Você está na página 1de 5

13/07/2021 As funções executivas e sua importância no bom desempenho acadêmico | Neurociências em benefício da Educação!

As funções executivas e sua importância no bom


desempenho acadêmico

Vera Lucia de Siqueira Mietto[1]

Não é de hoje que as questões acerca do desempenho escolar são pauta de discussões
entre professores e profissionais da educação e saúde.
Crianças e adolescentes que no curso de seu desenvolvimento escolar, apesar de não
apresentarem nenhum impedimento cognitivo, transtorno de aprendizagem ou falhas sensoriais,
não conseguem obter o resultado esperado por pais e professores.
O que poderia estar acontecendo? Onde estaria o cerne do problema? Estaria na escola?
Na metodologia utilizada?
Muitas questões precisam ser analisadas quando se fala de baixo desempenho acadêmico.
Sabe-se que para a criança obter êxito na escola é preciso que cresça aprendendo a se regular, a
estabelecer estratégias para alcançar suas metas, saber estudar e se organizar.
Aprender a ter autonomia constitui um fator primordial para crescer independente,
organizado e ter metacognição, isso quer dizer que é preciso que o indivíduo tenha conhecimento
sobre suas capacidades, percepção, avaliação, regulação comportamental e refletir sobre suas
ações: é aprender a aprender. RIBEIRO (2003)
Mas, hoje em dia, com a demanda diária do fazer dos pais e cuidadores da criança, com o
apressamento da vida que estamos expostos, a criança tende a ter tudo pronto, tudo muito
arrumado para que seus cuidadores não percam tempo, e com isso, habilidades que iriam
desenvolver a autonomia da criança ficam como que “adormecidas” e ela passa a ter um
comportamento passivo, a não ter que se preocupar com nada, com suas necessidades mais
básicas pois tem quem faça por ela, rápido, pois não há tempo a perder. Por outro lado, temos

https://neuropsicopedagogianasaladeaula.blogspot.com/2018/09/as-funcoes-executivas-e-sua-importancia.html?m=1 1/5
13/07/2021 As funções executivas e sua importância no bom desempenho acadêmico | Neurociências em benefício da Educação!

ainda a carência de tempo dos pais com seus filhos, que acabam por fazer todas as suas
vontades, por conta de sentirem-se tão ausentes. E a criança cresce com suas vontades sendo
atendidas de pronto. Não aprendem a esperar, querem no seu tempo e assim crescem, com suas
vontades sendo satisfeitas de pronto. Caso não sejam atendidas, vem a birra! Apavorados e sem
saber como lidar com esse comportamento, os cuidadores cedem! E como essas crianças
crescem?
Vemos isso com muita frequência, demanda muito comum nos consultórios, com a queixa
de que a criança é geniosa, insatisfeita, desatenta, desorganizada, ansiosa, sem responsabilidade
ou que ainda está imatura, só desejando brincar em sala de aula, ignorando muitas vezes o fazer
acadêmico a que está inserida. Adolescentes que não tem responsabilidade, não se esforçam e
ficam a esperar tudo pronto, e com isso, as dificuldades em manter um bom desempenho
acadêmico não acontecem. Entendendo que toda a satisfação pessoal vem do fazer, do buscar
que faz parte do amadurecimento emocional.
Ao chegarem na escola, também esperam que sejam atendidas como acontece em casa,
querem que seus professores organizem tudo, que tenham o mesmo comportamento que
incorporam de seus cuidadores e quando não são atendidos, desafiam, se dispersam e o
processo de aprendizagem fica prejudicado.
É a brincadeira e as tarefas não terminadas em sala de aula, os deveres que não são
realizados em casa, a falta de compromisso evidente! As tarefas escolares se tornam
desinteressantes, desestimulantes, pois precisam parar, pensar e organizar o pensamento na
busca de respostas e soluções. Como sentir prazer nesse fazer que requer trabalho e
autorregulação se estão acostumados a uma variedade de estímulos do mundo digital, onde só
precisam clicar e uma gama de soluções se colocam á disposição?
Habilidades cruciais que desenvolvem a criança em sua capacidade de ter autonomia e
gerir suas necessidades individuais não foram estimuladas e o resultado começa a aparecer
desde cedo no fazer acadêmico.
Mas como adquirir essas habilidades tão importantes para a vida escolar? Como a criança
vai se organizar nas tarefas escolares, arrumar seus pertences na mochila ou parar e prestar
atenção no que o professor diz, nas tarefas que precisa iniciar e terminar em tempo hábil, se não
aprendeu a ter autonomia e a cuidar de si?
Ter bom desempenho acadêmico requer possuir habilidades que possibilitem foco e metas
pré- estabelecidas, habilidades essas que, como se sabe, compõe as Funções Executivas.
Segundo Gazaniga (2006) as Funções Executivas são um conjunto de habilidades
cognitivas fundamentais para a cumprir-se diversas atividades que requerem planejamento e
monitoramento de comportamentos intencionais relacionados a um objetivo ou a demandas do
meio ambiente.
As funções executivas, deste modo, possibilitam ao indivíduo uma interação com o meio de
maneira mais ajustada, mais harmoniosa , sendo a base para a orientação e estruturação de
várias habilidades intelectuais, emocionais e sociais, como se programar para as tarefas
domesticas, ir à escola, ir ao trabalho, fazer os deveres de casa, estudar para a prova, terminar
suas atividades dentro do tempo estabelecido, priorizar necessidades individuais e coletivas entre
muitas outras tarefas importantes do dia a dia. VASCONCELOS (2011)

https://neuropsicopedagogianasaladeaula.blogspot.com/2018/09/as-funcoes-executivas-e-sua-importancia.html?m=1 2/5
13/07/2021 As funções executivas e sua importância no bom desempenho acadêmico | Neurociências em benefício da Educação!

O desenvolvimento das habilidades executivas começa no primeiro ano de vida do bebê e


vai se acentuar por volta dos 6 e 8 anos de idade, avançando até o final da adolescência e o início
da fase adulta do indivíduo. ROTTA(2016).
Podemos aqui observar ao longo desse período, à medida que a criança cresce e se
desenvolve, que as diversas habilidades executivas vão se aprimorando e quanto mais vivencio e
experimento situações que demandem autorregulação e atenção vou amadurecendo essas
habilidades e tendo ganhos comportamentais que me possibilitarão melhores aprendizagens.
As funções Executivas e suas habilidades tem sido alvo de muitos estudos e pesquisas por
diversos autores que pontuam a existência de componentes diferenciados e de crucial
importância. Para Miyake et al(2000), três componentes são fundamentais: o controle inibitório, a
memória de trabalho e a flexibilidade cognitiva. Outros autores acrescentam a esse construto
componentes de maior complexidade como a resolução de problemas e planejamento.
ROTTA(2006)
Para entendermos a importância desse construto, vamos ver o que Rotta (2006),
Diamond(2007) e Barkley (2001) nos falam dessas habilidades:
1-Controle inibitório: é a capacidade de pensar antes de agir, ou seja, inibir uma resposta
comportamental impulsivamente, passando de uma resposta para outra melhor e mais
considerada, adequada para a situação. É a maneira com que o cérebro modula o nosso
comportamento.
2-Memória de trabalho é a capacidade de se armazenar temporariamente as informações
e as incorporar a outros estímulos do meio ambiente, ou seja, poder buscar uma informação na
memória de longo prazo, facilitando seu resgate quando necessário. Tem um papal fundamental
na capacidade de compreender o que se está lendo, o que se está a aprender e na capacidade de
manter o raciocínio com logicidade. É ela que dá sentido aos acontecimentos, evocando eventos
já armazenados e integrando com os novos que se está a prender.
3-Flexibilidade cognitiva é a capacidade em alternar o foco, mudar de atividade ou de
planos: se um caminho escolhido não traz resultados positivos, outro caminho é elaborado e
percorrido. É a capacidade de mudar de planos em decorrência da demanda imposta pelo meio a
que está inserido.
Como se pode observar nas falas de Rotta (2006 ), Diamond(2007) e Barkley (2001), as
habilidades simples que se requer nas atividades escolares podem ser alteradas, por exemplo, por
ausência do controle inibitório: se eu não paro, não presto atenção e assim a habilidade executiva
que tem como função selecionar, dentre vários estímulos distratores o que é relevante (atenção
seletiva), fica prejudicada e me distraio em sala de aula.
Outra habilidade que exerce grande influência no desempenho escolar é a memória de
trabalho: ela me faculta a compreensão do que está sendo aprendido, por evocar o que já aprendi
e me facilitar também a compreensão do que estou lendo.
Da mesma maneira, ser flexível me viabiliza novas possibilidade e planejar qual caminho ou
rota devo seguir para obter sucesso. Se o comportamento é rígido, não saio do lugar, não aceito
novas possibilidades e continuo fazendo do mesmo jeito, mesmo percebendo que o caminho
escolhido não é o melhor a ser adotado. Outro comportamento observado na ausência de
flexibilidade na escola é a dificuldade de me adaptar a mudança ou planos em sala de aula, em

https://neuropsicopedagogianasaladeaula.blogspot.com/2018/09/as-funcoes-executivas-e-sua-importancia.html?m=1 3/5
13/07/2021 As funções executivas e sua importância no bom desempenho acadêmico | Neurociências em benefício da Educação!

trabalhos em grupos onde escutar o outro e mudar planos se faz necessário para que obtenhamos
sucesso. ROTTA (2006 ), DIAMOND(2007) E BARKLEY (2001)
A relação das habilidades executivas e o bom desempenho acadêmico tem sido
evidenciado por diversos autores: Capovilla (2008), Dias(2010), Gathercole et al (2006)
comprovaram que o controle da atenção e a autorregulação são predistores de bom desempenho
escolar em disciplinas como as de matemática e linguagem.
Gathercole et al (2006) evidenciaram que a memória de trabalho influencia diretamente
sobre a leitura, prejudicando a memória de curto prazo visoespacial, interferindo diretamente na
linguagem, consciência fonológica e memória de curto prazo fonológica. Impacto que pode ser
evidenciado no não cumprimento de uma tarefa escolar, por dificuldades de manter-se focado e
terminá-la dentro do tempo estabelecido.
Outros estudos vieram comprovar a relação das habilidades executivas bem desenvolvidas
e o êxito no contexto acadêmico. DIAMOND(2007), DIAS(2010)
Crianças na fase pré- escolar com controle inibitório e autorregulação já bem desenvolvidas
conseguem compreender melhor ordens e seguirem regras, facilitando a aprendizagem e o desejo
em realizar tais tarefas. DIAMOND(2012)
Com base nesses dados fica aqui um questionamento: por que não estimular as
habilidades executivas em sala de aula? Não seria uma forma de preparamos nossos estudantes
a terem sucesso acadêmico e em sua vida?
Na literatura vários métodos de estimulação das habilidades executivas já se encontram
disponíveis e um estudo criterioso de qual melhor método a ser utilizado pelas escolas (inserido
em sua metodologia) deveria fazer parte de discussões entre os educadores.
Fica aqui uma reflexão: a quem caberá esse novo olhar, aos terapeutas, aos pais ou a
escola? Uma ação em conjunto sem dúvida traria benefícios a nossas crianças e melhoraria o
fazer acadêmico, evitando repetências e a evasão escolar.
Para saber mais sobre processos cognitivos e neuropsicopedagogia, curta a fanpage::
https://www.facebook.com/Censupeg-Novo-Hamburgo-RS-191713977985819/
Bibliografia:
Barkley RA. The executive functions and self-regulation: an evolutionary neuropsychological perspective.
Neuropsychol Rev. 2001; 11(1):1-29.
Capovilla AGS, Dias NM. Desenvolvimento de habilidades atencionais em estudantes da 1ª a 4ª série do
ensino fundamental e relação com rendimento escolar. Rev Psicopedagogia. 2008;25(78):198-211.
Célia Ribeiro. Metacognição: Um Apoio ao Processo de Aprendizagem. Psicologia: Reflexão e Crítica, 2003,
16(1), pp. 109-116
Dias, N. M., Menezes, A., & Seabra, A. G. (2010). Alterações das funções executivas em crianças e
adolescentes. Estudos Interdisciplinares em Psicologia, 1(1), 80-95.
Dias NM. (2009). Avaliação neuropsicológica das funções executivas:Tendências desenvolvimentais e
evidências de validade de instrumentos [Dissertação]. São Paulo: Universidade Presbiteriana Mackenzie
Diamond A, Barnett WS, Thomas J, Munro S. Preschool program improves cognitive control. Science.
2007;318(5855):1387-8.
Diamond A.(2012) IV Seminário Internacional Educação Infantil: evidências científicas, melhores práticas.
São Paulo: Universidade Presbiteriana Mackenzie. Disponível em: http://www.alfaebeto.org.br/279
Fuentes, D., Malloy-Diniz, L. F., Camargo, C. H. P., & Cosenza, R. M. (2008). Neuropsicologia: teoria e prática.
Porto Alegre: Artmed
Gathercole SE, Alloway TP, Willis C, Adams A. Working memory in children with reading disabilities. J Exp
Child Psychol. 2006; 93:265-81.
Gazzaniga MS, Ivry RB, Mangun GR. Neurociência cognitiva. Porto Alegre: Artmed; 2006.
Goldberg, E. (2002). O cérebro executivo: lobos frontais e a mente civilizada. Rio de Janeiro: Imago

https://neuropsicopedagogianasaladeaula.blogspot.com/2018/09/as-funcoes-executivas-e-sua-importancia.html?m=1 4/5
13/07/2021 As funções executivas e sua importância no bom desempenho acadêmico | Neurociências em benefício da Educação!

Luria, A. R. (1981). Fundamentos de Neuropsicologia. São Paulo: Livros Técnicos e Científicos


Malloy-Diniz, L. F., Fuentes, D., Mattos, P., & Abreu, N. (2010). Avaliação Neuropsicológica. Porto Alegre:
Artmed.
Mello, C. B. de, Miranda, M. C., & Muszkat, M. (2005). Neuropsicologia do Desenvolvimento. São Paulo:
Memnon.
Menezes A, Godoy S, Teixeira MCTV, Carreiro LRR, Seabra AG(2012). Definições teóricas acerca das
funções executivas e da atenção. In: Seabra AG, Dias NM, eds. Avaliação neuropsicológica cognitiva: atenção
e funções executivas. Vol. 1. São Paulo: Memnon;. p.34-41.
Miyake A, Friedman NP, Emerson MJ, Witzki AH, Howerter A, Wager TD.(2000). The unity and diversity of
executive functions and their contributions to complex "frontal lobe" tasks: a latent variable analysis. Cogn
Psychol.; 41(1):49-100.
Natale, L. L. (2007). Adaptação e investigação psicométrica de um conjunto de tarefas para a avaliação
das funções executivas em pré-escolares: um estudo transversal. Dissertação de Mestrado em Psicologia,
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, Brasil.
Porto, C. S. (2003). Síndromes frontais: Avaliação neuropsicológica. In R. Nitrini, P. Caranelli, & L. L. Mansur
(Eds.), Neuropsicologia: Das bases anatômicas à reabilitação (pp. 73-87). São Paulo, SP: Editora da
Universidade de São Paulo.
Rotta, N. (2006) Transtornos da aprendizagem: Abordagem neurobiológica e multidisciplinar, Porto Alegre:
Artmed
Santos, F. H. (2004). Funções executivas. In V. M. Andrade & F. H. Santos & O. F. A. Bueno (Eds.),
Neuropsicologia hoje. São Paulo: Artes Médicas
Vasconcelos, L. Funções executivas e resolução de problemas aritméticos. In: Valle LELR, Capovilla, FC
orgs. Temas multidisciplinares de neuropsicologia e aprendizagem. Ribeirão Preto: Novo Conceito; 2011. p.475-
85.
Como fazer a citação deste artigo:
MIETTO, Vera. As funções executivas e sua importância no bom desempenho acadêmico
. Novo Hamburgo, 04 de setembro/ 2018. Disponível online em:
http://neuropsicopedagogianasaladeaula.blogspot.com/2018/09/as-funcoes-executivas-
e-sua-importancia.html

[1]Fonoaudióloga, Mestre em Educação, Neuropsicopedagoga, Psicopedagoga, Especialista em Neurociência Pedagógica

https://neuropsicopedagogianasaladeaula.blogspot.com/2018/09/as-funcoes-executivas-e-sua-importancia.html?m=1 5/5

Você também pode gostar