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Diagnóstico Tardio de Autismo em Adultos

Resumo

O artigo aborda as principais dificuldades em obter diagnóstico de Transtorno do


Espectro Autista (TEA) com ênfase em adultos. Foram mencionadas a escassez
de profissionais especialistas seja na Medicina, Psicologia, Fisioterapia,
Fonoaudiologia, Nutrição, Pedagogia e outras áreas assim como o custo elevado
e as dificuldades impostas pelos planos de saúde. Foram também elencados os
direitos bem como impactos do diagnóstico na qualidade de vida e na inserção no
mercado de trabalho através das cotas PcD. Aspectos psicológicos foram
relatados bem como o uso da internet para divulgar questões relativas a vida
social e afetiva da comunidade autista adulta.

Palavras-chave: TEA em adultos, diagnóstico tardio, direitos.

Abstract

The article addresses the main difficulties in obtaining diagnosis of Autism


Spectrum Disorder (ASD) with emphasis on adults. The scarcity of specialist
professionals were mentioned, whether in Medicine, Psychology, Physiotherapy,
Speech Therapy, Nutrition, Pedagogy and other areas, as well as the high cost and
difficulties imposed by health insurance companies. The rights and the impacts of
the diagnosis on quality of life and insertion in the labor market were also listed.
Psychological aspects were reported as well as the use of the Internet to
disseminate issues related to the social and affective life of the adult autistic
community.

Keywords: ASD in adults, late diagnosis, rights


1. Dificuldades em obter o diagnóstico

A discussão sobre o Transtorno do Espectro Autista (TEA) na fase adulta ainda é


restrita, mas isso não significa que as pessoas deixem de fazer parte do espectro
com o avançar da idade. O TEA é uma condição para a vida toda, e compreender
seu funcionamento em cada fase da vida é fundamental para garantir qualidade de
vida e inclusão social das pessoas com autismo. O Transtorno não caracteriza
uma doença, mas sim uma variação do funcionamento típico do cérebro. No
manual de diagnósticos de saúde mental, o DSM-5, o TEA faz parte dos
transtornos do desenvolvimento neurológico, no qual os sintomas tendem a se
manifestar nos primeiros anos de vida. Esses sintomas são principalmente déficits
em funções de comunicação, sociabilidade e interação, e a presença de
comportamentos, interesses e atividades restritas e repetitivas. Eles podem estar
presentes em maior ou menor intensidade. Os sintomas já surgem no primeiro ano
de vida, os bebês não mantêm contato visual efetivo e não olham quando você
chama. Além de não reagirem às brincadeiras. Os sintomas nas crianças são bem
evidentes, entretanto em adultos o diagnóstico é mais minucioso, pois os adultos
aprenderam a mascarar os sinais para melhor se adaptar aos desafios de um
mundo que ainda não entende o autismo. Há inúmeros obstáculos para o
diagnóstico de adultos como:

1. Escassez de profissionais de saúde mental especializados em autismo:


neuropediatras, psiquiatras, neurologistas, neuropsicólogos.

2. O tempo de espera no SUS pode levar a 3 anos, infelizmente na rede


privada não é diferente.

3. O custo elevado dos testes, exames, avaliação clínica dentre outros.

4. Ausência de neuropsicólogos no SUS.

5. A recusa dos planos de saúde em cobrir avaliações neurocognitivas e


neuropsicológicas.

Outro fato sobre o diagnóstico relacionado a escassez de profissionais


especialistas em TEA faz com que os sintomas sejam facilmente confundidos
com Transtorno Generalizado de Ansiedade, Depressão, Esquizofrenia, Fobia
Social, Transtorno Afetivo Bipolar, Neurose, Paranoia, Transtorno de
Personalidade Narcisista, Transtorno de Adaptação e também Sociopatia
confundida com a falta de empatia. A maioria dos profissionais de medicina e
psicologia desconhecem a existência de escalas de avaliação de TEA. Trágico!
Trágico porque muitos desistem, sejam mães, pais e a própria pessoa com
autismo. Desistir da pior e irreversível forma, cancelando a própria existência, o
risco de suicídio e infantícídio são reais e estão nas notícias dos jornais.

Quando o adulto suspeita estar no espectro autista, ele já teve prejuízos


sociais significantes como bullying na escola, no trabalho, crises sensoriais,
burnout, meltdown, sentimentos inadequação, de não pertencimento ao grupo,
de isolamento, de solidão, de culpa e vergonha tóxica com intensa e frequente
frustração por não manter laços sociais. Tal quadro, impacta a vida
escolar/acadêmica, profissional, familiar, afetiva e social de forma que, adultos
autistas tem 9 vezes mais riscos de cometer suicídio e crianças autistas 28
vezes mais riscos de tirar a própria vida, segundo a Fundação Norfolk and
Suffolk NHS Foundation Trust na Inglaterra. Entretanto, autistas buscam
desesperadamente serem aceitos, fazer amizades, expandir experiências
entrentanto não encontram acolhimento em suas necessidades específicas
como neurodivergentes. Que necessidades seriam estas? Autistas tem
hipersensibilidade sensorial auditiva, visual, olfativa, tátil só para citar algumas
dificuldades. E como adultos se divertem? Em bares, casas noturnas onde o
som está acima dos decibéis toleráveis até para neurotípicos, imaginem para
uma pessoa atípica cujo cérebro funciona de forma diferente. Ruído
execessivo pode causar desorientação, stress, sobrecarga senosrial, exaustão.
Não existe tortura mais cruel que submeter uma pessoa autista a esses
ambientes ruidosos. Quantos amigos estão dispostos a manter amizade com
alguém que, em hipótese alguma, suporta esses ambientes nocivos à saúde?
Sobram poucos amigos, se é que sobra algum. Muitos autistas preferem o
isolamento a mais sacrifícios por socializar-se. É um preço muito alto a pagar
perder a própria saúde para agradar terceiros. Primeira dificuldade já em tenra
idade é de interagir, socializar e também se comunicar, pois autistas não
entendem as sutilezas das regras sociais, das pistas não verbais como as
expressões faciais e a linguagem corporal. É essencial que desde a tenra
infância, as crianças autistas recebam orientação sobre como identificar sinais
visuais e não visuais da comunicação social e verbal. Sabemos que o
diagnóstico de TEA na infância envolve equipe multidisciplinar: pediatra,
psiquiatra, neurologista, neuropsicólogo, psicopedagogo, nutricionista,
terapeuta ocupacional, fisiterapeuta, fonoaudiólogo com treinamento específico
em TEA. Embora a conscientização sobre o autismo tenha se disseminado
desde a criação do Dia Mundial do Autismo em 2007 pela Organização Mundial
de Saúde (OMS), ainda há muita desinformação, preconceito, tabus e
capacitismo em relação a pessoa autista. Culturalmente,    muitas famílias
especialmente de países em desenvolvimento devido a crenças religiosas
consideram o autismo um "karma" e escondem o familiar privando-o de
terapias, da educação, do aprendizado social mantendo-o em cárcere privado.
Mesmo com a evolução da Ciência, o fator cultural é o maior empecilho para o
diagnóstico e acolhimento da pessoa autista no seu seio familiar.

2. Aspectos legais do Diagnóstico de TEA

A Lei Berenice Piana (2012) garante que autistas são considerados deficientes
para todos os efeitos legais, gozando plenamente dos direitos contemplados
pelo Estatuto do Deficiente. Vale a pena ler este manual de direitos produzido
pela Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo:

 https://www.saopaulo.sp.leg.br/escoladoparlamento/wp-content/uploads/sites/
5/2021/11/Manual-dos-Direitos-da-Pessoa-com-Autismo.pdf

Aqui uma breve síntese legal das direitos das pessoas com autismo:

Sancionada em 8 de janeiro de 2020, a Lei 13.977, conhecida como Lei Romeo


Mion, cria a Carteira de Identificação da Pessoa com Transtorno do Espectro
Autista (Ciptea). A legislação vem como uma resposta à impossibilidade de
identificar o autismo visualmente, o que com frequência gera obstáculos ao
acesso a atendimentos prioritários e a serviços aos quais os autistas têm direito,
como estacionar em uma vaga para pessoas com deficiência. O documento é
emitido de forma gratuita por órgãos estaduais e municipais.

Além destas políticas públicas mais abrangentes, vale destacar algumas


legislações que regulam questões mais específicas do cotidiano.

Lei 13.370/2016: Reduz a jornada de trabalho de servidores públicos com filhos


autistas. A autorização tira a necessidade de compensação ou redução de
vencimentos para os funcionários públicos federais que são pais de pessoas com
TEA.

Lei 8.899/94: Garante a gratuidade no transporte interestadual à pessoa autista


que comprove renda de até dois salários mínimos. A solicitação é feita através do
Centro de Referência de Assistência Social (CRAS).
Lei 8.742/93: A Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), que oferece o
Benefício da Prestação Continuada (BPC). Para ter direito a um salário mínimo
por mês, o TEA deve ser permanente e a renda mensal per capita da família deve
ser inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo. Para requerer o BPC, é necessário
fazer a inscrição no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal
(CadÚnico) e o agendamento da perícia no site do INSS.

Lei 7.611/2011: Dispõe sobre a educação especial e o atendimento educacional


especializado.

Lei 7.853/ 1989: Estipula o apoio às pessoas portadoras de deficiência, sua


integração social, institui a tutela jurisdicional de interesses coletivos ou difusos
dessas pessoas, disciplina a atuação do Ministério Público e define crimes.

Lei 10.098/2000: Estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da


acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida.

Lei 10.048/2000: Dá prioridade de atendimento às pessoas com deficiência e


outros casos.

Pessoas com autismo tem direito a atendimento prioritário, a descontos em


passagens aéreas, a meia entrada em eventos, a isenção de IPI na compra de
automóveis, a concorrer nas vagas das cotas em concursos públicos, mas para
usufruir de todo o elenco de direitos é necessário o laudo médico. Aí está a
ausência do Estado em oferecer profissionais especializados que façam o
diagnóstico de TEA na rede pública de saúde. Não há profissionais com
especialização em TEA e sentimos o boicote ao direito básico à saúde e às
terapias essenciais para a integridade física e mental dessa comunidade tão
abandonada pelo Poder Público.

3. Aspectos psicológicos do Diagnóstico de TEA

O diagnóstico de TEA em adultos tem aumentado exponencialmente mesmo com


as dificuldades em encontrar especialistas. Pessoas diagnosticadas relatam que o
diagnóstico mudou sua autoconsciência sobre suas emoções, pensamentos,
comportamentos e munidos de informação sobre o autismo, vem a irreversível
compreensão de suas dificuldades de adaptação: finalmente “cai a fica”. O
diagnóstico valida e explica aquilo que o fazia sentir diferente dos demais, essa
diferença pode continuar por anos ou para sempre. Ele possibilita tomar posse de
seus talentos, seus hiperfocos, seus desafios, bem como as estratégias para
vencê-los. Ao mesmo tempo em que traz alívio, há sentimentos de raiva e
preocupação presentes. Raiva pelos diagnósticos falhos ou por profissionais
culparem seus pacientes pela depressão, como se ele não lutasse para sair
daquele quadro depressivo. Preocupação com os impactos do TEA no futuro e
mudanças de planos em relação ao futuro, se contará e como contará a amigos,
colegas e família sobre o diagnóstico. Considerando que há muito estigma, as
chances do diagnóstico ser invalidado por pessoas do convívio do recém-
diagnosticado, é próxima a 90%, parece que a negação, a ignorância obscura
cega as pessoas, elas nada sabem sobre autismo mas se consideram aptas a
indeferir diagnósticos técnicos periciais. Por este motivo, psicoterapia é crucial
para fortalecer-se e blindar de opiniões que não constroem nada de quem não
pode oferecer laudo oficial reconhecido por LEi!

3.1 Sobrecarga Sensorial

Imagens, odores, ruídos, sabores, texturas e toques são capazes de provocar


esgotamento/exaustão física, mental e emocional. Sensações que passam
despercebidas por outras pessoas sequestram violenta e abruptamente a paz das
pessoas no espectro. É possível antecipar situações sensíveis e buscar mitigar o
desconforto que pode levar a uma crise sensorial: abafadores de ruído tipo concha
vendidos em lojas de material de construção ou em sites como Amazon, há
protetores internos de silicone que bloqueiam o canal auditivo também. Em
relação a hiper sensibilidade visual pode-se usar óculos com proteção solar. Em
relação ao toque, opta-se por tecidos confortáveis para evitar a sensação de
"pinicar". A interação social, aglomeração de pessoas também gera sobrecarga
sensorial porque conversar aciona várias partes do cérebro ligadas a visão,
audição e também olfato. Autistas relatam dor física ao fazer contato visual e não
é exagero! Abrir mão do convívio social, ser mal interpretado como "bizarro",
"esquisito", "excêntrico", "diferente" e ser pejorativamente associado a "louco",
"retardado" dá uma visão da magnitude dos prejuízos do capacitismo, do
preconceito e do ódio ao diferente. O cérebro atípico tem uma forma diferente de
perceber o mundo. Entender a riqueza da diversidade e abraçar a beleza que
existe nesse mundo interno e invisível que aflora no sorriso, na gentileza, na
pureza da alma e do coração nos une, nos molda, nos ressignifica como humanos.

                                              "Precisamos de todas as mãos no convés para


endireitar o navio da humanidade. Já que navegamos
rumo a um futuro incerto, precisamos de todas as formas
de inteligência humana do Planeta trabalhando juntas
para encarar os desafios que temos como sociedade.
Não podemos nos dar ao luxo de desperdiçar um
cérebro."

                                          Zosia Zacs

Escritor, neuropsicólogo e autista

Cada vez mais há páginas e redes sociais de autistas adultos com diagnóstico
tardio ajudando as pessoas com informações sobre o espectro. Há também
aplicativos de relacionamento para autistas há que pessoas que consideram ter
interesses comuns com pessoas atípicas/neurodivergentes. A mídia tem abordado
o tema de forma delicada e assim se amplia divulgação e conhecimento do
espectro e como não há um autista igual ao outro. Então é inútil comparar com o
filho de "fulano", o marido da "ciclana". Por isso fala-se de autismos, dizem os
especialistas que há um autismo para cada pessoa. Cada pessoa tem suas
especifidades e os tratamentos são individualizados, quanto mais precoce melhor.
O neuropsicológo e infuenciador Dr. Thiago Lopes, fundador do Instituto Farol, pai
de 2 meninos autistas, recomenda que na dúvida de o bebê está no espectro ou
não, deve-se iniciar intervenção e se perceber que os sinais sumiram, tudo bem.
Se os sinais voltarem, nova intervenção até sanar todas as dúvidas. Dr. Thiago
Lopes é doutor em Neurodesenvolvimento pela Universidade de Quebec, Canadá.

Em relação ao autista adulto, ele luta em duas vias: conseguir emprego estável
visto que 80% dos autistas estão sem trabalho e ter um(a) parceiro(a) para a vida.
Em grupos fechados de facebook de comunidade autista adulta as dúvidas mais
recorrentes são (não esqueçam que autistas falam abertamente sobre tudo, sem
filtros):

1. Questões sensoriais influem na escolha do parceiro?

2. Vocês gostam de sexo? (Alguns consideram sexo "porquinho" sic)

3. O que vocês acham de papeis de gênero? (Essa é uma questão recorrente)

4. O que vocês acham da maternidade?

5. Vocês sentem culpa por serem autistas?

6. O que causa meltodowns? O que vocês sentem? Vocês podem impedir que
aconteçam?
7. Quantos diagnósticos errados vocês receberam?

Nas comunidades de autistas adultos do facebook, os membros são livres para


publicar posts com suas perguntas. O administrador do grupo é acionado quando
há violação das regras, tipo ofensa ou assédio/bullying. A reclamação mais
recente é de assédio sexual. É interessante como muitos membros tratam com
humor as questões nos comentários. Em relação a um membro casado banido por
assédio sexual de homens e mulheres, uma adulta disse que existem anjos azuis
e demônios azuis, o que todos concordaram, autistas sabem mentir, trair, enganar,
ser machistas. Foi unânime esses entendimento sem romantização do espectro.
Autistas imitam (mirroring, do inglês "mirror" é espelho), aliás todos aprendemos
comportamentos sociais através da imitação também, portanto autistas podem
aprender a mentir, a disfarçar (masking) assim como neurotípicos fazem.

Concluímos que autistas lutam com questões de autoestima o que acaba afetando
a busca da efetivação de    seus direitos. São direitos da pessoa com autismo a
vida digna, a integridade física e moral, o lazer, a cultura, o livre desenvolvimento
da personalidade, o acesso a serviços de saúde e a informações que auxiliem no
diagnóstico e no tratamento, assim como o acesso à educação e ao ensino
profissionalizante, à moradia, à previdência social e à assistência social.

REFERÊNCIAS

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