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A UTILIZAÇÃO DE ABRIGOS ROCHOSOS NO LITORAL E SERRA DO

MAR NO ESTADO DO PARANÁ: POTENCIAL ARQUEOLÓGICO E


PROCESSOS FORMATIVOS

Patrícia Norma Lasota Moro 1


Laercio Loiola Brochier 2
Antônio Carlos Mathias Cavalheiro 3
Elói Bora 3

Palavras chave: abrigos sob rocha cristalina; ocupação humana; arqueologia


do litoral do paraná

Introdução

Este trabalho visa contribuir para o entendimento do processo de ocupação humana


do litoral paranaense, tendo por enfoque a utilização pré-colonial e histórica de abrigos
rochosos cristalinos existentes em determinados compartimentos ambientais serranos e
costeiros. O estudo constitui parte da pesquisa de mestrado acadêmico da primeira autora e
que se direciona para a prospecção e escavação arqueológica do Abrigo Cubatão, disposto
no sopé da Serra do Mar, no fundo da baia Guaratuba, litoral do Paraná. Por sua vez, a
recente localização de outros abrigos rochosos contendo vestígios culturais no litoral norte,
suscitou a ampliação do escopo da pesquisa. Neste caso, incorporando o levantamento de
informações que propiciem uma melhor compreensão sobre as características dos abrigos

1
Mestranda do Programa de Pós Graduação em Antropologia e Arqueologia- Apoio CAPES.
2. Centro de Estudos e Pesquisas Arqueológicas - Universidade Federal do Paraná, Departamento de
Antropologia
3 EPPC – Estudos e Projetos em Patrimônio Cultural
rochosos e os processos formativos naturais e culturais incidentes sobre esta categoria de
sítio arqueológico ainda pouco conhecida.
A pesquisa em cavernas e abrigos rochosos constitui uma das abordagens mais
reconhecidas na literatura arqueológica, definindo uma categoria específica de sítios
arqueológicos denominados “abrigados” ou “sob abrigo”. Entretanto, a maior parte desses
trabalhos concentram-se em cavidades formadas a partir de rochas carbonáticas, areníticas e
quartzíticas (ARAÚJO, 2008). Neste sentido, são poucas as referências na história da
arqueologia brasileira sobre a presença de registros culturais em cavidades naturais
cristalinas (ex. MENTZ RIBEIRO, 1997), em especial aquelas formadas pelo ajuntamento
de blocos de rochas ígneas e metamórficas, tais como granitos, gnaisses e migmatitos. A
baixa incidência de pesquisas se relaciona possivelmente ao desconhecimento dos processos
formativos neste tipo cavidade, as formas de ocorrência e grau de preservação sedimentar e
arqueológica relacionados. Muitos dos abrigos rochosos cristalinos se dispõem em locais de
pouco controle prospectivo, já que resultam muitas vezes do empilhamento “acidental” de
blocos e matacos em sistemas de encostas. As áreas abrigadas formam-se a partir
de processos erosivos e intempéricos, e que atuam nas zonas de fraquezas ou de acomodação
existentes entre os maciços rochosos (TOMAZZOLI et al., 2011), formando espaços vazios
relativamente estreitos ou rasos, passíveis de ocupação e uso humano. Apesar do caráter
aparentemente fortuito, estudos espeleológicos em áreas cristalinas vêm demostrando que a
ocorrência não se dá totalmente ao acaso, embora sejam necessários mais estudos
e levantamentos prospectivos a fim de compreender muitos aspectos sobre a gênese e
evolução de tais cavidades (ZAMPAULO et al., 2007; MOCHIUTTI e TOMAZZOLI,
2019). O potencial de utilização antrópica deste tipo de caverna e o grau de preservação
arqueológica associada aos espaços internos e externos ainda é muito pouco conhecido, em
especial nas cavidades e matacões cristalinos que se encontram em meio às encostas ou
afloramentos de maior declividade, umidade e densa cobertura vegetal, a exemplo da Serra
do Mar e morrarias de interface costeira. Entretanto, alguns trabalhos nessas áreas vêm
apontando situações promissoras de pesquisa e que já resultaram na identificação de
vestígios e estruturas arqueológicas conservadas, incluindo camadas conchíferas (malaco
fauna de sambaquis), ossadas humanas, pinturas rupestres, entre outros (BENDAZZOLI et
al, 2009; BANDEIRA et al., 2018).
No litoral do Paraná até o momento foram identificados sete abrigos rochosos
contendo vestígios de interesse arqueológico, porém em nenhum deles foram feitas
escavações arqueológicas (BROCHIER, 2023 comum. pessoal). Um refere-se ao Abrigo do
Cubatão em Guaratuba, no litoral sul do Estado, onde se observou na base do
abrigo fragmentos cerâmicos e material lítico possivelmente pré-coloniais (BROCHIER,
2002). Por sua vez, no litoral norte, outras cavidades rochosas vêm sendo recentemente
cadastradas (EPPC, 2023) e que apresentam a incidência de vestígios conchíferos, ósseos,
líticos e cerâmicos, além de grande potencial para ocorrências similares em subsuperfície.
Este é o caso dos abrigos rochosos Ilha Gamelas I, II e III localizados na ilha homônima, no
município de Guaraqueçaba. Ambos os abrigos estão próximos a costões rochosos e
pequenas enseadas, apresentando vestígios malacológicos e cerâmicas históricas
depositados sobre a superfície do terreno abrigado. Esses sítios estão muito próximos a
outros, como sambaquis, sítios ceramistas pré-coloniais e históricos, sugerindo formas de
uso concomitantes, porém diferenciadas daquelas amplamente reconhecidas no litoral
paranaense (CHMYZ, 2012). Neste trabalho serão trazidas algumas informações recolhidas
até o momento obtidas sobre esses registros verificando igualmente a literatura geológica e
espeleológica pertinente aos processos de formação de cavernas e abrigos rochosos
cristalinos no Brasil. A fim de contextualizar arqueologicamente os referidos sítios sob
abrigo, e considerando que ainda não foram pesquisados sistematicamente, também serão
descritas oportunamente as informações disponíveis sobre o sítio Abrigo Furnas em Ilha
Bela, litoral norte paulista (BENDAZZOLI et al, 2009) e as pesquisas no Sambaqui Sob
Rocha Casa de Pedra em São Francisco do Sul (BANDEIRA et al., 2018, entre outros). Cabe
ressaltar, que o Abrigo Cubatão em Guaratuba constitui o único abrigo cristalino com
vestígios arqueológicos até o momento localizado no sopé da Serra do Mar e, portanto, em
compartimento ambiental diferenciado em relação aos demais registros aqui discutidos.
A formação geológica de abrigos cristalinos

O estudo de cavidades naturais formadas em rochas cristalinas segundo Ávila et al.


(2019), representa apenas 3% do levantamento de cavernas no país. As rochas cristalinas
aqui consideradas compreendem majoritariamente às ígneas e metamórficas plutônicas, tais
como granitos e granitoides, gnaisses e migmatitos, diabásios, entre outras, e que podem ser
caracterizadas pela granulação média a grosseira (minerais visíveis a olho nu, portanto) e
muito pouco solúveis se comparadas às cavernas carbonatadas. O baixo índice de
cadastramento espeleológico também pode ser explicado por tendências históricas de
pesquisa, já que em geral foram privilegiados os estudos das cavidades carbonáticas (ou
mesmo aquelas em litologias não carbonáticas, como arenitos, quartzitos e rochas
ferruginosas), e que geralmente apresentam maiores dimensões e grande diversidade
morfológica e ecossistêmica. Só mais recentemente, as pesquisas em cavernas cristalinas
vêm sendo consideradas como de grande relevância, apesar do desconhecimento ainda
existente sobre suas características e gêneses (ZAMPAULO et al. 2007). Conforme
Mochiutti e Tomazzoli (2019) e citando também outros autores, a morfologia
de cavernas cristalinas está relacionada a história geomorfológica regional e a evolução da
paisagem e topografia montanhosa, considerando ainda, a riqueza da geodiversidade e
biodiversidade existentes nesses ambientes (MOCHIUTTI e TOMAZZOLI, op cit., p. 19).
Considerando a literatura geológica e espeleológica, a formação de cavidade
naturais cristalinas pode ser entendida a partir de duas vertentes de entendimento e que
podem estar interrelacionadas. Por um lado, a formação dos abrigos e lapas resultaria do
rolamento, empilhamento e desplacamento de rochas em vertentes de serras e morros, onde
são comuns processos de escorregamento (ex. queda de blocos, fluxo de detritos), e a
formação de rampas coluviais nas encostas. As feições mais comumente associadas referem-
se à exposição rochas resultante de depósitos de tálus ou matacões ou ainda, leques
aluvionares. A depender do tipo de tálus envolvido (TUPINAMBÁ et al. 2014) as rochas
serão alteradas e arredondadas por ação do intemperismo, a exemplo das decomposições
esferoidais, e por processos erosivos e de transporte. Os abrigos irão se formar nos espaços
entre os matacos e juntas. As cavidades evoluem geralmente a partir do sistema de diaclases
(fraturas e falhas) ou lineamentos composicionais pré-existentes (que podem influenciar na
morfologia dos matacos). Também há fatores de deposição de solos e sedimentos, que muitas
vezes são retidos nas bases dos abrigos. Uma segunda vertente apregoa que os abrigos não
seriam formados a partir do deslizamento dos matacões, mas sim gerados em seus lugares
de origem, pelos processos de intemperismo e erosão já citados (ROMANI e RODRIGUES,
2007; ÁVILA et. al, 2019; GONÇALVES et al., 2011). Há também fenômenos de dissolução
esfoliação e/ou intemperismo cavernoso (tafoni) que podem produzem cavidades ou
depressões em domos cristalinos escarpados, como no Pão de Açucar e na Pedra da Gávea,
RJ (BIGARELLA, et al., 2007).
O formato ou geometria dos abrigos cristalinos depende, segundo alguns autores,
das posições dos sistemas de juntas e diaclases (FINLAYSON e HAMILTON-SMITH, 2003
citado por ÁVILA et al, 2019). Os abrigos que possuem juntas verticais teriam passagens
mais altas, estreitas e retilíneas, enquanto aqueles com juntas inclinadas e sub-horizontais,
as passagens seriam mais baixas e largas (ÁVILA et al, 2019, p.193). Em um estudo voltado
aos processos geológicos incidentes em sítios arqueológicos sob abrigos rochosos da Serra
do Espinhaço Meridional em Minas Gerais, Kuchenbecker (2019), aponta que a geometria
das lapas e grutas desenvolvidas em rochas metassedimentares (predominantemente
quartzitos e xistos, no caso dos abrigos ocupados), refletiria a interação entre processos
superficiais (intemperismo e erosão) e características específicas de cada rocha, como
composição e fatores geológico-estruturais Para o autor,
(...) todos os processos geológicos envolvidos na gênese destas rochas (a saber:
sedimentação, diagênese, metamorfismo e deformação) influenciam sua
composição e estruturação, e estas características, por sua vez, exercem forte
controle nos processos de intemperismo e erosão que, em última instância, dão
origem às formas de relevo propícias à ocupação humana. (KUCHENBECKER,
2019 p.10).

Deste modo, torna-se relevante entender os contextos geológicos, geomorfológicos


e arqueológicos específicos onde ocorrem e se desenvolvem abrigos cristalinos no litoral
paranaense, ou mesmo em outras áreas do estado (PARELLADA, 2015), possibilitando a
compreensão dos fatores naturais e culturais incidentes sobre a formação do registro
arqueológico nessas cavidades até o momento registradas.

Abrigos cristalinos e processos evolutivos costeiros


O litoral do Paraná apresenta características propícias para a ocorrência de
cavidades naturais com potencial arqueológico. Tanto as áreas de morros e ilhas junto a
costa, quando a cadeia montanhosa da Serra do Mar, são dotadas de variadas condicionantes
para a formação de cavernas e abrigos cristalinos (HARDT, 2003 citado por ÁVILA et.al.,
2019), parte dos quais propícios a ocupação humana. Adicionalmente, torna-se necessário
considerar que as paisagens costeiras e serranas das baías de Guaratuba, Paranaguá e
Guaraqueçaba apresentaram no seu passado geológico diferentes configurações e processos
hídricos, geomorfológicos, ecológicos, etc., que afetaram a gênese e desenvolvimento de
abrigos cristalinos. Neste sentido, torna-se necessário compreender a estrutura, dinâmica e
evolução da paisagem, a fim de compreender os fatores que podem influenciar a formação
das cavidades naturais e do registro arqueológico nelas inserido. Os principais fatores
regionais referem-se às mudanças paleogeográficas, paleoclimáticas e eustáticas, muitas das
quais capazes de afetar as estratégias de ocupação e mobilidade humana em períodos pré-
coloniais.
Conforme Wagner (2022), muitos sambaquis costeiros no Litoral do Paraná foram
formados quando o nível marinho holocênico estava acima do atual. Esta elevação teve seu
ápice situado entre 5.800 e 5.000 AP (Antes do Presente), com a cota máxima atingindo
cerca de +3.5 ±1m e manutenção de uma tendência de cotas mais elevadas até 3.500 AP,
quando começa a recuar de forma mais significativa até o nível médio do mar atual
(ANGULO; LESSA; SOUZA, 2009). Wagner sugere que a concentração de sambaquis
ativos nesta região denotaria um povoamento mais intenso entre 4.960 ± 110 e 2.980 ± 130
A.P., conforme as datas obtidas para os sambaquis de São João e Godo, respectivamente.
Entretanto, as cotas de base destes sambaquis não são superiores a 1,5m em relação ao nível
médio do mar atual, o que poderia indicar fatores não tão restritivos a ocupação humana em
períodos transgressivos (WAGNER, 2022 p. 97). Outro aspecto refere-se às mudanças
importantes na geografia do litoral com prováveis consequências na interação dos grupos
humanos com paisagem pretérita, como rotas de deslocamento e dinâmicas de ocupação,
incluindo os abrigos rochosos. Muitas ilhas atualmente existentes devem ter sido
parcialmente afogadas pela elevação marinha, fazendo com a ação de águas salinas, ondas e
correntes penetrassem continente adentro, eventualmente atingindo afloramentos e depósitos
de matacos (a exemplo, dos atuais costões rochosos). Por sua vez, esses mesmos
processos podem ter favorecido à formação de espaços abrigados. Por outro lado,
verdadeiros corredores de ocupação e movimentação humana podem ter sido ativados ou
desativados durante a elevação e posterior recuo do nível do mar. Um exemplo compreende
a proposta de Oliveira e Horn Filho (2001), cujos estudos sugerem que a “paleobaia” de
Guaratuba, no holoceno médio, estendia-se até o vale do Rio São João, no sopé da Serra do
Mar, e que juntamente com o Rio Cubatãozinho formavam um eixo transversal a baia, como
a conhecemos hoje. Desta forma, a região entre o Rio São João (PR) e o Canal do Palmital
(SC), formaria um corredor favorável à circulação das populações sambaquieiras na região.
O abrigo Cubatão, um dos focos desta pesquisa, está justamente nas proximidades desse
corredor antigo, onde também são encontrados inúmeros registros de sambaquis
(BROCHIER 2002, 2009).
Desta maneira, torna-se importante verificar a influência dos variados fatores
evolutivos costeiros na formação de cavidades cristalinas e na configuração do registro
arqueológico. Tais processos atingiram o sopé da Serra do Mar, onde está situado o Abrigo
Cubatão, que possivelmente foi gerado pela formação de um extenso depósito de tálus, de
idade ainda não conhecida. Nesta mesma área, a presença do maior depósito de leque
aluvionar do litoral paranaense (Leque do Cubatão) sugere dinâmicas climáticas e
geomórficas distintas das atuais e atuantes provavelmente até o Holoceno Médio (BESSA et
al, 1997; BROCHIER, 2009). Estes processos podem ter propiciado condições para a
formação de depósitos sedimentares junto ao abrigo, com potencial de preservação dos
sucessivos registros referentes à ocupação humana na interface litoral-planalto.
Sítios arqueológicos em abrigos cristalinos: uma primeira aproximação com
foco no litoral paranaense
Neste tópico, são apresentadas algumas informações sobre a presença de sítios
arqueológicos abrigados no litoral paranaense, possibilitando na sequência da pesquisa, uma
avaliação dos processos formativos naturais e culturais nesta categoria de sítios, ou ainda,
de controles preditivos para a localização de novas cavidades potenciais. Neste sentido,
apenas serão descritos os dados gerais até o momento levantados em fases preliminares de
campo.
Abrigo do Cubatão, Guaratuba

O Abrigo sob Rocha Cubatão foi localizado durante o levantamento arqueológico


da APA de Guaratuba (Brochier, 2002), nas proximidades do Rio Cubatão que constitui um
dos principais rios tributários da baia de Guaratuba. Formado na baixa encosta (sopé da Serra
do Mar) o abrigo resulta do empilhamento de grandes matacos de rochas gnaissico-
migmatiticas, detendo em sua base excelentes condições para ocupação humana e retenção
de solos e sedimentos (Foto 1). No local ocorrem extensas plantações de banana e nas
proximidades estradas e residências de moradores. O potencial arqueológico do abrigo foi
demostrado pela ocorrência em superfície de cerâmica e líticos indígenas, possivelmente
pré-coloniais, associados à tradição ceramista Itararé (Foto 2). Entretanto, considerando que
a cerca de 15 km do abrigo Cubatão também foram localizados vestígios líticos, incluindo
pontas de projéteis, existe a possibilidade desse sítio sob abrigo apresentar camadas
arqueológicas mais profundas associadas a ocupações distintas. Caso venha a se confirmar
a presença de vestígios líticos da tradição Umbu nas camadas inferiores do sítio, será
possível relacioná-lo com as ocupações pesquisadas no limite entre o planalto Curitiba e a
Serra do Mar, como o Sítio Céu Azul 2 cujas datas mais recuadas são do Holoceno inicial
(NUNEZ SILVA, 2022).
Um aspecto importante refere-se ao entorno do abrigo, onde ocorrem inúmeros
matacos e blocos com elevado grau de arredondamento, cujos solos presentes na base
também apresentam vestígios cerâmicos e possivelmente uma estrutura subterrânea, ambos
relacionados a presença dos povos Jê Meridionais (BROCHIER, 2002 e BROCHIER, 2023
comum. pessoal). Os matacos mais isolados, apesar não formarem áreas abrigadas, detém
paredes verticais ou inclinadas (algumas em negativo) cujo piso apresenta grande potencial
arqueológico. A incidência de sedimentos no abrigo resulta da entrada de coluviões e
possivelmente do carreamento por ação de águas de chuva. Esses sedimentos foram
parcialmente retidos no interior do abrigo pela diminuição da declividade e pela ocorrência
de um bloco rochoso alinhado perpendicularmente ao escoamento pluvial. Por sua vez, há
evidência de escoamento laminar e linear no interior da cavidade,
sugerindo algum retrabalhamento de vestígios arqueológicos na superfície. Ainda não
foram realizadas medições precisas do sítio, mas no total, considerando a área abrigada e o
entorno com matacos e provável estrutura subterrânea, apresenta uma área de 70 x 50 m
(BROCHIER, 2002).

Foto 1: Abrigo Cubatão, onde se visualiza a área Foto 2: Fragmentos de vasilhames


abrigada e o piso plano onde foram encontrados cerâmicos e um lítico polido/picoteado
vestígios cerâmicos e líticos. Fonte: Moro (2022). localizados na superfície do piso do Abrigo
Cubatão. Fonte: Brochier (2002).

Abrigos da Ilha das Gamelas, Guaraqueçaba

As cavidades naturais existentes na Ilha das Gamelas fazem parte de um complexo


de abrigos rochosos cristalinos localizados por Antônio Cavalheiro durante o levantamento
e recadastramento arqueológico do município de Guaraqueçaba (EPPC, 2023). Situam-se a
leste da referida ilha, entre 6 e 35 m da linha de costa aproximadamente e são constituídos
por blocos e matacos de rochas gnaissicas-migmatiticas. Além do levantamento realizado
por Antônio Cavalheiro e Elói Bora, também foram feitas avaliações realizadas por Laercio
Brochier e Patrícia Moro que procuraram registrar características como a forma e orientação
dos abrigos, ocorrências arqueológicas e processos formativos nas áreas internas e externas.
O abrigo rochoso Ilha das Gamelas 1 (Foto 3) constitui o conjunto de duas
cavidades pequenas, uma delas apresentando dimensões de 5,4 x 2,8 m na área interna e 1,5
m de altura na média. Nesta cavidade, que dista cerca de 35 metros da linha d’água, foi
localizado um fragmento de cerâmica manufaturada histórica. A segunda cavidade, bem
próxima de um pequeno manguezal (6,5 m) apresentou dimensões de 3 x 2,5m e cerca de
1,9 m de altura. No piso e parte externa do abrigo foi possível verificar a presença de valvas
de ostras e berbigões abertas, sugerindo deposição antrópica.
O abrigo rochoso Ilha das Gamelas II, constitui o maior dos abrigos, com área
interna principal de cerca de 13 x 6 m e altura variando de 1,2 m a 4 metros de altura (Foto
4). Está disposto na baixa encosta de depósito de grande matacos arredondados,
apresentando ao menos três áreas cobertas. Ao todo suas dimensões podem chegar a 43 x 22
metros aproximadamente. No interior da área abrigada foram encontrados registros
conchíferos, composto por valvas de Crassostrea sp. e Anomalocardia brasiliana, além
cerâmicas manufaturadas, possivelmente históricas (Foto 5). O piso é parcialmente
inclinado em área onde ocorrem de afloramentos na base, e plano, no setor mais elevado,
com solos planos e secos. A piso da porção mais baixa da área abrigada está a cerca de 1,5
metros de altura da maré alta (EPPC, 2023).
Foto 3: Abrigo Rochoso Ilha das Gamelas I. Foto de Foto 4: Abrigo Rochoso Ilha das Gamelas II.
uma das áreas abrigadas contendo valvas de ostras e Foto da área abrigada onde ocorreram valvas
berbigões no piso. Fonte: EPPC (2023) de ostras e berbigões no piso, além de
cerâmicas manufaturadas.Fonte: EPPC (2023)

Foto 5: Abrigo Rochoso Ilha das Gamelas II. Foto de Foto 6: Abrigo Rochoso Ilha das Gamelas
um fragmento cerâmico encontrados na base do abrigo. III. Atividade de registro. Fonte: Antônio
Fonte: Antônio Cavalheiro (2023). Cavalheiro (2023).

Por fim, foi revisitado o Abrigo Rochoso Ilha das Gamelas III, onde realizou-se
medidas e estudos da forma do abrigo área (Foto 6). A cavidade apresentou dimensões
médias, sendo caracterizada por duas áreas estreitas e orientação perpendicular entre elas:
uma com cerca de 3,7 x 3,5 metros, e altura acima de 2 metros e outra, mais alongada com
cerca de 6,2 x 1,7 m na sua dimensão máxima e altura por volta de 1,5 metros. Na frente de
ambas as cavidades foi possível distinguir uma camada contendo valvas de Ostras em aclive,
sugerindo prolongamento do depósito em profundidade.
Considerações preliminares sobre o estudo da ocupação de abrigos cristalinos
no litoral paranaense

No presente estudo foram realizados levantamentos de dados primários e


secundários que vem possibilitando registrar os locais de ocorrência e as características
gerais das cavidades naturais cristalinas no litoral do Paraná, atentando ainda para o estudo
dos seus processos formativos, incluindo a verificação do grau de preservação sedimentar e
arqueológica e os tipos de registros culturais encontrados.
Dos estudos em andamento um dos primeiros aspectos refere-se à relação entre a
presença de cavidades cristalinas e seu potencial arqueológico, possibilitando entre outros a
geração de parâmetros preditivos para a localização de novos abrigos. No caso da
potencialidade arqueológica estão sendo verificadas algumas variáveis ambientais
relacionadas a formação natural dos abrigos, tais como tamanhos, formas, declividade do
piso, presença de sedimentos/solos, proximidade de nascentes e manguezais, altura em
relação ao nível do mar, etc. Outro aspecto refere-se ao entorno desses abrigos, onde
normalmente também são encontrados inúmeros matacos e blocos, e que apesar de não
formarem cavidades, constituem locais propícios a presença de vestígios arqueológicos. Por
fim, a observação de materiais culturais na superfície dos abrigos já possibilita definir a
priori, uma elevada potencialidade arqueológica. Nestes casos, os estudos permitem criar
parâmetros mais seguros para análise da relação entre a formação e evolução geológica dos
abrigos e os processos de formação do registro arqueológico. Espera-se ao longo desta
pesquisa, a geração de informações capazes de reconhecer alguns controles
geoarqueológicos (BROCHIER e AFONSO, 2007) incidentes na formação de abrigos
cristalinos e nas características do registro arqueológico em pelo menos dois compartimentos
litorâneos: 1) no sistema de ilhas e morros, geralmente associados a costões rochosos e; 2)
no sistema de encostas da Serra do Mar, nas proximidades de leques aluvionares e na base
de extensos depósitos de tálus.
Conclusão
Esse resumo pretendeu abordar a fase inicial da pesquisa de mestrado e as
considerações relevantes para o entendimento da ocupação humana em Abrigos sob Rocha
cristalinos no litoral do Paraná.
A ampliação do escopo da pesquisa, anteriormente centrada apenas no Abrigo do
Cubatão, ao sul do estado, se dá por entender que o estudo dos abrigos no norte do litoral
pode acrescentar valiosas contribuições para o entendimento do deslocamento das
populações pretéritas e mesmo para a sua caracterização.
O litoral do Paraná tem grande potencial arqueológico ainda inexplorado. As
particularidades geográficas das duas formações aqui demonstradas, ambas em regiões de
baías (Guaratuba e Paranaguá), sendo o Abrigo do Cubatão no sopé da Serra do Mar e os
Abrigos das Gamelas em uma ilha, formam um contexto interessante e único, sendo também
um dos diferenciais da pesquisa aqui apresentada.
Ao suscitarmos o potencial de utilização antrópico desses abrigos, pretendemos
contribuir para o entendimento dos vestígios arqueológicos resultantes da sua ocupação e
com isso para o entendimento da movimentação humana no estado.
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