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NEUROCIÊNCIA

CRÍTICA E
CRIATIVA NOS
TEMPOS DA
PANDEMIA DO
COVID-19
Oficina Cândido Portinari: A Ciência e a Arte do Cotidiano

Coordenador: Prof. Dr. Norberto Garcia-Cairasco


Prof. Titular do Departamento de Fisiologia
Diretor do Laboratório de Neurofisiologia e Neuroetologia Experimental (LNNE)
Departamento de Fisiologia - Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto

Instituto de Estudos Avançados da USP-RP


Grupo de Estudos "Rede Ciência, Arte, Educação e Sociedade: CienArtES"
Universidade de São Paulo
Copyright © 2021 Prof. Dr. Norberto Garcia-Cairasco

Todos os direitos reservados.

Nenhuma parte desta edição pode ser utilizada ou reproduzida - em qualquer


meio ou forma, seja mecânico ou eletrônico, fotocópia ou gravação, etc. - nem
apropriada ou estocada em sistemas de bancos de dados, sem a expressa
autorização do proprietário dos direitos autorais.

Os textos e conteúdos temáticos dos vídeos são de exclusiva responsabilidade


dos autores e não da Coordenação do Projeto.

Título
Neurociência Crítica e Criativa nos Tempos da Pandemia do Covid-19

Coordenação
Prof. Dr. Norberto Garcia-Cairasco

Colaboração
Dra. Itiana Castro Menezes.

Projeto Gráfico e Capa


Prof. Dr. Norberto Garcia-Cairasco
Jociany Lopes de Vasconcelos
COMUNICADO SOBRE DIREITOS AUTORAIS

O presente e-book “Neurociência, Crítica e Criativa em tempos de


Pandemia de COVID-19” coordenado pelo Prof. Norberto Garcia
Cairasco, contém a produção no formato de textos e vídeos de 100 alunos
matriculados na Disciplina "RCG-212 Estrutura e Função do Sistema
Nervoso" e 30 alunos matriculados na Disciplina “Integração Sensorial e
Motora; Comportamento - RFI5774-6/2”. do Programa de Pós-Graduação
em Fisiologia, ambas ministradas na Faculdade de Medicina de Ribeirão
Preto da Universidade de São Paulo, FMRP-USP.

No contexto da Rede “Ciência, Arte, Educação e Sociedade -


CienArtES” do Instituto de Estudos Avançados da USP-RP, os alunos
participaram do “Projeto Cândido Portinari: A Ciência e a Arte do
Cotidiano”. Suas participações se deram por meio remoto, portanto, as
produções aqui apresentadas, em vários casos contém imagens, recursos
e sons retirados da Rede Mundial de Computadores.

Enfatizamos que esse conteúdo é para fins educacionais e que, não tem o
objetivo de arrecadação, transação ou atividade comercial.

Sabemos, respeitamos e valorizamos direitos autorais e, sempre que


possível, citamos as fontes.

Prof. Dr. Norberto Garcia Cairasco


Coordenador do projeto
Coordenação
Prof. Dr. Norberto Garcia-Cairasco

Colaboração
Dra. Itiana Castro Menezes

Edição e Revisão
Carlos Germano Souza Palú (Turma 68)
Claudio Luiz da Silva (Pós Graduação)
Jociany Lopes de Vasconcelos (Turma 67)
Lara Teles Moreira (Turma 67)
Letícia Chagas Rocha (Turma 68)
Luísa Sampaio Onofri (Turma 68)
Lucas Flores Sartori (Turma 68)
Lucas Sato (Turma 68)
Luciana Mami Kiam (Turma 68)
Pedro Pereira Prado Bagnola (Turma 68)
Raquel Assumpção Sodré Matias de Lima (Turma 68)

Revisão Geral
Prof. Dr. Norberto Garcia-Cairasco

Ribeirão Preto
2021
Sumário
Prefácio .................................................................................................................. 10
Introdução ............................................................................................................. 12
Material introdutório disponibilizado no Moodle-FMRP-USP aos alunos do segundo ano
(Turma 68) da FMRP em 09/04/2020 ..................................................................................... 12
Atividades da “Oficina Cândido Portinari: A Ciência e a Arte do Cotidiano” ...................... 16
Dicas e sugestões para a execução das atividades ............................................................. 17
Material introdutório disponibilizado no Moodle-FMRP-USP aos alunos do Cursão-Neuro em
06 de junho de 2020 ............................................................................................................... 25
Atividades da “Oficina Cândido Portinari: A Ciência e a Arte do Cotidiano” ...................... 30
Dicas e sugestões para a execução das atividades ............................................................. 31
Distribuição dos alunos durante o projeto .............................................................. 39
Leituras Sugeridas .................................................................................................. 43
Sentidos ................................................................................................................. 44
No ritmo da música ................................................................................................................. 45
Sons ......................................................................................................................................... 48
A ciência por trás dos sons ...................................................................................................... 51
Percepção dos sons: ciência e quarentena ............................................................................. 58
Nossa integração ao ambiente por meio do som ................................................................... 60
Pavlov - Releitura .................................................................................................................... 62
Audição e Audiometria............................................................................................................ 65
Audição no Contexto da Pandemia ......................................................................................... 68
Linguagem da música .............................................................................................................. 71
Aquiles ..................................................................................................................................... 74
Abrindo a porta de madrugada… ............................................................................................ 77
Reflexões sobre a surdez......................................................................................................... 79
A audição no dia a dia ............................................................................................................. 81
O sistema auditivo e a interação com o meio externo ........................................................... 84
A audição na vida rotineira ..................................................................................................... 88
A audição e a história humana ................................................................................................ 91
A importância da musicalidade ............................................................................................... 93
As Aventuras de Jojo parte 1 - Jojo e os sentidos ................................................................... 95
Música e memória................................................................................................................... 98
Os meios e as percepções do som ........................................................................................ 101
Sons do cotidiano .................................................................................................................. 105
Memória através do som ...................................................................................................... 108
A interpretação de sons durante a quarentena .................................................................... 112
Novos horizontes para a música ........................................................................................... 114
Os sons (des) percebidos no dia a dia ................................................................................... 117
Almoço em Família ................................................................................................................ 120
Audição e Imagens: diversas combinações ........................................................................... 123
A audição como um importante sistema sensorial ............................................................... 126
Movimento .......................................................................................................... 129

6
Brincadeira de criança ........................................................................................................... 130
Luna ....................................................................................................................................... 133
Movimento: aquilo que nos permite transformar o mundo ................................................ 136
Locomoção ............................................................................................................................ 140
Marcha Humana: ciência e humanidade .............................................................................. 142
Aprendizagem motora .......................................................................................................... 144
Atividade cerebral ao violão.................................................................................................. 146
Adaptação do Movimento à Nova Realidade ....................................................................... 149
Tênis de Mesa, um esporte democrático .............................................................................. 151
Mantendo a postura ............................................................................................................. 154
Aprendendo algo novo .......................................................................................................... 157
“A Neurofisiologia do Thor” .................................................................................................. 160
A neurofisiologia do exercício físico: a ciência da dança ...................................................... 163
ON e OFF............................................................................................................................... 165
A arte do movimento humano .............................................................................................. 167
A modulação da marcha no cotidiano .................................................................................. 170
Aprendizado, prática e movimento....................................................................................... 173
As aventuras de Jojo parte 2: Jojo, o sono e os controles dos movimentos ......................... 175
A imaginação do exercício físico ........................................................................................... 178
As nuances do aprendizado motor e do sono....................................................................... 180
A marcha ............................................................................................................................... 183
A marcha das espécies e a rotina .......................................................................................... 186
O controle do movimento ..................................................................................................... 190
Marcha automática e consciente em cães ............................................................................ 192
O elo entre cérebro, yoga e coordenação............................................................................. 195
A construção do Movimento................................................................................................. 198
Comparando a execução de tarefas simples e complexas de acordo com a idade .............. 201
Desafio: vigília e coordenação............................................................................................... 204
A coordenação do movimento dos seres .............................................................................. 206
Comportamento ................................................................................................... 209
Atividade em Família ............................................................................................................. 210
Café com pão......................................................................................................................... 213
Como usamos o cérebro para interagir com o meio? ........................................................... 216
Percepção Emocional ............................................................................................................ 219
Qual o valor da memória? ..................................................................................................... 221
Relações interpessoais da quarentena ................................................................................. 223
O mau perdedor .................................................................................................................... 227
Castelo de cartas ................................................................................................................... 229
Arte e neurobiologia de comportamento ............................................................................. 231
Associações no Comportamento .......................................................................................... 234
Neurobiologia Comportamental e Atividades Cotidianas ..................................................... 237
Córtices associativos no combate a doenças psiquiátricas ................................................... 240
Gatilho ................................................................................................................................... 243
Ano de vestibular, quarentena e expressão artística............................................................ 246
Um almoço de domingo e a neurofisiologia ......................................................................... 248
O futebol e as emoções ......................................................................................................... 252
Distúrbios do sono EaD ......................................................................................................... 254

7
Neurobiologia do Isolamento................................................................................................ 256
Os Córtices e os processos sociais humanos ......................................................................... 260
As aventuras de Jojo parte 3: Jojo e lesões cerebrais ........................................................... 262
Seleção natural e expressões faciais ..................................................................................... 265
O córtex, a Pandemia e o Governo ....................................................................................... 267
Atividades e habilidades........................................................................................................ 270
O efeito cortical no comportamento em atividades à distância ........................................... 274
Levi tocando flauta doce ....................................................................................................... 276
Movimentos e recompensas ................................................................................................. 278
Poema desconstruído............................................................................................................ 282
Córtices associativos e neurobiologia do comportamento: reinventando-se na quarentena
............................................................................................................................................... 285
React às diferentes imagens ................................................................................................. 287
Bloco II ................................................................................................................. 290
Sentidos & movimento - PG .................................................................................. 290
Ser Humano: The Good, The Bad and The Ugly .................................................................... 291
Sistemas sensoriais: emoções e sentimentos ....................................................................... 294
Integração sociomotora em tempos de pandemia ............................................................... 296
Repertórios sensoriais e os desafios de adaptação na pandemia ........................................ 300
Percepção sensorial em uma situação de isolamento social ................................................ 303
Sistemas Sensoriais & Integração Motora ............................................................................ 305
Equilíbrio e visão sobre rodas e neurônios ........................................................................... 308
A estimulação sensorial e a integração do comportamento ................................................ 311
O conjunto polissensorial em nossa rotina ........................................................................... 314
Os sentidos e o sentir-se seguro em meio ao isolamento social .......................................... 317
O que aprender com o distanciamento social durante a pandemia da COVID-19? ............. 320
Saudade sensorial: o despertar ............................................................................................. 323
O dia a dia de um cérebro enclausurado .............................................................................. 326
Solitude, empatia e resiliência em tempos de pandemia COVID-19 .................................... 330
Sentidos especiais em meio à pandemia: O olhar para o interior ........................................ 333
Á mesa com os sentidos aguçados em tempos de pandemia .............................................. 336
As respostas a estímulos sensoriais no cenário da pandemia COVID-19 ............................. 338
Comportamento _ PG ........................................................................................... 342
Velhos hábitos versus novas rotinas, o novo comportamento no isolamento social........... 343
Um pedaço de carne bovina ou humana? ............................................................................ 345
Do piloto automático às percepções conscientes................................................................. 349
O processamento neural complexo e a produção do comportamento em tempos de pandemia
............................................................................................................................................... 351
Estresse, emoções e a percepção do mundo ........................................................................ 354
Ansiedade no isolamento social ............................................................................................ 356
Integração sensório motora e cognitiva nas artes marciais.................................................. 359
Sorrisos sob máscaras e alegrias, socialmente, isoladas....................................................... 361
Córtices associativos, isolamento social e a pandemia do COVID-19 ................................... 363
A busca pelo equilíbrio emocional e comportamental na pandemia ................................... 367
Refletir ou não refletir? Eis a questão ................................................................................... 369
O isolamento social e a saúde mental de idosos durante a pandemia da COVID-19 ........... 373
Associações: o despertar continua........................................................................................ 376

8
Quarentena: tomografia das emoções, comportamento e cognição ................................... 378
Comportamento, cognição e isolamento.............................................................................. 381
O desafio das multitarefas em tempo de pandemia COVID-19 ............................................ 385
Mecanismos comuns, identidades distintas ......................................................................... 387
Como mudamos nossa forma de estudar durante a pandemia da COVID-19? .................... 391
O sentir físico e psíquico em tempos da pandemia do covid-19 ............................. 394
Projeto de pesquisa ............................................................................................................... 395
O sentir físico e subjetivo em período de distanciamento/isolamento social durante pandemia
de covid-19. Análise qualitativa e quantitativa ..................................................................... 395
Pósfacio ............................................................................................................... 406
Projeto Gráfico e Capa .......................................................................................... 407
ANEXOS ............................................................................................................... 410
Anexo 1 – Tabela de localidades nos mapas do Brasil e de São Paulo ................................. 410
Anexo 2 – Termo de Consentimento .................................................................................... 413
Anexo 3 – Direitos do uso de imagem/copyrights ................................................................ 415
Anexo 4 - Direitos do uso de imagem/copyrights ................................................................. 416
Agradecimentos ................................................................................................... 417

9
Prefácio
A implementação de aulas remotas na USP a partir de março de 2020, como
consequência da pandemia de Covid-19, trouxe à tona a possibilidade de modificar
drasticamente os métodos de ensino e aprendizado em todos os níveis de Educação, do
Ensino Básico/Fundamental, ao Ensino Médio, de Graduação e Pós-Graduação. No
cenário da FMRP, imediatamente após a comunicação de que deveríamos
ministrar/fornecer aos alunos aulas, recursos, conteúdos, avaliações, sem prejuízo de
conteúdos e da grade curricular, mas em cenário virtual/remoto, pensei em oferecer
uma versão diferente, muito mais humana do que acadêmica. Afinal estávamos todos
começando uma jornada que de entrada gerou muita apreensão, ansiedade e não
poucas vezes, depressão.

Meu raciocínio foi simples, mudaria o cenário, mas não o incentivo ao


pensamento crítico e criativo! De fato, nas até então aulas presenciais, sempre (por mais
de 30 anos na FMRP-USP) adotei recursos (além dos convencionais acadêmicos e
científicos) vindos das artes, da história e da filosofia. Diretrizes, material de trabalho e
aulas foram disponibilizados na Plataforma Moodle da FMRP aos alunos, tanto da
Graduação, quanto da Pós-Graduação, com explicações de como procederíamos. O
material que faz o corpo deste e-book é o produto dos textos e vídeos tematicamente
acoplados, referentes às aulas de Neurofisiologia ministradas por mim, e que os alunos
da Graduação da FMRP da Disciplina “Estrutura e Função do Sistema Nervoso - RCG212”
(Bloco I) e da Disciplina “RFI5774 Integração Sensorial e Motora: Comportamento”
(Bloco II) do Programa de Pós-Graduação de Fisiologia elaboraram, ao meu ver de
maneira magnífica, mesmo na situação de aperto emocional, pressão acadêmica e
contexto de total apreensão pelas incertezas da situação.

O Bloco III do presente e-book é a versão sintética do Projeto em colaboração


com a Dra. Itiana Castro Menezes, PhD em Saúde Mental “O sentir Físico e Subjetivo
em Período de Distanciamento/Isolamento Social durante a Pandemia de Covid-19.
Análise Qualitativa e Quantitativa” (Processo Plataforma Brasil nº
36963420.4.0000.5440; Parecer CEP HCFMRP/USP nº 4.249.063).

10
De fato, os indivíduos que preencheram planilhas, escores, escalas relacionadas
com Saúde Mental são, inicialmente, os alunos que tiveram aulas de Graduação e Pós-
Graduação mencionados acima. Este, denominado estudo piloto, atualmente em fase
de análise estatística, servirá de base para aplicar este Projeto também em escala
nacional.

Sinto-me extremamente realizado e gratificado por esta construção plural, muito


mais como ser humano, do que como Docente, Investigador e mesmo Divulgador de
Neuro (Ciência). Agradeço enormemente aos alunos da FMRP-Turma 68 e aos alunos do
“Cursão-Neuro” do PPG-Fisiologia da FMRP, pelo seu entusiasmo e dedicação. Embora
no início enxergaram o peso de mais uma série de tarefas que iriam executar em meio
a tantas dificuldades, no final sentiram o quanto estes exercícios, sobretudo de reflexão,
serviram não só a eles individualmente, mas aos seus colegas e mesmo às suas
famílias.

Agradeço imensamente aos alunos das equipes de produção e edição do e-book,


das Turmas 68 e 67 da FMRP, ao Cláudio Luiz da Silva do PPG-NNC da FMRP e à Itiana C.
Menezes, Co-Coordenadora do Projeto em Saúde Mental, que ao longo destes 13 meses
fizeram desta empreitada uma jornada de aprendizado mútuo e prazeroso comigo. Aos
leitores do e-book, agradeceríamos que se colocassem empaticamente em nosso lugar,
afinal todos estamos passando por esse período triste da humanidade, e esperamos que
outras novas reflexões, sobretudo de esperança, possam sair de sua leitura.

Prof. Norberto Garcia-Cairasco


Ribeirão Preto, SP. Brasil
Maio de 2021, após mais de um ano da Pandemia de Covid-19

***

11
Introdução
Projeto idealizado, criado e coordenado no primeiro semestre de 2020 pelo Prof.
Dr. Norberto Garcia-Cairasco, executado com 100 alunos do segundo ano de Graduação
em Medicina da FMRP-USP (Turma 68), que cursaram a Disciplina “RCG-0212 Estrutura
e Função do Sistema Nervoso”, e de 30 alunos (vários PPGs do Brasil) que cursaram a
Disciplina de Pós-Graduação “RFI5774 Integração Sensorial e Motora: Comportamento”
no Programa de Pós-Graduação em Fisiologia do Departamento de Fisiologia da FMRP-
USP.

Material introdutório disponibilizado no Moodle-FMRP-USP


aos alunos do segundo ano (Turma 68) da FMRP em
09/04/2020
Observação: Pequenas modificações foram feitas ao material original, como produto
dos acordos com os alunos ao longo do Curso. Outras modificações ou adaptações
foram feitas a texto semelhante enviado aos alunos de Pós-Graduação (veja abaixo).

Caros Alunos da Medicina 2º Ano. FMRP-USP


Bom dia/Boa tarde/Boa Noite!
Meu nome é Norberto Garcia-Cairasco, Biólogo e Neurofisiologista, Professor Titular
do Departamento de Fisiologia da FMRP-USP
Docente da Disciplina RCG-2012 Estrutura e Função do Sistema Nervoso.

Aulas sob minha responsabilidade:

1a. Sentidos Especiais-Audição (Tf12);

1b. Atividade Elétrica de vias Sensoriais (Tf13) & Integração Polissensorial (Tf14);

2a. Controle da Postura e do Movimento - Integração Motora (Tf24);

2b. Regulação da Atividade Elétrica Cerebral (Tf29);

3a. Córtex Associativo (Tf31);

3b. Neurobiologia do Comportamento (Tf36).

Estarei à disposição de vocês para discutir as minhas aulas que serão


disponibilizadas (formato Microsoft Power Point) no Moodle. Farei também
comentários na maioria dos slides, onde aparecem vídeos ou links para eles na internet,

12
como materiais complementares de estudo. Entendo claramente que não poderemos
ter uma aula convencional, mas enviarei perguntas ou receberei elas de vocês.

Observação: Em dias predeterminados as aulas acima mencionadas serão


apresentadas em formato síncrono, de modo a esclarecer dúvidas adicionais e repassar
todos os seus conteúdos.

De maneira complementar, mas muito valioso neste momento e dadas as


condições atuais, sobretudo de estresse e tensão por conta da Covid-19, gostaria de
propor atividades para futuros Médicos, de preferência os melhores, que se inserem no
contexto de ensino e aprendizado usando os Laboratórios do nosso Corpo e
do Cotidiano. Gostaria que entendessem que da minha parte me importo muito mais
pelas reflexões que em torno a estes temas possamos fazer, no contexto de altíssima
vulnerabilidade e estresse em que nos encontramos todos, do que pela retenção de
informações acadêmicas e científicas. As últimas virão em vários momentos, agora
certamente, e especialmente quando tudo se normalize, mas as reflexões são únicas
neste contexto!

A proposta geral está organizada dentro de Grupo de Estudos maior que


coordeno no Instituto de Estudos Avançados da USP-RP denominado Rede “Ciência,
Arte, Educação e Sociedade, CienArtES” (atividades iniciadas em 2012). Dentro do
“CienArtES” criei a “Oficina Cândido Portinari: A Ciência e a Arte do Cotidiano”.

No contexto da Oficina Cândido Portinari e usando como referência o programa


da Disciplina RCG-212, proponho que nas minhas aulas (detalhadas acima e agrupadas
como descrito a seguir) cada um de vocês, usando o laboratório do próprio corpo, o
cenário das vossas residências (familiares/repúblicas) façam práticas, registrem
eventos, comportamentos, usando criatividade, produzindo vídeos com telefone
celular, usando ou não editores de vídeo (som, legendas, efeitos especiais), tudo à
vontade. Cada vídeo de 2 minutos (nem mais, nem menos) deverá vir acompanhado de
um texto descritivo (tamanho de duas páginas (nem mais, nem menos); Word, Time
New Roman, fonte 12), associado com o tema e as questões da respectiva aula.

13
Detalhes e dicas passarei a seguir para cada aula. Para cada tema, o nível de
complexidade, questões estéticas, narração ou legendas, privilegiarão os conceitos, a
narrativa que possa ser entendida no contexto científico geral, mas ao mesmo tempo
de divulgação, esclarecimento para a Família, por exemplo, ou para a Sociedade em
geral. Entendendo que no ambiente familiar há, por exemplo, diferenças
de background educativo, idades (crianças, adultos, idosos), poderá haver restrições de
entendimento, ou pessoas com deficiências específicas sensoriais ou cognitivas. Dessa
maneira é interessante considerar também (embora não obrigatória) a confecção de
versões dos vídeos que incorporem inclusão (pelos motivos acima), quando
explicitamente detalhadas. A título de exemplo, surdez, de nascença ou por
envelhecimento, poderá estar presente na mesma família, com matizes diversos,
criança com surdez pós-tratamento com antibiótico (ototóxico), com zumbido
ou tinitus como consequência, e idoso com surdez de envelhecimento (presbiacusia).

De novo, pensem que estes vídeos poderão ser publicados na “Oficina Cândido
Portinari: A Ciência e Arte do Cotidiano”. Com isto, além de termos contribuído com o
aprendizado, do pensar crítico e criativo, de alunos de Medicina da FMRP-USP,
contribuiremos para a Divulgação Científica, desmistificação do conhecimento
científico. Isto é particularmente importante, num momento em que,
independentemente da origem geográfica, o hemisfério do planeta onde os países se
situem, sua riqueza comercial ou em biodiversidade, seu histórico de educação ou
patrimônio econômico, uma pandemia (Covid-19), produzida por uma nanopartícula
viral (Sars-CoV-2), nos lembrou que somos iguais e removeu a nossa arrogância. Nesse
cenário a Ciência e a Educação se mostram como os grandes alicerces para enfrentar o
maior desafio da Saúde Pública da Humanidade na Sociedade Contemporânea.

Tenho plena certeza de que não é o momento ideal para solicitar de vocês
concentração total, aproveitamento máximo, dadas as circunstâncias de estresse, em
alguns casos de pânico, ou dificuldade de concentração, porém a mudança de
paradigma que esta pandemia solicita inclui nossa maneira presente e futura de
enxergar o mundo e por consequência o ensino geral e o da Medicina. Não creio que
seja apenas fazermos aulas virtuais, num exercício potencialmente bem-sucedido de
educação à distância!

14
O registro das ações que aqui proponho, além de fazerem parte da Disciplina
RCG-212, poderão ser apresentadas também posteriormente na IX Semana Nacional do
Cérebro, que infelizmente e pelas mesmas circunstâncias (Covid-19) foi
cancelada/adiada neste ano. Durante vários anos (desde 2012) alunos da Liga de Neuro
da FMRP-USP, sob a minha coordenação, já participaram desta semana, que faz parte
da versão mundial da “Brain Awareness Week”, com enorme sucesso.

É muito importante e interessante que ao longo do semestre, sejam feitas


reuniões virtuais (datas a serem combinadas) para esclarecer dúvidas com vocês!

Observação Importante sobre a Avaliação das Atividades: No meu caso (NGC)


cada aluno, duplas ou máximo trios de alunos, deverão confeccionar três (3) vídeos e
três (3) textos.

Os vídeos e textos poderão ser colocados para observação de todos no Moodle e


como atividades associadas à “Oficina Cândido Portinari: A Ciência e Arte do Cotidiano
Oficina Cândido Portinari” do Projeto “CienArtES” do IEA-USP-RP, para fins de
divulgação científica.

Mensagem Principal: As experiências individuais, com o contexto das famílias,


redescobrem um ambiente absolutamente real, do qual o Médico, o homem em geral,
nunca se livrará. A questão gritante é que no cenário da Covid-19 este contexto foi
recriado, com matizes de apreensão, medo e estresse.

Por favor, se ao estarmos aprendendo na RCG-212, resumindo o tema das


minhas aulas como “Neurofisiologia Sensorial, Motora e Comportamental”, sobretudo
do ser humano (Médico ou não), o objetivo maior é nos conhecermos melhor. Por isso,
certamente esta experiência será muito mais valiosa que a memorização de eventuais
conteúdos, com potencial obsolescência rápida, mas que muitas vezes representam
pouco aprendizado da nossa natureza humana, da qual o Médico nunca poderá
prescindir!

15
Agradeço muito que em situação tão delicada para a humanidade, possamos ter,
apesar de não estarmos cara a cara, um contato bem próximo. Contem comigo, de
verdade!

Atividades da “Oficina Cândido Portinari: A Ciência e a Arte do


Cotidiano”

Justificativa: Com o fortuito isolamento pelo que todos estamos passando, como
consequência da Pandemia da Covid-19, percebemos o quanto a Ciência é fundamental
nas nossas vidas, ora para explicar quem somos, em que ambiente vivemos e como as
interações bidirecionais entre o homem (individual e social) e a natureza permitem que
a qualidade de vida de ambos o homem e o planeta em que ele habita, seja equilibrada,
harmonizada. Nesse contexto definimos também Saúde e Doença, de ambos, do
Planeta e do Homem!

Para entendermos o complexo sistema que chamamos de realidade, do ponto


de vista da Ciência e da Neurociência em particular, devemos entender quais são os
canais de comunicação entre o homem e o ambiente, como eles ativam o organismo,
inicialmente por meio de sensores específicos e graças a múltiplas transformações,
permitem que construções especiais sejam feitas de canais específicos ou modalidades
sensoriais, por exemplo auditiva, visual, tátil. Depois de processamentos, integração
com outros canais, as próximas etapas podem associar as respostas seletivas, agora de
maneira integrada. O resultado final é o comportamento, que não é mais do que uma
orquestração de todos esses sistemas, inicialmente sensoriais, seguidamente de
integração ou associativos e, finalmente, efetores ou de ações, muitas vezes motoras,
coerentes com as demandas que os sistemas sensoriais iniciaram e dos processamentos
que geraram. Poderíamos metaforicamente dizer que a realidade, criada pelo cérebro,
não seria mais do que multiversos conjugados, e que curiosa e intrigantemente, a sua
interpretação (científica) finalmente depende do próprio cérebro em funcionamento:
“Estudamos o Cérebro usando o Cérebro”.

Objetivos: Tendo o contexto acima mencionado como o gatilho para a criatividade e o


aprendizado, nos melhores laboratórios que são: nosso organismo, nosso cotidiano e

16
nossas experiências pessoais, propomos nas Aulas que ministro na Disciplina RCG-212
Estrutura e Função do Sistema Nervoso (listadas acima) atividades didáticas
complementares que no seio das casas/famílias (circunstância única e fortuita) visem
detectar, ilustrar, explicar conceitos, conforme a sequência das aulas (7), que deverão
ser registrados em vídeos (3, conforme agrupamento abaixo) de duração de 2
minutos, e em textos (1 que acompanha cada vídeo, com extensão máxima de 2
páginas) explicativos.

Dicas e sugestões para a execução das atividades

1. Vídeo e texto sobre as Aulas “Neurofisiologia da Audição (Tf12)” &


“Atividade Elétrica de vias Sensoriais (Tf13) - Integração Polissensorial (Tf14)”

Reflexões sobre o sistema auditivo, a audição como um importantíssimo sistema


de comunicação. Dos sons na natureza à música, à fala, aos ruídos, seu significado e
impacto como elementos de comunicação. No contexto da discussão do sistema
sensorial específico audição, podemos nos debruçar sobre cenas do nosso cotidiano.

Inicie fazendo uma lista de todos os tipos de sons que podem ser detectados
durante o dia e a noite estando dentro de sua casa. Classifique estes sons como naturais,
dentro destes os provenientes do homem ou de animais. Dos sons humanos consegue
classificar variações? Relação com a idade das pessoas, com o contexto cognitivo ou
emocional? Sons como agentes de comunicação? Voz, linguagem, relação com
gênero? Sem usar equipamentos ou ferramentas sofisticadas, sugira como mediria a
audição das pessoas que convivem com você.

Dia e noite, de maneira diferente potenciam/evidenciam ou mascaram sons?


Alguns desses sons são noturnos, outros apenas diurnos? Quais seriam os sons artificiais
dentro da casa, produzidos pelo homem, por ferramentas, equipamentos? E, fora da
casa, carros, outros? Qual o impacto, eventualmente deletério, desses sons na
capacidade auditiva? Surdez por hiperexposição, zumbido ou tinnitus como
consequências intratáveis? Relação entre presença de sons naturais e artificiais e

17
aspectos emocionais, cognitivos? O que são os sons enquanto parte de sistemas de
defesa do organismo?

Música erudita, sons tribais ou mesmo os simples/familiares podem afetar nosso


encéfalo e cérebro permitindo que evoquemos cenários ou memórias específicas.
Conectamos desta maneira o presente com o passado. Por outro lado, músicas ou ruídos
específicos também podem nos colocar em situações de repouso, descanso ou, quando
o conteúdo for traumático, se associam a eventos autobiográficos que, embora
quiséssemos nos livrar deles, teríamos muita dificuldade em conseguir fazê-lo. Por isto,
associações marcantes entre traumas da infância e adolescência podem explicar, meses
ou mesmo anos e décadas depois, o chamado estresse pós-traumático. O gatilho, um
som, uma música. Claro que em outras modalidades sensoriais o gatilho poderia ser um
cheiro ou uma imagem. Como, então, a audição interage com outras modalidades
sensoriais na produção pelo nosso encéfalo e cérebro da realidade
plural, polissensorial que nos cerca? Há exemplos, no ambiente familiar, de alguns
desses eventos?

Como detectar capacidade auditiva, limiares, perdas com resposta


comportamental simples? Quais seriam estes protocolos, ditos caseiros? Não é de outra
maneira que pais e professores(as) na pré-escola ou no ensino fundamental detectam
perdas auditivas precoces? Sobressalto e resposta em crianças. Qual é a diferença entre
adultos jovens e idosos? Complementarmente, no ambiente clínico e acadêmico, como
usar ferramentas para avaliar audição? Emissões oto-acústicas ou de detecção de sons
produzidos pelas células externas da cóclea ao se contraírem, ou
técnicas eletrofisiológicas: audiometria, potenciais evocados (induzidos), que
detectam as assinaturas eletrofisiológicas das vias sendo ativadas, no tronco cerebral e
corticais.

Uma vez que sejam identificadas todas as possíveis variações de sons, as suas
características e impacto em nossas vidas, dependendo da idade e de estados
emocionais, faça um vídeo de 2 minutos (anexe texto descritivo de até 2 páginas)
que resuma o que você acha seria a melhor representação desta experiência.

18
Enfatizo que vocês devem utilizar os slides e vídeos das Aulas “Neurofisiologia
da Audição” & “Atividade Elétrica de Vias Sensoriais – Integração Polissensorial” como
as referências acadêmicas e científicas que dão suporte as atividades complementares
em pauta.

2. Vídeo e texto sobre as Aulas “Controle da Postura e do Movimento -


Integração Motora (Tf24)” & “Regulação da Atividade Elétrica Cerebral (Tf29)”.

Reconhecer que em nosso dia a dia andamos/vivemos em proporção muito alta


(perto de 70-80%) no piloto automático seria uma exageração? Mas o que é mesmo o
piloto automático? Pensem, no momento desta leitura quantos de vocês estão
respirando? Espero que 100%! Antes da minha pergunta, quantos de vocês, de fato,
estavam cientes de que estavam respirando? A diferença é o piloto automático! Que
ótimo que tenhamos Sistema Nervoso Autônomo, Marcapassos Cerebrais,
Respiratórios, Cardíacos, mas que sabidamente são modulados pelo nosso Cérebro
Cognitivo (Córtex Frontal)!

Nosso organismo funciona porque múltiplos sistemas de controle e processos


integrativos fazem que essa máquina chamada de corpo humano processe complexas
informações provenientes do meio ambiente, do seu interior, gerando impacto em
ambas as direções. Além dos sistemas sensoriais que já discutimos, os de associação ou
integração são vitais para a execução de respostas adaptativas. No miolo desses
processos de integração temos redes nervosas, sistemas músculo-esqueléticos,
sistemas endócrino e metabólico, renal, pulmonar, cardíaco e suas redes vasculares,
sistema imune. Um desses sistemas de execução de respostas adequadas, após
processamento de eventos sensoriais, é o sistema de controle da postura e do
movimento. Ele gera múltiplas soluções às necessidades do organismo, de maneira
enormemente integrada.

Nesse contexto e usando de novo o cotidiano como Laboratório, identifique no


cenário da família, eventos simples como por exemplo, a marcha (compare idades de
desenvolvimento) e descreva como ela é executada, inicialmente no chamado piloto
automático, depois como ela é modulada conforme estejamos em chão raso, ou subindo
ou descendo escadas, com as mãos ocupadas ou não, concentrados ou distraídos.
19
De fato, sabemos que em estruturas da medula espinhal temos os chamados
“geradores centrais de padrão” (conjunto de neurônios e interneurônios e suas
conexões excitatórias e inibitórias), neste caso que codificam o “padrão marcha”. Eles
apresentam relativa autonomia, por si sós explicam a alternância entre extensores e
flexores, mas recebem de maneira maciça e complexa influências da periferia sensorial,
do tronco cerebral, do cerebelo, dos núcleos da base e do córtex cerebral. Esses sistemas
sofrem as influências do ambiente, respondem com plasticidade à sua execução
repetida, tem memória. Em diferentes circunstâncias vários desses sistemas falham e as
manifestações neurológicas poderão ir de atonias, simples tremores,
quadros distônicos, marchas atáxicas, compulsões, até crises convulsivas, entre tantas
outras.

Nesse contexto, descreva padrões motores normais e eventualmente anormais


que você detecte em sua casa e relacione eles com idade ou desenvolvimento. Pense no
aprendizado de tarefas complexas motoras, como as explícitas na execução de
movimentos em esportes competitivos, radicais, execução de instrumentos musicais,
danças. Nessas situações mais complexas, os movimentos podem em algum momento
ser imaginados, justamente o produto da evocação das memórias ou aprendizados dos
padrões motores. Na sequência podem ser descritos e verbalizados e muitos deles
poderão ser usados para engatilhar padrões, por exemplo, que alimentam, via registros
de atividade cerebral (EEG, veja a aula correspondente abaixo) e engenharia reversa
aplicados a braços ou pernas robóticas em protocolos de reabilitação de alta
tecnologia.

Para completar estas atividades e seus relatos (vídeo e texto escrito),


contextualize se elas ocorrem durante a vigília (estar acordados), quando todos os
sistemas sensoriais estão em ação, ou durante o sono, seja o de ondas lentas, ou o dos
movimentos oculares rápidos (MOR). Levando em consideração o tema “Regulação da
Atividade Elétrica Cerebral”, substrato fundamental aos registros de
eletroencefalograma (EEG), descreva como há variações comportamentais, de atividade
muscular durante o ciclo vigília-sono. É bem possível que você verifique em algum
membro da família atividade muscular atenuada (corresponderia ao sono lento, caso
um EEG fosse realizado) ou atividade muscular inibida (atonia muscular, com exceção

20
de MOR). Paradoxalmente no sono MOR a atividade onírica (sonhos) é intensa (com EEG
semelhante ao da vigília).

Identifique todas as possíveis variações de posturas, as nuances dos nossos


movimentos no dia a dia (ou no ciclo sono-vigília), o aprendizado de tarefas motoras, as
suas características e impacto em nossas vidas, dependendo da idade e de estados
emocionais. Descreva sobre diferenças na execução destas tarefas, se associadas às
fases do ciclo sono-vigília. Procure documentar perdas motoras ou deficiências
funcionais. Doenças clássicas como a de Parkinson, crises convulsivas nas Epilepsias,
Coreia de Huntington, são exemplos destas alterações.

Com toda essa retaguarda conceitual, faça um vídeo de 2 minutos (anexe texto
descritivo de até 2 páginas) que resuma o que você acha seria a melhor representação
desta experiência.

Enfatizo que vocês devem utilizar os slides e vídeos das Aulas “Controle da
Postura e do Movimento - Integração Motora” & “Regulação da Atividade Elétrica
Cerebral” como as referências acadêmicas e científicas que dão suporte as atividades
complementares em pauta.

3. Vídeo e texto sobre as Aulas “Córtex Associativo (Tf31)” & “Neurobiologia


do Comportamento (Tf36)”.

No cenário familiar você deverá identificar todas as possíveis variações de


eventos relacionados com as funções do córtex associativo frontal, do córtex
associativo temporal e do córtex associativo parietal. Evidentemente que a
reconstrução da realidade implica a interação e integração destes córtices (que
representam 75% do total cortical), alimentados pelos respectivos córtices sensoriais
primários, e conectados para a execução de tarefas pelos córtices motores (este
conjunto sensório-motor representa apenas 25% do total cortical).

No caso do córtex associativo frontal, é pré-requisito tentar detectar no


ambiente familiar/do cotidiano, exemplos de funções executivas, planejamento
complexo de atividades, antecipação do efeito ou impacto de nossos atos (filtro social),

21
elaboração de pensamento reflexivo, inibição consciente de hábitos com impacto
negativo, a percepção consciente de nosso papel e responsabilidades sociais. De
maneira genérica, o córtex frontal, agindo em conjunto com os córtices sensoriais e
motores, e os córtices associativos parietal e temporal, informam ao indivíduo
de si próprio em relação ao mundo externo. O paciente Phineas Gage é um exemplo
clássico na literatura neurológica de lesão frontal, com perda de filtro social.

No caso do córtex associativo temporal, é importante detectar e descrever no


cotidiano, funções como o reconhecimento de objetos e de faces, estas últimas com
conteúdo emocional, por exemplo reconhecimento de rostos familiares. O contexto
maior do que significam as expressões faciais e sua leitura, interpretação ou
processamento, é consequência de pesquisas excepcionais iniciadas por Charles Darwin
no Século XIX e contidas no seu famoso livro “A expressão das emoções no homem e
nos animais”. Na neuropsiquiatria contemporânea, há detecção de alterações clínicas
na interpretação de faces, por exemplo, com conteúdo de medo. Além deste fenômeno
se associar com depressão, há nestes pacientes um correlato de imagem de ressonância
funcional que indica atividade alterada em estruturas do lobo temporal como a
amígdala, fortemente envolvida em processamento de memórias emocionais.

A perda das funções de reconhecimento facial é denominada em geral agnosia,


predominante no lobo temporal direito. Quando há lesões no lobo temporal esquerdo,
usualmente o fenômeno é de alterações da linguagem. Genericamente o lobo temporal
é fundamental para processos de aprendizado e memória, de maneira que a solicitação
de evocação de memórias (e a confirmação de facilidade ou dificuldade) em várias
idades auxilia nesta tarefa. Alguns exemplos são amnésias, pós-traumáticas, passageiras
ou duradouras.

No caso do córtex associativo parietal é importante lembrar, quando se pensa


em procurar estes aspectos no cotidiano, no ambiente familiar, que estes circuitos ou
redes estão envolvidos em processos de atenção. Embora suas lesões se reflitam nos
déficits das síndromes de negligência contralateral, curiosamente não há déficits
primários sensoriais nem motores que impeçam que estes indivíduos vejam ou sintam
seus corpos ou objetos em volta. Por outro lado, eles podem apresentar dificuldade em

22
perceber (prestar atenção) em objetos ou partes do próprio corpo ou se orientar em
relação a estímulos apresentados no campo visual contralateral à lesão, particularmente
do lobo parietal direito.

No caso das atividades associadas com os conceitos sobre “Neurobiologia do


Comportamento” é interessante que seja contrastado no ambiente do cotidiano, das
famílias, o uso de nosso encéfalo para a execução de atividades razoavelmente simples
de serem executadas, pois trazem conforto e felicidade para quem as realiza, tais como
a generosidade, a empatia, a solidariedade. Esses eventos dependem primariamente de
sistemas sensoriais específicos, em interação com os córtices motores e os córtices
associativos. Outras atividades, executadas magistralmente, representam habilidades e
manifestações sublimes como as Artes e a Ciência. Se porventura, por exemplo, algum
dos alunos toca algum instrumento musical, executa tarefas literárias, dança, faz
esporte, seria interessante que discutisse como estes eventos modulam o nosso
comportamento, de maneira a serem ferramentas de tratamento de ansiedade ou
depressão, de geração de empatia, generosidade, pensamento coletivo ou solidário. No
cenário da Covid-19, estas atividades “nobres” ganham espaço ou ao contrário são
comprometidas pela nossa fragilidade, ansiedade, depressão?

O paradoxo é que esse mesmo encéfalo e cérebro descritos acima podem ser
usados também pela nossa espécie o Homo sapiens, para executar tarefas e condutas
nada nobres, como a violência, no trabalho ou a doméstica, agressão ou desprezo no
campo individual ou social, todas elas vistas como rejeições injustificadas, tais como a
homofobia, o racismo, a misoginia, a xenofobia e o bullying, entre muitas outras.

Numa complexa interação de eventos genéticos, de origem socioeconômica,


com profundas raízes históricas e políticas, de ambiente psicossocial, aspectos
epigenéticos, a Neurobiologia do Comportamento como evento multifatorial,
certamente nos permite refletir sobre quem somos e quanto do que decidimos ser
depende ou não de nós (e quanto podemos mudar ativamente), e de ambientes para o
desenvolvimento, enriquecidos ou não. As Artes e a Neuro(Ciência) conjugadas nos
auxiliam nesta avaliação.

23
Novamente o cenário atual vem à tona. O recolhimento obrigatório pela
pandemia facilita a reflexão, mas por outro lado aumenta chances de distúrbios
alimentares, aumento da ingesta de álcool (que pode potenciar violência e depressão),
incremento de dependência cibernética ou de videogames. Como utilizar essa mistura
de reflexão com atividades culturais para bem do aprendizado, sobretudo de quem
somos? Eis o desafio maior, não apenas para cada um de nós, mas para a Humanidade
como um todo.

Dadas as circunstâncias atuais de estresse e tensão, podemos perceber que no


cenário do cotidiano e familiar detectamos algumas mudanças comportamentais, como
mencionado acima, que talvez não teriam sido reveladas no ambiente corrido, do dia a
dia convencional, diga-se de passagem, de “piloto automático”, pouco reflexivo, prévio
à Covid-19?

A tarefa específica desta atividade é fazer um vídeo de 2 minutos (anexe texto


descritivo de até 2 páginas) que resuma o que você acha seria a melhor representação
desta experiência. Neste caso particular gostaria de enfatizar que há que fundir no vídeo
os conceitos complementares contidos na descrição de funções dos Córtices
Associativos e a Neurobiologia do Comportamento. São, sem dúvida, conceitos e
processamentos absolutamente integrados em nosso cotidiano.

Enfatizo que vocês devem utilizar os slides e vídeos das Aulas “Córtex
Associativo” & “Neurobiologia do Comportamento” como as referências acadêmicas e
científicas que dão suporte as atividades complementares em pauta.
Ótimas atividades complementares.
Novamente contem comigo para a sua construção!
Professor Norberto Garcia Cairasco
ngcairas@usp.br
Ribeirão Preto, 09 de abril de 2020

***

24
Material introdutório disponibilizado no Moodle-FMRP-USP
aos alunos do Cursão-Neuro em 06 de junho de 2020
Observação: Pequenas modificações foram feitas ao material original, como produto
dos acordos com os alunos ao longo do Curso.

Caros Alunos da Disciplina RFI-5774 - PPG Fisiologia-FMRP-USP.


Bom dia/Boa tarde/Boa Noite!
Meu nome é Norberto Garcia Cairasco, Biólogo e Neurofisiologista, Professor Titular
do Departamento de Fisiologia da FMRP-USP.
Coordenador e Docente da Disciplina RFI-5774 INTEGRAÇÃO SENSORIAL E MOTORA –
COMPORTAMENTO.

Observação: Por favor, leiam com atenção o programa abaixo que foi adaptado
à nova modalidade, mantendo as minhas aulas, com leve mudança da sequência,
mas respeitando as datas. De fatos estas não foram modificadas, por isto deixei
essa sequência e não fiz nova numeração das aulas para não confundir!

DATA ATIVIDADES HORÁRIO


11.06.20 Aula: Recepção, Análise e Armazenamento de
14:00 h
5a. feira Informações Sensoriais. Audição (NGC)
12.06.20 Aula: Recepção, Análise e Armazenamento de
16:00 h
6a. feira Informações Sensoriais. Olfação e Sistema Límbico (NGC)
15.06.20 Discussão: Audição & Olfação/Sistema Límbico I
16:00 h
2a. feira Perguntas-Resolução de dúvidas (NGC)
16.06.20 Aula: Planejamento, Programação e Regulação de
8:00 h
3a. feira Atividades Motoras. Medula Espinhal (NGC)
16.06.20 Discussão: Audição & Olfação/Sistema Límbico II
10:00 h
3a. feira Perguntas e resolução de dúvidas (NGC)
Aula: Planejamento, Programação e Regulação de
17.06.20
Atividades Motoras. Estruturas Subcorticais: Núcleos da 10:00 h
4a. feira
Base, Tronco Cerebral e cerebelo) (NGC)
18.06.20 Aula: Planejamento, Programação e Regulação de
8:00 h
5a. feira Atividades Motoras. Integração Motora - (NGC)
18.06.20 Discussão: Medula Espinhal
10:00 h
5a. feira Perguntas-Resolução de dúvidas (NGC)

25
Discussão: Estruturas Subcorticais: Núcleos da Base,
22.06.20
Tronco Cerebral e Cerebelo 14:00 h
2a. feira
Perguntas-Resolução de dúvidas (NGC)
22.06.20 Discussão: Integração Motora I
16:00 h
2a. feira Perguntas-Resolução de dúvidas (NGC)
23.06.20 Aula: Comportamento. Córtex
8:00 h
3a. feira Associativo & Neurobiologia do Comportamento (NGC)
Discussão: Integração Sensório-Motora
25.06.20 Apresentação de Vídeos e entrega de textos: “Sistemas
10:00 h
5ª. Feira Sensoriais & Integração Motora” –
Veja Contexto e Instruções abaixo (NGC)

26.06.20
Discussão Geral 1 (NGC, GAL, EC) 14:00 h
6ª. Feira

03.07.20 Discussão: Córtex Associativo & Neurobiologia do


Comportamento II. Perguntas-Resolução de dúvidas 08:00 h
6a. feira (NGC)

Discussão:
03.07.20
Apresentação de Vídeos e entrega de textos: “Córtex 10:00 h
6ª feira Associativo & Neurobiologia do Comportamento” –
Veja Contexto e Instruções abaixo (NGC)

03.07.20
Discussão Geral 2 (NGC, GAL, EC) 14:00 h
6ª. Feira

Como comentei na aula inaugural no dia 01/06, estarei à disposição de vocês


para discutir as minhas aulas que serão disponibilizadas (formato Microsoft Power Point)
no Moodle. Farei também comentários na maioria dos slides, no qual aparecem vídeos
ou links para eles na internet, como materiais complementares de estudo. Entendo

26
claramente que não poderemos ter uma aula convencional, mas enviarei perguntas ou
receberei elas de vocês.

De maneira complementar, mas muito valioso neste momento e dadas as


condições atuais, sobretudo de estresse e tensão por conta da Covid-19, gostaria de
propor atividades para futuros Docentes e Investigadores, de preferência os melhores,
que se inserem no contexto de ensino e aprendizado usando os Laboratórios do nosso
Corpo e do Cotidiano. Gostaria que entendessem que da minha parte me importo muito
mais pelas reflexões que em torno a estes temas possamos fazer, no contexto de
altíssima vulnerabilidade e estresse em que nos encontramos todos, do que pela
retenção de informações apenas acadêmicas e científicas. As últimas virão em vários
momentos, agora certamente, e especialmente quando tudo se normalize, mas as
reflexões são únicas neste contexto!

A proposta geral está organizada dentro de um Grupo de Estudos maior que


coordeno no Instituto de Estudos Avançados da USP-RP denominado Rede “Ciência,
Arte, Educação e Sociedade, CienArtES” (atividades iniciadas em 2012). Dentro do
“CienArtES” criei a “Oficina Cândido Portinari: A Ciência e a Arte do Cotidiano”.

No contexto da Oficina Cândido Portinari e usando como referência o programa


da Disciplina RFI-5774, INTEGRAÇÃO SENSORIAL E MOTORA – COMPORTAMENTO,
proponho que nas minhas aulas (detalhadas acima e agrupadas em dois blocos) cada
um de vocês individualmente, em duplas, ou máximo em trios, a serem definidos logo
na primeira aula, usando o laboratório do próprio corpo, o cenário das vossas
residências familiares (geralmente este é o caso neste momento) ou façam práticas,
registrem eventos, comportamentos, usando criatividade, produzam dois (2)
vídeos com telefone celular, usando ou não editores de vídeo (som, legendas, efeitos
especiais), tudo à vontade. Cada vídeo de 2 minutos (nem mais, nem menos) deverá
vir acompanhado de um texto descritivo (tamanho de 2 páginas, nem mais, nem
menos; Word, Time New Roman, fonte 12), associado com o tema e as questões do
respectivo bloco de aulas (vejam detalhes abaixo).

Para cada tema (bloco de aulas; vejam no programa modificado), o nível de


complexidade, questões estéticas, narração ou legendas, privilegiarão os conceitos, a
27
narrativa que possa ser entendida no contexto científico geral, mas ao mesmo tempo
de divulgação, esclarecimento para a Família, por exemplo, ou para a Sociedade em
geral. Entendendo que no ambiente familiar há, por exemplo, diferenças
de background educativo, idades (crianças, adultos, idosos), poderá haver restrições de
entendimento, ou pessoas com deficiências específicas sensoriais ou cognitivas. Dessa
maneira é interessante considerar também (embora não obrigatória) a confecção de
versões dos vídeos que incorporem inclusão (pelos motivos acima), quando
explicitamente detalhadas. A título de exemplo, surdez, de nascença ou por
envelhecimento, poderá estar presente na mesma família, com matizes diversos,
criança com surdez após tratamento com antibiótico (ototóxico), com zumbido
ou tinnitus como consequência, e idoso com surdez de envelhecimento (presbiacusia).

De novo, pensem que estes vídeos serão (após autorização e verificação de


direitos autorais; copyrights) ser publicados na “Oficina Cândido Portinari: A Ciência e
Arte do Cotidiano”. Com isto, além de termos contribuído com o aprendizado, do pensar
crítico e criativo, de alunos de nosso PPG em Fisiologia da FMRP-USP, contribuiremos
para a Divulgação Científica, desmistificação do conhecimento científico. Isto é
particularmente importante, num momento em que, independentemente da origem
geográfica, o hemisfério do planeta onde os países se situem, sua riqueza comercial ou
em biodiversidade, seu histórico de educação ou patrimônio econômico, uma pandemia
(Covid-19), produzida por uma nanopartícula viral (Sars-CoV-2), nos lembrou que somos
iguais e removeu a nossa arrogância. Nesse cenário a Ciência e a Educação se mostram
como os grandes alicerces para enfrentar o maior desafio da Saúde Pública da
Humanidade na Sociedade Contemporânea.

Tenho plena certeza de que não é o momento ideal para solicitar de vocês
concentração total, aproveitamento máximo, dadas as circunstâncias de estresse, em
alguns casos de pânico, ou dificuldade de concentração, porém a mudança de
paradigma que esta pandemia solicita/inclui à nossa maneira presente e futura de
enxergar o mundo e por consequência o ensino geral e o das Ciências, entre elas a
Fisiologia. Não creio que seja apenas fazermos aulas virtuais, num exercício
potencialmente bem-sucedido de educação à distância!

28
O registro das ações que aqui proponho, além de fazer parte da Disciplina RFI-
5774, poderá ser apresentado também posteriormente em eventos de divulgação
científica, de caráter nacional ou internacional, como a IX Semana Nacional do Cérebro,
que infelizmente e pelas mesmas circunstâncias (Covid-19) foi cancelada/adiada neste
ano. Durante vários anos (desde 2012), alunos da Liga de Neuro da FMRP-USP e cada
vez mais alunos de vários Laboratórios de nosso PPG em Fisiologia, com o nosso
constante incentivo e coordenação, já participaram com enorme sucesso, desta semana
que faz parte da versão mundial da “Brain Awareness Week”.

É muito importante e interessante que ao longo da Disciplina vocês participem,


não somente das aulas, mas de todas as discussões virtuais nas datas já indicadas no
programa!

Observação Importante sobre a Avaliação das Atividades:

Serão duas avaliações que terão formatos específicos, conforme o Docente. A


nota final será a média das notas de todos os Docentes. Serão duas avaliações (PI e PII),
mas os Docentes poderão fracionar os seus valores com atividades complementares. No
meu caso (NGC) cada aluno, duplas ou máximo trios de alunos, deverão confeccionar
dois (2) vídeos e dois (2) textos. No final da Disciplina esses materiais poderão ser
colocados para observação de todos, se autorizados pelos seus autores, no Moodle e
como mencionado acima, como atividades associadas à “Oficina Cândido Portinari: A
Ciência e Arte do Cotidiano Oficina Cândido Portinari” do Projeto “CienArtES” do IEA-
USP-RP, para fins de divulgação científica.

Mensagem Principal: As experiências individuais, com o contexto das famílias,


facilitam a redescoberta de um ambiente absolutamente real, do qual cada um de nós,
o homem em geral, nunca se livrará. A questão gritante é que no cenário da Covid-19
este contexto foi recriado, com matizes de apreensão, medo e estresse.

Por favor, se ao estarmos aprendendo e estudando na Disciplina RFI-5774,


resumindo o tema das minhas aulas como “Neurofisiologia Sensorial, Motora e
Comportamental”, sobretudo do ser humano (Biólogo, Biomédico, Médico,
Farmacêutico, Enfermeiro, Fisioterapeuta, Físico, outros), o objetivo maior é nos

29
conhecermos melhor. Por isso, certamente esta experiência será muito mais valiosa
que a memorização de eventuais conteúdos, com potencial obsolescência rápida, mas
que muitas vezes representam pouco aprendizado da nossa natureza humana, da qual
não poderemos prescindir! Agradeço muito que em situação tão delicada para a
humanidade, possamos ter, apesar de não estarmos cara a cara, um contato bem
próximo. Contem comigo, de verdade!

Atividades da “Oficina Cândido Portinari: A Ciência e a Arte do


Cotidiano”
Justificativa: Com o fortuito isolamento pelo que todos estamos passando, como
consequência da Pandemia da Covid-19, percebemos o quanto a Ciência é fundamental
nas nossas vidas, ora para explicar quem somos, em que ambiente vivemos e como as
interações bidirecionais entre o homem (individual e social) e a natureza permitem que
a qualidade de vida de ambos o homem e o planeta em que ele habita, seja equilibrada,
harmonizada. Nesse contexto definimos também Saúde e Doença, de ambos, do
Planeta e do Homem!

Para entendermos o complexo sistema que chamamos de realidade, do ponto


de vista da Ciência e da Neurociência em particular, devemos entender quais são os
canais de comunicação entre o homem e o ambiente, como eles ativam o organismo,
inicialmente por meio de sensores específicos e graças a múltiplas transformações,
permitem que construções especiais sejam feitas de canais específicos ou modalidades
sensoriais, por exemplo auditiva, visual, tátil. Depois de processamentos, integração
com outros canais, as próximas etapas podem associar as respostas seletivas, agora de
maneira integrada. O resultado final é comportamento, que não é mais do que uma
orquestração de todos esses sistemas, inicialmente sensoriais, seguidamente de
integração ou associativos e, finalmente, efetores ou de ações, muitas vezes motoras,
coerentes com as demandas que os sistemas sensoriais iniciaram e dos processamentos
que geraram. Poderíamos metaforicamente dizer que a realidade, criada pelo cérebro,
não seria mais do que multiversos conjugados, e que curiosa e intrigantemente, a sua
interpretação (científica) finalmente depende do próprio cérebro em funcionamento:
“Estudamos o Cérebro usando o Cérebro”.

30
Objetivos: Tendo o contexto acima mencionado como o gatilho para a
criatividade e o aprendizado, nos melhores laboratórios que são: nosso organismo,
nosso cotidiano e nossas experiências pessoais, propomos nas Aulas que ministro na
Disciplina RFI-5774 INTEGRAÇÃO SENSORIAL E MOTORA - COMPORTAMENTO (listadas
acima) atividades didáticas complementares que no seio das casas/famílias
(circunstância única e fortuita) visem detectar, ilustrar, explicar conceitos, conforme a
sequência das aulas (7), que deverão ser registrados em vídeos (2, conforme
agrupamentos abaixo) de duração 2 minutos, e em textos (2, que acompanham cada
vídeo, com extensão máxima de 2 páginas) explicativos.

Dicas e sugestões para a execução das atividades

1. Vídeo e texto sobre as Aulas “Audição; Olfação e Sistema Límbico; Atividades


Motoras: Medula Espinhal, núcleos da base, tronco cerebral e cerebelo, córtex,
integração motora”.

Iniciarei com um exemplo de cenários no sistema auditivo, mas estas reflexões


são válidas para os outros sentidos! A audição é um importantíssimo sistema de
comunicação. No contexto da discussão do sistema sensorial específico audição,
podemos nos debruçar sobre cenas do nosso cotidiano. Poderíamos partir dos sons na
natureza passando pela música, a fala, os ruídos, seu significado e impacto como
elementos de comunicação. Por exemplo, inicie fazendo uma lista de todos os tipos de
sons que podem ser detectados durante o dia e a noite estando dentro de sua casa.
Classifique estes sons como naturais, dentro destes os provenientes do homem ou de
animais. Dos sons humanos consegue classificar variações? Qual é a relação destes sons
e sua detecção conforme a idade das pessoas, o contexto cognitivo ou emocional? Sons
como agentes de comunicação? Voz, linguagem, relação com gênero? Sem usar
equipamentos ou ferramentas sofisticadas, sugira como mediria a audição das pessoas
que convivem com você. Dia e noite, de maneira diferente potenciam/evidenciam ou
mascaram sons? Alguns desses sons são noturnos, outros apenas diurnos? Quais seriam
os sons artificiais dentro da casa, produzidos pelo homem, por ferramentas,
equipamentos? E, fora da casa, carros, outros? Impacto deletério desses sons na
capacidade auditiva? Surdez por hiperexposição, zumbido ou tinnitus como

31
consequências intratáveis? Relação entre presença de sons naturais e artificiais e
aspectos emocionais, cognitivos? O que são os sons enquanto parte de sistemas de
defesa do organismo?

Música erudita, sons tribais ou mesmo os simples/familiares podem afetar nosso


encéfalo e cérebro permitindo que evoquemos cenários ou memórias específicas.
Conectamos desta maneira o presente com o passado. Por outro lado, músicas ou ruídos
específicos também podem nos colocar em situações de repouso, descanso ou, quando
o conteúdo for traumático, se associam a eventos autobiográficos que, embora
quiséssemos nos livrar deles, teríamos muita dificuldade em conseguir fazê-lo. Por isto,
associações marcantes entre traumas da infância e adolescência podem explicar, meses
ou mesmo anos e décadas depois, o chamado estresse pós-traumático. O gatilho, um
som, uma música. Claro que em outras modalidades sensoriais o gatilho poderia ser um
cheiro ou uma imagem. Como, então, a audição interage com outras modalidades
sensoriais na produção pelo nosso encéfalo e cérebro da realidade
plural, polissensorial que nos cerca? Há exemplos, no ambiente familiar, de alguns
desses eventos?

Como detectar capacidade auditiva, limiares, perdas com resposta


comportamental simples? Quais seriam estes protocolos, ditos caseiros? Não é de outra
maneira que pais e professores(as) na pré-escola ou no ensino fundamental detectam
perdas auditivas precoces? Sobressalto e resposta em crianças. Qual é a diferença com
adultos jovens e idosos? Complementarmente, no ambiente clínico e acadêmico, como
usar ferramentas para avaliar audição? Emissões oto-acústicas ou de detecção de sons
produzidos pelas células externas da cóclea ao se contraírem, ou
técnicas eletrofisiológicas: audiometria, potenciais evocados (induzidos), que
detectam as assinaturas eletrofisiológicas das vias sendo ativadas, no tronco cerebral e
corticais.

Como se comportam vias e sistemas sensoriais como a audição na presença e na


ausência de outros sentidos como o tato, a visão e a olfação? Você consegue criar ou
verificar cenários polissensoriais? É esse o universo do nosso dia a dia ou esses sentidos
funcionam normalmente como canais bem específicos?

32
Complementando todos os aspectos sensoriais acima mencionados, seu
processamento e controle com aqueles do controle da postura e do movimento, faça a
seguinte reflexão inicial: Você reconhece que em nosso dia a dia andamos/vivemos em
proporção muito alta (perto de 70-80%) no piloto automático? Seria isto uma
exageração? Mas o que é mesmo o piloto automático? Pensem, no momento desta
leitura quantos de vocês estão respirando? Espero que 100%! Antes da minha
pergunta, quantos de vocês, de fato, estavam cientes de que estavam respirando? A
diferença é o piloto automático! Que ótimo que tenhamos Sistema Nervoso Autônomo,
Marcapassos Cerebrais, Respiratórios, Cardíacos, mas que sabidamente são modulados
pelo nosso Cérebro Cognitivo (Córtex Frontal)!

Nosso organismo funciona porque múltiplos sistemas de controle e processos


integrativos fazem que essa máquina chamada de corpo humano processe informação
proveniente do meio ambiente, do seu interior, gerando impacto em ambas as direções.
Além dos sistemas sensoriais que já discutimos, os de associação ou integração são vitais
para a execução de respostas adaptativas. No miolo desses processos de integração
temos redes nervosas, sistemas músculo-esqueléticos, sistemas endócrino e
metabólico, renal, pulmonar, cardíaco e suas redes vasculares, sistema imune. Um
desses sistemas de execução de respostas adequadas, após processamento de eventos
sensoriais, é o sistema de controle da postura e do movimento. Ele gera múltiplas
soluções às necessidades do organismo, de maneira enormemente integrada.

Usando de novo o cotidiano como Laboratório, identifique no cenário da família,


eventos simples como por exemplo, a marcha (compare idades de desenvolvimento) e
descreva como ela é executada, inicialmente no chamado piloto automático, depois
como ela é modulada conforme estejamos em chão raso, ou subindo ou descendo
escadas, com as mãos ocupadas ou não, concentrados ou distraídos.

De fato, sabemos que em estruturas da medula espinhal temos os chamados


“geradores centrais de padrão” (conjunto de neurônios e interneurônios e suas
conexões excitatórias e inibitórias), neste caso que codificam o “padrão marcha”. Eles
apresentam relativa autonomia, por si sós explicam a alternância entre extensores e
flexores, mas recebem de maneira maciça e complexa influências da periferia sensorial,

33
do tronco cerebral, do cerebelo, dos núcleos da base e do córtex cerebral. Esses sistemas
sofrem as influências do ambiente, respondem com plasticidade à sua execução
repetida, tem memória. Em diferentes circunstâncias vários desses sistemas falham e as
manifestações neurológicas poderão ir de atonias, simples tremores,
quadros distônicos, marchas atáxicas, compulsões, até crises convulsivas, entre tantas
outras.

Nesse contexto, descreva padrões motores normais e eventualmente anormais


que você detecte em sua casa e relacione eles com idade ou desenvolvimento. Pense no
aprendizado de tarefas complexas motoras, como as explícitas na execução de
movimentos em esportes competitivos, radicais, execução de instrumentos musicais,
danças. Nessas situações mais complexas, os movimentos podem em algum momento
ser imaginados, justamente o produto da evocação das memórias ou aprendizados dos
padrões motores. Na sequência podem ser descritos e verbalizados e muitos deles
poderão ser usados para engatilhar padrões, por exemplo, que alimentam, via
engenharia reversa aplicados a braços ou pernas robóticas em protocolos de
reabilitação de alta tecnologia.

Com toda essa retaguarda conceitual, façam o Vídeo I (nem mais, nem menos 2
minutos) e o Texto I (nem mais, nem menos que 2 páginas) que resuma o que você
acha ser a melhor representação desta experiência. Enfatizo que vocês devem utilizar
os slides e vídeos e discussões das Aulas “Audição” & “Olfação e Sistema Límbico”;
todas as aulas associadas com “Controle da Postura e do Movimento” como as
referências acadêmicas e científicas que dão suporte as atividades complementares
(Vídeo I e Texto I) em pauta.

2. Vídeo e texto sobre as Aulas “Córtex Associativo & Neurobiologia do


Comportamento.

No cenário familiar você deverá identificar todas as possíveis variações de


eventos relacionados com as funções do córtex associativo frontal, do córtex
associativo temporal e do córtex associativo parietal. Evidentemente que a
reconstrução da realidade implica a interação e integração destes córtices (que
representam 75% do total cortical), alimentados pelos respectivos córtices sensoriais
34
primários, e conectados para a execução de tarefas pelos córtices motores (este
conjunto sensório-motor representa apenas 25% do total cortical).

No caso do córtex associativo frontal, é pré-requisito tentar detectar no


ambiente familiar/do cotidiano, exemplos de funções executivas, planejamento
complexo de atividades, antecipação do efeito ou impacto de nossos atos (filtro social),
elaboração de pensamento reflexivo, inibição consciente de hábitos com impacto
negativo, a percepção consciente de nosso papel e responsabilidades sociais. De
maneira genérica, o córtex frontal, agindo em conjunto com os córtices sensoriais e
motores, e os córtices associativos parietal e temporal, informam ao indivíduo
de si próprio em relação ao mundo externo. O paciente Phineas Gage é um exemplo
clássico na literatura neurológica de lesão frontal, com perda de filtro social.

No caso do córtex associativo temporal, é importante detectar e descrever no


cotidiano, funções como o reconhecimento de objetos e de faces, estas últimas com
conteúdo emocional, por exemplo reconhecimento de rostos familiares. O contexto
maior do que significam as expressões faciais e sua leitura, interpretação ou
processamento, é consequência de pesquisas excepcionais iniciadas por Charles Darwin
no Século XIX e contidas no seu famoso livro “A expressão das emoções no homem e
nos animais”. Na neuropsiquiatria contemporânea, há detecção de alterações clínicas
na interpretação de faces, por exemplo, com conteúdo de medo. Além deste fenômeno
se associar com depressão, há nestes pacientes um correlato de imagem de ressonância
funcional que indica atividade alterada em estruturas do lobo temporal como a
amígdala, fortemente envolvida em processamento de memórias emocionais.

A perda das funções de reconhecimento facial é denominada em geral agnosia,


predominante no lobo temporal direito. Quando há lesões no lobo temporal esquerdo,
usualmente o fenômeno é de alterações da linguagem. Genericamente o lobo temporal
é fundamental para processos de aprendizado e memória, de maneira que a solicitação
de evocação de memórias (e a confirmação de facilidade ou dificuldade) em várias
idades auxilia nesta tarefa. Alguns exemplos são amnésias, pós-traumáticas, passageiras
ou duradouras.

35
No caso do córtex associativo parietal é importante lembrar, quando se pensa
em procurar estes aspectos no cotidiano, no ambiente familiar, que estes circuitos ou
redes estão envolvidos em processos de atenção. Embora suas lesões se reflitam nos
déficits das síndromes de negligência contralateral, curiosamente não há déficits
primários sensoriais nem motores que impeçam que estes indivíduos vejam ou sintam
seus corpos ou objetos em volta. Por outro lado, eles podem apresentar dificuldade em
perceber (prestar atenção) em objetos ou partes do próprio corpo ou se orientar em
relação a estímulos apresentados no campo visual contralateral à lesão, particularmente
do lobo parietal direito.

No caso das atividades associadas com os conceitos sobre “Neurobiologia do


Comportamento” é interessante que seja contrastado no ambiente do cotidiano, das
famílias, o uso de nosso encéfalo para a execução de atividades razoavelmente simples
de serem executadas, pois trazem conforto e felicidade para quem as realiza, tais como
a generosidade, a empatia, a solidariedade. Esses eventos dependem primariamente de
sistemas sensoriais específicos, em interação com os córtices motores e os córtices
associativos. Outras atividades, executadas magistralmente, representam habilidades e
manifestações sublimes como as Artes e a Ciência. Se porventura, por exemplo, algum
dos alunos toca algum instrumento musical, executa tarefas literárias, dança, faz
esporte, seria interessante que discutisse como estes eventos modulam o nosso
comportamento, de maneira a serem ferramentas de tratamento de ansiedade ou
depressão, de geração de empatia, generosidade, pensamento coletivo ou solidário. No
cenário da Covid-19, estas atividades “nobres” ganham espaço ou ao contrário são
comprometidas pela nossa fragilidade, ansiedade, depressão?

O paradoxo é que esse mesmo encéfalo e cérebro descritos acima podem ser
usados também pela nossa espécie o Homo sapiens, para executar tarefas e condutas
nada nobres, como a violência, no trabalho ou a doméstica, agressão ou desprezo no
campo individual ou social, todas elas vistas como rejeições injustificadas, tais como a
homofobia, o racismo, a misoginia, a xenofobia e o bullying, entre muitas outras.

Numa complexa interação de eventos genéticos, de origem sócio-econômica,


com profundas raízes históricas e políticas, de ambiente psico-social, aspectos

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epigenéticos, a Neurobiologia do Comportamento como evento multifatorial,
certamente nos permite refletir sobre quem somos e quanto do que decidimos ser
depende ou não de nós (e quanto podemos mudar ativamente), e de ambientes para o
desenvolvimento, enriquecidos ou não. As Artes e a Neuro(Ciência) conjugadas nos
auxiliam nesta avaliação.

Novamente o cenário atual vem à tona. O recolhimento obrigatório pela


pandemia facilita a reflexão, mas por outro lado aumenta chances de distúrbios
alimentares, aumento da ingesta de álcool (que pode potenciar violência e depressão),
incremento de dependência cibernética ou de videogames. Como utilizar essa mistura
de reflexão com atividades culturais para bem do aprendizado, sobretudo de quem
somos? Eis o desafio maior, na apenas para cada um de nós, mas para a Humanidade
como um todo. Dadas as circunstâncias atuais de estresse e tensão, podemos perceber
que no cenário do cotidiano e familiar detectamos algumas mudanças
comportamentais, como mencionado acima, que talvez não teriam sido reveladas no
ambiente corrido, do dia a dia convencional, diga-se de passagem, de “piloto
automático”, pouco reflexivo, prévio à Covid-19?

Com toda essa retaguarda conceitual, façam o Vídeo II (nem mais, nem menos
que 2 minutos) e o Texto II (nem mais, nem menos que 2 páginas) que resuma o que
você acha seria a melhor representação desta experiência. Enfatizo que vocês devem
utilizar os slides e vídeos das Aulas “Córtex Associativo” & “Neurobiologia do
Comportamento” como as referências acadêmicas e científicas que dão suporte as
atividades complementares (Vídeo II e Texto II) em pauta.

Ótimas aulas, atividades complementares, vídeos e textos associados!


Novamente contem comigo para a sua construção!
Professor Norberto Garcia Cairasco
ngcairas@usp.br
Ribeirão Preto, 06 de junho de 2020

***

37
Observação final válida para a programação dos alunos da Medicina e da PG. Todos as
aulas e todos os vídeos foram apresentados em atividade síncrona para as duas classes.
As apresentações dos vídeos também fizeram parte da avaliação que incluiu
comentários e diálogo entre o Docente e os alunos responsáveis. Experiência de
intercâmbio e aprendizado para todos, fora de série!

38
DISTRIBUIÇÃO DOS ALUNOS DURANTE O
PROJETO
Mapas de distribuição dos lugares onde se encontravam no primeiro semestre
de 2020 os alunos da Turma 68 da FMRP-USP (azul) e os alunos da PPG-
Fisiologia (vermelho) no Brasil e no Estado de São Paulo, durante as aulas das
disciplinas objeto deste Projeto.

Note-se no mapa de calor (heat map) a densidade assimétrica com proporção


maior em cidades do Estado de São Paulo. A tabela completa com os nomes
das localidades se encontra no Anexo 1, ao final do livro. Os presentes mapas foram
gentilmente confeccionados por nossa solicitação para este projeto, utilizando o
programa QGIS, por Fábio A.Alzate Martinez, jovem arquiteto graduado da FAAP-SP.

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Figura 1 Distribuição dos alunos de Graduação (Turma 68 da Medicina) e Pós-Graduação (Curso de Neurofisiologia) da FMRP-USP no ano de 2020 pelo
Brasil

40
Figura 2 Mapa de calor (heat map) do Brasil e do Estado de São Paulo referente aos alunos de Graduação (Turma 68 da Medicina) e Pós-Graduação (Curso de
Neurofisiologia) da FMRP-USP no ano de 2020.

41
Figura 3 Detalhamento da distribuição dos alunos de Graduação (Turma 68 da Medicina) e Pós-Graduação (Curso de Neurofisiologia) da FMRP-USP no ano de
2020 no Estado de São Paulo e Região.

42
Leituras Sugeridas
BEAR, M. F.; CONNORS, B. W.; PARADISO, M. A. Neurociências: Desvendando o
sistema nervoso. 4ª ed. Porto Alegre: Artmed, 2017.

KANDEL, E. R. Principles of Neural Science, Sixth Edition. 2021.

PURVES, Dale et al. Neurociências. 4. ed. Porto Alegre: Artmed, 2010.

LENT, R. Cem bilhões de neurônios: Conceitos Fundamentais de Neurociência. 2ª ed.


Editora Atheneu, 2010.

43
No ritmo da música
Vídeo disponível neste hiperlink

Alexia Viegas
Passando a quarentena na Serra de São Pedro, região rural e bucólica de uma
pequena cidade no interior de São Paulo, tenho a oportunidade de desfrutar de sons
muito distintos daqueles que me rodeavam na cidade de Ribeirão Preto. Aqui, a
convivência com a natureza e a presença da família, além da distância de um centro
urbano, parece diminuir a ansiedade e a angústia proporcionadas pelo desenvolvimento
e pelos desdobramentos da pandemia de Covid-19.

Uma vez que os centros urbanos têm se mostrado como o principal palco do
desenrolar das tragédias causadas pela disseminação de coronavírus, acredito que a
vida no campo possa ser muito benéfica, seja pela menor probabilidade de contágio,
devido à menor densidade populacional, seja pelos elementos naturais que se opõem à
poluição e à artificialidade das grandes cidades e que nos transportam para um estado
de calmaria.

Os sons da natureza são, certamente, um dos fatores que mais a caracteriza, pois
são muito diferentes dos sons presentes na cidade. Dentre os sons naturais percebidos
durante o dia, é marcante a presença do canto dos pássaros, do barulho do vento entre
as folhagens das plantas e de latidos dos cachorros, fora da casa. Dentro da casa, há
também sons naturais como a interação entre as pessoas da família (minha mãe, meu
irmão e meu padrasto) e o barulho das brincadeiras do meu irmão.

Durante a noite, os sons naturais são compostos pela cantoria de grilos e de


outros insetos. Também há a presença do canto de algumas aves noturnas, como o
urutau.

Dentro da casa e durante o dia também há sons artificiais, como uma caixa de
som ligada, eletrodomésticos como o liquidificador e o aspirador de pó. Fora da casa,
certas vezes o cortador de grama também ajuda a compor os barulhos do dia.

45
Dentre os sons artificiais e noturnos, existem os sons da televisão, sons da
atividade na cozinha, como o barulho da manipulação de talheres, pratos, etc.

Entretanto, o som que está presente ao longo do dia em maior quantidade vem
do meu irmão, um divertido garotinho de seis anos de idade que está sempre
inventando algo para fazer. Para ele, e com ele, os problemas atualmente enfrentados
pela humanidade se sublimam e eu aprendo com sua mente infantil a me concentrar no
presente.

Como conversar e produzir diferentes sons por meio de instrumentos, baquetas,


brinquedos e ferramentas são coisas que meu irmão faz durante a maior parte do dia, o
vídeo capta um momento como esse, de lazer, no qual, por meio de uma espécie de
karaokê, meu irmão ouve a música saindo da caixa de som e toca a bateria seguindo o
ritmo da música.

Além de meu irmão, tenho convivido com minha mãe e meu padrasto. Este
período em casa tem sido a primeira oportunidade para conviver com ele e conhecê-lo
melhor. Por ter trabalhado durante muitos anos como piloto de helicóptero, meu
padrasto desenvolveu uma leve perda auditiva e um zumbido devido a uma
hiperexposição aos barulhos da aeronave.

Tendo em vista que a capacidade auditiva entre os membros da casa difere, seria
possível medir a audição de cada pessoa através de um simples teste: posicionada ao
lado da pessoa a ser testada, eu estalaria os dedos para produzir um som e,
progressivamente, me afastaria da pessoa estalando os dedos novamente a cada passo.
Dessa forma, me afastaria da pessoa até que os estalos não fossem mais audíveis. A
pessoa que fosse capaz de ouvir os estalos por mais tempo, ou seja, que fosse capaz de
ouvir o som a uma distância maior, seria aquela com a maior capacidade auditiva,
enquanto a pessoa que parar de ouvir os estalos a uma distância menor, seria aquela
com menor capacidade auditiva, que, no caso, mais provavelmente seria meu padrasto.

Explicando a ação que se passa no vídeo de maneira científica, temos que as


ondas sonoras que saem da caixa de som são direcionadas pelo pavilhão auditivo
externo em direção ao meato acústico externo. Na profundidade do meato acústico

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externo, encontra-se o tímpano, ou membrana timpânica, que vibra com a chegada da
onda sonora. A membrana timpânica se encontra posicionada entre o meato acústico
externo e a orelha média.

A orelha média é uma cavidade aérea dentro do osso temporal, e em seu interior
há uma cadeia de três ossículos: martelo, bigorna e estribo. O martelo se encontra fixado
na face interna da membrana timpânica e o estribo se situa encostado na janela oval,
também chamada de janela vestibular da cóclea. A música que meu irmão escuta produz
uma vibração na membrana timpânica, o que provoca deslocamentos na cadeia
articulada de ossículos. Ao se deslocar, o estribo desloca a coluna líquida no interior da
orelha interna, onde está a cóclea.

A cóclea se assemelha a um caracol e sua estrutura é dividida em três escalas ou


rampas preenchidas por líquido. No interior da escala média, encontra-se o Órgão de
Corti, onde estão as células sensoriais possuidoras de estereocílios. A inclinação dos
estereocílios apicais resulta em mudança de condutividade da membrana das células
sensoriais e os sons são transformados em sinais nervosos captados pelo nervo
vestibulococlear.

O destino final desses impulsos nervosos é o córtex auditivo primário, no lobo


temporal do cérebro. O córtex auditivo primário possui uma organização em colunas,
cada uma responsável pela percepção de uma frequência sonora. Áreas adjacentes no
córtex cerebral também são importantes na audição, como as áreas auditivas
secundárias e a área de Wernicke, no hemisfério cerebral esquerdo, responsável pela
interpretação da palavra falada.

Entretanto, para conseguir tocar a bateria no ritmo da música, o encéfalo de meu


irmão estabelece atividades muito mais complexas por meio de integrações entre
diferentes áreas, de modo que ele possa, através da audição e da memória, reconhecer
em qual momento da música ele está e prever quais deverão ser os próximos sons.

Concomitantemente, a visão possibilita que meu irmão compreenda sua


disposição espacial em relação ao instrumento musical prestes a ser tocado. A
sensibilidade somestésica do tato da mão de meu irmão em contato com a baqueta

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envia informações sobre como segurá-la e informações proprioceptivas permitem a
manutenção de sua postura sentada sobre o banco. As áreas de integração
plurissensorial no córtex cerebral são as áreas 7a, 7b, 39 e 40 de Brodmann. Isso tudo
auxilia no planejamento motor que culmina na movimentação voluntária de seu braço
e de sua mão, para que ele consiga bater no prato da bateria aproximadamente no
mesmo momento em que a música emitida pela caixa de som atinge os sons mais
intensos.

Também é perceptível a ativação do sistema límbico e das emoções, por meio de


suas expressões faciais. É provável, também, que o córtex pré-frontal de meu irmão
esteja cumprindo seu papel na imaginação de um show de rock, no qual ele é um
talentoso baterista de uma banda famosa.

Concluindo, no meu dia a dia durante o isolamento social tenho vivenciado sons
diversos, que podem ser desde o calmo barulho do vento do campo até a mais intensa
música de rock tocada pelo meu irmão na bateria. Os sons são parte muito importante
para nossa percepção do ambiente e estão intimamente relacionados com nosso estado
de espírito.

Sons
Vídeo indisponível
Inajara Mills Siqueira Shimizu
Um apartamento localizado no nono andar que fica defronte a uma rua
localizada no centro da cidade de Campinas (SP) é costumeiramente movimentada, com
muita circulação de carros e pessoas no horário do “rush”, por volta das 18 horas. No
entanto, no contexto da pandemia mundial devido ao COVID-19, algumas mudanças
podem ser observadas com relação ao som circundante e à movimentação de pessoas.

O vídeo que apresento foi gravado em dois momentos distintos, no primeiro


momento tem-se a captação do movimento às 18 h de um dia de semana, e no segundo
tem-se o registro de uma ação cultural e espontânea promovida por músicos que
percorreram algumas ruas da cidade, por volta das 20 h também em um dia de semana.

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Deste modo, ao se deparar com a primeira parte do referido vídeo, tem-se o
registro dos sons dos automóveis ao pôr-do-sol, no entanto, os mesmos são rompidos
por um som pouco comum em um dia normal, na hora do “rush”, e ouvido geralmente
aos domingos ou feriados, tal som é a cantoria de pássaros se despedindo do dia. O
canto dos pássaros, por sua vez, me leva a questionar: estaríamos vivendo um eterno
feriado? Os pássaros cantando, me incomoda, me preocupa, me intriga? Não era para
estar ouvindo pássaros cantando num dia como hoje. Tal pensamento é então invadido
por um alarme ao longe (uma campainha de garagem que indica que tem alguém
entrando ou saindo de algum lugar), penso: que bom, existe movimento, existe vida! E
ao mesmo tempo: por que essas pessoas estão nas ruas? Elas deveriam estar em casa!
Estamos em isolamento social! E um misto de sentimentos rompe novamente e neste
instante vejo carros passando, pessoas caminhando, alguém passeando com o
cachorro… Me surpreendo novamente, desta vez enquanto edito o vídeo, reparo o som
de alguém digitando em um teclado. Recordo que meu marido estava trabalhando neste
dia, sentado a poucos metros de onde eu estava filmando e de onde fica minha
escrivaninha, local onde tenho passado a maior parte dos meus dias estudando. Recordo
que, apesar do vírus, a vida não parou, temos que seguir, temos que trabalhar, estudar,
comer, dormir, cumprir tarefas, entregar trabalhos, produzir, produzir e produzir: não
podemos parar. Passa das 18 h, o expediente aqui em casa não termina, ele segue seu
fluxo de horários bagunçados e rotina restrita a alguns poucos metros quadrados de um
apartamento, de um quarto. Penso, hoje, enquanto revejo o vídeo e escrevo, estamos
parados, restritos, mas será que podemos parar?

O segundo momento do vídeo, sempre me provoca um aperto no peito, já era


noite corrida quando começamos a ouvir músicos tocando e aplausos ao longe.
Interrompemos nossas atividades novamente, desta vez para presenciar algo inédito,
que nem aos domingos ou feriados já havia ocorrido. Por volta desses dias, a Itália estava
apresentando seus piores números de mortes com relação ao COVID-19 e os novos
casos e mortes no Brasil começavam a aumentar de forma vertiginosa. Todos foram à
janela, não gravei o registro, mas nossos vizinhos ao lado disseram ser a música
do Titanic, não tenho certeza. Estava uma noite fria e esses músicos escoltados pela
polícia tocavam para todos nós. Tocariam para nossos ouvidos ou para nossos corações?

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Para mim, os sons que chegavam aos meus ouvidos foram interpretados pelo meu
coração como uma marcha fúnebre, como uma despedida a todos os mortos pelo
COVID-19 aos quais as famílias, que não puderam, de forma digna, dizer as últimas
palavras ou se despedir de seus entes queridos. Percebe-se que os músicos desafinam,
retomam, se ajustam, se comunicam entre si por meio da música. Ao final, uma chuva
de aplausos, gritos e assovios… percebo que tem muito mais gente em isolamento,
muito mais pessoas vivenciando essa pandemia, muito mais do que sou capaz de prever
e imaginar. Os aplausos trazem uma certa alegria, no entanto, não me sinto feliz, nem
no dia, nem hoje que estou aqui descrevendo este vídeo. Há algo triste no ar, difícil de
nomear, o coração não cabe no peito e acelera, desejando que tudo volte ao normal,
que os velhos sons voltem aos seus lugares e que a vida se desenhe como estava
acostumada ao que era.

Neste sentido, os sons captados por esse registro, comunicam e confirmam que
algo está diferente, comunicam que as pessoas estão em casa, não porque querem, mas
sim por necessidade. Nos falam sobre a falta, no caso, do movimento, do barulho, das
freadas, das buzinas, do “zum zum zum” das conversas. Nos falam de um silêncio que
não tem dia nem hora para acabar.

Deste modo, em um contexto de centro de cidade, estamos acostumados com


sons artificiais, como os mencionados acima; os sons naturais (como os emitidos pelos
pássaros) nos geram desconforto, porque indicam que algo está fora do esperado e tido
como normal. Assim, começamos a aprender a viver com novos sons, novas realidades,
com as quais nos acostumamos com o tempo e passamos quase a não perceber. No
entanto, mesmo sem ter consciência deles, eles nos angustiam e nossa rotina parece
estar em descompasso com as nossas obrigações. Afinal, se ouço pássaros não deveria
ser este um dia de trabalho ou estudo, mas sim de descanso e lazer, estes que, por sua
vez, nunca chegam. Vivemos continuamente tensos, presos em nossas casas e
pensamentos.

Nesse sentido, a música tocada a noite, relembra, reforça e intensifica os


sentimentos provocados pela pandemia, e, no meu caso, não conforta.

50
Já com relação à avaliação da audição dentro do contexto familiar, pode-se
chamar por quem está perto quando a pessoa está de costas para ver se ela responde,
utilizando diferentes intensidades na voz. Além disso, pode-se perguntar se ela
consegue perceber determinado som, como os pássaros cantando, o carro passando, a
conversa no apartamento vizinho. No contexto da clínica, em uma avaliação formal, no
caso de uma criança, pode-se tocar um chocalho quando ela não está olhando a uma
distância específica e avaliar se ela vira o rosto em direção ao som. Ademais, podem-se
utilizar equipamentos específicos, em testes realizados por fonoaudiólogos, como a
audiometria que avalia não só se a pessoa ouve, mas também as frequências,
intensidades e a acuidade de sua audição. Com relação às diferenças entre a audição de
crianças, adultos e idosos, é possível identificar a perda da acuidade auditiva ao longo
dos anos.

Por fim, os sons que nos circundam podem alterar nossa percepção sobre o
mundo, nos alertam das mudanças e se algo está errado, auxiliando na nossa
compreensão sobre nós mesmos.

A ciência por trás dos sons


Vídeo indisponível

Pedro Antônio Gonçalves dos Santos


Podemos detectar a presença de um objeto, sua posição e natureza (e assim
tomar decisões acerca dos riscos envolvidos) através da audição, que também permite
a recepção de mensagens pela linguagem falada, além da exploração de sensações e
emoções provocadas pela música.

O som captado pelo pavilhão auditivo percorre o meato acústico externo até a
membrana timpânica, cuja superfície medial está conectada aos ossículos da orelha
média, que amplificam e transferem a pressão para a membrana que cobre a janela oval.
O músculo tensor do tímpano está ligado ao martelo, enquanto o músculo estapédio se
liga ao estribo. A contração desses músculos enrijece a cadeia de ossículos e o impacto
da condução do som, agora transduzido, ao ouvido interno diminui. Isso ocorre quando

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um som barulhento dispara uma resposta neural, denominada reflexo de atenuação,
maior para frequências baixas e cuja função é adaptar o ouvido ao som contínuo de alta
intensidade, evitando a saturação dos receptores no ouvido interno, além de proteger
o ouvido de sons que poderiam danificá-lo. Isso, porém, é ineficiente contra sons
intensos e repentinos (o reflexo tem um retardo). A movimentação da membrana sobre
a janela oval empurra a perilinfa na escala vestibular, aumentando a pressão do fluido.
Como a membrana de Reissner é muito flexível, isso causa deslocamento da endolinfa
na escala média, fazendo a membrana basilar movimentar-se próximo à sua base, mais
rígida, e iniciando a propagação de uma onda em direção ao seu ápice, menos rígido. A
distância que a onda percorre na membrana basilar depende da frequência do som. Se
for alta, a base da membrana vibrará muito, dissipando a maior parte da energia. Se for
baixa, gera ondas que se propagarão até o ápice flexível da membrana antes que a maior
parte da energia tenha se dissipado. Assim, a membrana basilar estabelece um código
de localização, pois suas diferentes posições estão deformadas ao máximo para
diferentes frequências do som.

O movimento da membrana basilar causa deslocamento dos estereocílios das


células ciliadas externas, ligados à membrana tectorial, e o movimento da endolinfa
similarmente empurra os cílios das células ciliadas internas. Há um tipo de canal de
cátions nas pontas dos estereocílios, Receptor Potential Transiente Ankiryn (TRPA1),
conectado por um filamento elástico ao estereocílio adjacente. Quando
os estereocílios estão aprumados, a tensão sobre esses filamentos mantém o canal
parcialmente aberto, permitindo um pequeno escoamento de K+ da endolinfa (com alta
concentração de K+) para dentro da célula. O deslocamento dos estereocílios em uma
direção aumenta a tensão sobre os filamentos, aumentando a corrente de K+ e
causando despolarização e ativação de canais de cálcio dependentes de voltagem. O
Ca++ dispara a liberação do neurotransmissor, o qual estimula neurônios do gânglio
espiral. O deslocamento do estereocílio na direção oposta alivia a tensão sobre o
filamento, fechando os canais de K+ e causando hiperpolarização.

A maior parte da informação que deixa a cóclea pelo nervo auditivo provém de
células ciliadas internas. A função das células ciliadas externas é a amplificação do
movimento da membrana basilar durante os estímulos sonoros de baixa intensidade.

52
Isso é possibilitado por proteínas motoras na membrana dessas células, capazes de
alterar seu comprimento de modo que a membrana basilar é aproximada ou afastada
da membrana tectorial, permitindo maior deslocamento dos estereocílios das células
ciliadas internas. Esse efeito pode ser modificado por fibras provenientes do tronco
encefálico, que regulam, assim, a sensibilidade auditiva. Cada neurônio do nervo coclear
é mais responsivo a uma frequência característica, pois a maioria recebe aferência de
uma única célula ciliada. A frequência também é codificada (além dos
mapas tonotópicos) pela sincronia de fase, isto é, o disparo consistente de uma célula
na mesma fase de uma onda sonora, de forma que a frequência sonora deve ser igual à
frequência dos potenciais de ação do neurônio. Isso é particularmente importante para
frequências baixas e irrelevante para frequências muito altas. A informação sobre a
intensidade do som é codificada pela frequência de disparos e número de neurônios
ativos, pois, para estímulos intensos, a membrana basilar vibra com maior amplitude,
causando uma maior resposta das células ciliadas. Esses estímulos também produzem
movimentos da membrana basilar que se propagam mais, levando à ativação de mais
células ciliadas.

O nervo auditivo se dirige para os núcleos cocleares dorsal e ventral no bulbo,


ipsilaterais à cóclea. O núcleo coclear ventral projeta-se bilateralmente para o núcleo
olivar superior (NOS), cujos axônios ascendem até o colículo inferior no mesencéfalo,
para onde a via do núcleo dorsal segue diretamente. O colículo inferior envia axônios ao
núcleo geniculado medial (NGM) do tálamo, que se projeta ao córtex auditivo. Em cada
uma dessas estruturas centrais é observada tonotopia. Há outras vias no sistema
auditivo. Por exemplo, o colículo inferior envia axônios ao colículo superior, onde ocorre
a integração das informações auditiva e visual e ao cerebelo, e está envolvido na
orientação da cabeça, recebendo projeções somatossensoriais. Além disso, o córtex
auditivo se projeta para o hipocampo a fim de processar e armazenar memórias
auditivas nos córtices associativos, podendo ser acessadas com a estimulação sensorial
pelo mesmo som, eventualmente associado a aspectos emocionais pelo sistema límbico
em razão do contexto em que ocorreu o processamento, ocasionando respostas
subjetivas (sensações de prazer, alerta, medo, etc). As divisões posterior e medial do

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NGM também recebem influxos visuais e somatossensoriais, para integração sensorial,
despertar de interesse e sentimentos.

A localização horizontal do som é dada pelo retardo


temporal interauricular (diferença de tempo que o som leva para alcançar cada orelha)
ou, para sons contínuos, pelo tempo no qual a mesma fase da onda sonora alcança cada
orelha. Esse retardo é detectado no NOS medial, onde certos neurônios respondem de
forma mais intensa a um determinado retardo, o qual varia com a localização do som,
de modo que esses neurônios podem codificar uma posição no plano horizontal. Se o
tom contínuo tiver alta frequência, existe uma diferença de
intensidade interauricular porque a cabeça lança uma sombra sonora, o que permite a
localização pelo NOS lateral. Para localização no plano vertical, as curvas sinuosas do
ouvido externo produzem reflexões do som, e os retardos de tempo entre a via direta e
a via refletida mudam de acordo com sua posição vertical. Tal informação é processada
pelo núcleo coclear dorsal.

A surdez resulta normalmente de problemas na cóclea ou próximo a essa, sendo


subdividida em surdez de condução e neural. A primeira pode ser causada por obstrução
do meato acústico externo, ruptura da membrana timpânica ou uma patologia dos
ossículos. A surdez neural ocorre por perda de neurônios do nervo auditivo e das células
ciliadas, podendo resultar de tumores, drogas tóxicas às células ciliadas ou exposição a
sons altos. Outro distúrbio auditivo é o tinnitus, no qual se escutam ruídos na ausência
de estímulo sonoro externo, podendo assumir muitas formas, como zumbido, sussurro
e sibilo. Ele pode ser temporário, após exposição a sons altos, ou persistente,
interferindo na capacidade de concentração e trabalho. Embora frequentemente
acompanhe doenças na cóclea ou nervo auditivo, o tinido pode resultar da
vascularização anormal do pescoço, envelhecimento ou alterações de estruturas
auditivas centrais, como o córtex auditivo.

Os problemas auditivos podem ser manifestados em respostas


comportamentais, especialmente em bebês, por exemplo, pela não iniciação da
linguagem ou sua progressão natural, desatenção e quietude excessiva, dentre outros.
Como teste auditivo subjetivo, a avaliação instrumental observa respostas

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comportamentais (respostas espontâneas como sorriso, choro, vocalização, cessações
de atividades e localização da fonte sonora) e neurológicas (presença do reflexo cócleo-
palpebral) a instrumentos musicais com diferentes frequências e intensidades. Em outro
exame, a audiometria, são apresentados estímulos sonoros de tons puros em diferentes
frequências e intensidades para identificação do paciente (audiometria tonal), além de
palavras simples para avaliar o reconhecimento da fala (audiometria vocal). Avaliações
objetivas incluem a timpanometria, na qual se introduz uma sonda de vedação no meato
acústico externo, capaz de emitir um tom puro de 220 Hz e cria-se pressão negativa e
positiva em direção à membrana timpânica, a fim de avaliar sua complacência.
Na impedanciometria pesquisa-se o reflexo estapediano em diversas frequências para
determinação do seu limiar. O teste de “potenciais auditivos evocados no tronco
encefálico” representa graficamente a sucessão dos potenciais elétricos gerados no
nervo coclear e tronco encefálico a partir de um estímulo acústico, podendo identificar
o tipo e o nível de perda auditiva e em quais frequências ela ocorre.

Percepção auditiva na quarentena


Vídeo disponível neste hiperlink

Filipe Comba Gomes


Guilherme Nobre de Oliveira
Inicialmente, listando os sons naturais possíveis de ouvir, destacam-se: vozes de
pessoas, canto de pássaros e, ocasionalmente, o som do vento nas árvores. Relacionado
aos sons oriundos de humanos, é possível detectar variações de diversas formas. Entre
elas, cita-se a voz mais aguda de mulheres e mais grave de homens; ou ainda, a voz mais
estridente de pessoas mais velhas e a oscilação na frequência de meninos passando pela
puberdade. Um possível teste rústico que poderia ajudar na medição dos níveis de
audição de uma pessoa seria a geração de diferentes padrões de sons com frequências
e intensidades, sendo que os sons mais bem percebidos seriam apontados pelo
indivíduo “teste”. Isso poderia, de maneira grosseira e simplificada, indicar até o limiar
da audição humana (20-20000 Hz/ 0-120dB) ou indicar a perda auditiva de sons mais
agudos por pessoas mais idosas, por exemplo.

55
É possível observar que a percepção dos sons ocorre de maneira distinta de dia
e de noite, principalmente porque os sons naturais que ocorrem ao longo do dia, como
o cantar de pássaros ou o latido de cães são reduzidos ou cessados à noite. No que diz
respeito aos sons artificiais, esses são percebidos mais facilmente devido à maior
produção pelos seres humanos e por serem sons com características mais intensas. Por
exemplo, sons de utensílios domésticos (microondas, máquinas de lavar,
liquidificadores, etc) ou ainda ferramentas (martelos, furadeiras, entre outros) ou
automóveis, são percebidos mais facilmente que os sons naturais. A permanência
prolongada e intensidade desses sons são as principais causas da poluição sonora, que
pode ter um efeito deletério sobre a audição humana, causando surdez. A percepção
auditiva dos diversos sons propagados no ambiente é responsável por desencadear
ações no sistema límbico, provocando respostas comportamentais e emocionais àquilo
que é ouvido. Do ponto de vista da defesa do organismo, o sistema auditivo já teve uma
importância maior quando o ser humano era um ser caçador/coletor, sendo muito
importante para a percepção de presas ou para a fuga de predadores. Atualmente, ainda
tem sua importância em determinadas situações, por exemplo, na percepção de um
carro prosseguindo na direção de uma pessoa, capacitando-a de desviar do automóvel.

A via neural auditiva: para que ocorra o fenômeno da audição, as ondas


mecânicas sonoras passam pelo pavilhão auditivo, orelha externa, membrana
timpânica, cadeia ossicular na orelha média e cóclea. Nessa última, a transmissão
mecânica atinge as células ciliadas, que transformam a energia que até então é
mecânica em potenciais de ação (transdução). A partir daí, impulsos elétricos caminham
pela divisão coclear do nervo vestibulococlear até chegar nos núcleos cocleares
presentes no bulbo. Posteriormente, as vias passam por diversas estações
intermediárias, até que são feitas conexões com o mesencéfalo (colículos inferiores). A
partir dos colículos, a via continua no tálamo, passa pelas radiações ópticas, cápsula
interna e vai até os córtices auditivos primário e secundário (áreas 41, 42 e 22
de Brodmann), fazendo, posteriormente, conexões com os lobos parietal e frontal.

Sob a perspectiva desse caminho neural é possível destacar a integração da via


auditiva com os demais sistemas sensoriais e com a cognição. Um exemplo a ser citado
é o reflexo de fechamento dos olhos e rotação da cabeça ao perceber ruídos muito

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intensos. Isso ocorre devido à penetração de fibras auditivas na formação reticular,
ativando vias que culminam nesses movimentos. No ambiente familiar, é possível citar
um exemplo dessa integração relacionando-a com o sistema límbico. Por exemplo, ao
ouvir ou ver o portão de casa sendo fechado, um filho é capaz de sentir o saudosismo
de quando saiu da casa de seus pais e passou a morar sozinho; ou ainda, a redução do
barulho nas ruas na atual fase lembra da situação de isolamento social vivida.

A capacidade auditiva poderia ser determinada, grosseiramente, pela percepção


da reação de um neonato a um estímulo auditivo. Por exemplo, detectar se ao fazer um
determinado barulho vindo de uma direção, o bebê olha e identifica o local de onde esse
som é oriundo; ou ainda, gerar um barulho muito intenso que provoque choros na
criança. A perda auditiva em crianças, na forma adquirida, normalmente ocorre devido
a otites, ou, mais raramente, na forma congênita, devido a infecções maternas no
período da gestação (por exemplo, pela rubéola); já em idosos, observa-se que a surdez
ocorre de maneira inevitável, principalmente devido à perda das células ciliadas da
cóclea e órgão de Corti, impossibilitando a detecção dos ruídos. No ambiente
hospitalar, testes audiométricos podem ser realizados por profissionais fonoaudiólogos
para delimitar a capacidade auditiva. Um deles, feito em recém-nascidos, é o “teste da
orelhinha”, no qual é introduzido um aparelho de Emissões Otoacústicas na orelha
externa, gerando estímulos sonoros leves e medindo a reatividade da orelha interna a
esses estímulos. Já em pacientes adultos e idosos, os exames audiométricos realizados
são a audiometria tonal e vocal. No primeiro, é medida a reatividade do paciente a sons
de múltiplas frequências feitos pelo examinador, determinando a causa de sua perda
auditiva; já o segundo determina a capacidade de resposta do paciente à fala do
examinador.

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Percepção dos sons: ciência e quarentena
Vídeo indisponível

Otávio Monteferrante
Ronaldo P. Brito Filho
A ciência define os sons como variações audíveis na pressão do ar. Essa definição
simples e racional possui enorme relevância para as ciências exatas e biológicas,
permitindo o entendimento de distintos fenômenos naturais. Entretanto, tamanha
simplicidade e racionalidade acabam por acobertar, para não dizer negligenciar, o real
e verdadeiro valor de mundo que os sons possuem. Para o ser humano, as reverberações
da audição transcenderam os aspectos da pura sobrevivência. Por meio da fala e da
audição, amores são jurados para sempre, amigos podem contar como foram seus dias,
médicos podem trazer conforto ao paciente e a seus familiares, e sociedades se
organizam. Do mesmo modo e infelizmente, discursos podem desencadear conflitos e
segregações sociais, ofensas pessoais e fake news; fenômenos esses que ganharam
amplitudes ainda maiores com a disseminação dos meios de comunicação em massa, e
que pioram o estresse mental, coletivo e individual, no cenário da pandemia da COVID-
19.

A gênese de todos esses processos reside na transdução de ondas mecânicas


em sinais elétricos nos neurônios da via coclear. A captação das ondas sonoras se inicia
na orelha externa, que direciona essa onda para a profundidade do meato acústico
externo. Nesse local, a perturbação do ar vibra a membrana timpânica, permitindo os
deslocamentos sequenciais dos ossículos martelo, bigorna e estribo, contidos na orelha
média, cavidade aérea do osso temporal. Ao se movimentar, o estribo desloca conteúdo
líquido (perilinfa e endolinfa) presentes na cóclea, no interior da orelha interna. A cóclea
é uma estrutura espiralada que contém o Órgão de Corti, onde estão as células
sensoriais com seus estereocílios.

A inclinação dos estereocílios apicais, em decorrência do movimento do


líquido, promove a abertura dos canais catiônicos do potencial do receptor
transiente (TRPA1), os quais permitem a entrada de íons potássio para o interior das
células ciliadas (a concentração de potássio é elevada na endolinfa). Isso promove a

58
abertura de canais de cálcio dependentes de voltagem. O influxo de cálcio leva à
liberação de neurotransmissor das vesículas sinápticas, fenômeno que culmina com a
geração de potenciais de ação na divisão coclear do VIII par de nervos cranianos.

Os núcleos cocleares localizam-se no bulbo cranial, em sua extremidade


póstero-lateral (próximo ao pedúnculo cerebelar inferior). Nesse ponto, todas as fibras
fazem sinapse e lançam seus axônios em direção ao núcleo olivar superior, contra
e ipsilateralmente. A partir desse ponto a via auditiva ascende pelo lemnisco lateral.
Algumas das fibras terminam no núcleo do lemnisco lateral, porém muitas outras se
desviam e vão para o colículo inferior, onde grande parte faz sinapse. Daí, a via passa
para o núcleo geniculado medial, onde todas as fibras fazem sinapse. Por fim, a via
prossegue por meio da radiação auditiva até o córtex auditivo, localizado,
principalmente, no giro superior do lobo temporal.

Tema de extrema relevância são as múltiplas deficiências que acometem a


audição. Segundo dados do último censo do IBGE de 2010, existem 10 milhões de
pessoas com algum grau de surdez no Brasil. Infelizmente, essa condição impõe
limitações a essas pessoas, porém elas jamais devem ter qualquer direito aviltado. Isso
é possível por meio da promoção de políticas públicas e de ações coletivas e individuais
que visem à inserção plena dessas pessoas em nossa sociedade. A capacitação de
profissionais da saúde e da educação com o ensino da Língua Brasileira de Sinais (Libras)
é um exemplo de como se atingir esse objetivo.

Todo aprendizado acerca desses conceitos neurofisiológicos da audição


ocorreu em um momento singular de minha vida. O período de quarentena me trouxe
de volta à minha cidade natal, permitindo o encontro do Otávio aluno com o Otávio
filho, em um ambiente permeado por sons que remetem à infância e que ganham novos
significados.

A sinfonia de talheres se chocando contra os pratos, o arrastar de cadeiras


e o diálogo de tantos assuntos durante o almoço no bandejão, cederam espaço aos
timbres de voz tão familiares de meus pais. O som do megafone do vendedor de sorvete
que antes me causava alvoroço e uma vontade tremenda de tomar sorvete, hoje é um
empecilho à minha concentração durante os estudos de fisiologia renal. O barulho de
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passos pela casa traz um sentimento de companhia familiar em meio à necessidade
inerente de distanciamento social imposta pela COVID-19. Tão fantástico quanto a
onipresença de sons durante o dia, como os sons de carros na rua que ecoam pela casa
e o canto dos pássaros. É a sua ausência quase que total durante a noite, que traz um
ambiente tranquilo no qual posso edificar meus sonhos. Com essas reflexões e
conhecimento, percebo que não são apenas variações de timbre, frequência e
amplitude que modificam os sons. Nossa percepção dos sons se modifica de acordo com
nosso estado de espírito. Sons trazem lembranças, sentimentos, racionalidade. Sons
constroem o mundo.

Nossa integração ao ambiente por meio do


som
Vídeo disponível neste hiperlink

Gabriel Coura Dias


Miguel Vianna de Souza
No decorrer da realização das atividades relativas às tarefas de montagem dos
vídeos, foi muito fácil notar, nas atividades mais simples do nosso cotidiano, a
importância do sentido da audição e como ele impacta nossas ações e percepções do
mundo nas mais diversas escalas. No nosso vídeo sobre esse primeiro tópico,
abordamos os sons do nosso cotidiano e como eles podem estar carregados das mais
diversas informações que somente nosso incrível sistema nervoso é capaz de interpretar
e, a partir dessas informações, refletir em como agir.

Em primeira instância, apesar de depender de onde se vive, alguns


sons são específicos de alguns momentos do dia, sendo capazes de nos informar que,
por exemplo, já é noite e é hora de dormir. Isto ocorre no caso dos sítios e cidades
pequenas, em que a noite é marcada por sons de grilos e sapos, e sempre se pode saber
que o amanhecer está vindo quando se ouve o cacarejar das galinhas. Até mesmo nas
cidades maiores, existem exemplos desses sons típicos marcadores de período, como,

60
por exemplo, a intensidade do som do tráfego de veículos, que é maior nos horários de
pico, como o início da manhã e o finalzinho da tarde.

Outros sons muito presentes no nosso cotidiano, importantes quando se fala do


instinto de sobrevivência de humanos e outros animais, são os de alerta. Esses sons nos
comunicam a possibilidade de haver alguma ameaça iminente no ambiente, como os
latidos dos cães de guarda contemporâneos, que podem nos alertar não somente para
invasores em nossas propriedades, mas também para um gato importunando seu
estimado cachorro. Um fato que evidencia a importância desses sons de alerta em toda
a natureza é que os predadores mais evoluídos e com maiores chances de conseguir
capturar a sua presa e, consequentemente, com maiores chances de sobreviver, são
aqueles mais silenciosos e mais velozes, ou seja, que conseguem alcançar suas presas
antes mesmo que o som de sua presença seja capaz de alertá-las para que fujam.

Ademais, um aspecto importante dos sons é que eles podem significar coisas
totalmente diferentes, a depender do momento, local e background de quem os
está ouvindo, pois o sistema auditivo se articula com os sistemas límbico e de memória
no córtex, permitindo a geração de memórias afetivas relacionadas aos sons. O fato de
que um simples despertador pode nos trazer diferentes sentimentos, a depender
apenas do dia, é um grande exemplo de nossas rotinas. Assim também, o silêncio pode
ter diferentes significados a depender do contexto, podendo ser desde aliviador a
até mesmo desesperador, ensurdecedor e arrasador. E esses são apenas alguns
exemplos de como esse sentido ao qual estamos tão acostumados é extremamente
importante e presente no nosso dia a dia, de modo que a perda ou mesmo o menor
dano no complexo sistema que nos permite ouvir é algo que nem mesmo passa na nossa
cabeça, mas pode mudar completamente o modo como vivemos.

Apesar disso, a perda auditiva é algo presente na nossa vida, podendo


ser causada por diversos fatores, sendo os mais comuns a idade avançada e
a exposição recorrente a ruídos altos. Pode ser causada também por infecções e
traumas, tanto no sistema auditivo, quanto nas porções do sistema nervoso responsável
por transmitir e processar as informações auditivas. Nossa sensibilidade para sons de
alta frequências decresce gradualmente por toda a vida. Um importante contribuidor

61
para isso é que os humanos não possuem regeneração de células ciliares da cóclea, que
se desgastam ao longo de toda vida e vão se tornando cada vez menos eficientes.

Um outro aspecto de extrema importância nas nossas vidas é a integração


polissensorial, que está presente em absolutamente todas as ações do nosso dia, desde
as mais simples, como andar, até as mais complexas, como cozinhar
uma refeição completa de uma só vez, passando pelas banais, como assistir filmes e
séries, uma atividade altamente presente nesse momento de isolamento social.

Um exemplo de um momento totalmente polissensorial que costumamos ligar a


apenas um sentido é a alimentação. Apesar da gustação tomar o papel principal na hora
de nos alimentarmos, todos os outros sentidos têm papéis muito importantes nesse
momento, de modo a nos propiciar uma experiência única. A audição nesse caso é de
extrema importância, auxiliando na percepção de texturas, o “crock” do biscoito de
cream cracker, por exemplo, necessariamente acompanha o efeito do sabor.
Neste caso, se o biscoito não fizer ruído na hora da mastigação, passa a ideia de alimento
vencido, impróprio para o consumo. De modo contrário, este barulho também é
esperado na mordida de uma cenoura ou maçã cruas, por passar a percepção de
“frescor” do vegetal.

Assim, ao longo deste texto, destacamos apenas algumas das mais diversas
formas em que a audição se torna presente e imprescindível no nosso dia a dia,
um sentido tão importante quanto qualquer outro para que sejamos capazes de manter
nosso estilo de vida.

Pavlov - Releitura
Vídeo disponível neste hiperlink
Gabriel Karia Araújo
Gabriel Rodrigues Pinheiro França
O primeiro clipe do vídeo demonstra a perda da capacidade auditiva com a idade.
Mediante o barulho feito pelo pacote de ração, a cachorra mais nova vira o rosto
imediatamente para a fonte de estímulo sonoro, enquanto a cachorra mais velha

62
apresenta dificuldade, inicialmente, de ouvir o som, e, depois, de localizar a fonte
sonora.

A captação de sons em situações normais, como ocorreu na cachorra mais nova,


ocorre, tanto em cachorros como em humanos, da seguinte forma: ondas sonoras
caminham pela orelha externa até chegarem na membrana timpânica, sobre a
qual impõem força, desencadeando vibração. Tal vibração movimenta o ossículo ligado
a essa membrana, o martelo, na orelha média, o qual, por sua vez, movimenta os
ossículos bigorna e estribo. O estribo, conectado à janela oval, promove a vibração
dessa, o que repercute na vibração da perilinfa da escala vestibular da cóclea, agora na
orelha interna. O deslocamento da perilinfa nas escalas vestibular e timpânica vibra as
membranas de Reissner e basilar e, assim, provoca o movimento da endolinfa, na escala
média. Essa movimentação acaba por deslocar a membrana tectória. A
membrana tectória, ao se mover, desloca os estereocílios das células ciliadas no órgão
de Corti, responsáveis pela transdução mecanoelétrica das ondas sonoras. Quando o
movimento da membrana tectória promove deslocamento rumo ao
maior estereocílio de uma célula ciliada, abrem-se, por estímulo mecânico, canais de K+,
que permitem a passagem desse íon da endolinfa, onde está mais concentrado, para o
interior das células. Esse K+ promove uma despolarização que permite a abertura de
canais de Ca2+, possibilitando o influxo desse íon, cuja concentração também é maior na
endolinfa. O Ca2+ permite a liberação de neurotransmissores na porção basal das células
ciliadas, estimulando as fibras do nervo coclear que realizarão a condução da
informação sonora. Por fim, o Ca2+ promove a abertura de canais de K+ na membrana
basal em contato com a perilinfa, pobre em K+, permitindo transporte passivo. O
deslocamento promovido pela membrana tectória rumo ao menor estereocílio, por
outro lado, gera hiperpolarização. O comportamento bifásico de despolarização e
hiperpolarização das células ciliadas permite a geração de informações precisas sobre o
som.

A perda de audição com a idade (presbiacusia) observada na cachorra mais velha


ou em idosos pode ser causada por uma variedade de motivos. Suas causas mais
comuns, no entanto, estão relacionadas à degeneração do aparelho auditivo da orelha

63
interna, visto que a exposição prolongada a sons pode danificar as células ciliadas da
cóclea, que realizam a transdução de estímulos sonoros em sinais elétricos.

No segundo clipe, a cachorra mais nova, novamente, é a primeira a detectar o


estímulo sonoro, que é, dessa vez, o som do miado de um gato reproduzido
artificialmente. O som a coloca em estado de alerta e ela corre escada abaixo para
averiguar visualmente a possível presença de um gato, no momento em que ela olha
pela janela no meio das escadas. Uma vez que a cachorra visualiza rapidamente o gato
de pelúcia, ela segue seu trajeto para confrontar o intruso, visto que ela já teve
confrontos anteriores com um gato. Uma maior proximidade com o objeto, somada à
ausência de resposta por parte do suposto gato, no entanto, deixaram a cachorra
confusa, visto que, contrariamente ao que sua audição alertou, não aparentava existir
um gato em seu quintal. Ao final do clipe observa-se a cachorra mais velha, que não
captou o estímulo sonoro inicialmente, chegando para confrontar, também, o possível
intruso.

O estímulo sonoro do miado foi captado através dos mecanismos anteriormente


discutidos e chega ao córtex auditivo por um caminho semelhante ao dos humanos. As
informações sonoras, através dos pares do VII nervo craniano, chegaram aos núcleos
cocleares. Esses núcleos realizaram projeções bilaterais para as olivas superiores
mediais, onde a diferença de tempo da captação sonora por cada orelha foi processada,
permitindo, assim, a localização espacial do som, que orientou o deslocamento inicial
da cachorra. As fibras que saíram dos núcleos cocleares, por fim, terminaram
no colículo inferior, de onde saíram fibras para o núcleo geniculado medial do tálamo. A
partir do tálamo auditivo, as informações foram transmitidas para diversas áreas do
córtex, gerando potenciais evocados auditivos, ou PEA (ondas no cérebro detectáveis
por um EEG frente a estímulos auditivos). Uma das principais áreas que recebeu essas
aferências sensoriais foi o córtex auditivo, pelo qual a cachorra interpretou o som
detectado como aquele emitido por um gato. A detecção dos miados de um gato pelo
córtex auditivo, através de interações com diversas outros componentes do SNC, levou,
por fim, à ativação de um comportamento de perseguição pelo hipotálamo,
componente central do sistema autônomo e do sistema límbico, ativando o sistema
nervoso simpático e estimulando o ataque.

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A confirmação visual da presença do gato intensificou ainda mais essa resposta.
Assim como estímulos auditivos geram ondas chamadas PEA no córtex, o estímulo visual
gerou ondas denominadas potenciais visuais evocados (também detectáveis por um
EEG). As informações visuais, por sua vez, foram captadas pela retina e transportadas
através do nervo óptico, passando pelo quiasma óptico, pelo corpo geniculado lateral,
e depois pelo trato óptico até chegarem no lobo occipital, onde ocorreu o
processamento e a formação da imagem do gato. A integração dos estímulos auditivos
e visuais, portanto, foi necessária para a resposta de ataque da cachorra.

O terceiro clipe, por fim, trata-se da reprodução da 9ª sinfonia de Beethoven em


uma gaita. A música, em humanos, é capaz de desencadear uma resposta emocional
através da interação com componentes do sistema límbico, modulando o
comportamento emocional e podendo gerar felicidade ou tristeza. No vídeo, a cachorra
chora enquanto a música é tocada, porém essa resposta não é desencadeada pela
emoção, e sim pelo desconforto. As ondas sonoras produzidas pela gaita, afinal,
possuem alta frequência, sendo, portanto, sons agudos. Esses sons, devido à
organização tonotópica da cóclea, são detectados pelas células ciliadas próximas à
extremidade basal da cóclea. O desconforto da cachorra é maior do que o que os
humanos sentem, contudo, porque a amplitude auditiva dos humanos é de 64-23.000
Hz, enquanto a dos cães é de 67-45.000 Hz, o que significa que são mais sensíveis a sons
agudos.

Audição e Audiometria
Vídeo disponível neste link

João Pedro Vilela de Rezende


Vinicius Lima Borges
Nesses dias de isolamento, podemos contrastar o que vivemos no cotidiano
das nossas cidades, sendo que o ritmo frenético do dia, com seus sons característicos de
uma vida intensa, transformou-se no silêncio sombrio da noite. Na época em que

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vivíamos, era inimaginável um dia em que a Terra realmente parasse, como dizia Raul
Seixas em sua canção. Entretanto, esse dia chegou.

Podemos evidenciar que a expressão “a cidade pulsa” está certa, e ela pulsa sim
ao som dos carros, motos, caminhões, construções, alarmes, ferramentas, buzinas e,
também, aos sons da natureza, que por muitas vezes não são notados na correria do
nosso dia a dia, mas que renasceram nesses dias de isolamento.

O silenciamento dos sons dos carros e do homem trouxe uma renascença dos
sons advindos da natureza, como o canto dos pássaros, o latido dos cachorros, o barulho
de água em matas, entre outros. Esses sons trouxeram consigo um misto de calmaria da
natureza, em meio ao caos instaurado por conta do Coronavírus, com mudanças bruscas
na rotina de todos, ocasionando em muitos, o afloramento de problemas que ficavam
encobertos com a intensa rotina das nossas vidas.

Contudo, podemos observar o quanto o nosso dia a dia é poluído com


diversos ruídos que, por vezes, causam impactos irreversíveis à nossa acuidade auditiva,
sendo eles de intensidade muito elevada. Esses ruídos podem provocar alterações
em diversos mecanismos relacionados com o Sistema Auditivo, como a destruição das
células ciliadas e danos na membrana timpânica. Dentre as causas mais frequentes de
lesões na audição, figura-se um objeto que, nesses tempos de isolamento, se tornou
uma ferramenta de trabalho para muitas pessoas, podendo, dessa forma, trazer
prejuízos futuramente no Sistema Auditivo. Esse objeto é o fone de ouvido, já que em
grande parte é usado em intensidade maior que a recomendada.

No vídeo apresentado, pode-se notar a predominância dos sons da


natureza quando comparado com os sons advindos da rua, principalmente, carros e
motos, que se tornou uma das particularidades desse isolamento. Isso pode ser notado
pelo canto do pássaro que tem o destaque na gravação. É importante pensarmos,
também, como as mudanças na nossa rotina afetam, de certa forma, a rotina desses
pássaros, sendo que os momentos em que não estamos em casa são os quais eles se
aproximam para se alimentar de sementes, insetos e resto de alimentos que
encontram. Conosco em casa praticamente o dia todo, eles têm sua
aproximação dificultada.
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No âmbito sonoro, é evidente que os sons da natureza são menos nocivos ao
nosso Sistema Auditivo que os sons que contornam o nosso cotidiano,
principalmente diuturnamente, além de representar um símbolo de calmaria em meio
ao caos vivido com o Coronavírus. Entretanto, muitas das atividades não se encerraram
completamente, mas foram transferidas, quando possível, do local em que são
normalmente exercidas para serem feitas dentro das casas, configurando o termo que
se tornou popular “home-office”. Um exemplo muito significativo, que estamos todos
vivenciando, é a troca da nossa rotina na Faculdade com as atividades presenciais para
atividades realizadas de forma remota, em alguns casos longe de Ribeirão Preto
juntamente com a família, outros em Ribeirão Preto longe da família e outros longe de
Ribeirão Preto e longe das famílias, por vários motivos.

Dentre esses cenários, um conhecido vilão do Sistema Auditivo tornou-se uma


ferramenta essencial para muitos, que é o fone de ouvido. Esse objeto traz privacidade,
discrição e conforto nas variadas situações, como muitas do isolamento, pois ouvir uma
aula pode ser impossível com o cachorro latindo ao lado. Pedir para o chefe ficar
repetindo sua fala porque uma construção ao lado da sua casa não te deixa ouvir
também pode gerar um extremo desconforto.

Diante desse novo contexto, resolvemos propor um teste de audiometria, que


pode ser feito dentro da própria casa e de forma simples. O teste assume algumas
variáveis e, como sempre diante de uma suspeita, é sempre necessário procurar um
médico especialista, porém usando alguns objetos pode-se notar perda na acuidade
auditiva. O teste, como pode ser visto no vídeo, consiste em se colocar diante de uma
televisão a uma distância de aproximadamente 2,4 m, abaixar totalmente o “volume”
da televisão e entregar o controle remoto para a pessoa que será avaliada. Quando
começar o filme pede-se que ela, através do controle remoto, controle o “volume” da
televisão conforme lhe fique confortável, e quando chegar no “volume” ideal, que ela
dê um sinal.

Dado as condições do teste, segundo a medição temos que, como no vídeo,


com o “volume” da televisão em 10 unidades arbitrárias (u.a) tem-se uma condição de
50 decibéis (db) em média. Isso representa a mesma intensidade de uma conversa calma

67
e não oferece risco para o nosso Sistema Auditivo. Já quando o “volume” da televisão é
de 35 u.a., tem-se uma condição de aproximadamente, 75 db, sendo próximo ao som
de fábricas e de processadores de alimentos, podendo, assim, causar danos à acuidade
auditiva.

Como o teste objetiva ser uma forma alternativa para observar a


acuidade auditiva, podemos concluir que faixas de “volume” da televisão próximas a
10 u.a. não significam grandes problemas auditivos, já faixas próximas a 35 u.a. podem
sim representar alguma perda da acuidade auditiva.

Por fim, é válido reforçar que se trata de um teste com um conjunto de variáveis
e que é apenas uma alternativa simplória para a audiometria, sendo que em
momento alguma dispensa o acompanhamento com um profissional. Além disso, fica
como lição para o nosso futuro o que esse isolamento nos propõe, um momento de
reflexão sobre o estilo de vida que vivemos, quando podemos aprender que os sons da
natureza podem sim sobrepujar os sons da vida urbana, basta nós fazermos a nossa
parte, adotando medidas que diminuem a poluição auditiva, propondo, assim, uma vida
mais sustentável.

Audição no Contexto da Pandemia


Vídeo disponível no hiperlink

Eduardo Antonio Bombonatti


Eduardo Pavarino
Durante o período de isolamento social, encaramos as mais diversas situações,
sendo muitas dessas não habituais em relação à nossa rotina comum, ou retomamos
hábitos há muito tempo não praticados. Tal fato trouxe ao nosso íntimo diversas
modificações, inclusive de caráter fisiológico e/ou comportamental (embora o
mesmo possua um plano de fundo fisiológico). Dentre essas, ressaltamos, em caráter
especial, as diferentes percepções obtidas por meio dos sistemas somatossensoriais. Ou
seja, foram notáveis as distinções de como, não apenas nós observamos e avaliamos o

68
mundo, nosso cotidiano e aspectos rotineiros de nossa vida, mas também de como o
sentimos, em seu sentido mais literal.

Assim, notamos que a complexidade das vias sensoriais se torna ainda mais
evidente, especialmente no que tange aos mecanismos de seu funcionamento. Os
poderosos e numerosos sistemas de captação, transdução, transmissão, processamento
e integração das informações sensoriais foram de importância fundamental durante
toda a jornada evolutiva humana, não apenas no que se refere aos aspectos de
sobrevivência - como a percepção da presença de predadores, seja por estímulos
sonoros ou visuais, pela sensação de dor ao ter a mão queimada pelo fogo - mas também
no que tange à contemplação da natureza. Imaginemos o maravilhamento do primeiro
homem que observou as Cataratas do Iguaçu ou o Grand Canyon; no que tange a
contemplação de nossa própria criação, lembremos de um monumento cuja
grandiosidade é de tirar nosso fôlego, obra de arte que entorpece nossos sentidos por
sua beleza ou complexidade, e música que nos leva a profundas alterações de humor.

A partir da reflexão feita no parágrafo anterior, pode-se perceber a forte


presença desse conjunto de receptores das mais diversas morfologias (e.g. corpos táteis
lamelares, neurônios olfatórios possuidores de quimiorreceptores e células ciliadas
auditivas portadores de mecanorreceptores), conectadas ao encéfalo por vias próprias
(e.g. Vias vestíbulo-cocleares, via posterior-lemniscal, via ântero-lateral, vias óptica e
vias olfatórias) que são processadas e que, ao funcionarem em uníssono, como uma
perfeita orquestra, constituem o que denomina-se sinfonia da vida. Assim, o sistema
sensorial pode ser explicado não só como artifício biológico para a
sobrevivência, mas também como elemento condicionador do que nós somos em meio
ao mundo. Nesse período de isolamento e resguardo dentro de nossas residências e
dentro de nossas individualidades, temos a oportunidade de sentir o mundo de forma
peculiar e profunda, conhecendo-o de forma mais complexa e completa.

Nesse cenário, no que tange às vias auditivas, temos a oportunidade de notar


sons antes desprezados (e. g. o som da natureza e o “som do silêncio”) e ignorar sons
antes bem notados (e. g. som de carros e aparelhos eletrodomésticos); começamos a
nos agradar com sons antes odiados e, em alguns casos, a desprezar sons com que antes

69
nos deleitávamos (e. g uma mesma música ouvida inúmeras vezes ao longo da
quarentena). Ou seja, começamos a ouvir o mundo de forma nova. Ao analisarmos de
forma mais profunda essa questão, obtemos que o cenário inédito propiciado pelo
isolamento tornou alterações na percepção auditiva não pela ampliação dos canais de
potássio de nossas células ciliadas ou pela queda do limiar de excitabilidade da porção
coclear do nervo vestibulococlear, mas, muito provavelmente, pela forma com que
nosso encéfalo processa e integra essas informações que, embora há muito tempo
recebamos, começamos a sentir de forma distinta.

Uma grande experiência de relação entre os recursos auditivos


e polissensoriais que, durante essa quarentena, tornou-se ainda mais evidente, foi a
importância do sincretismo entre som e imagem nas artes cinematográficas. Embora
assistir a filmes seja uma atividade rotineira para muitas pessoas, poucos dedicam uma
fração de seu tempo para entender suas respostas fisiológicas em relação ao conteúdo
apresentado. Ao acompanhar um filme, tivemos a possibilidade de observar que os
estímulos visuais e auditivos possuem, de forma síncrona, importante capacidade de
modulação de nossas respostas em relação ao conteúdo apresentado. Como exemplo,
temos: em uma cena de grande tensão, os personagens, são colocados em um momento
de perigo em quadros de baixa luminosidade, que reduz a atividade elétrica das vias
visuais, com o inimigo ou um predador se aproximando de forma aterrorizante, em que
são evidenciadas, por meio da atuação, o medo e a ansiedade das personagens, sendo
acompanhados por uma trilha sonora com sons guturais, estridentes e com ritmo
variável - crescente à medida que o perigo é aumentado - agressivas a nossa audição,
elevando a intensa despolarização das vias auditivas. Essas informações polissensoriais,
em uníssono, evocam em nosso corpo a ativação de diversos componentes do Sistema
Nervoso Visceral em uma reação de fuga, medo e grande ansiedade (e. g. Taquicardia,
midríase e eriçamento de pelos). Podemos citar outro exemplo: em uma cena agradável,
os quadros de luminosidade agradável aos olhos - atividade elétrica das vias visuais mais
intensa - portadores de imagens que evocam bem estar no espectador, como uma
tranquila paisagem bucólica, somadas a atuação evidenciada pelo sorriso das
personagens e acompanhada por uma trilha sonora com acordes agradáveis, suaves ou

70
responsável por criar um ritmo festivo são responsáveis por causar no espectador um
estado de paz e bem estar, como observado nas personagens.

Dessa forma, observamos que o áudio somado à imagem, com notável distinção
de sua atividade elétrica entre situações diferentes e modulado por meio de nossas
memórias (e. g. correlação de uma paisagem campestre a algo agradável e a observação
de uma matilha de lobos se aproximando ferozmente a algo desagradável) são
responsáveis por proporcionar ao espectador respostas involuntárias distintas, de forma
que, durante o filme, estes sejam colocados, não só psicologicamente no lugar do
personagem devido à narrativa, mas também em certo ponto de forma fisiológica,
embora em intensidades menores em parte dos casos. Ressaltamos também a
importância dos sentidos e as variações de sua atividade em nosso cotidiano, tornando
a reflexão, possibilitada por esse período distinto de nossas vidas, igualmente única.

Linguagem da música
Vídeo disponível neste hiperlink

Gustavo Manoel Brandão


Gustavo Wander Lemos
A capacidade de criar e gostar de ouvir música corresponde a uma característica
fenomenal dos cérebros, principalmente dos mamíferos. Pássaros cantam para as
fêmeas como uma forma de atraí-las para o acasalamento, baleias azuis podem se
comunicar para coordenar o encurralamento de zooplâncton e atacá-lo de uma vez só
para consumir a maior parte possível. Contudo, o cérebro humano foi o que mais se
desenvolveu nesse sentido, não só de criar uma linguagem que codifique esses sons
(escala musical e fala), mas também foi capaz de criar uma diversidade de instrumentos
capazes muitas vezes de percorrer as mesmas notas, porém sempre com um resultado
sonoro diferente.

Partindo do princípio de que o instrumento é uma ferramenta, que assim como


as pregas vocais, é responsável por externalizar a linguagem da escala musical, este
corresponde à verdadeira língua universal humana. A criação da escala musical só foi

71
possível devido ao modo como o aparelho auditivo funciona, mas especificamente, na
habilidade e sensibilidade de diferenciar as frequências sonoras. Primeiramente, a onda
mecânica chega no pavilhão externo e se encaminha pelo meato acústico externo até
chegar no tímpano, que divide o ouvido externo e ouvido médio. O choque mecânico faz
o tímpano vibrar, que por consequência, transmite o sinal para, nessa sequência,
martelo, bigorna, estribo e janela oval, amplificar o sinal para o ouvido interno. Atrás da
janela oval está a cóclea preenchida por fluido (endolinfa), a qual contém o
mecanismo que transforma o movimento físico da membrana da janela oval em um
movimento da endolinfa. O movimento da endolinfa, faz a membrana basilar
movimentar-se próximo a sua base e inicia a propagação de uma onda em direção ao
ápice. A distância que a onda percorre na membrana basilar depende da frequência do
som. Se a frequência for alta, a base mais rígida da membrana vibrará muito, dissipando
a maior parte da energia, e a onda não se propagará para muito longe. Sons de baixa
frequência, geram ondas que se propagarão até o ápice flexível da membrana antes que
a maior parte da energia tenha se dissipado. Essa organização da cóclea gera um
mecanismo de decomposição do som em diferentes frequências, que se traduz em
sinais que caminham pelo ramo coclear do nervo vestíbulo-coclear (VIII) até os núcleos
cocleares. Todo esse mecanismo é responsável pela habilidade de afinar instrumentos
apenas com os ouvidos, pois quando se toca uma corda, a pessoa bem treinada, pode
identificar qual a frequência daquele som e, assim, através da afinação, fazer o som da
corda se igualar à de determinada frequência de uma nota específica, como mostrado
no início do vídeo, com a afinação do baixo elétrico.

Dentro do campo da neurociência, pode-se medir a atividade coletiva


elétrica cerebral através do eletroencefalograma (EEG), por meio do registro da
voltagem entre dois eletrodos colocados no escalpo. Tal medição permite que os
médicos examinem os dados coletados e os interpretem clinicamente, servindo de
diagnóstico para a epilepsia, que gera anormalidades nos registros de EEG.

Nesse mesmo exame, são registradas diversas atividades cerebrais,


incluindo aquelas responsáveis por interpretar a sensibilidade no sistema nervoso. Por
exemplo, estímulos auditivos produzidos por modificações no potencial elétrico,
chamados de Potenciais Evocados Auditivos (PEA), através das membranas neuronais

72
geram modificações no registro do EEG. Contudo, as ondas de registro de PEA são muito
menores que o registro final do EEG e são invisíveis. Analogamente, o registro de PEA
são como ondas geradas por uma pedra jogada num corpo d’água, facilmente
percebidas em um lago; no mar, porém, cheio de ondas, a informação do movimento
das águas causada pela pedra torna-se imperceptível, mascarada pelo movimento
natural do mar. Assim, é necessário que tal informação passe por um filtro na
medição do eletroencefalograma, chamada de promediação do EEG, que identifica
padrões de estímulos similares, uma vez que o PEA será constante para todos os
estímulos, pois é sincronizado com o estímulo, enquanto o ruído de fundo varia
completamente no exame e pode ser anulado por esse processo.

A capacidade de filtrar os dados corretos no EEG para captar os


potenciais evocados auditivos de regiões distantes depende de quatro fatores: (1)
número de células ativadas pelo estímulo; (2) grau de sincronismo dessa ativação; (3)
geometria da estrutura ativada; e (4) capacidade dos tecidos adjacentes de conduzir
eletricidade. Dessa forma, drogas anestésicas gerais podem afetar os fatores (1) e (2) e
indiretamente o (3). Verificou-se em estudos recentes que o tronco cerebral de
pacientes sob anestesia profunda, ao estimulá-los com cliques (1/s), processa menor
quantidade de informação auditiva (7,8 Hz), enquanto pacientes conscientes tiveram
respostas próximas com alerta de vigília (40 Hz). Assim, assume-se que alterações no
PEA induzidas por anestésicos devem refletir eventos neuronais que contribuem para a
perda de consciência.

Análogo ao sistema sensorial auditivo, através da utilização do EEG, o


sistema sensorial visual possui a capacidade de receber estímulos visuais através
de receptores fotossensíveis, gerando Potenciais Evocados Visuais (PEV), que podem ser
lidos no EEG ao passar pela promediação. Dessa vez, são utilizados flashes de luz
síncronos para realizar a filtragem da informação gerada pelos PEV no EEG.

73
Aquiles
Vídeo disponível neste link

Athos Ferroni
Joaquim Miranda
Sendo desenvolvido pela evolução ao longo de milhares de anos, o sistema
auditivo é um dos mais elegantes sensores corporais dos metazoários (animais). Ele
conecta as energias e vibrações do meio externo para o reconhecimento neural por um
método muito gracioso e único.

Os benefícios deste belo sensor são obviamente claros, no sentido evolutivo. A


percepção apurada de localização a longas distâncias, onde a visão não consegue
alcançar, é um dom que a audição concede a quem a possui. Ainda que o olfato, o sensor
mais antigo filogeneticamente, também funcione a longas distâncias, sua precisão não
se compara à da audição.

Os mais sutis movimentos de presas e predadores: o roçar dos corpos na


grama, a respiração ansiosa, garras raspando em pedras, o bater de asas, todos geram,
inevitavelmente, ondas mecânicas longitudinais que viajam pelo ar friamente; porém, o
sistema auditivo, de uma forma praticamente poética, transforma o movimento do
ar em informações, que o córtex pode decodificar e interpretar o que representam.

Contudo, a evolução reservou aos seres humanos não apenas um dom


provido pela audição, mas, uma verdadeira dádiva. O amplo aumento do telencéfalo
do Homo sapiens, permitiu que a audição fosse a mais primitiva mediadora da
linguagem. Os pavilhões auditivos tornaram-se verdadeiros canais de informações cujos
veículos foram denominados palavras, e que o córtex tratou de conceder sentido.
Verbos, substantivos e pronomes permitiram a troca de informações, percepções e
sentimentos, foi possível a coesão de grupos humanos e sua inter-relação, que, por fim
resultou nas mais belas obras, como sinfonias, instrumentos e a própria representação
escrita, a qual utilizamos para construir esse trabalho.

Mas não nos enganemos, não se pode deixar, por um momento sequer, que a
arrogância humana suba à cabeça. A audição e a compreensão respectiva não são

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restritas aos humanos, diversos outros seres, com os quais compartilhamos a biosfera,
têm tais capacidades. Pois é quando se esquece do meio holístico que as maiores
desgraças que a humanidade presenciou ocorreram. O holocausto ocorreu quando nos
esquecemos que etnias diferentes são tão importantes quanto a nossa, quando são
vistas como inferiores; o mesmo vale para a escravidão passada, para o racismo
presente, para a destruição ambiental e extinção em massa de espécies que se reserva
no futuro.

Desta feita, utilizamos um referencial diferente para a realização de nosso


vídeo, um ser gentil e fiel, com quem compartilhamos o nosso dia a dia, e que por vezes
é maltratado pela perversidade que o egocentrismo humano possui em seu âmago. Um
verdadeiro amigo que passa despercebido muitas vezes: o cão.

O Canis familiares é uma espécie que acompanha o ser humano desde os seus
primórdios. E para a coexistência deles conosco, foram capazes de estabelecer
uma linha de comunicação e compreensão única de sons e até mesmo palavras!

A partir de agrados e carinhos, somos capazes de estabelecer uma relação


de afeto, confiança e respeito que, com petiscos deliciosos, podem ser usados
para condicionar comportamentos e solicitações, como truques tais quais: sentar,
deitar, rolar, dar a pata, ficar e até aproximar-se.

As ondas sonoras que nossas vozes produzem viajam agitando as moléculas do


ar até atingir os enormes e fofos pavilhões auditivos de nossos amigos peludos, como
foi o caso de Aquiles, visto no vídeo.

Tais ondas atingem os tímpanos de ambos os lados, fazendo-os vibrar em


frequências específicas que são repetidas por ossículos da orelha média canina: martelo,
bigorna e estribo, que então se conectam com a orelha interna, conduzindo as vibrações
sonoras até a cóclea.

Neste pequeno órgão ocorrerá a transformação da energia mecânica sonora em


potencial de ação, a linguagem do sistema nervoso. As vibrações agitam a membrana
basilar dentro da cóclea tanto em sua base, em altas frequência (sons agudos) quanto

75
em seu ápice, em baixas frequências (sons graves). Tal movimento da membrana basilar
segue-se de um movimento diferenciado da membrana tectorial, local de inserção dos
estereocílios das células ciliadas; tal movimentação diferenciada promove a abertura
mecânica de canais de potássio (K+) e cálcio (Ca+) que resultam na despolarização
da célula sensorial e potencial de ação.

Então, por meio de sinapses, as informações auditivas trafegam pelo nervo


vestíbulo coclear até os núcleos cocleares, eles se comunicam de forma complexa por
comissuras entre si e os complexos olivares bilateralmente, que viajam pelo lemnisco
lateral até os colículos inferiores, havendo comissuras entre eles e projeções para o
córtex auditivo primário (áreas 41 e 42 de Brodmann) por meio dos corpos geniculados
mediais, então no córtex ocorrerá todo tipo de processamento e
integração polissensorial, bem como para o lobo frontal de tomada de decisão, motor
e pré-motor para o preparo e execução de movimento e com o sistema límbico que
acionará as memórias sobre o significados dos sons e solicitações que Aquiles já
presenciou e aprendeu.

Assim, é muito claro que Aquiles possui um sistema auditivo muito parecido
com o nosso, e pode, como nós, aprender, ouvir e ensinar. Ele também sente emoções
e é capaz de demonstrar seu carinho e confiança ao obedecer, bem como expressar
seu amor incondicional por petiscos.

Desse modo, qualquer atentado, falta de amor, carinho ou afeto com os


animais não humanos, sejam cães como Aquiles, gatos, camundongos, vacas, cavalos e
qualquer outro é muito triste. Violência, então, é obviamente inaceitável.

Todos os seres compartilham conosco o mundo e a história evolutiva, são tão


especiais como nós, e devemos no mínimo, por mais óbvio que pareça, zelar pelo bem-
estar deles.

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Abrindo a porta de madrugada…
Vídeo disponível neste hiperlink
Gabriel de Araújo Torres
Thiago Oliveira da Silva
Vitoria Correa Dias Vernalha

A proposição para essa temática da fisiologia da audição e os atributos


associados a ela nos fez pensar muito sobre a importância desse sentido no nosso
cotidiano. Estamos o tempo todo ao longo do dia submetidos a estímulos sonoros de
todos os tipos e de todas as fontes, seja por meio do diálogo com outras pessoas, pelas
músicas que ouvimos no carro indo para a faculdade, pelas palestras dos professores
durante as aulas, pela bateria da faculdade nos ensaios, dentre muitas outras. A
importância desse sentido se denota ainda mais quando uma pessoa passa pela perda
da audição, seja ela congênita ou adquirida, pois tornam-se evidentes as dificuldades de
convivência que essa pessoa possui devido à sua deficiência auditiva, a qual, no entanto,
pode ser contornada por meio de adaptações ao estilo de vida e por meio da
inclusão desse grupo nos meios sociais. Dentre as causas mais comuns da perda
auditiva, estão a idade, a superexposição a ruídos muito altos, infecções, perfuração
timpânica, ferimento na cabeça, tratamentos quimioterápicos ou efeito colateral de
drogas neuro/ototóxicas.

O mecanismo da audição segue os seguintes passos: a onda sonora é uma onda


mecânica que adentra por meio do meato acústico externo e atinge a membrana
timpânica, no início da orelha média; conforme a vibração específica dessa onda, essa
frequência é transmitida para os ossículos da orelha média (martelo, bigorna e estribo),
os quais vibram e transmitem a vibração para a endolinfa e perilinfa da orelha interna,
onde se localiza a cóclea, a qual é capaz de organizar os diferentes sons sobrepostos
que ouvimos, por meio do fenômeno da tonotopia, em que cada uma das porções da
cóclea é capaz de identificar um nível de frequência específico, sendo que a parte basal
processa altas frequências e a parte apical processa baixas frequências (o ouvido
humano detecta frequências apenas no intervalo de 20 a 20k Hz); o órgão de Corti é o
órgão primário da audição, cujos estereocílios são movimentados, sendo que se a
movimentação da endolinfa for na direção do cílio maior, há excitação e provoca escuta,

77
contudo se essa movimentação se der na direção contrária, há inibição e não provoca
escuta; no caso da excitação, abrem-se os canais de K+ e Ca2+, levando à transdução do
sinal e transformação da energia mecânica em elétrica, seguindo então as fibras até o
gânglio espiral, de onde as fibras ascendentes (da parte auditiva do nervo vestíbulo-
coclear) partem para os núcleos cocleares no tronco encefálico, dirigindo-se, por
fim, para a oliva superior e para as regiões do córtex auditivo, onde há a percepção
consciente do som e a interpretação do som ouvido, respectivamente, bem como para
áreas do sistema límbico e de memória no córtex, onde há a formação de memórias
afetivas em relação a esses sons.

A partir dessa reflexão, propusemos um vídeo que demonstrasse a importância


do som e do sentido da audição no nosso dia a dia, por meio da exploração dos
laboratórios do nosso Corpo e do Cotidiano e da utilização da nossa criatividade, para
poder relacionar esses conteúdos acadêmicos com nossas vidas em casa,
principalmente em meio a esse cenário de Pandemia, que nos fez ficar em casa por mais
tempo e olhar mais afundo para o nosso próprio ser, como humano e como peça
inserida na sociedade. No vídeo, demos enfoque em como a nossa percepção dos sons
se altera nas diversas situações, por exemplo, ao longo de um dia, em que os mesmos
sons no período da manhã, ou da tarde, são capazes de nos causar sensações ou reações
completamente diferentes daquelas do período noturno. Para elucidar essa análise,
imagine-se o barulho dos galhos batendo contra a janela no período da manhã;
esse barulho não nos causará nenhum medo ou reação irracional. Contudo, se essa
mesma situação se repete durante a madrugada, em que todos estão dormindo, mas
apenas uma pessoa está acordada, há grandes chances de ela ficar com medo, ou no
mínimo estranhar a situação, achando que pode se tratar de um ladrão ou de alguma
atividade sobrenatural.

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Reflexões sobre a surdez
Vídeo disponível neste hiperlink

Letícia Chagas Rocha


Luciana Mami Kiam
Raquel Assumpção Sodré Matias de Lima
Estudos falam que bebês já reconhecem as vozes dos pais antes mesmo de
nascer e talvez só esse fato seria suficiente para indicar como a audição é um dos
sentidos mais presentes e que é constantemente estimulado nos ouvintes. Por isso, o
primeiro vídeo produzido traz questões e reflexões sobre a ausência desse sentido nos
seres humanos por meio da Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) utilizada pelos surdos.
Como é viver sem a percepção do som? Para isso é essencial pensar na realidade da
comunidade surda, bem como a adaptação dos sentidos e como o som se faz presente
na vida do ouvinte.

Por conta disso, é preciso pensar inicialmente no processo neurofisiológico da


audição. A condução sonora se dá inicialmente por meio do som sendo conduzido pelo
canal auditivo até a membrana timpânica. Os eventos seguintes acontecem da
membrana timpânica para a cóclea. Assim, há o desencadeamento da movimentação
do martelo, bigorna e estribo, este último que se situa na janela oval contra o labirinto
membranoso da cóclea, e que permite que diferentes vibrações e movimentações dessa
janela promovam interpretações de diferentes sons. Dentro da cóclea, mais
especificamente na membrana basilar, temos o órgão de Corti que contém as células
ciliadas, receptores auditivos e geradores de impulsos nervosos em resposta à vibração
nervosa. Esse impulso gerado vai ser transmitido pelo nervo coclear (VIII par craniano)
em direção aos núcleos cocleares dorsal e ventral - localizados na parte posterior do
bulbo. De fato, as sinapses das fibras e os neurônios de segunda ordem vão em sua
maioria decussar (cruzar) e ascender para os núcleos da oliva superior. Nesses núcleos
haverá mais uma sinapse e a via auditiva continua ascendendo pelo lemnisco lateral,
passará pelo núcleo do lemnisco lateral, colículo inferior e núcleo geniculado medial em
direção ao córtex auditivo primário.

79
Há descritos dois tipos de surdez: a “surdez nervosa”, causada por algum
comprometimento da cóclea, ou nervos auditivos, ou dos circuitos do sistema nervoso
central do ouvido e a “surdez de condução”, causada por comprometimento de
estruturas físicas da orelha condutoras do som. Assim, caso haja comprometimento da
cóclea e do nervo coclear há também uma surdez permanente. Outro ponto
interessante a se pensar sobre a surdez é que ela pode ser hereditária, pode ser
desenvolvida com a velhice ou ainda com a exposição excessiva e prolongada a sons
intensos, fazendo dessa condição multifatorial.

Tendo esse conhecimento resumido sobre as vias e processos relacionados à


audição como pano de fundo, é interessante pensar nas questões sociais que envolvem
esse sentido e que são os motivos pelo qual foi escolhida a temática do vídeo. Essa via
neural auditiva é constantemente estimulada em ouvintes e aparentemente, assim
como a luz, o som costuma ser um elemento que chama quase que imediatamente a
atenção das pessoas. É por isso que alarmes, buzinas de carro, avisos do microondas e
sirenes fazem parte do nosso cotidiano. Portanto, é quase orgânico levantar
questionamentos quando tiramos o elemento sonoro do dia a dia. Como essa vivência
baseada no som influencia uma pessoa surda? Como é que o ser humano se adaptou à
sua eventual ausência, a esse silêncio vivenciado por essas pessoas? Os outros sentidos
passam a ser mais agudizados ou só o aprendizado que muda? Contudo, apesar de
conseguirmos levantar essas perguntas enquanto ouvintes, adentrar mais
profundamente nos aspectos sociais relacionados à vivência de uma pessoa surda é mais
facilmente visualizada se você é surdo ou se você convive com uma pessoa surda.

Como, então, podemos visualizar o desenvolvimento dos sentidos e a vivência


do som de uma maneira mais científica? A PhD em psicologia pela
Brown University Mary Bates faz na Scientific American uma síntese sobre estudos
recentes acerca das relações da surdez com os outros sentidos no texto:
Super powers from the Blind and Deaf (BATES, 2012). Nele é explicitado como a
neuroplasticidade cerebral e a “reutilização” das áreas cerebrais do córtex auditivo,
servem como regiões utilizadas pelos sentidos do tato e da visão já que não há o
componente cortical da audição. Isso explica o porquê a ausência da utilização e
desenvolvimento de um sentido permite a potencialização dos sentidos remanescentes.

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Além disso, isso também levanta o provável porquê de muitas pessoas surdas não se
adaptarem aos implantes cocleares e aos aparelhos, principalmente se são surdas há
muitos anos, uma vez que a região cortical que desenvolveria a audição é agora utilizada
para outros sentidos. Por outro lado, há dados da literatura que explicam, como no caso
do zumbido ou tinnitus, o que acontece é exatamente o oposto, as áreas corticais
auditivas (de indivíduos com lesões auditivas severas) ficam hipererrepresentadas,
fenômeno que dá origem ao “som fantasma”, por analogia com os amputados
fisicamente (“membro fantasma”) e o processo de plasticidade para retorno da
utilização pelo sistema auditivo é mais complexo (BATES, 2012)

Por conta disso, evidencia-se a necessidade de continuar pesquisando sobre os


efeitos da surdez no cérebro humano, bem como nos mecanismos de adaptação da
vivência do surdo no seu contexto social. Assim, o conhecimento neurofisiológico dessa
condição é essencial e é por isso que o vídeo incita a questionamentos e reflexões sobre
os processos envolvidos na surdez e seu impacto na vida do indivíduo.

REFERÊNCIA:

BATES, M. Super Powers for the Blind and Deaf: The brain rewires itself to boost the remaining senses.
Disponível em: <https://www.scientificamerican.com/article/superpowers-for-the-blind-and-deaf/>.

A audição no dia a dia


Vídeo disponível neste hiperlink

Victor Hugo da Costa Ferreira


Lucas Fabiano Reis Souza Luis
Gustavo Martins dos Reis
A audição é um importante sentido humano e mostra-se como uma grande
ferramenta do corpo para os relacionamentos interpessoais e com o ambiente ao redor.
Por meio dela, um motorista pode ouvir uma buzina e evitar um acidente no trânsito,
uma dançarina de tango pode ouvir e sincronizar seus movimentos com o ritmo musical
ao longo de uma apresentação e um aluno pode aprender sobre a própria audição

81
durante uma aula no curso de Medicina. Apenas algumas situações da vida, como as
citadas, são suficientes para exemplificar o grande papel que a audição representa e a
sua importância na relação do ser humano no lugar onde está.

Para a audição, existe um caminho específico desde a geração do estímulo


sonoro pela fonte até a chegada dos impulsos nervosos no córtex auditivo cerebral.
Primeiramente, a fonte sonora emite o som, o qual consiste de variações audíveis na
pressão do ar, e que é transmitido pelo ar numa velocidade de aproximadamente 340
metros por segundo até atingir a orelha externa. Após isso, passa pelo canal auditivo e
gera vibração em uma membrana (timpânica), que vai transmitir a vibração aos ossículos
(martelo, bigorna e estribo). Posteriormente, há a movimentação de um líquido na
cóclea (parte onde estão as células responsáveis por transmitir impulsos nervosos
relacionados à audição), que movimenta estereocílios de células específicas. Estas
transformam esse movimento em impulsos nervosos, sendo transmitidos ao nervo
auditivo, depois aos núcleos cocleares, ao colículo inferior, deste ao tálamo e, após isso,
ao córtex auditivo (região cerebral relacionada ao processamento consciente das
informações auditivas).

Por conta de todas as comunicações entre estruturas auditivas e o Sistema


Nervoso como foi abordado no vídeo, o ser humano é capaz de identificar a intensidade
(volume) de um estímulo sonoro e o timbre - geralmente é característico em diferentes
fontes sonoras, sendo usado para diferenciá-las, como uma voz humana e o som de uma
corda de violão. Também consegue identificar a frequência - notas mais altas são mais
agudas, como as de uma cantora soprano em uma orquestra, e as mais baixas são mais
graves, como as de um cantor com a função de baixo também em uma orquestra.
Somado a isso, o ser humano também é capaz de localizar a fonte sonora
horizontalmente e verticalmente, sendo importante para a identificação espacial do
som.

Além do mais, a associação de timbres específicos e frequências específicas a


determinadas fontes sonoras também específicas, auxiliam na identificação dos sons,
como aquele produzido pela voz humana (pode haver associação a uma fase da vida
específica) e o som de batidas em uma superfície de madeira, como a porta, sendo sons

82
não naturais produzidos pelo ser humano. Vale ressaltar que essa memória auditiva
ocorre ao ouvir um som pela primeira vez, sendo identificado como algo novo no córtex
auditivo. Com a sua repetição torna-se algo característico o seu timbre e a sua
associação a uma fonte específica. Como exemplo disso, podemos falar sobre as
imitações do apresentador Silvio Santos: após ouvir a sua voz diversas vezes, ela é
diretamente associada à pessoa quando ouvida e processada no córtex auditivo. Logo,
quando alguém a reproduz em uma imitação, ocorre o humor pela quebra de
expectativa, já que a pessoa associada àquele timbre é o apresentador.

Vale ressaltar também que, como falado no vídeo, há a conexão entre o córtex
auditivo e as estruturas encefálicas associadas à memória e aos sentimentos, fazendo
com que estímulos sonoros específicos possam evocar memórias e trazer determinados
sentimentos à tona. Por exemplo, se uma pessoa ouve uma música específica em um
funeral de um ente querido, há a associação dessa trilha sonora ao funeral e ao
sentimento de luto. Desta maneira, todas as vezes que o indivíduo ouve a canção,
começa a sentir-se triste e há a lembrança do momento vivido. Sendo assim, o mesmo
efeito pode acontecer com o sentimento de alegria quando a música é tocada em um
casamento, raiva em um momento de conflito, entre outros diversos sentimentos, tais
como os da paixão, quando alguém toca uma música de amor para outra pessoa,
marcando então a música com tal lembrança e pelo sentimento amoroso.

Todavia, apesar de todas as experiências relacionadas ao sentido da audição, há


pessoas que possuem deficiência auditiva, podendo ser surdez parcial ou completa. A
maior causa de surdez está relacionada à lesão ou não existência de células ciliadas. Tais
células têm seus estereocílios movimentados por um líquido na cóclea (endolinfa) e,
assim, transformam as ondas mecânicas em impulsos elétricos que vão em direção ao
cérebro. Logo, onde há lesão ou falta dessas células, não há transmissão de informação
do ouvido ao nervo auditivo e ao cérebro também. Um exemplo disso é a Doença
de Ménière, que causa perda auditiva progressiva, pressão no ouvido e zumbido.
Ademais, lesões em outras áreas podem gerar deficiência auditiva, como nos nervos
auditivos, núcleos cocleares e no córtex auditivo.

83
Para que ocorra a comunicação entre surdos, há a Linguagem Brasileira de Sinais
(Libras), que consiste em movimentos gestuais que representam palavras ou conjuntos
de palavras específicos, permitindo que a ausência do sentido da audição não seja uma
barreira para a integração social. Além dessa linguagem, a escrita também é um meio
usado para a comunicação, fazendo com que haja a integração entre surdos ou surdos
e ouvintes.

Haja vista o que foi falado no texto e no vídeo, podemos concluir sobre a
importância da audição na vida humana, seja para ouvir músicas, gerar alerta - como no
caso de buzinas de carros - ou para ouvir o latido do animal de estimação. Dessa forma,
ela gera a integração entre o ser humano e o ambiente à sua volta, gerando eficiência
na comunicação, na identificação e na caracterização dos sons emitidos. Além disso, vale
ressaltar que, assim como o sentido da audição, as outras formas de comunicação para
aqueles que não possuem o sentido auditivo fazem-se essenciais, gerando comunicação
efetiva, bem como a inclusão e estímulo à integração de deficientes auditivos.

O sistema auditivo e a interação com o meio


externo
Vídeo disponível neste hiperlink

Felipe José Correia de Oliveira


Giovanna Marina Fernandes Marini
Pedro Pereira Prado Bagnola
O vídeo sobre as Aulas “Neurofisiologia da Audição (Tf12)” e “Atividade
Elétrica de vias Sensoriais (Tf13) - Integração Polissensorial (Tf14)” é um compilado de
cenas que ilustram a importância do sistema auditivo e sua integração com o meio
externo. A audição é um sistema sensorial muito importante, uma vez que
ele constantemente fornece informações vitais aos indivíduos, além de fazê-los
experimentar emoções e recordar lembranças.

O sistema auditivo transforma as ondas sonoras em padrões distintos de


atividade neural, os quais são integrados com informação de outros sistemas sensoriais

84
para guiar o comportamento, tais como orientação dos movimentos frente aos
estímulos acústicos e comunicação intraespecífica.

O primeiro estágio dessa transformação ocorre nos ouvidos externo e médio,


que captam as ondas sonoras e amplificam a sua pressão, de maneira que a
energia sonora no ar possa ser transmitida inteiramente à cóclea, que está preenchida
com um fluido, no ouvido interno. Nessa estrutura, ocorre uma série de processos
biomecânicos que decompõem o sinal em elementos mais simples, resultando na
transdução fidedigna da frequência, da amplitude e da fase do sinal original pelas células
ciliadas sensoriais. Tudo isso é codificado pela atividade elétrica das fibras nervosas
auditivas.

O estágio inicial do processamento central ocorre no núcleo coclear, onde


a informação auditiva periférica divide-se em várias vias centrais em paralelo. Dessa
forma, as saídas do núcleo coclear têm vários alvos. Um deles é o complexo olivar
superior, o primeiro local em que as informações provenientes dos dois ouvidos
interagem e o sítio de processamento inicial da informação que nos permite localizar o
som no espaço. Também se projeta para o colículo inferior, no mesencéfalo, importante
centro integrativo e o primeiro local onde a informação auditiva pode interagir com o
sistema motor. O colículo inferior é um núcleo de retransmissão obrigatório para a
informação que se segue ao tálamo e ao córtex, no qual são processados aspectos
integrativos adicionais do som, especialmente relevantes para a compreensão da fala e
da música.

A atividade elétrica do sistema auditivo pode ser detectada por meio de


Potenciais Evocados Auditivos (PEA). Os PEAs são alterações da atividade elétrica do
cérebro (ou seja, do eletroencefalograma - EEG), produzido por estímulos
auditivos. PEAs consistem em deflexões (ou ondas) positivas ou negativas sincronizadas
com um estímulo, que produzem modificações no potencial elétrico (sináptico) através
das membranas neuronais no sistema sensorial auditivo.

Os PEAs são classificados como transitórios ou em estado estacionário.


Os PEAs transitórios são vistos quando a taxa de entrega do estímulo é lenta o suficiente
para que a resposta se esgote antes do próximo estímulo. Eles são caracterizados
85
por sua latência (tempo entre o início do estímulo e o PEA) e por sua
amplitude. Respostas transitórias são agrupadas de acordo com sua latência: rápidas (6
a 10 milissegundos), médias (10 a 50 milissegundos), lentas (50 a 250 milissegundos) e
tardias (>250 milissegundos).

Por exemplo, a resposta auditiva de média latência (10–50 milissegundos) é


chamada Auditory Latency Response (AMLR) e é, de longe, o PEA mais
comumente usado para medir o efeito anestésico. Os PEAs em estado estacionário são
vistos quando a taxa de entrega de estímulos é rápida o suficiente para causar
sobreposição das respostas transitórias individuais. Esses PEAs consistem em uma
forma sinusoidal de onda com a mesma frequência da entrega de estímulos. Além disso,
tais PEAs são caracterizados por sua fase (por referência a uma onda senoidal de um
ciclo) e amplitude. A resposta em estado estacionário é evocada por estímulos
entregues a taxas próximas a 40/segundo; logo, essa resposta é denominada 40 Hz
ASSR.

Cenas em que há fala de sílabas e vogais

As palavras e sons falados são interpretados como sons diferentes pelo cérebro
devido às suas diferentes frequências e à captação delas pelo sistema auditivo. As
sílabas humanas consistem em combinações determinadas de períodos de
frequência constante (FC), sequências de frequência modulada (FM), pausas breves e
“explosões” de ruídos.

Como forma de ilustrar, a sílaba “ca” difere de “pa” porque suas varreduras
iniciais em FM desviam para diferentes direções (gráfico). O som “a” longo difere do
“i” longo porque cada um utiliza combinações diferentes de FC.

Foi esse conceito que foi exposto no vídeo, ao mostrar as diferenças do som que
chega ao cérebro ao se falar de sílabas diferentes, como “ca”, “pa”, “ra” e “ga”, e vogais
‘longas’ diferentes, como “a”, “i” e “o”.

Cenas de integração sensitiva auditiva com o sistema motor

86
Os sons de alta frequência (de 3 mil a 8 mil hertz ou mais) em geral ressoam
no cérebro e afetam funções cognitivas, como o raciocínio, a percepção espacial e a
memória. Sons de média frequência (750 a 3 mil hertz), tendem a estimular o coração,
os pulmões e as emoções; e sons baixos (125 e 750 hertz) afetam o movimento
físico. Exemplos usados no vídeo para ilustrar essa concepção: ao ouvir um bom
orador ou cantor, o indivíduo respira mais fundo, seus músculos relaxam e há
liberação de endorfina, o que aumenta o contentamento e a serenidade. Por outro lado,
quando um orador ou cantor ruim se apresenta, essa situação deixa os indivíduos
tensos, dessa forma o corpo se contrai na tentativa de proteger-se dos sons irritantes
ou desagradáveis.

Cenas de discriminação de sons

O sistema auditivo é capaz de identificar diferentes sons devido à


capacidade dele em transformar ondas sonoras em frequências que codificam o som,
que são transmitidas por impulsos nervosos até o cérebro, onde é interpretado. No
vídeo, tal conceito foi ilustrado como a diferenciação de situações apenas por meio dos
sons emitidos por elas. Tal como uma bomba, o som da água de uma cachoeira, o som
de pipoca estourando e o canto dos pássaros. Além disso, há uma cena que
exemplifica a integração polissensorial, pois ao chamar a cachorrinha pelo nome, o
animal foi capaz de ouvi-lo e interpretá-lo, sabendo que aquele som o representava.

REFERÊNCIAS

JORGE NETO,. Voice Design: elementos essenciais da audição humana. Elementos Essenciais da Audição
Humana. 2013. Disponível em: https://admnistradores.com.br/artigos/voice-design-elementos-
essenciais-da-audicao humana. Acesso em: 28 mai. 2020

PLOURDE, G.. Auditory evoked potentials. Best Practice & Research Clinical Anaesthesiology, [s.l.], v. 20,
n. 1, p. 129-139, mar. 2006. Elsevier BV. http://dx.doi.org/10.1016/j.bpa.2005.07.012.

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A audição na vida rotineira
Vídeo indisponível

Eduardo Alves De Fontes


Matheus Silva Brito
Ranieri De Andrade Alves
Os sons têm um contexto muito importante no nosso cotidiano, deciframos o
ambiente ao nosso redor por meio deles, permitindo distinguir suas diferentes fontes,
localizações e distâncias. A audição nos humanos tem evoluído além das funções
estritamente utilitárias de comunicação e sobrevivência, evocando sensações e
emoções provocadas por sons, como por exemplo uma bela sinfonia. É notório que o
processo de escutar é cada vez menos associado às necessidades vitais, enquanto
aspectos comunicativos e lúdicos se tornam mais preponderantes com o avanço da
tecnologia na vida cotidiana. É importante ressaltar também que a audição tem um
importante papel na memória, postura e equilíbrio.

Dentro de nossas casas ouvimos os sons de carros passando na rua, os latidos de


cachorros, os miados, as pessoas falando, o barulho do solado de sapatos ao
caminhar, os barulhos de televisão, os eletrodomésticos, a música, o vento, o balançar
das árvores, os objetos caindo e mais uma variedade de sons que acabam se passando
por simples ruídos.

Podemos agrupar esses sons de acordo com a sua fonte sonora, sendo o primeiro
grupo os sons naturais, ou seja, não produzidos por máquinas ou objetos. Como
exemplos temos o vento e o balançar das árvores. Dentro do subgrupo daqueles
oriundos dos animais temos latidos e miados. Já, aos humanos, cabe a fala e o barulho
do caminhar. Podemos ainda subdividir o grupo dos sons humanos, especialmente
quando nos referimos à fala, que pode indicar emoções, idade e gênero. Em especial
podemos expressar emoções por mudanças no tom de voz e volume. A idade reflete
mudanças também, com a voz de pessoas mais jovens sendo mais agudas, enquanto em
idosos a voz é mais grave. Dentro do gênero também vemos que a voz feminina é mais
aguda e a masculina mais grave.

88
Por mais que seja possível ouvir a maioria dos sons listados a qualquer hora,
alguns se destacam em determinados períodos do dia. O dia, por ser mais agitado,
encobre muitos sons de menor intensidade, que só acabam por serem percebidos à
noite, período mais calmo. Sons como latidos, uivos e miados acabam sendo sons
tipicamente noturnos nas grandes cidades, como a maioria dos sons que não tenham
relação antrópica. Durante o dia imperam os sons de automóveis, equipamentos,
pessoas falando, a maioria sons de alta intensidade.

Após listarmos os sons naturais, abordamos agora os artificiais, iniciando com


aqueles que são produzidos dentro do lar. De cara, temos o som da tv, música, o som
de eletrodomésticos, como por exemplo um liquidificador, ar-condicionado, etc. Fora
de casa os sons mais preponderantes são os dos automóveis ou equipamentos, como,
por exemplo, em uma obra. Quando expostos a esses sons de alta intensidade por
longos períodos pode haver danos e consequente redução da capacidade auditiva,
produzindo também zumbidos, irritabilidade e dores de cabeça.

Ademais, os sons também desempenham um papel emocional e cognitivo. As


áreas corticais, principalmente as circunjacentes (secundárias) ao córtex auditivo
primário, são importantes para nosso sentido musical e para a comunicação vocal, pois
nos permitem reconhecer dois sons da fala como distintos. Essas características,
principalmente relacionadas a fala, se dão pela continuidade e conexão com a área
de Wernicke. Além disso, essa, por ser uma região de integração importante, se
relaciona com regiões límbicas e, logo, participa do processamento das emoções e
memória. Essa capacidade de agregar as informações sonoras nos permite aprender a
linguagem, nossa comunicação com o mundo exterior. Por exemplo, uma criança
aprende a falar ouvindo, e, com o desenvolvimento do aprendizado, relaciona com a
linguagem escrita também. Além desse papel fundamental no desenvolvimento, a
audição desempenha um papel importante no nosso cotidiano: constantemente,
associamos sons a coisas que enxergamos, como, por exemplo, o canto de um
passarinho. Associamos também a cheiros, como, por exemplo, ao ouvir o som de uma
panela de pressão.

89
Como vimos, ouvir tem um significado muito grande no dia a dia e, assim sendo,
a surdez pode ser avassaladora, pois pode afetar o psicológico e as relações sociais.
Muitas vezes, pessoas que perdem a audição se sentem inseguras pois, muitas vezes,
não captam as mudanças no ambiente. Isso porque evoluímos com a audição nos
servindo como um sistema de alerta para perigos ou como ferramenta para a caça, um
exemplo disso é o reflexo de sobressalto acústico. Ele funciona da seguinte maneira: ao
ouvirmos um barulho alto e repentino voltamos nossa atenção para a fonte do som, de
modo que essa ação é potencializada pelo medo. De forma simples, podemos testar a
audição percutindo um banco (grave), usando a voz (médio) ou um apito (agudo), com
a voz podendo emitir os sons graves também e até mesmo substituir o apito pelo
assovio. Assim, começando por um volume mais baixo até um mais alto, podemos
detectar se há alguma perda auditiva verificando o limiar de audição para cada
frequência. Também é possível detectar perdas observando comportamentos como:
atraso na fala, aumento excessivo de volume da televisão ou outros aparelhos de áudio,
dores nos ouvidos ou zumbidos, dificuldades de compreensão. Esses comportamentos
podem ser observados tanto em crianças como em adultos. Essas técnicas, por mais que
sejam boas para levantar suspeitas, não substituem um exame clínico feito por um
profissional.

No ambiente clínico há uma gama de ferramentas que podem auxiliar aos


diagnósticos: é possível utilizar o otoscópio para avaliar a orelha externa ou se há
problemas com membrana timpânica ou a orelha média. Outro exame muito comum é
o de emissões otoacústicas, que consiste na captação de sons provenientes da cóclea
após um estímulo, esse som só é captado em pessoas com as orelhas interna saudável.
Esse exame é realizado em bebês para detectar perdas auditivas cocleares, mas também
pode ser realizado em adultos. Existem também exames que captam os potenciais
evocados no tronco cerebral, através de eletrodos, propiciando resultados mais
robustos do que os da emissão otoacústica, podendo avaliar vias auditivas sendo
ativadas. No entanto, o exame mais comum é a audiometria, que consiste numa fonte
de áudio ligada a fones de ouvido: são transmitidos sons em várias frequências e
intensidades, de acordo com o feedback do paciente é possível identificar se há
quaisquer perdas.

90
Em suma, verificamos o papel importante da audição na vida rotineira e na
percepção das sutilezas do nosso cotidiano. No decorrer da nossa evolução seu papel
foi alterado, mas não perdeu destaque. O som, além do seu sentido físico de onda
sonora, nos transmite sensações que nos permitem rememorar algo da nossa história
pregressa, podendo ter um significado positivo ou negativo, de acordo com as próprias
vivências. Dessa forma, podemos também ter uma dimensão do que é o papel da surdez
para o indivíduo e da diversidade de formas que existem para diagnosticá-la,
especialmente de forma precoce. O tratamento correto para as condições que geram a
surdez, pode, e muito, melhorar a qualidade de vida do indivíduo.

A audição e a história humana


Vídeo indisponível

Betina Franco
Lia Teixeira
Natalia Bonafini
A audição constitui um dos principais meios de percepção do ambiente à nossa
volta. Além de sua função na comunicação - que permite ouvir a fala de outro - por meio
dela somos capazes de identificar ambientes, períodos do dia, pessoas, animais, objetos,
e, ainda, perceber sua distância, movimentação e trajetória.

No ambiente doméstico, por exemplo, utilizando-se somente da audição,


podemos identificar em qual cômodo nos encontramos – ouvimos o som de
eletrodomésticos, da distância e posição em relação aos carros que passam na rua, de
ruídos vindos de janelas etc. Podemos, ainda, identificar a presença de outros
moradores, sua localização e o que fazem.

Em locais públicos, percebemos o ambiente por meio de sons particulares. Se


imaginarmos uma praia, ouvimos sons de ondas quebrando, buzinas de sorveteiros,
crianças brincando, etc. Se imaginamos uma avenida, ouvimos motores de carros, freios
de ônibus, buzinas, pedestres caminhando, etc. A audição é, portanto, uma ferramenta
essencial para nos conectarmos com o meio.

91
Outro aspecto da audição em relação ao meio é o fenômeno da identificação de
vozes. Por meio da percepção de timbre, altura, intensidade e ritmo, somos capazes de
identificar as vozes de familiares, amigos e figuras públicas, permitindo reconhecimento
de pessoas somente com o uso de um sentido.

Tal capacidade de identificar ambientes, situações e pessoas por meio da audição


atrelam esse sentido a emoções e memórias. Por um lado, sons associados a memórias
positivas, como a voz de alguém por quem se tem afeto ou uma música de um momento
especial despertam emoções positivas. Por outro, sons atrelados a situações
traumatizantes, como o som de bombas numa situação de guerra ou o soar do alarme
de emergência de um local, despertam sentimentos negativos, podendo até mesmo
engatilhar um surto em indivíduos acometidos pelo estresse pós-traumático, um
transtorno que consiste em reações disfuncionais intensas e desagradáveis que têm
início após um evento extremamente traumático.

A conexão entre audição e memória é utilizada, ainda, para facilitar o


aprendizado e a memorização no âmbito escolar. Além de seu papel essencial no
desenvolvimento da fala, a audição pode ser usada como ferramenta pedagógica para
estudantes de todas as idades. No caso de crianças, canções são usadas na abordagem
de diversos temas, entre eles cores, animais, partes do corpo, dias da semana, meses do
ano, fonemas, etc. (até a fase adulta muitos ainda se lembram de “cabeça, ombro,
joelho e pé”, aprendido na escola para memorização das partes do corpo). Já no caso de
adolescentes, utilizam-se mnemônicos para memorização de fórmulas matemáticas,
características de diferentes espécies animais, estados e capitais, etc. Quando
pensamos em professores de física ou matemática de nosso ensino médio, vem à
memória “YoYô, Mixoxô!” ( y – yo = m (x – xo)), “sorvetão” (S = so + ( vo . t) 2 + a. t2) e
outras frases cômicas que aprendemos para memorizar fórmulas.

Outro fenômeno interessante relacionado a audição é a música. Como


sociedade, a música é um fator sempre presente e repleto de significados. Na época do
Profeta Muhammad, por exemplo, cada religião havia desenvolvido uma maneira de
chamar os seus seguidores para o momento do culto; os Judeus utilizavam uma corneta,
os budistas uma trombeta, os cristãos os sinos de suas igrejas e os islâmicos o “Adhan”,

92
nome dado ao chamado para o início das orações dos muçulmanos. Além do aspecto
religioso, há músicas comerciais, que movimentam uma indústria bilionária; há a música
como publicidade, popularizada nos “jingles” de comerciais (poucos não se lembram de
“dois hambúrgueres, alface, queijo, molho especial, cebola, picles, num pão com
gergelim”). Enfim, a música é um fator intrínseco à história humana.

Conclui-se que a audição é um sentido complexo e único, que, externamente,


eleva nosso nível de conexão e percepção do meio e, internamente, nos desperta
memórias, desencadeia emoções, afeta nossa espiritualidade, enfim, desencadeia
diversos fenômenos.

A importância da musicalidade
Vídeo disponível neste hiperlink

Gustavo Alves Carvalho


Gustavo Garcia de Carvalho
João Gabriel Porto de Oliveira Mattos Carvalho
A produção e a apreciação musical são atividades humanas naturais, presentes
em todas as sociedades e representam umas das atividades cognitivas mais complexas
que a nossa mente pode realizar. Na maioria das culturas, a música possui um
importante papel social cotidiano, uma vez que é uma expressão da essência e da nossa
espiritualidade. Seu desenvolvimento ao longo da história humana foi concomitante ao
da linguagem, sendo uma alternativa de expressar-se. Darwin, por exemplo, considerava
que a música estava envolvida na seleção sexual dos hominídeos.

Assim, ao considerarmos o contexto atual, vivemos numa sociedade em que a


comunicação se estabelece cada vez mais rápido e de forma universal. No entanto, há
uma desorganização generalizada que acarreta uma dissonância entre a mensagem e o
significado. Nesse sentido, a música persiste e destaca-se como uma alternativa mais
precisa de externalizar o subjetivo em meio ao caos do mundo moderno.

Diversas áreas do cérebro são recrutadas e coordenadas para a realização de


atividades musicais, tal processo é chamado de sequência hierarquicamente

93
estruturada. O movimento preciso requerido pelas performances musicais é
minuciosamente coordenado por sistemas de feedback de diversas partes do corpo,
alguns exemplos: o córtex auditivo, que está relacionado com o reconhecimento da
melodia e de sons simultâneos; o córtex frontal, relacionado com a integração motor-
auditiva; e o córtex somatossensorial, relacionado com o controle fino dos dedos ao
tocar um instrumento e com o controle de movimentos balísticos. Além disso, estudos
apontam para uma relação entre o treinamento musical e o desenvolvimento de regiões
do cérebro específicas, por vias de neuroplasticidade.

Um dos mais importantes aspectos da música no cérebro humano é a sua relação


com as emoções, isto é, com o sistema límbico. Já na Antiguidade, Platão considerava
que a música tocada de diferentes formas era capaz de provocar diferentes emoções.
Esta constatação pode ser observada no fato de que a maioria das culturas
desenvolveram sua expressão musical a partir de harmonias que provocam sentimentos
de euforia (os acordes maiores) e outras que provocam tristeza (os acordes menores).
Grandes nomes da música foram capazes de desenvolver esse aspecto da música com
maestria, como é o caso dos concertos “As Quatro Estações”, de Vivaldi, e “Hallelujah”,
de Leonard Cohen, mais recentemente. A partir da óptica dos estudos neurológicos, as
respostas emocionais à música podem estar relacionadas a dois sistemas: i) um processo
que envolve a rede límbica e um processo baseado na experiência que está relacionado
com o a rede frontoparietal esquerda, envolvendo o sistema de neurônios em
“espelho”; ii) sistemas de memória que relacionam a musicalidade com sentimentos já
experienciados.

Isto dito, podemos notar que, no atual contexto da pandemia, a música surge
tanto como um subterfúgio introspectivo, quanto como uma forma intrínseca de
expressar a angústia e a incerteza desse período. No vídeo, faço um cover da linha de
baixo da canção “Can’t Stop” (2002), do grupo californiano Red Hot Chilli Peppers. No
início da faixa, cria-se uma escalada nos instrumentos que engendra um sentimento de
expectativa, que logo atinge seu ápice do riff da guitarra. O ritmo violento da voz e as
notas bem-marcadas do baixo e da bateria criam um ambiente de dureza, o que está
relacionado com a vida urbana nas ruas de Los Angeles – tema principal desta e de
outras canções do grupo. Por fim, no final do vídeo, temos o refrão da música que cria

94
um ambiente onírico e de leveza, em contraste com o da estrofe anterior, talvez como
uma alusão ao uso de drogas alucinógenas como uma válvula de escape da aspereza do
cotidiano urbano (“The world I love / The tears I drop / To be part of /
The wave, can’t stop / Ever wonder if it’s all for you?”). Há ainda a apresentação de
parte do clipe oficial da música, que nada mais é do que uma representação visual do
sentimento da música pela banda.

As Aventuras de Jojo parte 1 - Jojo e os


sentidos
Vídeo disponível neste hiperlink

Felipe Reis
Karen Vaz Henriques Kawase
Letícia Yumi Okamura
A audição é uma parte crucial de nossa vida consciente. Quando não podemos
ver um objeto, podemos frequentemente detectar sua presença, identificar sua origem
e até mesmo receber uma mensagem sua, exatamente por podermos ouvi-lo. Além
disso, também, somos capazes de perceber e interpretar suas nuances. O som possui
capacidade de ativar outras áreas corticais, evocando, por exemplo, memórias e
emoções, devido à sua associação com o sistema límbico.

Associada ao som, temos a integração polissensorial como um importante


mecanismo na nossa percepção do ambiente, em que todos os sentidos convergem para
que percebamos o mundo. E todas essas sensações e respostas a esses estímulos são
feitas por meio de potenciais de ação, que é a linguagem usada pelo sistema nervoso
para a comunicação interneuronal e intercelular. Então, o estímulo captado pelos
receptores, segue (transformado em sinal elétrico), por tratos e vias até
as eferências que gerarão as respostas a eles. Assim, os sentidos podem atuar como
uma ponte para o passado, podendo ser um caminho para o descanso mais rápido, ou
para o pânico e medo frente a um gatilho. Como tudo isso é influenciado pelo nosso
estado emocional acaba havendo interferência direta na nossa percepção.

95
Nesse sentido, para tratar de neurofisiologia da audição é fundamental ter uma
conceituação de como é o som, que é o estímulo da via. Os sons são variações audíveis
na pressão do ar. A frequência do som é o número de trechos de ar comprimidos ou
rarefeitos que atingem os nossos ouvidos a cada segundo. A intensidade de som
determina o volume que nós percebemos. Por exemplo, sons altos, ou de maior volume,
têm maiores intensidades, que são captados pelo pavilhão da orelha ou aurícula.

Após sua captação, o som chega à membrana timpânica, que é conectada à uma
série de ossos –ouvido médio-, conhecidos como ossículos (martelo, bigorna, estribo,
respectivamente de externo para interno), que são localizados em uma pequena câmara
preenchida de ar. Eles transferem os movimentos da membrana timpânica para uma
segunda membrana que cobre um orifício no osso do crânio, chamado de janela oval.
Os ossículos são importantes na amplificação da pressão exercida pelo som.

Atrás da janela oval, está a cóclea que é preenchida por fluido e que contém o
mecanismo que transforma o movimento físico da membrana da janela oval em uma
resposta neural. Essa captação do estímulo se dá pelo órgão de Corti, que se encontra
apoiado na membrana basilar. Ele possui neurônios receptores auditivos (células ciliadas
externas e internas) sendo que a deflexão de seus estereocílios gera o sinal neural,
despolarizando ou hiperpolarizando as células dependendo da direção em que se
deslocam. Assim, modifica-se a forma como proteínas motoras agem, abrindo ou
ocluindo mais canais iônicos (primeiro de potássio, e depois de cálcio, e, então a possível
liberação de neurotransmissores).

A informação, então, é levada pelos axônios dessas células até o gânglio espiral,
e dele até o nervo vestíbulo-coclear se projetando aos núcleos cocleares (dorsal e
ventral ipsilaterais à cóclea, de onde os axônios se originam) no tronco encefálico, no
bulbo. A partir daí, eles projetam seus axônios à oliva superior de ambos os lados do
tronco encefálico. Depois, ascendem pelo lemnisco lateral e inervam o colículo inferior
no mesencéfalo. Muitos axônios eferentes do núcleo coclear dorsal seguem por uma
rota similar à via do núcleo coclear ventral, mas a via dorsal segue diretamente, sem
parar na oliva superior. Todas as vias auditivas ascendentes convergem para
o colículo inferior. Os neurônios do colículo inferior enviam seus axônios ao núcleo

96
geniculado medial (NGM) do tálamo, o qual projeta-se ao córtex auditivo primário –A1,
no lobo temporal. Nele, o som (já decodificado nas vias caudais) será processado e
entendido (percepção consciente). Somado a isso, estruturas secundárias que se
conectam com o córtex associativo, como a área de Wernicke, servem de link para a
palavra ouvida e a palavra falada. E, determinam a percepção artística e emocional dos
caráteres do som, como o apreciar de uma música que evoca sentimentos, graças às
relações do córtex auditivo com o córtex límbico, atuando na modulação do processo
auditivo.

Outro conceito válido de mencionar, é o da tonopia. Ela acontece pelas


características estruturais da membrana basilar. Ela é cerca de 5 vezes mais larga no
ápice do que na base. Já a rigidez da membrana diminui da base em direção ao ápice,
com a base sendo aproximadamente 100 vezes mais rígida. Isso permite que haja
respostas diferentes ao som. A distância que a onda percorre na membrana basilar
depende da frequência do som. Se a frequência for alta, a base mais rígida da membrana
vibrará muito, dissipando a maior parte da energia, o que faz a onda não propagar para
muito longe. Já sons de baixa frequência, geram ondas que se propagarão até o ápice
flexível da membrana antes que a maior parte da energia tenha se dissipado. Assim, há
um código de localização, pelo qual diferentes posições da membrana estão deformadas
ao máximo para as diferentes frequências de som, formando um mapa tonotópico. Por
essa detecção/processamento diferente dos neurônios localizados na membrana basilar
é possível identificar frequências similares. Quanto mais intenso é o estímulo, mais
despolarizada ou hiperpolarizada é a membrana das células ciliadas ativadas.

Uma situação que parece paradoxal é que em nossos sentidos, não há irradiação
de luz pela retina, ou emissão de algum odor no sistema olfatório, porém nossos ouvidos
podem definitivamente gerar sons, de fato a contração das células ciliadas que pode ser
detectada por microfones de alta impedância: são as emissões otoacústicas, úteis no
diagnóstico de função auditiva. Pode haver lesão na cóclea devido à exposição a sons
extremamente altos (quando ficamos dançando perto da caixa de som, por exemplo) ou
devido ao uso de drogas ou doenças, pode-se ocasionar perda auditiva que se manifesta
como um zumbido (tinido auditivo). Nesse caso, a hiperatividade compensatória
produzida pela resposta à lesão pode gerar efeitos deletérios.

97
Ainda com relação às lesões, quando temos um comprometimento dos núcleos
auditivos no tronco encefálico, com exceção dos núcleos cocleares (que recebem
aferência de ambos os ouvidos), temos comprometimento da audição em ambos os
ouvidos. Para surdez unilateral, temos que ter a lesão nos núcleos cocleares.

Em nosso vídeo, procuramos fazer uma comparação de estímulos do


período pré e pós quarentena, em decorrência da pandemia do coronavírus. Há
estímulos que permanecem os mesmos, como o despertador que interrompe o nosso
sono para a continuidade da rotina, independente da quarentena ou não. E sons que
são extremamente característicos desse momento histórico, como “o som do silêncio”
e a diminuição do fluxo de carros e pessoas quando comparados ao momento em que a
aglomeração era a regra, e não a exceção.

Outro ponto abordado pelo vídeo é a integração das vias sensoriais, já que tanto
a audição, quanto o olfato, a gustação e o próprio tato impactam na maneira como
percebemos o mundo. Os sentidos nos dão a percepção dos estímulos do mundo
externo, mas também fazem conexão com nosso mundo interno, nossas experiências
passadas, nossos aprendizados e nossas memórias.

Tudo isso faz com que haja a evocação de sentimentos e emoções que podem
nos fazer transcender nossa atual realidade, e achar momentos de paz, em meio ao
caos.

Música e memória
Vídeo disponível neste hiperlink

César Calil Dayrell Martins Lopes Baratto


Daniel Henrique dos Santos Moura
Kaue Henrique lino
A música apresenta diversas propriedades, que vão além do conhecimento
científico atual. Ela possui características intrínsecas, como melodia e ritmo, que dão um
aspecto único a cada uma. Desde que os humanos têm autoconsciência de sua
existência, eles fazem músicas como forma de socializar, celebrar, ritualizar e expressar

98
seu inconsciente. Cada uma delas está ligada às memórias, às emoções e aos
aprendizados. Interessantemente, todas essas características ocorreram e ocorrem de
modo espontâneo, em diferentes grupos e tribos, até nos mais isolados. Isso deixa claro,
que a música não é um fenômeno/construção social aleatório que surgiu em algum
momento da história, ela faz parte da essência humana. Tal como essência e complexa
que é (em mesmas medidas), a música ainda possui muitos mistérios, quanto às suas
interações e importância no cérebro.

Do nervo auditivo até as aferências talâmicas, os sons são processados em seus


aspectos mais técnicos, primitivos e básicos, como diferenciação temporal, integração
dos sons bilateralmente, processamento da intensidade sonora entre outros. A partir do
tálamo, mais especificamente do núcleo geniculado medial (NGM), são
emitidas eferências ao córtex auditivo e áreas associativas/integradoras. É nessa região
que ocorrem as interpretações mais subjetivas dos sons e sua associação com outros
sentidos e informações cerebrais.

O que isso implica no ato de ouvir música? Essas interações com outros sentidos
permitem interpretações diferentes e altamente plásticas. Se você estiver sentindo uma
emoção específica com alta intensidade quando ouve determinada música pelas
primeiras vezes, você apresentará altas probabilidades de que quando ouvir
futuramente a mesma música, sentir as mesmas emoções e lembrar dos eventos que
lhe levaram a essas emoções. A plasticidade disso tudo está no fato de que não são
processos necessariamente definitivos. Experiências posteriores repetidas e/ou de
carga emocional maior que a situação inicial podem alterar sua percepção acerca dessa
música. Outro aspecto importante de ser citado na experiência musical é que nosso
cérebro não só caracteriza uma música entre “gostar” e “não gostar” ou “deixar feliz” e
“deixar triste”, mas também avalia ela segundo seu contexto atual. Isso se evidencia
muito em estilos musicais mais tristes e melancólicos, que, ainda assim, são apreciados
em alguns momentos e situações da vida. Também é válido para estilos animados e
felizes, os quais não são necessariamente os mais desejados em todos os
momentos. Esse conjunto de variáveis mostra parte da complexidade subjetiva que é a
música no cérebro humano.

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Até agora evidenciou-se a capacidade do contexto e ambiente influenciarem a
percepção e interpretação que se dá a música. Entretanto, o processo inverso também
ocorre e é muitas vezes utilizado de modo consciente por nós. Ouvir músicas que nos
agradam pode alterar nossas sensações e emoções de uma situação geralmente
estressante e/ou desagradável. Isso permite que contextos desagradáveis se tornem
melhores e por vezes até agradáveis, apenas pelo fato de se estar ouvindo uma música
em específico. Analogamente, momentos inicialmente aprazíveis podem adquirir
aspecto negativo, caso músicas desagradáveis sejam ouvidas nesse momento.

Vale ressaltar que o ambiente, influenciando a percepção e vice-versa, são


processos que ocorrem concomitantemente. A predominância de um ou outro sobre
aquele momento depende do “peso” que a carga emocional e a percepção prévia da
música têm sobre o indivíduo. Se aquela situação estiver atrelada a grande carga
emocional, certamente essas emoções vão predominar naquele momento, mesmo que
sejam minimamente alteradas pela música. O contrário também é válido, uma música
muito importante durante algum momento da vida vai acarretar emoções de modo mais
intenso que o contexto vivenciado naquele instante. Assim, esses sistemas de feedback
não seguem ideias de tudo ou nada, pois a sensação sentida no momento é resultado
de contribuições da percepção propriamente musical e do contexto situacional, cada
um exercendo suas influências com pesos diferentes, caso a caso.

Por último, vale ressaltar que, quando se cita o “contexto do momento”,


entende-se por percepção olfativa, gustativa, visual, somestésica e pensamentos que
tenham surgido naqueles instantes, sendo cada uma dessas habilidades associadas às
aferências auditivas, cada qual em sua respectiva região cortical. O conjunto total dessas
aferências e associações de informações vai resultar num estado final, podendo ser
sentido/percebido pelo “eu consciente”. Esse resultado possivelmente vai gerar
respostas específicas, como choro, sorriso, vontade de dançar entre outras expressões
humanas. Além disso, é importante ter em mente que toda a informação do ambiente
que chega ao Sistema Nervoso (input) resulta numa resposta do mesmo ao ambiente
(output) e são nessas bases conceituais que se estruturam o funcionamento cerebral:
uma resposta simples ou complexa a um conjunto de informações que chegam a ele
pelos diversos sentidos.

100
Os meios e as percepções do som
Vídeo disponível neste hiperlink

Joara Adão de Oliveira


Luana Queiroz Ferreira
Nicole Merino Carneiro
A partir da atividade proposta, nos debruçamos sobre as cenas dos nossos
cotidianos de modo a refletir sobre a importância da audição. Não foi preciso muita
observação para perceber o impacto desse sentido no nosso dia a dia. Em geral, nós
vivemos em piloto-automático, o que é ótimo, porque caso contrário teríamos que
pensar e tomar consciência de todas as nossas ações e de todos os estímulos que nos
envolvem - entre eles os auditivos - o tempo todo. No entanto, ao se acostumar com os
sentidos plenamente desenvolvidos e funcionais, não conseguimos imaginar o que seria
perdê-los moderada ou profundamente em algum ponto da vida.

Nesse sentido, as causas mais comuns de perda auditiva são idade ou sobre-
exposição ao ruído alto. Porém, ela também pode ser causada por infecção, perfuração
do tímpano, ferimento na cabeça, tratamentos contra o câncer ou efeito colateral de
certas drogas, neuro ou ototóxicas.

Contudo, para compreender melhor os processos de audição e perda auditiva é


preciso entender como a onda sonora é processada. Essa onda é uma onda mecânica
longitudinal que movimenta as partículas do ar de acordo com a vibração que a originou.
Isso gera trechos de condensação e rarefação das moléculas. A audição se inicia com a
captura da energia sonora pelo ouvido: o som entra pelo meato acústico externo,
pressiona o tímpano que move os ossículos. O movimento deles promove
movimentação do líquido (peri e endolinfa), que permite a captação da onda pelas
células ciliadas internas e externas.

A maior parte dos sons que ouvimos representam a sobreposição de diversas


ondas sonoras simultâneas. A cóclea separa os conjuntos de ondas de diferentes
frequências para compreender o som: cada uma de suas porções percebe frequências

101
distintas, o que é denominado tonotopia. No ápice, a membrana basilar analisa baixas
frequências e, na base, analisa altas frequências.

A frequência de uma onda equivale ao número de ciclos


(condensação/rarefação) dentro de um segundo. O ouvido humano idealmente percebe
sons entre as frequências de 20 Hz a 20 kHz, mas essa faixa de audição pode ser
diminuída ou anulada - é o que tentamos demonstrar no vídeo.

O órgão de Corti é o órgão primário da audição. As oscilações da membrana


basilar decorrentes do movimento da endolinfa provocam movimento da
membrana tectorial e dos estereocílios. Assim, o movimento deles em direção ao cílio
maior é excitatório, provocando escuta. E, o movimento contrário ao cílio maior é
inibitório, não provocando escuta.

Entre os cílios há proteínas que participam da abertura de canais (entrada de íons


K+ e Ca2+) que levam à transdução do sinal de mecânico para elétrico. Entretanto, após
deflexão, os canais são movidos por uma miosina na membrana e se fecham, o
que repolariza ou hiperpolariza a célula, de maneira cíclica. O retorno ao repouso
depende da saída dos íons, o que é feito por bombas sensíveis à voltagem. Isso
caracteriza o sistema de ressonância eletroquímica que excita as células pelo influxo de
íons e depois recompõe/repolariza pela remoção dos mesmos.

Dessa forma, quando ocorre a despolarização das células ciliares, elas se


contraem (som detectado das otoemissões acústicas) e isso sinaliza para o dendrito do
neurônio pseudounipolar do gânglio espiral. As fibras que chegam neste gânglio seguem
para os núcleos cocleares e, então, se dirigem para a oliva superior, etc. As fibras que
inervam as células ciliares internas e externas correspondem à porção aferente do
nervo vestibulococlear.

Além disso, as células recebem fibras do feixe olivococlear que regulam a


percepção do som: se um som será percebido, e com que sensibilidade. Sendo assim, a
via eferente regula a percepção, gerando a atenção seletiva, enquanto a aferente
transporta a sensibilidade para o córtex.

102
O sistema auditivo se articula com os sistemas límbico e de memória no córtex
permitindo a formação de memórias afetivas em relação aos sons. Ele ganha muita
complexidade conforme permite compreendermos vários tipos de sons e distinguirmos
os significados dos discursos.

Existe um “mapa” constante entre todas as pessoas que representa o caminho


dos estímulos pela via auditiva (“assinatura da via” a estímulos programados e
conhecidos). Esses potenciais podem ser captados com uso de eletrodos na superfície
do escalpo, sendo um tipo de análise interessante para observar se existe algum tipo de
lesão na via relacionada com perda auditiva, podemos ter lesões cocleares, corticais etc.
Exames de fluxo sanguíneo também podem ser utilizados para detectar modificações
desses mapas.

A perda auditiva pode ser causada por problemas na orelha externa e média
(condutiva) ou por células ou fibras danificadas no ouvido interno (neurossensorial). Ou
pode ser uma combinação de ambos (mista). A condição pode ser tratada e passageira
ou permanente.

Nossa sensibilidade para sons de altas frequências decresce gradualmente por


toda a vida. Haja vista que os humanos não têm regeneração de células ciliares da cóclea
e há desgaste ao longo da vida. A idade, portanto, é um fator importante no processo
de perda auditiva. Por exemplo, adultos com mais de 50 anos, sobretudo homens, têm
dificuldades em ouvir sons com frequências superiores a 12.000 Hz. Como tentamos
encenar no vídeo: o chamamento à distância da neta foi ouvido com clareza apenas pela
mãe enquanto a avó apresentava perda auditiva e necessitava de volumes maiores para
conseguir captar as informações sensoriais do meio.

Também, diversos estudos recentes apontam para a perda de audição entre os


jovens, decorrente do uso incorreto de tecnologias de áudio, como os fones de ouvido.
Imaginamos, com pesar, a possibilidade de deixar de experimentar sons comuns do dia
a dia, de ouvir o canto de um pássaro, o beep do micro-ondas, ou o som do barulho da
chuva.

103
Dessa forma, para complementar essa reflexão buscamos relatos de pessoas
com perdas auditivas pós-natais e pós-linguais (que já tinham a linguagem desenvolvida
antes da perda) de moderadas a profundas. O objetivo era tentar compreender melhor
como foi a alteração da percepção do mundo a partir desse ponto de vista, como seria
viver sem os muitos sons com os quais lidamos no nosso dia a dia.

Os impactos da surdez se correlacionam diretamente com o momento em que


esta perda se estabeleceu. A literatura destaca que a pessoa ensurdecida desenvolve
alterações muito importantes e marcadas na esfera psicológica, já que toda a sua
dinâmica de comunicação já estava constituída.

Assim, na nossa busca por relatos, um dos que mais nos chamou atenção foi o
da Mary H. Heiner, que foi presidente do Centro de Audição e de Dicção de Cleveland,
EUA: “Quando os nossos ouvidos passaram quase 19 anos empenhados em trazer-nos o
mundo do som, a ausência abrupta dessa parte da consciência é tão espantosa, tão
desnorteante e tão apavorante que não é possível resumi-la nessa única palavra: surda.
Fui dormir em um mundo sólido, cheio de som e acordei num silêncio tão amortecido e
arrasador quanto a neve profunda do campo.” (COSTA, 1999). Nele, a mulher que
sofreu perda auditiva na juventude destaca a importância dos ruídos de fundo que,
normalmente, não produzem reação em nós ouvintes desde o nascimento, mas, quando
extintos, deram-lhe, inicialmente, uma sensação de ausência de vida.

Contudo, como nosso espaço é polissensorial, a interpretação do meio interno e


externo depende de múltiplos estímulos. A adaptação à nova condição permite
construir o universo a partir das outras formas de percepção (visão, olfato, tato e
paladar).

REFERÊNCIA

COSTA, S. S. Audiçäo, comunicaçäo e linguagem: um convite à reflexäo. Rev. HCPA & Fac. Med. Univ.
Fed. Rio Gd. do Sul, v. 19, n. 2, p. 147–66, 1999.

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Sons do cotidiano
Vídeo indisponível

Júlio da Paz
Lucas Yuya Oki
Lucas Odon
O sistema auditivo consiste em um dos mais importantes do ser humano. Nesse
vídeo, mostramos uma série de estímulos diferentes que são capazes de ativá-lo, e
também, como tal estimulação ocorre. A audição é uma ferramenta importante
do sistema de defesa, podemos usá-la, assim como os animais, para detectar
predadores. O barulho de alguém se aproximando até hoje é um reflexo natural de
defesa, que nos desperta para ficarmos atentos diante de uma possível ameaça. No
vídeo, aparecem sons naturais produzidos por um cachorro e uma calopsita; assim como
sons artificiais, os quais são produzidos por equipamentos que usamos no nosso
cotidiano, como o teclado de um computador, uma impressora e uma TV.

Para entender de forma mais detalhada como diferenciamos essas variadas


fontes de som, o processamento dos estímulos sonoros percorre uma via específica até
o córtex cerebral. Os estímulos sonoros chegam primeiro à orelha externa, onde ocorre
a amplificação das ondas até a orelha média. Nessa parte, as ondas sonoras movem a
membrana timpânica, a qual por sua vez move os ossículos (martelo, bigorna e estribo),
que conduzem as vibrações sonoras para a orelha interna. Na orelha interna, por sua
vez, ocorre a transdução mecanoelétrica dos estímulos sonoros. Isso ocorre por meio
de estereocílios, células ciliadas que realizam a transdução dessas ondas em potenciais
elétricos. As células ciliadas estimulam fibras nervosas do gânglio espiral de Corti. Tais
fibras adentram os núcleos cocleares dorsal e ventral no bulbo via VIII par craniano.
Nesses núcleos, todos os neurônios fazem sinapse e alguns passam para o lado oposto
do bulbo. Sobem então para o núcleo olivar superior na ponte, por onde continuam, via
lemnisco lateral, para o colículo inferior, realizando outra sinapse. A partir disso, a via
passa para o núcleo geniculado medial, do tálamo, onde há nova sinapse. Então, via
radiação auditiva, as fibras seguem para o córtex auditivo, onde ocorre o
processamento e percepção consciente.

105
No vídeo gravado, entre os sons humanos, eu gravei parte da fala da
apresentadora de um canal de notícias. Trata-se da voz de uma mulher que aparenta já
ter uma idade avançada, e por estar em um canal de televisão, ela utiliza uma linguagem
de acordo com a norma culta. A função da fala nesse caso é muito importante, uma vez
que se trata de um canal de comunicação que transmite notícias para a população. Para
ouvirmos e detectarmos a mensagem, o som deve estar adequado de acordo com um
nível mínimo para que todos sejam capazes de ouvir. Para medir a audição das pessoas
que convivem comigo eu tentaria pedir para alguém falar cada vez mais baixo uma frase
até o nível em que eu não possa mais ouvir. Ou então tentaria um aplicativo de celular
que pudesse me ajudar nesse experimento. Por fim, eu estabeleceria comparações
entre cada pessoa da casa. Mas ainda assim, seria um método muito impreciso. Existem
técnicas avançadas para medir o funcionamento do sistema auditivo, por exemplo,
a promediação, uma técnica que isola os potenciais evocados, os quais são potenciais
elétricos registrados depois de um estímulo. Para isolar esses potenciais, calcula-se a
média da atividade cerebral por um período, a fim de evitar outras ondas que não as
evocadas.

Além disso, nesse vídeo também podemos tentar estabelecer uma relação com
a integração polissensorial. Podemos citar outros sistemas que compartilham áreas
associativas espalhadas pelo córtex. No vídeo da apresentadora, por exemplo, além da
audição, a visão fornece um entendimento maior da comunicação que não se restringe
apenas à audição. Por meio do vídeo, podemos ver a feição corporal, a expressão no
rosto da apresentadora e tentar até mesmo entender a fala pelos lábios estarem se
movendo. Essa integração facilita a compreensão.

No vídeo em que aparece uma calopsita, conseguimos ouvir o barulho emitido


por ela mesmo estando com a janela aberta de uma grande cidade como São Paulo, em
que durante o dia há muito barulho na rua. Isso é possível graças à atenção
seletiva. Nesse mecanismo, eferências corticais chegam às células ciliadas da cóclea e
modulam a entrada e a transdução do som. Assim, é possível focar em uma fonte
sonora, limitando a interferência de outras fontes simultâneas. Em grandes cidades
como São Paulo, o grande tráfego de veículos e o elevado número de obras e
construções durante o dia produz barulhos que acabam mascarando alguns sons

106
naturais. Durante a noite, o silêncio nos permite ouvir melhor e reparar em sons que
muitas vezes passam despercebidos durante o dia. Isso também ocorre com barulhos
artificiais, os quais são potenciados durante a noite devido ao silêncio. O barulho de
apenas um carro ou moto que passa na rua durante a noite também pode ser
distinguido, ao contrário do que acontece durante o dia, quando o tráfego de veículos é
grande.

Para distinguir os sons, podemos pensar em duas características: a frequência,


que denota se um som é agudo ou grave, e a amplitude, relativa ao volume. A explicação
para isso é que o núcleo olivar superior é dividido em núcleo olivar superior medial, o
qual percebe diferenças de frequência, e núcleo olivar superior lateral, que constata
diferenças de intensidade sonora. Por meio da tonotopia, verificamos que cada local da
membrana basilar é capaz de vibrar a uma frequência específica de vibração do som. Da
mesma forma, os campos receptivos auditivos no córtex cerebral são ativados por
frequências específicas. Já a maior intensidade do som é detectada por uma vibração
com amplitude maior pela membrana basilar, de forma que as células ciliadas excitam
as terminações nervosas com frequência maior. Além disso, com o aumento da
intensidade, maior número de células ciliadas são estimuladas, ocorrendo somação
espacial. Outro ponto importante são os impactos negativos do uso prolongado de fones
de ouvido para ouvir músicas em um volume alto, que podem causar lesões no aparelho
e perda na capacidade auditiva.

Em um dos trechos do vídeo, eu mostro uma música que escuto durante a


realização de exercícios físicos, o que me ajuda a me manter motivado durante o
treino. Essa música é capaz de evocar memórias marcantes em mim, pois eu sempre
a ouço antes de jogos importantes da Faculdade. Entretanto, para outras pessoas da
minha casa, essa música pode não remeter a nenhuma memória. Isso ocorre devido à
conexão entre o córtex auditivo e as estruturas encefálicas associadas à memória e aos
sentimentos, fazendo com que estímulos sonoros específicos possam evocar memórias
e trazer determinados sentimentos à tona.

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Memória através do som
Vídeo indisponível

Letícia Villela de Castro


Taís Delazari de Carvalho
Yasmin dos Anjos Rodrigues
Há registros da existência da música desde a pré-história, em que se acredita que
a música era utilizada como forma de pedidos aos deuses, por meio da imitação dos
sons da natureza e do corpo. Na Antiguidade, a música era utilizada tanto para a
comunicação com os deuses, quanto com o povo, e começou a ser empregada nos
teatros e nas danças. Os romanos cantavam hinos com as vitórias conquistadas nas
guerras, enquanto os chineses já começavam a utilizar a música como forma de
identidade e de personalizar momentos históricos. Na Idade média, apesar das
restrições impostas pela Igreja, houve grande desenvolvimento e popularização da
música, por meio da criação das notas musicais e do surgimento dos trovadores. No
Renascimento, começaram a surgir músicas desvinculadas dos conceitos religiosos.
Toda a elegância e o equilíbrio que o Classicismo buscava foi rompido no Romantismo,
em que as músicas eram utilizadas como forma de expressão de sentimentos. A partir
do século XX, a música ganhou inúmeros gêneros e foi intensamente popularizada pelos
meios de comunicação emergentes.

Hoje a música possui todas essas propriedades desenvolvidas ao longo da


história: é utilizada para comunicação, tanto espiritual quanto com a população, como
forma de registro de um momento e de uma era, como forma de expressão de emoções
e ainda como forma de promover reflexão na população. Para isso, é necessário que o
sistema auditivo, responsável pela captação das ondas sonoras, relacione-se com outras
estruturas neurais ligadas às sensações (sistema sensorial), às emoções e às lembranças
(sistema límbico), as quais acompanham a experiência musical.

Pensando em como as músicas podem despertar sentimentos e recordações,


escolhemos algumas canções que nos remetem a diferentes experiências sensoriais e
límbicas sobre a infância e experiências pessoais, com o objetivo de analisar justamente
a integração que a maquinaria humana é capaz de realizar:

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Taís- Mil poemas: Sempre que escuto essa música me lembro do mar e da
viagem que fiz para a Bahia, primeiro porque a música fala sobre isso “navegarei, vou
navegar, sei ser marinheiro sei seguir estrelas” (capacidade de interpretar a palavra
ouvida pela área de Wernicke, o centro sensorial da linguagem); e segundo porque
escutei essa música várias vezes enquanto arrumava a mala para viajar para Porto
Seguro, uma viagem que foi muito alegre e prazerosa, feita em família (associação da
música à lembrança). Assim, sempre me sinto muito feliz e em tranquilidade quando
escuto essa música. Por vezes, além de me recordar da viagem e da paisagem do mar,
consigo sentir o cheiro do mar, com um grande frescor produzido pela brisa, como
costumava ser nos dias em que estive na praia.

Leticia- Serenata: Certo dia, estando na casa do meu namorado, já em época de


quarentena, deparo-me com uma cena comovente: um casal de idosos completou 60
anos de casados (bodas de diamantes); não podendo entrar em contato com pessoas
(são bem idosos, fazendo parte do grupo de risco que essencialmente precisa ficar
isolado), a família presenteia os idosos com uma serenata para efetivar a comemoração
da data tão especial. Ao som da serenata, o casal de idosos dança a música, apaixonado.
Dessa forma, é possível analisar o quanto uma música/canção pode estar associada a
sentimentos e, assim, com o campo emocional.

Yasmin- Oração ao Tempo: A experiência dessa música me remonta aos meus


tempos de criança, em que as coisas passavam de uma forma tranquila, menos
assustadoras, por assim dizer. Durante os minutos que passam, me vem à mente como
amadurecer fez o tempo passar mais rápido; em algum momento, os segundos
passaram a valer mais durando menos, e cada um deles era parecia perdido, mesmo
quando pensava ter feito de tudo para aproveitá-los. As palavras penetram meus
ouvidos e trazem tudo isso à tona, configurando a capacidade de não só escutar, mas
também entender, que é de responsabilidade da área de Broca.

A capacidade de ouvir as músicas e conseguir relacioná-las com experiências


depende de uma série de eventos. Além disso, o processo de audição é importante para
a comunicação entre as pessoas, como acontece no vídeo entre as irmãs e para

109
introduzir a serenata. A capacidade de interpretar a palavra falada é realizada na área
de Wernicke.

Com relação à audição, as ondas sonoras produzem vibrações no ar (são ondas


longitudinais e mecânicas, necessitando de um meio material para se propagarem), que
movimentam a membrana timpânica e transmitem a energia mecânica para os ossículos
da orelha média. A vibração dos ossículos da orelha média (martelo, bigorna e estribo)
leva o movimento da endolinfa da rampa média através da janela oval. O movimento da
endolinfa faz com os estereocílios das células ciliadas da cóclea (há aqui uma
amplificação mecânica do som, devido a esse batimento coordenado dos estereocílios)
se movimentem rumo ao cinocílio, levando à abertura e entrada de
K+, hiperpolarizando a membrana dessas células. As células nervosas eferentes
associadas às células da cóclea transmitem conjuntamente o sinal do gânglio espiral por
meio do ramo coclear do nervo vestibulococlear até os núcleos vestibulococleares,
onde estabelecem sinapse e as fibras bilaterais decussam.

A transmissão prossegue até o complexo olivar superior, onde ocorre uma


distinção entre as frequências captadas pelo aparelho auditivo externo, seguindo até
o colículo inferior, via lemnisco lateral. A partir dos colículos inferiores, as fibras pós-
sinápticas se dirigem ao Núcleo Geniculado Medial (NGM) talâmico - vale ressaltar que
algumas fibras se dirigem para o colículo superior, permitindo a integração audiovisual,
sendo que é obrigatória a retransmissão de toda a informação auditiva que chega ao
tálamo. Do NGM, as fibras se projetam para o córtex auditivo. O córtex auditivo primário
se localiza no giro temporal superior e recebe aferência da porção ventral do geniculado
medial, de modo que a distinção tonotópica é necessária e nos permite distinguir
claramente as diferentes frequências (notas musicais de distintos instrumentos que
participam da música).

O processamento auditivo, isto é, a capacidade de interpretar as frequências


auditivas, inicia-se nos núcleos cocleares, sempre mantendo a posição relativa em que
cada frequência é transduzida na membrana basilar (tonotopia), visto que isso ainda
será importante para a interpretação correta dos sons e ajuda na localização de suas
fontes, como quando sabemos de onde vem a música que ouvimos.

110
Para conseguirmos identificar a fonte dos estímulos sonoros, nosso organismo
utiliza estratégias: se as frequências sonoras forem abaixo de 3 kHZ, são utilizadas
diferenças de tempo interauriculares, já para frequências acima desse valor são
utilizadas as diferenças de intensidade interauriculares. O NGM é a principal “estação”
responsável pela combinação das diferentes frequências, não somente pelas diferenças
de vibrações, mas também pelo intervalo de tempo entre as aferências de duas
frequências distintas, o que nos dá uma noção de distância entre duas fontes sonoras
(uma ouvindo música mais próxima ao celular e a outra ouvindo a música a partir de
outro cômodo da casa, por exemplo).

Sabemos que as diferentes áreas do neocórtex mapeadas por Brodmann são


essenciais para a nossa interpretação e integração motossensorial no córtex. As porções
encefálicas relacionadas às emoções são o hipotálamo e estruturas do sistema límbico,
que se comunicam com essas áreas neocorticais. Claro que nossas experiências
pregressas também são fundamentais, especialmente aquelas memórias de longo
prazo, sendo que elas estão conjuntamente associadas à formação parahipocampal,
pertencentes, portanto, ao sistema límbico. Por conta disso é que, quando ouvimos a
música, dependemos das nossas vivências e de outras experiências que já tivemos para
relacioná-las e, assim, efetivamente “sentir” o cheiro do mar e a brisa da praia.

As fibras que compõem os colículos inferiores se projetam, além do corpo


geniculado medial, para o colículo superior, em que ocorre a integração entre as vias
auditivas e visuais, mas também há integração com o cerebelo. O colículo superior
recebe fibras do sistema visual (vias retinotectais), envolvidas principalmente nos
reflexos ópticos. Algumas fibras auditivas entram na substância reticular do tronco
encefálico e têm participação nos reflexos a ruídos intensos, como o fechamento dos
olhos e rotação da cabeça. Por isso, diante do latido houve fechamento dos olhos.
O colículo inferior também está envolvido na formação de emoções, como o medo, visto
que se encontra anatomicamente relacionado com a substância
cinzenta periaquedutal e com a amígdala, estruturas do sistema límbico as quais
participam do processamento das emoções, sendo a última uma estrutura relacionada
ao medo condicionado. Evidências constatam que tanto o colículo superior quanto o
inferior são ativados em situações aversivas.

111
No tocante específico às músicas, tem-se que a compreensão real delas no
sistema nervoso central depende muito mais do que apenas do córtex auditivo primário
ou da área de Broca para as áreas faladas: ouvir uma música é um processo complexo,
multifatorial e densamente interconectado. A função geral do córtex auditivo em si, é
de extrair da música suas características constitutivas como timbre, afinação,
intensidade e rugosidade. A compreensão mais profunda da música ouvida é bilateral,
porém assimétrica, isto é, diferentes alturas da área do córtex identificam ritmo,
semântica, processamento temporal e sequencial, etc. Além disso, experimentos
apontam uma influência ativa da música na neuroplasticidade devido às
diferenças somatotópicas das áreas ativas de córtex entre indivíduos com “ouvidos
treinados” e “não treinados”, como músicos e não músicos.

A percepção emotiva da música, ademais, possui relação com o sistema límbico,


podendo ativar ou não o sistema de recompensa positivo, a depender de experiências
anteriores ou das circunstâncias atuais em que as músicas são ouvidas. É por conta disso
que algumas músicas trazem à tona boas memórias para uns, enquanto podem resultar
em sensações tristes para outros.

A interpretação de sons durante a


quarentena
Vídeo disponível neste hiperlink

Lucas Flores Sartori


Maria Fernanda Império Pereira
Ranielle Lara Silva
No vídeo gravado, perceberam-se interações de diferentes fontes sonoras, tanto
naturais, como pássaros cantando e cachorros latindo, quanto artificiais e produzidos
pelos homens, como um rádio que reproduz uma música. De forma impressionante,
nosso sistema nervoso consegue reconhecer a fonte, mesmo sem contato visual. Mais
impressionante do que isso: facilmente é possível formar uma imagem em nossa mente

112
da fonte, ainda com detalhes, como a espécie de pássaro e sua cor, assim como a raça
canina e, para quem gosta do estilo musical, imaginou a coreografia da música.

Nós conseguimos escutar os sons, pois as ondas sonoras emitidas propagam-se


pelo ar, vibrando as moléculas gasosas. Essas vibrações chegam na orelha externa, e
provocam vibração na membrana timpânica quando a atingem. Essa vibração
movimenta os ossículos do ouvido: martelo, bigorna e estribo. Tal movimentação, por
meio da janela oval, transfere a energia mecânica para a membrana basilar, presente na
cóclea. Isso gera uma movimentação entre as membranas basilar e tectorial, o que
culmina na movimentação dos estereocílios das células ciliadas, fazendo com que canais
iônicos de K+ e Ca2+ abram-se, permitindo a entrada desses íons e despolarizando a
membrana.

Uma vez despolarizada, a célula ciliada excita o prolongamento periférico de


células bipolares no gânglio espiral na cóclea. O prolongamento central desses
neurônios constitui o nervo auditivo do VIII nervo craniano. Após ramificarem-se, esses
neurônios projetam-se aos núcleos cocleares anteroventral, posteroventral e dorsal,
mantendo uma configuração tonotópica. Essas informações ascendem paralelamente,
passando por estruturas como o complexo olivar superior, o lemnisco lateral,
o colículo inferior, o corpo geniculado medial, o tálamo e, finalmente, chegam aos
córtices auditivos. O córtex auditivo primário possui um mapa tonotópico e é sensível à
variação temporal do estímulo, sendo uma maneira possível de perceber distâncias
utilizando a audição.

Os córtices auditivos e as áreas de interações sensoriais possuem atividades tão


complexas que é possível, inclusive, colocar-se em um espaço tridimensional dinâmico
apenas com os estímulos sonoros; isso é percebido mais enfaticamente em deficientes
visuais, que percebem velocidade de objetos, localização no espaço e elementos
que circundam-os através do som.

Assim, no caso específico do vídeo, nosso sistema auditivo permitiu, mesmo sem
uma imagem visual, projetar uma imagem mental das fontes sonoras. Foi possível
perceber uma distância grosseira por meio da intensidade sonora com que o som chega
até nós. Além disso, também é possível ter uma noção da posição das fontes sonoras,
113
se estão à frente, ao lado ou atrás de nós. Ademais, esses sons podem estimular uma
memória visual e formar uma imagem detalhada das fontes, como formar a imagem de
um pardal no galho de uma árvore cantando em uma manhã de céu azul, ou a imagem
de um cachorro sem raça definida, caramelo, latindo atrás de um portão, ou então a
imagem de um aparelho de som que toca a música.

Claramente, também há interações do sistema auditivo com o sistema límbico,


pois os sons que nós escutamos podem despertar diferentes emoções
simultaneamente, como uma admiração pelo canto do pássaro; uma irritação pelo
latido, que inclusive pode desenvolver respostas fisiológicas e um desgosto,
particularmente, para a música que tocava. As áreas cognitivas também podem
extrapolar o significado do som, pois como conseguimos escutar o pássaro, pensamos
que há menos carros transitando por conta da quarentena; se escutamos ao cachorro,
imaginamos que há alguém caminhando na rua; se escutamos um vizinho ouvindo
música de manhã, durante a semana, supomos que, por conta da quarentena, ele não
pôde sair.

Novos horizontes para a música


Vídeo disponível neste hiperlink

Brenda Cristina Nava


Lucas Sato
Sthefany Santos Araujo
A audição é um importante sentido humano, sendo de extrema relevância para
o dia a dia. Contudo, não é raro notar que muitas pessoas ainda não pararam para
refletir sobre o que significa ser capaz de ouvir bem. Desde sons da natureza, música,
sinais de alerta, fala, ruídos e até poluição sonora se configuram como elementos
importantes na esfera auditiva. Por meio de nossa audição, podemos ter uma
experiência totalmente diferenciada com as situações ao nosso redor. Através desse
sentido, adquirimos uma facilidade maior no momento de nos relacionar, além de
alcançarmos uma série de experiências sensoriais novas.

114
Sabe-se que a audição ocorre na orelha (ela pode distinguir entre 7.000
diferentes sons), a qual capta o som e transmite para o tímpano pelo canal auditivo e,
em seguida, as vibrações geradas pelo som se propagam pelos ossículos, onde são
convertidos em sinais elétricos pela cóclea. O processo segue para o nervo auditivo, que
transmite os sinais para o cérebro.

A perda auditiva é notada como um processo lento, desenvolvendo-se


vagarosamente durante muitos anos. Por razão dessa baixa velocidade, o
reconhecimento de tal problema se torna difícil. Contudo, sinais de esforço para ouvir e
compreender, problemas ao conversar com outras pessoas, entre outros sinais, podem
sugerir a necessidade de acompanhamento médico e investigações profissionais. O
tratamento depende de cada caso em especial. Nesse cenário de perdas auditivas, é
importante lembrar que estudos indicam que exposição prolongada a músicas ou sons
elevados podem gerar impacto na qualidade da audição, como zumbidos e
alterações auditivas1.

É de conhecimento geral que a qualidade da audição é responsável por uma boa


interação com o ambiente que nos cerca. Por isso, manter a saúde de nossa audição se
torna uma missão importante para nos assegurar a dádiva de ouvir. Práticas como a
proteção de excesso de ruídos, a limpeza correta dos ouvidos, o uso moderado de fones
de ouvido, o acompanhamento por médicos otorrinolaringologistas periodicamente,
além do controle e da prevenção de doenças sistêmicas, ajudam a manter a boa saúde
auditiva.

Contudo, em casos de perda ou inviabilização dessa ferramenta sensorial que


nos permite escutar, linguagens alternativas são comumente utilizadas, como a escrita
e a linguagem dos sinais utilizadas na produção do vídeo. A Língua Brasileira de Sinais
(LIBRAS) é uma língua de modalidade gestual-visual onde é possível se comunicar
através de gestos, expressões faciais e corporais, muito utilizada para a comunicação
com pessoas surdas. Vale lembrar que a LIBRAS a língua oficial das pessoas surdas no
Brasil.

Seguindo essa esfera, em nosso vídeo, comparamos a experiência de apreciar


uma canção utilizando a escrita e LIBRAS sem estímulos sonoros, com a experiência
115
dessa mesma situação somada ao estímulo sonoro. Apesar da comunicação por meio da
letra da música não ser afetada, é inegável que o impacto sensorial sem os sons é
enfraquecido. Aparentemente a experiência musical se torna menos comovente e com
menos vida. A música parece perder a graça. Obviamente, é difícil alguém com uma boa
audição imaginar percepção musical de uma pessoa surda, mas fica claro que a
expressão de sentimentos é comprometida.

Seguindo o viés auditivo, podemos notar no vídeo 1 a presença da música "É


Preciso Saber Viver" da banda Titãs. Nesse cenário musical, destacam-se o som da voz
dos vocalistas e os sons dos instrumentos musicais utilizados na composição da melodia.
Ambos os tipos de sons são produzidos pelo homem, seja biologicamente, seja por meio
da cognição. É importante observar que tanto a música instrumental quanto a vocal se
caracterizam como agentes de comunicação, já que efetivamente transmitem histórias,
sentimentos e ideias.

Além disso, pela voz em questão (dos vocalistas principais) podemos aferir, sem
instrumentos sofisticados, que seus donos são do sexo masculino e sugestivamente que
são adultos. Contudo, com uma ajuda mais especializada poderíamos chegar a
conclusões ainda mais precisas, como o timbre dos cantores e as notas musicais da
canção. Ao ouvirmos a música com atenção, podemos ainda, através de nossos
aparelhos auditivos pessoais, discernir os sons dos instrumentos e assim deduzir quais
estão presentes nesse contexto sonoro da música, como a guitarra elétrica, a bateria, o
teclado entre outros.

Por meio de nossa audição podemos perceber que se trata de um rock. Vale
lembrar que a música foi composta por Roberto e Erasmo Carlos, grandes artistas da
Jovem Guarda. A canção foi gravada pelos Titãs em 1998, no álbum "Volume Dois".

É evidente que a música tem o poder de afetar nosso encéfalo e cérebro,


permitindo que evoquem cenários e memórias¹. Desse modo, seus efeitos se tornam
extremamente personalizados e específicos em cada pessoa, podendo depender do
estado emocional em que a pessoa escutou o ritmo pela primeira vez ou ainda do estado
em que o indivíduo se encontra nos momentos em que escuta a música novamente.
Assim, tais estímulos conduzem memórias e fazem uma ponte entre a situação presente
116
e determinado passado. Além disso, os sons podem nos trazer à mente inúmeros
sentimentos e sensações, evocando descansos, traumas, saudades, entre outras
sensações. Em nosso grupo, particularmente, por exemplo, a música "É Preciso Saber
Viver" traz lembranças do ensino médio, de reuniões familiares e de memórias vividas
no ano de 2012.

Assim, após essa reflexão sobre o sistema auditivo e seus impactos na vida
humana, podemos aprender sobre a importância de discernir os diferentes sons que
compõem a vida e sobre suas funções diversas nos cenários em que estão inseridos.
Poder escutar nos abre uma gama de novas possibilidades sensoriais e, apesar de ser
totalmente natural e possível viver sem essa capacidade, é compreensível o quanto isso
exigiria de outras cognições humanas e mudaria completamente a forma de perceber a
vida.
REFERÊNCIA

GONCALVES, Cláudia Giglio de Oliveira et al. Percepção e o impacto da música na audição de integrantes
de banda militar. Rev. soc. bras. fonoaudiol. [online]. 2009, vol.14, n.4 [cited 2020-11-19], pp.515-520.

Os sons (des) percebidos no dia a dia


Vídeo disponível neste hiperlink
Letícia Baccaglini Caetano de Camargo
Luísa Sampaio Onofri
Matheus Silva Braga
A rotina caótica do acordar de madrugada, enfrentar trânsito de manhã,
trabalhar, enfrentar trânsito à noite e, finalmente (tentar) dormir, foi substituída por
outra mais caótica ainda: a quarentena. Se antes não tínhamos tempo nem mesmo para
ler aquele livro já empoeirado na estante, agora, para alguns, parece que há tempo até
mesmo para observar as bolhas de ar formadas no galão de água. É um cenário
desafiador, de incertezas, angústias, reflexões e até mesmo de descobertas. Ontem
descobri que existem sons além das buzinas de carros e dos cachorros latindo durante
a noite. Nesse período de descobertas, ouvi uma infinidade de sons que, para mim,
passavam despercebidos. Por que agora, reclusos em nossas casas, parece que
percebemos mais? O que faz com que prestemos atenção em determinados tipos de

117
sons e em outros não? Antes de destrincharmos os aspectos cognitivos e psicológicos
relacionados à percepção do som, é importante entendermos o que é o som, e como
nosso sistema auditivo é capaz de transformá-lo em informação que possa ser
processada pelo cérebro.

O som é a propagação de uma onda de compressão e descompressão mecânica,


gerada pela vibração das moléculas no ar. Ele tem três características fundamentais:
amplitude, frequência e timbre, os quais nos fazem reconhecer uma gama quase infinita
de padrões sonoros, que vão desde as notas musicais até os ruídos que ouvimos quando
abrimos uma janela.

O sistema auditivo é o nome dado ao circuito que possuímos, o qual tem a


capacidade de sentir e interpretar as compressões e descompressões do ar. A orelha
externa compreende o pavilhão auditivo, a concha e o meato acústico, possuindo a
função de coletar e até mesmo amplificar os sons, os quais caminharão para a orelha
média. Mesmo parecendo ser uma estrutura simples, a orelha externa é capaz de
amplificar em até 100 vezes os sons, além de ser um dos mecanismos responsáveis pela
filtração sonora e auxiliar na identificação da fonte sonora. A orelha média, por sua vez,
é responsável por modular a transmissão da energia sonora do meio gasoso existente
na orelha externa, com o meio líquido presente na interna. Esse segmento médio é
imprescindível para impedir que o som sofra reflexão, o que impediria que atingisse o
segmento interno do aparelho auditivo. Essa função da orelha média ocorre por conta
de seus constituintes: membrana timpânica, ossículos e janela oval. A pressão exercida
pelas ondas sonoras sobre o tímpano é transmitida à janela oval por meio dos ossículos,
sendo fundamental a diferença de diâmetro entre essas duas estruturas (membrana
timpânica e janela oval) para amplificação da onda sonora que chegará na cóclea por
meio da janela oval. Outro importante mecanismo presente na orelha média é
composto pelos músculos tensor do tímpano e estapédio, os quais contraem
involuntariamente quando há sons de altas amplitudes, de modo a enrijecer os ossículos
e reduzir a quantidade de energia sonora transmitida à cóclea, protegendo assim a
orelha interna.

118
A cóclea, presente na orelha interna, é um verdadeiro decompositor de
frequências sonoras. Assim como um prisma decompõe a luz branca nas cores do arco-
íris, as células presentes na cóclea atuam de forma a decompor o som em várias ondas
de frequências distintas - cada célula é responsável pela sensibilidade a determinado
espectro de frequência sonora. Essa incrível propriedade é chamada de tonotopia, e se
estende até o córtex cerebral. Pode parecer estranho, mas as informações acerca das
ondas sonoras decompostas são detectadas pelas células da cóclea e transmitidas até o
cérebro, onde são processadas de modo que ocorra a percepção consciente dos sons.

A transdução sonora, ou seja, a transformação da energia sonora em energia


elétrica que é interpretada pelo nosso sistema nervoso, é realizada por células ciliadas
presentes na membrana basilar da cóclea. A movimentação da janela oval provoca
vibração do líquido que circunda essas células, de modo que os cílios destas se
movimentam também. Diferentes padrões de movimentação dos cílios irão deflagrar
diferentes padrões de energia elétrica, os quais são transmitidos ao nervo coclear.

As informações acerca dos sons são transmitidas, portanto, pelo nervo coclear,
o qual conecta as células da cóclea ao sistema nervoso central. Os circuitos neurais
relacionados ao sistema auditivo são complexos, sendo compostos por estruturas
presentes em diversas partes do sistema nervoso central, como bulbo, tálamo e córtex.
De maneira simplificada, pode-se dizer que o córtex auditivo, presente no hemisfério
temporal do cérebro, é responsável pelo processamento das informações sonoras. Além
disso, há várias conexões entre diferentes áreas do cérebro responsáveis pela
interpretação dos sons, correlação dos sons que ouvimos com eventos que vivemos,
interpretação da palavra ouvida, além de mecanismos que elaboram emoções a partir
dos sons que ouvimos.

Como foi indagado anteriormente, por que prestamos atenção em alguns sons e
em outros não? Existem dois mecanismos responsáveis por esse comportamento: a
ativação diferencial das áreas corticais auditivas mediante diferentes tipos de sons, e o
controle auditivo eferente.

Em relação ao primeiro mecanismo, estudos demonstraram que o córtex


auditivo primário geralmente é mais ativado para a música do que para o ruído, por
119
exemplo. Além disso, o mesmo som pode ativar de forma diferente as áreas auditivas
em indivíduos diferentes, de acordo com as vivências e história de vida de cada
indivíduo. Assim, uma determinada música pode provocar o choro para alguns, o piar
de pássaros pode evocar memórias de infância para outros, e até mesmo o barulho das
bolhas de ar no galão de água pode trazer à tona o medo sentido em alguém que já foi
vítima de afogamento, por exemplo.

Já em relação ao controle eferente, assim como as ondas sonoras geram


informações para o córtex cerebral, há também controle eferente sobre as células da
cóclea que transduzem as informações sonoras. Esse circuito de modulação é composto
por fibras nervosas denominadas de trato olivococlear eferente, o qual controla funções
como atenção auditiva, além de melhorar a sensibilidade auditiva. Esse mecanismo é
responsável, por exemplo, pela atenção direcionada a determinados sons em ambientes
com muito ruído.

Desse modo, podemos concluir que as experiências que estamos vivendo nesse
período atípico, de isolamento social, podem modular a maneira pela qual ouvimos e
interpretamos os sons. Ademais, talvez, a quarentena esteja até alterando o modo como
ouvimos e interpretamos o mundo. Um som que antes passaria despercebido,
atualmente pode provocar uma avalanche de emoções e pensamentos. Há quanto
tempo você não se incomoda com a buzina de um carro?

Almoço em Família
Vídeo disponível neste hiperlink
Carlos Germano Souza Palú
Laura Santana Costa
Vitor de Moura Arrais
O vídeo apresentado reflete uma cena do cotidiano: um almoço em família. Nele,
a audição se mostra extremamente importante, uma vez que a cena está repleta dos
mais variados sons (tanto em relação à intensidade, quanto à frequência e timbre), os
quais necessitam ser decompostos e interpretados. Também é possível perceber uma

120
integração entre diversas modalidades sensoriais, bem como uma mistura entre
assuntos triviais e assuntos únicos do atual momento de pandemia. Todos os aspectos
apresentados estão relacionados ao tema das aulas, serviram de justificativa para a
escolha do vídeo e serão mais bem detalhados no decorrer do texto.

O processo auditivo se inicia na orelha externa, a qual filtra e amplifica as ondas


sonoras até a orelha média, onde passam do meio gasoso para o meio líquido. Dentro
da orelha interna, as células ciliadas realizam a transdução dessas ondas em potenciais
elétricos, os quais são transmitidos pela porção coclear do oitavo nervo craniano até os
núcleos cocleares, de onde seguem para a oliva superior. Durante esse trajeto,
a tonotopia mostra-se imprescindível para a diferenciação de frequências sonoras
distintas. Sons mais agudos (no vídeo representados pela voz das mulheres, copos
brindando e talheres em atrito com o prato, por exemplo) estimulam a base da cóclea e
sua localização é percebida na oliva superior lateral, por diferença de
intensidade interauricular. Já os sons mais graves (a voz dos homens no vídeo)
estimulam o ápice da cóclea e sua localização é percebida na oliva superior medial, por
diferença de tempo interauricular. A partir daí, a transmissão segue para
o colículo inferior, núcleo geniculado medial e, finalmente, chega ao córtex auditivo. É
no córtex que toda a informação auditiva é processada e integrada a outras de
diferentes origens. Nesse contexto, vale ressaltar a área de Wernicke, pertencente ao
córtex auditivo secundário, fundamental para a compreensão da linguagem humana,
sem a qual não seria possível o estabelecimento de diálogos como os mostrados no
vídeo. Outro mecanismo importante para o desenrolar desses diálogos é o da atenção
seletiva, no qual eferências corticais chegam às células ciliadas da cóclea e modulam a
entrada e transdução do som. Assim, é possível focar na fala da pessoa que nos
interessava em determinado momento, excluindo a interferência de sons indesejados,
como a mastigação (alheia e própria), deglutição, atrito de talheres e conversas
paralelas.

No vídeo, fica clara também a integração e a demanda por diversas modalidades


sensoriais. O paladar é estimulado pelos sabores, temperatura e consistência dos
alimentos e bebidas; o olfato pelos cheiros dos alimentos e possíveis perfumes usados
por membros da família; enquanto a visão é estimulada pelas cores e formas presentes

121
na cena. Todas as modalidades citadas, e tantas outras existentes, são de extrema
importância para que se tenha um total aproveitamento de um almoço. A visão, por
exemplo, fornece um ganho sensorial imenso à audição, por meio de dicas visuais (como
a leitura labial), as quais facilitam a compreensão do que se foi dito e a manutenção de
um diálogo. Essa integração polissensorial se concretiza nas áreas associativas
espalhadas pelo córtex. Nas áreas de associação do lobo parietal, estão presentes as
informações somatossensoriais, resultantes de estímulos vindos da pele, músculos,
tendões e articulações, bem como aquelas referentes à postura corporal e aos
movimentos. A integração dessas informações com outras, provenientes de centros
visuais e auditivos, permite formular um pensamento consciente sobre a exata posição
de nosso corpo (sentado a uma mesa de almoço, por exemplo). Já nas áreas de
associação do córtex frontal, ocorre a fusão de informações sensoriais recentes com
mensagens vindas da memória, notificando prévias experiências, o que permite um
sentido exato e consciente de visões, sons, cheiros, tato e paladar (durante uma
refeição, por exemplo). Além disso, tais áreas também mediam decisões, estabelecem
prioridades, planejam o futuro (quanto de comida se vai ingerir, quais engordam mais,
entre outros planos) e diferenciam o certo do errado (não é educado falar enquanto
mastiga, por exemplo).

Assim sendo, é evidente que uma cena tão corriqueira quanto um almoço em
família proporciona uma infinidade de estímulos simultâneos e de diferentes naturezas
ao nosso sistema nervoso. Tais estímulos provocam modificações na atividade elétrica
do cérebro, os chamados potenciais evocados. Cada via sensitiva tem sua assinatura de
potenciais evocados, os quais não podem ser medidos por eletroencefalogramas
comuns, uma vez que são muito pequenos quando comparados à atividade elétrica
basal do cérebro. Dessa forma, necessitam ser isolados por uma técnica especial
conhecida como promediação, na qual calcula-se a média da atividade cerebral por um
período, o que acaba por anular ondas esporádicas. Apesar disso, não é garantido que
essa técnica conseguiria medir todos os potenciais evocados das pessoas que almoçam
no vídeo, por exemplo, pois essa detecção depende, além da idade e do grau de
mielinização dos axônios, do número de células ativadas, do grau de sincronismo, da

122
geometria da estrutura ativada e da capacidade dos tecidos adjacentes em conduzir
eletricidade.

Por fim, é possível notar no vídeo uma sobreposição entre assuntos de naturezas
distintas. Brindar, conversar sobre a comida e perguntar sobre o dia dos familiares são
atitudes já institucionalizadas como comuns, presentes em almoços de diferentes
famílias, em diferentes locais e períodos da história. Já os relatos da proibição do
trânsito de veículos na praça principal da cidade, da existência de guardas policiais
parando os civis para alertá-los sobre os riscos do Covid-19 e aconselhá-los a ficar em
casa, bem como das aulas ministradas online e/ou gravadas são oriundos do atual
momento de pandemia que vivemos. Tais relatos que, há alguns meses seriam
impensáveis e absurdos, passam a fazer sentido no contexto do isolamento social.
Também é interessante notar que os assuntos relativos à pandemia não se
sobrepuseram totalmente aos demais, mas sim, se integraram ao repertório. Isso é uma
forma de nós, humanos, nos adaptarmos à situação, sem que haja a perda de nossa
essência, uma vez que buscamos a conciliação das necessidades atuais aos hábitos
antigos.

Audição e Imagens: diversas combinações


Vídeo disponível neste hiperlink

Lais Passinho
Luiz Gustavo Silva Cesarino
Raquel Farias Barreto Silva
Esse vídeo foi desenvolvido com a proposta de analisar como estímulos auditivos
e visuais se relacionam e modulam a percepção e interpretação de uma mensagem ao
ativarem suas respectivas vias sensoriais de modo simultâneo. Nesse contexto, dois
voluntários visualizaram uma série de fotos – de modo que, individualmente, as imagens
deveriam remeter a um sentimento de felicidade, bem-estar e satisfação. Ao mesmo
tempo, uma música em idioma desconhecido e não compreendido pelos voluntários é
tocada, sendo essa em tom triste (tanto em melodia e ritmo, quanto sua letra), ou seja,
remetendo a um sentimento oposto ao das imagens.

123
Ao final da visualização das imagens e apreciação da música, foi perguntado aos
voluntários o sentimento que prevaleceu em relação à atividade sensorial
presenciada. De modo simplista, isso foi um método de análise de como os estímulos
sensoriais são percebidos pelo córtex cerebral e modulados a partir do sistema límbico
para gerar uma emoção, uma sensação no indivíduo, conforme a sobreposição de
sentimentos gerados a partir de estímulos auditivos e visuais opostos.

Ainda, essa metodologia atua como um recurso analítico interessante


para avaliar como cada via sensorial pode ser mais relevante que a outra de acordo com
as experiências de cada participante do trabalho. Isso em razão da percepção dos
indivíduos sobre os estímulos sensoriais serem diferentes conforme a
importância pessoal de cada via sensorial para a pessoa. Exemplo disso é que indivíduos
com deficiência ou ausência da visão têm outras vias sensoriais ampliadas (audição,
olfato, paladar, tato) e o mesmo ocorre em pessoas com deficiência ou ausência de
percepção de estímulos auditivos, em que a visão se torna um sentido crítico para a
comunicação, por exemplo, pela leitura labial e linguagem de sinais (LIBRAS). Assim, a
exposição dos voluntários a estímulos visuais e auditivos que evocam um sentimento
oposto um ao outro é um método que visa determinar qual tipo de estímulo sensitivo é
mais predominante em cada indivíduo.

A partir da análise dos resultados, pode-se induzir que para a primeira voluntária
(mulher de 51 anos) os estímulos visuais são mais preponderantes quando ocorre
integração polissensorial. Isso é evidenciado por meio de suas reações durante o
experimento em relação às imagens apresentadas, sendo que ela se mostrou animada e
reativa de acordo com o tipo de imagem visualizada. Em relação à percepção dos
estímulos auditivos que evocam um sentimento oposto ao das imagens, a voluntária
inferiu que a música não combinou com os estímulos visuais, pois remete a
um sentimento triste (como esperado). Porém, mesmo assim, a percepção visual foi
muito mais importante para a voluntária, uma vez que sua interpretação da mensagem
como um todo foi positiva, ou seja, sua experiência pessoal selecionou a via visual como
mais importante no cotidiano quando comparamos à audição.

124
Já para o segundo voluntário (menino de 8 anos) o estímulo auditivo
foi preponderante, uma vez que mesmo com a apresentação das imagens, que
deveriam remeter a um sentimento agradável, o indivíduo infere que a música é
“sentimental” e que a induz a “ficar com dó dos animais”, sugerindo que a via auditiva
tem papel fundamental na sua interpretação de estímulos polissensoriais.

Por fim, a partir de uma abordagem científica, podemos dizer que ambos
os voluntários do trabalho tiveram a via auditiva e visual (em especial a das fibras retino-
geniculadas) estimuladas simultaneamente. Como os dois mantiveram a atenção sobre
o que foi apresentado, pode-se dizer, também, que seu córtex associativo teve papel
fundamental (tendo em vista que analisaram a expressão facial dos animais e pessoas
que apareceram no vídeo, além de refletir acerca das informações apresentadas para
chegar a uma conclusão. Ainda, pode-se dizer que a análise das informações se deu de
modo diferencial entre os indivíduos, fato que pode ser explicado tanto pelas
experiências pessoais que determinam a via sensorial preponderante ao cotidiano
vivido quanto pela diferença de idade dos participantes. Enquanto que adultos têm uma
visão muito bem desenvolvida, tendo em vista a sua importância para a realização das
mais variadas tarefas no dia-a-dia (trabalho, tarefas domésticas, leitura etc), as crianças
dependem muito da audição para o desenvolvimento da fala, escrita e aprendizagem,
o que explicaria o voluntário se atentar mais à música e buscar uma função para ela
para analisar as imagens apresentadas (conforme texto publicado pelo fonoaudióloga
Gabriela Bandoni na plataforma digital Direito de ouvir) – link de acesso:
https://www.direitodeouvir.com.br/blog/por-que-audicao importante-para-fala

REFERÊNCIAS

Bandoni, Gabriela. Por quê a audição é importante para a fala? Direito de Ouvir, 2019. Disponível em:
<https://www.direitodeouvir.com.br/blog/por-que-audicao-importante-para-fala>. Acesso em: 15 de
abril de 2020.

125
A audição como um importante sistema
sensorial
Vídeo indisponível

Ana Carolina Rossini Darwin


Gabriel Guimarães Araújo
Henrique Silveira Duarte
A audição é uma importante modalidade sensorial que, ao longo da evolução
humana, aperfeiçoou-se de modo a funcionar como um relevante sistema de
comunicação do organismo. Tendo isso em vista, o vídeo inicialmente explora a
capacidade de os sons, que realizam integração com o sistema límbico durante seu
processamento, evocarem memórias, o que modularia respostas apropriadas para
determinados sons com base na experiência prévia que se teve com eles. Isto é
exemplificado no vídeo, pela associação entre o som produzido pela chave durante a
abertura da porta de vidro e a memória desse som ter sido gerado também, em um
momento passado, quando a mãe chegou na casa, o que levou à associação desse
barulho com a chegada da mãe. Tal associação deve-se a eferências realizadas do córtex
auditivo para o hipocampo, a partir do qual as memórias de longa duração são levadas
para serem armazenadas nas áreas de associação do neocórtex. Da mesma forma, essas
áreas de associação fazem conexões novamente com o córtex auditivo, quando sons
familiares são processados, de forma a evocar as memórias ligadas a esses sons que
estavam armazenadas no sistema límbico. Ao evocar uma memória, o sistema límbico
gera respostas emotivas em relação a ela, sendo que, assim, determinado som possa
produzir tanto emoções positivas, caso evoque uma memória prazerosa, quanto
emoções negativas, caso evoque uma memória desagradável ou traumática, de modo
que um mesmo som possa gerar respostas distintas em pessoas diferentes, uma vez que
o encéfalo de cada indivíduo sofre plasticidades diferenciadas de acordo com suas
experiências específicas, o que é exemplificado no vídeo ao mostrar como uma mesma
música pode provocar um sentimento agradável para uma pessoa e um desagradável
para outra.

126
Mais adiante no vídeo é explorada a capacidade do sentido auditivo de localizar
a origem do som com um experimento simples: uma pessoa com os olhos vendados
posiciona-se corretamente de modo a ficar de frente à outra pessoa que a chama. Essa
habilidade de localizar espacialmente uma fonte sonora a partir da audição é um
processo que se desenvolve nos núcleos do complexo olivar superior por meio de dois
mecanismos. Para sons com frequência maior que 3 KHz, a localização espacial de sons
ocorre nas olivas superiores laterais por diferença de intensidade sonora interaural, por
um mecanismo no qual o estímulo advindo do nervo auditivo em cada oliva superior
lateral (LSO na sigla em inglês) provoca uma inibição da LSO contralateral pela ação de
interneurônios MNTB, de modo que os neurônios da orelha mais próxima à fonte sonora
estimularam com maior intensidade o seu LSO ipsilateral, inibindo com maior
intensidade o LSO contralateral; enquanto os neurônios da orelha mais distante da fonte
sonora estimulam com menor intensidade o seu LSO ipsilateral, inibindo, assim, com
menor intensidade o LSO contralateral, o que fará com que a excitação seja maior que
a inibição no LSO ipsilateral à orelha mais próxima à fonte sonora e que a inibição seja
maior que a excitação no LSO ipsilateral à orelha mais distante da fonte sonora;
causando, pois, uma sinalização aos centros superiores apenas a partir do LSO ipsilateral
à orelha mais próxima à fonte sonora. Por outro lado, para sons com frequência menor
que 3 KHz, a localização espacial de sons ocorre nas olivas superiores mediais (MSO na
sigla em Inglês) por diferença de frequência, em um mecanismo pelo qual é analisada a
chegada de potenciais de ação advindos de ambas as orelhas em neurônios da MSO.
Nesse mecanismo, quando um som atinge primeiro uma orelha, essa começa
primeiramente a enviar potenciais de ação (PA) a neurônios da MSO, os quais
respondem mais intensamente quando os PAs de ambas orelhas chegam ao mesmo
tempo nele, sendo que os neurônios no MSO que estão relacionados à sinalização de
informações advindos de uma orelha encontram-se mais distantes dessa orelha e mais
próximos da outra, de tal forma a facilitar a chegada simultânea, nos neurônios
relacionados à sinalização de informação auditiva da orelha mais próxima à fonte
sonora, de PAs advindos de receptores das duas orelhas mesmo que uma comece a
transportar o PA antes da outra, já que o PA gerado primeiro terá que percorrer um
caminho maior; em contrapartida, a chegada simultânea de PAs nos neurônios
relacionados à sinalização de informação auditiva da orelha mais distante da fonte

127
sonora é dificultada, uma vez que o PA gerado primeiro terá um caminho menor a
percorrer que o PA gerado por último, o que resulta em uma sinalização aos centros
superiores apenas a partir dos neurônios relacionados à sinalização de informação
auditiva da orelha mais próxima à fonte sonora.

Por último, o vídeo apresenta um experimento caseiro para a detecção da


capacidade auditiva a partir de uma resposta comportamental simples. Muito embora a
pessoa utilizada como exemplo não tenha alguma deficiência auditiva, a ausência de
resposta do indivíduo no vídeo quando chamado pelo outro possa ser configurar, em
uma outra situação em que não haja o isolamento sonoro provocado pelos fones de
ouvido para simular uma perda auditiva, como uma forma de se inicialmente detectar
perdas auditivas reais, sendo que, a partir de experimentos caseiros como esse, testes
mais elaborados possam ser utilizados no contexto clínico para se avaliar mais
precisamente a audição. Entre esses testes clínicos, sobressaem as
emissões otoacústicas, a audiometria e os potenciais evocados auditivos (PEA). Nas
emissões otoacústicas, é avaliado o funcionamento das estruturas da orelha ao analisar
a detecção de sons produzidos por ela em resposta à recepção de um estímulo sonoro,
embora esse teste não seja capaz de detectar alterações na via auditiva que estejam
localizadas além da cóclea. Detecta-se neste teste o ruido produzido pelas contrações
das células ciliadas externas. Já, na audiometria, o indivíduo usa um fone de ouvido e é
exposto a diferentes frequências sonoras, de modo que, com base nas frequências que
ele afirmar ter escutado, sua capacidade auditiva é testada. Por fim, nos PEA, a
capacidade auditiva é medida por meio de modificações na atividade elétrica do cérebro
geradas pela ativação da via auditiva, de tal forma que ondas positivas e negativas de
potencial elétrico da membrana neuronal características da via auditiva são registradas,
o que é, então, utilizado para se analisar a capacidade auditiva da pessoa.

128
Brincadeira de criança
Vídeo disponível neste hiperlink

Alexia Viegas
Neste vídeo, meu irmão pratica uma série de movimentos em estado de vigília,
como correr, andar de bicicleta, andar de skate e caminhar. Tais atividades requerem
múltiplas interações entre componentes do sistema nervoso e diferentes padrões de
controle.

Em linhas gerais, o córtex cerebral se relaciona ao propósito de comando do


movimento; os núcleos da base e o cerebelo formam o plano motor e os ajustes
motores; o tronco cerebral exerce o controle da postura e do equilíbrio; e a medula
espinhal compreende o nível mais baixo da organização hierárquica, além de possuir
circuitos neurais que medeiam reflexos e automatismos rítmicos. 

Circuitos locais na medula espinhal são capazes de controlar completamente a


sincronização temporal e a coordenação de padrões complexos de movimento e ajustá-
los a circunstâncias variadas. Característica comum desses movimentos é
a ritmicidade e o movimento alternado, que é uma ação que envolve a repetição do
mesmo movimento em ciclos de 2 fases – postural e balanço. O caminhar, por exemplo,
é um padrão rítmico que, depois de iniciado, não requer estruturas supra-espinhais e é
um movimento mantido pelos geradores centrais de padrão. Geradores centrais de
padrão são circuitos oscilatórios medulares locais responsáveis pela alternância de
flexão e extensão do membro durante a locomoção e que ativam diferentes sequências
de movimentos que podem ocorrer em diferentes velocidades.

O andar depende também da propriocepção, que ajusta o passo em relação aos


estímulos externos inesperados e controla a amplitude do padrão de “caminhar”, além
do aparelho vestibular e da visão para controle do equilíbrio e do balanço.

  Quando meu irmão anda de bicicleta, ele realiza uma atividade que
foi aprendida, memorizada e que, atualmente, aos seis anos de idade, já executa

130
perfeitamente e sem o auxílio das rodinhas. Andar de bicicleta sem rodinhas requer um
aprendizado postural para o controle do equilíbrio.

O equilíbrio depende de aferências visuais, pois a visão reduz a oscilação do


corpo e provê indicações de estabilização, em especial quando a tarefa nova de
equilíbrio for experimentada ou quando o equilíbrio for precário, e também de
aferências vestibulares, responsáveis pela sensação do movimento e equilíbrio dinâmico
relacionado à manutenção da posição do corpo em resposta a movimentos repentinos,
como rotação, aceleração e desaceleração.

Por fim, quando meu irmão pega seu skate, ele realiza movimentos mais
complexos e que requerem maior habilidade conferida pelo aprendizado motor, o qual
requer a repetição do movimento, para que o plano motor elaborado se torne preciso e
eficiente na realização da tarefa, o estabelecimento de relações de memória e o
aprendizado anterior. Depois que o reconhecimento ocorre, pode-se elaborar a
execução da tarefa. Essa execução será tão melhor quanto mais vezes a atividade for
repetida (memória motora).

O córtex pré-frontal imagina e idealiza um movimento e as áreas pré-motoras e


motoras são ativadas. O cerebelo compara movimentos realizados com os movimentos
intencionais e pode fazer correções, e os núcleos da base planejam e modulam os
movimentos. Enfim, a ação motora também é possível porque parte do Sistema Nervoso
que controla o movimento tem acesso ao fluxo de informações sensoriais no cérebro.

O movimento é uma expressão do nosso comportamento e de nossa


personalidade e, no caso do meu irmão, um garotinho ativo, inteligente e divertido, os
movimentos e as brincadeiras com a bicicleta e o skate evidenciam muito bem a sua
personalidade enérgica.

Entretanto, ao pensarmos em toda a “energia” de meu irmão, não podemos


dissociá-la da existência de um ciclo sono-vigília presentes nos seres vivos. Todos os
organismos apresentam mecanismos bem definidos de ciclo circadiano, possuindo,
portanto, estruturas e marcadores moleculares característicos desses “relógios

131
biológicos” responsáveis pela coordenação dos estados de sono e vigília (estado
acordado e conectado com o ambiente) ao longo do dia.

Após se movimentar intensamente durante o dia, meu irmão deve dormir para
que haja reposição das reservas energéticas, restabelecimento da homeostasia e
remoção de metabólitos produzidos na vigília, além da consolidação da memória. O
sono é importante para a aprendizagem, pois possibilita a consolidação de conexões
fortes nos circuitos formadores de memória.  

     O eletroencefalograma (EEG) é uma técnica que conta com a colocação


de diversos eletrodos na superfície do escalpo, fazendo o registro da atividade de
diversas populações neuronais, especialmente os potenciais pós-sinápticos gerados
pelas células piramidais e suas aferências extracorticais (como as tálamo-corticais)
e intracorticais. Dessa forma, é possível medir a diferença de atividade neuronal que
ocorre entre o sono e a vigília.

Embora a atividade dos músculos esqueléticos fique reduzida no estado de sono,


há bastante atividade cerebral complexa, além da continuidade da regulação do Sistema
Nervoso sobre a atividade dos sistemas cardíaco, respiratório, endócrino, renal,
imunológico, etc, o que diferencia essa condição do coma e da morte. É nesse estado de
repouso que se estabelece o sonho como uma “continuidade do pensamento no sono”.

Ademais, pensando na integração entre motricidade e sono, no contexto das


atividades do Sistema Nervoso, podemos dizer que, enquanto os movimentos são
explorados, realizados e executados durante o estado de vigília ao longo do dia, à noite,
durante o sono, ocorre a consolidação do aprendizado e, portanto, a consolidação da
memória motora, de modo a possibilitar o aprimoramento e evolução da técnica dos
movimentos no dia seguinte.

132
Luna
Vídeo indisponível
Inajara Mills Siqueira Shimizu
Neste segundo vídeo há a construção de vários momentos que representam um
pouco da vida de minha cachorra Luna. No entanto, é impossível descrever os eventos
capturados sem antes a apresentar.

Luna é uma cachorrinha de feira de adoção, de 5 anos, a peguei quando tinha


uns 50 dias de vida e havia sido abandonada em condições não muito boas. Eu, mesmo
sem poder, a levei para casa. Como morava em apartamento, decidi que precisava
adestrar ela, e, assim, a Luna sabe fazer muitos truques como se deitar, rolar, dar
patinha, fingir de morta, girar, pegar bolinha, dentre outros.

O tempo foi passando e, a partir dos 2 anos, ela começou a ter pequenas crises
convulsivas que se resolviam espontaneamente e em poucos minutos, sem necessidade
de medicação, em uma frequência de 4 a 5 vezes no ano. No entanto, com 4 anos, à
véspera do Carnaval, em 2018, ela teve uma crise que não passou, corremos para o
hospital veterinário e ela chegou lá em parada cardíaca e mesmo sedada a convulsão
não cedia. Nos disseram que talvez ela não passasse daquela noite. Porém, ela
sobreviveu e, em 3 dias, já estava de alta e com medicação para crises convulsivas; nos
disseram que ela poderia ficar com sequelas, e, do mesmo modo, nos surpreendeu,
voltando a fazer tudo que fazia antes, dentro de 2 semanas, apesar de ficar bastante
incoordenada nos primeiros dias.

Desde então, ela tem crises que duram entre 3 e 4 minutos, na frequência de
aproximadamente 5 vezes no ano. Contudo, na primeira semana que fomos mandados
ficar em casa, devido à pandemia, ela teve, novamente, uma crise que não cessou, sendo
necessário ser sedada, porém, se recuperou na mesma noite tendo alta no dia seguinte
e, igualmente, sem sequelas. A única associação que temos feito com suas crises são
pisca-piscas.

Deste modo, após esta apresentação, início a descrição do vídeo proposto. Como
tínhamos o registro de uma de suas convulsões que ocorreu antes do Natal do ano

133
passado, decidi começar por ele. Assim, principia-se apresentando a Luna com 5 anos
de idade tendo uma crise convulsiva, em seguida, tem-se um vídeo recente dela fazendo
truques e, por fim, um vídeo dela dormindo.

No primeiro momento do vídeo, a Luna está tendo uma convulsão; nos


preocupamos em estar junto dela e registrar o tempo de duração da crise. Esta, no caso,
durou aproximadamente 4 minutos. Durante a crise ela perde o controle dos
movimentos voluntários, apresenta tremores, olhar fixo, rigidez muscular, não atende
comandos e parece não perceber o que está acontecendo ao seu redor; às vezes, emite
uns sons grosseiros. Ocorre um avanço no tempo e é demonstrado quando ela começa
a se recuperar, primeiro parece que toma consciência do que está acontecendo ao seu
redor. Apesar de ainda parecer confusa, ela levanta a cabeça, faz contato visual e lambe
a boca, indicando um retorno do controle dos movimentos voluntários; peço, neste
momento, que meu marido chame por ela para ver se a crise realmente está passando
e ela atende aos comandos. Assim ela o faz, conseguindo caminhar e ir até ele,
demonstrando que está feliz abanando o rabo, porém ainda está com orelhas baixas e
parecendo um pouco confusa. Nos momentos seguintes, que não estão sendo
apresentados neste vídeo, ela procura por mim e vem para meu colo, emitindo um som
como se fosse um “chorinho”; peço para que desliguem todas as luzes e ela se sente
melhor, se recuperando totalmente.

A cena apresentada em seguida é da Luna fazendo alguns truques; é visível a


diferença de quando ela está em um dia normal (sem crise). É possível observar que sua
atenção está totalmente voltada para mim, nem ligando para o seu brinquedo que está
ao lado. Ela faz contato visual e está atenta aos meus comandos, realizando o que é
pedido (no caso foi utilizado apenas o comando verbal – ela foi ensinada a responder a
comandos tanto verbais quanto gestuais). Normalmente, ela realiza os truques sem que
receba comida ou petisco como prêmio, aceitando carinho como recompensa. Porém,
para a filmagem e visando aumentar sua motivação, foi-lhe oferecido um petisco.

Continuando o registro, tem-se a cena que ela está dormindo no meu colo.
Tentei montar vários cenários para registrar ela dormindo, contudo, sempre que eu ia
filmar, ela acordava, e os momentos que realmente ela adormecia eram como esse, fora

134
daquele que eu havia planejado. Nesta sequência, é possível observar os movimentos
oculares rápidos (ou rapid eye movements, REM, do Inglês), que caracterizam essa fase
do sono, apresentando também alguns movimentos involuntários como se estivesse
sonhando. Enquanto ela está no meu colo, faço pequenos movimentos com os pés e os
sons ambientes continuam, porém enquanto ela está na fase REM ela não desperta.

Na cena seguinte são representados alguns movimentos involuntários, como se


ela estivesse correndo no sonho (estes usualmente acontecem na fase REM, já
mencionada). Este momento também representa como está nosso cotidiano durante a
pandemia; eu estava sentada no sofá de casa estudando, com ela dormindo no meu colo
e meu marido tendo uma reunião de trabalho online, próximo à gente. O conteúdo
registrado de seu discurso também é significativo, e do qual eu só tomei consciência
quando selecionei os vídeos para construir este trabalho. Tal discurso fala da pandemia,
do isolamento, da incerteza de como as coisas vão ficar. Enquanto isso, a Luna repousa
tranquilamente, aquém de todos estes acontecimentos e, tão somente, usufruindo da
nossa presença em casa, agora totalmente constante. Porém, ela não desperta e
movimento vagarosamente meus pés até que ela acorde. Neste momento, é nítida a
ativação do sistema ativador reticular ascendente (SARA), fazendo com que ela acorde
e faça um reconhecimento do ambiente; primeiro ela identifica minha presença, depois
se dá conta de que o Denis está na sala também, virando a cabeça em direção a sua voz,
e, por fim, pisca com um olho parecendo concordar com a afirmação feita pelo meu
marido ao final de sua reunião.

Assim, as crises convulsivas da Luna não deixam sequelas, no entanto,


modificaram nossa rotina e os cuidados que temos com ela, como a medicar a cada 8
horas. Assim, nunca sabemos quando será a próxima, porém vamos ganhando confiança
aos poucos. Aprendemos a identificar quando ela não está bem, quando estimular
menos; não temos mais pisca-pisca, fazemos nosso melhor e nos sentimos muito
agradecidos em ter ela em nossa vida e por trazer alegria todos os dias, até mesmo
naqueles em que tudo é sombrio como o tempo que estamos vivendo.

135
Movimento: aquilo que nos permite
transformar o mundo
Vídeo indisponível

Pedro Antônio Gonçalves dos Santos


O sistema motor somático está submetido ao controle voluntário e é responsável
por gerar o comportamento. Ele pode ser pensado em três níveis hierárquicos de
controle: o mais alto, com as áreas de associação do neocórtex e núcleos da base,
elabora a estratégia do movimento que melhor atinge uma finalidade. O nível
intermediário, com o córtex motor e cerebelo, relaciona-se com a tática, isto é, as
sequências de contrações musculares, arranjadas no espaço e no tempo, necessárias
para atingir, de forma suave e acurada, a meta. O nível mais baixo, com o tronco
encefálico e medula espinhal, faz a execução: gera o movimento e realiza ajustes
posturais. Tudo isso depende de informações sensoriais prévias, sobre a posição inicial
do tronco e dos membros, e durante o movimento, para retroalimentação. Certos
padrões de controle coordenado dos movimentos estereotipados são gerados por
circuitos dentro da medula espinhal, sem a participação do encéfalo, que, porém, pode
executar e modificar tais programas motores.

A maioria dos movimentos, como caminhar, falar e escrever, exige apenas


contrações musculares fracas, e a força máxima de contração é raramente exercida. A
primeira forma de controle da contração pelo SNC se faz variando a taxa de disparo dos
neurônios motores alfa. Um potencial de ação pós-sináptico isolado provoca um abalo
(rápida sequência de contração e relaxamento) da fibra muscular, enquanto uma
atividade pré-sináptica de alta frequência causa somação temporal pós-sináptica,
provocando uma contração sustentada. Outra forma de graduar a contração é pelo
recrutamento de unidades motoras sinérgicas adicionais, cuja tensão depende de
quantas fibras musculares estão nelas contidas. Nos músculos menores, que controlam
os movimentos dos dedos das mãos e dos olhos, as unidades motoras são pequenas,
podendo ser mais finamente controladas.

136
A base para a locomoção é o reflexo extensor cruzado, no qual a flexão de um
membro leva à ativação dos músculos extensores e à inibição dos flexores no lado
oposto. O ritmo dessa atividade é conferido pelos geradores centrais de padrão. Dentre
estes estão interneurônios espinhais com atividade de marcapasso intrínseca, em
especial pela ativação de receptores NMDA, cuja ativação por glutamato associada à
despolarização da membrana leva ao influxo de Ca++ e abertura de canais de potássio
dependentes de Ca++, hiperpolarizando a membrana celular. Isso permite que íons Mg++
entrem e bloqueiem o canal NMDA, inativando o fluxo de Ca++ e fechando canais de K+.
Assim, a membrana despolariza-se e o ciclo se repete. Há também interconexões
sinápticas como geradores de padrão. Um possível circuito consiste em uma entrada
constante que excita dois interneurônios excitatórios conectados a neurônios motores
para músculos flexores e extensores, respectivamente. Os interneurônios respondem a
uma entrada aferente contínua que gera rajadas de atividade de saída que se alternam,
pois eles se inibem reciprocamente através de outros interneurônios. Conexões entre
segmentos espinhais lombares e cervicais explicam o balançar dos braços que
acompanha a locomoção.

O córtex motor primário (M1), área 4 de Brodmann, tem


organização somatotópica e origina os tratos descendentes para controle dos neurônios
motores inferiores. A atividade de cada neurônio motor superior contribui para certa
direção, e o vetor resultante vem da soma da contribuição de cada um deles. Dessa
forma, quanto maior for a população de neurônios que representa um tipo de
movimento, mais fino será o controle, o que é ilustrado pela maior área cortical
dedicada às mãos e os músculos da mímica. Além disso, movimentos finos de outros
músculos podem ser aprendidos com a experiência, de modo que células corticais em
M1 podem trocar suas funções, comprometidas com a participação de um tipo de
movimento para outro.

A área 6 é importante para o planejamento, em especial nas sequências de


movimentos complexos da musculatura distal, sendo dividida em, lateralmente,
área pré-motora (APM), e, medialmente, área motora suplementar (AMS). Ambas
parecem desempenhar funções similares, mas enquanto a AMS inerva diretamente
unidades motoras distais, a APM conecta-se com neurônios reticuloespinhais que

137
inervam unidades motoras proximais. No córtex parietal posterior, a área 5, um alvo de
aferências das áreas somatossensoriais primárias, e a área 7, um alvo de áreas visuais,
fornecem informações acerca da atual posição do corpo no espaço. Estas, junto de
regiões do lobo frontal anterior (importantes para o pensamento abstrato, capacidade
de tomada de decisão e a antecipação das consequências de ações) decidem quais ações
serão tomadas e suas possíveis consequências, enviando axônios que convergem para a
área 6. Esta também recebe aferência do núcleo ventrolateral (VL) do tálamo, que, por
sua vez, é ligado aos núcleos da base, alvo do córtex cerebral. No repouso, neurônios no
globo pálido estão ativos espontaneamente e inibem o VL. A ativação cortical excita
neurônios do putâmen, que inibem neurônios do globo pálido, os quais retiram a
inibição das células do VL, cuja atividade excita a AMS. Essa parte do circuito atua como
uma alça de retroalimentação positiva, facilitando a iniciação de movimentos
voluntários. Aumento da inibição do tálamo pelos núcleos da base é o mecanismo da
hipocinesia (diminuição do movimento), enquanto uma diminuição leva à hipercinesia
(excesso de movimento).

A doença de Parkinson é caracterizada por uma hipocinesia. Seus sintomas


incluem lentidão de movimentos (bradicinesia), dificuldade em iniciar movimentos
voluntários (acinesia), aumento do tônus muscular (rigidez) e tremores de repouso,
podendo evoluir para déficits cognitivos. Sua base é a degeneração das aferências
dopaminérgicas da substância negra no estriado, as quais normalmente facilitam a alça
motora direta ativando células no putâmen. A doença de Huntington é uma síndrome
hereditária progressiva caracterizada por hipercinesia, demência e transtorno de
personalidade. Seu principal sinal é a coréia, movimentos rápidos, espontâneos e
incontroláveis de várias partes do corpo. A maior causa é a perda de neurônios no
estriado (daí perda de suas eferências inibitórias ao tálamo) e no córtex cerebral (daí a
demência). Em outro tipo de hipercinesia, o balismo, ocorrem movimentos violentos e
repentinos das extremidades, geralmente em apenas um lado do corpo (hemibalismo).
Ocorre por lesão do núcleo subtalâmico, que excita neurônios no globo pálido, o qual
fisiologicamente inibe o VL.

O cerebelo está relacionado com a sequência detalhada de contrações


musculares, instruindo o M1 sobre a direção, precisão temporal e força do movimento.

138
Essas instruções baseiam-se em predições (aprendidas com a experiência) e
retroalimentação. Assim, o cerebelo é outro local importante para o aprendizado motor,
comparando o objetivo com o resultado. Quando essa comparação falha em atingir as
expectativas, modificações compensatórias são feitas em certos circuitos cerebelares.
Deste modo, o início do aprendizado motor requer concentração nos movimentos,
executados de modo descoordenado, mas, com o aperfeiçoamento, tornam-se suaves
e quase inconscientes. Lesão cerebelar causa movimentos descoordenados e imprecisos
(ataxia). O padrão desajeitado ligado ao abuso de álcool decorre da depressão dos
circuitos cerebelares.

O córtex cerebral produz vários ritmos elétricos, correlacionados com alguns


comportamentos e registrados pelo eletroencefalograma (EEG). Este fornece uma
medida da atividade generalizada do córtex através da voltagem gerada pelas correntes
que fluem durante a excitação sináptica de muitos neurônios. Dessa forma, a amplitude
do sinal do EEG depende da sincronia da atividade dos neurônios. Ritmos de baixa
amplitude e alta frequência ocorrem na vigília ou ao sono de movimentos oculares
rápidos (rapid eye movements: REM, do Inglês) (nessa fase ocorrem os sonhos), quando
o nível de atividade dos neurônios está alto, mas também dessincronizado. Ritmos de
amplitude elevada e baixa frequência ocorrem no sono sem sonhos (não-REM) e coma,
pois a maior parte dos neurônios está excitada fasicamente, por uma aferência rítmica
e lenta (do tálamo). Crises epilépticas são uma forma extrema de atividade encefálica
sincrônica (padrões de EEG de grande amplitude), podendo ser generalizadas (envolvem
todo o córtex) ou parciais. Naquelas, a consciência é perdida, enquanto todos os grupos
de músculos podem ser estimulados tonicamente (contínua) ou clonicamente (com
espasmos rítmicos), ou por ambos em sequência.

O sono é um estado facilmente reversível de reduzida responsividade ao


ambiente. Ele tem fases: sono REM ou paradoxal, no qual o corpo (exceto os músculos
dos olhos) está imobilizado (atonia muscular), e sono não-REM ou de ondas lentas, no
qual a tensão muscular está reduzida em todo o corpo e o movimento é mínimo, porém
possível, geralmente para ajustar a posição corporal. O consumo de energia está
reduzido no sono não-REM, com aumento na atividade parassimpática e consequente
redução da frequência cardíaca, respiração e da função renal, enquanto os processos

139
digestivos aceleram. O encéfalo também parece repousar, com queda na taxa de uso de
energia e nas frequências de disparo de seus neurônios. No sono REM predomina
atividade simpática e as frequências cardíaca e respiratória aumentam e tornam-se
irregulares, com alto consumo de oxigênio pelo encéfalo.

Locomoção
Vídeo indisponível
Filipe Comba Gomes
Guilherme Nobre de Oliveira
Para que descrevamos os padrões motores normais e anormais presentes no
cotidiano de uma família normal, além de identificar como funciona a atividade cerebral
na execução de movimentos delicados e complexos, temos que primeiramente
identificar três coisas: o mecanismo responsável por executar movimentos autônomos
do dia a dia, como marcha e agachamento do corpo; os mecanismos corticais
responsáveis por executar movimentos delicados; e a forma com a qual esses dois
mecanismos conseguem associar experiências à memória de longo prazo.

O cerebelo é responsável pelo controle da execução de movimentos autônomos


como a marcha, além de ter vias responsáveis pela correção desses movimentos. O
processo se inicia nos núcleos profundos cerebelares, que enviam fibras musgosas e
trepadeiras para constituir a alça excitatória. As fibras musgosas transmitem o sinal de
informações proprioceptivas advindas das regiões corticais motoras para as células
de Purkinje, isso quando um movimento já está em curso intencionado. As fibras
trepadeiras fazem a retransmissão da mensagem proprioceptiva, caracterizando o
movimento real, informando sobre a retroação sensorial do movimento já iniciado, de
forma a produzir uma redução longa nas respostas das células de Purkinje às aferências
das fibras musgosas. As células de Purkinje serão responsáveis por comparar
informações provenientes das fibras musgosas (movimento intencionado) e das
trepadeiras (movimento real), o que origina a detecção do erro motor, de forma que as
células de Purkinje fazem a correção das aferências cerebelares para outros
componentes do próprio sistema motor

140
Quando algum exercício é repetido algumas vezes, é formada uma memória de
curta duração, na estrutura do córtex cerebelar; porém, se a prática desse determinado
movimento é feita de forma sucessiva e repetitiva, temos a formação de uma memória
de longa duração, ou a longo prazo, de forma que as informações de circuitos neurais
responsáveis por tal movimento migram para o núcleo vestibular para executar tal ação.
Podemos associar essas diferentes formas de aprendizagem e execução com o ciclo da
vida representada pelo vídeo. Nos primeiros anos de vida temos um córtex com poucos
circuitos neurais, os quais serão formados de acordo com a vida do indivíduo, uma vez
que a cada experiência, devido à enorme capacidade associativa do bebê, vão se
formando cada vez mais circuitos neurais responsáveis por executar a ação em questão;
e é por isso, além dos problemas musculares, que a criança tem muitas dificuldades em
executar todo tipo de movimento durante os primeiros períodos de vida. Ao decorrer
do nosso envelhecimento, temos também o envelhecimento gradativo do nosso sistema
nervoso, de forma que diversas estruturas vão sendo afetadas. Podemos ter como
exemplo qualquer lesão ou envelhecimento de tecidos nas vias vestibulares, que irão
gerar problemas de equilíbrio, de movimentação e de postura, que são extremamente
comuns nos idosos, e isso é demonstrado no vídeo no corte que mostra o andar
vagaroso e trêmulo do idoso.

Essas diferentes formas de processar informações também podem ser


observadas durante a segunda parte do vídeo, no qual temos a execução de movimento
motor fino, que exige um certo nível de habilidade, no decorrer do tempo. A parte do
córtex responsável pela execução motora de movimentos mais delicados é o córtex
motor primário, de forma que esse córtex motor primário modula ações dos neurônios
motores e interneurônios e de neurônios da medula espinhal, para movimentos
complexos e precisos. As vias laterais, mais especificamente, são as responsáveis por
transitar com essa informação, levando-a do córtex motor primário até os músculos
distais: neurônios desse trato passam pela cápsula interna, cruzam o pedúnculo cerebral
e cruzam na decussação das pirâmides, e descem pela medula em direção aos neurônios
motores. A prática de algum movimento específico, atrelado a muitas repetições e
treino, leva essa região do cérebro, o córtex motor primário, a fazer duas coisas
fundamentais ao aprendizado: fazer com que esses circuitos neurais se tornem

141
memórias de longo prazo, e facilitar cada vez mais o caminho das sinapses, de forma
que elas ocorram da forma mais rápida possível, e é isso que chamamos de plasticidade
neural. Isso explica o fato de idosos conseguirem executar tarefas complexas mesmo
com o decorrer da idade; temos diversos vídeos na internet de idosos tocando piano,
por exemplo, mesmo em situações de doenças neurais.

Tudo que foi descrito até o momento gira em torno de uma coisa, a memória,
responsável pela simples execução da maioria das tarefas diárias sem que haja nenhum
esforço excessivo, ou seja, tudo é feito de forma automática. Porém, para que toda a
atividade aprendida durante o dia seja fixada pelo nosso córtex, o sono é extremamente
necessário, ou seja, o sono é fundamental para a fixação dos circuitos neurais, e isso
explica o fato dos bebês terem muitas horas de sono.

Marcha Humana: ciência e humanidade


Vídeo Indisponível

Otávio Monteferrante
Ronaldo P. Brito Filho
Acordo às 06:00, aquela indisposição recorrente de todos os dias me vem como
uma oração ao padre, levanto como se carregasse a pedra de Sísifo, faço um café,
amargo, o corpo acorda num lapso, brevemente, a ducha ajuda a levantar a pedra até o
ápice da montanha, não por muito tempo, um ou dois pães de queijo, nem me lembro
ao certo, escovo os dentes e pronto, vou para a faculdade com a mesma relutância que
a criança é levada à força a tomar vacina. É bem possível que boa parte dos meus caros
companheiros de classe se identifiquem com essa rotina, não importa o palco principal
onde ela ocorra, seja nos apartamentos ou repúblicas, é quase imperativo que essa
sequência de eventos ocorra diariamente. Isso, graças a um circuito fino neural que por
meio de diversas e complexas interações dão ao indivíduo a capacidade de se
locomover, pensar e agir. Destacando acima de tudo o sistema nervoso autônomo,
marcapassos cerebrais, respiratórios, cardíacos e que sabidamente são modulados pelo
nosso córtex frontal.

142
A partir desses complexos circuitos são definidos padrões motores presentes no
ciclo vigília-sono que podem fugir da normalidade e gerar disfunções no sistema do
indivíduo como um todo. Desde a simples execução da marcha, por exemplo, temos
diversas variações que estão condicionadas a múltiplos fatores e intempéries, por assim
dizer, como a idade do indivíduo, o solo no qual é realizada a atividade e até o estado
de concentração durante a execução. Tudo isso, apesar de nos passar despercebidos no
esvair do tempo, durante uma pandemia em que devemos ficar reclusos dentro de
nossos lares e acabamos por ficar reclusos dentro de nós mesmos, começamos a pensar
de formas diferentes o que nos sempre foi servido de forma automática.

Pensando filogeneticamente na simples capacidade da marcha, passamos por


milhares de anos de evoluções e por alguns reinos (monera, protista, fungi e plantae)
até chegar a um no qual alguns dos seus representantes fossem capazes de realizá-la, o
reino animal. Este, que nos sugou muito durante os anos afincos no cursinho com
diversos nomes e complexos mapas mentais, guarda em si fantásticas capacidades que
nos tornam únicos, afinal, se não pudéssemos nos locomover, o que seria de Fidípides,
ateniense que marchou até Esparta para buscar ajuda antes da batalha de Maratona
para salvar seu povo? O que seria de Sócrates que tinha no cerne da sua filosofia o
simples ato de marchar e pensar? E o mais importante, o que seria de nós sem a típica
“marcha ao bandeijão’’ no sol de Ribeirão? Brincadeiras à parte, uma atividade que
realizamos sem pensar é o sustentáculo para o que fomos, somos e o que seremos, e
suas múltiplas variações devem ser entendidas a fundo, afinal, não seríamos o que
somos sem ela.

Nesse sentido, antes de tudo, devemos entender a marcha como uma sequência
de movimentos:

Etapa flexora: balanço é iniciado

Primeira etapa extensora: ainda durante fase de balanço

Segunda etapa extensora: primeiro contato com o solo

Terceira etapa extensora: contato é consolidado

143
Além disso, tal capacidade é possível através dos centros geradores de padrão
que estão na medula espinhal e que atuam no controle dos músculos extensores e
flexores sem necessidade de componentes sensoriais. Embora a maior parte das vezes
seja automático, há situações em que os componentes sensoriais indicam para o córtex
motor, tronco cerebral ou cerebelo que uma atividade motora deve ser realizada para
garantir a integridade do organismo.

Nesse sentido, por meio de uma análise superficial sobre a marcha humana,
temos que esta conduz a humanidade; mesmo que um gesto realizado de maneira tão
irracional, por vezes, já que se tornou automático, é ele quem nos faz únicos e indivíduos
ainda mais racionais; a marcha do indivíduo coincide com a marcha evolutiva da
humanidade numa simbiose indissociável e maravilhosa!

Aprendizagem motora
Vídeo disponível neste hiperlink
Gabriel Coura Dias
Miguel Vianna de Souza
Desde o nosso primeiro momento de vida, estamos
constantemente aprendendo através da prática, da observação e do erro. No vídeo,
tentamos evidenciar, de forma descontraída, como a prática está relacionada à
capacidade de realizar atividades com mais facilidade e, em certos níveis, até de forma
“automática”. Em um primeiro momento, é representado um idoso, com pouca ou
nenhuma afinidade pela digitação em teclado de notebook, que apresenta dificuldade
em encontrar o posicionamento de cada letra. Em um segundo momento, é
representado um jovem de 20 anos, com mais prática na utilização de um computador.
Ele já adquiriu a noção espacial de como é a disposição das teclas e a posição de suas
mãos sobre o teclado, sem precisar conferir visualmente, utilizando-se do sistema visual
para acompanhar o que está sendo digitado e realizar as devidas alterações no
posicionamento dos membros em relação ao teclado. Por fim, satirizamos a imagem de
uma criança que passa grande parte do seu dia jogando em um notebook, a qual não

144
somente é capaz de digitar em alta velocidade sem olhar para o teclado, mas também
consegue realizar outras atividades simultaneamente.

No fim, o que nós queremos ilustrar com a postura corporal e as


ações dos indivíduos representados, é como a atenção e a memória motora
interagem com comportamentos do dia a dia. A atenção direcionada a uma atividade
muda conforme a situação do indivíduo, regulada através da atividade elétrica cerebral.
No exemplo apresentado, a atenção é primeiramente voltada à posição das teclas e,
depois, com a memorização dessa etapa, o foco passa a ser no que está sendo digitado,
para que haja correção postural de quaisquer erros. No último momento, nós temos o
que se aproxima da ideia de “piloto automático”, ou seja, realizar uma atividade sem
precisar direcionar o foco para sua execução. Além disso, também incluímos as
diferenças de idades como fator de aprendizado, uma vez que há maior plasticidade
cerebral em crianças pequenas. Isso nos faz compreender melhor como elas
conseguem aprender o idioma nativo ou, em certos casos, até se
tornarem bilíngues, apenas pela absorção de informação do ambiente em que vivem, e
como aprender uma língua nova é um processo demorado e trabalhoso conforme
envelhecemos.

De forma análoga, temos a respiração. Não é necessário


que direcionemos nossos esforços para a realização de cada etapa do processo de
respirar, apenas o realizamos naturalmente graças ao sistema nervoso autônomo. É
graças a ele também que nós já nascemos com a habilidade de respirar e, devido à ação
do córtex frontal, aprendemos a adequar nossa respiração para diferentes situações.
Aprendemos pela observação ou por experiências próprias que nossa frequência
respiratória é reduzida em estado de repouso e é aumentada durante e após atividades
físicas de alta intensidade. E essa regulação acontece também sem que nós precisemos
pensar em como fazê-la. O mesmo vale para a marcha: nós possuímos estruturas
conhecidas como “geradores centrais de padrão”, sendo um deles específico para a
marcha, que adapta nosso movimento para diferentes tipos de solo, diferentes
inclinações e velocidades sem que eu precise parar e me programar para como tais
movimentos serão realizados.

145
Um dos principais componentes de todo esse processo é o cerebelo, tendo
como sua função principal a de detectar diferenças ou “erros motores”
entre o movimento pretendido e o movimento apresentado. Ele integra, por
exemplo, o sistema auditivo, visual e sensitivo ao sistema motor para que possamos
desviar de objetos, nos afastar de substâncias perigosas, nos posicionar
tridimensionalmente no nosso cérebro para nos proteger de diversas situações. Essa
característica é reforçada pelo sistema de feedback, que nós desenvolvemos
involuntariamente ao queimarmos a mão pelo calor quando cozinhamos ou pelo frio ao
segurar uma garrafa gelada ou por exposição direta ao gelo em países de clima gélido.
Conseguimos, portanto, assimilar horas do dia ou épocas do ano a
determinadas temperaturas. Sabemos que temos menos energia quando está frio,
devido à queima de energia para manutenção da temperatura corporal, mas em
nenhum momento precisamos parar para realizar a atividade de queima de ATP por via
respiratória para então regular a temperatura do corpo. Isso é um dos pontos que
mostra o quanto o corpo humano é complexo e, ao mesmo tempo, funciona de forma
simples devido à adaptação pelo meio ambiente durante milhões de anos de evolução.

Atividade cerebral ao violão


Vídeo disponível neste hiperlink
João Pedro Vilela de Rezende
Vinícius Borges Lima
No novo contexto em que fomos submetidos pela pandemia do Coronavírus,
a ocorrência de mudanças no nosso cotidiano foi inevitável. Isso nos trouxe para uma
esfera que, para muitos, ainda não tinha sido amplamente explorada, mesmo vivendo
com ela desde o nascimento.

O isolamento social e, também, o maior tempo em casa, fez com que as pessoas
buscassem se conhecer melhor, sendo necessário, para isso, mergulhar em águas
obscuras na imensidão da nossa mente e, muitas vezes, se redescobrir. Há relatos
de muitas pessoas que buscaram ocupar o tempo antes ocupado no trânsito ou nas
compras com atividades que eram sempre adiadas por não se ter tempo para realizá-

146
las, como ler um livro que foi tão bem recomendado, assistir aquela série nova ou
aprender a tocar algum instrumento musical.

A habilidade de tocar um instrumento musical se apresenta como uma


opção muito interessante e requer uma série de ações do nosso cérebro que funcionam
de forma integrada. Essas ações são tão diversas que há algumas que podemos
descrever facilmente quando estamos tocando, mas outras ocorrem de forma
automática e se não focarmos na sua realização podem passar despercebidas. Além
disso, podemos mudar a nossa forma de olhar e não buscar visualizar somente nas
ações, mas também na ativação cerebral para cada movimento e situação. Em ambos
os parâmetros podemos notar uma ampla ativação e desencadeamento das ações
ocorrendo de forma combinada.

Atualmente, já é muito comum o procedimento neurocirúrgico em que o


paciente é acordado durante a cirurgia e realiza ações durante a ressecção de uma parte
do encéfalo, seja um tumor ou um foco epiléptico. Isso é feito com intuito de obter uma
maior exatidão na ressecção e não atingir nenhuma área controladora. Há diversos
relatos de pacientes que eram músicos, acordados tocaram o instrumento durante o
procedimento para que nenhuma área relacionada com a ação fosse afetada, evitando,
assim, sequelas físicas e, principalmente, emocionais.

No vídeo apresentado, podemos notar a interpretação do Tema da Vitória, do


maestro Eduardo Souto Neto, no violão. A música desencadeia diversos sinais
de ativação no nosso cérebro e a canção instrumental que foi interpretada ficou
eternizada na mente de muitos brasileiros como o som das vitórias do piloto de fórmula
1, Ayrton Senna, trazendo consigo uma memória emocional muito grande em pessoas
que puderam vivenciar as vitórias do piloto já falecido.

No desencadear da ação relacionada com tocar o violão podemos


observar, inicialmente, uma ativação da área motora para o controle preciso dos
movimentos dos dedos e das mãos, sendo esses de forma diferente para cada uma das
mãos, pois, como vimos no vídeo, a mão esquerda está envolvida com os acordes e a
mão direita está controlando o ritmo. Para conseguir integrar o movimento de ambas

147
as mãos, há uma ativação das redes envolvidas com a memória para que a harmonia da
música possa ser recordada e possa caminhar em conjunto com os eventos motores.

Além disso, há uma ativação da área somatossensitiva para que o músico


possa identificar se está pressionando a corda, a intensidade que está pressionando, ou
se está com o dedo entre as cordas. Para complementar essas ações de orientação dos
movimentos é preciso, muitas vezes, a ativação das áreas corticais relacionadas com a
visão para que o músico possa olhar em que casa está tocando. Ainda há um sistema
que está ativado constantemente enquanto estamos tocando, que é o auditivo,
associado principalmente com atividades emocionais.

Como dito acima, a música carrega consigo uma grande carga emocional, e
momentos na nossa vida são marcados na nossa memória com trilha sonora, como a
música que sua mãe ficava cantarolando durante o dia quando você era criança, a
música que descreve a história de um casal ou a música que te remete a um ente
querido falecido. Com isso, podemos imaginar que o sistema límbico é muito ativado
quando estamos ouvindo o que tocamos, atuando na associação das memórias afetivas
que tínhamos anteriormente àquele momento, invocando inúmeras emoções.

Tocar um instrumento pode ser entendido como uma forma de recompensa pelo
nosso encéfalo, onde o Sistema de recompensa é ativado e descargas de dopamina
são liberadas quando estamos praticando essa ação.

Além dessas diversas ações, podemos citar algumas que funcionam de forma
automática durante o nosso dia a dia, não sendo diferente do músico
que está interpretando a canção, que é a ativação dos centros respiratórios,
desencadeando e controlando os movimentos de inspiração e expiração. E ainda, o
controle da frequência cardíaca, que está continuamente sendo modulada pelas
divisões do Sistema Nervoso Autônomo, ocorrendo a todo momento no nosso
organismo.

Por fim, vemos que, aperfeiçoar ou aprender a tocar um instrumento durante


esse momento de isolamento social, pode ser uma alternativa que contribui para
bloquear diversos malefícios que podem nos acometer, podendo ser útil como

148
ferramenta terapêutica e também como forma de integração e aumento da precisão
dos movimentos. Caso uma tomografia por emissão de pósitrons pudesse ser realizada
em um músico que estivesse tocando um instrumento durante o exame, como o violão
no vídeo, veríamos que há grande parte do cérebro em alta atividade e de forma
integrada durante a ação.

Adaptação do Movimento à Nova Realidade


Vídeo disponível neste hiperlink
Eduardo Antonio Bombonatti
Eduardo Pavarino
Com a adaptação das atividades cotidianas para atender às medidas de
isolamento propiciadas pela pandemia de COVID-19, passamos a ficar quase totalmente
dentro de nossos lares. Dessa forma, transformamos rotinas cercadas de movimentos
(como andar pelo campus da USP, subir e descer escadas, abaixar para pegar objetos e
fazer exercícios físicos muito dinâmicos como uma corrida ao final do dia) em rotinas
monótonas do ponto de vista mecânico. Dividimos nosso tempo em executar atividades
de manutenção do lar (talvez as únicas que demandam maior coordenação motora), de
estudo ou trabalho e de descanso. Assim, ficamos, na maior parte do nosso dia, sentados
ou deitados, seja em frente ao computador ou em sofás e camas, nos movimentando
pouco.

Consequentemente, o nosso sistema nervoso busca formas de se adaptar à nova


realidade, reforçando circuitos que são mais requisitados pela nossa demanda cerebral
em detrimento de circuitos que comandam e modulam atividades que deixam de ser
priorizadas e executadas frequentemente. Dessa forma, sentimos nossas musculaturas
axial e apendicular menos eficientes ao desenvolvermos atividades antes comuns, como
escrever com caneta e papel (em contraste à utilização de computadores e interação
por meio de teclados) e abaixar para buscar algum objeto caído no chão.

No caso dos membros superiores, apesar de sempre serem constantemente


utilizados por seres humanos, durante o cenário do isolamento social, elevamos a
frequência com que usamos computadores e outros dispositivos digitais que possamos

149
interagir e comandar por meio de teclados físicos ou virtuais. Assim, adaptamos nosso
uso muscular para movimentos diferentes daqueles que executávamos no cotidiano
pré-COVID-19: a escrita com caneta e papel que demanda movimentos temporalmente
contínuos e espacialmente diversos (vide as diferentes configurações das letras do
alfabeto e o tempo que levamos para desenhar uma letra) cede lugar aos apertos
discretos (isto é, espacialmente bem localizados e temporalmente quase instantâneos)
de botões de mouses e teclados. Isso provoca perda de coordenação motora quando
tentamos voltar à escrita manual (com caneta e papel, digo), requerendo maior atenção,
concentração e esforço do sistema nervoso para atingirmos resultados desejáveis e
esperados.

Já nos casos de convocação de musculatura axial, como das costas, e da


musculatura apendicular inferior, como no caso do quadríceps, notamos mais
intensamente os impactos da quarentena sobre a regulação da dinâmica corporal
exercida pelo sistema nervoso. Em um cenário hipotético, exemplificado no vídeo
submetido para avaliação, nós exploramos o recrutamento desses diferentes
grupamentos musculares ao abaixar para pegar um objeto no chão, no caso um pequeno
frasco de colírio. Ilustramos, nessa cena, o impacto da perda de tônus muscular
propiciada pela queda de níveis de frequência de exercícios físicos na quarentena e que,
por sua vez, criou dificuldades adicionais à execução do movimento de projeção anterior
do tronco para alcançar o frasco de colírio e, em seguida, ao recrutamento de outros
músculos para executar a projeção posterior do tronco e retornar à posição inicial de
postura neutra.

Soma-se a esta cena do vídeo a adaptação do sistema vestibular e de


coordenação do equilíbrio (feito, também, com auxílio do cerebelo) ao assumirmos
posturas diferentes daquelas que nosso corpo mantém com maior frequência ao
ficarmos tanto tempo em casa: sentados (perpendiculares ao solo) e deitados (paralelos
ao solo). Logo, quando passamos muito tempo sentados em uma cadeira ou deitados
lendo um livro e decidimos nos levantar rapidamente da cadeira ou da cama, sentimos,
além do corpo mais “pesado” (graças à perda de tônus muscular), uma leve tontura,
provocada pela adaptação do sistema nervoso às posturas assumidas com maior

150
frequência. Esse sinal evidencia o poder de adaptação dos circuitos neurais que afetam
a propriocepção e os mecanismos de manutenção do equilíbrio.

Tênis de Mesa, um esporte democrático


Vídeo disponível neste hiperlink
Gustavo Manoel Brandão
Gustavo Wander Lemos
A modalidade do tênis de mesa é um dos esportes mais democráticos que
existe. Isso ocorre porque não depende de altura, não depende de força, mas somente
de aprendizado de tarefas motoras complexas, que podem ser treinadas e memorizadas
através da exaustiva repetição. Grande parte das competências do esporte depende da
habilidade para colocar a bolinha na mesa. Assim, o treino visa justamente automatizar
o movimento para que haja o mínimo de erros e a bola, após o choque com a raquete,
seja colocada com precisão na mesa. As outras habilidades do esporte dependem da
velocidade dos reflexos entre olhar a bolinha, decidir, planejar e executar o movimento,
além, é claro, da resistência muscular e eficiência cardiorrespiratória para suportar as
possíveis sequências de bolas ou o “rally” que podem acontecer durante um jogo.

O primeiro segredo do esporte e um dos passos mais fundamentais é o


controle da postura correta. No tênis de mesa, para executar um movimento correto, é
exigida uma rotação do tronco e dos braços para aumentar a força do impacto da
bolinha na raquete, sendo que para isso ocorrer é, necessária uma postura correta.
Neste esporte, é necessário que haja um abaixamento do centro de gravidade com um
agachamento leve e abertura das pernas (aumento da base de suporte) para evitar que
o atleta caia durante a rotação do corpo. o controle dinâmico da postura depende da
integração de 4 sistemas, o visual, vestibular, proprioceptivo e muscular, sendo que
nesse caso, para manter o equilíbrio na postura correta, os núcleos vestibulares
inicialmente recebem aferências principalmente do órgão otolítico do aparelho
vestibular, já que há uma inclinação da cabeça nessa postura. Além disso, os núcleos
vestibulares também recebem aferências de outros órgãos sensoriais, incluindo
cerebelo e sistemas sensoriais somáticos (propriocepção) e visual, combinando, desse

151
modo, a informação vestibular aferente com os dados sobre o sistema motor e de outras
modalidades sensoriais. Após isso, o núcleo vestibular se projeta para vários alvos
rostrais a esse, no tronco encefálico, e caudais, na medula espinhal. Por exemplo, se
projetam para o núcleo vestibular lateral, o qual se projeta, então, via trato vestíbulo-
espinhal, aos neurônios motores espinhais que controlam os
músculos dos membros posteriores, auxiliando na manutenção da postura.

O segundo passo do esporte, durante uma jogada em que a bolinha se


encaminha na direção do atleta, se refere principalmente a percepção visual da
trajetória da bolinha. Conforme a bolinha avança, a retina recebe sinais que passam
pelo nervo óptico, passando pela projeção talâmica e por fim se encaminha para o
córtex occipital. A partir do córtex occipital, o sinal se encaminha em sentido dorsal em
direção ao lobo parietal, levando ao processamento da imagem e determinação da
trajetória da bolinha. Outra importante função da visão, para a estratégia do esporte, é
conseguir determinar a direção da rotação da bolinha, mesmo que ela esteja vindo com
uma grande velocidade, já que o tipo de rotação irá determinar o tipo de
movimento adequado.

O terceiro passo corresponde ao planejamento do movimento e execução.


Esse passo corresponde ao principal motivo de que o tênis de mesa seja considerado o
segundo esporte com mais estratégia, atrás somente do xadrez. Diferentemente do
tênis de campo, a bolinha, em nível minimamente amador, sempre irá retornar com
curva. Portanto, caso a decisão do planejamento do movimento seja a incorreta para o
tipo de giro da bolinha, muito provavelmente ou a bolinha irá bater fora da mesa ou
ficará muito fácil para o oponente fazer o ponto. Primeiramente o córtex pré-
motor (área 6 de Brodmann) recebe as aferências sensitivas do córtex parietal, que
processa informações sensitivas, entre elas a visual do tipo de rotação da bolinha,
levando a decisão de qual o tipo de movimento que será realizado. Depois, na área
suplementar, há o planejamento do movimento que será realizado, com a posterior
ativação do córtex motor. Do córtex, através de projeções cortico-espinhais, passando
pela regulação motora do tálamo e dos núcleos da base, a via atinge os tratos espinhais
descendentes, chegando no neurônio motor alfa. O neurônio motor alfa leva o impulso
para os músculos dos braços, do tronco e das pernas levando a flexão de grupos

152
musculares específicos, com um determinado grau de força para a execução do
movimento.

Mais especificamente no processo de treinamento e repetição da extensão-


flexão do braço, é necessário adquirir um ritmo de um padrão de movimento, que com
a repetição, ganha memória. Apesar do córtex ser o responsável por determinar a
intenção e a preparação do movimento, os núcleos da base, em associação com o
tálamo, são os grandes responsáveis por determinar essa “memória rítmica”, já que são
responsáveis pela execução automática de programas motores já aprendidos, além de
controlar a amplitude e velocidade do movimento. Quando o estímulo eferente sai do
córtex motor primário e/ou secundário, ele atinge o putâmen. A partir do putâmen há
uma rede de conexões entre globo pálido, substância negra e núcleo subtalâmico, que
estimulam e inibem algumas atividades como forma de regular o movimento. Depois
dessa rede, esses feixes se encaminham para o tálamo e, posteriormente, para a medula
espinhal a fim de se direcionar aos músculos-alvo.

O último passo importante para o esporte é a movimentação das pernas


para se movimentar na mesa, para frente, para trás e para os lados, fazendo com que o
alcance do braço seja suficiente para acertar a bolinha. Para que a coordenação correta
entre a flexão e a extensão correta de determinados músculos ocorra, é necessária a
atuação dos neurônios motores inferiores, os geradores centrais de padrão. Esses
circuitos conseguem coordenar o movimento não só porque possuem interneurônios
com propriedade marca-passo intrínseca, mas também porque possuem uma rede de
conexões neuronais que articulam o movimento. O circuito medular de locomoção
(gerador central de padrão) começa quando uma entrada
constante excita os interneurônios ligados aos neurônios motores flexores e extensores
da perna. Ademais, os sinais desses interneurônios se alternam porque eles se inibem
mutuamente, devido a outro circuito de neurônios inibitórios. A consequência disso é
que os músculos flexores e extensores se alternam ritmicamente, levando à
locomoção.

153
Mantendo a postura
Vídeo disponível neste hiperlink
Gabriel de Araújo Torres
Thiago Oliveira da Silva
Vitoria Correa Dias Vernalha
Os complexos sistemas que modulam a movimentação do corpo humano
permitem que esse se adapte a quase qualquer situação ambiental que produza um
modo de vida sob esse corpo. Ou seja, a modulação do movimento não só é realizada a
partir de um sistema isolado, como o telencefálico, o qual é responsável por modular a
movimentação voluntária, mas por uma conexão entre diferentes sistemas que, por
exemplo, transformam movimentos repetitivos do dia a dia, em algum momento
produzidos de maneira voluntária, em movimentos automáticos, em razão dessa
tendência a adaptação e a formação de padrões que beneficiem o bem-estar do corpo
em questão.

Assim, ao se considerar a formação do corpo humano, desde seu estado


embrionário, até a fase de máxima estruturação de seus sistemas motores, há de se
considerar um crescente refino dessas interconexões entre sistemas, para que o
movimento se torne cada vez mais preciso em relação ao objetivo que se quer alcançar.
Por exemplo, se nos primeiros meses de vida, uma criança sente dificuldade em realizar
o movimento de caminhada, mais tarde, esse padrão de flexão e extensão passa a
ser armazenado como memória muscular, sendo cada vez mais facilmente acessado, de
maneira cada vez menos perceptível. Esse padrão de comportamento dos nossos
sistemas locomotores torna mais fácil nossa adaptação a mudanças bruscas de relevo,
que podem causar desequilíbrios, tornando evidente o fato de que é mais difícil para um
adulto escorregar e cair no chão, do que para uma criança restabelecer o
equilíbrio antes que a colisão com o solo aconteça.

Dessa forma, estudos mapeiam o processo de desenvolvimento motor de modo


a atribuir à primeira fase motora do corpo, a fase motora reflexiva, em que se registra a
primeira forma de desenvolvimento da locomoção: a resposta a reflexos. A segunda
fase (Fase rudimentar), presente em crianças de 1 a 2 anos de nascimento, é o período

154
de formação de movimentos caracterizados pelo aparecimento de frequências
previsíveis, envolvendo ações estabilizadoras e tarefas manipulativas. Essa fase possui
as primeiras aparições dos movimentos voluntários e raciocinados, porém longe
de uma complexidade alta, e ainda rudimentares em termos de memória.

A terceira fase ocorre em crianças de 2 a 3 anos até por volta dos 6 a 7 anos. Tal
período se caracteriza pelo aparecimento dos movimentos fundamentais nos quais as
crianças pequenas estão envolvidas ativamente na exploração e na experimentação das
capacidades motoras de seus corpos, com uma precisão e complexidade mais maduros.
A última fase se dá a partir dos 7 anos, e é nomeada
fase de movimentos especializados, em que as habilidades estabilizadoras, locomotoras
e manipulativas fundamentais são progressivamente refinadas, combinadas e
elaboradas para o uso em situações crescentemente exigentes

Quanto mais o corpo experiencia situações que explorem diferentes nuances de


movimento e sincronia corporal, mais especializado ele se torna. Ao mesmo tempo,
quanto mais experiências, também se destacam aqueles movimentos que mais se
repetem. Os movimentos repetitivos são controlados a partir da medula,
independentemente do telencéfalo.

Para se ilustrar com um exemplo, tem-se o movimento da marcha, o qual


caracteriza o ato de se caminhar ou correr. Esse movimento, apesar de ser voluntário,
pode-se realizar no momento em que o cérebro achar mais pertinente. É também
automático, não sendo alterado se a atenção do indivíduo se voltar a outra coisa no
ambiente.

O movimento da marcha, como os outros movimentos rítmicos e fixados,


é controlado pelas redes neurais da medula a partir de um gerador central de padrão
(CPG), o qual é responsável por formar um padrão rítmico de atividade locomotora sem
atividade sensorial fásica de receptores da periferia. Esse sistema é, portanto, capaz de
gerar 4 fases que variam entre extensão e flexão alternadas para que enquanto uma
perna é flexionada, a outra funcione como um apoio de equilíbrio para o corpo. Dessa
forma, a sequência desse movimento é precisamente ordenada para acontecer de
forma antagônica em músculos e membros correspondentes.
155
Vale ressaltar também a modulação do movimento pelo sistema visual, o qual
por exemplo, gera a informação visual sobre o tamanho e a localização de um obstáculo,
processa essa durante a aproximação do obstáculo, e a estoca como memória de
trabalho, uma forma de memória de curta duração, para guiar as pernas.

Esse mesmo mecanismo é usado quando, por exemplo, vamos subir ou descer
uma escada, momento no qual podemos olhar e programar a subida, sendo até
automático quando já calculamos o quanto temos de levantar os pés, a distância entre
os degraus. Chega-se a um ponto em que não precisamos mais olhar para a escada para
subir ou descer. Além disso, vale ressaltar a importância do cerebelo para a modulação,
em que sinais descendentes do tronco cerebral e do córtex motor iniciam a locomoção e
ajustam os movimentos da marcha às necessidades de locomoção do indivíduo.
O cerebelo recebe essas informações, processa as sinalizações corretivas e as envia a
vários núcleos do tronco encefálico. Acredita-se ainda que o cerebelo possa estar
associado ao movimento de “navegação”, ou seja, o movimento espacial.

A respeito do vídeo produzido por nós, tivemos como inspiração o próprio corpo
como um laboratório, para que se fossem estudados os aspectos do controle do
movimento. Em decorrência disso, quisemos representar o cotidiano de trabalho de
uma pessoa em situação de quarentena, fazendo home-office ou trabalhando com
temas acadêmicos, tentando manter uma postura saudável, para evitar futuras
dores nas costas, por exemplo. No entanto esse controle específico da postura não se
trata de um movimento automático, mas de uma ação executada de maneira
consciente, o que exige uma constante manutenção da postura. Dessa forma, esse
controle da postura não consegue ser mantido durante todo o tempo de atividade. O
que ocorre de maneira automática é o posicionamento do corpo de
maneira mais confortável e menos saudável – a qual é representada no fim do vídeo,
quando o Gabriel finalmente não consegue manter o controle do corpo e se entrega ao
conforto.

156
Aprendendo algo novo
Vídeo disponível neste hiperlink

Letícia Chagas Rocha


Luciana Mami Kiam
Raquel Assumpção Sodré Matias de Lima
A) Relato de experiência:

“A solidão e o silêncio da quarentena abriram portas à minha criatividade. Há


muito desejava continuar meus estudos no violão e no ukulele, que até então tinham
sido ínfimos. Neste meio-tempo, a oportunidade perfeita veio com a atividade de
neurofisiologia. Logo que li a proposta, veio-me à mente a ideia de mostrar o impacto
do aperfeiçoamento na atividade motora de tocar um instrumento. Me desafiei a tocar
a mesma música durante sete dias, sempre na tentativa de melhorar o som produzido a
fim de torná-lo mais fidedigno à canção e mais melódico.

No primeiro dia, assisti a um vídeo-tutorial ensinando os acordes, as posições dos


dedos da mão esquerda em determinadas casas, as sequências dos dedos da mão direita
que eu deveria tocar para produzir o som desejado, o momento de trocar de acorde... É
muita coisa para lembrar em um primeiro contato, ainda mais para quem tem pouca
experiência com o ukulele. Em algumas partes do vídeo gravado, meu esforço para
lembrar da sequência de notas seguintes que eu deveria dedilhar é perceptível, sendo
mostrado no vídeo como um breve silêncio, até que eu termine de idealizar o movimento
e este possa se concretizar.

Já no sétimo dia de treinamento diário, cerca de 3 vezes por dia, reparei que eu
não falhava mais em lembrar-me da sequência de movimentos que deveriam ser
realizados, e o ritmo estava mais adequado. Além disso, durante esses dias, comecei a
notar que algumas notas extras harmonizavam com a melodia, então introduzi-as na
música, tornando-a um tanto mais complexa, mais refinada do que no dia em que a
aprendi. O resultado é esse que você pode conferir no vídeo.”

B) Quanto ao controle do movimento:

157
Com relação ao planejamento e execução dos movimentos dos membros
superiores e mãos para tocar o ukulele, o córtex pré-frontal e o parietal posterior estão
relacionados à decisão de realizar cada movimento, de tocar cada nota. Ambos córtices
projetam-se para a área 6 de Brodmann, enquanto o comando motor, de fato, é dado
pelo córtex motor primário (área 4), que ativará determinadas regiões (de acordo com
o homúnculo de Penfield), levando a um movimento de braços, mãos e dedos, de modo
a realizar um controle fino dessas estruturas. Mais especificamente, o córtex pré-motor
pode ser dividido em AMS (área motora suplementar) e em área pré-motora. A área pré-
motora é condicionada por estímulos externos, sensoriais, como observar a posição dos
dedos e escutar a música, e a AMS é condicionada por estímulos internos, como a
memória do vídeo-tutorial assistido.

A seleção e iniciação dos movimentos oriundos da vontade do indivíduo, que no


caso foi reproduzir a música Anunciação do Alceu Valença, ocorre por meio das vias
direta e indireta dos núcleos da base. Em geral, a via direta estimula a iniciação do
movimento desejado, uma vez que a ativação proveniente de diversas áreas corticais é
afunilada ao chegar no putâmen, que leva à excitação da área motora suplementar
(AMS) pelo núcleo ventrolateral (VL) do tálamo. Por outro lado, a via indireta tende a
antagonizar essas funções motoras da via direta, de modo a suprimir programas
motores que competem e que são inapropriados. As informações do córtex passam
pelas vias direta e indireta em paralelo e, ao final, suas eferências regulam o tálamo
motor. Sugere-se que o sinal de “vai!” para um movimento desejado pelo indivíduo
ocorre quando a AMS é impulsionada até alcançar seu limiar em função da atividade
que passa por esse afunilamento dos núcleos da base.

O cerebelo tem um papel importantíssimo no aprendizado motor que envolve


multiarticulações e movimentos complexos: por meio das aferências provenientes da
medula espinhal, que formam as vias espinocerebelares, e de receptores periféricos, o
cerebelo é capaz de detectar o erro motor ao comparar o movimento desejado (que foi
planejado pela área 6 de Brodmann, córtex pré-motor) e o executado, e envia projeções
aos neurônios motores superiores no M1 (córtex motor primário), via retransmissão
pelo VLcaudal do tálamo, para instruí-lo sobre o tempo que se deve pressionar cada
corda e a força que deve ser exercida sobre ela para que saia o som desejado. Essas

158
predições do cerebelo são geradas pela retroalimentação sensorial e, portanto, pela
experiência da execução dos movimentos. Por isso, logo no início da aprendizagem de
uma nova música, os novos movimentos são realizados de forma descoordenada, sem
ritmo, e, à medida em que se aperfeiçoam os movimentos pretendidos, eles tornam-se
mais suaves, até chegar o momento em que é possível tocar uma música quase
inconscientemente, isto é, de forma automática. Esse é um processo que exemplifica a
geração de um programa motor, que gera as sequências de movimentos necessárias e
apropriadas sem a necessidade de um controle consciente.

C) Quanto à Atividade elétrica cerebral:

Os ritmos da atividade elétrica encefálica variam consideravelmente ao longo de


um dia e podem ser relacionados com os estados de comportamento. O encéfalo gera
ritmos diversos, que são agrupados por frequências e tem relação com as diversas
funções encefálicas. Por exemplo, as ondas delta (<4 Hz), lentas e de grande amplitude,
são características do sono profundo, enquanto as ondas mu (similares aos ritmos alfa,
8-13 Hz) são mais proeminentes em áreas motoras e somatossensoriais.

No caso de tocar um instrumento musical, é necessário (obviamente) estar em


estado de vigília, mas não apenas isso, o nível de foco e concentração deve ser alto.
Segundo Ray et al. (1), a atividade alfa reflete as demandas de concentração, enquanto
a atividade beta reflete os processos cognitivos, de atenção e pensamento ativos e
emocionais. Técnicas de eletroencefalografia (EEG) e magnetoencefalografia (MEG)
mostraram que a imaginação, observação e o aprendizado de performances musicais
são caracterizados por padrões peculiares de atividade cortical (2). A atividade motora
gerada parece ser marcada principalmente pelas ondas mu, enquanto a formação de
uma memória motora parece ser marcada por ondas teta. Por fim, a consolidação da
memória parece ser marcada por ondas ultra-rápidas gama (>80 Hz). Nesse caso, a
consolidação da memória foi auxiliada pela recapitulação diária, durante os 7 dias, dos
mesmos movimentos ao tocar a mesma música, e também pela alta qualidade do sono
durante o período de isolamento social.

159
REFERÊNCIAS

1. Ray WJ, Cole HW. EEG alpha activity reflects attentional demands, and beta activity reflects emotional
and cognitive processes. Science. 1985;228(4700):750-752. doi:10.1126/science.3992243

2. Babiloni C, Vecchio F, Infarinato F, Buffo P, Marzano N, Spada D, Rossi S, Bruni I, Rossini PM, Perani D.
Simultaneous recording of electroencephalographic data in musicians playing in ensemble. Cortex. 2011
Oct;47(9):1082-90. doi: 10.1016/j.cortex.2011.05.006. Epub 2011 May 19. PMID: 21664610.

“A Neurofisiologia do Thor”
Vídeo disponível neste hiperlink

Fernanda de Oliveira Esteves


Gabriela Rodrigues Ramos
Germana Martins Gomes
Inicialmente, Thor (o cachorro) está dormindo. O sono, tanto nos humanos como
nos cachorros, é dividido em sono de movimentos oculares rápidos (rapid eye
movements, REM, do Inglês) e não-REM, que possui vários estágios. Como não havia
movimento rápido dos olhos e ele não aparentava estar sonhando, provavelmente Thor
estava em sono não-REM. Assim, é provável que o EEG do Thor se caracterizaria por
ondas lentas e de grande amplitude. Em humanos, o sono não-REM se caracteriza por
um “encéfalo ocioso em um corpo móvel”, pois o corpo ainda é capaz tanto de se
movimentar como de fazer ajustes não posturais durante o sono. Contudo, o encéfalo
parece repousar com baixa taxa de uso de energia e com baixíssimas taxas de frequência
de disparo neuronal. Os ritmos lentos e de grande amplitude do EEG, no sono não-REM,
indicam que os neurônios do córtex estão oscilando em sincronia relativamente alta, e
experimentos sugerem que a maioria dos sinais sensoriais aferentes não podem
alcançar o córtex.

Thor acorda ao reconhecer que foi chamado pelo dono. O despertar ocorreu por
estimulação da via sensorial aferente auditiva. O som produzido pelo assobio gerou
ondas sonoras, que atingiram a membrana timpânica através da orelha externa e a
fizeram vibrar. Esse movimento gerou também a vibração dos ossículos da orelha média

160
(o martelo, a bigorna e o estribo, responsáveis pela amplificação do som) transmitindo
as informações de frequência e amplitude para a membrana oval, que faz conexão com
a orelha interna. O movimento do estribo desloca a perilinfa da escala vestibular e,
depois, da escala timpânica. O movimento da perilinfa gera movimento na endolinfa, o
que estimula as células ciliadas do Órgão de Corti a movimentarem seus cílios,
transformando energia vibracional em sinal elétrico. Seus axônios enviam impulsos
nervosos, pelo nervo coclear, aos núcleos cocleares, que enviam projeções bilaterais ao
colículo inferior, através do lemnisco lateral, podendo antes realizar sinapse na oliva
superior (pelo complexo olivar). O colículo inferior é o centro auditivo do mesencéfalo
e seus axônios podem se projetar ao corpo geniculado medial (tálamo) e depois para a
área auditiva primária (41) localizada no giro temporal superior, ou diretamente para
ela e depois para áreas auditivas secundária e terciária para a percepção consciente do
som.

Então, depois do som ser processado por toda essa via e ativar o córtex auditivo
primário, projeções são enviadas ao Sistema Ativador Reticular Ascendente, localizado
na formação reticular no tronco encefálico. Há projeções ao tronco cerebral,
provenientes, por exemplo, dos núcleos cocleares, muito antes de qualquer atividade
cortical acontecer. Os neurônios desse local, estimulados, aumentam sua taxa de
disparo em antecipação ao momento de acordar. Eles incluem células do locus
coeruleus, as quais contêm noradrenalina, células contendo serotonina dos núcleos da
rafe, células contendo acetilcolina do tronco encefálico (aumenta os sinais de ativação
cortical) e prosencéfalo basal e neurônios do mesencéfalo que utilizam histamina como
neurotransmissor. Todos esses neurônios estabelecem sinapses diretamente em todo o
tálamo, córtex cerebral e encéfalo, aumentando sua excitabilidade e a supressão de
formas rítmicas de disparo. Essas sinapses são responsáveis pelo ato de “acordar” do
Thor, como no vídeo, e dos humanos também.

Depois de acordar, meu pai brinca com o Thor. Ele foi educado, por anos, a
realizar certas ações em resposta a comandos, que ativam vias sensoriais do Sistema
Nervoso e acabam por ativar a via mesocorticolímbica, a “Via de Recompensa”, assim
como ocorre nos humanos. Comandos como “senta” e “deita”, ativam, por exemplo, a
via auditiva descrita acima.

161
Além disso, a visão do biscoito ativa o córtex visual primário, pois a imagem da
comida projeta-se na retina e os axônios das células ganglionares realizam sinapses no
núcleo geniculado lateral, que projetam seus axônios para a Área 17, (podendo haver
uma sinapse intermediária no colículo superior). Por conta disso, há o processamento
da imagem e pode haver integração com o Sistema Límbico.

Nesse sentido, podem haver interações entre os colículos superior e inferior com
o objetivo de integrar a informação visual à auditiva. Outro estímulo sensorial é o cheiro
do biscoito, um estímulo para a sensibilização das células olfatórias. Elas projetam-se
para o núcleo do trato solitário e depois para a amígdala e para o córtex cingulado,
ativando o sistema límbico e a via de memória do Thor, que lembra que, se responder
adequadamente aos comandos, poderá ganhar o biscoito.

Por fim, a ativação da via mesocorticolímbica desencadeia a ativação da área


tegmentar ventral do mesencéfalo, que realiza sinapses dopaminérgicas com o núcleo
accumbens, com o córtex orbitofrontal (o que influencia a capacidade do Thor – e a
nossa, também - de tomar decisões) e para outras estruturas do sistema límbico. O
núcleo accumbens é considerado um elemento chave na integração das emoções
(desencadeadas pela sensação do olfato, da visão e da audição) envolvendo recompensa
com ações motoras voluntárias, culminando na repetição de ações que causam prazer
como ocorreu com o Thor ao realizar os atos de sentar e de deitar. A via
mesocorticolímbica, nos humanos, é ativada por diversos estímulos. A dopamina
liberada em resposta a um circuito neural auxilia o cérebro a interpretar aquilo como
um estímulo “bom” para o corpo e passa a ser buscado. Ela regula a motivação,
recompensando os estímulos, facilitando o aprendizado da função motora e
influenciando na percepção subjetiva do prazer.

No fim, o Thor ganha o biscoito, o que “fortalece” a via de recompensa. Durante


a alimentação há a ativação do Sistema Nervoso Autônomo Parassimpático. Isso
favorece a salivação (inclusive ainda antes de receber o biscoito), realizada pela
estimulação parassimpática das glândulas parótida, submandibular e sublingual por
acetilcolina. Também há vasodilatação periférica e dos vasos que irrigam o trato
gastrointestinal, contração do músculo liso e aumento do peristaltismo, abertura dos

162
esfíncteres e glicogenogênese. Todas essas modificações no corpo favorecem a
alimentação e digestão. Além disso, há o desencadeamento do processo de mastigação,
resultado da estimulação pelo Córtex Motor Primário (giro pré central, Área 4) dos
músculos da mastigação. Isso ocorre por uma via que envolve os núcleos da base e o
cerebelo, que conferem precisão ao movimento, e relês intermediários talâmicos como
os núcleos ventral anterior e ventral lateral. Essa via é estimulada pelo cheiro do
biscoito, visão do alimento e memória (sistema límbico) de que aquele alimento tem um
bom gosto.

Vê-se, por fim, o caminhar do Thor no vídeo. A locomoção é um padrão motor


cuja ritmicidade é atribuída a circuitos oscilatórios medulares locais, estes formados por
geradores centrais de padrão, responsáveis pela alternância de flexão e extensão do
membro durante a locomoção. Tais circuitos são compostos por interneurônios
excitatórios com características de marcapasso, de inibição recíproca e de inibição
recorrente, excitação e inibição paralelas e excitação mútua. Sinais descendentes do
tronco e do córtex iniciam a locomoção e ajustam o caminhar às necessidades imediatas
do animal, como a ativação do sistema locomotor espinal e controle de velocidade,
refinamento do padrão motor em resposta ao próprio movimento e guia na
movimentação dos braços em resposta aos sistemas visuais. Esse gerador, também
presente em seres humanos, é responsável pela nossa locomoção.

A neurofisiologia do exercício físico: a


ciência da dança
Vídeo disponível neste hiperlink

Thaina Hrala Pereira Silva


Guilherme José Billato
Luís Felipe Falsetti
Muitos estudos mostram que a prática de exercícios físicos não é só benéfica
somente para o corpo como também para a mente. No entanto, tendo em vista o
cenário de pandemia e confinamento, nos vemos em um dilema entre a necessidade de
praticar atividade física, mas não podermos sair de casa. Dessa maneira, procurando um

163
meio de me exercitar em casa, me divertir e ficar um pouco mais calmo diante do cenário
imposto pelo COVID 19, arrisquei-me a treinar passos de dança com os meninos da
república em que moro. Começamos do zero, confesso que o começo não foi fácil, mas
com a prática repetitiva conseguimos alcançar um nível satisfatório de movimentos e
aprender a coreografia. Dessa maneira, resolvi utilizar desse meu hobbie neste trabalho
uma vez que ele me diverte, se relaciona com o meu cotidiano e pode ser analisado com
os olhos da neurofisiologia.

No que se refere à fisiologia dessa atividade, a dança coreografada é um


movimento voluntário, ou seja, a produção e a execução dele são planejadas de forma
consciente e controlada. Na execução de um movimento, há uma etapa de
planejamento, efetuado pelas áreas motoras secundárias, e uma etapa de execução,
realizada pela área motora primária. Também participam do planejamento motor o
cerebelo, pela ativação do núcleo denteado antes da área motora primária, e a alça
esqueleto-motora estriato-tálamo-cortical.

Inicialmente, há a ativação da zona pré-motora que planeja o movimento e


desencadeia um potencial de ação para o córtex sensório-motor sendo então enviado o
comando para o tálamo e, posteriormente, para os núcleos da base, onde há divergência
do sinal para o cerebelo e para o tronco cerebral. Em seguida, se direciona para a
medula, de onde parte para o músculo, via motoneurônio, iniciando a contração
muscular. Os estímulos sensoriais são processados em direção ao cerebelo, informando
sobre a execução do movimento.

Enquanto isso, é no cerebelo onde há encontro de informações sobre a ação


motora idealizada e a realizada, sendo feita também uma comparação entre elas. Assim,
o resultado é enviado para o córtex sensório-motor, que corrige o movimento, a fim de
torná-lo mais preciso.

Após analisarmos de maneira geral a fisiologia do movimento da dança, se faz


necessária uma maior atenção ao cerebelo. Esse órgão é extremamente importante na
modulação e coordenação dos movimentos, interagindo com diversas partes do
encéfalo em todas as fases do movimento sendo, portanto, de grande importância para
o controle rápido de atividades motoras, incluindo a dança. Sua importância reside na
164
capacidade, quando necessária, de fazer ajustes necessários e adequados para as
devidas correções de rumos dos movimentos produzidos por outras áreas do encéfalo,
como por exemplo, o córtex motor encefálico.

Além dessas funções, o planejamento motor (cerebrocerebelo) e o controle de


erros do movimento (espinocerebelo), esse órgão tem um papel importantíssimo no
aprendizado motor que envolve movimentos diversos e complexos, como a dança, por
meio das fibras olivocerebelares (fibras trepadeiras) que modulam a excitabilidade das
células de Purkinje. Assim, regulam a intensidade com que esse grupo de células inibe
os núcleos profundos do cerebelo que contribuíram para a falha/inibição do movimento.
Dessa forma, entendemos o motivo pelo qual nos primeiros ensaios da coreografia
realizarmos movimentos dessincronizados e incorretos e a grande dificuldade de
lembrar a sequência de “passos”. No entanto, com o tempo e com a prática repetitiva
dos movimentos, passamos a realizar a coreografia de maneira mais precisa e,
praticamente, de forma automática, sem a necessidade de parar para tentar lembrar o
próximo passo. Isso mostra que criamos uma memória motora desse tipo de
movimento, a qual permitiu, não só executar a coreografia mais facilmente, como
também apresentar uma maior aptidão de aprender novas coreografias. A
exemplificação disso é que em um contexto externo é a maior facilidade que um
dançarino de carreira tem de aprender uma coreografia qualquer de forma mais hábil e
rápida, comparado a um indivíduo que nunca teve contato com algum tipo de dança.

ON e OFF
Vídeo disponível neste hiperlink

Victor Hugo da Costa Ferreira


Lucas Fabiano Reis Souza
Luis Gustavo Martins dos Reis
Circuitaria medular e locomoção:

Estudos de movimentos rítmicos, como a locomoção, têm demonstrado que


circuitos locais na medula espinhal, e não no córtex, são capazes de controlar

165
completamente a sincronização temporal e coordenação de alguns movimentos. Esses
circuitos são denominados geradores centrais de padrão.

Assim, o exemplo da locomoção se encaixa perfeitamente na circuitaria medular.


O movimento de um único membro durante a locomoção pode ser concebido como um
ciclo de 2 fases (a fase postural e a fase de balanço). Na primeira, o membro é estendido
e colocado em contato com o chão, enquanto na segunda, o membro é flexionado para
se afastar do solo.

De fato, a locomoção é influenciada por centros superiores que organizam os


padrões de atividade espacial e temporal. Todavia, mesmo após a transecção da medula
na altura do tórax, os membros posteriores ainda farão movimentos coordenados de
locomoção.

O córtex motor utiliza informações visuais para controlar os movimentos


precisos da marcha. Tal evidência fica comprovada pelo fato de que lesões
experimentais do córtex motor não suprimem a marcha dos animais em superfícies
planas, mas ocorre uma disfunção do movimento em superfícies como escadas.

O córtex parietal posterior tem importância no planejamento do ajuste motor,


pois alguns neurônios aumentam sua atividade quando o animal se aproxima de um
obstáculo. Além disso, a informação visual sobre o tamanho e a localização do obstáculo
é estocada como memória de trabalho, um tipo de memória de curta duração para guiar
as pernas.

O cerebelo faz o ajuste fino dos padrões locomotores pela regulação da


frequência e da intensidade da sinalização descendente. O cerebelo recebe aferências
sobre os movimentos da marcha e dos geradores centrais de padrão. Uma das funções
cerebelares é de detectar o erro motor entre os movimentos reais dos membros (por
meio de sinalizações proprioceptivas) e os movimentos intencionados (comandos
centrais). Durante a marcha, o cerebelo influencia vários núcleos do tronco encefálico,
dentre eles o núcleo rubro, os núcleos da formação reticular bulbar e os núcleos
vestibulares (relacionados ao equilíbrio).

166
A atividade elétrica cerebral é diferente entre a vigília e cada um dos estágios do
sono. Quando o indivíduo está acordado e com os olhos abertos, o eletroencefalograma
(EEG) apresenta atividade de baixa voltagem e alta frequência. Por outro lado, o estágio
1 do sono é caracterizado por frequências um pouco lentas, enquanto os estágios 2 e 3
são caracterizados por fusos do sono e complexos K, bem como aumento dos fusos
lentos. No estágio 4, os ritmos lentos tornam-se proeminentes. Durante o sono REM, o
traçado é semelhante ao da vigília.

Sono e consolidação das memórias:

A função do sono não é apenas aliviar a sonolência. Além de funções como


reparação, conservação de energia, ajustes de redes neuronais e supressão do
comportamento, o sono atua na triagem da memória. A hipótese mais geral de que o
sono é importante para a consolidação das memórias tem sido apontada por estudos de
memória espacial em roedores e experimentos em humanos que demonstram uma
melhora no aprendizado dependente do sono.

Então, acredita-se que o sono REM, e talvez os próprios sonhos, tenham papel
importante na memória. Estudos indicam que durante o sono de movimentos oculares
rápidos (rapid eye movements, REM, do Inglês) há ativação da amígdala, do
parahipocampo, do tegmento mesencefálico e do córtex cingulado anterior.

A arte do movimento humano


Vídeo indisponível

Ranieri de Andrade Alves


Eduardo Alves Fontes
Matheus Silva Brito
O movimento humano é a mais bela forma de expressão do ser humano. Como
posso afirmar isso? Como posso ignorar os poemas de Drummond, as obras de Homero?
A resposta é simples, não as ignoro. Tais maravilhas só podem ser realizadas por
circuitos finos que garantem a destreza necessária para que o ser humano possa
expressar seus pensamentos e vontades, seja por meio da escrita, da fala, da dança e
mais uma infinidade de possibilidades.

167
No entanto, esses padrões motores presentes no nosso ciclo vigília-sono nem
sempre estão dentro da normalidade, dificultando a execução de tarefas não só
motoras, mas sociais. Veja: o nosso convívio social é pautado também no
comportamento motor, tanto que a leitura da linguagem corporal é uma habilidade de
grande utilidade. Logo, indivíduos que apresentam descompassos motores, como
veremos neste texto, apresentam certa dificuldade social que podem levá-los a quadros
de depressão.

Comecemos pela marcha, palavra portuguesa muito semelhante à marcher,


verbo francês que significa, simplesmente, caminhar. Tal capacidade foi fundamental
para o reino animal, a capacidade de deslocamento é fundamental para que o animal
possa ser capaz de ir atrás de alimento; se fossemos estáticos, provavelmente seríamos
hoje representantes do filo dos Poríferos. A marcha é um movimento cotidiano,
habitual, de tal forma que sua complexidade é muitas vezes ignorada. Ela apresenta um
ciclo que consiste em 4 etapas:

1. Etapa flexora, na qual o balanço é iniciado

2. Primeira etapa extensora, ainda durante a fase de balanço

3. Segunda etapa extensora, primeiro contato com o solo

4. Terceira etapa extensora, na qual o contato é consolidado

Algo notável da marcha é o fato dela ser rítmica, ou seja, muitas vezes não
percebemos que estamos andando, ou o fazemos de forma automática. Quem
possibilita tal capacidade são os centros geradores de padrão presentes na medula
espinal que atuam no controle dos músculos extensores e flexores sem necessidade de
componentes sensoriais. Bom, mas não é sempre automático, diante de determinadas
situações, os componentes sensoriais indicam para o córtex motor, cerebelo ou tronco
cerebral que uma atividade motora deve ser realizada para garantir a integridade do
organismo. Um exemplo simples disso é a atividade muscular diante do chão molhado.
Facilmente nota-se o aumento do tônus muscular da musculatura da perna a fim de
conservar o equilíbrio, além do agachamento para aproximar o centro gravitacional do

168
chão, diminuindo o risco de quedas graves. Podemos perceber o aumento do tônus
abdominal, fundamental para o equilíbrio, além da atuação presente dos núcleos da
base e do cerebelo para as correções posturais e de movimento.

Percebemos, portanto, que o controle do movimento é fundamental para nossa


sobrevivência, já que visa não somente permitir a obtenção do alimento, como também
se adaptar e sobreviver às mudanças do ambiente com o qual interagimos. Logo, estudar
como se dá tal controle é de extrema importância. As principais estruturas presentes
nesse ponto serão o cerebelo e os núcleos da base. O cerebelo está relacionado com o
refinamento do movimento, ou seja: a cada movimento realizado, teremos a
compreensão se o movimento foi efetivo de tal forma que o cerebelo irá “avaliar”,
podendo estimular circuitos de recompensa ou não, a fim de fortalecer aqueles que
levaram ao movimento. Então o cerebelo, além de refinar os movimentos, está
intrinsecamente relacionado com o aprendizado, com a memória, extrapolando suas
funções “básicas”.

Por outro lado, os núcleos da base atuam de forma semelhante a um filtro,


selecionando, dentre os estímulos gerados pelo córtex motor, aqueles que
correspondem ao movimento desejado. Essa seleção será dada por uma via
fundamental do ser humano, a via córtex-neoestriado-tálamo-córtex. Tal via é
fundamental à execução do movimento e suas disfunções são causas de doenças que
dificultam substancialmente a vivência do indivíduo na sociedade. Podemos dividir essas
disfunções em dois grupos, hipocinesias e hipercinesias. Iniciemos pelas hipocinesias:
são caracterizadas pela redução da eficiência daquela via, ou seja, teremos uma maior
dificuldade em dar início aos movimentos, teremos os chamados tremores de repouso,
além da redução da efetividade e do controle dos movimentos voluntários. Como
exemplo de hipocinesia, podemos citar a doença de Parkinson, na qual o paciente
apresenta danos localizados na substância negra, culminando na redução da dopamina
necessária para a regulação da atuação do neoestriado. Os sintomas característicos da
doença de Parkinson evidenciam o seu caráter hipocinético. Teremos: face em máscara,
fala alterada, rigidez muscular e perda do reflexo postural, além do tremor
característico. Como exemplo de hipercinesia, podemos citar a Coréia de Huntington,
causada por lesões no neoestriado, resultando em excesso de estímulos que terão como

169
sintomas a marcha alterada, o automatismo da cabeça e das extremidades. Esses
movimentos repentinos e explosivos chegam a lembrar uma coreografia, explicando a
origem do nome.

Conclui-se que o movimento humano é arte produzida pela atuação de


estruturas neurais que permitem a nossa segurança e comunicação com o mundo,
sendo que qualquer patologia associada a esse complexo circuito causa danos físicos e
sociais severos. A complexidade de um simples caminhar resplandece a importância e
beleza desse assunto.

A modulação da marcha no cotidiano


Vídeo indisponível

Ariovaldo Vilhena Neto


Lucas Kalil
Marcos Furtado
Durante nosso cotidiano, diversas de nossas atividades são reguladas de forma
automatizada. Vivemos muitas vezes no “piloto automático”, e tais funções controladas
autonomamente são, frequentemente, essenciais para a sobrevivência do indivíduo. O
Sistema Nervoso Autônomo e os marcapassos, como os cerebrais, os respiratórios, e os
cardíacos, são exemplos de reguladores dessas funções essenciais e que acontecem de
forma autônoma, sendo eles, contudo, modulados pelo nosso Cérebro Cognitivo (Córtex
Frontal) e pelas vias sensoriais.

Os sentidos trazem informação a respeito do mundo que nos cerca e permitem


adaptação desses ritmos automáticos, a fim de que estes respondam de maneira mais
apropriada à situação em que o indivíduo se encontra, seja na visualização de um
potencial perigo e consequente aceleração dos batimentos cardíacos ou no aumento da
frequência respiratória em um caso de acidose metabólica.

Outro exemplo de uma dessas atividades autônomas é o caminhar. Não


pensamos em como executá-lo ou como devemos nos posicionar de forma a conseguir
manter o equilíbrio durante a marcha, e é justamente essa a atividade abordada na

170
maior parte do vídeo. Como ocorre o processo de caminhar? Até onde vai a
automaticidade do movimento e a partir de onde entra o nosso controle sobre ele?
Tomamos consciência da informação sensorial que nos chega a fim de calibrar nossos
movimentos?

Na marcha atuam como geradores de padrão cíclico para o progredir do


caminhar os Geradores Centrais do Padrão da Marcha, que produzem um padrão
complexo de contrações nos músculos das extremidades, alternando contração dos
flexores e dos extensores de forma que enquanto a musculatura extensora da perna
esquerda é contraída, a fim de garantir a sustentação corporal durante a marcha, a
musculatura flexora dessa mesma perna é relaxada e a musculatura flexora da perna
oposta é contraída. Tal padrão rítmico básico para a marcha é produzido pela inibição,
mutuamente excludente, de neurônios flexores e extensores. Assim sendo, a ativação
de um inibe a ativação do outro, fazendo com que as musculaturas extensora e flexora
tenham suas contrações temporalmente alternadas.

O padrão contração e relaxamento é abordado na primeira cena: um caminhar


autônomo em que não focamos em como andar, mas mais especificamente em para
onde andar, uma vez que esses geradores de padrão garantem a marcha de forma
automática. É necessário, contudo, uma constante regulação do movimento, tanto da
postura, quanto do equilíbrio, feita pela chegada de informação aferente sensorial que
é usada para aperfeiçoar o caminhar. O equilíbrio é fundamental para o nosso caminhar,
dada a nossa postura bípede, e esse aspecto é explorado na segunda cena, com o ato
de carregar algo enquanto nos locomovemos e de caminhar sobre uma linha restrita.
Nessa situação, os nossos sentidos, como os relacionados ao aparelho vestibular ou o
tato na sola do pé, mostram a iminência do desequilíbrio e, sem que programemos
conscientemente ajustes, ocorre o restabelecimento do equilíbrio por ajustes do
movimento, como a postura ou o reposicionamento do centro de massa.

A aferência sensorial é, portanto, fundamental para a regulação desse processo


autônomo, ainda que não tomemos decisões conscientes acerca da programação da
atividade a partir dessas informações. Essa adaptação do movimento com base nos
sentidos é o tema da próxima reflexão no vídeo, em que o caminhar com um obstáculo

171
baixo é observado. O caminhar até o obstáculo é semelhante ao da primeira cena,
contudo, a visualização do obstáculo ao longo do percurso até sua chegada permite
programar o padrão da marcha a fim de ultrapassá-lo sem grande esforço. No caso de
subir uma escada, a aferência sensorial é ainda mais usada: a cada degrau são usadas
informações visuais da altura do próximo degrau e informações táteis referentes à sola
do pé para checar a distribuição do peso corporal no pé em contato com o solo e para
checar a chegada do pé em ascensão ao próximo nível da escada. São ainda
fundamentais as informações do aparelho vestibular para manutenção do equilíbrio ao
longo dos movimentos, principalmente por grande parte do percurso ser realizado com
apoio de apenas uma das pernas no solo; a propriocepção também é essencial para a
programação desse movimento.

Por sermos muito dependentes da visão para nos guiarmos, é interessante ainda
experimentar subir uma escada sem o uso desse recurso. O processo é facilitado ao ser
realizado em uma escada familiar ao indivíduo e com o uso de um corrimão, que permite
tanto o indivíduo se guiar e tomar noção mais precisa de seu posicionamento, quanto
ele usá-lo para facilitar o seu equilíbrio. Tentar realizar esse processo em um ambiente
desconhecido e sem o uso do corrimão pode ser um grande desafio, porém, ainda
possível, mostrando a nossa grande dependência do sistema visual para refino dos
movimentos, mas também a participação dos outros sentidos para programar esse
movimento.

A familiaridade com o ambiente citado pode ser entendida como o treino e a


aprendizagem do sistema nervoso de realizar essa tarefa específica. Esse tema ganha o
centro da próxima discussão: a realização de algumas atividades mais complexas
demanda grande tempo de treino e grande dependência dos adaptadores sensoriais do
movimento. Nessa categoria entram esportes como o skate. Em esportes como esse,
com a repetição exaustiva, o indivíduo passa a conseguir realizar um movimento que
antes era tido como inexecutável para ele. Nessas situações mais complexas, os
movimentos são imaginados em sua forma de execução, são usadas memórias ou
aprendizados das tentativas anteriores e são usadas informações sensoriais, acerca do
posicionamento corporal (propriocepção), do equilíbrio sobre o skate (aparelho
vestibular), da pressão dos pés sobre o skate (tato) e da visão dos obstáculos com os

172
quais haverá interação, tudo isso se alterando ao longo do processo e com o uso de
informação momentânea para ajuste e realização do movimento.

No aprendizado desses movimentos mais complexos, além da repetição, o sono


se mostra fundamental. É durante o sono que os acontecimentos do dia são passados
da memória de curta duração para a de longa duração, permitindo que o treino do dia
seja acumulado como memória e que possa ser relembrado durante a programação do
movimento na próxima vez que ele for executado. Nesse aspecto, o sonho se mostra
como uma forma de mediar essa retenção de informação, ele acontece durante intensa
atividade elétrica cerebral (com EEG semelhante ao da vigília) e permite o
processamento dessa informação aprendida e sua retenção.

Aprendizado, prática e movimento


Vídeo disponível neste hiperlink

Gustavo Alves Carvalho


Gustavo Garcia de Carvalho
João Gabriel Porto de Oliveira Mattos Carvalho
Em nosso cotidiano estamos constantemente realizando movimentos, alguns
autônomos (como a contração do diafragma e dos músculos intercostais externos na
inspiração) e outros voluntários (como, por exemplo, o movimento dos dedos para
digitar esse texto). Desse modo, a todo momento sinais elétricos são enviados para
diferentes partes do corpo para a realização de diferentes ações.

Gostaria, entretanto, de focar na aprendizagem de movimento. Se pensarmos


bem, a própria marcha (muito comum no nosso dia a dia), em partes, é realizada com
melhor desempenho quanto mais se treina andar. Uma criança ao começar a andar vai
melhorando seu desempenho quanto mais ela tenta. Isso se dá pela memória
associativa, na qual a principal estrutura encefálica envolvida nessa memória é o
cerebelo. No vídeo anexado, observam-se alguns movimentos que com a prática
tornam-se refinados (como o malabarismo, andar no slackline ou tocar ukulele).

173
No material disponibilizado para o aprendizado da neurofisiologia temos um
texto que diz que “a função primária do cerebelo é detectar a diferença, ou o ‘erro
motor’, entre um movimento pretendido e o movimento de fato apresentado, e através
de suas projeções aos neurônios motores superiores, reduzir o erro. Estas correções
poderão ser feitas durante o curso do movimento ou como uma forma de aprendizado
motor, quando a correção é armazenada”. Um malabarista, com o treino, sabe quando
ele arremessa para cima uma bola se a força empregada foi insuficiente, boa ou
exagerada. Além disso, quando arremessa, a posição em que a mão se encontra também
é fundamental para saber onde a bola cairá. Tais fatos se encaixam à citação acima, pois
um erro motor é percebido e correções são feitas (a mão que vai pegar a bola muda de
posição devido ao erro), visto que as informações sobre as diferenças já foram
armazenadas no cerebelo.

Usando como exemplo outros movimentos, andar no slackline e tocar um


instrumento, no caso ukulele, também são melhorados com a prática. O desequilíbrio
que a fita/corda gera é compensado automaticamente pelo corpo, sendo assim uma
compensação rápida, que por sua vez é possível pela memória associativa do indivíduo.
Já o instrumento de corda é tocado com excelência depois de muita prática, que gera as
mesmas consequências já ditas acima.

Percebe-se, portanto, que o aprendizado motor é uma característica


importantíssima para o ser humano. Ele nos permite realizar com destreza muitas
atividades, e nos impede de esquecer muitas delas.

Quanto às alterações no movimento, o vídeo não ilustra exemplos de pessoas


portadoras de doenças como a Doença de Parkinson, epilepsia, Doença de Huntington,
entre outras. Contudo, vale escrever um pouco sobre uma delas, a Doença de Alzheimer,
visto a limitação que ela gera e por ser muito comum, dentre outros aspectos que serão
abordados.

A doença de Alzheimer ocorre devido à degeneração de conexões cerebrais e


pela morte de neurônios, assim destruindo a memória e outras funções mentais
cerebrais. Além disso, a doença afeta as contrações musculares rítmicas, deixando o
indivíduo incapaz de coordenar movimentos musculares além de não conseguir
174
aprender nem compreender coisas novas. Percebe-se, assim, a gravidade de tal doença.
Entretanto, tendo em vista o foco desse texto, que é a memória associativa, existem
diversos casos nos quais pessoas com a Doença de Alzheimer, algumas em estado
avançado, quando instigadas a realizar uma ação que praticaram a vida inteira (como
tocar um instrumento, ou reger uma orquestra, por exemplo) elas conseguiram realizá-
la com facilidade. Isso mostra a força que a memória tem em nosso corpo, sendo que
uma pessoa que agora mostra-se incapaz de aprender novos comandos consegue fazer
determinadas ações.

Por último, gostaria de enfatizar a importância da atividade motora no mundo


animal. O final do vídeo apresenta alguns pássaros voando no intuito de se alimentarem
com frutas. Nesse trecho pode-se observar o reflexo do saíra sete cores quando chega
um parceiro, o movimento de voar ao redor da fruta na medida certa para pousar nela
e comê-la, entre outras situações. O movimento é algo primordial.

As aventuras de Jojo parte 2: Jojo, o sono e os


controles dos movimentos
Vídeo disponível neste hiperlink

Felipe Reis
Karen Vaz Henriques Kawase
Letícia Yumi Okamura
"Pro Ronaldinho no meio campo. Passou pelo marcador, vai embora o
Ronaldinho. Ronaldinho entrou na área, levou pro pé direito, buscou o drible... no
canto!!! GOOOOOOOL!".

É incrível pensar como um jogador de futebol consegue analisar a jogada, a


posição de seu adversário, ajustar sua postura e posicionar seu corpo para receber
melhor a bola e planejar uma jogada tão rapidamente. A beleza, no entanto, não está
apenas nas jogadas desses profissionais, mas sim, nos simples movimentos do dia a dia.
Os processos envolvidos ao levar uma xícara de café até a boca, como a vontade, a
iniciativa, a sensibilidade visual, a integração das informações sensoriais com as

175
informações motoras e até mesmo a maneira de segurar a xícara, acontecem o tempo
todo e são incríveis. Os circuitos neurais permitem que o organismo possa executar
movimentos simples ou complexos, em função de objetivos internos relacionados ao
seu estado motivacional, controlar a execução de um plano motor, auxiliado pelas
aferências sensoriais e aperfeiçoar a elaboração desse plano em função de um processo
de aprendizado.

No vídeo "As aventuras de Jojo - in quarantine times parte 2: Jojo, o sono e o


controle dos movimentos”, mostramos o movimento de marcha, um movimento
rítmico, coordenado pela medula espinhal. O processo de marcha se inicia em uma
região do tronco encefálico denominada Região Locomotora Mesencefálica que envia
sinais de ativação para a medula espinal. Esta é o Centro Gerador da Marcha,
responsável pela coordenação da alternância entre motoneurônios e interneurônios
resultando na ritmicidade da atividade de músculos antagonistas dos membros
inferiores e, consequentemente, na locomoção. Quando Jojo se depara com um
obstáculo, diversas integrações neurais são ativadas. Inicialmente, Jojo vê o objeto se
aproximando. O córtex visual é ativado e atua no auxílio do planejamento de um
movimento para ultrapassar a barreira. O cerebelo, concomitantemente, está
constantemente recebendo informações sensoriais através da via espino-cerebelar e
atua no ajuste do movimento por meio das eferências para os núcleos do tronco
cerebral. Assim, a integração das informações sensoriais visuais com as informações
motoras e cerebelares permitem que Jojo levante uma de suas pernas, ultrapassando a
barreira. Essa correção pode ser feita durante o movimento ou pode servir de
aprendizado motor, para que numa próxima tentativa o movimento saia conforme o
planejado. O cerebelo atua também associando diversos circuitos de memória e
aprendizado, ou seja, ele pode buscar na memória como se ultrapassa aquele objeto.

No fim do vídeo, também abordamos a memória motora. A fim de perder massa


corporal, Jojo começa a treinar futebol, mais especificamente, Jojo tenta dominar a arte
das "embaixadinhas". No entanto, isso exige muito treino. O aprendizado motor requer
a repetição do movimento para que o plano motor elaborado se torne preciso e
eficiente. Assim, quanto mais treino, mais "embaixadinhas".

176
Após um dia cansativo de treino, em um estado de vigília, Jojo precisa dormir. O
sono é um processo importante de homeostasia, para a conservação de energia
(reposição de estoques energéticos do encéfalo, os quais diminuem durante as horas de
vigília), para a memória, cognição, remoção de moléculas que se acumulam no
parênquima cerebral, entre outras funções. Ele é regulado por processos circadianos e
homeostáticos. O sistema circadiano está relacionado ao fotoperiodismo decorrente da
alternância entre dia e noite. A retina possui células neurais que apresentam um
fotopigmento denominado melanopsina, sensível à luminosidade. A informação chega
ao Núcleo Supraquiasmático, que é o principal "relógio biológico" do ser humano por
meio do trato retino-hipotalâmico. Quando escurece, o Núcleo Supraquiasmático deixa
de enviar projeções GABAérgicas ao núcleo paraventricular e começa a enviar projeções
glutamatérgicas, ativando-o. Esse núcleo, então, estimula a glândula pineal a produzir e
secretar melatonina, que é um hormônio importante para o início e manutenção do
sono. A adenosina acumulada no prosencéfalo basal, durante o estado de vigília, pelo
consumo de glicogênio também atua no processo de sonolência.

Quando Jojo dorme, ele entra no ciclo do sono, que é dividido em duas fases: a
fase de sono não-REM e a fase de sono REM. A fase de sono não-REM, por sua vez, é
dividida em 4 estágios: 1, 2, 3 e 4. Já o sono REM é caracterizado pelo processo de
movimentação rápida dos olhos, em que todo o corpo é imobilizado -atonia-, exceto os
músculos dos olhos. Nesta fase também há evocações de ilusões detalhadas e vividas
chamadas sonhos; o sistema de controle é dominado pelo simpático e há grande
consumo de oxigênio. Vale ressaltar que o sono REM apresenta EEG com frequências
elevadas e amplitudes baixas, o que se assemelha mais ao estado de vigília, do que ao
estado de sono. Quanto ao sono não-REM, ele é caracterizado pela tensão muscular
reduzida em todo o corpo; movimentos do corpo para ajustes de posição corporal e
pelas aferências sensoriais não alcançam o córtex. Somado a isso, o sistema de controle
é dominado pelo parassimpático e possui um EEG com ondas lentas, de baixa frequência
e elevada amplitude, que oscilam em sincronia dos neurônios corticais. Quando Jojo
sonha com o coronavírus, ele está, então, na fase de sono REM de um ciclo do sono.

O estado de vigília, por sua vez, é um estado de conexão com o ambiente. Ele é
mantido pelos componentes do Sistema Ativador Reticular Ascendente (SARA). O SARA

177
apresenta diversos núcleos com projeções difusas e que apresentam seus respectivos
neurotransmissores, como o núcleo locus coerúleus (noradrenalina), núcleo da Rafe
(serotonina) e núcleos colinérgicos da junção ponte-mesencéfalo . Esses núcleos, assim
como os neurônios histaminérgicos no núcleo tuberomamilar, os neurônios
orexinérgicos no hipotálamo lateral e o prosencéfalo basal estão envolvidos na
manutenção da vigília. Quando eles estão ativados, Jojo consegue ficar acordado e
treinar muitas "embaixadinhas".

A imaginação do exercício físico


Vídeo disponível neste hiperlink

César Calil Dayrell Martins Lopes Baratto


Daniel Henrique dos Santos Moura
Kaue Henrique Lino
A atividade elétrica cerebral (AEC) corresponde ao fluxo de informações no
encéfalo (usualmente captada no córtex cerebral), variando sua localização e
intensidade de acordo com a atividade exercida pelo indivíduo, como por exemplo o
estado de alerta, sonolência e sono profundo.

Acerca da origem das ondas cerebrais, evidências experimentais apontam para


alterações no potencial de membrana dos neurônios corticais. Em outras palavras, um
determinado neurônio deve ora encontrar-se excitado e pronto para entrar em ação,
ora deve encontrar-se inibido para não interferir no funcionamento das demais células.
Dessa forma, os neurônios são expostos a correntes de sentidos opostos: correntes
excitatórias que os levam a disparar seu potencial de ação e correntes inibitórias que os
levam a hiperpolarização e os impedem de dispararem quando não for necessário.
Como resultado dessa dinâmica, essas correntes se conjugam e são vistas juntas como
uma oscilação de potenciais. São essas oscilações que são captadas, por exemplo, por
meio do eletroencefalograma (EEG).

A atividade elétrica do córtex cerebral é caracterizada pela frequência, ou a taxa


de repetição da onda em um segundo, sendo que cada atividade comandada pelo
cérebro apresenta uma frequência diferente. As frequências maiores são associadas ao
estado de alerta, em que há maior atividade cortical, as ondas são mais rápidas e o

178
registro é irregular. Enquanto as frequências menores são associadas ao sono, em que
as ondas são lentas e os neurônios estão todos disparados, logo o registro é
sincronizado. Paradoxalmente, ondas rápidas também acontecem no sono dos
movimentos oculares rápidos (rapid eye movements, REM, do Inglês), e nele acontecem
os sonhos.

Em relação à função da AEC, aponta-se para que ela seja capaz de alterar a
excitabilidade dos neurônios corticais. Com isso, entende-se que para cada comando do
Sistema Nervoso, bem como para cada estímulo sensorial, tem-se a presença da AEC em
uma determinada região cortical específica para determinadas funções. Assim, o
controle motor está relacionado a uma específica frequência da AEC que determinou
sua funcionalidade. Em outras palavras, para mover o braço, por exemplo, o nosso
cérebro processa a ideia e por meio de ondas cerebrais estimula a área motora, dando
início à cascata de informações que resulta no movimento inicialmente imaginado.

Embora muito se tenha progredido no campo da neurociência, ainda há muitos


mistérios para serem desvendados. Nesse sentido, os mecanismos da AEC e seus
impactos na maneira com que o comando das atividades cerebrais é realizado, ainda
não foram totalmente elucidados. Tendo como base essa perspectiva, restam-nos
perguntas como “o que acontece entre a idealização de um movimento e sua realização
de fato?” e “quais impactos que o processamento de informações tem sobre o
movimento final?”.

Ainda são muitos questionamentos e incertezas, no entanto, um estudo da


Universidade de Ohio, nos Estados Unidos, coordenado por Brain C. Clark e
colaboradores em 2014, acredita que o córtex cerebral é um determinante crítico da
força muscular. Isto é, a AEC e suas intercorrências entre a idealização de um movimento
e sua realização é usada como crítica na determinação também da intensidade da
realização dele. Embora ainda haja muito para se descobrir acerca do funcionamento do
Sistema Nervoso humano, o potencial do cérebro humano nos impressiona uma vez que
não há certezas que constatem a capacidade do simples ato de imaginar ou das
inúmeras possibilidades do estímulo do imaginário.

179
REFERÊNCIAS

CLARK, B.C. et al. The power of the mind: the cortex as a critical determinant of muscle
strength/weakness. Journal of neurophysiology. American Physiological Society Dezembro. 2014
Disponível em : https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4269707/

As nuances do aprendizado motor e do sono


Vídeo disponível neste hiperlink

Joara Adão de Oliveira


Luana Queiroz Ferreira
Nicole Merino Carneiro
Logo na primeira cena do vídeo, vemos Cabeleira realizando um movimento
complexo, as famosas “embaixadinhas”. Para aprender a realizá-las com tanta
habilidade, mantendo o equilíbrio do corpo e não deixando a bola escapar de seu
controle, foi necessário muito treino, e, em cada treino, o movimento era aperfeiçoado
pelo cerebelo. Entre outras funções, o cerebelo é responsável pelo aprendizado motor.
Por meio de mudanças na excitabilidade das chamadas células de Purkinje (localizadas
no córtex cerebelar), esse órgão detecta os erros no movimento (ao comparar o que foi
intencionado com o que foi de fato executado) e realiza os ajustes motores adequados.
As células de Purkinje enviam sinais aos núcleos profundos, outro grupo de substância
cinzenta no cerebelo, e esses se projetam para o tronco encefálico ou tálamo. A partir
desses trajetos eferentes, controla-se a atividade da musculatura esquelética. O
cerebelo ainda está associado a outros aspectos envolvidos na execução da
“embaixadinha”, como equilíbrio (ao receber informações quanto à posição da cabeça
e controlar o tônus de cada músculo, evitando oscilações no corpo) e postura (ao
controlar a tensão nos músculos do tronco e da perna de apoio, mantendo o corpo
ereto). Além disso, atua em funções voluntárias, como planejamento motor e
coordenação (ao receber informações do córtex cerebral, garantindo o controle sobre a
bola).

Tranquilamente, Marreco e Alicate se aproximam. A atividade locomotora é mais


simples, controlada, em grande medida, por circuitos internos à medula espinal,
denominados centros geradores de padrão. Essa circuitaria é formada por neurônios

180
motores e interneurônios cuja atividade cíclica regula o grau de atividade da
musculatura flexora e extensora do quadril, de forma rítmica. A marcha é iniciada por
circuitos descendentes supraespinais, os quais excitam um interneurônio localizado nos
centros geradores de padrão. Esse interneurônio, então, ativa o neurônio motor que
inerva a musculatura flexora do quadril e inibe o interneurônio que faz sinapse com o
neurônio motor da musculatura posterior da coxa. Ao mesmo tempo, no membro
contralateral, o mesmo interneurônio excitado provoca inibição dos flexores e ativação
dos extensores. Em seguida, o interneurônio inicial se hiperpolariza causando os efeitos
opostos nos membros contra e ipsilateral. Assim, o membro de apoio passa para fase de
balanço, enquanto o membro que estava em balanço se apoia no chão e sofre flexão de
quadril.

Os centros geradores de padrão também podem ser modulados por circuitos


provenientes do córtex motor, o que fica evidente no momento em que as personagens
escutam e visualizam o caminhão do gás se aproximando. O córtex motor está
compreendido em duas áreas de Brodmann: área 6 (córtex pré-motor e área motora
suplementar) e área 4 (córtex motor primário). A área 6 recebe projeções de diversas
outras áreas encefálicas, tais como córtex parietal posterior (envia sinais visuais,
auditivos, proprioceptivos), córtex pré-frontal (designa os objetivos de um determinado
movimento, analisa as circunstâncias em que ele será executado, examina quais seriam
suas consequências) e circuitos límbicos (relacionados às emoções que o contexto
provoca no indivíduo). Essas informações são integradas na área 6, junto aos sinais
recebidos pelo cerebelo (importante para resgatar movimentos memorizados) e pelos
núcleos da base. Por fim, células da área 6 projetam-se à área 4, onde serão
determinados os comandos dos movimentos. As fontes de eferência da área 4 são os
neurônios motores superiores, que se projetam para o tronco encefálico e para a
medula espinal, regulando a atividade de neurônios motores inferiores cranianos e
espinais, respectivamente. Como resultado, diversas alterações são observadas na
atividade da musculatura esquelética das personagens, que iniciam o movimento de
corrida em direção ao caminhão.

O motorista sente-se intimidado e freia o caminhão. A comunidade, sobre o


alerta dado por Alicate, corre para garantir um botijão de gás. Outra estrutura está

181
relacionada aos movimentos em curso, ainda não citados: os núcleos da base.
Localizados no telencéfalo, são divididos em corpo estriado (núcleo caudado e
putâmen), globo pálido, substância negra (reticulada e compacta) e núcleo subtalâmico.
O corpo estriado é considerado o principal componente receptivo, recebendo projeções
de quase todas as áreas neocorticais. Esses núcleos estabelecem conexões entre si,
influenciando o córtex cerebral através de duas vias: direta (resulta na excitação do
tálamo, que então excita o córtex) e indireta (leva à inibição tônica do tálamo, o qual
deixa de ativar o córtex). Através dessas vias, esses núcleos atuam no planejamento
motor, na modulação e no controle dos movimentos, além de permitir que eles sejam
iniciados.

É possível notar que, com as mãos ocupadas por uma carga pesada, o botijão de
gás, diversos aspectos da locomoção das personagens são alterados: a velocidade da
marcha e da corrida diminui e há um esforço involuntário da musculatura em manter a
postura e o equilíbrio. Isso é proporcionado pelos reflexos posturais, organizados no
tronco encefálico. A partir de informações recebidas do cerebelo, do aparato vestibular,
dos olhos e de órgãos proprioceptivos, tais reflexos regulam o tônus dos músculos do
tronco, dos membros e do pescoço, propiciando estabilidade ao corpo.

Evidentemente, todas as personagens em cena encontram-se no estado de


vigília, caracterizado pelo elevado nível de atividade cortical. Esse estado se alterna
diariamente com o sono, momento em que a responsividade e a interação com o
ambiente externo estão reduzidas. O ciclo do sono é regulado pelo sistema ativador
reticular ascendente (SARA) e neuromoduladores difusos, um grupo de núcleos que
enviam projeções excitatórias a neurônios tálamo-corticais durante o dia.

A atividade elétrica do córtex cerebral pode ser medida através do


eletroencefalograma (EEG), técnica que consiste em fixar eletrodos no escalpo e
registrar os potenciais pós-sinápticos gerados pelas células piramidais. O sinal gerado
passa por um amplificador e é registrado num gráfico. Durante o estado de vigília, o EEG
registra um padrão de ondas dessincronizadas de alta frequência e baixa amplitude, o
que é denominado padrão beta. Os registros gerados durante o sono são mais variáveis,
uma vez que o sono pode ser dividido em várias fases. No estágio I do sono de ondas

182
lentas (não há movimentos oculares rápidos, rapid eye movements, REM do Inglês, por
isto esta fase é denominada não-REM), o EEG registra ondas alfa, de menor frequência
e maior amplitude, representando um estado de relaxamento. No estágio II, de
adormecimento, são observadas ondas tetas. No estágio III, que representa o sono leve,
são registradas ondas de fuso. Por fim, no estágio IV, as ondas produzidas, denominadas
delta, são lentas e apresentam elevada amplitude, revelando um estado de sono
profundo. A situação se reverte na transição do estágio IV do sono não-REM para o sono
REM: são geradas ondas de baixa intensidade e alta frequência, semelhantes ao padrão
beta. O sono REM, por sua vez, é caracterizado como mencionado pelos movimentos
rápidos dos olhos e pela ocorrência dos sons.

A marcha
Vídeo disponível neste hiperlink

Júlio da Paz
Lucas Yuya Oki
Lucas Odon
No início do vídeo, é mostrada a marcha de um cachorro doméstico e logo depois
uma comparação entre sua marcha lenta e o galope. Os movimentos rítmicos das pernas
durante a marcha são realizados por contrações de muitos músculos em conjunto. Em
geral, as contrações dos músculos flexores ocorrem durante a fase de flexão, já as
contrações dos músculos extensores ocorrem durante uma ou mais fases de extensão.
Porém, o ritmo e o nível de atividade são diferentes entre os diversos músculos.
Por exemplo, um músculo flexor do quadril (iliopsoas) contrai continuamente durante
as fases de flexão e a primeira fase de extensão, enquanto um músculo flexor do joelho
(semitendíneo) contrai brevemente no início da fase de flexão e a segunda fase de
extensão. Outra complexidade é que alguns músculos contraem tanto no balanço como
no apoio. Assim, o padrão motor para a marcha não é meramente uma alternância
entre flexão e extensão em cada articulação, mas uma sequência complexa de
contrações musculares, cada uma acontecendo no tempo preciso e na proporção
correta para atingir uma tarefa específica na locomoção.

183
A marcha é um processo automático, mas não é necessariamente estereotipada.
Os mamíferos usam com constância a aferência de nervos sensoriais com o intuito de
ajustar os padrões de passadas, levando em conta as variações no terreno e as
condições inesperadas ou antecipadas. Tal aferência vem de forma predominante de
três sistemas sensoriais: visual, vestibular e somatossensorial. Os proprioceptores nos
músculos e nas articulações fornecem informações sobre os movimentos do corpo e
participam da regulação automática dos passos. Os receptores cutâneos da pele,
referidos como exteroceptores, ajustam os passos aos estímulos externos e também
podem fornecer retroalimentação importante sobre os movimentos corporais.

O tronco encefálico e o córtex motor controlam a locomoção. O sistema


locomotor espinal é ativado por sinalizações da região locomotora mesencefálica (RLM),
que são retransmitidas por neurônios da formação reticular medial (FRM). O cerebelo
recebe sinais tanto de receptores periféricos como dos geradores centrais de padrão
espinais, e ajusta o padrão locomotor por meio de conexões com os núcleos do tronco
encefálico. A informação visual conduzida ao córtex motor também pode modificar os
movimentos de locomoção. Quando a intensidade da estimulação da RLM de um
quadrúpede que caminha é aumentada de forma gradativa, o tipo de passo e a
frequência do ciclo de passos mudam desde um caminhar lento até o trote e,
finalmente, o galope. À medida que o cachorro progride do trote ao galope, os membros
posteriores mudam de um padrão alternado para um padrão de flexões e extensões
simultâneas. Estimulação fraca produz uma marcha lenta, que acelera à medida que a
intensidade de estimulação aumenta; estimulações progressivamente mais intensas
resultarão no trote e, finalmente, no galope. A transição do trote para o galope é
especialmente interessante porque envolve uma mudança de uma relação entre as
pernas direita e esquerda fora de fase no trote para uma relação entre elas em fase no
galope.

Após a marcha, no vídeo, é citado o processo do reflexo flexor, por exemplo, no


momento de uma queimadura por superfície quente, onde ocorre a retirada rápida de
um membro do estímulo doloroso. O reflexo flexor de retirada é um reflexo de proteção,
no qual um estímulo sobre uma área delimitada provoca a contração de todos os
músculos flexores daquele membro, de forma coordenada. Sabe-se que ele é um reflexo

184
espinal porque persiste após a completa transecção da medula espinal. As vias
polissinápticas da medula espinal medeiam os reflexos de flexão. Uma via excitatória
ativa os neurônios motores que inervam os músculos flexores ipsilaterais, os quais
fazem a retirada do membro dos estímulos nocivos. Outra via excita simultaneamente
os neurônios motores que inervam os músculos extensores contralaterais,
proporcionando a sustentação durante a retirada do membro. Interneurônios inibitórios
asseguram que os neurônios motores que suprem os músculos antagonistas estejam
inativos durante a resposta reflexa.

Logo em seguida, no vídeo, é mostrado o uso de instrumentos musicais, como o


acordeon, como sendo produto do aprendizado de padrões motores. Além do
acordeon, muitos outros instrumentos exigem movimentações mais complexas dos
dedos e das mãos, tais movimentos controlados diretamente pelo córtex motor. A
projeção monossináptica do córtex motor primário aos neurônios motores espinhais é
mais densa para os músculos distais do braço, das mãos e dos dedos. Essa distribuição
permite que o córtex motor primário regule a atividade desses músculos diretamente,
ao contrário de sua regulação indireta dos músculos, via circuitos espinais, quando vias
reflexas ou geradores de padrão são ativados. Isso provê os primatas, incluindo os seres
humanos, de uma capacidade muito desenvolvida para o controle individualizado dos
movimentos da mão e dos dedos. Grandes lesões do córtex motor primário destroem
permanentemente essa capacidade. Embora os seres humanos possam realizar
movimentos isolados do polegar e dos demais dedos, a maior parte das ações da mão e
dos dedos envolve combinações de configurações estereotipadas dos mesmos e
movimentos coordenados do pulso e dos dedos. Isso levou à hipótese de que circuitos
corticais distintos controlam seletivamente essas diferentes ações estereotipadas da
mão e que o córtex motor primário converte essas sinalizações em comandos motores
mais específicos.

A última parte do vídeo mostra alterações na atividade muscular durante o


ciclo vigília-sono, tomando como exemplo a atenuação dessa atividade na fase de sono
lento. É importante destacar que a progressão do estado de vigília para os estágios 1 a
4 do sono não REM é consequência de uma diminuição gradual de neurotransmissores
moduladores, permitindo que os neurônios do cérebro gradualmente sejam

185
hiperpolarizados e mudem para o estado basal, ocorrendo assim a geração dos ritmos
lentos, que seriam observados no eletroencefalograma (EEG) durante o sono não REM.
Uma vez que a atividade desses neurônios torna-se lenta e sincronizada, a função
cognitiva é reduzida ou abolida: o indivíduo isola-se dos estímulos e relaxa em um
estado de repouso.

A marcha das espécies e a rotina


Vídeo indisponível

Letícia Villela de Castro


Taís Delazari de Carvalho
Yasmin dos Anjos Rodrigues
A marcha consiste em uma habilidade motora complexa, composta por uma
sequência de movimentos cíclicos dos membros inferiores para permitir o deslocamento
do corpo. A evolução da postura e da marcha das espécies é hoje compreendida sob a
luz da teoria Darwiniana da seleção natural, aprimorada por alguns outros
complementos, os quais colocam em evidência os motivos que conferiram e conferem
ao bipedalismo uma considerável vantagem para os humanos.

A facilidade de apreensão e manipulação, a visão mais ampla do espaço (caça e


fuga), bem como a maior eficiência energética da marcha no bipedalismo são provas
científico-evolutivas para explicar a situação atual dos hominídeos na Terra. Todavia, a
atualidade não reserva ao Homo sapiens somente a sobrevivência, mas também a
vivência. Exemplo disso é que nós não corremos apenas para fugir, corremos também
para competir, para nos divertir e, no século XXI, corremos para atender a toda uma
gama de atividades que realizamos freneticamente, sem parar e sempre buscando uma
ascensão em meio ao capitalismo selvagem (por vezes, mais selvagem que a própria
selva).

Além da evolução, observa-se que diferentes espécies apresentam diferentes


formas de marcha, como os cachorros, que são quadrúpedes, e as galinhas, bípedes.
Ademais, a marcha e a postura se modificam também conforme as faixas etárias. O ser
humano começa a desenvolver a marcha nos primeiros anos de vida, até apresentar

186
sistema sensorial e motor capaz de desenvolver um conjunto repetitivo de comandos
de controle motor que permitem o andar. Em adultos, o padrão da marcha é definido,
e nos idosos diversos fatores como perda da atividade muscular, de tecido articular e do
processamento de informações levam a um quadro em que o padrão de marcha se
encontra alterado, resultando muitas vezes em quedas.

Neste ano, nos deparamos com uma distopia mundial causada pelo coronavírus,
a qual nos obrigou a mudar radicalmente nosso estilo de vida, nossa rotina e nossos
costumes. Sabe-se que a forma como nos movimentamos, como interagimos -
conscientes ou não -, faz parte de nossa cultura e de nossa identidade. Sendo assim, as
nossas vivências foram alteradas pelo advento da quarentena, e isso afeta nossas
movimentações no dia a dia.

Antes da quarentena, a dinâmica na Faculdade envolvia muita pressa o tempo


todo, sempre com inquietações. Quantas vezes não precisamos correr para alcançar o
ônibus ou para chegar a tempo nas aulas? Assim, havia uma ampla movimentação entre
nossas residências e os locais de aula na Faculdade, além de precisarmos nos deslocar
continuamente para as refeições.

Durante a quarentena, a dinâmica diária de movimentação ficou alterada. Se


antes nos movimentávamos entre diferentes estabelecimentos, agora o movimento
ficou mais restrito ao ambiente doméstico, locomovendo entre os diferentes cômodos.
Mesmo assim, apesar de diminuir quantitativamente as atividades motoras realizadas,
diferentes formas de movimento são encontradas, como a marcha em superfície lisa, a
subida e descida de degraus e a presença de exercícios físicos dentro de casa. Observa-
se que nossa marcha também foi alterada, visto que já não há tanta pressa, sem ter
prazo para chegar a qualquer outro lugar.

Outro aspecto interessante que se alterou foi o sono; sem rotina, ele é melhor
ou pior conforme o sentimento no dia: cansada, ansiosa, estressada ou alegre. Isso
evidencia claramente como as emoções – centralizadas na formação parahipocampal
encefálica do sistema límbico – interferem em nossa atividade elétrica cerebral. O
tronco encefálico é a porção encefálica responsável pelo automatismo do sono,
mediando seus sinais por noradrenalina (quando excitatória) e serotonina (quando
187
inibitória). Ademais, as áreas reticulares excitatórias e inibitórias nas estruturas
encefálicas superiores são responsáveis pela regulação eletrofisiológica das funções
cerebrais alteradas durante o sono e vigília (com maior e menor limiar de disparo do
potencial de ação, respectivamente).

O maior tempo que passamos em frente ao computador, celular e outros


aparelhos tecnológicos de alta emissão luminosa interferem - segundo estudos mais
recentes - no “ciclo da melatonina” (ciclo sono-vigília), a maior substância responsável
pela indução do sono, a qual é produzida mormente na glândula pineal. A luz artificial
interfere no ciclo circadiano, excitando o núcleo supraquiasmático do hipotálamo (em
que existem células neuroendócrinas secretoras de melatonina), diminuindo a
concentração de melatonina circulante e, assim, aumentando a dificuldade do indivíduo
de iniciar o sono, bem como à sua qualidade. Por isso, em estados de maior ansiedade,
como o do isolamento, é comum os indivíduos apresentarem alteração do sono e se
sentirem mais cansados, menos dispostos.

Durante o sono, os indivíduos apresentam movimentação limitada, com


movimentos involuntários e autonômicos, sem um objetivo específico. Os padrões do
sono podem ser caracterizados em: sem movimentos rápidos dos olhos (rapid eye
movements, REM, do Inglês; NREM), e com REM. O eletroencefalograma (EEG) no sono
NREM demonstra que as ondas se tornam cada vez mais lentas e apresentam aumento
da amplitude. Nesse tipo de sono, há relaxamento muscular com manutenção do tônus
e progressiva redução dos movimentos corporais. Durante o sono REM, ocorre atividade
rápida com baixa voltagem das ondas cerebrais, semelhante à que ocorre durante o
estado de vigília. No sono REM, há hipotonia ou atonia muscular junto com movimentos
fásicos de localização multifocal, quando acontecem os sonhos.

No estado normal, o sistema neural permite a ativação coordenada dos sistemas


musculares necessários para a execução do movimento, a partir de uma gama enorme
de padrões de ajustes e adaptações posturais. Analisando de maneira mais específica os
sistemas motores, daremos atenção especial aos padrões de marcha, os quais são de
suma importância ao ser humano no dia a dia.

188
A marcha é um padrão motor resultante da interação e organização de sistemas
neurais e mecânicos, com destaque especial para a dinâmica músculo - esquelética, que
é controlada por um programa central: o Gerador de Padrão Central (GPC). Suas
principais características são a ritmicidade, gerada a partir de redes de neurônios na
medula espinhal, e os movimentos alternados. Vale ressaltar, ainda, que os padrões de
marcha são modulados por centros nervosos superiores e pela modulação aferente.

Analisando de maneira detalhada o GPC, vemos que ele é composto por redes
espinhais as quais geram padrões de atividade rítmica, mesmo em ausência de feedback
externo ou controle supraespinhal. A partir da geração de padrões locomotores básicos
e se utilizando de vias descendentes, ele é capaz de controlar a marcha. O GPC é
constituído de um centro gerador rítmico e de uma rede geradora de padrão. O centro
gerador rítmico define o ritmo da locomoção, a duração das fases flexoras e extensoras
e apresenta papel fundamental no controle da atividade da rede geradora de padrão. Já
a rede geradora de padrão é composta por populações de interneurônios, os quais
promovem a excitação de motoneurônios sinergistas múltiplos - a ativação de uma
população de neurônios geradora de padrão ativa a sinergia muscular correspondente.

Nesse contexto, a rede geradora de padrão é responsável por emitir um input


rítmico para conjuntos de motoneurônios e distribuí-los através deles. Dependendo
desse input e das interações entre a rede geradora de padrão, determinada população
de motoneurônios será ativada em cada fase particular do ciclo de marcha (há a ativação
sincronizada e específica de conjuntos de motoneurônios sinergistas em cada fase do
ciclo de marcha).

É necessário salientar que o GPC é modulado por inputs periféricos e


supraespinhais. Nesse sentido, temos que o feedback aferente adapta a resposta das
redes espinhais às exigências ambientais. Isso se deve ao fato de tal mecanismo aferente
assumir diversas funções no que diz respeito à regulação de padrões motores: produção
detalhada de padrão temporal na sequência de ativação muscular, controle da transição
de uma fase do movimento para outra e aumento da atividade motora decorrente. Já
no substrato supra espinhal, foram identificadas regiões circunscritas ao nível do
mesencéfalo e do telencéfalo que possuem papel fundamental na ativação e no controle

189
da intensidade de funcionamento do GPC, na manutenção do equilíbrio, na adaptação
dos movimentos às condições externas e na coordenação da locomoção com outros atos
motores.

Em suma, há a interação de influências espinhais e supraespinhais na geração do


movimento, evidenciando que o GPC produz padrões flexíveis e adaptáveis por
mecanismos plásticos.

O controle do movimento
Vídeo disponível neste hiperlink
Lucas Flores Sartori
Maria Fernanda Império Pereira
Ranielle Lara Silva
O controle do movimento, quando em condições normais e ausência de
processos patológicos, é finamente regulado por circuitos neurais especializados. No
vídeo gravado, podemos analisar que esses movimentos podem dar-se de forma
consciente e voluntária, ou de forma involuntária.

Nosso neocórtex possui diversas áreas com características citoarquitetônicas


distintas, que se relacionam com as diferentes funções que cada área exerce, visto as
áreas de Brodmann. Em um organismo complexo, como um humano ou um cachorro,
uma vez que se tenha motivação para iniciar o movimento, seja por conta de ativação
de áreas frontais do córtex ou de áreas corticais límbicas, o Córtex Pré-Frontal processa
a toma de decisões: analisa-se o meio em que estamos, por meio de aferências advindas
do Giro Pós-Central e do Cerebelo, moderando as consequências dos atos, e, após isso,
envia comandos para o Córtex Pré-Motor e para a Área Motora Suplementar.

Essas duas áreas atuam no planejamento e codificação do movimento, e


encaminham os comandos ao Córtex Motor Primário. Deste, descendem axônios das
Células Piramidais Internas, que formam as Vias Córtico-Espinhais, com destino a
sinapse com o Neurônio Motor Inferior, localizado no Corno Anterior da Medula
Espinhal, para o controle voluntário da musculatura esquelética (tanto axial quanto

190
apendicular). Entre esse importante trajeto, há circuitos que modulam a atividade, como
o Cerebelo, o qual regula os movimentos para que haja a menor discrepância entre o
planejamento e a execução; e como os Núcleos da Base, que são importantes para o
início do movimento, uma vez que recebem projeções Cortico-Estriatais, sendo que a
ativação dessa via resulta na liberação do Córtex Motor Primário para realizar o
movimento, o qual, por sua vez, é inibido tonicamente pelo Tálamo.

No primeiro vídeo, quando a Ranielle chamou pela sua cachorra, as ondas


sonoras transformaram-se em estímulos elétricos, que se propagaram pelo Nervo
Coclear e chegaram aos Córtices Auditivos. Assim, houve uma integração neural
envolvendo a memória afetiva e o sistema límbico, o que motivou a cadela a ir em
direção ao chamado. Ocorrendo a liberação da inibição tônica do movimento pelo
Córtex Pré-Frontal, fez-se um rápido planejamento pelo Córtex Pré-Motor e pela Área
Motora Suplementar, e o Córtex Motor Primário processa o estímulo de modo a atingir
neurônios motores inferiores, iniciando, finalmente, o movimento de corrida em direção
à fonte sonora e afetiva.

Já nos vídeos dos animais de estimação da Maria Fernanda durante o sono,


mesmo em um estado de não vigília, nota-se que a respiração continuou ocorrendo
normalmente. Isso acontece porque o músculo diafragma, mesmo sendo um músculo
estriado esquelético, continua sendo estimulado, até mesmo quando os outros
músculos estriados esqueléticos estão em repouso. Além disso, a mecânica respiratória
é modulada pelo Centro Respiratório no Tronco Encefálico, por retroalimentação de
receptores de distensão dos pulmões, com participação do Sistema Nervoso Autônomo.
Ademais, nota-se um movimento involuntário da musculatura esquelética dos membros
apendiculares, que deveriam estar relaxados. Assim, por mecanismos que retiram a
inibição tônica talâmica do Córtex Motor Primário, estímulos elétricos descendem pela
Via Córtico-Espinhal e Rubro-Espinhal, estimulando os neurônios motores inferiores e
desenvolvendo movimentos que deveriam estar inibidos.

191
Marcha automática e consciente em cães
Vídeo indisponível

Gabriel Reis Quagliato


Guilherme Kovac
Murilo José Castro
A locomoção é um dos movimentos mais antigos na natureza, compartilhado até
com outros reinos. Essa longa história permitiu o aperfeiçoamento e a diferenciação do
ato de se locomover. O nosso caminhar é fruto dessa evolução. No caso dos humanos,
a marcha pode ser de dois grandes tipos:

● Marcha automática: Os neurônios responsáveis por essa marcha encontram-


se no Circuito Gerador de Padrão de Movimento, na medula espinhal, o qual independe
de sinais sensoriais, assim, não precisamos de esforço consciente. Esse circuito costuma
ser ativado pela região locomotora mesencefálica (RLM), mas também pode ser ativado
por estímulos do ambiente externo. Dessa forma, mesmo pacientes que sofreram
secção (sobretudo parcial) da medula (dependendo do nível) ainda são capazes de
caminhar, contudo, vale ressaltar que pacientes que sofreram essa lesão são incapazes
de manter a postura (a qual precisa de atuação do tronco encefálico), portanto, eles
ainda dependem de apoio para caminhar.

● Marcha não automática: Esse movimento se inicia na área pré-frontal,


responsável pela tomada de decisão, ou seja, por estabelecer a intenção do movimento.
Em seguida, há o input sensorial, que passa por uma seleção de quais informações são
relevantes ao movimento, e chega até as áreas motoras secundárias. Essas áreas são
duas, a área pré motora e a área motora suplementar, as quais recrutam o cerebelo e
os núcleos da base, para que, em conjunto, realizem o planejamento motor de modo
geral. Assim, se forma o feedforward (mecanismos antecipatórios para o movimento),
que é enviado ao giro pré central. Essa área cortical, por sua vez, é responsável pelo
início do movimento em si, pois ele projeta eferências, as quais, por meio de sinapses,
chegam até o músculo desejado, contraindo ou relaxando-o.

192
Em ambos os casos, o indivíduo precisa realizar o controle do movimento. Para
tal, as vias (e atividades) que saem do giro pré central, antes de deixarem o encéfalo,
originam ramos colaterais que enviam uma cópia da ordem motora (cópia de eferência)
aos núcleos da ponte e daí ao cerebelo, o qual compara com a informação
proprioceptiva que recebe; isto é: informação relativa ao estado do aparelho locomotor,
posição, pressão, dor, etc. Seguidamente (se necessário), origina um estímulo corretivo
que atinge o córtex alterando a ordem motora de acordo com as necessidades do
aparelho locomotor. Além disso, o mecanismo de feedback é fundamental, pois é
desencadeado quando há ocorrência de perturbações do equilíbrio decorrentes de
forças externas inesperadas. Nesse caso, os sistemas sensoriais fornecem informações
acerca da natureza do distúrbio que são utilizadas para que uma resposta apropriada
seja desencadeada. Dessa forma, esses mecanismos permitem a correção de
movimentos durante o curso e é por isso que pessoas de idade mais avançada, como a
minha avó que mora comigo, costumam ter movimentos menos precisos, pois o cérebro
tem menor sincronia entre as regiões cerebrais, além de redução da densidade neural,
depósito de proteína amilóide e achados microvasculares. Tudo isso compromete a
integração entre as informações sensoriais e a realização do movimento.

Tudo abordado acima, trata-se de como agimos durante nossa vigília, ou seja,
quando estamos acordados. Contudo, durante o sono, um estado de consciência menor,
ainda somos capazes de nos movimentarmos (como o SNA) e de detectarmos alguns
estímulos sensoriais (como altos barulhos).

Um bom exemplo para ser abordado são os espasmos durante o sono. Esses
movimentos involuntários e repentinos são mais comuns em bebês, uma vez que eles
ainda estão em processo de maturação do cérebro, estão aprendendo a distinguir o
sono da vigília; aos poucos, o bebê começa a diferenciar, permitindo-no o bloqueio dos
movimentos corporais durante o sono. No adulto, esse processo, em tese, já está
desenvolvido, e mesmo assim, pode ocorrer o espasmo: quando o estado de vigília
(estresse, fadiga, excesso de cafeína) está muito elevado, prolonga-se a transição com o
sono, o que causa esses movimentos.

193
Outro aspecto fundamental do movimento é o do aprendizado das tarefas
motoras. Esse aprendizado pode ser dividido em três estágios:

● Cognitivo: Quando a pessoa não consegue desvincular atenção da ação, o que


demanda grande atividade mental de natureza cognitiva.

● Associativo: Quando a pessoa consegue associar conscientemente as


informações ambientais com as exigências do movimento.

● Autônomo: Quando a pessoa já consegue fazer a ação sem pensar, sem


necessidade de instrução prévia.

Com base no famoso experimento de desenhar uma estrela no espaço entre


duas, proposto por Brenda Milner a Henry Molaison (paciente que teve removidos seus
dois lobos temporais, incluindo o hipocampo, para tratamento cirúrgico de epilepsia),
conclui-se que a memória para o aprendizado motor (memória pragmática) independe
da ação de consolidação do hipocampo. Assim, os centros motores inconscientes são
capazes de lembrar o que a mente consciente esqueceu. E, com o avanço dos estudos,
concluímos que essa memória procedimental reside mais no cerebelo e nos núcleos da
base.

Por fim, há várias doenças motoras como crises convulsivas nas epilepsias, Coreia
de Huntington e a doença de Parkinson. Esse último exemplo, apresenta dados da
Organização Mundial de Saúde (OMS) que mostram que aproximadamente 1% da
população mundial com idade superior a 65 anos tem a doença. Embora ela seja mais
comum em idosos, também pode ocorrer em pessoas jovens e adultos. De modo geral,
é causada pela degeneração da substância negra, região responsável pela produção de
dopamina. Essa carência de dopamina acaba alterando os movimentos do corpo,
tornando-os descoordenados, principal sintoma da doença.

194
O elo entre cérebro, yoga e coordenação
Vídeo disponível neste hiperlink
Brenda Cristina Nava
Lucas Sato
Sthefany Santos Araujo
O controle do movimento é um processo que envolve diversas circuitarias que
permitem uma regulação fina. Essa regulação vai desde o próprio planejamento do
movimento motor, que envolve o córtex motor primário, córtex pré-motor e área
motora suplementar, até os circuitos motores. Esses agem tanto na manutenção dos
ajustes motores do movimento durante sua realização, quanto na elaboração de uma
memória motora, permitindo ao ser humano o desenvolvimento, aperfeiçoamento e
realização das mais complexas e variadas atividades motoras.

Quando se discute sobre aprendizado motor, controle da postura e do


movimento, deve-se, indubitavelmente, realizar uma abordagem sobre o cerebelo.
Além de ser responsável pela manutenção de postura e equilíbrio, a função primária
desse órgão é detectar a diferença, ou o “erro motor”, entre um movimento pretendido
e o movimento de fato apresentado e, através de suas projeções aos neurônios motores
superiores, reduzir o erro. As correções podem ocorrer durante a realização do
movimento ou como uma forma de memória motora, quando a correção é armazenada.
Isso ocorre da seguinte maneira: o músculo esquelético envia aferências ao cerebelo,
que realiza ajustes do erro motor e aprendizado, retransmitindo os sinais ao tronco
encefálico e aos neurônios motores superiores, permitindo ajustes e ativação.

Ao mesmo tempo que o córtex motor primário envia os sinais para as vias
córtico-espinais, o cerebelo é ativado pelas vias córtico-ponto-cerebelares e utiliza as
informações provenientes do córtex para realizar seu papel como regulador do
movimento, efetuando ajustes temporais e espaciais, baseados em memória motora e
ajustando novas informações para posteriores movimentos. Podemos usar como
exemplo o arremesso de uma bola de basquete, pois o movimento necessário para que
atinja o seu alvo (no caso, a cesta) precisa ser estritamente regulado. Assim, as
experiências anteriores que constituirão a memória motora cerebelar permitem uma

195
maior taxa de acertos ao longo das tentativas, por conta do ajuste que esse órgão
realiza.

No que tange os ajustes motores, temos um conjunto de estruturas chamadas


de Núcleos da Base, que compõem circuitos que modulam a atividade dos neurônios
motores superiores antes e durante a execução do movimento, e seus efeitos sobre
esses neurônios são necessários para o transcurso normal dos movimentos voluntários.
Os Núcleos da Base estão relacionados com a etapa de programação dos comandos
motores e exercem, em conjunto com o cerebelo, a modulação do estímulo excitatório
sobre o tálamo, e esse, sobre o córtex motor. Nos vários componentes do circuito básico
e seus circuitos subsidiários, eles interagem com neurônios excitatórios e inibidores de
maneira bastante complexa, resultando em uma ação excitatória modulada sobre as
áreas corticais motoras, importante para que os movimentos sejam equilibrados. Isso
permite que, durante o repouso, os neurônios superiores não sejam ativados e que,
durante o movimento, esses músculos não tenham atividade hiperfacilitada, como na
Doença de Huntington).

Além disso, devemos enfatizar que o sistema límbico é de fundamental


importância no aprendizado e formação da memória. Assim, podemos ainda analisar
que o componente emocional pode ter notável importância no aprendizado, como, por
exemplo, pelo sistema de incentivo ou mesmo na busca por recompensa. A exemplo, o
incentivo de tentar aprimorar as habilidades musicais pode ser o prazer e satisfação de
conseguir tocar determinada música, ou para mostrar para alguém a habilidade.

Ao ressaltar que a função do cerebelo e de outras circuitarias de controle motor


para os ajustes dos movimentos realizados (tanto voluntários, quanto involuntários,
apesar de o primeiro ser o destaque neste trabalho), do controle postural e da memória
relacionada a esses é imprescindível em nossas vidas e está presente em diversas
situações, podemos concluir que o estudo desses elementos é de extrema importância.
Com o intuito de buscar exemplos pertencentes ao cotidiano, os alunos encontraram
duas situações que se encaixam no contexto abordado. Como pode-se observar no vídeo
2, são demonstrados dois exemplos de aprendizado motor: o exercício da yoga pela
aluna Sthefany Araújo e a realização de crochê pela avó da aluna Brenda C. Nava.

196
No primeiro exemplo, vemos o exercício da yoga que se baseia, além das
estratégias que envolvem a meditação e a mente, na prática de diferentes posições e
técnicas que, não só melhoram o condicionamento físico, como também proporcionam
um melhor controle postural. Sendo ainda uma atividade que necessita de uma
importante regulação, em especial, do cerebelo vestibular. Nesse exemplo, ilustrado no
vídeo, podemos ver que ao longo do tempo, com a contínua prática dessas diferentes
posições, ocorrem ajustes posturais, de modo que o praticante consegue fazer até os
movimentos mais complexos com menor dificuldade e mais leveza. Esse fato é um ótimo
exemplo do aprendizado motor pelos circuitos e da regulação do equilíbrio e postura
pelo cerebelo, permitindo que o indivíduo evolua suas capacidades nesse exercício para
corpo e mente.

O segundo exemplo escolhido pelos alunos foi a prática do crochê pela dona
Iolanda (avó de uma das alunas do grupo), uma atividade realizada por essa senhora há
cerca de 35 anos. Assim, a prática ao longo dos anos, permitiu um aprendizado de um
padrão motor, que corresponde a própria execução desse processo criativo, um
desenvolvimento e um aprimoramento dessa técnica. O aprendizado motor
proporcionado pela neuroplasticidade da adequação às tarefas e condições, as quais o
indivíduo está subordinado, permite tanto a realização mais precisa e aprimorada das
posturas de yoga, ou de qualquer exercício, esporte ou dança, quanto a execução dos
complexos movimentos que se traduzem em padrões motores para bordar um tecido,
que com a prática ficam mais fluidos e rápidos, quase como se fossem automatizados ,
como seria o exemplo dos movimentos aprendidos para tocar um instrumento musical.
Esse processo permite a criação de diversos padrões de bordados a partir da perícia
aperfeiçoada, traduzida na habilidade de movimentos precisos e eficientes pelos dedos.

Se não existissem os mecanismos de feedback, que permitem a correção de erros


e a memória motora, o ser humano nunca conseguiria aprimorar nenhum tipo de
atividade, ele ficaria preso sempre a uma prática sem a possibilidade de refinamento.
Imagine como seria se nunca pudéssemos melhorar nossas habilidades nos esportes, na
prática de instrumentos musicais, ou até mesmo o caso de um cirurgião, que não
conseguiria aprimorar suas técnicas. Um dos fatores mais incríveis da integração dos
circuitos motores, sem dúvidas, é a possibilidade e capacidade de aprendizagem que o

197
ser humano possui, o que torna cada um único, uma vez que cada um participa de
diferentes experiências e distintos estímulos, proporcionando aprendizados e
habilidades desenvolvidas variadas, assim como as próprias idiossincrasias dos
indivíduos.

A construção do Movimento
Vídeo disponível neste hiperlink

Letícia Baccaglini Caetano de Camargo


Luísa Sampaio Onofri
Matheus Silva Braga
Caminhar pela casa, escovar os dentes, levar o alimento até a boca durante a
refeição e jogar bola para o cachorro são ações que guardam inúmeras analogias, as
quais extrapolam o simples envolvimento do sistema motor. Envolvem o planejamento
do movimento, componentes sensoriais e ajustes finos que vão além da área do nosso
cérebro específica para o movimento, o “córtex motor”. Antes, feitas de modo
automático, essas ações passam a ser mais notadas e alvo de curiosidade acerca de seu
funcionamento durante esse período de isolamento social imposto pela pandemia da
COVID-19.

Diferentemente de uma dança, que envolve sequência de movimentos


complexos, as ações acima citadas não exigem esforços grandiosos por parte da atenção
de uma pessoa. Além disso, por mais que sejam ações motoras, diversos circuitos são
acionados, também, sobretudo no córtex frontal, que antecipa e pensa nos movimentos
a serem realizados –como ocorre no jogo manual “pega-varetas”, ao planejar qual
vareta apresenta o menor risco de mover as outras quando retirada e qual a melhor
forma de retirar a vareta visada.

O córtex motor, apesar de participar ativamente na coordenação de


movimentos, ainda exige a participação do córtex somatossensorial para que o
movimento seja realizado de forma correta - muitas vezes o corpo pode desequilibrar-
se, como ocorre ao ficar apoiado em apenas uma das pernas e de olhos fechados, por

198
exemplo. O cerebelo, que auxilia na postura e no equilíbrio, é requisitado na
coordenação, por mais automática que seja a manutenção da postura e do equilíbrio.
Tal estrutura atua na regulação da contração e do relaxamento de diversos músculos
esqueléticos.

Algo interessante a se observar é o nosso sono, onde encontramos alguns


movimentos tão automáticos que se processam sem que se tenha consciência deles.
Temos como exemplo o sono de movimentos oculares rápidos (rapid eye movements,
REM, do Inglês), o qual é uma fase do sono em que, apesar de quase todos os músculos
do corpo estarem em estado de quase paralisia (atonia muscular), exceto o diafragma,
que atua na respiração, e os músculos dos olhos, os quais estão muito ativos, o cérebro
possui elevada atividade elétrica, podendo inclusive ser comparado ao de uma pessoa
acordada. A análise de um eletroencefalograma (EEG), revela que a atividade cerebral
se altera durante o sono, que possui 5 fases: o sono REM, acima citado, e 4 de sono não-
REM, nas quais há variações de ondas rápidas, num período de sono leve, até ondas
mais lentas com diferentes ritmos até que o sono se torne profundo. O curioso é que,
apesar do sono REM mostrar o cérebro muito ativo - o que não ocorre com as outras
fases não-REM, provavelmente não é a melhor hora para aprender algo novo.

Já sob o estado de vigília, em que o corpo e o cérebro estão “acordados”, o córtex


motor pode aprender diversas sequências de movimento, devido à sua plasticidade,
como na coreografia de dança ou no aprendizado de uma partitura. Para o aprendizado
de uma nova sequência de movimentos, há a ativação do córtex pré-motor (área 6 de
Brodmann), que envolve a área pré-motora e a área motora suplementar, responsáveis
pelo planejamento do movimento. Além disso, há ativação do córtex motor primário
(área 4 de Brodmann), que prepara vias descendentes para a execução: ativação do
trato córtico-espinal descendente, que atua na execução de tais tarefas. Todo esse
circuito permite que movimentos sejam imaginados, recorrendo a memórias ou padrões
motores já conhecidos, para que o movimento seja realizado. Além disso, o cerebelo
atua na correção dos movimentos, já que recebe aferências tanto da medula espinhal,
quanto do córtex motor e de outras regiões do sistema nervoso central, de forma que
compara o movimento realizado com o que foi imaginado, corrigindo eventuais erros na
conduta.

199
Quando se fala sobre a atividade motora, a associação é feita, geralmente, com
movimentos como os envolvidos nos esportes. No entanto, deve-se lembrar dos
movimentos táteis delicados, como no bordado, na costura, na pintura e até em jogos.
No vídeo, o jogo “pega-varetas” constitui um claro exemplo do que foi discutido até o
momento. Os movimentos rápidos e precisos exigem cada vez mais estratégias com a
finalidade de retirar todas as varetas coloridas, uma de cada vez, sem tocar na vareta de
cor preta ou outra adicional, pois a cada vez que isso ocorre, o jogador perde a vez. Cada
cor da vareta vale uma pontuação e vence quem tiver a maior pontuação. Em síntese,
nesse jogo os movimentos são planejados pela ativação do córtex pré-frontal,
recrutando as áreas pré-motora e motora suplementar, e executados pelo córtex motor
e de suas vias descendentes.

A conexão entre essas diferentes informações, que são processadas e projetadas


ao córtex motor, conta com o auxílio dos núcleos da base, que são constituídos por um
conjunto de núcleos no cérebro com diferentes estruturas e atividades, os quais atuam
como uma unidade funcional. Basicamente, os núcleos relacionados com o movimento
são: corpo estriado (composto pelo putâmen e pelo caudado), globo pálido, substância
negra e núcleo subtalâmico. De um modo geral, o corpo estriado recebe aferências de
todo o córtex, com exceção das áreas primárias de visão e audição. A partir daí, emite
projeções para a substância negra e globo pálido, que projetarão de modo indireto para
o córtex cerebral motor. Assim, são responsáveis pelo planejamento e controle do
movimento, até aqui discutido.

Algumas patologias se desenvolvem devido ao comprometimento desse sistema


de núcleos da base, afetando principalmente o movimento. A Doença de Parkinson, por
exemplo, se trata de uma hipocinesia que ocorre por danos nos neurônios
nigroestriatais, provocando supressão de expressões faciais, dificuldade de iniciação e
de terminação dos movimentos. Outro exemplo é a Doença de Huntington, que se
configura como hipercinesia, podendo vir acompanhada de prejuízo nas capacidades
cognitivas e de transtornos de personalidade; é decorrente de atrofia dos neurônios que
saem do corpo estriado rumo ao globo pálido. Há também o balismo, que também é
caracterizado por hipercinesia e por movimentos repentinos e violentos das
extremidades do corpo. Por sua vez, é causado por lesão no núcleo subtalâmico.

200
Assim, diversos circuitos são requisitados para a realização do movimento. Tais
circuitos envolvem não somente as áreas motoras cerebrais, como também áreas
relacionadas à memória, à percepção do ambiente e dos próprios segmentos corporais
(propriocepção). Nesse contexto, cabe o questionamento: nossos movimentos são
reflexos do nosso meio interno, ou nosso meio interno é um reflexo dos nossos
movimentos? Movimentos e sensações que nos conectam com o mundo exterior são
capazes de alterar nossos pensamentos, nossos desejos, nossos sonhos?

Comparando a execução de tarefas simples e


complexas de acordo com a idade
Vídeo disponível neste hiperlink

Carlos Germano Souza Palú


Laura Santana Costa
Vitor de Moura Arrais
No vídeo escolhido para a segunda atividade, podemos observar alguns cenários
comuns no cotidiano dessa família, mas que exigem um fino processamento nervoso. O
vídeo se inicia com a interpretação de uma música através de dois instrumentos
musicais: um violão e um copo. A execução de um instrumento musical exige um
controle motor, que pode ser dividido em três níveis: (1) o nível mais alto, representado
pelas áreas de associação do neocórtex e pelos núcleos basais do prosencéfalo,
envolvidos com a estratégia; (2) o nível intermediário, representado pelo córtex motor
e pelo cerebelo, relacionado com a tática, isso é, a sequência de contrações musculares
necessárias para atingir o objetivo; (3) o nível mais baixo, representado pelo tronco
encefálico e pela medula espinal, que engloba a execução, a ativação do neurônio motor
e de conjuntos de interneurônios que geram o movimento desejado.

Antes de começar a tocar o instrumento, o neocórtex cerebral do indivíduo


possui informações acerca de onde o corpo está no espaço e como o ambiente está, o
que implicará, por exemplo, na intensidade sonora desejada. A partir dessas
informações, o indivíduo traçará uma estratégia para mover o seu corpo (braços, mãos
e dedos neste exemplo), a fim de obter os movimentos desejados. Existem diversos

201
acordes que ele pode tocar no violão, e cada um deles exige um movimento diferente
em seus dedos. Essas alternativas disponíveis são “filtradas” através dos núcleos da base
e seguem de volta ao córtex, até que a decisão seja tomada, com base em sua
experiência (aprendizado motor). Quando a decisão é tomada, as áreas motoras do
córtex e do cerebelo enviam instruções para o tronco encefálico e a medula espinal;
ocorre, então, a ativação de neurônios no tronco e na medula, levando à execução do
movimento. A ativação, em tempo apropriado, de neurônios motores na região cervical
da medula, gera um movimento coordenado do ombro, do cotovelo, do pulso e dos
dedos. Simultaneamente, eferências do tronco à medula espinal comandam
ajustamentos apropriados para evitar um posicionamento errado dos dedos, por
exemplo. Durante toda a música, o cerebelo compara as características do movimento
em execução com o plano motor prévio e promove as correções necessárias.

Após a introdução musical, o vídeo segue com a apresentação de 3 indivíduos


subindo a escada da casa: um idoso, um jovem e uma criança. A ideia, além de promover
a participação da maioria dos membros da família no trabalho, é mostrar que um
movimento tão comum – subir a escada – sofre alterações significativas ao longo da
vida. O primeiro a subir a escada, um indivíduo de 64 anos de idade, demonstra certa
dificuldade em realizar o movimento e, por isso, utiliza o corrimão para auxiliá-lo a
manter o equilíbrio e impulsionar o corpo para o próximo degrau. Essa característica se
deve a um processo normal do envelhecimento: os idosos têm maior dificuldade para
manter a postura na marcha (e consequentemente para subir uma escada) devido ao
enfraquecimento dos músculos abdominais e dos flexores de quadril. Além disso, há um
enfraquecimento dos músculos da perna devido à perda da massa muscular, processo
relativamente comum em idosos que não praticam atividade física.

O segundo indivíduo a subir a escada, um jovem, não necessita utilizar o


corrimão para manter a sua postura (seus músculos não estão enfraquecidos) e
apresenta uma grande naturalidade ao realizar o movimento. Essa naturalidade deve-
se ao aprendizado cerebelar, que torna um movimento recorrente cada vez mais
preciso. Neste exemplo, o jovem sobe a mesma escada há 15 anos.

202
Quando analisamos o terceiro indivíduo, uma criança de 6 anos de idade,
notamos que ela não apresenta dificuldades motoras para subir, isto é, seus músculos
são suficientes para suportar o seu peso. Porém, os seus olhos se mantêm fixos na
escada, já que ele não está habituado a subi-la e, neste caso, o sistema visual provê
informações sobre a posição do corpo em relação ao meio externo, auxiliando na
manutenção postural. O sistema visual está ativo nos três indivíduos, mas é notável a
sua maior utilização na criança, que inclusive mantém a sua cabeça levemente inclinada
em direção ao chão.

Ao subir a escada, os três indivíduos ativam os geradores centrais de padrão, que


são circuitos que dão origem a atividades motoras rítmicas. Esses geradores são
formados por neurônios cujas propriedades de membrana os capacita com
propriedades de marcapasso. Neste caso, existem receptores para o neurotransmissor
N-Metil-D-Aspartato (NMDA), localizados em interneurônios espinhais, que são
suficientes para gerar atividade locomotora. Porém, durante todo o movimento, o corpo
recebe informações/influências do ambiente e responde promovendo melhorias e
adaptações.

O vídeo se encerra com a criança tentando reproduzir os sons realizados com o


copo, utilizado como instrumento de percussão. A criança não consegue reproduzir os
movimentos com excelência e isso pode ser explicado por pelo menos dois motivos:
primeiro, antes do vídeo, mostramos a sequência de movimentos e ela pôde ensaiar
apenas 5 vezes, o que não foi suficiente para memorizá-la; segundo, o Vitor (início do
vídeo) já fez aulas de música e certamente isso induziu uma plasticidade cerebral, o que
explica uma melhor desenvoltura. Caso a criança tivesse aprendido os movimentos no
dia anterior, a qualidade da execução seria bem melhor, pois durante a noite – enquanto
ela dormia – ocorreria a consolidação da memória, isso porque o sono auxilia na
consolidação da memória hipocampal.

Então, podemos concluir este texto afirmando que o cerebelo aprende com os
nossos erros. Quando o movimento não ocorre como o planejado, o circuito cerebelar
básico se reorganiza, por meio de alterações na excitabilidade de neurônios cerebelares.

203
Assim, após um ato motor ter sido realizado várias vezes, ele se torna cada vez mais
preciso, seja ele subir uma escada ou tocar violão.

Desafio: vigília e coordenação


Vídeo disponível neste hiperlink

Lais Passinho
Luiz Gustavo Silva Cesarino
Raquel Farias Barreto Silva
Tendo em vista os conteúdos abordados nas aulas “Controle da Postura e
Movimento - Integração Motora” e “Regulação da Atividade Elétrica Cerebral”, o
objetivo do vídeo é analisar como o nível de atenção de um indivíduo é alterado em
diferentes momentos do ciclo de vigília, com a remoção de uma informação sensorial
(visão). O nível de atenção foi observado a partir da marcha em um percurso com
obstáculos, sendo que uma única chance de memorização visual foi dada ao participante
(percurso realizado com olhos abertos, duração aproximada de 15 segundos). Logo em
seguida, o percurso foi realizado com olhos vendados, sem qualquer ajuda ou instrução
(duração aproximada de 33 segundos). Essas duas situações ocorreram por volta das 17
h, período ativo do dia. No dia seguinte, o indivíduo foi despertado no horário de
costume e teve menos de 5 minutos de intervalo entre levantar da cama e realizar o
percurso pela última vez, com olhos vendados e sem instruções (duração aproximada
de 48 segundos). Seu desempenho foi nitidamente pior na última tentativa, tanto pela
maior duração, quanto pela falta de precisão nos movimentos. Essa diferença pode ser
atribuída a alguns fatores: no 1º dia, o indivíduo teve a chance de fazer o percurso com
olhos abertos imediatamente antes de fazê-lo com olhos vendados. O evento estava
fresco em sua memória e o período do dia escolhido era ativo. No 2º dia, o indivíduo
não teve a chance de realizar o percurso com os olhos abertos. O evento estava
registrado há algumas horas em sua memória e o período do dia escolhido era menos
ativo. Nessa análise, o foco estará sobre o período em que o experimento ocorreu,
embora ele não seja a única influência nos resultados obtidos.

204
No primeiro trajeto, podemos salientar o papel dos geradores centrais de padrão
medular na marcha. Esses motoneurônios possuem relativa autonomia, porém recebem
influências das informações sensoriais e de áreas corticais e subcorticais e estão
envolvidos no aprendizado de tarefas complexas. A marcha deve ser adaptada às
demandas do ambiente (obstáculos), o que se dá pela atividade do sistema visual na
modulação dos neurônios do córtex motor, criando uma memória a curto prazo para
orientar as ações. Dele e do tronco encefálico partem sinais descendentes que farão o
ajuste dos movimentos. A região locomotora mesencefálica, por sua vez, enviará sinais
para ativar o sistema locomotor medular. O cerebelo recebe sinais através de vias
espino-cerebelares, de receptores periféricos e do gerador central de padrão medular e
tem a função primária de controlar a postura e o movimento, armazenando o
aprendizado motor e a correção de erros (diferença entre ação real e ação pretendida).
Ele também é associado à memória espacial. Em sequência, o padrão locomotor é
ajustado através dos núcleos do tronco cerebral. Por fim, a ativação de neurônios no
tronco e na medula leva à execução do movimento.

No segundo trajeto, apesar da ausência da informação visual, o indivíduo


consegue concluir o desafio. Isso porque suas decisões sobre os movimentos a serem
executados estavam baseadas nas memórias das informações sensoriais de movimentos
passados (lembrança da tentativa imediatamente anterior). No entanto, há falhas no
percurso, representadas pelos atos de esbarrar nos objetos, por exemplo. Essa
dificuldade ocorreu porque a ausência da visão fez com que o neocórtex não tivesse a
informação exata da posição do corpo no espaço. É provável que, se o participante
tivesse mais chances de repetir o primeiro trajeto, seu desempenho teria sido melhor,
já que o cerebelo e os núcleos da base poderiam consolidar a memória dos
procedimentos necessários ao sucesso da tarefa pretendida.

No terceiro e último trajeto, além das questões levantadas no parágrafo anterior,


há um agravante ao desempenho do indivíduo: ele despertou recentemente, seu nível
de atenção está diminuído em relação ao período em que os dois experimentos
anteriores aconteceram. Sabe-se que na transição sono-vigília vários neurônios
aumentam suas taxas de disparo, entre esses estão as células do locus coeruleus
noradrenérgico da ponte, por exemplo, envolvidas na regulação da atenção, do alerta e

205
dos ciclos sono-vigília, assim como do aprendizado e da memória. Seus axônios se
projetam difusamente a várias partes do encéfalo. Dados obtidos de macacos em vigília
mostram que os neurônios do locus coeruleus são mais bem ativados por estímulos
sensoriais novos e inesperados, como aqueles verificados no 1º dia do experimento aqui
proposto. Quando o animal está repousando calmamente (menos vigilante), eles são
menos ativos. Podemos comparar essa última situação com a do participante no 2º dia,
pela influência do momento do ciclo de vigília, em que a capacidade cerebral de
processar as informações sensoriais e motoras está reduzida, justificando o pior
desempenho.

A coordenação do movimento dos seres


Vídeo indisponível

Ana Carolina Rossini Darwin


Gabriel Guimarães Araújo
Henrique Silveira Duarte
A primeira atividade motora mostrada no vídeo é a marcha, que consiste em um
movimento rítmico produzido por um padrão complexo de contrações musculares,
geradas por redes de neurônios da medula espinal que formam circuitos que são
chamados de geradores centrais de padrão. Esses circuitos possuem interneurônios com
atividade marcapasso intrínseca (devido às suas propriedades de membrana), a qual
atua como a principal força rítmica para ativar neurônios motores, que, por sua vez,
comandam comportamentos cíclicos. A marcha se inicia quando são excitados dois
interneurônios que se conectam aos neurônios motores que controlam os flexores e
extensores. As atividades dos dois interneurônios alternam-se porque eles inibem-se
reciprocamente através de outros interneurônios (inibitórios), de tal forma que a flexão
no membro de um lado é acompanhada pela extensão do outro. No vídeo, é mostrado
um cachorro executando um movimento rítmico altamente coordenado.

A segunda atividade apresentada é a atenção, processo executado por neurônios


do córtex parietal associativo. Ela é importante pois está relacionada a uma detecção
aumentada e tempos mais rápidos de reação ao objeto a que se está prestando atenção.

206
Assim, o movimento seguinte de planejamento da ação é beneficiado pela atenção que,
no caso do vídeo, consiste no cachorro planejando a maneira de pegar a bolinha. O
reconhecimento do objeto precede a atenção e o planejamento, captando o interesse
do animal em prestar atenção à bolinha. Esse reconhecimento é realizado por um feixe
de processamento das áreas extra-estriatais chamado feixe ventral, que também está
envolvido na percepção do mundo visual.

O planejamento da ação é desempenhado pelas áreas corticais parietais


pré-frontal e posterior, que representam os níveis superiores da hierarquia do controle
motor, onde decisões são tomadas acerca de quais ações realizar e suas possíveis
consequências. Ambos os córtices enviam axônios que convergem para a área cortical
6, que se relaciona com axônios do tracto córtico-espinhal descendente; nessa junção
há sinais que codificam quais ações são desejadas, e que serão convertidos em sinais
que especificam como elas serão executadas.

A atenção também se relaciona com propriedades visuais, tendo efeitos


específicos nas respostas de neurônios da área V4 do córtex visual, devido aos neurônios
parietais possuírem campos receptivos visuais. Os estímulos visuais são importantes na
motricidade, pois eles modulam a atividade em neurônios do córtex motor, visando
adaptar os movimentos da marcha. A análise do movimento visual e o controle visual da
ação são executados pelo feixe dorsal nas áreas extra-estriatais corticais; uma dessas
áreas é chamada área MT, e nela ocorre um processamento especializado do
movimento de objetos. A área MT recebe sinais de entrada de outras áreas corticais,
como V2 e V3. Além da MT, existem no lobo parietal áreas com tipos adicionais de
especialização para sensibilidade ao movimento, como a MST; nesta, há células seletivas
para movimentos lineares, movimentos radiais e movimentos circulares, e ela
desempenha papéis importantes na navegação espacial, orientação do movimento dos
olhos e percepção do movimento.

A postura é controlada pela formação reticular, uma região do tronco encefálico


situada ventralmente ao aqueduto cerebral e ao quarto ventrículo. As vias
ventromediais, consistindo nos tratos descendentes da medula espinhal (retículo-
espinhal, vestíbulo-espinhal e tecto-espinhal), também atuam na postura, pois

207
controlam os músculos posturais. Além disso, a postura corporal é ajustada pelo sistema
vestibular, que informa sobre a posição e o movimento da cabeça, dando o sentido do
equilíbrio, e auxiliando na coordenação dos movimentos.

O vídeo mostra, depois, exemplos de movimentos complexos executados por


animais e seres humanos, como saltos e giros. Tais movimentos só são possíveis de
serem realizados devido a todas as etapas citadas anteriormente, que envolvem a
integração da sensibilidade à motricidade, a resposta a estímulos externos e o
planejamento do movimento. Além disso, o cerebelo atua em movimentos que exigem
alta coordenação realizando um aperfeiçoamento da ação. À medida que esta é
executada várias vezes, ocorre no cerebelo a criação de um novo programa motor, que
gera as sequências apropriadas necessárias para o movimento sem a necessidade de
controle consciente. Ele atua para que os movimentos sejam executados
adequadamente e ajustados toda vez que sua execução ocorre de forma diferente do
esperado. O processo pelo qual esse controle pelo cerebelo ocorre é por meio da
ativação dele pelas aferências córtico-ponto-cerebelares (originadas do córtex motor),
usando essas instruções para coordenar a precisão temporal da atividade descendente,
de maneira que a seqüência adequada de contrações musculares possa ocorrer.

Finalmente, o vídeo mostra um cachorro “desenhando”, ação que representa o


processo criativo e que envolve ambos os lobos parietais. A ativação de regiões fronto-
parietais do lado esquerdo está envolvida com a execução central e planejamento visual
dos componentes que atuam durante o ato de desenhar; desses, o componente fronto-
parietal inicia e ajusta a atividade. Estudos mostram que a criatividade e a capacidade
de improvisação espontânea estão associadas com maior ativação bilateral do cerebelo.
Assim, a interação cerebral-cerebelar possui um efeito facilitador nesses processos.

O vídeo apresentado mostra a importância da integração motora e do córtex


associativo para a detecção de faces e objetos, além do planejamento e execução do
movimento coordenado. Podemos aferir que até os movimentos mais simples são
executados por diversas áreas encefálicas e medulares, que estão integradas entre si
para transmitir as informações necessárias à motricidade.

208
Atividade em Família
Vídeo disponível neste hiperlink

Alexia Viegas
Para o ser humano, espécie profundamente sociável, o reconhecimento de faces,
a interpretação do outro e o planejamento da tomada de decisões em relação ao próprio
comportamento consistem em mecanismos evolutivos que propiciaram e fomentaram
a organização da vida em grandes comunidades. O pensamento cognitivo complexo foi
capaz de inventar e estabelecer ideias concebidas como entidades sólidas, tais como o
conceito de Estado, de capital, de nação. Dessa forma, o desenvolvimento do córtex
cerebral associativo do ser humano foi o responsável por criar as relações interpessoais
e o mundo globalizado como conhecemos hoje, ou como conhecíamos até então, uma
vez que a pandemia do novo coronavírus põe em xeque o modo de vida criado pela
humanidade e abre caminho para dúvidas e reflexões sobre nossas práticas e valores.

Diante do agravamento da pandemia de coronavírus e da necessidade de realizar


um isolamento social ainda nos primeiros meses do ano, deixei o grande centro urbano
de Ribeirão Preto e retornei para São Pedro, pequena cidade do interior onde passei
minha infância e adolescência. Aqui, enfrentei a necessidade constante de “trabalhar
certas funções” do meu córtex cerebral associativo durante a convivência dentro do
núcleo familiar, já que estava, pela primeira vez, vivendo com meu padrasto e
conhecendo uma dinâmica familiar distinta.

Embora esteja na mesma cidade onde morei parte considerável da minha vida,
ou seja, ainda que eu esteja em um ambiente reconhecido pelo meu córtex temporal
associativo, que possui a capacidade de identificar um local e associá-lo a emoções, o
contexto familiar no qual eu me insiro já não é mais o mesmo. Após o divórcio dos meus
pais, minha mãe casou-se novamente e, devido à distância entre São Pedro e Ribeirão
Preto e à falta de tempo e razão, até então nunca tive a oportunidade de conviver por
muitos dias seguidos com meu padrasto.

A convivência repentina e intensa, o estresse e a insegurança proporcionados


pelo medo da pandemia, diferenças culturais, diferenças ideológicas e de

210
direcionamento político foram, sim, ingredientes que propiciaram diversos embates e
discussões entre todos os membros da casa. Tudo isso durante uma fase em que
ainda buscávamos uma adaptação entre nós mesmos em um contexto novo, tanto em
relação à composição da família, quanto em relação aos acontecimentos ao redor do
globo. 

Em vista disso, a atuação do córtex frontal associativo foi importante para a


resolução de diversos problemas, já que a ele compete o planejamento das ações, a
reflexão sobre a tomada de decisões e o “filtro social”, que é capaz de avaliar os riscos
e benefícios que um comentário ou uma gentileza podem causar. Além disso, o córtex
frontal modula as respostas explosivas da amígdala, contribuindo, então, para a
melhoria das relações interpessoais dentro da casa.

Nesse sentido, o vídeo retrata um momento de harmonia familiar, no qual todos


nós, eu, minha mãe, meu irmão e meu padrasto, trabalhamos juntos no jardim da
chácara onde moramos. Nesta ocasião, enquanto eu, minha mãe e meu
irmão rastelávamos o gramado, meu padrasto estava mais adiante trabalhando com o
cortador de grama. Essa atividade envolve sistemas sensoriais específicos interagindo
com córtices motores e córtices associativos. 

Sendo assim, foi flagrado um evento no qual o encéfalo executa atividades


razoavelmente simples que trazem conforto e felicidade para quem as realiza. Essa
cooperação nas tarefas do jardim ajudou a criar memórias agradáveis desse tempo com
a família, a melhorar a empatia e a progredir nos laços afetivos entre todos. 

Ao mesmo tempo, o vídeo capta um momento em que há ativação do córtex


parietal associativo, relacionado à atenção, pois nota-se uma concentração e empenho
dos indivíduos na realização das atividades. Nesse momento, os córtices frontais
associativos também estão desenvolvendo planejamento sobre a ação e suas
consequências, tais como arrumar o jardim para deixá-lo bonito e agradar aos outros
membros da família com a realização deste trabalho.

Por fim, é necessário pontuar que o córtex temporal associativo também é


responsável pelo reconhecimento facial entre os membros da família. Essa capacidade,

211
que permite que eu reconheça o rosto de meus familiares, é primordial para que o ser
humano consiga estabelecer uma vida em sociedade, para que consiga interagir com
outros membros adequadamente e, assim, cooperar em uma atividade ou objetivo em
comum. Dessa forma, o córtex temporal associativo influencia em muito o modo de vida
e de organização social do ser humano.

Refletindo sobre isso, acredito que a quarentena imposta como medida protetiva
em relação à pandemia de coronavírus ofereceu uma oportunidade para que eu
conhecesse melhor meu padrasto e para que eu me tornasse sua amiga, ainda que
sejamos pessoas muito diferentes. Além disso, poder desfrutar de momentos na
companhia da minha mãe e do meu irmão foi uma experiência maravilhosa. Houve
também uma oportunidade para que nós nos adequássemos à nova dinâmica familiar e
aprendêssemos um pouco mais sobre controlar a raiva e as reações explosivas
processadas na amígdala.

Os córtices associativos do ser humano são dotados de capacidades “nobres”


desempenhadas por nossa espécie, como a integração de informações para promover
uma reflexão, planejamento e ponderação, que permitiram o desenvolvimento de uma
vida em grandes sociedades, a criação de múltiplas relações interpessoais e o
desenvolvimento de conceitos como Nação e Estado, que permitem a criação de uma
identidade e, assim, uma cooperação mútua e uma convivência em uma sociedade
complexa.

Entretanto, toda essa estrutura social desenvolvida pelos córtices associativos


do ser humano está sofrendo abalos com a pandemia de coronavírus: a vida em
comunidades grandes já não é mais possível, já não é mais permitida a aglomeração de
pessoas que ocorria em igrejas, escolas e universidades, as relações comerciais sofreram
redução e os relacionamentos interpessoais humanos estão em muito impedidos.

Sendo assim, os córtices associativos do ser humano serão muito requisitados


para que a superação da crise e da pandemia seja possível, na medida em que deverá
haver ponderação sobre as atitudes tomadas pelas pessoas até então e planejamento
das novas ações a serem desempenhadas. Por enquanto, os córtices associativos terão
de reinventar as relações interpessoais e se adaptar a novos modos de convivência.
212
Café com pão
Vídeo indisponível

Inajara Mills Siqueira Shimizu


Certamente este foi o vídeo mais difícil de fazer, mais pelo motivo de não saber
exatamente sobre o que fazer. No entanto, após uma visita de portão (cada um de um
lado, de máscara, sem beijo e sem abraço) que fiz para minha mãe, no Dias das Mães,
ficou muito claro sobre o tema que eu iria abordar. E, assim sendo, este é o meu vídeo
favorito.

Ele inicia-se apresentando uma receita de um pão de fermentação natural que


leva 10 dias para ficar pronto, seguido da realização das etapas finais de sua execução e
o momento de servir, unindo a família à mesa.

Deste modo, essa receita foi escolhida com base no processamento cortical
cognitivo necessário para sua interpretação e execução, e, especialmente, pelo
conteúdo emocional que ela representa. Tal receita chama-se Pão de Cristo, que se trata
de um pão de fermentação natural, que no início do outono as famílias, vizinhas nossas
quando eu era criança, compartilhavam o fermento. Ninguém sabe exatamente de onde
ele vinha, só me recordo que recebíamos uma parte, deixávamos ele crescer por 24
horas e depois de mais 2 dias tínhamos um pão delicioso. Me recordo do carinho, do
conforto e da felicidade de comer este pão sentado à mesa com a minha família, era
como se não houvesse nenhum problema no mundo. Assim, nós só comíamos este pão
quando recebíamos o fermento, e, minha mãe, de tanto eu pedir, ao longo de todos
esses anos, aprendeu como fazê-lo e me ensinou. E esta tem sido nossa ligação, mesmo
que a distância, fazendo pão juntas durante a pandemia. Assim, caso não tenha ficado
claro, essa foi a primeira vez que fiz pão em minha vida e os pontinhos pretos são
linhaça, que coloquei para substituir o ovo.

A motivação para realizar essa receita foi em parte pelo afeto, abraço e colo de
minha mãe representado por ele, exatamente aquilo que tenho necessitado nesse
momento, mas também pelo desafio de fazer algo difícil que nunca havia feito e que, se
não fosse pela pandemia, talvez nunca faria.

213
Consequentemente, o vídeo inicia-se apresentando a receita, anotada em meu
caderno de receitas, e em que momento estou nela (6ª etapa). Há um pequeno atraso
na minha apresentação pois minha cachorrinha tira minha atenção daquilo que estou
fazendo, levando alguns poucos segundos para retornar e acabo acelerando a
apresentação, demonstrando como nosso cérebro reage em diferentes situações e
como nossa atenção é flutuante. Neste momento do vídeo, toca um trecho da música
“Vagalumes cegos” do Cícero. Todas as músicas e seus respectivos trechos foram
escolhidas de forma intuitiva, como forma de complementar a aura deste momento e
representar como é minha rotina quando não estou estudando ou realizando outras
obrigações.

Em seguida, eu apresento a minha massa após passar pelas primeiras fases,


sendo 7 dias para preparação do fermento, 24 horas de ativação do fermento e mais 24
de crescimento da massa. Quando vejo o quanto minha massa cresceu fico
especialmente feliz, pois não sabia exatamente qual seria o resultado e estava uma
massa linda, além do fato de eu só ter uma chance de gravar a cena em questão. A
música escolhida foi o “Clonazepam 2 mg”, do Maglore.

Logo após, mostro os pães depois de modelados; não ficaram exatamente


bonitos, e ao fundo toca a música “Quiçá” da Banda Mais Bonita da Cidade. Nesta cena
há o som de um pássaro, porém ele não faz parte da música, mas sim foi emitido pelo
passarinho do vizinho, no entanto, num momento especialmente perfeito. Os pães são
então cobertos para mais um período de crescimento. É possível também reparar que o
café que estava na xícara é consumido, revelando mais um momento de minha rotina.

Na cena seguinte, aparece a massa após mais 24 horas de crescimento e sendo


levada ao forno, a música que toca é “Put Your Records On”, da Danielle Bradbery.

E, por fim, ocorre a cena em que o pão está pronto e sendo servido à mesa
especialmente preparada para receber a minha família (no caso, eu e meu marido); a
Luna também participa da cena e a música que toca é a “Café com pão”, também do
Maglore.

214
Realizar o preparo deste pão me aproximou de minha mãe, das lembranças boas
da infância e trouxe alegria, conforto e felicidade para mim, para minha mãe e
demonstrou todo o meu carinho e amor pela família que agora eu estou construindo
com meu marido. Tudo isso exigiu que fossem ativados os meus córtices: associativo,
cognitivo, motor, e sensorial, além de áreas límbicas relacionadas pelo sentido de
recompensa, prazer e memória. Tal atividade ganhou espaço dentro do contexto do
Covid-19 justamente por ser significativa e por proporcionar uma pausa frente ao piloto
automático do dia a dia.

Neste contexto, eu cresci numa comunidade pequena, em que a vizinhança se


ajudava e estava presente tanto em momentos felizes quanto em momentos tristes. No
entanto, hoje moro em um apartamento no centro de uma cidade grande, mal conheço
os outros condôminos e mantenho uma comunicação superficial com os porteiros.
Parece que no século XXI o contato com as outras pessoas se restringem ao meio virtual.
Aprendi a fazer o fermento do Pão de Cristo, mas será que tenho com quem
compartilhar? Será que alguém desconhecido aceitaria receber um fermento para ter
um pão que ainda leva mais 3 dias para ficar pronto? Contudo, tive a felicidade de
compartilhar esse pão não só com o meu marido, mas também com um casal de amigos
queridos, que aprovaram o pão e agora querem a receita (entreguei um pedaço para
que pudessem comer em casa, infelizmente ainda não posso recebê-los para um café).
Caberia a nós mesmos modificar nossas relações para que elas se tornem mais
humanas? Seria este o tempo propício para isso? Essas são perguntas que me faço
enquanto descrevo este vídeo.

No cenário familiar, hoje, temos aprendido a viver constantemente no mesmo


espaço, respeitando o momento de trabalho, de sono, de estudo e de lazer um do
outro, que nem sempre coincidem, mas especialmente temos aprendido a ouvir, a
cuidar, a falar mais baixo, devagar, sem pressa, a experimentar estar com nós mesmos
e com o outro. Nesse cenário do Covid-19, temos aprendido a lidar com a saudade da
família, a nos fazer presentes mesmo que distantes, a planejar sem ter certeza, a criar
sem medo e a errar também. Por fim, certamente, esse momento tem nos ensinado a
dar valor ao que realmente importa, a confiar que tudo vai passar e que, em breve,
voltaremos a abraçar quem a gente ama e a partilhar um café com pão juntos.

215
Como usamos o cérebro para interagir com o
meio?
Vídeo indisponível

Pedro Antônio Gonçalves dos Santos


Os córtices associativos compõem a maior parte do córtex cerebral humano,
estando ligados ao processamento de sinais provenientes dos córtices sensoriais e
motivação interna. Sinteticamente, o córtex associativo parietal é importante para a
percepção de estímulos nos ambientes externo e interno; o córtex associativo temporal,
para a identificação da natureza de tais estímulos e o córtex associativo frontal faz a
seleção e o planejamento de respostas comportamentais adequadas. Em seu conjunto,
essas capacidades integrativas são denominadas cognição.

A principal fonte de inervação dos córtices associativos são outras áreas corticais,
sendo também importante o tálamo, particularmente o núcleo pulvinar (para o córtex
associativo parietal) e núcleos mediodorsais (para córtex associativo frontal), dentre
outros, como os núcleos anterior e anterior-ventral. São também relevantes conexões
com os núcleos dopaminérgicos do mesencéfalo, núcleos noradrenérgicos e
serotoninérgicos da formação reticular do tronco encefálico e núcleos colinérgicos do
tronco encefálico e do prosencéfalo basal. Esses sinais difusos contribuem para o
aprendizado, motivação e grau de alerta. Uma variedade de transtornos
comportamentais e psiquiátricos, como dependência química, depressão e déficit de
atenção, estão associados a disfunções em um ou mais desses circuitos
neuromodulatórios. Atividades ligadas ao prazer, incluindo apreciação musical e
literária, dança e esporte são capazes de modular o comportamento, constituindo
“ferramentas de tratamento de ansiedade ou depressão, de geração de empatia,
generosidade, pensamento coletivo ou solidário”. Um importante fator nesse contexto
é a via dopaminérgica mesolímbica, com ação na regulação dos fenômenos emocionais.
Dessa forma, a amígdala, subículo (da formação hipocampal) e córtex pré-frontal
orbitomedial retransmitem sinais relevantes ao reforço emocional para divisões ventrais
do estriado anterior, cujo maior componente é o núcleo accumbens, que integra sinais
excitatórios do telencéfalo sob a influência modulatória da dopamina. Essas projeções

216
dopaminérgicas provêm da área tegmentar ventral do mesencéfalo e, sob condições
normais, estão apenas fasicamente ativas. Quando disparam uma rajada de potenciais
de ação, a dopamina é liberada no núcleo accumbens, cujos neurônios espinhosos
médios tornam-se muito mais responsivos a sinais de entrada excitatórios coincidentes
de estruturas telencefálicas. Esses neurônios estriatais ativados, por sua vez, projetam
para neurônios do pálido e os inibem. A supressão da atividade tônica no pálido
desinibe, dessa forma, o alvo talâmico da alça límbica, que é o núcleo mediodorsal, cuja
ação é reforçada por projeções corticais diretas dos neurônios dopaminérgicos da área
tegmentar ventral e por projeções glutamatérgicas do grupo basolateral de núcleos da
amígdala. Assim, o núcleo accumbens é considerado um elemento chave na integração
das emoções envolvendo recompensa e prazer com as ações motoras voluntárias.

A investigação das funções de áreas associativas em humanos depende


fortemente de observações de pacientes com lesões corticais, além dos padrões de
atividade neural observados em regiões homólogas dos encéfalos de animais
experimentais, assim como em humanos utilizando técnicas de imageamento não
invasivas.

Nesse sentido, lesões unilaterais do lobo parietal tem como principal


consequência variados graus de dificuldade de atenção. Esses déficits são denominados
síndrome de negligência contralateral, caracterizada pela incapacidade de perceber ou
de prestar atenção em objetos, ou mesmo em partes do próprio corpo, no lado oposto
à lesão (em especial em lesões no lado direito), apesar de as sensibilidades visual e
somática e a capacidade motora permanecerem intactas. Indivíduos afetados podem
também apresentar dificuldades para realizar tarefas motoras complexas (apraxias) no
lado negligenciado, incluindo vestir-se, pegar objetos, escrever, desenhar e, em menor
grau, orientar-se em resposta a sons. Lesões no córtex parietal em posição mais dorsal
e medial apresentam-se como uma tríade de déficits visuoespaciais (síndrome de
Balint), incluindo incapacidade de perceber partes de uma cena visual complexa como
um todo (simultanagnosia), dificuldade em buscas visualmente orientadas (ataxia
óptica) e dificuldade em esquadrinhar voluntariamente cenas visuais (apraxia ocular).
Isso sugere que o córtex parietal participa da construção de representações espaciais
que podem guiar tanto a atenção quanto o movimento. Além disso, aumentando-se o

217
nível de atenção direcionado a um objeto, torna-se facilitada a percepção daquele
estímulo e a produção de respostas comportamentais adequadas, mais rápidas e
precisas. A maior responsividade de neurônios do córtex sensorial a estímulos aos quais
se dispensa atenção é estimulada por sinais oriundos, além do córtex parietal, do córtex
pré-frontal.

O córtex associativo temporal é responsável pelo reconhecimento e a


identificação de estímulos, em especial estímulos complexos. Lesões nessa área
costumam causar agnosia, na qual o paciente, diferente da síndrome da negligência,
reconhece a existência de um estímulo, mas é incapaz de relatar o que ele é. Uma forma
de agnosia é a incapacidade de reconhecer faces (prosopagnosia), associada a lesão no
córtex temporal inferior, normalmente do lado direito. Nesse caso, os pacientes são,
com frequência, incapazes de identificar indivíduos familiares por suas características
faciais ou até não conseguem reconhecer face alguma, apesar de estarem conscientes
de que um estímulo visual existe e poderem descrever alguns de seus aspectos. Lesões
em regiões correspondentes no lobo temporal esquerdo tendem a produzir dificuldades
linguísticas. Imagina-se que populações de neurônios diferentemente responsivos a
várias características de faces ou outros objetos possam atuar em conjunto para
possibilitar o reconhecimento desses estímulos sensoriais. Tais propriedades complexas
de respostas podem ser baseadas em um arranjo anatômico em colunas, cada uma
usada para representar diferentes arranjos de características, sendo que o padrão
espacial geral de atividade neuronal representaria o objeto visualizado. Assim, a
identificação de objetos baseia-se em sinais de intensidade variável, transmitidos por
uma população de neurônios.

Lesões no lobo frontal têm consequências variáveis, refletindo seu papel na


manutenção da “personalidade” individual. Sua atividade resulta em uma avaliação de
si próprio em relação ao mundo externo que permite que os comportamentos sejam
planejados e executados normalmente, em especial em contextos sociais. Quando essa
capacidade fica comprometida, surgem deficiências na adequação normal de
comportamentos a necessidades presentes e futuras, levando à falta de moderação,
pensamento desordenado e repetição do mesmo comportamento. Funções
relacionadas à memória de trabalho estão situadas mais dorsolateralmente, e funções

218
de planejamento e de contenção social têm localização mais ventromedial. Além disso,
neurônios do córtex pré-frontal participam diretamente do planejamento de sequências
de movimentos, através de neurônios seletivos para cada posição na sequência motora
aprendida.

Percepção Emocional
Vídeo indisponível

Filipe Comba Gomes


Guilherme Nobre de Oliveira
Os córtices associativos constituem 75% do córtex humano, sendo, portanto,
regiões de extrema importância para um indivíduo. Os outros 25% são constituídos
pelos córtices sensitivos e motores. A integração de associativo-sensitivo-motor tem,
assim, figura central para uma pessoa, uma vez que possibilita a reconstrução da
realidade e a execução das tarefas e ações.

Inicialmente, destaca-se o córtex associativo frontal. Tal área mostra-se de suma


importância, uma vez que possui diversas conexões capazes de proporcionar o
planejamento de ações de um indivíduo, sua capacidade de reflexão, relação com o
córtex motor e sistema límbico, proporcionando o planejamento motor e a sensibilidade
emocional. Além disso, associando diversas das funções já citadas, o córtex frontal tem
impacto sobre as ações do indivíduo atuando como “filtro”, tornando-o capaz de
compreender como a sociedade julgará seus atos, coibindo-o de fazer tudo o que pensa.
Como exemplo de lesão de córtex frontal, cita-se o caso de Phineas Gage, um operário
que, após um acidente nas minas onde trabalhava, teve uma barra de metal perfurando
seu cérebro na área frontal, atravessando toda a cabeça de Gage. Apesar da brutalidade
do acidente, o trabalhador não sofreu, aparentemente, sequelas. Contudo,
aproximadamente dois meses após o incidente, notou-se que Gage apresentava um
comportamento alterado, sendo considerado grosseiro e indisciplinado, como se tivesse
alterado sua personalidade. Esse caso é considerado importante pois retrata como uma
lesão no córtex frontal afeta esse “filtro social” descrito. Diante de todo o exposto, é
possível afirmar que o córtex frontal é usado a todo momento, seja para planejar a

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execução de um trabalho, ou de uma determinada atividade física ou ainda coibir
determinadas atitudes consideradas “feias” ou “erradas” pela sociedade.

Posteriormente, destaca-se o córtex associativo temporal. Essa região cerebral


tem importância na cognição, possibilitando o reconhecimento das expressões faciais
das pessoas e dos objetos, maior entendimento da linguagem. Logo, apesar de ter uma
importância social menor do que o córtex frontal, o temporal também tem a sua
notoriedade.

Por fim, destaca-se o córtex associativo parietal. Essa área é importante na


manutenção da atenção de um indivíduo, possibilitando o foco em uma determinada
ação, pessoa ou objeto. Nesse sentido, é possível apontar que lesões sobre o córtex
parietal provocam déficits de atenção, reduzindo o foco de uma pessoa sobre uma aula,
por exemplo, diminuindo o seu desempenho em diversas ações cotidianos de
importância.

Diante das informações retratadas, é possível analisar a importância dessas


estruturas para o ser humano. Os córtices associativos, devido às funções citadas,
mostram-se de suma importância para uma vida em comunidade. Mesmo na atual
situação de isolamento social, tais estruturas mantêm suas necessidades, visto que a
vida em sociedade é inerente ao ser humano e não pode ser dissociada do mesmo, nem
mesmo sob uma quarentena.

Por fim, vale ainda destacar como a depressão, uma doença tão comum, que tem
seus índices aumentados no período de isolamento, afeta o córtex associativo. No que
diz respeito ao córtex frontal, as alterações clínicas indicam redução da
psicomotricidade e da capacidade de tomar decisões, além de comprometimento das
vias associadas ao sistema límbico. Através de ressonâncias e PET scan foi observada
redução do metabolismo e do suprimento sanguíneo para essas áreas, assemelhando
tais quadros ao de pacientes com distúrbios bipolares. Em relação às conexões dessa
região, foram observadas alterações nas vias de manutenção da vigília, sendo essas
suprimidas em detrimento de vias de processamento interno, como emoções e
pensamentos.

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Ao falar do córtex associativo temporal, há estudos relacionando lesões nessa
região a disfunções no hipotálamo, hipófise, adrenal, hipocampo e amígdala, regiões de
diversos sistemas e fundamentais para diversas funções, dentre elas, o processamento
dos sentimentos e a expressão das emoções.

Assim, visto tudo o que foi retratado, é possível concluir que os córtices
associativos têm importância fundamental na vida de um indivíduo, seja para a vida em
sociedade, a vida em isolamento (visto que uma sempre está atrelada à outra) ou à vida
íntima de uma pessoa. Tais regiões são necessárias para o bom funcionamento em
diversos sentidos, afetando a sensibilidade, motricidade e diversos outros sistemas
indiretamente relacionados ao sistema nervoso central. Logo, o comportamento de um
indivíduo é fundamentalmente dependente dessas áreas, influenciando suas ações e a
influência destas sobre os demais ou sobre o próprio indivíduo, sendo que
anormalidades causam depressão, o mal do século XXI, muito recorrente na atual
situação de isolamento.

Qual o valor da memória?


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Otávio Monteferrante
Ronaldo P. Brito Filho
Qual o valor da memória? Talvez tudo e até mesmo nada. Talvez déssemos tudo
para relembrar os nossos primeiros passos, o sentimento insólito do primeiro dia de
aula, das nossas primeiras amizades, o descompasso do nosso primeiro beijo, a mágica
do nosso primeiro amor, a inocência e a brilhante descoberta de tudo. E é bem possível
também que as brigas com os pais, a primeira desilusão amorosa, os erros que
cometemos por falta de maturidade e sabedoria não nos valha nada e seria melhor
esquecê-las. Dito isto, a memória é o pilar do que somos e sem ela não seríamos nada.
Sendo positivos ou não, os acontecimentos contidos no nosso “HD” interno são
fundamentais e únicos para a constituição da singularidade que somos nos dias atuais.

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A fim de compreender o mundo que o cerca, bem como de dominá-lo, o ser
humano tratou de dividir. Dividiu as espécies em reinos, dividiu a literatura da
matemática, a razão da emoção, até mesmo dividiu-se em classes sociais, religiões e
etnias. No estudo do organismo humano a divisão também se mostrou ser uma
ferramenta importante na compreensão dos processos fisiológicos. Entretanto, sabe-se
muito bem que o organismo não é composto por um conjunto de sistemas
individualizados. Pelo contrário, o organismo, por definição, é o conjunto de estruturas
que interagem fisiologicamente, executando os diversos processos necessários à vida.

No cenário da neurofisiologia, o papel de protagonista desse processo de


integração é encenado pelo córtex associativo. Essa área recebe múltiplas aferências de
distintas regiões cerebrais, com isso, inter-relaciona sinais neuronais, processa-os, e
emite eferências específicas, de modo a desencadear uma resposta desejada.

Os neurônios granulares, em geral das camadas I, II e III do córtex cerebral, são


as células responsáveis pelo processo associativo cortical. Seus axônios são curtos e
funcionam, sobretudo, como interneurônios. Alguns são excitatórios como os
glutamatérgicos, outros, inibitórios como os do neurotransmissor Ácido Gama Amino
Butírico (GABA)-érgicos.

Apesar do processo integrativo desempenhado pelo córtex associativo, ele


próprio detém particularidades intrínsecas. As áreas associativas pré-frontais, por
exemplo, desempenham papel importante para a capacidade de resolução de
problemas complexos, os quais demandam pensamentos coerentes organizados em
sequência lógica; atua no encadeamento de tarefas sequenciais. Desempenha, assim,
papel fundamental na capacidade de fazer prognóstico, planejamento do futuro,
retardar a ação em resposta a sinais sensoriais (que chegam de tal forma que a
informação sensorial possa ser avaliada até se decidir pela melhor resposta ao estímulo),
considerar as consequências de ações motoras antes da execução e controlar nossas
atividades de acordo com leis morais.

O córtex associativo parietal, localizado na região que se estende do córtex


parietal posterior até o córtex occipital, realiza a análise contínua das coordenadas
espaciais de todas as partes do corpo, bem como do seu entorno. Recebe informação
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sensorial do córtex visual ao mesmo tempo em que recebe aferência do córtex
somatossensorial. Assim, integra essas informações de modo a calcular as coordenadas
corporais e sua relação com o meio em que se encontra.

As áreas associativas somática, visual e auditiva se juntam na parte mais


posterior do lobo temporal superior. Essa região de confluência tem papel importante
nas mais abrangentes funções superiores, que chamamos de inteligência. Por isso,
nomeações como “área interpretativa geral”, “área do conhecimento” e “área gnóstica”
são recorrentes.

Essas funções integrativas são importantíssimas na modulação do


comportamento. Em vista disso, lesões e mau funcionamento dos córtices associativos
causam enorme prejuízo. Como exemplos podemos citar: perda do filtro social em
decorrência da lesão frontal, perda da capacidade de reconhecimento facial e alteração
da linguagem em distúrbios temporais e perda da capacidade de orientação corporal no
espaço por lesões do córtex associativo parietal.

Nesse sentido, é possível entender a memória e as lembranças além do seu valor


abstrato, desvendamos de uma maneira mais científica o que nos torna únicos no ato
de raciocinar. Seja por meio de fotos e músicas de um tempo remoto, como no vídeo, a
memória nos permite transitar entre o ontem e o amanhã, nos torna indivíduos móveis
no tempo e faz com que apertos de saudade sejam gerados a cada instante e a cada
clique. Como diriam os ditados populares: “relembrar é viver”.

Relações interpessoais da quarentena


Vídeo disponível neste hiperlink

Gabriel Coura Dias


Miguel Vianna de Souza
Para trabalhar os temas do vídeo III, que são “Córtex Associativo” e
“Neurobiologia do Comportamento”, utilizei o cotidiano nos estudos universitários.
Como tema sonoro, usei duas músicas que estou aperfeiçoando durante esses dias,
“Bohemian Rhapsody” e “Eu Sei Que É Amor”.

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Por algum motivo que nenhum dos 99 alunos da turma 68 conhece, os
professores estão passando uma grande quantidade de trabalhos e provas, e poucas
aulas online, o que tem sobrecarregado ainda mais nossos estudos rotineiros pois, além
de aprendermos sozinhos, ainda temos que entregar “resultados”. Nossos dias têm sido
longos, enquanto ficamos sentados tentando cumprir todos os prazos.

O córtex associativo frontal está envolvido com o planejamento, motivação dos


movimentos e consequências dos nossos atos, bem como a responsabilidade social. Por
isso, o córtex associativo frontal está relacionado com as motivações e organização do
estudo. Isso inclui tanto o planejamento de onde estudar e que material usar quanto a
organização mental do conhecimento apreendido. Bem como planejar movimentos que
são vistos no vídeo III, como chegar no quarto e escolher largar a blusa na cama, pegar
o livro de Neurociências e abri-lo na matéria pertinente ao estudo. Foi escolhido estudar
no quarto, porque era mais silencioso, foi escolhido neurofisiologia porque era a matéria
de maior demanda naquele momento, e foi escolhido estudar por um livro porque tem
conteúdo embasado. Toda a sequência de decisões foi tomada pelo córtex associativo
frontal.

Também, o córtex associativo primário foi usado quando papai, ao chegar em


casa, parou na janela para me cumprimentar (responsabilidade social) e, em resposta,
eu respondi ao cumprimento (também por influência da mesma área associativa).

Já no que se refere ao Córtex Associativo Temporal, está relacionado com o


reconhecimento de situações cotidianas, a memória declarativa, tanto consolidação
quanto armazenamento, ou seja, é a região relacionada ao registro de eventos
passados. É graças a essa região cortical que eu reconheço meu pai quando ele passa
pela janela, bem como a razão pela qual eu reconheço as letras.

A importância dessa região está vinculada com as estruturas que se encontram


próximas e as vias que as ligam, como o hipocampo, córtex entorrinal, córtex perirrinal,
córtex parahipocampal, que geram eferências, por fim, para o tálamo e hipotálamo.

O cotidiano de estar há mais de 70 dias no mesmo quarto estudando, entre


outras coisas, neurofisiologia, ensina novos costumes, armazenados no lobo temporal

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medial, tais como: sempre fechar a porta do quarto ao entrar para que a Maria não fuja,
deixar a janela aberta durante o meio-dia e no final da tarde, para cumprimentar meus
pais quando chegam e sempre trazer uma garrafa de água bem grande, pois a cozinha é
longe.

O encéfalo humano possui especial plasticidade, que possibilita a mudança de


hábitos e consolidação desses novos hábitos, de forma que seja atingido um novo
equilíbrio comportamental após uma perturbação. Perturbação esta que pode ser
exemplificada como sair repentinamente de Ribeirão Preto para o interior do Paraná.

Por sua vez, o córtex associativo parietal é de indubitável importância para a


manutenção dos estudos, pois ele está envolvido com a atenção, tanto ao material de
estudo (seja o livro ou o computador) quanto aos objetos que circundam o indivíduo.
Acredito que seja interessante ressaltar que o processo de atenção visuomotora é
contralateral.

De forma leiga, seria como dizer que o córtex parietal é responsável pela
inteligência cinética e espacial. Por isso, somos capazes de manter a postura durante o
estudo, bem como equilibrar a caneta.

Não só no estudo acadêmico, mas também no exercício da música e do desenho


é possível fazer relações com o córtex associativo parietal. Quando está sendo
aprendida uma partitura, a atenção precisa ser direcionada à leitura da partitura e aos
dedos, é preciso uma constante mudança do movimento dos olhos, bem como
manutenção da postura, contração dos músculos abdominais e movimentação correta
dos punhos. É preciso constante atenção.

No desenho hiper-realista, em que se tem uma fotografia como referência,


coloca-se a imagem do lado do papel onde será feito o desenho. Desde suas formas
básicas, até os detalhes dos poros da pele e da pupila, é preciso constante atenção e
movimentação dos olhos entre o desenho que está sendo feito e a referência. Também,
deve-se segurar o lápis próximo ao seu ponto médio para que o grafite não pese sobre
o papel e, para isso, é preciso ver esse ponto e movimentar a mão corretamente. Mais
uma vez, a atenção é imprescindível.

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Sem dúvida, estudar a neurobiologia no meu contexto cotidiano deu cor ao
aprendizado. Meus hobbies como tocar piano, desenhar, pintar e me exercitar
ganharam a complexidade de seus mecanismos de forma empolgante. Além disso, os
atos de discorrer sobre eles evocam alegria e satisfação.

Consigo, a partir de agora, entender o ser humano primitivo que habita em mim
e que se manifesta quando ouço e toco música, quando me expresso através das
expressões faciais em desenhos e quando sinto a necessidade de correr, me
movimentar.

O comportamento social, ou a necessidade de interação social, é outra


importante necessidade do ser humano. Evoluímos como seres de uma comunidade.
Por isso, o isolamento social é uma perturbação ao comportamento normal da nossa
espécie. Nesse sentido, é compreensível que os indivíduos desenvolvam ansiedade,
depressão ou agressividade nesses dias, pois precisamos viver sob um regime que não
compete à evolução humana. O estudo sobre o comportamento e mente humana
remonta aos primórdios, desde as lendas e mitologias que direcionam o
comportamento do homem, como o Mito de Narciso - que nos ensina a não sermos
apaixonados por nós mesmos pelo perigo disto nos trazer a morte, seja ela física ou,
principalmente, intelectual -, como também pela filosofia antiga. Além de Platão, que
nos chamou de animais sociáveis, Aristóteles estudou psicologia, onde ele separou os
tipos de alma (princípio vital do indivíduo) nas formas baixa e alta. A alma baixa seria
aquela preocupada com a existência, como nutrição e reprodução (plantas, animais). Já
a alma alta ou elevada é aquela que possui imaginação, desejo e motivação pelo
ambiente, além da necessidade nutricional ou reprodutiva.

Até na história cristã, em Adão e Eva, o primeiro homem criado padecia no


isolamento e por não ter uma companheira semelhante. Por isso foi lhe dada uma
parceira. Estórias que possuem a parceria e a comunidade como tema se repetem em
todas as culturas, pois temos a necessidade do conjunto.

Hoje, a neurociência compreende as motivações dos seres vivos de forma


diferente. Entretanto, para que nós chegássemos até a atual compreensão da mente,
foi preciso que esses pensadores tivessem suas primeiras teorias.
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O mau perdedor
Vídeo disponível neste hiperlink

Gabriel Karia de Araújo


Gabriel Rodrigues Pinheiro França
No vídeo, inicialmente, um jovem joga um videogame de guerra em seu
computador. Desde já, podemos estabelecer o papel do córtex associativo parietal na
garantia de atenção e foco necessários para possibilitar um bom desempenho durante
uma partida online e para reconhecer de forma ordenada diversos estímulos visuais e
sonoros vindos do computador. Além disso, o córtex associativo frontal permite o
planejamento complexo de atividades, estando envolvido no controle motor de seus
dedos durante o controle das ações de seu personagem virtual. É possível destacar, a
partir da cena retratada, como o isolamento obrigatório em decorrência da pandemia
pode intensificar hábitos a ponto de se tornarem nocivos, sendo um exemplo a
dependência de videogames como o que o jovem joga, como também poderia ser a
dependência de redes sociais, típica do mundo contemporâneo.

Após sua morte no jogo, ele naturalmente tem uma reação de enorme
insatisfação, que o leva a pegar um martelo e, impulsivamente, ameaçar quebrar seu
próprio computador. Entretanto, ele é capaz de reprimir seu impulso violento, graças à
ação do córtex pré-frontal, responsável por garantir o filtro social, e, dessa forma, torná-
lo capaz de antecipar as possíveis consequências que resultariam desse ato impulsivo, o
que o impede de concretizá-lo. O córtex pré-frontal é uma região cerebral associada a
um freio, devido à sua capacidade de suprimir impulsos de áreas cerebrais que medeiam
o medo ou, como nesse caso, a agressividade. O estresse gerado pela insatisfação do
jovem com o jogo, somado ao estresse do cotidiano, pode gerar consequências para a
vida adulta. Estresse precoce, afinal, está associado a uma propensão ao
desenvolvimento de depressão na vida adulta.

Apesar de o jovem ter se contido para não quebrar o computador, sua raiva
permanece e, após sua saída do quarto, ele tenta amenizar sua frustração com um ato
de violência injustificável sobre um animal inocente, mostrando uma falha no filtro
imposto pelo córtex pré-frontal. Esse ato demonstra uma propensão à violência, mais

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comum em jovens, que possivelmente teve origem em algum trauma vivenciado pelo
indivíduo durante a infância em associação com uma predisposição genética própria.
Soma-se a isso também talvez uma insensibilização promovida justamente pela mídia
violenta ao qual ele é exposto, como o jogo que ele joga. É interessante notar que a
escolha dessa mídia de entretenimento violenta reflete uma inclinação maior que os
jovens possuem para atividades perigosas, mesmo que simuladas, a qual geralmente é
refletida em atos violentos e belicosos.

Ele senta-se, então, para comer, ainda mantendo claramente, uma expressão de
raiva em seu rosto. A expressão facial é a principal forma de comunicação de
sentimentos nos humanos. O irmão do jovem, portanto, ao chegar na cozinha, a partir
simplesmente da identificação dessa expressão, é capaz de perceber o que ele está
sentindo, graças ao córtex associativo temporal, que permite esse reconhecimento, e à
ativação da amígdala. A falha na identificação da emoção sentida pelo outro a partir da
expressão facial indicaria um funcionamento indevido dessas áreas do cérebro,
podendo apontar a existência de transtornos do espectro do autismo. Como houve uma
ativação adequada do córtex associativo temporal e da amígdala, contudo, o irmão do
jovem apresentou uma resposta neurobiológica do comportamento, caracterizada pela
empatia típica da relação fraternal, expressa pela tentativa de aliviar a raiva do seu
irmão. Inicialmente, ele mostra algo engraçado em seu celular, em uma primeira
tentativa de aproximação. O jovem, em resposta à piada, ri, demonstrando ativação do
lobo frontal, relacionado também à compreensão de piadas.

Percebemos que a raiva já começa a passar, mas isso só se consolida de fato com
o ato seguinte, em que o irmão toca na gaita a música favorita do jovem nervoso, e,
finalmente, consegue quebrar de forma total a tensão. Esse ato de tocar gaita somado
à dança alegre do jovem não mais raivoso se contrapõem diretamente à raiva e à
violência expressas anteriormente, como manifestações sublimes da arte possibilitadas
pelo encéfalo, apresentadas aqui como uma válvula de escape dos estresses cotidianos
e como um convite à interação entre indivíduos.

No período de quarentena, em que as relações familiares são intensificadas de


forma sem precedentes, é natural que haja um acúmulo de tensões, como pode ser

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observado na primeira reação não tão amigável do jovem raivoso à aproximação de seu
irmão. Entretanto, também nos é apresentada a oportunidade de buscar um
estreitamento de laços com familiares com quem talvez não tivéssemos tanto tempo de
convivência e sair um pouco do “piloto automático”, uma vez que temos mais tempo
para refletir sobre nossas ações e seus impactos. Isso pode ser alcançado por pequenas
manifestações de doçura e gentileza, como na manifestação de empatia entre um jovem
e seu irmão retratada no vídeo, que em situações normais não ocorreria, já que o
contato deles é significativamente reduzido em decorrência do fato de morarem em
cidades distintas. Essa gentileza e seu efeito positivo sobre seu ânimo é percebida pelo
próprio jovem, que, sentindo gratidão, é capaz de realizar um pensamento reflexivo
possibilitado pelo córtex associativo frontal, e, assim, perceber sua responsabilidade em
retribuir o ato de solidariedade. Dessa forma, ao final, quando seu irmão lava as louças,
ele se oferece para tomar para si essa atividade, gerando em seu irmão a mesma
gratidão que ele havia sentido anteriormente.

Castelo de cartas
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João Pedro Vilela de Rezende


Vinicius Lima Borges
Quando tratamos das funções do córtex telencefálico, rapidamente destacam-
se suas capacidades no controle motor, capaz de uma infinidade de movimentos - dos
mais enfáticos aos mais delicados e precisos, ou mesmo as grandes capacidades
na interpretação sensorial, seja na visão, na audição, ou nas diferentes categorias
da sensibilidade somática. Contudo, essa plêiade de funções corresponde a pouco mais
de 25% (aproximadamente) da área cortical. A grande maioria - os demais 3/4 - tem
como classificação: Córtex Associativo. Sua função pode ser definida como,
basicamente, integrar e interpretar as informações aferidas pelos córtices sensitivos e,
a partir disso, formular uma resposta condizente com esses estímulos, função que, para
os Seres Humanos, é, de fato, a origem de sua característica mais diferencial, a
capacidade de “pensamento avançado”. Observando-se os encéfalos dos demais
mamíferos, observa-se um desenvolvimento evidente das capacidades motoras e

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sensoriais. Todavia, no que tange ao córtex associativo, o Homo sapiens apresenta uma
clara vantagem, sendo essa área majoritariamente responsável por interpretar a
situação do ambiente à nossa volta e de nosso ambiente interno, integrá-las com
memórias e com as emoções anexas (aferências límbicas), e, a partir disso, formular as
soluções mais condizentes com o momento, além de planejar as ações futuras por
antecipação baseadas nas experiências passadas. Assim, pode-se afirmar que nessas
áreas surge a cognição e o pensamento abstrato/contemplativo tão característicos da
nossa espécie.

O ato de construção de um castelo de cartas - um passatempo conhecido, a


exemplo de tantos outros que voltam ao cenário da vivência em tempos de quarentena
e isolamento -, apesar de simples no objetivo, demanda um refinado controle motor e
uma aferência tátil discriminativa aguçada, um planejamento elaborado e preciso dos
movimentos - tanto da mão quanto dos olhos -, tarefa feita pelo Lobo Frontal. Além
disso, demanda também uma integração avançada das informações sensitivas
supracitadas, formando a percepção espacial dos objetos (no caso, as cartas), e
contribuindo na atenção/foco do sujeito na ação, o que é suprido pelo Lobo Associativo
Parietal. Tem-se, por fim, a colaboração de memórias de tentativas passadas, acaso bem
ou mal sucedidas - confirmando a dificuldade da ação -, além da aferência de emoções
associadas ao ato, seja frustração e, consequentemente, raiva, seja euforia pelo sucesso
- via conexões ao hipocampo e às amígdalas -, e o próprio reconhecimento visual dos
objetos como sendo cartas fica a cargo do Córtex Associativo Temporal.

Nisso, observa-se que esses componentes apresentam grande protagonismo


na formulação do nosso comportamento, uma vez que esse pode ser definido, de forma
bem superficial, como padrões de atos e escolhas que cada indivíduo tem
mediante determinada situação ambiental/social. Tais padrões são fruto da interação
de nossa percepção do mundo e nós mesmos, das nossas experiências pretéritas, das
emoções que circundam o momento de decisão, das memórias e da nossa capacidade
de tomar uma decisão visando antecipar consequências e atingir determinado objetivo.
Em poucas situações isso torna-se tão evidente quanto no convívio social, em que cada
decisão precisa de uma análise fundada da realidade do momento, com a nossa
experiência sendo fundamental para balizar essa análise, e de uma cognição capaz de

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antecipar as consequências mais prováveis de cada ato. De certa forma, a construção do
castelo de cartas é análoga a essa vivência, pois sabemos como devem ser empilhadas
as cartas, prevemos com certa assertividade as possíveis fraquezas estruturais, mas
sempre acontece algo de inesperado, e devemos compreender a situação para não
deixar toda a obra desmoronar, o que acaba ocorrendo eventualmente.

Em tempos de Coronavírus, em que a maioria sofre uma mudança radical de


hábitos - e habitat, também -, passando a uma convivência diferente ou, por vezes, nem
sequer convivendo (isolamento), tais mudanças fazem com que esses mecanismos
associativos estejam ainda mais ativos, uma vez que o indivíduo deve usar de sua
experiência para se adaptar à nova realidade. Contudo, deve-se pontuar que tais
mecanismos, apesar de serem diferenciais no desenvolvimento humano e na nossa
capacidade de desenvolver os pensamentos mais avançados, como o próprio estudo da
neurociência, também são os mesmos mecanismos que possibilitam o homem dar vazão
aos seus instintos mais baixos, haja visto que “não só de razão vive o homem”. O
componente emocional, que se traduz como componentes límbicos na análise neural,
tem papel primordial na cognição momentânea, o que pode levar a atos primorosos de
piedade e altruísmo, mas também aos atos mais egoístas e perversos. Exemplos disso
são inúmeros, mas pode-se observar no comportamento violento, em que a raiva move
o indivíduo a coordenar sua situação de forma a conceber a forma mais eficaz de
maltratar um indivíduo ou objeto. Assim, pode-se concluir que o comportamento
depende de inúmeras variáveis individuais, mas que dependem, grosso modo, de nossa
capacidade de integrar o que precisamente ocorre, o que já ocorreu e o que achamos
que pode ocorrer baseado nisso, sendo o córtex associativo fundamental para essa ação.

Arte e neurobiologia de comportamento


Vídeo indisponível

Alex Fonseca da Silva


Anna Paola Moraes Rodrigues
O córtex está envolvido no processamento de estímulos complexos,
identificando as características relevantes desses estímulos, reconhecendo objetos
relacionados e planejando respostas adequadas. O córtex associativo parietal está

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envolvido na atenção e na percepção (consciência) do corpo e dos estímulos que atuam
sobre ele; o córtex associativo temporal está envolvido no reconhecimento e na
identificação de informação sensorial altamente processada; e o córtex associativo
frontal está envolvido na orientação de comportamentos complexos, pelo planejamento
de respostas a uma estimulação em andamento (ou informação lembrada), levando em
conta a avaliação de si próprio em relação ao mundo externo, em especial em contextos
sociais. A amígdala, por exemplo, é a região do cérebro que se ativa quando visualizamos
expressões faciais, sendo um dos princípios da empatia.

As emoções são um complexo conjunto de alterações no corpo que tem um


propósito geral de garantir a sobrevivência pela identificação de perigos, oportunidades
e situações favoráveis ou desfavoráveis. É o sistema límbico que controla esses
processos, por meio de relações com a memória e com as vias sensoriais, desenvolvendo
funções afetivas, como as que induzem, por exemplo, o sentimento materno. Assim,
pela ativação do sistema límbico, as mães tendem a cuidar e proteger seus filhos,
conforme retratado no vídeo.

O cérebro é capaz de processar emoções complexas, tais como o sentimento


materno de proteção da prole, medo, raiva e tristeza, sendo algumas expressas por meio
da arte, como válvula de escape. Na sociedade contemporânea, cotidianamente
vivemos e presenciamos situações estressantes ou violentas. Estudos demonstram que
a tendência à agressividade pode ter primórdios na infância, seja por abuso doméstico,
por bullying, ou por herança genética. A crescente agressividade e intolerância evocam
sentimentos negativos que interferem diretamente na nossa vivência diária, mas que
podem ser expressos e ressignificados pelo meio artístico, por músicas, poemas, dança,
artes visuais, entre outros. Ao criarmos ou interagirmos com uma obra, nos conectamos
a ela e vemos representados nela nossos sentimentos e percepções a respeito do
mundo, nos sentindo mais compreendidos e menos solitários.

Alguns exemplos são o contato próximo da mãe com o filho, acompanhando


cada período do seu desenvolvimento minuciosamente, ou uma pintura, como o quadro
de Delacroix, “A Liberdade Guiando o Povo”, de 1830, que retrata os sentimentos que
surgiam na Revolução Francesa em sua pintura, através da representação artística do

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sentimento de liberdade. Além disso, a música pode representar muitos sentimentos,
como pode ser observado na música Pumped up Kicks, da banda Foster the People, que
representa os sentimentos e o ponto de vista de um atirador. Essa música relembra o
atentado de 1999 na cidade de Columbine, nos Estados Unidos, quando dois alunos
mataram diversas crianças em uma escola e depois se suicidaram, e tantos outros
atentados desse tipo que ocorrem ainda nos dias de hoje. Por fim, podemos destacar as
expressões artísticas geradas em momentos de grande repressão e censura, como visto
no Brasil e em países da Europa, quando compositores escreviam músicas com letras
que expressavam sua indignação com o cenário sociopolítico da época, além de
sentimentos de esperança para transmitir calma e confiança em dias melhores para a
população.

Nesse sentido, a arte faz parte da formação psíquica evolutiva da espécie


humana e vai ao encontro com processos psicológicos profundos, representando
características do inconsciente coletivo, e contribuindo na formação da nossa
personalidade individual. A linguagem artística apresenta uma semiologia própria, pois
comunica além da linguagem falada ou escrita, pois se trata da comunicação das
emoções, do inconsciente. Por este motivo, é utilizada com excelentes resultados nos
processos terapêuticos, sendo instrumento de catarse, na expressão de sentimentos,
pensamentos, idéias, fantasias, traumas e comportamentos emocionais mal elaborados,
e impulsiona o indivíduo ao autoconhecimento e à possível cura e controle de alguma
doença ou distúrbio.

Alguns desses processos podem ser exemplificados, como na clínica infantil, em


que a arte é uma importante ferramenta para viabilizar o vínculo do paciente com o
profissional, já que a criança ainda não possui um discurso linguístico bem estruturado
para demonstrar sua queixa. Outro exemplo são os casos traumáticos, quando é comum
que ocorra presença de dissociação psicológica, com perda de elementos e memórias
como mecanismo de defesa. Neste caso, formas de arte livre como a pintura, por serem
criadas de forma espontânea, fazem emergir emoções inconscientes que estavam
latentes ou que não conseguiam ser comunicadas por meio da linguagem falada ou
escrita. Neste caso, a arte provoca transformação e catarse, melhorando a qualidade de

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vida do paciente, promovendo sua inclusão social, aumentando sua auto-estima e
promovendo uma vida mais gratificante e feliz.

Assim, através da produção artística, é possível que ocorra maior


desenvolvimento da sensibilidade e da capacidade intuitiva, visto que o exercício do
hemisfério direito, a parte do cérebro responsável pela criatividade e intuição, pode ser
treinada e desenvolvida pela neuroplasticidade. Essas habilidades contrastam com
práticas como racionalidade e pragmatismo, valorizadas historicamente pela sociedade
ocidental capitalista, que visa a produtividade e o lucro. A partir da elucidação e
conscientização que a arte permite, é possível trabalhar elementos da história de vida
das pessoas, tais como dificuldades relacionais, interpessoais, intrapessoais e familiares,
bem como a ansiedade e o estresse do dia a dia, resgatando através da arte o potencial
criativo e ressignificando vivências do indivíduo.

Associações no Comportamento
Vídeo disponível neste hiperlink

Anna Flavia Rodrigues Lima


Amanda Amorim de Azevedo Costa
Existem certas áreas do encéfalo humano responsáveis pela codificação da
informação sensorial e pelo comando dos movimentos, chamados de córtices sensoriais
e motores primários e secundários. No entanto, essas regiões são responsáveis por
apenas uma pequena fração do córtex cerebral, deixando a maior parte - quase 80% -
para os chamados córtices associativos. Há um consenso de que essa parte do córtex
humano está envolvida no processamento de estímulos complexos, identificando as
características desses estímulos, reconhecendo objetos relacionados e planejando
respostas adequadas (assim como armazenando aspectos dessa informação). Em seu
conjunto, essas capacidades integrativas são denominadas de cognição.

Apesar de todo o estudo e conhecimento na área, ainda é difícil concluir muita


coisa acerca do papel de cada uma das áreas corticais associativas, com base apenas em
suas conexões. Assim, grande parte do estudo individual continua a depender,

234
crucialmente, de análises de pacientes com lesões em determinadas áreas. Assim,
conclui-se que determinado córtex está relacionado com uma função específica não
pelas conexões conhecidas, mas sim porque essa função foi prejudicada quando houve
lesão do córtex estudado.

Em nosso vídeo, o objetivo foi tentar associar diferentes funções a cada córtex,
respeitando sempre o conhecimento de que essa associação é feita por meio de estudo
com pacientes lesados, não por meio de pacientes saudáveis.

Primeiro, temos o córtex associativo parietal, que é relacionado com a atenção.


Essa conclusão é baseada na Síndrome de Negligência Contralateral, que acomete os
indivíduos que sofreram lesão nessa parte do encéfalo. Essa síndrome resulta na falta
de atenção ou negligência para com o lado oposto ao da lesão, de modo que, mesmo
que o paciente seja convencido de que seu hemicorpo negligenciado ainda existe, ele
não consegue manter a consciência de existência por muito tempo. Em alguns casos,
dependendo da gravidade da lesão, a pessoa não consegue aceitar a presença do
hemicorpo. Além disso, embora não haja perda de memória topográfica ou dificuldade
em descrever caminhos familiares, o paciente pode, ainda sim, perder-se ao não
escolher o lado certo (virar à direita quando deveria virar à esquerda e vice-versa). Desse
modo, o indivíduo afetado tem dificuldade não só para reconhecer a existência de seu
corpo, mas também de todos os ambientes e objetos localizados no lado negligenciado.
Assim, colocamos vídeos de um ambiente cheio de detalhes e de um desenho com
pequenas complexidades que não seriam percebidos pelos portadores da síndrome.

Depois, temos o córtex associativo temporal, relacionado com o reconhecimento


de rostos familiares e de objetos. Indivíduos que sofreram alguma injúria nesse córtex
possuem dificuldade para reconhecer, identificar e designar diferentes categorias de
objetos previamente conhecidos (agnosia), além da perda de capacidade de identificar
faces (prosopagnosia). É importante ressaltar que ainda há o estímulo visual, que pode
ser descrito sem dificuldades, porém perdeu-se o estímulo responsável por relacionar o
presente momento com memórias existentes. Desse modo, o paciente fica incapacitado
de reconhecer pessoas, relatar quais são familiares e entender as expressões faciais,
perdendo também a capacidade de nomear objetos comuns do cotidiano. Assim,

235
colocamos vídeos de alguns utensílios diários e de pessoas e memórias familiares que
perderiam seu reconhecimento em pessoas cujo córtex temporal foi lesado.

Por último, temos o córtex associativo frontal, o qual é relacionado com o


planejamento. Sua função é percebida na avaliação de si próprio em relação ao meio
externo, que permite que os comportamentos sejam planejados e executados
normalmente. Lesões nessa parte do cérebro foram relacionadas a deficiências
comportamentais, de modo que o indivíduo tenha dificuldades para executar ações
complexas adequadas às mais diversas circunstâncias, ou seja, sua “personalidade” e
seu senso de planejamento são alterados. Além disso, em alguns casos o paciente
tornou-se extremamente grosseiro, sem “filtros sociais” e sem capacidade de
planejamento prático. Assim, colocamos vídeos de atitudes que não seriam possíveis em
pessoas com injúrias no córtex frontal, como anotar um compromisso na agenda
(planejamento prático e sobre o futuro) e repensar o conteúdo de uma mensagem
(presença de filtros sociais e de moderação).

Além das pesquisas acerca dos córtices associativos, também temos o estudo do
comportamento humano, chamado etologia (estudo do comportamento social e dos
costumes humanos). Comportamento é todo e qualquer procedimento de alguém face
a estímulos sociais ou a sentimentos e necessidades íntimos ou uma combinação de
ambos, e o objetivo desses estudos é entender e criar padrões de acordo com os eventos
neurofisiológicos em situações específicas.

Sabe-se que o comportamento social é dependente dos córtices sensoriais


específicos, dos córtices motores e dos córtices associativos, podendo ser negativo,
como ansiedade, medo, agressividade e inveja; ou positivo, como empatia, euforia,
generosidade e alegria. Além disso, existem diversas formas de manifestação, como o
uso da Arte ou da Ciência, as quais podem modular nosso comportamento, uma vez que
despertam determinados sentimentos no indivíduo que os pratica.

No contexto de pandemia do Covid-19, esses comportamentos ficam cada vez


mais evidentes. Temos como exemplo o aumento da empatia e da solidariedade, uma
vez que várias pessoas estão se disponibilizando para ajudar nas compras de mercado
dos idosos, de modo que esse grupo de risco não tenha que sair de casa para obter os
236
insumos necessários, para doar alimentos e produtos de higiene a populações carentes,
para ajudar financeiramente instituições que fabricam máscaras e outros equipamentos
de proteção individual (EPI)s, usados pelas equipes de saúde. No entanto, temos
também os comportamentos negativos sendo colocados em destaque, como assaltos a
bancos devido à ausência de pessoas nas ruas, preconceito racial, falta de empatia e de
consciência coletiva por parte daqueles que burlam a quarentena.

Assim, colocamos no trabalho um trecho de um vídeo que mostra como o


comportamento positivo pode ser bem-visto e reproduzido dentro de nossa sociedade,
por meio do lema “gentileza gera gentileza” e também um vídeo feito por uma câmera
de segurança que mostra um carro estacionando em frente ao estabelecimento e alguns
homens armados se dirigindo ao local, demonstrando que a humanidade possui vários
lados bons, mas também é balanceada por pontos ruins.

Neurobiologia Comportamental e Atividades


Cotidianas
Vídeo disponível neste hiperlink

Eduardo Antonio Bombonatti


Eduardo Pavarino
Ao longo do desenvolvimento das neurociências, foi tornando-se cada vez mais
claro que o que somos enquanto seres biológicos não depende de sistemas neurais,
sejam esses portadores de aferências sensoriais ou referências motoras, isolados que
trabalham em seu próprio ritmo, exercendo suas peculiaridades de forma isolada; mas
sim de uma complexa rede de interconexões incrivelmente precisa entre os neurônios
encefálicos, cerca de 85 bilhões, configurando um total de trilhões de sinapses. Esse
sistema de integração extrema das atividades tem como grande ator o córtex
associativo, cuja extensão pode alcançar o impressionante valor de 75% da área cortical
encefálica total. Um grande exemplo de tal fato são os mecanismos usados ao ler um
texto em voz alta em que, após serem captadas pela retina e transmitidas ao córtex
visual, as palavras lidas são processadas e enviadas à área de Wernicke, onde obterão

237
significado e serão enviadas à área de Broca que, por sua vez, será responsável por
coordenar o alistamento dos músculos para o ato de proferir as palavras em questão.

Essa capacidade de interação é, ao longo do desenvolvimento do indivíduo,


moldada de forma intrigante por meio dos diversos mecanismos de plasticidade neural,
tornando nossas experiências agentes ativos na construção de nossa arquitetura
cerebral individual, o que nos torna únicos. Tal fato, por sua vez, é fundamental para a
moldagem do comportamento, visto que a integração das informações obtidas por meio
das aferências sensoriais e integradas no cérebro, tendo em meio a essa integração um
filtro cognitivo e mnemônico, é fundamental para a expressão do comportamento.
Como exemplo, temos: imaginemos a situação em que um indivíduo que ao estudar
percebe a aproximação de uma pequena aranha em relação a sua mão, caso o indivíduo
seja aracnofóbico, a percepção visual desse “perigo” fará com que suas amígdalas
coordenem uma ação de ansiedade e fuga; enquanto em um indivíduo que não possua
essa condição, a aproximação do aracnídeo acarreta reações de indiferença ou de
violência, caso esse mate a pequena criatura. Sendo assim, a experiência pessoal é
fundamental na associação existente entre a sensação/percepção de uma situação e a
resposta comportamental.

Tendo em vista as reflexões e dados expostos acima, nesse período de


isolamento temos a oportunidade de realizar atividades que podem ser completas
novidades em nossas vidas, ou podemos retomar ações e práticas que não tínhamos há
muito tempo, e que nos evocam comportamentos distintos a partir de estímulos
distintos. Tais ações, por sua vez, podem ser responsáveis pela elaboração de profundas
reflexões.

Como exemplo, podemos analisar o efeito de diferentes imagens, relacionadas a


diferentes memórias, sobre nosso comportamento, demonstrando, assim, a
importância da associação de estímulos (no caso, visual e relativo à memória) para o
condicionamento de nosso comportamento. Ao olharmos um álbum de fotos de família,
temos a possibilidade de fazermos uma viagem ao passado por meio da integração dos
estímulos visuais e das recordações que possuímos dos acontecimentos e pessoas
registradas nas imagens. Tais estímulos são responsáveis por causar diferentes tipos de

238
alterações e de modulações comportamentais em quem tem a possibilidade de realizar
a atividade. Como pode ser observado nas seguintes situações: a observação de uma
foto de um momento alegre (e. g. uma festa de aniversário ou um dia de sol durante
uma viagem à praia) pode ser responsável pela associação das informações obtida do
córtex associativo com os engramas relacionados às memórias relativas à situação
observada evocando alterações comportamentais relativas à expressão de alegria e
felicidade, demonstradas pela atividade motora (e .g. atuações dos músculos da mímica
para esboço de um sorriso) e outras atividades neurais responsáveis pela promoção de
bem estar. Também temos que a observação de uma foto de uma pessoa querida com
a qual não se tem mais contato (e. g. entes queridos que perdemos ou amigos cujo
contato teve sua frequência diminuída) pode ser responsável pelo esboço de uma
expressão de tristeza ou saudade (e. g. depressão dos lábios e incremento na produção
de lágrimas).

Um fenômeno também muito interessante que envolve os mecanismos citados


(atividade do córtex associativo e os reflexos de suas atividades no comportamento
humano) relacionado ao estudo da neurobiologia da dor e às reflexões feitas acima, é o
princípio do contágio emocional da dor. Ao observarmos uma imagem ou foto, seja
nossa ou de outro indivíduo, em que se observa uma situação de dano ou prejuízo
tecidual, ou seja, em uma situação dolorosa, podemos observar a despolarização de
neurônios relacionados às vias de dor, resultando em um comportamento típico das
reações dolorosas. Assim, ao observar essa questão, temos a ação do córtex associativo
junto às vias de dor e visual gerando essa interessante resposta em que sensações
complexas são evocadas por meio da estimulação visual, como observado nos casos das
fotos do álbum de família.

Dessa forma, podemos concluir que os córtices associativos são fundamentais


para a definição e, principalmente, para a manifestação do quem somos enquanto seres
biopsicossociais e, por conseguinte, sendo de fundamental importância as complicações
comportamentais de sua extensa atividade. Tal importância pôde ser percebida durante
as reflexões expostas no período de isolamento ao qual nos inserimos. No caso, a
observação de fotos - objetos que registram momentos que devem ser eternizados e,
por isso, constituindo gatilhos importantes para a ativação de áreas relacionadas à

239
associação de memória e sentimento - permite a interpretação de um momento
marcante de nossas vidas, fato que envolve muitos circuitos neurais, como: visão,
sistema límbico e circuitos formadores de memória. Situação que, por sua vez, é
responsável por extensas modificações comportamentais, esboçando reações que
trafegam entre a alegria, a tristeza e a dor. Portanto, o simples ato de olhar uma foto
pode dar início a processos diversos: pessoas podem rir ou chorar, querer compartilhar
ou não querer lembrar ou, até mesmo, sentir dor, por meio da complexa ação dos
sistemas associativos e comportamentais existentes na constituição do nosso sistema
nervoso.

Córtices associativos no combate a doenças


psiquiátricas
Vídeo disponível neste hiperlink

Gustavo Manoel Brandão


Gustavo Wander Lemos
O encéfalo humano pode ser dividido em três partes: áreas responsáveis
pela codificação da informação sensorial – córtex sensitivo -, pelo comando dos
movimentos – córtex motor – e pelo córtex associativo. Este, que é responsável pela
cognição, refere se à capacidade de prestar atenção a estímulos externos ou à
motivação interna, de identificar o significado desses estímulos e de planejar respostas
apropriadas para eles. O neocórtex, composto pela maior parte do córtex que recobre
os hemisférios cerebrais, apresenta seis lâminas celulares, que diferem
histologicamente e são denominadas áreas citoarquitetônicas. Tais áreas compreendem
populações de células distintas, com diferentes densidades, tamanhos, formas e
circuitos de entrada e de saída. Também podem ser distinguidas devido às propriedades
de respostas fisiológicas de suas células e pelos padrões de conexões locais e de longa
distância. Entretanto, há algumas semelhanças entre as áreas citoarquitetônicas: cada
camada cortical apresenta uma fonte principal de sinais de entrada e um alvo primário
de sinais de saída; cada área apresenta conexões no eixo vertical e conexões no eixo
horizontal; células com funções semelhantes tendem a se organizar em grupos

240
alinhados de forma radial que atingem todas as camadas corticais e recebem sinais que
são segregados em bandas radiais ou colunares; e interneurônios dentro de camadas
corticais específicas originam axônios locais que se estendem horizontalmente no
córtex, ligando grupos de neurônios com funções semelhantes.

O estudo do sistema nervoso central tem mostrado diversos desafios para


a construção do conhecimento a respeito do cérebro humano, visto que é difícil
concluir muito acerca do papel das diferentes áreas corticais com base apenas em suas
conexões. Assim, o estudo dos córtices associativos em humanos é limitado e a maior
parte das evidências vêm de estudos anatômicos com traçadores não humanos,
complementado pelo estudo com traçadores que pode ser feito em tecido nervoso
humano post-mortem, por lesões específicas que resultam em déficits cognitivos e pelo
uso de técnicas de imageamento não invasivas.

Dessa forma, o córtex associativo pode ser dividido em três regiões: parietal,
temporal e frontal. O primeiro é responsável, entre outras funções, pela capacidade
de atenção. Conforme estudos feitos em encéfalos com o córtex associativo
parietal lesionados, confirmados por achados em técnicas de imageamento,
evidenciaram-se déficits de atenção denominados síndrome de negligência
contralateral, caracterizados pela negligência total ou parcial de um ou dos dois lados
do espaço externo. É importante ressaltar que a função de atenção não é
simetricamente distribuída no córtex parietal direito e esquerdo. O lado direito é
responsável pela atenção total do lado esquerdo e parcial do lado direito, enquanto o
lado esquerdo somente pela atenção parcial do lado esquerdo. Desse modo, uma lesão
no hemisfério direito gera grave negligência do lado esquerdo, enquanto uma lesão no
hemisfério esquerdo apenas gera negligência mínima para o lado direito.

Já os estudos do córtex associativo temporal indicam que esse é responsável


pelos processamentos das informações referentes ao reconhecimento e a identificação
de estímulos complexos. Assim, lesão em qualquer um dos lobos temporais pode
resultar em agnosias, dificuldade para reconhecer, identificar e designar diferentes
categorias de objetos. Dentre essas, uma das mais estudadas é a prosopagnosia,
incapacidade de reconhecer e de identificar faces. Indivíduos com lesão no córtex

241
temporal inferior, normalmente no lado direito, podem desenvolver prosopagnosia e
não conseguem mais identificar indivíduos por características faciais. Contudo, nota-se
que o reconhecimento de indivíduos ainda é possível através de outros meios, como
voz, forma corporal, sexo. Nos Homo sapiens, a região associativa que mais se destaca
é o córtex associativo frontal. Esse é responsável por derivar funções como a
personalidade individual, planejamento, avaliação de si próprio em relação ao mundo
externo e integra informações complexas dos demais córtices. Dessa forma, uma lesão
no córtex frontal pode levar à mudança drástica na personalidade do indivíduo, como
visto no caso famoso de Phineas Gage, trabalhador de uma ferrovia, em Vermort, EUA,
que, após uma explosão acidental, teve seu crânio e córtex frontal perfurados por um
bastão de metal. Mesmo com a gravidade do acidente, Gage não perdeu a consciência,
contudo, após sua recuperação não pode voltar a trabalhar. Além disso, diversos relatos
indicam que a personalidade de Phineas Gage mudou radicalmente. O sujeito
moderado, disciplinado e decente passou a se comportar com grosseria, sem
moderação ou consideração por uma adequada convivência social.

Em relação à neurobiologia do comportamento, há de se lembrar que ainda


somos animais. Isso implica que as respostas a estímulos externos não estão
ligadas completamente à nossa capacidade de cognição, planejamento e execução.
Influenciado por hormônios e pelo bom funcionamento da rede neural, nosso
comportamento reflete toda uma gama de interação bioquímica interna, cognição,
sensibilidade aos estímulos externos e capacidade motora. Diante disso, as emoções
humanas direcionam, juntamente com a cognição, o caminho por nossas ações, sendo
a primeira claramente herança antiga do reino animal, que guia nossos instintos.

Como um animal com medo de seu predador, que ativa seu sistema de
fuga, preparando-se para correr e fugir para o mais longe possível com o objetivo claro
de autopreservação, nós, seres humanos, analogamente, possuímos sistemas
de sobrevivência e de defesa ainda vistos na vida urbana. Chamado de mecanismo da
luta ou fuga, é uma resposta fisiológica que ocorre diante da percepção de ataque,
ameaça ou potencial prejuízo que prepara o animal para o combate ou para fugir. Mais
especificamente, a medula suprarrenal produz uma cascata hormonal que resulta na
secreção de catecolaminas, especialmente norepinefrina e epinefrina. Tal reação

242
fisiológica provoca respostas como aceleração da ação do coração e da respiração,
diminuição do peristaltismo, dilatação dos vasos sanguíneos para os músculos, midríase,
relaxamento da bexiga etc.

Em outra situação, dessa vez um distúrbio mental, como a depressão, há um


quadro clínico de humor depressivo, baixa autoestima, falta de interesse em
atividades normalmente interessantes e falta de energia, que podem levar a
complicações como o suicídio. Conforme evidenciado em exames de imagem, pacientes
depressivos tendem a possuir dificuldade na identificação das expressões faciais
relacionadas com emoções positivas, como a alegria, confundindo-as com raiva e outras
expressões faciais negativas. Assim, tais pacientes podem possuir dificuldade na
sociabilização, uma vez que há maior dificuldade na interpretação das emoções alheias
e, então, resposta social adequada para o momento.

Relacionada à função de reconhecimento das emoções através das


expressões faciais, a empatia, capacidade de sentir-se na pele do outro, mostra-se um
traço de personalidade essencial para o entendimento da homeostase social entre os
Homo sapiens, visto que permite o altruísmo individual e cooperação coletiva. Dessa
forma, a empatia permite a evolução da espécie como um todo, permitindo que
indivíduos se sintam solidarizados pela situação alheia e auxiliem-nos, melhorando a
situação geral da espécie.

Gatilho
Vídeo disponível neste hiperlink

Gabriel de Araújo Torres


Thiago Oliveira da Silva
Vitoria Correa Dias Vernalha
Sabe-se que o conhecimento científico acerca do papel dos córtices associativos
humanos é bastante limitado. A maior parte das inferências em relação às suas funções
resultam de observações de pacientes com lesões corticais, verificadas através da
análise de padrões de atividade neuronal em regiões homólogas em cérebros de animais
experimentais e humanos. O desenvolvimento de tecnologias de exames de imagem,

243
tais como imagiologia por ressonância magnética (IRM) e eletroencefalografia (EEG),
tem permitido avanços significativos na compreensão da base neuronal do controle
cognitivo.

O córtex de associação frontal é responsável pelo planejamento e tomada de


decisões. Essa região interage com muitas outras áreas cerebrais através de uma
complexa rede neuronal, a qual integra informação de córtices sensoriais e motores,
bem como dos outros córtices de associação (temporal e parietal). As áreas de
associação dessas informações no córtex frontal medeiam decisões, fazem
processamentos envolvidos no estabelecimento de prioridades, do planejam do futuro
e, da diferenciação do certo e do errado, o que confere ao indivíduo os sentidos de ética,
moral etc. Em suma, o córtex associativo frontal, juntamente com os córtices sensoriais,
motores, e associativos – parietal e temporal –, informam ao indivíduo de si próprio em
relação ao mundo externo. Em seres humanos, uma lesão nesta região resulta em
comportamento desorganizado e distração. Em macacos, a atividade neuronal nessa
região representa memória de trabalho ou planejamento de ação.

O córtex de associação parietal é responsável pela propriocepção e atenção do


indivíduo. Nessa área são processadas as informações somatossensoriais resultantes de
estímulos vindos da pele, músculos, tendões e articulações, bem como aquelas referidas
à postura corporal e aos movimentos. A integração dessas informações com outras
provenientes de centros visuais e auditivos permite ao indivíduo formular um
pensamento consciente sobre a posição do próprio corpo, quer esteja em repouso ou
em movimento. Ademais, o córtex parietal, mais especificamente o lobo parietal
inferior, é a principal região cerebral capaz de mediar a atenção. Em seres humanos,
lesões no córtex parietal resultam em distúrbios de consciência corporal, controle
motor, orientação visual do comportamento, visão espacial e cognição espacial. Em
macacos, neurônios parietais disparam em resposta a estímulos sensoriais e durante o
comportamento motor; os disparos são seletivos para atributos espaciais de objetos e
ações.

O córtex associativo temporal, como o córtex associativo parietal, é uma região


onde áreas de ordem superior de distintos sistemas sensoriais compartilham fronteiras

244
e são interconectadas. Essas áreas associativas recebem informação acerca da visão, do
som e do tato, de áreas visuais, auditivas e somatossensoriais de ordem inferior. O
córtex associativo temporal utiliza essas informações recebidas para mediar o
reconhecimento de rostos e objetos no ambiente e, através de projeções para o córtex
frontal ventral, disparar respostas emocionais adequadas a eles; como, por exemplo, o
reconhecimento de rostos familiares, que possuem conteúdo emocional. Dessa forma,
além de receber aferências de múltiplos sistemas sensoriais, essa região cerebral
também está fortemente ligada a áreas envolvidas com a emoção e a cognição no lobo
frontal ventral. Em seres humanos, lesões no lobo temporal determinam agnosias
(distúrbios de reconhecimento), afasia de Wernicke (distúrbio da compreensão da fala)
e degradação da memória semântica. Portanto, as funções do córtex temporal
envolvem os processos de aprendizado e memória, de forma que a solicitação de
evocação de memórias em várias idades auxilia nesta tarefa. Em macacos, neurônios
temporais disparam em resposta a estímulos sensoriais, e seus disparos são seletivos
para características dos objetos e de faces que são importantes para seu
reconhecimento.

Nesse contexto, produzimos um vídeo no qual o reconhecimento de objetos


dispara respostas emocionais relacionadas àqueles itens, tais como a evocação de
memórias e emoções. O vídeo ilustra, inicialmente, o aluno Gabriel se deparando com
um par de óculos e uma caneca e, momentos depois, com a conhecida boina amarela.
Isso o faz recordar do seu ano de calouro da FMRP, associando esses objetos aos
momentos e emoções vividos por ele enquanto usava esses itens, provocando nele um
sentimento de nostalgia.

Inicialmente, tem-se que características dos objetos observados por Gabriel, tais
como elementos visuais e somatossensoriais, chegam ao córtex associativo temporal, o
qual integra essas informações advindas de diversas áreas (visual, somatossensorial etc.)
e medeia o reconhecimento desses itens. Subsequentemente, o córtex associativo
temporal dispara, através de projeções ao córtex frontal ventral, respostas emocionais
adequadas a eles. O córtex frontal ventral, por sua vez, apresenta projeções para o
hipocampo, cuja principal função é formar e evocar memórias e/ou induzir o resto do
córtex cerebral a fazer o mesmo, e para a substância cinzenta periaquedutal,

245
relacionada com o controle autonômico dos processos ligados às emoções. Essas
regiões, então, direcionam respostas emocionais e/ou afetivas referentes aos objetos
reconhecidos. Dessa forma, essas respostas fazem com que Gabriel evoque lembranças
relativas aos bons momentos de seu ano de calouro, associado a esses itens, deixando-
o saudoso.

Escolhemos esse tema, dentre os demais propostos, pelo fato de que a todo
momento nos deparamos com diferentes objetos, desde meros utensílios existentes em
nossa casa até objetos que nos remetem a bons momentos e evocam
memórias/emoções relacionadas a eles; e rostos, desconhecidos ou familiares, que
também podem estar associados às emoções. Julgamos, também, de suma importância
a nostalgia e a lembrança de bons momentos durante o momento difícil pelo qual
estamos passando, dando-nos motivo e perspectiva para enfrentá-lo.

Isto posto, mostra-se notável, também, a importância dos córtices de associação


e da neurobiologia do comportamento no nosso cotidiano, uma vez que, através do
estudo desses conteúdos, somos capazes de compreender o planejamento e o controle
nossas ações, a percepção do nosso próprio corpo em relação ao meio externo, o
controle da nossa postura e movimento etc.

Ano de vestibular, quarentena e expressão


artística
Vídeo disponível nesse hiperlink

Letícia Chagas Rocha


Luciana Mami Kiam
Raquel Assumpção Sodré Matias de Lima
Os córtices associativos representam a maior parte da superfície cerebral e são
responsáveis pelo processamento complexo de sinais oriundos dos córtices sensoriais
primários. Recebem projeções dos córtices sensoriais e motores primários e
secundários, do tálamo e do tronco encefálico e também fazem conexões com o
hipocampo, núcleos da base, cerebelo, tálamo e outras áreas corticais.

246
São os grandes responsáveis pela cognição e cada córtex possui funções
principais distintas: o córtex parietal associativo está relacionado com o processo de
atenção, o temporal com o reconhecimento de faces e objetos e o frontal com o
planejamento de respostas comportamentais e pensamento reflexivo. Além disso, a
conexão entre as áreas associativas e núcleos dopaminérgicos do mesencéfalo
contribuem para a motivação, tendo relação com o sistema de recompensa.

Utilizando esses conceitos, a ideia do vídeo foi mostrar a integração de atividades


que, ao ativarem áreas do córtex associativo, são capazes de estabelecer conexões com
vias de processamento de emoções e assim influenciar o comportamento do indivíduo.

O vídeo é dividido em 2 partes: na primeira, mostra-se a execução de uma


atividade em que ocorre a ativação de córtices associativos; e na segunda parte, a
utilização da arte como forma de aliviar o estresse e expressão de sentimentos.

Na primeira parte, o ato de prestar atenção na videoaula, ativa o córtex parietal.


No entanto, se considerar que para assistir a tal aula, é preciso ter um planejamento
prévio e que ele estimula pensamentos reflexivos, também ocorre a ativação do córtex
frontal. Além disso, é preciso ressaltar que devido ao cenário atual de pandemia do
COVID-19 associado a adaptação ao ensino a distância (EAD) e ao pré-vestibular, a
estudante encontra-se sob grande estresse.

Na segunda parte, a relação com o estresse é explorada por meio do uso da arte
como forma de terapia e extravasamento de emoções. É possível observar, que a pessoa
em questão, ao se manifestar artisticamente por meio de desenhos consegue extravasar
a ansiedade. Os desenhos também servem como uma espécie de espelho, em que é
possível tentar perceber os sentimentos da artista por meio dos elementos de suas
obras. Para se expressar por meio deles, foi feito um planejamento: escolha dos traços,
das cores, da técnica, das feições, que ajudaram na identificação das emoções. Para isso,
ocorreu a atuação não só do sistema límbico como também das vias motoras e
sensoriais, como a visão, como também houve a participação do córtex frontal
associativo.

247
A arte explora as experiências emocionais, motoras e sensitivas para estabelecer
uma comunicação, já que possui a capacidade de influenciar tanto o
executor/elaborador quanto o espectador. Ao ser produzida, a arte pode ser uma forma
do artista exteriorizar sentimentos como raiva, medo, ansiedade e até mesmo ativar o
sistema de recompensa, se apresentando como uma tarefa prazerosa. Somado a isso,
por meio da ativação de circuitos neuronais nos córtices associativos e conexões com
estruturas do sistema límbico, o espectador não só consegue identificar a mensagem da
obra (por meio de elementos sensoriais, emocionais etc.) como também pode estimular
sentimentos e reflexões no espectador que podem ser consoantes com o dono da obra
ou não, a depender das experiências individuais de cada um.

Nas obras da Psiquiatra alagoana Nise da Silveira e em outros estudos


posteriores aos dela, já foram mostrados os benefícios da arte na promoção da saúde
mental. Assim, no cenário da pandemia, as artes têm sido cada vez mais relevantes, já
que podem ser usadas não só como forma de entretenimento e escapismo, mas
também como forma de tratamento de sintomas depressivos que vem aumentando
consideravelmente devido ao isolamento. Dessa forma, a arte se apresenta como algo
intrínseco ao ser humano, uma forma universal de comunicação e de conexão entre o
pensar e o sentir, por meio de estímulos visuais, sonoros, táteis e motores que ativam
diversas áreas do córtex cerebral tanto no elaborador da obra quanto no espectador.

Um almoço de domingo e a neurofisiologia


Vídeo indisponível

Fernanda de Oliveira Esteves


Gabriela Rodrigues Ramos
Germana Martins Gomes
Os córtices associativos incluem a maior parte da superfície cerebral do encéfalo
humano e são grandemente responsáveis pelo processamento complexo que ocorre
entre a chegada de sinais nos córtices sensoriais primários e a produção do
comportamento (“cognição”). A cognição refere-se à capacidade de prestar atenção a
estímulos externos ou à motivação interna, de identificar o significado desses estímulos

248
e de planejar respostas apropriadas para eles. Em função da complexidade dessas
tarefas, os córtices associativos recebem e integram informação de uma variedade de
fontes e influenciem uma ampla gama de alvos corticais e subcorticais.

Seus sinais de entrada incluem projeções dos córtices sensoriais e motores


primários e secundários (as chamadas conexões corticocorticais, ipsilaterais ou as inter-
hemisféricas, que formam a maior parte desses sinais de entrada aos córtices
associativos), do tálamo (com destaque para o núcleo pulvinar, ao córtex associativo
parietal, e os núcleos mediodorsais, ao córtex associativo frontal) e do tronco encefálico
(núcleos dopaminérgicos do mesencéfalo, núcleos noradrenérgicos e serotoninérgicos
da formação reticular do tronco encefálico, assim como núcleos colinérgicos do tronco
encefálico e do prosencéfalo basal. Tais núcleos contribuem para o aprendizado, a
motivação e o grau de alerta). Os sinais de saída alcançam o hipocampo, os núcleos da
base (núcleo caudado e putâmen) e o cerebelo, o tálamo e outras áreas corticais.

Acredita-se que o córtex associativo frontal esteja relacionado com as funções


executivas, o planejamento complexo de atividades, a antecipação do efeito ou impacto
de nossos atos (filtro social), a elaboração de pensamento reflexivo, a inibição
consciente de hábitos com impacto negativo, a percepção consciente de nosso papel e
responsabilidades sociais. Essa parte do encéfalo apresenta um repertório de funções
mais amplo do que qualquer outra região neocortical. O córtex frontal integra
informações complexas oriundas dos córtices sensorial e motor, assim como integra a
dos córtices associativos parietal e temporal. O resultado é uma avaliação de si próprio
em relação ao mundo externo que permite que os comportamentos sejam planejados e
executados normalmente. Destaca-se, dessa forma, seu papel fundamental na
manutenção daquilo que normalmente é pensado como a “personalidade” individual.

Quando essa capacidade fica comprometida, o indivíduo afetado


frequentemente apresenta dificuldades para executar comportamentos complexos
adequados às circunstâncias. Efeitos de lesões do lobo frontal documentados por
estudos de caso compreendem um amplo espectro de incapacidades cognitivas,
incluindo falta de moderação, pensamento desordenado, repetição do mesmo
comportamento e incapacidade de planejar ações apropriadas.

249
Nesse sentido, no vídeo, em que vemos pai, mãe e filho observando álbuns de
fotos antigas após o almoço de domingo, podemos identificar a atuação do córtex
associativo frontal em diversos momentos. Por exemplo, quando a mãe, na primeira
cena, faz planos de futuras operações - uma viagem a Maceió nas próximas férias - após
a elaboração de um pensamento reflexivo - a percepção da beleza da cidade, que
provoca nela a vontade de voltar logo para lá. Podemos identificar também um
pensamento reflexivo quando, a partir da observação de uma foto dele mais jovem,
Sandro (o pai), tenta concluir quantos anos apresentava, na segunda cena, concluindo
que “...uns dezesseis”.

Além disso, na última cena do vídeo, há um diálogo entre pai e filho, em que este
aponta uma foto, dizendo “Nossa, pai... ó esse celular!”, e após pedir para olhar a foto,
o pai diz “O pior não é o celular”, “É o que?”, "A sunga”, "Eu não ia falar da sunga, mas...”.
Nessa última fala, há um claro exemplo do filtro social realizado no córtex associativo
frontal - Rafael, o filho, antecipa o efeito de um comentário desagradável em relação à
sunga e inibe conscientemente a fala de possível impacto negativo, reconhecendo a sua
responsabilidade social.

Já o córtex associativo temporal é atrelado a funções de reconhecimento e à


identificação de estímulos a que os indivíduos são expostos, como objetos e faces, em
especial estímulos complexos, por exemplo faces com conteúdo emocional,
reconhecimento de rostos familiares. Dessa forma, uma lesão em qualquer um dos lobos
temporais pode resultar em dificuldade para reconhecer, identificar e designar
diferentes categorias de objetos. Uma das agnosias mais bem estudadas após lesão do
córtex associativo temporal em humanos é a incapacidade de reconhecer e de
identificar faces. Esse distúrbio, denominado prosopagnosia (prosopo, do grego, “face”
ou “pessoa”), foi descrito por neurologistas no final do século XIX e continua sendo uma
área muito investigada. Após uma lesão no córtex temporal inferior, normalmente no
lobo temporal direito, os pacientes são, com frequência, incapazes de identificar
indivíduos familiares por suas características faciais e, em alguns casos, não conseguem
reconhecer face alguma. Ainda assim, esses indivíduos estão perfeitamente conscientes
de que um estímulo visual está sendo apresentado e podem descrever sem dificuldades
determinados aspectos ou elementos desse estímulo.

250
No vídeo, podemos identificar a atuação do córtex associativo temporal na
identificação de faces, objetos e até animais. Na segunda cena, o filho indica para o pai
uma foto do mesmo quando mais jovem; ainda que ele não explicite verbalmente,
percebemos que o filho foi capaz de reconhecer e identificar o pai na foto. A mãe, por
sua vez, é capaz de reconhecer o já falecido cão que pertencia ao pai e que está presente
na foto, e explicita o reconhecimento, dizendo “Como se chamava esse cachorro?”, ao
passo que o pai responde “Sherlock Holmes”, evidenciando que também é capaz de
reconhecer o animal. Na última cena, o filho reconhece ainda um objeto na foto - um
celular por se diferenciar muito dos celulares atuais, o surpreende, como podemos
perceber na fala “Nossa pai, ó esse celular”. Todos esses eventos são possíveis graças à
ação dessa área do encéfalo.

Por fim, o córtex associativo parietal tem seus circuitos e redes envolvidos em
processos de atenção. Existe um elo entre lesões no lobo parietal e déficits de atenção
ou de faculdade de percepção. Essas lesões muitas vezes se refletem em síndromes de
negligência contralateral, cuja característica mais notável é uma incapacidade de
perceber ou de prestar atenção em objetos, ou mesmo em partes do próprio corpo, em
uma parte do espaço, apesar do fato de que a acuidade visual, as sensações somáticas
e a capacidade motora permanecem intactas. Indivíduos afetados não são capazes de
relatar, de responder ou mesmo de se orientar com relação a estímulos apresentados
no lado do corpo (ou do espaço visual) oposto à lesão. Esses indivíduos podem também
apresentar dificuldades para realizar tarefas motoras complexas no lado negligenciado,
incluindo vestir-se, pegar objetos, escrever, desenhar e, em menor grau, orientar-se em
resposta a sons. Esses déficits motores são denominados apraxias. Os sinais da síndrome
podem ser muito sutis, como uma falha temporária na atenção contralateral que
melhora rapidamente à medida que o paciente se recupera, ou podem ser muito
profundos, como a negação permanente da existência do lado do corpo e do espaço
extrapessoal oposto ao lado da lesão.

Portanto, no vídeo, podemos identificar sua atuação na capacidade dos


participantes de prestar atenção nas fotos apontadas por outros ou nas presentes nos
álbuns que estão em suas próprias mãos. Além de prestar atenção, os indivíduos
conseguem orientar-se com relação aos estímulos sonoros das falas de outros, como

251
quando a mãe diz ao pai “Olha aqui, San, Maceió”, e este olha a foto apontada por sua
mulher. Com relação aos álbuns segurados em suas próprias mãos, percebe-se também
a capacidade dos indivíduos de passar as suas páginas, ou para buscar determinado
álbum entre outros na caixa. Ou seja, não há dificuldades para realizar tarefas motoras
complexas, o que não aconteceria na ausência de um córtex associativo parietal intacto.

O futebol e as emoções
Vídeo disponível neste hiperlink

Thaina Hrala Pereira Silva


Guilherme José Billato
Luís Felipe Falsetti
Uma das maiores paixões do Brasil e do Mundo, o futebol é muito mais do que
apenas um jogo. Esse esporte está constantemente presente em nossos noticiários, nas
bandeiras expostas nas ruas, na forma como nos relacionamos e organizamos, nos atos
políticos, no mercado financeiro, nas vestimentas dos transeuntes que ostentam sua
paixão, e na geopolítica mundial. Além de evocar tanto sentimento e de ocupar tamanho
espaço em nossas atitudes cotidianas, trata-se de um excelente exercício físico e mental,
seja profissional, semiprofissional e até a famosa “pelada” com os amigos.

Pessoalmente, para nós do grupo, o futebol representa grandes laços e


memórias afetivas. Desde os primeiros anos de vida vestindo os uniformes de nossos
times do coração, vivendo grandes alegrias e tristezas junto aos nossos familiares e
amigos, criando amizades e vivendo experiências que apenas esse esporte seria capaz
de nos proporcionar. Contudo, toda essa paixão está inegavelmente relacionada ao
ambiente em que crescemos: um país que historicamente valoriza muito o esporte é um
meio social envolvido com o mesmo.

Toda essa emoção influencia o comportamento em diversas formas. Todo


amante de futebol, ao jogar uma partida ou brincar com a bola, já se imaginou sendo o
seu ídolo, “ouvindo” ao fundo as baterias de torcidas organizadas e seus tradicionais
cânticos.

252
No atual cenário, o futebol está paralisado, mas isso não paralisa o amor ao
esporte que grande parte da população cultiva. Ele ainda é vivido, seja nas lembranças,
ao ver uma reprise de jogo passado, ou ao tentar praticar o esporte no quintal de casa
com seus familiares e companheiros de quarentena... Esse misto de sentimentos e
exigências físicas faz uso de distintas estruturas do nosso Sistema Nervoso.

O esporte exige muito da parte física, o corpo humano é levado ao seu limite
durante os tradicionais 90 minutos de jogo. O córtex motor do lobo frontal é o grande
responsável por gerir os sistemas eferentes do corpo, realizando atos e ações motoras
voluntárias, além de planejar, executar e transmitir ordens aos músculos, o que é
essencial para as jogadas coletivas, dribles e chutes do futebol. O córtex frontal, que
processa pensamento complexo, é plenamente necessário na prática do esporte, exige-
se do jogador o entendimento das condições de jogo, as jogadas necessárias, a
velocidade que se deve correr, etc. que são “pensados” na área pré-motora e então
executados pela área motora primária, aliados ao lobo parietal, estrutura que regula a
atenção, o senso de velocidade, a coordenação dos movimentos dos olhos e a
identificação de faces.

A parte emocional, tanto de quem assiste quanto de quem joga, está ligada ao
córtex associativo temporal. Este capta informações da visão, som e tato, reconhece os
objetos e estímulos ambientais e executa, através do córtex frontal, respostas
emocionais adequadas e a evocação de memórias relacionadas, extraídas do
hipocampo.

Uma estrutura do lobo temporal importante no controle dessas emoções é a


amígdala, que “entende” as emoções e as percepções emocionais. A vibração das
torcidas e o ambiente que essas criam para o jogo ativam essa estrutura, influenciando
diretamente no desempenho em campo dos atletas à medida que esses lidam com
tamanha pressão externa.

A amígdala também está relacionada ao comportamento agressivo, que tanto a


torcida quanto o atleta podem apresentar. Tal ato por vezes é considerado animalesco,
e que talvez o seja, uma vez que temos interdependência com a biosfera e nossa linha
evolutiva.
253
Assim, nossa educação e visão do mundo tem importante influência no peso de
nossas memórias para nós. Se vivêssemos em outro país ou tivéssemos outro ambiente
familiar, jamais expressaríamos os sentimentos sobre o futebol de tal forma. Como a
sociedade e o ambiente possuem aspectos pré-estabelecidos, as pessoas tendem a viver
de acordo com essas influências.

Dessa forma, o futebol se mostra presente em diversas esferas de nossas vidas e


modula diversas ações. Além de entretenimento, é um motivador para realizar
atividades físicas e manter um estilo de vida mais saudável, podendo movimentar um
grande número de pessoas pela mesma paixão. Como os demais esportes, exige muita
prática e paciência, mas trata-se de algo recompensador, seja na esfera emocional,
social ou física.

Distúrbios do sono EaD


Vídeo indisponível

Victor Hugo da Costa Ferreira


Lucas Fabiano Reis Souza
Luis Gustavo Martins dos Reis
Em meio à quarentena, o ser humano, mesmo que de forma involuntária, acabou
sofrendo alterações nos meios que permitem a percepção do seu ambiente e cotidiano.
As redescobertas dentro desses ambientes familiares foram desde observações do
próprio corpo aos detalhes da construção da casa. Por conta disso, o controle dos
movimentos também sofreu modificações nesse período, inclusive no que tange ao
planejamento de ações futuras e mudanças que precisamos fazer para nos adaptarmos
à realidade de uma pandemia.

Falando propriamente da fisiologia envolvida, é perceptível que ações


desempenhadas pelo córtex associativo frontal tenham sido exercidas de forma
diferente da “caixa automatizada” com a que estamos habituados, fazendo com que
novas atividades fossem implementadas. No vídeo, vimos que a ingestão de álcool se
tornou uma prática mais frequente nas casas dos brasileiros evidenciando os
problemas e sentimentos interligados como a raiva, medo e a depressão, afetando as
relações sociais em meio ao ambiente familiar. Um exemplo das alterações no meio

254
familiar pode ser observado nos dados sobre a violência da mulher. Mesmo que os
dados divulgados digam que as denúncias vêm diminuindo com a quarentena, é preciso
considerar outro dado relevante: a omissão de casos por conta da dificuldade em
denunciar o agressor que está todos as horas do dia ao lado da vítima.

Além disso, outros novos hábitos foram inseridos na vida das pessoas durante a
quarentena: home-office e o Ensino à distância (EaD) para os estudantes. No vídeo,
existe uma crítica a essas práticas tomando como referência o estudante brasileiro.
Muitos deles estão entendendo o período de quarentena como um período de férias. A
prova disso é uma hashtag que estava em tendência na rede social Twitter
“#Coronaférias”, e, na maioria dos casos, por conta da falta de interesse desses
estudantes em manter suas aulas em dia. O sistema educacional brasileiro, em situações
normais, já é considerado precário e com a quarentena surgiu mais um agravante: o
despreparo de muitos profissionais da educação frente ao novo modelo das aulas.
Assim, muitos não possuem treinamento para manter um certo nível mínimo de
qualidade o que dificulta a adesão e o interesse de alguns alunos fazendo com que
muitos acabam por ignorar ou negligenciar as aulas no EaD.

O córtex associativo temporal é o responsável pelas emoções e reconhecimento


de imagens. Esse fato foi mostrado no vídeo quando a criança que estava brincando no
notebook apresentou medo do jogo por conta da associação com a imagem de zumbi.
Isso acontece devido à associação direta com os “mortos-vivos” e filmes de terror que
representam estímulos considerados assustadores para a criança, deixando-a com
medo. Vale ainda ressaltar a dependência de meios eletrônicos aos quais as pessoas
estão submetidas durante o período de isolamento. Apesar de poderem ajudar a passar
por esse momento de dificuldade, eles podem gerar uma dependência problemática
após a quarentena.

Por fim, o sono foi extremamente alterado com o isolamento social. A rotina pré-
pandemia era o que ditava o sono de modo automático, o estado de vigília estava
programado para efetivar suas atividades diárias e o sono programado para as horas
corretas da noite. Com a quarentena, situações de sono de movimentos oculares rápidos
(eye rapid movements, REM, do Inglês), como a vista na mesma cena de crítica ao EaD,

255
tornaram-se mais frequentes. Assim, o sono regular ganhou um novo horário para
muitas pessoas, principalmente as que estão com dificuldades em manter suas horas de
sono em dia.

Desse modo, durante o sono ocorrem diversos fenômenos essenciais para o


correto descanso do corpo, como a redução da reatividade a estímulos externos e da
atividade motora. Também ocorrem fenômenos autonômicos como a redução da
frequência cardíaca, da frequência respiratória, e da pressão arterial (os quais refletem
a redução geral das funções vegetativas). Estes parâmetros somente aumentam durante
o sono REM. Haja vista que exercícios físicos não estão frequentes na vida de muitas
pessoas, ter ao menos o sono regulado é de suma importância para a manutenção do
sistema imunológico, até mesmo como forma de prevenção ao COVID-19.

Neurobiologia do Isolamento
Vídeo disponível neste hiperlink

Felipe José Correia de Oliveira


Giovanna Marina Fernandes Marini
Pedro Pereira Prado Bagnola
Todos nós nos sentimos sozinhos de tempos em tempos: quando não temos
com quem compartilhar uma refeição, quando esperamos em vão a mensagem de
alguém que nos é importante, quando somos admitidos em um novo emprego ou
quando não há ninguém para visitarmos durante um final-de-semana. Todavia, ao longo
dos últimos anos, esse sentimento ocasional se transformou em uma condição crônica
para milhões de pessoas. No Reino Unido, 60% dos indivíduos entre 18 e 34 anos
afirmam se sentir sozinhos frequentemente (Griffin J, The Lonely Society?, 2010) , nos
EUA, 46% de toda a população se sente solitária regularmente (Cigna U.S. Loneliness
Index, 2018).

A solidão é uma função corporal: da mesma maneira que sentimos sede


ao estarmos desidratados, nos fazendo prestar atenção à necessidade de buscar por
água, a solidão nos faz atentos às nossas necessidades sociais. A cooperação e a
construção de resilientes laços entre os indivíduos humanos foi um fator essencial à

256
sobrevivência de nossa espécie no começo de sua história, bem como foi fundamental
a existência da água ao surgimento da própria vida. Dessa forma, assim como a falta
d’água nos impõe sérios riscos fisiológicos, o impacto da solidão no desenvolvimento e
na adequada função dos mais diversos processos biológicos pode ser tão agressivo
quanto.

Pesquisas apontam às drásticas alterações nos mais diversos aspectos do estilo


de vida humano ao longo do desenvolvimento do meio técnico-científico-informacional
como os principais fatores contribuintes ao surgimento do sentimento crônico de
solidão entre percentuais tão expressivos da população mundial. Mudanças essas
não necessariamente ligadas ao ato literal de isolar-se (Norman P. Li, Satoshi
Kanazawa, 2016). Contudo, a recente pandemia da COVID-19, impôs ao mundo
contemporâneo, já em acelerado processo de isolamento subjetivo, o isolamento
concreto.

Quais as implicações neurofisiológicas da solidão? Quais mudanças na nossa


subjetividade e na nossa percepção da própria realidade são esperadas durante o
período de quarentena?

Uma possível maneira de tentar responder a essas perguntas é olhar para os


modelos experimentais: manipulações de isolamento social em ratos e camundongos
(ex.: criação isolada) são métodos comuns para elucidar os efeitos do isolamento social
em animais em geral. Pesquisas nas quais esse método foi utilizado demonstraram
ligações entre períodos prolongados de isolamento e o desenvolvimento de
comportamentos depressivos, ansiosos e psicóticos, bem como desregulações
autonômicas, neuroendócrinas e metabólicas (Fone &. Porkess, 2008; Karelina &
DeVries, 2011; Cacioppo et al., 2015). Uma revisão sistemática da literatura demonstrou
que o isolamento prolongado de roedores está associado à diminuição da expressão do
Fator Neurotrófico Derivado do Cérebro (Brain Derived Neurotrophic Factor, BDNF, do
Inglês) no hipocampo, o que está relacionado ao surgimento de sintomas de ansiedade.
Além das alterações na expressão de BDNF, há também o prejuízo na produção da
proteína MAP-2, levando a alterações na estabilidade de microtúbulos (Bianchi et al.,
2006). O isolamento social contribui à diminuição da proteína sináptica

257
sinaptofisina (Varty et al., 1999) e ao encurtamento de dendritos bem como a redução
do número de espinhas dendríticas das células piramidais (Silva-Gomez et al., 2003). Tais
mudanças na estrutura microscópica hipocampal estão também ligadas a prejuízos à
formação das memórias de longo prazo a partir de memórias de curto prazo, assim como
à construção da memória espacial.

O isolamento social está também relacionado a prejuízos no funcionamento


de processos regulatórios do sono humano. Em situação fisiológica, a atividade cíclica
conjunta núcleo supraquiasmático e da pineal na produção de melatonina em resposta
à luminosidade percebida pelo aparelho visual, bem como o acúmulo de adenosina no
SNC, são responsáveis pela manutenção de um adequado ciclo de sono e vigília. Todavia,
em situações de estresse, tais funções encontram-se perturbadas. A insônia ou o
sentimento constante de cansaço são sintomas frequentes a quem se submete a
rigorosa quarentena.

Outro possível impacto do período de reclusão ao funcionamento cerebral é


a desregulação da agressividade. Neurônios serotoninérgicos localizados nos núcleos
da rafe no tronco encefálico ascendem ao feixe prosencefálico medial e projetam-se ao
hipotálamo e a várias estruturas límbicas envolvidas com a emoção. Camundongos
que são isolados em uma pequena caixa por 4 semanas frequentemente tornam-se
hiperativos e extremamente agressivos para outros camundongos. Esses efeitos são
explicados pela diminuição na taxa de renovação da serotonina (taxa de síntese,
liberação e nova síntese) no encéfalo.

Além dos impactos ao funcionamento cerebral, o isolamento crônico é


também vinculado a disfunções na expressão genética, especificamente à diminuição da
expressão de glicocorticóides anti-inflamatórios e ao aumento da expressão de
elementos pró inflamatórios como NF-kB (Cole et al., 2007). Em ratos, a solidão é fator
de risco para o desenvolvimento da obesidade e da diabete tipo 2, bem como diminui a
chances de recuperação após acidente vascular cerebral. Em porcos, promove a
diminuição da proliferação linfocitária, e, em coelhos, evidencia os efeitos do estresse
oxidativo sobre o arco aórtico (Apfelbeck et al., 2008).

258
Os efeitos provocados ao ser humano por esse período recluso não são,
portanto, os mais otimistas. Ao que tudo indica, ainda será necessário um longo período
de afastamento para que ainda possamos mitigar da melhor maneira possível, os
lamentáveis prejuízos da infecção pelo novo coronavírus ao indivíduo, a sua família e ao
resto da sociedade. Novas pesquisas ainda deverão ser feitas para poder compreender
os verdadeiros impactos de tal drástica mudança no estilo de vida de uma sociedade em
seu ápice produtivo, científico e comunicativo, mas, ao mesmo tempo, cada vez
mais abandonada na própria psique. Muito provavelmente, com o avançar do tempo,
os impactos psicológicos e psiquiátricos da pandemia provocada pelo SARS-CoV-2
serão superados. Todavia, nunca antes, na história recente, a humanidade teve
maior oportunidade para refletir, questionar e entender o que nos faz tão sozinhos, e o
que nos permite contornar isso.

REFERÊNCIAS

CACIOPPO, John T.; PATRICK, William. Loneliness: human nature and the need for social connection. Nova
Iorque: W. W. Norton & Company, 2008. 336 p.

COLE, Steve W; HAWKLEY, Louise C; AREVALO, Jesusa M; SUNG, Caroline y; ROSE, Robert M; CACIOPPO,
John T. Social regulation of gene expression in human leukocytes. Genome Biology, [s.l.], v. 8, n. 9, set.
2007. Springer Science and Business Media LLC. http://dx.doi.org/10.1186/gb-2007-8-9-r189

FURLONG, Philip J.. The Renaissance and Individualism. The Catholic Historical Review. Washington D.c.,
p. 317-322. out. 1930.

HAWKLEY, Louise C.; CACIOPPO, John T.. Loneliness Matters: a theoretical and empirical review of
consequences and mechanisms.: A Theoretical and Empirical Review of Consequences and Mechanisms.
Annals Of Behavioral Medicine, [s.l.], v. 40, n. 2, p. 218-227, 22 jul. 2010. Oxford University Press
(OUP). http://dx.doi.org/10.1007/s12160-010-9210-8

JO, Griffin. The Lonely Society? 2010. Mental Health Foundation. Disponível
em: https://www.mentalhealth.org.uk/sites/default/files/the_lonely_society_report.pdf. Acesso em: 28
maio 2020.

SILVA-GÓMEZ, Adriana B.; ROJAS, Darío; JUÁREZ, Ismael; FLORES, Gonzalo. Decreased dendritic spine
density on prefrontal cortical and hippocampal pyramidal neurons in postweaning social isolation rats.
Brain Research, [s.l.], v. 983, n. 1-2, p. 128- 136, set. 2003. Elsevier BV. http://dx.doi.org/10.1016/s0006-
8993(03)03042-7.

259
VARTY, Geoffrey B; A MARSDEN, Charles; A HIGGINS, Guy. Reduced synaptophysin immunoreactivity in
the dentate gyrus of prepulse inhibition-impaired isolation-reared rats. Brain Research, [s.l.], v. 824, n. 2,
p. 197-203, abr. 1999. Elsevier BV. http://dx.doi.org/10.1016/s0006-8993(99)01173-7

Os Córtices e os processos sociais humanos


Vídeo disponível neste hiperlink

Gustavo Alves Carvalho


Gustavo Garcia de Carvalho
João Gabriel Porto de Oliveira Mattos Carvalho
Os Córtices Associativos representam 75% do córtex humano, sendo os outros
25% os córtices motores e os córtices sensoriais primários. Essa relevância em seu
volume reflete a extrema importância dessas áreas para que os indivíduos consigam
exercer as atividades rotineiras, sejam elas atividades extremamente simples e
repetitivas ou atividades complexas.

O Córtex Frontal Associativo é umas das áreas mais importantes do encéfalo


humano, devido às suas conexões intra e extracorticais, é responsável pelo estado geral
do córtex cerebral. Suas funções incluem planejamento, pensamento reflexivo, forte
função motora, associado ao córtex motor, função na emoção secundária (relacionada
à resposta emocional a estímulos resultantes das experiências do indivíduo), além de
uma função muito importante conhecida como “filtro social”, que é a capacidade do
indivíduo entender o impacto das suas atitudes nas relações sociais que o cerca. Um
caso famoso que demonstra esta função é o de Phineas Gage, que devido uma lesão
grave nessa região cortical mudou completamente suas atitudes sociais, passando a ser
um homem considerado grosseiro, rude e desrespeitoso.

Nesse sentido, no dia a dia, o córtex associativo frontal é extremamente


utilizado, desde ações como o movimento, até o planejamento necessário para
trabalhar, estudar etc. Devido à sua importância, é extremamente presente no mundo
atual o uso de drogas que têm forte ação nessa parte cortical. O café é a bebida mais
marcante de consumo ao acordar pois é muito usado para se ter uma maior
produtividade no trabalho, tanto que no Brasil ele dá nome à primeira refeição do dia
da maioria dos brasileiros. A cafeína induz um aumento de liberação de dopamina nessa

260
área do córtex, o que causa um aumento da memória operacional. Outra bebida que
tem ação nessa região é o álcool, muito associado com seu consumo para o indivíduo
relaxar após o trabalho. A ação do álcool é inibitória, devido a potencialização dos
receptores do neurotransmissor Ácido Gama Amino Butírico, GABA, do Inglês, tipo A,
tendo uma ação antagonista aos receptores do neurotransmissor N-Metil-D-Aspartato,
NMDA, do Inglês. O alto consumo de café e de álcool mostra uma sociedade
extremamente estressante, que causa extrema ansiedade ao indivíduo, devido à busca
incessante pela alta produtividade, em que os indivíduos, ditados pelo mito do self-
made man, sentem-se os únicos responsáveis por não conseguirem acumular dinheiro,
o sucesso do mundo atual. Assim, recorrem ao café para render e ao álcool como um
escape do estresse cotidiano.

O Córtex Temporal Associativo tem uma função importante em reconhecer


rostos e suas expressões, o que é fundamental para o convívio, além da função de
compreensão da linguagem e nomeação de objetos.

O Córtex Parietal Associativo tem forte função na atenção, sendo fundamental


no dia a dia, já que para realização das atividades é extremamente necessário ter
atenção no que se está fazendo, apesar de receber diversos outros estímulos.

Para Konrad Lorenz, pai da Etologia, a Disciplina que estuda o Comportamento


na situação natural, existem três valores incontestáveis produtos do ser humano: Arte,
Ciência e Medicina. A arte e a ciência possuem uma relação intrínseca, o que já foi ainda
mais evidente para os renascentistas. Atualmente, um evento cotidiano, como a
observação do pôr do sol, traz um movimento de encantamento e curiosidade. A ciência
envolvida no movimento preciso da Terra em torno de si própria e ao redor do sol,
guiada pela atração das massas, é o que permite a vida como conhecemos. A incidência
da luz, o reconhecimento por nossos olhos, seu processamento no córtex, trazendo
tanto a informação visual quanto a reflexão sobre o que está ocorrendo é a mistura da
beleza, da verdade e da interação entre os elementos respectivos: a Arte, a Ciência e a
Medicina.

Por último, é importante ressaltar o papel da leitura visto que engloba todo o
Córtex Associativo. Para ler, é necessário reconhecer o valor semântico (Lobo Occipital
261
e Temporal Associativos). A leitura também desperta tanto memórias pela interpretação
do que foi lido (hipocampo e Lobo Temporal medial) quanto raciocínio sobre o que se
está lendo, emoções secundárias (Lobo Frontal Associativo). Além disso, ela também
invoca conteúdos sentimentais nas narrativas (amígdalas) e desperta imaginação e
empatia pelas personagens.

Nos tempos de isolamento social as atividades “nobres” são extremamente


importantes, a arte tira o indivíduo daquele espaço, permite que ele viaje por lugares,
por notas, por ritmos, por tonalidades, por passos de dança. Porém a ansiedade e a
depressão tornam muito difícil para o indivíduo exercer essas atividades, ele fica preso
a uma realidade estressante.

As aventuras de Jojo parte 3: Jojo e lesões


cerebrais
Vídeo disponível neste hiperlink

Felipe Reis
Karen Vaz Henriques Kawase
Letícia Yumi Okamura

O córtex associativo representa 75% de todo córtex humano, sendo que 25% são
referentes ao córtex motor e sensorial. Essa vasta porcentagem de córtex associativo, é
responsável pelas características que fazem de nós seres humanos e nos diferenciam
dos demais animais do planeta Terra, tais como raciocínio lógico, pensamento crítico,
reconhecimento de emoções e a nossa capacidade de produzir Arte e Ciência.

Em termos estruturais o córtex associativo possui uma densidade celular muito


maior que o córtex motor. Ele é dividido em seis estratos que diferem quanto às
estruturas como o corpo celular dos neurônios e as células estreladas. Além disso, cada
estrato possui uma eferência e uma aferência específica, podendo elas ser intra ou extra
corticais.

262
O córtex associativo é organizado em três grandes regiões: lobo temporal, lobo
parietal e lobo frontal, sendo que cada um deles possui uma função específica para a
nossa interpretação do mundo e a compreensão do nosso corpo/organismo em relação
ao meio.

O lobo temporal é responsável pelo reconhecimento de objetos e faces com


conteúdo emocional, ou seja, é ele que permite ao indivíduo olhar para o rosto de um
ente querido e associar aquela feição a um determinado conjunto de emoções. Permite,
ao pensar nessa situação de quarentena, um jovem olhar o rosto de seus pais e avós e
compreender que a perda deles para o Covid seria arrasadora, de modo a tornar a
necessidade da quarentena uma tarefa menos árdua.

Lesões nessa região, portanto, geram dificuldades de reconhecer expressões


faciais e associá-las a determinados sentimentos. A amígdala, por exemplo, está
fortemente associada com o reconhecimento da expressão de medo. Caso seja
lesionada torna-se praticamente impossível, para a pessoa, realizar essa ação. Isso
mostra uma grande perda relacionada à capacidade de empatia que é um dos grandes
símbolos da humanidade, sentir a dor e medo do outro e comover-se. Tão significativa
para nós é a empatia que desenvolvemos a medicina na tentativa de aplacar a dor que
acomete outrem.

Em nosso vídeo, exploramos o lobo temporal ao expor nosso personagem a uma


cena triste e uma cena romântica/feliz, de modo que se exacerbam, em nossa
personagem, os sentimentos mostrados nas cenas. Agora, para a lesão, fizemos de
forma literal: expusemos nossa personagem à personificação do medo e ela nada
sentiu.

O lobo parietal está relacionado ao processo de atenção e percepção do mundo


e do nosso ser nele. Portanto, ele permite que a informação visual que recebemos seja
realmente “vista” e não ignorada.

Acreditamos que a melhor forma de explorar essa noção é por meio de lesões
que acometem a região, de modo que a pessoa deixa de perceber, contralateralmente
a lesão, faces e objetos. Assim, foi exposto pelo pintor Anton Raedercheidt, que em um

263
período de 9 meses, nos quais ele se recuperava de uma lesão no lobo parietal direito,
pintou 4 autorretratos mostrando como ele se percebia. Ao longo do processo, vê-se
claramente que ele não pinta a porção esquerda da tela, a qual acaba sendo preenchida
conforme a lesão vai melhorando. O grande valor do conjunto de obras é passar para
uma pessoa que não sofreu a lesão o quão alterada fica a percepção de mundo do
indivíduo. Isso porque mesmo o artista, sabendo da existência dos dois hemisférios de
seu rosto, ele pinta somente o lado direito, pois não percebe o lado esquerdo. Em outras
palavras, ele assume a perspectiva de estar olhando no espelho e pinta aquilo que ele
“vê” e mesmo que, fisicamente, os raios de luz de toda sua face atinjam sua retina, ele
não é capaz de perceber seu rosto por completo. Em nosso vídeo, isso foi explorado de
forma bem literal, em que nossa personagem desenha um relógio por completo e após
a lesão desenha-o só pela metade.

O lobo frontal é responsável por funções executivas, planejamento de atividades


complexas e por aquilo que entendemos como filtro social, elaboração de pensamento
reflexivo, percepção consciente de nosso papel e responsabilidade social. Isso é o que
nos permite sequenciar nossas ações ao longo do dia e executar determinadas tarefas,
como o simples dobrar de uma camiseta, em que a colocamos em determinada posição
e realizamos uma sequência de movimento para transformá-la em um pequeno
quadrado. Além disso, é o que nos permite compreender as consequências de nossas
ações, como julgá-las corretas ou não para determinada situação, ou como o fato de
que rir em um velório seria errado ao passo que consolar uma pessoa chorando é
considerado correto.

Nesse sentido, Phineas Gage é o grande exemplo da neurociência quando se


trata de lesões nessa região. Ao ter uma barra de ferro perfurando uma grande parte de
seu lobo frontal, ele perdeu praticamente todo seu filtro social passando a realizar ações
incondizentes com o ambiente social em que estava, como xingar pessoas de forma
avassaladora. Em nosso vídeo decidimos explorar o lobo por meio da lesão, de modo
que antes dela nosso personagem é um respeitoso CEO, comandando de forma
ordenada uma séria reunião. No entanto, após a lesão passa a arrotar e rir
descontroladamente em frente aos seus colegas de empresa.

264
Procuramos em nosso cotidiano realizar tarefas que nos sejam prazerosas como
praticar um esporte, tocar um instrumento ou ouvir música, sendo que essas atividades
mostram a integração de nossos córtices motor e associativo. Fascinante como nosso
córtex, nos permite realizar atividades tão proveitosas e que nos fazem sentir humanos
de verdade. Porém, também é paradoxal e triste como um instrumento que pode gerar
a Arte e a Ciência também é capaz de gerar a guerra e a destruição, em grande ou
pequena escala. Isso pode ser exemplificado com a perpetuação da violência e
comportamentos sociais herdados, como pais que batem em seus filhos tendem a criar
futuros pais que, por mimese, agirão da mesma forma. Ou seja, o agredido busca a
posição de agressor, como vemos na famosa passagem de “Memórias póstumas de Brás
Cubas” de Machado de Assis, em que o antigo escravo de Brás Cubas, o qual Brás
agredia, agora bate em um escravo comprado por ele.

Logo, o comportamento humano é uma mistura de fatores genéticos e sociais


que herdamos de nossos antepassados. Sendo que é nosso córtex que nos permite
tomar tais ações como positivas e negativas e se devemos passá-las adiante.

Seleção natural e expressões faciais


Vídeo disponível neste hiperlink

César Calil Dayrell Martins Lopes Baratto


Daniel Henrique dos Santos Moura
Kaue Henrique lino

Atualmente sabemos que existem estruturas cerebrais centrais envolvidas no


processamento de determinados comportamentos e emoções, tais como agressividade,
proteção parental, sexualidade, empatia, medo, fuga etc. A maior parte dos
comportamentos apresenta um substrato neural bastante preservado evolutivamente,
o que exemplifica a importância desses sentimentos para a sobrevivência da espécie.
Sabemos que nem tudo é decidido meramente pela biologia: a história, cultura e os
vínculos servem como molde no qual o pensamento do indivíduo irá se estabelecer,
fazendo com que o homem se torne um produto do meio no qual vive. Desse modo,
pode-se perceber que a atividade cerebral é regulada basicamente por fatores sociais,

265
individuais ou biológicos. Contudo, existem certas coisas que, independentemente do
período, cultura ou experiência de vida, permanecem como padrões universais do
comportamento humano, tais como interpretar as expressões faciais de alegria, medo
e angústia.

Durante os milhões de anos de evolução, o homem primitivo mais adaptado


sobreviveu para dar origem, futuramente, ao homem que conhecemos. Dentre todas as
possibilidades, foram prezadas habilidades sociais de viver em grupo, de cooperar e
progredir rumo a um mesmo objetivo. Para atingir tal patamar, foi necessário o
surgimento de um sistema que permitisse melhor entendimento acerca do que se passa
à sua volta, como detectar perigo iminente, perante a linguagem corporal de indivíduos
ao seu redor, assim como perceber as necessidades de companheiros de tribo por meio
de sua expressão de dor ou medo. Nesse contexto, a capacidade de demonstrar e
interpretar uma expressão facial, principal via de comunicação dos sentimentos e das
intenções, ganhou significativa importância no ser humano. Essa demanda por
processamento de emoções fez com que o cérebro percorresse um caminho evolutivo
marcado pelo desenvolvimento de estruturas especializadas em realizar ajustes
emocionais e comportamentais, tais como o sistema límbico.

O sistema límbico é composto por algumas estruturas, como o hipotálamo, que


realiza ajustes homeostáticos e comportamentais motivados. Ele recebe várias
aferências, como projeções olfativas, visuais e viscerais, de modo a permitir que
estímulos do meio ambiente reverberem como estímulos neuroendócrinos no
organismo, permitindo, por exemplo, a fuga de um predador ou a proteção da prole
diante de ameaça iminente. Além disso, modernamente, existem testes capazes de
mostrar o que está acontecendo no nosso cérebro ao percebermos os comportamentos
daqueles à nossa volta. Por exemplo, a amígdala (especialmente a esquerda) é a região
do cérebro que ativa quando visualizamos expressões faciais, sendo esse um dos
princípios da empatia. Isso funciona de modo semelhante ao hipotálamo, que recebe
aferências e provoca não somente respostas que visam alterar o estado metabólico do
corpo, mas também, regular respostas comportamentais. O olfato, nesse contexto,
recebe componente olfatório importante, ligado à geração de lembranças por conexão
com o hipocampo, sistema fronto-temporal e o sistema autonômico, para a expressão,

266
em certas circunstâncias, de sudorese e palidez, por exemplo, que podem servir de
indicativos para os indivíduos próximos da situação do organismo que demonstra esses
sinais.

Para demonstrar o modo como o comportamento está ligado ao arcabouço


neural do ser humano, pode-se citar o caso clássico de Phineas Gage, que é um exemplo
de como a falta de um filtro social (lobo frontal) pode ser provocada por lesões de
estruturas cerebrais. Essas alterações sociais envolvem desde hiperatividade da
amígdala a perda de funções frontais, como uma disfunção da área pré-frontal
(responsável pelo comportamento compulsivo e agressivo). Outro exemplo que pode
ser citado é o transtorno do estresse pós-traumático, quadro que faz com que
determinados estímulos, desde sons, cheiros ou imagens, possam provocar estresse e
reações fisiológicas e comportamentais extremamente adversas. Essa enfermidade é
associada ao circuito amígdala-hipocampo-hipotálamo, que acaba sendo ativado de
modo exagerado, provocando o surgimento desta síndrome. Por outro lado, existem
estudos recentes que demonstram que as capacidades de detecção de expressões
faciais estão expressivamente minadas em indivíduos que não sofrem de lesões no
arcabouço cerebral, mas sim de transtornos de ansiedade que surgem em situações de
convívio interpessoal. Ao testar esses indivíduos percebeu-se que a interpretação deles
era majoritariamente enviesada de modo negativo, isto é, expressões neutras eram
consideradas como negativas, e expressões positivas não eram vistas desse modo. Dessa
forma, evidencia-se o modo como o próprio comportamento pode interferir com
capacidades tão evolutivamente conservadas em todos os indivíduos.

O córtex, a Pandemia e o Governo


Vídeo disponível neste hiperlink
Joara Adão de Oliveira
Luana Queiroz Ferreira
Nicole Merino Carneiro

O córtex cerebral é a camada de substância cinzenta que recobre o cérebro,


sendo uma das regiões mais importantes do Sistema Nervoso Central (SNC). Ele recebe
267
impulsos de todas as vias da sensibilidade, sendo o responsável pela interpretação e
resposta de todas essas informações. Dele são transmitidos impulsos que iniciam e
controlam os movimentos voluntários. Assim, o córtex é fundamental para modular as
atividades e interpretar suas características e significados.

Cada lobo do telencéfalo dedica-se ao processamento de diferentes


características do ambiente, o que garante a modulação das mais complexas atividades.
O córtex associativo frontal está relacionado com os “filtros sociais”, participa de
tomadas de decisões, planejamento, pensamento complexo, antecipação dos impactos
de nossos atos e inibição de atos com impacto negativo. Dessa forma, é fundamental na
percepção do papel e responsabilidades sociais. Já o córtex associativo temporal faz a
associação entre uma identificação social ou ambiental e uma emoção (resposta
induzida pela amígdala). Assim, nós somos capazes de compreender as emoções de um
indivíduo e somos capazes de emiti-las através de nossas próprias expressões.

É possível perceber que fatores individuais e sociais derivam, de algum modo, da


mesma atividade cerebral: se é uma ação humana, deriva de pensamento; se deriva de
pensamento, é atividade cerebral; se é atividade cerebral, existe uma base neurológica.
Assim, a partir da proposta de observarmos nosso ambiente externo, nos debruçamos
sobre os comportamentos e emoções individuais e coletivas no cenário sociopolítico
gerado pela atual pandemia.

No cenário da Covid-19, nosso país paga o preço pela gigante desigualdade


social, econômica e cultural. A educação precária dificulta a conscientização da
população quanto às orientações de prevenção. As ações de educação em saúde sobre
higienização e distanciamento social esbarram numa cultura que não está acostumada
com essas normas. O isolamento converge com a pobreza da maior parte da população,
que sem auxílio coerente com as necessidades, se vê obrigada a não aderir a tal medida.
Ainda, devido a essas desigualdades, a pandemia tem significados distintos para cada
grupo social. Aqueles que já estavam marginalizados do acesso aos direitos básicos
como saúde e moradia, agora enfrentam um maior descaso pelo poder público, ficando
extremamente vulneráveis.

268
Nesse contexto, temos a acentuação de sentimentos e condutas divergentes. Se
por um lado intensificam-se a solidariedade, afeto, união e sentimentos de coletividade
para o enfrentamento conjunto da doença, também se aumenta a apatia, egoísmo e
falta de humanidade.

Iniciativas de arrecadação e distribuição de alimentos, máscaras e produtos de


limpeza se multiplicam e se espalham pelo país. Diversos profissionais voluntários se
mobilizam para ajudar às pessoas em estado de vulnerabilidade social, os idosos e quem
precisa de apoio psicológico. Campanhas que pedem aos mais jovens que fiquem em
casa para que não se dissemine o vírus são aderidas. Em contrapartida, cegos pelo ódio
ou ambição pessoal, muitos pressionam e boicotam as medidas de segurança pública,
colocando a própria vida e a de outras pessoas em risco.

O próprio Presidente da República, maior representante do poder público do


país, participa da contestação e boicote às políticas e iniciativas do Ministério da Saúde,
com destaque para a contestação da necessidade de isolamento social – indicado pela
Organização Mundial de Saúde (OMS) e adotado por todos os países do mundo, como a
medida fundamental de enfrentamento da pandemia, para impedir o colapso dos
sistemas de saúde. Assim, se revela perigoso para a saúde pública e a vida de milhões
de brasileiros.

O paradoxo é que o cérebro humano capaz de gerar sentimentos tão nobres e


altruístas quanto os das iniciativas descritas anteriormente, também promove
comportamentos egoístas, de agressividade e desprezo, como os do Presidente. Dessa
forma, em meio às inúmeras oposições e possibilidades de emoções e comportamentos,
a comunicação dos sentimentos e das intenções ganham ainda mais importância na
sociedade sendo preciso reconhecer as emoções do outro (pela face ou palavras) para
criarmos empatia.

Todos os receios, medos e ansiedade que o Covid-19 provoca na população,


inerentes à uma pandemia, os atos, gestos, posicionamentos e comportamentos
absurdos do chefe do Executivo Federal e ministros aliados dele geram ainda mais
estresse emocional nos cidadãos. Nesse momento tão delicado e sofrido da vida
nacional, com enorme número de mortos (mesmo com a subnotificação), os que deviam
269
atuar à serviço da população de modo a preservar as vidas, demonstram despreparo,
desrespeito e irresponsabilidade, provocando agravamento da tensão social.

Assim, os tempos de crise nos levam a pensar: como é possível a tamanha


insensatez por parte do poder público, especialmente federal? Como, em meio a tanto
sofrimento, assistimos também à escalada de comportamentos egoístas? É a hora de
medir decisões que objetivam o bem da população, e, principalmente, dos mais
vulneráveis, de estabelecer a vida como prioridade e de dar ouvidos à ciência. É a
oportunidade de refletir e repensar a sociedade de forma mais humana, solidária e
altruísta.

Se no córtex frontal mediamos decisões, estabelecemos prioridades, planejamos


o futuro e diferenciamos o certo do errado, é ele que nos confere sentidos de ética e
moral. Portanto, devemos usá-lo objetivando o bem da sociedade, usá-lo com base na
Ciência e a Educação, e sem esquecer das Humanidades e da Empatia, para que
possamos enfrentar o maior desafio da saúde pública da humanidade na sociedade
contemporânea.

Atividades e habilidades
Vídeo disponível neste hiperlink

Letícia Villela de Castro


Taís Delarazi de Carvalho
Yasmin dos Anjos Rodrigues
Acorda assustado com o barulho estridente do despertador. A troca de roupa se
faz da maneira mais rápida possível, quase que automaticamente. O café da manhã em
casa é, na maioria das vezes, deixado de lado: "estou atrasado, como alguma coisa em
alguma cantina". A correria está apenas começando. Já no meio de transporte, o
trânsito rumo à Faculdade ou ao trabalho se torna enlouquecedor e estressante. No
trabalho, a vivência atribulada continua: problemas e afazeres se somam; "meu dia bem
que poderia ter mais de 24 horas", frase que incessantemente é professada por muitos.
A volta do trabalho/Faculdade é acompanhada por um delivery e cama, pois, no outro
dia, a vida "produtiva" recomeça.

270
E assim as pessoas seguem, imersas em problemas e trabalhos. O olhar para o
outro é uma raridade: as necessidades do próximo passam despercebidas, a percepção
do sofrimento alheio é rara e o exercício da solidariedade se faz praticamente
inexistente. O mundo tornou-se um local pouco empático. Ademais, as próprias
necessidades sentimentais e espirituais são renunciadas em prol da produtividade: não
há tempo para o "eu". Dessa forma, o olhar para si e para o próximo não cabe no mundo
contemporâneo. Ou ao menos não cabia: a emergência de uma pandemia trouxe
consigo novas necessidades e atitudes.

A atividade econômica foi freada; a necessidade de ser produtivo se faz pequena


em meio ao surto de um vírus perigoso, que faz todos serem reféns. Desse modo,
refugiados e isolados em casa, uma nova rotina nos foi apresentada: o acordar se faz de
acordo com as necessidades do corpo; tomar o café da manhã tornou-se uma atitude
diária e prazerosa; atentar-se a imagens e sons que antes nos passavam despercebidos
passou a compor a rotina; hábitos prazerosos (leitura, músicas, filmes) foram
ressuscitados para serem um alento em meio a uma época difícil. O “eu” tornou-se
importante.

Além disso, o olhar para o próximo e o exercício da empatia ganhou novos


contornos. Em meio a uma situação de crise econômica e aumento exponencial do
número de desempregados, campanhas de arrecadação de mantimentos são realizadas
e intensamente divulgadas através das redes sociais. Ademais, confecção e doação de
máscaras de pano ganham destaque no cenário atual, sendo, sobretudo, destinadas
para os mais desfavorecidos e em situação de vulnerabilidade. Essas duas atitudes são
dois meros exemplos do exercício da empatia em meio a uma cadeia solidária que surgiu
em razão da pandemia.

Em suma, a emergência da pandemia de coronavírus, apesar de todos os males


que carrega, está sendo determinante para o redescobrimento do “eu” e do “nós” no
mundo contemporâneo.

A questão, por fim, é que as mudanças subjetivas que acometem os indivíduos


alteram o funcionamento fisiológico dos mesmos, de modo que novos circuitos
neuronais são edificados a partir de experiências que anteriormente não faziam parte
271
da rotina. A seguir, tem-se um relato individual de como o externo inflige o interno e
nos modifica de formas tão sutis, quanto profundas, determinando alterações em nosso
próprio Sistema Nervoso que, afinal, constitui o alicerce magno de nossa identidade.

“Antes da quarentena, eu era diariamente atropelada pela rotina intensa. Dar


conta de questões relacionadas à Faculdade, cuidar da casa e das compras, praticar
atividade física… era um verdadeiro desafio. Entretanto, o contato social com
professores e amigos era de fundamental importância no suporte dessa sobrecarga.
Verdadeiramente eu não tinha tempo para me atentar a coisas que hoje, no pós-
quarentena, eu valorizo: fazer as refeições com calma e respeitar o ritmo e pedidos do
meu corpo. Com certeza, nos dias atuais, eu consigo olhar mais para o “eu”, bem como
para o próximo (sem dúvida, estou exercitando mais a empatia no pós-quarentena)”.

Durante a correria do dia a dia, muitas vezes não nos atentamos aos nossos atos
e às consequências que nossas ações podem ter, não nos planejamos de forma
adequada e com calma. Em contrapartida, na quarentena, podemos refletir com mais
calma sobre os nossos atos, em suas consequências, e conseguimos planejar melhor
nossas ações. Todas essas funções são exercidas pelo córtex associativo pré-frontal em
conjunto com os córtices motores, sensoriais e associativos temporais e parietais.

O córtex associativo pré-frontal é responsável pelos processos cognitivos


complexos, pelo raciocínio, pelo planejamento, pelo controle emocional e pela
personalidade. A parte medial atua na motivação e na iniciativa do comportamento,
enquanto a parte orbitofrontal é responsável pelos aspectos emocionais do
comportamento e também pela inibição de comportamentos que venham a ter
consequências negativas e ações impulsivas, o que é de extrema importância no período
em que vivemos, um período de fragilidade e de incertezas. Essa região do córtex é
conectada com áreas corticais e subcorticais, o tálamo e estruturas límbicas. Infere-se
que as conexões com o sistema límbico estejam relacionadas com as emoções,
enquanto as ligações com o estriado estejam relacionadas com a coordenação e o
planejamento motor.

Os córtices associativos estabelecem conexões com córtices sensoriais e


motores. As conexões entre e nos córtices associativos são de fundamental importância
272
para a cognição humana com relação aos comportamentos em cada situação. O córtex
associativo parietal atua na orientação sensorial do comportamento motor e da
percepção consciente do espaço, e o córtex associativo temporal é importante para o
armazenamento de estímulos sensoriais, para a compreensão da fala, para o
armazenamento de fatos e para o reconhecimento de objetos e faces, principalmente
ligadas às emoções. Além disso, o córtex associativo parieto-temporo-occipital está
relacionado com as emoções. Várias áreas corticais relacionadas à emoção estão ligadas
ao sistema límbico. O córtex límbico se conecta com o hipocampo, compondo o sistema
límbico, importante para a formação de emoções e de memórias.

Algumas formas de comportamento começam a ser mais valorizadas nesse


período, como a empatia. Sabe-se que há um componente cerebral envolvido na
empatia. Brothers aponta que as amígdalas corticais e suas ligações com as áreas de
associação do córtex visual estão envolvidas na empatia, diante de pesquisas em
humanos não-primatas, as quais também mostraram que os neurônios do córtex visual
apenas emitem disparos quando visualizam expressões faciais ou gestos específicos.

As atividades realizadas durante a quarentena, como a leitura e os exercícios


físicos, são formas de evitar que situações de ansiedade tomem conta do cenário,
buscando a felicidade e distração nesses pequenos atos. Os transtornos de ansiedade
são caracterizados pela resposta de estresse inadequada. Um estresse leva à ativação
de neurônios que contém CRH no hipotálamo. Este hormônio promove a liberação de
ACTH pela hipófise, que atua no córtex da glândula adrenal, secretando o hormônio
cortisol. Experimentos em camundongos mostraram que o aumento da produção de
CRH ou a diminuição dos receptores desse hormônio levam ao aumento e à diminuição
de ansiedade, respectivamente. Os neurônios responsáveis pela secreção de CRH são
regulados por duas estruturas: a amígdala e o hipocampo. A amígdala atua na resposta
ao medo e sua ativação inadequada; uma hiperatividade dessa estrutura tem sido ligada
a alguns transtornos de ansiedade, assim como a diminuição da resposta do hipocampo
também tem sido relacionada com a ansiedade.

273
O efeito cortical no comportamento em
atividades à distância
Vídeo disponível neste hiperlink

Lucas Flores Sartori


Maria Fernandes Império Pereira
Ranielle Lara Silva
Os córtices associativos incluem a maior parte da superfície cerebral do encéfalo
humano e são responsáveis pelo processamento complexo que ocorre entre a chegada
de sinais nos córtices sensoriais primários e pela produção do comportamento. As
funções dos córtices associativos são referidas de modo não muito preciso como
“cognição”, que significa literalmente o processo pelo qual tomamos conhecimento do
mundo.

Regiões no córtex responsáveis pela codificação da informação sensorial e pelo


comando dos movimentos são apenas uma fração pequena (um quinto) do córtex
cerebral. Grande parte do restante do córtex está envolvido no processamento de
estímulos complexos (córtices associativos), identificando as características relevantes
desses estímulos, reconhecendo objetos relacionados e planejando respostas
adequadas (assim como armazenando aspectos dessa informação).

Os córtices associativos recebem e integram informação de uma variedade de


fontes e que influenciam uma ampla gama de alvos corticais e subcorticais. Sinais de
entrada para os córtices associativos incluem projeções dos córtices sensoriais e
motores primários e secundários, do tálamo e do tronco encefálico. Sinais de saída dos
córtices associativos alcançam o hipocampo, os núcleos da base e o cerebelo, o tálamo
e outras áreas corticais.

Utilizando os “Laboratórios do nosso corpo e do cotidiano” para analisar os


córtices associativos, Lucas, Maria Fernanda e Ranielle realizaram uma videoconferência
para poderem discutir e planejar as atividades que seriam feitas usando esse
Laboratório.

274
Assim que ligaram suas câmeras e viram seus colegas do outro lado da tela,
reconheceram seus amigos, os quais estavam com muita saudade. Então, durante o
planejamento do que seria feito no trabalho, perceberam que já estavam usando os
córtices associativos. No início da videoconferência, ao realizarem o reconhecimento
facial dos colegas e, consequentemente, as suas expressões faciais indicando saudade,
utilizaram o córtex associativo temporal, envolvido no reconhecimento e na
identificação de informação sensorial altamente processada.

Além dessa epifania, perceberam que, ao fazer esse planejamento, já estavam


utilizando um dos córtices associativos, o córtex associativo frontal. Este córtex está
envolvido na orientação de comportamentos complexos, pelo planejamento de
respostas a uma estimulação em andamento (ou informação lembrada), levando esses
comportamentos a estarem de acordo com as demandas de uma situação em particular.
Os sinais que chegam aos córtices de associação pelo tálamo refletem informações
sensoriais e motoras que já haviam sido processadas em áreas sensoriais e motoras
primárias do córtex cerebral, neste caso: o ato da fala e da escuta durante o
planejamento, e estão retroalimentando as regiões associativas.

Pensando nesta coincidência de que, ao ligar a câmera, reconhecer os amigos e


planejar o trabalho, já estariam executando dois diferentes córtices associativos,
pensaram que durante a execução do trabalho escrito sobre as experiências com o
Laboratório, em um processo de total atenção, estariam também utilizando outro córtex
associativo, o córtex associativo parietal. Isso porque esse córtex está envolvido na
atenção e na percepção (consciência) do corpo e dos estímulos que atuam sobre ele,
externos e internos.

Depois de tantas experiências bacanas durante a realização do trabalho e


percepção dos córtices associativos, bem como suas respectivas funções, propuseram
então, aproveitar a videoconferência com um momento de lazer e decidiram
compartilhar alguns vídeos com suas famílias. Assim, Ranielle mandou um vídeo do seu
primo Davi, que mesmo tão novo já toca as modas sertanejas no violão. Desse modo,
puderam refletir sobre como a música é importante como meio de distração e alegria
diante da situação atual pandêmica que estão vivendo. Tal experiência lhes trouxe a

275
percepção de como vivemos no piloto automático, sem praticamente nenhuma reflexão
e apreciação das pequenas coisas, além de ter feito os colegas pensarem sobre como
podem melhorar tais atitudes.

Levi tocando flauta doce


Vídeo indisponível

Gabriel Reis Quagliato


Guilherme Kovac
Murilo José Castro

Os córtices associativos incluem a maior parte da superfície cerebral do encéfalo


humano e são responsáveis pelo processamento complexo que ocorre entre a chegada
de sinais nos córtices sensoriais primários e a produção do comportamento.

Em conjunto, os córtices associativos medeiam essas funções cognitivas do


encéfalo – definidas de forma ampla como a capacidade de prestar atenção, identificar
e atuar de modo significativo em resposta a complexos estímulos internos ou externos.
Descrições de pacientes com lesões corticais, imagens funcionais do encéfalo de
indivíduos normais e estudos comportamentais e eletrofisiológicos em primatas não
humanos têm determinado as funções gerais das principais áreas associativas. Assim, o
córtex associativo parietal está envolvido na atenção e na percepção (consciência) do
corpo e dos estímulos que atuam sobre ele; o córtex associativo temporal está envolvido
no reconhecimento e na identificação de informação sensorial altamente processada
(faces, emoções), e o córtex associativo frontal está envolvido na orientação de
comportamentos complexos, pelo planejamento de respostas a uma estimulação em
andamento (ou informação lembrada), levando esses comportamentos a estarem de
acordo com as demandas de uma situação em particular. As áreas associativas
especialmente extensas em nossa espécie, em comparação com outros primatas, dão
suporte aos processos cognitivos que definem a cultura humana.

276
Com base nessas considerações e diante do terrível cenário da pandemia do
novo coronavírus atualmente vivenciada, propõe-se a utilização dos “Laboratórios do
nosso corpo e do cotidiano” para aplicar os conceitos apresentados, buscando uma
expansiva reflexão sobre assuntos concernentes à neurobiologia do comportamento e
ao córtex associativo.

Os córtices associativos recebem e integram informação de uma variedade de


fontes e que influenciam uma ampla gama de alvos corticais e subcorticais.
Primeiramente, a associação entre as informações advindas do córtex auditivo primário
e do córtex visual primário, referentes, respectivamente, ao reconhecimento do som de
cada uma das notas musicais e às partituras lidas das mesmas notas possibilitam tanto
a execução motora coordenada do sopro quanto o aprendizado daquela partitura. Tal
aprendizado, só é possível pois sinais de saída dos córtices associativos alcançam o
hipocampo, os núcleos da base e o cerebelo, o tálamo e outras áreas corticais.

Antes do início do sopro, ou mesmo da leitura da partitura, o córtex associativo


pré-frontal - responsável pelos processos cognitivos complexos, pelo raciocínio, pelo
planejamento, pelo controle emocional e pela personalidade - permitiu o planejamento
dos movimentos a serem executados, o raciocínio para tais movimentos e o controle
emocional para a melhor execução a ser desempenhada. A parte medial dessa estrutura
atua na motivação e na iniciativa do comportamento, enquanto a parte orbitofrontal é
responsável pelos aspectos emocionais do comportamento e também pela inibição de
comportamentos que venham a ter consequências negativas e ações impulsivas, sendo
determinante para evitar qualquer possível constrangimento para o próprio ser que toca
a flauta diante da pressão exercida por uma câmera filmadora. Essa região do córtex é
conectada com áreas corticais e subcorticais, tais como o tálamo e estruturas límbicas.
Infere-se que as conexões com o sistema límbico estejam relacionadas com as emoções
enquanto as ligações com o estriado estejam relacionadas com a coordenação e o
planejamento motor.

Ainda, o córtex associativo parietal atua na orientação sensorial do


comportamento motor e da percepção consciente do espaço e o córtex associativo
temporal é importante para o armazenamento de estímulos sensoriais, para a

277
compreensão da fala, para o armazenamento de fatos e para o reconhecimento de
objetos e faces, principalmente ligadas às emoções. Nesse sentido, voltando ao exemplo
do garoto Levi tocando sua flauta doce, o reconhecimento do instrumento em questão
e o armazenamento das notas musicais tocadas à cada sopro coordenado só são
possíveis graças à funcionalidade do córtex associativo temporal, que, juntamente com
os outros componentes do córtex associativo, possibilita a cognição.

Mais especificamente, a cognição refere-se à capacidade de prestar atenção a


estímulos externos, como o som de uma flauta, ou à motivação interna, de identificar o
significado desses estímulos (como notas musicais que se concatenam) e de planejar
respostas apropriadas para eles, como a produção de uma melodia.

Outra importante fonte de inervação das áreas associativas são sinais oriundos
de núcleos dopaminérgicos do mesencéfalo, núcleos noradrenérgicos e
serotoninérgicos da formação reticular do tronco encefálico, assim como núcleos
colinérgicos do tronco encefálico e do prosencéfalo basal. Esses sinais difusos projetam-
se a diferentes camadas corticais e, entre outras funções, contribuem para o
aprendizado, a motivação e o grau de alerta.

Com isso, evidencia-se como a habilidade exclusiva do ser humano de


desenvolver e propagar as artes, através do uso complexo da linguagem, que permite
traduzir notas musicais em pedaços de tinta, permitiu o desenvolvimento individual e
social de nossa espécie. Segundo o historiador Yuval Noah Harari, o “segredo” da nossa
espécie estaria, então, em nossa linguagem, que nos provê a capacidade de expandir o
pensamento para além do objeto.

Movimentos e recompensas
Vídeo disponível neste hiperlink

Brenda Cristina Nava


Lucas Sato
Sthefany Santos Araujo
O aprendizado é o ganho de novas informações e conhecimentos, enquanto que
a memória é a retenção da informação aprendida. No vídeo 3, temos a participação do

278
aprendizado, em que o animal aprende os movimentos comandados, e memoriza-os
para que sejam usados num futuro. Nesse caso, há vários tipos diferentes de memória.
No exemplo apresentado, é possível associar a memória de procedimentos, um tipo de
memória implícita, isto é, a memória para habilidades, hábitos e comportamentos, no
caso, o hábito de alimentação do cão, associado às habilidades motoras necessárias,
consideradas como memórias de procedimentos, para que esse comportamento
específico seja associado à alimentação que funciona como a “recompensa”. Nesse tipo
de memória, sua formação requer uma repetição e prática por períodos longos e, graças
a isso, têm menor probabilidade de ser esquecida. Logo, com esse objetivo, longos
períodos de prática desse movimento, feitos repetidamente em vários dias da
quarentena, fazendo parte da rotina, possibilitaram o treinamento para essas atividades
motoras específicas.

No vídeo gravado, a memória é de longo prazo, ou seja, capaz de ser recordada,


mesmo com meses e anos posteriormente à origem do armazenamento dela. No caso,
a oportunidade da quarentena permitiu que fossem treinadas habilidades motoras com
o cachorro, utilizando desse método de recompensa para controle das atividades
motoras específicas, quando a memória de longo prazo foi estabelecida e, então,
repetida habitualmente para que esta seja melhor fixada, até os dias atuais.

Estudos² associam o núcleo estriado, formado pelos núcleos caudado e


putâmen, à memória de procedimentos e ao controle dos movimentos voluntários.
Assim, são envolvidos na formação de hábitos comportamentais, praticados
rotineiramente.

Registros realizados no núcleo estriado de ratos², em experimentos, mostram


que as respostas neurais modificam-se à medida que o animal aprende um
procedimento associado a um alimento como recompensa. Nessa tarefa associada à
recompensa alimentar, as primeiras repetições apresentam uma maior porcentagem de
neurônios sendo ativados e maiores dificuldades. Entretanto, à medida que o treino
continuava, essa porcentagem se reduzia e quando um ótimo desempenho era atingido,
os neurônios passavam a ser responsivos no início e no fim das tarefas. Essas alterações
refletem a formação de um hábito, para o qual o estriado codifica uma sequência de

279
comportamentos definidos, iniciados simultaneamente ao comando. Na filmagem, os
movimentos determinados, quando ainda em treinamento, eram feitos com maiores
dificuldades e demandava maior tempo de prática. Posteriormente aos vários treinos, o
animal apresentou melhora na execução do movimento, realizando-o de modo mais
automático e rápido, e, também, associando os movimentos com a recompensa após a
execução.

Diversas áreas do córtex estão relacionadas a esses movimentos. Um exemplo é


o córtex associativo frontal, relacionado ao filtro social, ou seja, detectam funções
executivas, planejamentos e antecipam possíveis consequências dos atos no ambiente.
Na situação gravada, o animal sabia que a realização de movimentos que não pertencem
ao treinamento teria consequências negativas, como a perda da recompensa. Assim,
esta região do córtex inibe comportamentos com impacto negativo e controla o
comportamento do animal de acordo com o ambiente inserido.

O córtex associativo temporal está relacionado ao reconhecimento de objetos e


faces cotidianas, e à associação deles a memórias emocionais. No caso do vídeo, o
animal reconhece o dono e associa sua presença a comportamentos específicos, além
de associá-lo às atividades treinadas anteriormente, relacionadas às recompensas.
Assim, quando o dono aparece, o córtex associativo temporal já pré-determina as
atividades a serem executadas.

O mecanismo de recompensa, apresentado no vídeo, é o motivador dos


movimentos específicos do animal. Ele está relacionado aos núcleos lateral e
ventromedial do hipotálamo, com conexões com a amígdala, as áreas do tálamo e os
gânglios da base. Nesse sistema de recompensa, os neurônios dopaminérgicos podem
estar associados, com projeções da área tegmentar ventral do mesencéfalo para muitas
áreas do encéfalo, principalmente para o núcleo accumbens (parte do sistema
mesolímbico). No caso do cachorro, a liberação de dopamina ocorre quando ele ganha
a recompensa, no caso, um pequeno osso. Assim, o estímulo para as atividades é a
sensação prazerosa causada pela liberação da dopamina, graças ao osso. No caso das
drogas que causam dependência química, estas atuam aumentando a eficácia da
dopamina de modo exagerado, e provocam sua liberação no núcleo accumbens,

280
demonstrando o papel desse neurotransmissor no processo de recompensa e,
possivelmente, levando ao vício do indivíduo por essa liberação exagerada desse
neurotransmissor, forçando-o a buscar pelo composto químico causador da sensação.

O sistema de recompensa cerebral é composto pela funcionalidade do sistema


mesocortical e do sistema mesolímbico. Este atua nas porções dopaminérgicas da área
tegmentar ventral através do núcleo accumbens (responsável pelo aprendizado e
motivação), do hipocampo (associado à aprendizagem) e da amígdala (responsável pelo
conteúdo emocional), enquanto aquele é composto pela área tegmentar ventral, córtex
pré-frontal, giro do cíngulo e córtex orbitofrontal, associados, respectivamente, a
funções cognitivas, atenção e memória, atividade emocional e tomada de decisão.
Ambos utilizam a dopamina como neurotransmissor principal para esse sistema.

Portanto, o córtex associativo frontal é relacionado à detecção de funções


executivas, ao planejamento de atividades, ao filtro social e à percepção consciente do
mundo e ao córtex associativo temporal. Assim, é ele que atua na detecção do cotidiano,
reconhecimento e funções emocionais. Esses fatores são de extrema importância para
a modulação comportamental, pois atuam na realização da sequência de ações que o
animal apresentou no vídeo, começando desde o reconhecimento do dono até ao
estímulo da recompensa, no caso, um osso específico. Isso levou à coordenação de
movimentos pré-determinados e treinados para que fosse recompensado. Os
movimentos treinados repetidamente, durante esse período de isolamento social, como
“tocar a patinha” e obedecer aos comandos de sentar, levaram o sistema nervoso do
animal a interpretar que, se executar os movimentos corretamente, será recompensado
com o “prêmio”. Outros sistemas corporais também funcionam de acordo com o sistema
de recompensa, como o uso de drogas, que eleva a liberação de dopamina e causa
sensações prazerosas, forçando o indivíduo a buscar a droga, podendo se tornar um
vício.
REFERÊNCIAS

Ministério da Saúde. Neurobiologia: mecanismos de reforço e recompensa e os efeitos biológicos e os


efeitos comuns às drogas de abuso, 2017. [acessado em 2020 nov 10].
Disponível em: <http://www.aberta.senad.gov.br/medias/original/201902/20190215-133719-
002/pagina-02.html>

281
Poema desconstruído
Vídeo disponível neste hiperlink

Letícia Baccaglini Caetano de Camargo


Luísa Sampaio Onofri
Matheus Silva Braga
O nosso cérebro se manifesta de diferentes formas, nas mais diversas situações
e varia sua resposta de acordo com cada indivíduo, com suas experiências, com seu
modo de vida. Os simples atos de gravar um vídeo, ouvir e refletir sobre um poema,
tornam-se um laboratório para observação de fenômenos comportamentais que,
muitas vezes, podem passar despercebidos.

O objetivo deste trabalho é promover uma reflexão acerca da neurobiologia do


comportamento, ressaltando a importância do córtex associativo na construção e
interpretação da realidade, a partir da integração com as demais regiões corticais, como
o córtex motor (efetua as atividades) e o córtex sensorial (traz informação
somatossensorial).

O córtex associativo parietal é o responsável por ativar circuitos nos quais a


atenção é necessária; como no cálculo, desenho, escrita, orientação (distinguir direita e
esquerda, ao seguir um sistema de posicionamento global (global positioning system,
GPS, do Inglês), por exemplo, e reconhecimento espacial (saber o que está perto e longe,
além de identificar sensações localizadas). O lobo parietal também integra os dois lados
do corpo, o que permite que o indivíduo tenha ciência do seu espaço no ambiente.

No vídeo, a importância deste córtex surge nos segundos iniciais, quando uma
das participantes necessita se realojar no sofá para se enquadrar ao foco da gravação.
Obedecer aos comandos de “ir para direita ou para esquerda” inclui aspectos sensoriais
na recepção do estímulo auditivo e na propriocepção, aspectos motores na
movimentação do corpo em direção ao lugar desejado e aspectos comportamentais em
resposta às ordens dadas. Todas estas características estão relacionadas ao córtex
associativo parietal.

282
Lesões no lobo parietal podem causar déficits nessas ações que demandam
atenção, como na Síndrome de Gerstmann, em que o indivíduo tem tantas dificuldades
de localização espacial que não consegue nomear os próprios dedos, por exemplo. Além
disso, uma lesão aguda no lobo parietal não predominante pode causar certa
negligência espacial ao lado oposto à lesão, o que resulta na perda de percepção
daquela parte do corpo, incluindo confusão para realizar tarefas motoras cotidianas,
como vestir-se (apraxia), ou dificuldade em reconhecer lesões e traumas (anosognosia),
por negar a existência do outro lado.

A sequência do vídeo inclui um misto dos próximos dois córtices associativos a


serem abordados. Assim, o córtex associativo frontal é responsável por planejar ações,
tomar decisões, antecipar ações (em jogos, como basquete e futsal, deve ocorrer o
planejamento de uma tática contra o adversário, que se altera conforme o jogo
acontece). Além disso, é essa região cortical que inibe comportamentos considerados
nocivos ou impróprios (o denominado “filtro social”), de acordo com a tomada de
consciência e pensamento reflexivo – que ocorre diante da tomada do reconhecimento
de responsabilidade social e percepção do ambiente.

No vídeo, fica nítido o filtro social entendido muitas vezes como um “erro de
gravação”. O que não pode ser dito diante das câmeras? É o medo de não obter
aprovação social pelo que dizemos? A essas perguntas, cabe somente a reflexão. O que
sabemos é que o córtex associativo frontal está relacionado com esse componente que
conduz diferentes comportamentos nas mais diversas situações, nas tomadas de
decisões e no nosso juízo sobre o que podemos fazer e o que não devemos fazer.

Lesões no córtex frontal podem levar a mudanças bruscas no comportamento,


alterando a personalidade e interações sociais. A primeira evidência disso para a
Neurobiologia do Comportamento foi o caso de Phineas Gage, um operário que sofreu
um acidente com dinamite – ao explodir, a dinamite projetou uma barra em direção ao
crânio de Gage, que se manteve consciente após o ocorrido e recuperou-se em
semanas. Apesar de não aparentar danos físicos, Gage mudou completamente de
comportamento: seus amigos disseram que ele se tornara desrespeitoso, não aceitava
conselhos, abandonara seus planos e agia sem pensar nas consequências. Por mais que

283
a lesão tenha sido em uma região grande, o que impede de ser usada como exemplo
teórico adequado (fato que é criticado por diversos neurocientistas, tais como David
Ferrier e Oliver Sacks), esse é um exemplo de como possíveis lesões no lóbulo frontal
podem interferir no comportamento de um indivíduo.

Por fim, o córtex associativo temporal é bastante ativado em situações que


envolvem o reconhecimento e interpretações. Cotidianamente essa região cortical é
ativada para reconhecimento de gostos, cheiros, rostos, formas, texturas e outros
sentidos. A consequência do reconhecimento pode levar à associação com emoções
(como ao ouvir um grito ou ao sentir o cheiro de fumaça, circuitos neuronais associados
com o medo e fuga são ativados), fato que se dá pela integração do córtex temporal e a
amígdala, em que memórias emocionais são acionadas –os lobos temporais estão
associados ao aprendizado e memória.

No vídeo, foi realizada a leitura de um poema: “Gêmeos”, de Mauro Sampaio.


Apesar da subjetividade, pode-se perceber que a poesia promove diferentes reflexões
em cada indivíduo. Isso ocorre pela ativação de diferentes circuitos neuronais em cada
pessoa, o que está relacionado à sua interpretação pessoal, baseado em suas vivências,
seu modo de vida e suas memórias. Lesões no córtex temporal podem levar a disfunções
de reconhecimento; a agnosia, por exemplo, leva a falha no reconhecimento de faces.
Isso também pode ser visto em amnésias.

Assim, ao explorar a metalinguagem da produção do vídeo e as diferentes


reflexões promovidas por este poema, observamos uma rica conexão entre as mais
diferentes modalidades funcionais do Sistema Nervoso. Em um outro contexto, que não
o de isolamento social em decorrência do cenário da Covid-19, as reflexões seriam as
mesmas? Quais memórias seriam evocadas? Teriam outros circuitos ativados, como
aqueles ligados às atividades que estão suprimidas ou readaptadas no atual contexto?

284
Córtices associativos e neurobiologia do
comportamento: reinventando-se na
quarentena
Vídeo disponível neste hiperlink

Carlos Germano Souza Palú


Laura Santana Costa
Vitor de Moura Arrais
No vídeo escolhido para o terceiro tema, observam-se eventos do cotidiano que
possuem estreitas relações com os córtices associativo frontal, parietal e temporal (que
representam 75% do total cortical). Esses córtices associativos são “alimentados” pelos
respectivos córtices sensoriais primários, e são conectados para a execução de tarefas
pelos córtices motores (este conjunto sensório-motor representa os restantes 25% do
total cortical). Além disso, são observados eventos correlacionados à neurobiologia do
comportamento, demonstrando como o nosso encéfalo é importante para realizar
tarefas aparentemente simples, que nos trazem diversas emoções que influenciam as
relações sociais do dia a dia, assim como influenciam nossa percepção do ambiente que
nos rodeia

O córtex associativo frontal é o principal responsável pelas tarefas cognitivas e


pelo gerenciamento comportamental, incluindo aspectos como raciocínio, previsão e
planejamento, tomada de decisões ou inibição comportamental. Pacientes com lesões
nessa área são frequentemente referidos como tendo uma personalidade alterada,
como foi possível perceber no famoso caso do paciente Phineas Gage, no qual a lesão
no córtex associativo frontal o fez perder o chamado “filtro social”. No vídeo elaborado,
o indivíduo aparece lendo um livro. Nesse processo de leitura, o córtex associativo
frontal é bastante utilizado. Isso ocorre pois o significado das palavras e o entendimento
delas em conjunto umas com as outras são concebidos principalmente nessa parte do
córtex. Dessa forma, uma ideia é criada a partir da leitura. A partir dessa ideia, previsões
futuras podem ser feitas em relação ao que se está lendo. Além disso, julgamentos sobre
o assunto da leitura também estão envolvidos, demonstrando a capacidade do filtro
social humano, bastante relacionado ao córtex associativo frontal.

285
O córtex associativo parietal, por sua vez, é importante no processo de
informações táteis, percepção espacial, processos visuoespaciais e consciência do
espaço extracorporal, além de ser muito importante em processos de atenção. Lesões
nesse córtex estão relacionadas com déficits de atenção e síndromes de negligência
contralateral (não havendo déficits primários sensoriais nem motores que impeçam que
estes indivíduos vejam ou sintam seus corpos ou objetos em volta). No vídeo elaborado,
o indivíduo está desenhando utilizando pincéis e tintas. Nesse processo, para o desenho
ser formado, é necessário que o indivíduo perceba o espaço destinado para o processo
artístico. Dessa forma, a consciência do espaço através da percepção visuoespacial,
assim como a utilização dos materiais de forma correta e coordenada, dependem do
córtex associativo parietal. Ademais, a ação de desenhar exige extremo grau de
atenção/concentração, ativando esse mesmo córtex.

Já o córtex associativo temporal é importante para reconhecimento de objetos


e de faces, estas últimas com conteúdo emocional (por exemplo, reconhecimento de
rostos familiares). A agnosia é geralmente associada à perda das funções de
reconhecimento facial e ocorre principalmente com lesões no lobo temporal direito. No
vídeo elaborado, a pessoa, ao observar um álbum de fotografias, possui recordações das
pessoas e dos acontecimentos em determinada época através da imagem e das
emoções expressas no rosto dos indivíduos na foto. Dessa maneira, o córtex associativo
temporal é bastante ativado, capacitando o reconhecimento facial e as circunstâncias
emocionais que permeiam os rostos reconhecidos.

Em relação à neurobiologia do comportamento, verifica-se que este é


dependente dos córtices sensoriais específicos, dos córtices motores e dos córtices
associativos. Além disso, é importante frisar a natureza multifatorial envolvida no
comportamento humano, com influência genética, influência psicossocial, influência
socioeconômica etc.

Dessa forma, infere-se que o comportamento humano é um assunto


extremamente amplo e diversificado, podendo o comportamento ser tanto negativo
(por exemplo: agressividade, ansiedade, medo, depressão), quanto positivo (por
exemplo: empatia, felicidade, generosidade).

286
Como estamos diante de uma pandemia grave do COVID-19, resolvemos abordar
no vídeo atividades simples do cotidiano, porém que auxiliam o comportamento
humano durante a quarentena. Nesse contexto, foram apresentadas no vídeo
manifestações artísticas relacionadas à música, que permitiram a reunião da família em
um ambiente pacífico, feliz e generoso. Através dos sons produzidos, os diversos
circuitos neurais são ativados proporcionando comportamentos positivos que auxiliam
o enfrentamento da quarentena. Além do ambiente musical, é interessante notar no
vídeo como o convívio dos familiares (relações sociais) ajuda no dia a dia durante a
pandemia, visto que as pessoas podem se auxiliar através de conversas, risadas e
brincadeiras, evitando assim comportamentos negativos que podem ser observados em
algumas famílias durante a pandemia, como depressão, alcoolismo e distúrbios
alimentares.

Para finalizar, podemos concluir esse texto afirmando a importância dos córtices
associativos em nossas vidas, visto que eles são ativados em diversas situações do
cotidiano, sendo utilizados em tarefas simples ou complexas. Além disso, foi visto como
o comportamento humano é modulado pelas atividades que realizamos, como tocar
uma música. Durante a pandemia do novo coronavírus, o ser humano está sujeito a
diversos estados emocionais negativos, como depressão e ansiedade. Dessa maneira, é
necessário refletirmos para criarmos maneiras para contornar esses estados emocionais
desfavoráveis. Nesse cenário, o uso da Arte e da Ciência (uso de instrumentos musicais,
dança, leitura, prática esportiva, pinturas) apresenta-se como uma ferramenta que pode
auxiliar muito os indivíduos.

React às diferentes imagens


Vídeo disponível neste hiperlink

Lais Passinho
Luiz Gustavo Silva Cesarino
Raquel Farias Barreto Silva
Com a proposta de analisar como as experiências individuais moldam as
percepções sobre determinadas situações, foi feita uma experiência com duas pessoas,
na qual essas pessoas com experiências de vida distintas observaram imagens de
diferentes situações que não remetem a percepções óbvias. Como, por exemplo, na foto
287
de uma mulher olhando para um doce, um dos voluntários associou a situação a desejo
(da mulher pelo doce), o outro voluntário associou à delícia (focou sua atenção no doce),
os pesquisadores do estudo, ao selecionarem a foto, pensaram em fome e gula. Como
uma mesma foto vista por pessoas diferentes pode remeter a percepções e
interpretações tão distintas?

A interpretação ocorre nos córtices associativos, que correspondem a 75% do


córtex cerebral. Ambos os voluntários, para realizar o experimento, prestaram atenção
nas imagens, indicando que o córtex parietal associativo estava ativado.

Os voluntários reconheceram, interpretaram e processaram as expressões faciais


presentes nas fotos em que há pessoas, essa é uma importante função do córtex
temporal associativo. A partir de expressões faciais é possível reconhecer emoções
como alegria, nojo, raiva, surpresa e tristeza.

Há também participação das amígdalas, que participam do reconhecimento da


expressão de medo. Ademais, estudos recentes mostram a participação das amígdalas
no julgamento social, indicando uma função para o córtex somatossensorial no
reconhecimento visual de emoções, ambos os voluntários fizeram julgamento social das
situações retratadas nas imagens.

Os voluntários também elaboraram pensamentos reflexivos ao interpretarem as


imagens, além de anteciparem os efeitos ou impactos de suas respostas, visto que
ambos tinham conhecimento de que suas respostas seriam analisadas posteriormente
e podem ter utilizado um filtro social para responder, ademais, tinham percepções
conscientes de seus papéis e responsabilidades sociais para com o experimento e com
as pessoas que iriam assistir. Tudo isso mostra a ação e importância do córtex
associativo frontal. Provavelmente poucas ou nenhuma pessoa que realizasse o
experimento responderia algo polêmico sabendo que seria assistida e analisada
posteriormente. Por exemplo, na foto em que há uma criança chorando no chão
enquanto um adulto segura sua mão, alguém poderia pensar em algo como “merece
palmadas”, no entanto por julgar essa resposta como socialmente inaceitável, a pessoa
poderia reprimir essa ideia e responder algo que julgasse ser socialmente mais
adequado.
288
A educação, visão de mundo, experiências e elementos críticos tornam os
cérebros humanos diferentes uns dos outros. A Neurobiologia do Comportamento é um
evento multifatorial, assim como o cérebro humano. Os voluntários possuem idades,
visões de mundo, educação e experiências diferentes e isso foi refletido nas suas
interpretações de situações diversas. Enquanto um carro em alta velocidade pode
representar perigo para uma mãe (mulher de 60 anos), pode significar frio na barriga
para um jovem (de 29 anos) sem filhos. Já uma garrafa substituindo uma torneira pode
representar uma bagunça para uma mãe dona de casa, mas ser percebida como algo
engraçado para um jovem solteiro. E um homem em cima de uma tábua de madeira que
está mal apoiada, pode representar perigo para essa mãe, mas pode ser interpretada
como burrice por esse jovem.

As diferenças de idade e experiências também são evidentes na interpretação da


violência. Na imagem que retrata uma briga, um dos voluntários (a mulher) teve a
percepção de violência, enquanto o outro (o jovem) interpretou como raiva. Nos últimos
anos, está ocorrendo uma grande exposição à violência pela mídia social e de
entretenimento, que estudos (Brockmyer, 2015) mostram estar relacionada com uma
banalização da violência. Isso pode ser correlacionado com as diferentes interpretações,
visto que a mulher, mais velha e que esteve menos exposta à exploração da violência
para fins de entretenimento, teve como primeira percepção ao observar a imagem a
violência presente na situação. Já o jovem, que foi mais exposto a essa exploração da
violência, por ter mais contato com meios de entretenimento, teve como percepção
mais forte a raiva expressa pelas pessoas retratadas na foto.

Já a imagem de uma menina sorrindo ao interagir com a água teve a mesma


resposta por ambos os voluntários. Os dois tiveram a percepção de diversão. Isso
evidencia a interpretação comum do sorriso como remetente a alegria e felicidade.

REFERÊNCIAS
Brockmyer JF. Playing violent video games and desensitization to violence. Child Adolesc
Psychiatr Clin N Am. 2015 Jan;24(1):65-77. doi: 10.1016/j.chc.2014.08.001. Epub 2014 Oct 3. PMID:
25455576.

289
Ser Humano: The Good, The Bad and The Ugly
Vídeo disponível neste hiperlink

Adrielle Ingrid de Oliveira Barbosa Santiago


Jordan Fares Sampar
Ao olharmos para fora de nossas respectivas janelas, em especial neste
momento único no qual uma Pandemia assola o planeta Terra e (quase) ninguém,
literalmente, está completamente em segurança, percebemos que a natureza, em sua
completa fisiologia, continua a respirar, a realizar todos os seus ciclos orgânicos e
assegurar a sua sobrevivência de forma majestosa.

Talvez a natureza fosse ainda mais exuberante, com outras mil cores e seus
contrastes; os pássaros com seus sons em várias escalas e tonotopias; se houvesse frutas
com tantos sabores diversificados, as flores pudessem exalar os seus perfumes e o
contato, o tato, fosse algo mais sublime e eufemista para presentear os receptores
somáticos e sensoriais do ser humano, também um animal, em harmonia com os outros.

A gênese deste processo sensorial, tanto em sua execução quanto na percepção,


é decorrente do neurodesenvolvimento das espécies. Dos sistemas nervosos mais
rudimentares, como das plantas e dos pequenos seres, até o mais rebuscado, finamente
planejado (?), como o do ser humano, a linha filogenética se põe em um tênue e
belíssimo equilíbrio interespécies. O desenvolvimento do sistema nervoso nos seres
vivos nos auxilia, também, a compreender o nosso próprio comportamento e os das
demais espécies.

A citoarquitetura cerebral, a dizer os neurônios, seus neurotransmissores, as


células da glia (micróglia, astrócitos), compõem - todos - uma robusta plasticidade
cerebral, na qual neurônios e sinapses se conectam de forma única, a dizer, muitas
vezes, indissociável. Essa simbiose microscópica, tal qual a macroscópica, nos
ecossistemas, estabelece redes importantes não só para a estabilidade da fisiologia
nervosa, mas também para entender distúrbios neste sistema, tanto quanto os
presentes na natureza também.

291
Como diferenciar os desbalanços fisiológicos ocorridos no interior do encéfalo
humano com a sua ação predatória na natureza? O ser humano, nós, possuímos o
encéfalo mais fisio e morfologicamente rebuscado, capazes de desenvolver raciocínio
lógico. Entretanto, se voltarmos a olhar por entre a janela, veremos uma sociedade
altamente deturpada em comportamento e na falha em desenvolver conceitos óbvios,
como a coletividade, extremamente eficaz em nossos parentes vegetais e animais.

Se usássemos nosso frontal, nossas amígdalas, hipocampos e tantas outras


estruturas encefálicas que estão ali, bem desenvolvidas, protegidas pela nossa calota
craniana, teríamos consciência de nossas ações perante o mundo.

Donald Hebb, importante neuropsiquiatra canadense, possui uma potente frase


para definir o processo de aprendizado e cognição, ao mesmo tempo em que ela pode
ser considerada uma metáfora para o momento atual: “Neurons that fire together, wire
together” (em tradução literal, “neurônios que disparam juntos, se conectam”).

Se trabalharmos juntos, mantendo-nos em isolamento social (no caso da


Pandemia), sairíamos dessa situação muito mais rapidamente. Ao olharmos pela janela,
porém dessa vez virtual, veremos notícias de aumento de casos da COVID-19 e das
mortes, e ausentando, aqui, as notícias políticas e econômicas. Este processo de
aprendizado é, de fato, eficaz?

Ao voltarmos para a natureza, facilmente percebemos a dinâmica entre os


ecossistemas e as populações adjuntas a ele. Ainda que coloquemos em foco a cadeia
alimentar, percebemos um equilíbrio entre presa e predador. Na água, no ar e na terra,
os seres vivos se respeitam, se limitam à uma hierarquia que está intimamente
relacionada com o desenvolvimento de seu sistema nervoso. Este equilíbrio se faz real,
quando desconsideramos a interferência do homem na natureza.

Erguendo concretos e pavimentando a realidade com cimento cru, a natureza vai


morrendo ao mesmo tempo em que o homem se torna mais obsessivo. Perceba:
justamente o ser com o sistema nervoso mais refinado, com a capacidade de raciocinar
e desenvolver empatia, é o que mais destrói a natureza, sua casa. É o que mais a vê, mas
não consegue, de fato, enxergá-la.

292
Degradando a natureza, o homem vai perdendo duplamente a capacidade de
senti-la. Primeiro porque ela, de fato, vai se reduzindo devido à ação humana e,
segundo, porque a obsessão do homem em acumular capital aumenta. E aí depara-se
com uma Pandemia, com o fato do homem ser obrigado a ficar em casa, em isolamento
social, por conta de um ser (vivo?) que mede nanômetros.

Não é à toa que a beleza restante e que ainda conseguimos ver de nossas janelas
se torna admirável. Re-aprendemos a visitar os nossos sentidos, a exercitar a nossa
cognição e descobrimos ser capazes de realizar tarefas - cozinhar, costurar, admirar,
escrever, pintar, tocar e tantas outras. Reaprendemos a ter satisfação com tudo isso,
principalmente pela ativação da via mesolímbica, dopaminérgica, de recompensa.

Antes da Pandemia, os pássaros voavam livremente e eram capazes de executar


sinfonias. O ser humano se deu conta que também é capaz quando foi aprisionado. Sem
a ganância humana, as flores poderiam disputar entre si, para saber qual a mais bela e
perfumada. Qual seria a flor de escolha da abelha, este pequeno ser capaz de conduzir
a vida vegetal? Ficamos a nos perguntar: se o homem não existisse, haveria poluição e
desmatamento? E quem sabe o que poderia ser visto no céu?

Por outro lado, sem interferência humana, nada teria um nome e nem uma
simbologia. Não conseguiríamos enxergar as menores estrelas ou, se quer, os neurônios
de nosso próprio sistema nervoso. A dizer do fantástico Santiago Ramón y Cajal. É o ser
humano também o responsável pela arte, ramificada nas menores descobertas, porém
com um amplo significado, como o alfabeto e os traços feitos na caverna, em nanquim.

O estudo da anatomia. Leonardo da Vinci. O movimento dos corpos. A salsa. O


ballet. O duplo carpado twist! Quando homem e natureza se respeitam, o resultado é
fantástico: plantas utilizadas no entendimento da fisiologia e em sua intervenção, com
a farmacologia. Darwin e Galápagos. Mendel e as ervilhas. Katherine Johnson e a lua.

As portas que foram e se mantém abertas pela ciência. Os mitos que foram
quebrados pelas comprovações, ainda que outros, estúpidos (?), disseminem em pleno
século XXI. E, impossivelmente mais atual, a conduta científica para estudos sobre o

293
Coronavírus e a frente de liderança para a criação de uma vacina, este Santo Graal que
os cientistas arduamente procuram elucidar.

A sobrevivência do homem sempre esteve ligada à natureza. A alimentação, a


arte, o fogo e o ar. Sem ar, a fisiologia, comprovadamente, levaria o homem à falha. E
quem fornece essa possibilidade de vida, senão a própria e única natureza do Planeta
Terra?

Sistemas sensoriais: emoções e sentimentos


Vídeo disponível neste hiperlink

Luíza Greco Sgarioni


Renato Ribeiro Azevedo
Willian da Silva
Diariamente somos “bombardeados” com notícias do contexto atual mundial,
como a pandemia de COVID-19, as crises no sistema de saúde, as crises políticas, a
violência, os crimes raciais e outras tantas informações. Este excesso de notícias ruins
faz com que ao escutarmos uma simples música de abertura relacionada ao jornalismo
da televisão, uma infinidade de pensamentos e sentimentos negativos
automaticamente invadam nossa mente e permaneçam em nosso subconsciente.

Os sistemas sensoriais desempenham um papel importante na interação do


homem com o meio ao seu redor. O sistema visual humano é um dos sistemas que nos
permitem captar uma grande quantidade de informações a respeito do nosso mundo.

Através dele podemos, de uma maneira integrada a outros sistemas, visualizar e


reconhecer objetos, pessoas e coisas. O olho humano é um arranjo esférico complexo,
possuindo diversas estruturas pelas quais o estímulo da luz atravessa até a retina, onde
será processado para a formação da imagem.

A retina é caracterizada por ser uma região mais interna, diferente da córnea,
mais externa. A retina contém neurônios que são sensíveis à luz e transmitem sinais para
estruturas centrais. A luz penetra o olho através da córnea, que em conjunto com outras
estruturas, são responsáveis pela refração da luz para a formação da imagem nos
fotorreceptores da retina. Uma vez que este estímulo visual chega à retina, ele incide

294
sobre os fotorreceptores, sejam eles cones ou bastonetes, que vão direcionar a imagem
para diferentes células e, posteriormente, por meio da propagação de potencial de ação,
para o nervo óptico e para o encéfalo, onde será integrado e processado.

Além do estímulo visual, a audição, igualmente, possui grande importância no


presente contexto. Através deste sistema podemos captar diferentes sons com
diferentes frequências e intensidades. A estrutura do ouvido humano pode ser dividida
em ouvido externo, médio e interno. Possuem diferentes estruturas de importância
ímpar na captação do sinal sonoro.

Ao captarmos o estímulo sonoro através do ouvido externo, este é conduzido


através do pavilhão auricular até a membrana timpânica, que possui interligada a si
estruturas denominadas ossículos que irão retransmitir a vibração da membrana
timpânica até a membrana da janela oval.

A cóclea, por sua vez, localizada no ouvido interno, capta e transmite essa
vibração a estruturas localizadas no órgão de Corti, como as células ciliadas que irão
potencializar a transdução deste estímulo em impulsos nervosos. Através da interação
destes diferentes sistemas sensoriais, podemos captar informações que irão ser
transformadas em memórias e em sentimentos nas estruturas adjacentes e, assim, fazer
parte da nossa vida.

O fenômeno do processamento de memórias e emoções por estruturas


cerebrais, igualmente, destaca-se pela complexidade de suas interações. Até o presente
momento, existem divergências a respeito de como esse complexo fenômeno ocorre a
nível fisiológico nos seres humanos. O sistema límbico possui diversos papéis
importantes, umas das funções pelas quais ele é mais conhecido é justamente pelo
processamento de emoções. Diferentes estruturas fazem parte do sistema límbico e
desempenham um papel importante e integrado.

Dentre esta vasta gama de estruturas, a amígdala é evidenciada pelo seu papel
no processamento de emoções. A amígdala é formada por um conjunto de núcleos
localizados no prosencéfalo que podem ser divididos em região basolateral e região
corticomedial. A esta estrutura frequentemente é atribuído o processamento de

295
informações emocionais temerárias e positivas. Além disso, possui um importante papel
na consolidação de memórias com forte cunho emocional.

A soma destes estímulos auditivos e visuais e toda a experiência de


distanciamento social a que a população está exposta, pode potencializar um
desequilíbrio em nosso sistema límbico, podendo refletir no aumento de níveis de
estresse, depressão e ansiedade, podendo levar, ainda, a dores psicossomáticas, como
dores cervicais e lombares que, por sua vez, levam a alterações posturais. As dores
psicossomáticas ocorrem porque a integração de nossos sentidos especiais, controle
postural, equilíbrio e emoções ocorre no sistema límbico.

Como consequência, a busca por estratégias de relaxamento, que possam ser


realizadas nas residências, cresceram. Neste contexto, atividades como a meditação
têm ganhado espaço. A meditação utiliza técnicas de respiração, sons relaxantes,
aromas e incensos, que potencializam o relaxamento mental, com reflexos musculares
e posturais.

Com base no exposto, podemos observar que através da estimulação dos


mesmos sistemas sensoriais, podemos experimentar sensações/sentimentos positivos
e negativos, e este importante equilíbrio é fundamental para nossa relação com o meio.

Integração sociomotora em tempos de


pandemia
Vídeo disponível neste hiperlink

Juliana Reis Souza


Letícia Andrade Costa
O atual cenário de isolamento social imposto pela presença do novo coronavírus
transformou de forma brusca nosso modo de viver e de se relacionar. Vivemos uma
situação singular, na qual nossa rotina, que antes abrangia os mais variados ambientes,
foi reduzida ao âmbito de nossas casas. Evidentemente, esse atual cenário de
quarentena influencia a nossa percepção e interpretação dos estímulos sensoriais à

296
nossa volta. E não só isso, o ambiente dramático que envolve o isolamento social afeta
a nossa reação aos estímulos sensoriais.

De maneira geral, o cenário de isolamento social nos expõe a duas situações


antagônicas dentro do ambiente de nossas casas. Em muitos momentos nos vemos
extremamente angustiados e estressados. Entretanto, existem aqueles breves
momentos em que nos deparamos com situações que nos remetem a boas memórias,
capazes de despertar alegria e reconforto.

E tanto nos momentos de aflição quanto nos momentos de recordação, os


estímulos sensoriais estão atuando e são eles os próprios gatilhos, capazes inclusive de
desencadear respostas motoras particulares. A fim de exemplificar essa atual
conjuntura de maneira integrada, podemos refletir acerca dos estímulos sensoriais que
uma pessoa em quarentena recebe, discutindo como ela interpreta e reage a eles.

Começando pelo período da manhã, o despertar pode ser induzido pelo som de
um despertador, por exemplo. Esse som refere-se às ondas de pressão geradas pela
vibração das moléculas do ar, e somos capazes de captar, amplificar e processar as
ondas sonoras graças ao sistema auditivo. Células ciliadas localizadas no ouvido interno
são as responsáveis por transduzir essa energia sonora em padrões específicos de
atividade neural, os quais são integrados com informações de outros sistemas sensoriais
para guiar respostas motoras comportamentais.

Voltando ao exemplo de acordar ao ouvir o barulho de um despertador, temos


uma situação em que um estímulo sonoro é integrado pelo nosso SNC e desencadeia
uma resposta motora que nos leva a passar da posição supina (deitada) para a
ortostática (em pé). O controle motor por trás desses movimentos envolve a
participação de neurônios motores da medula espinhal, que promovem contração dos
músculos esqueléticos, e regiões encefálicas, como o córtex cerebral, envolvidas com a
geração dos movimentos voluntários.

Um outro componente importante da modulação dos movimentos é o cerebelo,


capaz de detectar o erro motor entre o movimento intencional e o real, reduzindo esse
erro. Além disso, ao ouvirmos o barulho emitido pelo despertador somos levados a

297
buscar a origem desse som, e esse processo envolve a participação de outro sistema
sensorial, a visão, que nos fornece informações acerca da localização, tamanho e forma
dos objetos. A fototransdução se dá nos fotorreceptores localizados na retina, e a
informação gerada é processada em diversas regiões do encéfalo que permitem a
percepção da cena visual.

Trazendo essa situação para o contexto estressante que permeia o isolamento


social, um estímulo sonoro comum, como por exemplo o som do despertador, que antes
não era interpretado como um estímulo estressor, agora pode desencadear angústia e
inquietação, sentimentos que são manifestados por meio de movimentos bruscos e
intempestivos. Tendo em vista que a qualidade do sono da população diminuiu após o
isolamento, despertar para um novo dia diante de um cenário tão aflitivo pode não ser
uma tarefa tão aprazível, como talvez fosse antes.

Um outro exemplo interessante dessa alteração da percepção de um estímulo


sensorial nesse novo cenário é a reação ao som da campainha de nossas casas. O medo
que permeia o risco de contaminação pelo vírus faz com que o som da campainha possa
servir como gatilho para ansiedade, gerando uma resposta motora ríspida, de
inquietação e desconforto.

Em contrapartida, estímulos sensoriais que nos remetem a boas memórias


parecem ganhar mais relevância nesse atual cenário, servindo como válvula de escape.
Ao olharmos uma fotografia de um momento alegre, a informação visual trafega da
retina até o córtex visual primário, permitindo uma codificação dessa informação. Áreas
visuais no lobo temporal estão envolvidas com o reconhecimento dos objetos presentes
na fotografia, por exemplo. Os componentes emocional e visual caminham juntos na
integração desse estímulo.

Esta situação adversa na qual estamos vivendo também nos levou a transformar
o ambiente de nossas casas, que idealmente nos remete a conforto e relaxamento, em
um ambiente de trabalho, o qual convencionalmente é descrito como um ambiente
estressante. Diante disso, um outro desafio introduzido no nosso cotidiano é a
capacidade de se concentrar e trabalhar em um local que originalmente é para ser de
descanso.
298
Diversos estímulos sensoriais podem ser responsáveis por tirar nossa atenção ao
longo do dia, levando-nos a uma sensação de angústia e estresse por não estarmos
sendo produtivos o suficiente. Por exemplo, um cheiro de algum alimento é capaz de
nos tirar a atenção, as moléculas químicas presentes naquele aroma adentram as nossas
narinas e estimulam as células presentes no epitélio olfativo, por receptores químicos
presentes na sua membrana.

Essas células são capazes de transduzir o sinal químico em elétrico, atravessando


a lâmina cribiforme e realizando sinapse com as células mitrais, no bulbo olfatório. O
estímulo segue então bulbo e trato olfatório até regiões corticais responsáveis por
interpretar o cheiro, como a Ínsula.

No córtex, esses sinais são integrados com diversos outros sentidos, gerando
respostas que vão desde uma salivação, se o cheiro for prazeroso, até uma resposta
motora, via neurônios da medula. Esses neurônios medulares estimulam a contração
muscular, que também recebem interferências do cerebelo e núcleos da base. Nessa
situação, uma resposta motora típica seria a busca do alimento em questão, que atua
como um escape para o estresse ocasionado pela falta de atenção.

Quando o alimento é ingerido, as diferentes moléculas presentes são


identificadas pelos botões gustativos, estruturas que compõem as nossas papilas
gustativas, que são células capazes de transduzir o sinal químico em elétrico. Essa
informação é transmitida das papilas pelos nervos glossofaríngeo e facial até núcleos do
tronco encefálico, seguidos pelo tálamo e posteriormente regiões corticais gustativas,
que interpretarão os sabores ingeridos.

O sistema gustativo também é muito relacionado com o sistema límbico, sendo


o motivo de sentirmos prazer ao comer determinados alimentos. Isso faz com que
muitas vezes utilizemos algum alimento como escape para situações difíceis. Nesta
situação peculiar de isolamento social, as condições adversas que enfrentamos durante
o nosso dia podem nos levar a procurar algo que nos conforte, e esse escape
regularmente é a comida.

299
Um alimento ou um cheiro podem nos remeter a uma memória de saudade, de
alguém ou de algum lugar específico. Dessa forma, muitas vezes apresentamos uma
resposta motora, devido a um aroma ou a algum tipo de inquietação, que nos faz buscar
comida, e não necessariamente porque estamos com fome, mas simplesmente para
fugir desse ambiente social que estamos vivendo.

O cenário atual nos fez perceber diversos estímulos de forma diferente, como o
som de uma campainha ou algum cheiro específico e, consequentemente, apresentar
respostas motoras relacionadas com esses estímulos.

A busca por algum tipo de conforto se mostra incessante no momento atual, no


qual todos estão procurando alguma forma de escapar dessa realidade amedrontadora.
Um novo modo de ver o mundo está surgindo com essa pandemia, fazendo-nos dar mais
atenção a estímulos que normalmente não temos tempo para reparar, bem como nos
levando a interpretar estímulos, antes considerados corriqueiros, como estímulos
incômodos.

Repertórios sensoriais e os desafios de


adaptação na pandemia
Vídeo disponível neste hiperlink

Gabriel Servilha Menezes


Mirian Félix de Carvalho
O sistema nervoso depende de vias sensoriais aferentes para transduzir e
transmitir as informações do ambiente que nos cerca. Após recebê-las, o sistema
nervoso central processa e integra essas informações, permitindo que respostas
motoras e comportamentais sejam elaboradas e executadas pelo sistema
musculoesquelético. Os sentidos: audição, olfação, gustação, visão e somestesia — que
inclui, tato, dor, sensação térmica e propriocepção (sensação da posição e orientação
espacial do corpo e da força exercida pelos músculos) — dão direcionalidade e intenção
para o corpo, permitindo-o interagir com o ambiente de forma mais eficiente.

300
No decorrer da evolução, o homem tem modificado seu habitat,
constantemente adaptando-o e adaptando-se a ele. Como consequência dessas
modificações, o repertório sensorial com o qual interage também tem sido alterado,
permitindo ao homem expressar diferentes comportamentos ao longo de sua evolução.

Hoje, em meio à pandemia causada pelo novo coronavírus e a necessidade de


nos auto isolarmos, vivenciamos uma mudança significativa desse repertório sensorial.
Em meio a uma situação que deixou a todos desprevenidos, na qual recomenda-se que
permaneçamos ao máximo confinados aos nossos lares e que tenhamos o mínimo de
contato uns com os outros, cabe ao nosso sistema nervoso adaptar-se a esse novo
cenário.

Graças às tecnologias, como computadores, smartphones e a internet, mesmo


em isolamento somos capazes de nos manter conectados uns aos outros e ao resto do
mundo. No entanto, isso tudo tem um custo, pois a todo momento somos
bombardeados por um volume gigantesco de informações visuais e auditivas. Nesse
cenário singular, é interessante observarmos como os processos sensório-motores
ocorrem.

Ao fazermos uma chamada ou ouvirmos uma ‘live’, tão populares nesse período,
o som é captado pela orelha externa, atingindo a membrana do tímpano, que
transforma os sons em movimentos. Esses movimentos são transmitidos à cóclea onde
ocorre a separação do som em diferentes frequências ao longo de sua extensão. É na
cóclea também que o som é transduzido em potenciais de ação, a linguagem do sistema
nervoso. Assim, a informação auditiva é transferida para o sistema nervoso central,
onde pode ser processada e interpretada.

Ao nos prepararmos para assistir às aulas online, nos guiamos até a cadeira por
meio do estímulo visual e da memória espacial do ambiente de estudo, que auxiliam no
controle motor, para que possamos nos sentar. Além da visão, o cerebelo e os sistemas
vestibular e proprioceptivo são de extrema importância para manutenção do equilíbrio
e postura, até mesmo em uma ação tão simples como sentar-se. Durante a aula,
informações auditivas e visuais são integradas em diferentes regiões corticais.

301
As informações são comparadas em circuitos neuronais existentes e novas
informações podem ser enviadas a estruturas como o hipocampo, para eventualmente
serem armazenadas em novos circuitos que se formarão. Nossa cognição nos permite
questionar as informações recebidas e, no caso de uma dúvida, nos permite escolher
entre perguntar ou não.

É interessante pensarmos que essa mudança de repertório sensorial pode estar


relacionada à oportunidade de convivermos mais com nossas famílias. Um almoço de
domingo, por exemplo, nos traz a sensação de cheiros e sabores que, respectivamente,
através de vias olfativas e gustativas, é transmitida aos córtex sensoriais para, em
seguida, ser transmitida a estruturas como o hipocampo, trazendo à mente memórias
afetivas de períodos da infância ou entes queridos. Por outro lado, o sabor de um
alimento associado a um evento negativo pode provocar respostas aversivas, podendo
até mesmo levar à ativação de vias autonômicas que irão desencadear o vômito.

Ainda no ambiente de reclusão social, muitos têm se reinventado para garantir


a saúde em meio ao pouco espaço para atividades físicas. Para isso, videoaulas de
exercícios ou dança são acessadas, e instruções dadas pelo professor são realizadas com
a ajuda de vias auditivas e visuais, que ativam regiões encefálicas envolvidas com o
controle da postura e do equilíbrio, como o tronco cerebral e cerebelo.

Neurônios espelho ajudam a decifrar a representação interna do outro


(instrutor), nos ajudando a repetir os movimentos. Outro exemplo é a participação do
sistema nervoso no passeio de um indivíduo com seu cachorro. Ao receber informações
visuais, auditivas e táteis, o sistema nervoso integra-as e responde por meio da
coordenação de movimentos através do sistema musculoesquelético que ativa fibras
musculares e permite a caminhada.

Além disso, tem função em auxiliar o controle de equilíbrio e manter o braço


estendido ao segurar a coleira, por meio da comunicação entre estruturas como sistema
vestibular, córtex, cerebelo, tronco encefálico e, por fim, medula espinal. Fibras
cruzadas e circuitos reflexos presentes na própria medula espinal também auxiliam na
coordenação dos movimentos, levando à ativação de músculos opositores e do membro
oposto, auxiliando, assim, na marcha.
302
Desse modo, podemos perceber que mesmo que nosso ambiente esteja
diferente, nosso sistema nervoso, plástico e flexível, nos permite nos adaptarmos, com
algum esforço, a essa nova realidade, cada um de nós à sua própria maneira. Ainda é
incerto quais serão os efeitos a longo prazo desse período que vivemos e como isso vai
nos afetar como sociedade, mas por enquanto, seguiremos sentindo, experimentando
e interagindo com o mundo.

Percepção sensorial em uma situação de


isolamento social
Vídeo disponível neste hiperlink

Andréa Moreira dos Santos


Gabriel Camargo
O meio externo apresenta uma extensa diversidade de sensações e o ser humano
reconhece e inter-relaciona com esse meio por intermédio das modalidades sensoriais
– visão, audição, somestesia, gustação e olfação. As modalidades sensoriais utilizam
órgãos ou receptores que detectam estímulos sensoriais do meio externo e os
conduzem ao cérebro através de potenciais de ação com o propósito de reconhecer e
interpretar todos os fenômenos físicos do meio externo. A maneira como organizamos
e interpretamos as sensações que chegam até nós por meio dos receptores sensoriais é
chamada de percepção.

O controle motor está fortemente conectado com o sistema sensorial. Momento


a momento, chega ao sistema nervoso um grande fluxo de informações sensoriais, que
podem ser rapidamente processadas e promover a geração de comandos motores. O
córtex motor nos ajuda a controlar, executar e planejar o movimento, além de manter
a postura e permitir a contração da musculatura do corpo e da cabeça.

Indivíduos que viviam no “piloto automático”, ou seja, que desempenhavam


ações sem a devida intenção ou que realizavam, dia após dia, uma rotina de
comportamento reproduzindo padrões, e que foram expostos a situações como um
isolamento social, podem vivenciar grandes mudanças na percepção sensorial e no
controle motor. Neste contexto, surge o seguinte questionamento: de que maneira viver

303
durante o isolamento social desligou o nosso modo automático e nos fez perceber um
mundo completamente diferente?

Diante da evidência de que a percepção sensorial e o controle motor podem


sofrer mudanças em um isolamento social, consideramos que é de capital importância
analisar como tais sistemas (sensorial e motor) mudaram nesse contexto de isolamento
social.

O tato é um órgão de grande importância em razão dessa modalidade permitir a


percepção da temperatura, das características dos objetos que tocam a pele e do ar que
nos envolve.

Além disso, o tato é importante na afetividade e isso é fundamental para formar


e fortalecer relacionamentos. Como dizia Aristóteles, o homem é por natureza um
animal social. Entretanto, no contexto de um isolamento social o contato físico pode ser
limitado, ocasionando uma redução da estimulação sensorial tátil.

A visão é um sentido notável. É captada pelos nossos olhos, nos quais são
encontrados os fotorreceptores capazes de responder a estímulos luminosos. Os
estímulos luminosos são convertidos em sinais elétricos e conduzidos até o córtex para
serem processados, organizados e interpretados. Além disso, a visão é responsável por
75% da nossa percepção. No isolamento social, observamos que nossa percepção ficou
mais aguçada e essa modalidade sensorial passou a ser mais valorizada, especialmente
quando nos referimos à natureza.

A audição é a capacidade de detectar e localizar o som, e isso é possível devido


a nossa orelha interna possuir uma série de receptores chamados de
mecanorreceptores, que são capazes de detectar as ondas sonoras. Com o isolamento
social, houve uma redução de veículos transitando nas ruas e isso fez com que nos
concentrássemos nos sons com menor intensidade, como os sons originados pela
natureza, por exemplo: o canto dos pássaros, o clamor das cigarras.

A gustação é mediada pelos botões gustativos que estão presentes nas papilas
gustativas e permite a um indivíduo escolher alimentos específicos conforme os seus

304
desejos e as necessidades metabólicas do organismo. O ato de comer é considerado por
muitos como um dos maiores prazeres da vida, mas a rotina atribulada faz com que não
percebamos o sabor dos alimentos que ingerimos. Em uma situação de isolamento
social, nós conseguimos nos alimentar com mais calma e tempo, e isso proporciona uma
percepção maior dos sabores em nossos botões gustativos.

A olfação está relacionada com a capacidade de perceber odores, o que é


possível devido à estimulação do epitélio olfatório. Entretanto, essa percepção pode ser
prejudicada pela distração. É menos provável, por exemplo, que as pessoas notem um
odor se estiverem ocupadas com uma tarefa. Isso é chamado de anosmia desatenta.
Assim, na correria do dia a dia, muitas das vezes não prestamos atenção nos odores à
nossa volta. Em nossas casas, em uma rotina mais calma, nossa olfação apresenta uma
maior acuidade.

A locomoção é uma oportunidade de conhecer e relacionar-se com o meio


ambiente. Ela necessita da conexão entre a informação proveniente dos receptores
sensoriais e o córtex motor. Os movimentos da locomoção requerem adaptações
constantes às características do meio externo. No isolamento social, há uma diminuição
da atividade do córtex motor devido a uma limitação da locomoção por estarmos
restritos a um espaço reduzido (nossas casas, por exemplo).

Diante desse cenário, todas as nossas percepções de mundo foram atualizadas


para nos adaptarmos ao “novo normal”.

Sistemas Sensoriais & Integração Motora


Vídeo disponível neste hiperlink

Diego de Morais Leite


A pandemia do novo coronavírus trouxe com ela o isolamento social, ou seja, a
privação de relações sociais. Isso fez com que o nosso cotidiano se adequasse para
continuarmos mantendo nossa vida o mais normal possível, mas agora dentro de nossas
casas. Essa mudança repentina e duradoura nos trouxe novas percepções que até então

305
passavam despercebidas. Em particular, o isolamento causou um aumento do estresse,
bem como sintomas relacionados.

O meu dia começa com o som do despertador me alertando que está na hora de
iniciar as atividades do dia. Esse som estimula meu sistema auditivo, que gera uma
rápida resposta motora reflexa, fazendo com que eu me levante e siga até a janela. Ao
abrir a janela, grande parte dos meus sentidos são estimulados, como: minha visão pelos
raios solares, minha audição pelo barulho dos automóveis e meu olfato pelo ar fresco
da manhã.

Ao decorrer do dia, esses sentidos são estimulados e integrados durante


diferentes situações. A exposição a situações já conhecidas e outras novas
desencadeiam respostas específicas e integradas, resultando em um misto de sensações
e respostas emocionais e/ou motoras.

Como mencionado no parágrafo anterior, durante o dia diversos sistemas são


estimulados, entre eles o sistema auditivo. Esse sistema é uma das mais engenhosas
máquinas da natureza, que consiste em minúsculos detectores acústicos
(mecanorreceptores) capazes de captar e transmitir estímulos vibratórios do meio
(sons) e de transformar essa informação mecânica em percepção auditiva.

O processo envolve mecanismos elaborados de detecção, amplificação e


conversão das ondas sonoras em sinais bioelétricos, que serão codificados em seus
diferentes componentes, como intensidade, frequência, timbre, localização etc., com
pelo menos três vias paralelas carregando informações que devem ser integradas.

O complexo sistema visual, também citado, funciona principalmente como um


detector de borda, contraste e movimento. A detecção é feita pela estimulação de
receptores sensoriais, conhecidos como fotorreceptores. Os fotorreceptores se dividem
em dois tipos, bastonetes e cones, e se localizam na retina.

Os bastonetes apresentam limiares baixos, são sensíveis à luz de baixa


intensidade e funcionam bem no escuro, apresentam baixa acuidade e não participam
da visão em cores. Os cones apresentam mais alto limiar, operam melhor à luz do dia,

306
têm alta acuidade visual e participam da visão de cores, porém não são sensíveis à luz
de baixa intensidade.

O sistema olfatório tem habilidade de reconhecer e discriminar um amplo


número de moléculas do ar com grande precisão e sensibilidade. A olfação permite um
monitoramento contínuo de moléculas voláteis dos arredores, incluindo sinais químicos
que identificam territórios, alimentos, predadores, crias e parceiros.

A capacidade de discriminar essas diferentes substâncias depende de uma série


de etapas de processamento, que ocorrem em diferentes estruturas ao longo do sistema
olfatório. As moléculas de odor se ligam a proteínas receptoras olfatórias (membros da
superfamília dos receptores ligados à proteína G), que ativa adenilato ciclase e, após
uma cascata de eventos, geram e propagam potenciais de ação, pelos axônios do nervo
olfatório, em direção ao bulbo olfatório.

A atividade rítmica da marcha, importantíssima para nossa locomoção durante o


dia, é gerada e mantida por diferentes estruturas. A marcha se inicia por redes de
neurônios na medula espinhal, sendo seu padrão rítmico básico de locomoção
produzido pela inibição dos meios-centros flexores e extensores.

Sinais descendentes do tronco cerebral e do córtex motor iniciam a locomoção


e ajustam os movimentos da marcha; logo o sistema locomotor medular é ativado por
sinais da região locomotora mesencefálica. O cerebelo tem função primária de detectar
a diferença entre um movimento pretendido e o movimento de fato apresentado e,
através de suas projeções aos neurônios motores superiores, reduzir o erro.

Em meio à atual situação, um meio encontrado para tentar aliviar o estresse do


cotidiano é jogando vídeogame, como representado no vídeo. O vídeogame exerce uma
influência sobre os usuários que vai além dos aspectos comportamentais, atuando
diretamente no desenvolvimento de diversas funções cognitivas.

Mais especificamente, exercem possíveis relações causais no treino de


habilidades cognitivas, como a atenção seletiva visual, atenção visuo-espacial, atenção
auditiva, processamento perceptivo visual e espacial, rotação mental, sensibilidade ao

307
contraste, flexibilidade cognitiva, memória operacional e diminuição do tempo de
processamento de informações. Os jogadores adquirem precisão no controle de
determinados movimentos, possuem uma coordenação motora desenvolvida, bons
reflexos e tempo de reação.

Equilíbrio e visão sobre rodas e neurônios


Vídeo disponível neste hiperlink

Cláudio Luiz da Silva


Por serem simples e de fácil percepção, os movimentos oculares tiveram seu
papel na compreensão dos mecanismos do sistema motor revelado, bem como sua
aplicação a comportamentos motores mais complexos. Por ser a fóvea, a responsável
pela visão, os movimentos oculares desempenham o papel de dirigi-la para novos
objetos de interesse, estes movimentos denominados “foveação”, funcionam como
uma espécie de compensação para corrigir distúrbios de deslocamento de alvos antes
determinados.

São 5 os tipos de movimentos oculares e eles são divididos em duas categorias


funcionais: os desviadores de direção da mirada e os estabilizadores da mirada.
Envolvidos em um circuito neural, esses movimentos são chamados de sacádicos curtos
e amplos, ou seja, leem uma letra em um livro ou visualizam uma ampla sala. São
voluntários ou atuam de forma reflexa quando os olhos estiverem abertos, além de
serem identificados nos movimentos rápidos que ocorrem nos olhos enquanto
dormimos.

A experiência em imagem de vídeo, foi concebida com o desejo de produzir


imagens da rua, com o foco da câmera centrado nas faixas divisórias de tráfego, sem a
intenção de capturar qualquer imagem lateral. Tudo isso aconteceu dentro de um
ônibus em movimento, com o filmador em pé, segurando um smartphone em uma das
mãos e a outra agarrada na barra de segurança tendo a janela traseira do veículo como
painel de vista externa.

308
O trajeto percorrido pelo ônibus foi o Campus da USP Ribeirão Preto, com ruas
de paralelepípedo, praças rotatórias, dezenas de pontos de paradas, paisagem natural,
edificações e pouquíssimo tráfego. Este trajeto foi escolhido pela ideia predominante de
que haveria poucos obstáculos ao propósito de executar uma filmagem de 1 minuto e
30 segundos, sem ruídos sonoros.

No início da experiência, o foco da filmagem foi mantido nas faixas divisórias da


rua e seguiu-se dessa forma até o momento que foi percebido que a câmera estava
acompanhando o que os olhos viam pela janela do ônibus. Desse ponto em diante
começou uma verdadeira luta para manter o braço e a câmera no foco determinado.
Essa luta é demonstrada no vídeo que acompanha esse texto.

Se os movimentos oculares têm os mesmos controles que os movimentos dos


membros superiores isso foi sentido com esta experiência. Nas cenas narradas com
texto criativo e descritivo revelou-se a batalha entre o trabalho braçal e a fuga curiosa
do olhar pela paisagem. Com o título “Neurobus: Um passeio pelos movimentos da
curiosidade”, e com a revelação de que, naquele cenário em movimento, a curiosidade
diminui quando a velocidade do ônibus aumenta, ou seja, o trabalho braçal e olhar sobre
a paisagem se juntam e formam uma única cena.

Por que um passeio de ônibus com o intuito de filmar paisagens, na posição de


pé, agarrado ao suporte de apoio de passageiros e sem qualquer equipamento especial
é um exercício de neurociência? Esta resposta poderia ser dada apenas com os
resultados encontrados após o “passeio”, mas vale acrescentar a relevância da reflexão
que emergiu ao viver tal experiência que, talvez, os resultados elucidados pelas cenas
deste trabalho não seriam eficazes em descrever.

Investida pelo comportamento da geração digital, que possui hábitos de produzir


“selfies, lives e chats instantâneos”, esta experiência filosófica é percebida no “pós-
facto”. As imagens foram geradas no cenário apontado que condizia com os desafios e
obstáculos para pensar na neurociência no contexto de pandemia. Este cenário é de
novos sons, espaços e pouca gente, mas, de muito tempo, sentimentos aflorados e
ansiedade presente. Estes atributos serviram de qualificadores para a tomada de

309
decisão do fazer, ou seja, passear, capturar imagem, viver o “self”, uma flutuante
produção de dados.

Ao entrar em contato com as imagens capturadas e ficar à par das diretrizes de


elaboração do trabalho, um sentido de admiração e análise preencheu o tempo de
reflexão, transformando aquela experiência empírica, trazendo à tona a consciência do
corpo, na direção da cena, e a produção de subjetividade na busca do olhar.
Subjetividade, corpo e visão de mundo são o somatório que eleva este trabalho à
categoria de neurofilosofia.

Na tentativa braçal de “andar” na linha, isto é, tentar dominar a câmera no


movimento do ônibus, o braço utiliza toda a energia disponível no sistema de equilíbrio
do corpo, sendo surpreendido por uma moleza nos membros inferiores, deixando a
cargo do outro braço o trabalho de manter todo o corpo na posição vertical. Comporta-
se como um trem em movimento, que, enquanto houver linha, mantém seu prumo e
busca seu destino sobre o tracejado, ainda que a carga esteja pesada. Carga, equilíbrio,
imagem e direção disputam, num mesmo cenário, da visão que deve prevalecer no filme
da neuroexperiência que é o “passeio” da vida.

Quando se tem uma cena que, curiosamente, anda fora dessa linha isso significa
que o trem do passado já não mais faz a viagem para o destino que se pensou para o
futuro. Isto se parece muito com as lições que estamos tendo nesta pandemia, todos
atolados nas próprias pernas e repousados sobre a plataforma das mesmas ideias, que
se encontram nas nossas cabeças, tentando evitar o aprendizado que a pandemia
trouxe. Curiosidade é tempo filosófico em tempo duro, é sujeito neurociente.

Multiplicar o olhar é distinto de multifocar a visão de mundo. O primeiro amplia


e compartilha e o segundo cega, segrega e domina sem tolerância para qualquer
curiosidade. Nessa multiplicação, curiosamente, se elabora o somatório entre
subjetividade e objetividade, se faz filosofia com ciência, une-se o corpo que pensa ao
objeto que é repensado. É o convite que deixou de fazer parte dos diplomas, o mais caro
deles, o convite à filosofia, que inclui a curiosidade e altera a visão de mundo. É a
reinvenção do ser, pensar e fazer metodologicamente em tempo de pandemia e pós-
covid.
310
E por fim, ou melhor, a este começo de entendimento sobre neurofilosofia em
tempos de reinvenção, nos encontramos no ponto de largada onde todos correm
disparados sem saber para qual nada lhes esperam. Ao acelerar nossas vidas alcançamos
tudo o que cronologicamente planejamos e não acessamos nada do que, realmente,
queremos.

É o preço de viver descartando a curiosidade, de entender que ela é um freio


para os nossos propósitos, que o outro nunca é o outro, que não é nenhuma novidade
e fazendo isto não percebemos que se torna mais do mesmo que sempre foi. Quem foi,
já não é e não será. E se a pandemia não deixar de ser vivida na velocidade em que
vivemos em outros tempos, nos faltará vida por ter faltado a curiosidade. Porque quanto
maior a velocidade menor será a curiosidade.

A estimulação sensorial e a integração do


comportamento
Vídeo disponível neste hiperlink

Pedro Henrique de Souza Palmeira


Edson dos Santos Silva
O isolamento social como forma de diminuir horizontalmente a taxa de infecção
da pandemia COVID-19, possibilitou o retorno dos estudantes que outrora residiam
afastados de suas famílias. Contudo, nem todos optaram em fazer esse retorno. Com a
escolha de morar só, o indivíduo deve entender que ele está automaticamente
aceitando arcar com as responsabilidades de uma vida adulta independente, sendo essa
associada com diversas atividades domésticas como a preparação da própria
alimentação.

À medida que a mudança de cotidiano (estar em casa) potencializou a


necessidade de haver uma preparação de alimentos que antes não era necessária, pois
a alimentação era provida pela Universidade, o planejamento do dia a dia em ter
alimentos mais agradáveis se tornou essencial. Para isso, a evolução gradual do processo

311
de adaptação e tentativa de melhorar o sabor das refeições foi de fundamental
importância. Esse contexto ressalta o importante papel da estimulação gustativa e
olfativa na elaboração de um comportamento integrado, como por exemplo nos
métodos de preparo de alimentos.

O sabor dos alimentos é percebido através da interação entre moléculas e a


cavidade oral, que por sua vez é composta por alguns órgãos, dentre eles a língua, que
compreende uma das estruturas responsáveis por captar o sabor e transformá-lo em
um impulso nervoso, que se propaga através de neurônios. Essas estruturas são
denominadas de células que expressam receptores gustativos.

Essas células se comunicam através de fibras nervosas gustativas ou nervo


lingual. Assim, fazem com que o impulso/sinal seja propagado, até ser recebido no
Núcleo do Trato Solitário (NTS). O principal neurotransmissor envolvido nesse processo
de comunicação é o Trifosfato de Adenosina (ATP). Algumas projeções que saem do NTS
chegam numa região denominada Núcleo Gustatório.

Além do sabor, o cheiro dos alimentos é sentido próximo à cavidade oral, o que
facilita uma convergência da percepção entre os sentidos da gustação e olfação. Dentre
as estruturas desse sentido, tem-se a membrana olfativa, constituída principalmente
por um conjunto de células que captam os sinais sensoriais no olfato e transmitem por
meio de impulsos. Essas células receptoras para a sensação do olfato são abundantes
no epitélio olfatório, e se comunicam com o Sistema Nervoso Central através da
interação via nervo cranial I, que se comunica por sinapses com o bulbo olfatório, que
por sua vez se comunica com o córtex olfatório.

As áreas do córtex olfatório se comunicam com algumas outras áreas, dentre


elas o núcleo cortical da amígdala e o córtex entorrinal. Também possui projeções para
o hipotálamo e o hipocampo podendo estar envolvido no processo de atribuição de
“sentimento de afeto” a um estímulo olfativo. Desse modo, e em concordância com as
situações vivenciadas por nós dois, a atribuição de sentimento e geração de uma
memória olfativa por essa via de comunicação neuronal é ativada neste momento de
isolamento social.

312
O desempenho de todas essas atividades, requer que um mecanismo motor
associado ao Sistema Nervoso Central impulsione a realização destas tarefas. Os
movimentos voluntários (planejamento) desempenhados pelo nosso corpo para a
execução de diversas ações do nosso cotidiano são produto da interação entre córtex
cerebral, o cerebelo e os núcleos da base.

Os estímulos resultantes são transmitidos a neurônios do córtex motor, tronco


encefálico e medula espinal, chegando ao músculo que realizará o movimento. Além
disso, informações sensoriais periféricas são enviadas ao cerebelo, por exemplo, que
compara o movimento que está sendo realizado e aquele que foi programado enviando
informações para ajuste dos gestos realizados.

Uma vez que o planejamento do ato é executado e passamos a caminhar para o


local de interesse (pegar um ingrediente, por exemplo), mecanismos reflexos de
contração muscular e relaxamento desencadeados na medula espinal estão em ação. A
medula espinal age como gerador de padrão havendo, no entanto, necessidade de
integração com centros superiores.

Embora alguns estudantes tenham permanecido nas cidades nas quais estudam,
outros optaram, por diferentes razões, pelo retorno à terra natal resultando em um
maior convívio diário familiar. Possivelmente, um complexo sonoro mais intenso, o qual
envolveu sons naturais ou artificiais, se intensificou com o convívio. Maravilhosamente,
o nosso cérebro possui um sistema que nos permite diferenciar cada um dos diferentes
sons.

No entanto, já paramos para pensar como isso acontece? Tal mecanismo tem
seu início com a captação das ondas mecânicas pelo ouvido médio que percorrem o
canal auditivo e, ao atingir a membrana timpânica provocam diferentes vibrações a
diferentes frequências. Como resultado, vibrações de um sistema de “alavancas”
formadas por ossículos do ouvido médio resultam em vibrações da janela oval que
desencadeará a formação de ondas na perilinfa (líquido que preenche a cóclea),
responsável por gerar oscilações na membrana basilar bem como na membrana
tectorial.

313
Com isso, células ciliadas serão responsáveis pela conversão da energia mecânica
em sinais elétricos que serão conduzidas pelo nervo vestibulococlear (direito ou
esquerdo) ao córtex auditivo. Sons de frequências mais altas percorrerão distâncias
menores enquanto os de frequências mais baixas percorrerão distâncias maiores ao
longo da membrana sendo processadas em diferentes áreas do córtex auditivo primário,
em um processo denominado tonotopia (discriminação de sons por frequência; de fato
este fenômeno acontece ao longo de toda a via auditiva!).

Além disso, com o aumento da intensidade sonora, a amplitude de vibração da


membrana basilar aumenta, provocando uma maior frequência de disparo de potenciais
de ação pelos neurônios excitados pelas células ciliadas. Tais processos consistem em
alguns dos mecanismos responsáveis pela distinção de sons dos nossos pais, amigos,
animais e automóveis, por exemplo.

O conjunto polissensorial em nossa rotina


Vídeo disponível neste hiperlink

Bianca da Silva Ribeiro


Thainá Daguane Esperança
A associação do meio ambiente com o corpo humano ocorre graças aos sentidos,
que nos permitem captar informações advindas dos nossos sistemas sensoriais, sendo
responsáveis pela percepção do mundo que nos circunda e de determinados enfoques
do meio orgânico interno.

A audição é um sistema com capacidade de coletar, analisar e reagir à linguagem


de modo complexo. Os sons são variações audíveis na pressão do ar, sendo que suas
frequências consistem no número de trechos de ar comprimido (rarefeito) que passam
nos ouvidos por segundo. Praticamente tudo o que é capaz de mover moléculas de ar
pode gerar som, como sons naturais presentes no dia a dia: chuvas, trovões, ventos,
pássaros cantando pela manhã ou fim da tarde, nossa própria voz; ou sons
artificiais/culturais (produzidos pelo homem): vibração da corda de uma guitarra,
explosão de fogos de artifício, motor de automóveis, entre tantos outros.

314
Sabendo que há variações com ondas de alta ou baixa frequência, estamos
expostos diariamente a diversas frequências sonoras, sendo que valores entre 20 e
20.000 Hz são os consideráveis saudáveis e acima disso poderá ser prejudicial ao nosso
sistema auditivo. Além disso, no próprio decorrer da vida nossa faixa audível diminui.

Já a visão, de caráter notável, permite-nos ver coisas tão minúsculas (uma


formiga no nariz) e tão imensas (céu estrelado) a partir da luz como energia
eletromagnética no formato de ondas. A luz é refletida na retina, posteriormente os
fotorreceptores convertem a energia luminosa em atividade elétrica neural, permitindo
a identificação do objeto à frente (identificando formato, cor, tamanho, luminosidade).
Situações de exposição demasiada frente à televisão, computador, celular e afins,
podem causar desconforto e até mesmo danos ao sistema visual.

A gustação é dada pelas papilas gustativas, permitindo reconhecimento e


diferenciação de gostos (salgado, doce, amargo, azedo e umami) transmitidos ao
Sistema Nervoso Central (SNC) durante a ingestão alimentar, que juntamente à olfação
(substâncias que, ao passarem pela mucosa olfatória, dissolvem e a informação segue
para o SNC pelo nervo olfatório para ser codificada) ajudam-nos a identificar alimentos.

Todos os nossos sentidos, frente à situação atual da sociedade (demanda pelo


isolamento domiciliar), levam-nos a procurar rotinas não inclusas antes nos nossos
costumes diários e, por muitas vezes, deixamo-nos levar pelo uso demasiado desse
conjunto polissensorial da forma incorreta, afetando nosso comportamento social e
emocional (sistema límbico – diminuição da autoestima frente ao ganho de peso é um
exemplo).

Nosso corpo trabalha intermitentemente no chamado piloto automático, graças


ao Sistema Nervoso Autônomo (SNA), o qual controla as funções vitais como respiração,
frequência cardíaca, termorregulação e digestão. Por outro lado, o nosso Sistema
Nervoso Somático (SNV) é capaz de controlar ações voluntárias, como caminhar,
equilibrar-se, movimentar-se, associado às modulações por meio do córtex e junto a
demais estruturas cerebrais, incluindo tronco cerebral (funções vitais), cerebelo
(equilíbrio), núcleos da base (sistema motor) e medula espinal.

315
Um exemplo simples dessa associação de estruturas e centros de planejamento
e regulação está no controle postural e equilíbrio do movimento durante a marcha,
devendo haver uma integração motora para que tal processo ocorra. Uma pessoa
andando pela sua casa requer um determinado planejamento/interação, ao mesmo
tempo que a mesma pessoa, ao resolver tocar um instrumento enquanto caminha,
requer também determinado planejamento/interação, mais complexo, saindo dessa vez
do modo automático.

Quando relacionado à idade, há variações no padrão da marcha ao compará-la


entre uma criança aprendendo a andar (associação com o desenvolvimento
neuropsicomotor) com um jovem/adulto ou então com um idoso (o qual naturalmente
possui padrão de movimento mais lento). No âmbito domiciliar, diferentes relevos ou
situações (piso molhado ou degraus) também nos fazem modificar nosso planejamento,
programação e regulação do movimento motor, envolvendo as variadas estruturas
citadas acima com suas devidas complexidades conforme a situação/ação a ser
vivenciada/desejada.

Ressaltando a importância da locomoção e do exercício, e buscando a integração


sensório-motora, atividades integrativas e físicas são de extrema valia no período atual,
a fim de quebrar a rotina e tornar momentos tediosos e desmotivadores corriqueiros.
Tais atividades trazem grandes benefícios ao corpo e à mente, por isso essas práticas
vêm sendo cada vez mais requisitadas e estimuladas tanto pelas mídias, como jornais,
revistas e redes sociais, as quais vêm sendo fortes aliados na busca pelo equilíbrio e
saúde do organismo humano como um todo e em comunidade.

Precisamos de motivação para sermos serenos, firmes, criativos e atentos,


conosco e com a sociedade, visando uma harmonia e solidariedade de caráter físico e
emocional da melhor forma possível, objetivando melhora na qualidade de vida da
população.

316
Os sentidos e o sentir-se seguro em meio ao
isolamento social
Claudio Quintino
Rodrigo Martins
Tendo em vista o cenário atual de isolamento social devido à pandemia de
COVID-19 a rotina de vários brasileiros privilegiados foi de certa forma modificada. Em
alguns casos essa modificação trouxe novas perspectivas no sentido de convivência com
as famílias e nos padrões do dia a dia. Há, por outro lado, aqueles que por motivos
maiores não puderam e não podem se isolar. Mesmo nestes casos houve diferenças
significativas nas rotinas destes brasileiros. Assim sendo, a forma como percebemos o
mundo, isolados ou não, mudou.

Nós reconhecemos e interagimos com o mundo graças aos nossos sentidos, que
trabalhando de forma integrada e fisiologicamente complexa traduzem os estímulos
externos em sinais reconhecidos pelo nosso sistema nervoso. Assim acontece com todos
os sentidos, desde visão e audição até a nossa capacidade de nos orientarmos no
espaço.

A interpretação de estímulos sensoriais está integrada ao sistema límbico,


responsável pela emoção e memoria entre outras funções. Ou seja, cada estímulo
sensorial pode gerar emoções e novas memorias. De forma inversa, memorias podem
ser trazidas à tona quando recebemos estímulos semelhantes àqueles que a geraram.

No contexto da pandemia do novo coronavírus a forma como nosso sistema


traduz, interpreta e integra estas informações externas pode estar modificada. Por
exemplo, durante o isolamento passamos em casa períodos do dia nos quais antes
estaríamos em expediente de trabalho. Este novo período despendido em casa pode
gerar novos estímulos que antes não eram comuns, como o barulho da obra ao lado, ou
o cheiro do café fresco passado pela vizinha de porta do seu prédio.

Como exemplo de mudança na percepção do mundo ao redor causado pelo


isolamento social, podemos relatar os casos em que famílias se mudaram de ambientes

317
urbanos como grandes cidades para o interior, na esperança de uma maior sensação de
segurança. Nestes casos estímulos auditivos, visuais, olfativos e gustatórios podem ser
completamente modificados. Levando em consideração o som ambiente, antes em uma
grande cidade o mais provável seria que nossos ouvidos estivessem tomados por sons
de carros, buzinas, ruídos de construção, já em um ambiente menos urbanizado são
mais comuns estímulos sonoros como sons de pássaros ou no máximo um carro
passando anunciando em autofalantes verduras e legumes frescos.

Nesse contexto a audição é um sistema muitíssimo importante principalmente


em termos de comunicação, e a manifestação da diversidade de sons pode ser
interpretada de diferentes formas. Alguns exemplos de sons a seguir como a água
escorrendo pelo riacho, os pássaros cantando, cachorro latindo, a mãe assoviando ao
preparar o almoço ou ouvindo Sweet Child O’ Mine no último volume, evidentemente
são sons diferentes que podem ou não estar presentes no nosso cotidiano, mas como
estamos percebendo essa diversidade de estímulos sonoros?

As ondas sonoras são estímulos que alteram as estruturas mecânicas do ouvido


interno especificamente a membrana basilar especializada na descriminação do som,
que são transformados em sinais nervosos. Na medida em que esse estímulo aumenta
em amplitude, o potencial das células ciliadas, especializadas em reconhecimento
destes sinais aumenta progressivamente, alternando sua resposta a depender do
estímulo, como um filtro de sensibilidade mecânica que detecta os sinais mais
relevantes no ponto de vista do comportamento.

Partindo desse entendimento, nesse momento de pandemia fica ainda mais


evidente a diversidade de sons como os supracitados, sobretudo, as variações entre
locais e culturas nos fazem percebê-los, fazendo associações com momentos, emoções,
lugares e pessoas. A percepção dos sons no ser humano, que varia de 20 Hz a 20.000 Hz,
a depender da idade e condição de saúde auditiva, segue um limiar de audibilidade que
nos idosos, por exemplo, é comum identificarmos a baixa sensibilidade auditiva. Na falta
de um sintetizador, a perda auditiva pode ser predita pela da percepção da fala, que
segue uma frequência de aproximadamente 2000 Hz.

318
Partindo do contexto de percepção dos tons e a condição social atual, uma vez
que essa discriminação é necessária para a comunicação e identificação racional da fala
e consequentemente tem interferência na aprendizagem, nos atentar aos estímulos
sonoros é uma necessidade de vida. Além de nos proporcionar emoções significativas o
reconhecimento dos sons e a percepção dos tons nos faz reconhecer onde estamos e o
que faremos, é um estímulo ao nosso comportamento, seja voluntário ou involuntário.

Ainda levando em consideração o exemplo de isolamento citado, não é comum


ver grandes áreas verdes em ambientes como centro de grandes cidades, os estímulos
visuais são mais cinza e tons pasteis neste cenário, mas em um ambiente de interior é
mais comum o verde do que o cinza. Há mudança nos hábitos alimentares, o que antes
era uma refeição rápida na praça de alimentação de algum shopping agora é mais
balanceada, com novos temperos e companhias.

O que nos faz pensar em outro ponto de mudança: nosso convívio social.

Claramente prejudicado devido ao isolamento, não podemos mais sair para um


bar, confraternizar com amigos às sextas-feiras após uma semana de exaustivo trabalho.

Agora nosso convívio social está restrito aos familiares e em alguns casos o
completo isolamento, como os casos de quem vive sozinho. Sem dúvida, uma grande
mudança que gera novas perspectivas e novos estímulos.

Podemos levar em consideração ainda o fato de que o isolamento nos fez


diminuir de forma significativa nossa mobilidade diária. De fato, há quem consiga
manter uma rotina de exercícios durante este período, mas há aqueles que não o fazem,
sendo um ponto importante de mudança de hábito que acarreta mudança
comportamental devido ao isolamento. Além disso, com a necessidade de isolamento,
o modo como reagimos aos estímulos que recebemos também pode estar alterado e de
certa forma nossas respostas motoras a eles. Em alguns casos, o isolamento pode
acarretar estresse e agitação nos deixando de sobressalto quanto recebemos algum
estímulo sonoro repentino, por exemplo. Em outros casos o oposto pode acontecer
acarretando lentidão e respostas menos exacerbadas.

319
Com base no que foi exposto é viável acreditar que nos receptores como papilas
gustativas, células especializadas do sistema auditivo, estão neste momento de
pandemia trabalhando no processamento de novos estímulos, traduzindo-os de forma
diferente e gerando novas experiências, novas memorias e novas emoções, tudo
integrado num grande sistema. Portanto, tendo em vista a pluralidade de situações e
formas de isolamento, e interpretação do mundo para alguns, ao receber certo estímulo
visual, auditivo, lembrarão deste período com angústia, raiva ou medo. Outros ao
receberem estímulos semelhantes, os relacionarão apenas com nostalgia.

O que aprender com o distanciamento social


durante a pandemia da COVID-19?
Vídeo disponível neste hiperlink

Fernando Vieira
Isabella Dias
O momento que estamos passando é singular em nossa geração. Contudo, não
é a primeira pandemia assistida pelo homem desde a invenção da roda, mas talvez seja
a primeira onde há esforços múltiplos para o enfrentamento da mesma.

Bem sabemos que a humanidade já vivenciou diversas outras epidemias,


“pragas” como eram ditas antigamente. Desde as causadas pela peste bubônica até as
epidemias de varíola, conhecida popularmente como “bexiga preta”. Provavelmente a
mais conhecida e que tenha deixado maior número de mortos tenha sido a epidemia
causada pela gripe espanhola do início do século passado.

O atual momento pandêmico exige um distanciamento social, algo muito difícil


para alguns e nem tão complicado assim para outros que são mais introvertidos. Porém,
este distanciamento também causa aproximações. Pais que pouco viam seus filhos
agora permanecem mais tempo em casa com os mesmos, dividindo assim atenção e a
educação que seria quase que exclusivamente da escola. Diante de todas essas
modificações cotidianas, nos damos conta de coisas que muitas vezes estavam
esquecidas ou até mesmo eram desconhecidas por muitos de nós.

320
Sons que passavam despercebidos como de aves cantando no fundo do quintal,
começaram a ser descobertos, estes sons nos instigam a procurar que aves estão
cantando, e acabamos por descobrir que apesar de estarmos todos dias neste ambiente,
nossos sentidos são ludibriados pela correria do dia a dia. Muitas vezes até percebemos
estes estímulos, mas, parar para ouvir estes sons, sentir o cheiro da horta ou de pão
novinho saindo do forno, visualizar uma ave que você nem sabia que existia, ou observar
uma árvore florescer e encher o ambiente de cor, são processos totalmente diferentes.
É, assim, como se começássemos a perceber o mundo ao nosso redor novamente.

Estes sons que antes poderiam ser irrelevantes pela própria natureza de
estímulos sonoros que nos cercam, como sons de automóveis, motocicletas, caminhões,
buzinas, alarmes e muitas pessoas falando ao mesmo tempo... eram imperceptíveis. Isso
ocorre porque o nosso cérebro entende que devemos nos concentrar em sons de alta
intensidade e volume para nossa autopreservação.

Estes ditos “novos sons” que passamos a perceber, chegam até nossos ouvidos
sem a concorrência de outros estímulos competitivos. Estas ondas sonoras são
detectadas pelos tímpanos como um estímulo mecânico que é transferido pelos
ossículos internos da orelha até a cóclea que decodifica esses estímulos em sinais
elétricos que ascendem até o nosso cérebro que, por sua vez, reconhece este estímulo,
nos dizendo se é algo agradável ou algo nocivo.

De maneira muito semelhante, passamos a perceber os odores que nos cercam


com maior discriminação sensitiva. O cheiro das ervas no quintal, que antes estava com
terra nua e passa a ser cultivado, nos traz algo que muitas vezes não imaginamos ter em
casa, assim como cheiro de pão assado, saindo do forno. Muitas vezes estes odores nos
remetem à infância, durante um período de férias no campo, ou mesmo da afeição de
uma avó ao preparar um bolo e servi-lo com chá infundido em ervas frescas.

Estes aromas são moléculas voláteis de odor que são capturadas pelo muco
produzido pela mucosa nasal e difundidas nela. Estas moléculas se ligam a receptores
de células especializadas que enviam sinais elétricos até o cérebro, e este por sua vez
faz várias associações com áreas diferentes que identificam estes odores dizendo se são
agradáveis ou não. Ao mesmo tempo, também fazem conexão com áreas límbicas e de
321
memórias, fazendo assim, com que estes odores sejam lembrados de formas prazerosas
ou repulsivas.

No caso do paladar, temos diversas estruturas na boca principalmente na língua,


que são conhecidas como botões gustativos. Estas estruturas são especializadas em
identificar os sabores, dentre estes os mais conhecidos são o ácido, salgado, doce,
amargo e umami. Porém, o sabor em si dos alimentos é uma combinação de odores
percebidos pelo sistema olfativo assim como paladar percebido na boca, bem como a
textura do que está sendo mastigado.

As células especializadas dos botões gustativos captam as moléculas de sabor


que são difundidas pela saliva facilitando assim a captação das mesmas. Estas moléculas
se ligam a receptores celulares que fazem conexão com neurônios que enviam sinais
elétricos até o cérebro onde são decodificados e fazem associações com várias áreas
cerebrais dizendo se este alimento é conhecido e se está bom para ser consumido.

Entretanto, para que possamos experimentar de todos estes sentidos


dependemos ainda de um outro sistema, o sistema motor. Ele é o responsável pelo
nosso tônus postural, pela nossa mastigação e deglutição e até mesmo pela nossa
respiração, todos estes feitos de forma inconsciente na maioria das vezes. De maneira
semelhante, durante um evento aversivo como colocar a mão sobre uma superfície
quente, ou até mesmo pontiaguda temos reflexos inconscientes de retirada, reflexo este
na medula.

Neurônios aferentes percebem o estímulo nocivo e enviam a informações até a


medula. Assim, motoneurônios secundários localizados na medula enviam informações
eferentes aos músculos agonistas e antagonistas, estimulando os primeiros enquanto
inibem os segundos. Isso faz com que haja uma retirada do membro afetado, mesmo de
forma inconsciente, antes mesmo da informação discriminativa ascenda até o córtex
sensório-motor e ele “nos diga” onde foi.

Para desempenharmos as atividades de vidas diárias dependemos de todos estes


sistemas, na maioria das vezes nem os percebemos de tão automático que é o nosso
cotidiano. Talvez este seja o momento de desacelerarmos, olharmos ao nosso redor e

322
percebermos que existem muitas coisas além da correria do dia a dia como a família,
amigos, comunhão com a natureza, reflexões de humanismo.

Com o distanciamento e/ou isolamento social, o tempo que passamos em casa


pode ser voltado para nós mesmos e nossas famílias, para valorizarmos os pequenos
momentos com as pessoas que amamos e cuidando de nós mesmos, da nossa saúde
física e mental.

Que este momento que a humanidade está passando nos faça mais humanos.

Saudade sensorial: o despertar


Vídeo disponível neste hiperlink

Marina Malerba de Souza


Patrik Saul Zarpellon Barbosa

Completamos 90 dias de isolamento. Nos primeiros dias não nos importávamos,


afinal, sempre gostamos de ficar em casa. E como os estudos estavam acumulados, a
dedicação foi integralmente para eles. Diante da situação atual, tivemos que nos
encaixar no modelo de ensino à distância, com seus pontos positivos e negativos. Não
precisamos acordar horas antes para preparar o café da manhã, por exemplo; ou para
nos deslocarmos até a Universidade. Agora, esse tempo é utilizado com qualidade de
sono, com estudos, e tomando aquele café: com mais calma e conversando com os
familiares.

Contudo, há a ausência do ambiente da faculdade e do laboratório. Sentimos a


falta dos professores, da companhia dos amigos e colegas. Nunca imaginamos que o
som dos animais no biotério nos faria falta (aliás, o cheiro do local nem é tão ruim assim,
e por pior que seja, o odor nos remete a boas lembranças). Também sentimos falta da
sensação de estar ouvindo música em uma festa, perto dos amigos, consumindo uma
cerveja de qualidade, com o gosto levemente amargo e com um resquício de açúcares
do malte. Podemos tentar enganar nossos sentidos, porém, nosso sistema nervoso é
bem treinado, e exige a normalidade!

323
Porém, o que mudou no gosto da cerveja? O que mudou no cheiro que agora
sentimos ou apenas lembramos? O que mudou na música que ouvimos durante as
YouTube lives dos artistas famosos? Todos esses sentidos dependem de células
receptoras, que traduzem substâncias e ondas sonoras em padrões de potenciais de
ação em vias neuronais específicas. E esses potenciais de ação são induzidos em uma
série de neurônios até chegarem nas respectivas regiões corticais, preludiando a
integração com as diversas sensações e a subsequente interpretação da realidade.

O sabor amargo de uma cerveja, conferido pelo mirceno do lúpulo usado na


produção, é detectado por receptores T2R nas células gustativas, com a ativação da
proteína Gq. Haverá, então, o aumento do Ca2+ intracelular. Na sequência, ocorre a
liberação de ATP, que se ligará aos receptores P2X2/P2X3 nos neurônios primários.
Depois, vias neuronais específicas - que seguem até o córtex gustativo primário (no
córtex insular) - são ativadas.

Porém, depois que os potenciais de ação chegam ao córtex gustativo primário,


esses sinais elétricos são integrados com outros sentidos, como a visão, a olfação e a
somestesia (o contato entre pessoas e o vento se chocando contra nosso corpo, por
exemplo). Essa integração é feita no córtex gustativo secundário (córtex orbitofrontal),
conferindo um gosto mais significativo, para a cerveja além do amargor. Conferindo,
também, sentimentos e lembranças. Isso se repete com todos os nossos sentidos.

E o cheiro? Esse passa por um processo de ressignificação severo nesses tempos


de isolamento. Lembra? O cheiro de ureia do biotério era tão sufocante e insuportável,
mas agora temos saudades de senti-lo. Parece que agora faz um pouco mais de sentido
isso, pois a informação olfativa, assim como a gustativa, é integrada com outras
informações, incluindo esse cheiro ruim em uma grande realidade, que é o nosso sonho
de trabalhar com a pesquisa científica. A ureia volatilizada entra em contato com
receptores de membrana acoplados à proteína Gs nas células receptoras olfativas. Isso
leva à formação de AMP cíclico, que leva à despolarização dessas células por abertura
de canais catiônicos, e influxo de Ca2+ e Na+. Mais uma vez, há a liberação de substâncias
que despolarizam os neurônios do bulbo olfatório.

324
Esses, emitem eferências para o núcleo mediodorsal talâmico e, neste, há outros
neurônios com projeções eferentes sobre o córtex orbitofrontal e olfatório, e demais
regiões do lobo temporal, ocorrendo a integração das informações, a qual nos dá o
significado emotivo com o cheiro insuportável da ureia.

E o som que nos rodeia no dia a dia, na faculdade, na rua, e mais memorável
ainda, o som das festas ao lado dos nossos amigos?! Esse repercute em saudade
também, combinado com os cheiros e sabores desses momentos, que hoje estão apenas
na memória. Com esse sentido não é diferente, mas dessa vez o sinal (sonoro) age
mecanicamente sobre a membrana timpânica, que transfere a frequência de
compressões do ar para a perilinfa, e essas compressões levam à vibração da membrana
basilar, que fica mais espessa no sentido da base para o ápice da cóclea. Isso nos ajuda
a distinguir as frequências.

As células ciliadas, então, comunicam-se com os dendritos dos neurônios que


formarão o VII par de nervo craniano e potenciais de ação serão gerados mais uma vez.
Eles viajarão para o tronco encefálico: bulbo, ponte, mesencéfalo, e depois seguem
caminho para o tálamo, com integração subcortical e, finalmente, a informação segue
para o córtex auditivo primário, no giro lateral superior. No córtex - em suas diversas
camadas - a informação auditiva é integrada com várias outras, entre elas a visual. É
nesse momento que percebemos aquela realidade da festa com os amigos, e que agora
faz tanta falta. Não tem jeito de reproduzir essa realidade no confinamento de casa?
Talvez.

Podemos comprar cervejas e petiscos, ou fazer comidas típicas, mas a sensação


de estar envolto por música e por todos nossos amigos não têm como ser reproduzida.
Talvez uma forma de sentir a imersão da música em uma festa seja por meio das músicas
em formato 3D. É um novo tipo de formatação, que faz uso de nosso mecanismo de
localização do som, pois modifica alternativamente a intensidade sonora nos dois lados
dos fones de ouvido, mas é necessário - é claro - que esses fones sejam estéreos, ou
seja, independentes entre si na alteração de intensidade sonora. Como isso é possível?
Isso acontece na integração dos sinais sonoros, de ambos os ouvidos, nos núcleos do
tronco encefálico.

325
A diferença de intensidades, de tempos de cada estímulo e da fase em que as
ondas sonoras se encontram são comparados por neurônios desses núcleos
bilateralmente. Como a música 3D consegue alternar a faixa de intensidade sonora entre
os dois fones, há a impressão de que a música está navegando em volta da nossa cabeça.
Cria uma sensação muito boa! Faz sentir a realidade que presenciamos em festas!

No entanto, não há a integração visual e do tato vindas da presença dos amigos.


No fundo, o nosso córtex sabe o que está acontecendo! A saudade ainda perdura!

O dia a dia de um cérebro enclausurado


Vídeo disponível neste hiperlink

Leonardo Calaça Arruda Vanderlei


O sistema nervoso (SN), central e periférico, é sem dúvida um dos componentes
mais importantes do nosso corpo, é ele quem coordena e comanda funções vitais como
respirar, digerir, bombear sangue, liberar hormônios, excretar substâncias, comandar
movimentos, e por aí vai. O sistema nervoso central (SNC) é composto pelo encéfalo
(prosencéfalo, diencéfalo, mesencéfalo, ponte e bulbo), cerebelo e medula espinhal.

Todas estas estruturas estão envoltas por ossos (crânio ou vértebras). Já o


sistema nervoso periférico (SNP) é composto por todos os prolongamentos (nervos e
gânglios) que estão fora da medula espinhal, os quais não estão envoltos por ossos.

Sendo este sistema um componente tão importante do nosso corpo, sua


proteção é feita a todo custo para que não ocorram lesões. Apesar de estar confinado
em um espaço fechado, para sua própria proteção, o SN, assim como nós nesta
pandemia, não deixa de se comunicar e responder a estímulos do mundo exterior.

Neste sentido, o cérebro, usado neste texto como sinônimo para representar o
SN como um todo, se encontra duplamente fechado, tanto dentro de seu espaço, o
crânio, como isolado do mundo exterior, a sociedade, na qual o indivíduo, portador
deste cérebro, se encontra. O isolamento social para nós tem uma finalidade
semelhante à dos ossos que envolvem o SNC, proteção.

326
As modalidades sensoriais (visão, audição, tato, olfato e paladar) nos conectam
ao meio externo, logo, o cérebro se constitui num grande centro integrador que
processa e recebe estas informações através de circuitos específicos para cada
modalidade. Pode parecer estranho, mas o funcionamento do cérebro é bastante
simples, o que o torna complexo é a sua capacidade de se conectar com diversas áreas
ao mesmo tempo de uma forma extremamente ágil (tempos menores que um segundo).

A linguagem usada pelo cérebro é única, potenciais de ação (PA). Sendo assim,
todas as modalidades sensoriais devem ser convertidas em PA’s para que o cérebro
entenda a informação, logo, cada PA possui padrões, vias e áreas cerebrais muito
específicas para cada modalidade sensorial.

Apesar de as modalidades sensoriais possuírem características tão específicas, o


cérebro é capaz de combinar essas informações individuais entre si, e, além disso, incluir
emoções e memórias (sistema límbico) a elas. É essa mistura de informações que
formam a nossa percepção do mundo que está ao nosso redor, logo, são elas que nos
levam a tomar decisões frente às diversas situações que nos ocorrem diariamente.

A pandemia tem nos envolvido num mar de angústia, tédio, medo e estresse. As
notícias desagradáveis diárias, vistas ou ouvidas na TV e jornais, nos fazem pensar que
o ponto final disso tudo ainda está longe, de certo, estando o cérebro e o indivíduo
confinados em um espaço limitado, nada podem fazer além de receber informações e
refletir sobre elas, logo, a incapacidade de ação torna a situação ainda mais difícil. A
pandemia não só trouxe novos problemas como também acentuou tantos outros que já
existiam, como, por exemplo, a desigualdade social, fome, desemprego, crises políticas,
a decadência do sistema público de saúde, etc.

Tendo como exemplo a situação vista na primeira cena do vídeo, onde um filho
sente um cheiro bom, mas quando descobre o que era, não o acha mais tão bom assim,
fica evidente que nossos receptores olfatórios às vezes erram quanto ao cheiro que
sentimos. Não os culpo por seus erros, pois como podem apenas 350 genes codificarem
proteínas de receptores específicos para os milhares de odores existentes?

327
É incabível não gostar de fígado de vaca quando paramos para pensar em
situações extremas causadas pela pandemia, mas que já estavam escancaradamente
presentes antes dela, a fome. Acha que uma pessoa com fome ligaria se o cheiro não
fosse de carne de panela e sim de fígado de vaca? Acha que ela se importaria se o
alimento que é encontrado no lixo não possui um odor bom? Nestas situações, a
plasticidade do cérebro, junto à fome e ao medo, torna qualquer coisa saborosa.

Outra situação interessante demonstrada na segunda cena do vídeo é a atuação


conjunta da audição e visão quando a atenção da mãe é solicitada pelo filho. O Som é
composto por ondas mecânicas complexas, as quais são traduzidas em PA’s na cóclea.
O que permite a interpretação de ondas sonoras com diferentes amplitudes,
frequências e fases é a organização tonotópica da cóclea. Tonotopia é a representação
sistemática da frequência do som ao longo do comprimento da cóclea.

Em seguida, os PA’s seguem através do nervo auditivo (VIII) para o bulbo. É no


bulbo que as informações dos dois ouvidos são comparadas para que a localização
horizontal do som seja definida. Por conseguinte, a informação ascende o tronco
encefálico, ponte e mesencéfalo, onde a diferença de tempo e intensidade também são
interpretadas. Todo esse processamento ao longo do tronco encefálico ajuda a orientar
nossa atenção para a fonte sonora, ou seja, direcionar nosso olhar para o local de onde
o som vem.

A audição, junto à visão, orienta o olhar e a atenção para um ponto, logo isso
permite uma melhor compreensão do contexto da situação, reconhecer expressões
faciais, observar o movimento da fonte em relação ao indivíduo e promover ajustes
posturais precisos, caso seja necessário. A separação tonotópica das ondas complexas
que compõem o som é mantida até a chegada no córtex auditivo primário.

Por fim, o planejamento, execução e coordenação dos movimentos são


exemplificados na segunda cena do vídeo em duas situações. A primeira delas é no
momento em que a mãe está fazendo crochê, atividade a qual envolve movimentos
finos e coordenados.

328
Já a segunda acontece quando o filho resolve fazer exercícios físicos, pois
acredita estar gordo. A produção de movimentos é um evento complexo que envolve
múltiplas regiões do cérebro, além do próprio sistema músculo esquelético ao qual é o
efetor da ação.

Quatro subsistemas são os responsáveis pelo movimento: (1) Circuito local –


inclui neurônios motores inferiores e de circuito local presentes na substância cinzenta
da medula e no tegmento do tronco encefálico; (2) Neurônios de ordem superior – inclui
neurônios motores superiores localizados no córtex e tronco encefálico que fazem
sinapse com neurônios motores inferiores; (3) Cerebelo; (4) Núcleos da base.

O cerebelo e os núcleos da base não fazem contato direto com o circuito local
(1), todavia essas áreas são de extrema importância para a correção de movimentos e
preparação dos circuitos motores superiores (2) para o movimento pretendido.
Portanto sua influência sobre o movimento se dá através da modulação da atividade de
neurônios motores superiores.

A integração entre cada um destes subsistemas é extremamente importante


para a produção de movimentos coordenados, finos e elaborados. A exemplo disso:
coordenar os dedos da mão para fazer crochê envolve comandos de ordem superior,
como o córtex motor, o qual planeja e seleciona os movimentos pretendidos. A
informação do córtex segue pelo tracto corticoespinhal lateral, o qual é composto por
axônios que possuem ligação direta do córtex com neurônios de circuito local, logo este
comando não passa através do bulbo. A via direta, córtex-circuito local, é responsável
por realizar movimentos refinados como escrever, tocar instrumentos, abotoar roupas,
etc.

Já movimentos que não exigem tanta precisão, como, por exemplo, correr, fazer
polichinelos, flexões ou abdominais, não necessitam da participação direta do córtex
motor sobre o circuito local. Entretanto, múltiplas áreas são recrutadas para que o
movimento seja coordenado, como, por exemplo, o cerebelo, atuando na correção de
erros de informações vindas de neurônios motores superiores, e núcleos da base,
suprimindo movimentos indesejáveis e facilitando a iniciação e término do movimento.

329
A quarentena nos proporcionou um momento único onde passamos mais tempo
conosco, logo começamos a refletir sobre nossa vida, escolhas e projetos. Algumas vezes
nos sentimos ociosos por passarmos horas e horas em frente as redes sociais, talvez esse
ato influencie nossa busca constante por estar dentro de “padrões estéticos” e de
sermos felizes o tempo todo.

É óbvio que muito provavelmente engordamos um pouco na quarentena, devido


à redução da atividade locomotora, todavia, nos sentimos mal quando olhamos para as
redes sociais e vemos que o corpo que temos não se encaixa nos “padrões” exigidos.
Como pode existir um “padrão estético” que não representa os corpos da grande
maioria da população? Talvez os movimentos elaborados pelo filho não sejam em prol
da saúde e do bem-estar, e sim da estética.

Solitude, empatia e resiliência em tempos de


pandemia COVID-19
Vídeo disponível neste hiperlink

Rafael Rodrigues dos Santos


Nosso sistema nervoso central (SNC) controla praticamente tudo o que acontece
com o nosso corpo. Ele tem o controle dos nossos movimentos, nossos sentidos,
memória e emoções. Nosso cérebro recebe informações de vários órgãos, as armazena
e as interpreta, para reagirmos às mesmas de certas maneiras.

Nossos olhos, através dos feixes de luz, pela córnea e retina, transforma estes
em imagem; nossos ouvidos transforma vibrações no ar em sons pela membrana
timpânica, os ossículos internos e a cóclea; nossas narinas e língua transforma moléculas
e partículas em olfato e paladar, respectivamente; nossa pele, por meio de receptores
de dor, pressão, vibração e temperatura, detecta estímulos físicos. Enfim, todas essas
sensações são evocadas, por estímulos específicos, diariamente uma infinidade de
vezes.

330
Nos acostumamos, até, por um certo ponto, de maneira monótona, a ter nosso
cotidiano: acordar, ir ao trabalho, estudar, certos dias da semana ter algum momento
de lazer, e recomeçar tudo isso novamente. Mas tudo isso que vivenciamos,
rotineiramente, teve uma “brusca” mudança nesse ano. Estamos há quase 100 dias
presos dentro de nossas casas. Não há mais idas ao laboratório, apresentações,
conversas com os amigos na hora do almoço ou café, não há mais mesas de bares cheias,
a falta daquela “pelada” na cidade natal, ou o abraço e o beijo da mãe e da avó.

Vivemos hoje em uma situação ímpar, que jamais (ao menos em nossa geração)
havíamos passado anteriormente. Isolados! Em alguns casos, solidão. Em outros,
solitude. Você tenta buscar um meio de se adaptar a ter parte de todas aquelas
sensações que você estava acostumado a vivenciar quase diariamente, muitas vezes
prazerosas, outras nem tanto. O que você vê hoje que não via antes? Quais os cheiros,
gostos, sons que hoje você percebe que não percebia antes? Ou melhor, que talvez você
poderia sentir, mas nunca deu devida atenção sobre?

Hoje, dentro de casa, pode-se dizer que muitas dessas sensações ficaram
“limitadas”, apesar de sua ampla diversidade. Mas, ao mesmo tempo, começamos a
perceber essas sensações e sentidos que antes passavam despercebidos. Exemplos
disso: sentir o sol pela manhã (calor captado pelos termorreceptores), ver o céu limpo
e azulado (essa pelos fotorreceptores na retina), até mesmo conhecer visitantes que
você mal sabia que estavam na sua casa, como um ninho de pombos em sua calha.

Você percebe, por seu sistema auditivo, com mais tempo dentro de casa, como
você reside em uma localização muito mais movimentada do que achava que era,
percebendo a grande quantidade de automóveis que por ali passam e todo o ruído por
eles realizado, o que em certos momentos chegam a ser incômodos. Contudo, ao
mesmo tempo, tal solidão é, momentânea, silêncio, nos ajudam na leitura dos artigos
através de uma calmaria que nem sempre era constante em nossos laboratórios.

Apesar do contexto, ainda assim buscamos manter certa parte de nosso


cotidiano, principalmente aquele voltados às emoções prazerosas, tentando recriar
situações que mexem com nossa memória afetiva: as reuniões e conversas com os
amigos de departamento deram lugar às reuniões virtuais, às conversas na sala de casa
331
com a mãe viraram videochamadas, as corridas na rua, nosso exercício diário para
combater o sedentarismo, foram transportadas para dentro de nossa casa em um
espaço minúsculo comparado com a imensidão das vias da cidade.

Recriar uma simples porção com uma cerveja gelada, por exemplo, o cheiro da
fritura pelo nariz, o gosto salgado da porção e o amargor da cerveja, detectadas em
diferentes pontos da língua, nos fazem lembrar de momentos felizes e descontraídos
com as pessoas que tínhamos contato social. Por meio dos aplicativos de músicas,
presentes todos os dias em nossa vida, lembramos de momentos que nos alegraram ou
nos entristeceram: músicas nos estimulam e nos consolam.

Tais ferramentas permitem também que realizemos descobertas de bandas com


uma sonoridade ainda desconhecida, e através disso fazer uma avaliação se entrará na
sua biblioteca de favoritos ou não. Tudo isso buscando nos adaptar e nos fazer lembrar
dos momentos felizes, o que, no mínimo, apaziguem toda e qualquer possibilidade de
uma certa solidão causada pelo isolamento.

E o que nos aguarda para o futuro? Qual será o “novo normal”? Será que as
sensações descritas anteriormente serão as mesmas? Poderão ser repetidas? Algumas
serão comprometidas? Poderemos entrar em uma sala de cinema lotada para vivenciar
as belas imagens de um filme? Poderemos abraçar alguém desconhecido no estádio
quando for gol do seu time do coração? Ou ir ao restaurante favorito para saborear o
prato que você mais gosta? Ir a um show da sua banda favorita?

Além disso, e as novidades que serão (e já estão sendo) implantadas, como o uso
de máscaras, o isolamento social funcionando como um vai-e-volta em diversas cidades,
o cuidado redobrado com a higiene? Isso mostra como nós, seres humanos, somos
dotados de percepções, memória, ações, aprendizados e emoções, e como somos
capazes de nos adaptar às dificuldades que estamos sujeitos no ambiente em que
vivemos. A chamada resiliência.

Vivemos também um momento de dor. Não aquela dor fisiológica, percebida


pelos nociceptores na nossa pele. Mas uma dor emocional, trazida pela empatia, todas

332
as vezes que vemos os noticiários com as reportagens sobre aqueles que realmente
sentem o que toda essa situação atual atinge.

É uma dor que você não precisa sentir na questão física da coisa. Mas que seu
cérebro consegue interpretar, com base em tudo aquilo que você está tristemente
acompanhando e se colocando no lugar. Esse sentimento, a empatia, pode ser algo que
nos faça “mais humanos”, que nos permita aprender a lidar melhor com essas situações
extremas.

Essa pandemia é mais uma que, em nossa história, passamos, dentre outras que
ainda, provavelmente, futuras gerações passarão. Que com toda essa situação, nossa
mente seja capaz de aprender um pouco mais com as adversidades. De pensar, se
adaptar, criticar, responder e agir melhor do que “antes”. Que possamos aproveitar
cada momento da forma mais intensa e prazerosa possível, para que a maioria das
nossas sensações percebidas diariamente sejam armazenadas como algo bom.

Sentidos especiais em meio à pandemia: O


olhar para o interior
Vídeo disponível neste hiperlink

Murilo Augusto Duarte Vieira


O ano de 2020 têm surpreendido a todos com tantos eventos característicos,
desde incêndios que afetaram grande parte da Austrália, discussões sobre multiversos,
lançamento de astronautas ao espaço até a pandemia COVID-19 instalada hoje e a
consequente situação de distanciamento social a nível mundial. Todas essas condições
nos fazem refletir sobre nossas interações com o ambiente à nossa volta e as atividades
cognitivas envolvidas nesse processo.

Como compreende a fala dos indivíduos que estão à sua volta? Como sabe qual
pássaro está a cantar somente pelo som? Qual o veículo está a passar na rua ao lado
somente pelo barulho do seu motor? Porque seus avós têm um padrão de marcha mais
lenta, bem como uma audição mais reduzida que a sua? Essas são perguntas que a
neurociência e a neurofisiologia esclarecem.

333
Abordaremos, primeiramente, neste texto a respeito da audição. Se trata de uma
modalidade sensorial caracterizada pela transdução de estímulos mecânicos (ondas
sonoras) em estímulos elétricos a serem interpretados pelo córtex auditivo. Mas como
um estímulo externo que é propagado pelo ar consegue alcançar o nosso cérebro e lá
ser interpretado? E como conseguimos perceber diferentes tons de sons?

Como já dito, a audição é a conversão de ondas sonoras, essas ondas atingem o


tímpano fazendo-o vibrar. Essa vibração se propaga através dos ossículos do ouvido
médio e se propaga para um órgão chamado cóclea. A cóclea é um órgão espiral que
interpreta em suas diferentes regiões, sons de diferentes frequências e dessa maneira
somos capazes de distinguir sons, timbres e tons.

Com essa perspectiva, faz sentido que possamos identificar uma espécie de
pássaro apenas pelo seu canto, visto que cada espécie emite sons em uma determinada
frequência e tom. Além disso, nosso ouvido também se relaciona com outras estruturas
e se integra com outras sensações.

Por exemplo, você não conseguiria saber qual o canto do bem-te-vi se nunca
tivesse visto e escutado um. Portanto, a primeira vez que você tivesse acesso a esse
estímulo, ele seria arquivado como uma memória. Contudo, nas situações posteriores
em que você é exposto ao mesmo som, acontece a evocação daquela memória
associada a um determinado ruído e a imagem do pássaro.

Nesse contexto, é notável que situações como compreender a fala de um


indivíduo a sua volta ou relacionar o tic-toc do relógio a passagem de um segundo são
processos que quase nunca temos a necessidade de parar para refletir e executar essas
tarefas.

Vivemos no “piloto-automático” sem precisar ocupar nosso cérebro para pensar


nessas atividades, no entanto, são processos que dependem da integração de vários
sinais: auditivos, visuais, olfativos, evocação de memórias e experiências, etc.

334
Outro aspecto a ser abordado poderia ser no contexto dos cheiros, ou seja,
nenhum odor é classificado como bom ou ruim, as moléculas odorantes se dissolvem no
interior do nosso nariz transduzindo um sinal que será integrado no córtex olfatório.

Tomemos por exemplo, uma situação em que você está a caminhar na rua e
sente o cheiro de pão francês saindo do forno da padaria, alguns de nós imediatamente
podemos quase sentir o gosto do alimento, ou até mesmo associar a um café da tarde
na casa dos nossos pais ou avós com todos reunidos. Isso acontece em razão da
integração e evocação de memórias associadas àquele odor que produz uma sensação
boa.

Da mesma maneira, odores ruins podem ser associados a más experiências ou a


preconceitos a respeito de um assunto/objeto/animal. Por exemplo, uma pessoa que
nunca sentiu o odor da secreção de um gambá, tem a concepção de que se trata de um
mau-cheiro, porém nunca o experimentou.

Esse tipo de raciocínio pode ser estendido para todas as modalidades de


sensações, e até mesmo neste exato momento, enquanto está sentado ou de pé lendo
este texto. Seu sistema nervoso está sendo bombardeado com diversas informações a
respeito da sua postura, tônus muscular, posição dos seus braços e pernas, etc.

Essas informações são percebidas por proprioceptores e integradas pelo


cerebelo, núcleos da base e outros órgãos componentes do sistema nervoso central para
fornecer sua percepção no espaço. Caso seja necessário uma resposta é disparada, tal
qual, a sensação de incômodo ao sentar-se em má postura, por exemplo.

O objetivo deste texto é mostrar que a cada segundo somos bombardeados com
milhares de informações sensoriais e estas estão a todo momento sendo conduzidas e
realocadas para fornecer a melhor resposta ao ambiente em que se encontra. Portanto,
seu cérebro e demais órgãos do sistema nervoso estão a todo momento trabalhando a
todo vapor. Mesmo as situações que você pode interpretar como “monótonas”, estão a
acontecer mil coisas.

335
Somos o reflexo do mundo exterior, ou seja, dentro de nós, interpretamos de
maneira única o universo e por esse motivo o corpo humano é incrível.

Á mesa com os sentidos aguçados em tempos


de pandemia
Vídeo disponível neste hiperlink

Mariana Silva Lovo


Eduarda Sales de Melo
Conversar e comer são atividades muito prazerosas e é normal conversas
acontecerem ao redor de mesas e alimentos, uma vez que a alimentação é um ato de
socialização, dotado de valores e características intrínsecas que variam de acordo com
o grupo, permitindo partilhar culturas e conhecimentos.

Ela integra e desencadeia sensações de prazer para nosso corpo e mente, afinal,
comer também é um ato cognitivo, envolve atenção, percepção, memória, raciocínio,
imaginação, pensamento e juízo. Desta forma, em contexto social integrativo, é
importante, em uma conversa saber escutar, mas é preciso atenção aos outros sentidos
também para que todo o contexto seja percebido e interpretado.

É válido lembrar que nunca percebemos um estímulo de cada vez, mas sim, um
conjunto de estímulos que são interpretados em nosso cérebro. Assim, podemos ver,
sentir, cheirar, escutar, além de formar nossas percepções como a memória, nossos
pensamentos, emoções e sentimentos.

Por vez, em um mundo tão agitado, quase sempre não prestamos atenção nas
conversas nem na alimentação. Vivemos sob a influência do nosso sistema autônomo,
que atua predominantemente no nosso dia a dia, quando realizamos as atividades
rotineiras, seja ir ao trabalho, navegar na internet, escovar os dentes ou nos alimentar.

Nosso corpo é inteligente e poupa energia, fazendo com que soframos, então,
da chamada “avareza cognitiva”: somos preguiçosos para pensar, raciocinar de verdade,

336
visto que é mais agradável seguir o que o processamento automático propõe com
menos exigência de energia.

Porém, com a pandemia, as mudanças no cotidiano silenciaram muitas das


rotinas, como foi o nosso caso, e nos permitiram sair da automação e conversar com a
comida, por exemplo. A comida fala e é preciso atenção para “ouvir” e “escutar” o que
ela diz com todos os sentidos. Quando comemos, o primeiro estímulo que recebemos é
no sentido da visão, que nos permite identificar o tipo de comida, a quantidade, a
harmonia, as cores, etc.

Em seguida, nosso olfato consegue sentir o odor dos alimentos, podemos sentir
se o cheiro do prato nos agrada ou não, através do nosso epitélio olfativo. Esse epitélio
é composto por neurônios especializados, dotados de cílios que ficam mergulhados em
uma camada de muco que reveste as cavidades nasais. Nossos neurônios especializados
levam as informações para o bulbo olfatório que encaminha os estímulos olfativos até
lobo frontal do cérebro, onde são percebidos e entendidos.

A audição, por sua vez, pode ser ativada, por exemplo, quando ouvimos os sons
da comida na panela. O barulho gerado pode ser percebido, ainda que internamente,
pelos nossos ouvidos, por meio da vibração emanada, que movimentam a membrana
timpânica e consequentemente permite a movimentação da cadeia ossicular. A
percepção auditiva segue até o ouvido interno e é processada por meio da cóclea, onde
a energia mecânica do som é convertida em sinais elétricos que são levados ao cérebro.

Em nosso córtex auditivo, esses sinais elétricos são interpretados como sons.
Perceber os sons quando estamos comendo ou cozinhando é fundamental, pois permite
um alcance do ápice máximo de satisfação que uma boa refeição proporciona. Já o
paladar é o sentido que identifica os gostos primários e o tato nos diz sobre as texturas
e as temperaturas dos alimentos.

Além disso, precisamos nos movimentar durante o ato de comer ou cozinhar,


fazendo com que nosso corpo esteja voltado em atenção para os processos mecânicos
que são executados. Antes mesmo do movimento mecânico, nosso cérebro já se

337
encontra em atividade nas áreas pré-frontais do córtex, regiões responsáveis por
desenvolver a intenção do movimento.

Posterior a isso, áreas motoras secundárias (áreas pré-motoras e motora


suplementar) são ativadas mediante inputs sensoriais, permitindo o planejamento do
nosso movimento, com a ajuda da atuação do cerebelo e núcleos da base. Por fim, a
área motora primária (giro pré-central) é ativada para a realização do movimento, onde
neurônios especializados realizam sinapses permitindo a movimentação muscular.

Além disso, a atividade rítmica de marcha, importante na movimentação no


interior da cozinha, ou no caminhar até a mesa de jantar e é gerada por redes de
neurônios da medula espinhal.

Contudo, perceber melhor nossos sentidos através do ato de cozinhar tem


ajudado a lidar com as preocupações do momento atual. O foco no preparo traz um
momento de alívio emocional e paz, relembra histórias, ativa memórias, traz ancestrais,
santos, deuses, mitos, todos reunidos nas mesmas comidas, nos mesmos atos de
comensalidade, demarcar datas, ciclos, eventos que identificam sociedades, e por isso
é tão singular.

As respostas a estímulos sensoriais no cenário


da pandemia COVID-19
Vídeo disponível neste hiperlink

Letícia Corrêa Vaz


Durante nossa vida passamos por várias etapas - a infância, a adolescência, a fase
adulta e a velhice - e com o passar dos anos cada vez mais cedo somos levados a formar
uma rotina. Cumprimos horários rigorosos de ir para a escola, para o trabalho, para
reuniões ou para qualquer outro compromisso e, esses afazeres, vão tomando conta do
nosso dia, fazendo com que alguns aspectos do nosso próprio ser, passem por nós sem
que façamos uma reflexão de como ou por que acontecem.

338
Por exemplo, desde que nascemos, somos expostos a uma infinidade de
estímulos, que podem ser sonoros, visuais, táteis e conforme crescemos, eles
permanecem conosco.

Contudo, as respostas aos estímulos passam a ser mais automáticas, sabemos o


que está acontecendo, mas não precisamos nos concentrar para que isso aconteça. Em
uma conversa, por exemplo, conseguimos escutar uma pessoa por muito tempo, sem
estar necessariamente pensando em processar os mecanismos que tornam isso
possível. A nossa percepção é que isso simplesmente flui, ou ainda, conseguimos
caminhar sem ter que pensar em fazer os movimentos necessários.

E para mantermos em funcionamento os sistemas do nosso corpo, muitas vezes


eles trabalham de forma integrada. Por exemplo, para mantermos nosso controle
postural, coordenação motora e até mesmo a marcha, é necessária uma comunicação
entre os sistemas somatossensorial, visual e vestibular, que irão colaborar
respectivamente com a manutenção da postura ereta através de informações de
mecanoceptores, detecção de movimentos da cabeça e a transmissão de sinais sobre
noção de espaço e senso de direção (Ruh, 2019).

Porém, o que aconteceria se perdêssemos as informações de um desses


sistemas? Por exemplo, um indivíduo com deficiência visual congênita, perderia as
informações visuais que integram essas funções, teria déficits motores e posturais?
Alguns estudos apontam duas hipóteses. Uma que através da plasticidade neuronal,
haveria uma compensação nas demais estruturas responsáveis. Já a segunda, é que sim,
existe um déficit, mas com o conhecimento do mesmo, ele poderia ser trabalhado,
melhorando o desempenho do indivíduo nessas funções.

Outros sentidos também podem ser afetados com a falta de visão. A audição por
exemplo, em indivíduos com deficiência congênita, por muitas vezes é considerada mais
aprimorada se comparada à de indivíduos videntes (Gougoux et al., 2004; Wan et al.,
2010; Voss e Zatorre, 2012), porém, não foram encontrados referenciais para as bases
neurais desse aprimoramento.

339
Alguns autores buscam explicar esse aprimoramento com a fala de que o córtex
occipital (que processa os estímulos visuais) em indivíduos cegos de nascença auxilia nos
processamentos auditivos, não sabendo se através de mediação de estímulos auditivos
ou simplesmente aumentando as respostas dentro de outras áreas sensoriais (Jiang et
al., 2014).

Mais recentemente, em estudo desenvolvido por Huber et al, (2019) foi


analisado que indivíduos cegos podem interpretar as frequências sonoras com mais
facilidade, pois o córtex auditivo deles apresenta uma “sintonização” neural mais
estreita, o que ajuda a discernir pequenas diferenças na frequência sonora. Uma das
hipóteses para explicar isso, seria que é uma adaptação ao desenvolvimento da cegueira
precoce, onde outros sentidos passam a ser mais usados e mais treinados a responder
a estímulos.

No vídeo complementar ao texto, trago uma situação na qual podemos ilustrar


esses casos. É proposta a mesma atividade para um indivíduo com cegueira congênita e
um indivíduo sem deficiência visual (que nessa situação estaria vendado). O objetivo
central da atividade é se deslocar pelo espaço e encontrar a origem de um som, que
nesse caso é o som de guizos executado por um voluntário que se locomove pelo espaço.
No vídeo, observamos que o indivíduo que não é deficiente visual tem mais dificuldade
em se locomover pelo espaço, se localizar e até mesmo mais dificuldade em encontrar
a origem do som, se comparado com o indivíduo com deficiência visual.

E esse é um contexto interessante de se refletir, de como algumas funções


podem ser modificadas quando o cenário do indivíduo muda. Ainda há muito a ser
descoberto nesse campo, mas o que existe atualmente na literatura nos permite ampliar
nossas reflexões para esses sentidos tão importantes e que nos acompanham
diariamente, só que em outros cenários.

REFERÊNCIAS

GOUGOUX F, LEPORE F, LASSONDE M, VOSS P, ZATORRE RJ, BELIN P. Neuropsychology: pitch


discrimination in the early blind. Nature 430:309. doi:10.1038/430309a pmid:15254527, 2004.

340
HUBER, E., CHANG, K., ALVAREZ, I., HUNDLE, A., BRIDGE, H., & FINE, --I. Early blindness shapes cortical
representations of auditory frequency within auditory cortex. The Journal of Neuroscience, 2896–18,
2019.

JIANG F, STECKER GC, FINE I. Auditory motion processing after early blindness. J Vis 14:4.
doi:10.1167/14.13.4 pmid:25378368, 2014.

RUH A. C. Saberes e competências em fisioterapia 3 [recurso eletrônico] Atena Editora, 2019.

WAN CY, WOOD AG, REUTENS DC, WILSON SJ, Early but not late-blindness leads to enhanced auditory
perception. Neuropsychologia 48:344–348. doi:10.1016/j.neuropsychologia.2009.08.016
pmid:19703481, 2010.

VOSS P, ZATORRE RJ. Occipital cortical thickness predicts performance on pitch and musical tasks in
blind individuals. Cereb Cortex 22:2455–2465. doi:10.1093/cercor/bhr311 pmid:22095215, 2012.

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Velhos hábitos versus novas rotinas, o novo
comportamento no isolamento social
Vídeo indisponível

Diovana Ramos Gerin


Nathany Nogueira
Com a perda da rotina e a consequente mudança de hábito devido à nova
realidade de isolamento social, muitas pessoas vêm sofrendo com o comprometimento
nos aspectos sociais, ocupacionais e em outras áreas de funcionamento, que podem
levar à depressão. Esta, por sua vez, caracteriza-se como um distúrbio mental que pode
gerar humor deprimido, redução do interesse ou prazer em todas ou quase todas as
atividades, perda ou ganho de peso, insônia ou hipersonia, agitação ou retardo
psicomotor, fadiga ou perda de energia, sentimentos de desvalia ou culpa
inapropriados, redução da concentração e ideias de morte ou de suicídio (POWELL at al.
2008).

Alguns estudos vêm mostrando que os circuitos cerebrais associados ao humor


estão desregulados na depressão. Como exemplo, os hemisférios cerebrais entram em
desequilíbrio em um episódio depressivo. Nesse momento, o hemisfério direito, que
está mais associado ao comportamento de evitamento, fica mais ativo, enquanto o
hemisfério esquerdo, que é uma sede importante da linguagem, se retrai.

Além disso, também há indícios de que o hipocampo e a amígdala também são


afetados. A amígdala é altamente responsiva a estímulos salientes tais como
recompensas e ameaças potenciais. Na depressão, a amígdala é hiperativa e responde
excessivamente a eventos negativos. Por sua vez, ela se conecta a um conjunto de
regiões cerebrais que disparam a resposta fisiológica e comportamental aos estímulos
emocionais.

Neste conjunto, estão incluídos o córtex pré-frontal medial, o núcleo accumbens,


o hipocampo e a ínsula. Ademais, o hipocampo está envolvido na formação da memória
e, juntamente com o córtex pré-frontal, é particularmente vulnerável aos efeitos do
estresse. Já foi mostrado que as pessoas depressivas são mais suscetíveis ao estresse e

343
isso pode provocar alterações físicas no cérebro, incluindo a atrofia do hipocampo. Por
último, temos a ação do córtex pré-frontal medial, que está envolvido na regulação de
quão fortemente reagimos a estímulos (LOBO, 2019).

Tratamentos com medicamentos antidepressivos, terapia cognitivo-


comportamental e eletroconvulsoterapia afetam a estrutura e a função dessas e de
outras regiões do cérebro, a fim de tratar o indivíduo que sofre com depressão. Mas em
tempo de isolamento social, o que pode ser feito para criar melhores condições para o
indivíduo que sofre com esse distúrbio e para quebrar o ciclo vicioso de negativismo e
inação que mantém o cérebro neste modo?

Alguns trabalhos vêm mostrando os benefícios da atividade física, que pode ser
realizada em casa para combater os sintomas da depressão. Alguns benefícios são: a
distração dos estímulos estressores, melhor qualidade de vida, maior controle sobre o
seu corpo e sua vida, melhora da capacidade respiratória e aumento de estímulos ao
sistema nervoso central, à memória recente e às funções motoras. Além disso, durante
a realização de exercícios físicos, o organismo libera dois hormônios essenciais para
auxiliar no tratamento da depressão: a endorfina e a dopamina. Ambos têm influência
principalmente sobre o humor e emoções (GUARIENTE,2003).

Além disso, a prática de atividades artísticas também pode ajudar no tratamento


de indivíduos que desenvolveram o quadro de depressão, interferindo diretamente e
facilitando o tratamento através dos estímulos psíquicos que podem ser provocados por
meio do contato com as manifestações artísticas. Essas manifestações se refletem na
representação do sentimento, auxiliando na identificação do problema que a pessoa
traz consigo.

Outro fator que pode contribuir para minimizar o quadro é a presença de um


animal de estimação. Pesquisas mostram que cachorros, por exemplo, reduzem
estresse, ansiedade e depressão. Além disso, amenizam a solidão e incentivam as
pessoas a fazer exercícios. Um estudo realizado por psiquiatras da Clínica Médico-
Psiquiátrica da Ordem, na cidade do Porto, em Portugal, e publicado na revista científica
Journal of Psychiatric Research contou com 80 pacientes diagnosticados com distúrbio
depressivo grave – metade mantendo contato com animais durante o tratamento,
344
enquanto a outra metade seguiu sem adotar nenhum animal. O resultado mostrou que
a metade dos pacientes que se relacionaram com pets mostrou, em sua totalidade,
melhoras significativas em seu quadro, enquanto a outra metade não revelou melhora
alguma.

Em suma, a atual realidade de isolamento social tem afetado seriamente os


indivíduos, pois fomos obrigados a ficar longe do trabalho, dos amigos e até mesmo de
familiares. Além disso, trata-se de um período repleto de incertezas que estão
associadas à angústia, às questões financeiras e ao medo da contaminação. Ademais,
aqueles que já sofrem com algum transtorno (depressão, bipolaridade e ansiedade
crônica) percebem a solidão e as tensões causadas pela pandemia de forma muito mais
intensa. Portanto, faz-se necessário o incentivo a práticas simples, que podem ser
realizadas dentro de casa e que melhorem a qualidade de vida das pessoas para que elas
consigam se desligar dessa realidade pandêmica e cuidar de si mesmas.

REFERÊNCIAS:

LOBO, Madalena. Dentro de um cérebro deprimido. 2019. Elaborado pela Oficina de psicologia.
Disponível em: https://www.oficinadepsicologia.com/dentro-de-um-cerebro-deprimido/. Acesso em: 30
jun. 2020.

POWELL, Vania Bitencourt; ABREU, Neander; OLIVEIRA, Irismar Reis de; SUDAK, Donna. Terapia cognitivo-
comportamental da depressão. Revista Brasileira de Psiquiatria, [s.l.], v. 30, n. 2, p. 73-80, out. 2008.
FapUNIFESP (SciELO).

GUARIENTE, J. C. A. Depressão: dos sintomas ao tratamento. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2002. In:
KURITZA, Adriane Martinez; GONÇALVES, Andréa Kruguer. Atividade física orientada para pacientes
depressivos: lançando um novo olhar sobre o corpo. Boletim da Saúde, 2003.

Um pedaço de carne bovina ou humana?


Vídeo disponível neste hiperlink

Adrielle Ingrid de Oliveira Barbosa Santiago


Jordan Fares Sampar
Com o avanço da Pandemia do COVID-19 pelo mundo, as pessoas, nós, fomos
obrigados a praticar o isolamento social visando uma rápida recuperação com o menor

345
prejuízo social (incluindo as mortes) possível. Além de nos dedicarmos às atividades
diárias e às descobertas de funções e experiências nunca antes, por nós, praticadas,
nossos olhos acabaram, também, por ficarem mais atentos às notícias do dia a dia. Uma,
em especial, ganhou a atenção da mídia global, sendo publicada originalmente pela NBC
News, em Nova Iorque.

“Em busca de comida, ratos praticam canibalismo nos EUA em meio à


pandemia de coronavírus” (fonte: Aventuras na história)

O hábito de comer carne, sabemos, não é novo. O Homem Paleolítico, há, pelo
menos, 1.5 milhão de anos, agregou uma dieta rica em gordura, proteínas e ferro através
do consumo dos animais que caçava, além das fibras e nutrientes já existentes da prática
agrícola.

Alguns cientistas acreditam que a passagem do vegetarianismo para o modo de


vida onívoro permitiu ao Homem o processo de encefalização, ainda que lento, uma vez
que as proteínas e os ácidos graxos asseguraram a fonte de energia para o cérebro
(Dondici e Barroso, 2007). De fato, hoje sabemos que os corpos cetônicos, provenientes
do metabolismo lipídico, fornecem substratos energéticos ao cérebro quando em jejum.
Ao mesmo tempo em que essa encefalização ocorreu, as funções cerebrais se tornaram
mais complexas, a dizer principalmente da integração sensório-motora feita pelo córtex
associativo.

Quando revisitamos a natureza, percebemos que a grande maioria dos animais


placentários, a exemplificar, felinos, ursos, hienas e lontras, são carnívoros e, tal qual o
Homem Paleolítico, utiliza-se da caça para a sua sobrevivência. Esta gama de conceitos
se conecta à cadeia alimentar, ao mesmo tempo que todos os seres vivos estão contidos
nela. O ato de predar, além de estar relacionado com a sobrevivência, abrange uma
ampla rede neural envolvida por diferentes habilidades que precisam assegurar ao
predador o sucesso de sua tática.

A caça se faz, principalmente, através de duas redes neurais distintas: a primeira


organiza a perseguição e a captura da presa, feita principalmente pelo núcleo central da
amígdala, e a outra exerce o componente motor, essencial para o controle da abertura

346
da mandíbula e pescoço, necessário para que o predador desfira a mordida fatal (Han
et al., 2017), normalmente na jugular do animal predado. É o córtex associativo que
integra essas informações e planeja o comportamento e a execução.

Com o avanço das Eras Geológicas, a caça, dominada pelo Homem, se refinou,
especificou-se e se tornou não mais uma obrigação pela sobrevivência, mas um hábito
comum, passível de escolha, entre nós. Ter a carne em nossos pratos, compradas nos
supermercados, fruto do abate de toneladas de animais, nos tirou a responsabilidade
de caçar, ainda que o possamos, mesmo que de forma indireta.

E, enquanto fazemos a nossa refeição, há a presença do componente integrativo


entre várias estruturas encefálicas, a exemplificar: o sistema límbico (amígdala e
hipocampo, principalmente) no componente de memória afetiva/emocional e nas
experiências gastronômicas refletidas em cheiros, pessoas e outras experiências
somestésicas; os centros dopaminérgicos, como a via mesolímbica, responsável pela
recompensa (por um dia de trabalho, reunião com familiares e amigos); o componente
motor, expresso pelo modo de sentar, equilíbrio (cerebelo e órgão vestíbulo-coclear),
pegar os talheres e copos (movimentos finos associados aos núcleos da base e ao
tálamo), mastigação e deglutição.

O córtex associativo se encarrega de realizar essas atividades, em sinergia com a


fisiologia dos outros órgãos, além de expressar a cognição, outro componente
intrinsecamente ligado a esse córtex.

Diversos documentários relatam os maus-tratos aos quais animais de corte


passam, na hora do abate. Dominion (2018), Glass Walls (2012) e The Last Pig (2017)
mostram os bastidores de frigoríficos e abatedouros que matam os animais, na maioria
das vezes, sem anestesia. Ainda, o confinamento destes demonstram que a indústria
pouco se preocupa com o cuidado e higiene, mas apenas com a lucratividade. Os animais
se sujeitam a uma alta carga de estresse, dor e sofrimento apenas porque não
conseguem se expressar de forma entendível aos humanos.

Não faltam exemplos na mídia, ainda que romantizados, de canibalismo humano.


Hannibal Lecter, personagem dos filmes “O Silêncio dos Inocentes”, ganhador do Oscar

347
de Melhor Filme (1991) e “Dragão Vermelho” (2002), é o expoente mais cool. Quadros
como “Saturno devorando um filho”, de Francisco Goya (1819-1823) e estátuas, tal qual
“Mulher Canibal”, de Leonhard Kern (1650) também representam a prática. Ainda, o
movimento Modernista brasileiro (1920), referenciando rituais indígenas canibais,
publicou o Manifesto Antropofágico.

Entretanto, elucidar as redes neurais envolvidas na antropofagia se faz uma


tarefa complexa. Como explicar, culturalmente, o ato canibal de um grupo de 90
pessoas, presas, em 1846, em uma nevasca na Califórnia, EUA, para sobreviver? Ou em
1972, quando o Voo Força Aérea Uruguaiana 571 caiu e os sobreviventes tiveram que
recorrer à mesma prática?

Como explicar a sensação de prazer ao se comer um pedaço de carne bovina e a


repulsa em comer um pedaço de carne humana? O canibalismo não é classificado como
um hábito alimentar, entretanto, é visto como um comportamento predatório,
recrutando as mesmas áreas encefálicas nos predadores em situação de sobrevivência.
E, além do componente cultural, o ato antropofágico é visto com repulsa pelo sistema
nervoso porque há o recrutamento de conexões que envolvem a participação de
neurônios-espelho, associados, principalmente, ao fenômeno da empatia.

Ao voltarmos à posição inicial, exposta na manchete, junto a essa intrincada


trama de predação de animal por animal, animal por humano e de humano por humano,
resta a reflexão: ratos que comem ratos são um ponto fora da cadeia alimentar? É uma
necessidade de adaptação perante a situação? Ou somente uma manifestação
antropofágica da própria natureza pela sobrevivência?

REFERÊNCIAS

DONDICI FILHO, José e Barroso. MENDONÇA, Camille. Dieta e dislipidemia: visão antropológica e
recomendações atuais. HU rev., Juiz de Fora, v.33, n.3, p.81-98, jul/set. 2007.

WENFEI HAN, Luis A. TELLEZ, Miguel J. RANGEL, Simone C. MOTTA, Xiaobing Zhang, Isaac O. PEREZ,
Newton S. CANTERAS, Sara J. SHAMMAH-LAGNADO, Anthony N. VAN DEN POL, Ivan E. de Araujo,
Integrated Control of Predatory Hunting by the Central Nucleus of the Amygdala, Cell, Volume 168,
Issues 1–2, 2017, Pages 311-324.e18, ISSN 0092-8674, https://doi.org/10.1016/j.cell.2016.12.027.

348
Do piloto automático às percepções
conscientes
Vídeo disponível neste hiperlink

Luíza Greco Sgarioni


Renato Ribeiro Azevedo
Willian da Silva
Com o avanço da epidemia no Brasil, as autoridades do país se viram obrigadas
a tomar decisões mais radicais, como o estabelecimento do isolamento social e o uso de
máscaras em locais públicos. Este cenário, importante para a proteção da saúde da
população, expôs os indivíduos a situações que trouxeram a necessidade de reflexão
sobre diferentes aspectos.

Na correria do dia-dia, passávamos os dias no “piloto automático”, não


prestávamos atenção aos acontecimentos ao nosso redor, nem nos nossos próprios
sentimentos. Não percebíamos que estávamos nos alimentando mal, que os dias e
meses passavam e não estávamos visitando nossos pais. Passávamos muito tempo no
celular, mas não tínhamos tempo para ligar para a família.

Não sabíamos que o vizinho idoso não tinha ninguém para ajudá-lo com as
atividades que precisava fazer fora de casa. O casal que se via apenas no final do dia não
percebia que não davam atenção um ao outro. O pai não percebia que as más criações
do filho eram um pedido de atenção. As notícias sobre corrupção já não eram novidade.
Não prestávamos atenção em aspectos fundamentais da nossa vida e acontecimentos
ao nosso redor, até que a pandemia veio e nos deu tempo para refletir.

A maioria de nós percebeu que é mortal e que precisamos cuidar de nós mesmos
e dos outros. E com isso, uma série de comportamentos foram mudando. Passamos a
prestar maior atenção em nossa alimentação, qualidade de nosso sono, conhecer
melhor nosso corpo. Percebemos a falta que a família faz, queríamos visitar e não
podíamos, e assim começamos a usar a tecnologia para nos aproximar. Passamos a
ajudar mais o próximo, nos oferecer para fazer compras aos que não podiam sair de
casa, fazer shows para os vizinhos na sacada, dar aula de ginástica por “live”, doar

349
alimentos e produtos de higiene, qualquer coisa que estivesse ao nosso alcance e
pudesse, de alguma forma, auxiliar os outros a passarem por esse momento.

O casal que não convivia mais, começou a olhar mais um para o outro e ter tempo
de qualidade para eles. O pai teve tempo para o filho. Começamos a cobrar daqueles
que ainda não perceberam a gravidade da situação que tomassem os cuidados
necessários. Não toleramos quando ouvimos que a corrupção chegou à verba destinada
para pandemia, como pode alguém ser capaz de uma atitude dessas?!

Começamos a perceber que coisas comuns e simples fazem muita falta no nosso
dia a dia. Por exemplo, o uso da máscara. Quando que iríamos perceber a importância
que é conseguir ver o rosto da pessoa? Como faz falta conseguir ver aquele sorriso o
perceber se a pessoa está preocupada, triste, ansiosa e precisa de ajuda. Não
percebíamos a importância da expressão facial, algo que era tão comum a nós. Ficamos
angustiados pelas pessoas que têm familiares que estão internados em hospitais com
Covid-19 e não podem ser visitados. Imagina não poder ver seu ente querido, como está
a feição dele. Imagina se o pior vier acontecer e não for possível mais vê-lo. Impossível
não ficar tocado com a situação do próximo.

Toda essa mudança em relação às nossas percepções, sentimentos,


comportamentos e ações só foi possível devido à complexa rede de conexões e
interações que ocorrem no nosso sistema nervoso. Por meio dos nossos sistemas
sensoriais, percebemos o mundo ao nosso redor. Esses sistemas são responsáveis por
captar, de uma maneira integrada, diferentes estímulos como sons, cheiro, luz,
temperatura e posição do corpo, que são conduzidos a regiões específicas do nosso
cérebro, onde são processadas.

Os córtices associativos, maior parte da superfície cortical humana, são as


estruturas responsáveis pela integração destas informações. São eles que realizam o
processamento complexo das informações advindas de diversas estruturas como o
córtex motor, córtex sensorial, tálamo, cerebelo e núcleos da base. A resposta deste
complexo processamento é refletida em nossas ações, comportamentos, personalidade
e sentimentos.

350
Os córtices associativos, anatomicamente, são divididos em três estruturas.
Córtex associativo frontal, parietal e temporal. O córtex associativo parietal está
envolvido com os processos de atenção e na percepção de estímulos, o córtex
associativo temporal está envolvido no reconhecimento de faces e objetos e o córtex
associativo frontal está envolvido com comportamento e personalidade.

Com base no exposto, a proposta deste vídeo é abordar como a interação de


nossos sentidos especiais, sistema motor e córtex associativos parietal, frontal e
temporal faz com que esse cenário de reflexão e maior atenção ao nosso redor nos leve
a mudanças de comportamento e ações.

O processamento neural complexo e a


produção do comportamento em tempos de
pandemia
Vídeo disponível neste hiperlink

Juliana Reis Souza


Leticia Andrade Costa
A maior parte da superfície cerebral é abrangida pelos chamados córtices
associativos, e são eles os responsáveis pelo processamento neural complexo que
culmina na produção do comportamento. Os córtices associativos ocupam cerca de 75%
do território cortical total, interagindo com os 25% restantes que correspondem aos
córtices sensorial e motor. A intensa comunicação entre essas regiões permite o
processamento dos sinais de entrada com posterior geração de padrões
comportamentais específicos.

De maneira geral, podemos dizer que os córtices associativos estabelecem os


processos de cognição, aqueles envolvidos com a aquisição de conhecimento. A
cognição envolve diversas capacidades que utilizamos o tempo todo em nosso dia a dia,
como a de prestar atenção aos diversos estímulos externos, a capacidade de identificar
esses estímulos, bem como de planejar respostas comportamentais adequadas a eles.
Todos esses processos são dinâmicos e complexos, e por conta disso os córtices

351
associativos recebem diversas vias de entrada vindas de outras regiões corticais (como
o córtex sensorial) e subcorticais (informações vindas do tálamo e tronco encefálico),
processam esses estímulos e emitem sinais de saída para outras regiões do SNC, como
o córtex motor, resultando na execução das diversas tarefas motoras que somos
capazes de desempenhar.

Tendo em vista todas essas funções cognitivas extremamente valiosas


proporcionadas pelos córtices associativos e a sua interação com a percepção e o
conhecimento acerca de si, do outro e do mundo à nossa volta, fica evidente que o
comportamento resultante é um evento multifatorial capaz de ser influenciado pelas
condições que nos cercam, por exemplo. Transportando esse entendimento para o
contexto atual em que estamos vivendo, será que há um ambiente favorável ao
desenvolvimento de tarefas complexas que envolvem a participação dos córtices
associativos? Ou será que essa atual conjuntura exerce uma influência negativa no
processamento neural complexo, manifestado em padrões comportamentais
relacionados com a ansiedade e depressão?

A resposta para esse questionamento é particular e depende muito da condição


socioeconômica em que o indivíduo está inserido. A pandemia, a um primeiro olhar,
aparenta ter igualado a todos, nos colocado em um mesmo patamar. Entretanto, essa
ideia é rapidamente anulada ao passo que, de um lado, existem famílias que puderam
manter sua estabilidade financeira mesmo após a pandemia, e no outro extremo
existem aqueles que perderam seus empregos e sua fonte de renda.

Um indivíduo inserido em um contexto socioeconômico favorável tem a


oportunidade de utilizar o tempo “em casa” para desenvolver uma nova habilidade,
como aprender a tocar um instrumento, ou aprender uma nova língua, atividades
nobres que envolvem os córtices associativos e modulam nosso comportamento de
maneira a afastar sentimentos de ansiedade e estresse. Em contrapartida, no caso
daqueles que perderam sua fonte de renda, as circunstâncias são desfavoráveis e o
desenvolvimento dessas tarefas complexas perde espaço e fica prejudicada, tomando
espaço comportamentos relacionados à ansiedade, depressão e irritabilidade.

352
Um exemplo interessante de uma habilidade nobre, envolvendo a participação
dos córtices associativos, capaz de ser desenvolvida dentro do ambiente de nossas casas
é o xadrez. A prática do xadrez desenvolve habilidades cognitivas como a memória,
concentração, planejamento e tomadas de decisões. O córtex associativo frontal, por
exemplo, é importante para a seleção e planejamento, elaboração de pensamento
reflexivo.

O córtex associativo parietal é formado por uma rede de neurônios relacionados


com processos de atenção, enquanto o córtex associativo temporal permite o
reconhecimento de objetos e faces. Todas essas funções são recrutadas durante uma
partida de xadrez, fazendo desse esporte uma tarefa dinâmica e prazerosa. Paciência é
outra competência desenvolvida pelo xadrez e talvez nesse momento, em que
procuramos uma solução imediata para tudo, esta seja uma qualidade valiosa capaz de
modular nosso comportamento.

No entanto, uma pessoa inserida em uma situação socioeconômica desfavorável


não é capaz de utilizar seu tempo livre para realizar atividades nobres. A preocupação e
sobrecarga devido ao desemprego e falta de dinheiro, situação essa evidenciada pela
pandemia mundial, atinge os córtices associativos de uma maneira diferente, gerando
comportamentos de ansiedade, depressão e irritabilidade.

O principal córtex envolvido nessa alteração de comportamento é o córtex


associativo frontal, envolvido na nossa capacidade de termos um convívio social,
avaliando a situação e respondendo com comportamentos adequados no contexto,
constituindo assim a nossa personalidade. Quando o córtex associativo frontal recebe
toda essa sobrecarga, advinda do ambiente em que estamos inseridos no momento, ele
responde de uma maneira não casual, descontando o estresse em comportamento
agressivo e depressivo. No entanto, indivíduos inseridos em outra situação econômica
não apresentam tamanha preocupação, conseguindo exercer atividades nobres que
ocupem seu tempo e sejam escapes para possíveis situações estressantes.

Com isso, podemos perceber a importância que os córtex associativos têm nas
diversas situações do nosso dia a dia, sendo responsáveis pela nossa personalidade,
memória, empatia e percepção do ambiente à nossa volta. Quando nos encontramos
353
em uma situação tão atípica como a do momento, a resposta comportamental que esses
córtex enviam é diferente, pois o ambiente à nossa volta está diferente, gerando
diversos casos de estresse e ansiedade.

A pandemia mundial evidenciou a desigualdade social, de forma que os


indivíduos que apresentam menor condição socioeconômica sofrem por preocupações
com perda de emprego e falta de dinheiro, fazendo com que a resposta comportamental
processada nos córtex associativos, seja de maior irritabilidade e ansiedade,
diferentemente de indivíduos em melhores condições socioeconômicas.

Estresse, emoções e a percepção do mundo


Vídeo disponível neste hiperlink

Gabriel Servilha Menezes


Mirian Félix de Carvalho
Durante a pandemia provocada pelo novo coronavírus, momentos de estresse,
ansiedade e medo se tornaram cada vez mais comuns e passaram a fazer parte do nosso
cotidiano. Estatísticas assustadoras no jornal, a instabilidade política e econômica e a
preocupação com a nossa própria saúde e de nossos familiares, se somam ao estresse
do cotidiano no isolamento. Não sabemos ainda quão extensas serão as consequências
psicológicas disso tudo em de cada um de nós, mas esse período certamente tem
alterado nosso sistema nervoso, nossas funções cognitivas e a forma como nos
comportamos.

Um bom exemplo de como nossas funções cognitivas têm sido alteradas é nossa
atenção. Muitos estão tendo que adaptar seus lares para um ambiente de trabalho ou
de estudo. A grande dificuldade disso é conseguir manter o grau de atenção no local de
trabalho ou da escola, já que esse novo ambiente é repleto de estímulos visuais ou
sonoros que tendem a distrair a nossa atenção. A atenção seletiva é uma função
importante que nos permite concentrar em um estímulo externo, como a leitura deste
texto — um estímulo visual e verbal complexo — ou interno, como o pensamento do
que vai ser feito no fim de semana ou a percepção de que você está com sede.

354
Em uma situação normal, nossa atenção constantemente oscila de um estímulo
para outro, o que nos permite fazer mais do que uma única atividade por vez e mudar o
foco rapidamente quando surge um novo estímulo. Mas nossa atenção é limitada e só
podemos dividi-la um certo número de vezes antes que percamos o foco. Por isso, se
estamos preocupados ou com coisas demais em nossas mentes, nos perdemos na linha
de raciocínio e no planejamento de nossas ações.

Esses quadros emocionais também afetam a forma como percebemos o mundo.


O giro fusiforme, recebe informações vindas de córtices visuais, parte do lobo temporal
é um córtex integrativo com participação importante no reconhecimento de faces e
objetos. O giro fusiforme comunica-se com diversas estruturas cerebrais, dentre as quais
destaca-se a amígdala, de fato um grupo de sub-núcleos denominado complexo
amigdalóide.

A amígdala é uma estrutura cerebral importante, estando fortemente


relacionada ao processamento de emoções e sendo intensamente ativada em situações
de estresse e medo. Devido à essa maior ativação, nessas situações, um rosto com
expressão neutra passa a ser percebido com maior frequência como tendo expressões
agressivas ou assustadas e objetos simples, como um celular, podem ser confundidos
com uma arma. Uma história triste, porém, comum, que reflete um problema grave em
nossa sociedade.

Além das funções cognitivas e nossas percepções, o quadro emocional também


pode alterar a forma como nos comportamos, exacerbando comportamentos
agressivos. Segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o número de
casos registrados de feminicídio cresceu 22% durante a pandemia. Esses dados
ressaltam um padrão cultural e comportamental já enraizado na sociedade brasileira,
que se torna ainda mais evidente no contexto atual.

O córtex associativo frontal — conhecido como “filtro social” do cérebro —


participa do planejamento comportamental que é responsável pelo julgamento de
nossos atos, considerando seus efeitos e consequências antes mesmo de os
executarmos. A partir de memórias, valores e conceitos aprendidos ao longo da vida, o

355
frontal nos auxilia no julgamento de nossas ações, o que deveria nos permitir agir de
forma mais virtuosa, mas ainda assim, violência e agressão ocorrem com frequência.

Dentre outras causas, isso ocorre pois, em situações de estresse ou medo, o


controle inibitório do córtex frontal diminui, permitindo que estruturas responsáveis
pelo comportamento agressivo se tornem mais ativas e assumam o controle. Dentre
essas estruturas, destacam-se o hipotálamo ventromedial, a amígdala e a substância
cinzenta periaquedutal — parte do mesencéfalo.

Além de seu papel no julgamento social, o córtex frontal participa também do


planejamento motor e na tomada de decisões, tendo exercido um papel crítico nesse
contexto. Considerando as informações disponíveis, nossas memórias, experiências e
conceitos que conhecemos, com a ajuda do frontal, tomamos ou não a decisão de
utilizarmos máscara e nos isolarmos socialmente.

Ao tomarmos essa decisão demonstramos preocupação com nossa própria


saúde, mas também empatia por nossos entes queridos e pela sociedade como um todo.
No entanto, muitos dos que ignoram isso tudo eventualmente não têm más intenções,
podem ter sido simplesmente vítimas de uma guerra de informações falsas, que soma
agora milhões de baixas.

Ansiedade no isolamento social


Vídeo disponível neste hiperlink

Andréa Moreira dos Santos


Gabriel Camargo
A palavra “ansiedade” é oriunda do latim “anxietas”, que significa angústia. É
definida como uma emoção desagradável de medo, dificuldade de concentração,
aflição, preocupação contínua e excessiva, irritabilidade constante, falta de capacidade
de lidar com dificuldades, etc. O indivíduo ansioso apresenta apreensão ou incômodo
devido à expectativa de perigo ou ameaça futura. Além disso, a ansiedade pode
provocar sintomas físicos, como batimento cardíaco acelerado, cansaço frequente,

356
tremores e espasmos musculares, náusea, diarreia, respiração superficial etc. Assim, a
ansiedade pode interferir na forma como você se sente, pensa e age.

A ansiedade atinge a vida das pessoas em vários sentidos, ocasionando danos


severos no trabalho, nos relacionamentos sociais e conjugais, na performance
acadêmica, entre outros. De acordo com dados da Organização Mundial de Saúde
(OMS), cerca de 18,6 milhões de brasileiros apresentam ansiedade. Corroborando esses
dados, o Brasil tem a maior quantidade de indivíduos com esse transtorno do mundo.

Os distúrbios de ansiedade ocorrem em razão de uma resposta ao estresse


inapropriada e que é controlada pelo sistema nervoso. Os neurônios hipotalâmicos que
secretam hormônio liberador de corticotrofina (corticotrophin releasing hormone, CRH,
do Inglês) são controlados pela amígdala e pelo hipocampo. Os estímulos sensoriais são
processados após as vias primárias, pela amígdala basolateral, na qual são processados
e conduzidos para neurônios no núcleo central da mesma estrutura. No momento em
que o núcleo central da amígdala é ativado, ocorre uma interferência no eixo hipotálamo
hipófise-adrenal, (hypothalamus-pituitary-adrenal, HPA, do Inglês) e a resposta ao
estresse é emitida. A ativação imprópria da amígdala leva à hiperatividade da mesma.
Essa hiperatividade tem sido associada com alguns transtornos de ansiedade.

O isolamento social pode afetar a saúde mental e o bem-estar dos indivíduos. É


um cenário no qual as pessoas se tornam mais vulneráveis e a própria mudança de rotina
já traz impactos. O confinamento, a preocupação, o medo, a angústia, a falta de
liberdade e de contato com amigos e familiares, os prejuízos financeiros, perda de
emprego e um futuro incerto, principalmente acerca de até quando vai perdurar o
isolamento, são os principais motivos para o aumento dos níveis de estresse,
irritabilidade e do risco de desenvolvimento de transtornos mentais como a ansiedade.
A situação se torna mais crítica quando o indivíduo apresenta um histórico de ansiedade,
pois o estresse emocional agrava a condição preexistente, aumentando o risco de o
indivíduo ansioso ter crises de pânico, depressão ou até mesmo desenvolver um
comportamento suicida.

Para lidar com a ansiedade durante o isolamento e, dessa forma,


permanecermos calmos em tempos difíceis, alguns cuidados diários podem ser
357
empregados para ajudar a não desenvolver a ansiedade ou a controlar os sintomas.
Adotar uma rotina que possibilita perceber novos prazeres ou retomar outros, como por
exemplo, ler um livro, praticar atividade física, assistir um filme ou série, tocar um
instrumento musical, tem ajudado muito a reduzir a ansiedade, uma vez que vivíamos
no piloto automático com a correria do dia a dia e não tínhamos tempo para pensar
sobre nossos desejos e, assim, nos dedicarmos a atividades prazerosas e estimulantes.

Ler um livro, por exemplo, tem um dom de nos conduzir para outras realidades.
Sendo assim, os livros são excelentes para este período de isolamento social. Buscar se
desligar um pouco da realidade, sair do modo automático, afundar em novas histórias,
é uma ótima maneira de acalmar a mente por alguns minutos, horas e até mesmo dias.
Ler um livro pode ser muito útil e eficaz.

Tocar um instrumento musical também pode ser algo capaz de ajudar a reduzir
a ansiedade. Essa atividade complexa proporciona uma quantidade maior de conexões
neuronais: utilizar as mãos para tocar um instrumento permite um aprimoramento da
coordenação motora e, além disso, uma relação mais íntima com a música influencia o
estado emocional. Ela ajuda o corpo a relaxar e acalmar, levando a uma produção maior,
por exemplo, de serotonina.

A música tem a capacidade de modular de forma subconsciente os


comportamentos humanos. Por exemplo, atualmente se tem conhecimento de que
determinadas produções musicais nos tornam mais susceptíveis à solidariedade e que
outras simplesmente nos conduzem a agir, fazer coisas, movimentarmos, mexermos. A
música pode estimular a memória, que permite reter e lembrar conteúdos sem palavras
(memória não verbal), por exemplo, quando tentamos lembrar da melodia de uma
música, por meio das áreas associativas secundárias. Portanto, tocar um instrumento
musical tem a capacidade de exercer uma grande influência em todo o organismo.

Em um contexto de isolamento social, as atividades descritas acima ajudam a


lidar com um dos distúrbios que mais acomete a população mundial.

358
Integração sensório motora e cognitiva nas
artes marciais
Vídeo disponível neste hiperlink

Diego de Morais Leite


O isolamento social tem gerado diferentes emoções na vida de cada pessoa. Tem
proporcionado a alguns passar mais tempo com a família, mais tempo para a prática de
atividades físicas; já para outros, o isolamento tem causado aumento da solidão para
quem mora longe da família, sedentarismo, aumento do estresse, etc.

Além disso, todas essas percepções têm gerado diferentes respostas nas
pessoas: enquanto uns têm utilizado esse momento para respostas nobres, como
empatia, solidariedade e generosidade, outros têm tido respostas completamente
diferentes, como violência e bullying.

Os córtices associativos incluem a maior parte da superfície cerebral do encéfalo


humano e são grandemente responsáveis pelo processamento complexo que ocorre
entre a chegada de sinais nos córtices sensoriais primários e a produção do
comportamento. Cada tipo de modalidade sensorial/função específica possui uma
representatividade no córtex, e cada qual com uma representatividade local. O córtex
pode ser classificado em diferentes regiões, dentre elas: córtex associativo frontal,
córtex associativo temporal e córtex associativo parietal.

O córtex associativo frontal é responsável pelo planejamento complexo de


atividades, análise dos nossos atos, e elaboração de pensamento reflexivo, sendo ele o
nosso “filtro social”. Relaciona-se também com a motricidade voluntária e o
planejamento do movimento.

O córtex associativo temporal é importante no reconhecimento de objetos e de


faces, estas últimas com conteúdo emocional, por exemplo, reconhecimento de rostos
familiares. Já o córtex associativo parietal, está envolvido em situações cotidianas
relacionadas à percepção visual-espacial e do próprio corpo, leitura e atenção.

359
Vistas as diversas funções relacionadas ao córtex associativo e respostas
comportamentais, e sabendo dos efeitos positivos das artes marciais sobre a mente e
corpo, essa atividade é considerada pela cultura asiática como um modo de vida,
promovendo disciplina e valores maiores. A mesma tem sido utilizada como uma
ferramenta eficaz na modulação cortical e comportamental.

A prática regular de alguma arte marcial está associada ao aumento na atividade


de áreas cerebrais específicas, como o córtex pré-frontal, responsável pela regulação de
processos cognitivos complexos, como funções executivas e atenção. Seus exercícios
são caracterizados por ações de combate com dois ou mais oponentes, nas quais você
precisa concentrar a atenção em muitos estímulos. Fatores cognitivos são essenciais
para analisar, selecionar e responder às questões ambientais, e qualquer interrupção
em um desses processos pode ter efeitos negativos no desempenho esportivo.

O Jiu-Jitsu Brasileiro (BJJ), uma das artes marciais mais praticadas no Brasil, tem
como principal objetivo proporcionar aos praticantes a compreensão de valores
essenciais e formação do caráter através de oito importantes códigos de conduta os
quais envolvem: família, cooperação, disciplina, respeito, evolução/crescimento,
liderança, inspiração e alegria.

O Jiu Jitsu, por meio de sua base moral, junto com os seus benefícios para o corpo
e mente, torna-se um aliado para melhores relações sociais, tornando-as mais
harmônicas, aumentando os vínculos sociais nelas presentes. Além disso, proporciona
um maior respeito por parte das pessoas mais experientes, devido ao aprendizado que
eles têm na relação entre aluno e mestre, presente nas artes marciais.

Diante de todos os benefícios apresentados, as artes marciais hoje são uma das
principais ferramentas para que sejam ensinados desde a infância os valores éticos da
vida. Assim, em um momento de apreensão como o que estamos vivendo, as atitudes
nobres que desde cedo foram apreendidas prevalecem sobre qualquer pensamento
ruim.

360
Sorrisos sob máscaras e alegrias, socialmente,
isoladas
Vídeo disponível neste hiperlink

Claudio Luiz da Silva


Com funções psicossociais que intrigam de Gregos a Pós-Modernistas, o encéfalo
lotado nos humanos sapientes, está por detrás da maquinaria de produção de
pensamentos e emoções, geração das atrações (até as mais embaraçosas), design de
sentimentos na linguagem e perpetuação de memória destas emaranhadas
informações. Junta-se a essas sofisticadas funções, a percepção de estímulos externos e
internos e a gênese destes, pelo córtex associativo parietal, assim como para a seleção
e o planejamento de respostas comportamentais adequadas aos estímulos, pelo córtex
associativo frontal.

Dessa forma, o primeiro está envolvido na atenção e na percepção (consciência)


do corpo e dos estímulos que atuam sobre ele; reconhecimento e na identificação de
informação sensorial altamente processada. O segundo, na orientação de
comportamentos complexos, pelo planejamento de respostas a uma estimulação em
andamento. Atendendo a uma demanda específica da nossa espécie, conectados a
processos cognitivos complexos que sustentam e distinguem a cultura humana de
outros primatas.

Com base e interesse na complexidade das respostas planejadas a um estímulo


dado cotidianamente este trabalho se debruçou sobre um inquietante recorte do
contexto Pandemia Covid 19, fazendo uma experiência sobre o sorriso e o
mascaramento da população em estado de isolamento. Foram captados 62 minutos de
imagens, onde o autor e protagonista do vídeo aparece assistindo à sua série preferida,
alternando o uso da máscara durante a sessão.

O processo de criação contou com a escrita e criação da história com a técnica


de storytelling e coleta de dados com abordagem flutuante, ou seja, sem marcação de
cena ou rigidez de roteiro. As cenas foram extraídas e subtraídas conforme a redação e
se deu a inserção da trilha sonora e aplicação de texto ao vídeo.

361
O sentimento de nulidade do sorriso nas relações durante o Covid 19 é
assombroso, por alguns motivos. Primeiro, a sensação de estar perdendo a
oportunidade de sorrir para alguém e com isso receber outro sorriso. Segundo, a
sensação de ser estranho e ver tudo e todos estranhamente, deturpando a identidade
de si e da pessoa mascarada. E o terceiro e mais grave de todos é o julgamento moral
sobre a ausência de empatia dos rostos velados que se fitam sem um sorriso estampado.

A visão proibida da porta do sorriso assombra e provoca mudanças de


comportamento que ecoarão no pós-Covid 19. Como sinalizar a empatia se nossas bocas
estão veladas? Como agir quando estamos desprovidos do gesto mais expressivo e
representativo da empatia? Existem outras formas de enxergar o sorriso, senão por
estas portas decretadamente seladas?

É sabido que estamos sob decreto em outras variadas formas de viver, quase
todas envolvem ou inibem a progressividade da empatia, mas dentre elas a que nos
estimula ao imediato aprendizado de outros caminhos de ver o sorriso é a condição de
mascarados. Não há corpo que se revele mascarado, nem ideia que se evidencie na
expressão abafada, pouco se escuta atentamente estando sufocado e menos se alcança
o outro sem a compreensão do seu semblante. Acima do sorriso, não por ordem de
importância, e abaixo do córtex frontal, os olhos são a janela que nos resta para enxergar
o sorriso. Seremos capazes de aprender a detectar o sorriso só pelo olhar?

De todas as funções, apelemos para a plasticidade neural, esta poderá nos


colocar na condição de alterar nossos comportamentos e renovar nossos
entendimentos do que seja o sorriso de ver. Buscando na memória de referência do
sorriso, escancarado é uma qualidade dada àquele mais bonito. Pois bem, comecemos
por transferir este verbo ao olhar e escancaremos nossos olhos até conseguir enxergar
o que a boca não pode mais mostrar.

Precisamos aprender que, quando um sorriso nos chega, o nosso corpo sorri de
volta e em qualquer lugar do corpo pode estar este sorriso, é a resposta planejada a um
estímulo dado no cotidiano. De tantos que recebemos e respondemos pela nossa
maquinaria neurofisiológica, este é o desafio que nos resta a ser superado neste interim
de quarentena.
362
A boca selada por decreto, não pode ser a única via de expressividade da
empatia, o olhar que precisamos, urgentemente, aprender a ver neste tempo, será o
mundo que queremos no pós-Covid 19.

Córtices associativos, isolamento social e a


pandemia do COVID-19
Vídeo disponível neste hiperlink

Pedro Henrique de Sousa Palmeira


Edson dos Santos Silva
O nosso córtex cerebral pode ser dividido em 3 porções principais, sendo elas, as
áreas motoras, as áreas sensoriais e as áreas de associação. Estas últimas, denominadas
de córtex associativo, formam uma relação bidirecional com as áreas motoras e
sensoriais do córtex cerebral, de modo que estabeleçam uma interação, além de fluxo
de informação para as diversas áreas. No momento em que estou digitando essas
palavras, essa conversa está sendo feita no meu córtex, resultando na evocação de
conhecimentos previamente processados, assimilados e transformados em memória.

O córtex associativo, por sua vez, pode ser divido em 3 principais áreas: córtex
associativo frontal, córtex associativo temporal e córtex associativo parietal, que
determinam as relações entre si e a comunicação para o desenvolvimento de uma
resposta cognitiva de caráter aprimorado aos diferentes estímulos ambientais externos.
As atividades neuronais corticais referentes a esta área, são comumente deflagradas em
tarefas em que seja necessário realizar funções executivas, envolvendo um pensamento
e planejamento das ações.

Em diversas situações do nosso cotidiano fazemos uso das citadas interações e


não nos damos conta. Em um contexto de isolamento social desencadeado pela atual
pandemia, muitos aspectos e rotinas, que antes não eram consideradas arriscadas,
passam a ser um desafio principalmente quando nos deparamos com situações nas
quais compartilhamos o mesmo espaço com outras pessoas. Trazendo ao nosso atual
contexto, passamos a realizar uma maior reflexão acerca de atos simples como sair de
casa para realizar determinada atividade.

363
Com o avançar do isolamento social, retornamos ao nosso convívio com
familiares. Em função disso, passamos a encarar as saídas do nosso lar como algo que
não apenas traria um risco para nós como para as pessoas que amamos. Começamos a
realizar uma série de análises (incluindo a identificação de expressões emocionais na
face de pessoas) acerca do ambiente ao nosso redor, bem como as possíveis
consequências que nossos atos trariam sendo comum a realização de questionamentos
como “Será que preciso sair?”, “Se sim, esse é o melhor horário?”, “Qual o risco de
contaminação nesse horário?”, “Caso contaminado, posso transmitir o vírus para meus
pais que se enquadram em grupo de risco?”; “Se eu for assintomático posso me deslocar
para outros locais e transmitir para outras pessoas?”.

Observe que nessa situação comum há o envolvimento de elementos


relacionados aos córtices associativos bem como informações sensoriais do ambiente
que nos cerca. Ao serem integradas e processadas, a decisão de ir ou não a algum lugar
será desempenhada. Com isso, há o envio de sinais ao córtex motor bem como à medula
espinal, na qual, através de interações sinápticas com fibras musculares, realiza-se a
contração e relaxamento da musculatura para o deslocamento.

Observe também que o julgamento de certo e errado pode ocorrer mediante


análises que nos colocam frente a situações que possam desrespeitar um dos métodos
de combate a disseminação do vírus, em respeito aos familiares que estão cumprindo
as “boas práticas” de prevenção além de entender que a atitude pode ser irresponsável
e coloca a vida de outrem em risco. Abaixo discutiremos alguns aspectos envolvidos na
situação citada ou em outras.

As funções executadas pelo córtex frontal são intrinsecamente resultantes de


um aspecto metacognitivo, ou seja, como o indivíduo realiza um processo de
autoconsciência sobre a repercussão e consequências que podem ser ocasionadas pela
tomada de decisão, um aspecto que compreende a sua moral.

Desse modo, podemos falar sobre o papel do córtex associativo frontal e o


planejamento da atividade como um todo. Entre elas podemos citar, a definição de
metas e objetivos, o planejamento de estratégias de ação necessárias, e a seleção de
habilidades cognitivas e coordenação das mesmas de modo a aplicá-las de maneira e
364
ordem correta. Em outras palavras, o córtex associativo frontal é responsável por
projetar as consequências futuras de ações que estão sendo tomadas na atualidade.

O córtex temporal, por sua vez, é responsável pelo reconhecimento de diferentes


objetos e faces. Distúrbios como prosopagnosia (não capacidade de reconhecimento
facial familiar) ou agnosia (dificuldade de discriminar diferentes categorias de objetos),
por exemplo, são resultados de lesões nessa área. A capacidade do nosso sistema
nervoso no reconhecimento de aspectos emocionais e o consequente processamento
nos auxiliam na identificação de intenções ou estados de um indivíduo e com isso,
tomamos alguma atitude mediante o ocorrido.

Além disso, as emoções envolvem uma série de alterações fisiológicas que


provocam mudanças em componentes simpáticos, parassimpáticos e motores viscerais,
gerando alterações de frequência cardíaca, fluxo sanguíneo cutâneo, sudorese ou
motilidade intestinal. Assim, as emoções são resultado de manifestações
comportamentais, sentimentos subjetivos e estado fisiológico. O lobo temporal direito
está, principalmente, relacionado com a capacidade de reconhecimento de objetos e
rostos enquanto o lobo temporal esquerdo está envolvido com questões de linguagem.
Por fim, o córtex associativo parietal está relacionado a aspectos envolvidos com a
atenção.

Nesse contexto, tem-se que a lesão, principalmente no lobo parietal direito,


esteja envolvida com uma redução na capacidade de prestar atenção em objetos no lado
oposto a lesão mesmo que a visão (síndrome da negligência contralateral), atividades
motoras e sensibilidade somática estejam normais. Ou seja, trata-se de um déficit de
atenção não sensorial, no qual o indivíduo consegue observar o estímulo, mas tende a
não o notar ou apresenta uma dificuldade de focalizar sua atenção no mesmo.

Vale salientar que o lobo parietal direito é a principal região relacionada à


atenção uma vez que estímulos do lado esquerdo do corpo proporcionaram uma maior
ativação do lado direito do hemisfério na região parietal. Já estímulos do lado direito do
corpo proporcionaram uma aumentada atividade neural dos lados direito e esquerdo
do hemisfério da região parietal.

365
Aparentemente, os conceitos acima mencionados parecem se aplicar, também,
às imagens de objetos evocados da memória. Além do próprio córtex parietal, outras
áreas do sistema nervoso podem atuar no estabelecimento da atenção como regiões do
tronco encefálico, que recebem informações sensoriais visuais (via trato óptico) que
poderiam auxiliar no controle atencional. Devemos entender que a chamada atenção
endógena (relacionada à atenção voluntária baseada em metas e expectativas, por
exemplo) e exógena (causada por alterações involuntárias de atenção mediante
mudanças no ambiente) provocam ativação de diferentes regiões corticais.

Assim, podem ativar áreas dorsais do córtex frontal gerando um melhor


processamento de informação no qual a sua atenção foi direcionada, auxiliando em um
melhoramento comportamental. O ser humano como unidade biológica é uma espécie
altamente social, e o que possibilitou essa característica em relação a outras espécies,
foi o desenvolvimento de estruturas que compreendem o denominado neocórtex,
permitindo assim, um pensamento consciente diante das diversas situações
comportamentais individuais e coletivas.

O comportamento humano é um processo complexo desencadeado de maneira


multifatorial resultante de interações com diversas estruturas e regiões do nosso
cérebro, sendo gerido por diversos estímulos internos e externos. Os diversos estímulos
do ambiente percebidos e propagados pelos sistemas neurosensoriais e neuromotores
se relacionam com os córtices associativos, orbitofrontal e outras estruturas, como as
amígdalas para desenvolver o processamento cognitivo e respostas emocionais.

Elas possuem associações com áreas corticais e subcorticais como áreas


sensoriais, córtices pré-frontal - envolvidas no planejamento de ações e
comportamentos - e temporal além de projeções para o hipotálamo e tronco cerebral
auxiliando na expressão do comportamento emocional através de eferências para
sistemas motores somáticos e viscerais.

Além disso, também fornecem informações emocionais para tomadas de


decisão. Um outro aspecto importante da amígdala consiste na experiência do medo,
uma emoção de importância fundamental no comportamento social adequado, além de

366
auxiliar na tomada de decisões. Ademais, outras regiões corticais envolvidas em
processos sociais regulam o impacto das ações no contexto individual e em grupo.

A busca pelo equilíbrio emocional e


comportamental na pandemia
Vídeo disponível neste hiperlink

Bianca da Silva Ribeiro


Thainá Daguane Esperança
Para melhor entender o impacto dos sistemas sensoriais, podemos registrar que
o sistema nervoso conta com diversos recursos de caráter complexo, que
consequentemente dão origem ao comportamento humano. Tais estruturas, nomeadas
como córtices associativos, compõem 75% da função cortical total, enquanto 25% do
restante são voltados às funções específicas do sistema nervoso (conjunto sensório-
motor).

O córtex associativo frontal atua de forma conjunta aos córtices sensório-motor


e aos demais córtices associativos, sendo encarregado pelo nosso planejamento e
tomada de decisões. Quando resolvemos compor uma música, passamos o tempo
pensando na letra e melodia, da mesma forma que iremos aplicá-la ao som, analisando
sua estrutura, o que pode ser adicionado ou corrigido, ao mesmo tempo em que
memórias de certo momento nos vem à tona, pessoa (presente em vida ou não) ou tema
como inspiração, que nos permite lembrar de detalhes e faz emergir
sentimentos/sensações no ato de imaginar.

Outra função consiste no estabelecimento do que é prioridade, assim como do


que é certo ou errado, por exemplo ao limparmos a casa em um dia corrido,
determinamos o que é mais rápido/fácil de ser feito a fim de tornar o dia produtivo e ao
dirigirmos, sabemos que passar no semáforo quando o sinal está vermelho é errado,
mas em alguns momentos fazemos buscando essa rapidez. De certa forma, o trabalho
do córtex frontal atribui nossa “personalidade”.

Já o córtex associativo temporal, responsável pelo nosso reconhecimento e


identificação de estímulos, objetos, lugares ou pessoas, apresenta temática emocional

367
e processo de aprendizagem e memória. Como exemplo, ao vermos uma foto
conseguimos identificar o que essa apresenta, de modo que tal ato nos evoca emoções
(ente querido já falecido – tristeza/saudade, uma viagem marcante – prazer/felicidade,
comemoração familiar – amor/acolhimento, entre outros). Lesões no lobo direito dessa
área cortical levam à agnosia (perda da capacidade de reconhecimento facial e de
objetos), já lesões no lobo esquerdo levam a problemas na linguagem.

Por outro lado, o córtex associativo parietal é o responsável pela nossa atenção
e consciência perceptual, como exemplo, ao estarmos sentados no sofá da sala ou na
cadeira do escritório, estamos cientes de nossa posição (se nossas pernas estão
cruzadas, esticadas, uma sobre outra, ou se nossos braços estão paralelos ou cruzados).
Uma lesão nessa região irá comprometer nossa capacidade de manter
atenção/percepção frente a objetos (como móveis de nossa casa), bem como de nosso
próprio corpo.

Toda essa complexa estrutura funcional cerebral do ser humano confere a


capacidade de interação com tudo e todos que nos rodeiam. Diariamente, desde nosso
nascimento, toda essa bagagem de aprendizado caminhou junto às nossas
desenvolturas a fim de receber, processar, integrar e usar tais informações do ambiente
ou próprio corpo para nossa formação comportamental (respostas/reações às mais
variadas situações do dia a dia do indivíduo ou grupo social).

No âmbito familiar/domiciliar, as integrações sociais e afetivas entre os


moradores formam costumes, como o ato do filho lavar a louça após almoço para que
sua mãe possa descansar, ou então ajudar nas tarefas diárias da casa. Tais costumes
levam à construção de generosidade, empatia, colaboração e disciplina, de modo que o
indivíduo passará a agir da mesma maneira com as demais situações fora de sua casa.

Ao mesmo tempo que eventos vivenciados fora do âmbito familiar, como


praticar esportes, levam ao aprendizado e à aquisição de comportamentos como ser
justo, perseverante e determinado, não deixando de lado comportamentos negativos
que também podem ser desenvolvidos, como a violência.

368
Em suma, perante o atual cenário mundial preocupante, tais aspectos
associativos e comportamentais estão sobrecarregados. A população tende a tomar
ciência de que precisa ser a mais inteligente possível, planejando, organizando e
objetivando se manter frente à possível catástrofe socioeconômica. Empresários,
investidores, autônomos, empregados e até mesmo estudantes tiveram de enaltecer
tais capacidades, da mesma forma que aspectos comportamentais como a
solidariedade, empatia, generosidade e compaixão pelo próximo também se
enalteceram.

O ser humano está passando a entender que um depende do outro em variados


aspectos, mesmo o mundo atual sendo composto por uma determinada hierarquia. Por
outro lado, há aqueles oportunistas aspirantes à ganância, injustiça e imoralidade, que
ou se beneficiam de atitudes nobres das pessoas de bem para ganhar sobre isso, ou
partem para o lado violento com o mesmo intuito. Voltando ao indivíduo, frente a esta
pandemia antes nunca vivenciada, quem apenas lida com ela/estuda, se vê por vezes
perdido, buscando meios distrativos e evitando tendência ao tédio ou mais
preocupante, à depressão.

De certa forma, tal cenário nos coloca em estado de alerta, ao mesmo tempo
que nosso equilíbrio emocional/comportamental também deve ser preciosamente
preservado, evitando comportamento catastrófico consigo ou com a sociedade.

Refletir ou não refletir? Eis a questão


Vídeo disponível neste hiperlink

Claudio Quintino
Rodrigo Martins
No cenário da pandemia do novo coronavírus, fomos obrigados a nos manter em
isolamento social a fim de prevenir a contaminação e desafogar o sistema público de
saúde. Nesse sentido, nossa percepção de mundo mudou de forma bastante
significativa de um dia para o outro. Antes nosso dia a dia era repleto de atividades e

369
momentos de socialização, agora fomos restritos a atividades em home-office e ao
convívio restrito aos parentes mais próximos.

É sabido que a forma como interagimos com o mundo ocorre por meio dos
nossos sentidos: tato, paladar, visão, audição e olfato. Porém, esses sentidos não
trabalham de forma dissociada uns dos outros. No encéfalo, onde os sinais recebidos
são interpretados, há associação entre os sentidos e outras áreas responsáveis por
funções como memórias, sentimentos e motricidade.

A comunicação entre todas essas regiões é o que nos faz perceber o mundo e
reagir a ele de forma tão precisa. Sabe-se que 75% do nosso córtex cerebral é composto
por áreas associativas que se comunicam com córtices sensoriais primários e córtices
motores, os quais juntos trabalham na execução de tarefas, como respostas a estímulos.
Nós temos três tipos de córtex associativos, cada um com suas funções, sendo eles:
córtex associativo frontal, temporal e parietal.

No momento atual, onde várias mazelas sociais vieram ainda mais à tona, é
comum nos pegarmos preocupados com os acontecimentos, pensarmos como podemos
ajudar a melhorar ou pelo menos não piorar ainda mais a situação. De certa forma,
mantermo-nos em isolamento social é uma prova de como estamos conscientes do
papel importante desse ato para o bem-estar social. Todas estas preocupações e o fato
do isolamento em si podem causar quadros de depressão e ansiedade. De fato, estas
doenças tomaram proporções preocupantes devido ao isolamento.

Algumas regiões encefálicas, como os córtices associativo frontal e temporal,


estão relacionadas patologicamente a quadros de depressão, mas, de forma
interessante, estão também relacionadas à atividade motora complexa, como a
realização de exercício físico ou movimentos mais precisos, como tocar algum
instrumento. Em alguns casos, essas atividades podem, inclusive, auxiliar e melhorar os
quadros patológicos.

O córtex associativo frontal, em especial, é o responsável pelo que chamamos de


“filtro social”, ou seja, a forma como interagimos com os outros, elaboração de
pensamento reflexivo e, principalmente, nossa percepção consciente de nosso papel na

370
sociedade e responsabilidade social, sendo de grande importância no período de
pandemia atual. Além disso, essa região é responsável pela inibição consciente de
hábitos com impactos negativos.

Com o advento do isolamento, nosso convívio social se restringiu à família e, em


alguns casos, esse período provocou o isolamento completo de algumas pessoas. A
forma mais comum de matarmos a saudade dos amigos e familiares é por ligações de
videochamada, revisitar aquelas fotos nas redes sociais ou até mesmo abrir os álbuns
antigos guardados em alguma gaveta. Sem dúvida, esses momentos trazem emoções
como saudade e nostalgia. O córtex associativo temporal é o responsável por podermos
reconhecer faces e integrar conteúdo emocional a elas; é através dele que podemos
reconhecer expressões faciais como angústia, dor e medo.

Esse córtex também está associado ao processo de aprendizagem, memorização


e evocação de memórias. Quando fazemos aquela ligação em chamada de vídeo com os
amigos, revemos fotos postadas antes do isolamento. Nosso córtex associativo parietal
é o responsável por nos proporcionar emoções ao revermos aquelas ocasiões enquanto
o córtex associativo temporal trabalha no sentido de reviver tais memórias.

Uma forma bastante comum de passar o tempo em período de isolamento é se


dedicar à leitura ou ao estudo. Nesses casos, nosso córtex associativo é o responsável
por manter nossa atenção na tarefa. De certo modo, nossos pensamentos viajam em
todos os sentidos quando pensamos no que acontece hoje no cenário da pandemia,
mesmo estando seguros em casa. Para alguns, estes pensamentos interferem no
processo de atenção, o que pode proporcionar alguns prejuízos no processo de
aprendizagem, por exemplo, em modelos de aulas on-line que relacionam a atenção à
sensibilidade visual. Nesses casos, o cenário estressante acaba dificultando o trabalho
dos córtices associativos, principalmente o parietal.

As alterações no comportamento humano apresentadas frente à pandemia não


são iguais perante os contextos sociais: são mais difíceis para alguns e menos para
outros. Muitos não pararam por um instante, tendo como única reflexão o medo de ser
contaminado pelo coronavírus. Portanto, compreende-se que as interpretações pelos
córtices associativos são variadas e, nesse período singular, os diferentes estímulos
371
como a arte, o esporte, lazer, lembranças afetivas e conversas divertidas são
importantes para enriquecer nossos ambientes e, mais ainda, para regular nossas
emoções com respostas satisfatórias ao nosso conjunto social. Tais ações são
interpretadas principalmente pelo córtex associativo frontal.

Sobretudo, esse momento de isolamento social têm sido um período de reflexão,


exceto para alguns que não possuem “tempo” para refletir. Milhares de pessoas e
famílias estão passando por dificuldades financeiras, de saúde, problemas sociais
diversos e muitos ainda passam fome. Tais questões estão, de certa forma, evidentes a
todos, como um manifesto de desigualdade social, um grito que atinge o nosso pesar
constantemente, e dificilmente não há como não sentir pelos fatos.

Contudo, o entendimento sobre o ser humano social e cultural ocorre um pouco


além da neuroanatomia e/ou neurofisiologia, essas não estão fora do mundo social.
Nossas emoções, nossos pensamentos e nosso comportamento de forma geral estão
constantemente ligados aos eventos sociais, os quais agora permanecem limitados. Por
isso, destacamos os córtices associativos como parte disso, responsáveis por essa
ligação, além de outros circuitos e interconexões neuronais.

Por fim, as mediações apresentadas quanto ao córtex associativo parietal, como


a percepção atenta no tempo e espaço real, quanto ao córtex associativo temporal, que
está envolvido na localização e reconhecimento de pessoas amadas, animais de
estimação, objetos e ainda quanto ao maior de todos, o córtex associativo frontal,
envolvido em nossas respostas complexas e integradas, como ações de tocar um
instrumento musical, podem estar alteradas no contexto atual. Esse conjunto abarca
funções que transcendem os estímulos diversificados em nosso meio externo e interno
para funções cognitivas, as quais formam o nosso contexto social e cultural.

372
O isolamento social e a saúde mental de
idosos durante a pandemia da COVID-19
Vídeo disponível neste hiperlink

Fernando Vieira
Isabella Dias
O isolamento social é um mal necessário principalmente para uma parcela da
população que é mais vulnerável neste momento, a idosa. Parcela esta, que vem
crescendo todo ano com o aumento da expectativa de vida e melhora nas condições de
saúde. Todavia, quanto mais velha torna-se esta população, maiores são as
comorbidades associadas a ela.

Dentre estas várias comorbidades, temos as doenças neurodegenerativas como


Alzheimer e Parkinson, doenças estas sempre associadas ao avanço da idade.

O Alzheimer é uma doença neurodegenerativa que acomete especialmente


pessoas com mais de 65 anos. O principal sintoma é a perda de memória, podendo
evoluir para problemas cognitivos, alterações do humor, perda de memória de longo
prazo levando à demência. Com a evolução da doença, atividades de vida diária como
higiene pessoal tornam-se impraticáveis, aumentando a dependência de outras pessoas
pelo indivíduo acometido.

De maneira semelhante, a Doença de Parkinson também é uma doença


neurodegenerativa que acomete principalmente idosos. É caracterizado principalmente
por tremores em repouso, pela dificuldade de iniciar os movimentos voluntários,
dificuldade de iniciar os movimentos de marcha e instabilidade postural. É causado pela
deterioração dos neurônios que secretam dopamina e que se localizam na região da
substância negra no cérebro. Assim como o Alzheimer, pode evoluir para demência, e
levar a uma dependência de outras pessoas.

Por conta disso, muitas vezes o idoso é tratado como um fardo a ser carregado
dentro da família. O isolamento força a interrelação entre familiares que vivem sobre o
mesmo teto. Por vezes essa interrelação é conflitante, principalmente para os idosos,
que, em sua maioria, passaram boa parte da vida trabalhando longos períodos e agora

373
encontram-se ociosos e “presos” dentro de casa. Assim, estes indivíduos que eram
extremamente ativos e produtivos de uma hora para outra tornam-se dependentes de
terceiros.

Muitas dessas pessoas tendem a sofrer com depressão e ansiedade por não
conseguirem se encaixar nos padrões atuais da sociedade e por acreditarem ser um
“peso” para as famílias. Esta situação costuma fomentar e desencadear tais transtornos.

Além disso, muitos indivíduos com estas doenças não têm um tratamento
adequado, são indivíduos, que muitas vezes não têm família presente, ou uma família
compreensiva ou foram simplesmente entregues aos cuidados de um asilo.

O momento COVID faz com que olhemos de uma forma diferente para estes
indivíduos. Não só para os que estão no conforto de seu lar, com o carinho de sua família
e que podem ter um tratamento adequado, mas para estes outros indivíduos que estão
em isolamento social há muito mais tempo. Como, os que estão em isolamento
constante por terem sido abandonados por suas famílias nesses asilos, e que muitas
vezes sofrem não somente com as doenças degenerativas, mas também com
transtornos de humor, depressão, ansiedade, além da solidão e falta de afeto.

Os seres humanos são gregários, sociais por natureza e o distanciamento, por


motivos independentes de quais sejam, sempre trazem consequências desastrosas para
a saúde mental do homem.

Se antes a atenção e o tratamento já eram difíceis nestes locais, hoje torna-se


algo muitas vezes quase que impossível, dado que, uma quantidade razoável dos
prestadores de serviço nestes lugares, por vezes, não são funcionários e sim voluntários.

Transtornos como depressão e ansiedade, comentados acima, já eram comuns e


agora tornam-se mais significativos do ponto de vista clínico. Isso ocorre uma vez que a
assistência a este tipo de transtorno é essencialmente prejudicada pela ausência dos
profissionais que tratam da saúde e dão suporte social e afetivo aos diversos casos.

A depressão é um distúrbio psiquiátrico caracterizado por sensação de tristeza


profunda, muitas vezes associada a sentimentos de dor, desânimo, angústia, perda de

374
apetite e de sono. Vários fatores podem desencadear este transtorno, como traumas na
infância, estresse psicológico dentre outros. É um distúrbio que requer cuidado
multiprofissional e que pode evoluir para suicídio.

Desse modo, muitos idosos são acometidos por esse distúrbio por estarem fora
do mercado de trabalho, por estarem longe dos familiares ou até mesmo pelo fato de
se acharem inúteis e não se adequarem ao cenário de mudança do mundo moderno.

A ansiedade é um transtorno emocional caracterizado por um sentimento


irracional de medo difuso. O estado ansioso é por vezes acompanhado de reações físicas
desconfortáveis. Fobias sociais, estresse pós-traumático, síndrome do pânico e
transtornos obsessivo-compulsivos são tipos de transtornos de ansiedade que podem
ser identificados. Essas crises podem ser acompanhadas de sintomas físicos como
taquicardia, sudorese, tremores, hiperresponsividade a sons, luzes e movimentos. Bem
como, também, podem ser acompanhadas de sintomas com as alucinações.

A ansiedade em si é uma adequação do sistema de defesa, sendo algo benéfico


em doses moderadas porque nos prepara para eventuais situações de sobrevivência.
Porém, quando esta perdura por mais tempo passa a ser considerado um transtorno
emocional podendo levar a várias alterações autonômicas por hiperresponsividade do
sistema simpático.

O presente momento nos remete a pensar se o tratamento que é dado àqueles


que tanto fizeram e que muitas vezes ainda fazem por nós é o adequado. Por isso, é
importante esclarecer que quando se fala em tratamento não é o tratamento clínico em
si, mas ao trato do dia a dia, saber ouvir as aflições individuais, ter paciência com
questões que muitas vezes seriam banais para muitos de nós, mas que tem grande
significância para eles.

A atual conjuntura vivida pela sociedade é um desafio a ser superado por todos.
Esperemos que a nossa sociedade não precise passar por pandemias para entender o
valor da empatia humana. E que sirva, então, de aprendizado para que possamos olhar
com mais carinho para os nossos idosos, enxergando além das nossas dificuldades e

375
problemas individuais, vislumbrando as necessidades e aflições deste grupo, que
seremos NÓS amanhã.

Associações: o despertar continua


Vídeo disponível neste hiperlink

Marina Malerba de Souza


Patrik Saul Zarpellon Barbosa
Cem dias de isolamento! Parece que foi ontem que tudo começou: as notícias,
os casos de um vírus desconhecido que foi capaz de modificar a rotina de todo o mundo.
Parece que foi há apenas alguns dias, quando nos perguntávamos como seria o futuro e
por quanto tempo viveríamos naquela situação. Ontem mesmo sentimos a alegria em
poder acordar um pouco mais tarde e apreciar o café da manhã com mais calma.

Ainda ontem, terminamos os afazeres do dia com a angústia de não saber como
seria o próximo, nem quais as notícias ele nos traria. Como o tempo passou rápido!
Quantas situações novas pudemos vivenciar: novos sons, novos odores, novos sabores.
Um novo toque. Um novo olhar. Novos medos. Novas saudades.

Por outro lado, parece que estamos vivenciando esses acontecimentos há muito
mais tempo que apenas esses 100 dias. Há anos, talvez? Um ciclo infinito de dias iguais
que nos deixa perdidos perante o relógio e o calendário. Uma pandemia que foi capaz
de voltar nosso olhar para dentro: para dentro de nossas casas, para dentro de nós
mesmos!

Pudemos aprimorar nossa percepção em relação à vida ao nosso redor e, mais


do que nunca, aprimorar a nós mesmos. Ou, pelo menos, tentar. “Conheça-te a ti
mesmo”. Tal frase Socrática nunca fez tanto sentido e nunca causou tanto medo. Se
buscar o autoconhecimento já é algo “assustador”, fazê-lo de forma “forçada”, tendo
que buscar o equilíbrio e se reinventar frente aos acontecimentos, pode ser uma
“bomba-relógio”.

Uma bomba que pode explodir em dores, angústias e ansiedade, lágrimas e


depressão, mas que também pode relevar a criatividade, um comportamento artístico

376
capaz de nos enviar para um local seguro - mesmo que dentro de nossa própria mente
- onde podemos nos sentirmos mais calmos e aptos a controlar nossas emoções. Ora,
perder o direito de ir e vir, assim, tão de repente e de forma inesperada, não é algo fácil.

Enquanto um jovem, já acostumado em viajar pelo mundo virtual, consegue


aceitar (talvez) mais facilmente a realidade; um idoso pode entrar em desespero frente
a um momento no qual ele não pode mais ir até a padaria da esquina ou dar uma volta
na praça do bairro. Aqueles que antes criticavam tanto a própria vida e rotina, agora
sentem um vazio sem explicação. E muita saudade.

Todo o contexto atual, vivenciado por cada indivíduo singular, sofre uma mesma
integralização de informações entre os Córtices Associativos (75% da área total do
Córtex): Frontal, Parietal e Temporal; os quais, por sua vez, interagem com o Córtex
Motor e o Córtex Sensorial (25% da área total). No primeiro (Frontal), pode-se destacar
a função de “filtro social”, no qual indivíduos de um mesmo núcleo familiar, passando
pelo mesmo contexto de isolamento, podem vir a agir de formas diferentes, visto que o
planejamento de ações é algo distinto: uns agem de forma mais agressiva enquanto
outros, de forma mais tranquila e passiva.

No âmbito do Córtex Associativo Parietal, levando-se em consideração um


indivíduo que não possui nenhum tipo de lesão – a qual pode impedi-lo de vislumbrar o
ambiente ao seu redor – destaca-se o fato de que a nova realidade que nos foi imposta
desencadeou uma maior percepção (atenção), da parte de cada um de nós, no ambiente
no qual estamos integrados. Sons e odores vêm nos chamando, como se tivessem algo
para nos falar, para nos mostrar. Já a atividade do Córtex Associativo Temporal, permite
que cada indivíduo expresse, e externalize em sua face, suas emoções; o que possibilita
o seu reconhecimento por outro indivíduo.

No entanto, em tempos de pandemia, no qual somos obrigados a “esconder”


nossa face atrás de uma máscara, como nossas expressões e emoções são
reconhecidas? Podemos, sim, ter um foco nos famosos "espelhos da alma", mas apenas
o olhar basta para transmitir uma informação? Ora, podemos deixar nossa marca por
outras vias! Artes plásticas e manuais, canto, dança e escrita. O momento pede uma
comunicação diferenciada, moldada a partir de um comportamento reinventado.
377
Então, o que fazer para a angústia passar? Para tornar esse isolamento menos
doloroso? Ler um livro? Aprender a pintar? Quem sabe cuidar das plantinhas do jardim
ou, finalmente, consertar a corda arrebentada do violão. Fazer um curso on-line, mandar
uma mensagem para aquele velho amigo - que há tempos vinha sendo adiada com a
desculpa clichê de sempre deixar para amanhã.

Só nos resta reorganizar nosso dia a dia, reorganizar nossa vida para essa nova
realidade que bateu à porta inesperadamente. No entanto, para que nosso entorno
esteja organizado é preciso, antes de tudo, organizar nosso interior, nosso
comportamento, nossos atos e palavras, nossos pensamentos. Como será o dia de
amanhã? Descobriremos ao acordar. Como será o futuro? “Só sei que nada sei”.

Quarentena: tomografia das emoções,


comportamento e cognição
Vídeo disponível neste hiperlink

Leonardo Calaça Arruda Vanderlei


O córtex compreende a superfície do encéfalo, a qual é composta por áreas
sensoriais, motoras e associativas. Apenas uma pequena fração de todo o córtex é
responsável pelas funções sensoriais e motoras, já a outra grande parcela, cerca de 75%,
está ligada ao processamento e integração de estímulos complexos (córtices
associativos) como: a identificação de características (significados) relevantes destes
estímulos, reconhecimento de objetos, orientação da atenção e planejamento de
respostas adequadas; juntas, essas funções são denominadas cognição. A cognição é o
processo pelo qual tomamos conhecimento do mundo.

Como já mencionado, os córtices associativos correspondem a 75% das áreas


corticais do prosencéfalo, aos quais são divididos em: córtex associativo parietal —
ligado a funções de atenção, córtex associativo temporal — relacionado a funções de
reconhecimento de estímulos complexos como objetos, expressões faciais e linguagem,
e por fim o córtex associativo frontal — correlacionado com o planejamento. Há
também áreas associativas no córtex occipital, as quais estão relacionadas com funções
visuais.

378
Vale lembrar que o encéfalo possui dois hemisférios, sendo um deles o
dominante, todavia, ambos trocam informações (sensoriais, motoras e cognitivas) entre
si através de conexões inter-hemisféricas via corpo caloso e comissura anterior.

As emoções estão associadas a sensações subjetivas e a estados fisiológicos, os


quais são fundamentais para a experiência humana normal. Pode parecer estranho, mas
as emoções (medo, ansiedade, raiva, felicidade, surpresa, etc.) estão intimamente
relacionadas com alterações fisiológicas neurovegetativas e somáticas. A exemplo disso,
podemos refletir sobre o que sentimos quando encontramos alguém que gostamos, há
uma sensação de “borboletas no estômago”, o rosto fica avermelhado (enrubescido), as
mãos suam e o coração acelera.

Já quando sentimos medo, a pele empalidece, o coração acelera, sentimos um


“nó” na garganta e os pelos ficam eriçados. Além das manifestações neurovegetativas,
há também a produção de expressões faciais. Estas manifestações fisiológicas são
decorrentes da modulação da atividade simpática e parassimpática ou entérica, vindas
dos córtices associativos e do sistema límbico.

A modulação sobre o sistema neurovegetativo é extremamente importante para


complementar as sensações experimentadas durante os estados emocionais. O
processamento complexo dos córtices sensoriais feito pelos córtices associativos, junto
às emoções, influenciam o nosso comportamento frente aos diferentes estímulos.

No primeiro momento do vídeo, onde o filho está lavando vasilhas, dançando e


ouvindo música, tudo ao mesmo tempo, várias áreas corticais e subcorticais estão sendo
ativadas para a execução destas tarefas. Ao lavar vasilhas e dançar, áreas corticais
motoras e sensoriais estarão ativadas. Ao ouvir música, o córtex auditivo estará ativado.
Executar várias atividades simultâneas prejudica a atenção, processada pelo córtex
parietal, sendo ela direcionada a apenas uma tarefa, logo, isso explicaria a queda da taça
de cristal da mãe devido à realização de múltiplas tarefas simultâneas que exigem
atenção.

No momento seguinte à quebra da taça a mãe aparece. Sendo assim, quando o


filho a vê, sente medo pelo que ela possa fazer com ele por conta da taça quebrada,

379
logo, a amígdala é ativada. A amígdala recebe diversos sinais de entrada sensoriais como
visão e audição, por conseguinte os sinais de saída vão para locais como o tronco
encefálico, especificamente para o núcleo do trato solitário (NTS), o qual é um
importante centro de modulação do sistema neurovegetativo. O NTS recruta outras
áreas do tronco, aumenta a frequência cardíaca e também estimula a liberação de suor.

Quando a mãe chega e observa que o filho tem uma expressão facial de que fez
algo errado e, em seguida, vê a taça quebrada, há ativação do córtex associativo
temporal responsável pelo reconhecimento de objetos e faces. Após entender o
contexto da situação, através da orientação da atenção para o filho e para a taça (córtex
associativo parietal), a mãe fica com raiva pelo acontecido. A raiva também envolve a
ativação da amígdala e do sistema límbico, logo também haveria aumento do simpático
resultando em aumento da frequência cardíaca e avermelhamento da face devido à
vasodilatação.

Ainda neste mesmo momento, a mãe se lembra de que a taça que foi quebrada
pertencia a sua tataravó, logo a memória também seria um componente desta ação
recrutando assim áreas como o hipocampo. Enquanto a mãe pensa sobre o que fazer a
respeito do ocorrido, é cogitado agir com agressividade extrema, entretanto, o córtex
associativo frontal, que funciona como um “filtro”, planeja e julga qual decisão é a mais
adequada para responder a determinado estímulo.

Novamente, ao reconhecer a expressão facial de brava da mãe, o filho tenta


bajulá-la, oferecendo-lhe elogios e um falso sorriso. A expressão de um sorriso forçado
ou também chamado de sorriso piramidal, envolve a participação do córtex motor ao
qual ativa núcleos de músculos faciais através do trato piramidal. Felizmente, somos
capazes de reconhecer expressões faciais espontâneas através de pequenas diferenças
nos músculos faciais recrutados para promover um sorriso, por exemplo.

Em um sorriso forçado, o músculo ocular orbicular não é ativado, apenas em


sorrisos espontâneos é possível ativar esse músculo. Uma genuína expressão de
felicidade, alegria e riso, também conhecido como sorriso de Duchenne, não envolve o
trato piramidal, mas sim tratos extrapiramidais que recebem impulsos de áreas límbicas
como o giro cingulado anterior.
380
Por fim, no desfecho, o filho vê a expressão facial da mãe a qual aparenta não
estar brava pelo ocorrido, logo, esta ação também envolve a participação do córtex
associativo temporal. Todavia, assim que o filho vai ajudar a mãe, ela muda de ideia
sobre desculpá-lo pela quebra da taça, deixando assim que seus sentimentos de raiva
sejam extravasados, logo, o córtex associativo frontal cedeu ao impulso de bater no filho
mesmo por uma coisa tão insignificante como a quebra de um objeto.

Estar confinado em casa nesta quarentena nos provoca uma enxurrada de


sentimentos e sensações, às vezes tristeza, outras vezes felicidade, angústia, estresse,
etc. As variações emocionais junto à cognição modulam nosso comportamento diante
dos estímulos do meio, logo, estando nossos sentimentos instáveis durante a
quarentena, há também grande instabilidade e variação de comportamentos. Sendo
assim, é esperado que para um animal tão sociável com o Homo sapiens seja difícil
controlar seus impulsos diante de situações físicas, psicológicas e emocionais extremas
como as causadas pelo isolamento na quarentena.

Comportamento, cognição e isolamento


Vídeo disponível neste hiperlink

Rafael Rodrigues dos Santos


O comportamento, as emoções e a cognição humana são algumas das coisas que
mais se destacam nos seres humanos em comparação a outros animais. Mostram que
nosso sistema nervoso central (SNC) nos comanda não somente em relação às “funções
internas” do nosso corpo, mas também em sua interação com o ambiente externo.
Através dele podemos planejar ações, socializar ou nos impor.

Regiões de nosso cérebro, controladas por substâncias químicas denominadas


neurotransmissores, são as estruturas responsáveis pela ação e/ou reação de situações
em que nosso comportamento será necessário. Questões de julgamento, agressividade,
medo, felicidade, convívio social, etc., são algumas das várias ramificações relacionadas
ao comportamento humano.

As nossas emoções, relacionadas com o sistema límbico, são expressas por


feições e sentimentos, para o mal e para o bem. Já nossa cognição, resumidamente

381
podendo ser explicada como a capacidade de tomarmos conhecimento e prestar
atenção em algum estímulo externo, ou em alguma motivação interna, tem
responsabilidade dos córtices associativos (áreas convolutas em nosso cérebro nas
regiões frontal, parietal e temporal) atuarem quanto a isso.

E como estamos nos comportando durante essa quarentena? Newton, recluso


em Lincolnshire durante a pandemia de Peste que assolou Londres entre 1665 e 1666,
utilizou seu tempo para realizar estudos que deram origem a muitas de suas mais
notórias contribuições ao conhecimento científico.

Contudo, não nos comparemos a ele: talvez grande parte da população tenha
aproveitado esse tempo para atualizar suas séries, ver filmes, ler livros. Muitos desses
meios artísticos são utilizados para demonstrar como diversos fatores podem afetar
nossos comportamentos, ações e emoções.

Durante mais de 3 meses presos em casa, passamos por diversas situações


nas quais quase todos esses componentes foram vistos, sentidos e utilizados. No
começo da pandemia, normalmente, podíamos não estar tão preocupados, visto que os
locais onde tudo isso estava sendo grave estavam ainda longe da gente: nem mesmo
atingindo nosso continente.

Porém, ao mesmo tempo, tínhamos solidariedade com aqueles países e pessoas


que vinham sofrendo com tal crise. No entanto, ao decorrer dos dias, acompanhamos a
situação local se tornar agravada, e, consequentemente, mais próxima: aumento no
número de casos, de mortos, da ocupação de leitos em hospitais…

Tal situação, associada a (IR)responsabilidade de pessoas extremamente


importantes, sendo acompanhadas junto a noticiários, os quais têm (E TERÃO AINDA
MAIS) consequências no resultado de tudo isso. E isso acaba, em certos momentos, nos
fazendo sentir um mix de sensações: ira, medo, pânico, ansiedade. Esses dois últimos,
pessoalmente falando, já são meus conhecidos de anos. Obviamente, são sentimentos
necessários e importantes em determinadas situações, avisando e preparando nosso
corpo a algum momento adverso, porém, totalmente aversivos se tratando de uma
condição patológica.

382
Com isso, várias tentativas são realizadas para o controle das crises, como terapia
e medicamentos. Além disso, estratégias comportamentais também podem ser
tomadas como coadjuvantes: ouvir músicas que nos confortam, praticar exercícios,
leituras, meditação, jogos onde buscamos nos distrair. Contraditoriamente, os jogos
podem nos deixar mais nervosos com eventual derrota. Tanto que muito é falado sobre
um possível efeito na agressividade das pessoas através dos jogos e o vício sobre eles.
Mas isso não chega a ser meu caso, longe disso.

A leitura chega a ser algo extremamente complexo e interessante. Seja como


o reconhecimento da linguagem ali escrita, a imaginação das situações, a atenção
necessária em focar somente no que você está lendo, “desprezando” qualquer outro
estímulo sensorial (sonoro, visual, olfativo...) presente naquele momento no ambiente
em que você se encontra, ou a captação das informações e mensagens ali deixadas pelo
autor, trazendo para as nossas vidas aprendizado, comportamento ou/e reflexão. Nisso,
os córtices associativos temporal e parietal estão relacionados, principalmente com
aprendizado, memória e atenção, respectivamente.

Por meio do esporte, uma corrida, por exemplo, presenciamos uma


sensação prazerosa que nos atinge principalmente ao seu final ou com eventual vitória
em uma disputa. Tudo isso, devido aos neurotransmissores (alguns deles a dopamina e
a serotonina), que ao atingir várias regiões de nosso cérebro, fazem com que nós
desfrutemos de uma sensação boa. A meditação também é um dos métodos utilizados.
Seja por certas pessoas relacionadas à fé/crenças (não o meu caso), ou simplesmente
pelo fato de nos “desligarmos” um pouco de nosso cotidiano, buscando uma sensação
de alívio e “descanso mental”.

As redes sociais também se tornaram o meio de nos comunicarmos com o


mundo durante esse isolamento e formaram um marco para nossa geração, para o mal
e para o bem. A inclusão, a oportunidade de empregos e a rápida comunicação podem
ser destacadas como o lado positivo. Já os discursos inflamados por ódio e mentiras, e
até mesmo situações criminosas, o vício e os transtornos que elas podem trazer por sua
obsessão são algumas das situações adversas. Nossas postagens passam por um
processo de planejamento, querendo ou não, de quem, ou o que, queremos atingir, ou

383
nos posicionar sobre determinado assunto. Isso se deve à ação do córtex associativo
frontal, responsável por essa ação de planejamento e “filtro social”.

Além disso, via essas redes sociais, certos momentos de ansiedade acabam nos
atingindo, principalmente em meio a essa situação de isolamento. Alguém mandou
mensagem? Alguém visualizou o que postei? Alguém respondeu? O filtro que fazemos
através desses aplicativos busca nós termos somente algo que queremos consumir,
amigos mais próximos, sites e páginas de preferência a seguir, buscando evitar qualquer
lado negativo. Essa questão de bom ou ruim, certo ou errado, possui dois lados: o
subjetivo e o social. Isso passa pelo processo de julgamento, onde a amígdala (junto com
o córtex frontal) é a área responsável.

Outra coisa muito bem executada durante todo esse isolamento são os estudos:
algo que a todos nós causa medo, raiva, angústia e estresse, mas que é o que
escolhemos para nossa vida e nosso futuro e, sim, apesar de tudo, amamos fazer. Leitura
de vários livros e artigos exigindo nossa atenção e motivação, criatividade e
planejamento na elaboração de uma atividade importante na nossa avaliação.

Enfim, tudo isso é algo que passamos durante todo esse período de quarentena,
e continuaremos passando mesmo após ela acabar. E com o final dessa matéria, um
misto de alívio e felicidade. Desde o início do ano estresse com prazos e atividades,
medo da reprovação, ansiedade, a adição da pandemia em meio a tudo isso...

Mas, ao mesmo tempo, pode-se dizer que todo esse estresse foi uma forma de
distração e muito aprendizado durante esse período. E, com o fechamento desse ciclo
da nossa pós-graduação, marca-se o início (ou recomeço) de outra fase, que também
nos fará sentir todas essas sensações novamente: é inevitável.

Todavia, toda essa “salada de emoções” faz parte de nossas vidas, até o seu fim.
Que possamos, nesse futuro próximo, comportarmos da forma correta, termos uma
superioridade de emoções e sensações boas, e que planejemos o melhor para nossas
vidas, e que possamos influenciar da melhor maneira a sociedade em que vivemos e
aqueles que amamos.

384
O desafio das multitarefas em tempo de
pandemia COVID-19
Vídeo disponível neste hiperlink

Murilo Augusto Duarte Vieira


O cenário mundial no ano de 2020 tem sido atípico para todos, no entanto, além
das adversidades, temos tido a oportunidade de passar mais tempo com os familiares e
olhar para o nosso interior e as coisas que estão ao nosso redor.

Além da tela do celular, computador e televisão, você tem observado o que está
a sua volta? Já parou para perceber o quão complexa é a execução de uma simples
tarefa, por exemplo, perceber que o telefone está a tocar e você deve se locomover até
a sala e pegá-lo com as mãos para atender? Todo esse processo é regulado pelo nosso
córtex associativo.

A densidade neuronal no córtex encefálico é provavelmente o que nos diferencia


dos primatas não humanos, e o maior número de neurônios nessa região nos permite
pensar de forma reflexiva, executar tarefas, ter empatia, planejamento, filtro social,
reconhecer um som, articular os movimentos da boca para conseguir falar, amarrar um
cadarço do sapato, dentre outros milhares de exemplos que poderiam ser dados.

Todas essas atividades são coordenadas pelos córtices associativos, os quais


trabalham de maneira integrada aos córtices sensoriais e ao córtex motor. Os córtices
associativos recebem as informações dos sistemas sensoriais, promovem sua integração
e deflagram as respostas efetoras a serem realizadas pelo córtex motor.

Neste sentido, cada tipo de modalidade sensorial/função específica possui uma


representatividade no córtex, cada qual com uma representatividade local. O córtex
pode ser classificado em diferentes regiões, dentre elas: córtex associativo frontal,
córtex associativo temporal e córtex associativo parietal.

O córtex associativo frontal está relacionado ao planejamento e execução de


atividades complexas, antecipação do efeito ou impacto de nossos atos (filtro social),
inibição consciente de hábitos com impacto negativo, a percepção consciente de nosso

385
papel e responsabilidades sociais. Um exemplo disso, é o de pessoas que possuem um
distúrbio conhecido como apraxia, causado por um tumor ou trauma na região frontal
do córtex. Dessa forma, portadores deste distúrbio são incapazes de planejar e realizar
movimentos familiares, tal como, o de utilizar suas mãos para pegar o telefone ou
simplesmente conseguir amarrar os cadarços de seu tênis.

Outros exemplos podem ser dados, como o do paciente Phineas Gage, o qual foi
vítima de um acidente em que um barra de aço acabou perfurando seu crânio e
atingindo o lobo frontal. Mesmo sobrevivendo ao acidente, Phineas apresentou grandes
prejuízos em suas habilidades de convívio social e acabou se tornando uma pessoa
agressiva e impulsiva, chegando a perder seu emprego e tendo comprometimento das
relações sociais próximas, logo, pode-se dizer então que sua vida nunca mais foi a
mesma.

No caso do córtex associativo temporal, este se relaciona com reconhecimento


de objetos e faces, bem como conteúdo emocional para rostos familiares. Sendo assim,
em seu cotidiano você reconhece e tem mais afeto por seus familiares devido às
integrações realizadas nesta região. Além disso, o córtex temporal também está
presente em processos de aprendizado, memória, linguagem e integração auditiva.

Tomemos novamente, por exemplo, distúrbios causados por infarto, tumor, ou


trauma, desta vez na região temporal. Essa condição é conhecida como agnosia, e pode
afetar as diferentes modalidades sensoriais, verbal, visual e auditiva. No caso da agnosia
auditiva, o indivíduo escuta os sons, mas é incapaz de relacioná-los à fonte, ou seja, em
uma situação cotidiana, seria como se você escutasse o telefone tocar, mas não
conseguisse identificar que o som vem deste objeto.

Já o córtex associativo temporal está envolvido em situações cotidianas


relacionadas à percepção visual-espacial e do próprio corpo, leitura, atenção e
síndromes de negligências contralaterais. Por exemplo, a não percepção de seu espaço
ou a atenção necessária para ler um livro em seu quarto, em um cotidiano monótono.

Em relação ao comportamento, é interessante destacar que somos pensadores,


portanto, é o que nos torna diferentes das outras espécies de animais, pela capacidade

386
de mudar o ambiente ao nosso redor, sentir empatia, felicidade, generosidade,
solidariedade. Embora, como parte das experiências vividas por cada um, alguns
indivíduos busquem essas características. Não somos uma “geração Star-Wars” em que
temos ausência de sentimentos e não vivemos mais no mundo onde é caçar ou ser
caçado. Nós evoluímos e prezamos pelos seres vivos que estão à nossa volta, sejam
humanos ou animais.

No entanto, é claro que a expressão de emoção e sentimentos vêm de um


substrato neural. A empatia, por exemplo, está relacionada à atividade neural na ínsula
e córtex cingulado anterior. A violência pode ser relacionada a distúrbios no lobo frontal.

Dessa forma, o objetivo desse texto é refletirmos sobre as pequenas situações,


que embora não requisitem nosso raciocínio, envolvem um trabalho integrado do córtex
associativo para que sejam executadas corretamente. Também, ressaltar que nosso
comportamento, a boa relação social, empatia, reconhecimento de entes queridos,
aprendizado, e vários outros modelos de comportamentos e sensações possuem
substratos neurais que trabalham de maneira integrada com nosso ambiente para nos
permitir ser o centro do nosso próprio universo.

Mecanismos comuns, identidades distintas


Vídeo disponível neste hiperlink

Mariana Silva Lovo


Eduarda Sales de Melo
O desenvolvimento humano é um processo que ocorre durante toda vida e
resulta de uma interrelação complexa de fatores biológicos, psicológicos, culturais e
ambientais. É definido como “mudanças que acontecem na vida de um indivíduo desde
a concepção até a morte”.

Entretanto, não podemos nos desenvolver sem uma consciência; a nossa


consciência é construída no nosso cérebro humano e torna-se a base de nossa
identidade e personalidade, que juntas ajudam a moldar o conjunto de características
próprias com as quais nos diferenciamos uns dos outros.

387
Segundo o neurofisiologista António Damásio, a consciência, tratada em seu livro
sobre a neurobiologia da consciência, é a responsável por todas as ordens de criações
humanas tais como: “a consciência moral, a religião, a organização social e política, as
artes, as ciências e a tecnologia; considerando-a como a função biológica crítica que nos
permite conhecer a tristeza ou a alegria, sentir a dor ou o prazer, sentir a vergonha ou o
orgulho, chorar a morte ou o amor que se perdeu, o pathos ou o desejo.

Ela é a chave para uma vida examinada, para o melhor e para o pior; é certidão
que nos permite tudo conhecer sobre a fome, a sede, o sexo, as lágrimas, o riso, os
murros e os pontapés, o fluxo de imagens a que chamamos pensamento, os sentimentos,
as palavras, as histórias, as crenças a música e a poesia, a felicidade e o êxtase.
Reconhecer o impulso irresistível para conservar a vida e o interesse por si mesmo e
cultivar a arte de viver”

Desta forma, temos o cérebro com o centro das nossas ações, desejos,
subjetividades, enfim, da nossa identidade. Com isso, devemos então ressaltar a
importância do córtex associativo frontal, do córtex associativo temporal e do córtex
associativo parietal nesses processos.

Mas não sejamos reducionistas, não somos só o nosso cérebro. Somos um


conjunto que engloba estímulos sensoriais vindos do ambiente, junto com o
processamento das informações desse ambiente. Podemos afirmar que um ambiente
com mais diversidade de estímulos produzirá um ser com mais bagagem.

Isso se deve ao fato de que processos psicológicos como percepção, atenção,


memória, linguagem, funcionamento executivo, emoções e aprendizagem, inclusive os
processos psicológicos patológicos, ao mesmo tempo que derivam de mecanismos
neurobiológicos e ambientais, também desencadeiam alterações neurobiológicas e
comportamentais.

Se fossemos resumir, a forma como os humanos se desenvolvem e aprendem


depende, crítica e continuamente, da interação entre a herança genética e o meio, a
nutrição, o cuidado, a estimulação, as oportunidades e os ensinamentos que são
oferecidos.

388
Portanto, nossa identidade é formada por uma série de experiências
socioambientais vivenciadas que, elaboradas por circuitos e processos cerebrais,
produzem a representação do mundo à nossa volta e quem nós somos.

Nossa percepção de mundo e nossa interação com ele também está vinculada
com a ação e realização de diversas atividades. A motivação à ação resulta da integração
das informações sobre a situação ambiental, fornecida pelos córtices associativos dos
lobos occipital, parietal, insular, temporal e das informações sobre a situação
motivacional/emocional do sujeito, fornecidas pelo córtex límbico.

O lobo frontal, que inclui córtex motor e córtex pré-frontal, regulam o


planejamento de ações e movimentos desde aqueles envolvidos na cognição social
(como se preocupar em lavar as compras e as roupas usadas no ambiente externo,
colocar máscara e passar álcool gel – respondendo de maneira adequada aos ritos e
signos sociais aprendidos durante a pandemia, atentos às consequências dos atos
tomados), passando pelos comportamentos implicados no cálculo de distância, força e
intensidade para acertar um alvo e na adoção de caráter lúdico em atividades maçantes
(como brincar de acertar a roupa suja dentro da máquina de lavar ou o saltar sobre uma
cama elástica ao ritmo de uma música), até os comportamentos empáticos.

Muitos dos nossos comportamentos impulsivos durante a pandemia são


evocados e norteados pelo medo, entretanto, as respostas emocionais ganham tons
cognitivos graças à conexão de estruturas paralímbicas (sobretudo do córtex pré-frontal
ventromedial, amígdala e núcleos basais) com as estruturas neocorticais (como córtex
orbital lateral e pré-frontal dorsolateral) promovendo respostas comportamentais
socialmente aceitas, recomendadas e planejadas (como usar máscara e desinfetar mãos
e compras).

Da mesma maneira, aplicar tons lúdicos às atividades tidas como rotineiras,


repetitivas e/ou enfadonhas também acontece devido à interligação das estruturas
relacionadas às funções cognitivas e motoras com as estruturas ligadas às vias
emocionais (sistema límbico), incorporando emoções positivas à essas atividades (como
alegria e bem-estar).

389
Quando praticamos pela primeira vez um novo movimento as áreas de
associação do lobo parietal processam as informações somatossensoriais (provenientes
dos músculos, por exemplo) integrando-as às regiões terciárias dos lobos occipital,
temporal e frontal, proporcionando a consciência sobre o estado do nosso corpo. As
células nervosas recrutadas em um novo circuito disparam glutamato ativando áreas
cerebrais relacionadas ao aprendizado.

Novas atividades motoras exigem que as informações necessárias para o


desenvolvimento de uma tarefa nova sejam ativadas pelo córtex frontal através da
memória de trabalho, com o hipocampo acessando as informações já consolidadas em
memória de longo prazo para a criação de novas associações – geradas graças à
plasticidade neural, enquanto o cerebelo instrui o córtex motor sobre a precisão, força,
intensidade e direção do movimento. Conforme há a repetição de uma dada tarefa, os
núcleos da base fazem com que a aprendizagem motora passe de cognitiva para
automática, consolidando a novidade na memória de longa duração, promovendo o
aprendizado.

Já quando falamos de empatia (tema abordado no vídeo nos momentos de


oração pelo próximo e sentimento de dor diante das notícias), temos uma integração de
diferentes áreas cerebrais com: Lobo occipital, onde há processamentos de estímulos
visuais, e a visão é parte fundamental da percepção do outro e de sua situação; Lobo
temporal, que processa estímulos auditivos, vinculados com o ouvir aquilo que o outro
está me contando; Lobo parietal primário, que recebe informações sensoriais e parietal
secundário, que interpreta as informações chegadas no lobo somatossensorial primário;
e o lobo límbico, que é composto por diferentes áreas como hipotálamo, tálamo,
amígdala e hipocampo e são responsáveis pelas emoções que serão externadas diante
de uma situação de empatia.

Desta maneira, a partir da empatia despertada pelas histórias, os sentimentos


como solidariedade e a compaixão são processadas em regiões cerebrais como o córtex
pré-frontal ventromedial e o córtex medial órbito-frontal, relacionados aos processos
com os quais o cérebro avalia algo importante como alimento ou dinheiro.

390
Mas, quando a empatia é acompanhada por despertar mais angústia do que
compaixão, ativam outras regiões do cérebro, como o córtex pré-motor nos lobos
frontais e o córtex somatossensorial primário nos lobos parietais. A semelhança nisso é
que ambas são conhecidas por participar dos processos chamados de espelho, onde há
atuação dos chamados neurônios-espelho ou de ação-reação.

Contudo, falar de empatia também é falar das diferenças, as quais trazem


pluralidade e têm avançado na direção do debate sobre o reconhecimento social e legal,
é falar do acirramento das diferenças que têm trazido inúmeros problemas, como os
diversos preconceitos e a intolerância. É preciso conciliar as identidades particulares
para a construção de um futuro comum. Ser diferente é o que nos faz iguais!

Como mudamos nossa forma de estudar


durante a pandemia da COVID-19?
Vídeo disponível neste hiperlink

Letícia Corrêa Vaz


O período de pandemia da COVID-19 tem sido um momento de muitas
adaptações, toda nossa rotina foi alterada e adaptada ao novo contexto. Por exemplo,
anteriormente à pandemia, a rotina normal de estudantes de pós-graduação era ir para
a Universidade, estar na sala de aula, onde o professor daria aula no quadro ou com
slides, teríamos contato com os colegas e estaríamos todos no mesmo ambiente, que é
propício e voltado ao ensino, para que nossa atenção estivesse voltada para a aula.

Nossas escritas de artigos ou projetos, assim como reuniões para discuti-los,


seriam no laboratório ou no núcleo de estudos. Para desenvolver aquele trabalho ou
estudar para aquela prova, iríamos para a biblioteca.

Entretanto, nas circunstâncias atuais, todas as nossas atividades acadêmicas se


resumem a um único local: a internet. Através do computador realizamos todas as
nossas atividades, desde as mais simples, até as mais complexas, basta acessarmos os

391
links das aulas ou reuniões, ou buscarmos livros, artigos e outros materiais de estudos
na internet.

Essas atividades estão diretamente ligadas às áreas associativas do córtex


cerebral. Por exemplo, em circunstâncias normais, para assistirmos uma aula,
planejamos sair de casa, nos deslocarmos até a Universidade, entrar na sala de aula e
aguardar a chegada do professor, e decidimos permanecer na aula durante todo seu
desenvolvimento ou não. Já nas circunstâncias atuais, planejamos ligar o computador,
buscar o link da aula e decidimos assisti-la virtualmente ou não. Em ambas as situações,
podemos ver exemplos de ações de planejamento e tomada de decisão, o que vai
acontecer no córtex frontal associativo.

Já o nosso córtex temporal associativo, vai nos ajudar a reconhecer as faces de


nossos colegas e professores, além de trabalhar em aspectos como a emoção. Esta pode
nos despertar sentimentos de motivação com a aula e que, consequentemente, vai nos
levar a querer buscar aprender mais ou nos desmotivar, podendo fazer com que o aluno
não tenha tanto interesse na aula. Outro fator trabalhado pelo córtex temporal
associativo é o de memória, ou seja, se os aprendizados da aula serão transformados
em memória pelo aluno.

O nosso córtex parietal associativo vai trabalhar na atenção. Nesse momento


atípico, é interessante refletirmos sobre a atenção e seus processos. Isso pois se
pararmos para analisar diferentes ambientes promovem diferentes processos de
concentração.

Em sala de aula, onde estamos todos reunidos para focar a atenção na aula é
diferente da atenção que temos na aula virtual, algumas coisas corriqueiras podem nos
dispersar, como uma notificação em outra aba do computador ou até mesmo sons
externos, como um carro de som na rua ou uma reforma na casa do vizinho.

E todo esse contexto de estudos em casa, também afeta nosso comportamento


social no meio acadêmico, uma das características biológicas do comportamento, já que
nosso contato com os colegas e professores está restrito a uma tela de computador. O
comportamento social pode nos trazer uma série de emoções, como por exemplo,

392
durante um intervalo das aulas, quem nunca sentiu os efeitos de dopamina fabricada na
área tegmental ventral e ser liberada no estriado ventral (núcleo accumbens),
provocando aquele sentimento de prazer ou recompensa? Ou ainda, durante aqueles
momentos que você se reunia com seus colegas compartilhando o sentimento de medo
originado na amígdala, antes de fazer uma prova, ou então após a aula ir para o ginásio
praticar atividades como, por exemplo, jogar uma partida de voleibol, que traz tantos
benefícios à saúde e bem-estar.

Exercícios esses que tendem a melhorar o humor, diminuir o estresse e a


ansiedade, através da liberação de dopamina e endorfinas. Já à distância, o que nos resta
é o resultado da ativação da amígdala interferindo no eixo hipotálamo-hipófise que
libera ACTH, influenciando nos níveis de cortisol, causando o famoso nervoso ou
estresse quando nosso computador trava ou nossa internet não funciona, dificultando
nosso acesso às aulas.

Assim, essas adaptações nos trazem inicialmente estranheza, por ser algo não
tão realizado em ocasiões anteriores, mas é algo necessário para que possamos voltar a
nossa rotina, frequentar a Universidade e estudar com os colegas reunidos da maneira
que a pandemia nos impediu.

393
Projeto de pesquisa
O sentir físico e subjetivo em período de
distanciamento/isolamento social durante pandemia
de covid-19. Análise qualitativa e quantitativa
Coordenação: Prof. Dr. Norberto Garcia-Cairasco
Colaboradora: Dra. Itiana Castro Menezes

Este estudo foi composto de duas partes. A primeira parte consistiu em uma
análise retrospectiva e qualitativa de texto e vídeos já entregues pelos alunos ao Prof.
Norberto Garcia-Cairasco durante as Disciplinas RCG-0212 Estrutura e Função do
Sistema Nervoso - Graduação de Medicina (Bloco I) e RFI-5774 Integração Sensorial e
Motora - Comportamento - Programa de Pós-Graduação em Fisiologia (Bloco II),
quando ministradas em 2020 na FMRP/USP. Na segunda parte do projeto (Bloco III,
presente) foram coletados dados, de forma transversal, por meio de escalas
autoaplicáveis traduzidas e/ou validadas para o Português Brasileiro. Concluídas ambas
as fases, a participação do sujeito na pesquisa estará concluída.

Quando este projeto de pesquisa foi proposto, os óbitos por COVID-19, em 2020,
contabilizavam 34 mil no Brasil e mais de 380 mil no mundo. Atualmente, o cenário da
pandemia e do isolamento social continua e, no Brasil, já somaram 434.715 óbitos pela
doença (16/05/2021). Com a “segunda onda” da pandemia do vírus COVID-19,
superlotação de leitos de unidade de terapia intensiva e baixíssima disponibilidade de
vacina para a população brasileira - ainda lenta e gradual-, o distanciamento social,
utilização de máscaras e cuidados com higiene continuam sendo as medidas mais
eficazes contra a contaminação pelo vírus e agravamento do cenário da pandemia.

Nesse período de pandemia e distanciamento/isolamento social, da mesma


maneira que no resto do mundo, os alunos da Graduação e da Pós-Graduação da
FMRP/USP enfrentaram alguns desafios como: lidar com o isolamento social obrigatório,
mas conviver de forma mais intensa com quem dividem seu lar; adaptar-se a uma nova
rotina e meios para execução de tarefas; lidar com o medo comum de contaminar-se
com o COVID-19 e/ou de ser o carreador do vírus para pessoas mais vulneráveis com

395
quem têm convivência. Neste período, também, os sentimentos de solitude e/ou
solidão, estresse/ansiedade frente ao novo cenário, desenvolvimento de estratégias de
coping, entre outros, puderam ser despertados.

Este projeto então visou, principalmente, aumentar o autoconhecimento dos


participantes e sua percepção de alterações sensoriais físicas e/ou emocionais na
vigência de distanciamento/isolamento social durante o período de pandemia. Para
isso, além da confecção de vídeos e textos por parte dos participantes, estes foram
convidados a participar de uma etapa de preenchimento de questionários e escalas
psicométricas autoaplicáveis via plataforma online Survey Monkey. Tais escalas
utilizadas neste projeto foram traduzidas e adaptadas/validadas para o Brasil e são
instrumentos fidedignos e adequados para aferir os construtos psicofisiológicos que se
propõe avaliar - construtos qualitativos de componentes emocionais (sintomas
depressivos, ansiosos e de distress; capacidade de resiliência) (Fleck et al., 2000; Luft et
al., 2007; Moreno et al., 2016; Santos et al., 2013) e/ou sensoriais físicos (componentes
auditivos e integração sensorial) (Miranda-Gonsalez & Almeida, 2017) no período de
distanciamento/isolamento social.

Os dados foram analisados utilizando-se o software SPSS v.20.0, considerando


um nível de significância de 0,05 e intervalo de confiança de 95%. A pesquisa respeitou
as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos do
Conselho Nacional da Saúde – resolução 466/12.

Após darem o aceite no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e de


preencherem as escalas, os participantes concluíram sua contribuição na pesquisa. Os
sujeitos que participaram da pesquisa (N=97) são alunos da Universidade de São Paulo
– Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – sendo alocados em dois grupos:
Graduandos de Medicina (n=68) e alunos de Disciplina de Pós-Graduação em Fisiologia
(n=29). Este último grupo inclui, além dos alunos da FMRP-USP, alunos de várias outras
Universidade do país.

As diferenças entre os grupos para dados sociodemográficos entre os grupos


foram encontradas para as seguintes variáveis: idade (t=-6,713; p<0,001; Figura 1) e
renda familiar (23,120; p<0,001; Figura 2). Os alunos de graduação apresentaram uma
396
média menor de idade e uma maior renda familiar que os pós-graduandos. A média de
idade dos graduandos foi de 21 anos e dos pós-graduandos de 27,5 anos. A amostra foi
composta majoritariamente por sujeitos do sexo masculino em ambos os grupos, não
havendo diferença significativa entre eles em relação a isso (x²=0,062; p=0,803; Figura
3). Quanto aos demais dados sociodemográficos que não diferiram significativamente
entre os grupos de graduandos e pós-graduandos estão: estado civil (x²= 4,049; 0,044),
presença de doença clínica (x²=0,125; p<0,001), presença atual de transtorno
psiquiátrico (x²=0,286; p=0,592) , estar ou não realizando tratamentos clínicos para
doenças clínicas ou psiquiátricas (x²=1,236; p=0,515), acesso à internet (x²=0; p=1),
pertencer ou não ao grupo de risco (x²=0,014; p=0,904).

Quanto às relações sociais durante a pandemia, houve diferença significativa


entre os grupos quando se tratou de qualidade da interação social com pessoas que
dividem a mesma casa (x²=14,119; p<0,001; Figura 4). Para a maior parte dos
graduandos, a relação presencial com tais pessoas apresentou alguma ou bastante
melhora, enquanto, para os pós-graduandos, tal interação não mudou ou apenas
melhorou. De forma semelhante, ambos os grupos (x²=3,702; p=0,301) apresentaram
prejuízo nas relações sociais presenciais com os amigos; Figura 5), mas uma melhora nas
relações online.

Quanto às escalas psicométricas, para sintomas depressivos – avaliados por meio


da Patient Health Questionnaire-9 - PHQ-9; Santos et al. 2009); sintomas ansiosos
(Generalized Anxiety Disorder -GAD-7; Moreno et al., 2016) e estresse percebido (Escala
de Estresse Percebido; Luft et al., 2007), não houve diferença entre os grupos. Apesar
da falta de diferença na pontuação geral da Escala de Estresse Percebido, no item que
avalia sentimento de acúmulo de dificuldades e dificuldade em superá-las, o grupo de
pós-graduandos apresentou pontuação significativamente mais alta (t= -2,155;
p=0,034).

Foi possível observar uma pior qualidade de vida dos pós-graduandos em relação
aos alunos de graduação em relação à qualidade de vida geral (t=2,460; p=0,016) e em
aspectos relativos à influência do meio (domínio ambiental; t=4,322; p<0,001) por meio
da aplicação da World Health Organization Quality of Life instrument - Brief: WHOQOL

397
– Brief; Fleck et al., 2000). Também, quando avaliados com a Speech, Spatial and
Qualities of Hearing Scale (SSQ; Miranda-Gonsalez e Almeida, 2017), os pós-graduandos
apresentaram uma pior qualidade na audição que os graduandos, tanto na pontuação
geral (t=3,218; p=0,002; Figura 6), quanto em questões relacionadas à audição para a
fala (questões 1 a 5; p<0,05) e necessidade de maior esforço para escuta (t=2,043;
p=0,048).

A diferença na qualidade de vida entre graduandos e pós-graduandos, avaliada


nesse período de pandemia, pode ser também resultante da diferença de suas rendas
mensais familiares. Neste período de quarentena, a situação financeira do brasileiro
decaiu consideravelmente. Assim, muitas pessoas precisaram contar com o auxílio da
família ou precisaram lançar mão de suas reservas financeiras de emergência para
poderem se sustentar. Sujeitos que possuem uma família com mais recursos financeiros
provavelmente também terão melhor acesso a transporte, saúde, informação, moradia,
e, consequentemente, podem vir a sentir, por parte dos fatores ambientais, menor
impacto na sua qualidade de vida. Além disso, o sentimento de “sobrecarga”, apontado
por uma das questões da escala EEP, na qual os pós-graduandos pontuaram mais que
os graduandos, também pode estar associado a este quadro de total instabilidade
socioeconômica que estamos atravessando em meio à pandemia. Ainda, entre os grupos
estudados, há também uma diferença na média de idade e, consequentemente, de
geração. Os graduandos, em sua maioria, são pertencentes à geração Z; já os pós-
graduandos, em sua maioria, à geração Y ou Millenials. Estas gerações podem
apresentar algumas diferenças em relação ao perfil comportamental, estratégias de
enfrentamento e desenvolvimento de resiliência
(https://www2.deloitte.com/content/dam/Deloitte/global/Documents/About-
Deloitte/gx-millennial-survey-mental-health-whitepaper.pdf; Gharzai et al, 2020;
Jiang et al., 2017).

Quanto à audição, o prejuízo observado nos pós-graduandos em relação aos


graduandos, na presença de interferências, ou a necessidade de maior esforço auditivo
para compreender uma conversa pode ser decorrente de sua maior média de idade. O
aumento da idade afeta os limiares de audição para o reconhecimento de fala e o grau
do esforço auditivo (Deegest et al., 2015).

398
CONCLUSÃO

Esta pesquisa, pioneira, mas ainda considerada um piloto, demonstrou prejuízos


claros, associados à pandemia de Covid-19, distintos em alguns aspectos: físicos,
sensoriais, emocionais e de convívio social, quando comparados alunos de Graduação e
o Pós-Graduação durante aulas de duas Disciplinas de Fisiologia na FMRP em 2020.

Muitas pesquisas relacionadas a aspectos psicológicos e de saúde mental vêm


sendo conduzidas neste período de pandemia de Covid-19. No entanto, a presente traz
um caráter notório ao considerar, além dos anteriores, também componentes sensoriais
físicos e suas alterações, como fez-se em relação à avaliação da audição. Ainda, por meio
dos vídeos e textos (Graduação Bloco I e Pós-Graduação Bloco II), que compuseram a
parte inicial da pesquisa, será possível avaliar os componentes subjetivos da qualidade
de vida dos sujeitos por meio de seu autorrelato e autopercepção em meio ao cenário
de pandemia e isolamento social em que estamos imersos.

Figura 1. Média de idade dos sujeitos da pesquisa.

399
Figura 2. Número de sujeitos por grupo, divididos por faixa de renda salarial
mensal.

400
Figura 3. Número de sujeitos por grupo divididos por sexo.

401
Figura 4. Comparação entre grupos, da qualidade da interação presencial com
pessoas que residem na mesma casa.

402
Figura 5. Comparação entre grupos, da qualidade da interação presencial com os
amigos.

403
Figura 6. Pontuação total da escala “Qualidade da interação presencial dos
sujeitos com pessoas ou amigos”. SSQ: Speech, Spatial and Qualities of Hearing Scale
(Miranda-Gonsalez & Almeida, 2017).

REFERÊNCIAS

Degeest, S.; Keppler, H.; Corthals, P. The Effect of Age on Listening Effort. Journal of Speech, Language,
and Hearing Research. v. 58, n.5, p.1592-1600, 2015. doi: 10.1044/2015_JSLHR-H-14-0288. PMID:
26161899.

Fleck, M.P.A.; Louzada, S.; Xavier, M.; Chachamovich, E.; Vieira, G.; Santos, L.; Pinzon, V. Aplicação da
versão em português do instrumento abreviado de avaliação da qualidade de vida "WHOQOL-
brief". Revista de Saúde Pública, v.34, n.2, p. 178-183, 2000.

Gharzai, L.A.; Beele,r W.H.; Jagsi, R. Playing Into Stereotypes: Engaging Millennials and Generation Z in the
COVID-19 Pandemic Response. Advances in Radiation Oncology. v. 5, n. 4, p. 679-681, 2020. doi:
10.1016/j.adro.2020.04.009. PMID: 32363242; PMCID: PMC7194602.

Jiang, X.-R., Du, J.-J., & Dong, R.-Y. Coping Style, Job Burnout and Mental Health of University Teachers of
the Millennial Generation. Eurasia Journal of Mathematics, Science and Technology Education. v.13, n.7,
p. 3379-3392, 2017. https://doi.org/10.12973/eurasia.2017.00734a.

Luft, C.D.B.; Sanches, S.O.; Mazo, G.Z. Andrade, A. Versão brasileira da Escala de Estresse Percebido:
tradução e validação para idosos. Revista de Saúde Pública, v. 41, n. 4, p. 606-615, 2007.

404
Miranda-Gonsalez, E.; Almeida K. Incapacidade auditiva medida por meio do questionário Speech, Spatial
and Qualities of Hearing Scale (SSQ): estudo piloto da versão reduzida em Português Brasileiro. Audiology
– Communication Research [Internet]. v. 22: e1709, 2017.

Moreno, A. L.; De Sousa, D. A.; Souza, A.M.F.L.P.; Manfro, G.G.; Salum, G. A.; Koller, S. H. Osório, F.L.
Crippa, J. A.S. Factor structure, reliability, and item parameters of the brazilian-portuguese version of the
GAD-7 questionnaire. Temas em Psicologia, v. 24, n.1, p.367-376, 2016.

Santos, I. S.; Tavares, B. F.; Munhoz, T. N. Almeida, L. S. P.; Silva, N. T. B. Tams, B.D.; Patella, A. M. ;
Matijasevich, A. Sensibilidade e especificidade do Patient Health Questionnaire-9 (PHQ-9) entre adultos
da população geral. Cadernos de Saúde Pública, v.2

405
Pósfacio
Os elementos da “Oficina Cândido Portinari: A Ciência e a Arte do Cotidiano” e
seus desdobramentos no formato deste e-book “Neurociência Crítica e Criativa nos
tempos da Pandemia de Covid-19”, com os seus componentes: Bloco I, Graduação,
Bloco II, Pós-Graduação e Bloco III Projeto “Sentir Físico e Subjetivo em Período de
Distanciamento/Isolamento Social durante a Pandemia de Covid-19. Análise Qualitativa
e Quantitativa” constituem, um exercício único, de reflexão, num momento inusitado,
trágico, mas grande desafio para a criação/fortalecimento de resiliência, para a derrota
de nossa arrogância e para a expressão de empatia e solidariedade.

Concluímos com muita gratificação, que a execução de exercícios de ensino


remoto, forçados pela pandemia, criou cenários inusitados, forçou reflexões e trouxe à
tona situações que em muitos casos, embora já existissem, não eram valorizadas, ou
estavam mascaradas no dia-dia corrido das cidades e Universidades contemporâneas.

Embora consideremos este como um estudo limitado/piloto, pelas suas


revelações, mesmo nas circunstâncias descritas, pode e deve ser ampliado para cenários
maiores como o do Brasil. Os atores principais, alunos de Graduação e de Pós-Graduação
e suas famílias, seus amigos mais próximos, seus animais de estimação, são os
contadores de histórias retratadas em textos e vídeos. Além de serem alunos da
Graduação e de Pós-Graduação, são todos eles, de carne e osso, seres humanos
pensantes, mas também emocional e afetivamente ricos, resilientes ou vulneráveis,
amantes das artes musicais, literárias, visuais e dos esportes. Destacar esses valores
humanos antes que as suas habilidades e capacidades pragmáticas tem que ser tarefa
concreta numa Universidade que valorize a Universalidade e Pluralidade dos Múltiplos
Saberes.

406
Projeto Gráfico e Capa
Projeto geral e texto descritivo:

Jociany Lopes de Vasconcelos e Norberto Garcia-Cairasco


Norberto Garcia-Cairasco:

Desenhos à lapiz e canetas (Stabilo), manipulações digitais


em iPhone 8.0, usando DeepArtEffects, Photoleaf by
Lightricks
Jociany Lopes Vasconcelos:

Manipulações digitais em Paint 3D e Canva


Alissa Eckert e Dan Higgins do Centro de Controle e
Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos:

Imagem em 3D do coronavírus
Com a pandemia de Covid-19, nossos olhares se voltaram para as mais variadas
janelas, em especial as abas de nossos computadores com diversas atividades não
presenciais. O presente e-book representa mais uma janela aberta, um local de respiro
e identificação. Sendo assim, na composição de seus aspectos visuais buscamos integrar
os mais diversos sentimentos advindos do nosso atual contexto.

O primeiro elemento que utilizamos foi a imagem do acervo da turma da FMRP


68 em um dia muito representativo – os 100 dias como calouros – que marca um período
de muitas expectativas acerca do que serão seus 6 anos de formação. Esse momento
em específico se associa intimamente aos nossos sentimentos com todo iniciar de ano,
que em 2020 foi interrompido pela pandemia.

Num primeiro estágio, duas cópias da mesma imagem foram tratadas


digitalmente com a ferramenta DeepArtEffects com os filtros mosaic 1 e eye em iPhone
8.0. A fusão das duas imagens, buscou produzir uma nova versão com a primeira metade
(superior e esquerda; mosaic 1 effect) somada à segunda metade (inferior direita; eye
effect). Essa composição foi criada em Photoleap by Lightricks em iPhone 8.0. A nova
imagem foi propositalmente feita de maneira a contrastar as vibrantes cores da

407
celebração, com as cores mais apagadas da frustração. A composição ficou mais
complexa ao somar desenhos de neurônios (com e sem o coronavirus no seu núcleo),
feitos com lápis e canetas de cores (Stabilo) e guache, alusão à Neurofisiologia e à
importância da Ciência para entender o modo de ação do vírus e como enfrentá-lo.

Para representar ainda mais a consequente ruptura de planos e projetos dos


alunos, a imagem já manipulada foi cindida através da ferramenta “PAINT 3D”, após o
qual o projeto gráfico foi realizado majoritariamente no aplicativo “CANVA”.

O processo foi marcado por diversas versões, com diferentes cores, até que
vimos que a simbologia da cor azul era a que melhor representava os nossos desejos
frente a pandemia, que eram os de harmonia, tranquilidade, estabilidade e por isso foi
utilizada de forma tão intensa em nossas composições.

Como mencionado acima, além da foto inicialmente manipulada e da cor azul,


neurônios previamente desenhados com os núcleos representados por coronavírus
foram utilizados, demonstrando não só o componente de Neurociências contido no e-
book, quanto as conexões sociais que realizamos diariamente e tiveram que se adaptar
plasticamente à atual situação.

Para a elaboração da capa, buscamos a representatividade da imensidade de


sentimentos apresentados no e-book, e isso se estendeu por toda a composição gráfica,
em que as transições de capítulos adquiriram um degradê (do azul para o colorido e do
núcleo neuronal com Covid-19 para a ausência viral), demonstrando a esperança de
retorno a um melhor cenário, que ainda assim será diferente daquele que tínhamos
antes da pandemia, o que acabou resultando na permanência leve de azul na transição
dos textos e vídeos desenvolvidos pelos alunos da turma 68 (Bloco I) e da Pós-Graduação
(Bloco II).

No Bloco III, referente ao projeto de pesquisa “O sentir físico e psíquico na


pandemia do COVID-19”, outros elementos foram adicionados: Novos neurônios
desenhados manualmente com canetas (Stabilo), em papel especial quadriculado (The
paper works). Neurônios vívidos e fluorescentes, pré-pandemia e neurônios escuros, em
neurodegeneração, na pandemia. Por outro lado, cores vivas que simbolizam alegria,

408
prosperidade e criatividade. Neurônios nesses dois cenários representam a dualidade
de sentimentos desencadeados por todo esse processo de transformação que temos
passado em virtude da pandemia e que foram retratados intensamente nos textos e
vídeos do e-book.

Esperamos que muito em breve, as janelas que abriremos sejam para um mundo
livre dessa pandemia, com um céu vertiginosamente azul e um sol intenso a iluminar
nossa caminhada, que como consequência das obvias reflexões, gerou e certamente
gerará, muito aprendizado na era pós-Covid.

409
ANEXOS
Anexo 1 – Tabela de localidades nos mapas do Brasil e de
São Paulo
Id Estado Cidade Latitude (S) Longitude (W) Escolaridade
1 SP Ribeirão Preto -2.117.302.778 -4.786.683.333 Graduação
2 SP Carapicuíba -2.354.183.333 -4.683.802.778 Graduação
3 SP Atibaia -2.311.738.889 -4.656.347.222 Graduação
4 SP Itu -2.326.791.667 -4.729.005.556 Graduação
5 SP Cajamar -2.335.641.667 -4.687.922.222 Graduação
Ferraz de
6 SP Vasconcelos -2.354.816.667 -4.637.483.333 Graduação
7 SP São Paulo -2.354.666.667 -4.664.502.778 Graduação
8 SP Itapira -2.243.716.667 -4.682.383.333 Graduação
9 SP Santa Gertrudes -2.245.608.333 -4.753.091.667 Graduação
10 SP Franca -2.054.066.667 -4.740.208.333 Graduação
11 SP São Pedro -2.254.669.444 -4.791.172.222 Graduação
12 SP Botucatu -2.288.969.444 -4.844.269.444 Graduação
13 SP Americana -2.274.530.556 -4.733.130.556 Graduação
14 SP Peruíbe -24.312 -4.699.138.889 Graduação
15 SP Cotia -2.359.688.889 -4.691.227.778 Graduação
16 SP Osasco -2.353.741.667 -4.679.797.222 Graduação
17 SP Guarulhos -2.343.811.111 -4.646.041.667 Graduação
18 SP Campinas -2.287.911.111 -4.704.908.333 Graduação
19 SP Sertãozinho -2.112.927.778 -4.798.222.222 Graduação
20 SP Igaraí -2.140.722.222 -46.811 Graduação
21 SP Indaiatuba -2.308.383.333 -4.721.430.556 Graduação
22 SP Divinolândia -2.165.922.222 -4.673.688.889 Graduação
23 SP Bragança Paulista -2.294.355.556 -4.653.291.667 Graduação
24 SP Marília -2.220.269.444 -4.995.591.667 Graduação
São José do Rio
25 SP Preto -2.079.297.222 -4.939.513.889 Graduação
26 SP Sorocaba -2.347.780.556 -4.746.794.444 Graduação
27 SP Lorena -2.273.763.889 -4.511.313.889 Graduação
28 SP Aparecida -2.284.372.222 -4.523.208.333 Graduação
29 SP Pilar do Sul -2.381.263.889 -4.772.025 Graduação
30 SP Santos -2.395.833.333 -4.633.263.889 Graduação

410
31 SP Rio Claro -2.239.769.444 -4.755.705.556 Graduação
São José dos
32 SP Campos -2.318.005.556 -4.588.602.778 Graduação
33 SP Mogi-Guaçu -2.237.341.667 -4.693.786.111 Graduação
34 SP Limeira -2.257.255.556 -4.740.486.111 Graduação
35 SP Bauru -2.233.011.111 -4.907.363.889 Graduação
36 SP Poá -2.352.366.667 -4.634.716.667 Graduação
37 MG Varginha -2.156.872.222 -4.544.241.667 Graduação
38 MG Andradas -2.207.136.111 -4.657.005.556 Graduação
39 MG Passos -2.071.044.444 -4.662.091.667 Graduação
40 MG Muzambinho -213.675 -4.652.388.889 Graduação
41 RO Porto Velho -8.759.833.333 -6.386.725 Graduação
42 AM Manaus -3.122.944.444 -6.001.763.889 Graduação
43 RJ Nova Friburgo -2.224.388.889 -4.252.422.222 Graduação
44 PI Teresina -5.086.416.667 -4.280.033.333 Graduação
45 DF Brasília -1.582.483.333 -4.811.116.667 Graduação
46 GO Buriti Alegre -1.813.177.778 -4.904.083.333 Graduação
47 GO Goiânia -1.671.505.556 -4.928.936.111 Graduação
48 SC Florianópolis -2.760.002.778 -4.854.833.333 Graduação
49 PR Foz do Iguaçu -2.553.072.222 -5.455.394.444 Graduação
50 PR Francisco Beltrão -2.608.072.222 -530.575 Graduação
51 SC Itapema -2.709.308.333 -4.861.419.444 Graduação
52 PE Bonito -84.705 -3.572.955.556 Graduação
53 MA Imperatriz -5.504.416.667 -4.745.938.889 Graduação
São Sebastião do
54 MG Paraíso -2.091.580.556 -4.698.277.778 Graduação
55 GO Santa Terezinha -267.822 -500.063 Graduação
56 RS Porto Alegre -300.277 -512.287 Graduação
57 RJ Rio de Janeiro -2.117.302.778 -432.096 Graduação
58 MG Dom Silvério -20.14 -432.096 Graduação
59 MG Ponte Nova -2.311.738.889 -4.786.666.667 Graduação
60 MG Barbacena -2.326.791.667 -4.786.666.667 Graduação
61 GO Itumbiara -2.335.641.667 -4.786.666.667 Graduação
62 SP Ribeirão Preto -2.117.666.667 -4.782.083.333 Pós-Graduação
63 GO Anápolis -16.349 -4.893.180.556 Pós-Graduação
64 SP Araçatuba -2.122.472.222 -5.040.916.667 Pós-graduação

411
65 SP Ribeirão Preto -2.136.602.778 -4.838.708.333 Pós-Graduação
66 GO Firminopolis -1.658.194.444 -50.305 Pós-Graduação
67 SP Ribeirão Preto -2.116.677.778 -4.782.888.889 Pós-Graduação
68 RJ Macaé -2.233.152.778 -4.174.083.333 Pós-Graduação
69 PB João Pessoa -7.115 -3.486.305.556 Pós-Graduação
Vitória da
70 BA Conquista -1.486.472.222 -4.083.694.444 Pós-Graduação
71 MG Alfenas -2.142.888.889 -4.594.694.444 Pós-Graduação
72 GO Goiania -1.667.861.111 -4.925.388.889 Pós-Graduação
73 SP Ribeirão Preto -2.136.602.778 -4.838.708.333 Pós-Graduação
74 MG Diamantina -1.824.142 -4.360.568 Pós-Graduação
75 SP Ribeirão Preto -2.136.602.778 -4.838.708.333 Pós-Graduação
76 SP Guarulhos -23.413 -464.445 Pós-Graduação
77 GO Catalão -1.816.583.333 -4.794.638.889 Pós-Graduação
78 SP Ribeirão Preto -2.136.602.778 -4.838.708.333 Pós-Graduação
79 RS Uruguaiana -2.976.258.333 -5.707.555.556 Pós-Graduação
80 RS Uruguaiana -2.975.080.556 -57.09 Pós-Graduação
81 SP Ribeirão Preto -2.117.666.667 -4.782.083.333 Pós-Graduação
82 SP Ribeirão Preto -2.117.666.667 -4.782.083.333 Pós-Graduação
83 SP Areiópolis -2.268.375 -4.866.986.111 Pós-Graduação
84 SP Leme -2.218.916.667 -4.739.805.556 Pós-Graduação
85 RJ Macaé -2.238.227.778 -4.177.222.222 Pós-Graduação
86 SP Ribeirão Preto -2.136.602.778 -4.838.708.333 Pós-Graduação
87 PB João Pessoa -7.115 -3.486.305.556 Pós-Graduação
88 SP Americana -2.273.916.667 -4.733.138.889 Pós-Graduação
89 RS Uruguaiana -297.495 -570.882 Pós-Graduação
90 GO Goianésia -153.285 -4.910.716.667 Pós-Graduação
91 SP Birigui -2.130.888.889 -5.034.361.111 Pós-Graduação
92 RS Uruguaiana -297.495 -570.882 Pós-Graduação

412
Anexo 2 – Termo de Consentimento

413
414
Anexo 3 – Direitos do uso de imagem/copyrights

Observação: Os alunos que assinaram este termo o faziam se identificando como


matriculados na Disciplina RCG-212 da Graduação FMRP-USP ou RFI-5774 da Pós-
Graduação Fisiologia-FMRP-USP, respectivamente.

415
Anexo 4 - Direitos do uso de imagem/copyrights

Observação: Os indivíduos que assinaram este termo o faziam se identificando como


participantes dos vídeos produzidos por alunos matriculados na Disciplina RCG-212 da
Graduação FMRP-USP ou RFI-5774 da Pós-Graduação Fisiologia-FMRP-USP,
respectivamente.

416
AGRADECIMENTOS

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