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No ano seguinte, com 19/20 anos, compôs as primeiras obras do seu Catálogo oficial:
Cinco Pequenas Peças para piano. São, juntamente com a Sonatina per pianoforte
(numa mistura de dodecafonismo e harmonia neo-clássica) e a Sinfonia Breve n. 1
(também dodecafónica), ambas de Álvaro Cassuto, as primeiras obras dodecafónicas
portuguesas.
Mas estas Cinco Pequenas Peças, escritas entre 28 de Junho e 13 de Julho de 1959 não
são já meros exercícios escolares. Um pouco como as op.19 de Schönberg e as
Notações de Boulez, estas peças são miniaturas onde o compositor usa diferentes tipos
de técnica com séries de 12 sons e diferentes possibilidades expressivas, algumas
próximas do expressionismo do início do séc. Mas, em especial nas 2 últimas peças,
Jorge Peixinho deixa-nos perceber o seu interesse por um “outro” piano, onde
simultaneamente se podiam conceber mundos sonoros diferentes, ressonâncias através
de vibrações por simpatia, massas sonoras que se transformam, tessituras com cores e
possibilidades múltiplas.
OUVIR PEÇA V
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SUCESSÕES SIMÉTRICAS I
Desde logo aparece, em folha separada, uma explicação sobre os sinais de notação
usados, onde “clusters”, repetições, ressonâncias diversas, pedais e movimentos de
braço são explanados. A sua assinatura abrevia-se para “Jorge R. Peixinho”, e não
“Jorge Manuel Rosado Marques Peixinho” como nas Cinco Pequenas Peças.
Nos anos 1958/59 — anos marcantes em termos de política Portuguesa (basta lembrar a
“tempestade” política que foi a participação em eleições de Humberto Delgado) — são
desde logo relevantes alguns pontos que marcarão a recepção da vanguarda:
3
• O dodecafonismo shonberguiano começou a ser muito referido em artigos e
entrevistas, por João de Freitas Branco, Alvaro Cassuto (n. 1938) e Francine
Benoit, em particular na revista Arte Musical da Juventude Musical Portuguesa
(J.M.P.); 1
1
Cf. Arte Musical (1958 - n.3), entrevista com Maria de Lurdes Martins; Cf. Cassuto, Álvaro (1958) e
Cassuto, Álvaro (1959), artigos sobre dodecafonismo; Cf. Lopes-Graça, Fernando (1992 a): p. 116.
2
Cf. Arte Musical (1958 - n.3).
3
Cf. Nunes, Emmanuel (1998): p. 13.
4
De Janeiro a Abril do ano seguinte, 1964, houve mais uma série de conferências sobre
música moderna, desta vez organizadas pela Associação de Estudantes da Fac. de
Direito de Lisboa – e em especial por um jovem estudante de direito de nome Mário
Vieira de Carvalho.
A influência de Jorge Peixinho em Portugal foi sendo cada vez mais importante e
notada. Entre outras actividades organizou um concerto em Novembro de 1964 onde
apresentou, entre outras, uma primeira obra de Emmanuel Nunes (a obra Conjuntos I). É
interessante que esta apresentação de Conjuntos I permitiu a Emmanuel Nunes obter
uma bolsa de Estudo da Fundação Gulbenkian e tornar-se o compositor que hoje
conhecemos; a obra foi mais tarde retirada do catálogo.
Álvaro Cassuto, neste caso no papel de crítico musical do Diário de Notícias 7/11/1964,
relatou um grande alvoroço à volta deste concerto de Jorge Peixinho e propõe, no seu
texto, uma efectiva educação musical para as gerações mais novas. E nesse sentido a
Juventude Musical Portuguesa organizou um debate em Dezembro, moderado por João
de Freitas Branco, onde basicamente foram discutidas as ideias de John Cage.
1965 - HA ENING
4
Ernesto Manuel Geraldes de Melo e Castro. Cf. Melo e Castro (1977): página 59.
5
Obra tocada em primeira audição em Colónia, em 1960, por John Cage, Cornelius Cardew, Hans G
Helms, Nam June Paik, Benjamin Patterson, William Pearson, Kurt Schwertsik, David Tudor.
6
E. M. de Melo e Castro conta que Jorge Peixinho tocou violino com um extintor e
bebeu champanhe de um bidet; Salette Tavares cantou a ária ao cri-cri-cri-tico, António
Aragão cantou de dentro de um caixão, e Melo e Castro dirigiu uma spotlight de 1000
Watts para o público.
Parece, de facto, que os anos de 1964 e 1965 constituíram um ponto alto no que respeita
à apresentação de música contemporânea em Portugal, em particular em Lisboa. Em
síntese, só nos últimos 3 meses de 1964 ouviram-se novas obras de E. Nunes, Peixinho,
Filipe Pires assim como outras de compositores estrangeiros (Schönberg, Dutilleux,
John Cage, H. Holliger, Varèse). No início de 1965 apareceram os primeiros ha enings
em Portugal.
Tal movimento no âmbito da música contemporânea só foi, talvez, recuperado nos anos
90, ou acumulado em poucas semanas nas defuntas Jornadas de Música Contemporânea
da Gulbenkian.
COLLAGES – 1963/65
A obra Collages , de Jorge Peixinho, para 2 pianos, a 3ª obra para piano, iniciada em
1963, parece reflectir todo um trabalho e estudo profundos sobre as – já nessa época
académicas – técnicas do serialismo integral e derivados tais como o controle de
técnicas aleatórias.
Esta obra é dividida em diversas partes, sendo a ordem da sua execução (ou a exclusão
de uma parte) determinada pelos intérpretes:
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A Spanish group of contemporary artists of different disciplines, connected with J. Cage, D. Tudor, neo-
Dadaist and Surrealist groups and artists. Some of the participants in Zaj performances (exhibitions,
recitals, "concert-parties", "events", etc.) were John Cage, David Tudor, Walter Marchetti, Ramon Barce,
Juan Hidalgo, Tomás Marco, Alejandro Reino, Manolo Millares, José Cortés, Manuel Cortés, Eugenio
Vicente, etc.
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Collage I A Cristallisation - simultaneidade e duração dos 2 pianos
Structure independente (partes separadas). Deve ser tocada
Complémentaire em primeiro lugar.
Indépendant
Collage I α Incantation simultaneidade dos 2 pianos possível mas um
pouco livre (partitura com as 2 partes
sobrepostas
Collage I B Nocturne simultaneidade dos 2 pianos (partitura com as 2
partes sobrepostas)
Collage II C Antiphonie simultaneidade dos 2 pianos (partitura com as 2
partes sobrepostas)
Collage II D Sérénade simultaneidade dos 2 pianos (partitura com as 2
partes sobrepostas)
Collage II E Phases simultaneidade dos 2 pianos (partitura com as 2
partes sobrepostas)
A primeira parte (Collage I) foi gravada pelo compositor e por Filipe de Sousa em
1971. Perspectivando o total da produção para piano deste compositor, Collage é, a
meu ver, uma obra algo atípica pela intencionalidade técnica que parece apresentar.
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HARMÓNICOS – 1967
Esta obra de 1969 contrapõe texturas de diferente ordem: modais, seriais (ou para-
seriais, nas palavras do compositor) e tonais. Usa a repetição exaustiva de um pequeno
excerto, usa improvisação, clusters e mesmo uma clara citação do acorde de Tristão de
Wagner: e, desta forma, é quase uma espécie de manifesto onde o compositor, a meu
ver, nos declara:
• a sua não filiação nas maneiras mais estritas de composição da época (um não
rotundo ao serialismo mais estrito, mesmo ao estilo de Collage),
• o seu reconhecimento numa música que, afinal, pode ser expressão das emoções
do próprio compositor, tal como o título, a história e a própria obra nos sugerem.
As composições para piano de Jorge Peixinho não tem, em geral, atitudes teatrais, não
procuram nitidamente o confronto com o público, são até um pouco conservadoras, ao
contrário da atitude de Jorge Peixinho enquanto pianista e performer. Embora em
algumas se toque dentro do piano, noutras se utilize objectos ou mesmo a voz
simultaneamente com o teclado, Jorge Peixinho busca, simplesmente, sonoridades que
vão ao encontro das suas necessidades expressivas, usando o instrumento em todas as
suas potencialidades.
São sintomáticas as obras Music Box, de 1981, para piano e caixinhas de música, e
Estudo IV, de 1983/4, para uma corda só. Estas obras encontravam-se, assim como
outras, fora de catálogo, dadas como incompletas, e foram reconstruídas mercê do
trabalho com os manuscritos. Music Box é completamente tonal, tocada
simultaneamente com 3 caixas de música (mecânicas) que são abertas e fechadas em
alturas determinadas pelo compositor: a música tonal do piano sobrepõe-se às melodias
também tonais (mas em diferentes tonalidades) das caixas de música.
Mas esta peça, algo telúrica e enigmática, finaliza com “gaitas”, tal com Peixinho
escreve na partitura: a minha proposta é que, neste final, o intérprete se vire para o
público e sopre em gaitas de feira, bem desafinadas e provocatórias: uma espécie de
Verfremdung Brechtiana (distanciamento e estranhamento – Entfremdung e
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Verfremdung) que, eventualmente, nos acorda da nostalgia rural e das sonoridades
encantatórias do piano.
Identificando um estilo
Uma análise global e comparativa das obras para piano de Jorge Peixinho mostra-nos
características interessantes:
• A intermitência entre
• A repetição muito rápida da mesma nota, também substituída por trilos, como
forma de intensificação sonora, pensando o piano como instrumento de
percussão, ou mesmo como um instrumento de corda, capaz de tremolli
intensos;
SONORIDADES PUNTILISTAS
REPETIÇÃO/TRILOS
Personalidades criativas
Jorge Peixinho, reconhecendo-se na modernidade, mesmo numa vanguarda musical
europeia fortemente marcada pela Escola de Darmstadt, pelo serialismo e seus
derivados, não deixa de assumir, enquanto compositor, todo seu passado, todas as
tradições, sintetizando-as num processo de composição fortemente expressivo, mas
também crítico em termos estéticos, sociais e técnicos.
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E Jorge Peixinho soube acompanhar as evoluções técnicas e estéticas. É interessante
pensar nas repetições em Mémoires e Harmónicos como fenómenos de minimalismo
repetitivo, tal como entendido nos E.U.A. dos anos 60. Ou Music Box e Estudo IV
dentro das tendências mais intuitivas e simplistas de Stockhausen dos anos 60/70, como
em Stimmung e Amour. Ou ainda um novo expressionismo dos anos 80/90 em Nocturno
e In folio - para Canstança, estas de 1992. Sabemos que Jorge Peixinho pensou e
escreveu sobre tendências pos-modernas, e não de forma antagónica, como seria de
prever.
A meu ver, a sua posição sintética em termos de composição distancia-se de uma outra,
mais mediática, fortemente provocatória, performativa, assumidamente e
agressivamente vanguardista em termos estéticos e sociais: o Peixinho compositor e o
Peixinho músico. As necessidades são, enfim, diferentes: a composição para piano é
entendida como acto individual de afirmação pessoal, não perecível, distanciando-se,
assim, da performance, activa e reactiva relativamente a um momento, a um contexto
estético específico, interessante nesse mesmo contexto.