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DESCOBRINDO A CIDADE DE CANOAS/RS A PARTIR DE UM

ESPAÇO NÃO-FORMAL DE ENSINO


DISCOVERING CANOAS CITY FROM AN NON-FORMAL TEACHING SPACE

Amanda Dorneles de Oliveira


Graduanda em História/ Universidade La Salle
amanda071196@hotmail.com

RESUMO
A proposta compartilhada diz respeito à promoção de roteiro pedagógico baseado em um espaço não-formal de
ensino, a saber, o Museu Hugo Simões Lagranha, localizado em Canoas/RS. A partir do acompanhamento da
exposição pictórica Ricardo Schulz: paisagens familiares, realizada no museu, o projeto tem o intuito de iluminar
aspectos sobre um período pouco conhecido da história do Município – seu uso como um destino para veraneio
no limiar do século XIX para o XX – diante às referências mais populares, de cidade-dormitório e cidade-industrial.
Nesse sentido, o estudo se justifica devido à carência de disseminação do patrimônio histórico local, tendo em
vista que Canoas teve seus primeiros bens tombados apenas no ano 2009. A obra de Ricardo Schulz, sob guarda
do Museu municipal, em cruzamento com a visitação in-loco de alguns dos locais retratados nas pinturas, oferece
uma profícua oportunidade para a problematização de aspectos relacionados à história da cidade, tais como sua
relação com a ferrovia. Além da antiga estação de trem, retratada na pintura, compõem o roteiro pedagógico outras
edificações arroladas como patrimônio, como a mansão Vila Mimosa e a Casa Wittrock, localizados no centro
histórico de Canoas. Destaca-se a importância do uso de locais não-formais de ensino para a diversificação do
ensino relacionado ao patrimônio e à história local.
Palavras-chave: Patrimônio Cultural; Espaços Não-formais de Ensino; História de Canoas/RS.

ABSTRACT
The proposal concerns of the promotion of a pedagogical itinerary based on an out-of-school space called Hugo
Simões Lagranha Museum, located in Canoas city, Rio Grande do Sul. From the pictorial exhibition Ricardo
Schulz: familiar landscapes, held in the museum, the project aims to enlighten aspects about a non-famous period
of the history of the city – when it used to be a summer destination on the threshold of the XX century - before the
well-known references, city-dormitory and city-industrial. In this way, the research is justified in view of the lack
of dissemination of the local historical heritage, considering that Canoas city had its first heritages listed only in
2009. The work of Ricardo Schulz under guard of the Municipal Museum crossing with the visitation of some of
the places depicted in the paintings offers a profitable opportunity to the problematization of aspects related to the
city's history, such as its relation with the railroad. In addition to the old train station, depicted in the painting, the
pedagogic itinerary compiles other buildings listed as heritage, such as Vila Mimosa mansion and Wittrock’s
House, located in the down town. We highlighted the importance of the use of non-formal educational sites for the
diversification of teaching related to heritage and local history.
Keywords: Cultural Heritage; non-formal learning spaces; history of Canoas city

Introdução
O presente texto é referente a um projeto em desenvolvimento que diz respeito à
promoção de um roteiro pedagógico baseado em um espaço não-formal de ensino, o museu
Hugo Simões Lagranha, localizado no Parque dos Rosa na cidade de Canoas/RS. Foi pensado
a partir de uma experiência de estágio obrigatório, por meio do qual foi possível o
acompanhamento da exposição pictórica Ricardo Schulz: Paisagens Familiares, realizada no
museu citado durante os meses de maio e junho de 2017.
A partir da exposição Paisagens Familiares, vislumbrou-se um roteiro pedagógico que
procurou iluminar aspectos sobre um período pouco conhecido da história de Canoas – seu uso
como um destino para veraneio no limiar do século XIX para o XX – ante às referências mais
populares, de cidade-dormitório e cidade-industrial. O estudo se justifica diante da carência de
disseminação do patrimônio histórico local, tendo em vista que Canoas teve seus primeiros bens
tombados apenas no ano de 2009.
Nesse sentido, o texto tem a intenção de relatar os objetivos do roteiro proposto. Para
isso, está dividido da seguinte forma: em um primeiro momento, se apresenta a justificativa,
ligada à história de Canoas e a promoção do quesito patrimonial na cidade por meio de um
espaço informal de ensino. A seguir, a exposição em foco é detalhada, bem como a biografia do
artista. Sequencialmente, são compartilhados os locais sugeridos para visitação no roteiro, que
incluem, além do próprio Museu que abriga da exposição, as seguintes instituições: antiga
estação ferroviária, Vila Mimosa e a Casa Wittrock. Complementarmente, são expostos alguns
aportes teóricos e algumas inferências finais sobre o projeto em desenvolvimento.

A questão do patrimônio cultural em Canoas/RS


A cidade de Canoas, referência dentro da Região Metropolitana de Porto Alegre,
atualmente conta, segundo o senso do IBGE do ano de 2016, com uma população estimada de
342.634 habitantes, com uma área de unidade territorial de 131,096 km², possuindo um total de
17 bairros.
Durante o século XIX, Canoas era conhecida como um ponto de veraneio, referência
essa que logo foi suplantada pelas de cidade-dormitório e cidade-industrial. No entanto, aos
poucos, a cidade vem aumentando estratégias por meio da indústria criativa e ações de
patrimônio cultural no sentido de se distanciar de tais características. Parte disso foram as ações
de tombamento de algumas edificações localizadas no que podemos referir como centro
histórico da cidade, como a Vila Mimosa e a Casa dos Rosa e Casa Wittrock.
Segundo Graebin, Graeff e Graciano, a preocupação com o tombamento e preservação
dos patrimônios de Canoas se deu no início na década de 1990 e tal desenvolvimento tardio
deveu-se à preocupação com “demandas, próprias de uma cidade operária” (2014, p.04). Foi a
partir do início do Projeto Canoas- para lembrar quem somos , que se passou a reconstruir a
história de Canoas através de seus bairros, estimulando estudos e pesquisa sobre a memória e a
história do município. Conforme os autores: “percebeu-se, ainda, o número pequeno de bens
edificados passíveis de se tornarem patrimônio cultural do Município: poucos exemplares
resistiram à degradação e à extinção ao longo do rápido processo de urbanização da cidade”
(idem, p.05).
A partir de então, se iniciou um longo processo através de políticas públicas que
assegurariam o tombamento e preservação dos patrimônios históricos e culturais da cidade. São
alguns marcos desse processo podem ser conhecidos através do estudo de Graebin, Graeff e
Graciano (2014), dos quais destacam-se: no ano de 1993, a Prefeitura de Canoas em parceria
com o IPHAE, fez um Inventário de seus Bens do Patrimônio Histórico e Cultural. A partir
dessa parceria, foi editada a Lei 3875/94 que estabeleceu a proteção dos patrimônios do
município, criando incentivos e/ou compensações à preservação dos imóveis tombados ou
inventariados. Contudo, somente no ano de 2009 que se deu o tombamento dos primeiros
Patrimônios Históricos da cidade.

O artista e a exposição: Paisagens Familiares, de Ricardo Schulz


A exposição mencionada, realizada em abril de 2017, teve como objetivo despertar o
interesse do público local e escolar pelas obras desse artista, considerado um dos grandes nomes
da arte para a o município. Seus quadros chegaram ao museu através de empréstimos de famílias
residentes em Canoas e que possuem grande vínculo afetivo com as obras e admiração pelo
artista que viveu na cidade durante grande parte de sua vida, desde 1957 até 2015.
Por meio da biografia de Ricardo Schulz, escrita por Alexandre Rafael da Rosa (2009),
é possível saber um pouco da trajetória da vida e da obra artista. Natural de Taquara-RS, nasceu
em 14 de junho de 1931. Iniciou seus estudos em arte na cidade São Leopoldo-RS no ano de
1945. No ano de 1957, casou-se e recebeu do sogro um terreno na cidade de Canoas. A partir
de então, Ricardo passou a residir permanentemente no Município. Nos anos de 1970,
inaugurou sua galeria de arte em Porto Alegre, que permaneceu aberta até o ano de 2001.
Entre essas contribuições e realizações em Canoas, pode-se destacar exposições de arte
beneficentes para o hospital da cidade (Nossa Senhora das Graças), sócio do Canoas Tênis
Clube (a partir de 1967), além de ajudar no Instituto Pestalozzi, tendo conseguido apoio na
gestão do Presidente Ernesto Geisel (1974-1979) para a instituição. É importante ressaltar que
Ricardo foi um dos personagens centrais para a permanência da antiga estação ferroviária de
Canoas, hoje Fundação Cultural de Canoas, patrimônio da cidade. Segundo Rosa:
Cioso do patrimônio histórico, Schulz teve uma participação importantíssima no
episódio que assegurou a permanência da antiga estação ferroviária de Canoas, hoje Fundação
Cultural de Canoas. Ao participar de uma reunião da equipe responsável pela implantação e
execução da Trensurb, percebeu na exposição dos motivos, a tentativa de convencer a
comunidade canoense da necessidade de eliminar o prédio da estação ferroviária. (2009, p.77)
Schulz relata no livro de sua biografia que, embora Canoas tenha ganho optando pela
preservação da estação como patrimônio da cidade, ele lamentava o “abandono da memória
cultural canoense” (2009, op. cit., p.78). E foi com o intuito de preservar ainda mais a memória
em torno desta estação icônica para a cidade até a atualidade, que o artista Schulz a homenageou
em uma de suas obras, chamada “A Estação”, entendida aqui como ponto de partida para o
roteiro pedagógico proposto.

Nos trilhos da história: a antiga estação ferroviária da cidade


Alguns elementos da história da cidade de Canoas são determinantes para a afirmação
de que a ferrovia tem um papel central na urbanização da cidade, tendo sido tombada no ano de
2010 por meio do decreto nº 311. Segundo Danielle Heberle Viegad, Canoas teve sua primeira
linha férrea construída em 1874, com o objetivo de ligar Porto Alegre a São Leopoldo: “A
primeira estação do Capão das Canoas assemelhava-se mais a um abrigo de madeira destinado
a poucos passageiros e à bilheteria, [..]. (V.F.R.G.S.), em 1920” (2011, p. 44).
Todavia, foi no ano de 1930 que surgiu a estação tal como conhecemos hoje, Fundação
Cultural Canoas, no entanto, em um diferente local da primeira estação. Assim que construída,
a estação aumentou o interesse do público pelo chamado à época de Povôado das Canôas, então
distrito de Gravataí, tornando Canoas um local destinado a veraneio das pessoas de posse
moradoras de grandes cetros urbanos. Por ser um lugar afastado dos centros urbanos oferecia
maior conforto e descanso a seus veranistas, tal como a Zona Sul de Porto Alegre à época.
Assim, surgiram muitas chácaras destinadas a esse fim. O povoado passou a ter seu centro na
estação Capão das Canoas. Em entrevista concedida a Danielle Viegas em 2009, o irmão
lassalista Norberto Luis Nesello narrou que:
Canoas funcionava como uma estância de veraneio — imagine veraneio em Canoas!
Mas os porto-alegrenses vinham a Canoas porque havia uma comunidade muito
grande para a época e existia o trem, a via férrea, a ferrovia que passava por Canoas
(...). Então muita gente vinha pra cá e Canoas era um belo bosque, os chamados capões
eram bosques que estavam em expansão (...). Então muita gente comprava aqui uma
residência e fazia sua casa de veraneio no meio do mato, por exemplo, o Frederico
Guilherme Ludwig da Vila Mimosa, o Livonius, cujos prédios hoje pertencem ao
Colégio Maria Auxiliadora. Era veraneio. Eram casas de veraneio. (2011, p. 34)

As famílias que chegavam ao pequeno povoado para veranear em suas chácaras –


inclusive a família Rosa que hoje tem sua antiga habitação como patrimônio da cidade e sede
do museu Hugo Simões Lagranha – acabaram por se estabelecer no povoado, auxiliando na
economia da cidade através da criação do comércio e serviços prestados aos moradores e aos
veranistas. Assim, é possível identificar a ligação direta da estação férrea à urbanização cidade
de Canoas.
Charles Monteiro (1995) descreve a arquitetura da antiga estação frequentada pela elite
porto-alegrense, que utilizava o local como meio de transporte para seus destinos de passeio:
“assim, ― a Estação da Estrada de Ferro localizava-se na esquina da Rua Voluntários da Pátria
com Conceição. Como aquelas de São Leopoldo e Novo Hamburgo, foi construída de madeira
no estilo enxaimel alemão” (1995, p.32). Foi a partir dessa estação que as famílias abordadas
no projeto chegaram à cidade, incluindo aquelas que viriam a residir nas edificações do projeto
aqui relatado, como a Vila Mimosa, a Casa dos Rosa e a Casa Wittrock.

Parque dos Rosa


O parque dos Rosa, que recebe o nome da antiga família proprietária das terras e da
edificação na qual se encontra, atualmente está restaurada e tombada como patrimônio histórico
cultural da cidade de Canoas , sede do museu Hugo Simões Lagranha. Sua história remete ao
ano de 1893 quando Antônio Lourenço Rosa adquiriu um lote de terras no Capão das Canoas,
onde a família Rosa passou a veranear a partir de 1903, quando construiu uma casa estilo “chalé
chácara”, utilizada como residência de férias e descanso até 1979 por Décio Rosa, o único filho
que se interessou em fixar residência na chácara de veraneio da família. Após o falecimento de
Décio, a casa foi dividida entre sobrinhos, afinal, o médico não havia constituído família. A
partir da morte de Décio Rosa, a propriedade esteve abandonada, devido ao desinteresse dos
sobrinhos em fixar residência.
Contudo, em 2009, o imóvel foi tombado como Patrimônio Histórico Cultural de
Canoas, mesmo com a edificação totalmente depredada. A edificação, neste período, estava
abandonada e sofreu dois incêndios, sendo o pior o do ano de 2013. Em 2011, finalmente, a
Prefeitura Municipal de Canoas solicitou um projeto de restauro da edificação do bem tombado
para a Universidade Luterana do Brasil, que tinha a posse da casa. Todavia, somente depois de
um longo embate judicial que se deu início ao restauro da casa. Concluída no ano de 2016,
tornou-se sede do Museu Hugo Simões Lagranha.

Vila Mimosa
Propriedade de Frederico Ludwig e Arminda Genuína Kessler, a chamada Dona Mimosa
- a qual deu nome à edificação, refere-se a uma mansão localizada no centro da cidade de
Canoas. Por meio da pesquisa de Viegas (2011) é possível conhecer um pouco da trajetória da
família narrada por Oswaldo Ludwig. Por volta de 1890, a família adquiriu uma chácara perto
da estação férrea, para fins de veraneio e que veio a se tornar residência fixa em 1905, onde
veio a se instalar um pequeno armazém. A partir do depoimento de Oswaldo Ludwig, pode-se
conhecer além do período de veraneio de Canoas mas, também, a instalação definitiva de
grandes famílias na região mais próxima à estação ferroviária, e que a partir dessa instalação
dão início a expansão do povoado que mais tarde se tornaria o Município de Canoas.
A partir de todos esses movimentos pelo desenvolvimento e urbanização de Canoas
articulados pela família Ludwig, a Vila Mimosa tornou-se um monumento histórico-cultural
simbólico para o Município. Foi através desse reconhecimento que no ano de 2007 fez-se um
parecer técnico que tinha como objetivo mostrar a importância da edificação e de sua
preservação para a história da cidade. Apesar do parecer técnico, no ano de 2008 o terreno e a
edificação foram passados pela prefeitura de Canoas para uma empreiteira que tinha como
objetivo a construção de um condomínio vertical no local.
A fim de impedir o projeto de demolição da casa, tomaram-se provisões. Contudo,
somente depois de um longo embate judicial, é que, no ano de 2009 , a empreiteira transferiu
um lote para a prefeitura para que se dê a preservação do monumento e da flora relacionada à
edificação: “Assim, a casa transformou-se em Casa das Artes Vila Mimosa e Canoas ganhou
seu primeiro imóvel tombado e seu primeiro equipamento cultural multiuso” (GRAEBIN,
GRAEFF E GRACIANO, 2014, p.15).

A Casa Wittrock
A família Wittrock veio a se estabelecer em Canoas no ano de 1812, quando Jorge
Gothel Henrique Wittrock, o patriarca da família, já se encontrava no Capão das Canoas antes
mesmo da inauguração de sua Estação Férrea. Como descreve João Palma da Silva (1978, p.30):
“Jorge Gothel Henrique Wittrock comprou uma grande área de terra também defronte à Estação,
[...] na qual em seguida construiu um grande prédio de alvenaria, térreo, com sótão habitável”.
A família se estabeleceu para uso de descanso e fundou o Garten Reustaurant und Hotel, ao
qual inúmeras pessoas vinham conhecer e acabavam se estabelecendo, acelerando a
urbanização e a economia do Capão das Canoas.
A relação da família com Antiga Estação Ferroviária, entretanto, não para por aí. Ernesto
Wittrock foi nomeado, em 20 de abril de 1894, agente local, sendo responsável pala direção da
Viação Férrea dos trens adicionais entre Canoas e Porto Alegre. Ernesto possuiu um papel
indispensável no andamento da linha férrea, sua manutenção e desenvolvimento, tendo
inaugurado no ano de 1914 a fábrica de cadeiras Silveira & Wittrock. Walter Galvani, em
entrevista ao projeto Canoas- Para lembrar quem somos, narrou um pouco dessa trajetória.
Eram a sociedade Silveira e Wittrock que produzia cadeiras de palinha. Eram cadeiras
com assento e o encosto de palinhas traçada. Essas cadeiras eram exportadas para todos pais.
Saíam seus carregamentos pela Viação Férrea, da estação central de canoas, onde hoje está
situada a fundação cultural Canoas. (PENNA, 2004, p.99)
Por conta desses elementos, a casa que abrigou a família foi tombada no ano de 2010 .
Apesar disso, atualmente não está sendo utilizada para fins culturais pelo poder público
municipal.

Um roteiro a partir de um espaço não-formal de ensino


Quando objetivou-se entender a representação de Schulz sobre a Antiga Estação
Ferroviária, na obra em destaque na sua exposição, pensou-se em sua história, na história da
Estação e, por fim, na história de Canoas. Foi através de seu quadro que se buscou “decifrar a
realidade do passado por meio das suas representações, tentando chegar àquelas formas,
discursivas e imagéticas, pelas quais os homens expressam a si próprios e o mundo”.
(PESAVENTO, 2004, p.42)
A busca pela interpretação dessas representações presentes na obra de Schulz será
pontuada a partir de questionamentos aos educandos, tais como: O que a obra mostra? O que é
uma estação ferroviária? Para que serve? O que o trem transportava? Por que as pessoas usavam
a antiga estação de Canoas? O que vinham fazer na cidade? Tais indagações tem como objetivo
fazer com que os alunos reflitam sobre a história de sua cidade e sua própria história.
Uma preocupação na construção do presente roteiro é, justamente, mostrar que a história
de Canoas não é somente uma história de elite porto-alegrense mas prestigiar tais elementos
com uma perspectiva do desenvolvimento da história social do povoado, a partir da estação
ferroviária e que se relacionada, até a atualidade, com grande parte da população canoense e
metropolitana.
Essa necessidade vem suprir outra demanda da cidade de Canoas, que é o
reconhecimento da presença negra na cidade, hoje com um quilombo reconhecido –a
Associação Quilombola Chácara das Rosas. Localizado no bairro Marechal Rondon, trata-se
do primeiro quilombo urbano reconhecido no Brasil, em novembro de 2009. Pfeil, em seus
estudos sobre a cidade de Canoas, mencionou que existiam “canoenses” residindo no Capão
das Canoas, antes mesmo da inauguração da estrada de ferro: “Pois, junto com Major Vicente
Freire, haviam moradores fixos tais como “escravos de oficio e confiança como: Antônio
Corrêa, o Antonicão e família [...] a escrava Gervásia Maria da Conceição”. (PFEIL, 1992, p.30)
Para responder aos questionamentos propostos para o fim do estudo da história local de
Canoas, inicia-se, então, a narrativa do processo histórico da cidade, tendo como ponto de
partida a representação pictórica de Schulz sobre a Antiga Estação Férrea. A obra de Ricardo
Schulz, sob guarda do Museu Municipal, em cruzamento com a visitação in-loco dos locais
retratados nas pinturas, oferece uma profícua oportunidade para a problematização de aspectos
relacionados à história da cidade. Além da antiga estação de trem, retratada na pintura,
compõem o roteiro pedagógico outras edificações arroladas como Patrimônio Histórico
Cultural de Canoas, como as citadas mansões Vila Mimosa e a Casa Wittrock, localizadas no
centro histórico de Canoas e que possuem grande vínculo com a Estação.

Figura 1: proposta de roteiro para visitação das edificações do projeto, a partir do Museu Hugo Simões
Lagranha, que abriga o quadro “A Estação”.
Fonte: elaboração da autora a partir do Google Maps.

Nesse sentido, o estudo busca suprir a carência de disseminação do patrimônio histórico


de Canoas, tendo em vista que a cidade teve seus primeiros bens tombados apenas no ano 2009.
Assim, o roteiro pedagógico desenvolvido tem como propósito que tais edificações sejam
conhecidas de forma interligada e dinâmica (um roteiro a pé), a partir dos diferentes contextos
em que estiveram envolvidas, permitindo uma reflexão sobre a relação entre os grupos sociais
que se estabeleceram em Canoas e a ampliação territorial da cidade. O projeto tem como
intenção valorizar esses patrimônios, aproximando-os da população para além de sua menção
em livros: A especificidade do monumento deve-se precisamente ao seu modo de atuação sobre
a memória. Não apenas ele a trabalha e a mobiliza pela mediação da afetividade, de forma que
lembre o passado fazendo-o vibrar como se fosse presente. Mas esse passado invocado,
convocado, de certa forma encantado, não é um passado qualquer: ele é localizado e selecionado
para fins vitais, na medida em que pode, de forma direta, contribuir para manter preservar a
identidade de uma comunidade [..] O monumento assegura, acalma, tranquiliza, conjurado o
ser do tempo. Ele constitui uma garantia das origens e dissipa a inquietação gerada pela
incerteza dos começos. (CHOAY, 2001, p.18)
De acordo com Karawejcszk (2012, p. 212), citando Marsick e Watkins, uma definição
para a aprendizagem informal seria “aquela que poderá ocorrer em instituições de ensino, mas
não é baseada em atividades em sala de aula ou estruturadas e o controle da aprendizagem está
na mão dos aprendizes”. Isso se dá através da construção do conhecimento junto aos educandos,
por exemplo, ao se buscar a interpretação da obra “A Estação”, perguntas são direcionadas aos
alunos que refletem sobre o significado da obra, da estação em sua época e sua relação atual
com cidade.
Gohn (2016) diferencia educação formal, informal e não-formal. A formal é aquela
educação escolar, a informal é todo conhecimento adquirido no cotidiano, mas a não-formal é
aquela que se dá em locais que “possuem processos interativos intencionais”, tal como o museu
e os patrimônios alvo desse roteiro. Gohn diz que essa educação não-formal em questão tem
como alvo o indivíduo e suas relações sociais. Esse modo de educar é voltado para os interesses
e as necessidades daquele que participa do processo.
A educação não-formal tem outros atributos: ela não é organizada por séries/
idade/conteúdos; atua sobre aspectos subjetivos do grupo; trabalha e forma a cultura política de
um grupo. Desenvolve laços de pertencimento. Ajuda na construção da identidade coletiva do
grupo [...] (GOHN, 2006, p.30)
Desta forma, todo o processo de ensino em espaço não-formal de ensino e a busca pelo
reconhecimento do patrimônio canoense visa a fazer o educando a conhecer sua própria história
e a história da sua cidade. Paulo Freire (2015, p. 85) defende que todo conhecimento deve ser
contextualizado na vida do aluno e aplicável no seu cotidiano. Para o autor, todo o aluno
alfabetiza-se para escrever sua própria história, biografar-se, existenciar-se, historicizar-se, e é
por isso que o ensino da história do seu meio é tão importante.

Considerações finais
Considerou-se que a obra de Ricardo Schulz, sob guarda do Museu municipal, em
cruzamento com a visitação in-loco de alguns dos locais retratados nas pinturas oferece uma
profícua oportunidade para a problematização de aspectos relacionados à história da cidade,
tais como sua relação com a ferrovia, pouco explorada pela historiografia e problematizada nas
escolas locais de Canoas.
Destacou-se, a partir da proposta do projeto, a importância do uso de locais não-formais
de ensino para a diversificação do ensino relacionado ao patrimônio e à história local. O projeto
vem como propósito de, justamente, tentar amenizar a ausência do ensino da história local nas
instituições escolares do município e buscar a contextualização dos patrimônios em foco. Ainda
que as edificações em foco se refiram a um passado da cidade ligado às famílias socialmente
privilegiadas, considera-se a dinâmica na qual o desenvolvimento territorial de Canoas está
envolto.
Acredita-se que o ensino de história, assim como qualquer outra disciplina pode ser
eficaz quando tratado fora da sala de aula, principalmente ao se trabalhar patrimônio, é
indispensável o uso de recursos didáticos que estão fora dos espaços tradicionais. O educador,
ao sair da sala de aula para fazer utilização dos ditos espaços informais de ensino, proporciona
aos alunos uma ampliação de sua visão de mundo e da relação de ensino-aprendizagem, fazendo
com que os alunos busquem por sua identidade e leitura própria do passado e do presente da
cidade, criando-se, assim, aprendizagens significativas no que que tange à cidadania e ao
reconhecimento e uso do espaço público urbano.

Referências
CHOAY, Françoise. A Alegoria do Patrimônio. São Paulo: Unesp. 2016.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2015.
GOHN, Maria da Glória. Educação não-formal, participação da sociedade civil e estruturas
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GRAEBIN, Cleusa M. G.; GRAEFF, Lucas; GRACIANO, Sandra S. De residência da família
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KARAWEJCSZK, Tamara C. Aprendendo e inovando com os outros no local de trabalho: a
inserção das comunidades de práticas e da aprendizagem informal na gestão do patrimônio
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PESAVENTO, Sandra Jatahy. História e História Cultural. Belo Horizonte: Autêntica, 2004.
PFEIL, Antonio Jesus. Canoas: anatomia de uma cidade. Canoas: Ed. Ponto e Vírgula
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