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Serra do Mar
Revisión Histórico-Conceptual de los Deslizamientos de la Sierra del Mar
Historic-Conceptual Review of Landslides at “Serra do Mar”
Resumo. A geologia da Serra do Mar, em São Paulo, foi primeiro descrita por Hartt em 1870 em
conecção com a construção da estrada de ferro Santos-Jundiaí. Uma exposição sistemática da formação
geológica ao longo do litoral do Estado de São Paulo, conhecida pelo nome geral de Serra do Mar,
somente foi feita por Moraes Rego, em 1937. Em suma: muito pouco sabia-se, até a década de 40, sobre
a formação geológica da Serra do Mar. Também muito pouco fora publicado sobre os escorregamentos
de terra na Serra, embora se soubesse dos acidentes desse tipo durante e após a construção da
Santos-Jundiaí. Este trabalho se propõe a apresentar um resumo histórico-conceitual da Geologia da
Serra do Mar do ponto de vista de Engenharia e dos escorregamentos ali havidos.
Resumen. La geologia de la Sierra del Mar, en San Pablo, fue inicialmente descrita por Hartt
en 1870 en conección con la construcción de la ferrovia Santos-Jundiaí. Una exposición
sistemática de la formación geológica a lo largo del litoral del Estado de San Pablo, conocida
por el nombre de "Serra do Mar", fue realizada por Moraes Rego, en 1937. Resumiendo: se sabia
muy pouco, hasta la década de los 40, sobre la formación geológica de la Sierra del Mar. También
se ha publicado muy pouco sobre los deslizamientos de tierra en la Sierra, apesar de haber sido
conocidos los accidentes de este tipo durante y despues de la construcción de la ferrovia
Santos-Jundiaí. Este trabajo se propone presentar un resumen histórico conceptual de la Geolo-
gia de la Sierra del Mar, desde el punto de vista de la Ingeneria, y de los deslizamientos alli
ocurridos.
Abstract. The geology of the “Serra do Mar” (“Sea Mountain Range”), in the State of São Paulo,
Brazil, was first described by Hartt in 1870, in connection with the construction of the Santos-Jundiaí
railway. A systematic presentation of the geology along the coast of São Paulo, known as "Serra do
Mar", was only completed by Moraes Rego in 1937. In short: very little was known, until the 40s, about
the geology of this important chain of mountains. Also, very little was published about the landslides
along these mountains, although a number of accidents were known to have occurred during and after
the construction of the Santos-Jundiaí railway. This article presents a historic-conceptual review of the
Sea Mountain Range, from the engineering point of view, and of the landslides that occurred in these
mountains.
em 1870, com o sub-título: “Resultados Científicos rochas perturbadas, todas mais ou menos metamor-
da Jornada no Brasil por Louis Agassiz e seus fizadas, cujo estudo é difícil e complexo. A mais
companheiros de viagem” (Hartt, 1870). antiga das formações do capeamento tem idade
Hartt descreve os cortes da estrada de ferro da devoniana; portanto, Moraes Rego propõe chamar
seguinte maneira: “A começar de perto do pé da o embasamento de pré-devoniano. Essas camadas
Serra, um exame de alguns dos cortes, através das são de duas épocas arqueanas constituídas por dois
corrugações maciças da encosta da serra, revelou andares: o inferior de gnaisses granitóides asso-
uma argila não estratificada amarela, não muito ciados a granitos; e o superior de gnaisses leptiníti-
compacta, interceptada por pedregulho, pedras e cos e micaxistos, com encraves de quartzitos e
rochas, quase todos arredondados, sobrepostos à calcáreos. “Os fenômenos diastróficos entre os dois
rocha in situ, um gnaisse decomposto. Aqui e ali, andares do arqueano foram os mais enérgicos” -
em uns poucos cortes, uma delgada camada de escreve Moraes Rego. Desses resultaram estruturas
pedregulho era encontrada entre a argila amarela e complexas de dobras e falhas com metamorfismo
a rocha, desaparecendo de vez em quando. Essa subseqüente. No caso do vale do rio Cubatão, o
descrição aplica-se a quase generalidade dos cortes arqueano superior está no fundo do vale e o inferior
exceto uns poucos onde a escavação foi feita através no topo da Serra, mercê de um dobramento que
de rocha parcialmente decomposta.” constituiu as Serras de Cubatão e Mãe Maria.
Essa é a mais antiga descrição da natureza de “Sobre o arqueano dispõem-se as rochas da
solo nas encostas da Serra de Cubatão, feita cu- Serra de São Roque em estruturas derivadas de
riosamente sob o ponto de vista da Geologia da diastrofismo enérgico, se bem que não tanto quanto
Engenharia: cortes de estrada de ferro em gnaisse o que se observa no arqueano” afirma Moraes Rego
parcialmente decompostos, capeados por uma ar- em seu trabalho. São essas camadas as que se obser-
gila amarela (que hoje sabemos ser ou residual ou vam nos cortes da Santos-Jundiaí, a partir de Taipas
coluvionar) notando-se a presença da linha de sei- até Jundiaí. Daí por diante, Moraes Rego prossegue
xos (que hoje sabemos separar o solo residual ou a na descrição de aspectos da Série São Roque e não
rocha decomposta do colúvio superior). Mais nada mais trata das formações da Serra do Mar. Conclui-
nos é dito sobre a formação geológica do maciço se que, naquela época, os detalhes geológicos da
rochoso da Serra do Mar. formação da Serra do Cubatão não tinham ainda
Creio que a primeira exposição sistemática da despertado o interesse dos geólogos. Porém, já em
formação geológica ao longo do litoral do Estado 1930, Alberto Betin Paes Leme fora um dos primei-
de São Paulo, conhecida pelo nome geral de Serra ros a aventurar a hipótese de um levantamento
do Mar, foi publicada pelo Prof. Luis Flores de isostático pós-cretáceo do litoral atlântico da
Moraes Rego, no Boletim do D.E.R. de julho de América do Sul, em correlação com o levantamento
1937, sob o sub-título: “As formações metamórfi- da Cordilheira dos Andes que vem dar origem a
cas predevonianas: Arqueano e Série de São Ro- escarpa da Serra do Mar (Leme, 1930). Segundo
que”, como capítulo de uma série de artigos sobre ele, durante ou após o Terciário esse levantamento
“A Geologia do Estado de São Paulo”. Moraes vem dar origem a uma nova fase diastrófica que faz
Rego morreu antes de terminar essa série de traba- aparecer ou reativar falhas, recentemente reconhe-
lhos; porém, os professores Eduardo Ribeiro Costa cidas.
e Fernando Flávio Marques de Almeida incumbi- Contudo, naquela época, o conhecimento da
ram-se de completar a série, coligindo textos inédi- geologia do Brasil era restrito a pequenos grupos de
tos e já publicados de Moraes Rego. Por volta de geólogos, tais como os da Escola de Minas de Ouro
1943, o D.E.R. publicou uma separata do seu Bole- Preto ou os do Departamento Nacional da Produção
tim, reunindo os artigos de Moraes Rego (sem data). Mineral. As publicações eram monografias e de
Segundo a sistematização de Moraes Rego a circulação restrita ou comunicações a congressos de
estrutura geológica generalizada de São Paulo é especialistas. Para os estudantes havia uma Geo-
constituída por um embasamento cristalino que so- logia Geral, publicada em português pelo america-
freu fenômenos energéticos e um capeamento sedi- no John Casper Branner, com exemplos nacionais.
mentar pouco perturbado. O embasamento é de De qualquer modo, a Geologia Nacional era ainda
muito deficiente e restrita às áreas onde havia inte- mente dobrada e falhada, cuja escarpa resultara de
resse mineralógico. Como a Serra do Mar não indi- um levantamento diastrófico provavelmente terciá-
cava tais interesses, sua geologia não fora, até então, rio. A escarpa era recoberta por espesso manto de
estudada em detalhe. Creio que o primeiro com- solo de alteração, cuja camada superficial poderia
pêndio sistemático de “Geologia do Brasil” foi o ser localmente constituída por um depósito coluvial
texto preparado por Avelino Ignácio de Oliveira e às vezes separado do solo de alteração in situ por
Othon Henry Leonardos, para acompanhar o Mapa uma linha de seixos. Muito pouco fora publicado
Geológico do Brasil, apresentado no Congresso sobre os escorregamentos de terra na Serra, embora
Científico de Lisboa, em 1940. Esse texto foi revis- se soubesse dos acidentes desse tipo durante e após
to e ampliado, incluindo o mesmo Mapa Geológico, a construção da Santos-Jundiaí. Eram notórias as
e publicado em 1943 pelo Serviço de Informação obras de drenagem ao longo da subida da Serra,
Agrícola do Ministério da Agricultura (Oliveira e abrangendo não só a zona ao longo do leito da
Leonardo, 1943). estrada, mas também muito acima e abaixo dessa.
No que se refere à Serra do Mar, em São Paulo, Apesar de todos esses cuidados, em 1929, após uma
as informações desse livro estão contidas sob o chuva de 368 mm por dia, houve um deslizamento
título: Estado de São Paulo, do capítulo III - Ar- na chamada Serra Nova, um segundo leito da es-
queano - onde se diz de saída que a região cristalina trada, então recém-construído, que interrompeu o
da Serra do Mar em São Paulo conserva os mesmos tráfego por l5 dias e cujos detritos (provavelmente
caracteres já descritos no Estado do Rio de Janeiro. liquefeitos) atingiram até instalações subterrâneas
Isto é: os do “sistema orográfico da Serra do Mar, da estrada de ferro.
constituído essencialmente de gnaisses arqueanos, Também durante a construção da Mairinque-
aqui e ali associados a calcáreos e dolomitos sa- Santos há notícias de deslizamentos que muito pre-
caroides e a pequenos maciços de granito lauren- judicaram o andamento das obras. Esses desliza-
tiano”. Todas essas rochas são injetadas de pegma- mentos devem ter sido freqüentes após a
titos. inauguração do trecho. Mas só em 1975, após sérios
Sobre os solos de alteração dessas rochas, os escorregamentos de solos e rochas, a FEPASA re-
autores se resumem a dizer: “Os granitos porfiroi- solveu estudá-los sistematicamente.
dais são popularmente conhecidos pelo nome de
‘olho de sapo’. Formam, pela desagregação, um
2. Início dos Estudos dos
solo encaroçado conhecido por ‘salmourão’, que se Deslizamentos com Karl Terzaghi
caracteriza pela presença de fragmentos de feldspa- Em 1946 ocorreu um escorregamento de um
to resistentes à decomposição. Há diferença sen- “tálus” no pé da Serra de Cubatão, justamente por
sível entre esses solos e os saibros ou areias trás da Usina Hidroelétrica da Light e à esquerda,
provenientes da decomposição dos granitos e lepti- de quem olha para a Serra, da linha dos condutos de
nitos laurencianos. Nessas rochas, o feldspato se alta pressão. É que o projeto de ampliação da casa
caoliniza com facilidade e o aspecto arenoso é dado de força contemplava o prolongamento dessa para
pelo quartzo”. o lado do talude da Serra, exigindo escavação do pé
Avelino de Oliveira e Othon Leonardos men- desse talude. Ora, justamente ali havia um “tálus”
cionam uma inspeção ao longo da descida da serra que quando escavado começou a mover-se,
da ferrovia Mairinque-Santos, em construção na ameaçando um deslizamento envolvendo cerca de
época, mas limitam-se a constatar uma faixa da meio milhão de m3. Durante as chuvas dos três
série de São Roque no meio de gnaisses, no alto da primeiros meses de 1947, o “tálus” avançou cerca
Serra. Nada é dito sobre os colúvios e linhas de de 20 m, pondo em perigo toda a casa de força.
seixos observados por Hartt, na Santos-Jundiaí. Nessa situação premente a Light resolveu con-
Em suma: muito pouco se sabia, até a década de tratar o Prof. Karl Terzaghi para dar uma solução
40, sobre a formação geológica da Serra do Mar, ao caso. Terzaghi chegou ao local no fim de março
exceto que se tratava de uma formação arqueana de de 1947 e, depois de estudar o caso, submeteu um
gnaisses e micaxistos, com intrusões de granito e relatório à Diretoria da Light (Bjerrum et al., 1960).
calcáreos, injetada por veios de pegmatito, forte- Infelizmente esse relatório limita-se a descrever a
ocorrência e a especificar as medidas a serem resse nas proximidades de uma usina hidroelétrica,
tomadas - pelas quais recomendava a adoção de um foi indicada ação imediata. Para obter informação
sistema de drenagem, constituído por túneis através quantitativa a respeito do movimento de terra e os
do corpo do “tálus” até a rocha; e perfurações, por fatores que determinaram sua velocidade, foram
sonda rodativa, quase horizontais, na própria rocha, instalados pontos de referência em várias linhas
a partir do final dos túneis. horizontais e executadas sondagens para observa-
A Fig. 1 mostra a disposição dos túneis e per- ção do nível da água junto a cada um desses pontos.
furações em planta, e um corte geológico transversal Colocando em gráficos as alturas dos níveis da água
mostrando o corpo do “tálus” repousando sobre xisto em ordenadas, e os correspondentes deslocamentos
decomposto e esse outro sobre a rocha xistosa fissurada. dos pontos de referência em abcissas (observou-se
Segundo Terzaghi, a grande quantidade de água que que): apesar do maciço em movimento ter uma
alimentava o lençol freático do “tálus” provinha da espessura de até 40 m, os diagramas mostraram que
própria rocha fissurada. Contudo, para impedir a infil- o abaixamento do lençol da água (pelo sistema de
tração de água pela superfície do “tálus”, este foi re- drenagem acima referido) de não mais que 4,5 m,
coberto por uma pintura asfáltica e ainda provido de fora suficiente para parar o movimento”.
uma rede de valas superficiais de drenagem. Terzaghi tivera o cuidado de indagar sobre a
Num seu célebre artigo: “Mechanism of Land- natureza das formações geológicas da Serra do Mar.
slides”, Terzaghi (1950) refere-se ao talude em Recebeu essas informações dos geólogos da Light
questão nas seguintes palavras: “A eficácia extraor- e ainda um exemplar do livro de Avelino de
dinária da drenagem foi recentemente demonstrada Oliveira e Othon Leonardos. Não creio que tenha
pela observação seguinte. Durante uma tormenta tido interesse em fazer traduzir os tópicos referentes
tropical, envolvendo precipitação de 225 mm em 24 ao Arqueano no Estado de São Paulo; porém é
h, ocorreu um deslizamento num talude de incli- notável que lhe tenha chamado a atenção uma foto-
nação média de 30°. Como o deslizamento ocor- grafia do catastrófico escorregamento do Monte
Serrat, ocorrido em março de 1928, após chuvas de da notícia positiva da ‘barreira’ de 1929, já men-
649 mm durante o mês de janeiro e 564 mm em cionada. Em seu relatório à Light, ele faz menção a
fevereiro. A fotografia mostra claramente um desli- essa sua preocupação nas seguintes palavras: “com
zamento rotacional do solo de alteração, no alto do relação aos detalhes da construção dos drenos,
morro, que veio depositar-se num leque em seu sopé deve-se utilizar o processo que a companhia de
(Fig. 2). Há notícias não confirmadas que o escor- estradas de ferro (Santos-Jundiaí) desenvolveu ao
regamento atingiu a Santa Casa de Misericórdia de longo de muitos anos de experiência ao tratar com
Santos, matando doentes. Fala-se em cerca de 200 escorregamentos em gnaisse decomposto. É acon-
mortes provocadas pelo acidente. selhável que se obtenha uma cópia do relatório
Relacionando os dois fatos, Terzaghi dividiu os geológico que foi preparado recentemente por or-
escorregamentos de terra, como possíveis após ou dem da administração da companhia, a respeito dos
durante chuva violenta, no final da estação chuvosa terrenos adjacentes a esse trecho da estrada de
(fevereiro a março), em dois grupos: lº) os escorre- ferro”. Não consegui até hoje saber de que relatório
gamentos dos mantos de alteração intactos das cotas se trata, mas há notícias de um relatório sobre a
altas da Serra; 2º) os escorregamentos dos detritos Geologia da Serra, pelo Prof. Victor Leinz.
desses antigos escorregamentos que vinham-se de- Em 1948 percebeu-se ainda o movimento de um
positar nos pés dos taludes. Os primeiros eram do outro “tálus”, provocado por um corte para a cons-
tipo do Monte Serrat e os segundos do tipo do trução da Via Anchieta na cota 95 da subida da
“tálus” do Cubatão. Serra. Tratava-se de um maciço de “tálus” de cerca
Para informar-se ainda sobre esses fenômenos, de 2 milhões de m3, que se apoiara sobre um pe-
Terzaghi procurou inteirar-se de como a Estrada de queno contraforte do pé da Serra. O corte da estrada
Ferro Santos-Jundiaí controlava os seus cortes; pois foi feito exatamente entre o corpo do “tálus” e o
fora informado das notícias sobre as ‘quedas de contraforte. Esse escorregamento foi descrito por
barreiras’, durante e após a construção da linha, e Rodrigues e Nogami (1950a). Baseados nesse caso,
A Fig. 4 mostra os resultados da teoria dos uma tensão normal p e uma tangencial s. O “tálus”
taludes que sofrem deslocamentos visco-plásticos, move-se com uma velocidade u, na direção do
como desenvolvida por Yen (1969). Supõe-se um talude, sempre que as tensões de cisalhamento igua-
maciço visco-plástico deslizando sobre uma super- larem ou superarem as resistências ao cisalhamento.
fície rígida, inclinada de ângulo θ com a horizontal. Admite-se que exista uma tensão limite de es-
Está saturado de água até a espessura h e sobre o coamento a cisalhamento, a partir da qual o solo
nível da água há ainda uma camada não saturada passa a escoar viscosamente, isto é, com resistência
que exerce sobre a superfície do “tálus” saturado ao cisalhamento crescente com a velocidade de
∂u ∂v ∂u
Equação de continuidade: + =0 τr = Ce + σ tgϕε + η
∂x ∂y ∂y
(h − y) γ (h2 − y2)
u=− (S − p tgϕe − Ce) − cosθ (tgθ − tgϕ e)
η 2η
Valor máximo de u
S − (p tgϕe + Ce)
um = (h − ym)2
2η ym
Na ordemada ym
−S + (p tgϕe + Ce)
ym =
γ cosθ (tgθ − tgϕ e)
Máxima velocidade
γ h2
a) Se Ce = 0, S = 0 e p = 0 → ym = 0 e um = cosθ (tgθ − tgϕ e)
2η
(S − p tgϕ e)
ym =
γ cosθ (tgθ − tgϕ e)
(S − ptgϕ e)
b) Se Ce = 0, S ≠ 0 e p ≠ 0 → um = (h − ym)2
2ηym
∆h cosθ (tgθ − tgϕe)
para u = 0 =
h 2(senθ − cosθ tgϕ e)
deformação por cisalhamento. Daí por diante a ten- sobre a geomorfogênese da Serra do Cubatão. Prin-
são de cisalhamento iguala a resistência a cisalha- cipiando por menção a autores que antes estudaram
mento e o solo move-se lentamente. Essa a formação das escarpas da Serra do Mar, Almeida
velocidade pode aumentar gradativamente até at- conclui: “as escarpas da Serra do Mar não (são)
ingir o equilíbrio limite e, então, haverá ruptura do diretamente ligadas a falhamentos modernos mas
talude. ao produto de rápida e intensa erosão diferencial
Com as hipóteses formuladas, a equação da resultante da combinação por flexura (“down warp-
resistência a cisalhamento viscoso e as equações de ing”) do lado oceânico, acompanhada por falhas
equilíbrio, pode-se armar uma equação diferencial, locais, sendo esse fenômeno mais antigo que se
cuja solução nos dará a velocidade de escoamento supõe”.
u em função das alturas y, nos parâmetros de re-
sistência ao escoamento e do coeficiente de viscosi-
3. As Ocorrências Catastróficas de
dade; além do ângulo de talude θ e das tensões s e 1956 em Santos e suas Lições
p, sobre o nível da água. No dia primeiro de março de 1956, depois de
Os pârametros de resistência efetiva a escoa- uma intensa tempestade de l29 mm, ocorreu o desli-
mento Ce e ϕe podem ser obtidos em ensaios de zamento de rocha das encostas do morro Santa
cisalhamento direto sobre amostra saturada, de es- Terezinha, em Santos, nas vizinhanças de uma pe-
pessura delgada, conduzindo-se o ensaio lentamen- dreira em operação. Os detritos de pedras e lama
te. O limite de escoamento poderá ser avaliado nas soterraram um quarteirão do bairro do Marapé.
curvas tensão-deformação pelo ponto onde as de- Vinte e uma pessoas morreram, 42 foram feridas e
formações deixam de ser aproximadamente propor- mais de 50 casas foram destruídas. As Figs. 5 e 6
cionais às tensões de cisalhamento. No caso dos mostram fotografias respectivamente do local antes
solos de alteração de gnaisse em Santos, ϕe está do escorregamento e depois da ocorrência desse; e
entre 1/2 e 2/3 de ϕ’ e a coesão de escoamento pode do quarteirão atingido pelos seus detritos. Prova-
ser considerada nula. velmente, o que deslanchou o desmoronamento de
rocha foi a pressão da água da chuva nas fendas do
Derivando-se essa equação e igualando a deri-
talude rochoso, possivelmente abalado pelas explo-
vada a zero pode-se encontrar o valor máximo de u
sões da pedreira em operação. Assim, veio juntar-se
e a ordenada ym onde esse valor máximo ocorre,
aos dois tipos de escorregamentos já descritos, um
como está indicado na Fig. 3. Com os valores de um
terceiro: o do escorregamento de taludes rochosos.
e ym observados nas curvas de campo já men-
Mais tarde outros casos de escorregamentos de
cionadas, pode-se calcular pelas equações da Fig. 4
rocha ocorreram na Serra do Cubatão, no Rio de
os valores do ângulo de atrito de escoamento ϕe o Janeiro e na Estrada Rio-Teresópolis, que serão
coeficiente de viscosidade η, supondo, como é, em relatados e analisados adiante.
geral, o caso, que a coesão de escoamento Ce é nula. Contudo outros eventos catastróficos viriam a
Finalmente, pela equação onde se põe u = O ocorrer, logo em seguida, em Santos. Do dia 2 até
(vide Fig. 4) é possível determinar-se o valor de h o dia 18 de março as chuvas foram leves; porém,
que é necessário para abaixar o lençol da água afim desse último até o dia 24 do mesmo mês ocorreram
de que o talude se estabilize. A relação entre a sucessivas tempestades, durante as quais uma série
profundidade do lençol da água e a espessura do de pequenos escorregamentos aconteceu nos mor-
lençol freático só dependerá, assim, da inclinação ros de Santos. Porém, na noite do dia 24, como
do talude e do ângulo de atrito de escoamento. conseqüência de uma enorme tempestade de
Note-se que essa determinação poderá ser feita 264 mm, cerca de 60 escorregamentos ocorreram
também por um “slope indicator”. Infelizmente, ao simultaneamente nos morros de Santos. A precipi-
que eu saiba, nunca foi feita entre nós. tação total do mês de março de 1956 foi de 954 mm,
Talvez tenham sido esses acontecimentos que 4 vezes a média mensal.
tenham chamado a atenção dos geólogos sobre a Uma descrição dessas ocorrências catastróficas
geomorfologia da Serra de Cubatão. Marques de foi apresentada ao IV Congresso Internacional de
Almeida (1953) escreveu um interessante artigo Mecânica dos Solos e Engenharia de Fundações,
Os valores obtidos foram colocados no gráfico da provenientes de deformação por cisalhamento são,
Fig. 7-d. Nesse mesmo gráfico foram colocados os nesse caso, desprezíveis, pois, sendo negativas nos
valores da coesão e ângulo de atrito obtidos em extremos da curva de ruptura, compensam-se com
ensaios de cisalhamento direto, sobre amostras nos as positivas do centro.
estados natural não-saturado, saturado no labora- Na Fig. 8, encontram-se os pontos correspon-
tório e saturados remoldados. Note-se que o valor dentes à resistência ao cisalhamento, obtidos em
de ru entre 0,2 e 0,3 obtido em cálculo de perco- ensaios de cisalhamento feitos lentamente sobre
lação, coincide com o valor correspondente a c’ e amostras delgadas, em função das pressões nor-
ϕ’ médios obtidos em ensaio de cisalhamento direto mais. Esses ensaios foram feitos sobre amostras
sobre amostras saturadas. indeformadas extraídas de poços escavados na área
Eventualmente o solo residual em questão con- do escorregamento. Em seu estado natural eram
tém blocos de rocha; porém, admite-se que a sua amostras não-saturadas. Porém duas delas foram
resistência ao cisalhamento seja governada pelo
previamente saturadas (obtendo-se grau de satura-
solo, independentemente da existência de blocos,
ção da ordem de 95%) e uma delas foi remoldada e
uma vez que as superfícies de ruptura passam sem-
totalmente saturada.
pre pelo solo entre os blocos de rocha.
Portanto, poder-se-ia concluir que para o solo Observe-se que as envoltórias desses pontos
do topo do Monte Serrat - que é um solo residual de parecem apresentar um embarrigamento entre as
gnaisse com LL entre 45 e 33; LP entre l3 e N.P.; e pressões normais 0,5 e 2 kg/cm2, o qual diminui
porcentagem de argila (φ < 2µ) entre 2 e 8; e com com a saturação das amostras, tendendo para uma
índice de atividade entre 6 e l,6 - tendo um ângulo reta de 36° de inclinação a partir da origem das
de atrito interno efetivo de cerca de 38° e uma coordenadas. Isto sugere que o efeito da não-satu-
coesão efetiva da ordem de 2t /m2, seria levado a ração dos solos arenosos residuais in situ é o do
ruptura pela presença de uma pressão neutra, ex- aparecimento de uma coesão proveniente de uma
pressável pela relação u = 0,27 γ h proveniente da espécie de cimentação dos grãos, a qual é destruída
percolação da água da chuva. As pressões neutras pela água de saturação, podendo chegar ao limite de
destruição completa, a ponto do solo vir a compor- encosta de gnaisse fraturado, a qual ficou exposta
tar-se como areia. logo após o escorregamento. Esse escorregamento
Note-se, pelo gráfico da Fig. 8, que a envoltória foi assimilado ao deslizamento de um manto de 7 m
média entre 0,5 e 3 kg/cm2 das duas amostras, em de espessura sobre uma superfície rija e imper-
seu estado natural, não-saturado, pode ser repre- meável, como mostra a Fig. 9. A interpretação
sentada pela reta tendo c’ = 0,4 kg/cm2 e ϕ’ = 42°; original do fator deslanchante desse escorregamen-
enquanto a envoltória média das duas amostras to é de que este foi decorrente de pressões neutras
saturadas, no mesmo intervalo de pressões, o será provenientes da percolação da água paralelamente
pela reta c’ = 0,2 kg/cm2 e ϕ’ = 38°. O remolda- à superfície da rocha, ao longo do manto de solo
mento com completa saturação levaria à destruição residual.
total da coesão efetiva e um ângulo de atrito efetivo As envoltórias de ensaios de cisalhamento di-
de 36°. reto feitos sobre amostras indeformadas retiradas de
Foram ainda executados ensaios de compressão poços abertos no local, e sobre amostras previa-
triaxial não drenado sobre duas amostras indefor- mente saturadas e também remoldadas comple-
madas. Repetiu-se o ensaio sobre uma dessas pre- tamente saturadas, são semelhantes às encontradas
viamente saturada. Para as primeiras obteve-se, em no caso de Monte Serrat. O valor médio da coesão
média, cr = 0,6 kg/cm2 e ϕr = 24° enquanto a medida e ângulo de atrito interno efetivos das amostras em
da última foi cr = 0,8 kg/cm2 e ϕr = l8°; ainda aqui seu estado natural, no mesmo intervalo de pressões
para o intervalo de pressões entre 0,5 e 3 kg/cm2. acima referido, foi c’ = 0,3 kg/cm2 e ϕ’ = 41°. Com
Repetidos esses ensaios com amostras remoldadas, a saturação, o valor da coesão e do ângulo de atrito
obteve-se: para o estado natural, cr = 0,5 kg/cm2 e permanecem essencialmente os mesmos. Com o
ϕr = l9,5°; para a amostra remoldada e saturada, remoldamento, a coesão e o ângulo de atrito ainda
cr = 0,5 kg/cm2 e ϕr = 9° para o mesmo intervalo de permanecem semelhantes ao das amostras satu-
pressões. radas (cr = 0,3 kg/cm2; ϕr = 38°).
O segundo caso foi o do escorregamento do Foram também executados ensaios de compres-
morro da Caneleira, consistindo no deslizamento de são triaxial não drenados sobre as amostras colhidas
um manto de solo residual, cuja espessura estava no local. O valor médio obtido para o estado natural
entre 2 e 7 m, repousando sobre uma íngreme foi cr = 0,7 kg/cm2 e ϕr = 22°; para corpos de prova
tadas por um tratamento asfáltico superficial. As galvanizados com paredes perfuradas de 2”,
canaletas descendentes e as valas ao longo das cravados quase horizontalmente no terreno por
bermas foram protegidas com paredes com fundo máquinas perfuratrizes. Foi possível, então, estabi-
de concreto. lizar a massa de detritos escorregados e completar
Durante a execução desse taludamento, no fim o taludamento com taludes de 1:1 com bermas a
de agosto de 1960, ocorreram problemas de estabili- cada 12,5 m de altura.
dade. O primeiro foi numa grota atrás do edifício da Aliás, esse mesmo método foi utilizado com
casa de força, onde as águas provenientes do Morro sucesso para estabilizar uma área na cota 500 da Via
eram retidas por um solo de alteração de migmatito Anchieta, envolvendo a estabilidade de dois via-
de baixa resistência e pouco permeável. Esse mate- dutos e um muro de arrimo. O terreno era constituí-
rial começou a mover-se, como um “tálus”, durante do por um depósito coluvial de 4 a 8 m de espessura
a escavação no pé do mesmo até romper-se, quando sobre um solo residual de alteração de micaxisto,
o talude escavado atingiu cerca de 30 m de altura conservando sua estrutura original. A rocha sã ou
com inclinação de 35°. Uma retro-análise indicou pouco alterada encontra-se a cerca de 60 m de
c’ = 0,2 kg/cm2, ϕ’ = 35° e ru = 0,35. Resolveu-se profundidade. No início da estação chuvosa de
então tratar o problema da mesma forma que foram 1964 ocorreram fortes escorregamentos nessa área,
os “tálus” da Usina da Light e da cota 90 da Via abrangendo um volume de solo da ordem de
Anchieta, embora aqui o volume do maciço em 200.000 m3. De dezembro de 1964 a julho de 1965
movimento fosse muito menor. Entretanto, ou por o movimento do colúvio foi de mais de 25 m.
isso mesmo, não se utilizaram os túneis de dren- Chegou-se à conclusão de que tal movimento era
agem; porém a drenagem foi realizada por tubos causado pela infiltração de águas da chuva e, por-
Amostra γnat h S
A 1,85 t/m3 29% 82%
1 1,81 t/m3 32% 95%
B 1,68 t/m3 19% 57%
2 1,57 t/m3 28% 60%
3
7 1,63 t/m 19% 53%
8 1,54 t/m3 28% 54%
Figura 11. Gráficos de atividade e plasticidade dos solos das encostas do Morro Tapera-Piaçaguera.
Figura 12. Escorregamento no Morro Tapera (II) por trás da estação de tratamento de água (maio de 1962).
tras de deformação por cisalhamento, no ponto N chuva violenta, porém fora do período chuvoso, o
da Fig. 9, leva a um valor desprezível. solo não estaria totalmente saturado, conforme vê-
No caso do escorregamento III do Morro Tapera se pelos graus de saturação de amostras indefor-
(vide Fig. 13), a ruptura, tendo acontecido após madas extraídas do local (vide Fig. 11). Se
admitirmos uma saturação média de cerca de 80%, regamentos nos morros internos da cidade do Rio
então a reta de pressões neutras por deformação de de Janeiro. Tais ocorrências repetiram-se em 17 e
cisalhamento será: ur = (σ3 - 0,2) 0,5. Estimando-se 19 de fevereiro, com chuvas de 250 mm em dois
tais pressões no centro e nos bordos da superfície dias. Uma descrição fenomenológica dessas ocor-
de ruptura da Fig. 13-a, por meio do traçado dos rências foi comunicada por Barata ao 5º Congresso
círculos de Mohr, como está indicado na Fig. 13-c, Internacional de Mecânica dos Solos, realizado no
chega-se à conclusão que tais pressões são despre- México (Barata, 1969).
zíveis (vide na Fig. 13-a os valores de uf) No mesmo Congresso, Costa Nunes apresentou
Por outro lado, o cálculo das pressões neutras de uma descrição do que ocorrera na Serra das Araras,
percolação devido à infiltração da água da chuva
na Via Dutra, a cerca de l00 km do Rio, na noite de
leva a um valor do coeficiente médio de pressão
22/23 de janeiro, quando um temporal de 218 mm
neutra ru, semelhante ao obtido pelo gráfico da Fig.
13-b (ru = 0,4). atuou sobre as encostas da Serra (Costa Nunes,
1969). Literalmente, a chuva torrencial demoliu
5. Ocorrências Catastróficas no Rio de hidraulicamente a cobertura de solo das encostas.
Janeiro e Avalanches das Serras de Trata-se de mantos de solos de alteração de gnaisse
Caraguatatuba e das Araras e micaxistos que deslizaram pela encosta abaixo,
Os anos de 1966 e 67 foram catastróficos no que num estado de liquefação completa do solo. Teste-
se refere a escorregamentos de terra, tanto na cidade munho dessa liquefação foi o fato de que numa
do Rio de Janeiro como ao longo da Serra do Mar, encosta adjacente, em Fontes, onde existe uma usi-
entre Rio e São Paulo. Nos dias 11 a 13 de janeiro na hidroelétrica da Light, a lama liquefeita conse-
de 1966, com chuvas que somaram cerca de guiu entrar para dentro da casa de força subterrânea
300 mm nesses três dias e depois no dia 26 de e introduziu-se dentro do próprio enrolamento dos
fevereiro com 100 mm/dia, ocorreram vários escor- geradores elétricos.
ao longo das superfícies potenciais de ruptura, tam- No fim de 1975 e começo de 1976, após 14 h de
bém as resistências a tração desses materiais. chuvas intensas, outro escorregamento, liquefazen-
Uma das ocorrências mais espetaculares, na do uma massa de blocos e solos de alteração à
Serra de Cubatão, é de um tipo todo peculiar entre montante do antigo viaduto, passou por baixo desse
escorregamentos de rocha e solos e avalanches. É o e veio destruir completamente o viaduto inferior e
caso da Grota Funda, onde grandes blocos de rocha, atingir o apoio do viaduto de concreto.
envolvidos em lama liquefeita, deslizaram de tal O movimento da massa de blocos e lama atingiu
maneira desfeitos que atravessaram um pequeno uma velocidade de cerca de 25 km/h e fluiu como
vale por debaixo de um viaduto antigo, e os grandes um líquido ao longo da grota, vindo depositar-se em
blocos de rocha como que bombardearam um outro várias alturas da Serra, formando como que o leito
viaduto de estrutura metálica existente a jusante do de pedras de um riacho.
primeiro, derrubando-o. Ele ocorreu em 25 de feve- Uma descrição desse escorregamento foi feita por
reiro de 1971, sob chuva de 38l mm/dia. O viaduto Morgenstern (1978) em uma sua conferência em
derrubado foi reconstruído ainda em estrutura me- Bangkok, publicada no Geotechnical Engineering.
tálica. Paralelamente a ele foi construído, mais tar- O conhecimento adquirido, até esta época, das
de, outro viaduto de concreto. ocorrências de escorregamento ao longo da Serra
z = at ⁄2 + bt
1
chuva de apenas alguns mm por dia já é suficiente
para saturar um solo argiloso.
onde a e b são coeficientes que dependem do grau
Milton de Mattos conclui que, após a infiltração,
de saturação do solo antes da infiltração, de seu
índice de vazios, da intensidade da chuva, da sucção a redução de c’ e ϕ’ ao longo da superfície da onda
capilar e da condutividade hidráulica do solo - a de encharcamento - a qual corresponderá a um
qual, para os solos saturados, confunde-se com a limite entre a zona superior saturada e a zona infe-
sua permeabilidade. Uma conclusão importante do rior ainda não saturada e, portanto, de alta resistên-
estudo de Milton de Mattos é que para saturar o solo cia a cisalhamento - pode levar à ruptura sem a
será necessário que a intensidade da chuva, em necessidade de qualquer pressão neutra de perco-
centímetros por segundo, seja igual ou superior a lação ou deformação por cisalhamento. Assim, a
sua permeabilidade. Donde se conclui que uma frente de encharcamento pode ser prevista calcu-
lando-se uma superfície de ruptura (com fator de sua resistência. Um re-estudo desse fenômeno foi
segurança l) utilizando os parâmetros de resistência apresentado por Abramento, com a colaboração de
a cisalhamento do solo saturado. Carvalho, ao 12º Congresso Internacional de Me-
Comprovando as conclusões de Morgenstern e cânica dos Solos (Abramento e Carvalho, 1989).
Mattos, mas aparentemente sem ter conhecimento Nesse trabalho os autores apresentam resultados de
destas, Wolle, Guidicini, Araujo e Pedrosa, na pu- ensaios triaxiais com sucção controlada que
blicação do IPT n° 1079, posteriormente resumida mostram como a resistência a cisalhamento pode
numa comunicação na 3ª Conferência Internacio- variar com as pressões de sucção:
nal de Geologia de Engenharia (Wolle et al., 1978),
descrevem um escorregamento planar ocorrido du- S = c’ + (σ − ua) tgϕ’ + α(µa − uw)β
rante a construção da Rodovia dos Imigrantes. Na Continuando a análise de escorregamentos pla-
Fig. 15 está reproduzido um desenho do trabalho nares rasos na Serra do Mar, Wolle e Carvalho
acima citado, mostrando a situação. publicaram um trabalho na revista Solos e Rochas,
Trata-se de um escorregamento ocorrido na noi- onde apresentam análise da estabilidade de taludes
te de 29/30 de dezembro de 1975, durante uma baseados em ensaios de compressão triaxial com
precipitação chuvosa intermediária entre as medi- sucção controlada, e medidas in situ da pressão de
das em duas estações meteorológicas de 241 e sucção (Wolle e Carvalho, 1989). Nesse trabalho
130 mm, no dia da ocorrência. A espessura da eles concluem que o fluxo da água nas camadas
massa planar escorregada era de apenas 1 m, atin- superficiais é vertical e portanto não origina
gindo apenas a cobertura coluvial do talude; mas a pressões neutras de percolação. A redução da suc-
massa, cujo volume foi estimado em cerca de ção devida à saturação é a causadora da redução da
2.000 m3, deslocou-se cerca de l50 m serra abaixo. resistência a cisalhamento e, portanto, da instabili-
A retro-análise da ocorrência foi feita com base em dade do talude.
um gráfico de coesão e atrito efetivos, necessários Na Fig. 16 foi reproduzido um perfil geológico
para a ruptura (coeficiente de segurança unitário) da área estudada pelos autores do trabalho acima
sobre o qual colocaram-se os valores de c’ e ϕ’ citado, pela qual pode-se verificar a plausibilidade
obtidos em ensaios de cisalhamento direto, sobre do fluxo vertical, em vista da pequena espessura da
corpos de prova nas condições naturais de campo e camada superficial e a natureza da rocha subjacente,
previamente saturadas. A maioria dos valores de c’ mostrando xistosidade e fraturamento quase verti-
e ϕ’ nas condições naturais colocou-se acima da cal.
curva c’-ϕ’ (para FS = 1) necessários para equilíbrio Além disso, os autores mostram que a redução
limite. Pelo contrário, a maioria de c’ e ϕ’ saturados da resistência pela infiltração da água precisa ocor-
colocaram-se abaixo dessa curva. A conclusão ti- rer em faixas de largura considerável. Para com-
rada pelos autores foi que: lº) nas condições naturais provar isso fazem uma análise tridimensional, a
a estabilidade do manto de coluvio já era precária e qual mostra que o fator de segurança atinge a unida-
que a instabilidade deu-se por simples saturação, sem de somente quando a largura da faixa de desliza-
desenvolvimento de pressões neutras; 2º) a saturação mento é maior que 9 m, no caso em que não há
está associada às chuvas intensas que ocorreram na resistência adicional devida ao reforço das raízes.
noite do escorregamento. As larguras das múltiplas faixas escorregadas
Para esclarecer essa perda de resistência ao cisa- observadas na Serra estão entre 9 e 25 m, confir-
lhamento dos solos residuais após saturação, Abra- mando essa conclusão. A mesma argumentação
mento levou avante uma pesquisa no Laboratório sobre o mesmo caso foi retomada por Wolle e
de Solos do IPT do qual resultou sua Dissertação de Hachich (1989), em comunicação ao 12º Con-
Mestrado, defendida na EPUSP (Abramento, gresso Internacional de Mecânica dos Solos. Entre-
1988). Mostrou ele que os solos não saturados das tanto, nessa última comunicação é feita uma análise
encostas da Serra do Mar, no seu estado natural, das mínimas durações de chuva necessárias para
estão sujeitos a uma sucção (pressão neutra negati- fazer avançar a frente de encharcamento. Os autores
va) que lhes confere alta resistência; porém, ao se encontravam uma boa concordância entre os
saturarem, anula-se essa sucção e os solos perdem parâmetros admitidos e a pluviosidade prevista.
Note-se porém que a sucção (pressão neutra profundidade abaixo da superfície e A e B são
negativa) explica taludes estáveis; porém, no caso constantes.
de escorregamentos de solos saturados, a coesão é As retro-análises feitas tinham por finalidade
necessariamente reduzida. Mas as deformações por determinar os valores dos coeficientes de pressão
cisalhamento devem dar lugar a pressões neutras neutra: ru = u/γh necessários para o limite de equi-
que irão influenciar o fenômeno, a não ser que elas líbrio dos taludes (FS = 1). Essas retro-análises
sejam nulas. Esse é um ponto ainda a pesquisar. mostraram possibilidades das pressões neutras se-
Um trabalho sobre a questão em discussão foi rem nulas, positivas ou negativas. Assim, não se
apresentado à 12ª Conferência Internacional de pôde generalizar nem a suposição de que essas
Mecânica dos Solos, por Fontoura et al. (1989), sejam sempre e necessariamente provenientes da
reanalisando alguns deslizamentos em solos resi- percolação da água, ou das deformações por cisa-
duais de gnaisse, com o propósito de estimar as lhamento, e nem generalizar a idéia de que sempre
pressões neutras mobilizadas pela ruptura do a instabilização dos taludes da serra sejam devidas
talude. Foram feitas retro-análises de seis casos a simples anulação da sucção e redução da coesão.
publicados na literatura técnica, usando a teoria Escorregamentos do tipo descrito por Wolle
desenvolvida por Fredlund e Morgenstern para a ocorreram também nas encostas dos morros de
resistência a cisalhamento de solos parcialmente Hong-Kong. Sobre esses há uma comunicação ao
saturados. 10º Congresso Internacional (Brand, 1981). Nesse
Os autores adotam a expressão de Fredlund para trabalho, o autor mostra que se o solo não-saturado
o cálculo da coesão aparente: é compressível, como é o caso de solos porosos da
c = c’ + (ua − uw)tgϕ’b + (σ − ua)tgϕ’ Serra do Mar, então a coesão é praticamente anu-
lada pela saturação. Mas se são solos dilatantes,
onde c’ e ϕ’ são a coesão e o ângulo de atrito efetivo, como pode ser o caso dos solos de alteração de
que podem ser obtidos em ensaios de cisalhamento rocha (saprólitos) compactos, é possível o apare-
direto em corpos de prova submersos, ua e uw são cimento de pressões neutras de deformação por
respectivamente a poro-pressão do ar (que eles ad- cisalhamento, negativas.
mitem nula, supondo que o ar nos poros está em
conexão com a atmosfera) e a pressão neutra na
8. Efeitos das Chuvas
água dos poros; tg ϕ’b um parâmetro empírico, que Desde os primeiros estudos de Terzaghi sobre o
os autores admitem ser igual a l5° na falta de infor- escorregamento do “tálus” na casa de força de Cu-
mações. Para calcular uw em função da profundi- batão, em 1948, tinha se estabelecido a idéia de que
dade eles usam a expressão uw = AhB, onde h é a os escorregamentos ocorreriam no final das
estações chuvosas, quando o solo já estivesse satu- onde po é a pluviosidade acumulada até o dia ante-
rado, e durante ou logo após uma chuva intensa - a rior do episódio de chuva intensa (exclusive); pn a
qual se admitiu ser da ordem de 100 mm/dia. pluviosidade acumulada até a data n dias anterior
Com os escorregamentos de 1963, em Santos, e ao episódio; e n é o número de dias que decorrem
de 1967, no Rio de Janeiro e nas Serras das Araras entre as duas datas. Traçando os gráficos de gp em
e de Caraguatatuba, com observações pluviométri- função dos dias anteriores a várias ocorrências, os
cas observadas, esse critério veio a ser confirmado, autores avaliaram a importância dos últimos 3, 7,
com dois acréscimos. Primeiro que os escorrega- 15, 30, 60, 90 e 120 dias anteriores aos episódios.
mentos de rocha poder-se-iam dar fora das estações Chegaram à conclusão de que a maior importância
chuvosas; segundo que, com precipitações maiores era dos 3 e 7 últimos dias antes do episódio.
que cerca de 50 mm/hora, ocorreriam avalanches de Introduziram ainda dois coeficientes, Cc e Cw,
material totalmente liquefeito, eventualmente ar- para poderem correlacionar dados pertencentes a
rastando consigo blocos de rocha. diferentes áreas:
Uma comprovação objetiva da correlação entre Coeficiente de ciclo:
eventos pluviométricos e ocorrências de escorre-
pr ecipitaçãoacumuladaaté a data do episódio
gamento foi obtida durante os trabalhos de con- Cc =
média anualde pluviosidade
tenção de encostas e estabilização de taludes desen-
volvidos pela Themag Engenharia, ao longo do
Coeficiente do episódio:
trecho da Serra da Mairinque-Santos. O desenho da
Fig. 17 mostra um gráfico pluviométrico, elaborado r egistr opluviométr icodo episódio
Cw =
a partir de dados do posto pluviométrico Gaspar média anual de pluviosidade
Ricardo, próximo ao trecho da ferrovia em questão,
abrangendo o período de setembro de 1975 a junho Além disso definiram como coeficiente Cf a
de 1977. Observe-se que inevitavelmente após ou soma dos dois coeficientes acima definidos.
durante chuvas de mais de 100 mm/dia, ocorridas Os autores chegaram à conclusão que a obser-
entre outubro e abril de cada ano, havia um escor- vação de um episódio de chuva não trás esclare-
regamento. Ao lado do gráfico encontra-se a des- cimento suficiente sobre seu efeito. Daí a necessi-
crição de cada uma das ocorrências. Observe-se que dade de levar em conta a pluviosidade anterior. Para
do dia 30 de dezembro de 1975 a 31 de janeiro de isso, os autores prepararam um gráfico em que
1976, as chuvas foram de 280 a 390 mm/dia oca- colocam coeficientes Cf em função das datas do ano
sionando eventos catastróficos, classificados como observados na centena de locais onde ocorreram
“uma série ininterrupta de ocorrências em toda a (Fig. 18). Esses dados são indicados por sinais
serra jamais vista nos últimos anos”. As ocorrências correspondentes aos locais em que foram obser-
de janeiro de 1977, com precipitações entre 190 e vados. Os pontos onde houve escorregamento de
300 mm/dia foram graves; porém, não tanto quanto terra simultâneos a essas observações pluviométri-
as de janeiro do ano anterior, talvez como decorrên- cas foram assinalados por um círculo, sendo que os
cia das medidas preventivas então já tomadas. pontos em que tais eventos foram considerados
Mas somente em 1976 Guidicini e Iwasa em- catastróficos estão assinalados por um círculo mais
preenderam, no IPT, uma pesquisa completa sobre escuro.
a correlação entre pluviosidade e escorregamentos Depois disso foram traçadas curvas de coefi-
em nove regiões do território brasileiro, onde acon- ciente de pluviosidade total Cf em função das datas
teceram 101 episódios de chuvas intensas simul- a partir de julho, tais que, na Faixa A (de maior
tâneos com ocorrências de deslizamentos de terra e coeficiente de pluviosidade), caem 100% dos even-
rocha (Guidicini e Iwasa, 1976). Para a análise tos catastróficos. Na Faixa B ainda se colocam 50%
desses dados os autores definiram um “gradiente de desses eventos catastróficos. Nas Faixas B e C
pluviosidade gp”: colocam-se 33% dos escorregamentos, os quais não
são considerados catastróficos, enquanto na última
po − pn faixa, de menor gradiente de pluviosidade, não
gp = x 104
po . n ocorreu nenhum escorregamento.
1) Ocorrência em outubro - 1975 (dia 12). Corte em rocha alterda com deslizamentos atingindo a linha (km94/16)
2)Ocorrência em novembro - 1975 (dia 17). Novos deslizamentos no km 94/16 atingindo a linha.
3) Ocorrência em novembro - 1975 (dia 30). Novos deslizamentos no km 94/16 atingindo a linha.
4) Ocorrências em janeiro/março - 1976. Iniciou-se no dia 20/1/1976 uma série interminável de ocorrências em toda a serra jamais vista
nos últimos anos, conforme registro a seguir: quatro aterros com rupturas totais atingindo a linha; vinte e três aterros com rupturas
parciais e erosões não atingiram a linha; oito cortes com deslizamentos de volumes consideráveis atingiram a linha; quatro cortes com
deslizamento de menor volume não atingiram a linha; quatro locais com deslizamento de encosta natural atingiram a linha; dois locais
onde houve entupimento de bueiros com material provindo de enc. natural, causando estragos pela passagem de água na plataforma.
5) Ocorrências em setembro/outubro - 1976. Ruptura na encosta natural atingindo a linha (km 78/6) e deslizamentos generalizados.
6) Ocorrências em dezembro - 1976 e janeiro - 1977. Agravamento de um dos locais em que houve entupimento de bueiro em jan./76,
quase causando a ruptura total do aterro (km 80/5). Em jan./77 houve deslizamentos no km 79 e agravamento no km 73/5.
7) Ocorrência em abril - 1977. Agravamento nos km 78/6 e 73/5.
Figura 18. Correlação entre coeficiente Cf e ocorrência de escorregamento nos meses do ano (Apud Guidicini e Iwase, 1976).
Para fins de previsão de escorregamentos, os escorregamentos de uma forma geral e não particu-
autores prepararam um gráfico semelhante, porém lar para cada local. Assim, coloquei no gráfico da
em função do coeficiente de pluviosidade do ciclo Fig. 19-a o número de ocorrências de chuvas de
Cc, que não incluiu a chuva final, durante ou logo mais de l00 mm/dia nos meses de setembro a junho,
após a qual dá-se o escorregamento. Assim, não observados por Guidicini e Iwasa e no mesmo
incluindo essa, seria possível prever (se ela viesse a gráfico as porcentagens de ocorrências de desli-
ocorrer) a maior ou menor probabilidade de um zamento nos mesmos meses. Note-se que nos meses
deslizamento catastrófico ou não. O que se encon- de janeiro e fevereiro foram observados 21 casos de
trou na disposição dos dados pluviométricos ante- chuvas de mais de 100 mm/dia, e que em 47%
riores ao evento foi exatamente semelhante ao que desses casos ocorreram escorregamentos. Os meses
se observara no gráfico anterior. Desta forma, mos- onde há mais probabilidade de ocorrerem desli-
trava-se possível o preparo de gráficos semelhantes zamentos são de dezembro a fevereiro.
baseados em registros pluviométricos de áreas onde Entretanto, como na Fig. 19-b foram colocadas
se temem ocorrências de escorregamento, para ser- o número de precipitações de mais de 100 mm/dia
virem de cartas de periculosidade nessas áreas. em função da precipitações acumuladas desde
Dessa forma, os autores prepararam cartas de peri-
julho, dividida pela média anual, então verificar-se-
culosidade para nove áreas do território nacional,
á que quando esse índice alcança o valor 1, há 50%
onde haviam registros pluviométricos e observa-
de probabilidade de deslizamentos; mas quando ele
ções de ocorrências de escorregamentos de terra.
Assim, se em cada uma dessas regiões forem é maior que 1,25 essa probabilidade é total.
colocadas nas cartas, diariamente, as precipitações Em suma, esses gráficos mostram definitiva-
acumuladas, a partir de julho, obter-se-ia uma curva mente que quando há chuvas de mais de
de pluviosidade. Quando essa curva penetrar na 100 mm/dia entre dezembro e fevereiro de cada
faixa B, haverá 50% de probabilidade de uma ocor- ano, haverá cerca de 46 a 47% de probabilidade de
rência de escorregamento. Se ela atingir a faixa A ocorrerem escorregamentos das encostas das serras.
esse perigo é eminente. Mas quando a precipitação acumulada desde julho
Aproveitando os dados de Guidicini e Iwasa, chega a 25% superior a média anual então há
procurei uma maneira de prever a probabilidade de “certeza” de algum evento que pode ser catas-
Figura 19. Gráficos de probabilidade de escorregamentos após chuvas de mais de 100 mm/dia traçados a partir de dados de Guidicini
e Iwase (Publicação no. 1080 - IPT).
trófico. Naturalmente isso se dará no final da época zamentos. Chegaram então a determinar, pelo
chuvosa. método dos mínimos quadrados, a expressão da
Na década dos anos 80 o IPT. retomou suas curva:
investigações sobre a correlação entre chuvas e
escorregamentos, porém agora restritos à Serra de I(AC) = 2603 AC −0.933
Cubatão. Tatizana et al. (1987) apresentaram ao 5º
Congresso Brasileiro de Geologia da Engenharia os onde I(AC) é a intensidade (em mm/hora) acima da
resultados dessas pesquisas em dois trabalhos que, qual deve ocorrer escorregamento quando a precipi-
na realidade, formam um só. tação acumulada dos quatro dias anteriores for AC
Servindo-se de um pluviógrafo, instalado na (em mm). Naturalmente, isso sera válido para a área
Curva da Onça na Via Anchieta, os autores, pela da Serra de Cubatão pesquisada. Em outras áreas o
primeira vez, tentaram correlacionar intensidades coeficiente de proporcionalidade K = 2603 e o
de precipitações, em mm/hora, e precipitação acu- índice a = -0,933 serão outros pois eles dependerão
mulada nos quatro dias precedentes ao evento, com tanto das condições geográfico-geológicas, como
a ocorrência de escorregamentos. Foram colocadas da pluviometria peculiares a cada região, além do
num gráfico as intensidades e precipitações acumu- tipo de movimento de terra acontecido. Aliás, no
ladas em quatro dias, de vários eventos pluviométri- trabalho em discussão, os autores diferenciam qua-
cos, entre os quais haviam os que provocaram tro envoltórias, conforme o tipo de movimento de
escorregamentos. Os autores traçaram então ma- terra: escorregamentos induzidos K = 2603; escor-
nualmente uma curva dividindo os casos sem regis- regamentos esparsos K = 3579; escorregamentos
tro de escorregamento dos em que ocorreram desli- generalizados K = 5466; e corridas de lama K =
l0646, sendo o índice de potência sempre o mesmo, 70, os engenheiros especializados em Mecânica dos
a = -0,933. Solos começaram a estudar, sob o ponto de vista
No trabalho em questão nada é dito sobre a mecânico, os efeitos do deflorestamento. Um dos
época do ano em que há maior probabilidade de primeiros trabalhos publicados sob esse enfoque foi
escorregamentos de terra. Limita-se a considerar a o de Brown e Shen (1975), pela ASCE. Os autores
pluviosidade acumulada de chuva em quatro dias iniciam seu trabalho referindo-se aos quatro modos,
anteriores ao evento, silenciando sobre o fato, sobe- reconhecidos por Gray, em que a vegetação influe
jamente comprovado, de que a maior probabilidade sobre a estabilidade: lº) reforço da resistência do
desses acontecimentos dá-se no final da época chu- solo pelas raízes; 2º) sobrecarga devida ao peso da
vosa, fevereiro ou início de março. Guidicini e vegetação; 3º) tensões de cisalhamento nos solos
Iwasa já tinham notado que as acumuladas de três devidas a ação do vento sobre as árvores; 4º) modi-
dias anteriores ao evento eram as de maior peso na ficação do solo e no nível da água subterrâneo pelas
determinação da probabilidade do escorregamento, mudanças sofridas pela cobertura vegetal. Incorpo-
mas não deixaram de lado que essas ocorrem prefe- rando essas quatro condições à teoria do desli-
rencialmente no fim da estação chuvosa. Assim, zamento visco-plástico de uma cobertura de solo,
para a finalidade de prevenção, parece mais prático sobre um talude uniformemente inclinado de rocha
adotar o modelo das curvas de periculosidade de (já mencionada anteriormente quando tratou-se dos
Guidicini e Iwasa, em que os registros de precipi- escorregamentos de “tálus”), os autores desenvol-
tações são acumulados a partir do mês de julho vem uma teoria geomecânica da estabilidade de
anterior. taludes, levando em conta a existência de vege-
No segundo trabalho os autores estendem sua tação. Os autores chegam à conclusão que a remo-
investigação da envoltória dos escorregamentos, ção de árvores do talude melhora sua estabilidade,
acima mencionada para outros setores da escarpa da tanto pela diminuição da sobrecarga sobre os mes-
serra, onde as condições geotécnicas, incluindo as mos como pela remoção das tensões provenientes
geológicas, geomorfológicas, declividade e co- do vento sobre as árvores. Por outro lado, o apodre-
bertura vegetal e sua degradação, são diversas. En- cimento das raízes é desfavorável à estabilidade. A
contraram então que os coeficientes K eram elevação do nível da água pela queda da evapotrans-
diferentes para cada área e para cada tipo de escor- piração, decorrente do desmatamento, também
regamento. aumenta a instabilidade. Assim, o efeito da de-
gradação da cobertura vegetal das encostas seria
9. Efeitos da Degradação da ambíguo.
Cobertura Vegetal Prandini et al. (1976) discutiram em profundi-
Os efeitos do deflorestamento sobre a estabili- dade todos os aspectos da questão e divulgaram os
dade dos taludes das encostas naturais é questão resultados de sua pesquisa, sobre publicações ante-
muito discutida, principalmente devido ao seu cará- riores, em alentado trabalho publicado na revista
ter interdisciplinar. Pois de um lado os geotécnicos Construção Pesada, chegando a conclusão de que
estão acostumados a estudar a estabilidade dos ta- a “atuação da floresta se dá no sentido de reduzir a
ludes em termos de parâmetros geomecânicos e, do intensidade da ação dos agentes do clima no maciço
outro lado, os ecologistas impressionam-se mais natural, de modo favorável à estabilização das en-
pelos aspectos da destruição ou degradação das costas”. Dessa forma, o desmatamento de uma en-
florestas, sem darem enfase às propriedades geotéc- costa é prejudicial à sua estabilidade.
nicas dos solos. Não há dúvida que há a evidência Em 1985 ocorrem escorregamentos na Serra de
da degradação da cobertura vegetal coincidir com Cubatão, nos quais é notório que, além das chuvas,
escorregamentos generalizados das encostas, mas a destruição da cobertura vegetal, devida à poluição
há, também, casos observados de grandes escorre- da área pela indústria local e o uso inadequado do
gamentos, deflagrados por chuvas violentas, em terreno das encostas, eram fatores de instabilização.
regiões cobertas por florestas. Nesses casos a terra A respeito desses acontecimentos organizou-se, em
e os blocos de rocha carregavam consigo enormes 1987, um simpósio sobre “Ecossistemas da Costa
troncos de árvores. Contudo, a partir da década de Sul e Sudeste Brasileiro”, no qual Aziz Ab’Saber
(1987) apresentou um substancial trabalho, cujas mente. Quanto à classe das avalanches ainda não há
contusivas observações a respeito da necessidade teoria mecânica aceita como verdadeira.
de proteger as encostas e prevenir o perigo de vidas Tentou-se mostrar que a correlação entre plu-
humanas nas áreas urbanizadas da serra basearam- viosidade e escorregamentos é patente. De uma
se nas ocorrências catastróficas de 1985. Confir- forma geral, os escorregamentos são mais prová-
mando as preocupações externadas nesse simpósio, veis durante ou após chuva violenta, no final da
nos primeiros meses de 1988 há trágicos aconteci- estação chuvosa, pois nessa ocasião a coesão e o
mentos relativos a deslizamentos de encostas em ângulo de atrito interno efetivos reduzem-se a valo-
Petropólis, Rio de Janeiro e Ubatuba, induzidos res mínimos. É de se notar, entretanto, que em
pelo uso inadequado de áreas urbanas. certos casos, para explicar-se a ocorrência, é ne-
cessário ainda levar em conta pressões neutras. No
10. Conclusões caso específico de taludes, em solos não saturados,
Por tudo que se tentou descrever acima, pode-se estáveis devido ao efeito de sucção, rompem ao
chegar à conclusão que os escorregamentos obser- sofrerem escavações exageradas em seu pé - o que
vados na Serra do Mar classificam-se em quatro deslancha ruptura progressiva, onde as pressões
grupos: lº) os dos movimentos visco-plásticos len- neutras de deformações por cisalhamento adquirem
tos, desde os simples rastejos até os movimentos papel importante no conhecimento.
dos “tálus” deflagrados por escavações em seus pés; Finalmente, tentou-se mostrar que, além das
2º) os dos escorregamentos ao longo de superfícies chuvas, são agentes de instabilização: a destruição
bem determinadas de ruptura, desde os deslizamen- da cobertura vegetal devida à poluição da área ou
tos planares de camadas superficiais de encostas ao desmatamento predatório, e o mau manuseio do
muito inclinadas até as rupturas rotacionais profun- solo devido ao uso inadequado do terreno das en-
das que se dão preferencialmente nos topos dos costas. Assim, ações humanas, desde a poluição
morros, onde as espessuras dos solos de alteração industrial até a construção mal projetada de es-
de rocha são mais profundas; 3º) os escorregamen- tradas, como também favelas, sem os cuidados ne-
tos de rocha, desde os deslizamentos de cunhas ou cessários, são também fatores de instabilização.
placas de rocha, ao longo de superfícies de fratura Em novembro de 1992, a ABMS e a ABGE,
ou descontinuidade, até os escorregamentos de com o apoio da Prefeitura da Cidade do Rio de
maçicos rochosos muito fraturados, ou a queda de Janeiro e das universidades sediadas no Rio e nas
grandes blocos de rocha; e 4º) as avalanches ou cidades próximas, realizaram a lª Conferência Bra-
corridas de lama, por completa liquefação de sileira Sobre Estabilidade de Encostas (1992), onde
camadas terrosas superficiais ou por grandes mas- foram apresentados e discutidos 56 trabalhos de
sas de lama e blocos de rocha. especialistas de todo o território nacional. Os trabal-
O mecanismo de instabilização do primeiro gru- hos foram reunidos em três temas: Técnicas de
po baseia-se na teoria das deformações visco-plásti- Estabilização de Encostas e Casos Históricos; Téc-
cas dos taludes. O dos casos do segundo grupo, nicas de Instrumentação, Ensaios de Campo e Labo-
prendem-se a teorias do equilíbrio limite, envol- ratório e Parâmetros Geotécnicos; e Métodos e
vendo de um lado redução ou eliminação do parâ- Análises de Estabilidade, Mapeamento e Condi-
metro de coesão da resistência a cisalhamento, por cionantes Geo-Ambientais.
efeito de saturação e conseqüente anulação do efei- Trata-se de uma quantidade de informação so-
to de sucção (pressão neutra negativa, e do outro, o bre estabilidade de encostas que, se por um lado,
efeito do desenvolvimento de pressões neutras em vem completar e confirmar o progresso dos conhe-
função tanto das deformações por cisalhamento cimentos nesse assunto, já adquiridos pela engenha-
sofridas pelo solo durante a ruptura, como as pres- ria nacional, por outro, devido ao seu grande
sões neutras provenientes da percolação da água número, exigirão ainda muito tempo para serem
oriundas das chuvas. Na classe dos escorregamen- estudados a fundo a fim de propiciarem a troca de
tos de rocha, somente o caso simples de desli- informações entre os nossos especialistas na ma-
zamento ao longo de superfície de fratura ou téria. De qualquer forma os Anais dessa conferência
descontinuidades pode ser analisado mecanica- são testemunho de que já existe uma tecnologia
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Recebido em 24/7/1998
Aceitação final em 21/5/1999
Discussões até 31/10/1999