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A VIAGEM DO VAGÃO
Como Eduardo Bolsonaro acabou virando quase tudo o que não era
THAIS BILENKY
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03/03/2020 Como Eduardo Bolsonaro acabou virando quase tudo o que não era
Eduardo, com seus livros: “Se você ficar lendo só as grandes imprensas, você vai ter uma visão de mundo. Se conseguir sair
disso e ler autores como Olavo, vai descobrir outro mundo” CRÉDITO: DIEGO BRESANI_2020
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“A
i, meu Deus! Eu escondo esse álbum dele! Deus me livre!”
Heloísa Wolf Bolsonaro, mulher de Eduardo, o filho Zero Três
do presidente da República, está zangada com o marido. Ele
acaba de pegar o book de fotos que fez quando tentou ser modelo na
adolescência para mostrá-las à piauí. “Tu vai vazar?”, ela questiona,
insistindo que não quer ver as imagens publicadas na imprensa. Nelas,
Eduardo aparece com a pele bronzeada e o cabelo loiro em formato
tigela, à la Nick Carter, o integrante bonitinho dos Backstreet Boys. Em
uma das fotos, está apenas de sunga vermelha, recostado em uma mureta
com as pernas cruzadas, em pose insinuante. “Coisa brega!”, reclama
Heloísa. Eduardo olha para o seu segurança e dá um sorrisinho, como
quem se diverte com o incômodo da mulher. Conta que nunca mostrou à
imprensa o álbum de modelo. “Não me chama de homofóbico, mas nessa
época sempre tinham uns caras que queriam ou me comer ou dar para
mim”, diz ele. Vigilante, Heloísa observa: “Essa tua frasezinha foi
anotada, Eduardo.”
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azia três dias que Eduardo Bolsonaro e mais cinco colegas da Câmara
F
estavam em visita oficial a Israel. Na primeira sexta-feira de
dezembro de 2019, resolveram fazer turismo em Jerusalém.
Eduardo apareceu bem-humorado no salão do café da manhã.
Brincou que o fantasma do Partido dos Trabalhadores estava no seu
encalço porque o número do seu quarto no hotel era o 513 – o PT é
identificado eleitoralmente pelo número 13. Contou que, na porta do
quarto, ao lado do 513, ainda havia uma estrela vermelha. Depois do café,
enquanto os deputados caminhavam pelas ruas de pedra da parte antiga
de Jerusalém, Eduardo apontou o número 13 de uma casa e insistiu na
piada: “Olha aí. Estão me perseguindo.”
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“Vai, Léo, igual uma criança!”, disparou Eduardo para o deputado Léo
Moraes, do Podemos de Rondônia, que fazia graça, pondo e tirando o
boné, enquanto tirava fotos em um mirante em frente ao Muro das
Lamentações, o principal monumento judaico de Jerusalém. O guia
informou que o grupo estava em um ponto privado que oferece uma
vista privilegiada do conjunto do Muro e da Cúpula da Rocha, o sagrado
domo dourado dos muçulmanos. Eduardo sacou o celular e tirou fotos.
Era quase meio-dia, mas a temperatura não passava de 10ºC, e a garoa
começara a se espalhar pelo local.
E
duardo Bolsonaro desembarcou em Tel Aviv no dia 4 de dezembro,
na condição de presidente da Comissão de Relações Exteriores e de
Defesa Nacional da Câmara. Encabeçava uma missão de duas
semanas pelo Oriente Médio, que custou 175 mil reais aos cofres
públicos. A viagem começou com uma agenda ambiciosa e terminou com
um saldo controverso. O ponto alto dos compromissos era uma reunião
com o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu. O encontro foi
desmarcado na última hora. Netanyahu, acossado por uma grave crise
política e investigações de corrupção, preferiu encontrar-se com o
secretário de Estado norte-americano, Mike Pompeo, em Portugal. O
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Sem cumprir uma agenda relevante, Eduardo deixou Israel, visitou três
países árabes e, antes de voltar para o Brasil, fez uma nova escala de
algumas poucas horas em Jerusalém. O objetivo era inaugurar o escritório
da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos
(Apex-Brasil) na cidade. O escritório foi o recurso que o governo de
Bolsonaro encontrou para compensar a promessa até agora não cumprida
de transferir a embaixada brasileira de Tel Aviv para Jerusalém.
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Z
ero Três tornou-se uma espécie de “diplomata” da família Bolsonaro
movido mais pelo prazer que tem de viajar do que propriamente
pelo apetite intelectual por política externa. Tudo começou em 2012,
quando o então deputado estadual Flavio Bolsonaro, seu irmão mais
velho, começou a assistir a vídeos de um polemista que dizia devotar sua
existência à luta contra a conspiração comunista mundial. Era Olavo de
Carvalho, que hoje vive em Richmond, no estado norte-americano da
Virgínia. Flavio gostou do que viu e, meses depois, decidiu homenagear o
novo ídolo com a Medalha Tiradentes, a maior honraria da Assembleia
do Rio de Janeiro. Ainda em 2012, tomou um avião para os Estados
Unidos para entregar a comenda em mãos. No encontro, transmitido ao
vivo pela internet e presenciado apenas por Roxane, mulher de Carvalho,
Flavio explicou que tomara a iniciativa de condecorar o polemista para
ajudar na divulgação de suas ideias. “Isso faz parte de um processo de
amadurecimento político, de as pessoas começarem a enxergar coisas que
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Faltando ainda quase dois anos para a eleição presidencial, o clã começou
a achar que uma viagem de Bolsonaro aos Estados Unidos ajudaria a
promover sua candidatura e reduzir o descrédito que enfrentava no
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uma eleição requer que agregue o centro. É o que fiz com Trump.” A
certa altura, Bannon disparou: “Você precisa falar a seu pai que ele corre
risco de ser assassinado. Vocês precisam de segurança.” Eduardo
empalideceu. Dias depois, em 6 de setembro, Bolsonaro foi esfaqueado
em Juiz de Fora.
D
epois da vitória de Bolsonaro, os salões de Washington finalmente
se abriram para a família, e quem estava lá, para receber os
holofotes, era Eduardo Bolsonaro. Na viagem, acompanhado do
olavíssimo Filipe Martins, ele foi recebido por Rudolph Giuliani, ex-
prefeito de Nova York e conselheiro de Trump. Esteve com Jared
Kushner, genro do presidente e seu assessor na Casa Branca, e com os
senadores republicanos Ted Cruz, do Texas, e Marco Rubio, da Flórida.
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O
primeiro problema que Eduardo trouxe ao governo por suas
conexões estourou logo nas semanas de transição. E o problema
tinha dois nomes: Steve Bannon e Filipe Martins. A ala mais
tradicional da equipe do novo governo, que defendia uma abordagem
pragmática das questões de política externa, estava alarmada com
Martins. Ele tinha uma postura tão radical que recebeu o apelido de
Robespirralho – uma mistura de pirralho com Robespierre, o líder da fase
mais violenta da Revolução Francesa, o Terror.
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E
m seu apartamento em Brasília, além de exibir as fotos do book de
modelo, Eduardo decide mostrar alguns de seus livros. Ele informa
que sua referência intelectual é Roger Scruton, o filósofo
conservador britânico que morreu em janeiro passado. “Ele tem
vários livros, não li todos, obviamente”, diz. Mas leu qual? “Estou para
ler”, responde. “Vou começar o branquinho dele. Da capa branquinha.”
Ele pega o livro sobre a mesa de centro da sala para lembrar o título e
mostra a edição em inglês. Chama-se Conservatism: An Invitation to the
Great Tradition (Conservadorismo: Um Convite à Grande Tradição,
mesmo título da tradução brasileira).
Entre seus livros preferidos, está O Mínimo que Você Precisa Saber para
Não Ser um Idiota, uma coletânea de artigos de Olavo de Carvalho. Ele
mostra o volume e se deixa fotografar com ele. “No final, como diz o
título, você realmente consegue ter uma bagagem que te torna apto a
debater vários temas”, diz.
Eduardo, entretanto, não parece ser um homem tão ligado a livros como
é a redes sociais, de onde extrai a maioria de suas referências. Indagado
sobre o que encontrou de mais relevante em O Mínimo…, ele titubeia, e
Heloísa, sua mulher, intervém: “O próprio título.” Ele ri brevemente e
volta para o mundo da internet: “É que Olavo abre seus olhos. Se você
ficar lendo só as grandes imprensas, você vai ter uma visão de mundo. Se
você conseguir sair disso e ler autores como Olavo, e começar a entrar no
mundo da internet, onde vários perfis têm muito mais curtidas e retuítes
do que jornalistas com grande aparato por trás deles, você vai descobrir
outro mundo.” Scruton também lhe chegou pelo YouTube. “Tem alguns
vídeos muito bons. O que mais repercutiu depois da morte dele foi o que
fala da importância da beleza. Ele critica muito as obras de arte nos
Estados Unidos, o pessoal colocando coisas nojentas, sujeira…”
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O
interior do apartamento de Heloísa e Eduardo em Brasília já
ganhou as redes sociais, desde que ela postou um vídeo no
Instagram mostrando como estava ficando a decoração. Nas
paredes, há uma foto de Jair Bolsonaro, com a faixa presidencial, e um
retrato a óleo de Eduardo, obra de Silvio Zatti, um artista que mais
comumente pinta rosas de cores coruscantes e cavalos brancos galopando
ao léu. São muitas as referências a armas. Nas paredes, os enfeites bélicos
trazem frases em inglês. Um diz: “Você não gosta de armas? Então não
compra uma. Fácil.” Outro, com dois revólveres entrecruzados, avisa:
“Aqui não telefonamos para o 911”, o número de emergência nos Estados
Unidos. Em uma foto, feita em Gramado (rs), o casal aparece vestindo
roupas de época: ela está de pé, com chapéu e vestido longo bufante; ele
está sentado, de boina, camisa xadrez e suspensório; ambos seguram uma
espingarda comprida e gasta. Na prateleira de bebidas, há uma garrafa
da tequila Hijos de Villa em formato de revólver. A bebida sai pelo cano.
A cachorra, uma vira-lata cor de caramelo que usa três presilhas na
cabeça, chama-se Beretta, uma marca italiana de armas.
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Na única vez conhecida em que ele poderia ter usado uma arma, as
coisas não deram muito certo – a exemplo, aliás, do que aconteceu com
seu pai, que foi assaltado quando passeava de moto no Rio de Janeiro, em
1995, e o ladrão levou-lhe o veículo e até a arma que Bolsonaro usava,
uma pistola Glock, calibre .380. O caso de Eduardo, testemunhado por
colegas da faculdade, ocorreu em Juiz de Fora (MG). Eles contam que, ao
ver um assalto, Eduardo, que já tinha porte de arma, se atrapalhou e
acabou abordando a vítima em vez do bandido, que conseguiu fugir
ileso. Ele diz que não foi nada disso. “O ladrão caiu na minha frente,
puxei a arma, tentei enquadrar, mas ele saiu correndo, e eu não atirei
para cima dele, não tinha o que fazer”, contou. “Nesse dia, ele ganhou.
No outro, ele cai.”
D
uda, como Eduardo Bolsonaro era chamado na infância e
adolescência, cresceu na Tijuca, na Zona Norte do Rio de Janeiro.
Embora o bairro fosse longe da praia, ele vivia pegando onda.
Subiu numa prancha de body-board aos 12 anos, inspirado por Flavio, o
primogênito. Um ano depois, interrompeu a prática do novo hobby para
ser submetido a uma cirurgia para corrigir uma ginecomastia, que é o
crescimento excessivo das mamas em homens. Sofreu na mão dos colegas
de escola. Seu apelido virou Buba, o nome de uma personagem
intersexual na novela Renascer, exibida pela Rede Globo, em 1993.
“Falavam que eu tinha vagina e pênis”, diz. “Eu dava risada. Às vezes
caía na porrada.”
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03/03/2020 Como Eduardo Bolsonaro acabou virando quase tudo o que não era
até o local da prova no dia certo e descobri que eu não estava inscrito.
Liguei para um amigo meu, e a gente foi pra praia, e tinha onda muito
boa, então foi muito bom para desestressar.” Como segunda opção,
conseguiu entrar no curso de direito da Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ).
Um amigo próximo desses tempos, que pediu anonimato para falar com
mais liberdade, descreve Eduardo como “um cara gente boa, meio
bobalhão, meio retardado”. Suas intervenções pareciam “meio lesadas”, o
que rendeu ao futuro deputado um novo apelido – Loide, em referência
ao personagem do filme Debi & Loide – Dois Idiotas em Apuros, de 1994.
Eduardo integrava a equipe de futebol, era assíduo nos Jogos Jurídicos,
tradicionais campeonatos esportivos entre faculdades de direito, não
perdia as noitadas do time e dava carona aos colegas, pois era um dos
poucos que tinha carro. Não gostava que suas namoradas usassem saias
curtas, revelava intimidades delas para os amigos e era muito ciumento.
Aos 20 anos, no início do curso de direito, passou dois meses das férias
trabalhando no interior do Maine, estado norte-americano na fronteira
com o Canadá. A empresa de intercâmbio arranjou como hospedagem
uma casa compartilhada com oito brasileiros e catorze peruanos. Todos
trabalhavam em restaurantes fast-food, onde Eduardo preparava
hambúrgueres. Ele falava mais espanhol do que inglês, mas gostou tanto
da experiência que a estendeu por mais dois meses, desta vez em um
lugar menos monótono. Conseguiu um emprego em uma estação de
esqui no estado do Colorado. Trabalhava em uma lanchonete no alto da
montanha. “Pelo menos uma vez por dia você fazia snow-board (surfe na
neve)”, contou.
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O
que mais intriga amigos de juventude e colegas de faculdade é a
metamorfose do Vagão. Ouvidos pela piauí, eles contam que
Eduardo era um sujeito boa-praça, agradável e cordato, que nunca
defendeu posições extremistas. Seus professores da UFRJ dizem que não
conseguem reconhecer o jovem estudante no deputado. “Quando leio nos
jornais e nas redes sociais as falas dele, é como se fosse um personagem
que eu não conheço, porque o Eduardo Bolsonaro aluno era normal,
gentil, educado”, diz a professora Vanessa Berner, titular de direito
constitucional na universidade.
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dos juristas que combatem “os populares [que] clamam por vingança a
todo custo, principalmente diante de casos de repercussão nacional [e]
deleite da mídia”. O trabalho de advogados e juízes, escreveu, é a
garantia de que o país não vai regredir à “barbárie do tempo dos
primatas”. Por fim, defendeu que condenados em primeira instância
tenham amplo direito a recorrer de suas sentenças. “Estaríamos
retrocedendo aos tempos da Inquisição, onde julgamentos feitos em
praças públicas condenavam pessoas à morte sem direito de recurso?”,
perguntou, retoricamente.
Em 2019, fez reverberar nas redes uma acusação de que Geraldo Prado, o
“autor alumiado” de outrora, recebera dinheiro do Primeiro Comando da
Capital (PCC), a maior facção criminosa do país. Logo Eduardo, que, no
auge da campanha pró-impeachment, fez um discurso dizendo o
seguinte: “Voto no Marcola, mas não voto na Dilma. Pelo menos o
Marcola tem palavra.” Marcola era – e ainda é – o chefão do PCC. Prado,
em resposta à acusação do ex-aluno, de quem disse não ter nenhuma
lembrança, afirmou: “Nunca fui contratado ou recebi pagamentos de
nenhuma organização criminosa.”
Para Eduardo, é natural que sua visão de mundo tenha mudado tão
radicalmente em tão pouco tempo. “Poxa, vai comparar agora, eu com 35
anos, em segundo mandato? A minha preocupação era passar de ano, ir
nos Jogos Jurídicos e estudar para concurso.” Sua amizade com a turma
da faculdade continuou nos anos seguintes à formatura. Uns dez amigos
mais próximos mantinham contato com ele em um grupo de WhatsApp,
mas não o pouparam de críticas, quando, já deputado federal, ergueu
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omo deputado, as posições de Eduardo também sofrem guinadas.
Em 2017, por exemplo, ele era contra a reforma da Previdência
proposta pelo então presidente Michel Temer. Chegou a postar um
vídeo nas redes sociais dizendo que a Previdência não era deficitária –
aliás, seguindo posição do seu pai. Quando o governo de Bolsonaro
propôs uma reforma previdenciária até mais profunda, Eduardo apoiou-
a integralmente. No início de sua vida parlamentar, apresentou um
projeto para acabar com a prerrogativa do presidente da República de
indicar ministros do Supremo Tribunal Federal. Depois da eleição de seu
pai, abandonou o projeto.
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om o diploma de bacharel em direito nas mãos, Eduardo precisava
sepultar a fama de Vagão. Queria ficar longe das ondas e das festas
cariocas. Confinou-se no apartamento do pai em Brasília para
estudar e prestar concursos. Em 2010, a Polícia Federal abriu um processo
de seleção para preencher duzentas vagas de agente e quatrocentas de
escrivão. O primeiro é um investigador. O segundo, um burocrata.
Eduardo tentou o mais fácil – o de escrivão – e passou. Durante cinco
meses, fez academia de polícia em Brasília.
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A
grande guinada de sua vida veio em 2014. Até então, Eduardo
conseguira evitar as urnas. Quatro anos antes, o pai ensaiou lançá-lo
para deputado federal pelo PP, mas as coisas acabaram não dando
certo, para alívio do rapaz. Da segunda vez, porém, Bolsonaro foi
enfático: ele deveria se candidatar. Eduardo aceitou a incumbência.
Bolsonaro calculou que poderia expandir sua base eleitoral se Eduardo
fosse candidato em São Paulo, o maior colégio eleitoral do país, onde o
filho havia morado por cerca de quatro anos. Obediente, ele abriu mão do
surfe e começou a campanha.
Eduardo foi carregado nas costas por Bolsonaro. Com sua sexta reeleição
como deputado federal pelo Rio de Janeiro praticamente garantida,
Bolsonaro dedicou-se a viajar para cidades paulistas apresentando o
filho. Estava nas rápidas aparições em programas de tevê de Eduardo,
estava nos santinhos, estava nos panfletos e estava nas ruas, anunciando
os eventos da candidatura do filho em suas redes sociais.
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“Se for ao Rio Grande do Sul me acompanhar, vai ver como eu sou
querido lá. Tudo fruto de um trabalho”, diz Eduardo. “A gente trabalha
24 horas por dia. Mas tudo está justificado, pelo amor de Deus. Não fiz
nenhuma viagem que não a trabalho.” Eduardo viajou até quando não
devia. Em fevereiro de 2017, Bolsonaro estava no plenário da Câmara e
trocava mensagens de WhatsApp com o filho, que se encontrava na
Austrália. Era dia de eleição para a presidência da Câmara. Bolsonaro era
um dos candidatos, e o filho não estava lá para votar no pai. “Papel de
filho da puta que você está fazendo comigo”, ralhou Bolsonaro, cujo
celular foi flagrado pelo fotógrafo Lula Marques. “Tens moral para falar
do Renan?”, esbravejou o pai, referindo-se ao seu quarto filho, Jair Renan
Bolsonaro, meio-irmão de Eduardo. E arrematou: “Irresponsável.”
Bolsonaro ainda sugeriu que Zero Três, além de se ausentar, estava
cometendo outros pecados. “Mais ainda, compre merdas por aí. Não vou
te visitar na Papuda”, continuou, fazendo menção ao presídio de Brasília.
“Se a imprensa te descobrir aí e o que está fazendo, vão comer seu fígado
e o meu. Retorne imediatamente.”
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A
o encerrar um mandato em que faltou a 9% das sessões plenárias,
30% das sessões em comissões e gastou 1,5 milhão de reais dos
cofres públicos com a cota parlamentar, Eduardo concorreu à
reeleição por um partido inexpressivo, mas obteve 1,8 milhão de votos. A
popularidade conquistada por Jair Bolsonaro nas eleições de 2018 alçou o
filho à categoria de superstar. Dessa vez, foi a sua montanha de votos que
ajudou a eleger outros cinco candidatos do PSL paulista.
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C
omo o pai, Zero Três aprendeu a falar em público como se fala em
um botequim. Como o pai, coleciona uma sucessão de
destampatórios. Antes da eleição, falou que o Supremo Tribunal
Federal poderia ser fechado com o emprego apenas de “um soldado e um
cabo” – “não querendo desmerecer o soldado e o cabo”, emendou. Depois
da eleição, disse que a eventual radicalização da esquerda brasileira
poderia ser respondida pelo governo “via um novo AI-5”. Nas duas
situações, quando a repercussão negativa estava no auge, com todos os
defensores da democracia protestando, Eduardo saboreava o barulho.
Seu pai, no entanto, assustado com a maré de críticas, mandou que
recuasse. No caso do STF, Eduardo pediu desculpas. No do AI-5, disse
que “talvez tenha sido infeliz”.
Hoje, avaliando as duas declarações, ele afirma que sua diatribe contra
uma radicalização da esqueda era mera “conjectura” e não deixa de
lembrar que recebeu “muito apoio” na internet. “Não apoio para se ter
um AI-5, mas de pessoas que entenderam o que eu falei e tiveram
honestidade intelectual.” Sobre o fechamento do STF, diz que respondia a
uma hipótese esdrúxula – a improvável impugnação da candidatura
presidencial do seu pai – e que fizera só uma brincadeira. E completa com
uma declaração dissonante: “Eu não acredito no uso da força.”
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E
duardo Bolsonaro opera em três níveis. Em público, ele é o
provocador das redes sociais, um político voluntarista cujo
comportamento tem sido cada vez mais incendiário – o que lhe
rende crescente popularidade nas redes sociais. Tanto é que até superou o
irmão Carlos no Twitter. Só neste ano, de acordo com um levantamento
da consultoria Arquimedes, Eduardo fez mil publicações a mais que o
irmão na rede, e cada postagem teve 11% a mais de retuítes do que as de
Carlos. No terreno privado, Eduardo é o oposto. É simpático e gentil,
cativa seus interlocutores. O terceiro nível em que atua é o do operador
das sombras. Nesta função, empenha-se em prestigiar os aliados com
cargos no governo, detonar quem não lhe parece suficientemente fiel e
azeitar a engrenagem do “gabinete do ódio”, cuja missão é garantir e
ampliar o espaço ideológico da ultradireita.
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