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REVISTA

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20.5.2022

O AMOR
VENCEU O
ÓDIO
7
“UM CÉU
ESTRELADO DO
NORDESTE, COM
LUA, COM DIREITO
A TUDO QUE
ELA DESEJOU. A
GENTE FICA FELIZ
EM RECEBER
UM TRABALHO.
É MUITO
GRATIFICANTE
FAZER PARTE
DESSE MOMENTO
TÃO ESPECIAL
DESSE SONHO
DE JANJA E O
PRESIDENTE
LULA”

VALDINEIDE,
BORDADEIRA DE
TIMBAÚBA DOS
BATISTAS, CIDADE
DA REGIÃO DE
SERIDÓ, NO
RIO GRANDE DO
NORTE
/ Editorial
4 | O que Musk veio fazer no Brasil?,
por Renato Rovai

/ Capa
O AMOR VENCEU O ÓDIO
6 | por Dri Delorenzo
edição #7

/ Política
14 | Colunista superfatura bebidas
para tachar casamento de Lula de
conteúdo |

“ostentação”, por Cynara Menezes


20 | Justiça suspende processo de
cassação de Renato Freitas

/ Eleições 2022
25 | Entrevista Edinho Silva, por Mauro Lopes
33 | A treta entre Ciro e Duvivier

/ Educação
37 | Homeschooling, por Diego Moreira

/ Literatura
46 | O chão de Guimarães Rosa, por Tanael
Cesar Cotrim

/ Global
55 | A “teoria da grande substituição”

/ Meio ambiente
59 | O mundo só tem chance com outro
paradigma civilizatório, por Leonardo Boff

67 / Expediente
EDITORIAL
Renato Rovai

O que Musk veio


fazer no Brasil?
Elon Musk veio ao Brasil para um encontro
com Bolsonaro na sexta-feira (20/5). Um
encontro meio bizarro. Numa recepção no Hotel
Fasano Boa Vista, na cidade de Porto Feliz,
interior de São Paulo.
Não foi uma recepção no Palácio do
Planalto. Mas teve pompas de recepção de
chefe de Estado. O multimilionário ganhou
medalha militar e quase todos os ministros
estavam lá... até a esposa de Fábio Faria,
ministro das Comunicações e que foi o mestre
de honra do evento. Sim, no meio de sua fala
repleta de sabujices, Faria disse que até sua
esposa estava lá para render homenagens a
Musk. Vejam só.
Mas por que Musk teria vindo ao Brasil no
exato momento em que está numa negociação
pela compra do Twitter pela bagatela de 44
bilhões de dólares? O que o atraiu num momento
desses pra vir para um país periférico se reunir
com um presidente boçal em fim de mandato?
Bolsonaro está negociando a Amazônia
com Musk. A SpaceX, empresa do americano,
instalaria satélites e seria a dona do espaço
informacional e de todos os dados da reserva
florestal mais importante do planeta, que reúne a
biodiversidade mais fantástica e ainda inexplorada.
Bolsonaro prometeu “só” isso a Musk. E
em troca, pediu ao magnata instrumentos para
a reeleição. O Twitter seria capaz disso? Não,
queridas, querides e queridos. O Twitter é uma
plataforma importante, mas ainda assim elitizada.
Ela ajuda a pautar o ecossistema digital, mas só
tem alguma força nos grandes centros.
O que Musk vai fazer então? Vai articular
uma rede de megainvestidores e grandes
multimilionários para apoiar Bolsonaro. O
capitão que muitos acham que tem cara de
bobão está articulando o capital internacional
como nunca se viu na história do Brasil para
conseguir virar o jogo contra Lula.
Vai ser uma disputa absolutamente
desproporcional. O dinheiro do orçamento secreto
será peanuts. Ou seja, a caixinha do garçom. O
grosso virá de fora. Como já aconteceu na eleição
de 2018 em menor proporção.
Musk é só o começo.w
Capa

Lula e Janja

O amor
venceu o
ódio
por Dri Delorenzo
fotos Ricardo Stuckert

V
ou casar agora no mês de maio para
dizer ao povo brasileiro: eu confio tanto
no Brasil, que aos 76 anos de idade eu
vou casar. Porque eu amo a pessoa que eu vou
casar e porque eu amo meu país. E sobretudo
porque eu amo esse povo, porque esse povo é
responsável por tudo o que aconteceu na minha
vida.” Assim o ex-presidente Lula confirmou
que casaria com a socióloga Rosângela Silva,
a Janja, em 7 de abril deste ano em entrevista
à rádio Jangadeiro BandNews, de Fortaleza
(CE). Nesta mesma data, há quatro anos Lula
era preso em São Bernardo do Campo (SP).
Após se entregar, foi levado a Curitiba, onde
permaneceu por 580 dias preso. Depois de
tanto sofrimento, com uma prisão injusta,
perdas de seu neto Arthur, aos 7 anos, e de
seu irmão Vavá, Lula, favorito para ganhar
as eleições, chega a 2022 exalando amor,
enquanto seus adversários políticos destilam
ódio e preconceito.
Católico, Lula escolheu o padre dom
Angélico Sândalo Bernardino, bispo-emérito de
Blumenau (SC), amigo há quase cinco décadas,
para abençoar a união numa cerimônia para
cerca de 150 convidados na quarta-feira (18),
numa noite fria em São Paulo. Na lista seleta,
políticos como Geraldo Alckmin, Fernando
“Ninguém mais
feliz que eu e
você. Hoje é dia
de celebrar o
nosso amor. Que
o vento venha
nos abençoar
e carregar todo
mal para longe
de nós!” - Janja

Haddad, Dilma Rousseff, Flavio Dino e Marcelo


Freixo, entre outros. Juristas como Augusto
de Arruda Botelho e os advogados de Lula,
Cristiano Zanin e Valeska Teixeira Martins. Entre
os artistas, Gilberto Gil, Daniela Mercury e
Teresa Cristina. O local foi mantido em sigilo até
pouco antes da festa. Os presentes tiveram que
deixar seus celulares na entrada. As imagens
só foram divulgadas no dia seguinte retratadas
pelo fotógrafo que acompanha o ex-presidente
desde o início dos anos 2000, Ricardo Stuckert.
“Ninguém mais feliz que eu e você. Hoje
é dia de celebrar o nosso amor. Que o vento
venha nos abençoar e carregar todo mal
para longe de nós!”, escreveu Janja no dia
do casamento. Após a festa, Lula deu uma
pausa nas agendas de pré-campanha. Mas
por poucos dias. Na próxima semana, o ex-
presidente já irá para o Rio Grande do Sul e
Santa Catarina. Na segunda-feira (23), terá uma
reunião com os presidentes dos sete partidos
que compõem a chapa Lula-Alckmin (PT, PSB,
PSOL, PCdoB, Rede, PV e Solidariedade).
Apesar das especulações por parte da
imprensa de que a festa seria uma ostentação
(veja na página 14), o casamento movimentou as
redes sociais e fez com que os apoiadores do ex-
presidente Lula superassem os bolsonaristas no
Twitter, segundo a plataforma de monitoramento
digital da Revista Fórum, a Data Fórum.
O vestido de Janja foi um show à parte.
Presente das estilistas Helô Rocha e Camila
Pedrosa, a peça foi bordada por bordadeiras
de Timbaúba dos Batistas, uma cidade da
região de Seridó, no Rio Grande do Norte.
Em um vídeo feito por Stuckert, elas falam
sobre a inspiração do vestido. “Um céu
estrelado do Nordeste, com lua, com direito
a tudo que ela desejou. A gente fica feliz em
receber um trabalho. É muito gratificante fazer
parte desse momento tão especial, desse
sonho de Janja e o presidente Lula”, disse a
bordadeira Valdineide, conhecida como Patinha.
A lembrancinha do casamento foi um lindo
bordado, um enfeite que pode ser pendurado
na parede, com a frase: “O amor venceu”. Viva
os noivos!w
Cenas de
um casamento
18.5.2022
Política

Opinião

Colunista superfatura
bebidas para tachar
casamento de Lula
de “ostentação”
por Cynara Menezes

O
preconceito de classe da mídia
comercial contra Lula é algo que
acompanha sua trajetória desde
que surgiu no sindicalismo, na década de
1970. A língua presa, o português simples
do metalúrgico, migrante nordestino, sempre
foram usados para tentar atingi-lo, assim
como a apreciação de uma boa cachaça.
Eleito duas vezes presidente, ainda hoje o
petista é alvo de classismo – e sua festa de
casamento com Janja, programada para
quarta-feira, 18 de maio, está servindo de
pretexto para destilarem mais preconceito.
No sábado (14), o colunista especializado
em fofocas de celebridades Leo Dias, do portal
Metrópoles, soltou o título em letras garrafais:
“Ostentação! Saiba quanto Lula investiu em
bebidas para seu casamento”. O texto, copiado
e colado por outros veículos, como a IstoÉ
Dinheiro, diz ter “descoberto” todas as bebidas
que serão servidas na celebração, que acontece
no “sofisticado espaço Grupo Bisutti” (adjetivo do
colunista). Só que os preços das bebidas citadas
estão superfaturados em até o dobro do valor da
garrafa, e a matéria ainda omite as promoções
de quando se compra em caixas de 6 ou 12
unidades, como acontece em eventos assim.
Leo Dias nem sequer especifica que o
champanhe brut Cave Geisse, que segundo ele
será servido no casório, é nacional, produzido
pela família homônima em Pinto Bandeira, no
Rio Grande do Sul. A garrafa custa 135 reais na
própria loja da fábrica, mas o colunista preferiu
citar que pode custar “entre 135 e 800 reais”,
sendo que o preço mais alto equivale a uma
garrafa de uma safra especial, de 2012. A caixa
com 6 garrafas sai ainda mais barata, por 112
reais a garrafa em sites especializados.
O mesmo acontece com o vinho branco
Foto Reprodução
Leo Dias, colunista especializado em fofocas de celebridades

espanhol Freixenet Sauvignon, cujo preço mais


em conta é o do site do Ponto Frio, onde sai
por 49,90 reais a garrafa. Na matéria de Leo
Dias, em vez de citar a cotação mais baixa, ele
fala que a garrafa “chega a custar 90 reais cada
uma”. Ou seja, publicou o preço mais alto que
encontrou. O outro vinho citado, o argentino
Perro Callejero Malbec, que pode ser comprado
a 68,30 reais no Magazine Luiza (a caixa com
6 fica ainda mais barata) aparece custando
“120 reais cada” no texto. No final da matéria, o
próprio colunista ressalta que os preços “partem
de uma pesquisa feita em sites de adega e
podem variar de acordo com a safra”.
A “polêmica” em torno das bebidas mostra
que o preconceito de classe da mídia comercial
não evoluiu em nada nos últimos 20 anos: em
2002, quando seria eleito pela primeira vez,
Lula foi criticado por ter comemorado o último
debate do primeiro turno tomando uma garrafa
do francês Romanée Conti, considerado um
dos melhores vinhos do mundo, que ganhou
do marqueteiro Duda Mendonça e foi avaliada
pela imprensa na época em 6 mil reais. “Um ex-
torneiro-mecânico pode (e talvez deva) chegar
à presidência da República, mas nenhum
candidato a presidente da República pode
tomar Romanée-Conti”, pontificou Elio Gaspari
em sua coluna na Folha de S.Paulo.
Em março deste ano, o petista foi atacado
pela mídia, por Sergio Moro e pelas redes
bolsonaristas por aparecer em uma foto usando
um relógio da marca Piaget que ganhou quando
era presidente. De acordo com as matérias
publicadas na imprensa, o relógio estaria
avaliado em 80 mil reais. Um “pecado” para um
ex-operário... E olha que Lula jamais afirmou ter
medo de ter a peça roubada no contato com os
eleitores, como fez, em 1994, o “príncipe” FHC:
“As pessoas querem te cumprimentar, e, a toda
hora, você precisa verificar se não te levaram o
relógio de pulso”, disse o tucano.
Naquela mesma campanha, a fina flor da
massa cheirosa intelectual que apoiava FHC,
reunida em um jantar na casa da atriz Ruth
Escobar, comparou a disputa a “escolher entre
Jean-Paul Sartre e um encanador”, sendo
o “encanador” Lula. A frase foi atribuída ao
Foto Reprodução
Em 2010, de férias em Salvador, o ex-presidente Lula foi chamado de “farofeiro”
pelo jornal O Globo ao ser fotografado carregando uma caixa de isopor na cabeça

cineasta Arnaldo Jabor. Vamos combinar que


esta pérola do elitismo deixa no chinelo a
“escolha muito difícil” do Estadão em 2018...
O paradoxal é que Lula foi chamado de
“farofeiro” por aparecer com uma caixa de
isopor na cabeça durante férias na praia de
Inema, em Salvador, em janeiro de 2010. Em
2004, sua esposa Marisa foi massacrada por
promover uma festa junina na Granja do Torto
em que pedia traje a caráter e um pratinho de
comidas típicas aos convidados. A colunista da
Folha Danuza Leão esbravejou: “O Brasil tem
tantos regionalismos bacanas, uma culinária
riquíssima, várias maneiras de ser cheias de
ginga e charme que deslumbram o mundo
inteiro, e o presidente e dona Marisa Letícia vão
escolher logo uma caipirada dessas?”
“Um país que quer tanto ser moderno poderia
ter se inspirado em qualquer outro folclore que
não o do atraso, o da jequice explícita”, detonou
Danuza, para quem a festa foi “de uma breguice
difícil de ser superada”. “Não há uma mulher
que se realce num vestidinho caipira; não existe
imagem masculina que resista a uma camisinha
xadrez remendada e uma costeleta postiça.
E essa história das despesas da festa serem
divididas? Foi um vexame atrás do outro.”

OU SEJA, SE LULA PARTICIPA


DE UM EVENTO CHIQUE, É “OSTENTAÇÃO”;
SE PROMOVE ALGO SIMPLES, É “BREGA”.
NÃO PODE BEBER VINHOS CAROS
PORQUE É “TRAIÇÃO” ÀS ORIGENS, MAS
TAMBÉM É “FALSIDADE” FICAR DANDO
UMA DE “POBRE”.

Pelo visto, Lula só está autorizado a beber


cachaça, para que a mídia e os adversários
possam continuar chamando-o pejorativamente
de “cachaceiro”, como chegou a fazer até um
correspondente do New York Times.
E tem que ser cachaça barata, porque se
for uma garrafa envelhecida 12 anos... está
“ostentando”.w
Política

Foto Malik Fotografia / Divulgação


Justiça suspende
processo de
cassação de
Renato Freitas
A cassação tinha previsão de ser votada pelo
plenário da Câmara de Curitiba na quinta-
feira (19). Magistrada também determinou que
seja apurada a origem de e-mail com ataques
racistas ao vereador
por Bruna Alessandra

A
juíza Patricia de Almeida Gomes
Bergonse, da 5ª Vara de Fazenda Pública
de Curitiba, suspendeu, na quinta-feira
(19), o processo de cassação do mandato do
vereador Renato Freitas (PT). A decisão da
magistrada acata o pedido do vereador, que
tem sido vítima de uma escalada de ofensas
racistas e perseguições por outros vereadores.
Bergonse também determinou à Câmara
que faça sindicância para apurar a origem do
e-mail disparado pelo endereço do também
vereador Sidnei Toaldo (Patriota) com o seguinte
recado: “A Câmara de vereadores de Curitiba
não é seu lugar, Renato. Volta para a senzala”
e “Vamos branquear Curitiba e a região Sul,
queira você ou não, seu negrinho”.
“Verifico a existência de indícios da
probabilidade do direito postulado, no que diz
respeito ao e-mail recebido pelo autor, em data
de 9 de maio próximo passado, em tese enviado
do e-mail funcional do Relator do procedimento,
Vereador Sidnei Toaldo (objeto de abertura de
Sindicância pela Casa de Leis. Referido e-mail...
[sic] apontaria parcialidade e interesse do Relator,
além de conter injúrias raciais, circunstâncias que
se vieram a ser apuradas verdadeiras, poderão
levar ao afastamento do Relator e nulidade
procedimental”, escreveu a magistrada. “Isso
porque, a Comissão Parlamentar Processante
que tem por objetivo o julgamento de um
de seus pares, deve ser órgão imparcial”,
complementou.
Para Renato Freitas (PT), a liminar foi um
recado de que há limites legais, constitucionais
e também democráticos aos procedimentos da
Câmara Municipal de Curitiba.
Foto Reprodução
“Volta para a senzala”: e-mail foi disparado pelo endereço do vereador Sidnei
Toaldo (Patriota), relator do processo de cassação de Freitas

“A decisão comprova que a punição


estabelecida pelo Conselho de Ética não
respeita princípios basilares do Direito, como
a ampla defesa, o contraditório e o direito a
um julgamento justo e imparcial. A mensagem
com ataques racistas que recebemos pelo
e-mail do vereador relator do processo é muito
grave! Disse que tem interesse em me ver fora
da Câmara, me chamou de negrinho e falou
que eu deveria voltar para a senzala. Ele, que
é juiz do meu caso, que deveria me julgar com
imparcialidade, justeza e legalidade. A formação
do Conselho que julgou o procedimento ético-
disciplinar, que está ocorrendo nesta casa de
leis, se apresenta como absolutamente parcial.
O poder legislativo tem soberania, mas, como
qualquer soberania, deve também respeitar
os limites da Constituição e da democracia”,
afirmou o vereador à Fórum.
A cassação de Freitas tinha previsão de ser
Foto Reprodução / Instagram
A perseguição a Renato Freitas pela Câmara de Curitiba começou após ele
comandar uma manifestação contra o racismo na Igreja do Rosário

votada pelo plenário da Câmara na quinta-feira


(19) — a casa legislativa é composta por 38
vereadores, três deles negros. O parecer pela
cassação foi aprovado pelo Conselho de Ética
da Câmara de Curitiba em 10 de maio.
A perseguição imposta pelo Legislativo
curitibano ao vereador ocorreu depois que ele
comandou uma manifestação pacífica contra
o racismo, na Igreja do Rosário, na capital do
Paraná, no dia 5 de fevereiro de 2022.
Os manifestantes pediam justiça pelos
assassinatos de dois homens negros, que
tinham acontecido nos dias anteriores. Vários
movimentos fizeram o mesmo pelo país.
Uma das vítimas foi o congolês Moïse
Kabagambe, que cobrou atraso no pagamento
de seus honorários, em um quiosque, no Rio
de Janeiro, e morreu agredido violentamente.
O outro foi o caso de Durval Teófilo Filho,
assassinado por um sargento da Marinha, que
supostamente o confundiu com um criminoso.
Na oportunidade, Freitas fez um discurso em
defesa da vida. Porém, setores conservadores
da cidade se incomodaram com o ato. Depois
disso, cinco representações foram protocoladas
contra o vereador na Câmara e transformadas
em processo de quebra de decoro.
A Arquidiocese de Curitiba chegou a
apresentar ao Conselho de Ética e Decoro
Parlamentar da Câmara de Vereadores (CMC),
em março, um documento pedindo que o
vereador não fosse cassado.

“A MOVIMENTAÇÃO CONTRA O
RACISMO É LEGITIMA, FUNDAMENTA-SE
NO EVANGELHO E SEMPRE ENCONTRARÁ
O RESPALDO DA IGREJA. PERCEBE-SE
NA MILITÂNCIA DO VEREADOR O ANSEIO
POR JUSTIÇA EM FAVOR DAQUELES QUE
HISTORICAMENTE SOFREM DISCRIMINAÇÃO
EM NOSSO PAÍS. A CAUSA É NOBRE E
MERECE RESPEITO”
Eleições 2022

Foto Reprodução
Edinho Silva
“Alckmin terá
destaque na
comunicação da
campanha de
Lula”
Em entrevista ao jornalista Mauro Lopes no
Fórum Café na sexta-feira (20), Edinho também
afirmou que “Lula não irá bater boca com
Bolsonaro e não iremos dar prioridade às fake
news do bolsonarismo”
por Mauro Lopes
O
prefeito de Araraquara, Edinho Silva,
foi “disputado” pelo ex-presidente Lula
e seu ex-ministro Fernando Haddad.
Lula ganhou a disputa e Edinho é agora o
coordenador de comunicação da campanha
presidencial. Para substituir Edinho como
coordenador-geral de sua campanha ao
governo de São Paulo, Haddad convidou o
deputado estadual Emídio de Souza.
Edinho Silva concedeu entrevista ao
jornalista Mauro Lopes no Fórum Café
na sexta-feira (20), pouco antes de reunir-
se, virtualmente, com os responsáveis pela
comunicação dos principais movimentos sociais
do país. Ele participou do encontro estando
em Araraquara, pois não deixará a prefeitura
da cidade para cuidar da comunicação da
campanha, tendo como parceiro o deputado
federal Rui Falcão (PT-SP).
O prefeito apresentou pela primeira vez os
quatro pontos centrais da comunicação da
campanha. Duas novidades: o candidato a vice,
Geraldo Alckmin, terá enorme destaque nas
peças e comunicação da campanha; e as fake
news bolsonaristas não serão prioridade para a
comunicação - será um tema para os advogados.
Além disso, ele revelou o cronograma de
encontros que a nova coordenação da campanha
Foto Reprodução
Lula toma posse em 2003. Uma das estratégias de comunicação da
campanha é apelar à memória das pessoas sobre o tempo dos governos
do PT, especialmente os de Lula

está promovendo, como estratégia para construir


apoios e consensos no PT, nos demais partidos
da aliança e nos movimentos sociais.
Leia a seguir os quatro pontos centrais da
comunicação da campanha Lula-Alckmin e
a sequência de encontros que ele e Falcão
estão mantendo para ordenar e pacificar a área
nevrálgica para a eleição.

1) O eixo da comunicação da campanha


Segundo Edinho Silva, não haverá
mudanças em relação ao que tem pautado os
discursos de Lula, os pontos centrais que ele
tem apresentado nas entrevistas e as peças de
comunicação.
O tripé que conduzirá a campanha nas
ruas, nos debates, entrevistas e peças na
propaganda eleitoral é: 1) apelar à memória
das pessoas sobre o tempo dos governos do
PT, especialmente os de Lula; 2) denunciar a
destruição do país por Bolsonaro, em especial
no que toca aos temas da economia popular,
com destaque para o desemprego; 3) apontar
elementos do programa de governo que deem
respostas às angústias dos mais pobres,
sempre fazendo a ponte com o já feito em
governos petistas. A palavra “reconstrução”
será usada de maneira recorrente.
A ideia é que este eixo discursivo tem sido
responsável em boa medida pela manutenção
de Lula no patamar de preferências nas
pesquisas na ordem de 45% há mais de um
ano e não haveria porque mudar, exceto se
houver alguma mudança grande no cenário.

2) Resposta às fake news não será


prioridade
As fake news bolsonaristas serão tratadas
pelos advogados e não serão prioridade
da comunicação da campanha, garantiu
Edinho Silva. Na avaliação dele e de Rui
Falcão, a resposta às fake news no âmbito da
comunicação é algo desejado pela campanha
de Bolsonaro, para atrair a chapa Lula-Alckmin
ao campo de batalha onde a extrema direita se
sai melhor.
Pelo menos por enquanto, a comunicação
da campanha irá ignorar as fake news.
Foto Reprodução
Outra estratégia da comunicação é que Lula não deve aceitar as provocações
de Bolsonaro, deixando-o falar sozinho

3) Lula não irá bater boca com Bolsonaro


nem especular sobre golpe
Disparado na liderança, Lula não tem razão
para aceitar as provocações de Bolsonaro (nem
de qualquer outro candidato) e perder tempo
com polêmicas, na concepção de Edinho Silva,
estéreis. O foco da comunicação da campanha
será mantido e Bolsonaro continuará a falar
sozinho. Da mesma forma que no caso das fake
news, às direções dos partidos da aliança e aos
advogados competirá tratar das acusações e
agressões de Bolsonaro.
Lula não irá falar sobre hipótese de golpe,
para não fazer crescer as especulações. Pelo
menos por enquanto, irá tratar o processo
eleitoral como dentro das normas democráticas,
sem qualquer ameaça de ruptura institucional
Foto Reprodução
O ex-governador Geraldo Alckmin não será escondido pela comunicação da
campanha. Ao contrário, será estrela da comunicação, ao lado de Lula

4) Alckmin será estrela da comunicação,


ao lado de Lula
O ex-governador Geraldo Alckmin não será
escondido pela comunicação da campanha. Ao
contrário. “A presença do governador Geraldo
Alckmin carrega uma simbologia muito forte,
da ampliação das forças democráticas que se
uniram para evitar o desastre”, disse Edinho
Silva. E essa união será valorizada.
“Alckmin terá um papel de destaque”,
assegurou o prefeito de Araraquara, o que já
aconteceu no evento de lançamento da chapa,
em 7 de maio, em São Paulo.w
O roteiro da pacificação e
da construção do consenso na
comunicação da campanha
Lula-Alckmin

A Edinho Silva e a Rui Falcão não é


estranho o universo da comunicação. Ao
contrário. Falcão é jornalista e Edinho foi
ministro da Secretaria de Comunicação
Social da Presidência da República (Secom)
entre 2015 e 2016, no governo Dilma
Rousseff. Isto é algo que ambos têm em
comum com o jornalista Franklin Martins, a
quem sucederam.
O que os diferencia de Martins é o
fato de serem, Silva e Falcão, políticos
experientes e com sensibilidade para
a construção de processos políticos e
consensos. Franklin Martins operava
a comunicação a partir de uma visão,
em grande medida, técnica. Os dois
coordenadores da área fazem isso com
base em sua experiência em comunicação
mas, simultaneamente, como “animais
políticos”, sensíveis às necessidades e
dinâmicas dos partidos, movimentos sociais
e toda a rede de interesses e desejos
distintos que marcam uma campanha,
ainda mais presidencial.
A dupla Silva-Falcão foi anunciada
no comando da comunicação no final
da primeira semana de maio. Mas a
ação comum inaugural de ambos não foi
“comunicacional”, mas algo silencioso e
do terreno da composição política: uma
sequência de reuniões para atrair, escutar,
compor, somar.
A primeira reunião aconteceu em
19 de maio, com todos os secretários
de comunicação do PT; a segunda, no
dia seguinte, com os responsáveis pela
comunicação dos mais importantes
movimentos sociais do país; a terceira
será uma conversa com Lula, Alckmin
e os presidentes dos partidos que
compõem a aliança; na quarta-feira
(25), arrematam a primeira rodada com
uma reunião com os secretários de
comunicação de todos os partidos que
estão apoiando a chapa Lula-Alckmin.
Com Edinho Silva e Rui Falcão, a política
caminhará pari passu com a comunicação.w
Fotos Reprodução
Eleições 2022

A TRETA ENTRE
CIRO E DUVIVIER
Ciro parte para ataques pessoais contra
Duvivier após o comediante dedicar uma
edição do Greg News ao presidenciável
por Plinio Teodoro

E
m live na noite de terça-feira (17),
chamada “React do Cirão”, Ciro Gomes
(PDT) partiu para ataques pessoais
contra o ator Gregório Duvivier, que virou alvo
após dedicar uma edição de seu programa,
o Greg News, ao presidenciável pedetista,
que classificou o perfil como “depreciativo e
completamente distorcido”.
Buscando um tom de humor, Ciro disse que
Duvivier sofre de “síndrome de Zelensky”, em
relação ao humorista Vlodymyr Zelenski, que
tornou-se presidente da Ucrânia e se envolveu
“Tem gente
que pensa que
ser baixinho e
comediante como
Zelensky basta para
ser estadista”
Ciro Gomes

na guerra contra a Rússia.


“Mesmo conhecendo muito bem esse
gênero [humor], eu não conheci essa certa
variante, aliás, é mais que uma variante, é
uma encarnação delirante de personagem, eu
vou chamá-la, com respeito, de síndrome de
Zelensky”, disparou Ciro.
Na sequência, Ciro explicou a alusão e fez
chacota com o que considera baixa estatura
de Duvivier.
“Antes de ser presidente, Zelensky era um
comediante muito famoso lá na Ucrânia, essa
popularidade acabou o levando à presidência
da Ucrânia. Enquanto ele defende seu país
no campo de batalha, aqui do outro lado do
mundo, do conforto do ar-condicionado e do
‘uisquinho’ com gelo, fora outros aditivos, tem
gente que pensa que ser baixinho e comediante
como Zelensky basta para ser estadista, ou
melhor, salvador da pátria ou conselheiro-mor
da República”, ironizou.
“Cansado de falar
sozinho, Ciro
chama pra briga um
comediante. É só
triste, mesmo”
Gregório Duvivier

Pelas redes, Duvivier disse que houve apenas


um erro de informação no programa, que será
corrigido, e que “Ciro não gostou de muita
coisa do que dissemos no programa, o que é
compreensível, mas a gente sustenta tanto as
críticas quanto os elogios que fizemos a ele”.
“Ciro foi ministro até o fim do governo
Itamar. Todas as outras informações estão
corretas, checadas e com fonte - enquanto as
fontes do Ciro, ao que parece, são vozes da
sua cabeça. Mas vamos falar disso no debate”,
afirmou, reiteirando que participará de um
debate com o pedetista.
Em nota ao portal Uol, Duvivier, no entanto,
lembrou que não é candidato e Ciro parece
querer transformá-lo em um adversário político.
“Ciro agora me trata como um candidato,
e ele precisa fazer isso porque nenhum
candidato quis debater com ele. Cansado de
falar sozinho, chama pra briga um comediante.
É só triste, mesmo”.w
ACESSE PARA
SABER MAIS
veneta.com.br/produto/
como-derrotar-o-fascismo/
Opinião
Diego Moreira

Foto FG Trade

Homeschooling e a
desvalorização da
educação pública
brasileira

E
m acordo político com o centrão, o
presidente pressionou para acelerar a
pauta e submeter a votação do Projeto
de Lei 3179/2012. Como de costume, o
presidente da Câmara dos Deputados, mais
uma vez, obedeceu às ordens do Planalto.
Por que esse projeto de lei é tão prejudicial à
educação brasileira? O que há por trás dos
movimentos que pressionam pela aprovação
do PL e por que é uma pauta que ataca
diretamente a sociedade?
A educação familiar não é um projeto
inédito da atual gestão federal, uma vez que
pequenos grupos organizados em associações
de baixa densidade popular reivindicam a
regulamentação da atividade das famílias na
educação dos filhos. Segundo o site da ANED
(Associação Nacional de Educação Familiar),
a busca por regulamentação iniciou-se em
2010 com um grupo de pais insatisfeitos com
a escola, que decidiu retirar os filhos e os
manterem fora da instituição escolar, ao arrepio
das leis. Atualmente são 7.500 famílias que
defendem essa pauta.
O Projeto de Lei é uma verdadeira
desconexão com a realidade educacional
brasileira e vai na contramão das principais
pesquisas sobre os problemas ou propostas
de melhorias da educação pública conduzidas
por órgãos governamentais ou mesmo por
instituições do terceiro setor.
O Brasil possui aproximadamente 46,7
milhões de estudantes matriculados na
Educação Básica, entre redes públicas e
privadas. Segundo informações do IBGE, o
Brasil tem 11 milhões de analfabetos, o que
Foto Reprodução
É preciso defender que a escola é lugar de vivenciar experiências, é lugar para
socialização e para o convívio de diferentes opiniões e perspectivas de mundo

corresponde a cerca de 6,6% da população.


Com ensino fundamental completo, o número
chega a aproximadamente 67 milhões de
pessoas, o equivalente a 32% da população,
enquanto que com o Ensino Médio completo
o Brasil possui em torno de 57 milhões de
pessoas, o equivalente a 27,4% da população.
Por fim, com Ensino Superior, no país, há
cerca de 35 milhões de pessoas, 17,4% da
população. Sendo assim, para qualquer gestão
séria que se comprometa com a educação
pública, esses dados por si só seriam motivo
suficiente para perceber o quanto a pauta não
dialoga com as necessidades do país.
Para além dos dados, é necessário
compreender os marcos legais e a razão
histórica pelos quais foram criados.
A Constituição Federal, conhecida como
Constituição Cidadã, amplia os direitos sociais
justamente por reconhecer que o Brasil estava
distante dos principais direitos que garantiam
a condição de dignidade e cidadania. O artigo
205 da Carta Magna é explicito e inequívoco
ao afirmar que “a educação, direito de todos e
dever do Estado e da família, será promovida e
incentivada com a colaboração da sociedade,
visando ao pleno desenvolvimento da pessoa,
seu preparo para o exercício da cidadania e sua
qualificação para o trabalho”. A compreensão
da promoção, incentivo e colaboração passam
prioritariamente pela estruturação, valorização e
desenvolvimento das instituições escolares, ou
seja, o caminho para atender a população ainda
não escolarizada e aumentar a qualidade do
ensino é exatamente o oposto do que propõe o
projeto. As famílias não devem deixar a escola
para resolverem suas dificuldades isoladamente,
é necessário que se fortaleça a participação
plural e democrática no interior das escolas.
O Estatuto da Criança e do Adolescente,
promulgado em 1990, em seu artigo 57 diz
que “o Poder Público estimulará pesquisas,
experiências e novas propostas relativas a
calendário, seriação, currículo, metodologia,
didática e avaliação, com vistas à inserção de
crianças e adolescentes excluídos do ensino
fundamental obrigatório”. O marco histórico
do ECA é a defesa e busca de garantia da
permanência das crianças e adolescentes na
escola, a ponto de exigir do poder público
a permanente pesquisa e manutenção dos
sistemas de ensino, com vistas a melhorias
e condições de ingresso e permanência dos
estudantes nas escolas.

DIANTE DO EXPOSTO, VEMOS QUE


A ESCOLA É ESPAÇO DE DIREITO
CONQUISTADO POR MEIO DE LUTAS
POLÍTICAS, LEGAIS E SOCIAIS QUE
GARANTEM O AVANÇO DE UMA SOCIEDADE
DEMOCRÁTICA E QUE SE PREOCUPAM COM
O PLENO DESENVOLVIMENTO DE SEUS
CIDADÃOS. A FUNÇÃO SOCIAL DA ESCOLA
EXTRAPOLA A APLICAÇÃO DE CONTEÚDOS
CURRICULARES E POSSUI FUNDAMENTOS
RELEVANTES PARA O CONVÍVIO E A
SOCIALIZAÇÃO COM A PLURALIDADE
DE IDEIAS E VISÕES DE MUNDO. NESSE
SENTIDO, TIRAR UMA CRIANÇA DA
INSTITUIÇÃO ESCOLAR E JUSTIFICAR COM
O ARGUMENTO DE DISCORDÂNCIA DO
ENSINO OU DOS CONTEÚDOS ENSINADOS,
OU MESMO DA DIDÁTICA QUE É APLICADA,
É UMA ARGUMENTAÇÃO PUERIL E
DESPROVIDA DE ESPÍRITO PÚBLICO.

Além dos dados de escolarização da


população brasileira, das leis que regulamentam
a função social da escola e seu funcionamento,
Ricardo Vélez, Abraham Weintraub, Carlos Decotelli e Milton Ribeiro: os
inúmeros ministros que passaram pela gestão MEC deixaram a marca do
desconhecimento e do negacionismo, além dos escândalos de corrupção

o terceiro argumento que apresento aqui é a


desvalorização da Educação como ciência.
O governo bolsonarista desde o processo
eleitoral se colocou como inimigo da educação
pública. Os inúmeros ministros que passaram
pela gestão MEC deixaram a marca do
desconhecimento e do negacionismo, além
dos escândalos de corrupção, ainda sob
investigação criminal. Pautas de negação da
ciência foram recorrentes durante a maior crise
de saúde do país e do mundo. A apresentação
desses fatos tem como finalidade reiterar que
EDUCAÇÃO é Ciência e deve ser conduzida por
profissionais formados.
O avanço da agenda educacional
ultraconservadora, apoiada pelo governo e
pelas bancadas do centrão, é costumeiramente
negacionista da ciência e não faz um debate
lastreado em evidências e dados de pesquisa,
ou seja, essa pauta encontra eco principalmente
diante dos representantes das camadas mais
reacionárias da população, as mesmas que
propagam a existência de ideologia de gênero,
doutrinação de estudantes e a criminalização
do campo progressista. Os grupos que têm
defendido e apoiado projetos como esse são
os mesmos que defendem as causas baseadas
em fake news e com argumentações com
pouco ou nenhum lastro científico, e ampliam
pautas morais e de costumes.

LOGO, O ENSINO DOMICILIAR


DESQUALIFICA A AÇÃO PEDAGÓGICA
PROFISSIONAL, FORMAÇÃO QUE É
RESULTADO DE ANOS DE ESTUDOS E
PESQUISAS, E ABRE POSSIBILIDADES
PARA QUE FAMILIARES SEM NENHUM
CONHECIMENTO TÉCNICO, DIDÁTICO,
METODOLÓGICO E CIENTÍFICO CONDUZAM
A EDUCAÇÃO DE CRIANÇAS.

Nesse sentido, a formação superior que


sugere a relatora do projeto não específica
que tipo de formação é necessária, ou seja,
se é uma formação em Engenharia, Direito,
Economia, Medicina Veterinária ou qualquer
outra formação garante sobre o conhecimento
de teorias, conceitos e métodos para conduzir a
aprendizagem das crianças.
O ataque à educação brasileira também
é feito de forma velada ao desqualificar
a formação e o exercício profissional do
professor, igualando a atividade profissional ao
acompanhamento das famílias em casa. No
limite, é a mesma coisa que dizer que os pais
que possuem Ensino Superior em qualquer
área são capazes de diagnosticar e medicar
seus filhos, ou mesmo que a formação superior
me permite advogar ou assinar projetos de
arquitetura. O Ensino Superior, ou qualquer
graduação, que não seja a de Pedagogia e as
licenciaturas, não habilita e tampouco qualifica
famílias para o processo de alfabetização, nem
ensina o desenvolvimento de técnicas didáticas
e metodológicas.
A escola é o espaço adequado para o
processo de desenvolvimento cognitivo, social
e emocional das crianças e adolescentes e os
professores são os profissionais habilitados
academicamente para conduzir esse processo.
A gestão do atual governo federal, além de
não ter nenhuma clareza das prioridades
educacionais do país, insiste em ecoar ataques
aos profissionais da educação. A defesa do
ensino domiciliar é a negação da ciência da
educação, é a abertura para mais ataques e
o fortalecimento do desprestígio profissional,
além de negar o abismo social das famílias sem
escolarização no país.
PORTANTO, O ENSINO DOMICILIAR
É UM DESSERVIÇO ÀS PRINCIPAIS
PRIORIDADES EDUCACIONAIS DE UM PAÍS
QUE JÁ SOFRE COM CRISES ECONÔMICAS,
POLÍTICAS E SOCIAIS. ASSIM, O DIREITO DE
APRENDIZAGEM DAS CRIANÇAS PRECISA
SER GARANTIDO COM VALORIZAÇÃO E
INVESTIMENTO NAS ESCOLAS.

É preciso defender que a escola é lugar de


vivenciar experiências, é lugar para socialização
e para o convívio de diferentes opiniões e
perspectivas de mundo. É nesse espaço que o
desenvolvimento da identidade e das emoções
são valorizados e podem ser confrontados
para conviver com outros mundos possíveis,
que as culturas e os saberes se encontram na
mesma mesa da cidadania, e que as diferenças
são valorizadas e podem conviver de forma
democrática, republicana e civilizada. A escola
é o maior patrimônio histórico e cultural que
marca o avanço civilizatório.
Negar a escola é negar a própria história.w

Diego Moreira é professor universitário, pesquisador, doutor e mestre


em Educação: História, Política e Sociedade pela PUC-SP.

Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.


Literatura

O CHÃO DE
GUIMARÃES
ROSA
por Tanael Cesar Cotrim

“Sorriram-se, viram-se. Era infinitamente maio e Jó


Joaquim pegou o amor. Enfim, entenderam-se.”
Desenredo, de Tutaméia
Foto Reprodução
B
rasil Real. Brasil Simbólico. Brasil
Genético. Os caminhos cruzados da
vida. Começar a ler Guimarães Rosa
ofereceu-se como desafio. Ultrapassar as
primeiras páginas resultou em exercício
disciplinado diário. Lida difícil. Perscrutar
caminhos de inteligibilidade. A chamada
“Cosmogonia Rosiana” exige determinação.
Até o alumbramento com a linguagem moto-
contínuo, uma nascente a jorrar perenemente
a água de um caudaloso e profundo rio,
permeado de seres enigmáticos e reais. No
Itamaraty vagava a ideia de um diplomata com
hábito desarrazoado para escritor: a pesquisa.
Confirmada por Vinicius de Moraes através de
Antonio Candido. Um sujeito quieto, tímido e
estranho andava com listas de plantas, lugares
e bichos de Minas Gerais. Resolve experienciar
os Geraes e parte para uma expedição de
boiadeiros. É recebido por Zito. E a vida muda,
sub-repticiamente, para Rosa, Zito e a literatura.
Zito é um personagem do conto A Partida
do Audaz Navegante, do livro Primeiras Estórias.
Mas Zito é real também. E afirmo, pois o
entrevistei para o livro O Rumo do Rosa na Rota
de Zito. Num ensolarado azul de um sábado de
julho de 2001, em Três Marias, esmiuçou Rosa
Foto Divulgação
Zito, personagem do conto A Partida do Audaz Navegante. Mas Zito é real também,
pois foi entrevistado pelo autor para o livro O Rumo do Rosa na Rota de Zito

nos 11 dias de contato entre a Fazenda Sirga,


em Três Marias, e a Fazenda São Francisco,
em Araçaí , na vanguarda de uma comitiva de
boiada, em maio de 1952, há 70 anos. Guiou
a expedição e o escritor, escanchado na mula
Balalaika, com um caderno e lápis apontado
nos dois lados para anotações. “Eles chegaram
de noite, num jipe. Aí ele chegou e eu perguntei
- O senhor que é o doutor Rosa? Ele respondeu
- Doutor não, vaqueiro Rosa. Não podia chamar
de doutor na viagem não. - Doutor é no Rio,
aqui não, aqui é vaqueiro Rosa.”
A Revista O Cruzeiro registrou a chegada
em famosa reportagem. A viagem contribuiu
para a elaboração de Grande Sertão: Veredas
e Corpo de Baile. Se o afeto extraído das
histórias remetiam-me, após o fascínio da
linguagem, às origens familiares sertanejas,
encontrar Zito escancarou uma literatura criada
Foto Eugênio Silva/O Cruzeiro
Guimarães Rosa junto aos vaqueiros na jornada pelo sertão mineiro

do chão, do pó das sendas, das pedras de


Maquiné, do sal do cocho, das estrelas tão
alumiadas somente ali. O mundo recriado
em exercício sublime de criação. Catalogou
nomes regionais de animais, rios, plantas e
lugares. Captou a fala do geralista mineiro e a
trouxe para sua literatura. Histórias, causos e
pensamentos do domínio público.
O vaqueiro, ponteira, vanguarda, contracoice
da comitiva de que participou João Guimarães
Rosa em maio de 1952, pelos Geraes,
anunciou-me, também, poeta. Compunha
quadras acerca do dia vivido, redivivo:

O Zito bateu o berante


que a terra estremeceu.
O Bendoia cantou um verço
que o povo todo entreteseu.
O Dr. Saio do Rio
com prazer e alegria.
Para acopar uma boiada
para ver o que acotecia.
Riobaldo Tatarana, bastardo, está na casa
do padrinho abastado, Selorico Mendes, na
Fazenda São Gregório, velando a mãe, quando
o jagunço Siruiz entoa os versos:
Urubu é vila alta
Mais idosa do sertão
Padroeira minha vida
Vim de lá, volto mais não
Corro os dias nesses verdes
Meu boi mocho baetão
Buriti, água azulada
Carnaúba, sal do chão
Remanso de rio largo
Viola da solidão
Quando vou pra dar batalha
Convido meu coração

O bardo da jagunçagem convoca a melodia,


a partir de então, em todos os dramas da lida
sertaneja vida afora, feito leitmotiv. Grande
Sertão: Veredas é pontilhado pela Canção de
Siruiz, um índice da dialética da existência.
Guimarães Rosa transformava, com meandros
e traquejos, o popular em erudito e o erudito
em popular. Fusão simbólica e telúrica. Medra a
ambiguidade fundamental de toda grande arte:
o documento e o símbolo.

CRIOU UMA OBRA SINGULAR NA


LITERATURA BRASILEIRA, COM TEMÁTICAS
PRÓPRIAS DA CULTURA NACIONAL EM
EXERCÍCIO INOVADOR DE LINGUAGEM. NÃO
À TOA CONSIDERAVAM-NO O RAPSODO
DO SERTÃO MINEIRO, OS GERAIS, AQUELE
QUE CAPTA, COLECIONA E REELABORA
HISTÓRIAS DO POVO LOCAL. TRANSFORMA
A ESCRITA COM A ORALIDADE QUE MARCA
A TRADIÇÃO ILETRADA DO AMBIENTE.
ARTICULA RITMOS, NEOLOGIZANDO:
“UM TICO-TIQUINHO DE ARROIO, UM
ESGUICHO ÁGIL QUE MIJEMIJAVA.”. CRIA
NEOLOGISMOS E ONOMATOPÉIAS, COM O
OUVIDO EM MELOPEIA: “SILVO DE PLIM.”
PULSANTE E OBSESSIVA CRIATIVIDADE
LINGÜÍSTICA.

“Tudo o que o cê pensar de perguntar no


mundo ele perguntou. Ele nem ia lembrar tudo.
O Rosa perguntava de tudo. Um dia ele, isso
foi pertinho da Tolda, um cerradão. Tinha um
pau seco assim, tudo torto. - Pra quê que serve
esse pau? Ele perguntou. Não tinha nada de
responder. Eu falei. -É pra papagaio chocar. Ele
falou. -O cê tem resposta pra tudo. Depois que
a gente acostumou com ele era normal. Tinha
que responder aquilo que ele perguntava. Era
o dia inteirinho, e escrevendo. Cortou um lápis
no meio, pôs um cordão e amarrou no botão da
camisa, e uma caderneta de arame, passada no
pescoço, pendurada. Andano ele escrevia tudo.”
Rosa chega à Fazenda Sirga, para a saga
por 240 quilômetros dentro do sertão mineiro,
num frio fino de um 13 de maio. Participa
de uma festa local de inauguração da Igreja
de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, no
cemitério onde enterrara sua mãe um certo
Manuel Nardi. O famigerado Manuelzão de
Uma Estória de Amor, uma das sete novelas
de Corpo de Baile. “Tem uma pessoa que eu
não cito o nome não. É até uma cumadre.
Ela já é falecida. Ela é até muito bonita, muito
boa pra cantar. Encontramo ela no caminho
das vereda. Aí o Rosa - Boa tarde. E ela - Boa
tarde. Esse é o doutor Rosa? Eu falei - É. Ele
disse - Não senhor, vaqueiro Rosa. Aí, depois
ele falou - Bonitinha mesmo. Ficou olhano pra
ela, seguimo a viage. De noite tinha forró e
essa pessoa falou que queria dançar com ele.
Esse tempo não era esse negócio de chega
pra lá, chega pra cá; agarrava e dançava. Tudo
descalço. Aí ele ficou encantado. Ele dançou
com ela. Mas usava revólver, facão. Ele ficou
encantado e disse - Que negócio é esse?! Mas
era o sistema do lugar. Aí fomo embora. Meia-
noite nóis descemo, fomo embora, e no outro
O jornalista Tanael Cesar Cotrim,
autor do livro O Rumo do Rosa na
Rota de Zito, Pangeia Editora

dia nóis saímo com a


boiada.”
Miguilim, o menino
poeta alter-ego de
Guimarães Rosa,
míope morador dos
fundões do bonito
Mutum, personagem central de Campo Geral,
é um acanhado garoto da Casa Sede da Sirga,
cognominado Miguilinho. O rabequeiro Chico
Brabós é o fazendeiro Francisco Barbosa,
proprietário da São Francisco. O Morro da
Garça, eldorado de Pedro Orósio Pê Boi, Seu
Elquiste e a comitiva de padre e latifundiário
esteve lá, na viagem, piramidal, enigmático
decifrado pelo escritor. Enfim... Histórias.
Histórias do período em que Rosa e Zito
rumaram pelos Geraes...

Adeus Dr João Roca


o senhor vai me desculpar.
Você seque a tua viagem
e nos vamo voltar.w
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Global

Supremacista branco
em ato nos EUA

Foto Vox/Reprodução
A “teoria
da grande
substituição”
Tese racista motivou atirador dos EUA e
é um amontoado de bobagens e teorias
conspiratórias que vem fazendo a cabeça de
grupos reacionários em vários países, sob a
alegação de que os brancos serão extintos
por Henrique Rodrigues

P
ayton S. Gendron, de 18 anos, se
armou com dois fuzis automáticos e
uma espingarda, saiu de sua casa, na
pequena cidade de Conklin, no Estado de
Nova York, no último sábado (14), e dirigiu
até Buffalo, onde disparou a esmo num
Foto AP/Reprodução
Payton S. Gendron, de 18 anos, matou dez pessoas e feriu três em um
supermercado de Bufallo, EUA, motivado pela “teoria da grande substituição”

supermercado de um bairro majoritariamente


habitado por negros, matando 10 pessoas e
ferindo outras três. Preso, o jovem se assumiu
um supremacista branco, disse que o ataque
tinha motivação racial e que era um adepto da
“teoria da grande substituição”.
Mas o que é a expressão que define esse
conjunto de teses estapafúrdias e teorias
conspiratórias, antes restrita a pequenos grupos
de extrema direita e que de uns tempos para
cá vem se espalhando entre reacionários do
mundo inteiro?
A tal “teoria da grande substituição” foi
desenvolvida há 10 anos pelo filósofo francês
Renaud Camus (que não tem qualquer
parentesco com o famoso escritor franco-
argelino Albert Camus). Sem qualquer
base científica ou comprovação por meio
de pesquisas críveis, o autor afirma que
há um “genocídio branco” perpetrado por
Foto AFP/GETTY IMAGES
Renaud Camus, filósofo francês que criou a “teoria da grande substituição”,
afirmando que estaria ocorrendo um “genocídio branco” no mundo

populações não brancas, como árabes,


negros, asiáticos e latinos, que estaria sendo
levado a cabo por meio de uma taxa de
natalidade maior desses grupos étnicos, que
aumentariam suas populações e fariam com
que os brancos, que teriam menos filhos,
ficassem como uma minoria a ser dominada,
sobretudo culturalmente. Na prática, a tese é
um emaranhado de bobagens e pensamentos
conspiratórios que tem como única intenção
espalhar e “fundamentar” o racismo nas hostes
mais conservadoras e reacionárias que habitam
os grupos de extrema direita em várias nações.
No meio dessa maluquice sem um só traço
de realidade, Camus sugere ainda que tudo isso
seria fomentado pelos judeus, para que dessa
forma assumissem o controle global, o que
denota tão somente a face antissemita de sua
desconexa teoria.
A “grande substituição” foi mencionada e
serviu de combustível para outros massacres
ocorridos antes da chacina de Buffalo do último
final de semana, desde o ataque à sinagoga
californiana de Poway, em 2019, passando pelo
atentado que matou 51 muçulmanos a tiros em
duas mesquitas na Nova Zelândia, na cidade
de Christchurch, também naquele ano, até uma
dezena de ações com vítimas em massa em
vários locais do território norte-americano.
Quem deu grande difusão à teoria racista de
Camus foram figuras influentes do Trumpismo,
algumas até com programas televisivos de
grande audiência na TV dos EUA, como é o
caso de Tucker Carlson, apresentador da Fox
News que nos últimos anos abordava a tese
estapafúrdia ao vivo como se aquilo tivesse
algum pingo de verdade, inclusive fazendo
acusações contra políticos democratas, que
segundo ele apoiavam os “objetivos da teoria”.
Ao notar o grande mal que suas ideias
geraram no Ocidente, Renaud Camus passou
a recusar qualquer vínculo ou apoio com
autores de massacres ocorridos em muitos
países, embora numa entrevista dada ao
The New York Times em 2019 ele tenha
confessado que ainda acredita em suas ideias
e que elas são “verdadeiras”.w
Opinião
Leonardo Boff

Foto Ricardo Stuckert

O mundo só tem
chance se houver
outro paradigma
civilizatório

V
ou direto ao ponto: dentro do atual
paradigma civilizatório, da modernidade,
é possível outra Agenda ou tocamos nos
seus limites intransponíveis e temos que buscar
um outro paradigma civilizatório se quisermos
continuar ainda viver sobre este planeta?
Minha resposta se inspira em três afirmações
de grande autoridade.
A primeira é da Carta da Terra, assumida
pela Unesco em 2003. Sua frase de abertura
assume tons apocalípticos: ”Estamos diante de
um momento crítico da história da Terra, numa
época em que a humanidade deve escolher
o seu futuro... A nossa escolha é: ou formar
uma aliança global para cuidar da Terra e uns
dos outros, ou arriscar a nossa destruição e a
destruição da diversidade da vida” [Preâmbulo].
A segunda afirmação severa é do Papa
Francisco na encíclica Fratelli tutti (2020):
“Estamos no mesmo barco, ninguém se salva
por si mesmo, ou nos salvamos todos ou
ninguém se salva” [n.32].
A terceira afirmação é do grande historiador
Eric Hobsbawn em sua conhecida obra A era
dos extremos (1994) em sua frase final: “Não
sabemos para onde estamos indo. Contudo,
uma coisa é certa. Se a humanidade quer
ter um futuro aceitável, não pode ser pelo
prolongamento do passado ou do presente.
Se tentarmos construir o terceiro milênio nessa
base, vamos fracassar. E o preço do fracasso,
ou seja, a alternativa para a mudança da
sociedade é a escuridão” [p.562].
Em outras palavras: o nosso modo de
habitar a Terra, que inegáveis vantagens
nos trouxe, chegou ao seu esgotamento.
Todos os semáforos entraram no vermelho.
Construímos o princípio da autodestruição,
podendo exterminar toda a vida com armas
químicas, biológicas e nucleares por múltiplas
formas diferentes. A tecnociência que nos fez
chegar aos limites extremos de suportabilidade
do planeta Terra (The Earth Overshoot) não
tem condições, por si só, como o mostrou o
Covid-19, de nos salvar. Podemos limar os
dentes do lobo pensando que lhe tiramos,
ilusoriamente, sua voracidade. Mas esta não
reside nos dentes mas em sua natureza.

PORTANTO, TEMOS QUE ABANDONAR


O NOSSO BARCO E IR ALÉM DE UMA
NOVA AGENDA MUNDIAL. CHEGAMOS AO
FIM DO CAMINHO. TEMOS QUE ABRIR UM
OUTRO DIFERENTE. CASO CONTRÁRIO,
COMO DISSE EM SUA ÚLTIMA ENTREVISTA
ANTES DE MORRER ZYGMUNT BAUMAN:
“VAMOS ENGROSSAR O CORTEJO
DAQUELES QUE RUMAM NA DIREÇÃO
DE SUA PRÓPRIA SEPULTURA”. SOMOS
FORÇADOS, SE QUISERMOS VIVER, A
NOS RECRIAR E REINVENTAR UM NOVO
PARADIGMA DE CIVILIZAÇÃO.

Dois paradigmas: do dominus e do frater


Vejo nesse momento o confronto entre dois
paradigmas: o paradigma do dominus e o
Foto Vatican Media
Papa Francisco assina a encíclica Fratelli tutti (2020): “Estamos no mesmo barco,
ninguém se salva por si mesmo, ou nos salvamos todos ou ninguém se salva”

paradigma do frater. Em outra formulação: o


paradigma da conquista, expressão da vontade
de poder como dominação, formulada pelos pais
fundadores da modernidade com Descartes,
Newton, Francis Bacon, dominação de tudo,
de povos, como nas Américas, na África e na
Ásia, dominação das classes, da natureza, da
vida e dominação da matéria até em sua última
expressão energética pelo Bóson Higgs.
O ser humano (maître et possesseur de
Descartes) não se sente parte da natureza, mas
seu senhor e dono (dominus) que nas palavras
de Francis Bacon “deve torturar a natureza
como o torturador faz com sua vítima até que
ela entregue todos os seus segredos”. Ele é
o fundador do método científico moderno,
prevalente até os dias de hoje.
O outro paradigma é o do frater: o irmão e a
irmã de todos os seres humanos entre si e os
irmãos e as irmãs de todos os demais seres
da natureza. Todos os seres vivos possuem,
como Dawson e Crick mostraram nos anos
de 1950, os mesmos 20 aminoácidos e as 4
bases nitrogenadas, a partir da célula mais
originária que surgiu há 3,8 bilhões de anos,
passando pelos dinossauros e chegando até
nós humanos. Por isso, diz a Carta da Terra e o
enfatiza fortemente o Papa Francisco em suas
duas encíclicas ecológicas, Laudato Si: sobre
o cuidado da Casa Comum (2015) e a Fratelli
tutti (2020): um laço de fraternidade nos une
a todos, “ao irmão Sol, a irmã Lua, o irmão rio
e a Mãe Terra” [LS n.92;CT preâmbulo]. O ser
humano se sente parte da natureza e possui a
mesma origem que todos os demais seres, “o
humus” (a terra fértil) de onde se deriva o homo,
como masculino e feminino, homem e mulher.
Se no primeiro paradigma vigora a conquista
e a dominação (paradigma Alexandre Magno
e Hernán Cortés), no segundo se mostra o
cuidado e a corresponsabilidade de todos com
todos (o paradigma Francisco de Assis e Madre
Teresa de Calcutá).
Figurativamente representando podemos
dizer: o paradigma do dominus é o punho
cerrado que submete e domina. O paradigma
do frater é a mão estendida que se entrelaça
com outras mãos para a carícia essencial e o
cuidado de todas as coisas.
O paradigma do dominus é dominante e está
Foto Reprodução
Greve Global pelo Clima: mobilização reúne milhares de jovens ao redor do
mundo em protestos para frear as mudanças climáticas

na origem de nossas muitas crises e em todas


as áreas. O paradigma do frater é nascente
e representa o anseio maior da humanidade,
especialmente aquelas grandes maiorias
impiedosamente dominadas, marginalizadas
e condenadas a morrer antes do tempo. Mas
ele possui a força de uma semente. Como em
toda semente, nela estão presentes as raízes,
o tronco, os ramos, as folhas, as flores e os
frutos. Por isso, por ele passa a esperança,
como princípio mais que como virtude, como
aquela energia indomável que sempre projeta
novos sonhos, novas utopias e novos mundos,
vale dizer, nos fazem caminhar na direção de
novas formas de habitar a Terra, de produzir, de
distribuir os frutos da natureza e do trabalho,
de consumir e de organizar relações fraternais
e sororais entre os humanos e com os demais
seres da natureza.

A travessia de um paradigma do dominus


para o paradigma do frater
Sei que aqui se põe o espinhoso problema
da transição de um paradigma para outro.
Ele se fará processualmente, tendo um pé
no velho paradigma do dominus/conquista
pois devemos garantir nossa subsistência e
outro pé no novo paradigma do frater/cuidado
para inaugurá-lo a partir de baixo. Aqui vários
pressupostos devem ser discutidos, mas não
é o momento de fazer isso. Mas uma coisa
podemos avançar: trabalhando o território,
o biorregionalismo, se poderá implantar
regionalmente o novo paradigma do frater/
cuidado de forma sustentável, pois tem a
capacidade de incluir a todos e criar mais
igualdade social e equilíbrio ambiental.

NOSSO GRANDE DESAFIO É ESTE:


COMO PASSAR DE UMA SOCIEDADE
CAPITALISTA DE SUPERPRODUÇÃO DE
BENS MATERIAIS PARA UMA SOCIEDADE
DE SUSTENTAÇÃO DE TODA A VIDA,
COM VALORES HUMANO-ESPIRITUAIS,
INTANGÍVEIS COMO O AMOR, A
SOLIDARIEDADE, A COMPAIXÃO, A JUSTA
MEDIDA, O RESPEITO E O CUIDADO
ESPECIALMENTE DOS MAIS VULNERÁVEIS.

O advento de uma biocivilização


Essa nova civilização possui um nome: é
uma biocivilização, na qual a centralidade é
ocupada pela vida em toda a sua diversidade,
mas especialmente a vida pessoal e coletiva. A
economia, a política e a cultura estão a serviço
da manutenção e da expansão das virtualidades
presentes em todas as formas de vida.
O futuro da vida na Terra e o destino de
nossa civilização está em nossas mãos. Temos
pouco tempo para fazer as transformações
necessárias, pois já entramos na nova fase
da Terra, seu aquecimento crescente. Falta a
suficiente consciência nos chefes de Estado
sobre as emergências ecológicas e é muito rara
ainda no conjunto da humanidade.w
REVISTA

expediente | edição #7

Diretor de Redação
_ Renato Rovai

Editora executiva
_ Dri Delorenzo

Textos desta edição:


_ Dri Delorenzo
_ Cynara Menezes
_ Bruna Alessandra
_ Mauro Lopes
_ Plinio Teodoro
_ Diego Moreira
_ Tanael Cesar Cotrim
_ Henrique Rodrigues
_ Leonardo Boff

Designer
_ Marcos Guinoza
Acesse: revistaforum.com.br
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