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MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

Book · June 2019

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Aluizio Lendl

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MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

ANTÔNIO LUCIANO PONTES


ALUIZIO LENDL

MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E
ENSINO

1
MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

Coleção TECLIN - Tecnologias, Culturas e Linguagens

O objetivo primordial da coleção TECLIN - Tecnologias, Culturas e Linguagens


é incentivar, desenvolver e contribuir com o estudo e a pesquisa sobre
tecnologias, culturas e linguagens no âmbito das Artes, da Comunicação e da
Educação, a partir de uma visão indisciplinar e mestiça, para compreender o uso
das tecnologias e das linguagens na construção de sentidos nas mais diversas
manifestações artísticas, além de interpretar as possíveis articulações das
tecnologias e das linguagens com a educação e com os processos de ensino e
aprendizagem de línguas – em seus mais diversos contextos.

Conselho editorial

Prof. Dr. Fábio Marques de Souza (UEPB, Brasil) Profa.

Dra. María Isabel Pozzo (IRICE-Conicet-UNR, Argentina)

Profa. Dra. Marta Lúcia Cabrera Kfouri-Kaneoya (UNESP, Brasil)

Comitê científico da obra


Prof. Dr. Afrânio Mendes Catani (USP).
Profa. Dra. Cristina Bongestab (UEPB).
Profa. Dra. Cristiane Navarrete Tolomei (UFMA).
Prof. Dr. Dánie Marcelo de Jesus (UFMT).
Profa. Dra. Eliete Correia dos Santos (UEPB).
Prof. Dr. Ivo Di Camargo Junior (SME-Ribeirão Preto-SP).
Prof. Dr. José Alberto Miranda Poza (UFPE).
Prof. Dr. Maged Talaat Mohamed Ahmed Elgebaly (Aswan University).
Profa. Dra. Marta Lúcia Cabrera Kfouri-Kaneoya (UNESP).
Profa. Dra. María Isabel Pozzo (IRICE-Conicet-UNR, Argentina).
Profa. Dra. Maria Manuela Pinto (Universidade do Porto).
Profa. Dra. Mona Mohamad Hawi (USP).
Prof. Dr. Nefatalin Gonçalves Neto (UFRPE).
Profa. Dra. Rosa Ana Martín Vegas (USAL, Espanha).

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MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

ALUIZIO LENDL
ANTÔNIO LUCIANO PONTES
(ORGANIZADORES)

MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

TECLIN/UEPB/CNPq

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MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

Copyright © dos autores


Todos os direitos garantidos. Qualquer parte desta obra pode ser
reproduzida ou transmitida ou arquivada, desde que levados em
conta os direitos dos autores.

Aluizio Lendl, Antônio Luciano Pontes [Organizadores].


Multimodalidade, Metadiscurso e Ensino. São Paulo: Mentes
Abertas, 2019, 130 p.
ISBN 978-65-80266-15-9
1. Multimodalidade. 2. Metadiscurso. 3. Linguagens. 4. Ensinar. 5.
Aprender. I. Título.

CDD 410
Capa: Lucas de França Nário Oliveira

http://www.mentesabertas.com.br/

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MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO ....................................................................................................................................................... 6

CRENÇAS DE DOIS PROFESSORES DE 5º ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL SOBRE O


DICIONÁRIO ESCOLAR INFANTIL ................................................................................................................... 7
Luan Talles de Araújo Brito
Antônio Luciano Pontes

MULTIMODALIDADE E LEITURA LITERÁRIA NO PROJETO “MALA DE LITERATURA –


ENEM”............................................................................................................................................................................23
Cássia da Silva
Leandro Lopes Soares

O METADISCURSO NA REDAÇÃO DO ENEM: UMA ANÁLISE DAS CATEGORIAS


INTERATIVA E INTERACIONAL NA PERSPECTIVA DE HYLAND ................................................33
Jaqueline de Jesus Bezerra
Wellington Gomes de Souza

MULTIMODALIDADE: UM ESTUDO DA REPRESENTAÇÕES CONCEITUAIS ANALÍTICAS


EM VERBETES ILUSTRADOS ONLINE .........................................................................................................48
Aluizio Lendl
Antônio Luciano Pontes

APLICAÇÃO DA GRAMÁTICA DO DESIGN VISUAL EM UMA PEÇA PUBLICITÁRIA: UM


ESTUDO DAS METAFUNÇÕES EM UM PANFLETO EDUCACIONAL ............................................62
Luciana Peixoto Bessa
Tatiane Lima de Freitas
Antônia Dilamar Araújo

LETRAMENTO MULTIMODAL CRÍTICO: UMA PROPOSTA A PARTIR DE MEMES


POLÍTICOS ..................................................................................................................................................................76
Ana Maria Pereira Lima
João Bosco Figueiredo-Gomes

RECURSOS METADISCURSIVOS E CATEGORIAS TEXTUAIS EM UNIDADES RETÓRICAS


DE ARTIGO CIENTÍFICO .....................................................................................................................................91
Cícera Alves Agostinho de Sá
Márcia Pereira da Silva Franca

REFERENCIAÇÃO ANAFÓRICA: UMA ANÁLISE COMPARATIVA DE TEXTOS ESCRITOS


POR ALUNOS DO ENSINO FUNDAMENTAL E MÉDIO ..................................................................... 104
Josinaldo Pereira de Paula
Lidiane de Morais Diógenes Bezerra
Maria Eliete de Queiroz

SOBRE OS AUTORES .......................................................................................................................................... 127

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MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

APRESENTAÇÃO

O presente livro faz parte de um esforço conjunto de pesquisadores e


professores em divulgar reflexões teórico-metodológicas acerca dos estudos
que envolvem a Multimodalidade, o Metadiscurso e as práticas de Ensino de
línguas.
O diálogo entre a Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), a
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN) e a Universidade
Estadual do Ceará (UECE), três instituições estaduais do interior do nordeste
brasileiro, compartilham informações, saberes e expectativas fundamentais
para a trajetória dos estudos da linguagem.
A linguagem, aqui, é mestiça e indisciplinar, vista como realidade
socia, como fluxo de experiências que compartilham história, contexto e
performances semióticas que convidam os sujeitos a atuarem no mundo e
não apenas a estar nele.
Esperamos, portanto, que este livro, integrante da coleção Cultura,
Tecnologias e Ensino de Línguas (TECLIN), possa contribuir com os
estudos e pesquisas sobre as linguagens em torno das artes, da comunicação
e da educação, em seus mais diversos contextos.

Aluizio Lendl
Antônio Luciano Pontes

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MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

CRENÇAS DE DOIS PROFESSORES DE 5º ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL


SOBRE O DICIONÁRIO ESCOLAR INFANTIL

Luan Talles de Araújo Brito


Antônio Luciano Pontes

INTRODUÇÃO

O presente artigo consiste em um recorte de nossa tese doutorado, ainda em


andamento, cujo objetivo é analisar as crenças de professores de 5º ano do ensino
fundamental acerca do dicionário escolar infantil e do seu uso em sala de aula.
O dicionário é um instrumento essencialmente pedagógico, haja vista sua
natureza didática. No entanto, existem dicionários especialmente produzidos para o
uso em sala de aula, que objetivam atender e adequar-se às necessidades de
aprendizagem do público discente. No entanto, alguns estudos (AMORIM, 2003;
GOMES, 2007; HEINRICH, 2007; SANTOS, 2009; DARGEL, 2011; NASCIMENTO,
2013) têm apontado para uma subutilização ou precariedade no que diz respeito à
abordagem desse tipo de obra no âmbito escolar.
Este dado despertou-nos, a priori, o interesse em aprofundar a discussão
em torno desse assunto. Aliás, somou-se a isso o fato de já termos experiência de
investigação no âmbito de crenças de professores, iniciada com o desenvolvimento
de nossa pesquisa de graduação (BRITO, 2013) e aprofundada em nossa dissertação
de mestrado (BRITO, 2015).
No primeiro tópico deste artigo, apresentamos uma discussão voltada para
o campo de estudo das crenças de professores, destacando a sua relação com o
processo de ensino-aprendizagem, além de delinearmos o construto de crenças
adotado em nossa pesquisa. Em seguida, adentramos em uma das vertentes das
chamadas “ciências do léxico”, para que possamos compreender melhor a
importância do dicionário no desenvolvimento cognitivo dos consulentes e o papel
dos professores no que se refere a subsidiar um uso produtivo desse material
didático em sala de aula.
No terceiro tópico, é apresentado o percurso metodológico seguido para a
construção deste trabalho, no que corresponde à coleta e ao tratamento dos dados.
No quarto tópico, expomos e discutimos uma parte dos resultados obtidos em nossa

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MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

pesquisa de doutorado. Ao final, seguem-se as considerações finais, bem como as


referências bibliográficas.

CRENÇAS DE PROFESSORES

A pesquisa acerca de crenças e de seu impacto no processo de ensino-


aprendizagem de línguas tem despertado cada vez mais a atenção de estudiosos,
seja no cenário científico do exterior, seja no do Brasil. As investigações sobre a
temática tiveram início entre as décadas de 70 e 80, no âmbito internacional, e na
década de 90, no âmbito nacional. Anteriormente à década de 70, o ensino era
concebido na perspectiva processo-produto e sua ênfase recaía “no comportamento
do professor e nos resultados da aprendizagem” (BARCELOS; KALAJA, 2013, p. 385).
Só após essa época, o pensamento e os conhecimentos do professor foram
reconhecidos como elementos fundamentais que desempenham um papel relevante
em toda a sua atividade, como apontam Barcelos e Kalaja (2013). Desde o ano de
1995, é notório, na academia brasileira, o crescente número de dissertações e teses
envolvendo essa temática, o que constata o potencial e a importância desse conceito
para a ciência aplicada brasileira, no que se refere ao âmbito da linguagem
(BARCELOS, 2004).
Para comprovar o crescente interesse pelo construto crenças, a autora
supracitada evidencia importantes conferências da área da Linguística Aplicada
(doravante LA). É o caso do Congresso da Associação de Linguística Aplicada do
Brasil (ALAB), o qual apresentou, em seus anais de 1997, quatro trabalhos que
discutem crenças acerca da aprendizagem linguística. Além disso, no ano de 1999, a
conferência da Associação Internacional de Linguística Aplicada (AILA) apresentou,
pela primeira vez, um simpósio acerca de crenças e ensino-aprendizagem de línguas,
havendo, ainda, nessa época, a publicação de um volume no periódico System,
dedicado à discussão do assunto.
Em relação ao cenário científico-linguístico da academia brasileira, o
interesse pelo conceito de crenças, de acordo com Barcelos (2004), é impulsionado
pelos estudos de: Leffa (1991), com o termo “concepções de alunos”; e Almeida Filho
(1993), com os conceitos de “cultura de ensinar” e “cultura de aprender”; este último
conceito foi também abordado por Barcelos (1995). Na literatura atual da LA existe

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MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

uma série de artigos, dissertações, teses e livros envolvendo o referido assunto.


Mesmo assim, Silva (2007) destaca que grande parte destes limita-se apenas à
descrição das crenças de professores e alunos. Neste sentido, torna-se admissível a
crítica a seguir:

A pesquisa a respeito de crenças sobre aprendizagem de línguas precisa ir além da simples


descrição de crenças como indicadores de um comportamento futuro. É preciso uma
investigação contextualizada das crenças. É necessário entender como as crenças interagem
com as ações dos alunos [e acrescentamos: dos professores] e que funções elas exercem em
suas experiências de aprendizagem [e de ensino] dentro e fora da sala de aula (BARCELOS,
2001, p. 87).

Dessa forma, convergimos com Barcelos (2001) quando a mesma destaca a


necessidade de essas pesquisas ultrapassarem o exercício descritivo no qual os
pesquisadores apenas sugerem a relação entre crenças e ações, sem que se
desenvolva uma investigação no contexto onde atuam os sujeitos pesquisados. Por
esta razão, afirmamos, desde já, que o enfoque denominado de abordagem
contextual foi adotado em nossa pesquisa de doutorado, porém, haja vista o recorte
que realizamos para este artigo e tendo em vista que a tese ainda está sendo
finalizada, não serão expostos aqui os resultados obtidos a partir da análise das
aulas observadas.
O conceito de crenças não é específico da Linguística Aplicada (PAJARES,
1992; BARCELOS, 2004). Ele tem sido discutido há muito tempo em outras áreas das
ciências humanas e sociais, como Antropologia, Sociologia, Psicologia, Educação e
especialmente Filosofia, uma vez que esta última busca, entre outras coisas, a
compreensão do significado atribuído às coisas. Por outro lado, é também conhecido
que “Não existe, em LA, uma definição única para esse conceito. Existem vários
termos e definições, e essa é uma das razões que torna esse um conceito difícil de se
investigar” (BARCELOS, 2004, p. 129, grifos nossos). Reconhecemos, pois, que “uma
definição para um conceito tão complexo e latente como as crenças é sempre um
desafio” (BERNAT, 2008, p. 9).
No que tange à sua definição, consoante Silva (2007), o conceito de crenças
passou por uma ressignificação na LA e, por isso, nas pesquisas empreendidas nessa
área do conhecimento, sua conceituação não está relacionada à religião ou
superstição. Apesar de não haver uma uniformidade na definição do que são
crenças, em uma perspectiva geral “elas podem ser definidas como opiniões e ideias
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MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

que alunos (e professores) têm a respeito dos processos de ensino e aprendizagem de


línguas” (BARCELOS, 2001, p. 72, grifos nossos).
Assumindo o posicionamento de que não existe uma definição unívoca
deste constructo na sua aplicação e investigação sobre o ensinar e o aprender
linguístico, Silva (2005, p. 77, grifos nossos) define-o de modo semelhante a Barcelos
(2001):

Ideias ou conjunto de ideias para as quais apresentamos graus distintos de adesão


(conjecturas, ideias relativamente estáveis, convicção e fé). As crenças na teoria de ensino e
aprendizagem de línguas são essas ideias que tanto alunos, professores e terceiros têm a
respeito dos processos de ensino/aprendizagem de línguas e que se (re)constroem neles
mediante as suas próprias experiências de vida e que se mantêm por um certo período de
tempo.

É possível notar, portanto, o destaque dado por esse autor para o caráter
contextual, interativo e relativamente estável das crenças ao afirmar que elas são
emergentes, isto é, construídas e reconstruídas nos processos de ensino-
aprendizagem, influenciando e sendo influenciadas reciprocamente por tais
processos, uma vez que são também “vistas como social e, portanto, também
cultural e historicamente constituídas através da interação do sujeito com o
contexto” (SILVA, 2007, p. 250). No que lhe diz respeito, Barcelos (2006) aprofunda
a sua compreensão acerca dessa categoria analítica e assume uma postura
convergente com o pensamento de Silva (2007), compreendendo crenças como:

uma forma de pensamento, como construções da realidade, maneiras de ver e perceber o


mundo e seus fenômenos, co-construídas em nossas experiências e resultantes de um
processo interativo de interpretação e (re)significação. Como tal, crenças são sociais (mas
também individuais), dinâmicas, contextuais e paradoxais (BARCELOS, 2006, p. 18, grifos
nossos).

Soares (2005), convergindo com Barcelos (2006), auxilia a compreensão do


caráter ambivalente das crenças e explica o porquê de elas serem,
concomitantemente, sociais e individuais. São individuais tendo em vista que cada
pessoa é única e demonstra uma maneira própria de apreender experiências,
interpretar o mundo e posicionar-se frente aos acontecimentos. Porquanto, uma
mesma experiência poderá impulsionar “um professor a tomar uma atitude mais
inovadora”, bem como “poderá ser alvo de críticas e de resistências para o outro”
(SOARES, 2005, p. 50).

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MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

De acordo com Brito (2015), a dimensão discursiva do conceito então


discutido possibilita um diálogo entre a teoria de crenças na LA e a teoria
sociointeracionista bakhtiniana da linguagem, segundo a qual a linguagem é, por
excelência, ideológica e, à medida que reflete e refrata ideologia, todo enunciado é
produzido “no diálogo com outros enunciados, por um sujeito em compreensão
responsiva das palavras do outro, que inicialmente são palavras alheias, e depois
são sentidas como palavras próprias” (MENDONÇA, 2012, p. 122).
Desse modo, o enunciado e, diríamos, ainda, as crenças são produzidas na
cadeia ininterrupta da comunicação verbal tendo em vista a memória do passado
(MENDONÇA, 2012), uma vez que, conforme o pensamento bakhtiniano, o
enunciado é uma réplica, uma resposta a um enunciado que o precedeu, diante do
qual o sujeito assume uma posição responsiva ativa, “concorda ou discorda dele
(total ou parcialmente), completa-o, aplica-o, prepara-se para usá-lo, etc.”
(BAKHTIN, 1997, p. 271).
Nesse ponto de vista, Soares (2005), Silva (2007) e Barcelos (2006)
desenvolvem em seus trabalhos um conceito de crenças semelhante à perspectiva
adotada por Dufva (2003), que assume uma orientação bakhtiniana no
entendimento da cognição e, consequentemente, das crenças. Assim, esta autora
defende que as crenças se manifestam por meio das práticas discursivas realizadas
nos diferentes grupos da sociedade. Porquanto, o outro, o nosso interlocutor assume
grande importância na construção de nosso pensamento e na forma como
percebemos o mundo à nossa volta, uma vez que pensamos, ativando e reativando
nossas crenças, tendo em vista os sentidos que construímos a partir das interações
com os nossos interlocutores, sejam eles reais ou presumidos (BAKHTIN, 2009).
Desse modo,

as crenças, sob um viés bakhtiniano, podem ser conceituadas como os diferentes modos,
axiologicamente (leia-se ideologicamente) constituídos, de se interpretar o mundo,
refletindo-o e, também, refratando-o. São, portanto, maneiras discursiva e
socioculturalmente situadas de se pensar, viver e sentir o mundo, das quais dialogicamente
nos apropriamos ao participarmos dos infinitos modos em que se dão as relações humanas.
Pelas crenças, expressamos nossas valorações ou juízos de valor, quando enunciamos
(ROCHA, 2010, p. 231-232, grifo nosso).

Neste caso, as crenças são vistas como interpretações socioideológicas


valorativas da realidade e seus fenômenos, situadas temporal e historicamente. Elas

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MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

se materializam nas inúmeras práticas discursivas de que os sujeitos participam ao


longo da vida, através das quais manifestam princípios e juízos de valor.
Neste momento, gostaríamos de destacar nossa concordância com a ideia
de que a crença seria “uma posição verbo-axiológica assumida por um sujeito frente
ao mundo e seus fenômenos, situada no tempo e na história, manifestada discursiva
e dialogicamente nas interações da vida em sociedade” (BRITO, 2015, p. 27). A partir
desta definição e da discussão traçada, torna-se necessário apresentar a nossa
compreensão responsiva ativa sobre o conceito de crença adotado nesta pesquisa.
Nesse ponto de vista, crenças de professores são posições valorativas acerca de
diferentes aspectos e elementos envolvidos no processo de ensino-aprendizagem.
Essas posições verbo-axiológicas são construídas e reconstruídas na coletividade ao
longo de um emaranhado de vivências. Embora não sejam julgadas sob o status de
certas ou erradas, as crenças de professores podem configurar-se como adequadas
ou inadequadas no que diz respeito a determinadas teorias que contribuem para a
organização e a oferta de um ensino de qualidade.
De modo específico, a crença é aqui entendida como uma posição valorativa
assumida pelo professor de 5º ano do ensino fundamental frente ao dicionário
escolar infantil e ao uso desse material em sala de aula. Por sua vez, essa crença
manifesta-se não apenas no discurso, mas também no exercício pedagógico desse
profissional, e é constituída dialogicamente tendo em vista sua formação e outros
fatores experienciais. Agora que já situamos a área de estudo das crenças de
professores, bem como delineamos o conceito de crenças defendido neste trabalho,
seguimos a discussão apresentando o campo da Metalexicografia Pedagógica e a sua
importância para a formação de professores.

METALEXICOGRAFIA PEDAGÓGICA

O estudo do léxico pode acontecer por vários ângulos, haja vista que “no
âmbito dos estudos linguísticos, tomar o léxico como objeto de estudo linguístico,
não significa uma homogeneidade investigativa” (KRIEGER; WELKER, 2011, p. 444).
Por seu turno, as disciplinas que se encarregam desses estudos são, em especial, a
Lexicologia, a Lexicografia, a Terminologia e, acrescentamos, a Terminografia. Elas
são comumente denominadas de “ciências do léxico” (BIDERMAN, 2001, p. 15) e,

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MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

apesar de estudarem o léxico de modos diferentes, têm um ponto em comum, a


descrição desse léxico.
Das disciplinas expostas anteriormente, o foco da discussão proposta nesta
tese adentra o campo da Lexicografia, especialmente de uma de suas vertentes, a
Lexicografia Pedagógica, a qual busca a adequação da obra dicionarista, bem como
sua utilização produtiva nos diferentes projetos de ensino e aprendizagem
linguística. Segundo Krieger e Welker (2011), a Lexicografia Pedagógica pode ser
vista como uma área de investigação relativamente recente, até pouco tempo não
tão explorada no âmbito brasileiro. No entanto, ela vem ganhando espaço graças à
importância que tem sido atribuída aos dicionários para o processo de
aprendizagem de línguas.
De acordo com Hernández (1989), como também Krieger e Welker (2011), a
Lexicografia Pedagógica apresenta duas vertentes, uma prática e uma teórica. A
Lexicografia Pedagógica Prática trata da produção de dicionários para aprendizes,
seja de língua materna, seja de língua estrangeira, enquanto a Lexicografia
Pedagógica Teórica ou Metalexicografia Pedagógica estuda e analisa essas obras
dicionaristas. A esse respeito, Pontes (2009, p. 20) assinala:

A Lexicografia Prática avançou muito graças às contribuições de novas disciplinas teóricas e


tecnológicas. Por isso, os dicionários deixaram de ser essencialmente normativos, para
serem mais descritivos, preocupados com os usos da língua e com a educação linguística do
povo. [...] As pesquisas no âmbito da Lexicografia Teórica servem de fundamentos sólidos
para o fazer lexicográfico e para as discussões relativas à Lexicografia Aplicada.

As palavras desse autor convergem com o posicionamento de Krieger e


Welker (2011), pois estes autores também chamam atenção para a importante
contribuição dos estudos da Metalexicografia Pedagógica não só para a produção de
dicionários de qualidade adequados às reais necessidades e habilidades dos
usuários a que se destinam, mas também para a exploração produtiva da obra
dicionarista enquanto ferramenta pedagógica do ensino e da aprendizagem
linguística. Nesse sentido, reiteramos que a Metalexicografia Pedagógica discute não
só aspectos relacionados à qualidade ou adequação da obra lexicográfica, mas
“abarca, inclusive, a problemática da falta de formação dos professores para o
conhecimento e o aproveitamento pedagógico desse instrumento essencial para o
ensino de línguas” (KRIGER; WELKER, 2011, p. 104, grifo nosso).

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MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

Nos últimos anos, um número crescente de estudos tem investigado a


adequação pedagógica e o uso do dicionário em sala de aula (AMORIM, 2003;
GOMES, 2007; HEINRICH, 2007; DARGEL, 2011; NASCIMENTO, 2013). De modo
geral, essas pesquisas vêm apontando para uma subutilização ou precariedade no
que diz respeito à abordagem desse tipo de obra no âmbito escolar.
Um dos fatores desse problema seria a ausência da Metalexicografia na
formação docente, como ratifica Damin (2005, p. 31):

No cenário brasileiro, a Lexicografia [...] e a Metalexicografia [...] não são consideradas como
disciplinas na maioria dos cursos de graduação. [...] é uma tarefa que ainda precisa ser
desenvolvida, especialmente para que os professores possam realizar suas atividades
didáticas mais bem capacitados a utilizar dicionários em sala de aula.

A realidade apontada pela autora também é reforçada por Nascimento (2013,


p. 19), para quem, nos “currículos dos cursos de Letras não há disciplinas voltadas
especificamente para a Lexicologia, muito menos para a Lexicografia. Também, não
há cursos de formação continuada sobre como usar o dicionário em sala de aula de
forma mais proveitosa”. Por conseguinte, podemos perceber que o problema da falta
de formação docente acerca do uso produtivo do dicionário em sala de aula é algo
que atinge não só a formação inicial, como também a continuada.
Nesse aspecto, as pesquisas realizadas por Gomes (2007) e Dargel (2011)
coadunam-se com o pensamento de Damin (2005) e de Nascimento (2013), pois
seus resultados revelam uma carência na formação acadêmica docente, o que acaba
encaminhando para a escola um número considerável de professores que não
possuem saberes necessários para o uso didático-pedagógico da obra lexicográfica.
Isso pode repercutir diretamente na prática do docente, fazendo com que ele utilize
o dicionário como instrumento auxiliar do processo de ensino-aprendizagem,
porém, de forma superficial e limitada, marginalizando o potencial informativo e
cognitivo dessa obra. Notadamente,

o uso restrito a eventuais consultas para sanar dúvidas a respeito da ortografia ou de um uso
semântico em especial não basta, pois seu campo de ação e eficácia é evidente no processo
de aquisição lexical em fase escolar, tendo em vista a riqueza de informações propriamente
lexicais ofertadas, além da variedade de informações gramaticais evidenciadas em cada
verbete. (GOMES, 2007, p. 15).

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MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

Assim, a autora aponta para a necessidade de superação dessa prática


tradicional na qual o dicionário é usado apenas quando surgem dúvidas em relação
à ortografia ou ao significado de alguma palavra, especialmente em exercícios
descontextualizados que não levam em conta a gama de informações presentes
nesse tipo de obra. Na prática de ensino, Nascimento (2013, p. 158) explica que a
ausência de orientação metodológica ou a orientação mal realizada pelo professor
não só limita a exploração do dicionário, como também sedimenta hábitos negativos
nos alunos, como “ler o verbete pela metade, pegar qualquer uma das acepções das
palavras e, o mais perigoso de todos, não usar o dicionário quando necessário para
sanar suas dúvidas”.
Perante o exposto, é possível perceber a importância da discussão realizada
neste artigo, a qual traz à baila questões relacionadas à formação de docentes no
campo do léxico. A esse respeito, Dantas (2014, p. 157) salienta que algumas
pesquisas desenvolvidas nos Estados Unidos analisaram a relação entre
desenvolvimento do vocabulário e capacidades cognitivas de dois grupos de
estudantes colegiais, em condições socioeconômico-culturais teoricamente
homogêneas, submetidos a metodologias distintas de trabalho com a obra
dicionarista. Como resultado, foi constatado que o grupo de alunos que havia
passado por uma intervenção envolvendo o uso de dicionários, a partir de
“exercícios especiais de vocabulário”, apresentou um desenvolvimento
consideravelmente maior na aprendizagem linguística do que o outro grupo de
estudantes submetido a uma “metodologia tradicional” no trabalho com esse
material didático, concluindo-se, por meio de testes, que “o desenvolvimento da
inteligência está proporcionalmente ligado ao enriquecimento da bagagem lexical”.

METODOLOGIA

Este artigo é fruto de nossa pesquisa de doutorado, na qual foi realizado um


estudo de campo, no ano de 2017, envolvendo dois professores de 5º ano do ensino
fundamental. De modo geral, nosso corpus foi formado por meio da aplicação de três
instrumentos de coleta de dados: questionário do tipo Likert-scale; observação de
aulas; entrevista individual semiestruturada. No presente trabalho, discutiremos os
resultados obtidos por meio do primeiro e do terceiro instrumentos supracitados.

15
MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

Neste sentido, os dois participantes de nossa pesquisa, P1 e P2, responderam


a um questionário formado por duas partes. A primeira solicitava o preenchimento
de algumas informações pessoais e profissionais dos informantes, como nome
completo, idade, ano de conclusão da licenciatura em Pedagogia, formação
acadêmica, tempo de exercício docente nos anos iniciais do ensino fundamental,
nome da instituição e série em que o informante leciona. As respostas fornecidas
pelos professores foram sistematizadas sumariamente no seguinte quadro:

QUADRO 01: Dados pessoais e profissionais dos professores investigados


Código Idade Ano de Titulação Tempo de Série em
conclusão máxima exercício que
da docente leciona
licenciatura

P1 32 anos 2010 Especialista 02 anos 5º ano

P2 52 anos 2005 Especialista 30 anos 5º ano

Fonte: Elaborado pelos autores

A segunda parte do questionário era formada por um total de 10 afirmações


que evidenciavam crenças acerca do dicionário escolar infantil, identificadas a partir
do trabalho de Pontes e Santiago (2009) e da leitura de outras pesquisas da área da
Metalexicografia Pedagógica. Convém destacar que cada item/afirmação do
questionário apresentava as seguintes opções de respostas/marcação: 1) discordo
totalmente; 2) discordo às vezes; 3) não tenho opinião formada a respeito do
assunto; 4) concordo às vezes; 5) concordo plenamente.
Na etapa da entrevista, que foi gravada em áudio e transcrita totalmente, os
participantes foram indagados acerca das respostas marcadas nos questionários.
Nesse sentido, os resultados expostos no próximo tópico provêm do confronto entre
os dados obtidos a partir dos dois instrumentos mencionados.

16
MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

RESULTADOS

Neste tópico, expomos uma síntese das crenças sobre o dicionário escolar
infantil. Ressaltamos que essas crenças foram reveladas por meio das falas dos
próprios professores pesquisados:
QUADRO 02: Síntese das crenças de P1 e de P2
Crença Docente
O dicionário Aurélio é um bom dicionário, já que ele está presente em muitas P1
escolas.
O bom dicionário é aquele mais usado na escola desde o ciclo de alfabetização. P2
Os dicionários são diferentes, pois algumas palavras são encontradas em P1
determinados dicionários e em outros não.
Os dicionários são diferentes, uma vez que obras distintas apresentam P1
significados também diferentes de uma mesma palavra.
Os dicionários não são iguais, pois alguns possuem ilustração e outros não. P2
O dicionário é uma obra neutra porque não aborda a opinião de uma pessoa. P1
O dicionário é uma obra neutra porque não veicula ideia preconceituosa. P2
O dicionário é mais destinado a quem tem dificuldades quanto ao significado de P1
palavras.
O dicionário é destinado a quem deseja melhorar a sua escrita. P2
Um bom dicionário não se torna ultrapassado ao longo dos anos. P1
O dicionário usado por alunos de 5º ano pode auxiliá-los nas séries seguintes do P1
ensino fundamental.
O dicionário formado por palavras do cotidiano do aluno é mais adequado para P1
os anos iniciais do ensino fundamental.
Dicionários com poucas palavras são adequados para crianças que não leem com P2
frequência ou que possuem dificuldades de leitura.
Dicionários com pouca ou nenhuma ilustração provocam o desinteresse do P1
aluno.
Dicionários com ilustrações atraem a atenção da criança e despertam o interesse P2
pela leitura.
As imagens presentes no dicionário escolar infantil auxiliam o aluno no P1
entendimento dos significados das palavras.
Não existe um tipo específico de dicionário para os anos iniciais do ensino P2
fundamental, pois são utilizados os dicionários disponíveis na escola e
pertencentes ao aluno.
O dicionário auxilia o aluno quanto ao significado, ortografia das palavras e P1
produção de textos.

Fonte: Elaborado pelos autores

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MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

A partir desses resultados, podemos afirmar que a maioria das crenças dos
participantes de nossa pesquisa convergem com os postulados teórico-
metodológicos da Metalexicografia Pedagógica. Nessas crenças, há o
reconhecimento das diferenças estruturais dos dicionários, do uso desse material
didático para a aprendizagem da ortografia e dos significados das palavras e para o
desenvolvimento da produção textual. Além do mais, os docentes reconhecem a
importância das ilustrações como forma de motivar os estudantes a lerem e a
consultarem o dicionário escolar infantil.
No entanto, torna-se necessário destacar o pensamento de Miccoli (2010, p.
135), quando alerta que as crenças “são verdadeiras para quem nelas acredita,
embora, nem sempre todas sejam valiosas para o processo de ensino e
aprendizagem”. Dentro da perspectiva de posições valorativas que não são valiosas
para o trabalho com o dicionário em sala de aula, podemos inserir as seguintes
crenças do quadro anterior: “O bom dicionário é aquele mais usado na escola desde
o ciclo de alfabetização” (P2); "O dicionário é uma obra neutra porque não aborda a
opinião de uma pessoa” (P1); “O dicionário é uma obra neutra porque não veicula
ideia preconceituosa” (P2); “Um bom dicionário não se torna ultrapassado ao longo
dos anos” (P1); “Não existe um tipo específico de dicionário para os anos iniciais do
ensino fundamental, pois são utilizados os dicionários disponíveis na escola e
pertencentes ao aluno” (P2).
Neste sentido, as crenças supracitadas podem ser vistas como inadequadas,
uma vez que descartam a existência de obras lexicográficas específicas para as
diversas fases da escolarização básica, conforme orienta o PNLD – Dicionários, em
Brasil (2012). Além disso, desconsideram as facetas discursivo-ideológicas desse
material didático, bem como a necessidade de atualização da obra dicionarista
defronte aos novos usos linguísticos que emergem na sociedade ao longo dos anos.
Após essa breve exposição de uma parte dos resultados de nossa pesquisa,
apresentamos, a seguir, algumas considerações finais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste trabalho, nosso principal objetivo foi analisar as crenças de professores


de 5º ano do ensino fundamental em torno do dicionário escolar infantil. Pelo

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MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

exposto, observamos que a maior parte das posições valorativas dos sujeitos de
nossa pesquisa converge com os postulados da Metalexicografia Pedagógica, o que
evidencia um olhar atento desses professores especialmente para aspectos que
integram a micro e a macroestrutura da obra lexicográfica. Ambos os professores
explicitaram a certeza de os dicionários serem diferentes, partindo do pressuposto
de que algumas palavras e ilustrações são encontradas em determinadas obras e em
outras não, havendo ainda a abordagem de significados diferentes de uma mesma
unidade lexical nos dicionários.
Outro dado relevante foi a forma como os docentes encaram a natureza
multimodal desse material. P1 e P2 apontaram a importância da ilustração para
despertar o interesse dos discentes pela sua leitura e, ainda por cima, P1 reconheceu
o papel desse elemento do material interposto no que diz respeito à elucidação e à
compreensão dos significados das palavras.
A análise dos dados demonstrou, também, que tanto P1 quanto P2 possuem
crenças que consideramos inadequadas a respeito do dicionário escolar infantil. De
um lado, P1 defendeu que a obra lexicográfica não se torna ultrapassada ao longo
dos anos e que ela é neutra, já que não aborda a opinião de uma determinada pessoa.
De outro, P2 deixou claro que acredita na ideia segundo a qual a qualidade de um
dicionário está no fato de ele ser usado na escola desde o ciclo de alfabetização.
Além do mais, o docente defendeu que esse material didático possui
neutralidade e não veicula preconceitos e, inclusive, desconsiderou a existência de
uma obra dicionarista específica para o público consulente dos anos iniciais do
ensino fundamental, salientando que, em sala de aula, são utilizados os dicionários
disponíveis na escola ou os pertencentes ao aluno.
Neste sentido, as referidas posições valorativas de P1 e de P2 são
inadequadas por três motivos básicos: 1 - por descartarem a existência de
dicionários específicos para as diversas etapas da educação básica, como orienta a
taxonomia do PNLD – Dicionários, em Brasil (2012); 2 - por desconsiderarem os
aspectos discursivo-ideológicos da obra dicionarista; 3 - porque marginalizam ou
ignoram a necessidade de atualização da obra dicionarista ante os novos usos
linguísticos que emergem historicamente na sociedade.
Esperamos, portanto, que o presente tenha contribuído para o avanço das
discussões realizadas no âmbito da Metalexicografia Pedagógica, e que a sua leitura

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MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

inquiete seus possíveis leitores, contribuindo para a sua formação docente dentro
dessa área de estudos ainda pouco explorada na academia. Por fim, defendemos a
pertinência do desenvolvimento de outros estudos que deem continuidade à
discussão iniciada em nossa pesquisa de doutorado e apresentada sumariamente
neste trabalho.

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MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

MULTIMODALIDADE E LEITURA LITERÁRIA NO PROJETO “MALA DE


LITERATURA – ENEM”

Cássia da Silva
Leandro Lopes Soares

Ela (a literatura) nos ensina a melhor


sentir, e como nossos sentidos não têm
limites, ela jamais conclui, mas fica aberta
como um ensaio de Montaigne, depois de
nos ter feito ver, respirar ou tocar as
incertezas e as indecisões, as complicações
e os paradoxos que se escondem atrás das
ações (COMPAGNON, 2009, p. 66, grifos
nossos).

INTRODUÇÃO

A literatura é a porta para novos caminhos. É a partir dela que podemos viajar
para diferentes lugares, épocas, culturas e para um mundo de magias e descobertas,
tudo isso sem sair do sofá de casa ou da carteira da sala de aula. Além de servir para
deleite, a literatura é muito cobrada durante toda a nossa vida escolar,
principalmente em preparação para vestibulares e, também, para o Exame Nacional
do Ensino Médio (ENEM), que é o foco principal do nosso trabalho.
A literatura faz parte da vida do ser humano, desde os primórdios, quando os
homens das cavernas pintavam as paredes daqueles lugares. Os desenhos eram
como um livro de história, era uma forma de expressão. Cosson (2014, p. 11) destaca
que “[...] a literatura faz parte das comunidades humanas desde tempos imemoriais
são testemunhos os mitos cosmogônicos”, ou seja, a literatura está presente no
nosso dia a dia, mesmo que não tenhamos percebido.
Além disso, podemos dizer que a leitura literária, em si, é uma das habilidades
cognitivas mais importantes na vida do ser humano. Quando o aluno passa a ler
textos literários, seja literatura brasileira ou estrangeira, ele começa a conhecer
outros mundos, outras culturas, desse modo, a leitura literária não servirá apenas
para deleite, mas também para a sua formação enquanto sujeito social.
Corroborando com isso, Cosson (2006, p. 17) afirmou que “A literatura nos
diz o que somos e nos incentiva a desejar e a expressar o mundo por nós mesmos. E
isso se dá porque a literatura é uma experiência a ser realizada.” A literatura

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MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

incentiva a nossa imaginação, nos leva para outros lugares, nos impõe a vontade de
querer ir além das nossas limitações.
Exposto tudo isto, chegamos às seguintes questões de pesquisa: Como a
literatura está sendo abordada no Ensino Médio? O que poderia facilitar o estudo de
textos literários em sala de aula, principalmente voltado para a prova do ENEM?
Como unir literatura e multimodalidade numa proposta didático-pedagógica para o
Ensino Médio?
Partindo dessas questões, este trabalho tem como objetivo discutir sobre
como a leitura literária se insere nas aulas do Ensino Médio, principalmente no
ENEM, e como esta pode interferir na vida escolar do discente. Objetivamos,
também, apresentar, neste trabalho, uma metodologia que chamaremos de “Mala de
leitura – ENEM”1 a partir de uma lista dos autores mais cobrados na última edição
do ENEM, já que a literatura é amplamente discutida neste exame.

A LEITURA LITERÁRIA NO ENSINO MÉDIO

O ensino da literatura é de suma importância, não só no Ensino Médio, mas


nos demais níveis de ensino escolar, pois permite que o aluno tenha uma visão
panorâmica da realidade humana. Por isso, trabalhar textos literários com os alunos
em sala de aula é então uma tarefa que auxilia no entendimento das diversas formas
de interpretar uma obra literária, em épocas e espaços específicos.
Para atingirmos tal resultado, ou seja, tal forma de interpretação, sabemos
que é importante compreender o ensino da literatura no nível médio da educação
básica. Ainda hoje esse ensino é feito integrado ao ensino de Língua Portuguesa na
maior parte das escolas públicas do nosso país e geralmente, diante dessa
integração, o pouco que nossos alunos leem são trechos de textos do livro didático.
Lembramos então o que Colomer (2009, p. 20) já alertava, desde o início
desse século, “a contribuição da literatura na construção social do indivíduo, e da
coletividade não apenas é essencial, mas simplesmente inevitável”. Sem essa
contribuição literária não há como o discente ter uma formação social completa, o

1
Mala de leitura: Sobre essa proposta, maiores informações podem ser encontradas no
Trabalho de Conclusão de Curso da acadêmica do Curso de Letras da URCA/Missão Velha,
Antônia Candido de Souza, Intitulado: “O ESTÍMULO À LEITURA LITERÁRIA: DO ENSINO
MÉDIO PARA CASA” (2018).
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MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

que resta é uma lacuna na formação integral do sujeito aprendiz, principalmente


quando a leitura se tornar uma tarefa forçada em sala de aula.
Podemos enfatizar que a didática do professor é de suma importância para
evitar tal problema. Nesse sendo, uma metodologia que enfoque o gosto do alunado
e a ludicidade da arte literária e da multimodalidade favorece uma aprendizagem
qualitativa, tornando as ações do professor, em prol da leitura literária, mais seguras
e precisas.
Faz-se necessário destacar que, para um trabalho de maior eficácia com a
leitura literária, o aluno precisa ter uma bagagem de leitura iniciada desde o ensino
fundamental. Desse modo, seria mais fácil trabalhar as escolas literárias que são
cobradas nos vestibulares e no ENEM, pois eles já conheceriam boa parte dos
autores. O problema é como abordar tais obras na escola. Ozelame e Parahyba
(2015, p. 85) comentam essa problemática:

[...] o ensino atual de literatura na escola é reflexo de uma mudança ocorrida nas
universidades, em que a forma de ensinar está centrada nos estudos literários, com precisão
na análise do sentido das obras, levando em conta a abordagem interna e externa do texto.
Nesse sentido, percebemos a grande dificuldade que os professores têm em levar para a sala
de aula aquilo que aprenderam nos cursos de Letras, nas aulas de Literatura. O
desprendimento de técnicas e teorias se sobressai, deixando o texto à margem, causando,
inclusive, o desinteresse dos estudantes pela leitura e, consequentemente, pela Literatura.

As autoras bem enfatizam o distanciamento que há entre a teoria, aprendida


pelos atuais professores de literatura nas universidades, e a prática, disposta no
cotidiano de atuação nas escolas, porém isso não pode ser motivo para ignorar os
estudos da literatura e deixá-los à mercê do livro didático. Na verdade, o mais
correto a se fazer em casos como este, é facilitar a inserção da literatura na sala de
aula, ou seja, não preocupar-se tanto com as técnicas de interpretação e teorias da
literatura, mas sim com a mediação entre o que se ler e como se ler.
Para Todorov (2012, p. 41):

O ensino médio, que não se dirige aos especialistas em literatura, mas a todos, não pode ter
o mesmo alvo; o que se destina a todos é a literatura, não os estudos literários; é preciso
então ensinar aquela e não estes últimos (...) O professor do ensino médio fica encarregado
de uma das mais árduas tarefas: interiorizar o que aprendeu na universidade, mas, em vez
de ensiná-lo, fazer com que esses conceitos e técnicas se transformem numa ferramenta
invisível. Isso não seria pedir a esse professor um esforço excessivo, do qual apenas os
mestres serão capazes? Não nos espantemos depois se ele não conseguir realizá-lo a
contento.

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MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

Diante dessa problemática apontada por Todorov (2012) e pensando em


metodologias que abordem não só a literatura em si, mas seus meios de
interpretação, propomos pensar a literatura como um tecido multimodal, como
explicamos na sessão a seguir.

MULTIMODALIDADE E ENSINO

A pós-modernidade caminha em um fluxo contínuo e cada vez mais aberto a


diálogos e conexões com múltiplos campos do saber e do viver humano. As culturas
transformam-se e absorvem aspectos de outras e esse movimento, de troca cultural,
resultado da globalização, influencia na produção de sentidos. Desta feita, ler os
signos que estão dispostos em nosso campo de visão e que chegam até nós exige que
nos atentemos aos múltiplos elementos textuais, sonoros e imagéticos, pois a
interpretação também depende deles.
Quando adentram na sala de aula, visto que este ambiente encontra-se
multifacetado a cada dia, essa multiplicidade de modos como a linguagem se
apresenta, carece de atenção. É comum os alunos sentirem/terem dificuldades na
hora de ler e interpretar textos, pois o próprio ato de ler, muitas vezes, não é algo
atrativo em suas vidas, resumindo-se, em grande parte, a leituras de mensagens via
redes sociais. Diante de textos cuja leitura necessita que todos os elementos sejam
considerados em seus aspectos multimodais, o incentivo a esse tipo de leitura
precisa ser feito. Segundo Prediger e Kerschi (2013, p. 214):

Os alunos já fazem um uso de estratégias de composição do texto multimodal muito antes de


entrar na escola, pois a multimodalidade está presente nos textos impressos ou virtuais do
dia a dia, como reportagens, notícias, filmes, histórias, novelas, com os quais a criança tem
contato.

Sendo assim, a multimodalidade abarca diferentes elementos que colaboram


para a produção de sentidos dentro de um texto. Desde imagens, o tipo de fonte
utilizada, o tamanho, a cor, os sons, o design, tudo é levado em conta para que se
chegue ao entendimento. Trabalhar a leitura e principalmente, a leitura literária,
nesse sentido amplia os horizontes e aguça a capacidade leitora, além de despertar
o interesse dos alunos.

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MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

Em face da grande e cada vez mais constante quantidade de textos literários


em que é possível identificar diversos tipos de linguagens numa mescla estrutural
formada por diversos elementos, além da própria escrita, a produção de sentidos
decorrente da multimodalidade é algo a ser considerado. Para tanto, faz-se
necessário que, na sala de aula, os professores proporcionem a seu alunado uma
outra forma de olhar para os textos multimodais com vista a identificar os efeitos de
sentido que cada elemento adquire e sua contribuição para o entendimento crítico
da leitura. Como assevera Rojo (2012, p. 162 apud OLIVEIRA, 2015, p. 147): “É
preciso perceber que as imagens (estáticas ou dinâmicas) e os sons são concluintes
de uma obra que, ao considerá-los, a elaboração de sentidos tomará outros
caminhos além daquele formado estritamente pelas palavras”.
Perceber e colocar em prática essa perspectiva de leitura, que enxerga cada
elemento do texto como algo ligado a outro, é uma maneira de agregar a pluralidade
de modos de se transmitir uma mensagem na pós-modernidade às demandas
socioculturais numa criticidade permissível. Antigos modelos de leitura literária
voltados apenas para a parte escrita já não são suficientes para perceber a
abrangência de sentidos, bem como a intenção do autor quando este agrega a sua
produção elementos de campos semióticos diferentes.
Faz-se necessário o entendimento de que há diversos modos de se transmitir
uma mensagem e, para que haja compreensão, olhar uma vez mais para os
elementos linguísticos e não linguísticos presentes nos tipos de texto. É válido
salientar ainda a importância da tecnologia nesse tipo de texto, pois ela possibilitou
formas cada vez mais dinâmicas de produção textual em processos semióticos,
aproximando os diferentes tipos de comunicação. Segundo Oliveira (2015, p. 146):

As tecnologias vêm influenciando a forma como as pessoas têm interagido com o mundo que
as cercam e os avanços tecnológicos vêm tornando as formas de comunicação mais rápidas
e multimodais. E essas características têm se refletido nos textos, que se tornaram cada vez
mais multissemióticos, ou seja, formados por linguagens variadas, constituídos por palavras,
imagens, cores, sons, gestos, entre outros, que se integram na constituição do sentido.

Portanto, ao termos contato com um texto multimodal percebemos que a


presença de mais de um elemento em seu corpo traz consigo um sentido e que este
não está isolado dos outros, e sim em diálogo. Com isso, mais uma vez destacamos a
importância de que todos os elementos sejam levados em consideração.

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MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

As palavras de Oliveira vão ao encontro das de Rojo (2010), pois esta


estudiosa aponta três importantes mudanças resultantes dos avanços da tecnologia,
considerando o efeito da globalização e das consequentes exigências de saber lidar
com os meios pelos quais se produz e circulam as informações: os efeitos na forma
de divulgação impressa e digitais, o modo como a tecnologia expandiu o alcance da
informação em níveis geográficos e as mudanças no processo de leitura de textos,
destacando a necessidade de se pensar determinada forma textual em seus aspectos
multissemióticos e multimodais. No que tange a terceira mudança, pois ela é a que
mais interessa ao estudo proposto aqui, a autora destaca a necessidade de
pensarmos esses aspectos. Segundo ela (2010, p. 436), é preciso considerar:

A multissemiose que as possibilidades multimidiáticas e hipermidiáticas do texto eletrônico


trazem para o ato de leitura: já não basta mais a leitura do texto verbal escrito – é preciso
coloca-lo em relação com um conjunto de signos de outras modalidades de linguagem
(imagem estática, imagem em movimento, som, fala) que o cercam, ou intercalam ou
impregnam; esses textos multissemióticos extrapolam os limites dos ambientes digitais e
invadiram também os impressos (jornais, revistas, LDs).

Diante do que vem sendo exposto a figura do professor se torna primordial


na sala de aula. Este, por sua vez, deve estar atualizado sobre os letramentos e
multiletramentos, principalmente sobre as mídias digitais, principal detentora da
atenção dos alunos. A tecnologia pode e deve ser utilizada para fins educacionais de
modo que a própria escrita seja revista. Assim sendo, as mídias digitais utilizadas
pelos discentes, quando incorporadas as práticas de leitura e produção textual
podem render bons frutos.
Cabe, portanto, que o professor interaja e passeie por várias formas de
letramentos para que os novos conhecimentos sejam transmitidos com o apoio das
tecnologias. Em se tratando de exame como o ENEM (Exame Nacional do Ensino
Médio) em que, para que o aluno tenha bom êxito é necessário que ele reflita
criticamente sobre algumas questões, é importante que as práticas desenvolvidas
em sala de aula propiciem o contato destes com essa forma de leitura crítica, para
que, ao se depararem com a resolução dessa prova, se sintam já familiarizados.
Em uma prova cuja leitura crítica é fundamental, principalmente para
fundamentar a questão dissertativa, uma perspectiva de leitura voltada para a
multimodalidade contribui para um bom desenvolvimento argumentativo das
ideias. Além disso, em outras questões, principalmente as que envolvem língua
28
MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

portuguesa, literatura, linguagem e códigos, podemos perceber que a própria prova


em si constitui-se como multimodal, pois as questões propostas nesses blocos, além
de conterem e atentarem para a contribuição de variados elementos para a
construção de sentidos, ressignificam textos de outras épocas e contextos históricos,
estabelecendo diálogos com a pós-modernidade e toda a sua heterogeneidade de
linguagens. É preciso ler um texto enxergando-o como um todo.

O PROJETO “MALA DE LITERATURA – ENEM”

A metodologia do nosso trabalho se deu através de três etapas:


primeiramente (I) fizemos uma pesquisa de cunho bibliográfico, em que baseamo-
nos nas metodologias de Colomer (2007), Cosson (2006 - 2014), Rojo (2012), dentre
outros autores; posteriormente (II) analisamos a última prova do Exame Nacional
de Ensino Médio (2017), com foco na literatura, na multimodalização dos textos
literários presentes nos textos e questões que envolvem essa disciplina; por fim (III),
discutimos sobre a importância do trabalho didático envolvendo os alunos do
ensino médio e o contato destes com as principais obras e os principais autores da
literatura do Modernismo. Ainda, atentamos, nessa pesquisa, para a necessidade de
um envolvimento dos alunos na busca das obras literárias a serem estudadas em
sala de aula com foco no prazer pela leitura e na motivação para ingressarem na
universidade.
Para isso, apresentamos abaixo uma lista contendo os principais autores que
mais apareceram em questões da prova: ENEM (2017). Essa lista surgiu através de
uma análise da última edição desse Exame.

Tabela de autores e obras do último ENEM (2017)


Autor Obras Literárias
Clarice Lispector A descoberta do mundo
Machado de Assis A causa secreta
Fernando Pessoa O livro do desassossego
José Saramago Ensaio sobre a cegueira
Graciliano Ramos Infância
Dias Gomes O bem amado
(Fonte: Os pesquisadores, 2018)
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MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

Podemos perceber que os maiores autores da literatura da época do


Modernismo Brasileiro, II e III fase, (1930 – 2000) aparecem nesse exame. As obras
mais cobradas são clássicos da literatura brasileira e precisam ser discutidas em sala
de aula pelo professor e pelos alunos, numa abordagem didática que proponha a
leitura integral das obras e não somente de trechos destas, como ocorre com o uso
exclusivo do livro didático.
Por isso propomos aqui, a abordagem didática, conhecida como “Mala de
Literatura – ENEM”, que deve ocorrer da seguinte forma: sendo estruturado como
projeto, a “Mala de Literatura – ENEM” é uma proposta que busca desenvolver a
leitura literária dentro e fora da escola, enfocando principalmente alunos que estão
cursando o terceiro ano do Ensino Médio. Sabemos que nessas turmas é comum o
estudo da literatura voltado quase que exclusivamente para o ENEM.
Assim, o objetivo do projeto é: incentivar a leitura de obras literárias
indicadas nas últimas provas desse exame com metodologias alinhadas a leitura
multimodal que envolvam o aluno e o motive a querer ler tais obras não por
obrigação, mas por prazer.
O projeto divide-se em quatro etapas a serem desenvolvidas durante o ano
escolar em conformidade com os bimestres que regem o calendário de atividades
anuais da escola. Optamos por essa divisão acreditando que, desta forma, boa parte
das obras podem ser trabalhadas aprimorando o desenvolvimento do aluno de
maneira mais ampla e eficaz, já que eles estão próximos de prestarem um Exame
Nacional. Além disso, temos a esperança de causar algum tipo de mudança na vida
dos alunos, já que a literatura tem o poder de humanização do homem (CANDIDO,
2011).
Dessa forma, trabalharemos com as seguintes obras por bimestre:
Quadro 2: Obras para estudos bimestrais
Autor Obras Literárias Bimestre

Clarice Lispector A descoberta do mundo I

Machado de Assis A causa secreta I

Fernando Pessoa O livro do desassossego II

José Saramago Ensaio sobre a cegueira II

Graciliano Ramos Infância III

Dias Gomes O bem amado IV

(Fonte: Os pesquisadores, 2018)

30
MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

Como modo de ajudar na motivação dos alunos e como fundamentação da


leitura multimodal, poderiam ser usadas outras linguagens que interagem com as
obras literárias como por exemplo, minisséries inspiradas em clássicos de nossa
literatura, filmes, obras literárias da nossa literatura em quadrinhos, entre outras.
Nesse âmbito, o professor será o grande mediador do trabalho didático, pois
terá o papel de suscitar o interesse e a curiosidade dos alunos para a obra literária
que se pretenda ler. Além disso, poderá propor como atividade de pós-leitura, aos
alunos, trabalhos em grupo de dramatização da obra lida ou criação de curtas
metragens que retratem uma leitura da obra pelos alunos leitores, sendo essa mais
uma forma de inserir a multimodalidade nesse projeto.

CONCLUSÃO
De acordo com o que observamos em salas de aula, - como professores de
Língua Portuguesa e Literatura - nas leituras dos autores estudados e na última
prova de língua portuguesa do ENEM, podemos concluir que é muito importante
trabalhar com os alunos da comunidade escolar as principais obras e os principais
autores da literatura usando-se da interpretação multimodal, para que haja o
envolvimento dos alunos na busca pela aprendizagem e pelo prazer da leitura.
Ainda ressaltamos que um dos maiores papéis do professor é o de
incentivador da leitura, por isso a didática planejada desse docente é de suma
importância no ato da docência, pois pode rever formas para que o aluno participe
da aula, possa interagir, dialogar e compreender melhor tudo o que está sendo
ensinado.
E pensando nisso - numa metodologia didática para o ensino da literatura
com vista à interpretação multimodal - apresentamos nesse trabalho o projeto “Mala
de Literatura - ENEM” que propõe desenvolver a leitura literária dentro e fora da
escola, enfocando principalmente, como público-alvo, alunos que estão cursando o
terceiro ano do Ensino Médio, pois sabemos que é comum o estudo da literatura
nessas turmas ser voltado quase que exclusivamente para o ENEM.
Por fim, todo o trabalho, aqui exposto, nos leva à seguinte reflexão: o
estudante tem que entender que a capacidade de ler significa, sobretudo, a condição
de compreender um mundo que vai se mostrando cada vez maior e mais

31
MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

surpreendente, e o professor deve buscar meios de incluir o aluno nas atividades,


mudando a sua metodologia de ensino, fazendo com que eles sintam-se motivados
a participar. Esperamos ainda, que as nossas contribuições virem sementes, que
essas sementes se espalhem, sejam plantadas, germinem, floresçam e deem bons
frutos.

REFERÊNCIAS

COLOMER, Teresa. Andar entre livros: a leitura literária na escola. Trad. Laura
Sandroni. São Paulo: Global, 2007.

COSSON, Rildo. Círculos de Leitura e Letramento Literário. São Paulo: Editora


Contexto, 2014.

COSSON, Rildo. Letramento Literário teoria e prática. São Paulo: Contexto, 2006.

OLIVEIRA, Marcos Nonato de. Multimodalidade e leitura crítica: novas perspectivas


para o ensino de língua portuguesa. Pensares em Revista, São Gonçalo-RJ, n. 6, p.
145-162, jan./jun. 2015.

OZELAME, Josiele Kaminski Corso; PARAHYBA, Martha Ribeiro. Literatura na


escola: uma possibilidade de leitura d’O Senhor Juarroz. Revista Espaço
Acadêmico, n. 71, agosto/ 2015.

PREDIGER, Angélica; KERSCH, Dorotea Frank. Uso e desafios da multimodalidade no


ensino de línguas. Signo, Santa Cruz do Sul, v. 38, n. 64, p. 2019-227, jan./jun. 2013.

ROJO, Roxane Helena Rodrigues. Letramentos escolares: coletâneas de textos nos


livros didáticos de língua portuguesa. Perspectiva, Florianópolis, v. 28, n. 2, p. 433-
465, jul./dez. 2010.

TODOROV, T. A literatura em perigo. 4ª. Ed. Rio de Janeiro: DIFEL, 2012.

VIEIRA, A. Formação de leitores de literatura na escola brasileira: caminhadas


e labirintos. In: cadernos de pesquisas, v. 38. 134, p. 441-458, maio/ago. São Paulo,
2008.

32
MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

O METADISCURSO NA REDAÇÃO DO ENEM: UMA ANÁLISE DAS CATEGORIAS


INTERATIVA E INTERACIONAL NA PERSPECTIVA DE HYLAND

Jaqueline de Jesus Bezerra


Wellington Gomes de Souza

INTRODUÇÃO

O tratamento textual, na literatura atual, é permeado por uma míriade de


teorias que visam ao entendimento acerca do processamento textual, a construção
da argumentação, a produção de sentidos, dentre outros aspectos que enriquecem
a abordagem sobre textos, seja em relação à leitura, seja em relação à escrita.
Nessa esteira, temos o metadiscurso, que oferece contribuições importantes
para a análise do texto escrito e possibilita ao leitor uma clareza maior acerca do
que se propõe na superfície textual. Isso é passível de análise em diversos gêneros
textuais, tendo em vista as proposições que se apresentam em variados construtos
textuais.
Com isso, nosso objetivo geral é analisar as categorias interativa e
interacional, que são compostas de subcategorias metadiscursivas, presentes em
uma redação nota mil, avaliada no Enem, edição de 2017, cuja proposta de redação
consiste na escrita de um texto pertencente ao gênero dissertativo-argumentativo.
Especificamente, objetivamos discutir sobre o metadiscurso e o modelo proposto
por Hyland em 2005, bem como identificar recursos metadiscursivos no objeto de
análise e suas funções na superfície do texto.
Para fundamentar a abordagem e análise proposta, tivemos como aporte o
modelo interpessoal do metadiscurso, proposto por Hyland (2005). Além do autor
citado, buscamos subsídios em Sampaio (2010) e Silva (2017), que discorrem sobre
o metadiscurso, também com base no autor âncora desse estudo.
Metodologicamente, apresentamos uma pesquisa documental, uma vez que
damos tratamento analítico a um material; de natureza básica, sem uma aplicação
prática prevista; de cunho explicativo, por tecermos explicações na análise e de
abordagem qualitativa, já que interpretamos informações e atribuímos significados.
(PRODANOV; FREITAS, 2013). Os procedimentos metodológicos da pesquisa foram
pautados na leitura analítica do texto para o levantamento das ocorrências dos

33
MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

recursos metadiscursivos e posterior discussão, relacionando-os com as


competências três e quatro da matriz de redação do Enem.
Como resultados, observamos que a presença de recursos metadiscursivos
concorre para a orientação do leitor e oferece, ao autor do texto, condições de
encadear as informações e construir argumentação adequada para a defesa do
ponto de vista expresso. Nesse sentido, o metadiscurso atua tanto em prol da
produção, quanto da recepção de textos.
Na seção que segue, trataremos de questões teóricas inerentes à natureza
conceitual do metadiscurso, além de apresentarmos considerações acerca do
modelo metadiscursivo já mencionado aqui, com suas respectivas categorias e
subcategorias. Em seguida, partiremos para a análise da redação do Enem, a fim de
contemplarmos o objetivo almejado. Por fim, apresentaremos as considerações
finais e as referências.

O METADISCURSO: FERRAMENTA DE ENGAJAMENTO TEXTUAL

O conhecimento acerca do metadiscurso é de extrema importância para que


um texto seja escrito e compreendido adequadamente por quem o lê. Nesse sentido,
podemos considerar o metadiscurso como uma estratégia utilizada pelo autor para
tornar o texto mais didático, facilitando assim a leitura e a compreensão do leitor.
Para conceituar o metadiscurso, temos como âncora Hyland e Tse (2004),
teóricos renomados no campo metadiscursivo, que dizem que o metadiscurso é um
material linguístico de autorreflexão, referindo-se ao próprio texto, ao autor desse
texto, bem como ao leitor. Além disso, segundo os autores, o metadiscurso tem como
base uma escrita engajada, que mostra o modo como os escritores projetam seus
pontos de vista diante do texto e do público-alvo. Isso significa que o metadiscurso,
além de ser uma forma de organização das informações visando à compreensão do
leitor, é também um recurso de projeção das intenções do autor, um meio de ele se
posicionar.
No que se refere à autorreflexão, Sampaio (2010, p. 1336) afirma que “os
inúmeros estudos sobre metadiscursividade são convergentes no que tange à
consideração de que o metadiscurso se caracteriza por uma autorreflexividade
discursiva, [...], referenciando-se”, o que significa que o discurso reflete sobre si

34
MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

mesmo, autoexplicando-se. A fim de ampliar a compreensão acerca do


metadiscurso, trazemos a seguinte afirmação de Sampaio (2010, p. 1336):

Pode-se dizer que há vários conceitos dados ao metadiscurso que estarão relacionados à
linha de abordagem adotada pelos autores. Para Crismore (1990, p. 92), metadiscurso
significa o “discurso sobre o discurso”. Já Hyland (1998, p. 441) diz que “o metadiscurso
auxilia na compreensão da maneira como os autores organizam seus argumentos e como
constroem suas relações com seus leitores”. Hyland discorre afirmando que este processo
diz respeito “aqueles aspectos de um texto que explicitamente se referem à organização do
discurso ou da atitude do escritor em relação ou ao conteúdo ou ao leitor”. Tanto para um
como para o outro o metadiscurso promove ao leitor a possibilidade de organizar, classificar,
interpretar e avaliar a informação posta num determinado contexto.

Quanto à afirmação de Crismore sobre o metadiscurso como “o discurso


sobre o discurso”, ao contrário, Hyland e Tse (2004, p. 156) afirmam que o termo
“frequentemente é erroneamente caracterizado como ‘discurso sobre o discurso’
[...]. ” Essa discordância de definições se deve, provavelmente, ao fato de o conceito
de Crismore não ter um aprofundamento necessário para a compreensão sobre o
metadiscurso, que é tão amplo. Na afirmação de Sampaio, o conceito de Hyland
acerca do metadiscurso centra-se na compreensão e na relação com os leitores, já
que o metadiscurso organiza o texto para que o leitor o compreenda, classifique,
interprete e avalie conforme o contexto.
Hyland e Tse (2004) apresentam três princípios-chave do metadiscurso. O
primeiro refere-se à distinção entre metadiscurso e aspectos proposicionais do
texto, ou seja, os recursos metadiscursivos não são, nem se confundem com as
proposições do texto, que constituem o todo informacional, considerando-se que a
função do metadiscurso não é a informação, mas principalmente a autorreflexão, a
facilitação da compreensão e a relação com o público a quem o texto se dirige. O
segundo princípio envolve recursos de interação entre escritor e leitor, cumprindo
assim um dos principais objetivos do metadiscurso, o qual se apresenta engajando
o leitor, convidando-o a participar do texto, guiando-o para que haja compreensão.
O terceiro princípio refere-se à distinção das relações internas e externas ao texto,
as quais se dão através de recursos que conectem situações do próprio texto ou
situações de fora dele, que indiquem circunstâncias relacionadas ao próprio
discurso ou externas a ele.
Mais uma vez trazemos Hyland e Tse (2004) que consideram o metadiscurso
um recurso facilitador da comunicação, apoiador da posição do escritor e construtor
de uma relação com o público, assumindo, desse modo, importantes papéis na

35
MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

escrita e também na leitura. Para Silva (2014, p. 44), o metadiscurso como um


facilitador da nossa comunicação, faz-nos “delinear caminhos e traçar estratégias
que nos fazem enquanto escritores ter sucesso no ato de comunicar, e,
consequentemente, de argumentar a fim de persuadir nossa audiência.” Dessa
forma, o metadiscurso não se utiliza apenas de expressões linguísticas, mas
apresenta também um caráter retórico, a partir do qual o autor busca convencer o
leitor acerca das declarações que emite.
Consoante Hyland e Tse (2004), os recursos metadiscursivos têm uma função
textual e uma função interpessoal. O metadicurso textual funciona organizando o
discurso através da sinalização de informações e da conexão de ideias. O
metadiscurso interpessoal constitui-se de expressões linguísticas que evidenciam a
presença do autor no seu texto, suas opiniões e seu olhar avaliativo.
Além dessas funções metadiscursivas, Hyland propôs um modelo de
metadiscurso “teoricamente mais robusto e analiticamente mais confiável, baseado
em uma série de princípios fundamentais e que oferece critérios claros para
identificar e codificar suas características.” (HYLAND, 2005a, p. 37 apud SILVA,
2017, p. 47). A seguir, apresentamos esse modelo.

O MODELO DE METADISCURSO PROPOSTO POR HYLAND (2005)

Hyland é um dos principais pesquisadores do metadiscurso e tem trazido


grandes contribuições para o estudo nesse campo. Para a análise aqui realizada,
seguimos o modelo metadiscursivo de 2005, proposto pelo autor.
Hyland e Tse (2004) sugerem que todo metadiscurso seja interpessoal, uma
vez que essa função metadiscursiva considera o conhecimento do leitor, bem como
as experiências textuais e as necessidades de processamento, para isso fornecendo
aos escritores inúmeros recursos retóricos. O modelo de Hyland de 2005, que enfoca
o metadiscurso interpessoal, foi proposto a partir das dimensões do metadiscurso,
que são duas: a interativa e a interacional. Nas palavras de Hyland (2005a, p. 49-50
apud Silva, 2017, p. 49), a dimensão interativa

Diz respeito à consciência do escritor de uma audiência participativa e as formas que ele ou
ela pretende acomodar seus prováveis conhecimentos, interesses, expectativas retóricas e
capacidades de processamento. O propósito do escritor aqui é de dar forma e restringir um
texto para atender às necessidades de leitores particulares, estabelecendo argumentos para
que eles recuperem interpretações e metas preferenciais do escritor. O uso de recursos desta
36
MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

categoria, portanto, aborda formas de organização do discurso, ao invés de experiência,


demonstrando que o texto é construído tendo em mente as necessidades dos leitores.

Pode-se perceber que a dimensão interativa preocupa-se com o leitor ou


ouvinte, de modo a focar nas necessidades do público receptor e organizar o texto
utilizando-se de recursos que guiem o leitor e o situe em todos os momentos do texto
para que a compreensão se dê completa e adequadamente.
Para Hyland (2005a, p. 49-50 apud Silva, 2017, p. 49), a dimensão
interacional refere-se

[...] às maneiras como os escritores realizam a interação através de interferências e


comentários sobre a sua mensagem. O objetivo do escritor aqui é fazer com que seu ponto
de vista seja explícito e envolver os leitores, permitindo-lhes responder ao desdobramento
do texto. Trata-se da expressão da “voz” do escritor no texto, ou a personalidade reconhecida
na comunidade, e inclui as maneiras como ele ou ela transmite julgamentos e abertamente
se alinha com os leitores. O metadiscurso aqui é essencialmente avaliativo e envolvente
(engajado), expressando solidariedade, antecipando objeções e respondendo a um diálogo
imaginado com os outros, demonstrando como o escritor trabalha conjuntamente para
construir o texto com os leitores.

É possível perceber que na dimensão interacional, o autor preocupa-se em


deixar claro seu ponto de vista, seus julgamentos, impressões, conclusões,
interagindo por meio desse comportamento com o seu receptor. Além disso, nessa
dimensão o escritor utiliza-se de um metadiscurso solidário, engajando-se,
avaliando e dialogando com o leitor.
As categorias da dimensão interativa são as transições, os marcadores de
enquadramento, os marcadores endofóricos, os evidenciadores e os códigos de
glosa. Os recursos de transição são conjunções, locuções conjuntivas, elos coesivos
que ligam as orações. (HYLAND, 2005 apud SILVA, 2017). Além disso, estabelecem
ideias que dão coerência ao texto. Como exemplo, pode-se citar “entretanto”, que
estabelece uma ideia de oposição e “portanto”, que estabelece uma ideia de
conclusão.
Os marcadores de enquadramento são recursos metadiscursivos que
indicam sequências ou estágios e enquadram determinados momentos de um texto.
(HYLAND, 2005 apud SILVA, 2017). Para exemplificar, temos a expressão
“inicialmente”, a qual indica que uma sequência de informações vai se iniciar, bem
como indica o momento inicial daquele texto, e “finalmente”, que indica a sequência
e o momento final do texto.

37
MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

Os marcadores endofóricos têm a função de apontar informações localizadas


em outra parte do texto. (HYLAND, 2005 apud SILVA, 2017). Exemplificamos com a
expressão “conforme a figura acima”, que aponta onde está tal figura ou “no quadro
abaixo”, em que se indica a localização do quadro.
Os evidenciadores são informações de textos de outros autores. (HYLAND,
2005 apud SILVA, 2017). As citações diretas ou indiretas são exemplos de
evidenciadores. Pode-se perceber a presença desses recursos metadiscursivos
através de frases como “segundo A”, ou “B diz que”.
Os códigos de glosa correspondem aos significados das proposições.
(HYLAND, 2005 apud SILVA, 2017). São expressões explicativas que buscam
ampliar a significação de uma palavra ou expressão. A própria expressão “por
exemplo” é um código glossal, assim como “ou melhor” e “ou seja”, as quais têm o
papel de esclarecer o conteúdo de alguma proposição.
Os recursos metadiscursivos da categoria interacional são os atenuadores, os
intensificadores, os marcadores de atitude, os marcadores de automenção e os
marcadores de engajamento. Os atenuadores atuam buscando manter um diálogo
aberto por meio de expressões amenizadoras. (HYLAND, 2005 apud SILVA, 2017).
Representam um modo de o autor não se comprometer com determinada
declaração e de indicar incertezas ou possibilidades. Termos como “é possível” e
“provavelmente” são atenuadores.
Enquanto os atenuadores procuram manter um diálogo aberto com o leitor,
os intensificadores estabelecem um diálogo fechado, indicando certeza. (HYLAND,
2005 apud SILVA, 2017). Exemplos de intensificadores são “evidentemente”, “é
certo que”, “claramente”.
Os marcadores de atitude são recursos pelos quais o autor se posiciona.
(HYLAND, 2005 apud SILVA, 2017). Pontos de vista, julgamentos, impressões estão
nesse tipo de categoria. Palavras como “felizmente”, “lamentavelmente”, “concordo
que” são exemplos de marcadores de atitude.
A automenção é um recurso do metadiscurso que marca a referência ao
autor. (HYLAND, 2005 apud SILVA, 2017). Pode-se dizer que é a presença da voz do
autor no texto, que se dá pelo uso de termos como “nós”, “nosso”, “realizamos”,
“consideramos”, pelas quais o autor se automenciona.

38
MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

Os marcadores de engajamento são recursos de relação com o leitor.


(HYLAND, 2005 apud SILVA, 2017). Representa um modo de engajar o leitor, de
trazê-lo para participar do texto, de dialogar com o conteúdo e com o autor. Como
exemplo desses recursos metadiscursivos podemos citar: “observemos”, “vejamos”,
“notemos”.
Não se pode deixar de mencionar que, segundo Hyland (2005b apud Silva,
2017, p. 55), para o autor interagir com o leitor por meio do texto ele usa duas
categorias principais: o posicionamento e o engajamento:

1. Stance - Expressam uma “voz” textual ou uma personalidade reconhecida pela


comunidade, que, seguindo outros, chamarei de posicionamento. Isso pode ser visto como
uma dimensão de atitude e inclui características que se referem às formas como os escritores
se apresentam, assim como seus julgamentos, opiniões e compromissos. É a maneira que os
escritores encontram para carimbar sua autoridade pessoal em seus argumentos ou dão um
passo para trás e disfarçam seu envolvimento. 2. Engajamento - Os escritores se relacionam
com seus leitores com respeito às posições avançadas no texto, que eu chamo o engajamento
(Hyland, 2001). Esta é uma dimensão de alinhamento na qual os escritores reconhecem e se
conectam aos outros, reconhecendo a presença dos leitores, apresentando o seu argumento,
concentrando a sua atenção, reconhecendo as suas incertezas, incluindo-os como
participantes do discurso e guiando-os para interpretações. (HYLAND, 2005b, p.176 –
tradução livre).

Pela citação acima, percebe-se que o stance ou posicionamento, como o nome


indica, mostra como o autor se posiciona diante do conteúdo e perante o leitor,
julgando, opinando e comprometendo-se com as informações repassadas,
carimbando sua presença e autoridade ou envolvendo-se disfarçadamente. O
engajamento refere-se ao reconhecimento e à conexão ao leitor, buscando manter
sua atenção, envolvendo-o no texto, orientando a interpretação como um todo.
Percebe-se, portanto, como são diversas as funções das categorias do
metadiscurso e como este campo é amplo. A partir do conhecimento acerca dos
recursos metadiscursivos, tem-se um outro olhar para o processo de produção de
um texto, no qual, segundo Hyland e Tse (2004) o autor ao mesmo tempo cria o
conteúdo proposicional, engaja-se com o leitor, faz o texto fluir, de modo que o
material linguístico produzido assume várias funções.

O METADISCURSO NA REDAÇÃO DO ENEM (2017): ANÁLISE DE UM TEXTO


NOTA MIL

Conforme expomos, o modelo interpessoal de metadiscurso proposto por


Hyland (2005) abarca aspectos atinentes tanto à proposta de produção textual
39
MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

quanto à recepção do texto produzido, de forma a contribuir para que o


direcionamento do discurso seja adequado tanto em relação a quem escreve quanto
a quem lê determinado texto.
Diante disso, podemos dizer que os recursos disponibilizados pelas
categorias metadiscursivas em pauta são de suma importância para o tratamento de
diversos gêneros textuais. Isso se deve pelo fato de que o processamento textual, de
modo geral, além de ser perpassado por essas categorias, se constitui mediante a
execução das funções relacionadas a elas, no processo de interação e construção da
argumentatividade e dos sentidos de determinado texto.
Vale dizer, também, que a presença do metadiscurso é um recurso
preponderante para o pareamento adequado entre linguagem e argumentação.
Conforme Koch (2015), o uso da linguagem possui essência argumentativa, visto que
“[…] pretendemos orientar os enunciados que produzimos no sentido de
determinadas conclusões [com exclusão de outras]. Em outras palavras,
procuramos dotar nossos enunciados de determinada força argumentativa.” (KOCH,
2015, p. 29).
Com base na autora, é possível dizer que o metadiscurso contribui com as
operações argumentativas que se constroem em um texto, pois suas categorias
promovem a orientação dos enunciados e conduzem o leitor à produção de sentidos,
a partir do envolvimento com os enunciados que são apresentados na superfície
textual.
Nesse contexto, nos deteremos à análise das categorias metadiscursivas
interativa e interacional, bem como as suas respectivas subcategorizações, já
apresentadas na seção anterior, em uma redação que obteve nota máxima na edição
do Enem 2017.
A priori, é importante ressaltar que a redação do Enem trata-se de um texto
pertencente ao gênero dissertativo-argumentativo, com peculiaridades dispostas na
cartilha do participante. (BRASIL, 2018). Dentre essas particularidades, podemos
citar a disposição da avaliação, mediante a aferição de cinco competências que
consistem no domínio da modalidade formal da língua portuguesa; compreensão da
proposta e respeito aos limites estruturais do gênero em questão; seleção de ideias
e argumentação em defesa de um ponto de vista; conhecimento dos mecanismos

40
MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

linguísticos necessários à argumentação; e, por fim, apresentação de uma proposta


de intervenção.
Para a nossa análise, acreditamos que as categorias metadiscursivas sejam
essenciais para o cumprimento daquilo que se pede em relação às competências três
e quatro, principalmente. No tocante à competência três, por exemplo, é possível que
o autor do texto se utilize de estratégias para o envolvimento do leitor, a fim de
defender o seu ponto de vista. Já no que se refere à competência quatro, temos os
mecanismos linguísticos que nada mais são (na perspectiva do metadiscurso) do
que recursos para guiar o leitor em relação ao que se apresenta no cotexto.
Vale dizer, também, que a temática proposta para a produção textual em
pauta gira em torno de questões de ordem social, científica, cultural ou política,
conforme se apresenta no manual do participante do Exame. Dessa forma, a redação
que constitui o nosso corpus de análise versou sobre o seguinte tema: Desafios para
a formação educacional de surdos no Brasil.
Com essas considerações, partamos para a análise do texto, a fim de
observarmos a presença dessas categorias e a importância delas para a construção
do tecido textual e, consequentemente para a construção da argumentação, em
defesa de um ponto de vista, conforme se propõe na redação do Enem.
A redação foi escrita pela candidata Maria Juliana Bezerra Costa e consta na
edição de 2018 da cartilha do participante do Enem. Eis que segue o texto, com os
recursos metadiscursivos destacados em negrito, e posterior análise:

Em razão de seu caráter excessivamente militarizado, a sociedade que constituía a cidade


de Esparta, na Grécia Antiga, mostrou-se extremamente intolerante com deficiências
corpóreas ao longo da história, tornando constante inclusive o assassinato de bebês que as
apresentassem, por exemplo. Passados mais de dois mil anos dessa prática tenebrosa,
ainda é deploravelmente perceptível, sobretudo em países subdesenvolvidos como o
Brasil, a existência de atos preconceituosos perpetrados contra essa parcela da sociedade,
que são o motivo primordial para que se perpetue como difícil a escolarização plena de
deficientes auditivos. Esse panorama nofasto [sic] suscita ações mais efetivas tanto do
Poder Público quanto de instituições formadoras de opinião, com o escopo de mitigar os
diversos empecilhos postos frente à educação dessa parcela social.
É indubitável, de fato, que muitos avanços já foram conquistados no que tange à efetivação
dos direitos constitucionais garantidos aos surdos brasileiros. Pode-se mencionar, por
exemplo, a classificação da Libras – Língua Brasileira de Sinais – como segundo idioma
oficial da nação em 2002, a existência de escolas especiais para surdos no território do
Brasil e as iniciativas privadas que incluem esses cidadãos como partícipes de eventos –
como no caso da plataforma do Youtube Educação, cujas aulas sempre apresentam um
profissional que traduz a fala de um professor para a língua de sinais. Apenas medidas
flagrantemente pontuais como essas, contudo, são incapazes de tornar a educação de
surdos efetiva e acessível a todos que necessitam dela, visto que não só a maioria dos
centros educacionais está mal distribuída no país, mas também a disponibilidade de

41
MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

professores específicos ainda é escassa, além de a linguagem de sinais ainda ser


desconhecida por grande parte dos brasileiros.
No que tange à sociedade civil, nota-se a existência de comportamentos e de ideologias
altamente preconceituosos contra os surdos brasileiros. A título de ilustração, é comum
que pais de estudantes ditos “normais” dificultem o ingresso de alunos portadores de
deficiência auditiva em classes não específicas a eles, alegando que tal parcela tornará o
“ritmo” da aula mais lento; que colegas de sala difundam piadas e atitudes maldosas e que
empresas os considerem inaptos à comunicação com outros funcionários. Essas atitudes
deploravelmente constantes no Brasil ratificam a máxima atribuída ao filósofo Voltaire:
“Os preconceitos são a razão dos imbecis”.
Urge, pois, a fim de tornar atitudes intolerantes restritas à história de Esparta, que o
Estado construa mais escolas para deficientes auditivos em municípios mais afastados de
grandes centros e promova cursos de Libras a professores da rede pública – por meio da
ampliação de verbas destinadas ao Ministério da Educação e da realização de
palestras com especialistas na educação de surdos –, em prol de tornar a formação
educacional deles mais fácil e mais inclusiva. Outrossim, é mister que instituições
formadoras de opinião – como escolas, universidades e famílias socialmente engajadas
– promovam debates amplos e constantes acerca da importância de garantir o respeito e a
igualdade de oportunidades a essa parcela social, a partir de diálogos nos lares, de
seminários e de feiras culturais em ambientes educacionais. Assim, reduzir-se-ão os
empecilhos existentes hoje em relação à educação de surdos na Nação e formar-se-ão
cidadãos mais aptos a compreender a necessidade de respeito a eles, afinal, segundo o
filósofo Immanuel Kant: “O homem não é nada além daquilo que a educação faz dele”.
(BRASIL, 2018, p. 45-46).

Diante da análise do texto, podemos observar vários marcadores


metadiscursivos, sendo que há o predomínio daqueles referentes à categoria
interativa do metadiscurso. Ressaltemos, contudo, que as categorias e suas
respectivas subcategorias são multifuncionais, sendo que pode haver mais de uma
classificação em relação a elas. Frise-se, também, a importância do contexto para
elencarmos o recurso metadiscursivo em uma subcategoria ou em outra. Não
buscamos esgotar a identificação dos marcadores metadiscursivos no texto, mas
destacamos um número suficiente para procedermos com a análise pretendida,
conforme nossos objetivos na pesquisa.
No tocante à categoria interativa, constatamos recursos de transição, como a
conjunção “pois” que inicia a ideia conclusiva no último parágrafo; códigos de glosa,
como o que se apresenta no primeiro parágrafo com a exemplificação acerca do
tratamento que se dava em Esparta às pessoas com deficiência, que eram
assassinadas; marcadores endofóricos, caso das retomadas feitas, ao longo do texto
sobre os deficientes; marcador de enquadramento, como a expressão do último
parágrafo “afinal”; além de evidenciadores, que apresentam conhecimento para
além do texto como as citações de Voltaire e Kant, bem como a citação referente a
um dos textos motivadores sobre a introdução de LIBRAS como segunda língua
oficial no país.

42
MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

Já no que se refere à categoria interacional, temos a presença do atenuador


“pode-se”, de intensificadores como “de fato”, marcado no início do segundo
parágrafo, bem como marcadores de atitude distribuídos nos três primeiros
parágrafos como é o caso de “excessivamente”, “flagrantemente” e
“deploravelmente”, que buscam envolver o leitor acerca do ponto de vista
construído no texto que gira em torno das dificuldades dos deficientes auditivos em
terem acesso à educação por conta do preconceito.
Em síntese, na nossa análise, constatamos a presença de recursos
metadiscursivos interativos e interacionais, que podem ser organizados conforme a
Tabela 1, que segue:

Tabela 1 - Ocorrências relativas às categorias interativa e interacional do metadiscurso e suas


respectivas categorias.

Categorias Subcategorias Nº de ocorrências

Transições 8

Marcadores de 1
enquadramento
Interativa
Marcadores endofóricos 6

Evidenciadores 3

Códigos de glosa 8

Atenuadores 1

Intensificadores 3

Marcadores de atitude 8
Interacional
Automenção 0

Marcadores de 0
engajamento

De acordo com o que mencionamos outrora, podemos estabelecer relações


entre essas categorias do metadiscurso e as competências avaliadas no Enem,
sobretudo no que se refere à terceira e à quarta competências do exame. Nesse
sentido, percebemos que, para o êxito da competência três, concorrem tanto os
recursos interativos quanto interacionais e, para o sucesso da competência quatro,
observamos a presença de recursos atinentes apenas à categoria interativa.
43
MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

Diante do exposto, podemos dizer que os códigos de glosa fortalecem e


ampliam as informações oferecidas ao leitor, bem como concorrem para direcioná-
lo em relação ao ponto de vista apresentado. Nessa esteira, os evidenciadores
contribuem para o embasamento do ponto de vista, mediante a apresentação de
informações de outros textos, o que consiste, na redação, em argumentos de
autoridade. Os marcadores de atitude e o intensificador presentes no texto e que
fazem parte da categoria interacional marcam a intenção de envolvimento do leitor
no texto, no sentido de proporcionar, claramente, o posicionamento do autor do
texto, algo que é de grande valia para o exame em questão. Da mesma forma, dizem
respeito à busca da autoria do texto em mostrar domínio acerca das ideias que
defende no texto. Todos esses aspectos referem-se ao que é avaliado na competência
três da matriz de redação do Enem, que trata, conforme já dissemos, da seleção,
organização e interpretação de fatos e argumentos em defesa de um ponto de vista.
Por fim, para relacionarmos os recursos metadiscursivos com o que se avalia
na competência quatro do Enem, voltada para o conhecimento dos mecanismos
linguísticos para a construção da argumentação, conforme já afirmamos
anteriormente, podemos observar que a presença dos elementos de transição
concatena as ideias e, mais que isso, oferece um caminho para que o leitor perceba
a relação entre o ponto de vista apresentado e os argumentos oferecidos para a sua
defesa. O marcador de enquadramento contribui para a amarra das informações e
também aponta o momento final do texto no qual se mostram soluções para o
problema em questão. Os marcadores endofóricos, por sua vez, são responsáveis
pela retomada de informações ao longo do texto e o fazem coeso e bem estruturado.
Nesse contexto, apresentamos a Tabela 2, onde se ilustra essa relação entre
os recursos metadiscursivos e as referidas competências:

44
MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

Tabela 2 - Relação entre as categorias interativa e interacional do metadiscurso e as competências 3


e 4 do Enem.

Categorias Subcategorias Competência


relacionada (ENEM)

Transições C4

Marcadores de
C4
enquadramento
Interativa
Marcadores endofóricos C4

Evidenciadores C3

Códigos de glosa C3

Atenuadores C3

Intensificadores C3

Marcadores de atitude C3
Interacional
Automenção -

Marcadores de
-
engajamento

Diante do exposto, concluímos que é possível vislumbrar essas relações


porque o metadiscurso se faz presente em diversos textos, ainda que, muitas vezes,
não se tenha a consciência sobre esse tipo de recurso em prol da construção textual
e, consequentemente, da argumentação. Talvez o uso de recursos metadiscursivos
tenha sido realizado de maneira inconsciente pela autora do texto, mas foi de grande
importância para que a sua produção textual fosse exitosa. Isso nos mostra que a
possibilidade de abordagem textual nessa perspectiva, tanto na escrita quanto na
leitura, ofereceria grandes contribuições para o trabalho com textos na educação
básica. Teríamos, nisso, terreno profícuo para outras discussões.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O metadiscurso consiste em um recurso de grande valia para a produção de


texto, pois oferece ao autor do texto subsídios para dar mais clareza à argumentação
produzida em determinada superfície textual. Da mesma forma, dispõe ao leitor

45
MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

mecanismos de orientação e de engajamento, desde que estes sejam utilizados em


um determinado cotexto, que facilitam o contato com as informações contextuais e
cotextuais.
Esses recursos, inerentes às categorias interativa e interacional do
metadiscurso, fazem-se presentes em diversos textos e atuam na tríade autor-texto-
leitor, como vimos. Por isso, é de grande valia suscitarmos discussões acerca dessa
temática, sobretudo no que se refere ao processamento do texto escrito.
Nesse espaço de discussão, fomentamos a análise de uma redação nota mil
do Enem e buscamos apresentar as relações entre metadiscurso e entre o que é
avaliado no referido certame, no que se refere especificamente às competências três
e quatro. Com isso, pudemos perceber que o metadiscurso, além de recorrente, foi
de grande valia para a construção da argumentação e para a defesa do ponto de vista
do texto analisado.
Dessa forma, compreendemos que a abordagem sobre metadiscurso é
possível e, certamente, necessária tanto em nível acadêmico como em outros níveis
educacionais, como é o caso do ensino médio, haja vista os recursos em questão
contribuírem para a produção textual, tarefa tão pesarosa para os alunos dessa
etapa de ensino.
É certo que a nossa abordagem traduz-se em apenas uma possibilidade de
análise do metadiscurso em consonância com o trabalho de produção textual e
leitura de textos de gêneros diversos, sendo que esse recorte foi realizado com um
dado objetivo. Da mesma forma, nossa leitura não exaure outras em relação à
presença e à classificação dos recursos metadiscursivos, tendo em vista a sua
natureza multifuncional.
Portanto, esperamos que a discussão aqui proposta suscite outras
possibilidades de análise do metadiscurso e suas respectivas categorias.
Acreditamos, também, ser necessária a ampliação desse tipo de abordagem em
relação ao ensino de textos, tanto no tocante à leitura quanto no que se refere à
escrita.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Redação do Enem 2018: cartilha do participante. Ministério da Educação


– MEC: Brasília, 2018.

46
MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

HYLAND, Ken; TSE, Polly. Metadiscourse in academic writing: A reappraisal.


Applied linguistics. 25 (2): p. 156-177. 2004. Disponível em: https:
//www.researchgate.net/publication/31418041_Metadiscourse_in_Academic_Wri
ting_A_Reappraisal. Acesso em: 12 jan. 2019.

KOCH, Ingedore Grunfeld Villaça. A inter-ação pela linguagem. 11 ed. São Paulo:
Contexto, 2015.

SAMPAIO, Marcilene Oliveira Sampaio. O metadiscurso na escrita escolar.


Cadernos do CNLF, v. XIV, n. 2, t. 2. 2010. Disponível em:
http://www.filologia.org.br/xiv_cnlf/tomo_2/1335-1346.pdf. Acesso em: 13 jan.
2019.

SILVA, Adriana da. Metadiscurso na perspectiva de Hyland: Definições, modelos


de categorização e possíveis contribuições. Letras, Santa Maria, v. 27, n. 54, p. 41-
47, jan./jun. 2017.

SILVA, Aline Cristina da. O metadiscurso em artigos científicos de Linguística e


Literatura. 2014. 117f. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de
Pernambuco, Centro de Artes e Comunicação. Letras, 2017.

47
MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

MULTIMODALIDADE: UM ESTUDO DAS REPRESENTAÇÕES CONCEITUAIS


ANALÍTICAS EM VERBETES ILUSTRADOS ONLINE

Aluizio Lendl
Antônio Luciano Pontes

Introdução
Biderman (1984) já nos alertou que para a elaboração de um dicionário a
equipe de dicionaristas deve possuir certas qualidades e virtudes e operar segundo
procedimentos hoje padronizados. Precisa conhecer bem a sua língua materna e ter
uma ampla leitura do seu patrimônio literário e cultural de todas as épocas, no caso
de idioma de longa tradição cultural, como é o caso do português.
As observações da autora até hoje são muito pertinentes, pois a organização
interna dos dicionários é engessada, diferindo, talvez, apenas nas informações
tipográficas de um dicionário para outro. Sabe-se que a estrutura interna de um
dicionário precisa seguir uma megaestrutura, macroestrutura, médioestrutura e
microestrutura. Cada um desses campos estruturais estabelece as especificidades
de um dicionário.
Com base nessa compreensão, este texto se restringe em compreender a
organização microestrutural de um verbete. A microestrutura compreende a
entrada do verbete – isto é, o título do verbete –, que é seguido de sua definição, a
mais clara e objetiva possível.
Entretanto, na esteira das transformações semióticas deste século, os
dicionários reuniram novos aspectos tipográficos, tais com cores, imagens, sons e
links. Esses recursos, portanto, não parecem ter sido previstos pela metalexicografia.
Sendo de forte relevância a iniciativa de estudos que busquem traçar padrões para
as obras com esses novos planos.
Partindo desse pressuposto, este trabalho busca contribuir com aquela área
de estudos, explorando como dicionários ilustrados e eletrônicos organizam sua
microestrutura, a fim de promover a compreensão do verbete. Para tanto,
fundamentamos o estudo na Gramática do Design Visual, a partir da metafunção
representacional, cujo objetivo é compreender a natureza do evento comunicativo.

48
MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

Assim, além desta introdução, apresentamos breves concepções sobre


dicionários, alguns aspectos teóricos sobre a multimodalidade, a metodologia
adotada, as análises dos dados e, por fim, as nossas conclusões.

Dicionários: uma breve definição


Os sérios dicionários apoiam geralmente suas caracterizações das palavras
em exemplos reais. Seguindo a uma orientação normativa, muitos lexicógrafos
preferem usar como exemplo a língua de alguns escritores renomados.
Supostamente os que souberam utilizar melhor a língua num determinado período
da história. Para Ilari e Cunha Lima (2011), o que parece mais importante é assinalar
que alguma prática de exemplificação, não necessariamente uniforme e rigorosa, é
utilizada informalmente pelos usuários da língua.
Percebemos, portanto, que o fazer dicionarístico envolve a necessidade de
distinção entre unidades. Estas unidades diferenciam-se entre si por diversos
aspectos, tais como: possuem uma significação; controlam os contextos; e deve-se
saber usar exemplos reais como parte de um determinado recorte histórico.
Recorrendo a Ilari e Cunha Lima (2011, p. 28 - 29), os dicionaristas
enfrentam as questões acima referidas, construindo entradas lexicais padrões,
mediante as quais os usuários reconhecem:

(i) Um lema;
(ii) Uma ou mais indicações sobre flexão, quando é o caso;
(iii) Uma definição;
(iv) Uma ou mais indicações de domínios do discurso a que palavra pertence;
(v) Uma ou mais abonações.

Essa discussão sobre a diversidade de aspectos envolvidos na construção


de significados da palavra não objetiva, neste texto, apenas uma reflexão sobre
léxico, vocábulo ou dicionário, mas busca direcionar o nosso olhar para além do
exercício mecânico de fazer compreender a lista de verbetes de um dicionário com
os objetos do mundo.
Nesse entendimento, Coroa (2011, p. 67) institui que o dicionário é um
produtivo instrumento do fazer linguístico: “é mais um dos elementos simbólicos de
que cidadãos leitores e produtores de textos dispõem para construir, e reconstruir,

49
MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

redes de significações e constituir sujeitos.” Como podemos observar, o dicionário é


uma obra bastante valorizada dentro das mais diversas línguas. Por sua vez, para
conceituar o dicionário, Pontes (2009, p. 24) vale-se da definição de Auroux (1992),
de que o dicionário descreve e instrumentaliza uma língua e é considerado um dos
pilares de nosso saber metalinguístico. O autor ainda considera a acepção de Gepí
Arroyo (2000), segundo a qual, um dicionário é, por natureza, produto poliédrico,
porque são múltiplos os pontos de vista sob os quais se pode descrevê-lo,
caracteriza-o como repertório de palavras e que se organiza, “na maioria das vezes,
por ordem alfabética, para facilitar a consulta”. Possui “informações gramaticais,
semânticas, pragmáticas, discursivas e socioculturais” (PONTES, 2009, p. 24). Sobre
essas duas visões, percebemos que a de Coroa (2011) amplia o leque de
possibilidades que o dicionário proporciona aos sujeitos de construir significação.
De outro ponto de vista, Pontes (2009) evoca o saber metalinguístico dessas obras.
As duas acepções não são incompatíveis entre si, muito pelo contrário, juntas elas se
complementam e estendem a possibilidade de compreensão sobre o que é um
dicionário.
Depreendemos, portanto, que os estudiosos e pesquisadores reconhecem a
natureza social e ideológica dos dicionários, revelando um universo semântico-
discursivo de determinados períodos da história. Além de esclarecer sobre esses
aspectos, podemos configurar os dicionários como textos multimodais, pois, outras
semioses são acionadas para a organização do material impresso ou eletrônico.
Resumidamente, para Pontes (2009, p. 27), a obra lexicográfica pode, então,
ser definida por:
(01) Ter um caráter intertextual;
(02) Ser polifônico, pois, muitas vozes se entrecruzam no seu discurso;
(03) Ser ideológico, uma vez que reflete a construção e categorização da
realidade que nos cerca.
(04) Ser um texto multimodal, isto é, composto por mais de um modo
semiótico, compreendendo elementos verbais e não-verbais em sua
constituição.
(05) Ser uma obra didática, pelo caráter explicativo e informativo de que
ela se reveste para, entre outras finalidades, servir como livro de consulta
e de leitura e formar as pessoas de aspectos socioculturais e científicos
de uma época.

Além dessas cinco definições, Pontes (2009, p. 27) elenca quatro traços
fundamentais sobre o dicionário, ou seja, oferece características macrodefinidoras:
50
MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

(i) Repertório de palavras;


(ii) Conjunto de informações gramaticais, semânticas, pragmáticas e
ideológicas;
(iii) Representante de um conhecimento genérico, cultural partilhado;
(iv) Texto materializado em um gênero.

Dentro desse mesmo caminho de compreensão sobre o conceito de


dicionário, Krieger (2005) acrescenta que o dicionário não é organizado a partir de
uma simples tarefa compilatória, que tem por finalidade reunir dados já
estabelecidos e convencionados socialmente, eles deverão representar uma
proposta específica, para adequar-se à compreensão dos usuários, por isso, a obra
lexicográfica também deve ser considerada científica.

Multimodalidade: alguns aspectos teóricos


O estudo e a pesquisa sobre as representações visuais recebem o nome de
multimodalidade. Este termo nem sempre se referiu apenas às conceituações das
relações visuais. Na verdade, como explicou Van Leeuwen (2011), o termo
“Multimodalidade” parece ter surgido em 1920, filiada à área da Psicologia da
Percepção, para se referir aos diferentes efeitos das percepções sensoriais do corpo
humano. Recentemente, a definição do termo foi ampliada para integrar os
diferentes modos semióticos utilizados na comunicação, desde as expressões
verbais às audiovisuais.
Kress (2011) afirmou que essa diversidade de modos semióticos é a
característica central da Teoria da Multimodalidade. Para ele:
[...] a linguagem é apenas um entre os recursos para produzir
sentido, e que todos esses recursos disponíveis em um grupo social
e suas culturas em um momento particular devem ser considerados
como constituindo um domínio coerente e um campo integral de
recursos. No entanto, tais recursos são distintos para produzir
sentido, mas iguais potencialmente, em suas capacidades de
contribuir na produção de sentido para uma entidade semiótica
complexa, um texto ou um texto como entidade (KRESS, 2011, p.
42).

Na citação, Kress nos explica que não se trata de exterminar a linguagem


verbal, mas de considerar as outras modalidades juntas com a modalidade verbal.

51
MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

Isto é, o autor busca explicar que a multimodalidade é exatamente a interação da


multiplicidade de modos semióticos.
Para Kress (2011, p. 54), os modos semióticos “são recursos socialmente e
culturalmente construídos para produzir significado. A imagem estática, a escrita, o
layout, a música, os gestos, a fala, as imagens em movimento e as trilhas sonoras são
exemplos de modos” e constituem um conjunto de recursos semióticos.
Por sua vez, van Leeuwen (2005) ressalta que os recursos semióticos
podem:
[...] ser produzidos fisiologicamente, por exemplo, com nosso
aparelho vocal, os músculos que usamos para realizar expressões
faciais e gestuais, ou tecnologicamente, por exemplo, com a caneta
e a tinta, ou hardware e software. Recursos semióticos têm um
significado potencial que se baseiam em seus usos anteriores [...]
(VAN LEEUWEN, 2005, p. 285).

O excerto destaca que os recursos semióticos podem ser produzidos por


uma série de instrumentos, sejam eles fisiológico ou tecnológicos. Desse modo,
desde a caneta e a tinta, o volume e o tom da voz, a nossa performance corporal, por
exemplo, são recursos semióticos que podem ser mobilizados pelos usuários desses
modos em situações de comunicação.
Quanto à definição da Multimodalidade, Kress e van Leeuwen (2006)
explicam que ela acontece pela composição das relações dos modos semióticos e
pela construção de sentido que esses diversos modos realizam entre si. Jewiit
(2010) a descreve como “uma abordagem que compreende a comunicação e
representação como algo que vai além da língua, uma vez que envolvem uma gama
ampla de diversas formas de comunicação que as pessoas usam – imagens, gestos,
olhar, postura – e suas relações entre elas” (JEWITT, 2010, p. 14). Callow (2013, p.
11) ressaltou que a multimodalidade “é uma perspectiva teórica que considera que
os significados comunicativos são construídos (assim como compartilhados,
desafiados e remixados) através do uso de múltiplos modos, abrangendo escrita,
discurso falado, imagem [...] etc”, por sua vez, Jewitt (2013, p. 17) observou que a
multimodalidade é:

52
MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

[...] uma abordagem interdisciplinar elaborada pela semiótica


social que entende a comunicação e representação para além da
linguagem verbal e se faz presente, de forma sistemática, na
interpretação social de uma variedade de formas de produção de
significado.

A definição de Jewitt percebe a multimodalidade como abordagem


interdisciplinar, de caráter sistêmico, necessária para a produção de sentidos.
Enquanto Callow a define como uma complexa rede de elementos semióticos para a
produção dos significados. As duas concepções não divergem entre si, pelo
contrário, elas se complementam e formam uma teia que constitui um campo amplo
para o estudo da multimodalidade.
A Gramática do Design Visual apresenta a primeira metalinguagem da
multimodalidade. Ela está dividida em três estruturas básicas para descrever e
interpretar a paisagem semiótica, conforme podemos observar no Quadro a seguir.

Quadro 1: Metafunções da GDV


MULTIMODALIDADE
Metafunção Metafunção Metafunção
Representacional Interativa Composicional
Responsável pelasResponsável pela relação Responsável pela estrutura
estruturas que constroem entre os participantes. É e formato do texto. É
visualmente a natureza dos analisada dentro da função realizada na função
eventos, objetos edenominada “função composicional na
participantes envolvidos, interativa” (KRESS E VAN proposição para análise de
bem como as circunstâncias LEEUWEN, 2006), cujos imagens de Kress e van
em que ocorrem. Indica, em recursos visuais constroem Leeuwen e se refere aos
outras palavras, o que nos “a natureza das relações de significados obtidos através
está sendo mostrado, o que quem vê e o que é visto”. da “distribuição do valor da
se supõe esteja “ali”, o que informação ou ênfase
está acontecendo, ou quais relativa entre os elementos
relações estão sendo da imagem”.
construídas entre os
elementos apresentados.
Fonte: Fernandes e Almeida (2008, p. 12).

Como vimos, no Quadro 1, a GDV pode ser dividida em Metafunções, sendo


elas denominadas de Representacionais, Interativa e Composicional. O Quadro 1
ilustra de forma sintética o que cada metafunção busca estudar nos estudos
imagéticos. No entanto, exploramos, nas próximas linhas, a forma apenas da
metafunção representacional, pois trata-se da categoria utilizada em nossas
análises.
53
MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

A metafunção representacional pode ser subdividida em representações


narrativas, que concebem os participantes conectados através de ações expressas
por vetores, e representações conceituais, que mostram os participantes de maneira
estática sem a necessidade de vetores indicando ação.
A estrutura narrativa acontece a partir da relação espacial entre os
elementos representados, os participantes se engajam em eventos e ações. Na
narrativa, o participante é denominado de ator que interage com um participante. O
objeto ou a pessoa conectada ao ator é denominado meta, ou seja, o participante
passivo da interação, para o qual o vetor é indicado.
Além dos processos narrativos, Kress e van Leeuwen (2006) também
propõem as representações conceituais. Nestas não há presença de vetores, como
nas representações narrativas, pois descrevem o participante em termo de classe,
estrutura e significado. Os autores rotulam como processos classificacionais,
processos analíticos e processos simbólicos.
Nos processos classificacionais, os participantes são apresentados em uma
taxonomia, definidas com características comuns aos sujeitos classificados. Elas são
exibidas em ordem hierárquica, sem necessariamente estarem inseridas em um
contexto. No qual, pelo menos um grupo de participantes atua como subordinado
em relação ao outro participante, que é classificado como superordinado.
Os processos analíticos, na sequência, estão relacionados da parte ao todo
dos participantes representados. Podemos dizer que quando se refere ao todo,
chama-se de portador, e quando faz referências às partes, chama-se de atributivo
possessivo. Em síntese, o todo diz respeito ao portador e a parte do todo, ao
atributivo possessivo.
Nessa metafunção, em específico no processo analítico, enxergamos
potencial para a descrição e interpretação da sintaxe multimodal do dicionário
eletrônico, pois Kress e van Leeuwen (2006) administram conceitos que podem
ajudar a compreender como este tipo de dicionário é estruturado.

Metodologia: compreendendo o objeto de análise


O dicionário tomado para análise é o Merriam-Webster: visual dictionary
online. Decidimos escolher este dicionário pelo prestígio que possui e por ser a única
obra, segundo nosso conhecimento, que possui a versão eletrônica de um dicionário

54
MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

especificamente visual e gratuita. Acreditamos, portanto, que um dicionário


eletrônico pode contribuir com discussões sobre as definições das relações imagem-
texto das entradas.
O Visual Dictionary Online (VDO) é um dicionário interativo com uma
abordagem inovadora. A definição parte da imagem à palavra, por isso, ele é
referência de tipos de materiais para a consulta na modalidade tudo-em-um. O modo
de consulta difere dos dicionários impressos: o consulente deve localizar a palavra
e clicar nela para, em seguida, visualizar a imagem que ela representa e o seu
significado. Também é possível ouvir o som do lexema escolhido. Além disso, o VDO
pode ajudar a ensinar e aprender inglês de maneira visual e acessível, já que ele
aparece como instrumento ideal para professores, pais, tradutores e estudantes de
todos os níveis de habilidade.
A estrutura do verbete segue a orientação onomasiológica, pois a forma de
consulta de cada verbete segue padrões específicos a partir dos 15 campos
temáticos. Desse modo, para compor o nosso corpus, retiramos um verbete de cada
campo temático, isto é, dos temas das informações macroestruturais, conforme a
Figura 1.

Figura 01: interface do dicionário

Fonte: visualdictionaryonline.com.

55
MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

Figura 02: zoom

Campos
temáticos

Fonte: visualdictionaryonline.com

Munidos de nosso objetivo, que é o de analisar as estruturas verbo-


imagéticos do dicionário eletrônico, para a seleção do corpus, elencamos os
seguintes critérios: (i) o verbete lexicográfico precisa possuir tanto a sua definição
na linguagem verbal, como sua representação visual e (ii) como há, no mínimo, dois
subcampos em cada campo temático e, em outros casos, até 18 subcampos, para
selecionar o corpus, escolhemos sempre o verbete do primeiro subcampo temático.
Esses critérios se justificam exatamente pela finalidade do nosso trabalho, que
objetiva examinar não apenas a imagem e não apenas o verbal, mas a sua sinergia
na construção dos sentidos.

O processo conceitual analítico no dicionário ilustrado


Nesta seção, descrevemos os verbetes ilustrados quanto à outra forma de
classificação das imagens. Trata-se do processo conceitual analítico, que entende
os participantes relacionando-se por meio de ação em que a estrutura da imagem
relaciona a parte e o todo. Nessa categoria, classificamos a imagem como atributos
possessivos, que representa partes de um elemento maior, e como portador, que é
este elemento maior, o todo. Ademais, a categoria permite especificar ainda mais,
podendo ser dividida em estruturadas, quando há uma descrição sobre as partes, e
desestruturadas, quando não há essa especificação sobre as partes.

56
MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

Para entender a organização dessa estruturação visual, primeiro


descrevemos que o verbete map projections (projeção de mapa), parte do campo
temático Earth (terra), da entrada geography (geografia) e da subentrada
cartography (cartografia), traz a seguinte definição verbal “representações da
superfície da terra em projeção”.
Com relação à definição imagética, notamos que ela é organizada a partir de
quatro representações da terra relacionada com formas de projetar partes do
planeta. A primeira imagem apresenta a projeção cônica de um hemisfério; ao seu
lado, apresenta a projeção cilíndrica; na parte inferior, do lado esquerdo, temos a
projeção plana; ao seu lado, a projeção interrompida. Esse conjunto de imagens
apresenta a sequência conic projection (projeção cônica), cylindrical projection
(projeção cilíndrica), plane projection (projeção plana) e, por fim, interrupted
projection (projeção interrompida), como podemos observar na Figura 2:

Figura 2: Verb09PC: equipamentos de laboratório

Fonte: visualdictionaryonline.com.

A disposição da definição imagética recebe a classificação de processo


conceitual analítico. Isso porque podemos perceber que há uma estrutura imagética
que relaciona parte e todo. Isto é, a categoria parte é a forma de representação das
projeções em conic, cylindrical, plane e interrupted projection, por sua vez, a

57
MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

categoria todo é o próprio globo terrestre. Desse modo, a figura relaciona parte, as
projeções do globo, ao todo, a exibição do planeta em si.
Além dessa classificação inicial, aquilo que chamamos de todo e parte,
especificamos como portador e atributivo possessivo. Assim, às formas de
projeção da parte e as projeções de parte do globo terrestre chamamos de atributivo
possessivo, enquanto o todo, o globo terrestre, determinamos de portador. Nesse
sentido, observe, no recorte ampliado, na Figura 3, como esses elementos ficam
categorizados.

Fugura 3: Verb09PC: ampliação

Portador - Atributivo
todo possessivo -
parte

Fonte: visualdictionaryonline.com
Estruturado

Nessa descrição, acrescentamos a subcategoria estruturado. Desse modo,


a imagem é considerada estruturada, pois apresenta o rótulo para cada tipo de
atributivo possessivo. Assim, no corpus Verb08PC, temos o rótulo de estruturação
conic projection para o ícone que o representa.
Nesse cenário, entendemos que há uma relação de sinergia entre as
definições do verbete. As definições mantêm uma relação de coerência com a
proposta do verbete, a qual cumpre mostrar modos diferentes de projeção de
mapas. Parte dessa coerência é interna e se estabelece a partir da relação profícua

58
MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

entre atributivo possessivo e portador, numa relação de estruturação favorável. Isso


posto, essa forma de organização processual analítica do verbete map projection
parece favorecer ao consulente na visualização do que pode ser entendido por
projeção de mapa-múndi.
Numa outra descrição, temos o verbete incandescent lamp (lâmpada
incandescente), que pertence ao campo temático house (casa), a entrada electricity
(eletricidade) e a subentrada linghting (eletricidade). O verbete traz a seguinte
definição verbal: “lâmpada na qual um filamento aquecido por uma corrente elétrica
produz raios de luz”.
Na definição imagética, reconhecemos que ele representa a lâmpada e
outros elementos que compõem o material. A imagem que se sobressai é a da
lâmpada, a imagem maior. Do seu lado direito, aparecem alguns poucos elementos
internos e externos da composição dela. Desse modo, o próprio verbete apresenta a
definição da imagem central, incandescent lamp (lâmpada incandescente), dividida
em bulb (bulbo), bayonet base (base de baioneta) e screw base (base de parafuso),
como assentado na Figura 4:

Figura 4: Verb10PC: lâmpada

Portador -
Atributivo
todo
possessivo -
parte

Estruturado
Fonte: visualdictionaryonline.com

59
MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

A organização da definição imagética pode ser indicada como processo


conceitual analítico. Pois, conforme notamos, há uma relação que se estabelece entre
as partes de um material com o seu elemento principal. Nesta classificação, dizemos
que bulb, bayonet base e screw base são elementos parte de um item maior, a
lâmpada, que pode ser entendida como todo. Nesse mesmo entendimento, parte e
todo, categorizamos como atributivo possessivo e portador. Desse modo, temos
como atributivo possessivo bulb, bayonet base e screw base e, como portador,
temos incandescent lamp.
O verbete em análise também é categorizado como estruturado, pois
apresenta uma etiqueta para cada tipo de atributivo possessivo, responsável por
auxiliar o leitor na compreensão sobre as suas partes.
Inferimos, portanto, que neste verbete, tanto a definição verbal quanto a
definição visual desempenham relação de coesão para o sentido que o verbete
pretende construir. Leva a acreditar que a forma de classificação analítica exerce
função vantajosa para o consulete, por apresentar de forma sistematizada a lâmpada
e seus componetes fundamentais.

Conclusões
Este capítulo se ocupou em discutir aspectos acerca da organização
composicional interna dos verbetes ilustrados do dicionário visual online Merrian-
Webster. Isso posto, procuramos embasar esta investigação a partir da Teoria da
Multimodalidade, a partir da Gramática do Design Visual, de Kress e van Leeuwen
(2006). Para nos fundamentar sobre lexicografia, visitamos as obras de Pontes
(2009), Welker (2004) e outros comentadores.
Para tanto, os resultados evidenciados destacam que a definição verbal e a
definição imagética apresentam relação de coesão e coerência intersemiótica
indispensável para a construção do sentido do verbete. Isso nos faz pensar que as
representações conceituais analíticas, da Gramática do Design Visual, apresenta-se
como função importante para o consulente, por se dispor a apresentar de forma
sistemática os elementos verbo-imagéticos e seus componetes fundamentais.
Por fim, pensamos que a discussão que estabelecemos entre
multimodalidade e lexicografia é muito rica, porém tem sido pouco explorada. Os
resultados mostraram que fazer esse tipo de investigação é relevante,

60
MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

principalmente por revelar aspectos ainda pouco explorados para a construção de


dicionários ilustrados.

REFERÊNCIAS

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Orlandi. Campinas: Editora da Unicamp, 1992. 134 p.

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CARVALHO, O. L. S.; BAGNO, M. (org.) Dicionários escolares: políticas, formas e
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61
MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

APLICAÇÃO DA GRAMÁTICA DO DESIGN VISUAL EM UMA PEÇA


PUBLICITÁRIA: UM ESTUDO DAS METAFUNÇÕES EM UM PANFLETO
EDUCACIONAL*

Luciana Peixoto Bessa


Tatiane Lima de Freitas
Antônia Dilamar Araújo

INTRODUÇÃO
“Uma imagem vale mais que mil palavras”. A expressão popular de autoria do
filósofo chinês Confúcio transmite a ideia do poder das imagens na comunicação. O uso de
imagens com intuito comunicativo está interligado com a própria história da humanidade,
desde a pré-história até a contemporaneidade (DIONÍSIO, 2011; BARBOSA, 2017).
Textos multimodais nos cercam diariamente através da internet, das mídias, dos
livros, dentre os mais variados suportes que constituem a vida moderna e que utilizam, além
de textos verbais, cores, formas, imagens, sons e movimentos para transmitir informações
e efetivar a comunicação social. Assim, imagem e palavra estão cada vez mais próximas,
principalmente com o surgimento de novas tecnologias. No entanto, o letramento visual,
que possibilita a compreensão e interpretação dos textos multimodais, cresce timidamente
diante da necessidade social. A comunicação visual é, segundo Kress e van Leeuwen (2006,
p. 03), “mais e mais crucial no domínio da comunicação pública” e o letramento visual é
“uma questão de sobrevivência”.
Com o propósito de contribuir para o letramento visual, demonstrando que a
imagem contribui para a construção de sentido e que também obedece a regras
composicionais tanto quanto o texto verbal, Kress e van Leeuwen (2006) propõem a
Gramática do design visual. Os autores buscaram compreender as possibilidades dadas por
códigos semióticos visuais, como sendo uma metodologia para a análise dos textos
multimodais, a partir das metafunções da Gramática Sistêmico Funcional (GSF) de Halliday
(1978), que tem como objetivo principal entender as funções da linguagem verbal. Dessa
forma, Kress e van Leeuwen (2006) expandiram-na para a linguagem visual, entendendo
que esta linguagem também pode se constituir de regras (NOGUEIRA, 2016).
Diante da era tecnológica em que estamos inseridos, a importância de compreender
e interpretar imagens e textos multimodais é inquestionável. Dessa forma, o objetivo deste
trabalho é analisar, segundo a Gramática do design visual (GDV), um panfleto distribuído em
uma escola de idiomas em alusão ao dia internacional da mulher*¹, texto considerado
multimodal por “seu sentido ser compreendido através de mais de um recurso semiótico”,

62
MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

isto é, por integrar linguagem verbal e visual (KRESS; van LEEUWEN, 2006, p.177). Para
tanto, aplicaremos os critérios e as metafunções estabelecidos pela GDV para a
interpretação e compreensão da imagem que compõe o objeto de análise. Temos como
propósito investigar se a teoria apresentada de fato auxilia na compreensão do texto
multimodal em questão.

SEMIÓTICA SOCIAL
Os estudos semióticos são considerados recentes, seus precursores, os Formalistas
Russos, iniciaram as investigações sobre os modos não linguísticos da comunicação na
década de 1930. As pesquisas e investigações se desenvolveram e trouxeram contribuições,
além de diferentes perspectivas relacionadas ao signo, não apenas o linguístico, mas
também em áreas como a Fotografia, Música, Cinema, Artes Visuais, entre outras, para o
entendimento de interações sociais com bases comunicativas , consideradas mutáveis
de acordo com o interesse de quem as utiliza (RIBEIRO, 2013).
O trabalho de Michael Halliday em Language as social semiotics (1978) representa
um texto seminal que orientou significativamente o campo da Semiótica Social. Em seu
trabalho, Halliday defende a ideia de que a escolha dos recursos semióticos utilizados para
a comunicação não ocorre de forma arbitrária, pelo contrário, os recursos são selecionados
pelos usuários a partir do modo como são utilizados nas diversas interações sociais.
Analisar um texto, segundo a perspectiva da Semiótica Social, implica considerar o
contexto no qual o texto está inserido, uma vez que essa teoria entende a língua como fato
social. Segundo Halliday (1978), a língua é um sistema composto por diferentes potenciais
de produção de significado, em que aquele que se comunica dispõe de escolhas linguísticas
influenciadas por um contexto social e cultural . Hodge e Kress (1988) definem a teoria
da Semiótica Social como a ciência que estuda a vida dos signos em sociedade, analisando,
dessa forma, como os significados são produzidos e interpretados, e como os sistemas são
moldados por interesses sociais, ideologias e diferentes formas de comunicação
(NOGUEIRA, 2016).
Fortemente influenciada pela Linguística Sistêmico-Funcional de Michael Halliday,
a Teoria da Semiótica Social estuda os diversos modos semióticos – semiótica da imagem,
semiótica do texto, semiótica da música, etc. – com o propósito de compreender como eles
atuam na construção de significados estando dispostos em um mesmo evento comunicativo,
caracterizando o fenômeno da multimodalidade. Apesar de reconhecer que cada modo
possui suas particularidades, assim como similaridades com outros modos, a teoria procura

63
MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

descrever como as pessoas se apropriam desses modos e, sob a influência de um contexto


social específico, utilizam seus recursos semióticos de diferentes maneiras (BRASIL, 2015).
Assim, a teoria da Semiótica Social tem como foco a compreensão de como as
pessoas se comunicam, seja por meio de elementos linguísticos ou não linguísticos. A ideia
de que os textos orais ou escritos constituem a única forma de comunicação tornou-se
obsoleta, diante da gama de possibilidades fornecidas pela era tecnológica na qual vivemos.
O desenvolvimento crescente das tecnologias tem possibilitado o surgimento de modos
diferentes de transmitir informação em diversos contextos sociais. Entender como os
modos estão orquestrados a fim de produzirem sentido é o foco das investigações
multimodais.

MULTIMODALIDADE
A multimodalidade, campo de aplicação teórico da Semiótica Social, vem ganhando
destaque nas pesquisas brasileiras. Apesar de ser uma área de estudos relativamente
recente, esta vem despertando interesse de diversos pesquisadores que veem as distintas
formas de comunicação como um campo fértil para os mais variados estudos.
Postulada por Kress e van Leeuwen (2006), a Teoria da Multimodalidade defende a
ideia de que múltiplos recursos semióticos interagem entre si com o propósito de
construírem novos significados. Segundo a teoria, todo texto é multimodal. Além do texto
verbal, elementos como imagens, cores, tipografia e até mesmo o suporte, como por
exemplo, o tipo de papel em que o texto foi escrito, influenciam diretamente na mensagem
que está sendo recebida pelo leitor (BRASIL, 2015). Jewitt (2010) define multimodalidade
como

(...) uma abordagem que compreende a comunicação e representação como algo que
vai além da língua, uma vez que envolvem uma gama ampla de diversas formas de
comunicação que as pessoas usam – imagens, gestos, olhar, postura – e suas relações
entre elas (JEWITT, 2010, p. 14 apud NOGUEIRA, 2016, p. 26-27).

O autor apresenta quatro pressupostos teóricos que descrevem o conceito de


multimodalidade desenvolvido por Kress e van Leeuwen (2006). O primeiro pressuposto
assevera que todos os textos são multimodais, pois nenhum texto é formulado em um único
modo. O segundo afirma que cada modo em um sistema multimodal realiza uma função
comunicativa diferente. O terceiro pressuposto assegura que os usuários da língua
coadunam os significados através de suas seleções e configurações de modo. E, por fim,
afirma que a multimodalidade é construída sobre a premissa de que os significados dos

64
MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

signos elaborados a partir de recursos semióticos multimodais são como discursos sociais
(NOGUEIRA, 2016).
Segundo Nogueira (2016), a abordagem multimodal busca compreender a
articulação dos diversos modos semióticos utilizados em contextos sociais concretos, nas
práticas sociais com o objetivo de se comunicar. Para a multimodalidade, a maioria dos
textos envolve textos escritos, cores, imagens, enquadramento, escolhas lexicais, elementos
gráficos e sonoros, com predominância de um ou outro modo, conforme a finalidade da
comunicação. Kress e van Leeuwen (2006) defendem a importância que as imagens
assumiram na comunicação social e ressaltam a importância do letramento direcionado
para os mais diversos modos de comunicação.

LETRAMENTO VISUAL
Como abordado anteriormente, os elementos visuais estão cada dia mais presentes
e influentes no meio social, uma vez que já fazem parte do contexto comunicacional
moderno como um todo. Com o advento da tecnologia, o uso de cores, traços, formas,
movimentos, dentre outros recursos que vão muito além do texto verbal, tornaram-se
comuns, exigindo, dessa forma, uma capacidade de interpretação e compreensão que
ultrapassam as habilidades de escrita, de leitura e de fala desenvolvidas no ambiente
escolar.
Diante desse contexto, nasce a necessidade pedagógica de proporcionar aos alunos
letramentos que os tornem capazes de ver, ler, criticar, interpretar, compreender e criar
textos visuais. Dessa forma, o letramento visual torna-se uma necessidade social que cresce
a cada dia, a cada novo suporte tecnológico que utiliza uma nova forma de comunicação.
De acordo com Serafini (2010), o letramento visual é a habilidade de acessar,
analisar, avaliar e comunicar informação em qualquer uma das várias formas que envolvem
o processamento cognitivo da imagem visual. Stokes (2002) define o letramento visual
como a competência para ler, interpretar e compreender a informação apresentada nas
imagens. A partir das definições de estudiosos da área, constatamos que o letramento visual
não se trata de uma capacidade de decodificação da imagem, ou seja, uma leitura em nível
superficial, mas de interpretação e compreensão das informações, inclusive implícitas,
nessas imagens que, semelhante aos textos verbais, são carregadas de sentidos ideológicos.
Tomar as imagens como meros adornos dos textos na atualidade demonstraria uma falta de
letramento visual nessa perspectiva (SILVEIRA, 2015).
Um dos aparatos teórico-metodológico que contribui de forma eficaz com o letramento
visual é a Gramática do design visual (GDV) proposta por Kress e van Leeuwen (2006).
Somos cientes de que análises verbo-visuais não se restringem à GDV, no entanto,

65
MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

consideramos a referida gramática como um suporte teórico relevante, pois, até o


presente momento, ela tem sido considerada adequada para analisar e compreender
imagens; além de servir de base teórica para pesquisas atuais, incluindo os estudos que
tentam compreender as relações intersemióticas como o sistema de relação texto-imagem
(NOGUEIRA, 2016).

Gramática do Design Visual e metafunções


Apoiados na Linguística Sistêmico-Funcional de Halliday, para quem a linguagem é
considerada como um sistema semiótico-social, ou seja, a linguagem é concebida como “um
recurso com o qual se constrói significados orientados para desempenhar funções em
contextos sociais” (ARAÚJO, 2011, p. 14), Kress e van Leeuwen criaram, em 1996, a
Gramática do design visual (GDV). Para eles, assim como as palavras se combinam em
orações, sentenças e textos, a GDV descreve a forma como elementos representados nas
imagens, acompanhados ou não por um texto verbal, combinam-se entre si formando um
conjunto visual significativo (JEWITT; OYAMA, 2001). Para os autores, tal qual a linguagem,
as imagens também representam o mundo. Além disso, elas constroem relações
sociointeracionais e constituem significados a partir da função dos seus elementos internos.
Kress e van Leeuwen (2006) consideram que os modos comunicacionais devem
realizar três funções que podem representar: 1) os acontecimentos do mundo, 2) as
relações sociais entre indivíduos (ou elementos) em interação e 3) as duas funções
anteriores como um todo coerente e coeso. Para tanto, os autores propõem três
metafunções para a análise de textos multimodais: representacional, interativa e
composicional, equivalendo em Halliday, respectivamente, à ideacional, à interpessoal e à
textual.
A metafunção representacional descreve as experiências e o relacionamento entre
participantes mostrados na imagem em uma estrutura visual. Ela pode indicar processos
narrativos ou conceituais. Com relação aos processos narrativos, estes retratam
participantes, humanos ou não, realizando ações sobre outro participante ou envolvidos em
acontecimentos. A ação é indicada pela presença de um vetor, “de um traço que indique
direcionalidade” (ALMEIDA, 2008, p. 13).
Com relação aos participantes, eles podem ser classificados como interativos, se
realizam ato de comunicação (KRESS; van LEEUWEN, 2016), ou representados, os quais são
pessoas, lugares ou coisas representadas na fala, na escrita ou na imagem. Representações
narrativas podem ser realizadas através de quatro tipos de processos: ação, reação, mental
ou verbal.

66
MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

Os processos de ação podem ocorrer de duas maneiras: transacional, quando há


ação que envolve pelo menos dois participantes e existe um vetor que os conecta. Esses
participantes são o ator, quem ou o que realiza a ação, e a meta, a quem ou a que o vetor se
direciona. Denomina-se ação transacional unidirecional se o vetor conecta dois
participantes (ator e meta); por sua vez, na ação bidirecional, há um vetor que conecta dois
interatores, ou seja, participantes são ao mesmo tempo ator e meta (ALMEIDA, 2008). Se a
ação envolve apenas um participante, só o ator e um vetor, o processo denomina-se não
transacional. Há ainda o processo de conversão, em que um participante é meta em uma
ação e ator em outra. Nessa situação esse participante é denominado retransmissor.
Já os processos de reação ocorrem quando um vetor parte da linha do olhar fixo do
participante, humano ou personificado, em direção a alguém ou a algo. Nesse processo,
denomina-se reator o participante que olha e fenômeno, o objeto do seu olhar. Tal como na
ação, a reação também pode ser transacional ou não transacional.
Os processos verbais são indicados por um vetor, formado por um balão de fala, e os
processos mentais, por um de pensamento. Em ambas as situações, o vetor está conectado
a um participante humano ou personificado. No processo verbal, o participante denomina-
se dizente e o que é falado é o enunciado, ao passo que no processo mental, temos a presença
do experienciador e do fenômeno, o que é pensado.
As representações narrativas também podem ser classificadas em relação ao
cenário (ou circunstâncias) em que o participante está inserido. Circunstâncias de locação
situam participantes considerando-se plano de fundo, intensidade e contraste de cores,
nível de detalhes e sobreposição de elementos. Circunstâncias de meio estão relacionadas
ao que é utilizado para realizar a ação, enquanto que circunstâncias de acompanhamento
referem-se, segundo Almeida (2009, p. 180), “à forma como se estabelece a conexão entre
os participantes de uma imagem”, porém sem relação vetorial entre participantes.
No que concerne ao processo conceitual, este representa os participantes em termos
de atributo e identidade, no qual eles assumem uma postura estática e atemporal. As
representações conceituais podem ser constituídas através de três tipos de processos:
classificacional, analítico e simbólico. No processo classificacional, os participantes estão
arranjados simetricamente em um grupo, definido por características em comum a todos os
sujeitos classificados. Segundo Almeida (2009, p. 181), “os participantes são representados
em um tipo de estrutura taxonômica hierárquica, na qual um ou mais participante(s)
superordinado(s) é relacionado a outro(s) subordinado(s)”.
Já no processo analítico, os participantes estão relacionados através de uma
estrutura que relaciona a parte e o todo, havendo dois participantes: o portador, o
participante representado como o todo, e os atributos possessivos, representados como as

67
MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

partes (ALMEIDA, 2008). Essa relação pode ser denominada como estruturada, se houver
descrição sobre suas partes, ou desestruturada, quando não se especifica a relação entre a
parte e o todo.
Em relação ao último ponto do processo conceitual, os processos simbólicos
ocorrem quando se estabelece a identidade do participante por meio de atributos tais como
tamanho, escolha da cor, da iluminação, dentre outros. Nesse processo, considera-se a
relação entre o portador e seus atributos, sendo o atributivo aquele em que o atributo do
participante é salientado, ao passo que no sugestivo, “o significado simbólico advém do
próprio portador” (ALMEIDA, 2009, p. 181).
Os modos pelos quais a linguagem visual estabelece relações com o leitor são
explorados através da metafunção interativa. Essas relações podem ser realizadas por
recursos visuais tais como contato, distância social, atitude e modalidade. O primeiro
recurso diz respeito ao contato do olhar entre o participante representado e o leitor. Quando
há um vetor da linha do olhar daquele em direção a este, dizemos que se estabelece uma
relação de demanda; mas se não existe esse vetor ocorre uma relação de oferta, havendo
uma “oferta de informação” (JEWITT; OYAMA, 2001, p. 146).
No que diz respeito à distância social, considera-se a proximidade ou distância entre
participante representado e o leitor, indicando uma relação que varia de impessoalidade até
um maior nível de intimidade. Participantes são retratados em plano fechado (cabeça e
ombro são visíveis), em plano médio (participante mostrado até o joelho) ou em plano
aberto (todo o corpo é exibido). Segundo Almeida (2008, p. 20), “o enquadramento mais
próximo, em plano fechado, representa o participante de forma íntima [...] e à medida que
vai ampliando, torna-se mais distante”, ou seja, mais impessoal.
Perspectiva, ou ponto de vista, indica o ângulo em que se mostra o participante. O
ângulo frontal, em que participante olha diretamente para o leitor, sugere uma ideia de
envolvimento entre ambos, o ângulo oblíquo, participante retratado de perfil, indica uma
sensação de desligamento, de alheamento do mundo. Situações em que o participante é
retratado na vertical apontam relações de poder, sendo que: ângulo alto indica poder do
leitor sobre o participante; ângulo ocular, relação igualitária de poder e, por fim, ângulo
baixo, o qual indica que o participante detém o poder em relação ao leitor.
Já a modalidade “tem relação com o valor de verdade, das afirmações a respeito do
mundo, que são exibidos [nas imagens]” (ALMEIDA, 2008, p. 22) e para se obter essa
realidade são empregados mecanismos como cor, contextualização, iluminação e brilho.
Com relação à classificação, as modalidades podem ser naturalistas, quando há maior
congruência entre imagem e realidade; sensorial, pois se provoca um impacto sensorial no

68
MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

leitor; científica (tecnológica) e abstrata, sendo essas baseadas em “como os objetos são
retratados de forma a estabelecer inter-relações de equivalência” (ALMEIDA, 2009, p. 184).
A metafunção composicional é responsável pela estrutura e pelo layout dos textos,
bem como pela articulação dos elementos que compõem a imagem para formar um todo
coeso e coerente (JEWITT; OYAMA, 2001). Essa função explora a relação entre os elementos
da imagem, visando descrever como eles se organizam em uma estrutura visual; para isso,
detém-se no valor informativo, na saliência e na estruturação dos elementos da composição
(ALMEIDA, 2008, 2009).
Com relação ao valor informativo, o lugar dos elementos informativos está de
acordo com seu valor funcional ligado às várias zonas do layout do texto visual, ou seja,
refere-se à posição que determinados elementos têm em relação aos outros na imagem:
áreas como esquerda/ direita (novo/ dado), topo/ base (ideal/ real) e centro/margem
(centralização). A saliência refere-se à maior ou menor ênfase dada a um elemento no
campo visual através de tipografia, cores mais vivas, contraste, superposição, tamanho,
dentre outros.
Já a estruturação diz respeito à conexão ou não de elementos na composição visual.
Caso a delimitação desses elementos, que pode ser feita por meio de linhas, cores, elementos
simbólicos, dentre outros, seja bem definida, indicando claramente onde se finaliza um e se
inicia outro, existe o que Kress e van Leeuwen (2006) denominam estruturação forte; ao
passo que a estruturação fraca ocorre quando os elementos estão “interligados em um fluxo
contínuo, através de cores e formas semelhantes” (ALMEIDA, 2009, p. 187).
Após esse breve levantamento teórico, na seção seguinte, analisaremos uma peça
publicitária: o panfleto, a partir das metafunções postuladas pela Gramática do design visual.

ANÁLISE METAFUNÇÕES EM UM PANFLETO EDUCACIONAL

Nosso objeto de análise é um panfleto (figura 1), texto multimodal constituído por
linguagem verbal e visual, que foi distribuído em uma escola de idiomas em alusão ao dia
internacional da mulher. Sua escolha se justifica por esse exemplar conter elementos
verbais e não verbais que dialogam entre si, além de seu conteúdo abordar temas relevantes
na atual conjuntura sociocultural brasileira: o empoderamento da mulher e a mobilidade
urbana.

Figura 1 – Texto multimodal

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MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

Fonte: Panfleto distribuído em uma escola de idiomas em março de 2017

Na imagem, identifica-se um processo narrativo de ação, andar de bicicleta, com a


presença de apenas um participante, que também é ator, pois é a mulher quem executa a
ação. É desse ator que parte um vetor em direção a uma meta que não está dentro dos
limites da imagem, embora possamos deduzir que é o local onde a mulher pretende chegar.
Devido à meta não estar presente na imagem, constatamos que o processo narrativo é não
transacional, conforme indicado na figura 2. Apesar de a imagem conter texto verbal com a
identificação do participante, não há processos verbais.

Figura 2 - Processo de ação não transacional. Identificação de ator e vetor. Meta não
está dentro dos limites da imagem

Ator

Fonte: Panfleto distribuído em uma escola de idiomas em março de 2017


(recorte)

70
MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

No que tange à circunstância locativa, a personagem está na rua em meio a um


trânsito intenso. Apesar de não haver elementos desfocados, constatamos que o ator está
em primeiro plano visto que ele se encontra no centro da imagem; ademais, as cores
presentes na bicicleta e no vestido enfatizam esse destaque, fazendo com que esse
participante se sobressaia em contraste com os demais elementos ao fundo. Em relação ao
meio, a ferramenta utilizada para a execução da ação é a bicicleta.
Uma vez que a metafunção interativa diz respeito aos modos pelos quais a
linguagem visual estabelece relações com o observador, seja de aproximação ou de
afastamento, ao analisar o contato na referida imagem, verificamos que se trata de uma
oferta, pois o “participante representado não olha diretamente nos olhos de seu leitor”
(ALMEIDA, 2009, p. 182), sendo um elemento de informação ou de contemplação para o
observador. Assim, está sendo oferecida ao leitor/observador, possivelmente mulheres, a
ideia de se aderir ao uso do vestido, peça que denota feminilidade, ao se utilizar uma
bicicleta como meio de transporte.
Em relação à distância social, esta é marcada por um enquadramento em plano
aberto, já que se pode visualizar todo o corpo do participante, o que indica uma
relação de impessoalidade entre a imagem e o observador. A perspectiva dada pelo
fotógrafo é de ângulo oblíquo, uma vez que o participante é retratado de perfil,
estabelecendo uma relação de alheamento, como se, segundo Kress e van Leeuwen (2006),o
que se vê não fizesse parte do nosso mundo. Depreendemos, pois, que uma mulher pedalar
de vestido entre carros não é parte da (ou não é algo comum em) nossa realidade. No
entanto, participante representado e observador estão no mesmo nível do olhar, o que
indica uma relação de equidade sem disputa de poder.
Identificamos ainda um alto valor de realidade na imagem, sendo, portanto, de
modalidade naturalista, visto que há um plano de fundo, a rua com carros, além da alta
saturação e diversificação de cores. Como existe uma relação de igualdade estabelecida
entre participante e observador, e embora esse participante carregue para o leitor a
informação de que uma mulher pedalar de vestido é real, pode-se, a princípio, causar um
efeito de estranhamento, mas, por outro lado, também se pode provocar admiração pelo
empoderamento da mulher.
A propósito da função composicional, no que concerne ao valor de informação,
podemos observar que no topo do panfleto se encontra a informação ideal, que é pedalar de
vestido, escrita em letras maiores e na cor rosa, mais uma vez remetendo à feminilidade.
Ressaltamos que Kress e van Leeuwen consideram a parte superior que chama mais a
atenção do autor, sendo a mais saliente (KRESS; van LEEUWEN, 2006). Já a informação real,
“a prática, mais verdadeira” (ALMEIDA, 2008, p. 24), encontra-se na base, igualmente

71
MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

escrita na cor rosa: “Uma homenagem do Instituto Poliglota às mulheres do todo o mundo”.
No centro da imagem encontra-se uma mulher pedalando de vestido, esse é o núcleo da
informação, ao passo que os carros e todos os outros elementos ao fundo estão em posição
marginal, subordinados ao núcleo, conforme representado na figura 3.

Figura 3 - Valor de informação – ideal/ real; centro/ margem

Informação
ideal

Margem Centro

Informação
real

Fonte: Panfleto distribuído em uma escola de idiomas em março de 2017

Conforme mencionado anteriormente, a saliência obtida pelo trecho “Pedalar é bom


de qualquer jeito, mas pedalar de vestido é especial” foi estabelecida pelo uso de letras
maiores e na cor rosa. Esse destaque dirige o olhar do leitor para o topo do panfleto e
conduz sua leitura para a imagem e, em seguida, para o restante do texto. Observamos ainda
que os elementos do exemplar estão bem delimitados, presentes como unidades separadas,
incluindo os da imagem, estabelecendo-se assim uma estruturação forte.
No que tange à linguagem verbal, percebemos que o título do panfleto em letras
maiúsculas realçadas pela cor rosa e em fonte maior do que a do corpo do texto chama a
atenção do leitor para a leitura e interpretação deste. A tonalidade escolhida para o título já
nos remete à ideia de que o texto está direcionado para o público feminino, uma vez que,
desde os tempos mais remotos, a sociedade nos transmite a ideia de que a cor azul simboliza
a masculinidade, enquanto que a cor rosa representa o mundo feminino. O título do panfleto
“Pedalar é bom de qualquer jeito. Mas pedalar de vestido é especial” traduz e complementa

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MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

verbalmente a imagem expressa no panfleto, uma vez que, na imagem, apresenta-se uma
mulher de vestido pedalando uma bicicleta em meio a um grande fluxo de automóveis, e, ao
observarmos a imagem, como nos sugere o título do panfleto, a mulher representada
realmente parece está se sentindo especial e autoconfiante.
O texto abordado no panfleto procura desconstruir a ideia de que a bicicleta, vista
socialmente como um transporte masculino, não se encaixa no “frágil” universo feminino.
Assim, o título, a imagem e o texto verbal que compõem o panfleto estão interligados e
corroboram para a mesma ideia: o empoderamento feminino, conforme indicado no trecho
“[...] pedalar de vestido provoca uma sensação de empoderamento e ao mesmo tempo de
afirmação de nossa feminilidade numa atividade que em nossa sociedade até pouco tempo
era quase exclusiva para homens”.
Dessa forma, o texto incentiva as mulheres a utilizarem a bicicleta como uma forma
de enfrentar os preconceitos advindos de uma sociedade masculinizada, em que a mulher
deve se restringir a atividades do lar. O texto também sugere que as mulheres tomem a
iniciativa de andar de bicicleta para incentivar esta prática em detrimento da
supervalorização dos veículos automotores que congestionam as grandes cidades, pois
andar de bicicleta de vestido representa “um enfrentamento a esse mundo masculinizado e
um desafio a mentalidade predominante nas grandes cidades, que prioriza os veículos
automotores”.
Como argumento final, presente no trecho “Mulheres, andar de bicicleta faz bem à
alma e afina a cintura. De vestido fica ainda mais estiloso. Então, no 8 de Março, vamos todas
pedalar de vestido”, depreende-se do texto o quanto essa prática faz bem para a saúde e
proporciona um bem estar emocional, além de convidar as mulheres a andarem de bicicleta
utilizando vestido, o que simboliza uma luta contra os preceitos machista que gravitam em
nossa sociedade.
Por fim, ao se analisar o panfleto em questão, constatamos que as metafunções
representacional, interativa e composicional, de fato, auxiliam o leitor na compreensão das
informações, conduzindo-o a um posicionamento mais crítico em relação a textos
multimodais, visto que os elementos que compõem a linguagem não verbal, juntamente com
a verbal, têm um propósito comunicativo assim como carregam consigo discursos
ideológicos.

Conclusão
O letramento visual tornou-se uma necessidade social diante da gama de
possibilidades de recursos comunicacionais que dispomos. O letramento verbo-textual já

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MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

não é suficiente para suprir a demanda de informações a que estamos sujeitos. Nesse
contexto, a importância do letramento direcionado aos recursos visuais dispensa
comentários.
A partir da análise realizada no presente estudo, constatamos que a Gramática do
design visual (GDV), proposta por Kress e van Leeuwen, é um rico suporte teórico-
metodológico para a análise e compreensão de textos multimodais. Com base nas
metafunções propostas pela teoria, é possível realizar um estudo acerca dos elementos que
compõem uma imagem, permitindo, dessa forma, uma ampla compreensão do objeto em
análise.
Como ressaltam os autores, as imagens também são regidas por regras, cada
elemento desempenha um papel significativo na construção do todo. Utilizar a GDV como
instrumento pedagógico, para o letramento visual, é uma forma de alavancar os estudos e
pesquisas em torno dos elementos imagéticos que nos rodeiam, assim como, configura-se
como importante material didático para os estudos das imagens no âmbito escolar.

REFERÊNCIAS

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intervenção pedagógica para integrar as habilidades de ler e ver no processo de
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HALLIDAY, Michael. Language as social semiotic. The social interpretation of language


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MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

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relação texto-imagem para o ensino de francês língua estrangeira (FLE). 2016. 148f.
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Electronic Journal for the Integration of Technology in Education, v.1, n.1, p. 10-19,
2002.Disponível em https://wcpss.pbworks.com/f/Visual+Literacy.pdf. Acesso em 15
dezembro 2017.

Notas:
* O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001 – e com o apoio da Fundação Cearense de
Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FUNCAP).
*¹ Esse material também está disponível no perfil institucional no original está junto da escola em uma
rede social.
https://www.facebook.com/instituto.poliglota.7/photos/a.136915676721736.1073741828.1368943700572
00/278118812601421/?type=3&theater) Acesso em 15 janeiro 2018.

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MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

LETRAMENTO MULTIMODAL CRÍTICO: UMA PROPOSTA A PARTIR DE MEMES


POLÍTICOS
Ana Maria Pereira Lima
João Bosco Figueiredo-Gomes

INTRODUÇÃO

As tecnologias digitais possibilitaram hibridizar recursos semióticos que


modificaram as formas de comunicação humana. Entre essas formas, temos os
memes que se configuraram como novas formas de veiculação dos discursos, por
sintetizarem as metáforas visuais e os fragmentos de enunciados para a manutenção
e/ou promoção de mudanças discursivas, devido ao seu imbricado jogo
composicional com forte apelo satírico.
A escrita não se encerra em si mesma e, com os memes, ela integra apenas
parte da mensagem composta, porque outros elementos compõem o corpo do texto.
Dessa maneira, qualquer que seja o texto, ele é sempre “multimodal” (KRESS, VAN
LEEUWEN, 1996; DESCARDECI, 2002 JEWITT, 2008; DIONÍSIO, 2008). Essa
natureza multimodal faz desse gênero bastante peculiar e sua leitura demanda
práticas de letramentos diferenciadas, pois requer dos interactantes além dos
letramentos digital e visual um alto grau de conhecimento compartilhado para a
construção do sentido.
Os gêneros discursivos põem em ação atividades humanas que intermediam
as práticas discursivas e sociais uma vez que: “A partir do gênero, tanto o texto
quanto o discurso podem ser relacionados produtivamente com o seu contexto
cognitivo e social, e assim, tanto o estudo teórico quanto a aplicação pedagógica se
tornam muito mais viáveis e eficazes (BEZERRA, 2017, p. 11).
Dois grandes processos são reivindicados aqui para a compreensão dos
memes como gêneros do discurso: a intertextualidade e a intergenericidade. Esses
processos constituir-se-ão a partir de práticas recontextualizadoras (FIGUEIREDO;
BONINI, 2017). A perspectiva intertextual que se mostra a partir de recorrência a
outros textos ou como instância da dimensão textual possibilita a
interdiscursividade para a compreensão de práticas discursivas, quanto à
produção, à distribuição e ao consumo dos textos.

76
MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

A intergenericidade está para a composição de novos textos a partir da


mudança de propósitos que a situação comunicativa, ora evocada determina. Os
gêneros se interpenetram na construção de novos gêneros. Isso ocorre em um
fluxo constante que permite a atualização dos gêneros existentes e o surgimento
de novos gêneros, pois ao assumirem a função de outros eles carregam a
identidade inicial, mas não permanecem idênticos e não devem mais ser
confundidos com o que eram.
Em conformidade com Bezerra (2017, p. 11), também vemos que “o conceito
de gênero é tomado como uma categoria mediadora entre o texto e o discurso, capaz
de colocar em xeque velhas concepções dicotômicas como a que trata o texto como
mera “materialização de um discurso consequentemente “imaterial”. Assim,
admitimos que os gêneros põem em funcionamento discursos materializados em
diferentes atividades humanas, permitindo articular e inter-relacionar texto, gênero
e discurso indissociavelmente, o que põe em funcionamento práticas sociais, via
linguagens.
Faremos, ao longo do texto, uma discussão teórica pautada por exemplos que
ilustrem para o professor as possibilidades de conexão entre teoria e prática.
Agiremos assim, porque acreditamos que o trabalho realizado com memes requer
outras estratégias além daquelas mobilizadas para o texto verbal, principalmente
quando a criticidade é a tônica. Salientamos que a seleção de textos para esse
trabalho é parte do corpus da pesquisa de pós-doutoramento, que incidiu sobre a
análise da composição verbo-imagética dos memes políticos para a depreensão das
estratégias de constituição do discurso político.

BREVES INCURSÕES TEÓRICAS


Para prosseguir na proposta metodológica dos memes como material para o
ensino de leitura na promoção de multiletramentos a partir da constatação da
presença de múltiplas linguagens, iniciamos a discussão com a contextualização dos
conceitos na Semiótica social, para seguirmos com a multimodalidade e os
multiletramentos para a depreensão da constituição do discurso político. Isso será
feito, ao longo do texto, com exemplos para ilustrar possibilidades para a aplicação.

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MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

Semiótica Social
A Semiótica Social mobiliza recursos específicos para realizar tipos
específicos de trabalho semiótico. O processamento desses recursos é possível de
ser observado se considerarmos questões que abranjam não somente o modo como
se configuram, mas as demais razões que os atravessam contextualmente:
La Semiótica Social (Halliday 1978) y la Gramática de las Imágenes (Kress e Van
Leewen 1996) nos ofrecen herramientas teórico-metodológicas para abordar el
análisis de diversos discursos visuales. Estos discursos se concepptualizam como
prácticas sociales, y reflejam las formas em que los creadores de significado
seleccionam discursos, géneros, médios e modos para combinarlosen la creación de
significados (KRESS, 2010).

A comunicação, para se efetivar, requererá dos participantes uma aplicação


dos recursos semióticos, as escolhas para as formas serão situadas e marcadas pelo
contexto e permeadas de ideologia. Essas escolhas formam o significado potencial
da linguagem, porque serão elas que se responsabilizarão por articular discursos,
gêneros, meios e modos para o alcance da representação da realidade, assim:
[...] muda o enfoque linguístico para o recurso semiótico para descrever,
interpretar e explicar como as pessoas produzem artefatos ou eventos
comunicativos e como os interpretam em contextos de situações e/ou práticas
específicas. Em vez de analisar os diferentes modos semióticos per se, devido às
características intrínsecas de cada um dos sistemas, devido às suas
sistematicidades ou regras, essa abordagem integra os modos pesquisando os
recursos semióticos dos diferentes sistemas organizados e instanciados em textos
multimodais (VIEIRA; SILVESTRE (2015, p. 8).

Desta forma, a Semiótica Social possibilita a visibilidade às abordagens


teórico-empíricas na educação multimodal, o que possibilita o desenvolvimento de
situações em que os multiletramentos sejam não apenas solicitados, como se tornem
uma prática pedagógica.
Exemplo da potencialidade pedagógica dos memes recai sobre o
reconhecimento das metáforas visuais presentes, pois a interpretação dessas
remete diretamente as demais categorias, tais como intertextualidade,
intergenericidade e interdiscursividade tão caras à construção de sentido.

METÁFORAS VISUAIS
As metáforas visuais são possíveis porque as imagens significam. A
construção de sentidos possíveis para os textos cuja composição se estabeleceu a
partir da presença de uma linguagem multimodal híbrida, ampliando as

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MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

possibilidades de reorganização das práticas sociais por meio de novas práticas


discursivas, mobilizadas por novos gêneros oriundos ou veiculados pelo ambiente
digital.
Lakoff e Johnson (2002 [1980]), ao discutirem sobre a Teoria da metáfora
conceitual, apresentaram a metáfora não somente como uma figura de linguagem,
mas uma figura de pensamento, subjacente à linguagem e às nossas ações. O
conceito de metáfora, estruturado pelos autores, aponta para três tipos de
metáforas: as estruturais, orientacionais e ontológicas. Fairclough, como apontado
na citação acima, compartilha com os autores, propondo a metáfora como uma das
categorias a ser observada na análise dos discursos, pois “Um dos marcos
definidores no interior e além das práticas discursivas é a forma como um domínio
particular da experiência é metaforizado” (FAIRCLOUGH, 2001 [1992], p. 250).
Os memes são compostos por metáforas visuais que lhes permite a
interpretação porque as similaridades para serem apreendidas exigem
compartilhamento da prática social e cultural de leitura. As imagens são
ressignificadas pelos participantes observadores. O processo de construção da
metáfora se faz pelo acionamento da intertextualidade e da interdiscursividade,
dentro de atividades de recontextualização.
A forte presença da multimodalidade nos textos contemporâneos abre
espaço para a discussão acerca da metáfora visual para a construção discursiva dos
significados, sendo impossível a dissociação da metáfora visual do discurso em
textos que apresentam outras semioses além da verbal, como é o caso dos memes.
Há, para a construção argumentativa dos memes, não um apelo racional para que o
auditório faça adesão do que ali é posto ou inferido, mas um apelo afetivo,
emocional. As estratégias pautadas no campo do humor suscitam as respostas do
auditório, do observador participante, que este se envolva emocionalmente, fazendo
das imagens uma fonte de conhecimento, de memorização e de replicação em outras
situações.

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MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

Figura 1 – Memes e relações metafóricas


Meme 1: Nível estrutural Meme 2: Nível orientacional Meme 3: nível ontológico

Fonte: arquivo pessoal.

Para o meme 1, temos a imagem da ministra do Supremo Tribunal Federal,


cujo reconhecimento se faz pela ampla divulgação na mídia e pela toga, como
símbolo de poder. Sem texto verbal, o meme apresenta-se como metáfora
estrutural ao nos direcionar para a intervenção feita na imagem dos óculos que
apresentam o símbolo de uma emissora televisiva – Rede Globo – que representa a
servidão da ministra aos direcionamentos políticos demarcadamente de
posicionamento ideológico dessa emissora. A marca da empresa é o domínio fonte:
a visão, cuja interferência de óculos específicos nos levam para a construção de
sentido de que a ministra vê apenas o que a Rede Globo quer que ela veja, tornando
a ação da ministra que representa a justiça parcial e afinada com os objetivos da
emissora. A frase: “a justiça é cega” é atualizada com a metáfora.
A metáfora conceptual nos faz perceber o movimento de um conceito em
termos de outro conceito. Assim, entendemos os domínios da experiência, sejam
eles espacial, social e emocional. Isso será realizado sempre que coisas menos
estruturadas se organizem em coisas mais estruturadas. Dois domínios conceptuais
se envolvem no processo metafórico, articulando-se às linguagens para a efetivação.
Daí que alguns recursos como o tempo e a sua disposição em uma linearidade
remete, em determinados contextos, como algo negativo. Na verdade, a volta ao
passado, traz um movimento de recuo e de retrocessos. O meme 2 articula
descendentemente e negativamente datas que representam retrocessos na história
da humanidade sobrepostas às imagens de políticos e religiosos. Apontando para a

80
MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

interpretação que o fundamentalismo evangélico na política brasileira leva o país


para a Idade Média.
As metáforas ontológicas são aquelas que ajudam a descrever como
fenômenos mentais, para representarmos pelos recursos das linguagens as nossas
experiências, concebidos como entidades discretas ou substâncias. Para Lakoff e
Johnson (2002 [1980]), isso é feito via personificação, ou seja, as entidades são
concebidas como pessoas ou relativos a elas. Daí que ampliamos para objetos físicos
concebidos como entidade animada. Assim, o meme 3 se organiza conceptualmente
a partir da figura de um cachorro pedindo respeito e não querendo ser confundido
com humanos da classe política. A personificação situa-se na humanização de
conceitos que transitam entre a inocência (irracionalidade) canina e as
características negativas para a classe política (exemplares dessa classe que
realizam atos danosos à população).
Os memes serviram de espaço para o discurso político e para seus alcances
na sociedade se mantivessem em estado de tensão. A sátira viabilizada pelas
metáforas foi fundamental para a construção do discurso. A intertextualidade atuou
como elemento de análise capaz de recuperar os contextos originais e suas
atualizações nos memes. Essa ilustração será agora acrescida pelo reconhecimento
da organização multimodal no corpo do texto e suas implicações.

Multimodalidade
Conforme afirmam Kress e Van Leeuwen (2006), o cenário semiótico da
comunicação visual tem passado por efetivas transformações. Essas mudanças têm
gerado efeitos nas formas e características do novo modo de escrever textos, que
estão se tornando cada vez mais multimodais, textos nos quais coexistem mais de
um modo semiótico (visual, sonoro, gestual e outros). As imagens não devem ser
apenas identificadas, mas lidas e interpretadas para que possamos compreender a
totalidade composicional e para que depreendamos quais são as representações
discursivas produzidas por esses arranjos.
A Gramática do Design Visual (KRESS; VAN LEEUWEN, 2006) foi aquela que
estabeleceu parâmetros para a apreensão do caráter multissemiótico dos textos da
contemporaneidade, a fim de perceber como os efeitos de sentido e a manipulação
ideológica ocorre nos sistemas de imagens de uma determinada cultura. Os autores

81
MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

da GDV apoiaram-se nos pressupostos de Halliday (1978; 1985) para, a partir da


concepção das metafunções para sistematizar a interpretação dos textos visuais,
combinando a linguística sistêmico-funcional com teorias sobre ideologia,
ratificando a possibilidade de recuperar os processos de produção dos discursos
também na integração ou mesmo na ausência do verbal, articulando a relação entre
as linguagens e a sociedade.

Quadro 1: organização metafuncional da GDV


REPRESENTACIONAL INTERATIVA COMPOSICIONAL
relaciona-se, por princípio, à as estratégias de envolvimento alude ao modo como os
metafunção ideacional proposta entre produtor e observador da elementos verbais e não verbais
por Halliday, uma vez que ambas imagem se estabelecem via precisam se relacionar uns com
procuram responsabilizar-se quatro recursos: contato, os outros e ao modo como eles
pelas estruturas que constroem a distância social, perspectiva e estão integrados em um todo
natureza dos eventos, objetos e modalidade. significativo.
participantes.
Fonte: elaborado pela autora

Vejamos como os memes prestam-se como aplicação para o desenvolvimento


da criticidade à luz das metafunções:

Figura 2 – Aplicação das metafunções


Meme 4: representacional Meme 5: interativa Meme 6: composicional

Fonte: arquivo pessoal.

A estrutura põe os interactores, do meme 4 em uma bidirecionalidade,


fazendo com que tenhamos o significado representacional depreendido a partir do
que as imagens evocam uma briga de casal em que a associação da imagem do
presidente Temer é “confundida” com um personagem do imaginário coletivo e fazia

82
MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

parte de um samba-enredo da escola de samba Tuiuti. Com a ilustração da


metafunção representacional, estamos ratificando a possibilidade de estabelecer a
relação entre os participantes, as circunstâncias em que os eventos ocorrem e como
eles se mostram para a apreensão do significado.
No meme 5, o contato será a interpretação dada pelo vetor que se forma
entre a direção do olhar do participante representado e o seu provável observador.
Expressão facial e gestos são importantes para auxiliar na apreensão da demanda
ou da oferta pretendida como ação do participante representado em relação a seu
observador. o participante não estabelece um vetor direcionado para o seu
observador, uma vez que é oferecido ao observador como objeto de contemplação,
apresentando-se como ‘oferta’. A distância social se faz pela relação estabelecida
entre o ‘plano fechado’ que representa as emoções, a expressão de ‘olhar distante
significa descaso com o observador, expressar as emoções acerca do assunto
“auxílio-moradia” não interessa ser discutido pela sociedade. A perspectiva se faz a
partir do ‘ângulo obliquo’ para o estabelecimento da sensação de alheamento.
Quanto à modalidade, elementos como cor, contextualização, iluminação e brilho
induzem ao valor de verdade da imagem. Assim, a seleção de cores, o brilho, a
iluminação reforçada pela centralidade da imagem se alia à contextualização para
representar a relação de afastamento entre deputados brasileiros e os
contribuintes/eleitores.
Para o meme 6, temos dois elementos que ajudam a composição do
significado, quanto ao valor da informação: o dado e o novo. O elemento “dado” é
o presidente Temer, enquanto o elemento “novo” é a atualização da foto oficial com
intervenções na imagem reproduzida referindo-se ao vampiro, utilizado pela escola
de samba Tuiuti para estender as características do vampiro (cruel, sanguinário,
morto-vivo etc.) para a ressignificação do presidente. Para os elementos
correspondentes ao “ideal”, temos a frase do compartilhante do meme: ‘a foto oficial
do gabinete foi atualizada’, incidindo para o “real”, um presidente com
características ‘vampirescas’.
Outro sistema que se inter-relaciona com o valor de informação, para compor
o sentido da imagem, é a saliência. A saliência é responsável por nos fazer perceber
como os elementos se hierarquizam dentro da imagem, nos movimentos de
intensificar ou suavizar cores, contraste, brilho, superposição e outros recursos que

83
MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

ponham o observador leitor em posição de apreensão desses elementos e a


interpretação do conjunto da significação.
O terceiro sistema que integra a metafunção composicional é a estruturação.
Esse sistema se refere à presença ou não de objetos interligados. Linhas divisórias
podem contribuir para integrar os elementos de uma imagem ou de garantir-lhes de
forma separada as identidades distintas no corpo da imagem. A estruturação pode
ser forte ou fraca, dependendo da relação contínua ou descontínua entre os
elementos. Para a conexão, as unidades se apresentam em uma continuidade. A
desconexão apresenta a separação por linhas e traçados que sinalizam a visão das
partes para a apreensão do todo.
Sabedores de como se organizam as metafunções, cabe ao professor
selecionar quais as perspectivas que deseja adotar para o trabalho com a leitura,
pois a aplicação isolada ou em conjunto mostram-se eficazes para ativas estratégias
de leitura que incidam no letramento multimodal crítico, possibilitando um alcance
maior que a decifração. A pedagogia dos multiletramentos corresponde com esse
engajamento de práticas que vislumbram a pluralidade ou multiplicidade de
culturas e de linguagens da contemporaneidade como forma de ‘empoderamento’
para o enfrentamento das distorções sociais, conforme veremos a seguir.

Multiletramentos
O letramento é constitutivo de práticas de leitura e escrita e, assim,
processos pertencentes às práticas sociais - que resultam em produtos humanos,
marcados pela história e pela cultura - e delineamos esta pesquisa, focalizando os
letramentos e, principalmente, os multiletramentos como uma necessidade da
contemporaneidade. Assim, podemos entender, segundo Lima (2013, p. 47)
que há, a partir da inserção da necessidade de contemplar os multiletramentos
demandados na contemporaneidade como superação ou atualização dos estudos
sobre os letramentos:

Os multiletramentos superam as limitações da abordagem tradicional dos estudos


do letramento, porque atualizam as análises das interações sociais mediadas por
tecnologias diversas e enfatizam a negociação necessária para a convivência com
as múltiplas diferenças linguísticas e culturais em nossa sociedade. As implicações
resultantes dessa interação se tornam centrais para a pragmática de demandas dos
ambientes de trabalho, públicos e privados, uma vez que são práticas além dos
conhecimentos do código escrito (LIMA, 2013, p. 47).

84
MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

De acordo com Jewitt (2008), o conceito de “multiletramentos” foi


apresentado por um grupo de pesquisadores conhecido como New London Group,
em 1996. Este conceito evidencia duas mudanças no cenário comunicacional que
provocam uma discussão a respeito do que significa ser letrado: a crescente
importância da diversidade linguística e cultural na economia e a complexidade dos
textos no que diz respeito às formas de representação e comunicação multimodais.
Segundo Stokes (2002), os multiletramentos podem incluir o letramento
visual, o letramento midiático, o letramento digital, o letramento cultural e o
letramento social, entre outros. É importante que estes letramentos sejam
trabalhados sob um ponto de vista multimodal crítico, a fim de que os estudantes
tenham acesso a ferramentas que os possibilitem analisar as diversas linguagens e
formas de representação para, dessa forma, pensar sobre suas próprias condições
sociais e culturais. Assim, o trabalho com os memes se constituem uma atividade
producente e alinhada a proposta dos multiletramentos.

Letramento multimodal crítico


Uma teoria muito importante para a construção do conceito de letramento
multimodal crítico foi o desenvolvimento da Gramática do Design Visual (GDV) de
Kress e van Leeuwen (2006 [1996]), que teve suas bases teóricas alicerçadas na
Gramática Sistêmico-Funcional de Halliday. Diferentes arranjos composicionais
entre texto e imagem possibilitam a realização de sentidos textuais diferentes.
De acordo com Araújo e Silva (2015), essas metafunções, propostas pelos
autores Kress e van Leeuwen, promovem exposições e compreensões que
instrumentalizam professores e alunos a desenvolverem uma prática efetiva de
leitura e de interpretação dos sentidos que as imagens veiculam, bem como
contribuem para o desenvolvimento de uma prática de análise crítica dos textos.
Baseado nos pressupostos teóricos da GDV, Callow (2008) desenvolveu o
Show me framework, agregando aspectos antes não analisados com profundidade no
desenvolvimento do letramento multimodal crítico dos estudantes, como as
dimensões afetiva, composicional e crítica.
Callow (2005) sugere que, em um contexto imagético, devem ser analisadas
três dimensões: afetiva, composicional e crítica. A dimensão afetiva reconhece o

85
MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

papel do indivíduo ao interagir com imagens, levando em consideração a apreciação


estética e a resposta sensorial imediata; a composicional considera o modo como as
imagens são compostas, incluindo elementos semióticos estruturais e contextuais;
a dimensão crítica reconhece a importância da existência de uma reflexão crítica
quando se trata de imagens, uma vez que todas as imagens transmitem uma
ideologia.
Com o intuito de compreender como ocorre o letramento
visual/multimodal crítico dos estudantes e desenvolvê-lo, Callow (2008) elaborou
o Show me framework, um conjunto de estratégias didáticas para que o professor
explore o modo imagético dos textos multimodais dentro da sala de aula. Por esse
motivo, a proposta de Callow (2008) mostra-se essencial para as pretensões deste
artigo, já que o Show me framework apresenta questionamentos que instigam os
estudantes a desenvolverem o letramento multimodal crítico.
Quadro 2 - Modelo Show Me: adaptado de Callow (2008)

Fonte: Silva (2016, pp. 86-87).

86
MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

A dimensão afetiva, para Callow (2008) é aquela em que o professor atenta


para as possíveis reações dos estudantes, como gestos e expressões faciais, no
momento da atividade de compreensão leitora multimodal, pois as imagens
constituem signos de engajamento afetivo. Após indagações de cunho afetivo, o
docente expõe o aproveitamento da leitura e da observação das imagens.
Quanto à dimensão composicional, o professor deve explorar a imagem, a
fim de que os alunos expliquem ações e imagens simbólicas. Em seguida, o educador
indaga sobre como as pessoas ou outros participantes reagem e interagem com a
imagem. Nesse sentido, a dimensão composicional faz uso de uma metalinguagem
própria da análise de imagens, o que engloba vários conceitos da GDV, como ações,
símbolos, distância/proximidade, ângulos, olhar, cores, layout, saliência, linhas e
vetores. Por meio desta abordagem, o professor sensibiliza os estudantes a
perceberem que os aspectos composicionais das imagens são muito importantes na
construção de sentidos do texto multimodal.
Por fim, através da dimensão crítica, Callow (2008) sugere que o professor
incentive os alunos a perceberem e analisarem as questões socioculturais
relacionadas aos grupos sociais, aos gêneros sociais, às raças e às etnias. Isso
possibilitará que os estudantes se posicionem criticamente sobre as questões
mencionadas e possam identificar e avaliar, nos textos multimodais, os estereótipos
construídos nas imagens
Figura 3 – Meme raio
Meme 7: Símbolos e criticidade

87
MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

Como vimos, as dimensões afetiva, composicional e crítica são as estratégias


mobilizadas para o desenvolvimento da criticidade. Assim, observados os passos
para o estabelecimento de práticas em que o letramento visual, alia-se ao crítico
podem ser exemplificados pela figura 3. O leitor pode ser questionado sobre suas
relações afetivas, no meme 7, quando os fenômenos naturais são evocados por meio
de traços religiosos “Senhor”, além das cores e da distribuição das informações
visuais. Brasília é o centro do poder no Brasil e seu ícone está também no centro da
imagem. As cores de um dia nublado atestam para um ar ‘pesado’ sobre os prédios
e a simbologia inferida. São tempos difíceis, cujo raio poderia resolver, se estivesse
diretamente posicionado sobre o Congresso Nacional.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os memes como proposta de letramento multimodal crítico pode ser uma


alternativa aos professores que desejam atender as demandas previstas por descritores
previstos em exames externos ou mesmo alinhar com o previsto em documentos tais como
a Base Nacional Comum Curricular, que prevê em sua competência geral 4 – “Utilizar
diferentes linguagens – verbal (oral ou visual-motora, como Libras, e escrita), corporal
visual, sonora e digital – bem como expressar e partilhar informações, experiências, ideias
e sentimentos em diferentes contextos e produzir sentidos que levem ao entendimento
mútuo” (BRASIL, 2017). Para isso, apresentamos algumas incursões teóricas e aliamos
a exemplos que ilustrassem a possibilidade de como esse gênero discursivo pode
participar das práticas pedagógicas.
Sabemos que os multiletramentos, a multimodalidade e o desenvolvimento de
letramento multimodal crítico requerem uma postura de engajamento do professor. Além
de fazer com que esse profissional vislumbre o texto multimodal como aquele que requer
estratégias apropriadas a sua natureza. Isso desloca a escrita de posição privilegiada para
coadjuvante ou mesmo preterida, pois a sistematicidade de interpretação fundamentada
nos modos de construção são já matéria de pesquisas que têm na Gramática do Design
Visual o norteamento teórico.
A análise dos modos de construção do texto (multimodalidade) e a relação que
estabeleceram com as estratégias argumentativas para relacioná-las aos efeitos de sentido
intentados pelo gênero meme apontaram para as metafunções representacional, interativa
88
MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

e composicional como estratégias de construção da natureza persuasiva dos memes, capaz


de mobilizar discursos a partir da aparente estrutura de “piada digital” ressignificando-o
como um poderoso agente de letramentos visual e crítico – letramento multimodal crítico.
Acreditamos que o objetivo de apresentar a potencialidade para as práticas de
letramentos digital e crítico advindas dos memes como ferramenta pedagógica foi
atendido durante todos os momentos. Principalmente, no exercício de análise quando as
categorias das teorias convocadas foram mostradas como alternativa para as aulas de
leitura para a interpretação de metáforas visuais. Isso reforça a contribuição que
acreditamos ter dado com essa pesquisa, quando quaisquer fenômenos de linguagem
(verbais, visuais ou integrados) possibilitam o entrelaçamento de pesquisas sobre texto e
construção do sentido.

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90
MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

RECURSOS METADISCURSIVOS E CATEGORIAS TEXTUAIS EM


UNIDADES RETÓRICAS DE ARTIGO CIENTÍFICO

Cícera Alves Agostinho de Sá


Márcia Pereira da Silva Franca

INTRODUÇÃO

O surgimento da Linguística Textual na década de 1960 contribuiu para que o


texto ocupe hoje lugar central no processo ensino-aprendizagem de Língua Portuguesa,
porque as discussões realizadas desde então apontam o texto como principal objeto de
investigação dessa área. Os textos se apresentam na contemporaneidade como a unidade
principal de comunicação e interação, compreendido ainda como uma entidade
multifacetada, constituída por aspetos sociais, culturais e linguísticos.
No caso específico do texto acadêmico, é usual organizá-lo em unidades
retóricas. O artigo científico é um texto dessa natureza, geralmente constituído pelas
seguintes unidades: introdução, revisão de literatura, metodologia, análise e
discussão dos resultados e conclusão. No geral, os artigos atendem a essa estrutura,
sendo que em discussões mais breves, a metodologia é incorporada à introdução.
O metadiscurso apresenta um conjunto de subcategorias organizadas na
categoria interativa e interacional. A função da primeira categoria seria guiar o
leitor, por meio de recursos textuais. A segunda categoria, por sua vez, contempla
recursos, cuja função estaria em envolver o leitor no curso da leitura.
O presente artigo apresenta na primeira seção teórica uma definição geral
dos movimentos que constituem as unidades retóricas, com foco na introdução e
conclusão. A segunda seção traz uma amostra dos articuladores, com foco em
articuladores discursivo-argumentativos e atenuadores. A terceira seção aborda as
categorias do metadiscurso interativa e interacional, sendo que da primeira
exploraremos a subcategoria transições e da segunda a subcategoria atenuadores.
O recorte teórico informado em cada seção se justifica em virtude de os
aspectos a serem explorados servirem como referência às análises que serão
realizadas na seção de discussão dos resultados. Na conclusão apresentamos uma
retomada dos principais aspectos discutidos na análise, além de indicarmos lacunas
que podem ser exploradas em pesquisas posteriores.

91
MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

Unidades retóricas: seções estruturais do artigo científico


A sistematização das unidades retóricas que constituem o artigo científico
começa em 1990, quando Swales desenvolve o modelo Create a Research Space,
identificado no meio acadêmico como o modelo CARS, que norteia a análise das
unidades que constituem esse gênero acadêmico com base em movimentos.
Motta-Roth e Hendges (2010) adotam a proposição dos referidos autores
para especificar os movimentos que constituem cada unidade retórica. Para as
autoras, a introdução constitui a primeira unidade presente no artigo, sistematizada
com base nos seguintes movimentos:

Quadro 1: Movimentos retóricos da introdução


Movimento 1 Estabelecer um território
Passo 1 Asseverar a importância do sentido e/ou
Passo 2 Fazer generalização(ões) sobre o assunto e/ou
Passo 3 Revisar itens de pesquisa prévia
Movimento 2 Estabelecer um nicho
Passo 1ª Apresentar argumentos contrários a estudos prévios ou
Passo 1B Identificar lacunas no conhecimento ou
Passo 1C Fazer questionamentos ou
Passo 1D Continuar uma tradição
Movimento 3 Ocupar o nicho
Passo 1ª Esboçar os objetivos ou
Passo 1B Anunciar a presente pesquisa
Passo 2 Anunciar principais resultados
Passo 3 Indicar estrutura do artigo
Fonte: Motta-Roth e Hendges (2010, p. 83)

No Quadro 1 transcrevemos o conteúdo da figura 4-4, em que Motta-Roth


e Hendges (2010) representam, com base em Swales (1990, p. 14), os movimentos
retóricos que constituem a introdução. Embora não tenhamos conseguido
reproduzir a pirâmide utilizada pelas autoras, na parte superior do quadro, que
representa o topo da pirâmide, temos um conjunto de passos opcionais, visto que
cada um deles é encerrado pelo termo ou. Na base do quadro, que representa a base
da pirâmide, se encontram as indicações obrigatórias, pois no movimento 3, Ocupar
o nicho, apenas o esboço dos objetivos é apresentado como alternativo, sendo o
anúncio da pesquisa, a apresentação de resultados e a descrição da estrutura do
artigo, três passos essenciais.

92
MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

O movimento retórico revisão de literatura é constituído por seis


subfunções, que podem ser parcialmente contempladas, visto que todas são
encerradas pelo uso do indicativo de alternância ou. Nesse movimento observamos
a alusão a um conjunto de subfunções que tratam desde a indicação de interesses
profissionais no tópico em discussão, até a indicação de lacunas, que resultariam em
futuras pesquisas.
O detalhamento do movimento retórico metodologia apresenta o maior
número de variação, pois explora orientações para a sistematização de pesquisas
em diferentes áreas. Em se tratando das áreas de ciência sociais e humanas, a
indicação é que o pesquisador contemple a descrição dos procedimentos adotados
na coleta de dados, o delineamento dos procedimentos utilizados na mensuração
das variáveis e ainda a elucidação dos procedimentos adotados na análise dos dados.
O movimento retórico análise e discussão dos resultados implica no
investimento em oito movimentos, que vai desde a recapitulação metodológica,
passa pela avaliação da descoberta, e estabelece conexões entre os resultados e a
literatura. A conclusão, por sua vez, é apresentada por Motta-Roth e Hendges (2010)
como um movimento retórico dessa seção. No entanto, as pesquisas desenvolvidas
na contemporaneidade exploram esse movimento em separado.
No detalhamento da conclusão, Motta-Roth e Hendges (2010, p. 131), com
base em Day (1988), apresentam o seguinte detalhamento:

Quadro 2: Passos da Conclusão


a) resume e interpreta os resultados obtidos no trabalho (e não os recapitula);
b) demonstra como seus resultados e interpretações concordam ou contrastam com
pesquisas prévias, oferecendo possíveis razões para os resultados obtidos;
c) não é tímido(a); discute as implicações teóricas do trabalho, bem como suas possíveis
aplicações práticas;
d) apresenta clara e resumidamente as evidências para a conclusão;
e) recomenda futuros aprofundamentos das questões discutidas no trabalho, deixando
aberta uma lacuna a ser preenchida por futuras pesquisas.
Fonte: Sá e Franca (2019), com base em Motta-Roth e Hendges (2010, p. 131)

A proposição da retomada e interpretação dos resultados obtidos por meio


da pesquisa em lugar de sua recapitulação implica no posicionamento que o
pesquisador deve adotar diante dos resultados. A indicação da necessidade de
explorar as conexões e contrapontos entre o referencial teórico e os resultados
aponta a pertinência de se fazer um recorte teórico capaz de ser utilizado como base

93
MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

para a análise e que possa ser retomado na conclusão. O tratamento das implicações
práticas dos resultados é ainda apontado pelas autoras como um aspecto a ser
contemplado na conclusão. Nesse movimento é pertinente ainda a indicação de
lacunas que podem ser exploradas em pesquisas posteriores.
Na sequência, trataremos da progressão textual, no âmbito da Linguística
Textual.

ARTICULADORES TEXTUAIS A SERVIÇO DA PROGRESSÃO


Na década de 1960, tem início na Alemanha pesquisas que adotam o texto como
centro de investigação. Como no período a abordagem em foco se voltava aos aspectos
estruturais da língua, acompanhamos o advento da gramática textual, que se prestava a
explicar fenômenos linguísticos que a gramática do enunciado não conseguira explicar.
No Brasil, as pesquisas avançaram desde a década de 1980, de modo que hoje
pesquisadores da área da Linguística Textual exploram o texto na perspectiva da cognição
social, de modo que a análise se centra em um conjunto de aspectos linguísticos,
cognitivos, sociais e interacionais.
O presente recorte contempla os articuladores discursivo-argumentativos e
ainda os modalizadores atenuadores, visto que esses dialogam com as subcategorias do
metadiscurso que ancoram teoricamente a presente pesquisa, a serem discutidas no
próximo tópico.
Koch (2006, p. 134), define os articuladores discursivo-argumentativos,
também conhecidos como articuladores enunciativos como “os que encadeiam atos de
fala distintos, introduzindo entre eles, relações discursivo-argumentativas.” Essas
relações representam construções que se realizam no plano da contrajunção, explicação,
comprovação e generalização dentre outras possibilidades.
Koch (2015, p. 129), ao ampliar a conceituação desses articuladores acrescenta
que “articulam dois atos de fala, em que o segundo toma o primeiro como um tema, com
o fim de justificá-lo, ou melhor explicá-lo; contrapor-lhe ou adicionar-lhe argumentos;
generalizar, especificar, concluir a parte dele [...].” Esses articuladores funcionam como
responsáveis pela orientação argumentativa das construções enunciativas.
Na sequência, apresentamos o exemplo três: “A coluna vermelha fica com o
governo. Ou, se preferir, com o contribuinte (Josias de Souza, “De bancos e geladeiras”,
Folha de S. Paulo, 22/11/95)”. Compreendemos que o primeiro período compreendido

94
MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

por “A coluna vermelha fica com o governo.” constitui o tema do enunciado em análise,
enquanto o segundo, iniciado pelo articulador enunciativo ou inicia uma contraposição
em relação à proposição presente no tema.
Do conjunto de articuladores meta-enunciativos destacamos os atenuadores,
apresentados por Koch (2006, 2015), como os recursos que funcionam na perspectiva de
garantir a preservação das faces. Esses recursos são amplamente adotados para garantir a
modalização dos enunciados, a exemplo do que ocorre no exemplo 27, transcrito a seguir:
“(27) No meu modesto modo de entender, creio que deveríamos refletir um pouco mais
sobre essa questão.” (KOCH, 2015, p.136)
Observamos nesse enunciado a modalização atenuadora adotada pelo locutor ao
classificar como modesto seu processo de compreensão individual, seguido pelo convite
ao interlocutor para ampliar o processo de reflexão acerca do tema em discussão. Essa
estratégia favorece não só a manutenção das relações de respeito ao direito de expressão,
como também contribuem com o fortalecimento e interação dos interlocutores.
Na sequência, trataremos das categorias do metadiscurso, e de parte das
subcategorias, que serão exploradas na presente pesquisa.

CONTRIBUIÇÕES DO METADISCURSO NA CONSTRUÇÃO DOS


ENUNCIADOS
O metadiscurso é definido por Crismore (1990) como o discurso que trata do
discurso. Para Hylland (2005), os recursos metadiscursivos auxiliam na compreensão das
estratégias adotadas pelos pesquisadores na construção dos argumentos, bem como do
modo como a relação com os leitores é estabelecida. Estão situados no contexto
metadiscursivo, os aspectos responsáveis pela organização dos enunciados.
Segundo Hylland (2005), o metadiscurso contempla a categoria interativa e
interacional. No âmbito da primeira se situam os recursos do texto que guiam o leitor. Os
recursos adotados para envolver o leitor no texto remetem à segunda categoria.
No plano da categoria interativa se situam as seguintes subcategorias:
transitions ou transições; frame markers ou marcadores de enquadramento; frame
markers ou marcadores endofóricos; evidentials ou evidenciadores; code glosses ou
códigos de glosa. As subcategorias apresentadas tratam dos recursos utilizados na
construção do texto.
A categoria interacional é constituída pelas seguintes subcategorias:
hedges ou atenuadores; boosters ou intensificadores; atitude markers ou marcadores
95
MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

de atitude; self mentions ou automenção; engagement markers ou marcadores de


engajamento.
O quadro 3, apresentado a seguir, apresenta as categorias e subcategorias
do metadiscurso, com base em Hylland (2005), que servirão de base à discussão que
será realizada na análise de dados.

Quadro 3: Categorias e subcategorias do metadiscurso


Categorias Funções Exemplos
Interativa Ajudar a guiar o leitor através Recursos
dos recursos do texto.
Transitions ou Expressam relações entre as além disso; mas; assim; e.
transições orações principais.
Interacional Envolve o leitor no texto Recursos
Hedges ou atenuadores – Mantem o empenho e diálogo pode; talvez; possivelmente;
Faria (2009) aberto a partir de amenizadores. sobre.
Fonte: Produzido por Sá e Franca (2019), com base em Silva (2017), com adaptações.

Na subcategoria transições se encontram situados recursos que marcam as


conexões entre os períodos que constituem os enunciados. Os exemplos são conta
de conectores que, a depender do contexto de uso, expressam relações semânticas
que se situam no plano da complementaridade, da adversidade, da conclusão ou da
adição. Compreendemos que essa lista é bem extensa que a apresentada, de modo
que outras relações podem ser observadas nas relações entre as orações.
A subcategoria atenuadores compreende os recursos que funcionam como
amenizadores das construções semânticas realizadas pelos enunciados. Do conjunto
de recursos apresentado no quadro 3, observamos construções que tratam de
possibilidades e dúvidas, dentre outras possibilidades.
Na sequência, detalharemos os recursos metodológicos adotados na
presente pesquisa.

RECURSOS METODOLÓGICOS: SISTEMATIZANDO A PESQUISA

O corpus da pesquisa em curso é constituído por dois artigos, sendo um da


área da Letras e outro da área da Economia. A seleção dos artigos foi realizada com
base em dois critérios: primeiro porque foram publicados em periódicos; segundo
porque seus autores atuam na Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, no

96
MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

Campus Avançado Professora Maria Elisa de Albuquerque Maia – CAMEAM e tratam


de objetos de pesquisa explorados por pesquisadores que atuam nesse Campus.
O último critério foi adotado em razão de esse material ter sido explorado
para o preenchimento de protocolos de análise, produzidos pelas autoras do
presente artigo, em atividades referentes a uma oficina realizada na Semana de
Letras da UERN 2018, da qual participaram alunos da graduação dessa instituição.
A presente pesquisa é qualitativa, pois adotamos os referenciais teóricos
discutidos na seção anterior como basilares às análises realizadas na seção seguinte.
No plano da Linguística Textual, mapearemos ocorrências de articuladores
discursivo-argumentativos e de modalizadores atenuadores em enunciados que
constituem a introdução e conclusão dos artigos que constituem o corpus.
Identificaremos ainda ocorrências das subcategorias transições e
atenuadores, com base na orientação teórica do metadiscurso, estando a primeira
situada na categoria interativa e a segunda na categoria interacional.
Para a identificação do artigo Recursos metadiscursivos na escrita
acadêmica: uso e função utilizaremos o código Artigo 1: área de Letras; já para
remetermo-nos ao artigo Desenvolvimento e urbanização: a rede urbana potiguar sob
a ótica dos ‘REGICS’ iremos adotar o código Artigo 2: área de Economia.

DA TEORIA À PRÁTICA: DOS MOVIMENTOS RETÓRICOS ÀS CATEGORIAS DA


PROGRESSÃO TEXTUAL E FUNÇÕES METADISCURSIVAS

Os movimentos retóricos contemplados em artigos científicos se


organizam com base em passos, que apresentam de maneira detalhada os recursos
obrigatórios e opcionais que esse gênero precisaria atender para atender ao
conjunto de exigências que órgãos de fomento à pesquisa consideram pertinentes
nesse contexto de produção acadêmica.
Na sequência apresentamos o Quadro 4, que traz uma retomada dos passos
que geralmente são contemplados na introdução, bem como aponta ocorrências
desses passos nos artigos que constituem o corpus da presente pesquisa.

97
MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

Quadro 4: Movimentos Retóricos da Introdução


Movimento 1 Estabelecer um território Artigo 1: área Área 2: área
de Letras de Economia
Passo 1 Asseverar a importância do sentido e/ou X X
Passo 2 Fazer generalização(ões) sobre o assunto X X
e/ou
Passo 3 Revisar itens de pesquisa prévia X X
Movimento 2 Estabelecer um nicho
Passo 1ª Apresentar argumentos contrários a X
estudos prévios ou
Passo 1B Identificar lacunas no conhecimento ou X X
Passo 1C Fazer questionamentos ou
Passo 1D Continuar uma tradição X
Movimento 3 Ocupar o nicho
Passo 1ª Esboçar os objetivos ou X
Passo 1B Anunciar a presente pesquisa X X
Passo 2 Anunciar principais resultados X
Passo 3 Indicar estrutura do artigo
Fonte: Produzido por Sá e Franca (2019) para a presente pesquisa, adotando como referência
Motta-Roth e Hendges (2010).

O Artigo 2: área de Economia contempla os passos 1, 2 e 3 do movimento


um, pois explora a importância do sentido da pesquisa, além de explorar um
conjunto de generalizações sobre o assunto, traz ainda uma revisão breve de itens
da pesquisa em processo.
No caso específico do movimento 2 apenas o passo 1B foi contemplado,
pois no período “Contudo, o debate que surgia na América Latina mostrava a dicotomia
entre as formulações teóricas neoclássicas e as especificidades do subdesenvolvimento
que persistia em nosso continente”, (DANTAS; CLEMENTINO, 2014, p. 72), observamos
o indicativo da lacuna a ser explorada pela pesquisa. Nos demais períodos da
introdução, as autoras se prestam a anunciar a pesquisa em curso, sem contemplar os
demais passos obrigatórios, que constituem o movimento três.
Observamos que o Artigo 1: área de Letras contempla parte significativa
dos passos que constituem os movimentos retóricos 1, 2 e 3 da introdução, embora
o conectivo indicador de alternância ou, presente nos passos dos movimentos 1 e 2
aponte a inexistência de obrigatoriedade de o pesquisador contemplar todos os
passos.
Destacaria como relevante nesse contexto de ocorrência o fato de no Passo
1A Apresentar argumentos contrários a estudos prévios ser contemplado na unidade
retórica em análise, visto que Pontes e Jesus (2017, p. 2), ao tratar de investigações
que tratam da introdução afirmam que “[...] sua produção não se limita a um único

98
MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

propósito comunicativo, como chegou a atestar anteriormente (SWALES, 1984),


mas a uma soma de propósitos que se intercruzam e dialogam segundo as
especificidades dessa comunidade [...]”. De fato, os pesquisadores remontam a
pesquisas anteriores que afirmariam que a introdução se limitaria a contemplar um
único propósito comunicativo, quando evidências que esse processo é expansivo a
outras construções.
Do conjunto limitado de ausências, que se resume a dois passos,
destacamos a não presença do Passo 3 Indicar a estrutura do artigo como sendo uma
prática corriqueira na sistematização da introdução, apresentado por Motta-Roth e
Hendges (2010) como passo obrigatório, mas que não foi contemplado pelos
autores do Artigo 1: área de Letras.
Na sequência, analisamos as ocorrências dos passos que constituiriam a
conclusão:
Quadro 5: Passos da Conclusão
Artigo 1: área de Artigo 2: área de
Letras Economia
a) resume e interpreta os resultados obtidos no X X
trabalho (e não os recapitula);
b) demonstra como seus resultados e interpretações X X
concordam ou contrastam com pesquisas prévias,
oferecendo possíveis razões para os resultados
obtidos;
c) não é tímido(a); discute as implicações teóricas do X X
trabalho, bem como suas possíveis aplicações
práticas;
d) apresenta clara e resumidamente as evidências X X
para a conclusão;
e) recomenda futuros aprofundamentos das questões X
discutidas no trabalho, deixando aberta uma lacuna a
ser preenchida por futuras pesquisas.
Fonte: Sá e Franca (2019), com base em Motta-Roth e Hendges (2010, p. 131)
O mapeamento das ocorrências dos passos que constituem a unidade
retórica em discussão evidencia que aspectos como resumo e interpretação dos
dados levantados com a pesquisa, contraste entre esses dados e resultados de
pesquisas prévias, discussão de possíveis aplicações dos resultados obtidos, além da
apresentação de evidências para a conclusão se fazem presentes nos artigos que
constituem o corpus da presente pesquisa.
Somente a indicação de lacunas para pesquisas futuras foi identificada
exclusivamente no Artigo 1: da área de Letras, enquanto no Artigo 2: da área de
Economia não identificamos essa evidência. Ressaltamos a observância dos autores

99
MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

dos artigos em análise às orientações constantes em referenciais teóricos sobre


produção acadêmica a exemplo de Motta-Roth e Hendges (2010), que apontam um
conjunto de passos associados aos movimentos retóricos introdução, revisão de
literatura, metodologia, análise e discussão dos resultados e conclusão, cuja
ocorrência pode ser obrigatória ou circunstancial, conforme discutido.
No plano das categorias da Linguística Textual presentes na introdução do
Artigo 2: da área de Economia, identificamos evidências de articuladores discursivo-
argumentativos, conforme no seguinte exemplo: “Contudo, o debate que surgia na
América Latina mostrava a dicotomia entre as formulações teóricas neoclássicas e
as especificidades do subdesenvolvimento que persistia em nosso continente.”
(DANTAS; CLEMENTINO, 2014, p. 72) Nesse exemplo, observamos a presença de um
articulador que realiza uma construção no plano da contrajunção, caracterizada
como opositiva, entre a relação de sentido expressa pelos enunciados que
constituem o primeiro e segundo parágrafo da introdução.
Do Artigo 1: da área de Letras, destacamos da introdução os seguintes
articuladores discursivo-argumentativos: “Por isso, sua produção não se limita a
um único propósito comunicativo, como chegou a atestar anteriormente (SWALES,
1984), mas a uma soma de propósitos que se intercruzam e dialogam segundo as
especificidades dessa comunidade [...].” (PONTES; JESUS, 2017, p. 304)
Compreendemos que o primeiro articulador destacado consolida uma relação
explicativa com o enunciado que o antecede, funcionando como articulador de
sentido entre parágrafos. No caso do conectivo mas, a relação de contrajunção é
construída no interior do mesmo parágrafo.
Ao mapearmos evidências de articuladores meta-enunciativos na conclusão
do Artigo 2: da área de Economia, identificamos a seguinte ocorrência: [...] são
cidades integradas e/ou com possibilidades de integração à da urbanização
regional, podendo, inclusive, serem consideradas “cidades médias” ou “cidades
intermediárias”. (DANTAS; CLEMENTINO, 2014, p. 72) A utilização do recurso
atenuador em destaque evidencia que os autores do artigo científico em análise
apresentam uma possibilidade de definição para as cidades que funcionam como
polos de integração regional, sem utilizar termos que caracterizem uma construção
impositiva.

100
MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

Do Artigo 1: da área de Letras, transcrevemos o seguinte trecho: “Os


resultados apresentados contemplam parcialmente esses aspectos, centrando-se,
preferencialmente, no nível macroestrutural do gênero [...]”.(PONTES; JESUS, 2017, p.
304) Nesse uso, identificamos que o recurso atenuador adotado pelos
pesquisadores foca no nível macroestrutural do texto, sem impor essa escolha como
regra geral de análise.
No plano do metadiscurso, com foco na categoria interativa, identificamos a
presença dos marcadores de transição, que marcam relações entre as orações
principais, a exemplo do observado no fragmento seguinte, retirado do Texto 1: área
de Letras:
[...] na América Latina o processo de urbanização aconteceu de forma muito diversa e em dois
momentos bem distintos. Primeiro, o momento de sua dominação e formação colonial em que a
América Latina se constituiu uma colônia de exportação de produtos primários, de modo que “A
constituição de suas cidades [...] obedeceu aos interesses imediatos do colonizador” (CANO, 1989,
p. 66). O segundo momento, ocorreu com a industrialização. (DANTAS; CLEMENTINO, 2014, p.
72)

Os recursos destacados funcionam como marcadores de transição,


conferindo sequência às ações presentes nos períodos transcritos. Do ponto de vista
semântico, podemos associá-los aos recursos com sentido de ampliação, que se
caracterizam por agregar novas informações, organizadas não de modo aleatório,
mas sequencialmente.
Os marcadores de transição estão presentes no seguinte recorte, transcritos
do Artigo 1: área de Letras: “Nesse sentido, o presente trabalho vem contribuir para esse
propósito trazendo, inicialmente, uma abordagem teórica que retoma trabalhos já
consolidados, e abordando, em seguida, nas demais seções, os procedimentos
metodológicos utilizados [...].”PONTES; JESUS, 2017, p. 304) O primeiro recurso
destacado expressa relação entre o último parágrafo da unidade retórica transição
e as informações constantes no parágrafo anterior. Já o segundo recurso, introduz
uma informação nova ao propósito da pesquisa apresentado anteriormente, no
mesmo parágrafo.
Da categoria interacional, identificamos recursos atenuadores na conclusão
do Artigo 2: da área de Economia, transcrito na sequência: “É como se tivesse
surgindo no interior da rede urbana nordestina, um novo tipo de cidade formado por
centros sub-regionais [...].” A expressão destacada se enquadra semanticamente no

101
MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

conjunto de construções atenuadoras, pois apresenta uma nova construção, sem assumir
um caráter impositivo.
No Artigo 1: da área de Letras, o último parágrafo da unidade retórica conclusão
foi marcado pela presença de atenuador prototípico, conforme evidenciamos no seguinte
fragmento: “Espera-se que este trabalho possa motivar novos estudos [...]”. (PONTES;
JESUS, 2017, p. 320) A indicação da lacuna que possibilita a realização de novas
pesquisas está marcada no recorte acima pelo marcador atenuador “pode”, que se
caracteriza pela apresentação de uma possibilidade, no conjunto de variáveis
possíveis.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O mapeamento das ocorrências dos passos obrigatórios nas unidades
retóricas introdução e conclusão no artigo 1: da área de Letras, e no Artigo 2: da área
de Economia evidencia que os pesquisadores realizam suas produções científicas
em conformidade com as orientações de pesquisadores da área de produção
acadêmica, a exemplo das proposições apresentadas por Motta-Roth e Hendges
(2010), discutidas nessa pesquisa .
Os pontos de conexão entre categorias da Linguística Textual e do
Metadiscurso evidenciam que essas áreas referendam pesquisas voltadas à
construção de sentido, com base em realizações da língua, materializadas nos textos.
Em se tratando da categoria articuladores discursivo-argumentativos, observamos
que essa dialoga semanticamente com a categoria marcadores de transição, do
metadiscurso, já que ambas propiciam a articulação entre partes do texto.
Outra conexão entre as categorias das referidas teorias se materializa por
meio dos atenuadores, cuja denominação coincide nas duas teorias adotadas como
âncoras na seção de análise, nas quais se observa função semelhante, pois em ambos
os campos teóricos, funcionam como recursos que possibilitam a preservação das
faces dos interlocutores.
Pesquisas futuras podem mapear pontos de conexão entre outras categorias
da Linguística Textual e do Metadiscurso que constituem as demais unidades
retóricas do artigo científico, adotadas como referentes no processo de construção

102
MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

de sentidos em produções acadêmicas de diferentes áreas, conforme realizamos no


presente artigo.

REFERÊNCIAS
KOCH, I. G. V. Desvendando os segredos do texto. São Paulo: Cortez, 2006.__________
Introdução à linguística textual: trajetória e grandes temas. São Paulo: Contexto,
2015.

KOCH, I. G. V.; TRAVAGLIA, L. C. Texto e coerência. São Paulo: Cortez, 2008.

LAJOLO, M. Do mundo da leitura para a leitura do mundo. São Paulo: Ática, 2007.

MOTTA-ROTH, D.; HENDGES, G. H. Produção textual na universidade. São Paulo:


Parábola Editorial, 2010.

SAMPAIO, M. O. O metadiscurso na escrita escolar. Cadernos do CNLF, v. XIV, nº 2, t.


2.

SILA, A. Metadiscurso na perspectiva de Hyland: definições, modelos de


categorização e possíveis contribuições. Revista Letras, Santa Maria, v. 27, n. 54, p.
41-67, jan./jun. 2017.

103
MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

REFERENCIAÇÃO ANAFÓRICA: UMA ANÁLISE


COMPARATIVA DE TEXTOS ESCRITOS POR ALUNOS DO
ENSINO FUNDAMENTAL E MÉDIO

Josinaldo Pereira de Paula


Lidiane de Morais Diógenes Bezerra
Maria Eliete de Queiroz

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Atualmente, sabemos que, com a acessibilidade proporcionada pela era


digital, os docentes têm facilidade em usarem o livro didático como um apoio e
buscarem uma série de outros recursos, por exemplo, textos e vídeos de diversos
gêneros, que estão disponíveis na internet e podem ser usados para tornarem as
aulas de produção de texto mais dinâmicas e incentivar o discente a escrever. Com
essa facilidade, o que interessa para os estudos de ensino de texto, nas aulas de
produção textual, na disciplina de Língua Portuguesa, é observar como os textos
estão sendo produzidos em relação aos aspectos da textualidade, referenciação,
entre outros.
Os aspectos da referenciação são relevantes para a construção dos sentidos
dos textos. As contribuições dos estudos de Cavalcante (2011, p. 16), por exemplo,
afirmam que a referenciação é “condição fundamental para que, nas práticas
comunicativas, os participantes (re) construam a coerência do texto”, ou seja, os
recursos referenciais bem aplicados implicarão nos sentidos globais dos textos.
Nesta perspectiva, o objetivo do presente trabalho é investigar como os
recursos referenciais são utilizados pelos alunos do ensino fundamental e médio
para a construção dos sentidos dos textos, e também para o que Antunes (2009)
chama de adequação contextual do gênero artigo de opinião.
Para esse trabalho, investigamos aspectos da referenciação, pois Mondada e
Dubois (2003, p. 20) afirmam que o processo de referenciação se constrói através
de “objetos cognitivos e discursivos na intersubjetividade das negociações, das
modificações, das ratificações de concepções individuais e públicas do mundo”, ou
seja, a forma de nos referirmos ao mundo não está presa apenas ao valor semântico
de fatores linguísticos, mas o contexto pragmático em que é proferido o discurso, o

104
MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

conhecimento de mundo, o conhecimento cultural mútuo daqueles que estão


envolvidos em um discurso específico é, em muitas situações, o elemento principal
para que ocorra sucesso na comunicação. Como as autoras afirmam, existe uma
negociação cognitiva e intersubjetiva entre os falantes no momento em que o
discurso é proferido. Assim, o sentido é construído naquele momento. Essa
negociação é individual e pode ser útil apenas para aquele momento de discurso,
uma vez que, em outra situação, os mesmos falantes podem usar as mesmas palavras
com sentidos diferentes ou podem se referir aos mesmos objetos com outros fatores
linguísticos que são adequados para aquela determinada situação comunicativa.
Portanto, usamos como suporte teórico diversos estudos que, no decorrer do
tempo, têm discutido como os recursos da referenciação são usados na construção
de textos escritos e orais em diversos gêneros textuais. Trabalhos mais
introdutórios, como o de Mondada e Dubois (2003), apresentam os conceitos já
existentes sobre esses estudos, mas também introduzem ideias opostas que são
pertinentes para as pesquisas atuais em Linguística Textual, ou seja, as autoras
abandonam a ideia de referência e adotam o conceito de referenciação que dá conta
das práticas simbólicas discursivas do mundo. Como também os trabalhos de Koch
(2004) e Cavalcante (2011), que apresentam uma discussão atual sobre a
referenciação e contribuem disponibilizando categorias de análise para essa área de
estudos, especificamente, a referenciação anafórica, entre outros diversos estudos
que têm se preocupado em discutir como os processos de referenciais influenciam
na construção de sentidos e na adequação textual.
Nosso procedimento metodológico de coleta dos dados se deu de duas
formas: uma para os textos do ensino médio e outra para os textos do ensino
fundamental. Os textos do ensino médio foram produções realizadas pelos alunos
de uma oficina de produção textual de trinta horas aula, com foco no artigo de
opinião, ofertada na disciplina Estágio Supervisionado II, no semestre 2013.1, à qual
frequentaram onze alunos do 3º ano do ensino médio de uma escola da rede pública
de ensino. Os textos do ensino fundamental foram recolhidos com a contribuição de
uma professora do 9º ano do ensino fundamental.
Assim, após recolhermos dezoito artigos de opinião, decidimos selecionar, de
forma aleatória, apenas onze, para padronizarmos com o número de textos
coletados no ensino médio, contabilizando um corpus de vinte e dois textos, para os

105
MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

quais realizamos uma seleção, codificação e tabulação das ocorrências encontradas


em cada artigo de opinião dos dois níveis de ensino. Fizemos a apresentação dos
dados em quadros demonstrativos, enfatizando os dados qualitativos e
quantitativos, para possibilitar a reflexão a partir de exemplos retirados dos textos
dos discentes e, em seguida, demonstramos os resultados obtidos.
Nosso capítulo está organizado em três partes. Na fundamentação teórica,
apresentamos o fenômeno da referenciação e a referenciação anafórica. Na análise
dos dados, apresentamos os resultados encontrados nos textos dos alunos do ensino
fundamental e médio, debatendo alguns exemplos. Por último, discutimos, de forma
comparativa, as diferenças e semelhanças encontradas na construção do sentido e
na adequação contextual nos dois níveis de ensino, no que se refere à referenciação
anafórica. Por fim, nas considerações finais, retomamos os objetivos, relacionando-
os aos resultados alcançados, como também apresentamos as contribuições da
pesquisa e uma perspectiva de aplicação dos resultados no contexto atual do ensino
de Língua Portuguesa.

REFERÊNCIA, REFERENCIAÇÃO E REFERENCIAÇÃO ANAFÓRICA

Uma série de pesquisas, por muito tempo, afirmou que a língua seria a
representação quase real das coisas. Com Mondada e Dubois (2003, p. 17),
entendemos que a língua era estudada como “um sistema de etiquetas que se
ajustam mais ou menos bem às coisas”. As pesquisas sobre esta temática
apresentavam uma perspectiva da língua enquanto representação clara e
transparente, ou seja, estável, na qual cada signo linguístico se ajusta às coisas no
mundo. Nesse sentido, Mondada e Dubois (2003) afirmam ser uma utopia pensar a
língua nesta perspectiva, pois existe uma instabilidade na língua, e esta não é apenas
um sistema de representação das palavras em relação às coisas. As autoras têm uma
visão de língua mais complexa e, com isto, decidem não observar a língua a partir da
concepção clássica da referência, mas sim como um processo de referenciação.
Sob esta nova perspectiva da referenciação, Mondada e Dubois (2003), a
partir dos estudos sociocognitivos interacionistas, apontam que existe um problema
em mapear a língua em relação às coisas, que a língua não é um sistema estável, mas
sim que existe uma instabilidade na língua e que os sentidos são construídos a partir
das situações sociodiscursivas entre os sujeitos históricos e sociais. Dessa forma,

106
MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

tendo a língua em uma perspectiva instável, Mondada e Dubois (2003, p. 19) citam
que não é relevante “perguntar como [...] os estados do mundo são representados
de modo adequado, mas de se buscar como as atividades humanas, cognitivas e
linguísticas, estruturam e dão sentido ao mundo”.
Desse modo, na abordagem da referenciação, existe uma preocupação em
estudar como os sentidos das coisas no mundo ocorrem por meio de atividades
cognitivas humanas, que se apresentam mediante os signos linguísticos, mas que o
sentido dado ao mundo não depende apenas do aparato linguístico, pois, muitas
vezes, o contexto sócio-histórico e cultural é quem é fundamental para que se
atribuam sentidos aos diversos textos que circulam na sociedade, ou seja, as
palavras, imagens e cores têm diversas significações, dependendo da atividade
discursiva humana em determinado contexto social. Podemos entender com Koch
(2004) que os signos linguísticos estão à disposição do sujeito em qualquer situação
comunicativa. No entanto, no decorrer da interação verbal, é possível que o
enunciador precise sair do conteúdo simplesmente semântico para que seu
interlocutor atribua sentido àquele signo, naquela situação comunicativa. Desse
modo, nos estudos da referenciação, uma palavra vai além do seu sentido semântico,
pois ela se modifica dependendo do contexto em que ela for inserida e, muitas vezes,
para entendermos a verdadeira significação daquela palavra, naquele contexto,
precisamos estar inseridos no contexto em que está ocorrendo a interação verbal,
ou buscar nossos conhecimentos de mundo.
Dessa forma, Koch (2002, p. 209) afirma que “a referenciação constitui uma
atividade discursiva”; ela acontece no momento em que o texto ocorre independente
dele se manifestar de forma verbal ou não verbal. Cavalcante (2011) também trata
da instabilidade da língua em relação ao uso dos processos referenciais, afirmando
que “nem os elementos do discurso nem as entidades do mundo têm uma
segmentação já pronta, dada a priori; os referentes, ou objetos de discursos, são
categorias cognitivas apresentam uma instabilidade inerente a eles” (CAVALCANTE,
2011, p. 26). A autora reforça a ideia da instabilidade dos referentes e que o sentido
da linguagem em um discurso não depende das palavras representando coisas, mas
sim dos falantes que categorizam e recategorizam os objetos em situações diversas
no mundo.

107
MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

Após esta discussão sobre referenciação, a seguir, abordaremos os estudos


de um dos processos referenciais utilizados na construção de sentido dos textos: a
referenciação anafórica. Este é um aspecto da referenciação fundamental para a
construção dos sentidos e adequação contextual de qualquer produção oral ou
escrita. A adequação contextual, segundo Antunes (2009), ocorre devido ao nível de
preocupação que o autor tem com a linguagem usada no seu texto dependendo do
contexto em que irá utilizá-la, podendo ser oral ou escrito. Por exemplo, no texto
oral, temos a fala mais despreocupada em contextos informais e um dizer mais
rebuscado em um contexto de uso formal da oralidade. No texto escrito, por
exemplo, temos menos preocupação na escrita de textos informais, como o bilhete,
o bate papo com amigos na internet, mas, também, em produções textuais com
objetivos mais formais como textos jornalísticos, jurídicos. Na discussão deste
trabalho, que é o artigo de opinião, o autor deve se preocupar com a linguagem
utilizada para, a partir dela, argumentar sobre determinado tema e conseguir a
adesão dos seus leitores à sua posição em relação à discussão presente na sua
produção textual.
Diante disso, Cavalcante (2012, p. 123) afirma que “a estratégia anafórica diz
respeito à continuidade referencial, ou seja, à retomada de um termo referente por
meio de novas expressões referenciais”. Com a autora, observamos que as formas
referenciais anafóricas são responsáveis pela continuidade do texto, e esta
continuidade ocorre de forma adequada quando o autor faz uma reflexão sobre
como usar estes recursos referenciais no seu texto, pois o mau uso pode fazer o
inverso, ou seja, prejudicar a continuidade e a informatividade da produção textual.
Entendemos, assim, que a referenciação anafórica não é apenas uma forma de
retomar o referente, o que, segundo Koch (2004, p. 59) “[...] não é simplesmente em
localizar um segmento linguístico no texto (um ‘antecedente’) ou um objeto
específico no mundo, mas, sim, algum tipo de informação anteriormente alocada na
memória discursiva”. Dessa forma, a autora afirma que os elementos que constituem
uma anáfora não se referem apenas a referentes utilizados anteriormente no corpo
do texto, mas toda informação que o leitor traz em sua memória discursiva que pode
surgir no momento da leitura. Nesta perspectiva, por exemplo, a anáfora pronominal
é usada para evitar a repetição do termo usado anteriormente, mas também é
aconselhável usar a repetição total do termo nos momentos que o uso do pronome

108
MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

pode causar duplo sentido ao dizer do autor. A anáfora por sinonímia ou


parassinonímia é usada no momento em que o autor usa uma expressão inteira que
retoma o referente; nessa expressão, pode estar uma posição argumentativa do
autor em relação ao tema abordado, ou ainda o acréscimo de uma informação,
trazendo, assim, mais informatividade, o que contribui também para a progressão
textual.
O mau uso das expressões referenciais pode prejudicar a intenção do autor
na construção de um texto. Em relação à pronominalização, Marcuschi (2012, p. 69)
escreve que “o exagero no uso da pronominalização num texto leva a uma
progressiva diminuição da informação e a uma dificuldade crescente de
processamento cognitivo”. Com esta informação, entendemos que, quando o autor
de um determinado texto retoma muitas vezes o mesmo referente, usando a
repetição total do termo sem nenhuma estratégia para a construção da intenção
desejada, tanto pode prejudicar a informatividade do texto, como também o seu
sentido.
Dessa forma, Antunes (2010, p. 122) reforça a ideia que a repetição do
mesmo referente deve ter regras quando cita que “Tais considerações não significa
que a repetição de palavras seja absolutamente livre e não tenha suas regularidades.
Tem, sim”. Entendemos com a autora que a repetição é relevante se seu uso for com
algum propósito e não apenas por falta de atenção ou pobreza vocabular, ou seja,
como a escritora coloca, é um recurso funcional; deve ter uma função específica no
enunciado.
Seguindo a classificação proposta por Koch (2004), temos os grupos das
anáforas correferenciais e as não-correferenciais. Nesse trabalho, apresentaremos
os conceitos das correferenciais, pois são as que usamos como categorias de análise
no nosso trabalho.
As anáforas correferenciais são as retomadas de referentes do texto
anteriormente expressos que podem se concretizar por meio da repetição total ou
parcial, essas ocorrem quando o núcleo da forma nominal ou pronominal é repetido
na íntegra ou parcialmente. As retomadas por sinonímia ou parassinonímia ocorrem
quando uma retomada é feita por uma expressão sinônima ou quase-sinônima; as
retomadas por hiperonímia ocorrem por meio de um hiperônimo relacionado ao
indivíduo-espécie, espécie-gênero. Por um termo genérico, efetua-se por meio de

109
MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

nomes referentes ao mesmo gênero, ou seja, que designam a mesma coisa e, por
último, as retomadas por descrições nominais, que ocorrem porque, ao invés de
utilizar a palavra, é apresentada a sua descrição dependente do contexto.

A REFERENCIAÇÃO ANAFÓRICA EM TEXTOS ESCRITOS POR ALUNOS DO


ENSINO FUNDAMENTAL E MÉDIO

A partir de agora, apresentaremos a análise descritiva e interpretativa dos


dados. Nesse sentido, realizamos uma análise prévia do material, transcrevemos os
textos, preservando as suas versões originais, e enumeramos a quantidade de
ocorrências anafóricas nos textos dos dois níveis de ensino, tendo como base teórica
as categorias apontadas por Koch (2004). Assim, a seguir, apontamos nossos
resultados e reflexões, utilizando exemplos retirados dos textos.

Uma visão geral sobre os dados

Em uma análise prévia, foi possível detectar, nos vinte e dois textos, cento e
setenta e três ocorrências de referenciação anafórica, sendo que noventa nos textos
dos alunos do ensino médio e oitenta e três nos textos dos alunos do ensino
fundamental. Nos textos dos alunos do ensino fundamental, notamos duas anáforas
indiretas e oitenta e uma anáforas diretas, uma vez que as anáforas diretas dividem-
se em: quarenta anáforas pronominais, dezoito anáforas por sinonímia ou
parassinonímia, vinte e duas anáforas por repetição total e três por repetição
parcial. Em relação às ocorrências nos textos dos alunos do ensino médio,
encontramos vinte e duas anáforas indiretas e sessenta e oito anáforas diretas. As
anáforas diretas foram divididas em: vinte e seis anáforas pronominais, vinte
anáforas por sinonímia ou parassinonímia, vinte por repetição total e duas por
repetição parcial.
Dessa forma, separamos as ocorrências com mais regularidade nos textos
para apresentarmos nossas discussões, utilizando treze exemplos: sete de textos do
ensino fundamental e seis de produções textuais do ensino médio e, assim,
tentarmos explicar o porquê desses resultados e como eles influenciam no sentido
e na adequação contextual no gênero artigo de opinião.

110
MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

Em relação à escolha dos dados utilizados na análise apresentada nesse


artigo, selecionamos algumas ocorrências de anáforas diretas, por apresentarem
uma regularidade nos dois níveis de ensino, como forma de ilustrarmos de forma
interpretativa a discussão dos dados. No tocante às ocorrências de anáfora indireta,
nos textos do ensino fundamental, foram apenas duas e, apesar de nos textos do
ensino médio observarmos vinte e duas ocorrências de anáforas indiretas, elas são
expressas com apenas seis palavras diferentes que retomam de forma indireta o
título. Por esta razão, não discutimos, neste trabalho, as anáforas indiretas.
Assim, a seguir, começaremos a discutir as ocorrências, primeiramente, com
exemplos retirados dos textos dos alunos do ensino fundamental.

A referenciação anafórica em textos escritos por alunos do ensino


fundamental

Para as anáforas diretas, utilizadas tanto nos textos do ensino fundamental,


quanto do ensino médio, discutimos os dados na seguinte sequência: anáforas
pronominais, anáforas por repetição total e, por fim, anáforas por sinonímia ou
parassinonímia.

O uso das anáforas pronominais

A anáfora pronominal, segundo Koch (2004), ocorre quando o autor de um


determinado texto usa um pronome como forma de retomar o referente já citado
anteriormente. A seguir, alguns exemplos para discutirmos como os alunos do
ensino fundamental usam este recurso em suas produções textuais.

111
MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

Exemplo 01: O abuso2

“Algumas crianças são estrupadas 3e as vezes morrem com quem menos espera elas são
manipuladas pelo agressor, são muitas as crianças violentadas o “maniaco” oferecem coisas
para eles, marcam um encontro e dão presentes, quando ganham a confiança dela abusa a
coitado de uma maneira cruel. elas tem medo de contar aos pais, pois ficam
envergonhados”.

Neste exemplo, temos o termo “crianças” sendo retomado pela anáfora


pronominal “elas” e, em seguida, por repetição total do termo “crianças”. A seguir, o
autor usa o pronome “eles” que não tem nenhum referente no texto, pois está no
masculino e os referentes anteriores são do gênero feminino. Assim, o sentido do
texto é prejudicado devido ao uso incoerente do termo anafórico.
Na sequência, o autor usa a anáfora pronominal “dela”, mais uma vez, para se
referir a “crianças”. Podemos também notar o uso de forma inadequada do referente
“dela”, pois o termo “dela” retoma “crianças”, ou seja, deveria estar no plural. Dessa
forma, a adequação textual é prejudicada, pois o autor usa de forma imprópria a
retomada anafórica. De uma forma interpretativa, explicamos esta ocorrência
observando que o uso do referente não está correspondendo em relação a gênero e
número, como também o excesso de retomadas através da anáfora pronominal
ocorre devido à falta de reflexão do aluno sobre o próprio texto, no qual não
consegue aplicar o conteúdo da gramática normativa no momento em que está
produzindo o texto, como também, não compreende que o referente não precisa ser
retomado tantas vezes. Essa falta de reflexão também pode ser devido à falta de
orientação, como Antunes (2009, p. 27) afirma que muitos professores ainda
utilizam “de uma escrita improvisada, sem planejamento e sem revisão”, ou seja, não
é dada ao aluno a oportunidade de reler suas produções, revendo, entre outros
aspectos, a adequação (con) textual ao gênero produzido em relação, por exemplo,
à referenciação anafórica, que contribui para a construção do sentido do texto.
Outra explicação para o uso excessivo do referente seria que o aluno do 9º
ano do ensino fundamental ainda poderia estar trazendo para a escrita traços da
oralidade, uma vez que na oralidade, retomamos muito o referente, principalmente,
a partir dos pronomes “ele e ela”, quando é comum falarmos, por exemplo, “João, ele

2
Os textos escritos por alunos do ensino fundamental são todos da temática “Abuso sexual de crianças
e adolescentes”.
3
Os exemplos se encontram escritos conforme o original.
112
MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

disse que vem para festa”. No entanto, na escrita, precisamos entender que existem
especificações a serem seguidas no momento da construção do texto, e uma delas
seria retirar o excesso de retomadas anafóricas e selecionar os referentes utilizados
na produção textual. Nesse sentido, entendemos que o aluno alcançará este
entendimento com orientações adequadas do professor sobre os aspectos da
referenciação nos momentos das aulas de produção textual.
A seguir, na mesma ocorrência, temos uma tentativa de retomada por
sinonímia através do termo “coitado” que retomaria o termo “crianças”. No entanto,
percebemos duas inadequações; a primeira, mais uma vez, em relação ao gênero,
uma vez que se está retomando “crianças”, deveria estar no feminino, e a segunda
em relação ao número, pois também deveria estar no plural. Por último, nesta
ocorrência, temos uma retomada por anáfora pronominal, pelo termo “ela”, mas,
apesar de Koch (2004) a considerar como uma anáfora pronominal, temos uma
visão diferente deste tipo de ocorrência, pois como esta anáfora já foi usada
anteriormente, passamos a considerá-la como uma repetição total e não mais como
uma anáfora pronominal. Poderíamos explicar que, nesse caso, o aluno ainda não
apreendeu os conteúdos gramaticais em relação ao gênero e número, a fim de aplicá-
los de forma adequada às suas produções textuais, com a consciência de que seu
texto terá um leitor, e de que todas as informações devem estar colocadas de forma
coerente para o bom entendimento do seu texto.

O uso das anáforas por repetição total

Na sequência, abordaremos o uso da anáfora por repetição total que, segundo


Koch (2004), ocorre quando o autor do texto utiliza o mesmo termo de forma
integral para retomar um referente citado anteriormente no seu texto. Vejamos, a
seguir, exemplos de trechos dos textos, nos quais observamos o uso deste tipo de
anáfora:

113
MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

Exemplo 02: Abuso ocorrido entre menores

“[...] a pessoa abusada não denuncie o violentador e também pode ser considerado como
fatos acontecidos sem o querer da vítima. O abuso tem a acontecido muito no mundo e vem
aumentando ao longo do tempo. Mas não se torna tão visível pelo fato da vítima se sentir
envergonhada diante da sociedade, além disso, ainda se torna um crime silencioso. [...]
Podem acontecer vários outras formas que possam deixar a vítima enganda e passar a
deixar levar pelas palavras do enganador [...] a maioria dos agressores são os próprios
familiares e amigos que já sabem como manipular a vítima”.

Neste caso, temos uma ocorrência em que foram transcritos alguns trechos
de parágrafos do texto. A intenção é observarmos como o aluno do ensino
fundamental opta pelo uso constante da repetição total, quando utiliza, por três
vezes, o termo “vítima”, retomando o mesmo referente citado anteriormente no
decorrer do texto.
Nesta ocorrência, continuaremos comprovando a hipótese já preanunciada
de que as dificuldades com o sentido e a adequação contextual estão presentes nos
textos dos alunos do ensino fundamental devido ao muito tempo disponibilizado ao
ensino de gramática e ao pouco tempo dispensado com aulas de produção textual
na disciplina de Língua Portuguesa, na qual estes conteúdos poderiam ser
abordados. Com podemos ver na fala de Antunes (2009, p. 120), na qual afirma que
“os professores, com algumas exceções usam os texto dos alunos produzidos nas
aulas de produção textual apenas para mostrar regras relacionadas a conteúdos
gramaticais, sem levar em considerações os conteúdos referentes a construção do
sentido global do texto”. Com a citação da autora, percebemos que muitos
professores privilegiam o ensino de gramática e as aulas de produções textuais são
apenas pretexto para o ensino de gramática. Ainda com Antunes (2009, p. 120),
temos a sugestão que “a aula não pare nas terminologias, nas classificações” e que
“o estudo do texto [...] conduzirá forçosamente o professor a explorar categorias
gramaticais”, ou seja, existe uma preocupação em relação à forma como o ensino de
texto está sendo conduzido na sala de aula, pois muitos aspectos não têm recebido
a devida importância nas aulas de produção textual, e podemos constatar que a
referenciação anafórica é um destes.
Nesse sentido, ao analisarmos a ocorrência acima, concordamos com
Antunes (2009) quando diz que, nas aulas de produção textual, o aluno não tem a
oportunidade de ser orientado e revisar seus textos, ou seja, consequentemente, não

114
MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

tem um momento de reescrita e, em uma segunda versão do texto, conseguir


avançar enquanto produtor de textos. Assim, o aluno sem essas orientações teóricas
sobre o uso adequado de aspectos importantes para a construção do sentido dos
seus textos não perceberá que a simples substituição de alguns termos por
sinônimos irá fazer com que seus textos fiquem mais adequados e com uma melhor
construção do sentido.
A seguir, discutiremos as ocorrências de retomadas por sinonímia ou
parassinonímia.

O uso das anáforas por sinonímia ou parassinonímia

A anáfora por sinonímia ou parassinonímia é um recurso anafórico que,


segundo Koch (2004), ocorre a partir de frases ou expressões que são reconhecidas
como forma de retomar o referente já citado no texto, como, também, levando em
consideração o contexto em que estas formas nominais estão inseridas. Nesta
perspectiva, nos exemplos a seguir, apresentamos algumas ocorrências de anáfora
por sinonímia ou parassinonímia.

Exemplo 03: Abuso sexual contra crianças e adolescentes

“O abuso sexual com crianças e adolescentes está sendo muito comum no Brasil. Esse tipo
de coisa acontece diariamente em todo o mundo. Esse fato acontece muito com crianças e
adolescentes porque eles são inofensivos e não tem defesa pra evitar isso”.

Na ocorrência acima, temos dois casos de anáfora por parassinonímia, uma


vez que as expressões “Esse tipo de coisa” e “Esse fato” retomam como um sinônimo
de “o abuso sexual”, como Koch (2004) afirma uma aproximação do que está
designado no contexto. Ou seja, pelo contexto, podemos entender que as retomadas
citadas são expressões referenciais de “o abuso sexual”. Esta forma de retomada
evita a repetição de palavras e ajuda na progressão temática, contribuindo para a
construção do sentido e a adequação textual.
Nesse texto, ocorrem duas das sete anáforas por parassinonímia, dessa parte
do corpus, pois a maioria dos sinônimos usados com retomadas nos textos ocorre
por sinônimos simples de serem usados por um aluno que começa a produzir textos.

115
MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

No entanto, estes são textos de alunos do 9º ano do ensino fundamental, que estão
seguindo para seus últimos três anos de estudos. Assim, a maturidade para construir
os seus textos usando mais os recursos como estes observados no exemplo acima já
deveria ser recorrente nos textos dos concluintes do ensino fundamental.
A referenciação anafórica por parassinonímia é muito útil na construção do
sentido e adequação textual, mas é possível apontar que este recurso é pouco usado
por estes alunos, pois eles usam mais as retomadas por sinônimos, e o fato de terem
dezoito ocorrências expressas no texto explica-se porque, em muitos casos, os
alunos simplesmente usam o termo “vítima” para retomar “crianças ou
adolescentes”. No entanto, foram poucos os casos de descrição nominal encontrados
nas produções textuais, sendo que destas dezoito ocorrências, apenas sete são por
descrição nominal.
Portanto, como explicação para esta ocorrência, entendemos que os alunos
no 9º ano ainda trazem muitos traços da oralidade para a escrita e que estes traços
podem ser corrigidos através de um trabalho orientado pelo professor, pois os
estudos de Marcuschi (2001) afirmam que o aluno quando adquire a escrita, ele se
torna bimodal, ou seja, ele agora possui a modalidade oral e a escrita. Nesse sentido,
é função do professor orientar o aluno a distinguir estas duas modalidades nos
diversos gêneros textuais produzidos em sala de aula, e o artigo de opinião é um dos
gêneros textuais em que estas modalidades devem estar bem distintas, pois o que
deve prevalecer é a modalidade escrita. Assim, podemos interpretar, também, que o
fato destes textos serem de alunos do 9º ano começa a revelar que os recursos da
referenciação anafórica não têm tido o seu espaço devido nas aulas de produção de
texto, pois percebemos que existe uma falta de reflexão do aluno sobre seu texto,
uma vez que trazem traços da oralidade para a escrita, com também o uso dos
recursos referenciais são os previsíveis, por exemplo, a anáfora pronominal com os
pronomes “ele” ou “ela”, a repetição total do termo e o uso de sinônimos, como
“crianças” por “adolescentes” ou “crianças e adolescentes” por “vítimas”, ou seja,
termos simples de serem usados em relação à temática discutida no artigo de
opinião.
Outra prova que o conteúdo da referenciação não é uma prática de ensino é
o fato dos alunos apresentarem dificuldades em usar de forma adequada os
conceitos de gênero e número, nos seus textos, em alguns momentos que retomam

116
MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

o referente, uma vez que inadequações como estas deixam o texto com problemas,
pois tiram o seu sentido e adequação, certamente, prejudicando o entendimento por
parte do leitor.
A seguir, discutiremos as ocorrências de referenciação anafórica em textos
de alunos do ensino médio.

A referenciação anafórica em textos escritos por alunos do ensino médio

Como proposto, agora, faremos uma análise descritiva e interpretativa de


algumas ocorrências retiradas dos textos de alunos do ensino médio, seguindo a
mesma sistematização do tópico anterior. Portanto, começaremos discutindo as
anáforas pronominais, em seguida, as anáforas por repetição total e, por fim, as
anáforas por sinonímia ou parassinonímia.

O uso das anáforas pronominais

As nossas reflexões acerca das anáforas pronominais nas ocorrências dos


textos dos alunos do ensino médio são na mesma perspectiva teórica de Koch
(2004). Nesse sentido, a seguir, os exemplos e discussões sobre o uso deste recurso
para a construção do sentido do texto:

Exemplo 04: Maioridade Penal4

“Esses jovens quando cometem um crime [...] eles são encaminhados para uma instituição
educativa, onde eles vão cumpri muitas tarefas socioeducativas, onde eles cumprem a pena
de acordo com a infração”.

Neste trecho, o aluno usa três anáforas pronominais com o pronome pessoal
no plural “eles” para retomar o termo “jovens”. Dessa forma, como já afirmamos na
análise dos textos do ensino fundamental, este é um uso inadequado da
referenciação anafórica, pois prejudica a adequação textual, uma vez que
percebemos, neste trecho, o referente posto de forma desnecessária para a
construção do sentido, pois a aplicação de apenas uma retomada anafórica seria o

4
Todos os textos do ensino médio têm o mesmo título, no caso, “Maioridade Penal”.
117
MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

suficiente para a produção deste trecho do texto. Não complementa o sentido


quando o autor usa mais de uma vez, pois as outras vezes são apenas repetições que
prejudicam a produção textual, uma vez que a repetição, no caso do artigo de
opinião, está sem nenhuma estratégia argumentativa, e o professor poderia orientar
o discente a uma revisão do texto, na qual o aluno retiraria alguns destes pronomes,
deixando sua produção textual mais clara, sem perder o sentido, e mais adequada
para o gênero textual solicitado.
Uma explicação para o excesso de uso deste recurso anafórico seria que o
aluno do ensino médio ainda apresenta traços da oralidade nos seus textos, como
também sente dificuldade em articular as ideias e sistematizá-las no papel, assim, é
mais fácil para eles escreverem repetindo os referentes o máximo possível.
Portanto, entendemos que o uso dos aspectos da referenciação, de forma mais
intensa, em conjunto com os outros conteúdos nas aulas de produção textual,
contribuirá para o aluno entender estes recursos e aplicá-los nos seus textos de
forma coerente, sem usar exageradamente, como também não selecionar apenas os
mais simples, ou seja, o discente com este conteúdo e tendo a consciência na hora
da produção dos seus textos, terá mais facilidade de escrever e atribuir sentido e
adequação textual às suas produções.
Com estas reflexões, finalizamos a discussão sobre o emprego das anáforas
pronominais nos textos dos alunos do ensino médio. Em seguida, discutiremos as
ocorrências de anáforas por repetição total.

O uso das anáforas por repetição total

Em sequência à análise, apresentamos agora um recurso também muito


utilizado pelos alunos na construção dos seus textos: a retomada total do referente.
Partiremos também dos conceitos disponibilizados por Koch (2004). Vejamos o
exemplo:

Exemplo 05: Maioridade Penal

“Muito se fala na redução da maioridade penal no Brasil, na qual será reduzido para 16
anos a idade penal dos jovens. Mas será que a redução da maioridade resolveria o número
de crimes por esses jovens? A redução da maioridade penal pode sim reduzir a quantidade
de crimes cometidos por esses jovens. [...] Mesmo que a maioridade penal seja reduzida
muitos jovens continuam cometendo atos criminais. No Brasil a lei é muito fraca em relação

118
MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

a punição aos jovens criminalistas , pois muitas das vezes não ela não pune severamente os
jovens pelos seus atos [...] Certamente irão paga por seus crimes em presídios, onde não se
tem estrutura qualificada e seguras para esses jovens [...] pois só assim os jovens que serão
punidos pelos seus atos cumpriram suas penas”.

Podemos observar que o aluno usa o termo “Maioridade penal” de forma total
como referente, no entanto, o que mais impressiona é que este autor usa a retomada
anafórica do termo “jovens” por seis vezes no seu texto, sem se preocupar em
realizar nenhuma recategorização, seja a partir de pronomes, ou mesmo por
sinonímia ou parassinonímia.
Uma explicação para as ocorrências nestes trechos seria a falta de informação
sobre a temática, uma vez que, para recategorizar o referente e colocar mais
informação no texto, o autor precisa conhecer bem sobre o que se está escrevendo.
Outra explicação poderia ser, como já vimos acima com Antunes (2009), o pouco
tempo dispensado pelos docentes ao trabalho adequado com a produção textual em
sala de aula, no qual os aspectos da referenciação estariam inseridos, deixando os
pré-vestibulandos ou candidatos a concursos despreparados nesta área e, assim,
estes discentes, ao saírem do ensino básico, sentirão dificuldades em serem
aprovados nestes tipos de seleções.
Os dados também nos direcionam para a possibilidade de que o professor da
disciplina de Língua Portuguesa não está levando as contribuições da Linguística
Textual para as aulas de produção textual, pois as produções dos alunos do ensino
fundamental são semelhantes às dos discentes do ensino médio, assim, podemos
entender que o texto enquanto processo ainda não é muito trabalhado na sala de
aula porque este seria um caminho para o aluno crescer enquanto produtor textual.
Veremos a comprovação desta hipótese quando formos comparar as produções nos
dois níveis de ensino.
A seguir, discutiremos o uso das anáforas por sinonímia ou parassinonímia
nestas mesmas produções textuais.

O uso das anáforas por sinonímia ou parassinonímia

Para finalizar a análise dos textos dos alunos do 3º ano do ensino médio,
apresentaremos as ocorrências com alguns exemplos de anáfora por sinonímia ou

119
MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

parassinonímia, sendo também uma das categorias de análise apontadas por Koch
(2004).

Exemplo 06: Maioridade Penal

“A maioridade penal no Brasil vem sendo nos últimos meses um problema de grande
questionamento social, a qual, trata-se de pequenos infratores que age na sociedade como
se fossem indivíduos responsáveis pelos seus próprios atos”.

Neste caso, o autor usa anáfora por sinonímia ou parassinonímia a partir de


descrição nominal para se referir à “Maioridade penal” como sendo “um problema
de grande questionamento social”. Nesse sentido, o aluno usa o que Koch (2004)
afirma ser um sinônimo mais ou menos aproximado, ou seja, um quase sinônimo
que descreve de forma nominal o que seria o termo, tendo como base o contexto.
Este é um recurso muito utilizado em diversos textos, principalmente opinativos,
porque revela o conhecimento e posicionamento do autor em relação ao que se está
discutindo. Entretanto, apesar de termos contabilizado vinte retomadas anafóricas
por sinonímia ou parassinonímia, apenas cinco casos são semelhantes a este, pois as
outras quinze ocorrências são apenas por sinônimos. A explicação para um fato
como este seria o pouco entendimento dos conteúdos referentes à produção textual
que se prolonga desde o ensino fundamental até o último ano do ensino médio.
Desse modo, em uma análise mais detalhada, podemos constatar que as
escolhas dos sinônimos são as mais previsíveis possíveis em relação ao tema que
está sendo discutido no texto. Para comprovar essa hipótese, veremos os exemplos
seguintes, transcritos do texto:

Exemplo 07: “Maioridade penal”

“A redução da maioridade penal é um tema que está sendo discutido em todo o país, pelo
fato dos jovens estarem cometendo crimes. Precisamos ajudar esses adolescentes que são
o futuro do nosso Brasil. [...]”. Neste exemplo, o aluno o referente anafórico “Brasil” para
retomar “país”, como também retoma a palavra “jovens” com o termo “adolescentes””.

A ocorrência acima ilustra o que observamos com frequência em todos os


textos, nos quais os alunos usam muito estes dois tipos de sinônimos, como também
os repetem durante toda a produção. Entendemos que, de acordo com a temática
sobre a maioridade penal, um sinônimo como o termo “adolescente” é um dos mais

120
MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

simples para se referir a “jovens” no texto, por isto que os alunos os usam tanto em
suas produções textuais.
A seguir, apresentaremos uma comparação entre os textos produzidos nos
dois níveis de ensino, com o objetivo de explicitar uma explicação para as diferenças
e semelhanças encontradas nas produções textuais destes alunos.

Uma análise comparativa sobre o uso dos recursos da referenciação anafórica


entre os dois níveis de ensino

Neste tópico, realizaremos uma comparação entre as produções textuais dos


alunos do ensino fundamental e médio, com a intenção de discutirmos algumas
diferenças e semelhanças entre alguns aspectos relacionados à construção do
sentido e adequação textual a partir da referenciação anafórica.
Pretendemos, com esta discussão, lançar um olhar sobre os dois níveis de
ensino, tendo em vista que os alunos do 3º ano do ensino médio já têm mais anos de
estudos que os concluintes do ensino fundamental. Nesta perspectiva, os textos dos
alunos dos anos finais do ensino médio são de alunos prestes a se submeterem a
seleções de vestibulares e concursos, assim, estes alunos devem estar mais bem
orientados a produzirem textos mais bem construídos.
Nesse sentido, seguindo a sistematização que adotamos anteriormente em na
análise dos dados, discutiremos as comparações das ocorrências de anáforas
pronominais, por repetição total e por sinonímia ou parassinonímia apresentadas
nos dois níveis de ensino.
Assim, começaremos discutindo sobre os números de ocorrências que foram
muito semelhantes nos textos do ensino fundamental e médio, tanto que optamos
pelas mesmas categorias de análises nas duas partes do corpus para serem
analisadas. Devido estas semelhanças, podemos apontar que esta regularidade já
revela um pouco sobre estas produções, porque o elevado número, por exemplo, por
repetição total e pronominal, deveria ser mais encontrado nas produções dos alunos
do ensino fundamental, pois são recursos considerados fáceis de serem usados e
estes discentes ainda não estão bem orientados na construção dos seus textos,
principalmente do gênero artigo de opinião, uma vez que a professora colaboradora
com esta pesquisa afirmou que trabalha com este gênero apenas no 9º ano e que,
nos anos anteriores, trabalha com crônicas, contos, poesias, entre outros.

121
MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

No entanto, ocorreu um número de ocorrências muito semelhante nos textos


dos alunos do ensino médio. Este fato revela que os concluintes do ensino básico
ainda estão com suas produções de textos semelhantes com a dos alunos concluintes
do ensino fundamental, apesar de estarem com três anos a mais de estudos. O que
esperávamos era um número menor de ocorrências de anáfora por repetição total e
pronominal nos textos dos alunos do ensino médio e, no mínimo, que eles usassem
mais as anáforas por sinonímia ou parassinonímia e repetição parcial, o que
revelaria uma o uso de estratégias na construção do referente no texto.
Nesse sentido, interpretamos com este resultado que os alunos entre o 9º ano
do ensino fundamental e o 3º ano do ensino médio não estão conseguindo
desenvolver suas capacidades enquanto produtores de textos no que se refere à
aplicação dos recursos da referenciação anafórica.
Ao compararmos as retomadas por anáfora pronominal, observamos uma
semelhança em relação à quantidade de ocorrências nas duas partes do corpus, mas
com o nível fundamental ainda se destacando com quatorze ocorrências a mais que
o nível médio. No entanto, foi possível observar que os autores dos textos do nível
fundamental, além de usarem bastante a anáfora pronominal, têm também
dificuldade no seu uso como retomadas dos referentes em relação ao gênero e
número, pois, nas ocorrências analisadas, os autores se confundiam ao usar a
anáfora pronominal para retomar uma palavra de outro gênero e número, como
ocorreu no segundo exemplo, no qual o autor retoma “vítima” com o pronome “eles”,
ou seja, o discente, para usar a anáfora de forma adequada, deveria usar o referente
no feminino e no singular, no caso “ela”.
Entretanto, se nos direcionarmos aos textos do ensino médio, já observamos
que os autores não têm dificuldade no uso da anáfora pronominal em relação a
gênero e número, como podemos ver tanto nos exemplos apresentados no corpo
deste trabalho, quanto em todos os textos usados na análise, todas as retomadas por
anáfora pronominal estão coerentes com os seus devidos referentes, seja em gênero
ou em número. Isso pode estar ocorrendo pelo lugar de privilégio dispensado ao
ensino de gramática, nas aulas de Língua Portuguesa, pois os alunos do 3º ano não
apresentam dificuldades quanto ao uso das regras de concordância, como gênero e
número nos seus textos, mas em relação à construção do sentido e adequação
textual nas suas produções, continuam com as mesmas dificuldades apresentadas

122
MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

pelos alunos do ensino fundamental. Isso prova que, se as aulas de produção textual
tivessem um espaço semelhante ao que a gramática tem, os discentes também
cresceriam enquanto produtores de textos.
Seguindo nossa comparação, ao nos direcionarmos às anáforas por repetição
total, percebemos que esse tipo de retomada foi também recorrente nos dois níveis
de ensino, e com um número alto de ocorrências. Dessa forma, entendemos que
pouco existe, nos alunos, uma consciência de se preocuparem em recategorizar o
termo ou, ao menos, usá-lo apenas de forma parcial. Assim, percebemos que esta
dificuldade se estende desde o nível fundamental até o médio. Uma explicação seria
o pouco trabalho com esses conteúdos em sala de aula em relação a outros, no caso,
a gramática, já que os alunos crescem no uso dos conceitos gramaticais nos seus
textos, mas na construção do sentido, não evoluem.
Por fim, temos a comparação sobre as anáforas por sinonímia ou
parassinonímia que apresentaram o mesmo número de ocorrências nos dois níveis
de ensino. Estas anáforas são usadas pelos autores como forma de recategorização,
para que eles não repitam muitas vezes o mesmo termo no texto. No entanto,
analisando a temática, observamos nos dois níveis que os sinônimos usados foram
sempre os mesmos, por exemplo, na temática dos textos do ensino fundamental
sobre “abuso sexual”, os alunos usavam com muita frequência os termos “vítima” e
“inocente” como expressões referenciais de “crianças”. A mesma situação ocorre nos
textos dos alunos do ensino médio que tem como temática “A maioridade penal”,
nos quais os alunos usam diversas vezes a palavra “adolescentes” como expressões
referenciais de “jovens”. Assim, com o autor usando os mesmo termos como
sinônimo no corpo do seu texto fica exposto que o número de sinônimos não afirma
que o texto está com os referentes recategorizados, e com uma boa construção do
sentido do texto, como também mais informativo, mas sim, com pouca informação e
com sua progressão temática prejudicada.
No que diz respeito às anáforas por sinonímia ou parassinonímia com
descrição nominal, percebemos nos textos do ensino fundamental apenas sete, e
cinco nos textos do ensino médio. Com esta análise, poderíamos explicar que os
autores têm pouco domínio deste recurso que, utilizado de forma adequada, faz um
gênero, por exemplo, o artigo de opinião, ficar com sua progressão temática mais
sistematizada devido à recategorização através de frases, como também contribui

123
MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

para o autor se posicionar em relação à temática, de forma que venha convencer o


seu leitor. O pouco uso deste recurso mostra o quanto os alunos sentem dificuldades,
por exemplo, em se posicionarem em relação aos acontecimentos da sociedade. Isto
ocorre porque o pouco trabalho com o texto na sala de aula não forma um sujeito
com capacidades teóricas e argumentativas bem desenvolvidas, mas um discente
que sente dificuldade em se posicionar ou até mesmo expor informações sobre
alguma temática.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nosso trabalho teve como objetivo analisar como os alunos do ensino


fundamental e médio constroem o sentido e a adequação nas suas produções de
texto com o uso dos recursos de referenciação anafórica, uma vez que uma aplicação
adequada destes recursos torna o texto mais sistematizado, com mais informação,
deixando sua leitura mais fluente, como também o melhor entendimento por parte
do receptor. Também tínhamos como objetivo lançar um olhar comparativo entre
os textos do ensino fundamental e ensino médio, com a intenção de observarmos
quais diferenças e semelhanças existem nestes textos quanto ao uso dos recursos de
referenciação anafórica.
Nesta perspectiva, nossos resultados mostraram que, nos textos dos alunos
nos anos finais dos dois níveis de ensino, as ocorrências de referenciação anafórica
são semelhantes, apresentando anáfora pronominal, por repetição total e por
sinonímia ou parassinonímia. Assim, concluímos que isto ocorre devido à falta do
tempo necessário dispensado pelos professores para as aulas de produção textual,
e que privilegiam aulas de outros conteúdos, por exemplo, a gramática. Esse
entendimento é decorrente do avanço percebido nos textos dos alunos do ensino
médio no que diz respeito à aplicação dos conceitos gramaticais nos seus textos, por
exemplo, o que se refere à concordância de gênero e número entre os referentes e
as retomadas. Portanto, concluímos também que, se na disciplina de Língua
Portuguesa os professores trabalhassem a produção textual de forma mais
planejada e com orientações adequadas, com a intenção de fazer o aluno
desenvolver as suas capacidades enquanto produtor de texto, utilizando as
contribuições da Linguística Textual, que entende o texto como processo e não

124
MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

produto, os alunos envolvidos nessa forma de ensino conseguiriam evoluir, não


apenas no que se refere ao uso da referenciação anafórica, mas em muitos outros
aspectos que envolvem uma produção textual adequada a um determinado
contexto, com vistas a cumprir o seu projeto de dizer.
Verificamos também que os dois níveis do ensino básico apresentam
dificuldades em relação à adequação contextual e à construção do sentido a partir
da referenciação anafórica, pelo fato de constatarmos um número excessivo de
retomadas por repetição total, sem estratégias argumentativas no corpo dos textos.
Concluímos, com este resultado, que a maioria dos textos analisados apresenta
informações superficiais sobre a temática discutida e que a referenciação anafórica
não é um conteúdo de domínio dos alunos, pois, se assim fosse, perceberíamos o seu
uso de forma mais sistematizada com a intenção de trazer mais informatividade aos
textos e possibilitar a melhor recepção do texto pelo seu interlocutor.
Portanto, como perspectiva de aplicação para esta pesquisa, esperamos que
estes resultados sejam levados ao contexto de sala de aula, com este texto
disponibilizado para as escolas, pois uma vez que os professores de Língua
Portuguesa tenham acesso a esses resultados, farão uma reflexão sobre a realidade
encontrada no ensino básico, no que se refere à construção do sentido e à adequação
dos textos dos alunos da rede básica de ensino a partir do uso dos recursos da
referenciação anafórica.

REFERÊNCIAS

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MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

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M. M.; RODRIGUES, B. B.; CIULLA, A. (orgs). Referenciação. São Paulo: Contexto,
2003. p. 17-52. (Coleção clássicos da lingüística).

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MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

SOBRE OS AUTORES
ALUIZIO LENDL
(Aluizio Lendl Bezerra)
Doutor e mestre em Letras pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte
(PPGL/UERN), é professor substituto de Linguística da Universidade Estadual do
Ceará (UECE/FECLI). É integrante do grupo Lexicografia, Terminologia e Ensino
(LETENS – CNPq/UECE) e pesquisa os fenômenos da Multimodalidade em diferentes
textos.
E-mail: aluizio.lendlbezerra@uece.br / lendl.b3@gmail.com

ANA MARIA PEREIRA LIMA


Doutora em Linguística pela Universidade Federal do
Ceará (UFC). Professora da Universidade Estadual do Ceará (UECE). Pós-
doutoranda, bolsista PNPD/CAPES – 2018, na Universidade do Estado do Rio Grande
do Norte PPGL/CAMEAM/UERN.
E-mail: ana.lima@uece.br

ANTONIA DILAMAR ARAÚJO


Doutora em Letras (Língua Inglesa) pela Universidade Federal de Santa Catarina
(UFSC) e pós-doutora em Educação pela Universidade da Califórnia, Santa Bárbara
(UCSB). Atua como professora Titular em Linguística Aplicada da Universidade
Estadual do Ceará. Tem experiência na área de Linguística Aplicada com ênfase no
ensino de língua inglesa, escrita acadêmica e gêneros textuais. Coordena a equipe
editorial e membro do conselho editorial da Revista Linguagem em Foco do
Programa de Pós-graduação em Linguística Aplicada/UECE. Seus interesses de
pesquisa são principalmente: ensino de línguas estrangeiras, análise de gênero
textuais/discursivos, avaliação de materiais didáticos impressos e online e
semiótica social /multimodalidade.
E-mail: dilamar.araujo@uece.br

ANTÔNIO LUCIANO PONTES


Professor titular no curso de Letras da Universidade do Estado do Rio Grande do
Norte (UERN), vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Letras (PPGL/UERN),
ao Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada (POSLA/UECE) e ao
Mestrado Profissional em Letras (PROFLETRAS/UERN).
E-mail: pontes321@hotmail.com

CÁSSIA DA SILVA
Doutoranda em Letras pelo Programa de Pós-Graduação em Letras – PPGL da
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN.
E-mail: cassia_silv@hotmail.com

CÍCERA ALVES AGOSTINHO DE SÁ


Doutoranda em Letras da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. Pau dos
Ferros-RN.
E-mail: ciceralvesdsa@gmail.com

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MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

JAQUELINE DE JESUS BEZERRA


Aluna de Doutorado do Programa de Pós-Graduação em Letras – PPGL, da
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN, no campus de Pau dos
Ferros – RN, e professora efetiva de Língua Portuguesa, do ensino médio, da
Secretaria de Educação – SEDUC, do Governo do Ceará, Brasil.
E-mail: linnebezerra@gmail.com

JOÃO BOSCO FIGUEIREDO-GOMES


Pós-Doutor pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Professor da
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN).
E-mail: boscofigueiredo@gmail.com

JOSINALDO PEREIRA DE PAULA


Doutorando em Letras do Programa de Pós-graduação em Letras (PPGL) pela
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN).
E-mail: naldo.portalegre@gmail.com

LEANDRO LOPES SOARES


Mestrando em Letras pelo Programa de Pós-Graduação em Letras – PPGL da
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN.
E-mail: leandrolopes83@yahoo.com

LIDIANE DE MORAIS DIÓGENES BEZERRA


Professora na Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN). Doutora em
Estudos da Linguagem pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
E-mail: lidmorais@yahoo.com.br

LUAN TALLES DE ARAÚJO BRITO


Aluno de doutorado do Programa de Pós-Graduação em Letras – PPGL, da
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN, no campus de Pau dos
Ferros – RN, e professor efetivo de Língua Portuguesa, no ensino médio, da
Secretaria de Estado da Educação – SEE, do Governo da Paraíba, Brasil.
E-mail: luantalles_tdb@hotmail.com

LUCIANA PEIXOTO BESSA


Doutoranda e mestre em Linguística Aplicada (PosLA/UECE). Bolsista FUNCAP.
Compõe o quadro de professores efetivos da EEM Governador Adauto Bezerra.
E-mail: luciana.bessa@aluno.uece.br

MÁRCIA PEREIRA DA SILVA FRANCA


Mestranda em Letras da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. Pau dos
Ferros-RN.
E-mail: marciafranca60@yahoo.com.br

128
MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

MARIA ELIETE DE QUEIROZ


Professora na Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN). Doutora em
Estudos da Linguagem pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
E-mail: eliete_queiroz@yahoo.com.br

TATIANE LIMA DE FREITAS


Doutoranda e mestre em Linguística Aplicada (PosLA/UECE). Bolsista CAPES.
E-mail: tatiray@hotmail.com

WELLINGTON GOMES DE SOUZA


Aluno de Doutorado do Programa de Pós-Graduação em Letras (PPGL), da
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), no campus de Pau dos
Ferros – RN, e professor efetivo de Língua Portuguesa, do ensino médio, na
Secretaria de Educação (SEDUC), do Governo do Ceará, Brasil.
E-mail: wellington83souza@gmail.com.

129
MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

Coleção TECLIN - Tecnologias, Culturas e Linguagens

1. Velhas práticas em novos suportes? As Tecnologias Digitais como mediadoras do


complexo processo de ensino-aprendizagem de línguas - Fábio Marques de Souza &
Geyza de Freitas Santos.

2. Letramentos digitais como práticas sociais: limitações e possibilidades para a


educação básica - Élida Ferreira Lins, Fábio Marques de Souza & Aluizio Lendl.

3. Confluências entre textos, tecnologias e educação - Cristiane Navarrete


Tolomei, Fábio Marques de Souza, José Veranildo Lopes da Costa Junior &
Renata Barbosa Vicente [orgs.].

4. Culturas, tecnologias e ensino de línguas - Fábio Marques de Souza, José


Veranildo Lopes da Costa Junior & Cristiane Navarrete Tolomei [orgs.].

5. Multimodalidade, metadiscurso e ensino - Antônio Luciano Pontes & Aluizio


Lendl [orgs.].

6. Entre língua(gens), tecnologias e discursos - Fábio Marques de Souza, José


Veranildo Lopes da Costa Junior, Cristiane Navarrete Tolomei & Renata Barbosa
Vicente [orgs.].

130
MULTIMODALIDADE, METADISCURSO E ENSINO

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