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https://novaescola.org.br/conteudo/19916/patrimonio-historico-como-reconhecer-
e-exaltar-a-cultura-afro-brasileira

Publicado em NOVA ESCOLA 16 de Novembro | 2020

Para saber ainda mais

Patrimônio histórico: como


reconhecer e exaltar a cultura
afro-brasileira
Saiba como visibilizar e valorizar os patrimônios materiais e imateriais
ligados à memória negra no Brasil nas aulas de História do Ensino
Fundamental 1
Juca Guimarães

As manifestações artísticas, atividades, festas, tradições e bens intangíveis da cultura afro-


brasileira também são patrimônio histórico do Brasil. Ilustração: Ana Cardoso/NOVA ESCOLA

O Brasil tem 520 anos e sua história não pode ser contada sem a contribuição dos africanos e de seus
descendentes na formação cultural da nação. No dia a dia, é viva e marcante a presença desse legado.
No entanto, nos registros oficiais de memória histórica, a tônica é a do esquecimento.

Para se ter uma ideia, em 83 anos de existência, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
(Iphan) registrou o tombamento de pouco mais de 380 bens culturais materiais do Brasil - com
apenas 13 deles que fazem parte da cultura afro-brasileira. Isso representa 3,3% do total, o que é
pouco, considerando que os afrodescendentes representam 56,1% da população do país.

“Ao longo do processo de colonização, as culturas dos povos africanos foram represadas, silenciadas,
aniquiladas e subalternizadas, submetidas à cultura hegemônica dos colonizadores europeus”, diz o
pesquisador Otair Fernandes de Oliveira, professor do programa de pós-graduação em patrimônio,
cultura e sociedade da Universidade Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). “Esses povos escravizados e seus
descendentes desenvolveram processos de criação, reinvenção e recriação da memória cultural,
preservando laços mínimos de identidade, cooperação e solidariedade [com seus povos de origem].”

PATRIMÔNIOS MATERIAIS AFRO-BRASILEIROS*


Reconhecidos pelo Iphan entre os anos de 1938 e 2018

Museu de Magia Negra (RJ - 1938)


Serra da Barriga União dos Palmares (AL - 1986)
Terreiro da Casa Branca Ilê Axé Iyá Nassô Oká (BA - 1986)
Terreiro do Axé Opô Afonjá (BA - 2000)
Terreiro Casa das Minas Jeje (MA - 2005)
Terreiro de Candomblé Ilê Iyá Omim Axé Iyamassé/Gantois (BA - 2005)
Terreiro do Alaketu, Ilê MaroiáLáji (BA - 2004)
Terreiro de Candomblé do Bate-Folha (BA - 2005)
Terreiro de Candomblé Ilê Axé Oxumaré (BA - 2014)
Terreiro Zogbodo Male Bogun Seja Unde/Roça do Ventura (BA - 2015)
Terreiro Culto aos ancestrais - Omo Ilê Agbôulá (BA - 2015)
Terreiro Tumba Junsara (BA - 2018)
Terreiro Ilê Obá Ogunté Sítio Pai Adão (PE - 2018)

“Essa sub-representação, em termos de quantidade, é fruto do racismo estrutural na sua dimensão


institucional, evidente na política pública criada pelos setores que cuidam do patrimônio”, explica
Odair.

A coordenadora do Movimento Negro Unificado (MNU) em São Paulo, Regina Lucia Santos, avalia que o
racismo no Brasil é uma ideologia de poder e opressão, o que explica a ausência quase total de bens
da cultura afro-brasileira na memória construída pelo Iphan. “É simbólico que o primeiro tombamento
[feito pelo Iphan] se chame Museu de Magia Negra, pois dá a noção do que se pensa sobre a nossa
produção cultural”, afirma Regina. “Os terreiros de religiões de matriz africana são fontes de cultura
que influenciaram a linguagem, a cultura, a culinária e o folclore brasileiro. Além de preservar, pela
oralidade, a história de muitos territórios”, completa.

Segundo Danielle Ferreira, coordenadora pedagógica da Escola Virgilia Garcia Bessa, em Garanhuns,
no Agreste de Pernambuco, a resistência dos negros em preservar a própria história e alterar as
estruturas de poder é o caminho para chegar no reconhecimento oficial no legado do país. “É preciso
criar políticas públicas de reconhecimento da herança cultural africana. É um processo que passa pela
educação e o trabalho nas salas de aula, que vão influenciar a sociedade, que, organizada, vai
pressionar o governo pelo reconhecimento”, conta Danielle.

A professora cita como exemplo de mobilização popular, sobretudo do movimento negro, o


reconhecimento e o tombamento da Serra da Barriga, onde ficava o Quilombo dos Palmares.
“Palmares é um grande símbolo da luta do povo negro. Zumbi foi um líder que simboliza esperança e
liberdade”, lembra Daniela.

A partir de 2000, o Iphan passou a reconhecer também bens imateriais como parte do patrimônio
histórico do Brasil. Desse modo, as manifestações artísticas, atividades, festas, tradições e bens
intangíveis da cultura afro-brasileira têm chances de ser reconhecidas.

PATRIMÔNIOS IMATERIAIS AFRO-BRASILEIROS


Reconhecidos pelo Iphan entre 2004 e 2017

Samba de Roda do Recôncavo Baiano (2004)


Ofício de Baiana de Acarajé (2005)
Jongo do Sudeste (2005)
Tambor de Crioula (2007)
Matrizes do Samba no Rio de Janeiro: partido-alto, samba de terreiro e samba-enredo (2007)
Ofício dos Mestres de Capoeira (2008)
Roda de Capoeira (2008)
Complexo Cultural do Bumba meu boi do Maranhão (2010)
Festa do Senhor Bom Jesus do Bonfim (2013)
Maracatu Nação (2014)
Maracatu Baque Solto (2014)
Cavalo Marinho ( 2014)
Caboclinho (2016)

Fonte: Levantamento realizado pelo professor Otair Fernandes de Oliveira

Como a escola contribuiu com a mudança?

No Ensino Fundamental 1, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) de História indica que a noção de
patrimônio comece a ser trabalhada no 3º ano, com foco nos marcos de memória e no reconhecimento
das tradições do local em que se vive. No caso, você pode pesquisar, reconhecer e relacionar ao tema a
presença (ou a ausência) de patrimônios históricos, culturais ou marcos de memória relacionados à
população negra na sua cidade ou região.

As habilidades da BNCC diretamente relacionadas são:

EF03HI03 - Identificar e comparar pontos de vista em relação a eventos significativos do local em


que vive, aspectos relacionados a condições sociais e à presença de diferentes grupos sociais e
culturais, com especial destaque para as culturas africanas, indígenas e de migrantes.

EF03HI04 - Identificar os patrimônios históricos e culturais de sua cidade ou região e discutir as


razões culturais, sociais e políticas para que assim sejam considerados.

EF03HI05 - Identificar os marcos históricos do lugar em que se vive e compreender seus


significados.

EF03HI06 - Identificar os registros de memória na cidade (nomes de ruas, monumentos, edifícios


etc.), discutindo os critérios que explicam a escolha desses nomes.

O assunto é retomado e ampliado no 5º ano, quando a orientação é trabalhar com os patrimônios


materiais e imateriais da humanidade, analisando as mudanças e permanências:

EF05HI10 - Inventariar os patrimônios materiais e imateriais da humanidade e analisar mudanças e


permanências desses patrimônios ao longo do tempo.

Os patrimônios imateriais da cultura afro-brasileira representam parte viva da história do povo negro e
estão em evolução, conectando-se com novas tecnologias e meios de comunicação.

Em Olinda (PE), a comunicadora, percussionista e ialorixá Mãe Beth de Oxum coordena uma série de
atividades culturais focadas nas tradições afro-brasileiras, tais como o coco, o maracatu e a umbigada,
juntamente com as festas do terreiro. As atividades são integradas com oficinas e projetos culturais
com as escolas da região.

As Competências Gerais da BNCC – que devem perpassar toda a Educação Básica – dialogam com os
esforços de Mãe Beth. A Competência 3, por exemplo, indica: “Valorizar e fruir as diversas
manifestações artísticas e culturais, das locais às mundiais, e também participar de práticas
diversificadas da produção artístico-cultural”. A Competência Geral 9, fala de...

... “acolhimento e valorização da diversidade de indivíduos e de grupos sociais, seus saberes,


identidades, culturas e potencialidades, sem preconceitos de qualquer natureza”.

Em 20 anos de atuação na cultura, Mãe Beth criou uma rádio comunitária e uma agência experimental
de tecnologia. “Os estudantes aprendem cultura e também o domínio de várias ferramentas e
softwares livres. Eles criaram um game, um jogo para computador, chamado 'Contos de Ifá' com os
orixás do candomblé e referências da cultura afro-brasileira e indigena”, disse Mãe Beth de Oxum.

No espaço do Lab Coco os estudantes também participam de oficinas de robótica, construção de


sensores e podcast. Além das aulas de percussão e maracatu. Isso tudo antes da pandemia.
Atualmente, as aulas na região estão suspensas.

“É fundamental que a escola tenha como norte a conexão entre história do povo negro do passado e
também do futuro. Apostando no potencial dos alunos e sempre combatendo o racismo”, defende.

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