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O espaço da mulher na música do período romântico e os desafios pelo

reconhecimento.

Luiza Gomes Veloso


Universidade Federal de Santa Maria - luiza.gomes1998@hotmail.com

Resumo: O presente trabalho pretende realizar uma revisão na bibliografia pesquisada sobre a
conquista do espaço de mulheres compositoras e instrumentistas na música romântica durante o século
XIX. O desenvolvimento se dá através da contextualização histórica do período, com destaque aos
conflitos e ao contrassenso no que diz respeito à participação feminina na Europa e no Brasil. É de
destaque o crescente número de mulheres ativas na música a partir do século XIX com belas obras,
embora por vezes não reconhecidas.

Palavras-chave: Mulheres. Romantismo. História.

Abstract: This document intends to do a review in the researched bibliography about the space
conquested by composers and musicians women in the period of romantic music during XIX century.
The development goes through the historical context of the period, with the emphasis on the difficulty
with regards to female participation in Europe and Brazil. It is interesting to point up the growing
number of women who are active in the musical scene occurred since XIX century, although they are
not always recognized for their work.

Keywords: Woman. Romanticism. History.

1. O contexto histórico do romantismo.

O romantismo surge ao final do século XVIII e início do século XIX, após o


impacto da Revolução Francesa e Revolução Industrial. Logo, as obras desse período tem
influência das consequências desses acontecimentos. Alemanha, Itália e Inglaterra são
considerados como a origem do período romântico, embora tenha sido em terras francesas que
o movimento ganha força e espalha seus ideais pela Europa e América.
A principal visão do romantismo é a subjetividade. Os autores cada vez mais
focam em si e o foco está no indivíduo, retratando dramas e amores. Ao contrário de seu
antecessor, o classicismo, que possuía suas formas equilibradas e regras, no período
romântico as formas são mais livres. Por conta da Revolução Industrial, não era mais a classe
aristocrata que patrocinava os artistas, e sim, a nova classe média.
Os movimentos artísticos não acontecem de maneira isolada. No campo da
música, literatura, pintura, dentre outros, os autores retratam em suas obras o que
contextualiza o meio social onde estão inseridos. Logo, no início do romantismo na literatura,
o uso da linguagem coloquial, comunicativa, com métrica livre e registrando temas desde os
costumes à narrativas, foi o atrativo dos escritores para atrair o público leitor da época,
formado por pequenos burgueses que não estavam ligados à literatura clássica. Essa liberdade
dos autores de se expressar é uma característica típica do romantismo que colaborou muito
para a evolução da literatura. Da mesma forma, a música também tentava colocar-se mais
próxima da classe burguesa que estava em ascensão, desligando-se de suas formas antigas.
A música foi formando suas características para o período, conforme seus tons
ficavam mais ricos, com a forma mais livre e presença marcante da emoção do compositor.
Principalmente tonal, mais cromática, com sua estrutura de frases menos regular porém, com
estrutura melódica ainda mantida periódica. A ópera, nos países ao leste da Europa, tendia a
haver mais manifestações nacionalistas (outra característica comum do período romântico).
Mas, em especial, a ópera romântica engloba temas medievais e de fantasia. O processo de
distanciamento dos padrões antigos fez surgir um interesse por temas “irracionais” como a
loucura e o sobrenatural. Um exemplo musical dessa preferência está na Sinfonia Fantástica
(1830) de Berlioz1, onde o autor, em cada um dos cinco movimentos da sinfonia traz uma
série de alucinações sob efeito de ópio.
Por toda a Europa foi notável o benefício econômico decorrente da Revolução
Industrial. A classe de músicos também teve vantagem. A expansão na educação e nas classes
profissionais deram como resultado um novo público. Com isso, o virtuosismo se tornou um
movimento musical bem mais forte.Houve também o desenvolvimento de diversos
instrumentos musicais, como por exemplo, o piano, que motivou os músicos a buscar mais
aperfeiçoamento para suas obras.
Na parte de produção musica, começou a divisão entre música de câmara,
executando obras curtas para serem tocadas por poucos músicos em ambientes mais íntimos, e
a orquestra tradicional, que aumentou de tamanho a fim de atender a proposta da sinfonia
romântica.

2. A mulher musicista e compositora no período romântico.

1
Hector Berlioz (1803-1869), foi um músico e compositor com contribuições relevantes para orquestra
moderna, e de grande influência para o desenvolvimento do romantismo. É mundialmente conhecido pela sua
maior obra, a Sinfonia Fantástica.
Junto ao período de música romântica, havia outro importante movimento
acontecendo. Em diversos ramos da carreira musical, haviam mulheres lutando pelo direito de
poder exercer a profissão que esteve ideológica e historicamente ligada ao sexo masculino. A
literatura especializada em música possui uma grande lacuna no que diz respeito à
participação feminina no cenário musical no decorrer dos séculos, talvez por ser uma
historiografia escrita por homens. Ou mesmo condições sociais fizeram com que a mulher
ficasse limitada a atuar por fora dos palcos, como professoras, em vez de fazerem aparições
públicas.
O romantismo foi um período musical bem documentado e estiveram presentes
cerca de vinte compositoras, ao menos até onde se sabe hoje.
Nos dias atuais, a “nova musicologia” tem a preocupação com os chamados
estudo de gênero. Existem mulheres que estão ganhando seu devido reconhecimento aos
poucos, como podemos citar Clara Schumann, que aprendeu a tocar piano com seu pai, Herr
Wick, que sempre a incentivou. Clara construiu uma sólida e bem sucedida carreira como
pianista, bem como ajudava com as despesas da família, ainda que seu marido, Robert
Schumann, não aprovasse suas turnês. Clara perdeu a confiança em si mesma e parou de
compor cedo, mas ainda assim, até o fim da vida foi consagrada como a compositora,
instrumentista e professora que foi.

Figura 1: Clara Schumann (1819-1896)

Assim como Clara, houveram muitas outras artistas que tiveram a carreira
influenciada pelo marido ou pai. Também pode-se destacar o trabalho de Fanny Mendelsson,
irmã de Félix, ambos tiveram uma ótima educação musical. Fanny se dedicava a compor e
suas peças aparecem junto às do irmão, assinadas por ele. Infelizmente, deixou da carreira por
influência do pai, que a convenceu da opinião geral da época de que a arte para as mulheres
deveria ser apenas um passatempo, jamais uma carreira.

Figura 2: Fanny Mendelsson (1805-1847)


A profissionalização das mulheres não se trata apenas de uma questão de mercado
de trabalho, mas também ocorre em paralelo à luta feminista para a conquista dos direitos de
cidadãs. Sendo assim, na segunda metade do século XIX surgem as chamadas Ladie’s
Orchestra ou Dammenkapellen, orquestras compostas somente de mulheres. Contudo, a
divisão de gênero era muito forte no período, existiam classificações de gênero e instrumentos
que poderiam ser tocados por mulheres, ficando limitadas muitas vezes ao piano e harpa.
Logo, para as mulheres que preferiam tocar o “instrumento incorreto”, a solução era formar
seus próprios grupos para seguir carreira.

Figura 3: Dammenkapellen
As dificuldades eram muitas, desde receber menos do que os homens, existia
também a dificuldade de encontrar mulheres que tocassem alguns instrumentos em específico,
o que ocasionava na contratação esporádica de homens. A ideologia da época não permitia
que grandes salas de concerto abrissem suas portas para as Ladie’s Orchestras, limitando suas
apresentações a parques, promovendo concertos ao ar livre.
Mesmo com a forte resistência encontrada, em alguns países como Áustria e
Inglaterra, as Ladie’s Orchestras chegaram a organizar turnês.
No que diz respeito à integração de músicos homens e mulheres, o cenário
demorou a mudar. Na mesma época das Dammenkapellen, mulheres ainda não eram aceitas
na London Orchestral Association até 1913. Não muito distante dos dias atuais, por exemplo,
a Orquestra Filarmônica de Viena só passou a aceitar musicistas no ano de 1997, o que só
demonstra que, mesmo com muitos caminhos abertos no século XIX para a profissionalização
da mulher, ainda há muito o que mudar.

3. A situação da mulher ativa na música brasileira no século XIX.

No brasil, ao longo do século XIX ainda persistia a concepção de família


patriarcal, onde o homem era dono de todos os seus bens, incluindo a mulher. Contudo, a
elevação do Brasil de colônia para Reino Unido resultou mudanças na sociedade. O gosto
pela música e artes cênicas transformou a sociabilidade e, por consequência, as formas de
atuação da mulher.

Ainda assim, haviam várias barreiras de tratamento entre homens e mulheres. Não
recebiam a mesma educação, as leis agiam de forma diferente e a ideologia patriarcal ainda
era presente.

No entanto, graças à expansão cultural que havia, os salões do século XIX foram
um importante espaço para atuação feminina. Cabia à mulher preparar um ambiente cordial
para receber o público e mediar encontros importantes. Na maioria das vezes elas atuavam
como intérpretes, sendo cantoras ou pianistas, começando assim, suas aparições públicas.

Em outros locais como o teatro, a aparição da mulher ainda não era bem vista
como atriz ou cantora. Pouco consta na literatura especializada sobre suas participações como
compositoras, regentes ou instrumentistas. Em contrapartida, como professoras de música, era
um serviço que se intensificava ao longo do período, talvez por ser mais próximo do papel
doméstico que era doutrinado.

A partir da segunda metade do século XIX (mesmo período do surgimento das


Ladie’s Orchestras) começam a aparecer mulheres musicistas nos palcos. Assim foi registrado
no Jornal do Commercio, em 29 de setembro de 1861, onde publicou sobre a apresentação de
uma professora de piano. Provavelmente utilizando o termo “professora de piano” parar
justificar sua presença no palco.
No ramo da composição há uma forte contribuição de composições para piano
escritas por mulheres, provavelmente sendo em decorrência da importância do aprendizado do
piano para a formação social das mulheres. Podem-se citar nomes como Maria Guilhermina
de Noronha e Castro, Francisca Pinheiro de Aguiar, Maria Teixeira e Carlotta Milliet. Na
produção para teatro destaca-se Rafaela Roswadowska.

A transição do século XIX para XX apresenta uma grande mudança nos papéis
atribuídos à mulher, dentre eles o processo de luta pelo direito do voto feminino. Há uma
quantidade significante de mulheres pianistas, como o caso de Ivone de Geslin e Fanny
Guimarães. Também há expansão no número de mulheres compositoras nessa época, visto
que há na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro a catalogação de 332 peças assinadas por
mulheres. Dentre essas assinaturas estão as de Luiza Leonardo e Chiquinha Gonzaga.

Francisca (ou Chiquinha) Gonzaga foi um nome de destaque para a época por sua
emancipação e enfrentamento contra o preconceito da época para atuar como compositora e
regente teatral. Compôs música para piano e orquestra voltadas ao teatro e foi a primeira
mulher a reger uma orquestra no Brasil.

Quanto a atuação de mulheres na música teatral, sua participação é escassa em


termos de composição, instrumentista e maestrina (onde destacam-se Luiza Leonardo e
Dinorah de Carvalho), mas numerosa em cantoras e atrizes.

É de destaque que as mulheres que atuavam no teatro enfrentaram mais


obstáculos do que as que conquistaram seu espaço de maneira mais discreta como nos salões.
A exposição das mulheres ao teatro não era facilmente assimilável numa sociedade que estava
acostumada a ver suas mulheres em casa. Diversos dos aspectos observados e citados
permaneceram em épocas posteriores e gradualmente estão diminuindo, já que, nos dias de
hoje, a participação feminina em diversas áreas da música continua escassa.
Referências:

LATHAM, Alisson. Diccionario Enciclopédico de la música. México: Fondo de cultura


económica, 2008.

PORTELA; FREIRE, Angela C.H.; Vanda L.B. Mulheres compositoras - da invisibilidade à


projeção nacional. In: NOGUEIRA; FONSECA, Isabel P; Susan C. Estudos de Gênero, corpo
e música: abordagens metodológicas. 3° volume. Brasil: ANPPOM, 2013. Páginas 279-302.

LOPES; NOGUEIRA, Guilhermina; Lenita W.M. A presença feminina em três obras


historiográficas panorâmicas sobre a música brasileira. In: CONGRESSO DA ANPPOM,
24°., 2014, São Paulo - SP. Disponível em
<http://www.anppom.com.br/congressos/index.php/24anppom/SaoPaulo2014/paper/view/314
7>. Data de acesso: 10/12/17

A profissionalização das mulheres na música e as ladie’s orchestras no final do século XIX.


15/02/16. Disponível em
<http://www.musicaesociedade.com.br/a-profissionalizacao-das-mulheres-na-musica-e-as-lad
ies-orchestras-no-final-do-seculo-xix/> . Data de acesso: 11/12/17.

DORAK, Mehmet T. Romantic (period) music. 05/04/2008. Disponível em


<http://www.dorak.info/music/romantic.html> . Data de acesso: 07/12/17.

GOMES; MONTES; CARNEIRO, Alice C.P.; Gustavo S.; Karine G.. A música no
romantismo 01/12/2009. Disponível em
<http://www.letras.ufrj.br/veralima/romantismo/ensaios/musica_romantismo_g2j.pdf>. Data
de acesso: 08/12/17

DA LUZ, Daniel Salgado. Sinfonia Fantástica, op. 14: Hector Berlioz. Não consta data da
publicação. Disponível em
<http://www.filarmonica.art.br/educacional/obras-e-compositores/obra/berlioz-sinfonia-fantas
tica-op-14/> . Data de acesso: 08/12/17

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