dizer, tudo
diria, inutilmente”. As palavras aprendidas são aquelas cujo sentido penetra mais
facilmente, de que se apropria melhor do seu próprio uso, sem a intervenção do mestre
explicador. Segundo Rancière, o ato de aprender podia ser reproduzido por quatro
determinações diversamente combinadas: por um mestre emancipador ou por um
mestre embrutecedor; por um mestre sábio ou por um mestre ignorante (RANCIÈRE,
2015, p. 33). A escola torna necessário que o aluno aprenda e o professor deve tornar
necessário que haja instrumentos para isso.
A preocupação do mestre em saber se o aluno compreendeu provoca todo o
mal, pois interrompe o movimento da razão, destrói a confiança em si e quebra os
dois mundos das inteligências em relação de igualdade, instituindo uma relação de
hierarquia. Compreender não é mais do que traduzir, isto é, fornecer o equivalente
de um texto, mas não sua razão (RANCIÈRE, 2015, p. 25- 26). Nesta perspectiva
de compreensão, o educador cria a oportunidade de os alunos descobrirem o que ele
descobriu, ou seja, todas as inteligências que as produzem são da mesma natureza.
A escola é o ambiente que assegura a relação professor-aluno, carregada de
simbolismos, limites e desafios. Lembrando as palavras de Veiga-Neto (2012, p. 274),
é preciso ir aos porões, onde estão as raízes em que se sustentam nosso conhecimento,
mas também do sótão, que enobrece nossa imaginação, fazendo-nos rever certezas
e fundamentos que consideramos “acima de qualquer suspeita”, ao que acrescenta
“Evitemos a guardiania do discurso e a sacralização da verdade!”.
Donnellan (2007, p. 84) afirma que “tendemos a inventar o conhecimento e
fazer de conta que compreendemos mais do que realmente compreendemos. Pare-
cemos incapazes de reconhecer que simplesmente não sabemos”. Há ainda um não
saber negado acerca do espaço escolar, do que há na relação entre professor e aluno.
Para Rancière (2015, p. 34), pode-se ensinar o que se ignora, desde que se abra
a emancipação do aluno para o uso de sua própria inteligência. Mestre é aquele que
encerra uma inteligência em um círculo arbitrário do qual não poderá sair se não
se tornar útil a si mesma. O ignorante aprenderá sozinho o que o mestre ignora, se
o mestre acredita que ele pode e o instiga a atualizar a sua capacidade, ampliando
354

seu círculo de potência. Os excluídos do mundo da inteligência subscrevem, eles


próprios, o veredicto de sua exclusão.
Estamos com Veiga-Neto (2012, p. 278) quando nos alerta acerca da necessi-
dade de conhecer os porões e alicerces que sustentam nossas práticas educacionais.
O autor nos desafia a ir aos porões e conhecer “como se formam historicamente as
coisas que lá estão” (VEIGA-NETO, 2012, p. 278).
A escola demarca seu espaço como ambiente de aprendizado, esta é sua carac-
terística potente. Mas qual aprendizado pode ser proporcionado quando se tem um
mestre que desconhece? Parece-nos uma relação não hierárquica, entre o mestre que
tudo sabe e o aluno que tudo precisa aprender. Inaugura-se uma relação permeada

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pela ignorância, pelo sentimento da falta que impulsiona, mobiliza, constrói, procura
cartas sobre a mesa mas não as encontra. Reposiciona-se novamente e estabelece
seus parâmetros de aprender e ensinar. O espaço escolar se configura como um local
de conhecimentos encontrados na sua essência, combinados entre elementos simples
e necessários, no qual é importante que não seja preciso dar as explicações, que a
palavra do mestre tenha rompido a simples explanação que empobrece o pensamento.
Observamos um conceito básico de comunicação: tornar comum. Entretanto, há
diferentes formas de tornar uma informação comum, como a transmissão e o compar-
tilhamento. A transmissão ocorre em diversos locais e contextos. Nela, a informação
não é discutida, mas repassada, pois sua intenção é deixar claro o que se quer.
Ao discutir a comunicação e a construção de nossa palavra enquanto educadores,
Castillo (2014, p. 49-50) nos alerta:

Um intelectual que só repete o que os outros disseram não cumpre seu papel de
educador, porque menospreza sua palavra, apesar de tê-la, apesar de suas expe-
riências, de sua prática, de sua história pessoal, do que viveu no dia a dia com
seus alunos e colegas. Ele deslegitima a própria palavra, a própria experiência, a
própria prática, a própria história, a própria vida (CASTILLO, 2014, p. 49-50).

Pensamos num discurso de deslegitimação. Um mestre que conhece precisa


manter sua relação hierárquica para assim transmitir ao que desconhece todo o conhe-
cimento acumulado. Porém, o que dizer acerca de uma relação educador-educando e
educando-educador tal qual nos revela Freire (2015), na qual a comunicação é pilar,
na qual não há deslegitimação pelo não-saber ou pouco saber? O que pensar acerca
do intelectual que não avança no debate pois sua palavra é sempre dita pela boca
de outros e nunca por sua relação comunicativa pensamento-linguagem-contexto?

A igualdade como princípio


Na obra Pedagogia da autonomia: Saberes necessários à prática educativa,
publicada em 1996 – e que viria a ser o seu último livro publicado em vida –,
Paulo Freire afirma que “ninguém é superior a ninguém” (FREIRE, 2017, p. 119).
Tal premissa nos conduz ao entendimento de que “ninguém é inferior a ninguém”
(KOHAN, 2019, p. 85).
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 355

Como princípio da educação política, esta igualdade não se opõe à diferença,


mas sim à desigualdade:

ninguém dialoga com um inferior, nem com um superior. Só há diálogo entre iguais
[...]. O conceito “desigualdade” abrange os de superioridade e inferioridade, isto
é, a superioridade e a inferioridade são duas formas de desigualdade. Desde essa
lógica, se não há superiores e inferiores, também não há desiguais” [...]. se não
há desiguais, então só pode haver iguais (KOHAN, 2019, p. 85).

A afirmação da igualdade, postulada por Freire, coloca a diferença como uma


condição de igualdade. Basicamente, a necessidade de igualdade vem justamente de
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nossas diferenças – e apenas considerando o outro como um igual é que podemos


identificar a diferença. Assim, “podemos considerar o respeito pelo outro uma medida
de valor presente na consideração do outro como igual” (KOHAN, 2019, p. 86).
Em Medo e Ousadia: O cotidiano do professor, livro-diálogo com Ira Shor
lançado em 1986, a temática é esmiuçada:

A experiência de estar por baixo leva os alunos a pensarem que, se você é um pro-
fessor dialógico, nega definitivamente as diferenças entre eles e você. De uma vez
por todas, somos todos iguais! Mas isto não é possível. Temos que ser claros com
eles. Não. A relação dialógica não tem o poder de criar uma igualdade impossível
como essa. O educador continua sendo diferente dos alunos, mas – e esta é, para
mim, a questão central – a diferença entre eles, se o professor é democrático, se
o seu sonho político é de libertação, é que ele não pode permitir que a diferença
necessária entre o professor e os alunos se torne “antagônica”. A diferença continua
a existir! Sou diferente dos alunos! Mas se sou democrático não posso permitir que
esta diferença seja antagônica. Se eles se tornam antagonistas, é porque me tornei
autoritário (FREIRE; SHOR, 1986, p. 62).

Dessa maneira, “não há educação libertadora, politicamente justa – isto é, não


se abre uma política consistente para a educação – enquanto educadores, educadoras,
educandas e educandos se colocarem acima – ou abaixo – uns dos outros” (KOHAN,
2019, p. 86). Freire afirma, nesta obra, não acreditar na libertação ou emancipação
individual e mostra-se receoso quanto a qualquer sentimento individual e não social
de liberdade” (KOHAN, 2019, p. 97).
Como uma das características que enfatizam o caráter radicalmente democrático,
público e renovador da escola, definida por Masschelein e Simons (2013), o princípio
da igualdade pressupõe que “todos os alunos enquanto alunos são igualmente capa-
zes de um novo começo do mundo” (KOHAN, 2017, p. 593). Na conceituação de
Masschelein e Simons (2013), o caráter político – instaurado em uma prática educa-
tiva – está vinculado à dimensão pública da escola. O caráter público – componente
do caráter igualitário dessa forma escolar – antecede o caráter político. O sentido do
público seria uma relação pedagógica, política e institucional.

A escola é pública não por ser administrada pelo Estado [...] ela é pública porque
é para todos, no sentido de poder ser igualmente habitada por qualquer um e se
356

constituir num espaço em que as desigualdades entre seus habitantes ficam sus-
pensas [...]. Uma escola não é verdadeiramente pública quando coloca exigências
que desigualam os iguais, quando expulsa em lugar de acolher, ou quando uma
parte de seus estudantes pode mais que outra em termos de relações pedagógicas
(KOHAN, 2019, p. 88-89).

O professor se entende preparado, cheio do conhecimento necessário para estar


ali, à frente de sua turma, literalmente. O que diferencia o professor de seus alunos é
justamente a distância entre o que sabem. Os que ainda estão incompletos daqueles
que estão preparados. Os copos vazios esperando as jarras transbordantes. Falando
dessa forma parece um discurso ultrapassado, mesmo porque o pensamento de Paulo

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Freire há muito discute a educação bancária e educação libertadora (FREIRE, 2015,
2016). Mas a difusão da fala e da teoria não corresponde à mudança do pensamento.
No cotidiano da escola e mesmo no discurso dos professores é fácil notar que o
princípio que norteia o fazer é o de transmissor de conhecimentos.
Nesses termos fica mais clara a necessidade de saber para transmitir, de dominar
para explicar. Nas palavras de Rancière, o professor embrutecedor “não é o velho
mestre obtuso que entope a cabeça de seus alunos de conhecimentos indigestos [...].
Ao contrário, é exatamente por ser culto, esclarecido e de boa-fé que ele é mais efi-
caz” (RANCIÈRE, 2015, p. 24-25). É por ter o “domínio” dos conteúdos e da turma
que o professor entende que nada poderão os alunos sem a sua explicação, sem a sua
simplificação, sem que ele transmita da melhor forma aquilo que sabe. Andando com
Rancière (2015) percebemos a riqueza da ignorância. É no caminho da ignorância,
do desconhecimento, que nos fazemos sabedores de que é possível algo saber. Sus-
peitamos, como ele, que reconhecendo não saber tornamo-nos semelhantes ao outro
em ignorância e igualmente semelhantes em desejo.
Desejo e curiosidade. Ora, não há curiosidade naquilo que já se conhece, tam-
pouco desejo em conhecer o conhecido. Portanto, o conhecimento requer uma pre-
sença curiosa, envolvente, repleta de vontade e desejo. É isso que nos ensina Freire em
seus escritos: “O conhecimento, pelo contrário, exige uma presença curiosa do sujeito
em face do mundo. Requer sua ação transformadora sobre a realidade. Demanda uma
busca constante” (FREIRE, 2015, p. 9). Essa querência é catalisadora para o ensinar
e aprender. Desse modo, partimos de uma situação de igualdade, de que qualquer
um pode aprender, da mesma forma que pode ensinar, quando há “laço intelectual
igualitário entre o mestre e o aluno” (RANCIÈRE, 2015, p. 31). Tal laço implica a
negação à hierarquia de inteligências

Educar e educar-se, na prática da liberdade, não é estender algo desde a “sede do


saber” até a “sede da ignorância” (…) educar e educar-se, na prática da liberdade,
é tarefa daqueles que sabem que pouco sabem- por isso sabem que sabem algo e
podem assim chegar a saber mais- em diálogo com aqueles que, quase sempre,
pensam que nada sabem, para que estes, transformando seu pensar que nada sabem
em saber que pouco sabem, possam igualmente saber mais (FREIRE, 2015, p. 25).

A educação é prática de sujeitos. Estes, em igualdade de saberes, reconhecem


sua limitação e incompletude. E é somente nesse fazer-se, que exige humildade e
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 357

reconhecimento, que a educação acontece. Parece que a falta de conhecimento nos


une a nós, sujeitos do desconhecido, do nevoeiro, mas igualmente sujeitos da palavra
que em sua antítese nos empodera… palavra aceita tudo! Temos até aqui sujeitos
incompletos, de antíteses que congraçam. Nada de super-heróis, conhecedores e com
domínio de conteúdo. Estamos nus, despidos da capa em que muitos querem se escon-
der, a capa dos dissertadores narcísicos, daqueles que sabem o que deve ser dito sem
“correr o risco da aventura dialógica, o risco da problematização [...]. Deleitando-se
narcisisticamente com o eco de suas “palavras”, adormecem a capacidade crítica do
educando” (FREIRE, 2015, p. 70).
Ao se ver como aquele que precisa estar formado, apto a ensinar, porque sabe
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e tem uma novidade a dizer, o professor constitui uma forma, um canal pelo qual o
aprender e o ensinar acontecem. Sobre esse pensamento firmo uma ideia que constitui
parte desse diálogo-problema. Da mesma forma que se sente preparado para ensinar
apenas quando possui “domínio de seu conteúdo”, também entende que sua forma-
ção depende dessa mesma premissa. Mais um mergulho. Se se entende como aluno,
durante sua formação, o professor espera de seu formador a técnica e o “domínio de
conteúdo” necessários para ensiná-lo. Fazendo-se aluno, vê-se na condição em que
coloca seu aluno, aquele que necessita de um explicador capacitado. O professor
reproduz a forma como enxerga a aprendizagem: local onde se espera um mestre
sabedor e um aluno que não sabe.
Aqui lembramos a importante lição do mestre ignorante que apresenta Ran-
cière: “Para emancipar um ignorante, é preciso e suficiente que sejamos, nós mesmos,
emancipados [...]. O ignorante aprenderá sozinho o que o mestre ignora, se o mestre
acredita que ele o pode, e o obriga a atualizar sua capacidade” (RANCIÈRE, 2015, p.
35). Rancière chama essa relação de “círculo da potência” (RANCIÈRE, 2015, p. 35).
Da mesma maneira que o círculo da impotência liga o aluno ao explicador, precari-
zando o ensinar e o aprender, dizendo ao aluno que ele não pode aprender sozinho, o
círculo da potência estabelece a ligação entre o mestre e o aluno como fazedores de
conhecimento, não sem a presença do mestre, mas sem a dependência dele enquanto
explicador: “pode-se ensinar o que se ignora, desde que se emancipe o aluno […] que
se force o aluno a usar sua própria inteligência” (RANCIÈRE, 2015, p. 34).
Para tanto, há o reconhecimento primordial de que o aluno tem inteligência e
propriedade para aprender à própria sorte, tendo o professor também sua inteligência
em igualdade e, ambos, também sua ignorância: “Quanto mais me torno capaz de me
afirmar como sujeito que pode conhecer, tanto melhor desempenho minha aptidão
para fazê-lo […]. Ninguém pode conhecer por mim, assim como não posso conhecer
pelo aluno” (FREIRE, 2015, p. 121). Se ninguém pode conhecer pelo outro é porque
a educação se faz com sujeitos de potencialidade, de possibilidade, de emancipação.
E, assim, “quem emancipa não tem que se preocupar com aquilo que o emancipado
deve aprender. Ele aprenderá o que quiser, nada, talvez. Ele saberá que pode apren-
der” (RANCIÈRE, 2015, p. 37).
Portanto, imbricado nesse pensamento, Jacotot propõe o Ensino Universal: “Ele
proclamou que se pode ensinar o que se ignora e que um pai de família pobre e
358

ignorante é capaz, se emancipado, de fazer a educação de seus filhos sem recorrer a


qualquer explicador” (RANCIÈRE, 2015, p. 38). Como um método de empodera-
mento, liberdade e esperança, “o Ensino Universal é, em primeiro lugar, a universal
verificação do semelhante de que todos os emancipados são capazes, todos aqueles que
decidiram pensar em si como homens semelhantes a qualquer outro” (RANCIÈRE,
2015, p. 67).
Por essa igualdade e emancipação, pensamos compreender a educação. Dese-
jamos olhar para os discursos produzidos pelos professores. Algumas questões nos
atravessam, incomodam e começam a ruir: “Quais saberes são considerados pelos
professores essenciais ao exercício da docência?”. Nossa curiosidade está em saber

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se, para os docentes, eles existem ou não, e, se existem, quais seriam eles; “Onde
se sedimentam discursos dos professores que aludem à falta de conhecimento para
o trabalho docente?”. Queremos saber onde repousam, onde são nutridos e se fruti-
ficam os discursos de professores que se julgam sem a formação necessária para o
trabalho em sala de aula, sem o preparo, o domínio do conteúdo, o conhecimento
para realização do seu trabalho com maestria; “Diante da proliferação do discurso
da falta de formação dos professores para o exercício da docência na escola, qual
a contribuição do Ensino Universal para a emancipação intelectual?” Anelamos
um aprofundamento nos estudos do Ensino Universal, inaugurado por Jacotot, e,
a partir dessas leituras, refletimos sobre as experiências por ele ou com ele produ-
zidas. Quem sabe essas questões harmonizem nossos conflitos, afinal, não somos
formados em desencontros?
Sabendo da falácia desse discurso, alerta-nos Freire (2016) de que é impossível
a neutralidade na educação, uma vez que ela não se torna política por decisão de
algum educador. Ela simplesmente é política.

O que devo pretender não é a neutralidade da educação, mas o respeito, a toda


prova, aos educandos, aos educadores e às educadoras. O respeito aos educado-
res e educadoras por parte da administração pública ou privada das escolas. […]
Que é mesmo a minha neutralidade senão a maneira mais cômoda, talvez, mas
hipócrita, de esconder minha opção ou meu medo de acusar a injustiça? “Lavar
as mãos” em face da opressão é reforçar o poder do opressor, é optar por ele
(FREIRE, 2016, p. 109).

Acusados de suas debilidades, os professores têm alternativa: a neutralidade.


Desse modo, a lógica do treino, de “dar aulas” e do “não estou aqui para falar disso”
segue seu curso. Do professor é exigida a imparcialidade e, ao mesmo tempo, cobrado
seu preparo para o exercício da docência, sempre precário, sem qualidade e formação.
Contudo, sabemos que o professor é sujeito, não objeto. Sendo sujeito, sua presença
não pode ser neutra. Freire (2016), sempre atual, já nos dizia que

nunca precisou o professor progressista estar tão advertido quanto hoje em face
da esperteza com que a ideologia dominante insinua a neutralidade da educação
[…] espaço pedagógico, neutro por excelência, é aquele em que se treinam os
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 359

alunos para práticas apolíticas, como se a maneira humana de estar no mundo


fosse ou pudesse ser uma maneira neutra (2016, p. 95-96).

Em nenhum momento acreditamos na doutrinação dos alunos. Sendo o professor


sujeito e reconhecendo nos alunos sujeitos igualmente responsáveis, de opções, de
mudança e ação, há que se considerar que ao passo que a neutralidade é uma falácia,
a dominação, absolutização e a negação do outro também o é. Novamente trazemos a
clareza de Freire “o erro na verdade não é ter um certo ponto de vista, mas absolutizá-lo
e desconhecer que, mesmo do acerto de seu ponto de vista, é possível que a razão ética
nem sempre esteja com ele” (FREIRE, 2016, p. 16). Neutralidade e falta. É sobre isso
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que temos nos debruçado. Discursos que se justificam, que tentam atribuir ao profes-
sor uma responsabilidade que deveria ter, esvaziando aquela que é sua. Algo sobra ao
mesmo tempo em que algo falta. Sobra opinião, falta formação. Estaria o professor
ausente ou a sua ausência seria um estar em si? A ausência é um estar em nós.
A pesquisa é um risco, um labirinto que nos atravessa ao mesmo tempo em que
o atravessamos: “A entrada do labirinto é imediatamente um dos seus centros, ou
melhor, não sabemos mais se existe um centro, o que é um centro (CASTORÍADES,
1987, p. 7). Temos algumas pistas, mas não certezas. “De todos os lados, as galerias
obscuras partem, emaranham-se com outras que vêm não se sabe de onde, que vão
talvez a parte alguma” (CASTORÍADES, 1987, p. 7).
Como encontrar caminhos diante do que nos propomos nessa análise? Precisa-
mos construir os caminhos, ponto por ponto. Precisamos tecer “esse verbo horizontal,
colorido, que só embeleza na diferença” (BRUM, 2019, p. 301). Na tecitura dessa
rede, pontuamos alguns aspectos, como nós. Tecendo a rede labiríntica, enredamos
uma aventura para a qual temos apenas algumas pistas. Mas sabemos se tratar de
uma construção a muitas mãos:

é preciso, porém, que quem tem o que dizer saiba, sem sombra de dúvida, não
ser o único ou a única a ter o que dizer […]. É preciso que quem tem o que dizer
saiba, sem dúvida nenhuma, que, sem escutar o que quem escuta tem igualmente
a dizer, termina por esgotar a sua capacidade de dizer por muito ter dito sem nada
ou quase nada ter escutado (FREIRE, 2016, p. 114).

Sobre comunicação e educação


O conceito educomunicativo tem sua origem na América Latina, estendendo-
-se à Espanha, baseando-se no diálogo e na participação, oriundos na comunicação
dialógica de Freire (1973 apud APARICI, 2014), na qual o próprio conhecimento
deve ser problematizado e o pensamento exerce tanto a função cognosciva quanto
comunicativa. Para Freire, na comunicação não há sujeitos passivos, pois a comuni-
cação deve ser permeada pela democracia, participação e colaboração.
Resgatando a história da educação para a comunicação no Brasil e na América
Latina, Soares (2014) rememora os cineclubes e o Plan DENI- de Niño, a educação para
a televisão, estudos e formação de especialistas no campo na década de 1960; nos anos
360

de 1970, a democratização das políticas de comunicação no continente americano e a


busca de ativistas latino-americanos por um novo fazer educação para a comunicação,
tomando as relações com a mídia a partir de ser lugar social e interesses próprios; na
década de 1990, a influência dos estudos culturais ingleses fortalece o papel ativo do
consumidor de mídias enquanto construtor de sentidos; na virada do milênio, o I Con-
gresso Internacional sobre Comunicação e Educação figurou entre os 5 mais importantes
congressos ocorridos no mundo no qual se propôs um media education descentralizado
dos meios de informação e mais direcionado ao processo comunicativo.
As contribuições da sociologia da educação e das tecnologias da informação
para o campo da educomunicação colocaram-na como “campo de intervenção social

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na interface entre a comunicação e a educação”. De fato, Soares (2014) e Aparici
(2014) afirmam que a educomunicação, conceito definido como prática específica com
origem na América Latina, é um campo ainda em construção. Na educomunicação, o
educando não apenas é comunicante mas também protagonista, capaz de autogerar e
emitir suas mensagens. Como educador, Freire (2015) entende as tarefas dos homens
como comunicação e não extensão.

Educar e educar-se, na prática da liberdade, é tarefa daqueles que sabem que pouco
sabem – por isso sabem que sabem algo e podem assim chegar a saber mais – em
diálogo com aqueles que, quase sempre, pensam que nada sabem, para que estes,
transformando seu pensar que nada sabem em saber que pouco sabem, possam
igualmente saber mais (FREIRE, 2015, p. 25).

Freire (2015) faz uma crítica ao conceito de extensão como invasão cultural,
atitude contrária ao diálogo, associada à “transmissão, entrega, doação, messianismo,
mecanismo, invasão cultural, manipulação etc.” (FREIRE, 2015, p. 10). A extensão
não percebe o educando enquanto sujeito, mas tenta substituir seus ‘conhecimentos’
associados a sua ação sobre a realidade, por outros conhecimentos técnicos especia-
lizados “aquele que é enchido por outros conteúdos cuja inteligência não percebe;
de conteúdos que contradizem a forma própria de estar em seu mundo, sem que seja
desafiado, não aprende” (FREIRE, 2015, p. 29).
Nas palavras de Kaplún (2014):

Com efeito, se fizermos um balanço introspectivo das coisas que realmente apren-
demos em nossa vida, comprovaremos que são majoritariamente aquelas que
tivemos, ao mesmo tempo, a oportunidade e o compromisso de transmitir a outros
(KAPLÚN, 2014, p. 70).

Portanto, aprendeu o que comunicou. A ideia de transmissão aqui não denota a


posse do saber repassado àquele que nada possui. Transmitir, para Kaplún (2014), é
oportunidade de aprendizado com o outro, do pouco que se conhece, do fragmento,
da dúvida para a construção de um novo saber oportunizado pela/na comunicação.
Esse parece o caminho para uma educação humanista, sem prescrições ou entregas,
mas que busque o elo entre educadores-educandos e educandos-educadores, sabendo
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 361

que “se nossas vozes se construírem, crescerem e se sustentarem, poderemos confiar


que se construirão, crescerão e se sustentarão as vozes de nossos estudantes” (CAS-
TILLO, 2014, p. 58).
Não há fortalecimento no menosprezo, na deslegitimação de nossas práticas
em virtude de algum não saber. Na estrutura do sistema educativo, baseada em uma
pedagogia da transmissão, o professor é transformado também em uma engrenagem
da negação do desenvolvimento da própria voz, pelo seu desconhecer e de seus alunos.
Diante desses silenciamentos, fica o ruído que nos constrange: por que é tão
penoso reconhecer o que nos falta? Por que é tão improvável perceber a riqueza do
nosso desconhecer?
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Reconhecendo limites que não nos amarram


Tecendo paralelos de aproximações e afastamentos entre o princípio da igual-
dade em Freire e Jacotot, identificamos que ambos são identificados com métodos
educacionais, embora nenhum deles atribua centralidade ao método, considere-o
decisivo ou a questão educacional mais relevante. O compromisso com uma prática
revolucionária é que assumiria esse papel central. Tal pactuação também se expressa
nas finalidades das práticas: “Rancière traça um outro ponto forte em comum entre
os dois autores: o compromisso político com a emancipação/libertação do povo”
(KOHAN, 2019, p. 96).
No que se refere às distinções, a concepção de conscientização social de Freire
não encontra paralelos em Jacotot: “Diferentemente de Paulo Freire, Jacotot afirma
que a igualdade só pode se dar de indivíduo a indivíduo, e que é impossível ela ser
institucionalizada ou propagada como forma de emancipação social”. Contudo, “não
há emancipação social que não pressuponha uma emancipação individual. Nesse
sentido, poder-se-ia aproximar o anarquismo pessimista de Jacotot do progressismo
otimista de Paulo Freire” (KOHAN, 2019, p. 96).
O saber comunicado desafia. Freire (2015) afirma que “O melhor aluno de
filosofia é o que pensa criticamente sobre todo este pensar e corre o risco de pensar
também” (FREIRE, 2015, p. 68). Não acreditamos nos professores-dissertadores ou
estudantes-dissertadores. Precisamos do risco, do diálogo e da problematização. A
educomunicação nos desafia, interroga e inquieta, traz consigo elementos que não
hierarquizam educandos-educadores, mas sugere o pensar coletivo, o “pensamos”,
na coparticipação dos sujeitos no ato de pensar que se dá na comunicação.
Para Freire, “ comunicação é diálogo, na medida em que não é transferência
de saber, mas um encontro de sujeitos interlocutores que buscam a significação dos
significados” (FREIRE, 2015, p. 89). Esse encontro é valorizado por Rancière (2015),
o qual nos traz um mestre ignorante que desconhece seu próprio saber e vive a busca
pela emancipação daqueles que, como ele, se apropriam de sua falta para saber um
pouco. O não-saber de Jacotot leva-o a uma experiência dialógica; sua ignorância
não traz a incapacidade medíocre ou insegurança que leva ao fracasso. O dever dele
e de seus alunos não é escutar e obedecer, mas construir elementos possíveis de
362

transformar, emancipar, “correr o risco” de pensar. Não há mudança sem confronto


com a realidade, portanto, o próprio desconhecer impõe uma capacidade crítica
para tê-lo.
A tendência do discurso da falta de conhecimentos específicos por parte dos
professores para o trabalho educativo, seu despreparo em face das mudanças e trans-
formações modernas, seria a justificativa principal para a ausência do trabalho com
temas que lhes são desconhecidos, ignorados, inexplorados. O discurso da falta de
formação para o trabalho específico na educação parece buscar um “alguém” habi-
litado, específico, que saiba ensinar “de verdade”. Aos que sabem pouco, trazemos
um alento na esperança crítica freireana de que os homens podem fazer e refazer as

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coisas, a partir do seu não-saber que lhes concede o prazer da busca e do reconheci-
mento da ignorância, sob a qual podemos nos emancipar.
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REFERÊNCIAS
APARICI, R. Introdução: a educomunicação para além do 2.0. In: APARICI, Roberto.
Educomunicação: para além do 2.0. São Paulo: Paulinas, 2014.

BRUM, E. Brasil: construtor de ruínas – um olhar sobre o país de Lula a Bolsonaro.


Porto Alegre: Arquipélago Editorial, 2019.

CASTILLO, D. P. Construir nossa palavra de educadores. In: APARICI, Roberto.


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Educomunicação: para além do 2.0. São Paulo: Paulinas, 2014.

DONNELLAN, A. Diagnóstico e ficção. In: TUNES, Elizabeth; BARTHOLO,


Roberto (org.). Nos limites da ação: preconceito, inclusão e deficiência. São Carlos:
EdUFSCar, 2007.

FREIRE, P. Extensão ou comunicação? 17. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2015.

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GENEALOGIA E ALGUMAS
AN OTAÇÕES SOBRE A PESQUISA
DA PERSISTÊNCIA DO DISPOSITIVO
DE PERICULOSIDADE NOS
PROCESSOS DE EXECUÇÃO DA
MEDIDA DE SEGURANÇA NO PARÁ
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Karla Dalmaso Sousa


Geffison José Costa da Silva
Ellen Aguiar da Silva
Bruna Moraes Garcia
Patrícia Furtado Félix

Introdução
Os métodos de pesquisa são sempre um “calo no sapato” de pesquisadores
iniciantes ou inexperientes, embora esteja no doutorado, não sou pesquisadora pro-
fissional, essa pós-graduação se tornou um desejo após anos de trabalho acumulados
na área da psicologia jurídica em que muitas inquietações e angústias foram surgindo
ao longo do tempo, dentre outros sentimentos que despertaram a vontade de saber
porque as coisas são como são e não como deveriam ser. Em um encontro com a
professora Flávia Lemos/UFPA por meio do grupo de pesquisa Transversalizando
fui apresentada ao método genealógico proposto por Foucault, embora inicialmente
este método me pareceu muito difícil, se apresentou também como um desafio, uma
forma inovadora e revolucionária de fazer ciência que me encantou.
Nesta perspectiva, temos a pretensão de desenvolver esta pesquisa, utilizando
o recurso metodológico da análise histórico-genealógica. Trata-se, portanto, de uma
forma inovadora que realiza uma análise histórica crítica acerca das práticas con-
cretas do tempo presente. O uso da palavra genealogia faz referências a Friedrich
Nietzsche que teve importante influencia no percurso do pensador francês Michel
Foucault. Conforme descrito por Lemos e Cardoso 2009, anteriormente ao método
genealógico, Foucault utilizava o método arqueológico, neste período o pensador se
preocupava com as “regras que regiam as práticas discursivas e enfatizando uma
prevalência teórica sobre a prática e as instituições”.
Foucault também foi intensamente influenciados pelo grupo de historiadores
conhecido como A Escola dos Annales em especial a terceira geração, que empreende-
ram uma forma inovadora de fazer história a qual recebeu a denominação de História
Nova ou História Cultural (DOLINSKI, 2011). A Escola dos Annales compreende
366

como documentos não só os produzidos oficialmente pela sociedade dominante aque-


les selecionados e arquivados pelas instituições, eles incluem como documentos
outros produtos que vão além, neste ponto, o conceito de documento foi elevado,
para além de sua versão escrita, passando a considerar diversas fontes documentais
não oficiais (LEMOS et al., 2020). Foucault passou a entender os documentos como
monumentos, que vão muito além daqueles oficialmente concebidos, pois entende
que esses “produtos” são atravessados por enunciados, e práticas estabelecidas a
partir das relações entre saber e poder. (DOLINSKI, 2011). Neste momento há a
introdução da “genealogia como um modo de problematizar as práticas sociais de
dentro” (LEMOS; CARDOSO, 2009).

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Assim, Influenciado pela Escola dos Analles, especialmente a terceira geração
Foucault passou a questionar as disciplinas e biopolíticas, os dispositivos, a objeti-
vação dos corpos, entre outros aspectos relacionados as relações entre saber e poder.
Como mencionado anteriormente, o desejo da pesquisa surgiu em função de
um fazer profissional dentro de uma instituição do poder judiciário, mais especifica-
mente o trabalho em equipe multidisciplinar da Vara de Execuções Penais da Região
Metropolitana de Belém/PA.
Entre outras tarefas relacionadas a “ressocialização” de pessoas em cumprimento
de pena, esta equipe também atua no acompanhamento da Execução das Medidas
de Segurança no Estado do Pará. Este acompanhamento consiste em avaliar, pro-
mover debates acerca da temática no âmbito do judiciário, articular com a rede de
atendimento psicossocial e “fiscalizar” o cumprimento da medida de segurança de
tratamento ambulatorial.
Durante aproximadamente 13 anos de experiência, sempre me ocorria o questio-
namento: porque o poder/saber psiquiátrico sempre se sobrepõe aos demais poderes
e saberes que atuam nos processos de execução de medida de segurança no âmbito
do judiciário paraense?
Mesmo depois de anos de debates e a conquista por parte de outros profissio-
nais como assistentes sociais, psicólogos, terapeutas ocupacionais, enfermeiros etc.,
especialmente aqueles que fazem o acompanhamento integral desses pacientes no
interior do manicômio judiciário, também poderem se manifestar nos processos, esses
profissionais, aparentemente ocupam um “status inferior em relação ao psiquiatra
forense, isto é, em relação a psiquiatria que se mantém no patamar mais alto. Ainda
que todas as demais equipes se manifestem pela necessidade do tratamento ambu-
latorial, se apenas o laudo psiquiátrico forense propor a manutenção da internação
por “persistência da periculosidade” o judiciário tem mantido a internação conforme
propões o referido laudo. A pergunta é porque isso se mantém?
Esse questionamento sempre permeou os debates inter e extrajudiciais, e as
respostas para essa pergunta acredito haver uma chance de encontrá-las nos textos
de Michel Foucault especialmente em História da Loucura e Vigiar e Punir, entre
outros escritos dele e de seus comentadores.
No livro História da Loucura, observarmos que o autor busca em documentos
e outras fontes discursivas e não-discursivas informação de como a loucura foi vista
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 367

e tratada ao longo da história, a partir desta leitura entendemos que o louco do século
XV não é muito diferente do louco de hoje, pelo menos em relação aqueles que estão
encerrados no manicômio judiciários, isto é, em sua maioria pobres e indigentes,
totalmente excluídos das relações de produção capital.
Já o texto Vigiar e Punir aborda as estratégias de controle e disciplinarização
dos corpos, a descrição do panóptico, e a relação destes com as estratégias de controle
seja na prisão, na escola ou no hospital. Em Os Anormais o autor analisa documentos
médico-legais e define três figuras principais, todos eles capturados e regidos pela
psiquiatria e posteriormente pelo direito penal: os monstros, os incorrigíveis e os
onanistas, são figuras centrais deste texto.
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Estes textos, e outros como o Poder Psiquiátrico, o Nascimento da Clínica,


são imprescindíveis para compreendermos a questão do poder psiquiátrico, como
um saber poder que até a atualidade se mantem, em muitos aspectos, intacto e ina-
balável. Voltando, então, para a pergunta inicial: por que ele se perpetua? E se esta é
a pergunta certa, se tomarmos como método de análise a genealogia?
O método genealógico, portanto, no que se refere as relações de saber poder
psiquiátrico é discutido por diversos autores, cujos textos ajudam a entender o método
desenvolvido por Foucault. E este artigo tem como objetivos apresentar brevemente
alguns desses debates e análises, a partir da leitura de outros artigos que abordam
esta temática, assim compreender como podemos utiliza-lo para a compreensão das
relações saber e poder entre a psiquiatria e o judiciário, na tentativa de fazer uma
aproximação entre o método historio-genealógico e a temática do saber/poder psiquiá-
trico, que é um importante ponto de análise da pesquisa que estamos desenvolvendo.
Entretanto, conforme expõe Bouyer (2021), para compreender melhor este
método, ou este processo de análise é necessário abrir mão da busca por um sentido
profundo, isto é, de uma origem que justifique um determinado saber, ou das suas
finalidades pesadamente calcados em valores superiores. Neste processo não há uma
“visão de uma continuidade” ou mesmo da origem de um funcionamento determinante
numa instituição e/ou indivíduo psicológico. Em outras palavras precisamos “esvaziar
o como” do que historicamente entendemos como método cientifico clássico, com
seus procedimentos e controle de variáveis, é necessário aguçar os sentidos e em
certa parte “farejar” as possíveis e potenciais “tramas” analíticas. (BOUYER, 2021).
Assim, é importante ressaltar que a genealogia como método não é a proposta
tradicional que descreve procedimentos e técnicas de pesquisa. Almeida Prado (2017),
descreve que a genealogia deve ser entendida centralmente como:

“Método de análise de práticas microfísicas, de relações moleculares e de produção


de corpos concretos, proposto como ferramenta e instrumento para o esboço de uma
história do presente, que possibilita, em última instância, uma crítica e a transfor-
mação do nosso mundo e daquilo que somos.” (Almeida Prado, 2017, pag. 313).

Almeida Prado (2017), ressalta ainda que o uso da genealogia como método
não é uma invenção exclusiva de Foucault, mas um desdobramento da proposta de
368

Nietzsche. Desta forma, Foucault aplica a genealogia para analisar o cotidiano, as


relações humanas, a subjetividade, entre outros enunciados.
A principal fonte de análise de um genealogista é a história, mas não a história
linear e evolutiva, tradicional. Trata-se de um debruçar-se sobre os fatos históricos,
questionar o que é posto e problematizar a linearidade dos acontecimentos, buscar ver
o que está “por trás” do que é enunciado e aceito como verdade, em outras palavras é
“bagunçar” a história tradicional e fazer emergir daí uma nova forma de compreender
e explicar os acontecimentos, rompendo com a lógica das relações de causalidade e
trazendo à tona detalhes antes negligenciados ou ignorados.
Em relação ao caso presente, a questão do saber poder psiquiátrico, Bouyer

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(2021) enumera algumas “marcas” ou pontos nevrálgicos de análise: os jogos, as
regras e os dispositivos e explica cada um deles:
Para o autor, o jogo é a forma como estão estabelecidas as relações de poder; as
regras, também podem ser descritas como crenças, aquilo que é posto e não questionado,
que é individual mas também é coletivo e é destas regras ou crenças que emergem os
discursos, ou vice-versa, em relação à loucura por exemplo a relação do louco como
perigoso, ou ausência de razão no sujeito em sofrimento psíquico, entre outros, é dis-
curso que a psiquiatria mantém e por vezes “impõe” ao longo dos séculos; e por fim os
dispositivos ou estratégias de contenção e controle, de submissão dos corpos e da cons-
ciência, dos indivíduos, muitas vezes a partir do emprego da violência e militarização
dos doentes, no caso dos pacientes psiquiátricos no interior de asilos (BOYER, 2021).
Boyer (2021) refere ainda que, em relação à psiquiatria, conforme a pesquisa
genealógica de Foucault, não tem nada de científico, no sentido epistemológico da
palavra, ele descreve que o filósofo concluiu que a psiquiatria era muito mais uma
estratégia de controle e subjugação dos corpos do que um saber científico em desen-
volvimento, especialmente no interior dos asilos onde a figura física do psiquiatra
se impunha como mecanismo de poder e controle dos internos.
Em outras palavras, podemos dizer que a psiquiatria clássica foi construída em um
pilar nada nobre e essencial, ela tinha como principal mecanismo incutir no paciente
a ideia de que sua “doença” era maldade, defeito, falha, erro, indisciplina e não uma
moléstia. Assim a “cura” era o controle, a ordem, a ausência de falhas e defeitos, isto
é a subjugação do corpo ao desejo do outro, neste caso, ao desejo do médico.
O interrogatório é o principal mecanismo de prova para a psiquiatria, não é pos-
sível realizar exames orgânicos ou físicos, o exame é psiquiátrico é eminentemente
moral, comportamental, da conduta, dos hábitos e da história de vida, buscando pistas
da existência da loucura como única explicação para as atitudes do interrogado, nessa
estratégia o interrogatório pode induzir a confirmação da “anormalidade” dentro da pró-
pria interrogação, e é aí que reside a o poder da psiquiatria, quando produz no âmbito do
interrogatório o entendimento de que aquela conduta não é aceita e está fora do que é con-
siderado normal. Assim o interrogatório produz o louco e também o saber psiquiátrico.
Importante ressaltar que este “interrogatório” não era um “jogo” de perguntas
e respostas, ele envolvia, produção de violência e tortura física e psicológica, como
os eletrochoques, a camisa de força, era um “jogo” de poder, onde um era objeto do
controle do outro.
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 369

Genealogia e psiquiatrização da vida em conjugação com a punição


Conforme Bouyer (2021), alguns textos de Foucault descrevem as práticas psi-
quiátricas, como as mais violentas, em especial aquelas exercidas por Leuret e Pinel,
concluindo, portanto, que o saber psiquiátrico foi constituído a partir de uma matriz
de poder disciplinar e de repressão, assim, na história do poder saber psiquiátrico a
produção de conhecimento cientifico iluminado pelo humanismo e/ou positivismo deu
lugar ao tratamento moral e a punição demonstrando que de fato o objeto de ação deste
saber não era a doença em si, mas o doente, o indivíduo “louco”, a cura portanto não é
a ausência da doença mas o sujeito disciplinado, controlado , subjugado. Nesta pers-
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pectiva curar é enquadrar, moldar, conformar, disciplinar e sujeitar (BOUYER, 2021).


Dentro dessa perspectiva genealógica, na análise do poder saber psiquiátrico
nos deparamos então com um jogo de poder em que a vontade do médico busca
sobrepor a vontade do paciente que resiste, que luta contra este controle, no asilo
entretanto a força de vontade, os desejos do paciente ficam limitados diante do poder
da instituição que na verdade é uma extensão do poder psiquiátrico, no qual, neste
plano a vontade do médico se torna a vontade soberana. Assim, no interior desta
análise, a realidade do internamento é caracterizado como um jogo onde muitas for-
ças agem e se sobrepõe, porém, o asilo por si só já é um sistema de submissão, um
poder absoluto, somado ao poder do médico e do saber supostamente científico toma
proporções tais que não resta ao internado a submissão, a sujeição, o aniquilamento
de sua força, de sua vontade. Esta sujeição é a “cura” na psiquiatria, que também é
a morte psíquica do sujeito.
Este entendimento, construído a partir da genealogia do saber proposto por
Foucault, revela que na raiz histórica da psiquiatria não reside glamour científico,
mas sim um apagamento desta trajetória, uma negação dos objetivos nefastos e de
controle e sujeição pela força e pela violência.
O que se evidencia é apenas o ideário de uma pseudociência que diz ser
capaz de prever o futuro a partir de uma análise de risco, atestando se tal sujeito é
passível de controle, assim, há um deslocamento do espaço asilar para o controle
através da química, da medicação e da medicalização da vida, dos sentimentos e
dos comportamentos.
Não identificamos muita diferença nesta relação, entendemos que se trata de
forças análogas aquelas exercidas no espaço asilar, quando a medicação passa a ser a
extensão do poder saber psiquiátrico e a adesão ou não ao tratamento medicamentoso
por parte do paciente passa a ser entendido como uma indisciplina, independente dos
efeitos colaterais desagradáveis que estes causam.
Esta relação de poder ainda fica mais evidente quando nos referimos a psiquia-
tria forense e a sua relação com o direito penal, neste ponto a psiquiatria enquanto
“ciência’ estagnou no modelo asilar, e lá permanece exercendo sua força e autoridade,
seu controle e violência, sem falar no seu preconceito.
A associação estreita do crime à loucura data do final do século XIX, no nas-
cimento da Escola Positiva do Direito Penal ou Direito Penal Moderno, a qual se
370

difundiu através dos trabalhos do italiano, médico e professor, Cesare Lombroso.


Até, então, o crime era entendido pelo Direito Penal Clássico como quebra do con-
trato social por sujeitos fundados no livre-arbítrio, os quais dotados de razão seriam
responsáveis por escolher agir de tal ou qual maneira. Se escolhessem por romper tal
contrato seriam culpados e dignos de uma punição, tendo o foco da punição o ato em
si. A Escola Positiva, ao contrário, nega o livre-arbítrio na medida em que associa o
crime a um sintoma ou elemento revelador da personalidade anormal do delinquente,
o qual passa a ser visto como um doente que deveria ser tratado e não punido
A premência do enunciado, da negação do desejo e da subjetividade. Esta
negação autoriza que outro desejo, outra vontade, outro poder prevaleçam. Isto é

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constantemente observado nos documentos oficiais dos laudos de perícias psiquiá-
tricas forenses, quando observamos que em geral o perito não analisa a doença, mas
o sujeito, sua história de vida, sua atitude do passado e do presente, sua relação com
os sintomas e determina o diagnóstico que geralmente é permanente, independente
das condições de físicas e psicológicas em que o sujeito se encontra no ato da perícia.
Aqui a condição da doença mental é entendida como deficiente ou incapaci-
tante, portanto, impossível de corresponder ao que se entende juridicamente como
responsabilidade”. Assim, presume-se periculosidade a todo aquele a quem não for
atribuída a condição de responsável, exceção exclusiva que o Código Penal concede
aos considerados doentes mentais. Negar a periculosidade, demostrar, de forma cien-
tífica e estatística que o “perigoso”, é apenas do ponto de vista jurídico, não é aquele
indivíduo sobre o qual se presumiria uma possibilidade de reincidência, e sim aquele
cuja avaliação indicar evidente doença mental (BARROS-BRISSET, 2010).
Lombroso, com sua teoria da degenerescência, juntamente com outros teóricos,
não apenas respondeu com respaldo científico a esta questão, como também serviu
de base para que toda uma sociedade disciplinar se estruturasse. A sociedade disci-
plinar, sobre a qual nos falou Foucault em seu livro Vigiar e Punir, surgiu munida de
potentes instrumentos para a fabricação de sujeitos normalizados, como a vigilância
hierárquica, a avaliação permanente e o exame. Para fazer funcionar tal sociedade, as
disciplinas atuariam para controlar minuciosamente as operações do corpo, assujeitan-
do-o constantemente e tornando os indivíduos politicamente dóceis e economicamente
úteis. No entanto, outra tecnologia de poder se soma ao poder disciplinar para gerir
a multiplicidade humana, uma biopolítica da espécie humana surge para administrar
os processos que são próprios da vida, os quais a atingem de uma forma permanente
e pertinente no nível da massa da população (FOUCAULT, 2010).
Em Os anormais, Foucault faz uma análise profunda e histórica destes documen-
tos médico-legais e em relação a esta questão observamos que na prática, ainda impera
a “guerra” de poder em que nem judiciário nem saúde assumem seus papéis, sendo
que no caso da trajetória aqui apresentada observamos a negação do o que reflete o
filósofo Michael Foucault (2001), ele propõe “o princípio da porta giratória: quando
o patológico entra em cena, a criminalidade, nos termos da lei deve desaparecer. A
Instituição médica, em caso de loucura deve tomar o lugar da instituição judiciária”
(FOUCAULT, 2001, p. 39-40). Ainda segundo Foucault (2001):
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 371

A justiça não pode ter competência sobre o louco, ou melhor, a loucura, tem que
se declarar impenitente quanto ao louco, a partir do momento em que o reconhe-
cer como louco: princípio da soltura, no sentido jurídico do termo (FOUCAULT,
2001, p. 39-40).

Considerações finais
Se observa que, na experiência paraense, a justiça ainda não abriu mão de
encarcerar o louco, assim como a instituição médica, entende que uma vez cometido
delito, seja ele louco ou não, deve ficar sob o julgo da justiça.
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Esta luta de poder, mantém, porém, viva a lógica da “perversidade” que, para
Foucault (2001), é o que se predomina no campo da “dupla determinação” e autoriza
o discurso do perito, isto é um discurso travestido de cientificismos que se diz capaz
de determinar quem é “perigoso”, ou seja, nem exatamente doente, nem propriamente
criminoso, permitindo a perpetuação da lógica do lugar nenhum e do a ninguém
pertence, justificando a existência do manicômio judiciário e de sua manutenção, a
partir de uma teoria construída pela dualidade entre “perversão-perigo”.
Imbuindo-se deste entendimento, justifica-se o encarceramento de uma popula-
ção que por motivos já explicados aqui necessitam de assistência em saúde e não de
prisão, e é, portanto, iminente a necessidade de continuar buscando a desconstrução,
desta teoria perversa, e isso só é possível pela eminencia de um outro discurso que
busca descontruir esta dualidade doença mental e perigo, promovendo a presunção
de sociabilidade em detrimento da presunção de periculosidade.
Assim, consideramos da pesquisa, a partir da análise histórico-genealógica,
buscamos uma possibilidade, uma perspectiva e uma estratégia para resistir, estudar
e agir a partir de um modo crítico e político de atuar, escrever e produzir uma outra
história numa visão ética, na medida que deslocamos o olhar da análise das práticas
de objetivação dos sujeitos para as práticas de modo de subjetivação.
Assim, acreditamos que esta pesquisa contribuirá para uma possível mudanças
nos enunciados estabelecidos atualmente de práticas excludentes e segregadoras
para práticas insurgentes e inovadoras, propondo uma transformação na forma como
são executados os processos de medida de segurança no Pará hoje, para a perspec-
tiva de inclusão social e garantia do direito ao cuidado integral, à liberdade entre
outros direitos.
372

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VIOLÊNCIA LÍQUIDA:
como prevenir
Vera Lucia Fonseca de Souza
Elisena Uchôa Medeiros
Jeanne Alcantara Vinagre
Jessica Kellen Correa da Silva
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Introdução
A proposta deste capítulo é provocar reflexões sobre as diversas formas violên-
cias apontadas em textos, seminários e no cotidiano de serviços que acolhem usuários
que sofrem as mais diversas modalidades de violência. Este momento pode ser a
possibilidade de um exercício crítico sobre a concepção de uma violência que vem
ocorrendo nos diversos espaços sociais e privados dos indivíduos.
Reconhecendo-se que a prevenção à violência tem sido pauta frequente nas
formações e encontros técnicos, então, aqui não se pretende por hora esgotar o tema
ou trazer respostas absolutas, mas, sobretudo, busca-se trilhar por um caminho de
trocas de saberes e experiências profissionais mútuas, mesmo quando estivermos
frente às dúvidas e incômodos.
A riqueza maior dessas trocas é que, ao partirmos de nossas experiências profis-
sionais na área da saúde, educação, segurança pública, assistência social, construída
de forma intersetorial, multidisciplinar ou interdisciplinar, estaremos implicados na
responsabilidade de buscar ações eficazes de prevenção à violência crescente apontada
por toda sociedade, por meio dos mais diversos meios de comunicação e atendimentos
das políticas públicas. Interessante que, entre os diversos tipos de violência, o surgi-
mento ou afloramento do desrespeito a si mesmo, reverbera no não reconhecimento “do
outro”, inclusive ultrapassando o espaço do outro de livre expressão e manifestação de
vontades, crenças, opiniões e, até mesmo orientações de gênero. Há um movimento de
invasão do espaço privado de cada um, conduzindo para um novo processo de violação
entre os diversos atores sociais que compõem a sociedade.
Desde a publicação da Lei nº 13.819, de 26 de abril de 2019, a qual instituiu
a Política Nacional de Prevenção da Automutilação e do Suicídio, a ser implemen-
tada pela União, em cooperação com os estados, o Distrito Federal e os municípios,
observa-se que houve a intensificação no trabalho ou nas tentativas de desenvolver
ações de prevenção à violência interpessoal e autoprovocada.
O aumento do suicídio tem chamado atenção de toda a sociedade, tendo sido
reconhecido como um problema de saúde pública, implicando diretamente na res-
ponsabilidade sanitária dos gestores. Logo, urge a necessidade de se reconhecer os
mais variados tipos de violências, visto que, muitos são negligenciados ou banali-
zados por fatores culturais e entre outros. Na referida lei citada acima, o reforço na
374

importância da notificação compulsória dos eventos, com a finalidade do desenvolver


e o aprimorar métodos de coleta e análise de dados sobre automutilações, tentativas de
suicídio e suicídios consumados, descreve os estabelecimentos notificadores e entre
outros, esclarece o entendimento sobre violência autoprovocada. Isto aponta que, a
atualização efetiva do Sistema de Informação de Agravos de Notificação – SINAN
permite, entre outras ações:

• Realizar do diagnóstico dinâmico da ocorrência de um evento na população;


• Fornecer subsídios para explicações causais dos agravos de notifica-
ção compulsória;

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• Indicar riscos aos quais as pessoas estão sujeitas; e
• Identificar a realidade epidemiológica de determinada área geográfica.

Contudo, parece que a dificuldade de compreensão do que é violência, dificulta


o levantamento de dados efetivos para análise e tradução desta em ações de promoção
à saúde coletiva. Então, mesmo trabalhando com as cores – Janeiro Branco, Maio
Laranja, Setembro Amarelo – de conscientização e orientação à atenção da saúde,
ainda assim, não se tem alcançado o efetivamente o objetivo de provocar a regular
notificação de casos de violência, ainda que suspeitos, que sejam capazes de viabi-
lizar o levantamento de dados reais para conversão destes em ações de promoção à
saúde, atingindo saúde coletiva.
Há a sensação de que a violência “nos escorre pelos dedos”, como água, lembrando
o conceito de liquidez, descritos por Zygmunt Bauman, filósofo e sociólogo, em virtude
de se estar conseguindo dados reais, para estabelecermos ações preventivas. É sabido
e relatado por diversos pesquisadores em diferentes áreas científicas, que os trabalhos
até então desenvolvidos, tem sido sob estimativas em base de dados subnotificados.
A importância da notificação de violência, diz respeito ao conhecimento do perfil
das mesmas, a qual permite um processo de intervenção preventiva que a resultar na
elaboração de políticas públicas intersetoriais que promovam a saúde e a melhoria na
qualidade de vida, fator este necessário que aponta para nossa saúde coletiva. Segundo
Pedrosa (2022), “estudo inédito realizado pela Fiocruz avaliou o comportamento do
suicídio no Brasil em 2020. O epidemiologista Jesem Orellana, do Instituto Leônidas
& Maria Deane (Fiocruz Amazônia) e o médico psiquiatra Maximiliano Ponte, da
Fiocruz Ceará, mostraram parte dos efeitos indiretos associados à primeira onda da
pandemia de covid-19 sobre as mortes por suicídio, com aumento significativo nas
regiões Norte e Nordeste, áreas socioeconomicamente mais vulneráveis”. Logo, este
estudo inédito, vem ao encontro das indagações aqui suscitadas, uma vez que se busca
provocar reflexões sobre as diversas formas violências apontadas em textos, seminários
e no cotidiano de serviços que acolhem usuários que sofrem as mais diversas modali-
dades de violência. O movimento de acompanhar os eventos em questão parece ter tido
maior visibilidade com a publicação da Portaria GM/MS nº 2.497, de 29 de setembro
de 2021, que divulga o resultado da Fase de Avaliação do Programa de Qualificação
das Ações de Vigilância em Saúde (PQA-VS) de 2020 e os valores a serem transfe-
ridos aos estados, Distrito Federal e municípios que aderiram ao Programa, houve
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 375

um folego com a injeção de recursos, e alguns municípios começaram a ficar atentos


na orientação e cobrança do preenchimento da Ficha de Notificação de Violência
Interpessoal e Autoprovocada, versão de 15 de junho de 2015.
Assim sendo, a observação da necessidade de alcance dessas metas, tem mobili-
zado gestões para a vigilância desses indicadores, forçando divulgação e treinamento
para preenchimento da Ficha de Notificação de Violências, desmistificando o perigo
que outrora significava para os servidores, que achavam estar fazendo notificação poli-
cial e por esse motivo, aliado ao medo de represália dos agressores, caso soubessem
da “notificação” seriam agredidos, ou sofreriam algum tipo de violência. Contudo,
as formações para preenchimento da Ficha de Notificação de Violência ainda estão
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tímidas, apesar de estar disponível na internet, através do Sistema de Notificação de


Agravos e Notificação – SINANWEB.
O Programa de Qualificação das Ações de Vigilância Sanitária, da Secretaria
de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde, completou 8 anos em 2021. Nesse
contexto e a partir da Emergência Internacional em Saúde Pública, devido à pandemia
pelo covid-19 e a disseminação da doença no território brasileiro, definiu a manuten-
ção em 2020 do regramento do Programa de Qualificação das Ações de Vigilância
em Saúde (PQA-VS), incluindo indicadores, metas e Fichas de Qualificação vigentes
em 2019, ajustadas, atualmente o Programa possui um rol de 14 indicadores.

Quadro 1 – Fichas de Qualificação – PQA-VS 2020


Indicador 1 – Proporção de registros de óbitos alimentados no SIM em relação ao estimado, recebidos na base federal
em até 60 dias após o final do mês de ocorrência.
Indicador 2 – Proporção de registros de nascidos vivos alimentados no Sinasc em relação ao estimado, recebidos na
base federal até 60 dias após o final do mês de ocorrência.
Indicador 3 – Proporção de salas de vacina com alimentação mensal das doses de vacinas aplicadas e da movimentação
mensal de imunobiológicos, no sistema oficial de informação do Programa Nacional de Imunizações de dados
individualizados, por residência.
Indicador 4 – Proporção de vacinas selecionadas que compõem o Calendário Nacional de Vacinação para crianças
menores de 1 ano (Pentavalente – 3ª dose, Poliomielite – 3ª dose, Pneumocócica 10 valente – 2ª dose) e para crianças
de 1 ano de idade (tríplice viral – 1ª dose) – com coberturas vacinais preconizadas.
Indicador 5 – Percentual de amostras analisadas para o residual de agente desinfetante em água para consumo humano
(parâmetro: cloro residual livre, cloro residual combinado ou dióxido de cloro).
Indicador 6 – Proporção de casos de doenças de notificação compulsória imediata nacional (DNCI) encerrada em até
60 dias após notificação.
Indicador 7 – Proporção de casos de malária que iniciaram tratamento em tempo oportuno.
Indicador 8 – Número de ciclos que atingiram mínimo de 80% de cobertura de imóveis visitados para controle vetorial
da dengue.
Indicador 9 – Proporção de contatos examinados de casos novos de hanseníase diagnosticados nos anos das coortes.
Indicador 10 – Proporção de contatos examinados de casos novos de tuberculose pulmonar com confirmação laboratorial.
Indicador 12 – Número de testes de HIV realizados.
Indicador 13 – Proporção de preenchimento do campo “ocupação” nas notificações de agravos relacionados ao trabalho.
Indicador 14 – Proporção de notificações de violência interpessoal e autoprovocada com o campo raça/cor preenchido
com informação válida.
continua...
376

continuação
Meta 95% de notificações de violência interpessoal e autoprovocada com o campo raça/cor
preenchido com informação válida.
Relevância do Indicador - A violência é considerada uma questão de saúde pública mundial, o que torna necessária
a ampliação de estratégias que interfiram nesse quadro. No Brasil, esse agravo representa a
terceira causa de morte entre crianças de 0 a 9 anos, passando a ocupar a primeira posição
na população de 10 a 49 anos, decrescendo para a sexta posição entre os idosos (60 ou
mais anos). As vítimas, comumente, adquirem sequelas, permanentes ou não, que podem
levar à incapacidade para o trabalho ou para outras atividades rotineiras, ao absenteísmo, a
custos com o pagamento de pensões e de tratamentos de saúde, configurando um importante
problema de saúde pública. Nesse contexto, o Ministério da Saúde implementou o Sistema de
Vigilância de Violências e Acidentes (VIVA/Sinan), como forma de sistematizar as informações
sobre os casos de violências e permitir o cuidado intersetorial às vítimas. Dados gerados

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por esse sistema são demandados por vários setores do Ministério da Saúde e também por
outros ministérios, bem como organizações não governamentais e imprensa. Desse modo, a
qualidade dos dados é primordial para garantir uma análise fidedigna desse problema de saúde.
- As características étnico-raciais de uma população constituem-se de variáveis de importância
social e epidemiológica no estudo
das análises de situação de saúde e, em especial, das desigualdades em saúde. Conhecê-
las assume importância estratégica para a promoção da equidade no Sistema Único de
Saúde (SUS), na qualidade dos serviços de saúde, na elaboração de políticas públicas e na
identificação das doenças e agravos predominantes nos diferentes grupos que compõem a
sociedade brasileira. Além disso, a informação “cor ou raça/etnia” possibilita ao SUS cumprir
um de seus princípios fundamentais, a Equidade, ou seja, o compromisso de oferecer a todos
os cidadãos e cidadãs um tratamento igualitário e, ao mesmo tempo, atender às necessidades
que cada situação apresenta.
- É um dado que pode orientar as intervenções nas populações específicas e o aprimoramento
do campo raça/cor nos sistemas de informação de saúde, que é de responsabilidade dos
trabalhadores e gestores dos serviços de saúde públicos e privados.
- É fundamental a apropriação dos dados epidemiológicos pelos profissionais de saúde. Quer
esses dados permaneçam nos serviços, quer sejam enviados aos diversos sistemas de
informação, eles devem ser utilizados como instrumento capaz de indicar as ações necessárias
para garantir a adequação da vigilância, da prevenção e da atenção dispensadas à saúde da
população, respeitando-se as especificidades e fortalecendo a promoção da Cultura da Paz.
- Sendo assim, é de suma importância melhorar a qualidade do preenchimento desses dados,
em especial do campo raça/cor, que permite melhor caracterização da pessoa que sofreu
violência.
Método de cálculo para os Numerador: Total de notificações de violência interpessoal e cálculo autoprovocada com o
agravos campo raça/cor preenchido com informação válida, por município de notificação.
Denominador: Total de casos notificados por município de notificação.
Fator de multiplicação: 100.
Fonte Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan).
Dados para monitoramento Data para processamento dos dados das bases nacionais para avaliação final: 15 de abril
e avaliação do ano posterior ao da avaliação.
Informações adicionais - A alimentação no VIVA/Sinan dos registros de notificações de violência interpessoal e
autoprovocada deve ser feita de forma regular e constante durante todo o ano.
- O objetivo desse indicador é melhorar a informação das notificações de violências e
acidentes em sua totalidade, através do incentivo ao melhor preenchimento do campo
raça/cor e das demais variáveis.
- Será considerada não válida a informação de raça/cor quando o campo estiver em branco
ou com a opção “Ignorado”.
- Município que não possuir registro de notificação de violência interpessoal e autoprovocada
em seu território, no VIVA/Sinan, não pontua para o PQA-VS.
continua...
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 377

continuação
Responsável pelo Secretaria de Vigilância em Saúde
monitoramento e avaliação Departamento de Articulação de Ações Estratégicas de Vigilância em Saúde – DAEVS/
no Ministério da Saúde SVS/MS.
E-mail: dagvs@saude.gov.br

Violência, tensionamentos e recomeços


Nas últimas décadas, em especial nos períodos de crise econômica e política,
o enfrentamento de práticas relativas ao preconceito multirracial, de gênero e sobre
minorias nos conduzem a problematizar as diversas facetas que a violência humana
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pode alcançar. Mesmo quando os argumentos justificadores são recorrentes, tais


práticas devem nos conduzir à reflexão crítica, porque ao contrário disso, pode-se
produzir um certo conformismo social diante de atos de feminicídio e abusos variados
de minorias populacionais.
É importante frisar que qualquer episódio de violência, além de reproduzir res-
sonâncias em novas condutas humanas, ela também inclui movimento de “repetição”
nos meios sociais e entre os atores envolvidos (vítima e agressor). E, frequentemente,
esses devires configurados por um ciclo viciosos de atravessamentos repetitivos trazem
relatos de frustação face às tentativas de recomeço de uma relação, sobretudo para as
vítimas. Um exemplo disso são os manuais que descrevem as práticas cíclicas de vio-
lência doméstica, nos quais as vítimas revivem a dor ao retornarem para a convivência
com seu algoz ou à cena de vida, cumprindo-se assim o ciclo vicioso da violência.
Entretanto, ao ressaltar a existência de diferentes ciclos de tensionamentos percebidos
desse tipo de violência, observa-se que há outros que afetam o mundo globalizado.
Para Baumam e Bordoni (2016) “[...] As cidades foram transformadas em labo-
ratório que necessitam encontrar formas de resolução de problemas e conflitos que são
globalmente engendrados, mediante ações improvisadas e cotidianamente testadas”
(apud HILLESHEIM et al., 2021. p. 240.). A partir da citação acima, destaca-se a
questão dos migrantes venezuelanos e mais recentemente também dos ucranianos, como
possíveis tensionamentos do mundo globalizado que carecerá de uma urgente adequação
de políticas públicas, baseadas em ações governamentais voltadas para o acolhimento
e gerenciamento das demandas que esse fluxo e emigrantes necessitará, a fim de evitar
outros atos de violência, como por exemplo a xenofobia e exploração de vulneráveis.
E quais Estratégias de Resistência se fazem necessárias para frear essa violên-
cia “líquida”?
A relação entre um coletivo autônomo gerido por ocupações estratégicas de espaços
sociais (praças, ruas, festivais, centros de cultura etc.) e efetivação de Políticas Públicas
de Rede (Cultura, Saúde, Assistência Social etc.), mostram-se como possibilidades de
produzir nas gerações atuais momentos de reflexões sobre os atos cotidianos praticados,
ou até mesmo de rupturas de ciclos viciosos de dor (qualquer dor). Desse modo, a dor
sentida e experimentada no contexto de violência venha a fazer a ressonância inversa,
ou seja, venha ressoar nas ações práticas das pessoas, nas ocupações, nas estratégias
de resistência permanente das cenas de vida que muitas vezes, são experimentas no
cotidiano das vítimas “anônimas” que circulam nesses mesmos espaços.
378

Trata-se de processos de novos espelhos, de medos vencidos, de escolhas em


traçar novos caminhos para a prática de um recomeço possível, apesar da experi-
mentação de episódios, por vezes, recorrentes e de repetidos abusos do uso da força
e do poder em diferentes contextos e níveis sociais. Tudo que é vivo é possível de
se recompor, garantindo o direito a voz! A partir do conceito de democracia como
princípio de liberdade de produzir no coletivo, vamos refletir aqui sobre a violência
institucional. Assim, destacar a voz como um meio de conter a violência institucional,
quando se ouve o povo o tornamos participante da construção de sua própria histó-
ria. A destituição deste espaço dá lugar a unilateralidade, onde as demandas não são
acolhidas, e os verdadeiros interessados não possuem “direitos”, apenas deveres. Em

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nome de diversos interesses estas práticas, vão se perpetuando, vamos reproduzindo
estes cenários nos contextos mais próximos, tal seja convivência familiar, relações no
trabalho, relações sociais, virtuais, de negócios, inclusive no nosso fazer técnico etc.
Não havendo “direito a voz”, do coletivo, passamos a ter uma sociedade sob
domínio de relações autoritárias e intolerantes, onde só acatamos que seja conveniente
a um determinado “projeto social”, ou ideias de seletos interesses. Importante ressaltar
que muitas vezes essa prática destituinte do outro, ela nos é imposta de forma sutil,
a ponto de termos uma distorção do valor ou dos princípios democráticos.
Considerando que todo ato também é político (nos submeter, pode ser) forma
sutil de normalizar, o não acesso aos direitos sociais, a não inclusão, ou a baixa
inclusão (quando as ofertas não atendem as demandas de forma suficientes), e assim
efetivar os mínimos sociais, como novo direito social, e a ditadura do grito como
única forma de gestar, assim banalizando a violência estrutural política. Seguindo
tal parâmetro de entendimento ou análise social da negação da violência institucio-
nalizada, vamos convivendo com seus impactos nos contextos diversos, tais como:
crescimento da violência contra mulher, criança, idosos e nas relações de trabalho
(público ou privado); distanciamento afetivo nas relações sociofamiliares; intolerân-
cias diversas e fomento da violência “contra o outro”.
Sem esquecer aquela provocada e circulada nos meios digitais, capaz de pro-
vocar pânico social, seja pelo trágico, seja pela exposição ou inverdade.
Se pensarmos a vida em sociedade como contexto amplo, vamos encontrar
centenas de dados que refletem as categorias de violências destacadas acima.
Chamamos, assim, atenção ao leitor neste momento para refletir sob qual lente,
entendemos conceito de violência, será que acreditamos que sinônimo de violência,
é só quando há perda de sangue, ou seja, ato físico entre dois sujeitos sociais?
É fato que não, nosso debate aqui é entender contexto volátil da violência,
hoje refletida inclusive nos contextos institucionais, com falta de acesso, sendo a
inclusão do sujeito cada vez mais burocratizada, disfarçada de critérios técnicos;
intolerância de todas as ordens muito veiculada nas redes sociais, com hostilizações
de forma verbal, e estímulos de conflito constante. O atual cenário nacional tem
vivido reflexo da política não inclusiva, como processo de retrocesso nas gestões de
políticas importantes para população, assim está claro através do encolhimento de
recurso nas áreas de educação, segurança pública e assistência social, sem falar na
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 379

área de ciência e tecnologia, que o digam pesquisadores que tiveram seus projetos
de pesquisa paralisados ou reduzidos pelo caminho por falta de investimento.
A sociedade brasileira está com fatura imposta de custos elevados dos com-
bustíveis, inflação destaque em itens primordiais, como alimentação e fechamento
de empresas e aumento da precariedade da relação trabalho x empregador, perpe-
tuando crescimento da informalidade e uma série de contexto favoráveis a cenários
de violências.
Toda essa análise e constatação precisam ser colocados em discussão seja na
educação, seja nas relações que vamos construindo, seja nas decisões que vamos
assumindo, afinal não somos a políticos!
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Que caminhos poderemos pensar?


É fato que a pandemia se torna divisor de águas no contexto da humanidade,
ou seja, mundo até fim 2019, quando surgem primeiros rumores deste contexto, e o
mundo que seguira pós auge pandêmico.
Este cenário nos revelou quanto somos potentes em nos reinventar, para recriar
a sobrevivência, estabelecer novos modos de convivência, de fazer construções cole-
tivas, trocas de culturas com gerações mais jovens, produzir relações solidarias e
de auto respeito com inclusão social. No mundo do trabalho, é possível repensar
jornadas presenciais por novos processos onde tecnologia é forte aliada, que mais
importante que a presença física, é a produção criativa a partir contextos domiciliar
(home office), que podem ser agregados contratualidade de trabalho, desde que tam-
bém seja regulamentados custos deste processo efetuado pelo trabalhador tais como;
energia, equipamentos tecnológicos e físicos utilizados com carga horária e direitos
sociais a quem pro trabalhador.
Na educação, repensar os parâmetros curriculares. Afinal com longa parada
provocada pela pandemia, não será possível recuperar tudo que ficou suspenso. Mas
também estamos com a chance de repensar o que realmente é importante na formação,
o que é realmente massa de conteúdo apresentado aos nossos alunos? Quem forma-
mos, e que valores competem a sala de aula, qual trabalho da escola junto ao contexto
familiar. Nos importamos com conteúdo que fortaleçam as relações afetivas e dos
diversos contextos humanos, ou basta fazer as pessoas apreender conteúdos que os
faça robô produtivo, famosa educação para o sucesso de mercado que atende somente
lucro do processo capitalista sem escutar se esta produção atende as demandas das
populações mais distantes, sem alimentação oxalá o acesso à tecnologia.
Tornar a educação mais inclusiva com investimento em acesso de qualidade,
que implica a presença física do professor com dignidade, com formação continuada
e continua favorecendo atualização, inclusive tecnológica. Não basta pensar em
dispor formações on-line, sem treinamentos, recurso ou incentivo para que alunos
e professores tenham acesso a aquisição de tecnologias leve. Também é importante
pensar a presença física no ambiente real, afinal as máquinas são frias, nunca irão
ler nem identificar as singularidades do ser humano, suas emoções, suas limitações,
suas dores, ou mesmo potenciais daqueles que apresentam deficiências ou dificul-
dades, como autistas, deficientes audiovisuais, cadeirantes ou pessoas com diversos
sofrimentos emocionais e psíquicos etc.
380

Ressalta-se ainda as singularidades dos contextos amazônicos, das territoria-


lidades geográficas, dos povos tradicionais e das águas, da profunda desigualdade
de acesso sociais e inclusivos neste vasto país. Provocar o Ministério da Educação a
reconhecer importantes iniciativas de educação e trabalho desenvolvido em cenários
nacionais, agregam conhecimento e renda, sendo possível trazer para cenário de troca
de saberes, de novos saberes.
Pessoas e ícones de conhecimento e produção de renda e sentido de vida, através
da valorização da arte, música, práticas ecologicamente sustentável e economicamente
viável, com práticas transformadoras de relações vivas de culturas, agregamento do
valor financeiro e produtivo. Saindo do super valor da educação de sucesso capita-

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lista ou de ênfase na formação universitária, sem desmerecer a produção ciência, ao
contrário incluindo ciência popular como também projeto social de valorização do
humano. Pensamos este processo como gerador de ciência popular com valorização
no humano produtor de sentido de vida, agregador de renda e sustentabilidade. No
campo da assistência social, a política que pensa inclusão social, e a dignidade da
população mais vulnerável e em condição de sub cidadania. Analisando sistema
SUAS/MDS, ainda que já apresente variados campos de inclusão, continuamos encon-
trando necessidades consideráveis em relação a seguimentos singulares, tais como:

• Populações com relação abusiva de álcool e outras drogas, convivendo


na rua em fase de reabilitação;
• Idosos sem laços afetivos e que apresentem comprometimentos clínicos
ou psíquicos em acompanhamento;
• Intervenções corresponsáveis de forma federativas quanto a populações
migrantes diferenciadas de culturas.

Ainda precisamos de plano integrado de ações interdisciplinares com claros


papéis e responsabilidades entre gestores federativos ou intersetoriais nos territó-
rios regionalizados ou municipais. Dentre as ações já realizadas, faz-se necessário
mais incentivos em todos os territórios geográficos de grandes concentrações de
populações, projetos de abordagens social de rua, núcleos de convivências assisti-
das pela comunidade (gestão integrada à população e poder público), ampliação da
política de incentivo de acesso com baixo custo a espaços de lazer e entretenimento
(cinema, logradouros públicos, parques ecológicos, museus etc.), como já ocorrem
em algumas capitais.
Estabelecer uma intercessão com arte, música e entretenimento, cultura e lazer,
podem ser extremamente gratificante para busca descoberta de talentos, e oportuni-
dades diversas, reduzindo os vazios, a ausência de esperança através da convivência
saudável. Podendo assim, possibilitar o investimento em programas de extensões
universitárias com alunos e professores interagindo em projetos voltados a populações
de diversas faixas etária do território da cidade. Essa promoção de atenção à política
pública poderia identificar muitos artistas, jogadores juniores, músicos, compositores,
artistas cênicos e de outras expressões diversas de acordo com os territórios e suas
expressões culturais.
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Também sinalizamos aqui, a necessidade do maior compromisso das academias


em suas diversas interfaces de produção de saber e ciência, em ter maior participação
atuante frente as desigualdades sociais diversas, desde quem tem pouco alimento no
dia a dia até o projeto de casas populares de baixo custo, otimização de recursos não
renováveis, reutilização do lixo em cooperativas com reciclagens possíveis reapro-
veitamento de alimentos doados pelas fornecedoras de abastecimento nas cidades,
como exemplo as companhias de abastecimentos alimentos, mercados etc.
Assim como inclusão de novas demandas nos campos de estágios e programas
de Pós-Graduação a partir das realidades; ampliação das residências multiprofissionais
do sistema SUS; residências em habilitações em psiquiatria infantojuvenil; inserções
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nas grades curriculares de diversas áreas e formações de disciplinas relativas atenção


psicossocial e relações psicossociais, tendo como objetivo trabalhar ciências de auto-
conhecimento emocional, sociais, psicológicos e psíquicos do humano. No campo
do trabalho formal produtivo, o governo poderia promover nivelamentos financeiros
entre gênero, com ênfase na figura feminina, considerando o crescimento de mulhe-
res chefa de família monoparental (mulheres que assumem e sustentam as famílias
sozinhas), desta maneira, com acréscimos de responsabilidades no custo de cuidado
protetivo e educação de sua família, entre outras necessidades básicas de cotidiano.
Hoje muitas vezes, desenvolvendo mesma função do gênero masculino, e ganhando
valor inferior, porém com responsabilidades duplicadas com a prole.
Concluímos reiterando que a discussão aqui suscitada, cumpre o objetivo de
colocar em debate as violências, quaisquer que sejam, a partir da ausência de direito
a mobilização, a voz e a participação nas decisões, sejam elas públicas ou privadas.
E a necessidade de não banalização da política assediosa, autoritária retirando do
sujeito sua potência participativa condicionando este a um mero expectador de des-
montes de direitos, e exclusões sociais. A condição de aceitar determinada situação,
por instância ou instituição social e pública dando credibilidade, sem participação
social, nada mais é do que (ou pode se tornar) normatização da violência institucional
que por sua vez vai se entender a tantos outros convívios, podendo assim capilarizar
para relações pessoais, sociais, virtuais e até mesmo afetivas. A cultura da violência
sempre pode vir com a sutilidades de um contexto histórico, não necessariamente
sendo livre produção humana, mas não podemos perpetuá-la, tornando-a liquida, ou
volátil de forma que passe a ser invisível.
É preciso entender, refletir sobre atual o processo que estamos vivenciando
politicamente e onde e como podemos intervir. Não podemos perpetuar contextos que
nos aprisione da liberdade de sermos ser político e histórico construtor de caminhos
da cidadania e dignidade humana. Como seres políticos e profissionais das diversas
áreas, devemos utilizar todos os mecanismos possíveis para garantir os direitos de
todos, aproveitando os mecanismos de controle a favor das possibilidades de desen-
volvimentos das políticas públicas em prol da saúde coletiva.
Violência não reconhecida gera brutalidade nas relações e nas abordagens no
cuidado. Desta forma, o nivelamento conceitual entre as políticas públicas, a busca
de conhecimento pelas questões orçamentárias e de planejamento, o conhecimento
382

transversal das nossas ações deve pautar nosso cotidiano profissional, evitando ser-
mos sugados pelos processos repetitivos de trabalho, identificando as sobretarefas
ou sobrecargas de tarefas, que nos afastam da reflexão crítica e emancipatória,
culminando no cansaço e descredito, impedindo a proatividade e as análises dos
cenários nos quais estamos envolvidos. Então, como prevenir as violências senão
a partir de exercícios de reflexões e reconhecimento das subjetividades regionais/
territoriais, análises, diagnósticos mais próximos possíveis de dados fidedignos.
Desta forma, cabe a todos nós, as discussões constantes a produção de dados, as
investigações e trocas avaliativas permanentes. E a pergunta continua para nosso
exercício. Como prevenir?

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tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 383

REFERÊNCIAS
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2004, 196

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União: seção 1, Brasília, DF, ed. 186.

CRUZ, L. R; HELLESHEIM, B; EICHHERR, L. M. Interrogações as políticas


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MARTTIOLI, C; ARAÚJO, M. F. A violência nos diferentes contextos: na política,


na família, e na pandemia. Brasil: Editora CRV, 2021.

PEDROSA, J. Fiocruz avalia excesso de suicídios no Brasil na primeira onda de


Covid-19. Fiocruz, Rio de Janeiro, abr. 2022. Disponível em: https://agencia.fio-
cruz.br/fiocruz-avalia-excesso-de-suicidios-no-brasil-na-primeira-onda-de-covid-19.
Acesso em: 30 abr. 2022.
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SOFRIMENTO PSÍQUICO DE
MÃES DE CRIANÇAS COM
INSUFICIÊNCIA RENAL CRÔNICA
Ítala Suzane da Silva Figueiredo
Niamey Granhen Brandão da Costa
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Introdução
A doença renal crônica atinge 10% da população mundial e afeta todas as faixas
etárias, crianças, adolescentes, jovens adultos e idosos. Não apresenta distinção de
raça, cor e etnia. A insuficiência renal crônica é considerada um grave problema de
saúde pública, em função da sua morbidade e mortalidade, bem como sua influência
sobre a qualidade de vida das pessoas. De acordo com a Sociedade Brasileira de
Nefrologia (2013), os principais fatores de risco que podem desencadear a insufi-
ciência renal crônica estão atrelados a questão do sedentarismo, do tabagismo, do
consumo de álcool, hábitos alimentares inadequados, do controle inadequado da
hipertensão arterial e da diabetes mellitus e o uso excessivo de medicamentos que
podem acabar afetando a função renal. Friedman (1999) ressalta que na infância estas
causas podem estar relacionadas a anormalidades congênitas e obstrutivas, sendo estas
mais comuns em crianças de 0 a 10 anos, e as doenças adquiridas são mais comuns
em crianças acima de 10 anos.
Segundo Angerami Camon (2002), a Insuficiência Renal Crônica (IRC) é uma
doença que tem como característica a perda da função renal definitiva, o que faz
com que a pessoa adoecida siga um tratamento rigoroso, constituído por uma dieta
restritiva, constante controle médico e, em geral, tratamento dialítico. O tratamento
da IRC é feito através da terapia renal substitutiva (TRS), que tem por objetivo
substituir a função renal que foi comprometida. Existem três tipos de TRS que são:
a hemodiálise, a diálise peritoneal (automatizada ou manual) e o transplante renal.
O tratamento é feito com o acompanhamento do médico nefrologista. É importante
ressaltar que o tratamento é custeado e regulamentado pelo sistema único de saúde
(SUS) (BAXTER, 2006).
A criança que é afetada por uma doença crônica, sofre mudanças em seu estilo
e qualidade de vida, desencadeadas pela presença da patologia, da demanda tera-
pêutica, do controle clínico e das hospitalizações recorrentes. São observadas alte-
rações significativas da doença crônica na infância, que perpassa pelas dificuldades
estruturais e instabilidade emocional que atingem todo o núcleo familiar. Na maioria
dos casos, a criança tende a apresentar o seu desenvolvimento físico e emocional
prejudicado, podendo acarretar desajustes psicológicos em virtude do tratamento
(VIEIRA; DUPAS; FERREIRA, 2009).
386

Além de afetar o paciente, a doença crônica afeta os grupos sociais nos quais
o indivíduo está inserido. O primeiro grupo social a enfrentar estas modificações é a
família/mãe/cuidadora (MINUCHIN, 1990). Sendo assim, o presente trabalho visa
analisar a vivência de mães de crianças com insuficiência renal crônica, seus anseios,
medos, fantasias e expectativas frente ao tratamento de hemodiálise e a possibilidade
de transplante renal.

Materiais e métodos
A metodologia empregada, de caráter qualitativo descritivo, comportou a reali-

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zação de entrevistas com mães/cuidadoras de criança com insuficiência renal crônica.
A pesquisa foi realizada na Fundação Santa Casa de Misericórdia do Pará, localizada
na rua Bernaldo Couto, nº 1040, bairro do Umarizal, na cidade de Belém do Pará,
que atua como referência na atenção a gestante de alto risco e ao recém-nascido. A
pesquisa foi desenvolvida na Nefropediatria do referido hospital, que disponibiliza
serviços em nível ambulatorial e de Terapia Renal Substitutiva nas duas modalidades:
hemodiálise e diálise peritoneal.
Participaram desta pesquisa seis mãe/cuidadoras de crianças com IRC, na faixa
etária entre 31 e 43 anos. A pesquisa contou com a participação voluntária das mães/
cuidadoras de crianças com IRC, sendo respeitados todos os princípios éticos. É
valido ressaltar que os nomes utilizados no estudo são fictícios, objetivando garantir
o sigilo quanto à identidade das participantes.
O instrumento utilizado para a coleta de dados desta pesquisa foi uma entrevista
semiestruturada, contendo um roteiro de perguntas pré-estabelecidas, composto de seis
perguntas referentes aos dados de identificação das mães/cuidadoras, que continham
as seguintes informações: nome, idade, cidade, religião, nível de escolaridade e status
marital. Além destes dados, o instrumento contava com dois tópicos referentes aos
dados clínicos da patologia da criança, sendo estes: doença de base e tempo de trata-
mento na modalidade de hemodiálise. E, por fim, foram realizadas perguntas sobre
os sentimentos e expectativas referentes ao diagnóstico de IRC do filho, o nível de
conhecimento sobre o tratamento de hemodiálise, se houve alterações no cotidiano e
na dinâmica familiar, verificação dos desejos e, por fim, conhecer quais eram as expec-
tativas em relação ao transplante. As entrevistas foram gravadas com o consentimento
das mães/cuidadoras, a fim de se obter dados precisos acerca do discurso apresentado.
A coleta de dados iniciou após a aprovação da Pesquisa no Comitê de Ética do
Hospital das Clínicas Gaspar Viana e da Fundação Santa Casa de Misericórdia do
Pará, sob os respectivos pareceres de nº 1.721.230 e nº 1.762.615, cumprindo-se as
recomendações contidas na Resolução nº 466/12 do Conselho Nacional de Saúde do
Ministério da Saúde do Brasil. Inicialmente foi realizada abordagem individual com
as mães/cuidadoras na sala de espera da Nefropediatria, com o objetivo de explicar
os objetivos da pesquisa e de verificar o interesse em participar do estudo. Após o
aceite de participar da pesquisa, foi entregue um cartão, contendo o título da pesquisa,
data e horário para a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e
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realização do roteiro de entrevista. O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido


continha a descrição dos objetivos, métodos, possíveis benefícios e riscos decorrentes
do estudo, bem como os demais esclarecimentos pertinentes à realização da pesquisa.
As entrevistas foram categorizadas através da Análise de Conteúdo (BARDIN,
1979) que consiste em um conjunto de técnicas que funcionam por operações de
desmembramento do texto em unidades (categorias), segundo reagrupamentos analó-
gicos. Foi utilizada para categorização a análise temática na qual o material analisado
foi recortado em temas, que foram agrupados e classificados segundo recorrência e
frequência no discurso das entrevistadas. Sendo assim surgiram três categorias de
análises: 1) sentimentos e expectativas diante do diagnóstico e tratamento de hemo-
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diálise; 2) transplante como qualidade de vida; e 3) religião como forma de amparo


ao sofrimento psíquico.

Resultados e discussão

Sentimentos e expectativas diante do diagnóstico e do tratamento


de hemodiálise

Famílias que enfrentam a hospitalização de um de seus integrantes demonstram


alguns problemas gerados por esta situação que atingem não somente a criança ou a
mãe, que permanece grande parte do tempo ao lado da criança, mas também o grupo
familiar (MARQUES et al., 2012).
Receber o diagnóstico de IRC de um filho pode promover nestas mães/cuidadoras
e família um sofrimento manifesto através de reações e falas carregadas de emoções,
podendo revelar através desta experiência alguns sentimentos e expectativas que vão
do medo a esperança. Dentre os sentimentos e emoções apresentados pelas mães,
destacam-se com maior frequência a tristeza e o desespero frente ao mundo desconhe-
cido, que é o tratamento de hemodiálise. Acerca disso, surgiram os seguintes relatos:

Quando eu descobri que o R tinha problema renal e que eu teria a qualquer


momento de precisar de uma máquina, não foi nada bom, foi desagradável [...].O
maior para mim foi quando o médico chegou e falou que o R vai para a máquina,
foi quando eu mesmo baquiei, eu gritava naquela UTI, eu não aceitava, porque
não é fácil (Isadora).

Eu quando soube fiquei arrasada, pois era tudo muito novo, pelo que as pessoas
falavam fiquei arrasada. Falavam que iriam tirar o sangue do menino todinho, aí
eu começava a chorar, pensando que realmente era assim (Gabriela).

O doutor examinou, bateu o eco do coração e disse não, está tudo bem. No outro
dia o doutor R desceu para ver o B, porque ele não estava muito bem, ele começou
a examinar ele pelas artérias e disse que era problema renal, ele foi direto para a
UTI e então para mim foi um choque muito grande, saber de uma notícia e ir direto
para a UTI, ainda mais eu que nunca tinha me deparado com uma UTI (Juliana).
388

Eu fiquei em desespero quando soube que ele ia fazer hemodiálise, chorava muito,
não sabia nem o que era aquela máquina, não entendia nada, perguntava por que
está acontecendo isso, porque meu filho está nessa máquina (Marcia).

Eu não gosto nem de lembrar, eu fiquei desesperada, eu não queria aceitar, eu e o


pai dela foi um desespero [...]. aí eu fiquei desesperada, quantos dias sem comer
direito, chorava muito, até que a doutora disse que não ia ter tempo de volta para
casa (Adriana).

Eu nem sabia o que era hemodiálise, quando vi minha filha entubada, naqueles
aparelhos, com o tempo fui me adaptando.[...]. Eu fiquei muito triste, chorei

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muito, hoje já entendo o que é uma máquina, vejo a situação que passam, não é
fácil, não é bom (Amanda).

Segundo Valle (1991), quando a criança é acometida por uma doença grave,
os pais experimentam transformações que significam a perda do mundo habitual-
mente vivido por ele, passando a habitar outro mundo, o mundo da doença do filho,
trazendo aos mesmos intensas vivências de estranhamento, insegurança em vários
níveis (familiar, financeiro), solidão, isolamento, marcados pela ambivalência ine-
rente ao processo de doença e tratamento. Como pode ser evidenciado nos relatos
de duas das entrevistadas:

Eu fiquei um pouco longe dos meus filhos [...]. Às vezes a família não entende,
a minha mãe fala assim: Há porque você não para na sua casa, não entende meu
lado, tudo que eu passo, mas aí eu não dou nem ouvido para isso, aí a gente se
afasta mais um pouco, porque a pessoa não entende (Marcia).

Minha vida mudou, pois agora estou aqui segunda, quarta e sexta. Que a gente
não pode sair mais, enquanto a gente não receber este transplante a gente não
pode sair de casa, que a qualquer momento podem ligarem para a gente ir para
São Paulo (Gabriela).

Estudos apontam que a hospitalização de um filho pode desencadear alterações


emocionais e sofrimento psíquico nos membros da família, principalmente naquele
que acompanha a criança, na grande maioria a mãe (HENEGHAN; MERCER, 2008).
Porque assiste o sofrimento do filho e se vê impotente diante disso.

[...] neste período a gente passou quatro meses no hospital, com muita luta, muita
dificuldade, mas graças a Deus o pessoal de lá foi muito bom com a gente (Maria).

Foi um choque muito grande, só eu dentro do hospital, aí quando levaram ele, o médico
disse fica aqui, calma, não, quando mandaram entrar ele já estava todo entubado. Aí ele
passou em torno de oito dias entubado, acordou, depois ficou se recuperando (Juliana).

Para mim é difícil, quando ele passa mal eu fico agoniada, eu choro muito, pois
ele já tem falência de acesso (Marcia).
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Transplante como qualidade de vida

Na presente pesquisa, ficou evidente no relato das mães/cuidadoras uma série


de fatores que estão relacionados com a mudança de tratamento, da hemodiálise
para o transplante, está permeada de fantasias referentes à cura e a mudança de vida.
Segundo Cabral (2009), o transplante é visto como uma “porta de salvação”, que
possibilitará que o paciente recupere, ou se aproxime de uma vida normal. Como se
evidencia nos seguintes relatos:

transplante é a liberdade deles, de eles se libertarem da máquina, ganharem sua


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autonomia (Isadora).

a expectativa é grande. O transplante é uma melhora, vai sair da máquina, vai


receber um rim, vai melhorar 100%, vai tirar o cateter, vai tomar banho de praia,
vai ter uma vida mais normal (Gabriela).

quando você fizer o transplante minha filha, você vai poder beber água a von-
tade (Adriana)

acho que depois que ele transplantar, vai mudar a nossa vida, porque, vai ter os
dias para ele fazer exame, as consultas, eu vou ficar mais com meus filhos em
casa (Marcia).

O tempo indeterminado pela notícia de um doador compatível é vivenciado de


maneira distinta, o qual envolve ansiedade, angústia e medo; medo do desconhecido,
por já ter acompanhado a morte de colegas na hemodiálise, na fila de espera e no
pós-transplante. O medo é minimizado pela fé e esperança de uma vida melhor com
a chegada do transplante (OLIVEIRA, 2007).

Vou sentar com a Doutora e perguntar, assim como pode ser hoje ou amanhã o
transplante do meu filho, pode ser daqui um ano, dois anos, eu não quero, eu já
estou ansiosa, agoniada, quero ir embora. Estava conversando com a Doutora,
ela disse olha caso você vá doar o rim para F, já estou até fazendo dieta, eu vou
fazer exame, se for compatível com ele, eu vou doar meu rim para ele. (Juliana)

Eu peço para Deus que não de nada nos meus exames, que seja tudo compatível.
Eu não tenho medo de faca, eu não tenho medo de nada (Juliana).

É assim, eu já estou pensando em fazer os exames para ver se é mais rápido


para ele sair da máquina, eu já estou querendo tirar o F, ele já tem quatro anos.
Estou pensando em fazer isso, mas não sei a resposta de Deus. Bora ver o que
Deus tem para mim, que sabe até antes de Janeiro ele transplante. Vou fazer os
exames do transplante, para ser compatível com ele, para ser mais rápido, mas
esta na mão de Deus (Juliana).
390

Em pesquisa realizada por Knihs, Sartori, Zink, Roza e Schimer (2013) sobre
a vivência de pacientes que necessitam de transplante renal constatou-se que a
libertação da máquina traz o significado de poder desenvolver ações simples como
ir à praia, passear com a família, sair de casa ou simplesmente pela necessidade
de poder comer o que desejam. Uma das ações que mais traz alegria aos pacientes
após o transplante é o fato de poder tomar água, retomar essa rotina significa poder
voltar a desempenhar atividades até então restritas; restitui a sensação de satisfação
e controle; remete ao autocontrole; coloca-os em lugar de poder escolher; devolve
a sensação de autonomia.
Sendo assim podemos perceber nas falas das entrevistadas que o transplante é

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visto por elas como uma forma de ver seus filhos livres da máquina e ter uma vida
com menos restrições, ou como salienta uma entrevistada “uma vida adequada”.
Sendo assim, elas relatam que o seu maior desejo seria o transplante de seu filho,
apresentando os seguintes discursos:

Para mim o transplante vai ser a melhor coisa que vai acontecer na vida do A,
porque só dele não vir mais para o hospital, só dele sair dessa máquina, para mim
vai ser a melhor coisa na vida dele. [...] Mas sempre eu digo, eu estou aqui nesta
batalha com o meu filho, mas não quero passar três anos, quatro anos, aqui não.
Porque não é fácil, a gente perde totalmente a liberdade, não a minha, a dele. Eu
por mim.... meu negócio é ele, eu penso nele, o futuro dele daqui para frente. Eu
quero que ele tenha uma vida adequada, uma vida que ele possa brincar, tomar
banho no igarapé, sem estar se preocupando, amanhã vou ter que ir para Belém,
não......... ter uma vida normal (Isadora).

Que ele recebesse os rins. Que ele transplantasse, ver ele sorrindo. A palavra
transplante significa muita coisa......uma vida melhor, vai poder tomar banho de
praia, vai poder viajar, pois não vai ter que está com o celular no pé. Vai melhorar...
uma vida melhor, vai poder brincar, ele brinca, mas tem que ficar de olho para não
bater o cateter, mas depois acredito que ele vai se adaptar (Gabriela).

Deixo uma garrafinha para ela na geladeira. Digo para ela, eu sei minha filha que
a sede dói, mas deixa você ficar boa, fazer o transplante que você vai beber água
a vontade (Adriana).

Outro ponto evidenciado nas entrevistas foi a questão das ambivalências


experimentadas por estas mães/cuidadoras relacionadas ao processo de transplante,
sendo assim ao mesmo tempo em que o transplante é visto por elas como uma
possibilidade de uma melhor qualidade de vida, estas apresentam sentimentos de
medo e insegurança quanto a possibilidade de alguma intercorrência na cirurgia
do filho, agravando o seu estado de saúde ou da possibilidade de rejeição do rim, o
que lhes remeteria ao retorno do aprisionamento “a máquina”. Laplanche e Pontalis
(2001, p. 17), definem “ambivalência como presença simultânea, na relação com
o mesmo objeto, de tendências, de atitudes e de sentimentos opostos, fundamen-
talmente o amor e o ódio”.
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todas as mães têm um medo, pois tem uns que dá certo, outros não, acho que este
negócio de transplante é acreditar em Deus, ele que sabe (Marcia).

medo do transplante eu tenho, Deus o livre de dar uma coisa errada na hora, tenho
medo de depois do transplante os rins rejeitar (Isadora).

Uma das entrevistadas não apresentou nenhuma expectativa em relação ao trans-


plante devido a situação clínica do filho que se apresenta muito instável, investindo
sua energia psíquica no cuidado do mesmo.

olha eu não sei te dizer, eu nem si te dizer, até porque, quando não é uma coisa é
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outra, aí eu nem sei te responder. Porque quando ela tá bem, lá aparece outra coisa,
transplante tem que estar bem. Eu não penso, quando ela estiver bem, eu penso,
nem na fila ela está. Às vezes eu não consigo nem pensar direito, acontece uma
coisa, acontece outra, é uma pera de peso. Não consigo pensar direito (Amanda).

Diante do exposto, pode-se verificar que as mães/cuidadoras vivenciam o pro-


cesso de espera do transplante renal de formas distintas e singulares, visto que, cada
uma delas possuem contextos de vida diversificados.

Religião como amparo frente ao sofrimento psíquico

No decorrer dos relatos pode-se verificar que o processo de adoecimento do filho


que é acometido por uma IRC, desperta vivências singulares a cada uma das mães/
cuidadoras, sendo que os sentimentos despertados com o diagnóstico e tratamento
incide em seu psiquismo como uma situação “traumática” geradora de angústia,
tristeza, medo e desespero frente a nova realidade que se apresenta. Sendo assim
estas mães tendem a buscar na religião, um amparo frente ao seu sofrimento psíquico.
Freud (1930), em seu texto Mal-estar na civilização, revela que o sofrimento nos
ameaça a partir de três direções: de nosso próprio corpo, condenado a decadência e a
dissolução, aqui podemos destacar as doenças que se propagam em nossa sociedade,
que além de causar sofrimento, causam ansiedade como sinal de advertência. Esse
sofrimento também pode advir do mundo externo, voltando-se contra nós, com forças
de destruição esmagadora e impetuosas, e por fim, o que Freud considera como o mais
penoso dos sofrimentos, o que provém de nossos relacionamentos com outros homens.
Sobre este último ponto a que Freud se refere como fonte de sofrimento que
seria do nosso relacionamento com os outros homens, podemos pensar na relação
destas mães/cuidadoras com seus filhos que se encontram acometidos por uma
doença crônica. E quais os efeitos deste no psiquismo destas mães/cuidadoras. Pois,
segundo Freud, o bebê nasce muito antes de ser concebido, ele nasce a partir do
imaginário dos pais, ele seria o responsável por trazer a está família a imagem de
completude, aquele que iria realizar todos os desejos que os pais não tiveram a opor-
tunidade de realizar, garantindo assim a imortalidade de seu eu. Podemos constatar
que estas mães/cuidadoras apresentam uma ferida narcísica, pois aquele objeto de
392

amor (filho) que foi super investido, narcisado vem ao mundo como um ser faltoso,
ou seja, desprovido de saúde. Isto por si só já é um fator de intenso sofrimento no
psiquismo desta mulher, mãe/cuidadora, que ao longo do processo de cronicidade do
filho, vivência constantes reedições desta castração, tais como: a perda de saúde do
filho, a perda do ambiente familiar, a perda da sua liberdade imposta pela rotina do
tratamento hemodialítico, a perda da conivência com os outros filhos, a quebra dos
vínculos conjugais e a mais nefasta de todas elas é a de se deparar constantemente
com situações que lhe remetem a perda do seu objeto de amor, o filho. Sobre está
temática temos os seguintes relatos:

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aí é assim, muito corre, corre para lá e para cá. Não tem uma vida assim, de quem
está bom de saúde (Adriana).

O pai do F abandonou a gente por que eu só vivia para Belém. [...] Eu não ia
abandonar o meu filho, porque quando eu estava aqui em Belém, ele já estava
tendo outro caso, eu acho que foi por causa disso, não sei né (Marcia).

Porque nossa vida era praticamente naquele Ophir Loyola. No Ophir era acom-
panhado com o nefro, pois ele tinha muita infecção e eu não sabia do que estava
dando, eu passava de 20 a 30 dias naquele hospital com ele tomando antibió-
tico (Isadora).

Por que C já passou por uma cirurgia para tirar os rins, ela não tem mais os dois
rins, foi muita luta, ela só não foi a óbito porque Deus não deixou (Adriana).

Desse modo, podemos salientar que estas mães passaram a habitar o mundo
do filho, intensificando a simbiose mãe-bebê. Como forma de garantir os cuidados
necessários e com isso manter a sobrevivência do filho e garantir a imortalidade de
seu Eu. Neste momento, instaura-se a lei paterna, aquela lei que irá ser responsável
pela separação mãe/bebê, sendo assim podemos atribuir à instituição hospitalar este
papel, que ao mesmo tempo em que separa esta díade, é responsável por substituir os
cuidados maternos. Este ponto, podemos verificar nos relatos das mães/cuidadoras, em
que estas atribuem aos médicos e a equipe, detentores de conhecimento, sujeitos do
suposto saber, que seriam responsáveis pelo conhecimento da patologia, oferecendo
um suporte e cuidado diante do desamparo, vivenciado durante todo o tratamento
de seus filhos. Como se evidencia no relato a seguir:

o que eu puder fazer eu vou fazer, o que o médico mandar eu vou fazer, eu vou
fazer, e é assim. [...] venho mesmo com ele, se for preciso vir no outro dia venho,
porque não adianta nos reclamar, apontar o dedo na cara do Doutor, [...] eles
estão falando porque estão entendendo de alguma coisa, eles estudaram, então
não vou chegar e apontar na cara, dizer não você está errada, você estudou, você
sabe o que está falando. Então vou primeiramente confiar em Deus e em vocês
(médicos). E está aí (Isadora).
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Freud (1930) ressalta ainda que nós, seres humanos, em sua maioria nunca
seremos capazes de superar essa visão da vida. Pois em nossa psique, só um pai engra-
decido pode compreender as nossas necessidades. “A vida, tal como a encontramos,
é árdua demais para nós; proporciona-nos muitos sofrimentos, decepções e tarefas
impossíveis. A fim de suportá-las, não podemos dispensar as medidas paliativas. Não
podemos passar sem construções auxiliares” (FREUD, 1930, p. 93).
Acreditar que podemos contar com forças espirituais traz sentimentos de con-
forto. A espiritualidade encoraja a família (mãe/cuidadora) e produz sentimentos de
esperança ou de aceitação da condição imposta pela doença da criança. A religião
tem fornecido um conforto aos membros da família, sendo também uma forma de
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apoio, como é evidenciado no discurso abaixo:

Sempre eu falo, e tenho falado paras as mãezinhas, busquem pelos seus filhos,
busquem força no senhor, porque só ele, eu te digo com a sinceridade de uma mãe
sincera, se eu não tivesse Deus na minha vida, eu não sei o que seria de mim. Que
é só Deus. Tanto é que só mora eu e o F aqui em Belém, a minha família é imensa,
minhas cunhadas moram, tenho cunhadas por parte do meu marido, não conto
com ninguém, primeiramente só eu, meu filho e Deus. Deus tem me prometido
muito, não te preocupa com nada, Deus tem mandado me falar, não te preocupa
com nada, eu estou entrando com as providencias em tua vida. Aquilo que tu
tanto pedes eu vou dar em tuas mãos, e eu creio. Deus me prometeu que este ano
ele vai me entregar uma chave, e está perto, está perto, estou te falando (Juliana).

Nesse sentido, Freud (1927) mostra que a necessidade de proteção perdura por
toda a vida. Quando descobrimos que a força do “pai” é limitada, ou seja, que ele
não garante tudo na vida, retornamos para aquele pai da infância, supervalorizando-o
e o transformando em divindade. Transformamos esse pai em um ideal protetor de
todos os perigos.
Menezes (2008) ressalta que a questão do desamparo desenvolvida ao longo da
obra freudiana está sob o ponto de vista da falta de garantias do sujeito no mundo,
que é obrigado a uma renúncia pulsional como condição de viver em sociedade. A
autora salienta ainda que a perda do outro amado remeterá à condição de abandono
total, de desajuda, de desamparo ante o aumento pulsional.

“la vai para o bloco, mas não sei ela vai resistir. Ai graças a Deus ela foi, quando
ele veio de lá, ele disse: olha já terminou a cirurgia, daqui a pouco ela vai para a
UTI, depois que ela vai para a enfermaria. Foi um milagre pois a plaqueta estava
muito baixa, na hora parecia um olho de água, jorrando sangue. É doutor para
o senhor ver que Deus existe e ouviu meu pedido, então ela é para mim, se não
fosse para ficar comigo Deus tinha levado (Adriana).

Freud (1927, p. 43) revela que, dentre outros aspectos, o desamparo tem o papel
principal na formação do complexo paterno e da religião. Para ele a “impressão ter-
rificante do desamparo na infância despertou a necessidade de proteção através do
amor”. O Desamparo do homem, porém, permanece, junto com ele, seu anseio pelo
394

pai e pelos deuses. Os deuses mantem sua tríplice missão: exorcizar os terrores da
natureza, reconciliar os homens com a crueldade do destino, particularmente a que
é demonstrada na morte, e recompensá-los pelos sofrimentos e privações que uma
vida civilizada em comum lhes impôs. (FREUD, 1927, p.26).

Na fila do transplante você já está, a mamãe está correndo atrás de tudo para você
conseguir transplantar. Aí só esperar nas mãos de Deus e esperar o que ele tem
que fazer. Tem que ter fé que você vai sair dessa (Isadora).

Na medida em que o mal-estar é expressão da condição subjetiva do ser humano,


marcado pelo desamparo estruturante do psiquismo que tenderá sempre a existir,

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porém configurado segundo as modalidades de subjetivação de sua época. As for-
mas de sofrer nas quais os sujeitos manifestam seus mal-estares são indissociáveis
das transformações que remodelam o campo social. Na atualidade, os modos de
sofrimento são expressões do modo de subjetivação contemporâneas, ou seja, são
expressões do mal-estar contemporâneo. Nesse prisma, trata-se de pensar sobre a
condição da subjetividade na atualidade.
É importante destacarmos ainda que para Freud (apud MENEZES, 2008) nas-
cemos imaturos e indefesos, portanto, dependentes do outro para sobreviver. Expe-
rimentamos esse desamparo original enquanto bebês quando precisamos da ajuda
de um outro, de uma ação específica para pôr fim à tensão interna que sentimos na
ausência dos cuidados maternos. Sendo assim é importante compreendermos que
são esses cuidados, ou não, envolvidos com outros elementos estruturantes que se
tornam base para a nossa constituição enquanto sujeitos.

Considerações finais
A partir deste estudo foi possível identificar pontos significativos em relação aos
sentimentos, medos e expectativas das mães/cuidadoras de crianças com IRC, que
permeiam todo o processo de adoecimento do seu filho, que vai desde o diagnóstico,
o tratamento de hemodiálise, o enfrentamento da doença e as expectativas diante
da possibilidade de realização do transplante renal. Este percurso é permeado por
medo, tristeza, desespero frente ao desconhecido, frustrações, esperas, perdas, até
os novos sentidos dados à vida e a sua própria existência. E é através deste processo
que constroem e atribuem novos significados ao tratamento de seus filhos.
Por tratar-se de uma doença crônica, há uma especificidade no que diz respeito
a ser mãe/cuidadora de criança com IRC. No decorrer desta experiência surge uma
série de consequências para estas mães, que podem ser físicas, psíquicas, emocionais
ou familiares, gerando uma desestabilização do sujeito (mãe).
A realização desta pesquisa nos proporcionou uma experiência inusitada, de
poder proporcionar uma escuta acerca destes sentimentos e emoções vivenciados
por estas mães/cuidadoras durante o diagnóstico, o tratamento de hemodiálise
e a possibilidade de transplante renal de seus filhos, durante as entrevistas uma
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vasta gama de sentimentos emergia em seus relatos, podendo ser observados por
alguns comportamentos como a mudança de voz, a pausa no meio do seu discurso
e o olhar às vezes distante, estes nos remeteu a questão do desamparo ao qual
estamos submetidos.
Portanto, os profissionais da saúde envolvidos neste contexto, em especial os
psicólogos, devem possibilitar a esses sujeitos a reconstrução de sua nova iden-
tidade, perpassada e ressignificada por tudo o que lhe acometeu. Em vista disso,
considera-se que é também tarefa dos psicólogos possibilitarem a essas pessoas
reprocessar sua história, pensar e refletir a doença e todas as implicações que ela
traz para suas vidas, auxiliando-os na compreensão da situação que se apresenta,
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pois o sujeito, sentindo-se compreendido, fica mais seguro, amparado e assistido


como um todo.
396

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A PERPLEXIDADE DIANTE DA
PANDEMIA DA COVID-19:
um ensaio sobre o luto, educação popular
em saúde e o trabalho da psicologia
Warlington Luz Lobo1
Renata Sabrina Maciel Lobato Louzada2
Editora CRV - Proibida a impressão e/ou comercialização

Paulo de Tarso Ribeiro de Oliveira3


Lyah Santos Corrêa4

Introdução
A crise mundial, deflagrada pelo início da pandemia da covid-19 (doença infec-
ciosa causada pelo novo coronavírus, SARS-CoV-2), entre dezembro de 2019 e janeiro
de 2020, irrompeu no impacto sanitário que atingiu em cheio o mundo presumido de
cada sujeito, aquela percepção que, de acordo com Parkes (2009), trata do signifi-
cado e propósito de vida que cada pessoa tem em sua relação com a realidade social
(BASSANI; FABRIS; JÚNIOR, 2021). O viés drástico socioeconômico foi traspas-
sado pelos pensamentos de medo, desamparo e impotência frente ao desconhecido.
A imposição ao global despreparo para lidar com a urgência de um caos, escan-
cara nosso limite e finitude e nos atravessa com rapidez e perplexidade, lançando um
convite ao debate sobre a importância de uma formação em saúde que possa lidar com
as perdas de uma maneira mais realista e humanitária (DOMICIANO et al., 2021).
Bassani, Fabris e Junior (2021) indicam que em um mundo capitalista no qual,
muitas vezes, a questão da saúde mental é deixada de lado em prol do desgastante
lugar de conquistas materiais, a perplexidade com que se lida com a obrigatorie-
dade de parar, trouxe à tona a necessária reflexão sobre o que é mais importante: a
manutenção do ideário de trabalho neoliberal ou a preservação da saúde, ficando em
casa para se proteger do vírus? A estabilidade da vida financeira vai de encontro ao
despreparo dos governos em garantir a sobrevivência do seu povo, o que acrescenta
mais dificuldades em um cenário desolador.

1 Psicólogo. Mestre em Psicologia pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Gestalt-Terapeuta. Psicólogo
Educacional /SEMEC. E-mail: Warlington@ufpa.br
2 Mestra em Psicologia, pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Especialista MBA em Gestão de Pessoas
(Anhanguera/LFG/2012). Psicóloga efetiva da Secretaria Municipal de Saúde de Belém (SESMA). E-mail:
renatasabrina@ufpa.br
3 Especialista, Mestre e Doutor em Saúde Pública pela Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP). Professor
Adjunto III da Faculdade de Psicologia e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade
Federal do Pará (UFPA). E-mail: pttarso@gmail.com.
4 Psicóloga e Mestra em Psicologia pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia (PPGP) da Universidade
Federal do Pará (UFPA). E-mail: lyahcorrea34@gmail.com
400

A adoção de medidas de enfrentamento à pandemia lança diversos questiona-


mentos na comunidade científica. Esforços consideráveis são feitos no intuito de
achar uma cura, ou ainda, prevenir o agravamento da doença entre aquelas pessoas
contaminadas com o Coronavírus. Aqui, destaca-se o papel fundamental das vacinas
como uma forma eficaz de se proteger dessa ameaça que pode evoluir para uma
síndrome respiratória aguda grave (CARVALHO; CASTRO; SCHNEIDER, 2021).
Os autores também apontam que, neste panorama, no qual até o presente não
se sabe o padrão exato de funcionamento do vírus e a questão da cura ainda parecem
distantes, a adoção de medidas de prevenção perdura, como o uso de máscara e álcool
em gel, além do controle e restrição do número de pessoas em lugares públicos, ou

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ainda, o deslocamento de sujeitos entre os países.
Entretanto, cabe ressaltar que o negacionismo também se faz presente em com-
portamentos de risco e exposição desnecessária por uma parte da população, que se
nutre da propagação de fake news5 para adotar uma postura perigosamente discordante
do que pregam as resoluções mundiais de saúde e, com isso, trazem a possibilidade de
graves consequências para a sociedade como um todo (CAPONI, 2020; OPAS, 2020).
No Brasil, o quadro é ainda um pouco mais nefasto, pois a estratégia populista
de uma extrema direita politiza a pandemia como forma de se eternizar no poder
(BASSANI; FABRIS; JÚNIOR, 2021; MOREL, 2021). Para estes autores, a des-
legitimação dos estudos científicos segue a pauta de uma necropolítica, “expressão
máxima da soberania que reside, em grande medida, no poder e na capacidade de ditar
quem pode viver e quem deve morrer” (MBEMBE, 2016, p. 123), O que fomenta
atitudes radicais e de desconfiança em uma parte significativa de pessoas.
De acordo com Duarte e Cesar (2020), o conservadorismo e autoritarismo do
governo brasileiro criam uma gama de fanáticos, descolados da realidade, que vivem
em uma verdadeira bolha paralela, movidos por um sentimento de pertencer a um grupo
que segue, irrefletidamente, o seu líder no combate a um inimigo fabricado comum,
em geral aqueles que pensam diferente do discurso imposto (REICHERT, 2021).
Avessos ao diálogo e com forte apelo religioso atacam a mídia, traçando seus
caminhos conectados, de forma indiscriminada, como massa, a crenças que susten-
tam um sistema econômico parasitário o qual perpetua valores sociais patriarcais e
discriminatórios. Nos dizeres de Freud (2011, p. 24-25):

A massa é impulsiva, volúvel e excitável. É guiada quase exclusivamente pelo


inconsciente. Os impulsos a que obedece podem ser, conforme as circuns-
tâncias, nobres ou cruéis, heroicos ou covardes, mas, de todo modo, são tão
imperiosos que nenhum interesse pessoal, nem mesmo o da autopreservação, se
faz valer. Nada nela é premeditado. Embora deseje as coisas apaixonadamente,
nunca o faz por muito tempo, é incapaz de uma vontade persistente. Não tolera
qualquer demora entre o seu desejo e a realização dele. Tem o sentimento da
onipotência; a noção do impossível desaparece para o indivíduo na massa. A
massa é extraordinariamente influenciável e crédula, é acrítica, o improvável

5 “[...] história falsa que aparenta ser uma notícia, divulgada na internet ou utilizada em outra forma de mídia,
geralmente criada para influenciar visões políticas ou para ser uma piada” (CAMBRIDGE DICTIONARY, 2019).
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não existe para ela [...]. Ela vai prontamente a extremos; a suspeita exteriorizada
se transforma de imediato em certeza indiscutível, um germe de antipatia se
torna um ódio selvagem.

A afetividade do grupo proporciona uma perigosa identificação, ancorada em


um verdadeiro constructo de barreiras ao que é externo. Dessa maneira massificada,
os indivíduos ficam incapazes de enxergar a “espetacularização da política”, sem
compreender minimamente a conjuntura que os cercam (REICHERT, 2021, p. 59).
Seguem em um trabalho contínuo para fortalecer um sistema que os oprimem, incor-
porando e protegendo a sua fantasia de completude, reféns da própria idealização.
Carvalho, Castro e Schneider (2021) alertam que a fragmentação das ideias
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divide um cuidado que devia ser uníssono e constrói narrativas pautadas, e alicerça-
das, em um discurso histriônico que apenas trata com escárnio os mortos, articulado
na medida certa para encobrir incapacidades governamentais. Esta tática consiste
em uma forma de manipulação que extrapola as mídias sociais e desagua em quem
está especialmente na linha de frente, lutando para salvar vidas: os profissionais da
saúde. Para Sá, Miranda e Magalhães (2020, p. 34):

No caso brasileiro, vemos reacender os ataques aos “comunistas”, aos cientistas e


mesmo aos profissionais de saúde, considerados arautos de uma pandemia forjada,
inimigos do desenvolvimento econômico, “traidores da pátria” e do “messias”
escolhido para “guiá-la”. Outros ainda insistem na representação da pandemia
como catástrofe natural para justificar as centenas de milhares de mortes produ-
zidas em nome de uma economia que não pode parar.

Diante do colapso da saúde, de forma universal, a fragilidade dos sistemas de saúde


ficou escancarada. A precariedade foi ainda maior para aqueles trabalhadores que preci-
saram lidar com a desconfiança sobre o tratamento dado aos pacientes com diagnóstico
de covid-19, o que aumentou o estresse e medo no cotidiano de trabalho. A fusão de
enganos multiplica o discurso da pós-verdade6 e leva boa a parte da população a se expor,
voluntariamente, à contaminação. Este elemento coaduna com o aumento de enfermos e
congestiona mais a fila de quem espera por um atendimento (DUARTE; CESAR, 2020).
Outro absurdo diz respeito à violência direta cometida contra os profissionais
da linha de frente, deixando-os vulneráveis a todo tipo de ataques e levando, muitas
vezes, a culpa pelo descaso com as vidas (GONÇALVES et al., 2021). Nessa irra-
cional conjuntura, no qual a ignorância é arma fundamental, recurso de controle e
desinformação, vida e morte tornaram-se algo banal, multiplicada diariamente, na
extenuante tarefa de enterrar, sem se despedir dignamente. Ato de separação dolorosa,
somada à angústia do sentimento de descarte que parece não ter fim.
Não resta dúvida que o setor da saúde foi o mais afetado pela pandemia
(MATOS, 2021). O volume de atendimentos levou ao limite o Sistema Único de Saúde
(SUS) e os planos privados. Souza e Athayde (2021) analisam que o agravamento da

6 “[...] ambiente em que os fatos objetivos têm menos peso do que apelos emocionais ou crenças pessoais
em formar a opinião pública” (BUCCI, 2019).
402

demanda aliado à inédita experiência de enfrentar o inimigo desconhecido, nocivo


e mortal, intensifica o desgaste e estresse crônico, tanto físico quanto emocional.
A vulnerabilidade levada ao limite na vivência de dias confusos que aumentam a
percepção de solidão.
A partir de tudo que foi supramencionado, é preciso abordar o luto, fator crucial
na vida humana, enquanto dor coletiva em um período tão difícil e em uma realidade
social repleta de conflitos. Com esse parâmetro, o presente texto procura fazer uma
análise crítica acerca do luto no dia a dia dos profissionais da saúde dentro de uma
realidade pandêmica e o papel da psicologia.

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A questão do luto no cenário pandêmico
A pandemia da covid-19, ao pegar de surpresa a humanidade, expos sua fra-
gilidade, enquanto globalizava a dimensão catastrófica da morte. O impacto que
custou muitas vidas e, ainda conduz preocupações em um horizonte de expectativas
negativas, projeta questionamentos sobre seu desfecho.
A terminalidade e morte, algo natural dos seres vivos, durante períodos pan-
dêmicos, deixam um rastro de perdas em massa, em um período curto de tempo,
seja em hospitais ou domicílios, um mesmo grupo familiar ou rede socioafetiva
pode sofrer inúmeras baixas, o que corrobora como adicional estressor no impacto
de um processo complicado de reorganização da continuidade da vida e elaboração
emocional (ESCUDEIRO, 2020).
Para o autor, a percepção do luto ampliado favorece o agravamento, ou apareci-
mento, de transtornos mentais. A ansiedade, que mistura a tristeza das perdas pessoais
ao medo iminente da proximidade com a própria morte, exacerba a percepção da
sociedade quanto à validade de uma real intervenção em um momento crítico. As
restrições, que limitam os corpos, e na qual o afastamento é sinônimo de segurança,
traçam um caminho de desamparo e ameaças constantes cujo tom progressivo parece
priorizar o fim, invés de recomeços.
O rompimento de vínculos é algo significativo que deixa marcas na história do
sujeito e trata de experiência que gera identidade e significado a uma comunidade.
A psicóloga Maria Helena Pereira Franco, em sua mais recente obra, O luto no
século 21, afirma que vivenciar a morte, em situações urgentes e dramáticas, reflete
a necessidade de compreensão histórica das perdas com um imperioso e robusto
entendimento do fenômeno para que, dessa maneira, seja possível procurar cami-
nhos para que os processos de luto sejam elaborados dentro de uma narrativa não
patológica (FRANCO, 2021).
A globalização do luto considera o papel da mudança cultural dentro desse
processo. O “choque” ou “golpe” experenciado fala de um lugar de impacto pela
certeza de habitar uma existência na qual aquele que foi amado não mais estará mais
presente (DANTAS et al., 2020). A transformação do mundo, por vezes negada, exige
um enorme investimento psíquico. O inconcebível marca o doloroso desligar, e, nessa
assimilação, os rituais de despedida cumprem um papel imprescindível.
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Na atualidade, cada cultura apresenta seu próprio ritual de despedida. Pode-se


destacar a presença dos abraços afetivos para consolo, o toque e cuidado com o corpo
morto, sua limpeza, a consternação familiar e os costumes religiosos. Na crise sanitá-
ria vigente, os velórios permitidos são com número reduzido e limitado de pessoas, no
intuito de evitar a contaminação. Tal medida, que inclui caixões lacrados, transmite,
por vezes, a ideia da falta de uma concretude que a pessoa correta foi enterrada. A
sensação é de um adeus incompleto:

Quando acontece algum impedimento e os familiares não podem ritualizar a


sua perda, há grande probabilidade de prejuízos para o processo do luto. Além
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do desconforto em não poder verificar com os próprios olhos o familiar morto


dentro do caixão, não poder pranteá-lo e receber o apoio da comunidade, fica uma
sensação de irrealidade da perda, que pode se manifestar através de sintomas tanto
no campo psíquico como no campo somático, ou ainda apresentar manifestações
psicossomáticas (ESCUDEIRO, 2020, p. 20).

A morte urgente desfigura e revela a angústia. Para Santillo e Júnior (2020), a


inibição do luto impede o verdadeiro entendimento sobre a perda o que pode levar a
uma vida em suspensão à espera de um encontro que nunca acontecerá. Os estudos
de Oliveira et al. (2020) incorporam essa noção e complementam que tal efeito
atrasa o reconhecer gradual das potencialidades necessárias para que a vida possa
ser, paulatinamente, ser reconstruída.
A nova realidade do luto trata de uma soma de perdas que não se aliviam,
posto que a desestruturação é contínua e com o agravante traumático de não haver o
encontro com a despedida final, uma vez que em virtude do alto grau de propagação
do vírus da covid-19 existe a interdição do contato com os corpos mortos.
A ausência dos rituais fúnebre afeta seriamente o emocional de quem passa por
essa experiência. Para Escudeiro (2020, p. 23):

A ausência dos ritos fúnebre pode gerar incertezas em relação à morte do ente,
provocando a ilusão de que ele pode não ter morrido e a sensação de irrealidade
da perda. [...] A adaptação à vida sem a presença da pessoa perdida se relaciona
com a terceira tarefa do luto que é ajustar-se ao mundo sem a pessoa morta.

O luto específico diante da imposição da pandemia aborda aspectos de um


luto individual e ao mesmo tempo coletivo. A dor explícita norteava o romper com
as antigas formas de comunicação. A tecnologia mais do que nunca aparece para
aproximar as muitas vozes que pediam ajuda.
A separação abrupta é desafiadora. Enfrentar o fim requer práticas que possi-
bilitem reinventar vivências. O incompleto processo de despedidas pode acarretar
intenso sofrimento psicológico e com profundas repercussões para todas as esferas
da vida (FRANCO, 2021).
A contribuição negativa, ao que já era pesar, fala de um momento repentino de
trauma, extenso e doloroso, que leva tempo para ser assimilado. O término da vida
404

em situação de emergência e desastre amplia o sentimento de desamparo e solidão


agravando os prejuízos à saúde mental.
O rompimento de vínculo em uma perspectiva de luto prolongado, em meio à
covid-19, afeta a todos. O choque da rapidez sem espaço para manifestação da dor
deixa o luto em suspensão aproxima ainda mais a questão da morte com impacto na
assimilação da realidade da perda.
Nessas novas circunstâncias, as peculiaridades geram contornos que precisam ser
aprofundados e cuja pandemia, com suas delimitações específicas, precisam de estudos
mais profundos, principalmente no que se refere aos temas de educação para a vida e
morte, para oferecer resposta a este longo período de desafio.

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O papel da psicologia na emergência da covid-19
O colapso do sistema de saúde, seja público ou privado, deixou clara a preca-
riedade da vida em um sistema que, pelo excesso de cadáveres, não dava conta de
enterrar os seus mortos. O sofrimento compartilhado, e televisionado, expõe a desi-
gualdade e violência sobre vidas que não parecem ter efetivo valor. Se o cuidado fala
da solidão como estratégia de sobrevivência, existem casos em que se potencializa o
risco, pois a miséria não deixa a escolha de ficar em casa. É preciso continuar (SÁ;
MIRANDA; MAGALHÃES, 2021).
O rearranjo do coletivo para enfrentamento do vírus trouxe a contraditória cena
de encarar o profissional da saúde, em especial os da linha de frente, como potenciais
agentes de contaminação. Esse olhar preconceituoso marca o acréscimo de uma vio-
lência muito marcante a estes trabalhadores, muitas vezes em seu próprio ambiente
de trabalho (FONTES et al., 2020).
A sobrecarga de atividades, o medo da contaminação, a escassez de Equipa-
mento de Proteção Individual (EPI), somam-se a jornadas exaustivas e agressões
físicas e psicológicas. Ribeiro, Robazzi e Dalri (2021) esclarecem que informar um
atestado positivo ou mesmo comunicar um óbito de paciente por covid-19 tornou-se
um momento de grande estresse para os profissionais da saúde. Constantemente
atacados em sua certeza acadêmica, a realidade adiciona à rotina do caos, o pavor
do iminente ataque de um familiar insatisfeito, agressivo, ao que acrescenta mais um
perigo em um cotidiano já extremamente adoecedor.
A partir dessa discussão, as demandas psicológicas emergentes habitam o lugar de
uma intervenção peculiar, principalmente no sentido de propor uma maior humanização
nos espaços de atendimento no sentido de aliviar sofrimentos de uma maneira geral.
Para Crepaldi et al. (2020), a realidade trata de uma reinvenção do fazer. Um
exemplo emblemático fala da oferta de apoio psicológico remoto para livrar a pessoa
de morrer sem se despedir, o que acarretaria uma diminuição da solidão não fazendo
dela um lugar cruel. A teleconferência procura o acolhimento possível, medida alter-
nativa de despedida em tempos pandêmicos. Apenas com o tempo será possível
acompanhar as repercussões que tais mudanças irão acarretar processo de termina-
lidade para a saúde mental.
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As perdas durante a pandemia são em diferentes níveis, econômicos, sócias,


familiares, entre outros, portanto a psicologia deve suscitar debates nas mais diferen-
tes esferas e não deve ser uma luta solitária, mas que deve ser corresponsabilizada
(ZANON, et al., 2020). A oferta de políticas públicas em saúde mental é crucial para a
realização de um cuidado contínuo e de qualidade, que forneçam suporte psicossocial,
principalmente em momentos de crise, para que seja possível a reorganização da vida.
Diversos estudos (OLIVEIRA et al., 2020; SILVA; SANTOS; OLIVEIRA,
2020; VIANA, 2020) mostram que muitos profissionais da saúde estão adoecendo
por esgotamento. É preciso que essa experiência de trauma seja ouvida. O primeiro
cuidado deve ser o de si mesmo, para que, apenas dessa maneira, se possa também
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cuidar do outro. A promoção do seu próprio cuidado fala de potencialidades e de


uma assistência contínua que inclui melhorias nas condições e organização do tra-
balho desses profissionais, além disso, é preciso valorizar tais trabalhadores para o
exercício pleno da sua tarefa.
Nesse contexto, a psicologia surge com a proposta de múltiplos caminhos que
abordam a necessidade de incluir qualidade de vida nos dias seja através da resi-
liência em selecionar e otimizar comportamentos, inclusão de atividades de lazer,
psicoeducação para hábitos salutogênicos e de promoção da saúde, motivação para
adesão ao tratamento, além da busca pelo fortalecimento de vínculos, ainda que,
por meio remoto, espaços virtuais de partilha para formação de redes de cuidado e
solidariedade (RENTE; MERHY, 2020)
Silva et al. (2020) em seus estudos concluíram que a prática do cuidado, exercida
por uma força de trabalho de maioria feminina, tende a favorecer a saúde mental
quando no local de trabalho são feitos laços de amizade entre os profissionais, o que
contribui para a preservação da saúde mental. A solidariedade dos afetos elenca uma
dor que precisa ser ressignificada no coletivo. A potência do grupo em momentos
de crise aponta os caminhos basilares de uma resistência possível em meio à obs-
curidade dos dias.

Considerações finais
A pandemia da covid-19 trouxe uma nova realidade que se sustenta perene até
o presente. Os impactos sociais nas novas formas de significar as perdas apontam
para a continuidade de estudos sobre o tema. Neste cenário, a psicologia mostra os
caminhos necessários para que a saúde mental seja preservada durante tal período.
A procura por atendimento psicológico tem aumentado o que deixa uma grande
parte da população, com acesso desigual aos cuidados, sem conseguir um tratamento
digno. É preciso coletivizar os cuidados em saúde para resistir e buscar o fortaleci-
mento do SUS, na tentativa de um ganho efetivo, seja na prevenção ou tratamento
de transtornos (DANZMAN; SILVA; GUAZINA, 2020).
O distanciamento social impõe novas formas de encarar as perdas e só com o
passar do tempo, e estudos mais aprofundados, será possível compreender totalmente
406

as repercussões para a saúde dos indivíduos. Outra questão é o necessário e urgente


olhar mais atento à saúde do trabalhador, especialmente para aqueles da linha de
frente, assim como uma assistência de qualidade aos profissionais já adoecidos dentro
desse contexto.
Dessa maneira, utilizar a escuta como “antídoto” (VERZTMAN; DIAS 2020)
fala de uma delineação da esperança com mais otimismo no futuro, se compartilhada
por um coletivo comprometido com a ciência e a solidariedade social.

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de psicologia na prática do estágio
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Ananda Barros Pinheiro1
Danilo Mercês Freitas2
Editora CRV - Proibida a impressão e/ou comercialização

Niamey Granhen Brandão da Costa3

Introdução
Ainda hoje se discute a respeito do papel do psicólogo na área escolar educa-
cional, na busca de identidade profissional permeada por objetivos claros que possam
determinar uma atuação mais definida. Assim, mudanças estão a ocorrer, pela própria
prática profissional, direcionadas a descobertas de novos rumos na sua atuação. O
psicólogo escolar educacional também está relacionado a sua capacidade de auxiliar
os indivíduos a enfrentar futuras situações que lhes afetarão a vida (ROSSI, 1996).
O fazer do psicólogo Escolar Educacional (PEE) está atrelado às relações a
serem estabelecidas ou já estabelecidas na instituição escolar pelos principais atores
desse âmbito: professores, alunos, pais e demais profissionais presentes. Sendo assim,
o PEE tem como uma das principais funções atuar como mediador dessas relações
e do processo educativo (PETRONI; SOUZA, 2014).
Além disso, de acordo com Martínez (2010), está entre as novas formas de
atuação do PEE participar das principais decisões quanto ao projeto político peda-
gógico da escola e acompanhar sua execução. Bem como identificar e desenvolver
as habilidades dos alunos por meio da construção de estratégias e métodos criativos,
juntamente com a comunidade escolar e de acordo com a realidade da instituição,
maximizando o processo de ensino aprendizagem (DIAS; PATIAS; ABAID, 2014).
Ademais, entre os níveis de atuação que o psicólogo pode ter no contexto
educacional está o de prevenção, que pode ser por meio da prática inclusiva na qual,
de acordo com Machado, Almeida e Saraiva (2009), o PEE deve buscar estratégias
e criar possibilidades ao aluno de superar suas dificuldades e déficits, bem como a
garantia do direito de inclusão desses alunos no ambiente escolar.
Então, para que o PEE tenha êxito, é necessário que inicie seu trabalho conhe-
cendo a instituição onde irá atuar. Não esquecendo que o ensino aprendizagem, por

1 Acadêmica cursando décimo semestre de Psicologia da Universidade Federal do Pará (UFPA).


2 Acadêmico cursando décimo semestre de Psicologia da Universidade Federal do Pará (UFPA).
3 Mestra em Psicologia Clínica e Social pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Especialista em Docência
do Terceiro Grau pela União das Escolas Superiores do Pará. Professora da Universidade Federal do
Pará (UFPA).
412

ser dinâmico, necessita ser realizado com a colaboração de outros sistemas da escola,
ou seja, com os demais funcionários, tornando-se um trabalho multidisciplinar.
A fim de alcançar estes papéis, a formação do PEE deve estar justamente atrelada
a este processo preventivo. É muito importante, pois, o momento do estágio super-
visionado, para além de necessariamente estar embasado em práticas que reforcem
este lugar a partir de diagnóstico, intervenção e avaliação (CORREIA, 2004), se
voltar para o afastamento de conceitos clínicos e suprir a necessidade no que tange
o aprendizado dos alunos sobre as práticas que divergem do campo teórico e se
mostram mais desafiantes nas realidades educacionais brasileiras, contribuindo para
a compreensão de que o PEE precisa estar engajado na instituição escolar como um

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todo, observando e intervindo juntamente com os atores que permeiam a vida escolar.
Leal et al. (2005) indicaram proposições práticas de atuação que o estagiários em
psicologia escolar educacional podem se guiar, pontuando todos os agentes envolvidos,
como grupos de apoio psicopedagógicos para atendimento às dificuldades de aprendiza-
gem voltados para os alunos e/ou avaliação criteriosa dos mesmos e encaminhamentos
para outros profissionais; aos professores e equipe pedagógica sugere encontros temá-
ticos de formação e treinamento, minicursos etc.; com os pais, podem ser realizadas
reuniões, palestras, orientações e até mesmo devolutivas e por fim, a mediação com
funcionários outros desse ambiente, produzindo atividades que sejam pautadas por
temas pertinentes às relações humanas e de trabalho. Entretanto, tal literatura e grande
parte das outras (SCHRUBER; CORDEIRO, 2010; LIMA, 2009), se voltam para
uma atuação interventiva presencial, sendo esse fator formador de vínculo essencial
para mudanças e melhores percepções de estratégias naquele ambiente, conceitos que
tiveram que ser adaptados para o presente momento pandêmico.
A pandemia do novo coronavírus trouxe consigo a necessidade do distancia-
mento social a fim de evitar o maior contágio e, consequentemente, mais mortes.
Nesse contexto, as universidades brasileiras tiveram de adaptar seu modelo de ensino,
utilizando o modo remoto como forma de prosseguimento das suas práticas acadêmi-
cas (OLIVEIRA; SOUZA, 2020; SOUZA, 2020). Uma das práticas de ensino mais
afetadas foi a do estágio supervisionado, visto que seria necessária a ida a locais onde
pudessem ocorrer intervenções e aprendizagens (escolas, hospitais, empresas etc.).
Um destes estágios que teve de sofrer adaptações foi justamente o da Psicologia
Escolar Educacional, que necessita da observação e diagnóstico dentro das escolas
para a realização de intervenções que tragam benefícios àquela comunidade. Nesse
sentido, o presente capítulo tem como intuito apresentar um relato de experiência do
estágio supervisionado em Psicologia Escolar Educacional realizado com duas séries
do ensino médio de uma escola pública de Belém-PA envolvendo os sentimentos de
angústia dos estagiários dentro do contexto remoto no período de distanciamento
social devido a situação de pandemia da covid-19.

Metodologia
O estágio supervisionado em Psicologia Escolar Educacional dividiu-se em qua-
tro momentos: discussão teórica, planejamento, intervenção e análise dos resultados.
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 413

A primeira etapa se deu a partir da leitura e discussão de textos sobre Psicologia


Escolar Educacional como prática preventiva, intervenção institucional, plantão
psicológico, relatos de experiências, desafios etc. Os debates se davam a partir de
seminários apresentados pelos discentes com mediação da professora supervisora.
Após este momento inicial, os estagiários começaram a planejar as intervenções a
serem realizadas no decorrer do estágio. Uma vez por semana ocorreram supervisões
sistemáticas das atividades para que os projetos estivessem de acordo com o esperado.
No decorrer do estágio supervisionado, foram realizadas intervenções em duas
séries do Ensino Médio, nas turmas de primeiro ano e nas de segundo ano de uma
escola pública de Belém do Pará, sendo todas as atividades desenvolvidas de forma
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remota, mais especificamente pelo Google Meet, para a realização das videoconfe-
rências digitais, e pelo Google Forms, para o levantamento dos dados dos alunos
referente aos temas que fossem de seus interesses.
Para o 1º ano do Ensino Médio foi realizada uma live com os alunos e a produção
de uma cartilha direcionada aos pais. Para a live os estagiários organizaram apresenta-
ção de slides com os principais tópicos debatidos em cada um dos temas trabalhados
(Educação Sexual, Violência e Responsabilidade). Também se fez uso de estratégias
para incentivar a interação dos alunos, como o uso de memes, imagens e um quiz sobre
alguns dos conteúdos apresentados. A cartilha, por sua vez, foi elaborada em uma lin-
guagem acessível, com uma configuração pensada para facilitar o entendimento. Nesse
sentido, foram inseridas diversas imagens e símbolos para ilustrar determinados pontos,
ressaltar questões e estimular a imaginação e o interesse pelo material.
Para os alunos do 2º ano, assim como para os do primeiro, foi feita uma live
utilizando o recurso de uma cartilha direcionada sobre a compreensão do tema “Saúde
mental e sexualidade” voltada para os alunos e para o público em geral do ambiente
escolar, na qual, além de um conteúdo informativo foram inseridas dinâmicas refle-
xivas sobre os conceitos deturpados acerca do tema com a utilização de charges e
perguntas disparadoras.
Foi ofertado, para ambas as séries, o serviço de Plantão Psicológico Virtual
de Escuta e Acolhimento. Aos alunos do 1º ano, foram destinados os dias de terças
e quintas pela manhã; para os alunos do 2º ano foram destinados os mesmos dias,
porém em horários diferentes. Às terças a equipe se disponibilizou por dois turnos,
das 8h às 11h e das 14h às 17h e às quintas, o tempo ofertado foi das 8h às 11h.
Por fim, após a realização das intervenções foi elaborado um relatório contendo
e discutindo as experiências ocorridas no estágio. Além disso, foi realizada uma reu-
nião final entre os discentes e a supervisora com a finalidade de apresentar e debater
as experiências de cada grupo na prática do estágio.

Resultados e discussão
Como resultados, é preciso avaliar a divergência que houve entre a demanda apresen-
tada pelos coordenadores da escola com as demandas que surgiram dos alunos a partir dos
questionários aplicados de forma virtual. Além disso, é necessário levar em consideração
414

o quanto o período pandêmico e a modalidade virtual trouxerampossibilidades e dificul-


dades para observações e intervenções em contextos escolares. Bem como trazer à tona as
expectativas e frustrações dos estagiários de Psicologia frente a essas situações.
Inicialmente, alguns dos coordenadores do Ensino Médio da referida escola
fizeram contato telefônico com a supervisora de estágio apresentando demandas bem
específicas e ansiogênicas. No primeiro semestre de 2021, houve na escola um caso
de suicídio de um adolescente e que um dos motivos estaria relacionado com a orien-
tação sexual deste e a não aceitação dos pais. Segundo os próprios coordenadores, os
demais discentes ficaram abalados com a situação, o que por si só já poderia exigir
uma intervenção psicológica. Além disso outras queixas de alunos foram apontadas

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pelos coordenadores acerca da vivência de situações de violência doméstica pela não
aceitação dos pais da orientação sexual dos filhos.
Por conta disso, foi solicitado pelos coordenadores que os estagiários de Psico-
logia realizassem plantões psicológicos e intervenções focadas em temas ligados a
questões LGBTQIA+. Dado o momento de pandemia, o calendário da UFPA estava
modificado e, portanto, estávamos realizando o planejamento das atividades do estágio
no mês de julho, que corresponde ao período de férias para os discentes das escolas.
Essa situação vai de encontro com a Atuação Preventiva do PEE, que seria uma
atuação diante das respostas e demandas reais da escola a partir de uma observação
sistemática dos seus contextos, evitando agir a partir de uma padronização do cole-
tivo e, principalmente, retirando o PEE da tarefa de apenas “apagar os incêndios”
(MARINHO-ARAÚJO; ALMEIDA, 2005; CORREIA, 2004).
Foi justamente o que ocorreu, a escola trouxe uma demanda e esperava do PEE
uma resposta imediata para diminuir o clima ansiogênico que aparentemente se apre-
sentava. Não obstante, as respostas obtidas a partir de um questionário aplicado nos
alunos do 1º e 2º anos (após o retorno das férias), revelaram que seus anseios partiam
para outras direções, visto que as respostas mais frequentes a pergunta sobre quais
temas eles gostariam que fossem abordados pelos estagiários de psicologia, estavam
relacionados à Psicologia em geral (transtornos mentais), violências, educação sexual,
dificuldades relativas à educação (ensino remoto e novas responsabilidades trazidas
pelo Ensino Médio) e temas abertos sobre apreensão de conhecimento para a vida
adulta (educação financeira e declaração de imposto).
Dessa forma, é preciso mais uma vez questionar o lugar do PEE como forma de
atuação curativa e ressaltar o quanto uma investigação preventiva, que leve em conta
as reais demandas dos sujeitos, traz resultados mais relevantes para a Comunidade
Escolar Educacional (MARINHO-ARAÚJO; ALMEIDA, 2005). Apenas a partir da
escuta das demandas dos alunos foi possível realizar uma intervenção que alcançasse
um debate mais profícuo neste ambiente.
Mas como realizar uma investigação preventiva dentro de um contexto pandê-
mico? É possível avaliar as demandas dos sujeitos escolares? Quais as dificuldades
e possibilidades que podem ser vislumbradas dentro dessa situação? Como colher
os frutos dessas intervenções em formato virtual? Essas perguntas vieram à tona
durante as discussões do grupo de estagiários no decorrer do período de análise das
respostas dos questionários e após a intervenção.
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 415

É com olhar otimista que podemos perceber que esse período pandêmico vai
ter seu fim e que um ideal de normalidade irá retornar, mas aprendemos algo nesse
contexto? Ou tudo vai ficar escamoteado? Naturalmente, com o retorno das ativida-
des presenciais, as investigações e intervenções dos PEE vão retornar para modelos
anteriores, porém há algo que pode se levar destas soluções remotas.
Houve baixa adesão dos alunos às nossas intervenções: plantão e live. Para o
plantão destinado aos alunos do primeiro ano, não houve procura e para a live apenas
cinco pessoas compareceram. Para o segundo ano, houve a busca pelo plantão por
apenas um aluno e na live realizada compareceram três alunos. De início essa baixa
frequência nas atividades produziu efeitos ansiosos nos estagiários, pela frustração
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ocasionada das expectativas acerca das intervenções.


No entanto, destaca-se que as intervenções tiveram pouco espaço de tempo
para serem apresentadas e nenhum dos estagiários teve qualquer momento de contato
anterior com os alunos além dos questionários aplicados. Tendo estes sido enviados
por terceiros aos alunos, como representantes de turma ou coordenadores que envia-
vam os folders de chamada para o serviço via WhatsApp. Compreende-se que em um
momento presencial, seria possível passar em cada sala de aula para realizar convites,
pequenas conversas e até a utilização de questionários e entrevistas semiestruturadas
mais elaboradas, oportunizando o estabelecimento de um vínculo ético seguro para
a posterior realização das intervenções.
Corroborando com esta perspectiva, Martins (2003) considera que o momento
de observação e a possibilidade de intervenções devem estar pautados pela noção
de interatividade, ou seja, uma prática baseada na relação intersubjetiva, na qual o
conhecimento e prática se dão a partir e na relação entre sujeito (o PEE) e o objeto (a
comunidade escolar educacional). Sendo assim, o psicólogo precisa estar implicado
com o seu objeto de estudo a fim de criar um encontro intersubjetivo para que de fato
sejam percebidas as demandas, desejos e angústias presentes no contexto escolar.
Essa atitude corresponde a uma postura ética do PEE, visto que, segundo Passos
(2007), espera-se uma valorização da expressão dos sentimentos dos sujeitos que
ocupam a comunidade escolar educacional e que, além disso, o PEE deve oferecer
o suporte para que estes sujeitos se sintam acolhidos. Nesse sentido, a formação de
um vínculo estaria de acordo com a produção de uma relação intersubjetiva para a
construção de uma intervenção mais próxima daquela comunidade além de estar
apoiada em uma atitude ética esperada deste profissional.
Além disso, quando o PEE se baseia apenas nas queixas, a sua atuação vai ser
voltada para o ajustamento dos sujeitos aos modelos hegemônicos. Um PEE ético deve
compreender as contradições sociais e buscar enfrentar tais desigualdades a partir de
uma prática emancipatória (PASSOS, 2007). Essa postura ética é considerada quando
há a possibilidade de construção de um encontro intersubjetivo.
Talvez a adesão tivesse sido melhor se algum estagiário estivesse dentro do
grupo virtual dos alunos ou até participando de algumas aulas para realizar os convi-
tes. Os alunos não sabiam quem eram os estagiários, essa impessoalidade dificultou
a possibilidade de formação de vínculo, fenômeno essencial para o estabelecimento
416

de uma relação. Mas seriam necessários outros estudos e vivências para constatar se
tais situações produziriam efeitos positivos.
É importante mencionar que apesar de ter havido poucos alunos (cinco alu-
nos provenientes das cinco turmas de primeiro ano e três alunos de duas turmas de
segundo ano), a participação destes foi bastante satisfatória, o que consideramos
como um feedback positivo do trabalho. A baixa frequência foi proveitosa pois todos
os alunos desejavam participar da intervenção. Não havendo a “obrigatoriedade” da
participação, a qualidade desta é outra, pois a atividade da Psicologia na escola não
é apenas um momento recreativo, mas algo que realmente faz sentido para aqueles
que acharam interessante as propostas e se identificaram com os assuntos.

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Houve também a demanda trazida pelo aluno do segundo ano (único aluno a
procurar o plantão), o qual foi atendido por duas estagiarias, e levantou reflexões
relevantes para compreendermos que existem nuances diversas para a atuação do
PEE, desde mediar o conflito existente, problemática que divergia das propostas das
intervenções solicitadas pelas escolas, até promover uma interação eixo escola família
de modo virtual e coerente para a melhoria da saúde psicológica e da aprendizagem
do aluno (COSTA; SOUZA; RONCAGLIO, 2000.)
Cabe destacar também, que os estagiários responsáveis pelo segundo ano orga-
nizaram uma intervenção voltada para os educadores, utilizando o recurso da cartilha
produzida pelos próprios estagiários e que continha aspectos mais práticos sobre como
trabalhar com o eixo saúde mental e sexualidade. Porém, mesmo sendo enviado o card
sobre a intervenção com antecedência ao grupo de professores, não houve adesão.
Um possível reflexo da pouca compreensão da realidade vivenciada por essa classe,
visto que não foi realizada uma pesquisa estruturada sobre temas que considerassem
pertinentes, ou até mesmo levanta-se uma hipótese de possível resistência ao tema.
Em relação às vantagens do modelo on-line, o formato de live é interessante
pois facilita o compartilhamento de imagens e, principalmente, possibilita a gravação
da videoconferência, que pode ser acessada pelos participantes que não puderam
comparecer ou até pelos participantes que queiram assistir novamente. Além disso,
a produção de cartilhas é de fácil acesso e baixo custo, basta a produção em formato
pdf que qualquer aluno com aparelho smartphone ou computador pode acessar e
ler, evitando a necessidade de impressão e cópias. No entanto, o acesso à internet
foi algo questionado durante a organização da intervenção, visto que alguns alunos
comunicaram a dificuldade de acessar diariamente esse serviço, fazendo a escolha
de utilizar somente em dias obrigatórios da semana, os quais ocorrem as aulas, o que
nos fez levantar novos questionamentos sobre as dificuldades desse modelo.
Que esses resultados não venham com tom de crítica para a quantidade de alu-
nos ou professores atingidos pelas intervenções. É preciso se perguntar inicialmente:
para quem é a intervenção? De que modo ela poderia ter atingido mais pessoas? É
preciso que, por maiores dificuldades percebidas, que o PEE tenha a criatividade de
pensar junto com a comunidade as formas mais interessantes de acessar os sujeitos.
A partir das informações coletadas com o questionário, observamos alguns rela-
tos que apontam para o estigma associado ao sofrimento e aos transtornos mentais no
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 417

contexto escolar. Relatos que pareciam indicar a necessidade de procura pelo plantão
de escuta e acolhimento psicológico para que algumas demandas pudessem ser aco-
lhidas, algo que foi observado de forma mínima. Assim, surgem questionamentos e
hipóteses acerca da existência de dificuldades em falar sobre o tema saúde mental e
seus atravessamentos por não ser este acolhido com frequência pelas pessoas.
De acordo com Goffman (2004), o estigma envolve a sinalização de grupos
que devem ser evitados e excluídos por serem marcados por algum tipo de diferença
em relação à norma social. Os indivíduos em adoecimento mental estão sujeitos a
processos de estigmatização devido a existência de discursos que compreendem este
estado como “desvio”, “deficiência” e “fraqueza”. Em nosso modelo de organização
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neoliberal ocorre uma reafirmação desse lugar de exclusão de indivíduos que “falham”
frente às cobranças por produtividade, resultados e adequação (COIMBRA, 2000).
É preferível que o sofrimento seja patologizado e medicalizado, de modo a
gerar lucro, ao invés de ouvido e acolhido. Justifica-se, assim, uma série de práti-
cas marcadas pela discriminação e desvalidação da experiência desses indivíduos.
Realidade que se estende ao contexto escolar na qual os alunos, ao entrar no ensino
médio, se deparam com cobranças excessivas e as mudanças próprias da adolescência
e início da vida adulta.
As demandas de saúde mental se relacionam com experiências de violências, a
sexualidade e as cobranças às quais os alunos estão submetidos, temas que apareceram
no questionário e foram abordados na live. Dessa forma, os estagiários promoveram
discussões sob um viés contextualizado e de responsabilidade coletiva em detrimento
a uma visão que potencializa a culpabilização do indivíduo em relação aos seus
processos de adoecimento.
Os processos de educação podem viabilizar a reprodução dos preconceitos asso-
ciados aos alunos que estão em adoecimento ou possuem algum transtorno mental.
Contudo, também podem promover a sua desconstrução, visto que a educação é uma
ferramenta importante para dialogar, problematizar e romper com os preconceitos
presentes na sociedade (CASTILHO, 2009 apud SANTOS et al., 2019).
Além disso, é interessante destacar o sentimento de angústia dos estagiários
perante os desafios enfrentados nas intervenções, principalmente envolvendo as
expectativas sobre o papel do psicólogo e as dificuldades que o período remoto
apresenta. A prática de estágio por si só carrega diversos desafios pela sua novidade
e por ser um dos primeiros momentos em que o psicólogo em formação lida com a
realidade da sua profissão (GONÇALVES; VERAS, 2019).
Lidar com as expectativas talvez seja o maior desafio dentro da prática de estágio
e, nisso, a atenção do professor supervisor é essencial. Ao planejar uma intervenção,
o estagiário pode estar imerso a uma busca de participantes ideais, sendo, no nosso
caso, tanto os discentes quanto os docentes. Conforme Machado (2007), para rom-
per com estas queixas, é necessário buscar aliados dentro das instituições a fim de
construir uma prática coletiva.
Outra forma de angústia comum dentro do ambiente de estágio em Psicologia
Escolar Educacional advém justamente da contradição aparente entre aquilo que foi
418

estudado dentro de sala de aula e a prática possível, dentro daquilo que é demandado
pela escola (GOMES, 1999). Isso foi sentido particularmente quando a própria escola
apresentou uma demanda específica, que foi de encontro com o que de fato foi per-
cebido pelo uso de questionários com os discentes. Era esperado, nesse sentido, que
fosse possível ter momentos de investigação a fim de promover uma ação preventiva.
Nesse sentido, o psicólogo estagiário precisa perceber a dinâmica do funcio-
namento da própria instituição e, com isso, verificar quais as demandas que surgem
a partir das investigações, sendo capaz de produzir rachaduras a partir daquilo que
está naturalizado dentro do ambiente estudado (ULUP; BARBOSA, 2012).
Os desafios supracitados já são recorrentes dentro da literatura do estágio curricular

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em psicologia escolar, mas indaga-se: como lidar com a novidade que é esta prática dentro
do inesperado momento de distanciamento social da covid-19? Além das expectativas
já esperadas dentro do ambiente do estágio, estas eram aumentadas pela dificuldade tra-
zida pelo período remoto: utilização de plataformas digitais de ensino, participação dos
envolvidos e a falta de contato presencial (ALARCON; LEONEL; ANGOTTI, 2021).
No caso das intervenções do primeiro ano, a falta de alunos para o atendimento
do plantão foi suficiente para causar angústia nos estagiários, imaginando que todo o
esforço envolvido na construção do projeto e da intervenção seriam em vão pela falta
de frequência no momento das atividades. No entanto, a realidade da participação
produtiva dos discentes e as sinalizações da supervisora de que estaria tudo bem se
ninguém comparecesse, pois o importante era vivenciar o processo, considerando-se
o contexto atual, trouxeram alívio aos discentes.
Essa angústia atende também a necessidade de reinvenção que deve ser uma
prática comum no trabalho do psicólogo escolar educacional. Camargo e Carneiro
(2020) apontam para a necessidade desse profissional acumular estas experiências
de desafios no período pandêmico para que, com isso, seja capaz de atuar para a
construção de uma educação mais emancipadora. Nesse sentido, uma das reflexões
mais importantes para as autoras é: será que no meio de toda essa crise sanitária a
escola não deveria estar mais atenta a escutar e acolher os alunos do que pensar em
conteúdos obrigatórios? O psicólogo escolar educacional pós-pandêmico precisa estar
atento às sequelas socioemocionais que poderão se manifestar após este período, mais
do que os problemas de aprendizagem.

Considerações finais
Atividades voltadas para o público adolescente são sempre importantes, pois a
adolescência, por ser uma fase da vida permeada por conflitos de identidade e des-
cobertas, precisa receber orientações e referências para que os adolescentes cheguem
à vida adulta de forma saudável, ou seja, com as questões típicas da adolescência
resolvidas e bem elaboradas a fim de se tornarem adultos saudáveis e criativos tanto
para si mesmos quanto para a sociedade como um todo.
Ademais, cabe ao psicólogo escolar educacional trazer assuntos relevantes
sobre adolescência para a escola e seus agentes, propondo debates construtivos com
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 419

o objetivo de desenvolver a cidadania do estudante para que assim ele possa ter
uma melhor qualidade na sua formação, priorizando a conscientização acerca da
pluralidade de condições possíveis de expressão de si e dos outros, contribuindo
para formas menos violentas de existência, priorizando sempre o acolhimento das
diversidades e a busca pela saúde mental. O projeto desenvolvido pelo estágio teve
como base essa premissa, a partir do trabalho com temas sobre sexualidade, violência
e desenvolvimento da adolescência. Foi oferecida também uma escuta mais ativa
sobre as questões que os alunos manifestavam sobre esses assuntos.
A partir dessa premissa e das respostas coletadas no instrumento de avaliação ini-
cial da demanda do público, consideramos relevante programar as atividades do estágio
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da maneira exposta neste trabalho, visto que a ideia era que os alunos participassem
ativamente do encontro assim como fosse uma intervenção que perdurasse perante a
comunidade acadêmica alcançando inclusive os educadores. Adaptações foram feitas
também ao longo de todo o projeto de estágio visando respeitar o tempo da escola.
Por não ser uma atividade obrigatória, houve poucos participantes; no entanto,
os que estiveram presentes foram por interesse próprio no tema, o que contribuiu
significativamente para o sucesso da proposta. A participação dos jovens foi essencial,
pois entendemos que essa troca abre caminhos para que eles possam construir saberes
sobre si mesmos, sem copiar modelos prontos ou aplicar fórmulas de sucesso em suas
vidas, respeitando suas subjetividades e as realidades em que estão inseridos. E o
conhecimento adquirido poderá ser utilizado pela escola para planejar novos projetos
de intervenção com os temas sugeridos pelos próprios estudantes e contribuir para
formas mais criativas de acesso aos jovens.
Dito isto, conclui-se que o objetivo do trabalho foi alcançado. Ademais, para
promover e reiterar a importância do Psicólogo Escolar Educacional (e dos estagiários
de Psicologia) dentro da escola, sugere-se que atividades como esta sejam oferecidas
com regularidade aos adolescentes. A partir da experiência relatada neste trabalho,
entende-se que este tipo de atividade, deve ser planejada a partir de um conhecimento
mais amplo do público escolar e de seus anseios, que seja direcionada apenas a um
tema específico por encontro, para que não se torne cansativa em virtude da carga
horária e que não seja um mero repasse de conteúdos e informações, mas sim um
momento de trocas frutíferas com foco nos eixos que envolvem a saúde mental.
420

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ADOLESCER:
ser ou não ser? – Desafios, sofrimentos
e perspectivas de futuro
Niamey Granhen Brandão da Costa1

O Adolescer é um processo complexo, de se implicar, de aprender, de ensinar, de


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avaliar, de fazer escolhas, de indagar, de construir e reconstruir, de metamorfose,


de troca de afeto, de formação de vínculos, de acertos e erros, que interfere na
autoimagem, nos sentimentos e nos comportamentos, mas que necessita ser vivido
e constituído em parceria com o mundo (Niamey Granhen).

Introdução
A adolescência é frequentemente descrita como uma fase de inúmeras e com-
plexas transformações e mudanças, tanto de ordem biológica quanto emocional e
social. Assim, é mister ressaltar que os adolescentes não podem passar incólumes a
essa fase do ciclo de desenvolvimento humano. Isto decorre do fato de, na referida
fase, se fazerem presentes situações novas e impasses que inundam o mundo dos
jovens, que podem ser vivenciados de modo peculiar, por meio das manifestações de
pensamentos, comportamentos e sentimentos singulares, saudáveis ou com sofrimento
psíquico. Tal miscelânea poderá ser representada de diversas formas, em função da
própria subjetividade dos adolescentes ao se depararem com essas situações novas
e impasses, mais especificamente com a necessidade e até mesmo a obrigatoriedade
da escolha de uma profissão.
O próprio termo adolescência – etimologicamente composto pelo prefixo latino
ad, o qual significa para a frente, e o complemento dolescere, que designa crescer,
com dores – já denota tratar-se de um período de transformações, de crises, sendo as
principais transformações não apenas de natureza anatômica e fisiológica, mas tam-
bém de natureza psicológica, especialmente voltadas para a busca de uma identidade
individual, grupal e social (ZIMERMAN, 1999). Desse modo, a adolescência pode
ser compreendida como um período em que o indivíduo se redefine como pessoa,
notadamente marcado pela “busca de si mesmo, numa transição da identidade infantil
para a identidade adulta” (LEVISKY, 1998, p. 35). Ressalta-se que essa transição será
vivida com maior ou menor dificuldade, bem como “a resultante dessa busca exerce
papel fundamental na formação e consolidação da estrutura básica da personalidade”
(LEVISKY, 1998, p. 35).

1 Mestra em Psicologia Clínica e Social pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Especialista em Docência
do Terceiro Grau pela União das Escolas Superiores do Pará. Professora da Universidade Federal do
Pará (UFPA).
424

Segundo Papalia e Olds (2013), a fase da adolescência dura bastante, aproxi-


madamente um período de dez anos, variando seu início por volta dos doze ou treze
anos, até seu término aos vinte anos. Todavia, não há uma definição fechada para
este marco de início e de fim, sendo tal fase estudada por diversos autores, sobre os
quais passaremos a discorrer.
Conforme escólio literário de Terruggi, Cardoso e Camargo (2019), de acordo
com a singularidade de cada indivíduo este pode ser um período mais ou menos
extenso comparado ao que é apresentado pela literatura, variando em função de múlti-
plos fatores, tais como: aspectos pessoais, econômicos, sociais e culturais. Tomando-
-se como referência o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (BRASIL, 1990),

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Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, a adolescência compreende ao período entre os
doze e os dezoito anos de idade. Campos (2012), noutro giro, destaca que o período
de duração da adolescência pode ser relativamente definido em termos de processos
psicológicos, e que de acordo com essa estrutura de referência, “a adolescência
começa com as reações psicológicas do jovem e suas mudanças físicas da puberdade
e se prolonga até uma razoável resolução de sua identidade pessoal” (2012, p. 16).
Para Soares (2002), a adolescência é composta de três etapas, de início e fim
não muito precisos, em que flutuações progressivas e regressivas se sucedem, se
alternam ou executam um movimento de vaivém, sendo estes: a adolescência inicial
ou puberdade, que compreende de dez/onze a quatorze anos, sendo caracterizada por
transformações corporais e alterações psíquicas derivadas desses acontecimentos; a
adolescência média, que corresponde dos quatorze aos dezesseis/dezessete anos, em
que o elemento central são questões relacionadas à identidade sexual e ao terceiro
período, que refere-se à adolescência final, dos dezesseis/dezessete aos vinte/vinte e
um anos, sendo caracterizado pelo estabelecimento de novos vínculos com os pais
com menor dependência e idealização, pela questão profissional, pela aceitação do
novo corpo e dos processos psíquicos do mundo adulto.
De acordo com Blos (1998), a adolescência se caracteriza principalmente pelas
mudanças físicas, que afetam profundamente os adolescentes em seus corpos como
também, de forma inconsciente, afeta o desenvolvimento dos interesses, do compor-
tamento social e a qualidade da vida afetiva, ou seja essas mudanças “se refletem em
todas as facetas do comportamento” (1998, p. 9).
Segundo Aberastury e Knobel (1992) é nesta fase que o adolescente é convocado
a elaborar o luto pelo corpo de criança, pela identidade infantil e pela relação com
os pais da infância, e que este processo tende a ocorrer de forma lenta e dolorosa,
desencadeando sofrimento psíquico, pois é neste ciclo do desenvolvimento que se
fazem presentes novas demandas e impasses vivenciados de modo singular através
das manifestações de comportamentos e sentimentos saudáveis ou com sofrimento
psíquico, representados por intermédio de angústia, ansiedade, medo, tristeza, raiva
dentre outros, em função da própria subjetividade e do contexto familiar, escolar e
social no qual estão inseridos.
Analisando sob diversos prismas, a adolescência é um fenômeno cultural, socio-
político e histórico. Período caracterizado por sua extrema complexidade, marcado por
mudanças físicas, psíquicas e sociais (FERREIRA; AZNAR-FARIAS; SILVARES, 2010).
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 425

Nessa fase, os adolescentes precisam lidar com as exigências e expectativas divergentes


oriundas da família, da comunidade, dos amigos e desenvolver percepções das mudanças
que estão acontecendo no seu corpo e no seu leque de necessidades, estabelecer indepen-
dência e construir uma identidade para a vida adulta (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA,
2018). Essa fase do desenvolvimento também é caracterizada por momentos de crises,
que encaminham o indivíduo na construção de sua subjetividade (FROTA, 2006).
Na sociedade contemporânea, o processo de adolescer e a própria escolha profis-
sional nessa fase vem se apresentando como uma tarefa difícil e de intenso sofrimento
psíquico, não só para o adolescente, mas para seu universo relacional, o qual pode
se apresentar como um mundo acolhedor, continente desse sofrimento, auxiliando o
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jovem a elaborar e ressignificar as crises da adolescência, ou como um lugar hostil


que contribui para o sofrimento psíquico. Neste sentido: “Um mundo interno bom
e boas imagos paternas ajudam a elaborar a crise da adolescência tanto como as
condições externas conflitivas e necessárias durante este período” (ABERASTURY;
KNOBEL, 1992, p. 63). Deste modo, podemos considerar que a adolescência seja
uma fase de correlação das múltiplas dimensões do desenvolvimento, as quais se
complementam e se integram ou desintegram de forma a alcançar a maturidade do
adolescente, quer seja nos aspectos biossociais, cognitivos ou psicossociais, interfe-
rindo na autoimagem, nos sentimentos e nos comportamentos do ser adolescente e
do processo de adolescer diante dos dilemas e impasses dessa fase, principalmente da
escolha profissional, do questionar-se sobre o ser ou não ser, das possibilidades, dos
medos, das dúvidas e das perspectivas de futuro, o que é corroborado por Santrock
(2003, p. 8), ao afirmar que a adolescência “é uma época de avaliação, ou de tomada
de decisões, de comprometimento, e de procurar um lugar no mundo”.
A adolescência é uma fase, em nosso país, ocorrida concomitante ao momento
da escolha de uma profissão na qual existe a responsabilização e busca pela indepen-
dência, busca de uma identidade pessoal e, posteriormente, uma identidade profissio-
nal. Segundo Zagury (2000), a adolescência é uma fase de transformação profunda,
impositiva de grandes exigências de adaptação ao jovem, relacionadas com as novas
funções biológicas, novas formas de relação interpessoal e novas responsabilidades
familiares e sociais. Destarte, pode ser considerada então como uma fase do desen-
volvimento repleta de conquistas, mas também de dificuldades, porquanto a simul-
taneidade das mudanças traz uma desestabilização do ponto de vista, tanto biológico
quanto emocional e social, refletindo no comportamento do adolescente, na própria
família e na instituição escolar, podendo ser estas dificuldades exacerbadas pelas
dúvidas e pelos sentimentos de angústia, ansiedade e insegurança no momento da
escolha profissional, que muitas vezes coincide com a fase da adolescência.
Apesar da ação de escolher fazer parte do cotidiano dos seres humanos, desde
a fase da primeira infância, isso não torna a necessidade de escolher quem ser/o que
fazer profissionalmente uma tarefa fácil, visto que a escolha de uma profissão é uma
necessidade muito exigida na sociedade atual e inicia-se no período da adolescên-
cia, período este considerado por Aberastury e Knobel (1992), como de busca de si
mesmo, de uma identidade, período de crises e questionamentos. Segundo Soares
(2002, p. 19), “é um período da vida muitas vezes chamado de nascimento existencial,
426

em que muitos aspectos da identidade adulta já começam a ser definidos, como a


sexualidade, a vida afetiva e a escolha de uma profissão”. Porém, percebemos que,
na maioria das vezes, os adolescentes ainda não possuem maturidade emocional
para enfrentarem a situação de escolha e que cada dia que passa, demonstram maior
dificuldade e sofrimento emocional para fazer suas opções profissionais, porquanto
diversos fatores podem influenciar nesta escolha, como aponta Soares (1987), desta-
ca-se: visão romântica da profissão; ilusões sobre o mercado de trabalho; frustrações
profissionais dos pais; erros de avaliação; sexismo das profissões; fantasias acerca
das profissões; o surgimento de grande variedade de profissões e possibilidades; etc.
O fenômeno da adolescência envolve fatores biológicos específicos, atuantes

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nesse ciclo da vida, que se somam aos determinantes socioculturais oriundos do
contexto ambiental no qual a adolescência ocorre, e é influenciada pelo ambiente
familiar, social e cultural onde o jovem se desenvolve. Dessa forma, dependendo
da frequência e da intensidade das pressões vivenciadas e sentidas pelo adolescente
por parte de seus familiares, escola e amigos, estes podem manifestar características
de ansiedade, depressão, estresse, as quais podem agravar-se, caracterizando assim
um quadro psicopatológico, causando-lhes danos à saúde global. Compreendemos,
com efeito, que há uma necessidade premente de se intervir nesse contexto buscando
a promoção da saúde numa concepção mais integradora. Intervenção essa definida
por Bock (1995, p. 12) como a ação de: “[...] trabalhar para ampliar a consciência
que o indivíduo possui sobre a realidade que o cerca, instrumentalizando-o para agir,
no sentido de transformar todas as dificuldades que essa realidade lhe apresenta”.
Segundo Guichard (1995 apud LEVENFUS; SOARES, 2010, p. 33) o projeto
de escolha de uma profissão “se configura como um conjunto de representações do
que se considera mais desejável, não se reduzindo apenas a um desejo ou a intenções
vagas”. Este projeto deve propiciar uma reflexão acerca de três aspectos básicos,
os quais se referem (i) à situação presente, (ii) ao futuro desejado e (iii) aos meios
de alcançá-lo, buscando-se criar/desenvolver estratégias de ação que possibilitem a
implementação do projeto de escolha.

A Orientação Vocacional é mais do que um momento para a descoberta da profis-


são a seguir, pois é um processo onde emergem conflitos, estereótipos e preconcei-
tos que são trabalhados para sua superação, onde a desinformação é enfrentada e
possíveis caminhos de resolução são traçados, onde o autoconhecimento adquire
o status de algo que se constrói na relação com o outro e não como algo que se dá
a partir de uma reflexão isolada, descolada da realidade social ou que se conquista
através de um esforço pessoal. (BOCK, 1995, p. 17)

Com base nesta concepção, acreditamos que ao psicólogo, no papel de orienta-


dor vocacional, cabe a função de ser um agente de saúde, procurando colaborar para
o bem-estar de pessoas que se encontrem em momento de escolha. De acordo com
Müller (1988) e Levenfus (1997), este tipo de prática vocacional tende a cumprir um
trabalho importante, a partir de um fazer preventivo ao se inserir nos processos de
aprendizagem sistemáticos realizados dentro das instituições escolares, por meio do
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 427

desenvolvimento de um trabalho que oportunize um espaço de escuta e reflexão aos


adolescentes e seus familiares, abordando situações conflitivas que podem compro-
meter a saúde psíquica, pois têm relação com a construção da identidade pessoal e
profissional e com as mudanças vivenciadas, bem como com tudo o que isso mobiliza
e desestrutura, procurando informar e orientar o adolescente, a comunidade escolar
e a sociedade sobre a importância da criação de estratégias de promoção de saúde
ao longo da vida acadêmica que minimizem os elementos mobilizadores de com-
portamentos e sentimentos de ansiedade, medo, angústia, dentre outros, durante a
fase da adolescência e diante da escolha profissional neste ciclo do desenvolvimento.
Neste capítulo será apresentado o relato de uma experiência de escuta de ado-
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lescentes no decorrer das intervenções realizadas em uma das etapas do projeto de


extensão da Universidade Federal do Pará, UFPA, intitulado “Facilitação da escolha
em orientação vocacional”, coordenado pela Prof.ª Niamey Granhen Brandão da
Costa, desenvolvido em uma escola pertencente à rede pública de ensino localizada
na cidade de Belém, no Estado do Pará, com as turmas do segundo ano do ensino
médio, no decorrer do ano de 2019. Este projeto busca a implementação de espaços
de escuta destinados a acolher ansiedades, dúvidas, inseguranças, medos, fantasias,
evidenciados durante cinco encontros realizados, com diálogos reflexivos que possi-
bilitaram aos adolescentes expor seus dilemas, pensamentos, sentimentos e impasses
diante da escolha profissional e do ser adolescente.

Método

Participantes

Participaram das atividades todas as turmas do segundo ano, porém nesse estudo
foram apresentados apenas os dados referentes a uma das turmas, em que o total de
alunos no dia da atividade foi de dezoito, com faixa etária entre dezesseis e dezes-
sete anos, com maior predominância de adolescentes do sexo feminino, sendo doze
mulheres e seis homens. Utilizou-se nomes de flores para identificar os participantes.

Instrumento

Foi utilizado um questionário individual semidirigido, contendo três frases para


completar: (i) Ser adolescente é [...]; (ii) Escolher uma profissão é [...]; (iii) Quando
penso na escolha profissional me sinto [...].

Procedimento

Após apresentação do projeto à escola e sua aprovação, fez-se contato com as


turmas para apresentação do projeto, em dia posterior realizou-se uma roda de conversa
utilizando três questões disparadoras (1 – Ser adolescente é[...] ; 2 – Escolher uma
profissão é [...]; 3 – Quando penso na escolha profissional me sinto [...]. Após a escuta
428

dos adolescentes aplicou-se o questionário semidirigido, realizou-se tabulação e análise


dos dados. Posteriormente, foi feita a devolutiva para as turmas mediante realização de
uma palestra sobre o Ser Adolescente, seus desafios e possibilidades. Finalizada essa
fase de autoconhecimento passou-se para a fase da escolha profissional por intermédio
da aplicação de um questionário denominado Questionário de Interesses Profissionais e
devolutiva individualizada dos dados, com posterior palestra sobre profissões e entrega
de cartilha sobre cursos, mercado de trabalho e instituições de ensino superior.

Resultados e discussão

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Os resultados são apresentados no quadro abaixo, com as respostas dos adoles-
centes acerca das três questões: 1 – Ser adolescente é [...]; 2 – Escolher uma profissão
é [...]; e 3 – Quando penso na escolha profissional me sinto [...].

Quadro 1 – Resultados de etapa do projeto de extensão


Facilitação da Escolha em Orientação Vocacional
Aluno Questão 1 – Ser adolescente Questão 2 – Escolher uma profissão é Questão 3 – Quando penso
é [...] [...] na escolha profissional me
sinto [...]
A1 – Cravo “bom e ruim, difícil também “um momento infeliz, não consigo saber “triste e inseguro”.
tem muitas mudanças”. se gosto disso ou daquilo”.
A2 – Girassol “uma chatice, tudo muda “chato e difícil também por que a família “com medo”.
muito rápido”. faz muita pressão”.
A3 – Crisântemo “estressante já que não pode “ruim, tem muita pressão de todos os “sobre pressão”.
fazer o que quer”. lados”.
A4 – Margarida “difícil a gente não tem um “muito difícil, quando lembro que tenho “angustiada e triste”.
lugar, não é compreendido”. de escolher uma profissão fico angus-
tiada, choro, tenho até pesadelos e von-
tade de desaparecer”.
A5 – Rosa “sentir muitas coisas e fica “enlouquecedor!” “enlouquecida, estressada”.
confusa, o corpo muda, a
gente muda”.
A6 – Orquídea “preocupante, estressante, an- “mega difícil, dá muito medo de errar, tem “insegura, medo”.
gustiante, a gente se estranha”. muita coisa envolvida e muita pressão”.
A7 – Gerânio “estresse e pressão, mudan- “horrível, tenebroso, só escuto cobranças “dúvida”.
ças no corpo e na mente”. e pressão para escolher logo”.
A8 – Antúrio “sinistro, chato pois os pais “ruim, não dá para saber se vai dar bom “inseguro”.
pegam no pé da gente, não ou ruim e ainda dizem que é definitivo”.
ajudam”.
A9 – Miosótis “difícil, tem pressão D+, de “angustiante, a gente não sabe o que fa- “angústia, medo, triste”.
dentro da gente e de fora, pa- zer, mas tem de fazer de qualquer jeito”.
rece que a gente vai explodir”.
A10 – Azaléia “angústia, pressão pra estu- “difícil, estressante, porque define nossa “triste, com medo de errar”.
dar e pra escolher profissão, vida”.
dá vontade de gritar, de surtar,
de sumir”.
continua...
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 429

continuação
Aluno Questão 1 – Ser adolescente Questão 2 – Escolher uma profissão é Questão 3 – Quando penso
é [...] [...] na escolha profissional me
sinto [...]
A11 – Amarílis “depressivo, senti muita “estressante ter de definir o futuro “estressada, medo do
coisa misturada”. sozinha”. futuro”.
A12 – Cravina “às vezes bom, mais muito “estresse me acho muito nova pra isso, “imatura”.
estressante, estudar, esco- aí choro”.
lher, corpo diferente, cabeça
vaga...”.
A13 – Begônia “depressivo, dá medo, “dá angústia e medo de tudo, mais ainda “angustiada, com muito
esquisito”. quando fala de ENEM”. medo”.
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A14 – Camélia “não saber quem a gente é”. “perturbador, tira o sono, dá medo de não “muito medo, insegura”.
conseguir”.
A15 – Calêndula “não entender o que sente, “muita pressão de todos para escolher “com muito medo de errar”.
fica confusa, tudo mudando e acertar”.
rápido”.
A16 – Lírio “radical, não sei explicar”. “difícil, sinistro, triste, impossível não “triste”.
surtar”.
A17 – Gérbera “difícil de definir, não sei”. “difícil tem muita pressão de todos os “triste, angustiada”.
lados”.
A18 – Hortência “confuso, angustiante, muda “triste ter de escolher agora”. “depressiva”.
muito tudo rápido, bem rá-
pido mesmo”.
Total 18 respostas
Fonte: COSTA, 2019 (não publicado).

Os resultados revelam que vivenciar o período da adolescência é sofredor,


visto que as definições trazidas pelos adolescentes apontam principalmente para
sentimentos de angústia, tristeza, medo, estresse e confusão, diante de mudanças
no corpo e no comportamento de forma abrupta. Cravo e Cravina revelam sen-
timentos de ambivalência diante da adolescência, descrita como uma fase tanto
boa quanto ruim, o que é apontado por Aberastury e Knobel (1992) como uma das
características dessa fase.
É durante o período da adolescência que o indivíduo passa de forma intensa
por diversas mudanças físicas com modificações fisiológicas, sobretudo dos órgãos
da reprodução e dos caracteres sexuais secundários. Todas essas mudanças na ana-
tomia e na fisiologia são acompanhadas também de mudanças comportamentais.
Como marca orgânica surge a puberdade que é identificada pela sociedade como o
momento em que o adolescente precisa começar a assumir outro papel social, o que
consequentemente gera novas responsabilidades e posturas frente à vida. Como essas
mudanças ocorrem de uma forma muito rápida, o adolescente pode se sentir bastante
confuso, cheio de dúvidas e ansiedades com relação a sua identidade e sobre o que
a sociedade espera dele (AMARAL, 2007).
De acordo com Levisky (1988, p. 35), a adolescência corresponde a um segundo
nascimento,
430

[...] é neste período que o indivíduo se redefine como pessoa. A adolescência é a


busca de si mesmo, numa transição da identidade infantil para a identidade adulta.
A resultante dessa busca exerce papel fundamental na formação e consolidação
da estrutura básica da personalidade.

No que se refere ao que representa escolher uma profissão, observa-se que as


respostas dos adolescentes revelam que múltiplos processos são determinantes nessa
escolha e que a mesma pode causar sofrimento psíquico, o qual se evidencia signi-
ficativamente durante a fase da adolescência por meio da conduta e dos sentimentos
expressos pelos jovens e que podem ser observados nas respostas apresentadas em
que todos os adolescentes manifestam sentimentos de sofrimento causado pela esco-

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lha profissional, destacando-se o medo, o estresse, a angústia, a tristeza e a pressão.
Para Neiva (2013, p. 53), “os conflitos existentes na aquisição da identidade
pessoal repercutirão na aquisição da identidade vocacional-ocupacional”. Visto que a
escolha de uma profissão ocorre na fase da adolescência em que o jovem ainda está
construindo sua identidade pessoal, buscando um lugar no mundo e se sente pressionado
pela família, escola e sociedade em geral a ter de fazer a escolha de uma profissão que
representa uma escolha de futuro, sem ainda conseguir conhecer e definir suas carac-
terísticas pessoais, motivações e interesses, potencialidades e habilidades, valores e
aspirações, aspectos esses apontados pela autora como relevantes no desenvolvimento
do autoconceito e consequentemente no processo de escolha de uma profissão.
Para Levisky (1998), manifestações psicopatológicas ansiosas e depressivas,
bem como sofrimento psicológico podem ser evidenciadas no comportamento de
adolescentes associadas à escolha profissional e que se revelam de forma mais acen-
tuada no cotidiano escolar visto que é nesse espaço de aprendizagem e relacionamento
interpessoal que os jovens são mais diretamente levados a refletir e expressar suas
escolhas profissionais, o que pode ser melhor ilustrado pelas falas de Margarida
(“muito difícil, quando lembro que tenho de escolher uma profissão fico angustiada,
choro, tenho até pesadelos e vontade de desaparecer”) e Rosa (“enlouquecedor!”).
Mesmo assim, os sintomas de ansiedade e depressão muitas vezes não são reconhe-
cidos como manifestações psicopatológicas passando a ser compreendidos como
pertinentes às crises da adolescência.
Em nosso país a fase da adolescência ocorre concomitante ao momento da
escolha de uma profissão na qual existe a responsabilização e busca por uma multipli-
cidade complexa de identidades: pessoal, sexual, social, profissional e pela indepen-
dência e autonomia. Nessa fase, o adolescente está em busca de autoconhecimento,
idealização de seus projetos e se depara com a necessidade de fazer escolhas, e essas
escolhas associadas ao futuro estão relacionadas com as vivências singulares e as
experiências vividas anteriormente e às relações estabelecidas até então na história
de vida de cada indivíduo. Sendo observado cotidianamente ao longo desse processo
a manifestação de dilemas e indecisão quanto ao futuro profissional, o que pode ser
corroborado nas falas dos adolescentes.
Para Uvaldo e Silva (2010), a escolha de uma profissão se configura como um
conjunto de representações do que o jovem considera como mais desejável, não se
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 431

reduzindo apenas a um desejo ou a intenções profissionais, mas a um projeto profis-


sional que deveria comportar “uma tripla reflexão: sobre a situação presente, sobre
o futuro desejado e sobre os meios de alcançá-lo, levando à criação de estratégias
de ação” (2010, p. 33). Reflexão esta que pode ser oportunizada em grupos de apoio
vocacional, mediante a expressão de dúvidas e sentimentos manifestados pelos ado-
lescentes. Segundo Bohoslavsky (2015), se faz relevante que nesse processo de escuta
do impasse e das possibilidades da escolha profissional se considere não somente
aspectos conscientes, mas também e principalmente os aspectos inconscientes deter-
minantes da posição subjetiva do adolescente frente à problemática da escolha.
Constatou-se a relevância de trabalhos que possibilitem a escuta de adolescentes,
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como o desenvolvido pelo Projeto de Extensão intitulado “Facilitação da escolha em


orientação vocacional” como uma modalidade de intervenção potencialmente tera-
pêutica, que oportunize ao adolescente um espaço de escuta e reflexão acerca de seu
projeto de vida pessoal e profissional, através de uma ação que busque implementar
a estruturação de um local de facilitação da escolha em orientação vocacional, pos-
sibilitando uma maior compreensão dos aspectos que mobilizam dúvidas, angústia,
ansiedade e insegurança na fase da adolescência e do momento desta escolha, dando
oportunidade aos adolescentes de: refletir sobre as questões reais, concretas e fan-
tasiosas em relação ao seu momento de decisão; elaborar suas inquietudes relativas
ao momento de decisão que vivenciam; caminhar em direção à construção de uma
identidade profissional; alterar concepções, comportamentos, atitudes ou mesmo sua
maneira de auto perceber-se e / ou ao mundo que vive; fazer confrontações entre suas
fantasias e ilusões e a realidade que se apresenta; elaborar aspectos de suas principais
identificações e perceber a influência delas na motivação profissional; e integrar
suas potencialidades e capacidades com vistas a uma escolha compatível com suas
aspirações, valores, motivações, habilidades e possibilidades.

Considerações finais
Considera-se que vivenciar a adolescência como uma etapa do desenvolvi-
mento que não se modifica de forma instantânea e nem da mesma forma para todas
as pessoas e também ser convocado a fazer uma escolha profissional ainda durante
este ciclo se evidencia com a manifestação de sofrimento, dúvidas, desconhecimento
da realidade socioprofissional, incertezas e dilemas, produtos de um processo cons-
truído na história singular do desenvolvimento humano desde a infância e refletindo
a natureza da integração da personalidade de cada sujeito e da história de vida e
do contexto no qual vem se desenvolvendo, momento este de muitas demandas e
exigências a serem cumpridas como a busca da identidade, a busca de um lugar
no mundo, a tomada de decisão, dentre outras; demandas estas que podem desen-
cadear intenso sofrimento psíquico para o adolescente, para sua família e para a
sociedade, causando-lhes prejuízos psicológicos, principalmente quando existem
conflitos inconscientes não resolvidos. Assim, destaca-se que na vivência deste
contexto existencial específico, aos adolescentes deve ser possibilitado o acesso
432

a processos de orientação vocacional, objetivando proporcionar-lhes um espaço


de conhecimento acerca das profissões e mercado de trabalho, de manifestação
de suas dúvidas e sentimentos, além de facilitar a compreensão de seus projetos e
prospecções. Ressalta-se ainda que esse seja um momento propício para o desen-
volvimento de pesquisas e para a implementação de programas e projetos de escuta
e intervenção que possam atender as demandas da adolescência.
Destarte, salienta-se que o contexto escolar educacional deve se constituir como
um espaço de expressão e reflexão que oportunize aos adolescentes pensar sobre
seus dilemas, possibilidades e perspectivas de futuro. Acredita-se que nesse espaço
educacional o profissional de Psicologia pode oportunizar a criação de espaços de

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escuta/orientação e não apenas de transmissão de informações, posto que há uma
necessidade premente de se constituir equipes multiprofissionais, que utilizem a
escuta como instrumento para compreender o universo singular de cada adolescente
em seu processo de adolescer, de escolher, de se desenvolver e de construir sua
identidade e seu projeto de vida; implementando uma intervenção terapêutica focada
na escuta da singularidade, buscando a promoção da saúde numa concepção mais
integradora. Destaca-se que no projeto de “Facilitação da Escolha em Orientação
Vocacional”, a escuta psicanalítica tem se revelado um valioso recurso técnico frente
às angústias e o sofrimento psíquico suscitados pelo e no movimento de tornar-se
“gente grande adulta”.
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 433

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PESQUISA E PRÁXIS
EM REDUÇÃO DE DANOS:
uma abordagem compreensiva
Rodrigo Santos Godinho
Mônica Ramos Daltro
Gerfson Oliveira
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Encontros: pesquisa e/em redução de danos


A formação em saúde para atuar na perspectiva da Reforma Psiquiátrica Brasi-
leira assumiu ao longo dos últimos anos uma posição de protagonismo na composição
de um modo ampliado e implicado de cuidar, o que favoreceu uma maior aceitação de
diferentes formas de viver, numa sociedade marcada por contradições. As discussões
sobre essa perspectiva, no âmbito do ensino, da extensão e pesquisa, foram rebatidas
pela imperialista racionalidade biomédica, que insiste no seu papel de construção de
uma sociedade adaptativa.
A ampliação do conhecimento sobre esses processos foi sendo acolhidas, na
academia, pelo campo da Saúde Coletiva que, em sua pluralidade discursiva, pôde
compreender a importância da práxis. Para Adolfo Sánchez Vázquez (1990), autor
da Filosofia da Práxis (1990), “a práxis é uma categoria que possibilita a construção
de interpretações sobre mundo, mas também se empresta como possibilidade de guia
para os processos de transformação que vão cotidianamente se realizando”. Para o
autor, “o ser humano é um ser social e histórico imbricado em uma rede de relações
sociais e enraizado num determinado terreno histórico” (VILLA; MIGUEL, 2007).
Esse texto ancora-se em uma discussão sobre pesquisa e cuidado em saúde
mental a partir de um relato de experiência. Os autores descrevem o uso das entre-
vistas compreensivas como caminho de aproximação com o campo de pesquisa,
relacionando esse método com o modo de produzir cuidado em saúde mental e
redução de danos. O estudo foi realizado com quatro trabalhadores (redutores de
danos) de um Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas CAPS-ad na cidade
de Salvador, Bahia.
A entrevista compreensiva começou a ser desenhada como instrumento de sis-
tematização de informações científicas na década de 1960 dentro das abordagens
qualitativas de perspectiva fenomenológica. Esse modelo de análise de fenômenos
sociais engloba as singularidades, valoriza a qualidade da interação intersubjetiva
dos participantes e a implicação intencional e consciente do pesquisador no processo
da entrevista. “Propõe, portanto, uma investigação que busca entender os significa-
dos construídos pelos participantes sobre suas atividades cotidianas, priorizando a
linguagem como condição para a construção do mundo social” (MIGUEL, 2010).
436

Esse modo de fazer pesquisa se ancora na lógica das ciências humanas, que se
distanciam da tradição estrutural-funcionalista que opera com o objetivo de alcan-
çar uma verdade mais asséptica, volumosa produção de dados e que privilegiam a
confirmação de hipóteses previamente construídas. A perspectiva fenomenológica
de investigação dirige-se ao singular e à complexa qualidade dos fenômenos que
brotam nos encontros interpessoais.
A escolha por essa modalidade analítica-vivencial, se deve ao reconhecimento
de que, o território de cuidado dos redutores de danos se realiza a partir de prática
fenomenológica compreensiva, que permite aos personagens envolvidos uma vivência
permanente de aprendizagem.

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A intensão da pesquisa fundamentada na lógica fenomenológica não está defi-
nida a partir da limpeza dos possíveis vieses, um não contaminar do/no processo da
coleta de dados como acontece no processo de pesquisa de ancoramento populacio-
nal, quantitativo, pelo contrário, demanda a imersão na experiência, sem a crença na
ingênua ideia de neutralidade. Inclina-se na apreensão da qualidade do fenômeno,
valorizando a descrição cuidadosa do percurso metodológico, envolvendo intencio-
nalidade técnico-científico e afetiva em todo o processo de produção, sistematização
e análise das informações.
Nesse cenário, o pesquisador no exercício do método compreensivo, não tem
pressa, demanda certa contemplação. Ele observa, percebe, sente, pergunta, reflete
junto com seu co-construtor, o entrevistado, tecendo um emaranhado específico de
informações-ações sobre o tema proposto. Podemos pensar que a partir da perspectiva
compreensiva o fenômeno da entrevista, assim como o trabalhado dos redutores de
danos, passa intencionalmente a ser um encontro de intersubjetividades e configu-
rações de narrativas.
Esse encontro acontece por uma via de mão dupla, efetiva-se como uma parce-
ria, um acordo que tem o compromisso de preservar a posição de cada participante.
Configura-se, portanto, como uma relação dialógica, de natureza flexível que vai
tomando forma aos poucos; vai sendo aquecida e construída a cada pergunta e a cada
resposta, a cada emoção que aparece, a cada pensamento e fala que se apresenta como
elemento constitutivo para além do roteiro previsto da entrevista.
Na entrevista compreensiva, tal qual a prática da redução de danos, o entre-
vistador não intenciona apenas ser um coletador de dados informativos, nem um
legislador de condutas, seu trabalho é abrir-se ao encontro, promovendo troca de
conhecimento, pensamentos, sensações, sentimentos e reflexões sobre o tema, anco-
rado na sua posição de cuidador.
Nesse artigo, o fazer na redução de danos está discutido a partir da ideia de
que se trata de uma práxis fundamentada numa ação-exercício de pesquisa de base
fenomenológica-compreensiva. Perspectiva que entende o universo praxicológico de
cuidado ao usuário de drogas psicoativas e morador de rua como território de busca
de métodos que tenham aderência ao cotidiano, aos modos singulares de existir nesse
contexto de vulnerabilizações onde a vida humana circula.
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 437

Percurso metodológico
Este artigo se constitui em um relato de experiência e descreve a trajetória de
realização da pesquisa de mestrado profissional realizado pelo primeiro autor no
programa de pós-graduação de Psicologia e Intervenção em Saúde da Escola Bahiana
de Medicina e Saúde Pública nos anos 2019 e 2021. O trabalho deriva da produção
de dados de uma pesquisa de doutorado intitulada: Invenções de Cuidado, perspec-
tivas clínicas em saúde mental e redução de danos (OLIVEIRA, 2020) aprovada
pelo comitê de ética da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública sob parecer de
número nº 2.809.812; CAAE 90497418.0000.5544.
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O relato de experiência afirma-se como uma narrativa científica, que envolve


processos complexos configuradores de produções subjetivas que performatizam,
através da linguagem, a experiência que, legitimado pela sua prática descreve e
analisa acontecimentos e temporalidades. “Realiza-se como trabalho de linguagem
colocando em evidência a singularidade das práxis, a construção de saberes referen-
tes à experiência em si, mas também, coloca-se como ferramenta político-social de
compreensão da diversidade própria da ciência contemporânea” (DALTRO; FARIA,
2019). Assim, mostra-se um método de análise potente para a compreensão das pers-
pectivas singulares do trabalho e da pesquisa em saúde mental e redução de danos
no contexto da reforma psiquiátrica no Brasil.
As entrevistas foram realizadas com quatro redutores de danos que atuavam no
Centro de Atenção Psicossocial Álcool e outras Drogas localizado no Centro Histórico
de Salvador/BA. Para inclusão no estudo, utilizou-se como critérios gerais a participa-
ção voluntária, trabalhar no CAPSad há mais de um ano, e a assinatura de Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido. Assim, foram realizadas entrevista na perspectiva
compreensiva (KAUFMANN, 2013) com duração aproximada de 90 minutos cada.
Os encontros foram gravados com recursos de áudio-gravação e os relatos das
entrevistas foram transcritas. O conteúdo das narrativas dos trabalhadores foi discu-
tido pelos autores (pesquisador e orientadores) que em sua análise problematizam a
necessidade de garantir uma coerência ética na escolha de um caminho metodológico
no estudo em questão.

Entrevista Compreensiva: desenhando o encontro entre pesquisa


e ação clínica
A análise das narrativas produzidas a partir das entrevistas indicou que o coti-
diano do trabalho dos redutores de danos se realiza a partir de um modelo de cuidado
eminentemente compreensivo. Ou seja, uma produção de cuidado sustentada na
construção de vínculos e numa práxis que implica a complexidade do cotidiano das
pessoas que também fazem uso abusivo de substâncias psicoativas.
No contexto do estudo, o exercício da pesquisa apontou questões ligadas ao
trabalho do redutor de danos, profissionais que lidam com a atenção à saúde física e
mental, às violências e o estigma entrelaçados às diferentes possibilidades de existir.
438

A formulação dessa compreensão se deu a partir de uma abertura para um modo de


pesquisar que implicou o pesquisador, com suas crenças, seu corpo, suas possibilida-
des de “brodagem”, que na linguagem popular significa a uma aproximação fraterna
entre diferentes pessoas, similar à que existe entre “brothers” – irmãos (DICIONÁRIO
DE PORTUGUÊS, 2020).
O primeiro movimento na direção da realização das entrevistas foi o contato via
telefone com todos os redutores de danos que aceitaram a participar da pesquisa com
vistas a construir um diálogo que desse possibilidade ao trabalho de aproximação.
Os encontros foram acontecendo de forma sequenciada à medida que as ligações
telefônicas desenhassem o campo de realização das entrevistas.

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A cada contato, o entrevistador se apresentava, relatava o seu interesse em
saber sobre a experiência de trabalho em redução de danos, a partir do olhar do
entrevistado e depois dessa introdução convidava-os a participar de uma entrevista.
Aceito o convite, era aberto ao redutor de danos a possibilidade de escolher a melhor
condição de espaço e tempo para que o encontro pudesse acontecer. Os primeiros
contatos foram por meio do aplicativo WhatsApp, depois uma ligação telefônica até
que fosse possível o agendamento de uma data e horário específico.
Os Redutores de Danos são trabalhadores considerados agentes de saúde, que
trabalham diretamente com pessoas em situação de vulnerabilidades: “uso abusivo
de substâncias psicoativas, populações em situação de rua e outras pessoas expostas
a diversos tipos de violências devido a exposição às precárias condições sociais”
(TISOTT et al., 2019)
O conceito de vulnerabilidades tem dimensão interdisciplinar, aplicável a dife-
rentes campos temáticos apontando para o sentido ampliado da fragilidade:

No campo da saúde coletiva, reconhece-se que a pessoas, nessas condições de


vulnerabilidade têm sua capacidade de agir e de se proteger enfraquecida, seja por
razões biológicas ou sociais e necessitam de suporte para garantir uma proteção
diferenciada a seus direitos (SERVALHO, 2018).

A abordagem de redução de danos consubstancia um investimento na redução


das vulnerabilidades, através de uma perspectiva que focaliza os sujeitos sociais,
através de uma ação construtivista que busca promover respostas de superação
de obstáculos materiais, psicossociais, culturais e políticos (AYRES et al., 2003).

Com esse princípio, que ressalta o direito à vida e a autonomia, as ações de


redução de danos valorizam as experiências das pessoas envolvidas de maneira que
possam se apropriar de informações que façam sentido para elas, que mobilizem
processos de cuidado e autocuidado.
A entrevista compreensiva, como instrumental metodológico, investe nessa
perspectiva autônoma e busca a compreensão dos fenômenos a partir da interação
entre os sujeitos em ação de pesquisa: população do estudo (entrevistados) e pesqui-
sadores (entrevistadores). Os entrevistadores conduzem seu fazer ora se valendo de
formas mais diretiva, ora assumindo uma postura mais exploratória, alicerçados em
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 439

um certo conhecimento sobre o tema. Não se trata de uma conversa superficial, com
um propósito informal. Há método, uma estrutura e uma racionalidade que funda-
menta o modelo de trabalho de construção narrativa e produção de conhecimento.
Nesse método, o entrevistador deve estar profundamente implicado no processo.
A atividade demanda deslocamentos tanto nos diferentes espaços físicos de contextos
variados das entrevistas, quanto dos lugares subjetivos que ele precisa estar durante
a entrevista. A plasticidade no fazer é uma característica marcante tanto da entrevista
compreensiva quanto do trabalho do redutor de danos, pela própria exposição às
distintas variáveis implicadas nos contextos.
Essa flexibilidade que caracteriza o processo de entrevista compreensiva e o
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trabalho do redutor de danos, tem uma dimensão prática, mas de natureza intelectual.
Ambos sujeitos são afetados pelo encontro que singulariza o processo qualitativo de
pesquisa. A abordagem qualitativa fenomenológica-compreensiva investiga e percebe
as diferenças como formas de criar teorias a partir da contribuição e construção de
saberes conjuntos.
É importante lembrar que ontologicamente a prática e a formação da função e
dos sentidos de trabalho dos redutores de danos é confeccionada de maneira dialógica
em um movimento de construção intencionado ao cuidado, se constituindo em modos
e métodos de intervenção. A contribuição imprescindível das pessoas que também
fazem uso de drogas com suas vivências e seus modos possíveis e particulares de
cuidados junto aos saberes científicos, constroem uma perspectiva mais democrática
e humanizada que sustenta cuidados e direitos.

Olhares a partir da pesquisa


A utilização da entrevista compreensiva como um modo singular de aproxima-
ção e escuta durante o processo de pesquisa, favoreceu ao aparecimento de aspectos
distintos e singulares que foram mapeando novos modos de ser pesquisador, contem-
plando e acolhendo a diversidade de fenômenos internos e externos que apareceram
no momento das entrevistas, como aspectos epistemológicos e formativos do papel
de entrevistador/pesquisador.
A experiência de investigar o tema do uso de substâncias psicoativas possibi-
litou ao pesquisador entrar em contato com uma forma de cuidar e fazer a clínica
diferente do que foi acessado na formação em psicologia e no cotidiano profissional
de psicólogo. Essa abertura ao novo, se configurou como essencial à prática com-
preensiva, que, no seu bojo, implica em afetos, disposição e entusiasmo para tecer
novas configurações narrativas.
Observou-se ao longo das entrevistas realizadas que a autenticidade ancorou
os encontros com narrativas fortemente marcadas por um posicionamento político
alinhado aos princípios da reforma psiquiátrica brasileira e às perspectivas progres-
sistas das políticas de drogas antiproibicionistas.
A posição ocupada por um investigador/pesquisador, na perspectiva fenome-
nológica, é acima de tudo um ato político. Quando o entrevistador se aproxima da
440

pessoa do entrevistado é desafiado a equalizar a dinâmica do seu saber técnico com


atitudes e ações humanizadas em seus aspectos mais amplos, norteando um traba-
lho respeitoso em relação ao saber do outro e a seu próprio não saber. A oferta de
uma escuta que possibilita a circulação de distintas posições subjetivas e de afetos
pessoais, viabiliza a construção de um encontro genuíno e promove uma relação de
troca e mudança. É político, também, no ato de revirar a biografia dos entrevistados
e, embora conscientes da importância social das suas práticas, afetá-los sobre as
infinitas possibilidades de contribuição para a sociedade, que são decorrentes do seu
fazer. Um fazer, acima de tudo ético, que busca garantir direitos e promover inclusão.
Neste contexto, a vivência do papel do entrevistador/pesquisador foi atravessada

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por muitos lugares, diferentes encontros e sentidos são ativados. Um lugar de produ-
ção de valores e vínculos. Seu compromisso de escuta esteve colocado no exercício
da aproximação entre sujeitos, valorizando o outro em sua complexidade existencial,
essencialmente humana e marcada pela possibilidade do direito de escolha sobre seus
modos de existir e trabalhar naquele contexto.
A experiência da entrevista compreensiva, pela lente do entrevistador, circuns-
crita como um espaço de aprendizado, foi definida a partir de responsabilidades simul-
tâneas e dinâmicas que se entrelaçam sistemicamente no fazer do percurso delicado
das relações entre o entrevistador-entrevistado nos contextos em que ocorreram os
encontros e sua leitura analítica apontou para uma identidade, desse modo de fazer
com o modo de fazer na redução de danos.

Percepção das entrevistas: o trabalho do redutor e a práxis


de pesquisa
As entrevistas começaram a se desdobrar a partir do encontro com o participante
Júlio, nomeado assim pelo sentido metafórico de aquele cheio de virtudes. No con-
tato por telefone foram conversadas algumas questões sobre o tema do estudo sem
maiores prolongamentos para que o diálogo transcorresse num segundo momento.
Foi marcado um encontro via videochamada pelo WhatsApp. Júlio, apresentou-se
tranquilo, com simplicidade e amorosidade. O encontro marcado por um diálogo
aberto e acolhedor, de escuta mútua, esclarecimento de dúvidas e construção com-
partilhada de conhecimentos e troca de experiências.
A percepção do entrevistador, durante o encontro com Júlio, foi de estar diante
de um mundo de informações, de novos sentidos, ricas formas de olhar, passadas
com muita segurança e propriedade. Aproximadamente cinquenta minutos de um
encontro recheado de ideologias políticas, de saberes técnicos elaborados através das
vivências pessoais no campo e trocas entre colegas, muita afetividade no discurso e
no relato da sua prática profissional.
Júlio considerou o fato de ser entrevistado como uma experiência cotidiano,
devido a sua participação em outras pesquisas científicas, entrevistas para outras
instituições, palestras e cursos ministrados. Para ele, conceder entrevista faz parte
de seu fazer político como Redutor de Danos.
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 441

Durante o encontro Júlio se colocou muito disposto a responder as perguntas


que apareciam, sempre tinha muito a dizer, sustentando um discurso de cuidado que
pairava em saber chegar, saber escutar e respeito às escolhas dos diferentes. Des-
creve o trabalho de campo das ruas como protagonista da sua práxis, sustentado na
construção de relações dialéticas entre inúmeros personagens sociais e em contextos
diversos. Além disso, realiza outras funções administrativas. É possível perceber em
Júlio, a sua preferência pelo trabalho corpo a corpo. No ato do encontro com o usuá-
rio, Júlio se beneficia das suas experiências pessoais pregressas com as substâncias
psicoativas, que agora lhe servem, dando qualidade técnica-relacional ao seu trabalho
e favorecendo a aproximação com o usuário. O conhecimento sobre o consumo de
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drogas, os efeitos, benefícios e as consequências pessoais e sociais experienciadas


no lugar de quem já fez uso abusivo de substâncias psicoativas, contribuem para
qualificar a sua prática e favorecer uma escuta mais empática, minimizando os ruí-
dos dos preconceitos e estigmas e assim, na “brodagem” chagar mais próximo das
crenças e necessidades dos usuários
Neste processo, foi observada a construção de uma dinâmica relacional descon-
traída e afetuosa. A experiência prévia em psicologia clínica do entrevistador, acom-
panhada de leituras e estudos não foram suficientes para evitar uma ansiedade antes
e durante a entrevista; foi um fluxo contínuo de sensações e informações que foram
chegando, desenrolando um diálogo complexo, porém, compreensível e respeitoso.
A segunda entrevista foi realizada com a redutora de danos de pseudônimo
Ana Lúcia, em alusão ao seu significado de cheia de energia. Nos momentos iniciais
do encontro, não se mostrou muito disposta a colaborar, respondendo às perguntas
com certo distanciamento e aparente incômodo. Porém, no transcorrer da entrevista
essa impressão de dissolveu. Ana Lúcia relatou claramente a sua indignação com as
vivências anteriores como participante de entrevistas para trabalhos científicos. Foi
mobilizada por sentimentos hostis para falar da falta de ética e compromisso desses
pesquisadores pela falta do feedback e também pela falta de valorização da classe
trabalhadora dos Redutores de Danos. Ana Lúcia claramente pleiteava por reconheci-
mento, uma necessidade legítima de serem reconhecidos pela qualidade dos serviços
prestados e pelo investimento que fazem para estar nesse lugar.
O trabalho dos redutores de danos é ancorado na ética do cuidado. Regem a
condução do seu trabalho em constante diálogo com as diretrizes das políticas públi-
cas comprometidas com os direitos humanos; todavia, por ser um trabalho vivencial
com os usuários em seus contextos, também estão submetidos a vulnerabilidades
que atravessam o exercício laboral.
Ana Lúcia escolheu como local da entrevista, o próprio CAPSad. O encontro
foi em sala reservada e as respostas construídas com base na sua experiência nas
ruas com os usuários e interação com outros profissionais. A intensa dedicação em
ajudar e a amorosidade de Ana Lúcia foram percebidos como instrumentos marcan-
tes do seu trabalho e se misturam a uma grande experiência de satisfação em atuar
como redutora de danos. Relatou sobre o seu trabalho de um lugar quase materno;
está sempre disposta a auxiliar nas reais necessidades dos usuários, fazendo ponte e
442

proteção em locais muitas das vezes “nocivos” aos usuários. Relatou experiências
pessoais passadas com uso abusivo de substâncias psicoativas e afirmou que essas
experiências no território onde atualmente trabalha contribuem para o manejo na
relação com as pessoas em sofrimento por uso abusivo de substâncias psicoativas.
Em sua fala sobre o trabalho com a redução de danos, ressaltou a necessidade
de saber se aproximar dos usuários, a criação de um laço afetivo e aproximação física
e a importância de manejar as dimensões técnica-afetivas na relação com os usuários
como fatores importantes na efetividade do cuidado.
Ao término da entrevista, a sensação era de agradecimento pela qualidade da
presença e das informações que tinham circulado. Enquanto a entrevista acontecia, foi

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possível sentir a construção do papel de pesquisador com auto-observação do lugar
instável e ao mesmo tempo confortável, no delineamento do sentido das narrativas
que se produziam em ato.
O terceiro redutor entrevista foi o Sávio, nome alegórico para representar o seu
lugar de “sábio”, sujeito implicado em suas formas de agir cotidianas. Nos contatos
prévios com Sávio, foi possível perceber que a realizações das entrevistas anteriores
havia produzido alguma desenvoltura que favoreceu o diálogo para o agendamento
do encontro.
A entrevista foi realizada na residência de Sávio, que fica localizada em um
bairro periférico e muito populoso. O diálogo, iniciado com um café, seguia um roteiro
previamente pronto não se sustentou ao longo do tempo. O encontro aconteceu com
intensidade, assim como as qualidades da entrevistada. Sua narrativa brotava como
minadouro de informações e era nítido em seu discurso e leitura corporal, a satisfação
de trabalhar como Redutor de Danos.
Nesse encontro foi notando que as respostas dos redutores anteriores estavam
sempre muito parecidas, sustentavam valores semelhantes, modos de condução pela
via do respeito, do cuidado e da singularidade. A política de Redução de Danos, seus
conhecimentos e práticas eram bem valorizados e trazidos como uma forma mais
humana e eficaz na condução do trabalho com usuários de substâncias psicoativas;
existia entre eles o reconhecimento do pioneirismo de suas ações em redução de
danos na cidade de Salvador.
Savio expos a sua vida de uma forma visceral, trazendo também toda sua baga-
gem de vida pessoal para o campo de trabalho e pontuou que as suas vivências
contribuíram bastante para a qualidade de seu trabalho, pois facilitou a sua imersão
nos territórios e a sua aproximação dos usuários em cenas de uso.
A última entrevista foi realizada com Sofia, pela sabedoria identificada nos
seus modos de pensar seu trabalho. O encontro ocorreu no meio da tarde, na varanda
de sua casa. A persistência no cuidado, na compreensão das singularidades e dos
atravessamentos multifatoriais que perpassam esse fenômeno se inscreveu por todo
instante na entrevista. Em seu relato, sua sabedoria apareceu de uma forma tranquila
e harmoniosa; sua fala mansa e firme conduziu suas respostas com comprometimento
e doação. E nos fez pensar nos desafios vivido por uma mulher, num trabalho atra-
vessados por tantas manifestações machistas.
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 443

Observou-se no percurso do estudo que as narrativas construídas e o afeto que


circulou nos encontros contribuíram para qualificar as entrevistas. A sensação de
contentamento pelo fechamento de um ciclo importante neste estudo fortaleceu o
vínculo do pesquisador com a pesquisa e auxiliou no desenvolvimento do trabalho
de investigação fenomenológica-compreensiva.
A experiência compreensiva implica a experiência do investigador, que nesse
relato destaca como grande aprendizado a importância da entrega corporal e disponibi-
lidade para o outro, no processo de construção do encontro. O manejo da dança-função
de se fazer pesquisador; ele precisa ser leve e precisa ser duro, precisa ter método.
Pés no chão e pensamento flutuante, com abertura para aceitar os convites propostos
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pelos participantes da pesquisa, essa é a posição esperada de um investigador nesse


universo compreensivo.
Os RD queriam ser escutados, precisam falar, falar para contestar, falar bem das
políticas públicas que trabalham e sustentam seu fazer. Falar da sua importância no
trabalho com usuários de drogas que vivem nas ruas e da falta de reconhecimentos
diversos. Trabalham com muito prazer, isso se vê nos olhos, na maneira de falar,
no tom e expressões. Parecem vulcões de informação. Seu trabalho é um exercício
de entrelaçamento de suas vidas com as vidas dos outros, a quem cuidam. Mostram
crença no humano como um ser de autotransformação e que precisa muitas das vezes
de uma terra fértil, para brotar! Esse lugar é pertencente aos Redutores de Danos,
que, com muita abertura para o amor, vivenciam seus trabalhos com muita vontade
de cuidar; parece que tomam posse, militam por um olhar e principalmente por uma
prática mais humanizada que possa produzir mais afetos bons.

Considerações finais
O presente relato de experiência discute a singularidades observadas no manejo
da clínica de cuidado os redutores de dano que atuam junto a usuários de substâncias
psicoativas moradores de rua na cidade de Salvador.
Os caminhos percorridos pelo entrevistador/pesquisador no curso do processo
de coleta de informações para uma pesquisa de mestrado assinalaram a proximidade
entre a metodologia fenomenológica-compreensiva adotada pelo pesquisador e a
prática cotidiana do RD. Nela o trabalho de aproximação e construção de vínculo
são tecidas na rua, na linguagem, através do corpo e dos afetos, desses profissionais
A metodologia compreensiva se diferencia de outros métodos, por vivenciar
a relação entre os participantes como um encontro intersubjetivo que valoriza os
afetos, a singularidade e relevância das narrativas dos entrevistados, abrindo-se para
um diálogo flexível e de construção conjunta na direção de objetivos comuns. Os
participantes são mutualmente afetados tanto no contexto interrelacional, quanto dos
fenômenos externos decorrentes dos contextos de cada entrevista.
As práticas de trabalho dos Redutores de Danos se caracterizam por atos sin-
gulares, que fazem toda diferença no manejo com os usuários de drogas que vivem
pelas ruas. Em suas práticas foi encontrado muita disponibilidade para o cuidar de
444

forma empática, respeitosa, inclusiva, mantendo uma relação dialógica, pautada no


respeito as escolhas individuais, buscando a todo momento, deferentes formas e
possibilidade de deslocamento para outro lugar social e melhor condições de vida.
Portanto, a construção e o desempenho do papel de entrevistador, perpassa
por fenômenos complexos, que exigem abertura para novas habilidades a serem
incorporadas tanto técnicas, quanto relacionais como instrumentos significativos em
direção a qualidade desse papel. O fazer profissional nas ruas demanda a criação de
um campo que favorece a espontaneidade do revelar mais genuíno do participante
da entrevista, dando condições de obter informações de melhor alcance aos objetivos
da pesquisa. Esse método contribui como uma forma dentro na práxis, intencionando

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um convite para uma clínica que faça o exercício de se aproximar para ser íntimo
dentro do possível nos contextos das vivências, privilegiando a intimidade como
dispositivo para acessar e transformar novos modos na relação com as substâncias e
outras vulnerabilidades. Nessa perspectiva o redutor de danos constrói uma clínica
adaptativa e proativa, reduzindo os ruídos externos dos contextos através da sua
qualidade de presença e com seu modo fenomenológico de escutar, dar sentido e
sequência singular ao material exposto no caminhar dos encontros.
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 445

REFERÊNCIAS
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pucpr.br/eventos/educere/educere2007/anaisEvento/arquivos/CI-458-04.pdf.
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ARTE COMO EXPRESSÃO
DOS DESEJOS INCONSCIENTES:
uma análise sobre duas obras de Frida Kahlo
Shara Catherine Marcos Atayde1
Lêda Lessa Andrade Filha2
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Lá no fundo não sabemos de si, do outro


nem em parte, o mais próximo
a que chegamos do todo
é a arte

Introdução
O inconsciente é o ponto central da teoria psicanalítica, a pedra angular, sobre
a qual se concentra toda a obra freudiana. Freud (2018), através de sua experiência
clínica diz que o psiquismo não se reduz ao consciente e que certos conteúdos só
são possíveis à consciência após serem superadas certas resistências (CORDEIRO,
2010). No livro A Interpretação dos Sonhos, Freud (2019, p. 668) traz:

O inconsciente – ou seja, o psíquico – se apresenta como função de dois sistemas


separados, e isso já na vida psíquica normal. Existem, portanto, dois tipos de
inconsciente, que os psicólogos ainda não distinguiram. Os dois são inconscientes
no sentido da psicologia; para nós, no entanto, aquele que chamamos Ics é incapaz
de chegar à consciência, enquanto o outro, o Pcs, assim o chamamos porque suas
excitações podem alcançar a consciência – embora respeitando certas regras e talvez
somente após superar uma nova censura, mas sem consideração pelo sistema Ics.

Freud (2018) localizou o inconsciente não como um lugar anatômico, mas


um lugar psíquico, com conteúdos, mecanismos e uma energia específicos; esses
conteúdos são os representantes da pulsão que se originam em fantasias, histórias
imaginárias, vivências, sonhos, sintomas, lembranças encobridoras geradas como
manifestações do desejo. Empregado na filosofia, psicanálise e psicologia, o desejo
designa, ao mesmo tempo, a propensão, o anseio, a necessidade, a cobiça ou o apetite,
isto é, qualquer forma de movimento em direção a um objeto cuja atração espiritual
ou sexual é sentida pela alma e pelo corpo (ROUDINESCO; PLON, 1998).
O desejo, para Freud (2019) é antes de tudo, o desejo inconsciente, ligados a
signos infantis indestrutíveis, o qual nasce de um reinvestimento psíquico de um

1 Graduada em Psicologia pela Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública.


2 Psicanalista. Professora Adjunta da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública. Mestre (UnB) e doutora
(UFBA) em Psicologia.
448

traço mnésico de satisfação ligado à identificação de uma excitação pulsional: “A


excitação provocada pela necessidade interna busca uma saída na motilidade, que
podemos chamar de “modificação interna” ou expressão de uma mudança de humor”
(LAPLANCHE; PONTALIS, 2001, p. 114).

[...] vejo tais desejos inconscientes como sempre ativos, sempre dispostos a achar
expressão quando lhes é oferecida uma oportunidade de se aliar a um impulso
do consciente e de transferir sua grande intensidade para a deste, que é menor
(FREUD, 2019, p. 604).

No entanto, é no sonho que reside à definição freudiana do desejo: o sonho é a

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realização de um desejo recalcado e a fantasia é a realização alucinatória do desejo
em si. É determinado como aquilo que, para a alma humana, se realiza no modo alu-
cinatório e em primeiro lugar no sonho (ROUDINESCO; PLON, 1998). O desejo se
constitui a partir da necessidade: após uma experiência primeira de saciação, assim que
ela se apresentar novamente, haverá, graças à relação estabelecida, desencadeamento
de um impulso psíquico que investirá novamente a imagem mnésica desta percep-
ção na memória e provocará novamente a percepção mesma, ou seja, reconstituirá a
situação da primeira satisfação. A reaparição da percepção é a realização do desejo, e
o investimento total da percepção, a partir da excitação da necessidade, é o caminho
mais curto em direção à realização de desejo (LAPLANCHE; PONTALIS, 2001).

Um componente essencial desta experiência de satisfação é uma percepção par-


ticular (a de nutrição, em nosso exemplo) cuja imagem mnemônica permanece
associada, daí por diante, ao traço da memória da excitação produzida pela neces-
sidade. Em resultado do elo que é assim estabelecido, na vez seguinte em que essa
necessidade desperta, surgirá imediatamente um impulso psíquico que procurará
reinvestir a imagem mnemônica da percepção e re-evocar a própria percepção,
isto é, restabelecer a situação de satisfação original (FREUD, 2019, p. 602).

Nesse sentido, ele tem por modelo a primeira experiência de satisfação e, para
além desta experiência, permite orientar dinamicamente o sujeito na busca de um
objeto suscetível de proporcionar essa satisfação, a qual não existe, pois a dimensão
do sujeito não tem outra realidade que não uma realidade psíquica. É a pulsão que
encontra (ou não) um objeto de satisfação na realidade.
Para Lacan (1999), o desejo nasce da defasagem entre a necessidade e a demanda
e se define de fato e em primeiro lugar, epistemologicamente, em sua relação intrín-
seca com a ordem biológica das necessidades e com a ordem linguageira da demanda
de amor. O homem deseja, porque a satisfação de suas necessidades vitais passa pelo
apelo dirigido a um Outro (LAPLANCHE; PONTALIS, 2001). A dimensão do desejo
aparece intrinsecamente ligada a uma falta que não pode ser preenchida por nenhum
objeto real. Além do fato de que esse vazio circunscreve um lugar a ser ocupado por
qualquer objeto, tais objetos irão sempre constituir-se como objetos substitutivos do
objeto faltante. Neste sentido, não existe, na realidade, objeto do desejo, a não ser que
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 449

designe tal objeto como “objeto eternamente faltante”. Portanto, o objeto pulsional só
pode ser um objeto metonímico do objeto do desejo (ROUDINESCO; PLON, 1998).
Para ilustrar o desejo, na psicanálise, trago o mito grego de Sísifo. Sísifo era rei
de Corinto, que, depois de seduzir a sobrinha, roubar o trono do irmão, trair a con-
fiança de Zeus, foi condenado a ficar acorrentado no tártaro; mas Sísifo era ardiloso.
Ele atrai Tânatos (deusa da morte), e consegue prendê-la em seu lugar. Sísifo foge
e nenhum ser humano iria mais morrer, o que desagrada a Ares (o deus da guerra),
o qual solta Tânatos e manda Sísifo de volta ao tártaro, mas dessa vez o castigo era
outro. Sísifo é condenado a empurrar uma pedra até o topo da montanha, um trabalho
eterno, pois sempre que chegava ao topo, a pedra rolava de novo para baixo.
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Então, o desejo inconsciente, é irrealizável desde que o objeto capaz de o satis-


fazer não existe3. E sendo assim, a sua função é a de mover o homem a realizações
socialmente reconhecidas, levando-o a construir objetos substitutivos do objeto fal-
tante. Nesse sentido é possível falar de uma mitigação de desejos insatisfeitos quando
se trata da produção artística (RODRIGUES, 1997). O desejo se mostra sempre
indestrutível e impossível de se satisfazer inteiramente em um só objeto. O que se
deseja nunca é o que se tem acesso, é sempre outra coisa e mais outra e outra, e assim
consecutivamente. O artista também não se satisfaz com uma só obra, não há uma
obra que estanque o desejo do sujeito. Há sempre algo a ser criado. No processo de
criação, o sujeito cria e recria-se por meio de suas produções artísticas (SILVA, 2007).
O ponto de partida desse artigo é o meu interesse profundo sobre a arte. A arte
sempre me convocou a pensar o porquê das obras, dos traços, o que significavam para
aquele que os faz e para aquele que os vê. Por isso, desejo me debruçar mais sobre
uma arte que pode expressar, criar, recriar, mover, mexer, incomodar e revelar o que
(não) se quer ver. Freud (2010, p. 37), em O mal-estar da civilização, corrobora, que:

Entre essas satisfações pela fantasia se destaca a fruição de obras de arte, que
por intermédio do artista se torna acessível também aos que não são eles mesmos
criadores. Quem é receptivo à influência da arte nunca a estima demasiadamente
como fonte de prazer e consolo para a vida. Mas a suave narcose em que nos induz
a arte não consegue produzir mais que um passageiro alheamento às durezas da
vida, não sendo forte o bastante para fazer esquecer a miséria real.

Ademais, acredito que essa pesquisa tem uma relevância para a psicologia, com
contribuições acerca do inconsciente, ou seja, o psíquico e sua expressão através da
arte, sobretudo, para a arte no Brasil, visto que há uma desvalorização em relação a
essa área. De acordo com Abreu (2017), há quem desvalorize toda a vertente artística,
ou simplesmente não lhe dá importância. Dizem que a arte não dá de comer. Por
vezes, as obras de arte são alvo das mais injustas críticas.

3 Em Freud (2019), encontramos a palavra “realização” para falar dos desejos (por exemplo: o sonho é uma
realização – disfarçada – de desejos), e temos a palavra “satisfação” para falar da pulsão (a pulsão busca um
objeto que possa satisfazê-la). Ainda que Freud apresente estes dois termos para especificar os conceitos de
desejo e o de pulsão, seguirei usando com liberdade o termo satisfação – e o seu antônimo – para falar do
desejo inconsciente, uma vez que esta ideia se presta a indicar relações entre a obra de arte e a psicanálise.
450

Todavia, a arte faz parte da vida humana antes mesmo da escrita, pois era
através da pintura nas paredes de uma caverna que o homem se comunicava e se
relacionava com os outros. Na pintura, idealizavam os seus pensamentos, seus ins-
tintos; planejavam os rituais da caça, simbolizavam o mundo feminino e masculino
(MALLMANN, 2013). Ou seja, a arte sempre foi uma via de expressão. Do latim
ars, a arte tem como conceito englobar todas as criações realizadas pelo ser humano
para expressar uma visão do mundo, seja este real ou imaginário, transmitindo ideias,
emoções, percepções e sensações. Além disso, Freud (2010) traz que a arte é uma
forma sublimatória dos instintos, ou seja, consiste em deslocar as metas dos instin-
tos, já que eles não podem ser atingidos pela frustração a partir do mundo externo.

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Nesse âmbito, o melhor resultado obtido, para a sublimação, é quando se consegue
elevar suficientemente o ganho de prazer a partir das fontes de trabalho psíquico e inte-
lectual, como a alegria do artista no criar, ao dar corpo a suas fantasias. O artista não usa
apenas a fantasia como meio de dobrar a realidade aos seus desejos, ele obtém o ressar-
cimento da realidade ao dilatar as fronteiras da moral e convida outros a se candidatarem,
livre e espontaneamente, à forma de prazer recém-inventada – realidade compartilhada.
Não se trata, portanto, de tomar, em momento algum, a ‘transgressão moral’
como núcleo da criação. A arte é um meio, legitimado pela moral dominante, de se
gozar com aquilo que seria proibido, caso fosse exposto na sua nudez pulsional, ou,
no conteúdo excessivamente idiossincrático, particular a cada sujeito. O artista –
modelo do criador para Freud –, reinventa novas formas de gozo de acordo com as
regras morais e não contra elas (COSTA, 2007, p. 3).
Ainda no dizer de Freud (2016, p. 222) em “O interesse científico da psicanálise”:

A arte é uma realidade convencionalmente aceita, na qual, graças à ilusão artís-


tica, os símbolos e os substitutos são capazes de provocar emoções reais. Assim,
a arte constitui um meio caminho entre uma realidade que frustra os desejos e o
mundo de desejos realizados da imaginação – uma região em que, por assim dizer,
os esforços de onipotência do homem primitivo ainda se acham em pleno vigor.

Ao mesmo tempo em que a admiramos, a arte, nos suscita surpresa, emoção,


também podendo trazer inquietação; como se ela representasse uma parcela de algo
que é nosso, e que ali está concretizado em forma de poema, escultura, pintura, livro,
filme ou música, provocando a lembrança de um momento da infância ou algum
segredo do inconsciente que não se diz ou, não se quer saber (FREIRE, 2007).
A psicanálise fala desse sentimento não revelado e (des)conhecido pelo sujeito.
No dizer de Lacan (1985), trata da representação do indizível, do desejo inconsciente.
Ou seja, em sua obra, o artista mostra o extrato de seu inconsciente, a sua verdade
latente, que é o objeto de estudo da psicanálise (FREIRE, 2007). O presente trabalho
tem como objetivo geral relacionar a arte com os desejos inconscientes na obra de
Frida Kahlo e, como específico: expor duas obras de Frida Kahlo que favorecem pen-
sar sobre o desejo da feminilidade4. A artista é uma representante do movimento sur-

4 Um dos destinos possíveis do complexo de Édipo nas mulheres. O que para Freud se faz acompanhar de
certa mácula: nunca superar completamente a inveja do pênis, jamais ter um supereu adequadamente
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 451

realista, o qual enfatiza o papel do inconsciente na criação, possibilitando, assim, um


diálogo fértil com a psicanálise. Para contemplar o objetivo proposto, a metodologia
escolhida foi a análise documental, uma vez que se tomou como fonte de coleta de
dados documentos, de conteúdo do tipo artístico.
Segundo Bravo (1994), são documentos todas as realizações produzidas pelo
homem que se mostram como indícios de sua ação e que podem revelar suas ideias,
opiniões e formas de atuar e viver. Nesta concepção é possível apontar vários tipos
de documentos: os escritos; os numéricos ou estatísticos; os de reprodução de som
e imagem; e os documentos-objeto.
Inicialmente, foi feita uma pesquisa minuciosa com artigos científicos, utilizando
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os seguintes descritores: arte, Frida Kahlo, psicanálise. O intuito era saber quais obras
apresentariam elementos para contemplar o objetivo deste estudo. Após esta primeira
fase da pesquisa, foram estabelecidos como critérios de exclusão artigos que faziam
referência à arte como forma de superação, suporte, uma vez que a pretensão foi,
através deste estudo, lançar um olhar outro, renovado, sobre as obras de Frida Kahlo,
articulando as categorias privilegiadas no trabalho. Serão analisadas duas obras de
Frida Kahlo, O Hospital Henry Ford” do ano de 1932 e Autorretrato con Pelo Corto,
do ano de 1940, que favorecem pensar questões sobre o desejo da feminilidade. O
acesso às obras se deu via online pelo site Wikiart – Enciclopédia de artes visuais e
também pelo livro O Diário de Frida Kahlo: um autorretrato íntimo.
Para fins de fundamentar a leitura das obras de Frida Kahlo com base no refe-
rencial psicanalítico, serão privilegiados alguns textos da coleção de Sigmund Freud,
em especial A interpretação dos sonhos, de 1900, e O mal-estar da civilização, de
1930, bem como algumas releituras de Lacan (1999); além da recorrência aos clás-
sicos, também serão utilizados, autores contemporâneos como Tania Rivera (2008)
e dicionários de psicanálise.

Frida Kahlo
Filha de pai alemão e mãe espanhola, Magdalena Carmen Frida Kahlo y Cal-
derón, mais conhecida por seu pseudônimo artístico, Frida Kahlo, nasceu no dia 06
de julho de 1907, na vila de Coyoacán, próxima à cidade do México. Frida teve uma
vida marcada por doenças: com seis anos de idade contraiu poliomielite, que lhe

estabelecido de modo a poder ocupar lugar de produção na cultura, viver eternamente presa às condições
pré-edípicas da sexualidade e, portanto, a uma forma narcísica de amar (POLI, 2007). Freud trabalha com
três possíveis saídas para a menina no Complexo de Édipo. Tendo em vista, que, a descoberta de que é
castrada é algo decisivo na constituição feminina, a partir disso, a menina teria três linhas possíveis: “uma
conduz à inibição sexual ou à neurose” – decorre do fato de a menina, assustada pela comparação com os
meninos, sentir-se inferiorizada com o seu clitóris. Outra, à modificação do caráter no sentido de um complexo
de masculinidade – faz com que ela se agarre de forma desafiadora à sua masculinidade ameaçada,
acreditando na possibilidade de obter um pênis, podendo resultar numa escolha de objeto homossexual
manifesta. A terceira saída, finalmente, se refere à feminilidade – tornar-se mulher pela maternidade e pela
passividade, possibilita à menina encontrar o caminho da feminilidade definitiva pela substituição de seu
desejo masculino de ter um pênis do pai por um desejo feminino de maternidade (ter um filho do pai) e
pela substituição do gozo ativo masculino do clitóris pelo gozo passivo da vagina” (FREUD, 2016, p. 126).
452

deixou uma sequela no pé. Com 18 anos sofreu um grave acidente de ônibus, sendo
que, durante o período em que esteve se recuperando, surgiu a pintora. Frida levou
meses para se recuperar. Ao todo foram necessárias 35 cirurgias. Sua mãe colocou um
espelho sobre sua cama e um cavalete adaptado para que ela pudesse pintar deitada.
Pintou vários autorretratos, 55 ao todo, que representam um terço de toda sua obra, ela
justificava dizendo: “Pinto a mim mesma porque sou sozinha e porque sou o assunto
que conheço melhor”. Em 1929, Frida casa-se com Diego Rivera. A história de Frida
e Diego começou quando ela foi lhe mostrar suas obras para saber sua opinião. Frida
tinha então 22 anos e Diego era 21 anos mais velho que ela. Ele já havia sido casado
várias vezes e tinha três filhas, além de inúmeros casos com mulheres.

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Em 1930, Frida engravida e sofre seu primeiro aborto, ficando muito abalada
pela impossibilidade de levar adiante uma gravidez devido a seu estado de saúde
delicado. Em 1932, ela sofre seu segundo aborto sendo hospitalizada em Detroit
(Estados Unidos), e sua mãe morre de câncer no dia 15 de setembro do mesmo ano.
Em 1934, o casal está de volta ao México, mas Frida sofre novo aborto e tem os
dedos do pé direito amputados. O relacionamento com Rivera piora e ele começa a
trai-la com sua irmã mais nova Cristina.
Frida Kahlo morreu em 13 de julho de 1954, na mesma cama de dossel, sua
companheira de tantos anos e na qual pintou boa parte de seus quadros. Frida morreu
antes de completar 50 anos de vida. Como consequência, seu tempo de pintura foi
também pequeno – menos de 30 anos. Calcula-se que tenha pintado cerca de cem
quadros. Frida segue sendo – decorrido quase um século de iniciada a construção
de sua obra –, a figura mais fascinante da pintura moderna mexicana. Frida soube
realizar uma pintura extremamente pessoal e sedutora, totalmente alheia aos cânones
vigentes. Sempre visceral, se expressava “com franqueza e sem reservas, empregando
muito humor, intensidade e calor humano” (MORAIS, 2017, p. 9).

O desejo da feminilidade

A obra da artista Frida Kahlo fascina por suas constantes alternâncias de signos como
da feminilidade e masculinidade. Entretanto, o desejo feminino é semelhante ao desejo
da criança pelo falo. Ou melhor, o desejo feminino é semelhante àquele desejo alienado
da criança ao desejo da mãe, que é o falo. E o falo é um objeto metonímico; ou seja, a
feminilidade é, também, fundamentalmente metonímica (RIVERA; FERREIRA, 2008).
Rivera e Ferreira (2008) complementam, que, durante a fase pré-edipiana, o
objeto materno começa a ser reconhecido pela criança de forma alternada. Ora ele é
mais, ora é menos; ora é ausência, ora é presença. E é daí, dessa alternância, que se
origina a condição fundamental para o nascimento de uma ordem simbólica. Sendo
assim, podemos identificar, no desenvolvimento feminino, constantes alternâncias:
alternâncias de objeto de amor, alternâncias de zona erógena e alternâncias entre ati-
vidade e passividade. Geralmente se consideram como características da feminilidade
as preferências por fins passivos, entretanto, “para chegar em fins passivos, pode ser
necessária uma grande parcela de atividade” (FREUD, 1933, p. 116).
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Figura 1 – “O Hospital Henry Ford”, de 1932. Óleo sobre metal, 30,5 x 38 cm


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Fonte: Frida Kahlo (1932).

No quadro O Hospital Henry Ford, de 1932 (Figura 1), Frida aparece nua, toda
ensanguentada, deitada numa cama de hospital, segurando seis fitas que parecem sair
de seu corpo e que ligam a seis elementos: a) um modelo anatômico do corpo humano
da cintura à coxa; b) o osso da bacia; c) um feto, cuja fita se amarra a um pedaço de
seu cordão umbilical cortado; d) um caracol; e) uma orquídea violeta; e f) uma peça
de máquina que, juntamente com o cenário no fundo do quadro, faz referência a um
lugar industrializado (RIVERA; FERREIRA, 2008).
A peça de máquina e o fundo industrial são cinza, frios, distantes, e, soma-
dos a esse cenário, vemos uma pequena e frágil Frida, deitada no canto de uma
cama enorme de hospital. Essa cama, em que Frida escreveu o nome de um
hospital e de uma cidade, flutua no meio do quadro, no meio de uma paisagem
limpa e pouco acolhedora. Não existem paredes, de modo que Frida, no quadro,
está sozinha, sofrendo e completamente exposta. (RIVERA; FERREIRA, 2008).
Esse quadro remete, mais uma vez, a sofrimento e perda. Os elementos amarrados
estão escapando e ela tenta segurá-los com as mãos. O feto no centro do quadro
é o feto abortado, o sangue sobre o lençol branco e sobre Frida nos indica isso.
Frida pinta um caracol ou uma concha como uma forma própria de representar
a sexualidade feminina e a vida, o amor. (RIVERA; FERREIRA, 2008). Assim
como no quadro Autorretrato com cabelo cortado, o amor e a sexualidade são
importantes elementos que marcam a obra.
454

Figura 2 – “Autorretrato com cabelo cortado”, de


1940. Óleo sobre tela, 173,5 x 173 cm

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Fonte: Frida Kahlo (1940).

Em 1940, Frida pintou o quadro Autorretrato com cabelo cortado (Figura 2).
Nele, ela se apresenta sentada numa cadeira, com roupas masculinas e largas e com
uma tesoura na mão. Grandes mechas de cabelos pretos estão espalhadas por todo o
chão, pelo seu colo e sobre a cadeira. Na parte superior do quadro ela pintou o verso
de uma canção mexicana: “Olha, se te amei foi pelo teu cabelo, agora que estás careca,
já não te amo”. Em grande parte dos seus quadros, Frida é pintada com vestidos
tradicionais mexicanos, com seus longos cabelos soltos ou em tranças e com alguns
adereços como colares e brincos, entretanto, nesse quadro ela se veste com um terno
masculino, tão largo que seria impossível dizer se é um corpo masculino ou feminino
que se encontra por debaixo dessas roupas. Seus cabelos não aparecem simplesmente
curtos, eles aparecem cortados pela tesoura que Frida segura e espalhados por todo
o chão da tela. O único adereço que permanece é o brinco, um elemento feminino
(RIVERA; FERREIRA, 2008).
Os cabelos chamam atenção desde a letra da música escrita na parte superior
da tela até a forma como aparecem espalhados no chão, enroscados na cadeira e
colocados sobre a perna de Frida. Devido a essa dimensão que é dada aos cabelos
na tela, podemos dizer que os cabelos são tomados como significantes provisórios
da sexualidade feminina: “Agora que estás careca, já não te amo”. Há, nessa tela, a
remissão à perda e essa perda gera sofrimento pela possibilidade de uma segunda
perda, que é a perda de amor (RIVERA; FERREIRA, 2008).
Além disso, a obra de Frida Kahlo é marcada também por uma questão impor-
tante, a falta. O próprio início de sua obra parece marcar as origens dessa falta. Lacan
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(1999) relata que as idas e vindas da mãe deixam claro para a criança que ela não
satisfaz a mãe, que ela não é o objeto de desejo da mãe, ela não é o falo. Portanto,
essas caprichosas idas e vindas representam o falo – aquilo que a mãe não tem e
deseja ter – e a criança passa, então, a desejar ser o falo da mãe. O que é desejado
na mãe está, portanto, para além dela mesma e se constitui justamente naquilo que
lhe falta (RIVERA; FERREIRA, 2008). A feminilidade é, portanto, determinada por
uma perda, que é, primordialmente, perda do falo. Essa perda não é sem efeitos para a
menina e deixará traços em seu desenvolvimento. Se a menina é marcada pela ausên-
cia do falo, podemos afirmar que falta um significante para a sexualidade feminina.
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Considerações finais
[...] quero uma realidade inventada.
Clarice Lispector

A escrita deste artigo teve a intenção de mostrar a imensidão da arte – que não se
esgota, não se limita, que permite ser inventada, assim como, (re)criada, (re)interpre-
tada –, e também destacar a relevância deste trabalho para estudos futuros, tendo em
vista, a amplitude que a arte pode oferecer junto à psicanálise, por exemplo a femi-
nilidade – assunto que foi pincelado nesse escrito e que merece um aprofundamento.
Também se destacou o quanto a arte tem a função de permitir ao sujeito expres-
sar o não dito, o inominável, permite dar voz ao silêncio, assim como permite ser o
silêncio quando há muitas vozes. A arte é uma linguagem, uma forma de comuni-
cação com o outro e consigo. Ademais, cada sujeito tem sua visão de mundo, seja
ela externa ou interna, a partir das suas vivências, assim também é na arte, como
foi representado perfeitamente por Frida Kahlo. Em suas obras, ela mostra a sua
vida, mas vai muito mais além, “vemos” o seu mundo interno, assim como também
vemos o que queremos ver, que é nosso e ali está representado em uma obra. A arte
tem esse artifício, transmite ao outro um atravessamento, uma significação, a partir
do que foi vivenciado.
Diante do exposto e do trabalho em si, ainda um ponto a se ressaltar sobre
a arte é o seu uso no contexto terapêutico, ou seja, a importância da arte terapia –
dispositivo terapêutico que absorve saberes das diversas áreas do conhecimento,
constituindo-se como uma prática transdisciplinar, visando a regatar o sujeito em sua
integralidade através de processos de autoconhecimento e transformação. Este campo
recebeu influência de áreas do conhecimento como a psicanálise, que se interessou
pela arte como meio de manifestação do inconsciente, através de imagens, no qual
o artista pode simbolizar concretamente o inconsciente em sua produção, retratando
conteúdos do psiquismo.
Para refletir a respeito da arte no contexto terapêutico, novamente Freud (2010),
em O mal-estar da civilização: ele se referiu à arte como um recurso para a vida,
oferecendo gratificações substitutivas a partir de ilusões frente à realidade, pois as
fantasias possuem eficácias para o psiquismo, produzindo, assim, saúde mental.
456

Nietzsche (1992 apud FONSECA, 2005) enfatiza que, a principal questão da arte
é o seu poder instaurador, e o artista é o divinizador da vida. A arte possui raízes
profundas nas quais o intelecto não consegue chegar, isto é, segundo o filósofo, a
linguagem da arte nasce de dentro para fora. Neste âmbito, Fonseca (2005) realça
que o gesto artístico não se resume apenas em produzir belos quadros ou músicas, as
quais a psicanálise visa interpretar, o gesto artístico sustenta a produção de uma vida,
ligada a uma estética da própria existência, a vida como uma obra de arte.
Em vista disso, ao falar sobre o processo de criação, apresenta-se uma condição
de movimento, aberta a novas construções, críticas, enunciações e olhares. Nesse
âmbito, é necessário, sempre que possível, falar, expor, validar a arte, ainda mais no

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atual cenário, em que presenciamos um recrudescimento de discursos fascistas em
vários países do mundo e situação pandêmica – a qual, a arte vem ganhado destaque,
voz e é preciso fortificar essa potência, para que não a esqueçam e nem voltem a
desvalorizar. Portanto, o presente artigo buscou possibilitar novas reflexões sobre
a arte, com contribuições psicanalíticas e duas obras da artista Frida Kahlo. Nesse
intuito, finalizo, defendendo, valorizando e notificando a importância da arte como
um instrumento para o desenvolvimento humano, na qual, as atividades artísticas
permitem que o ser humano reconheça, expresse e fixe as coisas significativas, tanto
em relação a suas experiências internas, como externas.
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 457

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AS RELAÇÕES SUBJETIVAS
ESTABELECIDAS ENTRE O
SUJEITO E O OBJETO DROGA:
considerações psicanalíticas
Lorena Cotias Macêdo
Lêda Lessa Andrade Filha
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Introdução
O consumo de drogas é considerado uma prática milenar e ainda é realizada por
inúmeras pessoas, de idades e culturas diferentes. As opções de drogas são variadas
desde sua composição até a forma de uso, há substâncias perturbadoras, depressoras,
estimulantes, há as que são cheiradas, inaladas, injetadas, há as produzidas natural-
mente e as sintéticas etc. Por conta dessa diversidade, não existe um consenso sobre
os propósitos de se consumir drogas. Dentre as opções que se repetem com frequência
é possível citar algumas como o uso para socializar, para relaxar, para se estimular,
para lidar com o sofrimento e para se conectar à espiritualidade. No entanto, embora
os objetivos sejam variados, é imprescindível destacar aspectos que os unem: o uso
de droga é uma experiência que, em princípio, causa prazer no sujeito ao mesmo
tempo em que silencia ou afasta seus sofrimentos psicológicos e/ou físicos.
A experiência do prazer é uma das forças motrizes do psiquismo humano –
princípio de prazer, pois é natural que se busque por estímulos que causem satisfação
de modo ilimitado e, assim, evite o desprazer (ROUDINESCO; PLON, 1998). No
entanto, a problemática dessa questão emerge quando o sujeito elege a droga como
um dos poucos objetos, ou o único, capaz de lhe proporcionar as sensações de supres-
são do mal-estar. Além disso, é importante ressaltar que o uso da droga não almeja
apenas a sensação de prazer, mas também o distanciamento das dores do existir. É
nesse contexto de prazer e desprazer, que a psicanálise analisa a subjetividade que
atravessa a relação estabelecida entre o sujeito e a droga. Assim, identifica o lugar
ocupado pela droga no psiquismo do sujeito, ou seja, estuda quais mecanismos psí-
quicos podem levar o indivíduo a escolher uma substância química para intermediar
a relação da sua subjetividade com a sua realidade.
A partir disso, o objetivo deste ensaio é descrever e analisar, por meio da teoria
psicanalítica, as relações subjetivas que o sujeito pode vir a estabelecer com o objeto
droga, perpassando o abuso e a toxicomania. Para isso, será abordada a evolução dos
estudos e do entendimento psicanalítico acerca do assunto; no campo teórico, desta-
car-se-á conceitos fundamentais como supereu, pulsões, narcisismo e função paterna.
Em suma, esse estudo se faz necessário, sobretudo, para reconsolidar a ideia de que o
abuso de drogas é uma prática singular, que deve ser entendida a partir do histórico
460

particular de cada pessoa, de quais mecanismos psíquicos atravessam esse consumo


e que a assistência ao sujeito deve transcender a lógica biomédica da abstinência.
Para este propósito, esse trabalho acadêmico se constitui em um Ensaio Teórico;
os objetivos desenvolvidos para guiar a pesquisa foram um objetivo geral: descrever
e analisar, por meio das produções teóricas psicanalíticas, relações subjetivas que
o sujeito pode estabelecer com o objeto droga; e os objetivos específicos: demarcar
tempos diversos da compreensão freudiana acerca do lugar ocupado pela droga na
subjetividade do sujeito, partindo de seus estudos iniciais; descrever como o consumo
de droga é uma forma de lidar com o mal-estar na civilização; e caracterizar o lugar
reservado a droga no contexto da toxicomania, na contemporaneidade. Para subsi-

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diá-lo foram usadas as bases de dados Literatura Latino-americana e do Caribe em
Ciências da Saúde (LILACS), Scientific Electronic Library Online (SciELO) e Google
Acadêmico. Nesta pesquisa de artigos os principais descritores foram definidos com
base nos Descritores em Ciências da Saúde (DeCS) e incluíram os termos “psica-
nálise” e “abuso de drogas”. Além dos 11 artigos lidos, foram usadas referências de
livros clássicos da coletânea de Sigmund Freud entre outros escritores psicanalíticos.
Os artigos priorizados para a pesquisa foram os publicados recentemente no
Brasil, exceto os textos dos livros da coletânea de Freud, que não se enquadraram nessa
temporalidade nem nessa localização. Como critérios de exclusão, foram excluídos
do rol de leitura os artigos que delimitavam um tipo específico de droga, pois não
respondiam à intenção dessa pesquisa.

A evolução da compreensão freudiana acerca do abuso de drogas


A investigação psicanalítica acerca do abuso de drogas vai além do que concerne
ao corpo orgânico, ou seja, engloba-o ao mesmo tempo em que vislumbra entender, no
caso a caso, a relação que cada sujeito estabelece com a droga escolhida. Porém, no
que diz respeito aos mecanismos intrapsíquicos, há explicações que guiam o enten-
dimento do processo do uso ou abuso de substâncias químicas (VIANNA, 2014).
Freud postula sua teoria psicanalítica com base em sua experiência com a
clínica, por conta disso, é relevante falar da sua relação com o tema das drogas, pois
ela surge de sua prática. Além disso, é importante destacar que ele também se pauta
em vivências pessoais, porque acreditava, assim como outros médicos da época, que
seu uso pessoal poderia resultar em descobertas significativas para a ciência médica.
As primeiras descrições de Freud acerca do uso de substâncias químicas são
referentes ao álcool e à cocaína. Ele se disponibilizou ao uso desta, com o intuito inicial
de caracterizar os efeitos fisiológicos e seus fins para a medicina da época. Em sua
Autobiografia (1925), ele marca o início de seu interesse pelo assunto: “Em 1884, um
interesse paralelo, mas profundo, tinha me levado a solicitar à Merck uma amostra
de cocaína, alcaloide então pouco conhecido, para estudar seus efeitos fisiológicos”
(FREUD, 2011, p. 86).
O entusiasmo de Freud frente à cocaína se originou da hipótese dele de con-
seguir extrair eficácia do alcaloide para utilizá-lo enquanto psicofármaco, pois na
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 461

época ele já se interessava pela área neuropsiquiátrica. Assim, ele e outros médicos
apostavam na probabilidade da substância ser uma forma de tratamento medicamen-
toso, principalmente, para alguns transtornos psiquiátricos, dentre eles a depressão.
Por conta disso, debruçou-se de forma vivaz e empenhou-se nos estudos sobre a
cocaína (GURFINKEL, 2008).
No entanto, após alguns anos de uso, indicações e estudos, a esperança de
encontrar na cocaína a resolução de questões psíquicas e orgânicas foi se esvaindo,
pois no meio desse percurso ele veio a perder um colega, esse se viu sob o efeito
do vício e transgrediu a dosagem que lhe foi orientada, fato que culminou em sua
morte. Além disso, a comunidade médica da época, então, alertou que pessoas que
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estavam sob efeito de outras drogas, a morfina por exemplo, substituíam o vício e
não se curavam, de acordo com outra potencial promessa da cocaína. Após receber
críticas por essas e outras considerações acerca do alcaloide, Freud foi não apenas se
afastando do assunto, mas também deixou de usá-la (GURFINKEL, 2008).
Contudo, Freud volta a mencionar sua experiência com a cocaína quando ana-
lisa dois sonhos no livro A Interpretação dos Sonhos (1900) – a menção à substância
surge na análise do “Sonho da Injeção de Irma” e no “Sonho da monografia botânica”.
Naquele sonho, ele associa uma cena à uma recomendação feita e, prontamente,
reafirma um alerta quanto ao tipo de uso: “As injeções voltam a me lembrar o amigo
infeliz que se intoxicou com a cocaína. Eu havia recomendado a droga apenas para
uso interno [oral] enquanto abandonava amorfina; ele mesmo, porém, passou imediata-
mente a injetar a cocaína” (FREUD, 2019, p. 148). Já neste sonho, sua análise converge
para a ideia inicial, na qual a droga poderia servir continuamente para avanços médicos:

A “monografia botânica” evidencia imediatamente sua relação com o trabalho


sobre a cocaína que escrevi certa vez; a ligação de pensamentos vai da cocaína à
publicação festiva e a determinadas ocorrências no laboratório de uma universi-
dade e também ao meu amigo, o oftalmologista Königstein, que contribuiu para
o emprego da cocaína (FREUD, 2019, p. 323).

Porém, ao fim desse estudo, Freud constata que os sintomas subjetivos dos efeitos
da cocaína são diferentes para cada pessoa e que a ação da cocaína é indireta,
efetuada por meio de uma melhora na condição do bem-estar. Com isso, se com
o uso de cocaína obteve sucesso em relação aos efeitos terapêuticos analgésicos e
anestésicos, que permitiram a realização de diversas cirurgias, também demonstrou
o fracasso dessa prática, que conduzia ao vício, aos efeitos de intoxicação e até
mesmo ao apagamento do inconsciente (MENDONÇA, 2011, p. 252).

Após algum tempo de estudo, então, Freud, ao rever seus conceitos sobre o
abuso de drogas, propõe uma nova perspectiva: o uso da droga é uma substituição à
pulsão sexual não satisfeita. Essa referida pulsão sexual correspondia ainda à primeira
dualidade pulsional – pulsão do eu (autoconservação) e pulsão sexual, que perdurou
até meados do ano de 1923.
A ideia da droga como substituta da pulsão sexual ganha embasamento quando
ele afirma que os vícios se desenvolvem na vida adulta em substituição à masturbação,
462

pois essa era compreendida por ele, por meio da clínica, como o grande hábito – o
vício primário (MENDONÇA, 2011). A ideia é mantida, porque concluiu-se que a
pulsão sexual durante a fase infantil até a fase da puberdade não se assume como tal
e, por conta disso, não é atendida, mas dissipa-se em forma de outros tipos de pulsão,
para então, só na adolescência servir ao seu objetivo original: a satisfação genital.
Sendo assim, durante esse processo, essas pulsões são satisfeitas de acordo com as
necessidades básicas de uma criança (ROUDINESCO; PLON, 1998).

A meta que cada um deles procura atingir é o prazer do órgão; somente após
efetuada a síntese eles entram a serviço da função reprodutiva, tornando-se geral-
mente reconhecidos como instintos sexuais. Ao aparecer, apoiam-se inicialmente

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nos instintos de conservação, dos quais se desligam apenas aos poucos, e seguem
também na busca de objeto os caminhos que lhes mostram os instintos do Eu
(FREUD, 2010, p. 63).

Ao estabelecer essa relação entre a satisfação sexual e o uso de substâncias


químicas, Freud segue dizendo que muitos dos tratamentos das pessoas que usam
drogas não são eficazes, porque os terapeutas não incluem o hábito da masturbação, o
qual seria uma formade liberar a tensão sexual recalcada. Portanto, o tratamento não
deveria se pautar unicamente na técnica da abstinência, mas também da satisfação
libidinal. Além disso, afirma que a cura estaria contemplada no momento em que o
sujeito retomasse seu contato sexual com o outro e não precisasse mais recorrer ao
autoerotismo ou à substância (MENDONÇA, 2011).
Portanto, embora Freud não tenha se debruçado de forma profunda e prolongada
sobre o assunto das drogas, ele formula mais à frente, como será demonstrado, constru-
tos metapsicológicos capazes de se alinhar, para promover uma melhor compreensão
sobre o uso e o abuso das substâncias químicas. Além disso, é indispensável marcar
que suas primeiras contribuições acerca do assunto foram de extrema importância.

O abuso de drogas na era do mal-estar na civilização


Em O mal-estar na civilização, de 1930, escrito de Freud que ultrapassou as
mudanças temporais e espaciais se constituindo como uma visão de mundo ainda
atual, ele reafirma que a civilização causa desconfortos significativos para o sujeito
e eles acham no objeto droga o efeito de “amortecedor de preocupações” (FREUD,
2016). Além da droga, são citados outros seis mecanismos, os quais as pessoas
dispõem para mascarar o mal-estar: o amor, a religião, a atividade científica, a arte,
o delírio e a sublimação. Em seguida, agrupa-se esses dispositivos em três áreas:
os derivativos – distrações poderosas que fazem o sofrimento parecer pequeno; as
satisfações substitutivas – que reduzem o sofrimento; e as substâncias tóxicas – que
tornam os sujeitos insensíveis ao mal-estar (FREUD, 2016).
A droga ocupa, portanto, um lugar paradoxal no organismo e no psiquismo do
sujeito, pois proporciona uma dose instantânea e passageira de satisfação ao mesmo
tempo em que produz toxidade ao corpo humano. Sendo assim, embora seja a forma que
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 463

mais atenua os efeitos colaterais vivenciados pelo sujeito inserido na cultura, também é
problemática, pois coloca o real do corpo no circuito de enfrentamento, fato que pode
culminar, mais à frente, emprejuízos graves para o sujeito (OLIVEIRA, 2010). Além
disso, com a progressividade das ações compulsivas, quando a droga se torna o único
objeto possível de satisfação, o indivíduo adentra o circuito do gozo, que significa:
“obediência do sujeito a uma ordem – quaisquer que sejam sua forma e seu conteúdo –
que o conduz, abandonando o que acontece com seu desejo” (ROUDINESCO; PLON,
1998, p. 300). Esse gozo, quando fixado unicamente no corpo, é capaz de promover uma
falência simbólica significativa e difícil de ser reestruturada (LISITA; ROSA, 2013).
Essa satisfação voltada para o corpo implica o conceito de narcisismo – “retirada
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da libido de todos os objetos externos” (ROUDINESCO; PLON, 1998, p. 532). Esse


conceito proposto por Freud promove uma mudança na perspectiva de entendimento
do psiquismo humano e da teoria das pulsões. Freud coloca em evidência a possibi-
lidade de a libido ser investida não apenas em objetos, mas também em si próprio. A
partir disso, ele formula as duas possibilidades da libido ser investida, no eu (libido
do ego, narcisista) e em um objeto exterior (libido objetal): “quanto mais uma é
empregada, mais a outra se esvazia” (FREUD, 1914, p. 83 apud MENDONÇA, 2011).
No entanto, após analisar outras perspectivas e com a entrada, na teoria, da pulsão
de morte, Freud avançou nas suas investigações, de modo que o primeiro dualismo
pulsional – pulsão sexual e pulsão do eu – deu espaço para a formulação da segunda
teoria das pulsões – pulsão de vida (Eros) e pulsão de morte:

[...] há um instinto de morte, cuja tarefa é reconduzir os organismos viventes ao


estado inanimado, enquanto Eros busca o objetivo de, agregando cada vez mais
amplamente a substância viva dispersa em partículas, tornar mais complexa a
vida, nisso conservando-a, naturalmente (FREUD, 2011, p. 50).

Os construtos psicanalíticos freudianos se basearam em sua experiência sobre


a clínica da neurose – “conflito entre o eu e o isso e a coabitação de uma atitude que
contraria a exigência pulsional com outra que leva em conta a realidade” (ROU-
DINESCO; PLON, 1998, p. 536). É a partir da investigação da estrutura neurótica
que Freud identifica instâncias psíquicas como a função paterna (o pai simbólico),
o supereu, as pulsões e o narcisismo, as quais irão possibilitar o entendimento do
desenvolvimento psicossexual do sujeito, e concomitante a isso, fornecerão subsídios
para compreender as relações que o indivíduo pode vir a estabelecer com o objeto
droga durante a sua vida (MENDONÇA, 2011; LIMA, 2014).
A partir disso, a relação supereu-droga passa a ser compreendida a partir de
outro ponto de vista:

[...] quando localizam o uso de drogas num primeiro momento como recuperação
da satisfação pulsional (diante de um excesso de regulação operado pelo supereu),
e, num segundo momento, como um recurso que busca amenizar a severidade do
supereu em sua exigência de gozo (MENDONÇA, 2011, p. 256).
464

Sendo assim, ao inserir a instância do supereu nessa discussão, é necessário fazer


uma breve descrição sobre seu conceito e sua estruturação. A sociedade, assim como
a cultura que a rege, é atravessada por códigos morais e regras que foram sendo intro-
duzidas com o passar dos anos e das particularidades de cada época. Nesse contexto, o
sujeito incorpora essas leis e regras morais por meio da função paterna, consequência
de sua saída do Complexo de Édipo (DOR, 1989). O fim dessa experiência inaugura
a inserção gradual da função paterna na relação da criança com sua mãe,ou seja, o pai
simbólico impõe limites a essa interação e propicia a entrada da criança no Complexo
da Castração. Essa só é possível, porque a criança, interditada pelo pai, é submetida
à lei da proibição do incesto e, como resultado, ela é inconscientemente marcada

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pelo sentimento de culpa:

Claramente, a repressão do complexo de Édipo não foi tarefa simples. Como os


pais, em especial o pai, foram percebidos como obstáculos à realização dos desejos
edípicos, o Eu infantil fortificou-se para essa obra de repressão, estabelecendo
o mesmo obstáculo dentro de si. Em certa medida tomou emprestada ao pai a
força para isso, e esse empréstimo é um ato pleno de consequências. O Super-eu
conservará o caráter do pai, e quanto mais forte foi o complexo de Édipo tanto
mais rapidamente (sob influência de autoridade, ensino religioso, escola, leituras)
ocorreu sua repressão, tanto mais severamente o Super-eu terá domínio sobre
o Eu como consciência moral, talvez como inconsciente sentimento de culpa
(FREUD, 2011, p. 43).

Esse processo de interdição que origina a instância do supereu – “advogado


do mundo interior, do Id” (FREUD, 2011, p. 45) –, inaugura também o sujeito do
inconsciente, aquele que deseja. Esse sujeito, ao se deparar com a falta e com sua
existência para além da relação mãe-bebê, insere-se no contexto de necessitar dese-
jar (DOR, 1989). No entanto, para quem abusa do objeto droga, necessitar desejar é
deparar-se com a falta, com a insatisfação e com as tensões da vida – frente a isso, o
seu movimento é de esquiva, e nesse ponto, a relação com a droga é uma forma de
silenciar esse conflito:

A droga, quando se torna objeto da necessidade, mascara ou substitui o desejo


inconsciente, que fica mais desconhecido do que nunca, ao se disfarçar como
uma exigência do organismo. A substância assume, assim, o caráter de um objeto
insubstituível, de valor absoluto, tornando-se objeto causa do gozo e não do desejo
(OLIVEIRA, 2010, p. 248).

Ainda sobre esse contexto, Lacan alerta que o valor de uso de um objeto pode
não condizer com seu valor de gozo (ALVAREZ, 2005 apud LISITA; ROSA, 2013).
A partir dessa afirmação é possível pensar sobre o descrito em O princípio do prazer,
onde Freud postula que o organismo visa sempre evitar tensões e para isso, recorre
aos mecanismos já conhecidos como causadores de prazer. No entanto, notou-se
depois que, em casos específicos, o indivíduo não recorre aos mecanismos de puro
prazer, mas sim a mecanismos que deixam ônus ao organismo, como é o caso do
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abuso da droga. Assim, com o advento da repetição, a compulsão quando instalada


tem o intuito de resgatar a primeira experiência prazerosa vivenciada pelo sujeito nos
seus primeiros anos de vida, porém, não advertido da impossibilidade desse alcance,
a compulsão ao gozo se instaura (LISITA; ROSA, 2013; MACEDO; DOCKHORN;
KEGLER, 2014). Nesse ponto crítico da relação do sujeito com o objeto droga, é
possível se pensar no sintoma social contemporâneo: a toxicomania

O abuso de drogas na toxicomania


As substâncias consideradas tóxicas pelos gregos eram chamadas de “phárma-
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kon”, pois tinham a potência de ser usadas para curar, para remediar e para envenenar,
todos ao mesmo tempo, a depender de sua dosagem (OLIVEIRA, 2010). No contexto
contemporâneo psicanalítico, “toxicomania refere-se a uma modalidade de ligação
tóxica com o objeto droga” (DOCKHORN; MACEDO; RIBAS, 2014). Por conta
disso, a psicanálise atenta-se não só para o objeto em questão, mas para a relação
tóxica que o sujeito elegeu para lidar com o objeto droga, a qual se desvencilha da
rota do desejo e torna-se uma necessidade (DOCKHORN; MACEDO; RIBAS, 2014).
É extremamente importante reconhecer que quando se trata da toxicomania
dois fatores têm de ser levados em consideração: a dependência de nível orgânico
e a dependência de nível psicológico. Isso se deve ao número incontável de vezes
que o sujeito enfrenta os procedimentos de desintoxicação e abstinência. Se apenas
a dependência de nível orgânico fosse suficiente para abarcar a complexidade desse
processo, esses procedimentos citados cessariam a dependência às drogas, quando
desejada (VIANNA, 2014). No entanto, as pesquisas teóricas psicanalíticas não
convergem para esse fato.
Sylvie Le Poulichet faz um estudo relacionando os tipos de toxicomania com o
mito “A farmácia de Platão”. Nessa perspectiva, ela informa dois caminhos os quais
os toxicômanos podem trilhar com o objeto droga ao seu dispor. Um segue a lógica
do suplemento e o outro a lógica da suplência, sendo ambos suscetíveis à mudanças.
O abuso que segue a lógica do suplemento tem o intuito de suprir uma falta, preen-
cher, além disso, essa relação com o objeto fornece ao psiquismo mecanismos para
evitar lidar com a castração, ou seja, para não lidar com as dores de existir. Já a lógica
da suplência aponta para uma relação mais devastadora da droga com a psique, pois
suplência implica necessariamente em substituição. Nessa relação, o sujeito tem seu
psiquismo silenciado, suas formações inconscientes e sua capacidade de simboli-
zação inativos – assim, para lidar com a realidade, ele não tem outra escolha a não
ser consumir compulsivamente a droga. Essa última lógica visa a autoconservação
básica (DOCKHORN; MACEDO; RIBAS, 2014).
Nesses tipos de relações, a compulsão à substância droga está estabelecida. Sendo
assim, é indispensável entender o engendramento do supereu com a pulsão de morte –
“essa compulsão leva o sujeito a se colocar repetitivamente em situações dolorosas,
réplicas de experiências antigas” (ROUDINESCO; PLON, 1998, p. 631). A instaura-
ção do supereu, que se dá por meio da função paterna, aquela que barra a criança da
466

sua relação com a mãe e suscita inconscientemente no sujeito o sentimento de culpa,


advém da fantasia do incesto. A culpa tem lugar privilegiado nesse processo, porque
é por meio dela que o mecanismo do masoquismo vai ser delineado, momento em
que ocorre a reversão da pulsão: “quando o sofrimento e o desprazer são tidos como
objetivos e não advertências, o princípio do prazer é paralisado” (FREUD, 1924, p.
95 apud VIANNA, 2014).

Embora a ingestão da droga propicie um efeito imediato de prazer, a compulsão


que deriva do seu uso contínuo produz sofrimento, pois aprisiona o sujeito a um
modo de satisfação libidinal exclusivamente através da droga. Este aprisionamento
remete a outra modalidade de obtenção de prazer regulada pelo regime do gozo.

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Neste circuito, só o recurso solitário da droga satisfaz. Com isso, o sujeito passa
a não reconhecer outras formas de busca de prazer. Aqui nos deparamos com o
paradoxo das promessas da droga: embora o consumo da substância garanta de
imediato o alívio do sofrimento psíquico, quando a pulsão destrutiva fala mais
alto a compulsão pela droga se instaura. De alívio da angústia a função do uso da
droga sob o regime do gozo se reverte para uma busca de satisfação masoquista
no sofrimento (VIANNA, 2014, p. 3).

É importante citar que Lacan, então, postula que a toxicomania é uma tentativa
do sujeito de retornar ao estado de unicidade com a mãe, momento em que, por meio
da amamentação, o sujeito ainda não se via frente à subordinada falta e, portanto, não
se constituía como sujeito do inconsciente. Assim, “Lacan defendeu que o recurso à
droga pode ser entendido como busca de unidade através de um complemento ima-
ginário” (OLIVEIRA, 2010, p. 243).
Além disso, Lacan adotou um conceito no qual inclui as drogas: os gadgets –
invenções científicas, com pouca utilidade, mas que proporcionam uma rápida distra-
ção para quem usa, fingindo satisfazer a pulsão (OLIVEIRA, 2010; SHIMOGUIRI;
COSTA; BENELLI; COSTA- ROSA, 2019).

Sendo assim, o ato toxicomaníaco constitui-se num fenômeno de busca de uma


ruptura fundamental com o gozo decorrente da parceria estrutural para todo neu-
rótico – a parceria fálica. O essencial dessa última definição lacaniana a respeito
da toxicomania, portanto, é a tese de que o casamento com a droga viria substituir
o casamento com o atributo fálico, criando uma nova forma de gozo que rompe
com o gozo tradicional, sexual ou fálico, subordinando-o a um gozo durante
Outro, fora do simbólico, pois, é da ordem do real e não gira em torno do falo
(OLIVEIRA, 2010, 245).

Sendo assim, o sujeito reduz seus recursos para lidar com a vida na mesma
proporção que, então, reduz a sua própria vida. Pois, se a aliança entre supereu e
pulsão de morte induz no sujeito um desejo de eliminar tensões, é relevante con-
siderar que essa é uma ação de “reconduzir o que está vivo ao estado inorgânico”
(ROUDINESCO; PLON, 1998). Além disso, com o silêncio de seu inconsciente e
com a limitação de sua capacidade de simbolizar suas angústias, a compulsão ao
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 467

recurso da droga “enfatiza que o toxicômano realiza um fazer em detrimento do


dizer” (INEM, 2004 apud VIANNA, 2014, p. 3).
Portanto, se dizer toxicômano implica, então, admitir uma posição de falsa
independência do mundo externo paralelamente à ideia de autossuficiência com a
droga. O sujeito nessa relação já não projeta desejos e necessidades para seu exterior
e, sendo assim, não recorre a outras formas de aliviar as tensões causadas pela cul-
tura como o trabalho ou estudo, o laço social, a arte, a religião, o amor etc. Esse fato
deve-se ao silêncio do inconsciente, causado pela adição problemática aos tóxicos.
Essa forma de amortecer a potencialidade das formações psíquicas se origina no pro-
cesso de falência da capacidade simbólica do sujeito. Para isso, o supereu a serviço
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da pulsão de morte coordena esse estado paradoxal de “nada a ser ou tudo a ser com
a droga” (VIANNA, 2014).

Considerações finais
Discorrer e refletir sobre o tema do abuso de drogas e da toxicomania, implica
também envolver o fator sociedade, pois “a realidade psíquica é de consistência
moebiana: é social e histórica, subjetiva e inconsciente, estrutural e singular” (SHI-
MOGUIRI; COSTA; BENELLI; COSTA-ROSA, 2019, p. 2). Ou seja, é imprescin-
dível considerar a história de vida do sujeito, desde sua infância até o momento no
qual se encontra e essa investigação deve englobar a sua união com o objeto droga,
o contexto de uso e fatores psicossociais que o atravessam. Sem essas considerações
aliadas à compreensão psíquica do sujeito, torna-se difícil a delimitação do tipo de
relação subjetiva que ele pode vir a estabelecer ou já estabelece com a droga. Essa
dependência à droga aponta para a fragilidade do ser humano e para seu desejo
deevitar as tensões. O sofrer faz parte da vida e nenhum sujeito consegue livrar-se
completamente dessa condição. Como retoma Freud, as adversidades do existir podem
surgir do próprio corpo, do mundo externo e das relações com os outros.
Assim, mesmo envolto na fragilidade e de frente para essas potenciais ameaças,
o ser humano, como já citado, também desenvolve formas de escapar ou suportar todo
esse conflito. Essa afirmação corrobora com a ideia de Freud de que viver a realidade
sempre produz um nível de angústia considerável, então, o sujeito forja sua fuga da
realidade para se reestruturar e liberar suas tensões (CÂMARA, 2012). No entanto,
o discernimento que se faz necessário nesses momentos é saber como intermediar a
subjetividade com a realidade para evitar escolhas problemáticas e de difícil reversão.
Portanto, acredita-se que durante a vida, o sujeito remodela seu psiquismo a ponto de
evoluir suas habilidades de sentir tanto o prazer quanto o desprazer. Faz-se a aposta,
portanto, na desconstrução dos mecanismos infantis, os quais reconduzem o sujeito
a formatos arcaicos de enfrentamento e muitas vezes revelam-se pouco eficazes para
ser reutilizados na fase adulta.
Ressalvas sobre essa incapacidade de criar novos mecanismos para lidar com
a vida e sua complexidade cabem, significativamente, à psicanálise. Retomar a prer-
rogativa de que a capacidade de simbolização do sujeito é comumente silenciada
468

junto ao recurso à droga é, sobretudo, relembrar que essa capacidade perdida pode
igualmente ser recuperada. A psicanálise acredita na potência criativa do ser humano,
tanto no que tange às formas possíveis de sentir as dores do existir quanto às formas
de dissipá-las. Sendo assim, as pesquisas teóricas e clínicas convergem para a capa-
cidade de fala do sujeito, pois atravessada por formações inconscientes, é o principal
mecanismo usado por ele mesmo para se deslocar de sua relação problemática com
a droga (SHIMOGUIRI; COSTA; BENELLI; COSTA-ROSA, 2019). “O incons-
ciente é estruturado como uma linguagem. Lacan assinala que o inconsciente não
está dentro nem fora, mas sim na própria fala do analisante, cabendo ao analista
fazer com que esse inconsciente exista” (QUINET, 1991, p. 51). Portanto, cabe à

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psicanálise proporcionar “uma escuta que não se dirija à química, mas ao sujeito”
(TOROSSIAN, 2004, p. 14).
Entretanto, para além do compromisso psicanalítico com o sujeito, sabe-se que
os serviços de saúde são pautados nos fundamentos biomédicos, e por conta disso,
devem também se ater e rever a lógica da abstinência. O processo de cuidar desse
sujeito necessita transgredir os limites que concernem ao corpo físico. O esforço para
discorrer sobre esse assunto e promover reflexões visa transparecer a relevância que
o psiquismo do sujeito tem dentro desse processo, pode-se inclusive afirmar sobre
o seu protagonismo frente ao contexto. Portanto, cabe assegurar que o cuidado, não
apenas para pessoas que abusam de drogas, mas para todas, deve ser consolidado e
guiado por meio da assistência biopsicossocial.
Outra pontuação a ser exteriorizada é que o estigma que corrobora com a ideia
de que o uso de drogas é puramente uma ação autodestrutiva e, de acordo com o
que circula no senso comum, um ato marginal e não pensado, precisa ser discutido
e compartilhado para além dos muros acadêmicos e clínicos. O estigma tem um peso
negativo na subjetividade dessas pessoas, alimenta uma ideia de incapacidade e inva-
lidez perante o laço social do qual fazem parte. Assim, essa problemática ratifica a
dificuldade de se sentirem alguém além da ótica reducionista de uma pessoa que usa
ou abusa de uma droga, fato que culmina em uma rigidez para se desvencilhar ou
expandir suas possibilidades frente à sua condição.
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 469

REFERÊNCIAS
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Psicanalítico, Rio de Janeiro, v. 46, n. 2, p. 299-314, 2014. Disponível em: http://
pepsic.bvsalud.org/pdf/tpsi/v46n2/v46n2a08.pdf. Acesso em: 16 set. 2021.
ASSÉDIO SEXUAL
NO CONTEXTO ACADÊMICO:
algumas análises reflexivas
Bruna dos Santos Sarubi
Jéssica Modinne de Souza e Silva
Larissa Azevedo Mendes
Alana Carolinne Gadelha Alves
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Jéssica Costa Veiga

Introdução
A legislação brasileira explicita que a prática do assédio sexual pode vitimizar
tanto por homens quanto de mulheres, podendo ocorrer nas relações com as mais
diversas configurações, sejam elas “homens contra mulheres, mulheres contra homens,
homens contra homens e mulheres contra mulheres” (SENADO FEDERAL, 2011,
p. 19). No entanto, em virtude da maioria de ocorrências apresentarem a mulher como
vítima e o homem como agressor, este projeto concentrará seu foco na análise desta
configuração, especialmente daquelas que se dão em ambiente acadêmico.

Participação feminina no universo acadêmico


Ao longo de décadas de lutas em busca da consolidação dos direitos das mulhe-
res, o acesso à educação é um dos que mais ganha destaque no rol dessas conquistas,
com a crescente ocupação ativa dos espaços de ensino e de qualificação por parte
da comunidade feminina nos últimos anos. Atualmente, as mulheres são maioria na
educação superior brasileira, representando 57,2% dos estudantes matriculados em
2018, como apresenta o levantamento realizado pelo Instituto Nacional de Estudo
e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). Esta porcentagem representa
8.450.755 mulheres matriculadas em universidades, faculdades, centros universitá-
rios e Institutos Federais.
De mesmo modo, o relatório “Estatísticas de Gênero: indicadores sociais das
mulheres no Brasil”, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), reitera o aumento da participação das mulheres em espaços acadêmicos,
uma vez que esse levantamento as apresenta como mais instruídas em relação aos
homens e com mais acesso ao ensino superior. Os dados informados indicam que, na
população com 25 anos ou mais, 19,4% das mulheres e 15,1% dos homens tinham
ensino superior completo em 2019, sendo a faixa etária “acima dos 65 anos” como
a única em que os homens surpassam as mulheres em grau de escolaridade, sendo
um reflexo das restrições de acesso à educação em décadas passadas. Destes dados
472

também apreendemos que 21,5% das mulheres completaram a graduação, enquanto


apenas 15,6% dos homens atingiram o mesmo feito.
Os censos também revelam que, ainda que as mulheres possuam maior grau
instrução, elas continuam sendo minoria entre os docentes universitários. Como
descrito pelo relatório do IBGE, dos 384.094 profissionais da Educação superior em
exercício, as mulheres representam 46,8% dos docentes. O mesmo relatório aponta
também que as mulheres são minoria na ocupação de cargos públicos e gerenciais
no país. Estas disparidades reforçam o entendimento de que, ainda que as mulheres
apresentem maior dedicação e interesse em obter sua qualificação profissional, os
caminhos percorridos por homens e mulheres ainda apresentam duras diferenças em

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relação às oportunidades que recebem.
As disparidades também dizem respeito quanto as áreas profissionais em que os
gêneros estão distribuídos. Em cursos de graduação, a presença de homens é maciça
entre as áreas ligadas às ciências exatas, enquanto percebe-se maior ingresso de
estudantes mulheres nas áreas ligadas a cuidados e educação. Elas ocupam cerca de
71,3% das vagas nos cursos de licenciatura e 54,9% nos de bacharelado; na área da
saúde representam 72,1% dos estudantes, 92,5% nos cursos de Pedagogia, 89,9%
em Serviço Social, 84,1% em Nutrição, 83,8% em enfermagem e 78,3% em Fisio-
terapia. No curso de Psicologia elas também são maioria, correspondendo a 79,9%
dos alunos. Em contrapartida, elas correspondem somente a 13,3% dos alunos de
Computação e Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC) e 21,6% dos cursos
de Engenharia e profissões correlatas.
Como será posteriormente apresentado, a violência faz parte da triste realidade
a que as mulheres brasileiras são expostas. Em face da sua vasta participação no
ensino superior, este espaço, cujo papel é notório na construção e desenvolvimento
da sociedade civil organizada, também acaba por reproduzir as práticas de discrimi-
nação de gênero, dentre elas o assédio, as quais são herança da cultura misógina e
machista que moldaram. Deste modo, entende-se que a discussão sobre a ocorrência
de comportamento assediadores dentro dos espaços acadêmicos pode ser um caminho
para sua superação, a fim de garantir o direito a dignidade humana das estudantes
brasileiras, bem como o de assegurar o seu pleno usufruto do direito à educação. Além
do mais, compreendendo os impactos das produções acadêmicas face a realidade em
que está inserida, entende-se a necessidade de expansão da literatura produzida pela
comunidade acadêmica brasileira.

A violência de gênero

Como afirma a pesquisadora feminista Eva Alterman Blay, a violência contra as


mulheres é manchete desde o fim do século XIX e começo do XX. No Brasil, a tipifi-
cação do crime de assédio sexual restringe-se às relações trabalhistas, especialmente
focada nas ocorrências de assédio vertical, quando há diferença hierárquica entre
a vítima e o assediador. A legislação entende o assédio sexual como: “constranger
alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o
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tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 473

agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício


do emprego, cargo ou função” (BRASIL, 2011).
A violência é um fenômeno, infelizmente, impregnado no cotidiano das
mulheres brasileiras, atingindo-as em praticamente todos os ambientes que fre-
quentam. Desde o assédio moral, psicológico e sexual até o feminicídio, diferentes
dimensões da violência marcam a experiência da vida de mulheres no país, inde-
pendente de classe social, raça, idade ou orientação sexual. Esta vivência pode
ser observada nos números descritos pela 3ª edição do relatório de Vitimização
de Mulheres no Brasil, organizado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública
(FBSP) em parceria com o Instituto Datafolha, cujos dados indicam que 24,4%
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das brasileiras acima de 16 anos afirmam ter sofrido algum tipo de violência ou
agressão durante 2020.
Para se compreender a dimensão do que significam estes 24,4% são 1 em cada
4 mulheres que sofreram violência física, psicológica ou sexual só no ano de 2020.
Ainda citando o relatório do FBSP, a respeito da tomada de atitude em relação à
agressão mais grave sofrida, 44,9% relatam não terem feito nada, 35% procuraram
órgão não oficial, enquanto somente 24,7% procuraram órgão oficial. Estes dados
reforçam a compreensão de que as estatísticas a respeito da vitimização da mulher
no Brasil podem estar descrevendo números menores do que a realidade, posto que
a dificuldade de formalização de denúncia é problema fundamental na atividade de
enfrentamento às violências (D’OLIVEIRA).
Das violências relatadas no estudo acima, uma das descritas foi o assédio
sexual, cuja situação descrita seria de que, em média, 26,5 milhões de brasileiras
teriam sido vítimas de assédio sexual no país. Este tipo de violência é relatado nos
mais diversos ambientes: laborais, esportivos, hospitalares, domésticos, de trans-
porte e educacionais.
Ao analisar a bibliografia que discorre sobre a violência de gênero, percebe-se
o pioneirismo das feministas norte-americanas nesta discussão. O termo “violência
de gênero” foi cunhado enquanto termo jurídico pela primeira vez em 1979 pela
advogada feminista Catherine MacKinnon, que inseriu o termo na doutrina legal
estado-unidense como forma de discriminação sexual, tratando da prática em ambiente
laboral. No ano de 1986, a Suprema Corte dos Estados Unidos acolhe a teoria de
MacKinnon e decide que o assédio viola o Título VII do Civil Rights Act de 1964,
que proíbe a discriminação no mundo do trabalho com base em raça, cor, religião,
sexo e origem nacional. (TAVARES E LOIS, 2016)

A violência de gênero no contexto acadêmico brasileiro

Ratificando a existência do assédio dentro dos ambientes acadêmicos, a pesquisa


“Violência contra a Mulher no Ambiente Universitário”, realizada em 2015 pelo
Instituto Avon em conjunto como o Data Popular, revela que 10% das estudantes
entrevistadas, relatam ter sofrido violência de um homem na universidade ou em
festas acadêmicas. Contudo, quando estimuladas com uma lista de violências, 67%
474

reconhecem ter sido submetida a muitas das violências listadas. Outrossim, a pesquisa
também reitera o impacto da violência de gênero sobre a formação feminina quando
revela o medo das mulheres dentro do espaço universitário, apontando que 42%
das alunas já sentiram medo de sofrer violência no ambiente universitário e 36% já
deixaram de fazer alguma atividade por medo de sofrer violência.
Este mesmo estudo também questionou os homens quanto a sua percepção
da temática, e os dados levantados evidenciam que os estudantes homens ainda
não reconhecem várias formas de violência, acabando por naturalizá-las. Espon-
taneamente, 2% da amostra masculina admitiram ter cometido algum tipo de
violência contra mulheres em festas universitárias, todavia, o número sobe para

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38% quando defrontados com uma lista de violências. Ainda, 27% não conside-
ram como violência submeter estudantes a atividades degradantes como desfiles e
leilões, e 31% não consideram violência repassar fotos e vídeos sem autorização
da pessoa fotografada.
O tema da violência de gênero nas universidades passou a receber a devida
atenção da esfera pública nos últimos anos, tendo como exemplo a Comissão Par-
lamentar de Inquérito (CPI) que ficou nacionalmente conhecida como a “CPI dos
trotes”. Em 2014, a Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) organizou a CPI a
fim de investigar violações de Direitos Humanos e demais ilegalidades ocorridas em
universidades paulistas da capital e do interior, como nos chamados “trotes”, festas
e no cotidiano acadêmico. O relatório levantado pela comissão confirma a mani-
festação, espantosa em quantidade, de vários tipos de violações contra os Direitos
Humanos no contexto das relações das universidades paulistas, dentre elas a maior
universidade pública do país, a Universidade de São Paulo (USP). Os trabalhos da
CPI identificaram a ocorrência de crimes sexuais, em sua forma consumada e tentada,
assim como torturas físicas e psíquicas, assédio moral, abuso de poder, discriminação
racial, econômica, social e sexual, lesões corporais etc.
Neste mesmo trabalho, a comissão reunida pela Alesp também destaca a omis-
são por parte das universidades na apuração de denúncias, bem como a participação
dos centros acadêmicos, atléticas e baterias na promoção indireta das violências
relatadas, em especial no que diz respeito aos fatos ocorridos durante os trotes. O
relatório reconhece a responsabilidade das universidades perante as violações dos
direitos humanos ocorridas em seu contexto, especialmente diante da violação do
direito das mulheres de viver livre de violência. A respeito disso, destaca-se o direito
de não sofrer violência institucional, que ocorre quando uma instituição se omite no
enfrentamento, ou provoca a violência, direito esse garantido pela Organização das
Nações Unidas (ONU).
Além do mais, a responsabilização das universidades brasileiras diante dos epi-
sódios de violência institucional, bem como de outras que ocorram em seu contexto,
está amparada também nos termos da Convenção de Belém do Pará, do qual o Brasil
é signatário. Ao assinar a convenção, o país “assumiu o compromisso de proporcionar
às mulheres uma vida livre de violência e a obrigação de prevenir, punir e erradicar
a violência contra as mulheres” (MAÍTO et al., 2019).
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Metodologia

Parte deste estudo será investido na revisão de bibliografia, objetivando com-


preender a dimensão do conhecimento já levantado acerca do panorama do assédio
sexual no Brasil e a incidência, em particular, no ensino superior. Serão analisadas
monografias acadêmicas, artigos científicos, reportagens e livros que discorram sobre
o tema em questão. Entende-se que a revisão de literatura seja pré-requisito essencial
para realização e desenvolvimento de qualquer pesquisa, no entanto faz-se necessário
a utilização deste método para identificar a proporção do acervo de produção científica
relativa aos objetivos deste estudo.
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Sobre necessidade da revisão de literatura, Moreira (2004) argumenta que esta


ferramenta é capaz de contextualizar o leitor, bem como o próprio pesquisador,
acerca dos avanços e retrocessos do tema estudado. A revisão, segundo o autor,
pode auxiliar também quanto a elucidação da extensão e significância do problema
que se maneja, além de apontar e discutir possíveis soluções para problemas simi-
lares, uma vez que oferece o olhar de metodologias que têm sido utilizadas, ou que
podem vir a ser, para solucionar o problema observado. Ainda, que o levantamento
descrito possa oferecer informações capazes de elucidar o fenômeno do assédio
no contexto da UFPA, abrindo caminho para o desenvolvimento de ações que
visem a sua prevenção e superação, bem como a garantia dos Direitos Humanos
à comunidade acadêmica.

UFPA e assédio sexual

Com base no exposto, entende-se a violência como um fenômeno frequente


no dia a dia das mulheres brasileiras, inclusive em ambientes que se idealiza uma
postura respeitosa e voltada para o desenvolvimento intelectual e profissional,
tais como as instituições de ensino superior. Estima-se que 1 em cada 4 mulheres
acima de 16 anos tenham sofrido algum tipo de violência no país no ano de 2020.
Durante este mesmo período, em média, 26,5 milhões de brasileiras teriam sido
vítimas de assédio sexual. Este tipo de violência é relatado nos mais diversos
ambientes: laborais, esportivos, hospitalares, domésticos, de transporte e edu-
cacionais (FBSP, 2021).
O contexto acadêmico não se faz exceção neste cenário de violência. Ainda que
frequente, a sua ocorrência ainda é pouco descrita pela própria comunidade científica
brasileira. Um dos poucos levantamentos a respeito da problemática foi realizado
pelo Instituto Avon em parceria com o Data Popular, em 2015. O estudo em questão
aponta que 67% das alunas brasileiras tenham sofrido algum tipo de violência sexual
dentro do contexto das relações acadêmicas no Brasil. Ainda, os dados apontam que
42% das alunas já sentiram medo de sofrer violência no ambiente universitário e 36%
já deixaram de fazer alguma atividade por medo de sofrer violência. Deste modo, já
é possível observar os impactos da violência de gênero, em especial a sexual, sobre a
vida das estudantes brasileiras.
476

A Universidade Federal do Pará, destaque entre as principais instituições bra-


sileiras de ensino superior no cenário mundial1, não foge a essa triste estatística de
casos de violência sexual dentro de seus campi. Dois casos oficiais ganharam destaque
na mídia: em 2016, uma aluna denunciou à ouvidoria ter sofrido ameaça de estupro
por parte de um grupo de operários que trabalhava no campus Guamá. O segundo diz
respeito ao afastamento e abertura de processo administrativo contra um professor
do curso de geografia da instituição, em 2018, em decorrência de denúncias de abuso
sexual a duas alunas, também do campus Guamá. Os casos ganharam repercussão nas
redes e entre a comunidade acadêmica, revelando a perversidade a que as mulheres
estão expostas mesmo em um ambiente que deveria ser de desenvolvimento pessoal e

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social. No entanto, é preciso chamar atenção para que estes casos não sejam os únicos.
Neste sentido, ainda que o fenômeno do assédio sexual seja um fato concreto
e conhecido no meio universitário, o número de denúncias formalizadas pode não
corresponder à realidade uma vez que o silêncio das vítimas é ainda mais marcante
nesse contexto. O relatório do Instituo Avon indica que 63% das vítimas admitem
não ter reagido quando sofreram a violência. As razões para tal fato podem ser as
mais diversas, dentre elas o medo de reprovação, de retaliação, de perseguição, de
incredibilidade, de ser estigmatizada pelo que lhe aconteceu e que a denúncia a impeça
de progredir dentro dos programas da universidade, ou do próprio conhecimento do
protocolo institucional diante da situação, entre outras coisas mais.
Tendo em vista a predominância feminina dos espaços de ensino superior brasi-
leiros, correspondendo à 57,2% dos estudantes matriculados (INEP, 2018), o cenário
de violência a que estão expostas representa um obstáculo ao pleno gozo de seus
direitos e princípios relativos à liberdade, integridade e dignidade arduamente con-
quistados. A asseguração de tais direitos encontra-se consagrada em instrumentos
internacionais dos quais o Brasil é signatário, dentre os quais temos: a Declaração
Universal dos Direitos Humanos; o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e
Políticos; o Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais;
a Convenção contra a Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos
ou Degradantes; e, por fim, a Declaração sobre a eliminação de Todas as Formas de
Violências contra as Mulheres.

Considerações finais
Concluindo, a bibliografia é enfática ao dispor sobre a repercussão do assédio
sobre a vida psíquica da pessoa vítima de assédio sexual. Conforme afirma a pes-
quisadora Wânia Pasinato (2021), a experiência da violência afeta a saúde física
e mental das vítimas, em consequências últimas podendo levar até a morte, sendo
que, ao se darem nas instituições de ensino, podem inibir seu desenvolvimento

1 ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO INSTITUCIONAL DA UFPA. Rankings internacionais do ensino


superior destacam a atuação da UFPA. Portal UFPA, 2021. Disponível em: https://portal.ufpa.br/index.
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EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 477

intelectual, as impelindo para fora da vida acadêmica e, em muitos casos, também


afetando seu desenvolvimento profissional, além de comprometer seus relaciona-
mentos na vida íntima e social.
Dessa maneira e sob tal complexidade, entende-se a necessidade de apresentar
um estudo sobre as manifestações de assédio e violência de gênero dentro do espaço
universitário da Universidade Federal do Pará, retratando esta realidade no ambiente
acadêmico e, ainda, posteriormente propor caminhos de enfrentamento, responsa-
bilização dos culpados e acolhimento das vítimas, com embasamento advindo dos
estudos realizados durante a pesquisa, ressaltando o papel que a Psicologia pode
oferecer neste processo tão necessário de proteção ao direitos das mulheres brasilei-
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ras, em especial no que diz respeito ao desenvolvimento de políticas e medidas para


prevenção e superação da violência contra a mulher.
478

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ESTRATÉGIAS DE ENFRENTAMENTO
UTILIZADAS POR ACADÊMICOS DE
PSICOLOGIA NO ENSINO REMOTO
EM TEMPOS DE PANDEMIA1
Joana Maria Veiga de Lima2
Milene Maria Xavier Veloso3
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Considerações iniciais
A covid-19, causada pelo vírus SARS-CoV2, se expandiu em forma de pan-
demia e assola o mundo até os dias atuais. O primeiro caso do novo coronavírus foi
identificado em Wuhan, cidade localizada na China e capital da província de Hubei,
no ano 2019. Em março de 2020, a Organização Mundial de Saúde (OMS) decretou
a pandemia pela alta capacidade de contaminação viral e velocidade com que houve
a propagação da referida enfermidade (WHO, 2021).
Apesar da inadequada coordenação da crise sanitária por parte do Ministério
da Saúde brasileiro, foram implementadas nos Estados e municípios medidas de
prevenção como o chamado distanciamento social/físico, como forma de evitar a
disseminação do vírus. Nesse sentido, o isolamento social, dentre outras medidas,
obrigou as instituições de ensino, a se adaptarem ao contexto de pandemia e imple-
mentar o Ensino Remoto (ER). A adesão a um ensino de caráter online afetou toda
a população acadêmica, tanto as pessoas que atuam diretamente nas entidades edu-
cacionais, como a comunidade que é beneficiada por elas.
No Brasil ocorreu a suspensão das aulas presenciais nas universidades frente
à pandemia a partir de março de 2020 e as atividades retornaram de forma remota.
Diante desse cenário social e necessidade de flexibilidade, programas de inclusão
foram criados, avaliados e aprovados, com a finalidade de incluir e auxiliar discentes
que se encontram em situação de vulnerabilidade econômica.
A partir do contexto pandêmico, emergiram, novos significados e formas de
lidar com as vivências do cotidiano. No que se refere às demandas originadas pela
pandemia da covid-19, principalmente na saúde mental mundial, o profissional da
psicologia se torna um dos mais requisitados nesse período, o que aponta para a impor-
tância desses profissionais no contexto posterior à situação emergencial e por muitos
anos à frente (GONG; LI; WANG, 2021). É importante reconhecer as perspectivas e

1 Capítulo de livro derivado de Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) com o mesmo título.
2 Universidade Federal do Pará – (UFPA), Belém – Pará – Brasil. Graduanda de Psicologia. ORCID: https://
orcid.org/0000-0001-8254-9803. E-mail: joanamlima2020@gmail.com
3 Universidade Federal do Pará – (UFPA), Belém – Pará – Brasil. Docente Associada III da UFPA. Doutora
em Psicologia (UFPA). ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1035-8968. E-mail: mveloso@ufpa.br
482

estratégias de enfrentamento dos discentes que concluirão o curso no contexto atual,


com a finalidade de compreender de que forma o ER pode afetar o futuro da atuação
de profissionais da psicologia no pós-pandemia.
Yang, Chen e Chen (2021) descreveram alguns estressores que afetaram os
universitários durante a pandemia: carga de estudos e tarefas, separação da insti-
tuição de estudo e medo de contágio. Nesse sentido, Liu et al. (2020) sugeriram
que a pandemia demanda flexibilidade e proatividade das universidades, com o
objetivo de diminuir as barreiras entre o corpo docente e seus estudantes. Cabe
mencionar que o Ensino a Distância (EaD) é um tipo de ensino que possui um
material pré-produzido, sem contato entre professor e aluno, dessa forma, as aulas

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são transmitidas por rádio, televisão ou internet, nos ambientes virtuais de ensino.
Todavia, apesar de serem usados como sinônimos, o Ensino Remoto é uma mudança
temporária emergencial devido circunstância de crise, assim, há a abordagem de
ensino totalmente remota de instruções ou conteúdos que seriam ministrados pre-
sencialmente (PAIVA, 2020).
As atitudes dos indivíduos perante situações aversivas e dificuldades podem
ser consideradas como estratégias de enfrentamento, as quais podem ser utilizadas
em diversas áreas da vida, especialmente no contexto atual. Gudim et al. (2021)
identificam que a pandemia trouxe sofrimento mental aos discentes causado pela
quebra de rotina acadêmica, afastamento social, preocupação com atividades, atrasos
na graduação, interrupção de práticas e estágios, preocupação com acesso à internet
e dificuldades de adaptação ao ER.
Além dos impactos individuais, as demandas procedentes do contexto de emer-
gência, em especial o ensino online, trouxeram consequências coletivas. Houve o
crescimento e fortalecimento da desigualdade (KAPASIA et al., 2020; PRATA-LI-
NHARES et al., 2020; TEJEDOR et al., 2020), intensificação da falta de infraes-
trutura (SAHU, 2020), insuficiência de material, problemas de comunicação e
descontentamento com a didática dos docentes (ARICI, 2020; TASSO; SAHIN;
SAN ROMAN, 2021).
Nos trabalhos de Folkman e Lazarus (1980), as estratégias de enfretamento –
ou coping mechanisms – são conceituadas como esforços ou tentativas cognitivas
e comportamentais de reduzir, tolerar ou dominar determinadas demandas externas
ou internas. Os autores classificam dois tipos de estratégias de enfrentamento: foco
no problema e foco na emoção. No primeiro, os esforços são direcionados para a
resolução do problema, escolha de decisões importantes e/ou ações diretas, enquanto
no segundo, as tentativas são para conter as emoções, de modo alterar o significado
de certa situação, sem de fato mudá-las. Portanto, é plausível de conclusão que as
estratégias de enfrentamento envolvem pensamentos, emoções e comportamentos.
O presente capítulo objetivou descrever as estratégias de enfrentamento utili-
zadas por discentes de psicologia da Universidade Federal do Pará (UFPA), dos 9º e
10º semestres, em relação à adesão ao ER, caracterizando as dificuldades, impactos
e a perspectiva dos discentes sobre as mudanças na atuação do psicólogo oriundas
da pandemia.
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 483

Percurso metodológico
Trata-se de uma pesquisa de abordagem qualitativa de caráter exploratório,
que tem a finalidade de proporcionar uma visão geral sobre determinado fato, bem
como de desenvolver ou modificar certos conceitos e ideias de acordo com a reali-
dade vigente (GIL, 2008). A coleta de dados foi realizada através de um questionário
composto por perguntas abertas, para que os estudantes formulassem sua resposta
livremente, bem como perguntas fechadas, com alternativas de múltipla escolha. O
instrumento foi aplicado através do Google Forms. Cabe destacar que Gil (2008)
conceitua o questionário como uma técnica de investigação constituída por questões
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que visam obter variadas informações sobre determinado assunto. Assim, possibilita
atingir grande número de pessoas, flexibilidade e segurança quanto ao anonimato.
Os discentes foram convidados a participar do estudo por E-mail, disponibili-
zado pela Faculdade de Psicologia, mas também foi realizada a divulgação da pes-
quisa por meio das redes sociais. O formato online de coleta de dados e divulgação
permitiu atingir um maior número de estudantes da uma forma mais ágil. Optou-se
por acadêmicos dos 9º e 10º semestres por terem sido matriculados em disciplinas
que marcam a conclusão do curso e foram ministradas de forma remota, estando mais
perto da atuação e mercado de trabalho.
Os dados obtidos foram analisados utilizando a metodologia de análise de con-
teúdo de Bardin (1977), com foco na análise temática. Os resultados obtidos passaram
pré-análise, momento em que foram explorados e lidos em um primeiro contato, em
seguida, o material foi agregado em categorias que se mostraram recorrentes, para
enfim serem tratados e interpretados de acordo com os recortes temáticos escolhidos
para a pesquisa. Os tópicos analisados foram a eficiência do ensino remoto, os impac-
tos na rotina, os impactos na saúde mental, os impactos no desempenho acadêmico,
a perspectiva dos discentes sobre mudanças na atuação profissional oriundas da
pandemia e o uso de estratégias de enfrentamento.
A presente pesquisa seguiu a Resolução nº 466, de 12 de dezembro de 2012,
do Conselho Nacional de Saúde – CNS (BRASIL, 2012) e após envio ao Comitê de
Ética e Pesquisa através da Plataforma Brasil, o projeto foi aprovado com o CAAE
52732621.0.0000.0018. Obteve-se 30 respostas de discentes matriculados no curso
de Psicologia da UFPA. Desses trinta (30) respondentes, oito (8) são de semestres
diferentes do que foi requerido (9º e 10º), portanto, apenas vinte e dois (22) partici-
pantes foram consideradas para a análise. Desse total, 21 (95,4%) participantes se
encontravam no 10º semestre, enquanto apenas 1 (4,6%) estava matriculado no 9º
semestre, além disso, todos aderiram ao ensino remoto (ER).

Principais resultados

Eficiência do Ensino Remoto

Nessa categoria as respostas estiveram voltadas para uma necessidade de


um planejamento que envolvesse as demandas dos alunos e uma padronização na
484

metodologia utilizada, além de capacitação e treinamento sobre internet e o ensino


à distância para os professores como base fundamental.

Primeiramente, acho que o ensino remoto deveria ter sido planejado, pois nós
sabemos que não houve planejamento algum. O que tivemos foi uma transposição
de um modelo (o presencial) para outro (o remoto), sem estudos sobre o impacto
disso na comunidade acadêmica. Para funcionar de verdade, o ensino virtual deve
ser estruturado e pensado por uma equipe multiprofissional e que considerem
também as experiências (objetivas e subjetivas) dos alunos! (Participante 5).

Acredito que a universidade poderia ter passado algum curso para os professores

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sobre ensino EAD, já que não é simplesmente utilizar as mesmas didáticas da
aula presencial (Participante 16).

Disponibilizaria mais internet e aparelhos para os alunos de baixa renda, muitos,


como eu, não conseguem acompanhar as aulas por deficiências nesses quesitos
(Participante 17).

Adesão ao Ensino Remoto e os impactos na rotina

Considerando os pontos positivos, houve uma concentração no tema de ajuste de


tempo, em que os discentes relataram que puderam conciliar as aulas, principalmente
as gravadas, com outras atividades e a moradia em outros locais, apesar das dificul-
dades e puderem dar continuidade ao curso. Também, os custos com deslocamento
e alimentação diminuíram.

No início da pandemia, eu tive que ir embora de Belém, e com a crise, não tenho
mais como pagar meu aluguel, então o ensino remoto foi essencial para que eu
conseguisse me formar, mesmo morando em outra cidade (Participante 2).

Fim de gastos com transporte para a universidade e alimentação fora de casa, fim


do tempo de deslocamento (que era muito longo pois moro em cidade diferente
do campus). Não ter que acordar de madrugada pra conseguir estar na UFPA na
primeira aula, às 7:30, melhorou meu humor (eu me entediava constantemente por
falta de uma boa noite de sono) e minha disposição durante o dia (Participante 5).

Facilidade de acompanhar aulas e projetos de pesquisa que no ensino presencial


seria impossível de acompanhar (Participante 12).
Dos pontos negativos foram citados a falta de sociabilidade, cansaço e estresse
como fatores principais de desmotivação e ansiedade. Ademais, falta de estrutura
física e de um ambiente adequado para estudos, assim como os problemas de internet
e conexão são tópicos desfavoráveis para os estudantes.

Não consegui absorver o conteúdo, problemas de conexão interromperam algu-


mas aulas, me senti desmotivado em voltar às aulas, não prestava atenção na
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 485

aula e ficava em redes sociais por não me envolver na aula, vontade de desistir
de assistir por cansaço mental. (Participante 7).

Os horários das aulas ficaram muito desorganizados, espalhados nos dois turnos.
Cansaço pelo excesso de atividades. Estresse com trabalhos em equipe. Dificul-
dade em conseguir estágios pelos horários das aulas (Participante 8).

Os negativos acredito que estejam muito relacionados a dificuldade de me concen-


trar com aulas online, a parte prática que basicamente não tivemos e esse empur-
rão de 3 semestres letivos em um ano, sem de fato ter férias (Participante 16).
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Adesão ao Ensino Remoto e os impactos na saúde mental

Dentre os pontos positivos citados, destaca-se a possibilidade de continuar o


curso e a possibilidade de conhecer novas ferramentas de ensino.

O ponto positivo do ensino remoto foi que eu me familiarizei mais com as ferra-
mentas de ensino pela internet. Hoje em dia eu vejo que fazer cursos online por
exemplo é uma forma bem prática de estudar (Participante 6).

Não ter parado a graduação (Participante 14).

De forma positiva ao oferecer a possibilidade de não parar o curso, mesmo com


as limitações pude ter contato com os conteúdos que contribuíram com o meu
aprendizado (Participante 15).

Nos pontos negativos, há a evidência do aumento de ansiedade, estresse, cansaço


e desmotivação em diversos aspectos, principalmente em afazeres relacionados ao ER.

Estresse, humor deprimido, sentimento de culpa, sentimento de incapacidade,


baixa estima, ansiedade (Participante 8).

Sensação de distanciamento na universidade desencadeando falta de motivação


e ansiedade devido à baixa produtividade (Participante 10).

Apenas negativos como ansiedade e angústia e também o fato de não estar sempre
bem para assistir as aulas, ao considerar o contexto pandêmico, e mesmo assim
ter que assistir e fazer as atividades assíncronas (Participante 18).

Adesão ao Ensino Remoto e os impactos no desempenho acadêmico

Os pontos positivos convergiram na flexibilidade de tempo desse método


de ensino.

Assistir aula fora do horário (Participante 1).


486

Às vezes sinto que melhorou em alguns casos pois eu tenho mais tempo pra fazer
as atividades (Participante 6).

Flexibilidade de horário (Participante 15).

Os pontos negativos agregaram-se no tema da desmotivação por motivos varia-


dos, como a queda da qualidade do conteúdo, problemas de internet e os impactos
da pandemia no geral.

No início do ensino remoto tive muita dificuldade no aprendizado. Inclusive lar-


guei algumas disciplinas (Participante 14).

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Sempre fui uma aluna assídua e pontual nos estudos e com bom desempenho
acadêmico e durante o período remoto não assisti todas as aulas, empurrei muita
coisa com a barriga e diminuí meu ritmo de estudos (Participante 18).

0 motivação para estudar, facilmente podia tirar tudo da internet e colar a prova,
postergação (Participante 21).

Mudanças na atuação profissional do psicólogo

Os participantes caracterizam as alterações na forma de atendimento, como o


crescimento do atendimento de forma virtual, aumento do uso das redes sociais e
teorias. Também, houve citações de possibilidades de novas demandas e as lacunas
na formação deixadas pela conjuntura mundial pandêmica.

Acho que o atendimento online será mais requisitado que antes, ainda assim
o presencial permanecerá predominante. Os profissionais que não tiverem a
oportunidade de atendimento presencial na faculdade serão prejudicados (Par-
ticipante 2).

Sim, de forma negativa. Com certeza o aproveitamento do curso está sendo bem
menos efetivo através do EAD, não há estágios, práticas. A flexibilização de
preencher carga horária foi boa por um lado mas os alunos irão finalizar o curso
com lacunas na formação (Participante 8).

A pandemia e suas consequências como luto, isolamento social e outros reverbe-


raram na vida das pessoas e com isso a procura por serviços psicológicos foram
intensificados e o atendimento online virou uma grande ferramenta para suprir
essas demandas (Participante 12).

O uso de estratégias de enfrentamento

A maior parte das respostas concentrou-se no entendimento de que as estratégias


de enfrentamento são recursos, meios ou comportamentos utilizados para lidar com
situações adversas, problemas e/ou mudanças.
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 487

Entendo que são comportamentos que temos que emitir em situações de confronto
(Participante 4).

Estratégias para lidar com as mudanças, adversidades etc. de forma “saudável”


(menos angustiante, menos adoecedor) (Participante 5).

Penso em coping. O que tem muito haver com quais recursos tempos para enfren-
tar uma situação de estresse. Eu com certeza vejo em mim rs (Participante 23).

As respostas confluíram para a montagem e seguimento de uma rotina e o


planejamento com antecedência.
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Eu planejei em conjunto com meu terapeuta meios de recusar demandas da minha


família para me dedicar às tarefas e aulas. Eu também fazia planejamento diário
de realização de tarefas. E procurei psiquiatra para lidar com a minha ansiedade,
que está me atrapalhando (Participante 2).

Uma das estratégias que utilizei foi a adoção de um calendário semanal no


qual eu colocava todas as minhas atividades que tinham de ser feitas no dia e
calculava uma estimativa de tempo que eu levaria pra fazer cada uma delas (e
o mais importante: deixei um espaço onde eu poderia colocar as atividades não
completadas no dia e começar por elas no dia seguinte). Ter as coisas escritas me
deu um maior senso de adaptação à nova realidade que estávamos vivendo. Outra
estratégia foi entender quais eram meus objetivos, o que estava me impedindo
de alcançá-los e o que eu poderia fazer, dadas as minhas possibilidades, para
contornar os obstáculos (fiz uma lista com 3 colunas). Resumindo, minha maior
estratégia foi planejamento e escrita terapêutica (Participante 5).

Eu tenho um pouco de dificuldade de nomear elas em mim. Mas foi uma série de
atitudes, algo dinâmico que me fez enfrentar a situação. TENTAR Manter uma
rotina saudável fisicamente e emocionalmente, estar em contato com as pessoas
de casa e conversar sobre a situação da pandemia e adentrar em outros assuntos
mais gerais, estudar, ler muito. foi um ano em que aprendi muitos assuntos novos,
escrever (Participante 23).

Em relação à eficiência das estratégias, de forma geral, os discentes descreve-


ram as seguintes:

Eu procurei realizar tais estratégias pois estava muito angustiada vendo meu
desempenho acadêmico baixando. As estratégias traçadas por mim precisam ser
diariamente exercitadas. Eu não consigo ser efetiva todos os dias, mas eu fico
melhor com elas que sem (Participante 2).

Escrever é algo que me relaxa, é uma atividade que gosto de fazer desde criança,
então achei que eu poderia me beneficiar disso e funcionou! Escrever “força”
a gente a organizar os pensamentos, a seguir uma linha de raciocínio, o que é o
lado oposto da mente ansiosa (tudo confuso e nebuloso) (Participante 5).

Foram efetivas (Participante 23).


488

Discussão
Estudos abordam que tal prática de ensino emergencial afetou todo o corpo
social das universidades e que, nesse sentido, as instituições desenvolveram medidas
imediatas que colocassem em prática o ER de forma rápida e efetiva (CASTIONI et
al., 2021). Apesar disso, pela urgência da situação e o curto tempo disponível, enten-
de-se que não houve um consenso frente aos critérios tomados por cada entidade de
ensino (BEZERRA et al., 2020).
Além disso, houve uma ampliação do modelo de ER emergencial que se mostrou
como a solução para o momento de crise. No entanto, é importante que se diferencie

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a necessidade emergencial do ER, com a implementação de um modelo de Ensino
a Distância (EaD), nas Universidades. A despeito disso, a popularização do formato
ER deverá estar mais abrangente no período pós-pandemia, demandando uma avalia-
ção mais criteriosa sobre sua adequação e capacitação dos profissionais envolvidos
(BROILO; BROILO NETO, 2021).
As repercussões da pandemia na vida dos discentes forçou a adaptação urgente
ao ensino emergencial e fatores psicológicos e emocionais relevantes nesse processo
e na situação mundial (SANTOS et al., 2021), há uma maior preocupação acadêmica
com a quantidade de tarefas e a separação com a instituição de ensino (NUNES,
2021; YANG; CHEN; CHEN, 2021), bem como, a qualidade de vida na pandemia e
a rotina acadêmica associadas ao estresse (PEDROLO et al., 2021).
Os níveis de ansiedade e estresse dos universitários encontram-se elevados
na pandemia (MAIA; DIAS, 2020). As alterações na rotina, o isolamento social e
a necessidade de uma abrupta adaptação ao ER tiveram efeitos negativos na saúde
mental dos discentes (VIEIRA et al., 2020; BARROS et al., 2021; GUDIM et al.,
2021; PEDROLO et al., 2021). O que ficou demostrado em várias respostas dos
participantes do presente estudo.
A insatisfação com a qualidade de vida, o ambiente em que se encontra, a falta
de espaço e de instrumentos necessários está relacionada como os estressores e a
autopercepção de fragilidade (FRANCISCO et al., 2021) Aqui, ressalta-se a impor-
tância do apoio dentro do círculo social e das universidades, a contribuição de ações
sociais e políticas públicas como essencial para a permanência dos discentes nas
instituições de ensino. Como sugestão Zapata-Ospsina et al. (2020) citam a criação
de um programa voltado para a saúde mental, que seja inclusivo, dentro da universi-
dade, um time de profissionais adequados, disseminação de informações sobre saúde
mental aos discentes e adaptações pedagógicas.
Também é importante destacar que a pandemia provocou a evasão escolar e o
trancamento de matrícula, bem como ao sofrimento mental causado pelas insatisfa-
ções e preocupações de cunho acadêmico e profissional e aos impactos negativos na
carreira (NUNES, 2021). A despeito das dificuldades impostas pela pandemia que
obrigaram a adesão ao ER, as atividades práticas em psicologia se tornaram escassas.
O contato com as situações reais do trabalho e de desenvolvimento de competências
de relacionamento profissional ficaram comprometidas, portanto, o ER não substitui
a experiência real necessária para formação em psicologia (SOLIGO et al., 2020).
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 489

Por outro lado, a vulnerabilidade econômica faz parte das inúmeras dificuldades
enfrentadas durante a pandemia, como a perda de emprego, a ausência de renda fixa
e a alta dos preços dos alimentos foram fatores com impactos diretos na vida dos
universitários. O fator socioeconômico é um obstáculo ao ensino on-line/remoto, pois,
exige condições objetivas como acesso à internet, equipamentos adequados o que
repercute na adaptação a todos as mudanças, na rotina, no desempenho acadêmico
e na saúde mental (CARVALHO; SILVEIRA, 2021).
Cabe ainda mencionar que o Sistema Único de Saúde (SUS), a ciência e as uni-
versidades passaram a ser mais demandadas durante a conjuntura pandêmica. O reco-
nhecimento do direito à saúde como um valor público passa a ser citado em noticiários
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e vivências de quem depende desse sistema (COSTA; RIZZOTTO; LOBATO, 2020).


Para além da adesão ER, contribuições científicas das universidades foram uma forma de
resposta ao enfrentamento às dificuldades causadas pela pandemia (GIMENEZ; SOUZA;
FELTRIN, 2020). As políticas públicas de saúde na produção e promoção da saúde mental,
a exemplo da Rede de Atenção Psicossocial, surgem como uma solução a quem procura
apoio, tratamento e orientações, tendo em vista o sofrimento e repercussões causadas pelo
contexto pandêmico. Rodas de conversa, grupos de experiências e plantão psicológico,
além do próprio tratamento individual, se mostram como potências na promoção de saúde
mental individual e coletiva e apoio social (CARDOSO; JOAZEIRO, 2022).
O presente contexto reivindica que tal categoria profissional faça emergir novos
modos de cuidado de acordo com as necessidades atuais o uso de tecnologias de
informação e comunicação entra como estratégias de potencial de ação na era digi-
tal, apesar das dificuldades de acesso (OLIVEIRA, 2020). Além disso, as perdas em
massa decorrente do novo coronavírus implica em demandas como as de luto, morte,
ressignificação e enfrentamento de desafios durante e após a situação de pandemia
(CREPALDI et al., 2020).
As estratégias utilizadas pelos discentes se mostram caracterizadas como estra-
tégias focadas no enfrentamento do problema. Em diversas conjunturas dentro do
contexto de pandemia, suas repercussões nas vivências dos estudantes fizeram emergir
a necessidade de estratégias de enfrentamento, como práticas de autocuidado, plane-
jamento e foco e busca por suporte instrumental, e as estratégias focadas na emoção
como a busca por suporte emocional e significado (CARVALHO; SILVEIRA, 2021).

Considerações finais
A pandemia decorrente do novo coronavírus demandou adaptações das institui-
ções de ensino à novas demandas e desafios. O ER, modelo de ensino à distância, se
caracterizou como medida emergencial com o propósito de dar continuidade ao calen-
dário acadêmico. A adesão a essa modalidade de ensino causou repercussões na vida
acadêmica dos discentes do curso de graduação presencial de Psicologia da UFPA.
Os universitários se mostraram insatisfeitos com diversos aspectos do ER e seus
impactos na rotina, saúde mental, desempenho acadêmico e futura atuação profis-
sional. De forma geral, houve pontos positivos, como a flexibilidade de horário e a
490

possibilidade de dar continuidade ao curso, bem como, pontos negativos, como a falta
de planejamento e capacitação adequada do corpo docente para o ER, falta de socia-
bilidade entre os estudantes, desmotivação com o curso e problemas com a internet.
Entende-se que as ponderações e vivências no contexto pandêmico universitário
dos estudantes são de suma importância para o entendimento dos impactos, deman-
das, lacunas de formação e apoio necessário. A elaboração de estratégias coletivas
e apoio social e a criação e manutenção de projetos de auxílio são imprescindíveis
para a conjuntura atual, no qual as instituições de ensino e seu corpo social são
fundamentais para essa construção. Assim como, investimentos nas universidades
públicas e na assistência estudantil são essenciais para a permanência e sucesso dos

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discentes na universidade.
O SUS e a ciência tem sido de grande relevância no contexto pandêmico,
colaborando com a luta acadêmica e científica e as contribuições das universidades
nesse sentido são de grande relevância para o enfrentamento. Também, a promoção
de saúde mental individual e coletiva já existente em conjunto com a possibilidade
de ações locais e políticas públicas voltadas para o público discente são de suma
importância para o enfrentamento coletivo.
As reflexões sobre o futuro da profissão englobam o aumento da utilização
de ferramentas virtuais e redes sociais, também, o surgimento de novas demandas
pós-pandemia. A perspectiva profissional de discentes prestes a entrar no mercado
de trabalho contribui para a compreensão de iminentes modalidades de cuidado,
acolhimento e atendimento. A preparação acadêmica final e a observação do contexto
social atual colaboram com o preparo para o novo ciclo profissional.
A contribuição de todo o Sistema Conselhos de Psicologia é fundamental para
a formação profissional dos estudantes, a base de orientações, cartilhas, recomen-
dações e resoluções é um apoio importante na atuação do psicólogo. Ademais, há a
necessidade da participação dos Conselhos no debate na formação profissional e as
trajetórias dos universitários.
As circunstâncias atuais intensificaram a possibilidade de utilização de estraté-
gias de enfrentamento para lidar com as repercussões e os desafios. A facilidade de
execução e possibilidade de eficiência são fatores que potencializam o exercício e
adaptação de estratégias de enfrentamento para a conjuntura requerida. As reflexões
sobre as ações oportunizam a criação de novas estratégias e os resultados adquiridos,
ambicionando um enfrentamento mais positivo com ampliação do bem-estar e o
aumento da conscientização do contexto de pandemia.
O presente estudo pretendeu contribuir para o conhecimento da perspectiva
de acadêmicos de psicologia frente às dificuldades do ER e repercussões gerais da
pandemia e as suas estratégias de enfrentamento. A pesquisa limitou-se a entre-
vistar apenas o último ano de curso, dessa forma, outros estudos envolvendo os
discentes em diferentes semestres pode contribuir para ampliar a discussão sobre
as estratégias de enfrentamento. Além disso, apesar do caráter emergencial e da
avaliação positiva elencada por alguns participantes da pesquisa, cabe sugerir
que o ER não deve ser considerado como alternativa para formação de futuros
profissionais em Psicologia.
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 491

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SEXUALIDADE EM PESSOAS COM
DEFICIÊNCIA INTELECTUAL:
um olhar sobre si mesmo
Stéphanie Fiama De Macêdo Pinheiro
Aline Beckmann Menezes
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Introdução
Falar sobre sexualidade nos dias de hoje é um tabu, ainda mais com o cres-
cimento do conservadorismo no Brasil, especialmente no contexto escolar. Como
discutido por Furlanetto et al. (2018) e por Ventimiglia e Menezes (2020), desde
2004 há um forte movimento político no Brasil que visa afastar a discussão de temas
relativos à sexualidade de espaços educacionais. Parte-se da ideia de que este assunto
não é algo que deva ser discutido em ambientes como as escolas, ou com determinada
faixa etária, justamente pelo fato de erroneamente relacioná-la estritamente ao ato
do coito. No entanto, a OMS define:

A sexualidade forma parte integral da personalidade de cada um. É uma neces-


sidade básica e um aspecto do ser humano que não pode ser separado dos outros
aspectos da vida. Sexualidade não é sinônimo de coito e não se limita à presença
ou não do orgasmo. Sexualidade é muito mais do que isso, é a energia que motiva
a encontrar o amor, o contato e a intimidade e se expressa na forma de sentir, na
forma de as pessoas tocarem e serem tocadas. A sexualidade influencia pensa-
mentos, sentimentos, ações e interações e tanto a saúde física como a mental. Se
a saúde é um direito humano fundamental, a saúde sexual também deveria ser
considerada como um direito humano básico (COSTA; OLIVEIRA, 2011, p. 3-4).

Apesar dessa compreensão da saúde sexual como direito humano básico ser
muito debatida na literatura acadêmica, nem sempre consegue ultrapassar as barreiras
para alcançar a compreensão pela sociedade como um todo. Este é um desafio ainda
maior quando o público alvo é composto por pessoas com deficiência, principalmente
as com deficiência intelectual ou cognitiva (FAUSTINO, 2019).
O conceito de deficiência intelectual (DI) preconizado pela AAIDD (Ameri-
can Association on Intellectual and Developmental Disabilities) caracteriza-se por
“limitações significativas, tanto no funcionamento intelectual quanto no compor-
tamento adaptativo, como também nas habilidades práticas, sociais e conceituais”
(SANTIAGO, 2009). O documento afirma, ainda, que pessoas com deficiência ten-
dem a ser alvo de preconceitos e atos de exclusão por parte dos demais membros da
comunidade. Isso é observado também no acesso aos direitos, como o de vivenciar
seus próprios desejos.
496

A entrada na adolescência é marcada, dentre outras mudanças, por transfor-


mações corporais e emocionais que afetam a autopercepção e a relação com os
pares (SCHOEN-FERREIRA; AZNAR-FARIAS; SILVARES, 2010). Os estudos no
campo da Psicologia do Desenvolvimento demonstram que, por mais que a adoles-
cência em si seja uma construção sociocultural, tais transformações são universais.
É importante, assim, que haja um conhecimento sobre os processos de mudança
que o indivíduo vivencia, para que seu desenvolvimento sexual não seja marcado
pela ansiedade e para que haja a compreensão de normas sociais de conduta. Muitas
vezes a sexualidade de pessoas com deficiência é percebida como se destoasse da
experiência das demais pessoas, sendo vista como inexistente ou – de modo inverso

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– como exacerbada, sem que haja a devida contextualização dos processos de apren-
dizagem e experiência do próprio desenvolvimento sexual (MAIA; RIBEIRO, 2010;
MORALES; BATISTA, 2010).
Os indivíduos com DI, em sua maioria, assim como qualquer pessoa típica,
passam por transformações hormonais e físicas ligadas ao período da puberdade, de
modo que é importante destacar que:

Em relação aos impulsos e desejos sexuais, essas pessoas manifestam necessi-


dades, experiências e emoções semelhantes às dos demais adolescentes. O que
se observa, em muitas ocasiões, é a inadequação da manifestação dos comporta-
mentos sexuais, em decorrência da pouca convivência em grupos em que regras
de conduta sejam cobradas (Morales; Batista, 2010, p. 236).

Outro aspecto que dificulta abordar a temática da sexualidade com pessoas


com DI é a infantilização do indivíduo em decorrência da deficiência – o que pode
ser compreendido como uma forma de capacitismo (MELLE; CABISTANI, 2019).
Nesse contexto, emergem atitudes que podem ser classificadas como barreiras seja
pela superproteção, a subestimação ou inferiorização (TAVARES, 2012). Maia e
Ribeiro (2010) discutem que todos somos dotados de sexualidade desde o nascer, de
modo que a “dessexualização do indivíduo é social e não fisiológica” (2010, p. 165).
Os autores defendem ainda que reconhecer a sexualidade da pessoa com deficiência é
garantir o acesso à orientação sexual, de modo a, entre outros benefícios, protegê-la
contra possíveis situações de abuso.

Não se estimulam os programas de orientação/educação sexual porque se entende


que nem seria preciso falar sobre sexo àqueles que são assexuados. Por outro lado,
há também uma crença de que se falar sobre sexo pode estimular a prática sexual,
aumentariam as chances de ocorrerem relações sexuais e ou gravidezes e isso é
temeroso para muitas famílias, cuidadores etc., principalmente quando há uma
deficiência cognitiva associada (MAIA; RIBEIRO, 2010. p.165).

Confundir orientação sexual com estímulo à prática sexual precoce é algo muito
comum (BRANCALEONI; OLIVEIRA, 2015), mas que não possui dados que fun-
damentem essa concepção.
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 497

A oposição ao debate sobre sexualidade torna-se ainda mais intensa quando o tema
passa a abranger questões de gênero e de orientação sexual (VENTIMIGLIA; MENEZES,
2020). De acordo com Maia e Ribeiro (2010), há uma lacuna tanto na prática profissional
quanto na literatura científica sobre a expressão da homossexualidade entre pessoas com
deficiência, sendo uma área sob forte influência das pressões da heteronormatividade.
A orientação sexual não deve ser confundida com identidade de gênero que
consiste na dimensão da identidade de uma pessoa que diz respeito à forma como
se relaciona com as representações de masculinidade e feminilidade e como isso se
traduz em sua prática social, sem guardar relação necessária com o sexo atribuído
no nascimento (BRASIL, 2016). Ou seja, trata-se de como a pessoa se reconhece:
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homem, mulher, ambos ou nenhum dos gêneros. Nesse sentido o que prevalece é a
maneira como a pessoa se sente e se percebe, assim como a forma que esta deseja
ser reconhecida pelas outras pessoas.
Segundo a Pesquisa Nacional de Saúde, realizada pelo IBGE – Instituto Bra-
sileiro de Geografia e Estatística em 2013, 0,8% da população nacional possuía
DI. Contudo, a pesquisa não levantou informações a respeito da sexualidade ou da
identidade de gênero destes indivíduos, sendo priorizadas informações acerca da
deficiência em si e de acesso a serviços.
De acordo com Chagas e Fernandes (2018) há poucos estudos sobre pessoas homos-
sexuais com DI. Contudo, segundo os autores, existem problemas específicos que são
vivenciados por pessoas homossexuais com DI, dentre eles “a alta prevalência de expe-
riências sexuais negativas, a falta de apoio da família, a falta de uma educação sexual, e
a dificuldade no encontro de um parceiro adequado” (CHAGAS; FERNANDES, p. 210).
Esta falta de estudos só corrobora o quanto estas pessoas são invisibilizadas
pela sociedade e indica que mesmo quando o assunto é abordado, não é dada “voz”
a estas pessoas. Pode-se observar isso em estudos sobre o tema a partir da visão do
professor (MAIA; REIS-YAMAUTI; SCHIAVO; CAPELLINI; VALLE, 2015), dos
pais (LEME; CRUZ, 2008), entre outros. Porém a poucos estudos mediante a visão dos
próprios indivíduos com deficiência a respeito da sua sexualidade (FAUSTINO, 2019).
A falta de abertura à fala das próprias pessoas com deficiência sobre sua sexualidade
é uma grande lacuna, pois impede a compreensão real da sexualidade destas pessoas,
incluindo sua orientação e identidade sexual. Esta posição também é defendida por
Chagas e Fernandes (2018, p. 105) que afirmam ser “primordial que informações cor-
retas aliadas ao trabalho de autoconhecimento e de reflexão sobre a própria sexualidade
sejam dadas as pessoas jovens e adultas com deficiência intelectual”.
Assim, defende-se aqui que a melhor forma de saber sobre sexualidade de
pessoas com deficiência cognitiva ou intelectual é ouvindo estas pessoas. Como diz
a Declaração de Vancouver (1992):

Nós exigimos que os governantes, legisladores e centros de poder, profissionais


e agências de desenvolvimento reconheçam que as pessoas com deficiência
são verdadeiramente peritas em assuntos de deficiência e que nos consultem
diretamente inserindo-nos nas atividades concernentes à nossa existência
(CANADÁ, 1992, p. 1).
498

Respeitando desta maneira o lema do movimento das pessoas com deficiência,


“Nada sobre nós, sem nós” (SASSAKI, 2007), o presente estudo visou ouvir pessoas
com DI, partindo dos questionamentos: Como pessoas com deficiência intelectual
se sentem em relação ao acesso a informações sobre sexualidade? Será que eles
percebem ter espaço para a fala? Será que se sentem ouvidos pela nossa sociedade
ou até mesmo por seus familiares?

Metodologia
A pesquisa foi qualitativa, exploratória e no formato de entrevista.

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Ambiente

As entrevistas foram feitas em uma escola estadual de ensino fundamental e


médio que possui ensino especializado, tendo em seu quadro um total de 35 alunos com
DI de graus variados. As entrevistas foram realizadas dentro de salas de aulas amplas,
com ventiladores de teto, iluminadas e mobiliada com carteiras e quadro branco.

Participantes

Foram entrevistadas 8 pessoas com deficiência intelectual sendo 4 do sexo


feminino e 4 do sexo masculino. A idade variou de 13 a 33 anos, com escolaridade
variando do 6º ano à 2ª etapa da Educação de Jovens e Adultos. O grau de DI também
variou do leve a grave, não sendo disponibilizado o acesso a laudos detalhados de
avaliação funcional.

Material

Foram utilizados para essa pesquisa: um roteiro de entrevista, caneta, agenda


para anotações e um aparelho celular para gravar as entrevistas.

Procedimento

Após receber consentimento da diretora da escola para realizar a pesquisa no


local, a pesquisadora foi apresentada cada aluno. Neste momento de apresentação
individual, foi também explicada a forma como iria proceder a pesquisa e perguntado
se eles teriam interesse em participar. Em seguida foi entregue aos que manifestaram
interesse um termo de autorização para levarem aos seus responsáveis esclarecendo
os motivos da pesquisa e solicitando as suas autorizações mediante a assinatura,
sendo dado o prazo de uma semana para a entrega do documento.
Ao final do prazo, os estudantes foram novamente abordados de forma indivi-
dual para verificar aqueles que obtiveram a autorização. Do total de 35 alunos, 34
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
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demonstraram interesse em participar, mas apenas 8 foram autorizados. Foram então


agendadas entrevistas para a semana seguinte.
As entrevistas foram feitas individualmente. Antes de iniciar cada uma delas era
explicado mais uma vez qual o propósito e a importância da pesquisa. As entrevis-
tas foram semiestruturadas, de modo que havia um roteiro preliminar de perguntas
norteadoras sobre a temática da sexualidade, no qual foi abordado o entendimento
sobre o assunto, a forma como o participante se identificava sexualmente e a sua
orientação sexual. A condução dos tópicos foi moldada de acordo com a situação
concreta da entrevista, no intuito de aprofundar pontos considerados relevantes para
o propósito do estudo (COZBY, 2003).
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Ao final, foi feita uma análise de conteúdo das entrevistas transcritas, para a
partir das falas dos entrevistados poder compreender os significados de tais fenôme-
nos na vida de cada um. Para tal, foi utilizada a metodologia de Análise de Conteúdo
de Bardin (2011) que indica a utilização de três fases fundamentais da análise de
conteúdo: pré-análise; exploração do material; e tratamento dos resultados.
A pré-análise se refere a uma fase de organização, na qual são definidos os
procedimentos, ainda que com flexibilidade. A exploração do material se refere ao
estabelecimento de unidades de codificação a partir da escolha de unidades de registro
que são classificadas de acordo com o sentido das palavras e então categorizadas em
temas maiores para análise. Por fim, os resultados são tratados de modo a permitir a
interpretação da informação que se torne os dados significativos.
Para garantir o sigilo das entrevistas, os nomes dos participantes foram muda-
dos para nomes de personagens do desenho animado Miraculous: As Aventuras
de Ladybug.

Resultados e discussão
Os dados referentes ao sexo, idade, série e grau de DI dos oito participantes
da pesquisa constam na Tabela 1. Apesar do número reduzido de participantes, a
diversidade da amostra pode contribuir para uma compreensão mais abrangente do
fenômeno em questão.

Tabela 1 – Caracterização dos participantes da pesquisa


Sexo Idade Série Grau de DI
Marinete Feminino 24 8° ano Moderado
Adrien Masculino 15 6° ano Leve
Nino Masculino 30 2ª etapa Moderado
Kim Masculino 13 6° ano Grave
Gabriel Masculino 33 2ª etapa Grave
Alya Feminino 15 2ª etapa Moderado
Chloé Feminino 17 2ª etapa Leve
Sabrina Feminino 21 8° ano Moderado
500

Quanto à temática da sexualidade, foi unânime o não entendimento a respeito


do assunto. Apesar de nenhuma resposta ter sido igual à outra, elas ilustram a falta
de compreensão dos participantes.

Marinette: Mas ou menos. Olha não sei eu ouvi falar sobre aparência, ah se tu
se acha feia, no espelho se acha gorda.
Adrien: Hum, como assim? É um homem e uma mulher.
Nino: Como assim? Deve ser de sexo? Está relacionado assim com o sexo?
Kim: Sim, sim sei. (Porém relacionou com a alimentação).
Gabriel: Nada, nada.
Alya: (Risadas). Sim um pouco, que pode falar de homem com homem? Homem

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quando se apaixona por uma outra pessoa que a palavra é gay. Que seria “ah
eu me apaixonei pela aquela pessoa”, eu sinto uma atração física, moral, ai tu
tenta proteger aquela pessoa que tu ama. Na minha cabeça é isso.
Chloé: Não sei o que é.
Sabrina: É... Sexualidade? Que uma pessoa engravida e os pais expulsam de casa.

Os relatos aqui transcritos demonstram que esta não é uma temática abordada
com frequência com os participantes e quando abordada é feita de forma equivo-
cada, em alguns casos envolvendo inclusive ameaças – como serem expulsos de
casa –, este fato se dá na maioria das famílias, pois falar sobre sexualidade com um
filho gera um desconforto comum para a maior parte da população (GONÇALVES,
FALEIRO; MALAFAIA, 2013), isso se agrava ainda mais quando se trata de um
filho com DI. Abordar o tema “namoro” pode se constituir em desafios para as
pessoas com DI e suas famílias.
Pode-se constatar ainda mais este fato nas respostas sobre o recebimento de
algum tipo de orientação sexual. Dentre os participantes, três afirmaram que nunca
tiveram nenhum tipo de orientação. Sendo que um participante respondeu que sim,
porém relacionou à alimentação. Os demais quatro descreveram algum tipo de
orientação recebida:

Nino: Já. Da minha mãe. Ela falou pra eu respeitar as mulheres, respeitar
os homens e a não engravidar e um “bocado” de coisa. Usar camisinha um
“bocado” de coisa.
Alya: Eu já conversei com a minha mãe e com o papai, com eles. Papai mana,
ele fala que “quando for com alguém especial vai acontecer, não tem que ser na
presa pra perder a virgindade com a pessoa, tem que ser no teu momento e nas
horas que tu tiver com a pessoa que tu se apaixonou vai acontecer, calma não vai
na pressa, não vai atrapalhando o teu momento com a pessoa, o teu romance, o
teu namoro com a pessoa”.
Chloé: Só a minha professora que eu trabalho com ela, ela falou só das mulheres
porque elas menstruam só essa parte, mas dos homens ela não falou não.
Sabrina: Sim, do meu pai. Ele falou que, que fazer sexo leva a muitas doenças e
uma doença a pessoa pode morrer.
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tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 501

Pode-se observar que somente dois participantes relatam uma conversa mais
aberta sobre o tema no âmbito familiar. Enquanto cinco informam que não tiveram
esse tipo de diálogo, a participante Sabrina descreve novamente um contexto que
associa a sexualidade a um cenário ameaçador.
Quando perguntados sobre experiências sexuais prévias, apenas um dos parti-
cipantes informou que já teve uma relação “carnal” (sic) com outra pessoa. Segundo
Nino, aos 17 anos ele teve relações com uma prima, sendo sua única experiência.
Foi questionado, assim, se já tiveram algum relacionamento romântico e como
esse teria se desenvolvido. Quatro participantes responderam que não, como o caso
de Kim que foi bem enfático quanto a isso.
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Kim: Eu nunca namorei, não, não. Eu não falo com ninguém. Acham quem eu sou
bem, bem diferente, foi isso. Não, não, não eu não falo com os rapazes nem com
as moças, acho que eu sou bem diferente, diferente porque eu sou um ser humano.

No desenvolver dos relatos pôde-se observar que a maioria dos participantes


não possui amigos com desenvolvimento típico, o que tende a ser ainda mais difícil
entre as participantes do sexo feminino. As meninas alegaram serem excluídas pelas
outras meninas e por diversas vezes percebem que estão falando delas. Ambos os
grupos não souberam o motivo desse tratamento discriminatório, pois se sentiam
capazes de conversar, guardar segredos e “fazer tudo que uma amizade requer” (sic),
pois como disse o Kim “Sou um ser humano”.
Os demais tiveram respostas variadas.

Adrien: Só uma namorada que estudava na minha escola. Eu tinha eu acho uns
9 anos, não chegamos a se beijar. Nunca tive esse tipo de relacionamento.
Nino: sim com a minha prima, primeiro a gente se conheceu e depois ela começou
a me abraçar, dar um amasso, ai foi isso. E perdi a virgindade. Foi só com ela.
Sabrina: Já namorei 4 vezes, os meus pais estavam cientes e eram todos do sexo
masculino [...].

Pode-se observar que o desenvolvimento afetivo pode ser prejudicado pelo


preconceito social e pelo isolamento decorrente desse cenário. Apenas Sabrina des-
creve ter tido múltiplas experiências em relacionamentos afetivos. Vale notar que
espontaneamente a participante ressalta a ciência dos pais e o sexo dos parceiros, o
que é condizente com os relatos prévios de conteúdo coercitivo.
Outro elemento que merece destaque a partir dos relatos é a presença do
machismo. Isto ficou mais evidente quando foi perguntado se eles tinham liberdade
para namorar ou escolher com quem namorar. Todos os homens entrevistados alega-
ram que sim e somente duas das quatro mulheres disseram sim, porém não queriam,
pois isto atrapalharia os estudos. Segundo Gesser, Nuernberg e Toneli (2013).

No que se refere às questões decorrentes da intersecção entre gênero e deficiência,


as pesquisas realizadas por autores como Joseph (2005-2006), na Índia, e Dhun-
gana (2006), no Nepal, indicam que, ao contrário das mulheres não deficientes,
502

as expectativas que a sociedade tem das mulheres com impedimentos corporais


muitas vezes as excluem do direito ao exercício da sexualidade, do trabalho de
qualquer natureza e da maternidade. Há um entendimento cultural de que as
mulheres com deficiência são incapazes de cumprir os papéis tradicionais de dona
de casa, esposa, trabalhadora e mãe (2013, p. 421).

Os autores também enfatizam que a interseccionalidade entre gênero e deficiên-


cia aumenta a pressão sobre as mulheres para adotarem condutas submissas e passivas.
Desta forma a sociedade tende a tratar os homens e as mulheres de formas diferentes,
dando aos homens mais liberdade para fazer as suas escolhas e a vivenciarem suas
experiências, sendo a mulher impedida de diversas possibilidades, como namorar.

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Quando foi abordada a temática relacionada à identidade de gênero, nenhum
sabia o que isso significava. Foi então dada a definição do conceito e todos alegaram
se identificar com o seu próprio gênero. Nota-se, contudo, não ser um assunto sobre
o qual haviam sequer refletido previamente.
Com relação ao entendimento sobre orientação sexual, somente um dos parti-
cipantes alegou saber do que tratava-se, os demais não sabiam o que significava. A
definição dada pela participante foi a seguinte:

Sabrina: Que na vida com uma pessoa tem que ter química ou sentir uma atração
pela aquela pessoa.

Após explicar o conceito, foi perguntado qual a orientação sexual de cada um.
Um afirmou nunca ter se interessado por ninguém. Seis alegaram se sentirem atraídos
pelo sexo oposto e um afirmou sentir atração por ambos os sexos.

Alya: Do meu interesse assim, do meu cotidiano, homem. Mas às vezes mulheres.

Apesar de não saber de início o significado de orientação sexual, todos já pos-


suíam uma autopercepção, ou seja, percebiam-se atraídos por um ou mais gêneros.
Este dado evidencia como a formulação verbal e técnica do conceito é desnecessária
para a vivência da sexualidade em si. Isto é, o fato de não saberem o significado de
tais conceitos e de não serem orientados a respeito do assunto, não os impede de ter
desejos, emoções, atrações.
Para o fechamento da entrevista e para ter um maior entendimento em relação
aos outros e a si mesmo perguntei como as pessoas a sua volta enxergavam o fato
deles quererem ter um relacionamento e como eles se sentiam em relação a essas
pessoas. Um dos participantes (Adrien) não quis responder e outro (Kim) ficou muito
nervoso nesse momento, falando que se sente abandonado, o que levou a uma con-
duta de acolhimento e encerramento da entrevista. Dentre os que responderam, as
respostas foram diversas:

Marinette: R1: Eles dizem pra eu me chegar mais nas pessoas, mas eu pre-
firo estudar.
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R2: Não sei por que as pessoas... Eu tenho só uma amiga as outras se afastam
tudinho, tem aquele grupo entendeu? Ai, eu só tenho ela mesmo.
Nino: R1: A minha volta? A minha mãe antes de morrer falava “Olha tu tá bem
na foto tá namorando uma mulher mais velha que tu. Tu já namorou até com a
minha sobrinha” que no caso é a minha prima. Tu tá por fora daqui do colégio.
Me “encarnam” por que sou namorador, tenho um monte de contato de menina
no meu celular de tudo quanto é canto do interior, São Paulo, do Rio.
Gabriel: Vão aceitar. (Riu de forma sem graça e não complementou a resposta).
Alya: R1: Mana eu não sei, eu acho que a mamãe vai reagir de um jeito que
ela vai gostar, ela sempre quis que as filhas, que eu e minha irmã casássemos,
constituíssem família, tivesse a vida, seguisse em frente. Papai mana um dia que
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eu casar mana, duvido o papai não vai querer que eu vá embora.


R2: Me sinto com medo de eu casar. Eu já quero ter a minha vida, eu já quero
constituir uma família, eu já penso, eu já fico... E eu já sei a cor do meu vestido.
Chloé: R1: Hum como assim? Eu acho que não que eles não vão aceitar. Eu acho
porque o meu pai ele é assim... Ele falou que eu sou muito novinha pra namorar, tenho
que pensar em estudar, se formar e depois que completar 30 anos eu começo a pensar.
Sabrina: R1: É muito estranho por que meu pai não queria que eu tivesse um…
relaciona-se com outra pessoa e eu comecei com 16 anos, era muito nova, ele
nunca gostou. Eles não querem, falam que eu sou muito nova.
R2: Me sinto, mesmo com vergonha. Por que eles falam muito que... Pra mim
assim a pessoa tem que ter o caráter dela, e ela tem que ter caráter e tem que
tem que ter atitude, não tem que ser aquela pessoa tímida.

Mais uma vez é evidente a diferença do gênero, a forma diferenciada como


os pais falam com os filhos homens e com uma filha mulher. Enquanto a maioria
dos homens relatam maior permissividade e até orgulho da mãe quanto ao tema, as
mulheres trazem falas repletas de constrangimento, medo, cobranças. Apesar de a
Chloé ter dito que está tudo bem em ter que esperar até os 30 anos, a sua expressão
mostrava o contrário, pois abaixou a cabeça com o olhar triste e voz baixa ao res-
ponder. É evidente pelas respostas que eles têm opiniões sobre como gostariam de
vivenciar a sexualidade e que percebem todo o preconceito com o qual são tratados.
Vale lembrar aqui que a Lei Brasileira de Inclusão – LBI (BRASIL, 2015), no seu
artigo 114, altera o texto do Código Civil passando a respeitar a vontade da pessoa
com deficiência intelectual, em idade núbil, como suficiente para contrair matrimônio.
Isto significa que o Brasil possui hoje o reconhecimento legal da opinião da pessoa
com DI sobre o exercício de sua vida amorosa/afetiva.

Considerações finais
Diante das respostas dos participantes, podemos inferir que de fato a sexualidade
não é um assunto frequentemente abordado com pessoas com DI e quando feito é
de forma equivocada. Esse cenário de desinformação não os impede, contudo, de
terem desejos e poderem se relacionar com outras pessoas. Ademais, é importante a
sociedade reconhecer que indivíduos com DI – como os demais indivíduos – possuem
sim sexualidade e vivenciam suas múltiplas e complexas facetas, como identidade
504

de gênero e orientação sexual. Ainda que sem conhecimento da terminologia ou de


conceitos sobre o tema, possuem uma autopercepção que vai além da heteronorma-
tividade, como foi mostrado pela participante Alya ao falar sobre orientação sexual.
Os desafios enfrentados pelos indivíduos com DIs para ter direitos de manifestar
a sua sexualidade foi evidente. Usualmente, é retirada deles a autonomia para fazer
as próprias escolhas e a oportunidade de ter certo conhecimento pela temática. Isto
decore do fato de vivermos em uma sociedade onde os estereótipos preponderam
sobre o conhecimento científico e práticas que confrontam padrões institucionalizados
tendem a ser vistas de modo deletério.
No processo de construção dessa pesquisa, as barreiras enfrentadas corroboram

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com a dificuldade de trabalhar o tema. Diversas instituições abordadas negaram a
realização do estudo, sendo feitas falas preconceituosas pelos próprios profissionais
responsáveis pelo acompanhamento do desenvolvimento das pessoas com DI. Era
particularmente delicado quando mencionado que o objetivo da pesquisa era ouvir os
próprios indivíduos com DI, o que provocava reações como afirmar que eles seriam
incapazes de responder sobre o tema. O “diálogo” sobre o assunto era descrito como
se restringir à privacidade na masturbação quando com meninos e sobre menstruação
quando com as meninas. Episódios homossexuais foram relatados como raros e que
em suas ocorrências eram coibidos, descritos como inadequados e interpretados
como fruto da incompreensão sobre o tema e não como possível orientação sexual.
Após uma instituição que se mostrar aberta à realização da pesquisa, outro
desafio foi enfrentado: a autorização da família. De um total de 35 estudantes com DI,
34 demonstraram interesse em participar da pesquisa – o que indica a relevância do
tema para o seu público-alvo. Contudo, apenas 8 famílias autorizaram a participação,
sendo a maioria das recusas justificadas como um assunto do qual não se deveria
falar. A recusa de 26 famílias sinaliza um cenário que foi corroborado pelos dados da
pesquisa: falta de conhecimento a respeito da temática (e de sua importância), bem
como das capacidades dos filhos em ter autonomia para vivenciar sua sexualidade.
Assim como os demais, pessoas com deficiência são expostas às mesmas con-
dições sociais, de relacionamentos e de sexualidade, ou seja, vivem relações de afeto,
desejo sexual e almejam vínculos amorosos e sexuais. A falta destas informações
pode causar vulnerabilidade, pois sem o conhecimento sobre sexualidade estes podem
sofrer abusos (físicos, sexuais e/ou psicológicos), bem como podem sofrer por não
compreender seus próprios sentimentos e experiências.
A falta de informação contribui para a perpetuação dos estereótipos, negando ao
jovem a chance de desenvolver suas potencialidades e viver experiências no âmbito
afetivo e sexual, de integrar-se socialmente.
Entende-se os limites desse estudo, em especial o número reduzido de partici-
pantes, todos vinculados a uma mesma escola. Contudo, acredita-se ter contribuído
com a discussão da temática, sinalizando a importância de pesquisas que deem às
pessoas com DI seu devido lugar de fala e possibilitem, assim, o desenvolvimento
de práticas, seja no contexto escolar ou em outros, que favoreçam o seu desenvolvi-
mento sexual pleno e saudável.
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tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 505

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PERCEPÇÕES DE SI:
estudo sobre saúde mental dos agentes
prisionais na cidade de Belém/PA
Fernanda Nazaré da Luz
Leandro Passarinho Reis Júnior
Rafael José de Oliveira Leite
Warlington Luz Lobo
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Que vai fazer agora o governo? Vai demitir o administrador da Casa de Deten-
ção? Daqui a pouco será obrigado a demitir o cidadão que o substituir, e as coisas
continuarão no mesmo pé – porque a causa dos abusos não reside na incapacidade
de um funcionário, mas num vício essencial do sistema, num defeito orgânico do
aparelho penitenciário. E não há de ser a demissão de um administrador, que há
de consertar o que já nasceu torto e quebrado
(Olavo Bilac, 1902).

Introdução
A proposta desta pesquisa teve o intuito de analisar a saúde mental e os tipos
de doenças que mais acometem a saúde física e mental dos Agentes Prisionais1 que
atuam na cidade de Belém/PA, uma vez que é levada em consideração a inserção
no cargo/função de Agente Prisional, em um sistema social diferenciado – o dos
estabelecimentos penais – dadas às características típicas da instituição penitenciária.
Goffman cria a concepção de prisão como instituição total, que se caracteriza por
ser uma instituição “fechada”. “Seu ‘fechamento’ ou caráter total é simbolizado pela
barreira à relação social com o mundo externo e por proibições à saída que muitas
vezes estão incluídas no esquema físico” (GOFFMAN, 2015, p. 16).
Para Foucault, que entende a prisão como uma “instituição completa”, a pri-
são toma a seu cargo todos os aspectos do indivíduo, em uma ação ininterrupta de
disciplina incessante, a fim de impingir uma nova forma ao “indivíduo pervertido”.
Desta forma, a prisão apresenta um caráter de “reformatório integral” que vai além
da pura privação jurídica de liberdade (FOUCAULT, 2014).
Dejours (apud BARROS, 2009) diz que trabalho não é somente uma relação
social ou sócio-salarial, mas também implica em trabalhar. Não é somente os gestos, o
saber-fazer, pensar, refletir, interpretar, (re)inventar. É algo que vai além das relações
pré-estabelecidas e envolve o engajamento da personalidade.

1 Nesta pesquisa será usado a denominação do cargo de Agente Prisional, conforme estabelecido na Lei
nº 8.322, de 14 de dezembro de 2015. Pois no início desta pesquisa a nomenclatura de Policial Penal
ainda não estava aprovada pela ALEPA, tendo sido aprovada pela Emenda Constitucional nº 82 de 09 de
dezembro de 2020.
510

Sendo assim, quero enfatizar que esta pesquisa visa, a princípio, tornar visível
uma categoria que consta nos censos penitenciários anuais do Ministério da Justiça
de forma muito tímida, apenas com dados do quantitativo de servidores, mas sem
revelar dados de afastamento por licença saúde, quais as doenças que mais acomete
os servidores penitenciários, números de agentes prisionais que são feitos reféns e
mortos dentro e fora das unidades penais de todo o Brasil. Daí a razão da imensa
vacância que a carência de informações sobre a vida desses profissionais deixa nas
instituições penais.
Há no contexto carcerário, não só no Pará, mas em todo país, uma necessidade
latente de contratação de novos agentes prisionais, ou seja, um crescimento no número

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do efetivo deste profissional, já que a população carcerária cresce assustadoramente,
como mostra os dados: entre os anos de 2000 e 2017, a taxa de aprisionamento2
aumentou mais de 150% em todo país (INFOPEN, 2017). Em junho de 2017, o Brasil
registrou 349,78 pessoas presas para cada 100 mil habitantes (INFOPEN, 2017).
Segundo a resolução nº 9, de 2009, do Conselho Nacional de Política Criminal
e Penitenciária (CNPCP)3, é indicada a proporção de 1 (um) agente para cada 5
(cinco) pessoas presas como padrão razoável para a garantia da segurança física e
patrimonial nas unidades prisionais, a partir de parâmetro oferecido pela Estatística
Penal Anual do Conselho da Europa, data-base 2006.
De acordo com os dados do Levantamento Nacional de Informações Peniten-
ciárias – INFOPEN4 – atualização de junho de 2017 – no Estado do Pará a proporção
é de 8,59 presos para cada agente prisional e no sistema penitenciário brasileiro no
geral, temos 8,88 presos para cada agente prisional, o que viola a Resolução nº 9,
de 2009, do CNPCP.
Ainda sobre a questão da proporção de números de agentes prisionais para o
quantitativo de pessoas custodiadas, é sabido que o déficit é ainda maior, pois há mui-
tos agentes prisionais que não atuam na custódia e sim nas atividades administrativas
e de gestão, o que gera uma diminuição ainda mais significativa da proporção de 1
agente prisional para cada 5 presos, como prevê a Resolução nº 9, de 2009, do CNPCP.
O contingente desproporcional de funcionários frente à massa carcerária, no
que diz respeito à operacionalização da prisão, é a impossibilidade de os agentes
prisionais traçarem perfis individualizados dos internos.

2 A taxa de aprisionamento é calculada pela razão entre o número total de pessoas privadas de liberdade e
a quantidade populacional do país, a razão obtida é multiplicada por 100 mil.
3 O primeiro dos órgãos da execução penal é o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária,
com sede na Capital da República e subordinado ao Ministro da Justiça. Já existente quando da vigência
da lei (foi instalado em junho de 1980), o Conselho tem proporcionado, segundo consta da exposição
de motivos, valioso contingente de informações, de análises, de deliberações e de estímulo intelectual e
material às atividades de prevenção da criminalidade. Preconiza-se para esse Órgão a implementação, em
todo o território nacional, de uma nova política criminal e principalmente penitenciária a partir de periódicas
avaliações do sistema criminal, criminológico e penitenciário, bem como a execução de planos nacionais
de desenvolvimento quanto às metas e prioridades da política a ser executada.
4 Criado em 2004, o INFOPEN compila informações estatísticas do sistema penitenciário brasileiro, por
meio de um formulário de coleta estruturado preenchido pelos gestores de todos os estabelecimentos
prisionais do país.
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 511

A Superintendência do Sistema Penitenciário do Estado do Pará – SUSIPE5,


criada através da Lei Estadual nº 4.713, de 26 de maio de 1977, transformada em
Autarquia pela Lei nº 6.688, de 13 de setembro de 2004, a Lei nº 8.322, de 14 de
dezembro de 2015, dispõe sobre a reestruturação da SUSIPE. E transformada em
Secretaria de Estado de Administração Penitenciária – SEAP, pela Lei nº 8037/2019,
tem por missão institucional planejar, coordenar, implementar, fiscalizar e executar a
custódia, reeducação e reintegração social de pessoas presas, internadas e egressos,
em cumprimento ao disposto na Lei Federal nº 7.210, de 11 de julho de 1984 – Lei
de Execução Penal – LEP.
Foi a partir da Lei nº 8.322, de 14 de dezembro de 2015, que surge o cargo de
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Agente Prisional com as devidas atribuições do cargo, bem como define a forma
de ingresso, quantidade de pessoal, a formação profissional e a criação do grupo de
operações penitenciárias formado por ocupantes do cargo de provimento efetivo de
Agente Prisional.
É possível observar no relatório mensal da instituição, denominado SEAP EM
NÚMEROS, publicado mensalmente no site do órgão, algumas informações sobre a
SEAP. No mês de novembro de 2018, na época denominada SUSIPE EM NÚMEROS,
foram realizados 57 atendimentos psicológicos à servidores. Atendimentos estes
realizados pela Coordenadoria de Assistência e Valorização do Servidor – CAVS,
bem como foram recebidos 162 atestados médicos, realizados 10 atendimentos com
médicos do trabalho e 14 atendimentos com médico psiquiatra, além de 7 atestados
médicos recebidos para benefícios e CAT’s realizadas entregue na mesma coordena-
ção. Ainda no SUSIPE EM NÚMEROS, referente a janeiro de 2019, a distribuição
de servidores por tipo de vínculo era: 3.258 por contrato temporário, 332 efetivos,
37 efetivos comissionados, 77 estáveis e 184 comissionados. Sendo o total de ser-
vidores 3.888, em que 3.019 eram lotações ocupadas por agentes prisionais, o que
corresponde a 77,6% do total de servidores da SEAP.
Segundo dados do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias –
INFOPEN de junho de 2017, mostra que o Estado do Pará possui o maior número
de servidores ativos, em relação às demais Unidades da Federação, na condição de
vínculo empregatício temporário, sendo 23,79% feminino e 64,43% masculino.
Nos anos de 2019 e 2020 houve um acréscimo de Agentes Prisionais no quadro
de servidores da SEAP. Segundo uma publicação no site da SEAP, de 3 de agosto de
2019, foram empossados 485 novos Agentes Prisionais. Em janeiro de 2020, a SEAP
informa a chamada de mais 592 Agentes Prisionais oriundos do concurso público.
Portanto, se somarmos as duas chamadas de posse do concurso público teremos um
acréscimo de mais 1.077 novos Agentes Prisionais no Estado do Pará.
Este foi o primeiro concurso a ser realizado para o cargo de Agente Prisional no
Estado, pois a lei que legitima o cargo de Agente Prisional é do ano de 2015, antes

5 No início desta pesquisa a SUSIPE era uma Autarquia ligada administrativamente a Secretaria de Segurança
e Defesa Social – SEGUP. Com a alteração na Lei nº 8037/2019, passou a ter autonomia independente,
passando a ser chamar Secretaria Estadual de Administração Penitenciária – SEAP, sendo está a
nomenclatura a ser utilizada nesta pesquisa a partir de agora.
512

da lei não existia o cargo na estrutura funcional da SEAP. Mesmo com o ingresso de
novos Agentes Prisionais concursados, ainda existe a condição de servidor temporário
no cargo de Agente Prisional. O que retrata uma precarização na prestação de serviço
na função pública, já que não há estabilidade, direitos adquiridos que só a ocupação
de cargo público efetivo pode oferecer, além de não haver uma classe trabalhadora
com um sindicato capaz de lutar por melhores condições de trabalho, já que são tem-
porários e em alguns casos as pressões políticas se fizeram presentes nas indicações
de alguns destes servidores que hoje estão ocupando a função de agente prisional.
Segundo Bodê de Moraes (2005), essa é uma questão-chave no processo da
construção da identidade e do desgaste no trabalho, uma vez que a necessidade de

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vigiar e manter a ordem em uma instituição total com as características das prisões
coloca os agentes prisionais sempre em uma posição ambígua, posicionando os indi-
víduos desse grupo entre dois mundos: o da lei/ordem e o do crime/desordem.
De forma geral, esta pesquisa teve como objetivo: analisar a relação entre o
trabalho realizado no sistema prisional e a saúde mental do agente prisional na região
metropolitana de Belém/PA.
E de forma mais específica os objetivos foram:
• Avaliar a saúde mental advinda do cotidiano da atividade profissional;
• Descrever as diversas doenças existentes no grupo, agentes prisionais e
suas correlações com as atividades do cotidiano profissional.
Diante o exposto, como a pesquisa foi realizada em um espaço de reclusão, a
prisão, o aporte teórico envolveu concepções das prisões na perspectiva de Michel
Foucault, Erving Goffman e Dejours para discutir a saúde mental no trabalho.

A história do surgimento das prisões até os dias de hoje no


mundo, no Brasil e no estado do Pará
A prisão é menos recente do que se diz, quando se faz datar seu nascimento nos
novos códigos. A forma-prisão preexiste à sua utilização sistemática nas leis penais. Ela
se constitui fora do aparelho judiciário, quando se elaboram, por todo corpo social, os
processos para repartir os indivíduos, fixá-los e distribuí-los espacialmente, classificá-los,
tirar deles o máximo de forças, treinarem seus corpos, codificar seu comportamento con-
tínuo, formar em torno deles um aparelho completo de observação, registro e anotações,
construir sobre eles um saber que se acumula e centraliza (FOUCAULT, 2014, p. 56).
Cabe lembrar que o espaço que abriga as pessoas privadas de liberdade é o
mesmo local de trabalho dos agentes prisionais, onde desenvolvem a função de
vigilância, custódia e garantia de direitos das pessoas presas. Portanto, é o local de
execução da pena e é também de acompanhamento/observação/custódia/garantias
de direitos que devem ser executados por quem lá trabalha, os agentes prisionais.
Assim sendo, estes profissionais desenvolvem suas atividades no dispositivo
prisão, que segundo Foucault (2014) é o panóptico6 que se tornou, por volta de

6 O Panóptico de Bentham é uma figura arquitetural. O princípio é conhecido: na periferia uma construção
em anel; no centro, uma torre: esta é vazada de largas janelas que se abrem sobre a face interna do anel;
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 513

1830-1840, o programa arquitetural da maior parte do projeto das prisões. Trans-


formando-se na maneira mais direta de tornar a arquitetura transparente à gestão
do poder; de permitir que a força ou as coações violentas fossem substituídas pela
eficácia suave de uma vigilância sem falha, de ordenar o espaço segundo a recente
humanização dos códigos e a nova penitenciária.
Para Wacquant (2003), se as prisões do século XVIII e XIX foram projetadas como
fábricas de disciplinas, hoje são projetadas como fábricas de exclusão; visto que a socie-
dade industrial europeia proletarizou os camponeses e impôs nas cidades a disciplina do
trabalho, como pode impor agora a disciplina do emprego? Se há multidões crescentes
que não tem emprego, a resposta está na fabricação de um gigantesco sistema penal.
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Em Amsterdã, em 1596, foram criadas as Rasphuis, estabelecimentos destinados


a abrigar os homens, e as Spinhis onde ficariam as mulheres. Registra-se, portanto, a
primeira construção voltada exclusivamente para mulheres. A sua prisão e a imposi-
ção de penalidades acompanharam a história da sociedade. Quando ocorria a prisão
observava-se em sua maioria, a separação por sexo, mas o registro histórico de uma
casa de correção específica é feito, pela primeira vez, em Amsterdã.
Percebe-se que o sistema prisional, no mundo, foi criado e desenvolvido por
homens e para os homens; o menor percentual de mulheres infratoras fez com que as
construções voltadas para tal público não fossem consideradas necessárias. Fato que
deu margem a vários tipos de violações e restrições às mulheres detidas nas mesmas
instituições masculinas, muitas vezes dividindo a mesma cela.
Como no Brasil, a prisão Norte Americana traz as marcas da escravidão, a
nova ordem pós-industrial do capital financeiro, as estratégias de contenção social
de classes perigosas se deslocam dos guetos para as prisões. Para Wacquant (2003),
as duas organizações têm sido historicamente instituições de confinamento forçado:
o gueto como prisão social e a prisão como gueto Judiciário. Transformando o gueto
e a prisão em uma espécie de destino da população negra e jovem.
O Brasil proclamou a independência, mas a situação das penas e encarceramento
se manteve inalterada. A Carta Imperial de 1824 determinava que se elaborasse um
Código Criminal, recomendava que as cadeias deveriam ser seguras, limpas e bem
arejadas, e os réus separados pelo tipo de infração imputada (Santos e Santos, 2015).
Para Santos e Santos (2015), pontua-se que o castigo se fazia presente entre os
índios, escravos e peões, os senhores contavam com o poder e nada sofriam por seus
abusos e infrações. As penalidades se manifestavam com os açoites que ocorriam
no tronco, onde se acorrentava a ferro os que de alguma forma se rebelavam contra
seus senhores. No âmbito institucional, as cadeias existentes serviam de local de
recolhimento ao infrator.
No Rio de Janeiro, a sede do Império tem, em 1830, três prisões civis. O cala-
bouço é destinado aos escravos; o aljube, antiga construção pertencente à Igreja, é
usada, por não mais haver espaço para abrigar tantos presos, e; o cárcere de Santa

a construção periférica é dividida em celas, cada uma atravessando toda a espessura da construção; elas
têm duas janelas, uma para o interior, correspondendo às janelas da torre; outra, que dá para o exterior,
permite que a luz atravesse a cela de lado a lado. Basta então colocar um vigia na torre central, e em cada
cela trancar um louco, um doente, um condenado, um operário ou um escolar (FOUCAULT, 2014, p. 194).
514

Bárbara, no qual se tentava observar a separação por sexo e pelo tipo de infração, mas
que nem sempre era possível. Em todas estas construções os espaços eram pequenos,
insalubres, propícios a doenças (SANTOS; SANTOS, 2015).
Segundo Rossler (2019), com a redemocratização do país, o Brasil passou a
discutir as questões de violência, crime e segurança, pós-período da ditadura militar,
já que o cenário vivido no período da ditadura colocou o Brasil em uma situação de
estagnação econômica já exaustivamente presente na bibliografia especializada. Para-
doxalmente, algumas conquistas democráticas, sobretudo as iniciativas que levaram
à criação da Lei de Execução Penal, estavam inseridas nesse contexto. No debate
prisional, autores como Ramalho (1979), Coelho (1987), Paixão (1987) são talvez

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os pioneiros a discutir tais questões dentro da sociologia brasileira, influenciados
em grande medida pelo momento histórico de abertura democrática sinalizada pelo
declínio do período ditatorial.
No Brasil, o Judiciário incorporou o que poderíamos chamar de uma tecnologia
penal normalizadora, com o advento e expansão do discurso da criminologia. No
entanto, no nível das práticas sociais, este processo não pôde se dar sem um ônus de
violência que aparentemente o contradiz. Até certo ponto, a norma e a repressão talvez
sejam peculiaridades presentes no processo de normalidade da sociedade brasileira.
As operações conhecidas como de “reeducação”, “cura” ou “ressocialização”, etc.
não podem dar-se sem um nível de violência mais ou menos explícito que todo tempo
as denúncias (RAUTER, 2003, p. 43).
No memorial da Superintendência do Sistema Penitenciário do Estado do Pará,
publicado no site da SUSIPE e produzido em 2010 pelo servidor Eduardo Juan de
Jesus, graduado em História e mestre em História Social da Amazônia (UFPA), que
na época era assessor do gabinete da SUSIPE, é contada a história do surgimento das
prisões em Santa Maria de Belém e inaugura o histórico de suas prisões, com a reclu-
são de seu fundador, Francisco Caldeira Castelo Branco, em 18 de novembro de 1619.
Castelo Branco fora metido em ferros e recolhido a uma habitação da fortificação da
cidade. Sua prisão tinha a finalidade de guardá-lo até a definição de sua pena, afinal
o nascimento da prisão como pena se daria no século XVIII, já na Idade Moderna.
A Lei nº 101, de 22 de junho de 1893, autorizava ao governo de Lauro Sodré a
construção do presídio. Então, se iniciou a ampliação da área do antigo convento para
adaptação às condições da prisão fechada. Desta forma, o Presídio São José também
abrigava doentes e alienados mentais. O Diário Oficial divulgava a quantidade destes
no mesmo e em 22 de junho publicava a construção de dois compartimentos “para
recolher loucos” e a existência de 14 doentes “em tratamento”, mas após 1896, as
obras do São José foram abandonadas com sacrifício do dinheiro despendido, sem
mais nenhum empreendimento oficial para solucionar o problema prisional.
Sob a Lei nº 4.713, de 26 de maio de 1974, a Superintendência do Sistema
Penitenciário do Estado do Pará (SUSIPE) foi criada, vinculada à Secretaria de
Estado de Segurança Pública e a mesma Lei autorizou o Dr. Aloísio da Costa Chaves
a inaugurar, na Vila de Americano em Santa Isabel do Pará, em 16 de agosto de 1977,
a penitenciária Dr. Fernando Guilhon, de regime fechado, com 378 celas individuais.
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 515

No governo Jader Barbalho, em 1986, a Lei nº 5.305, de 9 de abril, aprovou a


criação da Colônia Agrícola Heleno Fragoso em Santa Isabel do Pará, em 26 de maio
de 1988, uma casa de reclusão em regime semiaberto. O Centro de Recuperação do
Coqueiro foi inaugurado em dezembro de 1992. A Lei nº 5.769, de 9 de maio de 1993,
autorizou a criação do Centro de Reeducação Feminino, inaugurado em 10 de julho de
1998, para recolhimento de mulheres infratoras, e um de seus diferenciais era o de criar
condições para que as internas permanecessem com os filhos em fase de amamentação.
O governo Almir Gabriel foi caracterizado pela construção e inauguração de
estabelecimentos penais. A SUSIPE, que administrava 02 Centros de Recuperação
no período anterior, passou a administrar 14 Centros de Recuperação, entre outras
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Casas Penais, ao fim daquele governo. Sob a Lei nº 5.960, de 9 de abril de 1996, a


penitenciária de Americano, antiga Fernando Guilhon, se tornou de caráter misto.
No mesmo ano, foram inaugurados ainda os Centros de Recuperação; Silvio Hall de
Moura, em julho, localizado em Santarém, Mariano Antunes, em 1 de julho, localizado
em Marabá e o Regional de Itaituba, ainda no mesmo mês. Em 3 de dezembro de
1998, foi inaugurado o Centro de Recuperação de Americano II, no ano seguinte são
inaugurados os Centros de Recuperação Regional de Paragominas, em 28 de agosto,
o de Altamira, em 1 de julho, e o de Bragança, em 18 de novembro.
Em 1 de fevereiro de 2000, é inaugurado o Presídio Estadual Metropolitano I e
em 16 de setembro do mesmo ano, o Centro de Recuperação Regional de Castanhal.
No ano de 2002 são inaugurados quatro presídios, os Centros de Recuperação Regio-
nal de Tucuruí em 16 de julho, de Tomé-Açu em 13 de setembro, e de Abaetetuba em
27 de novembro, além da Cadeia Pública de Mosqueiro em 16 de julho.
Hoje a SUSIPE é uma Secretaria de Estado, como já exposto anteriormente, e possui,
de acordo com o SEAP EM NÚMEROS de dezembro de 2020, 55 unidades prisionais
em todo o Estado do Pará e, desde 2013, já vem atuando com o sistema de monitoração
eletrônica de presos na condição de prisão domiciliar e do regime aberto e semiaberto.
Portanto, hoje a Casa do Albergado não tem a funcionalidade de custodiar os presos
do regime aberto, ficando agora como espaço de detenção de advogados em situação
de prisão, como sala do Estado Maior7 e outros tipos de custódia em situação especial.
Como se pode ver, na história do Brasil, trabalhar no sistema penitenciário
requer ações voltadas para a “reinserção” social das pessoas presas. O que exige do
profissional que lá trabalha conhecimentos, formações, habilidades e saúde mental
para dar deliberações às políticas penais instituídas, que promova o retorno à socie-
dade da pessoa presa, de maneira a não reincidir.

Aspectos da configuração da gestão prisional brasileira


Segundo Foucault (2014), a prisão é menos recente do que se diz quando se faz
datar seu nascimento nos novos códigos. A forma prisão, tal qual se conhece hoje e

7 O artigo 7º, inciso V, do Estatuto da Advocacia, determina ser direito do advogado não ser recolhido preso,
antes de sentença transitada em julgado, senão em sala de Estado Maior, com instalações e comodidades
condignas, e, na sua falta, em prisão domiciliar.
516

que veio se instalar após o corpo não ser mais o alvo principal da punição, preexiste
à sua utilização sistemática nas leis penais. Ela se constituiu fora do aparelho judi-
ciário quando se elaboraram por todo o corpo social os processos para repartir os
indivíduos, fixá-los e distribuí-los espacialmente, classificá-los, tirar deles o máximo
de tempo e o máximo de forças.
Nas palavras do próprio Foucault (2014, p. 195), a prisão surgiu com a inten-
ção de treinar seus corpos, codificar seu comportamento contínuo, mantê-los numa
visibilidade sem lacuna, formar em torno deles um aparelho completo de observação,
registro e notações, constituir sobre eles um saber que se acumula e se centraliza.
A forma geral de uma aparelhagem para tornar os indivíduos dóceis e úteis, através

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de um trabalho preciso sobre seu corpo, criou a instituição prisão, antes que a lei a
definisse como a pena por excelência.
Assim, desaparece em princípios do século XIX, o grande espetáculo da punição
física: o corpo suplicado é escamoteado, exclui-se do castigo a encenação da dor, e
penetra-se na época da sobriedade punitiva. As formas de punições vão se tornando
com o tempo menos visíveis e mais ocultas.
Foucault (2014) mostra que, em meados do século XVIII e inícios do século
XIX, o costume de expor o indivíduo e seu corpo a castigos físicos por ter ele de
algum modo infringido alguma norma, valores ou tradições vigentes na época, vai
se extinguindo e surgindo as condições para novas formas de punições. A prisão, tal
como se conhece hoje, é herdeira dessas transformações ocorridas.
A penitenciária em muito se assemelha na constituição e estruturação dos
poderes existentes na sociedade de forma geral. Porém, são constituídos, estrutura-
dos e exercidos a partir de toda uma organização peculiar à vida no seu interior. E
isso não pode ser compreendido senão a partir de dentro da própria penitenciária,
e não o contrário.
Assim, também como as instituições e processos sociais de Poder fazem eco
no interior da penitenciária, seria um erro acreditar que os mecanismos de poder
constituídos e estruturados dentro dela não façam eco na sociedade. Essas relações
são dinâmicas e não estáveis e se desenvolvem por um processo histórico complexo.
Melo, 2020 defende que a gestão prisional no Brasil emerge a partir de disputas
e acomodações entre diferentes ordenamentos, gerando sua “profissionalização” por
meio da constituição de uma burocracia penitenciarista, que sofrerá a influência de
diferentes linhas de força, ora reproduzindo concepções, saberes e práticas forjados
por disputas e acomodações, ora produzindo saberes e práticas discursivas, ope-
racionais e decisórias específicas e que irão configurar o dispositivo penitenciário
brasileiro, o qual se insere num conjunto mais amplo de estratégias e táticas de gestão
populacional e controle social.
Ainda segundo Melo (2020, p. 227), nos embates e convergências entre a Justiça
e a Segurança, a gestão prisional emerge como efeito dos jogos de forças e, em seu
centro, constitui-se um corpo profissional multifacetado, fragmentário e em cons-
tantes disputas internas e externa, especializada em mediar aquelas tensões, cujos
saberes tanto irão reproduzir os feixes que o conformam, como irão produzir práticas
próprias e especializadas.
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 517

Melo (2020) diz que a necessidade de “olhar para o funcionário” é confirmada


quando se atenta para o quadro nacional de carreiras e, por outro lado, para as pro-
duções acadêmicas que têm como objeto a instituição-prisão e suas múltiplas possi-
bilidades de análise. Sobre o quadro nacional de carreiras, Melo (2020), no capítulo
II do livro a Burocracia Penitenciarista, indica a quase exclusividade de carreiras
prisionais voltadas para as atividades de segurança.

Franklin de Toledo Piza havia construído sua carreira nas fileiras da Polícia, onde
chegou a ser delegado-geral; em seguida, dirige por alguns anos a Penitenciária
da Tiradentes e depois, com a inauguração da nova no Carandiru, mantém-se à
frente dela até o início da década de 30. Percursos parecido com Alfredo Issa
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Ássaly que também sai dos quadros da polícia para a vice-diretoria da Peniten-
ciária (SALLA, 1997, p. 137).

A LEP, no Capítulo VI, seção III – Da direção e do pessoal dos Estabelecimentos


Penais –, art. 77 diz: “a escolha do pessoal administrativo especializado de instrução
técnica e de vigilância atenderá a vocação, preparação profissional e antecedentes
pessoais do candidato”. No § 1º: “O ingresso do pessoal penitenciário, bem como a
progressão ou a ascensão funcional dependerão de cursos específicos de formação,
procedendo-se à reciclagem periódica dos servidores em exercício”.
Dentro deste modelo, o estabelecimento prisional torna-se lócus de encontro
entre diversos saberes e conhecimentos, os quais, quando articulados, permitem
compreender a segurança local como resultado das práticas individuais e coletivas,
dos arranjos entre políticas de direitos e de controle, das formas de responsabilização
que recaem sobre servidores e sobre as pessoas privadas de liberdade.
Na Lei Ordinária nº 8.322, de 14 de dezembro de 2015, que dispõe sobre a rees-
truturação da Superintendência do Sistema Penitenciário do Estado do Pará – SUSIPE
e dá outras providências, no capítulo IV que fala das competências das unidades na
seção XIII, é abordada a Escola de Administração Penitenciária que, no art. 16, traz
suas respectivas atribuições, que compete planejar, coordenar, desenvolver e executar,
direta ou indiretamente, os programas de formação e capacitação continuada dos
servidores, programas e projetos de pesquisa no âmbito da instituição, bem como a
articulação e o intercâmbio com organismos e instituições congêneres.
Até aqui, foi possível contextualizar o fazer profissional dos agentes prisio-
nais a partir do entendimento da gestão prisional como uma instituição de poder
que se configura como uma estrutura hierarquizada e formalmente controladora, o
que implica na formação da carreira voltada para saberes e práticas com orientação
dominante aos valores e técnicas de segurança.

Vivências de prazer e sofrimento e os impactos na saúde mental


dos agentes prisionais
A relação do homem com a organização do trabalho foi origem da carga psíquica
do trabalho. Uma organização do trabalho autoritária, com características de postos
518

de trabalho em condições físicas, de higiene e segurança impróprias, não oferece uma


saída apropriada à energia pulsional, o que pode conduzir a um aumento da carga
psíquica (DEJOURS,1980).
Para Dejours (1992), a noção de sofrimento é central e implica em um estado
de luta do sujeito contra forças que estão empurrando em direção à doença mental. É
quando a organização do trabalho entra em conflito com o funcionamento psíquico dos
homens, quando estão bloqueadas todas as possibilidades de adaptação entre a organi-
zação do trabalho e o desejo dos sujeitos, que pode emergir um sofrimento patogênico.
No âmbito do trabalho, o sofrimento psíquico, é abordado como constitutivo
do sujeito, é parte intrínseca do mundo do trabalho, não submetendo o sofrimento

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psíquico a uma categorização nosológica, ancorada na psicopatologia e na psiquiatria
clássica, mas sim com a compreensão do sujeito que vive, relaciona-se, trabalha,
reage e se mantém vivo; que busca manter-se no âmbito da normalidade, diante das
ameaças do meio, inclusive do trabalho, o que não ocorre sem sofrimento (OLI-
VEIRA; MOREIRA, 2006).
Segundo Oliveira (2012), os indivíduos encarcerados possuem singularidades
diversas, alguns representam ameaça ao público, alguns serão perigosos e agressivos,
outros, por sua vez, tentarão fugir com muita persistência. É preciso ter muita habili-
dade para desempenhar esse trabalho de maneira profissional, visto que os servidores
penitenciários em geral trabalham em um ambiente fechado e isolado, o que com o
passar do tempo pode torná-los limitados e inflexíveis, vindo a apresentar sofrimento
psíquico, por sentirem em função do trabalho desenvolvido: medo, insegurança,
irritabilidade, agressividade, ansiedade, baixo limiar de tolerância a frustração, senso
de perigo iminente, alterações somáticas, psicológicas etc.
Dejours e Abdoucheli (1994, p. 120) definem psicopatologia do trabalho como
“a análise dinâmica dos processos psíquicos mobilizados pela confrontação do sujeito
com a realidade do trabalho”. Psicopatologia é entendida no sentido do “estudo
dos mecanismos e processos psicológicos mobilizados pelo sofrimento”. A análise
desses processos psíquicos é dinâmica, pois se concentra nos “conflitos que surgem
do encontro entre um sujeito, portador de uma história singular, preexistente a este
encontro e uma situação de trabalho cujas características são, em grande parte, fixadas
independentemente da vontade do sujeito”.
Os conceitos que estão na base da teoria dejouriana são a “organização do tra-
balho”, o “sofrimento no trabalho” e as “estratégias defensivas”. Essa perspectiva
teórica se concentra no impacto da “organização do trabalho” sobre o funcionamento
psíquico do trabalhador.
Para Dejours (1992, p. 10), pontua a diferença entre “condições de trabalho” e
“organização do trabalho”. As condições de trabalho são representadas pelas caracte-
rísticas do ambiente físico, do ambiente químico, do ambiente biológico, as condições
de higiene, de segurança e as características antropométricas do posto de trabalho. A
organização do trabalho é constituída pela divisão de tarefas entre os operadores, os
ritmos impostos, os modos operatórios prescritos, mas também, sobretudo a divisão
dos homens para garantir essa divisão de tarefas, representada pelas hierarquias, as
repartições de responsabilidades e os sistemas de controle.
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 519

Na análise da organização do trabalho, aparece um distanciamento importante


entre a organização do trabalho prescrito e a organização do trabalho real. O traba-
lho prescrito materializa-se por um tipo de manual de procedimentos em que cada
operação é descrita de forma detalhada em tarefas elementares a realizar. Mesmo
sem que a organização prescrita do trabalho seja contestada na prática, é inaplicável
integralmente e os trabalhadores são levados a transgredi-la. “É no rearranjo do tra-
balho prescrito, ou seja, no trabalho real ou na prática “quebra-galho” inevitável que
se pode observar a interface entre trabalho e saúde mental” (op. cit., p. 51).
Em alguns momentos, a organização do trabalho pode entrar em conflito com o
funcionamento psíquico do trabalhador “quando estão bloqueadas todas as possibilida-
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des de adaptação entre a organização do trabalho e o desejo dos sujeitos, então emerge
o sofrimento”. O sofrimento psíquico no trabalho surge como uma estratégia de não
adoecimento, um espaço de luta contra o enlouquecimento (DEJOURS, 1992, p. 10).
Segundo Campos e Sousa (2011), o adoecimento também pode surgir da difi-
culdade que o agente prisional, às vezes, encontra em separar sua posição diante
de atitudes dos detentos que possivelmente fazem com que se sintam mortificados,
humilhados e desafiados. Diante de situações como esta, verificamos que o agente
penitenciário despende muita energia ao tentar se equilibrar entre os dois mundos
em que vive – intra e extramuros; e ainda, enquanto aquele que obedece às ordens e
ao mesmo tempo as impõem.
Goffman (2008) também diz do amortecimento do eu que ocorre durante o
tempo em que estão sujeitos a uma equipe dirigente que pode torná-lo alienado em
sua capacidade de trabalho, o que também contribui para a formação do estigma.
Por outro lado, enquanto responsáveis pelos detentos, os agentes podem se sentir
mortificados, humilhados e desafiados quando o detento não reage corretamente.
Essa situação paradoxal para o agente também pode se tornar um fator provável de
adoecimento caso ele não consiga separar bem sua posição em momentos diversos.
O agente precisa entender e apreender rapidamente a dinâmica da (con)vivência no
mundo dos cativos para conseguir exercer o seu papel e manter a ordem.
O agente prisional, suscetível ao processo de aculturação que afeta o trabalho
pela prisionalização, passa a desenvolver uma série de transtornos de ordem psico-
lógica, como sentimento de inferioridade, perda da sua identidade, empobrecimento
psíquico, regressão e infantilização, que acabam por interferir em suas escolhas e
tomadas de decisão. Contudo, os agentes necessitam “pensar como o preso”, “traba-
lhar preso com o preso” e isto lhe demanda um enorme custo psíquico e identitário
(CAMPOS; SOUSA, 2011, p. 5).
A prisionalização, num outro momento, torna os agentes passíveis de outro
tipo de estigma decorrentes de psicopatologias do trabalho: insônia, nervosismo,
depressão, estresse, paranóia, dependência química, burnout, dentre outros (CAM-
POS; SOUSA, 2011, p. 5).
Um ponto que chama a atenção é que assim como os agentes apreendem as
competências necessárias para desempenharem bem sua função é no cotidiano, na
convivência direta com os detentos, este mesmo contato também proporciona ao
detento um mínimo de conhecimento sobre a personalidade, temperamento, hábitos
520

etc. do agente. Este é um fator que implica sensivelmente no desgaste mental do


agente, dado que ele é observado continuamente (CAMPOS; SOUSA, 2011, p. 5).
Em uma pesquisa realizada por Moraes e Bagalho (2017), no cenário do sistema
prisional capixaba, não difere do quadro nacional, apontado em outras pesquisas
(RUMIN et al., 2011; SANTOS, 2010; TSCHIEDEL; MONTEIRO, 2013; VAS-
CONCELOS, 2000; OLIVEIRA, 2012). Como ficou demonstrado nos resultados
da pesquisa: as condições de trabalho também foram consideradas precárias no que
concerne ao ambiente insalubre e poucos recursos de higiene e equipamentos; o modo
de gestão demarcado pela prática de dois tipos de contratos (efetivos ou designa-
ção temporária); a falta de reconhecimento; perturbação do sono, ansiedade, medo,

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estresse e comportamentos antissociais; entre outros. O trabalho prisional, não via-
biliza facilmente a produção de outras lógicas de sofrimento, que não a patogênica.
Para Campos e Sousa (2011), a falta de qualificação profissional é um fator a ser
destacado. Apesar de várias secretarias já direcionarem esforços para a capacitação
de seus funcionários, a necessidade de se manter a segurança acaba por orientar todo
processo de formação, priorizando funções de contenção, adestramento, vigilância e
punição dos sentenciados, em prejuízo de uma formação multidisciplinar idealizada
no projeto pedagógico original.
Para Tschiedel e Monteiro (2013) compete à administração penitenciária a
organização de um Serviço de Assistência Psicológica exclusiva para esses traba-
lhadores, oferecendo espaço para acolher o sofrimento (quando houver) proveniente
das práticas profissionais, tornam-se necessárias políticas públicas de valorização e
qualificação profissional voltada para o agente penitenciário.

Procedimentos metodológicos
Nesta pesquisa desenvolvida junto aos trabalhadores do Sistema Penitenciário
Paraense, mais precisamente os agentes prisionais, adotamos a Psicodinâmica do
Trabalho de Dejours, mas optando pela abordagem qualitativa por ser consoante e
essencial a escuta dos trabalhadores quanto às condições de trabalho e a situação de
saúde física e mental. Porém a abordagem qualitativa nesta pesquisa teve o aporte da
Psicodinâmica em que as vivências subjetivas dos trabalhadores servem de mediação
entre o trabalho e as exigências da organização. Assim, a metodologia de pesquisa
envolve uma abordagem interpretativa do objeto de estudo.
A Psicodinâmica do Trabalho sendo uma clínica, busca desenvolver o campo de
saúde mental e trabalho, partindo do trabalho de campo e deslocando-se e retornando
constantemente a ele. Tem como objetivo intervir em situações concretas de trabalho,
compreender os processos Psíquicos e formular avanços teóricos e metodológicos
reproduzíveis a outros contextos.
PERCEPÇÕES DE SI: estudo sobre saúde mental dos agentes prisionais na
cidade de Belém/PA, apresenta dados que possibilitará compreender o processo de
saúde X doença de um determinado grupo de trabalhadores, que carregam marcas
por trabalharem em um lugar estigmatizado custodiando uma clientela marginalizada
pela sociedade e de relações determinadas por um desequilíbrio no exercício do poder.
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
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O lócus de coleta de dados foi a Secretaria de Administração Penitenciária –


SEAP, com sede administrativa em Belém do Pará, sendo um órgão do governo do
Estado, que tem por finalidade efetivar as disposições de sentença ou decisão crimi-
nal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado, do
internado e do preso provisório, observando a promoção da cidadania, a dignidade
humana e os direitos e garantias fundamentais.
Inicialmente, no projeto de qualificação, seria feito a coleta de dados nas uni-
dades penais da Região Metropolitana de Belém/PA (Belém, Ananindeua, Marituba
e Santa Izabel do Pará). Porém, na fase final de seleção dos participantes, devido
ao momento da Pandemia do novo Coronavírus – covid-19, o lócus ficou restrito às
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unidades penais da cidade de Belém/PA.


Com o cenário da Pandemia do covid-19, não foi possível realizar as entre-
vistas de forma presencial nas unidades penais, sendo realizadas de forma virtual.
O que gerou também, a redução no número da amostra para a coleta de dados, que
inicialmente seriam 8 (oito) participantes, foi reduzido para 5 (cinco) participantes.
A entrevista virtual aconteceu via chamada de vídeo pela ferramenta do WhatsApp,
sendo gravada para posterior transcrição e coleta de dados.
Após os trâmites de autorização foi realizado o contato com a Coordenadoria de
Assistência e Valorização do Servidor – CAVS8 para solicitar indicação e o contato
de servidores ocupantes do cargo/função de agentes prisionais para realizarmos o
convite para participar desta pesquisa.
Segue abaixo um quadro com a explicitação do perfil dos participantes da
pesquisa, sendo identificados sob nomes de Guerreiros. Guerreiros é uma equipe
de super-herói imaginário que aparece nas histórias em quadrinhos, e assim vou
chamá-los. Vou considerar nominá-los com nomes de Guerreiros porque é comum
entre os agentes prisionais, chamarem-se entre si de “Guerreiros”.

Quadro 1 – Identificação do perfil dos participantes


Guerreiros Idade Escolaridade Tempo de serviço
Homem de Ferro 48 anos Pós-graduação 22 anos
Capitão América 48 anos Pós-graduação 12 anos
Batman 40 anos Ensino médio 6 anos
Pantera Negra 43 anos Ensino médio 16 anos
Mulher Maravilha 44 anos Ensino médio 11 anos
Fonte: Roteiro de Entrevista Semiestruturado.

Foram realizadas entrevistas constituídas por um roteiro com 16 (dezesseis)


questões previamente elaboradas de acordo com os objetivos da pesquisa. Conforme
Minayo (2009), o uso das entrevistas como instrumento qualitativo tem por finali-
dade construir conhecimentos relevantes à compreensão do objeto de pesquisa, estas

8 Coordenadoria de Assistência e Valorização do Servidor – CAVS – faz parte da estrutura organizacional


da SEAP ligada a Diretoria de Gestão de Pessoas, responsável pelo acompanhamento Biopsicossocial dos
servidores penitenciários.
522

informações se referem a dados diretamente construídas no diálogo com o sujeito


entrevistado e tratam de reflexões do próprio indivíduo sobre a realidade que vivencia.
As entrevistas semiestruturadas foram compostas por duas partes: primeira-
mente eram feitas perguntas para identificação do perfil dos participantes (formação
acadêmica, tempo de atuação na instituição, idade etc.); na segunda parte os partici-
pantes eram convidados a discorrerem sobre as questões referentes aos objetivos de
compreensão da temática do estudo.
Somente após todas as devidas autorizações dos órgãos reguladores a pesquisa deu-
-se início. Reitera-se que todos os procedimentos adotados foram norteados pelas diretri-
zes de pesquisas com seres humanos em razão da Resolução nº 466/2012 do CNS/MS.
Todas as entrevistas foram gravadas com o celular da pesquisadora e posterior-

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mente transcritas. No ato das entrevistas, a pesquisadora buscava promover um ambiente
acolhedor e seguro às informações que foram referidas. Inicialmente, era realizada a
leitura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido – TCLE, ficava-se a disposição
para qualquer elucidação relativa à tramitação ética, nenhum participante teve qualquer
resistência em sua assinatura. A assinatura do TCLE pela pesquisadora e participante,
aconteceu a posterior, sendo encaminhado por E-mail ou WhatsApp aos participantes e
a coleta/devolutiva do TCLE foi presencialmente ou enviado por E-mail à pesquisadora.
O procedimento inicialmente empregado à análise dos dados foi a escuta das
gravações de todas as entrevistas e suas devidas transcrições realizadas com fide-
dignidade à fala dos participantes (incluindo hesitações, embaraços ou indecisões).
Por conseguinte, os dados foram tratados através de uma compreensão metodológica
orientada por Bardin (2009).
A última fase caracteriza-se pelo Tratamento dos Resultados Obtidos no qual
foram feitas as devidas compreensões e inferências dos resultados pela pesquisa-
dora e interpretação deles com base na fundamentação teórica adotada. Por meio
destes direcionamentos metodológicos os dados foram analisados. Tendo em vista
os objetivos da pesquisa, foram extraídas as unidades de significado e agrupadas
em categorias. Para melhor visualização, o quadro abaixo ilustra a conexão entre os
objetivos da pesquisa, as unidades de análise e sua descrição:

Quadro 2 – Conexão entre Objetivos e Unidades de Análise


Objetivos: geral e específicos Unidade de Análise Descrição
Geral: Forma de ingresso, percepção e avalia- Fatores do processo do traba-
Analisar a relação entre o trabalho rea- ção do trabalho prisional lho influenciando os modos de
lizado no sistema prisional e a saúde subjetivação.
mental do agente penitenciário na região Olhares sobre a conjuntura laboral e as Análise sociológicas e políticas na
metropolitana de Belém/PA. experiências vividas dimensão do trabalho.
Objetivos Específico Reflexões sobre a saúde física e mental. Inventário das manifestações
Avaliar a saúde mental advinda do coti- Psicopatológicas.
diano da atividade profissional;
Descrever as diversas doenças existentes Violência e estresse no cotidiano de Ruptura do equilíbrio psíquico que
no grupo, Agentes Prisionais e suas cor- trabalho. se manifesta na eclosão de uma
relações com as atividades do cotidiano doença mental.
profissional. Autocuidado e estratégias defensivas. Proteção da saúde mental contra
os efeitos insalubres do sofrimento.
Fonte: Elaborado pela autora.
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O olhar para si e para o seu trabalho: dilemas atuais


A partir das cinco unidades de análise elaboradas, se teve por finalidade realizar
uma compreensão qualitativa do fenômeno abordado, embasando-se no aporte teórico
circunscrito nesta pesquisa. Ratifica-se que esta etapa se configura pela minuciosa
análise das entrevistas, organização dos dados de forma estruturada e o movimento
pendular entre análise das unidades significantes e o corpo teórico, que assim, cons-
tituem a descrição e interpretação da investigação proposta neste estudo.

Forma de ingresso, percepção e avaliação do trabalho prisional


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As falas demonstram que os participantes da pesquisa passaram por alguns tipos


de seleção antes do ingresso na função/cargo, como se observa da fala do “Homem
de Ferro” e do “Batman”. Ambos relatam terem passado por Processo Seletivo Sim-
plificado – PSS. O “Capitão América” não cita um processo seletivo, mas diz que
passou por entrevista, enviou o currículo e foi chamado, porém passou por provas
técnicas, psicológicas e outras. “Pantera Negra” e “Mulher Maravilha” informam que
foram indicados politicamente. Quatro participantes disseram passar por alguns tipos
de formação/capacitação/curso para ingressarem na profissão, apenas o “Batman”
não fez referência se passou por algum curso de formação.
Quanto à percepção e avaliação das condições de trabalho e proposta para
melhorias, os participantes citam: a valorização profissional, melhorias nos aloja-
mentos e refeitórios e na qualidade da água, redução da carga horária de trabalho,
fornecimento de uma boa alimentação. Melhorias salariais, considerar os horários
de descanso durante o plantão e oferecer cursos/capacitações aos agentes prisionais
com objetivo de melhor preparar/qualificar os profissionais.

Reflexões sobre a saúde física e mental

Como é possível observar nos relatos acima, a atividade profissional dos agentes
prisionais deixa marcas na saúde física e mental destes profissionais. Na saúde física,
as mais frequentes patologias citadas foram: hipertensão, diabetes, problema renal,
colesterol e triglicerídeos alto. “Batman” diz: “Lá na unidade muitos temos problemas
né, eu luto contra a diabete e tento controlar, minha glicose deu muito alta de 2017
pra cá” “Homem de Ferro” relatou que já fez quadro de Hipertensão, Colesterol e
Triglicerídeos alto. Já “Mulher Maravilha” relata Hipertensão e Depressão.

Olhares sobre a conjuntura laboral e as experiências vividas

Para “Homem de Ferro”, a função do agente prisional é “fazer contato com


os apenados, desenvolver tarefas que tenho no dia com relação a demanda na casa
penal”, e quando perguntado sobre os aspectos de valorização e reconhecimento
deste profissional nos diz que é angustiante, que ainda é uma profissão desprestigiada
524

pelo Estado, porém diz que apesar da sociedade não acreditar na ressocialização das
pessoas presas, os agentes prisionais podem sim contribuir para a formação do ser
humano que está preso e, relata: “[...] pessoas que trabalham do lado da escória da
sociedade e isso traz para nós um estigma negativo e a sociedade nos vê inserida
nesse processo de segregação de pessoas sem cultura, pessoas brutalizadas e vejo
a sociedade ainda vendo dessa forma”.
Os relatos nos mostram que, assim como já citado por “Homem de Ferro” que
as atividades/função do agente prisional são a guarda, segurança, movimentação da
pessoa presa e alguns ainda desenvolvem atividades administrativas por terem sido
realocados em setores administrativos, como acontece com “Mulher Maravilha” e

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“Pantera Negra”.
Sobre a valorização/reconhecimento profissional “Capitão América diz: “Não
sinto o reconhecimento, o agente prisional tem muito desgaste e a instituição não
dá suporte, não tem lazer, não cuida das partes importantes e no reconhecimento
social vejo também que não tem [...]”. Para “Pantera Negra”, há reconhecimento e
valorização. Já o “Batman” relatou que a sociedade reconhece o agente prisional
como a pessoa que trabalha com o “lixo da sociedade”.
Um ponto de atenção é quanto às condições de trabalho, como: alojamento,
alimentação e houve ponderações negativas quanto a carga horária de trabalho e a
remuneração. Sobre o alojamento, “Mulher Maravilha” nos conta uma situação que
aconteceu com ela conforme relatado – “[...] tive um problema no pulmão porque
eu dormia no chão, tinha uma fossa no chão com cheiro horrível e eu fique quase
um mês no hospital por causa desse problema aí no pulmão, quase que eu parto né
[...]”. A carga horária foi outro ponto que requer cuidados conforme nos diz “Capitão
América” – “Olha eu saio daqui às 05h da manhã e chego lá às 07h e isso é mais
um desgaste para quem mora longe. Às vezes parece que todo teu cansaço não vale
a pena”. Mas “Pantera Negra” disse não ter muito a reclamar.
Diante ao exposto, verifica-se que as condições de trabalho inadequadas preju-
dicam o bem-estar e a satisfação no ambiente de trabalho (DEJOURS, 1992, 1994).

Violência e estresse no cotidiano de trabalho.

Os participantes mencionaram diversos fatores que geram violência e estresse no


cotidiano de trabalho, entre os mais frequentes são: violência psicológica perpetrada
pela gestão das unidades penais, como fica exposto no relato de “Homem de Ferro” – “É
quase uma herança que está no sistema ainda, principalmente a violência psicológica, a
gestão parece que foi programada para diminuir o nosso trabalho e vislumbramos essa
mudança de paradigma”. Para “Capitão América”, um fator de violência é o desgaste
físico e mental. “Batman” diz que o “ambiente em si é violento”. “Mulher Maravilha”
diz: “eu não me tornei uma pessoa violenta, mas tem gente que só por tá com uma
arma na cintura ele já é tudo, mas ao mesmo tempo os próprios agentes sofrem sim”.
Outro fator estudado é o impacto do estresse na vida dos agentes prisionais.
“Homem de Ferro” retrata o estresse no sentido do medo, da insegurança no cotidiano
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de trabalho, quando fala: “Com certeza, se medirmos o nosso estresse do momento


em que a gente chega na casa penal até irmos embora é um nível muito elevado
de estresse, por isso temos que ficar atentos né, do que pode acontecer de pior”.
“Capitão América” e “Pantera Negra”, respectivamente, contextualizam o estresse
nas relações interpessoais entre a gestão e a equipe de trabalho, quando falam – “[...]
mas acho que o que causa mais estresse é gestão que não ouve a gente, temos que
tomar decisões sozinhos às vezes por causa disso” e “[...] o que estressa não é por
tanto do trabalho e sim pelas pessoas que trabalham com você [...]”.

Autocuidado e estratégias defensivas


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É possível observar que, mesmo com o fato de trabalhar em um espaço de


muita dor e sofrimento, ainda é “gratificante ver que pelo seu trabalho há pessoas
que estão presas que buscam retornar a sociedade, é a sensação de dever cumprido”,
conforme relato de “Capitão América”. Para “Batman” e “Pantera Negra”, trabalhar
no sistema penal é “positivo pelas pessoas, amizades que se conquista, por conhecer
vidas diferentes e por aprender e poder ensinar coisas novas.”
Sobre a rotina fora do trabalho, “Homem de Ferro” diz ter outro trabalho que
complementa a renda, mas que pratica esporte e busca orientação religiosa. “Capitão
América” relata gostar de tocar violão, praticar atividade física, estudar, jogar bola
e xadrez com os filhos, além de estar estudando para o mestrado. Para “Batman”,
seu momento de descanso é passeando em família e busca auxílio em suas orações.
Diante do exposto, destaca-se que o tema desta pesquisa é de fundamental
relevância para poder intervir na vida e saúde dos agentes prisionais do sistema
penitenciário do Estado do Pará e dos fatores que desencadeiam prejuízos psicos-
sociais nos agentes prisionais que desempenham as funções de vigilância, custódia
e disciplina dos apenados. Na análise das condições de trabalho desse grupo, foram
identificados riscos de violência, precariedade nas condições de trabalho, riscos
biológicos, entre outros.

Apontamentos finais
A presente pesquisa demonstrou o quanto é difícil trabalhar em uma instituição
fechada e politicamente controlada. Melo (2020) nos fala a história da configuração
do dispositivo penitenciário brasileiro e mostra que os confrontos e acomodações
entre a produção do Direito e sua violação na produção da ordem, da vigilância e da
punição, entre os valores e práticas da Justiça e da Segurança, foram determinantes
para a emergência da gestão prisional e da burocracia penitenciarista que a caracteriza.
Assim sendo, Oliveira (2012) fala sobre a realidade do Pará quanto aos desafios
enfrentados pelos servidores penitenciários, diante do exercício de suas atividades,
e diz: são obrigados a recorrerem a estratégias, como por exemplo, o afastamento
subjetivo que coloca o servidor penitenciário a não falar e nem pensar no trabalho ao
sair da casa penal, demonstrou ser uma estratégia defensiva que contribui para que
526

estes profissionais afastem-se do sofrimento psíquico gerado pela dinâmica e condi-


ções do trabalho, favorecendo a manterem-se saudáveis diante das ameaças do meio.
Melo (2020) fala sobre os impactos que a superlotação das unidades prisionais
geram no contexto da gestão prisional: escassez de servidores e recursos materiais,
com quadros profissionais fragmentados e sem identidade própria que lhe dê uma
unidade de direcionamento e de compreensão acerca de suas funções e papéis sociais,
sem reconhecimento público quanto a suas responsabilidades e sem valorização
profissional, manifesta baixos salários e nos irrisórios investimentos em formação,
cujas poucas oportunidades decorrem, os profissionais dos estabelecimentos peniten-
ciários convivem diariamente com a vulnerabilização de seu trabalho, o que os força

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a agirem, permanentemente, no limiar entre a normatividade da lei e a necessidade de
manter a “cadeia andando”, o que implica na utilização de estratégias constantemente
atualizadas de vigiar, punir, conter insubordinações, permitir “regalias”, produzir
direitos, assegurar acessos, fazer sofrer e propor “ressocializar”.
Nas Regras Mínimas das Nações Unidas para Tratamento de Reclusos, a Regra
74 diz: A administração prisional deve selecionar cuidadosamente o pessoal de todas
as categorias, dado que é da sua integridade, humanidade, aptidões pessoais e capa-
cidades profissionais que depende a boa gestão dos estabelecimentos prisionais. A
Regra 75 aborda: 1. Os funcionários devem possuir um nível de educação adequado
e deve ser-lhes proporcionadas condições e meios para poderem exercer as suas
funções de forma profissional. 2. Devem frequentar, antes de entrar em funções, um
curso de formação geral e específico, que deve refletir as melhores e mais modernas
práticas, baseadas em dados empíricos, das ciências penais. Apenas os candidatos
que ficarem aprovados nas provas teóricas e práticas devem ser admitidos no serviço
prisional. 3. Após a entrada em funções e ao longo da sua carreira, o pessoal deve
conservar e melhorar os seus conhecimentos e competências profissionais, seguindo
cursos de aperfeiçoamento organizados periodicamente.
Neste sentido, faz-se necessário o estabelecimento de estratégias que favoreçam
a promoção de autoestima do servidor penitenciário, que é uma categoria margi-
nalizada pela sociedade, assim como, de produção do sentimento de solidariedade
entre seus pares, favorecendo a inserção no espaço social e coletivo, garantindo a
sua participação nas discussões e tomadas de decisões da sociedade como um todo
(SOUZA; SABATINE; MAGALHÃES, 2011).
Na tese de Doutorado de Rafael Figueiró (2015), intitulada Cartografia do
trabalho de agentes penitenciários: reflexão sobre o “dispositivo prisão”, o autor
expõe que o sistema prisional brasileiro se constitui enquanto importante problema,
não só pelo crescimento do número de presos e consequente superlotação de unida-
des prisionais, mas também pela violação de direitos humanos, institucionalização
e dificuldade de reinserção social dos apenados. Fala ainda, dos efeitos nocivos do
sistema prisional afetam seus trabalhadores, geralmente não priorizados por pes-
quisadores, programas de saúde e políticas governamentais e diz que a literatura
vem apontando para algumas consequências do trabalho no cárcere, dentre elas, o
adoecimento psíquico, stress, uso abusivo de álcool etc., mas pouco se sabe sobre
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 527

essa categoria profissional, seus problemas, as dificuldades de sua rotina de trabalho,


assim como os processos de subjetivação envolvidos.
Vale considerar que, o Brasil tem uma política de saúde pública, Sistema Único
da Saúde – SUS, que deve atuar na perspectiva da saúde integral. Na dimensão da
integralidade, busca garantir ao indivíduo uma assistência à saúde que transcenda a
prática curativa, contemplando o indivíduo em todos os níveis de atenção e consi-
derando o sujeito inserido em um contexto social, familiar e cultural.
No SUS, a Saúde do Trabalhador é o conjunto de atividades que se destina,
através das ações de vigilância epidemiológica e vigilância sanitária, à promoção e
proteção da saúde dos trabalhadores, assim como visa à recuperação e reabilitação
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da saúde dos trabalhadores submetidos aos riscos e agravos advindos das condições
de trabalho.
Segundo a Portaria nº 3.120/GM/1998 a Vigilância em Saúde do Trabalhador
– VISAT, compreende uma atuação contínua e sistemática, ao longo do tempo, no
sentido de detectar, conhecer, pesquisar e analisar os fatores determinantes e condi-
cionantes dos agravos à saúde relacionados aos processos e ambientes de trabalho,
em seus aspectos sociais, tecnológicos, organizacional e epidemiológico, com a
finalidade de planejar, executar e avaliar intervenções sobre esses aspectos, de forma
a eliminá-los ou controlá-los.
Portanto, ao demonstrar o real, entende-se como uma proposta de intervenção a
implantação de políticas públicas voltadas à segurança e a saúde do agente prisional,
proporcionando ao servidor melhores condições de saúde física e mental, contribuindo
para um ambiente de trabalho que tenha mais salubridade, melhor infraestrutura,
adequação da carga horária de trabalho, diminuindo assim, o sofrimento psíquico.
À CAVS/SEAP, cabe um plano de ações contínuo de atendimentos, avaliação e de
estratégias de ações de valorização e qualidade de vida, de forma acessível e efetiva,
trabalhando também de forma preventiva.
Por fim, nesta dissertação buscou-se apresentar o dispositivo prisão, com um
olhar diferenciado, a partir dos aspectos da saúde mental dos agentes prisionais, indi-
víduos carregados de subjetivação, atravessamentos e implicações, que desenvolvem
seu trabalho em um contexto que proporciona adoecimento.
528

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15 de novembro de 2021.
MÍDIAS SOCIAIS COMO PERSPECTIVA,
PELA ÓTICA DA PSICANÁLISE:
considerando relacionamentos interpessoais
Ana Carla Cividanes Furlan Scarin1

Introdução
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Analisar as influências das mídias sociais nas relações interpessoais é antes


de tudo buscar o entendimento dessa movimentação, assim como as mudanças e as
transformações de tais tecnologias, e o que ela vem revelando com a sua globalização.
Ribeiro, Chagas e Pinto (2007) relatam que um dos fatores de grande importância
para a Idade Moderna, foi a genial invenção da imprensa de Johanes Gensfleisch
von Gutenberg (1397-1458). Ainda segundo eles, essa invenção foi crucial para as
mudanças significativas na civilização do século XV e causa influência na atualidade
mesmo já se passaram tantos anos. A imprensa é considerada uma grande descoberta:
além de marcar a história pelo novo modo de divulgação de informação, é também
uma ferramenta que implicou em mudanças sociais, políticas e psicológicas. Sendo
esse instrumento de mudança contribuiu também de forma considerável a emergên-
cia da ciência, religião, cultura e política. E assim de certo modo, foi considerada
como contribuição para o surgimento de um novo modelo que surgia: a Era Moderna
(BARCELAR, 1999 apud RIBEIRO; CHAGAS; PINTO, 2007).
Em 1950, Gutenberg inventou a prensa móvel e com isso foi possível imprimir
milhares de cópias idênticas de livros e panfletos (RIBEIRO; CHAGAS; PINTO,
2007). Então já no final do século XVI havia milhões de livros impressos por todo
mundo ocidental. E foi a partir disso a comunicação escrita por meio de cartas,
panfletos e até mesmo do próprio livro, passou a ser uma prática social estabelecida,
apesar de já utilizada (CHAVES, 2005 apud RIBEIRO; CHAGAS; PINTO, 2007).
Essa nova tecnologia da impressão possibilitou uma revolução nas comunicações,
aumentando de forma considerável a circulação de informações que onde a de uma
pessoa tornou-se possível transmitir para milhares de pessoas e com isso alterando
os modos de pensar e as interações sociais.
Com o passar dos anos e várias mudanças ocorridas na sociedade, uma nova
possibilidade de comunicação surgiu: a internet. Através dela foi possível comu-
nicar-se mais rápido e formar vínculos com todas as partes do mundo. Um ramo
dessa vasta tecnologia concentra-se nas mídias sociais, sendo elas caracterizadas
como blogs, fóruns, sites, redes de televisão, comunicação via rádio, entre outras. É
impossível não observar a influência que as redes sociais, na internet, exercem sobre

1 Psicóloga, pós-doutora pela Universidade de São Paulo/SP. Doutora e Mestre pela Universidade Estadual
Paulista. Professora universitária, orientadora educacional e psicóloga clínica.
534

a vida cotidiana da maioria das pessoas, assim como também nas empresas e insti-
tuições. Assim, essas novas modalidades de comunidades on-line vêm constituindo
um novo modo de fazer sociedade (ROSA; SANTOS, 2015). Esse novo modo de
relacionar-se, focado principalmente nas redes sociais, gerou uma nova forma de
cultura denominada cibercultura (ROSA; SANTOS, 2015).
A cibercultura é considerada por Lemos (1999) uma modalidade sociocultural
que emerge da relação simbiótica entre a sociedade, a cultura e as novas tecnologias de
base microeletrônica que surgiram com a convergência das telecomunicações e com
a informática na década de 1970 (LEMOS, 1999, p. 11 apud CHAMPANGNATTE;
CAVALCANTE, 2015). Para Levy (1999) conforme citado por Lima et al. (2009),

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a cibercultura pode ser considerada um conjunto que conta com técnicas, práticas,
atitudes, modos de pensamento e valores que são instituídos com o ciberespaço. O
ciberespaço pode ser conceituado como a união de redes e de recursos de comuni-
cação, sendo essas formadas através da interconexão global de computadores. Por
meio do ciberespaço é que foi possível o acesso aos recursos de um computador à
distância, a trocas de arquivos digitais e mensagens.
Na cibercultura, o que se pode notar é o surgimento de uma teia global de
conexões, que são realizadas através de hardware e interfaces que em sua totalidade
é o que forma a estrutura do ciberespaço. Por meio dessas interconexões digitais os
relacionamentos entre as pessoas bem como as formas de se relacionar são reconfigu-
rados e as culturas nacionais se aproximam, formando então uma cultura globalizada
e cibernética. A expansão dessa tecnologia digital afeta várias áreas como a ciência,
as artes, a cultura, a política, a economia, a comunicação entre outras (LIMA et al.,
2009). Lemos (2011), fazendo referência a Freud, diz que esse considera que todas
as relações de objeto são mediadas pela fantasia. Esse mesmo autor diz que Lacan
considera que a partir das construções fantasiosas que a nossa realidade psíquica é
delineada, pode significar que nossas relações reais, simbólicas e imaginárias com
as outras pessoas e com o mundo são convencionadas através de nossas fantasias.
Segundo Nascimento (2010), a fantasia é constituída como uma defesa contra o
real. Como uma espécie de tela ela mascara esse encontro com o real e o torna supor-
tável para o indivíduo. Essa “coisa” que vem do real e é insuportável para o indivíduo
a ponto de ter que ser dissimulado é a castração, ou seja, é uma falta consideravel-
mente importante que surge nesse sujeito desde seus primeiros momentos de vida.

Lacan (2003, p. 364), em Alocução sobre as psicoses da criança, texto publicado


nos Outros Escritos, anuncia que o valor da psicanálise está em operar sobre a
fantasia. Ele defende a existência de uma fantasia fundamental, ou seja, de que
a fantasia está na própria origem do sujeito e emana do que lhe falta, já que ele
está permanentemente em busca de seu objeto perdido (OLIVEIRA, 2008, p.114).

A criança se torna um sujeito desejante em efeito da falta do objeto de satisfação


como, por exemplo, o seio da mãe. O objeto falta e o sujeito vai validar esta perda
desse objeto dando origem assim a uma fantasia. Portanto, em um primeiro momento
a fantasia é apenas a representação do imaginário (NASCIMENTO, 2010).
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 535

Para Lacan, segundo Oliveira (2008), a fantasia tem seu início no momento do
recalque originário, em outras palavras quando o pai ou até mesmo a metáfora do
nome-do-pai surge na vida do sujeito ainda criança, e isso acontece durante o segundo
tempo do Édipo. O pai quebra essa relação simbiótica do filho e isso o impede de
aproveitar o gozo absoluto. Deste modo a fantasia então não permite que a criança
tenha o gozo total, mas sim outra forma de gozo, dando-lhe em troca o gozo fálico.
Pode-se pensar na fantasia como uma fuga à pulsão de morte, pois ao impedir o
gozo total ela faz uma espécie de conexão entre o inconsciente e a realidade. Porém,
ela não consegue dominar a pulsão de morte por inteiro, pois uma parte permanece
liberta no inconsciente; a consequência aparece quando ela ganha espaço em relação
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à vigência da realidade (OLIVEIRA, 2008).


Nascimento (2010) afirma que a fantasia consegue emoldurar e enquadrar a
realidade; portanto, por meio dela toda realidade do sujeito será permeada pelo desejo.
Esse autor ainda vai além e relata que a fantasia também tem uma função organizadora
da realidade humana e por isso ela não tem função somente no campo do imaginário,
mas também no campo simbólico. Desta forma a fantasia consegue juntar os três
registros: o simbólico, o imaginário e o real:

Logo após o nascimento, a criança entra em contato com a dimensão simbólica,


imposta pelo significante paterno, durante o segundo tempo do Édipo. A genitora,
ao entrar em contato com seu bebê, inconscientemente o considera um objeto
capaz de ser o seu “objeto fálico”, ou seja, capaz de lhe satisfazer todos os desejos.
A criança vive então em uma constante tentativa de desvendar qual é o desejo
de sua mãe, e, por conseguinte, vive imaginando objetos que sejam capazes de
satisfazê-lo. Contudo, este desejo nunca poderá ser atendido, já que é pertencente à
esfera do impossível, representada pela dimensão real (OLIVEIRA, 2008, p. 115).

Portanto, ainda de acordo com Oliveira (2008), a fantasia entra em cena e faz a
articulação entre o registro simbólico e o real, por meio do registro imaginário. Sendo
assim com base nesse conceito de fantasia, permanecemos em Lemos (2011) que declara
que essa forma de se relacionar no ciberespaço, ou seja, o indivíduo utilizar o computador
para se relacionar com as pessoas, ou ainda dizendo que nesse contexto a relação do
indivíduo com as pessoas mediada pelo computador, nada mais é do que afirmarmos
que o modo como essa se relaciona com as demais é fundamentado e mediado pela
fantasia. A autora ainda acrescenta que a tela do computador é o que está visível aos
nossos olhos, porém, a tela que está atuando (atuante) durante a relação, e funcionando
durante esse processo, é a da fantasia. As fantasias têm funções que podem ser observadas
no ciberespaço como a função protetora que faz com que os fatos sejam sublimados e
embelezados, o que, por sua vez, leva a que ocorra a autoabsolvição. Isso pode causar
impactos negativos na vida das pessoas, tendo efeitos e repercussões principalmente na
subjetividade e nas formas de relacionamentos dos indivíduos (LEMOS, 2011, p. 63).
É notório como as redes sociais alteraram diretamente a forma como nos
comunicamos e nos relacionamos. Por um lado, as redes sociais ampliaram a inte-
ração, dando oportunidade de manter contatos com pessoas que estão distantes,
536

de uma maneira muito mais próxima do que através de cartas por exemplo. Com
a tecnologia, hoje, podemos conversar com quem quisermos por meio de uma tela
de celular ou computador podendo vê-la em momento real. Além disso, pode-se
compartilhar trabalhos, trocar ideias e até mesmo se expressarem e mostrarem
o seu dia a dia. No entanto, quando refletimos sobre a maneira como as pessoas
estão se mostrando nas redes sociais, caímos numa reflexão. Até que ponto estamos
expondo aquilo que realmente somos?

Desenvolvimento

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Segundo Barbosa et al. (2013, p. 61), “com a disseminação de novas formas de
viver propiciadas pelo mundo virtual, foi criado um espaço que potencializa mani-
festações inconscientes, situando-se num intermédio, nem dentro nem fora, nem eu
nem outro, um espaço ‘entre’”. Com as novas tecnologias, houve novas maneiras
das pessoas se expressarem, sendo mais um meio onde podemos identificar as carac-
terísticas e estrutura da personalidade do sujeito, sendo passíveis de interpretações.
Podemos refletir que as pessoas podem estar buscando uma legitimação quando
se usa as redes sociais. Há uma necessidade de compartilhar sua vida, podendo ser
verdade ou não, mas com a intenção de buscar uma aceitação do outro. No entanto,
segundo Twenge et al. (2008 apud ROSA; SANTOS, 2015), já nos traz uma visão
diferente, que diz sobre as tendências narcisistas entre usuários, em que se opõe à
tese de que as opiniões alheias seriam uma forma preponderante de definir identi-
dades e de buscar legitimação por parte do outro. Nesta visão, para Rosa e Santos
(2015, p. 922) “a relação com o outro se reproduziria de forma imaginária por meio
da elaboração do perfil e das postagens, constituindo-se como uma relação mais do
sujeito consigo mesmo do que dele com o outro”. Dessa forma, identifica-se que essa
relação é muito complexa. Abordaremos questões narcísicas mais adiante.
De acordo com Pereira e Tokuda (2017), o desenvolvimento humano transcorre
conforme Winnicott (1983), ou seja, “é através do conceito de falso self que o ser
se expõe de uma forma irreal, ou seja, sendo aquilo que a sociedade impõe que seja,
e não aquilo que realmente é, podendo ser encontrado em diversos níveis, desde o
normal até o patológico” (PEREIRA; TOKUDA, 2017, p. 858). O(a)s usuário(a)s das
redes sociais buscam uma adaptação ao meio social e, para que isso seja alcançado,
podem acabar se tornando seres fora de suas originalidades. Viver fora da realidade
atualmente é muito fácil, pois estamos constantemente conectados a uma realidade
virtual que disponibiliza inúmeras alternativas para se criar e modelar uma persona-
lidade, e uma imagem de acordo com o que se deseja e com os padrões que o meio
impõe para ser aceito e reconhecido, nas redes sociais, e que são consideradas aqueles
que buscam refúgio dos sofrimentos causados pelas exigências de como se viver no
mundo real (PEREIRA; TOKUDA, 2017).
A teoria do Amadurecimento Emocional/Pessoal de Winnicott (1983) nos traz
o conceito de verdadeiro e falso self. O verdadeiro self seria a construção do próprio
eu sem uso de máscaras, é realmente ser o que se é. Já o Falso self atua como um
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 537

mecanismo de defesa de algumas pessoas para proteger o verdadeiro self, uma forma
de deixar a mostra somente o que é socialmente aceito e esperado. Isso acontece, pois,
o falso self tenta resguardar o verdadeiro self de um ambiente que não foi suficiente-
mente bom. Para Winnicott (1983), esta estrutura se desenvolve desde o nascimento
da criança; se a mãe supre as necessidades do bebê e estabelece uma boa relação com
ele, esse indivíduo consegue fortalecer seu ego e organizar melhor suas defesas e mais
rapidamente tornar-se verdadeiro. Além disso, ele vai conseguir distinguir o seu “eu”
do “não eu”. Diferentemente do bebê que não tem suas necessidades supridas e não
consegue desenvolver essa estrutura e acaba tendo que camuflar muitas vezes o se
“eu” através do falso self (WINNICOTT, 1983 apud PEREIRA; TOKUDA, 2017).
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Pereira e Tokuda (2017), ainda, descrevem como o falso self tem correlação
direta com os comportamentos das pessoas nas redes sociais:

A identificação do falso self nas redes sociais é visível, pois todos os aspectos da
teoria de Winnicott se cruzam com a maneira em que os usuários utilizam esses
meios. Para Galván (2013), o falso self causa um empobrecimento da persona-
lidade real e um enriquecimento na personalidade mostrada nas redes sociais,
sendo assim o indivíduo se mostra ao mundo de uma maneira saudável imerso
na irrealidade, porém seu verdadeiro eu está doente, vazio e sem forças para se
mostrar. O falso self é nutrido por meio da apresentação ambiciosa e sedutora do
indivíduo, que desenvolvem a habilidade de dissimular, fingir e mentir (PEREIRA;
TOKUDA, 2017, p. 869).

Supõe-se dessa maneira que pelo fato das pessoas apresentarem nas redes sociais
uma imagem muitas vezes irreal, faz com que ela se confunda com a sua própria
personalidade, não conseguindo distinguir o que se é de verdade e o que é máscara.
Com isso, desenvolve um sentimento de vazio e futilidade, podendo levar a questões
emocionais ligadas a dificuldades afetivas.

O exibicionismo e as redes sociais


As redes sociais têm ocupado um lugar de destaque no processo de incorpora-
ção de múltiplas identidades pessoais, em destaque atualmente está principalmente
o Facebook. O Facebook é um portal social, lançado em 2009, no qual permite que
as pessoas conversem entre si e compartilhem mensagens, links, vídeos e fotografias
(SOBRINHO, 2014).
Na atualidade, estas redes sociais fazem parte da rotina e do cotidiano de maioria
das pessoas. É possível notar certa necessidade que as pessoas possuem de estarem
conectadas a todo tempo; essas redes se aliam aos avanços da tecnologia da comuni-
cação e a característica particular do indivíduo em manter relacionamentos, enfatizou
ainda mais o crescimento desta (SILVA; AZEVEDO; GALHARDI, 2015). De acordo
com Sobrinho (2014), parece que atualmente o sujeito vive do seu próprio espetáculo,
onde as relações sociais desse sujeito são substituídas por representações. O sujeito
se representa tal como seus membros da rede social acreditam que ele é ou deveria
538

ser. Conforme Dornelles (2004 apud ROCHA; SOUZA, 2019), a internet nos permite
explorar facetas de nossa personalidade que em relações presenciais, ou seja, off-line
não podemos assumir. As limitações de comportamentos individuais impostas pela
sociedade nos impediram de ter uma identidade livre. Isso não ocorre na vida on-line,
o que nos dá livre acesso a exposição de uma identidade virtual.
Segundo Silva, Azevedo e Galhardi (2015), mesmo as redes sociais apresen-
tando inúmeras vantagens, é possível ainda destacar situações em que as pessoas
fazem o uso inconsciente dessa tecnologia, e isso pode resultar em consequências
negativas, como a perda de privacidade. Nessas redes de relacionamento virtual são
encontradas várias informações pessoais desses indivíduos, das quais seriam dificil-

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mente divulgadas não fosse por este meio (MORAIS, 2014 apud SILVA; AZEVEDO;
GALHARDI, 2015). A internet é como janelas na vida das pessoas para observarem
e serem observadas, onde o perfil, publicações e as relações nelas estabelecidas são
abertas ou semiabertas para os usuários que fazem parte destes ambientes virtuais
(MARRA E ROSA, 2015).
Assim, as redes sociais vêm se tornando um meio para as pessoas se exibirem,
e um termo que ganhou grande importância nessa nova realidade foi: selfie. Consiste
em uma foto tirada de si mesmo. Com o crescimento do uso do selfie como ferra-
menta, torna-se perceptível cada vez mais o culto à própria imagem, no qual muitos
passam a acreditar que a condição essencial para pertencer a sociedade encontra-se
em atualizar constantemente esta selfie das redes sociais, buscando a superexibição
(SOBRINHO, 2014). As pessoas na sociedade atual sentem uma necessidade muito
grande de se autopromoverem junto às redes sociais, mesmo que isso custe a sua
privacidade. Portanto, pode-se dizer que essa sociedade está vivendo a era do exibi-
cionismo digital (SILVA; AZEVEDO; GALHARDI, 2015). As pessoas são induzidas
ao exibicionismo pelo próprio mundo digital, pois este mundo é acessado de maneira
prática e a divulgação de imagens é rápida (MIDORE; SANTOS; GIUDICE, 2016).
De acordo com Midore, Santos e Giudice (2016), as pessoas que utilizam as
redes sociais utilizam essas atitudes mais exibicionistas e de autopromoção incenti-
vados por seus internautas e seguidores. É satisfatório para tais pessoas virem esse
retorno virtual e perceberem que esse mesmo mundo está girando em torno de si
através de uma tela de celular e/ou computador. Obter a aprovação dos internautas
gera prazer e popularidade: quanto maior o número de comentários positivos des-
ses internautas e curtidas, maior é o nível de aceitação e satisfação e, com isso, o
“aumento” do próprio ego. Essa “aprovação” resulta em aceitação própria, ou no que
eles chamam de “autoamor”.
Conforme Rocha e Souza (2019), citando Brum (2016), a exposição nas redes
sociais é um meio de atender a necessidade de “fazer parte” da sociedade, como se
fosse uma prova de que existência e afirmação de sentimento de pertença (BRUM,
2016 apud ROCHA; SOUZA, 2019). As diferentes formas de exibicionismo nas redes
sociais estão relacionadas a esta necessidade de ser visto, como por exemplo: quando
o indivíduo posta algo relacionado ao que está sentindo no momento, ou uma foto
onde espera por aprovação pelo número de curtidas, comentários que o post gera.
Isso permite bem-estar e satisfação, ou seja: quanto maior o número de seguidores,
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 539

mais vista esta pessoa será. Isso faz com que busquem cada vez mais fazerem parte
dessas redes (MARRA E ROSA, 2015).
Desta forma, uma experiência perde seu sentido se não for registrada e com-
partilhada com o outro. Onde o indivíduo só passa a existir se for visto e se ele gerar
repercussão na rede social. Esse movimento possui relação direta com o surgimento
do narcisismo, tão marcante na contemporaneidade. Considerando esse narcisismo
como a marca da fragilidade do “eu” e da obsessão do indivíduo para consigo mesmo
(SOBRINHO, 2014). Destaca Rosa e Santos (2015) que há uma repercussão do uso
das redes na subjetividade contemporânea que acarreta uma dependência da relação
fantasiosa e da imaginação, o que acaba camuflando o real.
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Assim, partindo desses pressupostos, Bandeira e Postigo (2015) postulam que


a identidade do indivíduo se desenrola em um cenário cultural midiático, que possui
no culto ao corpo e na superexposição um projeto de existência, a oferta do bem-estar
e de felicidade, onde transmite-se ao outro fragmento da imagem de si, a qual se
constrói virtualmente, tanto quanto de uma vida idealizada. O comportamento que
a pessoa tem de se expor nessas redes nada mais é do que uma busca e necessidade
de aceitação e aprovação do outro, o que gera também certa ansiedade devido à
expectativa que essa pessoa possui em querer agradar a todos amigos e seguidores
que a assistem (MIDORE; SANTOS; GIUDICE, 2016). Isso faz com que se tornem
vulneráveis diante do “público”, sensíveis e frustrados. A pessoa tem o foco voltado
para si mesma, persiste na tentativa de ser aceita para poder se sentir vista pelo
mundo, havendo aí perda de identidade e personalidade (ROSA; SANTOS, 2015
apud MARRA E ROSA, 2015).
Debord (1967), conforme citado por Rocha e Souza (2019), fala sobre uma
era em que temos a necessidade do ter e não do ser, onde estaríamos em uma busca
incessante de conquista a bens materiais para assim estarmos de fato inseridos na
sociedade contemporânea. Quem aparece mais, e possui de “atrativos” mais interes-
santes, como carros, casas bacanas, roupas de grife, simboliza a falsa compreensão de
quem tem mais e aparece mais, é o melhor e é perfeito. Isso faz com que desejemos e
busquemos cada vez mais esse lugar (DEBORD, 1967 apud ROCHA; SOUZA, 2019).
Chamado de Narcisismo Patológico a necessidade de ser visto, o que está relacionado
a uma ruptura com algo que é desejado ou fantasiado, tornando esse “algo” muito
forte e, portanto, perseguido. É expressado em comportamentos compulsivos, como
postar constantemente fotos, atualizar status, mostrar sua localização e tudo o que
faz, como forma ilusória de recuperar o “algo” perdido (DORNELLES, 2004 apud
ROCHA; SOUZA, 2019).
Entre as patologias do Narcisismo, a psicanálise aponta a patologia do vazio,
que está relacionada às figuras paterna e materna, significativas para a constituição
do eu do bebê. É através do toque da mãe, de sua fala, do seu olhar que o bebê se
sente parte do mundo, sendo visto e amado pela mesma. A ausência desse “cuidado”
vindo da figura da mãe torna o indivíduo quando adulto um ser vulnerável, vivendo e
aspirando à necessidade ser visto. Ou seja: a pessoa só existirá se for olhada e aceita
pelo outro (GREEN, 1988). Segundo Melo, Sacchq e Reis, (2019), o Narcisismo
na atualidade se mostra no individualismo presente nas relações, onde os indivíduos
540

disputam poder e popularidade, o que ocorre principalmente nas redes sociais. As ilu-
sões de grandeza e fantasia refletem em suas colocações e posts na internet, atendendo
às demandas do Narcisismo Patológico. Aos narcisistas é vital a aprovação do outro,
necessitando também da confirmação de seu suposto glamour por todos que estão à
sua volta ou fazem parte de suas redes. Isso possibilita ao narcísico o sentimento de
segurança e poder, tendo como seu espelho a grandiosidade de ser aceito por aqueles
que o seguem e o admiram (MELO; SACCHQ; REIS, 2019).
Aqui percebe-se a importância de fazer parte das redes, até mesmo para estar
por dentro de tudo o que ocorre na sociedade. Hoje tudo é colocado ou postado nas
redes sociais, ou seja, há um senso de importância e o papel de “inserção” onde

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o sujeito se sente parte de algo independente de sua posição físico-geográfica,
podendo estar perto do mundo todo em tempo real. O que nos chama ao alerta é a
superficialidade da vivência que tais redes permitem experienciar. Têm-se as redes
sociais como cárcere para sujeitos que se sentem cada vez mais isolados e que vivem
exclusivamente em função de procurar uma forma de satisfação (MELO; SACCHQ;
REIS, 2019). De acordo com Kallas (2016 apud MELO; SACCHQ; REIS, 2019), os
sujeitos sentem mais a necessidade de estar on-line e fazer parte de um espetáculo
onde são aplaudidos do que de vivenciar fisicamente emoções mais realistas. O que
então pode levar o sujeito a se envolver de tal forma diante de uma rede social?

Lasch (1983, p. 44) afirma que “toda cultura constrói um tipo psicológico ideal
[...] exigido pela sociedade”. Freud (1996) relata sobre o Ideal do Ego, que se
refere a um conceito dinâmico, ou seja, apoiando-se sobre as pulsões dos sujei-
tos, desta forma, os sujeitos encontram-se em uma eterna tentativa de recuperar
a perfeição narcísica obtida no período da infância, prolongando essa tentativa
de modo que ela seja vista como algo a se alcançar no futuro. A origem do Ideal
de Ego encontra-se nas identificações do Complexo de Édipo; a partir de então,
o sujeito sempre busca novas formas de identificação, encontrando nas redes
sociais seus ídolos e investindo libido nesses novos modelos de identificação
superficiais. Desta maneira, o Ideal do Ego pode ser compreendido como uma
força pulsional que leva o sujeito para o progresso, transpondo para as redes
sociais. Os sujeitos a percebem como lugar de exposição e engrandecimento,
onde podem conquistar os louros da fama, ainda que não sejam celebridades de
fato (MELO; SACCHQ; REIS, 2019, p. 9).

Outra rede social que não poderíamos deixar de citar, e que possui um poder de
influência muito grande, é o Instagram. Esse aplicativo que foi criado em 2010 abre
espaço para que seus usuários compartilhem fotos e vídeos, podendo utilizar de vários
filtros para editá-los. Segundo Hage e Kublikowski (2019), o Instagram é utilizado
por mais de 400 milhões de pessoas ao redor do mundo, e o Brasil é o segundo país
que mais acessa essa rede. Apesar do grande número de usuários, há pouquíssimas
pesquisas, principalmente na área da Psicologia, no que se refere sobre as influências
desse aplicativo no cotidiano das pessoas, e também sobre pesquisas que ofereçam
subsídios para lidar, nas práticas clínicas, com as consequências dessa grande exposição
que o indivíduo se submete (SIBILA, 2008 apud HAGE; KUBLIKOWSKI, 2019).
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 541

Em 2019, o Instagram começou a testar no Brasil a ocultação no número de


curtidas que seus usuários recebem. Isto é, a partir de agora apenas o dono da conta
poderá saber a quantidade de curtidas que recebeu. Segundo o comunicado oficial do
próprio Instagram, essa experiência tem o intuito de diminuir a competição entre seus
seguidores, dando foco mais para as histórias compartilhadas do que para o número
de likes. Esse teste já vendo sendo realizado desde maio, no Canadá, e no Brasil
começou a ser testado desde o dia 17 de julho de 2019. Diante disso, percebe-se que
há algumas intervenções sendo feitas para diminuir as competições entre as pessoas,
tentando favorecer um ambiente mais saudável nas redes sociais. Entretanto, não há
nada definitivo nesse sentido, pois o uso das redes sociais ocorre em consonância
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com necessidades sociais.


Mais uma questão a ser discutida é como as relações humanas estão se tornando
passageiras. Segundo Arós (2009), Bauman (2007), em “Tempos líquidos”, descreve
como a organização social vem se transformando e novos desafios surgindo, diante
do novo ambiente social. Estamos vivendo uma fase, no qual, podemos caracterizar
de “modernidade líquida”, onde a estrutura das relações não são mais construídas e
solidificadas, tudo está se tornando passageiro e descartável. De acordo com Bauman
(2005, p. 8 apud ARÓS, 2009, p. 25), “a vida líquida é uma vida precária, vivida em
condições de incertezas constantes.” As pessoas estão constantemente preocupadas
em acompanhar a rapidez dos eventos, não cabendo “ficar para trás”. É necessário
que sigam os padrões do momento, caso contrário, pode-se considerar fracassado
dentro dessa nova concepção ideológica do século XXI.
Em tempos líquidos, há uma verdadeira repulsa à frustação, e a felicidade precisa
ser alcançada a qualquer custo, ou pelo menos é preciso mostrar que se está feliz.
Um dos maiores desafios nesse novo tempo é a construção de uma relação. Como
descrito, a frustação é evitada a todo momento, e os relacionamentos acabam se
tornando um fator de risco. Nesse quesito, as redes sociais colaboraram, trazendo os
relacionamentos virtuais à tona, já que é muito mais fácil bloquear a pessoa, excluir
o contato quando há uma discussão, do que enfrentar um diálogo aberto. Além disso,
evita-se o medo de ser rejeitado em uma relação, e sofrer por isso (ARÓS, 2009, p.
37). Assim, é nesse momento que o falso self atua, isto é, o sujeito passa a camuflar
seu verdadeiro eu, evitando ser quem realmente é, deixando de viver e sentir suas
emoções, sendo elas boas ou ruins. Outra questão crucial sobre essa temática, de
acordo com Keen (2012, p. 40 apud JEFFMAN, 2014, p. 354) diz respeito a como
a internet deixou de ser somente um meio de distribuição impessoais e passou a ser
“uma rede de empresas e tecnologia, concebida em torno de produtos, plataformas
e serviços sociais”. E dessa maneira, a internet se transformou em:

Cérebro digital global que transmite publicamente nossas relações, intenções e


nossos gostos pessoais, pois, ao permitir que nossos milhares de ‘amigos’ saibam
o que fazemos, pensamos, lemos, vemos e compramos, os produtos e serviços da
web fortalecem nossa era hipervisível de grande exibicionismo (KEEN, 2012,
p. 40 apud JEFFMAN, 2014, p. 354);
542

Neste novo momento em que vivemos, o status de riqueza também sofre uma
nova configuração, transformando-se em conectividade. Isto é, somos avaliados pela
quantidade de amigos, seguidores e curtidas que possuímos no nosso perfil das redes
sociais, assim quanto mais números você contabilizar mais valioso você se torna
dentro desse meio, e com isso, consequentemente influencia os amigos a adquirirem
bens ou tomarem decisões (KEEN, 2012 apud JEFFMAN, 2014). Ainda conforme
Keen (2012 apud JEFFMAN, 2014), o mesmo cita Michel Foucault que aponta que
a “visibilidade é uma armadilha” em sua obra Vigiar e punir (FOUCAULT, 1987), o
que traduz exatamente o que temos presenciado hoje. Podemos observar que as redes
sociais, ao invés de unir a sociedade, podem estar fragmentando pois, ironicamente,

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estamos “nos tornamos mais divididos que unidos, mais desiguais que iguais, mais
ansiosos que felizes, mais solitários que socialmente conectados” (KEEN, 2012, p.
77 apud JEFFMAN, 2014, p. 356). O autor enfatiza que o objetivo das redes sociais
não é proporcionar união e felicidade para a sociedade, mas permitir que marcas e
empresas tenham acesso as pessoas: “em vez de sermos clientes do Facebook, ‘somos
seu produto’. Somos as informações personalizadas que o Facebook e muitas outras
empresas sociais vendem a seus anunciantes” (KEEN, 2012, p. 77 apud JEFFMAN,
2014, p. 356). Assim nos tornamos produtos, e o que importa são nossos rótulos, o
que apresentamos para a sociedade no nosso perfil das redes sociais. É como se esti-
véssemos adquirindo um prazo de validade e quando não conseguimos acompanhar
as tendências, podemos nos considerar insuficientes ou ultrapassados.

Considerações finais
Em suma, podemos refletir que nessa atual era em que vivemos a internet
veio como uma ferramenta de acesso à informação, contribuindo de maneira
significativa ao processo de globalização que estamos vivendo. Junto a isso, as
redes sociais se tornaram parte do cotidiano da maioria das pessoas, influen-
ciando-as nas novas maneiras de se relacionarem, trazendo aspectos positivos
e negativos. Cabe aqui mencionar que compreendemos as contribuições que as
redes sociais proporcionaram como: a facilidade de se comunicar de maneira
instantânea podendo conversar com pessoas de até outros países por exemplo,
além de outras colaborações. No entanto, nosso foco foi fazer uma crítica no
modo como as pessoas estão fazendo o uso das redes sociais e como tudo isso
influencia nos relacionamentos interpessoais.
De acordo com o visto, as pessoas que utilizam com maior frequência as redes
sociais, apresentam dificuldade em compreender as emoções humanas incluindo as
próprias emoções. As redes sociais, como já dissemos, favoreceu um ambiente onde
os problemas de relacionamentos podem ser resolvidos com um simples “bloqueio”
na pessoa, fazendo com que as pessoas fujam de enfrentar um diálogo aberto, olho
no olho. Sendo assim, percebemos como essa interação on-line colabora na perda
da capacidade de empatia do sujeito. A comunicação via internet não proporciona o
uso da linguagem não verbal, como as expressões das emoções, tom de voz, fazendo
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perder, dessa forma, aspectos essenciais para uma comunicação mais efetiva e esta-
belecimento de conexões humanas mais reais.
Ademais, foi possível perceber como estamos substituindo o prazer de viver a
vida real pelo prazer de sermos vistos. Há uma necessidade de se exibir e mostrar o
que está fazendo, e geralmente as postagens estão relacionadas aos lugares que as
pessoas estão, o que estão comendo e a roupa que estão vestindo, refletindo numa
constante busca de mostrar que se está feliz. É como se a rede social fosse uma
competição de quem está melhor e na maioria das vezes todo mundo perde nessa
batalha, pois, a cada instante uma pessoa posta algo considerado “melhor” que o
seu post e nesse momento você já fica “para trás”. Desta forma, entendemos que é
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difícil acompanhar as tendências desse mundo virtual, e é nesse momento em que as


pessoas se perdem em si mesmas tentando buscar o “inalcançável” pois, em certos
momentos, acabam fingindo ser quem não são. Para onde caminhamos? Aqui está o
principal questionamento ao considerarmos as relações humanas.
544

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INSTRUMENTOS DE AVALIAÇÃO
PEDAGÓGICOS UTILIZADOS NOS
TRANSTORNOS ESPECÍFICOS
DE APRENDIZAGEM
Léa Cláudia de Souza Lemos Soares
Patrícia Pacheco Dinelly Sirotheau Carneiro
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Carla de Cassia Carvalho Casado

No cotidiano, o relato de pais e professores tem-se intensificado a respeito de


crianças e adolescentes com dificuldades de aprendizagem na leitura, na escrita e no
raciocínio lógico-matemático. Consequentemente, tem aumentado também a pro-
cura por profissionais que realizam avaliação e intervenção na aprendizagem. Nesse
contexto, o neuropsicopedagogo tem sido identificado como um dos profissionais de
grande relevância na equipe de especialistas que busca investigar as dificuldades e
as potencialidades do modo de aprender de um aluno. Reunindo conhecimentos da
psicologia cognitiva, da pedagogia e das neurociências, este profissional faz uso de
diferentes estratégias para construir um entendimento de cada caso. A utilização de
instrumentos de avaliação padronizados vem se mostrando como auxiliares para o
processo diagnóstico. Contudo, no cotidiano, são poucos os instrumentos padroni-
zados e a maior parte dos instrumentos traduzidos, geralmente são criticados quanto
ao processo de adaptação transcultural. Diante da relevância dos instrumentos no
processo avaliativo na prática clínica e da necessidade de aprofundamento investi-
gativo sobre o tema considerando o contexto brasileiro, este capítulo se propõe a
apresentar instrumentos avaliativos utilizados em pesquisas destinadas a investigar
habilidades de leitura, escrita e aritmética, o que pode contribuir para caracterizar
os Transtornos Específicos de Aprendizagem e planejar intervenções mais eficazes.

Dificuldades de aprendizagem e transtornos específicos


de aprendizagem
Dificuldades no desenvolvimento da aprendizagem é comum em crianças em
fase escolar, uma vez que muitas vezes reflete um processo de adaptação às novas
atividades e tende a ser solucionada no decorrer do percurso acadêmico (CARVA-
LHO; CRENITTE; CIASCA, 2007). Contudo, em alguns casos as dificuldades básicas
persistem e interferem significativamente no desempenho acadêmico, o que pede uma
investigação mais especifica para identificar fatores que interferem no aprendizado
e possíveis transtornos específicos de aprendizagem.
A dificuldade de aprendizagem pode ser entendida como um termo genérico que
abrange um grupo heterogêneo de problemas que alteram a capacidade da criança
548

aprender. Entre as causas na gênese da dificuldade de aprendizagem, pode-se citar


fatores relacionados à escola, à família, fatores emocionais e transtornos orgânicos.
O aprender ocorre a partir de modificações mais ou menos permanentes do
Sistema Nervoso Central (SNC) que dependem do contingente genético de cada
pessoa, associado a variáveis ambientais (OHLWEILER, 2016). É a partir de um
estímulo, que eventos sinápticos ocorrem no cérebro produzindo modificações que
são retidas por meio da memória a qual é responsável pela conservação e evocação
do conhecimento (IZQUIERDO, 2002).
Partindo desse entendimento, as dificuldades para a aprendizagem surgem associa-
das a aspectos ligados ao percurso acadêmico e de vida do aluno, ou a um determinado

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quadro diagnóstico específico, tais como, deficiência intelectual, alterações das funções
sensoriais, epilepsia, transtorno do espectro autista, entre outras (ROTTA et al., 2016).
Diferente destas condições, existem os transtornos de aprendizagem, os quais
compreendem alterações de origem neurobiológica, que influenciam a capacidade do
cérebro para perceber ou processar informações verbais ou não verbais com eficiência e
exatidão, interferindo de forma significativa na leitura, escrita ou cálculos evidenciados
de forma isolada ou associada, ainda que esteja inserido num ambiente propício ao apren-
dizado acadêmico e que possua preservada capacidade intelectual (BACK et al., 2020).
O diagnóstico dos transtornos de aprendizagem pede uma avaliação clínica
abrangente e deve ter como base os critérios oriundos de sistemas classificatórios
como o CID-11 e o DSM-5 (Quadro 1). Conforme o DSM-5 (APA, 2014, p. 66) deve-
-se considerar a história clínica, familiar e educacional do aluno, e o baixo rendimento
deve ser avaliado utilizando medidas de desempenho padronizadas administradas
individualmente (PORTO; SANTOS, 2019) que especifique os domínios acadêmi-
cos prejudicados: leitura (Dislexia), expressão escrita (disortografia) e matemática
(Discalculia) e o nível de gravidade atual leve, moderado e grave.

Quadro 1 – Critérios diagnósticos Transtornos Específicos de Aprendizagem


Critério A: Dificuldades na aprendizagem e no uso das habilidades escolares, conforme indicado pela presença de ao
menos um dos sintomas a seguir que tenha persistido por pelo menos seis meses, apesar da provisão de intervenções
dirigidas a essas dificuldades:
1. Leitura incorreta ou lenta de palavras e executada com esforço.
2. Dificuldade para compreender o significado do que é lido.
3. Dificuldade com a ortografia.
4. Dificuldade de expressão escrita.
5. Dificuldade com o domínio da rotação de número, dos fatos numéricos ou de cálculos.
6. Dificuldade no raciocínio matemático.
Critério B: As habilidades acadêmicas afetadas estão substancial e quantitativamente abaixo do esperado para a
idade cronológica do indivíduo, causando interferência significativa no desempenho acadêmico ou profissional ou nas
atividades cotidianas;
Critério C: As dificuldades de aprendizagem iniciam-se durante os anos escolares;
Critério D: as dificuldades de aprendizagem não podem ser explicadas por deficiências intelectuais, acuidade visual ou
auditiva não corrigida, outros transtornos mentais ou neurológicos, adversidade psicossocial, falta de proficiência na
língua de instrução acadêmica ou instrução educacional inadequada.
Fonte: Manual Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5).
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 549

O Transtorno Específico da Aprendizagem, com prejuízo na leitura, se caracte-


riza pelas dificuldades na fluência (ou precisão) do reconhecimento de palavras e baixa
capacidade de decodificação e de soletração ocasionando problemas na linguagem
receptiva e expressiva, oral e escrita (SILVA, 2009).
Conforme aponta Silva (2009), disfunções neurobiológicas causam desordens no
processamento fonológico da informação que comprometem a execução de atividades
de leitura, escrita e, também na matemática, uma vez que o desenvolvimento dessas
atividades necessita do processamento visual, auditivo e tátil para serem realizadas
com precisão. Assim, o aluno pode apresentar leitura lenta ou imprecisa, além de
dificuldade para compreender o que é lido; na ortografia adiciona, omite ou substitui
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letras; na expressão escrita comete muitos erros gramaticais, organização inadequada


de parágrafos e ideias com pouca clareza.
A leitura lenta, trabalhosa e individual de cada palavra dificulta a compreensão
do que foi lido, mesmo quando a criança compreender adequadamente a linguagem
falada. Contudo, outros aspectos, também, devem ser observados, tais como: sintomas
de desatenção, comprometimento da memória, vocabulário pobre, dificuldade de
coordenação motora, e comorbidades psiquiátricas (RODRIGUES; CIASCA, 2016).
No caso da disortografia, a linguagem escrita é marcada por erros ortográficos
persistentes (FRANCISCO; MACHADO, 2010). Sendo assim, é comum observar a
troca de fonemas na escrita, junção ou separação das palavras inadequadamente, omis-
são de letras ou inversões, desordens silábicas, bem como dificuldade de compreender
parágrafos, acentos gráficos e sinais de pontuação (BORTOLAZZO; PAVÃO, 2017).
Na disortografia, o conhecimento adquirido pelo indivíduo se distancia de uma
conversão em expressão escrita, uma vez que o déficit na formulação de ideias, na
produção textual e no pensamento abstrato compromete a linguagem escrita. Nesse
sentido, mesmo que saibam se expressar bem oralmente, realizar leituras e copias,
essas pessoas possuem elevada dificuldade para expressar seu pensamento de forma
organizada e de acordo com as normas gramaticais (FONSECA, 1995).
Além das dificuldades na leitura e na escrita, o transtorno específico de aprendiza-
gem também pode ser caracterizado pela dificuldade em raciocínio lógico-matemático.
A discalculia caracteriza-se como um Transtorno Específico de aprendizagem com pre-
juízos na matemática que envolve “Senso numérico, Memorização de fatos aritméticos,
Precisão ou fluência de cálculo e Precisão no raciocínio matemático” (APA, 2014, p. 67).
O desenvolvimento de competências matemáticas é de grande relevância para
a solução de demandas do cotidiano (NUNES; BRYANT, 1997). Assim, a Base
Nacional Comum Curricular (BNCC) reitera que a competência matemática é fun-
damental para todos os estudantes da Educação Básica, quer por sua vasta utilização
em seu contexto social, quer pelos seus atributos no desenvolvimento de indivíduos
questionadores, sabedores de seus compromissos comuns (BRASIL, 2017).
O processamento numérico possibilita a aprendizagem de diversas características
numéricas, que auxiliam o cálculo. Em contrapartida, o cálculo relaciona-se ao enca-
deamento dos sinais (+, -, × ou ÷) ou termos (mais, menos, vezes, dividir) operacionais,
à retomada junto à memória de longo prazo de situações matemáticas fundamentais
(tabuada) e à aplicação de técnicas de algoritmos (SILVA; SANTOS, 2011).
550

Na área do processo cognitivo, determinados estágios são fundamentais no que


concerne na elaboração do algarismo e da aritmética. No término do primeiro ano
de idade, o indivíduo já consegue distinguir encadeamento de números crescentes e
decrescentes. Aos dois anos, realiza correlações; com três anos, quantifica; aos quatro
anos utiliza dos dedos para contar; já com cinco anos realiza contas simples; aos seis
há uma continuidade na assimilação dos conceitos numéricos e nos seus sete anos,
relembra situações aritméticas de memória (BRIDI, 2016).
A discalculia costuma estar relacionada à dislexia, uma vez que as taxas de
comorbidades são elevadas (HAASE et al., 2015). Simultaneamente com a Discalculia
do Desenvolvimento estudos de Desoete (2008), apontam que 32% das crianças com

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discalculia apresentavam dificuldades de leitura e 21%, dificuldades de ortografia. A
alta relação de simultaneidade de dislexia e discalculia ocorrem devido a condições
compartilhadas por ambas as circunstâncias, como o déficit na memória de trabalho.

Processo avaliativo
O processo avaliativo neuropsicopedagógico engloba um conjunto de sessões,
onde a queixa trazida pelos pais, professores e/ou demais profissionais que o enviou
para a avaliação, será investigada. O número de sessões é variável e geralmente
segue as seguintes etapas:

• Entrevista com os pais e/ou cuidadores, implementada em uma ou duas


sessões, com o objetivo de realizar a entrevista inicial e de anamnese;
• Atendimento com a criança, realizado em três ou quatro sessões dire-
cionadas para explorar a motivação e estratégias de estudo, percepção
sobre o aprender, identificação de habilidades e dificuldades em leitura,
escrita e cálculo. Para verificar a presença de prejuízo clinicamente sig-
nificativo é adequado investir em entrevistas que caracterizem as dificul-
dades presentes no cotidiano acadêmico e na identificação de evidencias
psicométricas resultante de teste de desempenho acadêmico adminis-
trado individualmente;
• Leitura de laudos e/ou relatórios e/ou contato com outros profissionais que
avaliaram e/ou acompanham o desenvolvimento da criança, com o obje-
tivo de compreender a queixa e sua evolução, bem como as estratégias de
ensino que já foram implementadas para remediar as dificuldades descritas;
• Análise do material escolar da criança e do histórico acadêmico, com o
objetivo de investigar aspectos ligados tanto as habilidades da criança,
quanto ao acompanhamento realizado pela escola, como correção dos
exercícios, observações feitas pelos professores, entre outros.

De posse desse conjunto de informações é elaborado o relatório neuropsicope-


dagógico com a(s) hipóteses(s) diagnóstica(s) ao final, considerando a possibilidade
de se tratar de dificuldade típica do desenvolvimento, portanto transitória, dificuldade
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 551

secundária a outras patologias (indicar qual/quais) e se existem indicadores que


confirmem a hipótese de transtornos específicos da aprendizagem.
O tempo do diagnóstico é variável devendo ser adaptado às peculiaridades e
cada caso. Visando aperfeiçoar o processo, deve-se formalizar com o aluno e com os
responsáveis os termos em que o diagnóstico vai se desenvolver, definindo papeis,
obrigações e responsabilidades mútuas.

Instrumentos auxiliares ao processo diagnóstico


No processo diagnóstico, os instrumentos selecionados proporcionam uma
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análise minuciosa do caso. De acordo com a Sociedade Brasileira de Neuropsico-


pedagogia (SBN, 2017), existem variados instrumentos disponíveis que contribuem
nesse processo, sendo que, a seleção dos mesmos, parte dos objetivos da avaliação,
e da expertise do profissional em analisar clinicamente o desempenho do aluno,
considerando a etiologia do problema (CASTRO; SILVA, 2019).
Considerando os critérios diagnóstico descritos no DSM-5 é possível eleger
ferramentas que atendam os diferentes critérios diagnósticos (Quadro 2). A abor-
dagem do aluno com dificuldade na aprendizagem deve iniciar com uma entrevista
de anamnese voltada para identificar a queixa e seu histórico, antecedentes pessoais
e familiares, incluindo histórico de doenças psiquiátricas (depressão, ansiedade,
autismo, transtorno afetivo bipolar etc.) e de dificuldades acadêmicas entre os pais,
irmãos e parentes próximos.
Em seguida, segue o inquérito dos antecedentes gestacionais e neonatais, aqui-
sição dos principais marcos do desenvolvimento, com foco em atrasos de fala, difi-
culdade no reconhecimento de letras, fonemas e números, dificuldade em entender
rimas e nos atrasos motores. Ainda neste âmbito, questiona-se o histórico de inter-
nações, traumatismos cranianos, crises convulsivas, exposição ao chumbo, doen-
ças pré-existentes e medicações de uso habitual. Em relação ao comportamento e
desenvolvimento atual é fundamental que se trace um perfil psicológico sumário do
indivíduo, seu relacionamento com outras crianças/adolescentes, a presença de hábitos
e comportamentos não usuais (ex. tiques, interesses muito restritos e profundos sobre
um mesmo tema) e o padrão de sono do indivíduo (horas de sono, qualidade, roncos).
Por fim, deve ser realizado um inquérito escolar que aborde o ano que o paciente
está́ cursando, horário das aulas, se a escola é bilingue, processo de alfabetização,
início das dificuldades escolares e desempenho nas matérias visando reconhecer os
critérios diagnósticos e afastar os principais diagnósticos diferenciais.
552

Quadro 2 – Ferramentas avaliativas e critérios diagnósticos

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Fonte: Elaborado pelas autoras.

Método

Delineamento

Trata-se de uma revisão da literatura científica baseada no questionamento


da existência de instrumentos validados, para o contexto brasileiro, referente aos
transtornos específicos de aprendizagem.

Materiais
O objeto de análise neste trabalho foram artigos de revistas cientificas que
visaram caracterizar dificuldades no aprendizado da leitura, escrita e aritmética,
encontrados em bases de dados, abrangendo os últimos cinco anos. Aplicaram-se
restrições à cronologia e à língua original de publicação.

Procedimentos
Para realizar esta revisão foram consultadas as bases de dados Pepsic e SciELO,
da data de publicação até agosto de 2021. Os documentos potencialmente relevantes
foram selecionados com os seguintes descritores: “leitura”, “escrita”, “aritmética”,
“teste”, “escala”. Foram usados os seguintes operadores booleanos: “e” entre os
descritores e “ou” para as variações de um mesmo descritor.
Foram aceitos artigos publicados em 2017 a agosto de 2021, textos comple-
tos e escritos em português. A seleção dos estudos foi baseada no título e resumo,
e a extração dos dados na análise dos artigos completos. Critérios de inclusão:
(1) artigos que tratavam de instrumentos para caracterização das dificuldades na
aprendizagem; e (2) artigos que se referiam do 1º ao 9º ano. Critérios de exclusão:
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 553

(1) artigos repetidos; (2) artigos não disponíveis na integra; (3) artigos em língua
diferente do português; (4) artigos que utilizavam instrumentos de outros países; e
(5) instrumentos de uso restrito a psicólogos.
Visando amenizar o risco de viés, dois juízes realizaram os procedimentos de
seleção e extração dos artigos, de forma independente, com índice de concordância de
94%. Nos casos de desacordo, uma especialista foi consultada. Com base na análise
final da seleção, os estudos foram caracterizados de acordo com seus autores e ano
de publicação, instrumentos utilizados e funções avaliadas.

Resultado
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A busca inicial nas bases de dados identificou 132 artigos. Após a análise dos
títulos e dos resumos, foram descartados 121 artigos por não corresponderem aos
critérios de inclusão, visto que foram publicados fora do período escolhido, a faixa
etária era inferior ou superior ao estabelecido, alguns estavam escritos em outros
idiomas e/ou não representavam pesquisas voltadas para o uso de instrumentos ava-
liativos em Transtorno Específico de Aprendizagem. Portanto, os estudos elegíveis
somaram 11 artigos nacionais (Tabela 2).

Quadro 3 – Título dos estudos sobre instrumentos de avaliação de


transtornos específicos da aprendizagem entre 2017 e 2021
Título do artigo científico Objetivo/ Amostra/público Autores
Investigar a relação de diferentes dimensões da atenção (seletiva,
sustentada) com o desempenho em leitura, escrita e aritmética
Relação entre atenção e de-
em estudantes saudáveis do 1º a 9º ano no ensino fundamental.
sempenho em leitura, escrita Abreu et al. (2017)
Número de participantes: 322
e aritmética em crianças.
Público: Crianças e adolescentes do 1º ao 9º ano do Ensino
Fundamental
Verificar a eficácia do ALEPP no ensino de leitura e escrita,
em contexto de sala de recursos. Adicionalmente utilizou-se o
TDE como instrumento de verificação de validade de externa.
Avaliação de desempenho
Este estudo também objetivou verificar se houve mudança
escolar após exposição a Cravo e Almeida-
estatisticamente significativa nos escores brutos do Teste de
um programa informatizado -Verdu (2018)
Desempenho Escolar aferidos antes e depois da exposição
de leitura e escrita.
ao ALEPP.
Número de participantes: 14
Público: Crianças de 10 anos
Obter evidências de validade da Bateria de Avaliação de Compe-
tências iniciais para a Leitura e Escrita (BACLE) numa amostra
brasileira. O segundo objetivo prende-se com a determinação
Validação de bateria de ava-
do perfil de funcionamento das pré-competências escolares em
liação de competências ini-
crianças com fissura labiopalatina, para permitir que o técnico e Pereira e Tabaquim
ciais para a leitura e escrita
o professor que com elas trabalham sejam dotados de um ins- (2017)
– estudo com crianças com
trumento capaz de revelar antecipadamente as competências e
e sem fissura.
dificuldades com que se irão deparar.
Número de participantes: 164
Público: Crianças de 5 a 6 anos
continua...
554

continuação
Título do artigo científico Objetivo/ Amostra/público Autores
Verificar o desempenho ortográfico de alunos do 4º ano do ensino
Disortografias de escolares
fundamental, de escolas públicas de uma cidade do interior de
do 4º ano do ensino funda- Sampaio e Toschi
Goiás.
mental da rede pública do (2018)
Número de participantes: 186
interior do estado de Goiás.
Público: Crianças de 8 a 13 anos
Intervenção multissensorial Avaliar o efeito de intervenção multissensorial e fônica no desen-
e fônica nas dificuldades de volvimento de habilidade de leitura e escrita.
Leal et al. (2017)
leitura e escrita: um estudo Número de participantes: 1
de caso. Público: Criança de 10 anos
Implicações de fatores aten- Identificar e comparar os níveis atencionais e os desempenhos na

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cionais no desempenho na leitura e escrita de escolares com fissura labiopalatina. Bodoni e Tabaquim
leitura e escrita em escolares Número de participantes: 60 (2018)
com fissura de lábio e palato. Público: Criança de 8 a 12 anos
O presente trabalho busca, a partir de estudos de série de casos
Descompassos e relações retirados de uma amostra de crianças do 2º ao 5º ano do Ensino
entre leitura e escrita em Fundamental, investigar as diferenças e relações nos processos
Mochizuki e Lucio
crianças falantes do portu- de leitura e de escrita português brasileiro, tendo por base o es-
(2021)
guês: um teste parcial da tudo original de Frith5.
teoria de UTA frith. Número de participantes: 78
Público: Criança de 7 a 10 anos
Correlacionar (Spearman) a MT (componente executivo central-
informação numérica e não numérica; e componente fonológico-
Memória de trabalho, senso repetição de dígitos, frases, relatos), o desempenho aritmético
numérico e desempenho em (subteste aritmético TDE) e o desempenho em SN (Teste de Corso (2018)
aritmética. Conhecimento Numérico).
Número de participantes: 79
Público: Crianças e adolescentes do 4º ao 7º ano EF
Identificar as ocorrências dos processos cognitivos, as habilidades
Ocorrência dos processos
perceptovisuais e motoras, que intervém na leitura de escolares
cognitivos de leitura e escrita Mantovani, Magro,
com dislexia diseidética/visual.
e habilidades perceptovisuais Ribeiro, Marini e
Número de participantes: 80
em escolares com Dislexia Martins (2021)
Público: Crianças com média de idade de 11,22±1,4 a 11,37±1,28
Visual.
anos.
Verificar a ocorrência do mau desempenho escolar (1º – 5º ano do
Triagem e diagnóstico de Paterlini, Zuanetti,
EF) e investigar quais as influências intrínsecas mais prevalentes
dificuldades/transtornos de Pontes-Fernandes,
na amostra de crianças com baixo rendimento escolar.
aprendizagem – desfecho de Fukuda e Hamad
Número de participantes: 104
avaliações interdisciplinares. (2019)
Público: Crianças de 6 a 10 anos.
Triagem de identificação Investigar a eficácia de uma triagem de identificação precoce baseada
precoce de dificuldades de no teste Dibels 6th Edition 9, a fim de identificar precocemente crian-
Fritsch, Silva e San-
leitura e de escrita para o ças com risco para dificuldades na aquisição da leitura e da escrita.
chez (2021)
primeiro ano escolar – pro- Número de participantes: 34
jeto piloto. Público: Crianças entre 6 e 7 anos.
Fonte: Elaborado pelas autoras.

Considerando os artigos selecionados foram identificados 24 instrumentos ava-


liativos. Destes instrumentos, 8 foram identificados como de uso restrito a psicólo-
gos, conforme registro no Sistema de Avaliação de Testes Psicológicos – SATEPSI,
e voltados para avaliar os construtos de inteligência, memória e atenção, sendo,
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 555

portanto, descartados. Assim, permaneceram 16 instrumentos no total, sendo 12


voltados para avaliar as habilidades de leitura e escrita, 3 para avaliar as habilidades
matemáticas e apenas 1 para avaliar as três habilidades. Na área da leitura e escrita
foram encontrados 13 instrumentos avaliativos (Quadro 4).

Quadro 4 – Instrumentos avaliativos Leitura e Escrita


Instrumentos avaliativos Objetivo
Teste de Desempenho Escolar – TDE (Subteste de Avaliar habilidade em leitura, escrita e aritmética.
Leitura e Subteste de Escrita)
Avaliação da rede de Leitura e Escrita – ARLE Avaliar habilidade em leitura e escrita.
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Bateria de Avaliação de Competências Iniciais para Avaliar processos implicados na aprendizagem, como a percep-
Leitura e Escrita – BACLE ção auditiva e visual, esquema corporal e orientação espaço-cor-
poral, motricidade e linguagem.
Ditado de Palavras – DP Avaliar regras ortográficas do português.
Ditado de Pseudopalavras – DPP Avaliar correspondência grafofonêmica.
Teste de Competência de Leitura de palavras e Avalia o padrão de leitura específico de uma criança segundo
Pseudo palavras – TCLPP modelo cognitivo de desenvolvimento de leitura e escrita;
Identifica as estratégias de leitura que prevalecem em seu
desempenho.
Prova de Consciência Fonológica por Produção Oral Avaliar a consciência fonológica das crianças que frequentam a
– PCFO educação pré-escolar.
Teste de Repetição de Palavras e Pseudopalavras Avaliar memória fonológica de curto prazo.
– TRPP
Bateria de Avaliação de Leitura e Escrita On-line – Avaliar habilidade de leitura e escrita.
BALE ON-LINE
Tarefa de Leitura de Palavras Irregulares Avaliação de linguagem por meio de lista de palavras, traba-
lhando o número de letras, sílabas e semelhança estrutural.
Tarefa de Ditado de Palavras Irregulares Avalia o conhecimento ortográfico a partir da direção de classi-
ficação fonema-grafema (direção da escrita).
Provas de Avaliação dos Processos de Leitura Avaliação dos processos de leitura.
– PROLEC
Teste de Indicadores dinâmicos de Habilidades Bási- Rastreio precoce para o diagnóstico de dislexia.
cas de Alfabetização – DIBELS
Fonte: Elaborado pelas autoras.

O Teste de Desempenho escolar – TDE II, (STEIN et al., 2019) avalia alunos do
ensino fundamental nas habilidades básicas de leitura, escrita e aritmética, podendo
ser utilizado como instrumento de avaliação com fins diagnósticos e clínicos de pla-
nejamento e intervenções clínico-educacionais. O subteste Leitura avalia a habilidade
de leitura de palavras isoladas. Possui duas versões: a versão A é composta de 36 itens
e destinada a estudantes do 1º a 4º ano; versão B composta de 33 itens e destinada
aos alunos do 5º a 9º ano. O subteste Escrita, avalia a escrita de palavras isoladas e
é composto por duas versões: A e B, ambas com 40 palavras que diferem no nível
de complexidade no momento da escrita. A versão A é aplicada nos alunos de 1º a 4º
ano e a versão B, nos alunos de 5º a 9º ano. O instrumento foi o único identificado
para avaliar as três habilidades básicas.
556

A Avaliação da Rede de Leitura e Escrita (ARLE) tem como objetivo avaliar


todas as relações entre estímulos (palavra ditada e palavra impressa; palavra impressa
e figura; palavra ditada de figura; dentre outras) e entre estímulos e respostas (palavra
impressa e leitura; palavra ditada e escrita por composição desta; dentre outras) refe-
rentes à leitura e escrita de uma amostra de palavras de ensino (CRAVO; ALMEIDA-
-VERDU, 2018). Para avaliar os repertórios de leitura e escrita dos alunos (SOUZA;
ROSE, 2006) esse instrumento apresenta uma avaliação informatizada, onde o grupo
de palavras utilizadas é composto por duas ou três sílabas simples (consoante-vogal),
de modo que cada consoante corresponde a um único fonema. O programa informa-
tizado contém tentativas em que o aluno deverá compor habilidades de identidade,

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cópia, seleção, nomeação, leitura e ditado.
A Bateria de Avaliação de competências Iniciais para Leitura e Escrita (BACLE)
(PEREIRA; ROCHA, 2011), investiga o estágio de desenvolvimento das pré-compe-
tências de crianças em final da Educação Infantil e início do 1º ano de escolaridade,
para a aquisição de leitura e escrita. Envolve a avaliação de diversos processos
implicados na aprendizagem, como a percepção auditiva e visual, esquema corporal
e orientação espaço-corporal, motricidade e linguagem. É composta por 94 exercícios
com instruções específicas à função avaliada, apresentadas em um caderno de apli-
cação, com o apoio de 28 tipos de materiais gráficos, empregados individualmente
a cada aplicação.
O Ditado de Palavras e Frases – DP (CAPOVILLA, 2000; ZORZI, 1998) con-
siste num ditado de palavras que engloba 35 itens que variam em termos de lexi-
calidade, regularidade, frequência e comprimento, e permitem avaliar o respeito às
regras ortográficas do português. Já no Ditado de Pseudopalavras – DPP (CAPO-
VILLA,2000; ZORZI, 1998), é possível observar o registro da correspondência gra-
fofonêmica em 24 itens.
O Teste de Competência de Leitura de Palavras e Pseudopalavras (TCLPP)
(SEABRA; CAPOVILA, 2010) avalia o estágio de desenvolvimento da leitura; o
grau de desvio entre o padrão de leitura de um examinando e o de seu grupo de
referência conforme idade e nível de escolaridade; interpreta o padrão de leitura
específico de uma criança segundo modelo cognitivo de desenvolvimento de leitura
e escrita; infere o estágio de desenvolvimento; identifica as estratégias de leitura que
prevalecem em seu desempenho. O TCLPP é composto de 78 itens (oito de treino e
70 de teste), cada qual composto de figura e elemento escrito, que pode ser palavra
ou pseudopalavra. A escrita é apresentada em maiúsculas para permitir manipular o
efeito da similaridade visual. A tarefa é circundar os itens corretos e cruzar (assinalar
com um “X”) os incorretos, ou seja, aqueles em que há disparidade semântica entre
figura e elemento escrito ou incorreção ortográfica na escrita. O TCLPP contém
sete subtestes, cada qual com dez itens, todos distribuídos aleatoriamente no teste:
1) Aceitação de palavras corretas regulares (CR); 2) Aceitação de palavras corre-
tas irregulares (CI); 3) Rejeição de palavras vizinhas semânticas (VS); 4) Rejeição
de pseudopalavras vizinhas visuais (VV); 5) Rejeição de pseudopalavras vizinhas
fonológicas (VF); 6) Rejeição de pseudopalavras homófonas (PH); 7) Rejeição de
pseudopalavras estranhas (PE).
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tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 557

A Prova de Consciência Fonológica por Produção Oral (SEABRA; CAPOVILA,


2012) é um instrumento de aplicação individual que avalia a habilidade dos sujeitos
em manipular mentalmente os sons da fala por meio de expressão oral. Possui dados
normativos para escolas públicas e pode ser aplicada em crianças de 3 a 14 anos
de idade. É composto por 10 subtestes (Síntese Silábica; Síntese Fonêmica; Rima;
Aliteração; Segmentação Silábica; Segmentação Fonêmica; Manipulação Silábica;
Manipulação Fonêmica; Transposição Silábica e Transposição Fonêmica), contendo
2 itens de treino e 4 de teste, totalizando 40 itens.
O Teste de Repetição de Palavras e Pseudopalavras – TRPP (SEABRA, 2012),
tem como objetivo avaliar a memória fonológica de curto prazo de crianças e adoles-
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centes entre 3 e 14 anos de idade. É composto por 16 itens (sequências compostas de


2 a 6 palavras), sendo 8 para repetição de palavras e 8 para pseudopalavras. Para cada
sequência correta repetida, a criança recebe 1 ponto, totalizando o máximo de 16 pontos.
A Bateria de Avaliação de Leitura e Escrita on-line (Bale on-line) (MACEDO et
al., 2005), contém sete testes. O Teste de Competência de Leitura de Palavras (TCLP
1.1) contém 70 telas, cada qual com uma figura e um item escrito e duas alternativas
de escolha (<CERTO> e <ERRADO>). O item escrito pode ser uma palavra ou uma
pseudopalavra, e a palavra pode ou não corresponder à figura. A tarefa do aluno é rejeitar
palavras que não correspondam à figura, bem como pseudopalavras, e aceitar palavras
que correspondam à figura. Há sete tipos de itens distribuídos aleatoriamente ao longo do
teste, com dez itens de teste para cada tipo de par. Eles são: 1) palavras corretas regulares;
2) palavras corretas irregulares; 3) palavras com incorreção semântica; 4) pseudopalavras
com trocas visuais; 5) pseudopalavras com trocas fonológicas; 6) pseudopalavras homó-
fonas; 7) pseudopalavras estranhas. O Teste de Competência de Leitura de Sentenças
(TCLS 1.1) avalia a compreensão de leitura de sentenças, ou seja, a habilidade de extrair
o significado de sentenças de complexidade variável. Apresenta 40 sentenças escritas
com extensão, vocabulário e complexidade sintática variável, e requer que o avaliando
escolha, entre cinco figuras alternativas, a que melhor corresponde a esse significado. O
Teste de Nomeação de Figuras por Escolha (TNF1.1-Escolha e TNF2.1-Escolha) con-
tém 36 itens, cada qual composto de uma figura e de quatro palavras escritas. A tarefa é
escolher a palavra que melhor corresponde à figura. Este teste avalia o desenvolvimento
da competência de leitura e analisa a participação de processos quirêmicos, ortográficos
e semânticos, envolvidos na escolha de palavras escritas.
O Teste de Nomeação de Figuras por Escrita (TNF1.1-Escrita e TNF2.1-Es-
crita) contém 36 itens, cada qual composto de uma figura e um espaço em branco
para que o avaliando a nomeie por escrito. Já no Teste de Nomeação de Sinais por
Escolha de palavras escritas (TNS1.1-Escolha e TNS2.1.-Escolha) há 36 itens, cada
qual composto de um sinal e de quatro palavras escritas. A tarefa é escolher a palavra
que melhor corresponde ao sinal. São computados erros induzidos por distraidores
quirêmicos, ortográficos e semânticos.
No Teste de nomeação de sinais por escrita (TNS1.1-Escrita e TNS2.1-Escrita),
tem 36 itens, cada qual composto de um sinal e um espaço em branco para que o
avaliando o nomeie por escrito. Avalia o desenvolvimento da competência conjunta
de escrita em Português e de compreensão de sinais em Libras. Por fim, o Teste de
558

Vocabulário Receptivo de Sinais da Libras (TVRSL 3.1) é composto de 66 itens, cada


qual com um sinal da Libras e quatro figuras alternativas para a escolha daquela que
melhor corresponde ao sinal. O escore de vocabulário receptivo visual de sinais da
Libras indica quão bem o aluno compreende esses sinais.
A Tarefa de Leitura de Palavras Irregulares (PINHEIRO, 1996; LÚCIO et al.,
2012) é uma atividade composta por duas listas de palavras de Alta Frequência (AF)
e de Baixa Frequência (BF) – contendo 18 palavras cada. A lista de palavras de BF
foi elaborada para conter itens de dificuldade alta, média e baixa. Já as palavras de
AF foram emparelhadas às palavras BF em termos do número de letras e sílabas e
semelhança estrutural. Ainda nesse sentido, há também a Tarefa de Ditado de Pala-

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vras Irregulares (PARENTE, 1997). A tarefa de ditado de palavras irregulares foi
criada para avaliar o conhecimento ortográfico a partir da direção de classificação
fonema-grafema (direção da escrita).
As Provas de Avaliação dos Processos de Leitura – PROLEC (CAPELLINE
et al., 2014) tem por objetivo avaliar os diferentes processos e subprocessos que
interferem na leitura. Este é composto de nove provas de aplicação individual que
avaliam, em escolares de seis a doze anos, quatro processos de leitura: (a) reco-
nhecimento de letras; (b) reconhecimento de palavras; (c) processos sintáticos; e
(d) processos semânticos. Na 5ª edição, além do cômpito dos acertos, passou a
registrar o tempo de realização das provas, porém essa análise cronológica não foi
adicionada à versão brasileira.
A Prova de Compreensão de Texto (PROLEC-T) sendo a última prova das PRO-
LEC, é considerada uma das mais complexas da bateria e a que melhor discrimina os
bons e maus leitores (CAPELLINI,;OLIVEIRA; CUETOS, 2012b; CUETOS et al.,
2004). A prova investiga se o estudante é capaz de extrair o significado do que lê e
de integrá-lo ao seu conhecimento (CAPELLINI et al., 2012a). A sua versão original
é composta por quatro histórias (que também chamaremos de textos), de aplicação
individual e em uma única sessão. Cada texto possui quatro perguntas, sendo 16 o
número total de questões do instrumento, com cada uma delas podendo ser classificada
como correta (valendo 1 ponto) ou incorreta (valendo zero). De acordo com o manual
do PROLEC, os Textos 1 (“Cachorro ciclista”) e 2 (“Casa de caixotes”) são expo-
sitivos, e os Textos 3 (“A raposa e a uva”) e 4 (“Férias de Patrícia”) são narrativos.
O teste DIBELS – Indicadores Dinâmicos de Habilidades Básicas de Alfabeti-
zação (GOOD; KAMINSKI, 2002) é um conjunto de procedimentos e medidas para
avaliar a aquisição de habilidades de alfabetização para o diagnóstico de dislexia em
escolares desde a pré-escola até o 8º ano. Propõe testar a consciência fonêmica, o
princípio alfabético e a acurácia (precisão) na identificação das letras no primeiro
ano escolar. Ao avaliar as três áreas citadas de forma separada, torna possível a
detecção rápida da área que se mostra deficitária. Este instrumento é dividido em
cinco provas que avaliam habilidades precoces de alfabetização (triagem na integra
em DIBELS 6th Edition).
A primeira, Prova de Fluência de Letra (FNL) consiste em contar quantas letras,
em uma prancha com 110 letras, a criança nomeia corretamente em um minuto. Na
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 559

segunda prova, Fluência de Som Inicial (FSI), a criança é solicitada a identificar


qual figura apresentada, entre quatro opções, começa com o som produzido pelo
examinador. Na terceira, temos a Prova de Fluência de Segmentação Fonêmica (FSF)
que avalia a capacidade da criança em segmentar fluentemente palavras de três ou
quatro fonemas. Já na quarta prova, Fluência de Palavras Sem Sentido (FPSS) avalia
o princípio alfabético, sendo solicitado que a criança produza os sons das letras ou
leia as pseudopalavras apresentadas. E na quinta e última prova, Fluência do Uso de
Palavras (FUP), avalia a capacidade de formar enunciados oralmente a partir de uma
palavra dada pela examinadora (FRITSCH; SILVA; SANCHES, 2021).
Na área da matemática, foram encontrados apenas 4 instrumentos para avaliação
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de crianças das séries iniciais.

Quadro 5 – Instrumentos avaliativos – Aritmética


Instrumentos avaliativos Objetivo
Teste de Desempenho Escolar (TDE 2) – Cálculos aritméticos com grau de dificuldade crescente, alunos do 1º
Subteste de Aritmética ao 9º ano.
Teste de Conhecimento Numérico – TCN Avalia o conhecimento de conceitos e operações aritméticas básicos
da criança;
Avaliar sua compreensão em relação a conceitos e operações.
Tarefa com Informação Não Numérica Avalia o componente executivo central e o componente fonológico da
memória de trabalho.
Tarefa com Informação Numérica Avalia o componente executivo central e o componente fonológico da
memória de trabalho.
Fonte: Elaborado pelas autoras.

O subteste de Aritmética do Teste de Desempenho Escolar – TDE II (STEIN,


2016), sub teste aritmética é composto por duas versões. A versão A é composta por
37 itens que avaliam o processamento numérico, a capacidade de resolver e identificar
as quatro operações básicas, a capacidade de escrita de números decimais e noções
simples de frações. Essa versão é aplicada nos alunos de 1º a 5º ano. Já a versão B é
composta por 43 itens que avaliam a capacidade de resolução das quatro operações
básicas em cálculos multidígitos, operações com frações, operações com números
inteiros, potenciação e radiciação. Essa versão é aplicada em alunos do 6º a 9º ano.
O Teste de Conhecimento Numérico (TCN) (OKAMOTO; CASE, 1996) é um
instrumento aplicado individualmente que permite ao examinador não só avaliar o
conhecimento de conceitos e operações aritméticas básicos da criança (conhecimento
de contagem, os procedimentos de contagem, a compreensão de magnitude, o con-
ceito de “maior do que”, a noção de estimativa e as estratégias que usam durante a
contagem), como também avaliar sua compreensão em relação àqueles conceitos e
operações. Uma série de questões estruturadas foi oferecida às crianças para avaliar
sua compreensão de magnitude, o conceito de “maior do que” e as estratégias usadas
durante a contagem. Este instrumento é composto por uma série de questões estrutu-
radas em quatro níveis de complexidade, sendo apresentadas do mais simples ao mais
complexo. No nível 1 é esperado que o aluno possa contar oralmente e quantificar,
560

mas não relacionar o número à quantidade. No nível 2, deve-se verificar se os alunos


construíram uma série de contagem mental que requer a compreensão de números e
quantidades. E o nível 3 serve para verificar se as crianças são capazes de trabalhar
simultaneamente com duas séries de contagem mental. Estas tarefas exigem que as
crianças possam seguir a pista dos “uns” e “dezes” enquanto adicionam ou subtraem
e possam entender a relação entre eles. Também requer que os alunos usem uma série
de contagem para computar a distância entre dois pontos em outra linha de contagem,
e então construir a noção de uma “diferença” matemática.
A Tarefa com Informação Não Numérica (adaptada de HECHT et al., 2001) e
Tarefa com Informação Numérica (tarefa adaptada de YUILL et al., 1989) avaliam

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a relação entre a memória de trabalho e senso numérico. Na primeira, os alunos
respondem “sim” ou “não” para conjuntos de 2 a 4 questões e, em seguida, repetem
a última palavra de cada uma das questões. Na segunda tarefa, os alunos leem em
voz alta séries crescentes de grupos de três dígitos e, ao final de cada série, devem
recordar, em ordem, o último dígito de cada grupo.

Considerações finais
Os resultados descritos evidenciam a existência de poucos instrumentos avaliati-
vos destinados a investigar habilidades básicas em leitura, escrita e aritmética em alunos
do ensino fundamental, cabendo investir na elaboração e adequação destas ferramentas.
Contudo, apesar desta limitação, o capítulo descreve instrumentos de grande
valia aos profissionais que atuam no processo de ensino-aprendizagem, os quais
potencializam a identificação precoce das dificuldades de aprendizagem e o diag-
nóstico criterioso dos transtornos específicos de aprendizagem, o que favorece a
implementação de estratégias interventivas que minimizem as consequências da
defasagem acadêmica.
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 561

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O ENSINO DE QUÍMICA E A
PRÁTICA EDUCATIVA
Gilson Pompeu Pinto
Heidiany Katrine Santos Moreno

Introdução
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Há muito tempo que o ensino de Química vem enfrentando uma série de difi-
culdades. De um lado os alunos reclamam constantemente que a matéria é chata,
difícil, sem significado, com muitas fórmulas e exigências de cálculos matemáticos.
Por consequência, os alunos que têm dificuldades em Matemática encontram sérios
problemas em Química. Temos ainda do outro lado os professores que dizem que
por mais que explique a matéria, os alunos na maioria das vezes não conseguem
assimilar o mínimo necessário.
Isto nos coloca diante de um enorme dilema: como lecionar qualquer conhe-
cimento que analisamos admirável para a desenvolvimento da cidadania, quando os
adolescentes, posteriores críticos, não a contemplam e nem a avaliam acentuado. A
sociedade hoje, com toda a tecnologia que dispõe não acolhe além disso uma metodo-
logia de exemplo unicamente expositivo. Isso se conjetura na ausência de empenho dos
estudantes em apresentações convencionais. Porém, apropriado membro dos estudantes
não são mais alunos em período completo, o que determina embora além disso do
educador em termos do programa de aulas que aprovem às obrigações dos educandos.
Lembramos que os educadores se deparam desprovidos de alternativas para
esquivar do ensino clássico. Temos que analisar também que o educador em universal
não recebe, nem durante nem após a sua graduação, que lhe permita desenvolver
técnicas para uma capacitação para desenvolver um ensino mais ativo. Avisados
da conformidade entre os educadores da disciplina Química que a empregarão de
ensaios é um procedimento que atrai os estudantes, determinando requerer algo nesta
direção. O costume de ensaios pode ser uma probabilidade de mudança dos exemplos
clássicos de educação para a construção de configurações alternadas de lecionar a
disciplina Química. De combinação com nosso ensaio, quando o educador coloca os
ensaios em uma turma de aula comum, ele se depara frente a uma nova conduta dos
estudantes; mais preocupados e atuantes. Nesta ocasião ele poderá praticar a opção
por qualquer determinada didática que compreenda o uso de ensaios.
Não podemos deslembrar que nas relevâncias discutidas sobre o espaço didá-
tico que chamamos de laboratório didático e sobre os seus direcionamentos, tem-se
insistido muito na sua relação com a estrutura mental dos alunos e com suas histórias
educacionais: como consequência, tem se observado a utilização da fenomenologia
do cotidiano, incentivando a procura de regularidades nas experiências propostas em
classe de aula e em domicílio. Por enquanto, essa preocupação representa somente
568

um aspecto do problema: um laboratório didático que pretenda oferecer aos alunos


uma ideia realista do que é a atividade experimental em Química. Deverá desenvolver
de alguma maneira atividades características da criatividade experimental, ligadas a
medidas que envolvam aumento de precisão e medidas que concretizem uma teoria
abstrata e sofisticada, pois quando o aluno utiliza materiais do cotidiano, ele poderá
observar com maior clareza os experimentos.
Quando usamos experimentos como demonstração de conceitos em Química,
não se trata de criar montagens que finjam funcionar, mas aproveitamos as suas
características físicas partindo de um ponto de vista desafiador e curioso ao aluno.
Nesses momentos, podemos proporcionar ao aluno o ingresso a informação e até

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próprio dar-lhe elementos para o seu acréscimo educativo. Não podemos tratar de
obrigar o aluno a aprender, mesmo porque isso não é possível, mas que tem contato
com diversas possibilidades de conhecimento.
Quando um docente prepara uma aula de Química, ele considera que os alunos
não conheçam praticamente nada do assunto. Primeiramente, o professor expõe as leis
e fórmulas e em seguida, ele dá exercícios e problemas nos quais as fórmulas serão
aplicadas. O aluno aprende a relacionar as fórmulas com o conteúdo, mesmo não
assimilando muito bem o seu significado, a maioria resolve os exercícios e consegue
ser aprovado no final do curso, mas ficam as perguntas: Será que eles aprenderam
o que foi ensinado? Será que aquilo que foi aprendido tem algum sentido profundo
para os estudantes?
Não há dúvida de que ninguém discorda que existe um abismo entre o conceito
ensinado e o que foi aprendido e qualquer atividade que envolva um mínimo de
conhecimento de criatividade estão fora da atual realidade escolar. Aprender não é
“gravar” numa tábua, pois o nosso conhecimento tem caráter dinâmico: para realmente
aprender é preciso “pensar”. No entanto, o destino de fórmulas e exercícios jogados
em cima dos alunos, sem nenhuma preocupação objetiva de torná-las significativas,
só pode se o inevitável esquecimento. Apesar de tudo, é difícil pensar como seria uma
prática coerente com a nova visão do ensino. Que visão será essa? Já sabemos que
uma delas é o construtivismo e que todo ensino que se propõe a ser construtivista,
deve ter sempre o aluno como foco principal de atenção, sendo ele o construtor de
seu próprio conhecimento, pois através das representações mentais do mundo, com
o qual interagem esses alunos conseguem avançar em suas interpretações nas situa-
ções novas que irão surgindo. O aluno sempre levará para a sala de aula, concepções
construídas a partir da sua interação com a realidade, ou seja, o meio em que vive
é de fundamental importância para conhecer como pensam esses alunos, como eles
percebem e compreendem os fenômenos que serão estudados.
É importante ressaltar que buscar o rosto de um curso de Química construti-
vista não significa inventar novas técnicas ou estratégias, não passa pela descoberta
e disseminação da receita milagrosa da construção. Na realidade, é antes de tudo, o
espírito desse curso, porém agora imbuídas de uma filosofia do conhecimento, na
qual o ensino é um procedimento de continua construção. Além disso, as tarefas do
professor, pois fazer com que o aluno passe a ver as concepções cientifica como
inteligíveis e ao mesmo tempo mais plausíveis e proveitosas que as concepções
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 569

sendo comum que ele possui atualmente. Para que isso ocorra, no entanto, o professor
precisará criar situações em que o aluno se torne insatisfeito com suas concepções
prévias, isto é, situações em que as concepções prévias do aluno não se apliquem,
tornando-se pouco plausíveis e pouco proveitosas.
Quando se utiliza experimentos, em turma ou laboratório, o que se almeja é
aquele que pode ocorrer um intercâmbio do indivíduo, com algum elemento da ciên-
cia, assim sendo, particular. Sua potencialidade em didática estar amarrado muito da
excitabilidade do professor em geral provocações e desvendar novas importâncias de
seus estudantes. Portanto, quando o aluno interagir com os experimentos, terão que
acontecer determinadas probabilidades para o ensinamento adjacente e prometida.
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Notas de ensino-aprendizagem em educação


Com o construtivismo implantado nas escolas públicas brasileiras a partir da
década de 1970, quando a teoria do estudioso Jean Piaget começava a fazer parte dos
ambientes educacionais. Daqui em diante, surgiu um movimento que tina visão de
mundo diferente das escolas tradicionais que tratavam o aluno como objeto que deve
ser treinado pelos moldes comportamentais. Com a escola construtivista, o aluno passa
a ser sujeito da sua aprendizagem, ele é um ser ativo que participa da vida escolar.
Neste contexto, vários autores elaboram suas obras tomando como base a teoria do
desenvolvimento e aprendizagem dos psicólogos Piaget e Vygotsky.
Surgiram discussões e reflexões sobre o lúdico nas escolas, as análises aponta-
ram para a necessidade de utilizá-lo porque está diretamente ligado as necessidades
dos adolescentes. Concepções consolidadas em amplas experiencias pedagógicas
que comprovam que o lúdico favorece a construção das representações internas
do conhecimento, e no processo de aprendizagem químico que contribuem para o
benefício combinatório no comportamento confirme anunciado por Vygotsky na
ativação da zona de desenvolvimento proximal. Com o problema de aprendizagem
e dificuldades dos educandos no raciocínio lógico-químico, poucos professores se
arriscam a trabalhar pedagogicamente com o lúdico no ensino de química porque
desconhecem as formas de correlacionar conteúdos e ações aplicadas de experiências.
Ao analisarmos aqui o interesse, e sua perspectiva didática, não podemos deixar
de tratar de um conceito particularmente “pantanoso” do ensino escolar: a motivação.
No contexto escolar, motivação (ao contrário do que parece sugerir a palavra: motivo
+ ação), tem uma conotação prática de gerar um interesse. A expressão “gerar um
interesse” logo sugere uma artificial e manipulativa de envolvimento, isto é, tirando
das mãos do aluno o papel de sujeito do processo educativo. Não é possível “gerar”
um interesse, mas somente despertar a atenção para um interesse já existente. Assim
sendo, trataremos de interesses e não de motivações. Analisando seus aspectos posi-
tivos para a aprendizagem.
Stein (1969, p. 27) discute este aspecto, ao citar que não é possível criar uma
necessidade no sujeito: “[...] só há interesse para a criança, quando o objetivo se liga
de algum modo com o seu eu; o interesse nasce de uma necessidade real, profunda,
570

e não se cria necessidades profundas: elas existem na criança, independentemente


de nossa ação”. Para Piaget, interesse e curiosidade fazem parte dos mecanismos de
aprendizagem, através das estruturas de assimilação e de acomodação: “O interesse
não é outra coisa, com efeito, senão o aspecto dinâmico” (PIAGET, 1972, p. 160).
Ele distingue a curiosidade do interesse, considerando o primeiro como um
aspecto da acomodação e, o segundo, como um aspecto da assimilação. Qualquer
uma delas poderá gerar aprendizagem, desde que proporcionem a adaptação. Ao
tratar a inteligência como a adaptação por excelência, Piaget considera que qualquer
trabalho de inteligência repousa em um interesse natural, seja este originado por
curiosidade ou por uma necessidade. Para Bruner, o interesse, o expresso através da

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curiosidade, é um elemento gerador da aprendizagem, desde que permita ao sujeito
profundidade de análise:

A curiosidade não governada significa apenas distração ilimitada. Interessar-se


em tudo não aprofundar-se em coisa alguma: estudos com crianças e três anos
mostram o grau em que são dominadas pelo exterior, pelo desfilar de impressões
vividas no ambiente, fazendo-as passar de algo colorido para algo ruidoso, para
algo brilhante... é claro que, privando as crianças dessa dieta rica de impressões,
que alimenta a sua curiosidade até a extravagância, teremos organismos atrofiados.
Animais, criados em ambientes homogeneizados, mostrarão déficit nas suas apti-
dões posteriores para aprender e transferir o que aprenderam. Crianças “no quarto”
por pais orientados [...] revelam a mesma deficiência (BRUNER, 1969, p. 135).

O que indica as limitadas possibilidades práticas de “motivarmos” uma pessoa,


pois ela só será motivada se, por si só, já tiver algum interesse envolvido. E, como já
assinalamos, o interesse precede a dita motivação. Cousinet (1974, p. 101) considera
que só existe aprendizagem quando o sujeito se interessa ela finalidade: “[...] não
há verdadeiramente aprendizagem senão quando o aprendiz sabe o que quer, por
consequência quer, e procura os meios de poder”.
Nem tudo é espontâneo. Como já dissemos, nem o desenvolvimento da inteli-
gência o é. Dessa forma, pode-se conduzir alguém a uma situação em que aceite a
aprendizagem, sem haver um interesse ardente e imediato. É o que ocorre quando
justificamos a uma criança aprende, pois confia, tem é no adulto que a acompanha.
Aliais, é isso que ocorre no início da convivência escolar, pois a criança não vai à
escola para adquirir conhecimento, mas para descobrir o que é a tal “escola” de que
todo mundo fala, ou para encontrar com outras crianças, ou porque os pais querem
e levam lá, enfim, deve haver várias razões, sem que nenhuma delas represente uma
necessidade consciente (um interesse) de conhecimento por parte da criança.
A confiança no mais velho, entretanto, quando utilizada irrestritamente, pode
conduzir à domesticação do sujeito, ao tratarmos do trabalho escolar. A escola,
enquanto instituição voltada para seu próprio futuro gera interesses artificiais (tais
como as notas, enquanto instituição voltada para seu próprio futuro, gera interesses
artificiais (tais como as notas, enquanto finalidade do ensino), que deformam as ati-
vidades dos alunos, direcionando suas preocupações para a aprovação nos exames e
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 571

não para o saber. Nestas perspectivas, os alunos são levados, pela disciplina e pelo
respeito ao mais velho, a acatar tarefas que não fazem sentido, e que são justificadas
com frases de comprovação duvidosa do tipo “você verá que no futuro isto será útil”.
Pode ser que, algumas vezes, esta frase seja verdadeira, e até mais sincera do que
uma simples forma “assegurar os alunos”, mas, se a atividade não tiver sentido para
o sujeito, ele simplesmente estará “fingindo que aprende”.
Não se trata de ir ao outro extremo e “fazer tudo o que se quiser” (e por que
não, às vezes?), mas de uma constatação: se houver interesse por parte do sujeito, a
aprendizagem será uma decorrência natural. De uma forma mais ampla, entre o traba-
lho obrigatório e o trabalho interessado, este último terá uma perspectiva psicológica
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mais fecundada. Quando há interesse, o trabalho e as dificuldades são enfrentados


espontaneamente. É o que ocorre, por exemplo, em um jogo, onde as dificuldades
estabelecidas (e aceitas!) nas regras são enfrentadas francamente pelos jogadores. O
interesse está implícito em qualquer tipo de aprendizagem, é um elo importante no
processo, como deixa claro Cousinet (1974, p. 100):

[...] a condição presente, pois, em toda aprendizagem, lúdica, domestica ou arte-


sanal, é o conhecimento do objeto por atingir, do saber que essa aprendizagem
permite adquirir [...] a gente não escolhe, ou não aceita, senão um saber que deseja
possuir, e não o deseja senão porque o conhece. Se o aprendiz não conhecesse,
absolutamente, o saber a que a aprendizagem conduz, não o desejaria, nem sequer
o aceitaria; e, se não o desejasse, nem o aceitasse, a aprendizagem seria, para ele,
atividade sem sentido.

Além disso:

[...] toda atividade, para quem decidir agir, lhe é reveladora da precisão de seu
querer e da natureza de seu poder. Não sabemos verdadeiramente bem o que
queremos e o que podemos, senão quando nos pomos a caminho para atingir o
objetivo do nosso querer (COUSINET, 1974, p. 102).

É claro que não se tem interesse abstratamente. Tem-se interesse por uma pes-
quisa, por um trabalho, por uma realização... dentro de um determinado contexto,
segundo cada sujeito. Desafios também servem para provocar interesses. Eles podem
estar envolvidos em problemas corriqueiros do cotidiano ou podem ser colocados
claramente ao sujeito. É o caso de Édipo, frente a Esfinge, que lhe perguntou: “O
que é que tem uma vez quatro pernas, depois tem 2 e depois tem 3? – Decifra-me
ou devoro-te!”.
Em geral, os desafios (charadas, problemas, quebra-cabeça), que encontramos,
não são colocados de maneira tão drástica como fez a Esfinge a Édipo, mas são sufi-
cientes para gerar um interesse em procurarmos a solução. No caso de Édipo (que
respondeu certo!), o interesse era a própria vida. Não desejamos chegar a este extremo
para conseguir ensinar na escola (não é o caso de vida ou morte!), mas podemos
lançar mão desta prática, através de conteúdos que envolvam a Química, tomando o
572

cuidado de não transformar esta prática em mais uma forma artificial para o ensino.
Obstáculos e desafios são situações comuns e cotidianas. Educar, utilizando tais
recursos, é preparar o sujeito para atuar na sua realidade. Freire salienta este aspecto:

Há uma pluralidade nas relações do homem com o mundo, na medida em que o


homem responde aos desafios deste mundo, na sua ampla variedade; na medida em
que se esgota num tipo padronizado de resposta. Pluralidade não só com relação
aos diferentes desafios que lhe faz o ambiente, mas também com relação ao pró-
prio desafio. No jogo constante de suas respostas, muda seu modo de responder.
Organiza-se, escolhe a melhor resposta (FREIRE, 1982, p. 62).

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Particularmente, com respeito à educação, concordamos com Figueiredo (1988, p.
62), quando argumenta sobre a utilização do lúdico e da fantasia como formas de partir:

[...] quando se fala em uma educação centrada na realidade do aluno, pensamos


que deva ser assim, porém, que realidade é esta? Ao nosso ver, esta realidade está
definida pelo interior e exterior da criança; isto é, pela imaginação, pelo lúdico,
e pelo concreto [...] desta forma, acreditamos na força do brinquedo, dos jogos,
dos “trunques”, envolvendo domínio de certos fenômenos físicos dos quais a
criança venha usufruir em suas atividades lúdicas (FIGUEIREDO, 1988, p. 62).

Entendendo tais aplicações também para o adulto. Não se trata de utilizar estes
instrumentos como atrativos ao ensino, mas de permitir acesso ao conhecimento também
através deles. Chateau discute a busca do atrativo lúdico, considerando que, se essa for
à única razão para utilizarmos jogos e brinquedos, não teremos mais do que uma ilusão,
isolando o sujeito da vida. Para ele, o jogo revela um importante princípio de que “se
faz tudo que se faz com prazer”. Isso é o mesmo que dizer que qualquer atrativo tem
valor educativo, diferenciando, pois, o “atrativo do jogo” (que ele considera superior)
do “atrativo da guloseima”. Jogos ou trabalhos escolares também podem ser encarados
como “atrativos-guloseima”, se não tiverem nenhuma conexão com o aprendizado real.
Freinet questiona a utilização do jogo na educação, enquanto busca de uma
“escola atraente”, principalmente no que diz respeito ao conceito de uma educação
ativa. Para ele, como também para Chateau e Piaget, a educação ativa não é apenas
a obtida com a composição de diferentes “atividades”, mas é apenas aquela cujo
processo de construção tenha a participação atualmente atuante do sujeito. É nessa
mesma perspectiva que procura diferenciar os tipos de jogos aplicados à educação,
com os rótulos de “jogos” e “jogos de trabalho”. Nessa sua análise, o trabalho preva-
lece sobre o jogo, segundo o que argumente ser uma “prioridade orgânica”, dizendo
haver uma necessidade de trabalho e não de jogo, decorrente de um potencial de vida,
ao mesmo tempo individual e social. Para ele, o jogo tem consequência educacional
com forma travestida de trabalho, uma espécie de pré-aprendizagem do mesmo:

[...] esse jogo, que é essencial ao animal pequeno como à criança, é, em última
análise, trabalho, mas trabalho de criança, cujo objetivo nem sempre captamos,
trabalho que, de modo algum, reconhece por que é menos terra a terra, menos
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
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indignamente utilitário do que comumente o imaginamos (FREINET apud


FREIRE, 1980, p. 114).

Sua visão pedagógica proporcionou desdobramentos como “jogos-trabalho”,


segundo ele, uma reminiscência de um trabalho com todas suas características, decor-
rente das necessidades orgânicas das crianças. Freinet rediscute o jogo, dando-lhe
um caráter de construção prática, tal como a imprensa escolar na sua experiência
de escola proletária. Isto é, para ele, o trabalho do aluno deve ser um processo que
amplia, segundo um interesse, no lugar de simplesmente exercitar-se como produto
acabado, como um jogo comum ou aula tradicional. Nessa perspectiva de conse-
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quência pedagógica, e não apenas de atividade, que consideramos trabalhos, jogos,


brinquedos e desafios como instrumentos importantes, a serviço de uma educação
acessível e envolvente, na qual a aprendizagem, como processo integrador, ocorra
através de interações que instiguem o sujeito, no sentido do conhecimento.
Jogos e brinquedos podem estar inseridos, segundo esta perspectiva, na aprendi-
zagem e na construção do conhecimento, de forma que o brinquedo seja um incentivo
e não um produto acabado. Por outro lado, mesmo fora deste contexto, considera-
mos que jogos e brinquedos poderão estar proporcionando informações importantes
aos sujeitos, através de experiências agradáveis e da familiarização com diferentes
eventos, cujas consequências educacionais são altamente objetivas. Ou, como trata
Figueiredo, mesmo que não tenha um objetivo claramente pedagógico, fazem parte
da realidade do sujeito.
Frisamos, porém, que a busca do interesse, na educação que desejamos, não é
apenas uma forma de mudar a aparência de um processo amargo, “emprestando-lhes”
um aspecto doce e atrativo. Procuramos uma estrutura de trabalho realmente aberta
aos diversos interesses dos alunos, no sentido de desenvolver plenamente sua energia
de aprendizado, garantindo-lhe possibilidades de acesso real ao conhecimento e à
cultura, com a perspectiva de desenvolvimento cognitivo.
Não basta colocar o conhecimento à disposição da pessoa ou apenas a partir
de sua realidade: é preciso mostrar-lhe sua capacidade de atingir e interagir com o
mesmo. Nesse trabalho, analisamos algumas aplicações didáticas da interação lúdica
com o conhecimento e a cultura, através de montagens, jogos e brinquedos, que tratem
um desejado conteúdo didático.

Lúdico no ensino-aprendizagem
Alguns educadores têm dificuldade em perceber a importância do lúdico no
processo de ensino-aprendizagem. Porém profissionais da educação comprometidos
com a qualidade de sua prática pedagógica, reconhecem a importância do lúdico
como veículo para o desenvolvimento social, intelectual e emocional de seus alunos.
Para entender o universo do lúdico, é necessário compreender que ele envolve os
jogos, os experimentos e as brincadeiras. Brincar é uma atividade que facilita o desen-
volvimento físico, cognitivo, psicológico, estimula o desenvolvimento intelectual,
574

possibilita as aprendizagens. Mas conceituar o termo não é tarefa fácil. Kishimoto


salienta que é muito complexo definir jogo, brinquedo e brincadeira. Uma mesma
conduta pode ser jogo ou não jogo em diferentes culturas, dependendo do significado
a ela atribuído (KISHIMOTO, 2003, p. 15).
O jogo para Kishimoto pode ser aceito como consequência de um sistema
linguístico inserido num contexto social; um sistema de regras; e um objeto. Com
relação ao experimento Kishimoto afirma que é um suporte para o bom aprendizado.
Sendo o brinquedo diferente do jogo, o brinquedo supõe uma relação íntima com
a criança e a indeterminação de regras em sua utilização (KISHIMOTO, 2003, p.
18). Já a brincadeira é a ação que a criança desempenha ao concretizar as regras de

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um jogo, ao mergulhar na ação lúdica, podendo se dizer que é o lúdico em ação.
(KISHIMOTO, 2003, p. 21).
Segundo Grassi, o termo jogo compreende uma atividade de ordem física ou
mental, que mobiliza ações motrizes, pensamentos e sentimentos, no alcance de um
objetivo, com regras previamente determinadas, e pode servir como um passatempo,
uma atividade de lazer, ter finalidade pedagógica ou ser uma atividade profissional
(GRASSI, 2008, p. 70). A brincadeira é o ato ou efeito de brincar, momento em que
utilizando-se de experimentos que possibilitam ao adolescente no campo do fazer e
inventar pelo trabalho. Na brincadeira diversas funções são mobilizadas: as psicomoto-
ras, as neuropsicológicas, a cognitiva além de sentimentos e afetos (GRASSI, 2008, p.
46). E o brinquedo se configura em instrumentos para brincar (GRASSI, 2008, p. 55).
É perceptível a falta de atenção que é dada ao brincar; muitos adultos ainda acreditam
que brincar é improdutivo, inútil e sem significado. Mas brincar é tão importante que é
direito garantido por lei. A Lei Federal nº 8069/90, o Estatuto da Criança e do Adoles-
cente, capítulo II, artigo 16, diz o seguinte, no inciso IV: “Brincar, praticar esportes e
divertir-se”. Nota-se que o documento sugere que toda criança deve desfrutar de jogos
e brincadeiras, os quais deverão estar dirigidos para a educação. Ficando toda pessoa,
em especial, pais e professores, responsáveis em promover o exercício desse direito.
A criança constrói e reconstrói sua compreensão de mundo por meio do brincar; ama-
durecem algumas capacidades de socialização, por meio da interação, da utilização e
experimentação de regras e papéis sociais presentes nas brincadeiras.
Por meio do lúdico há o desenvolvimento das competências de aprender a ser,
aprender a conviver, aprender a conhecer e aprender a fazer; desenvolvendo o com-
panheirismo; aprendendo a aceitar as perdas, testar hipóteses, explorar sua esponta-
neidade criativa, possibilitando o exercício de concentração, atenção e socialização.
O jogo é essencial para que seja manifestada a criatividade do adolescente, para que
utilize suas potencialidades de maneira integral, indo de encontro ao seu próprio
eu. É brincando que a criança constrói sua identidade, conquista sua autonomia,
aprende a enfrentar medos e descobre suas limitações, expressa seus sentimentos
e melhora seu convívio com os demais, aprende entender e agir no mundo em que
vive com situações do brincar relacionadas ao seu cotidiano, compreende e aprende
a respeitar regras, limites e os papéis de cada um na vida real; há a possibilidade de
imaginar, criar, agir e interagir, auxiliando no entendimento da realidade, segundo
o que foi dito por Silva (2005).
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Essas atividades lúdicas são de fundamental importância, onde se baseiam em


exemplares de acontecimentos autênticos e como quaisquer modelos, simplificam o
fato, recortando-a segundo expectativas e acabamentos pré-determinados. Utilizando
um pesquisador conhecedor da importância das atividades lúdicas como este que
iremos citar agora, podemos definir da seguinte maneira: de acordo com Proença
(2002), o jogo oferece tanto um espaço de vivência e apreciação quanto de experi-
mento e reflexão através do contato simulado com a realidade modelada. O que irá
diferenciar a desenho de inquietação desses exemplares através da atividade ou através
da leitura e do estudo é a versatilidade e o mundo lúdico do adequado experimento.
Em resumo, os experimentos lúdicos não desvirtuam apenas à arquivamento do
contexto abordado, mas desvirtuam o educando à ponderação. Com tudo isso, esses
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exercícios acrescentam a motivação dos estudantes diante as aulas de Química, pois


o lúdico é motivador de vários tamanhos do mundo do aluno, como cordialidade,
tarefas em grupo e as semelhanças com normas definidas pelo professor em sala.
Os recursos lúdicos obedecem facilmente a uma alegria idiossincrática, pois
o ser humano apresenta uma convergência lúdica, desde criança até a idade adulta.
Por ser uma atividade física e mental, a ludicidade aciona e ativa as funções psico-
neurológicas e os processos mentais. O ser que brinca e joga é também um ser que
age, sente, pensa, aprende e se desenvolve intelectual e socialmente (CABRERA;
SALVI, 2005). A aprendizagem vai ser entusiasmada devido à relação emocional
e pessoal que o estudante estabelece quando está jogando, tornando-se dependente
ativo do processo de ensino e aprendizagem no qual se insere diretamente, ou seja,
ele vai aprender enquanto brinca. Como as atividades lúdicas agregam e ativam as
esferas motora, cognitiva e afetiva dos seres humanos, elas, ao trabalharem o lado
emocional do aluno, influenciam francamente o processo de ensino e aprendizagem.

Atividades lúdicas no ensino de química


Segundo pesquisas de Gazola (2010), verifica-se a coação e a seriedade do
aproveitamento de experimentos de cunho dinâmico (lúdicas) no estudo da disciplina
de química. Uma das provocações contemporâneos do ensino de Química é arquite-
tar um elo entre o conhecimento instruído e o universo do dia a dia dos estudantes.
O educador deve ser capacitado de provocar um ambiente adequado a observação
em equipe e à manifestação da criatividade dos seus estudantes por intercessão de
pequenas provocações que permitam progressos graduais (NARDIN, 2011).
Diversos levantamentos e observações assinalam que o ensino da disciplina
Química é, em comum, clássico, centralizando-se na ingênua arquivamento e repro-
dução de nomes, expressões e cálculos, completamente desvinculados do dia a dia e
do fato em que os estudantes se deparam (SANTANA, 2006). Existe um admirável
descontentamento da disciplina de pelos estudantes devido à dificuldade no ensino-
-aprendizagem, assimilação das ideias, ausência de laboratórios nos estabelecimentos
escolares e até ainda porque estabelecem competências pedagógicas como pensamento
coeso, rudimentos de atmosfera tridimensional, abstração e aptidões em informática e
matemática, as quais de regra os estudantes não possuem por precocidade intelectivo.
576

Algum insuficiente de estudantes conferem o acontecimento ao grau de com-


plicação que a matéria proporciona, outros devido à ausência dá alicerce educativo
constituída nas séries derradeiros ou à metodologia conservante tomada por professo-
res (SANTOS, 2010). Santos (2010) assegura que a grande dificuldade determinante
da rejeição da matéria está na ausência de apropriada aspiração dos professores
em ministrarem aulas de propriedade, utilizando soluções didáticas opcionais que
seduzam a atenção do estudante, excitem a aspiração dele em estudar e revolvam o
estudo prazeroso e alegre.
Essas aulas, quando bem aperfeiçoadas e aumentadas, oportunizam a interlocu-
ção de informação, a socialização e o incremento subjetivo, igualitário e objetivo. O

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lúdico, além de ser uma mina de distração e descobrimento, é a tradução do conjunto
sócio, histórico e cultural, cooperar expressivamente no procedimento de organização
do conhecimento do estudante como intercessor da aprendizagem (MELO, 2005).
A afronta então é consagrar esses recursos educativos com encargo e amadure-
cimento saindo da falação para concretização do processo de modificação do ato de
estudar e lecionar recuados para as obrigações dos estudantes. Isso pode oferecer a
partir da modificação de atitude de alguns educadores que ainda persistem nas apre-
sentações maçantes sem motivação, sendo isso uma provocação a ser sobrepujado
(OLIVEIRA et al., 2007). No entanto, ao que parece, a instrução da disciplina Quí-
mica não tem proporcionado propriedades para que o estudante a envolva enquanto
julgamentos e nem quanto ao seu aproveitamento em sua vida rotineira.
Ponderações sobre a disciplina de Química no Ensino Médio são ainda rudi-
mentares. O alcance da observação brasileira pode ser centrado no ano de um mil
novecentos e quarenta, com a criação do Instituto Nacional de Educação, Ciência e
Cultura, intensificando, contudo, após a concepção dos dois derradeiros programas
de Pós-Graduação em Educação de Química, da USP e da Universidade Federal
do Rio Grande do Sul, no começo dos anos de 70. De início então, por além disso
de duas dezenas, desenvolveu incalculáveis observações na área, retratadas em
antes de duas centenas de dissertações ou teses acadêmicas e em várias centenas
de artigos acadêmicos.
Pelo que angústia essa expressiva massa de análise sobre o ensino de Química,
insuficientes estudos foram realizados no sentido de analisar, de modo mais completo,
suas achegas para a Educação Brasileira, suas dificuldades, entraves, aberturas, à
consanguinidade dos mencionados estudos sobre a análise educativa em seu confi-
nante. Na presente década meados de 80, deparamos exclusivamente um pouco de
infortúnios que ampliaram uma apreciação de um apurado contíguo de pesquisas
educacionais na área da educação em ciências, juntos relativos ao ensino da disciplina
Biologia. Apesar disso, aqueles determinados trabalhos são circunscritos a análises
particulares, no domínio de um apurado estabelecimento acadêmico ou de uma linha
de observação característico.
Ao extenso das derradeiras décadas a observação sobre o ensino das disciplinas
cientificas (Biologia, Física e Química) tem dado enfoque as múltiplas informações
catalogadas com o próprio, sendo um adequado mais característicos como o papel das
prestezas práticas, o material didático e as aristocráticas configurações de abordagem
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dos conteúdos. Tem-se, além disso, diferentes que poderíamos considerar como sendo
de atitude mais genérica, ou seja, abordam sobre os alicerces da educação experi-
mental, seus materiais, seus condicionantes sócios e culturais, políticos e dinâmicos.
Ainda que, esse atraente variada de aspectos Nardi (1998) acredita que, de
forma dilatado, tais exames apresentam uma descrição banal: a averiguação de uma
contenção além disso aberta e densa de vários elementos que diferenciam o ensino
das ciências (Biologia, Física e Química), ambicionar assim gerar adequações ou
deformações nas aprendizagens pedagógicas do educador no seu local de afazer.
Involuntariamente das esperanças construtivas da metodologia de aprendi-
zagem tem sido aconselhado que as atividades de ensino desenvolvidas nas aulas
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de desiguais matérias escolares sejam de modo a consagrar, integrante, aumentar e


modificar os conceitos, conjecturas e informação que os alunos transportam consigo.
É importante ainda, que os educadores estejam acautelados a enorme extensão que
tende a se assentar entre o mundo do conhecimento e o mundo do habitual, distância
essa que o acadêmico demasiado da escola pode aprimorar ainda maior. Adequação,
emitidos, julgamentos, presunções, exemplares e normas podem a inicial vista ser tão
inteligíveis quanto palavras e passagens de uma língua estranha. O educador precisa
ponderar este problema e desvendar pontos de contato entre o conteúdo a ser fornecido
e os informações contemporâneos do estudante. Tais alvos de contato se encontram
habitualmente em temáticas do habitual e da contemporaneidade.
Nos acumulados os cursos de qualificação ou atualização para os licenciados
do circuito público, a deficiência de atividades práticas, as chamadas aulas experi-
mentais, é a cada passo distinguida pelos educadores como uma das fundamentais
insuficiências no ensino das disciplinas científicas no ensino básico e intermediário,
por diversas e bem conhecidos motivos. Se por uma direção isso recomenda que há
algum atilamento da importância da demonstração na ciência, por outro caminho,
Nardi observa também que os fundamentais argumentos utilizados pelos educadores
para justificar a necessidade das atividades experimentais se aguentam majoritaria-
mente em uma abrangência de ciência suplantada e há muito tempo recriminada
pelos estudiosos do conhecimento.
Disposição para nomear, modelo, a ausência de espaços apropriados e apare-
lhamentos nas escolas, número abrasador de aulas, o que atrapalha uma elaboração
adaptada de aulas experimentais; desvalorização das aulas experimentais, acarretada
pela imagem errônea de que aulas experimentais não contribuem para a implemento
para o vestibular; carência do instrutor laboratorista; concepção escassa do educador.
Na disciplina da química onde insuficientes são os educadores licenciados nessa
disciplina, parece-nos que os derradeiros desses fatores têm ampla gravidade, pois
abundantemente de vezes existem equipamentos nas escolas, entretanto os educadores
não sabem usá-los.
Compete avisar aos educadores que assuntos sobre o emprego e a gravidade
da experimentação na Química levam a três tipos fundamentais de resposta: as de
invento epistemológico, que acolhem que os esclarecimento, irá servir para corroborar
a teoria, descobrir a visão clássica das ciências; as de cunho cognitivo, que conjeturam
que as atividades práticas, podem promover a inclusão do conteúdo; e as de invento
578

motivo e vocacional, que confiam que as aulas experimentais possam ajudar a ligar
os pensamentos nas ciências, curiosidade ou o comprometimento pela disciplina.
Na atualidade do julgamento, o interesse ascendente incide na altercação da
importância dos experimentos. A Química é uma permuta irredutível entre o ensaio
e a hipótese, e assim, o isolamento total entre o prático e a teoria não é aconselhável
e nem admissível. A ocupação do ensaio é praticar com que a hipótese se ajuste ao
fato, poderíamos ajuizar que, como atividade socioeducativa isso poderia ser feito
em múltiplos planos, estar sujeito ao conteúdo, da metodologia abraçada ou dos
alcances que se quer com o ensaio.

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Considerações finais: deslocamentos no ensino e na pesquisa
da Química
Maldaner (1999, 2000) aponta para a formação inicial e continuada dos profes-
sores, enfatizando os professores da educação básica, mais especificamente do Ensino
Médio, e os cursos de formação de professores. Partindo da hipótese de que a formação
do professor se dá num processo permanente que inclui toda a sua vivência escolar, a
formação inicial e o mundo de trabalho, o pesquisador alerta que essa vivência pode
criar uma ideia restrita e muito simplificada da profissão docente, “uma imagem
espontânea de ensino, para o qual basta um bom conhecimento da matéria, algo de
prática e alguns complementos psicopedagógicos” (MALDANER, 1999, p. 289).
Para ampliar a concepção sobre ensinar Química, Maldaner considera a pesquisa
como princípio formativo e de trabalho, ou seja, o professor como pesquisador de sua
própria prática pedagógica. Como esse pesquisador, acreditamos que, ao incluir a pes-
quisa como parte do seu trabalho, o professor será capaz de criar e recriar conhecimentos
próprios da atividade discente e docente. Para que o professor atue como pesquisador de
sua própria prática, é necessário formá-lo pesquisador. Então, a formação do professor –
em cursos de Licenciatura ou magistério – torna-se, também, objeto de análise e pesquisa.
Schnetzler (2003) nos apresenta o “estado da arte” da pesquisa em Ensino de
Química no Brasil, enfatizando os encontros, as publicações, as mudanças ocorridas
e as tendências ao longo das últimas décadas. Apesar de descrever o grande número
de pesquisas que vêm sendo realizada, a autora afirma que “as contribuições das
pesquisas para a melhoria do processo de ensino-aprendizagem ainda não chegam
à maioria dos professores que, de fato, fazem acontecer o ensino nas escolas desse
imenso país” (SCHNETZLER, 2003, p. 22).
Mortimer (1996, 2000, 2002), importante pesquisador brasileiro em ensino de
Química, desenvolve pesquisas em torno da evolução conceitual, da formação de
professores e da análise de aulas. A necessidade de repensar os cursos de formação
inicial e de ampliar a formação continuada dos professores de Química é defendida
pelo pesquisador. Assim como os demais pesquisadores, Mortimer (2002) considera
a evolução conceitual sinônimo de aprendizagem. Esse pesquisador argumenta que
o estudante cria um perfil conceitual com diversas zonas de estabilidade e que é
indicado ao professor saber trabalhar com elas em sala de aula.
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 579

Podemos perceber que faz parte do universo de pesquisas em educação estudos


sobre os saberes que os professores utilizam em seu trabalho diário, para desempenhar
tarefas e alcançar seus objetivos e a origem desses saberes. Os professores de Quí-
mica, cuja formação foi centrada em disciplinas científicas, sem que o conhecimento
fosse problematizado, baseiam-se nestas para realizar sua atividade. Nesse caso, os
professores podem ter dificuldade em modelar esse conhecimento, situá-lo no mundo
de vida dos estudantes e voltá-lo para a solução de situações problemáticas concretas.
Considerando que os conhecimentos profissionais exigem sempre uma parcela de
improvisação do profissional, num processo constante de reflexão e discernimento
dele, para além da formação universitária, torna-se necessário que o professor esteja em
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constante processo de “reciclagem” ou atualização, conforme Tardif cita em seu texto:

Os conhecimentos profissionais são evolutivos e progressivos e necessitam, por


conseguinte, uma formação contínua e continuada. Os profissionais devem, assim,
autoformar-se e reciclar-se através de diferentes meios, após seus estudos univer-
sitários iniciais (TARDIF, 2000, p. 7).

Pelo que podemos perceber o processo de ensinar para produzir aprendiza-


gens (e existe outro tipo de ensino?) é extremamente complexo e vai muito além da
transmissão de conhecimentos. Envolve uma expressão de múltiplos saberes incor-
porados em âmbitos, tempos e espaços de socialização diversos (LELIS, 2001, p.
53). É necessário que os professores saibam cuidadosamente lidar com os saberes
profissionais para um bom desempenho de sua função. Mas em que espaço/tempo
eles serão formados para tal?
Tem sido frequente, nos últimos anos, a discussão das políticas educacionais,
das práticas docentes e dos problemas do baixo rendimento escolar no Brasil e vários
documentos têm sido elaborados visando à melhoria do ensino como um todo, o que
inclui a Química. Em função, principalmente, da evolução no número de matrículas
no Ensino Médio e do desenvolvimento das tecnologias de comunicação e de infor-
mação, considera-se que o papel do professor e da escola é mais amplo do que era
há algumas décadas.
Para o Ensino Médio, uma reforma curricular se fez necessária, visto que está
associado a uma formação geral básica, cujo objetivo é consolidar e aprofundar os
conhecimentos adquiridos na educação fundamental, desenvolver a compreensão e o
domínio dos fundamentos científicos e tecnológicos. Assim, vivenciamos a LDB/1996
e os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997), que foram subsequentes a ela.
Acompanhando as mudanças, os Estados vêm implementando programas e
ações que têm como objetivo aperfeiçoar os recursos obtidos – assim como o tempo
– e democratizar e melhorar a qualidade da educação oferecida. Krawczyk (2003),
em seu estudo sobre a aplicação do Programa de Melhoria e Expansão do Ensino
Médio, financiado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), em três
estados brasileiros, observou que a reforma se centrou na remo-delação física da
escola, na construção de laboratórios de informática, salas de multimeios e labora-
tórios de Biologia, Física e Química. A reforma curricular foi menos significativa.
580

Ao se tratar da reorganização curricular não se definiu um currículo fixo, mas alguns


princípios básicos estabelecidos pelo MEC, por meio dos documentos publica-
dos. Nesse sentido, a escola passaria a definir propostas pedagógicas próprias, de
forma diversificada e sob uma base comum.
Apesar disso, as mudanças reais no ensino e na aprendizagem são poucas. Os
currículos sofreram poucas alterações e o conteúdo químico ensinado nas instituições
de educação básica continua, muitas vezes, sendo “puro”, ou seja, o conhecimento
científico não é percebido pelo estudante como inserido em seu mundo de vida.
Essas dificuldades institucionais para criar alternativas curriculares são utilizadas
para reforçar a ideia (presente em alguns órgãos oficiais) de que os professores são

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responsáveis por grande parte da não implementação de inovações que visam à
melhoria na qualidade de ensino, porque colocam seus interesses pessoais acima das
necessidades dos alunos, para Krawczyk (2003, p. 177).
Lembrar as condições reais de trabalho, salariais e de formação dos docentes,
a ausência de políticas para mudar essa situação e a falta de espaço da categoria na
definição das políticas educativas pode levar a explicações mais fundamentadas. Estas
não se devem ancorar na busca do “culpado”, e, ainda que não justifiquem a posição
de alguns professores e agremiações, permitiriam compreender a cultura e prática
docente no cenário no qual elas se engendram. Dessa maneira, acreditamos que é
preciso entender quem são os professores, como se tornaram professores, como eles
ensinam e/ou aprendem e, principalmente, quais os problemas que eles enfrentam
no cotidiano de sua prática docente.
Por isso, julgamos importante conhecer a visão que professores de Ensino Médio
têm a respeito do ato de ensinar Química. Esta ciência trabalha situações do mundo
real e concreto cujas explicações, na maioria das vezes, usam entidades do mundo
chamado microscópico, tais como átomos, íons, elétrons, entre outros. Navegar neste
mundo infinitamente pequeno e, portanto, abstrato, usando essa abstração para expli-
car o mundo real, é difícil para uma parte significativa dos estudantes. Consideramos
que o trabalho do professor poderia se dirigir exatamente para a ligação entre esses
dois mundos – macroscópico/concreto e microscópico/abstrato – dando significado
aos conteúdos químicos. Pesquisas já foram realizados sobre a admissão de jogos
dinâmicos na educação de química, como os cumpridos por Oliveira et al. (2007),
Nardin (2011), Santana (2006), Santos (2010), dentre diferentes.
As dinâmicas lúdicas estão recebendo consagração na educação de química,
sendo toda vez mais aproveitadas a fim de aliviar o aprendizado. entretanto, não se
facultar deslembrar que os jogos são exclusivamente um suplemento, e podem ser
aplicados pelos professores como um recurso didático. Aulas dialogadas, teóricas e
experimentais podem estar coesas, contribuindo para o artifício de ensino-aprendiza-
gem. Segundo Chateau (1984), os jogos desembaraçam não exclusivamente o cérebro,
mas também a inteligência. Permanecer abertura que é possível aprender com prazer.
Para Santos (1997), o aprendizado lúdico é uma obrigação do ser humano
em qualquer período, mas não pode ser vista exclusivamente como brincadeira. O
desenvolvimento do aspecto lúdico promove a aprendizagem, o incremento particular,
social e cultural, colabora para uma adequado bem-estar intelectivo, apronta para uma
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 581

conjuntura interior abundante, promove os processos e construção da informação. Em


1982, na apresentação de abertura do 1º Encontro Nacional de Ensino de Química,
consolidar no Instituto de Química da UNICAMP, Frazer assim lembra a observação
em educação aplicada ao ensino de química:

I) Versa no aprimoramento do ensino e aprendizagem de química; II) Emprega hipó-


teses da psicologia, sociologia, filosofia etc.; III) Aproveita tecnologias, tais como:
avaliação, observações, entrevistas, questionários. Nesse sentido, as diferenças entre
pesquisas em educação química e em química são: IV) averigua sobre pessoas e não
sobre elétrons; V) Os efeitos de pesquisa modificam com o andamento e localidade;
VI) Não dura ainda uma metodologia de análise bem estabelecida e aceita; VII)
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Não vive ainda um código de publicação bem situado (FRAZER, 1982, p. 127).

Tais ideias podem confirmar um caráter com facilidade experimentado ou ins-


trumental às observações em ensino de química ao reduzi-las a sem mistura apro-
veitamentos de hipóteses e exemplares das Ciências Humanas, individualmente, da
Psicologia. Se caso isso individualizou os seus primórdios-anos, o desenvolvimento
ressaltado a partir de então, especialmente catalisado pelo chamado “movimento das
concepções alternativas” na década de 80, conferiu outro status à área de pesquisa em
educação de química, situando-a em uma outra maior, a da Didática das Ciências, que
vem sendo combinada como um campo científico de estudo e averiguação, com
hipótese e utilização de teorias/modelos e de organismos de publicação e divulgação
adequados e, principalmente, pela desenvolvimento de um novo tipo de profissional
acadêmico ou pesquisador(a) em ensino de Química.
Tudo que a categoria, ambas principais razões têm relevado a importância do
campo da Didática das Ciências: a seriedade da vertiginosa cultivo científica e tecno-
lógica para o desenvolvimento das regiões, tornando a alfabetização científica de seus
cidadão, compêndio necessidade imperioso; e a associação do desprovido escolar ao
ensino de química, a qual não pode ser aplicar pena à inaptidão da maioria dos estu-
dantes, evidenciando a existência de deficiências naquela educação (Yager e Penick).
Com relação à segunda classe a especificidade do jovem campo já afirmáva-
mos (SCHNETZLER; ARAGÃO), no inicial artigo do setor de pesquisa em edu-
cação, que a consideração da pesquisa em melhorias na didática de química estar
sujeito da publicação da sua capacidade de determinar enigmas que não poderiam
ser determinados pelas outras áreas da química, pois a direção do conhecimento
químico é uma categoria indispensável, mas não é suficiente para o desenvolvimento
do mercado. Nós, estudiosos em ensino, nos arrastamos com interações entre caras
(alunos e professores) e com a decidida da informação nas apresentações de química.
Assim sendo, carecemos entrar com recurso a contribuições teóricas da filosofia, da
psicologia, da sociologia, da antropologia etc. Na nobreza entre os entonação con-
centrar e interrogar, Cachapuz e colaboradores anunciar que:

Ponderar a Didática das Ciências uma infantil aplicação do exercício das Ciências
da Educação pode improvisar com que ignoremos a importância da epistemologia
582

da ciência para uma melhor aprendizagem das ciências [...] Além disso, é a existên-
cia de uma corporação próprio de conhecimentos sobre o ensino e a aprendizagem
das ciências que torna admissível a integração de conhecimentos alcançados da
Psicologia da Educação (CACHAPUZ, 2011, p. 161).

Então, os competentes psicólogos da educação abrangeram que não se pode


avaliar sobre aprendizagem em geral, ou como Shulman repreendeu os pedagogos por
desconhecerem a centralidade dos conteúdos em artifícios de ensino-aprendizagem.
Em distantes expressões, a identidade dessa nova área de verificação é marcada pela
especificidade do conhecimento científico, que está na ascendência dos problemas de
ensino e de aprendizagem averiguados, implicando observações sobre especialistas

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didáticos mais acomodados ao ensino daquele conhecimento e investigações sobre pro-
cedimentos que melhor ofereçam conta de imprescindíveis reelaborações conceptuais
ou adaptações didáticas para o ensino daquele conhecimento em circunstância escolares
determinados. Isso compõe que o ensino de química oferecer a alcançar a modificação
do conhecimento químico em conhecimento escolar, configurando a necessidade de
concepção de um novo campo de estudo e investigação, na qual as questões centrais
sobre o que, como e porque instruir Química constitui o centro das investigações.
Ao se pesquisar sobre discernimentos para a produção de adequados artigos
de averiguação em ensino de Química, destacam a competência em Química, não
oponente só ela não seja insatisfatório para dar conta de outros condição a neces-
sidade de se especificar e fundamentar o amplo valor do assunto de averiguação
em terminação da literatura vivente, particularmente da disciplina da didática dos
conhecimentos, que quão relevância condescendesse no propósito de progresso o
processo de ensino-aprendizagem em Química, e que a investigação seja teórica e
metodologicamente fundamentada, dito, explicitamente, tais referenciais com pro-
cedimentos abrangidos de coleta, construção e análise de conhecimento. Afinal, que
os consequência consistir em aventados criticamente.
Por seu andamento, com relação à terceira classe esquematizada por Cachapuz e
contribuintes, para deliberar a especificidade de uma dilatação de pesquisa, de recur-
sos compassivos e condições socioculturais – nos anos 80, há o início de inúmeras
avaliações na área que ligeiramente aumentaram sua periodicidade e a abundância
de artigos divulgados em cada número. Ainda temos revistas do campo educacional
e aquelas estabelecidas em conteúdos científicos como, por exemplo, a Química
Nova, que lidaram a divulgar, com maior frequência, trabalhos de investigação em
consequência do número cada ocasião maior de assuntos de mestrados produzidas e
de congressos internacionais realizados.
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 583

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CONDIÇÃO SOCIOECONÔMICA E DE
SAÚDE MENTAL DE UNIVERSITÁRIOS:
o inédito viável freireano como possibilidade
ao enfrentamento de desafios pandêmicos
Lucivaldo da Silva Araújo
Ingrid Bergma da Silva Oliveira
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Introdução
Este capítulo versa sobre os desdobramentos de uma pesquisa desenvolvida
pela Coordenação do Curso de Graduação em Terapia Ocupacional da Universidade
Estado do Pará – UEPA, realizada durante os meses de setembro e outubro de 2021,
com o objetivo de investigar as condições socioeconômicas e de saúde mental dos
discentes do curso em meio à pandemia de covid-19.
A iniciativa foi motivada pela constatação de evidências presentes na rotina do
curso que indicavam distintas formas de interação entre a condição socioeconômica,
a pandemia, a saúde mental, o desenvolvimento dos componentes curriculares e o
desempenho acadêmico dos discentes. Os indícios da confluência desses fatores
pululam diariamente na interação entre alunos, professores e técnicos da instituição
e costumam demandar a gestão administrativa e pedagógica do curso com ocorrên-
cias que envolvem alunos com manifestações de ansiedade, depressão, ideação e
tentativas de suicídio, problemas familiares e econômicos de diversas ordens, além
de inúmeras situações que requerem manejo especializado.
Durante os meses de agosto e setembro de 2021, foram realizados 12 atendimentos
a discentes que procuraram a coordenação de curso em busca de ajuda e/ou orientação.
Dentre as situações apresentadas destacaram-se alunos com dificuldades em manter-se
no curso em função de problemas socioeconômicos que vão desde a falta de recursos
para o deslocamento às atividades acadêmicas, até dificuldades em alimentar-se.
Demandas em relação à saúde mental igualmente mostraram-se frequentes por
parte de alunos que tinham aproveitamento acadêmico prejudicado pelo sofrimento
mental instalado e pela falta de assistência qualificada.
A intermitência de situações agudas como crises de ansiedade intensificadas
pela dificuldade em manter-se nos estudos e, por vezes, sem os recursos financei-
ros que outrora mantinham a aquisição de medicação adequada para o tratamento
desses quadros, ideação suicida e tentativas de suicídio, explicitou um cenário que
não poderia ser ignorado. Trata-se de um contexto complexo que aglutina múltiplos
fatores que envolvem demandas familiares, violência física e sexual, abuso de subs-
tâncias psicoativas, problemas financeiros, sofrimento mental diagnosticado e sem
acompanhamento, dentre outras coisas acentuadas após a instalação da pandemia.
588

Essas demandas, somadas à dinâmica da vida acadêmica de jovens pressionados


por uma cultura da produtividade, baseada na imagem e no sucesso aparente, nos
colocaram diante de pessoas fragilizadas que precisavam de suporte durante esta
travessia intensa que é a graduação em um curso superior da área da saúde, em um
momento único e preocupante de uma pandemia.
Embora o acompanhamento psicossocial não seja a prioridade da formação
graduada, ele não pode ser desconsiderado na formação de pessoas que chamar-se-ão
terapeutas, ou seja, pessoas que devem estar em condições de oferecer suporte e fazer
uso terapêutico de si para que outras pessoas possam apropriar-se de suas vidas por
meio do engajamento em suas ocupações significativas.

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A necessidade de conhecer esse cenário de forma sistematizada foi movida pela
intenção de subsidiar, por meio das informações obtidas pelo estudo, um plano de
ação relacionado às práticas afirmativas e de cuidado em saúde mental de discentes
do curso de Terapia Ocupacional do Centro de Ciências Biológicas e da Saúde –
CCBS, da UEPA.
Frente às demandas de cuidado e assistência, nos propusemos a refletir sobre
esses acontecimentos e encontramos ressonância com o que o educador Paulo Freire
nos apresenta como “o inédito viável” (FREIRE, 2018), ou seja, um campo de práxis,
atos de possibilidades humanas resultantes de inquietudes, planos que transcendem o
adestramento e se materializam à serviço da coletividade, um processo que inicia com
o estranhamento da realidade a partir da percepção crítica dos sujeitos e suas ações.
Gadotti (2007) refere que o inédito viável de Freire é expressão que designa
o devir, “o ‘ainda-não’, o futuro a se construir, a futuridade a ser criada, o projeto
a realizar. [...] a possibilidade ainda inédita de ação que não pode ocorrer a não ser
que superemos as situações-limites [...], transformando a realidade na qual ela está
com a nossa práxis” (2007, p. 109).

Método
A pesquisa teve delineamento quanti-qualitativo e transversal. Baseou-se na
obtenção de informações junto aos discentes de todas as séries do curso Terapia
Ocupacional, no ano letivo de 2021. Os dados foram obtidos por meio de questionário
constituído por questões abertas e fechadas que abordavam primeiramente informa-
ções relacionadas à condição socioeconômica e, em segundo lugar e majoritariamente,
informações sobre a saúde mental dos discentes.
A elaboração do questionário levou em consideração as principais demandas
relacionadas à condição socioeconômica e de saúde mental dos alunos com as quais
a coordenação do curso lidou durante os meses de julho, agosto e setembro de 2021.
A estrutura do instrumento para obtenção dos dados foi formada por 34 questões
envolvendo múltipla escolha, narrativas sobre a autopercepção em relação à saúde
mental e questões baseadas em escala Likert. O instrumento, durante sua etapa de
elaboração, foi submetido à apreciação de profissionais com expertise nesse tipo
de pesquisa e em saúde mental, assim como contou com a colaboração do Centro
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 589

Acadêmico de Terapia Ocupacional – CATO, que como representação estudantil


estava em melhores condições de avaliar a pertinência da intenção.
O questionário foi aplicado via Google Forms e enviado a todos os alunos por
meio dos contatos institucionais registrados no módulo da coordenação do curso no
sistema Sigaa/Uepa.
Todos os 167 alunos regularmente matriculados no curso no ano de 2021 rece-
beram a notificação.
O cálculo amostral foi feito da seguinte forma:
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Onde: N = tamanho da população, e = margem de erro (porcentagem no formato


decimal) e z = escore z.
Com N=167 e e=5, obteve-se uma representação estatisticamente significativa
com grau de confiança de 95% a partir de uma amostra de 117 respondentes.
Os dados serão apresentados descritivamente, sem a intenção de testes corre-
lacionais. Os participantes, quando citados neste capítulo serão identificados como
A1, A2... (Aluno 1, Aluno 2...), segundo a ordem de retorno dos formulários.

Resultados
A taxa de retorno dos formulários foi de 76% (N=127) e os respondentes
foram predominantemente mulheres (85,8%) com faixa etária que vai dos 17 aos
30 anos de idade.
Em valores absolutos e percentis obteve-se a seguinte distribuição dos partícipes:

Tabela 1 – Representação de alunos na amostra por série


Série N %
1 47 37,0
2 8 6,3
3 31 24,4
4 19 15,0
5 22 17,3
- 127 100%
Fonte: Banco de dados da pesquisa.
590

a) Condição socioeconômica

Quanto à condição econômica os dados apontam uma realidade preocupante: quase


60% das famílias dos alunos sobrevivem com até dois salários mínimos, famílias essas
que contam com a presença do discentes como morador habitual (73,2%) (Gráfico 1).

Gráfico 1 – Renda familiar dos alunos do curso de Terapia Ocupacional

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Fonte: Banco de dados da pesquisa.

Em torno de um quarto (22,8%) dos alunos declara que precisou mudar de


cidade para cursar a graduação na capital paraense e 30% continua residindo em seu
município de origem. Esses alunos deslocam-se diariamente para cumprir sua rotina
de estudo em Belém.
Aproximadamente 75% dependem financeiramente dos pais e familiares. Ape-
nas 6,3% possuem fonte de renda própria e citam desde trabalhos em lanchonetes
até a dependência financeira de bolsas acadêmicas e de estágio extracurriculares. Os
demais(18,7%) são mantidos por parentes, companheiro(a), amigos e outras pessoas
de suas redes de afeto.
Quase metade dos alunos (45,7%) declaram que não conseguem suprir os custos
da formação (xerox, transporte, livros, eventos etc.) e aproximadamente 6% avaliam
que, caso não consigam suporte socioeconômico emergencial, não terão condições de
concluir o curso no período previsto. Preocupa ainda o percentil de 11,8% de alunos
que declara não ter condição mínima de automanutenção (alimentação, vestuário etc.).

b) Condição de saúde mental

Quando indagados sobre o fato de já terem recebido algum diagnóstico em saúde


mental, os participantes da pesquisa apresentaram (Gráfico 2) a seguinte distribuição:
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 591

Gráfico 2 – Distribuição dos alunos em relação à


possível diagnóstico em saúde mental
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Fonte: Banco de dados da pesquisa.

Dentre os diagnósticos declarados destacam-se os transtornos de ansiedade e


depressão. Desse montante 12,5% declaram fazer uso regular de medicação psicotró-
pica, dos quais 3,1% acusam que fazem esse uso sem receita médica. O uso frequente
de álcool (mais de 3x por semana) é citado por 8% dos alunos e o de maconha por 4%.
Na mesma faixa de frequência de uso, mas com menor percentil (menos de 1%) temos
o uso de drogas sintéticas (anfetaminas, LSD etc.) e indutores do sono e calmantes.
Sobre a possibilidade de suicídio obteve-se (Gráfico 3) o seguinte espectro:

Gráfico 3 – Distribuição dos alunos em relação à ideação suicida

Fonte: Banco de dados da pesquisa.

Esse panorama nos indica que se considerarmos os diferentes momentos da


vida dessas pessoas, quase metade dos alunos (48,8%) já tiveram pelo menos um
episódio de ideação suicida na vida. Além disso, 5,5% já concretizaram pelo menos
592

uma tentativa de suicídio. Ademais, (75,6%) acusa o cenário pandêmico como fator
que ampliou algum comprometimento já existente em sua saúde mental.
Sobre o uso do tempo e organização das tarefas cotidianas, apenas 3% referem
não ter nenhum tipo de dificuldade. As principais razões apontadas como dificul-
tadoras da organização do tempo em relação à dinâmica da vida acadêmica foram
“sentir-se ansioso”, estar “sobrecarregado de atividades” e a “falta de habilidade ou
dificuldade na organização pessoal”.
Diante dessas dificuldades mais da metade dos discentes (57,9%) afirma que
prioriza as atividades acadêmicas a despeito de outras áreas e fazeres de sua vida
cotidiana (Gráfico 4).

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Gráfico 4 – Distribuição dos alunos em relação à dificuldade de
organizar o tempo conforme as tarefas exigidas pela Universidade

Fonte: Banco de dados da pesquisa.

A distribuição do envolvimento dos discentes nas atividades acadêmicas apre-


sentou-se (Gráfico 5) da seguinte forma:

Gráfico 5 – Distribuição dos alunos em relação às atividades


nas quais de envolvem na Universidade

Fonte: Banco de dados da pesquisa.


EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 593

Em relação aos fatores aos quais atribuem influência negativa sobre a saúde
mental destacam-se (Gráfico 6) a perspectiva em relação ao futuro (60,6%) e o cenário
político e econômico do país (57,5%).

Gráfico 6 – Distribuição dos alunos em relação à área que


julgam influenciar mais negativamente a saúde mental
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Fonte: Banco de dados da pesquisa.

A respeito do modo como se sentem em relação ao futuro profissional, os partici-


pantes do estudo referem-se (Gráfico 7) ansiosos, preocupados, inseguros e temerosos.

Gráfico 7 – Distribuição dos alunos em relação ao modo


como se sentem em relação ao futuro profissional

Fonte: Banco de dados da pesquisa.


594

c) Alguns excertos importantes

Destacamos algumas narrativas registradas em perguntas abertas do questio-


nário, aqui agrupadas conforme a questão apresentada.

• Como você se sente em relação a sua saúde mental no momento?


A1: Me sinto esgotada na maioria do tempo
A2: Cansado e frustrado.
A3: Totalmente fragilizada, esse mês eu chorei quase todos os dias, me
sinto sobrecarregada. Pedi demissão do estágio no começo do mês e

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ainda assim me sinto muito sobrecarregada com tudo que é necessário
fazer (mesmo agora as demandas serem só da UEPA). As questões com
os professores me esgotou ainda mais, tive crises terríveis. Eu ainda não
sei o que é, mas quando fico muito estressada, muito sobrecarregada
sinto uma coceira que se espalha pelo corpo e acontece praticamente
só em momentos de estresse, não sei se estou somatizando, se é algum
problema decorrente da ansiedade, mas eu não tô bem.
A4: Um lixo. Tudo no meu ser dói. Eu só queria me esconder e ficar
incomunicável por um tempo.
A5: Me sinto pressionado, pois além da faculdade preciso de outras
obrigações para suprir minhas necessidades de moradia para ter uma
melhor condição de estudo
A6: No momento, sinto que minha saúde mental se encontra fragilizada.
Após adentrar na universidade vivenciei algumas situações que ocorrem
geralmente em momentos de muito estresse e ansiedade, como falta de ar,
vômitos, dores de cabeça, tontura, sensação de hiperventilação, medo,
cansaço extremo, envolvendo episódios de choro sem motivo aparente.
A7: Sinto que está péssima, em 3 semanas eu tive mais de uma crise de
ansiedade por semana. Vou para as aulas tremendo, frequentemente
sinto vontade de trancar o curso e frequentemente choro no ônibus por
me sentir sobrecarregada. Eu estou preocupando meus pais, e me sinto
preocupada em relação a mim mesma.
A8: Pressionada e desgastada, devido alguns problemas pessoais, de saúde
e financeiros (que vem desde a minha infância), ao mesmo tempo que
estou tentando acompanhar a carga horária do curso. Tenho recaídas em
alguns problemas de depressão, e minha ansiedade está sempre presente.
Problemas com insegurança, autoestima, que me fazem recuar na vida.
A9: Preciso urgentemente de acompanhamento, pois além de ter a ques-
tão de se adaptar a mudança de cidade e realidade, sofri a perda de
uma pessoa muito importante na minha família. Às vezes, entro em uma
grande agonia e não vejo sentido na vida.
A10: Sinto que necessito de um acompanhamento para conseguir admi-
nistrar acontecimentos que vivenciei durante e pós pandemia.
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 595

• Você poderia nos dizer sobre como entende que a sua vivência acadêmica
poderia afetar sua saúde mental?
A1: No sentido de sobrecarga de trabalhos e o não aviso prévio dos
mesmos. E também as muitas responsabilidades a cumprir, lidar com
pacientes e ao mesmo tempo fazer os trabalhos.
A2: Com o excesso de atividade tem dias que eu deixo de dormir ou
durmo 2h da manhã como aconteceu essa semana, pra acordar às 6h
pra voltar a UEPA e assim conseguir concluir as atividades. Quando eu
tento deixar momentos de lazer, por exemplo, no fim de semana me sinto
muito culpada como se eu não devesse estar ali porque provavelmente
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não vai dar tempo de cumprir alguma atividade a tempo e ela irá se
sobrepor a outras matérias.
A3: São muitos prazos a cumprir, ir pra faculdade virou sinônimo de
pavor. A gente chega na sala e é bombardeado, professores sem más-
cara, aulas se estendendo do tempo. Falta de zelo num período que se
faz tão medonho
A4: Vivenciei experiências muito difíceis dentro e fora do ambiente aca-
dêmico, que acabam refletindo na minha saúde mental ao formarem um
combo que me afeta negativamente. Prazos curtos, diversos seminários,
provas, que ao se acumularem acabam deixando-me em uma situação
totalmente estressante, em que já fui para as aulas sem conseguir dormir
ou comer por conta desses fatores.
A5: Aulas extensas fazem com que meu engajamento seja muito afetado.
A forma como alguns professores não entendem o que passamos também
faz com que eu me sinta desamparada. Com tudo isso me sinto inútil e
na maioria das vezes me culpo e fico intrigada. Será que realmente esta
muito pesado ou eu que sou fraca demais para aguentar isso?
A6:O curso em tempo integral demanda muito tempo. Pouco tenho
vivenciado momentos de lazer por ter que cumprir com minhas obriga-
ções acadêmicas, que são muitas. mesmo em dias que não temos aulas
durante o dia todo, meu dia é praticamente todo voltado para fazer
trabalhos, ler textos e estudar, porque, caso contrário, eu não consigo
atingir boas notas. isso me afeta demais, por uma infinidade de motivos.
é muito angustiante e desesperador.
A7: Sinto-me esgotada pela alta demanda de atividades, além da pres-
são que, direta e indiretamente, a família exerce sobre expectativas
para minha carreira acadêmica. Além de ser uma pessoa muito tímida
e insegura, o que traz grande prejuízo na tutoria (sempre recebo notas
baixas, e eu reconheço o motivo), haja vista que não costumo ser tão
participativa devido à ansiedade, medo, insegurança. E que isso também
interfere no processo de socialização com os demais alunos e acabo por
me sentir mais sozinha. Fora o fato de conciliar o curso (que demanda
muito tempo, esforço e dedicação) com mecanismos para ter uma renda
que ajude pelo menos nas despesas básicas, já que é um custo bem alto.
596

A8: As aulas remotas, foram bem prejudiciais. Principalmente quando


eram demandas práticas presenciais, além de que a relação com alguns
professores se tornou insustentável por conta das metodologias aplica-
das, assim como prazos tem sido o grande causador da vez. Além disso
é importante destacar a forma como as relações se dão na universidade,
há uma competitividade gigantesca, que acaba por perturbar, a auto
cobrança chega a níveis extremos fazendo com que sejam desencadeadas
outras situações prejudiciais à saúde mental.
A9: O TCC me desestabilizou devido não estar sendo orientada conti-
nuamente. Orientador não cobra nada, isso me deixa muito solta quanto

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ao que fazer e me preocupa.

A nuvem de palavras, um método heurístico de análise, aqui simplificadamente


utilizado, aponta alguns caminhos para a apreensão dos significados expressos e
baseados no grau de frequência das palavras que compuseram os discursos dos par-
ticipantes do estudo.

Imagem 1 – Nuvem de palavras das respostas à indagação “Como


você se sente em relação a sua saúde mental no momento?”
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 597

Imagem 2 – Nuvem de palavras das respostas à indagação


“Você poderia nos dizer sobre como entende que a sua vivência
acadêmica poderia afetar sua saúde mental?”
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Discussão
As demandas que se apresentaram a partir deste estudo não poderiam ser ignora-
das. São problemáticas que requerem intervenções a curto, médio e longo prazo e devem
envolver múltiplos atores sociais e institucionais. No que concerne à Coordenação do
Curso de Terapia Ocupacional, na tentativa de contribuir para a melhoria deste preo-
cupante cenário, articulou-se uma rede de colaboradores internos e externos à UEPA
com o propósito de oferecer algumas ações de cuidado à saúde mental dos discentes.
São ações pontuais conduzidas, na maioria, por professores do Departamento de
Terapia Ocupacional – DETO, que atuam no campo da saúde mental ou que possuem
formação em alguma técnica/abordagem que pode contribuir com este propósito.
Igualmente somam a esta intenção colegas terapeutas ocupacionais de outras insti-
tuições públicas e privadas que juntos formam uma rede de colaboração importante
para o enfrentamento do sofrimento mental no ambiente acadêmico.
598

Cientes da responsabilidade que se apresenta e de uma realidade vivida não só


pelo Curso de Terapia Ocupacional, as proposições foram estendidas também aos
demais cursos do Campus II da UEPA (CCBS): Medicina, Fisioterapia, Fonoaudio-
logia, Saúde Coletiva e Biomedicina.
Nesse sentido, foi construído um plano de ação a ser desenvolvido durante
2022, formado por um conjunto de processos orientados por diferentes técnicas,
abordagens e objetivos. Os(as) interessados(as) deveriam inscrever-se nas ações por
meio de um link divulgado nas redes sociais do curso de Terapia Ocupacional. Cada
profissional, a partir da sua área e expertise, orientaria os partícipes sobre o andamento
das ações e, se necessário, os encaminharia à Rede de Atenção Psicossocial – RAPS,

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do município de Belém.
As propostas que compuseram o conjunto de ações operacionalizadas envolve-
ram: a) laboratório corporal de vivência psicomotoras; b) oficina sobre escrita afetiva;
c) grupo de trabalho corporal por meio do relaxamento progressivo de Jacobson; d)
oficina de expressão por meio das artes plásticas; e) acupuntura; f) grupo terapêutico
sobre rotina, desempenho e saúde mental; g) grupo sobre prevenção ao suicídio.
Em relação à demanda socioeconômica foi criada uma ação específica denomi-
nada “Adote um aluno” que consiste em estimular os docentes a realizarem parce-
rias com os graduandos de menor poder aquisitivo no sentido de “adotá-los” como
assistentes pessoais para o desenvolvimento de atividades acadêmicas de apoio ao
professor e, como compensação, recebem uma bolsa de valor a ser combinado, finan-
ciada pelo próprio docente. Também foi intensificada a mediação dos processos de
busca por bolsas, incentivo à participação de alunos e professores em ações de PIBIC/
PIBIT e projetos de extensão com possibilidade de bolsa estudantil.
As condições socioeconômicas dos discentes são um fator agravante deste
cenário. A renda familiar da maioria é baixa: 44,9% têm renda familiar entre 1 e 2
salários mínimos e 11,8% vivem com menos de 1 salário mínimo. Somado a isso,
o modo como se sentem em relação ao futuro profissional, com 38,6 % ansiosos e
preocupados, constrói cenário propício para um desgaste intenso, redução das sen-
sações de esperança e aumento do medo, estresse e desânimo.
Ao serem questionados sobre como percebem sua saúde mental, as narrativas
dos alunos concentram referências ao sofrimento como “esgotada na maioria do
tempo”, “cansado e frustrado”, “totalmente fragilizada”, “sobrecarregada”, “um
lixo”, “estresse e ansiedade”, “pressionada e desgastada”.
Em relação ao papel da Universidade na influência sobre a saúde mental,
referem de forma contundente o excesso de atividade e responsabilidades, acúmulo
e estresse, desamparo por parte dos docentes, esgotamento pela alta demanda de
atividades e problematizam o curso em tempo integral e o quanto a carga horária
concorre com o tempo dedicado à família, cuidado com a saúde e lazer.
Diante deste cenário, o conceito de “inédito viável” de Paulo Freire parece
fornecer importante chave analítica, principalmente por se tratar de uma realidade
vivida no âmbito da área da saúde, um campo demarcado por relações de poder muitas
vezes naturalizadas ou compreendidas como insuperáveis (FREIRE, 2018; PARO;
VENTURA; SILVA, 2020). Pode-se citar, por exemplo, a hegemonia dos referenciais
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 599

da Medicina que, por meio do poder da narrativa médica, costuma sobrepujar outros
saberes como aqueles advindos da sabedoria popular e de outras profissões da saúde.
O “inédito viável” de Freire, embora não tenha sido cunhado como conceito
formal pelo educador pernambucano, surge em sua obra como um elemento que
aponta para condições de emergência que podem ser decodificadas como algo que era
inédito, não evidentemente conhecido e vivido, e que se torna um “percebido desta-
cado”, deixando de residir no campo imaginário para tornar-se realidade (FREIRE,
2013; FREIRE, 2014; PARO; VENTURA; SILVA, 2020).
Ao refletirmos sobre as condições socioeconômicas e de saúde mental dos dis-
centes, encontramos no inédito viável de Freire, associado à noção de consciência
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defendida pelo autor, ressonâncias que podem contribuir para a compreensão deste
processo. Neste sentido, Freire ressalta o caráter histórico da consciência. Trata-se de
um ponto de vista que se opõe à interpretação solipsista do termo, tomado usualmente
como um ato relativo à psique. Assim, a tomada de consciência freiriana diz de uma
inserção crítica na história, de seres que, ao se assumirem como sujeitos, fazem e
refazem o mundo (FREIRE, 2016).
Ao retomarmos a emergência aqui destacada que ativou uma tentativa de inédito
viável, obrigatoriamente tangenciamos a consciência, nos moldes pensados por Freire,
enquanto um ato histórico, contextualizado com a realidade, de se fazer e refazer
esse microcosmo em que orbitamos, ou seja, docentes, discentes e comunidade da
UEPA inseridos em uma realidade impactada pela ocorrência de uma pandemia que
se prolonga por mais de dois anos.

[...] a conscientização é o teste de realidade. Quanto mais nos conscientizamos,


mais ‘desvelamos’ a realidade, e mais aprofundamos a essência fenomênica do
objeto diante do qual nos encontramos, com o intuito de analisá-lo. Por essa
razão, a conscientização não consiste num ‘estar diante da realidade’ assumindo
uma posição falsamente intelectual. Ela não pode existir fora da práxis, ou seja,
fora do ato ‘ação-reflexão’. Esta unidade dialética constitui, de maneira perma-
nente, o modo de ser, ou de transformar o mundo, e que é próprio dos homens
(FREIRE, 2016, p. 56-57).

Nesse sentido, uma prática educativa dialógica e consciente precisa ser fundamen-
tada na situação presente, existencial e concreta dos sujeitos. Freire propõe que se inves-
tigue dentro de um espectro de ação, quais temáticas têm sentido e pelas quais é possível
desenvolver uma leitura crítica da realidade (PARO; VENTURA. SILVA, 2020).
Na concretização do “inédito viável” os entes “não sobrepassam a situação
concreta, a condição na qual estão, por meio de sua consciência apenas ou de suas
intenções, por boas que sejam [...] Mas, por outro lado, a práxis não é a ação cega, des-
provida de intenção ou de finalidade. É ação e reflexão” (FREIRE, 2015, p. 221-222).
Podemos associar o inédito viável à noção do percebido-destacado, que trata
daquilo que é percebido e destacado na vida cotidiana dos sujeitos como algo que não
pode e nem deve permanecer como está, mas, ao contrário, precisa ser enfrentado,
quando é discutido e superado (FREIRE, 2014).
600

Os alunos, ao enfrentarem uma espécie de “cansaço existencial” em meio a tudo


que a pandemia de covid-19 os constrangeu, experimentam o medo, a anestesia, a
apatia. Giram em torno de problemas e preocupações que impõe a necessidade de
escuta e cuidado por se apresentarem como situações-limite nas quais esses entes
em formação encontram-se imersos.
A Universidade enquanto espaço de ensino padece muitas vezes de investimento
na compreensão de seu significado. Muito mais que um lugar em que os atos de
ensino-aprendizagem acontecem, deve constituir-se sobretudo, como espaço-tempo
em que relações humanas e sociais se estabelecem.
Freire nos sentencia que:

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[...] transformar a experiência educativa em puro treinamento técnico [e epistê-
mico] é amesquinhar o que há de fundamentalmente humano no exercício edu-
cativo: o seu caráter formador. Se se respeita a natureza do ser humano, o ensino
dos conteúdos não pode dar-se alheio à formação moral do educando. Educar é
substantivamente formar (FREIRE, 1996, p. 37).

A pandemia nos trouxe uma grande oportunidade para o exercício da empatia,


o olhar às escolhas e prioridades. Nenhum campo da saúde esteve mais demandado
neste “pós-pandemia” que o da saúde mental. O isolamento, as (in) adequações, o
ensino remoto, o desemprego, a hiperconexão, o hiperfoco e a fadiga pandêmica
são questões demasiadamente complexas para lidar junto às exigências de currícu-
los complexos e de grande carga – horária como aqueles das profissões da saúde.
Somado a isto, a fragilidade e as incertezas associadas aos processos de subjetivação
de jovens acadêmicos tornam esse cenário ainda mais desafiador, o que reivindica
de nós ação e cuidado.

Considerações finais
Os dados obtidos e a amostra estatisticamente significativa deste estudo nos
permitem afirmar que o curso de Terapia Ocupacional da UEPA é constituído por
alunos de baixo poder aquisitivo. O fato de quase 60% das famílias desses discentes
sobreviverem com renda de até dois salários mínimos prediz um leque de dificuldades
que o aluno em formação pode encontrar em seu caminho e na vivência acadêmica.
Além disso, o fato de 1/3 dos alunos ainda residirem em seus municípios de
origem agrava esse cenário, considerando os altos custos com passagens intermuni-
cipais, dentre outros gastos com a formação graduada. Ao participarem de um curso
com carga horária integral, a possibilidade de trabalho remunerado é parca e aqueles
que assim o fazem utilizam o turno da noite, comprometendo a qualidade do sono,
descanso, lazer, desempenho acadêmico e, por conseguinte, sua saúde mental.
Preocupa o fato de que a maioria dos discentes do curso (87,1%) ou já foi diag-
nosticada com algum problema de saúde mental ou reconhece que necessita de ajuda
nesse campo, o que nos direciona a avaliar que estamos diante de uma população
que inspira cuidados contínuos nessa área.
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 601

Os percentis expressivos de ideação suicida e tentativas de suicídio autode-


claradas, nos apontam que o cenário que envolve o sofrimento mental dos alunos é
grave. Não se trata de um nível de sofrimento superficial e passageiro, mas de algo
consolidado que necessita de acompanhamento psicossocial de referência.
Os casos que a coordenação de curso tem tomado conhecimento e que se loca-
lizam nesse espectro têm sido encaminhados a equipamentos de saúde da RAPS,
contudo esta retaguarda tem sido insuficiente para a demanda.
A despeito das narrativas que associam a vivência acadêmica na UEPA aos
múltiplos fatores vinculados ao sofrimento mental auto reconhecido, as demandas
oriundas da graduação aparecem em terceiro lugar como principal elemento que
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influencia negativamente a saúde mental dos respondentes, igualando-se, em termos


percentuais, aos problemas advindos da condição financeira do aluno. Nesse quesito,
a perspectiva sobre o futuro e as preocupações relacionadas ao cenário macropolítico
e econômico do país se sobressaem em primeiro e segundo lugar, respectivamente.
Whitaker (2020, p. 29) faz uma provocação importante ao questionar “de que
forma um remédio poderia modificar as dificuldades que surgiram com a pandemia?
Na melhor das hipóteses, conseguiria deixar as pessoas menos envolvidas emocio-
nalmente com o cenário difícil que se apresenta. Isso é bom para o indivíduo? E
para a sociedade?”
A provocação é também uma crítica à excessiva medicalização do sofrimento
emocional, acentuada ainda mais a partir das demandas oriundas da pandemia.
Embora nosso possível viável não coloque em destaque a medicalização da vida,
em alguns cenários nos quais os discentes estão inseridos, este é o mote.
Whitaker (2020, p. 30) segue provocando ao questionar o cenário pandêmico: “já
não era esperado sofrimento e luta visto que a nossa vida sofreu uma transformação
tão profunda?” [...] Na verdade [...]: não seria um pouco anormal não nos sentirmos
ansiosos ou inquietos nesses tempos de incerteza?”.
Ao refletirmos sobre esse panorama, é possível conjecturar que os desafios
advindos da pandemia de covid-19, dentre outras coisas, nos possibilitam imergir na
necessária discutição sobre a patologização e medicalização das reações humanas.
Nesse sentido, ao resistirmos analisar o sofrimento humano através de lentes psicopa-
tologizantes, conseguiremos enxergar que grande parte do sofrimento mental com o
qual nos deparamos nas situações relatadas neste capítulo, surge em ambientes sociais
demarcados por vulnerabilidade, medo, estresse, cansaço. Ou seja, a pandemia pode
nos auxiliar a redescobrir o sofrimento, destarte, não mais como uma apresentação de
um quadro nosológico, mas como um ato de resposta à determinadas experiências,
uma marca da nossa condição humana na atualidade.
Diante da possibilidade de expressarem-se em seus próprios termos sobre o
que sentem em relação a sua saúde mental, os participantes manifestam narrativas
de sofrimento, ansiedade, angústia e dificuldades na organização pessoal, uso do
tempo e escolhas diante de um repertório ocupacional empobrecido no que se refere
às possibilidades da ampliação de redes de afeto.
Frente a este cenário simplificadamente exposto neste texto, o conjunto de
ações de cuidado à saúde mental dos discentes executado pela coordenação de curso
602

juntamente com parceiros da esfera pública e privada, visa atender a demandas em


relação as quais o inédito viável representa uma alternativa que não se situa no
campo das certezas, mas no das possibilidades. Trata-se de uma alternativa construída
coletivamente, pelos atos criadores, visto que “assumir coletivamente esse espaço
de criação abre possibilidades para que se consolidem propostas transformadoras e
ineditamente-viáveis” (FREITAS, 2014, p. 43).
O projeto coletivo construído como inédito viável, neste caso, não está vinculado
somente ao cuidado, mas constitui-se, também, em uma atitude de formação, demons-
tração de como lidar com essas demandas. O sentido de formação, nesse caso, anco-
rada na filosofia Freireana, rejeita qualquer tipo de associação com o adestramento,

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treino de habilidades ou repasse de conteúdo (PARO; VENTURA; SILVA, 2020).
Neste sentido, saímos do “plano do querer”, dimensão política da proposição, para o
“plano do refletir”, dimensão epistemológica, e chegamos ao “plano do agir”, o qual
inclui os elementos que se referem à subjetividade, tais como a intuição e a amoro-
sidade. A articulação destes três planos possibilitou a percepção dos temas contidos
na situação-limite com a qual nos deparamos (PARO, VENTURA, SILVA, 2020).
Por fim é importante assinalar que a universidade pública pode ser um espaço
privilegiado de formação, mas também tem, em muitos casos, apenas reproduzido o
status quo, uma vez que, por exemplo, suspende estágios em unidades de saúde que
acontece em locais violentos, sob a justificativa da segurança dos estudantes, sem
problematizar a própria violência (PARO; VENTURA; SILVA, 2020).
Na experiência narrada neste capítulo, o foco problematizador da realidade não se
limitou à baixa motivação, queixas referentes das atividades curriculares de discentes e
docentes, dentre outros, mas envolveu o contexto situacional in situ. O inédito viável,
desse modo, refletido no conjunto de ações desenvolvidas, volta-se à mudança do mundo
com vias à pretensão de construir uma sociedade mais justa e fraterna.
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 603

REFERÊNCIAS
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FREIRE, P. Ação cultural para a liberdade e outros escritos. 15. ed. Rio de Janeiro:
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FREIRE, P. Conscientização. Tradução: Tiago José Risi Leme. São Paulo: Cor-
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Paulo: Paz e Terra, 2014. p. 39-45.

GADOTTI, M. A escola e o professor: Paulo Freire e a paixão de ensinar. São Paulo:


Publisher Brasil, 2007.

PARO, C. A.; VENTURA, M.; SILVA, N. E. K. Paulo Freire e o inédito viável:


esperança, utopia e transformação na saúde. Trabalho, Educação e Saúde, on-line,
v. 18, n. 1, 2020. DOI https://doi.org/10.1590/1981-7746-sol00227.

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pandemia: diálogos sobre o acolhimento e a saúde mental em territórios vulnerabi-
lizados. Rio de Janeiro: IdeiaSUS; Fiocruz, 2020. p. 28-31. Disponível em: http://
www.ideiasus.fiocruz.br/portal/publicacoes/livros/Livro_O_enfrentamento_do_sofri-
mento_psiquico_na_Pandemia_1ed.pdf.
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ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO NA REDE
DE PROTEÇÃO ÀS CRIANÇAS E
ADOLESCENTES EM SITUAÇÃO
DE VIOLÊNCIA SEXUAL
Hélio Moraes Araújo1
Sueli Marques Ferraz2
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Introdução
Em decorrência do avanço e crescimento da população, a violência se tornou
algo corriqueiro na vida das pessoas, principalmente relacionada às crianças e ado-
lescentes, que são as mais vulneráveis e de fácil ludibriação. No entanto, o presente
artigo justifica-se no esclarecimento e pela necessidade de entender a importância
do profissional de psicologia na rede no atendimento às vítimas de violência sexual
infantil, perigo esse que fica eminente às crianças, na sua maioria, dentro da própria
residência, por pessoas, muitas vezes, do próprio vínculo familiar.
Tendo a abrangência de consequências e danos que o abuso sexual sofrido
por crianças e adolescentes provocam no comportamento e no psicológico, o tema
se justifica em discutir o papel do psicólogo em diferentes contextos, bem como a
importância da qualificação das políticas de enfrentamento às violências, em que
pode se defrontar com situações de difícil manejo envolvendo abuso sexual de crian-
ças. São situações delicadas que exigem tomadas de decisões baseado em um bom
conhecimento sobre abuso sexual. (PADILHA; GOMIDE, 2004, p 56). Diante do que
foi exposto, espera-se destacar a importância do atendimento psicológico as vítimas
de abuso sexual infantil, como também a necessidade de se ressaltar a relevância
em desenvolver novas políticas de prevenção, que não apenas venham a abordar a
temática, mas que despertem o interesse dos profissionais psicólogos na qualificação
profissional nessa área, considerando as especificidades nos casos de violência sexual
infantil, e consequentemente numa maior produção de conhecimento.
Para além dessa abordagem, a perspectiva de enaltecer os problemas vivenciado
na sociedade, que muitas vezes ficam obscuras e esquecidas, mais que precisam ser
expandidas, pois é de interesse coletivo, de todas as classes sociais, como também
políticas, sendo um direito garantido por lei, que se não cumprido fere os princípios
éticos e morais dos direitos já garantidos pela Constituição Federal de 1988, gerando

1 Acadêmico do terceiro período de Psicologia, Faculdade Católica Dom Orione – FACDO – E-mail:
helio.m.araujo@catolicaorione.edu.br
2 Professora na Faculdade Católica Dom Orione, doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Psicologia
Saúde da Família na Universidade Federal do Pará – E-mail: suelimarquespsicologaarg@gmail.com
606

problema social e de saúde pública. Portanto, o presente estudo. requer-se enaltecer


os procedimentos adotados pelos profissionais envolvidos na rede de atendimento
psicológico as vítimas de abuso sexual infantil, trazendo uma reflexão para a atenção
ofertada pelos órgãos públicos de proteção à criança e adolescente e palas políticas
de prevenção ao abuso sexual e acolhimento das vítimas.
A metodologia aplicada neste trabalho foi baseada em um levantamento de
pesquisa bibliográfica e exploratória, na qual foram utilizados materiais teóricos já
publicados sobre o assunto, sendo estes artigos científicos, visto que a revisão biblio-
gráfica é indispensável para a exploração e delimitação do assunto citado. Assim,
entende-se a necessidade dos conhecimentos sobre o tema, sobre suas lacunas e sobre

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a contribuição da investigação para o desenvolvimento do assunto, a fim de verificar
de forma precisa sobre a importância da atuação do psicólogo na rede de proteção às
crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual.
Diante da pesquisa bibliográfica, temos com base para o desenvolvimento deste
artigo acadêmico: materiais impressos, livros, revistas, jornais, artigos, teses, disserta-
ções, Google Acadêmico, Biblioteca Virtual de Saúde (BVS), site do Conselho Federal
de Psicologia e da Secretaria de Saúde do Governo Federal, Periódicos Eletrônicos
de Psicologia (PEPSIC) e acervos da Biblioteca. Para a realização da pesquisa foram
utilizados os seguintes descritores: atuação do psicólogo, crianças vítimas de abuso
sexual e abrangência da psicologia e políticas públicas.
Não foi definida uma abordagem teórica durante a elaboração do artigo, justa-
mente para não descartar nenhuma informação relevante para a pesquisa. Conside-
rando muito importante ter clareza da realidade objetiva, de modo a compreender a
atuação dos profissionais diante das intervenções psicológicas para sanar os conflitos
traumáticos dessas vítimas de abuso sexual infantil, considera-se que a dimensão
estrutural é constituída pelo profissional da psicologia para o enfrentamento dos
diversos transtornos advindos dessa violência. Para cumprir os pressupostos meto-
dológicos desse trabalho acadêmico, tem como base aprofundar-se na abordagem e
na pesquisa bibliográfica analisando os métodos utilizados pelo profissional, seu pri-
meiro contato, o espaço onde será realizada, os procedimentos utilizados, as políticas
públicas de prevenção e atuação, destacando a necessidade mais abrangente do tema.

Abuso sexual – caso de saúde pública


O abuso sexual é um problema relacionado à saúde pública, considerando a
relativa frequência em que ocorrem e as consequências na vida das vítimas. Con-
siste na prática de qualquer violência sexual sem consentimento da outra parte, sem
especificar o teor da violência. No Brasil, existem várias leis que amparam as vítimas
de “crimes contra a dignidade sexual”, que por sua vez tem o objetivo de penalizar
os indivíduos que cometem esse crime, seja com crianças ou qualquer outro tipo
de pessoas. Nesse contexto de violência sexual infantil, trazemos a importância da
política pública e da atuação do psicólogo em detrimento as políticas de prevenção
e combate a esses crimes que destrói não somente a vítima, como também a família
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 607

e a sociedade, que vivencia a dor dessas pessoas, nesse sentido o Conselho Federal
de Psicologia em suas referências técnicas, diz que:

Se olharmos no sentido da prevenção, a proteção de crianças e adolescente vai


além das ações engendradas depois de uma ação violenta, com a finalidade de
reparação de algum dano já causado. Ademais, quando a violência já ocorreu, não
apenas as crianças e os adolescentes devem ser amparadas(os), mas também suas
famílias e pares, assim como as(os) profissionais que atuam junto à população
necessitam de estrutura adequada e formação continuada. Além disso, as políticas
públicas precisam receber investimento adequado e serem revistas e atualizadas
constantemente, ações estas que devem emergir dos diversos espaços de controle
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social. E a Psicologia pode contribuir em absolutamente todos esses cenários


(SILVA et al., 2020 p. 30).

No entanto, é notável a importância das ações trazidas pelos órgãos de proteção


às crianças e adolescentes e as ações de política de atendimento, ações de assistência
social, políticas de saúde pública, como de educação.

As situações de violências contra crianças e adolescentes requerem intervenções


do Sistema de Garantia de Direitos com a finalidade de: mapear as ocorrências das
formas de violências e suas particularidades no território; prevenir a ocorrência de
violência; fazer cessar a violência quando ocorrer; prevenir a reiteração da violência
já ocorrida; promover o atendimento para minimizar as sequelas da violência sofrida;
responsabilizar, bem como, garantir a oferta de atendimento ao agressor e; promover
a restituição integral dos direitos da criança e do adolescente (BRASIL, 2018).

É notável o crescimento da violência contra crianças e adolescentes, sofridas


em diversos ambientes como em casa, nas ruas, nas escolas, dentre outras. Quando
direcionado às crianças, passa a ser um tipo de violência grave, em decorrência dos
numerosos boletins de ocorrência registrados, além dos casos que nem venham a ser
denunciados. O ato sexual infantil refere-se a um processo de causar dano à criança,
através de sua participação forçada em práticas ou atos eróticos. Segundo os dados
divulgados pelo Ministério da Saúde (2020):

[...] dos 159 mil registros feitos pelo Disque Direitos Humanos ao longo de 2019,
86,8 mil são violações de direitos de crianças ou adolescentes, um aumento de
quase 14% em relação a 2018. A violência sexual figura em 11% das denúncias
que se referem a este grupo específico, o que corresponde a 17 mil ocorrências
(BRASIL, 2020).

Observando essa estatística, temos um percentual muito grande de abuso sexual


sofrido por crianças e adolescentes. Padilha e Gomide (2004, p 55) ressaltam que “as
consequências do abuso sexual variam de acordo com a idade da criança, frequência do
abuso, perpetração ou não, combinação de outros fatores de risco tais como abuso físico,
abuso psicológico ou negligência”. Assim, para Padilha e Gomide (2004 apud AZE-
VEDO; GUERRA; VAICUNAS, 1997), “o abuso sexual prolongado pode prejudicar
608

seriamente o desenvolvimento emocional, cognitivo e comportamental da criança ou


adolescente, particularmente no caso do incesto”. Diante dessa situação, mecanismos
que assegurem a recolocação da criança no caminho de um desenvolvimento normal
devem ser criados para que proporcione o enfrentamento do trauma com a aquisição
de novas habilidades sociais e de expressão de sentimentos, para não internalizá-lo.
Diante dessa violência sexual, as redes de apoio à criança e adolescente tem
um papel fundamental que é o trabalho de proteção, atuando na prevenção, atenção
e reinserção social e educacional da criança e adolescente em situação de vulne-
rabilidade, principalmente na área de violência física, psicológico, negligencia e
abandono, violência sexual e exploração sexual de criança e adolescente e exploração

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do trabalho infantil.
A rede de apoio é formada por: SMAS – Secretaria Municipal de Assistência
social, CRAS – Centro de referência de assistência social, CREAS – Centro de Refe-
rência Especializado de assistência social, SMED – Secretaria Municipal da Educação,
SMSA – Secretaria Municipal de Saúde, Conselho Tutelar, Escolas, CMEIS – Creches
de 0 a 3 anos e Casa da Criança. Esta rede tem o objetivo de contribuir de forma inte-
grada, para a reeducação da violência contra a criança e adolescente, principalmente
no que se refere à violência sexual, tendo como metodologia reuniões mensais para
encaminhamentos necessários de casos discutidos e elaborações de projetos.
Além de contribuir na proteção das crianças e adolescentes, a rede tem o papel
muito importante que é, diminuir a reincidência da violência a partir do acompa-
nhamento e monitoramento das casas, sensibilizar os profissionais da educação para
denunciar os casos de violência contra a criança e adolescente, ampliar ações inte-
gradas entre as secretarias, instituir a ficha de notificação no município, divulgar
as redes de proteção na comunidade, fortalecer o trabalho das redes de proteção e
encaminhar essas crianças violentadas sexualmente para os cuidados necessário,
sendo ele médico ou assistência psicológica.
Diante disso, o índice de procura por profissionais de psicologia tem aumen-
tado consideravelmente, tendo em vista ser uma violação de direitos que traumatiza
e traz danos ao psicológico, sendo este profissional de fundamental importância no
atendimento às vítimas de abuso sexual infantil. Ainda assim, por se tratar de ques-
tões muito complexas, a atuação do psicólogo se faz necessária e ao mesmo tempo
desafiadora, haja vista ser um assunto melindroso, que intimida as vítimas a relatarem
os fatos, seja por receio de serem consideradas culpadas ou castigadas ou até mesmo
por vergonha em relação ao incidente, principalmente em crianças maiores, como
também a falta de estruturas muitas vezes omitidas pelo poder público.

Nesses casos, a atuação do profissional de psicologia depende de sua aborda-


gem e de sua área de atuação, porém pode se ter uma ideia de que eles devem
iniciar a sua atuação a partir do momento que se estabelece uma relação com
a criança, que se faz um levantamento de dados e, dependendo da sua aborda-
gem, ao utilizar o discurso, o lúdico ou aplicação de testes [...] ( AUGUSTO
et al., 2017, p. 3).
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 609

Buscar compreender as situações e formas de contribuir para a resolução dos


conflitos é de uma responsabilidade tamanha, salientando que isso se dá por uma
construção entre os envolvidos e não sobre uma solução pré-concebida, considerando
as dificuldades sentidas pelas crianças vítimas de abuso sexual relatarem o ocorrido,
onde o acolhimento e as intervenções no atendimento psicológico são fundamentais a
essas crianças. Porém, há elementos comprovados que são usados para que esse con-
texto seja transformado da melhor maneira possível, haja vista que os casos de abuso
sexual são conflitantes e que por vezes essas vítimas não encontram apoio ou recursos,
sejam externos ou internos, para que seus conflitos sejam minimamente entendidos.
O profissional terá que estar preparado para esse primeiro contato, pois a ine-
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ficácia no atendimento poderá prejudicar ainda mais as vítimas, distanciando-as da


possibilidade de aprendizagem de um novo repertório de comportamentos. Assim,
estes profissionais, utilizando do lúdico, deverão aplicar instrumentos utilizados nas
avaliações psicológicas, constituído por testes e entrevistas iniciais, entrando aqui a
interferência do poder público na estruturação adequada e capacitação eficiente do
profissional como das políticas de intervenção e acolhimento das vítimas.
Além dos instrumentos utilizados que terão de ser bastante preciso, o local de
atendimento, devendo este ser bastante acolhedor e privativo, com condições ade-
quadas, sendo essa uma das maiores dificuldades encontradas pelos psicólogos que
realizam atendimentos nos serviços ofertados pelos órgãos públicos, por meio do
atendimento e acompanhamento especializado de famílias e indivíduos em situação
de vulnerabilidade social, cujos direitos foram violados ou ameaçados.
Assim, uma das formas de atuação do psicólogo nesses casos se dá através da
psicoterapia individual, em que se faz necessária a criação de um cenário de profunda
empatia, compreensão e confiança entendendo que a criança vivenciou situações
conflitantes que trouxeram medo, insegurança, desconfiança e uma série de outros
agravantes que por vezes não lhe permite abrir-se para novas comunicações, e isso
se dá por processos, ora mais lentos ora mais rápidos, por isso a psicoterapia é uma
das formas de se construir essa ponte em seu mundo interior. Soares (2016 apud
ROGERS, 1977) diz que:

Baseado na experiência, cheguei à conclusão de que se puder ajudar a criar um


clima que se caracteriza pela autenticidade, pelo apreço e pela compreensão,
ocorrem então coisas incríveis. Neste clima, pessoas e grupos conseguem sair
da rigidez e caminhar em direção à flexibilidade, da vivência estática à vivência
processual, da dependência à autonomia, do previsível a uma criatividade impre-
visível, da defensividade à auto aceitação. Apresentam uma prova vivida de uma
tendência à realização.

Analisando o trecho acima referido, compreende-se que mesmo em meio às


situações grotescas como é o caso de violência sexual com a ajuda de um profissional
agregada a outros fatores interpessoais, é possível que haja a superação de seus traumas
de forma resiliente a fim de se reestabelecer uma vida de realização cercada de um
bem viver apesar de suas circunstâncias. Portanto, sendo a psicologia uma ciência que
610

estuda o comportamento, é de suma importância o acompanhamento do psicólogo na


atuação as vítima de abuso sexual infantil, pois este se unirá aos órgãos públicos que
garantem os direitos das crianças e adolescentes como rede de apoio social, com intuito
de oferecer suporte de acolhida e cuidado às crianças em situação de abuso sexual,
sendo o Conselho Nacional do Direito da Criança e do Adolescente (CONANDA), os
conselhos tutelares, além do auxílio do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA),
Lei nº 8.069/1990, garantindo os direitos das crianças e adolescentes.

Considerações finais

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A atuação do psicólogo na rede de atendimento às vítimas de abuso sexual
infantil se dá por muitas ações que envolvem não somente o acolhimento, como teste
e acompanhamento das crianças e familiares, observando a importância do poder
público nessas ações, visando as políticas de estruturação, saúde pública e educação
preventiva. Contudo, a psicologia e as políticas públicas se mostram fundamentais
para o desenvolvimento de ações voltadas para as situações de abuso sexual infantil.
O abuso sexual de crianças e adolescentes causa danos psicológicos de dimensões
imensas, levando as vítimas abusadas a ficarem confusas e temerem em contar sobre
o corrido, evidenciando assim o quão importante se faz o atendimento psicológico
nessas situações como apoio ao enfrentamento e forma de minimizar o sofrimento,
além de garantir o desenvolvimento e crescimento saudável dessas vítimas quando
se promove um atendimento humanizado.
Em decorrência disso, a oferta de denúncia, bem como a busca de ajuda geral-
mente faz com que elas permaneçam omissas e silenciosas em relação ao abusador
para não prejudicar as relações familiares ou por receio de serem consideradas cul-
padas ou castigadas, além da vergonha em relação ao incidente, principalmente em
crianças maiores. Assim, a busca por profissionais de psicologia tem aumentado consi-
deravelmente, por ser o abuso sexual infantil uma violação de direitos que traumatiza
e traz danos ao psicológico, sendo este profissional de fundamental importância no
atendimento às vítimas. Ainda assim, por se tratar de questões muito complexas, a
atuação do psicólogo se faz necessária e ao mesmo tempo desafiadora, levando em
consideração sua abordagem e campo de atuação, além do ambiente de trabalho, caso
este não tenha condições adequadas.
Desta feita, no contexto de saúde pública, atendimento psicológico e políticas
públicas, o trabalho da psicologia nas situações de violência sexual infantil visa
proporcionar condições para o fortalecimento da autoestima, o restabelecimento
da proteção e da convivência em condições dignas de vida e deve contribuir para
superação da situação de violência de direitos, além da reparação do sofrimento do
abuso sexual traumatizante sofrida, que se não reparado poderá acarretar no desen-
volvimento da criança e adolescente, trazendo sérios problemas psicológicos.
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 611

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INCLUSÃO NA ESCOLA
DE CRIANÇAS COM TEA:
um direito de cidadão
Sueli Marques Ferraz1
Eli da Silva Duarte2
Joabe Duarte Gomes da Silva3
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Introdução
A discussão sobre a inclusão de estudantes público-alvo da educação especial
vem evoluindo de forma significativa, principalmente, no que tange a produção de
estudos sobre as diversas áreas que caracterizam as deficiências, os transtornos de
desenvolvimento e as altas habilidades.
Nesse sentido, a inclusão nas escolas nos oportunizar aos estudantes a participa-
ção no processo educacional formal. O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é um
dos principais transtornos globais de desenvolvimento, vem apresentando um número
considerável de pessoas diagnosticadas. Em 2018 estima-se que 105.842 de alunos foram
inseridas no sistema educacional em salas regulares. Muitos profissionais da Educação
e Saúde têm se mostrados preocupados em como realizar o melhor atendimento as
às pessoas com TEA, pois requerem um diagnóstico e acompanhamento médico e
na escola precisam de um planejamento diferenciado, bem com recursos didáticos e
pedagógicos específicos para proporcionar processos de aprendizagens e desenvolvi-
mento. O objetivo geral deste trabalho foi analisar a legislação brasileira e as políticas
públicas relacionadas aos direitos do deficiente, sobretudo as crianças com TEA e os
objetivos específicos: investigar sobre a inclusão destas crianças na educação regular,
compreender as características do TEA. A relevância deste trabalho está na defesa
dos direitos das pessoas com TEA e conscientizar as famílias e a comunidade escolar
sobre a legislação que regulamente e positive os direitos desta sociedade.
De acordo com Bosa (2006), o planejamento do atendimento à criança com
TEA deve ser estruturado de acordo com o desenvolvimento dela. Por exemplo, em
crianças pequenas as prioridades devem ser a fala, a interação social/linguagem e a
educação, entre outros, que podem ser considerados ferramentas importantes para
promoção da inclusão da criança com autismo. Além disso, como afirma Kupfer
(2004), deve-se promover uma mudança na representação social sobre a criança com
autismo, sendo importante que a escola e o professor baseiem sua prática a partir da

1 Professora na Faculdade Católica Dom Orione, psicóloga historiadora, mestra e doutoranda do curso de
Pós-Graduação em Psicologia – UFPA.
2 Historiador pedagogo e mestre professor no Centro Universitário Planalto de Brasília.
3 Aluno do curso de Bacharel em Direito da Faculdade Católica Dom Orione.
614

compreensão dos diferentes aspectos relacionados a este tipo de transtorno, além de


suas características e as consequências para o desenvolvimento infantil.
Com efeito, a inclusão escolar é um fator diferencial no desenvolvimento de
pessoas com transtornos globais do desenvolvimento; contudo, experiências de
sucesso no processo educacional para autistas ainda são pouco observadas, haja vista
a ausência e precariedade de serviços de atendimento aos indivíduos com autismo,
principalmente no que se refere à esfera educacional (OLIVEIRA, 2002; VASQUES,
2002 apud BRIDI; FORTES; BRIDIFILHO, 2006)
No entanto, o que se observa ainda é que existem obstáculos referentes à inclusão
educacional do aluno com TEA, seja em classe regular ou mesmo em classe especial,

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devido ao fato de muitos profissionais, de acordo com Bridi, Fortes e Bridi Filho (2006),
experimentarem certo “medo” de atuar com o sujeito com autismo, quer seja pelo desco-
nhecimento sobre a condição autista em si ou por defrontarem-se diariamente com a pos-
sibilidade de não obterem respostas diante de uma intervenção pedagógica com tal aluno.
Diante desta pesquisa entendemos que as características do TEA, podem ser
percebidas ainda na infância, sobretudo entre 0 a 3 anos de vida, no entanto existe
uma dificuldade de aceitação dos pais, no primeiro momento que percebem as carac-
terísticas nos filhos, isso pode variar tendo em vista que alguns aceitam em vão a
luta em busca de atendimento diferenciado para suas crianças. Sobre este assunto
tratamos no subtítulo características do atendimento escolar da pessoa com TEA.
Por fim as considerações finais que buscamos apresentar o resultado da pesquisa.
O capítulo está dividido em seis subtítulos. O primeiro traz a introdução os
objetivos gerais, o segundo apresentou os procedimentos metodológicos em que a
pesquisa foi conduzida. Na sequência produziu-se um debate sobre o direito da criança
com TEA, e neste subtítulo apresentou as leis brasileiras que define sobre a inclusão
na escola bem como a atenção a saúde delas, refletiu-se sobre o contexto histórico do
TEA no subtítulo histórico e característica do TEA e descreveu a origem do conceito
do Transtorno do Espectro autista. No quinto subtítulo se ateve sobre o tema inclusão
e a receptividade da criança com TEA na escola, os avanços das legislações nesta
área e quais as indicações para facilitar esta dinâmica entre comunidade escolar e
TEA. Por último temos as considerações finais.

Trilha da pesquisa
A delimitação do tema de pesquisa é um fator bastante importante tendo em
vista que este é o direcionamento que leva a escolha da metodologia, escolha das
fontes, estudo das mesmas, objetivos específicos e gerais.
Tendo escolhido o tema os direitos da criança com transtorno do espectro autista
no Brasil nossa preocupação foi a escolha da metodologia da pesquisa. Marconi e
Lakatos (2017) relatam que a ação de pesquisar de forma científica acontece seguindo
várias perspectivas epistemológicas4, tanto da pesquisa qualitativa quanto a quantitativa.

4 Significa a teoria que o pesquisador utiliza no processo de investigação e de análise.


EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 615

Neste trabalho, optamos por utilizar a abordagem epistemológica da pesquisa


qualitativa, por compreender que possibilita um aprofundamento no tema e propor-
ciona uma melhor qualidade no nosso trabalho. Esta abordagem tem o objetivo de
responder questões relacionado a sociedade possibilitando compreender a realidade
que não tem a pretensão de ser quantificado. Optamos por ancorar na metodologia
da pesquisa bibliográfica. Esta pesquisa é realizada em várias etapas como escolha
do tema, elaboração do plano de trabalho, identificação e localização das fontes,
fichamento, analise e interpretação e redação do resultado.
Para identificação das fontes realizamos uma busca nas plataformas digitais em
sites acadêmicos como Scielo, passei direto, Google Acadêmico, portal da CAPES
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(Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior). Realizamos ainda


pesquisas em livros físico, entre eles , a obra o desafio de formar professores organi-
zado por Castro, Locatelli e Passos (2014). Conforme identificamos as fontes fomos
preparando o fichamento dos conteúdos que interessava para a pesquisa e ao mesmo
tempo fomos analisando os dados seguindo a perspectiva de análise das fontes foi
construída a redação deste trabalho com os resultados do trabalho.

Análise é o processo de tratamento do objeto, que pode ser um conceito, uma


ideia, um texto, “pelo qual este objeto é decomposto em suas partes constitutivas,
tornando-se simples aquilo que era composto e complexo. Trata-se, portanto, de
dividir, isolar, discriminar (MARCONI; LAKATOS, 2007 p. 40).

Assim realiza-se o tratamento dos discursos e narrativas retirados das fontes


relacionadas aos conceitos de autismo, metodologias de ensino adaptada para atender
as demandas das crianças e as legislações que protege o direito de inclusão social e
assistência à saúde.

Direito da criança com TEA

Neste tópico serão apresentados aspectos gerais sobre os direitos das pessoas
com TEA e quais as políticas públicas estão positivadas no Brasil que atenda as
demandas destas pessoas. Para aprofundar neste tema é necessário analisarmos as
leis em vigor, além de verificar nas pesquisas anteriores realizadas por estudiosos
do tema, para conhecer melhor as características e demandas deste público. A pes-
soa diagnosticada com Transtorno do Espectro Autismo (TEA) tem dificuldades de
comunicação e de convivência social, decorrente de sua forma de viver ser diferente
das outras pessoas.
Neste sentido, estão garantidos a inclusão social e o direito de estudar e ser
contemplado com um currículo adaptado para atender as necessidades, e dentro destes
direitos é que nossa pesquisa analisa. A metodologia de ensino a partir do lúdico e o
apoio da brinquedoteca é dever do Estado possibilitar mecanismo de qualidade para
o desenvolvimento cognitivo da criança e do adolescente. Seguindo o seu contexto
social do TEA, tem direito a um acompanhamento especializado dentro da Escola
(BRASIL, 2005).
616

Com efeito, a inclusão escolar é um fator diferencial no desenvolvimento de pes-


soas com transtornos globais do desenvolvimento; contudo, experiências de sucesso no
processo educacional para autistas ainda são pouco observadas, haja vista a ausência e
precariedade de serviços de atendimento aos indivíduos com autismo, principalmente no
que se refere à esfera educacional (OLIVEIRA, 2002; VASQUES, 2002 apud BRIDI;
FORTES; BRIDIFILHO, 2006). No entanto, o que se observa ainda é que existem obs-
táculos referentes à inclusão educacional do aluno com autismo, seja em classe regular
ou mesmo em classe especial, devido ao fato de muitos profissionais, de acordo com
Bridi, Fortes e Bridi Filho (2006), experimentarem certo “medo” de atuar com o sujeito
com autismo, quer seja pelo desconhecimento sobre a condição autista em si ou por

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defrontam-se diariamente com a possibilidade de não obterem respostas diante de uma
intervenção pedagógica com tal estudante. Na Constituição da República Federativa do
Brasil, homologada em 1988 (BRASIL, 1988), há cláusulas pétreas como no artigo 60
§ 4º que legisla sobre “[...] e os direitos e garantias individuais” (BRASIL, 1988) que
protege todos os cidadãos que estejam vivendo em solo brasileiro.
Estes direitos se estendem sem distinção, mas com equidade, tendo em vista
que alguns indivíduos têm demandas específicas e precisam que o Estado forneça.
Condições especiais para sua vivência em sociedade e o exercício de seus direitos,
sem comprometer a sua subjetividade. Debater os direitos dos TEA é importante
para compreendermos que a adaptação do currículo escolar de forma que atenda este
público não é favor e sim direitos adquiridos. Algumas leis foram decretadas com
especificidade direta as pessoas com TEA, como a Lei nº 12.764, de 27 de dezembro
de 2012, que institui a “Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com
Transtorno do Espectro Autista”.
Um dos direitos da criança autista é da proteção contra a discriminação violên-
cia, opressão e tratamento desumano conforme consta na Lei Brasileira de Inclusão.
Art. 5º da Lei: “A pessoa com deficiência será protegida de toda forma de negligência,
discriminação, exploração, violência, tortura, crueldade, opressão e tratamento desu-
mano ou degradante” (BRASIL, 2015). Nussbaum (2013) defende que é necessário
proteger as pessoas com dificuldades diante da Lei, considerada um elemento impor-
tante para uma sociedade igualitária. No que se refere às pessoas com deficiência é
necessário a equidade levando em consideração as suas diferenças. Ao Estado cabe
garantir os direitos que às vezes são violados, quando lhes são negados tratamento
especial, como é o caso das pessoas com TEA. Este dever está positivado na letra
da Lei de Apoio às Pessoas com Deficiência desde o ano de 1989, conforme o artigo
2º da Lei nº 7.853, que dispõe sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa
Portadora de Deficiência (BRASIL, 1989).
A Lei nº 13.146/2015, Lei de Inclusão da Pessoa com Deficiência, também
é conhecida como Estatuto da Pessoa com Deficiência. Neste estatuto, seu artigo
4º garante a todos os deficientes, seja físico ou mental e cognitivo, a igualdade de
respeito, não podendo sofrer nenhum tipo de discriminação (BRASIL, 2015). Neste
sentido, acreditamos que seja necessário aprofundar no conhecimento sobre as carac-
terísticas do autismo, suas causas, consequências, pontos fortes e pontos fracos como
também o que podemos aprender com estas pessoas.
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 617

Históricos e características e diagnóstico do TEA


É importante ressaltar que o Autismo, mas conhecido como “TEA” (Transtorno
do Espectro Autista) é um dos principais transtornos globais que vem apresentando
um número considerável de pessoas diagnosticadas e inseridas no sistema educacio-
nal. E nessa questão que muitos profissionais da Educação e Saúde têm se mostrado
preocupados em como realizar o melhor atendimento às essas pessoas que precisam
de um planejamento especial e principalmente de recursos necessários para o seu
desenvolvimento. O Transtorno do Espectro Autismo é uma deficiência estudada por
várias áreas científicas, e um tema multidisciplinar. Entre estas ciências destaca-se a
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Medicina, Psicologia, Neurociência e a nossa disciplina, Pedagogia, em cada área,


analisando a partir da sua visão teórica metodológica.
Segundo Barbosa (2014), em 1908 o cientista Eugen Bleuler criou o nome de
autismo, para identificar as pessoas com esquizofrenia. Alguns anos após Leo Kanner,
médico psiquiatra realizou pesquisa com um grupo de crianças que apresentavam difi-
culdades de interação social. Diante da análise deste cientista, no ano de 1943, Kanner
indicou “distúrbio autístico” como sendo a causa para as dificuldades de interação.
Segundo Marques (1993), o Transtorno do Espectro Autismo é uma patolo-
gia rara, que afetam um em cada 1200 crianças nascidas vivas. Geralmente afetam
mais pessoas do sexo masculino, e deve levar em consideração os aspectos raciais,
sociais, econômicos e culturais. Pesquisa de Kupersteín e Missalglia (2005) aponta
que cientistas acreditam que o autismo não é um distúrbio de contato afetivo, e sim
um distúrbio do desenvolvimento. E alguns estudiosos defendem que o autismo é
uma disfunção neurológica que pode surgir no nascimento e se manifesta na primeira
infância, com até 3 (três) anos de vida. É considerado como etiologia multifactorial
de causas múltiplas.
Diante dos expostos entendemos que o TEA é um transtorno que afeta crianças
em sua maioria do sexo masculino, pode se levarem em consideração ainda ques-
tões como raça, questões socioeconômicas e culturais. Ainda este transtorno é uma
disfunção neurológica que surge em crianças entre 0 a 3 (zero a três) anos de idade.
Com a finalidade de aprofundar no conhecimento sobre estas pessoas, continuamos
o debate sobre as características clínicas destas pessoas.
Segundo Asperger (1994, p. 67 apud SANTOS; SOUSA, 2021), “a personali-
dade autista é altamente distinta apesar das amplas diferenças individuais.” Há uma
diferença entre as pessoas que têm Transtorno dos Espectros Autista, não apenas por
não gostar de contato e da capacidade intelectual, mas também tem individualidade e
subjetividade nos interesses. Compreendemos que se trata da individualidade de cada
pessoa com TEA, com habilidades diferentes, com pensamentos diversos de acordo
o nível de cada um. As diferentes habilidades em diversas áreas como a musicam,
mecânica, robótica, ou na matemática, ao mesmo tempo em que em outras áreas tem
mais dificuldades de aprendizagem. Segundo Aarons e Gittens (1992 apud SANTOS;
SOUSA, 2021), as fisionomias das crianças com TEA não têm diferença, mesmo
que estas tenham deficiência mental severa, elas têm belas aparências fisionômicas.
618

Diante dos estudos sobre autismo, entendemos que não se podem generalizar as
pessoas com TEA, são graus diferentes de autismo, também a convivência varia de
acordo com a funcionalidade de cada um. Alguns são impedidos de estudar, trabalhar
ou se relacionar, este é considerado alta funcionalidade, outros casos necessitam de
auxílio em atividades do dia a dia, como por exemplo, a higiene pessoal, ou preparar
seu alimento, sendo este grau médio. E aqueles que têm baixas funcionalidades têm
muitas dificuldades e necessitam de especialistas que os auxiliam por toda a vida (KLIN,
2006). Assim, entendemos que ao nos relacionarmos de alguma forma com pessoas com
Transtorno do Espectro Autista, é necessário conhecer mínima mente estas característi-
cas, para que possam auxiliar estas pessoas e proporcionar segurança, autonomia e ao

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mesmo tempo se adaptar as suas rotinas. Diante deste debate, é necessário compreen-
dermos a relação das pessoas com TEA com a Escola. E para isso abordaremos a seguir.
As relações familiares são afetadas quando é comunicado que tem uma criança
TEA. Segundo Collet et al. (2016), na maioria dos casos, os médicos não têm pre-
parado para se comunicar com os familiares, quando surge o diagnóstico do TEA,
e quando vão transmitir o resultado falam paras os pais não se preocupam com as
consequenciais emocionais e psicológica. Além do desprepara dos profissionais da
saúde seja por questões das diferenças culturais e sociais ou mesmo pelo curto tempo
das consultas que serve ainda mais como empecilhos nesta comunicação. Estes atritos
na comunicação e o desconhecimento sobre a característica do TEA provocam no
primeiro momento nas famílias o sentimento de negação e o medo do desconhecido
que tem como consequência a demora de buscar os direitos destas crianças, ou de
preparar para conviver com elas. Assim a vida destas crianças se torna mais difíceis,
só começam a ter qualidade de vida quando aqueles que estão mais próximo aceitam
a síndrome e traçam caminhos para a inclusão.
Segundo Santos e Vieira (2017), quanto mais se conhece as características do
transtorno do espectro autista, maior a relação com eles. É como se o conhecimento
fosse essencial para ladrilhar os caminhos da relação entre familiares e as crianças
com síndrome. Acredita-se que em relação a inclusão das crianças com TEA na
escola regular, quanto mais a comunidade escolar se aprofunda nos saberes sobre os
conceitos e característica das crianças com transtorno do espectro autista, possibilita
uma melhor inclusão.

Características do atendimento escolar da pessoa com TEA


Refletindo sobre o pensamento de Santos e Vieira (2017), que quanto mais
se tem conhecimento sobre as características do TEA melhor acontece à aceitação.
Entende-se que a inclusão na escola segue a mesma trilha, para melhorar as condições
dos alunos com TEA na escola o melhor caminho é a informação. Prepara alunos e
professores sobre a esta deficiência é a melhor forma de inclusão.
Alguns pais buscam conhecer melhor sobre o TEA, e quais as demandas que
seus filhos terão para se adaptar na sociedade. Quando aceitam e procuram conhecer
melhor sobre o autismo, a vivência destas crianças é melhor, tendo em vista que são
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 619

assistidos desde o início por profissionais especializados. Entendemos que quando


os pais aceitam e buscam ajuda profissional qualificado, e desta forma tem menos
comprometimento no desenvolvimento cognitivo, e possibilita “fazer parte de pro-
jetos de inclusão social” (SANTOS; BROGNOLI, 2021 p. 4). A inclusão acontece
de forma mais efetiva e as crianças se sentem melhor.
Nos últimos 20 anos no Brasil, foram criadas várias políticas públicas na edu-
cação, que possibilita a inclusão de acesso às escolas como também de permanência
dos alunos com deficiência no ensino regular. Estas crianças têm direitos a um cur-
rículo adaptados de forma que privilegia a equidade das deficiências no processo de
ensino aprendizagem (CORRÊA; RODRIGUES, 2016). É necessário que entendam
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que as pessoas com TEA podem trazer outros distúrbios como depressão epilepsia
e hiperatividade. Além da questão do grau de autismo, que pode ser do mais severo
ao mais leve. Também há uma diferencia entre a forma de relacionar com o mundo,
alguns não falam, não aceitam serem tocados, e tudo isso deve ser levado em con-
sideração (OLIVEIRA, 2020).
Levando em consideração que a educação é o principal mecanismo para a
socialização que proporciona o indivíduo ter qualidade de vida social, e a mesma
é de caráter social, entendemos que seja relevante apresentar neste trabalho um
pequeno contexto histórico da educação especial e os motivos que levaram a pro-
posta de inclusão dos alunos deficiente no ensino regular. A educação é responsável
pela socialização, que é a possibilidade de uma pessoa conviver com qualidade na
sociedade, tendo, portanto, um caráter cultural acentuado, viabilizando a integração
do indivíduo com o meio. Como relata Rogalski (2010).

A educação é responsável pela socialização, que é a possibilidade de uma pessoa


conviver com qualidade na sociedade, tendo, portanto, um caráter cultural acen-
tuado, viabilizando a integração do indivíduo com o meio (ROGAISKI, 2010 p. 3).

Por falta de ação governamental e políticas públicas educacionais que atendesse as


pessoas deficientes, desde 1930 que a sociedade civil se organiza em associações
para garantir o mínimo de direito destas pessoas a uma formação escolar. Em
1954, surgiu o movimento para criar uma associação de assistência educacional as
crianças com deficiência. Este movimento que levou a fundação das Associações
dos Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE) (ROGAISKI, 2010).

O que se percebe nas literaturas que trata deste tema é que no Brasil mesmo
quando foi criada associação com atenção as pessoas com deficiência, eram mais
voltadas para o atendimento à saúde, como relata Rogaiski (2010 p. 5), “no Brasil, os
deficientes sempre foram tratados nesta área, porém agora surgem clínicas, serviços
de reabilitação psicopedagógicos alguns mais outros menos voltados à educação”.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei nº 4.024/61, no seu
artigo 88, destaca o direito dos alunos excepcionais à educação. Em sua narrativa
determina que estes alunos só devem ser inseridos na educação regular dentro do
possível, e que as pessoas com deficiência têm direito a educação especial. Analisando
620

a determinação desta lei, percebemos que a inclusão no ensino regular é um projeto


que tem menos de 20 anos.

§1º Haverá, quando necessário, serviços de apoio especializado, na escola regular,


para atender as peculiaridades da clientela de educação especial. §2º O atendimento
educacional será feito em classes, escolas ou serviços especializados, sempre que,
em função das condições específicas dos alunos, não for possível a sua integração
nas classes comuns do ensino regular. §3º A oferta da educação especial, dever
constitucional do Estado, tem início na faixa etária de zero a seis anos, durante a
educação infantil (BRASIL, 1996, art. 58).

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Observamos nesta narrativa que o Estado tem a preocupação de garantir a edu-
cação para os deficientes, no entanto uma educação especial, um sistema diferenciado
em escolas especializadas. Diferente do cenário descrito acima em anos anteriores
que a educação destas pessoas era assistencialista e não tinha garantia do poder
público. Mesmo na Constituição Federal do Brasil de 1988, no capítulo III, em seu
artigo 208, garante o direito da educação especial como se observa na citação: “[...]
o dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de atendimento
educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede
regular de ensino” (BRASIL, 1988).
Nos últimos anos, no Brasil, foram criadas várias políticas públicas na educação,
que possibilita a inclusão de acesso às escolas como também de permanência dos
alunos com deficiência no ensino regular. Estas crianças têm direito a um currículo
adaptados de forma que privilegia a equidade das deficiências no processo de ensino
aprendizagem (CORRÊA; RODRIGUES, 2016).

As adaptações mais utilizadas no âmbito escolar para alunos autistas são funda-
mentado em propostas que exige um maior conhecimento desse aluno, a exemplo:
conhecer o histórico do aluno através da família, e dos profissionais clínicos que o
acompanham; averiguar por meio do grau do espectro as probabilidades e limites
no relativo às aprendizagens escolares e sociais; descobrir os temas e elementos
de seu interesse; propor tarefas concretas num curto intervalo de tempo; Utilizar
formas alternativas de comunicação (ALBUQUERQUE, 2017 p. 8).

Segundo Albuquerque (2017), adaptar o currículo para atender a educação dos


TEA, é necessário levar em consideração a diversidade e a personalização. Enten-
dendo que é impossível generalizar as reações destas crianças, tendo em vista a
subjetividade de cada um. Conhecer o aluno e seu histórico é muito relevante, e para
isso é necessário aproximação entre professores e familiares das pessoas com TEA,
conhecer os diagnósticos feitos por profissionais múltiplos é interessante no momento
de adaptação curricular. Compreender os códigos de comunicação com cada autista,
porque a uma diferença entre um e outro.

A criança autista por possuir suas funções prejudicadas inclina-se a direcionar


sua concentração para os detalhes de um objeto ou corpo, e não consegue fazer
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 621

uma leitura geral da situação que lhe é exibida. Desta maneira, tais incapacidades
se refletem nas habilidades de interpretar uma informação a partir das ligações
entre os seus componentes e o próprio comportamento adotado para se adaptar
às exigências do assunto (ALBUQUERQUE, 2017 p. 6).

Entendemos que é necessária muita atenção no momento de planejamento das


atividades de adaptação para os alunos com TEA. Mesmo depois de planejado é
interessante ficar atento no desenvolvimento da criança e se for necessário mudan-
ças de estratégias devem ser feita muito rápido. Não ignorar também a motivação
do aluno ou a falta dela, e buscar sempre adaptações que traz motivações para estas
crianças. Acompanhar através de informações fornecida pela família como está sendo
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a rotina desta criança em casa, e aproximar as mesmas atividades entre escola e lar
(ALBUQUERQUE, 2017).
Quando se trata de inclusão, não podemos esquecer que é necessário atividades
coletivas. Neste sentido as estratégias metodológicas devem ser ajustadas de forma
que contempla os alunos regulares incluindo os com TEA. Não é necessário que
todas as atividades da rotina escolar sejam modificadas, tendo em vista que os alunos
regulares seguem uma rotina sistematizada seguindo direcionamento da Base Nacional
Comum Curricular (BNCC), mas é relevante sempre dentro destas atividades aplicar
algumas adaptadas que contempla a inclusão (ALBUQUERQUE, 2017). Segundo
Menezes (2013 p. 10), os alunos autistas demonstram bons desempenhos nas salas de
aulas com alunos regulares, não em todos os aspectos, mas sobretudo em atividades
que “compõe a tríade do transtorno”, assim é necessário que os profissionais estejam
preparados para atender estas crianças e ter também apoio das salas especiais.

O incentivo a formação e a capacitação de profissionais especializados no aten-


dimento a pessoa com transtorno do espectro autista bem como o apoio a pais e
responsáveis confirmam o imperativo da parceria entre família e escola, funda-
mental na educação de todo aprendente com necessidades educacionais especiais
(PLETSCH; LIMA, 2014, p. 5).

Diante da narrativa acima, como já debatemos a necessidade de preparo dos


professores com especialização no atendimento aos TEA, mas este autor ressalta o
papel da família como elemento para o sucesso educacional destas crianças. Diante
do debate sobre os direitos das pessoas com Transtorno do Expecto Autismo, e as
exigência de adaptação curricular, como preparo dos profissionais da escola e o apoio
da família no sentido de contribuir para o sucesso dos TEA, apresentaremos a seguir
o lúdico como proposta curricular para trabalhar com este público.

Considerações finais
O Transtorno do Espectro Autista – TEA, há mais de um século que foi diag-
nosticado pela primeira vez, mesmo assim ainda existe um grande desconhecimento
sobre suas características e apenas no século XXI, que a Legislação Brasileira veio
622

dar uma atenção especial para estas crianças. Mesmo com toda visibilidade que esta
síndrome recebeu nestes últimos anos, ainda muitos profissionais da educação não
tem um conhecimento amplo sobre ela, e por isso dificulta as vezes a inclusão destes
alunos em escolas regulares. A generalização das crianças com TEA, causa as vezes
estranhamento e discriminação com elas e resistência no atendimento educacional
por alguns profissionais.
Diante desta pesquisa, entende-se que é necessário que os pais e professores,
bem como toda comunidade escolar, aprofunde o conhecimento sobre as caracte-
rísticas do TEA, as metodologias de aprendizagem que mais atendem as demandas
deles, e conheça melhor como eles se relacionam, de que forma gostam de serem

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tratados, para que estas crianças possam ter uma melhor qualidade de vida e seus
direitos seja garantido de forma respeitosa.
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tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 623

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SUBNOTIFICAÇÕES DE AGRAVOS
À SAÚDE INFANTOJUVENIL
RELACIONADOS AO TRABALHO EM
UMA UNIDADE BÁSICA DE SAÚDE
(UBS) RURAL DA REGIÃO NORTE
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Joice de Melo Batista1


Vanderléia de Lurdes Dal Castel Schlindwein2

Introdução
O direito fundamental a uma infância protegida de forma integral é assegurado
à todas as crianças e adolescentes do nosso país. Por estes estarem em estágio de
desenvolvimento físico, intelectual, emocional e social, pertencem a um dos grupos
que merecem atenção e cuidados adequados para que o crescimento desses indivíduos
ocorra de forma completa e sua infância seja preservada, sendo de grande importância,
interesse e responsabilidade de toda a sociedade destinar cuidados e a defesa dos anos
iniciais dos sujeitos, estando em evidência os profissionais do cuidado.
O trabalho infantil é um tema bastante delicado por envolver questões de subsis-
tência de indivíduos e suas famílias. Tornando-se pouco debatido nas esferas comu-
nitárias, e por vezes, defendido e incentivado de forma camuflada por uma parcela da
população. Estes que concebem e defendem a ideia de que o trabalho infantil é uma
alternativa para a fuga da marginalidade, sendo indiferente aos danos gerados por esta
prática ilegal (MUNIZ, 2008). Por trabalho infantil, compreende-se qualquer atividade
laboral exercida por crianças e adolescentes com idade menor que 16 anos, havendo
retorno financeiro ou não. Em nosso ordenamento jurídico brasileiro, tanto no Estatuto
da Criança e do Adolescente – Lei nº 8069/90, como no artigo 227 da Constituição
Federal Brasileira de 1988, ainda nos artigos 402, 403 e 441, na Consolidação das
Leis do Trabalho (CLT), proíbe qualquer trabalho antes dos dezesseis anos de idade,
salvo na condição de aprendiz, a partir dos quatorze anos. Ainda o artigo 403 da CLT,
parágrafo único, delibera que: “O trabalho do menor não poderá ser realizado em
locais prejudiciais à sua formação, ao seu desenvolvimento físico, psíquico, moral e
social e em horários e locais que não permitam a frequência à escola”.
Apesar da proibição estima se que há 38,3 milhões de crianças e adolescentes
exercendo alguma atividade laboral, no ano de 2019, de acordo com de acordo com

1 Psicóloga formada na Universidade Federal de Rondônia (UNIR).


2 Docente do Departamento de Psicologia (DEPSI) e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da
Universidade Federal de Rondônia (UNIR), coordenadora do Centro de Estudo e Pesquisas em Saúde
Mental e Trabalho na Amazônia/CEPEST/RO.
628

a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) do mesmo ano, produzida


pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Esse número pode ser
ainda maior em consequência do número de casos não identificados, não notificados,
além da mudança na forma de sistematização adotada pelo IBGE, que exclui os dados
sobre crianças que trabalham para sua subsistência, de acordo com Lima (2019).
No relatório mundial sobre trabalho infantil a Organização Internacional do
Trabalho/OIT, afirma que as condições socioeconômicas desfavoráveis predispõem
famílias e comunidades inteiras a dependerem mais do trabalho infantil, para se pre-
caverem dos efeitos dos choques sociais, políticos e econômicos e principalmente,
garantirem sua subsistência (OIT, 2013, p. 2). Segundo a organização, o que leva ao

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descumprimento destas leis são a vulnerabilidade econômica associada à pobreza, ou
seja, as famílias pobres, que foram excluídas socialmente e não possuem o acesso às
políticas públicas sociais, acabam por ter menor probabilidade de conseguirem adiar
o envolvimento das crianças no trabalho e de investir na sua educação, possuindo
maior possibilidade de se verem forçadas a recorrer ao trabalho infantil para suprir
necessidades básicas e enfrentar a insegurança quanto ao futuro.
A problemática do trabalho infantil e dos agravos relacionados a menores de
18 anos no estado de Rondônia é complexa, tendo em vista que de acordo com o
Observatório de Segurança e Saúde no Trabalho do Ministério Público de Trabalho,
em 2012 a 2021, os casos notificados como acidente de trabalho grave envolvendo
crianças e adolescentes no estado, correspondem 94 casos registrados como agravos
de acidente no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), número
que pode não corresponder com a realidade da cidade, já que, de acordo com a Pes-
quisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD), em 2010, 56,5% das crianças e
adolescentes estavam em atividades laborais, totalizando 252.196 pessoas em todo
estado de Rondônia. Esse número pode ser maior, já que em vários anos não há o
registro da atividade laboral realizada por crianças e adolescentes, da mesma maneira
que não temos atualizações regulares das informações sobre os acidentes de trabalho.
De acordo com o Observatório da Prevenção e da Erradicação do Trabalho
Infantil – SmartLab/MPT/RO, em 2012 a 2021, tem 15 casos notificados através da
Comunicação de acidentes de trabalho (CAT) envolvendo adolescentes. A subnotifi-
cação e o desencontro dos dados relacionados ao trabalho infantil são um dos proble-
mas que envolvem o levantamento real do número de crianças e adolescentes na fase
infantojuvenil em atividade laboral precoce, bem como a ausência de estudo relacio-
nados às crianças exercendo atividade laboral nas ruas, quantitativo que cresceu com
a pandemia de covid-19, o fenômeno de migração e os retrocessos que vivenciamos.
Para compreendermos esta realidade, se propôs estudar a comunidade situada
às margens da Rodovia BR-364, zona rural da capital de Rondônia, onde vivem apro-
ximadamente mais de quatrocentas famílias. Uma grande parcela de seus moradores
trabalha no serviço de coleta e seleção de materiais recicláveis do lixão da capital e
retiram seu sustento dos resíduos sólidos depositados neste local. Por estes estarem
distantes da cidade e consequentemente dos serviços de políticas públicas de acesso
à população em geral, vivem um processo de vulnerabilidade social, isto é, uma
sucessão de exclusões, econômicas e sociais conforme Torossian e Rivero (2012)
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 629

e Hillesheim e Cruz (2012) compreendem esse fenômeno. A vulnerabilidade social


acaba por facilitar situações de risco, que possam causar algum tipo de dano físico,
psicológico e/ou moral à população, em especial às crianças e adolescentes.
O entendimento dos fatores sociais que acabam por permitir a inserção precoce
e até a normalização do trabalho infantil no lixão devem ser considerados, assim
como o desemprego, os estigmas sociais, a história de vida desses indivíduos, e a
memória do lugar em que eles vivem. Evidentemente que o direito à infância deve
ser preservado, tal qual melhores condições de vida a todos que se encontram em
situação de vulnerabilidade social, reafirmando assim a luta por ações que proíbam
a execução de atividades laborais por menores, o retorno à vida escolar e a proteção
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integral a esses indivíduos.


O trabalho nos lixões é considerado uma das piores formas de trabalho infantil,
conforme a lista de proibições da Organização Internacional do Trabalho (OIT) no
ano de 2000, já que expõe crianças e adolescentes em desenvolvimento a esforços
físicos intensos, posições antiergonômicas e a materiais que possam acarretar algum
tipo de contaminação. Os danos causados à saúde destes podem suscitar afecções a
curto e longo prazo, em alguns casos sendo capazes de causar a morte. Alternativas
seguras e eficazes para a resolução desta problemática devem ser pensadas, função
esta que deve ser exercida por toda a sociedade, através de ações de instituições
públicas e privadas, sejam de ensino, saúde, grupos de lazer e religiosos, intervenções
que promovam a proteção da vida dessas crianças e adolescentes.
Neste processo de políticas públicas voltadas às crianças e adolescentes, a
Atenção Básica com as Unidades Básicas de Saúde possuem um papel fundamental
à prevenção, promoção, recuperação e manutenção da saúde da população, principal-
mente por estar próxima às famílias e indivíduos como preconiza o Sistema Único de
Saúde (SUS). A partir do Programa de Saúde da Família, as UBSs atuam como um
“centro de comunicação com toda a Rede de Atenção do SUS” (BRASIL,2020, n.p.),
direcionando o usuário dentro da organização de cuidados, para além dos serviços
de consultas, tratamentos e educação em saúde. Por possuir uma conexão direta com
as comunidades e o conhecimento do território e suas especificidades, a UBS dispõe
dos recursos teóricos e práticos para a compreensão da vida desses usuários, assim
como a melhor forma para prestar os serviços em saúde a estes. O convívio diário
permite que haja vantagens na execução de planos de acompanhamento à saúde dessas
populações, principalmente para os grupos que necessitam de maior atenção, como às
crianças, aos adolescentes, às grávidas, aos idosos e às pessoas com doenças crônicas.
Ao acompanhar as famílias e indivíduos atendidos, a Unidade Básica de Saúde
possui responsabilidade no atendimento as demandas que possam surgir, como as cor-
respondentes ao Trabalho Infantil. O Protocolo da Atenção Básica: Saúde da Criança,
elaborado pelo Ministério de Saúde, de 2016, direciona e regulamenta as normas
para a assistência em saúde das crianças e abrange de forma específica a temática do
trabalho realizado por pessoas menores de idade, determinando assim as condutas dos
profissionais da atenção básica nesses caso, tal como o documento produzido pelo
Ministério Público (MP) no ano de 2013 intitulado “Manual de Atuação do Ministério
Público na Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil”, que uniformiza os critérios
630

para a identificação das formas de trabalho infantil, e o guia de fácil atendimento “Tra-
balho Infantil: Manual de atuação do Conselho Tutelar” (2018), elaborado pelo MPT.
Todos esses materiais norteiam a atuação dos profissionais, assim como direcionam
e regulamentam as ações da sociedade contra o trabalho precoce.
Ainda é de obrigação das equipes de saúde das Unidades Básicas de Saúde
notificar os agravos e casos suspeitos de violência que se enquadrarem no objeto de
notificação da ficha de Violência Interpessoal/Autoprovocada no Sistema de Infor-
mação de Agravos de Notificação – SINAN, a saber:

Caso suspeito ou confirmado de violência doméstica/intrafamiliar, sexual, autopro-

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vocada, tráfico de pessoas, trabalho escravo, trabalho infantil, tortura, intervenção
legal e violências homofóbicas contra mulheres e homens em todas as idades. No
caso de violência extrafamiliar/comunitária, somente serão objetos de notificação
às violências contra crianças, adolescentes, mulheres, pessoas idosas, pessoas com
deficiência, indígenas e população LGBT (BRASIL, 2018).

Logo que o profissional identificar os casos de acidentes e/ou trabalho entre crianças
menores de 14 e/ou que estejam entre 14 a 15 anos que não seja na condição de aprendiz;
e/ou entre 16 a 17 anos que não seja amparado nas normas da CLT e em condições ina-
dequadas, o profissional da saúde deve realizar a notificação compulsória de violências
interpessoais e autoprovocadas no âmbito da saúde, não como forma de denúncia, mas sim
como um instrumento de garantia de direitos. Após as etapas de acolhimento, atendimento
e notificação, deve-se proceder ao seguimento das pessoas em situação de violência na
rede de Proteção Social Especial do Sistema Único de Assistência Social (SUAS).
Nesta perspectiva, o estudo teve como objetivo contribuir para a compreensão
das subnotificações numa UBS dos agravos à saúde de crianças e adolescentes que
vivem numa comunidade ao entorno de um lixão na região Norte, bem como com-
preender como os profissionais da saúde estabelecem a relação entre agravos à saúde
e a relação com o trabalho e, se fazem o registro no Sistema de Informação do e-SUS
e SINAN. Tendo em vista que, de acordo com as leis brasileiras a proteção à infância
é prioridade absoluta e o trabalho iniciado de maneira antecipada acarreta danos à
saúde das crianças e adolescentes, assim como o seu desenvolvimento físico, men-
tal, espiritual, moral ou social (Convenção dos Direitos da Criança (ONU), art. 32).

Metodologia
O estudo foi realizado com profissionais que atuavam na Unidade Básica de
Saúde (UBS) rural de comunidade na região Norte, no período de agosto de 2019 à
de março de 2020. Devido à pandemia de covid-19, a continuidade do estudo deu-se
através de atividades remotas e contatos com os profissionais da UBS e da Secretaria
Municipal de Saúde (SEMUSA) via WhatsApp e E-mails institucionais. Tratou-se
de um trabalho de natureza qualitativa, do tipo descritiva.
Os participantes do estudo são profissionais da saúde (médicos, enfermeiros,
assistente social e técnicos de enfermagem) da UBS. Em termos éticos a pesquisa
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 631

foi submetida ao Comitê de Ética da Universidade e aprovada, conforme CAEE:


14648619.5.0000.5300, bem como foi apresentado o Termo de Consentimento Livre
e Esclarecido – TCLE, que após lido e assinado foi aplicado os instrumentos de
pesquisa. A proposta do estudo foi apresentada e aprovada, em 2019, pela Secretaria
Municipal de Saúde (SEMUSA). Por questões éticas os nomes dos profissionais da
saúde que responderam ao questionário serão apresentados de forma fictícia para
resguardar o sigilo ético.
A proposta desenvolveu-se em duas etapas: a primeira utilizou-se como técnica
o registro das observações participantes no diário de campo dos procedimentos rea-
lizados pelos profissionais da saúde na rotina de atendimento às crianças e adoles-
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centes na UBS, como: triagem, nebulização, aferição de pressão arterial, consultas


em enfermagem, atendimentos odontológicos, assistência médica realizada pelos
profissionais da saúde que eram autorizados pelos usuários e acompanhantes.
Na segunda etapa, em virtude da pandemia do coronavírus e dos impactos provo-
cados por este vírus, realizou-se a entrevista com os profissionais de saúde: técnica em
enfermagem, enfermeira, odontólogo e médico da UBS se deu através de aplicativos da
internet. Foram elaboradas dez questões no Google Forms, aplicativo de gerenciamento
de pesquisas do Google, esse formulário foi enviado via aplicativo da multiplataforma
de mensagens instantâneas (WhatsApp). O questionário elaborado teve como objetivo
substituir as entrevistas programadas anteriormente à pandemia e levantar dados sobre
profissional responsável pela triagem e consulta (especialidade, idade, gênero, institui-
ção de formação, tempo de ocupação e tempo na unidade de saúde). Conta-se também
com a investigação do processo de atendimento às crianças e adolescentes, verificando:
se os profissionais reconhecem o adoecimento/acidente e, se tem relação com a atividade
no lixão; se é realizado a notificação dos acidentes/adoecimento na ficha do SINAN no
e-SUS; se é identificado no prontuário que se trata de agravo relacionado ao trabalho;
principais acidentes/agravos e doenças que atendem entre as crianças e adolescentes
da comunidade; como são encaminhadas as crianças/adolescentes e quais políticas e/
ou programas têm na UBS e outros programas necessários.
Após a apresentação do objetivo do estudo e assinatura do Termo de Consen-
timento Livre e Esclarecido/TCLE, deu-se o preenchimento do formulário com as
questões no Gooogle Forms. Foram elaboradas 10 questões, sendo 6 abertas (com
possibilidade de respostas subjetivas) e 4 fechadas (perguntas com escala de frequên-
cia: nunca; raramente; às vezes; muitas vezes; sempre) e com justificativa da escolha.
Foram enviados os questionários para 4 profissionais da saúde: médico, enfermeira,
técnica da saúde e odontólogo, tendo em vista que eram responsáveis pelo atendimento,
assistência e encaminhamentos de demanda a outras especialidades do município, bem
como eram responsáveis pelos registros no sistema e-SUS e das fichas de notificação no
SINAN de casos suspeitos de agravos à saúde, violências e/ou relacionados ao trabalho.
Já para a sistematização e análise qualitativa do questionário do Google Forms,
foi utilizada a análise de conteúdo de Bardin (2011), por categorização temática e
classificação de elementos constitutivos das respostas, para em seguida reagrupar por
conceitos temáticos, ou seja, a partir das falas, pode-se isolar as categorias temáticas
e sistematizar a fim de organizar os significados constitutivos da mensagem.
632

Caracterização da Unidade Básica de Saúde e as implicações


com a proximidade ao lixão
A UBS está localizada numa área rural distante doze quilômetros da cidade,
situa-se na entrada da comunidade, facilitando o acesso das pessoas aos serviços
em saúde. A unidade de saúde possui uma estrutura precária, que não obedece às
recomendações do Ministério da Saúde. Tem somente um banheiro ativo para os
usuários, em que materiais de limpeza e resíduos para descarte são armazenados no
mesmo ambiente. A unidade possui 7 outras salas divididas entre: serviço de assis-
tência médico e estatístico (SAME), sala de vacinação, sala de triagem, consultório

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odontológico, de enfermagem e médico e a sala dos funcionários. Há um corredor
estreito que dá acesso às salas, onde algumas poucas cadeiras são colocadas para as
pessoas aguardarem o atendimento.
O registro no diário de campo da pesquisa caracteriza os espaços ocupados pela
comunidade que buscam a UBS:

Os usuários e seus acompanhantes ocupam o espaço do corredor, que acaba esta-


belecendo uma proximidade, juntos ali com suas dores e queixas tentam se huma-
nizar e trazer suas mazelas de uma vida com estruturas mínimas de sobrevivência.
Buscam um alento, um alívio para a dor, uma escuta. A psicologia do corredor é
estar próximo, literalmente, dividindo o espaço e convivendo juntos, coexistindo
(DIÁRIO DE CAMPO, 2019).

Durante o período de observação na unidade foi possível estabelecer uma


atuação, caracterizadas como “psicologia de corredor” (sic), por ser o único local
em que as interações verdadeiramente aconteciam, onde as pessoas desfrutavam
da liberdade de falarem como estavam se sentindo, sem que fossem reprimidas nas
suas insatisfações, sofrimentos, no seu cotidiano e nas suas manifestações de ser.
As trocas de experiências eram realizadas nos arredores da unidade, a imersão no
campo ocorrera por meio do movimento de acompanhar os processos de espera
para os atendimentos, como também na participação de algumas consultas médicas,
odontológicas e de enfermagem.
Os atendimentos infantis eram a síntese das questões sociais ali presentes na
comunidade em torno do lixão, como exemplo o caso de crianças com queixas de
verminoses, em que as três irmãs estavam com os sintomas mais comuns da doença;
como também no atendimento a uma mãe adolescente que estava buscando encami-
nhamento para o exame de acompanhamento da sífilis, para ela, seu companheiro e
sua filha de três meses; dentre outros casos em que a escuta no corredor acontecia
em todas as visitas à unidade. A importância da Psicologia na Unidade Básica de
Saúde se manifesta nessas intervenções em que a escuta qualificada se faz necessária,
principalmente nas situações em que os usuários não faziam conexões a respeito do
processo de adoecimento que estavam vivendo com outras questões como o trabalho,
falta de sono, esforços intensos, dores em regiões específicas e doenças preexisten-
tes. A intervenção da Psicologia se constituiu em movimentos de desconstrução de
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 633

preconceitos e aproximação dos funcionários com a comunidade atendida, além dos


trabalhos de psicoeducação que podem ser desenvolvidos.
Numa destas “conversas de corredor” [grifo das autoras], uma senhora relata
sobre uma criança de seis anos que era obrigada a realizar trabalho doméstico e a
cuidar do irmão menor. A senhora conta que quando a menina esquece de cumprir
alguma tarefa a mãe bate muito na criança, dando para ouvir os gritos das casas
nas proximidades. A senhora se mostrou muito angustiada e triste pela condição da
menina e de seu irmão, devido aos pais submeterem os filhos a situações de abandono
e negligência (DIÁRIO DE CAMPO, 2019).
Esse é somente um dos casos que não aparecem nas estatísticas, em que crianças
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e adolescentes são forçados a trabalharem precocemente e que também os adultos


utilizam o pretexto de “ajuda” nas atividades laborais domiciliares. Essa suspeita não
pode ser investigada em virtude da ausência de contatos com a mulher que relatou,
assim como a escassez de informações sobre a criança, reiterando assim a problemá-
tica que envolve o trabalho infantil, a falta de percepção social dos danos causados
às crianças e adolescentes trabalhadoras e os impedimentos que temos enquanto
pesquisadores e profissionais da porta de entrada do serviço de saúde.
Outras dificuldades foram observadas como precárias estruturas física e técnica
da UBS. Algumas vezes a conexão de internet era instável, afetando diretamente o
trabalho dos funcionários, impossibilitando o acesso ao Sistema único de Saúde,
além da demora na manutenção dos computadores. Por ser um ambiente com pouco
espaço físico, ações coletivas não são desenvolvidas na UBS. Observou-se que o
espaço disposto para o acolhimento e procedimento de saúde eram precários, tem
um único espaço-corredor com acesso aos usuários de forma espontânea. A descrição
apresentada da UBS possibilita maior entendimento sobre os processos de vida em
que a comunidade e seus moradores experienciam e as expressões de sofrimento são
visíveis entre os usuários do SUS nesta região.
A comunidade sofre com a falta de uma rede de saneamento básico, ausência
de filtros de água nas casas, instalações sanitárias, domicílios na área rural, origem da
água, geladeira nos domicílios, destino da água e dos dejetos, estão intrinsecamente
ligados a contaminação por doenças parasitárias. A região norte do país possui um baixo
número no alcance do serviço de saneamento básico à população. A capital do estado de
Rondônia é a cidade com o pior índice segundo a Associação Brasileira de Engenharia
Sanitária e Ambiental (ABES) no ano de 2019, pois não atende todos os recursos no
empenho para a Universalização do Saneamento, considerando o abastecimento de
água, coleta de esgoto, tratamento de esgoto, coleta e a destinação adequada de resíduos
sólidos. Todos esses fatores afetam diretamente a qualidade de vida da população, já
que as condições de saúde dependem essencialmente da natureza da água que temos
acesso, assim como o tratamento adequado do esgoto e os cuidados com o lixo.
Os agravos à saúde estão relacionados às péssimas condições de vida, saúde e
precariedade do saneamento básico da comunidade, como não possuir até hoje um
abastecimento de água potável e redes de esgotos nas residências. Logo, as pessoas
que ali residem dependem de uma caixa d’água comunitária de poços artesianos,
que nem sempre suprem as necessidades das casas, atingindo imediatamente a saúde
634

dessas pessoas, principalmente das crianças acarretando consequências graves ao


bem-estar e a saúde dos seus moradores. Para Belo et al. (2012), algumas morbida-
des podem ocorrer nestas condições, como: a desnutrição, anemia, diminuição no
crescimento, retardo cognitivo, irritabilidade, aumento de suscetibilidade a outras
infecções e complicações agudas são decorrentes.
É de conhecimento que a existência de lixões a céu aberto, sem o devido pla-
nejamento e manejo adequado dos resíduos sólidos possui um impacto significativo
ao meio ambiente, afetando diretamente a vida das pessoas, principalmente aquelas
que vivem próximas aos lixões. Por terem se constituído nos arredores do lixão e
parte de seus moradores viverem a partir da renda proveniente dos resíduos sólidos,

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o contato e os riscos causados pelo lixo são evidentes. A contaminação causada pelos
lixões nas águas superficiais e subterrâneas, assim como o solo e do ar, são elemen-
tos de importante contribuição para a proliferação de doenças para essa população
(CORREIA; CORREIA; SOUZA, 2019).
Por fim, sabe-se que os aspectos sanitários devem ser considerados na análise
dos condicionantes de vida, saúde e trabalho de crianças e adolescentes da comu-
nidade. As condições precárias de higiene somente corroboram para a proliferação
de doenças, circunstância que podem ter se agravado com a pandemia de covid-19,
principalmente se os pais/irmãos/avós que trabalham como catadores de lixo não
possuem condições adequadas para a realização de suas atividades, como a higieni-
zação e o uso de EPIs no contato com materiais contaminados.

Precarização e subnotificação das notificações dos agravos à


saúde relacionados ao trabalho infantojuvenil numa UBS rural
Dos quatro profissionais da saúde da UBS convidados a responder às questões
apenas três deles realizaram a devolutiva, são eles: a técnica em enfermagem, a
enfermeira e o médico da família. O odontólogo da unidade justificou sua recusa
ao participar da pesquisa por sua atuação não contemplar a área investigada, assim
como seu trabalho ser executado em ações que se diferenciam daquelas realizadas
pelos demais profissionais.
A formação destes profissionais está de acordo com as suas áreas de atuação
dentro da unidade. Dos profissionais que responderam ao formulário (Tabela
1), somente uma trabalha há mais tempo na unidade, com 3 anos na função de
técnica em enfermagem. Os outros trabalham há menos de 1 ano de acordo com
o tempo de estudo, o médico que está há 11 meses e a enfermeira há 5 meses.
Durante o período da pesquisa houve uma troca de profissionais da enfermagem
por 3 vezes, permanecendo sem a profissional da área por um tempo considerável.
É importante destacar a formação complementar que o médico possui mestrado
em Saúde da Família.
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Tabela 1 – Informações dos participantes da pesquisa


Caracterização
Participante Idade Especialidade Função Tempo de
(anos) trabalho na UBS
Ana 43 Curso técnico em enfermagem Técnica em enfermagem 03 anos
Alice 50 Enfermagem Enfermeira 05 meses
Alan 44 Mestrado em Saúde da família Médico 11 meses
Fonte: Elaborado pelas autoras.

A tabela 2 demonstra a frequência com que esses profissionais fazem as notifi-


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cações de agravos à saúde de crianças e adolescentes da comunidade, as respostas são


objetivas e foram assinaladas com: nunca, raramente, às vezes, frequentemente e muito
frequentemente. Ana e Alice (técnica e enfermeira) afirmaram que “às vezes” notificam
os agravos/acidentes e/ou violências sofridas pelas crianças e adolescentes no Sistema
de Informação de Agravos de Notificação – SINAN, já Alan (médico) nunca notifica.
Acredita-se que isso seja justificável conforme o funcionamento da UBS: primeiro há o
acolhimento com a técnica em enfermagem; depois, com a enfermeira, caso necessário;
e, após, o atendimento com o médico. Porém, a notificação em situações de violên-
cias interpessoais e autoprovocadas no âmbito da Saúde é compulsória, portanto, são
obrigatórias para todos os profissionais da saúde, conforme a Portaria nº 204, de 17 de
fevereiro de 2016, sendo que as relacionadas aos acidentes de trabalho infantil são de
natureza imediata e devem ser comunicadas via sistema SINAN.

Tabela 2 – Respostas dos profissionais da saúde da Unidade Básica


sobre as notificações de agravos à saúde de crianças e adolescentes
Perguntas Ana Alice Alan
Faz notificação dos agravos/acidentes e/ou violências sofridas pelas Às vezes Às vezes Nunca
crianças e adolescentes no Sistema de Informação de Agravos de
Notificação – SINAN
Faz relação entre a ocupação e o acidente/doença de trabalho Raramente Frequente- Raramente
mente
Dos pacientes (crianças e adolescentes) que vem consultar você per- Frequente- Muito fre- Nunca
gunta se o adoecimento/acidente tem relação com a atividade no lixão. mente quentemente
Costuma preencher no prontuário identificando que se trata de aci- Frequente- Às vezes Muito fre-
dente/agravo de trabalho. mente quentemente
Fonte: Elaborado pelas autoras.

Na prática da UBS, os profissionais acolhem às crianças e adolescentes e rea-


lizam os procedimentos necessários, mas a questão do estudo era compreender este
fluxo e como os mesmos estabelecem a relação entre agravos à saúde e a relação
com o trabalho, bem como o registro nos sistemas de informação do e-SUS e SINAN
(Tabela 3). A técnica em enfermagem Ana e o médico da família Alan respondem
que raramente fazem relação entre a ocupação e o acidente/agravo e doença de
636

trabalho, diferentemente de Alice (enfermeira), que frequentemente o faz. O médico


afirma que nunca pergunta se o adoecimento/acidente tem relação com a atividade
no lixão, já a técnica e a enfermeira os fazem frequentemente e muito frequente-
mente respectivamente. Esses fatos revelam uma ausência de atenção para a temática
e até inexistência da associação entre trabalho infantil e agravos no momento do
acolhimento das crianças e adolescentes da comunidade. Sobre a questão “Costuma
preencher no prontuário identificando que se trata de acidente/agravo de trabalho”,
Alan responde que muito frequentemente o faz, enquanto Alice, às vezes, e a Ana
indica que frequentemente. As informações se contradizem quando os profissionais
dizem não fazer relação do adoecimento com acidente de trabalho, mas que sempre

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preenchem no prontuário quando se trata de um acidente de trabalho. Em suma, nas
justificativas, observa-se que cada um dos profissionais explicam as razões para não
registrar e, também dizem organizar o fluxo e o referenciamento a especialidades do
município e estado nesses casos.

Tabela 3 – Justificativa dos profissionais da saúde sobre às


notificações dos agravos a saúde no e-SUS e SINAN
Pergunta Resposta
Faz notificação dos agravos/acidentes ou vio- Ana – Devido ser feita a triagem antes da consulta com a enfermeira,
lências sofridas pelas crianças e adolescentes pois geralmente quem notifica é a mesma.
no Sistema de Informação de Agravos de No-
tificação – SINAN? Alice – Porque não é motivo de notificação.

Alan – Até este momento não houve nenhuma suspeita, seja por co-
municação verbal ou por algum sinal no corpo da criança.
Faz relação entre a ocupação e o acidente/ Ana – Algumas vezes por exploração de trabalho infantil, negligência
doença? familiar.

Alice – Não usa nem um tipo de medida de segurança.

Alan – Por que a maioria dos agravos são relacionados à higiene e não
em relação direta com o trabalho.
Dos pacientes (crianças e adolescentes) que Ana – Sempre faço essa pergunta, até para sabermos se estão ex-
vem consultar, você pergunta se o adoeci- postos mesmo ao lixão.
mento/acidente tem relação com a atividade
no lixão? Alice – Por ser a única atividade deles aqui.

Alan – Porque eu até então desconhecia que as crianças e adolescen-


tes trabalhavam no lixão.

Costuma preencher no prontuário identificando Ana – Temos que fazer todas as anotações precisas para acompa-
que se trata de acidente/agravo de trabalho? nhamento do caso.

Alice – Por se tratar de menores de idade.

Alan – Tenho base de medicina de família, onde os determinantes


sociais interferem no processo saúde-doença. continua...
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continuação
Pergunta Resposta
Como são registrados e encaminhamento os Ana – Notificamos e encaminharmos a original e cópia para a secretaria
casos? SEMUSA/DVE.

Alice – Através do sistema e-SUS.

Alan – Se surgir, o caso é registrado e notificado no sistema e-SUS e


encaminhado conforme o agravo (violência física, sexual...).
Como ocorre o processo de encaminhamento Ana – Geralmente encaminhamos para as unidades de média comple-
das pacientes crianças que sofreram acidente/ xidade e logo após eles retornam para ser reavaliados e acompanhados
agravo relacionados a atividades no lixão? conosco.
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Alice – Dependendo do agravo do acidente, nem precisa.

Alan – Até então eu desconhecia que crianças e adolescentes traba-


lhavam no lixão.

Fonte: Elaborada pelas autoras.

Quando se faz o questionamento sobre a notificação dos agravos/acidentes ou


violências sofridas pelas crianças e adolescentes no SINAN, Ana (técnica em enfer-
magem) esclarece que o motivo por ter afirmado que às vezes faz as notificações
seria: “Devido ser feita a triagem antes da consulta com a enfermeira, pois geralmente
quem notifica é a mesma”. Já a enfermeira Alice aponta que ocasionalmente o faz e
justifica: “Porque não é motivo de notificação”. Assim como Alan, que indica que
nunca notifica porque “até este momento não houve nenhuma suspeita, seja por
comunicação verbal ou por algum sinal no corpo da criança”.
As respostas trazem certa desinformação desses profissionais de Atenção Pri-
mária sobre os agravos à saúde das crianças e adolescentes, principalmente os rela-
cionados ao trabalho infantil, prática proibida no país. Já que não há uniformidade
nos pensamentos/conhecimentos quanto às portarias e instrumentos de notificações
compulsórias dos agravos e violências obrigatórias no país. Quando eles são ques-
tionados sobre a notificação na unidade em que trabalham acabam se contradizendo
nas respostas, situação que sugere que o Departamento de Vigilância Epidemiológica
do Município deve investir em capacitações regularmente para que a Lista de Noti-
ficação Compulsória (2016) e o SINAN possam ser compreendidos e colocados em
prática no cotidiano desses profissionais. À segunda questão, “Faz relação entre a
ocupação e o acidente/doença”, eles respondem: “Algumas vezes por exploração de
trabalho infantil, negligência familiar” (Ana); “não usa nem um tipo de medida de
segurança” (Alice); “porque a maioria dos agravos são relacionados à higiene e não
em relação direta com o trabalho” (Alan). Observa-se que eles respondem justificando
o porquê ocorre o acidente, não respondendo à questão se os profissionais relacionam
as doenças que acometem as crianças ao trabalho precoce.
Os problemas de saúde da comunidade são questões estruturais e condições
insatisfatórias de vida, saúde, trabalho e habitação. Além disso, não possuem abaste-
cimento de água tratada, situação essa que agrava algumas enfermidades relacionadas
638

à saúde física, mental e social, afetando principalmente as crianças e adolescentes em


idade de desenvolvimento. O fato da comunidade se organizar em torno de um lixão é
compreensível tendo em vista os processos de vida e instalação de todo o grupo. Já os
condicionantes de adoecimento estão intimamente ligados a parasitoses e a dermatites
de contato, entre outros adoecimentos relacionados ao trabalho das famílias. Sobre
isto, os profissionais da saúde, explicam (Tabela 4) que os principais acidentes/agravos
atendidos na unidade, são: doenças diarreicas, acidentes por animais peçonhentos,
violência/interpessoal/negligência (Ana); acidente com perfurocortante (Alice); amig-
dalite aguda, bronquite aguda, parasitose intestinal, malária, dermatofitoses (Alan).

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Tabela 4 – Entendimento dos profissionais da saúde no que se diz respeito
às demandas das crianças e adolescentes da Unidade Básica de Saúde
Principais acidentes/agravos e doenças Ana – Doenças diarreicas, acidentes por animais peçonhentos, violência/
que você costuma atender entre as crian- interpessoal/ negligência.
ças e adolescentes da UBS.
Alice – Acidente com perfuro cortante.

Alan – Amigdalite aguda, bronquite aguda, parasitose intestinal, malária,


dermatofitoses.
Fonte: Elaborada pelas autoras.

Outros problemas foram constatados em comunidades que vivem nos entor-


nos dos lixões, Hoefel et al. (2013) verificaram que havia, entre as famílias de uma
comunidade de catadores de resíduos sólidos no lixão, o consumo de alimentos
provenientes do lixo e a insegurança alimentar, condições de moradia precárias e
que não ofereciam todos os recursos necessários para a representação da moradia
digna. Além desse aspecto, a presença de vetores de doenças nas residências desses
trabalhadores caracterizou interferência direta e correlata do impacto ambiental do
lixão na saúde dos moradores. Além disso, a ocorrência de acidentes de trabalho
foi de 55% e mais de 79,2% dos trabalhadores declararam-se estressados, tristes ou
cansados em relação ao trabalho.
É incontestável que as formas de adoecimento na comunidade estão relacionadas
aos agravos de atividades que envolvem a comunidade, tendo em vista que todos,
se não a maioria, tiram seu sustento na coleta seletiva de materiais recicláveis no
lixão, alguns trabalham de forma independente, o que torna o trabalho mais difícil e
outros são associados a cooperativas e associações. Neste sentido, uma análise das
formas de adoecimento de crianças e adolescentes da comunidade, se pode aferir
que há evidências de trabalho de crianças e adolescentes no lixão da comunidade.
Observa-se na tabela 5 que os profissionais da saúde enfrentam a precariedade
da unidade básica como problemas estruturais e materiais, incluindo a interrupção de
alguns programas devido ao enfrentamento das novas demandas advindas com a nova
pandemia da covid-19, no início de 2020. O espaço que hoje serve de acolhimento das
necessidades da comunidade é improvisado e precário, não possui uma infraestrutura
suficiente para alocar seus instrumentos e insumos necessários ao bom acolhimento
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 639

da comunidade. A equipe da saúde possui uma cozinha improvisada, juntamente com


a área para descanso, em que guardam os insumos e outros equipamentos da unidade,
a falta de recursos humanos é frequente, há rodízio de profissionais que não ficam
muito tempo na linha de frente na UBS e são substituídos. A Estratégia da Saúde da
Família somente conta com uma agente de saúde que recentemente foi inserida na
equipe em 2020. Os problemas encontrados nesta unidade foram objeto de denúncia
no Conselho Municipal de Saúde que resolveu alguns impasses na realização das
notificações e instrumentos de trabalho dos profissionais da saúde.

Tabela 5 – Apontamento dos profissionais da saúde quanto às atividades


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desenvolvidas na Unidade Básica de Saúde e entraves do cotidiano


Quais políticas e/ou programas existem na Ana – Temos várias, mais no momento não estamos ativos devido à
UBS e quais você acha necessário desenvolver pandemia. Ex.: visitas domiciliares, hiperdia, entre outros.
nesta unidade?
Alice – No momento estamos sem um programa ou estratégias.

Alan – Nas UBS desenvolvemos ações que perpassam todo o ciclo da


vida humana como saúde da criança e adolescente, mulher, homem,
idoso, hipertenso e diabético, pré-natal, dentre outros. Porém, devido
a nossa fragilidade de ter um espaço maior e uma equipe maior, não
desenvolvemos muito a saúde dos adolescentes.
Gostaria de registrar as dificuldades Ana – São muitas coisas, estrutura física, muros de proteção, água
enfrentadas nesta unidade? potável, profissionais de serviços sociais, psicólogos e outros.

Alice – Falta de estrutura adequada.

Alan – A falta de espaço físico é a principal dificuldade, porém cito a


falta de medicamentos.
Fonte: Elaborada pelas autoras.

Observa-se, através dos resultados obtidos, a necessidade de os profissionais


da saúde compreenderem que há relação entre os processos de saúde e adoecimento
e a vida ativa das crianças e adolescentes nas atividades das famílias. Tendo em
vista que muitos dos agravos atendidos por eles estão descritos na lista das Piores
Formas de Trabalho Infantil regulamentada pelo Brasil no Decreto nº 6.481/2008,
baseadas nas recomendações da 4º Convenção (C182) da Organização Internacional
do Trabalho (OIT), que caracterizam todos os danos à saúde relacionados ao trabalho
nestas condições.

Considerações finais
Conhecer a realidade dos profissionais da saúde na UBS da comunidade, que
fica situada na zona rural e próximo ao lixão da capital de Rondônia, fez-nos com-
preender os desafios que a Atenção Básica municipal enfrenta, principalmente ao
se tratar dos cuidados em saúde às crianças e adolescentes, em especial daquelas
640

em situação de violação de direitos. Constatou-se que os agravos à saúde de crian-


ças e adolescentes são subnotificados e estão direta/ou indiretamente relacionados
com a falta de abastecimento e tratamento de água, assim como a inexistência de
uma política de evacuação final do lixo do município adequada e de acordo com as
leis do país, evitando, assim, que os trabalhadores e as crianças e adolescentes que
acompanham seus pais (ajudando) e/ou pessoas próximas a eles tenham o contato
de forma direta ou indireta com materiais perigosos e de risco à saúde física-mental
e que venham a contaminar-se.
A subnotificação continua sendo um dos fatores que impossibilitam ações sig-
nificativas contra o trabalho infantil, tal qual o desconhecimento dos protocolos e a

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dificuldade dos profissionais de saúde em identificar essas demandas acabam por con-
tribuir com a exploração de crianças e adolescentes. É necessário que haja atividades
de educação continuada a esses profissionais, prestadas pela Secretaria Municipal de
Saúde através da Unidade Básica de Saúde da zona rural, para que se sintam aptos
a receber essas demandas e possam tomar os procedimentos adequados, bem como
uma melhor articulação entre os aparelhos do Sistema único de Saúde e o Sistema
Único de Assistência Social, com ações de prevenção e acolhimento dessas demandas.
A pesquisa teve limitações e a metodologia sofreu ajustes tendo em vista os
decretos municipais/estaduais e federais, vistas à contenção da disseminação do novo
Coronavírus. Uma das mudanças foi a realização das entrevistas com os profissionais
da saúde via plataforma Google Forms pelo WhatsApp. Observou-se que algumas
questões não foram bem compreendidas por parte dos profissionais, dificultando a
troca entre entrevistados e entrevistadora, impedindo que possíveis dúvidas fossem
sanadas. Porém, o estudo pode contribuir com reflexões importantes e dados a respeito
dos danos causados à saúde das crianças e adolescentes moradoras da comunidade,
além das possíveis patologias causadas pelo contato com o lixo, seja no trabalho com
o material ou a partir de contaminações trazidas por outras pessoas.
O trabalho infantil gera prejuízos não somente físicos e psicológicos à criança
e/ou adolescente exposto, mas também acarreta danos a sociedade em geral, difi-
cultando o avanço a melhores condições de vida dessas famílias, reproduzindo o
ciclo de pobreza e exclusão em que essas pessoas vivem, além da problemática do
desemprego de adultos ser minimizada. Já que adultos ganham o suficiente para sus-
tentarem suas casas e as crianças e adolescentes não precisam trabalhar precocemente.
As crianças são prioridade nas políticas públicas e a infância deve continuar sendo
protegida. Intervenções com o objetivo de promover saúde e proteção social devem
ser incentivadas e implementadas pelo Estado, em especial ações implementadas na
Atenção Primária, que podem ser educação em saúde como orientação familiar e
orientação comunitária reconhecendo as necessidades apresentadas pelas famílias e
a comunidade, considerando-as como sujeito da atenção com potencialidades para
o cuidado e prevenção em saúde.
É de suma importância a implementação de ações efetivas desempenhadas pelo
estado de Rondônia juntamente com o município em questão para combater a explo-
ração infantil, e a Unidade Básica de Saúde pode ser um de seus eixos de atuação,
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 641

oferecendo serviços necessários à realidade da comunidade, como: assistência em


saúde, identificação, encaminhamentos, notificações e educação em saúde do traba-
lhador, para que a infância seja amparada e a manutenção e promoção da saúde de
crianças e adolescentes seja salvaguarda.
Por fim, a pesquisa ofereceu subsídios para reflexões importantes e encaminha-
mentos necessários à Secretaria de Saúde do município para a criação de políticas
de enfrentamento dos vetores/condicionantes de enfermidades que afetam a saúde e
qualidade de vida das famílias da comunidade e que estão relacionados às condições
de vida, saúde e trabalho infantojuvenil da comunidade. Mesmo que a Constituição
Brasileira de 1988 seja discriminatória no que se diz respeito à responsabilidade do
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Estado em promover condições dignas de vida, saúde e educação às crianças e ado-


lescentes de nosso país, assegura direitos como a saúde e a uma vida digna.
642

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AUTONOMIA E DISCIPLINA
NA PANDEMIA:
perspectivas para a educação
Luís Adriano da Silva1
Jeyson Lucena da Silva2
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Introdução
Segundo os estudos de Kant (1999) a educação deve ter como objetivo tornar o
indivíduo maior, pensador por si próprio de forma crítica, posto que há comodidade
em ser ou estar como menor, um estado de acomodação onde os outros decidem o
que deverá ser realizado.
O projeto defendido por Kant, como processo formativo em uma educação
moral que é a educação da liberdade, tem como primeiro passo a disciplina. Isso
quer dizer a busca pela regulação das liberdades para que coexistam em sociedade.
Neste sentido, a educação formal realizada no ambiente escolar emerge no
contexto dos afetos domésticos e familiares com a intenção de mitigá-los. Rom-
pem-se os vínculos afetivos no ambiente escolar com o propósito de enquadrar os
educandos a uma espécie de adestramento de liberdades educadas. Aprende-se que
existem momentos determinados para fazer as refeições e que todos devem atender
aos comandos, a entrar na fila e esperar a vez de cada um.
Observa-se que disciplina é importante para a aprendizagem, aqui trazemos a
ideia de disciplina não apenas social, mas a disciplina necessária para que os educan-
dos aprendam os conteúdos que serão ministrados. Há muito já se considera a atenção
e a concentração como fatores de primeira ordem para a efetivação do aprendizado.
Entretanto, a escola aparentemente não estava preocupada se a disciplina teria
continuidade fora de suas paredes, posto que há poucos meses a ordem era que os
educandos fossem disciplinados no ambiente escolar. Não havia um planejamento
que pudesse dar conta do ensino domiciliar dos educandos.
Com as medidas adotadas para o enfrentamento à pandemia do novo coronavírus
(covid-19), o ensino a distância que dava sinais de tendências na educação, tornou-se

1 Professor de Ensino Fundamental I (Prefeitura Municipal de São Paulo), bacharel em Psicologia (psicólogo),
licenciado em Letras (Português/Inglês), Pedagogia e Filosofia, Pós-Graduado em: Formação e Profissão
Docente e em Psicologia Social e a Antropologia.
*Aluno especial do mestrado em Filosofia Contemporânea - 2021 (USP).
E-mail: lluisadrianodasilva@gmail.com
2 Bacharel em Direito (advogado), magistrado pelo Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe, licenciado em
Letras, graduando em teatro, especialista em Docência na Educação Infantil, Filosofia/ Sociologia e Direito
Educacional, e Mestre em Educação (UFS).
E-mail: jeysonlucena1@gmail.com
646

urgente. Ocorre que devido à necessidade iminente não se implementaram a educação


a distância com toda a sua estrutura e premissas, mas, em verdade, o ensino remoto
emergencial surgiu como forma de substituição dos encontros presenciais na tentativa
de evitar a disseminação do vírus e atender as obrigações das instituições de ensino.
Tal medida converteu o ambiente familiar em ambiente primeiro do processa-
mento educacional formal, com o papel de pais, responsáveis e professores mesclados
em proporções possivelmente nunca antes verificadas na história humana.
Essa situação apresentada consolida-se e poderá trazer implicações em futuras
práticas pedagógicas, posto que diversos projetos de lei já buscam adotar medidas
de implementação de ensino remoto e até mesmo de educação à distância enquanto

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perdurar situações de emergência ou calamidade pública, a exemplo, a Lei nº
14.040, de 18 de agosto de 2020, o Projeto de Lei nº 1202 de 2020 e o Projeto de
Lei nº 1277 de 2020.
Pensar a respeito das implicações decorrentes das medidas adotadas para o
enfrentamento ao novo coronavírus, com fundamento nas obras de Kant e em diversos
autores que o comentam, a exemplo, Freire (2005), Santos (2005) e Carvalho Neto
e Barreto (2011), poderá indicar caminhos a serem trilhados rumo a autonomia, a
disciplina e a educação no cenário de pandemia.
Nesse contexto, não poderíamos deixar de considerar os estudos realizados por
Foucault (2009) acerca dos corpos docilizados3.

Perspectivas educacionais em Kant e Foucault


O projeto filosófico de Kant “diz respeito a um domínio específico, o da liber-
dade, inseparavelmente conexo ao conceito de autonomia, que traduz um princípio
universal da moralidade” (FREIRE, 2005, p. 46). A moralidade do sujeito deve estar
em consonância com a sociedade a qual ele faz parte. A forma que se tem para
atingir esse equilíbrio é por meio da educação. Esta, ao funcionar como media-
dora, prepara o indivíduo para conviver com outras morais. Neste sentido, Santos
(2005), complementa:

Está muito claro, portanto, que a educação concebida por Kant é, acima de tudo,
uma educação para a moralidade. Kant não usa meias palavras: o ser humano
deve ser educado para o bem. E note-se que “bem” não pode ser confundido ou
trocado pela “felicidade”, nem coletiva e nem individual. O bem ao qual Kant se
refere é o bem moral, cujo princípio deve valer incondicionalmente para todos
os seres racionais (SANTOS, 2005, p. 35).

3 Pode-se compreender, com base no livro de Michel Foucault, Vigiar e Punir: Nascimento da Prisão (2009) que
um corpo dócil diz respeito àquele que pode ser submetido ao sistema social, tendo como base a disciplina
e as políticas de coerções (punições). Deste modo, “a disciplina fabrica corpos submissos e exercitados e
os submete aos interesses utilitaristas do capitalismo”.
O corpo dócil é aquele que, apresenta utilidade econômica e doçura no que diz respeito à obediência política.
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 647

Sugere-se que se deve agir de tal forma como se a máxima das vontades possa
ser elevada como leis universais. Ressalta-se que a submissão à lei ou as obrigações
morais não afastará aquilo que o indivíduo é. Deve-se tomar a lei, enquanto ser
racional, como algo imperativo e universal, posto que ao se sujeitar a ela, se sujeita
a si mesmo, o que permite a percepção de liberdade e respeito indivisíveis.
Assim, a abordagem realizada nos estudos de Kant atenta-se para a formação
do homem, para que este possa determinar-se de forma autônoma, ou seja, não se
deixar guiar pelos demais, para que consiga, por meio de seu próprio esforço e
entendimento, agir no mundo. Depreende-se de tal discussão um dos problemas
que deve ser enfrentado pela educação, encontrar a conciliação entre a disciplina e
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o exercício das liberdades.


Entretanto, diante deste cenário disciplinador, uma das grandes preocupações
é a vigilância que se deve ter para não transformar a disciplina em submissão ou
dependência, conforme fora bem observado por Focault (2009). Essa seria a razão
dos indivíduos só acenderem lentamente ao esclarecimento (KANT, 1783, p. 3).
Afinal, “entre as duas dificílimas descobertas humanas estão à arte de governar e a
arte de educar os homens” (KANT, 1999, p. 2).
É importante destacar a crítica kantiana ao estado de menoridade, uma vez que
para o filósofo há comodidade em ser ou estar como menor, ou seja, em um estado de
mecanização no qual os outros decidem o que deverá ser realizado, seja por preguiça
ou covardia daqueles que se encontram nesse estado por culpa própria. Justamente
por isso a necessidade de se ter liberdade quanto ao uso da própria razão, para que
se chegue à maioridade, ao esclarecimento, fruto de um processo gradual.
Carvalho Neto e Barreto (2011, p. 219) comentam que a educação deve ser
assentada sobre um princípio de continuidade, observando-se não só as necessidades
do tempo presente, mas de um possível futuro, em um estado melhor, aperfeiçoando-se
no decorrer das gerações. Uma geração absorve os conhecimentos da anterior, acres-
centa-lhes outros e repassa a geração seguinte. Logo, devem-se instruir as crianças
o mais cedo possível a fim de que atinjam o pleno desenvolvimento cognitivo, pois
é na primeira infância que os preconceitos enraízam. Para Kant (1999):

A selvageria consiste na independência de qualquer lei. A disciplina submete o


homem às leis da humanidade e começa a fazê-lo sentir a força das próprias leis.
Mais isso deve acontecer bem cedo. Assim, as crianças são mandadas cedo à
escola, não para que aí aprendam alguma coisa, mas para que aí se acostumem a
ficar sentada tranquilamente e a obedecer pontualmente àquilo que lhes é mandada,
a fim de que no futuro elas não sigam de fato e imediatamente cada um de seus
caprichos (KANT, 1999, p. 13).

Ocorre que presenciamos um desnivelamento das relações familiares para com


a escola. Houve um período em que o rompimento dos afetos era respaldado pelos
pais, até mesmo as punições escolares não eram consideradas violentas ou arbitrá-
rias, mas, sim, dotadas de finalidade pedagógica. Até pouco antes do surgimento
da pandemia de covid-19 a reiteração das medidas consideradas mais duras, já não
648

tinham a mesma receptividade e eram, por vezes, motivos de conflitos que chegavam
inclusive a ser levados às esferas judiciais para que pudessem ser sanados. Assim,
com as implicações das medidas de enfrentamento a pandemia, faz-se necessário
pensar formas de delimitar o espaço familiar do espaço socializado da educação
formal apresenta-se como uma difícil tarefa.

Aspectos metodológicos
O presente estudo por sua natureza possui forma de abordagem qualitativa,
considerando que há vínculos indissociáveis entre o mundo objetivo e a subjetividade

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do sujeito que não pode ser traduzido em números (PRODANOV; FREITAS, 2013).
Busca-se maiores informações sobre o tema aqui tratado, definindo-o e delimi-
tando-o segundo os trabalhos científicos encontrados. Tal finalidade marca o caráter
descritivo e reflexivo da pesquisa, uma vez que de acordo com Prodanov e Freitas
(2013, p. 52) “os fatos são observados, registrados, analisados, classificados e inter-
pretados, sem que o pesquisador interfira sobre eles, ou seja, os fenômenos do mundo
físico e humano são estudados, mas não são manipulados”.
Em relação ao delineamento do artigo, utilizou-se como procedimento a coleta de
dados a pesquisa bibliográfica, considerando que nos valemos como fontes os estudos
Kantianos e seus comentadores. Assim, foi realizado o levantamento bibliográfico pre-
liminar com base em material já elaborado, realizada a leitura e o fichamento das fontes
bibliográficas (PRODANOV; FREITAS, 2013) para posterior redação do trabalho.
Ora, a leitura dos textos filosóficos permite apreender conceitos que serviram
de base para toda a estruturação da proposta pedagógica contida no opúsculo Sobre a
Pedagogia. Logo, dada especial atenção a tal obra e a Fundamentação da Metafísica
dos Costumes, uma vez que o diálogo virtual entre estes textos possui estrita ligação
quanto a defesa da disciplina rumo a autonomia, especialmente quando defrontado
com os estudos de Michel Foucault.
Ademais, Kant apresenta o método crítico-transcendental como sendo próprio do
filósofo e que este é algo de peculiar a seu sistema, à sua posição filosófica. Nos tem-
pos contemporâneos, encontramos vários pensadores que sustentam a existência de
métodos próprios da Filosofia, pois a mesma exige outras vias especulativas (REALE,
2002, p. 83). Por meio do método crítico-transcendental, indaga-se os pressupostos
do conhecimento para que seja possível a análise, ocupando-se menos dos objetos do
que do modo de conhecê-los, na medida em que tais objetos sejam possíveis a priori
(KANT, 2003) de forma lógica e com suas condições de possibilidades.
Logo, torna-se oportuno diagnosticar e analisar as implicações do ensino
remoto emergencial para a autonomia dos estudantes. Para tanto, torna-se necessá-
rio, realizar buscas periódicas nos sites oficiais do Congresso Nacional em busca da
identificação de dispositivos legais que disponham sobre o ensino remoto emergen-
cial e o ensino a distância dentro do período em que ocorreu a implementação das
medidas de enfrentamento ao covid-19, bem como as atuais discussões em torno
de sua implementação, futuramente, por exemplo, no ensino médio. Destaca-se que
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 649

Resoluções do Ministério da Educação e Leis Estaduais também tiveram papéis


decisivos no período de enfrentamento à pandemia, assim configuram-se como
heteronomias. Deste modo, mapeando os autores e teorias que dissertaram a res-
peito do tema autonomia e disciplina, torna-se possível intersectar diálogos com
as obras kantianas e foucaultianas.

Ensino remoto: um dilema educacional entre autonomia e


disciplina
A partir de leituras, releituras e adaptações recentes dos estudos de Kant e de
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Foucault, tornou-se possível contextualizar suas teorias com a nova realidade que
se impôs. Nesse contexto, expomos o projeto defendido por Kant em suas princi-
pais obras atendendo a um dos objetivos específicos da investigação, bem como
de modo a especificar, no modelo de ensino remoto, “o olhar hierárquico, a sanção
normalizadora e sua combinação num procedimento que lhe é específico, o exame”
(FOUCAULT, 2009, p. 164). Evidencia-se que, ao relacionar as ideias kantianas
e foucaultianas com as práticas pedagógicas do ensino remoto, debate-se sobre as
dificuldades e as potencialidades que tal modalidade de ensino apresenta.
Kant, ao abordar o conceito de autonomia4, ou seja, de esclarecimento aponta
para um pensar por si mesmo e o do exercício crítico da razão esclarecida. Em Crítica
da Faculdade de Julgar, expõe três máximas:

1. Pensar por si mesmo; 2. Pensar no lugar de todos os demais; 3. Pensar sempre


em concordância consigo próprio. A primeira é a máxima do pensar livre de
preconceito, a segunda do ampliado e a terceira consequente.
A primeira é a máxima de uma razão jamais passiva (KANT, 2016, § 40, p. 192).

Tal citação remete–nos à questão problemática de que, a educação por ser uma
forma de condução mediadora ao mundo da cultura, em si, não é libertária em sua
essência, entretanto, o que é possível são as práticas libertárias que tenham como
objetivo a formação do exercício do livre pensar. Concomitantemente, a Immanuel
Kant, Michel Foucault (2009) denúncia que a submissão ocorre por muros altos, ou
porque o sujeito foi condicionado a obedecer por não saber fazer de outra maneira.
Em sua concepção, o poder submete e cria sujeitos que se curvam ao modo de vida
capitalista e a sua maneira de existir. Conforme expõe, o corpo docilizado torna-se
mais uma peça na grande máquina de produção. Assim, tem-se que a escola deve
ser um lugar de ensino que forma a autonomia dos educandos, no sentido de que os
mesmos devem aprender a exercitar ativamente o pensamento ao agirem criticamente
sobre ele. Nesta lógica, aproximando os dois filósofos, o mobiliário escolar e o

4 “Autonomia, segundo Kant, é um termo que designa a independência da vontade em relação a qualquer tipo
de desejo ou objeto de desejo e sua capacidade de determinar-se em conformidade com uma lei própria, que
é a da razão. Já o termo heteronomia, pressupõe que, a vontade é determinada pelos objetos da faculdade
de desejar, lei externa [...]” (ABBAGNANO, 2020, p. 111).
650

controle dos corpos através das normas institucionais, constituem-se em microfísicas


do poder, o que também pode ser entendido como heteronomias5.
Especificamente, no que tange à epidemia do coronavírus (covid-19), o domi-
cílio dos estudantes tornou-se uma espécie de extensão do ambiente escolar. No
entanto, notou-se que, nem todos tiveram acesso às novas tecnologias e, mesmo
tendo não possuíam uma formação autônoma para gerir o seu próprio conhecimento.
Assim, percebeu-se uma impossibilidade de transposição da escola para as telas dos
computadores, tablets e celulares, ademais, ficou nítido nos discursos pedagógicos
que a casa dos alunos seria insuficiente se restritas às lições de casa.
Nesta concepção, não há como negar a importância fundamental do espaço

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físico da escola, bem como dos docentes, aos quais cabem as práticas mediadoras do
conhecimento. Essas dificuldades são ainda mais notáveis nas séries iniciais, levando
em consideração que os pais e responsáveis tem que se ausentar do lar para traba-
lharem, tendo filhos e filhas ainda muito dependentes de afeto, cuidados pessoais e,
num estágio de desenvolvimento cognitivo ainda limitado. Deste modo, as medidas
de restrições pandêmicas expuseram de modo ainda mais evidente o problema das
dicotomias socioeconômicas e as exclusões sociais. É importante frisar que educação
e escolarização se constituem coisas distintas. A educação é dever da família, e sofre,
portanto, influência desta, por exemplo através do histórico e de valores familiares,
morais, entre outros.
Já a escolarização, pode ser entendida através de uma divisão de saberes em
áreas de conhecimento, regida por disciplinas, currículo e gestada pelas escolas
(séries ou ciclos) e universidades (níveis de ensino). Cabe salientar que, as escolas
partem de uma concepção iluminista e pós-Revolução Francesa, a qual orienta as
constituições das repúblicas modernas; inclusive a Constituição brasileira de 1988.
Nesta constituição, é apresentada como direito de todos e dever do Estado e da
família, devendo ser promovida e incentivada com a colaboração da sociedade (BRA-
SIL, 1988, art. 205). Na última parte da obra A história da loucura, Foucault revisita
concepções Kantianas, sobretudo, no que se refere à sua antropologia (CASTRO,
2014, p. 69), sobretudo, ao propor interpretações da modernidade avessa a qualquer
humanismo e sem definir o que é o homem. É possível percebermos suas referências
a períodos específicos da filosofia como, por exemplo, no uso dos termos “época
clássica” e “idade clássica”, o que nos remete aos séculos XVII com Descartes e
XVIII sob forte influência Kantiana. Naquele filósofo, em a hermenêutica do sujeito,
onde discorre sobre os processos de subjetivação, para além de qualquer dualismo
mente-corpo, propondo não só uma condução do corpo (pedagogia), mas da alma
(psicagogia/subjetividade/mundo interno dos sujeitos).
Em As palavras e as coisas, trata de sua concepção de finitude do homem, pois
para Michel Foucault o homem aparece com o surgimento das ciências humanas
(episteme moderna) e, com o as noções de objeto do saber e sujeito que conhece.
Sendo assim, ao passo que o homem é dominado pela vida, trabalho e linguagem,

5 “Heteronomia, em que a vontade é determinada pelos objetos da faculdade de desejar. Portanto, sujeição
a uma lei exterior ou à vontade de outrem” (ABBAGNANO, 2020. p. 111).
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 651

desaparece enquanto sujeito de liberdade e existência. Se o poder produz saber e o


saber poder, no que o ensino remoto, tendo em consideração as novas tecnologias
podem ser positivas à educação no sentido de possibilitar que as pessoas se constituam
enquanto sujeitos de conhecimento?
M. Foucault propõe que o conhecimento é uma invenção de animais inteligentes,
tendo, portanto, um tempo, um lugar próprio; e um acontecimento. O sujeito tem uma
gênese, uma formação, uma história (FOUCAULT apud REVEL, 2005), e propõe a
seguinte reflexão geneológica:

As palavras e as coisas ao interrogar essa constituição segundo a modalidade


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específica do conhecimento científico, visto que se trata de compreender como o


sujeito pôde, numa certa época, tornar-se um objeto de conhecimento e, inversa-
mente, como esse estatuto de objeto de conhecimento teve efeitos sobre as teorias
do sujeito como ser vivo, falante e trabalhador (REVEL, 2005, p. 84).

Deste modo, cabe salientar que, neste momento histórico marcado pela pre-
sença de novas tecnologias, teremos a constituição de novos sujeitos, considerando:
a constituição dos saberes, dos discursos, dos domínios de objetos etc.
Para que o ensino remoto seja de fato um facilitador deve ter como base: além
do acesso equitativo dos aparelhos tecnológicos e de serviço de internet de qualidade,
uma rotina de estudos, a organização do tempo, a realização de atividades regulares,
aulas síncronas e a comunicação de forma assertiva. É imprescindível neste processo
a participação da família (socialização primária), a sensibilização sobre os conteúdos
a serem estudados, a atenção e a concentração dos sujeitos aprendentes.
Diversos especialistas destacam a escola como um lugar privilegiado para se
adquirir o domínio da cultura letrada, de apropriação dos bens culturais promovidos
pela sociedade e formadora das capacidades cognitivas (intelectuais), sendo assim, é
considerada insubstituível. No entanto, no que concerne à pandemia, o que se nota são
as distâncias que tornam explícitas a exclusão digital, neste período pós-moderno. Cabe
salientar que, no Brasil, assim como em outros países emergentes a taxa de analfabe-
tismo ainda é considerada alta, o que torna ainda mais preocupante essa problemática
social. Conforme é proposto pela Lei nº 9394/96 de 20 de dezembro de 1996 (LDB),
em seu artigo 32, § 4, “o ensino fundamental será presencial, sendo o ensino à distância
utilizado como complementação da aprendizagem em situações emergenciais”.
Deste modo, tem-se que o ensino remoto é válido no sentido de complemen-
tar aprendizagens, por exemplo, através de pesquisas extraescolares, mas não no
sentido de substituí-la. Em tempos de neoliberalismo, em que os governos têm se
pautado em uma ética utilitarista/economicista e de ataque às disciplinas de ciências
humanas, se faz necessário que os militantes da educação se unam para reinventá-la
democraticamente. Contemporaneamente, os autores Jan Massachelein e Maarten
Simons (2013) discutem essa e outras questões no livro – Em defesa da escola: uma
questão pública (2013). Na referida obra, a questão da igualdade é compreendida
como ponto de partida da prática educativa e não como um objetivo a ser atingido.
Ou seja, todos são capazes de aprender pensar.
652

Tendo em vista essa premissa, pressupõem-se um olhar preconceituoso da escola


no que tange a considerar as diferenças como fragilidades, e não como potencialidades?
No atual momento, da escola pública brasileira em que se propõe sua reforma
e reinvenção,, percebem-se momentos democráticos emergindo nestes espaços,
tais quais os que de alguma forma empoderam os mais fragilizados a exercerem
plena cidadania?
Os mesmos autores destacam que se recusam a endossar a condenação da escola,
tratam de defender a sua absolvição. Destacam ainda que é justamente “hoje” que
muitos a condenam como desajeitada à nova realidade da sociedade ou até a abando-
nam, o que ela faz se torna evidente. Conforme argumentam, a escola é essencial, pois

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oferece tempo livre e transforma o conhecimento e as habilidades em bens comuns;
a veem como um espaço de mudança e de transformação do mundo.

Considerações finais
Ao final, espera-se obter respostas quanto a aplicabilidade do pensamento kan-
tiano e foucaultiano ao ensino remoto emergencial com o fim de tornar os sujeitos
autônomos, considerando eventuais mecanismos disciplinares que tiveram que ser
eventualmente adaptados.
Por fim, considera-se que o analfabetismo e a inclusão digital ainda represen-
tam entraves no que tange a universalização do ensino tal como propõem as novas
políticas de tendência neoliberal. Sendo assim, mesmo que as novas tecnologias
sejam consideradas válidas no sentido de possibilitarem o acesso aos bens culturais
produzidos historicamente pela humanidade; podem também ser usadas a favor do
sistema como controle social (sociedade de vigilância ou disciplinar)
Esta problemática leva-nos também a refletir se estes recursos tecnológicos,
considerando o conceito de “governança coletiva de dados”, poderiam ser usados,
por exemplo, a favor de interesses políticos e controle de pessoas?
Além disso, conforme fora supracitado no início deste artigo, reconhece-se que,
a atenção e a concentração são consideradas funções psicológicas importantíssimas
para a aprendizagem. Concernente a essa questão o filósofo Christoph Türke (2016)
em Hiperativos! Abaixo a cultura do déficit de atenção, entende que estamos per-
dendo as capacidades de atenção e concentração, devido a exposição exacerbada aos
aparelhos digitais (celular, computador, tablets etc.).
Pois, desde a invenção do cinema, cada vez mais se exige a capacidade mental
de se atentar e se concentrar em estímulos cada vez mais fluídos e instantâneos, o
que tem efeitos sobre os reflexos e o sistema nervoso. Nesta acepção, temos que as
novas tecnologias têm desgastado cada vez mais as nossas capacidades de atenção
e concentração, as quais se desenvolveram ao logo da história da humanidade em
milhões de anos, de modo cultural. Logo, pode-se considerar que, as aulas remotas
e os dispositivos de comunicação digital podem ser aliados à educação no sentido de
complementar e consolidar aprendizagens, mas não no sentido de substituir as escolas.
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 653

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AS CONCEPÇÕES DE DEFICIÊNCIAS:
atendimentos dispensados e modificados
como caminhos e opções de uma
esfera em constante adaptação
Moisés da Costa Navegantes
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A deficiência, a partir da Idade Média, esboçava a existência de uma argumen-


tação de manutenção à vida inclusive do deficiente em decorrência da concepção
cristã do homem, a prática do extermínio sobre os deficientes, tornou-se condenável.
Porém havia uma sobrevivência com uma difícil convivência da sociedade, dos ditos
normais, com aqueles que portavam alguma doença tanto física quanto mental.
Na Idade Média argumentava-se segundo uma explicação mítica ou sobrenatural
da origem das deficiências com características marcadas pela desinformação, o analfa-
betismo e influências eclesiásticas aos quais atribuíram valores, sejam eles positivos ou
negativos, como alguns reportados como amaldiçoados ou outros com poderes sobrena-
turais de comunicação com os mortos, no caso, era uma indicação aos os cegos. Infeliz-
mente nesse período, intensificava-se as práticas de maus tratos e abandonos, fazendo-se
necessário a necessidade de algumas estratégias para acomodar aos deficientes. Surge
assim, a criação de asilos pelas igrejas locais. Na verdade, um espaço filantrópico que
servia para diminuir a marginalidade que se despontava na vida dos deficientes.

Século XVI: um início de busca mais robusta à educação especial


No século XVI, pode-se dizer que se inicia um primeiro estágio da educação
especial. A primeira prática de ensino formal à deficientes, considerado um dos de
maior dedicação no trabalho com os surdos. O monge espanhol Pedro Ponce de
Leon1, que havia desenvolvido um processo de educação visual, auditiva e inte-
lectual, como somente os filhos de classes abastadas tinham acesso a esse tipo de
educação, acreditava-se que aqueles que não tinham a mesma assistência acabaram
desenvolvendo algum tipo de linguagem para se comunicarem: “É justo pensar que
houvesse um grande número de surdos sem qualquer atenção especial [...] poderiam
ter desenvolvido algum tipo de linguagem de sinais através da qual interagissem [...]
antecedentes que chamamos de gestualismo”2.

1 Monge da Ordem beneditina foi um dos precursores na preocupação a educação aos portadores de
deficiência auditiva no século XVI além de efetivar o que a pesquisadora do centro de Estudos de reabilitação
da Universidade Estadual de Campinas, Lucia Reily, chama de “Driblar o voto de silêncio nos mosteiros
para a comunidade de surdos” (Reily. O papel da igreja na educação dos surdos. In: Revista Brasileira de
Educação, p. 303. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbedu. Acesso em: 6 nov. 2021.
2 Cristina B. F. de Lacerda, Um pouco da história das diferentes abordagens na educação dos surdos, p. 70, §2 e 3.
656

Pode-se dizer que para os cegos surge uma alfabetização com representações em
relevo. Denota-se assim que nos séculos XVI e XVII, surgem as noções de ensino rela-
cionadas às experiências dos sentidos. Nesse ínterim, o Abade Charles M. De Epée
desenvolveu a linguagem gestual como um método para educação de surdos bem como
para o trabalho das habilidades de cognição e reflexão dos surdos. Sabe-se que tal fato
propiciou a participação de cegos e surdos na produção à sociedade. No século XVIII, com
a fundação do instituto de jovens surdos, que não era propriamente uma escola e sim um
asilo com características diferenciadas que oferecia uma contrapartida à sociedade para a
produção artesanal para fins econômicos. Nesse meio, tempo surge o Instituto de Cegos
de Paris (ICP) e a invenção do alfabeto Braille, sendo configurado de fato os primeiros

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aspectos da educação especial. Já no final do século XVIII e início do XIX, se configuram
escolas residenciais, com uma educação básica e uma iniciação aos conhecimentos gerais.

Os testes de Q.I. (Quociente de Inteligência) como um ratificador


positivo aos portadores de deficiência
No século XX, com a sistematização da escola e o conhecido teste de Q.I.,
porém com a concepção moderna de que o deficiente não era totalmente um invá-
lido e necessitava integrar-se à sociedade a qual ele vivia. Tornou-se necessária uma
educação especial sistematizada com espaços educacionais bem definidos e escolas
especiais como uma visão clínico-terapêutica com a intenção de cuidar do deficiente.
A busca de um caráter de reabilitação aprendendo a ser autônomo, depois tinha acesso
à educação, pois, para uma pessoa com deficiência, a reabilitação é constante. Porém,
as teorias ambientalistas que defendiam um meio que proporcionasse a estimulação
do indivíduo ao meio, motivando-o a aprender e dando fim a concepção de defi-
ciência como um fator excludente e orientando-o ao sistema educacional para uma
intervenção que ultrapassasse os limites da deficiência e se afastassem dos modelos
tradicionais de ensino e habilitasse o sujeito de acordo com uma seriação de classes
de aprendizagem, o que daria início a inserção do aluno deficiente no ensino regular.
Assim, diversos fatores contribuíram para entender um novo processo educacio-
nal que atendesse aos portadores de alguma deficiência. O que ocasionou mudanças
significativas nos processos curriculares desses alunos, com recursos didáticos de
apoio, como nas escolares regulares que começaram a contar com as salas de recursos
didáticos que a sua utilização fosse compatível as necessidades especiais dos alunos
com deficiência e salas de apoio pedagógico, além é claro do acompanhamento
médico por meio de psicólogos. Além da adaptação dos currículos escolares, o início
de uma inclusão por intermédio da educação do portador de deficiência.

Portadores de necessidades educacionais especiais: as origens


do termo
Portadores de necessidades educacionais especiais. Esse termo começou a ser
empregado devido a necessidade de uma organização por categorias de deficiências
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 657

já que cada criança apresentava uma ou várias deficiências que esboçavam uma
determinada especificação de limitação que deveria ser trabalhada e promover um
pensamento de agrupamento de crianças com deficiências semelhantes para se tra-
balhar com elas de maneira mais produtiva e específica de acordo com necessidades
educativas similares, como bem cita Álvaro Marchesi, no texto “Da linguagem da
deficiência às escolas inclusivas”

Muitas crianças são afetadas por várias deficiências [...] A escolha do termo
“necessidades educativas especiais” reflete o fato de que os alunos com defi-
ciência ou com dificuldades significativas de aprendizagem podem apresentar
necessidades educativas de gravidades distinta em diferentes momentos.3
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Outro fator que levou a busca por esse termo foi o reconhecimento de que as
limitações dos alunos não se encontravam tão somente neles, nas suas deficiências
especiais, mas no próprio contexto onde a aprendizagem era desenvolvida, isto quer
dizer, uma maior flexibilidade no ensino, na metodologia, nos processos avaliativos
até o limite da capacidade do portador de deficiência. Para responder a que categorias
de pessoas estavam incluídas nesta classificação, gostaria de sustentar a argumentação
da sociologia da educação, que cita:

Alunos com necessidades especiais educativas é uma categoria socialmente cons-


truída que se emprega para situar determinados alunos em opções educativas
segregadoras [...] os alunos apresentam problemas cuja origem muitas vezes
situa-se fora do âmbito escolar, e por isso o sistema educativo não poderá, por si
só, resolver tais problemas.4

Portanto, um aluno portador de necessidade especial não é tão somente um surdo,


um cego ou um autista, mas pode ser um aluno dito como normal, mas com deficiência
de interpretação ou de cálculo, devido não as limitações de necessidades especiais,
mas problemas de cunho familiar ou até mesmo a própria condição de sustentabilidade
do aluno como uma má alimentação ou falta de uma boa alimentação, às vezes, o
suprimento de necessidades básicas que o torna um aluno além de suas necessidades
especiais. A inclusão educacional seria um processo de diferentes perspectivas de
organização e integração do ensino e aprendizagem dos alunos com necessidades
especiais educativas, junto a certa flexibilidade curricular e vontade dos professores
em contribuírem a fim de que esse processo se concretize. Para tanto, é necessário ter
uma relação de preocupação da escola para com os seus alunos em relação a diversi-
dade de seu corpo discente. Por isso se exige o ajuste do currículo escolar de acordo
com um espaço para as necessidades especiais dos alunos portadores de deficiências.
Ora, a maior contribuição seria fazer valer os próprios direitos dos alunos e indiví-
duos portadores de alguma necessidade especial, pois não se pode esquecer que eles
também são cidadãos que participam de uma sociedade: “Na declaração universal

3 Álvaro Marchesi, “Da linguagem da deficiência às escolas inclusivas”, p. 19.


4 Ibidem, p. 21.
658

dos direitos humanos: os poderes públicos têm a obrigação de garantir um ensino


não-segregadora, que se prolongue posteriormente na integração da sociedade”5.
Assim, uma inclusão educacional pode servir de testemunho à sociedade do valor
do deficiente, além de angariar novas leis na constituição que o beneficiem para um
melhor cumprimento de seus diretos e obriga a mudanças profundas nas instituições de
ensino, no sentido de atender uma integração e igualdade de todos os alunos indepen-
dente de deficiência ou não, demonstrando que o portador de uma deficiência especial
tem tanto potencial como o de um considerado normal apesar de alguma limitação.
Além disso, é verdade que às vezes a maioria dos concluintes de uma turma de ensino
médio e fundamental são justamente os considerados “incapazes”, taxados assim pela
falta de uma estrutura de informação e o preconceito que se cristaliza no pensamento

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de alguns indivíduos e de grande parte da sociedade. Porém, tal mote não prevalece
sobre o esforço e até porque não dizer o talento individual do deficiente, casos como
os da professora Lígia Assumpção de Amaral, Psicóloga, mestre em Psicologia Social
pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica), doutora em Psicologia Social dentre
outros títulos, ela é portadora de deficiência especial, porém ocupa um lugar na socie-
dade “n” vezes superior a muitos considerados ou ditos “normais”.

Barreiras atitudinais: cortinas retiradas no decorrer dos tempos


As barreiras atitudinais são espécies de muros virtuais fundados sobre precon-
ceitos, e expectativas negativas sem ao menos conhecer o outro. Valendo-me de uma
citação da autora Ligia Assumpção Amaral: “[...]Nada mais são do que anteparos
interpostos nas relações entre duas pessoas, onde uma tem uma predisposição des-
favorável em relação a outra, por ser esta significativamente diferente, em especial
quanto às condições preconizadas como ideais”6.
Logo o preconceito, os estigmas e os estereótipos denotam estruturas emocio-
nais que contribuem para as barreiras atitudinais, pois julgam e às vezes condenam
sem ao menos conhecer o outro indivíduo. Esse sendo tratado como um estereótipo
de pessoa, uma forma pré-moldada de maneira negativa no caso do portador da
eficiência especial. É interessante ressaltar que estes conceitos, ora utilizados como
positivos ora negativos, erigem uma mitificação inexistente na vida de quem não só é
portador de uma deficiência, mas outras pessoas seja por preferência sexual a título de
exemplo os homossexuais, seja pela etnia – negros, índios, orientais –, seja pelo porte
físico – gordo ou magro. Infelizmente tal reflexo estrutural das barreiras atitudinais é
totalmente apoiado por nossa própria sociedade capitalista que jamais imprime uma
alteridade (uma visão do outro) sem que não tenha algum interesse escuso e quando
não ocorre, o próprio sistema cria maneiras de marginalizar o indivíduo com a uti-
lização dos preconceitos, de estigmas e dos estereótipos, temos o caso que sempre
aconteceu, inclusive nas instituições de ensino escolar: o bullying7.

5 Ibidem, p. 26.
6 Ligia Assumpção Amaral, Sobre crocodilos e avestruzes: falando de diferenças físicas, preconceitos e sua
superação, p. 17.
7 Bullying seria a ação, ato seja de violência física seja de psicológica. O termo tem raiz norte-americano e
vem da palavra “bully” que numa tradução adaptável ao nosso idioma significa aquele que é tirano e em
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 659

As adaptações curriculares: alternativas e meios de inserções


As adaptações curriculares seriam recursos, estratégias, metodologias diferen-
ciadas do ensino tradicional, aquele napoleônico, no qual professor fala e o aluno
apenas escuta sem questionar Tal estratégia, além de ultrapassada, anula a participa-
ção do aluno em sala. São necessárias estratégias que respeitam a adversidade dos
alunos, principalmente àqueles portadores de necessidades especiais e desenvolvam
uma adaptação no sentido de contemplar a todos inclusive aos alunos de educação
especial. Para tanto um currículo paralelo com um objetivo mais reabilitador, mas que
segue padrões e conteúdos como referências à educação, atendendo minimamente a
aprendizagem exigida de uma instituição de ensino médio ou fundamental.
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Pode-se afirmar que as mudanças podem começar no ambiente de sala de aula


sendo as chamadas adaptações não-significativas8, porém que necessitam de uma
avaliação diagnóstica, identificando as limitações dos alunos para que se possa pro-
cessar uma elaboração das adaptações num contexto socioculturais que atendam mini-
mamente as características do portador de necessidades especiais. Quando ocorrem
adaptações significativas, elas são feitas de início a partir de uma elaboração entre
professor e o profissional de apoio psicopedagógico de formas que o conteúdo seja
rápido, útil e flexível. Começando a partir dos objetivos, sabe-se que cada disciplina
tem determinados objetivos nos quais os procedimentos devem ser dinamizados
sobre uma flexibilidade que deve indicar um meio de comunicação viável ao aluno:

Muitos alunos com problemas motores, sensoriais e alterações graves do desen-


volvimento necessitam aprender um código de comunicação alternativo [...] que
lhes possibilitará representar a realidade, comunicar-se e expressar-se, facilitando
seu aceso ao currículo e sua participação nas atividades de ensino e aprendizagem
com um maior grau de autonomia.9

Os conteúdos não são considerados fundamentais, pois deve-se eliminar os


objetivos, conteúdos e critérios do currículo oficial considerando uma adaptação
significativa no sentido de gerar dificuldades de acordo com as limitações dos alunos
portadores de necessidades especiais. É necessário também em todo o processo de
adaptação curricular uma preocupação de organização física do espaço, pois a sala
de aula faz parte do processo de aprendizagem.
A avaliação como um instrumento de conhecimento da apreensão do aluno sobre
os assuntos estudados com um período intervalar, acompanhado de avaliações com-
plementares. Outro fator importante em todo esse processo de adaptação é a tempora-
lidade, amplia-se o tempo das aulas para se discutir determinadas assuntos referentes
a algumas disciplinas com o objetivo de mapear dificuldades de aprendizagem. Todas

termos mais prosaicos é o “valentão”, o opressor. Adaptado do dicionário Aurélio: Bullying. In: Novo Aurélio.
Dicionário da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000.
8 Essas adaptações são assim chamadas por dar enfoque nas competências e habilidades básicas como a
escrita, a leitura e o manejo de cálculos.
9 Rosa Blanco, A atenção à adversidade na sala de aula e as adaptações do currículo, p. 290.
660

essas estratégias têm por finalidade ajustar o currículo de acordo com a necessidade
especial do aluno, sendo necessários alguns equipamentos para facilitar o processo
de aprendizagem do aluno.

Adaptações curriculares: família como suporte principal


Nas adaptações curriculares, o apoio dos pais ou responsáveis é importante,
pois serão significativos aos portadores de deficiência, esboçando certo incentivo aos
estudos feitos na escola a partir de um currículo adaptado. Os currículos, sejam eles
abertos ou flexíveis, amplos ou equilibrados, o papel colaborador do professor e dos

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demais da equipe pedagógica não só na construção, mas na efetivação deste currículo
modificado são de suma importância, pois se lida com um problema não de deficiên-
cia, mas de orientação educacional complexa. Porém não impossível de se realizar,
por esse motivo sempre é necessário não adaptação curricular somente, mas a própria
resposta do corpo docente, no sentido de lidar com as necessidades especiais, o que
requer uma atenção e dedicação por parte do professor e dos especialistas de apoio.
Psicopedagógico. Por isso, até mesmo o auxílio dos alunos tidos como “normais”,
faz-se necessário nesse processo de engrandecimento do ser humano em auxiliar não
um deficiente com necessidades especiais, mas um outro ser humano, que apresenta
limitações que podem e devem ser superadas.

Deficiência auditiva: peculiaridades no processo de inserção


educacional
As definições para a deficiência auditiva apresentam-se na forma clínica e
antropológica, esta que seria a cultural. A definição clínica seria a perda da capa-
cidade auditiva profunda sendo uma deficiência na percepção funcional do som,
sendo um nível de perda na capacidade de absorção do som: “As alterações na
linguagem podem apresentar duas situações: A afasia10, com perda da capacidade
de falar, e a surdez, quando não há o desenvolvimento da linguagem devido a
perdas auditivas”11.
Numa definição antropológica, a surdez acaba por caracterizar um deter-
minado grupo de pessoas que dependiam do uso de aparelhos auditivos. Para a
antropologia, uma condição que deriva da necessidade de se comunicar por inter-
médio da linguagem de sinais. Assim, foram estabelecidos níveis de graus de
surdez em relação à faixa de decibéis. O acesso ao ensino de pessoas com surdez
ainda é precário, mas há alguns processos de adaptação dessa clientela. A primeira

10 Afasia é uma expressão derivada do grego A (não) Fasia (Falar) sendo um distúrbio que afeta a a capacidade
de linguagem de quem tenta se comunicar havendo diversos fatores de saúde para o surgimento da doença
inclusive o AVC (Acidente Vascular Cerebral). Adaptado do dicionário Aurélio: Afasia. In: Novo Aurélio.
Dicionário da Lingua Portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000.
11 Priscila Augusta Lima e Terezinha Vieira, Surdez: as linguagens como sistema de representação e organização
mental, p. 51.
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 661

alternativa seria linguagem de sinais ou se possível um tradutor ou intérprete da


linguagem de sinais a fim de atingir a comunidade surda, esta que considera esse
método sua “língua natural”12.
Posicionar o aluno em sala de maneira a ele obter boa visibilidade do professor
facilitando a compreensão dos conteúdos trabalhados por intermédio de mensagens
escritas no quadro de forma legível e transparente. Utilizar, ao máximo, métodos
visuais de comunicação, como figuras expressões gestuais que tentem traduzir os
conteúdos trabalhados. O Bilinguismo refere-se à comunicação que se divide em
língua natural, àquela que oraliza, língua materna, no caso dos surdos a língua por
intermédio das libras. Há vantagens no bilinguismo, pois se estabelece um apren-
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dizado pelas libras e a comunicação oral: “As pessoas podem ser bilingues-isto é,
dominar Duas línguas, [...] – adotando o português como língua materna a as Libras
como segunda Língua”13. A linguagem de sinais seria, desde que o indivíduo com
surdez aceite, uma linguagem padrão e a linguagem oral ou apenas uma alternativa
no caso da compreensão da pessoa surda. Um dos principais motivos do estabeleci-
mento dessa dualidade de ensino se dá pela própria necessidade de atendimento de
uma comunidade de pessoas surdas:

[...] O fato da linguagem de sinais ser um sistema linguístico estruturado, com


uma coerência e um sistema de regras capaz de produzir todo tipo de expressões
e significados. [...] a presença de uma comunidade de pessoas que utilizam a
linguagem de sinais como uma linguagem própria14.

Deficiência visual: cenário sensorial delicado


Em meio a esse cenário, a deficiência visual seria uma limitação sensorial capaz
de anular ou reduzir a capacidade de ver. Há a cegueira e a baixa visão, somente um
diagnóstico clínico funcional pode detectar qual deficiência de visão a que o indiví-
duo está acometido. Nos casos de cegueira são indicados o uso do sistema Braille15
para escrita e leitura, além de equipamentos de áudio para o melhor desempenho
de suas atividades educacionais já para a baixa-visão são indicados procedimentos
cirúrgicos não são eficazes, sendo necessários recursos educativos adaptados para o
aproveitamento na aquisição mínima da educação de acordo com o período escolar
desempenhado. Na sua origem a deficiência visual, a caráter etiológico ela pode
ser congênita e adquirida. As técnicas na educação dos cegos já aparecem sobre a
fundamentação de alguns pesquisadores:
“Os trabalhos realizados sobre o desenvolvimento das crianças cegas e
defi cientes visuais de idades compreendidas entre 6 e 12 anos centram-se

12 Ibidem, p. 68.
13 Ibidem, p. 59.
14 Cesar Coll et al., Desenvolvimento psicológico e educação Transtornos do desenvolvimento e necessidades
educativas especiais. Álvaro Marchesi, Desenvolvimento e educação de crianças surdas, p. 88-89.
15 O sistema Braille é um método prático de leitura e escrita táteis inventado pelo francês Louis Braille no séc.
XVII como importante marco para a educação dos portadores de deficiência visual.
662

fundamentalmente em seu desenvolvimento cognitivo, tomando como referência


a teoria de Piaget e a escola de genebra”16.
Primeiramente, a introdução do indivíduo no sistema Braille, pois justifica uma
leitura com certa acessibilidade à comunicação e o início de uma interação, não sé
educacional como social: “[...] A utilização desse sistema lhes permitirá maior acesso
às informações e à comunicação, tanto dentro como fora da escola”17. O ensino da
utilização dos demais sistemas sensoriais poder ser muito útil, como: o tato, a audição,
o olfato bem como através dessas modalidades, o reconhecimento de pessoas afir-
mando assim a utilização de sistemas proprioceptivos, estes que fornecem importantes
informações sobre orientações, mobilidade e reconhecimento de áreas espaciais.

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Autismo: barreira psicocognitiva-social a ser superada
O autista apresenta como principal limitação o relacionamento social, além da
dificuldade em se apropriar de conhecimentos básicos como o português e a mate-
mática. O comportamento do autista apresenta a conhecida “Tríade de Wing”, que
seriam dificuldades na comunicação, no uso da imaginação e na socialização. Além
da falta de interação e a busca por um isolamento, há uma resistência ao aprendizado
e um comportamento que coloca não somente ao autista como aos outros próximos
a ele em risco. Os métodos como a previsibilidade e a comunicação visual facilitam
o convívio com o meio que o cerca. Há como métodos o TEACCH, considerando
as potencialidades e as dificuldades do autista construindo um sistema de ativida-
des individualizado flexibilizando o currículo escolar e tentando incluir este aluno.
Pode-se dizer que este método se baseia na organização do ambiente físico por
meio de cartazes, painéis formatando sistema de trabalhos a compreensão do aluno
e possibilitando a correspondência de algumas expectativas sobre essa metodologia
aplicada para este aluno. Existe também o PECS o sistema de comunicação por trocas
de figuras que estimula a comunicação e acaba por atingir e até reduzir, na medida
do possível, os problemas de conduta de relacionamentos.

Dislexia: rompendo limitações neurológicas


Seria um distúrbio nos setores da leitura oral, a soletração, a escrita. A dislexia
encontra-se dividida cientificamente em: dislexia disfonética, deseidética e mista. Além
disso, ela é uma herança genética-neurológica, que necessita de tratamento médico
específico. A dislexia não se confunde com a discalculia, que é a dificuldade específica
com a matemática no sentido de relacionar as habilidades básicas, não de contagem,
mas relacionar este conhecimento com o mundo. Uma das primeiras ações de uma
escola inclusiva seria tratá-lo com naturalidade, pois a discriminação só acarretaria

16 Esperanza Ochaíta e Maria Angeles Espinosa, Desenvolvimento e intervenção educativa nas crianças cegas
ou deficientes visuais, p. 160.
17 Ibidem, p. 165.
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 663

um afastamento do aluno da sala de aula, deve-se comunicar com o disléxico numa


linguagem clara e objetiva, sem volteios ou graus elevados de abstração. A concisão é
essencial. Aconselha-se que ao escrever na lousa, seja dado ao disléxico maior tempo
para copiar os apontamentos. Certifique-se que ele (disléxico) está apreendendo as
informações ou dados transmitidos durante as aulas. É possível a avaliação através
do debate, da arguição, ou da exposição através da oralidade direcionada ao assunto
que seja exigido pelo professor. As atividades em grupo que necessitam da expressão
não tanto pela escrita, mas pela oralidade, são essenciais para o desenvolvimento
educacional do disléxico. Ao percebermos os quadros comparativos das antigas LDBs,
observaremos muito pouco ou quase nenhuma alternância legal de amparo aos porta-
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dores de necessidades especiais (PNE) no decorrer da história do Brasil.

Quadro 1 – Comparativo das LDBs – 61, 71 e 96


Quadro comparativo das LDB’S – 61 / 71 & 96
CONTEXTO CONTEXTO CONTEXTO TEXTO DA LDB
HISTÓRICO ECONÔMICO CULTURAL
/ POLÍTICO
BRASILEIRO
Governo militar assu- Período conhecido Controle dos meios de Inserção no currículo de disciplinas
mindo a presidência o como “milagre brasi- comunicação através com OSPB (Organização Social e
general Emílio Garras- leiro” com planos eco- de propaganda ideo- Política Brasileira), Educação Mo-
tazu Médici. nômicos de incentivo lógica nacionalista e ral e Cívica além do EPB (Estudos
à exportação. militar. dos Problemas Brasileiros).
Repressão política e
violência contra os mo- Construção da ponte Opressão a todo tipo Ensino de 1º grau com oito anos
vimentos de oposição. Rio-Niterói e da rodovia de livre expressão letivos com idade mínima de 7
Transamazônica. artística e intelectual anos.
Cumprimento a Lei de com forte censura.
imprensa e segurança Início de endividamento Ensino de segundo grau de três a
LDB nacional com os meios externo. quatro séries anuais. Seguido de
5692 de comunicação sobre complementação profissionalizante
/1971 rígida censura.
Ensino supletivo para adultos e jo-
vens que não conseguiram concluir
em idade própria.

Para professores e educadores:


Ensino de 1º grau de 1 a 4 séries
com habilitação especifica em ma-
gistério e ensino de 1º e 2º graus
com habilitação de grau superior
em nível de graduação.

O quadro acima ainda remonta um ensino mais fechado sem muita diversidade
ou pluralidade inclusiva. Mas, a partir de 1994, começam as mudanças:
1994 – Declaração de Salamanca: Define políticas, princípios e práticas da
Educação Especial e influi nas Políticas Públicas da Educação.
664

1994 – Portaria MEC nº 1.793: Recomenda a inclusão de conteúdos relativos


aos aspectos ético–políticos–educacionais da Normalização e Integração da Pessoa
Portadora de Necessidades Especiais.
1996 – LDB: A atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei nº
9.394/96, no artigo 59, preconiza que os sistemas de ensino devam assegurar aos
alunos currículo, métodos, recursos e organização específicos para atender as suas
necessidades. Essa lei atribui às redes de ensino o dever de disponibilizar todos os
recursos necessários para o atendimento igualitário entre os estudantes com neces-
sidades educacionais especiais e os demais estudantes.
1999 – Decreto nº 3.298: Dispõe sobre a Política Nacional para a Integração da
Pessoa Portadora de Deficiência. A Educação Especial é definida como uma moda-

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lidade transversal a todos os níveis e modalidades de ensino.
1999 – Resolução CEB nº 4: Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para
a Educação Profissional de Nível Técnico.
2001 – Resolução CNE/CEB: Determina no artigo 2º que “os sistemas de ensino
devem matricular todos os alunos, cabendo às escolas organizar-se para o atendimento
aos educandos com necessidades educacionais especiais, assegurando as condições
necessárias para uma educação de qualidade para todos”.
2001 – Plano Nacional de Educação – Lei nº 10.172: Destaca que “o grande
avanço que a década deveria produzir seria a construção de uma escola inclusiva que
garanta o atendimento à diversidade humana”.
2005 – Programa de Acessibilidade no Ensino Superior (Programa Incluir) 2007
– PDE – Decreto nº 6.094: Para a implementação do PDE, é publicado o decreto nº
6.094/2007, que estabelece nas diretrizes do compromisso todos pela Educação, a
garantia do acesso e permanência no ensino regular e o atendimento às necessidades
educacionais especiais dos alunos, fortalecendo seu ingresso nas escolas públicas.
2011 – Decreto nº 7.611: Dispõe sobre o Atendimento Educacional Especiali-
zado (AEE), além de outras providências.
2015 – Lei nº 146: Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI).
2016 – Lei nº 409: Dispõe sobre a reserva de vagas para pessoas com deficiên-
cia nos cursos técnico de nível médio e superior das instituições federais de ensino.
Seguimos até o atual momento tendo ganhos nessa área, não sem lutas, mas sempre
avançando para que mais pessoas com deficiências físicas e intelectuais tenha direitos
iguais para aprender e se desenvolver18.
No governo de 2021, foi sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro a Lei nº
14.191, de 2021. Posicionando a chamada: “EDUCAÇÃO BILÍNGUE” de surdos-
-mudos na LDB (Lei Brasileira de Diretrizes e Bases da Educação – Lei nº 9394/96.
Essa matéria significa dizer que o ensino de LIBRAS (Linguagem Brasileira de Sinais)
foi normatizado e reconhecido em lei na educação especial, porém isso não invalida
o aluno que seja da educação especial e queira participar de uma turma regular devi-
damente matriculado em instituição de ensino público ou privado. Tal acontecimento
representa valor significativo na educação inclusiva que desde os anos noventa luta

18 Dados retirados do VII Congresso Nacional de Educação, de outubro de 2020. Disponível em: https://
editorarealize.com.br/editora/anais/conedu/2020/. Acesso em: 20 nov. 2021.
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 665

pela participação ativa na inserção na educação. No decorrer das épocas as deficiên-


cias mentais foram encaradas das mais variadas formas, mas nunca se teve o devido
cuidado com os portadores de necessidades especiais. Ao introduzi-los na caminhada
pela busca do conhecimento os PNEs assumiram sua identidade, seu papel no corpo
social sem receios, sem temores de não-aceitação. Isso faz lembrança ao que filósofos
como italiano Giambatista Vico referendou na sua obra Lógica poética. Vico consiste
em toda uma refutação ao pensamento cartesiano e, por conseguinte à própria tese
de Wittgenstein na TLP (Tratactus Lógico Philosophicus), pois este, de certa forma,
se baseia na ordem do verum, a busca pelo valor de verdade, a exatidão. Já Vico se
baseia na ordem do certum, da verossimilhança, que se aproxima da verdade: “[...]
pertencendo à ordem do certum, tem um procedimento incerto, no sentido de que
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não procede de forma exata, porque se apóia em elementos cuja abrangência resulta
da própria condição do fazer humano nas suas ações históricas e lingüísticas [...]” 19.
Nessa perspectiva, Vico privilegia a imaginação e não a razão, como eixo fun-
damental para obtenção do conhecimento, pois havia uma corporeidade instintiva que
representava uma linguagem natural e que Vico assinalou como três idades no período
histórico. Na idade divina, a linguagem era muda, isto é, por atos mudos na idade
heroica, fortemente assinalada pelos mitos e a metáfora, a idade humana, fortemente
marcada pela ironia, na qual todos se reconhecem iguais por natureza e iniciam a
fundação das comunidades. Assim, Vico trabalha não só a estruturação do surgimento
do pensamento mito-poético como também do surgimento de uma linguagem sensi-
tiva, ou seja, não articulada, pois a razão era débil e por se caracterizar por formas de
expressões como grunhidos e gestos em que a mente primigênia não era abstrata, mas
sensitiva, o homem não se pensa separado da natureza, mas como parte integrante da
mesma: “O homem, ao entender, abre a sua mente e compreende essas coisas, mas,
ao não entender, ele faz de si essas coisas e, ao transformar-se nelas, vem a sê-lo”20.
Àquela corporeidade instintiva que Vico cita tem certa relação com a educação
especial visto que a grande maioria dos PNES partem do lúdico, das percepções
sensoriais, do instintos-guias que lhe estão disponíveis e aumentam suas possibili-
dades de uso. Vico, o logicismo Wittgenstaniano é contraposto a partir da tese da
“mente primigênia” na qual a razão se desenvolveu por último, sendo precedida
pela imaginação em conjunto com os sentidos. Assim, através de um processo de
necessidade e utilidade o homem começa a reconhecer o ambiente a sua volta bem
como a relação com outros povos, não como consequência de uma dedução, mas para
satisfazer suas necessidades e tentar garantir sua sobrevivência. Havia apenas o que
Vico denominou de “Tópica sensível”, esta que gerou o engenho e a fantasia não no
intuito de uma dedução lógica, mas para a satisfação de suas necessidades e utilidades
de sobrevivência. Surgindo assim as normas que fundarão a “História das Nações”.
Por conseguinte, não cabe aprofundar aqui nessa discussão filosófica, mas vale
notar que mesmo grandes pensadores com suas teses nos mais variados temas, assi-
nalam para as possibilidades de que o ser humano já havia recorrido aos instintos de

19 Sergio Nunes, A Arqueologia da Linguagem, p. 62.


20 G. Vico, Sciencia Nova. Cap. 2: Corolário acerca dos tropos, monstros e transformações poéticas, §
405, p. 241.
666

forma lúdica para resguardar sua sobrevivência. Tal fato denota que os portadores de
necessidades especiais não são os únicos que dependem dos instintos que lhe restaram,
mas isso foi assertiva do real já no processo de formação do ser humano haja vista o
berço grego da cultura ocidental que muito seguiu a mitologia para explicar fenôme-
nos da natureza. Desta mesma forma são recursos lúdicos que proporcionam certos
avanços na educação especial e inclusiva atualmente. Desta forma, Educação especial,
hoje chamada de educação inclusiva representa uma correspondência entre os vários
métodos de estabelecimento não só na educação, mas como na própria sociedade dos
PNE’S (Portadores de Necessidades Especiais). Atualmente eles não estão mais alija-
dos de seus direitos à saúde e agora à educação básica bem como ao ensino superior.

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Implementações, adaptações: melhorias buscadas na
educação especial
Sabemos que a realidade de melhores adaptações ainda percorre uma longa
distância de efetivação, mas em relação ao contexto vivido houve as mais variadas
implementações e adaptações ocorrendo toda uma ressignificação do que seja ensinar
a um portador de deficiência. Temos hoje tecnologia, LIBRAS, aparelhos para afinar
ao máximo aqueles acometidos na audição, são os aparelhos auditivos ou as próteses
auditivas acústicas, os instrumentos e ferramentas braile que é um sistema de escrita
tátil aos portadores de deficiência visual. São muitas as incorporações atuais, porém
a mais importante ainda é o respeito, a consciência, a motivação para uma clientela
que durante muitos séculos foi esquecida e alijada de seus direitos, de sua participa-
ção como cidadão secular e que tem muito a contribuir para a nossa sociedade. Por
isso, a necessidade das Leis avançarem em favor deles e assegurarem maior espaço.
Começamos com 1994 na Declaração de Salamanca: Define políticas, princípios
e práticas da Educação Especial e influi nas Políticas Públicas da Educação e aqui no
nosso país temos hoje a Lei nº14.191, de 2021. Posicionando a chamada: “EDUCAÇÃO
BILÍNGUE” de surdos-mudos na LDB (Lei Brasileira de Diretrizes e Bases da Educa-
ção – Lei nº 9394/96. Essa matéria significa dizer que o ensino de LIBRAS (Linguagem
Brasileira de Sinais) foi normatizado e reconhecido em lei na educação especial.
Esperamos que em tempos vindouros nos portadores de deficiência possam
assumir cargos nas áreas políticas, sociais e científicas, como foi o caso do famoso
Albert Einstein, que era disléxico e foi o maior físico e cientista da humanidade, além
de citar o astrofísico Stephen Hawking outro importante cientista do século XX, que
foi acometido da doença de Lou Gehrig, a Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA), uma
doença neurológica e degenerativa que atinge os neurônios motores, ocasionando
a atrofia dos músculos, e que mesmo assim teve importantes contribuições nas áreas
da física quântica e astrofísica moderna21.

21 Adaptado da revista digital Brasil Escola. Disponível em: http://www.brasilescola.com.br/Biografia/ stephen-


william-hawking. Acesso em: 20 nov. 2021.
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
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REVISTA digital Brasil Escola. Disponível em: http://www.brasilescola.com.br/


Biografia/ stephen-william-hawking. Acesso em: 20 nov. 2021.

VII CONGRESSO Nacional de Educação de Outubro de 2020. Disponível em: https://


www.editorarealize.com.br/editora/anais/conedu/2020/. Acesso em: 20 nov. 2021.
TECENDO SABERES, PARTILHANDO
EXPERIÊNCIAS E CONSTRUINDO
CONHECIMENTO: notas sobre oficinas
de um curso de extensão universitária
Aluísio Ferreira de Lima
Geovana Dara Pereira de Oliveira
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Maria da Conceição Gomes da Silva


Stephanie Caroline Ferreira de Lima
Tatiana de Souza Santos Neves

Ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se


educam entre si, mediatizados pelo mundo (FREIRE, 2020, p. 95).

O capítulo que ora apresentamos é um relato de experiência acerca das pos-


sibilidades de criação de um espaço de formação que pudesse ultrapassar os muros
da academia e ir ao encontro de pessoas das mais diversas origens, de diferentes
territórios, interesses, histórias de vida e expectativas sobre o mundo. Em espe-
cial, narramos sobre a terceira edição do curso de extensão universitária “Estudos
interseccionais e decoloniais em Psicologia Social Crítica: raça, gênero e classe”1,
realizado na Universidade Federal do Ceará, sob a coordenação do Prof. Dr. Aluísio
Ferreira de Lima, como ação vinculada ao projeto de extensão intitulado “Ações e
Estudos Interseccionais em Psicologia Social Crítica: Raça, Sexualidade e Gênero”2,
que por sua vez faz parte das ações desenvolvidas pelo Paralaxe: Grupo de estudos,
pesquisas e intervenções em Psicologia Social Crítica, do PPG Psicologia da UFC.
Trata-se, assim, da experiência em um tipo de trabalho que podemos incluir
como produção técnica do Programa de Pós-Graduação em Psicologia, vivida em
um curso de extensão semestral ocorrido em 2022.2, com carga-horária de 64 horas,
cujos encontros semanais tiveram 3 horas de duração e oferecidos de forma remota e
síncrona, ou seja, online e ao vivo. No curso, foram disponibilizadas 90 vagas, sendo
elas ocupadas por pessoas da comunidade em geral, assim como por estudantes de
graduação e pós-graduação da UFC e de outras universidades públicas ou privadas
do estado ou do país. As/os ministrantes do Curso foram estudantes do Programa de
Pós-graduação em Psicologia da UFC e, por isso, as temáticas nele sugeridas refletem

1 O curso de extensão foi aprovado pela Pró-Reitoria de Extensão da UFC e está registrado sob o código
2022.CS.0908 no SIGAA. Aproveitamos essa nota para, inclusive, para agradecer às demais pessoas da
equipe: Aline Rebouças, Anderson Pires, Edinaldo Monteiro, Fernando Maia da Cunha, Gesailton Lima,
Lwdmila Constant, Stefanie Macêdo e Taynara Araújo.
2 O projeto de extensão, por sua vez, foi iniciado em 2021 e teve continuidade em 2022, sob o código 2021.
PJ.0588/2022.
670

o percurso de suas pesquisas e o avanço das discussões que se desenvolvem no dia


a dia do Paralaxe.
É importante dizer que, de modo geral, o curso de extensão teve como objetivo
contribuir para a divulgação de produções intelectuais e artísticas de pessoas negras e
indígenas, a fim de incentivar reflexões e práticas críticas às opressões colonialistas,
racistas e sexistas. Imaginamos, assim, ações que promovam a mobilização coletiva
das/dos participantes para transformar as estruturas sociais historicamente consoli-
dadas e incentivar suas potencialidades desde a perspectiva interseccional e decolo-
nial. O conteúdo do curso foi dividido em 3 módulos, a saber: 1) do universalismo
às perspectivas interseccional e decolonial: fundamentos teórico-metodológicos a

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partir do feminismo negro; 2) racismo e violência de gênero: estudos sobre a socie-
dade capitalista contemporânea e a produção das desigualdades sociais no Brasil; e
3) vicissitudes das políticas identitárias: representação de grupos raciais e étnicos,
políticas de identidade e formas de resistência.
Após a aprovação do curso pela Pró-Reitoria de Extensão da UFC, em agosto,
realizamos reuniões remotas semanais em que nós, junto às demais pessoas da equipe,
conferimos detalhes sobre o cronograma e elaboramos alguns posts de divulgação
e um formulário para as inscrições. Utilizamos os perfis do PARALAXE nas redes
sociais digitais para publicá-los, ao mesmo tempo em que demos continuidade aos
planos de ensino e à seleção de materiais complementares para as aulas e as oficinas.
No primeiro módulo do curso, discutimos definições dos conceitos de intersec-
cionalidade e decolonialidade, a partir de autoras como Angela Davis, bell hooks,
Grada Kilomba, Kimberlé Crenshaw e Patricia Hill Collins. Além disso, dedicamo-nos
em discutir, durante duas aulas, sobre as antecessoras brasileiras dessas perspectivas:
Lélia Gonzalez e Sueli Carneiro. Ao final desse primeiro módulo, foi realizada a
primeira parte da primeira oficina do curso, sob o título “Narrativas de si, memória
e imagem”. No módulo seguinte os temas discutidos giraram em torno do feminismo
negro como crítica ao colonialismo e ao silenciamento do racismo; o feminismo
decolonial e a relação entre a pesquisa, o ensino e a luta; e o racismo estrutural e o
genocídio da população negra. Para dar suporte a esse momento, os textos de Lélia
Gonzalez, Raewyn Connell, Françoise Vergès, Saidiya Hartman, Silvio Almeida e
Abdias Nascimento foram essenciais. A oficina intitulada “(Des)construindo olhares:
gênero e sexualidade em pauta”, que ocorreu em duas partes, durante duas semanas
consecutivas, fechou o segundo módulo. Por último, no terceiro módulo, tivemos
como enfoque a cisgeneridade e a branquitude, a partir de autoras(es) que criticam
processos de normatização das violências estruturais produzidas pelas invenções de
alteridades, em que pessoas que se identificam com sexualidades e identidades de
gênero dissidentes, bem como pessoas negras e indígenas, são comumente entendi-
das como “o Outro” perante o sujeito do conhecimento moderno. As proposições de
Aparecida Bento, Audre Lorde, Jota Mombaça, Lourenço Cardoso, Paul Preciado e
Viviane Vergueiro como base teórica, epistemológica e de intervenção se mostraram
muito potentes.
Considerando o limite de páginas para o capítulo, discutiremos algumas das
experiências na realização das oficinas ministradas no segundo módulo. Sobretudo
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 671

porque acreditamos que com essa partilha possamos instigar mais grupos de pes-
quisa das universidades a buscarem pela expansão as trocas de conhecimento entre
tais instituições e a comunidade em geral, promovendo uma relação cada vez mais
horizontalizada e crítica à opressão e marginalização de diversos grupos sociais.

Oficinas: como elaborar e propor um curso sob medida?


Quem queremos alcançar com as discussões levantadas por nossas pesquisas?
Para quem e para que nos lançamos enquanto pesquisadoras(es) em uma universi-
dade pública? Nós nos perguntávamos. E essas questões nos mobilizaram, no sentido
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de pensarmos coletivamente alternativas para compartilhar as discussões levantadas


por nossas pesquisas com as pessoas de dentro e de fora do ambiente acadêmico.
Tínhamos como intenção, no curso, atrair pessoas de diferentes lugares, formações,
expectativas, perspectivas e histórias de vida, que estivessem dispostas a dividir suas
experiências e percursos, suas dúvidas e inquietações.
Sabíamos que se fazia necessária a criação de um ambiente que destoasse dos
cursos normalmente ofertados, de característica fundamentalmente expositiva, que
separa de forma categórica quem veio para ensinar e quem está ali para aprender. Ou,
como nas palavras de Paulo Freire (2020, p. 79), um tipo de educação caracterizada
pela “narração de conteúdos, que, por isto mesmo, tendem a petrificar-se ou a fazer-se
algo quase morto, sejam valores ou dimensões concretas da realidade”. Ambientes
de estudo onde as experiências não costumam importar, tampouco a compreensão do
conhecimento enquanto um elemento de construção coletiva. Além disso, sabíamos
que a opção pela inclusão das oficinas no curso seria uma aposta arriscada e desafia-
dora, uma vez que a própria dinâmica da oficina exigiria a presença de nosso corpo
de uma forma poderia nos faltar, dada a modalidade virtual na qual as atividades do
curso se desenvolveram.
Assim, desde o primeiro módulo, procuramos promover um espaço de aprendi-
zagem mútua, que favorecesse a análise crítica dos temas e discussões levantadas, ao
mesmo tempo em que criasse um ambiente de escuta e acolhimento que privilegiasse
igualmente as trocas entre as/os participantes. Essa escuta foi essencial, pois permitiu
perceber o que de fato era a demanda das/dos participantes. Obviamente, isso não
significou um percurso tranquilo, pois nos sentíamos desafiadas(os) a cada encontro,
na criação de um ambiente capaz de oferecer a segurança necessária para que os/
as participantes contassem as suas experiências e os atravessamentos que os temas
produziam em suas histórias e em suas relações, fossem elas pessoais ou profissionais.
A proposta era o desenvolvimento de uma pedagogia engajada, que segundo
hooks (2017, p. 25):

é um jeito de ensinar que qualquer um pode aprender. Esse processo de aprendi-


zado é mais fácil para aqueles professores que também creem que sua vocação
tem um aspecto sagrado; que creem que nosso trabalho não é o de simplesmente
partilhar informações, mas o sim o de participar do crescimento intelectual e
espiritual dos nossos alunos.
672

Tínhamos sempre em mente a importância dos temas tratados e suas reverbe-


rações sociais, mas não deixávamos de considerar que estávamos lidando com temas
sensíveis, passíveis de gerar divergências. Nossa maior preocupação é que poderiam
emergir relatos de violências sofridas ao longo de uma vida, o que exigiria de nós a
habilidade necessária diante de narrativas de experiências dolorosas. Mas se assim é, por
que dar espaço para as narrativas pessoais, que por vezes podem ser dolorosas? No que
elas poderiam contribuir para a construção de um processo coletivo de aprendizagem?
Consideramos que as experiências pessoais e as memórias podem ser ferramen-
tas importantes em um processo de aprendizagem, na medida em que podem suscitar
reflexões mais profundas sobre o mundo. Além de permitir um novo olhar sobre os

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eventos passados, a revisitação de memórias e experiências pessoais pode, ainda,
favorecer a observação dos aspectos políticos e da realidade coletiva que neles podem
estar contidos (hooks, 2019). Daí a nossa aposta pelo uso das experiências enquanto
elementos importantes no processo de construção coletiva da aprendizagem que,
por sua vez, necessitam de um ambiente capaz de acolher as narrativas que querem
se fazer presentes.
Nesse sentido, pensávamos sobre como nos manter próximas(os), mesmo em
ambiente virtual. Dispúnhamos, para tanto, das nossas imagens e de nossas vozes
como elementos que esperamos terem sido capazes de oferecer às/aos participantes
a nossa presença e atenção, tendo em mente que: “Na comunidade da sala de aula,
nossa capacidade de gerar entusiasmo é profundamente afetada pelo nosso interesse
uns pelos outros” (hooks, 2017 p. 17). E, aqui, salientamos a importância do acolhi-
mento inicial de cada aula, geralmente acompanhado por vídeos musicais, como forma
de iniciarmos as atividades previstas para a tarde, através dos quais conseguimos
promover um ambiente mais acolhedor para o início das discussões.
Importava-nos, também, na condução de cada atividade, tecer uma costura
entre conceitos e experiências, promovendo a troca de impressões entre quem já
havia iniciado os seus estudos sobre alguns dos temas levantados nas oficinas, quem
já tratava sobre eles em suas pesquisas e quem apenas para entendimento pessoal e
sobre aquelas(es) que, pela primeira vez, estavam discutindo e começando a pensar
criticamente sobre essas mesmas questões. Assim, mais do que discutir conteúdos de
interesse, ambicionávamos promover reflexões sobre as temáticas, criar um ambiente
que possibilitasse a análise crítica sobre os temas propostos e mais do que isso, pensar
o que esses temas nos exigem, em termos de posicionamento pessoal e profissional,
diante das violências que historicamente marcam a nossa sociedade e produzem as
mais diversas formas de opressão sobre determinados sujeitos e grupos.
Acreditamos que a importância das oficinas, enquanto uma atividade em que
efetivamente nos colocamos em posição de construir algo que se cria a partir da
tessitura de conteúdos, da ação e do diálogo entre os participantes, favorece uma
atitude ativa diante do processo de aprendizagem e coloca em xeque aquilo que já
se julgou aprendido, percebido ou internalizado: “O que antes já existia como obje-
tividade, mas não era percebido em suas implicações mais profundas e, às vezes,
nem sequer era percebido, se destaca e assume o caráter de problemas, portanto de
desafio” (FREIRE, 2020, p. 100).
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 673

Oficina: Reflexões sobre a interseccionalidade


Dentre as oficinas propostas, elaboramos uma onde tratamos de um dos pontos
que têm norteado as discussões desenvolvidas pelo curso de extensão: a intersec-
cionalidade. Nosso objetivo era que essa temática pudesse ser apresentada também
pelo viés das experiências relacionais, onde as/os participantes pudessem observar,
junto aos conceitos mais teóricos, as implicações da interseccionalidade em suas
vidas pessoais ou profissionais. Sobretudo porque a interseccionalidade é uma fer-
ramenta importante, desenvolvida por pensadoras do feminismo negro e se propõe
a compreender as relações de poder que incidem sobre a nossa organização social e
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relacional, foi pensada como uma aliada na compreensão dos estudos e intervenções
de profissionais, estudantes e público em geral interessados na temática (COLLINS;
BILGE, 2021). Principalmente porque, enquanto ferramenta analítica, ela “considera
que as categorias de raça, classe, gênero, orientação sexual, nacionalidade, capacidade,
etnia e faixa etária – entre outras – são inter-relacionadas e moldam-se mutuamente”
(COLLINS; BILGE, 2021, p. 16-17). Além disso, a perspectiva interseccional se
desenvolveu a partir da experiência de mulheres negras que não se viam represen-
tadas nos movimentos de luta que faziam parte, como apontam Gonzalez (1982) e
Carneiro (2003), posto que de um lado estava o movimento feminista universal que
trazia como pauta a experiência de mulheres brancas deixando a raça de lado, e de
outro, a luta do movimento negro que preconizava a experiência do homem negro,
deixando o gênero de lado.
Dessa maneira, pensando o cenário do nosso país, o “patriarcalismo e o colonia-
lismo são partes imprescindíveis do capitalismo, sustentando um mesmo sistema de
privilégios e poder” (LIMA, 2021, p. 75) que tem como alicerce o racismo estrutural
(ALMEIDA, 2019) e que produz e reproduz violências e desigualdades, a ferramenta
da interseccionalidade aparece como uma práxis crítica que amplia o nosso olhar
para o mundo e para as relações que desenvolvemos. Esse olhar não deve acontecer
apenas dentro do espaço acadêmico e profissional, mas também nas relações coti-
dianas, familiares e de amizade, afinal, nessas relações também ocorre a reprodução
das relações de poder que geram violência e opressão.
A oficina foi um convite para adotarmos a lente interseccional e observarmos
nossos espaços de convívio diário, como aparecem os cruzamentos identitários de
nossas vidas e das vidas de quem nos cerca, seja no trabalho, em casa, na escola,
com os amigos, dentre outros lugares. Utilizamos como recurso para embasar essa
conversa, uma pasta no Google Drive contendo algumas imagens, fotografias, tex-
tos literários, letras de músicas e poemas que trouxessem de alguma maneira o viés
interseccional para pensarmos nossas realidades cotidianas. Foi preciso sair do texto
científico e acessar, por exemplo, poemas em que as autoras narrassem as formas de
violência que sofriam cotidianamente e através de seus relatos pudéssemos perceber
que aquele corpo era atravessado por categorias identitárias, como classe, raça e
gênero e que dessa maneira existia um determinado tipo de violência incidindo sobre
esta mulher, a exemplo o poema de Bell Puã:
674

Aquela que não te pertence tem várias faces e nomes, acadêmica, poeta, nordestina,
negra. Mas, homem, guarde essa minha face e nome: aquela que não te pertence.
Minha pertença não é para seus padrões racistas, numa prisão, cozinha ou na mira
da polícia. Aquela que não pertence a patrão, nem senhor de engenho e muito
menos pertenço à escória do conhecimento (PUÃ, 2019, p. 34).

A escolha dos materiais não se deu de maneira aleatória, pois compreendemos


que ao acessarmos fotos, textos e poemas que narram a vida cotidiana, alguns proces-
sos de identificação iriam surgir nesse contexto. Afinal, somos seres em comunidade e,
apesar de nossa singularidade, existem diversas experiências coletivas que nos unem
e que falam de nós. Muitas vezes, é necessário ouvirmos em uma música ou lermos

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em uma história algo que vivemos para, então, conseguirmos nos sensibilizar, nos
darmos conta dessas experiências e atribuirmos novos sentidos e significados a elas.
Foi dessa maneira que ocorreu na oficina. Conforme as/os participantes entraram
em contato com os materiais apresentados, diversas experiências foram vindas à tona,
não só experiências pessoais, mas também de pessoas próximas. O movimento de
conseguir acessar, nomear e ampliar o seu olhar sobre essas experiências, nos mostra
o início de um desenvolvimento do olhar interseccional, que deve ser estimulado e
disseminado a quem estiver ao nosso redor, pois a práxis crítica que a intersecciona-
lidade produz tem potencialidades na luta contra a opressão e a desigualdade.
Vale ressaltar que não só as/os participantes, mas também as/os facilitadoras(es)
da oficina e demais organizadoras(es) foram convidadas(os) a compartilharem suas
experiências e trazerem exemplos de como esse olhar interseccional tem se desen-
volvido em suas vidas. Essa troca entre quem ensina e aprende é necessária, criando
um ambiente acolhedor para que todas(os) se sentissem seguras(os) em compartilhar,
muitas vezes, comentários íntimos e de sofrimento. Assim como afirma hooks (2017),
uma pedagogia engajada necessita que estudantes e professores estejam disponíveis
para realizar discursos confessionais, ela indaga “na minha sala de aula, não quero
que os alunos corram nenhum risco que eu mesma não vou correr, não quero que
partilhem nada que eu mesma não partilhava” (hooks, 2017, p.35).

Oficina: (Des)construindo olhares sobre gênero e sexualidade


Ao pensarmos na elaboração de uma oficina com temas tão sensíveis como
sexualidade e gênero, objetivamos proporcionar um espaço de reflexão e debate
sobre a construção dos gêneros masculino e feminino, destacando diferenças entre
gênero e sexualidade através da discussão de questões presentes no cotidiano que
levam a situações de preconceitos e violência que giram em torno dessa temática,
visando a reelaboração do pensamento em busca da mitigação de preconceitos como
misoginia, homofobia, transfobia e sexismo. Esses preconceitos partem da elaboração
de conceitos de gênero e sexualidade como construtos sociais e históricos que ao
longo do tempo, destinaram-se a enquadrar as pessoas dentro de normas rígidas e
petrificadas, reservando as pessoas LGBTQIA+ um lugar de abjeção e anormalidade
(BENTO, 2017; BUTLER, 2019). É preciso enfatizar que, ao trazer para a discussão
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
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em torno das identidades LGBQIA+, não nos propormos a “engessar” essas identi-
dades e apresentar “menus” de comportamentos específicos de cada representante da
sigla. O que pretendemos, antes de tudo, foi evidenciar o que identificar-se dentro do
escopo das siglas representa para essas pessoas: a reivindicação por uma identidade
política que, ao mesmo tempo que retrata a busca por respeito e reconhecimento,
proporciona também uma inserção dentro da burocracia estatal, no que diz respeito
à implantação de políticas públicas específicas (CARVALHO, 2017).
Para além de apresentar conceitos e definições, a ideia foi trazer à tona estigmas
e preconceitos se lançam sobre esses corpos apenas por serem compreendidos como
desviantes e marginais. Não por acaso, iniciamos a oficina na perspectiva dialógica
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freiriana (FREIRE, 2020), de partir das experiências de participantes da oficina.


Solicitamos ao grupo que comentasse sobre seu entendimento sobre o tema proposto
pela oficina, a fim de nos situarmos a respeito de seus entendimentos prévios sobre
as temáticas e estabelecermos parâmetros para a condução das atividades. Ao ouvir
o grupo, percebemos que o assunto já era alvo de suas reflexões e que havia o desejo
de discutir mais sobre a temática.
Esse primeiro momento permitiu o passo seguinte, onde exibimos um vídeo
tinha como conteúdo narrativas das experiências de pessoas que se inserem em grupos
LGBQIA+. A atividade foi muito importante, principalmente porque o contato com
essas experiências que desafiam “[...] a determinação natural das condutas [... põe
...] em xeque o olhar que analisa os deslocamentos enquanto sintomas de identidades
pervertidas, transtornadas e psicóticas” (BENTO, 2017, p. 17), o que nos oferece a
possibilidade de desconstrução de regras estabelecidas sobre gênero e sexualidade
que “colocam as travestis, as drag queens, os gays, as lésbicas, os drag kings os/
as transexuais” (Idem) reféns de “um saber que se orienta pela medicalização das
condutas” (Idem) e pela abjeção moral.
Assim, o vídeo serviu de mote àquilo que, implicitamente, estava previsto na
proposta da oficina: não apresentar conceitos elaborados de gênero e sexualidade, mas
questionar aquilo que estava dentro do convencional, como o binarismo de gênero
e a orientação da sexualidade pela matriz heterossexual (RICH, 2010). As questões
sugeridas pelo vídeo, bastante debatidas pelo grupo, levaram ao entendimento de que
gênero é algo construído socialmente e que as diferenças entre os corpos propõem
uma divisão entre o sexo (natureza) e o gênero (cultura), em que a natureza produziria
corpos inertes biologicamente marcados e a cultura imprimiria neles os papéis de
gênero e o comportamento sexual. Os papéis de gênero, vistos mais a fundo, impli-
cariam em comportamentos diferenciados entre masculino e feminino, enquanto os
papéis sexuais, orientados para a heterossexualidade, confeririam sentido a essas
diferenças (BENTO, 2017; BUTLER, 2019).
O debate também nos fez perceber o interesse da turma em acolher aquilo que
trazíamos, bem como a exposição de suas reflexões e dúvidas, algo que partia do
entendimento prévio de que não há nada de natural nessas construções e nos estigmas
que delas reverberam para a manter os corpos sob o controle e reproduzir a domina-
ção. Toda expressão de liberdade sexual e de gênero significa, a nosso ver, a expressão
de um contrapoder que desafia e subverte o sistema cisheteronormativo e as demais
676

estruturas de poder hegemônico, como o racismo (BENTO, 2017; BUTLER, 2019).


Por isso, a fim de atingirmos o objetivo de ampliar o alcance das conclusões obtidas
no espaço da oficina para além do curso de extensão, propusemos uma atividade
simples: que cada participante elaborasse um post em uma rede social digital de sua
preferência sobre aquilo que mais lhe chamou a atenção na oficina. Tais postagens
foram debatidas no segundo momento da oficina, uma semana depois.
Diante da proposta da postagem pública, outro problema foi levantado: as
conclusões a que chegamos pareciam restritas à academia e parecia fácil circular
essas ideias entre pessoas que compartilhavam do mesmo entendimento, mas quando
se trata do mundo real, precisamos considerar que “o Brasil é um dos países que

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mais mata LGBTs”, como disse uma das participantes. Seria, então, muito difícil
de algumas pessoas se exporem publicamente, em lugares onde essas questões são
invisibilizadas e estigmatizadas, por resultarem em execração moral e pelo risco da
eliminação física, tão comumente imposta a corpos “inconformes” (VERGUEIRO,
2015). O virtual reverbera no real e vice-versa. Falar disso publicamente poderia para-
lisar essas pessoas de medo, por mais que elas desejem a transformação da realidade.
Obviamente, essa foi uma questão que, por se tratar de algo tão particular,
não poderia ter uma resposta imediata. Sabíamos, de antemão, que a escolha de se
posicionar publicamente sobre a questão LGBTQA+, estando ou não incluído nesses
grupos, significa se expor a riscos e poderia resultar em intenso sofrimento. A dis-
posição de lidar com o sofrimento tratar-se-ia, portanto, de uma escolha individual
e das condições objetivas de existência de cada participante. Diante do impasse e no
intuito de não constranger quem não podia ou não desejava se expor publicamente,
revisamos a proposta e deixamos livre para que a atividade fosse realizada apenas
para ensejar a própria reflexão e a reflexão do grupo, fazendo-a circular apenas entre
nós quando a pessoa não se sentia confortável a partilhá-la publicamente.

(In)conclusões
É certo que ainda haveria muito o que falar sobre a experiência nas oficinas.
Porém, parece-nos que os fragmentos apresentados oferecem algumas pistas da potên-
cia que cada atividade proporcionou para participantes e ministrantes. Os medos de
que gestos, olhares, partilhas de materiais, atividades em roda e possibilidades de
interação na oficina apresentariam limitações comuns à virtualidade, exigindo de
participantes a criatividade e desenvoltura de nós e das demais pessoas da equipe
organizadora, foram se dissipando. Isso porque seguimos na construção coletiva
da atividade, a cada encontro, avaliando e reavaliando as dinâmicas utilizadas e,
ao mesmo tempo, ouvindo dos/das participantes suas percepções, expectativas e
contribuições, sempre no sentido de garantirmos um espaço que refletisse o nosso
esforço de construção coletiva de conhecimento.
Gostaríamos de salientar que os conceitos com os quais trabalhamos, tanto
na oficina sobre interseccionalidade quanto no que se refere às questões de gênero
e sexualidades, exigiram de nós, ministrantes do curso, um movimento necessário
de reflexão sobre os nossos próprios preconceitos e limitações, diante das temáticas
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apresentadas. Isso significou, muitas vezes, termos que reconhecer as formas usual-
mente violentas com as quais falamos, escrevemos e agimos com os nossos amigos,
colegas, familiares e demais membros da comunidade, tão disseminadas e tão natu-
ralmente aceitas. E, assim, passamos a assumir o compromisso não só de entender
conceitualmente as temáticas, mas também de firmarmos uma posição de recusa em
promover, incitar e favorecer discursos e práticas que promovam a desumanização
de pessoas e grupos, em nossas práticas pessoais, acadêmicas e profissionais.
Tínhamos consciência de que surgiriam alguns impedimentos que são inerentes
ao desafio que é desobedecer às normas de gênero e sexualidade, tão arraigadas.
Contudo, consideramos que a experiência da oficina foi muito interessante, por fazer
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circular, ainda que de forma limitada, as pesquisas que desenvolvemos e abrir brechas
para se pensarmos uma realidade menos cruel para quem, por suas formas de vida,
tem seus corpos expostos à execração moral e ao extermínio. Em palavras freirianas,
foi algo que nos faz esperançar, ou seja, manter a esperança enquanto lutamos por
um mundo mais justo onde inexista a barbárie.
Por fim, gostaríamos de agradecer aos muitos depoimentos que recebemos ao
longo das atividades. Pessoas que se dispuseram a compartilhar conosco aspectos
sensíveis de suas histórias de vida, experiências profissionais e questões de ordem
familiar, sempre no sentido de contribuir com as atividades propostas e trazer ele-
mentos que pudessem ser incorporadas às discussões previstas para cada atividade.
Ficamos felizes em saber que muitas das discussões ali levantadas estavam suscitando
mais e novas reflexões, subsidiando práticas profissionais e inspirando pesquisas.
Acreditamos ter compartilhado, nessas atividades, muito mais do que a ampliação
– sempre necessária – da compreensão sobre determinados conceitos. Falamos da
possibilidade de pensarmos coletiva e criticamente sobre a urgência de construção
de uma sociedade comprometida com a inclusão da diversidade humana.
678

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Humanidades, Artes e Ciências Professor Milton Santos, UFBA, Salvador, 2015.


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ÍNDICE REMISSIVO
A
Abuso sexual 108, 296, 476, 605, 606, 607, 608, 609, 610, 611, 613
Adolescentes 25, 26, 27, 31, 32, 33, 34, 99, 103, 104, 105, 106, 107, 108, 109, 110,
111, 113, 114, 159, 169, 190, 192, 246, 262, 274, 278, 284, 291, 293, 294, 295, 296,
297, 301, 303, 304, 385, 418, 419, 423, 424, 425, 426, 427, 428, 429, 430, 431, 432,
496, 547, 551, 553, 554, 557, 567, 569, 605, 606, 607, 608, 610, 611, 627, 628, 629,
630, 631, 633, 634, 635, 636, 637, 638, 639, 640, 641, 642, 643, 697, 706, 708, 716,
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731, 735, 737


Agentes prisionais 509, 510, 511, 512, 517, 520, 521, 522, 523, 524, 525, 527,
529, 532
Alzheimer 339, 340, 341, 342, 343, 344, 345, 346, 347, 348, 349
Amor romântico 257, 259, 261
Arte 30, 45, 96, 147, 149, 154, 156, 195, 236, 259, 298, 300, 321, 322, 325, 326,
327, 328, 329, 332, 334, 339, 380, 447, 449, 450, 451, 455, 456, 457, 458, 459, 462,
467, 578, 603, 647, 716
Assédio sexual 471, 472, 473, 475, 476, 479, 480
Atuação profissional 115, 116, 117, 119, 138, 483, 486, 489, 704, 710, 711, 737
Autismo 48, 551, 613, 614, 615, 616, 617, 618, 619, 621, 623, 624, 625, 662, 667, 716
Autonomia 103, 133, 148, 154, 163, 164, 167, 169, 170, 171, 188, 206, 314, 323,
341, 351, 354, 389, 390, 430, 438, 504, 511, 574, 584, 603, 609, 618, 645, 646, 648,
649, 659

B
Biopolítica 27, 32, 61, 115, 116, 121, 122, 123, 125, 127, 154, 157, 158, 187, 198,
199, 279, 281, 282, 370, 719

C
Campos profissionais 117, 119, 123
Capacidade reflexiva 164, 307
Capitalismo neoliberal 69, 71, 82
Ciúme 257, 258, 259, 260, 261, 262, 263, 264, 265, 267, 270, 271, 273
Classe social 42, 96, 107, 110, 111, 112, 117, 123, 135, 313, 473
Conflito 28, 31, 32, 88, 105, 107, 159, 231, 265, 378, 416, 463, 464, 467, 518,
519, 708
Construções simbólicas 119, 120
Cor da pele 107, 110, 111, 292
682

Corpografia 321, 323, 324, 325, 326, 335, 336


Covid-19 228, 243, 246, 247, 374, 375, 383, 399, 401, 402, 403, 404, 405, 407,
408, 409, 412, 418, 420, 421, 481, 491, 492, 493, 494, 521, 587, 600, 601, 628, 630,
634, 638, 646, 648, 650
Creas 104, 105, 106, 108, 109, 110, 111, 114, 608, 695, 696
Crítica decolonial 53
Cultura 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 33, 34, 39, 41, 42, 43, 44, 46, 48, 50, 53,
55, 56, 57, 74, 83, 99, 113, 118, 119, 120, 125, 132, 139, 149, 154, 158, 165, 182,
185, 187, 191, 199, 208, 224, 228, 229, 232, 233, 234, 235, 239, 241, 244, 253, 254,

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257, 258, 260, 276, 291, 292, 293, 298, 303, 305, 309, 310, 312, 316, 320, 322, 331,
332, 376, 377, 380, 381, 403, 407, 451, 463, 464, 467, 472, 491, 493, 524, 533, 534,
540, 573, 576, 580, 588, 649, 651, 652, 655, 666, 695, 698, 701, 702, 703, 706, 709,
716, 721, 729, 730

D
Dança 43, 234, 321, 322, 323, 324, 325, 326, 327, 328, 329, 330, 331, 332, 333,
334, 335, 337, 338, 443
Decolonialidade 55, 129, 133, 134, 141, 143, 692
Deficiência auditiva 655, 660
Deficiência física 194
Deficiência intelectual 495, 497, 498, 503, 505, 506, 548, 698
Deficiências 379, 484, 506, 548, 581, 613, 619, 620, 655, 657, 664, 665
Deficiência visual 661, 666
Denegação 239, 241, 244, 248, 249
Depressão 426, 430, 461, 492, 519, 523, 551, 587, 591, 594, 619
Desejos inconscientes 447, 448, 450
Diagnóstico 64, 206, 207, 241, 339, 343, 344, 345, 347, 370, 374, 386, 387, 391,
394, 401, 412, 506, 547, 548, 551, 554, 555, 558, 560, 561, 562, 564, 590, 591, 613,
617, 618, 623, 661
Direitos humanos 30, 56, 145, 147, 148, 152, 154, 155, 156, 158, 159, 162, 191,
217, 236, 239, 242, 247, 248, 250, 251, 252, 253, 255, 283, 284, 294, 295, 296, 297,
303, 305, 318, 420, 441, 474, 475, 476, 526, 607, 611, 658, 706, 707, 718, 723, 728,
731, 737, 738
Disciplina 26, 27, 151, 152, 157, 175, 186, 198, 208, 232, 320, 324, 509, 513, 525,
567, 571, 575, 576, 577, 578, 582, 617, 645, 646, 647, 648, 649, 659
Discurso contra-hegemônico 137, 138, 236
Dislexia 548, 550, 554, 555, 558, 563, 564, 662
Droga 459, 460, 461, 462, 463, 464, 465, 466, 467, 468, 469, 470
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 683

Drogas 101, 106, 107, 109, 113, 190, 191, 199, 284, 286, 287, 288, 337, 380, 435,
436, 437, 439, 441, 443, 445, 459, 460, 461, 462, 463, 465, 466, 467, 468, 470, 591,
710, 711, 716, 728, 737

E
Eca 25, 99, 105, 107, 113, 284, 296, 297, 424, 610
Educação 3, 21, 25, 27, 31, 33, 34, 35, 40, 51, 69, 70, 72, 82, 83, 87, 97, 106, 115,
116, 117, 118, 119, 120, 121, 123, 124, 125, 127, 129, 130, 131, 132, 133, 134, 135,
136, 137, 138, 139, 140, 141, 142, 143, 145, 148, 149, 150, 152, 153, 154, 155, 156,
157, 158, 159, 161, 162, 163, 164, 165, 167, 168, 169, 170, 171, 172, 173, 174, 187,
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188, 189, 192, 193, 195, 197, 223, 224, 228, 231, 232, 235, 236, 244, 263, 266, 272,
288, 289, 291, 292, 293, 294, 296, 297, 298, 300, 302, 303, 304, 305, 307, 308, 309,
311, 313, 318, 336, 339, 352, 355, 356, 357, 358, 359, 360, 362, 373, 378, 379, 380,
381, 396, 399, 404, 407, 408, 413, 414, 417, 418, 420, 421, 471, 472, 478, 479, 491,
496, 497, 498, 505, 506, 507, 526, 549, 555, 556, 561, 562, 567, 569, 572, 573, 574,
576, 577, 578, 579, 580, 581, 582, 583, 584, 585, 586, 603, 607, 608, 610, 613, 617,
619, 620, 621, 622, 623, 624, 625, 628, 629, 640, 641, 642, 645, 646, 647, 648, 649,
650, 651, 652, 653, 654, 655, 656, 657, 659, 661, 663, 664, 665, 666, 667, 668, 691,
692, 694, 695, 696, 698, 699, 701, 702, 703, 705, 706, 707, 708, 709, 710, 711, 712,
715, 716, 717, 718, 719, 720, 721, 722, 723, 724, 726, 727, 729, 730, 731, 732, 735,
737, 738
Educação do campo 129, 130, 131, 132, 133, 134, 135, 137, 138, 139, 140, 141,
142, 143, 703, 732
Educação especial 339, 506, 561, 562, 613, 619, 620, 625, 655, 656, 659, 664, 665,
666, 708, 730, 731
Educação inclusiva 420, 421, 561, 665, 666, 668, 695, 698, 705, 717
Educação popular 125, 133, 134, 140, 142, 399, 408, 703, 716
Educação sexual 291, 292, 293, 294, 298, 302, 303, 304, 305, 413, 414, 496, 497,
505, 506
Ensino remoto 414, 421, 481, 482, 483, 484, 485, 486, 491, 493, 494, 600, 646,
648, 649, 651, 652
Escola 9, 40, 41, 43, 45, 46, 61, 70, 71, 101, 116, 119, 121, 126, 127, 130, 131, 132,
133, 134, 140, 150, 151, 154, 161, 162, 163, 164, 165, 166, 167, 168, 169, 170, 171,
174, 176, 177, 182, 187, 192, 195, 196, 232, 239, 247, 256, 292, 293, 303, 304, 305,
334, 351, 352, 353, 354, 355, 356, 358, 365, 366, 367, 369, 370, 379, 397, 399, 411,
412, 413, 414, 416, 418, 419, 420, 421, 426, 427, 430, 434, 437, 445, 447, 464, 498,
501, 504, 507, 517, 548, 550, 551, 558, 564, 569, 570, 571, 572, 573, 577, 579, 580,
585, 603, 613, 614, 616, 618, 620, 621, 624, 627, 645, 647, 649, 650, 651, 652, 654,
656, 657, 660, 662, 663, 664, 666, 667, 668, 694, 695, 696, 698, 705, 706, 707, 716,
720, 723, 725, 726, 731, 732
Espaços afrodiaspóricos 223, 226, 228, 229, 230, 232, 235
684

Esporte 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 31, 32, 33, 34, 35, 69, 182, 525
Estado negacionista 240
Estética 97, 145, 148, 152, 156, 182, 456, 457
Ética 37, 56, 58, 66, 72, 74, 75, 76, 77, 79, 81, 82, 83, 84, 86, 94, 96, 104, 145,
148, 152, 154, 155, 159, 183, 184, 255, 292, 314, 316, 319, 322, 325, 330, 336, 337,
359, 371, 386, 415, 421, 437, 441, 483, 491, 522, 631, 651, 691, 692, 699, 705, 713,
727, 731
Exibicionismo 537, 538, 541, 545
Expansionismo neoliberal 53

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Expressão 37, 39, 40, 41, 46, 69, 73, 109, 119, 140, 178, 227, 245, 248, 257, 261,
302, 317, 343, 353, 373, 394, 400, 415, 419, 431, 432, 447, 448, 449, 450, 497, 503,
548, 549, 557, 569, 579, 588, 598, 608, 660, 663, 701

F
Família 30, 38, 47, 50, 54, 66, 91, 92, 100, 110, 111, 117, 131, 133, 194, 207, 221,
242, 261, 297, 312, 341, 342, 344, 345, 347, 348, 349, 357, 381, 383, 386, 387, 388,
390, 391, 393, 416, 425, 428, 430, 431, 434, 487, 497, 503, 504, 525, 548, 594, 595,
598, 605, 607, 611, 620, 621, 629, 634, 635, 636, 639, 650, 651, 660, 691, 696, 705,
707, 708, 710, 726, 738
Feminicídio 257, 258, 259, 260, 261, 269, 270, 271, 377, 473
Feminilidade 119, 266, 450, 451, 452, 455, 458, 497
Feminização 115, 117, 121, 123, 126, 127
Fotografia 180, 181, 182, 183, 196
Foucault 26, 27, 31, 32, 33, 34, 44, 50, 61, 97, 100, 110, 113, 115, 116, 117, 121,
122, 123, 125, 127, 145, 146, 147, 148, 149, 150, 151, 152, 154, 155, 156, 157, 158,
159, 178, 179, 183, 184, 185, 186, 187, 192, 193, 194, 196, 197, 198, 199, 200, 201,
218, 251, 253, 275, 281, 282, 285, 288, 292, 305, 322, 323, 324, 336, 337, 365, 366,
367, 368, 369, 370, 371, 372, 509, 512, 513, 515, 516, 529, 542, 544, 646, 648, 649,
650, 651, 653, 654, 706, 708, 709, 721
Francisco Varela 74, 79
Freire 70, 87, 99, 121, 125, 129, 133, 141, 142, 281, 285, 288, 302, 351, 352, 354,
355, 356, 357, 358, 359, 360, 361, 445, 450, 457, 572, 573, 583, 584, 588, 598, 599,
600, 603, 646, 653, 728, 731
Frida Kahlo 447, 450, 451, 452, 453, 454, 455, 456, 458

G
Genealogia 31, 32, 61, 66, 121, 122, 149, 157, 158, 179, 183, 184, 198, 199, 365,
366, 367, 368, 369, 372
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 685

Gênero 56, 71, 73, 103, 104, 106, 107, 109, 110, 111, 112, 115, 116, 117, 118, 119,
120, 121, 123, 124, 126, 127, 136, 175, 182, 217, 219, 221, 227, 257, 259, 260, 261,
262, 263, 266, 267, 269, 271, 272, 273, 274, 278, 291, 292, 293, 294, 297, 298, 300,
302, 303, 373, 377, 381, 471, 472, 473, 474, 475, 477, 479, 480, 497, 501, 502, 503,
504, 505, 506, 631, 691, 711, 720, 723, 726, 738
Gestão democrática 161, 164, 165, 166, 168, 171, 172, 173
Gestão do trabalho 696
Griô 223, 224, 226, 228, 231, 234, 235
Guerra 55, 67, 145, 175, 178, 181, 182, 188, 195, 196, 213, 240, 245, 246, 247, 251,
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313, 317, 370, 449, 608, 611

H
Hemodiálise 385, 386, 387, 388, 389, 394, 710
História cultural 177, 178, 365, 706

I
Igualdade 133, 165, 209, 294, 316, 351, 353, 354, 355, 356, 357, 358, 361, 616,
651, 658, 667, 668, 709
Infância 23, 30, 32, 34, 37, 38, 39, 40, 41, 42, 43, 44, 45, 46, 47, 48, 49, 51, 190,
191, 192, 201, 266, 296, 297, 385, 393, 424, 425, 431, 450, 467, 540, 594, 614, 617,
627, 629, 630, 640, 641, 643, 647, 705, 706, 716, 728

J
Jacotot 351, 357, 358, 361
Jornais 175, 180, 184, 195, 199, 201, 258, 408, 606
Jornal 57, 70, 95, 174, 175, 180, 182, 183, 193, 258, 479
Jovens negros 175

K
Kant 147, 162, 316, 320, 645, 646, 647, 648, 649, 653, 654

L
Lazer 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 31, 33, 34, 35, 182, 346, 380, 405, 524, 574, 595,
598, 600, 629
Ledoc 134, 135, 136, 138
Lideranças 246
Linguagem 39, 40, 51, 58, 63, 76, 87, 143, 242, 264, 292, 305, 310, 315, 320, 325,
333, 339, 340, 341, 342, 343, 348, 349, 354, 413, 435, 437, 438, 443, 455, 456, 468,
686

469, 542, 545, 549, 555, 556, 565, 586, 613, 651, 655, 656, 657, 660, 661, 663, 664,
665, 666, 668, 737, 738
Linhas diagramáticas 23
Loucura 184, 185, 240, 241, 242, 243, 245, 275, 276, 279, 281, 282, 283, 286, 288,
366, 368, 369, 370, 371, 528, 650
Luto 196, 399, 402, 403, 404, 407, 408, 409, 424, 486, 489, 492, 523, 726

M
Marcos legislativos 25, 26

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Medidas socioeducativas 31, 32, 103, 104, 105, 106, 107, 108, 110, 111, 113
Michel Foucault 33, 34, 61, 122, 145, 149, 155, 156, 157, 198, 200, 201, 218, 281,
285, 322, 365, 366, 372, 512, 542, 646, 648, 649, 650, 654, 706
Mídias sociais 401, 533
Mulher 11, 38, 73, 89, 115, 116, 117, 118, 119, 120, 121, 124, 127, 203, 204, 205,
206, 207, 208, 209, 211, 212, 213, 214, 215, 216, 217, 218, 219, 258, 259, 260, 261,
263, 266, 267, 268, 269, 270, 271, 274, 294, 333, 378, 392, 442, 451, 471, 473, 478,
497, 500, 502, 503, 521, 523, 524, 611, 633, 639, 711

N
Natureza 39, 41, 43, 47, 82, 136, 137, 138, 139, 188, 205, 221, 225, 226, 230, 231,
233, 269, 295, 322, 332, 337, 343, 353, 394, 423, 431, 436, 439, 502, 571, 600, 630,
633, 635, 648, 665, 666, 703
Negacionismo 239, 240, 241, 242, 243, 244, 245, 246, 248, 250, 251, 253, 256,
400, 407, 408
Neoliberalismo 53, 60, 61, 62, 63, 64, 65, 66, 67, 133, 161, 162, 163, 165, 168, 169,
170, 171, 174, 187, 199, 420, 651, 713

O
Otelo 257, 258, 259, 261, 263, 264, 265, 266, 267, 268, 269, 270, 271, 274

P
Pandemia 228, 240, 243, 246, 252, 255, 374, 375, 379, 383, 399, 400, 401, 402,
403, 404, 405, 407, 408, 409, 411, 412, 414, 420, 421, 481, 482, 483, 484, 486, 487,
488, 489, 490, 491, 492, 493, 494, 521, 587, 588, 595, 599, 600, 601, 603, 628, 630,
631, 634, 638, 639, 645, 646, 648, 649, 651, 653
Pedagogia decolonial 142
Pobres 26, 35, 107, 119, 120, 150, 175, 181, 189, 192, 193, 197, 213, 261, 367, 628
Política 25, 27, 33, 34, 35, 44, 56, 57, 66, 67, 74, 95, 105, 106, 115, 117, 122, 123,
124, 126, 129, 130, 131, 132, 133, 135, 140, 141, 142, 145, 147, 148, 149, 150, 156,
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 687

158, 161, 164, 167, 168, 172, 173, 174, 177, 178, 181, 183, 188, 189, 190, 193, 195,
196, 198, 199, 209, 211, 217, 218, 219, 232, 239, 240, 241, 243, 244, 246, 247, 249,
250, 252, 253, 259, 275, 276, 279, 281, 284, 285, 286, 287, 288, 292, 294, 297, 302,
303, 324, 331, 332, 333, 355, 358, 372, 373, 377, 378, 380, 381, 383, 401, 407, 408,
442, 510, 527, 530, 531, 533, 534, 561, 602, 606, 607, 616, 623, 640, 646, 663, 664,
703, 704, 706, 710, 711, 716, 723, 727, 728, 737
Políticas públicas 26, 31, 33, 34, 35, 94, 96, 98, 99, 103, 110, 111, 113, 117, 127,
130, 132, 140, 142, 188, 195, 200, 201, 214, 219, 221, 229, 231, 235, 236, 260, 276,
278, 284, 285, 286, 288, 291, 293, 294, 295, 296, 297, 301, 302, 303, 373, 374, 376,
377, 381, 383, 405, 407, 441, 443, 488, 489, 490, 491, 520, 527, 606, 607, 610, 613,
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615, 619, 620, 628, 629, 640, 643, 644, 664, 666, 703, 705, 706, 712, 713, 717, 723,
724, 728, 729, 731, 737, 738
Prática educativa 354, 355, 567, 599, 651
Preconceito 39, 110, 125, 126, 134, 159, 171, 175, 298, 307, 310, 313, 314, 315,
316, 317, 318, 320, 369, 377, 501, 503, 506, 649, 658
Produção de conhecimento 57, 85, 94, 95, 96, 103, 136, 158, 236, 369, 439, 605, 715
Psicanálise 31, 38, 39, 43, 50, 51, 86, 87, 88, 97, 100, 101, 155, 239, 240, 241, 242,
244, 249, 250, 253, 254, 255, 256, 339, 396, 434, 447, 449, 450, 451, 455, 456, 457,
458, 459, 460, 465, 467, 468, 470, 530, 533, 534, 539, 544, 707, 711, 730, 731
Psicologia 28, 31, 32, 33, 34, 35, 38, 39, 40, 47, 51, 65, 70, 71, 77, 83, 86, 97, 99,
100, 101, 103, 104, 106, 110, 112, 113, 114, 125, 127, 129, 130, 136, 137, 138, 139,
140, 141, 142, 143, 154, 155, 156, 158, 159, 161, 168, 172, 177, 196, 197, 199, 200,
222, 239, 253, 254, 255, 259, 263, 272, 273, 275, 279, 287, 288, 289, 291, 294, 295,
297, 298, 303, 304, 305, 335, 336, 337, 339, 348, 365, 372, 396, 399, 402, 404, 405,
408, 409, 411, 412, 413, 414, 416, 417, 418, 419, 420, 421, 423, 432, 433, 437, 439,
441, 447, 449, 457, 458, 469, 470, 472, 477, 481, 482, 483, 488, 489, 490, 491, 492,
493, 496, 505, 506, 507, 528, 529, 530, 531, 540, 544, 545, 547, 565, 581, 582, 585,
605, 606, 607, 608, 610, 611, 613, 617, 624, 625, 627, 632, 633, 645, 658, 691, 692,
695, 696, 697, 700, 701, 702, 704, 705, 706, 707, 708, 709, 710, 711, 712, 713, 715,
716, 717, 718, 719, 720, 723, 724, 726, 727, 728, 729, 730, 731, 735, 736, 737, 738
Psicologia escolar 83, 291, 303, 304, 411, 412, 413, 417, 418, 420, 421, 624, 705,
713, 723, 724
Psicologia moderna 77

Q
Quilombo 335
Química 349, 369, 459, 468, 502, 519, 567, 568, 569, 572, 575, 576, 577, 578, 579,
580, 581, 582, 583, 584, 585, 731
Quociente de inteligência 656
688

R
Rede socioassistencial 105, 106, 107
Redes sociais 99, 246, 273, 378, 483, 485, 486, 490, 534, 535, 536, 537, 538, 540,
541, 542, 544, 545, 598, 711
Relações subjetivas 459, 460
Resistências 60, 94, 145, 146, 147, 148, 150, 159, 193, 321, 334, 447

S
Saúde 3, 9, 21, 27, 44, 45, 48, 49, 61, 83, 85, 86, 91, 92, 93, 94, 95, 96, 98, 99, 100,

Editora CRV - Proibida a impressão e/ou comercialização


101, 104, 106, 109, 113, 115, 116, 117, 118, 119, 120, 121, 122, 123, 124, 126, 127,
139, 140, 149, 156, 187, 188, 191, 193, 198, 203, 204, 205, 206, 207, 208, 209, 210,
211, 212, 213, 214, 215, 216, 217, 218, 219, 220, 272, 273, 275, 276, 277, 278, 279,
280, 281, 283, 284, 285, 286, 287, 288, 289, 297, 303, 304, 311, 314, 321, 323, 324,
326, 333, 334, 335, 336, 337, 339, 340, 342, 345, 346, 348, 349, 370, 371, 373, 374,
375, 376, 377, 381, 385, 386, 390, 392, 395, 396, 399, 400, 401, 402, 404, 405, 406,
407, 408, 409, 413, 416, 417, 419, 420, 421, 426, 427, 432, 435, 437, 438, 445, 447,
452, 456, 460, 468, 472, 476, 478, 479, 481, 483, 485, 488, 489, 490, 491, 492, 495,
497, 506, 509, 510, 512, 515, 517, 519, 520, 522, 523, 525, 526, 527, 529, 530, 531,
587, 588, 589, 590, 591, 592, 593, 594, 595, 596, 597, 598, 599, 600, 601, 602, 603,
605, 606, 607, 608, 610, 611, 613, 614, 615, 617, 618, 619, 627, 628, 629, 630, 631,
632, 633, 634, 635, 636, 637, 638, 639, 640, 641, 642, 660, 666, 691, 692, 695, 696,
697, 700, 704, 705, 706, 707, 708, 709, 710, 711, 712, 713, 715, 716, 717, 720, 723,
726, 727, 728, 730, 731, 737, 738
Saúde infantojuvenil 627
Saúde mental 21, 96, 109, 139, 275, 276, 277, 278, 279, 280, 281, 283, 284, 285,
286, 287, 288, 289, 321, 323, 324, 326, 335, 337, 399, 404, 405, 408, 409, 413, 416,
417, 419, 420, 421, 435, 437, 445, 456, 481, 483, 485, 488, 489, 490, 491, 492, 509,
512, 515, 517, 519, 520, 522, 527, 587, 588, 589, 590, 591, 592, 593, 594, 595, 596,
597, 598, 599, 600, 601, 602, 603, 627, 696, 700, 704, 705, 706, 707, 709, 710, 711,
712, 713, 716, 723, 726, 728, 730, 731, 737
Segregação 28, 29, 240, 242, 243, 250, 251, 252, 275, 524
Sexualidade 32, 39, 109, 110, 115, 122, 123, 125, 157, 198, 209, 218, 273, 291, 292,
293, 297, 298, 300, 302, 303, 304, 305, 413, 416, 417, 419, 426, 451, 453, 454, 455,
480, 495, 496, 497, 498, 499, 500, 501, 502, 503, 504, 505, 506, 711, 720
Sofrimento psíquico 100, 108, 244, 255, 368, 385, 387, 388, 391, 423, 424, 425,
430, 431, 432, 466, 518, 519, 526, 527, 530, 603, 726, 727
Subjetivação do corpo 321, 335
Subjetividade 23, 24, 44, 58, 67, 96, 107, 149, 196, 197, 201, 245, 264, 278, 279,
280, 292, 315, 316, 324, 331, 333, 334, 337, 368, 370, 394, 420, 423, 424, 425, 459,
460, 467, 468, 528, 535, 539, 545, 602, 616, 617, 620, 648, 650, 700, 702, 703, 706,
707, 708, 709, 719
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 689

Sujeito 38, 39, 40, 41, 42, 43, 44, 45, 46, 47, 49, 50, 54, 59, 60, 82, 83, 85, 87, 88,
90, 93, 94, 95, 96, 97, 99, 101, 107, 110, 111, 120, 122, 143, 146, 147, 148, 149,
150, 152, 156, 157, 158, 162, 163, 176, 179, 185, 186, 198, 204, 206, 212, 215, 218,
221, 240, 241, 245, 248, 249, 255, 261, 268, 269, 275, 276, 285, 292, 293, 295, 297,
315, 316, 321, 323, 325, 336, 341, 342, 343, 344, 346, 347, 352, 356, 357, 358, 359,
360, 368, 369, 370, 378, 381, 393, 394, 395, 399, 402, 415, 431, 442, 448, 449, 450,
455, 459, 460, 462, 463, 464, 465, 466, 467, 468, 469, 506, 518, 522, 527, 530, 534,
535, 536, 537, 540, 541, 542, 569, 570, 571, 572, 573, 578, 581, 614, 616, 640, 646,
648, 649, 650, 651, 656
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T
Tea 562, 613, 614, 615, 616, 617, 618, 619, 620, 621, 622, 625
Territorialidade 37, 38, 40, 42, 43, 44, 47, 48, 49, 50, 230, 232
Toxicomania 459, 460, 465, 466, 467, 469, 470
Trabalho 24, 26, 47, 53, 59, 60, 64, 67, 70, 71, 72, 73, 74, 75, 76, 77, 78, 85, 87,
89, 90, 91, 92, 94, 95, 96, 97, 98, 99, 100, 103, 104, 106, 108, 109, 110, 111, 112,
115, 116, 118, 119, 120, 121, 123, 125, 126, 127, 131, 135, 136, 139, 142, 161, 163,
164, 167, 169, 170, 171, 174, 177, 183, 184, 189, 191, 192, 193, 196, 203, 204, 205,
207, 208, 209, 210, 211, 212, 214, 216, 239, 241, 243, 247, 257, 258, 261, 263, 271,
283, 286, 293, 303, 318, 324, 334, 358, 362, 365, 366, 373, 375, 376, 378, 379, 380,
381, 382, 386, 399, 401, 404, 405, 408, 409, 411, 412, 416, 418, 419, 426, 427, 428,
432, 436, 437, 438, 439, 440, 441, 442, 443, 445, 449, 450, 451, 455, 460, 461, 467,
473, 474, 478, 481, 483, 488, 490, 497, 500, 502, 509, 511, 512, 513, 516, 517, 518,
519, 520, 522, 523, 524, 525, 526, 527, 528, 529, 530, 550, 552, 554, 559, 560, 562,
570, 571, 572, 573, 574, 578, 579, 580, 583, 598, 600, 603, 606, 608, 610, 613, 615,
619, 623, 627, 628, 629, 630, 631, 632, 633, 634, 635, 636, 637, 638, 639, 640, 641,
642, 643, 644, 648, 651, 654, 655, 656, 692, 696, 701, 703, 707, 708, 710, 716, 724,
727, 728, 730, 737

U
Ubs 91, 93, 627, 629, 630, 631, 632, 633, 634, 635, 638, 639, 705
Utilitarismo 24, 25, 26

V
Verneinung 241, 248, 255, 256
Vidas precárias 175
Violência 26, 27, 28, 30, 33, 35, 38, 45, 55, 57, 59, 63, 64, 66, 108, 137, 159, 186,
190, 191, 194, 195, 197, 206, 209, 214, 216, 217, 219, 220, 221, 222, 257, 259, 260,
261, 262, 263, 265, 266, 267, 269, 270, 271, 272, 273, 274, 278, 283, 285, 291, 293,
294, 295, 296, 297, 298, 300, 301, 302, 303, 304, 332, 368, 369, 373, 374, 375, 376,
377, 378, 381, 383, 401, 404, 408, 409, 413, 414, 419, 472, 473, 474, 475, 476, 477,
690

478, 479, 514, 522, 524, 525, 529, 587, 602, 605, 606, 607, 608, 609, 610, 611, 616,
630, 637, 638, 658, 663, 691, 713, 738
Violências 109, 135, 137, 139, 200, 206, 224, 257, 258, 259, 260, 261, 262, 263,
271, 272, 279, 291, 301, 373, 374, 375, 376, 378, 379, 381, 382, 414, 417, 437, 438,
473, 474, 476, 605, 607, 630, 631, 635, 636, 637, 713, 735, 738
Violência sexual 108, 291, 293, 294, 295, 296, 297, 298, 300, 301, 302, 303, 304,
475, 476, 605, 606, 607, 608, 609, 610, 611

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SOBRE OS(AS) AUTORES(AS)
E ORGANIZADORES(AS)
Alan Christian de Souza Santos
Doutor em História Social da Amazônia pela Universidade Federal do Pará, onde
também cursou o mestrado (2011) e se tornou Licenciado Pleno e Bacharel em
História (2008). Atualmente é professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e
Tecnologia do Pará, Campus Paragominas. Tem experiência na área de História do
Brasil e História da Amazônia, priorizando temas como elites e intelectuais no final
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do século XIX e início do XX, jogos políticos, sociabilidades, imprensa, biografia


histórica e educação. É membro dos Grupos de Pesquisa Militares, Política e Fron-
teiras na Amazônia e Educação, Ciência e Meio Ambiente.

Alanna Caroline Gadelha Alves


Graduada em Direito pelo Centro Universitário do Estado do Pará (2015). Mestre
em Direito, Políticas Públicas e Direitos Humanos pelo Centro Universitário do
Estado do Pará (CESUPA), em 2019.Graduada em Psicologia (2020) com ênfase em
Psicologia Organizacional pela UFPA. Advogada (OAB/PA 22.603) com experiência
na área de Direito Civil, Direito do Consumidor, Direito Processual Civil e Direito
da Infância e Juventude. Membro da Comissão de Defesa dos Direitos da Criança e
do Adolescente OAB/PA. Membro da Comissão da Mulher OAB/PA. Participante
do Transversalizando: Grupo de Pesquisa, Extensão e Ensino. Tem experiência na
área de Direito, Filosofia, Ciência Política, Psicologia Organizacional e Social, com
ênfase em Teoria e Sociologia Jurídica, Direito das Crianças e Adolescentes, Teoria
Política e Mapeamento de Competências.

Alcindo Antônio Ferla


Possui graduação em medicina pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(1996) e doutorado em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(2002). Atualmente é Professor Associado na Universidade Federal do Rio Grande do
Sul (UFRGS), atuando no Curso de Bacharelado e no Programa de Pós-Graduação
em Saúde Coletiva. Também atua como professor no Programa de Pós-Graduação em
Psicologia Clínica e Social da Universidade Federal do Pará (UFPA), como professor
no Mestrado Profissional em Saúde da Família da Universidade Federal do Mato
Grosso do Sul (UFMS), como pesquisador visitante do Centro de Pesquisa Leônidas
e Maria Deane da Fundação Oswaldo Cruz/FAPEAM, como pesquisador visitante na
Alma Mater Studiorum – Università Di Bologna / Centro de Saúde Internacional e
Intercultural e como pesquisador convidado no Centro de Investigaciones y Estudios
de la Salud, da Universidad Nacional Autónoma de Nicaragua. Líder do Grupo de
Pesquisas Rede Internacional de Políticas e Práticas de Educação e Saúde Coletiva
(Rede Interstício). Membro Titular da Comissão Intersetorial de Recursos Humanos
e Relações do Trabalho do Conselho Nacional de Saúde (CIRHRT) e da Câmara
692

Técnica de Pesquisas do Conselho Nacional de Saúde. Tem experiência nas áreas


de Saúde Coletiva e Educação, atuando principalmente nos seguintes temas: integra-
lidade em saúde, informação e comunicação em saúde, atenção à saúde, educação
permanente em saúde, ensino e educação e saúde, trabalho em saúde, modelagens
tecnoassistenciais em saúde e saúde suplementar.

Aline Beckmann Menezes


Possui graduação em Bacharelado Em Psicologia (2002) e em Habilitação Forma-
ção Em Psicólogo (2003) pela Universidade Federal do Pará, mestrado (2005) e
doutorado (2011) em Teoria e Pesquisa do Comportamento pela Universidade Fede-

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ral do Pará. Possui título de especialista em Psicologia Escolar e Educacional pelo
Conselho Federal de Psicologia (2016). É Professora da Faculdade de Psicologia da
Universidade Federal do Pará, atuando na área de Psicologia Escolar e de Inclusão
de Pessoas com Deficiência; é Colaboradora do Programa de Pós-Graduação do
Teoria e Pesquisa do Comportamento (NTPC/UFPA), vinculada à linha de pesquisa
Desenvolvimento de Tecnologia Comportamental; é coordenadora do Laboratório de
Soluções Educacionais; e é membro do GT de Psicologia Escolar e Educacional da
ANPEPP. Atualmente exerce a função de Diretora Adjunta do Instituto de Filosofia
e Ciências Humanas da UFPA.

Aline Dandara Nazaré Barbosa


Graduanda em Psicologia na Universidade Federal do Pará – UFPA.

Alonso Bezerra de Carvalho


Graduado em Filosofia (1986), em Ciências Sociais (1992) e Mestrado em Educação
(1997) pela Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade Estadual Paulista
(UNESP), Campus de Marília. Doutor em Filosofia da Educação (2002) pela Facul-
dade de Educação da Universidade de São Paulo (USP). Livre-Docente (2013) pela
Universidade Estadual Paulista (UNESP). Em 2007 fez pós-doutorado em Ciências
da Educação na Universidade Charles de Gaulle, Lille, França. Atualmente é pro-
fessor adjunto no Departamento de Didática e do Programa de Pós-Graduação em
Educação da UNESP, Campus de Marília. Foi Professor Visitante na Universidade de
Santiago do Chile (Chile – 2015), na Universidade de Cergy-Pontoise (França-2015)
e na Universidade de Buenos Aires (2017). É líder do Grupo de Estudo e Pesquisa em
Educação, Ética e Sociedade (GEPEES), cadastrado no CNPq. Foi professor da rede
básica de ensino do Estado de São Paulo de 1987 a 1997. Tem experiência na área de
Educação, com ênfase em Filosofia da Educação e Didática, atuando principalmente
nos seguintes temas: ética, educação, amizade, modernidade, racionalização, deco-
lonialidade, didática, formação de professores e filosofia e sociologia da educação.

Aluísio Ferreira de Lima


Psicólogo Social. Doutor em Psicologia Social pela Pontifícia Universidade Cató-
lica de São Paulo (PUCSP). Professor Permanente do Programa de Pós-Graduação
em Psicologia da Universidade Federal do Ceará (UFC). Lider do Paralaxe: Grupo
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 693

interdisciplinar de estudos, pesquisas e intervenções em Psicologia Social Crítica da


UFC. Bolsista de Produtividade CNPq PQ 1D. E-mail: aluisiolima@hotmail.com

Amanda Caroline da Silva Soares


Técnica em Assuntos Educacionais, Doutoranda em Psicologia, Mestra em Educação,
Especialista em Filosofia da Educação e graduada em Pedagogia, tudo pela Univer-
sidade Federal do Pará – UFPA. Trabalha na Pró-Reitoria de Ensino de Graduação
da UFPA. Além disso, atuou como Professora-Colaboradora no Curso de Pedagogia
e Biologia do Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica –
PARFOR/ UFPA.
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Ana Carla Cividanes Furlan Scarin


Possui graduação em Psicologia pela Universidade Estadual de Londrina (1993),
mestrado em Educação pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho
(2003) e doutorado em Educação pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mes-
quita Filho (2008). Pós-doutorado pela Universidade de São Paulo – Instituto de
Psicologia – São Paulo. Tem experiência na área de Psicologia, com ênfase em Psi-
cologia do Desenvolvimento Humano e Epistemologia da Psicopatologia, atuando
principalmente nos seguintes temas: aprendizagem, cotidiano escolar, escola, edu-
cação, desenvolvimento sócio-moral, psicologia clínica (abordagem psicanalítica),
psicopatologia, patologização, medicalização e saúde mental.

Ana Carolina Farias Franco


Possui Graduação em Psicologia (UFPA). Mestra em Psicologia Social (PPGP/UFPA).
Doutora em Educação (PPGED/UFPA), com pesquisa sobre Formação em Psicologia
e Educação em Direitos Humanos. Especialista em Educação Especial e Inclusão
Socioeducacional. É psicóloga do Instituto Federal do Pará (IFPA) – Campus Ana-
nindeua. É membro do Grupo de Estudos e Pesquisas Psicologia Social e Política
– transversalizando história, filosofia e educação. Membro do Núcleo de Estudos
Afro-brasileiros e Indígenas (NEABI) do IFPA/Ananindeua.

Ananda Barros Pinheiro


Graduanda de Psicologia-UFPA.

Anderson Reis de Oliveira


Psicólogo pela Universidade Federal do Pará (UFPA); Mestrando em Psicologia pelo
PPGP – UFPA. Membro do grupo de Ensino, Pesquisa-Intervenção e Extensão Trans-
versalizando; Psicólogo do Centro de Atenção Psicossocial – CAPS do município
de Cachoeira do Piriá – PA; Interesse nas áreas de relações étnicos raciais, gênero,
sexualidade e psicologia social e comunitária.

Angélica de Souza Lima


Graduanda de Psicologia-UFPA.
694

Anna Amélia de Faria


Realizou pesquisa de pós-doutorado, em Artes Visuais pelo Programa de Pós-Gradua-
ção em Artes da Universidade de Brasília, em 2013. Doutora em Letras e Linguística
“Documentos da Memória Cultural” pela Universidade Federal da Bahia, em 2009.
Mestre em Comunicação pela UnB (2003). Graduada em psicologia, em 1996 pela
Universidade São Marcos. Pesquisadora independente e Psicanalista. Área de atuação:
psicanálise de orientação lacaniana.

Antônia Maria Rodrigues Brioso


Mestra em Ensino de História da UFPA (2016). Possui graduação em Licenciatura em
História pela Universidade Federal do Pará (1988). Especialista em História Social

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da Amazônia. Professora da educação Básica na Escola de Aplicação da UFPA.
Atualmente Coordena o Projeto Cartografia da Cultura Afro-brasileira e Indígena
na escola de Aplicação.

Antonino Alves da Silva


Possui graduação em BACHAREL EM PSICOLOGIA pela Universidade Federal do
Pará (1992), graduação em LICENCIATURA EM PSICOLOGIA pela Universidade
Federal do Pará (1997), graduação em PSICOLOGIA CLÍNICA pela Universidade
Federal do Pará (1994) e mestrado em Programa de Pós-Graduação em Psicologia
pela Universidade Federal do Pará (2016). Atualmente é efetivo – SECRETARIA
DE ESTADO DE EDUCAÇÃO (PA) e efetivo – SECRETARIA MUNICIPAL DE
ASSISTÊNCIA SOCIAL. Tem experiência na área de Psicologia, com ênfase em
Psicologia Social.

Antônio Soares Júnior


Mestrando em Psicologia na Universidade Federal do Pará (UFPA). Possui graduação
em Psicologia pela Universidade Federal do Pará (UFPA), especialização em Docência
do Ensino Superior pela Universidade Federal do Pará (UFPA), especialização em
Educação Ambiental pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC/
PA), especialização em Psicologia Hospitalar e da Saúde (Faculdade Única) e curso-
-técnico-profissionalizante em Arte Dramática pela Escola Estadual de Ensino Tec-
nológico Professor Anísio Teixeira. Atualmente executa a função de Arte Educador
do Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos do Centro de Referência de
Assistência Social do Guamá (CRAS Guamá/FUNPAPA/PMB), participa do Grupo de
Pesquisa Transversalizando e é voluntário do Projeto de Extensão Saúde na Comuni-
dade: estratégias multidisciplinares de educação em saúde com ênfase em saúde sexual
e reprodutiva para adolescentes e jovens adultos. Possuindo experiência na área da
Atenção à Saúde da Criança, Trabalho com Famílias em Situação de Vulnerabilidade
Social, Grupos de Convivência, Psicologia Clínica, Psicologia Social e Arte Educação.

Bárbara Araújo Sordi


Possui título de Psicólogo pela Universidade da Amazônia (2009), e graduação em
psicologia pela Universidade da Amazônia (2006). Concluiu pós-graduação em
Psicologia da Saúde e Hospitalar, realizada no Instituto de Ensino e Pesquisa em
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 695

Psicologia e Saúde – IEPS (2012). Concluiu mestrado e doutorado em Psicologia


no Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal do Pará (UFPA) em 2015
e 2022, respectivamente. Tem formação como facilitadora de Círculos restaurativos
em Violência Doméstica pelo Tribunal de Justiça do Pará. É Psicanalista pelo Cir-
culo Psicanalítico do Pará (2018). É Professora em Psicologia na Universidade da
Amazônia, onde coordena o Projeto Sobre (bem) viver que oferta grupos reflexivos
e de cuidado em relação a gênero e saúde mental, estendendo-se em grupos para
mulheres em situação de violência doméstica; homens e masculinidade; e população
LGBTQIAP+ e o coletivo “Relações de gênero, feminismos e violências”. É autora
do livro “Reflexão feministas em crônicas: a escrita de si como forma de re-existir”,
junto com Anna Linhares (2022) e coordena a página @feminismoepsicologia, em
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que promove bate-papos informais sobre temas e pesquisas acadêmicas que versam
por gênero, feminismo e psicologia. Realiza treinamentos, oficinas e consultoria em
temáticas que envolvam relações de gênero, feminismos e violências a partir de uma
perspectiva crítica de estudos de gênero, antiracistas e à favor de diversidade sexual.

Bárbara de Souza Campos


Psicóloga graduada pela Universidade Metodista de Piracicaba. É Psicóloga Clínica
de orientação psicanalítica e realizou estágio em Psicologia e Educação e no Serviço
de Atendimento a Adolescentes em Medida Socio-Educativa.

Bárbara De Souza Campos


Psicóloga graduada pela Universidade Metodista de Piracicaba. É Psicóloga Clínica
de orientação psicanalítica e realizou estágio em Psicologia e Educação e no Serviço
de Atendimento a Adolescentes em Medida Socio-Educativa.

Bruna de Almeida Cruz


Psicóloga graduada pela Universidade Federal do Pará (UFPA), mestre em Psico-
logia Clínica e Social pelo Programa de Pós-graduação em Psicologia da UFPA e
atualmente doutoranda do mesmo programa. Psicóloga educacional do Instituto
Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará (IFPA), Campus Belém. Atua
na Assistência Estudantil e na equipe multiprofissional do Núcleo de Atendimento a
Pessoas com Necessidades Específicas. É também membro da Comissão de Perma-
nência e Êxito do IFPA, no Campus Belém. Dedica-se à pesquisa sobre processos
de medicalização da vida, práticas não medicalizantes e a interface entre Educação
e Saúde. É membro do Grupo de Pesquisa em Educação Inclusiva (GPEI – NAPNE/
IFPA). Participa também dos grupos de pesquisa InquietAções e Transversalizando,
ambos vinculados à UFPA.

Bruna dos Santos Sarubi


Graduada em Psicologia-UFPA.

Bruna Moraes Garcia


Possui graduação em Psicologia pela Universidade Federal do Pará (2013). Tem
experiência na área de Psicologia, com ênfase em Psicologia Social, atuando
696

principalmente nos seguintes temas: medicalização, farmacologização, educação,


saúde e poder. Atua no CREAS-SUAS/PA.

Bruno Jáy Mercês de Lima


Doutor em Psicologia (PPGP-UFPA), mestre em Psicologia (PPGP-UFPA). Enfer-
meiro graduado pela UEPA. Psicólogo graduado pela UFPA. Especialista em Edu-
cação para Relações Etnicorraciais pelo IFPA. Especialista em Estratégia Saúde da
Família pela UFCSPA. Dedicação aos estudos na área de Saúde Pública e de Saúde
Mental. Experiência em atividade docente e gestão. Facilidade para apresentação
em público.

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Caio Monteiro Silva
Doutor e Mestre em Psicologia pela Universidade Federal do Ceará – UFC; Ges-
talt-Terapeuta pelo Instituto Gestalt do Ceará – IGC; Formado em Psicologia pela
Universidade de Fortaleza – UNIFOR. Foi colaborador do Laboratório de Psicologia
em Subjetividade e Sociedade – LAPSUS. Atualmente é Professor no curso de psico-
logia da Faculdade Ari de Sá (FAS), é membro colaborador do Grupo Interdisciplinar
de Estudos, Pesquisas e Intervenções em Psicologia Social Crítica (PARALAXE).
Desenvolve trabalhos no campo dos estudos Pós-Coloniais trabalhando com os temas:
Epistemologia, Ética, Família, Sociedade e Subjetividades Contemporâneas. Atua
clinicamente sob a perspectiva das abordagens Fenomenológico-Existenciais.

Carla de Cássia Carvalho Casado


Psicóloga. Especialista em Neuropsicologia (ICHC-FMUSP) e em Gestão do Trabalho
e Educação em Saúde (ICS-UFPA). Realizou Mestrado e Doutorado em Psicologia,
no Programa de Teoria e Pesquisa do Comportamento, Laboratório de Psicologia,
da Universidade Federal do Pará (UFPA). Atualmente é docente da Faculdade de
Psicologia da Universidade Federal do Pará (UFPA), coordenadora do Laboratório
Didático de Avaliação Psicológica e do projeto de extensão Ambulatório de Avalia-
ção Neuropsicológica Infantil (ANI) em execução no Hospital Universitário Bettina
Ferro de Souza.

Carla de Cassia Carvalho Casado


Psicóloga. Especialista em Neuropsicologia (ICHC-FMUSP) e em Gestão do Trabalho
e Educação em Saúde (ICS-UFPA). Realizou Mestrado e Doutorado em Psicologia,
no Programa de Teoria e Pesquisa do Comportamento, Laboratório de Psicologia, da
Universidade Federal do Pará (UFPA). Atuou como psicóloga na Secretaria Muni-
cipal de Saúde de Belém, por doze anos. Foi técnico do ensino superior na Escola
de Governança Pública do Estado do Pará, professora da Escola Estadual de Ensino
Anísio Teixeira, docente dos cursos de graduação e pós-graduação da Universidade
Estadual do Pará (UEPA), Faculdade Integrada Brasil Amazônia (FIBRA), Faculdade
Metropolitana da Amazônia (FAMAZ) e Centro Universitário Estácio da Amazônia
(Estácio). Atualmente é docente da Faculdade de Psicologia da Universidade Federal
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 697

do Pará (UFPA), coordenadora do projeto de extensão Ambulatório de Avaliação


Neuropsicológica Infantil (ANI) e do projeto Práticas Neuroeducativas de crianças
e adolescentes com dificuldade de aprendizagem, ambos em execução na Unidade
de Atenção à Saúde da Criança e do Adolescente, Hospital Universitário Bettina
Ferro de Souza. É pesquisadora dos projetos: Avaliação cognitiva em crianças com
epilepsia e transtorno de aprendizagem; Avaliação cognitiva e comportamental de
pacientes com Distrofia de Duchene; Avaliação das habilidades pré-alfabetização de
crianças com transtornos do neurodesenvolvimento.

Carla Regina Guerra Moreira Lobo Teixeira


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Graduada em Psicologia pela Escola Superior da Amazônia em Belém, Pará (2012.2 –


2017.1). Especialista em Saúde Mental pela Escola Superior da Amazônia em Belém,
Pará (2017 a 2019). Atuação como consultora em Recursos Humanos (estagiária)
na empresa de cursos profissionalizantes MICROLINS (2014). Atuação profissional
como psicóloga escolar no Colégio Aspecto (2017 a 2019). Atuação como psicóloga
substituta no Cento de Referência de Assistência Social (CRAS) no município de
Carutapera-Maranhão (2021-2021). Participante Voluntária na pesquisa: A constru-
ção social da vitimização: perfil das mulheres vítimas de violência no sistema de
justiça criminal – uma análise comparada São Paulo e Pará. A referida participante
colaborou com a pesquisa no período de dois anos, entre 2013 e 2014, trabalhando
na coleta e análise de dados da Delegacia de Atendimento à Mulher, sem bolsa, como
voluntária. Voluntária no projeto de extensão: Trabalhando com revistas temas de
direitos humanos e meio ambiente com estudantes de Psicologia da UFPA (2013).
Participante no Grupo de Pesquisa, Ensino e Extensão Transversalizando, desde 2012
(UFPA). Docente em psicologia na Universidade da Amazônia (UNAMA), Campus
Ananindeua, desde 2019 até o presente momento. Participante da Comissão de Exame
Nacional de Desempenho dos Estudantes (ENADE) pela Universidade da Amazônia
(UNAMA). Participação no Conselho de Curso de Psicologia e no Núcleo Docente
Estruturante (NDE) pela Universidade da Amazônia (UNAMA). Professora orienta-
dora no projeto de criação da liga acadêmica de psicologia social e saúde – LAPSES
na Universidade da Amazônia (UNAMA) Campus Ananindeua. Ministro aulas em
outros cursos que propiciam disciplinas com base na teoria da psicologia, mas espe-
cificamente na Pedagogia e Serviço Social. Principais disciplinas ministradas: Saúde
Coletiva, Psicologia Social, Psicologia Geral e Social, Psicomotricidade, entre outras.

Carlos Alberto Batista Maciel


Professor da Universidade Federal do Pará – UFPA; Doutor em Sociologia pela
UNESP/Araraquara; Endereço da UFPA: Rua Augusto Corrêa, 01 – Bairro Guamá, CEP
66075-110. Belém – PA; maciel@ufpa.br ; https://orcid.org/0000-0002-6528-1099

Carlos Jorge Paixão


Graduação em Pedagogia (Faculdades Integradas do Colégio Moderno – FICOM,
1984); Especialização em Metodologia do Ensino Superior (UNESPA, Convênio
698

MEC/SESU/CAPES, 1988); Especialização em Planejamento e Avaliação Educa-


cional ( FICOM, 1989); Mestrado em Educação (Currículo) pela PUC-São Paulo,
1993; Doutorado em Educação pela UNESP, 1999; Pós-Doutorado em Educação pela
FE-UNICAMP, sob a Supervisão do Prof. Dr. Silvio Gamboa, 2011-2012. Atuou como
Pedagogo (funções: adm. escolar no Ensino Fundamental e prof. de Ensino Médio) no
Departamento de Ensino Fundamental e Departamento de Ensino Médio da SEDUC/
PA (1983-1990). Professor do Curso de Pedagogia – FAED/ICED/UFPA e membro
do Corpo Docente Permanente do Programa de Pós-Graduação em Educação do
ICED-UFPA, atuando na linha de pesquisa Educação, Cultura e Sociedade (Mestrado
e Doutorado). Docente com experiência de ensino e pesquisa na área de Educação,

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com ênfase em: História da Educação; Filosofia da Educação; Cultura Epistemológica;
Epistemologia e Teorias da Educação; Epistemologia, Didática e Prática Docente.
Grupos de Pesquisa / Diretório do CNPq: 1) líder do Grupo de Estudos e Pesquisas
Sobre Teorias, Epistemologias e Métodos da Educação – EPsTEM / UFPA; 2) pes-
quisador colaborador do Grupo de Estudos e Pesquisas PAIDEIA da FE-UNICAMP.

Carolina da Natividade Rodrigues Correa


Atualmente é bolsista voluntária no Laboratório de Soluções Educacionais na Univer-
sidade Federal do Pará. Tem experiência na área de Psicologia Escolar e Educacional.

Carolline Septimio Limeira


É graduada com licenciatura plena em Pedagogia pela Universidade do Estado do Pará
(UEPA- 2007), mestre em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação
(PPGED) na linha Currículo, Epistemologia e História da Universidade Federal do
Pará (UFPA- 2012) e doutora em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em
Educação- (PPGE-2019) na linha Educação, Comunicação e Tecnologia da Univer-
sidade do Estado de Santa Catarina (UDESC- 2015). É pesquisadora do Grupo de
Estudos e Pesquisas em Currículo e Formação de Professores (INCLUDERE/UFPA)
e do Observatório em Rede “Escolarização de Sujeitos com Deficiência Intelectual”
em parceria com a UNIVALI, UFRRJ e UDESC. Discute temáticas que abordam cur-
rículo, acessibilidade, educação inclusiva, formação de professores, saberes docentes
e práticas escolares. Tem experiência em Formação de Professores e Assessoramento
Técnico das escolas públicas. É servidora efetiva no cargo Especialista em Educação
da Secretaria de Estado de Educação do Pará- (SEDUC-PA) e da Secretaria Municipal
de Educação de Belém- (SEMEC- Belém). É Coordenadora do Curso de Pedagogia
e do Núcleo de Atendimento Psicopedagógico- (NAAP) da Faculdade Estácio Cas-
tanhal. Aprovada no Processo Seletivo para Professor Permanente no Programa de
Pós-Graduação em Currículo e Gestão da Escola Básica (PPEB) da Universidade
Federal do Pará- (UFPA).

Cláudio Roberto Brocanelli


Possui Graduação em Filosofia pela Universidade do Sagrado Coração (USC –
Bauru-SP) (1997). Cursou Teologia no Instituto Teológico Rainha dos Apóstolos
(Marília-SP). É mestre em Educação pela Universidade Estadual Paulista Júlio de
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 699

Mesquita Filho – UNESP de Marília (2006); dissertação: “Filosofia para crianças:


contribuições de Matthew Lipman” (bolsista CAPES). Tem experiência nas áreas de
Filosofia e Educação. É doutor em Educação pela Universidade Estadual Paulista Júlio
de Mesquita Filho – UNESP de Marília – março de 2006 a janeiro de 2010; tese: “O
Ensino de Filosofia e o filosofar e a possibilidade de uma experiência filosófica na
atualidade” (bolsista CNPq). É membro do Grupo de Estudos e Pesquisa em Ética,
Educação e Sociedade – GEPEES. É Professor Assistente Doutor junto ao Departa-
mento de Administração e Supervisão Escolar (DASE) da Faculdade de Filosofia e
Ciências – FFC/UNESP – Marília. Desenvolve pesquisa sobre Filosofia, Educação
e Ensino de Filosofia com o Projeto: Cultura Filosófica e Educação, atualmente com
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estudos sobre Filosofia na América Latina.

Cristiane Bremenkamp Cruz


Professora no Programa de Pós-Graduação em Psicologia (PPGP) da Universidade
Federal do Pará (UFPA) Campus Belém e na Faculdade de Educação (FACED) da
UFPA Campus Bragança. Pós doutora em Psicologia Institucional pela Universidade
Federal do Espírito Santo (UFES). Doutora em Educação pela UFES com período
de imersão de pesquisa na Library of Tibetan Works and Archives (LTWA – Índia).
Mestre em Psicologia pela Universidade Federal Fluminense (UFF/RJ) e graduada em
Psicologia pela UFES. Compõe o Grupo de Estudos e Pesquisas em Desenvolvimento
Humano, Aprendizagem Escolar, Inclusão e Diversidade (GEPDAD-UFPA), o Núcleo
de Estudos e Pesquisas em Subjetividade e Políticas (NEPESP-UFES), o Núcleo de
Estudos e Pesquisas em Educação (NEPECS-UEMG) e o GT Políticas da Subjeti-
vidade, ligado à Associação Nacional de Pesquisadores em Psicologia (ANPEPP),
dedicando-se ao estudo de ecologias atencionais nos processos educativos, análise dos
processos de medicalização da educação – especialmente voltados ao diagnóstico de
TDAH – epistemologias e práticas decoloniais na educação, processos clínico-insti-
tucionais, saúde de trabalhadoras(es) no contexto escolar, interseccionalidade como
ferramenta analítica, produção de subjetividade e práticas educacionais feministas/
antirracistas na Amazônia paraense. É tutora na Residência Multiprofissional em
Saúde da Mulher e da Criança (UFPA-Bragança).

Cristina Simone de Sousa Reis


Graduada em Pedagogia – UFPA e Serviço Social – UNOPAR. ESPECIALISTA em
Psicopedagogia (UFRJ) e ESPECIALISTA em Gestão escolar (UEPA), servidora
efetiva da Prefeitura Municipal de Capanema e SEDUC-PA. – Mestranda do Pro-
grama de Pós-Graduação em Psicologia, Linha de Pesquisa: Psicologia, Sociedade
e Saúde da Universidade Federal do Pará – UFPA. – Membro do Comitê Municipal
do PAR (Plano de Ações Articuladas – MEC) 2008 à 2009 – Membro do Conselho
da Comunidade (secretaria do conselho fiscal), Poder Judiciário de Capanema, Biê-
nio 2013-2015 – Membro do Conselho do FUNDEB, Representante do Executivo
Municipal, Biênio 2015-2017 – Membro do Grupo de Estudos e Pesquisa sobre
processos de subjetivação na contemporaneidade.
700

Daiana Malito
Possui graduação em Psicologia pela Universidade Federal Fluminense (2009) e
mestrado em Psicologia Estudos da Subjetividade pela Universidade Federal Flumi-
nense (2011). Atualmente trabalha com Saúde Mental no Programa de Assistência
Ambulatorial em Niterói. Tem experiência nas áreas de Psicologia Social e Psicolo-
gia Clínica, atuando principalmente nos seguintes temas: micropolítica, juventudes,
políticas públicas e produção de subjetividade.

Daiane Gasparetto da Silva


Graduada em psicologia pela Universidade Federal do Pará, mestra e doutora pelo

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Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Pará. Espe-
cialista em Neuropsicologia. Áreas de interesse: psicologia social; psicologia da
educação; psicologia do desenvolvimento. Integrante do Grupo de Pesquisa Trans-
versalizando. Em 2015, atuou como docente no Plano Nacional de Formação de
Professores da Educação Básica (PARFOR) e, entre 2015 e 2017, como professora
substituta na Faculdade de Educação da Universidade Federal do Pará. Atua, desde
2019, como professora substituta do Departamento de Psicologia da Universidade
do Estado do Pará e como Psicóloga/Técnica em Gestão Penitenciária do Estado do
Pará (SEAP). No período de 2020 a 2022, participou como membro da Comissão
Editorial da revista Psicologia: Ciência e Profissão. Desde 2022 compõe quadro
docente da Escola de Administração Penitenciária. Em exercício como conselheira
do CRP 10 – PA/AP, na presidência da Comissão de Ética do XI Plenário, tendo
atuado, igualmente, como conselheira no X Plenário. Artista da cena.

Daniel dos Santos Fernandes


Possui doutorado em Ciências Sociais/Antropologia pela Universidade Federal do
Pará (2008), mestrado em Letras: Lingüística e Teoria Literária pela Universidade
Federal do Pará (2002) e graduação em Pedagogia/Administração Escolar pela Uni-
versidade do Estado do Pará (1997). Professor Colaborador no Programa de Pós-
-Graduação em Estudos Antrópicos na Amazônia, Membro externo do Núcleo de
Estudos Afro-brasileiro e Indígena (NEABI) IFPA/Campus Tucuruí, Membro do
Conselho Editorial da Nova Revista Amazônica/PPLSA, tem experiência na área
de Antropologia, com ênfase em Antropologia Cultural e Visual, trabalhando com
comunidades tradicionais ribeirinhas e pesqueiras. Vice-coordenador do COLA-
BORATÓRIO DE INTERCULTURALIDADES, INCLUSÃO DE SABERES E
INOVAÇÃO SOCIAL(COLINS)/UFPA Campus Castanhal-PPGEAA. Associado
efetivo na Associação Brasileira de Antropologia – ABA e associado da Sociedade
Brasileira para o Progresso da Ciência – SBPC.

Daniele Vasco Santos


Professora Adjunta do Curso de Psicologia da Universidade Federal do Tocantins/
UFT (Campus Miracema). Professora e Pesquisadora do Programa de Pós-Graduação
em Psicologia da Universidade Federal do Pará (PPGP/UFPA). Possui Graduação em
Psicologia pela Universidade Federal do Pará/UFPA (2002). Mestra em Educação/
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 701

UFPA (2009). Doutora em Educação/UFPA (2017). Integra o Grupo de Pesquisa


Transversalizando: ensino, pesquisa-intervenção e extensão/UFPA. É associada à
Associação Brasileira de Psicologia Social (ABRAPSO) e à Associação Brasileira de
Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE). Foi docente na Universidade Federal
do Sul e Sudeste do Pará/UNIFESSPA e na Estácio-SEAMA/Amapá. Realiza estu-
dos nos campos da Medicalização da Infância e da Educação; Psicologia e Relações
Raciais; Psicologia Escolar e Educacional; Psicologia do Desenvolvimento. Atuou
como psicóloga nos campos das políticas públicas de saúde e da assistência social.
Compôs a Comissão de Psicologia e Relações Raciais do Conselho Regional de Psi-
cologia (CRP) 10º Região Pará/Amapá (2017-2019). Possui Formação em Processo
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Grupais pela Sociedade Brasileira de Dinâmica de Grupos (SBDG).

Danieli de Lemos Pantoja


Possui graduação em Psicologia pela Universidade da Amazônia (2010). Tem expe-
riência na área de Psicologia, com ênfase em Psicologia Social e Clínica.

Danilo Mercês Freitas


Professor substituto da área de Comunicação e Expressão na Universidade Fede-
ral Rural da Amazônia. Graduando em Psicologia pela UFPA. Mestre em Estudos
Literários pela UFPA. Graduado em Licenciatura em Letras (Habilitação em Língua
Portuguesa) pela UFPA com trabalho final apresentado sobre os aspectos estético-
-ideológico no conto de Mário de Andrade. Tem experiência na área de Letras e
Psicologia, com ênfase em Literatura, atuando principalmente nos seguintes temas:
Literatura Brasileira Moderna e Literatura Comparada.

Danielle Seabra Negrão da Silva


Psicóloga, pós-graduanda em Psicologia Existencial, Humanista e Fenomenológica
pelo Centro Universitário Faveni, pós-graduanda em Filosofia e Direitos Humanos
pela Faculdade Futura. Atua em consultório particular, realizando psicoterapia com
crianças, adolescentes, adultos e idosos à luz da Abordagem Centrada na Pessoa e
realiza acompanhamento psicológico de pessoas com Transtorno do Espectro Autista
no Centro de Atenção à Pessoa com Autismo, participando da intervenção com equipe
multidisciplinar. Tem como interesse de estudos temas transversais, como: Psicotera-
pia Humanista/Fenomelógico/Existencial; Ludoterapia Humanista Centrada; Relações
de gênero e Direitos humanos; Filosofia e Existencialismo.

Deborah Lima Klajnman


Pós doutoranda pela USP, Doutora em Psicanálise pela Universidade do Estado
do Rio de Janeiro (UERJ) com cotutela em Psicologia pela Université Côte d’azur
(UNICE- França), mestre em Clínica e Pesquisa em Psicanálise pela UERJ, especia-
lista em Clínica Psicanalítica pelo Instituto de Psiquiatria da UFRJ (IPUB) e graduada
em Psicologia pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Possui experiência
em docência, psicologia clínica, saúde mental com ênfase em Psicanálise, psico-
logia hospitalar e assistência social. Atualmente atende em consultório particular,
702

é professora da graduação da Universidade Nove de Julho e pesquisa os seguintes


temas: psicopatologia, diagnóstico diferencial e metapsicologia psicanalítica, Direitos
humanos e negacionismo em sua articulação com a Psicanálise.

Débora Miranda Amaral


Graduanda em Psicologia na Universidade Federal do Pará – UFPA.

Débora Wanzeler de Carvalho


Graduanda em Psicologia na Universidade Federal do Pará – UFPA.

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Dolores Cristina Gomes Galindo
Possui Pós-Doutorado (2015-2016), Doutorado (2006) e Mestrado (2002) em Psi-
cologia Social pela Universidade Católica de São Paulo (PUCSP), com Doutorado
Sanduíche na Universidade Autônoma de Barcelona (2004). Graduada em Psicologia
pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), em 1999. Atua como professora
no Programa de Pós-Graduação em Estudos de Cultura Contemporânea da Universi-
dade Federal de Mato Grosso. Foi vice-coordenadora e posteriormente coordenadora
do Programa de Pós-Graduação (Mestrado e Doutorado) em Estudos de Cultura
Contemporânea. Na graduação, atua como docente lotada no Instituto de Educação
da Universidade Federal de Mato Grosso (2013-2014). Lidera o Grupo de Pesquisa
Laboratório Tecnologias, Ciências e Criação (LABTECC) desde 2010. Atua como
docente nos Programas de Pós-Graduação em Estudos de Cultura Contemporânea e
em Psicologia da UFMT. Como convidada, orienta no Programa de Pós-Graduação
em Psicologia e Sociedade da UNESP/Assis. Foi da Diretoria Nacional da Associação
Brasileira de Psicologia Social – ABRAPSO (2016-2017), Conselheira Alterna da
ULAPSI (2016-2017) e integrou a Coordenação da Red Latinoamericana de posgra-
dos em estudos sobre a cultura – ReLaPec (2014-2016). Compõe o GT Conhecimento,
Subjetividade, Práticas Sociais da ANPEPP. Foi vice-presidente da Regional Cen-
tro-Oeste da Associação Brasileira de Psicologia Social – ABRAPSO (2012-2013)
e secretária (2014-2015). É membro associado da ESOCITE.BR – Associação Bra-
sileira dos Estudos Sociais das Ciências e Tecnologias, da ABRAPSO – Associação
Brasileira de Psicologia Social e SBPC – Sociedade Brasileira para o Progresso
da Ciência. Coordenou a Comissão de Internacionalização do Fórum de Ciências
Humanas, Sociais e Aplicadas. Atua como Editora de Section of Athenea Digital:
revista de pensamiento y investigacion Social (UAB-Espanha) e integra o corpo de
pareceristas de diversos periódicos nacionais e internacionais.

Dorivaldo Pantoja Borges Junior


Mestrando pelo Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal do
Pará (PPGP/UFPA), na linha de pesquisa Psicanálise: teoria e clínica. Pós-graduando
em Psicanálise com crianças e adolescentes pelo Instituto de Pós-graduação e Gradua-
ção (IPOG). Graduado em Psicologia pela Universidade da Amazônia (UNAMA). Atua
como psicoterapeuta (CRP 10/08412) de base psicanalítica em consultório particular,
atendendo adolescentes e adultos. Além disso, exerce atividades de responsabilidade
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 703

técnica na Clínica Escola de Psicologia (CLIPSI) da Universidade da Amazônia


(UNAMA), campus Alcindo Cacela. Possui interesse nas áreas de Psicologia Clínica
e Psicologia da Saúde, versando em temas como: psicanálise, psicopatologia funda-
mental, psicossomática, clínica em HIV/aids, bem como o amor na clínica e na cultura.

Edilson da Costa Albarado


Doutorando em Educação no PPGED/UFPA (bolsista CAPES). Mestre em Sociedade
e Cultura na Amazônia pela UFAM (área de concentração: Processos Socioculturais
na Amazônia). Especialista em Educação Ambiental Urbana pela ESAB. Graduado
em Pedagogia pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM). Atuou como pro-
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fessor substituto no Curso de Pedagogia no Instituto de Ciências Sociais, Educação e


Zootecnia (ICSEZ/UFAM), (2013 a 2014 e 2018 a 2019). Atuou como professor no
Curso de Pedagogia no PARFOR (2013, 2014) e no Curso de Educação do Campo
– FECAMPO/UFPA (2018). É membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Edu-
cação do Campo e Territorialidades Amazônicas – CANOA; Grupo de Estudos e
Pesquisas em Educação do Campo na Amazônia (GEPERUAZ/UFPA) e do Grupo
de Estudos e Pesquisas em Educação no Ambiente Amazônico (GEPEAM/UFAM).
Tem experiência na área de educação, com pesquisa na área de ciências sociais e
aplicadas e sociologia, turismo comunitário sustentável, práticas socioambientais e
bem viver amazônida. Atuando em temas como: meio ambiente, prática pedagógica,
educação infantil, formação continuada de professores, história da educação, educa-
ção ambiental, ecodesenvolvimento, desenvolvimento sustentável, sustentabilidade,
desenvolvimento local, povos amazônidas, gestão de recursos naturais, educação do
campo, educação indígena, movimento ribeirinho e pescadores, políticas públicas,
educação popular, educação freiriana, cooperativismo e associativismo, Amazônia
e saberes do trabalho, da cultura e da natureza dos povos amazônidas.

Edilson Mateus Costa da Silva


Doutor pelo Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do
Pará (2019). Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em História da Universidade
Federal do Pará (2010). Professor do Ensino Fundamental e Médio da Secretaria do
Estado de Educação do Pará (SEDUC-PA). Integrante do Projeto SEI (Sistema Edu-
cacional Interativo) da SEDUC-PA. Integrante da Equipe ProBNCC como redator de
Ciências Humanas e Sociais Aplicadas do Documento Curricular do Estado do Pará.
Experiência em ensino e pesquisa nas áreas de História e Música Popular, Teoria da
História e Historiografia, Ensino de História, Metodologia da Pesquisa Científica,
Metodologia do Ensino.

Edna C. M. Moia Caldeira


Graduada em Psicologia-UFPA.

Edval Bernardino Campos


Professor da Universidade Federal do Pará – UFPA; Doutor em Ciência Polí-
tica pelo IUPERJ; Endereço da UFPA: Rua Augusto Corrêa, 01 – Bairro Guamá,
704

CEP 66075-110. Belém – PA; edval.campos@hotmail.com ; https://orcid.


org/0000-0002-8252-4881

Elayne Maria Furtado Batista


Graduanda em Psicologia na Universidade Federal do Pará – UFPA.

Eli da Silva Duarte


Possui graduação em História pela Universidade Federal do Tocantins (2015). Gradua-
ção em Pedagogia pela Unicesamar, Mestrado Cultura e Território pela Universidade
Federal do Tocantins. Professor no Curso de Pedagogia, Fisioterapia,Educação Física

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No Centro Universitário Planalto do Distrito Federal em Araguaina -TO. Professor
da rede estadual de filosofia,história,sociologia.

Elisena Uchôa Medeiros


Assistente Social. Especialista em Gestão de Clínicas pelo Sírio Libanês. Formadora
da Atenção e Gestão da Política Nacional de Humanização – SUS Pará. Especializa-
ção em Acupuntura – ABA. Atuação profissional na Coordenação Estadual de Saúde
Mental, Álcool e outras Drogas da Secretaria de Estado de Saúde Pará – SESPA.
E-mail: uchoaelis@yahoo.com.br

Elizandra Fernandes Reis da Silva


Mestre em Estudos Literários pela Universidade Federal do Pará.

Ellen Aguiar da Silva


Graduação em Licenciatura Plena em Pedagogia pela Universidade Federal do Pará
(UFPA) em 2000, Especialização em Educação Infantil na Universidade do Estado
do Pará (UEPA) em 2003, Mestrado no Programa de Pós-Graduação em Psicolo-
gia (PPGP) pela Universidade Federal do Pará (UFPA) em 2014, Doutorado pelo
Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGED) pela Universidade Federal do
Pará (UFPA) em 2018. Exerce a função de Especialista em Educação Classe II – em
unidade de ensino vinculada à Secretaria do Estado do Pará (2022). Tenho experiência
na área de Gestão Escolar, Planejamento de ensino, Coordenação Pedagógica nas
Séries Iniciais e Finais do Ensino Fundamental e Docência em Ensino Superior na
Rede Pública Federal.

Emanuel Messias Aguiar de Castro


Possui graduação em Psicologia pela Universidade Estadual do Ceará (2014,), Espe-
cialização em Saúde mental pela mesma universidade e mestrado em Psicologia pela
Universidade Federal do Ceará (2017). Doutor em Psicologia pela Universidade
Federal do Ceará (2021). É professor do curso de psicologia da Faculdade Princesa
do Oeste. Tem como principais campos de interesses: políticas públicas, psicaná-
lise, epistemologia, teorias críticas da sociedade, filosofia da diferença e os estudos
decolonialsitas. Nos últimos anos tem se dedicado ao estudo das Neurociências e
das Psicopatologias Psiquiátricas.
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 705

Fabiola Colombani
Possui graduação em Psicologia pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mes-
quita Filho – UNESP/Assis (2000), especialização em Psicologia Escolar e Educa-
cional pelo CFP – Conselho Federal de Psicologia (2008), mestrado em Psicologia
pela UNESP/Assis (2009) na linha de Infância e Realidade Brasileira, doutorado em
Educação pela UNESP/Marília(2016) na linha Psicologia da Educação: Processos
Educativos e Desenvolvimento Humano – financiado pela CAPES e Pós-Doutorado
pela UNESP/ Marília (2017) pelo programa de Educação, financiado pela CAPES/
Edital PNPD com estágio na Universidad de Buenos Aires (2017). Tem experiên-
cia em docência presencial, ensino a distância e tutoria desde (2009), nos cursos
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de Psicologia, Serviço Social, Administração, Ciências Contábeis e Pedagogia nas


disciplinas: Psicologia Escolar, Psicologia do Desenvolvimento, Teorias da Apren-
dizagem, Orientação de TCC, História da Psicologia, Psicologia Sociointeracionista,
Psicologia Construtivista, Educação Inclusiva, Psicologia Organizacional e Gestão de
Pessoas. É membro do GEPEES (Grupo de Estudos e Pesquisa em Educação, Ética
e Sociedade) e do Conselho Municipal de Assistência Social – CMAS do município
de Marília no triênio 2021/2024. Atualmente exerce a função de Coordenadora da
Clínica Escola do curso de Psicologia da Universidade de Marília (Unimar) e atua
como docente e supervisora de estágio do curso de Psicologia na área de Psicologia
Escolar. Tem experiência na área de Saúde Mental e Políticas Públicas no qual atuou
na UBS de Campos Novos Pta no período de janeiro de 2002 a dezembro de 2020.
Atuou também como Psicóloga Escolar Municipal no mesmo período, com ênfase em:
Saúde, Infância, Educação e Família. É pesquisadora nos seguintes temas: psicologia
escolar e da aprendizagem, medicalização, ética, moral e educação.

Fabíola da Silva Costa


Terapeuta ocupacional-UFPA. Mestranda-UFSCAR.

Fabricia Maria de Alcântara da Costa


Graduanda em Psicologia na Universidade Federal do Pará – UFPA.

Fabrício Moraes Pereira


Possui graduação em Licenciatura Plena em Biologia pelo Instituto Federal de Edu-
cação, Ciência e Tecnologia do Pará (2010); Especialização em Planejamento e
Gerenciamento Ambiental (FIBRA, 2011); Especialização em Microbiologia: Área
Ambiental (UFPA 2014); Mestrado em Saúde, Ambiente e Sociedade na Amazônia
(UFPA, 2019); Graduação em andamento em Odontologia (UFPA); Foi professor de
Ciências (SEMEC – Belém, 2013-2019). Atualmente, faz parte do Núcleo de Progra-
mas e Projetos (NUPRO/COEF – SEMEC – Belém) e auxilia na equipe de formação
de professores de Ciências (SEMEC – Belém). Participa do Grupo de Pesquisa Saúde
Interdisciplinar da Amazônia (ICS/UFPA). Tem experiência nas áreas de Ciências
Naturais, Saúde e Educação, atuando principalmente nos seguintes temas: Ensino de
Ciências e Biologia, Metodologias Ativas de Ensino-Aprendizagem, Educação em
Saúde na Amazônia, Saúde Escolar e Programa Saúde na Escola, Saúde Coletiva,
706

Pesquisa Qualitativa, Colaboração Intersetorial, Políticas Públicas, Radiologia e


Imaginologia Odontológica.

Fernanda Nazaré da Luz Almeida


Doutoranda em Psicologia Social pela Universidade Federal do Pará – UFPA (2022-
2026). Mestre em Psicologia pela Universidade Federal do Pará – UFPA, na linha de
pesquisa Psicologia, Saúde e Sociedade. Psicóloga de formação pela Universidade da
Amazônia (2001), especialista com MBA em Gestão de Pessoas pela Fundação Getú-
lio Vargas – FGV. Atualmente Coordeno o Programa Fazendo Justiça pelo Programa
das Nações Unidas Para Desenvolvimento – PNUD e Conselho Nacional de Justiça

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– CNJ. Tenho experiência na área de docência de ensino superior, atuando princi-
palmente nos seguintes temas: recursos humanos, liderança, gestão e administração.

Fernanda Souza da Silva


Graduanda em Psicologia-UFPA.

Flávia Cristina Silveira Lemos


Possui Graduação em Psicologia/UNESP (1999). Pedagoga, Especialista em Psico-
pedagogia Clínica e Institucional. Mestre em Psicologia e Sociedade/UNESP (2003).
Doutora em História Cultural/UNESP (2007). Realizou Pós-Doutorado em Psicologia
e Subjetividade, na UFF, sob supervisão da Prof.ª Dr.ª Maria Lívia Nascimento, em
2016. Foi bolsista FAPESP no Doutorado. É professora associada III, na Graduação
e no Programa de Pós-graduação em Psicologia/UFPA. Foi professora colaboradora
no Programa de Pós-graduação em Educação/UFPA. Integrou a Comissão de Direi-
tos Humanos do Conselho Federal de Psicologia (2017-2019). Integrante do Fórum
sobre Medicalização da Educação e da Sociedade. Foi Conselheira Titular no Con-
selho Federal de Psicologia (gestão 2011-2013). Foi coordenadora do Programa de
Pós-graduação em Psicologia/UFPA (gestão 2011-2013). Foi vice-coordenadora do
Programa de Pós-Graduação em Psicologia/UFPA (gestão 2010-2011). É Bolsista de
Produtividade do CNPq-PQ-2, desde 2013. Integra o GT ANPEPP Psicologia Política.
Compõe o GT Deleuze da ANPOF. Foi membro da Diretoria Nacional da ABRAPSO
(2016-2017). Integrou a Diretoria Nacional da ABEP (2017-2019) e integra a nova
Diretoria Nacional da ABEP (2019-2022). É associada à: ABRAPSO, ABPP, ABRA-
PEE e ABEP. Participa do Grupo “Produção de subjetividade e estratégias de poder
no campo da infância e juventude”. Coordena o Grupo Transversalizando. Realiza
estudos sobre: modos de subjetivação contemporâneos, práticas de medicalização e
judicialização da vida; psicologia, justiça e políticas públicas; recepção sócio-his-
tórica de Michel Foucault no Brasil e filosofia da diferença; psicologia, formação,
epistemologia e história; cidade, cultura e subjetividade; dispositivo clínico, saúde
mental e direitos de crianças e adolescentes. Realiza estudos sobre Deleuze, Foucault
e Guattari, em Esquizoanálise, Filosofia da Diferença e Arqueogenealogia. Foi asses-
sora especial na Pró-Reitoria de Extensão da UFPA, de 2018 a 2021. Coordenadora
de Relações Interinstitucionais na Pró-reitoria de Extensão, desde junho de 2021.
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 707

Francisca Maria Véras Linhares


Psicóloga formada pela UFPI, Mestranda em Psicologia pela UFDPar. E-mail: tches-
caveras@gmail.com

Francisco Teixeira Portugal


Possui Graduação em Psicologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1992),
Graduação em Engenharia Elétrica pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de
Janeiro (1989), Mestrado em Psicologia (Psicologia Clínica) pela Pontifícia Uni-
versidade Católica do Rio de Janeiro (1995) e Doutorado em Psicologia (Psicologia
Clínica) pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (2002). Atualmente
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é Professor Associado 3 da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Tem experiência


na área de Psicologia, com ênfase em Psicologia Social, atuando principalmente nos
seguintes temas: história da psicologia, história da psicologia no brasil, psicologia
social, psicologia e educação.

Geffison José Costa da Silva


Possui Licenciatura em Filosofia pela Faculdade Pan Americana (2013 a 2016) e gra-
duação em Teologia pelo Instituto de estudos Superiores De São Paulo (2006 a 2009).
Atualmente é Professor de Filosofia, Competência socioemocional e Projeto de Vida.

Geovana Dara Pereira de Oliveira


Psicóloga. Especialista em Gestalt terapia pelo Instituto Gestalt do Ceará. Mestranda
em Psicologia pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade
Federal do Ceará (UFC). Integrante do Paralaxe: Grupo interdisciplinar de estudos,
pesquisas e intervenções em Psicologia Social Crítica da UFC. E-mail: geovanad.
psi@gmail.com

Gerfson Oliveira
Psicólogo graduado pela Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública – EBMSP (2005);
Doutor em Medicina e Saúde (EBMSP, 2020); Mestre em Saúde, Ambiente e Trabalho
(UFBA, 2011); Especialização, sob forma de Residência Multiprofissional, em Saúde
da Família (SESAB, 2008); Especialização em Avaliação Psicológica (Universidade
Paulista, 2012); Especialização em Micropolítica da Gestão e do Trabalho em Saúde
(Universidade Federal Fluminense, 2018) e Especialização em Práticas Integrativas e
Complementares em Saúde – PICS (Cruzeiro do Sul, 2020). Tem experiência na área
de Saúde Coletiva, Saúde Mental, Gestão em Saúde, PICS, Psicologia Clínica e do
Trabalho. Atualmente trabalha como psicólogo clínico e do trabalho, é professor de
Graduação e Pós-Graduação da Escola Baiana de Medicina e Saúde Pública e Tutor
do Programa de Residências Integradas em Saúde da Família FESF-SUS/FIOCRUZ.

Gilson Pompeu Pinto


Possui graduação em Química Lic. e Bach., mestrado em Ciências da educação –
UNIVERSIDADE AMERICANA (2015), mestrado em Acadêmico em Química
708

Inorgânica pela Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (2019) e doutorado


em EM CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO – UNIVERSIDADE AMERICANA (2018).
Atualmente é técnico administrativo – laboratório de química da Universidade Federal
do Sul e Sudeste do Pará.

Giuliana Volfzon Mordente


Doutoranda e mestre em Psicologia pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia
da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Psicóloga formada pela Universidade
Federal do Rio de Janeiro (2016). Pedagoga formada pelas Faculdades Integradas
de Ariquemes (FIAR). Como experiência, participou de estágio em Psicopedagogia

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com o atendimento de crianças com dificuldades de aprendizagem, leitura e escrita,
na Divisão de Psicologia Aplicada, UFRJ; e do estágio em Clínica Psicanalítica a
partir do atendimento de crianças, adolescentes e adultos, na mesma instituição.
Integrou os projetos de extensão “PARCERIAS: Atendimento ao Adolescente em
Conflito com a Lei e sua inserção no sistema de garantia de direitos” e o projeto de
pesquisa “Subjetivação: efeitos do sistema legal e normativo sobre a formação da
subjetividade analisados a partir de Foucault e Deleuze”. Tem experiência na área de
Psicologia Social (subárea: Jurídica), Psicologia Clínica, Psicopedagogia e Educação,
atuando principalmente nos temas de direitos humanos, produção de subjetividade,
psicanálise e educação.

Guillermo Arias Beatón


É psicólogo com Doutorado em Ciências Pedagógicas pelo Instituto Central de Ciên-
cias Pedagógicas de Cuba (1987) e Mestrado em Psicodrama e Processos Grupais
(2009). Atualmente é Professor Titular da Faculdade de Psicologia da Universidad
de Havana, Foi Professor Adjunto do Instituto Pedagógico Enrique José Varona.
Na atualidade, é Presidente da Cátedra L.S. Vygotski da Faculdade de Psicología
da Universidade de Havana, professor do Doutorado Profissionalizante desta facul-
dade e realiza outras atividades docentes. Dirigiu o trabalho de aperfeiçoamento
da Psicologia Educacional e Educação Especial e participou da educação inicial e
pré-escolar e primária entre 1971 E 1991, no Ministério da Educação. Ele realizou
inúmeras investigações na área de desenvolvimento infantil, atendimento a crianças
com necessidades educacionais especiais e serviços de aconselhamento em psicologia.
Criou, organizou e dirigiu o Centro de Aconselhamento e Atendimento Psicológico
da Faculdade de Psicologia da Universidade de Havana. Ele tem inúmeras publi-
cações sobre os assuntos mencionados e participação em eventos internacionais e
nacionais. Participou em intercâmbios acadêmicos e trabalhos científicos conjuntos
em Institutos de Pesquisa da Antiga Academia de Ciências Pedagógicas da ex-URSS.
Ele ministrou cursos e palestras em universidades e centros de pós-graduação no
México, Chile, Estados Unidos, Brasil, Espanha, Noruega, Itália, Reino Unido, Porto
Rico, Costa Rica e Colômbia. Foi Professor Visitante em Universidades de Porto
Rico, México, Espanha e Brasil em Programas de Mestrado e Doutorado, na área
da Psicologia Educativa, Psicologia Clínica e Psicodrama. As principais linhas de
pesquisa estão relacionadas ao estudo de famílias e professores capazes de promover
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 709

o desenvolvimento de seus filhos e estudantes, aplicação do enfoque histórico-cultural


no campo da Educação, da Orientação Psicológica, da Saúde Mental, da Psicologia
Social, por conta do psicodrama e processos grupais e do estudo de sujeitos que
apresentam problemas e dificuldades de aprendizagem. Trabalha na sistematização
crítica dos conhecimentos produzidos pelo enfoque histórico-cultural.

Heidiany Katrine Santos Moreno


Possui graduação em Ciências sociais pela Universidade Federal do Pará-UFPA
(2009). Atualmente é professora – SECRETARIA ESTADUAL DE EDUCAÇÃO(-
SEDUC). Tem experiência na área de Sociologia, trabalha com temáticas ligada a
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gênero e relações étnicas raciais.

Helder Corrêa Luz


Possui Graduação em Pedagogia pela Universidade Federal do Pará (2004), Gra-
duação em Psicologia pela Universidade Federal do Pará (2020) e Graduação em
Filosofia pela Universidade de Santo Amaro (2020); Especialização em Gestão de
Saúde pela Universidade Federal do Pará, Especialização em Desenvolvimento Ins-
titucional, Gestão Pública, Orçamentária e Financeira pelo Núcleo de Altos Estudos
Amazônicos da UFPA (inconcluso); Mestrado em Serviço Social pela Universidade
Federal do Pará (2013); e é doutorando em Psicologia pela UFPA. Atualmente é pro-
fessor – Secretaria Executiva de Educação do Pará. Atua principalmente nos seguintes
temas: gestão em saúde, subjetividade, educação, filosofia africana, pensamento de
Foucault, Deleuze e Guatari.

Hélio Moraes Araújo


Graduado em Direito pelo Centro Universitário Tocantinense Presidente Antônio Car-
los (2011). Pós-Graduado em Direito Público pela Universidade Anhanguera – Uni-
derp (2014) com área de conhecimento em Ciência sociais, Negócios e Direito, Curso
de Direito Eleitoral pela Faculdade Católica Dom Orione, Curso de graduando em
Psicologia pela Faculdade Católica Dom Orione, Curso de Informática e Datilografia
Computadorizada, Informática (Windows, Word, Excel, PowerPoint, Digitação).

Ilka Joseane Pinheiro Oliveira


Possui Graduação em História pela Universidade Federal do Pará (2002). Tem expe-
riência na área de História, com ênfase em História Indígena, História e Cultura
Afro-brasileira, Formação de Professores para Educação das Relações Étnico-raciais.
Atua principalmente nos seguintes temas: índios, século XVIII, Rio Negro, Lei nº
10.639/03, heranças culturais afros na Amazônia. É especialista em “ Africanidades
e Saberes Afro-brasileiros na Amazônia – Para a Implementação da Lei nº 10.639/03.
Atuou como Técnica em Gestão Pública na Coordenação de Educação Profissional(-
COEP) da SEDUC/PA durante 9 meses. Atou como Técnica em Gestão Pública na
Coordenadoria de Educação para a Promoção da Igualdade Racial (COPIR), ambos
setores da SAEN (Secretaria Adjunta de Ensino) da Secretaria de Educação do Estado
do Pará, entre 2010 e 2012. Tais experiências se configuraram no planejamento e
710

execução de ações de formação de professores da rede estadual de ensino, principal-


mente na temática da Educação das Relações Étnico-raciais. Atualmente é professora
de História da rede básica de ensino, SEDUC/PA . Está afastada para a licença apri-
moramento. É mestra em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação
(PPGED-ICED) da Universidade Federal do Pará e membro do grupo de pesquisa
EPSTEM (Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Teorias, Epistemologias e Métodos
da Educação) do referido programa. Doutoranda do PPGED/UFPA, turma 2020.
Projeto relacionado ao corpo, corporeidade e ethos afrobrasileiro.

Ingrid Bergma da Silva Oliveira

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Terapeuta Ocupacional (UEPA), Doutora em Psicologia Clínica pelo Núcleo de
Subjetividade da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo, Mestre em
Psicologia Clínica e Social (UFPA), Especialista em Saúde do Trabalhador (Fiocruz/
UFPA). Terapeuta Ocupacional na SESPA – Secretaria de Saúde do Estado do Pará
desde 2006; Docente do curso de Terapia Ocupacional da Universidade do Estado
do Pará – UEPA desde 2008, com experiências e pesquisas voltadas à Saúde Mental,
Pessoas em privação de liberdade, Atividades e Recursos Terapêuticos em Terapia
Ocupacional, Motricidade Humana, Pesquisa Qualitativa em Saúde, Metodologias
Ativas de Aprendizagem. Co-coordenadora do PRACTO – Grupo de Pesquisa em
Práticas Clínicas na Terapia Ocupacional.

Ítala Suzane da Silva Figueiredo


Psicóloga. Atualmente, é mestranda em Saúde, Ambiente e Sociedade na Amazônia
na Universidade Federal do Pará (UFPA), na linha de pesquisa Sócio-antropologia,
Política, Planejamento e Gestão em Saúde na Amazônia. Especialista em Psicologia
da Saúde através da Residência Multiprofissional em Saúde/Nefrologia, da Univer-
sidade Estadual do Pará (UEPA)/Fundação Hospital das Clínicas Gaspar Vianna
(FHCGV)/Ministério da Saúde (MS). Com experiência em atendimento clínico,
pesquisa, atendimento individual e em grupo no âmbito da saúde: Hospital Geral
(Clínica médica, UTI, hemodiálise e diálise peritoneal), Clínica de Hemodiálise
(Centro de Hemodiálise Monteiro Leite (CHML), Transplante Renal (Hospital Ophir
Loyola), Nefropediatria (Santa Casa do Pará) e Unidade Municipal de Saúde da
Pratinha (Hiperdia – Estratégia Saúde da Família). Certificado pela Universidade
Estatual do Pará o reconhecimento de melhor trabalho de conclusão do Programa de
Residência Multiprofissional em Nefrologia, trabalho este intitulado: “Uma escuta
das vivências, dos sentimentos e das expectativas de mães de crianças com insufi-
ciência renal crônica”. Seus principais campos de interesse são a psicologia clínica
e da saúde, saúde coletiva e psicanálise.

Jeanne Alcantara Vinagre


Socióloga. Bacharel em Direito. Atuação profissional na Coordenação Estadual de
Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas da Secretaria de Estado de Saúde Pará –
SESPA. E-mail: jeannevinagre@yahoo.com.br
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 711

Jessica Kellen Correa da Silva


Biomédica. Habilitada em Análises Clínicas e Acupuntura. Atuação profissional em
clínica particular. E-mail: kellenjessica2511@gmail.com Lattes: http://lattes.cnpq.
br/6038538428641154

Jéssica Modinne de Souza e Silva


Docente do curso de Psicologia e Educação Física (Bacharelado) da Faculdade Está-
cio Belém – Campus Nazaré (Belém/PA) e coordena o grupo de estudos em gênero,
sexualidade, raça, classe e território chamado Ver-O-Gênero, na mesma instituição.
Também atuou como coordenadora do Núcleo de Apoio e Atendimento Psicopeda-
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gógico da Faculdade Estácio Belém – Campus Nazaré. Doutoranda e mestra pelo


Programa de Pós-Graduação em Psicologia (PPGP) da Universidade Federal do Pará
(UFPA) e graduada em Psicologia/Formação do Psicólogo pela mesma instituição.
Tem experiência e ênfase em Psicologia Social, tanto na área de pesquisa, quanto
na vivência em docência. É pesquisadora do grupo de estudos Transversalizando
(UFPA). Integrou a Comissão de Gênero do Conselho Regional de Psicologia da 10ª
Região (CRP/10). Trabalha com os seguintes temas para pesquisa: saúde mental e
saúde da mulher na Amazônia; gênero; internet, redes sociais e discursos midiáticos;
estudos e métodos foucaultianos; psicanálise e esquizoanálise; Anticolonialismo;
História Oral; Teoria Feminista Comunitária; Psicologia Social; Psicologia Política;
Relações Raciais, de Classe e de Sexualidade. Foi educadora popular e psicóloga
no Cursinho Popular da Rede EMANCIPA-PA. Atua também como artista visual,
usando as técnicas de colagem digital, desenho e pintura para compor ilustrações,
charges e quadrinhos. Membro do coletivo M.AR. – Mulheres Artistas Paraenses.

Jeyson Lucena da Silva


Mestre em Educação pelo PPGED/UFS. Especialista em Ciências Criminais pela
Faculdade Social da Bahia (2013); Especialista em Docência na Educação Infan-
til pelo Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas, FMU (2018);
Especialista em Filosofia/Sociologia e Direito Educacional, pela Faculdade Única de
Ipatinga, FUNIP (2019). Bacharel em Direito pela Universidade Tiradentes (2010)
e Letras Português-Formação pedagógica, pela Universidade Estácio de Sá (2021).
Graduando no curso de Licenciatura em Teatro, pela Universidade Federal de Sergipe.
Membro dos Grupos de pesquisa CNPq: Educação e Contemporaneidade (EDUCON)
e Arte, Diversidade e Contemporaneidade (ARDICO). Advogado. Atualmente, exerce
a função de Assessor de Magistrado pelo Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe.

Jheuren Karoline Costa de Souza


Mestranda pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade
Federal do Pará (PPGA-UFPA), sob orientação da Profa. Dra. Jane Felipe Beltrão.
Atualmente, desenvolve trabalhos com comunidades ribeirinhas do Pará para o
Departamento Nacional de Infraestrutura e Transporte (DNIT). Bacharel em Ciên-
cias Sociais pela Universidade Federal do Pará (UFPA), período em que foi bolsista
de Iniciação Científica pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
712

Tecnológico (CNPq) e estagiária no Centro de Perícia do Ministério Público Fede-


ral. (MPF-PA).

Joabe Duarte Gomes da Silva


Graduando de Direito da Faculdade Católica Dom Orione – TO.

Joana Maria Veiga de Lima


Formada em Psicologia pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Foi bolsista
de Iniciação Científica (PIBIC-UFPA) do Projeto de Pesquisa “A violência contra
crianças e adolescentes: perfil dos casos notificados em Belém - Pará pré e pós

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pandemia de COVID 19” coordenado pela Profa. Dra. Milene Maria Xavier Veloso,
financiado pela Fundação Amazônica de Amparo a Estudos e Pesquisas (FAPESPA).
Participante do Grupo de Estudos de Autores de Violência (GEAV), do Laboratório
de Ecologia e Desenvolvimento (LED) da UFPA, e do Grupo de Pesquisa Transver-
salizando. Acadêmica de Odontologia pelo Centro Universitário FIBRA (FIBRA),
atualmente no 5⁰ semestre. Possui interesse nas áreas de Saúde Pública e Coletiva,
Neurociências e Neuropsicologia, Psicologia da Saúde e Hospitalar, Psicologia Social
e Comunitária, Cuidados Paliativos e a temática da Morte e do Luto, Odontologia
social e preventiva, Odontologia forense, Estomatologia e Patologia Oral. E-mail
para contato: joanamlima2020@gmail.com

João Cariello de Moraes


Tem experiência na área de Psicologia, com ênfase em Educação. Atua na elabora-
ção, execução e acompanhamento de Políticas Públicas de Educação no Estado do
Rio de Janeiro. Exerce o cargo de Analista Executivo, perfil psicólogo, na Secre-
taria de Estado de Educação (SEEDUC/RJ). Possui graduação em Psicologia pela
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) com intercâmbio na Universidad
de Salamanca (USAL). Mestre em Psicologia pela Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ) com período sanduíche na Faculdade de Educação da Universitat
de Barcelona (UB). Atualmente é doutorando no Programa de Pós-Graduação em
Psicologia na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

João Paulo Pereira Barros


Professor Adjunto do Departamento de Psicologia da UFC (Setor de Estudos de
Psicologia Social). Foi coordenador do Programa de Pós-Graduação em Psicologia
da Universidade Federal do Ceará (UFC) de janeiro de 2019 a julho de 2020, tendo
sido vice coordenador do Programa entre julho de 2017 a dezembro de 2018. Neste
programa de pós-graduação, orienta dissertações, teses e supervisiona pós-doutorado.
É Editor Associado da Revista Psicologia: Ciência e Profissão, ligada ao Conselho
Federal de Psicologia, e Editor Associado da Revista de Psicologia da UFC, ligada
ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia daquela instituição. Doutor em Edu-
cação, mestre e graduado em Psicologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC).
Especialista em Saúde Mental pela Universidade Estadual do Ceará (UECE). Foi
professor efetivo do Curso de Psicologia da Universidade Federal do Piauí (UFPI),
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 713

na área de Psicologia e Saúde Coletiva. Tem experiência nas áreas de Psicologia


Social/Psicologia Comunitária, Psicologia Escolar/Educacional e no campo da Saúde
Coletiva/Saúde Mental. Lider do VIESES-UFC: Grupo de Pesquisas e Intervenções
sobre Violência, Exclusão Social e Subjetivação, cadastrado no diretório de grupos
de pesquisa do CNPQ e como Programa de Extensão do Departamento de Psico-
logia da UFC. É membro do GT/ANPEPP “Territorialidades, Violências, Políticas
e Subjetividades”. Editor Associado da Revista Psicologia Ciência e Profissão, do
Conselho Federal de Psicologia (CFP), e da Revista de Psicologia da UFC. É membro
do Conselho Consultivo do Comitê Cearense pela Prevenção de Homicídios na Ado-
lescência, que reúne universidades, sociedade civil, assembleia legislativa do Ceará
Editora CRV - Proibida a impressão e/ou comercialização

e UNICEF. Participou, como especialista convidado, da elaboração das Referências


Técnicas para Atuação da/o Psicóloga/o nas Políticas Públicas de Segurança e das
Referências Técnicas para Atuação da/o Psicóloga/o em Medidas Socioeducativa
em Unidades de Internação, do CREPOP, do Conselho Federal de Psicologia (CFP).
Foi relator do Comitê de Ética em Psicologia da UFC de 2014 a 2018. Participou da
fundação da Rede Jubra, em 2017, articulação nacional de pesquisadoras e pesqui-
sadores sobre Juventude. Dedica-se aos seguintes temas, a partir de interlocuções da
Psicologia Social com referencias pós-estruturalistas, decoloniais e da criminologia
crítica: aspectos psicossociais da violência na contemporaneidade; neoliberalismo
e seus processos de subjetivação; territorialidades, micropolíticas e (re)existências
coletivas; pesquisas participativas e produção de conhecimento em Psicologia.

John Lennon Lima e Silva


Sou formado em História e possuo uma especialização em História Contemporânea;
atualmente curso o mestrado em Psicologia Social pela Universidade Federal do Pará.
Minha pesquisa é baseada em uma análise documental sobre a legislação escolar e a
dinâmica dos dispositivos disciplinares associados ao ensino; estudo também sobre
movimentos políticos de viés conservador, buscando uma melhor compreensão sobre
aspectos relacionados a raça, cor, gênero e religião inseridos no currículo escolar e
as manifestações da biopolítica/biopoder, a partir da teoria Foucaultiana. Integra o
Grupo de Estudos e Pesquisa em Filosofia Moderna e Contemporânea – COGITANS/
UEPA; o Grupo de Pesquisa Transversalizando – PPGP/UFPA.

Joice de Melo Batista


Psicóloga (CRP 24/04157) pela Fundação Universidade Federal de Rondônia (UNIR),
atualmente trabalha como Psicóloga Social no Patronato Penitenciário – Associação
Cultural e de Desenvolvimento do Apenado e Egresso (ACUDA). Foi pesquisadora
de Iniciação científica vinculada ao Centro de Estudos e Pesquisa em Saúde Mental
e Trabalho na Amazônia, além de voluntária no Programa: Em busca dos Raros do
Laboratório de Genética Humana, no Projeto de Extensão: Retrato de Vidas Raras.
Estagiou na área de Psicologia e Processo Educativos em Políticas Sociais e Clinica
do Trabalho. Atua principalmente nos seguintes temas: psicologia, psicologia social,
psicologia e saúde, doenças neurodegenerativas, população em situação de rua, saúde
714

mental do trabalhador, psicologia jurídica, políticas públicas, políticas públicas e


egressos do sistema prisional.

José Araújo de Brito Neto


Possui graduação em Direito pelo Centro Universitário do Maranhão (2005). Espe-
cialização em Direito Público pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
(2006). É Mestre em Psicologia (2015) pelo Programa de Pós-Graduação em Psi-
cologia da Universidade Federal do Pará (UFPA) e profissional liberal – Ordem dos
Advogados do Brasil – Seção Pará. Tem experiência na área de Direito, com ênfase
em Direito Público, atuando principalmente nos seguintes temas: políticas públicas,

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direitos humanos, políticas sobre drogas.

Júlia Maria Cardoso Silva Ferreira


Psicóloga formada pela Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública. Está cursando
o Mestrado Profissional em Psicologia e Intervenções em Saúde pela Escola Bahiana
de Medicina e Saúde Pública.

Juliana da Silva Nóbrega


Possui graduação em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas
(2002), mestrado em Psicologia (Psicologia Social) pela Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo (2006) e doutorado em Psicologia Social pela Universidade
de São Paulo (2013). Atualmente é docente da Universidade Federal de Rondônia, no
Departamento de Psicologia e no Programa de Pós-Graduação em Psicologia. Tem
experiência na área de Psicologia, com ênfase em Psicologia Social, atuando princi-
palmente nos seguintes temas: autogestão, economia solidária, ruralidades, educação
e trabalho. É membro do Grupo Amazônico de Estudos e Pesquisas em Psicologia e
Educação (GAEPPE). Vice-coordenadora da Incubadora de Cooperativas Populares
da Universidade Federal de Rondônia (INCOOP-UNIR).

Karla Dalmaso Sousa


Graduada em Psicologia pela Universidade Federal do Pará. Especialista em Adminis-
tração e Planejamento de Projetos Sociais pela Universidade Grande Rio. Mestre em
Serviço Social pelo Programa de Pós-graduação em Serviço Social da Universidade
Federal do Pará. Doutoranda do PPGP/UFPA na linha de pesquisa Psicologia Saúde
e Sociedade. Trabalhou como psicóloga na Prefeitura Municipal de Abaetetuba/PA
junto ao Centro de Testagem e Aconselhamento em DST/AIDS e na Secretaria Muni-
cipal de Assistência Social do município de Barcarena/PA entre os anos 2002 e 2008.
Atualmente é servidora efetiva do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, no cargo
de Analista Judiciária apoio especializado – Psicologia, atuou como facilitadora de
círculos para construção da paz em justiça restaurativa do TJPA. Membro suplente
(CRP/10) do Conselho Estadual de política Penitenciária COPEN-PA, e desde 2008
atua na Central de Equipe Multidisciplinar – CEM/VEP da Vara de Execuções Penais
da Região Metropolitana de Belém.
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 715

Kátia Faria de Aguiar


Possui Graduação em Psicologia pela Universidade Santa Úrsula (1981), Mestrado
em Educação pela Universidade Federal Fluminense (1990), Doutorado em Psico-
logia (Psicologia Social) pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2002),
Pós Doutorado no Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social e Institucional/
UERJ, Pós Doutorado no Programa de Pós-Graduação em políticas Públicas e For-
mação Humana/ UERJ. Atualmente é Professora Associada da Universidade Federal
Fluminense. Tem experiência na área de Psicologia, com ênfase em Psicologia Social,
nos campos da educação, saúde e assistência. Desenvolve pesquisas e intervenções,
numa perspectiva micropolítica, com interesse na produção de subjetividades nos
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processos de formação e de gestão e no diálogo com trabalhadores sociais e organiza-


ções populares. Associada da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em
Psicologia e da Associação Brasileira de Psicologia Social. Vice-líder do NUTRAS
– Núcleo de Estudos e Intervenção em Trabalho, Subjetividade e Saúde, pesquisa-
dora vinculada ao Grupo de Pesquisa: Produção de Subjetividade e Estratégias de
Poder no Campo da Infância e da Juventude-UERJ. Integra o Núcleo de Educação
do Conselho Regional de Psicologia/RJ, do Fórum sobre a Medicalização da Edu-
cação, da Sociedade e do Movimento da Economia Solidária. É atual Presidente da
CAPINA: cooperação e apoio a projetos de inspiração alternativa, ONG que atua
no apoio e assessoria a organizações de movimentos sociais no campo da economia
dos setores populares. Publicou artigos acadêmicos, textos técnicos e coorganizou os
livros: Economia dos setores populares, sustentabilidade e estratégias de formação
(OIKOS), distintas faces da questão social: desafios para a psicologia (ABRAPSO)
e dossiês de Colóquios Internacionais – Michel Foucault: a judicialização da vida.

Kátia Faria de Aguiar


Possui Graduação em Psicologia pela Universidade Santa Úrsula (1981), Mestrado
em Educação pela Universidade Federal Fluminense (1990), Doutorado em Psicologia
(Psicologia Social) pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2002) e Pós
Doutorado no Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social e Institucional /
UERJ. Atualmente é professora associada da Universidade Federal Fluminense. Tem
experiência na área de Psicologia, com ênfase em Psicologia Social, nos campos da
educação, saúde e assistência. Desenvolve pesquisas e intervenções, numa perspectiva
micropolítica, com interesse na produção de subjetividades nos processos de formação
e de gestão e no diálogo com trabalhadores sociais e organizações populares.

Kelen Sabriny Martins Santana


Graduanda em Psicologia – Formação do Psicólogo, na Universidade Federal do
Pará (UFPA), com experiência em Laboratórios de Análises Clínicas, Citopatologia
e Genética Humana e Médica, desta Universidade.

Larissa Azevedo Mendes


Doutoranda em Psicologia-linha de pesquisa: Psicologia, Sociedade e Saúde –
Programa de Pós Graduação da Universidade Federal do Pará-UFPA. Mestra em
716

Psicologia- linha de pesquisa: Psicologia, Sociedade e Saúde-pela UFPA. Possui Gra-


duação em Psicologia pela Universidade da Amazônia-UNAMA. Tem experiência na
área da SAÚDE com ênfase em: CLÍNICA, ENSINO-APRENDIZAGENS, PSICO-
LOGIA SOCIAL E EDUCACIONAL, atuando principalmente nos seguintes temas:
Educação, Medicalização, Saúde mental, Saúde Coletiva, Clínica ampliada, Psicologia
Política e Social. Perspectivas Foucaultianas e Modos de Subjetivação. Membro
da Associação Brasileira de Ensino de Psicologia-ABEP, Associação Brasileira de
Psicologia Social-ABRAPSO, Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em
Psicologia-ANPEPP. Participa do grupo de estudos, pesquisa e extensão Transversa-
lizando UFPA/CNPQ. Atuou como conselheira no Conselho Regional de Psicologia

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10ª Região e no Conselho Estadual da Política sobre Drogas do Estado do Pará.

Larissa Ribeiro Nogueira de Lima


Psicóloga graduada na Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública (EBMSP) em
2018. Possui experiência na área de autismo, a partir da atuação no Centro de Inte-
gração da Infância (CIRANDA), em 2015; Participou do Projeto de Extensão Redes
Candeal, com o qual adquiriu experiência com matriciamento em saúde; e Bahianescer,
no qual vivenciou experiências e práticas de educação em saúde, arte e cultura com
adolescentes. Compôs a Liga Acadêmica de Saúde Coletiva (LIGASCO) da EBMSP;
Realizou estágio curricular no Centro de Atenção Psicossocial Gregório de Matos
(CAPS-Ad), em 2018; Contribuiu com a construção da Tenda de Educação Popular
em Saúde na EBMSP. Foi membra do Centro Acadêmico de Psicologia da EBMSP;
Compõe o Grupo de Pesquisa Psicologia, Diversidade e Saúde inscrito no CNPq e
certificado pela EBMSP; Desenvolveu o Trabalho de Conclusão de Curso com o tema
Usuárias da Rede de Atenção Psicossocial: Especificidades pelo olhar de profissio(nós)
de saúde, sendo submetido para publicação. Atualmente (2020) escreve o artigo “Nó
rompido pelas mulheres: Estruturas sociais e resistência feminina em saúde mental”.

Léa Cláudia de Souza Lemos Soares


Graduanda em Psicologia-UFPA.

Leandro Passarinho Reis Júnior


Pós-Doutorando em Psicologia/Departamento de Psicologia da Aprendizagem, Desen-
volvimento e Personalidade pela Universidade de São Paulo – USP. Doutor em Educa-
ção – Currículo, Epistemologia e História pela UFPA. Mestre em EDUCAÇÃO pela
UEPA. Possui graduação em PSICOLOGIA e CIÊNCIAS BIOLÓGICAS pela Univer-
sidade Federal do Pará. Atualmente é Professor Adjunto III da Faculdade de Ciências
Biológicas do Instituto de Ciências Biológicas – ICB/UFPA e Professor-Pesquisador
do Programa de Pós-graduação em Psicologia (PPGP) da Universidade Federal do
Pará – UFPA, Linha de Pesquisa: Psicologia, Saúde e Sociedade. Tem experiência na
área de EDUCAÇÃO com ênfase em PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO
HUMANO, ENSINO-APRENDIZAGENS, FORMAÇÃO DE PROFESSORES,
PSICOLOGIA SOCIAL, EDUCACIONAL E DA SAÚDE, atuando principalmente
nos seguintes temas: Educação, MEDICALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO, EDUCAÇÃO
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 717

AMBIENTAL, Educação Inclusiva, Educação em Saúde, Mal-Estar Docente, Psico-


logia da Educação, Psicologia Social e da Saúde, Perspectivas Foucaultianas e Modos
de Subjetivação. Membro da Associação Brasileira de Psicologia Social – ABRAPSO
e da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Psicologia-ANPEPP. Tutor
de Psicologia do Programa de Residência Multiprofissional em Saúde – Oncologia
do Hospital Universitário João de Barros Barreto/HUJBB/UFPA. Consultor Ad hoc
de Pesquisa da Universidade do Estado do Pará – UEPA. Atualmente é Vice-Coor-
denador do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do
Pará – UFPA e Psicólogo Supervisor da Clínica Psicológica Virtual da UFPA.
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Lêda Lessa Andrade Filha


Psicanalista, professora adjunta da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública
(EBMSP). É doutora em Psicologia pela Universidade Federal da Bahia, mestre em
Psicologia Clínica pela Universidade de Brasília, e graduada em Psicologia pela
Universidade Federal da Bahia/. Foi docente, supervisora e coordenadora adjunta no
Programa de Residência em Psicologia Clínica e Saúde Mental (UFBA/Secretaria
de Saúde do Estado da Bahia/Hosp. Juliano Moreira). Atende em consultório parti-
cular e foi servidora da SESAB com atuação no Hospital Juliano Moreira. Faz parte,
como pesquisadora, do Grupo de Pesquisa (inscrito no CNPq) intitulado Psicologia,
Diversidade e Saúde, da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, coordenando
o projeto intitulado Psicanálise: Clínica e Contemporaneidade (vinculado à Linha
de Pesquisa Psicanálise, Cultura e Corpo). Participou anteriormente, na condição
de estudante, dos grupos de pesquisa Caminhos da subjetivação na modernidade e
contemporaneidade: caracterizações psico-analíticas (UnB) e Clínica Psicanalítica:
Interfaces, Controvérsias e Perspectivas (UFBA). Orienta trabalhos na graduação e na
pós-graduação, faz supervisão de estágio, e tem nos seguintes temas os seus principais
interesses: psicanálise, saúde mental, clínica psicanalítica, sujeito, metodologias ativas
(PBL). É editora de seção da Revista Psicologia, Diversidade e Saúde. Participou
do Colégio de Psicanálise da Bahia por 26 anos, tendo sido membro da instituição.

Leila Cristina da Conceição Santos Almeida


Possui graduação em Pedagogia pela Universidade da Amazônia (2003), graduação
em Filosofia pela Universidade Federal do Pará (1998), Especialização em Psicologia
Educacional com ênfase em Psicopedagogia pela Universidade do Estado do Pará
(2011), Mestrado em Psicologia Social pela Universidade Federal do Pará (2013)
e Doutorado em Educação pela Universidade Federal do Pará (2018). É servidora
pública da SEDUC/PA, atualmente é assessora técnica no Conselho Estadual de
Educação, atuando como Secretária da Câmara de Educação Superior. É Docente
desde 2015 da Universidade da Amazônia (UNAMA) e pesquisadora no grupo Trans-
versalizando da UFPA. Avaliadora Ad hoc de periódico. Tem experiência na área de
Educação, atuando principalmente nos seguintes temas: Filosofia da Educação, Cur-
rículo, Políticas públicas educacionais, Educação em Direitos Humanos, Psicologia
da aprendizagem e processos de medicalização da vida.
718

Letícia Carneiro da Conceição


Possui graduação em História pela Universidade de São Paulo (2003), mestrado em
Educação pela Universidade Federal do Pará (2014) e doutorado em Educação pela
Universidade Federal do Pará (2021). Atualmente é professora – Secretaria Muni-
cipal de Educação de Belém/PA e Secretaria de Estado de Educação do Pará. Tem
experiência na área de Educação, com ênfase em Educação de Jovens e Adultos,
atuando principalmente nos seguintes temas: epistemologia, educação de jovens e
adultos, biopolítica, juvenilização e esvaziamento escolar.

Lorena Cotias Macêdo

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Psicóloga formada pela Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública (EBMSP) no
ano de 2021.1. Fez parte do Grupo de Pesquisa (inscrito no CNPq) intitulado “Psico-
logia, Diversidade e Saúde”, da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, como
aluna integrante do projeto intitulado “Psicanálise: Clínica e Contemporaneidade”
(vinculado à Linha de Pesquisa “Psicanálise, Cultura e Corpo”). Foi membro da Liga
Acadêmica de Psiquiatria (LAP), da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública.
Faz formação em Psicanálise pelo Núcleo de Atenção Psicológica – NAPSI. Rea-
lizou trabalho voluntário no Hospital Dia, na área da saúde mental, no Instituto de
Convivência Estudo e Pesquisa – ICEP Nise da Silveira. Áreas de interesse: saúde
mental, toxicomanias e clínica psicanalítica.

Luana Karolina dos Santos Amorim


Psicóloga formada pela Universidade Federal do Pará, em agosto de 2022.

Luciana Batista da Silva


Possui graduação em Psicologia pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mes-
quita Filho – Campus de Assis (1999), mestrado em Psicologia – UNESP – Faculdade
de Ciências e Letras de Assis (2008) e doutorado em Psicologia pela Faculdade de
Ciências e Letras – Unesp – Assis (2021). Experiência como Diretora de Relacio-
namento Corporativo do Instituto Social, Desenvolvimento, Ensino e Pesquisa e
como Professora Substituta junto ao Departamento de Psicologia Social da UNESP/
Assis. Atua na área de Psicologia, com ênfase em Psicologia Social, Institucional e
Organizacional, Processos Grupais e Controle Social, atuando principalmente nos
seguintes temas: produção de subjetividades, novas tecnologias, contemporaneidade,
sustentabilidade, políticas públicas, genealogia, novos arranjos familiares, criança e
adolescente (Brasil, Estatuto da criança e do adolescente),

Luciana Lobo Miranda


Doutora em Psicologia pela PUC-RJ, com estágio doutoral no Programa de Ciência
da Educação em Paris 8, França. Pós-doutorado no Programa de Psicologia Social
Crítica e Personalidade pela City University of New York (CUNY), EUA. Professora
Titular do Departamento de Psicologia da Universidade Federal do Ceará (UFC).
Bolsista de Produtividade em Pesquisa 2 – CNPq. Coordenadora do Laboratório
em Psicologia, Subjetividade e Sociedade (LAPSUS). Coordenadora do Projeto
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 719

de Extensão É da Nossa Escola que falamos (UFC). E-mail: lobo.lu@uol.com.br


ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7838-8098

Luciana Vieira Caliman


É professora colaboradora do Programa de Pós-graduação em Psicologia Institu-
cional da UFES (PPGPSI). entre 2021 e 2022, foi professora adjunta convidada da
Escola Superior de Educação de Lisboa. Entre 2009 a 2017, atuou como professora
do Departamento de Psicologia da Universidade Federal do Espirito Santo (UFES)
da qual encontra-se licenciada. A pesquisadora possui pós-doutorado pelo Centro de
Estudos Sociais (CES) de Coimbra, Portugal, e pelo Instituto de Psicologia da Uni-
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versidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Doutora e Mestre em Saúde Coletiva


pelo Instituto de Medicina Social (IMS) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(UERJ). No Brasil, integra o Núcleo de Pesquisa Cognição e Coletivos (NUCC) e
a Rede de Estudos de Práticas Conectivas em Políticas Públicas (Conectus). Tem
se dedicado à pesquisa da atenção e dos processos de medicalização e medicamen-
talização atuais, especialmente no que tange ao Transtorno do Deficit de Atenção/
Hiperatividade (TDAH). Seus estudos são orientados por uma perspectiva ecológica
da atenção e pela prática de pesquisa cartográfica.

Luciano Dias
Pós-doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade
Federal Rural do Rio de Janeiro – PPGPSI/UFRRJ; Bolsista pelo Programa Nacional
de Pós-Doutorado – PNPD/CAPES, lucianodsdias@gmail.com.

Lucivaldo da Silva Araújo


Docente do Departamento de Terapia Ocupacional (DETO) da Universidade do
Estado do Pará (UEPA). Pós-doutorado em Psicologia (UFPA/2017), Doutor em Psi-
cologia Clínica (PUC-SP/2015), Mestre em Psicologia Clínica e Social (UFPA/2007)
e Especialista em Desenvolvimento Infantil (UEPA/2004). Coordenador do Curso
de Terapia Ocupacional da UEPA. Terapeuta Ocupacional (UEPA/2002), coorde-
nador do Grupo de Pesquisa Práticas Clínicas em Terapia Ocupacional (PRACTO/
UEPA/CNPQ), pesquisador vinculado ao Grupo de Pesquisa em Ciência da Ocupação
(UFPA/CNPQ), Núcleo de Pesquisas Fenomenológicas (NUFEN/UFPA/CNPQ) e
Grupo de estudo e pesquisa das práticas Clínicas em Psicologia (PUC-SP/CNPQ).
Interesses atuais: religiosidade e saúde, fenomenologia do cuidado, saúde mental
(Clínica das Psicoses e Dependência Química), fenomenologia existencial herme-
nêutica e ciência da ocupação.

Luís Adriano da Silva


Graduado em Filosofia.

Luiz Felipe Maciel da Silva


Graduado em Psicologia pela Universidade da Amazônia (UNAMA). Participou dos
grupos de estudo: “Relações de gênero, feminismos e violências” e “Abordagem
720

centrada na pessoa” na UNAMA. Tem experiência na área de Psicologia Clínica, nas


modalidades de Plantão Psicológico e Clínica Tradicional, e nas áreas de Psicologia
Organizacional e Psicologia Escolar. Desenvolveu pesquisas relacionadas aos temas:
Relações de Gênero, Violência Contra a Mulher, Gênero e Sexualidade. Tem interesse
nas áreas de Psicologia Clínica, Escolar, Saúde/Hospitalar e Social.

Luma Cristiana Maria da Silva Pereira


Graduanda em Psicologia na Universidade Federal do Pará – UFPA.

Lyah Santos Corrêa

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Possui graduação em Psicologia pela Universidade Federal do Pará (2013) e mestrado
em Psicologia Social também pela mesma instituição (2018). Atualmente trabalha
como psicóloga clínica. Também possui afinidade com os seguintes temas: gênero,
corpo e sexualidade com foco em diversidade sexual.

Maico Fernando Costa


Psicólogo e Doutor em Psicologia e Sociedade pela UNESP/Assis-SP. Correspondente
no Brasil da Associação Analyse Pratique Psycho-Sociale (Paris-França). Consultor
ad hoc da Revista Psicologia em Estudo (Qualis A1) – UEM. Psicólogo pelo Acolhi-
mento Integrado da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP),
vinculado à Comissão de Inclusão e Pertencimento (CIP).

Marcelo Moraes Moreira


Possui graduação em Psicologia pela Universidade da Amazônia (1995), pós-gradua-
ção lato sensu pela Universidade Católica de Brasília (2009) e Mestrado em Psicologia
Social e Clinica pela Universidade Federal do Pará (2013). Tem boa capacidade para
falar em público e boa experiência como palestrante. É professor do ensino superior,
com experiência de docência nos cursos de Psicologia, Farmácia, Nutrição, Fisiotera-
pia, Odontologia, Enfermagem, Direito, Educação Física e Administração. Também
dou aulas na Pós-graduação lato sensu nas áreas da Educação, Saúde e Engenharias.
Já teve a oportunidade de assumir a Coordenação do curso de Psicologia por quase
03 anos numa IES, onde pôde aprender muito nas relações com o corpo docente e
discente. Atualmente, está na Coordenação do Curso de Psicologia da Faculdade
Estácio Belém, além da docência nesse curso. É Psicanalista em formação, vinculado
ao Círculo Psicanalítico do Pará – CPPA.

Marcelo Ribeiro de Mesquita


Doutorando em Psicologia PPGP/UFPA na linha Psicologia, saúde e sociedade orien-
tado pela Profa. Dra Flávia Cristina Silveira Lemos. Mestre em Currículo e Gestão
da Escola Básica pelo Programa de Pós-graduação em Currículo e Gestão da escola
básica (PPEB) do Núcleo de Estudos Transdisciplinares em Educação Básica (NEB)
da Universidade Federal do Pará UFPA. A pesquisa foi na linha de Currículo da
Educação Básica e foi orientado pelo Professor Doutor Wladirson Cardoso, sendo a
pesquisa voltada para currículos em projetos de aceleração da aprendizagem a partir
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 721

das ferramentas de Foucault. Possuo Graduação em pedagogia pela Universidade


do Estado do Pará e especialização em Tecnologias em educação pela PUC – RIO.
Atuo profissionalmente como professor de Educação Básica pela Rede municipal
de Educação de Belém e como Especialista em Educação pela Rede Estadual de
Educação. Membro do Grupo de Estudos e Pesquisa em Filosofia Moderna e Con-
temporânea – COGITANS.

Márcia da Silva Carvalho


Graduação em Pedagogia, pela Universidade de Santo Amaro, Especialista em Práti-
cas de Alfabetização e Letramento pela Pontifícia Universidade Católica-Puc/Minas,
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mestra em Educação pela Universidade Federal do Pará, doutoranda pela Universi-


dade do Estado do Pará. Tem experiência na área de saberes culturais amazônicos,
Planejamento, formação de professores, com ênfase em CIÊNCIAS HUMANAS,
atuando principalmente nos seguintes temas: educação, pedagogia social, cultura e
cotidiano. Integrante Grupo de Estudos e Pesquisas Sobre Teorias, Epistemologias e
Métodos da Educação – EPsTEM / UFPA. Integrante do Grupo de Estudos e Pesquisa
Pedagogia em movimento/GEPPEM/UEPA.

Márcia Roberta de Oliveira Cardoso


Possui formação em Psicologia pela Universidade Federal do Pará (2004). É espe-
cialista em Gestão em Saúde Pública pela Universidade do Estado do Pará (2008)
e especialista em Educação em Saúde para Preceptores do SUS pelo Hospital Sírio
Libanês em parceria com Ministério da Saúde. É mestre em Psicologia pelo Pro-
grama de Pós-graduação em Psicologia da UFPA (2013). Doutora em Psicologia pelo
Programa de Pós-graduação em Psicologia da UFPA (2022). Possui experiência na
área de Gestão, Planejamento, Formação em Saúde Pública e Psicologia Hospitalar.
Atualmente trabalha como psicóloga hospitalar no Hospital Universitário João de
Barros Barreto (HUJBB-CHU-UFPA).

Márcio Bruno Barra Valente


Doutor em Psicologia pelo Programa de Pós-Graduação de Psicologia pela Uni-
versidade Federal do Pará (UFPA – Belém), linha de pesquisa: fenomenologia,
teoria e clínica, pesquisando luto por Covid-19 na Pandemia no Brasil. Mestre
em Psicologia pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), pesquisando
paternidade como uma performance de gênero a partir da crítica feminista pós-es-
truturalista. Graduado em Psicologia pela Universidade da Amazônia (UNAMA)
e em Ciências da Religião pela Universidade Estadual do Pará (UEPA). Também
possuiu formação como facilitador de Processos Circulares na área da violência
doméstica e familiar, de conflitos, de círculos de paz e da Justiça Restaurativa pelo
Tribunal de Justiça do Estado do Pará (TJ-PA). Autor do livro: A Bondade em meio
à barbárie nos testemunhos do Holocausto e outros ensaios (2020). Realiza atendi-
mento psicológico clínico (CRP-10ª 05004) com jovens adultos, adultos e idosos
a partir da Abordagem Centrada na Pessoa. Possui experiência profissional como
docente em Instituição de Ensino Superior, precisamente, no curso de Psicologia,
722

assim como coordenador de curso de graduação e de projetos de pesquisa e exten-


são. Realiza pesquisa nas áreas da Psicologia, Psicologia Social e Clínica, com
ênfase no pensamento desenvolvido no século XX, sobretudo na Fenomenologia
Hermenêutica, na Literatura do Testemunho, no Pensamento Pós-Estruturalista.
Atualmente desenvolve a partir da pesquisa de doutorado uma Clínica Psicológica
do Luto por Covid-19. Atualmente, trabalha como docente do curso de Psicologia
da Faculdade Estácio de Belém.

Marcos Valério Santos da Silva


Mestre em Saúde Pública (EERP-USP) e Doutor em Ciências Farmacêuticas pela

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Universidade de São Paulo (2004). Atualmente é diretor da Faculdade de Farmácia
da UFPA, tem experiência na área de Saúde Coletiva, com ênfase em Gestão, Plane-
jamento e Avaliação Saúde, atuando principalmente nos seguintes temas: Assistência
farmacêutica, Farmacovigilância, Farmacoepidemiologia e Cuidado Farmacêutico,
Membro do Grupo de Trabalho em Fitoterapia e Homeopatia do Conselho Federal
de Farmácia. Coordenador do Núcleo de Excelência em Cuidado Farmacêutico e do
Ambulatório de Cuidado Farmacêutico.

Maria da Conceição Gomes da Silva


Licenciada em História. Doutoranda e Mestra em Psicologia pelo Programa de Pós-
-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Ceará (UFC). Integrante do
Paralaxe: Grupo interdisciplinar de estudos, pesquisas e intervenções em Psicologia
Social Crítica da UFC. E-mail: ceicagomesead@gmail.com

Maria do Perpétuo Socorro Cardoso da Silva


Doutor em Semiótica e Linguística Geral (USP/2002). Mestre em Letras/Linguística
(UFPA/1997). Especialista em Língua Portuguesa (UECE/1992). Graduada em Letras
(UFPA/1983). Professor Titular e pesquisadora da UEPA, onde atua na Graduação e
na Pós-Graduação, na Linha de Pesquisa Saberes Culturais e Educação na Amazô-
nia. Tem experiência na área de Linguística, com ênfase em Cartografia linguística,
atuando principalmente nos seguintes temas: descrição, variação linguística, educação,
inclusão linguística: Língua Portuguesa/Libras e letramento na Amazônia. Cursando
Pós-Doutorado na UFRGN.

Maria Fernanda Monteiro Favacho


Graduanda em Psicologia pela Universidade Federal do Pará – UFPA. Atualmente
é bolsista de iniciação científica no projeto: “Intervenções baseadas em psicolo-
gia positiva por telessaúde em contexto pandêmico: bem-estar e saúde emocional”,
coordenado pelo professor Dr. Janari da Silva Pedroso. Participa do Laboratório de
Desenvolvimento e Saúde (LADS) e do Grupo de pesquisa e extensão Transversali-
zando. Dentre as pesquisas que desenvolve, possui interesse nas áreas da psicologia
social, psicologia da educação, grupos étnicos-raciais e processos de subjetivação
contemporâneos.
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 723

Mariane Batista Bitencourt Couto


Mestre em Psicologia Clínica e Social pelo Programa de Pós-Graduação em Psicolo-
gia da Universidade Federal do Pará (2018). Graduada em Psicologia pela Universi-
dade Federal do Pará (2014). Graduada em Pedagogia pela Universidade do Estado
do Pará (2011). Coordenadora do Curso de Bacharelado em Psicologia da Faculdade
de Educação e Tecnologia da Amazônia (FAM). Docente na Faculdade de Educação e
Tecnologia da Amazônia (FAM). Psicóloga Clínica (Psicoterapia Infantil) na Clínica
AME (Abaetetuba/PA). Foi docente Colaboradora no Plano Nacional de Formação
de Professores (PARFOR). Integrante do Grupo de Pesquisa Transversalizando.
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Marilda Castelar
Possui doutorado em Psicologia Social pela PUC-SP – Pontifícia Universidade Cató-
lica de São Paulo, mestrado em Multimeios pela UNICAMP – Universidade Estadual
de Campinas e graduação em Psicologia pela PUC Campinas – Pontifícia Universi-
dade Católica de Campinas. Possui experiência em Políticas Públicas, tendo atuado
na Prefeitura Municipal de Campinas durante 14 anos. Foi Conselheira Presidente
do CRPBA Conselho Regional de Psicologia da Bahia (Gestão 2007-2010) e Con-
selheira Suplente do CFP – Conselho Federal de Psicologia (Gestão 2010-2013).
Atua como Professora Adjunta no Curso de Psicologia, desde 2003 e no Mestrado
em Tecnologias em Saúde, desde 2012 e no Mestrado Profissional em Psicologia e
Intervenções em Saúde, na EBMSP – Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública.
Possui experiência na área de Psicologia clínica, social e em Pesquisa com ênfase nos
temas: políticas públicas de saúde, inclusão social, memória da psicologia, psicologia
social, gênero, saúde mental, relações etnico-raciais, saúde da população negra e
direitos humanos. Coordena o Grupo de Pesquisa Psicologia, Diversidade e Saúde,
inscrito no CNPq e certificado pela BAHIANA. Desenvolve os seguintes projetos
de pesquisa na atualidade: Atuação de Profissionais de Saúde nos Conselhos e na
Efetivação da Política Nacional de Saúde Mental na Bahia e Atuação de Profissionais
de Saúde nas Políticas Públicas para as Mulheres. Com experiência de orientação
Mestrado, de projetos de Iniciação Científica, de Trabalhos de Conclusão de Curso
(TCC) de graduação e especialização. Atua também como Editora Científica Revista
Psicologia Diversidade e Saúde.

Marilene Proença Rebello de Souza


Professora Titular da Universidade de São Paulo (2015). Psicóloga pelo Instituto de
Psicologia da Universidade de São Paulo (1978) e Licenciada em Psicologia pela
Faculdade de Educação da USP (1977). Mestrado, Doutorado e Livre-Docência em
Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pela Universidade de São Paulo
(1991, 1996 e 2010, respectivamente). Docente e pesquisadora do Programa de Pós-
-Graduação em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano no Instituto de
Psicologia da Universidade de São Paulo (1997-atual) e Coordenadora do Programa
de 2006 a 2014. Foi Presidente da Comissão de Pós-Graduação do IPUSP (2011-
2014). Professora do Programa de Pós-Graduação Interunidades em Integração da
América Latina da USP/ PROLAM-USP (2011 – atual) e atual Vice_Coordenadora.
724

Coordena o Laboratório Interinstitucional de Estudos e Pesquisas em Psicologia


Escolar – LIEPPE e é líder dos Grupos de Pesquisa do CNPq “Psicologia e Escola-
rização: políticas públicas e atividade profissional na perspectiva histórico-crítica”
e “Psicologia, Sociedade e Educação na América Latina”. Professora do Curso de
Graduação em Psicologia da USP. Editora Chefe da Revista Psicologia Ciência e
Profissão (2002-2004 e 2011-2013). Editora da Revista Psicologia Escolar e Edu-
cacional (2006-2008 e 2016-2020), Editora Temática da Revista Interamericana de
Psicologia – Psicologia e Educação (2019-atual) e Membro do Conselho Editorial
da Revista Psicologia Escolar e Educacional (2020-atual). Membro da Diretoria da
Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (2002-atual). Conselheira

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do Conselho Federal de Psicologia (2002 a 2004 e de 2010 a 2013) e do Conselho
Regional de Psicologia de São Paulo (2005-2007 e 2008 a 2010).Vice-Presidente
da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Psicologia – ANPEPP
(2014-2016). Diretora do Instituto de Psicologia da USP (2016-2020). Membro do
Fórum sobre Medicalização da Educação e da Sociedade e do Conselho Consultivo
da CNTU- Confederação Nacional dos Trabalhadores LIberais Universitários Regu-
lamentados. Realizou Estágio Pós-Doutoral na York University, Canadá (2001-2002).
Foi Professora Visitante nas seguintes Universidades: York University, Canadá; Ins-
tituto Politécnico Nacional, México, Departamento de Investigaciones Educativas do
Centro de Investigación y de Estudios Avanzados; Universidade de Bologna, Itália,
Faculdade de Psicologia; Universidade do Porto, Portugal, Faculdade de Psicologia
e Ciências da Educaçã e Universidade Autônoma do Perú. É Bolsista Produtividade
do CNPq, nível 1C. Coordenadora do Grupo de Trabalho Psicologia e Educação da
Sociedade Interamericana de Psicologia – SIP (2017 -2021). Membro da AHILA
– Associação de Historiadores Latinoamericanistas Europeus. Membro do GT da
ANPEPP – Psicologia e Políticas Públicas (2014 – atual) e da ANPEd Psicologia
da Educação (1997- atual). Pesquisadora e docente da área de Psicologia Escolar e
Educacional, pesquisando, principalmente, os seguintes temas: políticas públicas em
educação, formação e atuação de psicólogos, formação de professores, escolarização,
medicalização da educação e da sociedade, direitos da criança e do adolescente;
psicologia, sociedade e educação na América Latina. Presidente Atual da Academia
Paulista de Psicologia, ocupando a Cadeira no. 02, Lourenço Filho.

Mário Tito Barros Almeida


Doutor em Relações Internacionais pelo Programa de Pós-Graduação em Relações
Internacionais da Universidade de Brasília. Mestre em Economia pela Universidade
da Amazônia (2008), Licenciado em Filosofia pela Universidade Católica de Brasília
(1999), Bacharel em Teologia pela Università Pontificia Salesiana – ROMA (ITÁLIA)
(1993) e Graduado em Economia pela Universidade da Amazônia (1999). Atual-
mente é Docente da Universidade da Amazônia (UNAMA), da Faculdade Católica
de Belém e da Faculdade Cosmopolita. Foi professor do Plano Nacional de Formação
de Educadores (PARFOR) da Universidade Federal Rural da Amazônica – UFRA.
É pesquisador do Grupo de Pesquisa Transversalizando, da Universidade Federal do
Pará. É Servidor Público Federal do Incra, tendo exercido o cargo de Ouvidor Agrário
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 725

Regional do INCRA SR 01, na mediação de conflitos agrários. Tem experiência nas


áreas de Docência Superior, Filosofia, Relações Internacionais. Economia, Ciências
da Religião e Administração Pública.

Miguel Pereira de Assis


Possui graduação em Psicologia pela Escola Superior da Amazônia (2017) e gra-
duação em Administração pela Universidade da Amazônia (2011); especialista em
Saúde Mental pela ESAMAZ e especialista em segurança do trabalho pela UNAMA.

Milena Lisboa
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Graduada em Psicologia.

Milene Maria Xavier Veloso


A Profa. Milene Maria Xavier Veloso possui graduação em Psicologia pela Univer-
sidade Federal do Pará (1993), mestrado em Saúde Pública pela Fundação Oswaldo
Cruz (2001) e doutorado em Psicologia pelo Programa de Pós-Graduação em Teoria
e Pesquisa do Comportamento/UFPA (2015). Realizou estágio doutoral na Uni-
versidade do Minho em Portugal no grupo de pesquisa em Sociologia da Infância,
financiado pela CAPES (2014). É professora Associada III da Universidade Federal
do Pará, atuando principalmente na investigação de temas relativos à violência con-
tra crianças e adolescentes. Faz parte do Grupo de estudos de Autores de Violência
(GEAV/PPGTPC/UFPA), do Núcleo de Estudo Interdisciplinar sobre Violência na
Amazônia (NEIVA/UFPA) e da Clínica de Atenção à Violência (CAV/ICJ/UFPA).
Atualmente realiza pós-doutorado no Programa de Pós-Graduação em Psicologia da
Universidade Federal de São Carlos/SP.

Millen Carvalho Cerqueira da Silva


Psicólogo (CRP03/21023) Bacharel e Graduado pela Escola Bahiana de medicina e
Saúde Pública (EBMSP). Mestrando do Programa de Pós-graduação em Antropologia
(PPGA), na Universidade Federal da Bahia (UFBA), integrando a linha de pesquisa:
Coletivos, Conflitos e Espaços Urbanos. Psicanalista membro aderente da Apertura
Para Outro Lacan – Salvador-BA (APOLA). Membro da Articulação Nacional de
Psicólogas Negras e Pesquisadoras (ANPSINEP). Integrou o grupo de pesquisa:
Psicologia, Diversidade e Saúde [EBMSP] na linha de pesquisa: Psicanálise, Corpo
e Cultura. Possui atuação e interesse em: Saúde Mental, performatividades, clínica da
diferença, direito a cidade, critica decolonial, encruzilhadas, etnografia, cartografia,
psicanálise, modos de subjetivação, Ética.

Moisés da Costa Navegantes


Graduado em Filosofia-UFPA. Professor de Filosofia.

Monalisa Pontes Xavier


Doutora em Ciências da Comunicação pela UNISINOS. Professora associada do
Curso de Psicologia da Universidade Federal do Delta do Parnaíba (UFDPar) e do
726

Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal do Piauí


(UFPI). Coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Comunicação, Iden-
tidades e Subjetividades (NEPCIS). E-mail: monalisapx@yahoo.com.br. ORCID:
https://orcid.org/0000-0002-3655-5142

Mônica Ramos Daltro


Doutora em Medicina e Saúde Humana, pela Escola Bahiana de Medicina e Saúde
Pública (EBMSP). Possui graduação em Psicologia pela Universidade Federal da
Bahia (1986). Psicanalista com consultório particular desde 1986. Professora titular
do curso de Psicologia da Bahiana e do Programa de Pós-graduação em Medicina e

Editora CRV - Proibida a impressão e/ou comercialização


Saúde Humana na EBMSP e coordenadora e docente do Mestrado Profissional em
Psicologia e Intervenções em Saúde. Com experiência docente em psicologia e socie-
dade contemporânea, pesquisa qualitativa em saúde e, psicologia médica. Membro
da diretoria da Associação Brasileira de Psicologia da Saúde e da Diretoria ampliada
da Associação Brasileira de Educação (ABEP). Membro da Asociácion Latinoame-
ricana para Lá Formación y Enseñenza de la Psicologia (ALFEPSI) , Membro do
Conselho do Instituto Brasileiro de Oftalmologia e Prevenção à Cegueira (IBOPC).
Pesquisadora da interface psicologia, saúde e educação. Atualmente investiga a saúde
mental e suas interfaces no campo formação de profissionais e de práticas em con-
texto do SUS (sofrimento psíquico, questões de gênero, luto, relação profissional de
saúde-paciente). Vice- líder do Grupo de Pesquisa Psicologia, Diversidade e Saúde
(CNPQ), no qual coordena a Linha de Pesquisa: Formação e Práticas de Profissionais
de Saúde. Editora Científica da Revista Psicologia Diversidade e Saúde.

Niamey Granhen Brandão da Costa


Concluiu o Programa de Pós-Graduação (Mestrado) em Psicologia Clínica e Social pela
Universidade Federal do Pará UFPA em 2007, sobre o Tema: Adolescência e Escolha
Profissional: a escuta de um impasse. Atualmente, cursa o Doutorado no Programa de
pós-graduação em Teoria e Pesquisa do Comportamento, na UFPA. Concluiu o Curso
de Especialização em Docência do Terceiro Grau pela União das Escolas Superiores
do Pará com obtenção do Título em 1991. Atualmente é professora Assistente II da
Universidade Federal do Pará – UFPA. Publicou coletânia com 04 volumes sobre o
desenvolvimento infantil e adolescente; publicou 02 capítulos de livros sobre adoles-
cência e escolha profissional; publicou 06 Artigos em Periódicos Especializados e 10
Trabalhos em Anais de Eventos. Possui 04 itens de Produção Técnica. Participou de
10 Eventos no Brasil. Orientou 15 Trabalhos de Conclusão de Curso de graduação na
Área de Psicologia. E 25 na Pós-graduação Lato Sensu em Psicopedagogia Institucio-
nal – Unama. Atualmente participa de 01 Projeto de Pesquisa e 01 Projeto de Exten-
são. Atua na Área de Psicologia, com ênfase em Processos perceptuais e cognitivos;
Desenvolvimento. Em suas atividades profissionais interagiu com 12 colaboradores
em Co-Autoria de Trabahos Científicos. Em seu Curríulo Lattes os Termos mais fre-
quentes na Contextualização da Produção Científica, Tecnológica e Artístico-Cultural
são: Família, Adolescência, Desenvolvimento, Criança, Educação, Ética, Instrumentos
Psicológicos, Psicologia, Aconselhamento Psicológico e Aprendizagem.
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 727

Oberdan da Silva Medeiros


Professor efetivo do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará-I-
FPA, doutorando no Programa de Pós-graduação em Educação na Universidade Fede-
ral do Pará (PPGED/UFPA), mestre em Educação, título obtido junto ao Programa de
Pós-graduação em Educação e Cultura (PPGEDUC) da mesma Universidade, possui
graduação em Ciências Sociais (Bacharelado e Licenciatura Plena) com ênfase em
Ciências Políticas pela Universidade Federal do Pará-UFPA (2006), Bacharelado em
Educação Religiosa pela Faculdade Gamalieu-FATEFIG (2001), Especialização em
Metodologia do Ensino da Filosofia e Sociologia pela Faculdade de Tecnologia e
Ciência-FTC (2009), além de acadêmico do curso de Direito na Faculdade Pitágoras.
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Patrícia Furtado Félix


Graduada em Psicologia pela Universidade Federal do Pará (2017). Pós-graduanda
em Saúde Mental pela FAVENI e Pós-graduanda em Psicologia Hospitalar pela
IPOG. Possui interesse pelas áreas da Teoria e Clínica Psicanalítica, Saúde Mental,
Psicologia da Saúde e Hospitalar e Infância e Adolescência. O foco principal de
estudo e pesquisa está voltado para a questões referentes a Saúde Mental, Sofrimento
Psíquico e Psicologia Hospitalar a partir do pressuposto teórico da Psicanálise. Tem
experiência profissional nas áreas da Psicologia Clínica, Social, Hospitalar, Saúde
Mental e Reabilitação Cognitiva.

Patrícia Pacheco Dinelly Sirotheau Carneiro


Pedagoga. Professora na SEMEC-PA.

Paula Fabiana de Oliveira Palheta


Graduanda em Psicologia na Universidade Federal do Pará – UFPA.

Paula Pamplona Beltrão da Silva


Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia na Univer-
sidade Federal do Pará – Linha de pesquisa: ética, trabalho e sociabilidades – Bolsista
CAPES. Graduanda em Psicologia na Universidade Federal do Pará. Advogada.
Especialista em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de Minas
Gerais. Bacharel em Direito pela Universidade da Amazônia.

Paulo de Tarso Ribeiro de Oliveira


Possui graduação em Psicologia pela Universidade Federal do Pará (1988), Mestrado
em Saúde Pública – Ensp (1998) e Doutorado em Saúde Pública – Ensp (2005). Atual-
mente é professor Associado III da Universidade Federal do Pará. Tem experiência
na área de Saúde Coletiva e Psicologia, em que atua nos seguintes campos do conhe-
cimento: saúde do trabalhador, sofrimento psíquico, análise institucional, política de
saúde e monitoramento e avaliação. É membro da Abrasco-Associação Brasileira de
Saúde Coletiva e Diretor da Rede Unida. Participa do Conselho Editorial da Revista
Saúde e Debate e é membro do Centro Brasileiro de Estudos da Saúde – CEBES e
728

membro do GT da ANPPEP de Psicodinâmica do Trabalho. É Coordenador da Rede


Unida/ Região Norte e Coordenador do Programa de Pós-Graduação da UFPA.

Pedro Paulo Freire Piani


Professor Associado da Universidade Federal do Pará (UFPA), na Faculdade de
Medicina. Professor no Programa de Pós-Graduação em Psicologia, linha de Psi-
cologia, Sociedade e Saúde – UFPA, e no Programa de Pós-Graduação em Saúde
Coletiva- UFPA. Fez o Bacharelado em Psicologia na Universidade Federal do Pará
(1991), Licenciatura em Psicologia na Universidade São Marcos – SP (1997), Mes-
trado na área de Sociologia da Saúde pela Universidade Metodista de São Paulo
(2002), com bolsa CAPES e Doutorado em Psicologia Social na PUC-SP (2007)

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com bolsa da Fundação Ford. Fez o Curso Seminarístico de Filosofia no Seminário
Maior da Arquidiocese de Belém. Foi Pesquisador-associado no Núcleo de Altos
Estudos Amazônicos (NAEA-UFPA). Na gestão, foi Diretor Acadêmico no Hospital
Universitário Bettina Ferro de Souza, Gerente de Ensino e Pesquisa no Hospital de
Clinicas Gaspar Vianna, Coordenador Acadêmico do Hospital Universitário João de
Barros Barreto. Atualmente é Gerente de Ensino e Pesquisa no Complexo Hospitalar
da UFPA-EBSERH. Foi diretor ad-hoc do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde
– CEBES. Coordena atualmente o Centro Regional de Referência II UFPA para a
Formação na Política sobre Drogas. Pesquisa nas áreas da Psicologia Social e Saúde
Coletiva os seguintes temas: infância; saúde mental; grupos e instituições; estudos
de ciência; “qualidade de vida” e seus usos como categoria.

Pedro Paulo Gastalho de Bicalho


Graduado em Psicologia (UFF), com especialização em Psicologia Jurídica (UERJ),
mestrado e doutorado em Psicologia (UFRJ). Professor Associado do Instituto de
Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, vinculado ao Programa de
Pós-Graduação em Psicologia e ao Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas
em Direitos Humanos. Professor Visitante do Programa de Doutorado em Psicologia
da Universidade Eduardo Mondlane (Moçambique), do Programa de Mestrado em
Criminologia Aplicada da Universidad San Carlos (Guatemala) e do Programa de
Mestrado em Psicologia Social da Universidad de la Republica (Uruguai). Atualmente
é decano substituto do Centro de Filosofia e Ciências Humanas da UFRJ, presidente
do Conselho Regional de Psicologia do Rio de Janeiro e representa o Conselho
Federal de Psicologia no Conselho Nacional dos Direitos Humanos.

Pedro Renan Santos de Oliveira


Doutor em Psicologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Professor do Depar-
tamento de Psicologia da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Membro
do PARALAXE: Grupo Interdisciplinar de estudos, pesquisas e intervenções em
Psicologia Social Crítica da UFC.

Rachel de Siqueira Dias


Possui graduação em Psicologia pela Universidade da Amazônia. Cursou Especiali-
zação em Psicologia Clínica – PUC RJ. Residência Multiprofissional em Atenção à
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 729

Saúde Mental pela Universidade do Estado do Pará – UEPA com atuação na Fundação
Estadual Hospital de Clínicas Gaspar Vianna – FHCGV. Mestrado no Programa de
Pós-Graduação em Psicologia, Linha de Pesquisa: Psicologia, Saúde e Sociedade pela
Universidade Federal do Pará UFPA. Tem experiência na área de saúde (SUS): pro-
grama de IST/HIV/Aids, como psicóloga educacional e coordenadora de saúde men-
tal. Psicologia Clínica, atuando com adolescentes e adultos em consultório particular.

Rafaele Habib Souza Aquime


Psicóloga, Graduada pela Universidade da Amazônia (UNAMA), Pós-Doutoranda,
Doutora e Mestra em Psicologia pelo Programa de Pós-graduação em Psicologia da
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Universidade Federal do Pará (UFPA). Especialista em Educação Especial e Educação


Inclusiva: da Educação Infantil à Universidade (Estácio). Atuou como Conselheira
Titular do Conselho Regional de Psicologia 10ª Região, gestão 2016- 2019, sendo
membra presidenta da Comissão de Ética (COE). Atualmente é Professora Adjunta da
Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA) e ministra disciplinas nos campos
da educação, trabalho, organizações, ética e formação docente. Compõe o Núcleo
Amazônico de Acessibilidade, Inclusão e Tecnologia (ACESSAR) da UFRA e coor-
dena o Projeto de Pesquisa Territorialidades e Migração na Amazônia paraense. Tam-
bém compõe o Grupo de Pesquisa Transversalizando- UFPA. Interesse nas temáticas
sobre Educação, Políticas Públicas, Direitos Humanos e Inclusão Social.

Rafael José de Oliveira Leite


Graduado em Psicologia-UFPA.

Raimundo Erundino Santos Diniz


Doutorado em Ciências Sócio-ambientais pelo Programa de Pós-Graduação em
Desenvolvimento Sustentável do Trópico Úmido (PPGDSTU) do Núcleo de Altos
Estudos Amazônico (NAEA/UFPA) com ênfase em Memória Biocultural, História
e territorialidades quilombolas. Mestrado em Planejamento do Desenvolvimento
Sustentável do Trópico Úmido (PPGDSTU/NAEA/UFPA) com ênfase em Histó-
ria, Educação e Etnodesenvolvimento. Especialista em Gestão Ambiental (UFPA/
NUMA). Especialista em Gestão Escolar (UEPA/Centro de Educação). Bacharel e
Licenciado em História(UFPA/IFCH). Professor Adjunto da Universidade Federal
do Amapá (UNIFAP). Professor Permanente do Programa de Mestrado Profissio-
nal do Ensino de História- PROFHISTORIA/UNIFAP. Docente da Especialização
Estudos Culturais e Políticas Públicas e pesquisador do Grupo de Pesquisa Estudos
Interdisciplinares em Cultura e Políticas Públicas (CNPq/UNIFAP). Pesquisa temas
relativos ao Ensino de História, História e Cultura afrobradileira e Africana, Edu-
cação Quilombola, História da Educação Brasileira, Gestão ambiental e territórios
tradicionalmente ocupados.

Rayssa Cristina Modesto da Rocha


É graduada em Psicologia pela Universidade da Amazônia (UNAMA) e pós-gra-
duada em Psicologia Jurídica. Atualmente, está especializando-se em Saúde Mental e
730

Atenção Psicossocial. Atua como psicóloga social no Centro de Referência de Assis-


tência Social (CRAS) na região metropolitana de Belém – PA. Possui experiência na
rede assistencial da Proteção Social Básica e Proteção Social Especial (Serviço de
Acolhimento Infantil); atuou na prática docente em Psicologia e Ética e Psicologia do
Trabalho em cursos técnicos; realizou acompanhamento terapêutico infanto-juvenil
na área escolar. Interessa-se por temas da Psicologia relacionados às áreas: Social e
Comunitária, Educação, Trabalho e Organizações, bem como os estudos antirracistas
e decoloniais e intervenções micropolíticas.

Renata Sabrina Maciel Lobato Louzada

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Mestrado em Psicologia Clínica e Social pelo Programa de Pós-Graduação em
Psicologia da Universidade Federal do Pará – UFPA (2014). Master of Business
Administration (MBA) em Gestão de Pessoas pela Universidade Anhanguera-Uni-
derp (MS/2012). Graduada em Psicologia pela UFPA (2010). Graduada em Serviços
Jurídicos pelo Centro Universitário Filadélfia – UniFil (PR/2019). Psicóloga efetiva
da Secretaria Municipal de Saúde de Belém (SESMA), com atuação nos programas
Saúde da Pessoa Idosa e Saúde Mental, além dos atendimentos clínicos ambulatoriais
e de orientação psicológica. Possui experiência na área de Psicologia da Saúde, Psi-
cologia Cínica, Saúde Mental do Trabalhador, Psicodinâmica do Trabalho, Psicologia
Social, Psicologia na Atenção Básica, Psicologia do Envelhecimento, Docência no
Ensino superior e Preceptoria de Estágio em Saúde. Professora de Ensino Superior
com experiência da área de Metodologia da pesquisa, psicologia da saúde e orien-
tação de Trabalho de Conclusão de Curso. Preceptora no Programa de Residência
Multirpofissional em Saúde da área de concentração Saúde do Idoso do Hospital
Universitário João de Barros Barreto. Membro do Grupo de Estudos em Saúde na
Amazônia (GESA).

Renata Vilela Rodrigues


Doutoranda e Mestra em Estudos de Cultura Contemporânea pelo Programa de
Pós-graduação em Estudos de Cultura Contemporânea (ECCO), da Universidade
Federal de Mato Grosso (2015), com bolsa CAPES. Graduada em Psicologia pela
Universidade Federal de Mato Grosso (2013).

Robenilson Moura Barreto


Psicólogo Social e Clínico, graduado pela União Metropolitana de Educação e Cultura
(UNIME – Salvador – BA). Especialista em Educação Especial e Inclusiva. Mestre
em Psicologia Clínica e Social pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia da
Universidade Federal do Pará (PPGP-UFPA). Formação em Psicanálise pelo Circulo
Psicanalítico do Pará (CPPA). Pesquisador do Laboratório de Psicanálise e Psicopa-
tologia Fundamental da Universidade Federal do Pará (LPPF/UFPA). Coordenador
da Articulação Nacional de Psicólogas (os) Negras (as) e Pesquisadoras (os) (ANPSI-
NEP). Atualmente docente de Psicologia na Faculdade Católica Dom Orione (TO)
e Conselheiro do XVIII Plenário do Conselho Federal de Psicologia (gestão 2019-
2022). Experiência de atuação no campo das Políticas Públicas, Direitos Humanos,
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 731

Saúde Coletiva com ênfase em Saúde Pública, Saúde Mental, Educação Especial e
Inclusiva, Relações Raciais, Psicanálise e Psicologia Social.

Rodrigo Santos Godinho


Aluno de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Psicologia e Intervenções em
Saúde da Escola Bahiana de Medicina e Sáude Pública (EBMSP), possui Especiali-
zação em Dependência Química, pelo Instituto de Gestalt Terapia da Bahia (2012),
Especialização em Metodologia e Práticas do Ensino Superior, pelo Centro Universi-
tário Jorge Amado (2007) e Graduação em Psicologia pela Universidade Gama Filho
– UGF (2003). Atua como Psicólogo Clínico com base na Teoria do Psicodrama com
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adolescentes e adultos. Psicoterapeuta dos fenômenos que envolvem o uso, abuso e


dependência das substâncias psicoativas e seus familiares. Atuou como educador em
projeto social com crianças e adolescentes (Escola Olodum). Atualmente faz parte do
corpor docente da Faculdade Metropolitana de Camaçari (FAMEC), onde ministra,
dentre outros, os componentes curriculares: Estudo das Dependências Químicas,
Teorias e Técnicas Psicoterápicas, Teorias e Sistemas Gestalt, Psicologia e Ética e
também exerce a função de supervisor em estágio clínico. Realiza palestras sobre
uso, abuso e dependência de substâncias psicoativas.

Ronilda Bordó de Freitas Garcia


Mestranda em Psicologia na Universidade Federal do Pará – UFPA.

Rosa Soares Nunes


Doutora em Ciências da Educação. Professora da Faculdade de Psicologia e Ciências
da Educação da Universidade do Porto (FPCEUP); Vice-Presidente do Instituto Paulo
Freire de Portugal; Investigadora do Centro de Investigação e Intervenção Educativa
(CIIE) da FPCEUP; Associate Editora da Revista Internacional: Educational Action
Research – an internactional journal, ROUTLEDGE. Dinamiza o Círculo de Estudos
e Intervenção na Medicalização da Educação, sediado na FPCEUP. Coordenadora
dos Mestrados em Ciências da Educação da FPCEUP. Integrou a Direcção do Centro
de Investigação e Intervenção Educativa (CIIE) da FPCEUP; Coordenou o Projeto
Internacional da UNESCO de Formação de Professores para Escolas Inclusivas,
no Norte de Portugal. Integrou a Equipa Nacional do Ministério da Educação que
lançou a Formação Contínua de Professores em Portugal. Ex-Cordenadora Conce-
lhia do Plano Nacional de Alfabetização e Educação Básica de Adultos (PNAEBA).
Coordenou o Núcleo de Apoio a Novos Projectos da Divisão de Ensino Especial do
Ministério da Educação. Tem participado em vários projetos nacionais e internacionais
com publicação de livros e artigos no âmbito desses projetos.

Salomão Antônio Mufarrej Hage


Possui graduação em Agronomia (1982) e em Pedagogia (1987), mestrado em
Educação: Supervisão e Currículo (1995), Doutorado Sanduíshe pela Universidade
de Wisconsin-Madison (1999) e doutorado em Educação: Currículo pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo (2000). É professor do Instituto de Ciências
732

da Educação da Universidade Federal do Pará e docente do Programa de Pós-


-Graduação em Educação e do Programa de Linguagens e Saberes da Amazônia.
É bolsista produtividade do CNPq. Coordena o Grupo de Estudo e Pesquisa em
Educação do Campo na Amazônia, Integra a Coordenação do Fórum Paraense de
Educação do Campo e Coordena a Escola de Conselhos Pará: Núcleo de Formação
Continuada de Conselheiros Tutelares e de Direitos da Amazônia Paraense. Na
área de Educação, privilegia as seguintes temáticas: educação do campo, políticas
educacionais, educação de jovens e adultos, currículo e formação de professores
na Amazônia.

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Shara Catherine Marcos Atayde
Bacharel em Psicologia pela Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública (EBMSP).
Participante do Grupo de Pesquisa (inscrito no CNPq) intitulado “Psicologia, Diver-
sidade e Saúde”, da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, como aluna inte-
grante do projeto intitulado “Psicanálise: Clínica e Contemporaneidade” (vinculado
à Linha de Pesquisa “Psicanálise, Cultura e Corpo”). Pós-graduanda (Lato Sensu)
em Clínica Psicanalítica Lacaniana, pelo Instituto de Ensino e Pesquisa nas áreas da
Psicologia e Educação (ESPE). CRP- 03/24667.

Shirle Rosângela Meira de Miranda


Graduada em Psicologia (2001) – Bacharelado e Formação de Psicólogo. Doutoranda
em Psicologia pela Universidade Federal do Pará-UFPA e Mestre em Administração
(2013). Possui especialização em Gestão e Desenvolvimento de Pessoas e Projetos
Sociais.Professora de Pós-graduação de faculdade privada e da Universidade Federal
do Pará UFPA (Prof.ª convidada) onde ministra disciplinas como: direitos humanos,
psicologia da aprendizagem, psicologia do desenvolvimento, psicologia organiza-
cional, gestão de pessoas, saúde coletiva, saúde mental relacionada ao trabalho, cul-
tura organizacional, liderança, planejamento estratégico e outros temas relacionados
as áreas da saúde, educação, gestão de pessoas, administração e políticas sociais.
Orienta trabalhos de conclusão de curso de Pós-graduação. É Psicóloga concursada
da Secretaria de Estado de Saúde Pública-SESPA, cedida para a Assembleia Legisla-
tiva do Estado do Pará – ALEPA, cuja atuação é na Comissão de Direitos Humanos
e Defesa do Consumidor? CDHDC onde coordena Grupos de estudos/trabalho na
área de Direitos Humanos como o GT de Direitos Humanos e Saúde Mental, GT
da Igualdade Racial, GT de Fomento ao Áudio Visual e outros. Atua ainda com a
elaboração de Projetos de leis, Resoluções, Emendas à Constituição, muitos destes
se tornaram Leis Estaduais de extrema relevância social como o Estatuto da Equi-
dade Racial. É servidora concursada da Fundação Nacional de Saúde? FUNASA,
onde desenvolve atividades de Vigilância em Saúde do Trabalhador e da Trabalha-
dora (ênfase em Saúde Mental relacionada ao trabalho) de forma articulada intra e
intersetorialmente. Já ocupou cargos de Direção e assessoramento em instituições
do Estado do Pará e do Município de Belém na área Gestão e Desenvolvimento de
Pessoas, Planejamento e outros.
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 733

Silvio José Benelli


Professor Associado do Departamento de Psicologia Clínica do curso de graduação
em Psicologia e do Programa de Pós Graduação em Psicologia da Universidade Esta-
dual Paulista (Unesp), Faculdade de Ciências e Letras, Assis, SP, linha de pesquisa
Políticas públicas e produção de subjetividades: processos clínicos e institucionais.
Livre Docente em Psicologia Clínica pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) e
Doutor em Psicologia Social pelo IP/USP, São Paulo, SP.

Stephanie Caroline Ferreira de Lima


Cientista Social. Doutoranda e Mestra em Psicologia pelo Programa de Pós-Gradua-
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ção em Psicologia da Universidade Federal do Ceará (UFC). Integrante do Paralaxe:


Grupo interdisciplinar de estudos, pesquisas e intervenções em Psicologia Social
Crítica da UFC. E-mail: tecarolima@gmail.com

Stéphanie Fiama De Macêdo Pinheiro


Possui graduação em bacharelado em psicologia (2021), pela Universidade Federal
do Pará. Possui cursos de especialização em áreas da psicologia de forma que a
capacita para várias áreas de atuação.

Sueli Marques Ferraz


Doutoranda do Programa de Pós Graduação em Psicologia pela Universidade Federal
do Pará – Já Atuou como professora na Faculdade Católica Dom Orione até 2022 –
Curso de Direito disciplina Desenvolvimento Sustentabilidade/Psicologia Jurídica/
Bioética e do curso de Psicologia das disciplinas Introdução a Psicologia/Indivíduos
e Grupos. Possui graduação em psicologia pela Faculdade Católica Dom Oriene e
licenciatura em História pela Fundação Universidade Federal do Tocantins (2013).
Pedagogia pela Centro Universitário de Maringa Mestra -Unicessumar, Especialização
em Educação Especial Inclusiva pela Universidade Norte do Paraná (UNOPAR). Tem
experiência na área de Historia Mestre em Cultura e Território pelo Programa Pós
Graduação Cultura e Território da Universidade Federal do Tocantins (Cursando)
Especialização em Psicologia Jurídica, Psicologia Hospitalar e Docência em Ensino
Superior na Faculdade Unica do Grupo Faculdades Prominas (Cursando)

Tainá Cardoso Olivera


Bacharel em Psicologia pela Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública (EBMSP).
Membro do Grupo de Pesquisa, e estudante do projeto, inscrito no CNPq, intitulado
“Psicanálise: Clínica e Contemporaneidade” (vinculado à Linha de Pesquisa “Psica-
nálise, Cultura e Corpo”), da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública (EBMSP).
Pós-graduanda (Lato Sensu) em Clínica Psicanalítica Lacaniana, pelo Instituto de
Ensino e Pesquisa nas áreas da Psicologia e Educação (ESPE). Atua como psicóloga
e psicanalista em atendimentos clínicos, para adolescentes, adultos e idosos. Tem
interesse por áreas de estudos que se relacionam às questões do sujeito e do sujeito
social, que possui como atravessamentos: linguagem, arte, fenômenos sociais e cul-
turais. CRP-03/24623
734

Tatiana de Souza Santos Neves


Psicanalista, Graduada em Serviço Social e Psicologia. Doutoranda e Mestra em
Psicologia pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal
do Ceará (UFC). Integrante do Paralaxe: Grupo interdisciplinar de estudos, pes-
quisas e intervenções em Psicologia Social Crítica da UFC. E-mail: tatianasou-
zapsi2019@gmail.com

Tawane Tayla Rocha Cavalcante


Psicóloga formada pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Atualmente é residente
em Nefrologia pela Universidade Estadual do Pará (UEPA), atuando no Hospital de

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Clínicas Gaspar Viana (FHCGV) e nas áreas de atuação no cuidado à pessoa com
doença renal crônica, dentro da Rede de Atenção à Saúde (RAS). Durante a graduação
foi bolsista de Iniciação Cientifica (PIBIC) e Extensão pela UFPA, atuando em Saúde
do Trabalhador e da Trabalhadora; Saúde Mental na Atenção Básica, Cuidados Paliati-
vos e Oncologia. Possui experiência e interesses em: Clínica Psicanalítica; Psicologia
da saúde; hospitalar e saúde do trabalhador/a. E-mail: tawanetaylarc@gmail.com

Thaís de Souza Nogueira


Formada em Psicologia pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Mestre em
Psicologia, Linha de Pesquisa Psicologia, Sociedade e Saúde, pelo Programa de
Pós-Graduação em Psicologia da UFPA. Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas
Transversalizando. Membro do Grupo de Trabalho sobre Infância e Juventude do
Conselho Regional de Psicologia – CRP10. Experiência e interesse nos estudos acerca
dos direitos das Crianças e dos Adolescentes.

Thais Souza Bellucci


Graduanda em Psicologia pela Universidade de São Paulo (USP) – 4º ano. Foi mem-
bro da Empresa Praxis Consultoria Jr, empresa júnior de Psicologia da Universidade
de Brasília – UnB. Participou de um grupo de estudos sobre violência sexual (com
foco nos autores de ofensa sexual – adolescentes e adultos – e nas intervenções rea-
lizadas com esse público em alguns Programas de Atenção à Violência da Secretaria
de Saúde do Distrito Federal) como aluna de pesquisa da graduação do Departamento
de Psicologia Clínica do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília (PCL/
IP/UnB), sob orientação da mestranda Andrea Schettino Tavares e supervisão da
Profa. Dra. Liana Fortunato Costa. Atuou no projeto?Aprender na Comunidade? do
Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IPUSP), sob supervisão da
Profa. Dra. Leila Salomão de La Plata Cury Tardivo, e atua no projeto “APOIAR”,
com a mesma supervisora, no Laboratório de Saúde Mental e Psicologia Clínica
Social do IPUSP. Atuou no projeto “Atenção Psicológica no Departamento Jurídico
XI de Agosto da Faculdade de Direito da USP”, do projeto de extensão Plantão Psi-
cológico em Instituições do Laboratório de Estudos em Fenomenologia Existencial
e Prática em Psicologia (LEFE) do IPUSP, sob supervisão da Profa. Dra. Henriette
T. P. Morato. Realizou pesquisa de Iniciação Científica no IPUSP, como bolsista
CNPq, com o título de “A importância da educação sexual na prevenção da violência:
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 735

o discurso sobre a sexualidade e as contribuições da Psicologia Escolar para as polí-


ticas públicas”, orientado pela Profa. Dra. Marilene Proença Rebello de Souza, do
Laboratório Interinstitucional de Estudos e Pesquisas em Psicologia Escolar? LIEPPE
(este trabalho foi adaptado para um capítulo de um livro, foi apresentado na Etapa
Internacional do 30º SIICUSP e recebeu Menção Honrosa da Pró-Reitoria de Pesquisa
da Universidade de São Paulo). Com a mesma supervisora, está realizando uma nova
pesquisa, também financiada pelo CNPq, como segunda etapa da primeira, intitulada
“O discurso presente nas políticas públicas de educação sexual para prevenção da
violência no município de São Paulo: contribuições da Psicologia Escolar”. Atua
no CAIS (Centro para o Autismo e Inclusão Social) do IPUSP, sob supervisão da
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Profa. Dra. Maria Martha Costa Hübner, do Laboratório de Estudos de Operantes


Verbais – LEOV. Atuou como professora, plantonista e corretora de redação tanto
como professora particular, quanto em cursinho pré-vestibular privado; atualmente é
professora de Redação no Cursinho Popular e Pré-Universitário da Psico do IPUSP.

Thamires Corrêa Sandres Arruda


Graduação pela Universidade da Amazônia (2011). Experiência na área de Psicologia
Hospitalar, estágio supervisionado em Psicologia Escolar, Psicologia Social e Comu-
nitária, Psicologia Clínica e Psicologia da Saúde (Saúde Mental). Especializanda em
Psicologia Hospitalar no Hospital Israelita Albert Einstein. Pós Graduada em Terapia
e Orientação Familiar Sistêmica na Universidade da Amazônia. Psicóloga no Centro
de Atenção Psicossocial Infanto-Juvenil de Ananindeua – PA. Preceptora na Univer-
sidade da Amazônia. Responsável pela supervisão, planejamento, acompanhamento
e orientação de alunos na atuação prática, especificamente, em atendimentos grupais
a pessoas em situação de Violência de Gênero. Grupo de atendimento a mulheres,
grupo de atendimento a homens e grupo de atendimento a população LGBTI+.

Thiago Colmenero Cunha


Discente do curso de Doutorado em Psicologia da Universidade Federal do Rio de
Janeiro (bolsista CNPq). Psicólogo (UFRJ), pedagogo (UNIRIO), mestre em Psico-
logia (UFRJ). Professor da graduação em Psicologia da Universidade Santa Úrsula
(USU), campus Botafogo e Colégio. Supervisor de projetos de pesquisa, estágio e
extensão sobre discussão de escolhas com jovens de escolas públicas e instituições
educacionais do Rio de Janeiro. Psicólogo clínico em consultório particular, traba-
lhando com atendimento clínico individual e grupal de adolescentes e adultos, análise
do vocacional. Tem experiência prática-teórica na área de Psicologia, com ênfase em
Psicologia Social, atuando principalmente nos seguintes temas: educação; juventudes;
violências; análise institucional; esquizoanálise.

Thiago Kazu Egoshi da Silva


Possui graduação em Psicologia pela Universidade Federal do Pará (2021) e ensi-
no-medio-segundo-graupelo CENTRO DE CRIATIVIDADE INSTITUTO DA
CRIANÇA(2011). Tem experiência na área de Psicologia.
736

Túlio Kércio Arruda Prestes


Doutor (2022) e Mestre (2017) em Psicologia pela Universidade Federal do Ceará,
Especialista (2021) em Terapia Analítico-Comportamental pela Faculdade Evoluir/
Núcleo Tríplice, Graduado (2014) em Psicologia pela Universidade Federal do Ceará
– Campus Sobral. Atualmente é Gestor Pedagógico e Professor do setor de estudos
de Análise do Comportamento do curso de Psicologia do Centro Universitário Inta.
Atua também como psicólogo clínico sob a perspectiva analítico-comportamental.
Desenvolve trabalhos no campo dos estudos foucaultianos e da terapia analítico-
-comportamental, em especial nos seguintes temas: epistemologia da análise do
comportamento, temas em terapia analítico-comportamental arqueogenealogia das

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ciências humanas, políticas públicas e governo das populações, políticas sobre dro-
gas, redução de danos, biopolítica, governamentalidade e modos de subjetivação.

Válber Luiz Farias Sampaio


Possui graduação em Psicologia pela Universidade da Amazônia (UNAMA); Espe-
cialista em Gestão e Planejamento de Políticas Públicas em Serviço Social pela
Escola Superior da Amazônia (ESAMAZ); Mestre e Doutor em Psicologia, pela
Universidade Federal do Pará (UFPA) na linha de Psicologia, sociedade e saúde.
Especializando em Psicologia Jurídica. Integrante do Grupo de Estudos e Pesquisa
Transversalizando (UFPA). Psicólogo com atuação no âmbito clínico. Docente do
curso de graduação de Psicologia. Foi docente da Pós-Graduação da Faculdade de
Educação Superior de Paragominas (FACESP), na área da Educação; foi conselheiro
do Conselho Regional de Psicologia 10ª Região, PA/AP (CRP 10) na gestão de 2016-
2019 e fez parte diretoria na gestão de 2109-2022; Representante do CRP 10 na
Comissão Nacional de Psicologia na Assistência Social (CONPAS) e foi do Grupo de
Trabalho do Conselho Federal de Psicologia (CFP) de Medidas Socioeducativas. Foi
coordenador da Comissão de Psicologia e Políticas Públicas do CRP10 e integrante
do GT de Infância e Juventude e Psicologia e Assistência Social, do CRP 10. Foi
integrante da Comissão de Ética (COE) do CRP. Agrega experiências em atividades
voltadas às Políticas Públicas, com ênfase na Política Nacional de Assistência Social
e Saúde Mental com ênfase na Política Sobre Drogas; assim como Psicologia Social,
Infância e Juventude. Contato: valbersampaio@hotmail.com

Vanderléia de Lurdes Dal Castel Schlindwein


Possui graduação em Psicologia pela Universidade Regional do Noroeste do Estado
do Rio Grande do Sul (1996) e doutorado em Serviço Social pela Pontifícia Univer-
sidade Católica do Rio grande do Sul (2007). Atualmente é professor associado ii
da Universidade Federal de Rondônia. Tem experiência na área de Psicologia, com
ênfase em Saúde mental e trabalho, atuando principalmente nos seguintes temas:
Saúde Mental & Trabalho, Saúde do Trabalhador e Clínica do Trabalho.

Vanessa Goes Denardi


Doutoranda em Linguística pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)
com período sanduíche na Universidad Complutense de Madrid (UCM), Mestra em
EDUCAÇÃO-ARTIFÍCIO:
tecer o diferir no cuidado em saúde como agência de conexões plurais 737

Educação pela Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), Especialista em


Gestão Educacional: Organização Escolar e Trabalho Pedagógico pela Universidade
Estadual de Ponta Grossa (UEPG), e Licenciada em Letras. É pesquisadora do Grupo
de Estudos Linguagem e Dialogismo (GELID/UFSC) e do Núcleo de Pesquisa em
Linguística Aplica (NELA/UFSC). Realiza estudos com ênfase na História e Historio-
grafia da Educação, Ensino-aprendizagem de língua materna e Análise do Discurso.
Atua como docente na Faculdade Estácio Florianópolis e como professora-tutora e
coordenadora dos cursos de Letras EAD no Centro Universitário Estácio de Sá de
Santa Catarina.
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Vera Lucia Fonseca de Souza


Psicóloga. Mestranda no Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal do
Pará – UFPA. Linha de Pesquisa Psicologia, Sociedade e Saúde. Atuação profissional
na Coordenação Estadual de Saúde Mental, Álcool e outras Drogas da Secretaria de
Estado de Saúde Pará – SESPA. E-mail: verafonsecapsi1@gmail.com Lattes: http://
lattes.cnpq.br/6903763391106606

Vinicius Furlan
Psicólogo com Pós-doutorado em Estudos Culturais pela USP-SP, Pós-doutorado
e doutorado em Psicologia Social pela PUC-SP. Mestre em Psicologia pela UFC e
especialista em Epistemologias do Sul pela CLACSO. Professor visitante e colabo-
rador do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidad Nacional de San
Luis – Argentina. Professor do Pós-Graduação em Psicologia Social e Comunidades
da UniFatec-PR e do Curso de Psicologia da CEUNSP. Foi ainda professor do Depar-
tamento de Psicologia Social da Unesp-Assis e do Programa de Pós-Graduação em
Estudos Culturais da USP-SP. Pesquisador-colaborador do Grupo de Pesquisa em
Psicologia Política, Políticas Públicas e Multiculturalismo (GEPSIPOLIM/USP), do
Grupo Interdisciplinar de Estudos, Pesquisas e Intervenções em Psicologia Social
Crítica (o “PARALAXE” /UFC) e Núcleo de Estudos e Pesquisas em Identidade-Me-
tamorfose (NEPIM / PUC-SP). Recebeu o Prêmio “Psicologia e Direitos Humanos”
do Conselho Federal de Psicologia. Membro do Grupo de Trabalho (GT) em Psico-
logia Política da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Psicologia
(ANPEPP) e da Rede Ibero-Latino-Americana de Psicologia Social.

Vinícius Furlan
Psicólogo com Pós-doutorado em Estudos Culturais pela USP-SP, Pós-doutorado e
Doutorado em Psicologia Social pela PUC-SP. Mestre em Psicologia pela Univer-
sidade Federal do Ceará e especialista em Epistemologias do Sul pela CLACSO.
Professor visitante e colaborador do Programa de Pós-Graduação em Psicologia
da Universidad Nacional de San Luis – Argentina. Professor do Pós-Graduação em
Psicologia Social e Comunidades da UniFatec-PR e do Curso de Psicologia da Fatep.
Foi ainda professor do Departamento de Psicologia Social da Unesp-Assis e do Pro-
grama de Pós-Graduação em Estudos Culturais da USP-SP. Pesquisador-colaborador
do Grupo de Pesquisa em Psicologia Política, Políticas Públicas e Multiculturalismo
738

(GEPSIPOLIM/USP), do Grupo Interdisciplinar de Estudos, Pesquisas e Interven-


ções em Psicologia Social Crítica (o “PARALAXE” /UFC) e Núcleo de Estudos
e Pesquisas em Identidade-Metamorfose (NEPIM / PUC-SP). Recebeu o Prêmio
“Psicologia e Direitos Humanos” do Conselho Federal de Psicologia. Membro do
Grupo de Trabalho (GT) em Psicologia Política da Associação Nacional de Pesquisa
e Pós-Graduação em Psicologia (ANPEPP) e da Rede Ibero-Latino-Americana de
Psicologia Social.

Vitor Igor Fernandes Ramos


Graduado em Farmácia pela Universidade da Amazônia (UNAMA) em fevereiro de

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2021. Pós-Graduado em Farmácia Hospitalar pela Faculdade Venda Nova do Imi-
grante (FAVENI), agosto de 2022. Redutor de Danos pela Associação Brasileira de
Redução de Danos (ABORDA). Integrante da Articulação Nacional de Psicólogos(as)
Negros(as) e Pesquisadores(as) (ANPSINEP). Participante do Grupo Transversali-
zando (2019 – atualmente), não bolsista, na qual este grupo desenvolve atividades
de Pesquisa, Extensão e Ensino, cadastrado no diretório de grupo do CNPQ, pela
orientação da Profa. Dra. Flávia Cristina Silveira Lemos/UFPA. Integrante do Grupo
Condutor da Rede de Atenção Psicossocial do Estado do Pará (GCRAPS), como
suplente, pelo Movimento da Luta Antimanicomial (MLA/Pará) (2022 – atualmente).
Integrante do GT Saúde da População Negra, organizado pela Comissão Antirracista
da Prefeitura de Belém (COANT) (2022 – atualmente). Mestrando em Psicologia, pela
Universidade Federal do Pará (UFPA/2023), na Linha: Psicologia, Sociedade e Saúde.

Warlington Luz Lôbo


Psicólogo graduado pela Universidade Federal do Pará UFPA. Mestre em Psicologia,
Programa de Pós-graduação em Psicologia PPGP/UFPA. Especialista em Educação
para Relações Étnicorracias, Instituto Federal de Educação Tecnológica do Pará
(IFPA). Atuação de Pesquisa; Intervenção em Clinica Ampliada, Avaliação Psicoló-
gica. Psicologia Clínica e Social. Problemas de Estudo: Gênero masculino, feminino,
sexualidades, transmasculinidades, violências de gênero, violência psicológica, lin-
guagem, ética do cuidado, Gestalt-terapia. Membro na Linha de Pesquisa: Gênero,
saúde e violência (Gepem).

Wellington da Rocha Almeida


Graduado em psicologia pela Instituição de Ensino Centro Universitário São Fran-
cisco de Barreiras – UNIFASB. Mestrando pelo programa de Pós-Graduação em
mestrado em Psicologia na Fundação Universidade de Rondônia – UNIR. Bolsista
pela Fundação Rondônia de Amparo ao Desenvolvimento das Ações Científicas e
Tecn, FAPERO, Brasil. Seguimento teórico: Psicologia Social, base epistemológica:
Psicologia Social Comunitária e Construcionismo. Realiza trabalhos de pesquisa com
a população camponesa, militando pela garantia de direito das mesmas. Base clínica
Terapia Familiar Sistêmica – TFS. Faz parte do MST – Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra, sendo coordenador do Setor de Educação do Oeste da Bahia.
Editora CRV - Proibida a impressão e/ou comercialização
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SOBRE O LIVRO
Tiragem não comercializada
Formato: 16 x 23 cm
Mancha: 12,3 x 19,3 cm
Tipologia: Times New Roman 9,5 | 10,5 | 13 | 16 | 18
Arial 8 | 8,5
Papel: Offset 75 g (miolo)
Royal | Supremo 250 g (capa)

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