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© 2019 by Fundação Social Raimundo Fagner
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Echeverria, Regina
E21f Fagner [recurso eletrônico] : quem me levará sou eu / Regina Echeverria. - [2. ed]. -
Formato: ebook
CDU: 929:78.07(81)
NOTA EDITORIAL
Capítulo 1
REVELAÇÃO
Capítulo 2
DE BEIRUTE A ORÓS
Capítulo 3
MENINO DANADO
Capítulo 4
JOVEM GUARDA CEARENSE
Capítulo 5
O ADEUS A FORTALEZA
Capítulo 6
VIDA UNIVERSITÁRIA
Capítulo 7
RIO DE JANEIRO, TEMPOS DIFÍCEIS
Capítulo 8
ENFIM, UMA GRAVADORA GRANDE
Capítulo 9
O ÚLTIMO PAU DE ARARA
Capítulo 10
FAGNER FUTEBOL CLUBE
Capítulo 11
Ideias fagnerianas
Capítulo 12
AVENTURA AMERICANA
Capítulo 13
SUCESSO É BOM
Capítulo 14
A SAGA DE TRADUZIR-SE
Capítulo 15
EM TERRAS TROPICAMERICANAS
Capítulo 16
A POLÍTICA
Capítulo 17
UMA AJUDA AOS AMIGOS POLÍTICOS
Capítulo 18
RECONHECIMENTO
Capítulo 19
UM PRODUTOR DEDICADO
Capítulo 20
AMIGOS E AMIGOS
Capítulo 21
FAGNER NO SÉCULO XXI
Capítulo 22
METRALHADORA GIRATÓRIA
Capítulo 23
UM MUTANTE PARA SEMPRE
Capítulo 24
AFINIDADES IDEOLÓGICAS E MUSICAIS
Capítulo 25
QUEM ME LEVARÁ SOU EU
Índice fotográfico
Agradecimentos
Caderno de imagens
nota editorial
faz com seus shows e seus discos. Perfeccionista, quis rever cada
marcantes.
mundo.
E Fagner sabe retribuir esse afeto imenso que recebe. Fala com
alegria.
que imprimiu de tal forma o seu nome na nossa cena cultural que
anos, advogado trabalhista, que Fagner conhecia desde menino. Por isso
havia conhecido como pai até então, casado com sua mãe e pai de seus
irmãos, não tinha o sangue compatível com o seu: não era de fato seu pai
sempre.
cantor conheceu uma moça bonita no Rio de Janeiro e com ela teve um
caso de amor. Um caso, aliás, difícil para ambos: ela estava com o
adversidades, sem dinheiro e com a vida pela frente. Era jovem demais
em 1973, quando lançou seu primeiro LP, Manera Fru Fru Manera. O
corpo prejudicado.
“pai” de Bruno o chamou para uma conversa séria e lhe disse ter quase
certeza de que ele não era seu filho biológico. Declarou ainda que
Seria o Fagner?”
parecido com ele, mas nunca julguei necessário falar nada. Você é meu
filho de coração.”
perguntou:
É
“É”, confirmou Fagner e começou a contar a Bruno mais ou menos
memória pertencia apenas aos dois e o que interessava, para ele, naquele
de maio de 2012, que já adoram o novo vovô. Bruno e seu pai artista
controlo mais do que ele. Não tenho muita paciência. Tenho esse grave
Sou muito intolerante com as pessoas, não aturo muita coisa. Já tolerei
muito, mas acho que aconteceu alguma coisa na minha vida, não sei se
Bruno sabe que seu pai biológico, apesar de estourado, sem papas
ajudar as pessoas.
não é mau-caráter.”
termômetro pessoal.
Todos dizem que o menino Arthur tem muito a ver comigo. O
gênio, o jeito, a inquietação. Convivi pouco com meu filho, mas
estou tentando recuperar esse tempo com meus netos.
declarou que sua terra natal era Orós, no centro-sul do estado, famosa
por seu grande açude, cuja barragem se rompeu, nos anos 1960,
= OROS.
Pois foi lá que a família fincou raízes. Lá, ele foi registrado. Aliás,
consta. Além disso, não existe o livro no qual a certidão deveria estar.
jeitinho brasileiro.
caderninho de sua mãe, dona Chiquinha, que anotou ali a data e o local
esse nome, Fagner, não apareceu com aquele bebê, é antigo. Palavra do
eram 14 mil Fagners. Hoje são mais de trinta mil no país inteiro.
mesmo do avô materno, casado com a avó Maria Clara, mesmo nome
novo que seu irmão mais velho, Fares, que herdou o nome do pai, e
Marta.
pai. Eram gritos terríveis de dor, de horror. Que pesadelos tão medonhos
religiões.
filhos o que poderiam fazer se um dia mudassem para cá. Do Líbano até
janeiro de 1923.
Seu Fares conta que tinha um dinheirinho e foi para Quixadá, onde
andar pelo sertão e decidi que Orós era melhor. Fiquei negociando
com ela teve sua primogênita. Enviuvou muito cedo (a esposa morreu
filhos que esta teve com seu Fares. A filha Marta se lembra do pai, um
“Meninos!”
que se realizava como sonho de criança. Mas isso é uma outra história.
Chiquinha nunca entrou numa cozinha nem sabia o preço de nada, era
tudo com o pai. Ela se levantava da cama já com salto alto e ia para a rua
fazer compras. Até os ônibus paravam na porta de casa para ela subir.
Uma das coisas que mais sofri na infância foi apanhar da mamãe.
Ela batia em mim quase todo dia, e com o mano Fares foi a mesma
coisa. Já com as mulheres foi diferente.
uma ferida e entrou em casa com a perna jorrando sangue. Inventou que
curtas, ainda mais uma tão elaborada. Então, obviamente, isso não
Marta lembra, ainda, que a mãe, muito atraente, certa vez disse para
o marido:
“Galego, fulano de tal está dizendo que tu casou com a mulher mais
bonita de Orós.”
Quando seu Fares encontrou com o tal sujeito, lhe acertou um tiro
no pé. Esse mesmo homem, anos e anos depois, quando estava nas
últimas, pediu que alguém chamasse seu Fares porque não queria morrer
Chiquinha disse:
Seu Fares era bravo quando se enfezava. Uma vez encontrou o filho
Passado esse episódio, certo dia seu Fares recebeu um amigo e, todo
vaidoso, foi lhe mostrar a nova caixa-d’água da casa. Para sua surpresa,
chegou, viu aquela cena e pôs-se a brigar com o pai. Com os gritos, o
salvando os dedos do filho. Fares teve que fugir e foi resgatado pelos
amigos, entre eles Evaldo Gouveia. Passou uma semana fora de casa. Já
Fagner nunca teve coragem de fumar na frente do pai, e até mesmo já
filha mais velha, um escândalo para a época. Ter uma filha desquitada
era um horror!
que vinham nos fins de semana. Mas teve uma vida curta — só durou
cerimônia, mas o que queria mesmo era roubar. Vinte minutos depois
Comercial.”
se, então, que o rapaz não era sequer conhecido de Fares. Tempos depois
“Olha, eu roubei sua casa, mas tive tanta pena da sua mãe. Ela é tão
Era preciso mudar. Afinal, quem, depois disso, viveria naquela casa?
bairro de Fátima.
Menino danado
CAPÍTULO 3
Q uem segurava aquele moleque? Com apenas seis anos, em 1955, Fagner
melhor intérprete mirim. O prêmio não era para ele. Mamãe foi quem
Foi ela quem me levou para cantar muito bem vestidinho. Não
esqueço que tiveram que colocar um caixote para eu subir e alcançar o
microfone. Fiquei fascinado com todo aquele ambiente: bastidores,
músicos da orquestra, plateia. Gostei de tudo, mas só voltei à cena ao
completar 15 anos para fazer meu primeiro teste de calouro na Rádio
Iracema, cantando o sucesso italiano da época: “Il mondo”.
Foi o primeiro microfone; o auditório da rádio, a primeira plateia. Mas
de mim” (em parceria com Jair Amorim) e integrante do Trio Nagô, que
atuou entre 1950 e 1962. Evaldo morava em frente à casa dos Lopes, no
Centro, e era afilhado de seu Fares e dona Chiquinha. Fagner, que desde
Nas suas lembranças mais remotas, além da cantoria árabe do pai e dos
e estrelas que o rádio espalhava pelos céus do Brasil. Na Fortaleza dos anos
menino ouvia Orlando Silva cantando numa varanda, Ataulfo Alves numa
cozinha, Chico Alves no jardim, Moreira da Silva no quintal, Silvio Caldas
no botequim da esquina. Quem mais? Eram tantos... Ah, sim, ele, sempre
Que nada! Seu gosto musical se alinhava ao dos adultos, por isso a música
que tocava era de gente grande, e bota grande nisso. O bom ouvido do
Não bastasse isso, vez por outra visitava a Ceará Rádio Clube. Foi
plástico Totonho Laprovitera. A amizade dos dois dura até hoje. Totonho
Dickens.”
levaria uma vaia e das grandes. Decidido, esperou passar o tempo e voltou
tinha um.
Quem já foi barrado sabe o quanto pesa essa rejeição. E quando essa
Muitos anos depois, nesse mesmo cinema, sob a tela onde Ingrid
surgiu, outra estrela brilhou. Não veio de Hollywood, era daqui da terra
bateria. Essa paixão pelos instrumentos foi registrada nas primeiras fotos
que fizeram dele, aquelas que vinham dentro de uns pequenos monóculos.
O primeiro violão que tocou, na adolescência, foi o de um amigo da
Fagner.
gaúcha linha dura. Dona Maria Dutra era sobrinha do General Eurico
admissão para o ginásio. Ali também cursou a primeira série ginasial, e foi
série. Bombou duas vezes. Quando seu Fares soube da dupla repetência,
fulminou:
Dom Bosco, o mais próximo de sua casa, onde não havia tanto rigor para
passar de ano.
ciências humanas e ter mais dificuldade em lidar com as exatas. Era o caso
de Fagner.
que dava aulas de violão, o professor Cirino, tio de Wilson Cirino, com
pediu que lhe dessem outra, mas não foi atendido. Fagner então largou a
Embora fosse um amante das serestas, ele também era ligado nos
algodão e dona de fábrica. Teve uma relação mais profunda com dois
Eliseu. Por coincidência, Laudicéia, primeira mulher de seu Fares, era tia
capital. Não existia divulgação, não existia rádio, TV, nada, então a gente ia
exemplo, foi muita brincadeira, e isso fez com que a gente desenvolvesse
um amor pela terra, pela gente, pelo lugar. Lembro dos nossos primeiros
dirigindo.”
De tanto ver o adolescente Fagner com o violão nos braços, seu Eliseu
estava em São Miguel, uma cidade serrana perto de Orós, na fronteira com
Fortaleza.
“Dali por diante, a fraternal arte da amizade tomou conta deles e os tornou
irmão.”
Wiron também era fotógrafo, e dos bons! Em sua trajetória, tirou uma
fizeram em Orós.
Fagner, que também se aventura nas artes plásticas, embora poucas pessoas
públicos da cidade.
Como se vê, há mil e uma razões evidentes para Fagner se ligar quase
na vida de Fagner. Não, ele não estava a bordo, nem parentes ou amigos.
de trágica a recordação que Fagner guarda desta data. Era a primeira vez
que saía de casa para fazer uma serenata. Um feito e tanto para um
Tudo muito novo, muito bonito, muito romântico, até que surge um...
instalou na rua Artur Temóteo, 243, bairro de Fátima. Essa nova casa,
Lee. Roberto Carlos não saía de Fortaleza sem ir ali visitar dona
Chiquinha. Pois bem, naquele ano, nas redondezas daquela casa havia
Fagner foi estudar e onde surgiu seu primeiro grupo musical. As opções
Certo dia naquele mesmo ano de 1968, ele chegou na sala de aula
de carreira de Fagner.
da Igreja da Piedade.
Aderbal Freire Jr., produtor do festival, não deixou que ele defendesse a
página do jornal, deixando os repórteres ávidos para falar com ele. Teve
sua vida.
era apenas uma mesa com dez ou 12 amigos, mas a coisa foi crescendo a
tal ponto que quando eu e Belchior resolvemos vir para o Sul [Rio de
indesejada dos curiosos (pessoas que não eram da turma, mas que
queriam participar), ele saía com umas tiradas antológicas que ficaram
célebre show Nós, por exemplo, que inaugurou o teatro Vila Velha, em
Salvador, no ano de 1964. Convidado por Aderbal Freire, ele foi para o
carreira.
O amigo Fausto Nilo, principal parceiro de Fagner e compositor da
“era como se fosse uma feira. Cada um que chegava dizia: ‘Fiz uma
queria ouvir. Virou uma confusão. A partir daquele dia começou minha
amizade com o Fagner. Eu não fazia nada nessa área, não compunha,
“Ei, fulano, bate uma foto minha porque ainda serei famoso.”
menos já não se sentia mais amador. Parecia adivinhar que ali estava o
começo de tudo.
eles. O Brasil era muito maior e aquela turma já estava com a cabeça em
outro lugar.
Festival de MPB, Fagner foi convidado para sair em excursão junto com
local. Claudio Pereira foi quem fez o convite a Fagner, mas este não se
baita aventura.
para seu Fares e dona Chiquinha, fazendo um resumo da viagem até ali.
Esperando que esta encontre todos gozando de saúde, escrevo para dar algumas notícias.
Neste exato momento estou num hotel no centro do Rio de Janeiro, pagando muito pouco e
Já rodei vários lugares e conheci muita coisa: Juazeiro da Bahia, Petrolina, Feira de
Santana, Salvador, o interior de Minas Gerais, que é a coisa mais bonita do mundo, Petrópolis,
Toda vez que vamos tomar café da manhã ou um lanche, o Claudio Pereira me obriga a
tomar leite e outras coisas que não gosto, porque diz ele que eu sou o caçula da excursão e ele é o
meu responsável.
Espero que esta encontre todos gozando de saúde. Eu estou adorando tudo e conhecendo
Neste momento estou sentado nos degraus da calçada dos Correios e Telégrafos de Porto
Alegre. [...]
Dentre tudo de bom que está acontecendo na viagem, aconteceu um fato desagradável: o
Pretextato bebeu muito, brigou com muita gente e, não acreditando na ameaça do Pereira de
chamar a polícia, provocou um rapaz da excursão, querendo brigar com todos; estava ficando
indesejável e, no dia da Festa da Uva em Caxias do Sul, que foi um verdadeiro espetáculo, ele
brigou com um rapaz e o Pereira foi chamar a polícia. Ele ficou toda a noite preso, só saindo no
outro dia.
Já está de bagagem arrumada para voltar a Fortaleza, pois o Pereira diz não querer na
Não precisa se preocupar porque estou indo muito bem e o Pereira é que está tomando
Não sei por que nunca escrevem para mim, mas se a senhora tiver meu endereço no
dos Lopes. Seu Fares jamais iria se conformar se o filho mais novo não
mandá-lo para Brasília, onde moravam duas das irmãs de Fagner, Eliete
novamente. Foi o que fez. Pegou um ônibus para o Rio e, de lá, para
Brasília.
[...] Quanto ao cursinho, é na base de 150,00 e ainda tem a matrícula de cem a 150
cruzeiros, é tudo muito caro, e apesar da Zete [Elizete] e da Teté [Eliete] não quererem que eu
me empregue, estou pensando em arranjar um trabalho para ver se não dou muita despesa ao
papai. Acho que não é muito difícil arranjar emprego e se eu achar só meio expediente e, de
inscrição para o vestibular da UnB no dia seguinte, que está bem e que
Como não tenho outra coisa pra fazer, só faço estudar. Aqui não tem divertimento e é muito
triste. Já fui três sábados na casa do Roger... Não se preocupem, pois, caso eu não chegue a
passar, farei na particular que é fácil, mas estou com fé de passar é na primeira mesmo.
Hoje fiz minha inscrição para o vestibular que se aproxima e, pela melhor qualidade do
curso e pelo meu gosto, optei por Administração, pois as demais são tão concorridas como aí,
principalmente porque vêm mais de 1.500 candidatos do Rio, de São Paulo e de Minas. Eu
estava pensando em fazer Economia ou Arquitetura também, mas recebi informações de que
estes cursos estavam bem bagunçados e terminei na Administração, que é um ótimo curso e, se
em todo caso eu passar e não gostar, posso fazer vestibular de novo no meio do ano para
Engenharia e assim terei mais condições de passar do que agora. O importante é que estou
satisfeito e espero que todos também fiquem. Mamãe, a senhora não precisa se preocupar com
Até que enfim tudo acabou e muito bem, pois fiquei entre os dez primeiros lugares em
Administração e, como já sabem, só depois de dois anos básicos é que decidirei entre
Arquitetura e Administração, e tudo vai depender do que eu fizer lá dentro, o importante mesmo
é que eu passei e espero que todos estejam tão felizes quanto eu.
Obs.: descontei o pau do ano passado em Português e tirei a segunda melhor nota de
Fagner conta ainda que nessa época Fausto Nilo estava em Brasília
parceria musical.
fez.
dentro da sala de aula e que aos dois logo se agregaram o Luiz Ari e a
música.
mães, desde aquele tempo”, conclui Roberto com uma boa risada, antes
Não foram poucas as vezes que ele dormiu lá em casa. Aliás, virou
O rapaz cearense virou amigo íntimo dos dois irmãos e era muito
“Meus pais gostavam muito dele e sei que era recíproco, pois
Como tudo que é bom dura pouco, em 1971 mesmo Fagner vai
banco, apesar de não estar muito animado com essa perspectiva. Parecia
Passo o dia na faculdade, tenho mais de mil amigos e no fim de semana vou para a casa do
Roberto.
casa da irmã para jantar, pois passa o dia inteiro na faculdade e estuda
mesmo.
É um lugar calmo, com uma biblioteca que tem os livros que eu quiser consultar e estou
Fosse como fosse, o ano de 1971 foi muito mais do músico que do
Belchior), sexto lugar com “Manera Fru Fru Manera” (com Ricardo
expressiva com aquele forte sotaque nordestino. Não havia como não se
três minhas (duas delas em parceira com meu irmão Ricardo) e duas do
Jorge Martins.”
“Ele passava o dia inteiro lá em casa, então não estudava nada. Acho
maneira de dizer. Os amigos tinham que sair para trabalhar. Fagner não.
tempo para pôr letra em tanta melodia? Mas seu entusiasmo era tão
casando com a melodia. Fizeram muita coisa juntos, mas só uma das
troféus. Estava feliz por seu nome ter chegado ao Rio e a São Paulo e
tocaram com ele abriram mão de receber justamente para que Fagner
muito, tirar boas notas, garantir créditos, não ser reprovado de novo.
curso. Mas, no fundo, no fundo do fundo, ele queria uma viagem sem
Já estou de férias. Passei em todas as matérias e na próxima semana vou para o Rio.
Pretendo ficar lá alguns meses e possivelmente vou me transferir no próximo ano. Já concluí
quase todo o 1º ano e só faltam duas cadeiras para passar para o 2º. Vou ficar com o Belchior e o
Jorge Mello num apartamento que eles alugaram, portanto, não precisa se preocupar que tenho
certeza de que tudo vai dar certo, estou fazendo tudo com cautela.
Janeiro para morar com Belchior, Wilson Cirino, Jorge Mello e Rui
em Copacabana. Não era o que ele esperava nem o que havia combinado
com Belchior.
contando que morava com Belchior e Wilson Cirino e que iam para todo
conhecido muita gente com a ajuda de Belchior; por isso, apesar de ser
Amanhã passarei o dia na casa do Paulo Diniz, na segunda-feira vou à casa da Cidinha
Campos e na terça na casa do Chacrinha. O Belchior vai no começo da próxima semana [agosto]
para São Paulo e talvez eu vá com ele para falar com o Barros de Alencar. Vamos ficar na casa
do Dom e Ravel.
Queria que a senhora não se preocupasse, aqui tem muita gente amiga.
aos pais. Nelas, ele sempre tentava passar otimismo e, para tranquilizar
recheada de novidades:
Já tenho certo um contrato com uma gravadora, mas não quis assinar nada porque estou em
contatos com a Philips e a Som Livre, que são quase certos, só faltando uma reunião que será
amanhã.
Segunda-feira irei na faculdade daqui para falar logo da transferência de Brasília para cá no
final do ano. Caso haja algum imprevisto não voltarei mais para Brasília, e, sim, para Fortaleza.
Diga ao mano Fares que fiquei amigo da Araci de Almeida, quando cantei no programa do
Cesar de Alencar.
Os dois últimos, nos anos 1960, criaram, junto com Carlos Prosperi, a
Jovem Guarda.
produtos da Jovem Guarda. Numa noite esse cara recebeu a gente; Reynaldo era casado com a
Campos abriram as portas para nós. Não passamos mais sofrimento no Rio por conta delas.
propostas e queria se decidir por aquela que fosse pagar melhor. A carta
fala de seu dia a dia agitado, com tantos afazeres que o impediam até de
morava. Também diz que, apesar dos convites, ainda não tinha ido
pessoal muito legal com a gente. Tratam-nos como se fôssemos filhos. Ontem viemos de lá com
muitos presentes: toalhas, lençóis, um fogão pequeno, panela e muita merenda. Já saiu até no
jornal que ele é o pai da turma do Ceará aqui no Rio. Estamos com uma sorte danada, todo
mundo que nos conhece acha que temos possibilidades de fazer um movimento de empolgar
todo o país.
reafirma que está tudo correndo bem, que estão com sorte, que o Pessoal
Rio. O sucesso foi tão grande que foram convidados para se apresentar
locais.
para cantar ali era uma grande honra. Por isso Fagner não queria fazer
Estava em remarcação. Vou pagar em dez prestações de vinte cruzeiros nas lojas Ducal. É
lindo!
havia gravado com Cirino num grande estúdio de São Paulo. Todos
No sábado tenho um encontro com o Marcos Lázaro, pois ele provavelmente será o nosso
empresário.
Estou gostando muito da gravadora. Assinei com a RGE Fermata e sou amigo de muitos
Se por um lado as coisas não podiam estar melhores, por outro nem
todo mundo parecia feliz com o sucesso de Fagner. Ele conta, em carta
conterrâneo Belchior.
Ele anda meio espantado com as novidades, pois não esperava que tudo fosse acontecer tão
forte e tão depressa. Anda meio encabulado comigo, sente-se meio por baixo. Andou fazendo
uns troços meio chatos. Os convites que chegam são muito mais para mim. Ele anda com a cara
confirmada.
Estou em São Paulo e parece que vamos ter que ficar por aqui mesmo. A casa em que
moramos fica num lugar maravilhoso, no bairro dos Jardins. Foi emprestada por Mario
Kuperman, um jovem cineasta daqui, muito rico. Nós estamos musicando um filme dele, e a
Antonieta Bergamo nos deu móveis, tapetes, roupas de cama. Enfim, mobiliou e equipou a casa
toda. Com o Natal chegando, parece que vêm mais presentes aí.
A casa está bonitinha, dois quartos, sala, corredor, cozinha e banheiro, áreas laterais e
imenso jardim. Não sabemos o preço do aluguel, mas o dos vizinhos é de aproximadamente dois
Bairro nobre, mas o novo morador vivia com quase nada: o dinheiro
era pouco e muito contadinho. O que não ia nada bem era a amizade
com Belchior.
mas não foi o estouro que eles esperavam. Fagner então resolveu voltar
até que um dia um evento inesperado mudou tudo. Bem ao lado da casa
deixou escapar lá do alto uma ripa de madeira. Esta caiu no telhado bem
ficava a cama de Fagner. Por milagre ele não foi atingido, já que a ripa
Esse episódio foi a gota d’água. Fagner resolveu dar por encerrada
antigo endereço; foi morar na casa do primo Fábio, que tinha recebido
nova morada não havia nenhuma. Para dormir, Fagner improvisava uma
coisas pequenas e fáceis de comer ali mesmo. Depois, saía sem comprar
nada. A caixa o olhava desconfiada, mas não tinha provas. Ele saía com
como um ‘jantar rotativo grátis’. Muito engraçado. Mas ele encarou tudo
isso com uma grande sabedoria, sem dor e até com muito orgulho e
serem confundidos na rua. Aliás, por causa disso Athayde teve até que
Menescal que fizesse uma fita com músicas de Fagner. E ele fez.
para lhe contar as novidades. Claro, ele estava em São Paulo. Correu
“Vá procurar a Elis no Teatro da Praia hoje à noite. Corre lá, rapaz.
Brasília, e namorava a irmã dela, Tânia. Foi com elas que voou para o
teatro no qual Elis estrearia seu novo show. Na entrada, já avistou João
levantava. Depois do não jantar, Ronaldo Bôscoli lhe dava carona até a
“Fagner, a Elis é o maior pé no saco, mas vou pedir a ela para você
disse:
Niemeyer. Foi ali que conheceu outro casal, desta vez de estrangeiros,
Bôscoli.
deslumbramento:
Já estou com esse pessoal da maior importância. Ronaldo e Elis estão gostando muito de
mim. É como se fossem meus pais. Ela cita meu nome em todas as entrevistas, dizendo que sou
O Ivan Lins está me ensinando música e, apesar da fama, se mostra como irmão. Os
meninos com quem morei ficaram com uma certa inveja e foram se afastando pouco a pouco.
Cavalcanti.
Eu adoro essas pessoas e elas gostam muito de mim. A Elis escreveu isso aí para a senhora:
Minha mãe
E agora? Fagner saiu da casa deles, mas seus dias sem teto duraram
Bem, Athayde queria Fagner, mas Sergio Ricardo nem sabia quem ele
recompensado:
“Se ele não fosse competente ia ser difícil apadrinhá-lo. Não sou
jumento, não!”
enfim, uma gravadora grande
CAPÍTULO 8
D isco na praça e de volta a Copacabana. O casal Jacques e Lydia
Libion, com quem Fagner foi morar, não tinha filhos. Ele era francês,
com artistas. Mais do que conviver, morar com gente de todas as artes.
Ronaldo Bôscoli, por exemplo, morou lá, e foi ele quem sugeriu ao
muitas das mil e duas qualidades que via em Fagner, que acabou
isso tenha aumentado ainda mais o carinho que sentiam por ele.
Recebi 600,00 do primeiro mês do show da Elis e não estou passando precisão,
principalmente porque tenho muitos amigos que vivem me convidando para almoçar ou jantar.
Estive com Caetano, os jornais aqui falaram porque ele me elogiou. Ficamos de nos encontrar ou
na Bahia ou mesmo em Fortaleza. Assinei contrato de dois anos com a gravadora Philips e
começo logo, logo a gravar um disco. Mamãe, não se preocupe com as notícias que chegam aí
não, pois todos gostam de fofocas à custa de quem está subindo. E como estou na onda, o alvo
negócio de dar presentes que me deixa encabulado. Sábado passado, compraram um conjunto de
calça e túnica para mim muito lindo, mas também muito caro. Eles têm todo o cuidado nesse
variada, da qual faziam parte nomes como Caetano Veloso, Gilberto Gil,
geração que aparecia naquele exato momento abriria o leque para uma
E por que a gravadora Philips? Fagner sabia muito bem que ali
artistas e tinha muita esperança de entrar para o time dos grandes. Sua
Nesse mesmo mês Fagner enfrentaria pela primeira vez uma grande
Fagner ao gravar, em seu segundo LP, uma parceria com o novo amigo
de Elis Regina.
“É linda essa música”, diz Ivan, “e a gravamos uns dois anos atrás,
começou no inicinho dos anos 1970, pelas rodas da música. Ivan conta
mas, à medida que a carreira foi ficando mais intensa, passaram a se ver
menos. Sorte que havia o futebol — sempre ele — na vida dos dois.
Zezé Macedo, entre outros — Os Trapalhões dos anos 1950 e 1960, pré-
Cinema Novo. Mas o povo gostava mesmo era de ver de corpo inteiro os
Pense num nome de sucesso da música daquela época. Estava lá, nas
eles. Tanto que nunca esqueceu uma frase de Grande Otelo que ouviu no
cinema: “Manera, Fru Fru, Manera”. Foi justamente esse o nome que
de uma série de gravações com a gana de quem muito esperou por elas e
“Fagner vivia perguntando: ‘A que horas vamos fazer não sei o quê?
disco saiu sem ele. A citação, parafraseando uma estrofe desse poema,
disco, o encarte nunca saiu, o que nos priva até hoje das informações da
ficha técnica.
Quem fez o encarte foi o artista gráfico Carlos da Silva Assunção Filho,
encarte estava programado para ter duas páginas e eles nos fizeram
já estava fora da gravadora, que não teve interesse em ajudar com essa
CANTEIROS
Menos a felicidade
Já me dá contentamento
Um gosto de framboesa
Ou coisa parecida
Um gosto de framboesa
Ou coisa parecida
Á
(Citação de “Águas de Março”, de Tom Jobim)
Ronaldo Bôscoli:
ouvi as músicas dele. Fiquei fascinado. Mais por ele mesmo do que pelas
percebem o enorme talento que ele tem, que ele transborda. Ele tem uma
que o Brasil não acaba na Bahia como muita gente pretende. O Brasil
vai do sul ao norte. Ele tem uma coisa perigosa que é muita confiança
e ser o Moisés do Vasco e eu sempre dizia pra ele: ‘Manera, Fru Fru,
Marília Pera:
certeza de que seja o que for que ele faça — música, teatro, cultura —,
pouquinho, de cara a gente sente que ele é um cara bom. Muito bom.”
Chico Buarque:
ouvir a fita do novo disco dele e gostei demais. A música que mais me
Erasmo Carlos:
roupagem que ele fez. Onde vier uma assinatura de Fagner a minha
estará embaixo. Acho que vocês vão gostar porque ele está sabendo de
tudo.”
Nara Leão:
“Fiz um show com o Fagner e foi aí que o conheci melhor. Ele fez
músicas dele e dos amigos dele. É um disco muito bom e muito novo.
parceiro. “O que aconteceu com ‘Sina’ foi a mesma coisa que aconteceu
corresponsabilidade da editora.”
grupos lá de dentro.
Elis Regina e Nara Leão. Seu nome aparecia em revistas sempre ligado à
muito aguardado por todos. Segundo Fagner, só a Philips não via isso.
Tinha um bom produto nas mãos, mas não se esforçava para vendê-lo.
Azul. Claro que a opção pelo baiano deixou o cearense furioso. Na sua
versão, a história tem uma vítima: ele próprio. E dois vilões: André
preterido.
que três fortes LPs. Era a primeira vez no Brasil que se lançava um
álbum triplo. Os artistas escalados eram nada mais nada menos do que
Rita Lee, Os Mutantes, Chico Buarque, Elis Regina, Gilberto Gil, Ivan
Lins, Jorge Ben, MPB-4, Erasmo Carlos, Jair Rodrigues, Jorge Mautner,
timaço!
Fagner na Philips. O rompimento era inevitável. Mas não foi apenas isso.
Flavio Cavalcanti.
Não havia mais clima mesmo com a Philips. Fagner foi ao escritório
de André Midani, pediu para ser atendido e ficou esperando. Não foi
posto para fora. Também não queria mais ficar ali. Pediu a Menescal
Foi nesse momento que Fagner decidiu que iria a Paris de qualquer
simplesmente sumiu.
Tudo bem por aqui, já estou mais adaptado à cidade. É tudo muito bonito, mas muito caro.
Esses primeiros dias eu fiquei com uns amigos do Rio, e com eles aprendi a me orientar melhor.
Não sei ainda direito quando vou sair daqui, mas o certo é que volto ao Brasil só para o
Natal.
mundo por sua beleza e sensualidade. A loura não largava do seu pé. Seu
Bem, mas esta não era a única estrela a brilhar no céu de Fagner.
Cidade Luz.
apartamento cheio de gente. Lá, de repente, ouviu uma música sua tocar
no rádio. Todos pararam para apreciá-la, até que Buru resolveu tirá-lo do
anonimato: “É ele cantando.” Ninguém ali sabia quem era Fagner, muito
menos que era cantor. Foi uma surpresa. O ambiente mudou. Naquele
rumo à vida. Ligou para a família, e eles mais que depressa lhe
para o Brasil.
Para terminar bem aquele ano de 1973, tão difícil para Fagner, só
Fagner pelo futebol e por novas amizades. Aos 24 anos, não demorava a
aos pais seu novo endereço: rua General Severiano, 40, apto. 1.013,
Com a agenda livre, jogava bola quase todo dia e passou a integrar o
considerado o ponta mais veloz do momento. Mal sabia ele que ali
alimentar essa gente toda, tinham uma cozinheira de mão cheia, dona
Joana. Mas e aí, Afonsinho, como jogador, Fagner era bom de bola ou
perna de pau?
Não estou dizendo que ele seja perfeito, felizmente não é, senão seria
empurrar.”
Com Zico não foi diferente. Desde que se conheceram a empatia foi
amigos.
É
“É um cara que sempre esteve comigo nos momentos mais difíceis.
A gente podia até ficar um tempo sem se ver, mas se acontecia alguma
coisa comigo, ele estava ali presente. É um amigo fiel mesmo, um cara
confiável. Gosto tanto dele que o convidei para padrinho de meu filho
na Itália, na Turquia...
nervoso, com medo de errar, e eu dava muita bronca nele. Fominha pra
caramba, para jogar. Tem aquele fominha que é fominha só para ficar
gente pensa que o cantor torce pelo Flamengo por causa de Zico. Mas
seu marido, o arquiteto Maxim Bucarethi. Com ela tinha amizade antiga,
Fagner, como produtor, que ela gravou seu primeiro disco, Flor da
eu. Então fui para São Paulo estudar Comunicações e ele para Brasília
chamar de Pessoal do Ceará. Não fazia parte dessa turma, não participei
da vida dele, das coisas dele, dos medos e das inseguranças. Como
mas que gostava de viver rodeado de amigos. Exigente como ele só. Por
outro lado, uma pessoa muito doce. Uma couraça de homem mau, mas
Ele tem sempre a resposta certa. Às vezes é muito ferino. Ele é muito
Robertinho de Recife.
dizendo que não poderia mais tocar com ele, pois havia decidido entrar
para o convento: queria ser padre! Fagner insistiu e acabou conseguindo
carioca Carlos Alberto Sion. Ele tinha vinte e poucos anos de blues,
de Sion fascinou Fagner; Sion, por sua vez, ficou impressionado com a
comer. Sion foi da maior importância para Fagner, pois o levou para uma
blended, como se diz no meio, de Fagner com alguns músicos que ele
conhecia.
Moura. Sion chamou o amigo e artista plástico Carlos Vergara para criar
Ave Noturna foi para as lojas em julho de 1975 e teve boas críticas.
Só que Fagner, cansado desse certo descaso, mais uma vez não
diálogo entre eles. Sion lhe pediu paciência, mas não adiantou.
Em julho daquele mesmo ano, Fagner fez uma viagem de São Paulo
estrondoso apesar de ter lançado apenas dois LPs. Estavam indo para o
Gerais. Foi a primeira vez que cantei sem estar paramentado com
aquelas roupas malucas dos Secos & Molhados e de cara limpa, sem
maquiagem.”
Agora sabe.
Em novembro de 1975 foi lançado um compacto com Fagner e Ney
“Ele achou que era pejorativo, quando não era. As pessoas gostaram
Matogrosso!
Que Fagner não é homem de temperamento fácil já se percebeu.
artista idolatrado por plateias que morrem de amores por ele e por seu
vinha de longe. Começou no Rio e uma tarde explodiu com fúria na casa
todos músicos, para uma feijoada. Eles estavam ali para fazer um show
juntos.
Era agosto, fazia um frio danado em São Paulo. Uma semana antes,
Fagner. Para não dar mancada, foi se certificar. Podia ser outro, igual ao
dele.
passada.”
Mas que fim levou o bendito ou maldito casaco? Fagner ficou com
ele. Vestiu-o para que ninguém pudesse levá-lo. Amelinha jura e foi
para Fagner.
Esta foi uma das tantas brigas que tiveram ao longo da vida. Depois,
anos.
De volta aos anos de 1975, em setembro Fagner dividiria a capa da
revista Veja com Luiz Melodia, João Bosco e Walter Franco. O título
de briga.
anual.
chave de ouro, foi a sua eleição como Cantor do Ano pela crítica musical
de SP.
ideias fagnerianas
CAPÍTULO 11
P ronto o segundo disco, o negócio era divulgar Ave Noturna com a
bom poeta, prestava atenção especial nos letristas, sem deixar de lado
série. Caso daquele amigo para quem abrira as portas da própria casa.
brasileiro. Um gênio.”
imaginava fazer uma letra. Gostava muito de música, sim, mas como
ouvinte, como plateia. Fausto conhece música como ninguém, sabe tudo
de cor e salteado.
Ele afirma, com autoridade, que nunca houve um movimento
tese de que uma das consequências mais saudáveis do grupo é ter sido
nas canções.”
bocado de gente.
dizia:
1976.
Acho que a senhora continua me achando um bebê, aquela criancinha que a senhora
carregava no colo e que determinava tudo por ela — o cabelo raspado, a calça, a camisa, o
sapato, enfim, tudo o que a senhora, ingenuamente e com muito amor, achava que eu precisava,
sabe?
Então hoje a senhora continua achando e não percebe, nem ninguém teve a oportunidade de
lhe explicar, que eu saí de casa e já rodei um pouco o mundo, passei muitos perigos, enfrentei
muitas coisas que eu nunca nem pensava que existiam, e pra mim isso foi a coisa mais
importante do mundo, ver as coisas que a gente não vê dentro do seio familiar, e por essas e
outras razões eu já sei quem sou, o que eu sou e ainda hei de saber muito mais, sempre para
minha maior segurança e tranquilidade, como também para maior segurança e tranquilidade dos
Aí dentro de casa era uma coisa muito presa, como em toda boa família, e isso fez com que
eu sentisse um certo receio em falar as coisas e ser mais livre aí dentro, mas isso não importa
porque, no fundo, vocês são as pessoas que eu mais amo e sempre amarei, pois são as minhas
pessoas, entende?
Eu não quero ser anormal e nem sou uma pessoa que não pensa no futuro, muito pelo
contrário, eu arrisco o presente em favor do futuro e isso é que tem me complicado mais. Eu não
me importo com o que as pessoas achem de mim hoje, pois eu sei que no futuro todos aqueles
que não me entendem agora vão se sentir envergonhados até de me dirigir um olhar e mais uma
vez estarei tranquilo e feliz, como sou hoje — uma pessoa que não tem alegria maior do que o
trabalho, a coisa que eu faço e me entrego de corpo e alma. Só sou isso e era com isso que vocês
Outra coisa: quem diz que eu estou pichando os outros não deve estar sabendo ler e
interpretar as coisas. Eu falo a verdade e, como hoje em dia tudo é mentira, ficou difícil de
entender a verdade.
iam para lá. Foram morar ali Robertinho, artistas plásticos e também a
Foi uma época espetacular. Mas Fagner passava boa parte de seus
foi uma homenagem à cidade que Fagner ama tanto que até diz ter
nascido lá: Orós. Ele mesmo produziu o LP, mas para os arranjos
Ú
Última Hora dizendo que não se incomodava que os classificassem, a ele
e a outros de sua geração, de Pessoal do Ceará. Se hoje estava ali não era
representar sua terra, seu sertão. Desde menino já sabia que um dia faria
ano de 1977 nas categorias Vocal Solo, Violão, Compositor e Show (ao
vivo)”.
“[...] O que me ‘enraivou’ com o Fagner foi o fato dele dar uma
imagem não deve ter o Fagner, na cabeça dele, minha e do Gil, né? Não
primeiro dia que eu encontrasse ele. Dar uma porrada na cara dele. Mas
falso, vinha falar comigo, dizia eu lhe adoro, me dava beijo e tal... Ainda
pensei, será que inventaram na redação, que ele não falou? Mas ele
falou. Não só eu sei que ele falou, não só porque as pessoas da revista
pronunciar e declarar.
deixa entrar em campo um amigo novo, um craque que fazia música com
“Conheci Fagner no fim dos anos 1970, e até hoje tenho uma
ligação grande com ele. A gente se fala agora pelo WhatsApp. Não
É
“É um goleador. Ele não é um jogador muito técnico, mas tem uma
vantagem: é muito rápido e gosta de fazer gol. Tem uma cabeça boa. É
qual encontrou pela primeira vez a nata dos músicos americanos, o disco
Orós estava passando de mão em mão. Hermeto era muito admirado por
esse menino que não escreve mais? Marta então foi à luta atrás do irmão
que parece.
Mamãe e papai, saudades. Estou em Los Angeles. Aqui na Califórnia encontrei o Laudir, a
Catarina, sua mulher, e os dois filhos. Me sinto em casa com eles. Que sorte a minha!
Tudo aqui é muito organizado, até os mínimos detalhes. Tudo parece um sonho, a cidade, a
Antes de voltar, passou por Nova York, onde resolveu trocar sua
e Yves Montand.
sua parceria com Garcia Lorca. Pepe fazia sua última turnê parisiense.”
Foi com Pepe, por sinal, que Fagner pôde confirmar algo que já
dele por ter, aos 29 anos, um mestre como Pepe, de 91. O novo velho
amigo deu-lhe de presente uma boina com uma estrela, que Fagner não
fora gravado até pela exigente Elis Regina. Só faltava mesmo ir atrás de
Essa teria sido uma tarefa difícil, não fosse pela ajuda de colegas
Fagner.
“O ano era 1978. Eu morava em Paris já fazia três anos quando fui
outra história.”
França. Disse não aos convites. Era hora de voltar para casa.
Antes de voltar ao Brasil, porém, foi à Alemanha para o show
Fagner voltou para o Rio com uma ideia fixa na cabeça. Queria ser
1978.
“Você é muito mal-educado, meu filho. Não fala nem boa-noite para
o povo!”
cumprimentar a plateia.
Elizete.
barra de direção se quebrou, o carro bateu num poste e um dos fios caiu.
Tu és maravilha singular
Do lugar
És o lugar
O céu e o mar
A me guiar e descansar
O chão, o ar
O lugar
Foi nessa época que Fagner escalou mais um craque para o seu time
levara ao clube.
Acabada a partida, Fagner nos convidou para sair, beber alguma coisa
num bar. Eu fiquei todo sem jeito porque, apesar de estar jogando com o
bar, mais e mais conversas e sempre dois assuntos: música e futebol. São
Raimundo Fagner.
bom que ele é. Essa chave abriu para mim muito mais do que uma
porta.”
ano lançou seu sexto LP, Beleza, aquele que dedicou à irmã Elizete.
Que ano cheio! Acha que acabou? Que nada, tem mais. Ainda fez a
lhe falta. Ele talvez seja incapaz de formalizar uma ideia estética
Pedra, de Dias Gomes, cujo título foi inspirado pela música “Pedras que
cantam”.
três anos e sai pelo Brasil fazendo shows: Aracaju, Recife, Salvador. Em
pelo selo Epic da CBS. Em 1981 chegou até a dividir a direção artística
Não havia nada que o fizesse parar. Tinha compulsão pelo trabalho.
Cantor do ano pela revista Playboy. Desta vez dividiu o prêmio com
seu tom de voz para acompanhar o dela. Era a primeira vez que a baiana
Nara Leão e do diretor de teatro Flavio Rangel, foi assistir a Trem Azul, o
Pelo velho histórico das duas, Nara estava irredutível, mas eles a
estava trêmula, pálida, pois todo mundo sabia que as duas cantoras não
se bicavam.
Foi a última vez que vi Elis. Eu não acreditei. Ela no palco... o que
estava fazendo no palco? Parecia estar em transe. Quando o show
estava prestes a terminar, Fernando Faro, diretor do espetáculo, nos
convidou para o camarim. Nara não quis ir, mas foi convencida pelo
próprio Faro de que seria tranquilo. Fizemos novamente a cabeça
dela. Quando Elis nos viu, parou. Por um instante, o seu olhar
pareceu congelado e, depois, nos encarou por uns cinco minutos
sem dizer nada. Então, virou as costas e saiu. Um pavor. Nara
começou a chorar. Quando afinal Elis voltou, Fernando Faro estava
entrando, e ela se ajoelhou e o reverenciou. Depois, voltou-se para
mim e me abraçou apertado dizendo: “Vou te dar um cheiro, porque
sei que você gosta muito.” Não olhou para Nara. Ignorou a presença
dela. A musa da bossa nova saiu dali arrasada.
a saga de "traduzir-se"
CAPÍTULO 14
E m 14 de maio de 1981, Fagner já estava longe. Aquele foi o ano de
no Brasil, mas não gostou do resultado, não ficou como deveria. Queria
— e o tempo que Fagner pediu lhe foi negado. Venceu a pressa, eterna
inimiga da perfeição.
artista não quer lançar no Brasil? Vamos lançar na Espanha. Dito e feito.
lidando, que quando Fagner diz não é não. Se é ele o criador do disco, se
Não vou lançar esse disco. Não saiu no Brasil e não vai sair aqui.
O lançamento está abortado. Vou fazer um LP sim, mas vou começar
a gravar agora.
E Fagner foi em busca de parceiros para acompanhá-lo no disco que
maior ídolo da Espanha, que pela primeira vez gravaria com outro
gravou com ele o sucesso “Años (El Tiempo Pasa)”, do cubano Pablo
catalão.
Paco de Lucía, que, assim como Serrat, também ficou com uma camisa
Fui um amigo presente, fiz tudo para amenizar a saudade que ela
sentia de seu país. Eu me identifiquei com o seu sofrimento. Era
uma grande artista que dedicou a vida e a arte por um ideal político.
Essa mulher comoveu a América Latina, comoveu o mundo inteiro.
cantar na Argentina.”
Traduzir-se foi o grande disco da vida de Raimundo Fagner. Fausto
Nilo foi com ele para a Espanha e se incluiu como participante ativo
muito sucesso.
Fausto explica: “Para nós aquela música toda era uma grande
época.”
mais de três décadas, Adrian Vogel ainda fala com saudade daquela
brasileiro.
completo. Um fenômeno.”
comunicação do projeto.
anos e era considerado o maior dos poetas vivos de seu tempo, amigo
íntimo de Pablo Picasso, também se engajou emocionalmente no projeto.
por Carlos Marques para escrever um texto que seria incluído no encarte
fez. Espécie de corte anticlássico. Fez renascer meus elos com o Brasil.
ritmo romper certas fronteiras. Além do mais, a seu ver, Fagner tinha
Disco pronto. Hora de dar por finda aquela longa aventura musical e
ponte aérea Rio-São Paulo. Vapt-vupt. Mas Fagner resolveu incluir uma
Resultado: teve que seguir viagem para Lisboa com uma mão na
frente e outra atrás, sem um tostão no bolso. Ainda bem que tinha a CBS
embaixador do Brasil ali era seu conterrâneo, Dario Castro Alves. Sua
possível.
lugar. E por falar em gênio criativo que irrompe não importa onde nem
“Quem é você?”
continuidade de tudo que se vem fazendo, ele não nasceu sozinho, não nasceu do nada, ele
nasceu do trabalho realizado e ao mesmo tempo ele traz alguma coisa de novo, no sentido de que
é um músico extremamente nordestino nas suas raízes, da mesma maneira que Caymmi é um
músico extremamente baiano. Ele é um músico extremamente nordestino, daquelas raízes que
definitiva.
Eu me recordo que há alguns anos, vários anos, Vinicius de Moraes, que era um homem
que sabia das coisas, sobretudo no que se refere à poesia e à música, chamava a nossa atenção
pra um jovem que vinha mostrar suas primeiras coisas, suas intenções e seu programa inicial de
trabalho.
Dizia este: Fagner é alguém que a gente deve estar seguindo, vendo o que ele vai fazer,
Quanto ao disco que ele veio realizar na Espanha, com a cooperação de artistas espanhóis e
eu acho que corresponde também a uma concepção importante do que é a criação brasileira,
sobretudo a criação nordestina no campo da poesia e da música. Daí esse disco marca a obra de
de Raimundo Fagner.
origens variadas. Tem Brasil, tem Nordeste, tem a Espanha dos ciganos,
misturado.
Mais uma vez, foi eleito Melhor Cantor do Prêmio Playboy de MPB,
Fortaleza que durou cinco dias e serviu para a CBS lhe entregar seis
virou também dono do campo. Seu campo de futebol foi batizado com
compadre Zico.
Chagas, Roberto Dinamite e, é claro, Zico, que chegou depois por estar
projetos. Para ele, ano novo significava trabalho novo. E novo carimbo
Factory Studio, o mesmo onde John Lennon havia registrado seu último
LP.
CBS brasileira, mas o tape sumiu. Quem sabe algum dia ainda se acha?
Muitos aplausos das 1.800 pessoas que lotaram a plateia e um
elogio do Los Angeles Times, que deve ter enchido de orgulho o peito do
cearense:
foi ficando...
cidadezinha dentro de Los Angeles, Hollywood. São 340 casas com uma
entrada e uma saída apenas. Um lugar bonito, para quem gosta da vida
no campo. Laudir criava seis cavalos. Seus vizinhos eram Marvin Gaye,
asas e voar rumo a Madri para assistir à Copa do Mundo de 1982. Férias
Camarón de la Isla.
Alberti.
Vasconcelos, Airto Moreira, Sérgio Dias, Jon Faddis, Lew Soloff, Tom
por Sorriso Novo (com destaque para “Qualquer Música”, uma das
canções do LP).
agora, com o trabalho pronto? Ia gravar com quem? Volta sua atenção
“Eu não sabia a loucura que iria ser. Não podia faltar no clube, tinha
treino com hora marcada, acabei achando uma brecha e disse: ‘Vamos
lá, seja o que Deus quiser.’ Pensei que seríamos só nós dois, mas não. A
deles! Aí travei. Disse pro Fagner: ‘Compadre, não vai dar. Na frente
desse povo todo, não consigo.’ Ele me puxou de lado, pegou um coco
verde e meteu uns uísques lá dentro. Dez horas da manhã e o atleta aqui
‘Pô, o Zico adora água de coco, toma sem parar.’ A gravação ficou
bacana, a música era gostosa, todo mundo brincando. Viva a água de
coco!”
ano.
espanhol que o escritor Jorge Amado deu outro belo depoimento sobre
Fagner:
Não foi o exército mouro que voltou para reconquistar a Espanha, estabelecer quartel em
Sevilha e ditar leis. Não, desta vez foi um único cidadão de sangue levantino e não chegou do
norte da África ou do Oriente Médio, veio de mais longe: do nordeste do Brasil, da legendária
terra cearense onde nasceram José de Alencar, o romancista, e Aldemir Martins, o pintor. Essa
talento dos artistas. Esse que invadiu a Espanha, chama-se Raimundo Fagner, filho de pai
libanês, brasileiro, comandando o ritmo e a estrofe dos melhores, jogador de futebol, amoroso de
Na Espanha reuniu o que havia de mais ilustre e importante para juntos homenagearem o
principal de todos os criadores de cultura e arte em nosso tempo: mestre Pablo Picasso, um
gênio e por isso mesmo um homem simples, igual a todos os demais homens. Rafael Alberti,
magnífica, voz de combate, militante da liberdade e do ser humano. Paco de Lucía, a guitarra e a
Mais uma vitória do guerreiro Raimundo Fagner, o verso, a melodia, o canto, a música e a
poesia. A pátria cearense não conhece fronteiras nem teme concorrentes: está no Rio, em
Marraquexe, na praça de touros em Madri, na praia de Iracema em Fortaleza, em Sevilha, em
data declarando:
Não estou aqui para agradar ninguém. Eu chego lá, podem ter
certeza disso.
volta participou do Festival de Águas Claras, célebre por ter durado três
dias e pela chuva que não deu trégua, dando ensejo aos mais gaiatos de
Cesar Camargo Mariano. Para aquele seu mais novo trabalho, Fagner
postal da gravadora. Fagner ouviu mais de mil e tantas fitas e a partir daí
Philips), mais tarde diretor musical da Rede Globo por mais de vinte
anos. Era seu primeiro trabalho na CBS. Não faltaram avisos de cautela:
Foi uma época muito legal, um trabalho que me deu um prazer enorme
era um novo Caribe. Uma das primeiras coisas que o Walter Negrão
aceitou. Foi para o jornal, meteu o pau na Globo, meteu o pau em mim.”
Bodas de Ouro dos pais, José Fares Lopes e Francisca Candido, com
do Brasil, AM e FM.
foram poucas as declarações dos artistas que deixaram transparecer este controvertido aspecto de
sua personalidade. Fagner gosta de ser grande, faz tudo para ser grande. Visa o mercado externo,
quer o mundo, mas não abre mão do fato de ser cearense mais que brasileiro. Está sintonizado
com o universo, mas mora em Fortaleza. Quando disse que com dois meses de treino tinha lugar
pra ele na seleção brasileira que foi à Espanha, não estava pilheriando. Confia em si mesmo.
Fagner costuma receber Zico em seu campo particular no Ceará. É capaz de reclamar de uma má
jogada do galinho numa pelada que só para ele tem importância. Esses traços, porém, são
capitalizados por Fagner de uma forma invejável e esse seu LP Palavras de Amor é prova disso.
Hoje o guerreiro menino é ele, não o Gonzaguinha, que fez a música. O enorme poeta que é
Ferreira Gullar, quando musicado por Fagner, perde sua autonomia. Aconteceu com “Traduzir-
se”, acontece com “Contigo”, onde a palavra dita é tolice, canta por isso mesmo como se
dormisse.
Reparem, das dez músicas do LP só essa e mais “Visagem”, parceria com Fausto Nilo, são
assinadas por Fagner e o Brasil todo sabe que ele é um bom compositor, mas o narcisismo bem
administrado pode gerar conclusões deste tipo. Colocou duas joias raras no disco e preferiu as
canções alheias, certo de que ser Fagner é mais importante do que ser um bom compositor. Com
essa decisão garimpou pelo menos duas maravilhas: “Sertão Azul”, de Petrúcio Maia, e
brasileira, imortal, “Prelúdio para Ninar Gente Grande”, que cantou de maneira tão expressiva
Ferro”), Joanna (em “Penas do Tiê”), Ivan Lins (em “Quarto Escuro”) e
botequim. Não há feira sem fruta, nem açougue sem carne. Não existe
mar sem onda, nem céu sem estrela. No Brasil de 1984, não havia lugar
gravar A Mesma Pessoa, seu 11º LP. Fagner declarou, ainda, em seu
estilo de sempre:
Se os Beatles podem tocar em Orós, por que eu não posso ser
ouvido em Liverpool?
Mercedes Sosa deveria ter ido com eles, mas não conseguiu. Quando
Fagner passou por sua casa para pegá-la, ela estava em crise, sem
Fausto Nilo.
que Gonzaga cantou com artistas da nova geração. Os dois fizeram dueto
não parou por aí não. Os dois acabaram gravando dois álbuns juntos
ataque.
Quando se encontraram no aeroporto do Galeão, Nelson se dirigiu a
Fagner, que estava com Luiz Gonzaga, e lhe disse: “Desculpe, mas tudo
Artista nordestino que levava surra de vara era na tua época, hoje
a gente está batendo.
desculpas a Fagner e ainda confessou que ele era querido pela família e
que o pai já tinha sido advertido.
ponto de Fagner ter que se defender: “Eu o joguei no chão. Aí ele passou
Figueiredo.
Evidentemente o atual Fagner de 34 anos, 11 LPs, não poderia ser a mesma pessoa e está
muito distante do artista imigrante inicial. Nem é o mesmo cantor. Aprendeu a explorar nuances
do seu trêmulo que lhe toma toda a cabeça em vibrações. Sabe ser coloquial quase como se
segredasse ao ouvinte em “Tiro Certeiro” ou berrar, impulsionado por guitarras de rock em “Só
Você”.
Cantor que sempre soube cercar-se de bons músicos como Hermeto Pascoal, Antonio
Adolfo, Copinha ou Dino 7 Cordas, além de revelar conterrâneos como Manassés, Nonato Luís e
o pernambucano Robertinho do Recife. De qualquer forma, para tornar mais leve seu salto para
outros mercados, é patente que Fagner atirou fora quase todo o seu lastro nordestino, abrindo
mão em boa parte da definição brasileira de sua música. Tomara que não lhe falte combustível
para seguir essa viagem de ida, já que a volta não parece preocupá-lo no momento.
O show de lançamento do disco aconteceu em São Paulo, no Palace.
Fagner estava curtindo sua maturidade e só fazia o que queria, sem ligar
tudo que faz. “Fagner não erra nunca”, disse em entrevista ao Jornal da
Passei a minha voz num esmeril. Não tenho mais que estar
berrando pra ser ouvido. Eu sou ouvido. Antes eu não queria fazer
outra coisa a não ser berrar. Hoje posso até berrar, mas não é o
mais importante. Com esse disco, A Mesma Pessoa, me vejo jogando
uma cartada decisiva num momento importantíssimo para mim
dentro da música popular brasileira. Não quero correr atrás do
sucesso lá fora. Quero que o trabalho seja bem realizado aqui no
Brasil. Essa sempre foi a minha intenção, mas nunca saiu tão
perfeito como esse disco.
O apresentador Silvio Santos, em sua coluna no jornal Notícias
brasileira.
Quem diria!
de cantar e etc. e tal. Mas que era um rótulo novo para Fagner, isso era.
Há elogios que soam como música nos tímpanos de quem ouve. Nos de
uma lista dos dez homens mais bonitos do Brasil, segundo Sonia Braga:
Rômulo Arantes.
Apesar dos desmentidos dele (somos apenas bons amigos) tudo indica que o nosso Fagner
está in love com Denise Dumont. Os dois têm sido vistos seguidamente juntos, inclusive no
terminava, afirmou ao mesmo jornal que, embora não tendo feito todas
mesmo.
Baby Consuelo, Rita Lee, Gilberto Gil, Moraes Moreira, Alceu Valença,
aconteceu?
causa nobre.
disco.
Em julho de 1985, o cantor cearense recebeu um convite para
aeroporto que tinha tentado entrar no país sem visto. E quem era?
para a equipe.
daria certo nunca. “Que fiz? Me aliei a eles para que o loteamento não
depois de relembrá-lo de que tinha sido ele que o levara de fusca para o
de sua ajuda. Contou então toda a luta em que estava empenhado e pediu
nome do artista na capa. Disco produzido por ele, Fausto Nilo, Dora
seu último disco. O novo xodó da gravadora era o grupo RPM, liderado
“Fagner sempre foi muito ligado ao Ceará. Tem uma coisa muito
importante nele, muito rara de se ver num artista que nasceu aqui e
depois ganhou fama nacional. Chico Anysio, por exemplo, era cearense,
falava sempre de folclore ao redor da vida dele no Ceará, mas não voltou
para cá. O Fagner tem uma raiz, nunca largou. Montou uma rádio em
Orós, montou uma fundação. Ele vive intensamente suas raízes em todos
os sentidos, familiares, culturais etc. Fagner me ajudou muito na minha
campanha de 1986. Fez show, fez comício, trouxe amigos para fazer
show. Ele me deu uma força muito grande, não só nesse sentido, mas
Eleito governador, não era raro Fagner vir pedir a Tasso ajuda para
música “Cantares”.
acabou lhe dando tantos dissabores que passou a não cantar mais em seus
Ferreira Gullar:
“Eu fiquei muito feliz de ter vindo aqui ver o show do Fagner hoje e
Chico Buarque:
Ariola, com tiragem inicial de duzentas mil cópias. Foi pouco... logo se
ficou a cargo de Ivair Vila Real. Disco campeão, bateu mais de um milhão
uma Chance ao Coração”, que, além dele, contou com Rosana, José
Ora, que gringo é esse? Gringo nada, Sullivan é um artista made in Brazil,
banda Renato e Seus Blue Caps, nos longínquos anos 1970, mas estourou
certezas. Acho que é da dúvida que nasce a certeza. Todo talento, todo
homem grande, de sucesso, tem dúvidas. E ele tem. A gente que produz é
que tenta acalmar e arrumar respostas e soluções. Aprendi muito com ele.
Duzentos canais, não é brincadeira. Ele canta pelo menos três, quatro,
cinco dias a mesma música. Depois de pronta, às vezes mixada, ele ainda
diz: quero cantar de novo. Ele canta e aí é preciso remixar tudo outra vez.”
sentido. Para usar uma linguagem tão ao gosto de Fagner, música e futebol
resultado é gol.
encantou.”
prédio da CBS com o líder dos Rolling Stones, o astro inglês Mick Jagger,
político e amigo, Ciro Gomes. Na verdade, Ciro o conhecia dos anos 1970,
Fagner.
“A gente jogava sinuca, o Fagner joga sinuca muito bem, enfim,
que Ciro Gomes era desconhecido em Fortaleza, pois vinha de Sobral (na
que o amigo cantor fez tudo para ele e nunca cobrou nada. Nunca. Zero.
Fagner.
32.
diversidade, o que é uma coisa muito rara num artista. Tem interesse e
curiosidade por qualquer tipo de música popular que se faz no Brasil. Não
realiza. Faz questão de não exibir. Sabe por que gente simples gosta do
Fausto Nilo e saíram os três estrada afora, com direito a banho de rio,
Cordel. Foi a última vez que o Velho Lua subiu num palco, sua derradeira
Mundo” (de Hyldon), “Não Me Deixes Mais” (versão de Fausto Nilo para
(5 de dezembro).
lugar em que mora até hoje por sinal. Já estava muito doente e queria se
mudar.
show inesquecível.
coração do cantor.
daquele dia e conta que nunca viu Fagner tão tocado quanto no momento
Fagner e Abel Silva). Não parou aí. Raimundo Fagner ainda faturou o
vol. 2.
Ainda naquele ano, o artista fez uma participação no LP Luizinho de
aproximaram bastante. Tanto que ele o convidou para batizar sua caçula,
Nonato Luiz com Abel Silva) e “Primeiro Encanto” (de Walter Santos).
Ceará.
uma espécie de tutor meu. Dava conselhos, sua palavra de ordem era:
rosas.
“Quando Fagner quer uma coisa, tem que ser atendido na hora. Não
Fagner de ser. Ele diz que quem não briga com ele não é seu amigo.
Então posso dizer que sou amigo dele e compadre, já que é padrinho da
Antônia.”
Fagner cantava. Mas e aí, Tom, essa amizade de tapas e beijos rendeu
lista dos grandes cantores da MPB que Fagner não tivesse acompanhado
Altemar Dutra, a que ele mais cantava nas suas serestas pelas noites
boêmias de Fortaleza.
artista tão conhecido não mudou sua rotina, conta ela. “Apesar do
Casada havia quase sessenta anos com José Fares Lopes, então com
noventa anos, dona Chiquinha contou que quase ficou louca quando o
que ele era famoso ela havia esquecido o sofrimento daquela época, mas
românticas e dizer que “Mucuripe” era especial, por ter sido o seu
Chiquinha declarou que Fagner não era muito carinhoso, mas, quando
aos pais todas as noites. Hoje, as netas que moram comigo não fazem
casa e educar as duas netas que criava desde a morte de sua filha Elizete,
13 anos antes.
caçula Fagner não nasceram em Orós, como o cantor alardeia por todo o
Orós”.
que, dos seus quatro filhos, Fagner não era o único que tinha herdado o
lado musical. “A Marta canta e toca piano e o Fares tem uma voz muito
Estou certo de que sempre vendi mais do que se diz. Mas quero
deixar registrada a minha insatisfação, porque tenho sido lesado
desde meus primeiros discos. Artista não tem controle sobre os
ganhos das gravadoras gananciosas.
Na quinta edição do Prêmio Sharp de Música Popular, no Rio de
primeiro lugar na lista dos dez discos mais vendidos em todo o país. O
no bloco final, volta às suas raízes. É tão forte seu desempenho que a
de 1994. Diz nunca ter esquecido a frase/desabafo que dele ouviu: “Não
posso mais lhe dar conselho algum, porque tudo que eu digo para você
Foi também nesse começo dos anos 1990 que Fagner conheceu
Fagner e saímos para jantar. Nunca mais a gente se separou, até hoje. Ele
quase não parava no Rio. Só vinha pro Rio mesmo pra fazer show ou de
passagem. A vida dele era muito mais Fortaleza. Sou muito grata ao
Fernando Collor, um mês depois. Uma época difícil para mim, pior para
os meus filhos.”
pronto, saiu no jornal que estavam namorando. Ela ligou para contar e
noiva Lady Beth.” Lilibeth não perdeu a piada; virou-se para o cantor e
disse: “Está vendo? O Roberto Carlos tem a Lady Laura e você tem a
Lady Beth!”
“Na turma dele, quase não tem uma mulher, amigas. Eu acho que
sou a única mulher que sai com ele, vai para os bares com ele. E sou o
oposto do Raimundo. Não falo mal de ninguém, sou incapaz de levantar
a voz, você pode dizer horrores para mim que vou ficar parada, olhando.
Café Santa Clara, hoje comercializado pelo grupo Três Corações. Apesar
anos 1980, foi deles a ideia de fazer a empresa no Ceará, que estava se
usar sua figura e sua voz e assim tornar conhecida a marca do café que
produziam. Deu tão certo que são parceiros até hoje. Parceiros e amigos.
Tem até muita gente que pensa que Fagner é dono da empresa, mas ele
uniram, cada uma se fazendo presente nos bons e maus momentos. “Eu
briga com Fagner, mas isso tinha ficado para trás. Segundo o cantor, os
ganhar votos no Ceará inteiro. Popular que nem ele, só o Renato Aragão.
Será que topa disputar a Prefeitura de Fortaleza pelo PSDB? Não tinha
próprio Fagner.
Se todo artista tem que ir aonde o povo está, como diz a canção de
e mundo afora.
grande estilo. Desde o início, este último se apresenta como uma figura
acontecimento:
cantar em seu disco, ele disse que queria produzir o LP, mas não
“Fizemos o primeiro disco e aí foi uma coisa louca, porque foi quando
Petrúcio Maia em parceria com Abel Silva) e “Rubi Grená” (de Nonato
Canecão, do Rio.
Mas a maior tristeza de 1995 veio com a morte do pai, José Fares,
dormindo, aos 94 anos. Foi uma perda muito sofrida para Raimundo,
cansado por fazer tantos shows, tantos discos. Fagner não hesita em
responder:
políticas.
de Mel”.
Banana.
divide uma parceria com Fausto Nilo (“Pecado Verde”) e outra com
Abel Silva (“Pra Quem Não Tem Amor”). Destacam-se ainda as músicas
“Volto ao Sul” e uma tradução para “Un Vestido y Un Amor”, de Fito
Paez.
São quadros que ficaram guardados durante muitos anos e que quase
carreira.
que alimenta seu cérebro nunca desliga. As pilhas ocultas em seu violão
jamais se acabam.
O ímpeto de parar foi embora tão depressa quanto veio: logo ele
cellos e duas violas, além da banda de base que o segue por todo lado.
Do trabalho mais recente, canta “Pra Quem Não Tem Amor”, “Un
Brasil.
Em 1997, Fagner participa do CD Pela Saudade Que Me Invade, da
O disco desse ano, seu 21º álbum solo, recebeu o título Terral.
Seu primeiro contato com Raimundo foi em meados dos anos 1970, e os
dois começaram uma relação artística quando ele foi convidado para
cantar “Mucuripe” com Nelson Gonçalves num disco que estava sendo
“Produzi quatro álbuns dele, sendo dois duplos. Todos muito bons e,
vida nos dá. Uma grande pessoa. Amigo dos amigos, sincero, não faz
média com ninguém, diz o que acha na boa. Ter um amigo como
É
definitiva, polivalente, um misto de agente, secretária, amiga... É o que
Dinda.”
Quando ia a Orós, Iris jogava buraco com seu Fares, que roubava
“Está vendo, é ladrão, é sua mulher que está dizendo, não eu.”
Mas seu Fares não era conhecido em Orós apenas por trapacear nas
não sabia falar direito o português, era uma alma pura, se emocionava
com tudo.
Seu Fares resolveu fazer uma visita quando soube que o irmão
“Morra aqui mesmo, hôme”, respondeu seu Fares. “Lá você vai dar
trabalho a seus filhos, vai gastar mais dinheiro, ter que comprar cova
Iris ouviu muitas dessas histórias, mas seu trabalho com Fagner
minha conta”, revela Iris. “Sou responsável pelo lado cidadão do artista
Fagner. Lógico que tem o dinheiro dele. O resto é comigo. Minha agenda
pode resolver, tem que vir dele a palavra final. Eu o procuro em casa, ele
me bota para fora, sem decidir nada. Raimundo não é fácil! Como não
sou santa nem nada, às vezes perco a cabeça. Tenho vontade de voar em
local.
Claro que Fagner não deu a menor pelota para a reclamação. Iris
causa e Iris teve que pagar 25 mil reais de indenização por danos morais.
autoridade. Ele reconhece que exagerou na dose, mas não era o primeiro
foram de carne vermelha. Fagner foi convidado para uma conversa com
Paulo. O cantor conta que, naquele dia, Pelé o chamou para concorrer à
não fora convocado pelo técnico Zagallo, mas estava lá, a convite da
CBF.
com os pais, seu Nélio e dona Sonia. O casal não tirava os olhos do
cantor. Olhos de fãs. Logo partiram para cima do ídolo (Fagner, não
Seu Nélio pediu para tirar um retrato com o cantor. Dona Sonia
do compadre Adrian.
duplo. Era o 22º em 25 anos de carreira, o que não é pouco. Não mesmo.
Nossa, quanta gente boa reunida! Que repertório mais eclético! Que
Não deu outra. O povo amou o CD, que vendeu 440 mil cópias em
menos de três meses. Claro, teve também quem não tenha gostado. O
crítico da revista Veja foi especialmente cruel nos reparos que fez,
Convidar cantores de sucesso para fazer participações especiais é uma maneira eficiente de
ressuscitar carreiras em decadência no mundo do disco. Pelo menos é isso o que pensam as
gravadoras, no Brasil e no exterior, a julgar por dois lançamentos. Um deles é Amigos e Canções,
de Fagner.
[...] os CDs nem sempre chegam a resultados empolgantes. É o que acontece com Fagner,
que vinha de uma entressafra. Ao convidar Fábio Júnior e Zezé Di Camargo & Luciano, nomes
que vendem dez vezes mais discos, o cearense parece estar disposto a reaver a popularidade dos
tempos de “Coração Alado”. A alquimia sertanejo-nordestina, no entanto, é tão indigesta quanto
de imprensa.
primeiro convidado foi Dori Caymmi, que cantou com Fagner “As Rosas
Robertinho de Recife.
Como bom cearense, Fagner não se afasta da sua terra. Mora em
outra cidade, visitou outros países, mas sempre volta: é lá que ele se
foi feita para o Dia da Floresta, no Acre, a pedido do seu amigo Jorge
Ramalho em 2014.
Pitta, Virgílio, Edgar Mão Branca e das bandas Mastruz com Leite,
projeto inédito que juntaria uma banda e cinco cantores da MPB para
cinquenta anos. Oba! Vai ter festa de arromba? Garrafa cheia eu não
celebrar.
todas em vão.
ouvi-la.
Pandeiro.
ao vivo. Naqueles shows, sua banda era formada por Luis Antônio
Uma das mais elogiadas iniciativas de Fagner foi criar, nesse mesmo
ano, uma fundação que leva o seu nome. A organização desenvolve suas
da Fundação.
A instituição é comandada por Marta Lopes, irmã do músico, e
apoio para seus projetos, mas as duas vêm obtendo êxitos seguidos.
Aliás, para Marta, o irmão caçula foi objeto de trabalho desde que se
que foi ajudada pelo próprio Fagner, que também costuma guardar a
seu nome. Mais uma vez, Fagner recorreu à imprensa: pôs um anúncio
no mesmo periódico:
carreira.”
Para Fagner, enfrentar a avalanche de fitas foi uma atividade até bem
congestionadas.
Gonzaguinha.
doente, teve que se mudar para não voltar mais. Durante anos, Fagner
guardou uma fita e papéis que o amigo lhe mostrara. Um belo dia
resolveu revirar esse baú de recordações e ali pinçou uma joia: o blues
Foi pura coincidência. Eu não tinha ligado uma coisa à outra. Não
tinha lido nada sobre a data nos jornais. Simplesmente acordei com
essa vontade.
teatro da UCS, a universidade local. Fazia dez anos que os dois não se
Porto Alegre.
lança seu segundo disco nesse formato num intervalo de dois anos. O
e revela como foi sua iniciação sexual. Perguntado se era contra jovens
Foi com uma jumenta. É sério, pô! Tu acha que criança vai pegar
quem? Brincadeira de menino no interior era ir para o rio, empilhar
uns tijolos e... Também tinha os cabarezinhos em Orós. Mil histórias!
Em 1969, quando cheguei no Rio, saí pela Lapa e fiquei conversando
com um travesti. Depois um amigo me chamou e disse: “Raimundo,
é um travesti!” E eu: “O que é travesti?” Não consigo me imaginar
casado, com obrigações. Pode até ser que aconteça. O espaço do
artista é muito invadido, então sempre busquei estar um pouco só.
Fausto Nilo e Sérgio Natureza. Os dois viviam lhe dizendo que ele e
todo. O Fagner é um queridão, uma pessoa muito bacana, mas acho que
ele é muito só, por isso que se cerca de muita gente o tempo todo e fica
procurando com quem repartir as coisas. É difícil estar a sós com ele,
não é?”
Raimundo Fagner.
“Fui começando a entender como é que ele funcionava. Ele tem essa
nele. Fagner tem uma grande qualidade: chega de igual para igual, tem
Fagner foi uma coisa a mais, parecia que a gente era da mesma idade,
Zeca conta que eles nunca brigaram, quer dizer, quase nunca.
Zeca decidiu que não iria viajar tão cedo e maldormido. Quando
chegou a Brasília, não foi falar com Fagner, ficou no camarim. Minutos
gente está junto nessa história, você é você, eu sou eu, você tem a sua
importância e tal, mas não estou aqui de favor, não pedi nada a você,
estamos juntos nessa. Ou você me trata de igual pra igual, com respeito,
“Ele sabe ser delicado quando quer. Sabe cantar suave, mas criou
Deu certo.
Metralhadora giratória
CAPÍTULO 22
A paixão de Raimundo Fagner pela poesia já fazia parte de seu
corretas” e diz que “Lula só não sofreu impeachment até agora por
incompetência da oposição”.
Paulo de seu novo CD, Fortaleza, retorna à sua terra para uma
passando por Natal (RN), Palmas (TO), Belo Horizonte (MG) e interior
Que ano!!!
um mutante para sempre
CAPÍTULO 23
E m 2008, quando completou 59 anos, Fagner acumulava 35 anos de
Manera, em 1973.
tanto tempo depois porque, na época, não lhes ocorreu fazer o registro
dos sortudos que puderam estar presentes naquele dia. Mas o destino
Isso foi muito por conta da minha relação com o Aécio Neves, pois
somos amigos desde a época das Diretas Já. Participei da sua vida
política, fazendo campanhas quando ele ainda era candidato a
deputado no seu estado. Quando se tornou governador, fizemos
uma parceria que resultou no projeto Canteiros Musicais.
pelada, ele nos levou para ficar hospedados em sua casa. Um sonho
BH. Eu estava na época com vinte anos e nunca tinha feito qualquer
dias da casa.”
milhares que ficaram de fora, Fagner anunciou que realizaria outro show
cantor em BH.
mais de vinte mil pessoas teve os dois dias com lotação esgotada.
Também, pudera, estava ali ninguém mais, ninguém menos que o novo
Foi em junho que Raimundo Fagner se tornou a personagem central de um dos espetáculos
mais curiosos que Beagá assistiu nos últimos tempos. E que, de certa forma, nos trouxe de volta
ao tempo dos grandes ídolos de auditório, das multidões enfurecidas querendo varar o cordão de
Nem mesmo na apresentação de Orlando Silva em São Paulo, quando o cantor das
multidões perdeu todas as suas roupas, o entusiasmo do povo para com um cantor popular foi tão
grande. Nunca em Belo Horizonte se reuniu tanta gente (quase sessenta mil pessoas) para ver um
artista. Não dá para calcular direito o número, mas creio que esse é um dos maiores públicos já
reunidos no país.
sociedade.
ironicamente:
Só quem não sabe quem é Patativa do Assaré é a Academia
Brasileira de Letras. Lamentável.
inspirada, segundo ele, nos Beatles. Outra música entoada nos forrós da
não conhecia.
do Brasil. Naquele dia, caiu um toró que fazia anos a cidade não via. Um
batizado inesperado.
(um dos mais famosos prédios em estilo art nouveau do país), e outro
DVD que acabou sendo o último encontro dos dois artistas e discípulos
do Rei do Baião.
Na mesma época, também foi lançado um disco de duetos, e Fagner
Luiz Gonzaga.
Manera, de 1973. Esse show foi produzido por seu parceiro Zeca
que mostrou ser possível fazer música brasileira com influências que não
Brasília, Juiz de Fora, São Paulo, Marechal Deodoro (em Alagoas), onde
futebol, hein? Continuava sendo sua grande paixão, tanto que viajou do
foi o fato de ter seu patrimônio dilapidado duas vezes! Em cada uma
delas, perdeu tudo. E esse tudo não era pouco, afinal, sempre foi um
Mas da mesma maneira que teve amigos que traíram sua confiança,
A segunda vez foi pior ainda. De novo, foi embora tudo o que tinha
não foi só. Nessa reincidência a barra foi ainda mais pesada porque se
mais velho, e dona Chiquinha, a mãe. Foram muitas perdas e muita dor
ao mesmo tempo.
fazendo valer suas origens libanesas errantes com sua saga cearense.
Muito ligado ao Ceará, sempre deu muito valor à sua terra. Quando
Aragão, José Wilker e Luiza Tomé. Mas mesmo com todos esses
globais, a maioria dos turistas que ali chegava revelava em pesquisas que
era Fagner e sua relação com aquela terra que os tinha motivado a
conhecer o Ceará.
sua terra. Fez seu pé-de-meia com muito cuidado. Não sabe muito bem
onde gasta seu dinheiro no dia a dia (boa parte distribui entre amigos e
nunca cobra). É controlado com mão de ferro pela secretária e amiga Iris
Gamenha.
cearense. Fagner sabe que uma viagem com todos eles ao Sudeste ou ao
convites chegam de toda parte. Fagner aceita quando pode levar a banda
toda.
2010, e dos netinhos Arthur e Maria Clara, Fagner vive entre o Rio e
Fortaleza. Sua pequena família tardia mora no Rio, e sua irmã, Marta,
quer, sem fugir do assédio. Aliás, Fagner é muito gentil com os fãs,
Guerra Junqueiro e Olavo Bilac. Acredita que sem o professor não teria
Espanca.
Os poetas foram o horizonte da minha música. Sem a valorização
das palavras com certeza não teria tido esse diferencial; também
não teria entrado na vida das pessoas sem essa quantidade de
parceiros e seus universos tão distintos. Antigos ou modernos, os
poetas fazem parte da minha música.
Geraldo Vandré e até o popular Amado Batista. Uma geração muito rica,
cantou com vários desses ídolos do passado e com talentos das novas
e Chitãozinho e Xororó.
tem afinação e tem um fôlego absurdo, fruto dos mergulhos nas águas
com seus gemidos árabes. No início da carreira alguém disse que ele
problema nas suas cordas vocais em função da força com que emite as
cuida da voz de Fagner e garante: “Ele tem uma força vocal, tem um
pelo uso prolongado do cigarro, mas ele emite o som com muita
facilidade mesmo. O pulmão tem uma resistência muito, muito boa. Para
não levam essas broncas a sério, pois sabem que é coisa momentânea,
também adora uma boa piada. Com o talento dos cearenses para a
romance. Podem ter sido muitos, intensos, mas passageiros. Parece que
doação que atinge a profundidade, como um poço, que talvez nem ele
mesmo compreenda.
Tem amigos em todas as partes do Brasil, dos mais ricos aos mais
Jonatas, quase um filho adotivo, com quem tem um laço afetivo grande.
trabalhar cedo com Fagner e hoje é seu roadie, produtor e braço direito
sua irmã Marta; a casa de praia em Beberibe, onde vive há trinta anos,
acontece naquelas mesas. “Fagner só escuta o que quer e acho que ele
está certo. O pessoal fala: ‘Fagner é grosso!’ Não é. Fagner não tem
nada de grosso. O pessoal vem com cada coisa idiota que ele, às vezes,
passava a noite inteira dando autógrafo. Hoje é selfie. E ele faz pose com
Fagner:
mundo que entrava lá dizia: ‘Irmão, isso tudo aqui está em harmonia por
ninguém deu um pio. Até os bichos que eu tinha, gansos, patos, todos
ficaram em silêncio. O Datena não acreditava, ele disse: ‘Pensei que eles
iam perturbar a música o tempo todo.’ Ficou aquele silêncio e ele cantou
a natureza do sítio.”
nem de fazer nada. Para estar esperto à noite, dorme de tarde. Uma
quando inalada.
jogo e não fazem gol até que ele esteja em campo, porque o primeiro tem
que Siqueira mandou fazer um ofurô na casa dele e não deixou ninguém
e respeitam.
ficar perto dos cães. Eles não atacavam, mas metiam medo. E quando
Quem dormia na casa às vezes tomava muitos sustos à noite com aqueles
cidade: Orós FM, 105.7. Vários artistas gravaram vinhetas para ela. É o
xodó da região e uma atração turística. Por estar no alto, recebe o vento
consciência de que o público baiano sempre foi dos mais calorosos com
ele, mas receber esse título foi uma grande e grata surpresa.
bater, é para lá que ele irá. Durante o término deste livro, o vento bateu
por muitos lugares, por isso Fagner segue na estrada, preparando um
se depara com um breve texto que lhe serve de epígrafe e que resume
parceria com o Café Santa Clara, futuramente Café Três Corações. Foi
criada mais uma sede para atender ao mesmo tipo de público que, nesse
presidente da Fundação.
Ambiental e Cidadania.
instituição.
meio da arte, que nos permitirá tornar o impossível possível na vida das
a minha história de vida. Cresci com a sensação de que Fagner era uma
seleção para estagiária na FRF e fui aprovada. Entrei ali com a ideia
pequena de estar numa instituição que levava arte e música para crianças
obra como artista, coisa que todos sabem. O legado de Fagner está na
desta história.
JHON SOUSA – Ex-aluno e professor de flauta
vida de jovens e adultos. Passei por muitas dificuldades por ser filho de
inscrição.
primeira vez, não fui selecionado para entrar e fiquei muito triste, já que
futuro incerto.
Hoje posso dizer que por meio da Fundação e pela pessoa do nosso
melhor.
À
Às vezes, faltam até palavras para definir a grandiosidade desse
através da cultura.
Marina e Rian
quando resolvi inscrever a minha filha no programa, foi para ela não
ficar em casa sem fazer nada. Mas o tempo passou e vi que não era só
de outro jeito, pois nem em casa nem na escola Marina teria condições
de ter esse contato com instrumentos e com a música. Assim que percebi
outro filho na Fundação. Hoje posso dizer que esse lugar fez a diferença
na vida dos meus filhos e da minha família. Que orgulho ver os dois
projeto, o meu filho deixou a timidez de lado, foi em frente e sei que isso
para ela e, para mim, mais um motivo para vibrar com as suas
conquistas e apoiá-la. Chego a me emocionar quando eles tocam, pois
vejo nos seus olhos que os dois gostam do que estão fazendo. Então, só
bairro, por fazer parte da nossa vida, por ajudar tanto os nossos filhos.
Mas sempre digo que esse projeto tem que ser uma via de mão dupla,
que é possível transformar. Que Deus abençoe a todos que fazem parte
obrigada.
índice fotográfico
Todos os esforços foram feitos para identificar corretamente a
origem das imagens deste livro. Nem sempre foi possível. Teremos
edições.
Raimundo Fagner.
Fagner.
Raimundo Fagner.
Raimundo Fagner.
mês; com seis meses; com dois anos; em 1970 com Ricardo, Jorge
Ferreira/Acervo Abril.
IBGE.
Fagner.
Imagens 12, 13, 14, 15, 16 e 17: Fotos de Fagner criança. Acervo
Raimundo Fagner.
Raimundo Fagner.
Raimundo Fagner.
Fagner.
Imagem 24: Cantando no programa Sete dias em destaque, de João
Imagem 26: Com seus pais e sua irmã Marta. Acervo Raimundo
Fagner.
Raimundo Fagner.
Fagner.
Raimundo Fagner.
Raimundo Fagner.
Fagner.
Fagner.
Folhapress.
Raimundo Fagner.
Fagner.
Raimundo Fagner.
Raimundo Fagner.
O Globo.
Raimundo Fagner.
Imagem 98: Luiz Gonzaga e Fagner. Acervo Raimundo Fagner.
Sullivan.
Raimundo Fagner.
Raimundo Fagner.
Raimundo Fagner.
Raimundo Fagner.
Raimundo Fagner.
Fagner.
Fagner.
Fagner.
Scofano/Agência O Globo.
Fagner.
Raimundo Fagner.
Raimundo Fagner.
Raimundo Fagner.
Candido e Youssef Fares Haddad Lubous; e Raimundo Fagner com dois anos. O caçula da
1971, em Brasília, Fagner pôde se aventurar a tentar a carreira de músico no Rio de Janeiro.
Fotos do cantor nas décadas de 1980 e 1990. Eleito como símbolo sexual por Silvio Santos,
Fagner foi muito assediado, mas sempre preservou sua vida pessoal.
Apresentação no Forró Caju, em 2005. O público do festival na capital sergipana assistiu à
forte e voz marcante, o artista foi influenciado pela cantoria árabe do pai e pelas canções que
tocavam no rádio.
Durante apresentação de Gilberto Gil no Phono 73 — O Canto de um Povo. Além dos dois
cantores, participaram do festival, realizado entre 10 e 13 de maio de 1973, artistas como Rita
Lee, Os Mutantes, Chico Buarque, Elis Regina, Ivan Lins, Jorge Ben, Vinicius de Moraes,
Caetano Veloso, Gal Costa, Luiz Melodia, Maria Bethânia e Nara Leão. Foto: Mário Luiz
Thompson.
Ingressos de vários shows de Raimundo Fagner. A coleção faz parte da memorabília da
Fru Fru Manera (1973); Ave Noturna (1975); Raimundo Fagner (1975); Orós (1977); Soro
(1977); Eu Canto — Quem Viver Chorará (1978); Beleza (1979); coletânea Programa Especial
— Volume 3 (1979); trilha sonora da novela Coração Alado (1980); Fagner e Belchior (1980);
Raimundo Fagner (1980); Traduzir-se (1980); Fagner (1982). Acervo Instituto Memória Musical
Exceto pela capa do IMMuB, todas as outras foram reproduzidas no acervo do Museu da
Homenagem a Picasso (1983); Palavra de amor (1983); Dez anos (1983); História da Música
Popular Brasileira — Série Grandes Compositores (1984). Instituto Memória Musical Brasileira
(IMMuB); Luiz Gonzaga e Fagner (1984); Fagner (1986); Gonzagão e Fagner (1987); Romance
no Deserto (1987); capa do LP Cartaz (1989); Chave de Mim (1989); O Quinze (1989);
Presença (1989); Pedras que Cantam (1989); Raimundo Fagner — En Español (1991). Acervo
Raimundo Fagner; Fagner, Elba, Zé, Amelinha (1992); Demais (1993); Caboclo Sonhador
(1994).
Durante a juventude, com alguns amigos, como Ricardo Bezerra (na rede), Bete, Petrúcio Maia
1981.
Com o ídolo da Jovem Guarda Erasmo Carlos.
Registro com a amiga e cantora Elba Ramalho.
Com Abelardo Barbosa, o Chacrinha, de quem recebeu em 1980 o troféu de Melhor Intérprete.
Com o poeta Vinicius de Moraes, que teria dito: “Gosto de conversar com o Fagner porque ele é
muito espirituoso. Ele tem sempre a resposta certa. Às vezes é muito ferino.”
Com Djavan, que participou do CD Amigos e Canções, o 22o álbum da carreira de Fagner.
Com o instrumentista Armadinho.
Com o amigo e companheiro dos palcos Dominguinhos.
Entre Danilo e Dorival Caymmi.
Estrelas da música popular brasileira na gravadora CBS durante a década de 1980: Fábio Júnior,
Fagner, Djavan, Roberto Carlos, Ritchie, Simone e Tomaz Munhoz, presidente da gravadora no
Brasil.
Com o multi-instrumentista Hermeto Pascoal, responsável pelos arranjos do aclamado LP Orós,
de Fagner.
Com Paco de Lucía, com quem gravou o álbum Homenagem a Picasso, em 1983, que contou
Com Ivan Lins, amigo que fez assim que chegou ao Rio de Janeiro.
Com Jerry Adriani, ídolo da Jovem Guarda.
Em estúdio com o amigo Luiz Melodia.
Com Naná Vasconcelos.
Abraçado ao ídolo de infância Luiz Gonzaga, com quem gravou dois LPs.
Ao lado de Miúcha e do compositor maranhense João do Vale.
Fagner participou de vários jogos amistosos como esse em 1989 no campo do Flamengo na
Gávea, Rio de Janeiro. Na foto Chico Buarque, Vinícius França, Vinícius Cantuária e Miltinho.
Apaixonado por futebol, fez amizade com vários esportistas. Entre Zico e Sócrates.
Recebendo um disco de ouro das mãos de Jairzinho.
Com Rivelino.
Com Ronaldo Fenômeno na Copa do Mundo de Futebol na França.
Seu Fares, pai do cantor, entre o jogador de futebol Roberto Dinamite e o filho.
Fagner posa com a camisa do Fortaleza Esporte Clube para um álbum de figurinhas do seu time
do coração.
Em 1982, gravou com o compadre Zico um compacto com a música “Batuquê de Praia”, sucesso
Capa do convite da exposição individual das pinturas e fotografias do artista Raimundo Fagner.
Algumas de suas obras.
DIREÇÃO EDITORIAL
Daniele Cajueiro
EDITORA RESPONSÁVEL
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PRODUÇÃO EDITORIAL
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Carolina Rodrigues
REVISÃO
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Luisa Suassuna
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