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Universidade de São Paulo

Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo

Giovanna Salatine

N°USP 10765103

RELATÓRIO DE BOLSA PUB:

PROJETO: “ Mapeamento de coleções etnográficas no Estado de São Paulo”

Relatório de atividades
entregue como bolsista PUB

Coordenadora: Profa. Marília


Xavier Cury

São Paulo - SP
Dezembro, 2023
I. Introdução

As coleções etnográficas são resultados de processos de coleta diversos, que


datam desde a virada dos séculos XIX e XX, durante o processo de colonização do
Oeste Paulista, até a política pública museal entre as décadas de 1950 e 1970, que
promoveu a criação dos “museus históricos pedagógicos” em todo o estado.
Contudo, tais coleções foram estruturadas a partir de visões e éticas museais que
não se aplicam na Museologia mais recente; requerendo uma revisão crítica do seu
papel social e político nas sociedades contemporâneas.
Ainda assim, as coleções etnográficas permanecem como fontes de pesquisa
e instrumentos de comunicação, memória e educação. O objetivo principal deste
projeto é compreender e analisar o universo das coleções etnográficas em museus e
instituições de pesquisa, em específico, do Estado de São Paulo sob a coordenação
da Prof. Dra. Marília Xavier Cury. A partir do estudo dessas coleções, busca-se
refletir sobre a produção do conhecimento antropológico e a relação entre as
coleções e as comunidades de origem das peças.
O mapeamento das coleções etnográficas também se insere na perspectiva
de compreensão do patrimônio cultural imaterial e da sua relevância para a
formação da identidade e da memória social. O projeto visa à organização do
trabalho por regiões e estados, possibilitando o conhecimento e divulgação de
coleções dispersas e pouco conhecidas. Cabe ainda frisar que os discursos em
constante disputa propiciam um panorama que nos desafia na busca por conhecer e
localizar tais coleções etnográficas, considerando a grande diversidade cultural do
estado e das coleções museológicas. Assim, todo o processo de pesquisa requer
uma abordagem crítica e reflexiva, que considere a perspectiva das comunidades de
origem das peças e os diversos atores envolvidos na sua formação e preservação.
II. Metodologia

A metodologia adotada para o projeto envolve duas etapas: a realização de


pesquisas documentais - preenchendo a Ficha A - e pesquisas de campo -
preenchendo a Ficha B. Cabe salientar que, dada a extensão geográfica e o diálogo
que pretende abarcar a pesquisa se estrutura por equipes de discentes. No caso do
recorte paulista, em 2023, cinco estudantes foram divididos entre regiões
administrativas.
A pesquisa documental consistiu na análise de registros e catálogos de
coleções e informações disponíveis na internet e em contato com as próprias
instituições. Enquanto isso, a pesquisa de campo envolverá, em fase posterior,
visitas às instituições detentoras das coleções e entrevistas com os profissionais
responsáveis. A partir desses dados e encontros, busca-se compreender o contexto
de produção e circulação das coleções, bem como o papel social e político dessas
instituições.
Ademais, em próximos passos, a pesquisa envolverá a elaboração de um
banco de dados com informações sobre as coleções mapeadas, que será
disponibilizado em plataforma online. Uma vez que o apagamento das culturas
indígenas foi e continua como parte de um projeto, que se reflete na cultura popular,
na educação formal em escolas, e, também em instituições museais; o objetivo
desse banco de dados é tornar as informações sobre as coleções etnográficas
acessíveis para pesquisadores, estudantes e demais interessados, bem como
contribuir para a divulgação do patrimônio cultural material e imaterial etnográfico,
visando o fortalecimento das relações de memória entre as instituições detentoras
das coleções, as comunidades de origem das peças e o público visitante.
III. Resultados

O projeto foi desenvolvido em um grupo de cinco discentes, a fim de


conseguir, assim, abarcar geograficamente todo o estado. O SISEM-SP (Sistema
Estadual de Museus) utiliza uma divisão das cidades em 13 Regiões Administrativas
(RA) e duas Regiões Metropolitanas (RM), e nesse sentido, cada integrante do
grupo escolheu uma RA para se debruçar na pesquisa. A seguir, na tabela, estão
listadas a divisão divulgada no site do SISEM:

Quadro 1 - Regiões Administrativas e Metropolitanas de São Paulo

RA/RM

RM São Paulo

RA Araçatuba

RA Barretos

RA Bauru

RA Campinas

RA Central

RA Franca

RA Marília

RA Presidente Prudente

RA Registro

RA Ribeirão Preto

RA São José do Rio Preto

RA São José dos Campos

RA Sorocaba

RM Baixada Santista

Fonte: SISEM-SP (2012)


O recorte da pesquisa aqui desenvolvido, diz respeito à RA de Araçatuba. No
Boletim Foco1, a SEADE apresenta os seguintes dados para a Região
Administrativa, de acordo com o Censo de 2010; a região possui 742 mil habitantes,
representando 1,8% da população residente no Estado de São Paulo em 2011. A
região é composta por 43 municípios, e 39,5% de sua população se concentra nos
municípios de Araçatuba e Birigui. Abaixo segue um mapa (Figura 1) dos municípios
pertencentes.

Figura 1 - Região Administrativa de Araçatuba

Fonte: Assembleia Legislativa e SEADE2

1
SEADE. Região Administrativa de Araçatuba. Boletim Foco. Secretaria do Emprego e Relações do
Trabalho do Estado de São Paulo. 2011. Disponível em
:<https://bibliotecadigital.seade.gov.br/view/linkPdf.php?pdf=10041485-1.pdf>. Acesso em: 10
abr. 2023.
2
Disponível em: <https://www.al.sp.gov.br/arquivos/iprs/2016/Aracatuba.pdf> Acesso em: 10 abr.
2023.
Apesar da numerosa quantidade de municípios, apenas quatro deles
possuem pelo menos uma instituição museológica. Araçatuba, Birigui, Penápolis e
Pereira Barreto - sobre esse último município há certa dificuldade em confirmar qual
a RA pertence: Araçatuba ou Noroeste, mas, até o presente momento, foi
enquadrada em nossa pesquisa desta maneira - são as quatro cidades que, juntas,
completam dez instituições. Estão elas listadas no quadro abaixo:

Quadro 2 - Instituições Museológicas por Município

Município Instituição

Birigui Museu Histórico Dr. Renato Cordeiro

Pereira Barreto Museu Histórico da Colonização de Pereira Barreto

Penápolis Museu Municipal do Folclore de Penápolis

Penápolis Museu Municipal São Francisco de Assis

Penápolis Museu Histórico e Pedagógico "Memorialista


Glaucia Maria de Castilho Muçouçah Brandão"

Penápolis Museu do Sol

Araçatuba Museu Histórico e Pedagógico Marechal


Cândido Rondon

Araçatuba Museu Ferroviário Moisés Joaquim Rodrigues

Araçatuba Museu do Som Imagem e Comunicação


Alcides Mazzini

Araçatuba MAAP Museu Araçatubense de Artes Plásticas

A princípio, preenchemos a ficha A, com as informações mais gerais que


conseguimos obter; como contatos e localização, se a instituição em questão é
pública ou privada, e, caso possível, se o acervo Afrobrasileiro, Arqueológico,
Histórico, Indígena, Religioso, Ribeirinho, Artístico, Caiçara, de Imigração, de Arte e
Cultura Popular, de Ciência e Tecnologia, Ciências Naturais.
Entre as quatro instituições pesquisadas na região noroeste de São Paulo,
podemos identificar a presença de diferentes tipos de acervo, tais como acervos
históricos, arqueológicos, artísticos e culturais. A maioria das instituições é mantida
pela iniciativa pública e tem como objetivo preservar a memória e o patrimônio
cultural da região. No entanto, há uma crescente preocupação com o processo de
desmonte e desvalorização dessas instituições, reflexo das políticas públicas
empreendidas - ou, no caso, não empreendidas - nos últimos anos, devido à falta
de investimento e à precariedade das políticas públicas para a cultura. Esse
processo tem causado a perda de peças importantes dos acervos e a falta de
manutenção adequada dos espaços museológicos, colocando em risco a
preservação da memória e da história da região.
Algumas das instituições museológicas mencionadas apresentam
características em comum, como a falta de recursos para a manutenção e ampliação
dos acervos. Um exemplo disso é o Museu Histórico de Pereira Barreto, que sofreu
um processo de desmonte e desvalorização ao longo dos anos, tendo seu acervo
reduzido e exposto em um espaço improvisado, com pouca estrutura e sem
acessibilidade. Outro caso é o Museu Histórico e Pedagógico de Araçatuba, que
passou por um processo de desocupação do prédio que abrigava a instituição, tendo
parte do acervo armazenado de forma inadequada e sem um espaço próprio para
exposição. Esses são exemplos do cenário de descaso com as instituições
museológicas no Noroeste Paulista, que reflete a falta de políticas públicas efetivas
para a cultura e a história local.
Apesar do contexto desfavorável, são encontradas ações e movimentos a
favor da valorização desses espaços. Em 2020, o acervo do Museu Histórico da
Colonização de Pereira Barreto, em um contexto de pandemia de covid19, foi
digitalizado e segue disponível em site para tuor virtual na instituição. Os artefatos
presentes no museu abrangem desde os povos indígenas, que ocupavam a região;
incluem vasos, urnas funerárias e um machado de pedra polida, que representam as
tradições típicas Tupiguarani e compõem uma coleção de grande raridade. Essas
peças foram descobertas em sítios arqueológicos durante o resgate realizado na
área da represa de Ilha Solteira, situada na bacia do Rio Paraná, em 1971.
Após a sua descoberta, esses artefatos foram datados e devidamente
acondicionados para fins de pesquisa científica, em contribuição com o Museu de
Arqueologia e Etnologia da USP, pois contribuem significativamente para a
compreensão do contexto histórico e cultural do grupo que habitava a região do
noroeste paulista há mais de 2 mil anos. Além disso, esses artefatos oferecem
fontes relevantes sobre o processo de colonização iniciado pelos japoneses na
região, que adquiriram parte das terras por meio da Sociedade Colonizadora do
Brasil em 1928.
Em 2021 o Museu Ferroviário Marechal Rondon, que encontrava-se fechado,
reabre para visitas. O próprio Museu Histórico e Pedagógico de Araçatuba teve seu
acervo realocado, para o MAAP - Museu de Artes Plásticas Araçatubense,
Utensílios, armas, acessórios, instrumentos musicais e outros objetos originais da
tradição indígena pertencentes ao acervo começaram a ser restaurados por
integrantes da Assindar – Associação indigenista de Araçatuba e região3, composta
principalmente por pessoas do Povo Terena Araribá.
O Museu Histórico e Pedagógico “Memorialista Glaucia Maria de Castilho
Muçouçah Brandão” em Penápolis, conta com uma biblioteca com acervo variado de
documentos, livros, fototeca, e, em parceria com a Unesp de Bauru, os jornais de
1910 a 1939 da cidade foram digitalizados e podem ser consultados; além de
possuir um banco de dados com registro de imigração de 3.000 famílias.
No próximo passo da pesquisa, pretende-se prosseguir com a coleta de
informações sobre as instituições museológicas presentes na Região Administrativa
de Araçatuba, a fim de realizar uma análise mais aprofundada sobre a inserção do
acervo de etnologia indígena nessa área. A partir de agora, a partir das informações
coletadas com a ficha A e das lacunas que o projeto ainda apresenta em algumas
regiões, o objetivo permanece em completar a ficha A das Regiões Administrativas
não pesquisadas e avançar para a ficha B, que permitirá coletar informações mais
específicas sobre os acervos das instituições.

3
ASSOCIAÇÃO Indigenista restaura acervo de museu araçatubense. Prefeitura Municipal de
Araçatuba. 2021. Disponível em:
<https://aracatuba.sp.gov.br/associacao-indigenista-restaura-acervo-de-museu-aracatubense/>
Acesso em 10 abr. 2023.
IV. Considerações

A etnologia, se desdobrando pela perspectiva indígena, tem possibilitado


também conhecer melhor os processos históricos de formação do país, dos seus
regimes de violência e apagamentos, de suas constituições regionais. Nessa
tentativa de se compreender os contextos de dominação e violência no qual as
etnias indígenas estão impelidos, é possível também identificar as agências e as
resistências indígenas e estratégias de resistência e reorganização, frente ao forte
processo de desmonte de suas culturas, seus processos de reconstrução enquanto
coletividades étnicas, cientes de seu protagonismo. O destaque para essas formas
de resistência e protagonismos trouxe novas compreensões sobre a presença,
permanência e representatividade dos povos indígenas no país; a presença
indígena se mantém e se afirma não como os resquícios de um passado, mas como
um resultado de resistência, mobilização e inventividade frente ao forte projeto
colonizador.

O apagamento das culturas indígenas no Brasil é um fenômeno histórico e


social que tem sido perpetuado por diversos fatores, incluindo a violência física e
simbólica, a imposição de modelos culturais hegemônicos e a falta de políticas
públicas efetivas que valorizem a diversidade cultural do país. Nesse contexto, as
práticas museais também têm desempenhado um papel importante, muitas vezes
reproduzindo estereótipos e imaginários coloniais em suas exposições e coleções,
ao mesmo passo que crescem as iniciativas de valorizar e promover o conhecimento
e a compreensão das culturas indígenas para além da lógica europeia ocidental. Por
isso, o andamento do projeto de Mapeamento de Coleções Etnográficas é de
extrema importância para a valorização das etnias minoritárias, principalmente
indígenas e afrodescendentes, pois busca identificar e registrar as coleções de
objetos, artefatos e materiais relacionados a esses grupos em acervos
museológicos, e fornecer subsídios para o desenvolvimento de políticas públicas
que promovam a preservação e difusão desses materiais e saberes.

Para além das questões metodológicas e teóricas, participar da pesquisa me


possibilitou um espaço e um estudo muito profícuo, que condiz muito com meu
processo de formação na universidade, mas não só para minha esfera acadêmica,
mas também em uma lógica pessoal, de resgate e memória do meu próprio lugar de
nascimento, e me suscita questionamentos próprios do meu lugar étnico; esse
estudo reflete para mim, dados materiais de um enfrentamento de memórias, de
apagamento e resistência que eu mesma vi e senti em tantas esferas.

Referências bibliográficas
CAVIGNAC, Julie; ABREU, Regina; VASSALO, Simone (Org.). Patrimônios e
museus: inventando futuros. Natal: EDUFRN, 2022.

CURY, Marília Xavier; ORTIZ, Joana Montero; VASCONCELLOS, Camilo de Mello.


Questões indígenas e museus: debates e possibilidades. Brodowski: Secretaria
de Estado da Cultura, 2022.

RUSSI, Adriana. Coleções etnográficas, povos indígenas e práticas de


representação: as mudanças nos processos museais com as experiências
colaborativas. Sociedade e Cultura, Goiânia, v. 21, n. 1, p. 72-94, jan./jun. 2018.

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