Trauma Psicossocial Entre o Fatalismo e A Conscien - 230802 - 105035

Antonio Euzébios Filho
Trauma psicossocial
entre o fatalismo
e a conscientização
Editora CRV - Proibida a impressão e/ou comercialização
Martín-Baró para pensar

o Brasil e a América Latina
Coleção Estudos Avançados em Psicologia Social

Volume 3
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

INSTITUTO DE PSICOLOGIA
TRAUMA PSICOSSOCIAL
ENTRE O FATALISMO E A
CONSCIENTIZAÇÃO: Martín-Baró
para pensar o Brasil e a América Latina
Coleção Estudos Avançados em Psicologia Social, v. 3
Editora CRV | Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo

Curitiba | São Paulo
2023
Copyright © dos Autores e da Editora CRV Ltda. – Brasil
Editora CRV Ltda.
Editor-chefe: Railson Moura
Diagramação e Capa: Designers da Editora CRV
Imagem de capa: bisams | Freepik
Revisão: O Autor
Universidade de São Paulo

Reitor: Carlos Gilberto Carlotti Junior
Vice-reitora: Maria Arminda do Nascimento
Instituto de Psicologia
Diretora: Ana Maria Loffredo
Vice-diretora: Ianni Regia Scarcelli

DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP)
CATALOGAÇÃO NA FONTE
BIBLIOTECÁRIA RESPONSÁVEL: LUZENIRA ALVES DOS SANTOS CRB9/1506
E91
Euzébios Filho, Antonio.

Trauma psicossocial entre o fatalismo e a conscientização: Martín-Baró para pensar o Brasil e a América Latina
/ Antonio Euzébios Filho. Curitiba : CRV ; São Paulo : IPUSP, 2023.
115 p. (Coleção: Estudos Avançados em Psicologia Social, v. 3)
Bibliografia
ISBN 978-65-251-3738-4 (Coleção Digital)
ISBN 978-65-251-3737-7 (Coleção Físico)
ISBN 978-65-251-4489-4 (Volume Digital)
ISBN 978-65-251-4491-7 (Volume Físico)
DOI 10.24824/978652514491.7
1. Psicologia Social 2. Trauma Psicossocial 3. Fatalismo 4. Violência 5. Política 6. Conscientização I. Título

II. Coleção: Estudos Avançados em Psicologia Social, v. 3.
CDU 159 CDD 302

Índice para catálogo sistemático
1. Psicologia Social – 302
2023
Foi feito o depósito legal conf. Lei 10.994 de 14/12/2004
Esta obra é de acesso aberto. É permitida a reprodução parcial ou total desta obra, desde que
citada a fonte e autoria e respeitando a Licença Creative Commons indicada.
Tel.: (41) 3039-6418 – E-mail: sac@editoracrv.com.br
Conheça os nossos lançamentos: www.editoracrv.com.br
Conselho Editorial: Comitê Científico:
Aldira Guimarães Duarte Domínguez (UNB) Andrea Vieira Zanella (UFSC)
Andréia da Silva Quintanilha Sousa (UNIR/UFRN) Christiane Carrijo Eckhardt Mouammar (UNESP)
Anselmo Alencar Colares (UFOPA) Edna Lúcia Tinoco Ponciano (UERJ)
Antônio Pereira Gaio Júnior (UFRRJ) Edson Olivari de Castro (UNESP)
Carlos Alberto Vilar Estêvão (UMINHO – PT) Érico Bruno Viana Campos (UNESP)
Carlos Federico Dominguez Avila (Unieuro) Fauston Negreiros (UFPI)
Carmen Tereza Velanga (UNIR) Francisco Nilton Gomes Oliveira (UFSM)
Celso Conti (UFSCar) Helmuth Krüger (UCP)
Cesar Gerónimo Tello (Univer. Nacional Ilana Mountian (Manchester Metropolitan

Três de Febrero – Argentina) University, MMU, Grã-Bretanha)
Eduardo Fernandes Barbosa (UFMG) Jacqueline de Oliveira Moreira (PUC-SP)
Elione Maria Nogueira Diogenes (UFAL) João Ricardo Lebert Cozac (PUC-SP)
Elizeu Clementino de Souza (UNEB) Marcelo Porto (UEG)
Élsio José Corá (UFFS) Marcia Alves Tassinari (USU)
Fernando Antônio Gonçalves Alcoforado (IPB) Maria Alves de Toledo Bruns (FFCLRP)
Francisco Carlos Duarte (PUC-PR) Mariana Lopez Teixeira (UFSC)
Gloria Fariñas León (Universidade Monilly Ramos Araujo Melo (UFCG)
de La Havana – Cuba) Olga Ceciliato Mattioli (ASSIS/UNESP)
Guillermo Arias Beatón (Universidade Regina Célia Faria Amaro Giora (MACKENZIE)
de La Havana – Cuba) Virgínia Kastrup (UFRJ)
Jailson Alves dos Santos (UFRJ)
João Adalberto Campato Junior (UNESP)
Josania Portela (UFPI)
Leonel Severo Rocha (UNISINOS)
Lídia de Oliveira Xavier (UNIEURO)
Lourdes Helena da Silva (UFV)
Luciano Rodrigues Costa (UFV)
Marcelo Paixão (UFRJ e UTexas – US)
Maria Cristina dos Santos Bezerra (UFSCar)
Maria de Lourdes Pinto de Almeida (UNOESC)
Maria Lília Imbiriba Sousa Colares (UFOPA)
Paulo Romualdo Hernandes (UNIFAL-MG)
Renato Francisco dos Santos Paula (UFG)
Rodrigo Pratte-Santos (UFES)
Sérgio Nunes de Jesus (IFRO)
Simone Rodrigues Pinto (UNB)
Solange Helena Ximenes-Rocha (UFOPA)
Sydione Santos (UEPG)
Tadeu Oliver Gonçalves (UFPA)
Tania Suely Azevedo Brasileiro (UFOPA)
Este livro passou por avaliação e aprovação às cegas de dois ou mais pareceristas ad hoc.
Para todos aqueles que vivem para sobreviver e que, por

esta condição, talvez não tenham acesso ou mesmo interesse
por esta obra. Como disse Clarisse Lispector: “ler-me é
supérfluo para quem tem uma [...] fome permanente”.
Para aqueles que não terão conhecimento deste
livro, simplesmente, por escasso acesso à internet
ou por estar fora dos círculos acadêmicos.
Para as vítimas da violência de estado, para os alvos principais
da polícia e da miséria, para os atores da resistência.
AGRADECIMENTOS
Para todos da minha família que estiveram ao meu lado durante cada
linha escrita.
Para a CAPES pelo financiamento.
Para o Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social do Instituto de
Psicologia da USP pela viabilização deste livro.
Para Gabriel Castro de Siqueira Júnior, pela cuidadosa revisão.
Para Ignácio Dobles, pelo compromisso ético-político de difusão da
obra de Martín-Baró. Agradeço pelo prefácio e pela rica contribuição teórica.
Para a Profa. Susana Lucila Cano, docente da Universidad Centro Ame-
ricana em El Salvador, por compartilhar suas ricas experiências com o “Padre

Nacho” e por nos ensinar um pouco mais sobre o contexto de vida e obra
de Martín-Baró.
Para a professora Loreto Villagrán, da Universidad de Concepción (Chile)
por compartilhar materiais sobre o Trauma Psicossocial e por nossas ricas
conversas sobre o tema.
Para meu grupo de pesquisa e de extensão, para todos os colegas do
Observatório do Trauma Psicopolítico e para todos os estudantes, docentes,
profissionais e militantes com quem venho discutindo o papel do psicólogo
no contexto atual.
SUMÁRIO
PREFÁCIO�� 13
Ignacio Dobles Oropeza
APRESENTAÇÃO�� 17
CAPÍTULO 1
TRAUMA PSICOSSOCIAL: princípios elementares�� 19
1.1 Alguns Princípios Ético-políticos e Pressupostos Teóricos da
obra de Martín-Baró�� 19
1.2 Origem e formulação do conceito�� 21
1.3 Elementos desencadeadores do TPS: violência, polarização
social e mentira institucionalizada�� 27
1.4 Danos psicossociais associados ao TPS: aspectos afetivos e
cognitivos�� 32
CAPÍTULO 2
A SITUAÇÃO PÓS-TPS: entre o fatalismo e a conscientização�� 41
2.1 Fatalismo e conscientização na ótica de Martín-Baró: uma
introdução�� 42
2.2 Pós-TPS entre o fatalismo e a conscientização�� 48
2.3 Pós-TPS, militância e elaboração do sofrimento ético-político:
uma análise materialista, histórica e dialética�� 61
CAPÍTULO 3
CAMINHOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS PARA IDENTIFICAÇÃO
DO PRÉ E DO PÓS-TPS�� 73
3.1 Opinião pública e o sentido da pesquisa em Martín-Baró�� 73
3.2 Dimensões e indicadores do TPS�� 75
3.3 Identificação do Pós-TPS: entre o fatalismo e a conscientização�� 79
CAPÍTULO 4
A CONTRIBUIÇÃO DA PSICOLOGIA PARA SUPERAÇÃO DO TPS: a
“Tarefa Psicossocial”�� 89
PARA UMA CONCLUSÃO�� 95
REFERÊNCIAS�� 99
ÍNDICE REMISSIVO��111
SOBRE O AUTOR�� 113

PREFÁCIO
El compañero Antonio Euzébios Filho, psicólogo de la Universidad de Sao
Paulo, se ocupa en este valioso texto de discutir las características y las implicacio-
nes de un importante concepto formulado por Ignacio Martín-Baró: el de trauma
psicosocial (Martín-Baró, 1990), que merece mayor atención y tratamiento.
Ignacio Martín-Baró, en una trayectoria que cubrió unos 18 años, desa-
rrolló una revisión crítica del saber psicológico y psicosocial, proyectando
lo que llegó a denominar en 1986 como una “Psicología de la Liberación”,
identificando sus desafíos en lo epistemológico, lo conceptual y lo práxico.
El esfuerzo fue de largo alcance, configurando una sensibilidad ético-política
en la psicología que ha tenido una significativa influencia en muchos sectores

de quienes han pretendido desarrollar una psicología con compromiso social
y con afán de transformación social (Dobles, 2016).
En su caminar, drásticamente frenado por la acción de un ejército cri-
minal a la orden del capital y del imperialismo, que lo asesinó, a él y a sus
compañeros y compañeras, en una fatídica madrugada del 16 de noviembre
del año 1989, Ignacio fue tejiendo modos de pensar y sentir, y de compartir,
en el encuentro con muchos psicólogos y psicólogas, estudiantes, campesinos
y campesinas, personas religiosas, la academia, pobladores y pobladoras.
Tuvo que vérselas, necesariamente, con la cruenta guerra y con la grave
polarización que se impuso en su propio país de elección, El Salvador, en el
último trecho del siglo XX. La psicología no podía resolver el problema de la
guerra, llegó a decir en su momento, en un comunicado de su Departamento
de Psicología en la UCA a mediados de los años setenta, pero tampoco podía
actuar al margen de esta dura realidad.
Si Auschwitz habló y silenció, en el contexto europeo de la Segunda
Guerra Mundial, los bombardeos a asentamientos campesinos, las masacres
y las atrocidades paramilitares condicionaron las posibilidades de discursos
y relatos en la realidad salvadoreña entre los años setenta a los noventa (al
menos) del siglo pasado.
Muy consecuente con la perspectiva que fue desarrollando en diversos
ámbitos de la disciplina de su elección, Ignacio Martín-Baró emprendió una
revalorización crítica de las tareas diagnósticos y los criterios prevalecientes de
salud mental en el contexto de una cruenta guerra. Pesaba en él, creo, una muy
arraigada convicción de que la psicología no podía salir ilesa (que para mi signi-
fica que no puede salir como entro) de las situaciones de destrucción y afectación
en que intervenía o que condicionaban a sus horizontes de acción o inacción.
De este aspecto de su trabajo, desarrollado con urgencia y en condiciones
apremiantes, es que podemos identificar la revaloración crítica de criterios
14
psicodiagnosticos en contexto de violencias graves o situaciones de guerra, y

la articulación y puesta en marcha del potente concepto de trauma psicosocial,
que, para fortuna nuestra, Antonio ha decidido profundizar.
Lo ha retomado con el propósito de valorar su pertinencia, en tiempos
sumamente complejos, para entender mejor y poder actuar con mayor eficacia
transformadora en la realidad brasileña y latinoamericana. La vinculación
que hace de este concepto con el examen de lo político es particularmente
sugerente, así como lo es el énfasis que pone en los efectos de traumas psi-
cosociales, y en las posibilidades de enfrentarlos, discusión que pasa por el
tratamiento de la visión del mismo Martín-Baro sobre el fatalismo, y de Paulo
Freire sobre la concientización.
Antonio considera, como señala en las primeras páginas del libro, que

se trata de:
um conceito que nos ajuda a entender os impactos psicossociais de um

cenário de guerra e de intensa violência, assim como de conflitos da
sociedade atual, alimentada por ações persistentes de desrespeito aos
direitos sociais e à dignidade humana, militarizada, segregacionista, que
esgarça os laços de solidariedade de classe e torna efêmeros os aconte-
cimentos históricos.
El trasfondo de la propuesta elaborada por Martín-Baró fue, claro está,

la prolongada guerra en El Salvador. Es ahí que identifica los “efectos” de la
situación traumática, especialmente con la identificación de la devaluación
de la vida humana como una de sus características principales.
Cuando conocimos la propuesta en los años ochenta, surgió rápidamente
la intuición, que plantea también ahora el autor de este libro, de que se tra-
taba de una categoría que no se limita al escenario de la guerra, sino que es
pertinente para toda condición que implique relaciones dañadas entre seres
humanos. La herida está, en primer lugar, en dichas relaciones. Puede ser la
guerra, pero también puede ser el racismo, la desigualdad, la humillación
social, la degradación de un grupo de seres humanos por otros.
Para Ignacio, “El trauma psicosocial constituye así la cristalización con-
creta en los individuos de unas relaciones sociales aberrantes y deshumani-
zadoras” (Martín-Baró, 1990, 236).
Al transitar por este camino, Martín-Baró, esquiva tanto la trampa de
una consideración individualista de la experiencia traumática, como la de una
concepción homogeneizante de la misma. Advertía acerca de la tendencia a
limitarse a considerar la individualidad de la experiencia traumática, o de for-
mulaciones de un supuesto trauma que toca a todo el mundo por igual. Cuando
visitó Chile en 1988, recibió una pregunta acerca de la dictadura de Pinochet
y la traumatización de la sociedad chilena, que le provocó la respuesta de que
TRAUMA PSICOSSOCIAL ENTRE O FATALISMO E A CONSCIENTIZAÇÃO:
Martín-Baró para pensar o Brasil e a América Latina 15
no había tal “traumatización de la sociedad chilena”, ya que había grupos y

sectores que no sufrirán afectación alguna por los hechos de la dictadura. En
esa misma ocasión expresó lo siguiente:
Yo no puedo entender la salud mental simplemente como un bienestar

que aflora de adentro afuera, es decir, como un estado de equilibrio, yo no
sé desde qué estructuras internas de personalidad. Me parece a mí que la
salud mental es primero y fundamentalmente un estado de relaciones, un
estado de convivencia humanizadora, es decir dinamizante de lo que hay
de más humano, porque considero que lo más profundo de nuestra realidad
humana estriba precisamente en este hacernos mutuamente, construirnos
mutuamente (Lira y Luco, 1989, 52).
El trauma psicosocial produce daño en la persona, sin duda, pero, como

se perfila con claridad en el texto de Antonio Euzébios Filho, es producto
del daño (“la herida”) en el tejido relacional. Pasa, además, por la historia
concreta de diferentes colectividades, ya que – como ya hemos dicho – no
afecta a todas por igual.
He ahí, a mi juicio, el poder de dicha categorización, que implica, nece-
sariamente, una mirada política, al implicar identificar, necesariamente, las
relaciones existentes. Por otro lado, su tratamiento no nos limita – como en la
discusión usual sobre el trauma – a mirar al efecto de la situación traumática,
sino, también, a su propia configuración. Es decir, para poder utilizarlo de
forma fructífera tenemos que, necesariamente, ser capaces de identificar los
daños existentes en relaciones concretas, por ejemplo, la discriminación o el
racismo, o la desconfianza generalizada y la degradación, o la cosificación de
determinados grupos y la deshumanización en las relaciones.
Por otro lado, la conceptualización exige, también, lidiar con la historia
y la configuración de estas relaciones dañadas. Si este trauma psicosocial
implica, por ejemplo, que determinado grupo sienta sistemáticamente que
“no vale nada”, el problema no se deriva de características personales de las
personas afectadas, sino de su inserción en relaciones dañadas condicionadas
histórica y socialmente, cuyo surgimiento tenemos que intentar explicarnos.
Retomar esta propuesta de Martín-Baró implica desarrollar discusiones
complejas, y no hay duda de que este libro nos estimula en esa dirección.
En nuestra experiencia, que retoma Antonio en su libro, con muchas interro-
gantes, hemos intentado, por ejemplo (Dobles y Arroyo, 2020), relacionar
la categoría con la de “daño psicosocial”, sugiriendo que no toda situación
que implica daño se torna necesariamente “traumática”. Entendemos trauma
como un evento o condición estresante que supera las defensas personales y
colectivas, y que tiene efectos duraderos.
16
No hay duda de que, con este libro, Antonio nos estimula en esta direc-
ción. Desarrolla, con fuerza, con urgencia, el tema de la posible superación o
el enfrentamiento a traumas psicosociales y a sus consecuencias. Lo perfila
como una problemática de gran contenido político. Podemos apreciar en el
texto como convierte la relación dialéctica fatalismo/concientización en el eje
de su análisis, especificando la concientización como vía posible de superación
del fenómeno. Creo que de esta manera se abre una discusión, compleja, de
enorme importancia para una psicología comprometida con la justicia y las
luchas populares. El autor lidia detalladamente con esta problemática, y nos
ofrece marcos valiosos para seguirla pensando. Escribe Euzébios:
Buscamos demonstrar que o TPS se coloca, dialeticamente, entre duas

condições ético-políticas: o fatalismo – ou a paralisia e impotência do
sujeito diante de uma realidade histórica naturalizada e aparentemente
imutável (Martín-Baró, 1998) – e a conscientização, isto é, a decodifi-
cação das relações de poder (Freire, 2001), acompanhada daquilo que
Martín-Baró denominou de prática de classe.
El autor señala, al inicio de su texto, que el concepto de trauma psico-

social, legado de Ignacio Martín-Baró, no ha sido retomado lo suficiente. El
aporte que nos presenta es un paso decidido para rectificar esta tendencia,
contribuyendo a abrir horizontes, con la discusión y las propuestas formula-
das para quienes estén interesados en una psicología comprometida con las
mayorías populares.
Vale la pena leerlo, conversarlo, y procesarlo, con las experiencias y
vivencias de la gente.
Ignacio Dobles Oropeza

Universidad de Costa Rica.
Referencias
Dobles, I. (2016). Ignacio Martín-Baró. Una lectura en tiempos de quiebres
y esperanzas. San José: Editorial Arlekín.
Lira, E. & Luco, A. (1989). Conversación con Ignacio Martín-Baró. Revista

Chilena de Psicología, vol. 10, 2, 51-55.
Martín-Baró, I. (1990). Guerra y trauma psicosocial del niño salvadore-

nho. In I. Martín-Baró (comp.), Psicología Social de la Guerra. (2ª ed.,
pp. 234-250). San Salvador: Ediciones de la Universidad Centroamericana
José Simeón Cañas.
APRESENTAÇÃO
Abordaremos, neste livro, o fenômeno do Trauma Psicossocial (TPS)
com base na obra de Ignácio Martín-Baró. Para o autor que elaborou o con-
ceito, o TPS é um Trauma político, que foi pensado no contexto de guerra
civil em El Salvador, especialmente na década de 1980. É um conceito que
nos ajuda a entender os impactos psicossociais de um cenário de guerra e de
intensa violência, assim como de conflitos da sociedade atual, alimentada por
ações persistentes de desrespeito aos direitos sociais e à dignidade humana,
militarizada, segregacionista, que esgarça os laços de solidariedade de classe
e torna efêmeros os acontecimentos históricos.
Buscamos demonstrar que o TPS se coloca, dialeticamente, entre duas

condições ético-políticas: o fatalismo – ou a paralisia e impotência do sujeito
diante de uma realidade histórica naturalizada e aparentemente imutável (Mar-
tín-Baró, 1998) – e a conscientização, isto é, a decodificação das relações de
poder (Freire, 2001), acompanhada daquilo que Martín-Baró denominou de
prática de classe.
Em um primeiro momento, trazemos uma breve definição do conceito
de TPS, suas origens e desenvolvimento teórico na obra de Martín-Baró,
caracterizando esse fenômeno em um cenário de violência social, polarização
política e mentira institucionalizada. Em seguida, abordaremos os conceitos
de fatalismo e de conscientização como situações concretas que caracterizam
uma condição Pós-TPS, ressaltando seu caráter social, histórico e dialético.
À esta altura, argumentaremos que, embora o TPS seja caracterizado por
danos psicossociais prolongados, é possível identificar dialeticamente uma
situação Pré e Pós-TPS, considerando que o fenômeno não se manifesta de
maneira homogênea nas populações mais afetadas, a saber: aquelas social e
economicamente marginalizadas e as que atuam diretamente nos conflitos
políticos e nos cenários polarizados.
Procuramos, ainda, elucidar alguns caminhos metodológicos para iden-
tificação de situações Pós-TPS. Concluímos com uma reflexão acerca das
contribuições do psicólogo social para identificação e superação, mesmo que
parcial, desse fenômeno.
Antes de seguir adiante, gostaríamos de fazer quatro advertências para
o leitor: (1) não tivemos a pretensão de elaborar uma análise ampla sobre os
conceitos de Trauma ou Trauma político. Como sabemos, há uma vasta lite-
ratura sobre eles, a qual apenas estabelecemos algumas conexões; (2) nosso
propósito não foi realizar um estado da arte do conceito de TPS, ainda que
tenhamos tido a preocupação em dialogar com um número considerável de
obras extraídas diretamente da fonte e de outros autores latino-americanos
18
que produziam e produzem reflexões sobre o tema; (3) também não preten-
demos esgotar a reflexão sobre outros conceitos centrais, como fatalismo e
conscientização, mas apenas trazer como eles se manifestam, de maneira geral,
na obra do nosso autor, de modo que, para aprofundamento destes conceitos é
necessário apoiar-se nas bibliografias indicadas. Ainda é importante dizer que
esta obra suscinta reflexões sobre uma série de outras temáticas não abordadas,
como é o caso do conceito de reparação psicossocial; (4) por fim, optamos
por preservar os trechos dos originais citados em espanhol, buscando trazer
mais precisão para nossas reflexões e diversidade no uso das línguas faladas
na América Latina.
É um livro que busca sistematizar e refletir – ainda que com limites
de aprofundamento teórico e de abrangência bibliográfica – sobre um con-

ceito pouco trabalhado na academia e nos movimentos sociais. Espero que
seja útil para compreender um fenômeno tão complexo como o TPS, uma
ferida sociopolítica de caráter coletivo, mas com repercussões individuais.
Um trauma que talvez esteja cada vez mais presente na conjuntura atual, que
combina pandemia com autoritarismo, violência contra imigrantes, pobreza
estrutural, mas também resistências e lutas sociais voltadas para superar as
mazelas neoliberais.

São Paulo, março de 2023.
CAPÍTULO 1
TRAUMA PSICOSSOCIAL:
princípios elementares
1.1 Alguns Princípios Ético-políticos e Pressupostos Teóricos da

obra de Martín-Baró
Ignácio Martín-Baró, jesuíta e psicólogo social nascido na Espanha e

radicado em El Salvador, foi assassinado em novembro de 1989 pelas forças

militares de El Salvador no contexto da ditadura civil-militar que ocorria no
país. Sua vida foi, em primeiro lugar, um exemplo de resistência a diferentes
manifestações do TPS.
Sua trajetória não é apenas de um acadêmico, mas de um militante enga-
jado nas lutas sociais contra todas as formas de opressão e exploração. Sua
crítica podia se ver na prática: no seu engajamento na universidade e fora
dela, nas visitas cotidianas às comunidades pobres, nos seus estudos e nar-
rativas, na cumplicidade com todos os que resistiam à truculência militar e
econômica do capital. Como disse a professora Susana Lucila Cano, aluna de
Martín-Baró do curso de Psicologia da Universidade Centro Americana em
El Salvador e hoje docente da mesma universidade: as aulas de Martín-Baró,
em plena guerra civil, eram “atrevidas”, ousadas, firmes no posicionamento
em favor da maioria popular.
Influenciado pela Teologia da Libertação, sua vida foi marcada pela
“opção pelos pobres”. Toda sua obra reflete a preocupação em entender o
que era possível fazer para melhorar a vida das comunidades pobres de El
Salvador, combater o autoritarismo e a violência. Essa preocupação, eviden-
temente, foi transferida para sua Psicologia da Libertação.
Felizmente, sua vida e obra são cada vez mais difundidas no Brasil e na
América Latina (por exemplo, Dobles, 2016; Oliveira, Guzzo et al., 2014),
de modo que, para não fugir do nosso escopo, não nos ocuparemos em tra-
zer detalhes aqui, mas adiantamos que se trata de uma riquíssima trajetória
acadêmica e social. A título introdutório, pretendemos apenas elucidar, de
modo breve, alguns princípios ético-políticos e pressupostos teóricos que
regeram a obra do autor.
Os princípios ético-políticos são muito claros em Martín-Baró. Como
falamos, era partícipe do movimento da Teologia da Libertação, que com-
preendia que o maior exemplo de vida dedicada à luta contra pobreza e
20
desigualdades sociais era Jesus, mas um “Jesus histórico”, um militante,

um revolucionário das causas populares.
Para a Teologia da Libertação, não pode haver separação entre espi-
ritualidade e materialidade: não há felicidade com fome, não há elevação
espiritual com opressão, não há justiça divina com desigualdade social, não
há paz sem guerra pela justiça social, não há verdade sem combater a mentira
institucionalizada, não há igualdade sem combater a violência social e política.
Em seu texto “Da consciência religiosa à consciência política”, Mar-
tín-Baró (1985) afirma que há quatro tipos de práticas eclesiais na América
Latina: (1) igreja conservadora; (2) social cristã; (2) socialmente comprome-
tida; (4) politicamente comprometida. É esta última que, segundo sua opinião,
reflete a opção pela Teologia da Libertação. Ser politicamente comprometida,

ainda segundo Martín-Baró, é se comprometer com o poder, mas com o poder
popular. É também se comprometer socialmente, mas pela propagação da
solidariedade de classe, não do assistencialismo, é fomentar as organizações
populares, não práticas sociais que somente retroalimentam o funcionamento
institucional da igreja.
São pelos menos dois aspectos fundamentais que diferenciam a prática
eclesial politicamente compromissada em relação às outras: (1) considerar a
história em movimento e não como sucessão de fenômenos predeterminados;
(2) a ação salvadora como resultado da ação popular. Além disso, diferencia-se
pela imagem de Deus como irmão e não como soberano. Poderíamos dizer
que esta prática busca romper com o fatalismo, com a ideia de destino fatal,
convenientemente ajustada para fins de docilização política.
Para Martín-Baró (1985), a consciência religiosa desemboca em dois
tipos de fé: (1) fé intimista e milagreira; (2) fé libertadora. A primeira cultiva o
fatalismo e se manifesta como acessório do individualismo burguês, a segunda
revela um processo de conscientização, uma práxis política, uma militância
oriunda do reconhecimento das relações de poder, violentas e segregatórias. A
consciência religiosa da “fé libertadora”, portanto, se apresenta como práxis
política revolucionária, pois: potencializa a luta contra o fatalismo; com-
preende a salvação – inscrita em uma noção de justiça social – como produto
humano; gera um novo sentido de pecado: tudo que produz injustiça estrutural
e assim não respeita a vida humana.
Com efeito, não é possível diferenciar em Martín-Baró os princípios éti-
co-políticos dos pressupostos teóricos. A Teologia da Libertação, sem dúvida,
trouxe até ele uma visão crítica de mundo e o deixou próximo do marxismo,
mas também de outras perspectivas teóricas críticas (Dobles, 2016).
A vasta formação intelectual como jesuíta e depois como psicólogo
também é marca de sua obra: é um autor que buscou aproveitar o que há de
melhor em cada teoria que estudou. Mas, seria um erro considerar nosso autor
um eclético ou ingênuo. Apenas era um pensador que não se contentava com

explicações simplistas sobre qualquer fenômeno da realidade.
Martín-Baró era um pensador, mas não um erudito. Sua intenção era
entender a realidade para agir sobre ela. E ele sabia da urgência em mudar
o mundo! Certamente um revolucionário, mas não um sectário. Certamente
um cristão, não um conservador. Certamente um líder acadêmico, não
um burocrata.
Martín-Baró: teoria e ação transformadora da realidade.
1.2 Origem e formulação do conceito
TPS é um termo cunhado por Martín-Baró (1988; 2000) e ainda pouco

explorado na literatura da Psicologia e das Ciências Sociais em geral. Esse

conceito torna explícita a pluralidade teórica da obra do autor, mas sobretudo
se insere nas proposições teóricas da Psicologia da Libertação Trata-se de
um conceito que emerge de estudos sobre os efeitos psicossociais da guerra
e da violência política no contexto das ditaduras civis-militares em diferentes
países da América Latina (Aron, 1990; Dobles, 1990; Lira, 1990; Samaoya,
1990), que sofreu influência decisiva de outros autores como Fanon (1961;
1999) e que, ainda, se fundamenta em estudos clássicos da psicologia social
empreendidos por Tajfel, Bandura, Festinger e outros.
Na coletânea que organizou sobre o tema, selecionando textos que ins-
piraram a formulação do conceito, Martín-Baró (1990a) comenta a busca
por escassos referenciais que pudessem auxiliar na compreensão dos efeitos
prolongados da guerra civil:
recuerdo que el libro de Frantz Fanon, Los condenados de la tierra (1963),

fue una de las pocas fuentes en la que buscar inspiración. Algo más tarde
conseguiríamos una fotocopia de la obra del Colectivo Latinoamericano
de Trabajo Social (COLAT), Así buscamos rehacernos. Represión, exilio,
trabajo psicosocial (1981). El COLAT estaba compuesto por un grupo de
psicólogos latino-americanos, principalmente chilenos y argentinos, exi-
liados en Europa, que buscaron enfrentar de forma colectiva el impacto de
la represión política lanzada por los gobiernos de “seguridad nacional” del
cono sur contra tantos de sus compatriotas (p. 14, itálicos e aspas do autor).
E nosso autor continua a narrar sua busca pelos referenciais que expli-
cassem de alguma maneira a dimensão psicossocial da guerra:
A medida que la guerra civil salvadoreña fue tomando envergadura empe-

zamos a rebuscar entre la literatura de la segunda guerra mundial, los tra-
bajos psicosociales correspondientes a las guerras de Corea y de Vietnam
22
y, finalmente, al conflicto entre israelíes y palestinos. Esta última fue de

mucha utilidad, sobre todo la relativa a los campos de refugiados pales-
tinos. Una y otra vez me ha impactado la similitud entre los problemas
enfrentados por los palestinos, un Pueblo desenraizado violentamente, y
las mayorías populares salvadoreñas arrojados de sus lugares de origen por
la guerra civil. Los trabajos de Punamaki presentados en esta recopilación
son apenas una muestra significativa de esa similitud, evidentemente nada
casual (Martín-Baró, 1990a, p. 14-15).
É patente que o conceito de TPS – como, aliás, todos os outros conceitos e

temáticas desenvolvidos na vasta obra do autor – decorre de um fato concreto:
a guerra Civil em El Salvador. Embora a noção de TPS tenha sido gerada em

um contexto de explícita ditadura e guerra civil, ele continua sendo válido
para analisar diferentes situações que acompanham, até hoje, a trajetória de
diferentes populações marginalizadas no mundo, especialmente na América
Latina, que, se não vivem uma guerra declarada, são assolados pela violên-
cia, desigualdade social, retirada de direitos, polarização social, entre outros
aspectos que contribuem para a degradação da humanidade.
Na formulação do conceito, Martín-Baró (2000a) chama atenção para a
necessidade de superar a concepção médica do Trauma, sendo este fenômeno
entendido como lesão corporal de um indivíduo isolado. Posteriormente, busca
superar a noção de trauma psíquico como fenômeno intrapsíquico:
Etimológicamente, trauma significa heridas; un traumatizado es un herido,

cualesquiera sean las causas y el tipo de lesión sufrida. Sin embargo,
cuando en Psicología hablamos de trauma no nos referimos a cualquier
tipo de dolencia o trastorno comportamental, sino a aquellos problemas
psíquicos originados por el impacto que una determinada experiencia o
vivencia tiene en una persona. Se asume que se trata de una experiencia
brusca, que por lo general se presenta de forma imprevista y que, en todo
caso, tiene un carácter patógeno, es decir, generador de un daño psíquico.
Ahora bien, este daño o herida no es orgánico o, por lo menos nos es
sólo orgánico, sino que puede ser simplemente funcional: no hay ningún
órgano corporal afectado, pero la persona empieza a padecer trastornos en
su funcionamiento normal, en su pensamiento o en sus sentimientos, en
su conducta o en sus capacidades. Son algunos de los presupuestos, más
o menos implícitos, que sesgan nuestra comprensión del trauma psíquico.
Mencionaré tres de ellos: la brusquedad, la imprevisibilidad y el carácter
individual de la experiencia humana (p. 290).
Ainda sobre a crítica à concepção médica tradicional do trauma, o autor

afirma adiante:
el presupuesto implícito de la individualidad de la experiencia traumática

es el más engañoso. Se asume que los traumas son individuales, no ya
en el sentido de que sufran sólo los individuos, sino de que es el trauma
psíquico de manera similar a como cabe comprender el trauma orgánico:
examinado al individuo afectado, su herida o lesión individual. Se trata del
llamado “modelo médico”, que presumiblemente es todavía la perspec-
tiva asumida por la American Psychiatric Association (1983) al definir el
“desorden del estrés postraumático” en el DSM III1. (Martín-Baró, 2000a,
p. 291, aspas do autor).
Em outro texto da mesma coletânea, Martín-Baró (2000b) se refere ao

trauma social quando afirma:
Por lo general se califica como trauma psíquico la particular herida que

una experiencia difícil o excepcional – la muerte de un ser querido, una
situación de particular tensión o sufrimiento, algún hecho dolorosamente
frustrante [...] A veces, y en sentido más análogo, se utiliza el término
trauma social para referirse a cómo algún proceso histórico puede haber
dejado afectada a toda una población. (p. 366).
Mesmo o conceito de trauma social ainda não era suficiente para nosso
autor, que buscava desenvolver uma compreensão dialética do problema do
trauma. Como ele mesmo deixou claro:
Aquí se utiliza el término nada usual de trauma psicosocial para enfatizar

el carácter esencialmente dialéctico de la herida causada por la vivencia
prolongada de una guerra como la que se da en El Salvador. Con ello no
se quiere decir que se produzca algún efecto uniforme o común a toda la
población o que de la experiencia de la guerra pueda presumirse algún
impacto mecánico en las personas; precisamente si se habla de carác-
ter dialéctico del trauma psicosocial es para subrayar que la herida o
afectación dependerá de la peculiar vivencia de cada individuo, vivencia
condicionada por su extracción social, por su grado de participación en
el conflicto (Martín-Baró, 2000b, p. 366).
1 Para uma análise mais detalhada da posição de Martín-Baró sobre o DSM III, consultar Martín-Baró (2000b,
especialmente nas páginas 337-340). Blanco e Díaz (2004) atualizaram a crítica ao DSM (Diagnostic and
Statistical Manual of Mental Disorders), demostrando que nada ou pouca coisa mudou, atualmente, em
relação à superação da concepção médica tradicional do estresse pós-traumático. Em relação a este último
ponto, vale ainda destacar a interessante análise de Indursky e Conte (2017) sobre o viés ético-político
da noção de estresse pós-traumático e seu uso para relativizar a diferença entre vítimas e agressores.
Há também um debate muito interessante – que também não vamos nos aprofundar – sobre os limites
dos diagnósticos da psiquiatria tradicional. Por exemplo, Vicentin, Gramkow e Rosa (2010) realizam uma
importante reflexão sobre como a noção de psicopatia, sob a perspectiva hegemônica do DSM III, contribui
para psicologizar a questão da criminalidade e culpabilizar individualmente os criminosos (geralmente
oriundos das populações marginalizadas) perante a lei.
24
Como podemos notar, Martín-Baró (2000b) ressalta a importância de

considerar o sofrimento dos sujeitos particulares, considerando a dimensão
subjetiva como importante elemento para elaboração do TPS, mas deixa evi-
dente que as raízes deste trauma estão na sociedade:
Al hablar de trauma psicosocial se quiere subrayar también otros dos

aspectos que con frecuencia tienden a olvidarse: (a) que la herida que
afecta a las personas ha sido producida socialmente, es decir, que sus
raíces nos se encuentran en el individuo, sino en su sociedad; (b) que su
misma naturaleza se alimenta y mantiene en la relación entre el individuo
y la sociedad, a través de diversas mediaciones institucionales, grupales
e incluso individuales. (p. 367).

Para tornar essa definição ainda mais precisa, é importante insistir na
diferença entre TPS e trauma coletivo. Segundo Dobles e Muñoz (2019), o
TPS não se funda no plano da intersubjetividade e a noção de coletivo em
Martín-Baró, diferentemente de como sugere a psicologia tradicional, não se
resume à noção de pequenos grupos ou à soma de indivíduos (Martín-Baró,
1985), é uma particularidade inscrita em um modo de sociabilidade concreta.
Com efeito, o termo psicossocial parece mais adequado, pois parte de uma
compreensão dialética do fenômeno psicológico, que rechaça a noção de cole-
tivo como homogeneidade, por um lado, ou de um emaranhado de diferenças
individuais por outro lado. A dimensão psicossocial remete a processos de
pertencimento e identidade grupal, aos interesses que perseguem os diferentes
grupos sociais, às necessidades objetivas e à rede de relações intersubjetivas
que o coletivo estabelece com outros grupos e com as estruturas da sociedade
(Dobles & Muñoz, 2019).
A diferenciação entre as noções de coletivo e psicossocial também se
apresenta quando Dobles e Arroyo (2020) definem dano psicossocial:
Si hablamos de “daño psicosocial”, y, metafóricamente, de “heridas”, esta-

mos planteando que estas no se ubican en el individuo, o mejor, podríamos
decir que no se ubican solo en el individuo, sino, de alguna manera, en el
tejido social. Por otro lado, siguiendo a Martín-Baró (1992) tenemos el
cuidado de adscribir el daño a lo psicosocial y no a lo “colectivo” por el
peligro de que se considere que dicho daño es homogéneo, o que afecta a
todos por igual en una formación social determinada. Lo psicosocial nos
ubica en el lugar de las interacciones directas, de las pertenencias sociales
o de los marcos sociales de la existencia. (p. 219).
Para Dobles e Arroyo (2020), o dano psicossocial representa “un daño en

el tejido social, en las relaciones” (p. 223) que, se prolongado e intensificado,
sem que se apresente uma resistência do grupo afetado, pode se tornar um

TPS. Nas palavras dos autores:
Sin embargo, tenemos que distinguir aquí tres elementos: primero, las
afectaciones, dado que no toda afectación va a producir un daño tal y
como lo estamos conceptualizando, las afectaciones llegan a constituir
daño si se mantienen en el tiempo, con suficiente intensidad, y, por último,
tenemos la noción de trauma. Pero no toda situación que afecta, e incluso
que produce daño resulta traumática. Esto último tendría que ver con la
capacidad de defensa y resistencia. (p. 223-224, negritos dos autores).
Dobles (2016) entende o dano psicossocial como uma afetação negativa

que pode se tornar um TPS se não houver defesa e resistência popular. Neste
caso, um dano persistente atuaria na transição da afetação para o trauma.
Assim, o autor completa que em uma sociedade que produz injustiças e violên-
cias, é grande a possibilidade de o dano psicossocial ser intenso e sequencial,
portanto, de produzir um TPS. Na nossa sociedade, os danos psicossociais,
afirma o autor, não são aspectos pontuais e inesperados:
Con el concepto de trauma psicosocial no solo se dirige la mirada a la

situación traumática y la postraumática, sino, también, a la pre-traumática,
ya que explora la conformación de relaciones dañadas que dan lugar al
trauma psicosocial. En este terreno, Martín-Baró señala que no se trata
sólo de eventos que aparecen de forma súbita e imprevista, sino que puede
responder la situación a una configuración de relaciones aberrantes y daña-
das, que han sido naturalizadas por quienes se encuentran en ella. (Dobles,
2016, p. 206).
A questão central apontada pelo autor – indicada, sob outra ótica: a da

transmissão transgeracional da violência política (Instituto Latinoamericano
de Salud Mental y Derechos Humanos [ILAS], 2019) – é que o TPS não
corresponde a um evento isolado, mas como um prolongamento de danos
psicossociais produzidos pelo sistema social e econômico vigente, ou colocado
de outra maneira: como resultado de um modo de sociabilidade que produz
violência, polarização social, medo e repressão constantes2. Com isso, fica
2 A concepção sobre o prolongamento do dano – e evidentemente a caracterização do Trauma como psicossocial

– remetem à uma diferenciação do TPS tanto em relação à perspectiva original do Trauma em Freud, como de
Trauma político na psicanálise em geral. Embora a aproximação de Martín-Baró com o pensamento de Freud
não corresponda ao núcleo central da sua obra, ele realizou diálogos com a psicanálise – a própria adoção do
conceito de Trauma é um exemplo disso. Ainda assim, há diferenciações em relação à perspectiva freudiana
de Trauma, bem como à visão psicanalítica de Trauma político – neste último caso, em alguns sutis aspectos:
(1) em relação à Freud: (1.1) a questão estrutural associada ao TPS não é a tensão entre indivíduo e civilização,
como propôs Freud (1927/1996), mas a sociedade de classes entendida a partir de uma perspectiva marxista
26
claro que Martín-Baró considera que a origem do TPS é a sociedade de classes

e que esta modalidade de trauma se caracteriza em um cenário sequencial de
danos gerados pela naturalização da violência, atingindo de formas variadas
indivíduos e grupos expostos a diferentes graus de participação nos conflitos
políticos oriundos desse cenário estrutural.
Martín-Baró (2000b) indica, portanto, a necessidade de olhar para a
estrutura social e para os efeitos da violência, da polarização social e da
mentira institucionalizada na subjetividade de indivíduos e grupos sociais:
El trauma psicosocial experimentado por las personas denota entonces

unas relaciones sociales enajenantes, que niegan el carácter humano del

– as concepções sobre o processo histórico aqui, portanto, são totalmente distintas; (1.2) porém, o fato de
Freud compreender a civilização como a responsável por uma incessante repressão libidinal, acompanhando a
humanidade em todo curso da história (Freud, 1927/1996), parece-nos ser evidência suficiente para considerar
que há, minimamente, uma perspectiva de regularidade do Trauma psíquico nesta perspectiva. Nela, o Trauma
se configura como repetição do evento traumático (“lembrar a vivência esquecida”) (Freud, 1938/2018, p. 107)
ou como tentativa cíclica de esquecimento daquilo que traumatiza. Nos dois casos, trata-se daquilo que o
autor denominou como “retorno do reprimido” (1938/2018, p. 172), isto é, a tentativa de lidar ou fugir da dor
causada pela repressão perene da civilização – que o autor denomina de “efeitos negativos e positivos do
Trauma” (1938/2018, p. 172). Seja como for, o Trauma é caracterizado como um retorno a formas históricas
de funcionamento psíquico, que busca (sempre) se defender ou se adaptar às instâncias repressoras dos
instintos e da sexualidade. O sintoma coletivo mais claro deste processo repetitivo de repressão civilizatória
é a religião. É o que Freud (1938/2018) detalha em Moises e o monoteísmo, quando trata das repetidas
tentativas repressoras da religião, que, embora muitas vezes encontre manifestações distintas, tem objetivos
comuns: a compensação psíquica causada pela renúncia do prazer ou pelo sentimento de culpa e perplexidade
produzidos no confronto entre indivíduos e as restrições sociais. Trata-se, portanto, de uma traumatização
que se repete ao longo da história (diga-se: uma determinada concepção de história) e que também retrata
o modo de funcionamento psíquico na busca por suportar as feridas da existência castradora da civilização.
Mesmo quando Freud (1919/2010) discorre sobre as “neuroses de guerra”, ele reafirma a noção de Trauma
como constitutivo da vida psíquica. Ele diz: “A outra coisa nas neuroses de guerra é a neurose traumática, que
sabidamente ocorre também durante a paz” (p. 386). Esta afirmação, por si só, já traz claros elementos de
diferenciação em relação à noção de TPS. Resumindo: com a noção de Trauma, Freud propõe um intercâmbio
entre psicologia individual e psicologia social, sendo visivelmente possível vislumbrar um caminho para análise
freudiana de um determinado Trauma coletivo. Contudo, o “retorno do reprimido” convive na obra freudiana
com a ênfase na psicologia individual, sendo a relação entre pais e filhos o elemento de reprodução do Trauma
psíquico. E, ainda, a perspectiva do Trauma como elemento constitutivo da vida psíquica também convive com
o reconhecimento de que o Trauma é disparado por um evento inesperado e brusco (Fulgêncio, 2004), por um
excesso de afeto que gera um estado de estupor, por uma ausência de investimento do objeto etc. (Moreno
& Júnior, 2012). Sobre estas questões, há uma infinidade de aspectos que não traremos aqui, por exemplo,
as diferenças entre as concepções de Trauma na primeira e na segunda tópica freudiana e os diferentes
olhares sobre a noção de Trauma psíquico e Trauma coletivo emergentes na própria psicanálise (Winnicott,
Lacan, Ferenczi e outros autores clássicos); (2) pois bem, em relação à perspectiva de Trauma político que
emergia na psicanálise chilena e argentina, por exemplo, o TPS surge como tentativa de ampliar e politizar
(ainda mais) o debate a partir da configuração do fenômeno com base nos elementos desencadeadores:
violência, mentira institucionalizada e polarização social, enfatizando, assim, o fundo ideológico e estrutural do
Trauma político. Ainda assim, há claros elos de diálogo com este campo de pensamento. São alguns deles:
a ideia de transmissão transgeracional do Trauma e de esta transmissão é produzida, eminentemente, por
conflitos de natureza política.
“enemigo” al que se rechaza como interlocutor en cuanto tal y al que

incluso se busca destruir. La afirmación de la propria personalidad es
afectada por la deshumanización del otro frente al que dialécticamente se
construye. Si la guerra de El Salvador se caracteriza por la polarización
social, la mentira institucionalizada y la militarización de la vida social,
hay que examinar como estos tres aspectos sobresalientes de las relaciones
sociales van cristalizando en las personas. (p. 370).
O TPS encontra, portanto, condições mais favoráveis para seu desenvol-

vimento em um cenário de um acirramento da luta de classes, a partir de três
elementos que devem ser compreendidos de maneira articulada: violência,
polarização social e mentira institucionalizada.
1.3 Elementos desencadeadores do TPS: violência, polarização

social e mentira institucionalizada
Embora os três elementos desencadeadores do TPS estejam intrinse-

camente articulados é possível distingui-los para fins didáticos. Para tanto,
recorremos novamente às definições de Martín-Baró. Começamos pela defi-
nição do autor sobre violência.
Para Martín-Baró, toda a violência é política, pois envolve relações de
poder. Toda violência deve ser compreendida diante de uma conjuntura. A
violência figura como elemento central de um conflito social, como foi a guerra
civil mencionada por Martín-Baró. Ela corresponde, segundo o autor, à raiz
do TPS (ver Martín-Baró, 2000c). Esse tipo de violência engloba a repressão
política (física ou psicológica), o uso direto da força ou o que o autor deno-
minou de terrorismo psicológico. Tal violência é mais efetiva com o uso da
mentira institucionalizada, voltada para acirrar o medo contra um “inimigo”
político, por exemplo, em um cenário de polarização social. Ela se manifesta
de maneira ampla, passando, por exemplo, pelos “síntomas psicosomáticos
ante los operativos militares, la violación de mujeres campesinas, el descontrol
de la violencia criminal de soldados u oficiales (Martín-Baró, 1988, p. 127).
Segundo Dobles (2020), Martín-Baró indica quatro elementos constitu-
tivos de todo ato de violência. O longo trecho destacado abaixo se justifica
pela riqueza das descrições desses quatro elementos. Como segue:
A. La estructura formal del acto, referente a la “formalidad del acto como

totalidad de sentido”:
Se refiere, en este rubro, a las características específicas que adopta un
acto de violencia: reprimir a una manifestación utilizando personal de
seguridad no identificado, por ejemplo, agredir a una cónyuge con arma
blanca, o destrozar objetos personales valiosos, agredir verbalmente a otros
28
conductores en horas de mucho tráfico vehicular en las calles, asesinar a

un competidor en una pugna territorial de narcotraficantes, etc. (Dobles,
2020, p. 141).
B. La ecuación personal: que se refiere a los elementos del acto de vio-
lencia explicables solamente por las características particulares de las
personas que lo llevan a cabo:
Este es el factor que suele predominar en los análisis psicológicos de actos
de violencia. Así, el torturador se concebirá muchas veces como alguien
que no puede sino presentar rasgos psicopatológicos, o el cometer actos
delictivos violentos será explicado primordialmente por el “egoísmo” o la
“maldad” del actor. Esto deja en un segundo plano, por supuesto, a la vio-
lencia institucionalizada, o a la rutina de terror [...] (Dobles, 2020, p. 142).
C. El contexto posibilitador: que se refiere a la situación mediata o inme-

diata que facilita la aparición de actos de violencia:
El tercer tipo de factor constitutivo se basa en que los actos de violencia
se llevan a cabo en contextos específicos, que posibilitan su aparición. De
esta manera, parte del asunto es que se cometen actos de violencia porque
se puede hacerlo. Un represor, al servicio de un estado que convierte la
tortura en práctica política, puede tener, por ejemplo, bastante seguridad,
en recintos apartados de la mirada pública y blindados por el andamiaje
represivo y el miedo, de contar con una impunidad casi absoluta en su labor
de destrucción del cuerpo y de la integridad de otra persona. Ante cambios
en el contexto político-social que le son adversos, como ha pasado en paí-
ses como Argentina, puede, posteriormente, verse amparado por “pactos
de silencio” entre quienes cumplían dichas labores. (Dobles, 2020, p. 143).
D. El fondo ideológico del acto: referido en última instancia a una “rea-
lidad social configurada por unos intereses de clase”:
Este último factor es de cardinal importancia, y al identificarlo Martin
Baró vincula al tema de la violencia con una de sus categorías teóricas
fundamentales, ya mencionadas: la ideología, Los actos de violencia, así,
no pueden entenderse psicológicamente ubicándose exclusivamente dentro
de la piel de las personas, o en sus contextos físicos y relacionales inme-
diatos, sino que deben analizarse a la luz de los marcos ideológicos en
juego y las estructuras de poder existentes en un contexto determinado,
como expresión de intereses, objetivos y conflictos. Así, el fondo ideo-
lógico del hombre agresor, con su “casa como finca” y su arbitrariedad
ante su cónyuge, tiene que ver con un orden patriarcal en que se destaca
la supuesta superioridad de lo masculino. (Dobles, 2020, p. 144).
Como podemos notar, a violência para Martín-Baró é um fenômeno
multideterminado, associado a uma ideologia que escamoteia o contexto
de injustiça estrutural (Martín-Baró, 1996), que também compreende as
relações de castigo e punição, mas vão além do ato violento em si. O
autor principal da violência é o próprio Estado capitalista e se manifesta
de maneira explícita na militarização da vida cotidiana (Dobles, 1990;
Martíns & Lacerda Júnior, 2014).
Como dito anteriormente, quanto mais polarizada está a sociedade mais

violência política se produzirá, uma vez que se acirram processos de desqua-
lificação do adversário, propagando afetos como ódio e ressentimento contra
ele, caracterizando-o, finalmente, como inimigo e justificando, assim, sua
eliminação. Para o autor, a polarização social é um dos ingredientes da cultura
da violência e gera um clima propício para a confrontação. Este fenômeno se
caracteriza por “esfuerzos conscientes de algunos grupos por desidentificarse
respecto a ambos contendientes [...] Los procesos de polarización [...] no son
uniformes ni mecánicos, sino que están muy relacionados con la marcha de
la actividad militar, así como la evolución de la situación política misma”
(Martín-Baró, 2000b, p. 360).
Em outro texto, Martín-Baró (2000d) define assim a polarização:
Entendemos aquí por polarización aquel proceso psicosocial por el cual las
posturas ante un determinado problema tienden a reducirse cada vez más a
dos esquemas opuestos y excluyentes al interior de un determinado ámbito
social. Se da polarización social cuando la postura de un grupo supone la
referencia negativa a la postura de un otro grupo, considerado como rival.
… Al polarizar, la persona se identifica con un grupo y asume su forma
de captar el problema lo que le lleva a rechazar conceptual, afectiva e
comportamentalmente la postura opuesta y a las personas que la sostienen.
Desde el punto cognoscitivo, la persona polarizada reduce su percepción
acerca del grupo rival a categorías simplistas y muy rígidas, que apenas
contienen una mínima identificación grupal y una fuerte caracterización
negativa de orden moral (p. 140).
A polarização, portanto, forja o que o autor denominou de pessoas etno-

cêntricas, que medem os demais com base nos seus próprios critérios e cons-
troem imagens estereotipadas dos outros. Com base em Tajfel, Martín-Baró
(2000d) apresenta quatro funções sociais dos estereótipos: (1) demarcação
rígida da orientação cognoscitiva; (2) descarte da informação conflitiva; (3)
ideologização das ações coletivas, baseadas em uma dicotomia rígida entre o
que se considera verdade ou mentira; (4) psicologiza as causas de um conflito
social, valendo-se de uma diferenciação moral entre bondade e maldade.
A mentira institucionalizada também é difundida com base em imagens
estereotipadas em relação ao objeto, fato ou acontecimento que se pretende
desqualificar, omitir ou ocultar. Ela tende a se propagar em um cenário de
polarização e violência, que se assemelha ao que conhecemos hoje como fake
news, embora ela seja institucional, ou seja, propagada pelo próprio Estado,
sendo este a materialização do poder da classe dominante.
30
Segundo Martín-Baró (1975), a mentira institucionalizada contribuiu

para “el ocultamiento sistemático de la realidad” por meio da criação de “una
historia oficial” (p. 131), que forma um “cordón sanitário” (p. 132) que isola
a verdade e oculta as multideterminações de um fenômeno.
El ocultamiento sistemático de la realidad sigue siendo una de las caracte-

rísticas fundamentales de la guerra salvadoreña. Este ocultamiento adopta
diversas modalidades: ante todo, se trata de crear una versión oficial de los
hechos, una “historia oficial” que ignora aspectos cruciales de la realidad,
distorsiona otros e incluso falsea o inventa otros. Esta historia oficial se
impone a través de un despliegue propagandístico intenso y muy agresivo
al que se respalda incluso poniendo en juego todo el peso de los más altos

cargos oficiales. (Martín-Baró, 2000b, p. 362, aspas do autor).
Se há mentira, há por outro lado uma verdade que se quer ver acobertada3.
Sobre esta questão, o autor completa:
La expresión publica de la realidad y, sobre todo, la denuncia de las vio-

laciones de los derechos humanos, de la mentira institucionalizada, son
considerados actividades “subversivas”, y en realidad lo son, ya que sub-
vierten el orden de la mentira establecido. Se llega así a la paradoja de
que quien se atreve a nombrar la realidade o a denunciar los atropellos se
convierte por lo menos en reo de la justicia (Martín-Baró, 2000b, p. 362,
aspas do autor).
Podemos notar que a mentira institucionalizada, na ótica do nosso

autor, tem, portanto, uma função prática: esconder as violências produzidas
pela classe dominante, que anulam ou desconstroem os direitos humanos.
A mentira institucionalizada contribui, ainda, para gerar aquilo que nosso
autor denominou de guerra psicológica (Martín-Baró, 1975; 2000b), retroa-
limentando a polarização e a violência entre os grupos que atuam em um
determinado conflito.
O TPS é disparado pela violência, polarização e mentira instituciona-
lizada ao mesmo tempo em que reforça essas características e as insere no
3 A noção de verdade em Martín-Baró é explicita e recorrente, afastando qualquer hipótese de uma leitura
relativista da realidade de classes em sua obra. Esta noção também repercute no seu conceito de ideologia
como falseamento da realidade, especialmente, quando afirma que o papel do psicólogo é atuar para
desideologização (Martín-Baró, 1996). Ao que parece, nosso autor se apoia na noção marxista clássica
de ideologia, ainda que, como sabemos, haja outras concepções neste campo teórico-filosófico, como
a de Lukács, que considera a ideologia como um complexo social cuja característica é a resolução ou
manutenção de conflitos sociais (Lessa, 1992). Com este entendimento, Lukács pretende superar a
perspectiva gnosiológica de ideologia e que concebe, em um certo sentido, uma noção de neutralidade ao
não ideológico.
bojo das relações interpessoais e entre os grupos sociais. Assim, contribui

para desintegração da identidade coletiva, da memória histórica de um povo
e dos laços de solidariedade de classe.
Mesmo identificando aspectos estruturais que contribuem para uma situa-
ção de TPS, Martín-Baró (2000a; 2000b) pondera que os fatores desenca-
deadores desse fenômeno devem ser analisados concretamente, uma vez que
incidem de maneiras distintas em diferentes populações, grupos e classes. A
situação conjuntural somada à posição objetiva de existência de um determi-
nado grupo, gera um grau de previsibilidade dos fatos geradores de um TPS.
Em La violencia politica y la guerra como causas del trauma psicossocial em
El Salvador, Martín-Baró (1988) trata de contextualizar a situação do TPS:
lo que para unos representa la ruina para otros un gran negocio, u lo que
a ciertos grupos pone al borde de la muerte a otros abre la posibilidad de
una nueva vida. Una es la guerra que tiene que sufrir en carne propria
el campesino y otra muy distinta la que en sus pantallas de televisión
contempla el burgués industrial. En El Salvador quienes van al campo de
batalla son mayoritariamente los pobres, los hijos de los campesinos o de
los marginados urbanos, no los hijos del patrón o del profesional. (p. 129).
Como podemos notar, contextualizar o TPS não é o mesmo que relati-

vizá-lo. Martín-Baró entende que a situação de permanente violência e desi-
gualdade social, sendo associada ao funcionamento do capitalismo, anuncia
uma situação permanente de TPS, especialmente para a população mais pobre
e vulnerável aos conflitos. Isto porque se reconhece que o TPS surge em uma
realidade concreta – a situação das classes populares na América Latina, por
onde passavam as lentes de Martín-Baró, especialmente, no contexto de guerra
civil em El Salvador.
Como dito, o TPS torna-se, ainda, mais previsível em populações que
vivem em condições seculares de pobreza e opressão. Neste sentido, nosso
autor traz dois aspectos essenciais que caracterizam o fenômeno em questão: a
sequencialidade e a transgeracionalidade das condições de pobreza, violência
e opressão (Gonçalves, 2017; ILAS, 2019). Nesse sentido, as desigualdades
que perduram por séculos no cenário latino-americano, especialmente para
as populações mais vulneráveis social, política e economicamente, ajudam
a prever uma situação de Pré-TPS, ou então contribuem para entender como
essas populações vivem uma situação de TPS permanente.
Generalizar para toda a população a condição de TPS permanente é
justamente negar as assimetrias produzidas pela sociedade de classes. Nova-
mente aqui destacamos que os fatores desencadeantes do TPS devem ser
32
analisados concretamente e ainda deve se levar em conta como os grupos,

mesmo os mais afetados, processam subjetivamente as condições sociais
e históricas geradoras do TPS.
Martín-Baró (1988) não tem dúvida de que um grupo mais marginalizado
e mais precarizado, mesmo elaborando o TPS, sempre está mais exposto a
novos ou à repetição de velhos TPS – novamente chamamos atenção para
aspectos da transgeracionalidade e da sequencialidade, considerando, por
exemplo, a reprodução da condição de pobreza e de vulnerabilidade social por
gerações (Gonçalves, 2017). Os grupos mais vulneráveis – isto é, aqueles que
possuem uma condição econômica desfavorável ou com determinado grau de
participação em conflitos sociais e políticos – estão mais sujeitos a diferentes

tipos de violência, seja ela manifesta pela agressão física ou simbólica, ou, de
maneira ampla, pela retirada de direitos básicos como a moradia, seguridade
social e o acesso ao saneamento básico, entre outros elementos que clarificam o
que o autor classifica como violência estatal (Martíns & Lacerda Júnior, 2014).
Como já afirmamos, vivemos um contexto que propaga, estruturalmente,
fatores desencadeadores do TPS. Conforme expõe o próprio Martín-Baró
(2000a), o TPS é uma “consecuencia normal del funcionamiento de un sistema
social” (p. 291). É por isso que, mais uma vez, recorremos à diferenciação entre
trauma coletivo e TPS (Dobles, 2016) para lembrar que a superação definitiva
de um TPS só pode acontecer com a superação das condições estruturais que
produzem esse fenômeno, em outras palavras, pressupõe a superação do modo
de sociabilidade capitalista. Também por essa razão é que tratamos da possibili-
dade de superação do TPS como uma superação relativa, ou como superação de
um ou mais danos psicossociais que podem vir a se configurar como um TPS.
1.4 Danos psicossociais associados ao TPS: aspectos afetivos e

cognitivos
Para uma definição de danos psicossociais, temos de lembrar que Mar-

tín-Baró não formulou uma teoria dos afetos ou das emoções e que também
não articulou de maneira clara a noção de TPS com nenhuma perspectiva
teórica nesta direção.
Ao nosso ver, a Psicologia Histórico-Cultural nos fornece importantes
elementos para o entendimento de danos psicossociais como afetações nega-
tivas. Vigotski, grande expoente desta corrente de pensamento psicológico,
toma, por sua vez, a noção de afeto de Espinosa como um dos seus referenciais.
Para Espinosa, os afetos resultam das relações sociais, como afecção entre
dois corpos, produzindo uma afetividade negativa ou positiva – as “paixões
tristes e alegres” (Espinosa, 1677/2009). Também é interessante notar em
Espinosa que o afeto é reconhecido como estabilizador ou desestabilizador

das ações políticas, isto é, contribui para produzir caminhos e descaminhos
na busca do comum. Vigotski (1947/2003), com suas particularidades, apro-
priou-se desta noção de afeto de forma a demonstrar que a dimensão afetivo-
-volitiva cumpre um papel elementar no desenvolvimento do pensamento e
da consciência – assim como no próprio desenvolvimento das potencialidades
humanas como um todo. E, ainda, baseado fundamentalmente em Marx situou
o afeto na história e na cultura.
Nesta linha, se então os afetos estão inscritos no universo de signos e se
manifestam em sentimentos arraigados nos contextos de socialização, eles são
históricos e dotados de um sentido humano, isto é, esbarram na moral, nos
costumes de uma época, nas formas de organização da sociedade etc. Isto nos
permite entender que a classificação de afetos como positivos ou negativos

não é simplesmente uma questão moral, mas ética e política. Isto Espinosa já
havia previsto, mas Vigotski deu, então, contornos mais concretos à esta for-
mulação, apoiado em uma visão materialista histórica e dialética de sociedade.
Com isto, enfim, chegamos a uma definição de danos psicossociais como
afetações negativas, pois: reduzem a capacidade de ação dos sujeitos e comu-
nidades, do ponto de vista individual podem afetar o autocontrole da conduta
– para utilizar uma expressão de Vigotski – contribui para reduzir a capacidade
individual e coletiva de elaboração do sofrimento ético-político – para citar
o conceito de Bader Sawaia, que será tratado mais adiante.
Sobre a conotação “negativa” dos danos psicossociais ainda uma última
nota: ela deve-se ao fato de ser resultante de relações violentas compreendidas
no contexto da polarização social, da mentira institucionalidade e em última
análise da desumanização das relações.
Tal qual indicado anteriormente, Dobles e Arroyo (2020) entendem que
os danos psicossociais são produzidos nas relações sociais assimétricas, pro-
dutoras de afetações negativas, que, se prolongadas e intensificadas, podem
produzir um TPS. Mas, a caracterização de tipos de danos psicossociais, não
tem, contudo, a pretensão de produzir uma sintomatologia do TPS, o que, em
certa medida, contraria a própria definição do conceito. Como nos esclarece
Moreira e Guzzo (2015), a noção de TPS não diz de saúde e doença, na forma
como se compreende este fenômeno hegemonicamente pela medicina, psiquia-
tria e pela própria psicologia. O TPS não diz de normalidade e anormalidade,
também compreendida nos moldes tradicionais. De acordo com as autoras:
o trauma não define um sujeito doente, ao contrário define a especifici-

dade de uma relação entre a sociedade e seus indivíduos, para além de
parâmetros de normalidade e anormalidade tão caros à tradição da ciência
psicológica. Nesse sentido, o adoecimento pode significar, uma resposta
34
esperada, uma reação normal frente a uma situação anormal. Para Martín-
-Baró (1990a), o trauma psicossocial reflete as características de desuma-
nização que a ordem de exploração e acumulação evidenciam em uma de
suas formas mais aviltantes: a guerra (Moreira & Guzzo, 2015, p. 575).
Segundo Blanco e Díaz (2004), Martín-Baró apresenta uma preocupação

em superar a concepção nosológica do Trauma, presente na medicina tradi-
cional, quando destaca a importância de contextualizar, historicamente, os
efeitos do TPS, sejam eles de ordem emocional ou cognitiva. Nessa direção,
Martín-Baró (1988) afirma:
Qué papel jueguen cada uno de los elementos psíquicos – conocimientos,

afectos, voliciones – habrá que examinarlo en cada situación, pero en prin-
cipio es el todo de las personas lo que va siendo afectado por la vivencia
de unas relaciones de guerra. De ahí mismo se sigue que cada persona será
afectada de acuerdo a su particular ubicación social y su concreta manera
de participar en los procesos de la guerra (p. 138).
Os efeitos do TPS foram elencados por Martín-Baró a partir de diferentes

estudos sobre bem-estar subjetivo, estresse pós-traumático (Punamaki, 1990),
guerra e terrorismo psicológico (Rozitcher, 1990), tortura (Dobles, 1990),
perdas e lutos (Becker & Kovalskys, 1990), entre outros aspectos, mas sempre
ressaltando seu caráter histórico e dialético.
Os danos psicossociais estão representados, sobretudo, por um conjunto
de emoções que extrapolam, em um determinado momento concreto, a capa-
cidade representacional não apenas de um sujeito, mas de um grupo4, e que se
tornam persistentes, atuando para enfraquecer o tecido social e os laços comu-
nitários (Dobles, 2016; Dobles & Arroyo, 2020; Martín-Baró, 2000a; 2000b).
O primeiro elemento que destacamos é o medo da repressão política
e seus efeitos psicossociais. Ao citar estudos de Elisabeth Lira e Maria Isa-
bel Castillo sobre a reocupação da memória histórica no Chile pós-ditadura,
liderada pelo general Pinochet, Martín-Baró (2000) conclui que o medo de
sofrer violência pode vir acompanhado de reações corporais, desorganização
da conduta, inibição na comunicação, retração nos processos de participação
social, isolamento, desconfiança nas relações interpessoais e outros danos
4 Indicamos anteriormente (na nota de rodapé 2) alguns dos principais pontos de diferenciação e similaridade
entre a noção de TPS, de Trauma em Freud e de Trauma político na psicanálise. Há, porém, ao nosso
ver, uma similaridade com a noção original de Trauma que não mencionamos e que não daremos conta
novamente de aprofundar, mas é necessário lembrar, que é a perspectiva do Trauma como um fenômeno
que extrapola a capacidade representacional do sujeito (não necessariamente de um grupo). Isto é algo
que se coloca de maneira clara em Freud (Moreno & Júnior, 2012). Certamente, cabe um extenso debate
sobre esta questão.
psicossociais. Martín-Baró (2000c) menciona, ainda, entre outros, o estudo de

Punamaki (1990) sobre os efeitos da guerra no desenvolvimento das crianças
e destaca o medo e a ansiedade aguda como elementos centrais.
O medo aparece como um dos danos associados ao TPS, estando ele
associado à desconfiança nas relações interpessoais, à ansiedade e a recon-
figurações no modo de ser, sentir e pensar. O medo aparece como um afeto
que reconfigura aspectos cognitivos, como a memória do Trauma. Ele pode
aparecer na rememoração do evento de tensão/conflito/disputa política.
Segundo Martín-Baró (2000c), a internalização do medo aparece como
um aspecto que contribui para sujeitos e grupos se conformarem com as
opções políticas que foram impostas por um regime ou classe dominante. Por
outro lado, o medo pode provocar reações contra o hegemônico. É a dialética

do medo político.
Ainda apoiado nos estudos de Elizabeth Lira sobre o terrorismo estatal
na ditadura chilena, Martín-Baró (2000c) aponta quatro possíveis efeitos
psicossociais que são desencadeados em uma situação de TPS, associados ao
medo da repressão: (1) sensação de vulnerabilidade; (2) estado exacerbado
de alerta; (3) sentimento de impotência; (4) alteração do sentido de realidade
ao ver que é impossível validar, objetivamente, as próprias experiências e
conhecimentos. Sobre este último aspecto, cabe destacar que Martín-Baró
(2000d), apoiado no renomado psicólogo social Tajfel, trata da renúncia de
uma identidade política não apenas pelo medo de ser reprimido com violên-
cia física, mas também com uso da violência simbólica. Neste último caso,
emerge o medo da segregação social, do isolamento de quem pensa diferente,
de ser desqualificado pelo outro e outras estratégias que se acentuam em um
cenário de polarização.
Um dos métodos de desqualificação do adversário é o terrorismo político,
ou seja, uma incitação de medo e ódio contra o outro, que segundo Martín-
-Baró (2000b) tem, pelo menos, três consequências: (a) estreiteza e rigidez na
elaboração da imagem do adversário, que se torna inimigo; (b) fragilização
da autonomia pessoal e da autoconfiança (c) polarização social baseado na
desconfiança nas relações interpessoais.
Em um cenário de polarização social, é comum que a imagem do outro
passe a ser elaborada a partir de estereótipos, lembra mais uma vez Martín-
-Baró (2000d). A visão simplificada que um estereótipo oferece atua em dois
sentidos: para fortalecer laços do grupo endógeno, mas também para provo-
car cisões contra o outro, que passa a ser caracterizado de maneira genérica,
ignorando as particularidades e as contradições na dinâmica do grupo externo.
Um exemplo mencionado diversas vezes por Martín-Baró é a guerra contra
o comunismo e a caracterização do comunista como perigoso, subversivo
36
e violento (Martín-Baró, 1975; 1988; 2000d). Neste caso, a polarização e

a mentira institucionalizada se retroalimentam, conformando a imagem do
inimigo comum da pátria.
O terrorismo político se materializa em um processo de desumanização
do adversário. Desumanizar atua no sentido de eliminar – e não conviver –
com seu adversário político (Martín-Baró, 2000c), atua para transformá-lo
em objeto, em obstáculo para a própria realização do grupo que desumaniza.
A desumanização da imagem do inimigo, segundo nosso autor, também
pode ser um recurso psicológico de adaptação, quando, em um contexto de
guerra, por exemplo, mesmo que não seja consciente, torna-se fundamental
justificar a violência contra o outro para seguir sobrevivendo e sendo aceito
– ou tolerado – pelos grupos dominantes.

Em um dos seus textos sobre o tema, Martín-Baró (1988), apoiado nos
estudos de Joaquín Samaoya e Elizabeth Lira sobre Traumas em contexto de
guerra e ditadura, destaca quatro capacidades humanas que são empobrecidas
no processo de desumanização, são eles: (1) capacidade de pensar lucidamente;
(2) capacidade de se comunicar de maneira franca; (3) sensibilidade emocional
e empatia; (4) a capacidade de produzir esperança de um futuro melhor.
O progressivo distanciamento e isolamento entre grupos polarizados
contribui, significativamente, para a desumanização do outro, gerando o que
Martín-Baró (2000d) denominou de cristalização das relações sociais. Dentre
algumas características deste fenômeno, o autor cita a rigidez do sistema de
mando e hierarquias e o uso justificado da violência por infrações não admi-
tidas pelo grupo dominante. Ainda em referência a Samaoya, Martín-Baró
(1988) destaca cinco sintomas que podem emergir com a cristalização das
relações sociais em tempos de guerra e acirrada polarização social, que afetam
o campo cognoscitivo, afetivo e comportamental, que são: (1) desatenção sele-
tiva e um apego aos prejuízos causados pela situação de conflito; (2) rigidez
ideológica; (3) ceticismo frente a mudanças; (4) a defesa paranoide; (5) ódio
e desejo de vingança.
O papel da repressão política somado à mentira institucionalizada, para
Martín-Baró, gera uma espécie de esquizofrenia (entendida como dupla identi-
dade) naqueles que não se posicionam contra a desumanização dos adversários
elegidos pelo grupo dominante, mas ao mesmo tempo não podem se opor
à versão oficial da história. O mesmo ocorre, principalmente, para aqueles
sujeitos forçados a assumir uma dupla identidade – pró e contra o sistema
vigente – como é o exemplo dos movimentos clandestinos.
El clima imperante de mentira permea negativamente los fundamentos de

la identidad de las personas, y ello de diversos modos. Ante todo, porque la
obnulación de la realidad genera un descoyuntamiento esquizoide entre las
vivencias subjetivas y la vida social, que no ofrece un campo para formali-

zación validadora del proprio conocimiento o, en el mejor de los casos, lo
refiere a un circulo social excesivamente restringido. A esta dificultad de
formalización validante corresponde tanto el sentimiento de inseguridad
sobre lo que piensa como el escepticismo frente a las diversas opciones
sociales e políticas. Cuando la mentira tiene que ser asumida como forma
de vida y las personas se ven forzadas a llevar una doble existencia – el
caso de todos los que trabajan en la clandestinidad – el problema se agrava,
no tanto porque no se encuentre manera de formalizar y validar la propria
experiencia cuanto porque la necesidad de actuar en dos planos termina
por ocasionar una confusión ética y vivencial (Martín-Baró, 1975, p. 139).
Ainda sobre aspectos que envolvem tanto a desumanização do adversário

como a cristalização das relações sociais de poder, também em El valor psi-

cologico de la represion politica mediante la violencia (Martín-Baró, 1975),
nosso autor, ainda que não aborde diretamente o conceito de TPS, trata de um
tema importante para nosso objeto de estudo: os efeitos da violência repressiva
no repressor, no reprimido e no espectador.
Segundo Martín-Baró (1975), com base no conceito de dissonância cog-
nitiva de Festinger, os efeitos da violência para o repressor ou executor da
violência correspondem à negação do conhecimento sobre aspectos concretos
da vida do sujeito ou grupo que os levaram a sofrer uma determinada violên-
cia, justificando, assim, atos de violência dirigidas a uma população especí-
fica em um contexto específico, levando a um processo de desumanização e
cristalização das relações sociais. Assim, Martín-Baró (1975) traz uma linha
argumentativa do repressor, exemplificando como este personagem justifica-
ria seu ato de violência: “Así, aunque ‘no se debe matar’, éste a quien estoy
matando no es realmente una persona humana” (p. 744).
Sobre o reprimido ou aquele que sofre a violência, os efeitos são dois: a
passividade ou desenvolvimento de táticas para evitar o castigo ou o enfren-
tamento organizado da violência. Trataremos mais adiante do enfrentamento
da violência sob um viés de resistência, mas sobre esta questão, no momento,
cabe apenas mencionar que, para Martín-Baró (1975), o enfrentamento tende
a ocorrer mais em um cenário em que a violência é mais explícita. Para nosso
autor, quanto mais a violência é explicitamente repressiva menos o reprimido
tende a interiorizar os critérios éticos e ideológicos do repressor. Daí a impor-
tância de ir além da repressão física e da instrumentalização de processos
ideológicos de convencimento para estabelecer uma relação mais efetiva de
dominação: produzir um falso diálogo e somente acirrar os ânimos quando
necessário, fazer elogios superficiais em vez de unicamente xingar, menospre-
zar e violentar cotidianamente, incluir os excluídos quando for conveniente
no lugar de excluir explicitamente. Essas são algumas táticas sofisticadas de
38
dominação e que estão presentes, por exemplo, no voluntarismo e nas práticas

assistencialistas (Euzébios Filho, 2020; Gonçalves Filho, 1999).
Ainda sobre os efeitos da violência repressiva, desta vez sobre o espec-
tador, Martín-Baró (1975) cita alguns efeitos de tal violência nesse perso-
nagem: a desvalorização ou valorização da imagem do repressor e/ou do
reprimido, que dependerá de como se representa a situação de violência em
um dado contexto, além do aumento da agressividade e/ou do medo de se
tornar também vítima da violência. Martín-Baró também cita outro efeito com
base em Bandura e no conceito de aprendizagem vicária: vendo os efeitos da
violência no repressor, o espectador aprende, pela observação, que se deve
evitar determinados tipos de castigo, fazendo que também sejam evitados
atos de desobediência.

Dobles (2020) oferece um interessante resumo dos impactos da violência
repressiva com base em Martín-Baró. O autor destaca sete consequências
deste fenômeno:
Como el castigo, la violencia represiva es capaz de inhibir la ejecución de

determinadas conductas, al menos mientras su amenaza sea superior a la
fuerza de la necesidad o aspiración que esas conductas tratan de satisfacer.
La violencia represiva no produce por sí ningún cambio conductual, si no
se posibilita simultáneamente a su aplicación el aprendizaje de conductas
alternativas para la satisfacción de la necesidad o aspiración en juego,
tan pronto como cesa la violencia, reaparecerán (y con mayor fuerza) las
conductas reprimidas.
La eficacia de la violencia represiva para impedir ciertas acciones es mayor
en el reprimido que en el espectador.
Mientras es eficaz, la violencia represiva mantenida durante largo tiempo
produce una reacción de pasividad generalizada en la población.
La violencia represiva aumenta el nivel de frustración de diversos grupos
sociales, y, por tanto, su agresividad.
La violencia represiva produce una polarización cognitiva entre los gru-
pos sociales.
La violencia represiva constituye un modelo que enseña y refuerza los
hábitos de respuesta violentos en los individuos como la forma más eficaz
para resolver los problemas sociales y políticos, con el consiguiente dete-
rioro de la vida social que esto conlleva. (Dobles, 2020, p. 139).
Os elementos apresentados nesta seção podem ser compreendidos como

danos psicossociais (Dobles, 2016; Dobles & Muñoz, 2019; Dobles & Arroyo,
2020). Estes, segundo Martín-Baró, despertam mecanismos de adaptação a
uma situação aguda – como acirrada polarização, violência ou guerra – que,
como já dito, extrapolam a capacidade representacional de sujeitos e grupos

sociais, são sequenciais e perduram no tempo.
Uma situação de violência extremada, destaca Martín-Baró (1988), pode
fomentar insegurança frente ao destino e carência de propósito e, ainda, de
sentido do que se tem que fazer, o que leva indivíduos e grupos sociais, mui-
tas vezes, a buscar pertencer a um grupo que traga mais segurança e lhe dê
sentido e explicações sobre o que se está passando no mundo, contribuindo,
assim, para acirrar um cenário de polarização. Em outras palavras, a violência,
mentira institucionalizada e polarização social se retroalimentam.
Contudo, se os danos associados ao TPS são majoritariamente negativos,
veremos que as repostas Pós-TPS indicam pelo menos duas direções: as que
acentuam e prolongam estas características negativas, que vão no caminho
do fatalismo e da aceitação passiva, mas também as que rompem (parcial ou

completamente) com os danos psicossociais associados ao TPS e caminham
na direção da conscientização e da resistência popular.
CAPÍTULO 2
A SITUAÇÃO PÓS-TPS: entre o
fatalismo e a conscientização
Os elementos desencadeadores de um TPS e seus efeitos imediatos já
foram discutidos anteriormente e atingem, sobretudo, dois grupos: as camadas
populares e os grupos com participação ativa nos conflitos e nos processos
de polarização social.
A situação que antecede o TPS se caracteriza em um cenário conjuntural
da luta de classes e evidentemente na forma concreta que ela se manifesta em

um contexto de guerra civil, ditaduras, mas também em situações cotidianas
no Brasil e em outros contextos da América Latina, como: confronto policial
nas grandes cidades, causando genocídio da população negra, confronto entre
gangues ou grupos que disputam território e tráfico de drogas, mas também a
miséria avassaladora de parte significativa da população, daqueles que lutam
por moradia, trabalho e outros direitos sociais, e assim confrontam o Estado
ou se deparam com a violência das instituições e da sociedade como um todo.
Para prosseguirmos, é necessário esclarecer rapidamente o motivo de
utilizarmos as noções de Pré e Pós-TPS, uma vez que, como afirmamos ante-
riormente, este fenômeno é entendido como uma “consequência normal do
sistema capitalista”.
Apontamos algumas razões para isso:
1. reconhecer o TPS como resultado do modo de sociabilidade capita-

lista não implica em afirmar que toda população marginalizada e/ou
que atua no cenário de polarização política sofre, necessariamente,
um TPS ou vivencia um TPS da mesma maneira;
2. ainda que os danos psicossociais estejam presentes com mais ou
menos frequência no cotidiano nas populações marginalizadas e
ativas no conflito político, nem sempre eles são persistentes – a
violencia policial, por exemplo, pode se manifestar em diferentes
níveis de intensidade nas comunidades pobres e periféricas. Há de se
considerar, ainda, que a visão de mundo das populações marginali-
zadas não é homogênea e sim caracterizada pela diversidade de posi-
ções políticas, incluindo aquelas que endossam a ação repressora
da polícia e buscam ela para se proteger da ‘vizinhança violenta’
ou dos ‘bandidos’ – como sabemos, não há uma correspondência
necessária entre origem de classe e ideologia.
42
3. se a persistência dos danos psicossociais configura um TPS, é de

se reconhecer uma situação Pré-TPS quando estes danos ainda não
se tornaram persistentes, mesmo nas populações mais vulnerá-
veis, ainda que a diferenciação dialética entre Pré e Pós-TPS deva
levar em consideração as contradições do fenômeno e a realidade
em movimento;
4. por último, é possível reconhecer, ainda que relativamente, uma
condição de Pós-TPS, pois mesmo que a superação do TPS dependa
da superação das condições estruturais de injustiça e violência, não
podemos deixar de conceber a possibilidade de uma comunidade
ou grupo interromper a sequencialidade dos danos psicossociais.

Pois bem, após estes esclarecimentos buscamos analisar como o Pós-TPS
se manifesta dialeticamente entre o fatalismo e a conscientização, isto é, em
que direção as populações marginalizadas e ativas nos conflitos políticos res-
pondem aos danos psicossociais sequenciais, ao medo da repressão, à descon-
fiança nas relações interpessoais decorrentes da polarização, às intimidações,
repressões e violência política, entre outros.
2.1 Fatalismo e conscientização na ótica de Martín-Baró: uma

introdução
Uma vez compreendidos os cenários de opressão e exploração como

desencadeadores de TPS – o que Martín-Baró (1996) denominou de “injus-
tiça estrutural” – procuramos, neste momento, refletir sobre as respostas ao
TPS. Como dito, o cenário propício para produção do TPS é aquele operado
pela lógica de polarização entre grupos sociais, pela construção da imagem
do inimigo, pela violência e mentira institucionalizada (já existente muito
antes das chamadas fake news, como fica claro nos escritos de Baró). Estes
elementos podem gerar nos indivíduos e grupos, pelos menos, dois tipos de
respostas Pós-TPS, que podem coexistir com a predominância de um dos
lados5. Nossa formulação teórica caminha no sentido de que, assim como o
5 Para compreensão da dialética fatalismo x conscientização, tomamos como referencial a concepção de

Lukács sobre o que ele denominou de momento predominante, que aparece na formulação do filósofo
marxista no bojo da sua ontologia do ser social, isto é, da passagem do mundo natural para o “mundo dos
homens” (Lessa, 1992), que decorre quando a intencionalidade humana, posta socialmente a partir do
trabalho como elemento de transformação da natureza, atua como momento predominante em relação à
condição animalizada do ser natural. Dada a complexidade do conceito e sua formulação geral, basta apenas
mencionar duas utilidades da noção de momento predominante para nossa formulação teórica: que ela
supera a noção binária do fatalismo ou da conscientização como elementos absolutos, permitindo, assim,
que pensemos a determinação reflexiva entre estes dois fenômenos, sem que deixemos de considerar a
possibilidade de uma dimensão predominar sobre a outra. Trata-se aqui de refletir sobre a margem concreta
fenômeno da consciência política, a elaboração do TPS é um fenômeno em

movimento, mas que se movimenta entre o fatalismo e a conscientização6.
A elaboração do conceito de fatalismo é complexa na obra de Martín-
-Baró e passa, primeiramente, pelas críticas da Teologia da Libertação aos
princípios católicos dominantes, que propagam passividade diante de um
destino guiado por um Deus supremo. No plano teórico, passa por diferentes
referenciais, sendo a obra de Reich talvez a mais relevante. Nosso autor parte
de uma formulação acerca do conceito de caráter, defendo que este só pode
ser compreendido no interior da história e na cultura.
Un carácter no es una entidad abstracta ni absoluta. No es abstracta por

cuanto todo carácter lo es de un sujeto, y se expresa en y por la conducta.
No es absoluta, en cuanto que todo carácter se encuentra ubicado en una

estructura más amplia, socio-histórica, en cuyo seno adquiere existencia
como tal, es decir, unidad y sentido (Martín-Baró, 1998, p. 49).
A partir desse princípio histórico-cultural da noção de caráter, Martín-

-Baró visita Reich, que na sua clássica obra Psicologia das Massas e do
Fascismo afirma que toda forma social forma caráteres que necessita para
sua preservação. Assim, afirma Martín-Baró (1998)
Si el carácter supone la psicologización en el individuo de una determinada

situación socio-histórica, cabe pensar que han de darse isomorfismos, tanto
estructurales como funcionales, entre el carácter y un determinado régimen
político (realidad socio-histórica concreta). En el fondo, esta es la tesis de
W. Reich cuando afirma que “la estructura de carácter es la cristalización
del proceso sociológico de una determinada época” (Reich, 1965, 22). Este
no es un proceso casual, pero tampoco propiamente causal (en el sentido de
causa final): “todo orden social crea aquellas formas caracterológicas que
necesita para su preservación” (Reich, 1965, 20), ya que “las ideologías
de una sociedad pueden llegar a tener poder material sólo a condición de
de superação histórica, pela práxis, das condições objetivas, impostas pela sociedade de classes. Nesta
direção, afirma Lessa (1992, p. 49) “a nova esfera de relações posta pela objetivação, a materialidade – em
oposição à subjetividade, ao momento ideal – passa a exercer o momento predominante. É ela que coloca
as demandas às quais os indivíduos – e as sociedades como um todo – devem responder com ações
concretas se não desejam desaparecer. É ela, também, que circunscreve os limites objetivos de possibilidade
às alternativas abertas à ação humana em cada momento histórico”.
6 A noção de movimento dialético está constantemente presente na obra de Martín-Baró, inclusive na análise do
fatalismo e das respostas ao TPS. Por exemplo, mesmo influenciado por autores como Samaoya, Matín-Baró
(1988) tece críticas à noção que ele considera não dialética da condição pós-TPS. Nosso autor afirma que:
“El enfoque de Samayoa es mas amplio y, en principio, puede aplicarse a todos los sectores de la población,
ya que todos tienen que adaptarse a las nuevas circunstancias historicas. Pero es precisamente ese papel
tan nuclear atribuido a adaptación lo que encuentro insatisfactorio de este enfoque. Parecería que los grupos
y las personas son externos a la situación de guerra, a la que se verían obligados a adaptarse” (p. 137).
44
que alteren efectivamente las estructuras de carácter” (Reich, 1965, 23).

No se trata, por tanto, de una finalidad buscada intencionalmente por un
determinado sistema; se trata más bien de lo que podríamos llamar una
característica endonómica de toda estructura, en cuanto ley funcional con
vistas a la propia conservación. Ningún régimen político puede subsistir
a la larga si no logra transformar caracterialmente a los individuos que
constituyen la sociedad en la que se encarna. (p. 52-53).
A partir desta constatação, o fatalismo passa a ser compreendido como

um caráter desejável para a conservação da sociedade capitalista. Ele remete à
adesão de uma ideologia adaptacionista e que propaga submissão, potenciali-
zada em contextos violentos e de intensa dominação7. É também causado pela

internalização do medo ou da culpa política em relação à “entidade superior”
(na hierarquia das relações de poder), contribuindo, então, para naturalização
da violência política, assim como para propagação de modelos de justificação
de atos violentos e do próprio castigo (Martín-Baró, 1975). Mas o fatalismo se
materializa, sobretudo, em uma condição de apatia e naturalização da ordem
social e econômica. Segundo a definição do nosso autor:
Fatalismo es un término que proviene del latín fatum, que significa hado,
es decir, predicción, oráculo y, de ahí, destino inevitable. Algo es fatal
cuando es inevitable, pero también cuando es desgraciado, infeliz. En
castellano, por tanto, fatalidad tiene esa doble connotación de futuro ine-
vitable y desgraciado. El fatalismo es aquella comprensión de la existencia
humana según la cual el destino de todos está ya predeterminado y todo
hecho ocurre de modo ineludible. A los seres humanos no les queda más
opción que acatar su destino, someterse a la suerte que les prescriba su
hado. (Martín-Baró, 1998, p. 76).
Trata-se de uma consciência que funciona pelo presentismo, que não

questiona hierarquias e naturaliza relações de poder históricas como sendo
fruto, por exemplo, do egoísmo humano ou mesmo do destino reservado a
ele ou ao seu grupo social. Uma consciência fenomênica, ou como aponta
Kosik (1962), uma consciência embebecida de pseudoconcreticidade, que não
alcança os fatos históricos e a totalidade concreta em que a vida cotidiana está
inserida. Como consciência é também ação, o fatalismo também apresenta
determinados comportamentos. Segundo Martín-Baró (1998):
7 É interessante observar que, a partir desta formulação, Martín-Baró (1998) entende que a Psicologia deve
se ocupar, primordialmente, em analisar a influência do poder social e político na configuração psicológica.
Uma formulação semelhante aparece em outro texto denominado Entre indivíduo e sociedade: o que estuda
a Psicologia Social? em que o autor afirma que o objeto de estudo da Psicologia Social é analisar a ação
enquanto ideológica (Martín-Baró, 1983).
Los tres rasgos o tendencias comportamentales más características del

fatalismo son las siguientes:
1. El conformismo respecto a las exigencias del propio destino. Ante la
ineluctabilidad de las circunstancias en que uno se encuentra y de los
acontecimientos que a uno se le ocurren, no queda más alternativa que la
de conformarse. La sumisión a las imposiciones del destino, es decir, el
realizar lo más fielmente posible lo que se le exige y de la manera que se
le exige constituye la única forma adecuada de aceptar la propia suerte y
de evitarse problemas adicionales;
2. La pasividad frente a las circunstancias de la vida. Puesto que nada
puede hacerse por cambiar el propio destino o por evitar que tengan lugar
los acontecimientos más significativos de la existencia, carece de sentido el
esforzarse por mejorar la propia suerte, el tener iniciativas o el empeñarse

en alterar el curso de las cosas. La pasividad representa la forma racional-
mente más cómoda de adaptarse al destino fatal;
3. La reducción del horizonte vital al presente. Lo único que cuenta es el
aquí y el ahora, tanto para bien como para mal. El conocimiento del pasado
o la predicción del futuro tan sólo sirven para confirmar la inevitabilidad
del destino. Puesto que nada esencial puede alterarse, es inútil planificar
o pretender aquello a lo que se está predestinado. Hay que responder a las
exigencias inmediatas de la vida, tratando de que resulten lo menos negati-
vas posibles y extrayendo el máximo de sus posibilidades positivas. (p. 78).
Martín-Baró (1998) reflete sobre os atores e personagens propagadores

do fatalismo e elenca três instituições como sendo as principais responsáveis:
igreja, família e sistema escolar. São estas instituições que cumprem um papel
fundamental nos processos de socialização e na internalização de valores. O
trecho abaixo, quando cita um exemplo corriqueiro de uma criança periférica,
traz questões importantes para reflexão ao mencionar, por exemplo, o papel
da família e a escola.
El niño de las favelas o champas marginales introyecta el fatalismo no

tanto como una herencia paterna, cuanto como el fruto de su propia expe-
riencia frente a la sociedad: día a día aprende que sus esfuerzos en la
escuela no sirven para nada o casi nada, que la calle recompensa mal su
dedicación laboral prematura como vendedor de periódicos, cuidador de
carros o limpiabotas y que, por tanto, es mejor no soñar ni trazarse metas
que nunca podrán alcanzarse. La resignación sumisa la aprende no tanto
como fruto de una transmisión de valores en una subcultura cerrada, cuanto
como verificación cotidiana de la inviabilidad o inutilidad de cualquier
esfuerzo para cambiar significativamente su propria realidad. (Martín-
-Baró, 1998, p. 90).
46
Neste exemplo cotidiano, fica claro compreender – a exemplo do TPS – a

transgeracionalidade e a sequencialidade do fatalismo e o papel das referidas
instituições neste processo. A função política do fatalismo é clara: administrar
a consciência política, amenizar revoltas e reproduzir o modo de sociabilidade
capitalista da maneira mais automática e naturalizada possível, minimizando,
assim, esforços militares e de repressão física.
Martín-Baró menciona a obra de Paulo Freire para tratar do processo de
reprodução do fatalismo, quando cita a Pedagogia do Oprimido, por exemplo
(Martín-Baró, 1998). Mas a obra de Freire também está presente para definição
do conceito de conscientização (Martín-Baró, 1996).
A conscientização se apresenta como o caminho reverso do fatalismo,
ainda que ambos os fenômenos possam coexistir, como discutimos em outras

oportunidades (Euzébios Filho & Guzzo, 2018). Seria, porém, o caminho
ético-político contrário àquela consciência dominada, como queria Freire
(2001), que naturaliza as relações de poder.
Freire (2001) denominou consciência dominada aquela que “não toma
suficientemente distância da realidade a fim de objetivá-la e conhecê-la criti-
camente” (p. 73). Já o que chamou de consciência transitiva é a “consciência
ingênua, tão dominada quanto a anterior, mas indiscutivelmente mais alerta
com relação à razão de ser de sua própria ambiguidade [entre ser e não ser
dominado]” (Freire, 2001, p. 75).
A consciência emancipada, ainda segundo Freire (2001), seria um nível
de consciência que está acima dos outros dois, ainda que estes níveis sejam
compreendidos de maneira dialética e não absolutas. É neste nível que o
processo de conscientização se torna o momento predominante em relação,
por exemplo, ao fatalismo.
Conscientização é um processo caracterizado pela decodificação das
injustiças sociais e ao mesmo tempo pela geração de práticas de enfrentamento
destas injustiças, buscando alternativas concretas para superação das mazelas
produzidas pelo capitalismo. A conscientização, segundo Freire (2001) e Mar-
tín-Baró (1996), pressupõe uma associação dos indivíduos a grupos sociais
que se organizam para enfrentamento e superação (mesmo que relativa) do
cenário de violência, opressão e desigualdades. Não se trata, contudo, de uma
simples associação de indivíduos, mas um entrelaçamento social que produz
novas identidades, novas formas de enxergar o mundo e as relações de poder.
Abaixo destacamos um longo trecho, de um texto relativamente bem
difundido no Brasil, mas que traz de maneira clara como o conceito de cons-
cientização foi apropriado por Martín-Baró (1996):
Como é sabido, conscientização é um termo cunhado por Paulo Freire

para caracterizar o processo de transformação pessoal e social que
experimentam os oprimidos latino-americanos quando se alfabetizam em

dialética com o seu mundo (Freire 1970, 1971, 1973; INODEP, 1973). Para
Freire, alfabetizar-se não consiste simplesmente em aprender a escrever
em papéis ou a ler a letra escrita; alfabetizar-se é sobretudo aprender a ler
a realidade circundante e a escrever a própria história. O que importa não é
tanto saber codificar e decodificar palavras estranhas, mas aprender a dizer
a palavra da própria existência, que é pessoal, mas, sobretudo, é coletiva.
E, para pronunciar esta palavra pessoal e comunitária, é necessário que
as pessoas assumam seu destino, que tomem as rédeas de sua vida, o que
lhes exige superar sua falsa consciência e atingir um saber crítico sobre si
mesmas, sobre seu mundo e sobre sua inserção nesse mundo. O processo
de conscientização supõe três aspectos: a. o ser humano transforma-se
ao modificar sua realidade. Trata-se, por conseguinte, de um processo

dialético, um processo ativo que, pedagogicamente, não pode aconte-
cer através da imposição, mas somente através do diálogo. b. Mediante
a gradual decodificação do seu mundo, a pessoa capta os mecanismos
que a oprimem e desumanizam, com o que se derruba a consciência que
mistifica essa situação como natural e se lhe abre o horizonte para novas
possibilidades de ação. Esta consciência crítica ante a realidade circun-
dante e ante os outros traz assim a possibilidade de uma nova práxis que,
por sua vez, possibilita novas formas de consciência. c. O novo saber da
pessoa sobre sua realidade circundante a leva a um novo saber sobre si
mesma e sobre sua identidade social. A pessoa começa a se descobrir em
seu domínio sobre a natureza, em sua ação transformadora das coisas, em
seu papel ativo nas relações com os demais. Tudo isso lhe permite não só
descobrir as raízes do que é, mas também o horizonte do que pode chegar
a ser. Assim, a recuperação de sua memória histórica oferece a base para
uma determinação mais autônoma do seu futuro. A conscientização não
consiste, portanto, em uma simples mudança de opinião sobre a realidade,
em uma mudança da subjetividade individual que deixe intacta a situação
objetiva; a conscientização supõe uma mudança das pessoas no processo
de mudar sua relação com o meio ambiente e, sobretudo, com os demais.
Não há saber verdadeiro que não seja essencialmente vinculado com um
saber transformador sobre a realidade, mas não há saber transformador
da realidade que não envolva uma mudança de relações entre os seres
humanos (p. 15-17).
A conscientização, semelhante ao fatalismo, é um fenômeno (re)pro-

duzido nos processos de socialização, mas ao contrário, caracteriza-se pelo
questionamento da realidade em si e pela produção de processos coletivos
de resistência ao que impõe, de maneira tradicional, a família, a igreja e a
educação bancária. Novamente recorremos ao nosso autor, que afirma:
48
Em primeiro lugar, a conscientização responde à situação de injustiça,

promovendo uma consciência crítica sobre as raízes, objetivas e subjetivas,
da alienação social. Uma simples consciência sobre a realidade não supõe,
por si só, a mudança dessa realidade, mas dificilmente se avançará com
as mudanças necessárias enquanto um véu de justificativas, racionaliza-
ções e mitos encobrir os determinismos últimos da situação dos povos
centro-americanos. A conscientização não só possibilita, mas facilita o
desencadeamento de mudanças, o rompimento com os esquemas fata-
listas que sustentam ideologicamente a alienação das maiorias populares
(Martín-Baró, 1996, p. 18).
E Martín-Baró conclui:

Finalmente, a tomada de consciência aponta diretamente ao problema da
identidade tanto pessoal como social, grupal e nacional. A conscientização
leva as pessoas a recuperar a memória histórica, a assumir o mais autêntico
do seu passado, a depurar o mais genuíno do seu presente e a projetar
tudo isso em um projeto pessoal e nacional8. (Martín-Baró, 1996, p. 18).
É importante lembrar, mais uma vez, que fatalismo e conscientização

devem ser compreendidos em uma relação dialética, de determinação refle-
xiva. São dois momentos da consciência de classe. Neste sentido, seguimos o
pensamento de Lukács (1921/2001), quando afirma que a consciência de classe
é um fato histórico, em constante movimento. O momento predominante se
apresenta como resultado de múltiplas determinações: uma combinação do
desenvolvimento histórico, das relações sociais de produção e reprodução e
da ação dos sujeitos organizados ou da passividade dos sujeitos fragmentados.
2.2 Pós-TPS entre o fatalismo e a conscientização
Continuaremos a empreender esforços para demonstrar que, em termos

gerais, a situação Pós-TPS deve ser compreendida na dialética fatalismo x
8 Já discutimos em outra oportunidade (Euzébios Filho & Gradella Júnior, 2020) que a noção de conscientização
difere, por exemplo, da concepção marxiana de consciência de classe e que ela ilustra o momento histórico
vivido tanto por Paulo Freire como por Martín-Baró. A menção a um projeto nacional é reflexo disso, assim
como a aposta em um modelo de formação de base, como os círculos de cultura propostos por Paulo
Freire e que parecem configurar uma das molas propulsoras do processo de conscientização. Também é
evidente que estes elementos convivem, em Martín-Baró, com a aposta no partido revolucionário, como
fica claro em análise em torno da conjuntura de El Salvador (ver, O Psicólogo no Processo Revolucionário,
Martín-Baró, 2017). Não nos aprofundaremos aqui sobre a temática, mas para uma análise comparativa
entre o conceito de conscientização e a concepção marxiana, consultar a obra mencionada (Euzébios Filho
& Gradella Júnior, 2020). Para um estudo preliminar da concepção marxiana de consciência de classe ver
Marx e Engels (1985/2007), Marx (1852/2011) e História e consciência de classe (Lukács,1921/2001).
conscientização. O Pós-TPS pode se caracterizar, predominantemente, por

situações de relativa superação do fenômeno marcadas pelo processo de cons-
cientização, mas também por cenários de defesa (para suportar a dor) ou
por comportamentos reativos, marcados predominantemente pelo fatalismo.
Lembrando que estas respostas são de grupos sociais e não de indivíduos iso-
lados, ainda que ela ocorra na relação entre sujeitos, grupos e classes sociais.
Retomando também a ideia de que, sem a superação do modo de socia-
bilidade que produz o TPS, a superação deste fenômeno é considerada de
maneira parcial ou como superação de um ou mais danos psicossociais asso-
ciados ao TPS. É por isto que devemos mais uma vez relativizar as noções de
Pré e Pós-TPS, diferenciá-las da leitura clássica do estresse pós-traumático e
levar em conta a possibilidade de uma retraumatizacão de grupos constante-

mente marginalizado por gerações (Dobles, 2016).
Pois bem, o medo generalizado, a elevação do sentimento fatalista, o
enfraquecimento da autoconfiança e da confiança em relação aos outros, a
fragmentação da memória histórica e da identidade como grupo e/ou classe
são alguns dos danos psicossociais caracterizados como respostas negativas,
de adaptação ou conformidade social, que segundo Martín-Baró (1988; 2000b;
2000c) também se manifestam como situações Pré e/ou Pós-TPS.
Ao contrário, o Pós-TPS pode se caracterizar por processos de cons-
cientização quando se nota, por exemplo, a organização de grupos para
enfrentamento de fenômenos oriundos da opressão e exploração, quando há
mobilização coletiva para superação de processos difamatórios, de um cenário
de polarização ou mesmo de uma injustiça social. Logo, a situação geradora
do TPS também pode resultar no fortalecimento da identidade e da memó-
ria histórica, assim como para intensificar a participação e a representação
política, por exemplo. Nesses casos, são caminhos positivos para superação
relativa do TPS. Nessa direção, tomando como referência Martín-Baró (1996;
1998), podemos entender que a variação ou predomínio do fatalismo, ou da
conscientização, em um grupo que viveu um TPS, tem relação com três aspec-
tos: (1) recuperação/fortalecimento da memória histórica; (2) organização
popular; (3) prática ou solidariedade de classe.
No contexto atual, marcado pelo neoliberalismo e todas as consequências
econômicas e sociais desta etapa do modo de sociabilidade capitalista, com o
esgarçamento dos vínculos de coletividade e o imperativo do individualismo,
temos milhares de pessoas – sejam ricas ou pobres – desorganizadas, apa-
rentemente sem enraizamento institucional, comunitário ou grupal (é o que
descreve por caminhos distintos diversos autores, dentre eles, Bauman, 2003, e
Dardot & Laval, 2016). Tais pessoas veem laços de solidariedade fragilizados
em um cenário marcado pela ditadura do consumismo, da competitividade
50
e da meritocracia liberal9. Sem vínculos sólidos de representação e partici-

pação política, estes indivíduos tendem a se comportar de maneira fatalista:
naturalizam a injustiça, uma vez que, isolados, não enxergam horizontes de
transformação. Ou ainda: conseguem identificar elementos cotidianos e estru-
turais de injustiça social, mas não encontram ferramentas para superação, uma
vez que muito pouco pode ser feito individualmente. A situação de violência
e desigualdade social também pode desencadear medo, apatia ou um com-
portamento reativo, causando uma aproximação com grupos polarizados na
sociedade de hoje.
Os grupos polarizados tendem a se tornar ainda mais homogêneos ou
coesos à medida que se acirra a polarização e o abismo entre a pobreza e a
riqueza. Na disputa pelo poder (e por narrativas do poder), os grupos domi-

nantes geralmente dispõem de mecanismos capilarizados de propagação de
suas ideias e encontram nos indivíduos isolados uma presa fácil. Estes sujeitos
desenraizados – para usar uma valorosa expressão de Simone Weil (1943) –
se apegam muitas vezes aos modelos preferenciais de análise, como lembra
Martín-Baró (1998), que são ideologias que buscam normatizar o modo de
valorar as coisas, os outros e a si mesmo, sob a ótica da classe dominante,
propagando senso comum e formas simplificadas de enxergar os problemas da
sociedade. Estes esquemas preferenciais de análise, cujo mote é o fatalismo,
são propagados pelas instituições sociais, pelo próprio Estado e atualmente são
amplamente difundidos pela grande mídia, mas também pelas redes sociais,
sem qualquer controle de verificação das notícias falsas.
Esquemas preferenciais de análise (ou esquemas fatalistas) são esquemas
de simplificação das questões complexas da vida em sociedade baseados em
estereótipos. São esquemas de caráter cognitivo-afetivo que transformam, por
exemplo, trabalhadores em vagabundos, parasitas sociais em trabalhadores,
movimentos de resistência em quadrilhas de bandidos, entre outras associa-
ções ideológicas que visam desqualificar a imagem dos subalternos e de quem
resiste de alguma maneira à ordem social e econômica (Martín-Baró, 1998).
Ao criar uma visão simplificada, universalista e ideológica de um grupo,
este se torna alvo, muitas vezes, de ódio, medo ou aversão, tornando-o não
mais diferente, mas adversário ou inimigo de determinados setores que passam
9 Pavón-Cuellar (2017), psicólogo social mexicano, faz uma discussão relevante sobre a relação do
neoliberalismo – e todas suas manifestações sociopolíticas – com o que ele denominou de dano subjetivo.
De base marxista e lacaniana, o autor discute a noção de dano subjetivo relacionada à violência colonial,
um tipo de violência associada aos processos de colonização que perduram nos países da América Latina
e se acirraram no neoliberalismo. Assim, o autor chama atenção para a violência sofrida pelas populações
tradicionais e mais pobres do continente latino-americano, culminando em um dano subjetivo de natureza não
apenas individual, mas coletiva, acirrada pelo individualismo, pela meritocracia, pela opressão, pelo fetiche da
mercadoria e outros fenômenos. Embora o autor não tenha procurado estabelecer uma articulação explícita
com o conceito de TPS, suas reflexões certamente contribuem para ampliar a compreensão do conceito.
a enxergar assim grupos social e economicamente vulneráveis, ou que resis-

tem. Trata-se de uma simplificação do adversário, como dissemos, que serve
à simplificação de suas causas políticas, abrindo caminho para desumanização
de grupos que lutam contra o mesmo poder estabelecido.
Os indivíduos isolados tornam-se, portanto, vulneráveis social e afeti-
vamente e tendem a formam suas opiniões com base nos difusores do pensa-
mento hegemônico, tendendo, ainda, a se apegar aos grupos homogêneos ou
simplesmente crer que são parciais diante da vida política. Esta consciência
média ou automatizada (Kosik, 1962), segundo Martín-Baró (2000), pode se
constituir como um dos mecanismos adaptativos do sujeito isolado, para que
ele possa suportar a situação-limite, caracterizada por um cenário de intensa
violência e desigualdades sociais (Oliveira et al., 2014).
A adaptação social, contudo, nem sempre deve ser compreendida como

sinônimo de submissão e fatalismo. A adaptação, no sentido trazido por Mar-
tín-Baró (1998), muitas vezes é resultado de uma compensação psicológica
em meio ao sofrimento quase insuportável, mas não corresponde, necessaria-
mente, à naturalização de uma situação de opressão, desigualdade e injustiça.
É o que nos mostra Úrsula, personagem criada por Gabriel García Marquez
(2014) em seu romance Cem anos de solidão. Em um cenário de guerra, ela é
mãe que busca aceitar a possível perda do filho, general do exército rebelde,
mas não a situação da guerra e de humilhação que trouxe tantos danos a ela,
à sua família e à comunidade. Sitiada, a mãe do general derrotado se fecha
em sua casa e diz: “Vamos apodrecer aqui dentro, pensou. Vamos virar cinzas
nesta casa sem homens, mas não daremos a este povoado miserável o prazer
de nos ver chorar” (p. 214).
Na sequência da narrativa literária, quando descobriu que seu filho havia
sobrevivido e que isso provocara uma comoção popular, podendo alterar o
destino dos rebeldes, lê-se que Úrsula:
Com uma vitalidade que parecia impossível em sua idade ... tinha voltado
a rejuvenescer a casa. “Agora vocês vão ver quem sou eu”, disse quando
ficou sabendo que seu filho vivera. “Não haverá casa melhor, nem mais
aberta a todo mundo, do que esta casa de loucos”. [...] Determinou o fim
de numerosos lutos superpostos, e ela mesma trocou as velhas roupas
rigorosas por outras, juvenis (Marquez, 2014, p. 219).
O exemplo de Úrsula, ainda que fictício, retrata respostas adaptativas

mais propositivas a uma situação de TPS. Respostas que ainda são individuais,
mas não são aquelas simplesmente baseadas na resignação diante de um
destino imutável. Da mesma maneira, a adaptação nem sempre é individual
e nem sempre é passiva. São, portanto, diferentes respostas adaptativas que
constituem o Pós-TPS.
52
Para Martín-Baró (1998), o fatalismo também pode se manifestar como

uma resposta adaptativa a uma situação de TPS – uma situação que, se carac-
terizada pela fragmentação de laços coletivos, pela perda de esperança na
mudança e acirramento do individualismo, pode ser melhor encarada indivi-
dualmente se for naturalizada e aceita passivamente. É o que Blanco e Díaz
(2007) chamam de a dupla face do fatalismo.
Atualmente é possível identificar uma variedade de estudos sobre o fata-
lismo em populações urbanas e rurais. Rosa (2020), por exemplo, em estudos
com agricultores destaca como o fatalismo está associado ao enfraquecimento
da agricultura familiar no mundo do trabalho na atualidade, ao sistema cada
vez mais intensificado de exploração das famílias camponesas e a falta de
novas oportunidades de trabalho. Ainda que a autora traga relatos que indi-

cam resistência dos camponeses do interior de um Estado da região Sul do
Brasil, a situação narrada retrata uma condição de endividamento, desamparo
e isolamento sociopolítico.
O estudo de Cidade e Ximenes (2012) revela como o fatalismo se mani-
festa em jovens da periferia de uma grande cidade brasileira, e indica como
manifestações das atitudes fatalistas: crença no sucesso como resultante do
esforço individual e da vontade divina, descrença nas instituições sociais,
silenciamento e distanciamento emocional diante de situações desagradáveis
e incômodas. Pesquisas como a de Sánchez (2005) estabelecem uma relação
entre o crescimento do fatalismo e o que denomina de círculos de violência
em contextos urbanos na Colômbia. No mesmo país, Valencia (2016) analisa
como o fatalismo se manifesta no cenário das negociações entre o governo
nacional e as guerrilhas, gerando um clima artificial de paz e uma crença
ingênua de alguns setores da sociedade de que as autoridades governamentais
são responsáveis por isso.
Llanos, Macías, Blanco, Orozco, Palácio, González, Palecio e Mendéz
(2009) realizaram uma análise do TPS associado ao fatalismo e ao bem-estar
de populações que sofreram violência política também no contexto colom-
biano. Retratam uma experiência concreta de populações que tiveram que se
deslocar por conta da violência materializada em mortes, perdas materiais e
desenraizamento comunitário:
Las experiencias de violencia que experimentaron estas personas, pueden

reforzar la creencia de que no existe quien les garantice sus derechos. El
trauma también disminuye la actualización social de los desplazados,
puesto que cuestiona las creencias sobre el funcionamiento y propósito
del mundo; por tanto, pueden perder fácilmente el interés por su medio
circundante, hasta el punto de caer en la total despreocupación, aumen-
tando su pasividad y conformismo. (p. 467).
Os autores concluem, dentre outros aspectos, que as violências geradas

pelos deslocamentos urbanos forçados das populações estudadas, por questões
relacionadas à violência policial e ao tráfico de drogas, geram uma situação
de TPS. Uma das repostas Pós-TPS caracteriza-se como fatalista. Ainda nas
palavras dos autores:
El fatalismo se encuentra asociado a la disminución de la contribución que

las personas desplazadas pueden hacer hacia la sociedad. Según lo encon-
trado, ellos consideran que no disponen de tiempo ni energía para aportar
algo a la sociedad. Esto último refleja la pasividad y el conformismo ante
los sucesos, debido a que no tiene sentido esforzarse por cambiar algo que
en últimas, no se puede lograr (Llanos et al., 2009, p. 467).
Este tipo de resposta fatalista, segundo os autores, constitui-se um obs-

táculo, embora não intransponível, para o que denominam de bem-estar sub-
jetivo e a saúde mental daquelas populações10.
Estas e outras pesquisas revelam contextos sociopolíticos que favo-
recem comportamentos fatalistas e adaptativos. Mas, como dito, a adap-
tação passiva é apenas uma das respostas ao que Martín-Baró caracteriza
como situação-limite:
Segundo sua perspectiva [de Martín-Baró], as situações-limite são aque-

las situações cotidianas que desvelam o contraponto da relação entre o
sujeito e a sociedade, revelam a constituição da subjetividade a partir de
circunstâncias objetivas e anunciam as máximas possibilidades singulares
constituídas pelo coletivo. A situação da guerra revela os limites da resis-
tência, do confronto, da organização e do desenvolvimento que não está
fadado à doença mental. (Moreira & Guzzo, 2015, p. 575).
Para Oliveira et al. (2014), Martín-Baró retrata a situação-limite como

aquela situação vivida pelo “oprimido”, narrada por Paulo Freire, como
aquela vivenciada pelo cidadão latino-americano, retratado por José Vieira
Pinto. Ainda assim, os autores lembram que as situações-limite podem
10 Há uma série de estudos que associam TPS ao bem-estar social e subjetivo (por exemplo, Blanco &
Díaz, 2004), mas que, embora sejam muito ricos, caminham em outra direção teórica, pois não articulam,
explicitamente, o TPS a uma concepção marxista de sujeito e sociedade. Isto é facilmente explicável,
considerando a amplitude do pensamento de Martín-Baró, ainda que nosso autor tenha apresentado claros
princípios do materialismo histórico e dialético na sua obra, como: a noção de verdade histórica, de luta de
classes como elemento fundante do modo de sociabilidade capitalista, incidindo diretamente nos processos
de socialização, e a concepção de historicidade do fenômeno psicológico, compreendido a partir da unidade
dialética entre subjetividade e objetividade. Para um debate sobre os vieses teóricos de Martín-Baró, consultar
Lacerda Júnior (2007) e Dobles (2016). Um outro olhar sobre a obra do nosso autor pode ser observada
em Blanco (1998).
54
promover comportamentos altruístas e fortalecer laços de solidariedade.

Na crise, também é possível criar e resistir.
A reposta positiva à situação-limite pode gerar, como já dissemos, uma
oportunidade de superação relativa de um TPS, marcada, por exemplo, por
processos de conscientização e organização popular. Acreditamos ser este o
caso de diferentes movimentos campesinos no Brasil e na América Latina
que rompem com esquemas preferenciais de análise e o fazem a partir do
enraizamento promovido pelas lutas sociais. São grupos organizados a partir
de uma demanda concreta, para estancar uma ferida aberta, como aqueles
que perdem a moradia por desastres ambientais ou por questões econômicas
e políticas. Refere-se a todo um grupo de pessoas que, ao se organizarem em
torno de uma questão muito essencial, se sustentam em movimentos como

o Movimento Sem Terra (MST) e Movimento de Trabalhadores Sem Teto
(MTST), para trazer exemplos do Brasil. Também poderíamos citar outros
movimentos históricos na América Latina que caminham ou caminharam nessa
direção: os zapatistas no México, o Sandinismo na Nicarágua, a própria Frente
Farabundo Martí de Libertação Nacional (FMLN) em El Salvador, citada
tantas vezes por Martín-Baró (2000), entre outros tantos de ontem e hoje.
A importância da organização popular é mencionada, à sua maneira e
em seu tempo histórico, por Bertold Brecht em seu poema Elogio ao par-
tido. Ele diz:
O indivíduo tem dois olhos / O Partido tem mil olhos / O Partido vê sete
Estados O indivíduo vê uma cidade/ O indivíduo tem sua hora/ Mas o
Partido tem muitas horas / O indivíduo pode ser liquidado/ Mas o Partido
não pode ser liquidado / Pois ele é a vanguarda das massas/ E conduz a
sua luta/ Com o método dos Clássicos, forjados a partir/ Do conhecimento
da realidade. (retirado de Konder, s. d.).
Sem entrar no mérito da polêmica relação entre partido e movimentos

sociais e entre vanguarda e as massas populares, queremos apenas chamar
atenção para a centralidade da organização coletiva na ampliação do horizonte
ético-político dos indivíduos que a compõem e para a superação (mesmo que
relativa) de um TPS.
Os grupos mencionados acima são organizações que enfrentaram ao
longo da história um TPS advindo da perda de moradia ou das terras indí-
genas, da mentira institucionalizada e tentativas de desqualificação da ima-
gem dos militantes, tentativas de eliminação da expressão cultural dos povos
tradicionais, do genocídio da população, miséria e da opressão, entre outros
fenômenos sempre acompanhados de diferentes formas de violência. Esses
elementos, embora devam ser enquadrados em um cenário de luta de classe,
se caracterizam também como TPS, pois têm repercussões psicossociais: alte-

rações negativas na dinâmica de vida de indivíduos, famílias e grupos, quebra
de vínculos comunitários causados por deslocamentos urbanos forçados, medo
gerado pela violência, pelo risco de encarceramento ou de morte, perseguição
política, entre outros elementos que podem gerar enfraquecimento da memória
coletiva, como desenraizamento e isolamento social, sem contar as perdas
materiais e dos direitos sociais, entre outros exemplos que confirmam um
cenário de cristalização e desumanização das relações sociais.
As respostas Pós-TPS de populações que se organizam em defesa de
direitos básicos, como a moradia, certamente lidam com o medo da repressão
policial e da violência gerada pela desumanização daqueles que lutam em
defesa da vida. O julgamento que se faz de atos de ocupação – sob a ótica da
grande mídia e daqueles que propagam os esquemas preferenciais de análise,

referendando os valores liberais fincados no individualismo e na propriedade
privada – tornam os ocupantes em “invasores” que tomam a terra alheia, logo,
são “bandidos” que merecem violência e repressão. Assim, é criminalizada
a imagem de milhares de trabalhadores e trabalhadoras que buscam garantir
nada mais que um direito constitucional: moradia e terra produtiva.
Para combater tal processo de difamação ou de mentira institucionali-
zada, determinados movimentos sociais atuam no campo da ação e formação
política. Segundo Cunha et al. (2017), em estudo que apresenta uma revisão
bibliográfica de estudos sobre a dinâmica de ocupações de terra empreendidas
por movimentos organizados, como o MTST:
Quando os sem-teto se engajam numa ocupação, eles têm como interesse

a construção de casas para satisfazer suas necessidades imediatas. Porém,
a prática política desses indivíduos em ocupações planejadas e mediadas
pelos movimentos de luta pela reforma urbana, o engajamento nas mobi-
lizações em defesa da moradia, as formações teórico-políticas de base
crítica acabam por fazer dessas ocupações um espaço de enfrentamento
à lógica da cidade do capital (p. 165).
E, finalmente, Cunha et al. (2017) concluem que:
Os movimentos de luta por moradia, ao buscarem organizar suas tarefas

a partir de práticas e valores diferentes daqueles que circulam de forma
naturalizada na sociedade de classes, acabam criando condições para que
seus militantes construam uma visão de mundo crítica ao capitalismo,
projetando um horizonte onde outra sociedade seja possível (p.169).
A busca por direitos sociais torna-se mais ampla e efetiva se acompa-

nhada de dois elementos fundamentais: (1) um processo formativo e crítico
56
(Cunha et al., 2017) que contribua para a decodificação das relações de poder
na sociedade (Freire, 2001); (2) uma dinâmica de atividade coletiva que pro-
duza cooperação, como, por exemplo, é o caso das cozinhas comunitárias do
MTST, citadas por Boulos (2012). O movimento torna-se, assim, para muitos,
uma forma de combater o fatalismo e o TPS.
Boulos (2012) afirma que o movimento pela moradia, como represen-
tação de uma organização popular em torno de direitos sociais, ao conseguir
gerar laços de solidariedade, traz elementos de estabilidade psicológica a uma
situação que só era conhecida de maneira caótica, permitindo elaborar um
plano (coletivo) para seu enfrentamento. O efeito psicológico no indivíduo,
mostra-nos Boulos, passa pela promoção de encontros que potencializam

afetos positivos: esperança ao invés do medo, por exemplo. Assim, o que
extrapolava a capacidade representacional do indivíduo, agora torna-se objeto
de conscientização para um coletivo organizado.
A ação do indivíduo como sujeito político pressupõe a construção de uma
identidade coletiva que promova afetos positivos, mas também conquistas
práticas que fortaleçam a esperança e a confiança no futuro – ainda que estas
conquistas sejam, por exemplo, reparações por atos anteriores de violência.
São elementos fundamentais que podemos encontrar em movimentos sociais
que, em alguma medida, superam esquemas fatalistas.
Apesar de distinto em sua natureza e manifestação, outro exemplo de
resistência é o movimento conhecido como “Mães de Maio”. Um movimento
nacional, que segundo uma das próprias participantes, em depoimento colhido
por reportagem realizada em 2016 (Brito, 2016), é formado por:
“Mulheres donas de casa, mas que aprendeu, ao longo desses anos, a tra-
balhar com esse sistema. E quando as donas de casa saem de suas casas e
começam a militar perante o Brasil, acabam ultrapassando as fronteiras.
O nosso grito é um grito que tem que ecoar porque nosso país é um país
omisso. É inaceitável que em maio de 2006, no espaço de uma semana,
se matem mais de 600 pessoas”, explica Débora Maria Silva, fundadora
do movimento. (p. 3).
É um movimento que, segundo uma das fundadoras, nasceu após uma

série de chacinas de jovens da periferia brasileira, que ocorreu no mês de
maio de 2006, cometidas pelas forças do Estado. As mães decidiram, então,
se organizar para enfrentar esta situação de violência de Estado. Vamos ao
depoimento, também colhido na reportagem (Brito, 2016), de outra partici-
pante do movimento, quando ela relata o amparo e a “força” que sentiu após
conhecer o movimento:
“Quando conheci as Mães, eu ganhei força”, afirma Irone Santiago.

Ex-moradora da favela da Maré, ela conheceu a organização no ano pas-
sado, depois de ver sua vida destruída quando o filho, Vitor Santiago,
foi baleado, aos 29 anos, por militares do Exército na Unidade de Polí-
cia Pacificadora. O jovem perdeu uma perna e parte dos pulmões, ficou
paraplégico e passou a necessitar de cuidados constantes da mãe. Sem
referência sobre o que fazer, Irone se sentia perdida até ter contato com
as Mães de Maio (p. 2).
Irone, assim como Débora, então, donas de casa tornaram-se também

sujeitos políticos. Com o movimento, segundo os depoimentos, parece ter
havido uma reconfiguração da autoimagem, uma elaboração coletiva do luto
pela morte de seus filhos, um respiro de esperança por dias melhores. À

mesma conclusão chegou Freitas (2002) sobre o movimento que ficou conhe-
cido como mães de Acari (favela localizada na cidade do Rio de Janeiro).
Segundo a autora:
O drama de Acari começou em julho de 1990, com o desaparecimento

de onze pessoas, sendo três meninas e oito rapazes. Desses onze, oito
eram menores de idade. Os “Onze de Acari”, como ficaram conhecidos,
desapareceram realmente em Magé, num sítio pertencente a avó de um
dos desaparecidos. Estes são, em sua maioria, pertencentes a favela de
Acari, ou de suas proximidades. Aparentemente, o grupo viajou para fugir
de policiais que estavam tentando extorquir dinheiro de alguns deles que
tinham envolvimento em assaltos e roubos de cargas de caminhão. Bandi-
dos ou não, o fato concreto é que estes jovens foram retirados deste [sic]
sítio numa noite de julho de 1990 por homens que se diziam policiais e
nunca mais foram vistos. (Freitas, 2002, p. 70).
O estudo em tela demonstra que o engajamento das mães de filhos desa-

parecidos, que se uniram por esclarecimentos e justiça, reconfigurou a própria
condição de ser mãe e mulher. Essas mães passaram a refletir sobre a condição
subalternizada de mulher, pobre e periférica, reconstruíram a própria condição
de gênero e tomaram o espaço público. Não são mais apenas mães, mas um
movimento social (Freitas, 2002).
O escritor russo Máximo Gorki (2000) em seu clássico A mãe retrata
a vida de uma mulher, a personagem principal, que reconfigura seu papel
como mãe, mulher e cidadã. O autor mostra como ela se transforma quando
passa a observar a militância do filho e se torna uma militante do movimento
socialista. A partir de então, “parecia que milhares de vidas falavam pela
boca da mãe” (p. 243). Esse parece ser o caso das “Mães de Maio” e das
“Mães de Acari”.
58
A função da partilha de experiências para transformação do luto em

luta contra a morte violenta dos filhos das “Mães de Maio” ou das “Mães de
Acari”, por exemplo, retrata a importância da elaboração coletiva do TPS
em um aspecto muito importante: a palavra. Não se trata apenas da cura
pela palavra ou de algum método psicoterápico correlato (sem desconsiderar
a importância desses), mas de uma palavra capaz de elaborar uma ferida
coletiva, um TPS. Nesse sentido, fazemos a mesma pergunta que nos coloca
GOG, conhecido rapper brasileiro: “qual é o peso da palavra?”. O mesmo
que questiona, responde: “Palavra bem na hora certa, completa. Palavra dita
com saudade, aperta. Palavra de quem sabe o alvo, acerta. Palavra dita com
verdade, liberta.”
A importância de conhecer a verdade no sentido de se “libertar” de uma

elaboração caótica de um fato traumático – e assim conseguir seguir adiante
– é discutido por diferentes autores que dedicam estudos, por exemplo, aos
traumas gerados pelas ditaduras e ao papel positivo das comissões da verdade.
É o caso de Dobles (2009) em seu livro Memorias Del Dolor, que ressalta a
importância dessas comissões para a elaboração das memórias sociais como
as que milhares de militantes torturados passaram no contexto das ditaduras
ocorridas no Brasil e na América Latina11.
Para Dobles (2009), as comissões da verdade devem combater a memória
“polida” e seletiva, produzida pelo discurso oficial, que despolitiza os proces-
sos ditatoriais e busca a reconciliação entre torturadores e torturados, pres-
cindindo de punição aos culpados e de reparação às vítimas. O autor defende
que essas comissões, em outras palavras, devem combater a impunidade e a
mentira institucionalizada.
Ainda segundo Dobles (2009), a transmissão das experiências históricas
e suas valorações críticas contribuem para que não se repitam cenários de
violência. Diz o autor que:
Pueden servir de ejemplos las Abuelas de Plaza de Mayo en Argentina,

preocupadas por una continuidad en la memoria que las lleva a visitar
11 Para conhecer a história da implantação da comissão da verdade no Brasil, além dos dispositivos terapêuticos
que compõem as políticas de reparação dos torturados e seus familiares, ver a coleção do Conselho Federal
de Psicologia, Psicologia e Democracia (dentre os textos, consultar, por exemplo, Rodrigues, Neto & Teixeira,
2017). Também é interessante mencionar que há outras ações institucionais para preservação da memória,
como, por exemplo, a instituição do dia 24 de março como o Dia Internacional do Direito à Verdade em
relação às violações graves dos Direitos Humanos e a dignidade da vítima. Trata-se de uma iniciativa criada
por países latino-americanos que passaram por períodos ditatoriais, que alimenta iniciativas como o Instituto
de Políticas Públicas e Direitos Humanos do Mercosul (mais informações em https://www.ippdh.mercosur.
int/pt-br/). Daria um bom debate pensar, criticamente, as diferenças entre as iniciativas institucionais e não
institucionais, de preservação da memória e da verdade política, mas fugiríamos do escopo do nosso livro.
O próprio livro de Dobles (2009) nos fornece alguns parâmetros para reflexão sobre a combatividade das
iniciativas formais e de movimentos sociais nesta direção.
escuelas (diciéndole a los niños y niñas: “recuerden que ustedes conocieron

a una abuela”), a incitar conversaciones en espacios cotidianos como los
autobuses, a preocuparse por el asunto del “relevo generacional”. (p. 73).
O exemplo das Avós da Praça de Maio e seu engajamento em narrar a

verdade histórica para jovens e para a população em geral, revela a impor-
tância do debate politizado entre gerações e certamente contribui para que o
passado violento não se repita no futuro.
A preservação da memória histórica entre gerações também é apontada
por Ansara (2011) como um elemento fundamental nos processos de resis-
tência sociopolítica. Em estudo com netos de atores de uma greve operária
que durou seis anos no contexto da ditadura militar brasileira, a autora bus-
cou entender como a memória deste período foi reproduzida e conservada12.

Concluindo que a memória do acontecimento da greve foi de alguma maneira
preservada entre os familiares, a autora afirma:
Se considerarmos que os netos constituem uma “comunidade afetiva”

com seus avós participando de sentimentos e ideias comuns, ainda que
não tenham feito parte do grupo da greve, a vivência familiar permite a
reconstituição do evento, pois, de alguma forma vivenciaram com seus
pais e avós os sentimentos de tristeza, sofrimento e dificuldades que
tiveram, e que foram capazes de lembrá-los. Mesmo que estes tomaram
conhecimento da greve, “oficialmente” como acontecimento histórico e
vitorioso, através da escola, é interessante reconhecer que, com a escola
eles também participaram de uma outra “comunidade afetiva”, viven-
ciando um mesmo “pensamento coletivo” que fez com que olhassem a
greve, não com sentimentos de sofrimento, mas de resistência, firmeza e
vitória, transformando seus avós em heróis, símbolo de união e modelo
de solidariedade. (Ansara, 2011 p. 31).
O conflito narrado por membros da família leva a uma compreensão do

outro lado da história, que muitas vezes não é contada pela versão oficial pro-
pagada, por exemplo, pela escola. A lembrança que se tem da luta dos avós,
assim, traz entusiasmo e esperança, supera preconceitos contra os “subversivos”
e deixa um recado muito semelhante ao lema do MTST: só a luta muda a vida.
Como lembra Martín-Baró (2000d), a memória histórica é um remédio
contra a impunidade e se revela como um elemento fundamental a ser enfren-
tado para superação de uma situação específica de TPS13.
12 Ainda que não estabeleça um vínculo direto entre a elaboração da memória e de um trauma político, é
absolutamente necessário mencionar aqui o clássico de Ecléa Bosi sobre elaboração geracional da memória
(Bosi, 1979).
13 A impunidade, aliás, ainda é a marca do julgamento inconclusivo dos assassinos dos jesuítas de El
Salvador, entre eles, Martín-Baró, que após mais de 20 anos só condenou um único membro do exército
60
Assim como mostram os exemplos de resistência das Avós da Praça de

Maio, de determinadas comissões da verdade, das Mães de Maio, das Mães de
Acari e do MTST, poderíamos citar tantos outros em que a situação-limite pro-
moveu efeitos práticos e positivos, como a reparação da violência do Estado,
mas também a conquista de direitos, como a moradia. Tais efeitos práticos
foram conquistados (ainda que parcialmente) pela construção de novos laços
de solidariedade e de resistência coletiva, apresentando também repercussões
na esfera das individualidades: o indivíduo que sente mais “força” para lutar e
superar o luto, como afirma uma das integrantes das Mães de Maio, a mãe que
se torna também militante, a trajetória de moradores de rua que conquistaram
suas moradias e a dignidade de tomar o destino nas próprias mãos.

Todos esses elementos somados podem culminar no que Freire (2001)
denominou de conscientização – como dissemos, um processo de deco-
dificação das relações de poder, superação da perspectiva fatalista diante
do futuro da humanidade, do seu grupo e classe social. Um processo que
depende de um enraizamento social e político empreendido pelos movi-
mentos de educação popular, como propunha o próprio Freire (2001), por
exemplo. A superação da pedagogia do oprimido, isto é, daquela formação
do sujeito subserviente ao modo de vida do opressor, seria uma prática de
classe na ótica deste autor.
Martín-Baró (1981a) cita, ainda, mais um exemplo concreto de como uma
situação adversa pode não apenas despertar o medo da repressão, o fatalismo
ou outros fatores que caracterizam um sentimento adaptativo à situação de
TPS. Trata-se da trajetória de Monsenhor Romero: o bispo de El Salvador
que, de uma postura liberal e conciliatória, em meio a uma situação de guerra
civil, passou a defender os direitos humanos, atrelar-se às lutas e pautas dos
movimentos populares e tomou uma posição que caminha na direção do
que pode ser denominado de conscientização. Monsenhor Romero tornou-se
um militante das causas populares e, por isso, foi assassinado pelas milícias
ligadas ao governo de El Salvador em 1980. A radicalização de suas posições
políticas não foi um ato isolado, mas foi um sintoma do contexto político
em El Salvador e das lutas em resposta à dura repressão militar. Seu funeral
foi acompanhado por milhares de pessoas e ocorreu em “medio de bombas,
disparos, sangre y horror” (p. 31).
El Salvadorenho. Trata-se de um julgamento criticado pela comunidade jesuíta de El Salvador, a começar

pelo fato de ele ser realizado na Espanha e não envolver, diretamente, a cúpula do exército e do governo
de El Salvador à época. Para uma análise atualizada do julgamento, consultar Rincón (2021) e para uma
reflexão interessante a respeito, ver Salmerón, Vera & Mata (2008). Também sugerimos a leitura da obra de
Mary e Ignoffo (2019), que trazem um retrato riquíssimo do contexto do assassinato dos mártires jesuítas,
inclusive, com relatos de testemunhas.
2.3 Pós-TPS, militância e elaboração do sofrimento ético-político:

uma análise materialista, histórica e dialética
Segundo Martín-Baró, os graus de participação e representatividade polí-

tica também são acompanhados por determinados graus de comprometimento
psicológico dos sujeitos com causas assumidas coletivamente, com grupos que
atuam em níveis distintos nos conflitos sociais e com processos de polarização
política. O militante, na maioria das vezes, está mais exposto a críticas e/ou
represálias e/ou a agressões no seu círculo de socialização e o investimento
pessoal da militância, em geral, é muito grande (Sales et al., 2018). Isso signi-
fica que o processo de participação e representação também produz afetos, que
são acompanhados de representações de si mesmo e do outro, de preconceitos,

humanização ou desumanização das relações sociais, banalização ou combate
à violência, e assim contribui de diferentes maneiras para demarcar identidades
políticas. Essa análise também é sustentada pelo conceito TPS.
Na tentativa de ampliar a compreensão dos Pós-TPS, em diálogo entre
autores da Psicologia Social e da Sociologia, buscamos neste tópico encon-
trar semelhanças entre respostas positivas Pós-TPS e a elaboração do que
Sawaia (1999) denominou de sofrimento ético-político. Além disso, dada sua
natureza sociopolítica, tentamos reforçar a ideia de que a elaboração do TPS
não é uma tarefa prioritária para indivíduos ou mesmo para terapeutas, mas
para a militância, entendendo esta modalidade de práxis como a principal
responsável pela superação da consciência automatizada (Kosik, 1962) e para
ampliação da capacidade de ação dos sujeitos (Holskamp, 2016), promovendo
uma aproximação com o gênero humano (Marx, 1844/2004)14.
Para iniciar nossa reflexão, deixamos duas observações gerais sobre a
práxis militante sob uma ótica marxista. A primeira é que a militância revela
diferentes níveis de consciência de classe, caracterizados pela articulação entre
teoria e prática política. Segundo Euzébios Filho e Gradella Júnior (2020):
14 É importante lembrar que a definição de militância como uma práxis que aproxima, efetivamente, a prática
individual e grupal do gênero humano, corresponde à militância da esquerda revolucionária, como pensada
por Marx e Engels, que supõe a superação da alienação (entendida, em termos marxianos, não como
ausência de consciência política, mas como cisão entre humanidade e sua produção material e estética).
Seria também interessante – mas nos desviaria ainda mais de nosso foco – discutir as diferenças entre a
militância de esquerda e direita. Para esta definição, por agora, podemos nos basear na definição clássica
de Bobbio (1995) destes dois espectros políticos. Segundo o autor, a direita prima pela liberdade individual,
mesmo que isto implique, quase sempre, em desigualdade social. A esquerda prima pela igualdade social
como aspecto potencializador das liberdades. Nestes termos, a esquerda, por sua natureza de combate
à ordem social e econômica, é aquela que está objetivamente aberta a dar à política um fim social (Marx,
1871/2004), ainda que nem sempre isto ocorra na prática, uma vez que ela também é produto histórico. Em
termos gerais: somente guiado pelos princípios da esquerda revolucionária (sem entrar na discussão da sua
ampla definição e variação) é que se tem a possibilidade de alcançar a emancipação humana, superando
efetivamente as práticas de conservação ou de pura reprodução do modo de sociabilidade capitalista.
62
A consciência, na acepção marxista, não se resume a ter mais ou menos

conhecimento sobre um determinado aspecto da realidade, mas também
ao poder de interferência que ela tem sobre o real (Lessa, 2002). Ou seja,
a consciência é práxis e assim ela se diferencia, em última instância,
pela unidade entre conhecimento e ação, teoria e prática. Deste modo, é
coerente afirmar que a consciência atinge diferente níveis a depender do
grau de conhecimento teórico, no sentido proposto por Davidov (1982)
ou Kosik (1961), sobre um determinado objeto e a totalidade em que ele
está inserido. Os níveis de consciência são caracterizados também pelo
alcance da ação prática para manipulação e transformação deste mesmo
objeto (Lessa, 2002). ... A partir desta lógica, no caso da consciência de
classe, deduzimos que ela atinge graus mais elevados a partir do conhe-

cimento teórico sobre a realidade de classes e da aplicação prática deste
conhecimento na realidade concreta da classe trabalhadora, na direção da
superação do capitalismo. Note-se, então, que esta caracterização aponta a
práxis política – isto é, a unidade dialética entre teoria e prática revolucio-
nária – como elemento central para caracterização da consciência de classe.
Mas ela também indica que esta práxis se manifesta em pelo menos três
níveis da realidade: singular, particular e universal (Lessa, 2002, p. 94-95).
A militância se revela, portanto, como uma práxis política orientada

para colocar em prática o conhecimento crítico sobre a realidade, na direção
da transformação das estruturas do modo de sociabilidade capitalista. Como
mencionado, ela envolve três dimensões: singular, particular e universal, que
podem ser compreendidas na relação entre indivíduo, grupos/instituições e
elementos estruturantes da sociedade (Lukács, 1967). Deste modo, chegamos
a segunda observação geral: a militância ocorre na relação entre indivíduo e
sociedade, especialmente, entre sujeito político e uma coletividade organizada
e não se constitui como fato isolado ou como ação individual.
O já citado clássico A mãe, de Gorki (2000), nos ajuda esclarecer sobre
o sentido da militância, entendido como aproximação efetiva com o gênero
humano. O autor relata o sentimento da personagem principal, que, ao se
aproximar da luta socialista passa a ampliar sua visão de mundo, suas preo-
cupações e seu sentimento em relação ao próximo. Quem é o próximo? Não
é mais sua família, seus vizinhos... é a humanidade!
Uma penumbra doce acariciava, envolvia a mãe e o coração dela enchia-se

de uma quente ternura por esses desconhecidos que se transformavam,
na sua imaginação, num só ser gigantesco, dotado de inesgotável força e
coragem ... e essa grande verdade que renascia chamava todos os homens
sem distinção a libertá-los da cobiça, do ódio e da mentira, três monstros
que subjugavam e apavoravam a Terra com a sua força cínica ... Esta
imagem fazia nascer na alma da mãe um sentimento semelhante ao que

experimentava outrora. (p. 370).
A militância é uma práxis que deve unir as pessoas sob laços políticos
e isso traz repercussões também na forma como agimos, como produzimos
afetos e nos posicionamos diante do mundo. É como diz a mãe de Gorki
(2000), após se reconhecer como militante: “tudo mudou ... a amargura é
outra, a alegria também” (p. 163). É algo como o “sentimento do mundo”
narrado no poema de Carlos Drummond de Andrade (2012). A modalidade
de militante que nos referimos não sente só por si e pelos seus entes mais
próximos, sente pelo mundo.
Para continuarmos a desenvolver esta noção específica de militância,
passamos para reflexão sobre o conceito de sofrimento ético-político, segundo

Sawaia (1999), “sofrimento é a dor mediada pelas injustiças sociais” (p. 102).
Trata-se de um conceito elaborado a partir de uma intersecção entre o pen-
samento de Vigotski e Espinosa e parte do pressuposto que as relações de
poder também produzem afetos que, muitas vezes, reduzem os sujeitos a uma
condição de subalternidade, atrofiando, assim, a potência de ação do sujeito
(Sawaia, 1999) e ao mesmo tempo maximizando tendências individualistas
e/ou fatalistas.
Sawaia também analisa a importância de se elaborar, coletivamente, o
sofrimento ético-político – o que, neste caso, contribui para a produção de
afetos positivos, como a esperança, e assim contribui também para ampliação
da capacidade de ação dos sujeitos, gerando o que autora denominou de feli-
cidade ético-política. Podemos entender essa elaboração como uma dimensão
importante do processo de conscientização. Como afirma Sawaia (1999):
“Sem o questionamento do sofrimento que mutila o cotidiano, a capacidade
de autonomia e a subjetividade dos homens, a política, inclusive a revolucio-
nária, torna-se mera abstração e instrumentalização” (p. 99).
Caso as relações sejam instrumentalizadas e reificadas, não será possível
superar ou simplesmente dar uma explicação coletiva ao sofrimento ético-
-político ou ao TPS. Mesmo que sejam alcançadas vitórias parciais, elas não
significarão, em si, a felicidade ético-política.
Todos sentem alegria e prazer com a conquista de reivindicações, mas

nem todos sentem a felicidade pública. Esta é experienciada apenas pelos
que sentem a vitória como conquista da cidadania e da emancipação de
si e do outro, e não apenas de bens materiais circunscritos. A felicidade
ético-política é sentida quando se ultrapassa a prática do individualismo
e do corporativismo para abrir-se à humanidade. (Sawaia, 1999, p. 105).
64
Nota-se que a felicidade ético-política não é um estado emocional puro,

individual, mas uma conquista coletiva (e somente alcançado pela coletivi-
dade). É um processo, diz a autora, que se encontra dialeticamente entre o
zero afetivo (morte emocional) e a exaltação revolucionária. Não é tarefa
fácil e não há um único caminho a seguir, embora os exemplos mencionados
neste livro nos tragam pistas de como isso é possível. Sabe-se, porém, que
para buscar tal felicidade, também como horizonte ético-político, é necessá-
rio enfrentar os vícios da sociedade burguesa, que também podem atingir os
próprios movimentos contestatórios (Sawaia, 1999).
Um exemplo da possível articulação entre Pós-TPS e elaboração do
sofrimento ético-político é ilustrado na conformação de um dos danos psi-
cossociais, que segundo Martín-Baró (2000) está relacionado ao sofrimento

de não organizar a vida de acordo com os seus valores políticos, geralmente
causado pelo medo da repressão e violência política. Nesta esteira, podemos
entender que o TPS gera um sofrimento ético-político e que, para sua supera-
ção (mesmo que relativa), este sofrimento precisa ser elaborado. Do contrário,
não tornar o medo consciente contribui para a paralisia política ou mesmo
para conformação de um comportamento fatalista. A elaboração de maneira
colaborativa deste sofrimento – individual, mas fundamentalmente coletivo –
seria um caminho para superação do medo e assim também para o resgate da
disposição pessoal de participação política no contexto de vida e de trabalho.
Gonçalves Filho (1999) é outro autor que nos ajuda a entender como
podemos encarar o sofrimento oriundo de relações de poder. Ele afirma que
todo sofrimento é político, mas por ser sofrimento também é psicológico. Isso
não significa, segundo o autor, que elaboração do sofrimento – que ele retrata
sob a ótica do conceito de humilhação social – seja uma tarefa prioritária do
terapeuta, mas sim da militância.
Segundo o dicionário, militância é sinônimo de atuação, prática, ati-
vismo. É a ânsia de militar por uma causa. O substantivo feminino da palavra,
segundo o dicionário: “Prática da pessoa que defende uma causa, busca a
transformação da sociedade através da ação: militância política, social, estu-
dantil.” (Dicionário On-line de Português, 2021). É uma definição que torna
o conceito simples, mas que esconde sua complexidade.
Segundo nosso referencial teórico, militância é ainda mais que engaja-
mento em uma causa: é necessário qualificar a causa defendida – trata-se de
uma causa meramente privada ou que se situa na esfera pública? Assumimos
a posição de que o aspecto mais importante deste debate corresponde a qual
aproximação efetiva, nos termos marxianos, o indivíduo estabelece com a
esfera pública, com o gênero humano.
A primeira barreira objetiva que o ser humano encontra para realizar
uma aproximação efetiva com o gênero humano é a propriedade privada e
os processos de alienação decorrentes dela, que se complexificaram com o

advento do capitalismo. Segundo Marx (1844/2004), a alienação se apresenta
como obstáculo objetivo à aproximação entre indivíduos, grupos e gênero
humano, sendo relacionados a pelo menos três dimensões: frente ao produto do
trabalho, ao processo de trabalho e às relações de poder dela correspondentes.
Se olhada sob uma ótica psicossocial, propriedade privada não se trata
fundamentalmente de ter posse de uma terra, mas ter posse do trabalho alheio
e sobretudo, ter posse de uma pessoa. É o sentido mais profundo da domi-
nação humana, como aponta Marx (1844/2004) ainda em seus Manuscritos
Econômico-Filosóficos. Aí que alienação se manifesta sobre o produto e o
processo de trabalho, mas também sobre o poder de interferência de pessoas
sobre pessoas.
Nesses termos, uma pessoa pode militar em favor da causa capitalista
e assim contribuirá de uma forma ou de outra para as múltiplas facetas da
alienação. Uma relação assistencialista – compensadora das desigualdades,
portanto – mobilizada pela luta contra a fome, por exemplo, pode não extir-
par, mas acirrar uma relação de dominação e humilhação social, favorecendo
uma relação de dominação entre aquele que dá e aquele que recebe. Não se
trata simplesmente de achar certo ou errado doar alimentos para o outro com
fome. É uma ação emergencial para a realidade brasileira, mas o debate é
mais profundo.
Aí que novamente vemos a necessidade de qualificar a ação da militância:
por que o sujeito acredita que existe a fome? É mais fruto da perversidade
humana? É mais resultado de uma injustiça estrutural? Gerada por quem e
em qual processo histórico? A origem e a motivação da militância são funda-
mentais para entender seu resultado em relação à aproximação efetiva com o
gênero humano, como retratado por Marx e Lukács.
Para seguirmos, é importante destacar que a aproximação efetiva com o
gênero humano, diferente do assistencialismo ou altruísmo, por exemplo, não
tem nos autores mencionados um caráter primordialmente moral. Não se trata
da luta do bem contra o mal, mas de identificar relações de poder objetivas e
historicamente construídas a fim de alcançar a emancipação humana.
A militância, na ótica marxiana, tem como finalidade última dar à política
um fim social, nos termos assim pronunciados por Marx, quando lhe pergun-
taram qual era a finalidade da associação internacional dos trabalhadores, ao
que ele respondeu: “A emancipação econômica da classe trabalhadora pela
conquista do poder político. O uso desse poder político para fins sociais”
(Marx, 1871/2004, p. 32).
Esse caráter objetivo da militância é fundamental para não recairmos na
ingenuidade da caridade ou nos altruísmos despolitizados (Euzébios Filho,
66
2020). Por outro lado, compreendendo que a totalidade concreta do fenômeno

é sempre mais complexa e que, portanto, a militância tem repercussões nas
particularidades da vida cotidiana, é necessário compreender o fenômeno tam-
bém sob uma ótica psicossocial. Sob essa ótica, o militante seria o contrário
do idiota, que para Gonçalves Filho (2020) significa:
Viver para o consumo, para a saúde, para o dinheiro, num sentido egótico
ou gregário, eis a banalização da vida cotidiana: viver para o consumo e
só o consumo que interessa ao eu ou a um eu ampliado (eu e meus filhos,
minha família, meu grupo de condomínio, meus sócios); viver para a saúde
e só a saúde que interessa ao eu ou ao eu ampliado; viver para o dinheiro e
só o dinheiro que interessa ao eu ou ao eu ampliado. Era isso que os antigos

atenienses já acusavam como idiotia: incapacidade de viver para o outro;
apego ao eu ou ao eu familiar e abjeção pelo que é estranho. Idiotia vem
do grego clássico ίδιον (ídion), quando empregado para designar o que
é próprio em oposição ao que é estrangeiro: daí que idiotia caracterize a
incapacidade de viver o que não seja familiar e conhecido, caracteriza uma
concentração de mim no que sou eu e meu grupo, caracteriza a ignorância
de tudo que supera o meu grupo privado. Os idiotas só suportam a cidade
enquanto for possível privatizá-la, ligá-la aos interesses e negócios da
família ou do grupo com que estejam familiarizados. (p. 2).
E o autor conclui: “A idiotia representa um golpe contra as causas públi-

cas: os idiotas tornam-se cúmplices no medo, no desprezo e na destruição de
tudo que nos retira de nós mesmos e de casa, a arte por exemplo ou os serviços
públicos” (Gonçalves Filho, 2020, p. 2).
Em outras palavras: militar é uma tarefa diária de aproximação com
o gênero humano e de ruptura com o cotidiano. Como já dissemos, é uma
ação coletiva, que nos termos de Heller (1972) está voltada para superar a
resposta automatizada diante das demandas de reprodução do modo de socia-
bilidade capitalista.
A vida cotidiana no capitalismo é marcada pela alienação, não apenas
em relação ao produto e ao processo de trabalho, mas à produção do próprio
destino. A ideologia dominante se apresenta, então, como naturalização de
processos históricos e de mediação de conflitos de classe. É por meio dela que
as relações cotidianas são naturalizadas, que emerge o fatalismo e o sentimento
de resignação. Ora, se a cotidianidade, como afirma Heller (1972), contribui
para gerar um descompasso entre ação e reflexão, ela se reflete no que Kosik
(1962) denominou de práxis irrefletida.
A práxis irrefletida é justamente a resposta automatizada que Heller
se refere. Mas uma resposta automática não apenas às questões práticas do
cotidiano, mas a nosso próprio fazer político, que se torna igualmente irre-
fletido, baseado em naturalizações, em uma ideia de fatalidade do destino.
Compreendida nesses termos, a vida cotidiana no capitalismo extrai o
sentido psicológico da ação, desmembra a história do fazer político e desvin-
cula o indivíduo da coletividade, grupo ou classe. O sujeito autobiográfico
passa a ser, de maneira isolada, responsável pela sua vida, seus sucessos e
fracassos – sendo estes medidos pela régua do liberalismo econômico.
Nessa direção, é possível afirmar que o cotidiano no capitalismo é um
lugar fértil para desenvolvimento da ideologia dominante, consequentemente
para naturalização dos processos históricos e do próprio destino. Dito isto,
podemos considerar que esse cotidiano contribui, severamente, para restringir
a capacidade de ação do sujeito político. Segundo Holzkamp (2016), capaci-

dade restritiva de ação é um produto da história, das relações de poder e do
contexto sociopolítico, que promove situações em que o sujeito psicológico
se cinde do sujeito político. Há, então, um isolamento desse sujeito, que não
é capaz de reconhecer alternativas coletivas para enfrentamento de questões
políticas colocadas em seu cotidiano. A capacidade generalizada de ação,
pelo contrário, se manifesta em um cenário que permite – por diferentes
variáveis na relação entre sujeito, grupos e classe – o sujeito superar (mesmo
que relativamente) seu isolamento político, buscando fora de si mesmo forças
para enfrentar problemas que não são mais reconhecidos apenas como seu.
Entendemos que esta é exatamente a função da militância: ampliar a
capacidade de ação, romper com o isolamento do sujeito político, elaborar o
sofrimento ético-político para superá-lo, e assim construir novos horizontes
ético-políticos que tragam esperança e criem laços de solidariedade de classe,
aproximando as pessoas em torno de objetivos comuns.
É na ação de militância e engajamento coletivo que se vai tentando
reduzir e cicatrizar as feridas do TPS. Como já mencionamos, durante esse
processo, um elemento que vai contra a elaboração positiva do TPS é a impuni-
dade. Martín-Baró (2000) comenta que ela deixa aberta a ferida do TPS. Sofrer
uma violência ou uma injusta e não ver nada sendo feito a respeito é uma
violência e uma injustiça redobrada. Na tentativa de reparação, a organização
popular e o resgate da memória são caminhos apontados por Martín-Baró.
Ainda assim, não é garantia de fim da impunidade ou reparação, o que pode
acirrar um sentimento de impotência e contribuir para desmobilizar o grupo.
Já afirmamos algumas vezes que o caminho da superação, mesmo que
relativa, de um TPS não é uma tarefa individual, mas coletiva. Para tanto,
não se pode prescindir do confronto, em outras palavras, da militância. O
objetivo é a superação de um TPS específico, mas, principalmente, da situa-
ção concreta de opressão, violência e exploração, ainda que isso possa não
68
ser acompanhado do fim da impunidade, como mencionamos. O método de

construção das organizações populares passa por formação e trabalho de base,
fortalecimento de vínculos e laços de solidariedade de classe.
Ainda que os cenários social, político e econômico desencadeadores
de TPS existam independente da consciência que temos deles – atentando,
como fez Martín-Baró, para um dos princípios do materialismo histórico e
dialético, a saber, de que a realidade existe independentemente da consciên-
cia15 – é evidente que a conscientização dos fatores desencadeadores do TPS
ajuda a enfrentá-lo. Mas, quais as determinações reais da consciência e dos
afetos na luta política? Ou, em outras palavras, qual a relação entre a micro
e a macropolítica?
A ação política certamente diz do processo de construção da identidade

social e envolve elementos psicossociais, por exemplo, relações interpessoais
de confiança, assim como podem gerar sofrimento e/ou felicidade política.
Entretanto, é importante destacar que o conceito de TPS proposto por Mar-
tín-Baró (2000), se destaca pelo olhar da totalidade e pela análise dialética
da relação entre macro e micropolítica.
Entendemos como macropolítica as relações sociais de produção, em
uma compreensão materialista histórica e dialética. A micropolítica não se
descola da macropolítica, mas tem uma autonomia relativa frente as estruturas
sociais – tomando como base a noção de determinação reflexiva de Lukács
(1967), quando analisa o vínculo entre subjetividade e objetividade. De acordo
com esta compreensão, podemos entender micropolítica como o campo das
relações sociais de reprodução e de resistência à lógica do capital. Envolve o
que Kosik (1962) denominou de práxis refletida e irrefletida. Envolve, assim,
o sofrimento ético-político.
É importante afirmar, mais uma vez, que a reprodução e a não reprodução
da ordem social estabelecida podem conviver dialeticamente, não podendo
15 Este princípio é explicitado na obra de Marx e Engels, A Ideologia Alemã (1845/2007), por exemplo, quando
se lê: “Somente agora, depois de já termos examinado quatro momentos, quatro aspectos das relações
históricas originárias [a saber: a produção dos meios de vida como o primeiro ato histórico, a satisfação
das necessidades básicas de sobrevivência, que traz novas demandas sociais, a reprodução da vida em
sociedade e o desenvolvimento das forças produtivas], descobrimos que o homem tem também “consciência”.
Mas esta também não é, desde o início, consciência “pura”. O “espírito” sofre, desde o início, a maldição de
estar “contaminado” pela matéria (p. 34, colchetes nossos, aspas dos autores). A obra citada é dedicada
a crítica do idealismo alemão, sendo ela dirigida também ao filósofo alemão Feuerbach: “A “concepção”
feuerbachiana do mundo sensível limita-se, por um lado, à mera contemplação deste último e, por outro lado,
à mera sensação; ele diz: “o homem” em vez de “os homens históricos reais” (p. 30, aspas dos autores).
Notamos nos trechos selecionados esboços do referido princípio do pensamento marxiano: que a realidade
existe independentemente da consciência, sendo ela fruto do desenvolvimento histórico. É interessante
observar, ainda, como este princípio repercute na ideia de libertação. Dizem Marx e Engels: “A “libertação” é
um ato histórico e não um ato de pensamento, e é ocasionada por condições históricas [...] (Marx & Engels,
1845/2007, p. 29, aspas dos autores).
um polo ser absolutizado – não há conscientização e fatalismo plenos. São

processos históricos, portanto, em contradição e em movimento.
A compreensão da micropolítica, em determinação dialética com a
macropolítica na psicologia social, exige um posicionamento sobre a relação
entre afeto e política.
Nossa preocupação com esse debate é dupla: não se pretende negar a
existência – inalienável – do afeto na política ou da política no afeto, mas não
se quer também incorrer no equívoco metodológico (e político) de substituir
afeto por política.
Com efeito, é importante situar a análise sobre sofrimento ético-político
no conceito de consciência de classe, sob a ótica de Lukács (1921/2001), para
quem o elemento fundamental para produção de identidade de classe envolve
o reconhecimento das relações econômicas estabelecidas pelo metabolismo

da sociedade de classes. Mas é evidente que a afetividade também está na
macropolítica. Ora, se o afeto é produzido no encontro, ele não está apenas
na macropolítica, mas em todos os encontros sociais.
Sim, o afeto cumpre um papel político no sentido de gerar aproximação
ou distanciamento social, mas é importante situar sua relação com a política.
A política, sob uma ótica marxiana, tem sua essência na dominação
econômica. Ocorre que esta dominação também se apresenta – como nos
ensina Marx com o conceito de alienação – como vida social estranhada, como
dominação concreta e ao mesmo tempo abstrata, de modo que isto coloca a
unidade dialética entre subjetividade e objetividade como ponto de partida
para a análise da relação afeto e política.
Uma unidade dialética não prescinde de uma determinação ontológica
primária, que para Marx e Engels (1845/2007) são as relações sociais de
produção. São determinações primárias, pois elas fundam as estruturas da
sociedade e consequentemente a consciência social. Nestes termos, quando
o afeto se encontra com a política se apresenta como dimensão ontologica-
mente determinada às relações sociais de dominação (Duayer, 2011). Isto não
é o mesmo que considerar que o afeto não pode cumprir um papel decisivo
em uma determinada conjuntura histórica. Mas, é importante mencionar que
analisar esta relação entre afeto e política não é o mesmo que compreender
o afeto como elemento fundante dos processos políticos, que é de ordem
prática e econômica.
É com base na obra de Vigotski e seus principais interlocutores – que con-
sideram a dimensão social e histórica como fundantes dos fenômenos psicoló-
gicos – que Sawaia (1999) elaborou a noção de sofrimento ético-político e dela
se desdobrou um outro conceito interessante: de subjetividade revolucionária.
Nesse âmbito, Sawaia (2009) escolhe a afetividade como categoria ana-
lítica e ferramenta da ação transformadora, ampliando a análise da dialética
70
exclusão/ inclusão, já que as emoções podem levar a pessoa a sair da passivi-

dade e a ter a potência de ação ampliada. A base motivadora da ação humana
ou da não ação é sustentada pela emoção. Portanto, para se trabalhar com a
superação da desigualdade social, é preciso trabalhar com a emoção e a cria-
tividade, pois ambas são dimensões ético-políticas da ação transformadora.
Dessa forma, essas duas categorias possibilitam “atuar no que há de mais
singular da ação política emancipadora” (Sawaia & Silva, 2019, p. 366).
Mas, seria possível conceber uma subjetividade revolucionária sem uma
política revolucionária? Ou, mais precisamente: seria possível falar em sub-
jetividade revolucionária propriamente dita se compreendemos a militância
como um fenômeno necessariamente coletivo, associado a uma práxis política
da classe explorada?

É exatamente por considerar que a ação do sujeito não substitui a ação
da classe que Lukács (1921/2001), em História e Consciência de Classe,
estabeleceu uma diferença entre consciência psicológica e consciência de
classe. A primeira se manifesta como fenômeno particular e está associada
aos desejos dos sujeitos, por exemplo. A segunda se revela como elemento
universal, atrelado a uma ação revolucionária. Segundo Euzébios Filho e
Gradella (2020):
A diferenciação entre consciência psicológica e consciência de classe

serve: (1) para refutar a tese de homogeneidade psicológica da classe; (2)
que a questão da subjetividade não se subordina a questão universal da
condição de classe; (3) para diferenciar a natureza dos dois processos e
distinguir a dimensão do singular, particular e universal na política. (p. 95).
A aproximação das aspirações do sujeito com uma política de emanci-

pação da classe trabalhadora é o que garante uma maior aproximação entre a
consciência psicológica e a consciência da classe como classe. Mas, a clareza
teórica e a práxis do sujeito particular não corresponde à ação da classe como
classe, que se materializa em um movimento de massas, naquilo que Marx
(1852/2011) identificou como consciência da classe “para si”.
Não há dúvida, como diz Sawaia e Silva (2019), que a base motivadora da
ação humana são as emoções, mas o fundamental é entender como elas se con-
cretizam no conjunto de ações e práticas políticas de um cotidiano concreto.
De acordo com as autoras, “a subjetividade revolucionária, então, repre-
senta, em menor escala, a totalidade das relações sociais vividas historica-
mente e o modo como cada sujeito as converte em funções psicológicas
superiores” (Sawaia & Silva, 2019), no sentido de conferir uma aproximação
efetiva do indivíduo com o gênero humano.
O sentir, pensar e agir do sujeito político, são, sem dúvida, fundamentais
para explicar o engajamento dele a uma causa, mas é fundamental entender
qual o papel da alienação e da ideologia no processo, que aqui são com-

preendidos como fenômenos estruturantes da ação política. Estes elementos
não são negligenciados por Sawaia e seus colaboradores. Contudo, é preciso
novamente considerar o que é primário e secundário na política, em termos
ontológicos, para que não recaiamos na armadilha da ética individual, carac-
terística do liberalismo. Mais uma vez: para observar a relação entre afeto
e política, é preciso considerar que as relações sociais de dominação e de
poder são aspectos fundantes das relações políticas, que promovem estes ou
aqueles afetos.
O afeto cumpre, portanto, um papel político importante, mas não subs-
titui o aspecto fundante da identidade e da militância política: o ganho prá-
tico ligado a demandas concretas, entendidas em um sentido amplo – não
apenas econômico, mas que estão relacionadas, por exemplo, à melhoria de

condições de vida, conquista de direitos sociais, legitimidade e visibilidade
política, reconhecimento social das causas defendidas e reparos que buscam
trazer justiça histórica. Novamente recorremos ao clássico A mãe, de Gorki
(2000), quando se diz da importância de o discurso político tocar o coração,
mas adverte: “as pessoas não podem acreditar só em palavras. É preciso sofrer,
purificar a palavra com sangue” (p. 90).
Todavia, deve estar claro que uma aproximação política pode gerar espe-
rança nos sujeitos, distanciamento entre indivíduos e grupos podem gerar
medo, ou, novamente recorrendo à Sawaia (1999), as relações políticas podem
gerar sofrimento, mas também felicidade ético-política.
Vínculos significativos que produzem afetos positivos (como espe-
rança), ou relações que geram inimigos pessoais, contribuem para fortalecer
ou enfraquecer relações políticas, mas estas últimas não se fundam no campo
da afetividade. Porém, como já dissemos, é evidente que o afeto permeia a
macro – e especialmente – a micropolítica, assim, é um elemento inaliená-
vel na construção da militância, bem como nos processos de participação e
representação política.
CAPÍTULO 3
CAMINHOS TEÓRICO-
METODOLÓGICOS PARA
IDENTIFICAÇÃO DO PRÉ E DO PÓS-TPS
A primeira observação é que, muitas vezes, não é possível identificar
claramente a condição Pré e Pós-TPS: elas podem facilmente se confundir,
pois como já discutimos, não é possível eliminar, definitivamente, um TPS
sem que se supere as condições estruturais que o geram – daí que Martín-Baró
chama atenção para a sequencialidade dos danos psíquicos na produção de

um TPS (Dobles & Arroyo, 2020; ILAS, 2019). Temos formulado, contudo,
que o Pré-TPS se manifesta na combinação dos três elementos desencadea-
dores (violência, mentira institucionalizada e polarização social) e o Pós-TPS
é caracterizado por respostas que se movimentam, dialeticamente, entre o
fatalismo e a conscientização. São respostas que podem se manifestar indi-
vidualmente, mas, sobretudo, nos processos grupais, nas relações de poder
da sociedade, provocando medo e submissão, relações de dependência e/ou
solidariedade, reação passiva e/ou violenta, resistência e/ou transformação.
Sob esses parâmetros teóricos é que as manifestações do TPS devem ser
identificadas e analisadas.
É a natureza sociopolítica do TPS que deve orientar os estudos sobre
este fenômeno coletivo cujo objeto de análise corresponde ao tecido social e
comunitário e como ele se fragmenta, se reconfigura e/ou se fortalece.
3.1 Opinião pública e o sentido da pesquisa em Martín-Baró

É o próprio Martín-Baró quem nos fornece vastos caminhos teórico-me-
todológicos para identificação de situações Pré e Pós-TPS. Como sabemos,
nosso autor dirigiu 25 pesquisas de opinião pública nos três anos em que esteve
à frente do Instituto de Opinião Pública (IUDOP) da Universidade Centro
Americana em El Salvador. Nem todas estas pesquisas estavam vinculadas
diretamente ao TPS, mas traziam temáticas extremamente relevantes e que se
aproximam direta ou indiretamente do fenômeno: pesquisas sobre a opinião
da população El Salvadorenha sobre a polarização e a conjuntura política do
país, as aspirações e modos de vida, o machismo e modelos familiares, sobre
a vida nos bairros populares, identidade nacional, entre outras (Dobles, 2016).
Os estudos de opinião pública dirigidos por Martín-Baró chamam aten-
ção pelo rigor metodológico dos instrumentos utilizados, pela combinação de
elementos quantitativos e qualitativos e principalmente, pela superação do
74
modelo descritivo dos dados estatísticos, que eram analisados teoricamente

e com profundidade pelo autor e seus colaboradores (ver por exemplo, Mar-
tín-Baró, 1981b, 1990c).
Para Martín-Baró, dirigir o IUDOP não foi uma tarefa técnica, muito menos
burocrática. Nosso autor compreendia o Instituto de Opinião pública como
uma ferramenta de combate à mentira institucionalizada em El Salvador. Em
La encuesta de opinión pública como instrumento desideologizador, ele diz:
Los medios de comunicación masiva, como parcialmente ha instuido la

UNESCO, son por lo general instrumentos dóciles de los intereses domi-
nantes. En El Salvador, por ejemplo, hay cuatro canales de televisión, pero
los cuatro pertenecen mayoritariamente a un mismo dueño: se genera así

la ilusión de diversidad y de pluralismo, aun cuando los cuatro se saturan
con las misma series enlatadas de “Starsky y Hutcht” o “Dallas” [...] En
el mejor de los casos, que suele ser el de algunas emisoras de radio, los
programas noticiosos se conforman con ofrecer un reflejo parcial y super-
ficial de lo que ocurre. (Martín-Baró, 1990b, p. 12).
E mais adiante, afirma:
Frente a este ambiente de mentira social, surge la necesidad de una tarea

de desideologización conscientizadora a la que el psicólogo social puede
y debe dar su aporte. Se trata de introducir en el ámbito de la consciencia
colectiva elementos y esquemas que permiten desmontar el discurso ideo-
lógico dominante y poner así en marcha los dinamismos de un proceso
desalienador. (Martín-Baró, 1990b, p. 13).
Nestes termos, o autor entende, portanto, as pesquisas de opinião pública

como uma ferramenta de desideologização e de combate à mentira institu-
cionalizada uma vez que elas produzem um contraponto – novos elementos
e esquemas – para produção de uma consciência coletiva que supere a versão
oficial da história, seja esta última materializada em séries ou programas de
entretenimento que cultuam um determinado modo de vida:
Ahora bien, para que la encuesta de opinión pública pueda contribuir a

desmontar el discurso justificador del ordenamiento social opresivo y de
la guerra represiva, y ayude a la población a confrontar su realidad, debe
reunir una serie de condiciones ... (a) sistematicidad; (b) representatividad;
(c) totalidad; (d) dialéctica. (Martín-Baró, 1990b, p. 15).
Os estudos de opinião pública empreendidos por Martín-Baró, apesar

das limitações reconhecidas pelo próprio autor (Martín-Baró, 1990b), são
uma fonte rica que nos inspira a encontrar caminhos teórico e metodoló-
gicos para os estudos sobre TPS.
3.2 Dimensões e indicadores do TPS
A maneira como identificar, ainda que didaticamente, um Pré-TPS já

foi discutida anteriormente e passa pelos três elementos desencadeadores. O
quadro abaixo traz uma breve descrição desses elementos e alguns exemplos
genéricos sobre como eles se manifestam na realidade.
Quadro 1 – Elementos desencadeadores do TPS, suas manifestações e referenciais

Elementos
Descrição Manifestações empíricas
desencadeadores
Violência física ou verbal, violência simbólica, Ação militar de repressão, violência policial,
violência entre grupos polarizados, violência bate-boca, insultos verbais ou nas redes sociais,
institucional e de Estado. Para tornar o agressões físicas, linchamentos, chacinas, corrupção,
Violência
conceito mais claro, sugerimos a leitura de enriquecimento ilícito e desvio de verbas públicas,
textos de Campos, Silva e Coelho (2015), ostentação diante de um cenário de miséria, dinâmica
Gaborit (2005) e Gonçalves (2017). autoritária de um grupo ou movimento.
Simplificação da imagem do outro com base
em estereótipos, descarte da informação
conflitiva e da contradição, rechaço a priori das
posições do grupo rival, psicologização das
causas de um conflito. Mencionamos algumas Adjetivos e imagens utilizados para caracterizar
referências de apoio para compreensão do o grupal rival, rituais de ingresso nos grupos,
Polarização social fenômeno da polarização: estudo sobre a fronteiras de separação entre grupos, formas de
polarização social na Costa Rica no cenário da rivalidades entre grupos que se manifestam, por
luta contra o TLC (Dobles e Gutiérrez, 2012), exemplo, em diferentes formas de violência.
sobre a polarização política no Brasil atual
(Euzébios Filho & Guzzo, 2018; Euzébios Filho,
2020), na Venezuela de Hugo Chávez (Lozada,
2008) e nos EUA de Trump Pettigrew (2016).
Ocultamento ou eliminação de fatos que
tornam explícitas uma situação de violência
ou injustiça, ocultamento ou minimização Campanhas institucionais que enaltecem
das multideterminações de um fenômeno, uma ação governamental, por exemplo,
olhar fenomênico sobre os fatos ou omitindo ou eliminando as contradições e/
acontecimento eliminando seu conteúdo ou interesses particulares e/ou os malefícios
histórico, minimização ou desrespeito aos sociais e econômicos da ação propagandeada,
Mentira
Direitos Humanos e às consequências da caracterização da imagem do rival baseada em
institucionalizada
desigualdade social. Alguns estudos podem estereótipos com objetivo de desqualificá-lo,
ajudar a ampliar nossa compreensão sobre montagens e elaboração de imagens difamatórias,
este fenômeno, são eles: investigações sobre produção de informações parciais com forte
a produção de Fake News pelo governo no apelo emocional contra um determinado grupo,
Brasil atual (Maitino, 2016) e reflexões sobre propagação de fake news em massa.
preconceito na Psicologia Social (ver, por
exemplo, Crochik, 1996).
76
Ampliando nossa análise sobre as dimensões e indicadores do TPS,

Dobles e Arroyo (2020) indicam seis âmbitos em que ocorrem o que deno-
minam de dano psicossocial. No âmbito territorial, ecológico e econômico
os autores citam alguns exemplos, como: transformação drástica de paisa-
gens, efeito tóxico do uso de agroquímicos e expansão de monocultivos. No
âmbito cultural, simbólico e espiritual, aparecem elementos, como: afetação
da possibilidade de transmissão de crenças tradicionais de um povo e da
espiritualidade coletiva. No âmbito institucional, os autores elencam: buro-
cratização da dor, inação estatal, violência institucional e outros. No âmbito
da seguridade pessoal e coletiva, mencionam dentre outros: violência contra
mulheres e feminicídio e desaparição forçada. No âmbito denominado de

repressão política, Dobles e Arroyo (2000) elencam os seguintes aspectos:
estado de sítio, criminalização do adversário político, repressão policial, entre
outros. Por último, no âmbito criminal, os autores mencionam narcotráfico
e tráfico de pessoas.
Blanco e Díaz (2004) ao discutir a relação entre bem-estar e TPS, tra-
zem alguns elementos que podem ser entendidos como indicadores para
identificação e análise do fenômeno em tela, são eles: dados econômicos e
sociodemográficos do contexto em que se inserem os grupos estudados e o
acesso destes aos direitos sociais e serviços públicos essenciais. Os autores
mencionam, ainda, outros como elementos para observação e análise do TPS:
a construção e existência de redes de apoio social e afetiva, apego ao grupo
e/ou território, sentimento de pertencimento, autoimagem e imagem sobre os
outros, dinâmica organizativa dos grupos (autoritário, democrático, partici-
pativo, modos de tomada de decisão, sistema hierárquico), o senso de justiça
dos atores estudados, concepção de mundo e sociedade e visão sobre a própria
natureza humana, uma vez que “el trauma genera una visión negativa sobre
la naturaleza humana” (Blanco & Díaz, 2004, p. 249).
Sob a mesma ótica de Blanco e Díaz (2004), Blanco, Blanco e Díaz
(2016) e Villagrán (2016) identificaram quatro dimensões do Trauma Psicos-
social que também nos ajudam a identificar uma situação Pré-TPS:
1. Situação pré-traumática: situações, condições ou experiências ante-

riores que marcam a identidade de uma pessoa, que compõem a
memória autobiográfica, sendo as próprias vítimas percebidos ou
interpretadas como diretamente responsáveis pela experiência trau-
mática e / ou por continuar a mantê-la ao longo do tempo.
2. Destruição das crenças fundamentais: percepção subjetiva de que
eventos traumáticos afetaram profundamente e continuam a afetar
valores e crenças sobre os quais se baseiam a vida pessoal e social.
3. Emoções intergrupais: Reações emocionais das vítimas em relação a

si mesmas, tanto pessoal como coletivamente, que contribuem para
a culpabilização e autorresponsabilização em relação às origens da
situação traumática.
4. Destruição dos laços familiares e comunitários: percepção de que,
como resultado da presença e manutenção de violência, medo e
terror, a vida familiar e redes sociais se deterioraram, a confiança
interpessoal diminuiu e a participação nas atividades da comunidade
é paralisada, eliminando tudo que se refere à memória coletiva.
Com base nestas reflexões, Villagrán16 elaborou uma escala para mensurar
o TPS em indivíduos e grupos com base em quatro dimensões semelhantes

às mencionadas acima, a saber: (1) percepção dos aspectos que caracteri-
zam uma situação Pré-TPS; (2) percepção acerca da destruição dos laços de
sociabilidade gerados pelo TPS; (3) percepção da eficácia das ações pessoais
e coletivas para superação (parcial ou não) do TPS; (4) percepção acerca das
emoções pessoais e intergrupais geradas em uma situação traumática.
Dobles e Muñoz (2019) também nos trazem indicadores que se somam à
compreensão de uma situação Pré-TPS, são eles: (1) medo e angústias com-
partilhadas; (2) alerta permanente e incertezas que podem incrementar quadros
de ansiedade; (3) fatalismo e dificuldade de implementar projetos coletivos, o
que os autores associam à noção de sofrimento ético-político; (4) alterações
no tecido social e comunitário relacionadas a perdas materiais e simbólicas;
(5) paralisia gerada pelo excesso de violência; (6) insegurança generalizada;
(7) falta de confiança nas relações interpessoais; (8) insuficiência de instâncias
de encontros e espaços coletivos; (9) isolamento social; (10) dificuldade de
resgate da memória histórica; (11) efeitos psicossomáticos e danos corporais;
(12) enfraquecimento da identidade coletiva; (13) falta de apego com o territó-
rio, grupo ou comunidade. E, ainda, Dobles e Arroyo (2020) complementam:
(13) carência de instâncias de elaboração artístico-cultural.
Outros estudos também trazem contribuições para identificação simul-
tânea do Pré e do Pós-TPS, como é o caso da investigação realizada por Iosa
et al. (2013) sobre a transmissão transgeracional do TPS em comunidades
indígenas na Argentina. Os autores trazem, a partir de um estudo qualitativo
que inclui observação participante e entrevistas, como a comunidade indígena
elaborou o Trauma do passado no presente, a partir de ações autorreparatórias.
Segundo os autores:
16 Até o momento da publicação deste livro, o referido artigo estava no prelo, porém, tivemos acesso à escala
pela própria autora. Agradecemos a cortesia de nossa companheira e competente pesquisadora Loreto
Villagrán da Universidad de Concepción, Chile.
78
Los Wichí (grupo indígena que habita territorios comprendidos en las

actuales provincias del Chaco, Salta y Formosa, en la República Argentina
y Sur de Bolivia y Paraguay) son alrededor del 40.000 a 50.000 personas.
El estado Argentino a finales del siglo 19 y principios del 20 llevó adelante
la ocupación militar del Chaco Central y Austral, provocando la muerte
de millares de indígenas que habitaban la zona [...] Después de 90 años,
se comenzó un proceso de reparación histórica, entre las que se destaca:
la firma del “Primer Manifiesto Wichí” (2009), la conformación de la
“Comisión Nacional de Investigación del Genocidio para el Resarcimiento
Histórico de los Pueblos Originarios de Argentina” y la organización del
“Primer Congreso Nacional para la Unión de los Pueblos Originarios de
Argentina”, donde se realizó la firma del Documento del Tratado Interét-

nico para la Refundación de la República Argentina (TIERRA), el 25 de
mayo de 2010. (p. 86).
Os resultados encontrados, a partir das análises das entrevistas, indicam

que o dano psicossocial (Dobles & Arroyo, 2020) permanece atualmente
entre os Wichí, sendo transmitidos de geração para geração por meio do
medo da violência e do silenciamento, configurando um cenário de retrau-
matizacão. Porém, os autores identificam elementos de uma consciência
questionadora da ação do Estado e o surgimento de mecanismos de autor-
reparação produzidos pela comunidade, materializada em rituais, histórias
orais e afirmação da identidade comunitária como uma população que se
pretende independente e ao mesmo tempo integrada à sociedade argentina
(Iosa et al., 2013).
Outro estudo de Sharim et al. (2011) também nos apresenta um caminho
metodológico interessante para analisar a simultaneidade do Pré e do Pós-TPS.
Os autores realizaram uma investigação sobre a elaboração da memória a partir
de entrevistas com profissionais que receberam os testemunhos das vítimas
e que atuavam na Comissão de Prisão Política e Tortura do Chile (CNPPT):
El dispositivo que se propone aquí implica recuperar la narración de los

profesionales que recogieron testimonios de lo que significó para cada uno
esta experiencia. Bajo la consigna “cuéntame tu historia de participación
en la CNPPT”, se pretende reproducir un contexto de construcción de un
relato que permita, en este caso, analizar no sólo los contenidos relatados,
sino también las dinámicas relacionales que se producen y que, a la vez,
producen relato. De este modo, podemos acercarnos al impacto de quie-
nes escucharon a las víctimas en primera línea e indagar en el impacto
que produjo en ellos y la manera en que han podido, o no, elaborar estos
contenidos. (p. 85).
Com a utilização do método denominado narração biográfica, Sharim et

al. (2011) concluíram que, apesar das limitações institucionais, a abordagem
ética e politicamente compromissada dos profissionais, contribuiu para que a
comissão identificasse aspectos importantes da violência de Estado no período
ditatorial chileno, desse visibilidade aos atos de tortura e aos torturados e
alcançasse importantes ações reparatórias.
Como já dissemos, os estudos de opinião pública dirigidos por Martín-
-Baró também trazem instrumentos de pesquisa e alguns caminhos que pode-
mos trilhar na identificação de cenários Pré e também Pós-TPS: (a) análise
sobre o padrão de consumo e as aspirações dos modos de vida dos El Salva-
dorenhos (Martín-Baró, 1981b) nos indicam ferramentas para compreensão
do fatalismo e do nível de consciência colonizada; (b) as opiniões dos El

Salvadorenhos sobre as saídas para a guerra civil denotam elementos impor-
tantes na análise do processo de polarização social (Martín-Baró, 1990b), a
adesão ou crítica ao nacionalismo indica elementos de ideologização ou de
conscientização; (c) estudos sobre a construção da imagem do inimigo e dos
próprios El Salvadorenhos (Martín-Baró, 2000d) ajudam a entender processos
identitários. Entre tantos outros estudos inspiradores.
São estes alguns dos estudos que nos permitem encontrar caminhos teó-
ricos e metodológicos para identificar e agir na condição Pré e Pós-TPS.
3.3 Identificação do Pós-TPS: entre o fatalismo e a conscientização
Vimos discutindo que o Pós-TPS se manifesta, dialeticamente, entre

o fatalismo e a conscientização. Portanto, buscamos neste momento com-
preender possíveis caminhos para identificar esses dois tipos predominantes
de manifestação.
Destacamos, primeiramente, as repostas cujo momento predominante
é o fatalismo. Lembramos que o fatalismo produz um comportamento de
passividade, mas que este comportamento também pode cumprir uma função
adaptativa (Blanco & Díaz, 2007) e até mesmo se manifestar como ação vio-
lenta. Assim, as repostas predominantemente fatalistas seguem pelo menos
três direções: adaptativa, resignada e reacionária.
No quadro II, elaboramos uma breve caracterização destes tipos de res-
postas, bem como de possíveis fontes de observação delas.
80
Quadro 2 – Respostas Pós-TPS na direção do fatalismo: caracterização e fontes

Tipo de
comportamento Breve caracterização Fontes de observação
fatalista
Voltado para supor tar a “ferida”, este tipo de
compor tamento reforça uma trama de relações
individualistas diante de um TPS, por exemplo: suprir suas
próprias necessidades e prazeres individuais na urgência,
sem se preocupar com os demais, ou aceitar uma ajuda,
mesmo que isto implique na ausência de ajuda aos
demais do seu bairro, vizinhança ou comunidade. Ou para
suportar a “ferida” tem-se um comportamento igualmente
individualista, mas sem prejudicar os demais: “isso é coisa Vínculos assistencialistas, narrativas

do movimento, não é coisa minha”. Ou ”tá tudo errado, que sustentam uma concepção
mas não me envolvo com política”. Pode-se até aceitar individualista, descaso em relação
Comportamento
uma história contada sob uma outra ótica que não a ao coletivo, avaliação e percepção de
fatalista/
oficial, mas não se afeta, não se engaja em processos indiferença em relação ao governo
adaptativo:
de resistência. Apenas tenta se proteger de conflitos e e à sociedade. Narrativas em que
sofrimentos ético-políticos. Este comportamento contribui predominam o “eu” ou “nós” em lugar
para a fragmentação comunitária, ainda que se possa de “eles”.
admitir uma manifestação coletiva – é nessa direção que
Gaborit (2005) reflete sobre as gangues em El Salvador.
O autor afirma que o comportamento das gangues indica
um certo rechaço a uma sociedade injusta e violenta, mas
apresenta uma dupla função: de cumplicidade e proteção
para seus membros, mas de disputa e violência contra os
outros grupos, ainda que todos tenham a mesma origem
social e econômica.
Trata-se do comportamento fatalista baseado nos preceitos
clássicos do catolicismo: submissão à um Deus soberano Além de uma possível combinação
e à um destino desconhecido, produzindo uma ausência com os fenômenos citados acima:
de perspectivas de futuro e predomínio da passividade, narrativas que indicam culpabilização
até mesmo para se levar vantagem. O indivíduo não se pela própria condição de pobreza,
Comportamento vê digno de direitos ou de ajuda. Diz-se que “está tudo por exemplo, ausência de vínculos
fatalista/ errado, mas é assim mesmo. Não há nada que se possa comunitários, relações de submissão
resignado: fazer”. Vive-se o imediato e o cotidiano. Restringe-se a de toda a ordem. Relação de
lutar pela sobrevivência. Atribui ajudas assistencialistas passividade e dependência emocional
a uma ação divina ou de um benfeitor. Trata-se daquela entre líderes e liderados, entre pais
modalidade de consciência dominada descrita por Freire e filhos, entre alunos e professores,
(2001) ou daquela consciência inferiorizada caracterizada entre devotos e líderes religiosos.
por Fanon (1952/2008).
continua...
continuação
Tipo de
comportamento Breve caracterização Fontes de observação
fatalista
Para suportar as inúmeras transformações na sociedade,
que causam medo e insegurança, os sujeitos ou grupos
conservadores podem se voltar contra as próprias vítimas do
sistema para evitar a repressão violenta ou o isolamento social Além de uma possível combinação
que sofre aqueles que divergem dos valores dominantes, do com os fenômenos citados acima:
poder econômico e militar (Martín-Baró, 2000): trata-se do adesão a rituais de ingresso nos
comportamento reacionário, que se submete acriticamente grupos endógenos, idolatria da
à versão oficial da história e se apega ao grupo hegemônico meritocracia e tecnocracia, grau
em busca de proteção. A passividade continua sendo marca de violência com que pessoas
deste tipo de comportamento, mas ele convive com respostas e grupos se dirigem aos outros,
violentas em nome da aceitação da ordem e do sentimento narrativas que endossam a história

de ameaça à estabilidade familiar, religiosa, sexual etc. Ao
oficial e necessidade de aceitação
contrário das outras modalidades do fatalismo, o reacionário
pela minoria econômica. Narrativas
Comportamento se manifesta, necessariamente, como um fenômeno
em que predominam “eles” (os
fatalista reativo/ coletivo, característico de grupos econômica e socialmente
dominantes) em vez de “nós” (minha
reacionário: conservadores. Nesta modalidade de expressão, o fatalismo
comunidade, minha classe). Neste
corresponde, paradoxalmente, a uma intencionalidade política
tipo de resposta, podemos ainda
bem clara: manter as coisas como elas estão. A naturalização
do modo de sociabilidade capitalista convive, dialeticamente, mencionar as narrativas que surgem
com uma ação política coletiva e intencional em defesa desta na conjuntura atual brasileira, como
concepção naturalizada da história. aqueles que se denominam “preto,
Citamos algumas referências de apoio para compreensão do da periferia e de direita” (é o caso,
referido fenômeno: o clássico Personalidade autoritária de por exemplo, de parlamentares
Adorno e colaboradores (1950) nos ajuda a entender o conceito, Bolsonaristas eleitos e de membros de
assim como o clássico de Reich (1933/2001), Psicologia das movimentos conservadores no Brasil,
massas e do fascismo, e, mais atualmente, A Psicologia dos como o Movimento Brasil Livre).
extremismos políticos, de Hur e Sabucedo (2020). Vale aqui
também mencionar a excelente obra do nosso autor, denominada
El llamado de la Extrema Derecha (Martín-Baró, 1982).
Apesar de diferenças entre comportamentos fatalistas, há mais semelhan-

ças do que diferenças. Eles podem ser enquadrados, por exemplo, naquilo
que Adorno e seus colaboradores denominaram de personalidade autoritária,
caracterizada dentre outros aspectos por uma rígida adesão aos valores con-
vencionais, submissão acrítica a um líder e agressividade dirigida contra a
diversidade de pensamentos e modos de vida (Adorno et al., 1950)17.
Como já mencionado, há uma série de estudos sobre o fatalismo, dentre
eles, o de Cidade et al. (2018), que validaram a escala multidimensional de
17 Muito interessante observar que, após mais de 70 anos da publicação de Personalidade autoritária, de
Adorno e colaboradores (1950), e quase 40 anos depois de escritos de Martín-Baró da década de 1980,
os achados destes autores continuam extremamente atuais para uma análise da conjuntura global na
atualidade, considerando o avanço da extrema-direita e dos movimentos conservadores em alguns países
como Brasil e EUA. Não será o caso de discorrer sobre a conjuntura no Brasil e no mundo de hoje, mas
vale citar dois textos relevantes para compreender como o governo de Jair Bolsonaro e de Trump nos EUA
82
fatalismo para contextos de pobreza rural no Brasil. Abaixo, as dimensões e

os itens da escala:
Tabela 2
Distribuição dos itens por fator na Escala Multidimensional de Fatalismo reduzida
Dimensão Item
Fatalismo 1 Não importa o que você faça , se algo ruim vai acontecer com você acontecerá de qualquer
jeito.
3 Se acontecem coisas ruins, é porque tinha que ser assim.
11 A pessoa morre quando é sua hora e não há muito o que se possa fazer sobre isso.
Pessimismo/ 4 Você sente que não tem nenhum controle sobre as coisas que acontecem com você.
desesperança 7 Não se pode vencer na vida, não importa o quanto a pessoa se esforce.
12 O sucesso está determinado quando se nasce, não há nada que se possa fazer para ter suces-
so na vida.
Internalidade 13 A vida está determinada por suas próprias ações.
14 O que a pessoa ganha da vida é sempre resultado do esforço que ela dedica.

15 O que acontece com uma pessoa é consequência do que ela faz.
Sorte 5 Existem pessoas que nascem com sorte.
8 Quando acontecem coisas boas com as pessoas é por sorte.
10 As coisas boas que acontecem com você, geralmente, são por sorte.
Controle divino 2 Tudo que acontece com uma pessoa foi planejado por Deus.
6 Qualquer coisa que aconteça na sua vida é porque Deus quer que aconteça.
9 Deus controla tudo de bom e de mau que acontece com uma pessoa.
Fonte: Cidade et al. (2018, p. 6).
O uso da escala torna-se uma possibilidade para estudos que pretendem

identificar as repostas fatalistas e sua articulação com o fenômeno do TPS.
Ademais, as perguntas alocadas nas cinco dimensões (fatalismo, pessimismo/
desesperança, internalidade, sorte e controle divino) podem nos ajudar a cons-
truir roteiros de entrevista na direção mencionada.
Outra abordagem metodológica relevante para análise do fatalismo pode
ser encontrada no estudo realizado por Borsoi (2005) sobre como trabalha-
dores afastados por invalidez compreendem os acidentes e a segurança do
trabalho na área da construção civil. Em um estudo qualitativo, a autora rea-
lizou entrevistas abertas com seis trabalhadores afastados e colheu narrativas
sobre a trajetória profissional dos participantes e sobre as representações em
relação ao acidente e à morte. A conclusão é que há uma naturalização da
insegurança no trabalho, considerando as condições objetivas em que ele se
realiza e que também o fatalismo atua como um recurso adaptativo diante do
risco iminente de acidente ou morte.
A vida profissional constitui-se como uma atividade central na elaboração
das representações sobre o nosso próprio destino e modo de vida. Assim como
o trabalho, Martín-Baró (1998) destaca instâncias que atuam na conformação
da identidade individual e social. São também instituições que cumprem uma
atuam (ou atuavam) na direção da polarização e da construção da imagem do inimigo, ao mesmo tempo em
que reforçam estereótipos e conservam uma relação estreita com suas bases de apoio político. Para uma
prévia desta discussão, consultar Maitino (2018), Gonçalves e Marins (2018) e Pettigrew (2016).
função decisiva na reprodução do modo de sociabilidade capitalista, a saber:

igreja, escola e famílias.
Para Martín-Baró (1998) essas instituições produzem, hegemonicamente,
uma relação de passividade e dependência emocional. Como afirma o autor:
“la familia produce dependencia; la escuela, pasividad e individualismo; la
moral, hipocresía.” (p. 67). Complementando, nas palavras de nosso autor:
La dependencia emocional obliga al individuo a buscar satisfacciones

fuera de sí mismo, lo que le convierte en objeto de fácil manipulación
para quien dispone de casi todos los resortes gratificantes de la sociedad.
El individualismo, al mismo tiempo que corta desde su raíz la posibilidad
de una integración a nivel popular, enclava al individuo en la parte y lugar
de la estructura que, según la dinámica ideológica, le corresponde (clase

social, etc.). En última instancia, el individualismo fuerza al individuo
a asumir el papel o rol que la estructura social le asigna. La pasividad
permite al régimen político asumir el control – cada vez más absoluto –
de todas las fuerzas disponibles, y hasta emplear los medios represivos
mayores sin que peligre su autoridad ni su poder. La pasividad del súbdito
es garantía de permanencia para el amo, al menos a corto plazo que, por
lo que parece, es lo más que logran ver los gobernantes actuales. Esa
es la razón de que, entre nosotros, todo se espere y todo se achaque al
gobierno: la iniciativa y la realización, lo bueno y lo malo. Finalmente,
el fariseísmo [hipocresía] es el más sutil de los impactos ideológicos en
el individuo con vistas a la pervivencia del sistema. El fariseísmo lleva
a una actitud de escepticismo con respecto a la realidad presente, a un
pesimismo con respecto al futuro y, por consiguiente, a una resignación
justificatoria de cualquier situación social: si todos mienten, si todo es fal-
sedad y doblez, nada cabe esperar de nadie y, por tanto, lo más coherente
es tratar de sacar el mayor jugo posible – mucho o poco – a la situación
actual. (Martín-Baró, 1998, p. 68).
Em resumo, as respostas fatalistas são materializadas em relações de

dependência emocional e de adoração em relação aos líderes, de possessivi-
dade diante de coisas e de pessoas, uma “ingenua idolatría de la tecnocracia”
(p. 69) em que “Se atribuye un valor inconmensurable al ‘cartón’ o título
académico, y se cree a pies juntillas en el poder casi mágico de la técnica para
realizar los milagros más inusitados” (Martín-Baró, 1998, p. 69). Trata-se,
neste caso, de um modo de vida baseado no opressor, como ressalta Martín-
-Baró com base na Pedagogia do Oprimido de Paulo Freire.
O hedonismo e a busca desenfreada pelo prazer individual também
aparecem como características comuns àqueles que organizam suas vidas,
predominantemente, sob o viés individualista e imediatista do opressor.
Ainda segundo o autor:
84
La patológica necesidad de escapismos a todos los niveles es síntoma

indudable de una vida desgarrada en su esencia más profunda, de una
existencia desequilibrada que exige la compensación maníaca de la droga,
la fiesta o el desquiciamiento eufórico. (Martín-Baró, 1998, p. 69).
A aceitação passiva de regras e normas sociais, a adesão à valores nacio-

nalistas em detrimento de valores universais articulados à condição de classe,
o medo e o ódio aos diferentes são alguns dos elementos que podemos iden-
tificar empiricamente para análise das repostas pós-TPS predominantemente
fatalistas. Há, ainda, a possibilidade de haver aqui repostas fatalistas para
além daquelas meramente resignadas, podendo, inclusive, culminar em uma
militância reacionária, restrita, portanto, ao alcance de interesse particulares,

em defesa dos “valores da família” (como se existisse somente uma tipologia
de família), por exemplo.
Os espaços de convivência e de circulação social, os processos de ins-
titucionalização e socialização, as trajetórias de vida, os rituais nos quais os
sujeitos participam, a adesão a valores e ideologias que podem ser encontrados
pela observação de comportamentos grupais e na coleta de narrativas são
alguns dos momentos empíricos que nos permitem analisar tanto respostas
fatalistas como na direção da conscientização.
Para analisar as respostas pós-TPS, predominantemente marcadas pelos
processos de conscientização, retomamos os três fatores elencados por Mar-
tín-Baró (1996; 2000): recuperação/fortalecimento da memória histórica,
prática e solidariedade de classe e organização popular.
Abaixo, o quadro III resume as respostas positivas que indicam a supe-
ração de situações específicas de TPS e uma breve caracterização delas.
Quadro 3 – Respostas Pós-TPS na direção da

conscientização: caracterização e fontes
Repostas
positivas Breve caracterização Fontes de observação
Pós-TPS
A memória histórica é responsável por estabelecer
um modelo explicativo para o presente ao estabelecer
conexões entre o passado e o momento atual, Manifestações coletivas e artísticas, como: saraus,
possibilitando ainda entender concretamente o místicas, músicas e rituais que contam uma
futuro atual. É também por meio dela, segundo história coletiva ou de lideranças, por exemplo,
Dobles (2009), que se estabelece um vínculo entre documentos autorais e/ou que narram a história
Memória a biografia individual e coletiva, permitindo fortalecer dos grupos, instituições ou movimentos, narrativas
Histórica laços de identidade social. Os “grupos com história” que remetem ao vínculo entre memória biográfica e
(Martín-Baró, 1992) tornam-se mais resistentes memória histórica, monumentos, imagens ou outras
às tentativas de desmantelamento das bases que manifestações que rememoram eventos históricos,
o sustentam e tentativas de desqualificação e vínculos intergeracionais, história oral, nome de
difamação. Para ampliação do aludido fenômeno, ruas ou de instituições, entre outros.
consultar, por exemplo, Bosi (1979), Dobles (2009),
Svartaman (2009) e Weil (1943).
continua...
continuação
Repostas
positivas Breve caracterização Fontes de observação
Pós-TPS
Práticas de apoio mútuo que superam a lógica
Aqui nos referimos, com base em Martín-Baró, às assistencialista (exemplo: mutirões para construção
práticas que combatem o individualismo e o fatalismo de habitações populares), ações cooperativas (como
em todas as suas expressões e que retomam ou é o exemplo citado das cozinhas comunitárias do
Prática e valorizam a perspectiva classista, que colocam os MTST), ações de apoio mútuo para enfrentamento
solidariedade interesses coletivos à frente das particularidades. coletivo ou reparação de uma perda, nível de
de classe Como material de apoio, para ampliar a discussão, aproximação interpessoal entre membros de
consultar, por exemplo, a obra de Dobles e Zuñiga uma comunidade, vizinhança etc. Narrativas que
(2005) que retrata a trajetória de militantes socialistas priorizam o “nós” e “eles” em relação ao “minha”
na Costa Rica. e “eu”. Predomínio de palavras como “apoio” e
“solidariedade” em vez de “ajuda” e “isolamento”.
Vínculos entre indivíduos e grupos representativos

da classe ou categoria profissional, níveis de pene-
tração da população de uma organização política e/
ou comunitária, níveis de enraizamento das pautas
políticas e/ou comunitárias. Democratização dos
espaços decisórios e presença de espaços de de-
liberação coletiva, como assembleias. Processos de
A organização popular a que se refere Martín-Baró representação e participação política (se predomina
é caracterizada pelo rompimento com modelos elementos da democracia representativa, partici-
autoritários e esquemas rígidos de mando e pativo ou direta). Representatividade (diversidade)
tomadas de decisão. Tem como finalidade conquistar das lideranças. Independência política e financeira
Organização
democraticamente direitos sociais, sob uma (frente às elites), direcionamento de ações voltadas
popular
orientação classista e não elitista. Para continuidade para transformação social (ainda que este conceito
desta reflexão, consultar, por exemplo, Cunha et al possa variar amplamente), senso de justiça asso-
(2017), Dobles e Zuñiga (2005), Indursky (2014) e ciado ao bem comum, que estabelece um vínculo
Sandoval (2001). entre a superação de um TPS específico e à luta
política contra as elites, ações de afirmação dos
direitos. Compreensão dos direitos como conquis-
tas e como resultado de lutas sociais. Predomínio
de palavras como “esperança” em vez de “medo”,
“ação” e “militância” em vez de “paralisia”, “burgue-
sia” e “trabalhadores” em vez de “políticos” (usados
genericamente).
Ainda que o TPS e as respostas predominantemente conscientizadoras

sejam de natureza coletiva, de modo algum podemos descartar as indivi-
dualidades. Mas, mesmo que narrativas colhidas em entrevistas individuais,
por exemplo, expressem aparentemente opiniões dos indivíduos – a história
de uma liderança, por exemplo – elas devem ser analisadas ao encontro das
histórias coletivas, das organizações políticas a que pertencem, das entidades
ou comunidades que representam.
O material empírico também evidencia manifestações dialéticas de
aceitação x resistência sociopolítica do grupo em relação aos três elementos
mencionados, que caracterizam o fenômeno em questão: mentira instituciona-
lizada, violência política e polarização social. Encontraremos manifestações
86
positivas pós-TPS em narrativas individuais ou colhidas em grupos focais, por

exemplo, que retratam a história de líderes ou da própria instituição, movi-
mento ou comunidade, mas também pela observação participante de rituais e
manifestações culturais ou políticas, como os saraus que ocorrem nas periferias
de São Paulo ou ações como a caminhada pela Paz em Heliópolis, na Zona
Sul de São Paulo, que tem como um dos objetivos rememorar as vítimas da
violência policial naquele local e combater a impunidade.
Também pode-se observar manifestações simbólicas, que nos servem
de material empírico, como são os casos das místicas do MST. Segundo
Indursky (2014):
As místicas costumam acontecer nos mais diferentes espaços como acam-

pamentos, assentamentos, encontros, congressos, tomando a forma de
hinos, poesias, cantos, palavras de ordem, encenações, para apenas apontar
alguns exemplos. E, nelas, os símbolos do movimento sempre se fazem
presentes e são parte constitutiva da mística bandeiras, bonés, camisetas,
foices, pás. Diria que esses rituais, por outro lado, dão sustentação às
ações e demandas do MST, servindo como elementos potencializadores
da capacidade de luta. (p. 113).
A autora cita, então, um exemplo de uma mística realizada no ato de

formatura de estudantes da escola de um dos assentamentos do MST: “no dia
da formatura o MST colocou no palco do Salão ... além da bandeira e de seus
demais símbolos, uma certa quantidade de terra. Era a mística funcionando
novamente, para tornar visível o não visível: a luta pela terra.” (Indursky,
2014, p. 117).
O evento de formatura, portanto, nos oferece um material empírico acerca
da identidade coletiva, dos princípios e dos atos de resistência do movimento
em questão.
Manifestação semelhante de resistência – ainda que motivada por
um acontecimento distinto – ocorre, justamente, na Universidade Centro
Americana em El Salvador, onde anualmente todo 16 de novembro, dia do
assassinato dos jesuítas (entre eles, Martín-Baró), a comunidade acadêmica
e o povo El Salvadorenho se juntam nas ruas da própria universidade para
uma procissão denominada “procesión de los farolitos”: todos fazem uma
caminhada noturna com velas acesas, que somada a diferentes manifes-
tações artísticas e culturais, resgatam o sentido da luta por justiça social
naquele país.
As manifestações simbólicas, sem dúvida, contribuem para o resgate e
fortalecimento da memória histórica e nos oferecem um rico material empírico.
É o que Campos et al. (2015) afirmam quando trazem uma importante refle-
xão sobre o massacre de Felisburgo. Os detalhes do massacre impressionam:
Lá, as famílias acampadas têm uma importante história para contar: na

manhã do dia 20 de novembro de 2004, 18 pistoleiros armados inva-
diram o acampamento rural Terra Prometida [do MST], localizado na
cidade de Felisburgo, no Vale do Jequitinhonha, Minas Gerais (MG);
assassinaram 5 pessoas e feriram gravemente 13, entre elas um menino
de apenas 12 anos de idade. Tudo isso a mando do fazendeiro Adriano
Chaik (réu confesso), que já esteve preso e logo depois foi libertado.
Os capangas ainda atearam fogo nos barracos das famílias, ameaçaram
de morte toda a comunidade e soltaram os porcos em cima dos mortos.
(p. 52, colchetes nossos).
As autoras relatam o impacto desse massacre na vida dos moradores do

acampamento e dos familiares das vítimas e concluem que uma das formas
de resistência se configura, justamente, no resgate da memória.
As lembranças se fortalecem ainda a partir da entrada em um local onde
os trabalhadores assassinados conviviam e trabalhavam, tal como a roça, ou
a partir da manipulação de objetos que eram compartilhados com eles, tais
como instrumentos de trabalho, livros ou cadernos. A própria rememoração
coletiva do massacre, que ocorre todo ano na data do acontecimento, desperta
muito sofrimento em algumas pessoas, principalmente nas viúvas. (Campos
et al., 2015, p. 57).
E ainda segundo as autoras:
Na medida em que foram construídos espaços para os trabalhadores rurais

reelaborarem criticamente o significado político do massacre, por meio da
memória coletiva, tornou-se possível uma ampliação da consciência social
(Lane, 2004) e de classe do grupo, ao mesmo tempo, uma reelaboração do
significado e sentido do sofrimento. (Campos et al., 2015, p. 55).
O estudo sobre o massacre de Felisburgo, desenvolvido com base no

conceito de TPS, foi elaborado com a criação de espaços, pelas próprias
pesquisadoras, que favorecessem a elaboração da memória do fato narrado
(o massacre), tendo como referencial a noção daquilo que as autoras deno-
minaram de pesquisa-intervenção. Para tanto:
Gravamos as entrevistas (individuais e coletivas), transcrevemos e organi-

zamos os dados, realizando devoluções na comunidade. Compreendemos
que essa experiência potencializa o campo de construção da memória
histórica e traz legitimidade para a investigação. Criamos um espaço de
revalidar coletivamente os dados coletados, da mesma forma em que esses
passam a dar suporte para as intervenções psicossociais. (Campos et al.,
2015, p. 54).
88
Também são materiais para análise: documentos que contam as histórias

das associações de moradores ou de um determinado agrupamento político,
a observação acerca do grau de engajamento dos sujeitos nos espaços cole-
tivos, como as assembleias, por exemplo, a composição e hierarquia dos
movimentos, quem compõe a direção, as mesas nas solenidades e espaços
de tomadas de decisão.
Um caminho relevante para se captar as repostas Pós-TPS, tanto as que
caminham na direção do fatalismo como da conscientização, pode ser trilhado
pelo vasto arsenal metodológico e instrumental produzido pela pesquisa ação
participante (Bonilla et al., 1972). Nesta esteira, busca-se superar a pretensa
neutralidade científica, quebrar vínculos de hierarquia entre pesquisadores e
participantes, estar e participar do contexto de pesquisa, valorizar a dimensão

afetiva do conhecimento e o saber popular, bem como o uso de instrumentos
que permitam que as narrativas fluam sem amarras, sem desmerecer o uso de
questionários, escalas, roteiros predeterminados de entrevistas e ainda, sem
desvalorizar a dimensão quantitativa da realidade (Guareschi, 1998).
CAPÍTULO 4
A CONTRIBUIÇÃO DA PSICOLOGIA
PARA SUPERAÇÃO DO TPS:
a “Tarefa Psicossocial”
Analisamos alguns aspectos teórico-metodológicos que contribuem para
a identificação e análise do Pré e Pós-TPS. Agora, buscamos pensar o que o
psicólogo social pode contribuir para a superação parcial deste fenômeno.
Partindo do pressuposto de que a superação do TPS só é possível com a

superação da sociedade de classes (Martín-Baró, 1990; 2000a; 2000b; 2000c),
sabemos pelo próprio Martín-Baró (1996) que o papel da Psicologia é neste
sentido muito limitada. Nosso autor dá pistas de que a tarefa principal da
Psicologia crítica – isto é, aquela que cultiva o horizonte ético-político da
libertação – seja travar uma disputa no interior da própria ciência e profissão.
Sabemos também que a Psicologia hegemônica vem contribuindo,
historicamente, para as demandas de reprodução do modo de sociabilidade
capitalista18. Nesse sentido, Martín-Baró (1996) alerta para a necessidade de
romper com as próprias amarras do conhecimento psicológico dominante
e da compartimentalização da ciência burguesa, que atribui aos psicólogos
a responsabilidade de lidar com os fenômenos internos, como se existisse
fenômeno psicológico puro. Toda psicologia é psicologia social, já diria
Freud (1921/2001). O fenômeno psicológico é constituído socialmente, no
bojo das relações humanas historicamente constituídas, reforça por sua vez
Vigotski (1927/1991).
Isso posto, compreendendo como necessária a superação das concepções
dominantes da Psicologia no interior da própria ciência e profissão (o que
Martín-Baró acredita ser possível), nosso autor busca analisar qual é o papel
do psicólogo (Martín-Baró, 1996).
O psicólogo radicado em El Salvador destaca, em primeiro lugar, a neces-
sidade de refletir sobre a própria concepção do fenômeno psicológico, pois
é isto que alterará a prática psicológica. Nessa direção, afirma que não basta
18 Nosso enfoque não será aprofundar o debate sobre os conceitos de Psicologia crítica e Psicologia
hegemônica. Ficaremos nas definições mais genéricas: Psicologia crítica é aquela questionadora da
ordem capitalista e da própria Psicologia hegemônica, que por sua vez tem como objetivo a classificação e
normatização, com finalidade adaptacionista, segregacionista e patologizante. Talvez as melhores referências
para aprofundamento desta discussão sejam os próprios textos de Martín-Baró (por exemplo, Martín-Baró,
1983; 1996; 1998). Podemos sugerir outras leituras adicionais como Parker (2014), Euzébios Filho e Gradella
Júnior (2020).
90
sair do setting clínico sem superar o modelo médico individualista, que foi
exportado pela Psicologia Tradicional, especialmente a norte-americana. Daí
resulta uma concepção crítica de Saúde Mental da qual o conceito de TPS
é parte fundante na obra do autor (ver, por exemplo, Martín-Baró, 2000b).
Na obra intitulada O Papel do Psicólogo (Martín-Baró, 1996), o autor
destaca a importância de se compreender o fenômeno psicológico contex-
tualizado, a partir da necessidade e das demandas das camadas populares do
continente latino-americano. Para se chegar lá, é necessária uma crítica ao
que ele denominou de injustiça estrutural, ou em outras palavras, uma crítica
radical ao modo de sociabilidade capitalista. Essa crítica, como sabemos,
indica o horizonte ético-político da libertação. A partir de então, nosso autor

indica, por fim, que o papel do psicólogo é contribuir para um processo de
desideologização – em outros termos, de conscientização.
Pois bem, é por este viés que Martín-Baró vai refletir sobre a tarefa psi-
cossocial do psicólogo na superação do sistema social que produz TPS. Em
primeiro lugar, embora nosso psicólogo da libertação não seja propriamente
um defensor dos processos psicoterapêuticos, ele reconhece a importância
de uma clínica política, a partir do trabalho pioneiro do Instituto Latino-A-
mericano de Saúde Mental e Direitos Humanos, formado principalmente por
psicólogos argentinos e chilenos, como a já citada Elisabeth Lira, que se dedica
desde o final de 1970 a dar atenção clínica a populações mais severamente
afetadas pela repressão política (ILAS, 2019).
É verdade, no entanto, que Martín-Baró (2000b) reconhece os limites
da psicoterapia individual ou grupal para a elaboração do TPS, uma vez que,
como tentamos demonstrar ao longo de nossa reflexão, esse processo demanda
uma ação política, coletiva e organizada, que vai muito além do escopo da
ciência e da profissão psicológica19. Mas, o fundamental em Martín-Baró não
é onde se produz uma Psicologia crítica, mas quais são as tarefas psicossociais
que cabem a ela. Nesta direção, ele aponta pelo menos quatro contribuições:
(1) superação da polarização social; (2) desmilitarização da sociedade; (3)
descolonização do saber hegemônico dentro e fora da própria Psicologia
e desconstrução da imagem do latino inferiorizado; (4) desideologização
ou decodificação das relações de poder – o que envolve, mais do que uma
opção técnica, uma opção ético-política. Podemos ainda adicionar mais três
19 Como procuramos deixar claro, não queremos desmerecer o papel da chamada clínica política na formulação
de uma visão crítica de mundo, como é o caso do mencionado trabalho desenvolvido pelo Instituto Latino-
Americano de Saúde Mental e Direitos Humanos (ILAS, 2019), assim como da clínica de reparação no bojo
da experiência brasileira da comissão da verdade (Rodrigues et al. 2017) ou mesmo das clínicas populares
(por exemplo, Marino & Coaracy, 2019) e daquelas que se propõem anticapitalistas (Kahhale et al., 2020).
A questão central é apontar os limites da prática clínica para elaboração e superação de um fenômeno
estrutural, que se manifesta no coletivo e de modo sequencial, como o TPS.
contribuições do psicólogo, indicadas por Dobles e Arroyo (2020), são elas:

(5) atuar na elaboração da dor oriunda da violência política; (6) contribuir
para desmistificar a manipulação da dor por parte do agressor (seja ele um
governo ou um líder político), que muitas vezes culpabiliza e/ou imobiliza a
própria vítima; (7) atuar para desburocratização da dor ou para eliminação de
procedimentos institucionais que não favorecem a elaboração do sofrimento
ético-político – por exemplo, procedimentos burocráticos que excluem ou
dificultam o acesso à políticas de reparação dos danos causados pela ditadura
militar, constrangendo a vítima.
Com efeito, vejamos o que diz nosso autor sobre os limites e possibili-
dades de atuação do psicólogo voltada para a desideologização:
Há uma tarefa importante que o psicólogo deve cumprir e que requer tanto
o reconhecimento objetivo dos principais problemas que afligem os povos
centro-americanos como a definição da contribuição específica do psicó-
logo em sua resolução. Pois se o psicólogo, por um lado, não é chamado
a intervir nos mecanismos socioeconômicos que articulam as estruturas
de injustiça, por outro é chamado a intervir nos processos subjetivos que
sustentam e viabilizam essas estruturas injustas; se não lhe cabe conciliar
as forças e interesses sociais em luta, compete a ele ajudar a encontrar
caminhos para substituir hábitos violentos por hábitos mais racionais; e
ainda que a definição de um projeto nacional autônomo não esteja em
seu campo de competência, o psicólogo pode contribuir para a formação
de uma identidade, pessoal e coletiva, que responda às exigências mais
autênticas dos povos. (Martín-Baró, 1996, p. 22).
Em sua obra intitulada O psicólogo no processo revolucionário (Mar-

tín-Baró, 2017), nosso autor aponta como tarefa a curto prazo atender aos
traumas presentes nos conflitos sociais e de desintegração social. No médio
e longo prazo, deverá contribuir para a formação de uma nova ética, um novo
modelo de sociabilidade que coloque as necessidades coletivas à frente dos
interesses individualistas.
Na já referida obra La encuesta de opinión publica como instrumento
desideologizador, Martín-Baró (1990b), discute as possibilidades de ação do
psicólogo social em um contexto de crise, como aquele vivido na guerra civil
de El Salvador. Sendo assim, ele comenta:
Quizás el caso más obvio es el de los combatientes de uno y otro bando

que necesitan de atención psicológica (ver Spielberger, Sarason y Milgran,
1982). Cinco años de guerra civil en El Salvador van generando ya un
verdadero ejército de jóvenes traumatizados por las acciones bélicas u
obligados a replantearse de nuevo su existencia desde un cuerpo lisiado,
92
con amputaciones o paralizado a perpetuidad. La reincorporación del muti-

lado de guerra a la vida civil representa un problema no sólo individual,
sino de orden comunitario; es la familia entera, el entorno colectivo el
que tiene que reajustarse, a veces de forma radical, para dar acogida al
invalido para suplir sus deficiencias, para enfrentar sus trastornos. Todo
ello requiere ayuda especializada para la cual la comunidad de psicólogos
salvadoreños no se había capacitado. (p. 10).
Neste trecho, observamos a importância dos psicólogos se capacitarem

para identificar e atuar em situações para as quais não foram treinados e pre-
parados, até mesmo pela formação hegemônica em psicologia. É evidente,
porém, que a preparação não é uma tarefa meramente técnica: é preciso com-

preender, sobretudo, os determinantes sociais e históricos do TPS gerado pela
guerra e atuar não somente no plano individual, mas principalmente no resgate
do tecido social e comunitário.
Seria este exemplo dos jovens traumatizados pela guerra aplicável aos
que atuam em gangues e organizações criminosas nos grandes centros urba-
nos? Aos jovens negros da periferia que sofrem, cotidianamente, violência
policial? Os relatos de Coimbra (2004), por exemplo, sobre as ocupações
do exército nos morros do Rio de Janeiro durante a década de 1990 suge-
rem que sim.
A injustiça estrutural produz guerra, violência e abandono. Com essa
convicção, Iraheta et al. (1982) refletem sobre o papel do psicólogo no con-
texto das unidades que acolhem crianças abandonadas pelos familiares, e se
questionam: escola ou prisão? Tratando-se de uma instituição repressora,
Martín-Baró e seus colaboradores buscam compreender a dimensão psicos-
social do encarceramento institucional das crianças abandonadas. Assim,
afirmam que:
Ante el rol de reclusa que le exige el sistema social del RVP [sigla da
instituição], a la niña no le queda más alternativa que adaptarse o fugarse.
Junto a la fuga física, también se produce lo que pudiera llamarse la “fuga
psíquica”, la huida hacia dentro, como un recurso menor: la niña trata de
aislarse en el mundo de sus propios pensamientos, abstrayéndose en alguna
tarea como el tejido que le permite crear una muralla de incomunicación
alrededor de sí misma. (p. 189, colchetes nossos).
Mas, considerando ser a situação de encarceramento institucional

muito difícil de ser alterada no campo da micropolítica, dado se tratar de
um fenômeno estrutural, o que o psicólogo poderia fazer? Aos que os auto-
res respondem:
Sin embargo, de nada sirve quedarse con los brazos cruzados, a la espera
de cambios radicales que la pasividad puede ayudar a retrasar y quizás a
impedir definitivamente. Se trata de hacer lo posible, precisamente con
miras a potenciar aquellos cambios que se ven como urgentes y necesarios.
Cabe preguntarse en qué medida se puede lograr que las instituciones
reeducativas actualmente existentes en El Salvador cumplan al menos los
objetivos muy apreciables que les asigna la ley, aun cuando con ello no se
consiga resolver los problemas fundamentales de la infancia salvadoreña.
(Iraheta et al., 1982, p. 190).
Desta forma, Iraheta et al. (1982), indicam três direções para a ação
do psicólogo social neste cenário institucional: (1) adequar a instituição às
crianças que alberga; (2) contribuir para uma tomada de consciência crítica
das famílias sobre a própria condição de institucionalização; (3) buscar incidir
sobre o sistema judiciário para que as famílias e os serviços técnicos partici-
pem das decisões sobre a vida das crianças.
Outras produções, da vasta obra de nosso autor, dão pistas do que o psi-
cólogo pode fazer diante do enorme déficit de moradias, das desocupações
forçadas de terras improdutivas e da aglomeração urbana (Martín-Baró, 1973),
na área da educação e da docência universitária (Martín-Baró, 1971), assim
como o trabalho em outros contextos.
Ressaltamos, ainda, que a própria noção de TPS pode ter uma repercus-
são muito importante para a prática do psicólogo, como destaca Gonçalves
(2017) ao relatar uma experiência brasileira que, em nossa opinião, mostra
um caminho concreto de atuação deste profissional na identificação e atuação
com populações que sofreram violência.
Gonçalves (2017) retrata uma experiência em que o Conselho Federal de
Psicologia foi acionado pela Comissão da Verdade para realizar um parecer
técnico com o objetivo de averiguar os efeitos psicossociais da violência polí-
tica contra a população indígena Krenak. Este parecer foi parte constituinte da
ação do Ministério Público de Minas Gerais que pede que o Estado brasileiro
reconheça as graves violações de direito coletivo desse povo indígena e adote
ações de reparação histórica. Construído dentro da terra indígena entre os anos
de 1969 e 1973, o reformatório Krenak foi um centro de detenção direcionado,
exclusivamente, para indígenas em confronto com a lei.
A partir do conjunto de entrevistas, observações de campo e pesquisa
bibliográfica foi realizado o parecer que evidenciou tanto os impactos da
violência política em nível individual como em nível coletivo na população
Krenak. O autor conclui que esse conjunto de impactos produziu uma trauma-
tização psicossocial coletiva nessa população, inspirando-nos a pensar como
94
a psicologia pode contribuir não apenas para fazer justiça social, mas para
produzir políticas públicas que atuem para minimizar os efeitos da violência
e das desigualdades sociais.
O parecer psicossocial produzido por Gonçalves (2017; 2021) nos leva
a pensar que a identificação do TPS em outras populações contribui para
desenvolver ações de reparação e políticas de enfrentamento às violências e
desigualdades sofridas por elas. É possível identificar, por exemplo, o TPS
na população em situação de rua, nos movimentos que lutam por justiça
social e moradia, nos movimentos que lutam por uma terra para ter o que
comer, nas vítimas de chacinas nas periferias, das profissionais do sexo que
trabalham nas ruas e sofrem humilhação e violência contínuas, entre outras
populações marginalizadas?

Seja onde e com quem estiver, é necessário retomar como princípio de
ação os três elementos mencionados anteriormente e que contribuem para uma
elaboração positiva do TPS: o psicólogo deverá contribuir para recuperação/
fortalecimento da memória histórica das classes populares, para organização
popular e para a prática ou solidariedade de classe.
Mas, é possível cumprir a tarefa psicossocial utilizando somente as fer-
ramentas que são privativas do psicólogo? Para Martín-Baró, não.
Lembramos novamente que os maiores desafios da Psicologia se encon-
tram no interior dela própria, na superação do modelo tecnicista, individua-
lista e patologizante. Assim, sabemos mais sobre o que não devemos fazer:
não devemos seguir os parâmetros do modelo médico individualista – que
se materializa, por exemplo, no DSM – não devemos endossar a perspectiva
hegemônica de trauma, que culpabiliza o indivíduo isolado pela condição de
vulnerabilidade produzida socialmente.
A Psicologia pode contribuir mais com seu corpo de conhecimento crí-
tico do que com suas técnicas. É assim que ajudou a construir, por exemplo,
a luta antimanicomial, as políticas de desospitalização e de redução de danos
(Gradella Júnior, 2002), as clínicas políticas (Rodrigues et al., 2017; Sloan,
2001), a psicologia escolar crítica (Moreira & Guzzo, 2015), a psicologia
social comunitária (Freitas, 1998), entre outras ações. Temos, porém, muito
a fazer, e o caminho ainda é longo.
PARA UMA CONCLUSÃO
Porque estudar o TPS hoje? Como colocamos inicialmente, o conceito
foi pensado no contexto de guerra civil, uma guerra declarada e com uso
explícito de força militar. Mas, será que ainda não vivemos uma guerra? E
mais, é possível a “paz” em uma sociedade capitalista?
O capitalismo global atualmente nos oferece guerras de todos os tipos:
uma guerra combinada com uso de força militar, violência física e simbólica,
a guerra ideológica, com uso sofisticado de diferentes meios de comunicação
e propagação da mentira institucionalizada, a guerra da polarização social,
a guerra da meritocracia, da competitividade e do individualismo, a guerra
do fetiche da mercadoria e ainda: a guerra que é fomentada entre segmentos

das classes populares, que muitas vezes se digladiam entre si, deixando
de lado – não por uma razão moral, mas objetiva – a luta contra o inimigo
comum: o capital.
Após uma onda de ditaduras sangrentas na América Latina, continuamos
a viver ataques à democracia e aos direitos das populações marginalizadas.
Temos o exemplo do golpe de Estado na Bolívia, liderado por Jeanine Añez
e as tentativas de golpe na Venezuela liderado por Juan Guaidó. Também
devemos lembrar o golpe parlamentar que retirou Dilma Rousseff da presi-
dência do Brasil em 2016 e abriu caminho para a extrema-direita governar o
país na figura de Jair Bolsonaro, que, dentre outras ações depredatórias, vem
eliminando a já tardia e insuficiente política de reparação dos danos sociais,
políticos e psíquicos causados pela ditadura civil-militar no país.
Em estudo realizado por Lima et al. (2020) sobre a adesão ao autorita-
rismo no Brasil contemporâneo, os autores concluem que:
Para a ultradireita brasileira, a agenda de direitos civis, políticos e sociais

da Constituição brasileira é a responsável pela decadência “moral” e
“cívica” da nação e apenas com a retomada da “autoridade” e de políticas
criminais baseadas no enfrentamento do inimigo é que o país poderá voltar
a ter tranquilidade e paz. Por trás desse engenhoso processo comunicacio-
nal, em muito reposto pelas novas linguagens das redes sociais, o auto-
ritarismo é retroalimentado como referência para o sentido das relações
sociais da nossa sociedade. Porém, todo esse processo deriva do medo da
violência, que, por sua vez, nunca foi moral ou politicamente interditada
pelas políticas públicas brasileiras e é a principal chave explicativa para
o novo ciclo de (retro)adesão a valores autoritários. (p. 55-56).
Nesse trecho, é interessante observar, como de certa forma já discutimos

ao longo desta obra, a relação do autoritarismo com o medo da violência, mas
96
também podemos estender a compreensão deste medo para situações que se

manifestam, cotidianamente, no cenário brasileiro atual: o medo gerado pela
insegurança trabalhista, acirrado após a contrarreforma trabalhista do governo
de Michel Temer (2016-2018) e o medo de trabalhar para morrer sem renda,
que se conformou, especialmente, após a aprovação da contrarreforma pre-
videnciária no governo Bolsonaro (2019-2022).
O medo se manifesta na atual conjuntura brasileira, ainda, no questiona-
mento de valores tradicionais relacionados à família e à sexualidade (Euzébios
Filho & Gradella Júnior, 2020). Nos últimos vinte anos, os movimentos de
contestação da ordem, especialmente, os movimentos feministas e que repre-
sentam a população LGBTQI+, foram capazes de colocar em xeque esquemas
preferenciais de análise que sustentam práticas e comportamentos machistas

seculares. Assim, como se pode notar nos movimentos de extrema-direita
no Brasil, há uma reação contra a desnaturalização dos papéis de gênero na
chamada família tradicional, inscrita em uma sociedade patriarcal.
Os movimentos de “defesa da família”, amplamente apoiadas pelo
governo Jair Bolsonaro, manifestam-se como aquele tipo de fatalismo que
já comentamos: o fatalismo reacionário, que pode vir acompanhado de uma
resposta violenta em defesa dos privilégios e daquilo que é estabelecido com
um fato inquestionável pela classe dominante. A violência gerada por esta rea-
ção desencadeia também um medo naqueles militantes que atuam de maneira
direta na luta contra o autoritarismo patriarcal e homofóbico e que correm um
risco diário de censura e violência.
O medo de se expressar sexualmente é apenas uma dimensão do medo
generalizado de repressão contra todos aqueles que se expressam politica-
mente sobre qualquer tema que contrarie o governo de Jair Bolsonaro. Como
estamos observando, o atual governo lança mão da lei de “defesa da soberania
nacional” para intimidar qualquer cidadão que se oponha à política do referido
governo: assim que vimos acontecer prisões de militantes em atos de oposi-
ção, intimação da Polícia Federal para depoimento de figuras públicas, que
se manifestam contrários ao governo, e dossiês contra aqueles que defendem
as pautas relacionadas aos Direitos Humanos.
O medo do autoritarismo, em todas as suas manifestações, é acirrado
em um contexto de empobrecimento da população, de aumento significativo
da fome e do desemprego, de uma grave crise institucional e de representa-
tividade política. No Brasil de hoje, (quase) ninguém mais se sente social e
economicamente protegido e amparado pelas instituições democráticas. Assim,
a população encontra sérios obstáculos para planejar o futuro, para romper
com o fatalismo e para escapar da luta pela sobrevivência.
Na ausência de um horizonte ético-político que indique, coletivamente,
um caminho de mudança radical da sociedade capitalista – e mesmo da lógica
de reprodução do capital – a revolta e indignação da população brasileira vem

sendo canalizadas, paradoxalmente, pelo discurso de ódio contra os “inimi-
gos” da família, contra os “comunistas” que quebraram o país, contra os que
defendem os direitos dos marginalizados e assim, caminham para a defesa
do endurecimento das políticas de combate ao crime.
Vivemos um cenário que combina medo com violência, repressão com
desigualdade, opressão com banalização das lutas dos povos marginalizados
e acirramento do individualismo com pandemia. É um cenário em que se
amplia, cada vez mais, o uso da tortura contra o pobre, a mulher, o negro,
os indígenas, a população LGBTQIA+, o encarcerado, o marginalizado e o
militante de esquerda – e ainda mais, talvez na realidade brasileira de Jair
Bolsonaro, podemos incluir como alvos de violência também todos aqueles

que defendem a ciência.
Sem dúvidas, é um momento histórico que reforça a importância de
estudar, entender e atuar para superação, mesmo que parcial, do TPS.
O TPS continua a ser parte do cotidiano do continente latino-americano,
saturado de chacinas, violência policial, guerra entre gangues, feminicídio,
assassinatos à população LGBTQIA+, genocídio da população negra e dos
povos indígenas, violência do sistema carcerário, massacre dos povos origi-
nários, entre outras mazelas.
O cenário cotidiano de guerras, violências, de crescente corrupção e
de empobrecimento da maioria da população latino-americana e mundial,
reflete em uma crise profunda de representatividade e mais uma vez, na falta
de um horizonte ético-político que, como em outros momentos históricos,
congregou diferentes setores marginais da sociedade. O socialismo – dizem
os “especialistas” – não deu certo. Mas o que colocamos no lugar?
Apesar de todos os motivos que temos para desanimar, sempre houve
e continua havendo resistência popular no Brasil, na América Latina e em
todo o globo. Os Sandinistas da Nicarágua, a FMLN em El Salvador, os
mártires jesuítas e o movimento da Teologia da Libertação, os Zapatistas no
México, e mais recentemente, o movimento de massas na Costa Rica contra
o Tratado de Livre Comércio, a luta pela legalização do aborto das mulheres
argentinas, entre outros, continuam inspirando a todos nós a romper com o
fatalismo. Outros exemplos atuais de resistência foram citados no decorrer do
texto, dentre eles, as Mães de Maio, o MTST e a população indígena Wichí
na Patagônia. Do ponto de vista institucional, mencionamos as comissões da
verdade, como é o caso da Comissão de Prisão Política e Tortura do Chile e
outras importantes políticas de reparação e de reconhecimento histórico das
crueldades do autoritarismo capitalista.
98
O psicólogo social pode contribuir para a rememoração crítica da história

de derrotas e lutas dos povos marginalizados e para elaboração de um futuro
melhor para todos. Essa é a tarefa psicossocial proposta por Martín-Baró e que
é necessária para que a esperança vença o medo, para que a verdade prevaleça
sobre a mentira, para que a resistência seja materializada em processos de
conscientização, em uma práxis política orientada para a emancipação humana.
Esse é o remédio para superação da violência, mentira institucionalizada e
polarização social. O TPS é uma patologia, mas uma patologia do capitalismo.

REFERÊNCIAS
Adorno, T. W., Frenkel-Brunswik, E., Levinson, D. J., & Sanford, R. N.
(1950). The authoritarian personality. Harper.
Andrade, C. D. (2012). Sentimento do mundo. Schwarcz.
Ansara, S. (2011). Memória política: ressignificação da luta e resistência con-

tra a violência de Estado na ditadura militar do Brasil. Revista de Psicologia
Política, 11(21), 171-176.
Aron, A. (1990). Problemas psicológicos de los refugiados salvadorenhos en

California. In I. Martín-Baró (Org.). Problema social de la guerra (pp. 466-
483). UCA editores.
Bauman, Z. (2003). Comunidade: a busca por segurança no mundo atual (P.

Dentzien, Trad.). Zahar. (Original publicado em 2001).
Becker, D., & Kovalskys, J. (1990). Dentro y fuera de la cárcel: el problema

de conquistar la libertad. In I. Martín-Baró (Org.), Psicologia social de la
guerra (pp. 269-285). UCA editores.
Blanco, A. (1998). La coherencia en los compromisos. In A. Blanco (Org.),

Psicologia de la Liberación (pp. 9-38). Trota.
Blanco, A., Blanco, R., & Díaz, D. (2016). Social (dis)order and psychosocial
trauma: Look earlier, look inside, and look beyond the persons. American
Psychologist, 70(3). http://dx.doi.org/10.1037/a0040100.
Blanco, A., & Díaz, D. (2004). Bienestar social y trauma psicosocial: una visión
alternativa al transtorno de estrés prostraumático. Clínica y salud, 15(3), 227-252.
Blanco, A., & Díaz, D. (2007). El rostro bifronte del fatalismo: fatalismo
colectivista y fatalismo individualista. Psicothema, 19(14), 552-558.
Bobbio, N. (1995). Direita e esquerda: razões e significados de uma distinção

política (2ª ed., M. A. Nogueira, Trad.). UNESP.
Bonilla, V. D., Castillo, G., Farls Borda, O., & Libreros, A. (1972). Causa
popular, ciencia popular: Una metodología del conocimiento científico a
través de la acción. Rosca.
100
Bosi, E. (1979). Memória e Sociedade: Lembranças de velhos. T. A. Queiroz.
Borsoi, I. C. F. (2005). Acidente de trabalho, morte e fatalismo. Psicologia

& Sociedade, 17(1), 17-28.
Boulos, G. C. (2012). Por que ocupamos? Uma introdução à luta dos sem-
-teto. Scortecci Editora.
Brito, G. (2016, maio 13). Mães de Maio: a reação contra a violência de Estado.
Brasil de fato. https://www.brasildefato.com.br/2016/05/13/surgido-da-dor-
-maes-de-maio-se-tornam-referencia-no-combate-a-violencia-do-estado/.

Campos, F. A. Silva, R. B., & Coelho, S. N. B. (2015). Memória histórica
e trauma psicossocial no massacre de Felisburgo (MG). In A. Accorssi, B.
Bousfield, H. S. Gonçalves, K. Aguiar & R. S. L. Guzzo (Eds.), Distintas
faces da questão social: desafios para a psicologia (pp. 51-65). ABRAPSO.
Cidade, E., Esmeraldo Filho, C. E., Moura Júnior, J. F., & Morais Ximenes,
V. (2018). Escala multidimensional de fatalismo: validação da versão para
contextos de pobreza rural. Revista de psicología (Santiago), 27(2), 23-35.
Cidade, E., & Ximenes, V. (2012). As manifestações do fatalismo de jovens

em condições de pobreza no Brasil. Revista Latino-americana de Psicología
Social, 1, 80-102. http://www.repositorio.ufc.br/bitstream/riufc/18302/3/2012_
art_vmximenes.pdf.
Coimbra, C. (2004). O mito das classes perigosas. Oficina do autor.
Costa, A. F. S., & Caldeira, M. C. (2019). Desigualdade social e subjetividade

revolucionária: os desafios do trabalho na psicologia no CRAS. Psicologia
em Revista, 25(2), 774-789.
Crochik, J. L. (1996). Preconceito, indivíduo e sociedade. Temas psicol.

[on-line], 4(3), 47-70.
Cunha, C. Z., Machado, V. O., & Marsiglia, A. C. G. (2017). A formação da

consciência de classe dos sem-teto mediada pela experiência nas ocupações
por moradia. Cadernos de Pesquisa em Educação, 19(46), 150-170.
Dardot, C., & Laval, P. (2016). A nova razão do mundo: ensaio sobre a socie-
dade neoliberal (M. Echalar, Trad.). Boitempo.
Dicionário Online de Português. (s. d.). Militância. https://www.dicio.com.

br/militancia/.
Dobles, I. (1990). Apuntes sobre psicologia de la tortura. In I. Martín-Baró

(Org.), Problema social de la guerra (pp. 197-209). UCA.
Dobles, I. (2009). Memorias del dolor: Consideraciones acerca de las Comi-

siones de la Verdad en América Latina. Arlekín.
Dobles, I. (2016). Ignacio Martín-Baró, Una lectura en tiempos de quiebres

y esperanzas. Arlekin,
Dobles, I. (2020). La obra y el legado de Ignacio Martín-Baró. Una inter-

pretación. Universidad de Costa Rica.
Dobles, I., & Arroyo, H. (2020). Neoliberalismo y afectos: derivaciones para

una praxis psicosocial liberadora. Arlekín.
Dobles, I., & Gutiérrez, M. A. E. (2012). Polarización y conflicto social ante

el TLC en Costa Rica: una perspectiva desde la psicología de la liberación.
Tramas, 37, 105-122.
Dobles, I., & Muñoz, D. R. (2019). Sobre el daño psicosocial: conceptuali-

zación y práxis. Universidad de Costa Rica.
Dobles, I., & Zuñiga, V. L. (2005). Militantes. Universidad de Costa Rica.
Duayer, M. (2011). Apresentação. In K. Marx, Grundisse (M. Duayer & N.

Scheneider, Trads., pp. 11-28). Boitempo.
Espinosa, B. (2009). O Tratado político. Martíns Fontes. (Original publicado

em 1677).
Euzébios Filho, A. (2010). Psicologia e desigualdade social: um estudo sobre

a consciência de beneficiários de programas de transferência de renda. Juruá.
Euzébios Filho, A. (2020). De desamparado a empoderado: o assistencialismo

produtivo na era do empreendedorismo. Revista Psicologia Política, 20(49),
564-582.
Euzébios Filho, A., & Gradella Jr., O. (2020). Psicologia crítica, práxis polí-
tica, classe e neoliberalismo: um enfoque na Psicologia brasileira. Teoría y
102
Crítica de la Psicología, 14, 89-111. https://www.teocripsi.com/ojs/index.

php/TCP/article/view/285/294.
Euzébios Filho, A., & Guzzo, R. S. L. (2018). A conjuntura após junho de

2013: olhares cruzados sobre participação política e resistência. Psicologia
USP, 29(1), 159-168.
Fanon, F. (1999). Os condenados da Terra. Letra livre. (Original publicado

em 1961).
Fanon, F. (2008). Máscaras brancas, peles negras (R. da Silveira, Trad.).

EDUFBA. (Original publicado em 1952).

Freire, P. (2001). Ação cultural para a liberdade e outros escritos. Paz e Terra.
Freitas, M. F. Q. (1998). Inserção na comunidade e análise de necessidades:

reflexões sobre a prática do psicólogo. Psicologia: reflexão e crítica, 11(1),
175-189.
Freitas, R. C. S (2002). Famílias e violência: reflexões sobre as mães de Acari.

Psicologia USP, 13(2), 69-103.
Freud, S. (1996). O futuro de uma ilusão. In S. Freud, O futuro de uma ilusão,

mal-estar na civilização e outros trabalhos (1927-1931). Imago. (Original
publicado em 1927).
Freud, S. (2010). Introdução a Psicanálise das neuroses de guerra. (P. C. Souza,

Trad.). In Obras Completas, volume 14 (pp. 382-388). Companhia das Letras.
(Original publicado em 1919).
Freud, S. (2011). Psicologia das massas e análise do eu (P. C. Souza, Trad.).

Companhia das Letras. (Original publicado em 1921).
Freud. S. (2018). Moises e o Monoteísmo (P. C. Souza, Trad.). In Obras com-

pletas, volume 19 (pp. 13-188). Companhia das letras. (Original publicado
em 1938).
Fulgêncio, L. (2004). A noção de trauma em Freud e Winnicott. Natureza

Humana, 6(2), 255-270.
Gaborit, M. (2005). Los círculos de violencia: violencia social y procesos

comunitários. Pensamiento psicológico, 1(5), 107-116.
Gonçalves, B. S. (2017). Parecer psicossocial da violência contra os povos indí-

genas brasileiros: o caso Reformatório Krenak. Psicologia: Ciência e Profissão,
37, número especial, 186-196. https://doi.org/10.1590/1982-3703140002017.
Gonçalves, B. S. (2021). O trabalho da psicologia na luta por direitos coletivos

dos povos indígenas: parecer psicossocial sobre os Xavante de Marãiwatsédé.
Revista Espaço acadêmico, edição especial, 94-102.
Gonçalves, F. C. I., & Marins, C, M. (2018). Que tipo de liderança nos espera?
Análise dos traços de personalidade de liderança do futuro presidente Jair
Bolsonaro. Boletim NEAAPE, 2(3), 6-18.
Gonçalves Filho, J. M. (1998). Humilhação social – um problema polí-

tico em psicologia. Psicologia USP, 9(2), 11-67. https://doi.org/10.1590/
S0103-65641998000200002.
Gonçalves Filho, J. M. (2020). Traços psicológicos do respeito e do desres-

peito aos Direitos Humanos. Com Ciência, 214. https://www.comciencia.
br/tracos-psicologicos-do-respeito-e-do-desrespeito-aos-direitos-humanos/.
Gorki, M. (2000). A mãe (J. Augusto, Trad.). Expressão Popular.
Gradella Junior, O. (2002). Hospital psiquiátrico: (re)afirmação da exclusão.

Psicologia e Sociedade, 14(1), 87-102.
Guareschi, P. (1998). Quantitativo versus qualitativo: uma falsa dicotomia.

Revista Psico-PUC/RS, 29(1), 165-174.
Heller, A. (1972). O quotidiano e a história. Paz e Terra.
Holzkamp, K. (2016). Ciência Marxista do sujeito: uma introdução à psico-

logia crítica, Tomo I. Coletivo Veredas.
Hur, D., & Sabucedo, J. M. (2020). Apresentação – Psicologia dos extre-

mismos e polarizações sociais. In D. Hur & J. M. Sabucedo, Psicologia dos
extremismos políticos (pp. 7-15). Vozes.
Indursky, A. (2014). O ritual da mística no processo de identificação e resis-

tência. Revista Rua, edição especial, 110-126.
Indursky, A., & Conte, B. (2017). Reparação psíquica e testemunho. Psico-

logia Ciência e Profissão, 37, número especial, 149-160.
104
Instituto Latinoamericano de Salud Mental y Derechos Humanos. (2019, 18

novembro). Trauma Político y la transmisión transgeneracional del daño. ILAS.
https://ilas.cl/nuevo/wp-content/uploads/2019/12/TRAUMA-POLITICO-Y-
-LA-TRANSMISION-TRANSGENERACIONAL-DEL-DAN%CC%83O.pdf.
Iosa, E., Iosa, T., Lucchese, M., Burrone, M. S., Alvarado, R., Valencia, E., &
Fernández, R. (2013). Transmisión transgeneracional del Trauma psicosocial
en comunidades indígenas de Argentina: percepción del daño en el pasado
y presente y acciones autoreparatorias. Cad. Saúde Coletiva, 21(1), 85-91.
Iraheta, V., de Vides, A. L., & Martín-Baró, I. (s. d.). ¿Escuela o prisión? La
organización social de un centro de orientación en El Salvador. UCA. Dis-

ponível em https://www.uca.edu.sv/coleccion-digital-IMB/articulo/escuela-o-
-prision-la-organizacion-social-de-un-centro-de-orientacion-en-el-salvador/.
Kahhale, E. M. S. P., da Costa, C. M. A., & Montreozol, J. R. (2020). A clí-

nica psicológica: da tradição alienante à potência sócio-histórica do sujeito.
Revista Psicologia Política, 20(49), 702-718.
Konder, L. (s. d.). A poesia de Brecht e a história. Instituto de Ensinos Avan-

çados – USP (Portal). http://www.iea.usp.br/publicacoes/textos/konder-
brecht.pdf.
Kosik, K. (1962). A dialética do concreto. Paz e Terra.
Lacerda Júnior, F. (2007). ¿Liberarse de qué? ¿Liberarse pra qué? Notas sobre
marxismo, anti-capitalismo y psicología de la liberación. In I. Dobles, S. B.
Arróliga, V, L. Zuñiga (Orgs.). Psicología de la liberación en el contexto de
la globalización neoliberal (pp. 201-208). Editorial UCR.
Lessa, S. (1992). Lukács: Trabalho, objetivação e alienação. Transformação,

15, 39-51.
Lima, R. S. D., Jannuzzi, P. D. M., Moura Junior, J. F., & Segundo, D. S.

(2020). Medo da violência e adesão ao autoritarismo no Brasil: proposta
metodológica e resultados em 2017. Opinião Pública, 26(1), 34-65.
Lira, E. (1990). Guerra psicológica: intervención política de la subjetividade

colectiva. In I. Martín-Baró (Org.), Psicologia social de la guerra (pp. 138-
159). UCA editores.
Llanos, R. A., Macías, M. A., Blanco, A., Orozco, C. M., Palacio, K. M.,
González, M. M., Palencia, Y. T., & Méndez, D. M. (2009). Bienestar y
trauma en personas adultas desplazadas por la violencia política. Universidad
Psychologica, 8(2), 455-470.
Lozada, M. (2008). ¿Nosotros o ellos? Representaciones sociales, polariza-

ción y espacio público en Venezuela. Cuadernos del Cendes, 25(69). http://
ve.scielo.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1012-25082008000300006.
Lukács, G. (1967). Estética: La peculiaridad de lo estético. Grijalbo.
Lukács, G. (2001). História e consciência de classe. Martins Fontes. (Original

publicado em 1921).
Machado, E. (2005). A (des)constituição de classe no MST: dilemas da luta

anti-sistêmica. Portal PUC SP. Dossiê: Estado e trabalhadore(a)s em pers-
pectiva histórica. http://www4.pucsp.br/neils/downloads/v17_18_eliel.pdf.
Maitino, M. E. (2018). “Direita sem vergonha”: conformações no campo da

direita no Brasil a partir do discurso de Jair Bolsonaro. Plural, 25(1), 111-134.
Marino, A., & Coaracy, A. (2019). Psicanálise na Praça Roosevelt: for-

mulações sobre uma experiência. Revista Lacuna. https://revistalacuna.
com/2019/12/08/n-8-10/.
Marquez, G. G. (2014). Cem anos de solidão (E. Nepomuceno, Trad.). São

Paulo: Record.
Martín-Baró, I. (1971). Hacia una docencia liberadora. Unión de Universida-

des de América Latina, 9-26. https://www.uca.edu.sv/coleccion-digital-IMB/
articulo/hacia-una-docencia-liberadora/.
Martín-Baró, I. (1973). Algunas repercusiones psicosociales de la Densi-

dad demográfica en El Salvador. Estudios Centroamericanos, 28(293-294),
123-131.
Martín-Baró, I. (1975). El valor psicológico de la represión política mediante

la violencia. Estudios Centroamericanos, 30(326),742-752.
Martín-Baró, I. (1980a). Monseñor: una voz para un pueblo pisoteado. In

La voz de los sin voz. La palabra viva de Monseñor Romero (pp. 13-34).
106
UCA editores. https://uca.edu.sv/coleccion-digital-IMB/wp-content/

uploads/2015/11/1980-Monse%C3%B1or-Una-voz-para-un-pueblo-piso-
teado.pdf.
Martín-Baró, I. (1981b). Aspiraciones del pequeño burgués salvadorenho.

Revista de Estudios Centro americanos, 37(35), 773-788.
Martín-Baró, I. (1982). El llamado de la extrema derecha. Estudios Centro

Americanos, 37, 453-466.
Martín-Baró. I. (1983). Entre el individuo y la sociedad. In I. Martín-Baró

(Org.), Acción y ideologia. Psicologia Social desde Centroamérica (pp. 1-49).
UCA Editores.
Martín-Baró, I. (1985). De la consciencia religiosa a la consciencia política.

Boletim de Psicología. https://www.uca.edu.sv/coleccion-digital-IMB/articulo/
de-la-conciencia-religiosa-a-la-conciencia-politica/.
Martín- Baró, I. (1988). La violência politica y la guerra como causas del

trauma psicossocial en El Salvador. Revista de Psicología de El Salvador,
7(28),123-141.
Martín-Baró, I. (1990a). El impacto psicosocial de la guerra: guerra y salud

mental. In I. Martín-Baró (Ed.), Psicología Social de la Guerra (pp. 24-40).
San Salvador: UCA Editores.
Martín-Baró, I. (1990b). La encuesta de opinión publica como instrumento

desideologizador. Revista de Psicología de El Salvador, 9(35), 9-22.
Martín-Baró, I. (1990c). Trabajador alegre o trabajador explotado? La

identidad nacional del salvadoreño. Revista Interamericana de Psicologia,
24(1), 1-24.
Martín-Baró, I. (1992). Los grupos con historia: un modelo psicosocial.

Revista de Psicología de El Salvador, 9(43), 7-29.
Martín-Baró, I. (1996). O Papel do Psicólogo. Estudos de Psicologia, Natal,

2(1), 7-27.
Martín-Baró, I. (1998). El fatalismo como identidad cognitiva. In A. Blanco

(Org.), Psicología de la liberación (pp. 39-130). Madrid: Trota.
Martín-Baró, I. (2000a). Guerra y trauma en la niñez. In A. Blanco & L. De

la Corte (Orgs.), Poder, ideología y violencia (pp. 289-332). Madrid: Trota.
Martín-Baró, I. (2000b). Guerra y salud mental. In A. Blanco & L. De la Corte

(Orgs.), Poder, ideología y violencia (pp. 333-374). Madrid: Trota.
Martín-Baró, I. (2000c). Represión política y terrorismo: sus consecuencias

psicológicas. In A. Blanco & L. De la Corte (Orgs.), Poder, ideología y vio-
lencia (pp. 259-288). Madrid: Trota.
Martín-Baró, I. (2000d). Polarización social y violencia. In A. Blanco & L.

De la Corte (Orgs.), Poder, ideología y violencia (pp 139-184). Madrid: Trota.
Martín-Baró, I. (2017). Guerra e saúde mental. In I. Martín-Baró (Org.),

Crítica e libertação na Psicologia: Estudos psicossociais (F. Lacerda Júnior,
Trad., pp. 251-270). Vozes.
Marx, K. (1844/2004). Manuscritos econômico-filosóficos (J. Ranieri, Trad.).

Boitempo. (Original publicado em 1844).
Marx, K. (1871/2004). Karl Marx entrevistado por R. Landor. In F. Altman

(Ed.). A arte da entrevista (pp. 29-35). Boitempo. (Original publicado em 1871).
Marx, K. (2005). A ideologia Alemã: teses sobre Feuerbach. Centauro. (Ori-

ginal publicado em 1845).
Marx, K. (2011). O 18 de Brumário de Luiz Bonaparte (N. Schneider, Trad.).

Boitempo. (Original publicado em 1852).
Marx, K., & Engels, F. (2007). A ideologia alemã (R. Enderle, N. Schneider
& L. C. Martorano, Trads.). Boitempo. (Original publicado em 1845).
Mary, L., & Ignoffo, J. (2019). La verdad: un testigo de los mártires. UCA
editores.
Moreira, A. P., & Guzzo, R. S. L. (2015). Do Trauma Psicossocial às situa-

ções-limite: a compreensão de Ignácio Martín-Baró. Estudos de Psicologia,
32(3), 569-577.
108
Moreno, M. M. A., & Júnior, N. E. C. (2012). Trauma: o avesso da memória.

Ágora (Rio de Janeiro), 15(1), 47-61.
Oliveira, L. B., Guzzo, R. S. L., Tizzei, R. P., & Neto, W. M. F. S. (2014).

Vida e a Obra de Ignácio Martín-Baró e o Paradigma da Libertação. Revista
Latinoamericana de Psicología Social Ignacio Martín-Baró, 3(1), 205-230.
https://www.researchgate.net/publication/271506374.
Oliveira, L. B., Moreira, A. P. G., & Guzzo, R. S. L. (2014). Ampliando o

conceito de situação-limite: diálogos com o conceito de crise. Revista de
Psicologia, 5(2), 96-105.

Parker, I. (2014). Revolução na Psicologia. Campinas: Alínea.
Pavón-Cuellar, D. (2017). Subjetividad y psicología en el capitalismo neoli-

beral. Psicologia Política, 17(40), 589-607.
Pettigrew, T. F. (2017). Social Psychological Perspectives on Trump Support-

ers. Journal of Social and Political Psychology, 5(1), 107-116.
Punamaki, R. L. (1990). Respuestas de stress psicológico de las madres pales-

tinas y sus hijos a las condiciones de ocupación militar y violencia politica.
In I. Martín-Baró (Org.), Psicología social de la guerra (pp. 88-104). UCA
editores.
Reich, W. (2001). Psicologia das massas e do fascismo (M. G. M. Macedo,

Trad., 3a ed.) Martins Fontes. (Original publicado em 1933).
Rincón, R. (2021, fevereiro 3). El Supremo confirma la pena de 133 años

impuesta para el único acusado de la matanza de los jesuitas españoles en El
Salvador. El Pais. https://elpais.com/espana/2021-02-03/el-supremo-confir-
ma-la-pena-de-133-anos-impuesta-para-el-unico-acusado-de-la-matanza-de-
-los-jesuitas-espanoles-en-el-salvador.html.
Rodrigues, N. C., Neto, F. Q. V., & Teixeira, R, F. (2017). Reminiscência da

violência estatal: A reparação psíquica através de uma clínica política. Psi-
cologia ciência e profissão, 37(esp.), 133-148.
Rosa, M. P. (2020). O fatalismo no trabalho camponês: da submissão às pos-

sibilidades de ruptura. Psicologia & Sociedade, 32, 4-19.
Roziticher, L. (1990). Efectos psiosociales de la represión. In I. Martín-Baró

(Org.), Psicología social de la guerra (pp. 105-137). UCA editores.
Sales, A. L. F., Fontes, F. F., & Yasui, S. (2018). Para (re)colocar um problema:
a militância em questão. Temas em Psicologia, 26(2), 565-577.
Salmerón, R. A. B., Vera, C. S., & Matas, J. (2008). Justicia Universal, Ignácio
Martín-Baró y la Psicología de la Liberación: hacer justicia al andar, um
caminho que nos interpela día a día. Primera Vocal. https://primeravocal.org/
justicia-universal-ignacio-martin-baro-y-la-psicologia-de-la-liberacion-hacer-
-justicia-al-andar-un-camino-que-nos-interpela-dia-a-dia/.
Samaoya, J. (1990). Guerra y deshumanización: uma perspectiva psicosocial.

In I. Martín-Baró (Org.), Psicologia social de la guerra (pp. 41-65). UCA
editores.
Sánchez, J. (2005). El fatalismo como forma de ser en el mundo del latinoa-

mericano. Revista psicogente, 8(13), 55-65.
Sandoval, S. (2001). The Crisis of the Brazilian Labor Movement and Workers
Political Consciousness. Psicologia Política, 1(1), 173-195.
Sawaia, B. B. (1999). O sofrimento ético-político como categoria de análise da

dialética exclusão/inclusão. In B. B. Sawaia (Org.), As artimanhas da exclu-
são: análise psicossocial e ética da desigualdade social (pp. 97-118). Vozes.
Sawaia, B. B., & Silva, D. N. H. (2019). A subjetividade revolucionária: ques-

tões psicossociais em contexto de desigualdade social. In G. Toassa, T. M. C.
Souza, & D. J. Rodrigues (Orgs.), Psicologia sócio-histórica e desigualdade
social: do pensamento à práxis (pp. 23-44). Imprensa Universitária.
Sharim, D., Kovalskys, J., Morales, G., & Cornejo, M. (2011). Trauma psi-
cosocial y memoria: diseño de un dispositivo biográfico para investigar el
impacto de la Comisión de Prisión Política y Tortura en Chile. Revista de
Estudios Sociales, 40, 81-88.
Sloan, T. E. (2001). Critical psychology: Voices for change. St Martin’s Press.
Svartman, B. P. (2009). Memória e resistência. Estudos avançados, 23(65),

341-348.
110
Valencia, N. M. (2017). Retos de la psicología en la construcción de paz en

Colombia: ¿fatalismo o ingenuidad? Pensamiento psicologico, 15(1), 115-126.
Vicentin, M. C. G., Gramkow, G., & Rosa, M. D. (2010). A patologização do

jovem autor de ato infracional e a emergência de “novos” manicômios judiciá-
rios. Revista Brasileira Crescimento Desenvolvimento Humano, 20(1), 61-69.
Vigotski, L. S. (1991). El significado histórico de la crisis de la psicología:

una investigación metodológica. In L. S. Vigotski, Obras escogidas, 1 (pp.
254-407). Visor. (Original publicado em 1927).
Vigotski, L. S. (2003). O desenvolvimento psicológico na infância. Martíns

Fontes. (Original publicado em 1947).
Villagrán, L. (2016). Trauma psicosocial: Naturaleza, dimensiones y medi-

ción [Doctoral thesis, Universidad Autónoma de Madrid]. Repositorio UAM.
Madrid, España.
Wallon, H. (1979). Do acto ao pensamento. Ensaio de Psicologia comparada.

Lisboa: Moraes.
Weil, S. (1996). O desenraizamento operário. In E. Bosi (Org.), A condição

operária e outros estudos sobre a opressão (2a ed., pp. 413-440). Rio de
Janeiro, Paz e Terra. (Original publicado em 1943).
ÍNDICE REMISSIVO
A
Autoritarismo 18, 19, 95, 96, 97, 104
C
Cenário de polarização 27, 29, 35, 39, 41, 49
Conscientização 3, 16, 17, 18, 20, 39, 41, 42, 43, 46, 47, 48, 49, 54, 56, 60,
63, 68, 69, 73, 79, 84, 88, 90, 98
D
Desigualdade social 20, 22, 31, 50, 61, 70, 75, 100, 101, 109
E
Efeitos da violência 26, 37, 38, 94
F
Fatalismo 3, 14, 16, 17, 18, 20, 39, 41, 42, 43, 44, 45, 46, 47, 48, 49, 50, 51,
52, 53, 56, 60, 66, 69, 73, 77, 79, 80, 81, 82, 85, 88, 96, 97, 99, 100, 107,
108, 109, 110
G
Gênero humano 61, 62, 64, 65, 66, 70
Guerra civil 17, 19, 21, 22, 27, 31, 41, 60, 79, 91, 95
L
Luta de classes 27, 41, 53
M
Medo da violência 78, 95, 104
Memória histórica 31, 34, 47, 48, 49, 59, 77, 84, 86, 87, 94, 100
Modo de sociabilidade capitalista 32, 41, 46, 49, 53, 61, 62, 66, 81, 83, 89, 90
O
Opinião pública 73, 74, 79, 104
112
P
Papel do psicólogo 9, 30, 89, 90, 92, 106
Povos marginalizados 97, 98
Psicologia das massas 43, 81, 102, 108
R
Relações interpessoais 31, 34, 35, 42, 68, 77
Relações sociais 33, 36, 37, 48, 55, 61, 68, 69, 70, 71, 95

Sofrimento ético-político 61, 63, 64, 67, 68, 69, 77, 91, 109
Solidariedade de classe 14, 17, 20, 31, 49, 67, 68, 84, 85, 94
T
Teologia da libertação 19, 20, 43, 97
V
Violência política 21, 25, 29, 42, 44, 52, 64, 85, 91, 93
SOBRE O AUTOR

Psicólogo formado pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (2005).
Concluiu o Mestrado (2007) e o Doutorado (2010) pelo programa de pós-gra-
duação em Psicologia da PUC-Campinas. Atualmente é professor assistente
doutor do Instituto de Psicologia da USP e do programa de pós-graduação em
Psicologia Social – Instituto de Psicologia, Departamento de Psicologia Social
e do trabalho. Desenvolve estudos de temáticas como: trauma psicossocial,
participação política, psicologia e políticas públicas. Membro do Observatório
do Trauma Psicopolítico.
SOBRE O LIVRO
Tiragem não comercializada
Formato: 16 x 23 cm
Mancha: 12,3 x 19,3 cm
Tipologia: Times New Roman 10,5 | 11,5 | 13 | 16 | 18
Arial 8 | 8,5
Papel: Pólen 80 g (miolo)
Royal | Supremo 250 g (capa)
Trauma psicossocial
entre o fatalismo
e a conscientização
Martín-Baró para pensar
o Brasil e a América Latina
Abordamos neste livro o fenômeno do Trauma Psicossocial com base

na obra de Ignácio Martín-Baró. Para o autor que elaborou o conceito,
o Trauma Psicossocial é um Trauma político, que foi pensado no con-
texto de guerra civil em El Salvador, especialmente na década de 1980.
É um conceito que nos ajuda a entender os impactos psicossociais de
um cenário de guerra e de intensa violência, assim como de conflitos
da sociedade atual, alimentada por ações persistentes de desrespeito
aos direitos sociais e à dignidade humana, militarizada, segregacionis-
ta, que esgarça os laços de solidariedade de classe e torna efêmeros
os acontecimentos históricos. Buscamos demonstrar que o Trauma
Psicossocial se coloca, dialeticamente, entre duas condições ético-polí-
ticas: o fatalismo – ou a paralisia e impotência do sujeito diante de
uma realidade histórica naturalizada e aparentemente imutável – e a
conscientização, isto é, a decodificação das relações de poder acompa-
nhada daquilo que Martín-Baró denominou de prática de classe.
ISBN 978-65-251-4491-7
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

INSTITUTO DE PSICOLOGIA 9 786525 144917

Trauma Psicossocial Entre o Fatalismo e A Conscien - 230802 - 105035

Enviado por

Dados do documento

Título original

Direitos autorais

Formatos disponíveis

Compartilhar este documento

Compartilhar ou incorporar documento

Opções de compartilhamento

Você considera este documento útil?

Este conteúdo é inapropriado?

Direitos autorais:

Formatos disponíveis

Trauma Psicossocial Entre o Fatalismo e A Conscien - 230802 - 105035

Enviado por

Direitos autorais:

Formatos disponíveis

Antonio Euzébios Filho

Martín-Baró para pensar

Coleção Estudos Avançados em Psicologia Social

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

Coleção Estudos Avançados em Psicologia Social, v. 3

Editora CRV | Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo

Universidade de São Paulo

Editora CRV - Proibida a impressão e/ou comercialização

Euzébios Filho, Antonio.

1. Psicologia Social 2. Trauma Psicossocial 3. Fatalismo 4. Violência 5. Política 6. Conscientização I. Título

CDU 159 CDD 302

Cesar Gerónimo Tello (Univer. Nacional Ilana Mountian (Manchester Metropolitan

Para todos aqueles que vivem para sobreviver e que, por

ricana em El Salvador, por compartilhar suas ricas experiências com o “Padre

PARA UMA CONCLUSÃO����������������������������������������������������������������������������� 95

SOBRE O AUTOR��������������������������������������������������������������������������������������� 113

en la psicología que ha tenido una significativa influencia en muchos sectores

psicodiagnosticos en contexto de violencias graves o situaciones de guerra, y

Editora CRV - Proibida a impressão e/ou comercialização

um conceito que nos ajuda a entender os impactos psicossociais de um

El trasfondo de la propuesta elaborada por Martín-Baró fue, claro está,

no había tal “traumatización de la sociedad chilena”, ya que había grupos y

Yo no puedo entender la salud mental simplemente como un bienestar

El trauma psicosocial produce daño en la persona, sin duda, pero, como

Buscamos demonstrar que o TPS se coloca, dialeticamente, entre duas

Editora CRV - Proibida a impressão e/ou comercialização

El autor señala, al inicio de su texto, que el concepto de trauma psico-

Ignacio Dobles Oropeza

Lira, E. & Luco, A. (1989). Conversación con Ignacio Martín-Baró. Revista

Martín-Baró, I. (1990). Guerra y trauma psicosocial del niño salvadore-

Buscamos demonstrar que o TPS se coloca, dialeticamente, entre duas

Editora CRV - Proibida a impressão e/ou comercialização

Antonio Euzébios Filho

1.1 Alguns Princípios Ético-políticos e Pressupostos Teóricos da

Ignácio Martín-Baró, jesuíta e psicólogo social nascido na Espanha e

radicado em El Salvador, foi assassinado em novembro de 1989 pelas forças

desigualdades sociais era Jesus, mas um “Jesus histórico”, um militante,

Editora CRV - Proibida a impressão e/ou comercialização

um eclético ou ingênuo. Apenas era um pensador que não se contentava com

1.2 Origem e formulação do conceito

TPS é um termo cunhado por Martín-Baró (1988; 2000) e ainda pouco

explorado na literatura da Psicologia e das Ciências Sociais em geral. Esse

recuerdo que el libro de Frantz Fanon, Los condenados de la tierra (1963),

A medida que la guerra civil salvadoreña fue tomando envergadura empe-

y, finalmente, al conflicto entre israelíes y palestinos. Esta última fue de

É patente que o conceito de TPS – como, aliás, todos os outros conceitos e

Editora CRV - Proibida a impressão e/ou comercialização

Etimológicamente, trauma significa heridas; un traumatizado es un herido,

Ainda sobre a crítica à concepção médica tradicional do trauma, o autor

el presupuesto implícito de la individualidad de la experiencia traumática

Em outro texto da mesma coletânea, Martín-Baró (2000b) se refere ao

Por lo general se califica como trauma psíquico la particular herida que

Aquí se utiliza el término nada usual de trauma psicosocial para enfatizar

Como podemos notar, Martín-Baró (2000b) ressalta a importância de

Al hablar de trauma psicosocial se quiere subrayar también otros dos

Editora CRV - Proibida a impressão e/ou comercialização

Si hablamos de “daño psicosocial”, y, metafóricamente, de “heridas”, esta-

Para Dobles e Arroyo (2020), o dano psicossocial representa “un daño en

sem que se apresente uma resistência do grupo afetado, pode se tornar um

Dobles (2016) entende o dano psicossocial como uma afetação negativa

Con el concepto de trauma psicosocial no solo se dirige la mirada a la

A questão central apontada pelo autor – indicada, sob outra ótica: a da

2 A concepção sobre o prolongamento do dano – e evidentemente a caracterização do Trauma como psicossocial

PARA UMA CONCLUSÃO�� 95

SOBRE O AUTOR�� 113