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sociedade
Cirlene Jeane Santos e Santos
Erika Flavia Soares Costa
Maria Ester Ferreira da Silva Viegas
(Org.)
Cirlene Jeane Santos e Santos
Erika Flavia Soares Costa
Maria Ester Ferreira da Silva Viegas
(Org.)
Arapiraca/AL
2023
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE ALAGOAS COORDENAÇÃO GERAL DO XI ENCCULT
Reitor: Odilon Máximo de Morais Dr. José Crisólogo de Sales Silva
Vice-Reitor: Anderson de Almeida Barros COMITÊ CIENTIFICO
Diretor da Eduneal: Renildo Ribeiro-de-Siqueira Coordenadores do grupo de Trabalho
Cirlene Jeane Santos e Santos
CONSELHO EDITORIAL DA EDUNEAL Erika Flavia Soares Costa
Maria Ester Ferreira da Silva Viegas
Presidente: Renildo Ribeiro-de-Siqueira
Titulares
Professores: Revisores Científicos
José Lidemberg de Sousa Lopes Cirlene Jeane Santos e Santos
Erika Flavia Soares Costa
João Ferreira da Silva Neto Maria Ester Ferreira da Silva Viegas
Luciano Henrique Gonçalves da Silva
Natan Messias de Almeida Revisoras
Maria Francisca Oliveira Santos Cirlene Jeane Santos e Santos
Márcia Janaína Lima de Souza - Sistema de Bibliotecas (SIBI) Maria Ester Ferreira da Silva Viegas
Catalogação na Fonte
T327 Território, corpo e sociedade / Cirlene Jeane Santos e Santos, Erika Flavia Soares
Costa, Maria Ester Ferreira da Silva Viegas (Org.). – Arapiraca : Eduneal, 2023.
120 p. : il. : color (e-book).
Inclui bibliografia.
ISBN: 978-65-6061-005-7.
CDU: 911.3
Editora filiada à
Direitos desta edição reservados à
Eduneal- Editora da Universidade Estadual de Alagoas
Sumário
APRESENTAÇÃO................................................................................... 5
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1
Alberto Guerreiro Ramos: Um intelectual
negro e suas contribuições para o campo de
Administração Pública brasileira1
Iverson Medeiros Pereira(1)
Paulo Everton Mota Simões(2)
(1)
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8982-8271; Universidade Federal de Alagoas/Graduado em
Administração Pública, pesquisador, BRAZIL, E-mail: iverson.mpereira@gmail.com@gmail.com;
(2)
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-2031-8660; Universidade Federal de Alagoas/Professor Doutor,
docente, BRAZIL, E-mail: pauloeverton@gmail.com;
INTRODUÇÃO
O colonialismo pode ser entendido como a busca pela conquista de territórios e suas
riquezas, a fim de estabelecer impérios e tornar estável o poder do colonizador. O impacto
que a colonização traz para uma nação vai além de riquezas. Segundo Gonçalves e Feitosa
(2019), as populações colonizadas, além de terem seus territórios invadidos, perderam
o direito à sua posse, ao seu patrimônio cultural e à própria perspectiva de produção do
conhecimento, que passou a ser subalternizada.
De acordo com Césaire (2020), o empreendimento colonial se fundou no desprezo
justificado pelo nativo, transformando-o em um animal. Para o autor, o ser humano
colonizador se fez açoite ao tempo em que fez do nativo seu instrumento de produção,
caracterizando a sua coisificação. Trouxe, ainda, a perspectiva de que a ciência é invenção
do Ocidente, pois este sabe pensar. Dessa forma, acontece a dominação na construção do
conhecimento, por parte do colonizador, que se faz legítimo autor da perspectiva normativa
de produção do saber único e válido.
1 DOI: https://doi.org/10.48016/XIenccultgt5l1cap1
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de dez anos, os direitos políticos de dezenas de cidadãos brasileiros. Ramos foi abrigado
na Fundação Getúlio Vargas (FGV) por um tempo para depois deixar o país rumo aos EUA
(FREIRE, 2015). Segundo Brito; Leite e Ferreira (2016), em 1966, Guerreiro buscou exílio nos
Estados Unidos da América (EUA) e continuou desenvolvendo atividades intelectuais e
acadêmicas, atuando como professor na Universidade do Sul da Califórnia, se tornando full
professor do programa de doutorado em administração pública.
As sucessivas opressões que Guerreiro Ramos sofreu no Brasil não estavam ligadas
apenas a sua personalidade marcante e seu alto poder crítico, mas também ao fato de ele
ser um homem preto. Em sua ficha no Conselho de Segurança Nacional (CSN), foi grafado o
seguinte insulto: “Mulato, metido a sociólogo”. Além disso, foi acusado de contribuir com o
movimento integralista na juventude, por isso não foi nomeado professor da Faculdade de
Filosofia. Em declaração, Guerreiro disse que se sentia feliz nos Estados Unidos e que o Brasil
não lhe deu o que merecia, mas julgava-se um homem de sorte (SOARES, 2006).
Depois de seu exílio, Guerreiro Ramos não voltou a morar no Brasil, porém, após a
anistia, voltou a ensinar como professor visitante nos cursos da Universidade Federal de
Santa Catarina. Infelizmente, Guerreiro Ramos morreu em 6 abril de 1982, vítima de câncer,
deixando em aberto algumas das ideias que foram escritas no seu último livro (COSTA, 2015;
AZEVÊDO, 2006).
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como mediadora universal da vida humana generalizada de acordo com o modelo europeu de
pensar e produzir conhecimento sobre o mundo. A violência da imposição de tal perspectiva
era apontada por Guerreiro Ramos em linha com outros pensadores: Abdias Nascimento,
Aimé Césaire, Albert Memmi, Frantz Fanon, W. E. B. Du Bois, dentre outros. O autor partiu
da compreensão na qual o sujeito deve admitir-se negro e isso se deu em consequência do
seu trabalho junto ao TEN, cujo cerne se dava em fazer do negro protagonista da necessária
transformação social rumo a um Brasil democrático e desenvolvido econômica, social e
culturalmente. Nessa perspectiva, Guerreiro Ramos antecipou em décadas o paradigma da
afrocentricidade, a teoria crítica racial, os estudos sobre a branquitude e a decolonialidade
do conhecimento (NASCIMENTO, 2016).
O TEN foi criado em 1944 por Abdias do Nascimento, um de seus objetivos era mudar
a forma como a sociedade enxergava o negro no Brasil. Além de ter formado os primeiros
atores dramáticos negros, e os ter levado ao teatro brasileiro, o TEN tinha o objetivo de expor
as formas de racismo arraigadas na estrutura social, contribuindo de maneira significativa
para o desenvolvimento da cultura brasileira e propondo um novo caminho para o futuro
do negro no país (NASCIMENTO, 2016). Em um dos encontros com Abdias, o sociólogo tema
deste trabalho não demonstrou interesse em contribuir com teatro no início de sua criação,
mas deixou claro que a partir daquele momento surgiu uma curiosidade pelo movimento
e começou a acompanhá-lo (RAMOS, 1950). Em 1949, com o TEN, foi criado o Instituto
Nacional do Negro (INN) e o Museu do Negro, foi quando se deu a participação de Guerreiro
Ramos no teatro (SOARES, 2006). A experiência com o TEN contribuiu para fundamentar o
desenvolvimento da abordagem sociológica de Ramos (NASCIMENTO, 2016).
Para Guerreiro, o TEN era a única instituição brasileira empenhada em trazer uma
nova visão ao negro a respeito do seu papel na sociedade, isso através da reeducação
econômica, social e também da criação de mecanismos capazes de integrar os membros
das classes sociais inferiores, passando eles a almejar um status social mais elevado, como as
classes dominantes do país (RAMOS, 1950). Guerreiro considerava o teatro uma importante
ferramenta de estudo sobre as relações raciais no Brasil, isso à medida que trazia o negro
como personagem principal para uma transformação social, contribuindo para a criação
de um país mais democrático (NASCIMENTO, 2016). Nas palavras de Azevêdo (2006), essa
atuação fez com que Guerreiro refletisse sobre a importância de haver um pensamento
negro no Brasil.
O intelectual Guerreiro Ramos sempre levantou críticas a respeito da forma como o
negro era estudado no Brasil e como os estudos sociológicos acadêmicos tinham indícios de
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os olhares pudessem ser analisados de forma crítica sobre as decisões tomadas dentro do
ambiente organizacional (DAVEL; ALCADIPANI, 2003).
Consoante a Rodrigues e Carrieri (2001), os ECA no Brasil seguiram sob influência
do pensamento anglo-saxão e também de estudiosos norte-americanos, porém, ao longo
dos anos, essas influências têm perdido espaço, principalmente por críticas levantadas a
respeito da qualidade desses estudos, uma vez que o contexto norte-americano é diferente
do brasileiro. Davel e Alcadipani (2003) destacam que os estudos críticos no Brasil já existiam
muito antes do advento dos ECA, em contexto estadunidense e anglo-saxão, pois já havia
aqui produção intelectual crítica de autores como Guerreiro Ramos, Fernando Prestes Mota
e Maurício Tragtenberg. Guerreiro Ramos lutava pela criação de uma redução sociológica e,
dentro desse eixo, publicou duas obras: “Administração e estratégia de desenvolvimento”
(1966) e “A nova ciência das organizações” (1981). O período de 15 anos ocorrido entre uma
obra e outra foi considerado por Guerreiro um processo de amadurecimento intelectual
sobre suas concepções a respeito da administração (SOUZA; ORNELAS, 2015).
Ainda sobre a influência de autores brasileiros nos estudos críticos, Davel e Alcadipani
(2003) destacam o uso de referências brasileiras para a produção acadêmica, indicando que
existe um pensamento crítico fundamentado por autores brasileiros desde os anos de 1960.
Porém, a utilização destas referências está longe do ideal, uma vez que ainda são pouco
aproveitadas nos estudos acadêmicos brasileiros e, normalmente, são usadas de maneira
idealizadora, na tentativa de definir a administração como uma área de estudo exato. No
entanto, trata-se de uma esfera que deve ser analisada de maneira sistemática, envolvendo
conceitos de diferentes ciências.
É notável o interesse de Guerreiro pelos estudos críticos e suas contribuições para
os campos da administração e da administração pública. Porém, segundo Santos, Souza e
Braga (2014), durante muito tempo essa contribuição intelectual de Guerreiro Ramos foi
esquecida no Brasil. Para Silva (2015), a presença do pensamento do intelectual nos Projetos
Pedagógicos dos Cursos (PPC) voltados à gestão pública é bastante tímida. Desta forma, quais
seriam os motivos pelos quais Guerreiro é tão pouco conhecido nos cursos de Administração
e Administração Pública no Brasil? Conforme Paes (2007), o sociólogo costuma ser apontado
como um autor temporal, ou seja, os seus pensamentos não são capazes de tornar claro
questões contemporâneas pelo fato de suas análises estarem ligadas a momentos históricos.
Por outro lado, Oliveira (1995) afirma que suas concepções continuam atuais, principalmente
as que têm relação com críticas sobre a influência da sociologia europeia e norte-americana
nos estudos brasileiros.
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Para Ramos (1984), o homem com atitude parentética não pode deixar de ser
participante da organização, mas também não pode ser psicologicamente comparado a
outros indivíduos reativos ou operacionais, uma vez que possui capacidade crítica elevada
em comparação aos outros, pois está sempre em busca de autonomia. Para o intelectual, a
crítica levantada pelo homem parentético “[...]suspende ou coloca entre parênteses a crença
no mundo comum, permitindo ao indivíduo alcançar um nível de pensamento conceitual e,
portanto, de liberdade” (RAMOS, 1984, p. 7). Tendo esse pensamento, a visão crítica abordada
pelo homem parentético possibilitaria que ele enxergasse a realidade social de forma
a excluir-se tanto do ambiente interno, quanto do externo, a fim de colocar a sociedade
entre parênteses e avaliá-la apenas como espectador sem que houvesse interferências dos
parâmetros preestabelecidos.
Guerreiro Ramos incentivava a prática da racionalidade substantiva nas organizações,
por meio da atitude parentética, pois acreditava que as teorias administrativas não
conseguiam mais legitimar a prática da racionalidade funcional nas organizações que
consistem em superar a escassez dos bens materiais e serviços tidos como básicos, uma vez
que o homem contemporâneo necessita de muito além de simples serviços de sobrevivência,
buscando também autorrealização. Nas palavras de Ramos (1989, p. 28), “pelo exercício da
razão e vivendo de acordo com os imperativos éticos desta razão, o homem transcende a
condição de um ser puramente natural e socialmente determinado e se transforma num
ator político”.
Por meio da abordagem substantiva, Guerreiro Ramos buscava combater às opressões
impostas nas organizações, a fim de que o homem buscasse a satisfação pessoal, além das
suas necessidades básicas. Segundo o autor:
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II. Uma condição fundamental da ordem social é que a II. Uma condição fundamental da ordem social é a
economia se transforme num sistema autorregulado. regulamentação política da economia.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
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Este estudo possibilitou uma análise a respeito dos impactos causados pelo
colonialismo e pelo racismo brasileiro na vida do intelectual negro Guerreiro Ramos, cuja
produção científica, extremamente relevante para o campo acadêmico, é pouco lembrada.
Ficando evidente durante a revisão bibliográfica que isso se deu por Guerreiro ser um
homem preto, que não se calava diante da sociedade racista e que ainda operava sob a
colonização do conhecimento.
Nesse sentido, as informações apresentadas neste artigo se tornam relevantes para
toda a sociedade e para a administração pública que, muitas vezes, desconsidera o racismo
em sua teorização e na prática profissional. Além disso, o estudo possibilitou adquirir
conhecimentos sobre racismo estrutural e institucional que antes eram desconhecidos pelo
autor enquanto sujeito, homem branco e cujos conteúdos tampouco foram abordados
durante a graduação. Trazendo, assim, a consciência dos impactos que o racismo e a
colonialidade causam na produção do aprendizado por parte de autores negros, fazendo
com que conhecimentos científicos importantes para a transformação da administração
pública sejam desconsiderados.
Resumidamente, as contribuições de Guerreiro Ramos para a administração pública
identificadas neste artigo foram: o intelectual propôs a incorporação da sociologia na
administração pública, a fim de que ela se voltasse para os anseios do povo; indicou um
novo pensamento para a administração pública, fundamentado a partir das particularidades
nacionais; convocou o administrador público a ser capaz de interpretar, de modo crítico,
a realidade nacional; produziu o conceito de homem parentético embasado na prática da
racionalidade substantiva; denunciou o caráter passivo-assimilativo da produção acadêmica,
que muitas vezes era alienada pela produção acadêmica europeia e estadunidense; propôs
a implantação da racionalização dos recursos na administração pública e reafirmou a
importância da burocracia nas organizações públicas.
Através da análise da importância e contribuições de Guerreiro Ramos para a
administração pública, torna-se preocupante o fato da ausência do autor nos cursos de
graduação em administração pública, pois isso evidencia as consequências do racismo em
forma de epistemicídio nas universidades. O apagamento dos conhecimentos produzidos
por autores negros dentro do ambiente acadêmico é ainda mais preocupante quando estes
dizem respeito ao posicionamento crítico que os administradores públicos terão que ter
dentro das organizações nas quais futuramente irão atuar.
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REFERÊNCIAS
1. ALMEIDA, S. Guerreiro Ramos ensinou que o nome correto de reformas que só criam
privilégios é entreguismo. Folha de São Paulo. São Paulo, 19 set. 2020. Disponível em:
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/silvio-almeida/2020/09/guerreiro-ramos-
ensinou-que-nome-correto-de-reformas-que-so-criam-privilegios-e-entreguismo.
shtml?utm_source=whatsapp&utm_medium=social&utm_campaign=compwa . Acesso
em: 30 setembro. 2020.
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11. FIGUEIREDO, A.; GROSFOGUEL, R. Por que não Guerreiro Ramos? novos desafios a
serem enfrentados pelas universidades públicas brasileiras. Cienc. Cult. São Paulo, v.
59, n. 2, p.438-461, abr./jun. 2007. Disponível em: http://cienciaecultura.bvs.br/scielo.
php?script=sci_arttext&pid=S0009-67252007000200016. Acesso em: 15 set. 2020.
15. MAIO, M. C. A questão racial no pensamento de Guerreiro Ramos. In: MAIO, M. C.; SANTOS,
R. V. (org.). Raça, ciência e sociedade. Rio de Janeiro: FIOCRUZ; CCBB, 1996.
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16. MAIO, M. C. Cor, intelectuais e nação na sociologia de Guerreiro Ramos. Cadernos Escola
Brasileira de Administração Pública e Empresas, Rio de Janeiro, v. 13, n. 5, p. 605-630, set. 2015.
19. NASCIMENTO, A.; RAMOS, A. G.; RIBEIRO, J.; FISHLOWITS, E. Relações de Raça no Brasil. Rio
de Janeiro: Quilombo, 1950.
22. OLIVERA, S. R.; FERREIRA, C. S. Voltando para casa: (re)encontrando Guerreiro Ramos,
Tragtenberg e Prestes Mota. Cadernos Escola Brasileira de Administração Pública e
Empresas. v. 5, n. 1, p.1-9, mar. 2007.
26. RAMOS, A. G. No rumo de uma teoria substantiva da vida humana associada. In: RAMOS,
A. G. A nova ciências das organizações. 2. ed. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas,
1989. cap. 2, p. 25-46.
27. RAMOS, A. G. Uma abordagem substantiva da organização. In: RAMOS, A. G. A nova ciências
das organizações. 2. ed. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1989. cap. 6, p. 118-138.
27
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31. JUNIOR SCHMITZ, S.; PAIXÃO, G. de J.; MELLER, A. J.; NETO MORRETO, L. O legado do
pensamento de Alberto Guerreiro Ramos para a gestão social. Revista de Gestão
Organizacional, Florianópolis, v. 07, n. 3, p. 47-60, nov./dez. 2014.
32. SILVA, A. J. C. Guerreiro Ramos e a administração pública no brasil. In: Encontro Nacional
de Ensino e Pesquisa do Campo de Públicas, 1., 2015, Rio de Janeiro. Anaes (...). Rio de
Janeiro: ANEPCP, 2015.
35. SOUZA, G. C.; ORNELAS, A. L. Alberto Guerreiro Ramos e a autonomia dos estudos
organizacionais críticos brasileiros: escorços de uma trajetória intelectual. Cadernos
Escola Brasileira de Administração Pública e Empresas, Rio de Janeiro, v. 13, n. 3, p.438-
461, jul./set. 2015.
36. ZWICK, E.; TEIXEIRA, M. P. R; PEREIRA, J. R.; VILAS BOAS, A. A. Administração pública
tupiniquim: reflexões a partir da Teoria N e da Teoria P de Guerreiro Ramos. Cadernos
Escola Brasileira de Administração Pública e Empresas. v. 10, n. 2, p.284-301, jun. 2012.
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O Aprisionamento de Corpos e o Punitivismo
Estatal2
Lucas Lima da Silva Ferreira(1)
Elson dos Santos Gomes Júnior(2)
(1)
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-7013-2381; Graduando no curso de Bacharelado em Direito; Faculdade
Santo Antônio de Pádua – FASAP, Santo Antônio de Pádua, Rio de Janeiro, Brasil; E-mail: lucas.limassf@gmail.
com;
(2)
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7222-8288; Professor da Educação Básica, Técnica e Tecnológica;
Instituto Federal Fluminense – IFF; Santo Antônio de Pádua, Rio de Janeiro, Brasil; E-mail: elsonuenf@yahoo.
com.br;
INTRODUÇÃO
É sabido que a vida em sociedade é regulada por inúmeras normas ditadas pelo
ordenamento jurídico, entretanto essas regulamentações, para aqueles de olhar atento,
expressam os condicionantes de formas veladas de violência. Estas, no dizer de Adorno
(1995), não precisam estar expressas em regimes totalitários e/ou grande ações de cunho
nocivo à condição humana, mas sim, simplesmente, diluídas em formas de sociabilidade
que, na maior parte das vezes silenciosa, cumpre o seu papel corrosivo.
Assim, em uma perspectiva adorniana, a civilização é responsável pela produção
da própria “anti-civilização” e, claro, os indivíduos que a compõem são os produtores do
flagelo social. A “barbárie” sempre existirá se as condições que a construíram permanecerem
ativas e produtivas (ADORNO, 1995). Neste sentido, ao tratarmos da superlotação carcerária,
percebemos que a não reinserção do preso e a necropolítica (MBEMBE, 2016) adotada sobre
corpos subalternizados são exímios exemplos de motores que produzem e legitimam em
larga escala o processo anti-civilizatório; onde o teor colonialista reside em meio à sociedade
e nas estruturas que a constituem.
2 DOI: https://doi.org/10.48016/XIenccultgt5l1cap2
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PUNIR É O CAMINHO?
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que acreditam mais na punição do que na educação (ADORNO, 1995; FREIRE, 2018; 2019).
Assim, o que diferencia os dois é que o crime é identificado como uma justificativa para a
punição e o encarceramento, ou seja, entende-se, e de forma justa, que é prejudicial para o
coletivo social. Por outro lado, a produção de valores que compõem as fontes de muitos dos
crimes, ou seja, a cultura da barbárie, permanece ilesa e sem questionamentos. Temos assim
uma perspectiva do complexo círculo vicioso que compõe a cultura punitivista.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pretendemos, com este trabalho, trazer para o debate dois aspectos que, comumente,
são pouco veiculados fora do âmbito acadêmico e de especialistas, ou seja, a compreensão
da “barbárie” como um produto cultural; e a cultura do encarceramento como um paliativo
orientado por marcas sociais (cor, gênero, classe social). Assim, pensar a respeito da política
de encarceramento hegemônica no Brasil significa, mais do que evidenciar a população
carcerária, salientar que suas raízes são sociais.
Desta forma, deslocamos as lentes de uma falsa evidência – a de que a população
negra e pobre é culpada e deve ser simplesmente encarcerada – para o reconhecimento
de uma necessidade de mudanças na dinâmica social, de sua estrutura e da forma com que
socializamos os bens e oportunidades de existência cidadã no Brasil. Este reconhecimento,
antes de se enquadrar em uma simplória comparação entre“bons”e“maus”, busca, justamente,
nos livrar dos efeitos nocivos disto que Freire chamou de “mentalidade contrária”.
Saímos, assim, de simples maniqueísmos para nos colocarmos diante de uma
“questão social” que necessita ser analisada processualmente de forma histórica e
que merece considerar inúmeras variáveis. Por isso, mesmo que o punitivismo fosse
absolutamente a alternativa correta – o que pelo visto de nada tem adiantado na luta
contra a criminalidade – teria de ser uma solução encontrada mediante profunda análise.
Nestes termos, consideramos urgente que a criminalidade não seja pensada
como uma parte estanque do social onde a simples punição parece resolver o problema.
Não. Além de ser ineficiente, esta perspectiva coloca a sociedade à mercê de inúmeras
ideologias autoritárias e de significação “bárbara” (ADORNO, 1995). Por isso, considerando
estes fatores, necessitamos, enquanto princípio para nortear políticas públicas no âmbito
penal, compreender que um dos pilares contra a violência se encontra em uma educação
contra a barbárie. Além disso, que não existem soluções para esta questão que, desejando
realmente solucioná-la, não considere a melhoria da “condição humana” (ARENDT, 2016)
para toda a população.
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REFERÊNCIAS
4. BASTIDE, R.; FERNANDES, F. Brancos e negros em São Paulo. São Paulo: Global, 2008.
11. DAVIS, A. Estarão as prisões obsoletas? Rio de Janeiro: Difel, 1. ed., 2018.
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17. FREIRE, P. A pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro/São Paulo: Paz & Terra, 2019.
19. MÉSZÁROS, I. A educação para além do capital. São Paulo: Boitempo, 2018.
23. SPIVAK, G.ar C. Pode o Subalterno Falar? Belo Horizonte: Editora UFMG, 2010.
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3
Mudanças de paradigmas e programas federais de
segurança pública no Brasil3
João Braz Amorim Neto(1)
(1)
Mestrando em Sociologia pela Universidade Federal de Alagoas (Ufal). Cientista Social e Advogado
Criminalista. Pesquisador na área de Segurança Pública. Brazil. E-mail: jbanadv@gmail.com
INTRODUÇÃO
3 DOI: https://doi.org/10.48016/XIenccultgt5l1cap3
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DESENVOLVIMENTO
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pública é matéria de Estado e não de governo, situando-se acima das querelas político-
partidárias. (SOARES, 2007; SOUZA, 2015)
O objetivo inicial era construir um consenso com os governadores em torno do plano,
suas virtudes e sua viabilidade, demonstrando os benefícios que proporcionaria para o
conjunto do país e para cada estado, em particular, se fossem feitos os esforços necessários,
em moldes cooperativos, suprapartidários e republicanos, para que se superassem as
resistências corporativas, as limitações materiais, as dificuldades operacionais e de gestão,
e se implementassem as medidas propostas. A proposta era articular as ações federais,
estaduais e municipais na área da Segurança Pública e da Justiça Criminal, associando
integração federativa com autonomia dos órgãos de Segurança Pública, na criação do
Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), nos moldes do Sistema Único de Saúde (SUS)
(FORUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA, S.D.; MADEIRA e RODRIGUES, 2015).
Luiz Eduardo Soares, um dos líderes do projeto e um dos maiores especialistas
em segurança pública no Brasil, acabou sendo confirmado como Secretário Nacional de
Segurança Pública em 2003 logo que Lula assumiu a Presidência. O grupo liderado por
Soares logo propôs uma série de reformas estruturais para a segurança pública, dentre
as quais: (I) A desconstitucionalização das polícias, transferindo aos estados o poder de
decidir o formato de polícias que desejam ter; (II) Um currículo mínimo obrigatório para
todo profissional de segurança pública; (III) Uniformização da linguagem e das plataformas
operacionais de todo o sistema de segurança pública no país; (IV) Sistemática de Gestão
aberta ao Controle Externo; (V) Cotas orçamentárias fixas, destinadas à perícia. O conjunto
de reformas estruturais sofreu muita resistência e não vingou, mas possibilitou reformas
residuais como os ajustes do FNSP e da SENASP, passando estes a financiar pesquisas. Tendo
como foco a implantação do SUSP, a SENASP também se consolidou como órgão central no
planejamento e na execução das ações de segurança pública em todo o Brasil. E não tendo
como avançar nas reformas estruturais, investiu na implementação, no âmbito dos estados,
dos Gabinetes de Gestão Integrada (GGI). Com sua origem em 2003, estes fóruns executivos
e deliberativos tinham como missão integrar sistematicamente os órgãos e instituições
federais, estaduais e municipais, priorizando o planejamento e a execução de ações
integradas de prevenção e enfrentamento da violência e criminalidade. Com a perspectiva
de reforma estrutural obstaculizada, estas reformas residuais impactaram positivamente a
política de segurança pública (MADEIRA e RODRIGUES, 2015; SOUZA, 2015).
Na condição de Secretário Nacional de Segurança Pública, Luiz Eduardo Soares
percorreu todos os estados e o Distrito Federal, acertando com os governadores suas adesões
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a um “Pacto Pela Paz”. O documento alterando o artigo 144 da Constituição Federal seria
entregue aos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, aproveitando-
se do prestígio e popularidade do presidente Lula no intuito de implementar as reformas
estruturais necessárias no contexto de segurança pública. De fato, estivemos muito próximos
de alcançar o entendimento nacional em torno das reformas, uma vez que os governadores
se dispuseram a colaborar, endossando a carta de adesão que foi submetida à apreciação
de cada um, entretanto, o presidente Lula, para surpresa dos que construíam o consenso
por meio de delicadas negociações, reviu sua adesão no Pacto Nacional. O Núcleo duro do
Governo Lula aconselhou e convenceu o presidente que esta ação traria altíssimos custos
políticos, fazê-lo implicaria assumir o protagonismo maior da reforma institucional da
segurança pública no país, deixando assim o governo federal de dividir a responsabilidade
pelos fracassos na segurança pública com os governadores (SOARES, 2017; SOUZA, 2015).
A articulação sistêmica do SUSP, proposto no primeiro mandato do governo Lula,
visava: reforma das polícias, do sistema penitenciário, implantação integrada de polícias
preventivas, intersetoriais, dando importância ao diagnóstico, avaliações regulares e
monitoramento sistemático, identificando erros e evitando que estes se repetissem. A
normatização do SUSP seria a definição legal das regras de funcionamento no contexto de
segurança pública nacional, significaria ordenamento do caos e a geração de condições
para efetiva cooperação, horizontal e vertical. No entanto, apesar dos avanços, não se
alterou o cenário da Segurança Pública nacional, visto que não houve a real assunção da
coordenação desse processo pela União. A armadilha política presumida e a contradição
das disputas eleitorais cíclicas diante do tempo necessário para a maturação de políticas
públicas reformistas terminaram levando o governo federal a aposentar precocemente seus
compromissos ambiciosos na segurança pública. A prevalência na tomada das decisões
continuou sendo dos estados, a criação e implementação das GGIs em muitos estados não
foi efetivada e quando foi ocorreu de modo burocrático e sem a sua incorporação no modus
operandi das ações das instituições que os compõem e a maior parte dos recursos do FNSP
continuou sendo utilizada com despesas de capital para aquisição de equipamentos e
material permanente para as polícias, guardas e bombeiros (SOARES, 2017; SOUZA, 2015;
MADEIRA e RODRIGUES, 2015).
Em 2007, já no segundo mandato do governo Lula, o novo Ministro da Justiça, Tarso
Genro, para marcar e inovar em sua gestão, veio com a ideia de criação do Plano Nacional
de Segurança Pública com Cidadania (PRONASCI). O fundamento dessa nova gestão já
estava presente nas concepções e políticas que vinham sendo implementadas pela SENASP,
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que era a ideia de articular e implantar uma política nacional de segurança pública que
tivesse como referência a garantia e ampliação dos direitos da cidadania superando o velho
paradigma segundo o qual segurança pública é “coisa de polícia”. O grande diferencial do
programa era o grande aporte financeiro previsto, com investimentos de R$6,707 bilhões
até o fim de 2012, elaborou-se um conjunto de 94 ações que envolveriam 10 ministérios, em
intervenções articuladas com estados e municípios (SOARES, 2017; SOUZA, 2015).
O PRONASCI reitera vários princípios já esculpidos do Plano Nacional proposto no
primeiro mandato do governo Lula que, por sua vez, sistematizava e explicitava o que já
estava presente de maneira embrionária no Plano Nacional do governo FHC. Endossando
e enfatizando os direitos humanos e eficiência policial como valores não excludentes,
mas complementares, valorizando também a participação do município, rompendo
de certa forma com preceitos restritivos de uma interpretação limitada do artigo 144
da Constituição Federal. Mas, mesmo assim, ainda não houve uma vertebração de uma
política nacional sistemática com metas claras e avaliações permanentes, sendo assim,
apesar das transformações que gerou como política social e inclusiva, deixou intocado
um aspecto crucial para a adoção de um novo modelo de segurança pública: as reformas
institucionais. Diante disso, o quadro fragmentário das instituições de segurança pública
acabou sendo assimilado fazendo com que, mais uma vez, se naturalizasse o legado da
ditadura e fosse chancelando a transição incompleta resignando-se, assim, o PRONASCI
a ser apenas um bom Plano destinado a prover contribuições tópicas (MADEIRA e
RODRIGUES, 2015; SOARES, 2017)
A ascensão de Dilma Rousseff à presidência da República, empossada em 1º de janeiro
de 2011, significou que, pela primeira vez, uma mulher assumia o mais alto posto da República,
e uma mulher que fora presa e torturada pelo regime burocrático-autoritário que encerrara
seu ciclo há 21 anos. As expectativas quanto ao seu governo eram de continuidade e não
de inovação ante o governo que findava, de Lula da Silva – além de pertencerem ao mesmo
partido, o PT, foi sob estrito apadrinhamento do presidente que a candidatura e eleição
de Rousseff aconteceu. Na gestão do Governo Dilma Rousseff (2011-2014; 2015-2016), o
PRONASCI passa a ocupar posição de referência conceitual, no entanto, observamos uma
perda da centralidade da proposta nacional para uma segurança pública. A SENASP perdeu
espaço dentro do Ministério da Justiça e temos uma gestão altamente burocrática e avessa
a ampliação dos debates sobre a segurança pública. Ponto nodal que reflete as insulações
é o retorno às práticas de intervenções militares no contexto de segurança pública urbana,
anunciada desde a sua campanha e executada em conglomerados periféricos do Rio de
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duração e publicidade. Foram realizadas 27 operações no âmbito das UPPs na cidade do Rio
de Janeiro e outras 11 nas áreas de fronteiras. Essas últimas respondem ao Plano Estratégico
de Fronteiras (PEF). Perceber que a nomenclatura utilizada em nada lembra ações de
segurança pública; ao contrário, são próprias dos planos bélicos, apropriados para a guerra.
Apesar da criação de duas leis que merecem ser destacadas: (I) o Estatuto Geral das
Guardas Municipais, ampliando o papel da municipalidade na segurança ao estabelecer
normas gerais e regulamentar o §8º do artigo 144 da CF/88; e (II) a chamada Lei Antiterrorismo,
regulamentando o conceito de terrorismo, posicionando o Brasil no movimento mundial de
maneira mais centralizado no euro-ocidente. O marco principal do seu governo foi o processo
de aprofundamento da militarização no âmbito da segurança pública. O desenvolvimento
de uma agenda interna, com a multiplicação das ações nas UPPs, foi contraditório com a
posição do país nos foros multilaterais regionais. Para o público externo, o Itamaraty e o
Ministério da Defesa, a posição brasileira pela atuação das Forças Armadas é como atores
subsidiários em ações de segurança interna (desconsiderando aquelas falas não oficiais e
mesmo secretas). No âmbito interno, contudo, o país utilizou normalmente as Forças Armadas
em ações de segurança pública em um processo disfuncional, com perda da referência sobre
a sua função constitucional e pelo que vinha sendo construído em termos de Segurança
Pública. Tais operações se revelaram um equívoco ao procurar respostas conjunturais para
problemas estruturais, sempre adotando medidas emergenciais que agravaram ainda mais
os problemas na área de segurança pública (MATHIAS, ZAGUE e SANTOS, 2019; PIRES, 2017),
Desde o início da transição democrática, que teve como marco a Constituição Federal
de 1988, não há uma política nacional de segurança pública democrática e cidadã, o que
coloca iniciativas elementares, como integrar as agências de segurança pública da União,
dos Estados e dos Municípios e criar um sistema de informações e de gestão de segurança
pública, como tarefas complexas. Nenhuma reforma estrutural na segurança pública obteve
êxito no Brasil pós-redemocratização pela ausência de uma ampla coalizão em torno de uma
agenda mínima e pelo padrão de dependência da trajetória dessa política. Ocorreram de fato
deslocamentos em algumas características históricas do sistema de segurança pública, as
quais promoveram pequenas alterações na sua dinâmica federativa, as reformas, no entanto
não atingiram a política de segurança pública que manteve no novo texto constitucional
suas principais características históricas. Se observarmos os diversos programas, ações e
políticas públicas que foram adotadas por estados e pela União nos últimos vinte anos na
tentativa de contribuir para a redução dos homicídios, vamos constatar que quase todos
foram formulados com o objetivo de incrementar a eficácia e a eficiência do que já existe.
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para reduzir a incidência da violência urbana, numa forte evidência da falta de coordenação
e controle. Temos a necessidade de reformas estruturais no modelo de segurança pública
e justiça criminal brasileiro, cujas respostas aos fenômenos do crime e da violência nos
últimos 27 anos têm se mostrado insuficientes para a promoção de uma sociedade segura e
garantidora de direitos. (LIMA, BUENO, MIGUARDI, 2016)
Ponto que merece uma atenção diferenciada é a questão dos dois tipos de polícias
previstos constitucionalmente. A separação das forças policiais e de suas funções torna o
ciclo policial incompleto, gerando uma disfunção que consome os recursos disponíveis
para esse tipo de atividade e não produz os resultados esperados tornando a sociedade
mais segura. A Polícia Militar, na maior parte do tempo, está mais ocupada em perseguir os
usuários de drogas do que na ação preventiva eficaz, feita com patrulhamento inteligente e
atendimento de qualidade à população. Não cumprindo, também, a Polícia Civil o seu papel
de investigação para elucidação de crimes e levantamento de provas, perpetuando assim
o senso comum de que a solução para o problema da criminalidade é aumentar as penas
de forma aleatória e generalizada. Embora tenha sido proposta e aprovada, em 2009, na 1ª
Conferência Nacional de Segurança Pública (1ª CONSEG), a unificação das polícias esbarra
em ampla resistência de setores favorecidos do contingente policial, delegados civis e altos
oficiais da Polícia Militar. Além disso, a falta de regulamentação do art. 144 da CF/88 faz com
que as forças policiais sigam normas anteriores a Constituição, gerando uma falta de coesão
entre princípios e práticas, gerando uma crise na relação entre a polícia e certos setores da
sociedade (PIRES, 2017; SOUZA, 2015; SZABÓ e RISSO, 2018).
Outro ponto nodal que merece ser inserido no conjunto de reformas estruturais
necessárias do Sistema de Justiça Criminal é a diminuição dos custos para a sociedade
da atual Política de Drogas a qual o Brasil adere, a chamada “Guerra às Drogas”. As atuais
políticas de guerra às drogas causam mais malefícios à sociedade do que as substâncias
em si, sendo estas políticas interpretadas necessariamente como guerra a determinadas
pessoas. Experiências recentes das cidades, estados e países que desenvolveram caminhos
mais humanos e mais eficientes para lidar com a questão das drogas demonstram que o
caminho da maioria das soluções está no âmbito da saúde, educação e do desenvolvimento
de políticas sociais e econômicas, e não na criminalização das condutas, gerando esta opção
um alto custo social e pouquíssimos ou nenhum benefício, embora representem elevados
custos (SZABÓ e RISSO, 2018. VARGAS, 2020).
Além da reforma estrutural e institucional do Sistema de Justiça Criminal, é necessário
também definir uma Política Nacional de Segurança Pública como sistema com regras claras
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do papel da União, dos estados e municípios, do papel das forças de segurança pública,
com visão de cidadania, baseada na integração, intersetorialidade e cogestão, envolvendo
a sociedade, através de gestores e especialistas que possam atuar na área. A falta de
foco da União e suas descontinuidades acarretam em sucessivas falhas na implantação
e consolidação de um Plano Nacional de Segurança Pública, impossibilitando a gestão
integrada dos entes federativos e soluções ancoradas em preceitos, intergovernamentais,
de gestão compartilhada e cogestão, entre outros, induzindo assim ao isolacionismo
institucional e a muitas ações com poucos resultados práticos eficientes.
A nova gramática institucional que tentou romper com os insulamentos regionais e
caminhou no sentido de sair de uma política de Estado que utiliza o aparato da segurança
pública num viés essencialmente policial e repressivo para a construção de um novo
modelo não foi bem sucedida do ponto de vista de redução de homicídios. Dentre todos os
indicadores, de violência e criminalidade, entendemos que este deva ser o que precisa ser
mais levado em consideração. Podemos dizer que ainda não houve uma política federal de
segurança pública sistemática e sistêmica, que tenha logrado êxito em coordenar esforços
na redução dos índices de homicídios Apesar das tentativas de mudanças na política
nacional de segurança pública a partir das iniciativas do governo federal em reposicionar a
segurança pública como fundamento para realização dos direitos de cidadania, assumindo
um papel de indução e centralidade dessa política. Estas tentativas têm sido marcadas pelas
descontinuidades e intermitências, apesar dos esforços de variados governos, ainda não
alcançamos um norte claro com o estabelecimento de um plano integrador com metas e
objetivos claros.
CONCLUSÃO
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influenciadas pelos conceitos e paradigmas que são a base de sua formulação, são a
configuração exata escolhida em determinado local e período
A partir do núcleo paradigmático dessas três perspectivas conceituais, observamos
que o conceito de política de segurança nacional norteou todo o período do regime de
ditadura militar no Brasil e ficou sobremodo relacionado às ações repressivas do Estado.
Ondes as ações contra o inimigo interno permutaram-se dos comunistas para os acadêmicos,
pobres, negros e favelados. A partir do marco do advento da Constituição de 1988, deu-se
a mudança para o paradigma da segurança pública, onde as polícias permaneceram como
personagens do passado sombrio e obscuro, espectros da ditadura. Uma parte do sistema
político-institucional indispensável na conformação de uma sociedade democrática que
ainda manteve os vícios de um Estado-autoritário, excludente e patrimonialista (FREIRE,
2009; SOARES, 2006)
Foi o caso do desgaste ocasionado por anos de ditadura militar com repressão e
acentuada limitação dos direitos civis, favorecendo a imposição do paradigma da Segurança
Pública sobre o da Segurança Nacional, da mesma forma, o crescimento dos índices de
criminalidade e violência demandaram por novos instrumentos mais eficazes para contenção
e controle trazendo, assim, o novo paradigma da Segurança Cidadã ao cenário nacional. A
assimilação destes novos paradigmas se dá de forma destrutiva, mas também construtiva,
onde, depois da assimilação de um novo paradigma, torna-se possível a explicação de um
espectro mais amplo de fenômenos, ou então a explicação com mais precisão de alguns
dos fenômenos já conhecidos. Trabalhando com esta concepção de paradigma, temos por
certo que percepções e práticas, de lei, teoria, aplicação e instrumentação, juntos, fornecem
modelos a partir dos quais se desenvolvem certas tradições coerentes (KUHN, 2018).
O arranjo institucional do modelo tradicional da política, com o aumento crescente dos
índices de violência no Brasil no período pós-transição democrática, expôs do esgotamento
capitaneado pela via repressiva. Fazendo com que os governos federal e municipal fossem
chamados a oferecer respostas. A partir daí, criaram-se centros de pesquisa para estudar
o assunto e formular propostas e a sociedade civil junto com a academia começou a se
reorganizar em torno do tema. Novos atores ampliaram a comunidade política que começou
a pautar diferentes soluções e a defender diferentes paradigmas para a segurança pública
brasileira (GONÇALVES, 2009).
Parte dos atores da comunidade da política de segurança pública passou a demandar
o reforço do poder do aparato repressivo do Estado, com o incremento dos recursos materiais
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REFERÊNCIAS
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São Paulo, V. II, n. 02, p. 129 – 153, out. 2000.
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11. KUHN, T. A estrutura das revoluções científicas. Paulo Aukar (trad). Traduzido a partir
do texto original publicado em KUHN, Thomas S. The Structure of Scientific Revolutions.
3 ed. Chicago and London: The University of Chicago Press, 1996.
14. LIMA, R. S. de. Segurança Pública como simulacro de democracia no Brasil. Estudos
Avançados. 33 (96) 2019.
15. LIMA, R. S. de. BUENO, S.; MINGARDI, G. Estado Polícias e segurança pública no Brasil.
Revista Direito GV. V. 12, n.1. jan-abr, 2016
16. MADEIRA, L. M.; RODRIGUES, A. B. Novas bases para as políticas públicas de segurança
no Brasil a partir das práticas do governo federal no período 2003-2011. Revista Adm.
Pública. Rio de Janeiro, 49, p. 3 – 21, jan./fev., 2015.
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18. MATHIAS, S. K.; ZAGUE, J. A.; SANTOS, L. F. S. A Política milita brasileira no governo Dilma
Rousseff: o discurso e a ação. Opinião Pública, Campinas, vol. 25 n. 1 jan-abr, 2019,
19. PIRES, J. C. Segurança Pública: uma inovação na gestão. Jundiai/SP: Paco 2017.
22. SEVERINO, A. J. Metodologia do trabalho científico. 23 ed. São Paulo: Cortez, 2007.
25. SZABÓ, I. RISSO, M. Segurança Pública para virar o jogo. Rio de Janeiro, Zahar, 2018.
26. VARGAS, D. B. Segurança Pública: um projeto para o Brasil. ContraCorrente, São Paulo,
2020.
59
4
Lesbianidades: discussões presentes nas
produções científicas do período de 2018 a 20215
Else Freire de Castro Amorim (1)
INTRODUÇÃO
5 DOI: https://doi.org/10.48016/XIenccultgt5l1cap4
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Nesse contexto, o presente capítulo tem como objetivo identificar como pesquisadores
e pesquisadoras têm estudado o tema lesbianidades. Inicialmente será explanado o Estado
da Arte sobre as pesquisas brasileiras que se voltam para a temática. Em seguida, desenvolve-
se discussões com os textos escolhidos para compreendermos aspectos e dimensões que
são notórios em vivências das mulheres lésbicas. Buscou-se organizar os resultados dos
trabalhos selecionados com a pretensão de produzir fonte para novas pesquisas.
Os diálogos interdisciplinares com os estudiosos possibilitaram notar que, dentre as
percepções acerca da mulher lésbica, um ponto em comum nas pesquisas analisadas é a
exclusão do sujeito que não se encaixa em normas padrões de gênero.
Nesse mesmo ensejo, é importante perceber como este processo de identificação
e rotulação anula a diversidade, pois atinge a subjetividade, a essência do indivíduo. Uma
seletividade que torna alguns sujeitos marginalizados e distantes da vida social. O indivíduo
estigmatizado pode descobrir que se sente inseguro em relação à maneira como os “normais”
o identificarão e o receberão (GOFFMAN, 2004. p. 15), sendo esta violência e discriminação
silenciada ou negada.
Procuram, em primeiro lugar, desconstruir a hierarquia estabelecida entre hétero
e homossexualidade, independente do gênero; e, em segundo, romper com a fixidez
dos conceitos e superar a lógica binária que cinde e rotula as pessoas como héteros ou
homossexuais (CARVALHO, 2012a, p. 155).
Como será apresentado a seguir, verificou-se o aumento de interesse em áreas de
conhecimento onde o tema era pouco explorado, inclusive no campo tecnológico e econômico.
PERCURSO METODOLÓGICO
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conteúdo de cada obra. Em outras palavras, o quanto o assunto estava presente na obra:
apenas em uma seção? Em um capítulo? E, fundamentalmente, a centralidade, isto é, se
havia o objetivo de abordar o tema. Nesse caso, quando o tema era marginal ou superficial,
a pesquisa foi desprezada.
Foram descartadas ainda produções contendo o mesmo título e autoria, por se
tratar de uma repetição, por exemplo, um artigo publicado nos anais de um congresso e
posteriormente em um periódico. A análise desse corpus levou à exclusão de 179 pesquisas
por não se encaixarem nos critérios estabelecidos.
O passo seguinte foi identificar o ano de publicação, tipo de pesquisa, áreas de
pesquisa, os autores e obras mais recorrentes, principais conceitos teóricos apresentados
e quais eram os que apareciam mais constantemente e, em seguida, consultaram-se as
referências bibliográficas de cada um dos 39 trabalhos, levantou-se a partir disto, o panorama,
conforme será exibido adiante.
Pela vertical, tem-se uma ideia da evolução ao longo do tempo, nota-se que a produção
de pesquisas empíricas com o objeto lesbianidades apresentou uma evolução gradativa
com o passar dos anos, em 2018 encontrou-se três trabalhos acadêmicos, sendo uma tese
e duas dissertações. Em 2019, o número total triplica passando para nove trabalhos, sendo
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6 De acordo com o Relatório Anual de Assassinato de Homossexuais relativo ao ano de 2018, produzido pelo
Grupo Gay da Bahia, foram documentadas 420 mortes violentas de lésbicas, gays, bissexuais e transexuais
no Brasil, perfazendo um assassinato a cada 20 horas, deixando o Brasil na posição de primeiro lugar no
ranking mundial de assassinatos homofóbicos.
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No Brasil, despontam pensadoras como Guacira Lopes Louro, Richard Miskolci, Regina
Facchini, Jaqueline Gomes de Jesus, João Silvério Trevisan, Heleieth Saffioti, Tania Navarro-
Swain, Djamila Ribeiro e Lélia Gonzalez.
7 Sobre a temática existe uma série de debates por parte de especialistas e movimentos sexuais, Cf. LAQUEUR,
Thomas. Inventando o sexo: corpo e gênero dos gregos a Freud. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2001.
Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/1840778/mod_resource/content/0/Thomas-
Laqueur-Inventando-o-Sexo%281%29.pdf; WOLFF, Cristina Scheibe; SALDANHA, Rafael Araújo. Gênero,
sexo e sexualidade: Categorias do debate contemporâneo. Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/
pluginfile.php/1840778/mod_resource/content/0/Thomas-Laqueur-Inventando-o-Sexo%281%29.pdf.
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CONCLUSÃO
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REFERÊNCIAS
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Belo Horizonte: Autêntica, 2016b.
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MAGALHÃES, B. R. de; SABATINE, T. T.; SOUZA, L. A. F. de (Orgs.). Michel Foucault: sexualidade,
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22. RIBEIRO, D. Feminismo negro para um novo marco civilizatório. 2016. Disponível em:
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Acesso em: 23 jul. 2021.
75
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Quebrando Paradigmas: LGBT’s e a
Representatividade Política no Brasil8
Vanessa Andriani Maria (1)
(1)
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3492-8512; Advogada, Graduada em Direito pela ULBRA – Universidade
Luterana do Brasil, atuando em todos os graus de jurisdição Federal e Estadual; possui escritório próprio
em Santa Maria – RS, Especialização em Advocacia Trabalhista e Advocacia Cível pelo Centro Universitário
UNA. Graduada em Agronomia pela UFSM desde 1997 e Mestre em Ciência e Tecnologia Agroindustrial
pela UFpel – Universidade Federal de Pelotas. Graduanda em Formação Pedagógica em Pedagogia (Centro
Universitário Leonardo da Vinci). Doutoranda em Educação pela UNIT/Sergipe. Integra a Comissão de
Diversidade Sexual e Gênero da OAB Subseção Santa Maria – RS. Integra o Grupo de Pesquisa em Educação,
Tecnologia da Informação e Cibercultura (GETIC/UNIT/CNPq), BRAZIL, E-mailvanessamariaadvs@gmail.com
INTRODUÇÃO
8 DOI: https://doi.org/10.48016/XIenccultgt5l1cap5
Território, corpo e sociedade
Cirlene Jeane Santos e Santos • Erika Flavia Soares Costa • Maria Ester Ferreira da Silva Viegas (Org.)
Nesse sentido, é possível dizer que o Movimento LGBT obteve relativos ganhos
e conquistas ao conseguir fazer de suas necessidades uma “questão de Estado”,
impulsionando temáticas e assuntos até então tidos como próprios do campo privado
para a esfera pública, pois o processo de constituição desta população como sujeitos
políticos encontra seu ponto mais alto no momento em que obtém reconhecimento da e
na sociedade essencialmente política.
Salienta-se que é a partir de 2003, todavia, que surgem as primeiras iniciativas
governamentais de maior magnitude voltadas para a conquista de direitos e promoção de
igualdade para LGBTs, tendo como marco o lançamento do programa Brasil Sem Homofobia
(2004). Desde então, um conjunto complexo de programas e políticas públicas vem sendo
discutido entre governo e movimento em espaços institucionais criados para articular
sociedade civil e sociedade política no tratamento das demandas de LGBTs.
O alargamento da estrutura de participação social implementado durante o governo
Lula e continuado pelo governo de Dilma Rousseff constitui-se como marca destes governos
e realmente representa um relevante aprofundamento da participação. Entretanto,
existem problemas e contradições que impedem leituras muito otimistas. Fatores como
fragmentação institucional, caráter consultivo de tais espaços mais do que deliberativo, o
próprio peso e o papel do poder executivo, os mecanismos de definição dos representantes
entre outros, afetam sobremaneira seu funcionamento. Cita-se aqui também a falta de
recursos financeiros, de arranjos institucionais mais hábeis e a ausência de uma estrutura
jurídica que garanta força normativa suficiente para sua aplicação.
A evidente exclusão dessa população das instituições representativas como o
Senado, a Câmara Federal, Assembleias Legislativas Estaduais e Câmaras Municipais, além
da baixíssima disputa por cargos majoritários como Prefeituras, Governadorias Estaduais e a
Presidência da República requer maiores investigações e pesquisas na Ciência Política, mas
podem ser explicadas preliminarmente por fatores estruturais (MIGUEL, 2016), simbólicos
(BOURDIEU, 2000) e específicos da população LGBT como a violência e a discriminação
sofridas por fora e dentro das instituições liberais (BORRILLO, 2010).
Buscamos nesse capítulo analisa a dinâmica da participação política no movimento
social LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais, Transgêneros). A questão
central deste trabalho, portanto, se debruça sobre os impedimentos e as possibilidades da
participação política no movimento social LGBT.
77
Território, corpo e sociedade
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PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
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Território, corpo e sociedade
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Muitas das dificuldades enfrentadas pelas mulheres para terem acesso à carreira
política são também vivenciadas pelos candidatos assumidamente LGBT’s. A análise
dos dados das candidaturas demonstrou tais semelhanças e apontam para importantes
singularidades desse fenômeno político.
Na seleção de candidatos, as mulheres têm probabilidade menor do que os homens
de receber incentivos provenientes de uma fonte política como de líderes partidários, por
exemplo. Além disso, elas têm menos probabilidade do que os homens de se considerarem
qualificadas para concorrer a um cargo político. Enquanto que os homens que se julgam
pouco qualificados têm muito mais chances de cogitarem disputar eleitoralmente. Outro
achado importante sobre as barreiras para a participação política delas se refere à socialização
cultural, que faz com que as mulheres não se sintam instadas a ingressar na disputa eleitoral
(FOX et al., 2012).
Constata-se, ainda, que são necessários três tipos de recursos para a participação
política: dinheiro, tempo livre e uma rede de contatos, recursos esses concentrados entre
os homens brancos e cisheterossexuais. O tempo livre configura-se como o maior obstáculo
à participação política das mulheres, interditando o interesse pelos assuntos públicos. É
importante ter em mente que não é simplesmente uma questão de tempo, mas de atribuição
de determinadas responsabilidades impostas a elas. Essa constatação pode explicar o fato de
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Território, corpo e sociedade
Cirlene Jeane Santos e Santos • Erika Flavia Soares Costa • Maria Ester Ferreira da Silva Viegas (Org.)
que muitas mulheres ativas na política herdam um capital político de perfil familiar, oriundo
de seus pais, maridos ou outras formas de parentalidade (MIGUEL et al., 2010).
Além da clara sub-representação da população LGBT nos espaços de poder,
semelhantemente às mulheres (MIGUEL et al., 2010) e aos/às negros/as (Campos, 2015),
constata-se que tais candidaturas ocupam uma posição inferior em termos políticos, ao
observar que a maioria concorreu ao cargo de vereador, o qual fica em posição inferior na
categoria das carreiras políticas, quando comparado a outros cargos elegíveis. Ainda assim,
concorrendo ao cargo de vereador, o qual necessita de menor quantidade de votos para se
eleger, a inclusão da população LGBT é baixa.
Deste modo, pode-se concluir que:
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recursos financeiros, pelo pouco estudo, falta de anseio ou estímulo a participar de posições
no campo político, constrangimento de exposição ou até mesmo por auto se acharem em
situação subalterna em relação aos demais na sociedade.
Entre as barreiras para viabilizar a candidatura, encontra-se o preconceito, a resistência
da classe política e dificuldades de ordem burocrática. Os partidos aos quais estes se filiam
são diversos, assim como os seus estados de origem.
No plano nacional, as candidaturas, principalmente de transgêneros, têm pouca
articulação e os obstáculos são muitos. Aqueles que transpõem os obstáculos e conseguem
tirar a candidatura do papel ainda enfrentam outros desafios, como o constrangimento de
se apresentar no registro eleitoral com o sexo diverso ao que se identificam socialmente,
por exemplo.
Esse panorama de desigualdade resulta em sistemas políticos ineficientes e incapazes
de responder aos anseios da população, como também, em um crescente sentimento de
frustração coletiva com o funcionamento das nossas instituições, além da descrença na
política como instrumento de transformação social, de mediação dos conflitos e de conquista
de direitos.
Segundo Nancy Fraser:
A luta pela livre expressão da orientação sexual e identidade de gênero tem ocupado
uma posição de marginalidade nas instituições representativas nacionais. Mesmo com a
mobilização de ativistas de grupos e entidades do movimento homossexual (posteriormente
denominado Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais – LGBT’s) junto a essas
instâncias políticas desde, pelo menos, o fim da década de 1980, os direitos sexuais da
população LGBT têm experimentado um tortuoso e difícil caminho em sua efetivação. Mais
ainda, a política brasileira tem testemunhado, nas últimas duas décadas, o aumento no
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
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REFERÊNCIAS
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6. FEITOSA, C. notas sobre a trajetória das políticas públicas de direitos humanos lgbt no
Brasil. Revista Interdisciplinar de Direitos Humanos, Bauru, v. 4, n. 1, 2016.
10. MELLO, L.; PERILO, M.; BRAZ, C.; PEDROSA, C. Políticas de saúde para lésbicas, gays,
bissexuais, travestis e transexuais no Brasil: em busca de universalidade, integralidade
e equidade. Sexualidad, salud y sociedad, Revista latinoamericana, v. 9, p. 7-28, 2011.
12. MIGUEL, L. F.; BIROLI, F. Práticas de gênero e carreiras políticas: vertentes explicativas.
Revista Estudos Feministas, n. 18, 3: p. 653-679, set-dez, 2010.
14. SILVA, T. T. Teoria cultural e educação: um vocabulário crítico. Belo Horizonte: Autêntica, 2000.
15. TEJERINA, Be. Movimientos sociales, espacio público y ciudadanía: los caminos de la
utopia. Revista Crítica de Ciências Sociais, 72, 67-97, 2005.
16. ZILLI, B. D. Teorias que Libertam: narrativas de intelectuais brasileiros sobre engajamento
em Direitos Sexuais. Interseções [Rio de Janeiro] v. 19 n. 1, p. 106-128, jun. 2017.
85
6
Uma perspectiva filosófica sobre o corpo e seus
paradigmas9
Cleandre Barbosa(1)
Fábia Monaly Vieira Campos(2)
(1)
Universidade Estadual de Alagoas/Professora, Brazil, cleandre.barbosa@gmail.com;
(2)
Universidade Federal de Alagoas/Professora, Brazil, fabiamonaly@gmail.com;
INTRODUÇÃO
9 DOI: https://doi.org/10.48016/XIenccultgt5l1cap6
10 Esta produção é resultado de estudos através do curso de extensão, ofertado pelo Grupo de Pesquisa
Gnosiologia, Ética e Informação (GP GEINFO) vinculada à Linha de Pesquisa Filosofia e estética do corpo e
do movimento humano, desenvolvida como ação de intercâmbio no Curso de Educação Física (EFISL) da
Universidade Federal de Alagoas.
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Para Platão, “Quem experimenta uma sensação nunca é um órgão sensitivo, mas é
sempre a alma, isto é, o homem em sua totalidade.” (CASERTANO, 2010). Deste modo, as
sensações são apenas uma parcela da verdade.
No livro Teeteto (2000), é possível compreender melhor sobre o que é o conhecimento
em Platão, esclarecendo essa dualidade entre mundos sensível e inteligível e corpo e alma.
Nessa continuidade, Sócrates argumenta que, se conhecimento fosse sensação, ou seja,
tudo que conseguimos compreender através dos sentidos e do corpo, significaria dizer
que nenhuma coisa possuiria por si um modo próprio e característico de manifestação,
encontrando-se todas elas em permanente mudança. As sensações não seriam nunca o
que são se não pudessem ser identificadas como tais e diferenciadas de outras. Assim, as
sensações não podem ser uma fonte de verdade, pois seriam apenas compreendidas pelo
corpo de forma inconsciente.
No livro A República (2001), na conhecida alegoria da caverna, há uma alusão do
que seriam esses dois mundos, assim como os prisioneiros da caverna viam as sombras dos
objetos na parede, a mesma compreensão é imposta ao mundo físico, o mundo material
são apenas as “sombras” do mundo real que seria, portanto, uma parcela da realidade, e a
verdade só se conseguiria através da alma, única condutora para obtenção possível para
compreender verdadeiramente o mundo. Neste sentido, seria necessário o distanciamento
das sombras, ou seja, do mundo físico, para o mundo das ideias, o mundo inteligível. Assim,
estamos presos a um corpo que sente uma parcela do mundo real, que vive uma experiência
no mundo das sombras, mas só a alma é capaz de entender o que é a realidade.
Se o corpo é material e a alma sensível, temos uma separação dual: corpo e alma. O
corpo obtém sensações, mas é só através da alma que conseguimos entender o que o corpo
sente. O indivíduo é duplo, mas não há um contra o outro e, sim, um lado a lado, porém, a
alma supera o corpo no sentido de obtenção do conhecimento, do esforço em alcançar a
verdade, da busca e do constante interesse em reconhecer o que é real e o que é ilusão.
Porém, temos uma tragédia eminente em Platão: a verdade não pode ser dita. Ainda
em Teeteto (2000), Sócrates postula que, se o conhecimento fosse opinião verdadeira
acompanhada de logos [explicação], aquilo para o qual não houvesse explicação não poderia
ser conhecido. Antes disso, se toda opinião afigurasse uma realidade, todos estariam na
verdade e ninguém poderia opinar ou dizer falsidades. Indiscutível que opinião remete a
algo que é. É pelo opinar que as coisas originalmente se apresentam no mundo. O que não
se pode conhecer e expressar seria o fundamento do que pode ser expresso e conhecido.
Isto configura-se como a tragédia em Platão, a verdade não pode ser dita.
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Assim, o corpo físico passa a ser um obstáculo para a alma no processo de aquisição
da verdade, pois, enquanto o ser humano adquirir conhecimento através do sensível, este
será um conhecimento falso, Costa explica isto de forma precisa:
Portanto, apenas a alma pode alcançar o inteligível, ou seja, o mundo das ideias.
Alcançar, assim, este objeto de vontade citado por Costa que é a verdade. O corpo nada
mais é que um cárcere da alma.
O homem em Platão possui uma natureza dupla, dissociada e contrária ainda muito
aceita no senso comum. Uma parte é corpo, elemento representante do sensível, e a outra
é alma, inteligível, representante da razão e próxima ao divino.” (MONTENEGRO, 2015, p. 2)
Na compreensão do ser, essa dualidade perdura até hoje em algumas discussões e na
“nobreza” de um pelo outro, da mente superior ao corpo, da alma superior ao corpo. O corpo
desprezado por ter sensações e desejos que distanciam ao verdadeiro saber. Em Platão, a
alma tem nobreza, o corpo, seu cárcere.
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Portanto, são aspectos complementares (Gallo, 2006). Assim, não há distinções superiores
ou inferiores, mas sim, complementares, um dá vida ao outro. A alma, nessa perspectiva,
seria uma inteligência do corpo, ou a forma do corpo. O corpo é uma alma que aparece.
O corpo, portanto, seria um resultado “hilemórfico” da apropriação da essência (alma),
com a matéria (corpo).
A materialização de uma forma, como sugere Costa, é que a essência, ou seja, a alma,
busca materializar-se num corpo que é um instrumento para obtenção de um conhecimento.
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do corpo (2011, p.32), Nietzsche ressalta: “aos desprezadores do corpo desejo falar. Eles não
devem aprender e ensinar diferentemente, mas apenas dizer adeus a seu próprio corpo — e,
assim, emudecer”.
O mundo também é alvo da desvalorização na perspectiva plantonista, já que ele é
considerado como efêmero, que há uma vida além do mundo, essa visão de mundo é dita
por Nietzsche como um mundo fictício e, no capítulo Dos trasmundanos (2011, p.30), propõe
aos homens: “não mais enfiar a cabeça na areia das coisas celestiais, mas levá-la livremente,
uma cabeça terrena, que cria sentido na terra!”. Aqui é válido ressaltar que a ciência voltada
para o mundo das ideias, nessa proposição socrático-platônica, passa a ser considerada uma
espécie de doença e o corpo incutido nesse mundo é um corpo adoecido. (COSTA, 2021.)
A visão nietzschiana do mundo o coloca como carne, uma experiência do próprio
corpo ou mesmo uma extensão do corpo, logo sua desvalorização torna-se, portanto, a
negação da própria carnalidade e da vontade de potência. Azeredo (2008, p.13) cita que:
91
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mal. É um convite a vivenciar a carnalidade integral, sem freios morais que ceifam a potência
do homem, ter assim uma visão estética do mundo, contemplá-lo como arte, dizer sim a
imperfeição e aceitar o destino e a vida tal como é.
CONCLUSÃO
É possível perceber que a visão sobre o corpo, o homem e o ser se dão de forma distinta
entre os pensadores mais nobres de cada época, cada pensador foi de grande importância
para os estudos mais acurados sobre o tema e sua relevância é estudada até a atualidade.
É possível que haja influência no pensar sobre o próprio ser a partir do conhecimento que
temos sobre o corpo e cada época histórica e social tem sua parcela de contribuição.
REFERÊNCIAS
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Cirlene Jeane Santos e Santos • Erika Flavia Soares Costa • Maria Ester Ferreira da Silva Viegas (Org.)
6. GALLO, S. Corpo ativo e filosofia. In: MOREIRA, W.W. (Org.). Século XXI: a era do corpo
ativo, Campinas: Papirus, 2006, p. 9 -30. Brasil, Ministério da Saúde. Estatuto do Idoso.
Estatuto do Idoso. p. 1 – 72, 2013.
8. NIETZSCHE, F. W. Assim falou Zaratustra. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.
9. PLATÃO. Teeteto. 3. ed. Belém: Universitária, 2001. (Coleção Diálogos). Disponível em:
<http://br.egroups.com/group/acropolis>. Acesso em: 02 jun. 2000.
93
7
Uso de Benzodiazepínicos durante a pandemia da
COVID-1911
Beatriz Bomfim Durier de Lima(1)
Julyana Thiago de Moura(2)
Laís Macedo Vilas Boas(3)
(1)
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5774-0830; Centro Universitário Cesmac, graduanda em Psicologia,
Brazil. E-mail: beatrizbomfimdl99@gmail.com.
(2)
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8333-4724; Centro Universitário Cesmac, graduanda em Psicologia,
Brazil. E-mail: julyana.thiago@gmail.com.
(3)
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5360-8429; Centro Universitário Cesmac, docente e Doutora em
Psicologia Clínica e Cultura, Brazil. E-mail: macedovb@gmail.com..
INTRODUÇÃO
11 DOI: https://doi.org/10.48016/XIenccultgt5l1cap7
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social. Nesse sentido, o temor do impacto da doença e o isolamento são condições que
endossam a vivência de estresse nos anos de 2020 e 2021.
A atualidade é marcada também pelo uso da internet como fonte de orientação,
inclusive para o uso de psicofármacos. Ramos et al. (2020) destacam a busca de informações
sobre tais medicamentos na internet e suas implicações, especialmente com relação à
qualidade desse conhecimento, já que é possível encontrar dados condizentes e outros não.
Para essa problemática, uma das soluções encontradas pela Health On Net Foundation (HON),
uma organização não governamental da Suíça, foi conceder um certificado de qualidade em
páginas que respeitem uma conduta baseada em tais princípios: autoria, complementaridade,
confidencialidade, atribuições, justificativas, transparência e honestidade da publicidade.
Em São Paulo, o Centro de Vigilância Sanitária (CVS) adaptou para português o documento
da Organização Mundial de Saúde (OMS), que é utilizado como um guia para informações
seguras, objetivando fazer com que os usuários usem critérios de avaliação de conteúdo
nos sites, tais como: nome, contato dos responsáveis, datas de publicação e identificação
de financiadores e objetivos (RAMOS et al., 2020). Outra iniciativa foi dada pelo Conselho
Regional de Medicina do Estado de São Paulo, no qual publicou um manual com princípios
éticos para sites de medicina e saúde (RAMOS et al., 2020).
Embora os benzodiazepínicos sejam medicamentos seguros, a experiência clínica
mostrou que eles podem causar efeitos colaterais indesejados, desenvolvimento de
tolerância, síndrome de abstinência e dependência, principalmente entre os usuários
crônicos. No Brasil, a prescrição de tais medicamentos passou a ser controlada pela Portaria
334/98, no final da década de 90, narrando que tal lista de medicamentos está sob controle
especial (GONZALEZ; TOMA, 2020).
Os benzodiazepínicos são divididos em grupos distintos, apesar de terem o mesmo
mecanismo de ação e produzirem efeitos clínicos semelhantes, eles diferem na potência,
tempo de início e duração da ação, de tal forma, tais características são importantes na
hora de escolher um BZP para uso terapêutico (GONZALEZ; TOMA, 2020). Ainda de acordo
com Gonzalez e Toma (2020), esses medicamentos podem ser prescritos para tratar vários
transtornos e sintomas, como: transtornos de ansiedade e afetivos, problemas do sono,
dependência de álcool e comportamentos de natureza violenta ou agressiva em psicoses.
Os efeitos benéficos dos BZP podem incluir: a redução da ansiedade, indução e manutenção
do sono, relaxamento muscular, tratamento e prevenção de crises convulsivas; estas funções
dependem das potências e propriedades farmacocinéticas, devido aos benefícios e eficácia
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MATERIAIS E MÉTODOS
RESULTADOS E DISCUSSÃO
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utilização de BZP de base populacional são raros no Brasil. Estudos realizados antes da
pandemia apontam que o uso no Brasil é bastante elevado quando comparado com outros
países, sendo mais prevalente entre as mulheres e idosos (SOUSA et al, 2016). Estima-se que
a prevalência da população adulta que faz uso crônico de BZP seja de 1,6% (FIRMINO et
al, 2011). Não foram encontrados dados durante a pandemia. A população estudada nesta
pesquisa é de adultos, o que pode sugerir o aumento do uso da população nessa faixa etária.
Os participantes foram questionados sobre o início do uso de tal medicação (mês
e ano), as respostas obtidas foram: de 2004 a 2018, 7 pessoas (35%); de 2019 a 2021, 10
pessoas (50%); e 15% das respostas obtidas não condizem com a pergunta realizada. Esses
dados apontam para o uso a longo prazo (3 anos ou mais, chegando a 17 anos) por um
número considerável de participantes e, conforme Gonzalez e Toma (2020), esse tipo de uso
pode ser marcado por diversos efeitos colaterais nocivos como: fadiga, tontura e redução
da coordenação motora, pois os BZPs podem deprimir o Sistema Nervoso Central (SNC). Os
autores indicam ainda a possibilidade de dependência do fármaco que pode acarretar uma
série de sintomas que podem ser confundidos com um quadro de ansiedade, podendo, assim,
gerar um ciclo retroativo, onde o paciente fica “refém” de seus sintomas e do medicamento
e o medicamento gera novos sintomas.
O uso prolongado de BZP relaciona-se com diversos efeitos adversos, como sedação,
problemas de memória, declínio cognitivo e prejuízo psicomotor. Os dados obtidos por Lima
et al. (2020) compreendem que a maior parte dos participantes de sua pesquisa utilizavam
BZP há mais de um ano (56,47%). Usualmente, a utilização da medicação é indicada durante
poucos meses.
O uso por um período de tempo tão logo pode ser consequência de diversos fatores:
precariedade de informações sobre a duração do tratamento e sobre os riscos relacionados
ao uso; erros de prescrição (como a ausência da validade na receita); a receita e sua renovação
ser realizada por um médico não especialista (LIMA et al., 2020).
Com relação aos primeiros fatores elencados, o fornecimento de informações
adequadas acerca do tempo total de tratamento (com 17 respostas válidas) e riscos
relacionados ao seu uso (20 respostas válidas), observa-se que: 70,6% (12) relatam que não
foram informados sobre o tempo total de tratamento; 5,9% (1) foi informado prazo de 30
dias; 5,9% (1) prazo de 3 meses; 5,9% (1) prazo de 6 meses; 5,9% (1) foi informado que teria
uso por tempo ininterrupto e 5,9% (1) por tempo indeterminado. Sobre o recebimento
de informações acerca dos riscos relacionados ao uso, foi relatado que: 55% receberam
informações, ainda que poucas; e 45% relatam não terem recebido nenhuma.
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Os autores Castro et al. (2013) fazem uma crítica ao uso indiscriminado de medicação
psicotrópica, alertando também sobre o uso prolongado de BZPs, como acima de quatro
meses, podendo contribuir para um aumento de toxicidade, assim como o déficit cognitivo
ou desenvolvimento de dependência. Dado que também é evidenciado na pesquisa de
Orlandi e Noto (2005), onde todos os usuários entrevistados relatam que não foram instruídos
nem quanto ao tempo que seria necessário o uso do BZP, como tampouco foram alertados
quanto aos riscos de seu uso.
Sobre o profissional que prescreve, foram encontrados os seguintes resultados. Com
relação a primeira dosagem, 95% (19) relatam que se derivou de uma prescrição médica,
com variação entre especialidades, onde 58% (11) eram psiquiatras; 21,1% (4) clínicos gerais;
10,6% (2) neurologistas; e 5,3% para cardiologista (1) e endocrinologista (1).
Atualmente, 80% (15) dos respondentes relatam ter acesso ao medicamento com
prescrição médica e os outros 20% afirmam conseguir o medicamento mesmo sem receita.
Dos que têm acesso através de prescrição, as especialidades variam: 60% (9) psiquiatras;
20% (3) clínicos gerais; 13,4% (2) neurologistas; e 6,7% (1) cardiologista.
Em comparativo com estudo prévio de pesquisa realizada por Lima et al. (2020),
observa-se que, das especialidades médicas prescritoras, 61,2% (52) foram clínicos gerais;
11,8% (10) neurologistas; 11,8% (10) cardiologistas; apenas 9,4% psiquiatras; 1% pediatras
e 4,7% outras especialidades. Conforme os resultados obtidos por Orlandi e Noto (2005),
usuários relataram que diversas vezes a indicação para o uso de BZP seguia orientações
advindas de familiares ou até mesmo de amigos.
O número de consultas com o médico que prescreve a medicação também varia. Foi
relatado acerca da frequência que: 31,3% (5) consultam-se a cada 3 meses; 25% (4) vão de
uma a duas vezes ao ano ao médico; 18,8% (3) retornam mensalmente; 12,5% (2) consultam-
se a cada 2 meses e 12, 5% (2) consultam-se a cada 4 meses.
Foi perguntado aos participantes se eles possuíam algum diagnóstico em Saúde
Mental realizado por um profissional da saúde e, se tivessem, foi pedido para especificar
qual. As respostas obtidas foram: ansiedade (35%), combinação de insônia e ansiedade
(5%), depressão (10%), transtorno de pânico (5%), depressão e ansiedade (5%), transtorno
obsessivo compulsivo (5%) e 40% afirmaram que não tinham diagnóstico. Destaca-se o fato
de que alguns participantes possuem mais de um diagnóstico e, por isso, a soma total das
porcentagens pode ser superior a 100%. Outro dado importante é que embora 8 (referente
100
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a 40%) pessoas tenham afirmado que não têm diagnóstico em saúde mental, ainda assim
fazem uso do Rivotril (benzodiazepínico).
O questionário avaliou a motivação no cotidiano do participante para o uso da
medicação. Os resultados foram divididos em dois blocos. O bloco 1 se refere às motivações:
sintomas físicos (38%), insônia (65,2%), preocupação excessiva e/ou pensamento acelerado
(65,2%). O bloco 2 congrega as seguintes motivações: tristeza (43,5%), vivências estressantes
no cotidiano (43,5%), perdas de pessoas próximas (21,8%) e esquecer problemas (21,8%). O
primeiro bloco aponta motivações que estão potencialmente mais adequadas aos efeitos
clínicos indicados para o uso de BZP, a saber: insônia, sintomas físicos de ansiedade e
pensamento acelerado (GONZALEZ; TOMA, 2020). O segundo bloco aponta um elevado
uso deste fármaco para condições estressoras cotidianas, como esquecer problemas; para
eventos normativos do desenvolvimento, como a perda de pessoas próximas; e diante de
afetos que participam de respostas esperadas aos eventos, como a tristeza.
As principais queixas que motivaram o uso observadas na pesquisa de Lima et al.
(2020) são: agitação 27,1% (23); nervosismo 25,9% (22); insônia 23,5% (20); estresse 17,6%;
e outros motivos 5,9%. Mas também observaram que os usuários consideravam benéficos
os efeitos de melhoria do sono, sensação de tranquilidade e de conforto atribuídos ao uso
da medicação.
Uma pesquisa realizada por Orlandi e Noto (2005) aborda a motivação para o uso de
BZP. Ressalta que a motivação para o início do uso de BZP era, muitas vezes, explicada por
seus usuários como recurso para evitar adversidades cotidianas ou até mesmo para lidar com
situações de luto e perda. No entanto, a manutenção de seu uso posteriormente adquire
novos sentidos, que são refletidos, muitas vezes, por novas estratégias para obter novas
prescrições que permitam seu uso crônico, como: alternar entre médicos até que obtenha
a receita; busca de conhecidos que possam fazê-lo, como amigos ou familiares médicos; ou
até mesmo a simulação de condições clínicas que justifiquem a prescrição. Fator esse que
pode ser ainda mais agravado pela grande acessibilidade de informações disponíveis na
internet, por exemplo.
Dois principais efeitos são apontados como os que mais evidentemente justificam o
uso de BZPs, sendo eles para o tratamento de distúrbios do sono e tratamento de transtornos
ansiosos. Efeitos esses que também refletem nos perfis que mais recorrem ao uso: idosos
que visam sua ação hipnótica; e mulheres de meia idade que visam seu efeito ansiolítico
(ORLANDI; NOTO, 2005).
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O BZP, no entanto, é interpretado pelos seus usuários como recurso que pode
resolver seu problema e pode achar com isso, a partir dessa interpretação por longos
períodos, dificuldade em conseguir sustentar-se sem ele. Havendo dificuldade na autocrítica
e reconhecimento de dependência, mas reconhecendo, em seu uso, segurança para
permanecer vivo. Seu uso também é endossado pela representação feita por usuários que
relutam em afirmar apenas fatores positivos promovidos a partir de seu uso, como: propiciar
relaxamento, calma, que permite que o indivíduo tenha um sono restaurador ou que consiga
adormecer facilmente. Com tal leitura, há dificuldade em compreender ou aceitar que o uso
prolongado do BZP pode trazer malefícios e, com isso, o indivíduo procura manter-se em
uso, independente do risco a que está submetido (ORLANDI; NOTO, 2005).
Esta pesquisa foi realizada durante um momento alarmante da pandemia
no Brasil, o que permite realizar algumas ponderações sobre BZP e essa crise sanitária.
Em um primeiro momento, serão abordados os impactos na saúde mental de forma
ampla. As implicações psicológicas como a incerteza sobre como controlar a doença e sua
gravidade, imprevisibilidade e o fato de não termos uma data específica para o possível
fim da pandemia, são apenas alguns dos fatores que podem gerar risco à saúde mental da
população (SCHMIDT et al, 2020).
Os autores Schmidt et al (2020) também destacam os mitos e informações errôneas
sobre o contágio e prevenção, além de fake news, a suspeita de infecção que pode
ocasionar sintomas obsessivos-compulsivos, a diminuição de conexões e mudança em
relações interpessoais, problemas de ensino-aprendizagem, medo de transmitir a doença
e entre outros.
Corrêa et al. (2020) citam que um estudo de revisão sobre os efeitos psicológicos
desta pandemia mostra sua diferença com as anteriores (SARS, Ebola, influenza H1N1,
MERS e gripe suína), sendo seus efeitos negativos: distúrbios emocionais, depressão,
estresse, baixo humor, irritabilidade, insônia e sintomas de estresse pós-traumático. Na
pesquisa realizada por Corrêa et al. (2020), com 226 indivíduos, mostrou-se que 46,5% dos
participantes tinham sintomas normais de estresse e 2,8% tinham sintomas severos. Ao
se tratar de ansiedade, constatou-se que 68,1% tinham sintomas normais e 8% severos. E,
por fim, sobre depressão, os autores chegaram ao resultado de que 66,2% apresentavam
sintomas normais e 3,3% severos.
Grupos com suspeita de COVID-19, familiares e profissionais na linha de frente se
comportam de maneira diferente e têm necessidades distintas, sendo assim, o necessário
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é que sejam feitas intervenções específicas (ZWIELEWSKI et al, 2020). Toda essa realidade
e processo de adoecimento pode durar por muito tempo, até mesmo depois do fim da
pandemia (ZWIELEWSKI et al, 2020).
Uma das soluções trazidas pelos autores Zwielewski et al (2020) foi o tratamento
psicológico através da terapia cognitivo-comportamental (TCC), pois uma de suas práticas
é explicar as reações psicológicas e os padrões comportamentais, como: a avaliação de si
e dos outros, consequências de suas decisões, analisar suas crenças ou pensamentos que
podem desencadear situações estressoras. O que pode ajudar a visualizar uma realidade
menos “contaminada” por pensamentos e comportamentos disfuncionais.
Nesse contexto em que o estresse se eleva e a angústia é endossada pela neblina
na paira sobre o futuro da população, é possível perceber um aumento do uso de BZP pela
população adulta, como fora apontado no início dos resultados. Esse aumento desvela uma
provável elevação do sofrimento psíquico que precisa de atenção em saúde. Ao passo que,
ao comparar com as motivações para o uso de BZP, percebemos um conjunto de respostas
que demonstram que o fármaco pode estar sendo colocado como uma espécie de tela que
amortece os eventos de vida diários desconfortáveis. Inclusive com a possibilidade de uma
ação iatrogênico, em que são desconsiderados os riscos e efeitos colaterais da medicação.
Um BZP não constitui recurso de enfrentamento para estresse.
Por isso, além de dar maiores informações sobre o uso de benzodiazepínicos a
população, também é necessário que os profissionais de psicologia façam propostas
psicoeducativas, cartilhas, intervenções psicológicas, que promovam estratégias para
promoção de bem-estar psicológico, enfatizando o fortalecimento da rede de apoio das
pessoas, assim como desmentir algumas informações errôneas disseminadas no meio social
(SCHMIDT et al, 2020).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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REFERÊNCIAS
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4. CORRÊA, C.A. et al. Níveis de estresse, ansiedade, depressão e fatores associados durante
a pandemia de COVID-19 em praticantes de Yoga. Revista Brasileira de atividade física
e saúde. v. 25, n. 0118, 2020.
11. RAMOS, T. B. et al. Informação sobre benzodiazepínicos: o que a internet nos oferece?
Ciência & Saúde Coletiva, v. 25, n. 11, p. 4351-4360. Rio de Janeiro, 2020. Disponível em:
<https://www.scielosp.org/article/csc/2020.v25n11/4351-4360/>
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O uso medicinal da Maconha no Brasil e sua
representação social12
Weslley Melo Santana (1)
Lívia Lara Almeida de Souza (2)
Pedro Dantas Lima (3)
(1)
ORCID https://orcid.org/0000-0002-4483-0247; Universidade Estadual de Alagoas – UNEAL; Estudante de
licenciatura em Ciências Biológicas; Santana do Ipanema, Alagoas; Brazil. E-mail: weslleysantana@alunos.
uneal.edu.br
(2)
ORCID https://orcid.org/0000-0001-8329-5710; Universidade Estadual de Alagoas – UNEAL; Estudante de
licenciatura em Ciências Biológicas; Santana do Ipanema, Alagoas; Brazil. E-mail: almeidaliv18@gmail.com;
(3)
ORCID https://orcid.org/0000-0002-9926-481X; Universidade Estadual de Alagoas – UNEAL; Estudante de
licenciatura em Ciências Biológicas; Santana do Ipanema, Alagoas; Brazil. E-mail: pedrodantas714@gmail.com.
INTRODUÇÃO
Desde a pré-história, a Cannabis sativa é usada para fins têxteis ou medicinais (ROCHA,
2016), quando o mundo ainda era povoado por caçadores-coletores, o hábito de utilizar
plantas para tais finalidades era uma prática comum, este fato não mudou até os dias atuais.
A utilização da maconha como droga é antiga, supostamente de origem asiática,
havendo registros escritos do tratamento de diversas enfermidades na China a partir do
século I a.C., seu uso também foi associado a rituais satânicos, o cânhamo (variedade não
psicoativa usada na confecção de roupas e equipamentos naval) impulsionou a economia
mundial (FRANÇA, 2015). As evidências mais antigas do seu uso datam de aproximadamente
14 mil anos atrás, quando houve a domesticação da espécie Cannabis sativa (SAAD, 2010),
um arbusto pertencente à família Moraceae, denominada popularmente por cânhamo da
Índia, é uma planta que apresenta propriedades terapêuticas e vem sendo utilizada, há
séculos, pelo mundo para diversos fins, incluindo o uso recreativo (BARRETO, 2002).
12 DOI: https://doi.org/10.48016/XIenccultgt5l1cap8
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No Brasil, o seu primeiro registro foi em 1783. De acordo com França (2015), o uso
recreativo dessa droga foi constantemente estigmatizado, considerado um hábito das
classes baixas e bastante difundido entre os escravos. Tanto os brancos de classe baixa
quanto os negros escravizados trouxeram para o “Novo Mundo” o hábito de consumir a
maconha, seja em forma de resina ou fumo, mas o estigma social que recaiu sobre os negros
acabou reforçando a ideia de uma origem africana do hábito.
De acordo com Pereira et. al (2018), em termos globais de consumo, a maconha é
a droga mais utilizada dentre os usuários de substâncias ilícitas. Em alguns países, o uso
medicinal já é legalizado. No Brasil, o plantio de cannabis spp. para uso medicinal e científico
já é previsto desde 2006, por meio da lei 11.343, a chamada Lei de Drogas, aprovada no
governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Mas pouco se avançou na sua regulamentação até o
início desta década (MACHADO; SOUZA, 2020).
Segundo a Folha de São Paulo (2020), há pouco tempo foi aprovada a venda do
primeiro produto à base de maconha, um fitofármaco composto de canabidiol, portanto o
primeiro passo foi dado. Porém ainda há muito o que se discutir, pois parte da população vê
o uso da maconha como algo ilegal e imoral, e quem necessita do uso enfrenta uma grande
burocracia até a obtenção do medicamento.
Levando em consideração esses posicionamentos, o objetivo deste estudo foi
descrever as principais variáveis que exercem influência na intenção de uso da Cannabis
sativa, segundo a percepção de pessoas de idades, níveis de escolaridade distintos dentre
outras variáveis.
REFERENCIAL TEÓRICO
“O uso medicinal da maconha é tão antigo quanto ela própria” (MOURA; JÚNIOR,
2015, p. 6). Não obstante, discussões nesse campo são de uma longa data, pois no percurso
da sua trajetória passou do uso terapêutico/farmacológico ao recreativo e criou-se um
determinado preconceito.
Para o cenário brasileiro Carlini (2006) argumenta que:
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Território, corpo e sociedade
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Pode-se notar que a relação das pessoas com essa planta era cooperativa, sem
prejuízos. Entretanto, na esfera brasileira, um passo retrógrado marcou tal relação. “A
associação da cannabis com os negros africanos destacou-se consideravelmente como fator
cultural sobre a planta” (SANTOS, 2016, p. 8). A estigmatização desse povo criou um cenário
negativo para os diversos fins dessa planta.
Historicamente, um embate fora travado sobre esse assunto, com uma onda
emergente das drogas psicoativas, as lideranças esquadrinharam a política proibicionista,
sem mensurar os benefícios de outros usos. Diante do quadro imposto e construído pela
elite frente a utilização da planta, criou-se uma memória traumática e desprovida dos
verdadeiros entornos sociais que circundaram esta temática (ELIAS; OLIVEIRA; BARBOSA,
2020, p. 6).
Atualmente, em vários lugares do mundo, primorosos avanços foram conquistados,
com a criação de políticas para o uso medicinal e em outras esferas. Segundo Souza; Santos;
Aléssio (2018), “[...] a maconha tem sido amplamente discutida, promovendo controversos
debates em campos como os da saúde, direito, economia e segurança pública”.
Tendo em vista a busca pela saúde e bem-estar, pode-se observar um crescente
interesse em se pesquisar sobre inúmeras terapias para as incontáveis patologias que
encontramos atualmente. Hoje, há muitas pesquisas com a cannabis para usá-la como
remédio para diversas enfermidades, e há muitos anos se vem estudando seu alto poder
terapêutico (MOURA; JÚNIOR, 2015, p. 6).
Em relação a temática abordada, Elias; Oliveira; Barbosa (2020) argumentam que:
Desta forma desde 2014 até os dias atuais, o uso da maconha vem
ganhando novos contornos e agregando mais sensibilidade no contexto
social, especialmente com vistas aos benefícios que podem ser promovidos
às famílias de crianças e adultos, ao minimizarem um quadro patológico,
com a sua utilização medicinal (ELIAS; OLIVEIRA; BARBOSA, 2020, p. 70).
Por muitas vezes, o tema vem sendo debatido, pois envolve não apenas contextos
relacionadas a legalização, mas também abrange aspectos relacionados ao direito a uma
vida digna e à desconstrução do preconceito acerca do uso da maconha. Há pessoas que
necessitam de compostos oriundos dessa planta para obter uma vida “normal”; Santos
(2016) afirma que “[...] sobre o uso medicinal da maconha e suas representações sociais,
o consumo de substâncias psicoativas tem sido um tema presente em inúmeros debates,
suscitando muitas discussões na sociedade contemporânea”.
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Território, corpo e sociedade
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Dentro deste âmbito, temos o tema das representações sociais que, segundo a
definição proposta por Santos (2016), “As representações sociais se dispõem como uma
forma do indivíduo representar e repensar a realidade cotidiana vivenciada individual ou
coletivamente, para firmar suas opiniões e teorias em meio às mais diversas situações e
eventos”. É de extrema importância observar essa linha de diálogo ao se lidar com um tema
tão delicado. Por outro lado, a epidemiologia de uso da maconha no Brasil mostra que esse
assunto não pode ficar mais sem um enfrentamento franco e decisivo (CARLINI, 2006).
As abordagens de discussão relacionadas ao consumo individual e coletivo da
maconha são importantes para evidenciar a sua relevância no âmbito da saúde, como
argumenta Souza et al. (2018). Ao longo da trama histórica, é possível perceber que a
maconha é construída ativamente na cena pública e comporta tensões discursivas que
repercutem no contexto atual.
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
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RESULTADOS E DISCUSSÕES
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O questionamento referente à forma com que o nosso país lida com questões de
saúde e qualidade de vida nos mostrou, de forma nada surpreendente, com 96,30% de
votos, que a ineficiência em relação a esses temas é notada pela maioria dos estudantes e
talvez até dos brasileiros.
De forma significativa, os estudantes apontaram que o Brasil não lida de forma
eficiente com questões de saúde e qualidade de vida. Essa resposta é o reflexo de todas
as más ações tomadas pelo país no decorrer dos anos, como: o baixo incentivo às classes
trabalhadoras, falta de saneamento básico, alto índice de analfabetismo, mortalidade infantil
e tantas outras medidas que, se executadas da maneira correta, elevaria tais níveis para a
maioria da população brasileira. BUSS (2000, p. 3) cita que:
Ou seja, enquanto essas ações não forem tidas como importantes, a população seguirá
desassistida e correndo riscos frequentemente. Mas, de que maneira isso está relacionado
ao uso da maconha e sua representação social? Respostas apresentadas no gráfico 4.
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carregam o nosso selo para o uso legal, a exemplo do cigarro que não possui nenhuma
propriedade medicinal.
Com efeitos antagônicos, a maconha possui diferentes ações farmacológicas e/ou
fisiológicas, a fumaça do cigarro estimula algumas vias cancerígenas, de modo a aumentar
o efeito da enfermidade no organismo, enquanto a maconha, por sua vez, possui o efeito
contrário minimizando, desta forma, os impactos da doença.
Mostrando, assim, a hipocrisia frente à legalização da maconha, principalmente no
preconceito enraizado na nossa sociedade quanto a seu uso. Dificilmente podemos atribuir
morte a utilização de maconha, mas sem sequer pensar, podemos associar incontáveis
mortes no trânsito à direção alcoolizada, overdose por uso de analgésicos prescritos ou não,
e doenças pulmonares ligadas ao tabagismo.
Frente a esses fatos, os entrevistados foram questionados se eles tinham
conhecimento do uso farmacológico de compostos provenientes de maconha e os
resultados surpreenderam, 100% das respostas foram afirmativas, demonstrando aqui que
não é apenas o conhecimento único sobre esse fato que ajuda a quebrar o preconceito, mas
um trabalho integrado de conscientização e discussões integradoras.
Portanto, fez se necessária a seguinte pergunta: “Você apoia a desburocratização para
pesquisa e uso medicinal da maconha?”, diante desse questionamento pode-se vislumbrar
no gráfico 5 os seguintes dados:
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E.9: “Essencial para as famílias que necessitam do seu uso e são prejudicados
pela burocratização. Além de estimular novas pesquisas e descobertas do
grande potencial terapêutico que ela tem”.
E.10: “Concordo plenamente, a legalização seria uma forma de diminuir
toda a burocratização em relação ao uso dessa planta para pesquisa”.
Essas contribuições nos fazem refletir acerca do processo legal que é destinado
àqueles que dependem das substâncias advindas da maconha que, segundo o E.51: “A
maconha, assim como qualquer outra planta que tenha potencial medicinal e terapêutico
deve sim ser utilizada, de forma consciente e acompanhada, com o objetivo de melhorias em
quadros clínicos”, favorecendo sempre o bem-estar da população, priorizando e respeitando
o direito à saúde assegurado pela constituição.
Conforme citado por Lambert, Martins (2018), quando se fala em uso medicinal da
maconha, aciona-se o judiciário para garantir o seu acesso, a demanda se constrói justamente
no sentido de “garantir a saúde”, como um direito previsto na Constituição Federal, e que não
deve ser negado a ninguém.
Para vislumbrar o acervo de informações dos entrevistados sobre o assunto, os
mesmos foram questionados sobre uma situação vivenciada ou visualizada/veiculada
por meios digitais a que tiveram acesso sobre o tópico, vale ressaltar que a identidade do
informante não foi solicitada e que a confidencialidade das informações foi garantida.
Abaixo estão elencadas as respostas mais contrastantes. Os entrevistados foram
“identificados” seguindo a ordem de resposta (E.1, E.2...). As concepções se completam e se
divergem ao mesmo tempo.
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E. 20: “Eu vi uma reportagem de uma mulher que estava usando a maconha
para tratamento do seu filho que sofria de Epilepsia.”
Diante destas três respostas, podemos ter uma noção de quanto e de que forma os
entrevistados estavam situados diante da temática, entretanto uma porção considerável
respondeu que não sabia de nenhum caso e não havia vivenciado nenhuma ocorrência. Tal
posição nos permite um pequeno observar de como as pessoas estão diante desse tema.
A questão seguinte solicitava ao respondente que “de modo suscinto descrevesse sua
opinião sobre o uso terapêutico e recreativo da maconha”. Opiniões de apoio para ambas as
utilizações da maconha são recorrentes, frisando a importância da regulamentação no uso
recreativo para que não fuja do controle.
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a esse aspecto, que, como citou o entrevistado 12: “É essencial para a promoção da saúde da
população”, justificando assim uma diminuição no seu protocolo para fins medicinais.
A junção das considerações dos respondentes forma uma fala reflexiva: E.29 “A
maconha deve ser vista como um meio medicinal e eficaz. De modo a contribuir para que
a medicina avance em suas pesquisas”, usá-la como tal, E.40 “seria quebrar um paradigma”.
Algumas pessoas ainda se prendem a concepções de que seu uso não tem
comprovação científica mesmo com publicações e testes clínicos provando o contrário,
como mostram as respostas abaixo:
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CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
2. BUSS, P. M. Promoção da saúde e qualidade de vida Ciência & Saúde Coletiva, Rio de
Janeiro, v.5, n.1, p. 163 – 177, 2000.
3. CARLINI, E. A. A história da maconha no Brasil. Jornal Bras. Psiquiatria. São Paulo, v. 55,
n. 4, p. 314 - 317, 2006.
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7. FOLHA DE SÃO PAULO. Anvisa aprova a venda do primeiro produto a base de maconha no
país. São Paulo, 08 de maio de 2020. Instagram: @folhadespaulo. Disponível em: https://www.
instagram.com/p/B_SbC3eHUPq/?igshid=10te86z6s1l8d Acesso em: 04 de jul. 2020.
8. FRANÇA, J. M. C. História da maconha no Brasil. São Paulo: Editora Três Estrelas, 2015.
9. LAMBERT, L..; MARTINS, L. O Poder Judiciário como balcão de direitos: reflexões sobre
as estratégias jurídicas para a garantia do uso medicinal da maconha. Em Sociedade,
Revista do Departamento de Ciências Sociais – PUC MINAS – v. 1, n. 1; p. 190 – 207, 2018.
11. MOURA, D. S.; JÚNIOR CARVALHO, N. dos R. Maconha Medicinal: O direito à saúde versus
o uso de substâncias entorpecentes. Revista de Iniciação Científica - UNIFEG, Guaxupé,
v. 1, n. 15 p. 1 – 14, 2015.
12. PEREIRA, J. R.; SOUSA, C. V.; SHIGAKI, H. B.; LARA, J. E. Cannabis sativa: aspectos relacionados
ao consumo de maconha no contexto brasileiro. Revista de Administração Hospitalar
e Inovação em Saúde – RAHIS, Belo Horizonte, MG v. 15, n.1, p. 01 – 16, Jan/Mar 2018.
119
O
s textos apresentados nesta obra são fruto do XII
ENCCULT - Encontro Científico Cultural
de Alagoas, que teve como tema nesta edição
Sociedade e Ciência: um diálogo necessário. São 12 anos
contribuindo para o fomento das discussões científicas no
âmbito interdisciplinar, congregando pesquisadores de
diferentes instituições no contexto local e regional.