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Operas e Magicas em Teatros e Saloes no Rio de Janeiro--Final

do Seculo XIX, Inicio do Seculo XX


Vanda Lima Bellard Freire

Latin American Music Review, Volume 25, Number 1, Spring/Summer


2004, pp. 100-118 (Article)

Published by University of Texas Press


DOI: 10.1353/lat.2004.0003

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100 : Vanda Lima Bellard Freire

Vanda Lima Bellard Óperas e Mágicas em


Freire
Teatros e Salões no Rio de
Janeiro—Final do Século
XIX, Início do Século XX

Introdução

Os espetáculos dramáticos musicais tiveram


grande importância no Rio de Janeiro, no século XIX e nas primeiras
décadas do século XX. As óperas foram espetáculos constantes, desde o
início do século XIX, e tiveram significado emblemático para a monarquia.
Contudo, na segunda metade do referido século, as óperas entraram em
gradativo declínio, e outros espetáculos começaram a conquistar a
preferência do público. São espetáculos visuais (lanternas mágicas,
cosmoramas, etc.), peças de teatro de cunho realista, vaudevilles, revistas,
mágicas e outros.
Mágica é um gênero dramático-musical praticado no Rio de Janeiro,
possivelmente desde a primeira metade do século XIX. Parece ter seu
apogeu no final desse século, entrando em declínio no início do século
XX. É um gênero não estudado pela literatura especializada em música
brasileira, talvez por seu perfil mais popular, mas há evidências de sua boa
repercussão entre o público.
Fazendo um contraponto a esses espetáculos teatrais, os salões foram o
principal espaço de desdobramento desses gêneros. Pode-se, assim,
visualizar a história da música, no Rio de Janeiro, no período considerado,
a partir dessa circulação de gêneros musicais, através de espaços diversos,
apropriando-se de características uns dos outros, reelaborando
características, sintetizando-as, processando significados referentes à
atualidade, significados residuais de outras épocas ou culturas e latências
de significados que só posteriormente serão plenamente desenvolvidos pela
sociedade (Freire 1994). Entre esses significados, podemos destacar a
construção de um sentimento nacional.

Latin American Music Review, Volume 25, Number 1, Spring/Summer 2004


© 2004 by the University of Texas Press, P.O. Box 7819, Austin, TX 78713-7819
Óperas e Mágicas no Rio de Janeiro : 101

O nacionalismo dessa época tinha, sem dúvida, semelhanças com as


concepções da Semana de Arte Moderna, que só ocorreria cerca de meio
século depois, mas tinha, também, suas peculiaridades, já que nenhuma
concepção é atemporal ou isenta de historicidade. Entre essas peculiaridades,
podem-se citar os conflitos ideológicos entre a busca de igualar-se ao
estrangeiro e a busca de afirmação de identidade diferenciada, ou a ênfase
no texto em português, em deteminados momentos, a despeito do uso de
fórmulas musicais européias, como expressão máxima de brasilidade. Assim
como o século XIX foi “costurado” por esses ideais conflitantes de
independência, de progresso, de modernismo, de nacionalismo, a música, e,
sobretudo, a ópera, também esteve presente nesse alinhavamento ideológico.
Observa-se, assim, nesse jogo contraditório de concepções, musicais e
ideológicas, o encontro de significados residuais, provenientes dos modelos
musicais europeus, aqui copiados; de significados atuais, presente nos “jeitos”
de modinhas, e outros “jeitos” aqui delineados; e significados latentes, que
só se iriam explicitar, aprofundar ou desenvolver posteriormente, como no
movimento nacionalista desencadeado pela Semana de Arte Moderna, que,
como se vê, não era absolutamente novo. (Freire 2002a)

A riqueza dessa dinâmica, desses jogos conflituosos, é talvez o aspecto


que mais visibilidade ganha com um relato histórico baseado na
circularidade de genêros musicais, através dos diversos espaços, no Rio de
Janeiro oitocentista e dos primeiros tempos do século XX. Tomamos, aqui,
a concepção de circularidade cultural a Ginzburg (1989), utilizando-a neste
trabalho como o movimento de circulação e de transformação permanente
das manifestações da cultura.
Traçar um esboço dessa circularidade, a partir de um olhar que privilegia
óperas e mágicas, através de sua trajetória em teatros e salões do Rio de
Janeiro, é o objetivo principal deste artigo, secundado pelo objetivo de
caracterizar a profunda relação desse movimento com a construção de
uma identidade nacional brasileira, muito anterior à Semana de Arte
Moderna.

Espaços onde se faz música—uma “ciranda” de gêneros

Dos terreiros aos teatros, passando por salões, instituições de ensino de


música, clubes musicais, igrejas, teatros, praças e ruas, a música, ou melhor,
as músicas circulam entre esses espaços, transmudando-se, constantemente.
São modinhas, que se apropriam de características de óperas, óperas que
absorvem características do cancioneiro brasileiro, são lundus, maxixes,
valsas e outros gêneros apropriados pelos teatros musicais, são músicas
sacras com características modinheiras.
A ópera foi, sem dúvida, um fenômeno de grande importância no ambiente
carioca oitocentista, e o espaço ocupado por ela nos jornais da época é um
102 : Vanda Lima Bellard Freire

dos importantes testemunhos a esse respeito. Além disso, sua importância


pode ser rastreada na influência que exerceu nas melodias das modinhas e
no repertório das igrejas, e no fato de ter gerado a maior parte do repertório
pianístico do século XIX, no Rio de Janeiro (reduções, fantasias, arranjos,
etc.), que ecoou nos salões cariocas em todo aquele período, ao som das
vozes e dos pianos de músicos amadores e profissionais, apresentando-se
lado a lado. (Freire 2002a)

A trama que essa “ciranda” tece constrói uma percepção de identidades


culturais e musicais. E, certamente, também participa da construção de
uma percepção de nacionalismo, peculiar à época (identidade nacional).
O conceito de identidade aqui adotado é tomado por empréstimo a Hall
(2002), como percepção de “pertencimento” a uma cultura ou segmento
dela, ou seja, como “reconhecimento”de características com as quais o(s)
indivíduo(s) se identifica(m).
Não que se possa pretender unificar as percepções de identidade, inclu-
sive a de identidade nacional, mas, em certa medida, há que se reconhecer
uma construção de “brasilidade” peculiar ao período considerado. Trata-
se, na verdade, de um jogo dialético entre diferentes percepções que se
unificam, ainda que parcialmente, em uma concepção de identidade
nacional.
Esse mesmo jogo dialético é descrito por Mattos (1986), como duas faces de
uma mesma moeda—um jogo de imitação, ou de ênfase nas semelhanças
com a metrópole, a partir do qual os homens livres do Império se
reconhecessem e se fizessem reconhecer como membros do “mundo
civilizado”, animado pelo ideal de progresso; e um jogo de diferenças, que
consiste em distinguir o Império Brasileiro das nações mais civilizadas da
Europa, pelo modo pacífico como se constituiu, pela peculiaridade de sua
posição geográfica, etc. (Freire 2002a)

São muitos os depoimentos de época que permitem visualizar esse jogo


dialético: jornais, cartas de viajantes, programas de teatro, etc. A síntese
que decorre desse jogo é perceptível nas linhas e entrelinhas de diferentes
textos. Mário de Andrade (1980, edição original de 1930) assinala que na
obra do Padre José Maurício (final do século XVIII e início do século
XIX) já se observavam esses processos de síntese musical, também
identificável em outros autores, durante o século XIX: “[ José Maurício]
não perdia voga nos adágios e solos de suas missas para lhes imprimir
acento modinheiro”. A apropriação, portanto, de características da modinha
no repertório sacro da época é mais um exemplo de síntese que ilustra a
“ciranda” de gêneros, através de diferentes espaços, a que aqui nos
referimos.
Observando as publicações de partituras, anunciadas pelos jornais,
podemos constatar a presença significativa de peças oriundas de espetáculos
teatrais (inclusive óperas, operetas, revistas e mágicas), convertidas em
Óperas e Mágicas no Rio de Janeiro : 103

repertório de concerto ou de salão, a partir de fantasias, arranjos e reduções.


Nessas peças, a presença intensa de gêneros populares urbanos, absorvidos
pelo teatro musical e reconduzidos em novas versões aos salões, ao uso
cotidiano e aos próprios teatros (na forma de peças de concerto), não deixa
dúvida quanto à circulação dos gêneros musicais, através dos espaços.
É o caso, também do lundu, que de antiga dança de escravos transforma-
se em canção, de início de baixo “status”, sendo, posteriormente, também
alçada aos salões. O teatro também o absorve, apresentando-o nos entreatos,
mas o utilizando, também, na própria música dos gêneros dramático-
musicais mais populares, como a mágica e o teatro de revista. Os lundus
originários desses espetáculos teatrais retornam, arranjados, aos salões.
Reaparecem, também nos teatros, no final do século XIX e início do século
XX, como peça instrumental especialmente composta para piano, como é
o caso, por exemplo, de o “Lundu da Marqueza”, de Francisco Braga, e
para canto e piano, como “O Lundu da Marquesa de Santos”, de Villa-
Lobos. E além disso, mescla-se às origens do maxixe e do samba.
A citação a seguir, de um periódico oitocentista, exemplifica a presença
do lundu no teatro, bem como a importância da influência do teatro realista
francês (devidamente reelaborado, entre nós) no teatro carioca, na segunda
metade do século XIX:
é hoje o dia da representação de um novo drama . . . escripto pelo artista
Furtado Coelho. . . . no final do 3o. acto será executado um lundu bahiano
(grifo nosso), cuja música foi escripta pelo Sr. Silveira, habil flautista, e digno
auctor de varias composições. A peça é realista; se de facto o é, se não se
enganam os programmas, é contar que não faltarão espetadores. O realismo
tem contaminado quase todos os paizes e, pronunciado como está o gosto
por semelhante escola, é fora de duvida que o subtitulo peça realista é hoje o
maior attrativo de um drama ou comédia, ou uma ratoeira para incautos.
(Revista Musical e de Bellas Artes, 15 de março de 1879)

O anúncio refere-se à peça “Misérias Humanas”, de Furtado Coelho, a


ser encenada no Theatro São Pedro de Alcântara, e ilustra, aqui, a
circularidade do gênero lundu nos espaços cariocas oitocentistas. Ilustra,
também, a transformação dos padrões estéticos, no final do período
monárquico.
A ciranda dos gêneros através dos espaços é, portanto, intensa, e, nessa
perspectiva, não cabe “fechar” os gêneros em rótulos como populares ou
eruditos, como par de opostos, sendo mais significativo registrar as
elaborações, apropriações e reelaborações que se processam, bem como
tentar apreender as simbolizações diversas que se dão nesse movimento.
São também muitos os depoimentos de época que permitem reconhecer
a movimentação ideológica que dá sustentação a esses processos.
Os comentários dos jornais da época ilustram de maneira inequívoca a relação
entre a ópera e o poder, e a importância que era dada a esse gênero musical
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como representativo de um status de modernidade e de progresso.


Comentando as subvenções estabelecidas para o Theatro Lyrico, o periódico
Atualidade, de 7 de julho de 1860, dizia que essas subvenções foram instituídas
porque entendia-se que o Brasil próspero não podia deixar de possuir um teatro de
canto italiano (grifo nosso). (Freire 1996)

A imagem evocada de um Brasil próspero, que necessita de um teatro


de ópera e do canto em italiano, constroi uma percepção de sentimento
nacional que se valoriza pela imitação do estrangeiro. O desejo de igualar-
se às “nações civilizadas” expressa, certamente, um sentimento patriótico,
e esse patriotismo passa, sem sombra de dúvida, pelo teatro musical do
Rio de Janeiro, no final do período oitocentista e no início do século XX,
pelas sínteses que ele processa, e pela “ciranda” de gêneros que por ele
passam.

Ópera e mágica—dois gêneros que absorvem características


dos gêneros populares urbanos

A ópera e a mágica, no período aqui focalizado, são dois exemplos que


permitem a observação sobre a dinâmica acima referida. As óperas
apresentam diversas características que permitem identificar as sínteses
que se dão entre elementos da ópera italiana (a influência mais forte, nesse
período, no gênero operístico) e as manifestações populares urbanas. São
muitos os autores que reconhecem essas sintetizações no repertório
operístico do século XIX.
Luiz Heitor Correia de Azevedo (1987) assinala indícios de brasilidade nas
duas primeiras óperas de Carlos Gomes, escritas em português, convergindo,
em sua opinião, com os comentários, à época, do Jornal do Commercio.
Referindo-se à segunda ópera, a Joana de Flandres, o mesmo autor assinala
que “a melodia . . . tem momentos de abandono em que deixa os céus
mediterrâneos pela ardência dos trópicos e evoca . . . qualquer coisa que
está bem próxima de nós, bem no centro de nossa sensibilidade musical:
qualquer coisa que, sem ritmos sincopados, sem sétimas abaixadas, parece-
nos . . . música do Brasil.” A despeito das evidências do uso de modelos das
óperas italianas, Luiz Heitor refere-se, ainda, a “certo jeito das modinhas do
tempo”. (Freire 2002a)

As mágicas, em particular, pelo seu perfil mais popular, pela sua


característica mais irreverente, é um gênero onde essas elaborações se
movem, talvez, com mais facilidade e evidência.
Ao final do século XIX, a aproximação da mágica com o teatro de
revista parece acentuar a presença dos gêneros populares urbanos nas
músicas das mágicas, cabendo, mais uma vez, duvidar do ganho conceitual
que se obtem ao tentar traçar fonteiras entre popular e erudito.
Óperas e Mágicas no Rio de Janeiro : 105

O público que acorre às mágicas é o mesmo que vai às óperas. Aliás, a


mágica é encenada em teatros, com ingresso pago, o que pressupõe,
obviamente, um público pagante. Popular ou erudito? Machado de Assis e
Coelho Neto escreveram textos para mágicas. Compositores de música de
concerto compuseram para as mágicas. E criaram, também, arranjos e
reduções dessas mágicas que, assim como as óperas, geraram intenso
repertório de salão.
A construção de identidade cultural, musical e nacional passa por todos
esses processos, e pelas sínteses que se fazem, nas óperas e mágicas, de
gêneros como modinha, lundu, tango e outros.

Um olhar mais detalhado nas mágicas

A mágica, gênero dramático musical, pode, talvez, ser definida como um


espetáculo que valoriza o fantástico, sintetizando características de óperas,
operetas, teatro de revista, músicas populares urbanas.
Não tem compromisso com o verossímil (Faria 2002), por isso lança
mão de personagens fantásticos, irreais, sobrenaturais. Lança mão de
alegorias e alusões diversas. Na fase final, já bastante próxima do teatro de
revista, as sátiras políticas e sociais parecem fazer parte de suas
características.
O emprego de componentes fantásticos, característico da mágica, difere
entre as obras: espíritos, dragão, satanaz, sataniza . . .
Alusão, na forma de personificação, aparece, por exemplo, em “Coro
da Natureza” (personificação da Natureza), da mágica O Remorso Vivo, de
Arthur Napoleão. Alusões satíricas e políticas aparecem, por exemplo, no
“Maxixe da Pataca”, de A Rainha da Noite, de Barroso Netto (crítica à
desvalorização da moeda e à demolição empreendida no centro do Rio de
Janeiro). No mesmo Maxixe aparecem alusões na forma de caricatura (a
mulata), sendo sua caracterização complementada pela própria música, o
maxixe, que participa, portando, da construção do personagem (ver
Exemplos 1 e 2 em apêndice). Alusões mitológicas podem ser identificadas
na personagem Pandora, na mágica do mesmo nome, de Cavalier Darbilly.
As mágicas envolvem, além de aspectos estritamente musicais, aspectos
dramáticos e cômicos (aqui entendidos simplesmente como opostos), in-
clusive líricos, diferindo do Teatro de Revista, que não aborda aspectos
sentimentais ou líricos (Veneziano 1996). As cenas analisadas, em que
predomina, o lirismo de alguma forma, apresentam características formais
encontráveis no cancioneiro do Brasil oitocentista (balada, romance), com
características melódicas e harmônicas comuns às modinhas.
Algumas características possivelmente comuns às mágicas podem ser
aqui apontadas (Freire 2002b), embora a caracterização mais completa do
gênero dependa da análise de outras partituras:
106 : Vanda Lima Bellard Freire

1. Total independência formal, harmônica (diferentes tonalidades


empregadas) e expressiva entre os quadros (coros, duetos, danças,
solos e outros, com características diversas)
2. Predomínio de formas binárias e ternárias
3. Uso de harmonia tonal, sem grandes “giros” modulatórios
4. Importância da linha melódica, com características por vezes
tomadas às óperas e operetas, por vezes ao cancioneiro brasileiro
(progressões melódicas, melodias “torturadas”, saltos de sexta ou
sétima seguidos de bordadura ou grau conjunto e outros)
5. Orquestração nos moldes gerais do romantismo, utilizando efeitos
texturais, timbrísticos e expressivos comuns às óperas e operetas
francesas e italianas (contrastes, adensamentos, rarefações e outros)
6. Silêncios expressivos e fermatas, gerando descontinuidades e
protensões (comuns nas óperas e operetas e, por vezes, em
modinhas)
7. Interação expressiva texto/música, ou seja, a música não serve
apenas como suporte ao texto, mas os dois se complementam para
constituir o sentido expressivo
Características “brasileiras” parecem ser mais incidentes em mágicas mais
recentes, como A Rainha da Noite (1905), de Barroso Netto: ritmos de danças
brasileiras, como o maxixe; contracantos polifônicos no baixo e
acompanhamento no plano intermediário, no estilo do choro (Exemplo 3).
Características similares a óperas e operetas também aparecem nas
mágicas, mais uma vez reforçando a presença de sínteses culturais (e
musicais) que as mágicas processam: emprego eventual de virtuosismo
vocal, melodismo expressivo, emprego de silêncios e fermatas expressivos,
características da orquestração. Possivelmente, o uso da dicção trabalhada,
da voz empostada, usando técnicas operísticas e do bel-canto também
permeiam as mágicas, similarmente ao que Veneziano observa com relação
ao Teatro de Revista do início do século XX:
Para os que cantavam, as técnicas operísticas e do bel-canto eram as
disponíveis. Aplicavam-nas, portanto, à música popular. Isso não quer dizer
que o resultado não fosse bom e brasileiro. Primeiro, porque a ginga e o
ritmo levavam a uma interpretação musical diferenciada. E segundo, porque
a utilização de técnicas eruditas proporcionava-lhes o preparo necessário
para enfrentar o palco, uma vez que não havia microfone ainda. (Veneziano
1996, 106)

A aproximação da mágica com o Teatro de Revista no decorrer de suas


trajetórias, gerando novas sínteses, parecem ser observáveis, principalmente,
em mágicas mais recentes, do final do século XIX e início do século XX.
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Alguns aspectos podem ser evidenciados, nesse sentido (Freire 2002b):


1. Uso de quadros estanques
2. Uso da sátira social
3. Uso de alegorias, alusões, tipificações: “mulata”, “malandro”, en-
tre outras
4. Referências à atualidade, passada em “revista”
5. Uso de linguajar popular
6. Uso de números de dança, utilizando gêneros populares, como o
maxixe
7. Uso de diálogos falados (aparentemente mais freqüentes na revista
do que na mágica)
8. Ocorrência de um quadro de “apoteose” final, geralmente com
uso de dança
9. Ausência de enredo linear
10. Articulação, como agente e como reflexo, da brasilidade do
momento
11. Emprego de obstáculos a serem superados como elemento
importante do enredo
O sucesso de público pode ser colhido dos periódicos de época, assim
como as opiniões nem sempre favoráveis dos críticos. Preconceito, talvez,
com um gênero considerado popular?
Atestando o sucesso do gênero, há comentários como o que
transcrevemos abaixo:
Realizou-se, no dia 10 do corrente, no Theatro SantÁnna, o beneficio da
sympathica actriz Izabel Porto, com a mágica A Loteria do Diabo. A aceitação
que sempre teve esta peça durante longo tempo concorreu muito para o
bom resultado que esperava a beneficiada. (O Beija-Flor, maio/junho de 1863)

Também podemos citar, na Gazeta Musical de novembro de 1892, que


comenta que as mágicas “vão à scena seguidamente . . . , cem, duzentas e
tantas vezes”, atestando, através da quantidade de récitas mencionada, a
afluência do público, que é o mesmo das óperas, como pode observar-se em
outro comentário do mesmo periódico: “Respondam-me: qual o frequentador
do Lyrico que não viu e ouviu As Maçãs de Ouro, A Pera de Satanaz, o Frei
Satanaz . . . , mais de dez vezes?” (Gazeta Musical, novembro de 1892)
Há divergência entre os críticos e comentaristas, que nem sempre
aprovam a mágica, fato que possivelmente decorre de diferentes
posicionamentos ideológicos dos articulistas ou dos periódicos em que
escrevem. Não deixam dúvida, contudo, quanto à acorrência de público.
108 : Vanda Lima Bellard Freire

Encontramos referências a apresentações de mágicas no Imperial


Theatro de São Pedro de Alcântara e no Teatro Sant’Ánna, ambos também
dedicados à apresentação de óperas, concertos e outros espetáculos musicais.
Ou seja, evidencia-se a utilização de mesmos espaços teatrais para práticas
musicais diferentes, como óperas e mágicas, estas de perfil mais popular.
Entre os autores de texto das mágicas, incluem-se os nomes de Barrozo
Netto, Coelho Netto, Machado de Assis, Moreira Sampaio, Arthur Azevedo
(estes dois últimos, experientes autores teatrais). O texto nem sempre é
original, podendo ser adaptação ou tradução de libreto estrangeiro
(geralmente, francês).
A música, diferindo da Revista, que geralmente não é composta
especificamente para o espetáculo a que se destina, é composta
integralmente por um mesmo autor: Henrique Alves de Mesquita (1830–
1906, discípulo de Giannini, lecionou no Imperial Conservatório, onde se
formou, obtendo prêmio de viagem à Europa e Medalha de Ouro); Barroso
Netto (1881–1941, discípulo laureado de Nepomuceno, professor do
Instituto Nacional de Música, onde se formou); Carlos Cavalier Darbilly
(1846–1918, formado e premiado pelo Imperial Conservatório de Música,
onde lecionou Piano e Harmonia); Arthur Napoleão (1843–1925, músico
reconhecido); Cardoso de Menezes (com larga experiência em música para
teatro); Abdon Milanez (1858–1927, dirigiu o Instituto Nacional de Música
de 1916 a 1921); e outros. Constata-se, portanto, que havia músicas de
mágicas compostas por autores de competência e experiência
inquestionáveis.
Entre os títulos de mágicas encontrados nos jornais e arquivos
consultados, bem como na literatura sobre teatro, podemos citar os que
vêm relacionados a seguir, embora nem sempre tenha sido possível
identificar, claramente, seus autores:
“A Rainha da Noite” (Barroso Netto)
“A Tentação”
“O Anel de Salomão”
“Loteria do Diabo (da qual originou-se um tango de grande sucesso, à época),
Ali Babá ou Os Quarenta Ladrões”, “A Gata Borralheira”, “A Coroa de Carlos
Magno”, “Trunfo às Avessas” (Henrique Alves de Mesquita)
“A Corça do Bosque” (mágica francesa, traduzida por Arthur Azevedo)
“A Pera de Satanaz”, “A Princesa Flor da Neve”, “O Gato Preto”, “A Galinha
dos Ovos de Ouro”, “O Espelho da Verdade” (texto de Eduardo Garrido)
“A Donzela Theodora”, “O Bico do Papagaio” e “A Chave do Inferno”, da
qual extraiu-se uma Grande Valsa Concertante, arranjada para os salões,
além de outras peças (Abdon Milanez)
“A Borboleta de Ouro” (Assis Pacheco e Costa Júnior)
Óperas e Mágicas no Rio de Janeiro : 109

“O Papagaio” (mágica de Gomes Cardim, paródia de O Periquito)


“Frei Satanaz” (Soares de Souza e Costa Junior)
“Maçãs de Ouro” (Costa Júnior)
“O Remorso vivo” (música de Arthur Napoleão)
“Pandora” (música de Cavalier Darbilly)
“A Conquista de um Trono” (música e libreto de Fernandes Pinto)
“A Rainha dos Gênios” (libreto de Vicente Reis)
“A Pérola Encantada” (texto e música de Ornellas Sophonias)
“O Gênio do Fogo” (Primo da Costa)
“A Filha do Inferno”
“A Fada de Coral”
“A Romã Encantada” (apresentada no Theatro São Pedro de Alcântara, em 1861).
As mágicas geraram farto repertório de salão, principalmente reduções
ou arranjos para piano e para canto e piano. São polcas, valsas, árias, tan-
gos, modinhas, romances, quadrilhas, e lundus, entre outros, anunciados
com freqüência nos jornais pelos editores e estabelecimentos de venda de
partituras. Muitas dessas músicas são encontradas nos arquivos da Escola
de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro e da Biblioteca
Nacional, atestando a receptividade das mágicas junto ao público, e o
desdobramento (circularidade) das manifestações dramático-sociais, nos
salões cariocas.
Muitas vezes as partituras impressas trazem em suas capas anúncios
diversos que constituem importante fonte de informação primária. A
divulgação das publicações pelas editoras são, assim, importante fonte de
dados, pois remetem a outras músicas, que não constam necessariamente
dos acervos pesquisados, permitindo uma visualização mais ampla do
universo analisado. Valsas, quadrilhas, fantasias e outros gêneros constituem
repertório de salão derivado de óperas e mágicas, e são presença constante
nesses anúncios. É o caso de uma primeira capa de partitura editada por
Narcizo e Arthur Napoleão, que anuncia uma “Collecção de Tangos e
Havaneras para Piano”, entre os quais o Tango “Ali-Babá”, de Henrique
Alves de Mesquita, da mágica do mesmo nome (que obteve grande sucesso,
na época). Anuncia também, uma “Collecção das Mais Célebres Valsas
para Piano”, entre as quais “Il Guarany” e “O Vampiro”, a primeira derivada
da ópera de Carlos Gomes, a última, de Henrique Alves de Mesquita,
derivada da Opereta (ou Mágica) do mesmo nome.
A mágica pode ser visualizada, ao que parece, como um gênero que
contribui muito diretamente para a construção de uma identidade nacional,
para um sentimento de nacionalismo. Autores, como Veneziano (1996)
atribuem esse mesmo papel ao teatro de revista, permitindo que se
estabeleça um paralelo entre ambos os gêneros:
110 : Vanda Lima Bellard Freire

Brasileirismo só existe na revista e na burleta [e na mágica]. Essas refletem


qualquer coisa nossa. Nelas é que a gente vai encontrar, deformado e
acanalhado embora, um pouco do que somos. O espírito do nosso povo tem
nelas o seu espelhinho de turco, ordinário e barato. (Alcântara Machado,
citado por Veneziano 1996, 70)

Podemos considerar que, além da ópera, os gêneros do chamado teatro


ligeiro teriam especial importância na construção de nossa identidade cul-
tural, sobretudo pelo “reconhecimento” que propiciam ao público, a partir
da utilização, mais evidente que em outras manifestações dramático-
musicais, de características dos gêneros musicais populares urbanos,
presentes no cotidiano desse mesmo público que acorria aos teatros.

Óperas e mágicas e a construção de identidades—um


nacionalismo no século XIX?

É possível rastrear, em todo o século XIX, um discurso ideológico de cunho


nacionalista, que também se expressa nas manifestações culturais diversas,
inclusive nas musicais. Desde a primeira metade do século XIX proliferam
nos jornais as manifestações de nacionalismo. Podemos ilustrar com alguns
fatos do século XIX que evidenciam a preocupação com a expressão de
uma nacionalidade brasileira. A criação da Imperial Academia de Música
e Ópera Nacional, ainda na primeira metade do século XIX, os debates,
através dos jornais, em prol de apoio à “ópera nacional”, a criação de
óperas em português (movimento que não alcança o mesmo vigor em Por-
tugal), a luta de Arthur de Azevedo, no final do mesmo século, pela criação
de um teatro “verdadeiramente nacional”, são alguns exemplos, entre
muitos outros que poderíamos apontar e que falam de uma construção de
identidade nacional.
Para isso [Arthur Azevedo] propunha-se construir um teatro e abrir uma
pequena escola para formar artistas e realizar espetáculos. A Sociedade
[Sociedade Teatro Brasileiro, criada com Moreira Sampaio] pretendia também
reunir elementos característicos do teatro feito no país e promover criação
de um teatro “não fluminense, mas brasileiro”, no qual figurassem “todos os
aspectos sociais do país”, “um teatro que seja o teatro de todos os estados.
(Mencarelli 1999, 48)

Convém ressaltar que o conceito de nacionalismo é aqui empregado


em sentido mais amplo que aquele utilizado pela Semana de Arte Moderna,
e que termina influenciando boa parte do pensamento do século XX, a
ponto de parecer, por vezes, que a Semana “inventou” o conceito, e que os
movimentos citados acima eram apenas “precursores” do nacionalismo . . .
Conceitos são móveis e mudam de significação conforme o momento
histórico. Assim, reconhecer uma ideologia e manifestações nacionalistas
Óperas e Mágicas no Rio de Janeiro : 111

no século XIX não significa adotar a visão de nacionalismo cunhada pela


Semana, mas reconhecer uma movimentação própria na história oitocentista
em torno da construção de uma imagem e de uma percepção de nação
brasileira. “As identidades nacionais são formadas no interior da
representação, como um conjunto de significados . . . nação não é apenas
uma entidade política, mas algo que produz sentidos—um sistema de
representação cultural” (Hall 2002, 49).
Óperas escritas em português, absorvendo contornos melódicos de nosso
cancioneiro, utilizando temas “nacionais” são manifestações do
nacionalismo da época.
Mattos (1986), citado anteriormente, interpreta com propriedade essa
dualidade de sentimentos que permeia o nacionalismo do século XIX—o
desejo de igualar-se “às nações civilizadas”, mostrando que nosso valor é o
mesmo (ainda que através da imitação), assim como o desejo de ressaltar e
exaltar nossas peculiaridades (o orgulho pelo “exotismo”). Essa dualidade
faz de Carlos Gomes um compositor evidentemente nacionalista, ainda que
a Semana o desconsidere como tal, visualizando apenas a paráfrase de Verdi.
As paráfrases e traduções de óperas, operetas, mágicas e outros
espetáculos musicais podem ser interpretados como movimentos de
patriotismo, de nacionalismo, em pleno século XIX. Muitas vezes, traduzia-
se ou parafraseava-se o texto e compunha-se nova música, com carac-
terísticas mais próximas ao público brasileiro:

A receptividade e adaptação da opereta à cidade em meados do século


passado era também um sinal do processo de modernização, segundo o
modelo europeu, que iria gradualmente se impor à sociedade carioca nas
décadas seguintes.
O sucesso alcançado pela opereta de Alcazar no Rio de Janeiro apontava
para empresários, autores e atores o rumo que deveriam tomar caso buscassem
a simpatia imediata do público carioca. O exercício de adaptar e parodiar as
operetas francesas foi visto então como uma tentativa de nacionalizar (grifo
nosso) o gênero. (Mencarelli 1999, 57)

Esta é uma das questões a serem reabertas pela historiografia sobre


música brasileira. O entendimento, freqüente, de que nossos autores são
apenas reflexo, conseqüência de autores estrangeiros descaracteriza a outra
face da moeda—o desejo e afirmação pela imitação, que, contudo, não
consegue excluir as sínteses culturais peculiares à nossa sociedade.
É assim que as óperas e mágicas, cada uma a seu jeito, vão representando
um sentimento nacional, ainda que não se possa falar em sentimento uno,
nem em cultura homogênea, uniformizada por percepções e identidades
únicas. “A opereta, o can-can, a ópera bufa—tudo o que fazia a delícia da
vida noturna parisiense—nacionalizou-se (grifo nosso) de imediato, num Rio
ávido de alegria e de boemia, que abandonava os costumes provincianos”
(Sábato Magaldi, citado por Mencarelli 1999, 60).
112 : Vanda Lima Bellard Freire

Os espetáculos do teatro musicado do período aqui enfocado, inclusive


a ópera e a mágica, integraram, portanto, um movimento cultural mais
amplo, transformando o palco dos teatros em palco de novas formas
culturais, integrando uma tensão dialética, contraditória, com características
de continuidade da cultura carioca do período de transição do século XIX
para o século XX. De certa forma, podemos simplificadamente dizer que a
ópera representava mais os processos de continuidade de formas e
significados culturais, enquanto os diversos gêneros de “teatro ligeiro”, entre
os quais se situa a mágica, operavam mais claramente com a constituição
de novas formas e significados culturais.

A permanência e o desenvolvimento de uma tradição cômica, o envolvimento


com a produção popular e a constituição de um incipiente mercado cultural
de massas são apenas alguns dos fatores que podemos associar à voga do
teatro ligeiro no período, contrariando a idéia de um “vazio” cultural.
(Mencarelli 1999, 61)

Conclusões

A elaboração de relatos históricos não lineares, que privilegiem a


circularidade, ao invés de possíveis relações unívocas de causa e efeito,
parece tarefa particularmente necessária para que se revalorizem diversos
aspectos da história da música brasileira.
O papel dos gêneros populares urbanos, relegados por autores como
Mário de Andrade, em alguns de seus textos, à posição de inferioridade,
merece uma visualização mais consistente, no que concerne, inclusive, às
permeações desses gêneros com os repertórios teatrais, sejam eles de con-
certo, sejam eles espetáculos dramático-musicais.
Quanto aos salões, cujo papel e cujo repertório também não ocupa lugar
importante na historiografia brasileira, possivelmente merecem uma
reinterpretação. Espaços privilegiados de sínteses musicais, onde árias de
ópera ou tangos de mágicas viravam repertório imediato, necessitam,
certamente, de uma revalorização.
Essa revalorização não pode deixar de considerar, a nosso ver, a
substituição dos meios de comunicação, pelo advento de algumas
tecnologias novas, como o cinema, que se inicia no Rio de Janeiro no final
do século XIX, levando os teatros a se transformarem em cines-teatro.
Também não se pode desconsiderar a transformação das concepções
estéticas, que se entrelaça com as demais instâncias em transformação na
sociedade, inclusive as tecnológicas.
A mudança e a inovação caminham dialeticamente junto à permanência
e à continuidade, de forma que a história da música pode ser visualizada
como a trajetória de processos circulares, não lineares no tempo, que
Óperas e Mágicas no Rio de Janeiro : 113

reconstroem, a cada momento, em cada gênero e em cada espaço em que


se dão, as representações que conferem identidade à sociedade.
Para finalizar, podemos sistematizar algumas conclusões que reforçam
o propósito deste artigo de ressaltar o papel da circularidade cultural, através
de óperas e mágicas, sobretudo em teatros e salões, como instâncias
processadoras de sínteses musicais diversas e como instâncias articuladoras
de identidade cultural, musical e nacional:
1. Os gêneros dramático-musicais e o repertório de salão dele
decorrente são elos importantes na constituição de identidade cul-
tural e musical brasileira, possuindo, com suas peculiaridades,
características entendidas como nacionalistas, no presente trabalho,
no âmbito do século XIX e início do século XX.
2. Os repertórios mais “populares” parecem constituir, no período
oitocentista, espaço significativo de circulação e síntese de
características musicais diversas, oriundas de diversos espaços
sociais, tais como teatros, salões e outros, merecendo, portanto,
uma revalorização do papel que exerceram na história da música
brasileira.
3. As mágicas, com texto em português, e utilizando elementos
melódicos e rítmicos da música popular urbana, estabelecem fácil
comunicabilidade com o público o que, em parte, talvez explique
seu sucesso, em contraponto à decadência da ópera. O contraste
entre estéticas românticas e realistas no período (Faria 1993) talvez
possa ser exemplificado no sucesso das mágicas, em contraposição
ao declínio da ópera.
4. As alusões ao cotidiano (políticas, satíricas), nas mágicas, parecem
articular-se com a concepção realista que penetra o teatro brasileiro
na segunda metade do século XIX (Faria 1993), e, provavelmente,
contribuem para a receptividade junto ao público e para a
representação simbólica de valores da sociedade da época. A ópera
romântica do século XIX representa, de outra forma, os valores
da sociedade da época, como a reverência à aristocracia.
5. O declínio da concepção romântica, mais associada à ópera,
contrapõe-se à ascensão de outras formas de comunicação
dramática, como o cinema, produzido no Rio de Janeiro desde
1896 (Capellaro e Ferreira 1996), e a mágica, que parecem apontar
mais claramente para concepções realistas e modernistas, sem
excluir, contudo, resíduos de características românticas e outras
advindas das tradições dos teatros populares.
6. A importância da mágica, no Rio de Janeiro, como espaço de
sínteses culturais e musicais, merece revalorização, sobretudo pela
circularidade que confere às manifestações musicais urbanas. A
114 : Vanda Lima Bellard Freire

ópera do século XIX e início do século XX também merece ser


revisitada, sob uma ótica que revalorize a presença de elementos
musicais que expressam nossa “brasilidade”, ao invés de enfatizar,
apenas, possíveis “influências” européias.
7. A mágica repercute nos salões através de gêneros musicais diversos:
lundus, romances, polkas, quadrilhas, baladas e outros. O
repertório operístico também chega de diversas formas aos salões,
explicitamente, através de arranjos e reduções, implicitamente,
através da impregnação de características às modinhas.
8. O lirismo, presente em cenas das mágicas, contrasta com aspectos
satíricos e caricaturais, e permite, nos casos estudados, reconhecer
procedimentos, sobretudo melódicos e harmônicos, das modinhas,
das operetas e óperas do período. As óperas, por sua vez,
emprestam características líricas e melódicas às modinhas,
configurando, mais uma vez, a circularidade dos gêneros musicais.
9. As caricaturas são utilizadas, ao que tudo indica, em fase mais
recente da mágica, talvez como uma “importação” do teatro de
revista, e parecem contribuir para a construção de alguns tipos
emblemáticos, como o malandro, a mulata, e outros. As óperas
também contribuiram, de outra forma, para a construção de tipos
emblemáticos, como a figura do “herói”, também encontrável na
literatura romântica.
10. Os personagens fantásticos (figuras mitológicas) parecem
apresentar uma versão irreverente, não moralista, contrastando,
com a moralidade (ainda que velada) do romantismo. O
moralismo, por sua vez, está presente nas óperas românticas, cujas
heroínas sempre pagam com o preço da vida as transgressões às
normas sociais.
Óperas e Mágicas no Rio de Janeiro : 115

Apêndice
Exemplo 1. Autor: Arthur Napoleão Mágica: “O Remorso Vivo” Cena:
“Balada de Gretchen”—compassos 21/-29 (redução).
116 : Vanda Lima Bellard Freire

Exemplo 2. Autor: Barrozo Netto Mágica: “A Rainha da Noite” Cena:


“Maxixe de Pataca”—compassos 1/-16 (redução).
Óperas e Mágicas no Rio de Janeiro : 117

Exemplo 3. Autor: Barrozo Netto Mágica: “A Rainha da Noite” Cena:


“Romance de Nair”—compassos 30/-33 (redução).

Exemplo 4. Autor: Cavallier Darbilly Mágica: “Pandora” Cena: “Ária de


Pandora” — compassos 167-175 (redução).
118 : Vanda Lima Bellard Freire

Bibliografia

Andrade, Mário de
1962 Ensaio sobre a música brasileira. São Paulo: Martins.
1980 Modinhas Imperiais. Belo Horizonte: Itatiaia.
Capellaro, Jorge J.V., e Paulo Roberto Ferreira
1996 Verdades sobre o início do cinema no Brasil. Rio de Janeiro:
FUNARTE.
Faria, João Roberto
1993 O Teatro Realista Brasileiro: 1855–1865. São Paulo: Perspectiva/
EDUSP.
2001 Idéias Teatrais. São Paulo: Perspectiva/FAPESP.
Freire, Vanda L. Bellard
1994 “A história da música em questão—uma reflexão
metodológica”. Fundamentos da Educação Musical (Associação
Brasileira de Educação Musical, Porto Alegre; Universidade
Federal do Rio de Janeiro) 2:113–35.
2002a Carlos Gomes, Um Brasileiro. Introduçào à Edição Crítica de
“A Noite do Castelo”, de Carlos Gomes. Rio de Janeiro:
FUNARTE.
2002b A Mágica no Rio de Janeiro (final do século XIX e início do século
XX). Comunicação de Pesquisa apresentada no I Encontro
Anual da Associação Brasileira de Etnomusicologia. Recife.
Ginzburg, Carlo
1989 O Queijo e os Vermes: o cotidiano e as idéias de um moleiro perseguido
pela Inquisiçào. São Paulo: Companhia das Letras.
Hall, Stuart
2002 A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A.
Mattos, Ilmar R.
1986 O tempo Saquarema. São Paulo: Hucitec.
Mencarelli, Fernando Antônio
1999 Cena aberta: a absolvição de um bilontra e o Teatro de Revista de
Arthur Azevedo. Campinas, S.P.: Editora da UNICAMP,
Centro de Pesquisa em História Social da Cultura.
Pavis, Patrice
1999 Dicionário de Teatro, São Paulo: Editora Perspectiva.
Veneziano, Neyde
1996 Não adianta chorar—Teatro de Revista Brasileiro . . . Oba!
Campinas, S.P.: UNICAMP.

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