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CORRESPONDÊNCIA
CORRESPONDÊNCIA
PRÓLOGO DE PIERRE KLOSSOWSKI
POSFÁCIO DE MIGUEL MOREY
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PREFÁCIO DO TRADUTOR
Quando alguém se propõe a devassar a
correspondência alheia, deve estar certo de po-
der compreendê-la, de estar à altura do conteú-
do da mesma. Foi o que descobri durante a tra-
dução destas cartas, cuja prosa elaborada mui-
tas vezes parece não levar a parte alguma. Um
verdadeiro esforço de absorção dos problemas
enfrentados pelo poeta, nem tanto desconheci-
dos (por ser eu, também, uma espécie de poe-
ta), porém de certo modo arcaicos, devido ao
tempo que representam, assim como ao ho-
mem. De fato, Rilke foi um poeta sem igual,
sofrendo na pele todas as contradições e incer-
tezas de sua condição. Talvez que o ter tido
Lou por confidente e conselheira lhe tenha sido
favorável – talvez não. Isso porque a mulher
que o psicanalisava pelo correio era demasiado
complicada, ainda mais que suas vulgares con-
gêneres. Lou Salomé esteve em contato com as
cabeças mais importantes e privilegiadas de sua
época e circunstância (Nietzsche, Rilke e
Freud), nelas deixando, indeléveis, as marcas
de sua passagem. Para o bem ou para o mal, ela
atuou – e isto não pode, nem será ignorado.
Damnus Vobiscum
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PRÓLOGO
A troca de cartas que aqui se apresenta
foi extraída da correspondência entre Rainer
Maria Rilke e Lou Andreas-Salomé, organizada
e publicada por Ernst Pfeiffer (Rainer Maria
Rilke/Lou Andreas-Salomé: Briefwechsel. Max
Niehans Verlag Zurich u. Insel Verlag Wiesba-
den, 1952).
Pierre Klossowski
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RILKE A LOU ANDREAS-SALOMÉ
EM GÖTTINGEN
08 de junho de 1914
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coração: que eu saiba nunca escrevi outras pa-
recidas. (Era a época, se te lembras, da omissão
dos “s”). De tais cartas (cada vez eu compreen-
dia melhor) ascendia uma petulância irresistí-
vel, como se me encontrasse diante de um novo
e pleno alvorecer da minha mais peculiar es-
sência, a qual, liberada desde então através de
uma comunicação inesgotável, se espalhava
pela vertente mais alegre ao mesmo tempo em
que eu, escrevendo dia após dia, sentia sua feliz
correnteza e o incompreensível repouso que me
parecia preparado do modo mais natural em
uma alma capaz de acolhê-lo. Manter pura e
transparente esta comunicação e, simultanea-
mente, nem sentir nem pensar nada que se en-
contrasse excluído por ela: isso foi o que de
uma só vez, e sem que eu soubesse como, che-
gou a ser a medida e a lei de minha atuação, e
se jamais homem algum intimamente agitado
pôde sossegar, eu mesmo o fui com essas car-
tas. Esta ocupação diária e minha relação com
ela se me tornaram sagradas de uma maneira
indescritível, e desde então se apoderou de mim
uma confiança enorme, como se tivesse enfim
encontrado uma saída a essa penosa exaustão
de circunstâncias continuamente nefastas. Até
que ponto estava então comprometido com a
mudança podia nota-lo igualmente no fato de
que inclusive as coisas passadas, quando me
ocorria contar algo delas, me surpreendiam pe-
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lo modo como reapareciam; se, por exemplo,
tratava-se de épocas das quais pouco havia fa-
lado anteriormente, detinha-me em aspectos
inadvertidos ou apenas conscientes, e cada um
deles adquiria, para ilustrar com a inocência de
uma paisagem, uma visibilidade pura, uma pre-
sença, e isso me enriquecia, formava parte de
mim, tanto e de tal modo que pela primeira vez
me parecia ser eu o dono de minha vida, não
por uma aquisição, por uma exploração, por
uma compreensão interpretativa de coisas ca-
ducas, mas sim por essa nova veracidade que se
espalhava através de minhas recordações.
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dias), desejoso de lançar-me às cegas em qual-
quer ocupação; porém ainda tão apagado e pa-
ralisado que não posso fazer outra coisa além
de dormir. Se tivesse um amigo, pedir-lhe-ia
que viesse trabalhar comigo todos os dias, no
que quer que fosse. E quando nos intervalos, de
taciturno humor, penso no que está por vir,
imagino em primeiro lugar um tipo de trabalho
que estivesse submetido às condições exterio-
res, e distanciado tanto quanto fosse possível de
toda produtividade pessoal. Pois desde já não
duvido nem por um instante de que estou doen-
te, doente de uma enfermidade que me corroeu
gravemente e cujo foco se encontra no que até
então eu chamava de meu trabalho, de tal forma
que já não há para mim nenhum refúgio por
esse caminho.
Teu velho
Rainer
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LOU ANDREAS-SALOMÉ A RILKE
EM PARIS
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reconheceste sob este aspecto – sua profundi-
dade, sua rica propriedade de si mesmo – do
mesmo modo ainda há mais a oferecer-se, que
hoje não podes nem sequer suspeitar, e ao qual
te impede de ver algo ainda mais resistente que
o cristal. Mas, por que tantas palavras? Por en-
quanto nada mais sentirás além de algo leve ou
maciço que te separa da vida, e qualquer pala-
vra sobre isso será estúpida, tola e impotente*.
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RILKE A LOU ANDREAS-SALOMÉ
EM GÖTTINGEN
Teu
Rainer
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VIRADA DECISIVA
– Kassner
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Pássaros atravessavam-no com seu voo
A ele, o insensível; flores
Nele se refletiam
Tão grandes como numa alma
Infantil.
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De seu coração, apesar de tudo
Sensível
A isto deliberava e julgava esse coração:
Não possuía nada do amor.
(E eram-lhe negadas novas consagrações.)
Lá está, limitou-lhe o olhar.
E o universo olhado
Quer alcançar sua plenitude
No amor.
O trabalho da visão está feito
Faz de agora em diante o trabalho
Do coração
Com respeito às suas imagens, essas
Imagens cativas; pois tu
As havias vencido: mas segues sem
Conhece-las.
Olha, homem interior, tua menina interior
Conquistada em luta bravia
Contra mil naturezas
Essa criatura conquistada, e contudo ainda
Não amada.
20 de junho
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LOU ANDREAS-SALOMÉ A RILKE
EM PARIS
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arrumava; assim também em outros casos mais
pessoais).
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seus tesouros e os examina como às noivas. O
que faz o amor ser assim é obscuro, grave e
magnífico, e está situado do lado da vida; quem
ousará descobrir seus primeiros frutos! Seja
como for, tu hás de experimenta-los em si
mesmo. Não sem interrupções ou dúvidas, cer-
tamente. Querido, meu querido velho Rainer,
eu creio que não deveria escrevê-lo aqui – por-
que ademais não há nada aqui que se possa,
verdadeiramente, ser escrito – tenho a impres-
são de que estamos, em alguma parte, estreita-
mente um ao lado do outro (pouco mais ou me-
nos como em Dresden, quando, consultando os
horários, de repente nos vieram desejos de vol-
tar a Munique), apertados um contra o outro
como crianças que mutuamente se comunicam
algo doloroso ou tranquilizador.
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Se precisas ir até Leipzig, não podería-
mos, não deveríamos, não quereríamos ver-nos
antes, no caso de que tu assim também o quei-
ras, a meio do caminho, às margens do Reno?
Lou
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RILKE A LOU ANDREAS-SALOMÉ
EM GÖTTINGEN
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se refugiou em meu interior, retirando-se para
um lugar mais afastado e ali vivendo como as
pessoas de uma cidade sitiada, entre privações
e aflições. Quando lhe parece que chegaram
tempos melhores, faz-se notar por alguns frag-
mentos de elegias, por algum verso inicial, e
logo procura ocultar-se outra vez, percebendo
que no exterior reina a mesma insegurança. E
no intervalo entre esta ânsia ininterrupta do
exterior e esta existência interior, para mim
ainda pouco acessível, se encontram as mora-
das propriamente ditas de sentimentos saudá-
veis, vazias, abandonadas, evacuadas, zona
inóspita cuja neutralidade torna igualmente ex-
plicável por que qualquer ajuda procedente dos
homens e da natureza se encontra, em mim,
destinada ao desperdício.
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a um poste; e quando me apercebia de minha
prisão, nela me enredava tão miseravelmente
que nem sequer dispunha de toda extensão das
correntes. Em tal situação folheava sem qual-
quer prazer livros cem vezes abandonados, re-
conhecendo tão somente a diferença entre as
muitas rações; já que também tenho isto em
comum com a cabra, o fato de que não posso
preservar nada de tangível daquilo que ruminei;
do que se segue que de si mesmo resta apenas o
destino de ser um ruminante, e não existe aí
nenhum consolo uma vez que se tenha passado
a ser um estorvo para si mesmo.
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LOU ANDREAS-SALOMÉ A RILKE
EM PARIS
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(“no ar e no sentimento dos bosques”), o fato
de que não enfrente nenhuma hostilidade – o
fato de que por seu lado dê vida ao que foi de-
clarado morto, ao exterior, àquilo que lhe faz
frente, chegando a extinguir sua vida para além
de tudo isso. E em terceiro lugar se manifesta,
também, como esses dois processos se reúnem
imperceptivelmente em determinado ponto,
transformando-se assim em uma tristeza eróti-
ca: “O que aí se forma e me é seguramente se-
melhante, e que emerge tremendo entre sinais
afogados em lágrimas, podia ser que nascesse
assim no interior de uma mulher, isto, que per-
manecia inacessível”. O fato de enfrentar o
inorgânico, o fato de converter-se em boneca,
expressado ao mesmo tempo como o fato de
enfrentar nosso próprio corpo, o qual (ainda
que sendo o orgânico, o vivente) não deixa de
ser para nós o exterior e o lado externo no sen-
tido mais íntimo, a primeira coisa diferenciada
em relação a nós mesmos, enquanto que somos
os interiorizados, os que habitamos o interior
do corpo, como a face do ouriço; e, contudo, o
que concerne precisamente ao nosso corpo,
nossos pés, nossos olhos, nossas orelhas, nos-
sas mãos, é certamente aquilo que se diz ser
“nós mesmos”; este inquietante, desorientador
fenômeno, normalmente não se dissipa comple-
tamente mais que no comportamento amoroso
do outro, e é só ele que legitima de maneira
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suportável nosso corpo enquanto “nós mes-
mos”. Porém, em vez disso, as partes integran-
tes se associam e dissociam novamente no “cri-
ador”: por isso o que vem daí sugere uma reali-
dade nova, ao contrário de uma simples repeti-
ção.
Lou
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RILKE A LOU ANDREAS-SALOMÉ
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mais ser alcançada nem agitada pela violência
dos fogos internos...? Eu era um em minha ju-
ventude, apesar de todas as angústias! Prova-
velmente irreconhecível no conjunto, mas to-
talmente reconhecível quando encurralado, em-
bora. Maldoso até a abjeção e, no entanto, tão
misteriosamente apto para a cura. Que uma
alegria revoluteasse em torno ao meu rosto...
imediatamente invadia a mais secreta região de
minha alma; que respirasse o ar matutino... e a
ligeireza e elegância iniciais da manhã me pe-
netravam de lado a lado, alcançando todos os
graus de minha natureza; se, às vezes, provava
um fruto, derretia-me na boca, e sentia-o, como
uma palavra do espírito que se liquefizesse,
uma sensação de indestrutível êxito em si
mesma, e o puro gozo desse fruto se espalhava
com igual intensidade por todos os vasos san-
guíneos visíveis e invisíveis de minha anato-
mia.
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com relação ao olhar quanto no amor); e por
isso meu corpo se contorce nessa árida solici-
tude, pela qual não circula nenhuma seiva que
reverdeça e suavize cada ramo de meu compor-
tamento. Quanto mais me examino, mais evi-
dente me parece: mantenho uma atitude (aquela
à qual me imponho em certos momentos de
meu trabalho), e minha alma mantém outra, a
próxima, ou a imediatamente seguinte à próxi-
ma; de modo que já não estou ao meu favor,
nem ninguém o está. Ela é o metal da campai-
nha e Deus a mantém incandescente e prepara a
hora potente da fundição: mas eu sou ainda a
antiga forma, a forma da campainha preceden-
te, a forma obstinada que cumpriu seu papel e à
qual não lhe agrada que seja reposta e assim a
sonoridade não se realiza. Como posso com-
preender tantas coisas e não conseguir sair des-
te atoleiro?... Desde anos assim.
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Mas não me tomes tão ao pé da letra...
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Para meados de julho me esperam em
casa dos Kippenberg, e não deveria atrasar-me,
visto que planejo algo diferente (do qual te fa-
larei) para o mês de agosto. Cuida-te bem, que-
rida – no fim tudo dará certo! Paris me decep-
ciona de tal maneira que não tenho vontade de
ver nada – pelas manhãs passeio pelas magnífi-
cas avenidas do Observatório, e depois, pelo
meio-dia, dirijo-me ao pequeno restaurante ve-
getariano onde a salada e o iogurte, à sua ma-
neira demasiado intencional, me fortificam no
bem, na seriedade do bem. Posso apenas des-
crever por cima os males que me têm feito esta
cidade no que tange à minha vida exterior; os
ambientes daqui me são particularmente nefas-
tos na medida em que, ao serem testemunhas
de outros tempos, já perdidos, de atividade in-
terior, se fazem cúmplices de muitos pensa-
mentos irresponsáveis, indômitos e sem saída.
Porém, por outro lado, eu soube como dilapidar
com tanta rapidez qualquer outro ambiente du-
rante estes últimos anos, tornando-os todos
agoniantes e equívocos... o bosque das altas
montanhas no verão passado, o mar. Houve
então apenas uma hora na qual teriam sido para
mim uma expressão do universo, e que não ti-
vessem sido, de alguma maneira, motivo de
desculpa ou de tentação, enquanto que aqui o
que há de bom, ao menos, é que não tenho de
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me enclausurar em um quarto de hotel, mas me
cerco de quatro altas e brancas paredes que,
apesar de tudo, dependem um pouco de mim.
Rainer
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LOU ANDREAS-SALOMÉ A RILKE
EM PARIS
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apesar do teu não querer saber, o “Outro” exis-
tia, em troca agora és tu quem existes. Ainda
que isto não modifique em nada o problema,
posto que nada foi dito que escape ao sentimen-
to e ao pensamento, a prova de que algo existe
é, contudo, importante, tanto quanto a tumes-
cência de um membro não suscita o pânico de
sua amputação: a tumescência talvez dependa
de processos que podem ser solucionados de
um para outro momento, sem que por isso seja
suprimida a alimentação, etc... Não obstante,
continuo a pensar... comigo mesma: no mo-
mento isto não serve de nada e, realmente, não
faço mais que levar-te através de campos de
trigo, enquanto tu te encontras privado do pão
cotidiano... Quiçá fosse possível fazer algo
mais, através de uma conversa frente a frente.
Lou
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RILKE A LOU ANDREAS-SALOMÉ
EM GÖTTINGEN
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ta-lo e fazer-se produtivo à menor ocasião, à
sua maneira, em suas circunstâncias próprias.
Imaginemos uma bordadeira cujo trabalho se
transformasse perpetuamente sob suas mãos,
seja porque as tramas se aflouxaram, seja por-
que encolheram, ou porque os fios fossem de
diferentes diâmetros: como não terminaria aí
deslocado o mais bonito ponto em cruz, o mais
encantador motivo?...
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pescoço que nem sequer consegui concentrar-
me na leitura, e já não me restava nada além de
dar o dia por acabado. Isto foi com relação ao
calor; mas amanhã será, evidentemente, outra
influência, visto que continua sendo da atmos-
fera – também a das pessoas e dos objetos – de
onde as influências surgem e me atacam sem
cessar; e como meu corpo responde inclusive
quando nada o solicita e ninguém pergunta, o
assunto é digno de desespero. A mão de meu
barbeiro, com sua mistura de perfumes, dife-
rente a cada manhã, pode-me impressionar de
tal maneira que toda vez saio de lá com uma
disposição variada; e esta mão basta, também,
para indispor-me fisicamente: o fato de querer
evita-la, respirando o menos possível à medida
que passa diante de meu rosto, provoca novas
tensões na testa e na garganta (este é apenas um
exemplo); em resumo, encontro-me à mercê de
qualquer um, da maneira mais lamentável e
ridícula.
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pretexto de toda posição artística que tomei na
vida), mas sim (mostra-lo) a um médico, que a
partir do corpóreo poderá segui-lo e compreen-
de-lo até o espiritual. A ti, querida Lou, posso
dizer; penso em Stauffenberg (como cheguei a
esta ideia, e também como recentemente se viu
reforçada minha confiança nele... sobre isso
comentaremos depois). Ele diz poder dispor de
tempo para mim em agosto, pelo que é de pre-
ver que por essa data não estarei longe dele
(inclusive em Munique ou seus arredores). Sin-
to não poder ser atendido desde já, pois me en-
contro atormentado como um cão que tem um
espinho cravado na pata e que coxeia e a lam-
be; o qual, a cada vez que apoia a pata, já não é
o cão, mas sim o espinho, algo que ele não
compreende que possa ser. Não me cabe na
cabeça que não existam remédios simples e
bons, suscetíveis de reduzir pouco a pouco em
mim os fenômenos que, de algum modo, se
exteriorizam por si mesmos na periferia, como
os espinhos engolidos pelos histéricos. Não se
trata neste caso de ajudar-me no mais interior
de mim mesmo, em minhas profundezas pri-
mordiais (lá, pelo contrário, as ajudas se acu-
mulam), mas sim de libertar-me as mãos a fim
de que posse colher essas ajudas. Apenas oito,
ou três dias vivendo nesse estado que se chama
“bem-estar”, ou seja, a neutralidade física (a
imparcialidade do corpo) e a potência em meu
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interior seria preponderante, e de mim se apos-
saria; enquanto que por agora sou eu quem se
arrasta penosamente com esta potência, como
um pássaro doente esmagado sob o peso de
suas próprias asas.
Rainer
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RILKE A LOU ANDRÉAS-SALOMÉ
EM GÖTTINGEN
Morrer
Pelo indizível florescimento do Sorriso
Morrer
Por suas mãos ligeiras. Morrer
Pelas mulheres.
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Porém que o homem
Se cale, por mais agitado. Ele que
Perdido, pela noite, pelos montes
De seus sentidos, tem vagado:
Que se cale.
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POSFÁCIO
As pessoas boas às vezes pensam que se
trancando por trás de uma grossa porta deixa-
rão o medo de fora. Mas eis aqui alguém que
habita com toda sua crueza o desamparo e a
intempérie – cumprindo seu destino sob os céus
abertos. Que notícias nos traz este viajante no-
bre e machucado?
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Imaginemos uma bordadeira cujo traba-
lho se transformasse perpetuamente sob suas
mãos...
Olhar e distância.
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...espinho insone que somente com a
morte reduzirá a dor e a diferença, fechando o
olho desmesurado dessa ferida e tornando-se
água na água...
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O aprendizado de Rilke será lento, mas
talvez por isso mesmo sua sabedoria seja mai-
or. Sua correspondência com Lou Salomé co-
bre um segmento particularmente patético de
sua instrução. Talvez sejam estas as relações
epistolares mais significativas que o poeta
manteve, ainda que não sejam as únicas. Clara
Westhoff Marie von Thurn und Taxis-
Hohenlohe, André Gide, Benvenuta, são alguns
dos nomes que cobrem sua apertada corres-
pondência.
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salvação, quando não restou terra firme onde
se possa aportar?
Miguel Morey
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Lou Andreas-Salomé
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Rainer Maria Rilke
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Rilke e Lou Andreas-Salomé na casa de
veraneio da família Andreas (1897)
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