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https://novaescola.org.br/conteudo/19916/patrimonio-historico-como-reconhecer-
e-exaltar-a-cultura-afro-brasileira
O Brasil tem 520 anos e sua história não pode ser contada sem a contribuição dos africanos e de seus
descendentes na formação cultural da nação. No dia a dia, é viva e marcante a presença desse legado.
No entanto, nos registros oficiais de memória histórica, a tônica é a do esquecimento.
Para se ter uma ideia, em 83 anos de existência, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
(Iphan) registrou o tombamento de pouco mais de 380 bens culturais materiais do Brasil - com
apenas 13 deles que fazem parte da cultura afro-brasileira. Isso representa 3,3% do total, o que é
pouco, considerando que os afrodescendentes representam 56,1% da população do país.
“Ao longo do processo de colonização, as culturas dos povos africanos foram represadas, silenciadas,
aniquiladas e subalternizadas, submetidas à cultura hegemônica dos colonizadores europeus”, diz o
pesquisador Otair Fernandes de Oliveira, professor do programa de pós-graduação em patrimônio,
cultura e sociedade da Universidade Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). “Esses povos escravizados e seus
descendentes desenvolveram processos de criação, reinvenção e recriação da memória cultural,
preservando laços mínimos de identidade, cooperação e solidariedade [com seus povos de origem].”
A coordenadora do Movimento Negro Unificado (MNU) em São Paulo, Regina Lucia Santos, avalia que o
racismo no Brasil é uma ideologia de poder e opressão, o que explica a ausência quase total de bens
da cultura afro-brasileira na memória construída pelo Iphan. “É simbólico que o primeiro tombamento
[feito pelo Iphan] se chame Museu de Magia Negra, pois dá a noção do que se pensa sobre a nossa
produção cultural”, afirma Regina. “Os terreiros de religiões de matriz africana são fontes de cultura
que influenciaram a linguagem, a cultura, a culinária e o folclore brasileiro. Além de preservar, pela
oralidade, a história de muitos territórios”, completa.
Segundo Danielle Ferreira, coordenadora pedagógica da Escola Virgilia Garcia Bessa, em Garanhuns,
no Agreste de Pernambuco, a resistência dos negros em preservar a própria história e alterar as
estruturas de poder é o caminho para chegar no reconhecimento oficial no legado do país. “É preciso
criar políticas públicas de reconhecimento da herança cultural africana. É um processo que passa pela
educação e o trabalho nas salas de aula, que vão influenciar a sociedade, que, organizada, vai
pressionar o governo pelo reconhecimento”, conta Danielle.
A partir de 2000, o Iphan passou a reconhecer também bens imateriais como parte do patrimônio
histórico do Brasil. Desse modo, as manifestações artísticas, atividades, festas, tradições e bens
intangíveis da cultura afro-brasileira têm chances de ser reconhecidas.
No Ensino Fundamental 1, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) de História indica que a noção de
patrimônio comece a ser trabalhada no 3º ano, com foco nos marcos de memória e no reconhecimento
das tradições do local em que se vive. No caso, você pode pesquisar, reconhecer e relacionar ao tema a
presença (ou a ausência) de patrimônios históricos, culturais ou marcos de memória relacionados à
população negra na sua cidade ou região.
Os patrimônios imateriais da cultura afro-brasileira representam parte viva da história do povo negro e
estão em evolução, conectando-se com novas tecnologias e meios de comunicação.
Em Olinda (PE), a comunicadora, percussionista e ialorixá Mãe Beth de Oxum coordena uma série de
atividades culturais focadas nas tradições afro-brasileiras, tais como o coco, o maracatu e a umbigada,
juntamente com as festas do terreiro. As atividades são integradas com oficinas e projetos culturais
com as escolas da região.
As Competências Gerais da BNCC – que devem perpassar toda a Educação Básica – dialogam com os
esforços de Mãe Beth. A Competência 3, por exemplo, indica: “Valorizar e fruir as diversas
manifestações artísticas e culturais, das locais às mundiais, e também participar de práticas
diversificadas da produção artístico-cultural”. A Competência Geral 9, fala de...
Em 20 anos de atuação na cultura, Mãe Beth criou uma rádio comunitária e uma agência experimental
de tecnologia. “Os estudantes aprendem cultura e também o domínio de várias ferramentas e
softwares livres. Eles criaram um game, um jogo para computador, chamado 'Contos de Ifá' com os
orixás do candomblé e referências da cultura afro-brasileira e indigena”, disse Mãe Beth de Oxum.
“É fundamental que a escola tenha como norte a conexão entre história do povo negro do passado e
também do futuro. Apostando no potencial dos alunos e sempre combatendo o racismo”, defende.