Avaliação e Intervenção em Psicologia Forense

Editora CRV – Proibida a impressão e/ou comercialização
Lucas Dannilo Aragão Guimarães

(Organizador)
AVALIAÇÃO E INTERVENÇÃO
EM PSICOLOGIA FORENSE
Coleção Atualidades em Avaliação Psicológica – Volume 2
Editora CRV
Curitiba – Brasil
2023
Copyright © da Editora CRV Ltda.
Editor-chefe: Railson Moura
Diagramação e Capa: Designers da Editora CRV
Revisão: Os Autores
DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP)

CATALOGAÇÃO NA FONTE
Bibliotecária responsável: Luzenira Alves dos Santos CRB9/1506
AV945
Avaliação e intervenção em psicologia forense / Lucas Dannilo Aragão Guimarães

(organizador) – Curitiba : CRV, 2023.
318 p. (Coleção Atualidades em avaliação psicológica – volume 2)
Bibliografia
ISBN Coleção Digital 978-65-251-1983-0
ISBN Volume Digital 978-65-251-3725-4
ISBN Volume Físico 978-65-251-3724-7
DOI 10.24824/978652513724.7
1. Psicologia 2. Psicologia jurídica 3. Avaliação psicológica 4. Intervenções psicológicas

I. Guimarães, Lucas Dannilo Aragão. org. II. Título III. Série.
2022- 28143 CDD 347.066019

CDU 617
Índice para catálogo sistemático
1. Psicologia jurídica – 347.066019
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2023
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Tania Suely Azevedo Brasileiro (UFOPA)
Este livro passou por avaliação e aprovação às cegas de dois ou mais pareceristas ad hoc.
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO�� 13
DOI: 10.24824/978652513724.7.13-16
SEÇÃO 1
FUNDAMENTOS DA PSICOLOGIA FORENSE
1. A PARADIGM SHIFT IN 30 YEARS OF DECEPTION RESEARCH�� 17

Aldert Vrij
DOI: 10.24824/978652513724.7.17-32
2. CONTEXTO HISTÓRICO DA PSICOLOGIA JURÍDICA

NO BRASIL: práticas e áreas de atuação�� 33
Ana Virgínia Nunes Soares
Sabrina Amorim Paulo
Lizandra da Silva Sousa
Maria Michele de Resende Sousa
Joyce de Sousa Peixoto
Rosangela Sousa da Silva Oliveira
DOI: 10.24824/978652513724.7.33-40
3. EVOLUÇÃO DOS ESTUDOS DOS TRAÇOS

AVERSIVOS DE PERSONALIDADE�� 41
Tharmes Chiodarelli
Ana Cristina Resende
DOI: 10.24824/978652513724.7.41-50
4. TRANSTORNO DE PERSONALIDADE ANTISSOCIAL:

aspectos psicológicos e jurídicos�� 51
Monalisa Beatriz dos Santos Ressurreição
Maria Andréia Vieira de Vasconcelos
Andreza Maia Silva Barbosa
DOI: 10.24824/978652513724.7.51-58
SEÇÃO 2
AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA FORENSE
5. A AVALIAÇÃO DA PARENTALIDADE NAS DEMANDAS DE FAMÍLIA�� 61

Dora Pereira
DOI: 10.24824/978652513724.7.61-66
6. PSYCHOPATHY CHECKLIST SCREENING VERSION (PCL-SV):
na avaliação da psicopatia e violência�� 67
Lúcia Almeida da Cunha
Rodrigo Perissinotto
DOI: 10.24824/978652513724.7.67-78
7. SINTOMAS SOMATOFORMES:
implicações forenses e construção de uma medida padronizada�� 79
Fernanda Letícia Vieira Leal

Nádia Cibele Alves da Silva
DOI: 10.24824/978652513724.7.79-84
8. AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA PERICIAL DE MULHERES

VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA�� 85
Patricia Rodrigues Queiroz
DOI: 10.24824/978652513724.7.85-92
9. RISCO DE VIOLÊNCIA (E-RISVI):

uma medida psicométrica e implicações forenses�� 93
DOI: 10.24824/978652513724.7.93-98
10. AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA FORENSE PARA AVERIGUAÇÃO

DA INIMPUTABILIDADE PENAL: uma revisão de literatura�� 99
Wadenia Sousa de Carvalho
Luciana Almeida Mota
DOI: 10.24824/978652513724.7.99-106
11. SINTOMAS PSICÓTICOS:

uma medida psicométrica e suas implicações forenses�� 107
DOI: 10.24824/978652513724.7.107-114
12. AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA FORENSE:
contribuições do psicólogo jurídico no processo de adoção�� 115
Regina Lucia dos Reis e Silva
Kelly Stefany Dias Martins Cavalcante
DOI: 10.24824/978652513724.7.115-120
13. RISCO DE SUICÍDIO (E-RIS):

implicações forenses e construção de uma medida forense�� 121
DOI: 10.24824/978652513724.7.121-128
14. AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA PERICIAL NO CONTEXTO

DA HABILITAÇÃO PARA ADOÇÃO: um relato de experiência�� 129
Patricia Rodrigues Queiroz
DOI: 10.24824/978652513724.7.129-136
15. DESESPERANÇA:
uma medida psicométrica e as suas implicações forenses�� 137
DOI: 10.24824/978652513724.7.137-142
16. MENSURAÇÃO DO TRAÇO DE AGRESSIVIDADE E SUA RELEVÂNCIA

NO CONTEXTO FORENSE: construção de um instrumento padronizado�� 143
Hélem Maira Moura Carvalho
DOI: 10.24824/978652513724.7.143-150
SEÇÃO 3
PSICOLOGIA FORENSE NAS DEMANDAS CÍVEIS
17. INTERVENÇÕES EM CASOS ENVOLVENDO A DINÂMICA

DA ALIENAÇÃO PARENTAL: uma revisão sistemática da literatura�� 153
Elsa de Mattos
Cátula da Luz Pelisoli
DOI: 10.24824/978652513724.7.153-168
18. O PAPEL DO PSICÓLOGO EM CASOS DE ADOÇÃO NO BRASIL�� 169

Ana Queila Gonçalves Silva
DOI: 10.24824/978652513724.7.169-178
19. PERÍCIA PSICOLÓGICA EM CASOS DE DISPUTA
DE GUARDA NO BRASIL: uma revisão de literatura�� 179
DOI: 10.24824/978652513724.7.179-184
20. ADOÇÃO INTRAFAMILIAR: uma revisão teórica�� 185

DOI: 10.24824/978652513724.7.185-190
21. CONSEQUÊNCIAS PSICOLÓGICAS DA ALIENAÇÃO

PARENTAL PARA A CRIANÇA�� 191
Danilo de Lima Tavares
Francisca Milena Gonçalves Ribeiro
DOI: 10.24824/978652513724.7.191-194
SEÇÃO 4
PSICOLOGIA FORENSE NAS DEMANDAS
POLICIAIS, CRIMINAIS E PRISIONAIS
22. FUNDAMENTOS DO RACIOCÍNIO PROBATÓRIO

PARA A PERÍCIA PSICOLÓGICA�� 197
Lorena Beathriz Costa Dourado
Luiza Arteniza Gonçalves Lira
Zoraide Lopes Carvalho Fernandes
DOI: 10.24824/978652513724.7.197-206
23. VIOLÊNCIA SEXUAL EM CONTEXTO DE AGRESSÃO DOMÉSTICA:

considerações para sua compreensão e enfrentamento�� 207
Arielle Sagrillo Scarpati
DOI: 10.24824/978652513724.7.207-216
24. PERSONALIDADE SOMBRIA COMO PREDITORA DO

DESENGAJAMENTO MORAL NO CYBERSTALKING�� 217
Patrícia Nunes da Fonseca
Paulo Gregório Nascimento da Silva
Rayssa Soares Pereira
Dayane Gabrielle do Nascimento Dias
Mayara de Oliveira Silva Machado
Marcela Amaral Rodrigues
Arthur Clero da Fonseca Monteiro
Carlos Guilherme da Cruz Pereira
DOI: 10.24824/978652513724.7.217-224
25. PERPETRAÇÃO DO CYBERSTALKING EM RELACIONAMENTOS
ÍNTIMOS: uma explicação a partir de variáveis individuais�� 225
Paulo Gregório Nascimento da Silva
Anna Dhara Guimarães Tannuss
Lays Brunnyeli Santos de Oliveira
Arthur Clero da Fonseca Monteiro
Tamires Almeida da Costa Lima
Sara Janine Silva de Oliveira Souza
DOI: 10.24824/978652513724.7.225-232
26. PSICOLOGIA CRIMINAL:

contribuições da psicologia em investigações criminais�� 233
Jacqueline da Silva Santos
Maria Karuline de Sousa Lima
DOI: 10.24824/978652513724.7.233-238
27. MÉTODOS INADEQUADOS E ADEQUADOS DE ABORDAGEM

POLICIAL NO ATENDIMENTO ÀS VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA�� 239
Aurielly dos Santos Gomes
Letícia Toshie Miyazaki de Sousa
Rayanna Camilla dos Santos Araújo
DOI: 10.24824/978652513724.7.239-248
28. TEORIA DO CONTROLE COERCITIVO: uma revisão de literatura�� 249

Thamirys de Cássia Souza de Oliveira
Jaciane de Oliveira dos Santos
Danilo de Lima Tavares
DOI: 10.24824/978652513724.7.249-254
29. PERCEPÇÃO DE SI E DO OUTRO EM

AGRESSORES SEXUAIS DE CRIANÇAS�� 255
Rodrigo Perissinotto
Omar Pinto Pereira Júnior
DOI: 10.24824/978652513724.7.255-264
30. CARACTERIZAÇÃO DO PERFIL DA VÍTIMA DE ABUSO SEXUAL

INFANTIL – UMA REVISÃO INTEGRATIVA DA LITERATURA�� 265
Igo Vinícius Araújo Monteiro
Giselly Castro Braz Landim
Railan Bruno Pereira da Silva
DOI: 10.24824/978652513724.7.265-270
31. VIOLÊNCIA INTRAFAMILIAR COMO PREDITORA DE
COMPORTAMENTOS VIOLENTOS NO NAMORO ENTRE JOVENS�� 271
Jerssia Laís Fonseca dos Santos
Anna Dhara Guimarães Tannuss
Dayane Gabrielle do Nascimento
Dayanne dos Santos Benicio
Sara Janine Silva de Oliveira Souza
DOI: 10.24824/978652513724.7.271-278
32. SAÚDE MENTAL E AMBIENTE LABORAL:

a importância do psicólogo policial nas instituições de segurança pública�� 279
Deborah de Lima Cabedo
DOI: 10.24824/978652513724.7.279-284
33. CONCEITUAÇÃO, CAUSAS E CONSEQUÊNCIAS DA VIOLÊNCIA

PSICOLÓGICA EM MULHERES: uma revisão de literatura�� 285
Aurielly dos Santos Gomes
Letícia Toshie Miyazaki de Sousa
Rayanna Camilla dos Santos Araújo
DOI: 10.24824/978652513724.7.285-294
34. VÍNCULO TRAUMÁTICO EM MULHERES VÍTIMAS DE

VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA NO CONTEXTO DOMÉSTICO�� 295
Vitória Antão de Carvalho Rosa
Vanessa Viana Bonfim
Maria Clara Rodrigues Gomes Sousa
DOI: 10.24824/978652513724.7.295-302
35. CONTRIBUIÇÕES DO PSICÓLOGO NAS DELEGACIAS FRENTE

AO ACOLHIMENTO DE MULHERES VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA�� 303
Danielle Fernanda Silva Campos
Amanda Ramos Sampaio
Andreza Maia Silva Barbosa
Monalisa Beatriz dos Santos Ressurreição
DOI: 10.24824/978652513724.7.303-312
ÍNDICE REMISSIVO�� 313

APRESENTAÇÃO
DOI: 10.24824/978652513724.7.13-16
A psicologia forense destacou-se nas últimas décadas no cenário brasileiro por

suas diversas contribuições científicas, sociais e políticas. O desenvolvimento do
saber psicológico aplicado ao campo jurídico no Brasil não é recente e remonta às

investigações da medicina aos construtos psicológicos relevantes para a compreensão
do comportamento criminoso no século XIX. Até a regulamentação da profissão no
cenário brasileiro em 1962, as práticas em psicologia forense eram, em sua maior
parte exercidas, por médicos ou profissionais formados em psicologia fora do Brasil.
Atualmente, o avanço dos conhecimentos e práticas em psicologia forense
alcançou considerável acúmulo de experiências relevantes para os diferentes espaços
institucionais, organizacionais e sociais. Desde práticas profissionais destinadas ao
setor público, em sua maioria, quanto aquelas direcionadas à pesquisa e ao ensino
em todos os setores, a psicologia forense tem demonstrado rumos promissores.
A avaliação psicológica forense, embora seja ainda a principal demanda para
atuação profissional, vem se desenvolvendo a passos curtos e existe uma grande
carência de métodos, técnicas e instrumentos relevantes para o diagnóstico psico-
lógico de importantes demandas legais, como as relativas à parentalidade para a
área de família, à capacidade cognitiva para área cível, assim como de compreensão
psicopatológica e competências psicológicas para área criminal.
Atualmente, uma das diversas modalidades de avaliação é a perícia psicológica
forense, que tem sido extensamente buscada para as demandas de família relativas
a processos de disputa de guarda e regulamentação de visitação de filhos, alienação
parental e, em menor proporção e mais recentemente, para casos de abandono afe-
tivo, negatória de paternidade e multiparentalidade. Outras áreas ainda são pouco
expressivas, como a criminal e a trabalhista, porém promissoras. A depender do
contexto regional (Estado da federação), assim como do nível institucional (estadual
ou federal), o profissional da psicologia alocado para estas práticas poderá ser em
maior quantidade por nomeações de bancos de peritos ou por nomeações de servidores
públicos dos referidos tribunais.
A implementação de intervenções psicológicas forenses não está em situação
diferente das práticas avaliativas. Atualmente no Brasil, a maior parte destas inter-
venções têm caráter jurídico-social e se destinam ao campo criminal para grupos de
vítimas ou agressores, em especial para os casos de violência doméstica. Há uma
imensa carência de intervenções de caráter clínico-terapêutico, focando em demandas
de controle da raiva, desenvolvimento de comportamentos pró-sociais e atenuação
de sintomas psicopatológicos em internos do sistema prisional.
Face a estas particularidades e nuances das diferentes expressões da psicologia
forense no contexto brasileiro, as publicações científicas por meio de periódicos
e livros têm demonstrado nos últimos 10 anos maior investimento na entrega de
14
conteúdos e soluções práticas ao campo profissional. Destaca-se ainda a importante

colaboração de pesquisadores internacionais que vem contribuindo com treinamento
e qualificação de profissionais e pesquisadores brasileiros.
A presente obra “Avaliação e Intervenção em Psicologia Forense” está organi-
zada de modo a permitir ao leitor uma compreensão preliminar de temas gerais na área
e posteriormente a compreensão particular de demandas avaliativas e interventivas,
assim como de práticas na esfera cível e criminal. Dentre os diversos pesquisadores,
profissionais e estudantes que compõem esta obra, expresso com imensa gratidão às
colaborações científicas no âmbito internacional do Ph.D. Aldert Vrij, professor de

Psicologia Social, na Faculdade de Ciências e Saúde, no departamento de Psicologia
da Universidade de Portsmouth, assim como da Ph.D. Dora Pereira, professora da
Universidade de Madeira (Portugal) e investigadora do Centro de Investigação em
Estudos Regionais e Locais da mesma universidade (CIERL-UMa), e no âmbito
nacional das professoras brasileiras Dra. Ana Cristina Resende, Professora Adjunta da
Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO) e da Dra. Cátula Luz Pelisoli,
Psicóloga Judiciária do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (TJ-RS).
Considerando-se as devidas apresentações da obra, este organizador reitera
que todo o conteúdo versado nos capítulos pelos autores e coautores presentes nesta
obra é de suma responsabilidade dos mesmos, estando este organizador isento de
responsabilidades legais por afirmações realizadas, eventuais plágios ou demais
implicações técnico-científicas.
Lucas Dannilo Aragão Guimarães (Organizador)

Doutor em Avaliação Psicológica (USF)
Professor Adjunto de Psicodiagnóstico (UESPI)
SEÇÃO 1
FUNDAMENTOS DA
PSICOLOGIA FORENSE
1. A PARADIGM SHIFT IN 30 YEARS
OF DECEPTION RESEARCH
Aldert Vrij1
DOI: 10.24824/978652513724.7.17-32
A paradigm shift in 30 years of deception research
When I started my career in 1988, lie detection without the use of equipment
(such as the polygraph) contained four main characteristics: (1) Focussing mainly on
observing nonverbal behaviour; (2) differences in behaviour were thought to be the
result of lie tellers being more aroused than truth tellers; (3) the type of questioning
did not play an important role and (4) individual differences in target persons were
ignored or incorrectly controlled for. Today the scene, at least in terms of research,
is fundamentally different: (1) Focussing on speech content, (2) assuming that truth
tellers and lie tellers differ from each other in speech as a result of differences in
cognitive processing or employing different strategies during interviews; (3) the type
of questioning is vital and (4) efforts are made to produce within-subject measures by
comparing some parts of the target person’s speech with other parts of their speech.
In this contribution, I will elaborate on each of these four points, some of them have
also been discussed in Vrij (2019). As a result, this contribution shows some similarity
with Vrij (2019), particularly when discussing the four interview protocols.
From observing behaviour to analysing speech
Analysing behaviour was dominant in deception research until the late 1980’s.
It was also dominating –and still dominates- writing about deception in many police
manuals. Perhaps influential for these police manuals was the work by Reid and Arther
(1953). They observed the behaviour of suspects in real police interviews. However,
the study had a limitation typical for field deception research: The ground truth (the
actual veracity status of each suspect) was unclear, which made it impossible to draw
firm conclusions about deceptive behaviour from this study.
The academic writings by Paul Ekman have also been influential, including
his 1985 Telling Lies book. His ideas about deception detection are well known,
even outside the deception community. Ekman reported that lies could be detected
by brief (1/25 of a second) micro expressions of emotions and other involuntary
behaviours. His ideas formed the basis of the TV drama series Lie to Me in which Dr.
1 Professor of Social Psychology, Faculty of Science & Health, Department of Psychology, University of
Portsmouth (UK).
18
Cal Lightman detect lies using Ekman’s methods. However, empirical work testing
Ekman’s ideas is largely missing (see Shen et al. [2021] for an exception).
Bella DePaulo, who, until she retired from carrying out research in this field,
has published exceptional deception work, gave several reasons why nonverbal
behaviours are difficult to control (DePaulo & Kirkendol, 1989). Although this could
lead to the impression that nonverbal behaviours are more revealing about deception
than speech content, her own meta-analysis showed that this is not the case. Verbal
cues are typically more revealing of deception than nonverbal cues (DePaulo et al.
[2003], see also Vrij, Hartwig, and Granhag [2019] and Vrij and Fisher [2020]).
Supporters of analysing nonverbal behaviours often refer to a rule that says that
in interactions the exchange of information mostly occurs through nonverbal channels
(e.g., Inbau, Reid, Buckley, & Jayne, 2003). This is a reference to the work of Albert
Mehrabian (1971) who indeed found this. However, in his research persons were only
allowed to say one word: “Yes” or “No”, “Like” or “Dislike”. Of course, when there
is little speech, nonverbal behaviour will have a large impact. This does not mean
that these findings can be generalised to situations in which more speech occurs.
Googling ‘Mehrabian rule myths’ gives numerous sites in which this is explained,
including by Mehrabian himself. Those who continue to use Mehrabian’s work to
justify observing nonverbal behaviours in interview settings really should know better.
In the beginning of my career I invested a lot of time and effort in observing
nonverbal cues to deceit. In one study (Vrij, Edward, Roberts, & Bull, 2000) we
found that nonverbal behaviours could discriminate truth tellers and lie tellers with
reasonably high accuracy (78%). However, several comments are important here.
First, this accuracy rate was obtained by using a computer software program, and
the final model included numerous nonverbal cues all with their specific weighting.
Interviewers who pay attention to these cues during interviews will never be able to
do the same as the computer software and would thus not obtain so high accuracy
rates. Second, the behavioural data on which this computer modelling was based was
the result of labour-intensive coding of these behaviours. When coding, we often had
to slow down the video-recordings and often could only code one behaviour at the
time. If we had just asked coders to give their impressions of the behaviours shown
in the video-recordings, and to do this for all the behaviours at once, a lot of ‘noise’
would have been introduced, which would have reduced the ability to discriminate
truth tellers from lie tellers based on these cues. Third, the computer algorithm was
based on a sample of truth tellers and lie tellers. The chance that the algorithm will
result in a similarly high accuracy rate on a different sample of truth tellers and lie
tellers is very low.
The breakthrough in analysing speech occurred in 1988 with the publication
in English of Criteria-Based Content Analysis (CBCA, Köhnken & Steller, 1988).
CBCA is part of Statement Validity Assessment (SVA), a verbal veracity assessment
tool that originated in the 1950’s in Germany and Sweden, and that is nowadays
used as evidence in criminal courts in several West European countries (Vrij, 2008;
Volbert & Steller, 2014). CBCA is part of SVA and is a list of 19 verbal criteria that
are thought to be more frequently present in truthful than in deceptive statements.
AVALIAÇÃO E INTERVENÇÃO EM PSICOLOGIA FORENSE 19
This proposition is called the Undeutsch Hypothesis after one of its developers, the
German scholar Udo Undeutsch. CBCA has been examined extensively and in a
recent meta-analysis including 39 studies with adult truth tellers and lie tellers, the
Undeutsch hypothesis was supported for 17 of the 19 CBCA criteria (Amado, Arce,
Fariña, & Vilarino, 2016).
The most comprehensive meta-analysis of nonverbal and verbal cues to deceit
to date, which included more than 150 studies (DePaulo et al., 2003), showed that
verbal cues were more strongly related to deception than nonverbal cues (DePaulo
et al., 2003, see also Vrij, Hartwig, & Hartwig, & Granhag, 2019). An equally com-
prehensive meta-analysis examined observers’ ability to detect deceit when observing
nonverbal and verbal cues to deception (Bond & DePaulo, 2006) and included almost
25,000 observers. On average, 54% of their judgments were correct, a performance
just better than chance (50%). However, when observers could only see the target
person, they performed worse (52% accuracy) than when they could only hear the
target person (63%). We found the same pattern of findings when police officers
assessed truths and lies by suspects in real police interviews (Mann, Vrij, Fisher, &
Robinson, 2008). This suggests that access to verbal cues facilitates discrimination
between truths and lies. A third meta-analysis is alignment with this conclusion
(Hauch, Sporer, Michael, & Meissner, 2016). It examined the effect of training in
verbal (speech content) cues or nonverbal cues related to deception. The meta-analysis
revealed a medium training effect when the training was based on speech content but
only a small effect when the training was based on nonverbal cues.
The three meta-analyses discussed in the previous paragraph thus showed that:
(1) Nonverbal cues to deceit have a lower diagnostic value than verbal cues to deceit;
(2) observers are poorer at distinguishing truth tellers from lie tellers when paying
attention to behaviour than when paying attention to speech; and (3) nonverbal cues
to deception training leads to poorer results than verbal cues to deception training.
Although this should be enough evidence to abandon analysing nonverbal behaviours
and to decide to focus on speech content instead, another reason is worth mentioning.
Interviewing is a complex task, because interviewers have to pay close attention to
what the interviewee says whilst also having to think of questions to ask based on
what the interviewee says. Asking interviewers to hereby also pay attention to the
interviewees’ behaviour further increases the mental strain on interviewers, because
people find it difficult to pay attention to speech and behaviour simultaneously (Pat-
terson, 1995). The (still untested) hypothesis therefore is that when investigators are
taught to pay attention to behaviour, it will impair their ability to pay attention to
speech content and thinking of appropriate questions. It will thus impair the quality
of the interview.
From arousal-based to cognition-based lie detection
The dominant focus in lie detection has been for a long time than lie tellers
are more aroused than truth tellers and will thus display more signs of arousal. The
(USA) National Research Council (2003) examined this assumption and came to
20
the conclusion that there is no theory available as to why this would be the case.
Indeed, truth tellers also can be nervous when they are interviewed or when they feel
observed in high stress situations (Bond & Fahey, 1987). A meta-analysis supported
this assumption (Hartwig & Bond, 2014). In that meta-analysis, differences between
truth tellers and lie tellers in low-stakes situations (small negative consequences for
not being believed), were compared with differences between truth tellers and lie
tellers in high-stakes situations (more serious negative consequences for not being
believed). They found similar differences between truth tellers and lie tellers in low-
and high-stakes situations. Stakes may well affect interviewees’ behaviours, but it
affects truth tellers and lie tellers alike. This is an important conclusion because it
goes against the frequently expressed argument that low-stakes situations tell us very
little about deception and that high stakes-situations facilitate lie detection (Ekman,
1985; Inbau, Reid, Buckley, & Jayne, 2013; O’Sullivan, Frank, Hurley, & Tiwana,
2009). That argument has thus not been supported by Hartwig and Bond’s (2014)
meta-analysis. See Vrij and Granhag (2012) for a discussion of the accuracy rates
reported by O’Sullivan et al. (2009).
Verbal lie detection is not based on the assumption that lie tellers are more
aroused than truth tellers. Instead, it has a cognitive orientation and focuses on (i)
cognitive processing and (2) strategies used in interview settings. Cognitive pro-
cessing refers to the idea that in interview settings lying is typically more mentally
taxing than truth telling. This is thought to be the reason as to why truth tellers and
lie tellers are likely to differ from each other on many CBCA criteria: It is to too
difficult for lie tellers to make up all types of detail that sound plausible (Köhnken,
2004). In addition, truth tellers and lie tellers employ different strategies in interview
settings. Truth tellers’ most common strategy is to tell it all (Granhag & Hartwig,
2008; Hartwig, Granhag, & Strömwall, 2007). This often does not happen sponta-
neously (more about this in the next section) but truth tellers are willing to disclose
all information they know. In contrast, lie tellers are typically not keen to disclose
too much information. They try to keep it vague and simple, so that they can easily
remember what they have said and can repeat what they have said when asked again
(Granhag & Hartwig, 2008; Hartwig, Granhag, & Strömwall, 2007). By keeping
things vague lie tellers also attempt to prevent providing information that would
make transparent to the interviewer that they are lying (Granhag & Hartwig, 2008).
Both cognitive components (cognitive processing and strategies) predict that lie
tellers provide fewer details than truth tellers. There is strong evidence for this. ‘Total
detail’ is one of the CBCA criteria and the afore-mentioned CBCA meta-analysis
(Amado et al., 2016) showed that this cue achieved a medium-effect size of d =.55 in
discriminating truth tellers from lie tellers. Vrij (2008) presented data for individual
studies and reported that in 22 of the 29 studies in which total details were reported,
truth tellers provided more details than lie tellers. In the remaining seven studies no
difference between truth tellers and lie tellers emerged. This is a more consistent
pattern of findings than obtained when nonverbal cues to deceit are examined, where
all three possible effects (lie tellers display the cue more than truth tellers, less than
truth tellers, or no difference) typically occur (Vrij, 2008).
Recent research has examined the total details variable across cultures. In one
experiment it was found that British participants provided more details than Chinese
and Arab participants (Arabs living in Israel), whereas the Chinese and Arab par-
ticipants provided a similar amount of details. However, in all three cultures, truth
tellers reported more details than lie tellers (Leal et al., 2018). Another experiment
examined the number of details reported by British and Arab (Arabs living in Israel)
participants (Vrij et al., 2020). The results replicated Leal et al.’s (2018) results.
British participants provided more details than Arab participants and in both cultures
truth tellers reported more details than lie tellers. In a third publication, the results
of three experiments were summarised with Russian, South-Korean and Hispanic
participants living in the USA (Vrij & Vrij, 2020). In the South-Korean sample, truth
tellers reported more details than lie tellers, whereas in the Russian sample this effect
was borderline significant (p =.052). No difference was found in the Hispanic sample.
From passive interviewing to active interviewing
A second important conclusion by the National Research Council (2003) was

that is not possible to ask questions that would necessarily make lie tellers more
aroused than truth tellers. Actually, in arousal-based analyses of nonverbal behaviour,
types of question or interview protocols are typically not discussed. This gives the
impression that these arousal-based nonverbal cues to deceit would arise regardless
of the questions the interviewer asks. Cognition-based verbal lie detection differs
from arousal-based lie detection regarding this point. Here it is acknowledged that
the types of question asked and even the exact phrasing of these questions is crucial.
This understanding was the result of a combination of two publications that appeared
in 2003: DePaulo et al.’s (2003) meta-analysis and the National Research Council’s
(2003) report. The meta-analysis made researchers realise that, if lie tellers do not
spontaneously display cues to deceit, such cues should be elicited or enhanced through
questioning (Vrij & Granhag, 2012). The National Research Council’s (2003) report
made clear that arousal-based interview protocols would be largely ineffective, and
researchers started to focus their attention on cognitive-based protocols instead (Vrij
& Granhag, 2012). They did so with success. Interview protocols have started to
emerge that exploit differences in cognitive processing and verbal strategies in truth
tellers and lie tellers. Subsequently, they elicit or enhance verbal differences. Four
approaches have, in my view, shown the best results and the best potential in terms
of lie detection. I will briefly summarise them here, but see the cited articles for
comprehensive reviews of the approaches.
Strategic Use of Evidence (SUE). The SUE technique is based on the finding
that truth tellers are generally forthcoming, whereas lie tellers try to prevent revealing
incriminating information through avoidance (e.g. avoiding mentioning in a free recall
where they were at a specific time) or denials (e.g. denying having been at a certain
place at a specific time when asked directly; Granhag & Hartwig, 2008, 2015). By
asking questions related to the evidence without making the interviewee aware that
they possess this evidence, investigators can make these different strategies apparent:
22
Truth tellers’ accounts are typically more consistent with the available evidence than
lie tellers’ accounts (Hartwig, Granhag, & Luke, 2014). In addition, sometimes in an
interview, lie tellers start to realise that the interviewer may hold some incriminating
evidence against them. They then respond by changing their statement and trying to
provide an innocent explanation for this evidence. This results in lie tellers show-
ing more within-statements inconsistencies than truth tellers (Hartwig, Granhag, &
Luke, 2014).
Assessment Criteria Indicative of Deception (ACID). The ACID interview
procedure is based on the Cognitive Interview, a well-established protocol to elicit

more information from cooperative witnesses through the use of specific memo-
ry-enhancement tools, termed ‘mnemonics’ (Fisher & Geiselman, 1992). Amongst
other findings, ACID research has shown that truth tellers report more additional
information in response to these mnemonics than lie tellers (Colwell, Hiscock-Anis-
man, & Fede, 2013; Colwell, Hiscock-Anisman, Memon, Taylor, & Prewett, 2007).
Cognitive Credibility Assessment (CCA). The CCA technique comprises three
elements: (i) Imposing cognitive load; (ii) Encouraging interviewees to say more,
and (iii) Asking unexpected questions (Vrij, Fisher, & Blank, 2017a; Vrij, Fisher,
Blank, Leal, & Mann, 2016).
i. Imposing cognitive load. In interview settings lying is typically more

mentally taxing than truth telling (see fMRI research, Christ et al. 2009).
Investigators can exploit this by making the interview setting cognitively
more difficult, for example by asking interviewees to recall their story
in reverse time order. Lie tellers, who have to spend more effort on their
story telling, are less able than truth tellers to cope with such additional
requests, which enhances verbal differences between truth tellers and lie
tellers (Vrij et al., 2008) and facilitates lie detection (Evans, Michael,
Meissner, & Brandon, 2013).
ii. Encouraging interviewees to say more. In interview settings, truth tellers
typically do not spontaneously provide all the information stored in their
memory (Fisher, 2010; Vrij, Hope, & Fisher, 2014). There are two reasons
for this. First, they do not know how much information they are expected
to provide, and, second, they have difficulty with retrieving information
from memory. One effective way to raise truth tellers’ expectations about
how much information to provide is to let them listen to a Model State-
ment, which is an example of a detailed account/story unrelated to the topic
of the interview (Vrij, Leal, & Fisher, 2018a). Although a Model Statement
results in more information from both truth tellers and lie tellers, differ-
ences emerge in the quality of the information they provide. For example,
after a Model Statement, truth tellers included more complications in their
stories than lie tellers and their stories sounded more plausible (Vrij, Leal,
& Fisher, 2018a). An effective way to facilitate retrieval from memory
is by asking interviewees to sketch while narrating. This leads to more
additional information, particularly from truth tellers (Vrij et al., 2018d).
iii. Asking unexpected questions. Lie tellers typically prepare themselves

for interviews by considering answers to questions they anticipate being
asked (Hartwig, Granhag, & Strömwall, 2007). However, they cannot
know which questions will be asked. When investigators ask a mixture
of anticipated and unanticipated questions, truth tellers answer each with
similar ease, but lie tellers have more difficulty with answering the unan-
ticipated questions than the anticipated questions (Lancaster, Vrij, Hope,
& Waller, 2012).
Verifiability Approach (VA). The VA attempts to exploit a dilemma lie tellers

face. On the one hand, lie tellers prefer to provide many details, because detailed
accounts are more likely to be believed (Bell & Loftus, 1989; Nahari, Vrij, & Fisher,
2014). On the other hand, they do not like to present many details out of fear that
these details are checked by investigators, which could subsequently give the lie
away (Nahari et al., 2014). To solve this dilemma, lie tellers typically report fewer
details that can be checked by investigators than truth tellers (Nahari, 2018, 2019).
This effect becomes stronger when interviewees are asked to include, where possible,
details in their statement that the investigator can check, because it results in truth
tellers adding more verifiable details to their accounts than lie tellers (Palena, Caso,
Vrij, & Nahari, 2020; Verschuere, Bogaard, & Meijer, 2021; Vrij & Nahari, 2019).
All these four verbal lie detection tools use an information-gathering interview
style, originated in Western Europe and used in, for example, many Western European
countries including Norway, the Netherlands, Sweden and the United Kingdom. In
information-gathering interviewing, investigators attempt to establish rapport with
suspects, explain to the suspects the allegation against them, and ask suspects to give
their version of events. Suspects are allowed to explain themselves without interrup-
tion. After this full account suspects are presented with inconsistencies, either (a)
within their stories or (b) between their stories and evidence known to the investigator
but not revealed yet to the suspects. Investigators are encouraged to use open-ended
questions throughout the interview (Meissner et al., 2014; Williamson, 1993), but that
is not always happening in practice. Often interview protocols are used representing
a many questions – short answers style. This is sometimes the result of not much
time being available for longer interviews (e.g. 911 interviews). Other reasons are
that a suspect is reluctant to talk or that interviewers are keen to control the interview
setting (Vrij, Fisher, & Leal, 2022).
The opposite style to an information-gathering style is an oppressive, accusa-
tory interrogation style dominant in the USA and also used, for example, in many
Asian countries.
Accusatory interviewing presumes guilt and includes: (1) control, by detaining
suspects in a small room and leaving them uncertain of what will happen; (2) con-
frontation (maximisation), by informing suspects of the incriminating evidence and
warning them about the consequences of denial; and (3) minimisation, by offering
suspects face-saving excuses or justifications of the crime, and implying more lenient
consequences if they confesses (Meissner et al., 2014).
24
A meta-analysis has shown clear advantages of an information-gathering inter-

view style. Compared to an accusatory interview style, it results in (1) more infor-
mation, (2) more true confessions and (3) fewer false confessions (Meissner et al.,
2014). Information-gathering interviewing also leads to more cooperation from the
suspect, defined as providing honest information (Vrij et al., 2017c).
The use of within-subject measures

Investigators trained in accusatory interrogation techniques such as the Reid

technique are taught to examine a suspect’s natural, truthful, behaviour at the begin-
ning of an interview through small talk (Inbau, Reid, Buckley, & Jayne, 2013, p. 140).
Investigators are encouraged to take note of how much movement they make; what
words they use; and what tone of voice they express. This ‘baseline behaviour’ is
then compared with the behaviours shown in the interrogative part of the inter-
view, and differences in the two sets of behaviours could be interpreted as signs of
deceit. This has been described as one of the most striking misuses of psychological
research (Moston & Engelberg, 1993). The problem is that the small talk and the
investigative part of the interview are fundamentally different and these differences
affect someone’s behaviour (Vrij, 2016). Small-talk conversations are low-stakes
situations, whereas interrogations are high-stakes situations. Since raising the stakes
will affect the behaviour of both lie tellers and truth tellers, both are likely to exhibit
different behaviours during small talk compared with the actual interview (Hartwig
& Bond, 2014).
Proper baselining not only controls for individual differences but also for the
situation. Thus, comparisons within the same person’s need to be made when s/he talks
about the same event. All four verbal veracity methods introduced above make such
proper within-subjects comparisons. In the SUE technique, these are changes within
a statement (within-statement inconsistencies). In ACID and some CCA techniques,
these are the amount of additional details reported after an initial free recall; and in
the VA it is the ratio of verifiable / unverifiable details.
We recently started to explore another within-subjects measure and obtained
success: The proportion of complications. In this within-subjects method one cue of
truthfulness, complications, is compared with two cues of deceit, common knowledge
details and self-handicapping strategies. The proportion of complications is the pro-
portion of cues to truthfulness: complications divided by complications + common
knowledge details + self-handicapping strategies.
A complication is “an occurrence that makes a situation more difficult to report
than necessary” (“The air conditioning was not working properly in the hotel”) (Vrij
et al., 2018b). Truth tellers may report more complications than lie tellers. Lie tellers
prefer to keep their stories simple (Hartwig, Granhag, & Strömwall, 2007), but adding
complications makes the story more complex. Lie tellers also believe that adding
complications to their statements makes them sound suspicious (Maier, Niehaus,
Wachholz, & Volbert, 2018). Common knowledge details refer to strongly invoked
stereotypical information about events (“We visited the Louvre museum in the after-
noon where we saw the Mona Lisa”) (Vrij et al., 2018b). Lie tellers may report more
common knowledge details than truth tellers (Sporer, 2016; Volbert & Steller, 2014;
Vrij et al., 2017a), because lie tellers lack the personal experiences to include in their
stories (DePaulo, Kashy, Kirkendol, Wyer, & Epstein, 1996). Self-handicapping strat-
egies refer to justifications as to why someone is not able to provide information (“I
can’t remember, because it was a while ago when this happened” (Vrij et al., 2018b).
Lie tellers are more likely to include self-handicapping strategies in their statements
than truth tellers. For them not having to provide information is an attractive strategy,
because it keeps their stories simple. However, they appear suspicious when they
do not provide enough information. A potential solution is to provide a justification
for the inability to provide information. In four experiments, we examined com-
plications, common knowledge details and self-handicapping strategies and found
that the proportion of complications was always higher in truth tellers than in lie
tellers (Vrij et al., 2017b, 2018, b, c). This effect also happens cross-culturally. The
proportion of complications was higher in truth tellers than in lie tellers in a British
sample (Vrij et al., 2018b) but also in Hispanic, Russian and South-Korean samples
(Vrij & Vrij, 2020). The proportion of complications was also higher in truth tellers
than in lie tellers in interviews where interviewers and interviewees shared their
first language and in interviews in which they did not share their first language but
in which interviewees were interviewed through an interpreter (Vrij & Leal, 2020).
The proportion of complications also appears to be a stronger indicator to
distinguish truth tellers from lie tellers than the total details variable (Vrij & Leal,
2020; Vrij et al., 2017b, 2018, b, c). This is not surprising. Complications include
details (“The air conditioning was not working properly in the hotel” contains three
details) and so do common knowledge details (“We visited the Louvre museum in
the afternoon where we saw the Mona Lisa” contains three details). Thus, if the first
sentence is from a truth teller and the second sentence from a lie teller, they will not
differ in number of details they provided. However, they will differ in the number
of complications and common knowledge details they reported (the first sentence
contains one complication and the second sentence is one common knowledge detail).
A meta-analysis examining complications, common knowledge details and
self-handicapping strategies found that complications is a more diagnostic veracity
indicator than the other two variables (Vrij, Palena, Leal, & Caso, 2021). Truth tellers
also include common knowledge details in their statements, for example when they do
not see the relevance of describing the experience in more detail. A possible solution
to avoid truth tellers reporting common knowledge details is to instruct interviewees
that they should report every detail they can remember including the insignificant
ones. This could perhaps be achieved by exposing interviewees to a Model State-
ment (Leal et al., 2015). A Model Statement has shown to be an effective method to
generate information, because it raises expectations amongst interviewees how much
information they should provide (Vrij, Leal, & Fisher, 2018a).
Truth tellers may also admit lack of memory when an event happened some
time ago and, as a result, may include self-handicapping strategies in their statement
26
(“I cannot remember which restaurants we went to in the evenings, because we went
there three months ago”). Admitting lack of memory is a CBCA criterion and truth
tellers report those more frequently than lie tellers (Amado et al., 2016). There are
two differences between self-handicapping strategies and admitting lack of memory.
First, admitting lack of memory becomes a self-handicapping strategy only when it
is followed by a justification. In the sentence above: “....because we were there three
months ago.” Thus, the sentence “I cannot remember which restaurants we went to
in the evenings” would classify as admitting lack of memory in CBCA but does not
constitute a self-handicapping strategy. Second, self-handicapping strategies do not

just include admitting lack of memory; it also includes admitting lack of perceptual
experiences. The example “There isn’t much to say about the actual bungee jump
as it took only a few moments” constitutes a self-handicapping strategy of the lack
of perceptual experiences type. Perhaps a distinction between these two types of
self-handicapping strategies, an admitting lack of memory type and an admitting
lack of experiences type, may make the difference between truth tellers and lie tellers
more pronounced. Future research could examine this.
Final thought
As discussed in this contribution, fundamental changes have taken place in

deception research over the last thirty years resulting in a paradigm shift. All this
work would be fruitless if practitioners maintain their old habits and do not make the
same changes as researchers have made. Fortunately, many practitioners have been
very receptive. In recent years we have provided lie detection training to practitioners
across the world and the reactions have been very positive. Also, we are very grateful
to the many practitioners who have had open minds and with whom we have had
thoughtful discussions about deception work. Our ideas and work would not have
been the same without their support. I hope that this chapter will make even more
practitioners enthusiastic and interested in verbal lie detection.
Of course, not all practitioners seem to be willing to make the shift. Although
reasons practitioners give as to why they are reluctant to endorse the new approaches
vary, some strike me. First, the research is criticised for not being ecologically valid
because the experiments are typically not carried out in the field. Practitioners who
endorse this view, should not refer to research at all. However, often they do refer
to research and cherry pick the findings they like or intuitively agree with. This is
poor practice. Second, professionals claim that their lie detection methods ‘work’
and that they can refer to many cases over the years in which they were correct.
These experiences are anecdotal and tell us nothing about the accuracy of their tools
and resemble the broken clock example. If someone relies on the time by looking
at a broken clock, s/he will have the time correct once in every twelve hours. Third,
practitioners point out that researchers over time seem to say different things and
therefore cannot be relied upon. Changing opinions is a natural development based
on increased knowledge about a topic. What in our lives has not changed over the last
thirty years? It is in this light striking that police manuals and the associated police
trainings do not seem to change at all in the span of decades.
Acknowledgement
The time I spent working on this article was funded by the Centre for Research
and Evidence on Security Threats (ESRC Award: ES/N009614/1)
28
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2. CONTEXTO HISTÓRICO DA
PSICOLOGIA JURÍDICA NO
BRASIL: práticas e áreas de atuação
Ana Virgínia Nunes Soares2
Sabrina Amorim Paulo3

Lizandra da Silva Sousa4
Maria Michele de Resende Sousa5
Joyce de Sousa Peixoto6
Rosangela Sousa da Silva Oliveira7
DOI: 10.24824/978652513724.7.33-40
Introdução
O presente capítulo tem como objetivo apresentar uma revisão da literatura

a respeito das práticas do psicólogo no âmbito jurídico, suas áreas de atuação e o
contexto histórico no qual a psicologia jurídica se desenvolveu no Brasil.
A fim de analisar e discutir o surgimento, desenvolvimento e aplicação deste
campo da psicologia e suas interlocuções com o direito, enquanto disciplinas autô-
nomas, apresentou-se um breve histórico com os principais dados e fatos históricos
apontados pela literatura.
Nesse sentido, algumas reflexões foram trazidas acerca das principais áreas
de atuação do psicólogo jurídico, desde as mais tradicionais às mais recentes, e as
temáticas de maior relevância nesse contexto. Considera-se que a função primária
do psicólogo jurídico é de assessorar as questões relativas à saúde mental dos envol-
vidos em processos jurídicos, tanto em estudos sociojurídicos dos crimes, quanto da
personalidade e em seus embates subjetivos enquanto indivíduo (Andrade, 2018).
Nesse sentido, verifica-se que a psicologia jurídica é uma área da psicologia
relacionada à aplicação dos saberes e práticas psicológicas no âmbito da justiça,
auxiliando os operadores do direito em sua tomada de decisões. As orientações,
acompanhamentos, estudos e avaliações que o profissional psicólogo realiza nesta
seara têm em última razão a promoção de saúde mental dos sujeitos implicados em
um processo judicial.
2 Graduanda em Psicologia pela Faculdade Uninassau Jóquei.

3 Graduanda em Psicologia pela Faculdade Uninassau Redenção.
34
Em virtude da diversidade de demandas que chegam ao Poder Judiciário e da

crescente participação do profissional da psicologia jurídica, enquanto auxiliar dos
operadores do direito alguns campos têm se consolidado e o psicólogo tem sido
frequentemente requisitado a auxiliar nesses processos judiciais, demandando o
conhecimento técnico e científico desse profissional.
Contexto histórico da psicologia jurídica no Brasil

A psicologia jurídica surgiu contemporaneamente à psicologia do testemunho,

em meados do século XX. Ergueu-se especialmente com o advento e avanço da psico-
metria e dos estudos experimentais acerca dos processos psicológicos, período no qual
os psicólogos atuavam na comprovação da fidedignidade do relato de testemunhos,
em conjunto com o desenvolvimento de estudos sobre o funcionamento dos inter-
rogatórios, dos delitos, dos falsos testemunhos e das falsas memórias (Altoé, 2001).
As primeiras aproximações da psicologia com o direito se deram por meio da
área criminal, com grande ênfase para a realização de avaliações psicológicas. O
psicodiagnóstico, através de seus métodos e técnicas, era utilizado pelos psicólogos
para responder às questões judiciais com larga utilização dos testes psicológicos, na
primeira metade do século XX, o que fez com que esse profissional fosse categorizado
como um testólogo (Borsa, 2016).
Posteriormente, o campo de atuação da psicologia deixa de estar restrito à rea-
lização de avaliações psicológicas, e este profissional passa a realizar outras ativida-
des como acompanhamentos, orientações, estudos e encaminhamentos, que têm em
última razão, a promoção de saúde mental dos sujeitos implicados em um processo
judicial (Lago et al., 2009).
Desse modo, os psicólogos começaram a atuar na psicologia jurídica no Brasil
por volta da década de 1960, época do reconhecimento da própria profissão de psi-
cólogo, mediante a prestação de serviços voluntários na área criminal, na avaliação
de pessoas em situação de cárcere e de menores infratores (Lago et al., 2009).
No início de 1980, essa prática foi estendida para a área cível, com atuações
também voluntárias e de modo informal junto a famílias em vulnerabilidade
econômico-social, no estado de São Paulo. No ano de 1985, este estado realizou
o primeiro concurso público para o Tribunal de Justiça com vagas para psicólogo
(Shine, 1998; Lago et al., 2009).
A Universidade Estadual do Rio de Janeiro foi a primeira a criar, em 1980, na
pós-graduação em Psicologia Clínica, a disciplina de Psicodiagnóstico para fins jurí-
dicos. Anos mais tarde, esta disciplina passou a ser uma área independente da clínica,
tornando-se parte do departamento de Psicologia Social (Altoé, 2001; Lago, 2009).
É possível verificar, de acordo com Lago et al. (2009) que o início da psicologia
jurídica no Brasil não teve um marco regulatório que o definisse com precisão, mas
é possível destacar que as primeiras atuações se deram na área criminal, com ênfase
no sistema penitenciário e com adolescentes em conflito com a lei.
Todavia, foi a partir da publicação da Lei de Execução Penal, Lei n. 7.210/84

e do Estatuto da Criança e do Adolescente- ECA, Lei n. 8.069/90 respectivamente,
que o psicólogo passou a ter reconhecida oficialmente a sua atuação no sistema
penitenciário e na proteção ao direito de crianças e adolescentes no ordenamento
jurídico brasileiro.
Segundo Novo (2018), a psicologia jurídica é a área da psicologia relacionada
à aplicação dos saberes e das práticas psicológicas no âmbito da Justiça, tendo como
princípio realizar a interface entre a psicologia e o direito. De acordo com o autor,
seu objeto de estudo é o comportamento humano, em conformidade com o da psi-

cologia geral.
Em países como Argentina, o termo utilizado para designar essa área de atuação
da psicologia é a psicologia forense, termo que faz referência aos procedimentos
ocorridos no tribunal. Já no Brasil, o termo usado com maior frequência é psicologia
jurídica, que é mais amplo e abrange toda e qualquer relação do direito com a psi-
cologia, e designa tanto os procedimentos ocorridos nos tribunais, como também os
oriundos da primeira instância, competência do juiz singular (França, 2004).
A Psicologia Jurídica somente foi reconhecida pelo Conselho Federal de Psico-
logia- CFP, oficialmente, como especialidade da psicologia no ano de 2001, por meio
da Resolução CFP nº 002 de 2001. Em 2007, a Resolução nº 13 de 2007 regulamen-
tou as principais atividades a serem realizadas pelo psicólogo jurídico, seguida da
Resolução 008/10 que dispôs sobre a atuação do psicólogo como perito e assistente
técnico no Poder Judiciário.
Práticas e áreas de atuação do psicólogo jurídico
De acordo com Lago (2009), a psicologia contribui com o direito em diferentes

áreas, destacando-se como principais:
Psicologia Jurídica e as Questões da Infância e Juventude: trata de temas
relativos à guarda, adoção, tutela, intervenção junto a crianças/adolescentes em situa-
ção de acolhimento institucional, adolescentes em conflito com a lei, atuação do
psicólogo em medidas socioeducativas, além da realização de avaliações psicológicas
no contexto forense.
Psicologia Jurídica e o Direito de Família: relaciona-se ao estudo de temas
como divórcio, disputa de guarda e regulamentação do direito de convivência, alie-
nação parental, paternidade, entre outros. Novo (2018), destaca a importância de o
psicólogo jurídico conhecer a legislação do direito de família para que possa entender
a demanda com maior clareza e considerar em sua avaliação a qualidade dos vínculos
afetivos estabelecidos entre a família e o melhor interesse da criança.
Psicologia Jurídica e Direito Civil: o psicólogo jurídico atua nos processos
de interdições para aferir a capacidade do indivíduo para praticar os atos da vida
civil e em demandas cujo pleito sejam indenizações decorrentes de dano psíquico.
Psicologia Jurídica e Direito do Trabalho: O psicólogo pode atuar como
perito em processos trabalhistas, em causas que envolvam possível dano psíquico
decorrente de acidente de trabalho, situações como o assédio moral e sexual. A
36
perícia a ser realizada nesses casos tem por objetivo avaliar o nexo de causalidade
entre as condições de trabalho e o sofrimento psicológico alegado pelo empregado
(Magalhães, 2017).
Psicologia Jurídica e o Direito Penal: O psicólogo jurídico poderá realizar
avaliações psicológicas complementares ao exame psiquiátrico para determinar o
grau de imputabilidade do réu, ou seja, sua capacidade de entendimento e autode-
terminação para praticar o crime. Outra possibilidade de atuação é a realização do
exame criminológico, na fase de execução da pena (Rovinsk, 2017)
Lago et al. (2009) também destacam mais outros dois campos de atuação do psi-
cólogo jurídico que considera mais recentes, quais sejam: a vitimologia e a psicologia
do testemunho. De acordo com a autora, o estudo da vitimologia no Brasil é recente
e teve início na década de 1970. O profissional psicólogo ao realizar avaliações do
comportamento e da personalidade da vítima, contribui para a prevenção do delito e
para análise dos fatores que predizem a reação ou não da vítima no momento do crime.
Já a psicologia do testemunho avalia o estudo de vítimas ou testemunhas de violência,
as falsas memórias e a veracidade dos fatores ditos em depoimentos de suspeitos.
França (2004) aponta ainda, quatro áreas de atuação da psicologia jurídica:
Psicologia Policial e das Forças Armadas: o profissional da psicologia realiza
avaliações psicológicas para seleção e formação da polícia civil e militar, além da
possibilidade de realizar intervenções junto ao processo de formação do policial;
Psicologia Jurídica e Direitos Humanos: trabalham com defesa e promoção
dos direitos humanos; proteção a testemunhas; formação e atendimento aos juízes
e promotores, incluindo a etapa de avaliação psicológica para ingresso na carreira.
Mediação: Trata-se de método extrajudicial de solução de conflitos. A mediação
é uma forma de autocomposição do conflito em que um terceiro (oriundo de diferentes
campos profissionais, inclusive da psicologia) facilita que as partes cheguem a um
acordo. De acordo com Zimmerman e Coltro (2002), a mediação se constitui em uma
intervenção cuja abordagem é interdisciplinar, que inclui o jurídico e psicológico,
exigindo do mediador capacitação teórica e técnica específica;
Psicologia Penitenciária: refere-se à atuação do psicólogo na fase da execução
penal, intervenções junto às pessoas em situação de privação de liberdade e atendi-
mentos às equipes de trabalho.
Segundo Lago (2009), nas áreas de atuação do psicólogo jurídico, há um grande
predomínio do uso de laudos, pareceres e relatórios que fornecem subsídios para o
trabalho pericial, contribuindo para a decisão dos operadores do direito, cabendo,
todavia, ao juiz, a prolação da sentença.
De acordo com Novo (2018), para atuar no âmbito jurídico o psicólogo precisa
estar preparado técnica e metodologicamente e sua atuação deve considerar a pers-
pectiva psicológica dos fatos. Nesse sentido, a atuação no contexto jurídico requer
do profissional da psicologia a apropriação de conhecimentos que envolvam as duas
ciências, jurídica e psicológica, de modo a contemplar o estudo da legislação, doutrina
e decisões dos tribunais.
Desta forma, é possível verificar que o estado-juiz, ao aplicar a lei aos casos
concretos necessita, em diversas situações, do conhecimento e técnicas da psicologia
jurídica. O fazer do psicólogo jurídico diversifica-se, à medida em que, múltiplas

demandas emergem, de acordo com os bens jurídicos tutelados e os sujeitos de direito
da relação jurídica.
Nesse sentido, a psicologia jurídica apresenta um vasto campo de atuação e o
profissional da psicologia poderá atuar em diferentes áreas como: cível, criminal,
infância e juventude, psicologia do testemunho, no sistema penitenciário, varas de
família, na esfera trabalhista, entre outras. O papel do psicólogo jurídico firma-se
no sentido de auxiliar os órgãos da justiça, trazendo aos autos uma realidade que
ultrapassa a literalidade da lei, subsidiando as decisões judiciais.
Considerações finais
Após a realização desse estudo foi possível verificar a interdisciplinaridade entre

a psicologia e o direito enquanto ciências autônomas. Preservando metodologias e
raciocínios próprios, ambas têm por objeto o estudo do comportamento humano. A
independência destas duas áreas do conhecimento é salutar e necessária, ambas orbi-
tando sobre o ordenamento jurídico, contudo, avaliando o sujeito e suas demandas
com saberes claramente distintos.
A psicologia através de técnicas, métodos e instrumentos busca estudar o com-
portamento humano, o direito, por seu turno, visa regular e disciplinar esse mesmo
comportamento, mediante as normas jurídicas, de modo a tornar possível a convivên-
cia em sociedade. Nesse sentido, é possível verificar que a interface entre o direito e
a psicologia, enquanto ciências autônomas, vem propor um encontro interdisciplinar
entre essas duas ciências.
O saber psicológico tem atravessamentos e pontos de diálogo com a ciência
jurídica, numa perspectiva, sobretudo de efetivação dos direitos humanos. A efeti-
vidade da justiça e a melhor prestação ao jurisdicionado vai ao encontro de decisões
que resguardem a tutela dos direitos e garantias.
A psicologia jurídica, como especialidade da psicologia enquanto ciência e
profissão, tem sinalizado para vastas possibilidades de contribuição junto aos órgãos
do Poder Judiciário. Os campos de atuação e a prática do psicólogo jurídico tem reve-
lado a importância desse profissional na resolução de conflitos do sistema de justiça.
Os operadores do direito, na prolação de suas decisões, têm na pessoa do psi-
cólogo um profissional que auxilia o juízo na resolução de questões que escapam ao
conhecimento técnico-jurídico. Portanto, o reconhecimento da importância destes
profissionais para atuar no sistema de justiça, revela a necessidade de capacitação e
formações específicas capazes de asseverar uma atuação segura junto ao jurisdicio-
nado e, muitas vezes, à sua família.
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3. EVOLUÇÃO DOS ESTUDOS
DOS TRAÇOS AVERSIVOS
DE PERSONALIDADE
Tharmes Chiodarelli8
Ana Cristina Resende9

DOI: 10.24824/978652513724.7.41-50
Introdução
Personalidades sombrias e aversivas sempre foram de interesse acadêmico,

ganhando força também na sociedade por meio de filmes, séries e documentários que
retratam essas personalidades. Tradicionalmente, essas personalidades foram estuda-
das por meio de instrumentos, como o Big Five, ou testes psicométricos específicos
criados para analisar determinadas psicopatologias.
Apesar da grande literatura demonstrar a validade de modelos como o Big Five
(e.g., McCrae & Costa, 1987; McCrae & John, 1992), e o Hexaco (Lee & Ashton,
2005), eles podem não ser adequados para identificar traços de natureza malevolente
ou aversiva (Paunonen & Jackson, 2000; Veselka et al., 2012). Ao lado disso, as
personalidades sombrias (e.g., psicopatia, narcisismo e maquiavelismo) costumavam
ser estudadas individualmente e especialmente no contexto clínico.
Paulhus e Williams (2002) publicaram um estudo que analisou os traços som-
brios sob um prisma diferenciado. Os autores focaram seu estudo em três persona-
lidades sombrias encontradas fora do ambiente clínico ou forense, mas que tinham
correlações positivas entre elas, havendo grande literatura que demonstrava a cor-
relação dos construtos, como: maquiavelismo com psicopatia (Fehr et al., 1992;
McHoskey et al., 1998); narcisismo com psicopatia (Gustafson & Ritzer, 1995);
maquiavelismo com narcisismo (McHoskey, 1995).
O agrupamento dessas três personalidades sombrias foi chamado de Dark Triad,
sendo composta pela psicopatia subclínica, narcisismo subclínico e maquiavelismo.
O estudo da Dark Triad não busca categorizar indivíduos, mas sim analisar os traços
em um continuum dentro da população “normal” (sem psicopatologia). O objetivo da
pesquisa foi descrever a evolução dos estudos dos traços sombrios de personalidade.
Psicopatia é um traço de personalidade que envolve um estilo interpessoal mar-
cado pela manipulação, insensibilidade e impulsividade (Hare, 2003). Assim como no
narcisismo, a sua forma subclínica não se afasta do conceito tradicional, apontando
8 Bacharel em Direito e Mestrando em Psicologia pela PUC Goiás (PUC-GO).

9 Doutora em Psicologia e Professora da Pós-Graduação Stricto Sensu da PUC Goiás (PUC-GO).
42
que indivíduos com esse traço demonstram insensibilidade, falta de remorso e de

empatia, buscam por estímulos e tem alta impulsividade (Hare, 1991; Paulhus &
Williams, 2002; O’Boyle et al., 2015). Além disso, a psicopatia subclínica demonstra
estar associada a planejamento de curto prazo, além de ser o traço associado à maior
agressividade dentro da Dark Triad (Jones & Neria, 2015; Jones & Paulhus, 2010).
O narcisismo subclínico, assim como a psicopatia, tem a mesma conceituação do
constructo clínico (Raskin & Hall, 1979). Narcisistas possuem um ego inflado, tendo
a tendência de exagerar as suas qualidades (Paulhus & Williams, 2002), além de um
estilo interpessoal manipulador, havendo pouco ou nenhum remorso pelos prejuízos

físicos ou psicológicos causados a suas vítimas (Watson et al., 1984). Essa disposição
é uma decorrência direta do sentimento de serem superiores aos demais e, por conse-
quência, terem mais direitos. O maquiavelismo é um constructo criado por Christie
e Geis (1970) com base nas estratégias descritas no livro “O Príncipe”, um manual
escrito por Niccolò Maquiavel no qual eram descritas as estratégias necessárias para
conquistar e assegurar o poder. No livro, o líder ideal era descrito como alguém
pragmático, estratégico, imoral, manipulador e cínico (Christie & Geis 1970; Jones
& Paulhus 2009). Apesar disso, o constructo não foi considerado uma psicopatologia,
estando desde a sua criação dentro do espectro normal da personalidade, razão pela
qual não foi necessário fazer a transposição do conceito clínico para o subclínico.
Maquiavelismo é “[...] uma estratégia de conduta social que envolve manipulação para
ganhos pessoais, frequentemente com prejuízo alheio” (Wilson et al., 1996, p. 285).
Método
O método de pesquisa se deu por meio da revisão integrativa da produção cientí-

fica sobre o tema. Para tanto, foram realizadas buscas de artigos científicos nas bases
de dados do Portal de Periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Nível Superior (CAPES), considerando como único termo “Dark Triad”. Utilizou-
-se somente esse termo a fim de ampliar as possibilidades de encontrar resultados
significativos referentes ao tema. Os critérios de inclusão foram: artigos científicos
publicados entre os anos 2017 e 2021, revisados por pares, que descrevessem os
desdobramentos do modelo dos traços sombrios de personalidade. Ao total foram
recuperados 1.335 artigos, e todos os pertinentes para o estudo foram lidos na íntegra,
além de outros textos e livros relevantes. Para este estudo foram considerados os 137
mais pertinentes para responder ao objetivo do estudo.
Resultados
Paulhus e Willians (2002) defenderam que o elemento comum da Dark Triad

seria a baixa agradabilidade medida pelo Big Five. Pesquisas posteriores sugerem
que seriam outros os elementos comuns que identificariam a essência maligna (dark
core) dessas personalidades aversivas como a baixa honestidade-humildade (uma das
dimensões do modelo Hexaco; Lee & Ashton, 2004), o binômio insensibilidade e
manipulação (Jones & Figueredo, 2013) ou, do ponto de vista da psicologia evolutiva,
a estratégia de vida rápida (prioridade de ganhos pessoais ao invés de colaboração

com o grupo; Jonason et al., 2012).
Apesar das múltiplas teorias que tentam explicar o que compõe a dark core, a
identificação desse elemento comum a todos os traços da Dark Triad inspirou algumas
linhas de pesquisa que propuseram reduzir os três constructos a uma única dimensão
(Jonason & Webster, 2010). Nesse modelo, apenas um índice geral de malevolência
seria suficiente para identificar se uma pessoa possui traços aversivos da Dark Triad,
sem que se levasse em conta as peculiaridades de cada um dos constructos. Outras
pesquisas sugerem uma redução parcial da teoria original para uma Dark Dyad (Vize
et al., 2018), por não considerarem o maquiavelismo um constructo independente,
mas apenas uma faceta da psicopatia já que os atuais testes psicométricos não são
capazes de identificar traços característicos do maquiavelismo, fazendo com que ele
seja indistinguível da psicopatia (O’Boyle et al., 2015).
Em sentido oposto, outras pesquisas sugerem uma ampliação dos constructos,
adicionando-se o sadismo, formando uma Dark Tetrad (Chabrol et al., 2009). Da
mesma forma que a psicopatia e narcisismo, o sadismo apresenta uma forma clínica
e uma subclínica, sendo esta última integrante da Dark Tetrad, denominado como
“sadismo cotidiano” (Buckels et al., 2013), e também se apresenta na população em
geral em um continuum.
Outra linha de pesquisa sugere ainda que além do sadismo subclínico, mais
um traço aversivo consistente no despeito (spite), deveria ser adicionado, formando
uma Dark Pentad (Marcus et al., 2014). Apesar da pouquíssima produção científica
a respeito do tema, foi identificado um estudo nacional sobre a Dark Pentad no qual
se se verificou que todos os construtos estavam negativamente correlacionados com
preocupações relacionadas à pandemia de Covid-19 (Monteiro et al., 2021).
Inicialmente, o estudo da Dark Triad contava com testes específicos para cada
um dos constructos. Os usados no estudo inicial foram: NPI (Raskin & Hall, 1979),
usado para medir o narcisismo, sendo um questionário composto de 40 itens de
escolha forçada entre duas alternativas; o Mach-IV (Christie & Geis, 1970), usado
para medir o maquiavelismo, em que consiste em 20 questões que utilizam a escala
Likert, variando de um a cinco pontos. Para medir a psicopatia, era usado o SRP III
(Hare, 1985), que consiste em 31 itens, de um a cinco pontos.
Dois testes de autorrelato específicos foram desenvolvidos para mensurar a Dark
Triad. O primeiro deles foi o teste Dirty Dozen (DD), composto por apenas 12 itens
(Jonason & Webster 2010). O segundo teste específico foi desenvolvido por Jones e
Paulhus (2014) que o nomearam de Short Dark Triad (SD3), um instrumento mais
extenso, com 27 itens, que tem sido amplamente utilizado no estudo da Dark Triad.
Ambos adotam a escala Likert que varia de 1 a 5 pontos para cada item.
Discussão
A originalidade do trabalho de Paulhus e Williams foi identificar dentre todas

as personalidades aversivas, que essas três – maquiavelismo, psicopatia e narcisismo
44
– apesar das origens independentes, e do seu estudo ter se desenvolvido de forma

paralela (Schreiber & Marcus, 2020), tinham correlação positiva moderada a alta,
além de sobreposição entre elas, sendo mais proveitoso o seu estudo como uma tríade
do que como se fossem constructos isolados.
Além disso, em razão da migração do constructo clínico para o subclínico ser
embasada por extensa pesquisa literária (Morf & Rhodewalt, 2001), foi possível o
estudo desses traços aversivos na população em geral, incluindo diversas ocupações
e profissões como estudantes universitários, professores, advogados, contadores,
e em múltiplos contextos como o ambiente de trabalho (Palmer et al., 2017), sites

de relacionamentos como Tinder (March et al., 2017), esportes (Ueno et al., 2017),
preferência por certos tipos de relacionamentos (Koladich et al., 2016), criação dos
filhos (Jonason et al., 2014), adolescentes e uso problemático da internet (Pabian
et al., 2015), contexto político (Chen et al., 2021), criminal (Wright et al., 2017),
dentre muitos outros.
Apesar de existir um elemento comum a todas as personalidades aversivas
que integram a Dark Triad, cada um dos traços é preditivo de formas específicas de
manipulação (Jones & Paulhus, 2017), demonstrando que cada um deles é teórica
e empiricamente distinto (McLarnon & Tarraf, 2017; Jonason & Webster, 2010). A
psicopatia, por exemplo, é o traço de personalidade que mais se relaciona com con-
dutas antissociais (Vize et al., 2018), possivelmente em razão da maior impulsividade
e alto nível de antagonismo (Muris et al., 2017). Por sua vez, os narcisistas tendem
a ser extrovertidos (Jauk et al., 2016), e extremamente preocupados em apresentar
uma boa imagem a terceiros (Bourdage et al., 2012), superestimam suas qualidades
(Paunonen et al., 2006), o que frequentemente os levam a comportamento de riscos
altos (Campbell et al., 2004).
Indivíduos com alto grau de maquiavelismo demonstram ter um pensamento
estratégico de longo prazo (Jones & Paulhus, 2017), sendo calculistas (Fehr et al.,
1992) e sem de remorso e empatia pelas vítimas (Christie & Geis, 1970; Jones &
Paulhus, 2009). Dessa forma, tanto as motivações quanto os comportamentos são
peculiares a cada um dos constructos, o que aponta não ser ideal reduzir a Dark Triad
a um constructo único nem a apenas dois constructos (Dark Dyad).
Em relação as teorias que ampliam a Dark Triad, o acréscimo de um novo
constructo como o sadismo subclínico pode contribuir para melhor compreensão das
personalidades aversivas, já que conceitualmente indivíduos com alto grau de sadismo
possuem baixa agradabilidade, baixa honestidade-humildade, e falta de empatia
(O’Meara et al., 2011). Além da correlação positiva com os demais constructos da
Dark Triad (Paulhus et al., 2021), o sadismo subclínico é altamente preditivo de atos
de malevolência (Buckels et al., 2013; Buckels et al., 2014), sendo um importante
preditor de comportamentos cruéis e humilhantes, que tem como motivação o prazer
sentido diante do sofrimento alheio (Baumeister & Campbell, 1999; Plouffe et al.,
2017). Em relação à Dark Pentad, percebe-se que houve pouca pesquisa sobre o
despeito, não havendo dados empíricos suficientes para determinar se esse constructo
divide a mesma dark core que os demais traços integrantes da Dark Triad, a ponto
de justificar seu estudo conjunto.
Em relação aos testes psicométricos, apesar dos instrumentos específicos que

identificam cada um dos traços da Dark Triad serem válidos e precisos, sua aplica-
ção requer tempo e disposição dos participantes, algo que dificulta a aplicação, em
especial, se algum outro instrumento estiver sendo aplicado em conjunto. Por essa
razão, os pesquisadores têm preferido utilizar um dos dois instrumentos específicos.
Embora o DD seja considerado útil (e.g., Rauthmann, 2012), outros o julgam incapaz
de identificar todas as peculiaridades dos constructos (e.g., Miller & Lynam, 2012)
por ser extremamente conciso. Nesse ponto, o SD3 tem se mostrado mais preciso,
cobrindo um maior número de facetas de cada constructo (Maples et al., 2014).
Conclusão
A Dark Triad é um modelo de estudo de traços aversivos que se mostra adequado

à investigação das personalidades malevolentes nos contextos subclínicos, em especial
por existir um elemento comum a todos os constructos identificado como um dark
core ou “essência maligna”. Além disso, a correlação positiva entre eles justifica seu
estudo conjunto. A maior parte da literatura estuda o modelo original em múltiplos
contextos, mas há grande volume de pesquisa que aponta modelos alternativos, ora
ampliando, ora reduzindo a constelação de traços aversivos, mas sempre dentro do
paradigma inicial de que o estudo dos traços aversivos de personalidade no contexto
subclínico pode ser altamente informativo a respeito de como personalidades male-
volentes se comportam na sociedade.
46
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4. TRANSTORNO DE
PERSONALIDADE ANTISSOCIAL:
aspectos psicológicos e jurídicos
Monalisa Beatriz dos Santos Ressurreição10
Maria Andréia Vieira de Vasconcelos11

Andreza Maia Silva Barbosa15
DOI: 10.24824/978652513724.7.51-58
Introdução
Há uma divisão entre especialistas da área da saúde mental, quando solici-

tados para auxiliar a justiça, acerca do melhor tratamento oferecido à indivíduos
com Transtorno de Personalidade Antissocial (TPAS) que tiveram condutas ilícitas.
Conforme o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5),
a falsidade e a manipulação são características fundamentais para quem possui o
referido transtorno, possuindo também um padrão difuso em relação à indiferença e
à violação de direito dos indivíduos. Dentre as principais características do TPAS se
encontram: inconformidade com as normas sociais e legais, ausência de culpa pelos
danos causados às propriedades alheias ou aos sujeitos, mentiras e manipulação para
benefício próprio, além da irritabilidade, agressividade e impulsividade (American
Psychiatric Association [APA], 2014). Dessa forma, é comum que indivíduos com
esse transtorno manifestem comportamentos agressivos e estejam frequentemente
envolvidos em brigas e em práticas ligadas ao crime (Rocha et al., 2009). Estudos
indicam que na população geral, a prevalência se faz mais presente nos homens (3%)
do que nas mulheres (1%), e que cerca de 2% a 3% da população pode ser afetada
com o desenvolvimento do TPAS (Wellausen & Bandeira, 2010; Del-Ben, 2005).
No âmbito criminal, o TPAS recebe uma atenção especial de especialistas devido
a complexidade que envolve sua avaliação e implicação para os sujeitos que cometem
atos ilícitos. Assim, quando há dúvidas acerca da integridade mental de um indivíduo,
10 Graduanda em Psicologia pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB).

11 Graduanda em Psicologia pela Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF).
12 Graduanda em Psicologia pelo Centro Universitário Uninassau.
15 Doutoranda em Psicologia pela Universidade Federal da Bahia (UFBA).
52
é solicitada perícia psiquiátrica a fim de avaliar a presença de transtorno mental e sua

repercussão no ato ilícito praticado (Taborda et al., 2016). Em alguns casos, o psicó-
logo pode realizar, de forma complementar, um psicodiagnóstico jurídico (Androvandi
et al., 2007 como citado em Silva & Assis, 2013, p. 134). Esse tipo de perícia auxilia
a justiça a decidir a responsabilização penal sujeito. Caso seja comprovado que a
capacidade de compreensão e de determinação do agente, no momento do ato, tenham
sido comprometidas por algum transtorno mental, parcial ou totalmente, este será
considerado, respectivamente, semi-imputável e inimputável. Quando o indivíduo
compreende o caráter ilícito do ato e se controla de acordo com esse entendimento,

ele é considerado imputável (Taborda et al., 2016).
Nos casos em que é comprovada a relação de causalidade entre o delito e o
transtorno mental, a justiça, a depender da gravidade do ato ilícito, poderá não fazer
uso da aplicação de uma pena de reclusão, optando por uma sanção penal de medida
de segurança, a qual possui caráter preventivo e de tratamento (Soares Filho & Bueno,
2016). Assim, a medida de segurança é aplicada aos agentes inimputáveis, como
regra, e aos semi-imputáveis, como exceção. Ambos poderão cumprir tais medidas em
Hospital de Custodia e Tratamento Psiquiátrico (HCTP) ou poderão ser submetidos
a tratamento ambulatorial (Greco, 2015). Quanto a isso, é importante destacar que
existe desafios para o tratamento do TPAS. Muitos se dão, segundo Costa e Valério
(2008), principalmente pelos próprios traços do transtorno, sendo difícil a formação
de uma aliança terapêutica.
No Código Penal Brasileiro, o TPAS pertence à categoria "perturbação da saúde
mental”, a qual abrange os transtornos que não implicam quebra do juízo de reali-
dade, como os de personalidade, e portanto, não está relacionado a inimputabilidade.
Autores como Taborda et al. (2016), defendem que criminosos com personalidade
antissocial também não podem se beneficiar da semi-imputabilidade por não preen-
cherem os requisitos necessários para tal. Entretanto, outros especialistas, apesar de
concordarem que esses indivíduos entendem a ilicitude dos seus atos, apontam que
a capacidade de determinação pode ser comprometida, pelo menos, parcialmente
(Morama et al., 2006). Dessa forma, considerando também a complexidade envolvida
no diagnóstico e tratamento do TPAS, este trabalho objetivou averiguar a responsabi-
lidade penal geralmente atribuída aos indivíduos que possuem o referido transtorno
e os tratamentos alternativos à pena.
Responsabilização penal de indivíduos que possuem TPAS
As pessoas com TPAS que cometem atos ilícitos, de acordo com algumas juris-
dições, não são consideradas insanas mentalmente (inimputáveis) e dificilmente são
sujeitas à tratamento forense. Ainda assim, alguns autores se manifestam contra a
responsabilização total desses indivíduos, apontando que transtornos de personali-
dade (TPs) podem ser compreendidos como transtornos mentais graves por conta
de deficiências de desenvolvimento, como deficiências cognitivas e outros (Spaans
et al., 2011). Seguindo essa linha contra a responsabilização total, outros especialistas
concordam que o TPAS afeta parcialmente as capacidades do sujeito, mas sem com-
prometer o seu juizo de realidade. É apontado por Ortega-Escobar et al. (2017) que
isso é uma questão normativa que deve ser decidida por critérios legais e não pela
identificação desses agentes em categorias psiquiátricas.
No Brasil, um estudo transversal descritivo realizado por Valença et al. (2015)
apontou que o TPAS não afetou a responsabilidade penal no único caso em que foi
identificado. Com o objetivo de investigar o nível de responsabilidade penal de agres-
sores sexuais encaminhados para fazer avaliação psiquiátrica num hospital forense,
os autores revisaram 44 relatórios feitos por médicos peritos. Em 16 casos foram

identificados transtornos mentais ou neurológicos, sendo um deles o TPAS. Quanto à
responsabilidade penal, o TPAS não foi identificado entre os principais diagnósticos
averiguados dentro das categorias de responsabilidade parcial e isenta. Apesar de ter
sido o único caso identificado de TPAS, os peritos não descartam a possibilidade de
haver transtornos de personalidade não diagnosticados numa parcela de 19 agressores
da amostra sem transtornos mentais.
Outra perspectiva do transtorno aponta para a redução da responsabilidade
penal em alguns casos. Na Espanha, os TPs são considerados fonte de psicopatolo-
gias diversas que podem prejudicar o livre arbítrio ou a inteligência, repercutindo
também na redução da responsabilidade penal. Um estudo descritivo realizado no
país analisou 77 decisões do Supremo Tribunal Espanhol em petições de cassação,
incluindo algumas variáveis como influência na responsabilidade penal reconhecida
pela sentença e medidas de segurança. Dentre os 77 casos de TPs, um dos transtornos
citados com maior frequência foi o TPAS, equivalente a 26% (20) dos casos. Em
relação à responsabilidade penal associada ao TPAS nas decisões, verificou-se que
esta foi atenuada, em menor ou maior grau, assim como ocorreu nos demais casos
de TPs com exceção do transtorno obsessivo-compulsivo. Ainda assim, não houve
isenção total de responsabilidade. Os autores indicam que casos de TPs associados
com certas comorbidades, como o uso de substâncias psicoativas, são os que mais
influenciam na responsabilidade penal. Ainda assim, a jurisprudência atual relata que
cada caso merece uma atenção especial devido à complexidade que envolve averiguar
a influência dos TPs na culpabilidade (Florencia et al., 2016).
A Holanda se baseia numa abordagem dimensional para o julgamento da res-
ponsabilidade penal. Essa abordagem varia entre 5 graus possíveis de responsabili-
dade: responsabilidade completa, ligeiramente diminuída, diminuída, severamente
diminuída até a ausência total de responsabilidade. Um estudo realizado por Spaans
et al. (2011) numa clínica psiquiátrica forense, cujo um dos objetivos foi analisar
como especialistas avaliam o impacto dos transtornos de personalidade na respon-
sabilidade penal, mostrou que a identificação do TPAS em nenhum momento previu
a ausência de responsabilidade. Todavia, correspondeu a outras categorias dentro da
escala de 5 graus da responsabilidade penal. Numa amostra de 843 casos analisados,
uma parcela correspondia a transtornos de personalidade e estava, com frequência,
associada a responsabilidade diminuída (n = 289, 79%) e ligeiramente diminuída (n=
87, 61%). Os especialistas do estudo consideram que a liberdade de vontade de um
sujeito pode ser comprometida pelos transtornos de personalidade.
54
Tratamentos alternativos à pena
Quanto aos tratamentos alternativos à pena oferecidos aos indivíduos com TPAS,
destaca-se nas jurisdições as medidas de segurança, que incluem internamento em
hospital psiquiátrico. Na Holanda, os tribunais podem impor uma sentença de encar-
ceramento proporcional à redução da responsabilidade (diminuída ou severamente
reduzida) desses indivíduos seguida de tratamento obrigatório em hospital psiquiá-
trico forense de alta segurança (Spaans et al., 2011). Em contrapartida, países como
Itália, que passaram por reforma psiquiátrica, adotaram novos dispositivos para a
aplicação de medidas de segurança. O modelo de residências para a aplicação de
medidas de segurança (REMS) foi implantado no país a fim de substituir hospitais
psiquiátricos jurídicos que abrigavam um grupo heterogêneo de indivíduos com
transtornos, incluindo o TPAS. O principal objetivo do REMS é proteger, cuidar
e integrar os pacientes através de uma rede comunitária de serviços oferecidos por
psicólogos, psiquiatras, assistentes sociais e outros. Compõe os REMS indivíduos
com responsabilidade penal parcial ou totalmente comprometida por doença mental
considerada perigosa para a sociedade (Ferracuti et al., 2019).
Com isso, é possível inferir que apenas a internação em instituições psiquiá-
tricas, sem investimento em tratamento de qualidade, não garante a recuperação e
possível retorno desses indivíduos à sociedade. Dessa forma, faz-se importante pensar
também nos possíveis tratamentos complementares, como o uso de medicamentos e
a psicoterapia. Uma pesquisa realizada por Ripoll et al. (2011) mostrou que boa parte
das evidências disponíveis sobre tratamento medicamentoso é a favor da utilização
de medicamentos no TPAS para reduzir a impulsividade e a agressão características
de tal transtorno. Entretanto, apenas isso não é suficiente para um tratamento eficaz.
Um dos desafios encontrados na literatura para o tratamento do TPAS são as próprias
características do transtorno que não facilitam a formação de aliança terapêutica
(Costa & Valerio, 2008). Com isso, os resultados desse estudo sugeriram a integra-
ção da psicoterapia baseada em evidências com a farmacoterapia a fim de produzir
benefícios duradouros (Ripoll et al., 2011).
Apesar de haver formas diferentes de analisar a responsabilidade penal nos

países supracitados, a maioria dos autores compreende que o TPAS pode afetar a
ação ilícita. Quando isso ocorre, geralmente é afetada a capacidade de determinação
do agente e preservada a capacidade cognitiva. Nessas circunstâncias, os indivíduos
com TPAS são parcialmente responsabilizados pelo delito. Em outros contextos,
eles são totalmente responsáveis pelos seus atos e dificilmente são isentos de pena.
Vale destacar que casos de TPs envolvendo certas comorbidades exercem influência
maior na responsabilidade penal. Diante disso, os estudos convergem para um ponto:
é complexa a avaliação da repercussão do TPAS nos atos criminosos.
Sendo assim, cada caso deve ser analisado de maneira particular. Os autores
também apontaram alguns tratamentos alternativos à pena: internação em hospitais
psiquiátricos forenses, novos modelos de instituições para aplicação de medidas de
segurança, tratamento com fármacos e psicoterapia. Apesar dos benefícios observados
na administração dos medicamentos, essa forma de tratamento apresenta limitação e
requer mais pesquisas relacionadas ao TPAS, além de que para ser mais eficaz deve ser
integrada à psicoterapia baseada em evidências. Dessa forma, destaca-se a necessidade
do desenvolvimento de mais estudos empíricos envolvendo esta temática, possibi-
litando o avanço nos conhecimentos sobre possíveis tratamentos para o transtorno.

56
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SEÇÃO 2
AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA FORENSE
5. A AVALIAÇÃO DA PARENTALIDADE
NAS DEMANDAS DE FAMÍLIA
Dora Pereira16
DOI: 10.24824/978652513724.7.61-66
Introdução
Habitualmente referida enquanto um papel ou uma função dos adultos, a paren-

talidade pode ser entendida como um processo de desenvolvimento dos próprios pais
(Pereira & Alarcão, 2014), que transcende a dimensão biológica e se inscreve numa
dimensão social. O exercício da parentalidade associa-se à prestação de cuidados, à
promoção do desenvolvimento da criança ou jovem e à gestão das vulnerabilidades
que pais e filhos vão encontrando ao longo da vida (Lacharité & Millot, 2021), sob
a influência simultânea de variáveis pertencentes aos múltiplos níveis ecológicos
(Bronfenbrenner & Evans, 2000). Assim, a parentalidade, é um papel, uma função,
um processo, mas também, e acima de tudo um sistema complexo.
A “ciência da família” e a “clínica da família” (Lacharité & Millot, 2021,
p. 386) têm-se ocupado em estudar as condições de vulnerabilidade do funcionamento
familiar, bem como em distinguir os procedimentos de avaliação e intervenção que
se associam a melhores resultados no desenvolvimento das crianças e no bem-estar
das famílias e comunidades. Muitas das temáticas abordadas entrecruzam-se com as
demandas que se apresentam nos contextos forenses, sendo incontornável entrecruzar
os saberes que advêm da ciência, da clínica e da área forense. Neste capítulo preten-
de-se abordar os aspetos comuns e as especificidades da avaliação da parentalidade
em duas das mais frequentes tipologias de situações associadas ao funcionamento
familiar que são alvo de intervenção judicial no contexto português: os processos de
promoção e proteção e os processos de regulação das responsabilidades parentais.
A avaliação da parentalidade
Enquadramento judicial dos pedidos de avaliação da parentalidade
Os processos de promoção e proteção (PPP) visam a aplicação de medi-

das que protejam a criança ou jovem em situações de perigo e promovam o seu
16 Psicóloga, Mediadora Familiar e Terapeuta Familiar, especialista em Psicologia Clínica e da Saúde, Psi-
coterapia e Psicologia Comunitária pela Ordem dos Psicólogos Portugueses. Doutorada em Psicologia
Clínica – Especialidade Psicologia da Família e Intervenção Familiar pela Universidade de Coimbra (2014).
Professora Auxiliar na Universidade da Madeira e investigadora do Centro de Investigação em Estudos
Regionais e Locais da mesma universidade (CIERL-UMa).
62
desenvolvimento, conforme referido na Lei nº 26/2018. Os profissionais das Comis-

sões de Proteção de Crianças e Jovens em risco e das Equipas Multidisciplinares de
Apoio ao Tribunal (dependendo do enquadramento do caso) deverão caracterizar o
funcionamento parental e a qualidade do desenvolvimento da criança e definir os obje-
tivos de intervenção mais adequados à proteção e promoção do seu desenvolvimento.
Os objetivos serão enquadrados numa medida de promoção e proteção e operaciona-
lizados no respetivo plano de execução de medida. Globalmente, pretende-se promo-
ver/restaurar uma parentalidade minimamente adequada, que não exponha a criança
a situações de perigo para o seu desenvolvimento. Tal não significa que deixem de
existir fatores de risco no funcionamento familiar; a prevenção da consubstanciação
do risco em perigo, pode continuar a ser alvo de intervenção por parte dos serviços
com competências em matéria de infância e juventude, designados como serviços
de primeira linha, se assim for acordado entre os profissionais e a família. Por seu
lado, os processos de regulação das responsabilidades parentais visam a definição das
condições de exercício da parentalidade que melhor assegurem o superior interesse
da criança. Nestes casos os profissionais, para além de entender o “como” da paren-
talidade, distinguindo as especificidades de cada díade pais-criança, em função das
características de desenvolvimento da criança (e sinalizando eventuais situações de
perigo) pronunciam-se acerca do regime de exercício das responsabilidades parentais
que potencia a melhor resposta às suas necessidades.
Em resumo, enquanto os processos de promoção e proteção enquadram um
processo de intervenção socio-terapêutico que visa a alteração do funcionamento
parental, os processos de regulação de responsabilidades parentais centram-se na
definição das condições contextuais que potenciem o melhor exercício da parentali-
dade, mas não contêm a execução de uma dimensão interventiva. Contudo em ambos
os tipos de situações, é fundamental a compreensão aprofundada do funcionamento
parental, ou seja ir além da caracterização e distinguir quais os padrões relacionais
que caracterizam as díades pais-filhos em avaliação, que desafios poderão colocar
ao desenvolvimento das crianças e jovens e como podem os mesmos ser geridos no
sentido de minimizar a probabilidade de ocorrência de situação de perigo e de dano
desenvolvimental à luz do principal referencial normativo que é a satisfação plena
dos Direitos da Criança.
Concetualização do comportamento parental
Ao longo das últimas décadas, o estudo da família e da intervenção familiar tem

consolidado a pertinência de três modelos concetuais na compreensão do comporta-
mento parental: o modelo ecológico do desenvolvimento humano de Bronfenbrenner,
o modelo sistémico (assente na Teoria Geral dos Sistemas de Von Bertalanffy) e a
teoria da vinculação de Bowlby. As propostas teóricas destes modelos têm evoluído
ao longo do tempo, usufruindo da extensa investigação que lhes tem sido dedicada,
e que tem evidenciado a sua validade concetual e utilidade na prática, sendo (quase)
unanimemente aceites pela comunidade científica e profissional, ainda que a sua
operacionalização se reconheça como complexa, exigente e não linear.
O modelo ecológico enfatiza que o desenvolvimento humano decorre da influên-

cia simultânea e interativa de variáveis associadas a diferentes níveis ecológicos,
nomeadamente, o ontossistema, o microssistema, o mesossistema, o exossistema, o
macrossistema e o cronossistema. Ainda que se reconheça a influência mais direta dos
processos proximais (Bronfenbrenner & Evans, 2000), toda a ecologia do indivíduo
é parte da complexa rede de interações que influencia o seu desenvolvimento. Logo,
para compreender a parentalidade, não é suficiente caracterizar o funcionamento
psicológico dos pais, a sua estrutura de personalidade ou o seu contexto sócio-eco-
nómico. Exige-se a compreensão das relações destas variáveis com outras como a
história de desenvolvimento, a rede social, a forma como a sociedade valoriza os
cuidados às crianças, os serviços disponibilizados, a cultura e a sua evolução ao longo
do tempo. O modelo ecológico impõe o reconhecimento da densidade de relações que
influenciam o desenvolvimento humano, apontando a insuficiência de explicações
lineares e reducionistas.
Perante a insuficiência da linearidade, a epistemologia sistémica surge como a
ferramenta concetual capaz de abarcar a complexidade do funcionamento dos siste-
mas humanos (Stevens & Hassett, 2007). As relações entre os elementos do sistema
permitem a emergência de propriedades únicas: só compreendendo as relações se
compreende as diferenças entre os sistemas, ainda que, aparentemente, as proprie-
dades dos seus elementos se assemelhem. Cada sistema é um todo complexo. orga-
nizada hologramaticamente em diferentes níveis de sistemas e subsistemas, ou seja,
em cada “parte” é simultaneamente um “todo”. Assim, a perspetiva sistémica traz à
compreensão da parentalidade o seu caráter dinâmico, na medida em que requer que
se passe da parte para o todo e do todo para as partes, integrando este conhecimento,
sem se limitar a um dos níveis. Como referem Kozlowska & Hanney (2002, p. 293),
“A integração refere-se à possibilidade de reconhecer cada nível de complexidade
(ex: díade vs família) como distintos ainda que interrelacionados, e possibilita que
a nossa atenção se mova através de diferentes “níveis de complexidade” conforme
for requerido. [...] A necessidade de explicações e modelos múltiplos, coexistentes
é comum no estudo dos fenómenos complexos e é fundamental para pensar siste-
micamente”. Os profissionais que desenvolvem tarefas de avaliação e intervenção
na parentalidade serão pois, parte deste sistema complexo, que deverão funcionar
como facilitadores da emergência de condições apropriadas ao desenvolvimento das
crianças e jovens (Stevens & Hassett, 2007).
O objeto de estudo da teoria da vinculação coincide automaticamente com a
temática da parentalidade, tornando-se referência obrigatória. Originalmente proposta
por John Bowlby (Bowlby, 1988), centra-se na compreensão do sistema comporta-
mental de vinculação e da sua relação com o sistema de prestação de cuidados, bem
como do papel estruturante do funcionamento psicológico dos modelos internos
dinâmicos de vinculação (midv), nomeadamente quanto à forma como o indivíduo
se vê a si mesmo, aos outros e ao mundo. A tipologia dos midv e a sua evolução ao
longo da vida têm sido consistentemente associadas a diferentes características da
interação com os cuidadores, sendo as representações seguras /autónomas associadas
a interações continuadas com prestadores de cuidados apoiantes e empáticos e aos
64
melhores resultados desenvolvimentais, constituindo-se como um fator de proteção

em termos de saúde mental (Grossmann, Grossmann, & Waters, 2006). A vinculação
oferece, pois, um duplo contributo no âmbito da compreensão da parentalidade, ao
nível do desenvolvimento das representações da vinculação e das suas implicações
desenvolvimentais, e da compreensão do próprio sistema de prestação de cuidados.
O modelo funcional do comportamento parental é sugerido como o quarto refe-
rencial organizador da compreensão da parentalidade. Encontrando-se em fase de
validação empírica (Viveiros, 2021), este modelo propõe a organização hierárquica
de três componentes essenciais do comportamento parental: a capacidade parental, os

processos mediadores e as competências parentais (Pereira, 2014, 2019). A capacidade
parental, corresponde aos recursos de que os pais/prestadores de cuidados dispõem
para desempenhar o seu papel parental, e decorre da interação da estrutura psíquica
dos pais com os modificadores contextuais e relacionais que enquadram o exercício
da parentalidade. Tais recursos serão operacionalizados em competências parentais
(a forma como os pais asseguram as necessidades da criança no momento atual), de
acordo com a influência dos processos mediadores, ou seja, dos processos cognitivos
e afetivos que permitem aos pais o reconhecimento da necessidade de adequação
do seu comportamento com vista à satisfação das necessidades da criança. Daqui
decorre que, caso tais processos não favoreçam este reconhecimento e mobilização
de recursos, a capacidade parental, apesar de existente, pode não se traduzir em com-
petências parentais adequadas. Este modelo evidencia a insuficiência da descrição do
comportamento parental atual, e a importância de compreender a capacidade parental
como o elemento que permitirá fundamentar o prognóstico de evolução e a distinção
do tipo de intervenção a desenvolver. Dada a necessidade de atualização frequente das
competências parentais, a intervenção deve centrar-se em promover os recursos que
permitem tal atualização e não apenas em modificar os comportamentos observáveis.
Os referenciais teóricos propostos evidenciam a natureza complexa e multi-
determinada do comportamento parental, pelo que o processo de avaliação terá de
espelhar estas características.
O processo de avaliação da parentalidade
O processo de avaliação visa reunir informação suficiente para atender a três

níveis de inferência (Tippins & Wittmann, 2005). O primeiro é o nível de observação,
que corresponde ao que o avaliador observou durante os momentos de avaliação.
Por exemplo, como se caracteriza o comportamento da criança perante o prestador
de cuidados avaliado. O segundo é o nível de juízo clínico, que corresponde à atri-
buição de significado aos factos observados de acordo com os referenciais teóricos
adotados. Seguindo o exemplo anterior, será que essas características correspondem
a indicadores de insegurança ou de perturbação de vinculação. O terceiro, é o nível
de mudança, ou seja, as implicações do juízo clínico na intervenção subsequente. Por
exemplo, a aplicação de uma medida de acolhimento da criança, ou a organização
dos contactos entre pais e filhos após a separação de forma a preservar a qualidade
da vinculação.
A compreensão do comportamento parental remete a identificação de quais

são os padrões comportamentais mais regulares. Logo, com vista a evitar que na
avaliação se confundam eventos únicos com padrões comportamentais, é necessário:
diversificar metodologias de recolha de informação, diversificar fontes de informa-
ção e múltiplos momentos de avaliação (ou seja, não efetuar observações únicas).
Esta metodologia multi-sujeito/multi-método, resulta habitualmente do trabalho
de equipas multidisciplinares, ou da atuação articulada do gestor de caso com os
diversos parceiros (Pereira & Oliveira, 2021). Implica que sejam consultados todos
os intervenientes no processo, nomeadamente os pais, a criança, a família alargada e

os profissionais envolvidos, e que sejam utilizadas metodologias de avaliação como
entrevistas, observação de interações, visitas domiciliárias, aplicação de instrumentos
validados, reuniões inter-serviços e consulta processual, considerando a especifici-
dade da situação em termos de condições de exercício da parentalidade (exs.: pais
em situação de separação ou divórcio; pais de criança acolhida em instituição) e das
características desenvolvimentais de cada criança ou jovem.
O Guia de Avaliação das Capacidades Parentais (Pereira & Alarcão, 2014) é
um instrumento de origem canadiana (De Rancourt, Paquette, Paquette & Rainville,
2006) que pretende ajudar os profissionais a sistematizar a informação recolhida e
a concetualizar o caso de acordo com os referenciais teóricos acima elencados. Este
instrumento abarca nove dimensões de avaliação (coincidentes com os constituintes
do modelo funcional do comportamento parental): o contexto, a saúde e desenvolvi-
mento da criança, a vinculação, as competências parentais, o controlo dos impulsos,
a aceitação da responsabilidade, os fatores que afetam a capacidade parental, a rede
social e o acesso aos serviços. Cada uma das dimensões integra questões que remetem
para os três níveis de inferência, possibilitando ao profissional aferir a cada passo a in/
consistência entre as observações efetuadas, os juízos clínicos delas decorrentes e as
implicações para a mudança. Inclui ainda um conjunto de indicadores que permitem
fundamentar uma hipótese prognóstica em termos de elevado potencial de mudança
ou risco de cronicidade. A sua utilização permite alcançar uma compreensão que
integra a diversidade de variáveis que influenciam o funcionamento parental evitando
a justaposição de instrumentos de avaliação desenvolvidos sob perspetivas teóricas
nem sempre convergentes ou com objetivos que não vão ao encontro das questões
específicas associadas a estas tipologias de processos judiciais.
A avaliação da parentalidade é um processo complexo e exigente que deve

resultar no desenvolvimento de uma narrativa conceptual, atualizável ao longo do
tempo, transmissível (por exemplo através de relatórios claros, consistentes e funda-
mentados) e aferível entre a rede de parceiros de intervenção, e a família, de forma a
facilitar a sua compreensão por parte dos diversos intervenientes. Desta forma pode
constituir-se como um elemento verdadeiramente organizador da intervenção judicial,
social, educativa e psicoterapêutica junto das famílias e um garante da mobilização de
todos tendo em vista o bem-estar familiar e a plena satisfação dos Direitos da Criança.
66
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6. PSYCHOPATHY CHECKLIST
SCREENING VERSION (PCL-SV):
na avaliação da psicopatia e violência
Lúcia Almeida da Cunha17

Rodrigo Perissinotto19
DOI: 10.24824/978652513724.7.67-78
Introdução
A violência é uma questão complexa e multifatorial, que traz graves conse-

quências sanitárias e sociais (World Health Organization [WHO], 2014). Algumas
evidências indicam que a incidência global de comportamentos antissociais está
aumentando, o que levou a preocupações crescentes nessa área (Livesley & Larstone,
2018). Contudo, quando se trata de crimes mais violentos, boa parte deles tem sido
cometida por pessoas com psicopatia (Krstic et al., 2018), em que a pronunciada
falta de empatia e superficialidade podem estar ausentes nos critérios de Transtorno
de Personalidade Antissocial (TPA). A maioria dos infratores psicopatas atende aos
critérios para TPA; no entanto, muitos infratores com TPA não satisfazem os critérios
para psicopatia (Hare et al., 2018).
A psicopatia é considerada um transtorno de personalidade mais grave e de
difícil remissão, que envolve alguns comprometimentos cognitivos sutis, que inter-
ferem na capacidade de processar as emoções e os afetos, bem como administrar
questões interpessoais e comportamentais (Salvador-Silva & Hauck Filho, 2019).
Nos sintomas comportamentais, apresentam constantes violações de regras sociais,
são impulsivos, irresponsáveis, ávidos por sensações e mais predispostos a fazer uso
de substâncias psicoativas. Para empreender seus objetivos, quaisquer que sejam, os
psicopatas não sentem ansiedade (Hare et al., 2018; Salvador-Silva & Hauck Filho,
2019; Verschuere et al., 2018).
A psicopatia é um dos mais fortes preditores de reincidência criminal (Corrado
et al., 2004; Glover et al., 2002; Hemphill et al., 1998). Além disso, no contexto de
indivíduos com transtornos mentais, a psicopatia tem sido empiricamente associada
como um preditor de violência também (Monahan et al., 2001; Skeem et al., 2002;
Skeem & Mulvey, 2001).
17 Mestranda em Psicologia (PUC-GO).

18 Doutora em Psicologia e professora da Pós-Graduação Stricto Sensu em Psicologia da PUC Goiás (PUC-GO).
19 Doutorando em Psicologia da PUC Goiás (PU-GO) e professor do Centro Universitário de Mineiros.
68
Nesse contexto, as escalas Hare Psychopathy Checklist (PCL; Hare et al., 2018)
estão entre as ferramentas de avaliação forense mais utilizadas. Sua utilidade perce-
bida repousa em parte na sua capacidade de avaliar traços de personalidade estáveis
indicativos de falta de consciência, o que facilita previsões comportamentais úteis
em decisões forenses. O Psychopathy Checklist: Screening Version (PCL-SV, Hart
et al., 1995) acumula evidências de validade de sua capacidade de prever compor-
tamentos agressivos (Higgs et al., 2017). Por exemplo, avaliações com o PCL-SV
prediziam comportamentos institucionais inadequados, violação da liberdade condi-
cional, reincidência criminal e resposta inadequada ao tratamento em países da Europa

Ocidental, incluindo a Bélgica (Pham et al., 1998), Alemanha (Freese et al., 1996;
Huchzermeier et al., 2006), Holanda (Hildebrand et al., 2004), Espanha (Moltó et al.,
2000), Suécia (Tengström et al., 2000; Urbaniok et al., 2007), Inglaterra, Noruega e
Dinamarca (Hare et al., 2000).
Diante do exposto, o presente estudo tem o objetivo de investigar os estudos
que abordam a violência em pessoas que foram avaliadas por meio do PCL-SV.
Método
O método foi conduzido por meio da revisão integrativa da produção científica

sobre o tema. Para tanto, foram realizadas buscas de artigos científicos nas bases de
dados do Portal de Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
(CAPES) (Periódicos CAPES, https://www.periodicos.capes.gov.br), utilizando-se
as palavras-chave, “Psychopathy Checklist: Screening Version” OR “PCL-SV” OR
“PCL:SV”. Os critérios de inclusão dos estudos foram: utilizar o PCL-SV na coleta
de dados, ou como instrumento principal em estudo de revisão teórica; estar dispo-
nível na íntegra; terem sido publicados entre 2017 e 2021; revisados por pares; em
qualquer idioma; apresentar resultados referentes ao tema. O critério de exclusão foi:
estar repetido. Após aplicar os critérios de inclusão e exclusão, restaram 18 artigos
para serem analisados.
Procedimentos
A busca no Portal CAPES encontrou 112 documentos que foram enviados para
a plataforma de gerenciamento de dados on-line Rayyan (Qatar Computing Research
Institute). No Rayyan foi identificado um arquivo repetido, restando 111 arquivos. Os
resumos foram lidos por dois juízes independentes, que acordaram com manutenção
de 42% (n = 47) dos artigos. Em seguida, acessou-se o texto completo dos 47 registros
restantes. Após lidos na íntegra, foram mantidos 38% (N = 18) pelos juízes, o que
representa 16% dos estudos inicialmente detectados pelo Portal Periódicos CAPES.
Resultados e discussão
O objetivo foi investigar os estudos que abordam a violência em pessoas que

foram avaliadas por meio do PCL-SV, por meio de uma revisão integrativa. Os
artigos levantados foram classificados considerando as seguintes categorias: fatores
preditivos do comportamento agressivo (n = 10); gênero e violência (n = 3); violência
sexual (n = 3); estudo das expressões faciais diante de estímulos de imagens (n = 1);
tratamento de sujeitos violentos (n = 1), que são apresentadas a seguir.
Os fatores preditivos do comportamento agressivo
A maior parte dos artigos recuperados nesta busca discutia sobre fatores pre-
ditivos do comportamento agressivo em diferentes contextos, e sua associação com
a psicopatia. Estudos que buscaram associação entre comportamento agressivo e
alterações neuroanatômicas observaram alterações em áreas específicas do cére-
bro de indivíduo com maior propensão à reincidência criminal, sendo os escores
mais elevados do PCL-SV associados à probabilidade de reincidência, a psicopatia
não foi em si um preditor importante para a previsão da reincidência (Delfin et al.,
2019). Além disso, observou-se níveis significativamente mais elevados de ativação
da rede pré-frontal, temporal-parietal, assim como ativação reduzida na amígdala,
valores maiores no PCL-SVentre infratores violentos com traços antissociais, com ou
sem esquizofrenia quando comparados com infratores violentos com esquizofrenia
sem traços antissociais e infratores não violentos com e sem esquizofrenia (Schiffer
et al., 2017).
Em um outro estudo, o comportamento violento apresentou um correlato neu-
roanatômico. No entanto, tais alterações não podem ser associadas diretamente à
psicopatia, uma vez que se observa que características cerebrais subjacentes ao
espectro psicopático estão relacionadas àquelas notadas em indivíduos com bom
funcionamento e características de personalidade antissocial, mas não psicopatas
(Nummenmaa et al., 2021).
Outros cinco estudos que exploraram fatores preditivos do comportamento
agressivo utilizando o PSL-SV como variável controladora. As análises desses estu-
dos apontam que transtornos mentais graves (Harris & Teasdale, 2021), a presença
de psicose e transtornos de personalidade diante de situações de não satisfação das
necessidades do paciente (Trønnes et al., 2020), crenças delirantes persecutórias
que impliquem em ameaça ao indivíduo (Ullrich et al., 2018), o uso persistente de
cannabis, seja como única substância (Dugré et al., 2017), seja associada a outras
substâncias (Beaudoin et al., 2019), está associado à maior probabilidade de o indi-
víduo se envolver em comportamentos violentos, independentemente do nível de
psicopatia. Apenas o estudo de Beaudoin et al. (2019) identificou a maior pontua-
ção do PCL-SV associada ao baixo nível educacional, à raiva e uso persistente de
cannabis apenas, e uso persistente de polissubstâncias (cannabis, cocaína e álcool)
como preditores da criminalidade.
70
Ao se discutir a relação entre transtornos mentais e violência, vale destacar que

os riscos relativos aos desfechos violentos são aumentados de duas a quatro vezes
para a maioria dos transtornos psiquiátricos diagnosticados em relação às pessoas
sem transtornos. De acordo com uma revisão realizada, as taxas absolutas de crimes
violentos são tipicamente abaixo de 5% em pessoas com doença mental (excluindo
transtornos de personalidade, esquizofrenia e uso indevido de substâncias), o que
aumenta para 6 a 10% em transtornos de personalidade e transtornos do espectro da
esquizofrenia, e para mais de 10% no uso indevido de substâncias (Whiting et al.,
2021). Ou seja, embora a psicopatia possa estar associada ao comportamento vio-

lento, ao analisar grupos com transtornos mentais, em especial com transtornos de
personalidade, ou esquizofrenia, ou abuso de substâncias, parece que estes transtornos
exercem maior influência do que os traços de psicopatia que possam estar presentes
na amostra.
Além do que foi apresentado, outros estudos buscaram compreender a asso-
ciação entre estilo de pensamento e comportamento agressivo. Os estilos de pen-
samentos que predispõem os indivíduos a comportamentos antissociais apontam a
importância da hostilidade orientada por sintomas para prever a agressão e violência
de pacientes internados, sendo que neste grupo a média dos escores do PCL-SV foi
relativamente baixa, e não exerceu influência sobre o desfecho violento (Carr et al.,
2019). Observou-se, ainda, que em relação às motivações para a agressão, tem-se o
reconhecimento social, regulação emocional, comunicação e proteção como funções
subjacentes à agressão, o que apoiou ainda mais a proteção como um motivo central
para a agressão, ou seja, o indivíduo justifica a sua agressão como forma de se pro-
teger. Vale ressaltar que psicopatia e a impulsividade não mostraram relação com
motivação e crenças que sustentam a agressão (Lewis & Ireland, 2019). Por fim, o
estudo de Rock et al. (2021) encontrou associação positiva entre traços de psicopatia
avaliada pelo PCL-SV e abuso de animais.
Gênero e violência
Na categoria de gênero e violência foram encontrados dois estudos (n = 2,

1,8%), em que os achados mostram que os níveis de traços psicopáticos e as facetas
do PCL-SV são diferentes em homens e mulheres, em comportamentos coercitivos
e agressivos (Thomson et al., 2019; Hoffmann & Verona, 2021, epub 2018). Obser-
va-se que a faceta afetiva se associou positivamente à agressão física apenas para
as mulheres, enquanto a faceta antissocial relacionou-se positivamente à agressão
indireta apenas para os homens (Thomson et al., 2019). Além disso, vê-se uma relação
entre as facetas dos traços psicopáticos e a coerção sexual moderada por gênero, com
efeitos variando de acordo com o nível de gravidade da coerção. Especificamente,
as mulheres que mostraram altos níveis de traços psicopáticos interpessoais eram
mais propensas a se envolverem em qualquer coerção sexual, inclusive a de menor
gravidade. Para coerção severa, as mulheres que apresentavam baixos níveis de traços
psicopáticos afetivos ou altos níveis de traços psicopáticos antissociais eram mais
propensas a serem sexualmente coercitivas do que outras mulheres. As relações entre
as quatro facetas do traço psicopático e a coerção sexual foram mais modestas e não
significativas para os homens em qualquer nível de gravidade da coerção (Hoffmann
& Verona, 2021, epub 2018).
Os resultados encontrados se alinham a outros estudos que demonstram existir
diferenças entre homens e mulheres no que diz respeito a traços de psicopatia. Sendo
que homens tendem a apresentar mais comportamentos externalizantes, como atos
antissociais e agressivos. Já as mulheres tendem a ser mais agressivas com pessoas
próximas, apresentam-se emocionalmente instáveis, manipuladoras, sedutoras e
geralmente conseguem enganar os outros para atingir os seus objetivos. Além disso,
são mais propensas a transtornos de ansiedade, depressivos e de personalidade limí-
trofe (Mariz et al., 2022).
Violência sexual
No contexto de violência sexual foram encontrados quatro estudos (n = 4;

3,6%): um com agressores sexuais de crianças, outro com pessoas com experiências
adversas na infância, outro com homicidas sexuais e homicidas sexuais com múltiplos
perpetradores (Stoll et al., 2019; James et al., 2020; Higgs et al., 2019; Higgs et al.,
2017). O estudo de Stoll et al. (2019) busca elucidar a associação entre neuroticismo,
psicopatia e comportamento abusivo em agressores sexuais de crianças (ASC) de
baixo risco. Os resultados mostraram uma correlação positiva significativa entre
neuroticismo e psicopatia (PCL-SV), tanto no grupo de ASC como no grupo-controle.
No entanto, no grupo de ASC não se observou correlação entre o PCL-SV e a escala
de abuso infantil. Embora níveis mais altos de psicopatia coocorram com níveis mais
altos de neuroticismo, a psicopatia parece não modular o comportamento abusivo
em agressores de baixo risco.
O estudo de James et al. (2020) testou se as pessoas com experiências adversas
na infância (EAI), bem como com psicopatologia relevante para a violência física e
sexual (psicopatia e sadismo sexual), predizem o tipo de agressão (reativa/proativa)
exibida no homicídio sexual. Os achados indicaram que as EAI e PCL-SV Fator
2 foram associados à agressão reativa no contexto de homicídio sexual, enquanto
PCL-SV Fator 1 e sadismo sexual foram associados à agressão proativa.
O estudo de Higgs et al. (2019) busca contribuir para a compreensão científica
do homicídio sexual com múltiplos perpetradores e múltiplas vítimas concomitantes.
Os achados mostraram que no homicídio sexual com múltiplos perpetradores são os
mesmos típicos do homicídio sexual de vítima única. Em relação ao modus operandi,
a presença de um coinfrator parece ser apenas um fator desinibidor ou habilitador
para cada um, e a presença de uma segunda vítima se mostrou apenas circunstancial
e oportunista. O PCL-SV refletiu em pontuações geralmente altas, sendo que 77,8%
da amostra pontuou acima do limiar associado ao funcionamento da personalidade
psicopática, sendo que as pontuações foram altas tanto para os traços interpessoais/
afetivos (Parte 1; M = 8,22, SD = 2,90), como para os traços de estilo de vida/antis-
sociais (Parte 2; M = 8,67, SD = 2,45).
72
O estudo de Higgs et al. (2017) teve como objetivo explorar se fatores especí-
ficos de desenvolvimento e trajetórias criminais estão relacionados ao tipo do último
crime do agressor (assassinato sexual envolvendo interferência sexual post mortem,
assassinato sexual sem interferência sexual post mortem ou agressão sexual não
homicida, ou seja, estupro). Os resultados indicaram que a adversidade na infância
era típica entre os três grupos de infratores amostrados; vitimização e trauma foram
encontrados de forma semelhante entre assassinos sexuais post mortem (PMSI),
assassinos sexuais não PMSI e estupradores. A psicopatia, medida usando a versão
PCL-SV (Hart et al., 1995) não foi preditiva de nenhum resultado.
Estudo das expressões faciais na percepção da violência
Para analisar as diferenças individuais na capacidade de reconhecimento facial

emocional em agressores violentos, Philipp-Wiegmann et al. (2017) categorizaram
a amostra em reativos ou proativos em relação aos seus agressores. Os achados
mostraram que agressores violentos reativos tiveram déficits no reconhecimento de
emoções em geral, e déficits específicos no reconhecimento de pistas de angústia
como tristeza, ansiedade e nojo. Além disso, eles exibiram uma tendência a interpretar
emoções que não eram de raiva como sendo. Em contraste, os agressores violentos
proativos tiveram um desempenho tão bom quanto o dos controles nos domínios
avaliados. Comparando infratores com traços psicopáticos altos e baixos, descobriu-se
que infratores com traços psicopáticos mais elevados tiveram pior desempenho nos
testes de reconhecimento facial, tanto no subgrupo reativo quanto proativo.
Tratamento de sujeitos violentos
Por fim, o tratamento de sujeitos violentos conta com apenas um estudo. O

estudo de Daffern et al. (2017) avaliou se a conclusão de um programa de tratamento
(Ireland, 2008) produziu mudança no risco de violência e comportamento agressivo, e
se essas mudanças foram maiores do que as observadas em um grupo de comparação.
Também foram examinados se as mudanças feitas no tratamento foram mantidas
um ano após a sua conclusão. Os resultados sugerem que a regulação da raiva, a
impulsividade e a resolução de problemas sociais são mais passíveis de mudança,
e que as reduções em certas facetas desses fatores de risco dinâmicos ocorrem com
o tratamento psiquiátrico hospitalar inespecífico, mas que o tratamento psicológico
específico para violência comportamental cognitiva confere maior mudança em algu-
mas facetas de resolução de problemas sociais e da regulação da raiva. Vale ressaltar
que traços de psicopatia não influenciaram no resultado obtido, uma vez que tanto o
grupo que participou do programa como o grupo-controle que recebeu outro tipo de
tratamento para problemas mentais ou de personalidade não apresentaram diferenças
nos escores de PCL-SV.
Considerações
Diante do objetivo de investigar os estudos que abordam a violência em pes-

soas que foram avaliadas por meio do PCL-SV, por meio de uma revisão integrativa,
observou-se que em vários estudos a psicopatia não foi preditiva de comportamento
violento. É importante considerar que do total de 5.055 participantes dos 18 estu-
dos recuperados, foram encontradas doze amostras forenses, compreendendo 1.662
indivíduos em condições de encarceramento ou liberdade vigiada e 3.393 indivíduos
de amostras não forenses. Logo, a psicopatia por ter uma prevalência pequena em
amostras não forenses, quando o estudo é realizado somente neste contexto, nota-se
que essa psicopatologia não exerce muita influência nos resultados. Nestes casos,
como também em casos forenses, transtornos mentais graves, transtornos de per-
sonalidade, raiva, crenças delirantes persecutórias que impliquem em ameaça ao
indivíduo, o uso persistente de cannabis, ou de polissubstâncias está associado à
maior probabilidade de comportamentos violentos, independentemente do nível de
psicopatia. Este estudo foi limitado somente aos últimos cinco anos. Sugere-se que
pesquisas futuras considerem uma revisão sem limitação de datas, como também
considere a subdivisão do uso do PCL-SV em populações forenses e não forenses.
74
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7. SINTOMAS SOMATOFORMES:
implicações forenses e construção
de uma medida padronizada
Fernanda Letícia Vieira Leal20
Nádia Cibele Alves da Silva21

Lucas Dannilo Aragão Guimarães22
DOI: 10.24824/978652513724.7.79-84
Introdução
Os sintomas somatoformes são caracterizados pela presença de sintomas corpo-

rais angustiantes para o indivíduo e, de modo geral, não significam doença grave. Os
sintomas são descritos como persistentes e geralmente estão presentes dor e fadiga,
relacionados a níveis elevados de preocupação a respeito de doenças e pensamentos
negativos associados à própria saúde mesmo quando há evidências contrárias, o
que ocasiona a interpretação errônea de sintomas corporais (APA, 2014). Existem
alguns aspectos a serem considerados e que podem contribuir para o surgimento de
sintomas somáticos, tais como: vulnerabilidade genética e biológica, experiências
traumáticas precoces (como violência) e aprendizagem (atenção obtida na presença
de sintomas/doença), bem como normas socioculturais que valorizam o sofrimento
físico em detrimento do psicológico (APA, 2014).
O diagnóstico de sintomas somatoformes é uma prática desafiadora e rele-
vante em distintos contextos, como na área de saúde, do trabalho, jurídica e outras.
Atualmente não constam instrumentos de mensuração de sintomas somatoformes
cadastrados no SATEPSI (CFP, 2022).
Para isto, a relevância da criação de uma medida padronizada para avaliar
sintomas somatoformes mostra-se fundamental para compor o rol de instrumentos
padronizados em saúde mental na realidade brasileira.
A relevância da criação da Escala de Sintomas Somatoformes (E-SOMS) pode
ser observada na relação entre o adoecimento psicológico e as sequelas psicológicas
relacionadas a sintomas somatoformes. Agressões envolvendo violência física, armas
e abuso sexual foram frequentemente associadas ao aumento de sintomas somáticos
(Casanovas et al., 2021).
20 Graduanda em Psicologia pela Universidade Estadual do Piauí (UESPI).

21 Graduada em Psicologia pela Universidade Estadual do Piauí (UESPI).
22 Doutor pela Universidade São Francisco (USF) e Professor Adjunto de Psicologia da Universidade Estadual
do Piauí (UESPI).
80
A construção da escala em questão encontra-se dividida em duas etapas, na

qual a primeira é relativa a conceitualização, formatação do instrumento, construção
e análises dos itens por juízes. O objetivo do presente estudo é revisar a literatura
especializada sobre sintomas somatoformes e suas implicações forenses, assim como
apoiar a construção de uma medida psicométrica e as suas evidências de validade
de conteúdo.
O construto sintomas somatoformes

Os sintomas somatoformes podem ser específicos (ex. dores localizadas em

partes específicas do corpo) ou inespecíficos (ex. fadiga), além da autopercepção
supervalorizada destas queixas associadas a aspectos negativos de saúde, como his-
tórico familiar destas queixas e efeitos colaterais de medicamentos consumidos pelo
indivíduo (APA, 2014). Destes, os sintomas mais comuns são os musculoesqueléticos,
gastrointestinais (como indigestão e prisão de ventre) e relacionados ao funciona-
mento do sistema nervoso central, incluindo dor de cabeça (Oyebode, 2008).
Estes sintomas são classificados ainda como sintomas clinicamente inexplicados
(medically unexplained symptoms – MUS), já que estas queixas não têm achados
médicos explicativos. Os pacientes que os apresentam relatam qualidade de vida
inferior, prejuízo equivalente ou superior da função física, percepção geral negativa da
saúde física e saúde mental prejudicada, quando comparados a outros pacientes com
doenças crônicas. Pessoas com essa condição podem perceber-se como vulneráveis à
doença, ao associarem sintomas inofensivos/isolados como se fossem a concretização
de doença grave e ainda, são propensos a favorecer o surgimento/manutenção dos
sintomas a partir de suas expectativas e memórias (Martins, 2017). Em consequên-
cia da preocupação excessiva, angústia e ansiedade, os sintomas passam a ocupar a
maior parte da vida do indivíduo, interferindo na socialização e na busca demasiada
ou evitação contundente dos serviços de saúde (APA, 2014).
O Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais, 5ª edição, (DSM-
5) classificou esta categoria de sintomas em dois transtornos distintos, o transtorno de
sintomas somáticos e o transtorno de ansiedade de doença. Este primeiro manifesta-se
pela sensação corporal de sintomas que afligem, perturbam e ocupam boa parte do
tempo do indivíduo com pensamentos, reações emocionais de ansiedade e compor-
tamentos relacionados a sua manifestação (APA, 2014). No transtorno de ansiedade
de doença a sua principal característica clínica é a presença de uma intensa ansiedade
relacionada ao medo ou preocupação de ter ou contrair uma doença grave, de forma
que embora sintomas somáticos possam não estar presente ou, se estiverem, são de
intensidade leve. Traumas na infância, como negligência emocional, abuso físico
e assédio sexual, estão associados não apenas ao risco de transtornos psiquiátricos
gerais, mas também a um risco aumentado de transtornos somatoformes na idade
adulta (Andreski et al., 1998). Fatores como definições divergentes dos conceitos
relacionados ao processo de somatização, à definição de características e critérios que
possibilitem o diagnóstico, contribuem para a dificuldade de estudo desses sintomas
e transtornos relacionados (Coelho & Ávila, 2007).
Dados empíricos mostram um predomínio de traumatizações ao longo da vida

em populações com transtornos somatoformes, bem como altas taxas de sintomas
somatoformes em indivíduos traumatizados (Sack et al., 2007). Assim, agressões
envolvendo violência física, armas e abuso sexual foram frequentemente associadas
ao aumento de sintomas somáticos (ex. dores abdominais e preocupação exagerada
com a saúde) (Casanovas et al., 2021).
Construção de uma medida padronizada de sintomas somatoformes

A Escala de Sintomas Somatoformes (E-SOMS) consiste na apresentação

de sentenças que exprimem sinais e sintomas somatoformes classificados em sua
natureza cognitiva e somática sendo as alterações somáticas sintomas específicos,
como dores localizadas em partes específicas do corpo, ou inespecíficos como fadiga
geralmente manifestam-se em alterações nos sistemas musculoesqueléticos, gastroin-
testinais (como indigestão e prisão de ventre) e relacionados ao funcionamento do
sistema nervoso central, incluindo dor de cabeça.
As alterações cognitivas correspondem a intensa ansiedade relacionada ao medo
ou preocupação de ter ou contrair uma doença grave, de forma que embora os sinto-
mas somáticos possam não estar presente ou, se estiverem, são de intensidade leve.
Preocupação a respeito de doenças e pensamentos negativos associados à própria
saúde mesmo quando há evidências contrárias, o que ocasiona a interpretação errônea
de sintomas corporais, aflição e perturbação que ocupa o pensamento do indivíduo
a maior parte do tempo.
A E-SOMS deve ser respondida com base na instrução “Abaixo há uma lista
de preocupações, sensações ou queixas corporais que você pode ter apresentado
na última semana, considerando o dia de hoje, e que não há explicações ou causas
médicas conhecidas para eles. Marque o quanto estas preocupações, sensações ou
queixas corporais lhe incomodaram”, com quadro opções de resposta (“0” Nada, “1”
Pouco, “2” Às vezes e “3” Muito).
A análise dos critérios de clareza e relevância obtida através das pontuações
designadas por três juízes especialistas encontra-se na Tabela 1.
Tabela 1– Coeficientes de clareza e relevância da Escala

de Sintomas Somatoformes (E-SOMS)
CVC CVC
Item Clareza Relevância
Clareza Relevância
1. Dores nas costas 0,963 0,896 Aceitável Aceitável
2. Palpitação no coração 0,963 0,963 Aceitável Aceitável
3. Sensação de sufocação 0,963 0,963 Aceitável Aceitável
4. Desconforto no peito 0,963 0,963 Aceitável Aceitável
5. Falta de ar na hora de respirar 0,896 0,630 Aceitável Inaceitável
6. Fraqueza no corpo 0,963 0,963 Aceitável Aceitável
continua...
82
continuação
CVC CVC
Clareza Relevância
7. Formigamento 0,963 0,963 Aceitável Aceitável
8. Problemas para engolir 0,963 0,830 Aceitável Aceitável
9. Sensação de caroço na garganta 0,830 0,696 Aceitável Inaceitável
10. Dificuldade para respirar 0,963 0,963 Aceitável Aceitável
11. Dores em diferentes partes do corpo 0,963 0,830 Aceitável Aceitável
12. Dores de cabeça 0,963 0,963 Aceitável Aceitável

13. Sensação de enjoo 0,763 0,763 Inaceitável Inaceitável
14. Desconforto na barriga 0,896 0,963 Aceitável Aceitável
15. Desconforto ao alimentar-se 0,830 0,896 Aceitável Aceitável
16. Sensação de desmaio 0,830 0,896 Aceitável Aceitável
17. Aperto no peito 0,963 0,963 Aceitável Aceitável
18. Sensação de engasgo 0,896 0,563 Aceitável Inaceitável
19. Dores nos músculos 0,963 0,630 Aceitável Inaceitável
20. Formigamento no corpo 0,963 0,763 Aceitável Inaceitável
21. Paralisia nas pernas 0,896 0,696 Aceitável Inaceitável
22. Dormências em algumas partes do corpo 0,963 0,563 Aceitável Inaceitável
23. Angústia de ter problemas de saúde 0,963 0,963 Aceitável Aceitável
24. Preocupação em ter contraído uma doença
0,963 0,963 Aceitável Aceitável
grave
25. Necessidades de procurar serviços médicos
0,763 0,763 Inaceitável Inaceitável
especializados
26. Preocupações em estar doente 0,963 0,963 Aceitável Aceitável
27. Angústia em razão de sensações corporais
0,830 0,763 Aceitável Inaceitável
sem explicação
28. Preocupação de estar com grave problema
de saúde
29. Preocupação em contrair doenças graves 0,963 0,963 Aceitável Aceitável
30. Preocupação em ficar verificando sensações
estranhas no corpo
31. Angústia com sensações corporais 0,830 0,696 Aceitável Inaceitável
Entre os juízes 90,00% dos itens foram considerados aceitáveis no critério

clareza e 61% no critério relevância (variando de 0,830 a 0,963). Dentre os trinta e
um itens desenvolvidos, dezenove itens atingiram a pontuação máxima em ambas
as análises e três itens (13, 25 e 30) foram considerados inaceitáveis nos dois
critérios analisados.
Os dados demonstram que a versão preliminar do instrumento representa de

forma satisfatória o construto sintomas somatoformes, uma vez que a maioria das pro-
posições desenvolvidas apresentou desempenho satisfatório nas análises realizadas.
A Escala de Sintomas Somatoformes (E-SOMS) poderá ser um instrumento

preditivo para identificar sequelas psicológicas relacionadas aos sintomas somato-
formes em pessoas vitimadas.

Com base nos resultados obtidos, serão feitos os ajustes necessários nos itens
com pontuações abaixo do ponto de corte, para que sejam encaminhados à etapa
seguinte em que será realizado o estudo piloto.
Após a finalização das demais etapas da construção do instrumento, este poderá
ser utilizado nos mais diversos contextos, entre eles o âmbito forense, a partir da
relação do construto abordado com a situação de pessoas vítimas de violência, como
aponta a literatura científica da área.
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8. AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA
PERICIAL DE MULHERES VÍTIMAS
DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
Patricia Rodrigues Queiroz23
DOI: 10.24824/978652513724.7.85-92
Introdução
A violência doméstica se caracteriza como um grave problema de saúde pública,

que afeta indiscriminadamente todos os membros de um sistema familiar. Nesse
cenário, a violência conjugal se configura como um dos principais tipos de violên-
cia doméstica, e que em sua base estrutural está arraigada ao complexo sistema de
relações de poder e submissão, reflexo de uma cultura patriarcal de discriminação
de gênero (Falcke, 2020).
Nesse cenário, são crescentes as denúncias realizadas nas delegacias espe-
cializadas no atendimento à mulher (DEAMs), porta de entrada para denúncia de
casos de violência doméstica. De acordo com o Anuário do Ministério Público dos
estados brasileiros (2022), em 2020 mais de 1 milhão de inquéritos criminais foram
instaurados no país. Destes, cerca de 305.278 mil (12,6%) foram na categoria de
violência doméstica.
De modo geral, quando esses inquéritos são enviados ao Ministério Público,
instaura-se um processo judicial na esfera criminal. Nestas duas etapas, comumente
o profissional de psicologia é convocado para realizar acolhimento da vítima, assim
como também, para desenvolver processo de avaliação psicológica, no intuito de
investigar e identificar a extensão dos impactos emocionais, afetivos e psicológicos
da violência perpetrada.
Isto posto, o presente estudo buscou como objetivo, discorrer acerca do processo
de avaliação psicológica pericial de mulheres vítimas de violência doméstica. Desse
modo, se apresentou brevemente, o cenário da violência doméstica empreendida
contra as mulheres no Brasil; descrevendo elementos do perfil e aspectos psicoló-
gicos inerentes às mulheres vítimas. E por fim, discorrendo acerca de normativas,
princípios éticos e etapas que tange a prática da avaliação psicológica pericial desse
tipo de demanda no contexto forense.
Utilizou-se como método, a revisão bibliográfica integrativa, a partir de estudos
publicados entre os anos de 2011 e 2021, utilizando-se como critérios de inclusão
23 Psicóloga do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará (TJCE), especialista em Psicologia Jurídica

e Neuropsicologia.
86
produção acadêmica escrita e publicada em português, disponível na íntegra para

download. A partir dos descritores “violência doméstica”, “mulheres”, “vítima”,
“avaliação psicológica” e “perícia”.
A busca foi realizada nas bases de dados Scientific Electronic Library Online
(Scielo), Biblioteca Virtual de saúde (BVS) e Biblioteca Digital Brasileira de Teses
e Dissertações (BDTD). Encontrou-se seis (6) artigos, que para complementar a
discussão foram consubstanciados por dados estatísticos, legislação e publicações
de capítulos em livros dentro da temática proposta.
A relevância deste estudo para o campo da psicologia, se sobressai como uma

discussão que revela um tema de atuação para psicólogos ainda pouco explorado, e
que demanda de desafios de ordem técnica e científica, e que precisam urgentemente
serem debatidos. A fim de que, os profissionais psicólogos atuantes nesta área, possam
estar melhor preparados para as abordagens de acolhimento e avaliação, nesta que se
constitui como uma demanda de complexidade e agravo da saúde pública.
Avaliação Psicológica Pericial: um olhar acerca das vítimas de violência

doméstica
Os resultados a partir dos seis artigos encontrados, e consubstanciados por litera-

tura de referência na área, foram distribuídos em três categorias, a fim de tornar mais
didática a compreensão do leitor. Na categoria 1, apresentou-se breves considerações
acerca do cenário atual da violência doméstica no Brasil, destacando estatísticas e
perspectivas legais acerca do tema.
Na categoria 2, apresentou-se reflexão sobre o perfil e aspectos psicológicos
das mulheres vítimas de violência doméstica, notabilizando traços de personalidade,
transtornos psicopatológicos, dano cognitivo, e impactos psicológicos, emocionais
e comportamentais das vítimas.
Na categoria 3, o desfecho do estudo contemplou discussão sobre a avaliação
psicológica pericial em demandas de violência doméstica, salientando procedimentos
éticos e instrumentais (métodos de entrevista e testes) utilizados para contemplar o
escopo global da avaliação.
O cenário da violência doméstica no Brasil
A violência doméstica (VD) está relacionada a todos os atos de agressões (física,

psicológica, sexual, moral e patrimonial), praticadas entre membros de uma mesma
família, sendo que estas relações de violência podem acontecer de pais para filhas,
irmãos ou entre pessoas que tenham vínculos maritais, como, cônjuges ou namorados,
sendo este último o mais comum (Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher, 2018).
De acordo com pesquisa divulgada pelo Ministério da Mulher, da Família e
dos Direitos Humanos (MMFDH) (2020), apenas no primeiro semestre de 2019,
46.510 mil denúncias foram registradas por mulheres no território nacional. Destas,
2.688 foram de tentativas de feminicídios, 35.769 do tipo violência doméstica e

familiar, onde 1.150 foram agressões físicas, 1.921 moral, 116 obstétrica, 1.109
sexual, 180 virtual.
O último atlas da violência divulgado em 2021, aponta que em 2019, 3.737 mil
mulheres foram assassinadas. Destas, 1.246 foram mortas na própria residência, de
maneira que, estes 33,3% de casos estão associados diretamente a um contexto de
VD (Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos [MMFDH], 2020).
Nesse ínterim, dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e do
Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) (2019), considerando levantamentos

estatísticos nos últimos 10 anos, revelam que em média 4,7 a cada 100 mil mulheres
são vítimas de feminicídio no Brasil.
Nos últimos dois anos, em função da pandemia por COVID-19 e o isolamento
social, o quadro de VD tem se agravado. Neste período, em média a cada dois minutos
uma mulher foi agredida no Brasil, um crescimento de 27% nos casos de feminicí-
dios, se comparado ao mesmo período em 2019. E o mais agravante é que as taxas
de denúncia reduziram denotando, uma alta subnotificação e impossibilitando, uma
leitura real das condições atuais (Sousa, Santos & Antonietti, 2021).
Como forma de coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, foi
sancionada a Lei nº 11.340 (2006), popularmente conhecida como “Lei Maria da
Penha”. Tal dispositivo legal, busca em seu Art. 3º assegurar às mulheres o direito “à
vida, à segurança, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, à moradia, ao acesso
à justiça, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao
respeito e à convivência familiar e comunitária”.
De forma complementar, assevera ainda, que cabe ao “poder público desen-
volver políticas que visem garantir os direitos humanos das mulheres no âmbito das
relações domésticas e familiares no sentido de resguardá-las de toda forma de negli-
gência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão” (Lei nº 11.340,
2006, Art. 3º § 1º). Assim, dispondo de mecanismos de proteção e criminalizando
os atos de violência doméstica.
A preocupação da sociedade com a extensão dos casos de crimes de morte
contra a mulher, e em geral praticados pelos parceiros íntimos, mobilizou o poder
legislativo para alteração do Art. 121 do Código Penal, assim prevendo o feminicídio
como qualificadora de crimes de homicídio, o tornando crime hediondo. Isso implica,
em alteração da lei especificando o crime de morte contra a mulher, o caracterizando
como feminicídio, e promovendo condições qualificadoras para aumento da pena ao
agressor (Lei nº 13.104, 2015).
A especificidade da violência psicológica, de forma atual, recebeu atenção espe-
cial nos dispositivos legais. A Lei nº 14.188 (2021) recentemente sancionada, define
o programa de cooperação Sinal Vermelho contra a Violência Doméstica como uma
das medidas de enfrentamento da violência doméstica e familiar contra a mulher.
Além de alterar o código penal em seu Art. 147-B, ao criminalizar os atos de violên-
cia psicológica contra mulher, determinando como pena a medida de reclusão para
o agressor entre seis meses a dois anos, e multa.
88
Diante do exposto, revela-se que o quadro geral da VD no Brasil, se carac-

teriza como um fenômeno amplamente disseminado no meio social, além de um
grave problema de saúde pública, considerando os múltiplos agravos e a extensão
do problema que atinge diretamente as vítimas e indiretamente os filhos, a família
ampliada e todos os dispositivos institucionais de saúde, segurança e comunidade
(Falcke, 2020). E que tem sido notabilizado, pelos operadores de direito e sociedade
civil como uma pauta de discussão necessária e urgente.
Perfil e aspectos psicológicos das mulheres vítimas de violência

doméstica
O perfil da vítima de VD no Ceará, de acordo com Pesquisa do Núcleo

de Enfrentamento à Violência Contra a Mulher da Defensoria Pública do Ceará
(NUDEM) (2019) aponta majoritariamente, para mulheres negras (66%), sobretudo,
em casos de feminicídio. No que tange a faixa etária, 38,7% têm entre 26 e 35 anos
de idade; e o nível de escolaridade para a maioria, 34,9% é de que possuem ensino
médio completo. No quesito socioeconômico, 32,7% têm renda mensal de até um
salário mínimo, demonstrando assim, que a maioria se caracteriza na categoria de
classe média baixa.
Pesquisa realizada por Huss (2011), revela que dentre as principais consequên-
cias psicológicas de vítimas que sofrem VD estão: Transtorno de estresse pós-trau-
mático (TEPT), ansiedade, entorpecimento emocional, depressão e dependência
química, ideação paranoide, comportamento obsessivo compulsivo e dificuldade de
adaptação nas relações sociais.
Nesse contexto, estudos complementares destacam ainda como consequência
da VD, sintomas de fobia social, sensação de inadequação no ambiente, sentimento
de culpa, desamparo, medo, desesperança e comportamento suicida. Além dos ele-
mentos supracitados, é frequente observar que as vítimas podem demonstrar estado
de confusão mental (Falcke, 2020).
No campo da personalidade, em geral se observam instabilidade emocional,
traços de dependência e desconfiança. No aspecto cognitivo, as vítimas apresentam
diminuição da capacidade cognitiva, sobretudo, no que tange a distorções e crenças
acerca da aceitação e legitimação da violência sofrida (Souza et al., 2018).
Segundo Bitencourt (2018), baseado na teoria da personalidade dos cinco gran-
des fatores, ou Big Five, dentre os traços de personalidade das mulheres vítimas de
VD, está mais prevalente o fator do neuroticismo, que sugere uma maior predisposição
a instabilidade emocional, melancolia e suscetibilidade a psicossomática.
Observa-se também, alta suscetibilidade a componentes vulneráveis como o
comportamento autodestrutivo, atitudes de submissão, dificuldades de tomada de
decisão e resolução de problemas, além de crenças de inferioridade que envolve
aspectos como a tristeza, estresse, insegurança, agressividade, culpabilidade, baixa
autoestima, medo e tensão (Falcke, 2020).
Desse modo, Nóbrega, Pessoa Junior, Nascimento & Miranda (2019), destaca
que a mulher que sofre VD, indiscriminadamente sofre danos psíquicos e emocionais,
que impactam em sua autoestima, projetando consequências em seu desenvolvimento.

E ainda, prejudicando sua capacidade de comportamentos adaptativos, implicando
em construção de crenças que condicionam a uma desregulação na autodeterminação
enquanto pessoa.
Procedimentos éticos e instrumentais na avaliação psicológica pericial

em demandas de violência doméstica
O cenário da avaliação psicológica em casos de VD, segundo Tavares e Medei-

ros (2020), não segue oficialmente um protocolo modelo, ou diretrizes estruturadas.
Todavia, nos estudos dentro desta temática, nota-se que algumas avaliações seguem
uma linha estruturada, enquanto outras se lançam em uma perspectiva semiestrutu-
rada, baseada principalmente na construção lógica do profissional para cada caso.
Nessa conjuntura, contempla-se a verificação de aspectos psicológicos, emoti-
vos, afetivos e cognitivos, buscando observar o nível que cada um desses elementos
foi impactado, em decorrência da VD sofrida (Tavares & Medeiros, 2020). De modo,
que a abordagem do(a) psicólogo(a) perito deve ser ética, empática, paciente e com-
preensiva, ao mesmo tempo, que de ser diretiva e focal, a fim de, não expor a vítima
a maior condição de revitimização (Guzzon & Yoshida, 2018).
A avaliação de risco se caracteriza como um processo comum na perícia com
vítimas de VD, pois visa identificar qual o grau e a intensidade de periculosidade
que a mulher sofre violência, de forma reincidente no ambiente doméstico e em suas
relações íntimas. Assim, a avaliação se constitui como um processo, que combina
variados métodos, tais como: entrevista e aplicação de instrumentos investigativos,
que apontem fatores de risco (Medeiros, 2015).
Na percepção de Tavares e Medeiros (2020), a abordagem para avaliar os aspec-
tos sintomatológicos da vítima de VD, se delineia melhor através do método de
entrevista semiestruturada, pois favorece uma maior cobertura de todos os quesitos
a serem investigados. Assim, possibilitando o livre relato da vítima e de modo igual,
permitindo uma melhor validade e fidedignidade dos dados encontrados.
Dentre alguns instrumentos de uso privado ou não do psicólogo neste contexto,
podemos citar: Revised Domestic Violence Screening Instrument (DVSI-R), Escala
tática de conflitos (CTS/CTS2), Guia Avaliação do Risco de Agressão Conjugal
(SARA), Avaliação do Risco de Agressão Doméstica de Ontário (ODARA), e Escala
de Avaliação de Perigo (DAS).
De forma complementar, para avaliar o Humor pode-se utilizar: Inventário Breve
de Sintomas (BSI); Questionário de resposta emocional à violência doméstica e sexual
(REV), Inventário de depressão Beck (BDI II); para avaliar percepção: Escala de
Crenças sobre Violência Conjugal (ECVC), Escala de estágios de mudança (EEM).
De acordo com Falcke (2020), estudos têm revelado que os transtornos de per-
sonalidade borderline e antissocial são frequentemente identificados em agressores,
bem como em vítimas de VD. Assim, para investigar os traços de personalidade,
segundo Souza et al. (2018), comumente utiliza-se os instrumentos Bateria fatorial
90
de personalidade (BFP), Neo PI-R e o Sistema de Avaliação por Performance no

Rorschach (R-PAS).
Para avaliar relacionamento e socialização, utiliza-se o Inventário de habilida-
des sociais conjugais (IHSC), a Escala para avaliação de tendência à agressividade
(EATA), World Health Organization Violence Against Women (WHO VAW); e para
rastreio cognitivo: Exame do estado mental (EEM) (Medeiros, 2015).
A perspectiva de uso de múltiplos métodos segundo Lucena et al. (2016) é de
suma importância, pois os casos de violência doméstica contra mulher se constituem
geralmente, por meio do ciclo da violência, que é composto por três fases. Na fase
um, ocorre a evolução da tensão caracterizada pelo comportamento ameaçador com
agressões verbais, ofensas e humilhações, inclusive destruindo objetos dentro de casa.
Na fase dois, Explosão/agressão, ocorre a violência verbal associada à física, e que
vão progressivamente se tornando mais violentas. Na fase três, Lua de mel nota-se
o comportamento gentil e amoroso, em que o agressor fala em arrependimento,
mudança de comportamento e temporariamente demonstra carinho e atenção, até
que novamente o ciclo retoma para a primeira fase.
Portanto, em um contexto avaliativo é imprescindível verificar a ocorrência do
ciclo da violência, como possibilidade de antecipar os sinais, e promover estratégias
preventivas e interventivas. Bem como, também identificar de forma pormenorizada
todos os sintomas do impacto da violência sofrida, e a extensão das consequências
psicológicas em todos os sistemas da vida da vítima, inclusive como forma de esta-
belecer as indicações terapêuticas mais indicadas para cada caso.
Considerações
A partir das considerações obtidas, observou-se que a finalidade de uma avalia-

ção psicológica pericial em demandas de violência doméstica, se propõe para além
da identificação de sintomas e alterações cognitivas, emocionais e comportamentais.
Se caracterizando, sobretudo, como um meio que viabiliza promover uma conclusão
abastecida com sugestões de propostas de intervenção, e que comumente envolverá
a mulher e seu sistema social e familiar, no intuito de favorecer condições para tra-
tamento, reabilitação e recuperação da qualidade de vida da vítima.
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9. RISCO DE VIOLÊNCIA (E-RISVI):
uma medida psicométrica e implicações forenses
DOI: 10.24824/978652513724.7.93-98
Introdução
A violência pressupõe, além do comportamento em si, a intencionalidade. Ou

seja, a ação violenta deve ter como objetivo atingir algo ou alguém, com o intuito
de causar danos (Krug et al., 2002). Existe ainda a relação entre o engajamento em
comportamentos violentos e a possibilidade de este incidir em atos criminoso, a
depender da forma e situação em que é empregado.
O comportamento violento pode assumir diversas variações, como violência
doméstica, intrafamiliar, contra a pessoa idosa e patrimonial. Independente da nomen-
clatura adotada, possuem em comum o fato de ser uma ação praticada por alguém
em direção a si ou outros, que geram consequências adversas. Apresenta ainda ori-
gem multicausal que envolve tanto fatores intrínsecos ao sujeito quanto questões
socioambientais (Araújo & Chagas, 2020).
A avaliação padronizada do construto risco de violência mostra-se relevante para
distintos processos avaliativos em psicologia forense e em saúde mental. Atualmente
no Brasil não há instrumentos de mensuração de risco de violência com estudos de
validade e destinados ao uso restrito do profissional da psicologia (Conselho Federal
de Psicologia [CFP], 2022).
A relevância da criação da Escala de Risco de Violência (E-RISVI) pode ser
observada, no contexto forense, a partir de situação em que o comportamento vio-
lento favorece a ocorrência de crimes, mediados por agressões e até homicídios. As
vantagens da construção deste instrumento incluem ainda a possibilidade de avaliação
por meio de uma medida psicométrica.
A construção da escala em questão encontra-se dividida em duas etapas, na qual
a primeira é relativa a conceitualização, formatação do instrumento, construção e
análises dos itens por juízes. O objetivo do presente estudo é revisar a literatura espe-
cializada sobre risco de violência e suas implicações forenses, assim como apoiar a
construção de uma medida psicométrica e as suas evidências de validade de conteúdo.

do Piauí (UESPI).
94
Este estudo teórico ocorreu por meio de revisão da literatura especializada

sobre as implicações forenses do risco de violência com base em estudos primários
em língua inglesa publicados nas bases científicas PUBMED, Scielo, BVS, Lilacs e
PsycInfo, além estudo de validade da escala ocorreu por meio do estudo de evidências
de validade de conteúdo, através da construção de itens e análise dos conteúdos por
três juízes especialistas, com base no coeficiente de validade do conteúdo (CVC)
sendo os resultados a partir de 0,80 considerados aceitáveis.
O construto risco de violência e as suas implicações forenses
A violência é definida como o uso intencional da força ou do poder contra si

próprio, outra pessoa ou grupo de pessoas e tenha ou possa ter como desfecho algum
tipo de dano, seja físico ou psicológico, de caráter temporário ou definitivo (Krug
et al., 2002). Atualmente esta definição é amplamente citada na literatura especializada
e endossada no referido Relatório Mundial sobre Violência e Saúde da Organização
Mundial da Saúde.
Com relação aos fatores de risco para o comportamento violento, meta-análise
realizada por Bonta, Blais e Wilson (2014) apontou que os principais fatores predi-
tivos de são impulsividade, raiva e histórico de comportamento violento/ criminal.
Questões relacionadas a regulação emocional, como a presença intensa de sentimento
de raiva (Kalvin & Bierman, 2017), além de expressiva impulsividade e o baixo auto-
controle (Fox, Perez, Cass, Baglivio & Epps, 2015; Moberg, Stenbacka, Tengstrom,
Konsson., Nordstrom & Jokinen, 2015), respectivamente. Outros fatores também
estiveram relacionados ao risco de comportamento violento, como a baixa tolerân-
cia a frustração (Viana, 2014) e a baixa capacidade de sentir empatia ao próximo,
posto que esta última está mais associada a baixa propensão para o indivíduo inibir
comportamentos que possam causar danos a outros (Díaz-Galván, Ostrosky-Shejet
& Romero-Rebollar, 2015), pensamentos com conteúdo violentos, delírios e aluci-
nações (Monahan, 2012).
Dentre os fatores de proteção ao risco de violência, a revisão sistemática desen-
volvida por Komatsu & Bazon (2018) evidenciou algumas variáveis mais preditivas,
como a capacidade de autocontrole, relacionada ao manejo da raiva, e à baixa impul-
sividade, além de habilidades verbais satisfatórias e da capacidade de sentir empatia.
Construção de uma medida padronizada de risco de violência
A Escala de Risco de Violência (E-RISVI) foi construída de forma segmentada,

em que a primeira parte está relacionada ao período de uma semana. As instruções
da escala são “Abaixo há uma lista de pensamentos, comportamentos e sentimentos
que o(a) seu(sua) cliente Sr.(a)______________________________ apresentou no
último mês, incluindo o dia de hoje, e que aumentaram a chance dele(a) agir de forma
violenta.”. A segunda parte refere-se a comportamentos violentos que ocorreram ao
longo da vida do cliente e as instruções são “Agora você irá considerar o histórico de
comportamentos do seu cliente ao longo da vida, os quais ele agiu de forma violenta.”.
Ambas as etapas deverão ser aplicadas oralmente pelo profissional e poderá
ser adaptada para o formato de entrevista estruturada, quando existir a necessidade
de solicitar maiores explicações acerca das respostas do cliente. A Escala de Risco
de Violência (E-Vio) foi construída com base em pontuação Likert de três pontos, 0
para “não”, 1 para “algumas vezes”, 2 para “muitas vezes”.
Abaixo estão apresentadas as Figuras 1 e 2 que contém os coeficientes de cla-
reza e relevância obtidos a partir da análise da validade de conteúdo por três juízes
Figura 1– Coeficientes de clareza e relevância da

Escala de Risco de Violência (E-RISVI)
CVC CVC
Clareza Relevância
1. Perde o controle com facilidade 0,830 0,896 Aceitável Aceitável
2. Teve problemas em conseguir controlar suas ações 0,563 0,896 Inaceitável Aceitável
3. Discutiu com alguém por coisas que outros consideravam
“pequenas”
4. Apresentou dificuldades em controlar a raiva 0,963 0,963 Aceitável Aceitável
5. Agiu de forma instável em suas relações interpessoais 0,963 0,963 Aceitável Aceitável
6. Agiu com “base na emoção” 0,963 0,963 Aceitável Aceitável
7. Teve atitudes precipitadas 0,963 0,830 Aceitável Aceitável
8. Teve comportamentos impulsivos ou inesperados 0,963 0,896 Aceitável Aceitável
9. Fez coisas sem avaliar as consequências 0,896 0,896 Aceitável Aceitável
10. Agiu sem pensar 0,963 0,963 Aceitável Aceitável
11. Teve problemas em aceitar seu fracasso ou suas falhas 0,763 0,896 Inaceitável Aceitável
12. Perdeu o controle com imprevistos 0,763 0,830 Inaceitável Aceitável
13. “Pequenas situações” geraram imensa frustração 0,963 0,896 Aceitável Aceitável
14. Teve explosões de raiva 0,963 0,963 Aceitável Aceitável
15. Teve raiva com facilidade 0,830 0,830 Aceitável Aceitável
16. Sentiu raiva frequentemente 0,896 0,963 Aceitável Aceitável
17. Agiu dominando (a) pela raiva 0,963 0,963 Aceitável Aceitável
18. Agiu como quem estava dominado (a) pela raiva 0,830 0,763 Aceitável Inaceitável
19. Teve dificuldade em ser empático ou se colocar no lugar
do outro
20. Planejou machucar alguém 0,963 0,963 Aceitável Aceitável
21. Planejou agredir alguém 0,963 0,963 Aceitável Aceitável
22. Agiu como se tivessem vozes que o (a) mandavam ser
violento (a)
continua...
96
continuação
CVC CVC
Clareza Relevância
23. Agiu como se tivessem vozes na “cabeça” que o (a)
fariam agredir pessoas
24. Ameaça ser violento em razão de delírios que apresenta 0,830 0,763 Aceitável Inaceitável
25. Relatou a vontade de agredir alguém 0,830 0,763 Aceitável Inaceitável
26. Usou objetos para machucar alguém 0,963 0,963 Aceitável Aceitável
27. Foi violento (a) em situações que outros consideravam

comuns
28. Reagiu de forma violenta quando foi provocado (a) 0,963 0,963 Aceitável Aceitável
29. Agrediu pessoa(s) ou animal(is) 0,830 0,896 Aceitável Aceitável
Figura 2– Coeficientes de clareza e relevância da Escala

de Risco de Violência – Histórico (E-RISVI)
CVC CVC
Clareza Relevância
1. Agrediu ou violentou animais anteriormente 0,963 0,963 Aceitável Aceitável
2. Agrediu alguém fisicamente 0,963 0,963 Aceitável Aceitável
3. Quebrou objetos em momentos de descontrole 0,696 0,963 Inaceitável Aceitável
4. Xingou pessoas como forma de violentá-las 0,696 0,896 Inaceitável Aceitável
5. Cometeu atos violentos em momentos de raiva 0,630 0,963 Inaceitável Aceitável
A análise com base nos coeficientes de validade dos juízes especialistas cons-
tatou que 79,4% dos itens em relação a clareza e 88,2% em relação a relevância são
considerados aceitáveis (variando de 0,830 a 0,963). Apenas o item “Teve dificuldade
em ser empático ou se colocar no lugar do outro” foi considerado inaceitável em
ambos os critérios. Os itens que apresentaram classificação inaceitável em ambos os
critérios avaliados serão excluídos da versão atual, enquanto os que forem conside-
rados inaceitáveis em apenas uma destas dimensões permanecerão no instrumento.
Além disso, sete proposições forem consideradas abaixo do ponto de corte na
dimensão clareza, enquanto apenas cinco obtiveram o mesmo resultado na dimensão
relevância, o que indica a necessidade de adequação principalmente semântica na
construção da escala.

forma satisfatória o construto risco de violência, uma vez que a maioria das propo-
sições desenvolvidas apresentou desempenho satisfatório nas análises realizadas.
Com base nos resultados obtidos, serão feitos os ajustes necessários nos itens com
pontuações abaixo do ponto de corte, para que sejam encaminhados á etapa seguinte
em que será realizado o estudo piloto para posterior divulgação do material final.
A Escala de Risco de Violência (E-RISVI) poderá mensurar a predisposição
para envolvimento em situações que envolvem a prática comportamentos violentos.
No contexto forense, em poderá ser utilizada como instrumento de medida a partir da
relação apontada pela literatura científica entre atitudes caracterizadas como violentas
e a realização de crimes e, portanto, poderá vir a ser utilizada em casos incados para
avaliar a indicação de risco de violência em pessoas acusadas ou envolvidas em atos
que configurem crime.

98
REFERÊNCIAS
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FORENSE PARA AVERIGUAÇÃO
DA INIMPUTABILIDADE PENAL:
uma revisão de literatura
Ana Virgínia Nunes Soares 27

Wadenia Sousa de Carvalho31
Luciana Almeida Mota32
DOI: 10.24824/978652513724.7.99-106
Introdução
O presente capítulo trata-se de revisão integrativa da literatura e tem por objetivo

compreender a importância do profissional da psicologia na realização da avaliação
psicológica forense para fins de averiguação da imputabilidade penal e conhecer o
aporte teórico-técnico utilizado por esses profissionais.
Durante a fase inicial de inquérito policial, podem surgir dúvidas sobre a sani-
dade mental do acusado. Nesses casos, o delegado pode solicitar esclarecimentos ao
perito, demandando a realização de avaliação psicológica. Nesse contexto, o psicólogo
pode ser chamado para responder a uma questão específica durante a realização de
um exame de sanidade mental. A conclusão da perícia deve estabelecer se o acusado
era, ao tempo da ação ou omissão, imputável ou inimputável, e, dependendo das
condições psíquicas, os peritos podem opinar, se existe ou não um tratamento para
a patologia apresentada (Serafim et al., 2017).
Conforme Silva et al. (2019) imputável é a pessoa que possui condições de
compreender o aspecto criminoso do fato e de determinar-se de acordo com esse
entendimento. A inimputabilidade, por sua vez, relaciona-se diretamente com a culpa-
bilidade do sujeito e, com base no art. 22 do Código Penal (CP), pode-se depreender
que as pessoas com transtornos mentais são isentas de pena no regime prisional.

28 Graduanda em Psicologia pela Faculdade Uninassau.
32 Graduanda em Psicologia pelo Centro Universitário CESUMAR, Maringá, Paraná, Brasil.
100
Assim, a doença mental no código de 1940 é considerada como uma causa de exclu-
são da culpabilidade, tendo a inimputabilidade por base os seguintes pressupostos:
o biológico, o psicológico e o normativo.
O psicólogo enquanto perito exerce seu papel como auxiliar da justiça forne-
cendo esclarecimentos técnicos relativos à matéria psicológica. Ao ser requisitado
para esse propósito, precisa exercê-lo com competência teórico-técnica baseado nos
fundamentos da ciência psicológica. Partindo desse pressuposto, entende-se que a
avaliação psicológica forense é relevante, na medida em que é capaz de fornecer sub-
sídios ao juiz a fim de contribuir para sua tomada de decisões e consequente fixação
da pena ou sua substituição por medida de segurança (Moreira, 2018).
Inimputabilidade penal e a legislação brasileira
A avaliação psicológica forense para averiguação de inimputabilidade penal,

consiste em um procedimento que busca compreender o estado mental do indivíduo
no momento em que cometeu o crime, e verificar se este era capaz de compreender
a ilicitude do ato praticado e de se autodeterminar de acordo com esse entendimento
(Silva & Assis, 2013).
Nesse sentido, um dos objetivos dessa avaliação é atribuir a responsabilização
penal aos infratores, mediante a análise de possíveis alterações cognitivas e com-
portamentais que venham a provocar alterações na capacidade de entendimento
e autodeterminação.
O Código de Processo Civil (2015) estabelece em seu art. 156 que, quando
o conhecimento da prova técnica depender de um conhecimento que não é de sua
competência, o juiz será assistido por um perito por ele nomeado, que deverá pos-
suir conhecimento técnico e científico para responder às questões formuladas pelo
magistrado. Nesse contexto, o psicólogo é solicitado para a realização de perícias
juntamente com o psiquiatra para a averiguação da sanidade mental, que objetivam
à responsabilidade penal do réu, avaliando se este possui alguma doença mental que
tenha relação com o delito cometido (Lei n. 13.105, 2015).
Rovinski (2020) afirma que, no que tange a processos de inimputabilidade,
existem limitações no exercício da atuação do psicólogo em demandas concernentes à
responsabilidade penal, pois nesses casos há necessidade de um laudo psiquiátrico, e,
por isso, o psicólogo na maioria dos casos é demandado para auxiliar o psiquiatra na
elaboração do laudo. Ademais, caso o psicólogo venha atuar como perito nesses casos,
é imprescindível que tenha competência teórica e técnica para assumir tal demanda.
Com base nisso, a lei 4.119/62, que regulamenta a profissão do psicólogo,
confere a este profissional, como uma de suas atribuições, a realização de avaliações
psicológicas, desde que esteja legalmente habilitado e registrado junto ao conselho de
classe de sua localidade. Apesar de não ser exigido que o psicólogo possua formação
específica, este profissional precisa atuar de acordo com os aspectos éticos previstos
no código de ética profissional.
O conceito de inimputabilidade significa isentar de alguém a responsabilidade

de algo e, no direito penal, compreende a aplicação de medida de segurança, uma
pena diferente das que são aplicadas para os crimes comuns. No caso do indivíduo
considerado inimputável, este cumpre pena em hospitais de custódia com foco no
seu tratamento psiquiátrico (Gauer, Gauer & Costa 2020).
O Código Penal (1940) estabelece critérios para a inimputabilidade em seu
art. 26, segundo o qual é isento de pena pessoa com doença mental, desenvolvimento
mental incompleto ou retardado que, no momento da ação ou omissão do ato, não
era capaz de compreender sua ilicitude, portanto não teria capacidade de autodeter-
minar-se. Em outras palavras, o indivíduo não reconhece as implicações dos seus
atos, por isso não teria como responsabilizar-se por eles.
Gauer, Gauer e Costa (2020) mencionam algumas doenças mentais que, cau-
sando o comprometimento na capacidade de discernimento do indivíduo, poderiam
atribuir-lhes a inimputabilidade, como: alcoolismo, psicose (esquizofrenia, psicose
puerperal, senil), toxicomania em nível grave. Vale mencionar que o transtorno mental
por si só não poderia atribuir a inimputabilidade. Nesse caso a deficiência precisaria
afetar a capacidade de compreensão e de autodeterminação do indivíduo.
No processo de avaliação de inimputabilidade, os profissionais precisam encon-
trar um nexo causal entre a anormalidade que acomete o indivíduo e o fato praticado,
para que este possa ser isento de culpa. A Lei de Execução Penal (1984) regulamenta
o direcionamento dos inimputáveis aos hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico,
em que o indivíduo será submetido a um tratamento especializado e ambulatorial,
com a realização de exames e acompanhamento psiquiátrico.
A Lei nº 10.216/2001 que dispõe sobre a proteção da pessoa com transtornos
mentais estabelece que o tratamento deve ocorrer em regime ambulatorial, sendo
vedada a internação em instituições com características asilares. Outrossim, em casos
de medida de segurança, o Código Penal (1940) estabelece que a internação deverá
ocorrer no mínimo entre 1 a 3 anos, e que a extinção da pena só ocorrerá mediante
a realização de perícia médica em que se constate a diminuição da periculosidade.
Atuação do psicólogo em demandas de inimputabilidade penal
Considerando as modificações que surgem na sociedade com o passar dos anos,

o sistema de justiça brasileiro vem inserindo o profissional de psicologia nas deman-
das do direito a fim de avaliar os aspectos sociais e psicológicos envolvidos nos
processos judiciais, pois o psicólogo em sua atuação profissional utiliza instrumentos
que podem auxiliar à justiça na elaboração da prova pericial (Oliveira, 2016).
O Conselho Federal de Psicologia (2010) atribui como função do psicólogo a
avaliação de aspectos concernentes à doença mental no âmbito jurídico que estão
relacionados a aspectos criminais. No entanto, o psicólogo terá que possuir um pre-
paro técnico voltado a essas demandas considerando a complexidade de diagnosticar
estados mentais.
102
Em casos de inimputabilidade, o psicólogo irá responder a uma questão legal

por meio de avaliações que busquem compreender o nexo entre a capacidade de
entendimento e autodeterminação da pessoa e o crime cometido. É recomendado
que o profissional de psicologia tenha conhecimento sobre instrumentos adequados
para essa avaliação, considerando que ela avaliará, dependendo da pessoa, fatores
como a idade, escolaridade e limitações cognitivas.
Desse modo, o psicólogo precisará ter acesso aos autos do processo para realizar
a avaliação com base no objetivo desta, e responder aos quesitos propostos. Somado a
isso, no que se refere à formação técnica, o psicólogo precisará reunir conhecimentos

da psicopatologia, psicologia da personalidade, avaliação psicológica, neuropsicolo-
gia, e principalmente, habilidades na condução de entrevistas, pois é comum que no
contexto forense haja a presença de simulação durante os procedimentos.
Alguns dos instrumentos de avaliação que o psicólogo poderá utilizar nesse
contexto, é o uso de entrevistas padronizadas, escalas validadas que avaliem um
transtorno específico e testes psicológicos. Com relação a este último instrumento,
o mais utilizado no contexto forense nessas demandas é o Teste de Rorschach, o
qual apresenta menores índices de manipulação consciente, e ainda, revela traços
da personalidade que o indivíduo não conhece de si mesmo ou que tenta esconder
(Androvani, Serafini, Trentini & Coelho, 2007; Jung, 2014).
Silva e Assis (2013) afirmam que avaliação realizada pelo psicólogo deve utilizar
instrumentos psicológicos reconhecidos e validados pela ciência psicológica, obtendo
parecer favorável do Sistema de Avaliação de Testes Psicológicos (SATEPSI), e
ainda, basear-se na investigação dos autos do processo em conjunto com os quesitos
elaborados pelos magistrados. Por conseguinte, os instrumentos que forem utilizados
devem ser instrumentos que avaliem aquela demanda específica, tendo em vista a
fidedignidade dos resultados
Ademais, além desses aspectos, o psicólogo deverá atuar em conformidade
com as questões éticas que regem a profissão, baseado na Declaração Universal
dos Direitos Humanos, com responsabilidade social, preparação pessoal e técnica
de modo a contribuir para decisões mais justas no âmbito jurídico, considerando
as especificidades de sua atuação, pois o resultado de sua avaliação irá impactar de
forma significativa a vida dos envolvidos nesse processo (CFP, 2005).
O laudo psicológico decorrente da perícia psicológica deve apresentar um con-
teúdo claro e objetivo aos magistrados. Nele deve conter informações indicando ou
não a presença de transtorno mental, e caso haja, se este possui correlação com o
crime cometido. Para a obtenção desses critérios, é necessário que o profissional
se atente à escolha dos instrumentos que irá utilizar na avaliação, uma vez que no
contexto forense a simulação e dissimulação são fatores comuns.
O presente estudo partiu de uma compilação teórica da literatura acerca da

avaliação psicológica forense para averiguação da imputabilidade penal e permitiu
verificar a importância do profissional da psicologia jurídica nesse contexto, ainda

que de modo auxiliar, ao profissional da psiquiatria.
A existência de transtornos mentais não produz automaticamente uma situação
de inimputabilidade. Dessa forma, a análise de alterações cognitivas e comportamen-
tais que impactam na capacidade de entendimento e autodeterminação do indivíduo
mostram-se fundamentais para subsidiar a decisão judicial de fixação da pena.
A avaliação de imputabilidade penal é realizada de modo auxiliar pelo psicólogo
perito e tem o intuito de verificar a capacidade do sujeito para entender o caráter
ilícito do fato praticado e de determinar-se de acordo com esse entendimento. Nesse

sentido, para que o sujeito seja considerado inimputável é necessário que possua um
transtorno mental ou desenvolvimento mental incompleto que lhe retire a capacidade
de entendimento e volição e que exista o nexo causal entre o ilícito cometido e o
transtorno de que é portador.
104
REFERÊNCIAS
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11. SINTOMAS PSICÓTICOS: uma medida
psicométrica e suas implicações forenses
DOI: 10.24824/978652513724.7.107-114
Introdução
Os sintomas psicóticos são caracterizados por déficits importantes no que con-

cerne a capacidade de situar-se na realidade e alterações nos comportamentos carac-
terizados como estranhos, que se distanciam do padrão sociocultural vigente (WHO,
2021). Estes sintomas não se manifestam exclusivamente em transtornos psicóticos e
podem aparecer em uma grande variedade de transtornos, como sintomas secundários,
a exemplo disso no transtorno depressivo maior, no transtorno bipolar, transtorno do
espectro autista, no transtorno obsessivo-compulsivo, transtorno de déficit de aten-
ção/hiperatividade, transtorno de estresse pós-traumático, lesão cerebral traumática,
dentre outros (APA, 2014). Isto nos permite entender que embora os transtornos
psicóticos possuam estes sintomas como sendo resultantes de processos primários na
sua manifestação, eles podem apresentar-se como secundários em outros transtornos.
Assim, a mensuração de sintomas psicóticos mostra-se relevante em vários
processos avaliativos de saúde mental, incluindo demandas forenses. No Brasil não
constam instrumentos de mensuração de sintomas psicóticos validados para o uso
exclusivo de profissionais da psicologia (Conselho Federal de Psicologia [CFP], 2022)
Face a este dado, a relevância da criação da Escala de Sintomas Psicóticos
(E-PSIC) pode ser contemplada, no contexto forense, pela relação entre este tipo de
sintomas e o engajamento do indivíduo em comportamentos desorganizados, vio-
lentos e impulsivos por parte das pessoas acometidas por condições clínicas desta
natureza (Warburton, 2014).
A construção da escala em questão encontra-se dividida em duas etapas, na
qual a primeira é relativa a conceitualização, formatação do instrumento, construção
e análises dos itens por juízes. O objetivo do presente estudo é revisar a literatura
especializada sobre sintomas psicóticos e suas implicações forenses, assim como
apoiar a construção de uma medida psicométrica e as suas evidências de validade
de conteúdo.

do Piauí (UESPI).
108
Os aspectos metodológicos deste estudo teórico foram resultado de revisão da

literatura especializada sobre as implicações forenses de sintomas psicóticos com base
em estudos primários em língua inglesa publicados nas bases científicas PUBMED,
Scielo, BVS, Lilacs e PsycInfo, além estudo de validade da escala ocorreu por meio
do estudo de evidências de validade de conteúdo, através da construção de itens e
análise dos conteúdos por três juízes especialistas, com base no coeficiente de validade
do conteúdo (CVC) sendo os resultados a partir de 0,80 considerados aceitáveis.
O construto sintomas psicóticos
De acordo com a American Psychiatric Association (2014), os sintomas psicó-

ticos possuem cinco dimensões e são caracterizados por prejuízos significativos em
um ou mais destes domínios, quando suas manifestações são desproporcionais aos
padrões culturais (WHO, 2021).
1. Delírios: crenças fixas, que não permitem refutações e mudanças mesmo

diante de evidências contrárias. Seus conteúdos podem variar significativa-
mente, desde tema persecutório (ex. crença de que algo ou alguém deseja
prejudicar o indivíduo), de referência (ex. crença de que algumas situações,
gestos e outros são dirigidos à própria pessoa), somático (ex. crenças de
que partes do seu corpo ou dos seus órgãos são ou estão funcionando
de modo diferente do comum), de grandeza (ex. crenças de que possui
superpoderes, riqueza ou fama), delírios erotomaníacos (ex. crença de que
alguém está romanticamente interessado na própria pessoa), niilistas (ex.
crença de que ocorrerá uma grande catástrofe). Os mais comuns são os de
caráter persecutório, de referência, religioso, somático e de grandiosidade
(Cannon & Kramer, 2012).
2. Alucinações: são alterações patológicas da sensopercepção que ocorrem
na ausência de estímulos externos. Estas são tidas como reais para o indi-
víduo, com a mesma intensidade e clareza de experiências sensoriais reais,
ao tempo que são incontroláveis e podem ocorrer a partir da alteração de
qualquer sentido (ex. visual, tátil, auditiva, olfativa, gustativa e somá-
tica), sendo mais frequente as alucinações auditivas, que podem ocorrer
na forma de vozes familiares ou não, alheias ao pensamento do próprio
sujeito. Existe ainda a alucinação negativa na qual o indivíduo apresenta
ausência de visão de objetos que se encontram dentro de seu campo visual
(Dalgalarrondo, 2018).
3. Desorganização do pensamento: pode ser percebida através da fala,
quando o indivíduo apresenta discurso confuso, ideias sem encadeamento,
ausência de linguagem lógica, incoerências, frases soltas e desconexas. As
complicações podem ser profundas a ponto de prejudicar a comunicação
efetiva, tornando o sujeito incompreensível para o seu interlocutor;
4. Comportamento motor grosseiramente desorganizado ou anormal: varia
do extremo “tolo e pueril” à agitação repentina. As alterações podem ser
observadas a partir da dificuldade na realização de atividades rotineiras.

Nesta categoria encontra-se também a catatonia, definida como a desor-
ganização acentuada na capacidade de resposta as demandas do ambiente,
tais como resistência a instruções, manutenção de postura rígida ou bizarra,
falta total de respostas verbais e motoras, atividade motora sem propósito
e excessiva sem causa óbvia.
5. Sintomas negativos: estes sintomas estão geralmente associados à esqui-
zofrenia, embora sejam menos proeminentes em outros transtornos psicó-
ticos. Possuem em comum o déficit ou a diminuição da função psíquica.

São exemplos frequentes na esquizofrenia: a expressão emocional dimi-
nuída, a avolia (redução em atividades motivadas, autoiniciadas e com
uma finalidade, na qual pessoa pode ficar sentada por períodos longos
e mostrar pouco interesse em participar de atividades profissionais ou
sociais). Outros sintomas negativos incluem alogia (produção diminuída
do discurso), falta de energia para iniciar e realizar as atividades, anedo-
nia (capacidade reduzida de ter prazer resultante de estímulos positivos,
ou degradação na lembrança do prazer anteriormente vivido) e falta de
sociabilidade (aparente ausência de interesse em interações sociais).
Os delírios são os principais sintomas em quadros clínicos psicóticos, como a

esquizofrenia, e ocorrem em 70% dos pacientes em sua fase inicial (Liu, Tang, Hung,
Tsai & Lin, 2018), posteriormente os mais comuns são as alucinações, e geralmente
estes dois sintomas são o fator determinante para a busca dos serviços de saúde e
início do processo de diagnóstico (Gejman & Sanders, 2012).
Existe ainda uma condição conhecida como Sintomas Psicóticos Atenuados
(SPA) na qual os sintomas não são suficientemente graves para justificar um diag-
nóstico de transtorno psicótico clínico e são caracterizados como subclínicos (Yung
& Nelson, 2011). Nesta fase “pré-psicótica” estão presentes modificações compor-
tamentais e cognitivas que podem estar conectadas com sintomas psicóticos, tais
como alterações no pensamento, percepções anormais, desorganização do discurso,
dificuldades de socialização e declínio no desempenho escolar, ocorrem com frequên-
cia recorrente, baixa intensidade, ou agudas, por um curto período (Freitas-Silva &
Ortega, 2014).
Na sua relação e aplicabilidade no contexto forense, sintomas psicóticos positi-
vos são apontados como motivações para agressões em estudo realizado com pacien-
tes psiquiátricos (Warburton, 2014). E ainda, em estudo realizado por Jesus (2020)
também aponta que a taxa de homicídios cometidos por pessoas com perturbações
psicóticas é superior à média da população geral.
Construção de uma medida padronizada e suas implicações forenses
A Escala de Sintomas Psicóticos (E-PSIC) foi construída em duas versões,

uma de autorrelato e outra de heterorrelato, esta última respondida por cuidador ou
110
familiar com convivência diária significativa com o paciente. Na versão de autorrelato

deve ser respondida com base na instrução “Abaixo há uma lista de pensamentos,
comportamentos e sentimentos que você pode ter apresentado na última semana,
considerando o dia de hoje. Marque ‘sim’ ou ‘não’ caso você tenha apresentado alguns
destes”, com opção de resposta dicotômica (“sim” e “não). Já a versão de heterorrelato
é precedida pela instrução “Abaixo há uma lista de atitudes e comportamentos do dia
a dia do(a) sr. (a)_________________. Marque a opção que mais o(a) representou
o na última semana, considerando o dia de hoje”, com quatro opções de resposta
(“absolutamente não”, “pouco”, “às vezes”, “muito”).

As escalas apresentam conteúdo correpondente, adequando-se apenas a concor-
dância verbal ao respondente. Os itens trinta e seis itens preliminares foram divididos
em seis categorias: delírios, alucinações, comportamento grosseiramente desorgani-
zado, pensamento desorganizado, embotamento afetivo e desorientação.
designadas por três juízes especialistas encontra-se na Figura 1, que representa a
verão de autorrelato e na Figura 2, na qual estão dispostos os resultados obtidos a
partir da versão de heterorrelato.
Figura 1 – Coeficientes de clareza e relevância da Escala de

Sintomas Psicóticos – Versão Autorrelato (E-PSIC)
CVC CVC
Clareza Relevância
1. As pessoas tentam me prejudicar 0,963 0,896 Aceitável Aceitável
2. Eu tenho poderes especiais 0,963 0,830 Aceitável Aceitável
3. Tem pessoas constantemente me seguindo 0,963 0,830 Aceitável Aceitável
4. As pessoas mentem para mim o tempo todo 0,963 0,963 Aceitável Aceitável
5. Acredito que as pessoas querem me fazer mal 0,963 0,963 Aceitável Aceitável
6. As pessoas controlam meus pensamentos 0,963 0,896 Aceitável Aceitável
7. Sinto que outras pessoas controlam meus
pensamentos
8. As pessoas fazem coisas pelas minhas costas 0,963 0,963 Aceitável Aceitável
9. Alguém está tramando contra mim 0,963 0,963 Aceitável Aceitável
10. As pessoas cochicham sobre mim por onde passo 0,963 0,896 Aceitável Aceitável
11. O mundo inteiro está tentando me matar 0,830 0,763 Aceitável Inaceitável
12. Acredito que sou um Deus(a) 0,896 0,896 Aceitável Aceitável
13. Acredito que tenho poderes para controlar a vida
dos outros
14. Deus, o diabo, ou outra entidade espiritual está
fazendo coisas comigo
15. Acredito que as pessoas querem me fazer mal 0,963 0,896 Aceitável Aceitável
16. Acredito que todo mundo tem inveja de mim 0,963 0,896 Aceitável Aceitável
continua...
continuação
CVC CVC
Clareza Relevância
17. Sinto que os órgãos do meu corpo foram substituídos 0,963 0,963 Aceitável Aceitável
18. Eu vi coisas que outras pessoas não costumam ver 0,896 0,830 Aceitável Aceitável
19. Sinto cheiros que outras pessoas não percebem 0,830 0,963 Aceitável Aceitável
20. Tenho amigos que ninguém mais consegue ver 0,896 0,830 Aceitável Aceitável
21. Tem vozes dentro da minha cabeça 0,963 0,963 Aceitável Aceitável
22. As pessoas da televisão ou da rádio falam comigo 0,830 0,830 Aceitável Aceitável
23. Sinto coisas rastejando sobre a minha pele 0,963 0,963 Aceitável Aceitável
24. Escuto vozes estranhas sussurrando 0,896 0,830 Aceitável Aceitável
25. Eu escuto sons que ninguém mais consegue 0,963 0,896 Aceitável Aceitável
26. Vejo sombras que as outras pessoas dizem não
serem reais
27. Vejo coisa que ninguém mais vê 0,963 0,896 Aceitável Aceitável
28. Existem sons/vozes que apenas eu consigo ouvir 0,963 0,896 Aceitável Aceitável
29. Meu corpo move-se sozinho 0,963 0,896 Aceitável Aceitável
30. Estou mais lento ou devagar 0,830 0,830 Aceitável Aceitável

31. Talvez eu tenha xingado ou batido nas pessoas 0,830 0,896 Aceitável Aceitável
32. As coisas têm que ser feitas de uma maneira
específica para dar certo
33. As pessoas dizem que não entendem o que eu falo 0,896 0,896 Aceitável Aceitável
34. Tenho dificuldades para falar o que eu penso 0,963 0,696 Aceitável Inaceitável
35. Tive alterações do sono 0,963 0,763 Aceitável Inaceitável
36. Estou esquecendo muitas informações básicas
(nome, endereço)
Na versão de autorrelato, o item “Tenho dificuldades para falar o que penso”

apresentou o menor coeficiente no critério relevância com 0,696. Três itens (11, 34
e 35) foram considerados inaceitáveis no critério relevância.
Figura 2 – Coeficientes de clareza e relevância da Escala de

Sintomas Psicóticos – Versão Heterorrelato (E-PSIC)
CVC CVC
Clareza Relevância
1. Fala que as pessoas tentam lhe prejudicar 0,963 0,963 Aceitável Aceitável
2. Relata que outra pessoa está se passando por ele 0,963 0,963 Aceitável Aceitável
3. Alega que alguém está tentando lhe machucar 0,963 0,963 Aceitável Aceitável
4. Afirma que todos mentem para ele 0,963 0,963 Aceitável Aceitável
continua...
112
continuação
CVC CVC
Clareza Relevância
5. Afirma que as pessoas querem lhe fazer mal 0,963 0,963 Aceitável Aceitável
6. Diz ter superpoderes 0,963 0,896 Aceitável Aceitável
7. Relata que outras pessoas podem ler seus pensamentos 0,963 0,963 Aceitável Aceitável
8. Fala que seus órgãos foram substituídos 0,963 0,963 Aceitável Aceitável
9. Fala que as pessoas cochicham ao seu respeito por
onde passa 0,896 0,963 Aceitável Aceitável

10. Conta que o mundo inteiro está tentando lhe matar 0,896 0,763 Aceitável Inaceitável
11. Diz que todo mundo o inveja 0,963 0,830 Aceitável Aceitável
12. Diz que é capaz de controlar a vida dos outros 0,896 0,763 Aceitável Inaceitável
13. Relata que Deus, o diabo ou outra entidade espiritual
está fazendo coisas com ele 0,963 0,963 Aceitável Aceitável
14. Fala que é uma divindade 0,963 0,963 Aceitável Aceitável
15. Expõe que as pessoas querem lhe fazer mal 0,896 0,763 Aceitável Inaceitável
16. Fala que acredita que outras pessoas fazem coisas
pelas suas costas 0,963 0,963 Aceitável Aceitável
17. Conta que alguém está tramando contra ele (a) 0,963 0,963 Aceitável Aceitável
18. Expressa sentir cheiros que ninguém mais sente 0,963 0,963 Aceitável Aceitável
19. Fala que tem uma voz dentro de sua cabeça 0,963 0,963 Aceitável Aceitável
20. Relata que viu coisas que não estão no ambiente 0,963 0,896 Aceitável Aceitável
21. Diz que as pessoas da TV falam com ele 0,963 0,963 Aceitável Aceitável
22. Relata escutar vozes estranhas sussurrando 0,963 0,830 Aceitável Aceitável
23. Fala que vê sombras que outras pessoas não veem 0,896 0,763 Aceitável Inaceitável
24. Relata escutar sons que ninguém mais consegue 0,963 0,830 Aceitável Aceitável
25. Relata que algo rasteja sob a sua pele 0,963 0,896 Aceitável Aceitável
26. Diz ver coisa que ninguém mais vê 0,963 0,963 Aceitável Aceitável
27. Relata amigos que ninguém mais consegue ver 0,963 0,696 Aceitável Inaceitável
28. Relata ouvir sons/ vozes que ninguém mais consegue 0,963 0,963 Aceitável Aceitável
29. Está agindo com agressiva 0,963 0,963 Aceitável Aceitável

30. Está se movendo de forma mais lenta 0,963 0,830 Aceitável Aceitável
31. Fala que seu corpo se move sozinho 0,963 0,830 Aceitável Aceitável
32. Diz que precisa fazer coisas de um jeito bem específico
(ex. rituais e manias de fazer certas coisas) 0,896 0,896 Aceitável Aceitável
33. Apresenta discurso de difícil compreensão 0,963 0,963 Aceitável Aceitável
34. Apresenta dificuldades para expressar seus
pensamentos 0,963 0,896 Aceitável Aceitável
continua...
continuação
CVC CVC
Clareza Relevância
35. Apresenta expressões faciais estranhas 0,896 0,963 Aceitável Aceitável
36. Está esquecendo muitas informações básicas (ex. o
próprio nome, o endereço e outras informações pessoais) 0,963 0,963 Aceitável Aceitável
Já na versão de heterorrelato, o item de menor pontuação no critério relevência

foi o de número 27 “Relata amigos que ninguém mais consegue ver”. Cinco itens
(10, 12, 15, 23 e 27) foram considerados abaixo dos padrões no mesmo critério.
A análise dos dados da Escala de Sintomas Psicóticos (E-PSIC) com base
coeficientes de validade dos juízes constatou que todos os itens de ambas as escalas
foram considerados aceitáveis na dimensão clareza e mais de 88% dos itens, das
duas versões das escalas construídas, foram considerados relevantes. Além disso, a
versão de heterorrelato apresentou maior número de itens considerados inaceitáveis
em relação a versão de autorrelato. Itens que ficaram abaixo do ponto de corte nas
duas categorias simultaneamente serão excluídos desta versão e o itens que obtive-
ram classificação inaceitável em apenas uma das dimensões poderão permanecer
no instrumento.
A Escala de Sintomas Psicóticos (E-PSIC) poderá mensurar, além da relação

direta com transtornos psicóticos, também outros transtornos que apresentam estes
sintomas de foram secundária. No contexto forense, poderá ser utilizada como instru-
mento de medida a partir da relação apontada pela literatura científica entre sintomas
psicóticos e a realização de crimes e vir ser utilizada em casos indicados para avaliar
a presença de sintomas psicóticos em pessoas acusadas ou envolvidas em delitos.
forma satisfatória o construto sintomas psicóticos, uma vez que a maioria das pro-
posições desenvolvidas apresentou desempenho satisfatório nas análises realizadas.
Com base nos resultados obtidos, serão feitos os ajustes necessários nos itens com
pontuações abaixo do ponto de corte, para que sejam encaminhados à etapa seguinte
em que será realizado o estudo piloto para posterior divulgação do material final.
114
REFERÊNCIAS
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DSM-5. Porto Alegre, RS: Artmed
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from the PACE clinic.Brazilian Journal of Psychiatry,33(Suppl. 2), s143-s160
FORENSE: contribuições do psicólogo
jurídico no processo de adoção

Regina Lucia dos Reis e Silva40
Kelly Stefany Dias Martins Cavalcante41
DOI: 10.24824/978652513724.7.115-120
Introdução
O presente capítulo tem como objetivo compreender a importância do profissio-

nal da psicologia no contexto da adoção, identificando suas principais contribuições
nas varas da infância e juventude e conhecer o aporte teórico-técnico utilizado por
esses profissionais na realização de avaliações psicológicas que venham a subsidiar
as decisões judiciais nesse contexto.
O trabalho realizado por psicólogos da vara da infância objetiva proporcionar ao
(s) pretendente (s) a oportunidade de refletir sobre seu projeto de adoção, inteirar-se
das peculiaridades da filiação adotiva e, assim, dar continuidade ao processo jurídico,
de forma cautelosa e emocionalmente madura. O processo de adoção abrange uma
gama diversificada de emoções e expectativas, demandando um longo planejamento
tanto para a espera, quanto para a chegada da criança (Taveira & Liskauskas, 2017).
De acordo Morani (2017) além da avaliação psicológica, o psicólogo/a fornece
informações, prestando esclarecimentos a fim de promover o amadurecimento dos
postulantes quanto ao tema da adoção, apresentando de forma realista as dificuldades
que a filiação adotiva apresenta, com isso, oferecendo suporte psicológico ao longo do
tempo da espera do filho, trabalhando medos e angústias que perpassam esse processo.
O processo de adoção é constituído por sentença judicial e obedece aos requisi-
tos estipulados pelos parágrafos do art. 47 da Lei n. 8.069/1990 (Estatuto da Criança
e do Adolescente- ECA). A sentença que concede a adoção tem cunho constitutivo,

41 Graduanda em Psicologia pela Faculdade de Ensino Superior do Piauí (FAESPI).
116
pois institui uma nova relação de parentesco entre adotante e adotado, extinguindo
o poder familiar da família de origem biológica (Felipe, 2016).
O ECA preconiza que o/a psicólogo/a deve atuar na adoção, bem assim, em
instituições de acolhimento, fortalecendo vínculos familiares, realizando intervenções
com acolhidos e equipe interdisciplinar, exercendo o papel de mediador entre família,
instituição e Poder Judiciário.
Processo de habilitação à adoção

A Lei nº 12.010/2009 estabelece que a adoção se refere a uma medida excep-

cional e irrevogável que ocorre quando não é mais possível manter a criança ou
adolescente em sua família de origem. Quando esse processo ocorre, tanto a criança
/adolescente como os adotantes recebem um preparo psicossocial e jurídico pelos
profissionais da vara da infância e juventude, que inclui o contato com o adotando.
O ECA (1990) estabelece os requisitos dos postulantes à adoção, quais sejam:
ser maior de 18 anos, o adotante precisa ser 16 anos mais velho que o adotando,
sendo vedado irmãos e ascendentes do adotando o adotarem. Ainda, para adoção
conjunta, o casal deve manter união estável ou serem casados civilmente. Por outro
lado, os divorciados também podem adotar, tendo como uma das exigências para o
processo, acordarem sobre o regime de visitas.
Atendendo a todos os critérios supracitados, os adotantes podem se inscrever no
Cadastro Nacional de Adoção, no qual serão submetidos a um preparo psicossocial
e jurídico oferecido pela justiça da infância e juventude por meio de profissionais
como assistentes sociais e psicólogos. Ademais, além desse preparo, os adotantes
são submetidos a uma avaliação realizada por essa equipe técnica a fim de constatar
se os pretendentes à adoção estão aptos a assumir essa função, que inclui a avaliação
de sua motivação e expectativas (Albuquerque, Leal & Alberto, 2021).
Zanetti, Oliveira e Gomes (2013) ressaltam a necessidade de orientar os pre-
tendentes à adoção sobre as novas configurações familiares e suas peculiaridades,
tendo em vista as mudanças que ocorreram na sociedade nos últimos anos. Ainda,
vale pontuar que os profissionais precisam trabalhar aspectos inerentes às motivações
para adotar, desejos, expectativas, concepção de família, o processo burocrático que
os postulantes terão de passar, e também, a idade da criança.
No processo de habilitação à adoção é conferido ao psicólogo o uso de instru-
mentos e metodologias que serão utilizados considerando a peculiaridade de cada
caso, cuja finalidade principal é compreender a motivação do (s) candidato (s) e
avaliar o conceito de parentalidade e suas dimensões. A adoção só será deferida se
apresentar reais vantagens ao adotando. Portanto, o objetivo é garantir o bem-estar
dessas crianças, considerando que estas já tiveram seus direitos violados, e, por isso,
esse processo visa a atender ao seu melhor interesse (Chaves, Silva & Frizzo, 2020).
Esses autores ainda mencionam a importância de trabalhos e estudos pré-ado-
tivos, que visem a prevenir uma adoção mal-sucedida. Nesse trabalho, o psicólogo
poderá atuar no acolhimento dos adotantes e no conhecimento de suas fragilidades e

potencialidades para que estes possam exercer sua função da melhor maneira possível.
Segundo Albuquerque, Leal e Alberto (2021), constantemente, o psicólogo
nos processos de adoção é demandado a produzir documentos, entre eles relatórios,
laudos e pareceres, provenientes da preparação, assistência psicológica, oitivas tanto
dos adotandos quanto dos adotantes, orientação e acompanhamento psicossocial.
A primeira fase do processo de adoção é a avaliação. Nesse momento, o psicó-
logo poderá atuar no auxílio aos pretendentes em questões que envolvem a parentali-
dade, na construção de um espaço para que estes possam expressar suas expectativas,
medos e desejos, como também no esclarecimento e reflexões acerca do processo
de adoção (Silva, 2015).
Os instrumentos que podem ser utilizados nesse processo incluem entrevistas
semiestruturadas, podendo ser realizadas de forma conjunta ou não com os pre-
tendentes, entrevistas com familiares, visitas domiciliares e testes psicológicos a
depender da demanda. Com relação aos aspectos investigados, são variáveis e com-
plexos, englobando as condições psíquicas e emocionais dos adotantes e da família,
expectativas, crenças, e até mesmo a compreensão dos aspectos inerentes à adoção
(Almeida, 2013).
Em um estudo realizado por Silva (2015) em sua dissertação de mestrado, par-
ticiparam psicólogos e assistentes sociais que atuavam, diretamente, em processos de
adoção no Judiciário. Verificou-se que a entrevista foi o principal instrumento utili-
zado por estes profissionais, e os menos utilizados foram os testes psicológicos, usados
apenas para complementar a avaliação. Por outro lado, uma das dificuldades apontadas
por estes autores foi a ausência de instrumentos que investigam a parentalidade.
Atuação do psicólogo jurídico no processo de adoção
A inserção dos profissionais da psicologia no âmbito jurídico se deu por meio

de trabalhos voluntários e informais na década de 1960. Apesar de sua atuação no
Judiciário ter iniciado de forma gradual e lenta, foi a partir do Estatuto da Criança
e do Adolescente (ECA), que houve o reconhecimento da profissão e o psicólogo
passou a ser requisitado para auxiliar à justiça (Lago et al., 2009).
Apesar do número de psicólogos ser minoria dentro do Poder Judiciário, sua
atuação tem sido cada vez mais solicitada em razão de sua importância nos proces-
sos relativos a famílias, crianças e adolescentes. Em sua atuação, este profissional
buscará auxiliar os magistrados na tomada de decisão, cabendo a estes profissionais
atuarem conforme as transformações da sociedade na busca do melhor interesse da
criança (Conselho Regional de Psicologia, 2010).
No que se refere à atuação do psicólogo nesse contexto, este profissional irá
auxiliar na avaliação desses aspectos, fornecendo subsídios por meios de métodos,
técnicas e aporte teórico que irão fundamentar a decisão do magistrado. Entre as atri-
buições conferidas ao psicólogo, destacam-se: a preparação dos adotantes por meio de
118
escuta, aconselhamento, avaliações, encaminhamentos e elaboração de documentos

(Chaves, Silva & Frizzo, 2020).
Em um estudo realizado por Zanetti, Oliveira e Gomes (2013) com duas psicó-
logas atuantes no tribunal de justiça, buscou-se compreender os aspectos avaliados
no processo de adoção. A pesquisa concluiu que os fatores avaliados por esses pro-
fissionais foram: a motivação, o lugar que a criança vai ocupar na família e como os
membros familiares estão se preparando para a chegada desse novo filho e a relação
entre os adotantes.
Dessa forma, o processo de adoção deve envolver o acolhimento da demanda,

a orientação dos envolvidos e a preparação dos pretendentes, bem assim, a avaliação
da capacidade psicológica do (s) pretendente (s) para exercer o cuidado, prover o
afeto, segurança e proteção necessários ao desenvolvimento saudável de uma criança.
Nesse sentido, os profissionais devem trabalhar em uma perspectiva que promova
um espaço de reflexão com relação ao processo adotivo e proteja o melhor interesse
da criança/adolescente adotado (Costa, Penso, Legnani, & Sudbrack, 2009).
O presente trabalho partiu de uma compilação teórica do tema da adoção,

visando analisar a importância do psicólogo jurídico nesse processo, tendo em
vista, os contextos psicossociais envolvidos. De um lado, o contexto psicológico
de quem está sendo adotado, do outro, envolve o adotante, com suas expectativas,
compreensões da realidade, capacidade econômica, estrutura psicológica, entre outras
circunstâncias relevantes que podem interferir futuramente na convivência entre os
membros da nova família.
Foi possível verificar a importância do profissional da psicologia jurídica na
realização de avaliações psicológicas no contexto da adoção. Com a adoção, um novo
vínculo familiar vai ser formado e a avaliação dos aspectos psicológicos relacionados
à capacidade de cuidado, bem como a análise de condições que contribuam para o
desenvolvimento saudável de uma criança mostram-se fundamentais para auxiliar o
juiz em sua tomada de decisões.
O psicólogo jurídico participa ativamente deste processo, atuando na preparação
psicossocial e jurídica dos pretendentes à adoção ao lado de outros profissionais, de
forma interdisciplinar. Além disso, é necessário que o profissional psicólogo tenha um
olhar cuidadoso para os aspectos subjetivos implicados na motivação para adotar e
contribua no sentido de desmistificar mitos e tabus relacionados à questão da adoção.
No que diz respeito à atuação do profissional da psicologia é imprescindível
que sua prática esteja voltada para auxiliar na interpretação de cada novo sentimento,
desejo ou dúvida que surgir por parte do adotante ou do adotado. Por ser complexo e
de caráter irrevogável, o processo de adoção exige do psicólogo jurídico a expertise de
avaliar a capacidade psicológica do (s) pretendente (s) para exercer o cuidado, prover
afeto, segurança e proteção necessários ao desenvolvimento saudável de uma criança.
REFERÊNCIAS
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do Sul. Porto Alegre.
Taveira, M. M. C.; Liskauskas, S. (2017) Adoção e o direito de viver em família: famílias em

concreto e os grupos de adoção. Curitiba: Juruá. p. 125.
Toledo, B. (2017). Adoção e o direito de viver em família: famílias em concreto e os grupos de

adoção. Curitiba: Juruá. p. 121
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17-30. https://www.uel.br/revistas/uel/index.php/seminasoc/article/view/14883
13. RISCO DE SUICÍDIO (E-RIS):
implicações forenses e construção
de uma medida forense

DOI: 10.24824/978652513724.7.121-128
Introdução
O risco de suicídio é caracterizado por pensamentos, ideias de acabar com a

própria vida, que variam desde um desejo passivo de não acordar pela manhã, até
pensamentos transitórios, porém recorrentes, sobre cometer suicídio ou elaboração
de planos específicos para se matar (APA, 2014). Nos casos mais graves, as pessoas
nesta condição podem chegar a elaboração do plano, como organizar documentação
(ex. escrever testamentos), comprar as ferramentas necessárias (ex. corda), definir
local e horário (APA, 2014). Assim, trata-se de uma tendência à autodestruição,
manifestada com um gradiente de gravidade, que pode variar de pensamentos de
morte a suicídio. O risco de suicídio em si varia de ideação suicida a tentativa de
suicídio (Ores et al., 2012).
O diagnóstico do risco de suicídio é relevante para a prática profissional em
distintos contextos, como na área de saúde, do trabalho, jurídica e outras. Atual-
mente não constam instrumentos de mensuração de risco de suicídio cadastrados no
SATEPSI (CFP, 2022).
Para isto, a relevância da criação de uma medida padronizada para avaliar risco
de suicídio mostra-se fundamental para compor o rol de instrumentos padronizados
em saúde mental na realidade brasileira.
No contexto forense, estudos demostraram que a taxa de suicídio entre os envol-
vidos no sistema de justiça criminal é superior à da população geral e que o risco de
suicídio está relacionado a maiores taxas de pessoas com transtornos mentais sendo
a depressão presente em 80% dos casos (Dawson, 2021; Botega, 2015) e outros
transtornos com frequentes sintomas e descontrole de impulso (Nock et al. 2008).
A construção da Escala de Risco de Suicídio (E-RIS) pode ser observada na
sua estreita relação com o diagnóstico de depressão e desesperança. A construção

do Piauí (UESPI).
122
desta escala encontra-se dividida em duas etapas, na qual a primeira é relativa a

conceitualização, formatação do instrumento, construção e análises dos itens por
juízes. O objetivo do presente estudo é revisar a literatura especializada sobre risco
de suicídio e suas implicações forenses, assim como apoiar a construção de uma
medida psicométrica e as suas evidências de validade de conteúdo.
O construto risco de suicídio e suas implicações

Os principais fatores para risco de suicídio são os transtornos psiquiátricos em

que quase 95% de todas as pessoas que cometem suicídio ou que fazem tentativas de
suicídio foram diagnosticadas com algum transtorno mental, em especial a depressão,
presente em 80% dos casos (Botega, 2015) e outros transtornos com frequentes sin-
tomas de descontrole de impulso (Nock et al., 2008). Em seguida, a ideação suicida
mostra-se um importante preditor da tentativa de suicídio, o qual demonstrou que
cerca 40% dos ideatores apresentaram tentativas de suicídio anteriores a sua morte
(Musci, Hart, Ballard, Newcomer, Van Eck, Ialongo, & Wilcox, 2016) e destaca-se
que o período mais crítico para tentativa de suicídio é no primeiro ano após o início
da ideação (Nock et al., 2008).
Também, tem-se que 33,4% dos indivíduos que se engajam em ideação suicida
fazem planos de suicídio e que 33,9% dos planejadores cometem suicídio (Nock et al.
2013). Com base em dados corroborados por Joiner (2010) a tentativa de suicídio
anterior é um dos indicadores mais fortemente associados ao suicídio, cerca de 50%
dos casos de suicídio houve uma tentativa prévia de pôr fim à vida (Botega, 2015).
Comportamento parassuicida com histórico de várias tentativas com baixa inten-
cionalidade, realizadas com métodos pouco letais (ex. comportamentos de produzir
cortes superficiais na pele ou de ingerir vários comprimidos em quantidade não letal) e
a solidão sendo está definida a partir da compreensão de que o indivíduo está exposto
a uma rede social deficiente em relação a sua forma e/ou quantidade e/ou qualidade
são importantes preditores de suicídio (Botega, 2015; Perlman & Peplau, 1981).
Indicadores de alto risco para suicídio também mencionados na literatura, con-
siderados como fatores intrínsecos ao indivíduo são a impulsividade e o desespero
(Ramos & Rodrigues, 2018; Ramos, 2017) e ainda a desesperança, uma vez que
quanto mais pronunciado este sentimento, maior o risco (Botega, 2015). Além disso,
pode-se citar o acesso a meios letais, tais como armas de fogo e medicamentos
(Ramos & Rodrigues, 2018; Mendonça, 2015) e escrever uma mensagem de suicídio
(Horwitz, Czyz & King, 2015).
Já os fatores de proteção apontados por Wasserman, (2001), foram: estilos cog-
nitivos e características de personalidade, como autoconfiança e outras relacionadas
a habilidades para se comunicar e pedir ajuda; modelo familiar com bom suporte e
vinculação positiva. E ainda filiação religiosa e frequência a serviços religiosos pro-
tege contra tentativas de suicídio e suicídio devido a suas características de fornecer
acesso a uma comunidade de apoio, fonte de esperança e moldar as interpretações
sobre sofrimento, além de moldar as crenças da pessoa sobre o suicídio (Lawrence,
Oquendo & Stanley, 2016), satisfação de vida a longo prazo (Koivumaa-Honkanen,

Honkanen, Viinamäki, Heikkilä, Kaprio & Koskenvuo, 2001), suporte social, ou
seja, posto que os indivíduos que o possuem tem 30% menos chance de apresentar
tentativas suicídio (Kleiman & Liu, 2013).
Em muitos países, as taxas de suicídio entre homens e mulheres privados de
liberdade são muito mais altas em comparação com a população geral (Fazel et al.,
2011). Assim, vários fatores de riscos foram apresentados por homens e mulheres em
cárcere privado como históricos pessoais (ex. violência sexual), fatores relacionados
à prisão, fatores psicossociais e características clínicas (Fazel et al., 2008). Identificar

e reduzir os impactos dos agravos psicossociais decorrentes do confinamento por
meio de ações preventivas é de grande relevância (WHO, 2007).
Construção de uma medida padronizada de risco de suicídio
A Escala de Risco de Suicídio (E-RIS) consiste na apresentação de sentenças
que exprimem pensamentos, sentimentos, atitudes ou comportamentos relacionados
ao desejo suicida, planejamento suicida, ideação suicida, tentativa de suicídio, inibi-
ção para tentativa de suicídio, disponibilidade de meios, desesperança e depressão.
Deve ser respondida com base na instrução “Abaixo há uma lista de pensamentos,
sentimentos, comportamentos ou atitudes que você pode ter apresentado na última
semana, considerando o dia de hoje. Marque a opção de resposta que mais os repre-
senta”, com quatro opções de resposta (absolutamente não, pouco, às vezes, muito).
designadas por três juízes especialistas encontra-se na Tabela 1.
Tabela 1– Coeficientes de clareza e relevância da

Escala de Risco de Suicídio (E-RIS)
CVC CVC
Clareza Relevância
1. Tive vontade de morrer 0,896 0,896 Aceitável Aceitável
2. Desejo estar morto 0,830 0,763 Aceitável Inaceitável
3. Pensei que morrer seria a solução 0,763 0,963 Inaceitável Aceitável
4. Desejei tirar a minha vida 0,830 0,963 Aceitável Aceitável
5. Gostaria de já ter morrido 0,963 0,963 Aceitável Aceitável
6. Preferia estar morto 0,963 0,963 Aceitável Aceitável
7. Organizei tudo para me matar 0,830 0,830 Aceitável Aceitável
8. Planejei formas para morrer 0,963 0,963 Aceitável Aceitável
9. Planejei soluções para que minha família fique
bem após a minha morte
10. Escrevi uma mensagem de suicídio 0,896 0,963 Aceitável Aceitável
11. Pesquiso meios para me matar 0,963 0,963 Aceitável Aceitável
12. Considerei formas para cometer suicídio 0,830 0,830 Aceitável Aceitável
13. Pensei em me matar 0,963 0,963 Aceitável Aceitável
continua...
124
continuação
CVC CVC
Clareza Relevância
14. Pensei que seria bom ter uma doença grave
que me mate
15. Gostaria que algo muito ruim acabasse com
a minha vida
16. Penso em morrer 0,896 0,963 Aceitável Aceitável
17. Penso que morrer seria melhor 0,830 0,830 Aceitável Aceitável
18. Sou atraído pela ideia de tirar a minha vida 0,630 0,763 Inaceitável Inaceitável
19. Gostaria que a morte chegasse logo 0,830 0,896 Aceitável Aceitável
20. Tentaria me salvar em um acidente grave 0,630 0,630 Inaceitável Inaceitável
21. Pensei como irão ficar as pessoas após eu
cometer suicídio
22. Morrer resolveria meus problemas 0,963 0,963 Aceitável Aceitável
23. Espero que minha vida acabe logo 0,963 0,963 Aceitável Aceitável
24. Minha morte solucionaria meus problemas 0,830 0,830 Aceitável Aceitável
25. Já tentei me matar para resolver meus
problemas
26. Já tentei me matar antes 0,963 0,963 Aceitável Aceitável
27. Tentei me matar antes de forma menos eficiente 0,963 0,896 Aceitável Aceitável
28. Tenho motivos para continuar vivo 0,963 0,963 Aceitável Aceitável
29. Pensei que a vida tem sentido 0,963 0,963 Aceitável Aceitável
30. Minha crença espiritual impede que eu me mate 0,963 0,830 Aceitável Aceitável
31. A preocupação com a minha família me impede
de cometer suicídio
32. A reação de minha família me impede de me
0,763 0,896 Inaceitável Aceitável
matar
33. Eu não teria coragem de me matar por causa
do medo de como ficaria minha família
34. Tenho acesso aos meios para me matar 0,896 0,896 Aceitável Aceitável
35. Já tenho meios para cometer suicídio 0,896 0,896 Aceitável Aceitável
36. Tenho acesso a meios para garantir minha
morte
37. Sou incapaz de fazer algo bom em minha vida 0,963 0,963 Aceitável Aceitável
38. Faço planos otimistas para o meu futuro 0,963 0,563 Aceitável Inaceitável
39. Considero que sou incapaz de “sair dessa” 0,963 0,963 Aceitável Aceitável
40. Sinto-me triste 0,963 0,963 Aceitável Aceitável
41. Perdi o prazer em atividades do dia a dia 0,763 0,963 Inaceitável Aceitável
42. Eu senti vontade de chorar 0,830 0,830 Aceitável Aceitável
43. Perdi o prazer nas coisas que eu gostava 0,963 0,963 Aceitável Aceitável
Entre os juízes 86,0 % dos itens foram considerados aceitáveis no critério

clareza e 83,7 % no critério relevância (variando de 0,830 a 0,963). Dentre os qua-
renta e três itens desenvolvidos, trinta e três itens atingiram a pontuação máxima
em ambas as análises e três itens (18,20 e 36) foram considerados inaceitáveis nos
dois critérios analisados.
forma satisfatória o construto risco de suícidio, uma vez que a maioria das proposições
desenvolvidas apresentou desempenho satisfatório nas análises realizadas.
A Escala de Risco de Suicídio (E-RIS) está interligada aos conceitos de depres-

são e desesperança, o que caracteriza esse instrumento como pertinente para identi-
ficar, também, estes outros construtos.
Com base nos resultados obtidos, serão feitos os ajustes necessários nos itens
com pontuações abaixo do ponto de corte, para que sejam encaminhados à etapa
seguinte em que será realizado o estudo piloto.
126
REFERÊNCIAS
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PERICIAL NO CONTEXTO DA
HABILITAÇÃO PARA ADOÇÃO:
um relato de experiência
Patricia Rodrigues Queiroz45

DOI: 10.24824/978652513724.7.129-136
Introdução
A habilitação para adoção é um processo dentro do escopo jurídico, previsto

no art. 197 § C, da Lei nº 8.069 de 1990 (2019), que dispõe do Estatuto da Criança e
do Adolescente (ECA). E que determina, a obrigatoriedade de equipe interdiscipli-
nar, para elaboração de estudo psicossocial, no intuito de avaliar a capacidade dos
pretendentes para o exercício da maternidade/paternidade.
Atualmente, de acordo com dados do painel de acompanhamento do Sistema
Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA), vinculado ao Conselho Nacional de
Justiça (CNJ), 29.566 crianças estão em situação de acolhimento, e destas, cerca
de 4.134 estão disponíveis para adoção. O painel mostra também, que há 33.126
pretendentes a adoção cadastrados no sistema (Conselho Nacional de Justiça [CNJ],
2022). Apesar de não haver uma base de dados nacional que detalhe a quantidade de
pretendentes ainda no processo de habilitação, acredita-se que seja bem maior que
o número de pretendentes já registrados.
Nesse cenário, o psicólogo se caracteriza como um dos profissionais respon-
sáveis pelo processo de avaliação para a habilitação dos pretendentes. E segundo
Chaves, Silva e Frizzo (2020), este é um tipo de avaliação psicológica permeada
por muitos desafios técnicos e éticos, uma vez que se configura como uma atuação
interdisciplinar e interinstitucional, envolvendo múltiplos olhares, e variados sis-
temas, inclusive na percepção das vicissitudes do sistema familiar e a perspectiva
particularizada que se deve ter para cada caso.
Nesse ínterim, o objetivo do presente estudo, se concentrou em apresentar a
experiência da psicóloga perita em processos de avaliação psicológica pericial, na
finalidade de habilitação para adoção. Buscando assim, descrever o processo de
avaliação caracterizando as etapas de convocação; preparação da avaliação e escolha
de métodos, técnicas e instrumentos. Bem como, discutir acerca da avaliação pro-
priamente dita; e aspectos técnicos para escrita e entrega do laudo.
45 Psicóloga do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará (TJCE), especialista em Psicologia Jurídica

e Neuropsicologia.
130
Desse modo, a base metodológica utilizada foi o discurso narrativo e descritivo,

a partir da experiência profissional da autora, como psicóloga perita em avaliações
periciais no contexto da habilitação para a adoção, entre os anos de 2019 e 2021, em
três comarcas do interior do Ceará, vinculadas ao Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE).
Portanto, a importância desse tipo de estudo para o campo da psicologia, se
evidencia, sobretudo, como uma forma de notabilizar, o modo como vem se deli-
neando de forma ética e técnica o trabalho prático de profissionais de psicologia nesse
campo de atuação. Além, de levantar discussões sobre desafios e adversidades que
os psicólogos ainda enfrentam nesta complexa área da interface entre a psicologia

e o direito de família.
Avaliação de habilitação para adoção: uma prática desafiadora para

a Psicologia
O presente estudo de relato e discussão, partiu de um embasamento prático da

autora, considerando o processo de avaliação psicológica em cinco casos de perícia
na finalidade de habilitação para adoção, que ocorreram no período entre novembro
de 2019 a outubro de 2021, em três comarcas distintas no interior do estado do Ceará.
No intuito de tornar mais didática a compreensão, a apresentação dos resultados
se constitui por meio de três categorias. Na categoria 1, discorre-se acerca dos pro-
cedimentos para convocação do perito e preparação para a avaliação como escolha
dos instrumentos, técnicas e métodos a serem utilizados. Na categoria 2, discutiu-se
sobre a avaliação propriamente dita, e análise dos dados levantados. Na categoria
3 finalizou-se discorrendo a respeito da escrita e entrega do laudo, bem como as
características técnicas para o fechamento da perícia.
Convocação e preparação para a avaliação
O procedimento para convocação de psicólogos peritos no sistema de justiça do

estado do Ceará, segue uma práxis previamente estipulada pelo Tribunal de Justiça
do Ceará (TJCE), através da Resolução nº 03 (2017), que dispõe da criação e regula-
mentação do cadastro de profissionais auxiliares da justiça. Tal normativa, discrimina
os procedimentos para cadastro, seleção, credenciamento, nomeação, obrigações,
impedimento, sanções, e honorários no sistema informatizado de peritos (SIPER).
Após o devido credenciamento, o processo de convocação do profissional ocorre
de forma informatizada, através de comunicação via e-mail, ou por meio de notifi-
cação judicial entregue diretamente pelo oficial de justiça. Em ambos, os estilos de
convocação, a práxis é de que a resposta ao magistrado deve ser realizada de forma
oficial, informando acerca de sua concordância para realização da perícia, ou pedido
de escusa (renúncia), caso por motivo legítimo não possa realizar a avaliação.
De acordo com o Código do Processo Civil (CPC), através do Art.157 §1º, da Lei
nº. 13.105 (2015), em caso de suspeição ou impedimento, o perito deverá apresentar
seu pedido de escusa até quinze (15) dias após sua intimação de nomeação. Diversos
são os motivos de impedimento e suspeição dentre eles, por exemplo, não pode o
perito ser parte ou ter qualquer tipo de relação prévia com as partes e na ausência
destes critérios, pode ainda o perito solicitar dispensa por motivo “de foro íntimo”,
quando o profissional estiver ocupado com outras demandas, ou não se sentir apto
tecnicamente para avaliar aquela demanda (Rovinski, 2020).
O processo de avaliação começa com a notificação oficial da data para o início
da prova técnica, pois de acordo com o Art. 474 da Lei nº. 13.105 (2015) “As partes
terão ciência da data e do local designados pelo juiz ou indicados pelo perito para
ter início a produção da prova”. Segundo Silva (2020), as avaliações psicológicas

denominadas perícias, se caracterizam como uma prova técnica, ou seja, um meio
probatório, onde o psicólogo avalia tecnicamente demandas do ponto de vista psico-
lógico, e materializa suas conclusões através de um laudo, em resposta ao magistrado.
Vale destacar, que o psicólogo tem sua atuação enquanto perito, regulamentada
pelo Conselho Federal de Psicologia, por meio da resolução nº 017 de 29 de outubro
de 2012 (2012), que dentre suas principais prerrogativas determina no art. 1º “A
atuação do psicólogo como perito consiste em uma avaliação direcionada a responder
demandas específicas, originada no contexto pericial”. Assim, se caracteriza como um
tipo de atuação técnica, ética e científica, reconhecida dentro do campo da psicologia.
Em processos de habilitação para adoção, geralmente o objetivo central consiste
em avaliar aspectos psicossociais dos pretendentes, bem como, responder a quesi-
tos do juízo, que podem estar relacionados a fatores como motivação para adoção,
compreensão do perfil dos pretendentes, como aspectos emocional, psicológico e
comportamental para o exercício da maternidade/paternidade e identificar possíveis
incompatibilidades do sistema familiar.
O intuito de produção desse tipo de prova técnica (laudo), se direciona para
auxiliar na decisão do magistrado, acerca do deferimento, ou não, dos pretendentes
para habilitação no Sistema Nacional de Adoção (SNA). Na perspectiva de Chaves,
Silva & Frizzo (2020), o primeiro desafio dos psicólogos nesse contexto, se caracte-
riza essencialmente em traduzir para a ótica da psicologia, o que se caracteriza como
incompatibilidade do sistema familiar, ou como é possível em uma avaliação legiti-
mar, ou não se uma família está preparada e apta para o desenvolvimento de crianças.
Nesse cenário, portanto, é comum que a avaliação psicológica ocorra de forma
holística, em que a investigação se direcione para compreensão do sistema familiar
de origem (pais e irmãos) de cada um dos pretendentes, bem como acerca das confi-
gurações do sistema familiar extenso (o casal). Além de ser indispensável também,
avaliação individual dos pretendentes, a fim de que seja possível identificar traços
de personalidade que expliquem sua funcionalidade nas relações.
Considerando que avaliação psicológica é um processo técnico e científico.
Nesse contexto, é imprescindível que o profissional faça uso de múltiplos méto-
dos como, por exemplo, entrevista preferencialmente semiestruturada, com os pre-
tendentes de forma individual e conjunta (no caso de casais), buscando identificar
aspectos pessoais, histórico familiar e dinâmica da rotina atual. Avaliação de traços
da personalidade, inclusive podendo fazer uso de instrumentos técnicos, como testes
132
psicométricos a exemplo do NEO PI-R, ou testes projetivos, como Teste de Aper-

cepção Temática (TAT).
Pode ser necessário ainda, avaliar a funcionalidade dos pretendentes, caso seja
identificado alguma hipótese de que a pessoa apresente déficits cognitivos. Nesses
casos, é comum inicialmente a utilização de escalas de rastreio como Mini exame de
estado mental (MEEM). E na hipótese de algum transtorno de humor, pode se fazer
uso de entrevistas cognitivas ou instrumentos como o Inventário Breve de Sintomas
(BSI), que avalia sintomas psicológicos nos aspectos clínicos de Somatização, Obses-
sivo-Compulsivo, Sensibilidade Interpessoal, Depressão, Ansiedade, Hostilidade,

Ansiedade Fóbica, Ideação Paranoide e Psicoticismo.
Ainda como parte do processo de avaliação, é necessário realizar visita téc-
nica na residência dos pretendentes, no intuito de verificar condições de moradia e
dinâmica do ambiente, bem como melhor avaliar aspectos da funcionalidade e dinâ-
mica nas relações familiares. De forma complementar, instrumentos técnicos como
o Inventário de Percepção de Suporte Familiar (IPSF), também podem contribuir
para identificação de traços de afetividade, autonomia e adaptação entre os membros
de um sistema familiar.
Diante de toda a dinâmica que envolve o processo de avaliação psicológica
para habilitação de adoção, Weber (2014) destaca, que o papel do psicólogo não se
concretiza apenas em avaliar, mas que é imprescindível também utilizar esse espaço
para esclarecer, psicoeducar, desmistificar preconceitos e estereótipos sobre a adoção
e desvelar os reais desejos e motivações. Possibilitando assim, que os pretendentes
possam aludir acerca de suas histórias e de suas capacidades para construir uma
relação de vínculo e apego.
Avaliação pericial e análise dos dados
Os cinco casos utilizados como referência deste estudo, englobam o processo

de avaliação psicológica pericial na finalidade de habilitação para adoção. A ava-
liação contemplou o uso de entrevista semiestruturada individual com cada um dos
pretendentes, e uma entrevista conjunta com o casal. Utilizou-se também, o uso do
teste TAT para aferir aspectos de traços de personalidade e funcionamento psíquico;
o IPSF para investigar relação com a família de origem e uma visita técnica à resi-
dência dos pretendentes.
Em todos os casos, os pretendentes eram casais heteroafetivos, quatro deles já
constituíam união há mais de dez anos, e apenas um dos casais estava casado há cinco
anos. A idade dos pretendentes era entre 23 a 60 anos. Dos casais avaliados, três não
tinham filhos e um dos principais elementos trazidos na entrevista como justificativa
para optarem pela adoção, era a questão da infertilidade. Um casal vinha de suscetí-
veis experiências de abortos (oito no total). E apenas um único casal já tinha filhos
biológicos e descreviam como motivação para adoção, o fato de os filhos já terem
constituído suas próprias famílias e ido embora do lar de origem.
Nesse ponto, encontra-se a primeira dialética no processo de avaliação, que

se dispõe em como validar a motivação dos pretendentes, considerando o princípio
integral de proteção e cuidado da criança? Nesse ínterim, Weber (2014) argumenta
que cabe inclusive, ao profissional psicólogo durante a avaliação, promover reflexões
aos pretendentes, acerca do conceito moderno de adoção, que em primeira instância
prima pela busca de uma família para a criança, em oposição a adoção clássica onde
os pais buscam exclusivamente uma criança para satisfazer o desejo de ter um filho.
Isto posto, reflexões sobre temas como o desejo da parentalidade, luto, inferti-
lidade e ninho vazio foram alguns dos conceitos importantes para serem estudados,
a fim de melhor validar os aspectos motivacionais dos pretendentes avaliados nos
casos mencionados. Denotando, ser esta uma área que requer um aprofundamento
em múltiplos temas do desenvolvimento e comportamento humano, considerando a
diversidade e complexidade de cada caso avaliado.
Assim, em todos os cinco casos avaliados e que embasaram este estudo, foi
possível observar particularidades, sobretudo, no que diz respeito às origens fami-
liares, as construções de subjetividade enquanto pessoas, e o senso de parentalidade,
laços e vínculos afetivos. Fatores estes, que contribuíram para tornar as experiências
singulares, embora todas fossem voltadas para mesma finalidade.
Em linhas gerais, verificou-se que todos os pretendentes demonstraram acen-
tuado nível de ansiedade, especialmente, devido à própria natureza do processo ava-
liativo, e em função de ser este, demasiadamente demorado em razão das inúmeras
etapas, que ocorrem desde o registro inicial do processo, até a sentença do juízo.
Dúvidas sobre a lei e preconceitos sobre variáveis relacionados ao tema da adoção,
como exemplo, a adoção tardia, também foram elementos identificados.
De acordo com Weber (2014) a adoção é uma forma de constituir ou aumentar
a família, sobretudo, pelo princípio da troca afetiva entre os membros. Desse modo,
a disposição para adotar consiste na vontade e no desejo de construir relação por
meio do vínculo afetivo de amor e cuidado. E para tanto, é necessário desmistificar
dogmas e preconceitos, como as falsas crenças de sobreposição de laço sanguíneo
ao laço afetivo, de que a hereditariedade é determinante para a construção do sujeito,
ou ainda de adjetivar estereótipos a crianças mais velhas, e assim negando a estas a
possibilidade de serem adotadas e terem uma família.
Nestes casos específicos, notou-se um elemento em comum, que se destacou
pela percepção de que a intenção em adotar, partia majoritariamente da pretendente
feminina. E na maioria dos casos (3), as motivações iniciais estavam associadas ao
quadro de infertilidade. As mulheres em geral, também foram as que mais demons-
traram disponibilidade nas etapas do processo avaliativo.
Esse dado notabiliza como a importância da construção social da maternidade,
se caracteriza como um papel, tanto externamente no meio social e apreendido por
todos, como intrinsecamente subjetivado na mulher. O desejo de “maternar” pela
adoção foi notado nestas pretendentes, como transcendente às suas incapacidades de
gerar, mas, sobretudo, como um meio de construir suas próprias experiências mater-
nas. Ou até mesmo, conforme verificado em um caso específico, na intenção em dar
continuidade a toda simbologia materna que construíram com os filhos biológicos
134
e que não mais era possível em função do natural seguimento do ciclo familiar e a
saída dos filhos de casa.
Nesse sentido, notou-se ainda que os pretendentes masculinos além de se verem,
também se colocavam como peças coadjuvantes no processo. É comum ouvir dos
parceiros pretendentes falas do tipo: “ela vai ser a mãe, então ela que vai cuidar, ela
que decide”. Nesse aspecto, é importante considerar que culturalmente e socialmente
há um senso coletivo internalizado de que a figura paterna, comparada a materna seja
um elemento de pouca repercussão como rede de apoio e cuidado parental. Sendo
este, um resquício de configurações patriarcais, e que vem paulatinamente sendo

desconstruído nas novas configurações da família moderna (Weber, 2014).
A importância de refletir sobre o impacto psicológico da infertilidade em con-
textos de habilitação para a adoção, envolve a avaliação do sujeito, assim como
também engloba, a investigação dos impactos na relação do casal. Nesse aspecto,
Maux e Dutra (2009) destacam que, eventuais conflitos entre o casal envolvendo
esse tema, deve ser bem avaliado, e na observância de que existam lacunas a res-
peito, é imprescindível que o profissional que esteja avaliando pondere o quanto
desse conflito possa prejudicar o relacionamento e a formação de laços e vínculo
afetivo com o filho adotivo. E desse modo, sejam suscitadas as devidas orientações
e intervenções necessárias.
Em última análise, observa-se que os relatos apresentados nos casos avaliados,
trazem um forte reflexo cultural da mãe como figura centralizadora do poder familiar
para o cuidado e para as tomadas de decisão em relação aos filhos. Não obstante, é
importante destacar que esta é uma análise cuidadosa, visto que, tal discurso geral-
mente trazido pela ótica da futura figura paterna, não implica necessariamente, em
um fator que o inabilita para as práticas parentais, mas por outro lado se caracteriza
como um elemento de indispensável reflexão dentro deste contexto avaliativo.
Portanto, a conclusão da avaliação pericial realizada com os casais, concluiu
que os pretendentes apresentavam no geral, condições psíquicas, emocionais e com-
portamentais favoráveis para o exercício de práticas parentais no contexto da adoção.
De forma complementar, em alguns casos foi sugerido acompanhamento terapêu-
tico, mais voltado para alinhamento de algumas questões pessoais identificadas, e
que pudesse porventura, suscetibilizar o processo da formação de laços e vínculos
afetivos com os futuros filhos.
Escrita, entrega do laudo e fechamento da perícia
A partir dos dados levantados e feita a análise, o laudo foi escrito considerando
os aspectos éticos e técnicos regulamentados no Código de ética do psicólogo, discri-
minado através da Resolução nº. 010 (2005), e da Resolução nº 06 (2019), que orienta
sobre a elaboração de documentos escritos pelo psicólogo no exercício profissional,
ambos regulamentados pelo Conselho Federal de Psicologia.
Na observância de fatores atinentes a dinâmica do casal, ou no que tange aos
aspectos pessoais dos pretendentes relevantes para sua prática parental, qualifica-se
como fundamental apresentar nas conclusões do laudo, sugestões e encaminhamentos

de tratamento terapêutico para cada especificidade encontrada, sendo esta, uma forma
de atribuir valor ao trabalho de articulação entre a psicologia, direito e sociedade.
Especificamente, na relação entre perito e o sistema SIPER, a entrega do laudo
geralmente ocorre por meio eletrônico, direcionado para a vara e comarca de ori-
gem da convocação. Contudo, vale observar que o fechamento oficial da perícia só
ocorre após o documento estar devidamente anexado aos autos e quando juízo, partes
e Ministério Público pugnar a prova técnica, ou seja, quando não houver nenhum
questionamento sobre o laudo.

No caso da perícia ad hoc, ou seja, aquela realizada por perito especialista
nomeado, e que não seja servidor público ou perito oficial, quando ocorre no formato
de justiça gratuita, apenas após esses trâmites, é que se designa a etapa para solicita-
ção e liberação dos honorários ao profissional. Atualmente, no Tribunal de Justiça do
Estado do Ceará TJCE, tal solicitação segue o regime da Portaria n° 1790 (2021), que
determina o valor de honorário para cada tipo de especialidade. Desse modo, este se
caracteriza como a última etapa, encerrando o ciclo de avaliação pericial do processo.
Considerações
A guisa de conclusão, as experiências aqui abordadas, notabilizam particular-

mente um evidente processo de construção e evolução técnica da profissional, sobre-
tudo, por ampliar o olhar acerca das adversidades e desafios inerentes ao trabalho do
psicólogo perito ad hoc, no que tange a avaliação psicológica pericial no contexto
de família, infância e juventude.
Bem como, se constitui ainda como uma experiência, que possibilitou uma
compreensão ampliada sobre as alteridades que envolve o universo psíquico de cada
sujeito/casal, que se propõe em um processo da busca pela maternidade/paternidade
através da adoção.
Portanto, evidenciando que a psicologia, se caracteriza neste campo não só
como meio técnico e científico na finalidade de avaliar, mas, sobretudo, como um
olhar humanizado que se propõe também, na perspectiva de acolher as angústias
e dúvidas dos pretendentes e dessa forma, possibilitar a promoção de orientação e
condições de encaminhamentos, que favoreça uma melhor abordagem de tratamento
para cada problemática psíquica identificada. Beneficiando assim, o processo de
adoção de forma holística.
136
REFERÊNCIAS
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Weber, L. N. D. (2014). Aspectos psicológicos da adoção. (2 ed), Curitiba: Juruá.

15. DESESPERANÇA: uma medida
psicométrica e as suas implicações forenses
DOI: 10.24824/978652513724.7.137-142
Introdução
Um dos principais estudiosos do construto desesperança foi Aaron Beck e seus

estudos correlacionaram-se com a tríade cognitiva da depressão, a qual diz respeito à
postura do sujeito ao adotar uma visão negativa em relação a si, ao mundo e ao futuro
(Wenzel, Brown & Beck, 2010). O construto desesperança apresenta correlação com
vários outros construtos de relevância em saúde mental. Estudo desenvolvido por Botega
(2015) aponta a desesperança como um importante preditor para o risco de suicídio.
A desesperança tem causa multifatorial, tais como acontecimentos de vida nega-
tivos associados a padrões de inferências relacionados às causas, as consequências e
as suas relações com a forma como o indivíduo se percebe, priorizando características
negativas e aspectos relacionados ao fracasso (Abramson, Alloy & Metalsky, 1989).
Neste sentido, a mensuração do construto desesperança mostra-se relevante
para distintos processos avaliativos em saúde mental e em psicologia. Atualmente
no Brasil, não constam instrumentos de mensuração de desesperança validados e
restritos ao uso exclusivo de profissionais da psicologia (Conselho Federal de Psi-
cologia [CFP], 2022)
Este capítulo objetiva realizar uma revisão da literatura especializada sobre
desesperança e suas implicações forenses, assim como apoiar a construção de uma
medida psicométrica, a Escala de Desesperança (E-DESP), e as suas evidências de
validade de conteúdo. Destaca-se que pode ser observada na sua estreita relação,
em virtude de seu caráter preditivo, com o diagnóstico de depressão e a ideação
suicida. Além disso, no contexto forense, o sentimento de desesperança é encontrado
em mulheres vítimas de violência doméstica (Ferreira, Rocha & Gonçalves, 2021).
A construção da escala em questão encontra-se dividida em duas etapas, na qual
a primeira é relativa a conceitualização, formatação do instrumento, construção e
análises dos itens por juízes.
46 Graduada em Psicologia pela Universidade Estadual do Piauí – UESPI.

47 Graduanda em Psicologia pela Universidade Estadual do Piauí – UESPI.
do Piauí (UESPI).
138
A metodologia para este estudo teórico envolveu revisão da literatura espe-

cializada sobre as implicações forenses do sintoma de desesperança com base em
estudos primários em língua inglesa publicados nas bases científicas PUBMED,
Scielo, BVS, Lilacs e PsycInfo, além de estudo de validade de conteúdo, através da
construção de itens e análise dos conteúdos por três juízes especialistas, com base
no coeficiente de validade do conteúdo (CVC) sendo os resultados a partir de 0,80
considerados aceitáveis.
O construto desesperança e suas implicações forenses
O indivíduo desesperançoso perde a motivação e o desejo de viver, adota uma

visão exclusivamente negativa de si (atribui-se características com defeituoso e
incompetente), e tem tendência a analisar de forma negativa suas experiências de
vida atuais (Wenzel, Brown & Beck, 2010). Além disso, é propenso analisar de forma
errônea suas interações com as pessoas e o mundo, superestima quaisquer aspectos
desfavoráveis e, na sua relação com o futuro, espera por dificuldades e frustações,
que levam inevitavelmente ao fracasso (Beck, Rush, Shaw & Emery, 1997).
A desesperança é um construto estreitamente relacionado a tríade cognitiva da
depressão, proposta por Beck (1967), de modo que nesta última o indivíduo adota uma
visão essencialmente negativa acerca de si, do mundo e do futuro, suas interações com
o meio ambiente são visualizadas sob a ótica da derrota, privação e depreciação. Desta
forma, enxergam suas vidas como uma sucessão de fardos, obstáculos ou situações
traumáticas, passam a perceber-se como inadequados ou indignos e tem a tendência
a atribuir suas experiências desagradáveis a defeitos neles próprios, consideram-se
indesejáveis e inúteis por conta disso e veem-se como indesejados, além disso os
pacientes passam a acreditar que suas dificuldades perdurarão indefinidamente: vida
de dificuldades, frustração e privação sem fim (Beck & Alford, 2011).
A partir dos estudos realizados porMedeiros e Sougey (2010), acerca de distor-
ções do pensamento em pessoas com humor deprimido, houve prevalência de 85,5%
em pensamentos de desesperança, sendo este o pensamento de maior prevalência
entre os praticantes, seguidos de ideias de fracasso com 80% e ideação suicida, com
65,5%, consolidando-se como indicadores e características significativas de depressão.
No que concerne ao contexto forense há a prevalência de desesperança em mulheres
vítimas de violência, além de sintomas de depressão e ansiedade (Ferreira, Rocha &
Gonçalves, 2021; Lima, 2019). Além disso, a desesperança também foi encontrada
em crianças e adolescentes vítimas de violência doméstica (Tardivo, 2016).
Construção de uma medida padronizada de desesperança
A Escala de Desesperança (E-DESP) consiste na apresentação de sentenças

que exprimem pensamentos relacionados às três categorias de crenças: acerca de si,
visão de futuro e sobre o mundo/coisas. Deve ser respondida com base na instrução
“Abaixo há uma lista de pensamentos relacionadas a você, ao seu futuro e a sua
situação de vida. Marque o quanto estes pensamentos podem ter estado presentes na
última semana, considerando o dia de hoje”, com quatro opções de resposta (nunca,
pouco, às vezes, muito).
designadas por três juízes especialistas encontra-se na Figura 1.
Figura 1 – Coeficientes de clareza e relevância da

Escala de Desesperança (E-DESP)
CVC CVC
Clareza Relevância
1. Me acho preparado para os desafios da vida 0,963 0,830 Aceitável Aceitável
2. O mundo é um lugar ruim 0,963 0,963 Aceitável Aceitável
3. Acho que as coisas estão dando certo 0,963 0,963 Aceitável Aceitável
4. Estou satisfeito com minha vida 0,830 0,830 Aceitável Aceitável
5. A vida vale a pena 0,963 0,963 Aceitável Aceitável
6. A minha vida é horrível 0,963 0,963 Aceitável Aceitável
7. Acho que ninguém conseguirá me ajudar 0,963 0,896 Aceitável Aceitável
8. Ninguém se importa comigo 0,763 0,763 Inaceitável Inaceitável
9. As coisas do mundo são ruins 0,830 0,763 Aceitável Inaceitável
10. Acho que está dando tudo errado para mim 0,830 0,963 Aceitável Aceitável
11. Me sinto otimista em relação ao futuro 0,963 0,896 Aceitável Aceitável
12. Tenho planos de vida para realizar daqui a dez
anos
13. Tenho esperança de que as coisas melhorem
com o passar do tempo
14. Tenho boas expectativas para o futuro 0,963 0,963 Aceitável Aceitável
15. Estou confiante quanto ao futuro 0,963 0,963 Aceitável Aceitável
16. No futuro estarei pior 0,963 0,896 Aceitável Aceitável
17. Acho que estarei mais infeliz no futuro 0,963 0,963 Aceitável Aceitável
18. As coisas só irão piorar no futuro 0,963 0,963 Aceitável Aceitável
19. Penso que estarei pior no futuro 0,963 0,896 Aceitável Aceitável
20. No futuro as coisas estarão pior do que agora 0,830 0,830 Aceitável Aceitável
21. Imagino que minha vida estará pior com o passar
do tempo
22. A minha vida só irá piorar com o passar do tempo 0,896 0,830 Aceitável Aceitável
23. Há muito mais razões para eu estar pior em
0,696 0,830 Inaceitável Aceitável
meu futuro
24. Tenho dificuldades em imaginar uma vida melhor 0,963 0,963 Aceitável Aceitável
25. Penso que meu futuro será terrível 0,963 0,963 Aceitável Aceitável
26. Espero coisas ruins para os próximos anos 0,896 0,963 Aceitável Aceitável
continua...
140
continuação
CVC CVC
Clareza Relevância
27. Tenho medo de fracassar em tudo que planejo 0,963 0,963 Aceitável Aceitável
28. Nunca terei sucesso 0,963 0,963 Aceitável Aceitável
29. Jamais serei feliz no futuro 0,763 0,763 Inaceitável Inaceitável
30. Minha vida só tem tendência a piorar 0,896 0,763 Aceitável Inaceitável
31. Se continuar vivo, tudo será pior 0,963 0,963 Aceitável Aceitável
32. Minhas metas nunca serão alcançadas 0,963 0,963 Aceitável Aceitável
33. Vejo aspectos negativos quando penso no meu
futuro
34. Minhas perspectivas para daqui a cinco anos
são pessimistas
35. Minha vida tem sentido 0,963 0,830 Aceitável Aceitável
36. Tenho planos otimistas para minha vida 0,963 0,963 Aceitável Aceitável
37. Eu fracasso em tudo que eu faço 0,963 0,763 Aceitável Inaceitável
38. Eu sou um ser humano inútil 0,896 0,896 Aceitável Aceitável
39. Sou uma pessoa com objetivos de vida 0,963 0,763 Aceitável Inaceitável
40. Sou um peso para as pessoas ao meu redor 0,963 0,830 Aceitável Aceitável
Entre os juízes 90,00% dos itens na foram considerados aceitáveis no critério

clareza e 80% no critério relevância (variando de 0,830 a 0,963). Dentre os quarenta
itens desenvolvidos, quinze itens atingiram a pontuação máxima em ambas as análises
e três itens (8, 29 e 33) foram considerados inaceitáveis nos dois critérios analisados.
Os itens considerados inaceitáveis em clareza e relevâncias serão excluídos desta
versão do instrumento, ao contrário daqueles que forem considerados inaceitáveis
apenas em uma destas dimensões que poderão permanecer.
forma satisfatória o construto desesperança, uma vez que a maioria das proposições
desenvolvidas apresentou desempenho satisfatório nas análises realizadas.
A Escala de Desesperança (E-DESP) está interligada aos conceitos de depressão,

risco de suicídio e vitimização, o que caracteriza esse instrumento como preditivo
para identificar, também, estes outros construtos. Com base nos resultados obtidos,
serão feitos os ajustes necessários nos itens com pontuações abaixo do ponto de corte,
para que sejam encaminhados à etapa seguinte em que será realizado o estudo piloto.
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16. MENSURAÇÃO DO TRAÇO DE
AGRESSIVIDADE E SUA RELEVÂNCIA
NO CONTEXTO FORENSE: construção
de um instrumento padronizado
Hélem Maira Moura Carvalho49

DOI: 10.24824/978652513724.7.143-150
Agressividade: avaliação e pressupostos teóricos
As ações humanas, físicas e verbais, direcionadas a uma pessoa ou grupo de

pessoas com a intenção de prejudicar e causar danos, seja psicológico ou físico,
são denominadas de agressão (Sisto e Oliveira, 2007). Durante muitos séculos até
o presente momento, a agressividade é objeto de interesse e pesquisas, estando pre-
sente em teorias renomadas de filósofos como Hobbes (1651) e Rousseau (1762),
do psicanalista Freud (1929) e de muitos outros estudiosos que dedicaram parte de
sua vida para entender as raízes desse construto.
A agressividade pode ser compreendida como multifatorial (Cavalcanti &
Pimentel, 2016), existindo diversos modelos explicativos para a sua natureza. No
entanto, para compreendê-los é necessário distinguir entre a agressividade enquanto
comportamento e enquanto traço da personalidade. O comportamento agressivo é o
aspecto mais observável do construto de agressividade, no qual é socialmente reco-
nhecido em situações de conflitos, por meio de atitudes como agredir, chutar, bater,
difamar. Por sua vez, o traço de agressividade envolve fatores emocionais como raiva
e cognição hostil (Bettencourt, Talley, Benjamin & Valentine, 2006).
Portanto, o traço de agressividade é definido por Buss e Perry (1992) pela pre-
sença de três aspectos. O motor ou instrumental identificado pelo comportamento de
ferir fisicamente e verbalmente outras pessoas, o aspecto emocional ou afetivo que
diz respeito ao estresse fisiológico e elaboração da agressão determinado pela raiva,
e por fim o aspecto cognitivo que envolve sentimentos de injustiça e má vontade
definido como hostilidade.
Para corroborar esse entendimento acerca do traço de agressividade, foram
propostos modelos psicológicos para explicar sua natureza. O modelo teórico da
49 Graduanda do curso de Psicologia na Universidade Estadual do Piauí (UESPI) e bolsista voluntária na

iniciação científica (PIBITI 2021-2022). E-mail: helemcarvalho@aluno.uespi.br.
50 Doutor na área de Avaliação Psicológica pela Universidade São Francisco (USF) e Professor Adjunto de
Psicodiagnóstico, do departamento de Psicologia, Universidade Estadual do Piauí (UESPI).
144
neoassociação cognitiva de Berkowitz (1990) explica que a exibição do compor-

tamento agressivo ocorrerá pela ativação dos componentes da rede associativa do
indivíduo. Rede esta que é composta pelo afeto negativo, ideias, memórias, rea-
ções motoras e sentimentos de raiva. Na presença de uma situação desagradável é
produzido o afeto negativo, que por sua vez ativa os sentimentos de raiva e incita
pensamentos, memórias, reações fisiológicas e motoras. Segundo Berkowitz (1990),
“a noção central neste modelo é que o afeto negativo é a fonte básica da raiva e da
agressividade” (p. 494).
Mais recentemente, o modelo mais testado e aceito cientificamente a respeito do

traço de agressividade, foi proposto por Anderson e Bushman (2002) que apresenta-
ram o modelo teórico General Aggression Model (GAM), o qual explica o traço de
agressividade por meio de dois processos: proximais e distais. Os processos proximais
caracterizam-se por fatores situacionais (rejeição, frustração, provocação, dor, des-
conforto e incentivos) e pessoais (traços da personalidade, transtornos psicológicos,
gênero, crenças, valores, atitudes) que aumentam ou diminuem a probabilidade de
o comportamento agressivo ocorrer através da influência que essas variáveis têm
no estado interno do indivíduo, que por sua vez é composto por afeto, cognição e
excitação. Os processos distais compreendem as modificações biológicas (desequi-
líbrio hormonal, desequilíbrio nos neurotransmissores) e modificações ambientais
(normas culturais, família, contexto social, condições de vida) que influenciam na
personalidade do indivíduo e consequentemente modificam seus fatores situacionais
e pessoais. Este modelo teórico vem sendo testado e retestado (Allen, Anderson &
Bushman, 2018).
Dessa forma, compreende-se que o traço de agressividade é um construto mul-
tifatorial, devendo englobar não somente sua natureza biológica ou evolucional, mas
também os aspectos sociais e ambientais que o indivíduo se encontra. Portanto, o
GAM engloba essas perspectivas, demonstrando que a personalidade é um preditor
do comportamento agressivo. Com isso, contribuições significativas de estudos já
relacionaram outros traços de personalidade com o traço de agressividade, especial-
mente considerando o Five Factor Model (Costa & McCrae, 1985).
Nesta teoria, a agressividade está relacionada com baixos níveis de amabili-
dade, conscienciosidade e extroversão, bem como com altos níveis de neuroticismo
(Cavalcanti & Pimentel, 2016; García-Sancho, Dhont, Salguero & Fernandéz-Ber-
rocal, 2017; Hyatt, Zeichner & Miller, 2019), o que leva a entender que pessoas com
alto traço de agressividade são propensas a dar prioridade a pensamentos hostis,
expressando emoções como a raiva de forma que o aumento da hostilidade é dire-
tamente proporcional a probabilidade do indivíduo ter comportamentos agressivos
para resolver conflitos, portanto, desenvolvendo uma atitude circular para resolução
de problemas que envolve afeto negativo.
Nesse sentido, o presente estudo buscou compreender o construto agressivi-
dade como traço da personalidade e suas implicações no contexto forense por meio
da revisão de literatura, e, por conseguinte, desenvolver um instrumento de medida
psicométrica e as suas evidências de validade de conteúdo.
Agressividade: mensuração e sua relevância forense
O modelo teórico predominante na literatura é o General Aggression Model

(GAM), proposto por Anderson e Bushman (2002), sendo o modelo mais testado e
aceito cientificamente a respeito do traço de agressividade. Em relação ao instrumento
mais utilizado para mensuração do traço de agressividade, destaca-se Buss–Perry
Aggression Questionnaire (BPAQ), elaborado por Buss e Perry (1992). Também se
observou que as dimensões mais comumente relacionadas ao traço de agressividade
são a agressão física, agressão verbal, raiva e hostilidade.

No contexto forense, estudos destacam que a psicopatia está relacionada com
os componentes do traço de agressividade, apresentando fortes associações positivas
com a agressão física, e associações positivas moderadas com a raiva, agressão verbal
e hostilidade (Garofalo, Neumann & Velotti, 2021). Também, devido pessoas com
alto traço de agressividade tenderem a responder às situações de conflito com com-
portamento agressivo, essa resposta influencia na mudança da situação perpetrando
em um ciclo de escalada de violência (Anderson, Buckley & Carnagey, 2008).
Ademais, os comportamentos agressivos e a possível ocorrência de violência
futura geram grandes problemas e altos custos para o sistema judiciário e para a
sociedade em geral, sendo imprescindível a compreensão acerca do traço de agressivi-
dade e dos componentes do comportamento agressivo para elaboração de estratégias
que visem a qualidade de vida da população em geral e o melhor serviço no sistema
judicial (Howells, Daffern & Day, 2008). Sendo assim, o traço de agressividade pos-
sibilita prever com clareza os episódios e intensidade do comportamento agressivo,
na maioria dos casos, o que pode ajudar na tomada de decisão (Santos, Brinol, Petty,
Gandarillas & Mateos, 2018).
Construção de uma medida de agressividade
Foi realizado uma pesquisa bibliográfica nas bases de dados Medical Litera-
ture Analysis and Retrievel System Online (MEDLINE), Web of Science, SciVerse
Scopus e American Psychological Association (APA) com os seguintes descritores e
suas combinações nas línguas portuguesa e inglesa: “aggressiveness trait measure”,
“models of aggressiveness” e “aggressiveness and forensic context”.
Posteriormente, foi elaborada uma Escala de Agressividade (EAGR), que atual-
mente possui 94 itens, dividindo o construto traço de agressividade nas seguintes
dimensões e definições:
• Agressão física: para Buss e Perry (1992), no qual o comportamento

agressivo foi divido em três categorias, a agressão física pertencente ao
componente motor caracterizado como o comportamento que envolve ferir
outras pessoas. Por sua vez, Gladue (1991), a agressão física é compreen-
dida como resultante da provocação ou retaliação na forma de confronto
físico. Enquanto Kay, Wolkenfeld e Murrill (1988) definiram a agressão
146
física como “ação violenta destinada a infligir dor, lesão corporal ou morte
a outro” (p. 546).
• Agressão verbal: ao estudar as habilidades comunicativas dos seres huma-
nos, Infante e Wigley (1986) definem a agressividade verbal como um
traço da personalidade em que uma pessoa ataca o autoconceito de outra
proferindo mensagens verbalmente agressivas magoando-a psicologica-
mente, ao invés de manter um diálogo pacifista sobre suas posições. Para
Gladue (1991), a agressão verbal é entendida como o uso da replicação
verbal a insultos, críticas ou autoritarismo ao invés do uso da força física.

Buss e Durkee (1957) analisaram a agressão verbal como uma variação
da hostilidade, e o categorizaram como hostilidade verbal que consiste
no “afeto negativo expresso tanto no estilo quanto no conteúdo da fala”
(p. 343) como gritar, discutir, ameaçar, ser excessivamente crítico. Para
Kay, Wolkenfeld e Murrill (1988), a agressão verbal caracteriza-se como
“declarações ou insultos que procuram infligir danos psicológicos ou outro
por meio de desvalorização e ameaças ou ataques físicos” (p. 546).
• Autoagressão: segundo Kay, Wolkenfeld e Murrill (1988), é definida como
dano físico contra si, o que inclui comportamentos de automutilação ou
tentativa de suicídio. Para Arboleda-Florez, Crisanti, Rose e Holley (1994)
a autoagressão envolve o comportamento deliberado de automutilação,
como se cortar, bater a cabeça entre outros comportamentos que causam
lesões. Medeiros et. al. (2019) afirma que o meio mais comum de autoa-
gressão é através do comportamento de autolesão não suicida, quando o
indivíduo tem a intenção de causar danos a si numa tentativa de aliviar
pensamentos ou emoções negativas, mas não tem por objetivo o suicídio.
No entanto, evidências mostram que o comportamento de autolesão pode
ser um fator de risco para futuras tentativas de suicídio (Medeiros et al.,
2019; Wilkinson, 2013), além de que a intenção de ceifar a própria vida
pode estar presente em um grau variável nesses comportamentos (Scocco
et al., 2019).
• Raiva: segundo Berkowitz (1990) a raiva pode ser compreendida como
uma resposta emocional que se sucede a uma situação desagradável para
o sujeito. Para Buss e Perry (1992), a raiva pertencente ao componente
emocional do comportamento agressivo, a qual se caracteriza por ser uma
reação fisiológica em preparação para a agressão. Também, Orpinas e
Frankowski (2001), definiram a raiva como excitação emocional que pode
resultar na agressão. Novaco (2016) afirma que a raiva ocorre em resposta
a uma ameaça percebida, que apesar de não ser o fator decisivo para que
um comportamento agressivo ocorra, a raiva pode o estimular dado sua
intensidade. Conforme Spielberger, Reheiser e Sydeman (1995) definiram,
a raiva é um estado emocional, no qual a intensidade dos sentimentos
podem variar de uma leve irritação a um excesso de fúria.
• Hostilidade: para Buss e Perry (1992) a hostilidade compreende o com-
ponente cognitivo do comportamento agressivo, que diz respeito a
sentimentos de insatisfação e injustiça. Buss e Durkee (1957) identifi-

caram na hostilidade dois fatores, que correspondem aos componentes
atitudinais e motores. Especialmente o aspecto atitudinal da hostilidade
envolve as dimensões de irritabilidade e ressentimento, o que Spielberger,
Reheiser e Sydeman (1995) mostraram que apesar da hostilidade envolver
o sentimento de raiva, ela deve ser entendida como um conjunto complexo
de atitudes que estimulam o comportamento agressivo.
Até o presente momento, a escala encontra-se na etapa de validade de conteúdo

por juízes.
Considerações
No momento, o estudo encontra-se na etapa de verificação de evidências de

validade de conteúdo por juízes. Ademais, a mensuração do traço de agressividade
mostrou-se de grande importância e impacto no contexto forense, auxiliando na
tomada de decisão, já que sua medição ajuda a prever com mais clareza os eventos
agressivos e sua intensidade. Aliado a isso, o traço de agressividade influencia na
frequência com que o indivíduo pode ter um comportamento agressivo (Pettersen,
Nunes e Cortoni, 2017), além de que pessoas com personalidade agressiva tendem
a apresentar atitudes e cognições mais violentas (Santos, Brinol, Petty, Gandarillas
& Mateos, 2018).
148
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SEÇÃO 3
DEMANDAS CÍVEIS
PSICOLOGIA FORENSE NAS
17. INTERVENÇÕES EM CASOS
ENVOLVENDO A DINÂMICA
DA ALIENAÇÃO PARENTAL:
uma revisão sistemática da literatura
Elsa de Mattos51
Cátula da Luz Pelisoli52
DOI: 10.24824/978652513724.7.153-168
Introdução
A alienação parental – AP é uma dinâmica familiar disfuncional que acontece

no contexto de uma separação conjugal altamente conflituosa e que pode levar à
rejeição injustificada de uma criança em relação a um dos genitores. No Brasil, a
AP foi definida na Lei 12.318/2010 como a interferência na formação psicológica
da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos
avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob sua autoridade, guarda ou
vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à
manutenção do vínculo da criança com este (Brasil, 2010). A legislação brasileira
caracterizou atos de AP e estabeleceu a necessidade de ampla avaliação psicológica
ou biopsicossocial em casos em que se suspeita que uma criança ou adolescente
esteja sendo submetido a práticas que podem interferir em seus vínculos familiares e,
assim, trazer prejuízos a seu desenvolvimento. Também foram previstos instrumentos
processuais que podem ser utilizados com o fim de inibir ou atenuar os efeitos da
AP, incluindo, por exemplo, a ampliação da convivência com o genitor alienado,
multa, determinação de acompanhamento psicológico, e até mesmo a alteração de
guarda em casos em que essa medida se mostrar como sendo de menor prejuízo à
criança. No Brasil, quando da determinação de intervenções que possam contribuir
para o reestabelecimento dos vínculos entre a criança e o genitor alienado e para a
inibição de atos alienatórios por parte do alienador, os magistrados contam apenas
com alternativas mais tradicionais, incluindo a psicoterapia (familiar ou individual),
a mediação de conflitos e, mais recentemente, a Justiça Restaurativa.
As intervenções no contexto das separações conjugais conflituosas se justificam
não somente pela disfuncionalidade dos relacionamentos entre os ex-cônjuges, mas
51 Mestre e Doutora em Psicologia pela UFBA, Professora de Pós-graduação na Universidade Católica do

Salvador, Mediadora de Conflitos Familiares.
52 Mestre e Doutora em Psicologia pela UFRGS, Psicóloga Judiciária do Tribunal de Justiça do Estado do Rio
Grande do Sul, Produtora de conteúdo do Canal Proteja.
154
principalmente pelos efeitos deletérios que esses padrões conflitivos podem causar
nas crianças. Observam-se, frequentemente, padrões relacionais entre os ex-cônju-
ges caracterizados por uma animosidade e hostilidade persistentes que parecem não
encontrar solução. Pesquisas mostram que o conflito parental está relacionado com
a eclosão de sintomas nos filhos, afetando-os negativamente em vários domínios
do desenvolvimento infantil (Camisasca, Miragoli & Di Blasio, 2016; Cummings
& Davies, 2002; Juras & Costa, 2011; Silva, Chapadeiro & Assumpção, 2019). Em
alguns casos, esses padrões disfuncionais entre ex-parceiros são tão graves que aca-
bam gerando resistência e recusa de um ou mais filhos em conviver com um dos

genitores (geralmente aquele com quem não coabitam), levando a interrupções pro-
longadas na convivência. A recusa em conviver com um dos pais é expressa através
de comportamentos negativos, tais como recusa de falar ou encontrar com o genitor,
emoções de tristeza, raiva, ressentimento, desprezo e ódio da criança em relação a
um dos genitores.
A rejeição de uma criança por um genitor com quem ele já teve um relaciona-
mento significativo em algum momento da vida (Garber, 2011; Kelly & Johnston,
2001; Saini, Johnston, Fidler & Bala, 2016), aliada à ausência de violência sofrida
pelo genitor rejeitado, fundamenta o fenômeno que vem sendo definido como “alie-
nação parental”. Os filhos são envolvidos no conflito conjugal através de processos
de triangulação e alianças de lealdade (Coelho & Morais, 2014). O pensamento
atual reconhece que as crianças podem resistir ou recusar o contato com um dos pais
por muitas razões ou uma combinação de razões, e com intensidade variável (Saini
et al., 2016; Sullivan & Johnston, 2017). Kelly e Johnston (2001) propuseram um
modelo multifatorial de sistemas familiares/ecológicos para ajudar a explicar esse
fenômeno. Nesse modelo, os fatores interagem em vários níveis sistêmicos (ontoge-
nético, microssistema, mesossistema e macrossistema), gerando padrões disfuncionais
de comportamento que contribuem para a eclosão e manutenção dos problemas de
contato entre pais e filhos.
Estudos recentes indicam sete fatores de risco que contribuem para o desenvol-
vimento de problemas de relacionamento (contato/convivência) entre pais e filhos
(Fidler & Ward, 2017), a saber: (1) a vulnerabilidade da criança (temperamento e
atributos tais como dependência, ansiedade, medo, criança com necessidades espe-
ciais e com problemas de enfrentamento e percepção da realidade); (2) fatores de
desenvolvimento (por exemplo, ansiedade de separação apropriada à idade, resposta
ao conflito consistente com o desenvolvimento cognitivo de crianças de 8 a 15 anos);
(3) comportamento alienante e a motivação do genitor preferido (estilo parental
disfuncional, personalidade do genitor preferido, estratégias diretas e indiretas de
afastamento do filho do outro genitor); (4) aspectos problemáticos da personalidade
e do estilo parental do genitor rejeitado (por exemplo. comportamento de contra-re-
jeição, expressões de raiva, punição); (5) presença de violência doméstica e abuso/
negligência infantil; (6) litígios crônicos com envolvimento de terceiros; (7) dinâmicas
e pressões entre os irmãos.
Os problemas de contato entre pais e filhos também foram conceituados
como pertencendo a um espectro, desde o desenvolvimento normal e esperado, até
o disfuncional e patológico (Fidler & Bala, 2010). Nesse espectro, encontram-se

afinidade, alinhamento, estranhamento (rejeição justificada), alienação (rejeição
injustificada) e casos híbridos. Recentemente, Saini, Drozd e Olesen (2017) contri-
buíram para tornar este modelo conceitual ainda mais sofisticado e multifacetado,
incluindo a discussão sobre comportamentos e atitudes adaptativos e desadaptativos
de acesso (gatekeeping) dos filhos ao genitor não residente, que pode influenciar no
desenvolvimento do problema de contato/convivência, enfatizando a complexidade
do fenômeno.
Vários aspectos do fenômeno da alienação parental, entretanto, vêm sendo

intensamente debatidos envolvendo grupos de ativismo, pesquisadores, profissio-
nais (Johnston & Sullivan, 2020; Meier, 2019). Esses debates, contudo, não serão
abordados na presente revisão. A presente revisão alinha-se ao pensamento mais
atual que reconhece a alienação parental como uma dinâmica familiar disfuncional
e que as crianças podem resistir ou recusar o contato com um dos pais por muitas
razões ou uma combinação de razões, e com intensidade variável (Johnston & Sul-
livan, 2020). O modelo desenvolvido inicialmente por Kelly e Johnston (2001),
aprimorado recentemente por Johnston e Sullivan (2020), afirma que é inadequado
e excessivamente simplista considerar o comportamento do genitor preferido como
a principal fonte do problema, como a principal “causa” da rejeição da criança ao
outro genitor. Nessa linha, foi proposto um modelo multifatorial que inclui outros
fatores (além dos comportamentos alienadores de um genitor em relação ao outro) e
que se configura como um modelo mais amplo e sistêmico, refletindo melhor a com-
plexidade do fenômeno em questão. Contudo, é necessário ressaltar que os modelos
multifatoriais não excluem que alguns casos de alinhamento/rejeição da criança por
um dos genitores são influenciados por ações específicas do genitor preferido (Saini
et al., 2016; Baker, 2007). Dentre os fatores que contribuem para a postura negativa
da criança em relação a um dos genitores, encontram-se: problemas normais de apego
de desenvolvimento, dificuldades de ajuste durante a transição do divórcio e formação
de uma nova família, ausência prolongada do genitor rejeitado, parentalidade disfun-
cional por um ou ambos os genitores, conflito de lealdade em resposta ao conflito
coparental e influências de irmãos ou de terceiros, como avós ou mesmo terapeutas.
Fatores mais indiretos, embora potentes, incluem litígios prolongados, história de
conflito conjugal, separação difícil e transtornos de personalidade dos genitores.
A literatura científica tem confirmado que, em casos mais graves, podem ser
identificadas estratégias diretas, nas quais um genitor desqualifica abertamente o
outro, e indiretas, nas quais o filho ouve de um genitor repetidas críticas em relação
ao outro genitor, que vão sendo progressivamente internalizadas pela criança, tornan-
do-a resistente ao contato com aquele genitor a quem as críticas são dirigidas (Baker,
2007). Pesquisas realizadas por Baker (2007, 2010) e por Baker e colegas (Baker &
Chambers, 2011; Baker & Verrocchio, 2013, 2016) indicam que tais comportamentos
podem ser considerados uma forma específica de abuso psicológico, capaz de induzir
na criança a falsa crença de que o outro genitor não é amoroso, não está disponível
e é inseguro, gerando nos filhos um conflito de lealdade, de forma que eles passam
a se alinhar com o genitor preferido e a rejeitar o outro genitor.
156
Com o passar do tempo, os filhos podem se sentir indesejados e não amados pelo
genitor excluído. Ademais disso, tendem a desenvolver pensamentos, sentimentos e
comportamentos distorcidos sobre si mesmos e o mundo, que podem se estabilizar a
longo prazo (Baker & Ben-Ami, 2011). Portanto, não ocorre apenas uma rejeição da
criança em relação a um dos genitores, mas também uma distorção na memória das
crianças e uma distorção na percepção que têm de si mesmas (Baish & Stein, 2021).
Tais distorções, quando são mantidas ao longo da trajetória de desenvolvimento da
criança, podem culminar na presença de sintomas ansiosos e depressivos, estilo de
apego inseguro e sofrimento psicológico na idade adulta (Baker & Ben Ami, 2011;
Bernet, Baker, & Verrocchio, 2015; Baker & Verrocchio, 2015; Verrocchio, Baker,
& Bernet, 2016; Verrocchio et al., 2015). Estudos realizados com americanos (Baker
& Ben Ami, 2011) e com italianos (Baker & Verrocchio, 2013; Verrocchio & Baker,
2015) confirmam tais associações.
Os dados empíricos sobre as consequências decorrentes da dinâmica da AP
vêm crescendo no âmbito internacional e fundamentam a necessidade de identificar
intervenções eficazes capazes de ajudar as crianças a se tornarem adultos psicologi-
camente saudáveis, mantendo um relacionamento próximo com ambos os genitores.
Diante desse contexto destaca-se a necessidade de tratamentos baseados em evidên-
cias e/ou com suporte empírico, como alguns que vem sendo realizados em outros
países (Reay, 2015; Saini, 2019; Saini & Deutsch, 2016; Templer et al., 2017; Toren
et al., 2013; Warshak, 2019). Este trabalho visa identificar estratégias de intervenção
nessas situações, através de uma revisão sistemática da literatura que buscou mapear
publicações voltadas para a descrição e/ou avaliação de intervenções.
Esta revisão sistemática foi realizada a partir do protocolo PRISMA (Preferred
Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses) (Liberati et al., 2009),
buscando a literatura estrangeira sobre o tema de interesse. As seguintes bases de
dados foram selecionadas para a busca bibliográfica: PsycINFO, PubMed, SciELO,
Scopus e Web of Science. Foram utilizados os seguintes descritores: alienação parental
“or” comportamento de conflito de lealdade “or” divórcio de alto conflito “or” famí-
lia de alto conflito “and” psicoterapia “or” tratamento “or” intervenção “or” terapia
“or” reunificação “or” programa “or” procedimento “or” terapêutico. A pesquisa foi
realizada com as combinações dos equivalentes em língua inglesa.
Intervenções em situações de Alienação Parental
A busca na literatura levou à identificação de 442 estudos. Destes, foram excluí-

dos 417 como irrelevantes, com base no título e resumo. Restaram 25 dos quais se
obteve o texto completo, sendo que 12 atenderam aos critérios de inclusão. De acordo
com a revisão realizada, foi possível identificar um aumento significativo no número
de intervenções terapêuticas inovadoras, desenvolvidas na tentativa de superar difi-
culdades de contato de diferentes níveis de gravidade e complexidade. Diferentes
modelos de intervenção foram encontrados, envolvendo desde programas intensi-
vos de reunificação parental, até modalidades de psicoterapia, incluindo “terapia de
reintegração”, “terapia de reunificação”, “terapia de reconciliação” (Polak, 2019).

As intervenções clínicas variam de abordagens terapêuticas de sistemas familiares,
incluindo ambos os genitores e os filhos (i. e. vários membros da família) a interven-
ções direcionadas para díades formadas pelo genitor rejeitado e filhos, realizadas em
consultório. Também foram encontradas outras modalidades de intervenção voltadas
para o manejo de casos difíceis, tais como a Coordenação Parental e o Protocolo
PIFE – Processus d’Intervention Familiale Encadrée (Processo Estruturado de Inter-
venção Familiar). Em seguida, serão descritas as principais intervenções encontradas
divididas em três grupos.
Programas Intensivos de Reunificação Parental
O primeiro grupo compreende programas intensivos de reunificação parental,

desenvolvidos nos Estados Unidos e no Canadá, voltados para atender casos graves de
recusa ou rejeição da criança ou adolescente em conviver com um dos genitores. Os
programas Family Bridges (Warshak, 2010), Overcoming Barriers Family Camp
(Sullivan, Ward, & Deutsch, 2010) e Family Reflections Reunification Program
(Reay, 2015) têm como principal objetivo restaurar o relacionamento entre o filho
e o genitor rejeitado. Eles se aplicam aos casos nos quais a justiça considera que o
melhor interesse da criança depende da reparação do relacionamento prejudicado
com um dos genitores e outras modalidades de reunificação foram tentadas ante-
riormente, sem sucesso.
O Programa Family Bridges (FB), desenvolvido por Warshak (2010) na Pro-
víncia de British Columbia no Canadá, é um programa altamente estruturado no
formato de oficina intensiva, educativa e experiencial de 4 dias, no qual o genitor
rejeitado e um ou mais de seus filhos participam juntos, sem a presença do genitor
preferido, cujo contato foi temporariamente suspenso por ordem judicial (até 90
dias). Compreende atividades experienciais e psicoeducativas, realizadas em conjunto
pelo genitor e filhos, com apoio de uma equipe composta por dois profissionais. O
Programa ocorre em um local de lazer, tal como um hotel ou centro recreativo. As
atividades incluem exercícios que incentivam um pensamento crítico para reavaliar
crenças e desenvolver perspectivas diferentes sobre as relações familiares, buscando
uma visão equilibrada de ambos os genitores. São abordados dilemas comuns em
situações de divórcio e habilidades parentais para responder às necessidades dos filhos
e para lidar com futuras intercorrências, bem como são desenvolvidas habilidades de
tomada de decisão e resolução de conflitos. Resultados preliminares indicam que a
maioria das crianças restauraram um relacionamento positivo com o genitor anterior-
mente rejeitado (Warshak, 2010) e a rejeição ao genitor reduziu significativamente
(de 85% para 6%) entre o início e o final do programa (Warshak, 2019). Uma das
limitações desse programa é que ele não trabalha diretamente com ambos os genitores.
O programa Overcaming Barriers Family Camp (OCB) foi criado por Sul-
livan, Ward e Deutsch (2010) e é um programa intensivo de 5 dias (com quatro per-
noites) que acontece em um acampamento de verão e inclui ambos os genitores e os
158
filhos. O OCB é uma combinação de psicoeducação, intervenção clínica e atividades

recreativas e envolve elementos tanto da terapia de sistemas familiares quanto da
terapia cognitivo-comportamental (Ward, Deutsch & Sullivan, 2016). Toda a família
participa da intervenção, que tem como objetivos restaurar relacionamentos saudáveis,
manter as crianças longe dos conflitos, desenvolver pensamento crítico, habilidades
de comunicação e empatia (Ward, Deutsch, & Sullivan, 2016). O programa também
busca auxiliar na elaboração de um acordo de convivência dos filhos com ambos os
genitores (Sullivan, Ward & Deutsch, 2010; Ward, Deutsch, & Sullivan, 2016). Um
plano de parentalidade é desenvolvido no último dia do programa e acompanhado

posteriormente, visando o alcance de mudanças a longo prazo. Entre as limitações
deste programa encontram-se o alto custo e o fato de não ser permitida a participação
de crianças com menos de 9 anos, pois considera-se que elas ainda não têm maturidade
cognitiva para participar de algumas atividades. Dados apontam para uma melhor
qualidade dos relacionamentos entre os genitores e entre pais e filhos, bem como
para um aumento no tempo de convivência entre os filhos e os genitores rejeitados
após a participação da família no OCB (Saini, 2019).
O Family Reflections Reunification Program (FRRP) (Reay, 2015) utiliza
uma abordagem sistêmico-familiar que envolve toda a família (incluindo familiares,
avós, tios etc.) em 4 dias de intervenção intensiva. O objetivo do programa é reconci-
liar crianças/adolescentes entre 8 e 18 anos de idade com o genitor rejeitado, de forma
a promover um relacionamento saudável entre eles. O FRRP facilita uma conexão
rápida e emocionalmente segura entre crianças e genitores rejeitados e, também,
fornece apoio emocional e assistência aos genitores preferidos durante a intervenção.
Esse modelo de intervenção funciona bem com famílias que apresentam padrões
extremamente rígidos de funcionamento (Fidler & Bala, 2010; Fidler, Bala & Saini,
2013; Sullivan, Ward & Deutsch, 2010). As atividades são voltadas para promover
a adaptação saudável da criança, melhorar suas habilidades de pensamento crítico,
aperfeiçoar o entendimento dos membros da família sobre a AP, reconstruir papéis,
responsabilidades e limites, fortalecer a capacidade de comunicação e resolução de
conflitos. Dados obtidos de 22 crianças de 12 famílias mostram que o restabeleci-
mento do relacionamento aconteceu em 95% dos casos, com manutenção avaliada
em 3, 6, 9 e 12 meses.
Esses três modelos de intervenção são considerados “intensivos”, pois visam
impulsionar as mudanças necessárias para iniciar a construção de um novo paradigma
familiar. Um acompanhamento posterior à intervenção é essencial para o alcance
dos objetivos e pode incluir terapia familiar contínua, terapia coparental, orientação
parental ou terapia individual para os genitores e/ou para os filhos, visando consolidar
as mudanças feitas durante a intervenção intensiva (Fidler & Ward, 2017; Fidler,
Deutsch & Polak, 2019). Essa modalidade intensiva de intervenção, entretanto, não é
adequada para os casos em que: 1) a recusa da criança em relação a um dos genitores
é justificada por alguma violência sofrida; 2) o judiciário considera que a relação da
criança com o genitor rejeitado está seriamente comprometida e que é do interesse
da criança permanecer com o genitor preferido; 3) a criança continua a passar a
maior parte do tempo longe do genitor rejeitado. O início da intervenção geralmente
ocorre após uma ordem judicial que prevê a alteração da guarda e/ou a suspensão
temporária (por até 90 dias) do contato entre a criança e o genitor preferido, pelo
menos até que um relacionamento mais fluido e saudável entre a criança e o genitor
rejeitado seja restabelecido.
Psicoterapias de reunificação/reintegração familiar
Entre as intervenções mais praticadas em casos de AP encontram-se diferentes

modalidades de psicoterapia. Pelo fato de a psicoterapia individual com a criança ser

cada vez mais considerada como ineficaz para abordar problemas de contato/convi-
vência entre crianças e genitores rejeitados (Polak, 2019; Polak & Moran, 2017), essa
modalidade terapêutica não foi incluída na presente revisão. As intervenções baseadas
na abordagem familiar sistêmica são as que vêm mostrando melhores resultados.
As intervenções categorizadas neste estudo como “psicoterapia de reunificação”
ou “psicoterapia de reintegração” familiar configuram uma modalidade terapêutica
desenvolvida recentemente para o tratamento de famílias em litígio e altamente
conflituosas. Existem, entretanto, poucos protocolos de tratamento detalhados para
essa modalidade terapêutica. A psicoterapia de reunificação auxilia a família no
restabelecimento de relacionamentos positivos entre pais e filhos sob a supervisão
e orientação terapêutica de um terapeuta qualificado (Saini & Deutsch, 2017). A
duração, a frequência e a intensidade do acompanhamento podem variar dependendo
das características únicas da dinâmica familiar – incluindo o nível de resistência ou
rejeição das crianças em relação ao genitor rejeitado, a duração do distanciamento
entre a criança e aquele genitor e a motivação tanto da criança quanto do genitor
preferido para se engajar no tratamento.
Os modelos de psicoterapia propostos visam não somente restabelecer a relação
criança-genitor rejeitado, mas também melhorar a colaboração entre os genitores,
restabelecer papéis e vínculos adequados no contexto familiar, interrompendo a dinâ-
mica da triangulação do filho. As psicoterapias se caracterizam de forma específica,
tanto no que diz respeito aos objetivos a serem alcançados (Smith, 2016) quanto à
estruturação do setting (Gottlieb, 2013). O benefício maior desse modelo terapêutico
é inclusão de todos os membros da família para ajudar a mudar a dinâmica familiar
e o tempo mais distendido para que a família possa se reorganizar. Esse tipo de
psicoterapia é mais recomendado e adequado para casos mais leves e moderados de
alienação parental (Fidler & Ward, 2017; Fidler et al., 2019).
O modelo proposto por Johnston e Goldman (2010) pressupõe que crianças
que rejeitam um dos genitores são crianças e adolescentes emocionalmente vulnerá-
veis que estão simultaneamente alinhadas com o genitor preferido. Os objetivos do
tratamento incluem transformar as visões distorcidas e os sentimentos polarizados
da criança em relação a ambos os genitores, restaurar a coparentalidade e desen-
volver habilidades parentais. Os resultados de longo prazo mostraram-se positivos,
destacando a precocidade da intervenção e boas habilidades parentais em termos de
160
cuidados como preditores de resultados positivos, proteção e facilitação do processo

de separação, individuação e ausência de psicopatologia.
O modelo integrado de intervenção proposto por Albertson-Kelly e Burkhard
(2013) denomina-se Reunificação em Contexto Forense e se assenta em dois prin-
cípios básicos: (1) mudanças positivas na família exigem que os genitores resta-
beleçam seus papéis na tomada de decisões envolvendo os filhos; e (2) todos os
membros do sistema familiar precisam reconhecer e aceitar suas responsabilidades.
Os resultados sugerem que a taxa de sucesso varia entre 60% e 70%. A maioria
das crianças atendidas não apresentou mais comportamentos de rejeição a um dos

genitores após a terapia. A eficácia do tratamento parece estar relacionada ao grau de
alienação exibido pela criança no início da terapia e ao nível de cooperação exibido
pelo genitor preferido.
DeJong e Davies (2012) descrevem um protocolo de intervenção voltado para
reunificação da criança com o genitor rejeitado que envolve toda a família. Após a
avaliação inicial, acontecem diferentes encontros, incluindo um primeiro encontro
com a criança e os membros da família com quem ela reside, seguido de encontros
individuais com cada um dos genitores e encontros conjuntos com ambos os genito-
res, sendo que esses últimos passam a mensagem para a criança de que é possível se
reunir com o outro genitor de forma segura. O objetivo principal da terapia é remo-
ver a criança da posição triangulada na qual se encontra em relação às dificuldades
dos pais. Em seguida, realiza-se um encontro com os filhos em conjunto e um outro
encontro com cada filho em separado, o que possibilita acessar a percepção que eles
têm das relações familiares, seus vínculos com familiares e as atitudes em relação
ao genitor rejeitado, bem como sintomas de ansiedade, depressão ou alguma outra
condição psicológica relevante. Caso necessário, é feito encaminhamento da criança
para atendimento em psicoterapia individual em paralelo, por outro profissional.
Após os encontros iniciais, são realizados atendimentos com a(s) criança(s) e o
genitor rejeitado, envolvendo atividades lúdicas adequadas à idade da criança. Esta
modalidade de intervenção não foi ainda clinicamente testada.
A abordagem proposta por Gottlieb (2012, 2013) também é considerada uma
intervenção sistêmica, realizada com todo o sistema familiar. As estratégias de inter-
venção visam promover mudanças no padrão organizacional familiar rígido e disfun-
cional. Entre os objetivos dessa abordagem, encontram-se: (1) reescrever os mitos
familiares, de forma que cada membro da família seja visto de forma realista; (2)
promover o reconhecimento das contribuições emocionais e financeiras do genitor
rejeitado para a família e para os filhos; (3) valorização da necessidade do genitor
preferido de ter uma vida para além da vida dos filhos, o que pode ser mais facil-
mente alcançado quando há um parceiro para compartilhar a parentalidade. Estudos
da eficácia dessa modalidade de intervenção mostraram que os níveis de ansiedade
e depressão nas crianças diminuíram significativamente após 4 meses de terapia e
diferenças significativas na colaboração entre os genitores foram encontradas após
um ano de acompanhamento (Toren et al., 2013).
Greenberg, Doi Fick e Schnider (2016) descrevem o modelo da Terapia Con-
junta Centrada na Criança (CCCT). Trata-se de uma abordagem multissistêmica,
focada no desenvolvimento da capacidade de enfrentamento da criança diante de

situações altamente conflituosas. O modelo CCCT promove o desenvolvimento de
habilidades essenciais na criança e em seus genitores, quando os conflitos parentais
ainda não se encontram tão escalados. Tal modelo ajuda a criança a fazer distinções
entre os seus próprios sentimentos e os dos genitores, reduzindo o sentimento de
culpa, facilitando a compreensão da relação pais-filhos de forma mais saudável e
não tão polarizada. Os encontros terapêuticos incluem psicoeducação, estratégias de
enfrentamento e um foco inicial no bem-estar da criança, na tentativa de construir a
cooperação entre os pais. Este modelo é mais eficaz quando determinado judicial-
mente e quando consegue estabelecer a cooperação entre os genitores.
Ainda no campo da terapia familiar sistêmica, Smith (2016) sugere uma asso-
ciação com a terapia cognitivo-comportamental para abordar de forma mais adequada
a AP. Todos os membros da família devem fazer parte do processo terapêutico e cada
um deles é considerado parte da solução. A concordância do genitor preferido em
participar da terapia e o monitoramento do judiciário mostram-se relevantes para
obter bons resultados. Entre os objetivos desta forma de psicoterapia se destacam:
(1) aumentar a sensibilidade do genitor rejeitado em relação ao filho; (2) aumentar
o apoio do genitor preferido à participação do genitor rejeitado na vida do filho; (3)
aumentar a capacidade de resolução de problemas da criança, evitando o pensa-
mento polarizado; (4) interromper a triangulação no sistema familiar, trabalhando
com os membros da família para se comunicarem diretamente uns com os outros na
busca pela resolução dos problemas. A autora ressalta que, nesse tipo de terapia, há
avanços e retrocessos. A criança pode ter uma experiência compartilhada positiva
com o genitor rejeitado, mas na sessão subsequente pode voltar a expressar raiva do
genitor rejeitado, negando a experiência positiva anteriormente compartilhada com
ele. Smith sugere que o terapeuta deve abordar cuidadosamente essa resistência da
criança e do genitor preferido, buscando evitar novos retrocessos.
Para casos mais graves, Polak, Altobelli e Popielarczyk (2020) propõem uma
Intervenção Sequencial Combinada, que tem como premissa a reversão temporá-
ria da guarda com apoio terapêutico para a criança e genitor rejeitado. Durante um
período inicial de “contato restaurador” (até 90 dias), sem acesso ao genitor preferido,
a criança e o genitor rejeitado participam de uma intervenção intensiva por alguns dias
(tais como “Overcoming Barriers Family Camp” ou “Family Bridges”). Simultanea-
mente, o genitor preferido participa de uma intervenção psicoeducacional intensiva
individual e, havendo resultado positivo no seu envolvimento nesta intervenção
direcionada, ele também pode ser incluído em sessões de psicoterapia com a criança
e, eventualmente, com o outro genitor e com toda a família. Esta abordagem já vem
sendo utilizada no Canadá com algum sucesso, no entanto, mais pesquisas são neces-
sárias para determinar a escolha dos casos para os quais esse modelo é apropriado
e aqueles para os quais é contraindicado, bem como definição dos componentes a
serem avaliados no longo prazo. Uma das maiores limitações desse modelo é o alto
custo envolvido na sua implantação. Ressalta-se que, sempre que um modelo de
intervenção sugerir um afastamento temporário de um dos genitores, é preciso que
162
essa decisão seja tomada com base no princípio do superior interesse da criança e na
busca do menor prejuízo, considerando resultados em longo prazo.
Intervenções de manejo de casos difíceis
Casos difíceis exigem intervenções ainda mais específicas. Lillo (2021) descreve
um novo protocolo de manejo de dinâmicas de alienação parental denominado PIFE
– Processus d’Intervention Familiale Encadrée (Processo Estruturado de Intervenção
Familiar), desenvolvido no Canadá. O PIFE opera a partir de uma perspectiva sis-

têmica-estratégica que considera a complexidade da configuração relacional dentro
da família. Existe uma estreita colaboração interdisciplinar que visa promover a
cooperação entre os genitores. Operacionalizado em duas fases, o PIFE inicia com
reuniões entre psicólogos, advogados e genitores para informações gerais, contrato e
avaliação, quando se busca determinar fatores que possam contribuir positivamente.
Na fase de intervenção propriamente dita, ocorre o trabalho para o restabelecimento
da relação da criança com o genitor rejeitado, o que pode durar até um ano, incluindo
as etapas de reconexão pais-filhos, restabelecimento e reequilíbrio dos vínculos e dos
papéis parentais. Ao longo de todo o processo, que pode durar aproximadamente um
ano, os genitores devem demonstrar seus esforços para atuar de maneira colaborativa
em ações concretas, de acordo com suas habilidades e considerando a realidade e o
contexto vivenciado pela criança.
Outra possibilidade de manejo de casos difíceis nos quais existe a recusa da
criança a estar com um dos genitores acontece através da Coordenação Parental
(CP). Essa modalidade de intervenção corresponde a uma forma relativamente nova
de solução de disputas, na qual um terceiro – o coordenador parental – auxilia os
genitores envolvidos em separações e divórcios altamente conflituosos a estabelecer
e manter relacionamentos mais colaborativos, de forma a promover o desenvolvi-
mento saudável dos filhos. Em geral, destina-se aos genitores que já estão envolvidos
em disputas legais que permanecem sem solução, apesar da passagem do tempo,
ou que não conseguem implementar planos parentais determinados judicialmente
ou decorrentes de acordos (Carter, 2011). A CP busca oferecer aos genitores uma
oportunidade para desenvolver a coparentalidade e aumentar a cooperação entre si,
minimizando o conflito e os potenciais efeitos nocivos para os filhos, associados com
as separações/divórcios litigiosos. Esta forma de intervenção pode durar até dois anos.
Os coordenadores parentais são profissionais altamente experientes, com formação
em mediação familiar, desenvolvimento infantil, aconselhamento individual, de casal
e família, bem como conhecimentos do sistema jurídico e do Direito das Famílias
(Carter, 2011; Rodriguez-Dominguez & Carbonell, 2014).
Um dos principais objetivos da coordenação parental tem sido garantir que a
segurança e o melhor interesse das crianças recebam prioridade máxima. Desse modo,
a CP atua diretamente na busca de maior conscientização dos genitores acerca do
impacto negativo da escalada dos conflitos e da alienação parental sobre os filhos.
Por esse motivo, alguns autores defendem que a CP pode servir como coadjuvante
de outras intervenções – por exemplo, programas intensivos e/ou psicoterapia de

reunificação – na promoção de mudanças mais duradouras nas dinâmicas familiares
características da alienação parental (Johnston & Sullivan, 2020; Polak, 2019; Polak,
Altobelli, & Popielarczyk, 2020). Modelos processuais de intervenção defendidos por
Johnston e Sullivan (2020) e por Polak, Altobelli e Popielarczyk (2020) descrevem
etapas sequenciadas, nas quais a coordenação parental pode entrar como um dos
componentes da intervenção, após uma etapa inicial mais intensiva.
Discussão
Os resultados da presente revisão mostram que, no cenário internacional, as

formas de intervenção para abordar a dinâmica da rejeição da criança por um dos
genitores vêm crescendo e se tornando mais diversificadas, podendo variar tanto
de acordo com a gravidade quanto com a persistência da dinâmica relacional dis-
funcional da família. Todos os trabalhos revisados compartilham a necessidade de
fornecer suporte profissional voltado para superar problemas no relacionamento entre
a criança e um dos genitores após separações altamente conflituosas. Os pressupostos
da terapia familiar sistêmica são preponderantes na literatura, podendo ser ou não
complementadas com outras abordagens. Os autores também ressaltam a necessidade
de identificação precoce e triagem de casos de separações altamente conflituosas para
atuar o mais cedo possível e não permitir que a situação se agrave, tornando-se mais
difícil de resolver com o passar do tempo.
Para os casos em que os problemas de contato entre genitor e filhos são con-
siderados graves é recomendado o encaminhamento da família para intervenções
intensivas com duração de alguns dias, que acontece em um local específico como
um acampamento de verão ou um centro/hotel que disponibiliza atividades de lazer,
com acompanhamento especializado posterior (Judge & Deutsch, 2017; Sullivan,
Ward & Deutsch, 2010; Warshak, 2019). A participação das famílias nesses progra-
mas intensivos depende de determinação judicial, pois considera-se que, na ausência
de medidas legais apropriadas para restringir ou suspender o contato com o genitor
alienador, as intervenções não terão resultados positivos (Fidler & Ward, 2017; War-
shak, 2019). Nesses casos, é difícil, se não impossível, que um relacionamento entre
genitor rejeitado e filhos seja restaurado quando a criança continua a viver com um
genitor que não apoia e/ou valoriza o relacionamento da criança com o outro genitor
(Fidler & Bala, 2010; Garber, 2015; Warshak, 2010, 2019).
Em casos mais leves e moderados de recusa da criança a conviver com o genitor
é recomendada a terapia de “reunificação” ou “reintegração” familiar. Esses mode-
los terapêuticos fundamentam-se na abordagem sistêmica e têm duração distendida
que pode variar de seis meses a um ano ou até mais de um ano. As psicoterapias
de reunificação procuram abordar diferentes subsistemas familiares, gradualmente
intervindo para recompor os relacionamentos e transformar as dinâmicas para modos
mais saudáveis de funcionamento. As intervenções podem iniciar no consultório do
terapeuta, mas não se restringem a esse espaço, variando na frequência, envolvendo
164
também a realização de atividades agradáveis/de lazer, que podem ser acompanhadas

ou não pelo terapeuta. O objetivo é chegar em uma etapa em que a criança aceite e
passe a frequentar gradualmente a residência do genitor rejeitado, contando com o
apoio progressivo do genitor preferido.
A Tabela 1, adaptada a partir de Polak e Moran (2017), descreve os principais
objetivos comuns às intervenções pesquisadas:
Objetivos para a criança Objetivos para os pais

1. Eliminar compor tamentos alienadores e de

1. Aumentar o contato com o genitor rejeitado
contra-rejeição
2. Melhorar o relacionamento da criança com o genitor 2. Mudar a forma do relacionamento coparental de
rejeitado conflitos para coparentalidade paralela ou cooperativa
3. Desenvolver um relacionamento saudável com ambos os
3. Restaurar as funções parentais do genitor rejeitado
genitores
4. Negociar práticas parentais de apoio mútuo
4. Minimizar o envolvimento no conflito parental
relacionadas à reunificação familiar
5. Reduzir distorções cognitivas, pensamentos 5. Reduzir a dependência de profissionais de saúde
estereotipados, polarizados e atitudes negativas em relação mental e jurídicos para a tomada de decisões sobre a
ao genitor rejeitado família
6. Melhorar as habilidades de enfrentamento e pensamento
6. Desenvolver uma comunicação mais eficaz
crítico da criança
Além das abordagens intensivas e de psicoterapia, novos protocolos podem

ser necessários em alguns casos. O PIFE e a Coordenação Parental são exemplos
de inovações nesse campo, e que podem trazer contribuições significativas para a
retomada dos relacionamentos fragilizados pela dinâmica disfuncional da AP. A
revisão da literatura internacional indica que ainda há muito o que avançar em ter-
mos de intervenções para essas situações no Brasil, que ainda discute a necessidade
da existência de uma legislação específica. O fato é que, havendo ou não uma lei da
AP, dinâmicas familiares disfuncionais que prejudicam os vínculos da criança com
um de seus genitores existem, e precisarão de avaliações e intervenções em saúde
mental e no campo da Justiça.
Conforme abordado nesta obra, esses padrões relacionais são complexos e exi-
gem a colaboração de diferentes áreas de conhecimento para que uma mudança real
e duradoura ocorra. Engajar os genitores numa relação colaborativa e reaproximar a
criança de um genitor que foi afastado dela de forma injustificada são os principais
objetivos dessas abordagens, que visam, em última instância, proteger a criança ao
propor transformações das dinâmicas familiares.
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18. O PAPEL DO PSICÓLOGO EM
CASOS DE ADOÇÃO NO BRASIL
Ana Queila Gonçalves Silva53
DOI: 10.24824/978652513724.7.169-178
Introdução
A adoção, na etimologia da palavra, vem do latim “adoptio”, que significa a

opção que uma pessoa tem de escolher um filho, e que por isso, é um ato deliberativo
de vontade das partes. Nesse sentido, pode-se constatar que a adoção está presente
de diferentes formas em toda a história da humanidade, sendo citada e definida desde
o período de (1728 – 1686 a.C.) em que foi reconhecida pelo Código de Hamurabi
(Weber, 1998), todavia é importante ressaltar que nessa época a adoção era instituída
com o foco de se escolher um sucessor para herdar bens e poderes, e para constituir
descendentes. Desse modo, nesse contexto histórico, pôde-se notar que a adoção
era utilizada como forma de personificar os desejos dos adotantes, não havendo
grande preocupação com o bem-estar do adotado, e com a adaptação familiar dele,
de modo que corroborando com Weber (2007) “essa ‘adoção de interesses’ tendia
essencialmente à transmissão de bens e do nome e era efetivamente utilizada para
fins de sucessão e de garantia de patrimônio”.
Na idade média, por sua vez, a adoção praticamente entrou em desuso, já que
nesse período histórico não se propagava a necessidade de estender a riqueza para
alguém que não houvesse laço consanguíneo, além de não satisfazer o desejo da ins-
tituição dominante no momento, a Igreja, que pregava o casamento e a construção de
laços consanguíneos com os sucessores como o mais correto. Porém posteriormente,
após a revolução francesa de 1789, Napoleão Bonaparte incluiu a adoção no código
civil a partir de uma legislação rígida acerca de quem poderia se constituir como
adotante e adotado, sendo o adotante um adulto com idade superior a 50 anos, no
mínimo 15 anos mais velho que o adotado e que não tivesse filhos de forma legítima.
O código civil francês se constituiu como modelo para alguns países europeus e
americanos, de modo que se tornou exemplo de como legitimar socialmente a adoção.
No Brasil, após um longo período histórico de luta pela garantia dos deveres
das crianças e dos adolescentes e pela legitimação e respaldo jurídico do processo

do Piauí (UESPI).
170
adotivo, a adoção é atualmente regulamentada pelo ECA diante da Lei nº 8.069, de

13 de julho de 1990 e pelo Código Civil, Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002.
Diante dessas considerações, a elaboração desse estudo se deu sob a perspectiva
de investigar como o Psicólogo atua nas demandas de adoção através da Vara da
Infância e Juventude no Brasil, tendo em vista que adoção é algo presente em toda
a história da humanidade e que vem ganhando visibilidade e garantias a partir das
legislações criadas e voltadas para essa área. A fim de atingir o objetivo proposto,
foram realizadas pesquisas a partir de buscas nas bases de dados do Google Acadê-
mico, Biblioteca Virtual em Saúde, Pepsic e do Scielo, partindo-se dos descritores

“Adoção”, “Vara da infância e da Juventude”, “Perícia Psicológica”, “Psicologia
Jurídica” e “Brasil” com delimitação aos trabalhos de língua portuguesa. Foram
encontrados 18 estudos, entre artigos, dissertações, monografias e/ou publicações
em mídia digital, livros e sites de referência.
Aspectos históricos legais da adoção no Brasil
No Brasil, a adoção teve os primeiros indícios com a Roda dos Expostos no

período colonial, onde crianças que eram abandonadas e muitas vezes eram encon-
tradas na rua, sendo chamadas de Expostos, assim, algumas destas crianças eram
abrigadas e cuidadas por famílias que lhes ofertavam um lar muitas vezes em troca
de serviços prestado a estas famílias. A criação das Rodas dos Expostos tinha como
intenção a redução do número de crianças que eram abandonadas nas ruas, sendo
situadas nas Santas Casas, locais onde existiam amas de leite e mulheres que cui-
davam de crianças (Silva, 2017). Nesse momento histórico, o Estado não queria se
responsabilizar por estas crianças e a elas não eram assegurados os direitos básicos e
nem eram protegidas da vulnerabilidade social, assim essas crianças eram abrigadas
por outras famílias em uma espécie de adoção da época, ou eram deixadas para serem
abrigadas por creches e orfanatos.
Dessa forma, somente em 1916 a partir da lei 3. 071 foi promulgada a adoção
pelo Código Civil Brasileiro, nessa lei era preconizado que a adoção poderia ser
realizada para pessoas ou casais sem filhos, com no mínimo 50 anos, semelhante a
lei promulgada por Napoleão Bonaparte na França, mas diferentemente a idade de
diferença entre o adotado e o adotante no Brasil deveria ser no mínimo 18 anos e
garantia inclusive que a adoção poderia ser desfeita em caso de ingratidão do adotado
contra o adotante.
Posterior a esse momento histórico, a lei brasileira da adoção só veio a ser
reformulada em 1957 a partir da Lei nº 3.133, que determinou a diminuição da idade
mínima do adotante para 30 anos, uma diminuição de 20 anos do postulado pela
legislação anterior, e que além disso preconizou que o adotado poderia ter a partir de
16 anos. Uma pontuação importante dessa lei foi a de possibilitar ao adotado que a
seu critério mantenha o nome da família de origem biológica ou acrescentar o nome
da família adotante, o que está postulado no artigo 2º, parágrafo único:
“Art. 2º No ato da adoção serão declarados quais os apelidos da família que pas-
sará a usar o adotado. Parágrafo único. O adotado poderá formar seus apelidos
conservando os dos pais de sangue; ou acrescentando os do adotante; ou, ainda,
somente os do adotante, com exclusão dos apelidos dos pais de sangue.”
Assim, pela primeira vez na jurisdição do país, a lei demonstrou dar voz e pos-
sibilidade de escolha a esse adolescente em situação de adoção. Todavia, é necessário
destacar que nesse momento histórico há a compreensão de que a adoção é permeada
pela concordância e consentimento entre adotante e adotado de modo que o processo

de adoção só era concluído a partir do consentimento das partes. Porém, quando se
tratava de uma criança que não havia consciência do processo e da melhor escolha
para o seu bem-estar, havia a necessidade da aceitação e concordância do represen-
tante legal que poderia ser os pais ou um tutor, porém a partir da lei supracitada,
datada de 1957, se iniciou um movimento para a inserção dos juízes da infância e
dos cartórios na intermediação desse processo, para assim regularizar a escritura da
adoção mediante a uma autorização jurídica. Assim, nesse momento pode-se perceber
um avanço sócio-histórico na construção de um processo mais justo e imparcial, em
busca do bem-estar de ambas as partes.
Essa lei atuou de forma única por alguns anos, até que em 1965 foi promulgada
a lei de número 4.655, que trouxe avanços reconhecidos até os dias atuais sendo eles
o rompimento definitivo da criança com a família de origem a partir da inclusão
formal do nome dos pais e avós adotantes no registro civil mediante a substituição
dos nomes dos pais biológicos e a irrevogabilidade da adoção, ou seja, que ela não
pode ser desfeita.
Em 1979, com o avanço das lutas e a busca por assegurar os direitos e a prote-
ção das crianças e dos adolescentes, a adoção passou a ser incluída como um direito
protetivo da infância a partir da lei nº 6. 697do fim da década de 70, que instituiu
o código de menores. A partir dessa lei a adoção passou a ser estabelecida de duas
formas, sendo a primeira como adoção simples cujo dependerá de autorização judicial,
devendo o interessado indicar, no requerimento, o sobrenome da família adotante que
virá a ser usada pelo adotado, em busca da regulamentação irregular do adotado. E
ainda, a segunda sendo a adoção plena que atribui a situação de filho ao adotado, o
desligando de qualquer vínculo com pais e parentes biológicos.
Assim, esse avanço na legislação de 1979 respaldou significativamente na
Constituição Federal de 1988 que em seu artigo 227 passou a assegurar a igualdade
entre os filhos biológicos ou adotados. A partir disso, o avanço continuou de forma
significativa, de modo que a adoção foi regulamentada pelo ECA, que é o Estatuto
da Criança e do Adolescente diante da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 e pelo
Código Civil, Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Segundo Ishida (2006), com
a criação do Novo Código Civil (NCC) em 2002, a adoção simples acabou sendo
extinguida, existindo apenas a classificada como plena, e o instituto da adoção passa
a ser regido em conjunto por esse dispositivo legal e o ECA.
Em 2009, houve a promulgação da Lei da adoção, nº 12.010, que dispõe sobre a
adoção e altera as leis anteriores buscando o aperfeiçoamento da sistemática prevista
172
para garantia do direito à convivência familiar a todas as crianças e adolescentes.

Nessa lei, o perfil estabelecido pelo estatuto para os adotados é de que sejam crianças
e adolescentes até 18 anos de idade, órfãs, de pais desconhecidos ou falecidos, que
concordaram com a adoção do filho ou que foram retiradas da família de origem
depois de não terem mais recursos para mantê-la.
Dessa forma, pode-se salientar que atualmente a adoção é a decisão de uma
pessoa para receber em sua família um sujeito no papel de filho que não possui ligação
consanguínea direta, porém, será seu filho da mesma maneira (Castro et al., 2014). A
partir de tal levantamento histórico sobre a legislação brasileira na adoção, é possível

perceber os avanços teóricos e consequentemente práticos da temática, uma vez que
versa diretamente com o dever do Estado e da justiça, assim é possível constatar que
ao logo dos anos há uma alteração no modo de ver esse fenômeno cultural, a partir
de uma visão mais humanitária e pautada principalmente na proteção das crianças e
dos adolescentes e na garantia dos seus direitos.
Processo de adoção no sistema judiciário brasileiro
A Lei do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a partir do seu artigo

148 e inciso III, determina que a Vara da Infância e Juventude é a competente para
conhecer os pedidos de adoção e seus incidentes. Tendo essa competência e um grande
número de adotantes e adotados na fila de espera desse processo, a vara competente
desenvolveu em 29 de abril de 2008 o Cadastro Nacional de Adoção (CNA), com
o intuito de auxiliar os juízes das Varas da Infância e Juventude nos processos de
adoção, além de tornar esse processo mais rápido por agrupar as informações neces-
sárias (Castro et al., 2014).
A partir disso, para entrar nesse Cadastro Nacional, é mister que a pessoa cum-
pra os requisitos básicos postulados na lei da adoção. Posteriormente, segundo o site
do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), existem nove passos para atender todas as
exigências legais para constituir uma família adotiva, sendo eles: Em primeiro lugar
após a decisão de adotar, o adotante deve procurar o Fórum ou a Vara da Infância e da
Juventude da sua cidade ou região, levando os documentos básicos para a realização
do cadastro. Posteriormente, o Ministério público realizará a análise documental,
podendo vir a ser necessário documentação complementar. Ademais, o terceiro passo
se constitui na avaliação da equipe multiprofissional do poder judiciário com foco no
conhecimento dos adotantes e na orientação acerca do processo adotivo. Em seguida
há a participação em programa de preparação para adoção que é um requisito legal
previsto pelo ECA, com foco em compartilhar informações.
Além disso, o quinto passo do processo de adoção é a Análise do requerimento
pela autoridade judiciária na qual o juiz proferirá sua decisão, deferindo ou não o
pedido de habilitação à adoção. Só então se passará para a etapa do Ingresso no
Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento seguido da busca de uma família para
a criança/adolescente que pode vir acompanhada de visitas ao abrigo e a manuten-
ção dos contatos iniciais entre adotante e adotado. Depois dessa busca chega-se o
momento de construir relações a partir do estágio de convivência, em que a criança

ou o adolescente passa a morar com a família adotante sendo acompanhados e orien-
tados de perto pela equipe técnica.
Por fim, o nono passo se dá com a análise das condições de adaptação e cons-
trução de vínculo pelo juiz, de modo que se as condições forem favoráveis haverá
o pronunciamento da sentença de adoção e determinação para a confecção do novo
registro civil da criança ou do adolescente, já com o sobrenome da nova família.
Nesse momento, o adotante passa a ter todos os direitos de um filho. E assim se
encerra o processo de adoção.

Dessa forma, é possível perceber que o processo de adoção é complexo e repleto
de entrelinhas que devem ser muito bem pesquisadas, estudadas e cumpridas, além de
envolver toda uma equipe profissional, que inclui um psicólogo. Todas essas etapas
e escopo da técnica foi previsto para garantir o cumprimento dos deveres sociais
com a criança e o adolescente e para trabalhar a inserção, construção de vínculo e
adaptação entre o adotante e o adotado, visando o bem-estar de todos envolvidos
nesse processo, conforme foi estabelecido ao longo dos anos de luta para essa cons-
tituição legal da adoção.
Além disso, outra variável muito comum e preocupante no processo de adoção
brasileiro é a percepção de uma dificuldade na adoção de crianças maiores ou adoles-
centes, por serem estabelecidas práticas negativas ligada à adoção tardia (Puretz &
Luiz, 2007). Essa dificuldade é muitas vezes atrelada ao medo e receio da adaptação
e da formação de vínculos com crianças maiores ou adolescentes, entre outros fatores
subjetivos e sociais envoltos nessa questão. Todavia de toda forma se percebe uma
grande necessidade de desmistificar esses receios, e do trabalho ativo da equipe
judiciária nesse processo.
Atuação do psicólogo forense no processo de adoção
A partir do estudo acerca da história, legislação, práticas e processos de ado-

ção é possível perceber que é uma etapa que pode ser muito angustiante, dolorosa
e difícil tanto para as crianças e adolescentes que estão aguardando “encontrar um
lar”, quanto para os adotantes que passam muito tempo do processo envolvidos na
fila de adoção e no processo burocrático e documental da adoção.
Com isso, é possível notar que o papel do psicólogo se torna imprescindível
e deve fazer-se na busca do acolhimento das crianças, na preparação delas para a
adoção, na entrevista de avaliação dos pretendentes à adoção e no acompanhando
do(s) adotante (s) e a criança no estágio de convivência. O psicólogo vai atuar dire-
tamente como o mediador nesse processo de adoção e atuando fundamentalmente no
suporte emocional a ser dado à criança como pautado por Alvarenga e Bittencourt
(2013, p. 11).
Portanto, o processo de adoção perpassa pelo contexto jurídico e por isso há
uma necessidade que essa atuação do psicólogo seja pautada na Psicologia jurídica
que é a área da Psicologia que se relaciona com o direito, a partir da utilização do
174
conhecimento psicológico na contribuição das práticas legais, de modo a auxiliar o

juiz nas suas decisões sobre o que está sendo legalmente averiguado a partir da perí-
cia psicológica e da elaboração do parecer psicológico. Assim, o profissional pode
contribuir nos variados assuntos judiciais e varas, sendo uma delas a Vara da Infância
e Juventude que é competente para conhecer os pedidos de adoção e seus incidentes.
O psicólogo também pode atuar no momento em que muitas crianças disponí-
veis para a adoção não estão preparadas psicologicamente para ligarem-se a outra
família, de modo que se deve priorizar a dimensão do tempo psíquico da criança em
relação ao tempo jurídico (Alvarenga & Bittencourt, 2013). A partir disso, o papel
da Psicologia deve ser justamente na promoção do bem estar psíquico dessa criança
de modo a utilizar os instrumentos necessários para promover sua saúde psíquica, o
que consequentemente irá resultar em uma melhor construção de vínculo e processo
de adaptação na família adotiva, pois corroborando com Alvarenga e Bittencourt
(2013), uma preparação deficiente da criança tanto quanto candidatos mal informados
e mal preparados, dificultam o processo de construção da filiação, gerando profundos
sentimentos de fracasso em todos os envolvidos, além de não priorizar o bem estar
previsto em lei.
Segundo Rovinski (2007), o psicólogo é legitimado no papel de perito a partir
do Decreto-lei 53.664, de 21 de janeiro de 1964, que afirma que caberia ao psicólogo,
entre outras atribuições, “realizar perícias e emitir pareceres sobre matéria de Psico-
logia”. Nesse sentido, na adoção essa perícia poderá ser feita com os adotantes tanto
para avaliar suas condições psíquicas e emocionais quanto para colher informações
sobre as condições ambientais e financeiras da família como pautado pelo CNJ na
terceira etapa do processo adotivo.
Assim, o psicólogo pode utilizar de uma avaliação psicológica comprometida
e coesa para chegar ao parecer mais coerente do caso que está sendo investigado.
Nesse sentido, vale ressaltar que segundo o Artigo 1º da Resolução nº 9 de 25 de
abril de 2018 do Conselho Federal de Psicologia CFP. A avaliação psicológica é:
“Definida como um processo estruturado de investigação de fenômenos psicoló-

gicos, composto de métodos, técnicas e instrumentos, com o objetivo de prover
informações à tomada de decisão, no âmbito individual, grupal ou institucional,
com base em demandas, condições e finalidades específicas.” (Conselho Federal
de Psicologia, 2018).
Dessa forma, durante a perícia, o psicólogo poderá usar as técnicas que melhor
se adequem ao caso em questão, levando em conta a sua importância e necessidade
para chegar ao fim desejado. Nesse sentido, algumas técnicas que podem ser utilizadas
são a entrevista com anamnese para fazer um levantamento da história de vida dos
adotantes, suas motivações, seus sentimentos e emoções envolvidos no processo, além
de poderem utilizar a realização de visitas domiciliares e institucionais, observações,
aplicação de testes psicológicos, de acordo com as demandas do processo de adoção.
Além disso, também podem utilizar de recursos lúdicos, realizar escutas, estabelecer
parcerias com outros profissionais além de acompanhar, orientar e preparar as ações
necessárias que envolvam essa demanda, entre outros métodos e técnicas que fazem
parte da perícia.
Conclusões
A partir de revisão da literatura, foi identificado que o processo de adoção se

faz presente durante toda a história da humanidade estando presente em diferentes
contextos sócio-históricos e em muitos avanços legais conquistados ao longo do
tempo. Ademais, também foi possível perceber que é envolto por um longo e com-
plexo processo de etapas até que a adoção seja constituída, perpassando por uma
avaliação rígida a partir de uma equipe interdisciplinar.
Nesse sentido, o estudo e a investigação do processo de adoção têm demonstrado
a necessidade do profissional de Psicologia antes, durante e depois de todo o processo
de adoção. Para que se constate que as etapas do processo de adoção sejam cumpridas
de forma assertiva e comprometida com o bem-estar físico, mental e emocional do
adotado e do adotante é necessário que haja uma avaliação psicológica bem feita,
utilizando dos métodos e técnicas necessários para o melhor cumprimento dessa
etapa de perícia e elaboração do parecer psicológico.
A revisão de estudos apresentada neste trabalho pretende contribuir para a
melhor compreensão do papel do psicólogo no processo de adoção, em busca de
identificar as suas possibilidades de atuação e a sua importância nesse contexto. A
conclusão é que os dados sugerem uma grande demanda para a necessidade de o
profissional de psicologia, tendo em vista a sua contribuição nos aspectos emocionais
dos envolvidos e na sua atuação na realização de avaliação e perícia psicológica e
elaboração de documentos a fim de embasar as decisões judiciais.
Além disso, pode-se perceber o quanto se necessita de um maior embasamento
sobre o assunto durante a formação acadêmica dos profissionais, para que haja uma
atuação mais coesa, prática e objetiva, tendo em vista que é um campo de atuação
bastante específico e necessário.
Por fim, também foi observada a necessidade de uma atuação voltada a des-
mistificar o preconceito existente em torno da adoção para que esse seja um assunto
percebido com a devida importância e sem preconceitos pela sociedade, principal-
mente no que tange a adoção tardia.
176
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NO BRASIL: uma revisão de literatura

DOI: 10.24824/978652513724.7.179-184
Introdução
A perícia psicológica é um campo de atuação da Psicologia forense, que por sua

vez se constitui como sendo toda psicologia orientada para a produção de investigações
psicológicas e para a comunicação de seus resultados, assim como a realização de
avaliações e valorações psicológicas, para sua aplicação no contexto legal (Rovinski,
2000). Nesse sentido, a perícia psicológica é considerada uma prova técnica processual
e auxilia o magistrado a tomar uma decisão legal, emitida sob a forma de sentença, e
que dessa forma contribui de forma significativa na intersecção entre a Psicologia e o
Direito a partir do fornecimento para o juiz do que foi solicitado à perícia.
Dessa forma, no contexto pericial o psicólogo irá escolher trabalhar com a
metodologia e as técnicas que melhor considere necessárias para investigar a subje-
tividade daquele quesito e para coletar dados tendo em vista a especificidade daquele
caso o qual almeja investigar. Nesse sentido, o perito deverá sempre se questionar
se o método escolhido será capaz de responder as demandas levantadas, tendo em
busca o resultado pericial mais confiável e adequado. Assim, pode-se constatar que
não há metodologias fixas ou imutáveis dentro do que se refere ao campo pericial.
A partir de tais informações, se demonstra a necessidade de que o psicólogo se
mantenha sempre engajado com o que está se investigando de modo que ao ser solicitada
a sua atuação como perito, estude os autos do processo, para assim elencar de forma
assertiva as etapas da investigação a serem seguidas e os métodos a serem utilizados
para a realização de uma coleta de dados comprometida com o objetivo final do trabalho.
Nesse meandro, é importante mencionar que no Brasil, desde a instituição da Lei
do Divórcio em 1977, ano após ano é constatado um aumento significativo no número
de separações no país, de modo que em 1984, o número de registros de separações
conjugais era 30,8 mil; e já em 2014, houve um salto para 341,1 mil, evidenciando
um aumento de 1.107% (Lei nº 13.105, 2015). A partir disso, tem-se que por se tratar
de um fenômeno social complexo, o divórcio envolve inúmeras mudanças familiares

do Piauí (UESPI).
180
e pessoais, que muitas vezes acarreta na necessidade de envolver o processo litigioso

para resolução de conflitos. Assim, uma das necessárias intervenções legais se dá no
processo de disputa de guarda dos filhos, que, por sua vez, cria demandas judiciais
específicas (Castro, 2003).
Nesse sentido, a palavra guarda está diretamente ligada ao poder familiar, um
direito natural, interpretado como poder em relação aos filhos (Oliveira, 2008). Essa
guarda é definida visando o bem-estar da criança, a partir disso esse bem estar foi
garantido legalmente com o Código Civil que vigorou a partir de janeiro de 2003, no
qual o juiz passou a conferir a guarda àquele genitor que apresentar mais aptidão para
propiciar aos filhos: a) afeto nas relações com o genitor e com o grupo familiar; b) saúde
e segurança; c) educação (artigo 1.583, §2°, Novo Código Civil). (Shine, 2010).
Dessa forma, tem-se a avaliação para definição ou disputa de guarda que é
trabalhada a partir do direito da família em busca da investigação e cumprimento
legal do cuidado com a criança. Assim, a definição ou disputa de guarda, foco do
trabalho em questão, ocorre quando após a separação conjugal não há um comum
acordo para a definição da guarda da(s) criança(s) entre os pais, sendo necessária
uma determinação judicial para tal. A partir disso, o juiz determina que haja uma
perícia psicológica com pais, filhos e se necessário com terceiros, pois concordando
com Rovinski (2003), as perícias que examinam as competências parentais, que é o
caso da disputa de guarda, não devem focar apenas na avaliação dos aspectos intrap-
síquicos dos pais, tendo em vista que também é necessário levar em consideração os
aspectos relacionais e as redes de apoio da família, tanto paterna quando materna.
Assim, uma perícia ética e comprometida, avaliando todos os aspectos do auto do
processo e investigando a sua melhor forma de atuação agirá para que a guarda dessa
criança seja determinada de forma mais coerente e imparcial, visando o bem-estar
do infante, que nesses casos, é o núcleo de interesse da justiça.
A partir de tais informações, esse trabalho objetivou analisar as práticas de
perícia psicológica em casos de disputa de guarda ocorridas no Brasil. Para obter tais
dados, buscas foram realizadas nas bases de dados do Google Acadêmico, Biblioteca
Virtual em Saúde, Pepsic e do Scielo, partindo-se dos descritores “perícia psicoló-
gica”, “disputa de guarda”, “psicologia forense”, “Brasil” e “Vara de família” com
delimitação aos trabalhos em língua portuguesa produzidos entre os anos de 2011
e 2021. Assim, foram encontrados 32 trabalhos, bem como artigos, dissertações,
monografias e/ou publicações em mídia digital, livros e sites de referência, os quais
foram analisados e estudados para a construção desse trabalho.
Etapas da perícia psicológica
Tendo conhecimento acerca do que é uma perícia psicológica e de quais são

seus deveres e objetivos, pode-se constatar que os instrumentos que virão a serem
utilizados na perícia psicológica forense devem consistir de “métodos e materiais
adequados, destinados a analisar e avaliar aspectos referentes à estrutura da persona-
lidade, à cognição, à dinâmica e à afetividade das pessoas envolvidas” (Silva, 2003).
A partir disso, durante a revisão da literatura pôde-se perceber que o repertório
procedimental se mostrou frequentemente semelhante e apresentado a partir do uso
de: entrevistas psicológicas, visitas domiciliares, observação, escuta, bem como o

uso de testes projetivos e/ ou psicométricos, com foco nos de personalidade, inteli-
gência e atenção.
Nesse sentido, foi possível perceber que as entrevistas psicológicas estão sempre
presentes no processo pericial e se constituem como o momento inicial de ligação
entre o periciando e o perito, muitas vezes em forma de anamnese, na busca de colher
os dados iniciais e as informações pertinentes da história de vida do indivíduo, assim
como com o objetivo de entender os fatos que levaram a resultar no processo e na
solicitação da perícia em questão e de observar a posição dos entrevistados frente a

essas questões supracitadas.
Além disso, a entrevista também pode vir a ser necessária na realização com
terceiros, que são outras pessoas além das envolvidas nesse processo, mas que tenham
alguma ligação com estas, por exemplo pessoas do seu seio familiar e amigos. Nesse
sentido, concordando com Rovinski (2003), essa necessidade de envolver e entrevistar
terceiros se torna evidente algumas vezes a partir da busca pericial de entender e
responder imparcialmente as questões pré-determinadas pela justiça.
Além das entrevistas, os testes psicológicos, por sua vez, se constituem como
outro método pericial que contribui para a realização da investigação pericial, esse
método, assim como a entrevista, tem como objetivos responder as questões levan-
tadas pelo juiz na solicitação da perícia. Vale ressaltar que a utilização desses testes
é perpassada por algumas questões, tais quais, sua forma que pode ser projetivo
ou psicométrico, seu objetivo acerca de qual construto se deseja avaliar, além de
necessitar obrigatoriamente que esteja aprovado pelo Sistema de Avaliação de Testes
Psicológicos (SATEPSI). Dessa forma, se evidencia que cabe ao psicólogo investigar
qual o melhor instrumento em cada caso a partir do objetivo ao qual se busca inves-
tigar e cumprir todos os requisitos para sua aplicação ética e profissional.
Todavia, os testes psicológicos não são utilizados em todos os casos de perícia,
assim como não são utilizados por todos os psicólogos peritos; para Rovinski (2009),
os testes, sejam psicométricos ou projetivos, funcionam como instrumentos auxiliares.
No entanto, mesmo não sendo utilizados em todos os processos periciais, é mister
salientar que esse instrumento apresenta algumas vantagens em relação a tão comum
entrevista, sendo algumas delas a de aprofundar na compreensão do sujeito, mensurar
aspectos subjetivos que não são percebidos a partir de entrevista ou da observação,
além de possibilitar o conhecimento do estado mental dos individuais e de alcançar
aspectos quase inacessíveis por meio das entrevistas psicológicas.
Posterior a realização da entrevista e da aplicação de testes psicológicos poderá
ser realizada um estudo do perito acerca dos aspectos já respondidos e dos que ainda
necessitam uma investigação mais aprofundada, para que assim esse profissional
determine o próximo passo em busca da elaboração do documento, laudo pericial,
a ser repassado para o juiz como resultado da perícia psicológica. O laudo pericial
deve ser redigido de forma clara e objetiva, tendo em mente que os argumentos, con-
clusões e recomendações ali dispostos exercerão muita influência sobre as decisões
dos juízes na definição de guarda e nas questões de visitação da criança (Taborda,
Chalub & Abdalla-filho, 2006).
182
Instrumentos utilizados pelos psicólogos peritos em casos de disputa

de guarda
A partir das constatações já expostas, observou-se que há uma ampla variedade

de instrumentos que podem vir a ser utilizados pelos psicólogos. Todavia, segundo
uma investigação de Lago e Bandeira (2008), em casos de disputa de guarda a entre-
vista era a técnica mais utilizada, seguida pelos testes psicológicos, que por sua vez
tinham o teste projetivo House-Tree-Person (HTP) como o mais utilizado com os
pais e com as crianças e adolescentes.

Ademais, durante o estudo foi constatado que no Brasil existem poucos estu-
dos e instrumentos psicológicos adaptados para a utilização na perícia de disputa de
guarda. Dentre os poucos instrumentos existentes no cotidiano brasileiro, tem-se o
Sistema de Avaliação do Relacionamento Parental (SARP) como um instrumento
muito importante e destinado para processos judiciais de disputa de guarda.
O Sistema de Avaliação do Relacionamento Parental (SARP) foi desenvolvido
por Lago e Bandeira (2013) e se constitui como um conjunto de técnicas que objetiva
avaliar a qualidade do relacionamento entre pais e filhos, de forma a subsidiar possí-
veis recomendações acerca da guarda dos filhos. Desse modo, o SARP é composto de
três técnicas: uma entrevista semiestruturada aplicada aos genitores, um protocolo de
avaliação infantil aplicado às crianças de 5 a 12 anos (Meu Amigo de Papel) e uma
escala (Escala SARP) pontuada pelo próprio avaliador, com base nos dados colhidos
por meio da Entrevista SARP e do protocolo de avaliação infantil, podendo incluir
ainda, dados colhidos por meio de outros testes, entrevistas com terceiros, interação
pais-filhos e observações clínicas.
Dessa forma, através de pesquisas e investigações acerca dos instrumentos
utilizados por psicólogos peritos, notou-se que as entrevistas e os testes de persona-
lidade projetivos são os principais instrumentos utilizados na perícia psicológica no
contexto da disputa de guarda no Brasil, havendo poucos instrumentos internacionais
adaptados para a utilização no contexto brasileiro.
Conclusões
O presente capítulo teve como objetivo analisar as práticas de perícia psico-

lógica em casos de disputa de guarda ocorridas no Brasil através de uma revisão de
literatura. A partir disso, sabendo da importância do olhar atento do psicólogo nesse
processo pode-se notar que há uma carência nos estudos sobre a perícia psicológica
voltada às disputas de guarda no Brasil, tendo em vista que mesmo sendo um tema
amplo é abordado de forma precária dentro de vários outros assuntos.
Além disso, também se evidenciou à necessidade da construção e adaptação
de instrumentos mais direcionados a utilização na perícia psicológica em casos de
disputa de guarda, assim como instrumentos mais específicos que envolvem a área,
como para a avaliação de abuso sexual e alienação parental, por exemplo.
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20. ADOÇÃO INTRAFAMILIAR:
uma revisão teórica
DOI: 10.24824/978652513724.7.185-190
Introdução
Durante a história do Ocidente e em específico da sociedade brasileira, a con-

cepção de um modelo único ideal de família era propagada como o correto. Esse
modelo consistia na família nuclear burguesa, composta por pai, mãe e filhos, que
tinham uma ligação consanguínea, de modo que quando a família fugia desse padrão
era considerada como “desestruturada” (Szymanski, 1995). Porém, por mais que esse
tenha sido o modelo mais propagado durante muito tempo ele não é o único existente,
assim como não representa todos os arranjos familiares presentes na sociedade. Assim,
compreende-se atualmente que a definição de família é variável principalmente em
razão do contexto sócio-histórico-cultural a qual está inserida.
Nesse sentido, Dessen e Polonia (2007) consideram que as transformações
tecnológicas, sociais e econômicas favorecem as mudanças na estrutura, organização
e padrões familiares, assim como as mudanças das expectativas e papéis de seus
membros. Dessa forma, corroborando com Pretzold (1996), o conceito de família
integra um grupo social especial, caracterizado por relações íntimas e intergeracionais
entre seus membros. Essas relações são, na maioria das vezes, envolvidas por um
conjunto de significados que são associados e perpassados por aspectos cognitivos,
afetivos, sociais e culturais específicos daquela relação.
Assim, diante das diversas formas de composição familiar, Schettini et. al
(2006), propôs que a adoção é vista como uma forma de construir uma família que
pode trazer resultados tão satisfatórios quanto a de filiação biológica. A partir disso,
pode-se constatar que tal proposição concorda com o artigo 19 do Estatuto da Criança
e do Adolescente (ECA), que considera que na constituição familiar é fundamental
que o direito da criança e do adolescente seja assegurado de forma que ele seja criado
e educado no seio de sua família e, excepcionalmente, em uma família substituta,
assegurando assim a convivência familiar e comunitária, em ambiente que garanta
seu desenvolvimento integral.

186
Nesse sentido, é importante ressaltar que segundo Baranoski (2016), a família

natural é a família biológica formada entre os pais e os filhos que a presenta con-
sanguinidade, enquanto a família substituta é a formada por vínculos jurídicos ou
afetivos, sem a relação biológica de identidade. Essa possibilidade de construção de
vínculos e cuidado com a criança ou o adolescente atende ao preconizado no Estatuto
da Criança e do Adolescente – ECA, que é a lei regulamentadora da adoção e que a
considera de caráter irrevogável.
Todavia, mesmo com o asseguramento legal e todo o processo de construção
e resolução da adoção no Brasil, é necessário se levar em conta que a sociedade

brasileira por não ser nada homogênea, reflete isso também em suas práticas ado-
tivas (Abreu, 2010). Desse modo, entende-se que a forma tradicional de adoção
é justamente a adoção legal, imposta pela legislação brasileira, e assegurada pelo
Estatuto da Criança e do Adolescente e pela Lei 12.010 de 2009 (Lei da adoção),
que impõem a separação da criança de sua família biológica e lhe garante os mesmos
direitos e deveres de filhos consanguíneos, tendo direito a nome e bens da família
adotante. Porém, mesmo ela sendo a forma mais tradicional do processo adotivo,
ela não considera a única.
Nesse sentido, vale ressaltar que também existe a chamada “Adoção à brasi-
leira”, também mencionada muitas vezes pelo senso comum ao denominar o adotado
como “filho de criação”, essa forma se refere ao processo de adoção sem regis-
tro judicial, muito comum no país e que devido a falta do caráter comprobatório
não é possível mencionar a sua prevalência, assim como em qual público social é
mais observada.
A partir disso, também pode-se mencionar que além da adoção legal e da adoção
à brasileira, há a existência da adoção extrafamiliar que ocorre quando a criança é
adotada por pessoas que não têm relação de parentesco com nenhum de seus pais
biológicos e a adoção intrafamiliar que ocorre quando a criança está sob cuidados
de pessoas que têm relação de parentesco com pelo menos um dos pais biológicos
(Schechter, 1989), e é sobre essa que esse trabalho versa.
Diante dessas pontuações acerca da constituição do conceito de família e da
exposição dos processos de adoção existentes no Brasil, a elaboração desse estudo se
deu sob a perspectiva de investigar a prevalência e ocorrência da adoção intrafamiliar
no país, além de averiguar como é evidenciado o papel do psicólogo nesse processo,
tendo em vista que adoção em suas diferentes formas é significativamente presente na
sociedade brasileira. A fim de atingir o objetivo proposto, foram realizadas pesquisas
a partir de buscas nas bases de dados do Google Acadêmico, Biblioteca Virtual em
Saúde, Pepsic e do Scielo, partindo-se dos descritores “Adoção intrafamiliar” e “Psi-
cologia” sem delimitação aos trabalhos. A partir de tal busca foram encontrados 27
estudos, entre artigos, dissertações, monografias e/ou publicações em mídia digital,
livros e sites de referência, os quais foram analisados e estudados a fim de investigar
os objetivos previamente determinados.
A adoção intrafamiliar no Brasil
Segundo Fu e Matarazzo (2001), a adoção intrafamiliar ocorre quando a criança

ou o adolescente fica sob os cuidados de pessoas que têm relação de parentesco com
a mãe ou pai biológico por um período superior a 12 meses. A partir de estudos sobre
essa prática de adoção pode-se contatar que ela é comum no contexto sócio-histórico
e cultural brasileiro, tendo em vista que mediante a falta dos pais biológicos outros
membros familiares costumam assumir esse dever de cuidar e garantir o bem-estar
e os direitos dessas crianças. Dessa forma, essa prática pode ser caracterizada como
uma adoção, pois os familiares adotantes acabam por se tornarem responsáveis pela
educação, saúde e orientação daquele indivíduo, cumprindo o que é previsto pela
Lei do Estatuto da Criança e do Adolescente em seu artigo 3º:
Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes

à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegu-
rando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades,
a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social,
em condições de liberdade e de dignidade. (Lei 8.069, 1990).
A partir da constatação da adoção intrafamiliar como uma forma de adoção,

algumas pesquisas de Lee Fu e Eneida B. Matarazzo em 2001 constataram que o
número de adoção intrafamiliar predomina na população geral brasileira, em rela-
ção à adoção extrafamiliar, revelando ser um tipo de constituição familiar comum
no contexto sociocultural brasileiro e que por isso necessita de constante estudo e
investigação para compreender, abordar e atuar nessa temática tão necessária.
Nesse sentido, esses dados de predominância da adoção intrafamiliar chamam
a atenção, uma vez que esse tipo de adoção é considerado, por diversos autores,
como sendo mais problemática por geralmente envolver situações familiares mais
complexas, assim como ser perpassadas por motivações diferentes das que levam as
adoções extrafamiliares (Schechter, 1989). A partir dessa compreensão, os motivos
para esse tipo de adoção ser considerado mais problemático podem ser múltiplos,
dentre eles pode haver o fato da adoção não se dar por meio de processos judiciais
e a partir disso não propiciar aos familiares opção em relação à aceitação da criança
ou do adolescente no seu contexto familiar.
Além disso, tal tipo de adoção também pode propiciar medo, ansiedade e angús-
tia tendo em vista que a decisão de adotar aquela criança ou adolescente pode muitas
vezes ser decidida de forma abrupta sem determinar se os adotantes estão prontos ou
motivados para tal e ocasionando que alguns familiares podem assumir tal responsa-
bilidade em nome de sentimentos como compaixão e culpa, para evitar uma criação
inadimplente para a criança (Fu e Matarazzo, 2001). O que difere consideravelmente
do processo de adoção legal em que o adotante procura entrar na fila de adoção a partir
de uma motivação individual e participa de preparações e do processo de aceitação,
criação e desenvolvimento de vínculo e por fim a inserção do adotado na família.
188
Nesse meandro, é importante levar em conta como irá se dar esse processo de
construção de vínculo e adaptação entre o adotante e o adotado na adoção intrafami-
liar, tendo em vista que conforme o estudo realizado por Otuka, Scorsolini-Comim,
e Santos (2012), a forma que se dá a origem da adoção e o processo de inserção da
criança ou do adolescente no novo núcleo familiar, assim como as motivações da
família adotante e a forma como processo de adoção se configura na realidade do
lar substituto podem impactar diretamente o desenvolvimento posterior da criança e
seu relacionamento intrafamiliar.
Ademais, também é presente a questão da nomeação existente entre o adotado e

o adotante na adoção intrafamiliar, tendo em vista que na adoção legal o sobrenome
da família adotante é incluso no adotado mediante ao cumprimento do processo de
adoção, porém no caso intrafamiliar essa nomeação e a forma de se chamarem se
torna específica e peculiar, tendo em vista que a família adotiva e a biológica são
essencialmente a mesma, o que também pode ocasionar conflito ao longo prazo na
construção e manutenção de vínculo entre os envolvidos.
Dessa forma, é evidente todos os processos socioemocionais que envolvem
o processo de adoção intrafamiliar e nesse mesmo sentido, o quanto é importante
a presença de um profissional de Psicologia na atuação da formação de vínculo,
mediação de conflitos e principalmente para utilizar dos métodos e técnicas que visar
necessário na subjetividade da relação entre adotante e adotado.
Atuação do profissional de Psicologia
A partir dos dados observados no estudo sobre a adoção intrafamiliar, pode-se

constatar que é uma área que necessita da atuação dos profissionais de Psicologia
Jurídica, tendo em vista que eles podem contribuir com uma avaliação psicossocial
da existência e da qualidade do vínculo estabelecido entre a criança e o familiar,
assim como na construção do vínculo quando esse é inexistente.
Todavia, o que se percebe na literatura a partir de estudos e trabalhos sobre
esse tipo de adoção é a inexistência da menção da atuação do profissional de Psi-
cologia nesse processo, o que demonstra uma fragilidade, pois concordando com
Alvarenga e Bittencourt (2013), os psicólogos podem realizar atendimentos e orien-
tações, objetivando facilitar a adaptação entre a criança e a família além de ajudar a
criança em seu luto pela mãe de origem, assim como aos futuros pais adotivos que
nem sempre conseguem lidar com a rejeição que muitas vezes é a causa central dos
conflitos familiares.
Os psicólogos também podem atuar na busca de identificar a motivação para
filiação, que muitas vezes é deixada de lado no processo de adoção intrafamiliar,
priorizando também averiguar as condições psicológicas do postulante para o cuidado
de uma criança ou adolescente, segundo seus “conhecimentos peritos”, conforme
mencionado por Coitinho Filho (2017). A análise psicológica também pode contribuir
para compreender a subjetividade envolvida no processo, bem como o significado que
essa criança ou adolescente adotado tem para os adotantes (Fiorelli & Mangini, 2015).
Dessa forma, pode-se compreender que tanto a adoção legal quanto a intrafami-
liar necessitam de um acompanhamento psicológico contínuo no processo, de forma
que perpasse o antes, o durante e o depois desse processo visando justamente o bem-
-estar do adotante e do adotado, assim como a construção e permanência do vínculo.
Conclusões
A partir da construção do presente trabalho, foi identificado que o processo de

adoção intrafamiliar se faz presente na maioria dos casos de adoção no Brasil, sendo
permeada por muitas variáveis subjetivas e sociais.
No entanto, a revisão de estudos apresentada neste trabalho demonstrou uma
escassez teórico científica de trabalhos na área da adoção intrafamiliar brasileira,
sendo pouco citada e pesquisada no país, dessa forma evidencia-se a necessidade de
uma maior construção teórica nessa área que é tão presente no cotidiano brasileiro.
Nesse sentido, o estudo e a investigação do processo de adoção evidenciou a
necessidade do profissional de Psicologia continuamente nesse processo, em busca de
trabalhar a partir de métodos e técnicas próprios em busca da garantia do bem-estar
da família adotiva e da criança ou adolescente adotado. Todavia, mesmo com o fato
de estar permeada por conflitos e demandas se notou que o papel do psicólogo quase
não é descrito especificamente para a adoção intrafamiliar, sendo apresentado poucas
vezes e apenas de forma geral no contexto da adoção.
Por fim, é importante expressar a necessidade de construções de trabalhos brasi-
leiros voltados para a adoção intrafamiliar e para a atuação psicológica nesses casos.
190
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21. CONSEQUÊNCIAS
PSICOLÓGICAS DA ALIENAÇÃO
PARENTAL PARA A CRIANÇA
Danilo de Lima Tavares59
Francisca Milena Gonçalves Ribeiro60

DOI: 10.24824/978652513724.7.191-194
Introdução
A alienação parental (AP) é um processo que ocorre há várias décadas, mas,

apenas no ano de 2010 a lei que dispõe sobre AP foi aprovada no Brasil. De acordo
com a Lei n° 12.318, de 26 de agosto de 2010, o Art. 2°:
Considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológico

da criança e do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos
avós ou pelos que tenha uma criança ou adolescente sob sua autoridade, guarda
ou vigilância para que repudie o genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento
ou a manutenção de vínculo com este (Lei n° 12.318, 2010).
Nesse contexto, o processo de AP ocorre em situação de disputa de custódia nas

quais o genitor alienador objetiva tornar os vínculos com a criança mais fortes, ao passo
que destrói a relação da mesma com o genitor alienado, acarretando sequelas psicoló-
gicas para a criança vítima. De acordo com Souza (2010), os transtornos acarretados
para a criança vitimada de AP podem perdurar por toda a vida com traumas semelhan-
tes à perda de um dos pais. Além disso, diversas outras consequências, em especial
psicológicas, podem surgir decorrentes dessa prática, tais como ansiedade e depressão.
Além disso, o número de divórcios vem aumentando ao longo dos anos, o que,
por si só, já pode gerar conflitos e sofrimento aos envolvidos, inclusive aos filhos,
pois é um momento sensível para a família. Com esse aumento, as disputas por guar-
das também aumentaram e, consequentemente, passou-se a aparecer mais questões
relacionadas à AP, haja vista que o término do relacionamento está associado com
59 Discente do Curso de Psicologia da Universidade Estadual do Piauí (UESPI).

192
frustração, não aceitação do término e um desequilíbrio psíquico, podendo gerar um

sentimento de vingança em um dos genitores, que vê no filho uma forma de causar
sofrimento no outro genitor, tornando-se um alienador. Nuske e Grigorieff (2015),
ao citar Mello (2012), concordam que a alienação abriga um claro sentimento de
vingança ao outro pai.
Dessa forma, o presente capítulo destina-se a fazer um compilado do estudo
bibliográfico para identificar as consequências psicológicas da alienação parental para
criança, pois se mostra bastante relevante o aprofundamento de tal assunto para uma
maior compreensão dessas consequências para crianças e adolescentes, visto que a

AP gera sofrimento psíquico aos envolvidos.
Construto alienação parental e suas consequências psicológicas para

a criança
A alienação parental pode ocasionar diversas consequências jurídicas para o

genitor alienador e várias sequelas sociais, emocionais e psicológicas, tanto para o
genitor alienado quanto para crianças vítimas de alienação. Essas consequências psi-
cológicas na criança vitimada podem refletir, inclusive, na vida adulta desse indivíduo.
A tendência é que no futuro a criança que sofreu de alienação parental, no momento

em que for adulta haja da mesma forma, procurando buscar alienar seus filhos,
além que irá sofrer grande dificuldade se relacionar em meu a sociedade, levando
até mesmo ao fracasso profissional em relacionamentos amorosos (Fonseca, 2006).
De acordo com Zanatta e Silva da Cruz (2021), os impactos causados pela AP

podem variar de acordo com a idade, intensidade e frequência das manipulações,
além do tipo de relação que a criança possuía com os pais, entre outros. Entretanto,
mesmo que de forma diferente, as consequências psicológicas desse abuso estarão
presentes na vítima, podendo ocasionar, segundo Vieira e Botta (2013), transtornos
de ansiedade, insegurança, baixa autoestima, depressão crônica, nervosismo, ansie-
dade, agressividade.
Assim, os reflexos causados nas crianças e adolescentes com a prática da alie-
nação parental fere direito fundamental de conviver com seus familiares e prejudica
a afetividade, constituindo abuso moral e descumprimento dos deveres advindos
com a autoridade dos pais, ou decorrentes de tutela ou guarda, conforme previsto no
artigo 3º da Lei de Alienação Parental:
A prática de ato de alienação parental fere direito fundamental da criança ou d

adolescente de convivência familiar saudável, prejudica a realização de afeto
nas relações com genitor e com o grupo familiar, constitui abuso moral contra a
criança ou o adolescente e descumprimento dos deveres inerentes à autoridade
parental ou decorrentes de tutela ou guarda (Lei n° 12.318, 2010).
De acordo com Madaleno (2014) a consequência mais explícita da alienação

parental é a ruptura com um dos genitores. A criança sente-se solitária, vazia, há uma
perda de modelo familiar (ex. modelo de pai ou mãe), déficit de aprendizagem, altera-
ções no desenvolvimento de autoconceito e autoestima, carências que podem fomentar
depressão, transtorno de identidade, consumo de álcool e drogas e até suicídio.
De acordo com Rosa (2012), as crianças que sofrem de alienação parental per-
dem a confiança, amor e o relacionamento com o genitor que foi alienado e têm seu
desenvolvimento e equilíbrio psíquicos afetados a partir do conhecimento de fatos
inapropriados para a idade e a maturidade que possuem. Em decorrência disso, é

possível o surgimento de transtornos como baixa autoestima, assim como pode afetar
seus relacionamentos sociais e suas relações futuras.
Segundo Segura, Gil e Sepulveda (2006) acrescentam o maior risco para desen-
volver alguns transtornos psicopatológicos (ex. transtornos de ansiedade e de con-
duta), dependência emocional, dificuldades de expressão e compreensão das emoções.
Nos transtornos de ansiedade, durante as visitas do genitor que sofre aliena-
ção parental, os filhos passam por um momento estressor, no qual são observadas
características físicas como respiração acelerada, vermelhidão da pele, transpiração,
elevação do tom de voz, tremores, terminando em transbordamento emocional, não
sendo capaz de estar na frente do pai rejeitado com normalidade.
Em relação à dependência emocional, as crianças que convivem nas situações
de alienação parental têm medo de serem abandonadas pelos pais com quem vivem,
pois sabem, e sentem que seu carinho é condicionado. Eles devem odiar alguém
para ser amado e aceito pelo outro, e esse ódio deve ser sem ambivalência; tudo isso
criará uma forte dependência emocional para o menor, resultando na criação de uma
relação patológica entre pai e filho.
As dificuldades na expressão e compreensão das emoções por parte das crianças
alienadas consiste na exteriorização de emoções de maneira errônea, concentrando-se
excessivamente em aspectos negativos, falta de capacidade empática, tendo dificul-
dade em se colocar no lugar de outras pessoas, mantendo uma atitude rígida diante
dos diferentes pontos de vista oferecidos pelo pai rejeitado.
Considerações
O presente capítulo teve como objetivo investigar sobre as consequências psi-

cológicas da alienação parental para a criança ou adolescente vítima desse processo,
através de uma revisão bibliográfica. Os achados mostram que a literatura carece de
estudos a longo prazo que analisem de maneira mais concreta os efeitos da alienação
para o psicológico das crianças. Além disso, verificou-se que o fenômeno da alienação
parental ocasiona nos menores diversos transtornos psicológicos e emocionais, como
ansiedade, depressão, dependência emocional e baixa autoestima. Outrossim, a aliena-
ção parental pode refletir na vida adulta do indivíduo, causando transtornos diversos.
194
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SEÇÃO 4
PSICOLOGIA FORENSE NAS
DEMANDAS POLICIAIS,
CRIMINAIS E PRISIONAIS
22. FUNDAMENTOS DO
RACIOCÍNIO PROBATÓRIO PARA
A PERÍCIA PSICOLÓGICA
Lorena Beathriz Costa Dourado63
Luiza Arteniza Gonçalves Lira64

Zoraide Lopes Carvalho Fernandes65
DOI: 10.24824/978652513724.7.197-206
Introdução
Devido às mudanças sociais, políticas e morais decorrentes do desenvolvi-

mento desordenado das cidades, a psicologia surge como uma ciência que busca
compreender esses fenômenos, suas implicações, contextos e especificidades e, por
fim, busca soluções, visando o bem-estar coletivo. Tendo em vista a complexidade
e a multifatoriedade dos fenômenos humanos, a psicologia necessita de outras áreas
de conhecimento para ampliar o seu olhar sobre o objeto, assim como auxilia na
construção e no desenvolvimento de outras ciências, como o direito.
Essas duas ciências se cruzam na área da psicologia forense, quando o psicólogo
oferece seus conhecimentos e métodos acerca da natureza psicológica dos indivíduos
para dar esclarecimentos a um magistrado a respeito de fatos relevantes à ação judicial
a fim de auxiliar na tomada de decisões. No entanto, essa não é a única atividade que
pode ser exercida pelo psicólogo no âmbito da justiça. Uma vez que atua nessa área,
o profissional precisa ter conhecimento das normas jurídicas, sendo de fundamental
relevância para a boa atuação do psicólogo forense.
Neste sentido, este estudo teórico buscou esclarecer alguns fundamentos do
raciocínio probatório nos momentos da respectiva atividade do processo e, assim,
criar uma interlocução entre o tema e a perícia psicológica. O raciocínio probatório
é um método utilizado pelo juiz para julgar a adequação dos meios ao fim desejado
no processo. Ela busca tornar as decisões do processo mais imparciais, pautadas na
cientificidade das provas, uma vez que, ao aproximarem da realidade, tornariam as
decisões do juiz melhor fundamentadas.

198
O tema é relevante, pois interfere na qualidade e na adequação das provas ao

processo. Sabendo que a perícia psicológica se insere com um meio especial de prova,
o conhecimento sobre o tema aumenta a confiabilidade no trabalho do psicólogo. No
desenvolvimento buscamos aprofundar sobre o tema do raciocínio probatório com
foco nos estudos de Jordi Ferrer-Beltram, fazendo uma ponte com os fundamentos
da perícia psicológica.
Princípios do Raciocínio Probatório

A produção de prova pericial na área civil é regulamentada pelo Código de

Processo Civil (CPC, Lei n. 13105/2015). O CPC descreve as atribuições do perito,
assim como a sua atividade no âmbito jurídico e sobre as produções desse profissio-
nal, que servirão de suporte às decisões do juiz e constarão nos autos do processo.
No entanto, seu início se dá durante o regime ditatorial, na década de 60, com a
promulgação da Lei n. 4.119, de 27/08/1962, que regulamenta a psicologia como
uma profissão. Segundo o Código de Ética do Psicólogo de 1987, no capítulo “Das
relações com a justiça” é especificado que cabe ao psicólogo realizar perícias e
emitir pareceres sobre a matéria da Psicologia, devendo agir com absoluta isenção,
além de colocar o seu conhecimento a serviço da justiça, podendo se escusar caso
o trabalho fuja a sua competência profissional. Outros aspectos são relevantes para
a atuação do psicólogo no contexto pericial, como a qualificação e competência do
perito (Serafim & Saffi, 2014). Ainda relacionando com o que é previsto no código
de ética profissional, o conhecimento das normas jurídicas e a adequada seleção e
utilização de instrumentos psicológicos são indispensáveis ao trabalho do psicólogo.
Refletindo sobre o segundo aspecto relevante a boa atuação do psicólogo forense
referente a importância do conhecimento das normas jurídicas é que o estudo em
questão surge, visando a esclarecer alguns fundamentos do raciocínio probatório nos
momentos da atividade probatória do processo. Ademais, buscou-se contribuir com
a difusão de novos temas referentes à psicologia, ao direito e, consequentemente, a
perícia, uma vez que tal tema é pouco explorado pela literatura atual.
No capítulo “Novamente sobre os momentos da atividade probatória no pro-
cesso”, do livro Valoração da Prova, Jordi Ferrer retoma o conceito de racionalidade
teológica, que julga a adequação dos meios aos fins. Dois métodos diferentes podem
ser dados como racionais, ainda que usando métodos diferentes. Sendo assim, os
métodos de valoração da prova devem sempre ser feitos em relação ao fim perse-
guido pela atividade probatória no processo judicial. O autor considera o conheci-
mento da verdade dos enunciados fáticos o fim último da instituição probatória no
processo judicial.
O princípio fundamental que deveria reger esse momento é o de se obter um
conjunto de elementos de juízo (ou provas) o mais rico possível. Os erros judiciais
sobre os fatos diminuiriam na medida em que o julgador dispusesse dos elementos de
juízo relevantes do caso. Esse parece ser um princípio epistemológico indiscutível,
uma vez que quanto mais informação relevante estiver à disposição de quem deve
decidir, maior será a probabilidade de acerto na decisão. Sendo assim, irá impor a
necessidade de adotar o critério da relevância probatória como único filtro para a

admissão de provas no processo.
A pretensão do autor, nesse ponto, é unicamente mostrar que o princípio geral
de que nenhuma regra de exclusão se justifica epistemologicamente, salvo a regra
da relevância. Por outro lado, pode ocorrer de uma prova ser relevante de forma
isolada, mas redundante diante de outras provas já incorporadas aos autos. Pode-se
falar, nesse caso, de irrelevância por superfluidez, o que levaria a exclusão da prova.
A prova redundante deve ser analisada se deve ser excluída ou não, dependendo do
seu efeito no raciocínio decisório.

Outra regra é a admissibilidade. Há uma razão adicional para a admissão de
provas relevantes, dessa vez jurídica: o direito a prova, como parte do direito a defesa.
Pois bem, a apuração da verdade é um processo prioritário em matéria de prova, mas
não é o único. A celeridade na tomada de decisões, proteção de direitos fundamentais,
proteção de segredos de Estado etc. também são fins conhecidos.
Por isso, para garantir a realização dessas finalidades, os ordenamentos esta-
belecem algumas regras jurídicas processuais que funcionam como um filtro para a
admissão de provas, adicional e posterior ao juízo de relevância. Logo a racionalidade
dessas regras deve ser avaliada de acordo com a sua finalidade e, com isso, podem
exigir algum sacrifício epistemológico, no sentido que podem dificultar o objetivo
de apuração da verdade. No entanto, isso não implica que seja impossível alcançar
uma apuração verdadeira, mas sim que as probabilidades de que isso ocorra sejam
mais baixas. Consciente disso, cabe ao legislador decidir entre a maximização dos
fins epistemológicos ou de qualquer outro que se queira proteger, na medida em que
se sacrificam outros.
O autor concorda que a apuração da verdade é um dos diversos valores per-
seguidos pelo direito que pode entrar em conflito com outros valores, no entanto,
discorda quanto à posição da apuração da verdade frente aos demais valores, pois essa
é defendida pelo autor o objetivo institucional da prova. Logo, é essencial para que
o mecanismo do direito funcione efetivamente, visto que essa faceta estrutural não
é compartilhada por outros valores. Todavia, isso não dá um valor maior a apuração
da verdade, mas apenas assume que possui preferência estrutural.
Outro argumento, desta vez jurídico, sustenta a proeminência do valor da apu-
ração da verdade. Qualquer exclusão de prova relevante pode afetar o direito à prova,
o direito fundamental que integra o direito à defesa. Por isso, qualquer afetação desse
direito deverá ser feita em nome de algum valor ou objeto jurídico que tenha a mesma
hierarquia que o direito fundamental à defesa e à prova.
Entretanto, para o autor, é mais certo dizer que o aumento de informação rele-
vante aumenta de forma, ceteris paribus, a probabilidade de que se tome uma deci-
são adequada materialmente, isto é, que sejam declarados provados os enunciados
verdadeiros sobre os fatos. Assumindo que pode ser ambíguo afirmar que a deci-
são é adequada ou correta, pois pode significar que se trata de uma fundamentação
baseada no conjunto de elementos de juízo disponíveis (independente do seu valor
de verdade) ou uma decisão de conteúdo que corresponde à verdade, sendo preciso
distinguir validade de verdade. Uma decisão sobre os fatos será válida se for baseada
200
nos elementos de juízo disponíveis, contudo, só será verdadeira se corresponder aos

fatos do mundo. Assim, o aumento da riqueza do conjunto de elementos de juízo
aumenta a probabilidade de que uma decisão válida seja também verdadeira.
Falou–se até então de regras de exclusão de admissibilidade da prova de provas
relevantes fundadas ou objetos ou valores do direito que carecem de fundamentação
epistemológica. Outras promulgam-se regras de exclusão que pretendem ter essa
fundamentação. Trata-se das regras de exclusão intrínsecas ao raciocínio proba-
tório, como é o caso da exclusão da testemunha de referência e a proibição de um
jurado de conhecer os antecedentes penais de um acusado, com o intuito que evitar

a supervalorização dessa informação por quem for decidir. No entanto, essa regra de
exclusão não se justifica, pois de um ponto de vista imperaria o princípio da inclusão
de uma prova relevante, porém seria possível a produção de algum argumento que
justifique a existência de algumas dessas regras. Sendo assim, talvez coubesse pensar
na exclusão da prova através do princípio da relevância.
A riqueza do conjunto não depende unicamente da quantidade de elementos de
juízo disponíveis. Os elementos de juízo devem cumprir a função de corroboração
dos diferentes aspectos que integram a hipótese fática. Por isso, pode-se dizer que
a hipótese não estará provada se faltar a prova de alguns de seus elementos. O grau
de corroboração deve ser determinado no momento da valoração da prova, mas
deve ser conformada durante a produção da prova. Uma hipótese terá seu nível de
corroboração maior quanto maiores forem os controles e desafios, superando-os com
êxito (Popper, 2013).
É tarefa das partes, e em seu turno, o juiz, submeter essas provas a esses desafios.
Boa parte será aplicada no momento da formação do conjunto de elementos de juízo
a metodologia da corroboração de hipóteses. O sistema processual jurídico importa
em forma de instituições jurídicas, mecanismos epistemológicos para a apuração da
verdade. O modo de implementar juridicamente mecanismos que facilitem a corro-
boração é denominado Princípio do contraditório. O princípio do contraditório, que é
parte das garantias do direito de defesa, tem a função de verificar a qualidade da prova.
Analisa-se o alcance e a aplicação desse princípio na formação da prova, permi-
tindo quatro tipos de controles probatórios: O primeiro controle trata da correta apli-
cação das regras epistemológicas e jurídicas sobre a administração da prova (Princípio
da Admissão de prova relevante e exceções estabelecidas pela regra de Exclusão). O
segundo controle permite a intervenção das partes no processo. O terceiro possibilita
o requerimento de provas contrárias às apresentadas pela outra parte do processo. O
quarto controle possibilita o requerimento de provas de segunda ordem (ou provas
sobre provas) que impugnem a confiabilidade das provas oferecidas. A formação ou a
produção da prova em contrário tem a sua aplicação no caso das provas denominadas
pessoais (provas que consistem da declaração de uma pessoa física).
Nesse caso é útil permitir o interrogatório cruzado dos declarantes. Na produção
de outros tipos de prova, isso não é possível, como na obtenção de digitais, provas
documentais, buscas domiciliares, provas analíticas (DNA, sangue...) etc. Nesses
casos é possível a proposição de provas contrárias e de proposição de provas sobre
a prova (Segunda ordem). Essas possibilidades visam enriquecer o conjunto de ele-

mentos de juízo disponíveis de forma qualitativa e quantitativa.
O requerimento de provas contrárias pode buscar falsear ou corroborar com uma
hipótese fática diferente, incompatível. A prova sobre a prova pressupõe ter controle
sobre a confiabilidade das provas existentes. Trata-se de provas que não versam direta,
nem indiretamente sobre os fatos do caso, mas sobre outras provas, sendo essenciais
para a valoração da prova e para determinar o seu grau de confiabilidade. É o caso
da acareação de testemunhas que dão depoimentos contraditórios, da perícia psico-
lógica sobre testemunhas ou vítimas, da prova caligráfica, provas para determinar a

autenticidade de uma gravação ou imagem etc.
É possível fazer algumas observações sobre essas provas. A dinâmica do pro-
cesso e a função dessas provas exigem regras processuais especificas em relação ao
momento do requerimento. A necessidade ou a conveniência de uma prova desse tipo
será apreciada no momento em que se produz a prova que será objeto posterior de
nova perícia. A segunda observação tem a ver com a aplicação do filtro da relevân-
cia para a admissão de provas. Seu objetivo faz com que se essas não o critério da
relevância e sejam excluídas. O que poderá ser inferido a partir do resultado dessa
prova é a confiabilidade com que a prova documental contará, o que permite realizar
inferências sobre o valor de verdade dos enunciados sobre os fatos do caso.
Um exemplo disso é a prova sobre a capacidade visual de uma testemunha. Ela
não permite dar garantias a respeito da verdade do enunciado sobre o fato (por exem-
plo, se João atirou em Pedro), mas sim sobre a confiabilidade da prova testemunhal.
Apesar de não cumprir com o filtro da relevância, esse tipo de prova pode ter uma
utilidade epistemológica para a tomada de decisões. Convém considerar uma exce-
ção à definição geral de relevância da prova: Uma prova P1 também será relevante
quando permitir fundar (direta ou indiretamente) inferências sobre a confiabilidade
de outra prova P2. Uma vez que permita realizar inferências sobre a verdade dos
enunciados. Trata-se de relevância indireta.
Ao ser composta a base sobre a qual deve ser tomada a decisão a respeito dos
fatos, que correspondem ao conjunto de elementos de juízo, pode-se, então, valorar
o apoio empírico que esses dados oferecem às distintas hipóteses fáticas referentes
ao ocorrido, o que não quer dizer que não se realize a valoração da prova até esse
instante, uma vez que há uma Valoração in itinere, que o julgador realiza durante a
produção da prova e tem como objetivo localizar insuficiências no peso ou na riqueza
do conjunto de elementos de juízo. Ademais, existe a valoração da prova que deve
ser feita após o conjunto de elementos de juízo ser fechado. Nesse instante a meta vai
ser determinar o grau de corroboração que o conjunto de elementos de juízo possui
a cada uma das possíveis hipóteses fáticas em conflito. No entanto, um conjunto de
elementos de juízo jamais concederá certezas racionais a respeito da verdade de uma
determinada hipótese. Dessa forma, surge a problemática da justificação do raciocínio
indutivo, o que quer dizer que, se as conclusões feitas sobre os fatos não podem ser
certas, vai-se, então, pro campo do espaço do Raciocínio probabilístico.
No que tange aos conceitos de probabilidade, tem-se diversas classificações dos
mesmos, que seguem finalidades diferentes. Por exemplo, tem-se a distinção entre
202
probabilidades de eventos ou acontecimentos e probabilidades de proposições, sendo

as probabilidades de proposições divididas entre probabilidade lógica ou indutiva e
probabilidade subjetiva. A probabilidade aplicada a acontecimentos ou eventos diz
respeito à probabilidade de frequência ou estatística que, por sua vez, é responsável
pelos cálculos matemáticos da probabilidade. Já a probabilidade aplicada a propo-
sições se encarrega de medir o grau de conhecimento do mundo pelo indivíduo. Tal
linha de pensamento apresenta duas correntes de pensamento: a probabilidade lógica
ou indutiva e a probabilidade subjetiva.
Uma vez explicadas algumas das principais concepções da probabilidade, que se

encarregam do tipo de raciocínio que os juízes devem ter na valoração da prova, é o
momento, então, de definir se alguma dessas concepções possui a capacidade de dar
conta dessa função. Desse modo, é de suma importância encontrar um esquema de
raciocínio que se encarregue da estrutura geral do raciocínio probatório no momento
da valoração da prova. Dito isso, é válido destacar que o objetivo institucional da
prova no processo judicial é a apuração da verdade. Assim, não é sobre utilizar um
esquema de raciocínio que se encarregue da maneira que raciocinam os juízes e tribu-
nais que decidem a respeito dos fatos, mas sim de achar a mais adequada metodologia
de valoração da prova para realizar o objetivo da apuração da verdade através dos
elementos de juízo presentes no processo.
Outrossim, tem-se a probabilidade estatística da hipótese como modelo de racio-
cínio probatório que, por sua vez, inteira apenas as frequências relativas em que se
dá um tipo de eventos em uma sequência dada. Todavia, tal tipo de probabilidade
é acusada de inadequação, sendo alguns dos argumentos que vão de contra à utili-
zação da prova estatística para fundar o raciocínio probatório geral o argumento da
minimização dos erros, feito pelos teóricos Allen (1986) e Brilmayer (1986) que, por
sua vez, alegam que o objetivo epistêmico da prova é minimizar a diferença entre o
que se declara provado no processo e o que realmente aconteceu. Contudo, tanto o
direito quanto a epistemologia não são interessados na redução de erros, dessa forma
a justificação de uma decisão sobre os fatos possui dois tipos de justificação: uma
material e uma procedimental. Na justificação material uma decisão será justificada
se a proposição que se declara provada for verdadeira, enquanto que na justificação
procedimental a decisão será justificada se a hipótese que se declara provada pos-
sui apoio suficiente nos elementos de juízo presentes. Outro argumento contrário à
aplicação da probabilidade estatística da hipótese como modelo de raciocínio pro-
batório foi defendido por Schauer (2003) e ficou conhecido como o argumento do
valor esperado da decisão, que recai no fato do direito estabelecer soluções de tudo
ou nada, ao invés de se basear no princípio do valor esperado. Ademais, existe um
terceiro argumento, que é conhecido como o argumento das generalizações e que
diz respeito à utilização de generalizações espúrias e não universais no raciocínio
probatório. Em suma, uma generalização espúria não contém base empírica, enquanto
que uma generalização não espúria contém base empírica, mesmo que não seja uma
generalização universal.
Todavia, é importante ressaltar que qualquer argumento a respeito da ocorrência
de um fato necessita das generalizações, o que não significa que haja a possibilidade
de raciocinar a respeito da ocorrência de fatos individuais partindo apenas de gene-

ralizações. Dito isso, em todas as vezes será necessária a presença de elementos de
juízo particulares a respeito do fato individual que possam corroborar com a verdade
da hipótese.
Além disso, tem-se a probabilidade subjetiva como modelo de raciocínio pro-
batório, que se encarrega de medir o nível de crença racional em uma hipótese,
partindo de um determinado elemento de juízo. Tal tipo de probabilidade faz uso
de um método de cálculo matemático que determina o grau de probabilidade de
uma hipótese em uma escala que vai de 0 a 1. Entretanto, o resultado do cálculo

depende das probabilidades a priori inseridas, e vai fazer uso das probabilidades
estatísticas para determinar a probabilidade prévia da hipótese, o que pode acabar
gerando inadequações.
Em 1984, os genitores de Jason Daubert e Eric Schuller moveram uma ação
civil alegando danos tóxicos contra Merrel Dow Pharmaceuticals Inc., diante a Cali-
fornia State Court, expondo que a ingestão pela mãe de um anti-histamínico, cha-
mado Bendectin, ao longo da gestação, havia sido a causa das graves malformações
congênitas de seus filhos. Merrew Dow moveu o caso ao âmbito federal, postulando
uma sentença sumária e argumentando que tal demanda era totalmente infundada,
uma vez que afirmava que o anti-histamínico em questão não era teratogênico e,
dessa forma, os pais não teriam como expor provas suficientes para fundar seus
argumentos. Com o intuito de provar seu contraponto, Merrew Dow contou com a
declaração de um médico especialista em epidemiologia chamado Steven H. Lamm,
que afirmou que não existiam estudos epidemiológicos publicados que indicassem
uma correlação estatística de significado entre a ingestão de Benectin durante a
gravidez e as malformações do bebê. Em contrapartida, os autores manifestaram o
testemunho de experts, visando a fundar a relação causal. Desse modo, os mesmos
alegaram que existia a possibilidade de o Bendectin causar danos congênitos, tendo
como base de seu argumento um conjunto de estudos que eram feitos regularmente
a fim de provar os efeitos de novo um medicamento. Entre tal conjunto, o testemu-
nho de que o medicamento possivelmente teria causado a malformação dos filhos
seria considerado insuficiente para fundar tal correlação. Dessa forma, a decisão da
District Court foi de 1) Admitir que o critério jurídico apropriado para aceitar ou não
uma prova científica seria a “aceitação geral” da área de relevância dos princípios
subjacentes; 2) Admitir que apenas as provas periciais com um fundamento com base
num grande número de estudos epidemiológicos a respeito do Bendectin poderiam
levar a uma correlação correta entre sua ingestão e os danos e 3) Inadmitir a análise
dos estudos epidemiológicos prévios, uma vez que não teriam sido publicados ou
expostos a uma avaliação por pares. Mais tarde, a publicação ou a avaliação por pares
seria uma condição para a admissão de elementos probatórios de caráter científico.
Ademais, em aplicação da regra 702, a Corte considerou que, para a admissão de um
conhecimento científico como elemento de prova caberia ao juiz analisar se tratar
de ciência genuína.
Uma das decisões da Corte no que ficou conhecido como caso Daubert foi
assinalar que o juiz deveria assumir o papel de vigilante da qualidade das provas
204
periciais na etapa de admissão. Tal decisão acaba por obrigar os juízes federais a
tomar decisões a respeito da qualidade do conhecimento científico. No entanto, nada
foi dito pela Corte quanto ao grau de confiabilidade necessário para que uma prova
científica seja admissível, ao invés disso, especificou que a qualidade das provas
periciais seria a sua cientificidade. Posteriormente, a Corte indicou quatro fatores
de cientificidade: 1) Caso a teoria ou técnica for submetida a prova, isso constituiria
um critério que comumente diferenciaria a ciência das demais atividades; 2) Caso a
teoria ou técnica adotada for publicada ou exposta à revisão por pares; 3) A margem
de erro conhecida, se diz respeito a uma técnica científica, assim como os standards
de qualidade e seu seguimento ao longo de sua produção e 4) Se a teoria contém
ampla aceitação da comunidade científica de relevância. No entanto, cada um desses
fatores de cientificidade sugeridos pela Corte possui seus respectivos problemas.
No que tange a tais problemas, em suma, os rótulos como “científico” ou “não
científico” acabam, na verdade, sendo barreiras em relação aos detalhes importantes
a respeito da qualidade daquilo que os juízes devem valorar, ou seja, mesmo que algo
não seja científico, ainda assim seria possível adentrar no processo judicial como
prova pericial não científica. Ademais, é certo que não é possível considerar a ava-
liação por pares um indicador consistente da confiabilidade de uma teoria ou técnica
publicada, isto é, a revisão por pares e a publicação do escrito nada diz sobre a sua
qualidade. Quanto ao terceiro fator Daubert, tem-se que esse oferece possibilidades
de solução de alguns problemas do raciocínio judicial a respeito de algumas provas
periciais, a partir do uso da ratio (relação entre duas grandezas) de erros. Quanto ao
quarto fator Daubert, tem-se que o termo “comunidade científica” é tanto qualitativa
quanto quantitativamente vago, sendo difícil saber em que consiste uma comunidade
científica com essa característica. Ademais, existe a dificuldade, ao buscar consenso
da comunidade científica, de definir como o juiz deve lidar com os desacordos entre
um perito e sua comunidade, além da questão de ser preciso pensar não só na iden-
tificação da comunidade relevante, mas também no tipo de formação que se pode
pedir às comunidades científicas.
Sabendo da importância para o psicólogo do conhecimento de algumas regras e

métodos ímpares do direito, conclui-se ressaltando a importância de se compreender
cada vez mais sobre o assunto, uma vez que a perícia é um meio especial de prova
e, dessa forma, o profissional de psicologia precisa conhecer sobre o assunto para
atestar a qualidade do seu trabalho. Também frisa-se a necessidade de se construir
uma ponte entre essas áreas de conhecimento, principalmente sobre o assunto de
raciocínio probatório, uma vez que é um tema pouco explorado e recente.
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23. VIOLÊNCIA SEXUAL EM
CONTEXTO DE AGRESSÃO
DOMÉSTICA: considerações para
sua compreensão e enfrentamento
Arielle Sagrillo Scarpati67

DOI: 10.24824/978652513724.7.207-216
Por violência sexual entende-se: qualquer ato ou contato sexual em que a vítima
seja usada para a gratificação sexual de outrem, sem seu consentimento, e por meio
do “uso da força, intimidação, coerção, chantagem, suborno, manipulação, ameaça”
(Souza & Adesse, 2005, p. 20) ou por aproveitamento de condição de vulnerabilidade.
Esta forma de violação abarca uma multiplicidade de expressões (ex., estupro, assé-
dio, importunação etc.) e, por isso, convoca aqueles que se propõem ao seu estudo à
definição apriorística de qual perspectiva será considerada quando discorrendo sobre
o tema. Afinal, ao ignorar as características de cada violação sexual incorre-se no erro
de equiparar não apenas as mais diferentes dinâmicas relacionais, mas principalmente,
os mais variados perfis de autores e vítimas.
Especificamente sobre os autores de violência sexual, por exemplo, é tentador
considerar que todos eles sejam parte de um grupo homogêneo. Um grupo formado
por sujeitos imprevisíveis, extremamente perigosos, ‘problemáticos’ ou doentes (i.e.,
portadores de alguma sorte de transtorno psiquiátrico que justificasse tal conduta),
cujos adjetivos de ‘monstro’ e/ou ‘perturbado’ seriam aplicáveis. Atribuindo, pois,
à patologia a causa destes comportamentos desviantes (Bandura, 1990, 1996, 2004;
Scarpati, 2018).
Na prática, no entanto, o que se observa é que essas violências tendem a ser
perpetradas pelo que se consideraria, em senso comum, como um homem mediano
(um ‘cidadão comum’): pessoas próximas das vítimas, cujas características se apro-
ximam muito mais da normalidade e das relações cotidianas, do que da ‘loucura’
ou do campo do excêntrico. Em revisão sobre o tema, por exemplo, Valença, Nas-
cimento e Nardi (2013) comentam que transtornos mentais graves só exercem um
pequeno papel nos crimes sexuais; não estando incluídos entre os fatores de risco
para o cometimento de estupro.
Resultados divulgados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública em
2021 (Relatório Visível e Invisível, 2021), apontam que 48,8% das 879 mulheres
67 Psicóloga, Mestre em Psicologia Social (UFES) e Doutora em Psicologia Forense (University of Kent). Em
2019 completou seu Pós-Doutorado Jr (UFRGS) e atualmente é pós-graduanda em Terapia Cognitivo-
-Comportamental pela PUC-RS. Desde 2009, trabalha com pesquisa, intervenções clínicas e sociais; com
ênfase nas vulnerabilidades sociais, violência(s) de gênero, masculinidade e saúde mental.
208
entrevistadas relatando que a violência mais grave vivenciada no último ano havia
ocorrido dentro de casa, tendo sido perpetrada por uma pessoa conhecida (72,8% dos
casos). Majoritariamente cônjuges, companheiros/namorados (25,4%); ex-cônjuges,
companheiros/namorados (18,1%).
Tendo como ponto de partida estes e outros dados (ver Scarpati, 2018), este
ensaio propõe, então uma reflexão sobre o perfil, bem como o nível de agência de
homens autores de violência sexual no contexto de agressões domésticas. Para isso,
primeiramente, serão abordados os temas violência doméstica e estupro marital. Em
seguida, serão realizadas considerações sobre o papel do homem autor de violência

sexual no contexto doméstico e, por fim, apresentar-se-á uma estrutura conceitual
para compreensão desse fenômeno por meio do desengajamento moral.
A violência sexual e seus autores
A violência sexual no contexto doméstico: considerações sobre o estupro

marital
O estupro marital não é, definitivamente, um fenômeno recente. Pelo contrário:

registros históricos indicam que mulheres enfrentam, há séculos e em diferentes partes
do globo, tal forma de agressão (Russell, 1990). Apesar disso, o estupro marital tem
sido amplamente negligenciado tanto na literatura sobre violência sexual e doméstica,
quanto nas discussões abertas sobre o tema.
A falta de conscientização pública sobre esta realidade pode ser atribuída, dentre
outros fatores, ao sigilo em torno do problema. Sigilo este que é mantido não apenas
pelos autores da referida violência, mas também pela mídia, pelos profissionais da área
e mais ainda, pelas suas vítimas. Afinal, muitos dos envolvidos sequer reconhecem e
nomeiam tais episódios como estupro já que tal violência não preenche os critérios do
que seria compreendido como um ‘estupro real’ (Bennice & Resick, 2003). Diferentes
estudos comprovaram, por exemplo, que à medida que a relação vítima-perpetrador
se torna mais íntima percebe-se um padrão de: a) redução de probabilidade de que
o incidente seja definido como estupro, b) aumento de atribuição de culpa à vítima,
c) redução do nível de dano percebido (Jeffords & Dull, 1982; Kilpatrick et al., 1988;
Kirkwood & Cecil, 2001; Monson et al., 1996; Monson et al., 2000). Sobre isso,
Scarpati (2014) explica, que as violações sexuais são, ainda hoje, interpretadas pela
ótica do que desde a década de 1980 se compreende pelo termo ‘mitos de estupro’:
preconceitos, estereótipos ou crenças falsas sobre a violência sexual, suas vítimas e
seus perpetradores que servem para, simultaneamente, transferir a responsabilidade
pelo ocorrido e minimizar ou justificar a agressão cometida (Burt, 1980).
Em razão de suas características, os ‘mitos de estupro’ fornecem as bases para
que algumas mulheres sejam vistas como vítimas ‘legítimas’ (versus vítimas ‘mere-
cedoras’), alguns estupros sejam lidos como ‘reais’ (versus ‘incidentes não tão gra-
ves’) e alguns homens sejam considerados potenciais estupradores (enquanto outros
sobrevivem ilesos a qualquer forma de acusação). Em um estudo com 200 estudantes

de graduação, Monson et al. (2000) perceberam, por exemplo, que existia maior
endosso das crenças de apoio ao estupro e culpabilização da vítima em cenários
descrevendo uma violência cometida dentro de um relacionamento e/ou entre indi-
víduos com histórico de relações sexuais entre si do que naqueles que descreviam
uma violência sexual cometida por um agressor estranho à vítima. Da mesma forma,
Ewoldt et al. (2000), em uma amostra de 234 universitários, encontraram pontuações
mais altas em instrumentos de medida de desresponsabilização do agressor em casos
de estupros conjugais/maritais.
Tomados em conjunto, estes e outros resultados (ver Bennice & Resick, 2003)
sugerem que os estupros cometidos dentro de relacionamentos românticos (especial-
mente casamentos) ainda não são considerados tão graves quanto aqueles cometidos
por agressores estranhos à vítima. Nos convocando, pois, a pensar não apenas o que
fazer para validar e acolher adequadamente as experiências traumáticas vividas por
essas vítimas, mas também nos provocando a entender quem seriam esses agres-
sores (i.e., suas características) e quais medidas de tratamento e/ou punição são
cabíveis a eles.
O homem autor de violência sexual em contexto conjugal
A compreensão da perpetração da violência sexual – dentro e fora de relacio-

namentos – é complexa e exige uma abordagem multifatorial na medida em que
esse comportamento parece ser o produto de um intrincado arranjo de elementos
individuais, sociais e contextuais (Ward & Beech, 2006; Ward & Casey, 2010; Ward
& Gannon, 2006). Além disso, por restrições éticas, esse fenômeno não pode ser
investigado por meio de estudos análogos realistas no contexto do laboratório; difi-
cultando aos pesquisadores a descoberta dos fatores para sua ocorrência.
Em reconhecimento a este fato, também desde a década de 1980 um corpo
significativo de estudiosos tem se dedicado à investigação de possíveis patologias,
bem como a mecanismos psicológicos, subjacentes à propensão de um indivíduo a
se envolver em comportamentos sexualmente agressivos (Malamuth, 1981). O que
se sabe, até o momento, é que nenhum fator isolado é suficiente para explicar por
que certos indivíduos ou grupos são mais propensos a serem os perpetradores (ver
Ward, 2014). Ao lado das próprias predisposições dos indivíduos, a perpetração
da violência sexual precisa ser entendida contra um pano de fundo cultural aonde
manutenção dos papéis de gênero acaba por legitimar atos violentos contra alguns
grupos de mulheres. Por exemplo, aquelas que transgredem as expectativas de gênero
dominantes (Ellsberg & Heise, 2005), ou se encontram em um relacionamento.
Para Ellsberg e Heise (2005), discursos informam tanto os comportamentos das
pessoas, quanto os julgamentos feitos sobre eles; e, por consequência, têm potencial
para justificar – direta ou indiretamente – a perpetração dessas violências. Como
apontam Vecina et al. (2015, p. 121) “é tentador explicar a violência recorrendo
à patologia”, especialmente se as ações são vistas como altamente imorais e/ou
210
consideradas de natureza grave (por exemplo, assassinato, agressão ou estupro). No

entanto, isso pode não ser sempre o caso.
Outros fatores de risco para a perpetração da violência sexual são: a) histórico
de violência (Thomas, 2009), b) o endosso dos mitos do estupro e c) atitudes sexistas
(Bohner et al., 2005; Masser et al., 2006; Romero-Sánchez et al., 2010). Trazendo
à tona a complexidade e a multideterminação de fatores que interagem entre si na e
para a manutenção dessas crenças.
De fato, pesquisas mais recentes sugeriram que homens sexualmente violentos
não carecem de autocontrole, não têm padrões morais fundamentalmente negativos

e não são necessariamente movidos por patologias clínicas (Vecina et al., 2015): na
verdade, eles tendem a apresentar um forte senso de crença moral e autoconceito
positivo. Vecina et al. (2015, p. 120), em trabalho empírico sobre violência doméstica,
comentam, por exemplo, que os homens condenados por essa forma de agressão
apresentam uma concepção absolutista “sobre o que é certo e errado, uma sagrada
visão dos cinco fundamentos morais, um alto autoconceito moral e altos níveis de
autoengano” que mediam sua visão moral do mundo e de si mesmos. Da mesma
forma, Sedikides et al. (2014) observaram que agressores sexuais têm visões parti-
cularmente positivas sobre seus padrões morais, classificando-se como mais morais,
gentis, compassivos, generosos, confiáveis e honestos do que outros prisioneiros e
membros da comunidade.
Apesar da razoabilidade destes argumentos, a influência da moralidade no
endosso da violência sexual, bem como tendências comportamentais para se envol-
verem em comportamentos sexualmente agressivos, não havia sido testada empirica-
mente, entre homens, até recentemente (Scarpati, 2018). Em pesquisa sobre o tema,
Scarpati (2018) explorou a probabilidade de que homens adultos se engajassem em
comportamentos sexuais violentos sem risco de correção de seus valores morais e
autoconceito, desde que munidos de discursos e práticas sociais necessários para
aumentarem a percepção de que a violência sexual praticada era justificável. Os
resultados encontrados sugerem que a exposição – lenta, gradual e coletiva – a cenas e
dinâmicas agressivas contribuem para que atos sexuais violentos sejam naturalizados
a tal ponto que vítimas e agressores se tornam incapazes de identificar as mudanças
ocorridas em suas referências internas do que configura (ou não) violência (Scar-
pati, 2018). Eliminando, assim, a dissonância cognitiva que pode surgir de conflitos
entre o desejo de se engajar em um ato desta natureza e a necessidade simultânea de
preservar um autoconceito moral.
Entende-se que estas evidências se tornam ainda mais relevantes em contexto
de relacionamento íntimo – especialmente no casamento ou outros tipos de rela-
cionamentos amorosos – uma vez que este é espaço privilegiado para normas e
expectativas sobre performances de gênero. Afinal, a neste contexto, a “legitimidade
social dada ao sexo no casamento dificulta enxergar as violências sofridas no âmbito
privado, pois existe uma construção antiquada e patriarcal quanto as expectativas
dessa união” (Almeida, 2018, p. 20). Por isso, pensar o cometimento de agressões
sexuais em contexto de relacionamento íntimo nos obrigada a pensar as narrativas
que atravessam esse fenômeno, e seu impacto no arranjo cognitivo e construções
morais de seus personagens. Para isso, a estrutura de Bandura sobre a moralidade –

especialmente, o desengajamento moral – pode ajudar a explicar o envolvimento dos
indivíduos em – e a justificativa de – agressão sexual dentro de seus relacionamentos.
Desengajamento moral
Os padrões morais internos têm a função de prevenir o engajamento de indi-

víduos em atos que porventura lhes comprometam em nível individual ou social.
Por isso, quando esses padrões são violados, é naturalmente esperada a ativação de
autossanções, como emoções de culpa e vergonha. Para a Teoria Social Cognitiva
(Bandura, 1990, 1999), no entanto, até mesmo indivíduos com altos padrões morais
são capazes de se comportar de forma imoral – sem incorrer em autocensura – se
puderem justificar o ato, para si e para os outros. Isto porque os padrões morais não
funcionam como reguladores internos fixos de conduta, mas como produto de: a) um
processo contínuo de revisão das normas coletivas que definem quais condutas são
consideradas inadequadas ou não em dado grupo social e b) consequente autorregu-
lação de pensamentos e ações, que c) permitem diferentes tipos de comportamento
por pessoas com o mesmo padrão moral (Bandura, 1990, 1999).
Nesse sentido, entende-se que as autossanções (ou mecanismos autorregulató-
rios) não operariam a menos que ativadas. Concorrendo, ainda, com os mecanismos
de ‘desengajamento moral’ (Bandura, 1999): estratégias psicossociais que permitem
que indivíduos se desvinculem seletivamente da autorregulação moral quando se
envolvem em ações prejudiciais e que atuam em quatro lóci (lócus do comporta-
mento, de agência, de resultado e de receptor das ações) (Bandura, 1986, 2005,
2007; Iglesias, 2008).
O primeiro deles, o lócus do comportamento, informa sobre os mecanismos
que permitem a reestruturação cognitiva da conduta imoral (em benigna ou digna)
e, consequentemente, eliminam a autocondenação do autor da violência. São eles:
a) Justificativa moral: o que é culpável torna-se socialmente aceitável por meio de
uma reconstrução cognitiva que representa a conduta antissocial; b) Comparação
vantajosa: condutas prejudiciais ‘perdem’ sua gravidade quando comparadas com
atividades mais repreensíveis do que elas; c) Linguagem eufemística: mascaramento
de atividades repreensivas na forma como são nomeadas, para diminuir a gravidade
da ação ou conferir-lhe um status mais respeitável.
O segundo lócus, da agência, faz referência a não censura que é resultado
do caráter difuso da responsabilidade. São esses mecanismos: a) Deslocamento de
responsabilidade: agressor percebe suas ações como resultado de pressões sociais
ou de imposições dos outros, muito mais do que algo pelo que são pessoalmente
responsáveis; b) Difusão de responsabilidade: aqui, recorre-se à ideia de que outras
pessoas estão agindo na mesma intenção.
O terceiro lócus, por sua vez, se concentra no resultado da ação. Aqui, o efeito
prejudicial da ação praticada é minimizado, desconsiderado ou contestado. É exemplo
deste lócus a Minimização, ignorância ou distorção das consequências: sustenta-se no
212
argumento de que o mal causado não é tão grave quanto a vítima argumenta (evitando
encará-lo ou negligenciando-o).
Por fim, o quarto lócus, do receptor da ação, se concentra nas vítimas da violên-
cia e em sua marginalização, despersonalização ou responsabilização pelo ocorrido.
São exemplos deste lócus: a) Desumanização: tratamento do indivíduo como ‘menos
humano’ e/ou retirada de suas qualidades humanas; b) Atribuição de culpa: vítimas
são responsabilizadas pela agressão sofrida; seja porque provocaram ou porque são
merecedoras de tal ato.
Considerando-se o exposto, argumenta-se, portanto, que os mecanismos de

desengajamento moral, ao se aproximarem dos mitos de estupro (ver Burt, 1980;
Scarpati, 2014) que servem para culpar a vítima e exonerar o estuprador, tornam-se
relevantes etiologicamente para a violência sexual em diferentes contextos (Page &
Pina, 2014; Scarpati, 2018); dentre eles, o contexto doméstico. Fornecendo, pois, as
pistas para a compreensão tanto dos mecanismos que levam um indivíduo a se engajar
neste tipo de comportamento, quanto de sua relação com o ambiente.
Isto porque o funcionamento moral está sensível às pistas do contexto em que se
está inserido (Bandura, 2002, 2004). Contexto esse que permite (ou até mesmo esti-
mula, em alguns casos) o desengajamento gradual da autocensura destes indivíduos.
Este ensaio objetivou introduzir o papel autorregulatório do desengajamento

moral como uma estrutura conceitual para a compreensão da perpetração de com-
portamentos sexualmente agressivos em relacionamentos íntimos. Argumentando-se
ainda, sobre a relevância dos contextos cultural e social na naturalização, legitimação
de atos sexuais violento. Oferecendo, assim, uma nova possibilidade teórica para
compreensão dos mecanismos sociocognitivos que neutralizam e justificam atos
sexualmente agressivos perpetrados por homens.
Propõe-se também a possibilidade de reflexão acerca do desengajamento moral
e de como algumas normas sociais e valores morais endossados em diferentes socie-
dades podem exercer uma poderosa influência na perpetração da violência sexual
(Carnes et al., 2015), servindo para tornar os comportamentos sexualmente violen-
tos moralmente justificáveis (por exemplo, a crença normativa de que os homens
devem se comportar de determinada maneira em relação às mulheres para provar que
são ‘homens de verdade’). Ou ainda, de como indivíduos podem aplicar diferentes
estratégias de desengajamento moral para evitar – antes ou depois do evento – as
consequências de seu envolvimento nestes comportamentos.
Surpreende, portanto, que até o presente momento o uso de estratégias de
desengajamento moral tenha recebido tão pouca aplicação empírica e teórica no
que se refere ao contexto de perpetração de diferentes formas de violência, dentre
elas a sexual e a doméstica. Afinal, nos últimos anos tem-se visto florescer o campo
de pesquisa sobre o desengajamento moral em diversos contextos comportamen-
tais tidos como imorais, tais como: bullying nas escolas (Pornari & Wood, 2010) e
prisões (South & Wood, 2006); crime corporativo (Bandura et al., 2000; Detert et al.,
2008), trapaça acadêmica (Shu et al. 2011), conduta antissocial no esporte (Boar-
dley & Kavussanu, 2011), e infrações cívicas, como vandalismo e roubo (Caprara
et al., 2009).
Espera-se, assim, que este ensaio sirva de estrutura para pesquisadores interes-
sados em examinar cognições envolvidas no processo de cometimento de violências
sexuais em contexto doméstico, bem como para a construção narrativa posterior. Para
isso, sugere-se a realização de outros ensaios e pesquisas sobre o tema com foco nos
testes para determinação de processos causais.

214
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24. PERSONALIDADE SOMBRIA COMO
PREDITORA DO DESENGAJAMENTO
MORAL NO CYBERSTALKING
Patrícia Nunes da Fonseca68
Paulo Gregório Nascimento da Silva69

Rayssa Soares Pereira70
Dayane Gabrielle do Nascimento Dias71
Mayara de Oliveira Silva Machado72
Marcela Amaral Rodrigues73
Arthur Clero da Fonseca Monteiro74
Carlos Guilherme da Cruz Pereira75
DOI: 10.24824/978652513724.7.217-224
Introdução
O cyberstalking pode ser compreendido como um novo formato de violência

sistemática que ocorre no contexto da internet. É definido como um comportamento
de intimidação e assédio repetido a alguém, no qual o perpetrador apresenta conduta
de ameaça e perseguição, na tentativa de estabelecer uma relação com determinados
intuitos (Silva et al., 2021). O termo é uma extensão do stalking (comportamento de
perseguição), entretanto, neste caso, não há necessidade de proximidade física entre
o perpetrador e a vítima, considerando que se utiliza da internet para tal fim (Fissel,
2021; Nocera et al., 2021; Sani & Valquaresma, 2021).
Estudos apontam que o cyberstalking acarreta diversos danos à saúde da vítima,
sejam físicos, psicológicos ou sociais (Begotti & Maran, 2019; Worsley et al., 2017), a
qual costumam experienciar sentimentos negativos como medo, ansiedade e depressão
(Fissel et al., 2021; Worsley et al., 2017). Por causa disso, constitui-se um problema
social preocupante (Nocera et al., 2021).
Fissel et al. (2021) revelam que a perpetração ocorre principalmente pela facili-
dade que a internet proporciona ao surgimento de comportamentos antissociais, tendo
68 Doutora em Psicologia Social pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e docente do Departamento
de Psicologia da UFPB.
69 Doutorando do Programa de Psicologia Social da UFPB.
70 Doutoranda em Psicologia Social (UFPB).
71 Graduanda em Psicologia (UFPB).
72 Doutoranda em Psicologia Social (UFPB).
73 Mestranda em Psicologia Social (UFPB).
74 Mestrando do Programa de Psicologia Social (UFPB).
75 Graduando em Psicologia (UFPB).
218
em vista que o agressor consegue manter o anonimato e não sofrer as consequências

de suas ações (Smoker & March, 2017).
Descobertas recentes identificaram que o comportamento de perpetração apresenta
correlação positiva com os traços de personalidade sombria (e.g psicopatia e sadismo),
visto que há uma tendência do agressor se envolver em comportamentos antissociais na
internet. Tais pessoas costumam utilizar estratégias cognitivas que motivam o Desen-
gajamento Moral (DM) para justificar suas condutas agressivas, uma vez que é um
processo de autorregulação moral que possibilita ao indivíduo fundamentar seus com-
portamentos antiéticos sem vivenciar a culpa (Nocera et al., 2021; Silva et al., 2021).
Fissel et al. (2021) mostram que o DM se relaciona a crimes cibernéticos, incluindo o
assédio moral (Page & Pina, 2020) e o bullying (Zych & Llorent, 2018).
Sendo assim, os traços de personalidade sombria, considerados nesta pesquisa
pela perspectiva da Tríade Sombria da Personalidade (Paulhus & Williams, 2002), são
definidos como características socialmente desadaptativas, ou seja, comportamentos
de insensibilidade emocional, dominância social e manipulação. Subdividem-se em:
a) maquiavelismo, que diz respeito a comportamentos de manipulação e enganação,
visando alcançar objetivos específicos; b) sadismo, refere-se à tendência do indivíduo
em emitir comportamentos desumanos e de humilhação, e, por fim, c) psicopatia, que
está associada à impulsividade, controle excessivo e insensibilidade (Rapp-Ricciardi
et al., 2018).
Para além disso, o DM baseado na Teoria Social Cognitiva de Bandura (1991),
refere-se a mecanismos psicológicos em que as pessoas “desvinculam-se” seletiva-
mente dos valores morais que acreditam, possibilitando o envolvimento em condutas
que costumam evitar, agindo erroneamente sem sentir vergonha, culpa ou necessidade
de reparação por seus atos. Exemplos desses mecanismos são: a) justificação moral,
que consiste em tornar ações culpáveis em aceitas socialmente; b) deslocamento
de responsabilidade, quando há culpabilização para justificar os próprios atos e,
c) desumanização, quando alguém tem suas características humanas rebaixadas a
um objeto ou animal (Maftei et al., 2019).
Neste sentido, o conceito de personalidade sombria tem se mostrado como um
construto importante para a explicação do Desengajamento Moral no Cyberstalking,
dado que são comportamentos prejudiciais para o bem-estar comum e afetam signifi-
cativamente a vida das pessoas (Fissel et al., 2021; Nocera et al., 2021). Diante disso,
a presente pesquisa objetivou verificar o poder preditivo da personalidade sombria
no desengajamento moral do cyberstalking.
Método
Participantes
Contou-se com 151 pessoas da população geral de diferentes estados brasilei-

ros (Midade = 28,50), sendo a maioria do Piauí (38,4%) e Paraíba (23,8%), mulheres
(68,9%), heterossexuais (82,8%), que estavam namorando (55%) ou casados/união

estável (41,1%).
Instrumentos
Foram aplicados os seguintes instrumentos:

Intimate Partner Cyberstalking Scale (Silva et al., 2021): avalia de maneira
global o cyberstalking. Constituída por 21 itens, (e.g item 04 “Já verifiquei mensa-
gens de meu(minha) parceiro(a) (e-mail, Facebook, celular) sem ele(a) saber.”, que
são respondidos por meio de uma escala Likert de 5 pontos, variando de 1 (Discordo
totalmente) a 5 (Concordo totalmente).
Dark Triad Dirty Dozen (Gouveia et al., 2016): avalia a presença de traços da
tríade sombria. Composta por 12 itens, distribuídos em três fatores: (e.g maquiave-
lismo: “Costumo usar enganações ou mentiras para conseguir o que quero”; psi-
copatia: “Costumo ser cínico”, e, narcisismo: “Costumo esperar favores especiais
dos outros”). São respondidos em uma escala do tipo Likert de 5 pontos variando de
1 (Discordo fortemente) e 5 (Concordo fortemente).
Assessment of Sadistic Personality (Silva et al., no prelo): instrumento elaborado
originalmente por Plouffe et al. (2017), composto por 9 itens que avaliam tendências
sádicas (e.g item 05 “Ser malvado(a) com os outros pode ser emocionante/ excitante
(prazeroso)”, respondidos por meio de uma escala de 5 pontos tipo Likert, variando
entre 1 (Discordo fortemente) a 5 (Concordo fortemente).
Moral disengagement (Fissel et al., 2021): consiste em uma medida de cinco
itens baseada em Bandura et al. (1999) para avaliar o cyberstalking. Os entrevistados
foram solicitados a responder o quanto concordavam com as seguintes afirmações
sobre cyberstalking (e.g. item 1: “a maioria das pessoas que sofrem cyberstalking
merecem”; item 2: “os cyberstalkers não pretendem prejudicar ninguém”). Res-
pondidos numa escala Likert de cinco pontos variando entre 1 (Totalmente falso) a
5 (Totalmente verdadeiro).
Questões sociodemográficas: com a finalidade de caracterizar a amostra por
meio de dados como idade, sexo e status de relacionamento.
Procedimento
A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa, seguindo os critérios

exigidos nas Resoluções 510/16 e 466/12 do Conselho Nacional de Saúde. A coleta
de dados foi realizada em formato eletrônico, através do Google Docs. O link com
os instrumentos foi compartilhado para os participantes por meio das redes sociais
online (Facebook, Instagram e Whatsapp), com a técnica de bola de neve no recru-
tamento de participantes. Por meio do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
foi comunicado os objetivos da pesquisa, o caráter voluntário de participação e a
garantia do anonimato.
220
Análise dos dados
Utilizou-se o SPSS (versão 21) para realizar Estatísticas Descritivas (média e

desvio padrão) para caracterização da amostra. Realizaram-se também Correlações
de Pearson para verificar as correlações entre as variáveis e Regressões Lineares
Múltiplas visando conhecer o poder preditivo da personalidade sombria no Desen-
gajamento Moral diante do comportamento de cyberstalking.
Resultados e discussão
Visando alcançar o objetivo da pesquisa, buscou-se verificar o poder preditivo

da personalidade sombria no Desengajamento Moral do cyberstalking. Inicialmente,
as correlações indicaram associações positivas com a pontuação em Desengajamento
Moral do Cyberstalking (DMC) e os seguintes traços da personalidade sombria (p <
0,001): maquiavelismo (r = 0,29), psicopatia (r = 0,31) e sadismo (r = 0,36). Esses
resultados mostraram que quanto maiores os traços sombrios, maior o nível de desen-
gajamento moral apresentado pelas pessoas.
Posteriormente, para compreender como os traços sombrios explicavam desen-
gajamento moral, realizou-se uma análise de regressão linear múltipla. O modelo
considerou os traços que foram significativos na correlação, explicando 13% da
variância em Desengajamento Moral do Cyberstalking [R = 0,36, R²Ajustado o = 0,13;
F (1,149) = 22,49, p < 0,001], sendo o sadismo o único traço que contribuiu de forma
significativa (β = 0,36, t = 7,78, p < 0,001), indicando que pessoas com níveis ele-
vados de sadismo apresentam tendência a utilizar o mecanismo de desengajamento
moral no cyberstalking.
Corroborando com a literatura, os traços de personalidade sombria apresen-
tam relações positivas com o Desengajamento Moral do Cyberstalking. Isto pode
ser justificado pelo fato de as pessoas que pontuam alto em traços como sadismo,
maquiavelismo e psicopatia costumam envolver-se em experiências emocionais
negativas, a exemplo da agressividade, inclusive no contexto da internet, dado que
o ciberespaço pode favorecer o uso de mecanismos de DM, a exemplo de enviar
mensagens indesejáveis nas redes sociais (e.g., Facebook, Instagram, Twitter), ou
até mesmo fraudar a identidade online da vítima (Amiri & Behnezhad, 2017; Fissel;
2021; Nocera et al., 2021; Sani & Valquaresma, 2021).
Uma vez que a personalidade sombria é considerada um construto explicador
para a justificação de comportamentos antissociais, como o DM no cyberstalking, os
resultados da presente pesquisa corroboram com os autores (Rapp-Ricciardi et al.,
2018) que destacam o sadismo como uma característica daqueles que são propen-
sos a se envolver em comportamentos agressivos, por terem baixa compreensão
de responsabilidade de seus atos e autocontrole. Portanto, o sadismo é demarcado
principalmente pelo alcance de prazer e poder, por meio da ofensa intencional e da
humilhação, causando sofrimento psicológico, emocional e físico à vítima (Nocera
et al., 2021).
Nesta perspectiva, destaca-se o contexto da internet como cenário propício para

a perpetração do cyberstalking, pois tal ambiente permite a viabilidade do agres-
sor permanecer anônimo, além do desapego das relações sociais, colaborando com
a manutenção de características sombrias de personalidade (Lyons, 2019). Além
disso, sabe-se que o contexto online permite que as pessoas se desvinculem mais
facilmente dos padrões morais internos e assim cometam atos imorais contra outros.
Tal realidade torna a personalidade sombria uma variável central na explicação da
perpetração de comportamentos de desengajamento moral no cyberstalking (Fissel
et al., 2021; Nocera et al., 2021).
Diante d o exposto, evidencia-se que o objetivo da pesquisa foi alcançado, o

qual contribuiu para expandir informações sobre a função de variáveis individuais,
especificamente os traços de personalidade sombria na explicação do uso de meca-
nismo de Desengajamento Moral no Cyberstalking. Os resultados denotam o sadismo
como um dos traços que mais explicam o comportamento de perpetração, em razão
de que pessoas sádicas são mais predispostas a cometer atos antissociais na internet.
Essas informações propiciam traçar direções teóricas e metodológicas, tal qual
elaborar intervenções que auxiliem na compreensão de como amenizar os efeitos
negativos da perpetração do cyberstalking, visto que sadismo, psicopatia e maquia-
velismo são percebidos com risco potencial para o surgimento de comportamentos
antissociais na internet. Ademais, conforme afirma Nocera et al. (2021), intervenções
de controle de agressão podem ajudar na redução da manifestação de tais traços,
bem como o desenvolvimento de programas de prevenção de desengajamento moral.
Ressalta-se que a pesquisa não está isenta de limitações, sendo essas: o tamanho
da amostra e o fato desta ter sido por conveniência, o que impossibilita generalizações,
além de as medidas utilizadas serem de autorrelato, o que pode ocasionar vieses em
falseamento de respostas. Portanto, sugere-se, para estudos futuros, a utilização de
instrumentos que controlem a desejabilidade social, a exemplo das medidas implí-
citas (Gouveia et al., 2012) em conjunto com a comparação de amostras clínicas
e não-clínicas.
222
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25. PERPETRAÇÃO DO CYBERSTALKING
EM RELACIONAMENTOS ÍNTIMOS:
uma explicação a partir de variáveis individuais
Paulo Gregório Nascimento da Silva77

Anna Dhara Guimarães Tannuss78
Lays Brunnyeli Santos de Oliveira79
Arthur Clero da Fonseca Monteiro80
Tamires Almeida da Costa Lima81
Sara Janine Silva de Oliveira Souza82
DOI: 10.24824/978652513724.7.225-232
Introdução
O stalking refere-se a uma conduta intencional, intrusiva, repetitiva e intimidante

dirigida a uma vítima, com a finalidade de assustá-la e incomodá-la (Silva et al.,
2021). Além disso, caracteriza-se como um modelo de violência relacional, antece-
dente a criação da internet (Sani et al., 2018) e acontece majoritariamente contra ex
e atuais parceiros íntimos, ocasionando problemas físicos, psíquicos e financeiros
para a vítima (Smoker & March, 2017).
Em decorrência do surgimento da tecnologia, apareceu uma nova forma de
perseguição, denominada cyberstalking (perseguição cibernética), que consiste em
assediar e ameaçar alguém de forma repetida e intrusiva, usando as tecnologias da
comunicação (Kaur et al., 2020; Silva et al., 2021). Isso pode ocorrer pelo envio de
mensagens prejudiciais através das redes sociais da vítima, publicação de vídeos e
fotos sem o consentimento, roubo de identidade e divulgação de falsas denúncias
(Marcum & Higgins, 2019).
Nesse contexto, Tokunaga (2016) verificou que cerca de 20 a 40 por cento dos
usuários da Internet são vítimas do cyberstalking. Tal prevalência está relacionada
à falta de restrições geográficas da internet, além dos agressores se sentirem menos
77 Doutorando do Programa de Psicologia Social da UFPB e Professor substituto do curso de Pedago-
gia da UESPI.
78 Graduanda em Psicologia e Bolsista de Iniciação Científica (UFPB).
79 Doutoranda do Programa de Psicologia Social da UFPB.
80 Graduado em Direito e Mestrando do Programa de Psicologia Social da UFPB.
81 Graduanda em Psicologia da UFPB.
82 Graduanda em Psicologia da UFPB.
226
inibidos por poderem esconder sua identidade (Kaur et al., 2020; March et al., 2022).
Apesar da magnitude, o fenômeno supracitado permanece subnotificado (Ahlgrim &
Terrance, 2018). Frequentemente, a falta de denúncia é verificada nos relacionamentos
amorosos, devido a tais comportamentos serem entendidos como inofensivos, e, por
vezes, como forma de cuidado (Duntley & Buss, 2012; Rodríguez-Castro et al., 2021).
Considerando os prejuízos e a incipiente quantidade de informações, a comuni-
dade científica vem tentando explicar o cyberstalking a partir das variáveis individuais
(Tani et al., 2003). Nessa conjuntura, destaca-se a personalidade sombria (Dark Tetrad)
composta por quatro traços: narcisismo, que se refere à tendência a se sentir superior,
grandioso e autoritário, com exploração interpessoal; o maquiavelismo, caracterizado
pela frieza emocional e uso de estratégias de manipulação interpessoal; a psicopatia,
tendência a falta de empatia e remorso; além do sadismo subclínico, que se refere a
uma tendência, disposição individual no envolvimento de ações cruéis, humilhantes
ou comportamentos antagônicos por prazer ou dominância (Kowalski et al., 2021).
Os traços que compõem a Dark Tetrad estão associados a comportamentos
socialmente indesejáveis, que incluem agressão interpessoal no contexto offline (Jones
& Olderbak, 2014), estendendo-se a comportamentos agressivos online, como tro-
lagem, bullying e cyberstalking (Kircaburun et al., 2018; Mach et al., 2020). Em
suma, as pesquisas evidenciam que pessoas com níveis mais elevados nos traços da
personalidade sombria se envolvem com maior frequência em comportamentos de
cyberstalking contra seus parceiros íntimos, com prevalência de perpetração entre as
mulheres em comparação aos homens (March et al., 2020; Smoker & March, 2017),
principalmente quando estão em relacionamentos de longo prazo (March et al., 2021).
Dado o exposto, a presente pesquisa objetiva verificar o poder preditivo da
personalidade sombria, controlando o efeito da variável sociodemográfica sexo, no
comportamento de perpetração do cyberstalking.
Método
Participantes
Contou-se com uma amostra não-probabilística (por conveniência) de 213 pes-

soas da população geral de diferentes estados brasileiros (Midade = 27,89; DP = 6,54,
variando de 18 a 50 anos), sendo do Piauí (37,3%) e Paraíba (24,5%), majoritaria-
mente do sexo feminino (68,1%) e heterossexuais (79,8%), que estavam namorando
(39%) ou eram casados/união estável (29,1%).
Instrumentos
Os participantes responderam um questionário contendo os seguintes instrumentos:

Intimate Partner Cyberstalking Scale (IPCS). Avalia de forma global a perpe-
tração do cyberstalking. Nesta pesquisa, utilizou-se a versão reduzida, validada para
o Brasil por Silva et al. (2021) composta por 10 itens [e.g., item 05 “Já verifiquei o
histórico do telefone/computador do(a) meu(minha) parceiro(a) para verificar o que

ele(a) estava fazendo” e o item 10, “Já usei ou considerei usar aplicativos de telefone
para rastrear as atividades de meu(minha) parceiro(a)”, que são respondidos em uma
escala tipo likert de cinco pontos, variando de 1 (Discordo totalmente) a 5 (Concordo
totalmente). A medida apresenta bons índices de confiabilidade (α=0,86 e ω=0,85).
Dark Triad Dirty Dozen (DTDD). Adaptada para o contexto brasileiro por
Gouveia et al. (2016), constituída por 12 itens, distribuídos equitativamente em três
fatores, maquiavelismo (α = 0,73; e.g., item 2. “Costumo usar enganações ou men-
tiras para conseguir o que quero”), psicopatia (α = 0,71; e.g., item 7. “Eu tendo a ser
insensível ou indiferente”) e narcisismo (α = 0,83; e.g., item 9. “Eu tendo a querer que
os outros me admirem”). Estes itens são distribuídos equitativamente entre os fatores
e são respondidos numa escala do tipo Likert, variando de 1 (Discordo fortemente)
a 5 (Concordo fortemente).
Assessment of Sadistic Personality (ASP). Instrumento elaborado por Plouffe
et al. (2017), composto por nove itens que avaliam tendências sádicas, por exemplo
os itens: 03 “Machucaria alguém se isso significasse que eu estaria no controle” e
o 05 “Ser malvado(a) com os outros pode ser emocionante/ excitante (prazeroso)”.
Estes são respondidos em escala de cinco pontos tipo Likert, variando entre 1 (Dis-
cordo fortemente) a 5 (Concordo fortemente). Destarte, ressalta-se que o item 09
apresenta pontuação inversa.
Questionário sociodemográfico. Os participantes responderam um questionário
com o intuito de caracterizar a amostra. Especificamente, perguntas referentes à idade,
sexo, estado que reside, gênero e estado civil.
Procedimento
A coleta ocorreu por meio do Google Docs, com divulgação em plataformas

digitais (e.g., Instagram, Whatsapp, Facebook), utilizando-se a técnica de bola de
neve no recrutamento de participantes. O presente estudo foi submetido e apro-
vado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Ciências da Saúde de uma
instituição pública do nordeste brasileiro (Número do Parecer: 3.624.087/ CAAE:
20170719.6.0000.5188), estando todos os procedimentos éticos de acordo com o que
estabelecem as Resoluções 466/12 e 510/16.
A participação no estudo foi voluntária, mediante concordância com o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), no qual foram informados os objetivos
da pesquisa, além de os participantes serem assegurados do anonimato e do sigilo
das informações fornecidas. Ademais, foi esclarecido que a anuência do participante
não lhe traria nem prejuízos e nem bônus, tendo direito de rescisão sem penalidade.
Em média, os participantes levaram 20 minutos para responder ao questionário.
Análise de dados
Os dados foram tabulados e analisados por meio do software IBM SPSS, versão
26. Foram realizadas estatísticas descritivas (média e desvio padrão), com a finali-
dade de caracterizar os participantes da amostra. Posteriormente, foram realizadas
228
correlações de Pearson entre as variáveis, seguida de regressão múltipla hierárquica,

visando conhecer o poder preditivo dos traços de personalidade, controlado pela
variável sexo, na perpetração do cyberstalking.
Resultados
Os resultados analisados por meio de correlações e regressão múltipla hierárquica,

inicialmente demonstraram que a variável sociodemográfica sexo (1 = Masculino, 0 =
Feminino) não explica o comportamento de perpetração do cyberstalking. Entretanto,

quando introduzidos no modelo os traços de personalidade sombria, a variável sexo
torna-se significativa com o modelo geral explicando 16% da variância da perpetração
do cyberstalking [R = 0,43, R²Ajustado = 0,18; F (5, 207) = 9,159, p < 0,01], com
contribuições significativas (p < 0,05) da variável sexo (β = -0,15, t = -2,25), além dos
traços maquiavelismo (β = 0,19, t = 2,14) e sadismo (β = 0,20, t = 2,35), indicando que
mulheres que apresentam níveis elevados de maquiavelismo e sadismo, apresentam ten-
dência maior a praticar comportamentos de cyberstalking em relacionamentos íntimos.
Discussão
No presente estudo, verificou-se o poder preditivo da personalidade sombria em

relacionamentos íntimos a partir de variáveis individuais. Os resultados indicaram
que o sexo foi um preditor significativo de perseguição por parceiro íntimo, com as
mulheres mais propensas a perpetrar o comportamento. Esses resultados corroboram
com os achados anteriores de que as mulheres tendem a perseguir os parceiros ínti-
mos através da internet (March et al., 2020; Smoker & March, 2017) e a se envolver
em comportamentos de perseguição disfarçada, como, por exemplo, fazer ligações
telefônicas ou usar tecnologia para monitorar o comportamento do parceiro (Burke
et al., 2011; Helsper & Whitty, 2010; Purcell et al., 2010).
Em comparação com os homens, as mulheres perpetraram mais cyberstalking
geral, invasivo e passivo, replicando resultados encontrados anteriormente (March
et al., 2020; Smoker & March, 2017). Embora, inicialmente, a perpetração do cybers-
talking tenha sido conceituado como um crime de homem-perpetrador/mulher-vítima
(Piazza & Ingram, 2015), os resultados do presente estudo corroboram com o que
tem sido evidenciado em pesquisas prévias, quando se tem em conta o âmbito dos
relacionamentos amorosos (March et al., 2020, 2022; Smoker & March, 2017). Kara-
kurt e Silver (2013), mostraram que as mulheres podem cometer abuso emocional
semelhante, se não mais, em comparação com os homens.
No que tange especificamente a personalidade sombria, foi evidenciado que o
maquiavelismo foi um preditor significativo de cyberstalking de parceiros íntimos.
Esse achado mostra que predisposições maquiavelistas, como abrir mão de valo-
res morais com facilidade e/ou falta de remorso, podem ser preditores únicos de
comportamentos antissociais online, especialmente entre as mulheres (Kircaburun
et al., 2018). Além disso, o sadismo também foi um preditor dos comportamentos de
cyberstalking em relacionamentos íntimos. Assim, sugere-se que o prazer de causar
diretamente danos físicos e/ou psicológicos/verbais a outros, provavelmente prediz

a perpetração desse comportamento (Silva et al., no prelo; Smoker & March, 2017).
Especificamente, o comportamento de cyberstalking das mulheres pode ser mais
bem atribuído à insegurança e à defesa do ego; seus altos níveis de sensibilidade à
rejeição as levam a se envolverem em comportamentos para evitar tal rejeição, ou
seja, as mulheres pensam em deixar o parceiro antes que eles as deixem (March et al.,
2020). Acredita-se que o cyberstalking do parceiro íntimo seja motivado principal-
mente pelo apego emocional à vítima. Em comparação aos homens, as mulheres
tendem a se envolver em cyberstalking para obter sentimentos de intimidade, possi-

velmente para preservar ou estabelecer um relacionamento (Duntley & Buss, 2012;
Smoker & March, 2017).
Diante do exposto, é possível concluir que o objetivo do estudo foi alcançado.

Esses resultados fornecem uma maior compreensão do papel que a personalidade
sombria pode desempenhar na perpetração de comportamentos de perseguição. Além
disso, é importante destacar a necessidade de abordar as noções de gênero e os este-
reótipos que acompanham essas percepções, a fim de aumentar a conscientização
sobre a realidade da perseguição nas redes sociais.
Este estudo destaca a necessidade de compreender as diferentes motivações das
diferenças de gênero na perpetração do cyberstalking (March et al., 2022). Conse-
quentemente, a presente pesquisa pode auxiliar futuras estratégias de identificação
e prevenção do comportamento de perseguição em relacionamentos com parceiros
íntimos. Ademais, a implementação de estratégias de prevenção pode auxiliar na
superação do descaso comum nos casos de cyberstalking por parceiro íntimo, bem
como nos casos com vítimas e agressores.
Além disso, como limitações encontradas na presente pesquisa, pode-se citar a
amostra, que contou majoritariamente com os estados do Piauí e Paraíba, demonstrando
a necessidade de ampliá-la para as demais regiões brasileiras. Destarte, o estudo tam-
bém contou com a prevalência de participantes do sexo feminino, representando um
percentual mais elevado de mulheres como amostra em detrimento do sexo masculino.
No entanto, é válido destacar que as limitações apontadas não trazem prejuízos
aos resultados. Dito isso, sugere-se em estudos futuros, amostras com participantes
de outras regiões do Brasil e uma equivalência maior entre o sexo feminino e o mas-
culino. Além disso, propõem-se investigar outras variáveis que possam estar associa-
das ao cyberstalking em relacionamentos na perspectiva do agressor, a exemplo de
necessidade de controle e desengajamento moral, pois já foi evidenciado que pessoas
com baixo autocontrole e com níveis mais elevados de desengajamento moral são
mais propensas a se envolver em perpetração de cyberstalking (Fissel et al., 2021).
Dito isto, reforça-se que compreender a rede monológica do comportamento
perpetrador do cyberstalking pode auxiliar na discussão e elaboração de estratégias
protetivas para as vítimas, para que desse modo, sejam desenvolvidas ações que
envolvam políticas públicas e leis que garantam uma maior segurança para usuários
da internet.
230
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26. PSICOLOGIA CRIMINAL: contribuições
da psicologia em investigações criminais

Jacqueline da Silva Santos87
Maria Karuline de Sousa Lima88
DOI: 10.24824/978652513724.7.233-238
Introdução
O presente estudo tem como finalidade compreender a atuação do psicólogo

em processos de investigações criminais através da observação dos comportamentos
dos criminosos e, com base neles compreender o perfil criminal por meio das infor-
mações sobre o crime, a vítima, o local e o possível autor, constituindo-se como uma
ferramenta complementar para a investigação.
Na legislação brasileira, na seara criminal, especificamente no âmbito da inves-
tigação, observa-se que não há uma determinação legal quanto à utilização do perfil
criminal como prova técnica a ser utilizada pelas partes processuais. O Código de
Processo Penal (CPP), no capítulo que trata da perícia e do perito criminal, restringe-
-se a descrever a atuação geral do perito, sem fazer, contudo, especificações quanto
a uma possível atuação de um perito psicólogo perfilador (Lei nº 3.689, 1941).
Oliveira (2021) adverte que o perfilamento criminal não se trata de uma ciên-
cia do domínio da psicologia, mas sim de uma técnica de investigação que pode ser
utilizada por diferentes profissionais, inclusive o psicólogo, com o intuito de realizar
a análise comportamental e das características do criminoso, contribuindo para a
investigação criminal.
O perfilamento criminal, como técnica de investigação para a elucidação de
crimes, ainda não adquiriu visibilidade em nosso país e grande parte da classe dos
psicólogos, muitas vezes têm dificuldade, inclusive, em compreender a psicologia
investigativa como área da psicologia jurídica (Penteado, 2019).

86 Graduanda em Psicologia pela Faculdade Uninassau Redenção
88 Graduanda em Psicologia pelo Centro Universitário Santo Agostinho (UNIFSA).
234
Por outro lado, segundo dados do Instituto Igarapé, denominado de “Segurança

do cidadão na América Latina”, o Brasil ocupa o décimo terceiro lugar entre países
com a maior taxa de homicídios por 100 mil habitantes, com uma média de 27,8
homicídios a cada 100 mil habitantes (Goussinsky, 2018).
Levantamento realizado pelo Instituto Sou da Paz (2020) realizado no ano de
2017 e publicado em 2020, mostra que 70% dos casos de homicídio não são solu-
cionados no Brasil, o que justificaria a necessidade de apropriação e aplicabilidade
de tecnologias e métodos que venham a auxiliar a investigação criminal de muitos
crimes violentos, como a técnica investigativa do perfilamento criminal de autores

de crimes dessa natureza.
Criminal profiling: conceito e etiologia
A psicologia criminal é um ramo da psicologia que busca investigar o perfil

do criminoso com base nas características psicológicas, biológicas e materiais apre-
sentadas no local do crime, e a partir dessa avaliação, analisar quais suspeitos se
enquadram nessas características. Ademais, essa área de atuação permite facilitar o
processo de investigação, reduzindo a atribuição de condenações injustas por meio
desse trabalho investigativo (Andréa, Fiorentino & Camargo, 2020).
Essa área de atuação foi ganhando espaço através da atuação de David Victor
Canter ao atuar na resolução de crimes utilizando essa técnica de investigação. Canter
cunhou o termo criminal profiling sendo uma das formas de atuação que pertence
a psicologia investigativa no contexto das investigações criminais, que estabelece
hipóteses sobre a personalidade do sujeito delituoso (Oliveira, 2021).
Andréa, Fiorentino e Camargo (2020) acrescentam que o criminal profiling
permite investigar o perfil criminal, tendo como base uma análise do ponto de vista
psicológico das características do autor do crime, cuja finalidade é apontar um perfil
criminoso com base no contexto do ato; personalidade do autor e significado do ato.
Portanto, o objetivo dessa técnica é apontar a personalidade do agressor, bem como
auxiliar na resolução de crimes semelhantes.
Oliveira (2021) retrata que, apesar de ser uma técnica de grande importância na
área criminal, o criminal profiling ainda é pouco estudado no Brasil, e que em outros
países como o Estado Unidos, esse instrumento se tornou popular ao ser utilizado pelo
FBI. Esse autor aponta para a necessidade de novos estudos envolvendo essa técnica,
tendo em vista que sua utilização é de grande importância nas investigações criminais.
A criminologia enxerga o crime como um todo, ou seja, o indivíduo delituoso,
a vítima, a cena do crime, o contexto social e como esses fatores podem interferir
no ato criminoso. Os profissionais que estudam esses delitos por meio de fatores
externos, procuram entender qual a origem do crime, analisando o que antecedeu o
comportamento daquele indivíduo (Bandeira & Portugal, 2017).
Bertoldo (2019) acrescenta que apesar do aumento de demandas relacionadas à
área do criminal profiling, essa técnica ainda é pouco estudada no Brasil, o que aponta
para o investimento de mais pesquisas nessa área, tendo em vista que essa técnica
auxilia na compressão dos prováveis comportamentos do criminoso, na forma como

crime foi cometido, e principalmente na resolução de crimes semelhantes.
A psicologia aplicada às investigações criminais
Para Bertoldo (2019) uma das atribuições da psicologia aplicada à construção

do perfil criminal, é conhecer aquele sujeito que cometeu o crime, desse modo, esse
sujeito será conhecido de acordo com o delito que cometeu tendo em vista os aspec-
tos biopsicossociais deixados na cena do crime. Logo, uma das características do

criminal profiling é obter dados para a construção de um perfil criminal, não sendo
necessariamente a formação de uma identidade, mas sim, a construção de aspectos
que vão auxiliar na resolução do crime.
Segundo Machado (2019) a psicologia criminal utiliza como instrumento auxi-
liar de investigação o criminal profiling, que contribui para a elaboração do perfil
criminal, por meio da observação de particularidades dos delitos, da identificação
de prováveis comportamentos dos criminosos vistos na cena do crime, e através de
testemunhas ou segundo relatos das vítimas. Dessa forma, auxilia na construção de
perfis psicológicos de prováveis autores, na identificação do tipo de crime cometido
e, até mesmo, na prevenção de certas transgressões que possam vir ocorrer, tudo isso
mediante a análise da cena de crimes semelhantes.
Lino e Matsunaga (2018) destacam que a técnica do Perfil Criminal é utilizada
como um instrumento psicológico no auxílio das investigações, que conciliará infor-
mações para que o caso seja solucionado, identificando os comportamentos apresen-
tados pelo criminoso na hora do crime e podendo ser comparado com outros casos.
A partir deste perfil, os suspeitos começam a ser investigados, até que o criminoso
seja encontrado e relate o possível motivo que o levou a cometer o crime.
Outrossim, os profissionais que atuam nesse âmbito utilizam conhecimentos da
criminologia, psiquiatria e psicanálise para traçar perfis e padrões de comportamentos
de forma mais ampla em conjunto com as equipes multidisciplinares para auxiliar
nesse processo. No entanto, essa técnica não fornece a identidade do possível cri-
minoso, e sim as características da possível pessoa que cometeu determinado crime
(Machado & Franck, 2019).
Na visão de Oliveira (2021) o profissional que for atuar nessa área deverá ter o
preparo necessário, pois uma atuação equivocada pode comprometer a veracidade do
perfil criminal. Portanto, essa investigação deverá levar em consideração experiência
na área e embasamentos teóricos suficientes.
Foi possível verificar que, muito embora o criminal profiling não seja uma
técnica exclusiva da ciência psicológica, é uma ferramenta capaz de analisar compor-
tamentos e características biopsicossociais de possíveis autores de crimes. E, nesse
236
sentido, a psicologia tem-se mostrado como uma das ciências capazes de contribuir
para o processo de investigação criminal.
Diante do exposto, pode-se observar que os conhecimentos demonstrados devem
fazer parte do processo de formação e aperfeiçoamento dos investigadores de polícia,
para que se possa garantir uma prestação de serviço condizente com a complexidade
apresentada pelo tipo de crime, do perfil do criminoso e a forma como esse crime foi
cometido, levando consequentemente ao seu autor.
Destaca-se também a importância em investir em novas pesquisas, pela escassez
de material científico acerca do tema e a necessidade em investimentos nas áreas de

estudo nesse campo de atuação para que o profissional psicólogo possa se apropriar de
uma fundamentação teórico-técnica capaz de contribuir em investigações criminais,
na elucidação e prevenção de crimes.
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Educação
27. MÉTODOS INADEQUADOS E
ADEQUADOS DE ABORDAGEM
POLICIAL NO ATENDIMENTO ÀS
VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA
Aurielly dos Santos Gomes89

Letícia Toshie Miyazaki de Sousa90
Rayanna Camilla dos Santos Araújo91
DOI: 10.24824/978652513724.7.239-248
Introdução
Diante da problemática da violência psicológica, que ganhou maior notoriedade

com a sua criminalização, é necessário ampliar as investigações sobre as formas
adequadas de acolhimento à vítima, com a finalidade de melhorar o atendimento poli-
cial e, dessa forma, incentivar as denúncias, efetivando o enfrentamento à violência
contra a mulher. O conjunto de ações articuladas para essas intervenções apresenta
que as capacitações aos agentes policiais são de inteira importância para a assistência
a essas mulheres em situação de violência. A autoridade policial deverá prestar o
atendimento técnico e pericial especializado com profissionais preferencialmente do
sexo feminino (Brasil, 2006).
Conforme Paduanello (2015) a abordagem policial deve pautar-se em uma
conduta ética e legal. Porém, dentro dos determinantes culturais, há um afastamento
entre a polícia e a população, assim como a desinformação e despreparo desses profis-
sionais, o que favorece uma maior dificuldade quando recebem a queixa de violência
psicológica. Esses fatores corroboram para a hesitação das vítimas na efetuação da
denúncia, o que prejudica o processo de enfrentamento da violência, desde que as
delegacias são o primeiro espaço a ser procurado para este fim.
A forma de acolhimento adequado às vítimas de violência psicológica feita
pelos policiais depende das capacitações que esses profissionais deverão receber. As
práticas não devem ser baseadas em condutas discriminatórias e nem que reforcem
a vitimização que essas mulheres já enfrentam. Temáticas como ciclo de violência,
89 Acadêmica em Psicologia pela Universidade Estadual do Piauí (UESPI).

240
controle coercitivo e questões de gênero são conteúdos que deverão fazer parte desse
repertório. Diante disso, os policiais muitas vezes se utilizam do “bom senso” para
atender/acolher as vítimas, o que, de acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança
Pública (2020) não se configura enquanto uma boa estratégia; nesse sentido, méto-
dos pautados na integridade, cortesia e justiça são essenciais para um atendimento
policial de qualidade.
É preciso que a complexidade desse tema seja amplamente discutida pelas
instituições, garantindo uma formação adequada e que seja suficiente às exigências
de competências necessárias a esses profissionais. Em dados fornecidos pelo Fórum

Brasileiro de Segurança Pública (2020) sobre as mulheres vítimas de violência no
Brasil, se evidenciam números que demonstram haver um número reduzido de procura
aos serviços de polícia. Isso demonstra que há a necessidade de melhoria nas formas
de atendimento, bem como maior investimento nesse campo, tanto para capacitação
dos profissionais, quanto para melhoria no espaço para os atendimentos e a construção
de mais Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAMs).
Seguindo essa necessidade de debate disseminação e compreensão das formas
como essas vítimas de violência são recebidas nas delegacias, esse texto foi construído
como um estudo de revisão bibliográfica de estudos publicados na última década
com o objetivo de analisar as práticas policiais quanto ao atendimento de vítimas de
violência doméstica, enfatizando, dentro desse fenômeno, a violência psicológica e
identificando métodos adequados e inadequados ao se portar diante dessas mulheres.
Delegacias Especializadas
As DEAMs representam um dos principais recursos para o enfrentamento da

violência contra a mulher. Essas delegacias são um dispositivo que faz parte da rede
de políticas públicas de enfrentamento desse fenômeno, principalmente no que se
refere a violência psicológica. Esses espaços de referências para mulheres em situação
de violência, como analisa Medeiros (2012), surgiram com a força dos movimentos
feministas no Brasil com o objetivo de oferecer um tratamento mais adequado às
vítimas durante o processo de efetivação de denúncia e enfrentamento da violência
à qual são acometidas.
Para a regulação e orientação desses órgãos, a edição realizada em 2006 das
Norma Técnica de Padronização das Delegacias Especializadas de Atendimento à
Mulher direciona e define procedimentos e atribuições normativas fundamentais para
o funcionamento das DEAMs. É preciso que o profissional realize um atendimento
digno e que seja diferenciado, pois, sendo a violência contra a mulher um fenômeno
marcante culturalmente na sociedade, necessita-se um trabalho adequado para o
enfrentamento da mesma. Nesse sentido, Bandeira (2014) postula ser imperativo que
o profissional realize escuta e acolhimento e que o mesmo possua compreensão dos
contextos nos quais a violência ocorre, assim como o que está legitimando a violência
e o que a mantém invisível e impune. Bandeira (2014) ainda aponta que uma postura
inadequada na abordagem policial no atendimento a essas vítimas corrobora para a
destruição da esperança das mulheres em encontrar uma solução para o sofrimento

que enfrentam.
A construção de delegacias especializadas, embora sendo extremamente necessá-
ria, não é suficiente para sanar essa questão de ordem pública, uma vez que é preciso
que os profissionais recebam capacitações adequadas para um bom atendimento às
vítimas. Além disso, faz-se necessário intervenções para melhorias nesses espaços
de atendimento, assim exposto por Souza e Martins (2021) ao denunciar problemas
na estrutura e no tempo de assistência às vítimas.
Métodos inadequados de atendimento à vítima
Anterior à criação das Delegacias Especializadas da Mulher (DEM) e da Lei

Maria da Penha (Jesus & Sobral, 2017), quando as mulheres procuravam denunciar
as violências que sofriam, muitos eram os relatos de práticas hostis e culpabilização
da violência sofrida quando eram atendidas nessas delegacias. Comportamentos como
perpetuação de estereótipos, especialmente os relacionados ao gênero, cercados pela
misoginia e crenças conservadoras, patriarcais e corporativas foram encontrados na
literatura, no qual condutas sexistas de policiais eram comuns, cerceando essas víti-
mas com intimidações e desmobilização de suas denúncias (Martinelli, 2019; Durão,
2013; Jesus e Sobral, 2017). Nesse mesmo sentido, muitos agentes demonstravam
dificuldades em lidar com a relação de vitimização e agressão, haja vista que eram
treinados para o cotidiano dinâmico e violento de enfrentamentos, perseguições e
apreensões, no qual a postura de punição era requerida, não a de acolhimento.
As ações realizadas pela autoridade policial (Martinelli, 2019), em casos de
violência doméstica na lei 11.340/06, os permitem a agir “quando necessário”, ou
seja, deixando à critério do policial a análise das providências cabíveis, o que oca-
sionava muitas vezes em negligência, dessa forma, enfatizando a necessidade de uma
capacitação especial desses profissionais ao atendimento dessas vítimas. No caso da
violência psicológica, onde marcas físicas não são visíveis, é imprescindível uma
atenção especial para que se evite agir de forma errônea com essas mulheres, tratando
sua denúncia como algo simples ou subestimando o fenômeno.
Caminhando por essa lógica, Rhatingan et al. (2011), citado por Martinelli
(2019), demonstram que policiais do sexo masculino atribuem menos responsabili-
dade aos perpetradores masculinos, muitas vezes incidindo julgamento e descrença
às mulheres e defendendo seus agressores como uma forma de proteção coletiva dos
homens. Quanto à essa incredulidade perante o discurso feminino, ainda se adiciona a
exigência da lei em comprovar a violência, processo que é extremamente desgastante
e intrusivo ao corpo da vítima e, no âmbito da violência psicológica, como explicita
Mendonça (2015 apud Martinelli, 2019) na ausência de marcas, essa denúncia é
burlada de forma fácil pelos advogados de defesa do agressor.
Essa desqualificação da violência psicológica também é realizada através da
justificação da atitude agressiva por uso de bebidas alcoólicas ou drogas (Jesus e
Sobral, 2017) e o retorno da culpa para a vítima, onde muitos escrivães relataram
242
que mulheres tendem a provocar demais os homens, que sua denúncia é besteira e
a extrema negligência às suas dores e a negação de um acolhimento propício. Mar-
tinelli (2019) explana esse comportamento ao ressaltar a dificuldade que policiais
têm em compreender os aspectos sutis e ambivalentes dentro de um relacionamento
romântico ou quando a violência psicológica ocorre em âmbito doméstico, pois nessas
configurações há uma imensa variedade de contatos e afetos que refletem a natureza
fluída dos relacionamentos, uma vez que eles não são formados apenas pela condição
perpétua de agressão e violência. Dessa forma, esses profissionais podem enxergar a
violência psicológica como brigas passageiras e não identificar essas violações sutis,
o que torna a detecção desses abusos ainda mais complicada por conta da ausência
de conhecimentos no assunto. Em conformidade à Jesus e Sobral (2017) tais posturas
são contrárias à Norma Técnica de Padronização, que constitui que mulheres devem
ser consideradas sujeitos de plenos direitos, no que se inclui a atenção, escuta atenta,
observadora e profissional.
O desconhecimento da Lei Maria da Penha e a resistência em aplicá-la
Em muitos os casos, vários profissionais não conhecem de forma aprofundada

a Lei Maria da Penha e seus desdobramentos, considerando-a aplicável apenas em
casos de violência física (Jesus & Sobral, 2017). Dessa forma, essas vítimas recebem
uma recepção inadequada, poucas informações sobre os procedimentos a serem
realizados, uma fragmentação da rede de apoio e serviços que estariam disponíveis
para acolhê-la e ajudá-la a enfrentar esse momento de forma mais humana. A ausên-
cia de um centro de proteção integral e a incapacidade da polícia em determinar as
medidas corretas de proteção, acolhimento e direcionamento a um apoio psicológico
especializado são outras falhas desse sistema de atendimento.
Souza e Martins (2021) elencaram várias são as posturas inadequadas, tais
como a ocorrência de hierarquização de agressões, na qual policiais consideram a
violência física como mais graves do que a violência moral e psicológica; falta de
estrutura adequada nas delegacias no que se refere à salas especiais que assegurem
a privacidade da vítima durante o depoimento, expondo-as a ambientes não sigilo-
sos, o que ocasiona em constrangimento; quando se há o atendimento psicológico
na delegacia, o mesmo era interpretado num sentido psicopatologizante da mulher
ou a atribuição de papéis não condizentes com esses profissionais de saúde mental,
direcionando-os para realizar a triagem, explicar procedimentos e outras informações.
Por conseguinte, há relatos no qual o agressor e as vítimas permanecem na mesma
sala (Ferro & Souza, 2019), a falta de equipe multidisciplinar para melhor atender,
ouvir e encaminhar essas mulheres e a resistência dos policiais em adotar uma con-
duta mais humana, educadora, mediadora e conciliadora, o que é deixado bem claro
na pesquisa de Nunes (2012) onde foi demonstrado resultados referentes à falta de
capacitação especializada e rede de apoio eficiente.
Na literatura internacional, muito se fala sobre o Ambivalent Sexism, termo
cunhado por Glick e Fisk (1996 apud Lila et al., 2013) traduzido livremente como
sexismo ambivalente, que se desdobra em duas subcategorias: o sexismo hostil e o

sexismo benevolente. O primeiro condiz com a crença sistêmica de que mulheres são
manipuladoras e utilizam sexo ou falsas afirmações de discriminação para exercer
poder e controle sobre os homens e o segundo diz respeito à fragilidade exacerbada
das mulheres, colocando-as em posições de indefesas e pouco inteligentes, sendo
sobrepujadas constantemente por homens. Nesse sentido, no caso da violência psico-
lógica, há a inversão de lógica, pois os policiais acreditam que quem faz a violência
psicológica através de manipulações, chantagens e uso do sexo para controlar o
comportamento dos homens são as mulheres ou que a violência psicológica ocorre

pela inocência delas em não conseguir reconhecer tais atitudes, então fazem esse
atendimento com postura de pena.
Fielding, Newburn e Stanko (1994, apud Lila et al., 2013) também traçaram uma
revisão histórica sobre a dominação masculina nas organizações policiais (Dellinger,
2008; Murrell & Lester, 1979; Roberg, Crank & Kuykendall, 2004 apud Lila et al.,
2013) ao falar da subcultura policial, em que a organização é uma irmandade com
alguns dogmas guiados por misoginia, racismo, proteção masculina entre si, entre
outros. A violência psicológica é tida como inexistente, estabelecendo o gaslighting,
onde a mulher é a considerada louca, não o homem que está a violentando e mani-
pulando psicologicamente.
Quanto à outras posturas inadequadas, se elencam a dessensibilização do pro-
cesso de atendimento que é o distanciamento ao atender a vítima, sem olhá-la nos
olhos, sem prestar atenção ao que ela fala, cortar sua narrativa para guiar o depoi-
mento para um objetivo que não é o da mulher, o que pode causar contradições
no preenchimento do depoimento, atenuando a gravidade da narrativa transcrita; a
impossibilidade de expressão emocional onde as vítimas entrevistadas manifestam
frustração causada pela impotência que percebem nos gestos e vozes de policiais,
nas delegacias e no campo da justiça em si.
Métodos adequados de atendimento à vítima
Quando se trata da violência psicológica contra a mulher, conforme Costa et al.

(2015), uma das primeiras dificuldades se encontra na identificação e desvinculação
desse tipo de violência das demais. Segundo Amaral (2020), é necessário que haja
uma tipologia específica desse tipo de violência, de modo a facilitar sua identificação
por parte da vítima e gerar mecanismos mais eficientes, que possam contribuir para
uma punição mais severa do agressor.
Tal qual pontuado por Carvalho (2019), o primeiro contato com a vítima é de
extrema importância, pois influencia na sua recuperação e nas chances que ela e outras
vítimas sintam-se confiantes em recorrer a sistemas de apoio formal quando neces-
sário. Dessa forma, uma abordagem policial adequada qualifica tanto a intervenção
quanto garante às vítimas um lugar onde se sintam seguras ao efetuar a denúncia,
possibilitando uma procura mais rápida e menor risco de reincidência.
244
O profissional deve adotar uma postura empática e ausente de julgamentos,

transmitindo um sentimento de segurança à vítima quanto à atuação da polícia (Car-
valho, 2019; Direção-Geral de Administração Interna [DGAI], 2013 apud Carvalho,
2019). Para Schuchman (2015 apud Martinelli, 2019, pp. 48) “o policial deve ter
sensibilidade de gênero para levar em conta aspectos psicossociais bem como a
construção histórica das relações de gênero”.
Paralelo à uma atitude empática do profissional, a existência de uma sala de
atendimento às vítimas, com isolamento acústico e visual, que permita a inexistência
de interrupções, a segurança e privacidade, apresenta um passo importante para a

qualidade do atendimento prestado e na construção de uma relação adequada com
a vítima (Direção-Geral de Administração Interna [DGAI], 2013 apud Carvalho,
2019; Carvalho, 2019).
Quanto ao atendimento, Habigzang (2018) elenca atitudes essenciais para o
estabelecimento de uma abordagem adequada, como ser gentil ao entrar em contato
com a vítima, cumprimentando-a, apresentando-se e dirigindo-se a ela usando o
nome de sua preferência. Caso a vítima esteja nervosa, iniciar o atendimento com
perguntas gerais, como idade, ocupação, atividades de sua preferência e, então, per-
guntar o motivo da procura pelo atendimento. O profissional deve estar atento ao
relato, demonstrando através de contato ocular, vocalização e sinais de concordância,
ocasionalmente fazendo resumos e repetindo algumas de suas falas. As perguntas
devem ser restringidas à obtenção de informações necessárias ao caso.
Ao fim do relato, o profissional deve dizer que acredita no que foi dito e que
está disposto a ajudar. Uma vez que se trata de uma situação íntima, que remete à
vítima diversos sentimentos negativos, agradecer à confiança depositada nele durante
o relato. O sigilo não pode ser prometido, tendo em consideração a necessidade da
notificação e encaminhamentos necessários. Tal fato e procedimentos devem ser
explicados à vítima, ao passo em que o profissional se coloca à disposição para
esclarecer dúvidas. Nesses casos, é comum que a vítima se sinta culpada em relação
ao ocorrido. O profissional deve adotar uma postura que isente a vítima de culpa,
esclarecendo que a culpa é de quem comete a agressão. Antes de finalizar o atendi-
mento, é importante verificar como a vítima se sente, de modo que o atendimento só
pode ser encerrado quando ela estiver se sentindo relativamente bem.
Uma coleta e armazenamento adequados das informações relatadas nos autos
de denúncia também são essenciais para o desenrolar do processo. É necessária uma
descrição completa e objetiva, assim como a identificação da existência de outras
vítimas, como crianças e idosos. A documentação adequada dessas informações
facilita o acompanhamento do caso, a proteção da vítima e a diminuição de casos de
revitimização (Direção-Geral de Administração Interna [DGAI], 2013, apud Carva-
lho, 2019; Carvalho, 2019).
Segundo Carvalho (2019), como medida de prevenção de reincidência da
violência, é realizada uma avaliação de risco que possibilita a elaboração de um
plano de segurança, que se divide em dois tipos: individual, elaborado em parceria
com a vítima; e em rede, elaborado em parceria com outras organizações. Carvalho
(2019, pp. 47) aponta, ainda, para a importância do encaminhamento das vítimas
para serviços especializados, que abarquem setores “como o aconselhamento jurí-

dico, apoio psicológico, apoio social e econômico, alojamento, apoio na procura de
emprego, entre outros”.
Segundo Bianchini (2014, apud Martinelli, 2019), estratégias de empodera-
mento da vítima são indispensáveis para a quebra do silêncio e do medo. Para isso, é
necessário reconhecer a violência não como um problema individual da vítima. Nesse
sentido, “a cooperação da polícia, a informação e o aconselhamento, o suporte e o
encaminhamento são justamente os fatores que promovem a capacitação da vítima
para lidar com as situações de violência” (Martinelli, 2019, pp. 56).
Atendimento às mulheres LGBTQIA+
Quando se fala do atendimento policial às mulheres LGBTs, a literatura aponta

diversos erros e atitudes LGBTfóbicas e transfóbicas (Blaney, 2010; Martinelli, 2019)
onde se é até mesmo negado o direito de denúncia às mulheres trans e travestis. Essas
mulheres, quando chegam nas DEMs, podem encontrar resistência dos policiais a
serem atendidas, sendo muitas vezes tratadas pelo pronome masculino ou o nome
morto, informando que elas não podem prestar queixa nesse local. Nesse sentido, é
bastante claro a aplicação da Lei Maria da Penha às mulheres transgênero, indepen-
dentemente da alteração do nome de registro ou da cirurgia de redesignação genital,
reafirmado recentemente pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ, 2022), uma vez
explanado que a lei se refere à violência de gênero e não ao sexo biológico.
No caso das mulheres em relacionamentos com outras mulheres, há ocorrência
da internalização dos papéis de gênero, onde profissionais acreditam que a violência
só acontece em relações heterossexuais numa configuração de dominação/submissão
de um homem sobre uma mulher, desqualificando atitudes de agressoras femininas
apenas pelo fato de serem mulheres (Souza, 2020; Santos, 2012).
A Comissão para a Cidadania e Igualdade de Gênero (2016), baseada no modelo
tridimensional, aponta como possíveis medidas de aprimoramento de profissionais
que trabalham com vítimas LGBT, o desenvolvimento de três dimensões: conheci-
mento, consciência e competência. É necessário, dessa forma, conhecimento sobre
a comunidade LGBT, questões como discriminação e identidade de gênero e as
especificidades da violência conjugal em relacionamentos entre pessoas do mesmo
sexo; consciência de si mesmo e da influência de suas atitudes na prática profissional;
e competências no atendimento e acompanhamento das vítimas, tais como o uso de
linguagem inclusiva.
Das competências que possam adequar a abordagem policial em casos de vítimas
que pertençam à comunidade LGBT, encontram-se: não fazer suposições baseadas
em esteriótipos, não ignorar questões que são específicas a relacionamentos queer ou
evitar abordar diretamente a orientação sexual ou identidade de gênero da vítima e
do(a) agressor(a), utilizar linguagem não patologizante e inclusiva, não assumir que
a vítima seja heterossexual, saber reconhecer a homofobia internalizada da vítima
e seu impacto na dinâmica da violência, adequar a proposta de intervenção caso a
246
vítima seja abertamente LGBT ou não, disponibilizar recursos de apoio e apoiar

a vivência da pessoa enquanto LGBT (Comissão para a Cidadania e Igualdade de
Género [CIG], 2016).
Como destacado com o presente estudo, identificamos diversas práticas adequa-

das e inadequadas em relação ao atendimento de vítimas de violência psicológica.
No entanto, percebemos uma recorrência maior de posturas inadequadas, no que se

refere à questões multifatoriais, ressaltando problemáticas que perpassam tanto a
integridade dos ambientes físicos e falta de equipe especializada quanto à deman-
das de cunho teórico, essas caracterizadas pela falta de aprofundamento específico
em torno do fenômeno da violência psicológica, ocasionando em perpetuação de
estereótipos machistas e sexistas. Há falta de compreensão dos agentes policiais a
respeito da Lei Maria da Penha e seus desdobramentos, de tal maneira que a mesma
é considerada aplicável apenas em contextos de violência física, no mesmo sentido
em que há uma barreira quando se fala de mulheres LGBTQIA+.
Diante dessa problemática, considerando que o fenômeno da violência psi-
cológica começou a ser estudado recentemente, complementamos que há a neces-
sidade de mais pesquisas voltadas para a área da violência psicológica, uma vez
que a maioria da literatura a inclui apenas como uma subcategoria da violência
doméstica ou agregada à agressão física. Nesse sentido, é imprescindível que hajam
capacitações para esses profissionais da segurança pública de forma a possibilitar
um aprimoramento de seus conhecimentos teóricos, desmistificando ideias errôneas
sobre o fenômeno da violência psicológica através de discussões que fomentem suas
práticas cotidianas, facilitando seu trabalho ao acolher essas vítimas de maneira mais
eficiente e humanizada, resguardando seus direitos e deveres, sempre atualizados
quanto aos debates atuais, sendo eles partes fundamentais da rede de enfrentamento
desse problema social.
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-e-aplicavel-a-violencia-contra-mulher-trans--decide-Sexta-Turma.aspx em 12 de abril de 2022.
28. TEORIA DO CONTROLE
COERCITIVO: uma revisão de literatura
Thamirys de Cássia Souza de Oliveira93
Jaciane de Oliveira dos Santos94
Danilo de Lima Tavares95

DOI: 10.24824/978652513724.7.249-254
Introdução
O controle coercitivo trata-se de um tipo de violência com parceiro íntimo,

identificado por padrões de comportamento não violentos que se destinam a man-
ter o controle das vítimas. Buzawa et al. (2017) descrevem o controle coercitivo
como um curso estratégico de abuso baseado em gênero onde uma combinação de
violência física, sexual, intimidação, degradação, isolamento, controle e violações
arbitrárias da liberdade são usadas para subjugar uma parceira e privá-la de direitos
e recursos básicos.
Desse modo, o controle coercitivo pode se estabelecer como uma violência
contínua e rotineira, onde os abusadores poderão adaptar suas táticas por tentativas
e erros, de acordo com seus benefícios e custos relativos e nas vulnerabilidades per-
cebidas de seu parceiro. Stark (2012) faz um comparativo do controle coercitivo com
outros crimes de captura (sequestros), afirmando que mesmo ambos apresentando
muitas das mesmas táticas, o que diferencia é justamente esse acesso do perpetrador
a informações exclusivas que só o relacionamento com a vítima poderia proporcionar.
Além disso, como apresenta Johnson (2008), o abuso dentro da dinâmica do
controle coercitivo, estabelece o que o autor nomeia por “terrorismo íntimo”, e embora
todo esse medo extremo adentre outras áreas da vida da vítima, acaba não sendo
percebido por estranhos, o que possibilita um aumento do estado de impotência e
distanciamento de redes de apoio. Essa grande invisibilidade também é percebida
na falta de identificação por parte dos agentes da lei, e isso se torna uma das caracte-
rísticas mais marcantes do controle coercitivo, o silenciamento e o medo constante.
Dessarte, o presente capítulo tem por finalidade apresentar uma revisão de lite-
ratura acerca de trabalhos desenvolvidos sobre o controle coercitivo, suas diferentes
93 Discente do Curso de Psicologia da Universidade Estadual do Piauí – UESPI.

96 Doutor na área de Avaliação Psicológica (USF), Analista Judiciário Psicólogo (TJMA), Pesquisador e Docente
do Curso de Psicologia da Universidade Estadual do Piauí – UESPI.
250
formas e consequências para as vítimas, haja vista a necessidade de um maior

entendimento do conceito e suas nuances.
Características do Controle Coercitivo
A dinâmica que envolve as relações em que o controle coercitivo se faz pre-

sente apresenta algumas características específicas. Segundo Stark (2012), é possível
definir três aspectos que devem ser considerados nesse tipo de violência: as ações
do agressor devem ocorrer de forma intencional, de modo a alcançar um objetivo

específico; a vítima da violência deve perceber de forma negativa as ações de controle
do agressor sobre ela; o controlador deve ser capaz de cumprir ou fazer a vítima crer
que ele possa cumprir suas ameaças.
Dessa forma, na medida em que o agressor seleciona as táticas a serem utiliza-
das para alcançar seus objetivos a partir do conhecimento prévio que possui do alvo
e da posição de privilégio que o relacionamento íntimo lhe proporciona, é possível
estabelecer o controle sobre a vítima. Portanto, ainda de acordo com Stark (2007), as
estratégias usadas para obter controle sobre uma vítima são exclusivas para aquele
relacionamento e as pessoas envolvidas.
A prática do controle coercitivo nas relações ocorre a partir de duas premissas
principais, que são evidenciadas a partir do próprio nome desse modelo, ou seja, o
controle e a coerção. Pode-se definir como “coerção” as estratégias utilizadas com
objetivo de manipular, ameaçar e intimidar a vítima de modo a induzir ou eliminar
um comportamento específico, enquanto o “controle” ocorreria através de métodos
utilizados para impedir que o alvo possua acesso aos meios necessários para obter
apoio e se desprender da subordinação ao agressor (Stark, 2012). Portanto, as vítimas
que vivenciam esse tipo de relação são obrigadas à obediência aos seus cônjuges,
ainda que de forma indireta, e para isso são privadas dos recursos essenciais para
sua independência, além de terem seus comportamentos regulados na vida diária.
Na literatura internacional é possível identificar algumas táticas utilizadas pelos
infratores que empregam controle coercitivo nas suas relações. Nos parágrafos seguin-
tes serão caracterizadas algumas das estratégias mais utilizadas.
A violência física nas relações em que também ocorre o controle coercitivo se
distingue, quando comparada às agressões utilizadas por parceiros que não fazem
uso desse padrão de comportamento controlador, por ser usada de forma corriqueira
e duradoura (Stark, 2012). Nesse sentido, o abusador pode fazer uso da força para
obrigar comportamentos na vítima ou a impedir de realizar algo que ela deseja,
assim como a manter distante de meios para obter ajuda. Então, a partir do desejo
constante do ofensor de manter controle sobre o parceiro, as agressões físicas são
utilizadas de forma frequente, como algo habitual na relação e não exclusivamente
em momentos de conflito.
Outra estratégia para obter controle sobre a vítima é a intimidação, podendo ser
usada para assegurar que os abusos sofridos pelo alvo não serão revelados e para gerar
medo da desobediência. Assim, a intimidação funciona a partir de uma condição “ou

então” em que a vítima teme a punição caso desobedeça ao parceiro (Stark, 2012).
Os perpetradores da violência podem intimidar as vítimas de diversas formas,
selecionando as estratégias a partir dos recursos e situações disponíveis, assim como
o conhecimento que possuem do parceiro. Por conta disso, as ações de intimidação
podem ocorrer de forma muito sutil, como um gesto em público que só a vítima e
o seu cônjuge entenderão o significado e contexto de fundo. O objetivo aqui seria
gerar lealdade e obediência em qualquer situação, a partir do medo que as vítimas
terão da capacidade do agressor em puni-las.

Uma das principais formas de intimidar o parceiro é a ameaça. E elas podem
ocorrer a partir de promessas de danos à vítima, seus familiares, amigos, propriedades
e bens de valor para o cônjuge, assim como aos próprios filhos, caso haja. O autor
ainda afirma que as ameaças não diretas como sumiços propositais sem aviso prévio
ao parceiro, tratamento de silêncio e não demonstrar qualquer afeto pelo companheiro
também podem ser utilizadas como punição à vítima (Stark, 2012).
Os relatos das vítimas de uma pesquisa britânica que contou com uma amostra
de 500 mulheres que procuraram ajuda através do Refuge UK (Rees et al., 2006)
como menciona Stark (2012, p. 207) em seu estudo, mostraram que “79,5% das
mulheres relataram que seus parceiros ameaçaram matá-las pelo menos uma vez, e
43,8% o fizeram “frequentemente” ou “o tempo todo”, 60% dos homens ameaçaram
levar as crianças, 36% ameaçaram machucar as crianças, 32% ameaçaram internar
a vítima em um hospício [...]”
A estratégia de perseguição ou vigilância é utilizada para que a vítima seja moni-
torada e para que o infrator tenha acesso a informações sobre ela e possa controlá-la
mesmo que haja separação física entre eles, tornando assim o abusador onipotente
e onipresente. Algumas ações de perseguição envolvem “atividades dos parceiros
de cronometragem (ligações, toalete, viagens, compras etc.); monitorar suas comu-
nicações; vasculhar gavetas, bolsas, carteiras ou registros bancários; cyberstalking
com câmeras ou dispositivos de posicionamento global; ou ter parceiros seguidos”
(Stark, 2012).
A degradação do alvo é usada para conferir superioridade ao abusador, quando
este obriga seu parceiro a participar de atos que o envergonham ou nega à vítima
direitos básicos, como cortar o cabelo ou fazer higiene pessoal. Alguns abusadores
usam de insultos, forçam os parceiros a participar de rituais e mantém regras que
estes consideram ofensivas (Stark, 2012).
Para manter o controle sobre a vítima, é comum que os abusadores empreguem
a tática de isolar seus companheiros, com objetivo de negar o acesso aos métodos
necessários para obter ajuda e apoio, gerar dependência na vítima e impedir que o
abuso seja divulgado ou relatado para terceiros. Dessa forma, as vítimas são impe-
didas de manter contato com familiares, ter acesso a redes sociais, fazer ligações e
visitas, além de serem sabotadas em seus momentos de trabalho ou envergonhadas
por seus parceiros nesses locais, para que abandonem seus trabalhos ou percam apoio
dos seus colegas, entre outras formas de abuso. Como conclui Stark (2012, p. 210)
252
“ao se inserirem entre as vítimas e o mundo exterior, os controladores se tornam sua

principal fonte de informação, interpretação e validação.”
O autor citado acima ainda pontua acerca da maneira como o abuso se mate-
rializa na vida dessas vítimas, pois esta materialidade está “no controle do parceiro
sobre as necessidades básicas, como dinheiro, comida, moradia e transporte, sexo,
sono, banheiro e acesso a cuidados de saúde” (Stark, 2012, p. 211). Algumas dessas
táticas de abuso aplicadas pelos parceiros em seus relacionamentos íntimos podem
assemelhar-se às situações que envolvem reféns, como cita Stark (2012, p. 208)
“retenção ou racionamento de comida, dinheiro, roupas, remédios ou outras coisas”.

Assim, os controladores exploram essas mulheres e gerenciam todos os seus
comportamentos no cotidiano. Para Stark (2012) apesar do gerenciamento sobre os
comportamentos das mulheres se aplicarem nas diversas atividades da vida, este se
dá principalmente sobre os papéis de gênero destinados às mulheres na sociedade,
como atividades domésticas e gerar prazer sexual ao parceiro.
Consequências do controle coercitivo para a vítima
Nevala (2017) investigou as consequências do controle coercitivo sobre as

experiências de violência física por parte das mulheres nos estados-membros da União
Europeia. Com base nos dados da pesquisa de 28 países, os resultados da análise
confirmaram que a violência perpetrada por um parceiro íntimo que exerce controle
coercitivo tem maior probabilidade de levar a várias consequências prejudiciais para a
vítima, em comparação com a violência por parceiro íntimo sem controle coercitivo.
Uma das principais consequências do controle coercitivo para as vítimas é a
“experiência de aprisionamento”, que Buzawa et al. (2017) descreve como o resultado
mais devastador do abuso do parceiro. A experiência de aprisionamento resulta de
controle sustentado, violência, medo e restrição no relacionamento íntimo. O controle
coercitivo e o aprisionamento podem ter efeitos graves na percepção da vítima, senso
de identidade, personalidade, senso de valor, autonomia e sentimento de segurança
(Buzawa et al., 2017; Stark, 2007).
O controle coercitivo terá impactos variados em mulheres diferentes, de acordo
com suas diferentes experiências de vida. Mulheres marginalizadas podem ser mais
afetadas por aspectos do controle coercitivo, fatores como raça, classe, habilidade,
cultura e sexualidade afetam as experiências de abuso de gênero (Sokoloff & Dupont,
2005). Nesse contexto, mulheres imigrantes, por exemplo, podem ser mais suscetí-
veis ao isolamento como resultado de menos redes de apoio, menos conhecimento
dos recursos no país de destino e status de residência precário (Buzawa et al., 2017;
Gill, 2004).
O controle coercitivo pode ser um fator de risco para homicídio de parceiro
íntimo (Buzawa et al., 2017). Um estudo australiano descobriu que metade de
uma amostra de homens condenados por homicídio de parceiro íntimo não relatou
nenhuma agressão física ou sexual contra a vítima no ano anterior ao homicídio
(Johnson, Eriksson, Mazerolle & Wortley, 2017). Os autores do estudo sugerem
que violência extrema pode ocorrer em contextos relacionais de controle masculino

e intimidação em que os sinais de alerta, como agressões e lesões corporais, estão
ausentes (Johnson et al., 2017).
O presente capítulo objetivou evidenciar o que já existe de conhecimento acerca

da teoria do controle coercitivo. Assim sendo, buscou-se esclarecer o conceito de
“controle coercitivo” já definido pela literatura internacional tendo em vista a escassez

de produções nacionais acerca do tema. Ademais, foram apontadas as características
que envolvem esse padrão de comportamento abusivo e as consequências dessa
violência para as vítimas.
Diante do cenário nacional acerca da violência doméstica contra a mulher e da
Lei nº 14.188, de 29 de julho de 2021, que criminaliza a violência psicológica contra
mulher, faz-se evidente a necessidade de produções nacionais a respeito da teoria do
controle coercitivo e suas implicações, bem como as contribuições dessa teoria para
a compreensão do funcionamento das violências perpetradas contra as mulheres.
É importante ressaltar que as diversas configurações de relações íntimas na
atualidade possuem suas particularidades no que diz respeito à forma como o controle
coercitivo ocorre. Nesse contexto, Johnson (2006) hesita em aplicar modelos basea-
dos em abuso doméstico heterossexual a relacionamentos entre pessoas do mesmo
sexo. O raciocínio desse autor é que a violência lésbica ou gay não assume valores
familiares patriarcais e, dessa forma, não exibe terrorismo “íntimo” ou “patriarcal”.
Sendo assim, diante da escassez de literatura acerca do tema, faz-se necessária a rea-
lização de pesquisas e estudos acerca da população LGBT, objetivando desmistificar
a dinâmica do controle em seus relacionamentos.
254
REFERÊNCIAS
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integration of criminal justice and human services, 5th edn, Sage, Thousand Oaks.
Gill, A. (2004). Voicing the silent fear: South Asian women’s experiences of domestic violence.
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Johnson, H., Eriksson, L., Mazerolle, P., & Wortley, R. (2017). Intimate Femicide: The Role of
Coercive Control. Feminist Criminology, 14(1), 3–23. https://doi.org/10.1177/1557085117701574
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Johnson, M. P. (2008). A typology of domestic violence: Intimate terrorism, violent resistance and
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Nevala, S. (2017). Coercive Control and Its Impact on Intimate Partner Violence Through the Lens
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Rees, A., Agnew-Davies, R., & Barkham, M. (2006, June). Outcomes for women escaping domestic
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Sokoloff, Natalie J. & Dupont, I. (2005). Domestic violence at the intersections of race, class, and
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diverse communities. Violence Against Women, vol. 11, no. 1, pp. 38-64.
Stark, Evan (2007). ‘Coercive Control’, in Nicky Ali Jackson (ed.), Encyclopedia of domestic
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Stark, Evan (2012). Looking Beyond Domestic Violence: Policing Coercive Control, Journal of
Police Crisis Negotiations, 12:2, 199-217, DOI: 10.1080/15332586.2012.725016.
29. PERCEPÇÃO DE SI E DO OUTRO EM
AGRESSORES SEXUAIS DE CRIANÇAS
Rodrigo Perissinotto97
Omar Pinto Pereira Júnior99
DOI: 10.24824/978652513724.7.255-264
Introdução
A percepção de si e do outro são considerados aspectos fundamentais para

compreender como a pessoa estabelece as suas relações interpessoais, que é um
componente central da adaptação humana (Meyer et al., 2017). Mais especifica-
mente, a percepção de si revela questões intimamente relacionadas à autoestima e à
autoimagem. A autoestima consiste no valor geral, muitas vezes estável, que a pessoa
atribui a si mesma (por exemplo, “sou uma pessoa boa ou ruim”). A autoimagem
está relacionada às atitudes que a pessoa tem acerca de si mesma, quer seja em rela-
ção ao físico ou às suas ações. Desse modo, a autoimagem e a autoestima positivas
promovem o bom ajustamento e, quando negativas, geram autodesqualificações que
levam a comportamentos desajustados (Exner, 2003; Resende, 2016).
Por sua vez, a percepção do outro favorece o entendimento sobre como a pessoa
tenderá a estabelecer os vínculos interpessoais, ou seja: observar se a pessoa é capaz
de se interessar e se envolver com o outro, de confiar e sentir segurança interpessoal,
de ter uma relação equilibrada entre cooperação e consentimento, entre competi-
tividade e assertividade, bem como de ter estabilidade e empatia. Por outro lado,
a convivência com as pessoas pode ter sido traumática e internalizada como algo
desagradável, como fonte de aversão, ansiedade e de necessidade de distanciamento.
Os vínculos podem estar prejudicados, e a pessoa pode estar predisposta a manter
atitudes hostis e conflituosas em relação aos outros, e, consequentemente, ser rejeitada
devido às situações indesejáveis que provoca em suas interações com o meio. A ins-
tabilidade nas interações primárias pode ter sido tão desestabilizadora, que a pessoa
pode desenvolver um medo grande de ser rejeitada, e acabar adotando uma posição
de submissão e subserviência em relação ao outro, o que é prejudicial à adaptação.
Ou ainda a pessoa pode ter uma personalidade tão imatura e incompetente para
lidar com as interações interpessoais que, provavelmente, não consiga manter nem
97 Doutorando em Psicologia (PUC Goiás), professor do Centro Universitário de Mineiros. Bolsista FAPEG
Edital 03/2017. E-mail: perissinotto@outlook.com.
98 Doutora em Psicologia e professora da Pós-Graduação Stricto Sensu em Psicologia da PUC Goiás. E-mail:
profa.resende@gmail.com.
99 Psicólogo e Advogado do Instituto Goiano de Avaliação Psicológica. E-mail: omarppjr@hotmail.com.br.

256
estabelecer relacionamentos muito próximos, maduros e duradouros. Assim, como

dispõe de poucas habilidades sociais, frequentemente parece mais distante, inapta,
menos sensível às necessidades e interesses do outro (Exner, 2003; Resende, 2016).
Um dos instrumentos utilizados para a avaliação da autopercepção e percepção
interpessoal, em processos de avaliação psicológica, é o teste de Rorschach (Meyer
et al., 2017). Desde a sua publicação, o instrumento tem sido aperfeiçoado. O Sis-
tema Compreensivo (SC) foi desenvolvido por Exner, em 1974, e incorporou em
seu sistema as informações consideradas cientificamente mais válidas e confiáveis
dos cinco principais sistemas norte-americanos do teste de Rorschach disponíveis

à época. Exner, juntamente com seu grupo de pesquisadores (Rorschach Research
Council), realizou constantes alterações no SC, visando o aprimoramento científico
do instrumento, até a sua morte, em 2006. Surgiu, então, em 2011, nos Estados
Unidos, o Sistema de Avaliação por Performance no Rorschach (R-PAS), que foi
desenvolvido com base em um corpo de pesquisas empíricas, buscando superar as
limitações identificadas no SC. No Brasil, o R-PAS foi aprovado para o uso profis-
sional do psicólogo em 2017.
Por meio de uma revisão da literatura, em importantes bases de dados da área
da psicologia (Pubmed, Psycnet, Web of Science, Portal de Periódicos Eletrônicos
de Psicologia – PePSIC e Biblioteca Eletrônica Científica Online – SciELO), con-
siderando os últimos 15 anos, sobre autores de violência sexual (AVS) que foram
avaliados por meio do teste de Rorschach, Zilki et al. (2020) observaram que todos os
artigos recuperados (N = 9) apontavam prejuízos na autopercepção e nas interações
interpessoais. Observou-se que nenhum desses estudos utilizou o R-PAS, e que dois
eram brasileiros, e o delineamento deles era o de estudo de caso.
Nesse sentido, todos os estudos apontaram que os agressores sexuais (AS)
revelavam poucos recursos psicológicos, especialmente aqueles que exigem mais
maturidade para estabelecer vínculos interpessoais mais próximos e a percepção de
influências emocionais mais sutis (índices baixos de H, T e V) bem como prejuízos
na autopercepção (H baixo e MOR alto), pouco autocrítica e pouca capacidade para
ver as situações a partir de diferentes ângulos (índices baixos de FD e V e F% alto).
Tais características favorecem a tomada de decisões mais simplistas e superficiais,
mesmo quando as situações exigem respostas mais complexas e capacidade de pensar
antes de agir (Zilki et al., 2020).
Estudos conduzidos por Ryan et al. (2008) e Gacono et al. (2011) com AVS,
observaram que estes tendiam a ter prejuízos na autopercepção, especialmente baixa
autoestima, bem como falta de habilidades sociais e relacionamentos interpessoais
distantes, predispondo-os a interações consideradas imaturas para um adulto. Dessa
maneira, acabam vendo em crianças ou adolescentes uma fonte de satisfação de suas
necessidades sexuais (Serafim et al., 2009), uma vez que são mais vulneráveis por
conta de seu estágio de desenvolvimento. Esta inabilidade em estabelecer relações
com iguais, acompanhada da dificuldade em reconhecer a inadequação de práticas
sexuais com crianças, segundo Zúquete e Noronha (2012), corrobora a percepção
equivocada e imatura que estes indivíduos têm sobre si mesmos e a respeito dos
outros, apontadas por outros autores que estudaram o fenômeno anteriormente.
Os AS não possuem um perfil homogêneo quanto aos seus prejuízos, motiva-

ções, interesses e risco à reincidência. No entanto, parece haver certa inabilidade
social comum aos diferentes perfis. Assim, postula-se que a oferta de programas
que oportunizem o aprendizado de novas habilidades cognitivas e sociais poderiam
auxiliar no estabelecimento de um novo repertório (Carter & Mann, 2017).
O presente estudo, de caráter exploratório, descritivo e comparativo entre gru-
pos, teve como objetivo avaliar a percepção de si e do outro em um grupo de AS
contra crianças e adolescentes, a partir do R-PAS. Nesse sentido, este estudo se torna
original por ser o único identificado como estudando esses aspectos em um grupo
brasileiro de AS e com o R-PAS.
Diante do exposto, entende-se que avaliar a percepção de si e do outro em AS
contra crianças e adolescentes de uma amostra da Região Centro-Oeste brasileira,
ainda não estudada por meio do R-PAS, poderá ampliar o conhecimento do fun-
cionamento psicológico dessas pessoas, como também contribuir de forma técnica
para o planejamento de tratamentos que auxiliem na definição de qual intervenção é
mais efetiva e para quem. Pesquisas sobre essa temática podem subsidiar orientações
para políticas voltadas às ações preventivas do abuso sexual, como, por exemplo, o
convívio social no ambiente escolar, vizinhança e entre outros, e ainda auxiliar os
profissionais que atuam de forma direta com esse público.
Método
Participantes
A amostra deste estudo é composta por conveniência, e inclui 70 homens que

foram condenados e cumpriam pena por crimes sexuais contra crianças e adolescentes
em uma penitenciária do estado de Goiás. A média de idade dos participantes foi
de 42 anos (DP = 9,54). Com relação à escolaridade, 41,4% (N = 29) possuíam até
quatro anos de instrução formal; sobre estado civil, 42,9% (N = 30) afirmaram ter
uma companheira; e quanto à ocupação, 82,9% (N = 58) são trabalhadores braçais
(serviços em geral, manutenção, vigilantes e trabalhadores rurais).
Para efeito de comparação entre grupos, utilizaram-se os dados normativos do
manual do R-PAS, composto por uma amostra de 640 protocolos do teste, prove-
nientes de uma amostra não clínica (Meyer et al., 2017).
Instrumentos
• Formulário de coleta de dados sociodemográficos e criminais arquivados

no cartório da penitenciária: instrumento utilizado para a caracterização
da amostra;
• Sistema de Avaliação por Performance no Rorschach (R-PAS) (Meyer et
al., 2017): teste com manchas de tinta, que ao analisar o desempenho do
258
avaliando, e ao produzir conteúdos associativos-perceptivos em resposta à

pergunta “O que isso poderia ser para você?”, avalia uma ampla gama de
características de personalidade. Sua aplicação é individual, e as respostas
são codificadas e interpretadas a partir de indicações do seu manual. Suas
propriedades psicométricas seguem padrões de excelência exigidos para
testes projetivos. Para este estudo, 30% dos protocolos foram submetidos
a juízes independentes para teste de confiabilidade, e obteve-se Índice de
Correlação Intraclasse (ICC) com valor médio de 0,86, com mediana de
0,92, variando entre 0,60 e 1,00. Tais resultados indicam que os dados
obtidos são confiáveis sob os referenciais do R-PAS. Neste estudo, ava-
liou-se o desempenho dos participantes em relação às 18 variáveis, que
implicam em 18 formas de se comportar, fazendo parte do domínio de
representação de si e dos outros (ODL%, SR, MAP/MAHP, PHR/GPHR,
M-, AGC, V-Comp, H, COP, MAH, SumH, NPH/SumH, Reflexos, p/(p
+ a), AGM, T, PER e An).
Procedimentos
Previamente à coleta de dados, o projeto de pesquisa que deu origem a este

trabalho foi aprovado pela instituição penitenciária e pelo Comitê de Ética em Pes-
quisa (CEP – Sociedade Goiana de Cultura – SGC/Pontifícia Universidade Católica
– PUC Goiás), sob o Certificado de Apresentação de Apreciação Ética (CAAE)
Nº 0156.0.168.000-11. Uma vez aprovado o projeto, a coleta de dados se deu ini-
cialmente pela seleção de processos de reeducandos que haviam cometido crimes
sexuais, cujas vítimas tinham sido crianças ou adolescentes. Uma vez identificados,
eles foram convidados para a entrevista com um pesquisador que lhe apresentava o
projeto, e lhe fazia o convite para participar, sendo-lhes assegurada a confidencia-
lidade dos dados. Aqueles que concordaram, assinaram o Termo de Consentimento
Livre e Esclarecido (TCLE), e foram submetidos ao R-PAS em sala disponibilizada
pela instituição penitenciária. Todos os protocolos foram codificados e inseridos
no sistema R-PAS® (www.r-pas.org) pelos pesquisadores, o que gerou um banco
de dados que foi baixado e inserido no software Statistical Package for the Social
Sciences (SPSS), versão 24.0, para realização das análises estatísticas.
Uma vez que não houve distribuição normal dos dados, optou-se por utilizar a
técnica de bootstrap, para ajuste da normalidade das variáveis, o que tem se mostrado
eficiente em amostras superiores a 30 ou 40 indivíduos (Ghasemi & Zahediasl, 2012;
Pallant, 2007). Foi realizado o teste t de Student para uma amostra, no qual se com-
pararam os resultados obtidos na amostra com os dados normativos, e calculou-se,
em seguida, o tamanho do efeito por meio o d de Cohen, que foi classificado como
pequeno (d = 0,20 a 0,49), médio (d = 0,50 a 0,79) e grande (d ≥ 0,80) (Cohen, 1988).
Foram consideradas significativas as diferenças a nível de 5% (p < 0,05), e por se
tratarem de múltiplos testes (18 variáveis), fez-se o ajuste de Bonferroni, de tal forma
que o nível de significância associado foi de 0,28% (p < 0,0028) para cada variável.
Resultados
A Tabela 1 mostra que, das 18 variáveis do domínio representação de si e outros,

11 (61%) apresentaram diferenças significativas entre o grupo de AS em relação aos
dados normativos (ODL%, SR, V-Comp, H, COP, MAH, SumH, NPH, Reflexo, T e
PER). Observa-se que em 10 das 11 variáveis, os AS apresentaram médias signifi-
cativamente menores. Todas as 11 variáveis apontaram prejuízos na autopercepção
e percepção interpessoal, conforme será apontado na discussão dos resultados.
Tabela 1 – Estatística descritiva e comparativa das

variáveis do R-PAS para AS e dados Normativos
Variáveis Grupos M (DP) t P d
AS 6,8 (6,4)
ODL% -6,828 < 0,001 0,62
Normativo 11,6 (8,9)
AS 0,55 (0,78)
SR -6,336 < 0,001 0,58
AS –
MAP/MAHP – –
AS 29,2 (35,6)
PHR/GPHR -1,673 0,098 0,23
AS 0,3 (0,6)
M- -0,728 0,469 0,14
Normativo 0,4 (0,8)
AS 2,8 (2,2)
AGC -1,334 0,186 0,15
Normativo 3,1 (1,9)
AS 2,0 (1,3)
V-Comp -8,493 < 0,001 0,89
Normativo 3,2 (1,4)
AS 1,4 (1,5)
H -7,721 < 0,001 0,68
Normativo 2,6 (2,0)
AS 0,5 (0,7)
COP -6,882 < 0,001 0,61
Normativo 1,1 (1,2)
AS 0,3 (0,5)
MAH -7,774 < 0,001 0,63
Normativo 0,8 (1,0)
AS 3,3 (2,5)
SumH -10,811 < 0,001 1,03
Normativo 6,2 (3,1)
AS 30,7 (40,2)
NPH/SumH -6,503 < 0,001 0,88
AS 0,2 (0,5)
Reflexos -5,021 < 0,001 0,38
Normativo 0,5 (1,0)
AS 38,1 (27,7)
p/(p+a) -1,342 0,183 0,17
continua...
260
continuação
Variáveis Grupos M (DP) t P d
AS 0,6 (0,9)
AGM 0,946 0,347 0,12
Normativo 0,5 (0,8)
AS 0,2 (0,5)
T -10,294 < 0,001 0,69
Normativo 0,7 (0,9)
AS 2,0 (2,1)
PER 5,634 < 0,001 0,79
Normativo 0,7 (1,0)
AS 1,0 (1,8)
An -1,858 0,067 0,23
Normativo 1,4 (1,6)
Fonte: Dados da Pesquisa (2020).
Discussão
Este estudo teve como objetivo avaliar a percepção de si e do outro em um

grupo de AS contra crianças e adolescentes a partir do R-PAS. Nesse sentido, os
desempenhos de 70 AS de uma mesma penitenciária foram comparados com os
desempenhos de uma amostra normativa internacional, que contém dados de uma
subamostra brasileira. Desse modo, os resultados indicaram que o grupo de AS apre-
senta significativamente menos habilidade para perceber tanto a si quanto ao outro,
que os dados esperados para um desempenho normativo no teste.
Observou-se que os AS tendem a ter menos necessidade de se vincular ou se
ligar a outras pessoas, mostrando-se mais distantes em seus relacionamentos (ODL%,
T, H, SumH e NPH/SumH). De acordo com Exner (2003) e Meyer et al. (2017), é pos-
sível observar um comprometimento grave na base da capacidade de formar vínculos
com os outros, e relacionamentos sem demonstração genuína de afetos quando há o
comprometimento das variáveis T, H e SumH ao mesmo tempo. Esses resultados são
típicos de pessoas que têm dificuldade de perceberem a si ao outro de modo realista.
Normalmente não se preocupam consigo e com os demais as pessoas, não têm inte-
resse no que os outros falam ou fazem, o que favorece a despreocupação com o que
as pessoas pensam e sentem. Também há a possibilidade de que a convivência com
as pessoas pode ter sido traumática e internalizada como algo desagradável, como
fonte de ansiedade e de necessidade de distanciamento. A consequência disso é uma
abordagem mais fria e seca da realidade, além de pouca disposição para as relações
de intimidade interpessoal e fragilidade para utilizar o próprio self como um quadro
de referência ao processar informações (variável r).
Uma vez que não se atentam, ou não se preocupam com o outro, mostram-se
também menos prudentes e precavidos em relação aos sinais de perigo, bem como
sentem menos necessidade de distanciamento e precaução nas relações (variável
V-Comp), o que pode favorecer alguns AS a não se preocuparem se os seus com-
portamentos sexualmente inadequados podem ou não ser descobertos. Além disso,
observa-se menos capacidade de contornar situações constrangedoras, e dar respostas
alternativas e criativas a situações interpessoais que possam lhe causar algum estresse
(variável SR) (Mihura & Meyer, 2018).
Os dados também indicam que os AS, em seus relacionamentos interpessoais,
tendem a se comportar de maneira menos cooperativa ou solícita, com menos preo-
cupações com relações de companheirismo ou mutuamente enriquecedoras quando
comparadas à amostra normativa (COP e MAH), o que aponta a necessidade de
desenvolver habilidades sociais importantes para a convivência em grupo. Por fim,
percebe-se no grupo de AS mais necessidades de autoafirmação e de se justificar,
como se sua resposta estivesse sujeita a críticas, o que pode estar relacionado a
comportamentos egocêntricos e autoritários próprios da fase infantil, que evitam a
demonstração de algumas fraquezas (variável PER), típicos de pessoas que não se
envolvem com outros que não sejam submissos a eles, e que possam questionar as
suas atitudes. Essas atitudes interferem nas relações interpessoais, pois essas pessoas
tendem a exigir que os outros lhe deem razão quando são questionadas. Geralmente,
são pessoas inflexíveis e dogmáticas, que podem ter problemas interpessoais, caso o
meio não se submeta às suas exigências (Exner, 2003).
Tal dado vai de encontro ao estudo metanalítico conduzido por Whitaker et al.
(2008), sobre fatores de riscos para violência sexual contra crianças. Os autores
apontam que, quando comparados com grupos de não AS, os AS se mostram esta-
tisticamente com mais prejuízos na autoestima, baixas habilidades e competências
sociais, sentimentos de solidão, dificuldades em estabelecer relacionamentos íntimos,
assim como a falta de apego seguro.
Tais déficits podem vir como consequência de outros prejuízos, como a falta de
repertório em função de falhas na socialização desses indivíduos, ou mesmo déficits
cognitivos. Vale ressaltar que, em relação ao nível de instrução, a maior parte da
amostra do presente estudo possuía até quatro anos de instrução formal. Conforme
Jiménez Etcheverría (2009), passividade, imaturidade e a carência de recursos de
enfrentamento poderiam estar relacionados ao meio em que vivem, como em muitos
casos em situação de extrema pobreza. Dessa forma, os AS se mostram menos flexí-
veis, mais inseguros e com dificuldades de se perceber em relação às outras pessoas.
A única variável investigada que apresentou média significativamente superior
no grupo de AS em relação ao grupo normativo foi PER (justificativa de conhecimento
pessoal). Esta variável indica um estilo argumentativo que tende ao autoritarismo
como forma de autoafirmação. Indivíduos com este tipo de comportamento tem
dificuldade em apresentar argumentos lógicos, e o recurso à autoridade se torna uma
forma imatura de argumentação e tentativa de convencimento.
Vale ressaltar que os resultados encontrados neste estudo vão na mesma dire-
ção das pesquisas sobre o perfil de AS contra crianças e adolescentes avaliados pelo
método de Rorschach, como indicado na revisão de literatura realizada por Zilki et al.
(2020). Ou seja, há no AS uma imaturidade e carência de recursos para se perceber
de forma adequada, e estabelecer relacionamentos sociais saudáveis.
262
Considerações
Este é um estudo inédito, utilizando-se o R-PAS em grupo de AS contra crian-

ças e adolescentes, no Centro-Oeste do Brasil, para estudar a percepção de si e do
outro. Os resultados do presente estudo permitem afirmar que o teste de Rorschach,
independente do sistema utilizado, identifica como uma das características marcan-
tes no grupo de AS contra crianças e adolescentes a imaturidade na autopercepção,
assim como no estabelecimento de relações interpessoais, o que gera consequências
desastrosas no meio em que convivem. Além disso, esses prejuízos na personalidade

parecem ser traços comuns a estes indivíduos, independentemente do contexto cultural
no qual estão inseridos, pois os resultados do presente estudo corroboram uma série
de estudos já realizados com AS contra crianças e adolescentes.
Diante do que foi exposto, vale ainda ressaltar que embora haja iniciativas de
prevenção ao abuso sexual infantil, algumas voltadas para o que as crianças devem
aprender sobre os seus corpos, toques apropriados e inapropriados, desenvolvimento
de habilidades de pedir ajuda e denunciar possíveis agressores, ainda faltam progra-
mas sistemáticos voltados para a população em geral, especialmente à família, no
sentido de se construir ambientes seguros e saudáveis para estas crianças (Russell
et al., 2020), assim como estudos brasileiros que mostrem resultados de eficácia de
tratamento de AS contra crianças e adolescentes.
Com relação ao tratamento voltado ao AS contra crianças e adolescentes, que
comumente apresenta esses prejuízos na autopercepção e percepção do outro, suge-
re-se que os AS sejam submetidos a técnicas que visem melhorar a autogestão, gestão
emocional e de impulsos. Além disso, programas de treinamento de habilidades
cognitivas, usuais em contexto prisional em alguns países, geralmente de aplicação
breve e de baixo custo, oferecem aos indivíduos novas formas de se perceberem e
avaliarem os seus comportamentos e relações interpessoais em vista de mudanças
significativas. Tais técnicas favorecem ainda o desenvolvimento de novas habilida-
des, que são importantes para a elevação da autoestima e para o estabelecimento de
relações sociais mais adaptativas (Carter & Mann, 2017).
Como limitações deste estudo aponta-se o uso de um grupo normativo, com
dados da população em geral como base de comparação para o grupo de AS. A
comparação do grupo AS com um grupo-controle, pareados por idade, instrução
e condição socioeconômica, seria um parâmetro mais adequado para indicar se os
déficits encontrados se relacionam de fato ao aspecto da violência sexual. Assim,
sugerem-se novos desenhos metodológicos para este tipo de pesquisa, bem como
estudos futuros que investiguem a eficácia de intervenções na população de AS com
estratégia para redução de risco de reincidência.
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30. CARACTERIZAÇÃO DO PERFIL
DA VÍTIMA DE ABUSO SEXUAL
INFANTIL – UMA REVISÃO
INTEGRATIVA DA LITERATURA
Igo Vinícius Araújo Monteiro100

Giselly Castro Braz Landim101
Railan Bruno Pereira da Silva102
DOI: 10.24824/978652513724.7.265-270
Introdução
O Abuso sexual infantil (ASI) é caracterizado pelo contato sexual não consen-
sual, efetivado ou tentado, com ameaça física e/ou verbal, ou por sedução e pode
acontecer com ou sem contato físico, com conjunção carnal ou não, assim como
também apenas por sexo oral, carícias, falas erotizadas, exibicionismo, voyeurismo,
exibição de material pornográfico etc. (Organização Mundial da Saúde, 2016).
No Brasil, o abuso sexual infantil (ASI) apresenta expressivas estatísticas que
o tornam grave problema de saúde pública e de violação dos direitos humanos, de
forma que gera consequências nos âmbitos individual, familiar, comunitário e social.
O Ministério da Saúde apresentou dados de 2011 a 2017 em que foram notificados
184.524 casos de violência sexual, sendo 58.037 (31,5%) contra crianças e 83.068
(45,0%) contra adolescentes, dos quais a maior parte era do sexo feminino, sendo
43.034 (74,2%) crianças e 76.716 (92,4%) adolescentes (Brasil, 2018).
Sobre as características das vítimas de ASI, Souza e Costa (2019) encontraram
81 casos analisados em delegacias do município de Feira de Santana (BA). Nesse
estudo, a maioria das vítimas eram do sexo feminino (87,7%), com faixa etária de
maior número de ocorrências entre 12 e 17 anos (56,6%). Além disso, 43,2% das
vítimas possuíam idade entre 2 e 12 anos. Outro dado apontado é que 89,6% das
vítimas frequentavam a escola e 64,99% moravam com a mãe, enquanto que 22,1%
residiam com os genitores. Ademais, o local de maior ocorrência do abuso, aconteceu
em residências ou ambiente doméstico (77,7%). Acrescenta-se ainda que o estudo
realizado com 309 relatos de violência de abril a junho de 2018 até 2020 por Trajano
100 Graduando do Curso de Psicologia da Universidade Estadual do Piauí – UESPI.

101 Graduanda do Curso de Psicologia da Universidade Estadual do Piauí – UESPI.
102 Mestre em Psicologia pela Universidade Federal do Piauí – UFPI.
266
et al. (2021) indicou aumento no percentual de meninos, principalmente de 0 a 11

anos, violentados sexualmente em seus lares por familiares.
Assim, a partir desse cenário, o presente trabalho objetivou identificar as carac-
terísticas do perfil das vítimas de ASI através de revisão integrativa da literatura
sobre o tema.
Métodos
Para levantamento dos dados, realizou-se uma revisão integrativa da literatura

nas seguintes bases de dados: Scielo e Biblioteca Virtual em Saúde, através da utiliza-
ção dos seguintes descritores: “abuso sexual infantil” or “abuso sexual adolescente”
and “criança” and “adolescente”. Os critérios de inclusão estabelecidos foram: (1) tra-
tar sobre o tema abuso sexual infantil e perfil vítima; (2) artigos científicos; (3) artigos
em português. Já os critérios de exclusão estabelecidos foram: (1) textos incompletos.
Os artigos selecionados devem ter sido publicados no período de 2016 a 2021.
Figura 1 – Fluxograma com as etapas de busca da revisão integrativa
Estudos iden�ficados por meio de

pesquisa em banco de dados:
Iden�ficação
Scielo: 6
Biblioteca Virtual em Saúde: 55
(n=61)
Estudos duplicados
Estudos selecionados para leitura (n=10)
Triagem
de �tulos e resumos
Estudos excluídos por não
(n=61) atenderem critérios de inclusão
(n=32)
Elegibilidade
Estudos de texto completo Estudos completos excluídos por

avaliados para elegibilidade dados insuficientes
(n=7)
(n=19)
Estudos incluídos no
corpus da pesquisa
Inclusão
(n=12)
Fonte: Elaborado pelos autores.

Resultados
Foram encontrados (n=61) artigos no total. Houve a remoção dos duplicados

(n=10), e, em seguida, foram excluídos (n=32) artigos após aplicação dos critérios
de inclusão e exclusão, (n=7) artigos completos foram excluídos por apresentarem
dados insuficientes. Dessa forma, chegou-se ao corpus da pesquisa (n =12) artigos.
A análise dos artigos indicou que, em geral, os casos notificados de ASI ocor-
reram em maior frequência com crianças e adolescentes do sexo feminino, pretas/
pardas, em idade escolar e com menores condições de renda (Silva et al., 2020;
Miranda, Fernandes, Melo & Meireles, 2020; Santos, Mascarenhas, Malta, Lima &
Silva, 2019; Platt, Back, Hauschild & Guedert, 2018; Soares et al., 2017; Delziovo,
Bolsoni, Nazário & Coelho, 2017; Souto et al., 2017; Nunes, Lima & Morais, 2017).
Este cenário evidencia como a experiência feminina foi negligenciada ao longo do
tempo por meio da construção de discursos e práticas discriminatórias de violência
que impunham aos corpos das mulheres mecanismos de dominação e cerceamento,
aspectos centrais no desenvolvimento das desigualdades de gênero e dinâmicas basea-
das em violência (McConaghy & Cottone,1998; Butler, 2003).
Ao analisar as informações sobre a tipologia dos casos de ASI e seu modus
operandi, observou-se que somente 4 artigos apresentaram esses dados nos seus
resultados. Nunes, Lima & Morais (2017) aponta em seu estudo realizado com 112
mulheres vítimas de AS em um Hospital Público de Fortaleza (CE), que o estupro
foi a forma de violência mais notificada, em 95,8% dos casos. O estudo com 490
notificações de casos suspeitos ou confirmados de ASI no período de janeiro de
2008 a dezembro de 2014 por Platt, Back, Hauschild & Guedert (2018) indica que
a frequência do estupro é 3 vezes maior nas vítimas do sexo feminino, enquanto o
atentado ao pudor é a tipologia mais observada em vítimas do sexo masculino. Em
ambos os estudos, a penetração vaginal foi o modus operandi mais frequente, respec-
tivamente 80,2% e 59% dos casos entre mulheres, o que corrobora com a literatura
(Blake et al., 2014).
Quanto aos espaços de ocorrência do ASI, verificou-se que, dados de 5 artigos
analisados apontaram que a residência da vítima e os espaços em vias públicas foram
os locais mais frequentemente associados à prática do ASI, estes em sua maioria, em
perímetro urbano (Platt et al., 2018; Miranda et al., 2020; Delziovo et al., 2017; Souto
et al., 2017; Nunes et al., 2017). Tal fato corrobora com a literatura que aponta que
tais espaços oferecem maior probabilidade de convívio das crianças e adolescentes
com os agressores, em grande parte, já conhecidos dentro do contexto e dinâmica
familiar (Ribeiro, Ferriani & Reis, 2004; Rates, Melo, Mascarenhas & Malta, 2015).
No que se refere às consequências da ASI, os artigos indicam repercussões em
diversos âmbitos da vida das vítimas: psicológicos, físicos, sexuais e sociais. Tam-
bém apontam a gravidez, IST’s, transtornos psicológicos e de comportamento e o
uso de substâncias lícitas e ilícitas como consequências mais frequentes nas vítimas
de ASI. Tais efeitos podem perdurar durante vários anos e afetar a qualidade de vida
das vítimas (Cruz et al., 2017; Delziovo et al., 2017; Nunes et al., 2017; Platt et al.,
2018; Silva et al., 2020).
268
Outras características relacionadas às principais limitações encontradas nos

estudos foram demonstradas em 3 artigos analisados. Miranda, Fernandes, Melo e
Meireles (2020), Delziovo, Bolsoni, Nazário e Coelho (2017) e Souto et al. (2017)
apontaram que a (1) subnotificação dos casos de ASI, o (2) sistema de notificações
com dados desatualizados dos casos de ASI e as (3) limitações de equipes técnicas de
referência de atendimento aos casos de ASI figuram como os principais fatores que
impõem desafios ao estudo da real prevalência desse fenômeno no contexto brasileiro.
Considerações
Os artigos selecionados para o estudo demonstram que as vítimas de ASI pos-

suem características semelhantes: crianças e adolescentes do sexo feminino, pretas/
pardas, em idade escolar e com menores condições de renda. A identificação desse
perfil permite delinear planos de ações que atuem na prevenção, proteção e cuidado
dessas vítimas, uma vez que é possível observar diversos impactos na qualidade de
vida das mesmas.
Foi possível identificar, também, nos estudos a subnotificação de casos, princi-
palmente de vítimas do sexo masculino, o que indica a necessidade de capacitação dos
profissionais e fortalecimento da rede de proteção afim de melhorar a identificação,
notificação e encaminhamento desses casos.
Este estudo evidencia a importância de mais pesquisas sobre o tema, visto que
a ASI apresenta-se como um problema de saúde pública grave no Brasil, por isso
faz-se necessário também mais investigações a respeito do tema. Portanto, é fun-
damental que haja ações educativas e de prevenção para o público infanto-juvenil
e seus cuidadores nos ambientes escolares e em outros âmbitos, também, ações de
acolhimento e acompanhamento das vítimas com cuidados psicológicos e em saúde
para atuar sobre as consequências do abuso.
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Development, 10(1), e11710111384-e11710111384.
31. VIOLÊNCIA INTRAFAMILIAR
COMO PREDITORA DE
COMPORTAMENTOS VIOLENTOS
NO NAMORO ENTRE JOVENS

Jerssia Laís Fonseca dos Santos105
Anna Dhara Guimarães Tannuss106
Dayane Gabrielle do Nascimento107
Dayanne dos Santos Benicio108
Sara Janine Silva de Oliveira Souza109
DOI: 10.24824/978652513724.7.271-278
Introdução
As experiências e aprendizagens vivenciadas na família fazem parte dos primei-

ros momentos de desenvolvimento do indivíduo e poderão influenciar diversas áreas
da vida das crianças e dos adolescentes. Nesse contexto, experiências negativas, a
exemplo da violência sofrida e/ou presenciada no ambiente familiar, poderão refletir
na vida do indivíduo, tanto nas relações afetivas quanto no modelo de relacionamento
amoroso constituído, além de legitimar a violência como estratégia de resolução de
conflitos (Nelas et al., 2016).
A violência intrafamiliar está relacionada a comportamentos violentos ocasio-
nados pelo desequilíbrio de poder manifestado nas relações entre membros de uma
família, sejam pais, filhos e/ou aqueles que exercem a função parental (Reis, Prata &
Parra, 2018). Ela pode ser expressa através das violências física, sexual e psicológica,
além de ações de negligência. A violência física é usada com o caráter disciplinador
de conduta, que varia de uma “palmada” a espancamentos; a violência sexual inclui
carícias, olhares perturbadores ou até o ato sexual sem consentimento; a psicológica é
mais subjetiva, ao qual deixa profundas marcas no desenvolvimento, abarca ameaças,
humilhação e desvalorização; e, por fim, a negligência refere-se a ações de descuido
105 Doutoranda do Programa de Psicologia Social (UFPB).
106 Graduanda em Psicologia (UFPB) e bolsista de Iniciação Científica (UFPB).
107 Graduanda em Psicologia (UFPB) e bolsista de Iniciação Científica (CNPq).
272
e até de abandono dos pais no que tange aos cuidados de saúde, nutrição, higiene,
educação e sustentação emocional dos filhos (Maia, Nunes, Silva & Silva, 2017).
A exposição à violência física e aos maus tratos vivenciados no ambiente fami-
liar afeta significativamente criança e adolescente, sendo considerado um impor-
tante fator de risco para a perpetração da violência nos seus futuros relacionamentos
amorosos (Borges & Dell’Aglio, 2020). Dentre outros fatores, destaca-se também
as experiências permeadas por negligência afetiva, falta de figuras de apoio às neces-
sidades da criança ou do adolescente, possuir uma figura masculina que perpetre
comportamentos violentos, bem como estabelecer relações abusivas, que produzem

consequências negativas na afetividade (Brasco & De Antoni, 2020).
Com base nisso, o presente estudo parte do seguinte questionamento: a vio-
lência intrafamiliar pode predizer a perpetração de comportamentos violentos nos
relacionamentos amorosos dos jovens? Assim, considera-se que a convivência em
um ambiente familiar violento pode levar os jovens a praticarem violência nos seus
relacionamentos de namoro (Borges & Dell’Aglio, 2020; Nelas et al., 2016).
A violência no namoro caracteriza-se por atitudes controladoras que se manifes-
tam através de agressões físicas, psicológicas e/ou sexuais, que gera consequências
graves à saúde física e mental dos envolvidos (Nascimento, Costa, Costa, & Cunha,
2018). A violência física envolve atos que ofendem a integridade corporal, como
chutar, puxar o cabelo, beliscar, empurrar, dar tapas ou usar objetos para ferir o outro
(Borges & Dell’Aglio, 2020); a sexual relaciona-se a atos de natureza sexual, sem
consentimento, que privam o outro da sua liberdade sexual, por exemplo, forçar o
parceiro a ter relações sexuais. A violência psicológica está ligada a comportamento
controladores, ameaças e perseguição, ou seja, ações que causam danos emocionais
(Souza, Pascoaleto, & Mendonça, 2018). As várias manifestações da violência, em
suas modalidades verbal, psicológica, física e sexual, são inter-relacionadas e cos-
tumam ocorrer conjuntamente.
A violência pode ser analisada por duas facetas: o indivíduo que perpetra a
violência, que domina e oprime a liberdade do outro; e, por outro lado, a vítima que
se torna refém das ações agressivas do outro e de sua repressão (Nascimento et al.,
2018). Porém, na maioria das vezes, essas facetas são recíprocas ou bidirecionais,
já que os parceiros se alternam nos papéis de vítimas e perpetradores, embora os
homens tendem a ser mais perpetradores da violência sexual e as mulheres da vio-
lência psicológica (Borges, Heine, & Dell’Aglio, 2020).
Isso posto, a realização do presente estudo justifica-se pela importância de
estudar possíveis fatores de risco para a perpetração de comportamentos violentos
nos relacionamentos de namoro entre jovens, visto que pode contribuir para uma
melhor compreensão da temática, bem como para subsidiar o desenvolvimento de
estratégias de intervenção e combate ao fenômeno. Assim, o presente estudo objetiva
verificar o poder preditivo da violência intrafamiliar na perpetração de violência no
namoro entre jovens.
Método
Participantes
Participaram 306 jovens de diferentes estados brasileiros, com idades com-

preendidas entre 18 e 29 anos (M=22,51; DP=2,94), sendo a maioria da Paraíba
(73,9%), sexo feminino (53,3%), heterossexuais (73,9%), namorando (53,9%) e
morando com os pais (64,1%).
Instrumentos
Escala de Sinalização do Ambiente Natural Infantil (SANI). Elaborada por

Sani (2003), objetiva avaliar o sistema familiar, de modo a identificar ou não situa-
ções de violência intrafamiliar. Utilizou-se a versão adaptada para o Brasil por San-
tos et al. (2021), composta por 30 itens, divididos em quatro fatores: abuso físico,
abuso emocional, coerção e controle. Estes são respondidos em uma escala Likert
(0=Nunca a 4=Quase sempre). Os Alfas de Cronbach variam de 0,69 (controle) a
0,81 (abuso emocional).
Inventário de Conflitos nos Relacionamentos de Namoro (CADRI). Elaborado
por Wolfe et al. (2001), busca identificar a presença de violência no namoro. Utilizou-
-se a versão adaptada para o contexto brasileiro por Minayo, Assis e Njaine (2011),
sendo usada apenas a subescala de violência perpetrada, composta por 25 itens, dis-
tribuídos em cinco dimensões (violência física, ameaças, violência sexual, violência
relacional e violência verbal/emocional), sendo respondidos em uma escala tipo Likert
de quatro pontos (1= Nunca a 4= Muitas vezes). Os alfas de Cronbach variam de
0,50 (violência sexual perpetrada) a 0,84 (violência verbal/emocional perpetrada).
Questionário sociodemográfico. Visa caracterizar os participantes do estudo,
contendo questões como idade, sexo, orientação sexual, com quem mora.
Procedimento
Inicialmente, a pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa com Seres
Humanos (Parecer 3.599.641). Posteriormente, os jovens foram contatados através de
e-mails e redes sociais. Na ocasião, explicou-se os objetivos da pesquisa, convidou-
-os a participarem voluntariamente, sendo garantido o anonimato de suas respostas,
seguindo as Resoluções 466/12 e 510/16 do Conselho Nacional de Saúde. Assim, a
coleta ocorreu no formato online, sendo o link divulgado nas plataformas digitais.
Análise de dados
Com o SPSS, em sua versão 21, foram realizadas análises descritivas, correlação
de Pearson e análise de regressão múltipla hierárquica.
274
Resultados
Primeiramente, com o objetivo de conhecer como os fatores da violência intrafa-

miliar se relacionam com os fatores da violência no namoro entre jovens, realizou-se
uma correlação de Pearson. Os resultados podem ser visualizados na Tabela 1.
Tabela 1 – Correlação entre violência intrafamiliar e a perpetração

de violência no namoro. Nota: * p< 0,05; ** p< 0,01
Violência Intrafamiliar
Violência no namoro
Abuso físico Abuso emocional Coerção Controle
Ameaças 0,12* 0,13* 0,07 0,14*
Violência relacional 0,09 0,16** 0,18** 0,18**
Violência física 0,23** 0,13* 0,14* 0,19**
Violência sexual 0,29** 0,12* 0,14* 0,14*
Violência verbal/emocional 0,20** 0,25** 0,23** 0,22*
Fonte: Autoria própria.
Conforme apontado na Tabela 1, foi possível verificar que os resultados indi-

caram relações positivas e significativas entre os fatores abuso físico da violência
intrafamiliar e a perpetração de ameaças (r= 0,12; p<0,05), violência física (r= 0,23;
p<0,01), sexual (r= 0,29; p<0,01) e emocional (r= 0,20; p<0,01) no namoro; abuso
emocional e ameaças (r= 0,13; p<0,05), violência relacional (r= 0,16; p<0,01), física
(r= 0,13; p<0,05), sexual (r= 0,12; p<0,05) e emocional (r= 0,25; p<0,01); coerção
e violência relacional (r= 0,18; p<0,01), física (r= 0,14; p<0,05), sexual (r= 0,14;
p<0,05) e emocional (r= 0,23; p<0,01); e o fator controle e ameaças (r= 0,14; p<0,05),
violência relacional (r= 0,18; p<0,01), física (r= 0,19; p<0,01), sexual (r= 0,14;
p<0,05) e emocional (r= 0,22; p<0,01).
Posteriormente, realizaram-se análises de regressão linear múltipla com o
objetivo de verificar o poder preditivo da violência intrafamiliar na perpetração da
violência no namoro. Os resultados são descritos na Tabela 2.
Tabela 2 – Violência intrafamiliar como preditora da perpetração de violência no

namoro. Nota: *p < 0,01 – R²: contribuição individual de cada variável no modelo
Preditores R R2 Ajustado F β t
Abuso físico 0,27 0,07 5,729 0,28 2,27*
Violência física
Controle 0,27 0,07 5,729 0,24 2,35*
Violência sexual Abuso físico 0,32 0,10 8,793 0,03 0,38*
Fonte: Autoria própria.
Constatou-se que os fatores abuso físico (β= 0,28, t= 2,27, p<0,001) e con-
trole (β = 0,24, t= 2,35, p<0,001) explicaram 7% da variância total da violência no
namoro [R= 0,27, R²= 0,06; F(1,947) = 5,729, p<0,001], ao qual contribui de forma
direta para explicação da violência física. Além disso, o fator abuso físico (β = 0,03,
t= 0,38, p<0,001) explicou 10% da variância [R= 0,32, R²= 0,10; F(0,973) = 8,793,
p<0,001], de forma que contribui diretamente para explicação da perpetração de
violência sexual no namoro.
Discussão
A importância de um ambiente familiar saudável para o desenvolvimento de

crianças e jovens, sobretudo para as futuras relações íntimas, conduziram o presente

estudo, o qual teve como objetivo principal verificar o poder preditivo da violência
intrafamiliar na perpetração de violência no namoro entre jovens. Considerando os
resultados reportados, confia-se que o objetivo foi alcançado.
Os resultados evidenciam que jovens que sofreram e/ou presenciaram abuso
físico em seu ambiente familiar tendem a perpetrar comportamentos de violência
física (e.g. bater, empurrar, puxar o cabelo) e sexual (e. g. beijar a força, forçar
relações sexuais) em seus relacionamentos de namoro. Conforme Reis et al. (2018),
jovens que convivem em um contexto violento, e vivenciam abusos físicos, punições,
humilhações, tendem a reproduzir tais comportamentos em seus relacionamentos
afetivos, uma vez que aprendem que a violência é uma estratégia de resolução de
conflitos nas mais diversas situações. Ideais semelhantes são apontados por Costa
e Miranda (2020), os quais verificaram que experiências de violência sexual no
namoro de adolescentes frequentemente são antecedidas por abuso em outros con-
textos relacionais, sobretudo o familiar, tais como abuso físico, ameaças, banalização
de comportamentos violentos e culpabilização da vítima.
Evidenciou-se também que aqueles jovens que conviveram em um ambiente
de excessivo controle tendem a praticar, com maior frequência, comportamentos de
violência física nos seus relacionamentos íntimos. Beato (2016) aponta que crianças
criadas em um contexto de controle, muitas vezes acabam sendo reforçadas pelos pais
a acreditarem que situações ameaçadoras estão presentes a todo momento, levando-as
a ficar em alerta a todo tempo. Dessa forma, quando os jovens, em seus futuros rela-
cionamentos, passam a cobrar e vigiar excessivamente os seus parceiros amorosos,
estão vivenciando um relacionamento abusivo.
Diante de tais resultados, atenta-se para a importância de reconhecer precoce-
mente as vivências de violência intrafamiliar na infância, haja vista caracterizar-se
como um potencial preditor da violência no namoro, corroborando, assim, com diver-
sos estudos encontrados na literatura, os quais evidenciam que jovens inseridos em
ambientes familiares violentos tendem a se envolver em relações amorosas abusivas
(Borges & Dell’Aglio, 2020; Borges et al., 2020; Gover, Park, Tomsich, & Jennings,
2011; Nelas et al., 2016; Reis et al., 2018).
De modo geral, os achados do presente estudo proporcionam uma importante
reflexão acerca da importância da relação familiar, uma vez que essa é responsável
pela socialização primária das pessoas, de modo que constitui a base referencial para
os relacionamentos futuros estabelecidos (Nelas et al., 2016). Ademais, a transmissão
276
intergeracional da violência está associada a impactos negativos à saúde mental

das vítimas e dos agressores (Nascimento et al., 2018). Nesse sentido, devido aos
jovens estarem no momento de formação da sua personalidade, podem interiorizar
as violências sofridas e perpetradas como comportamentos normais e desejáveis em
uma relação íntima (Reis et al., 2018).
Apesar das evidências favoráveis, o estudo não está isento de limitações, a
exemplo, pode-se destacar a utilização de instrumentos de autorrelato, os quais podem
ocasionar o viés de desejabilidade social. Ou seja, mesmo com o caráter anônimo do
estudo, os participantes podem ter dado respostas mais aceitáveis socialmente por
envolver questões íntimas.
Outro potencial impasse encontrado, refere-se ao fato de a amostra abarcar na
maioria jovens adultos, como também, apesar do esforço em angariar participantes
de diferentes estados brasileiros, a amostra não foi representativa da população, o
que restringe a possibilidade de generalização dos resultados. Não obstante, tais
limitações não invalidam os resultados ora apresentados.
Ainda assim, sugere-se o desenvolvimento de pesquisas com amostras maiores
e mais heterogêneas. Espera-se que as lacunas e as limitações anteriormente citadas
possam contribuir para o delineamento de pesquisas futuras usando novas variáveis,
a exemplo da personalidade, do ciúme, como possíveis preditores da violência no
namoro. Além disso, abarcar outros contextos de relacionamentos amorosos, tais
como as relações homoafetivas.
Os resultados dessa pesquisa fortalecem a importância do papel que o ambiente

familiar exerce no desenvolvimento das dinâmicas amorosas dos jovens, evidenciando
que viver em um ambiente com o clima familiar saudável, onde há comunicação entre
os membros e com um ambiente físico organizado, pode evitar que os jovens se envol-
vam em relacionamentos abusivos. Portanto, é de suma importância, na educação
familiar, estabelecer relacionamentos saudáveis, baseados no diálogo, afetividade,
para que, assim, tais condutas sejam refletidas nos futuros relacionamentos dos filhos.
É necessário também promover o intercâmbio de ideias acerca da violência no
namoro, subsidiando intervenções em diferentes esferas, como nas escolas, universi-
dades, sendo discutido através de campanhas e congressos visando a conscientização
da temática supracitada. Ademais, destaca-se a importância de promover reflexões
acerca da intolerância a qualquer forma de violência, seja ela no contexto familiar,
acadêmico ou nos relacionamentos amorosos.
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32. SAÚDE MENTAL E AMBIENTE
LABORAL: a importância do psicólogo
policial nas instituições de segurança pública

Deborah de Lima Cabedo114
DOI: 10.24824/978652513724.7.279-284
Introdução
Este trabalho visa compreender a importância do psicólogo policial nas diferen-

tes corporações, considerando as repercussões à saúde mental destes profissionais,
decorrentes desta área de atuação. Apesar da recente inserção dos psicólogos nessas
instituições, verifica-se a necessidade de um quadro maior dos profissionais de saúde
mental, tendo em vista a importância da realização de intervenções psicológicas que
possam contribuir para qualidade de vida dos policiais.
Considerando a complexidade das demandas que surgem nos diferentes órgãos
policiais, a atuação desses profissionais exige um determinado nível de equilíbrio
físico e mental, pois exige que o policial esteja em estado de alerta até mesmo quando
não está no ambiente de trabalho. Todos esses fatores, somados aos riscos que essa
profissão impõe, contribuem significativamente para o surgimento de problemas
emocionais, e até mesmo problemas físicos decorrentes dos esforços a que são sub-
metidos durante sua atuação.
Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2020), o número de poli-
ciais com problemas psicológicos cresceu no Brasil. Dados apontam que o número
de suicídio entre esses profissionais é maior do que o índice de mortes em confrontos
policiais. Além desses fatores, a ausência de profissionais de psicologia no quadro de
funcionários das instituições de saúde pública, dificultam a formulação de políticas
públicas que atendam os policiais.

114 Graduanda em Psicologia pelo Centro universitário Unifacid Wyden.
280
Segundo dados do Atlas da violência (2020), o acesso a arma de fogo aumenta

as chances de suicídio, a pesquisa ainda revela que 40% dos policiais já pensaram em
cometer suicídio utilizando esse instrumento. Portanto, esses fatores sinalizam para a
importância do acompanhamento psicológico desde o momento em que esses profis-
sionais adentram a essas corporações, uma vez que as condições de trabalho podem
desencadear problemas emocionais a longo prazo, e como consequência, o suicídio.
Nesse sentido, esses dados corroboram para a necessidade da implantação do
serviço de psicologia nesses órgãos, uma vez que a atuação do psicólogo nessas
instituições faz-se necessária tendo em vista o acompanhamento e apoio psicológico

frente às demandas, a melhora da qualidade de vida e a eficiência profissional.
O trabalho policial e os danos à saúde mental
O trabalho policial tem como objetivo garantir o direito à segurança à população,

e por ser considerado um trabalho complexo, exige inúmeros fatores, entre eles o
preparo físico, pessoal e profissional. Segundo Silva e Vieira, (2008) esse trabalho é
permeado por demandas complexas, entre elas a constante pressão que ocorre dentro
das instituições de segurança pública. Logo, esse autor aponta uma precarização no
trabalho deste profissional por inúmeros fatores, entre eles as condições impróprias
de trabalho, carga horária de trabalho excessiva, baixos salários, falta de capacitação
e ausência de instrumentos de trabalho.
Oliveira e Santos (2010) reiteram que esses fatores supramencionados soma-
dos à frequente situação de alerta que a atuação exige, podem estar relacionados ao
surgimento de doenças tanto físicas como mentais decorrente do ambiente de traba-
lho que podem se manifestar por meio dos sintomas como: má qualidade do sono,
cansaço físico e mental, tristeza, ansiedade, irritabilidade, consumo de substâncias
e até mesmo o suicídio.
Em vista disso, esses aspectos apontam para o surgimento da insatisfação do
trabalho decorrente da desvalorização profissional e para a ausência de apoio pro-
fissional dentro dessas instituições. Ademais, a ocorrência reiterada desses fatores
no ambiente de trabalho pode ocasionar diversos danos à saúde mental destes, como
quadros depressivos e doenças relacionadas ao ambiente de trabalho, como a síndrome
de burnout, que podem estar relacionadas ao afastamento do trabalho e em casos
mais graves à aposentadoria por invalidez.
Em um estudo realizado por Ferreira e Dutra (2017) com uma amostra de 98
policiais militares para avaliar a percepção destes com relação à sua saúde mental
apontou que 42,9% dos entrevistados estavam sujeitos ao adoecimento mental decor-
rente do trabalho. Alguns dos fatores levantados nessa pesquisa que poderiam estar
relacionados com essa condição, foram a má qualidade do sono relatada pela maioria
dos profissionais e as jornadas extras de trabalho, para complementar a renda. No
que se refere à autopercepção da saúde mental destes, 29,6% dos policiais avaliaram
com um viés negativo.
Oliveira e Santos (2010) acrescentam que a realização das horas extras de

trabalho em detrimento de suas horas de repouso pode impactar negativamente na
eficiência da atuação deste profissional, uma vez que esse trabalho exige um equilíbrio
físico e mental para atuar diante das variedades de demandas que surgem durante sua
vida laboral. Nesse sentido, quando esse momento é negligenciado, fatores como o
estresse laboral e o sofrimento mental podem se fazer presentes na vida dos policiais.
De acordo com Pinto e Lima (2021) em um estudo de campo realizado e publi-
cado pela Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento em agosto de
2021 no Estado do Acre, para a maioria dos Militares (52,35%) a realização de horas
extras é prejudicial para a saúde mental. A pesquisa apontou ainda, que 49,05% dos
entrevistados se sentiam emocionalmente cansados após o trabalho; 63,20% consi-
deram o acompanhamento psicológico importante; 52,35% consideram o trabalho
estressante e 33,96%, se sentem valorizados.Como consequência, estão submetidos
às possibilidades de desenvolverem síndromes do meio laboral, como por exemplo,
a síndrome de Burnout (Arroyo & Lourenção, 2019).
Conforme Oliveira e Faiman (2019) o trabalho policial é permeado por situa-
ções de perigo, o que acaba definindo como um trabalho extremamente estressante,
desgastante e que possui um grande impacto na sociedade, já que sua principal
incumbência é servir e proteger os cidadãos, trabalhando diretamente na rua e em
contato direto com a sociedade.
Atuação do psicólogo no contexto policial
No Brasil, apesar da necessidade da atuação do psicólogo no âmbito das polícias,

o número de psicólogos dentro dessas instituições é considerado baixo considerando
as demandas que existem dentro desses órgãos. Entre alguns dos fatores está o pre-
conceito e estereótipos no que se refere ao cuidado com a saúde mental.
Com relação a esses fatores, Barbosa e Menezes (2017) apontam que com o
passar dos anos houve o aumento das demandas que envolvem a criminalidade resul-
tando demandas complexas que perpassam o trabalho policial, e que a ausência de
cuidados com a saúde física e mental produzem policiais adoecidos tanto na esfera
física quanto mental.
Nobrega et al. (2018) salientam que a psicologia policial corresponde a uma
recente vertente da psicologia jurídica, no âmbito da polícia civil, a qual foi pioneira
no estado de Santa Catarina, já em outros estados, apesar de existir a presença de
psicólogos em sua maioria, eles não eram do quadro efetivo da Segurança Pública.
Minayo (2008) afirma que o conhecimento dos problemas que afligem à saúde
física e mental dos policiais permite elaborar ações preventivas e até mesmo repa-
rativas de forma a minimizar os agravos decorrentes dos problemas de saúde que
afetam esses profissionais. Além da participação de psicólogos, é necessário que haja
a participação dos próprios policiais em programas e intervenções que garantam a
melhoria da qualidade de vida.
282
Moura (2019) enfatiza que o trabalho do psicólogo nesse contexto abrange com-
preender a dinâmica desse campo de trabalho para a elaboração de intervenções. Em
sua atuação, o psicólogo deverá compreender as condições do ambiente de trabalho
somadas à avaliação da saúde mental destes profissionais. A partir disso, o psicólogo
poderá realizar a escuta desses profissionais por meio de plantões psicológicos, e
se necessário por meio de encaminhamento a outras redes de apoio à saúde mental.
Esses fatores supramencionados podem impactar diretamente na eficiência do
trabalho policial, bem como nas relações sociais e pessoais, uma vez que podem estar
diretamente relacionados com qualidade de vida destes. Portanto, esta demanda aponta
para a importância do trabalho do psicólogo dentro das intuições de segurança pública
por meio de ações e intervenções que possam melhorar as condições de trabalho,
bem como atuar de forma a promover o apoio emocional a esses profissionais, pois a
negligência de aspectos como esse podem influenciar na conduta de atos irracionais
cometidos pelos policiais durante a jornada de trabalho.
Por se tratar de um trabalho complexo, o psicólogo nunca trabalhará sozinho,
e nesse âmbito os policiais necessitarão da assistência de um trabalho multidisci-
plinar, composto por psicólogos, assistentes sociais, psiquiatras e enfermeiros, para
que, através da visão desses diferentes profissionais, os policiais sejam assistidos de
forma eficiente.
Este trabalho apontou sobre a importância da inserção do psicólogo nos diferen-

tes órgãos policiais, tendo em vista sua atuação como forma de minimizar os danos
emocionais decorrentes dessa área de trabalho. Conclui-se que, faz-se necessário
a implementação de políticas públicas relacionadas ao atendimento psicológico,
considerando o alto índice de adoecimento físico e mental dos policiais, a fim de
intencionar o cuidado mental não apenas quando denotar necessidade de auxílio
psicológico, mas também em caráter preventivo.
Além disso, observou-se que há a necessidade de implementação de mais profis-
sionais de psicologia do quadro de funcionários das diferentes corporações policiais
que atendam esses profissionais desde o momento que eles ingressam nessa institui-
ção, como forma de ampliar o acesso ao atendimento psicológico a as intervenções
em saúde mental que abranjam o cuidado preventivo.
Destaca-se ainda que há poucos estudos no Brasil relacionados à atuação do
psicólogo nesse contexto, o que ocasionou dificuldades em encontrar assuntos que
viabilizassem essa realidade. Portanto, há necessidade de novas pesquisas que envol-
vam não só o trabalho do psicólogo nesse contexto, como também das repercussões
dos danos psicólogos causados na vida desses profissionais a longo prazo, tendo em
vista ações preventivas.
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33. CONCEITUAÇÃO, CAUSAS E
CONSEQUÊNCIAS DA VIOLÊNCIA
PSICOLÓGICA EM MULHERES:
uma revisão de literatura
Aurielly dos Santos Gomes116

Letícia Toshie Miyazaki de Sousa117
Rayanna Camilla dos Santos Araújo118
DOI: 10.24824/978652513724.7.285-294
Introdução
O presente capítulo aborda o processo de conceituação da violência psicológica

enquanto violência contra a mulher e seu reconhecimento nas leis, objetivando reali-
zar um apanhado teórico que perpasse a evolução de suas definições até a sua forma
abordada contemporaneamente, além de compreender suas causas e consequências,
analisando os prejuízos que esse problema acarreta às vítimas. A pesquisa foi rea-
lizada por meio de abordagem qualitativa, uma revisão de literatura tanto nacional
quanto internacional em bases de dados variados, englobando estudos da última
década, dentro da área de Psicologia Jurídica e dos temas de violência psicológica
e violência de gênero.
O fenômeno da violência foi atravessado de vários significados e sua defini-
ção vêm se ampliando ao longo dos anos, adquirindo novas roupagens e tentando
abarcar o sentido amplo que se modifica a cada época. Como exposto por Neta
(2019), a violência contra a mulher é entendida como qualquer ato que resulte em
danos físicos, morais, psicológicos, sexuais e patrimoniais, considerado também um
problema grave de saúde e segurança pública. Foi a partir do cenário internacional
(Machado & Grossi, 2012), com os movimentos feministas, que os países ociden-
tais, incluindo o Brasil, formularam Políticas Públicas e leis dirigidas à proteção da
população feminina.
À luz das primeiras reivindicações sobre igualdade de gênero, o que atualmente
conhecemos como violência psicológica era estudada por campos de Psicologia e

286
Serviço Social através do termo assédio moral (Machado & Grossi, 2012), mas sem
configuração como dispositivo na lei. Foi somente em 1994, na Convenção Interame-
ricana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher que foi incluído
oficial e legalmente a violência psicológica como uma violência contra a mulher.
No Brasil, a violência psicológica alcançou reconhecimento legal através do
Código Penal como crime pela Lei n. 11.340/2006, notoriamente conhecida como
Lei Maria da Penha. De acordo com ela:
Art. 7º São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:
[...] II – a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause
dano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o
pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, compor-
tamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação,
manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto,
chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qual-
quer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação
[...] (Lei n. 11.340, 2006).
À vista disso, embora a Lei Maria da Penha tenha trazido o discernimento ao

reconhecer e valorizar a plenitude da saúde psicológica perante a lei, esse artigo
interliga a violência psicológica como forma de violência doméstica e familiar, não
englobando sua presença em outras configurações sociais que atravessam a exis-
tência da mulher. No âmbito jurídico ou até mesmo no atendimento assistencial e
psicológico, quando essas vítimas são atendidas nas delegacias ao formalizarem uma
queixa, é necessária a diferenciação da violência psicológica da violência doméstica
para que haja uma aplicação mais adequada da lei e de ações contundentes com a
situação, de modo a prestar o melhor suporte a essas mulheres.
Para Silva et al. (2007), a diferença é que a violência doméstica apresenta
agressão corporal à vítima e na violência psicológica a agressão ocorre através de
palavras, gestos, olhares, sem obrigatoriamente envolver contato físico. Entretanto,
essa definição não é suficiente para abarcar as muitas minúcias em que essa agres-
são ocorre, haja visto que a violência psicológica não acontece apenas em âmbito
doméstico e em relações românticas, mas passível a intercorrer em todas as esferas
sociais em que uma mulher está inserida.
Dessa forma, expectamos que esse texto proporcione um maior entendimento
sobre o percurso da violência psicológica no que se refere sua definição, encontro
com a lei, as diversas formas que ela é vista e sentida pelas vítimas de forma a pos-
sibilitar mais espaços de discussão acerca do tema, destarte, tornando palpável a
identificação desse fenômeno “invisível” aos olhos, mas que tanto fere a subjetividade
e identidade das mulheres.
As mil faces da violência psicológica
Levando em consideração essas diversas configurações existentes, a literatura

nos apresenta diversas conceituações a respeito do que é a violência psicológica, a fim
de se ajustar aos estudos da área e fornecer a definição que melhor inclua de forma
satisfatória as entrelinhas e particularidades desse tipo de violência.
A Organização Mundial da Saúde (World Health Organization, 2012) instituiu
como abuso emocional ou psicológico atitudes como: insultos, depreciação, humi-
lhação constante, intimidação através da destruição de coisas, ameaça de agressão

ou de distanciar a vítima de seus filhos. Percebe-se que essa definição é um pouco
vaga, pois elenca somente os atos que se categorizam como a violência psicológica,
contudo, não apresenta as muitas consequências e desdobramentos que esses com-
portamentos podem suscitar na vítima. Por outro lado, para Azevedo e Guerra (2001)
citado por Neta (2019), a violência psicológica apresenta condutas abusivas como
caçoar, insultar, desrespeitar o afeto, desaprovar realizações da mulher, gritar, culpar,
acusá-la de louca, puta, estúpida, ameaçar, criticar, exigi-la sua atenção completa,
manipular, criar ambiente de medo e atingir a mulher ao ponto dela apresentar sin-
tomas de adoecimento mental e até mesmo o suicídio.
A definição mais contemporânea e englobante que temos atualmente é a realizada
pela Secretaria de Saúde de São Paulo que estabelece a violência psicológica como:
[...] Ação ou omissão destinada a degradar ou controlar as ações, comportamen-

tos, crenças e decisões de outra pessoa, por meio de intimidação, manipulação,
ameaça direta ou indireta, humilhação, isolamento ou qualquer outra conduta que
implique prejuízo à saúde psicológica, à autodeterminação ou ao desenvolvimento
pessoal. Portanto, não é preciso ser agredido fisicamente para estar em uma relação
violenta. Algumas palavras e atitudes podem ferir a autoestima de uma pessoa.
Por se tratar de forma mais subjetiva é, por isso, difícil de identificar. (Neta, 2019,
pp. 31 apud São Paulo, 2016).
Souza e Cassab (2010) expõe a violência psicológica enquanto a mais per-

versa entre os outros tipos de violência que ocorrem na esfera doméstica, pois deixa
marcas irremediáveis e um sofrimento que pode se perpetuar por toda a vida da
mulher. Ainda nesse sentido, a Secretaria de Vigilância em Saúde descreve que o
agressor pode impedir a mulher de trabalhar fora, ter controle sobre sua liberdade
financeira, manter ameaças de espancamento e morte, privar de afeto e assistência
durante períodos de doença e gravidez, ignorar e criticar por meio de ironias e pia-
das, ofender e menosprezar o seu corpo, insinuar possuir amantes para demonstrar
desprezo, ofender a moral de sua família, entre outros comportamentos (Brasil, 2005,
pp. 10-121 apud Neta, 2019).
A violência psicológica pode se configurar em âmbito conjugal, familiar e no
ambiente de trabalho. Em todos esses âmbitos, ela se caracteriza por um exercício
de superioridade do agressor sobre a vítima, enviesado por ameaças, comentários
pejorativos e negligência. De forma indireta, o agressor pode se utilizar dos filhos,
288
animais de estimação, objetos pessoais, isolamento e propaganda como ferramentas

de violência. De acordo com Silva et al. (2007), a violência começa de forma sutil e
lenta, aumentando sua intensidade e gravidade com o tempo, tornando difícil de ser
identificado até mesmo pela vítima e agressor.
Causas e consequências da violência
As causas da violência psicológica contra mulheres se manifestam e são iden-

tificadas de maneiras distintas dependendo do perfil, gênero e tipo de relação do

agressor com a vítima. Em uma pesquisa realizada em uma delegacia para a mulher,
os dados levantados apontam que em 70,1% dos casos, o agressor era companheiro
da vítima (Gadoni-Costa, Zucatti & Dell’Aglio, 2011). A literatura acerca de violência
psicológica contra a mulher vai apresentar enfoque sobre esta no âmbito doméstico,
de modo que a investigação das causas está relacionada, majoritariamente, ao con-
texto conjugal.
Segundo Cunha e Sousa (2017), as tensões do cotidiano conjugal, tais como
desemprego, problemas financeiros, opiniões conflitantes quanto à educação dos
filhos, ciúmes, entre outras, constituem estágios iniciais da violência psicológica. As
autoras apontam para a sutileza desse tipo de violência, que se estabelece a partir de
aspectos invisíveis, dificultando sua identificação por parte da vítima.
Em uma análise bibliográfica da temática, Siqueira e Rocha (2019) encontraram
como causas recorrentes de violência psicológica em relacionamentos heteroafetivos:
influência cultural, bebida alcóolica, ciúmes, políticas públicas, desigualdade de
gênero, visão conservadora, histórico de violência familiar do agressor e interrupção
do apoio da família. No entanto, quando se trata de relacionamentos homoafetivos,
alguns autores (Alencar, Ramos e Ramos, 2018; Souza, 2020; Santos, 2012) expõem
que ciúmes excessivo, dependência emocional e financeira, políticas públicas, iso-
lamento, falta de redes de apoio, ameaças de outing, homofobia e homofobia inter-
nalizada se encontram enquanto as causas mais comuns.
A influência cultural determina papéis de gênero que colocam o homem enquanto
provedor da casa e, consequentemente, enquanto superior dentro da relação. Segundo
Federici (2004/2017), com o desenvolvimento do capitalismo, há um afastamento da
mulher dos meios de produção e isolamento no âmbito doméstico, onde ela desempe-
nha um serviço não remunerado e, por isso, desvalorizado. Essa divisão de trabalho
coloca a mulher enquanto dependente e subordinada a seu parceiro masculino, de
modo que, quando o homem passa a depender financeiramente da mulher e há uma
inversão de papéis, a violência surge como compensação do sentimento de falha no
cumprimento de seu papel social de provedor da casa (Siqueira & Rocha, 2019).
Em casos de agressões cometidas por outras mulheres, mitos relacionados aos
papéis de gênero comprometem a identificação da violência por parte de profissionais
que acreditam que, por ser um relacionamento entre mulheres, como pontuado por
Santos (2012), não há a presença de relações de poder. Souza (2020) denuncia que a
homofobia e despreparo de agentes institucionais para casos de violência dentro de
relacionamentos homoafetivos gera receio nas vítimas em procurar ajuda, situação

esta complementada por Siqueira e Rocha (2019) ao elencar a ausência de acolhi-
mento e escassez de Políticas Públicas também como fatores que afastam as mulheres
que foram agredidas por homens de procurar ajuda através da lei.
Na pesquisa realizada por Gadoni-Costa, Zucatti e Della’Aglio (2011), o uso
de álcool/drogas e o histórico de violência na família tornam maiores as chances
do agressor de cometer violência psicológica contra a mulher se comparadas a não
usuários ou pessoas sem histórico de violência na família. O consumo de bebidas
alcoólicas torna o agressor mais impulsivo e violento, fragilizando relações afetivas.

A vítima pode internalizar que a motivação da agressão tenha origem na bebida e
não no agressor, da mesma forma que o histórico de violência na vida do agressor
torna-se uma justificativa de seu comportamento violento, mantendo as vítimas dentro
de um ciclo (Siqueira & Rocha, 2019).
O isolamento da vítima de parentes e amigos é comum tanto em relacionamentos
heteroafetivos como homoafetivos. A vítima isolada entra em um estado de maior
vulnerabilidade, enquanto a presença de uma rede de apoio diminui a reincidência
da violência (Siqueira & Rocha, 2019). Nos casos de vítimas em relacionamentos
homoafetivos, o preconceito pode afastar amigos e familiares, deixando a vítima
desamparada. Somado a isso, a ameaça de revelação da orientação sexual medeia
os conflitos dentro de relacionamentos homoafetivos abusivos, deixando a vítima
em um duplo estado de desamparo quanto à violência sofrida e quanto à ameaça de
outing (Alencar, Ramos & Ramos, 2018).
O ciúme em relacionamentos heteroafetivos, conforme analisado por Fonseca,
Ribeiro e Leal (2012) relaciona-se com um sentimento de possessividade por parte
do agressor, que vê a mulher enquanto objeto de sua propriedade. Entretanto, ao se
tratar de relacionamentos homoafetivos, Alencar, Ramos e Ramos (2018) e Osório,
Sani e Soeiro (2019) relatam que o ciúme surge de uma dependência emocional
caracterizada pelo medo de abandono e que a não aceitação do término do relacio-
namento apresenta-se enquanto grande causador de violência.
A violência psicológica, apesar de ser sutil e silenciosa, acarreta muitos prejuízos
à saúde da mulher violentada. Essa tipologia de violência, ocasionada por diversos
fatores como seus determinantes sociais e culturais, tira o bem-estar da mulher e o
quadro pode prejudicar significativamente sua qualidade de vida. A temática se torna
relevante por apresentar como as diversas formas de violentar uma mulher psicolo-
gicamente ocasionam muitos prejuízos, esses percebidos no contexto do trabalho,
faculdade e outros espaços onde a compreensão do fenômeno possibilita que se possa
ter várias hipóteses para identificação de transtornos ou causa de sofrimento mental.
Siqueira e Rocha (2019), apontam que a forma como a violência afeta a mulher
se apresenta de uma maneira bidimensional, ou seja, atinge sua subjetividade e corpo,
produzindo comprometimentos à sua saúde mental por destruir aos poucos sua autoes-
tima e ocasionando sentimentos de incapacidade. Essa forma silenciosa de ocorrência
da violência, pontua Siqueira e Rocha (2019), é o que dificulta que a mulher perceba
que sofre violência psicológica. As vítimas sofrem com prejuízos em sua vida social,
290
se sentem reprimidas e encontram-se em um quadro de sofrimento psicológico (Silva,

Coelho & Caponi, 2015).
De acordo com o Conselho Federal de Psicologia (CFP), o aspecto traumático
da violência pode gerar danos sérios no estado de saúde mental da vítima, e estas
alterações psíquicas que a mulher apresenta podem surgir em função do trauma que
as ocasionam. Atitudes como impedir sua autonomia geram sentimentos duradouros
de incapacidade, onde a vítima perde o interesse em viver, gerando um processo de
desvalorização de si mesma (CFP, 2013).
A violência psicológica manifesta uma série de sentimentos nas mulheres vio-

lentadas, as quais aumentam a chance de viverem constantemente com insegurança,
sentimento de impotência, fragilização das relações sociais e de um estado constante
de tristeza. Além disso, o medo representa um sentimento que é bastante comum,
atrelado aos níveis de ansiedade que se apresentam de uma maneira expressiva nas
mulheres que se encontram em sofrimento pela violência psicológica. Em um estudo
produzido por Rossetto e outros autores (2020), foi realizada uma pesquisa com
a finalidade de investigar as consequências da violência psicológica em mulheres
em relacionamento abusivo, em que pode ser identificado dezesseis consequências
psicológicas verbalizadas pelas entrevistadas. Dentre elas se destacam o vazio que
essas vítimas enfrentam, a dependência emocional, quadros de depressão, síndrome
do pânico, transtorno alimentar, ansiedade, culpa, tentativa de suicídio, insegurança,
confusão mental, medo, baixa autoestima, aversão ao sexo, vivem com o sentimento
de não se sentirem suficiente, dificuldade de aceitação, além de dificuldade em cons-
truir relações (Rossetto, Andrade, Moreira & Ferreira, 2020).
A violência psicológica gera consequências que podem ser advindas de uma
relação que seja permeada por forma sutil de manifestação, porém pode ser marcada
por discursos agressivos e violentos, que por vezes revelam uma tendência à repetição
dos padrões de comportamento (Fonseca, Ribeiro & Leal, 2012). As vítimas podem
agir reproduzindo esses comportamentos e ir se moldando ao ponto de agir como o
agressor age com ela, em decorrência dos comportamentos repetitivos vivenciados
na relação.
Outra consequência apresentada em razão desse tipo de violência é o uso de
medicamentos para tentar aliviar sintomas advindos dessa questão social. A violência
psicológica contribui para o aumento no uso de antidepressivos, como ansiolíticos
(Gadoni-Costa, Zucatti & Della’Aglio, 2011). Além disso, os autores pontuam que
no estresse pós- traumático muitas vítimas de violência psicológica fazem uso desses
antidepressivos e ansiolíticos para suportar o sofrimento psicológico, com a espe-
rança de que esses psicofármacos possam amenizar e acabar com todos os sintomas
e sentimentos negativos que decorrem dessa tipologia de violência.
Uma forma sutil e silenciosa de manifestação dessa violência, que evidencia
consequências tão nocivas à saúde mental da mulher vítima desse fenômeno. É
diante dessa perspectiva que se deve pensar em maneiras efetivas de enfrentamento
da violência psicológica, onde a divulgação de conhecimento e discussão do tema
se mostram fundamentais.
Assim como apresentado no presente trabalho, o conceito de violência psico-

lógica vem de um estudo recente, de modo que, regionalmente, há uma diversidade
na sua conceituação e tipologia. O termo violência psicológica é dinâmico e está em
movimento com os desdobramentos da sociedade atual, tornando difícil sua identifica-
ção. Há vários conceitos diferentes para violência psicológica, o mais utilizado tendo
origem na Lei Maria da Penha, que a qualifica como forma de violência, ocorrendo
em diversos tipos de contextos, lócus e relacionamentos. As causas têm profundas

raízes em concepções sócio-históricas e culturais de gênero e sexualidade e somam-
-se a Políticas Públicas ineficientes e abordagens inadequadas de enfrentamento.
Em relação às consequências que são advindas da violência psicológica, mostrou-se
que os danos causados prejudicam a qualidade de vida da mulher violentada, evi-
denciando-se sentimentos negativos e desenvolvimento ou aumento de patologias
psicológicas pré-existentes.
Ao salientarmos, através desse estudo, a multiplicidade de formas que a violên-
cia psicológica pode aderir, juntamente com suas definições e inserções na legislação,
verificou-se que violência psicológica contra a mulher é um crime relativamente novo.
Portanto, concluiu-se que a escassez de material com viés específico nesse tipo de
violência aponta para uma necessidade de compreensão de sua tipologia, conceitua-
ção, e consequências, de modo a tornar possível pensar-se em ações mais efetivas e
assertivas em prevenção, controle e intervenções. Ampliar o debate de uma categori-
zação própria da violência psicológica facilita a identificação desses casos e diminui
riscos de revitimização. Diante do dano emocional causado, é preciso que se amplie a
discussão sobre o tema, e que possa-se pensar em medidas preventivas como forma de
efetivação no enfrentamento da violência contra mulher, principalmente com relação
a violência psicológica, delimitando sua conceituação e compreensão das causas e
consequências que vem levando maior notoriedade a partir de sua criminalização.
292
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34. VÍNCULO TRAUMÁTICO
EM MULHERES VÍTIMAS DE
VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA NO
CONTEXTO DOMÉSTICO
Vitória Antão de Carvalho Rosa120

Vanessa Viana Bonfim121
Maria Clara Rodrigues Gomes Sousa122
DOI: 10.24824/978652513724.7.295-302
Introdução
A violência psicológica contra a mulher é um tipo de violência silenciosa, com

impactos graves e duradouros presentes de forma frequente no cotidiano de diversas
mulheres no Brasil. Dessa forma, de acordo com Melo e Ornelas (2021), numa pes-
quisa com base domiciliar, constatou-se a preponderância da violência psicológica
sobre os demais tipos de violência, com 1.164.159 relatos, superando inclusive a
violência física. Nesse sentido, o assunto, antes pouco discutido, passa a ser cada
vez mais evidenciado e abordado pela imprensa, pela justiça e serviços de saúde, o
que pode ser exemplificado com a criação da Lei nº 14.188, de 28 de julho de 2021.
Esta lei visa modificar a modalidade da pena da lesão corporal simples cometida
contra a mulher por razões da condição do sexo feminino e cria o tipo penal de vio-
lência psicológica contra a mulher (Brasil, 2021). Sobretudo, ainda há muito para
ser discutido sobre o tema para minimizar certos mitos e tabus, bem como difundir o
conhecimento para a população, que muitas vezes não consegue reconhecer os sinais
e causas desse tipo de violência.
No contexto atual, apesar das diversas transformações sociais ocorridas em
relação ao papel da mulher na sociedade, à ocupação de espaços e à conquista de
direitos, na prática muitas mulheres ainda sofrem com o machismo estrutural, com
o abuso sexual ou moral, assim como com a violência física, verbal e psicológica
(Meneghel et al., 2013).
120 Acadêmica do curso de Psicologia (UESPI).

296
Nesse sentido, ainda há muitos preconceitos e estereótipos em relação aos dife-

rentes papéis exercidos pela mulher, o que contribui para práticas de violência em
suas várias expressões, entre elas, a violência psicológica, assim como em diferentes
contextos como, por exemplo, em relacionamentos amorosos. Esse tipo de violência
pode ser sutil e silenciosa, ou seja, mais difícil de ser identificada e denunciada, de
forma que se mostra muito perigosa e pode ser o primeiro passo para outros tipos de
agressões, incluindo até mesmo o feminicídio.
Dutton e Painter (1981) foram os pioneiros no estudo da relação entre os padrões
intermitentes de reforçamento da violência doméstica em mulheres e as suas con-

sequências emocionais. Este efeito adverso foi designado por estes autores como
trauma bonding ou vínculo traumático, o qual é exemplificado por um relaciona-
mento violento e abusivo, de forma que não ocorre de modo isolado. O vínculo
traumático pode estar presente em diversas situações de abuso, como naquelas entre
líder-seguidor de culto, sequestrador-refém entre outros. Dessa forma, o significado
do termo vínculo traumático evidencia o desenvolvimento e o curso de fortes laços
emocionais entre duas pessoas, na qual uma pessoa assedia, espanca, ameaça, abusa
ou intimida intermitentemente a outra.
Os autores pioneiros neste estudo apontam as características comuns da estrutura
social de relacionamentos com vínculo traumático a partir do desequilíbrio de poder e
da intermitência do abuso. A partir disso, os sinais da existência de vínculo traumático
formam um quadro sociopsicológico multifatorial formado por desequilíbrio de poder,
periodicidade do abuso, padrões de reforço intermitente na violência doméstica e o
processo cognitivo envolvido para a formulação traumática do vínculo. Desse modo,
de acordo com tais autores, os sintomas que podem ser apresentados por mulheres que
estão nesse tipo de relacionamento abusivo são: dissociação, descrença da agressão
e colapso mental. Esse último em razão da autoculpabilização correlacionada com
baixa-autoestima e com a depressão pós-traumática.
Nesse sentido, a teoria do vínculo traumático em relacionamentos abusivos
na perspectiva da violência psicológica é uma temática de importante relevância
para ser abordada e estudada na área da psicologia. Esse tema partiu do intuito de
compreender dispositivos relacionados ao assunto, tais quais: as causas, contexto,
motivações, processos, sinais, como identificar e porque se torna um ciclo tão difícil
de ser rompido, tendo como principal objetivo a identificação das principais causas
e consequências psicossociais do vínculo traumático vivenciado por mulheres em
relacionamentos abusivos.
Fatores psicológicos e sociais envolvidos no vínculo traumático
A relação traumática ocorre quando são estabelecidos fortes vínculos emocio-

nais após algum acontecimento violento. Ele é uma forma disfuncional de ligação
que ocorre na presença de perigo, vergonha e abuso. Nesse cenário, há a instalação
de dependência emocional e vínculos caracterizados por intensa conexão, distorção
cognitiva e estratégias comportamentais que mantêm o vínculo, o que implica no
ciclo vicioso da violência (Fonseca & Oliveira, 2021).
No desenvolvimento do vínculo traumático, a pessoa que é a fonte do medo,

vergonha e abuso torna-se o objeto de apego e vínculo, fator que dificulta a recupe-
ração e resiliência do sujeito apegado, ocasionando impactos a longo prazo na vida
desse (Carnes, 2019). Nesse sentido, além de questões de dependência financeira,
social, baixa autoestima e dependência psicológica, o vínculo traumático é um fator
muito relevante para a permanência de mulheres em relacionamentos violentos e
abusivos (Fonseca & Oliveira, 2021).
Dessa forma, o colapso mental sofrido pela mulher que foi agredida é um indi-
cativo de excitação extrema, aversiva e prolongada, além de ser acompanhado de

inatividade, depressão, culpa e sentimento de desamparo por parte da vítima. Além
disso, a excitação exagerada e os sentimentos subsequentes da violência tornam a
mulher, em um relacionamento abusivo, extremamente vulnerável e dependente,
por algum tempo, após as sucessivas agressões sofridas (Dutton & Painter, 1981).
Ademais, o desequilíbrio de poder, existente na cultura patriarcal, e a intermi-
tência da violência, fomentada no ciclo da violência, são fatores que influenciam a
formação do vínculo traumático nas relações íntimas. Conforme Fonseca e Oliveira
(2021), a permanência em relacionamentos abusivos é marcada pelo vínculo trau-
mático e possui fatores relacionados a padrões neurológicos e histórico de traumas
estabelecidos desde a infância.
Em relacionamentos abusivos, as necessidades de apego surgem em um cenário
de incerteza e conflito. Nesse sentido, a possibilidade constante de perder a pessoa
amada ocasiona ansiedade, a qual é a base dos relacionamentos fundamentados no
vínculo do trauma (Dutton & White, 2012). Ademais, nestes relacionamentos, a
vítima forma dissonâncias cognitivas para justificar ou explicar o comportamento do
parceiro, uma vez que sua crença principal é a de que esta mulher não está sofrendo
abusos (Fonseca & Oliveira, 2021).
O vínculo traumático também se forma e se fortalece no contexto do ciclo da
violência, pois nas etapas iniciais deste ciclo não há um padrão claro de comporta-
mentos violentos. Muitas vezes esses são sutis e seguidos por pedidos de desculpas
e falas de arrependimento. Esse processo aumenta o vínculo entre o agressor e a
vítima. No entanto, as fases seguintes são caracterizadas pelo aumento da intensidade
e frequência desses comportamentos abusivos e violentos.
Por conseguinte, a vítima pode desencadear reações cognitivas, como por exem-
plo, autoacusação, culpa, introjeção e transferência da responsabilidade do abuso
para si, ou seja, passa a acreditar que está errada e que mudanças em si e nos seus
comportamentos poderiam evitar as ações abusivas e violentas do parceiro. Dessa
forma, passa a apresentar uma representação dos acontecimentos e até de si própria
distorcidas (Fonseca & Oliveira, 2021).
As consequências emocionais para o agressor podem ser expressões do sen-
timento de culpa, arrependimento e tentativas de “fazer as pazes” por meio de um
tratamento excepcionalmente amoroso com o objetivo de reduzir a excitação aversiva
criada por ele. Desse modo, esse comportamento do agressor funciona como redução
da excitação agressiva que tem o intuito de potencializar o apego a ele por meio
do reforço negativo. Logo, quando esse reforço negativo é intermitente, a resposta
298
reforçada é que a mulher deve permanecer nesse relacionamento para evitar o sofri-
mento de uma perda ou separação (Dutton & Painter, 1981).
Portanto, o vínculo traumático é formado a partir de um paradoxo, uma vez que
a fonte do trauma, também é interpretada como o vínculo que fornece segurança e
proteção em meio ao contexto de violência e angústia que a vítima enfrenta. Desse
modo, o agressor passa a ser a fonte de medo e proteção, por ser visto como uma
figura mais forte e por a vítima internalizar a percepção negativa dele sobre ela,
geralmente como alguém mais fraca, caracterizando-se como um sentimento de
desamparo (Simonic & Osewska, 2019). Essa imagem de poder e força do agressor
como fonte de proteção é influenciada e perpetuada pela cultura patriarcal e machista,
a qual mantém a ideia de que a mulher é frágil, dependente e indefesa, enquanto o
homem é mais forte e independente.
Em relação aos vários impactos psicológicos que podem surgir em decorrên-
cia do vínculo traumático, é possível citar alguns danos psíquicos que podem ser
desenvolvidos. Dentre eles, distúrbios relacionados à saúde mental, como: transtorno
de estresse pós-traumático (TEPT), sintomas persistentes relacionados ao entorpeci-
mento ou evitação emocional, aumento da excitação fisiológica, como respostas de
sobressalto exagerado, distúrbios do sono, entre outros. Logo, é possível observar
que as vítimas de relacionamentos baseados neste tipo de vínculo tendem a reviver
o trauma por meio de lembranças angustiantes intrusivas (APA, 2000). Nesse sen-
tido, o transtorno dissociativo também pode surgir como consequência psicológica
nas vítimas de relacionamentos abusivos, o qual é caracterizado como “estados de
dissociação que ocorrem em sujeitos que foram submetidos a persuasão coercitiva
prolongada e intensa” (APA, 2000, p. 242).
É importante ressaltar que as condições necessárias postuladas, por Dutton e
Painter (1981, 1993), para que ocorra o vínculo traumático entre vítima e perpetrador
dos abusos emocionais referem-se ao poder marcante e ao desequilíbrio, no qual a
vítima se sente cada vez mais desamparada e vulnerável, assim como ao abuso inter-
mitente que alterna interações positivas ou neutras. Sobretudo, é possível constatar
na literatura disponível que tais elementos, com destaque ao desequilíbrio de poder,
são provenientes de aspectos sociais e culturais que se evidenciam fortemente nas
relações interpessoais.
Nessa perspectiva, torna-se importante destacar que o movimento feminista,
nos anos 1970, trouxe visibilidade à violência contra a mulher, demonstrando que
ela é consequência de uma estrutura de dominação masculina e trazendo discussões
à sociedade sobre esse assunto que, até então, se restringia ao âmbito privado e não
se tornava presente nas práticas jurídicas e judiciárias de enfrentamento às violências
sofridas por mulheres. Portanto, compreende-se que a violência contra o gênero femi-
nino é um fenômeno produzido historicamente e está presente em relações em que
ocorre a assimetria de poder, estabelecendo hierarquias, sendo estas visíveis ou não.
Desse modo, é essencial incluir a compreensão das hierarquias de gênero na origem e
reprodução das violências contra a mulher, para que ocorra a aplicação e efetividade
das leis, mesmo com resistências nas práticas desse campo (Meneghel et al., 2013).
Nesse sentido, a violência psicológica, consequência de uma estrutura social

em que a dominação masculina se faz presente, se inicia de forma sutil, com com-
portamentos que não são percebidos pela vítima, no qual o perpetrador dos abusos
psicológicos realiza pequenas críticas, a fim de gerar insegurança na vítima e afetar
sua autoestima. Desse modo, levando em consideração o início da formação de um
vínculo traumático, esses atos são realizados de modo intermitente, já que o agressor
precisa impactar no autoconceito da vítima, fazendo-a acreditar que não possui valor.
De maneira análoga, à medida que o desequilíbrio de poder aumenta, a pessoa
subjugada se sente mais negativa na sua autoavaliação, incapaz de se defender e, por

consequência, se torna cada vez mais necessitada do parceiro abusivo. Nesse sentido,
o ciclo de dependência produzido pelo relacionamento e pela baixa autoestima se
repete de modo a criar um forte vínculo afetivo da pessoa de baixo poder para com
outra de alto poder (Dutton & Painter, 1993).
Desse modo, o agressor precisa convencer a vítima de que ela é uma mulher
desvalorizada, para que ela aceite os abusos e se sinta culpada pela violência sofrida. A
partir disso, a mulher, evidentemente vulnerável, se torna emocionalmente dependente
e passa a se comportar conforme as vontades do agressor, acatando suas decisões
e aceitando o tratamento a ela reservado (Manzini & Velter, 2018). Sobretudo, em
muitos casos, não são apenas os sentimentos relacionados ao agressor que mantém
a vítima nesse tipo de relacionamento e vínculo, mas também a totalidade do inves-
timento na relação, bem como os tipos de investimento. Nessa perspectiva, Carver
(2003) postula sobre alguns modos de investimento que ligam a vítima ao agressor,
dentro de um vínculo traumático (trauma bonding), sendo eles: investimento emo-
cional; social; familiar; financeiro; estilo de vida e investimento íntimo.
Nesse contexto, um estudo realizado por Dutton e Painter (1993) com enfoque
nos apegos emocionais em relacionamentos abusivos, a partir de um teste da teoria
do vínculo traumático, trouxe como resultado que o apego, experimento de trauma
e baixa autoestima constituem uma síndrome de efeitos inter-relacionados de abuso
emocional. Dessa forma, o processo de “saída emocional” de um relacionamento abu-
sivo deve ser mais difícil, em razão do vínculo traumático ser teoricamente aumentado
pela dinâmica do relacionamento, já que o abuso intermitente desenvolve um vínculo
emocional que interfere na saída e permanência em um relacionamento abusivo.
Além disso, o vínculo traumático também influencia o trabalho de terapeutas
com mulheres agredidas, pois a explicação explícita do fenômeno a essa mulher
contribui para que ela saiba o que esperar ao longo do processo e, assim, pode evitar
compreender que as dificuldades de desapego estejam relacionadas com quaisquer
características especiais de relacionamento com o agressor. Portanto, fornecer lem-
bretes consistentes dos aspectos factuais da violência sofrida pode contribuir para
compensar as alterações de memória associadas aos aumentos tardios do vínculo
traumático (Dutton & Painter, 1993).
300
Considerações
No decorrer desse estudo, foi possível perceber que o trauma bonding ou vín-
culo traumático é o intenso apego e dependência emocional formado em uma relação
abusiva, a qual tem como consequência um vínculo afetivo de natureza traumática.
Nesse sentido, o desequilíbrio de poder e a eventual intermitência da violência, carac-
terizada no ciclo de violência, contribuem para o estabelecimento e manutenção do
vínculo traumático nas relações íntimas. Esses fatores também tornam mais difíceis
a identificação da violência e, consequentemente, o término dos relacionamentos

abusivos (Dutton & Painter, 1993).
Além disso, também tornou-se possível constatar que o vínculo traumático é
estabelecido nos relacionamentos por meio de fatores como: desequilíbrio de poder,
periodicidade do abuso e padrões de reforço intermitente. É importante destacar que
tais fatores possuem grande influência da cultura, já que a dominação masculina se
apresenta fortemente na estrutura social, construída historicamente ao longo dos anos.
Desse modo, as mulheres frequentemente são vítimas de relacionamentos baseados
neste tipo de vínculo, o que gera para elas vários impactos psicológicos.
Nessa perspectiva, em relação à violência contra a mulher no contexto domés-
tico, é possível analisar que esse fenômeno é um fator relevante para a permanência
da mulher em relacionamentos abusivos. Desse modo, é importante analisar o vínculo
traumático a fim de obter uma compreensão ampla da violência contra a mulher,
seja ela física, moral, patrimonial ou psicológica, assim, entendendo os âmbitos dos
abusos formados em relacionamentos íntimos.
A partir deste estudo teórico, foi possível alcançar os objetivos de entender
o vínculo traumático em seus mecanismos, suas consequências e seus impactos.
Contudo, constata-se a falta de literatura e pesquisa científica acerca da temática na
realidade brasileira, bem como associada aos marcadores sociais de gênero, raça e
classe, com o objetivo de entender como esse fenômeno se manifesta em relação às
mudanças socioeconômicas dos grupos aos quais as vítimas fazem parte.
Sugere-se que sejam realizados estudos posteriores, especialmente aplicados, os
quais foquem a busca de conhecimento na recuperação, atendimento e acolhimento
de mulheres vítimas de violência psicológica que vivenciaram o vínculo traumático,
bem como estudos baseados no contexto brasileiro, ressaltando os impactos e a identi-
ficação deste vínculo associado aos diferentes marcadores sociais e suas implicações.
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35. CONTRIBUIÇÕES DO PSICÓLOGO
NAS DELEGACIAS FRENTE AO
ACOLHIMENTO DE MULHERES
VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA
Danielle Fernanda Silva Campos124

Amanda Ramos Sampaio125
Andreza Maia Silva Barbosa126
Monalisa Beatriz dos Santos Ressurreição129
DOI: 10.24824/978652513724.7.303-312
Introdução
A luta pela extinção e redução da violência doméstica e familiar contra as

mulheres se estende desde o fim das sociedades primitivas matrilineares. No início
da civilização a mulher ocupava um local de grande importância na base familiar,
como aquela responsável por assegurar o bom desenvolvimento do lar e da família.
Entretanto, com o avanço da cultura patriarcal, a organização familiar se converteu
a uma relação de dominação e a mulher se tornou uma propriedade do marido, sendo
excluída de alguns direitos e desqualificada. Ou seja, o início da cultura do patriarcado
se tornou a gênese da violência contra a mulher, a persistir até a atualidade (Santiago
& Coelho, 2007).
Simone de Beauvoir, pensadora e escritora feminista, em seu livro “O segundo
sexo: a experiência vivida”, afirma que o homem tende a se mostrar superior e
dominador sobre a mulher, se baseando em um sistema de “senhor e servo”, como
consequência, os dois sexos (masculino e feminino) se tornam vítimas ao um do outro.
Assim, enquanto o duelo no qual tanto homens quanto mulheres não se reconhecem
como semelhantes persistir, esse conflito continuará (Beauvior, 1967).
124 Graduanda em Psicologia pela Faculdade de Pará de Minas.

125 Graduanda em Psicologia pela Faculdade de Ilhéus, pesquisadora na área de Psicologia Jurídica.
126 Doutoranda em Psicologia pela Universidade Federal da Bahia.
129 Graduanda em Psicologia pela Universidade do Estado da Bahia.
304
O isolamento Social recomendado pela Organização Mundial de Saúde como a

melhor forma de evitar a propagação da COVID-19, potencializou fatores que con-
tribuem para o aumento da violência contra as mulheres. Ademais, o suporte social
diminuiu com o fechamento de creches, estabelecimentos de ensino e religiosos,
e restrição ou redução de jornada de trabalho nos serviços de proteção à mulher,
como delegacias e centros de referência à violência doméstica, ampliando o risco e
as vulnerabilidades de muitas mulheres (Machado et al., 2020).
Nesse contexto, destaca-se a existência da notificação crônica das formas e
violência doméstica, anterior à covid-19, onde menos de 40% das mulheres em

situação de violência, buscavam qualquer tipo de ajuda ou denunciavam o crime
e, destas, menos de 10% das mulheres procuravam ajuda policial. O contexto atual
da pandemia, com maiores limitações no acesso de mulheres a telefones e linhas de
ajuda e interrupção e/ou diminuição dos serviços públicos como polícia, justiça e
serviços sociais, tem apontado para a existência de maiores discrepâncias na situação
atual estimada das mulheres em situação de violência doméstica (Nações Unidas
Brasil, 2020).
Assim, a desinformação e conceitos socioculturais constituídos de forma hierár-
quica resultam muitas vezes na não denúncia desses relatos, por conseguinte, agem
como catalisador para a denominada “Conspiração do Silêncio”, que de modo quase
imperceptível, dá suporte à opressão feminina, tornando-se cúmplice da violência
(Azeredo & Neto, 2015).
Desse modo, com o frequente número de casos em crescimento se faz neces-
sário proporcionar um melhor acolhimento as vítimas para efetivar os registros, em
especial, com a inserção de psicólogos nas delegacias. Portanto, este capítulo teve
como principal objetivo descrever as principais contribuições do profissional da
psicologia no acolhimento inicial das mulheres vítimas de violência doméstica e
familiar, em adição, buscou-se promover reflexões sobre a importância do trabalho
do psicólogo nesse contexto juntamente com seus diversos desafios e apresentar as
principais legislações e normativas vinculadas ao tema.
Acolhimento da mulher vítima de violência e as legislações contribuintes
É evidente que as práticas feministas e os conhecimentos produzidos pelos

membros desse movimento contribuíram na redução da submissão da mulher ao
homem, e da violência contra o gênero feminino. Ademais, ao verificar os aspectos
históricos da luta pelos direitos das mulheres, notam-se várias conquistas e marcos
no campo internacional, além de normativas, decretos e leis criadas no próprio Brasil
(Santiago & Coelho, 2007).
Destaca-se, no país, nesse processo de emancipação feminina, o Decreto nº 1.973
de 1 de agosto de 1996, resultante da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir
e Erradicar a Violência contra a Mulher, concluída em Belém do Pará, em 9 de junho
de 1994, que compactuou de forma benéfica para a proteção da mulher e a garantia de
seus direitos (Decreto 1973, 1996). Também vale ressaltar a importância da Lei Maria
da Penha instituída em 7 de agosto de 2006, que visa punir e erradicar a violência

contra a mulher, além de, coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher.
Dentre a referida lei, cabe destacar as disposições gerais constatadas no Título
II e Capítulo I, que configura os espaços em que as agressões são qualificadas como
violência doméstica e/ou familiar contra a mulher- qualquer ação ou omissão baseada
no gênero. Assim, compreende-se a violência no âmbito doméstico sem a obriga-
toriedade de vínculo familiar entre os moradores; no âmbito da família no qual se
evidencia os laços familiares naturais ou por afinidade; e em situações que o agres-
sor e a vítima convivam ou tenham convivido juntamente, independentemente de

coabitação (Lei 11.340, 2006).
Segundo Macarini e Miranda (2018), a Lei Maria da Penha é considerada como
uma das principais referências para a prática do psicólogo e de outros profissionais
que atuam nessa realidade, já que esta é considerada uma lei completa e esclarecida.
Dessa forma, se faz necessário que o Psicólogo Jurídico tenha conhecimento sobre
esta lei, assim como de outras normativas e do fluxograma do seu município acerca
da mulher vítima de violência doméstica e familiar.
A mulher vítima de violência doméstica ou familiar pode iniciar o contato em
diversos equipamentos da rede assistencial. Além disso, não necessariamente esse
primeiro contato consiste em um desejo da mulher em buscar alternativas para sua
situação, muitas das vezes a mulher pode entrar em contato com a rede por um motivo
diverso. Assim, cabe aos profissionais atentarem para as situações de violência e
promover um atendimento de acolhimento de acordo com a lei e as necessidades da
vítima (D’Oliveira et al., 2009).
O contato inicial da vítima pode ser diretamente com a autoridade policial, onde
receberá atendimento e orientações necessárias e pode decidir abrir um inquérito
contra o agressor, como também poderá ser com outros profissionais, nos outros tipos
de serviço de atendimento supracitados. Nesse caso, se necessário a vítima pode ser
encaminhada para outros serviços, de acordo com a demanda da situação. Igualmente,
os casos de lesão corporal, exigem a abertura de Inquérito Policial independentemente
da vontade da mulher (Macarini & Miranda, 2018).
Verifica-se na Lei Maria da Penha que deve ser evitado ao máximo a revitimi-
zação da mulher, sendo necessária a utilização de mecanismos que visam resguar-
dar a mulher de novos sofrimentos e exposição emocional. (Lei n. 11.340, 2006).
Entretanto, conforme Mendes e Bitu (2018) é visível que, na prática, a mulher vítima
sofre com frequência da revitimização e suas consequências, pela própria violência
por ela sofrida juntamente com a adição da omissão de alguns profissionais da rede
de acolhimento. Assim, se faz relevante propiciar um tratamento especial à vítima,
por meio de uma equipe multidisciplinar especializada e com capacitação na área.
Esse atendimento inicial da vítima, previsto pela Lei Maria da Penha, pode
ser feito pelo Psicólogo que trabalha na delegacia, desde que o profissional seja
capacitado para essa atuação e atenda aos princípios éticos e legais no atendimento
à mulher. A pesquisa realizada por Macarini e Miranda (2018) em uma Delegacia de
Proteção à Criança, Adolescente, Mulher e Idoso (DPCAMI) constatou que o serviço
de psicologia, prestado na delegacia, consistia em realizar um acolhimento e escuta
306
psicológica sobre a situação vivenciada pela vítima promovendo protagonismo ao

enfretamento da situação; orientar acerca das questões éticas e legais sobre sua situa-
ção e realizar encaminhamentos para outros órgãos e profissionais, quando necessário.
Segundo a Lei Maria da Penha, nos casos em que a violência física é consumada,
é necessário que a vítima dê seu depoimento e seja lavrado o Boletim de Ocorrência.
Em adição, a vítima precisa ser encaminhada para cuidados medicinais, onde serão
realizados exames legais. Assim, vale destacar a importância do Artigo 12, capítulo
III da Lei, que explicita as ações necessárias que devem ser tomadas imediatamente
após a realização do registro da ocorrência (Lei n. 11.340, 2006).

Após todo esse processo, é importante que seja dada a continuidade no acompa-
nhamento da vítima por uma equipe multidisciplinar. Assim, os psicólogos que atuam
na rede da saúde, no CREAS (Centro de Referência Especializado em Assistência
Social) ou CRAS (Centro de Referência em Assistência Social), em abrigos e casas
de acolhimento, ou em outros locais constituintes da rede de proteção à mulher vítima
de violência doméstica e familiar, devem prestar um atendimento e acolhimento,
lembrando que as especificidades desse atendimento se darão de acordo com as
funções previstas para o psicólogo na área em que ele atua.
Faz-se mister relembrar que em todos os casos de violência contra a mulher
atendidos pelo psicólogo, ou por outro profissional, é obrigatório preencher a ficha
de notificação compulsória. Essa ficha apresenta fins epidemiológicos, sendo de
responsabilidade do SINAN – Sistema de Informação de Agravos de Notificação e
após seu preenchimento, o profissional deverá encaminhá-la para a vigilância epi-
demiológica do município no qual atua (CFP, 2016).
Ainda dentro da Lei Maria da Penha, encontra-se no Art.7º a distinção e des-
crição dos diversos tipos de violência contra mulher. Conforme ressaltado na lei, são
eles: (1) violência física; (2) violência psicológica; (3) violência sexual; (4) violên-
cia patrimonial e (5) violência moral (Lei n. 11.340, 2006). Ou seja, há multifaces
que se enquadram aos fenômenos que atingem aos direitos da mulher, os quais são
pouco explorados ou abordados e se caracterizam para além dos contextos familiares
e conjugais, como por exemplo, no mercado de trabalho (Azeredo & Neto, 2015).
Funções do Psicólogo Jurídico no atendimento de mulheres vítimas

de violência nas delegacias
Entre as funções do profissional da Psicologia Jurídica nas delegacias se desta-

cam o acolhimento psicológico, a prestação de orientações e o encaminhamento da
vítima a outros serviços da rede de assistência. Entretanto, a identidade do trabalho
desse profissional nas delegacias ainda é difusa, ou seja, é difícil delimitar de fato
quais são as suas principais funções, sendo assim, necessária a produção de novos
materiais de orientações e referências para a atuação do Psicólogo nesse contexto
(Souza & Faria, 2017).
Ademais, em relação ao atendimento psicológico prestado por psicólogos nas
delegacias, à mulher vítima de violência, se faz necessário que o profissional crie um
vínculo com a vítima proporcionando confiança a essa e atuando com o objetivo de

resgatar sua autonomia e liberdade, sempre buscando pela ressignificação da situação
vivenciada (Monteiro, 2012). Assim, o psicólogo por meio de uma escuta ativa pode
auxiliar com que a vítima tome consciência de sua realidade e a modifique, levando
a um possível término da situação da violência e até mesmo evitando repetição dos
episódios de violência.
Ou seja, o papel do psicólogo nesse contexto está intimamente relacionado a
propiciar o acolhimento das mulheres por meio de olhar diferenciado, isto é, não dei-
xando com que o estereótipo de “vítima” se sobreponha aos direitos de ser humano.
Dessa forma, o psicólogo necessita promover reflexões acerca da situação vivenciada,
auxiliando a mulher na escolha de novos caminhos e possibilitando a ressignificação
de experiências (Souza & Faria, 2017).
Vale ressaltar que o atendimento psicológico disponibilizado nas delegacias é um
atendimento gratuito e não obrigatório, sendo que em algumas delegacias esse atendi-
mento pode ser fornecido imediatamente ou por meios de agendamentos. Além disso,
como já supracitado o atendimento não necessariamente terá em posterior momento
a efetivação do boletim de ocorrência, a mulher também pode optar por assinar um
termo de desistência e aguardar no máximo seis meses para abrir o inquérito, ou,
optar por uma mediação juntamente com o agressor com a finalidade de promover
uma resolução pacífica. Logo, muitas vezes o psicólogo também pode atuar como
um mediador entre a vítima e o agressor, formalizando ao final um documento que é
encaminhado para o Juiz da Vara Criminal (Macarini & Miranda, 2018).
Essa mediação em situação de violência doméstica ou familiar visa explicitar a
situação, promovendo uma reflexão sobre a violência estabelecida. A mediação con-
siste em um processo em que por meio de um diálogo entre as partes são estabelecidas
possíveis soluções para o conflito com medidas a serem seguidas, em alguns casos, no
caso de violência doméstica a mediação pode na separação do casal. Além disso, para
a mediação ser bem efetivada é preciso de cautela por parte do profissional para que
possa realmente construir medidas de proteção, de forma a prevalecer os desejos da
vítima, essa precaução é necessária uma vez que existe uma tendência de o agressor
ter uma atitude de superioridade sobre a mulher, intimidando-a ou colocando-a como
culpada da própria violência (Nobre & Barreira,2008).
São muitas as vezes que as mulheres desistem da denúncia, isso pode estar
associado ao fato de que muitas acreditam que somente o boletim de ocorrência
seria um método suficiente para cessar a situação de violência. Assim, nota-se que
na maioria dos casos o desejo da vítima é resolver a situação sem que seja necessário
prolongar um processo judicial, de forma que a solução se torne um processo mais
rápido (Batista et al., 2017).
Em adição, é preciso salientar que o exercício do psicólogo em situações de
violência doméstica ou familiar é um processo complexo e demorado, lembrando que
é possível que a mulher volte a se relacionar com seu agressor, fato esse que talvez
possa levar a um sentimento até mesmo de revolta por parte do profissional, mas,
cabe a este ser imparcial e respeitar os desejos da mulher, sempre optando por tentar
finalizar a violência com intuito de reafirmar a autonomia e a identidade da usuária.
308
Outra função dos psicólogos nas delegacias se refere à atuação do profissional

com os outros profissionais do estabelecimento, ele pode atuar dando capacitações e
supervisões com o intuito de discutir relações familiares e conjugais, sobre o patriar-
cado e valores de gênero e, dessa forma, promover o aperfeiçoamento da equipe
(Hanada et al., 2010).
Referências técnicas para atuação do psicólogo no atendimento de

mulheres vítimas de violência nas delegacias
Como já dito, atualmente, existem poucos documentos do CFP (Conselho

Federal de Psicologia) que salientam a atuação do profissional da Psicologia nas
delegacias, assim, se faz importante que o profissional também utilize de métodos
de acordo com as exposições da própria Lei Maria da Penha e de outras normativas
existentes (Souza & Faria, 2017).
Ademais, usualmente, o psicólogo que atua juntamente com a violência conjugal
precisa possuir conhecimentos da Psicologia Jurídica, área que faz uma interligação
entre os conhecimentos psicológicos com o direito. Lembrando que, essa relação entre
as duas áreas do conhecimento é formada porque tanto a Psicologia quanto o Direito
constituem um mesmo objetivo de estudo: o comportamento humano (Rovinski &
Cruz, 2009).
A referência técnica elaborada pelo CFP (2012) que apresenta princípios éticos,
políticos e técnicos para psicólogos no atendimento à mulher em situação de vio-
lência salienta a importância do trabalho multidisciplinar de modo ético e autentico.
Uma vez que a situação com sua complexidade exige grande esforço para ser resol-
vida, é preciso que várias áreas cientificas diversas se unem para gerar resoluções
à problemática. Em adição, um dos principais desafios na prevenção e combate à
violência contra a mulher é promover a articulação dos variados e muitos serviços
públicos para atender as usuárias, de forma que a usuária possa ser acompanhada
por diversos setores.
É preciso que o profissional veja a violência contra a mulher como uma questão
social e cultural, não somente com um olhar clínico e Inter psíquico. É necessário
utilizar de práticas que correlacionem ao contexto social e vivenciado da vítima.
Além disso, recomenda-se que o profissional trabalhe com a clínica ampliada, ou seja,
articulando a situação com outros profissionais e contextualizando com as demandas
sociais (CFP, 2012).
Se faz imprescindível ressaltar questões sobre a notificação externa, que se trata
da denúncia de violência contra mulher que aciona a polícia, a justiça e o ministério
público, a notificação é realizada caso exista o desejo e a permissão da vítima, entre-
tanto, em casos de riscos contra a vida da mulher ou de outro integrante de sua família,
o psicólogo deve tomar atitudes mesmo sem o consentimento da mulher (CFP, 2016).
Entretanto, esse ato de tomar uma medida sem o consentimento da mulher, ou,
fornecer informações da conversa da vítima com o psicólogo, pode ser considerado
uma quebra de sigilo, prática que na maior parte das vezes não é admitida pelo
Conselho Federal de Psicologia, mas, como exposto no Código de Ética do Psicólogo

em alguns casos a quebra de sigilo é necessária e realizada desde que proporcione o
mínimo de inconvenientes possíveis.
Dessa forma, observa ser necessário diferenciar as situações em que o psicólogo
tem permissão e deve quebrar o sigilo do que foi dito. Assim, o CFP publicou a nota
técnica de orientação profissional em casos de violência contra a mulher: casos para
a quebra do sigilo profissional, em 2016, para promover orientações aos psicólogos
que atuarem neste contexto.
Principais desafios na prática profissional
No Brasil, não existe a obrigatoriedade para a inserção dos psicólogos na equipe

da delegacia, assim, a incorporação desse profissional tem ocorrido por meio de
parcerias e as instituições de ensino superior em Psicologia tem uma grande signifi-
cância na promoção nessa inserção de novos profissionais. Entretanto, observa-se um
reduzido número de estudantes interessados na Psicologia Jurídica, isso talvez pelo
fato de que ainda persiste com alta representatividade o modelo clínico na atuação da
profissão, além disso, para aqueles que decidem seguir o ramo da área jurídica muitas
vezes tem pouco contato com a área nas universidades em que estão matriculados e
necessitam realizar atividades ou cursos de extensão/capacitação extracurriculares
para se capacitarem para a atuação.
De acordo com a pesquisa realizada por Souza e Faria (2017) com 11 psicólogos
que atuam em delegacias da mulher em cinco regiões diferentes do Brasil, demonstrou
que as principais dificuldades para a atuação do profissional eram: (1) infraestrutura:
em várias situações existe uma carência nos prédios utilizados pela equipe policial, e
a falta de um local apropriado para acolher a vítima e assegurar o sigilo da conversa
entre a vítima e o profissional; (2) baixa adesão do público alvo: as expectativas das
mulheres podem não condizer com a prática profissional; (3) configuração do sistema
judiciário brasileiro: existem falhas na aplicabilidade da Lei Maria da Penha, além
disso, a burocracia presente em todo o processo pode ser desgastante tanto para a
mulher quanto para o psicólogo.
Associado a essas dificuldades citadas, também estão presentes, a falta de dire-
trizes e normativas para a atuação do psicólogo no contexto e a alta exigência emo-
cional e psíquica para lidar com situações tão complexas. Trabalhar com situações
de violência pode ser uma árdua tarefa para diversos profissionais, além disso, é
relevante que este procure manter uma boa saúde mental, tendo momentos de lazer
e descanso, para que consiga ser uma agente de mudanças sociais.
Conclui-se que o Psicólogo é um dos principais profissionais com capacidade

para realizar o acolhimento da vítima da violência contra a mulher, se tornando res-
ponsável por investigar a subjetividade do caso e elevar a identidade da vítima para
310
o fim da situação de violência. Esse trabalho ao acolhimento a vítima é muitas vezes

árduo e turbulento, entretanto, se faz necessário ressaltar o comprometimento social da
psicologia, não tomando-a uma ciência elitizada e desvinculada dos problemas sociais.
O processo de acolhimento da mulher vítima de violência deve ser feio de forma
respeitosa e seguindo as legislações existentes. Além disso, é necessário fornecer
um acompanhamento dela em todas as fases do processo e pós processo, sempre
assumindo um papel acolhedor que aceita a decisão da vítima. Dessa forma, é impres-
cindível a união intersetorial entre as redes de apoio as mulheres.
Por fim, salientamos a importância de novas pesquisas em relação ao acolhi-

mento de mulheres vítimas de violência, recomenda-se, em especial, a realização
de revisões sistemáticas que utilizem de métodos estatísticos para a análise dos
estudos existentes.
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ÍNDICE REMISSIVO
A
Adoção 35, 115, 116, 117, 118, 119, 121, 129, 130, 131, 132, 133, 134, 135,
136, 137, 169, 170, 171, 172, 173, 174, 175, 176, 177, 179, 185, 186, 187,
188, 189, 190, 191

Adoção intrafamiliar 185, 186, 187, 188, 189, 190, 191
Adolescentes 34, 35, 44, 56, 117, 136, 138, 141, 158, 159, 170, 171, 172,
173, 176, 182, 190, 192, 194, 256, 257, 258, 260, 261, 262, 265, 267, 268,
269, 270, 271, 275, 277
Agressor 72, 87, 90, 209, 211, 218, 221, 229, 234, 241, 242, 243, 245, 250,
251, 287, 288, 289, 290, 297, 298, 299, 300, 305, 307
Alienação 13, 35, 153, 154, 155, 156, 159, 160, 162, 163, 165, 183, 191,
192, 193, 194, 197
Alienação parental 13, 35, 153, 154, 155, 156, 159, 162, 163, 165, 183, 191,
192, 193, 194, 197
Atendimento 17, 36, 85, 160, 239, 240, 241, 242, 243, 244, 245, 246, 247,
248, 268, 282, 286, 300, 305, 306, 307, 308, 311
Atuação 13, 33, 34, 35, 36, 37, 38, 57, 65, 86, 100, 101, 102, 104, 117, 118,
119, 129, 130, 131, 136, 173, 174, 175, 177, 179, 180, 188, 190, 197, 198,
233, 234, 235, 237, 244, 248, 279, 280, 281, 282, 292, 305, 307, 308, 309, 311
Atuação do psicólogo 33, 35, 36, 57, 100, 101, 104, 117, 131, 136, 173, 174,
197, 198, 280, 281, 282, 307, 308, 309
Avaliação 3, 4, 5, 13, 14, 34, 35, 36, 38, 46, 47, 49, 51, 53, 54, 56, 61, 62,
63, 64, 65, 66, 67, 68, 85, 86, 89, 90, 93, 99, 100, 101, 102, 103, 104, 105,
114, 115, 116, 117, 118, 119, 129, 130, 131, 132, 133, 134, 135, 136, 137,
141, 143, 153, 156, 160, 162, 172, 173, 174, 175, 176, 177, 180, 181, 182,
183, 185, 188, 191, 197, 203, 204, 223, 231, 234, 239, 244, 249, 255, 256,
258, 263, 265, 282, 283, 285, 295
Avaliação de testes psicológicos 102, 114, 141, 177, 181
Avaliação psicológica 3, 4, 13, 14, 36, 38, 46, 47, 85, 86, 89, 90, 99, 100,
102, 104, 105, 115, 129, 130, 131, 132, 135, 136, 137, 143, 153, 174, 175,
176, 183, 185, 191, 197, 223, 231, 239, 249, 255, 256, 265, 285, 295
C
Comportamentos 13, 44, 51, 56, 64, 67, 68, 69, 70, 71, 73, 80, 89, 93, 94, 95,
107, 110, 122, 123, 144, 145, 146, 154, 155, 156, 160, 164, 207, 209, 210,
314
212, 218, 220, 221, 226, 228, 229, 231, 235, 236, 241, 250, 252, 255, 261,
262, 271, 272, 275, 276, 286, 287, 290, 297, 299
Consequência 42, 80, 88, 193, 209, 260, 261, 280, 281, 290, 293, 298, 299,
300, 304
Contexto forense 35, 76, 85, 93, 102, 104, 107, 109, 113, 121, 136, 137, 138,
143, 145, 147, 160
Controle coercitivo 240, 249, 250, 252, 253
Crianças 35, 61, 62, 63, 66, 71, 116, 117, 129, 131, 133, 136, 138, 141, 154,
155, 156, 157, 158, 159, 160, 162, 170, 171, 172, 173, 174, 176, 182, 187,
190, 192, 193, 194, 244, 251, 255, 256, 257, 258, 260, 261, 262, 263, 265,
267, 268, 269, 270, 271, 275, 277
Cyberstalking 217, 218, 219, 220, 221, 222, 223, 225, 226, 227, 228, 229,
230, 231, 251
D
Desengajamento moral 208, 211, 212, 215, 217, 218, 219, 220, 221, 229
Desenvolvimento 13, 33, 34, 51, 52, 55, 57, 61, 62, 63, 64, 65, 72, 89, 101,
103, 118, 119, 131, 133, 153, 154, 155, 156, 161, 162, 186, 187, 188, 190,
193, 194, 197, 245, 256, 262, 263, 267, 271, 272, 273, 275, 276, 277, 286,
287, 288, 291, 296, 297
E
Estatuto da Criança e do Adolescente 35, 38, 116, 117, 119, 129, 136, 171,
172, 176, 185, 186, 187
F
Família 13, 35, 37, 38, 61, 62, 63, 65, 86, 87, 88, 116, 117, 118, 119, 123,
124, 130, 131, 132, 133, 134, 135, 144, 155, 156, 157, 158, 159, 160, 161,
162, 163, 164, 165, 171, 172, 173, 174, 176, 180, 183, 185, 186, 188, 189,
190, 192, 194, 262, 271, 287, 288, 289, 305, 308
G
Genitores 153, 154, 155, 156, 157, 158, 159, 160, 161, 162, 163, 164, 182,
191, 192, 193, 203, 266
Genitor rejeitado 154, 155, 157, 158, 159, 160, 161, 162, 163, 164
M
Mulher 85, 86, 87, 88, 89, 90, 133, 136, 141, 215, 228, 239, 240, 241, 242,
243, 245, 247, 248, 249, 253, 254, 278, 285, 286, 287, 288, 289, 290, 291,
292, 293, 295, 296, 297, 298, 299, 300, 303, 304, 305, 306, 307, 308, 309,
310, 311, 312
Mulheres vítimas de violência doméstica 85, 86, 88, 137, 141, 304
P
Papel do psicólogo 37, 132, 169, 173, 175, 176, 186, 189, 190, 307, 311
Perícia 13, 36, 52, 57, 86, 89, 99, 101, 102, 130, 134, 135, 170, 174, 175,
179, 180, 181, 182, 183, 197, 198, 201, 204, 233
Perícia psicológica 13, 102, 170, 174, 175, 179, 180, 181, 182, 183, 197,
198, 201
Perpetração da violência 209, 210, 212, 274
Personalidade 33, 36, 41, 42, 44, 45, 46, 47, 48, 49, 51, 52, 53, 56, 63, 67,
68, 69, 70, 71, 72, 73, 76, 86, 88, 89, 90, 102, 122, 131, 132, 143, 144, 145,
146, 148, 149, 154, 155, 180, 181, 182, 194, 217, 218, 220, 221, 222, 226,
228, 229, 230, 234, 252, 256, 258, 262, 276
Personalidade sombria 217, 218, 220, 221, 226, 228, 229
Processo de adoção 115, 117, 118, 119, 136, 171, 172, 173, 175, 176, 177,
186, 187, 188, 189, 190
Profissional da psicologia 13, 34, 36, 37, 93, 99, 103, 115, 118, 304, 306, 308
Psicologia jurídica 4, 33, 34, 35, 36, 37, 38, 39, 56, 75, 103, 104, 118, 119,
170, 174, 183, 185, 188, 190, 234, 281, 285, 303, 306, 308, 309, 312
Psicólogo 33, 34, 35, 36, 37, 52, 57, 89, 99, 100, 101, 102, 103, 104, 115,
116, 117, 118, 119, 129, 131, 132, 133, 134, 135, 136, 167, 169, 170, 173,
174, 175, 176, 177, 179, 181, 182, 183, 185, 186, 189, 190, 197, 198, 204,
233, 237, 249, 255, 256, 279, 280, 281, 282, 283, 303, 304, 305, 306, 307,
308, 309, 310, 311
Psicólogo jurídico 33, 35, 36, 37, 57, 104, 115, 117, 118, 303, 305, 306
R
Relação 35, 37, 44, 45, 48, 51, 52, 53, 63, 70, 71, 72, 79, 83, 93, 94, 96, 100,
102, 107, 109, 113, 114, 116, 117, 118, 119, 122, 131, 132, 133, 134, 135,
137, 138, 139, 141, 145, 153, 154, 155, 156, 158, 159, 160, 161, 162, 164,
174, 180, 181, 185, 186, 187, 188, 191, 192, 193, 194, 198, 201, 203, 204,
208, 212, 217, 241, 244, 246, 250, 255, 256, 257, 258, 259, 260, 261, 262,
276, 280, 281, 287, 288, 290, 291, 292, 296, 298, 299, 300, 303, 307, 308, 311
Relacionamentos 44, 47, 154, 158, 159, 162, 163, 164, 192, 193, 209, 210,
211, 212, 225, 226, 228, 229, 242, 245, 252, 253, 254, 256, 260, 261, 262,
272, 273, 275, 276, 277, 283, 288, 289, 291, 292, 296, 297, 298, 299, 300, 301
316
Risco de suicídio 121, 122, 123, 125, 137, 140
S
Saúde mental 33, 34, 51, 52, 57, 64, 66, 74, 79, 80, 93, 104, 107, 121, 137,
164, 207, 242, 276, 277, 279, 280, 281, 282, 283, 285, 289, 290, 291, 298, 309
Sintomas psicóticos 107, 108, 109, 110, 113
Situação 13, 34, 35, 36, 62, 65, 83, 93, 103, 129, 139, 141, 144, 145, 146,
163, 171, 183, 191, 239, 240, 244, 251, 261, 280, 286, 289, 292, 304, 305,
306, 307, 308, 310, 311
T
Trabalho 35, 36, 43, 44, 46, 48, 52, 65, 79, 87, 115, 117, 118, 119, 121, 130,
135, 156, 162, 173, 175, 179, 180, 186, 189, 198, 205, 210, 214, 234, 237,
240, 246, 247, 248, 252, 258, 266, 279, 280, 281, 282, 283, 285, 288, 289,
291, 299, 304, 306, 308, 310
Traço de agressividade 143, 144, 145, 147
Traços de personalidade 46, 47, 68, 86, 88, 89, 131, 132, 144, 149, 218, 220,
221, 228
V
Vínculo 57, 118, 132, 133, 134, 171, 173, 174, 176, 188, 189, 190, 191, 295,
296, 297, 298, 299, 300, 301, 305, 307
Vínculo traumático 295, 296, 297, 298, 299, 300, 301
Violência 13, 36, 67, 70, 71, 72, 74, 76, 79, 81, 83, 85, 86, 87, 88, 89, 90, 93,
94, 95, 96, 123, 137, 138, 141, 145, 154, 158, 207, 208, 209, 210, 211, 212,
214, 215, 216, 217, 225, 239, 240, 241, 242, 243, 244, 245, 246, 247, 248,
249, 250, 251, 252, 253, 254, 256, 261, 263, 264, 265, 266, 267, 269, 270,
271, 272, 273, 274, 275, 276, 277, 278, 280, 283, 285, 286, 287, 288, 289,
290, 291, 292, 293, 295, 296, 297, 298, 299, 300, 301, 302, 303, 304, 305,
306, 307, 308, 309, 310, 311, 312
Violência contra a mulher 88, 239, 240, 247, 248, 254, 285, 286, 292, 293,
298, 300, 303, 305, 306, 308, 309, 310, 311, 312
Violência doméstica 13, 85, 86, 87, 88, 89, 90, 93, 137, 138, 141, 154, 208,
210, 215, 240, 241, 246, 247, 248, 253, 254, 286, 292, 296, 303, 304, 305,
306, 307, 311, 312
Violência no namoro 272, 273, 274, 275, 276, 277
Violência psicológica contra a mulher 243, 288, 289, 291, 292, 293, 295
Violência sexual 71, 123, 207, 208, 209, 210, 212, 216, 256, 261, 263, 264,
265, 269, 270, 271, 272, 273, 274, 275, 277, 306
Vítima 36, 71, 85, 86, 88, 89, 90, 191, 192, 193, 207, 208, 209, 212, 217,
220, 221, 225, 228, 229, 233, 234, 239, 241, 242, 243, 244, 245, 246, 247,
249, 250, 251, 252, 253, 265, 266, 267, 272, 275, 286, 287, 288, 289, 290,
291, 297, 298, 299, 304, 305, 306, 307, 308, 309, 310
SOBRE O LIVRO
Tiragem não comercializada
Formato: 16 x 23 cm
Mancha: 12,3 x 19,3 cm
Tipologia: Times New Roman 10,5/11,5/13/16/18
Arial 8/8,5
Papel: Pólen 80 g (miolo)
Royal Supremo 250 g (capa)

Avaliação e Intervenção em Psicologia Forense

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Lucas Dannilo Aragão Guimarães

Coleção Atualidades em Avaliação Psicológica – Volume 2

DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP)

Avaliação e intervenção em psicologia forense / Lucas Dannilo Aragão Guimarães

1. Psicologia 2. Psicologia jurídica 3. Avaliação psicológica 4. Intervenções psicológicas

2022- 28143 CDD 347.066019

ESTA OBRA TAMBÉM SE ENCONTRA DISPONÍVEL EM FORMATO DIGITAL.

Celso Conti (UFSCar) Helmuth Krüger (UCP)

1. A PARADIGM SHIFT IN 30 YEARS OF DECEPTION RESEARCH�������������������� 17

2. CONTEXTO HISTÓRICO DA PSICOLOGIA JURÍDICA

3. EVOLUÇÃO DOS ESTUDOS DOS TRAÇOS

4. TRANSTORNO DE PERSONALIDADE ANTISSOCIAL:

5. A AVALIAÇÃO DA PARENTALIDADE NAS DEMANDAS DE FAMÍLIA��������������� 61

Fernanda Letícia Vieira Leal

8. AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA PERICIAL DE MULHERES

9. RISCO DE VIOLÊNCIA (E-RISVI):

10. AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA FORENSE PARA AVERIGUAÇÃO

11. SINTOMAS PSICÓTICOS:

13. RISCO DE SUICÍDIO (E-RIS):

14. AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA PERICIAL NO CONTEXTO

16. MENSURAÇÃO DO TRAÇO DE AGRESSIVIDADE E SUA RELEVÂNCIA

17. INTERVENÇÕES EM CASOS ENVOLVENDO A DINÂMICA

18. O PAPEL DO PSICÓLOGO EM CASOS DE ADOÇÃO NO BRASIL��������������� 169

20. ADOÇÃO INTRAFAMILIAR: uma revisão teórica����������������������������������������������� 185

21. CONSEQUÊNCIAS PSICOLÓGICAS DA ALIENAÇÃO

22. FUNDAMENTOS DO RACIOCÍNIO PROBATÓRIO

23. VIOLÊNCIA SEXUAL EM CONTEXTO DE AGRESSÃO DOMÉSTICA:

24. PERSONALIDADE SOMBRIA COMO PREDITORA DO

26. PSICOLOGIA CRIMINAL:

27. MÉTODOS INADEQUADOS E ADEQUADOS DE ABORDAGEM

28. TEORIA DO CONTROLE COERCITIVO: uma revisão de literatura������������������ 249

29. PERCEPÇÃO DE SI E DO OUTRO EM

30. CARACTERIZAÇÃO DO PERFIL DA VÍTIMA DE ABUSO SEXUAL

32. SAÚDE MENTAL E AMBIENTE LABORAL:

33. CONCEITUAÇÃO, CAUSAS E CONSEQUÊNCIAS DA VIOLÊNCIA

34. VÍNCULO TRAUMÁTICO EM MULHERES VÍTIMAS DE

35. CONTRIBUIÇÕES DO PSICÓLOGO NAS DELEGACIAS FRENTE

A psicologia forense destacou-se nas últimas décadas no cenário brasileiro por

saber psicológico aplicado ao campo jurídico no Brasil não é recente e remonta às

conteúdos e soluções práticas ao campo profissional. Destaca-se ainda a importante

colaborações científicas no âmbito internacional do Ph.D. Aldert Vrij, professor de

Lucas Dannilo Aragão Guimarães (Organizador)

A paradigm shift in 30 years of deception research

From observing behaviour to analysing speech

From arousal-based to cognition-based lie detection

From passive interviewing to active interviewing

A second important conclusion by the National Research Council (2003) was

procedure is based on the Cognitive Interview, a well-established protocol to elicit

i. Imposing cognitive load. In interview settings lying is typically more

iii. Asking unexpected questions. Lie tellers typically prepare themselves

Verifiability Approach (VA). The VA attempts to exploit a dilemma lie tellers

A meta-analysis has shown clear advantages of an information-gathering inter-

The use of within-subject measures

Investigators trained in accusatory interrogation techniques such as the Reid

constitute a self-handicapping strategy. Second, self-handicapping strategies do not

As discussed in this contribution, fundamental changes have taken place in

DePaulo, B. M., & Friedman, H. S. (1998). Nonverbal communication. In D. T. Gilbert, S. T. Fiske,

Fisher, R. P. (2010). Interviewing cooperative witnesses. Legal and Criminological Psychology,

Mehrabian, A. (1971). Silent messages, 1st edition. Belmont, CA: Wadsworth.

Nahari, G. (2019). Verifiability approach: Applications in different judgmental settings. In T.

Patterson, M. L. (1995). Invited article: A parallel process model of nonverbal communication.

Williamson, T. (1993). From interrogation to investigative interviewing: Strategic trends in

Sabrina Amorim Paulo3

1. A PARADIGM SHIFT IN 30 YEARS OF DECEPTION RESEARCH�� 17

5. A AVALIAÇÃO DA PARENTALIDADE NAS DEMANDAS DE FAMÍLIA�� 61

18. O PAPEL DO PSICÓLOGO EM CASOS DE ADOÇÃO NO BRASIL�� 169

20. ADOÇÃO INTRAFAMILIAR: uma revisão teórica�� 185

28. TEORIA DO CONTROLE COERCITIVO: uma revisão de literatura�� 249