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CORRELAÇÃO ESTRATIGRÁFICA DA “FORMAÇÃO BARREIRAS” NO

NORDESTE E NORTE DO BRASIL

STRATIGRAPHIC CORRELATION OF THE “BARREIRAS FORMATION” IN


NORTHEASTERN AND NORTHERN BRAZIL

DILCE F. ROSSETTI1, ANA M. GÓES2 & VALERIANO, M.M.1


1
Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais-INPE, Rua dos Astronautas 1758-CP 515, 12245-970 São José dos Campos-SP
(rossetti@dsr.inpe.br)
2
Universidade de São Paulo-USP, Instituto de Geociências - Programa de geologia Sedimentar e Ambiental Rua do Lago,
562, 05508-080 São Paulo, SP (goes@igc.usp.br)

A análise de depósitos sedimentares baseada no mapeamento de fácies (sensu Walker, 1990) em combinação
com os princípios da estratigrafia seqüencial (p.e., Vail et al., 1977; Posamentier et al., 1988; Van Wagoner et
al., 1988, 1990), é essencial para a reconstrução de sistemas deposicionais e entendimento da evolução de sua
arquitetura estratal. Apesar de limitações impostas pelas condições naturais de exposição, pesquisas aplicando-se
esse enfoque tem tido grande sucesso para o entendimento da evolução sedimentar de depósitos terciários no
norte do Brasil. Pelo seu caráter preditivo, a estratigrafia de seqüências tem grande aplicabilidade até mesmo em
casos onde as sucessões sedimentares apresentam-se incompletamente preservadas, como é o caso dos depósitos
miocênicos do norte do Brasil, representados pelas formações litoestratigráficas Pirabas e Barreiras. Esta
abordagem possibilitou a organização arquitetural dos estratos, levando ao entendimento de sua evolução no
contexto de variações do nível do mar e da história tectônica (Rossetti 2000, 2001, 2004, 2006; Rossetti e Santos
Jr., 2004), dado o estabelecimento de critérios de correlação em escala interbacinal.
Com base nos estudos disponíveis, foi possível limitar a seqüência deposicional Pirabas/Barreiras no
norte do Brasil a depósitos intergradacionais siliciclástico-carbonáticos e siliciclásticos de idade miocênica
inferior a média, que ocorrem entre duas discordâncias marcadas por paleossolos lateríticos de extensão regional
no norte do Brasil. Estes depósitos se diferenciam de outros estratos siliciclásticos mais jovens, para o qual se
reservou a designação informal de Sedimentos Pós-Barreiras.
Dada a grande abundância de falésias costeiras contendo depósitos descritos como pertencentes à
Formação Barreiras no litoral nordeste brasileiro e a importância em se proceder com correlações regionais,
Rossetti (2006) salientou a necessidade de se proceder com estudos objetivando reconhecimento de superfícies
de descontinuidade chaves, a título de refinamento estratigráfico dessa unidade e correlação com os estratos
descritos no norte do Brasil.
Investigação recente enfocando depósitos da Formação Barreiras expostos no nordeste do Brasil, ao
longo da faixa litorânea compreendida entre os estados do Ceará e Alagoas, permite considerações preliminares
sobre a estratigrafia desses depósitos e sua possível analogia com estratos correlatos expostos no norte do Brasil.
De modo geral, o arcabouço proposto para essa região acha-se reproduzido no litoral nordeste, embora tenha se
verificado que os depósitos Pós-Barreiras estejam melhores desenvolvidos e, portanto, mostram um arranjo
estratigráfico mais complexo.
Na base da sucessão, bem representada no Estado de Alagoas em diversas falésias a sul de Maceió,
ocorrem arenitos e argilitos, que são correlacionáveis com a unidade estratigráfica 2 de Rossetti (2000, 2004).
Similarmente àquela unidade, os estratos em questão são limitados no topo por superfície de descontinuidade.
Esta é marcada por seixos de quartzo arrendados, além de arenitos e argilitos ferruginosos. Onde esta superfície
é sobreposta em argilitos, observam-se abundantes marcas de raízes com diâmetros de até 20 cm. Arenitos,
argilitos e conglomerados contendo uma diversidade de feições sedimentares e icnológicas atribuídas a correntes
de maré, como apresentado em trabalho a parte neste congresso, se sobrepõem a esta superfície. Esses estratos
gradam para cima a arenitos grossos e conglomerados com origem tanto fluvial, quanto fluvial influenciado por
maré. O volume de depósitos fluviais e fluviais influenciados por maré aumenta em direção norte, sendo bem
representados em falésias dos Estados da Paraíba e Rio Grande do Norte, onde eles ocorrem desde a base das
falésias. Esses estratos são correlacionados com a unidade estratigráfica 3 de Rossetti (2000, 2004), a qual
também consiste em sucessões sedimentares estuarinas que gradam para cima a depósitos fluviais como
conseqüência da transladação de ambientes deposicionais mais proximais sobre estuarinos durante os estágios
finais de período de mar alto. Ainda, como verificado no norte do Brasil, os depósitos estuarino-fluviais da
Formação Barreiras são limitados em seu topo por superfície de descontinuidade contendo paleossolo laterítico
onde o nível concrecionário apresenta-se sob forma de colunas verticais que atingem até 4 m de espessura, mas o
qual pode apresentar diferentes graus de preservação ao longo das falésias. Lateralmente, o horizonte laterítico
pode ainda desaparecer, embora a superfície de descontinuidade se prolongue sistematicamente por toda a
extensão dos afloramentos. Esta superfície estratigráfica é relacionada com a superfície estratigráfica S4 de
Rossetti (2004), atribuída à queda do nível do mar Tortoniano e equivalente em tempo à superfície de Velhas
Superior de Aleva (1981) e Valenton (1999). A presença dessa superfície estratigráfica em mesmo
posicionamento estratigráfico e com características similares no nordeste do Brasil serve como confirmação
adicional de seu caráter regional como já proposto para a região norte do Brasil.
É interessante verificar que os depósitos que se acham sobrepostos à discordância com concreções
lateríticas acima descrita se apresentam bem mais diversificados e espessos no litoral nordeste relativamente ao
norte do Brasil, onde são conhecidos genericamente como Sedimentos Pós-Barreiras. Como observado por
Rossetti (2004), pelo menos dois episódios de sedimentação podem ser distinguidos nos Sedimentos Pós-
Barreiras, referidos como Pós-Barreiras I e II, e separados por outra superfície de descontinuidade (i.e.,
superfície S5). Em geral, muitas das falésias no nordeste do Brasil mostram esta mesma organização para os
estratos sobrepostos à Formação Barreiras. Porém, em uma grande variedade de localidades estes estratos são
mais variados e outras sucessões acham-se presentes, sempre separadas por superfícies de descontinuidade. Em
geral, esses estratos são melhor desenvolvidos onde a Formação Barreiras acha-se deslocada por falhas. Um bom
local para observar isto é o trecho de falésias a sul de Natal, entre Pipa e Cacimbinhas, onde depósitos da
Formação Barreiras ocorrem posicionados lateralmente com sucessões Pós-Barreiras. Neste caso, o contato se dá
por falha, sendo que os depósitos pós-Barreiras são mais diversificados sobre blocos rebaixados.
Um importante ponto a ser observado é o grande volume de bioturbação que ocorre associado aos
depósitos pós-Barreiras do nordeste do Brasil. A grande abundância de elementos icnológicos é, em parte,
responsável pelo aspecto maciço desses depósitos, bem como pelo seu forte endurecimento, que contrasta com
os depósitos em geral friáveis da Formação Barreiras, subjacente. Entretanto, como será documentado em
trabalho à parte neste congresso, o aspecto maciço de alguns depósitos se deve também à sua natureza
sedimentar, dominada por abundantes feições de deformação sin-sedimentar que forma um pacote de correlação
regional. O elevado volume de bioturbações e os tipos de traços observados, representados por uma abundância
em Skolithos, Ophiomorpha, Scolicia e Planolites, mostram que os depósitos Pós-Barreiras do litoral nordeste do
Brasil tiveram importantes contribuições marinhas, registrando episódios de elevação do nível do mar relativo de
pelo menos 30 m em algumas localidades. A presença de horizonte com deformação sindeposicional
regionalmente correlacionável, particularmente bem representado nas falésias a sul de Maceió (AL), entre as
praias de Pipa e Cacimbinhas e praia da Tabatinga (RN), praia de Jacarapé (PB), e praias de Retirinho, Fontes e
Morro Branco (CE), sugere importante evento de sismicidade durante a deposição desses estratos.

Referências

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