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Funções Executivas e seu Papel no Desenvolvimento do Ser
Humano e da Aprendizagem
Patrícia Botelho

As funções executivas (FE) são um conjunto de habilidades relacionadas


a um mesmo agrupamento de regiões cerebrais que trabalham em conjunto
buscando atingir objetivos. Essas regiões cerebrais estão localizadas
principalmente no córtex pré-frontal que apresenta circuitos que são
consolidados e modificados a partir das experiencias da infância, porém
continuam a se desenvolver até a idade adulta. Outras regiões como o sistema
límbico, por exemplo, são interconectadas com o córtex pré-frontal e estão
relacionadas com o desenvolvimento das FE. Esse desenvolvimento ocorre de
maneira progressiva ao longo da vida até a idade adulta, e sofre um declínio com
o avanço da idade (Comitê Científico do Núcleo Ciência Pela Infância [CCNCPI],
2016; Gazzaniga, Ivry & Mangun, 2006).
Podemos defini-la com um conjunto de habilidades cognitivas que permite
a realização de comportamentos direcionados a atingir objetivos e metas, agindo
de maneira voluntária, autônoma e auto-organizada. Permitem ainda, lidar com
situações novas e ajustar, adaptar e flexibilizar os comportamentos para
responder a demandas do ambiente (Gazzaniga, Ivry & Mangun, 2006).
Existem diferentes modelos representativos e explicativos das habilidades
de FE. Em abordagem neuropsicológica, o conceito de FE foi sistematizado pela
primeira vez por Muriel Lezak em 1982. Diante disso, ela descreveu quatro
domínios para as FE: volição (motivação, intenção e autoconsciência em
comportamentos intencionais); planejamento (identificar sequência de passos
necessários para atingir objetivos ou resolver problemas); ação intencional
(efetuar a sequência de ações ou modificá-la); e desempenho efetivo
(autocorreção, monitoramento e regulação do comportamento). Posteriormente,
abordagens mais socioafetivas e emocionais apresentaram uma perspectiva
para a compreensão dos comportamentos e processos psicopatológicos de
diferentes transtornos como o déficit de atenção e hiperatividade (TDAH),
esquizofrenia, autismo e transtornos de conduta. O modelo de autorregulação
de Barkley de 1997 foi desenvolvido para a explicar os déficits cognitivos e

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comportamentais presentes no TDAH. Neste modelo, a autorregulação organiza
e congrega todos os componentes das FE, sendo eles: comportamento
orientado para a meta; regras e falas autodirigidas; elaboração de planos
futuros; e controle de impulsos. Além da inibição do comportamento, faz parte
dos componentes básicos das funções executivas a memória de trabalho,
autorregulação do afeto, motivação e da estimulação, internalização da fala, e
análise e síntese do comportamento (Uehara et al. 2013).
Mais recentemente, houve a proposição da divisão das FE em processos
executivos “frios” que seriam processos lógicos e cognitivos, e processos
executivos “quentes” que envolvem aspectos emocionais, crenças, e desejos,
bem como a regulação do afeto, motivação, tomada de decisões, teoria da
mente, julgamento moral e comportamento social. Os dois tipos de processos
estão presentes em conjunto nas FE (em consenso com outras teorias) (Uehara
et al. 2013).
Em modelos cognitivos mais recentes há consenso teórico que descreve
as FE como processos mentais top-down que envolvem três habilidades
fundamentais: memória de trabalho, controle inibitório e flexibilidade cognitiva. A
memória de trabalho (MT) como discutida no módulo 2, permite armazenar e
manipular informações tanto verbais quanto visuoespaciais, auditivas, táteis,
olfativas e gustativas. Portanto, podemos dizer que apresentamos dois tipos de
memória de trabalho: verbal e não verbal. Essa habilidade permite organizar
informações, relacionar acontecimentos, pensar em alternativas ao
planejamento e agir de maneira criativa. O controle inibitório (CI) permite evitar
distrações, impulsos e ações automáticas controlando a atenção, pensamento,
comportamento e emoções. A partir disso, existe três tipos de aspectos do
controle inibitório: controle inibitório da atenção permite manter a atenção e foco
em detrimento a outros estímulos; a inibição cognitiva permite resistir a
pensamentos e memórias não intencionais a fim de manter o foco na tarefa; e
por fim o autocontrole envolve a capacidade de manter o controle de
comportamentos apesar de impulsos e emoções. Esses dois componentes, MT
e CI, são dependentes um do outro, uma vez que é necessário manter objetivos
em mente para analisar o que deve ser filtrado ou inibido. Além disso, para se
trabalhar com informações mentalmente é necessário inibir comportamentos e

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estímulos e resistir a distrações (CCNCPI, 2016; Diamond, 2013; Dias & Seabra,
2013; Uehara et al. 2013).
O último componente das funções executivas é a flexibilidade cognitivas.
Esta habilidade envolve a capacidade de mudar de perspectiva em relação ao
pensamento e comportamento. Analisar uma mesma informação a partir de
diferentes ângulos e visões é papel da flexibilidade cognitiva. O desenvolvimento
deste componente depende da evolução dos outros dois anteriores, uma vez
que para mudar a perspectiva é necessário inibir a forma de pensar anterior e
com o auxílio da memória de trabalho acrescentar novos pensamentos. A partir
da integração destes três componentes, outras habilidades surgiriam
(planejamento, tomada de decisão, resolução de problemas e raciocínio)
(CCNCPI, 2016; Dias & Seabra, 2013). Diante disso, as FE é um constructo
multidimensional, em que os componentes são habilidades distintas, porém,
relacionadas.
Sendo assim, este conjunto de habilidades permite os indivíduos pensar
antes de agir, desenvolver diferentes pensamentos e ideias, resolver problemas
inesperados, analisar as situações de diferentes ângulos e possibilidades,
reconsiderar opiniões e focar em suas atividades evitando distrações (CCNCPI,
2016).
Então qual a importância das funções executivas para o desenvolvimento
e para a vida? É na primeira infância que a capacidade de plasticidade cerebral
apresenta maior e melhor período sensível para diversas habilidades cognitivas,
incluindo as FE. As FE se desenvolvem desde muito cedo no desenvolvimento
humano, por volta doa 12 meses de vida até os 20 anos de idade em que se
estabiliza até a velhice em que ocorrem um declínio. Por isso é importante que
estímulos precoces e estimulação do ambiente ocorram desde cedo visando
garantir melhores condições de desenvolvimento (CCNCPI, 2016; Menezes et
al. 2012).
As FE são essenciais para que ao longo do desenvolvimento os indivíduos
possam gerenciar diferentes aspectos da vida de maneira autônoma, ou seja,
apresentando independência, tomar decisões e assumir responsabilidades. A
partir disso, tornam-se possível a construção de reflexões próprias. Este
conjunto de habilidades permite lembrar e associar diferentes informações,

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repensar e rever estratégias, planejar e filtrar distrações. Possibilita com isso
organizar diferentes atividades do dia a dia, planejar e executar diferentes etapas
para atingir objetivos e metas a longo prazo, concluir tarefas mesmo que ocorram
distrações e obstáculos, controlar impulsos, manter o foco, refazer e reanalisar
objetivos e erros e realizar diferentes atividades ao mesmo tempo. Caso o
funcionamento destas funções esteja alterado, prejuízos cotidianos podem
ocorrer como dificuldades com estabelecimento e organização de rotinas,
formulação e execução de projetos e resolução de problemas entre outras
dificuldades tanto na escola quanto no trabalho. Portanto, um bom
desenvolvimento das funções executivas propicia melhor desenvolvimento da
aprendizagem e desempenho acadêmico, melhores relacionamentos, bem como
maior realização profissional e pessoal não adotando comportamentos de risco,
por exemplo (CCNCPI, 2016). Sendo assim, as FE são importantes em
diferentes desfechos da vida como carreira, no casamento e saúde física e
mental. Em relação ao desempenho acadêmico, as habilidades de FE são
preditoras de habilidades acadêmicas básicas como aritmética, escrita e leitura
podendo ser até mais importante do que o QI (Arruda, 2015; Gonçalves et al.
2017). Fatores como nível socioeconômico, dificuldades em ajuste psicossocial,
crianças com baixo desempenho acadêmico, crianças expostas a álcool ou
tabaco durante a gestação, escolaridades dos pais, ambiente familiar
desorganizado, entre outros fatores, aumentam o risco para prejuízos de FE. Na
população infantil fatores relacionados a dificuldades e FE podem indicar
maiores risco a problemas de saúde mental e dificuldades cognitivas (Arruda,
2015). Portanto, intervenções precoces e preventivas podem diminuir prejuízos
futuros ao longo da vida.
A síndrome disexecutiva é o comprometimento das habilidades de FE que
acarretam diferentes alterações cognitivo-comportamentais como dificuldades
em selecionar informações, distrações, dificuldades em tomar decisões,
problemas de organização, comportamento perseverante em erros e estratégias
pouco eficazes, dificuldades em estabelecer novos comportamentos e
repertórios, dificuldade de abstração e antecipação de consequências. Além
disso, ocorrem dificuldades em relação a ajustes sociais, e em habilidades como
linguagem expressiva, memória e planejamento. Essas alterações podem ser

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encontradas em quadros e transtornos como o TDAH, transtorno obessissivo-
compulsivo, síndrome de Tourette, transtornos do espectro autista, transtornos
de aprendizagem e a síndrome de Prader-Willi (Dias et al. 2010).
E como podemos avaliar as FE? Para avaliação das FE os testes podem
ser considerados testes de FE simples quando avaliam os componentes e
domínios separadamente. São exemplos de testes de FE simples teste Stroop,
Digitos ordem inversa ou blocos de corsi, trilhas parte B. Porém, testes que
buscam avaliar mais de um fator são caracterizados como teste de FE
complexas, podendo ser destacado testes como Torre de Londres ou Torre de
Hanói, teste de Categorização de cartas de Wisconsin e teste de fluência verbal
(Menezes et al. 2012). Além dos testes neuropsicológicos de desempenho, as
escalas ou questionários também podem ser utilizados como a Behavior Rating
Inventary of Executive Functions (BRIEF) (Menezes et al. 2012). A seguir serão
apresentados os instrumentos com dados normativos para a população
brasileira.
Nome do instrumento Habilidade avaliada Idade para aplicação
Teste Stroop – Atenção seletiva e Diferentes versões com
diferentes versões e inibição de respostas. diferentes populações e
cartões para amostra normas para crianças a
brasileira. partir de 4 anos até
idoso de 85 anos.

Trail Making Test. Atenção visual e funções 7 a 10 anos


executivas. Adulto maiores de 18
anos.
Teste de Trilhas: parte Flexibilidade cognitiva, 3 a 14 anos
A e B. atenção visual. Adulto: 19 a 32 anos.
Teste de fluência verbal. Acesso lexical e Variação de estudos
comportamentos de com dados para
seguir regras e controle indivíduos entre 6 e 88
inibitório. anos.

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Teste Hayling. Controle inibitório e Crianças a partir de 6
iniciação, velocidade de anos e adultos a partir
processamento e dos 19 anos.
flexibilidade cognitiva.
Torre de Londres. Planejamento e solução 4 anos a 8 anos
de problemas. 11 anos a 14 anos
Adultos de 19 a 32
anos.
Torre de Hanói. Planejamento e 4 a 6 anos
resolução de problemas. 9 a 16 anos.
Teste Wisconsin de Raciocínio abstrato e 6 anos até 89 anos.
Classificação de cartas. flexibilidade cognitiva.
Teste dos cinco dígitos. Velocidade e eficiência 6 a mais de 76 anos.
mental, atenção,
flexibilidade cognitiva e
inibição.
Fonte: Miotto et al. 2018; Miotto et al. 2019.

Portanto, a avaliação neuropsicológica das FE permite avaliar os


componentes separadamente e compreender quais processos encontram-se
prejudicados. Assim, cabe ao neuropsicológico selecionar adequadamente os
testes a serem utilizados.

Referências Bibliográficas

ARRUDA, M. A. Intervenções no contexto escolar. In: Dias, N. M. & Mecca, T.


P. Contribuições da neuropsicologia e da psicologia para intervenção no
contexto educacional. São Paulo: Memnon. (2015).

COMITÊ Científico do Núcleo Ciência Pela Infância Estudo nº III: Funções


Executivas e Desenvolvimento na primeira infância: Habilidades
Necessárias para a Autonomia. (2016). http://www.ncpi.org.br.

DIAS, N. M.; MENEZES, A. & SEABRA, A. G. Alterações das funções


executivas em crianças e adolescentes. Estudos Interdisciplinares em
Psicologia, 1(1), 80-95. (2010).

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DIAS, N. M & SEABRA, A. G. Funções executivas: desenvolvimento e
intervenção. Temas sobre Desenvolvimento; 19(107), 206-12. (2013)

GONÇALVES, H. A.; VIAPIANA, V. F.; SARTORI, M. S.; GIACOMONI, C. H.;


STEIN, L. M. & FONSECA, R. P. Funções executivas predizem o
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Revista Neuropsicologia Latinoamericana, 9 (3), 42-54. (2017)

MENEZES, A.; GODOY, S.; TEIXEIRA, M. C. T. V.; CARREIRO, L. R. R. &


SEABRA, A. G. Definições teóricas acerca das funções executivas e da
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Cognitiva: Atenção e funções executivas. V. 1. São Paulo: Memnon. (2012)

MIOTTO, E. C; CAMPANHOLO, K. R.; SERRAO, V. T.; TREVISAN, B. T.


Manual de avaliação neuropsicológica: a prática da testagem cognitiva. Vol.
2. São Paulo: Memnon. (2019)

MIOTTO, E. C; CAMPANHOLO, K. R.; SERRAO, V. T.; TREVISAN, B. T.


Manual de avaliação neuropsicológica: a prática da testagem cognitiva.
Vol.1. São Paulo: Memnon. (2018)

UEHARA, E.; CHARCHAT-FICHMAN, H. & LANDEIRA-FERNANDEZ, J.


Funções executivas: Um retrato integrativo dos principais modelos e teorias
desse conceito. Revista Neuropsicologia Latinoamericana, 5 (3), 25-37.
(2013)

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