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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 3
1 O NEUROPSICÓLOGO E SEU PACIENTE: A CONSTRUÇÃO DE UMA
PRÁTICA. ....................................................................................................... 4
2 CONCEITOS FUNDAMENTAIS, HISTÓRIA, MODELOS TEÓRICOS EM
REABILITAÇÃO NEUROPSICOLÓGICA E PLANEJAMENTO DE METAS . 13
2.1 História dos programas de reabilitação neuropsicológica ............................. 14
2.2 Modelo teórico compreensivo de reabilitação neuropsicológica ................... 16
2.3 Planejamento e gerenciamento de metas na reabilitação neuropsicológica 18
2.3.1 Caso clínico de planejamento de metas ....................................................... 19

2.3.2 Metas SMART (ER) ...................................................................................... 20

3 FUNDAMENTOS NEUROBIOLÓGICOS DA RECUPERAÇÃO DAS LESÕES


CEREBRAIS / NEUROPLASTICIDADE E REORGANIZAÇÃO CEREBRAL21
3.1 Formação e desenvolvimento do sistema nervoso central ........................... 22
3.2 Mecanismos de plasticidade neuronal .......................................................... 26
3.3 Recuperação de lesões do sistema nervoso ................................................ 27
4 ABREVIATURAS IMPORTANTES PARA O CONTEÚDO A SEGUIR ......... 29
5 PLASTICIDADE CEREBRAL: LESÃO, RECUPERAÇÃO E REABILITAÇÃO
30
5.1 Plasticidade neural revisitada ....................................................................... 31
5.1.1 Plasticidade neural das células aos organismos .......................................... 32

5.1.2 Medida da plasticidade neural ...................................................................... 32

5.1.3 Consequências comportamentais da plasticidade neural ............................. 34

5.2 Plasticidade de estruturas corticais .............................................................. 35


5.2.1 Plasticidade durante o desenvolvimento ...................................................... 35

5.3 Plasticidade de mapa no sistema nervoso do adulto .................................... 40


5.4 Plasticidade mal adaptativa .......................................................................... 42
5.5 Conexões clínicas......................................................................................... 45
5.5.1 Cataratas e estrabismo em bebês ................................................................ 45
5.5.2 Adultos com perda visual .............................................................................. 47

5.6 Plasticidade em seres humanos durante a recuperação do dano cerebral .. 47


5.6.1 Recuperação do acidente vascular encefálico ............................................. 48

5.7 Conexões clínicas......................................................................................... 54


5.7.1 Estratégias de intervenção ........................................................................... 54

5.7.2 Princípios de intervenção ............................................................................. 55

6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................. 58


INTRODUÇÃO

Prezado aluno,

O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material virtual é semelhante


ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um
aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma
pergunta, para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é
que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a
resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas
poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão respondidas em
tempo hábil.
Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa
disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das
avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora
que lhe convier para isso.
A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser
seguida e prazos definidos para as atividades.

Bons estudos!
1 O NEUROPSICÓLOGO E SEU PACIENTE: A CONSTRUÇÃO DE UMA
PRÁTICA.

Na atualidade, a tecnologia se desenvolve espantosamente. As criações do


século XX proporcionaram mudanças na vida dos seres humanos de tal forma que,
em 1900, apenas os livros de ficção poderiam sugerir. Na primeira metade do século
XX ocorreu de forma notável a modificação do transporte, das carroças e dos bondes
aos aviões, minimizando, portanto, as distâncias entre as pessoas. A segunda metade
proporcionou grandes mudanças nas comunicações, passando da simples carta
manuscrita ao e-mail pela internet e, nos dias atuais, há a transmissão de textos e
imagens a uma velocidade inimaginável. Devido à internet houve uma revolução na
comunicação científica e pessoal. Quais as modificações esperadas para os próximos
50 anos? Quais serão os novos hábitos diários?
Os últimos vinte anos século XX produziram uma evolução das técnicas de
imagem para exames do corpo humano disparando luz sobre as estruturas cerebrais.
Desse jeito, nos dias atuais, tanto de localização como de causa das doenças no
sistema nervoso central (SNC) há uma certeza muito maior acerca do diagnóstico. Os
microscópios de outras áreas, como o da biologia e da genética, avançaram
igualmente. Para o bom desenvolvimento da prática clínica de psicólogos,
fonoaudiólogos, fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais há a indispensável
necessidade de compreender a complexidade do funcionamento cerebral.
Primeiramente é importante entender que as neurociências englobam diversos
campos de pesquisa, abrangendo a neuroanatomia, a neurofisiologia, a neurobiologia,
a genética, a neuroimagem, a neurologia, a neuropsicologia e a psiquiatria. As
contribuições dos cientistas dessas áreas integram a história do desenvolvimento das
neurociências. (DINIZ, 2018).
A neuropsicologia, tal como cunhada por William Osler em 1913 (Bruce, 1985),
nasce como a ciência de interface que possui como foco a complexa organização
cerebral e seus vínculos com o comportamento e a cognição, tanto em relação às
doenças que afetam o SNC como no desenvolvimento normal. A neuropsicologia
clínica é conceituada por Lezak, Howieson, Loring, Hannay e Fischer (2004) como a
ciência aplicada que possui como objeto de estudo a expressão comportamental das
disfunções cerebrais. J. Odgen (1996) aborda o tema como o “. . . estudo do

4
comportamento, das emoções e dos pensamentos humanos e como eles se
relacionam com o cérebro, particularmente o cérebro lesado”. McCarthy e Warrington
(1990) definem a neuropsicologia cognitiva como um campo interdisciplinar esgotando
conhecimentos tanto da neurologia como da psicologia cognitiva, analisando a
organização cerebral das habilidades cognitivas. A expressão “função cognitiva” trata-
se da integração das capacidades de percepção, ação, linguagem, memória e
pensamento. A neurologia comportamental é conceituada por Mesulam (2000) como
o campo de interface entre neurologia e psiquiatria que aborda sobre os aspectos
comportamentais das doenças que atingem o SNC. Embora com abordagens um
pouco diferentes, todas essas disciplinas possuem sua atenção voltada para o cérebro
em relação ao comportamento. (DINIZ, 2018).
A avaliação neuropsicológica consiste na “... avaliação objetiva do desempenho
cognitivo, linguístico, perceptual e psicomotor de uma pessoa com o objetivo de
relacionar esse desempenho com as condições funcionais e estruturais do cérebro”
(Benton, 2000b). Cuida-se da execução de métodos de entrevista, exames
quantitativos e qualitativos. De acordo com Benton (2000b) o exame neuropsicológico,
se trata da extensão e o aprimoramento da observação clínica. O autor ainda salienta
que um teste neuropsicológico é definido conforme o seu uso, necessariamente com
relação à função cerebral, e não por sua natureza.
A demarcação da história da neuropsicologia está principalmente pelo estudo
de casos clássicos, Gage, Leborne, H.M., entre os mais conhecidos. Devido a análise
de registros acerca desses casos houve a exploração de diversos casos similares.
Leonor Welt (uma das primeiras mulheres a estudar medicina em Zurich), em 1888,
procedeu a analise de um de seus pacientes simultaneamente com outros 10 casos
relatados na literatura, relacionando lesões nas áreas orbitofrontais com alterações
afetivas e sociais (Benton, 2000a). Essa integração através da literatura que cruzou o
atlântico proporcionou o desenvolvimento de técnicas de avaliação. (DINIZ, 2018).
Rieger, foi um neuropsiquiatra, em 1888, na cidade de Würzburg, localizada na
Alemanha, ele foi responsável pela primeira publicação de uma sequência de testes
neuropsicológicos. Apesar de não ser muito conhecida pela história, essa sequência
de testes possuía longa duração estimulou o trabalho de outros, como Poppelreuter,
Goldstein e Liepmann. Logo no início do século XX houve o desenvolvimento de
muitos testes que tinham como objetivo avaliação de funções neuropsicológicas

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específicas, bem como os testes de inteligência (Binet e as escalas Wechsler).
(Benton, 2000b).
Em 1884, na cidade de Londres foi estabelecido por Sir Francis Galton, um
laboratório psicométrico na International Health Exibition, que, logo após, foi
transferido para a University College de Londres. Houve a reunião no laboratório de
psicologia experimental de Leipzig do norte-americano James McKeen Cattell com W.
Wundt (Alemanha) e, logo após, trabalhou com Galton. Essas experiências efetivaram
um fortalecimento da psicometria nos Estados Unidos devido ao seu retorno. Na
França, foi publicado por Alfred Binet e Theodore Simon a Escala de Inteligência Binet-
Simon, Logo no começo do século XX, os princípios básicos para uma bateria de
avaliação psicométrica foram estabelecidos devido a essa escala. A Teoria dos
Sistemas Funcionais foi elaborada na década de 1960 por Alexander Luria (Rússia) e
trouxe uma visão mais dinâmica do funcionamento cerebral. O estudo do caso H.M.
(cuja cirurgia para tratamento das crises epiléticas foi realizada pelo doutor Scoville)
realizado por Brenda Milner (Canadá), gerou as orientações para a metodologia de
avaliação neuropsicológica dos atuais centros de cirurgia de epilepsia, em Hartford
(Estados Unidos). O foco dos estudos de Elisabeth Warrington (Inglaterra) foi
fundamentalmente em análise das funções cognitivas associadas às disfunções
cerebrais, pautando seus métodos para a investigação de habilidades complexas,
seus componentes e subcomponentes. Os métodos de avaliação neuropsicológica
com testes de memória, percepção visual e práxis construtivas foi criado por Arthur
Benton (Estados Unidos). Por fim, métodos de avaliação do processamento das
informações nos diversos testes psicométricos, conhecidos como “Process Approach”
foram desenvolvidos por Edith Kaplan e o grupo de Boston (Estados Unidos). (Benton,
2000; Kaplan, 1990; Mäder, 1996; Sattler, 1992).
O aspecto essencialmente localizacionista tratado nas publicações anteriores
ao desenvolvimento das técnicas de neuroimagem foi baseado no estudo de
pacientes com lesões cerebrais. Hoje em dia, devido aos exames de imagem (a
tomografia desenvolvida na década de 1970; e a ressonância magnética, na década
de 1980), a atenção fundamental da neuropsicologia se volta para a análise da
correlação entre modelos cognitivos, as áreas cerebrais e para o desenvolvimento de
métodos de avaliação harmônicos com a conjuntura sociocultural e, se possível,

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adequados ecologicamente (Ardilla, 2005; Barbizet & Duizabo 1980; McCarthy &
Warrington, 1990).
Houve uma ampla contribuição da psicometria para a evolução da
neuropsicologia, porém é importante distinguir a postura do neuropsicólogo e a do
psicometrista. Observe o quadro:
Tem por objetivo principal correlacionar as alterações
observadas no comportamento do paciente com as possíveis
áreas cerebrais envolvidas, realizando essencialmente um
O neuropsicólogo:
trabalho de investigação clínica que utiliza testes e exercícios
neuropsicológicos. O enfoque é clínico e, como tal, deve ser
compreendido.

Observa atentamente a construção da metodologia e o


O psicometrista: desenvolvimento dos testes, privilegiando as amostragens e
padronizações de grandes grupos de pessoas normais.

Presencialmente, os neuropsicólogos trabalham com uma abordagem


diagnóstica, seja para descrever alterações cognitivas em uma doença específica ou
para fazer um diagnóstico diferencial. Testes e exercícios neuropsicológicos são suas
ferramentas, mas especialistas experientes na aplicação de testes neuropsicológicos
sabem que diferentes situações podem afetar os resultados dos testes. Parte do
trabalho de um neuropsicólogo é controlar essas variáveis e examinar
cuidadosamente esses dados para interpretar os resultados à luz da ciência, não
apenas tabelas. A formação exata dos profissionais repousa no domínio das
ferramentas, pois o trabalho interessante da neuropsicologia é a interpretação de
comportamentos e resultados de testes em um contexto clínico. (Ewing, 2000; Mäder,
2001; Miranda, 2005; Walsh, 1992; Weintraub, 2000).
Walsh e Darby (1999) propõem que o treinamento em avaliação
neuropsicológica deve abranger essencialmente casos extremos, graves e bem
localizados. Desse modo, os especialistas são capacitados para estarem atentos aos
sintomas em sua manifestação máxima e, portanto, serem capazes de notarem

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mudanças sutis na função cognitiva em casos menos graves. A capacidade de avaliar
pacientes com diferentes doenças chama a atenção do neuropsicólogo para a
variabilidade das manifestações clínicas dos comprometimentos cerebrais. A
formação neuropsicológica deve dar preferência a formação, principalmente em um
ambiente que possua uma equipe multiprofissional. Esta é uma área de trabalho que
depende muito da prática supervisionada. (DINIZ, 2018).
A neuropsicologia se trata de uma ciência que possui contribuições
multidisciplinares, mas de acordo com as organizações profissionais de cada país,
podem haver diferentes estruturas de trabalho. Em 1988 foi fundada no Brasil a
Sociedade Brasileira de Neuropsicologia. Logo após, em 2004, foi reconhecido pelo
Conselho Federal de Psicologia a especialidade de neuropsicologia para os
psicólogos, em 2014, essa especialidade foi reconhecida para os fonoaudiólogos pelo
Conselho Federal de Fonoaudiologia. É contemplado pela Academia Brasileira de
Neurologia um Departamento Científico de Neurologia Cognitiva e Envelhecimento.
Cada profissional, na medida de sua habilitação técnica, contribui para a inclusão das
neurociências, mas essa interseção é delicada e merece atenção das instituições
formadoras, buscando beneficiar um objetivo comum, o paciente. (DINIZ, 2018).
A entrevista clínica marca o início do processo de avaliação, nessa entrevista
o histórico do paciente é analisado (escolaridade, ocupação, antecedentes familiares
e história da doença atual) sendo esses fatores aplicados na inquirição dos resultados
e na compreensão do impacto cognitivo das doenças neurológicas. O Brasil, com todo
a amplitude de seu território, possui uma língua, porém há grande diversidade cultural.
No decorrer dos séculos XX e XIX foi possibilitado pelas imigrações uma aproximação
entre as culturas europeias, africanas e asiáticas. É evidente que as condições
econômicas e as diferenças culturais são fatores de grande relevância na influência
sobre as diferenças educacionais, nos locais que possuem um bom desenvolvimento
econômico nos grandes centros destoam de regiões que se encontram em estado de
extrema pobreza. Em dado momento pode ocorrer de qualquer desses brasileiros se
tornarem pacientes neuropsicólogos. A dúvida acerca da diversidade cultural e suas
implicações para a compreensão de um resultado específico ocasiona o problema da
adequação aos testes estrangeiros. No atual mundo globalizado devido a alta
velocidade dos meios de comunicação, há uma amplitude das fronteiras e proporciona
uma compreensão mais eficaz sobre os diferentes aspectos que há entre as culturas.

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Recordando a história sobre os testes psicométricos, surgem esses métodos com
Binet (na França) e ao cruzarem o Atlântico Norte (Estados Unidos) passam por
adaptações. Note que a estruturação das escalas Wechsler é integrada de diversos
métodos com vistas a resolver os problemas culturais e educacionais notados no início
do século XX (Boake, 2002).
Atualmente existe uma pequena diferença da demanda da neuropsicologia
notada antes da viabilização dos exames de imagem. Há uma identificação mais exata
sobre o local em que a lesão cerebral se encontra, porém, é possível a avaliação
neuropsicológica revelar pequenas alterações, o nível e a qualidade do funcionamento
cognitivo (Jones-Gotman, 1991). Em linhas gerais, as demandas por avaliação
neuropsicológica estão direcionadas para:

Quantificação e qualificação detalhadas de alterações das funções


1 cognitivas, buscando diagnóstico ou detecção precoce de sintomas,
tanto em clínica como em pesquisa.

Avaliação e reavaliação para acompanhamento dos tratamentos


2
cirúrgicos, medicamentosos e de reabilitação.

Avaliação direcionada para o tratamento, visando principalmente à


3
programação de reabilitação neuropsicológica.

Avaliação direcionada para os aspectos legais, gerando informações e


documentos sobre as condições ocupacionais ou incapacidades mentais
4
de pessoas que sofreram algum dano cerebral ou uma doença, afetando
o SNC.

A utilidade das baterias fixas no contexto de pesquisas ou serviços


especializados em doenças neurológicas específicas é extrema, pois especificamente
nesses casos é imprescindível que a avaliação seja o mais formal possível. Diniz
(2018) exemplifica da seguinte forma:

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Um serviço de investigação preparatória para cirurgia de epilepsia exige um
protocolo com ênfase em funções de memória, já uma equipe voltada para
avaliação em crianças com transtornos de aprendizagem ressalta aspectos
da leitura, da escrita e do cálculo.

Em pesquisas clínicas é necessário e praticamente indispensável a utilização


das baterias fixas, por isso, os testes devem ser escolhidos da forma mais ampla
possível para abranger a análise das funções normalmente comprometidas nas
doenças a serem examinadas. Levando em consideração o tempo e o local para
avaliação que se organiza o protocolo.
No contexto ambulatorial ou de internação hospitalar são mais cabíveis as
baterias breves e os testes de rastreio.

A avaliação breve propicia apenas um resultado indicativo de alteração e


sugere possíveis áreas de investigação, mas não permite uma avaliação mais
detalhada e, em casos que podem envolver uma questão jurídica, uma
conclusão diagnóstica baseada apenas no “teste breve”. Deve-se ressaltar
que, em casos nos quais a alteração é sutil, essas técnicas são
evidentemente insuficientes. Justamente por isso, é necessária uma boa
integração do neuropsicólogo com a equipe. (DINIZ, 2018, p. 13).

Na avaliação clínica, é habitual uma diversidade de manifestações (trauma


craniencefálico, acidentes vasculares, demências, transtornos de aprendizagem), e
por esse motivo é cabível uma abordagem utilizando baterias flexíveis. Se
estabelecendo as bases para a investigação neuropsicológica a partir de uma história
clínica detalhada (Camargo, Bolognani, & Zuccolo, 2008; Ewing, 2000; Walsh, 1992).

Para que se possa criar o contato e avaliar a necessidade tanto do paciente


quanto do profissional que requereu a avaliação é necessário que haja
habilidades de entrevista clínica. O profissional solicitante quer
complementação do diagnóstico, objetivo que abrange, às vezes,
documentar as condições do paciente antes ou depois de um tratamento. O
paciente, ou seu familiar, podem possuir demandas diversas. Quando um
familiar acompanha um paciente que sofreu alguma lesão cerebral, ele quer
mais explicações sobre as dificuldades que observa em casa, precisa saber
como lidar com as situações do dia a dia e, principalmente, qual o
prognóstico. Nem sempre as notícias são boas, mas, na maioria dos casos,
uma longa conversa com o familiar expõe o alcance das alterações
observadas nos testes e o auxilia a compreender a origem dos
comportamentos. (DINIZ, 2018, p. 13).

Diniz (2018) explica que cabe ao profissional a escolha das técnicas mais
adequadas para compor a bateria flexível de acordo com a demanda apresentada a
esse profissional, pois todo o procedimento de avaliação sugere áreas a serem
analisadas de forma mais aprofundada. As primeiras tarefas podem inseridas de

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forma mais fácil para aqueles pacientes que estão sendo submetidos à avaliação de
forma primária, tendo em vista que o ritmo e a verificação da capacidade de se adaptar
e colaborar com o processo se torna mais simples. Os questionamentos respondidos
influenciam na decisão do método de trabalho. Uma abordagem que se encontra
fortemente fundamentada em normas, análises fatoriais e estudos de validade é a
quantitativa.
O processo de avaliação privilegia uma série de testes fundamentalmente
quantitativos e dá ênfase as propriedades psicométricas dos testes. Por outro lado,
uma parte de autores prefere a abordagem qualitativa-flexível, mas alertam para as
armadilhas da interpretação rápida de escores, ainda que não acabem abandonando
completamente as técnicas formais. (Kaplan, 1990; Lezak, 2004; Odgen, 1996; Walsh,
1992; Walsh & Darby, 1999; Weintraub, 2000).
As classificações dos instrumentos neuropsicológicos podem ser em testes e
exercícios. Os testes formais se tratam de métodos estruturados que são executados
com orientações específicas e normas advindas de uma população representativa. A
medição dos resultados ocorre através de escalas padronizadas ou descritos a partir
de média e desvio padrão que permitem a utilização de cálculos para comparação (p.
ex., escores z ou t) (Fachel & Camey, 2000).
Ainda que possa ocorrer uma avaliação quantitativa nos testes formais, eles
também podem ser interpretados qualitativamente. Os exercícios neuropsicológicos
se tratam de métodos de exploração da cognição e do comportamento, versa sobre
as várias fases etapas imprescindíveis para cumprir uma função específica. São
fundados nos sintomas neuropsicológicos, desenvolvidos progressivamente pela
experiência clínica (Goldstein & Scheerer, 1941; McCarthy & Warrington, 1990) ante
as diferenças dos pacientes com lesões cerebrais. São exercícios determinados a
investigar as fases dos processos cognitivos. De fato, O modo como o paciente reage
com o exercício (seja ele um cálculo ou um desenho) é que possui significado clínico.
As baterias de avaliação cognitiva agregaram e validaram parte dessas técnicas.
Weintraub (2000) afirma que não há testes formais que possuem normas
definidas para avaliar determinadas alterações neuropsicológicas, nem mesmo uma
bateria de testes completa, abrangente e totalmente padronizada. É justificado pela
autora que não há a possibilidade de existirem normas detalhadas para a totalidade
de variáveis capazes de interferir nos testes (como idade, gênero, educação e cultura).

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Da mesma forma que não há a possibilidade de impedir completamente os efeitos de
“teto” e “chão” em todos os níveis de testes. Walsh (1992) assume uma postura
notadamente clínica ao afirmar que “... na realidade, não existem testes
neuropsicológicos. Apenas o método de construir as inferências sobre os testes é
neuropsicológico”. O impacto dessa colocação é destacado anos depois por Ewing
(2000) e Lezak e colaboradores (2004).
Há vários fatores que podem intervir na performance do paciente, portanto, a
interpretação está fundamentada somente em resultados quantitativos podem
ocasionar em concepções errôneas. Seguindo esse pensamento traçado, se
desenvolve a concepção da validade ecológica, sendo assim, a capacidade dos
exames neuropsicológicos de concluir acerca da adaptação do paciente ao meio em
que se está inserido e seu retorno ao trabalho ou à escola após a lesão cerebral. Esse
aspecto se torna relevante devido ao momento em que a avaliação subsidia o campo
jurídico. (Ewing, 2000).

O relatório (ou parecer) da avaliação neuropsicológica é o resultado final do


processo, o fechamento da avaliação e a abertura das orientações para
reabilitação. Deve incluir aspectos descritivos (com ou sem dados numéricos)
e a interpretação dos dados obtidos. Esse é o meio de comunicação oficial, o
documento que responde à demanda e pode ter desdobramentos jurídicos.
O relatório (parecer) pode também subsidiar profissionais de outras áreas nas
decisões sobre retorno ao trabalho ou interdição. Para o paciente, em
contrapartida, o importante é a entrevista devolutiva. As alterações
observadas devem ser traduzidas com exemplos das situações práticas.
Tanto o paciente como o familiar precisam de orientações e indicações para
o acompanhamento futuro. Os termos técnicos dos relatórios, então, podem
ser explanados; e as dúvidas, sanadas. (DINIZ, 2018, p. 14).

Como se pode observar a avaliação neuropsicológica não se trata de um


processo de análise concluído e perfeito; ainda se encontra no pleno desenvolvimento
de sua estruturação e é certo que continuará assim por um longo período de tempo.
É incentivado por Lezak e colaboradores (2004) que os neuropsicólogos devem
buscar novos métodos de abordagem, mas os autores alertam que “... nesse campo
complexo e em expansão, poucos fatos ou princípios podem ser tomados como
verdade, poucas técnicas não vão se beneficiar das modificações e poucos
procedimentos não vão se curvar ou quebrar com o acúmulo de conhecimento e
experiência”.

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2 CONCEITOS FUNDAMENTAIS, HISTÓRIA, MODELOS TEÓRICOS EM
REABILITAÇÃO NEUROPSICOLÓGICA E PLANEJAMENTO DE METAS

A reabilitação neuropsicológica (RN), em seu conceito mais amplo, pode ser


definida como um conjunto de procedimentos e técnicas que visam promover o
restabelecimento do mais alto nível de adaptação física, psicológica e social do
indivíduo incapacitado (OMS, 1980, 2001, 2002). Barbara A. Wilson (2009), uma das
principais pesquisadoras e autora de inúmeras obras nessa área, descreveu a RN
como um processo no qual o paciente e seus familiares trabalham em parceria com
os profissionais da saúde a fim de possibilitar o alcance do potencial máximo de
recuperação, bem como lidar ou conviver melhor com as dificuldades cognitivas,
emocionais, comportamentais e sociais resultantes de lesão cerebral ou quadro
neurológico. Segundo essa visão, clientes e familiares relatam suas expectativas, e
as metas de reabilitação são discutidas e negociadas com todas as partes envolvidas.
É importante ressaltar que o objetivo do tratamento deve sempre estar associado à
melhora de aspectos e atividades no contexto da vida do paciente. Essa abordagem
proporciona o aumento da motivação, da aderência do paciente ao tratamento e da
possibilidade de generalização, ou seja, transferência dos ganhos obtidos com as
técnicas de reabilitação para a vida real. A RN engloba um conjunto de intervenções
voltadas para problemas não apenas cognitivos, mas também emocionais,
comportamentais, sociais e familiares. (MIOTTO, 2015).
De maneira geral, os programas de RN podem apresentar as seguintes
abordagens e objetivos:

 Recuperar ou restaurar a função cognitiva comprometida


 Potencializar a plasticidade cerebral ou a reorganização funcional por
meio das áreas cerebrais preservadas
 Compensar as dificuldades cognitivas com meios alternativos ou auxílios
externos que possibilitem a melhor adaptação funcional
 Modificar o ambiente com tecnologia assistiva ou outros meios de
adaptação às dificuldades individuais de cada paciente.

Em casos de pacientes com grau de comprometimento cognitivo leve as


abordagens 1 e 2 podem ser viáveis; já em casos de pacientes com comprometimento

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cognitivo moderado e grave associado a lesões cerebrais mais extensas e
permanentes as abordagens 3 e 4 podem ser mais apropriadas. No entanto, é
importante ressaltar que muitos profissionais e centros de RN procuram adotar todas
as abordagens na tentativa de maximizar o potencial de recuperação e promover a
melhora funcional dos pacientes.
O treino cognitivo (TC), por sua vez, abrange intervenções voltadas para
alterações específicas do funcionamento cognitivo, dentre elas, alterações de
memória, atenção, funções executivas, linguagem, déficits visuoperceptivos e
visuoespaciais. Nesse contexto, o TC utiliza métodos de recuperação das funções
cognitivas e de estratégias compensatórias que visam reduzir o impacto desses
problemas na vida diária dos pacientes. (MIOTTO, 2015)
A seguir, uma breve história da RN e do TC será apresentada, ressaltando-se
os principais precursores e pilares da moderna RN.

2.1 História dos programas de reabilitação neuropsicológica

Relatos sobre intervenções em indivíduos com lesões cerebrais datam de 3500


a.C., com base em papiros obtidos por Edwin Smith em 1862 (Wilson, 2009). No
entanto, as abordagens de reabilitação mais semelhantes aos dias atuais tiveram seu
início na Primeira e na Segunda Guerra Mundial. Kurt Goldstein (1942) já havia
ressaltado a importância de estratégias cognitivas, embora tivesse utilizado outra
nomenclatura para descrevê-las. Ele também havia refletido sobre abordagens de
recuperação ou compensação das funções comprometidas nos sobreviventes da
Primeira Guerra Mundial (Wilson, 2009).
Posteriormente, após a Segunda Guerra Mundial, Alexander Luria (1963), na
União Soviética, e Oliver Zangwill (1947), na Inglaterra, desenvolveram o princípio de
adaptação funcional, segundo o qual uma função cognitiva preservada pode ser
utilizada para compensar outra função comprometida. Zangwill foi o primeiro a
apresentar três abordagens em reabilitação, incluindo compensação, substituição e
treino direcionado, discutidas atualmente (Wilson, 2009).
Alguns anos depois, Yehuda Ben-Yishay (1978, 1996) desenvolveu o conceito
de therapeutic milieu em Israel e trabalhou na criação do primeiro programa de
reabilitação cognitiva. Os trabalhos de Ben-Yishay e Diller, de George Prigatano em

14
1986, nos EUA, e de Barbara A. Wilson em 1996, na Inglaterra, influenciaram de
maneira marcante a moderna reabilitação neuropsicológica, desenvolvendo a
abordagem conhecida atualmente como reabilitação holística. Essa abordagem
trabalha com diversos contextos da vida do indivíduo: cognitivo, emocional,
comportamental, social, familiar e vocacional. O programa visa aumentar a autocrítica
e o insight do paciente, reduzir os déficits cognitivos, desenvolver estratégias e
habilidades compensatórias, e oferecer aconselhamento vocacional para a inserção
do paciente no mercado profissional ou em atividade ocupacional (Wilson, 2009).
Apesar da eficácia comprovada da abordagem holística, é importante levar em
consideração as dificuldades associadas à sua implementação, dentre elas, os custos
atribuídos a tratamento, formação, treino adequado da equipe interdisciplinar,
infraestrutura, frequência e duração prolongada do tratamento. Além disso, a
abordagem tem se mostrado mais efetiva para pacientes com lesões cerebrais
adquiridas em grau moderado ou grave decorrentes de traumatismo cranioencefálico
(TCE), anoxia e acidente vascular cerebral (AVC). (MIOTTO, 2015)
Recentemente, no Brasil, alguns centros de reabilitação com equipes
interdisciplinares e abordagem neuropsicológica começaram a surgir, incluindo a rede
Sarah, Lucy Montoro e o Instituto de Medicina Física e Reabilitação do Hospital das
Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP). No entanto,
esses centros não são capazes de atender à crescente demanda de pacientes com
lesões adquiridas, especialmente aqueles que apresentam apenas sequelas
cognitivas leves ou moderadas e ausência de comprometimento motor. A carência de
centros e instituições que atendam a essa população específica de pacientes tem
impulsionado a criação de ambulatórios especializados em reabilitação cognitiva e
atendimentos em consultórios particulares.
A atuação interdisciplinar nos programas de reabilitação neuropsicológica e
funcional tem se pautado também no novo modelo de classificação da saúde e dos
estados relacionados com a saúde proposto pela OMS (2001, 2002) – Classificação
Internacional de Funcionalidade (CIF). A CIF é, hoje, vastamente utilizada nos centros
de reabilitação e enfatiza a importância de considerar o impacto das diversas
condições que podem interferir na capacidade funcional do paciente. Nesse novo
modelo, considera-se relevante não apenas a ocorrência de doenças, sintomas,
incapacidade e desvantagem do indivíduo, mas também a sua participação em

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atividades do ambiente. “Atividade” pode ser conceituada como realização de tarefas
diárias; “participação”, como envolvimento do indivíduo em situações sociais e
atividades diárias; e “fatores ambientais” correspondem a variáveis externas do
ambiente que podem promover ou dificultar o funcionamento e a interação do
paciente. (MIOTTO, 2015).

2.2 Modelo teórico compreensivo de reabilitação neuropsicológica

Considerando-se as dificuldades múltiplas que os pacientes com lesões


cerebrais apresentam, incluindo alteração nas esferas cognitiva, social, emocional e
de comportamento, um modelo ou grupos de modelos teóricos isolados não seriam
suficientes para lidar com todas essas dificuldades. Com base nas diversas teorias
direcionadas à reabilitação publicadas, quatro áreas podem ser selecionadas como
relevantes: funcionamento cognitivo, emoção, comportamento e aprendizagem.
Ademais, é importante considerar as teorias sobre avaliação, recuperação e
compensação. (MIOTTO, 2015).
Em 2002, Barbara A. Wilson propôs um modelo compreensivo e abrangente de
reabilitação neuropsicológica amplamente aceito e utilizado em diversos países. Na
primeira fase do modelo, considera-se que o paciente com alterações cognitivas e
16
comportamentais específicas, a família do paciente, a personalidade pré-mórbida e o
estilo de vida prévio influenciam as necessidades e metas que podem ser trabalhadas
na RN. Portanto, é necessário realizar, inicialmente, uma entrevista clínica ou
anamnese detalhada sobre crenças, valores e estilo de vida anterior, bem como
personalidade pré-mórbida. É recomendável que a entrevista clínica seja
complementada com questionários, como o Brain Injury Community Rehabilitation
Outcomes (BICRO) (Powell et al., 1988), para comparação de características pré e
pós-mórbidas, e o European Brain Injury Questionnaire (EBIQ) (Teasdale et al., 1997),
para identificação de sintomas apresentados no último mês (Wilson e Gracey, 2009).
Para melhor compreensão sobre natureza, extensão e gravidade da lesão
cerebral, é necessário obter informações por meio de prontuários médicos, exames
neurológicos e de imagem. No contexto da RN, o paciente e os familiares devem ser
avaliados por todos da equipe interdisciplinar com entrevistas, instrumentos de
avaliação padronizados, ecológicos, medidas funcionais e de atividades de vida diária,
testes neuropsicológicos, escalas de comportamento e de humor. O objetivo dessa
fase do modelo é obter o máximo de informação possível a respeito do paciente no
que tange às esferas cognitiva, comportamental, emocional, social, vocacional,
ocupacional, motora e de saúde geral. (MIOTTO, 2015).
Para entender melhor as dificuldades e potencialidades do paciente é
necessário abranger modelos teóricos de áreas interligadas no processo de RN.
Assim, é importante adotar como referência:

(1) Modelos cognitivos de memória, atenção, funções executivas, linguagem,


percepção etc.;
(2) Modelos emocionais e psicossociais voltados para alterações do humor,
estresse pós-traumático, redução da autocrítica, negação etc.;
(3) Modelos comportamentais como terapia cognitiva comportamental;
(4) Modelos sistêmicos que abranjam a compreensão das relações familiares e
dos padrões de comunicação interpessoal. Uma vez identificados os reais
problemas apresentados pelo paciente e os modelos utilizados para se
formular hipóteses com foco na interação e na influência dos diversos
fatores citados anteriormente, é possível definir quais as melhores
estratégias de reabilitação (Wilson e Gracey, 2009).

17
A fase seguinte do modelo envolve a negociação de metas realistas. Wilson
(2009) argumenta que como uma das principais metas da reabilitação
neuropsicológica é capacitar o paciente a retornar a seu meio ambiente mais
apropriado, tanto ele como seus familiares e a equipe interdisciplinar devem estar
envolvidos na negociação das metas. Para que o paciente alcance o seu potencial
máximo de recuperação, o processo de RN deve ter como objetivo não apenas
restaurar ou reduzir o prejuízo das funções cognitivas alteradas, mas também
compensar esse prejuízo com o uso de habilidades preservadas de maneira mais
eficiente, adaptando e modificando o meio ambiente com tecnologia assistiva,
facilitando a realização das atividades diárias e aumentando a participação do
indivíduo. Exemplos dessas tecnologias incluem barra de apoio, assento sanitário
elevado, substituição de botões por velcro nas roupas etc. (MIOTTO, 2015).

2.3 Planejamento e gerenciamento de metas na reabilitação neuropsicológica

O planejamento de metas é uma das etapas mais desafiadoras do processo de


RN, pois exige “negociação” entre as necessidades e os anseios individuais dos
pacientes, de seus familiares e da equipe interdisciplinar. Houts e Scott (1975)
descreveram cinco princípios básicos envolvidos no planejamento de metas:

1. O paciente deve estar motivado,


2. O estabelecimento de metas deve ser realista e realizado junto com o
paciente e seus familiares,
3. O comportamento a ser alcançado deve ser bem definido,
4. deve-se definir um prazo para o cumprimento da meta,
5. A meta deve ser escrita em detalhes para que qualquer pessoa que a
leia saiba como proceder (Wilson, 2012). McMillan e Sparkes (1999)
enfatizaram a necessidade de estabelecer metas a longo prazo e metas
a curto prazo nos programas de RN. Para esses autores, as ‘metas a
longo prazo’ precisam ser voltadas às incapacidades e desvantagens,
uma vez que o objetivo da RN é melhorar a qualidade de vida e a
funcionalidade do paciente. Em contrapartida, as metas a curto prazo
são as etapas a serem cumpridas para se alcançarem as metas a longo
prazo (Wilson, 2012).
18
2.3.1 Caso clínico de planejamento de metas

Para exemplificar o processo de elaboração de metas, será utilizada a


descrição de um caso clínico publicado, no qual todo o programa de reabilitação foi
descrito detalhadamente (Miotto, 2007).
LM, 44 anos de idade e com curso superior completo, havia sido diagnosticado
com encefalite herpética e sequelas cognitivas envolvendo a capacidade de
aprendizagem de novas informações, memória retrógrada e anterógrada, linguagem
de nomeação e funções executivas. As metas a longo prazo estabelecidas junto com
o paciente e sua esposa estão descritas a seguir:

 Aprender os nomes dos profissionais que estavam trabalhando com ele


no programa de RN
 Utilizar estratégia eficiente para auxiliá-lo a memorizar informações lidas
em jornais e livros.

Essas duas metas foram selecionadas como prioritárias no período de 6 meses


de RN devido à rotina diária de intervenções que o paciente estava recebendo dos
profissionais envolvidos e porque a leitura era um de seus hobbies e o fato de não
conseguir armazenar as informações lidas causava-lhe grande insatisfação.
Para a primeira meta a longo prazo, a fim de auxiliar o paciente na memorização
dos nomes dos profissionais da RN, foram elaboradas e comparadas duas metas a
curto prazo, utilizando a técnica de aprendizagem procedural e a técnica de imagem
visual em cada uma. As estratégias estão descritas a seguir. (MIOTTO, 2015).
Meta a curto prazo. Memorizar os nomes de seis profissionais da equipe de
RN que trabalhavam mensalmente com o paciente. A primeira estratégia utilizada foi
a técnica de aprendizagem procedural, na qual foi desenvolvido junto ao paciente um
gesto motor associado ao nome da pessoa (p. ex., o gesto de orar para o nome
“Orestes”). A segunda estratégia utilizada foi a técnica de imagem visual, na qual o
paciente era treinado a desenhar a figura que melhor representasse o nome do
profissional (p. ex., para o sobrenome “Ferreti”, ele desenhou a figura de uma
ferradura).
Para a segunda meta a longo prazo, foram elaboradas e comparadas duas
metas a curto prazo com o objetivo de auxiliar o paciente a se recordar da leitura de

19
artigos de jornal. Na primeira, foi utilizada a técnica do PQRST (P = preview: prévia
ou leitura inicial do texto; Q = question: questionar e formular perguntas sobre o texto;
R = read: ler novamente o texto para responder às perguntas; S = state: responder às
perguntas; T = test: testar o quanto se lembra da informação lida.
Na segunda meta a curto prazo, foi utilizada a técnica da exposição repetida ao
texto, na qual o paciente foi solicitado a repetir a leitura do mesmo artigo de jornal 4
vezes na tentativa de memorizá-lo. (MIOTTO, 2015).
Meta a curto prazo. Recordar as informações lidas em uma reportagem de
jornal. A primeira estratégia utilizada foi PQRST, e a segunda foi a leitura repetida da
reportagem (quatro repetições).
Embora esse caso ilustre apenas a elaboração de metas direcionadas às
alterações cognitivas, é possível observar a importância de descrever de maneira
clara e objetiva qual o comportamento ou a resposta que se planeja ter a longo e a
curto prazos, e qual a estratégia ou técnica utilizada para alcançar tais metas.
Em um centro de reabilitação, geralmente o planejamento de metas demanda
a seleção de um coordenador, um plano de avaliação de cada meta, reuniões
semanais com a equipe interdisciplinar, registro dos resultados com descrição das
metas que foram alcançadas e, no caso daquelas que não foram, as razões para tal
resultado. Há inúmeras vantagens na utilização desse sistema, como o fato de que os
objetivos da RN tornam-se claros e documentados. Além disso, os pacientes, seus
familiares e cuidadores são envolvidos desde o início da elaboração das metas e,
portanto, compreendem melhor o processo e os resultados obtidos. (MIOTTO, 2015).

2.3.2 Metas SMART (ER)

Wilson (2009) sugere que todas as metas negociadas com os pacientes e seus
familiares devem ser SMART (ER), ou seja, S de specific (específica), M de
measurable (mensurável), A de achievable (alcançável), R de realist/relevant
(realista/relevante), T de timely (com tempo ou período definido), E de evaluation
(avaliáveis) e R de review (revisáveis).
Além disso, como mencionado anteriormente, as metas não podem ser apenas
direcionadas às deficiências de acordo com a OMS (2001), ou seja, problemas
relacionados com os prejuízos cognitivos e motores – estruturas do corpo. Elas devem

20
envolver os níveis de atividade e participação social, como cuidados pessoais,
assuntos relacionados com tarefas ocupacionais e profissionais, rotina doméstica,
administração das finanças, relacionamento com familiares e amigos, dentre outros.
(MIOTTO, 2015).

3 FUNDAMENTOS NEUROBIOLÓGICOS DA RECUPERAÇÃO DAS LESÕES


CEREBRAIS / NEUROPLASTICIDADE E REORGANIZAÇÃO CEREBRAL

A plasticidade neuronal é a capacidade intrínseca do sistema nervoso de


modificar sua estrutura ou função mediante um estímulo. Diferentemente do que se
pensava antigamente, o sistema nervoso não é uma estrutura fixa e imutável. Ao
contrário, é um tecido com alta capacidade de adaptação e reorganização. Essas
modificações funcionais e estruturais do sistema nervoso acontecem a todo momento
e são essenciais para funções como o aprendizado e a memória, além das que
regulam o comportamento.
O termo “plasticidade” foi inicialmente utilizado pelo fisiologista alemão Albrecht
Bethe em 1930, para descrever a capacidade de o organismo se adaptar a mudanças
ambientais externas e internas por meio de uma ação sinérgica entre os diversos
órgãos, sob o controle do sistema nervoso central (Ferrari, 2001). Santiago Ramón y
Cajal e Eugênio Tanzi foram os primeiros a observar possíveis efeitos da plasticidade
no sistema nervoso. (MIOTTO, 2015).
A estrutura básica do sistema nervoso é o neurônio, que como nós sabemos é
uma célula especializada em receber e transmitir estímulos para um outro neurônio.
Um neurônio transmite o estímulo por meio da liberação pelo terminal pré-sináptico
(axônio) de um neurotransmissor, que atua em receptores localizados no terminal pós-
sináptico (em geral, as espinhas dendríticas) do neurônio receptor. Dependendo do
tipo de receptor e do neurotransmissor envolvido nessa comunicação, o neurônio
receptor do estímulo pode ter efeito excitatório ou inibitório, ou seja, pode ter efeito
excitatório ao favorecer a formação de um potencial de ação na célula receptora, ou
inibitório ao dificultar a formação desse potencial. Quando o potencial de ação é
ativado na célula receptora, por meio de um estímulo excitatório, esse potencial
elétrico é transmitido pela membrana do axônio até o terminal pré-sináptico, e com

21
isso estimula a liberação de novos neurotransmissores (Kandel et al., 2000;
Gazzaniga et al., 2006).
Sabe-se que o sistema nervoso é complexo e formado por pelo menos 100
bilhões de neurônios. Um único neurônio pode se ligar a centenas ou milhares de
outros por meio de sinapses, formando redes neuronais complexas e dotadas de
funcionalidade. Uma única ligação entre um neurônio e outro tem pouco impacto
funcional se comparável com as outras milhares de comunicações existentes, que
compõem essas redes neuronais. Portanto, quando ocorre um fenômeno de
plasticidade neuronal, há uma mudança na estrutura ou função dessas redes
neuronais e não de apenas um neurônio.
O termo “plasticidade neuronal” é frequentemente associado ao fenômeno de
recuperação funcional após uma lesão do sistema nervoso (p. ex., a melhora cognitiva
ou motora de um indivíduo após um acidente vascular encefálico ou traumatismo
cranioencefálico). Um dos objetivos deste tópico é ampliar esse conceito de
plasticidade. Em diversas situações, pode-se observar tal fenômeno, como no
comportamento depressivo ou ansioso após eventos traumáticos; no aprendizado de
uma nova língua; na habilidade para andar de bicicleta; no resgate da memória de
uma viagem inesquecível; ou ao se observar a excepcional habilidade auditiva e tátil
desenvolvida por indivíduos com cegueira congênita. Ao se adquirirem novas
habilidades cognitivas ou motoras, as redes neuronais são modificadas. (MIOTTO,
2015).
Durante o processo de formação, desenvolvimento e maturação do sistema
nervoso central, essas mudanças são mais proeminentes, o que vale a pena ser
relembrado.

3.1 Formação e desenvolvimento do sistema nervoso central

Pode-se dizer que o sistema nervoso inicia sua formação já nas primeiras
semanas de vida, mas seu desenvolvimento e sua maturação continuam por vários
anos após o nascimento.
No período pré-natal (antes do nascimento), grande parte da formação do
sistema nervoso é guiada com influência dos fatores genéticos (expressão gênica de
fatores de crescimento) e pouca influência de fatores externos (Huttenlocher, 2002).

22
Em geral, fatores externos, como infecções e uso de drogas ilícitas ou tabaco, podem
causar efeitos negativos ou deletérios a esse desenvolvimento. (MIOTTO, 2015).
Pode-se dizer que grande parte da formação estrutural do sistema nervoso
acontece ainda no período pré-natal. Inicialmente há uma fase de formação de novas
células neuronais, por meio da divisão celular, chamada de fase proliferativa ou
neurogênese. Essa proliferação acontece em uma região chamada de matriz
germinativa, que fica localizada nas bordas dos ventrículos laterais. Estima-se que
aproximadamente 250.000 novas células sejam formadas a cada minuto nessa fase.
Além das células neuronais, são formadas células da glia, como os astrócitos,
importantes para dar suporte e nutrição ao tecido neuronal. À medida que essas
células são formadas, passam a migrar ancoradas em uma célula chamada de glia
radial. Os primeiros grupamentos de células a realizar essa migração localizam-se na
região abaixo da placa cortical (abaixo da superfície do tubo neural), enquanto outras
células migram para um local logo acima da placa cortical, denominado camada
marginal (células de Cajal-Retzius) (Huttenlocher, 2002). Essas células teriam a
importância de guiar e sinalizar o posicionamento das células nas camadas corticais
específicas, além de estimular o crescimento dendrítico e axônico (Huttenlocher,
2002). Durante esse processo de migração, essas células passam a se diferenciar em
neurônios com características celulares específicas para aquela determinada região
(fenômeno de diferenciação celular). Esses neurônios adquirem morfologia
específica, com a formação dos dendritos e do axônio. Existem, por exemplo, células
neuronais, como os neurônios piramidais (de Betz), que apresentam axônios com
vários centímetros de comprimento, enquanto outras têm axônios muito curtos
(interneurônios). (MIOTTO, 2015).
É importante que os neurônios sejam formados (proliferação neuronal), migrem
e se diferenciem; porém, para que eles tenham funcionalidade como redes neuronais,
precisam de conectividade, a qual depende da formação de estruturas essenciais para
a sinapse (terminal pré e pós-sináptico). O terminal pré-sináptico, principal estrutura
receptora do neurônio, depende, em grande parte, da formação da árvore dendrítica
(fenômeno de arborização dendrítica). Isso possibilita que um único neurônio receba
estímulos de centenas a milhares de outros neurônios ao mesmo tempo, por meio das
espinhas dendríticas. Esse processo inicia-se por volta da 25ª à 30ª semana de
gestação, mas se mantém ativo até vários anos após o nascimento (no lobo frontal

23
até 7 anos de idade aproximadamente). O crescimento e a formação de novas árvores
dendríticas sofrem influência da experiência e do ambiente e parecem ter um pico de
formação entre a 5ª e a 21ª semana após o nascimento. (MIOTTO, 2015).
Após a formação dos terminais pré e pós-sinápticos, é necessário o
desenvolvimento das sinapses, processo chamado de sinaptogênese. Ele tem início
no 2º trimestre de gestação, mas se intensifica após o nascimento. O pico de formação
das sinapses acontece em tempos diferentes em determinadas regiões cerebrais. A
área visual primária (lobo occipital) e a área auditiva primária (lobo temporal)
apresentam pico por volta dos 3 a 4 meses de vida, enquanto o lobo frontal, por volta
dos 3 anos e meio. Durante esses picos, há um fenômeno de “explosão” sináptica
(formação exagerada das sinapses), em que os estímulos (auditivos, visuais),
influenciam a densidade dessas sinapses. A ausência de estímulo pode induzir a
perda de sinapses (fenômeno de poda sináptica) (Huttenlocher, 2002; Kandel et al.,
2000). Além da poda sináptica, uma subpopulação de células neuronais, que se
tornaram demasiadas ao longo do desenvolvimento, pode sofrer morte celular
programada (apoptose) (Huttenlocher, 2002; Kandel et al., 2000). Esses processos
parecem estar ligados a uma otimização funcional do sistema nervoso.
Outro fenômeno importante no desenvolvimento e na maturação do sistema
nervoso é a mielinização axônica, importante para aumentar a velocidade de
transmissão do potencial de ação ao longo do axônio e, com isso, aumentar a
eficiência das redes neuronais. Ela acontece de modo mais rápido e intenso nos
primeiros 3 anos de vida, mas persiste mais lentamente até a 2a década de vida.
Como no processo de arborização dendrítica e sinaptogênese, a mielinização
acontece mais precocemente nas áreas visuais e auditivas, e mais tardiamente nas
áreas do lobo frontal. Portanto, no período pós-natal, existe preponderância de
fenômenos ligados à formação da conectividade neuronal. (MIOTTO, 2015).
Outro fator importante é que os estímulos do ambiente também influenciam o
desenvolvimento do sistema nervoso. Essa influência é maior nos “períodos críticos”
do desenvolvimento, que coincidem com maior formação dendrítica, sináptica e de
mielinização em determinadas áreas do cérebro (Huttenlocher, 2002). Os estímulos
do ambiente, especialmente no período crítico, influenciam na formação de redes
neuronais funcionais e potencialmente mais eficazes.

24
Em crianças com ausência de visão congênita em um dos olhos, há uma
diminuição dos estímulos visuais no córtex visual primário (área 17 de Brodmann)
contralateral. Esse efeito determina a redução funcional e estrutural na formação do
córtex visual, com privação do estímulo visual, e aumento compensatório (tanto
funcional quanto estrutural) no lado contralateral. Nas crianças com estrabismo
congênito, o olho com desvio passa a não receber o estímulo visual adequado, e isso
pode determinar a formação inadequada do córtex visual contralateral (Huttenlocher,
2002; Gazzaniga et al., 2006). Quando não tratado, pode comprometer a visão no olho
com desvio (ambliopia). Para evitar isso, é feito um tratamento com oclusão
temporária e alternada dos olhos, para que o estímulo chegue em ambos os córtices
visuais simetricamente. (MIOTTO, 2015).
Curiosamente, quando os córtices visuais estão desprovidos de estímulo, como
acontece na cegueira congênita, sua estrutura se mantém intacta. Os indivíduos com
cegueira congênita apresentam mais habilidade com relação ao tato discriminativo
(especialmente quando são estimulados mais cedo ao aprendizado do Braile), bem
como melhor audição periférica para identificação espacial (Gazzaniga et al., 2006).
Os estímulos táteis e auditivos podem chegar até as áreas de associação visual e
utilizar essa estrutura para alcançar as áreas de processamento auditivo e tátil. Em
indivíduos que ficam cegos, após o período crítico de formação do córtex visual
primário (ou seja, quando já teve um estímulo visual nessas áreas), esse fenômeno
não acontece na mesma intensidade. Portanto, essas habilidades são menos
pronunciadas.
A maior capacidade plástica do sistema nervoso durante o período de maior
desenvolvimento e maturação explica por que crianças que sofrem lesões, muitas
vezes extensas, em determinada região do cérebro apresentam mais chances de
recuperação funcional do que adultos. (MIOTTO, 2015).
Outros enxergam esse período crítico do desenvolvimento neuronal como uma
oportunidade, na qual a criação de um ambiente de estímulos (como aprender uma
língua nova ou um instrumento musical) facilitaria o aprendizado, já que aproveitaria
esse período de maior capacidade plástica do cérebro (Huttenlocher, 2002).
Portanto, após o nascimento e ao longo dos anos, as redes neuronais cerebrais
sofrem constantes mudanças e adaptações moldadas pela experiência. Cada
indivíduo interage de maneira única com os diversos estímulos do meio e pode criar

25
habilidades específicas dependendo do tipo de estímulo recebido. Por exemplo, ao
observar uma criança a jogar futebol. À medida que ela treina, vai melhorando suas
habilidades em dominar, chutar e driblar, as quais não são adquiridas sem
treinamento. Assim, a experiência de jogar e treinar futebol provoca mudança das
redes neuronais que regulam esses movimentos. (MIOTTO, 2015).

3.2 Mecanismos de plasticidade neuronal

A pergunta que deve ser feita agora é: como é possível modificar e reorganizar
essas redes neuronais? Uma das possibilidades seria alterar as forças sinápticas
entre os neurônios, aumentando ou reduzindo o estímulo sináptico. Por exemplo, ao
intensificar a liberação de um neurotransmissor excitatório ou diminuir a liberação de
um neurotransmissor inibitório do terminal pré-sináptico, é possível aumentar a força
sináptica sobre determinada rede neuronal ou, ao contrário, reduzir a força sináptica
ao diminuir a liberação de um neurotransmissor excitatório ou aumentar a de um
neurotransmissor inibitório. Entretanto, será possível modificar essas forças
sinápticas? O neurocientista Eric Kandel estudou as modificações neurais que
acontecem no molusco Aplysia durante os fenômenos de aprendizado por habituação
e sensibilização (Kandel, 2006). A maior simplicidade do sistema nervoso da Aplysia
e a possibilidade de isolar os neurônios envolvidos no reflexo motor de retirada das
brânquias ao se estimular o sifão do molusco foi o motivo que levou o cientista a
estudar esses animais (Kandel, 2006). Ao realizar um estímulo tátil e não doloroso no
sifão da Aplysia, inicialmente houve uma reação de retirada das brânquias. Entretanto,
ao manter esse mesmo estímulo repetidamente, essa reação não aconteceu mais. O
que deve ter acontecido? O mesmo estímulo não era capaz de ativar aquela rede
neuronal? Esse é um fenômeno de habituação. O que aconteceu foi que a estimulação
repetitiva provocou mudança das forças sinápticas entre o neurônio sensitivo (que
recebe o estímulo no sifão) e o neurônio motor (que faz a retirada das brânquias). O
que Kandel observou foi menor liberação de neurotransmissores pelo neurônio
sensitivo, o que diminuiu a força sináptica nessa rede neuronal. O que aconteceria,
então, se, em vez de um estímulo tátil, fosse aplicado um estímulo doloroso e
repetitivo na região do sifão? O que ele observou foi que, após algumas repetições,
mesmo estímulos táteis (não dolorosos) poderiam desencadear a reação de retirada

26
das brânquias com a mesma intensidade. Esse fenômeno é chamado de
sensibilização (Kandel et al., 2000; Kandel, 2006). Além disso, houve o aumento da
força sináptica entre os neurônios sensitivo e motor, com intensificação da liberação
de neurotransmissores excitatórios. Sabe-se que esse neurotransmissor excitatório é
o glutamato (Kandel et al., 2000; Kandel, 2006). Entretanto, observou-se a
participação de interneurônios, ou neurônios moduladores, que liberavam serotonina
no terminal pré-sináptico (neurônio sensitivo), estimulando a liberação de
neurotransmissores contendo glutamato (e aumentando a força sináptica) (Kandel et
al., 2000; Kandel, 2006). A serotonina atuava em receptores do terminal pré-sináptico,
aumentando o AMP-cíclico (segundos mensageiros intracelulares) e a
proteinoquinase A, além de liberar mais glutamato (Kandel et al., 2000; Kandel, 2006).
Contudo, essas respostas aprendidas duravam apenas alguns segundos ou poucos
minutos. Com o estímulo repetitivo (com mais pulsos de serotonina no terminal pré-
sináptico), observou-se que o aumento excessivo de proteinoquinase A (e da MAP
quinase) poderia influenciar a ativação de genes e a formação de novas sinapses
(Kandel et al., 2000; Kandel, 2006). Essas alterações poderiam provocar mudança da
força sináptica por um tempo mais longo, além de induzir mudanças estruturais nessa
rede neuronal.
Portanto, é possível modificar a estrutura de uma rede neuronal com a
formação de novas sinapses, desde que haja estímulo suficiente para a ativação de
determinados genes (CREB-1) e a inibição de outros (CREB-2), por meio da ação de
segundos mensageiros intracelulares (proteinoquinase A e MAP quinase) (Kandel et
al., 2000; Kandel, 2006).

3.3 Recuperação de lesões do sistema nervoso

Lesões no sistema nervoso, como aquelas sofridas após um traumatismo


cranioencefálico ou AVC, afetam não só a região lesionada, mas também as regiões
direta ou indiretamente relacionadas com ela. Essas lesões podem provocar
mudanças funcionais, cognitivas e comportamentais.
Como é possível recuperar as funções após uma lesão no sistema nervoso
central? Como é possível restabelecer a funcionalidade de uma rede neuronal
danificada? A capacidade de reorganização das redes neurais lesionadas dependerá

27
de alguns fatores, como: idade (nos primeiros anos de vida essa plasticidade é maior),
tamanho da lesão (quanto maior a lesão, menores serão as chances de reorganização
funcional), localização da lesão (lesões da medula espinal têm menor potencial de
recuperação do que encefálicas) e causa da lesão. (MIOTTO, 2015).
A capacidade de regeneração dos neurônios é muito limitada no sistema
nervoso central, e os motivos para isso são:

(1) Os neurônios são muito suscetíveis a morte quando lesionados;


(2) Existem muitos fatores inibidores que impedem a regeneração
dos neurônios;
(3) A capacidade intrínseca de crescimento do neurônio pós-mitótico
é reduzida (Kandel et al., 2000; Gazzaniga et al., 2006).

A formação de novos neurônios é possível em um cérebro adulto? Sim, mas


parece que a contribuição desses novos neurônios é essencialmente modificar
circuitarias neuronais mais locais (em pequenas extensões) (Kandel et al., 2000;
Gazzaniga et al., 2006).
Por meio de um estímulo específico é possível modificar essas redes
neuronais? Qual o efeito das medidas de reabilitação neuropsicológica, fisioterapia ou
fonoaudiologia na recuperação de indivíduos com lesões neurológicas? Esses
estímulos podem determinar mudanças tanto funcionais (forças sinápticas) quanto
estruturais (formação de novas sinapses) nas redes neuronais subjacentes. Além
disso, especialmente no cérebro imaturo (nos primeiros anos de vida), é possível que
outras regiões processem esses estímulos, substituindo ou compensando a ausência
das redes neuronais danificadas. (MIOTTO, 2015).
Como não há fatores preditivos para definir quem irá beneficiar-se ou não da
reabilitação, é importante iniciar esses estímulos específicos o quanto antes e
observar o real impacto das medidas ao longo do tempo.
A estimulação magnética transcraniana e a estimulação transcraniana por
corrente contínua como ferramentas complementares para modular e reorganizar
essas redes neurais lesionadas parecem ser promissoras na reabilitação de
indivíduos com lesões do sistema nervoso central. (MIOTTO, 2015).
Apesar do maior conhecimento desses fenômenos plásticos nas últimas
décadas, pouco se avançou em medidas farmacológicas específicas que estimulem

28
esses fenômenos. Porém, antidepressivos e inibidores da recaptação de serotonina
têm sido usados em algumas situações, como auxílio no processo de reabilitação.
Existe grande expectativa quanto à possibilidade de usar terapia com células-
tronco para a recuperação do tecido neuronal lesionado. Entretanto, essa medida
ainda se encontra em fase experimental e sem aplicabilidade na prática clínica.
(MIOTTO, 2015).

4 ABREVIATURAS IMPORTANTES PARA O CONTEÚDO A SEGUIR

AMPA: a-amino-3-hidroxil-5- -metil-4-isoxazolpropionato


MAS: área motora suplementar
AVE: acidente vascular encefálico
BDNF: fatores neurotróficos derivados do encéfalo
CGL: corpo geniculado lateral
DLD: depressão de longa duração
DP: doença de Parkinson
EEG: eletroencefalografia
EMT: estimulação magnética transcraniana
fIRM: imagem de ressonância magnética funcional
GABA: ácido y-aminobutírico
LME: lesão de medula espinal
M1: área motora primária
MEG: magnetoencefalografia
mRNA: ácido ribonucleico mensageiro
NMDA: ácido N-metil-D-aspártico
PEM: potencial evocado motor
PLD: potenciação de longa duração
PPSE: potencial pós-sináptico excitatório
SNC: sistema nervoso central
TCI: terapia por contenção induzida
TEP: tomografia por emissão de pósitron

29
5 PLASTICIDADE CEREBRAL: LESÃO, RECUPERAÇÃO E REABILITAÇÃO

A plasticidade é a capacidade do encéfalo de ser moldado pela experiência.


Neste tópico, nós partimos daquelas informações mas estendemos esses conceitos
para o organismo inteiro, tendo como base os modelos de experimentação animal
(roedores e primatas) e dos seres humanos.
A primeira seção principal fornece uma base para a consideração da
plasticidade. Para tanto, são discutidas as alterações estruturais celulares,
potenciação de longa duração (PLD) e depressão de longa duração (DLD), bem como
os mediadores relevantes. (SCHENKMAN, 2016).
Na segunda seção principal, o foco são as alterações plásticas que podem ser
observadas na organização do sistema nervoso central (SNC) durante o
desenvolvimento e após o dano ou treino especializado do sistema nervoso do adulto.
Primeiramente, foram consideradas as colunas corticais e os períodos críticos do
desenvolvimento relacionados ao sistema visual. Em seguida, foi considerada a
pesquisa na área de plasticidade voltada para aquilo a que é chamado “plasticidade
de mapa”. A superfície receptora corporal está mapeada sobre o córtex somatos-
sensorial primário de forma extraordinariamente detalhada. A plasticidade de mapa se
refere às alterações na extensão da representação das partes do corpo, em particular
junto ao córtex cerebral, sob diversas circunstâncias. Nesta seção, também são
discutidas duas condições que ocorrem em consequência da plasticidade mal--
adaptativa: a dor em membro fantasma e a fibromialgia.
A terceira seção principal enfoca a plasticidade subsequente ao dano ao
sistema nervoso em primatas, inclusive nos seres humanos. Aqui, foram consideradas
as evidências emergentes de modelos de experimentação animal relacionadas à
reorganização cortical que se segue à lesão isquêmica, bem como aquelas
observadas em seres humanos com diversos distúrbios neurológicos.
Na última seção principal, são abordados alguns aspectos salientes que giram
em torno da aplicação dos modelos atuais, e também informações pertinentes à
reabilitação de indivíduos que sofreram dano cortical. (SCHENKMAN, 2016).

30
5.1 Plasticidade neural revisitada

A plasticidade pode ser observada como uma alteração na estrutura ou na


função de neurônios individuais, ou pode ser inferida a partir de medidas tomadas ao
longo de populações de neurônios. Dessa forma, a plasticidade pode ser observada
como alterações no número de sinapses ou na força de tais sinapses. Essas
alterações podem ser manifestadas ao nível dos sistemas como alterações nas redes
neurais e reorganização dos mapas de representação, conforme discutido adiante.
Para que a plasticidade tenha relevância funcional, é necessário que essas alterações
também resultem em alterações comportamentais (p. ex., sensoriais, motoras e
cognitivas). Embora as alterações do desempenho sensorial, motor ou cognitivo
possam ser resultantes da plasticidade, as medidas desses comportamentos não são
em si medidas diretas de plasticidade, do mesmo modo como as alterações dessas
medidas não podem ser interpretadas isoladamente como evidências de plasticidade.
Mesmo assim, essas são as medidas aplicadas de maneira mais fácil em seres
humanos. E, de fato, muitas dessas técnicas empregadas para estudar a plasticidade
em modelos de experimentação animal são invasivas e, portanto, não podem ser
aplicadas ao estudo da plasticidade em seres humanos. Embora muito possa ser
aprendido a partir dos estudos realizados ao nível celular e com modelos de
experimentação animal, é difícil estabelecer conexões diretas entre mecanismo
celular e rearranjo neural, e então com as alterações funcionais. Existem informações
provocativas disponíveis e é possível fazer inferências, mas ainda há muito a aprender
sobre os mecanismos de plasticidade em seres humanos. (SCHENKMAN, 2016).
Um dos desafios na busca pela elucidação dos mecanismos de
neuroplasticidade é diferenciar as alterações que representam uma recuperação
neural verdadeira daquelas que representam alterações decorrentes de
compensação. A recuperação neural depende da restauração da função cerebral nos
tecidos neurais inicialmente perdidos em consequência de lesão ou doença. A
recuperação também pode se referir à habilidade de realizar tarefas e exibir
comportamentos gerais no mesmo nível que era possível antes da lesão ou doença –
referida como recuperação funcional. O termo compensação, por outro lado, se refere
ao tecido neural residual que assume as funções do tecido danificado ou perdido,
resultando potencialmente em diferenças de desempenho motor e de desempenho na

31
execução de tarefas, em comparação aos desempenhos observados antes da lesão
ou doença. (SCHENKMAN, 2016).

5.1.1 Plasticidade neural das células aos organismos

A plasticidade cerebral pode ser descrita em vários níveis diferentes do SNC,


desde as células individuais, passando pelas redes de neurônios até o
comportamento. Um aspecto central da plasticidade é o aumento (ou diminuição) de
sinapses, porque é por meio das sinapses que as células se comunicam e, portanto,
é por meio das sinapses que podem ocorrer alterações na comunicação entre os
neurônios. As manifestações estruturais de plasticidade ao nível das células
individuais incluem aumentos da arborização dendrítica, densidade espinal, número
de sinapses e densidade de receptores por meio do aumento da formação de espinha
dendrítica, poda, remodelamento e adição de novas sinapses. Essas alterações
estruturais ao nível da célula levam a alterações estruturais junto a grupos de células
(p. ex., colunas corticais, mapas corticais) que, por sua vez, podem resultar em
alterações de espessura da estrutura, densidade da substância cinzenta ou padrões
de atividade junto às redes neurais. Tais alterações, por sua vez, podem levar a
alterações comportamentais, evidenciadas pelas ações motoras e percepções
sensoriais, possivelmente resultando em alterações no desempenho geral de
execução de tarefas. Evidências consideráveis mostram o papel do treino na
mediação dessas alterações estruturais. (SCHENKMAN, 2016).

5.1.2 Medida da plasticidade neural

Quatro categorias distintas de plasticidade neural podem ser consideradas,


cada uma das quais aplicada em diferentes estudos experimentais. As duas primeiras
categorias de plasticidade neural estão relacionadas aos neurônios individuais e são
diferenciadas em alterações estruturais e alterações funcionais. As alterações
estruturais ocorridas em neurônios individuais incluem as alterações de arborização
dendrítica, densidade espinal, tamanho e número de sinapses, arborização axônica e
densidade de receptor. As alterações funcionais ocorridas em neurônios individuais

32
incluem os potenciais pós--sinápticos excitatórios (PPSE), atividade neural e
excitabilidade intrínseca. (SCHENKMAN, 2016).
As alterações na sinalização neuronal podem resultar em potenciação de longa
duração e/ou depressão de longa duração. Em algumas sinapses, a PLD e DLD
dependem de uma interação entre os dois tipos de receptores de glutamato –
receptores de ácido N-metil-D-aspártico (NMDA) e de a-amino-3--hidroxil-5-metil-4-
isoxazolpropionato (AMPA). Ambas, PLD e DLD, começam com o mesmo sinal – a
saber, a entrada de Ca2+, os receptores de NMDA e o trânsito de revia receptor de
NMDA. Assim, entre as moléculas importantes envolvidas na plasticidade, estão o
Ca2+ receptor AMPA. O fator neurotrófico derivado do encéfalo (BDNF) também
influencia a plasticidade neural. O BDNF afeta diretamente a plasticidade neural por
meio da modulação dos processos celulares e, indiretamente, por meio da modulação
de outros fatores que influenciam a plasticidade (p. ex., pode despolarizar
rapidamente os neurônios pós-sinápticos e deflagrar efeitos pós-sinápticos de curta
duração sobre os canais iônicos e NMDA). Sendo assim, a presença de BDNF
circulante às vezes é usada como medida indicadora de alterações plásticas.
Não deveria causar surpresa o fato de as alterações na expressão genética (i.
e., o processo pelo qual a informação oriunda do gene é usada para sintetizar produtos
relacionados, como aminoácidos e hormônios) também serem centrais às alterações
a longo prazo ocorridas no sistema nervoso. Afinal, a plasticidade envolve memória e
aprendizado (seja ao nível das células, seja ao nível do indivíduo). O aprendizado, por
sua vez, implica uma alteração de longa duração, manifestada por alterações na
distribuição ou densidade dos receptores de AMPA pós--sinápticos (entre outros).
Desse modo, a alteração de longa duração requer uma alteração na própria expressão
genética em si, a qual é mediada por alterações no ácido ribonucleico mensageiro
(mRNA) e nas proteínas relacionadas. Tais alterações na expressão genética e na
síntese proteica foram associadas à plasticidade, por exemplo, na formação
hipocampal de mamíferos. (SCHENKMAN, 2016).
Assim como os neurônios individuais podem apresentar alterações plásticas, o
mesmo ocorre com as populações de neurônios. Do mesmo modo, essas alterações
podem ser diferenciadas em alterações estruturais e funcionais. As alterações
estruturais em populações de neurônios podem ser medidas por meio de variáveis
como a espessura de estruturas particulares e a densidade da substância cinzenta.

33
As alterações funcionais podem ser medidas estruturalmente, por meio da
quantificação das alterações nos mapas sensoriais e motores.
As técnicas usadas para medir as alterações estruturais e funcionais incluem a
eletroencefalografia (EEG), que mede a atividade cerebral em geral; a tomografia por
emissão de pósitron (TEP), usada para obter imagens da atividade neural junto ao
córtex cerebral; a imagem de ressonância magnética funcional (fIRM), empregada
para quantificar as alterações no fluxo sanguíneo como medida indireta da atividade
sináptica durante a execução de tarefas específicas; e a magnetoencefalografia
(MEG), uma técnica usada para mapear a atividade cerebral por meio da gravação
dos campos magnéticos produzidos naturalmente no encéfalo. Além disso, a
estimulação magnética transcraniana (EMT) é usada extracranialmente para estimular
ou inibir o córtex subjacente e tem sido combinada a outras técnicas de imagem para
investigar as alterações neurais. Essas respostas podem ser medidas com potenciais
evocados motores (PEM), que são registrados a partir da musculatura após a
estimulação direta do córtex exposto. As técnicas utilizadas para observar as
alterações subsequentes ao treino com ou sem dano ou lesão neural possuem
limitações significativas. Muitas das técnicas usadas para observar alterações ao nível
do neurônio individual não podem ser usadas em estudos que envolvem seres
humanos, tendo utilidade apenas para os modelos de experimentação animal. Embora
o registro eletrofisiológico intra e extracelular possa identificar alterações e indique se
tais alterações são inibitórias ou excitatórias, é limitado em termos de número de redes
que podem ser examinadas de uma vez só. Em contraste, as técnicas de imagem
usadas para examinar alterações que ocorrem em populações de neurônios podem
ser facilmente aplicadas em estudos envolvendo seres humanos, além de poderem
fornecer informação sobre a atividade neural localizada. Essas técnicas, porém, não
conseguem determinar se essa atividade é inibitória ou excitatória ao nível neuronal.
(SCHENKMAN, 2016).

5.1.3 Consequências comportamentais da plasticidade neural

Os experimentos realizados com animais que ilustram as consequências


comportamentais da plasticidade neuronal mostram como as alterações na resposta
neuronal podem modificar o comportamento motor. Isso é bem demonstrado por uma

34
condição análoga à epilepsia. De modo específico, um neurônio estimulador é
implantado na amígdala e estimulado todos os dias em baixa intensidade. No começo,
a estimulação não produz resposta, mas ao ser repetida diariamente, resulta em uma
atividade convulsiva completa. Esse processo é referido como kindling (atiçar), por ser
semelhante ao atiçamento de fogo. Depois que a convulsão completa ocorre, é
possível iniciá-lo até mesmo após um ano com uma única e fraca estimulação.
Até o presente, uma grande parte dos estudos sobre plasticidade girou em
torno de duas alterações comportamentais: aquisição de habilidade motora e
memória. Considerando o papel dos núcleos da base, córtex motor e cerebelo na
aquisição de habilidade motora e no desempenho, não surpreende que os estudos
relacionados a essas funções tenham se centralizado nas alterações ocorridas nessas
áreas, associadas ao desempenho motor, aprendizado motor ou reaprendizado
subsequente à lesão. De maneira similar, em virtude do papel do hipocampo e da
amígdala na memória, os estudos relacionados à memória e à cognição costumam
girar em torno dessas últimas estruturas. (SCHENKMAN, 2016).

5.2 Plasticidade de estruturas corticais

5.2.1 Plasticidade durante o desenvolvimento

Colunas de dominância ocular


O sistema visual fornece um exemplo bem estudado de plasticidade neuronal
do desenvolvimento. Uma sequência ordenada de eventos ocorre no córtex visual
primário, durante o desenvolvimento, que está por trás do estabelecimento da visão
binocular normal e da percepção aprofundada (visão estereoscópica ou estereopsia).
Um evento inicial é o desenvolvimento das colunas de dominância ocular (na verdade,
das faixas ou bandas) na camada IVC do córtex visual. Trata-se de conjuntos de
neurônios contíguos arranjados em faixas, com cada faixa ocupando uma largura
cortical de aproximadamente 0,5 mm. Junto a uma dada coluna de dominância ocular,
os neurônios respondem aos estímulos do corpo geniculado lateral (CGL) de apenas
um dos olhos. De cada lado do encéfalo, as colunas se alternam entre si: uma recebe
estímulo do olho direito, sua vizinha recebe estímulo do olho esquerdo, a vizinha
dessa recebe estímulo do olho direito e assim sucessivamente. Essa segregação de
35
estímulos a partir dos neurônios do CGL que servem cada olho ocorre antes do
nascimento nos macacos e aparentemente é consequente do fato de os axônios do
CGL seguirem sinais moleculares de orientação. As colunas são então precisamente
definidas pelas milhares de ramificações de aferentes terminais dos olhos esquerdo e
direito, a partir do desemaranhamento dos terminais do CGL sobrepostos uns aos
outros. As colunas de dominância ocular discreta são geradas pelo remodelamento
dessas ramificações terminais. (SCHENKMAN, 2016).
Um evento pós-natal importante é o desenvolvimento de neurônios corticais
que respondem ao estímulo oriundo de ambos os olhos – ou seja, os neurônios
binoculares. Os neurônios binoculares responsivos se desenvolvem nas camadas
corticais situadas acima e abaixo da camada IVC, especificamente as camadas II, III,
V e VI. Seu desenvolvimento depende de pelo menos dois fatores:

(1) Uma convergência de estímulo sobre o neurônio da mesma camada III a


partir das colunas de dominância ocular dos olhos direito e esquerdo
adjacentes na camada IVC; e
(2) Uma chegada temporariamente coincidente de estímulo a partir dos
neurônios das colunas de dominância ocular direita e esquerda que servem
pontos correspondentes em ambas as retinas. Aqui, uma questão essencial
é o que ocorre quando uma patologia compromete o atendimento desses
critérios.

36
Essa questão é importante por causa da existência de duas condições clínicas
que afetam bebês humanos, ao longo de sua sequência de desenvolvimento normal.
A primeira condição é a catarata congênita, em que a opacidade das lentes do olho
impede a estimulação luminosa normal. Como consequência, a percepção do
estímulo padronizado e da forma é alterada. A segunda condição clínica é o
estrabismo, comumente referido como olho preguiçoso. O estrabismo afeta a
correlação temporal do estímulo para os neurônios binoculares. Normalmente, os dois
olhos são direcionados exatamente para o mesmo ponto em um alvo visual, porque a
atividade de um determinado músculo em um olho é precisamente equilibrada pela
atividade recíproca no olho oposto. O resultado é que pontos correspondentes nas
37
duas retinas formam imagem no mesmo local do espaço visual e ao mesmo tempo.
Então, o que acontece com as colunas de dominância ocular e os neurônios
binoculares no córtex visual, nessas duas condições clínicas?
Experimentos realizados com macacos e gatos abordaram essas questões e,
ao fazerem isso, revelaram que a conexão das células no córtex visual primário
apresenta um grau de plasticidade notável, embora temporariamente limitado. Deve
ser enfatizado que os sistemas visuais de macacos e gatos são mais desenvolvidos
ao nascimento, em comparação ao sistema visual humano. Embora as colunas de
dominância ocular se desenvolvam no pré-natal nesses animais, sua organização
pode ser influenciada no pós-natal pela alteração do equilíbrio do estímulo visual. Isso
é produzido quando se sutura uma pálpebra fechada. Esse procedimento elimina toda
a visão padronizada no olho suturado, porém sem lesioná-lo. (SCHENKMAN, 2016).
A privação visual monocular produz uma alteração drástica nas colunas de
dominância ocular junto ao córtex visual primário. Quando um traçador radioativo é
injetado no olho aberto, verifica-se a expansão das colunas. De modo significativo, a
configuração geral e a periodicidade das colunas não são afetadas. Em contraste,
quando um traçador radioativo é injetado dentro do olho suturado, verifica-se que as
colunas (faixas) desse olho sofrem um grave estreitamento, em comparação ao
observado no olho não suturado.
O mecanismo é descrito a seguir. Os dois olhos competem por contatos
sinápticos sobre as células estreladas na camada IVC. A ausência de luz na retina do
olho suturado impõe um grave obstáculo ao olho fechado nessa disputa. Isso leva a
uma poda excessiva das ramificações terminais das células geniculadas conduzidas
pelo olho privado, de modo que esse olho perde muitas das conexões já estabelecidas
ao nascimento. As colunas de dominância ocular do olho privado então diminuem. O
olho aberto, nessa competição, acaba sendo beneficiado pelos brotamentos de
terminais geniculados que ultrapassam os limites normais e passam a ocupar o
território abandonado pelos terminais do olho privado. Assim, as colunas do olho
aberto se expandem. (SCHENKMAN, 2016).
O correlato funcional dessa anormalidade no tamanho das colunas de
dominância ocular em animais submetidos à privação monocular é que a maioria dos
neurônios no córtex visual responde exclusivamente à estimulação por meio do olho
normal (não suturado). Nos animais normais, a maioria dos neurônios no córtex visual

38
é binocular, embora a maioria responda mais vigorosamente à estimulação de um
olho do que do outro.
Essa experimentação animal levou ao desenvolvimento do conceito de período
crítico. O período crítico é o tempo durante o qual a conexão entre os neurônios do
córtex visual permanece maleável e, portanto, vulnerável aos efeitos da privação
visual. Exemplificando, quando um olho fechado é suturado em um filhote de gato de
7-38 dias de idade, a coluna de dominância ocular jamais desenvolve uma resposta
ao olho suturado. Dessa forma, em um animal adulto, somente o olho não suturado
desenvolve uma coluna ocular. Em contraste, quando o olho é suturado após o
período crítico, a morfologia das colunas de dominância ocular não sofre nenhuma
alteração. Isso é o que se observa em animais submetidos a anos de privação
monocular. De modo correspondente, registros de eletrodo a partir de neurônios do
córtex visual de animais submetidos à privação visual depois de adultos mostraram
uma distribuição normal dos neurônios binoculares.
Em animais de diferentes idades, o fechamento monocular mostra que filhotes
de gato e macacos são vulneráveis aos efeitos nefastos da sutura da pálpebra
somente durante alguns meses após o nascimento. Durante esse período crítico, os
efeitos nefastos do fechamento palpebral monocular podem ser corrigidos com a
“reversão” da sutura da pálpebra (i. e., abrindo o olho suturado). As colunas encolhidas
do olho privado sofrem reexpansão, mas somente quando a sutura é revertida durante
o período crítico. (SCHENKMAN, 2016).
Aquisição da linguagem
Os períodos críticos observados na aquisição da linguagem são um exemplo
relacionado análogo aos períodos críticos observados no desenvolvimento da visão.
Foi desenvolvido um corpo de pesquisas considerável sobre a aquisição de uma
segunda linguagem na criança em desenvolvimento. Se essa criança é exposta a uma
segunda linguagem ao redor dos três anos de idade, será capaz de adquirir a segunda
linguagem como se fosse um falante nativo. Se a criança não for exposta à segunda
linguagem ao redor dos sete anos de idade, poderá ser um falante fluente, mas não
exibirá as alusões indiretas de um falante nativo. Uma criança que não é exposta à
segunda linguagem até a puberdade apresentará limitações quanto ao número de
palavras e, de modo mais significativo, quanto ao sentido da gramática da segunda
linguagem. (SCHENKMAN, 2016).

39
5.3 Plasticidade de mapa no sistema nervoso do adulto

Plasticidade de mapa normal (adaptativa)


É importante lembrar que o detalhe da resolução nos mapas corticais de
diferentes partes do corpo é determinado pela densidade da inervação
somatossensorial. Para o corpo, a densidade de inervação é maior nos dedos (e
também na língua), de tal modo que o mapa somatossensorial cortical para o corpo
exibe sua maior extensão e detalhamento para os dedos. O mapa de representação
do giro pós-central foi extensivamente estudado em termos de plasticidade. De modo
significativo, em qualquer indivíduo (eventos catastróficos limitantes, como a
amputação de um membro ou uma desaferentação periférica em massa), existe uma
estabilidade intrínseca e vitalícia na ordem sequencial da representação das partes
do corpo ao longo do giro pós-central. Os mapas podem diferir de um indivíduo para
outro quanto à proporção de córtex alocada para as diversas partes do corpo,
dependendo da experiência, mas a sequência topográfica permanece estável.
Plasticidade de mapa entre músicos. A hipótese da existência de marcadores
anatômicos de habilidades excepcionais no encéfalo parece ser intuitivamente óbvia.
Isso levou ao estudo da plasticidade de mapa no encéfalo de músicos profissionais
comparados a indivíduos não músicos. Em tecladistas, a prática intensiva por tempo
prolongado resulta em aumento do volume de substância cinzenta nas estruturas que
participam da mediação da ação de tocar o teclado. Essas alterações são
suficientemente extensivas para serem detectadas ao nível ma- essonância
magnética. A prática extensiva induz expansões não só das representações motoras,
como também das representações sensoriais. Dessa forma, no lado motor, o volume
de substância cinzenta na representação do dedo-mão junto ao cerebelo e giro pré-
central esquerdo é aumentada nos músicos com prática, em relação ao observado
nos indivíduos não músicos ou em músicos amadores. No lado sensorial, as
alterações ocorrem no lobo parietal direito, como seria de esperar, por consequência
ao seu papel no processamento da informação visuoespacial e orientação da função
motora especializada (i. e., visão-leitura da notação musical e transformação em
planos motores). O giro pós-central direito e o lobo parietal posterior apresentam
volumes maiores de substância cinzenta nos músicos com prática. Além disso, no
lobo temporal esquerdo, o giro de Heschl também está expandido e constitui uma

40
região neocortical de importância evidente para o monitoramento auditivo da precisão
com que os dedos são posicionados no teclado. (SCHENKMAN, 2016).
O treino não apenas induz aumento do volume de substância cinzenta, como
também a plasticidade ocorre na substância branca. Entre esses estudos sobre
aquisição de habilidades, um achado comum é a ampliação funcional uso-dependente
de estruturas do SNC que medeiam a habilidade em particular. O termo funcional é
usado aqui porque a reorganização estrutural do encéfalo ainda não foi identificada
pela tecnologia de neuroimagem atualmente disponível.
Plasticidade de mapa em resposta à lesão
Como a densidade de inervação nos dedos é grande demais e consequente do
alto nível de detalhamento do mapa somatossensorial cortical dos dedos, foram
realizadas numerosas pesquisas abordando a questão sobre o que acontece aos
mapas corticais da superfície do corpo quando a inervação daqueles mapas é
alterada. Exemplificando, o que acontece ao mapa quando um dedo é amputado? A
representação desse dedo sofre atrofia e desaparece? O que acontece ao mapa
quando um dedo recebe uma estimulação acima do normal? O mapa se expande? As
respostas para essas perguntas têm importância óbvia para a recuperação da função
após as amputações de partes do corpo ou lesões de nervos periféricos. Essas
perguntas foram abordadas inicialmente na década de 1980, em experimentos
realizados com maca- cos, que possuem uma elaborada representação cortical dos
dedos. (SCHENKMAN, 2016).
Quando um dedo é removido da pata de um macaco, a representação cortical
somatossensorial do dedo removido de fato parece desaparecer. Entretanto, a
representação antiga é assumida pelas expansões das representações dos dedos
adjacentes. Assim, quando o terceiro dedo é amputado, as representações do
segundo e quarto dedos assumem o comando da área anteriormente representada
pelo terceiro dedo. É claro que, em macacos, não é possível determinar as
consequências perceptuais da experiência sensorial dessa reinervação cortical. Ao
contrário, quando o estímulo cortical a partir de dedos específicos é intensificado ao
treinar um macaco a usar esses dedos na execução de uma tarefa recompensada,
após milhares de repetições, a representação cortical dos dedos ativos se expande
às custas dos outros dedos menos usados. De modo significativo, os campos
receptivos dos neurônios nas regiões corticais expandidas são correspondentemente

41
menores do que nos dedos da pata não treinada, fornecendo assim uma
representação cortical mais detalhada dos dedos treinados. Dessa forma, o campo
receptor diminui com o treino (i. e., maior densidade sináptica para localização mais
precisa) e, ao mesmo tempo, o tamanho geral do mapa aumenta (i. e., uma área maior
de córtex é dedicada a essa função). (SCHENKMAN, 2016).

5.4 Plasticidade mal adaptativa

Dor em membro fantasma


Um exemplo particularmente convincente da plasticidade de mapa diz respeito
ao fenômeno do membro fantasma, observado em seres humanos que sofreram
amputação. Indivíduos com membros amputados frequentemente continuam tendo
sensações vívidas do membro perdido – sentem não só a existência continuada do
membro como também seu movimento e, em certos casos, uma dor intensa
relacionada, por exemplo, a uma percepção de que o membro está travado em uma
posição desajeitada e dolorosa. O aparecimento da dor em membro fantasma indica
a persistência da representação cortical do membro no giro pós-central, mesmo com
a amputação. Adicionalmente, a ilusão de percepção resulta da projeção da ativação
pós-central nas operações do sistema somatossensorial. O membro fantasma
usualmente é percebido como uma parte integral da imagem corporal. Perna e braço
fantasmas frequentemente são reduzidos, terminando em suas extremidades distais,
em um pé ou mão de tamanho normal. Desse modo, a representação geral da forma
do corpo no giro pós-central é preservada, embora seja modificada por fatores de
ampliação para diferentes partes do corpo. (SCHENKMAN, 2016).
O que ocorre em alguns desses indivíduos que apresentam dor em membro
fantasma é a reorganização da estimulação sensorial do córtex somatossensorial
primário. Essa reorganização é explicada por um mecanismo consistente com o
mecanismo subjacente à reorganização observada após a amputação de um dedo em
macacos. A saber, as representações de partes do corpo adjacentes ao membro
perdido invadem o córtex desaferentado.
Para entender o que acontece em indivíduos com membros amputados, vários
fatores precisam ser entendidos. Primeiro, é preciso lembrar que a representação da
mão está localizada no córtex contralateral adjacente à representação da face. Assim,

42
a representação da mão está situada entre a do braço e a da face. Quando um
membro é amputado, os aferentes oriundos da face invadem o córtex anteriormente
inervado pelos aferentes da mão perdida. O mapa da mão continua sendo um mapa
completo e bastante detalhado. A topografia de todos os dedos é fielmente
representada, apesar do fato de a mão não estar mais ali e a inervação se originar em
outro local. Pelo menos a curto prazo, a representação da mão junto à área de córtex
agora invadida pela face ou braço continua sendo representada pelo encéfalo como
estando presente na mão perdida. Como consequência, a estimulação da face evoca
não só a experiência de estimulação facial esperada, como também uma sensação
referida à mão fantasma. (SCHENKMAN, 2016).
Houve um tempo em que se pensava que esse tipo de reorganização cortical
poderia ser um processo adaptativo subsequente à amputação, que protegia o
indivíduo contra o desenvolvimento de dor em membro fantasma. Entretanto, existe
uma correlação altamente positiva entre a magnitude da dor no membro fantasma e a
extensão da reorganização cortical no mapa de representação. Embora a causa da
dor no membro fantasma ainda seja especulativa, essa reorganização ocorre em
todos os indivíduos que apresentam dor em membro fantasma. No entanto, foi
observado que essa reorganização também ocorre entre indivíduos que sofrem
amputações e não apresentam dor em membro fantasma.
Dessa forma, um mapa de representação pós-central adaptado e alterado
parece ser uma condição necessária (todavia insuficiente) para o desenvolvimento da
dor em membro fantasma. Em alguns casos, essa reorganização cortical parece ser
dinamicamente mantida pela continuidade da estimulação periférica. Quando a
anestesia do coto de amputação via bloqueio do plexo braquial leva à eliminação da
dor durante o período de anestesia do braço, os mapas pós-centrais são revertidos
para o normal. Isto, contudo, não é observado em todas as pessoas que sofrem
amputações e sentem dor no membro fantasma. Então, quais são as potenciais
explicações para a reorganização cortical?
As alterações na dinâmica da operação em rede das montagens neuronais
existentes é uma possibilidade; a ativação de sinapses silenciosas provavelmente
também está envolvida. É provável que isso esteja envolvido nas alterações que
surgem de forma quase espontânea. Entretanto, isto também parece ser um fator
atuante na manutenção das alterações a longo prazo, conforme já mencionado com

43
a anestesia de um coto de amputação. As alterações estruturais podem ser operantes
nas alterações a longo prazo. Uma possibilidade é a captura de neurônios
desnervados pelo brotamento colateral nas inervações sobreviventes. O brotamento
poderia ocorrer em todos os níveis do sistema somático aferente após a desenervação
periférica. Portanto, o brotamento mesmo na zona de entrada dorsal da medula
espinal poderia contribuir para as amplas áreas de modificação encontradas no mapa
cortical pós-central. Esse mecanismo pode contribuir para as alterações significativas
ocorridas nos mapas de representação pós-centrais, onde amplas trocas de ordem de
12-20 mm parecem ser grandes demais para serem responsabilizadas pelas
alterações na dinâmica da operação do circuito local. (SCHENKMAN, 2016).
A ativação paradoxal da representação da mão por estimulação da face ou do
ombro é uma alteração plástica mal adaptativa sem utilidade funcional para a
percepção somática sensorial. Mesmo assim, esses achados relacionados ao
fenômeno da dor em membro fantasma mostram que os sistemas sensoriais intactos
têm a capacidade de ganhar acesso a estruturas do SNC que normalmente não são
servidas por eles. O significado disso para a reabilitação ainda é obscuro, mas o
princípio de que um sistema neural intacto pode ser explorado para ativar outro
dormente é certamente excitante. (SCHENKMAN, 2016).
Fibromialgia

Outro exemplo clínico relevante de plasticidade aberrante do sistema nervoso é a


fibromialgia. Evidências crescentes mostram que algumas contribuições ou, talvez, a
principal contribuição para o desenvolvimento dessa síndrome de dor
musculoesquelética difusa seja devida à sensibilização do SNC. Não está claro qual
fenômeno surge primeiro, a síndrome de dor muscular ou as alterações no SNC. Em
qualquer evento, parece haver uma predisposição genética para o desenvolvimento
dessa síndrome de dor crônica. O polimorfismo do gene da catecolamina
metiltransferase (COMT) implica uma possível aberração genética que envolve a
capacidade de metabolização de serotonina e catecolamina. Isso pode ser apenas um
substrato para as alterações que eventualmente ocorrem no encéfalo do indivíduo que
tem a síndrome. Em muitos indivíduos com fibromialgia, é possível identificar eventos
deflagradores que podem variar de uma lesão muscular verdadeira a infecções virais
ou bacterianas. Uma vez estabelecidos os sintomas, o exame de neuroimagem

44
mostra uma atividade dopaminérgica diminuída em todo o encéfalo e aumento da
ativação na ínsula, giro cingulado anterior e córtex somatossensorial. Além disso, os
marcadores de neuro-gênese presentes no líquido espinal se encontram alterados,
com aumento dos níveis de BDNF e níveis normais de substância P. Esses fatores
são especialmente ativos em muitos comportamentos plásticos. Entretanto, os
sintomas concomitantes de perturbações do sono e depressão encontrados em
muitos desses indivíduos tendem a obscurecer uma explicação mais definitiva para
esse problema crônico. (SCHENKMAN, 2016).

5.5 Conexões clínicas

5.5.1 Cataratas e estrabismo em bebês

A ambliopia se refere à acuidade visual diminuída em um dos olhos na ausência


de doença orgânica detectável no outro olho. A ambliopia ex anopsia é uma forma
grave de ambliopia atribuível ao não uso e supressão cortical da visão. Seu
desenvolvimento ocorre quando a retina é privada de estimulação visual padronizada,
contudo a visão pode ser parcial ou totalmente recuperada. A experimentação animal
levou ao estabelecimento de diretrizes importantes para o tratamento de bebês com
catarata e estrabismo grave.
Em crianças, a ambliopia por supressão é causada por qualquer opacidade
densa do meio ocular, mais comumente decorrente de catarata unilateral densa ou
ptose grave. Experimentos que usaram sutura reversa em filhotes de gato e em
macacos forneceram uma lógica mais forte para a intervenção antecipada em crianças
afetadas. A terapia efetiva depende da remoção cirúrgica antecipada da catarata
agressora, bem como do remendo vigoroso do olho normal aliado a uma correção
refrativa apropriada. De fato, o recém-nascido que sofre com opacidades densas de
lente bilaterais deve ser tratado logo após o nascimento, para evitar a perda visual
permanente por ambliopia bilateral. A extração da catarata realizada após o período
crítico anula a possibilidade de que a criança venha a usufruir de uma visão normal.
(SCHENKMAN, 2016).
Com o registro do resultado visual alcançado por crianças submetidas à
remoção cirúrgica de cataratas congênitas realizada em idades diferentes, foi
45
estabelecido que nos seres humanos o período crítico se estende por no mínimo
vários anos após o nascimento. Esse achado está de acordo com o fato de o sistema
visual humano ser menos bem desenvolvido ao nascimento do que no macaco. Do
mesmo modo, o conserto do olho dominante para melhorar a visão de um indivíduo
com ambliopia aparentemente é infrutífero, se induzido após o período crítico. No
entanto, uma vez terminado o período crítico, o sistema visual se torna insensível aos
efeitos nefastos da privação sensorial. Desse modo, em adultos, uma falta de
estimulação visual padronizada induzida por cataratas de evolução lenta não causa
comprometimento permanente da função visual. A remoção das cataratas, até mesmo
após décadas de desenvolvimento, restaura completamente a função visual.
Vários obstáculos significativos devem ser considerados ao extrapolar esses
achados experimentais para a prática clínica. Em primeiro lugar, comparar uma
catarata em um bebê à sutura de uma pálpebra fechada parece ser questionável. As
cataratas são sempre densas o bastante para excluir a quantidade de luz eliminada
por meio do procedimento experimental? Em segundo lugar, a ideia que a percepção
de profundidade jamais se desenvolve, a menos que o estrabismo grave seja
cirurgicamente corrigido durante a infância, não corresponde uniformemente à
realidade. (SCHENKMAN, 2016).
A percepção de profundidade depende amplamente da presença no córtex
visual de neurônios que respondam à estimulação de ambos os olhos e sejam
capazes de detectar as disparidades retinais excepcionalmente pequenas resultantes
do espaço que separa os dois olhos (separação interocular). Em alguma extensão, as
crianças compensam espontaneamente a diplopia induzida pelo estrabismo. Ver um
objeto bem de perto (mais ou menos a 2 cm) ou tombar a cabeça de modo a alinhar
o olho afetado ao olho normal resultaria em pelo menos algum grau de disparidade
retiana na detecção das células que estão sendo ativadas. Dessa forma, a eliminação
total de qualquer experiência binocular durante o período crítico não poderia ser
sempre admitida. E mesmo que alguns neurônios binoculares sobrevivam, o substrato
essencial para a estereopsia pode estar presente em um indivíduo que fixe o olhar
alternadamente com os dois olhos. Uma terapia apropriada e rigorosa para recuperar
a fixação binocular (fusão) pode então restaurar a estereopsia, até mesmo após
décadas de fixação ocular alternada. (SCHENKMAN, 2016).

46
5.5.2 Adultos com perda visual

Entre os adultos cegos, são encontradas evidências de alterações envolvendo


as áreas de associação polimodais. Similarmente, em experimentos realizados com
mamíferos jovens (ratos, macacos ou gatos) que são privados da visão, o número de
neurônios que respondem à informação somatossensorial e auditiva aumenta nas
áreas multimodais, como o colículo superior, região ectossilviana (gatos) e córtex
parietal (primatas). Além disso, experimentos demonstraram que as áreas tipicamente
responsivas aos estímulos visuais em animais dotados de visão começam a
responder a outros estímulos em animais privados da visão. Como exemplos, o córtex
ectossilviano anterior se torna predominantemente auditivo ou somatossensorial nos
animais que são privados da visão; a área de Brodmann 19 (que é o córtex visual em
macacos) responde à estimulação tátil em macacos sem visão.
O uso de técnicas comportamentais, eletrofisiológicas e de neuroimagem tem
mostrado alterações similares em indivíduos que perdem a visão (e também em
indivíduos que perdem a audição). Um exemplo são os exames de fIRM, que
demonstraram um recrutamento aumentado das áreas auditivas junto ao lobo parietal
inferior (área de Brodmann 40) quando os indivíduos examinados (que eram cegos)
processavam os estímulos de outras modalidades. Aprofundando esse aspecto, há
evidências de que o córtex primário para uma modalidade perdida (p. ex., perda da
visão) talvez seja capaz de processar outras modalidades. Adicionalmente, os córtices
de associação correspondentes à modalidade podem se tornar responsivos a outras
modalidades. Estudos realizados com seres humanos usando MEG e TEP, bem como
fIRM combinada à EMT, demonstraram que as áreas visuais posteriores são
inativadas durante o processamento somatossensorial em indivíduos cegos, enquanto
as áreas auditivas são ativadas durante o processamento visual e somatossensorial
em indivíduos surdos. Os mecanismos subjacentes à plasticidade transmodal estão
sendo investigados. (SCHENKMAN, 2016).

5.6 Plasticidade em seres humanos durante a recuperação do dano cerebral

Em animais e seres humanos, a natureza da reorganização cortical que se


segue ao dano ao SNC varia dependendo da idade; da extensão e localização da
47
lesão encefálica; da patologia encefálica específica; e da implementação de um
treinamento de reabilitação apropriado. Além disso, as variações individuais de
anatomia, desenvolvimento e função exercem um papel ainda indefinido. Não deve
causar surpresa, portanto, o fato de o estudo de populações de pacientes terem
fornecido uma variedade desconcertante de alterações encefálicas plásticas
subsequentes à lesão.
Os padrões de reorganização descritos até agora parecem seguir uma regra
lógica quando considerados ao nível dos sistemas: ou seja, a reorganização ocorre
junto ao sistema. Na doença de Alzheimer, por exemplo, a neuroimagem revela que
a compensação funcional ocorre junto ao sistema de memória: os neurônios
hipocampais sobreviventes podem ser mais ativos do que o normal (i. e., fazem o
mesmo com menos) ou o processamento da informação pode estar alterado para
modos diferentes junto ao sistema de memória associado (p. ex., para o córtex pré-
frontal para a memória de trabalho). Similarmente, na recuperação motora
subsequente ao AVE, ocorre reorganização nos demais componentes do sistema
motor. (SCHENKMAN, 2016).

5.6.1 Recuperação do acidente vascular encefálico

Os modelos de experimentação animal têm sido usados na exploração


experimental das alterações que poderiam ocorrer após o AVE e outras lesões
neurológicas. Achados encontrados em roedores submetidos a lesões experimentais
mostraram aumento de sinaptogênese e alterações do número e formato dos
dendritos. Todas essas alterações demonstram que o encéfalo responde à lesão, com
ou sem a implantação de estratégias de reabilitação específicas. Além disso, nos
modelos experimentais de AVE, foi demonstrado que a sinaptogênese e o
remodelamento dendrítico estão associados a aumentos da atividade neurológica de
mapas motores nos córtices cerebrais ipsilesional e contralesional. Com o
treinamento, ocorre regulação positiva (ou aumento da síntese) de BDNF, que é
comprovadamente importante na neurogênese e no aprendizado.
Os dados de neuroimagem obtidos de seres humanos com aplicação de várias
tarefas de ativação cerebral sugerem que a recuperação funcional após o AVE é
mediada primariamente por uma reorganização em desenvolvimento da atividade

48
cortical junto ao córtex perilesional e estruturas conectadas ao sítio de lesão, junto ao
hemisfério danificado – e não por uma mudança de função exclusivamente para o
hemisfério não danificado contralateral, ainda que essa possibilidade exista. Os
registros eletrofisiológicos e de imagem cerebral metabólica e estrutural comprovam
a reorganização da atividade neuronal nos córtices motores primários ipsilesional e
contralesional, bem como no córtex pré-motor dorsal. (SCHENKMAN, 2016).
Os exames de neuroimagem estão começando a esclarecer o modo como
prever quais indivíduos são propensos a recuperar a função motora após um AVE.
Exemplificando, os indivíduos com baixa atividade no córtex motor primário
contralesional e evidências de potenciais evocados motores (PEM) em resposta à
EMT são mais propensos a se recuperarem dos déficits motores associados ao AVE,
em comparação àqueles que não exibem tais respostas. Além disso, alguns indivíduos
apresentam PEM mensuráveis após a estimulação por EMT, ao contrário de outros.
Aqueles com PEM mensuráveis parecem ter um prognóstico melhor. Os indivíduos
sem resposta de PEM podem ser adicionalmente divididos quanto ao uso de imagem
por tensor de difusão, que permite a avaliação dos tratos de substância branca no
encéfalo. A imagem por tensor de difusão é uma técnica de RM dependente de
características estruturais de difusão na água que consegue fornecer imagens
específicas das conexões de substância branca entre as regiões encefálicas.
Indivíduos com integridade significativamente diminuída dos tratos de substância
branca no lado ipsilesional tenderam a não apresentar uma recuperação significativa.
O exame preliminar dos tratos corti-cospinais sugere que a integridade desses tratos
pode ser o fator mais importante em termos de recuperação durante o estágio agudo
subsequente ao AVE, enquanto as alterações envolvendo o circuito cortical motor
local poderiam ser mais relevantes durante os primeiros três meses subsequentes ao
AVE. A estimulação do sistema nervoso com o uso de técnicas como a EMT também
está sendo investigada. Quase todos os estudos realizados até o presente
demonstraram uma excitabilidade aumentada em resposta a esse tipo de estimulação
do córtex motor ipsilesional (M1). No entanto, esses estudos usaram amostras
pequenas e ainda há necessidade de estudos confirmatórios. (SCHENKMAN, 2016).
A recuperação do AVE parece ser mediada por mecanismos que são
exclusivamente destinados a esse tipo de dano cerebral e que não são ativados, por
exemplo, após uma lesão cerebral traumática – pelo menos até onde revelaram os

49
estudos empregando modelos de experimentação animal. Na lesão cerebral
traumática, o córtex perilesional (situado no lado externo de uma borda de tecido
cicatricial glial) gera um microambiente favorável que facilita dois eventos celulares:

(1) O brotamento axônico, de modo a permitir a formação de novas conexões


junto ao hemisfério lesionado; e
(2) Uma migração de neurônios imaturos para dentro do córtex perilesional, a
partir de células-tronco periventriculares.

Impacto das intervenções farmacológicas


Algumas intervenções farmacológicas têm recebido atenção considerável
como potenciais mediadores de neuroplasticidade após o AVE. Aqui, o conceito é usar
agentes farmacológicos capazes de regular positivamente as vias de sinalização
intracelular endógenas que dirigem a plasticidade sináptica. As anfetaminas, por
exemplo, foram implicadas na neuroplasticidade por seu papel na modulação da
excitabilidade cortical. Foram conduzidos estudos pré-clínicos empregando modelos
de experimentação com roedores e gatos, com o objetivo de avaliar se o tratamento
com anfetamina combinada com atividade poderia melhorar a recuperação.
As anfetaminas são alvo de interesse porque comprovadamente aumentam a
liberação pré-sináptica de dopamina e noradrenalina, ao mesmo tempo em que inibem
a captação de neurotransmissores. Outra abordagem consiste em usar fármacos
capazes de intensificar a atividade do sistema colinérgico. Esse sistema é interessante
porque comprovadamente modula a atividade neural em todo o córtex, além de
melhorar a memória e a função executiva em indivíduos com doença de Alzheimer.
Se por um lado tais achados são atraentes, por outro é preciso notar desde o início
que os dados fornecidos por alguns estudos ainda são contraditórios. Uma possível
explicação para as diferenças observadas nos achados desses estudos é que outros
fatores, como a motivação, podem exercer um papel modulador importante que
precisa ser considerado. (SCHENKMAN, 2016).
Princípios emergentes relacionados à recuperação do acidente vascular
encefálico
Aparentemente, um tema comum na pesquisa sobre plasticidade é o fato de a
plasticidade ser a distribuição de alterações funcionais e/ou estruturais que ocorrem
em áreas múltiplas (e não isoladas). Em nenhum outro lugar isto é tão bem ilustrado

50
quanto na medula espinal. Com uma lesão medular espinal traumática localizada e
treinamento intensivo em esteira no pós-lesão, quase toda a medula espinal sofre
redistribuição plástica de atividade, de modo que a cinemática locomo-tora é
reaproximada daquela observada em indivíduos normais. Entretanto, os padrões de
atividade muscular associados aos segmentos supra e infralesionais diferem daqueles
presentes nos indivíduos normais, indicando que novas sinergias musculares estão
por trás da recuperação. Essa plasticidade distribuída é provavelmente auxiliada por
mecanismos atuantes nos níveis espinal e cortical. (SCHENKMAN, 2016).
Com base nas evidências disponíveis até o momento, estão emergindo alguns
princípios relacionados à plasticidade e recuperação após o dano cerebral. Em
primeiro lugar, é preciso lembrar que, após uma lesão ou doença, ocorre diásquise,
implicando a ocorrência de disfunção em estruturas encefálicas estruturalmente
intactas. Isto pode ser conceitualizado como uma desfacilitação subsequente à perda
da estimulação excitatória. A diásquise resulta de alterações envolvendo o
metabolismo, fluxo sanguíneo, inflamação, edema e excitabilidade neuronal. O
resultado final pode ser uma perda funcional temporária. A melhora funcional
subsequente à lesão pode ocorrer com a resolução desses problemas. Contudo, a
perda funcional pode ser complicada se o indivíduo desenvolver estratégias
comportamentais compensatórias que evitem o uso de áreas comprometidas no
desempenho da função. Com as estratégias compensatórias, os circuitos motores que
poderiam ter funcionado normalmente são negligenciados e, com isso, agravam ainda
mais a perda sofrida pelo indivíduo. A restauração da função pode então requerer a
recuperação do controle de vias existentes ainda não utilizadas. Por esse motivo, a
melhora funcional não deve ser confundida com neuroplasticidade por si só. Na esfera
da plasticidade, ainda não está esclarecido até que ponto o córtex cerebral se adapta
às funções existentes e aceita novas funções e circuitos. (SCHENKMAN, 2016).
Nesse sentido, Nudo e colaboradores conduziram uma série de experimentos
com macacos, nos quais primeiro foi traçado cuidadosamente o mapa cortical motor
para representação da pata. Os pesquisadores então induziram um AVE de infarto
cortical mínimo em uma área representativa do movimento da pata e do punho. Como
resultado, o macaco apresentou dificuldade para realizar movimentos habilidosos com
o punho e dedos, além de perder a representação do punho e da pata no córtex motor.
De modo significativo, a extensão da perda cortical ultrapassou a área do punho e da

51
pata afetada pela lesão inicial. Com o treinamento para execução de tarefas que
exigiam o uso do punho e dos dedos, houve melhora do uso funcional do membro do
macaco, enquanto as representações do mapa motor também foram parcialmente
restauradas. Esses achados experimentais foram interpretados como significativos do
reestabelecimento da conectividade neural naquelas are-as. Esse experimento pode
ilustrar a diásquise com resultante perda de conectividade por desuso, e a
recuperação da função com reativação de vias persistentes por meio do treinamento.
(SCHENKMAN, 2016).
O que parece ser claro é que a recuperação após o dano cerebral envolve
aprendizado. Sendo assim, o conhecimento abrangente da neurobiologia do
aprendizado é importante para determinar as estratégias de reabilitação apropriadas.
A falha em dirigir funções cerebrais específicas pode levar à degradação funcional,
conforme experimentalmente ilustrado após a amputação de dedos que resulta em
alterações de mapas corticais. Nesse contexto, é importante perceber que ocorre
remodelamento até mesmo na ausência de reabilitação. Por isso, existem três
perguntas que devem ser respondidas:
1. O que pode direcionar o remodelamento em uma direção ideal?
2. Como pode ser otimizada a extensão do remodelamento?
3. Até que ponto pode haver remodelamento da estrutura e função cerebral
após dias, meses e até anos do evento da lesão?
Por fim, deve-se reconhecer que a idade tende a exercer papel importante na
determinação da extensão com que a plasticidade pode ocorrer. A capacidade
neuroplástica é alterada no encéfalo envelhecido. Com a diminuição da reorganização
de mapa cortical, sinapto-gênese e potenciação sináptica experiência dependente,
observa-se uma atrofia sináptica neuronal amplamente disseminada.
Recuperação da função da mão
A recuperação da função da mão após um AVE que danificou o córtex motor
primário é possibilitada pelo desvio da atividade para áreas corticais alternativas no
hemisfério danificado que tenham acesso direto aos motoneurônios inferiores situados
na medula espinal, via sistema piramidal (ver Caps. 11 e 20). Isto incluiria o córtex
pré-motor, a área motora suplementar (AMS) e o córtex motor cingulado – todos
somatotopicamente organizados e podendo exibir atividade aumentada na execução
de tarefas motoras envolvendo a mão recuperada. Além disso, a lateralidade da

52
atividade pode mudar. Em indivíduos normais, por exemplo, o movimento digital de
baixa frequência é acompanhado da ativação exclusivamente contralateral dos
córtices motor primário e pré-motor, independentemente de qual mão seja usada. Em
contraste, nos indivíduos que recuperaram a função da mão após sofrerem um AVE,
o uso da mão afetada na execução do mesmo movimento digital de baixa frequência
é realizado por meio de uma ativação bilateral dos córtices motor primário e pré-motor.
(SCHENKMAN, 2016).
Os mecanismos subjacentes aos desvios plásticos neocorticais na atividade
neural ainda são especulativos em seres humanos. Contudo, o potencial
intuitivamente faz sentido. Por algum motivo, as representações de partes do corpo
localizadas são mantidas por interneurônios inibitórios intracorticais lateralmente
direcionados, que liberam o transmissor ácido y-aminobutírico (GABA). Quando esses
neurônios intracorticais inibitórios são danificados, as representações de partes
corporais poderiam se expandir por meio da revelação de conexões neurais
preexistentes, porém inefetivas. Outros potenciais mecanismos incluem o crescimento
dendrítico e a proliferação de espinhas adicionais, brotamento axônico com formação
de novas sinapses, alterações da eficácia sináptica (como PLD e DLD) e protocolos
de treinamento de reabilitação. (SCHENKMAN, 2016).
Recuperação da linguagem
A recuperação da função da linguagem após o AVE envolve a ocorrência de
desvios na atividade junto ao sistema da linguagem. O estudo de pacientes com afasia
que sofreram AVE crônico indica que a recuperação da linguagem é mediada por um
aumento da atividade no tecido perilesional não danificado, no hemisfério esquerdo
afetado, bem como pelo recrutamento de “áreas de linguagem” homólogas junto ao
hemisfério direito (que, aparentemente, é menos importante). Entretanto, essa não é
uma revelação totalmente transparente dos mecanismos de recuperação.
Exemplificando, os desvios hemisféricos na atividade podem depender da fase de
recuperação e, portanto, variam ao longo do tempo na população de pacientes.
(SCHENKMAN, 2016).
Com relação a esse aspecto, foi avaliado o impacto da música com sua letra
sobre a reabilitação de indivíduos que sofreram AVE. A exposição à música melhora
a plasticidade cerebral ao aumentar a neurogênese no hipocampo; modificar a
expressão do receptor de glutamato GluR2 no córtex auditivo e giro cingulado anterior;

53
aumentar os níveis de BDNF no hipocampo e hipotálamo; e aumentar os níveis de
receptor de tirosina cinase B (TrkB), um receptor de BDNF, no córtex cerebral.
(SCHENKMAN, 2016).

5.7 Conexões clínicas

Achados estão começando a emergir a partir de estudos que exploram os


efeitos do exercício intenso sobre estruturas encefálicas e alterações
comportamentais. Um dos melhores estudos a demonstrar as alterações estruturais e
funcionais associadas ao exercício está relacionado à ocorrência de alterações
cognitivas em adultos de idade avançada. Um programa de exercícios aeróbios com
duração de um ano promoveu aumento do tamanho do hipocampo, enquanto os
indivíduos incluídos em um programa de exercícios de alongamento apresentaram um
grau esperado de declínio no tamanho do hipocampo, no decorrer do período de um
ano. Além disso, os indivíduos que se exercitaram vigorosamente apresentaram
melhoras na execução de tarefas que exigiam memória espacial (demonstrando,
assim, melhoras anatômicas e comportamentais). Adicionalmente, as alterações dos
níveis de BDNF circulante foram associadas a um volume hipocampal aumentado.
(SCHENKMAN, 2016).

5.7.1 Estratégias de intervenção

Várias estratégias foram desenvolvidas para auxiliar a recuperação motora, as


quais poderiam ser explicadas com base em experimentos realizados com animais
sobre alterações relacionadas à plasticidade. A terapia por contenção induzida (TCI)
é uma estratégia desse tipo que foi investigada em indivíduos no pós-AVE. Na TCI, o
membro ipsilateral à lesão é restringido por muitas horas ao longo do dia, de modo a
obrigar o membro superior com comprometimento funcional a operar ativamente.
Existem critérios para o grau de função requerido ao uso dessa abordagem, incluindo
(entre outros) um grau mínimo de movimento ativo no punho e na mão do membro
superior afetado. (SCHENKMAN, 2016).
A TCI comprovadamente melhora a habilidade motora do braço parético, bem
como o uso funcional do membro. Os movimentos de uso forçado realizados durante
54
a TCI provavelmente deflagram o remodelamento de estruturas corticais que auxiliam
as melhoras da função motora. Uma abordagem relacionada é o treinamento em
esteira sustentado pelo peso corporal, que tem sido usado com frequência em casos
de indivíduos com diversas condições, incluindo lesão de medula espinal (LME), AVE
e incapacitações do desenvolvimento (p. ex., síndrome de Down), entre outras. Nessa
abordagem, o indivíduo se exercita em uma esteira, tendo parte do próprio peso
corporal sustentada com arreios, para que seus déficits de equilíbrio e controle motor
não o impeçam de caminhar. A esteira é ajustada em uma velocidade relativamente
rápida. Uma possível explicação para os benefícios proporcionados por essa
abordagem é que, assim como a TCI, ela pode potencialmente promover o
remodelamento do SNC por meio da repetição do movimento de caminhada que o
paciente, de outro modo, estaria fraco demais para realizar sem a eliminação parcial
do peso corporal.
É preciso notar que um volume crescente de evidências sugere que o exercício
de resistência, como os exercícios de condicionamento aeróbio, também podem
resultar em alterações neuroplásticas. Possivelmente, as abordagens de exercícios
envolvendo resistência e habilidade atuam por mecanismos distintos. (SCHENKMAN,
2016).

5.7.2 Princípios de intervenção

Com base nos trabalhos de experimentação animal atualmente disponíveis,


bem como nas evidências recentes obtidas com seres humanos, Kleim e Jones
recentemente sugeriram 10 princípios de plasticidade neural dependente de
experiência e a tradução desses princípios para o encéfalo danificado. Os princípios
são descritos por Schenkman (2016) de forma sucinta.
Princípio 1: usar ou perder. Se um indivíduo não se exercita após sofrer dano
cerebral, é provável que ocorra degradação de vias e degradação funcional adicional.
Princípio 2: usar e melhorar. Esse princípio considera o contrário. O
treinamento que promove uma função cerebral específica pode levar à melhora dessa
função.
Princípio 3: a especificidade do treino é importante. Nesse sentido, evidências
indicam que a aquisição de habilidade (e não apenas para uso) requer treinamento.

55
Exemplificando, ratos com lesões unilaterais no córtex motor requerido para a
execução de movimentos de alcance habilidosos mostraram aumentos das áreas
corticais relacionadas, ao contrário dos ratos que faziam movimentos sem habilidade.
Similarmente, seres humanos treinados para executar movimentos habilidosos com o
tornozelo apresentaram excitabilidade corticospinal, ao contrário dos participantes do
estudo que foram treinados para executar movimentos de tornozelo repetidos e não
habilidosos.
Princípio 4: a repetição é importante. O número de repetições necessárias
para produzir alterações detectáveis no encéfalo é significativamente maior do que o
número de repetições necessárias para produzir alterações comportamentais. Isto foi
demonstrado em experimentos realizados com ratos, nos quais ocorreram alterações
comportamentais no início do treino, mas foram necessários vários dias de exercício
para que a força e o número de sinapses mudassem.
Princípio 5: a intensidade é importante. Além da repetição, a intensidade do
estímulo é importante. De fato, a estimulação de baixa intensidade na verdade pode
resultar em enfraquecimento das respostas sinápticas (DLD), enquanto a estimulação
de alta intensidade pode fortalecer as respostas (PLD). Entretanto, existe um
obstáculo: é preciso haver equilíbrio entre uma intensidade que seja suficiente para
resultar em neuroplasticidade sem usar uma intensidade que seja suficiente para
causar danos adicionais ao sistema nervoso.
Princípio 6: o momento é importante. Esse princípio envolve vários aspectos
relevantes. Em primeiro lugar, é importante lembrar que a lesão encefálica é um
processo e não um evento isolado. Ocorre uma série inteira de eventos que vão de
alterações moleculares, passando por alterações celulares até alterações estruturais.
Assim como existem períodos críticos durante o desenvolvimento, é possível que
existam períodos críticos durante a restauração da função após a lesão encefálica.
Quando a atividade intensa é iniciada muito precocemente, pode ser destrutiva em
vez de construtiva. E quando a atividade intensa é introduzida tarde demais, é possível
que o período crítico já tenha passado.
Princípio 7: a ênfase é importante. É importante que as intervenções tenham
significado para poderem promover alterações no sistema nervoso. Há muito tempo,
sabe-se que a emoção modula a força da consolidação da memória. De modo
semelhante, experimentos que empregam modelos de experimentação animal

56
mostram que a motivação e a atenção são necessárias para que as estratégias de
reabilitação efetuem alterações.
Princípio 8: a idade é importante. Está claro que o encéfalo mais novo é mais
plástico do que o encéfalo mais velho.
Princípio 9: transferência. A transferência se refere à habilidade de um
conjunto de circuitos neuronais promover plasticidade concomitante ou sub- sequente.
Exemplificando, sabe-se que o treinamento para execução de tarefa que requer o
movimento preciso de um dedo leva a uma excitabilidade corticospinal aumentada,
com expansão das áreas corticais que representam os músculos da mão. Foi
demonstrado que a aplicação repetitiva de EMT sobre o córtex motor ao mesmo tempo
em que uma tarefa é executada pode melhorar a aquisição da habilidade. Esse
conceito foi aplicado ao retreinamento motor após o AVE e também está sendo
explorado no tratamento da depressão.
Princípio 10: interferência. A interferência se refere ao conceito de que a
plasticidade junto a um dado circuito neural pode interferir ou prevenir a expressão de
nova plasticidade junto ao mesmo circuito. Nesse sentido, a reabilitação que beneficia
uma habilidade pode, de fato, ser prejudicial para outra. Exemplificando, os roedores
treinados na execução de uma tarefa de aprendizado espacial mostram que a
saturação da potenciação sináptica junto ao hipocampo compromete o aprendizado
subsequente. Do mesmo modo, foi constatado que ratos treinados para usar o
membro ipsilateral após uma lesão cortical unilateral apresentam uso reduzido do
antebraço comprometido. Isso é particularmente relevante para determinar quando e
até onde é apropriado retreinar os pacientes para compensar os efeitos de um AVE.
Embora esses achados sejam atraentes, ainda há muito a aprender para que
se possa saber quais são as estratégias de intervenção mais efetivas para conduzir o
sistema nervoso e as alterações comportamentais na função motora após o dano ao
sistema nervoso. É necessário, por exemplo, identificar os pacientes aos quais essas
estratégias deveriam ser aplicadas. Além disso, é importante determinar o momento
em que a intervenção deve ocorrer e as estratégias mais apropriadas, com base na
natureza e no grau de lesão. Por fim, ainda falta um longo caminho a ser percorrido
no que se refere ao conhecimento da relação existente entre as alterações
comportamentais e corticais subjacentes às alterações funcionais. (SCHENKMAN,
2016).

57
6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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