Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
RESUMO
A Vila de Paranapiacaba é um exemplo vivo de aglomerado urbano, palco de acontecimentos
socioculturais construídos pelo homem em uma época memorável, compassada pelo avanço
tecnológico, marcada pelos antagonismos das ocupações territoriais e culturais que consolidou sua
identidade. Construída na segunda metade do século XIX, a vila ferroviária nasceu e se desenvolveu a
partir de 1860 com a implantação da Estrada de Ferro Santos-Jundiaí, a primeira ferrovia paulista,
construída pela companhia inglesa SPR - São Paulo Railway, para escoar a produção cafeeira do
Estado de São Paulo ao mercado internacional. Em 1946 ocorreu a incorporação da ferrovia e todo seu
acervo ao Governo Federal que, em 1957, transfere sua administração para a Rede Ferroviária Federal
S/A sendo administrada de maneira centralizada junto com as demais ferrovias do país e vinte anos
depois, em 1987, teve seu patrimônio cultural e natural reconhecido e tombado pelo Conselho de
Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo -
CONDEPHAAT, neste mesmo ano foi entregue o Plano de Preservação e Revitalização da Vila
Ferroviária de Paranapiacaba realizado pela Empresa Paulista de Planejamento Metropolitano
(EMPLASA), em 2002 foi tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN e
em 2003 pelo Conselho Municipal de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico,
Arquitetônico-Urbanístico e Paisagístico de Santo André - COMDEPHAAPASA. Após sua compra, pela
Prefeitura Municipal de Santo André em 2002, foi implantado o Programa de Gestão do
Desenvolvimento Local Sustentável de Paranapiacaba, intensificando-se o processo de recuperação
desse patrimônio, compreendido e gerido, desde então, como "paisagem cultural", conceito que
preconiza a sistematização da preservação de porções do território, sítios, cidades ou paisagens,
considerando a multidisciplinaridade do patrimônio e pressupondo a integração de vários aspectos
antes enfocados isoladamente em conceitos como patrimônio cultural, natural, imaterial, patrimônio
ambiental urbano. Costura conceitos de memória e história aos conceitos da geografia, antropologia e
urbanismo e pressupõe a ação integrada do planejamento urbano e gestão territorial com as políticas
culturais, ambientais, econômicas e sociais. Em 2013, o Governo Federal promoveu o Programa de
Aceleração do Crescimento - Cidades Históricas (PAC II) com a finalidade de atender cidades com
sítios ou conjuntos urbanos tombados em nível federal. A Prefeitura do Município de Santo André ficou
responsável pela apresentação da titularidade da área, da documentação institucional, do plano de
trabalho para, posterior, assinatura de termo de compromisso que autoriza o início dos procedimentos
de licitação das obras que deverão ser realizadas no período de 2014 a 2016. Este processo, no
entanto, não contempla todos os imóveis da Vila de Ferroviária de Paranapiacaba, tornando-se de
extrema relevância a iniciativa da sociedade em buscar recursos de patrocínio para a manutenção e
preservação destes imóveis, uma vez que a Organização das Nações Unidas para a Educação, a
Ciência e a Cultura, aprovou recentemente a inserção de três novos bens brasileiros na Lista Indicativa
do Patrimônio Mundial. A partir de agora a Vila Ferroviária de Paranapiacaba, Sto. André - SP, será
avaliada e, quiçá, poderá receber o título de Patrimônio Mundial.
Localizada no extremo sul do Município de Santo André, no ponto mais alto da Serra do Mar,
a Vila Ferroviária de Paranapiacaba conserva significativo patrimônio cultural e acervo
tecnológico ligados à presença e papel da ferrovia e ao testemunho de um modelo
arquitetônico e urbanístico bastante avançado para a época de implantação. A Vila é um
testemunho de importante ambiente, em que bens materiais e imateriais “[...] se referem à
identidade, à ação e à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira”
(FUNDARP, 2014), e se estende a “[...] imóveis particulares, trechos urbanos e até ambientes
naturais de importância paisagística, passando por imagens, mobiliário, utensílios e outros
bens móveis” (IPHAN, 2014).
Para atender a demanda da execução desta importante ferrovia, foi construída a Vila de
Paranapiacaba, constituída por três núcleos urbanos: Parte Alta ou Morro, Vila Velha ou
Varanda Velha, Vila Martin Smith ou Vila Nova, cujas implantações ocorreram em momentos
distintos e de formas diferentes no período de 1860 a 1946, quando foi trazida para
Paranapiacaba uma moderna infraestrutura urbanística, muito aquém da realidade brasileira
da época, tornando-se pioneira como cidade empresarial projetada. Neste cenário
caracteriza-se a instalação de uma estrutura urbana necessária para exploração mercantil,
onde os ingleses exerceram, simultaneamente, uma influência econômica e cultural, impondo
um modelo de vida e oferecendo um paternalismo, subserviente, presente nos mínimos
detalhes.
Observa-se que a Vila planejada marca a presença inglesa através de um desenho urbano
bem definido pela sua ortogonalidade e da implantação padronizada de casas de madeira em
conjuntos geminados, com recuos que possibilitam jardins, remetendo a Inglaterra vitoriana e
suas casas suburbanas ou de campo e, ainda, incomuns no início do século no Brasil que
mantinha em suas cidades as feições da colonização portuguesa com uma maior densidade e
com um traçado que acompanha a topografia. A hierarquia social da São Paulo Railway era
definida por várias características das construções: o tamanho do lote e da edificação
definiam as categorias dos funcionários. Estas construções eram destinadas aos funcionários
da ferrovia que vinham da Europa e, por este motivo, buscavam reproduzir os hábitos
tradicionais de seus países de origem, diferenciando-se das cidades brasileiras que ainda
eram calcadas nos padrões coloniais e dependentes da mão de obra escrava. Desta forma, é
possível afirmar que a organização da vila auxiliava na manutenção da ordem e disciplina dos
3° COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO - DESAFIOS E PERSPECTIVAS
Belo Horizonte, de 15 a 17 de setembro
brasileiros, distanciando-os dos velhos hábitos rurais e incutindo-lhes novas referências
culturais da nova era industrial (FINGER, 2009).
Os novos padrões de higiene, saúde e economia, dentre outros, modificaram o cotidiano das
famílias que passaram a viver na Vila, proporcionando as novas gerações uma formação aos
jovens com o propósito de crescerem aptos ao trabalho na própria ferrovia. Essa governança
inglesa trouxe, neste momento histórico, à sociedade paulista uma forma de hibridez cultural,
onde os jovens tiveram a oportunidade de extrapolar os próprios campos do conhecimento e ir
para outros desconhecidos mesmos que vigiados e direcionados.
Tal comportamento foi fruto de reflexão de Sérgio Buarque de Holanda, que em 1956, ao
escrever Raízes do Brasil, referiu-se ao sentido “ideias fora do lugar” de Machado de Assis,
descrevendo o que via em sua época, como:
Já Roberto Schwarz, em 1977, em seu livro “Ao vencedor, as batatas”, seguindo a mesma
linha de Sérgio Buarque de Holanda destaca:
A implantação da Vila de Paranapiacaba teve sua primeira parte realizada entre 1860 a 1899,
que corresponde à construção do primeiro sistema funicular, ou Serra Velha como ficou
conhecido posteriormente, após duplicação da linha, no Alto da Serra. Desta forma, em 1864
o primeiro trecho ligando Santos a São Paulo estava pronto, sendo que três anos mais tarde o
sistema foi inaugurado em caráter provisório, realizando apenas duas viagens por dia.
A Igreja Bom Jesus de Paranapiacaba, construída por volta de 1889, principal marco
referencial na paisagem do Morro, é o símbolo do domínio católico português sobre o território
em contraponto ao território ortodoxo inglês da Parte Baixa (Fig. 01). Esta área se estabeleceu
como um núcleo de comércio e serviços mas, principalmente, como “cidade livre” pois não
estava dentro da área de controle da companhia ferroviária, daí o uso das cores nas fachadas
contrapondo-se ao estilo austero da Vila Velha e da Vila Martin Smith. A historiografia urbana
que trata de vilas operárias apresenta diversos registros da presença de uma cidade livre
próxima aos núcleos fabris controlados, como por exemplo, Delmiro Gouveia em Alagoas, Rio
Tinto na Paraíba e Paulista em Pernambuco (CRUZ, 2007).
FIGURA 01: Vista geral da área do Morro - Paranapiacaba e detalhes morfológicos de suas edificações
Fonte: Fotos de Fernanda D'Agostini Abr/2013
A cidade livre constituiu-se como complemento do núcleo operário do ponto de vista funcional,
pois além de oferecer abastecimento a Vila, desempenhava o papel de “fuga” para os
moradores da Vila Velha e Vila Martin Smith, controladas pela SPR, com a promoção de
quermesses, festas juninas, bailes e exibições de filmes. Porém, a Parte Alta com o passar do
tempo passa a ser denominada como “Vila dos Aposentados” pois, após serem dispensados
pela companhia ferroviária, os trabalhadores dirigiam-se para o outro lado da linha férrea com
o intuito de não se afastar dos familiares, como por exemplo, os filhos que também eram
funcionários da SPR, desta forma o vínculo familiar fazia o indivíduo manter-se na Parte Alta.
3° COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO - DESAFIOS E PERSPECTIVAS
Belo Horizonte, de 15 a 17 de setembro
Podemos dizer então que temos uma espécie de laço ferroviário envolvendo os dois lados da
passarela, ponto de união da Vila de Paranapiacaba.
Nos anos de 1966 e 1967 Michel Parent visitou o Brasil como especialista enviado em âmbito
do programa “Turismo Cultural” da organização das Nações Unidas para Educação, a Ciência
e a Cultura (Unesco), sua visita originou o relatório “Proteção e valorização do Patrimônio
Cultural Brasileiro no âmbito do desenvolvimento turístico e econômico”, que além de fornecer
uma visão das ações, iniciativas e perspectivas da Unesco no que concernia ao conhecimento
e à preservação dos bens culturais em uma abrangência mundial (CHUVA, 2012).
Podemos afirmar que o tombamento das cidades históricas se inicia a partir da década de
1970 pelo despertar do interesse por áreas urbanas. As cidades tombadas, por sua vez,
caracterizavam-se por estarem em regiões estagnadas economicamente e por manterem seu
aspecto dos séculos originários, em sua maioria séculos XVIII e XIX, mas principalmente com
potencial para a exploração turística, desta forma o tombamento das cidades históricas
envolve geralmente um perímetro de interesse especial, em função do qual são organizadas
as atividades turísticas.
A construção de moradias operárias junto ao espaço produtivo da empresa foi uma prática
adotada tanto nos países industrializados como nos de industrialização tardia como é o caso
do Brasil, esses assentamentos em sua maioria localizavam-se afastados das cidades
consolidadas, em muitos casos contavam com alguns equipamentos de uso comunitário e
áreas de lazer controlados pelas empresas.
Ao longo dos séculos XIX e XX a moradia dos operários passou a ser construída por
higienistas, filantropos, industriais, empresários, engenheiros e arquitetos. Segundo PERROT
(1991: apud CRUZ, 2007, pag.92) baseavam-se nas noções higiene, disciplina e ideias de
racionalidade e economia para converter a habitação em base para a construção de um novo
modelo de trabalhador e de família proletária, onde a casa funciona como instrumento de
atração e fixação, desta forma eram incorporados os valores do habitat higienizado e
disciplinado concomitantemente com a implantação de serviços e equipamentos – saúde,
educação e lazer, que costumam ser associados ao bem-estar, disciplina e saúde. Dentro
desse contexto também compreende os equipamentos de ordem sanitária como provisão de
água potável, evacuação dos dejetos e organização da assistência médica; os de ordem
econômica como mercado, transporte público, entre outros. Por fim os de ordem social como
escolas e instalações destinadas às atividades recreativas.
Na cota mais baixa da Vila Martin Smith encontram-se os depósitos, galpões ferroviários, o
virador (equipamento de manobra dos trens) e o pátio ferroviário que avança por toda a
extensão de uma vila a outra. Com a duplicação da ferrovia e a construção da Segunda
Estação, toda em ferro e madeira no centro do pátio ferroviário, que ganhou 5500 metros de
desvios em seu centro, acompanhada da torre do relógio e da passarela metálica que faz a
ligação entre a Parte Alta e a Vila Velha e Vila Martin Smith na parte baixa.
Entre os caminhos existentes na Vila Velha e a partir da Vila Martin Smith para se chegar a
estação ou atravessar a passarela, era preciso passar por um velho eucalipto que ficou
conhecido como “pau da missa” por possuir uma forte conotação simbólica na demarcação
territorial. Devido encontrar-se em um local de passagem obrigatória, esta árvore se tornou
receptáculo de recados e avisos, no início da própria igreja que identificou o local como meio
de comunicar aos moradores da parte baixa sobre batismos, casamentos, funerais, além de
convidá-los a participarem de missas e eventos promovidos pela paróquia.
Após passar noventa anos sob a concessão da empresa inglesa SPR – São Paulo Railway,
Paranapiacaba atravessa décadas de transições e adequações administrativas que
acarretaram um processo contínuo de degradação do patrimônio aliado ao decrescimento
socioeconômico da vila resultando no esvaziamento populacional. Esse processo
desencadeou em 1946, a incorporação da ferrovia e todo seu acervo ao Governo Federal que,
em 1957, transfere sua administração para a Rede Ferroviária Federal S/A. Administrada de
maneira centralizada junto com as demais ferrovias do país, em sua maioria deficitárias,
determinou o início do processo de degradação, agravado pela política governamental
incentivadora do transporte rodoviário e da indústria automobilística.
Figura 03: Ficha Cadastral – Imóvel: Rua Varanda Velha, n. 399 – Inventário / Paranapiacaba
Fonte: Acervo LAP-EMAU/UnG – Abr/2013
Considerações finais
A ZEIPP estabeleceu, ainda, que o Plano de Melhoria do Saneamento Ambiental deve contar
com no mínimo coleta e tratamento de esgoto, drenagem urbana, abastecimento de água e
coleta, reciclagem e disposição final dos resíduos sólidos.
Em atendimento a ZEIPP, em 2007, o Plano Patrimônio foi revisado com base em suas
diretrizes, gerando o Plano de Desenvolvimento Turístico Sustentável – PDTUR, que reavalia
os atrativos e segmentos turísticos a serem priorizados na Vila de Paranapiacaba, assim
como propõe um plano de infraestrutura turística articulado às diretrizes urbanas de
preservação estabelecidas na lei, um plano de comunicação e um plano operacional
(FIGUEIREDO, 2010). Neste momento, a participação dos moradores junto às decisões da
administração municipal tornou-se fundamental na gestão adotada, para tanto foram criados
órgãos de representação como o Conselho de Representantes, Câmaras Técnicas e
comissões, além do Conselho do Orçamento Participativo.
Referências
CRUZ, Thais Fátima dos Santos. Paranapiacaba: a arquitetura e o urbanismo de uma vila
ferroviária. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo). Escola de Engenharia de
São Carlos – USP, São Carlos, 2007
HOBSBAWM, E. J. org. A invenção das tradições. 3.ed. São Paulo: Paz e Terra, 2002.
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1996
______. Coletânea de Leis sobre Preservação do Patrimônio. Rio de Janeiro: IPHAN, 2006.
REIS FILHO, Nestor Goulart. Quadro da Arquitetura no Brasil. São Paulo: Perspectiva, 1987
______. Patrimônio cultural e problemas urbanos. In: GOMES, Marco Aurélio A. de Filgueiras;
CORREA, Elyane Lins (Orgs). Reconceituações contemporâneas do patrimônio. Salvador:
EDFBA, 2011, p. 117-128.